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CLASSIFICAÇÃO DOS FUNGOS
A classificação dos fungos é feita de acordo com suas características morfológicas e estruturais, presentes tanto na fase vegetativa como na fase reprodutiva do grupo, o que permite que eles sejam agrupados de acordo com certos atributos em comum. Com o advento da genética molecular, estudos sobre evolução e filogenia de diversos grupos de seres vivos têm sido realizados com grande eficiência. eficiênc ia. A biologia molecular tem auxiliado muito os estudos de sistemática do reino Fungi, que é dividido em quatro filos ou divisões: quitridiomicetos (Chytridiomycota), zigomicetos (Zygomycota), (Zygomy cota), ascomicetos (Ascomy (Ascomycota) cota) e basidiomicetos (Basidiomycota). Os quitridiomicetos são considerados sobreviventes atuais de um ancestral que deu origem aos fungos verdadeiros, seguidos, na escala evolutiva, pelos zigomicetos. Os ascomicetos e basidiomicetos compartilham um ancestral comum e representam os descendentes mais recentes na história evolutiva do reino Fungi (Figura 39).
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Figura 39 – Árvore filogenética dos fungos.
É comum encontrar uma divisão do reino Fungi denominada deuteromicetos (Deuteromycota), ainda empregada por diversos autores. Trata-se de um táxon artificial, sem qualquer tipo de base filogenética, e que reúne organismos que descendem principalmente de ascomicetos e basidiomicetos. A divisão Deuteromycota inclui fungos septados que não se reproduzem sexuadamente. São considerados “fungos imperfeitos”, cuja reprodução se dá principalmente por meio da produção de conídios. Pela classificação adotada neste livro, essa divisão não é válida, e seus membros estão inclusos ou no filo Ascomycota ou no Basidiomycota como fungos que não possuem estágios sexuais.
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Divisão Chytridiomycota A característica principal dos integrantes desse filo é a produção dos zoósporos durante a reprodução assexuada, que nada mais são do que esporos móveis constituídos por um único flagelo aderido à porção posterior do esporo. A organização do flagelo é exatamente a mesma encontrada nos eucariotos, sendo essa uma característica biológica bem conservada entre as espécies: nove pares de microtúbulos periféricos e dois pares centrais, com cada microtúbulo constituído por 13 filamentos da proteína tubulina, arran jada de forma circular (Figura 40).
Figura 40 – Organização do flagelo em eucariotos: nove pares de microtúbulos periféricos e dois centrais.
A estrutura somática desses indivíduos é bastante variada com relação à morfologia (Figura 41), e representantes desse filo são encontrados geralmente na água ou no solo. Muitos quitridiomicetos parasitam algas e até mesmo grãos de pólen, além de causarem doenças em alguns animais, como é o caso da quitridiomicose, que afeta os anfíbios. Durante sua fase aquática, muitos desses fungos podem parasitar larvas de pernilongo e, dessa forma, auxiliar no combate de certas doenças, como a dengue.
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Figura 41 – Exemplos de quitridiomicetos. As estruturas filamentosas e globosas representam os fungos, vistos pela microscopia óptica, em aumento de 1000x.
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Divisão Zygomycota Essa divisão inclui fungos com hifas que não possuem septos (cenocíticas), exceto para separar os órgãos sexuais do micélio vegetativo. O nome zigomiceto dado a esse filo significa fungo (mykés) que tem zigoto (zygós = ovo), ou seja, é um nome atribuído à fase sexuada desse grupo, caracterizada pela formação de um zigosporângio . A reprodução sexuada ocorre quando duas hifas complementares se encontram e, no ponto onde elas se tocam, ocorre a dissolução da parede celular e um leve inchamento. Em seguida, diversos núcleos, de ambos os parceiros, migram para essa região, onde septos são formados nas extremidades, delimitando a zona de reprodução. A parede dessa estrutura torna-se espessa novamente, e o zigosporângio é formado. Dentro do zigosporângio ocorre a cariogamia entre os distintos núcleos, seguida por uma meiose que origina os chamados zigósporos. É esse tipo de reprodução que caracteriza os membros desse grupo (Figura 42). Além dessa fase sexuada, os zigomicetos podem se reproduzir assexuadamente por meio da formação de esporangióforos e fragmentação micelial.
Figura 42 – Esquema do ciclo teleomórfico de um zigomiceto.
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São conhecidas cerca de 1.100 espécies de zigomicetos, mas esse é um grupo pouco estudado no Brasil e no mundo. Nesse filo existem representantes que assumem diversos tipos de vida, podendo ser sapróbios, parasitas e mutualistas. Geralmente, os zigomicetos são os primeiros membros a se desenvolver em lugares que contenham fonte de açúcar, e apresentam um crescimento característico bastante rápido. A classe Mucorales é constituída basicamente por organismos sapróbios, que secretam enzimas extracelulares e absorvem matéria orgânica morta. Nessa classe estão inclusos o mofo preto do pão, chamado Rhizopus stolonifer , e o coprófilo Pilobolus, que pode ser visto na Figura 68 no capítulo de aulas práticas. A classe Entomophthorales é composta por parasitas de insetos, de suas larvas e de outros animais, e por isso são bastante visados para o controle biológico de alguns insetos-pragas. Os Glomales abrigam indivíduos mutualistas que estabelecem com as plantas vasculares uma relação de endomicorriza.
Divisão Basidiomycota Os basidiomicetos são classificados de acordo com as estruturas reprodutivas presentes durante sua fase sexuada. Essas estruturas são denominadas de basídios, que são as células onde ocorre a meiose e se formam os basidiósporos, que se caracterizam por não terem nenhum tipo de envoltório e ficam expostos no ambiente. Os basidiomicetos também possuem como característica especial a fase dicárion prolongada, ou seja, eles se constituem por células compostas de dois núcleos cada uma durante muitos ciclos. Tal peculiaridade está relacionada ao ciclo de vida do basidiomiceto, que se resume da seguinte maneira: um basidiósporo haploide germina e origina um micé-
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lio septado monocariótico (um núcleo por segmento). Se duas hifas compatíveis se cruzarem, haverá conjugação e inicia-se o processo de reprodução sexuada. Após a plasmogamia, forma-se um micélio dicariótico. Depois de um bom tempo, corpos de frutificação contendo basídios são formados, surgirão os basidiósporos e o ciclo estará fechado (Figura 43).
Figura 43 – Esquema do ciclo teleomórfico de um basidiomiceto.
Os basidiomicetos são formados por fungos cujas hifas são septadas, e eles são conhecidos popularmente como cogumelos, orelhas-de-pau, fungos gelatinosos, ferrugem e fuligem, perfazendo cerca de 22.250 espécies. Os fungos orelhas-de-pau reúnem cerca de 1.200 espécies, inclusas na ordem Aphyllophorales. Possuem um basidioma característico e são, em sua maioria, lignícolas (Figura 44).
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Figura 44 – Exemplos de fungos orelhas-de-pau.
Os cogumelos são os basidiomicetos mais conhecidos e oferecem um espetáculo de diversidade e belezas desse reino (Figura 45). A ordem Agaricales é constituída pela maior parte dos cogumelos, que, na realidade, são estruturas em que ocorre a reprodução sexuada e que são deno-
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minados basidioma ou corpo de frutificação. O basidioma geralmente possui uma vida efêmera, e seus componentes básicos são o píleo (conhecido como “chapéu”), onde ficam as lamelas, que, por sua vez, abrigam os basídios. A estrutura responsável por erguer e sustentar o píleo é o estipe, também chamado de talo ou haste (Figura 46).
Figura 45 – Exemplos de fungos do tipo cogumelo.
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Figura 46 – Estruturas presentes em basidiomas (o conhecido cogumelo).
Divisão Ascomycota Da mesma forma que os basidiomicetos, os ascomicetos possuem micélio septado, e o que realmente caracteriza esse filo é o tipo de estrutura sexuada que seus representantes produzem, denominadas de ascos. Os ascos são estruturas cilíndricas parecidas com sacos ou bolsas. Quando maduros, produzem os ascósporos, que, diferentemente dos basidiósporos, ficam isolados do ambiente por meio de uma parede protetora. A reprodução sexuada começa por meio da anastomose de hifas compatíveis, formando um indivíduo dicariótico. Assim como nos basidiomicetos, o estado dicariótico ocorre também no ciclo dos ascomicetos, contudo não se caracteriza por ser uma fase tão prolongada. Após a plasmogamia, ocorre a cariogamia, em que os núcleos parentais se misturam, formando um zigoto. O núcleo diploide do zigoto sofre meiose, formando quatro núcleos, os quais, logo em seguida, sofrem divisão mitótica, originando um total de oito ascósporos. Esses esporos ficam todos enfileirados no asco como se fossem ervilhas contidas em uma vagem, e só são liberados dele quando estão maduros Ao encontrarem um local propício para seu desenvolvimento, os ascósporos germinam e originam um micélio haploide , encerrando o ciclo (Figura 47).
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Figura 47 – Esquema do ciclo teleomórfico de um ascomiceto.
Muitos indivíduos da divisão Ascomycota produzem uma estrutura chamada de ascoma, que é resultante do crescimento e diferenciação de hifas dicarióticas. Essas hifas se aglomeram e originam um corpo de frutificação, tal como ocorre na formação do basidioma (Figura 48). O ascoma age como se fosse um pilar que eleva os ascos, fornecendo condições para que eles sejam dispersos com maior eficiência na natureza. Um tipo especial de ascoma é o chamado apotécio, que se caracteriza por expor ao mesmo tempo todos os ascos para o meio ambiente, o que implica a dispersão simultânea dos ascósporos. Outro tipo de ascoma é o peritécio, caracterizado por ter uma abertura estreita que permite que somente uma parte dos ascos seja exposta ao meio, restringindo um pouco a dispersão dos esporos. Esse grupo é formado por fungos conhecidos como morchelas, leveduras, trufas e pela maior parte dos antigos deuteromicetos, reunindo cerca de trinta mil espécies.
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Figura 48 – Estruturas características (ascos) que pertencem a fungos do grupo dos ascomicetos.
Nesse filo encontram-se espécies sapróbias, parasitas de animais e plantas, e também as que vivem em mutualismo com outros organismos. Representantes desse grupo são as leveduras Saccharomyces cerevisiae ; fungos do gênero Penicillium e Aspergillus (Figura 49 e 35);espécies causadoras de micoses humanas, como, por exemplo, Candida albicans e Paracoccidioides brasiliensis; parasitas de insetos,
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como o gênero Beauveria etc. Esse filo também é bastante conhecido por abrigar a maior parte das espécies fúngicas constituinte dos liquens, uma vez que cerca de dez mil espécies pertencentes à divisão Ascomycota participam dessa relação mutualista.
Figura 49 – Penicillium sp. observado ao microscópio óptico, aumento de 400x.