Pós-Graduação a distância Filosoa
Filosoa da Ciência
Profº. Emerson Rocha
Sumário Revoluções científicas e filosofia. .......................................................................... ..........................................................................7 Introdução Introdução ......................................... ..................................................................................... ................................................................... .......................7 O indutivismo............................ indutivismo............................................................. ................................. ................................ ........................ 10 14 O falsificacionismo falsificacionismo ...................................... ................................................................................... ......................................................... ............14
Progresso através de Revoluções: paradigmas de Khun ........................................17 Conhecimento Conhecimento Objetivo ........................................................ ......................................................................................... .................................26 26 Tecnologia, Tecnologia, tecnofilia, tecnofilia, tecnofobia e neutralidade. neutralidade. ...................................... ................................................. ...........29 SOBRE A NEUTRALIDADE NEUTRALIDADE CIENTÍFICA CIENTÍFICA ............................................. ................................................................... ......................34 A responsabilidade responsabilidade da ciência* ..................... ...................... ..................... ...................... ...................... ... 39
Controle social, revolução microeletrônica e digital ............................................... 44 Empresa de transgênicos impede publicação da cartilha ‘ O Olho do Consumidor’ ........................... 48 Milho transgênico transgênico causa alteração em rato ......................................................... ........................ ................................. .................... 50 50 GEOFFREY GEOFFREY LEAN .......................................... ....................................................................................... ......................................................... ............50
DO “INDEPENDENT” “INDEPENDENT” ............................................. .......................................................................................... ................................................ ...50 50 Bibliografia ............................... ................................ ................................. ........................ 54
Os cibercéticos cibercéticos estão na moda ........................................ .............................................................................. ......................................54 Os sonhos de Kepler .............................. ................................ ................................. ............ 56 Espiões por todos os lados: a infiltração nos movimentos sociais .............................. .................. 57 Ano novo, velha batalha ............................... ................................ ................................. ...... 59 Agroecologia pode dobrar produção de de alimentos em 10 anos ........................... ........................ 63
Filosofia da Ciência
Revoluções cientícas e losoa. Introdução O título de nossa disciplina sugere uma questão polêmica e que muito nos interessa, a saber, saber, se existem revoluções – sinônimo de grandes rupturas -, ou se a ciência se desenvolve através do acúmulo de conhecimentos, obtidos através da pesquisa realizada ao longo de gerações. Este é o tipo de debate da Filosoa da Ciência, ramo de investigação sobre o qual nos debruçaremos. Questionamentos sobre o que seja a ciência, como esta se desenvolve, se é possível estabelecer critérios para distinguir esta atividade de outras, qual o papel do método empregado na construção de seus enunciados, entre outras, irão aparecer ao longo desta jornada. Salientamos que isso é bastante diferente do que fazem os cientistas em seus laboratórios. Os debates a respeito da natureza da ciência não se iniciam na atualidade. Como podemos ver no pequeno excerto, o assunto está em pauta desde o mito de Prometeu, levado ao palco em Atenas em V a.c.. a.c .. Prometeu é submetido a terrível sofrimento por ousar despertar na humanidade a curiosidade sobre as coisas do mundo, a capacidade de formular perguntas e buscar insistentemente respostas, de construir e utilizar conhecimento. Não podemos deixar de recordar que, desde sempre, este herói sabe o que lhe aguarda, pois ele conhece o futuro. Dada esta capacidade sobre-humana, podemos armar que sua escolha é muito mais consciente do que qualquer uma das nossas, pois ele conhece a penalidade cruel que terá de enfrentar por ter despertado em nós o amor ao conhecimento.
Prometeu, acorrentado por Hefesto em rochedos situados nos extremos perdidos do mundo. “Aconteceu certo dia... Roubei a semente do fogo e a escondi dentro do oco de uma árvore. Foi esse fogo que entreguei à espécie humana. O fogo serviu para lhe despertar o espírito. Do fogo tiraram todas as artes e o conhecimento. Era o que Zeus não queria. Queria mantê-los bestiais, analfabetos, grosseiros. [...] Graças a mim, os homens se apegaram à vida. Alguns, pelo conhecimento, até mesmo perderam o medo da morte. E inventaram a dignidade, a liberdade e tantos valores. Compreenderam o que isso significa em relação ao poder absoluto pretendido por Zeus? (ÉSQUILO, 2010, p. 2528)
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O tema reaparece, sob outra linguagem, unidade, a analisar um recorte entre outras também em Platão e Aristóteles. Aristóteles possibilidades. dedica-se a investigar o a natureza da Por se tratar de ambiente polifônico, antes episteme (ciência) em confronto com a de mais nada é preciso esclarecer nosso techné (arte em sentido amplo). Muito método de trabalho. Na apresentação das sucintamente, para este pensador grego, a diversas teorias, buscaremos nos manter ciência pode exprimir-se numa linguagem na mesma linha argumentativa que seus e ser ensinada, refere-se ao necessário e proponentes, utilizando exemplos do permite demonstração. O conhecimento mesmo tipo, transcrevendo partes de seus cientíco é verdadeiro, necessariamente, trabalhos, etc. Isso não deve conduzir o pois corresponde a propriedades inerentes e leitor a acreditar que iremos apresentar o caracterizadoras de cada grupo de coisas. método para selecionar o que compõe a O lósofo francês Augusto Comte (1798 “categoria ciência”, um critério único para 1857) é conhecido como fundador do avaliar as realizações humanas na esfera positivismo. Resumidamente, podemos do conhecimento nas mais distintas áreas apresentar o projeto desta escola de de investigação. Não objetivamos fornecer pensamento como o de extensão dos uma “medida” do que é ciência. Nosso métodos cientícos das ciências naturais propósito, bem mais modesto, é oferecer ao ao estudo da sociedade. Para ele, que tinha estudante uma visão geral desta arena de uma visão empirista e evolucionista, todos os debates, proporcionando-lhe as ferramentas ramos do conhecimento passam por estágios básicas para que deles possa participar. Além históricos: teológico, metafísico e cientíco disso, partimos do pressuposto que exista ou positivo. No século XX, o “positivismo um mundo físico além de nós, e um único lógico” dos pensadores reunidos no Círculo mundo. Isso não quer dizer que, diante de Viena teve grande inuência na sociedade, dele, todos tenhamos a mesma experiência e a tendência de estender os métodos das perceptiva. ciências naturais às ciências humanas foi Observamos que, em nossos bastante recorrente. Em contrapartida, para dias, parece haver uma crença bastante pensadores como Habermas, pertencente disseminada de que as ciências sejam á Escola de Frankfurt, as formas mais merecedoras de algum tipo especial de poderosas da dominação humana baseiam-se conança. Podemos encontrar diversos no legado do positivismo. anúncios comerciais onde a superioridade Estamos, de forma muito geral, do produto oferecido é garantida por descortinando o cenário onde iremos comprovações cientícas ou através da adentrar, um rico ambiente polifônico - de palavra de especialistas – os cientistas. Com muitas vozes. Não poderemos esgotar essa “certicação” sugere-se que a questão nem os aspectos relevantes, nem os em debate esteja fora de contestação. temas tratados ou as interpretações Numa rápida pesquisa pela rede mundial de apresentadas num debate que se iniciou e computadores encontramos um exemplo do fecunda a séculos. Nos dedicaremos, nesta que gostaríamos de salientar: [L2] Comentário: Glossário: Doutrina segundo a qual todo conhecimento provém da experiência, limitando-se ao que pode ser captado do mundo externo, pelos sentidos, ou do mundo subjetivo, pela introspecção, sendo geralmente descartadas as verdades reveladas e transcendentes do misticismo ou apriorísticas e inatas do racionalismo (cf. Houaiss)
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[L3] Comentário: Glossário: processo gradativo, progressivo de transformação, de mudança de estado ou condição (cf. Houaiss)
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NOME DO PRODUTO- Benecios para si cienticamente comprovados! Tem imensos benefícios, como evitar enxaquecas, stress, ansiedade e cansaço, baixa os níveis de colesterol, purica o sangue do fígado, cicatriza úlceras, trata as gastrites e regula o funcionamento dos intestinos, inibe a dor, melhorando dores cônicas de artrites, artroses e reumáticas, ajuda a fortalecer, regenerar e revitalizar o cabelo, regenera as células melhorando toda a pele, ativa toda a circulação do corpo, desintoxica o organismo, elimina a retenção de líquidos, contribui para o combate da diabetes, hemorróidas, celulite e problemas da próstata, evita o cansaço das pernas, entre outros. Não é nenhum milagre!
métodos ou resultados das ciências? Estes questionamentos também fazem parte do que abordaremos.
O consumidor teria ao menos 25 patologias diferentes resolvidas com um só produto, tudo isso com a garantia da “comprovação cientíca”. Notemos alguns aspectos interessantes: - Qual é a base de autoridade deste cientista, ou desta ciência? - Por que este depoimento deve ter mais peso em nossas avaliações? - Por que deve-se avisar ao consumidor de que não se trata de um milagre? - Ser milagroso não vende bem ou não é bom? - O status dos milagres sempre foi este? Questões como estas interessam ao debate onde nos inserimos. Ao mesmo tempo, também em nosso cotidiano, podemos encontrar um grande grupo de pessoas que acusam a ciência e os cientistas de uma série de danos á vida humana e ao planeta, como a poluição, as bombas e armas em geral, o isolamento. e distanciamento das pessoas em frente às máquinas, a substituição do encontro verdadeiro pelo virtual, etc. Confrontados com estas duas posições contraditórias, podemos armar que as ciências são um bem ou que são um mal? Estas categorias são adequadas para analisarmos os www.posugf.com.br
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desaada por alguns, recusada ou modicada por outros e será investigada com mais profundidade em outra disciplina deste curso. Iniciemos o primeiro ato.
O indutivismo Bacon (1561-1626) sugeria que para compreender a natureza é a ela que devemos consultar e não aos tratados aristotélicos, a Bíblia ou os escritos dos antigos. Os trabalhos de Galileu (1564-1642) e de Newton (16431727) também sustentaram esta atitude cientíca que colocava a experiência como fonte de conhecimento, lugar antes ocupado pelas obras dos antigos. Desta grande mudança de postura nos restou uma visão do que seja o conhecimento cientíco. “Conhecimento cientíco é conhecimento provado objetivamente”, “opiniões e preferências pessoais não tem lugar na ciência” são algumas das máximas que podemos ouvir em nossos dias e que tem sua origem nesta visão das ciências como “leitura” da natureza. Estas posições serão problematizadas ao longo de nossa investigação. O método proposto por Bacon como alternativa para a construção de conhecimento conável era o método indutivo, que parte da observação para a construção dos conhecimentos cientícos. O método indutivo pode ser sucintamente esquematizado: 2. Leis e teoria
Para Francis Bacon, lósofo reconhecido como um dos primeiros a dedicar-se a articulação do método de pesquisa cientíca, no início do séc. XVII, a meta da ciência é o melhoramento da vida humana na terra. O pensador armava que a coleta de dados, obtidos através de observação cuidadosa, seria a base segura para a construção das teorias cientícas que nos conduziriam ao domínio da natureza, colocando-a a serviço da humanidade de forma a garantirnos conforto A teoria de Bacon tem sido
indução
1.
Fatos observáveis
dedução
3. Previsões e explicações
Para o indutivista, a partir da observação de fatos particulares podemos apreender a regularidade da natureza e enunciar as leis e teorias gerais que a regem. Esse processo, que sai de enunciados particulares e conduz a enunciados gerais, é chamado de indução. O conhecimento cientíco, desta forma,
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é construído através da base segura da observação, de forma crescente, estabelecido pela experimentação. A tarefa de prever e explicar os fenômenos investigados seria cumprida a partir desta leitura de mundo. O fundamento para o enunciado de uma lei ou teoria seria composto de amplo número de observações, efetuadas em situações e condições distintas. Um único caso não é base segura, não se constitui observação suciente. É preciso observar muito para apreender a regularidade da natureza. Além disso, a observação tornase, ela mesma, cada vez mais precisa, com a criação de instrumentos que continuamente a incrementam. Ao mesmo tempo em que nossa capacidade de experimentação aumenta torna-se possível construir leis e teorias sempre de maior escopo, isto é, que nos informam cada vez mais sobre a natureza. A cada conjunto de dados compilados sabemos mais e ampliamos nossa capacidade de elaborar novas perguntas. Para respondê-las criamos mais instrumentos e assim sucessivamente. Desta forma, o conhecimento cientíco cresceria de forma contínua, em conformidade com os dados de observação. Além disso, a observação e o raciocínio indutivo podem ser experimentados por qualquer observador, desde que esta possua o uso normal dos sentidos ou tenha acesso aos instrumentos necessários à tarefa. A fonte da verdade é a experiência, ao invés da lógica, dos livros sagrados ou a palavra dos mestres. É a lógica clássica que nos permite compreender como, de uma lei geral, universal, podemos passar para a previsão e explicação de um caso particular (por dedução). O processo dedutivo, utilizado em nosso esquema para passar da aplicação da lei para a previsão da realidade, tem suas limitações. Um argumento logicamente válido não é necessariamente verdadeiro. Isso não é contraditório, visto que a lógica estuda o
encadeamento interno de nossos enunciados - a forma -, e não sua conformidade com a realidade fora de nós – o conteúdo. Um argumento pode ser logicamente válido e não corresponder a nada no mundo, basta que sua forma/estrutura interna esteja bem construída. Utilizaremos exemplos bastante corriqueiros para ilustrar esta tese, embora saibamos que os enunciados cientícos sejam mais complexos. Passemos a eles: Exemplo A Premissa 1. Todos os cursos de losoa são chatos. Premissa 2. Este curso é de losoa. Conclusão: Este curso é chato. Caso as premissas 1 e 2 sejam verdadeiras, não é possível que a conclusão também não o seja. Há uma contradição entre a verdade das premissas 1 e 2 e a negação da verdade da conclusão. Esta é uma dedução válida (A) – construída solidamente. Desta forma, podemos estar seguros de que, na hipótese de que as premissas sejam verdadeiras a conclusão também o será. Todavia, não nos esqueçamos que a lógica não investiga a verdade, e sim a validade – a forma, a estrutura do enunciado. Vejamos agora o exemplo anterior ligeiramente modicado: Exemplo B Premissa 1. Muitos cursos de losoa são chatos. Premissa 2. Este curso é de losoa. Conclusão: Este curso é chato. Agora temos um argumento inválido (B), pois a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão. Neste segundo exemplo (B) as premissas 1 e 2 podem ser verdadeiras e a conclusão não, pois o curso em questão pode ser um dos “poucos” “não chatos”. Para o indutivista, se as leis gerais forem estabelecidas através da observação e indução, então pode-se deduzir delas a previsão de futuro, como no esquema já
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apresentado. Em outras palavras, para o indutivista as proposições de observação que formam a base da ciência são seguras e conáveis porque sua verdade pode ser averiguada pelo uso direto dos sentidos. Além disso, a conabilidade das proposições de observação será transmitida ás leis e teorias delas derivadas, desde que as condições para as induções legítimas estejam satisfeitas (CHALMERS, 1993, p. 34) Para problematizar a posição indutivista que estamos a descrever, vamos utilizar um argumento que se tornou célebre, exemplo um tanto jocoso criado por Bertrand Russell para apresentar um dos limites da indução. Trata-se do relato das “pesquisas cientícas” de um peru indutivista: Russell, com a pequena historieta do peru indutivista, demonstra como a verdade de muitas observações não fornece elementos sucientes para a previsão de futuro, que é, ao m e ao cabo, o que esperamos da ciência. Os argumentos indutivos não são logicamente válidos. A observação de muitos casos não garante a verdade de nossas conclusões gerais, universais. Podemos observar muitos corvos pretos, em diversas situações, distintas temperaturas, latitudes, épocas do ano, entre outras variáveis. Isso não garante que todos os corvos existentes na natureza sejam pretos. Não há nenhuma contradição em armar que existam corvos de outras cores embora os muitos corvos observados tenham sido sempre pretos. Qualquer enunciado se dá a partir de um número nito de proposições de observação, ao passo que uma armação universal – uma lei cientíca- reivindica um número innito delas. A este tipo de critica os indutivistas já responderam utilizando-se da historia da ciência. As leis da óptica, por exemplo, são derivadas por indução de experimentos de laboratório. Outro exemplo utilizado para demonstrar a aplicabilidade das leis obtidas
através do processo de indução é o das leis do movimento planetário, obtidas através da observação de posições planetárias e que tem sido utilizados com sucesso para prever a ocorrência de eclipses. Em outras palavras, o indutivista alega que, como o princípio da indução foi bem sucedido em certo número de casos ele está justicado. No entanto, David Hume, no século XVIII, notou que a argumentação acima é inaceitável pois utiliza o princípio da indução para justicar a própria indução. É o que chamamos de argumento circular: o processo indutivo foi ecaz em vários casos observados, logo ele é, por indução, elevado á categoria de regra geral (reivindicando validade universal). Podemos destacar ainda outra categoria de objeção, também bastante recorrente na história da losoa. Notamos uma variabilidade dos sentidos entre os observadores. O mesmo café pode parecer doce para um paladar e sem açúcar para outro sem que, por isso, exista qualquer contradição. Dois observadores, diante da mesma obra colorida, podem perceber suas cores com nuances diferentes, dependendo de sua cultura, da constituição de seus olhos, etc. Para os esquimós existem várias cores diferentes naquilo que nós identicamos como “branco”. Diante do mesmo objeto, observadores brasileiros chamariam de “branco” – agrupando num mesmo conjuntoo que para aqueles representaria um conjunto de cores diferentes. Estas objeções também foram respondidas. Os indutivistas alegam que, na atualidade, com o desenvolvimento de um instrumental cada vez mais especializado, não utilizamos mais somente nossos sentidos para caracterizar a natureza. Tomemos como exemplo as cores. As cores (luz visível) podem ser medidas no espectro etetromagnético, entre aproximadamente 400nm e 700nm. O nanometro (nm) é uma unidade de medida utilizada para grandezas muito pequenas. Desta forma, para denir qual é a cor do objeto, ao invés
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da variabilidade das sensações humanas, o que o cientista utiliza é a medida obtida num espectro eletromagnético, que não é variável segundo a constituição dos olhos, gostos ou padrões culturais dos cientistas. Outra categoria de questões se coloca. Qual é o número de observações necessárias para que possamos induzir uma lei? Quais são as variedades de circunstâncias em que devemos efetuar nossos experimentos? Um grande número é constituído de dez, cem, mil ou um milhão de casos? Se pensarmos na experiência do lançamento das bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, quantos casos são necessários para que possamos, de forma segura, concluir algo a respeito dos eventos? Alguém poderia sugerir que experimentos como estes fossem repetidos diversas vezes, que bombardeássemos outras cidades, umas mais outras menos populosas, em diferentes latitudes, na primavera e no outono? Quantas vezes um indutivista deverá queimar-se antes de concluir que o fogo fere a pele?
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Como se isso não bastasse, no registro de uma observação, precisamos excluir o que é irrelevante pois, de outra forma, nos poríamos a registrar innito número de dados. O problema que se coloca, neste caso, é que em nossa escolha do que é relevante em nossos experimentos está embutida uma teoria, algo que o indutivista não pode aceitar. Analisaremos um exemplo retirado dos laboratórios, portanto diferentes dos exemplos um tanto simplórios que utilizamos até aqui. Heinrich Hertz, físico alemão, em 1888 testava a teoria eletromagnética de Maxwell para ver se produzia as ondas de rádio previstas teoricamente. O indutivista alegaria que o pesquisador deveria agir sem preconceitos, isto é, sem nenhuma interferência de suas preferências, crenças, hábitos ou teoria. Desta forma, Hertz precisaria registrar, além dos resultados de seus medidores e instrumentos, também suas cores e dimensões, sua textura, o tamanho e a cor dos sapatos e cabelos do próprio pesquisador, sua altura e peso, o tipo de material que compunha sua vestimenta, os dados metereológicos de cada momento, o cardápio consumido na refeição anterior a cada teste, a cor das paredes do laboratório, o número de janelas, enm, uma série inndável de elementos. Na prática, como nem todos os dados pareciam relevantes para a comprovação da teoria de Maxwell, não foi isso que fez Hertz, para não perder seu tempo. Ao nal, o pesquisador deparou-se com um problema que não podia resolver, pois as medições da velocidade de suas ondas de rádio eram diferentes da velocidade da luz – ao contrário do que propunha a teoria de Maxwell. Somente após a morte do pesquisador alemão o problema foi resolvido: as ondas de rádio emitidas em seu aparelho reetiam nas paredes do laboratório e retornavam ao medidor, interferindo no resultado. As dimensões do laboratório eram absolutamente relevantes para aquele
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experimento especíco, e foram descartadas
como irrelevantes.
sustentava que crenças em leis e teorias nada mais são que hábitos psicológicos que adquirimos como resultado de repetições das observações relevantes. (CHALMERS, 1993, p. 43) Outras respostas aos problemas da indução foram apresentadas, e destacamos a proposta elaborada pelos falsicacionistas, sua negativa de que a ciência se baseie em processos de indução bem como deste status proposto por Hume.
O falsicacionismo Heinrich Hertz, físico alemão e o oscilador linear utilizado para testar a teoria de ondas. Imagens: numismatas.com e eletromagnetismoifes.blogspot.com
Isso demonstra que, para escolher quais dados são relevantes, em cada situação, somos dependentes de uma teoria. No limite, além do fato de que o registro de uma innidade de dados não gera necessariamente conhecimento, sua prática é implausível, podendo inviabilizar o experimento. O cientista, quando vai a campo, vai testar eventos previamente selecionados. Seus registros estarão focados naquele aspecto especíco que foi investigar. Escolher o que é relevante exige alguma teoria. As teorias, incompletas e falíveis, várias vezes ofereceram orientações falsas. Entretanto, o enfrentamento destas lacunas ocorreu através do aperfeiçoamento das teorias e não pelo registro de uma innidade de dados. Podemos encontrar outras respostas que foram elaboradas para responder a estas objeções. Uma delas é a opção cética de David Hume, apresentada por Chalmers: Podemos aceitar que a ciência se baseia na indução e aceitar também a demonstração de Hume de que a ciência não pode ser justicada por apelo à lógica ou a experiência, e concluir que a ciência não pode ser justicada racionalmente. O próprio Hume adotou uma posição deste tipo. Ele
Um falsicacionista assume, sem problemas, que toda observação pressupõe uma teoria e é por ela orientada, e que não é possível estabelecer a verdade ou falsidade de uma teoria a partir de observações. Além disso, reconhecem a ciência como criação, invenção humana construída para descrever a realidade, elaborada para que possamos compreendê-la. Armam ainda que toda teoria é uma conjectura virtualmente provisória, sempre sujeita a reformulações. “O falsicacionista vê a ciência como um conjunto de hipóteses que são experimentalmente propostas com a nalidade de descrever ou explicar acuradamente o comportamento de algum aspecto do mundo ou do universo. Todavia, nem toda hipótese fará isto” (CHALMERS, 1993, p. 65) ressalta Chalmers. Os falsicacionistas propõem um critério de demarcação entre o que é ciência e o que não é. Para eles, “há uma condição fundamental que toda hipótese ou sistema de hipóteses deve satisfazer para ter garantido o status de lei ou teoria cientíca. Para fazer parte da ciência, uma hipótese deve ser falsicável ” (CHALMERS, 1993, p. 66) explica o comentador. Para compreendermos como funciona este critério vamos vericar o que é ser “uma hipótese falsicável”. Vamos recorrer a alguns exemplos:
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Sou alimentado todos os dias as 09h da manhã. Nunca neva ás sextas-feiras Sou alimentado às 9h ou não. O triângulo é uma gura geométrica que ocupa o espaço interno limitado por três linhas retas que concorrem, duas a duas, em três pontos diferentes formando três lados e três ângulos internos que somam 180°. O enunciado 1 é uma clara lembrança de nosso peru indutivista, aquele que foi degolado na véspera de Natal. Trata-se de um enunciado falsicável, pois o personagem em questão pode ser alimentado em outro horário, não ser alimentado em nenhum horário e mesmo ser degolado. Em outras palavras, o enunciado pode ser corroborado ou refutado. Pelas mesmas razões a armação 3 não é falsicável, pois em qualquer das hipóteses ela estaria correta – o enunciado não pode ser refutado. A segunda armação é falsicável: basta nevar numa sexta-feira para que a falsicação se dê. Trata-se, no entanto, de uma armação falsa. Sabemos que as condições necessárias para que aconteça o evento “nevar” não incluem o dia da semana, desde que as condições climáticas se apresentem. A proposição 4 não é falsicável pois trata-se da denição da gura geométrica, denições não são falsicáveis. Teorias vagas e indenidas não podem ser falsicadas pois podem ser tomadas como compatíveis quaisquer que sejam os resultados dos experimentos observados. Por outro lado, é falsicada a proposição que, confrontada com a observação ou a possibilidade dela, mostre-se inconsistente, falsa. Para um falsicacionista, quanto maior o estofo de uma teoria melhor ela é, pois mais falsicável torna-se. Em outras palavras, enunciados que são mais amplos e claros são falsicáveis mais facilmente, por esta mesma razão preferíveis. Enunciados mais restritos, que são menos informativos, são proporcionalmente menos falsicáveis.
Passemos a palavra a Karl Popper, lósofo de origem austríaca, naturalizado britânico, importante representante desta escola de pensadores:
Fonte da imagem: http://polegaropositor.com.br
Essa é uma concepção de ciência que considera a abordagem crítica sua característica mais importante. Para avaliar uma teoria o cientista deve indagar se pode ser criticada, se expõe a críticas de todos os tipos e, em caso armativo, se resiste a essas críticas (POPPER, 1982, p. 284). Para Popper a psicanálise e o marxismo não podem ser falsicáveis e, por esta razão, não devem ser consideradas como teorias cientícas. Vejamos como o autor apresenta sua crítica ao que ele considera pseudociência: Um marxista não era capaz de olhar para um jornal sem encontrar em todas as páginas, desde os artigos de fundo até os anúncios, provas que consistiam em vericações da luta de classes; e encontrálas-ia sempre também (e em especial) naquilo que o jornal não dizia. E um psicanalista, fosse ele freudiano ou adleriano, diria sem dúvida que todos os dias, ou até de hora em hora, estava a ver as suas teorias vericadas por observações clínicas (POPPER, 1987, p. 180). Segundo este pensador, a ciência se desenvolve através da proposição de hipóteses altamente falsicáveis, seguida do esforço em falsicá-las. Se a teoria persiste ao teste, perdura; se falha, deverá
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ser substituída por outra. A ciência, desta forma, progrediria através deste exercício de tentativa e erro. Embora nunca se possa dizer que uma teoria seja verdadeira, podese armar que ela tem resistido mais e melhor aos testes falsicacionistas que suas antecessoras, representando, por esta razão, um progresso se comparado a elas. Quanto mais a ciência progride, mais falsicáveis são suas teorias, pois a cada mudança estas devem dizer mais sobre os temas propostos. Há ainda mais uma característica desta maneira de compreender a ciência que devemos ressaltar. Para Popper, se uma teoria que é amplamente aceita for falsicada, ganha-se muito, pois um conhecimento tido como não problemático foi trazido á baila, mostrou suas limitações podendo, a partir disso, ser superada. Da mesma forma, a falsicação de uma teoria muito audaciosa renderá pouco conhecimento. Analogamente, uma conjectura audaciosa, se conrmada, representará grande avanço do desenvolvimento cientíco, pois falsicará conhecimentos estabelecidos como seguros até aquela etapa, podendo sedimentar uma nova proposta explicativa. O método falsicacionista pode ser entendido como o de uma comparação e competição entre teorias, todas elas concorrendo na tentativa de explicar as coisas que existem de fato, as novas teorias contendo as anteriores. Um problema se coloca diante de nossos olhos. Se a ciência se desenvolvesse segundo esta proposta, as teorias que vigoram hoje teriam sido abandonadas há tempos, substituídas por hipóteses diferentes. Parece que a tese falsicacionista não passa pelo crivo da história da ciência. As teorias cientícas têm sido, na prática, protegidas por seus adeptos – os cientistas - de diferentes maneiras. Passemos a alguns exemplos: “Nos primeiros anos de sua vida, a teoria gravitacional de Newton foi falsicada por observações da órbita lunar. Levou quase cinqüenta anos para que essa falsicação fosse desviada para outras causas que não a
teoria de Newton” (CHALMERS, 1993, p. 97) e, nem por isso, a teoria foi abandonada ou substituída. A teoria copernicana, anterior a de Newton, também fora falsicada de diversas formas. Tomemos como exemplo as objeções apresentadas à teoria copernicana a partir de argumentos mecânicos, todas elas fundamentadas numa visão aristotélica de movimento. Nem Copérnico nem seus adeptos podiam explicar estas objeções, pois eles também estavam mergulhados na mesma tradição cientíca que seus opositores. Com isso queremos dizer que os copernicanos, na mecânica, não possuíam outra teoria além da aristotélica. A partir da teoria aristotélica do movimento, somando-se a teoria copernicana de uma Terra móvel fora do centro do universo, girando ao redor do sol, os copernicanos não podiam explicar questões como: objetos soltos sobre a superfície da Terra que não “giravam” nem “caíam” do planeta; a Terra girando ao redor do sol e não deixando a lua para trás; objetos sendo atirados do alto de uma torre e não caindo longe da base da torre, entre outras. Todas estas objeções se amparavam na teoria disponível para explicar o movimento dos corpos – aristotélica. Não vamos estudar detalhadamente nem a teoria aristotélica nem cada uma destas objeções. Basta-nos, nesta etapa de nossas investigações, saber que as objeções eram fortes, podiam ser observadas e não foram respondidas. Nem por isso a teoria copernicana foi abandonada ou substituída. Foi necessário mais de um século até que Galileu, a partir dos resultados das observações efetuadas através de seus telescópios, apresentasse uma nova mecânica, respondendo às falsicações levantadas contra a teoria copernicana. A teoria falsicada (copernicana) perdurou por mais de 100 anos antes que uma nova mecânica pudesse explicar aquilo que não se poderia compreender à luz de uma
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mecânica baseada nos pressupostos aceitos anteriormente. Qual era o atrativo da teoria copernicana em relação à aristotélica? De forma bastante geral, podemos armar que a teoria copernicana transformava em eventos naturais, previsíveis, movimentos que a teoria anterior não podia explicar, sendo forçada a recorrer a diversos arranjos articiais para adaptar-se aos casos observáveis. A teoria copernicana oferecia simplicidade. Pode parecer pouco, mas a teoria copernicana não foi descartada. Mesmo sendo falsicada, foi acolhida pelos cientistas, perdurou e foi o solo de onde outros erigiram suas teses, garantindo o progresso da ciência. O que não podia ser testado numa época, em razão da ausência de teorias e de instrumentos para tal, pôde ser demonstrado posteriormente. Além de Galileu, Kepler também contribuiu para sanar várias objeções que Copérnico não pôde responder. Newton erigiu sua física tendo como base as teorias de Copérnico, Galileu e Kepler. Além destes, outros muitos cientistas trabalharam por este longo período. Experimentando, cuidadosa e perseverantemente, estes personagens foram completando as lacunas existentes – as falsicações. Parece-nos que, neste caso, demonstramos que o desenvolvimento da ciência não foi pelo caminho sugerido pelo falsicacionismo. Na época em que a ideia de Copérnico havia sido concretizada, a visão de um mundo aristotélico fora substituída pela newtoniana. Os detalhes da história desta importante mudança de teoria, uma mudança que ocorreu durante um século e meio, não dão apoio às metodologias defendidas pelos indutivistas e falsicacionistas, e indicam uma necessidade de explicação da ciência e de seu crescimento diferente, mais complexamente estruturada. (CHALMERS, 1993, p. 99) Vimos que, para Popper, é importante estabelecer um critério de demarcação entre o que é ciência e o que não é. Como instrumento para efetuar esta tarefa, o
autor oferece-nos o falsicacionismo, com o qual sustenta que para ser ciência é preciso ser falsicável. Além disso, o conceito de progresso na ciência é central nesta interpretação, isto é, a visão de que a ciência é o conjunto de teorias, experimentos, métodos, acumulados gradativamente, que são reunidos, registrados e transmitidos. Os cientistas seriam aqueles que se empenhariam na construção deste arcabouço, com seus avanços e obstáculos. Este conceito de ciência se contrapõe ao de revoluções cientícas, como veremos a seguir.
Progresso através de Revoluções: paradigmas de Khun Chegamos à polêmica anunciada já no título de nosso curso. A ciência se desenvolve através de um processo contínuo, como propõem os falsicacionistas, ou através de rupturas, como propõe Thomas Khun? Fonte da imagem: www.cerebro.net.br
O próprio Kuhn nos apresenta o que ele chama de Revolução Cientíca: Quando os membros da prossão não podem mais esquivar-se das anomalias que subvertem a tradição existente da prática cientíca – então começam as investigações extraordinárias que nalmente conduzem a prossão a um novo conjunto de compromissos, a uma nova base para a prática da ciência [...] são denominadas revoluções cientícas os episódios extraordinários nos quais ocorre essa alteração de compromissos prossionais. As revoluções cientícas são os complementos desintegradores da tradição á
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qual a atividade da ciência normal está ligada (KUHN, 2001, p. 25) Na obra A estrutura das Revoluções Cientícas, Kunh nos apresenta uma descrição do desenvolvimento cientíco com exemplos saídos dos laboratórios dos cientistas. Com isso, pretende demonstrar a desintegração e o abandono do anteriormente estabelecimento e o fortalecimento de algo diferente, o surgimento de outra base a partir de onde se desenvolverão as pesquisas cientícas. O autor arma, referindo-se à Copérnico, Newton, Lavoisier e Einstein: Cada um deles forçou a comunidade a rejeitar a teoria cientíca anteriormente aceita em favor de uma outra incompatível com aquela. Como consequência, cada um destes episódios produziu uma alteração nos problemas à disposição do escrutínio cientíco e nos padrões pelos quais a prossão determinava o que deveria ser considerado como um problema ou como uma solução de um problema legítimo. (KUHN, 2001, p. 25) Segundo Kuhn, “ciência normal signica a pesquisa rmemente baseada em uma ou mais realizações cientícas passadas” (KUHN, 2001, p. 30), em outras palavras, os trabalhos cientícos tradicionalmente aceitos, numa determinada época, que estabelecem métodos e problemas relevantes a serem escrutinados. Desta forma, a legitimidade de um problema caria ligada a uma determinada etapa do desenvolvimento histórico da referida comunidade cientíca. Os métodos e os temas propostos em A Física, de Aristóteles, o Almagesto, de Ptolomeu ou a Química de Lavoisier, por exemplo, foram clássicos em determinadas épocas, estabelecendo como prioritárias questões diferenciadas, com métodos e técnicas que lhes correspondiam, disponibilizados em manuais para serem apreendidos pelos novos integrantes daquelas comunidades cientícas. Isso foi possível pois Aristóteles, Ptolomeu e Lavoisier propuseram algo que tinha
potencial para atrair adeptos – outros cientistas, afastando-os de outras linhas de pesquisa. Além disso, suas teorias deixavam muitas questões em aberto, terreno para o labor dos novos associados. São exemplos reais, que chamamos de tradição ptolomaica ou copernicana, e que Kuhn designará como ciência normal . Isso inclui “lei, teoria, aplicação e instrumentação” (KUHN, 2001, p. 30), conjunto que o autor irá designar como um paradigma. Desta forma, para tornar-se um cientista, os homens estudariam um determinado paradigma, oferecido pela comunidade cientíca para os estudantes. O acordo declarado está forjado entre os que aprenderam a base de seu campo de atuação estabelecida sobre os mesmos pressupostos, embora estes pressupostos tenham variado ao longo da história. Em outras palavras, as pesquisas se desenvolvem a partir do que ensinam os manuais, a tradição. “Homens cuja pesquisa está baseada em paradigmas compartilhados estão comprometidos com as mesmas regras e padrões para a prática cientíca” (KUHN, 2001, p. 30), esclarece Kuhn. Segundo Kuhn, um paradigma se construiria paulatinamente, surgindo após o transcorrer de determinadas etapas. Haveria um período antecedente à formação de um novo paradigma, chamado de período précientíco. Nesta fase, um bom número de escolas competiriam entre si, cada uma amparada em uma metafísica diferente. Embora o campo de investigação destas escolas seja o mesmo (por exemplo a óptica ou a mecânica), cada uma delas enfatizaria um determinado conjunto de fenômenos, escolhendo as observações e experiências em consonância com o que sua teoria pode explicar melhor. A história da pesquisa elétrica na primeira metade do século XVIII proporciona um exemplo mais concreto e melhor conhecido da maneira como uma ciência se desenvolve antes de adquirir seu primeiro paradigma universalmente aceito. Durante aquele
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período houve quase tantas concepções sobre a natureza da eletricidade como experimentadores importantes nesse campo, homens como Hauksbee, Gray, Desaguliers, Du Fay, Nollet, Watson, Franklin e outros. Todos os seus numerosos conceitos de eletricidade tinham algo em comum – eram parcialmente derivados de uma ou outra teoria versão da losoa mecânicocorpuscular que orientava a pesquisa cientíca da época. Além disso, eram todos componentes de teorias cientícas reais, teorias que tinham sido parcialmente extraídas de experiências e observações e que determinavam em parte a escolha e a interpretação de problemas adicionais enfrentados pela pesquisa. (KUHN, 2001, p. 33) Todos estes grupos diferentes, que se autodenominavam “eletricistas”, enfrentavam problemas que não podiam resolver com a teoria de que dispunham. Todos eles conheciam os trabalhos dos outros e, por esta razão, postergavam ao máximo o enfrentamento das questões que não podiam solucionar a partir de sua escolha teórica. Cada um deles elegia como fundamental um fenômeno entre os que eram observáveis. Num grupo o fenômeno elétrico fundamental a ser compreendido era a atração e a geração por fricção, no outro a atração e repulsão, ou ainda os efeitos da condução da eletricidade. Nenhum grupo conseguia avançar muito. Este cenário permaneceu até a apresentação dos trabalhos de Franklin, que considerava a eletricidade como uido. Surge “uma teoria capaz de dar conta, com quase igual facilidade, de aproximadamente todos esses efeitos. Em vista disso essa teoria podia e de fato realmente proporcionou um paradigma comum para a pesquisa de uma geração subseqüente de eletricistas” (KUHN, 2001, p. 35). Lembremo-nos que este momento é o da pré-ciência. Antes da existência de um paradigma, a própria coleta de dados apresenta-se de forma desordenada, casual, uma compilação de fatos observáveis. Tudo
pode parecer relevante, ou não. Sempre há pressupostos, algumas vezes teóricos, noutras metafísicos. O mesmo fenômeno particular, visto por homens diferentes, é descrito de formas também diferentes. Não há, nesta etapa, um modelo de conduta que possa uniformizar e hierarquizar as informações coletadas. “Quase nenhuma das primeiras histórias da eletricidade mencionam que o farelo, atraído por um bastão de vidro coberto de borracha, é repelido novamente. Esse efeito parecia mecânico e não elétrico” (KUHN, p. 37), ilustra o autor. O triunfo de uma das escolas está relacionado à capacidade de sua teoria em oferecer melhores respostas a uma gama maior de fenômenos, embora não possa explicar todos eles. Isto quer dizer que a teoria não poderá explicar todos os fatos com os quais será confrontada mas, mesmo assim, como mostra-se melhor que as outras, será aceita como um paradigma por toda a comunidade cientíca.
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Segundo Thomas Kuhn: Pré- ciência: ausência de um paradigma – coleta de dados desordenada, muitas escolas compartilhando seus trabalhos.
Ciência Normal: há paradigma aceito pela comunidade científica – suposições teóricas gerais, leis e técnicas para sua aplicação
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Os cientistas normais vão trabalhar, dentro do paradigma, para explicar aspectos importantes observados na natureza. Os paradigmas oferecerão meios para solucionar problemas propostos em seu interior, embora contendo anomalias. Além disso, os cientistas não irão questionar o paradigma em que trabalham. Com o paradigma, a comunidade cientíca não precisa mais justicar o uso dos conceitos, nem enunciar a cada vez seus primeiros princípios. Tudo isso estará acordado pois são elementos que compõem o paradigma, e, assim, cada um pode seguir a partir do ponto em que outros pararam. Além de oferecer leis e suposições teóricas para orientar o trabalho dos pesquisadores da comunidade, as maneiras de sua aplicação em variadas situações, os instrumentos e técnicas para nortear as investigações futuras, um paradigma possui princípios metafísicos gerais. Num paradigma (cartesiano) nega-se a existência de vácuo, num outro (Maxwell) a eletricidade é composta de corpúsculos mecânicos, etc. Nesta etapa do desenvolvimento cientíco, as publicações dos resultados das pesquisas apresentam-se cada vez mais restritas a especialistas, pois estes compartilham o mesmo paradigma. Ao contrário, no período de pré-ciência, cada escola compartilhava seus trabalhos com as outras e as publicações eram dirigidas a todos os possíveis interessados no assunto. Na ciência normal, para Kuhn, as publicações cientícas tornam-se, naturalmente, cada vez mais esotéricas.
Legenda: Nanotecnologia http://marianeconhecimentos.blogspot. com/2010/09/nanotecnologia.html, sejabemvindoagoodnews.blogspot.com, tecnologia. culturamix.com
Dentro de um paradigma, os cientistas investigam a natureza com mais profundidade, cada vez mais detalhada e minuciosamente. Segundo Kuhn, a ciência normal constituise especialmente de três classes de problemas: 1. Determinar o que é signicativo, o que é especialmente revelador da natureza 2. Harmonizar os fatos com a teoria, articulando experimentos e paradigma 3. Articular a própria teoria
[L13] Comentário: Glossário:
ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado de ouvintes, compreensível apenas para poucos, acessível somente aos especialistas)
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Fonte imagem : http://historiaebiblia.blogspot. com/2011/01/quebra-cabeca.html
O autor sugere ainda que a ciência normal seja como a atividade de montar um quebracabeças na busca de solucionar problemas conceituais, matemáticos, criar instrumentos para demonstrar o m previsto, etc. Desta forma, a comunidade cientíca aumentaria o alcance e a precisão com os quais o paradigma pode ser aplicado. Para Kuhn “o critério que estabelece a qualidade de um bom quebra-cabeça nada tem a ver com o fato de seu resultado ser intrinsecamente interessante ou importante”, pois “o valor intrínseco não é critério para um quebra-cabeça. Já a certeza de que este possui uma solução pode ser considerado como tal” (KUHN, 2001, p. 59-60). A cura para as doenças ou a paz mundial, por exemplo, não são considerados quebracabeças. Não temos a certeza de que possam ser solucionados, embora o valor intrínseco de ambas as questões seja enorme. Segundo Kuhn, existe também a possibilidade de que estas duas questões nem tenham solução. Mais ainda, um paradigma pode até mesmo afastar uma comunidade daqueles problemas sociais relevantes que não são redutíveis à forma de quebra-cabeça, pois não podem ser enunciados nos termos compatíveis com os instrumentos e conceitos proporcionados pelo paradigma. Tais problemas podem constituirse numa distração para os cientistas [...] uma das razões pelas quais a ciência normal parece progredir tão rapidamente é a de que seus praticantes concentram-se em problemas que somente sua falta de engenho
pode impedir de resolver (KUHN, 2001, p. 60) Isso não exclui a possibilidade de que o empreendimento cientíco seja útil para solucionar problemas sociais. Kuhn destaca que esta não é a motivação da comunidade cientíca, que “o que incita” o cientista “é a convicção de que se for sucientemente habilidoso, conseguirá solucionar um quebracabeça que ninguém até então resolveu ou, pelo menos, não resolveu tão bem” (KUHN, 2001, p.61). Depois da assimilação de cada uma das descobertas, efetuadas dentro de um paradigma, aumentam as possibilidades de previsão de futuro, solapando crenças estabelecidas, substituindo procedimentos. Por essa razão, um paradigma tem, ao mesmo tempo, um caráter construtivo e um destrutivo. Á medida em que avança a ciência normal surgem problemas cada vez mais extraordinários. Orientado por um paradigma, os cientistas irão se empenhar em suas resoluções. Muitas vezes, estes problemas levam ao abandono do mesmo, o que caracteriza um período pré-revolucionário. Vejamos mais detalhadamente. Os cientistas trabalham numa determinada área dentro de um paradigma. Eles o conheceram através de sua educação cientíca e nem estão conscientes da natureza precisa do paradigma em que trabalham, visto que se dedicam a resolver problemas bastante esotéricos. Fracassos ocorrem, embora enigmas não resolvidos não conduzam de imediato ao abandono do paradigma, como vimos. Então, quando o número de anomalias sérias cresce, inicia-se um período de “insegurança prossional”. Nas palavras do autor, “o fracasso das regras existentes é o prelúdio para uma busca de novas regras” (KUHN, 2001, p.95). Ao fracasso técnico,
[L14]Comentário: Glossário: inerente,
que é próprio de algo, que faz parte de ou que constitui a essência, a natureza de algo (cf. Houaiss)
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embora secundariamente, somam-se outros fatores de origem sociais e históricos. Quando o quebra-cabeça apresenta muitas peças que não podem ser encaixadas, questões que não podem ser explicadas a partir do paradigma se acumulam. Rearranjos são elaborados para salvar o paradigma até o momento em que o peso destes torna-se insustentável: as discrepâncias corrigidas num ponto retornam num outro. Desta forma, muitas teorias tornam-se necessárias para responder aos problemas levando o cenário a se assemelhar ao do período de pré-ciência. Neste cenário, a nova teoria surge a partir do fracasso da anterior em solucionar os problemas que subsistem após várias tentativas, dentro do paradigma, de resolvê-lo. As crises demonstram que chegou a hora de renovar os instrumentos disponíveis até então. “Na manufatura – como na ciência – a produção de novos instrumentos é uma extravagância reservada para as ocasiões que o exigem” arma o autor, pois “o signicado das crises consiste exatamente no fato que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos”. (KUHN, 2001, p. 105) Não poderíamos perder a provocação que Chalmers nos endereça, sobre este momento de ruptura de um antigo paradigma e orescimento de outro: Uma revolução cientíca corresponde ao abandono de um paradigma e adoção de um novo, não por um único cientista somente, mas pela comunidade cientíca relevante como um todo. [...] Para que a revolução seja bem sucedida, este deslocamento deverá, então, difundir-se de modo a incluir a maioria da comunidade cientíca relevante, deixando apenas uns poucos dissidentes que se refugiarão, talvez, no departamento de losoa. De qualquer forma, eles provavelmente morrerão. (CHALMERS, 1993, p. 133)
Chegou a hora de ampliarmos o quadro da teoria de evolução cientíca segundo
Thomas Kuhn: .
Pré- ciência: ausência de um paradigma – coleta de dados desordenada, muitas escolas compartilhando seus trabalhos.
Ciência Normal:há paradigma aceito pela comunidade científica – suposições teóricas gerais, métodos e técnicas para sua aplicação
Novo paradigma: ciência normal
Período de Crise-Revolução: abandono de um paradigma pelos membros da comunidade científica e sua substituição por outro
Crise-revolução
E assim sucessivamente... O progresso cientíco apresentado a partir deste modelo de revoluções é antagônico ao relato de progresso cumulativo apresentado pelos indutivistas e falsicacionistas.
Fonte da imagem: http://sociotecno7. wordpress.com
Podemos perceber que paradigmas rivais irão destacar, como relevantes, questões diferenciadas. Por isso implicarão em pesquisas e resultados distintos, muitas vezes incompatíveis. Isso ocorrerá pelo fato de que a maneira que um cientista vê um aspecto da natureza estará ligada ao paradigma em que ele foi formado, no qual desenvolve suas pesquisas.
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Além disso, a adesão da comunidade cientíca a um ou outro paradigma, além destas questões técnicas, envolve uma série de fatores: a simplicidade da resposta as questões marcadas como fulcrais, suas necessidades sociais, motivos religiosos, etc. Não há uma prova lógica da superioridade de um paradigma sobre outro, ainda mais porque cada um deve ser julgado a partir de suas próprias premissas. Mesmo assim, o autor compara as revoluções cientícas às revoluções políticas. As razões para esta metáfora serão apresentadas pelo próprio Thomas Kuhn: [...] consideramos revoluções cientícas aqueles episódios de desenvolvimento nãocumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior. Contudo, há muito mais a ser dito e uma parte essencial pode ser induzida através de mais uma pergunta. Por que chamar de revolução uma mudança de paradigma? Face às grandes e essenciais diferenças que separam o desenvolvimento político do cientíco, que paralelismo poderá justicar a metáfora que encontra revoluções em ambos? A esta altura um dos aspectos do paralelismo já deve ser visível. As revoluções políticas iniciam-se com um sentimento crescente, com frequência restrito a um segmento da comunidade política, de que as instituições existentes deixaram de responder adequadamente aos problemas postos por um meio que ajudaram em parte a criar. De forma muito semelhante, as revoluções cientícas iniciam-se com um sentimento crescente, também seguidamente restrito a uma pequena subdivisão da comunidade cientíca, de que o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza cuja a exploração fora anteriormente dirigida pelo paradigma. Tanto no desenvolvimento político quanto no cientíco, o sentimento de funcionamento defeituoso, que pode levar à crise, é um pré-requisito para a revolução.
Além disso, embora este paralelismo evidentemente force a metáfora, é válido não apenas para mudanças importantes de paradigma, tais como as que podemos atribuir a Copérnico e Lavoisier, mais também para as bem menos importantes associadas com a assimilação de um novo tipo de fenômeno, como o oxigênio ou os raios X. [...] Para observadores externos, podem parecer etapas normais de um processo de desenvolvimento, tal como as revoluções balcânicas no começo do século XX. Os astrônomos, por exemplo, podiam aceitar os raios X como uma simples adição ao conhecimento, pois seus paradigmas não foram afetados pela existência de uma nova radiação. Mas para homens como Kelvin, Crookes e Roentgen, cujas pesquisas tratavam da teoria da radiação ou dos tubos de raios catódicos, o surgimento dos raios X violou inevitavelmente um paradigma ao criar outro. É por isso que tais raios somente poderiam ter sido descobertos através da percepção de que algo não andava bem na pesquisa normal. Esse aspecto genético do paralelo entre o desenvolvimento cientíco e o político não deveria deixar maiores dúvidas. Contudo, o paralelo possui um segundo aspecto, mais profundo, do qual depende o signicado do primeiro. As revoluções políticas visam realizar mudanças nas instituições políticas, mudanças estas proibidas pelas mesmas instituições que se quer mudar. Consequentemente seu êxito requer o abandono parcial de um conjunto de instituições em favor de outro. E, neste ínterim, a sociedade não é integralmente governada por nenhuma instituição. De início, é somente a crise que atenua o papel das instituições políticas, do mesmo modo que atenua o papel dos paradigmas. Em números crescentes os indivíduos alheiam-se cada vez mais da vida política e comportam-se sempre mais excentricamente no interior dela. Então, na medida em que a crise se aprofunda, muitos destes indivíduos comprometem-
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se com algum projeto concreto para a reconstrução da sociedade de acordo com uma nova estrutura institucional. A esta altura, a sociedade está dividida em campos ou partidos em competição, um deles procurando defender a velha constelação institucional, o outro tentando estabelecer uma nova. Quando ocorre esta polarização, os recursos de natureza política fracassam. Por discordarem quanto à matriz institucional a partir da qual a mudança política deverá ser atingida e avaliada, por não reconhecerem nenhuma estrutura supra-institucional competente para julgar diferenças revolucionárias, os partidos envolvidos em um conito revolucionário devem recorrer nalmente ás técnicas de persuasão de massa, que seguidamente incluem a força. Embora as revoluções tenham tido um papel vital da evolução das instituições políticas, esse papel depende do fato de aquelas serem parcialmente eventos extrapolíticos e extrainstitucionais. [...] Tal como a escolha entre duas instituições políticas em competição, a escolha entre paradigmas em competição demonstra ser uma escolha entre modos incompatíveis de vida comunitária. Por ter este caráter, ela não é e não pode ser determinada simplesmente pelos procedimentos de avaliação característico da ciência normal, pois estes dependem parcialmente de um paradigma determinado e esse paradigma, por sua vez, está em questão. Quando os paradigmas participam – e devem fazê-lo – de um debate sobre a escolha de um paradigma, seu papel é necessariamente circular. Cada grupo utiliza seu próprio paradigma para argumentar em favor desse mesmo paradigma. Naturalmente a circularidade resultante não torna esses argumentos errados ou mesmo inecazes. Colocar um paradigma como premissa numa discussão destinada a defendê-lo pode, não obstante, fornecer uma mostra de como será a prática cientíca para todos aqueles que adotarem a nova concepção da natureza. Essa mostra pode
ser imensamente persuasiva, chegando muitas vezes a compelir à sua aceitação. Contudo, seja qual for a sua força, o status, do argumento circular equivale tão somente ao da persuasão. Para os que recusam entrar no círculo, esse argumento não pode tornar-se impositivo, seja lógica, seja probabilisticamente. As premissas e os valores partilhados pelas duas partes envolvidas em um debate sobre paradigmas não são sucientemente amplos para permitir isso. Na escolha de um paradigma, -como nas revoluções políticas- não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante. Para descobrir como as revoluções cientícas são produzidas, teremos, portanto, que examinar não apenas o impacto da natureza e da Lógica, mas igualmente as técnicas de argumentação persuasiva que são ecazes no interior dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas. (KUHN, 2001, p.125-128) Não devemos imaginar, depois destas leituras, que o autor pretenda simplesmente descrever as atividades dos cientistas. Tratase de uma teoria da ciência e não de uma pesquisa histórica. Kuhn inclui uma explicação da função das várias partes envolvidas no processo de desenvolvimento cientíco: dos paradigmas, dos períodos de ciência normal e os de revolução, dos limites de um paradigma para oferecer resposta a todos os problemas, entre outros. Trata-se de, ao mesmo tempo, descrever – relatando o como foi - e apontar como deve ser . Em seu trabalho, o autor procura apresentar “um ponto de vista ou uma teoria sobre a ciência da natureza e, como em outras losoas da ciência, a teoria tem consequências no que toca à maneira pela qual os cientistas devem comportarse para que seu empreendimento seja bem sucedido” (KUHN, 2001, p. 254). Kuhn nos oferece, como vimos, alguns critérios para avaliar se um paradigma é melhor que outro – simplicidade na solução
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dos problemas, equilíbrio entre o objeto de estudo cotidiano e esotérico, precisão e amplitude de estofo. Mas ca claro também que o assentimento da comunidade cientíca tem grande peso na decisão e escolha de qual é, naquele momento, o melhor paradigma. Uma das objeções apresentadas a este modelo relaciona-se a esta característica. No momento da escolha de um paradigma, não é dada à comunidade cientíca o distanciamento histórico, recurso que utilizamos para avaliar as escolhas efetuadas no passado. Toda comunidade cientíca é composta de homens que, presos ao presente de um determinado contexto histórico, não conhecem os resultados das pesquisas futuras. Além disso, qualquer comunidade cientíca estará sujeita a preconceitos, preferências religiosas, culturais, de classe, de gênero, etc. É possível também que todos os indivíduos que formam uma comunidade cientíca equivoquem-se e estabeleçam como o melhor paradigma o que, ao m e ao cabo, não ofereça a melhor solução aos problemas colocados, ou as mais simples, ou de maior estofo que suas rivais, pois fazem sua escolha a partir de sua visão idiossincrática de mundo. Além disso, como não há um critério que possibilite avaliar as decisões e escolhas da comunidade cientíca, não há como criticá-las. Embora Kuhn negue ser um relativista, há vários autores que apontam nele esta característica. Um dos problemas apontados na posição relativista, ao longo de séculos de debates, refere-se ao seu caráter autodestrutivo. Se não existe um parâmetro objetivo que possa conduzir a escolha entre diferentes opções, se estas escolhas baseiamse sempre em critério subjetivos – culturais, religiosos, preferências pessoais de todo tipo - então não existe também nada que conduza a aceitar esta abordagem metodológica, ela também sujeita ao mesmo critério. Contra ela nada podemos armar, nem a seu favor, pois trata-se tão somente das preferências de um grupo determinado, que são,
naturalmente, diferentes das preferências de outro grupo. Além disso, na história da losoa, esta visão esteve sempre associada ao continuísmo, pois se não existem critérios para discernir qual das opções é melhor, por que não car com a tradição? Neste caso, a falta de critérios objetivos para conduzir a escolha entre posições que se contradizem é preenchida pelas vantagens da continuidade, a segurança de que, ao menos, se sabe onde pisa, evitam-se as surpresas decorrentes das novas experimentações. Kuhn responde diretamente a estas críticas: Uma conseqüência de posição recémdelineada irritou especialmente muitos de meus críticos1. Eles consideram relativista minha perspectiva [...] Os defensores de teorias diferentes são como membros de comunidades de cultura e linguagens diferentes. Reconhecer este paralelismo sugere, em certo sentido, que ambos os grupos podem estar certos. Esta posição é relativista, quando aplicada à cultura e seu desenvolvimento. Mas, quando aplicada à ciência, ela pode simplesmente não sê-lo e, de qualquer modo, está longe de um simples relativismo – num aspecto que meus críticos não foram capazes de perceber. Argumentei que, tomados como um grupo ou em grupos, os praticantes das ciências desenvolvidas são fundamentalmente indivíduos capazes de resolver quebra-cabeças. Embora os valores aos quais se apeguem e períodos de escolha de teoria derivam igualmente de outros aspectos de seu trabalho, a habilidade demonstrada para formular e resolver quebra-cabeças apresentados pela natureza é, no caso de um conito de valores, o critério dominante para muitos membros de um grupo cientíco. (KUHN, 2010, p. 252, grifos nossos) O autor refere-se a especialmente Shapere e Popper.
Apresentamos o argumento para a apreciação de cada um. De nossa parte, não parece que o pensador tenha se livrado da crítica ao registrar sua convicção de
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que a maioria dos cientistas que compõem uma comunidade irá se comportar segundo sua previsão. Além disso, mesmo que sua previsão se cumpra e a maioria desta hipotética comunidade opte pelo problema que suas habilidades possa melhor solucionar, isso não diminui a validade da crítica. Comunidades diferentes, com habilidades diferentes desenvolvidas, optam segundo critérios a estas características relacionadas, sejam elas de origem ideológica ou técnica. Em outras palavras, o autor nos oferece sua crença de que, diante de um paradigma que ofereça melhor estofo, equilíbrio entre questões cotidianas e esotéricas, mais simplicidade e precisão que um concorrente e, ao mesmo tempo, choque-se de maneira radical com as opções religiosas, ideológicas, culturais, a maioria dos homens que compõe a referida comunidade cientíca o escolha em detrimento de seus concorrentes. Isso diante de concorrentes que se conciliam com as crenças religiosas, ideológicas, culturais da referida comunidade. Não encontramos razões sociológicas para aceitar que a comunidade cientíca comporte-se de maneira tão diferente do que outras comunidades. O peso de seu julgamento, tão humano como o de qualquer outro, ca deveras ampliado. Além disso, os cientistas ocupam, ao mesmo tempo, o papel de juízes e protagonistas, atores e únicos jurados de seu espetáculo. Permanece sem resposta, a nosso ver, uma questão: é possível um julgamento sobre os métodos de pesquisa empregados, os objetivos, as teorias, que possa partir de outros pressupostos que não a avaliação da comunidade cientíca? Nos referimos a métodos mais objetivos, ou seja, que se concentrem mais na natureza própria das ciências. Como método mais objetivo nos referimos àqueles que enfatizam itens do conhecimento em detrimento das crenças, cultura, hábitos e desejos dos indivíduos que as desenvolvem ou avaliam.
Para nalizar esta etapa de nosso trabalho, gostaríamos de salientar que, em nenhum momento Kuhn arma que as ciências da natureza sejam superiores a outros ramos de investigação. Como professor de história da ciência, o físico relata que teve, ao longo de sua carreira acadêmica, a oportunidade de conviver com cientistas sociais. A princípio, um estranhamento o acompanhou. É que, nesta segunda comunidade, as divergências a respeito dos métodos e das questões relevantes eram abertas, debatidas acaloradamente. Segundo Kuhn, entre os cientistas das ciências naturais, o debate sobre estes temas não é tão presente. Entretanto, “tanto a História como meus conhecimentos teóricos zeramme duvidar de que os praticantes das ciências naturais possuam respostas mais rmes ou mais permanentes para tais questões de que seus colegas das ciências sociais”, mesmo que, “na prática da Astronomia, da Física, da Química ou da Biologia normalmente não evocam as controvérsias sobre fundamentos que atualmente parecem endêmicas entre, por exemplo, psicólogos ou sociólogos”. (KUHN, 2010, p. 13)
Conhecimento Objetivo O ponto de partida para que possamos entender esta tese é a crença de que há um corpo de conhecimento, dado historicamente, tenha o indivíduo consciência dele ou não. Analisaremos a posição objetivista do professor Alan Chalmers (1897-1972), postura em que “falando de forma imprecisa, o conhecimento é tratado como algo exterior, antes que interior, às mentes ou cérebros dos indivíduos” (CHALMERS, 1993, p. 154). Em outras palavras, O labirinto de proposições que envolve um corpo de conhecimento em algum estágio de seu desenvolvimento terá, semelhantemente, propriedades que os próprios indivíduos que nele trabalham
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desconheçam. A estrutura teórica que constitui a física moderna é tão complexa que não pode ser identicada com as crenças de qualquer físico ou grupo de físicos. Muitos cientistas contribuíram de maneiras separadas, com suas habilidades separadas, para o crescimento e a articulação da física, do mesmo modo que muitos trabalhadores combinam seus esforços na construção de uma catedral. E da mesma forma que o alegre construtor de campanários pode estar misericordiosamente ignorante das implicações de alguma descoberta de mau agouro feita pelos que escavam próximo aos fundamentos da catedral, assim um teórico elevado pode estar ignorante da relevância de alguma descoberta experimental para a teoria em que trabalha. Em qualquer dos casos é possível que relações existam objetivamente entre as partes da estrutura independentemente da consciência que qualquer indivíduo tenha daquela relação. Um ponto forte a favor da posição objetivista é que as teorias cientícas podem ter conseqüências que os proponentes originais das mesmas não previam e que, até, ignoravam. (CHALMERS, 1993, p. 155)
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Para demonstrar a tese, retomemos a descrição de um evento histórico que relatamos anteriormente. Heinrich Hertz, físico alemão, propunha-se, inicialmente, a demonstrar experimentalmente a teoria de seu professor, Helmholtz. Entretanto, no decorrer de sua atividade experimental, foi conduzido a reconhecer que a teoria de Maxwell, e não a de seu mestre, explicava melhor os fenômenos observados. Desta
forma, em 1887, Hertz “estabelece a existência da propagação no ar (ou no vácuo) de uma ondulação do fenômeno elétrico obtida pelo estouro periódico da fagulha de descarga de uma bobina de indução” (GRANGER, 1994, p. 34). Anos depois, em 1892, quando questionado sobre sua expectativa sobre a utilização das ondas que levam seu nome, Hertz respondeu que sua preocupação não era a da possível utilização da descoberta, mas sim comprovar pressupostos teóricos. Suas descobertas, aplicadas posteriormente, deram origem ao telégrafo e ao rádio. Será que esta característica é observada somente nas ciências da natureza? Para Chalmers Num certo sentido, o materialismo histórico, a teoria da sociedade e mudança social iniciada por Karl Marx é uma teoria objetivista na qual a abordagem inicial objetivista que descrevi em relação ao conhecimento está aplicada á sociedade como um todo. O objetivismo de Marx está evidente em seu conhecido comentário “não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, ao contrário, seu ser social que determina sua consciência”. Do ponto de vista materialista os indivíduos nascem em alguma parte de uma estrutura social preexistente que não escolhem e sua consciência é formada por aquilo que eles fazem e experimentam naquela estrutura [...] Da mesma forma que um físico que tenta contribuir para o desenvolvimento da física confronta-se com uma situação objetiva, que delimita as possibilidades de escolha e ação e que inuencia o resultado de tal ação, também, um indivíduo que espera contribuir para a mudança social se confronta com uma situação objetiva, que delimita as possibilidades de escolha e ação e que inuencia o resultado de tal escolha e ação. Uma análise da situação objetiva é tão essencial para a compreensão da mudança social quanto o é para a mudança cientíca. (CHALMERS, 1993, p. 162)
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ser um instrumento importante numa área A tese de que exista um arcabouço de de investigação e inadequado em outra. conhecimento a espera do conhecedor, Isso não é sinônimo de falta de critérios, precedendo-o, isto é, um corpo de saberes mas a negação de critérios universais. Esta dado social e historicamente a partir do característica não impossibilita a crítica, mas qual cada geração de homens irá continuar modica as bases sobre as quais algumas a empreitada, quer seja ela no caminho delas, como vimos, foram lançadas. do continuísmo ou no de ruptura, está Podemos tentar qualquer área do explicitada. Não se trata de apontar a conhecimento criticando seus objetivos, existência, a priori , de conhecimentos criticando a propriedade dos métodos usados antes dos homens, constituídos a despeito para atingir esses objetivos, confrontando-a deles, como estava proposto no mito de com meios alternativos e superiores de Prometeu. Tratam-se de conhecimentos social atingir os mesmos objetivos e assim por e historicamente construídos, transmitidos diante. Desse ponto de vista não precisamos geração após geração, que são antes do de uma categoria “ciência”, em relação á nascimento de cada geração mas, ao mesmo qual alguma área do conhecimento pode ser tempo, só existem como fruto da ação de aclamada como ciência ou difamada como gerações humanas. não sendo ciência [...] Especicamente, Poderia ter se dado, inclusive, que as não há uma categoria geral, a “ciência”, e ondas de Hertz, previstas na teoria de nenhum conceito de verdade à altura da Maxwell mesmo que este não percebesse o tarefa de caracterizar a ciência como busca fato, não tivessem vindo à tona. Não está da verdade. Cada área do conhecimento garantido que o desenvolvimento ocorra, é deve ser julgada pelos próprios méritos, necessário a ação incansável, perseverante pela investigação de seus objetivos, e, e organizada dos homens que compõem em que extensão é capaz de alcançáa comunidade cientíca. O potencial não los. Mais ainda, os próprios julgamentos se transforma por si mesmo, de forma relativos aos objetivos serão relativos à independente ou autogerada. situação social. Os julgamentos sobre Nesta perspectiva, tanto nas pesquisas algum ramo obscuro da lógica matemática sobre a sociedade quanto nas pesquisas ou da losoa analítica podem ter um peso sobre a natureza, a dotação de recursos, considerável, em termos de prazer estético a pressão social, a disputa estabelecida ao que proporciona a seus participantes, para redor de metafísicas, de religiões, de visões alguma classe privilegiada de uma sociedade de mundo e conjuntos dispares de valores, rica, mas um peso pequeno para uma classe inuenciarão diretamente o trabalho dos oprimida de um país do terceiro Mundo. cientistas. De forma bastante grosseira, um [...] O alcance objetivista de minha postura programa de pesquisas pode ser insuado enfatiza que os indivíduos em sociedade para além de seu potencial ou resultados, ou são confrontados por uma situação social escamoteado a despeito deles, dependendo com certas características, estejam ou não dos interesses em jogo, da organização e cônscios disso, e tem à sua disposição uma ação dos agentes envolvidos nas disputas variedade de maneiras de mudar a situação, estabelecidas. quer gostem ou não. Além disso, qualquer Outrossim, cada área do conhecimento ação executada para mudar a situação terá deve ser analisada segundo aquilo que consequências que dependem do caráter pretende descobrir, os métodos propostos objetivo da situação e que podem diferir para a empreitada, o grau de sucesso obtido. notadamente das intenções do ator. De forma Há critério, mas não um único para todas semelhante, na área do conhecimento, os as áreas. Desta forma, a matemática pode indivíduos confrontam-se com uma situação www.posugf.com.br
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objetiva e uma variedade de métodos e matérias-prima teóricas á sua disposição para contribuir para uma mudança na situação. Uma teoria pode, de fato, alcançar certos objetivos de maneira melhor que uma rival e os julgamentos dos indivíduos e dos grupos podem estar errados sobre o assunto. [...] Sugiro, em retrospectiva, que a função mais importante da minha investigação seja combater aquilo que pode ser chamado de ideologia da ciência, tal como funciona em nossa sociedade. Essa ideologia envolve o uso do conceito dúbio de ciência e o conceito igualmente dúbio de verdade, frequentemente associado a ele, geralmente na defesa de posições conservadoras. Por exemplo, encontramos o tipo de psicologia behaviorista que trata as pessoas como se fossem máquinas e o uso amplo de resultados de estudo de Q.I. em nosso sistema educacional defendidos em nome da ciência. (CHALMERS, 1993, p. 211-214)
Tecnologia, tecnolia, tecnofobia e neutralidade.
Para iniciar esta etapa, vamos construir um vocabulário básico, que será incrementado no decorrer de nossas investigações. O primeiro ponto será apresentar uma distinção entre ciência e técnica, distinção que, na atualidade, tem sido motivo de amplos debates. Na Antiguidade e na Idade Média, houve algumas poucas tentativas de aplicações técnicas das ciências, e sempre da matemática. Isso de deve, em grande parte, ao estatuto de inferioridade que os trabalhos manuais conferiam aos homens nas hierarquias sociais ocidentais . Etimologicamente, o vocábulo trabalho origina-se do latino tripaliare. Este, por sua vez, deriva do nome de um instrumento de tortura formado de três paus, onde os condenados eram atados, o tripalium. A Para Chalmers, nem ataque nem a origem da palavra, desta forma, nos oferece defesa do marxismo ou da psicologia, como uma forte sugestão do valor recebido pelos exemplos, podem ser efetuados a partir trabalhos manuais numa época. de conceitos universais, de uma medida Nossa jornada para elucidar este fato xa. Isso não corresponderia, a seu ver, a inicia-se na Grécia antiga, mais precisamente inviabilidade de julgamentos. Sucintamente, com Aristóteles. Isso será necessário pois, exigiria dos investigadores a avaliação tanto na antiguidade como em grande dos métodos, das metas, a determinação parte do período subseqüente da história da dos interesses privilegiados, o grau de humanidade, foi sob a inuência da teoria resultado obtido num determinado ramo de aristotélica que se valorou o trabalho – o investigação, a partir de critérios que não fazer prático, que se liga às ferramentas são sempre os mesmos. Ao mesmo tempo, e métodos utilizados nas modicações da Chalmers esforça-se para que sua posição natureza. não pareça relativista, pois, para ele, “a Segundo Aristóteles, conhecer algo é política do vale-tudo” “signica que na conhecer sua causa e, por isso, “julgamos prática, tudo permanece” (CHALMERS, 1993, os teóricos mais sábios do que os empíricos p. 216). (de onde se conclui que em todos os homens Fomos conduzidos, até aqui, em direção a a Sabedoria depende, antes de mais nada, outro grupo de questões envolvendo a ciência do conhecimento); isso porque os primeiros e que iremos agora analisar. conhecem a causa, e os segundos não” (ARISTÓTELES, 1969, p. 37). Ao mesmo tempo, como ca também expresso na [L20] Comentário: “Enm, os sensíveis,
como os poderíamos conhecer, sem termos deles a sensação?” (Aristóteles, 1979, p. 35,)
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mesma Metafísica, não podemos conhecer as coisas sensíveis descartando a percepção sensível, utilizando somente a inteligência, como propunha a teoria platônica. Sem descartar o valor da experiência sensível na tentativa de construirmos nossa compreensão sobre os objetos sensíveis, Aristóteles reserva à teoria (ou aos teóricos), papel mais importante do que aos práticos (os empíricos). Estamos diante da famosa dicotomia entre teoria e prática. Destas armações, encontradas na Metafísica, deriva a teoria aristotélica das quatro causas, teoria que explica tudo que existe, como se alteram as coisas, quem opera e para que servem estas alterações. Utilizando esses pressupostos, a relação entre o fazer prático e o teórico poderia ser hierarquizada, crescentemente, desta forma: inferior 1. causa material – do que algo é feito, por exemplo “ferro”. 2. causa formal – como se apresenta, a forma, o como, por exemplo “espada”. 3. causa motriz ou eciente – ação que fez transformar-se, o quem, por exemplo “ferreiro” 4. causa nal – o motivo, o para quê ou para quem, por exemplo “o nobre”.
superior A relação hierarquizada de valor entre estas causas, em correspondência com as teses já expressas, é o que nos interessa ressaltar. Da causa superior a inferior, temos: causa nal ( para quem ou para que), formal (o como), material (do que) e, por último, a causa eciente (o quem ou, em outras palavras, o trabalhador). Desta forma, em grande parte da história ocidental, desde a antiguidade grega até a ascensão da burguesia, o trabalho, bem como o
trabalhador e suas ferramentas, correspondia a menos valorizada das causas para as alterações e transformações realizadas pela humanidade. A ciência, como atividade de busca de conhecimento, desempenhada pelos mais nobres teóricos, estava, desta forma, distante da prática. A metafísica aristotélica era, por isso, razão forte para a separação entre a teoria pura e os fazeres e ferramentas utilizados pelos artesãos, marinheiros, ferreiros, enm, os práticos em geral. Vejamos o comentário da professora Marilena Chauí sobre a teoria aristotélica: Esta teoria das quatro causas consolida-se no pensamento ocidental graças á losoa e à teologia medievais, pois o pensamento medieval interpreta e dá continuidade à herança aristotélica. A primeira vista, a teoria aristotélica da causalidade é uma pura concepção metafísica que serve para explicar de modo coerente e objetivo os fenômenos naturais (física) e os fenômenos humanos (ética, política e trabalho). Nada parece indicar a menor relação entre a explicação causal do universo e a realidade social grega. Sabemos, porém, que a sociedade grega antiga é escravagista e que a sociedade medieval baseia-se na servidão, isto é, são sociedades que distinguem radicalmente os homens entre superiores – os homens livres, que são cidadãos, na Grécia, e os senhores feudais, na Europa medieval – e inferiores – os escravos, na Grécia, e os servos na gleba, na Idade Média [...] Não só nos planos da natureza e do sobrenatural, mas também no plano humano ou social, o trabalho aparece como elemento secundário ou inferior, a fabricação sendo menos importante do que seu m. A causa eciente é um simples meio ou instrumento para a satisfação da vontade ou desejo de um outro, o usuário do produto nal (CHAUÍ, 2001, p. 11 – 13). Exemplos desse isolamento de cada uma das áreas de atuação – teoria e prática - podem ser notados. Na construção e manobras dos navios, no século XVI,
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aconteceram disputas entre marinheiros – práticos, empíricos – e os cientistas. As condições de estabilidade e regras de manobras das embarcações foram estabelecidas cienticamente em 1746 por Bouger (Tratado do Navio, 1746 e Da manobra dos navios, 1757, mas os armadores e marinheiros só passaram a fazer uso deste arcabouço teórico a partir do século XIX. Na grande Enciclopédia de Diderot, no século XVII, o movimento de apropriação dos progressos da ciência pelos industriais é anunciado com entusiasmo como sendo uma mudança signicativa, representando um progresso. Em seu “Discurso preliminar” à obra, D’Alembert elogia as artes mecânicas, ressalta as investigações desenvolvidas pelos artesãos de Paris e do Reino, elogia Diderot por seu empenho na parte mais importante da obra, a descrição das artes. Além disso, como veremos no pequeno excerto, arma ser evidente que ciência e técnica, teoria e prática, inuenciam-se mutuamente. A distância entre o cientista e o técnico diminui, a separação que antes era natural aparece, agora, como um problema a ser superado. A poco que se haya reexionado sobre la relación que los descubrimientos tienen entre ellos, es fácil advertir que las ciencias y las artes se prestan mutuamente ayuda, y que hay por consiguiente una cadena que las une. Pero si suele ser difícil reducir a un corto número de reglas o de nociones generales cada ciencia o cada arte en particular, no lo es menos encerrar en un sistema unitario las ramas innitamente variadas de la ciencia humana. http://www.scribd.com/doc/6750155/ DAlembert-Discurso-Preliminar-de-LaEnciclopedia
Relógio mecânico feito pelo italiano Giovanni di Dondi. Seu pai, Jacopo di Dondi, construiu o primeiro relógio de torre na cidade Pádua em 1344. As engrenagens servem para contar e movimentar o ponteiro do relógio e os pesos para movimentá-lo.
Analisemos um ultimo exemplo. Na Europa do século XVII, o movimento dos relógios era regido por um mecanismo que realizava o bloqueio e a soltura de uma roda dentada, engenhosamente construído pelos relojoeiros sem nada dever a conhecimentos cientícos. No início do século XVII, Galileu, com sua teoria do isocronismo das pequenas oscilações do pêndulo, que depois foi aperfeiçoada pelo matemático Huygens, modica a história da relojoaria. Em 1673 Huygens publica seu “O relógio de Péndulo”
[L22] Comentário: Tradução livre: Mesmo que pouco se tenha reetido a respeito da relação que
os descobrimentos têm entre eles, é fácil perceber que as ciências e as artes ajudam-se mutuamente, e que há, consequentemente, uma cadeia que as une. Porém, se é difícil reduzir a um pequeno número de regras ou de conhecimentos gerais cada ciência ou cada arte em particular, não é menos complexo reunir em um só sistema os ramos innitamente variados da ciência humana
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e encomenda do relojoeiro Salomon Coster a feitura de um instrumento segundo suas orientações. Em 1657 surge o primeiro relógio de pêndulo. A segunda invenção, também de Huygens, é a da mola espiral que funciona ao mesmo tempo como motor e como regulador. A teoria cientíca em questão é, também neste caso, a dos movimentos oscilatórios de um móbil submetida a uma força de retorno proporcional a seu desvio do equilíbrio. A precisão destes novos instrumentos exigia, então, que eles marcassem os minutos; foi um relojoeiro londrino, Daniel Quare,que, por volta de 1690, teve a ideia do mostrador com dois ponteiros. É escusado mencionar as imensas consequências que o emprego desses novos instrumentos de medida do tempo puderam ter em todas as áreas. (GRANGER, 1994, p. 30) Agora, a técnica é impregnada de ciência, as ciências misturam-se às artes mecânicas, técnica e ciência seguem o modelo de interação proposto por D’Alembert. Técnica ou tecnologia visam a construção de algo não existente, que chamaremos de “arte-fato”. Esta capacidade humana de modicar o dado na criação de novos elementos, representa o saber fazer característico de nossa espécie – homo faber. De qualquer modo, para realizar é necessário algum planejamento que será perseguido na busca de concretizar o artefato. Quando os saberes técnicos não estão impregnados de saberes cientícos, a produção do artefato é artesanal, quando penetrado pelos conhecimentos cientícos, transforma-se. Para poder aplicar os conhecimentos cientícos, o como fazer adapta-se às características da teoria cientíca estabelecida. Mas tecnologia não é somente técnica impregnada de teoria, ou teoria aplicada. Uma simples adaptação dos conhecimentos cientícos para ns tecnológicos não é suciente para conceituar tecnologia, pois esta implica também invenção, criação. Tecnologia é mais que conhecimento cientíco agregado á técnica.
Tomemos o caso das teorias tecnológicas, como a hidráulica - hidrodinâmica transformada –, que do ponto de visita prático é muito rica em suas aplicações, ao mesmo tempo em que do ponto de vista teórico é mais “pobre” que a hidrodinâmica – pois tem menos profundidade. Mesmo que possa aplicar a ciência, a tecnologia não é exatamente o mesmo que ciência aplicada. Os aspectos mais comumente abordados numa análise losóca da tecnologia referemse: ao tipo de objetos – os artefatos; a classe especíca do conhecimento – o saber tecnológico; ao conjunto de atividades desenvolvidas na produção e relacionadas à utilização do artefato; a manifestação de uma determinada vontade humana em relação ao mundo. Para iniciarmos o debate a respeito do signicado dos termos tecnolia e tecnofobia, observaremos os dois suxos – lia e fobia. Etimologicamente, f ilia signica amizade e fobia inimizade e temor. Muito caricaturalmente, a fobia seria caracterizada pelo temor de que uma ou outra empreitada tecnológica ou cientíca afetem a vida, a biosfera, no limite que possam mesmo comprometer a vida no planeta. Filia, ao contrário, seria a marca daqueles que defendem que, com a própria tecnologia futura, possamos reparar os prejuízos causados pela tecnologia na atualidade. Grosso modo, uma visão utópica em contraste com uma visão catastrosta. Em outras palavras, tecnolia seria uma característica associada aqueles indivíduos que acreditam que a ciência trás benefícios à vida humana e que, mesmo os problemas apresentados por ela numa determinada etapa de seu desenvolvimento, serão sanados no momento seguinte pelos avanços cientícos e tecnológicos. Em oposição, a tecnofobia estaria associada aqueles que tem uma visão pessimista do desenvolvimento cientico, do uso que fazemos das conquistas deste instrumental, da possibilidade de resolução dos problemas e/ou danos causados pelo seu uso.
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A questão da possibilidade de neutralidade da ciência coloca-nos algumas questões básicas. A primeira delas diz respeito à possibilidade da neutralidade em relação aos valores sociais da comunidade onde se desenvolvem as pesquisas, valores que comumente variam de cultura para cultura, de época para época. Desta forma, retorna ao palco uma posição que já conhecemos: se a ciência está isenta de uma valoração contingente (o bem e o mal em cada época/ cultura), então ela não pode ser questionada nestes termos – está isenta de valores sociais. Outra face da mesma moeda é que, por não ter vínculo com as idiossincrasias de uma época, apresenta-se como um valor universal- o que pode conduzir-nos a uma visão etnocêntrica. Num segundo aspecto, a questão da neutralidade se relaciona com a seleção dos fenômenos que serão investigados – na possibilidade de neutralidade não haveria escolha mas sim a constatação de um único dado natural a ser investigado. Do contrário, se há escolha, como já notamos, esta determina, em grande parte, a direção em que caminha o desenvolvimento cientíco. Além destes dois ângulos a serem observados, temos que nos deter no próprio conteúdo das teorias, com seus desdobramentos, seus potenciais, os pressupostos que fortalece e aqueles que permanecem secundarizados. Se há mais de uma teoria concorrendo na tentativa de fornecer explicação ao fenômeno(s) investigado(s), a escolha de uma delas vai conduzir a métodos, técnicas, procedimentos, experimentos, que não são, de forma alguma, universais. Para demonstrar como se apresentam estes debates, passaremos a palavra ao professor Leblond, pesquisador em física teórica e matemática que foi premiado e punido pela mesma academia. No texto, o autor problematiza a possibilidade de neutralidade da ciência, trata da relação entre teoria pura e sua aplicação prática bem como questiona o que chamamos de tecnolia.
Atualmente Jean Marc Lévy-Leblond é professor emérito e diretor do programa no Colégio Internacional de Filosoa. Foi professor da Universidade de Nice até 2002, nos departamentos de física, losoa e comunicação.
Graças ao legado de Jean Thibaud, antigo diretor do Instituto de Física Nuclear de Lyon, a Academia de Lyon concede a cada dois anos um prêmio a “um jovem físico... para recompensar seus trabalhos”. Em 1970, este prêmio foi dividido entre G. Ripka, engenheiro no C. E. A. e por J. M. LévyLeblond, professor da Faculdade de Ciências de París. A seguir encontra-se o pronunciamento à Academia de Lyon feito por J. M. LévyLeblond a 13 de janeiro de 1970, por ocasião da entrega do prêmio Thibaud. Este texto pretende esboçar a indispensável análise crítica e a desmisticação do papel que hoje desempenham em nossa sociedade a ciência e a pesquisa cientíca. Esta breve mensagem não pretende oferecer uma argumentação exaustiva em apoio a todas as idéias que menciona. De fato, seu signicado essencial consiste em ser um ato militante, em ruptura radical com a ideologia dominante e a prática habitual nos meios cientícos. E é aí, no fundo, onde se deve buscar a origem real dos processos judiciais (inculpação por “degradação de monumento público”) e das medidas administrativas (suspensão das funções) de que foi vítima J. M. Lévy-Leblond, por iniciativa das autoridades universitárias.
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SOBRE A NEUTRALIDADE CIENTÍFICA Jean Marc Lévy-Leblond
Com grande satisfação recebo hoje o prêmio Thibaud concedido por sua Academia. Experimento, ao poder agradecêlo pessoalmente, um prazer muito especial cuja natureza espero conseguir fazê-lo compreender. Com efeito, este prêmio me é útil e precioso por várias razões. Em especial, porque ofereceu a oportunidade de aprofundar um certo número de questões a respeito de minha condição de pesquisador, de cientista, bem como a possibilidade de expor, hoje, algumas de minhas conclusões. É impossível receber um prêmio como este sem se colocar algumas questões: A que se deve esta recompensa? O que z para merecê-la? Aos olhos de quem? E, mais amplamente: Para que? A quem serve denitivamente minha atividade cientíca? Porque sou pesquisador? Quais são minhas motivações pessoais? Por que a sociedade organiza a investigação cientíca? Qual é o papel da ciência em nossa sociedade? Por outro lado, estes problemas são colocados, cada vez com maior freqüência, no nosso meio e fora dele, sobretudo a partir do grande movimento de maio de 1968 e dos profundos questionamentos que desencadeou. Existe uma série de respostas “naturais” a todas estas questões. Não é absolutamente evidente que a ciência desempenha atualmente um papel fundamental na evolução da sociedade e é o motor essencial de seus progressos? E que o cientista passou a ser, portanto, o agente essencial do destino da humanidade e extrai deste pensamento suas motivações básicas e suas maiores satisfações? Ninguém discutirá que, sob formas ligeiramente menos claras, estes são os temas de um incessante discurso ouvido desde a escola primária
até os bancos universitários e difundido tanto pelos organismos mais conservadores como por algumas vozes pretensamente revolucionárias. Existem, no entanto, excelentes razões para levantar sérias dúvidas sobre a validade destas respostas. Consideremos, em primeiro lugar, a relação entre a pesquisa fundamental e os progressos da sociedade. Não há dúvida de que dois ramos mais custosos e mais prestigiados da ciência atual são a física das partículas de altas energias e a física espacial. Porém onde estão suas contribuições para o progresso geral? A quase totalidade dos físicos de altas energias não terão a menor diculdade em reconhecer que não se pode esperar nenhuma aplicação de seu setor. E quanto às “repercussões” tão divulgadas da ciência espacial, só conheço as cápsulas de cerâmica refratária e outros objetos parecidos. É evidente que me sinto tão mais qualicado para referir-me a estes problemas uma vez que meus próprios trabalhos, pelos quais fui considerado hoje merecedor de uma recompensa, são exemplos claríssimos de pesquisa “pura”, quer dizer, gratuita e sem outro interesse senão o de provocar a curiosidade de uns vinte especialistas em todo o mundo. A maioria das pesquisas reveste-se, atualmente deste caráter totalmente esotérico, e só são compreensíveis a uns poucos iniciados. É verdade que existem outros campos onde se vislumbram gigantescas possibilidades de aplicação: a medicina ou a agronomia, por exemplo, parece que podem contribuir atualmente com algumas respostas técnicas em relação aos problemas da fome e da doença que atingem a maior parte da humanidade. Porém, precisamente a natureza das estruturas sociais impede que estas soluções técnicas possam ser postas em prática. Pensemos unicamente no escândalo de alguns hospitais abarrotados, na medicina degradante para classes populares, nos superbenefícios das indústrias farmacêuticas e na falta de recursos para a pesquisa médica na França – para não
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falar do problema dos países que acabam assinalar vários tipos de relações. No plano de se livrar do domínio colonial. E se os político, em primeiro lugar, é evidente que as progressos da técnica provocam em geral potências imperialistas utilizam ao máximo um aumento da produtividade industrial, não os recursos da técnica moderna para dotarse conhecem casos em que isto tenha tido, se de um armamento destinado a garantircomo conseqüência direta, a melhoria das lhes seu poder. É no terreno militar, sem condições de vida das massas populares. dúvida, que a investigação cientíca tem São necessárias duras e constantes lutas encontrado, nos últimos anos, as aplicações sociais para obrigar as classes dominantes mais numerosas e mais coerentes. Porém, a não utilizar em seu benefício exclusivo inclusive neste campo, a utilidade e a ecácia as novas possibilidades originadas pela destas aplicações estão limitadas, apesar ciência moderna. A modernização técnica da chantagem do terror atômico. Basta ver das empresas se traduz, quase sempre, em a resistência vitoriosa do povo vietnamita à demissões. Entre 1958 e 1968, as técnicas agressão americana para convencer-se de e a produtividade industrial aumentaram que em nenhum lugar a técnica e a ciência prodigiosamente; porém foi necessária são sucientes para garantir o poder militar a grande greve de maio-junho de 1968 e político. Além disso, estas aplicações para que a classe operária como um todo militares recorrem principalmente a algumas obtivesse algumas melhorias de suas descobertas relativamente antigas e não condições de trabalho, melhorias que, pouco à pesquisa cientíca fundamental, que é a pouco, foram novamente anuladas pela a que mais me interessa neste momento. classe patronal. Estas dúvidas quanto à Em segundo lugar, no plano econômico. função progressista da ciência provocam Todos nós sabemos o papel cada vez mais outras, quanto às motivações dos cientistas. importante que desempenha a pesquisa Além disso, são cada vez mais numerosos fundamental no orçamento dos países aqueles que tomam consciência desta capitalistas avançados. É possível crer situação, e chegam às vezes a confessáseriamente que se permitiriam inversões lo. Porém, muito frequentemente, é para tão importantes se não tivessem nenhuma refugiar-se em uma ética do conhecimento utilidade? Dado que, como já indiquei, estas como valor em si, onde a ciência se converte inversões não estão destinadas geralmente em seu próprio objetivo (ver aula inaugural a promover aplicações mais ou menos de J. Monod no College de France). Trata-se, técnicas, parece que são em si mesmas sem dúvida, do último recurso de quem se uma necessidade do sistema. Na realidade, nega a contemplar os fatos de frente. pode-se entendê-la como um meio a mais Porém nada mais distante de mim do que que o capitalismo moderno utiliza para insinuar que a ciência, a pesquisa, não serve tentar remediar suas antigas crises de para nada; estou convencido, ao contrário, “superprodução” cíclica. Como a produção de que são muito úteis. Somente que não cientíca não origina um consumo de massas, servem em absoluto àquilo e àqueles a quem pode desempenhar um papel de regulador pretendem servir. A atividade cientíca, econômico, tal a corrida armamentista. como qualquer outra, não é separável Isto ca demonstrado pelas repentinas do conjunto do sistema social em que se restrições orçamentárias que se impõem à pratica. Como as demais está orientada, pesquisa nos períodos de recessão: fecha-se principalmente, com vistas a garantir a a torneira do desague quando o nível baixa. perpetuação, ou ao menos a sobrevivência, Ao contrário, nos períodos de prosperidade deste sistema. Os mecanismos através dos econômica, a investigação cientíca é uma quais assume este papel são numerosos e fonte fabulosa de superbenefícios para complexos. De qualquer maneira, podemos algumas indústrias, a eletrônica por exemplo. www.posugf.com.br
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Os monopólios encontram deste modo um meio particularmente discreto de embolsar os fundos públicos, quer dizer, o que o Estado arrebata da massa de trabalhadores. Porém não insistirei mais sobre os aspectos econômicos que mereceriam, no entanto, ser estudados de perto. Gostaria de mencionar, agora, o crucial papel ideológico da ciência. Cabe adiantar a idéia de que depois da religião, e das “humanidades” clássicas, atualmente é a ciência que, cada vez com mais vigor, apóia e estrutura as formas de ideologia imposta pela classe social no poder, a burguesia. A ciência é invocada para cobrir com uma máscara de objetividade e tecnicismo a dominação desta classe: Capitalismo? Exploração? Não, claro que não, só se fala de pesquisa operacional, de management , etc! Os cientistas eminentes, ou assim considerados, se vêem investidos de uma missão implícita de “public relations” do sistema: LeprinceRinguet aparece na televisão para dizer as banalidades da moda (porém em seu laboratório reprime ferozmente a greve dos técnicos), os prêmios Nobel Kastler e Monod dão seu aval de intelectuais “de esquerda”, sem falar dos tecnocratas agentes diretos do capitalismo, como Louis Armand. A ciência serve deste modo para justicar todo este aparato da hierarquia social proporcionandolhe critérios “objetivos”. Aparentemente esta hierarquia já não reetiria, no momento presente, a divisão de classes da sociedade, mas unicamente as aptidões e a competência dos indivíduos. Sem dúvida é hábil substituir o latim pela matemática moderna como instrumento, porém providencialmente o mecanismo aparece algo menos evidente. Finalmente, o último serviço prestado pela ciência a esta sociedade, assegura a colocação no palco destes novos jogos de circo com os quais se pretende entreter as multidões e aliená-las dos problemas sérios: como considerar de outra maneira a corrida à lua e estes robôs pisando o pó lunar ao preço de milhões e milhões de dólares que representam o suor e o sangue de milhões
de homens a quem se atira, como ração, este espetáculo! A luz destas observações sobre o verdadeiro papel que tem a ciência, o cientista, o sábio, aparece como agente destes mecanismos de servidão. Estar ou não consciente das forças a serviço das quais trabalha, não o escusa de ser seu cúmplice. Com efeito, todas as motivações de uso externo que eu citei acima, seja do progresso técnico, o destino da humanidade, ou ainda a ética da ciência pela ciência, isto tudo não é mais do que hipocrisia frente aos fatos. Na realidade, através da pesquisa, como acontece em toda parte, o que inspira os cientistas é a corrida ao poder. Seja no interior da comunidade cientíca ou no âmbito da sociedade em geral, é sempre a ideologia de elite a que se põe em marcha. Uma carreira cientíca universitária é, atualmente, um comodíssimo trampolim para determinados postos governamentais. E porque não falar, muito despretensiosamente, das múltiplas vantagens materiais que os cientistas extraem de sua prossão: a um emprego estável e salários confortáveis, somam-se em proporções crescentes com sua situação hierárquica, algumas viagens gratuitas ao estrangeiro (ou mesmo remuneradas, pois os honorários são sempre super valorizados), alguns benefícios adicionais, às vezes consideráveis (contratos com a indústria, cargos de conselheiros cientícos) e. alguns prêmios cientícos dignos de ser levados em conta, como o que hoje me concedem. Por que outro motivo, se não este, teria eu me candidatado? E agora encontro as respostas às perguntas que coloquei no início. Por acaso não se outorgam os prêmios cientícos àqueles que cumpriram da melhor maneira com o papel que lhes assinala esta sociedade? São premiados por propagar e manter a ideia de uma ciência politicamente neutra e socialmente progressista, por acertar e difundir a ideologia de elite e de competição e por ajudar, assim, a classe dominante a mascarar os mecanismos de
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exploração e opressão sobre os quais está fundada esta sociedade. E, naturalmente, quanto mais “puro” e inconsciente é o cientista deste papel que se lhe atribui, melhor o interpreta e daí o interesse de um sistema de prêmios, consistente em dinheiro efetivo, em prestígio individual ou em migalhas de poder. Porém, como todo sistema de seleção, o mecanismo de escolha dos laureados apresenta sérias falhas, e assim, nesta ocasião, o dinheiro de um prêmio cientíco ajudará àqueles que querem construir uma sociedade sem exploração, sem hierarquia e sem prêmios.
entre o investimento social necessário para o desenvolvimento cientíco e distribuição dos ganhos na sociedade são a marca da existência de outros valores, diferentes dos aristotélicos. Numa crítica audaz, contrariando uma das teses defendida por Kuhn, arma que os cientistas não escolhem suas questões como as peças de quebra-cabeça que melhor podem encaixar com suas teorias, mas agem motivados por interesses menos nobres (cargos, recursos nanceiros, status social, vaidade...), muitas vezes inconfessáveis. Para o lósofo Lévy-Leblond, o modelo vigente de ciência tem utilidade bem Publicado em Les Temps Modernes nº 288. denida: “garantir a perpetuação” do sistema Julio/70 capitalista. Contra esta tendência, felicita a resistência, ele mesmo se inserindo num O discurso do professor Lévy-Leblond campo bem claro da contenda. parece-nos bastante claro. Iremos, tão Irônico, critica o prêmio que recebe somente, destacar alguns pontos. como coroamento para o cientista mais Em primeiro lugar, o cientista apresentainconsciente, o que menos faz uso de sua nos suas questões losócas, mostra-se capacidade de criticar, de investigar a origem, como cientista e lósofo. nalidade e estrutura de seu fazer técnico. Ao questionar-se sobre a nalidade (“para Valendo-se das “sérias falhas” do “sistema de que?”), a instrumentalização (“a quem serve seleção dos laureados”, faz da tribuna e do denitivamente minha atividade cientíca?”), recurso do prêmio uma arma que se volta ao a motivação pessoal dos indivíduos que sistema que premia. compõem a comunidade cientíca (“porque Se a ciência é neutra não existe nalidade sou pesquisador? Quais são minhas além da descrição da natureza; não há motivações pessoais?”) e a função social da utilidade, no sentido utilitarista do termo; pesquisa cientíca (“por que a sociedade não há outra motivação que o prazer pessoal organiza a investigação cientíca?”), deixa em encontrar melhor resposta ao “quebraclaro sua posição de não-neutralidade. cabeça” e a pesquisa nem precisa ter função Ao recusar as respostas tradicionais para social – basta descobrir as leis da natureza, estas questões, acusa-as de serem uma trata-se do conhecimento pelo conhecimento. interpretação que favorece a determinada Para o professor Hilton Japiassú, classe, num determinado contexto histórico. O saber especializado desperta a Como se não bastasse, demonstra seu admiração temerosa por parte daqueles incômodo pelo caráter esotérico do discurso que o ignoram. Há todo um respeito de que faz uso, bem como o fato de que admirativo em relação à linguagem cientíca, a ciência “pura”, que ele caracteriza como dotada de uma universalidade de direito, “gratuita”, vise “provocar a curiosidade de habilmente restringida aos iniciados. Seu uns 20 especialistas em todo o mundo”. esoterismo protege o segredo, sobretudo pela Ora, essa nalidade não seria um problema matematização e pela formalização. O poder na antiguidade nem em grande período de dominar a matéria e de fazer coisas, histórico posterior, considerando a metafísica da ciência, acarreta, nos não-iniciados, aristotélica. Questionar-se sobre a relação uma atitude de submissão. É por isso que www.posugf.com.br
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ela exerce sobre muitos um poder quase mágico, um “poder dogmático”. E é por isso, igualmente, que muitos vêem nos cientistas os detentores do “magistério da realidade”: só eles estão habilitados a dizer o sentido, a propor a verdade para todos, como se fossem taumaturgos ou verdadeiros alquimistas. [...] Os cientistas são vistos como se fossem os proprietários exclusivos do saber, devendo fechar todas as “cicatrizes do não-saber” e fornecer os bálsamos para as angustias individuais e sociais. Essa imagem mítica do cientista ignora que ele faz parte e depende de uma estrutura bem real do mundo que o cerca. O mundo cientíco nada tem de ideal, não é uma terra de inocência, livre de todo conito e submetida apenas à lei da verdade universal, isto é, de uma verdade testável e vericável em toda parte, através do respeito aos procedimentos de rigor e aos protocolos da experimentação. Como se o cientista pudesse ser o detentor de uma verdade una que, uma vez formulada em sua coerência, estaria isenta da discussão; e como se ele pudesse guardar para sempre a imagem de um indivíduo sempre íntegro e rigoroso, jamais sujeito à incoerência das paixões. (JAPIASSU, 1975, p.116, grifos nossos) Seguindo esta linha de questionamentos losócos, em 1946, é lançado o livro Um mundo ou nenhum. Os autores de 13 dos 15 ensaios que compõem a obra são cientistas envolvidos no desenvolvimento da bomba atômica. Entre os autores estão Albert Einstein, Niels Bohr e Robert Oppenheimer. “Em algumas de suas conclusões, esses cientistas foram proféticos” (RHODES, 2008, p.8), arma Richard Rhodes no prefácio da obra. Segundo o comentador, o fato não se deve a capacidades mágicas, mas é tão somente a aplicação de pressupostos teóricos que não são compartilhados por toda a sociedade. Em outras palavras, o cientista, por possuir saber técnico especíco, pode efetuar análises e previsões que, sem este
pressupostos, não são possíveis. A questão ética que se coloca, desta forma, é sobre a utilização deste potencial de previsão de futuro – futuro que envolve muito mais vidas do que as da comunidade cientíca. Em outras palavras, os cientistas “entendiam, o que não ocorria com estadistas e generais, que a energia nuclear representava uma vasta mudança de escala”, pois Já em janeiro de 1939, os físicos Lise Meitner e Otto Frisch informaram que a energia liberada em cada “ssão” - termo criado por eles – de um átomo é da ordem de duzentos milhões de elétrons-volt. A queima química comum, ao contrário, libera cerca de um elétron-volt por átomo. Para os físicos, essa imensa diferença de escala – de duzentos milhões para um – signicava que uma quantidade de matéria que cabia na palma de uma mão, se transformada numa bomba, poderia destruir uma cidade inteira com explosão e massa de fogo, uma escala de destruição que, em 1943, mal poderia ser alcançada por uma esquadrilha de mil bombardeiros aliados carregados de altos explosivos e bombas incendiárias convencionais. [...] Toda a complexa história das armas nucleares estava prexada nestes fatos físicos simples, conhecidos de todos os bons físicos de qualquer país do mundo, um ano depois da descoberta da ssão. (RHODES, 2008, p. 12) A despeito das anomalias de todo tipo (incertezas) que podem apresentar-se, este lugar na sociedade torna-se bastante privilegiado, se comparado com o poder de análise e previsão de que dispõem os inúmeros outros membros da mesma. Gérard Lebrun, no artigo Sobre a tecnofobia aborda os assuntos que discutimos nesta etapa. Uma das ressalvas que o autor nos apresenta refere-se a expressão “crítica”, que na losoa não é sinônimo de “demonizar” e signica analisar detalhadamente, investigar minuciosa e rigorosamente, destrinchar, submeter a
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exame detalhado e preciso. Desta forma, os detratores da tecnologia como a causadora dos males enfrentados pela humanidade em nada contribuiriam para sua superação e, ao contrário, nos afastariam deste caminho. Lebrun comenta o trabalho de Jean-Pierre Séris, autor que arma que os tecnófobos teriam subvertido as máximas kantianas “Que posso saber? Que devo fazer? O que me é permitido esperar?” pelas inversões “Que devo ignorar? Que devo me abster de fazer? De que devo ter medo?”. Para Séris e Lebrun “o que justicaria essa passagem ao temor e à desconança é o impacto, seguramente inédito na história, que a expansão das técnicas produz a uma velocidade crescente na existência humana engendrando com isso inquietudes sem precedentes” (LEBRUN, 2006, p. 481). Este medo não seria um elemento secundário na sustentação da tese tecnófoba. Em razão de que, na atualidade, os saberes técnicos necessários para possibilitar a manipulação dos objetos técnicos ou tecnológicos são bastante pequenos, isso nos conduziria a temer ainda mais estes objetos. Ao tecnófobo, segundo esta descrição, o medo “é o sentimento moral” (LEBRUN, 2006, p. 486), o instrumento necessário para conter o desenvolvimento tecnológico que conduziria a destruição da vida na terra, atualmente ameaçada pelo agrotóxicos, pelas armas químicas e nucleares, pela poluição decorrente da queima de combustíveis fósseis, etc. Caberia a grupos especiais de humanos delimitar os limites dentro dos quais poderia desenvolver-se o saber técnico. Estes personagens excluiriam todas as investigações que, potencialmente, poderiam conduzir a danos futuros ao meio ambiente, á vida, etc. Para Lebrun, as diculdades na realização deste propósito são de vários matizes: a) o detentor do poder de veto não possui melhores instrumentos de previsão de futuro do que um “pressentimento”; b) não se pode saber, com certeza, se, no
longo prazo, o efeito alcançado será benéco ou nocivo; c) o medo pode nos conduzir a abstenção, contra a inovação. “Em suma”, arma Lebrun, não é difícil ver aporias lá onde os tecnófobos só apresentam boas intenções. É uma boa intenção que leva os tecnófobos a lutar contra os fatores de risco (transporte de hidrocarbonetos, o nuclear), mas é uma falta de prudência que os faz negligenciar os efeitos possíveis da eliminação brutal destes últimos (para a produção de eletricidade, para a indústria farmacêutica,os fertilizantes...)” (LEBRUN, 2006, p. 490) Herbert Marcuse, lósofo alemão que foi apontado como tecnófobo em mais de uma ocasião, também aborda este temática. Passemos a palavra a este convidado, enriquecendo ainda mais o debate:
A responsabilidade da ciência* A proposição que desejo apresentar é a seguinte: a ciência (isto é, o cientista) é responsável pelo uso que a sociedade faz da ciência; o cientista é responsável pelas conseqüências sociais da ciência. Argumentarei que esta proposição não depende para sua validade de quaisquer normas morais fora e além da ciência, ou de qualquer ponto de vista religioso ou humanitário. Em vez disso, sugiro que a proposição é ditada pela estrutura interna e o telos da ciência, e pelo lugar e função da ciência na realidade social. Não se trata de duas razões diferentes, uma pertinente à ciência, a outra externa a ela (sociológica ou política). Elas são essencialmente interrelacionadas e, nessa interrelação,
[L30] Comentário: Glossário: objetivo, alvo, destino, m, resultado, conclusão.
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determinam o rumo do progresso cientíco (e sua regressão!). A ciência está hoje em uma posição de poder que traduz quase imediatamente avanços puramente cientícos em armas políticas e militares de uso global e eciente. O fato de que a organização e o controle de populações inteiras, tanto na paz quanto na guerra, tornou-se, em sentido estrito, um controle e organização cientícos (dos aparelhos domésticos técnicos mais comuns até os mais sosticados métodos de formação da opinião pública, da publicidade e da propaganda) une inexoravelmente a pesquisa e os experimentos cientícos com os poderes e planos do establishment econômico, político e militar. Consequentemente, não existem dois mundos: o mundo da ciência e o mundo da política (e sua ética), o reino da teoria pura e o reino da prática impura – existe apenas um mundo no qual a ciência, a política e a ética, a teoria e a prática estão inerentemente ligadas. À primeira vista, parece que a história contradiz esta proposição, pois com o desenvolvimento do mundo moderno veio a bifurcação dos domínios que estiveram unidos durante a maior parte da Idade Média. Além disso, tal separação constituiu uma precondição para que a ciência se libertasse das normas e valores impostos, uma precondição para o avanço técnico e para a contínua conquista da natureza e do homem que chamamos de progresso cientíco. Entretanto, esse fato histórico foi ultrapassado e a separação que foi uma vez libertadora e progressista tornouse destrutiva e repressiva. Ou, em outras palavras, embora a ideia de teoria pura tenha tido em outros tempos uma função progressista, ela serve agora, contra a intenção do cientista, aos poderes repressivos que dominam a sociedade. Como isso aconteceu? A ciência procede de acordo com seus próprios métodos de descoberta,
experimentação e vericação, e de acordo com a lógica de seu próprio desenvolvimento conceitual, sem levar em conta o uso social e as consequências de suas descobertas. A intenção do cientista é pura: ele é motivado pela “pura” curiosidade; busca o conhecimento pela busca do conhecimento. Mas seu trabalho, uma vez publicado, inserese no mercado, torna-se mercadoria para ser avaliada pelos compradores e vendedores em potencial e, em virtude dessa qualidade social , seu trabalho satisfaz necessidades sociais. Além disso, através de sua relação com as necessidades sociais prevalecentes, o trabalho do cientista adquire um valor social ; seu trabalho incorpora as características das tendências sociais predominantes e tornase progressivo ou regressivo, construtivo ou destrutivo, libertador ou repressivo em termos da proteção e melhoramento da vida humana. Arma-se porém que o cientista trabalhando em seu gabinete ou laboratório não pode prever as consequências sociais de seu trabalho; ele não pode saber antecipadamente se o que está fazendo resultará em um fator construtivo ou destrutivo na história. Além disso, como a aplicação de suas descobertas ca nas mãos do engenheiro ou do técnico, e a decisão nal cabe ao político (o governo), o problema das consequências sociais de seu trabalho ca fora de sua alçada, e consequentemente ele não pode ser moralmente responsabilizado. Mesmo se aceitarmos esse argumento, será que ele justica a neutralidade e indiferença morais da ciência? Eu diria que não. O cientista permanece responsável enquanto cientista porque o desenvolvimento social e a aplicação da ciência determinam, em considerável medida, o posterior desenvolvimento conceitual interno da ciência. O desenvolvimento teórico da ciência é assim enviesado em uma direção política especíca, e a noção de pureza teórica e neutralidade moral é assim invalidada.
[L31] Comentário: New York Times (11 de maio de 1966)
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[L33] Comentário: Senador Fulbright, na
conferência “The University in América”, Santa Barbara Center (maio de 1966).
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Dois exemplos podem ajudar a ilustrar este ponto. Comentando o fato de que os recursos federais para a ciência em faculdades e universidades excedem atualmente 1,3 bilhão de dólares, e constituem dois terços do total de gastos com pesquisa nessas instituições, Harrison Brown, professor de geoquímica do Instituto de Tecnologia da Califórnia, diz: Como a maior parte dessas verbas provém de agências do governo “orientadas por missões”, os programas de pesquisa serão inevitavelmente adaptados às necessidades da agência em vez da concepção daquilo que é importante de um ponto de vista puramente cientíco. O senador Fulbright expressa a mesma constatação em termos mais gerais: Suspeito que quando uma universidade volta-se muito fortemente para as necessidades correntes do governo, ela incorpora um pouco a atmosfera de um lugar de negócios, enquanto perde a de um lugar de estudo. Suponho que as ciências são promovidas às custas das humanidades e, dentro das humanidades, a escola behaviorista nas ciências sociais às custas das abordagens mais tradicionais – e a meu ver mais humanas. De maneira geral, minha expectativa é a de que um interesse em informações vendáveis pertinentes aos problemas correntes seja enfatizado às custas de ideias gerais referentes à condição humana. Em outras palavras, a pretensa neutralidade da ciência e a indiferença quanto aos valores, das quais ela se gaba, na verdade promovem o poder de forças externas sobre o desenvolvimento cientíco interno. Defensores da neutralidade cientíca frequentemente apontam para o fato de que a ciência tem embutido nela um mecanismo
de detecção de erros. Assim, C. P. Snow escreve: A ciência é um sistema autocorretivo. Isto é, nenhum erro (ou equívoco honesto) cará sem ser detectado por muito tempo. Não há necessidade de uma crítica cientíca externa, pois a crítica é inerente ao próprio processo, e assim tudo o que uma fraude pode fazer é desperdiçar o tempo dos cientistas que têm de expô-la. O problema é que não é a “fraude” que penetra no processo cientíco, mas tarefas e objetivos “cientícos” perfeitamente legítimos. Ao cientista são dados problemas que estão dentro de sua competência e interesse como cientista: problemas cientícos; acontece que eles são também problemas de destruição da vida, de guerra química e bacteriológica. Mas se o mecanismo de autocorreção da ciência não trata desses problemas, a ênfase na natureza autocrítica da ciência perde muito de sua validade. Sua própria “indiferença quanto aos valores” torna a ciência cega para o que acontece com a existência humana. Ou, formulando isso de modo diferente, e um pouco menos caridosamente, a ciência livre de valores promove cegamente certos valores políticos e sociais e, sem abandonar a teoria pura, a ciência sanciona uma prática estabelecida. O puritanismo da ciência transforma-se em impureza. E essa dialética levou à situação na qual a ciência (e não apenas a ciência aplicada) colabora na construção da mais eciente maquinaria de aniquilamento da história. Como esta separação de conhecimento e valores, que foi primeiramente progressiva, tornou-se regressiva? Qual é a relação entre progresso e destruição? Em certo sentido, a própria destruição é progressiva e libertadora, e a ciência moderna em seus começos era destrutiva nesse sentido progressista. Ela foi destrutiva do dogmatismo e da superstição medievais, destrutiva da aliança sagrada entre losoa e autoridade irracional,
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destrutiva da justicação teológica da desigualdade e da exploração. A ciência moderna desenvolveu-se em conito com os poderes que se opunham à liberdade de pensamento; hoje a própria ciência encontrase em aliança com os poderes que ameaçam a autonomia humana e frustram a tentativa de realizar uma existência livre e racional. Quais são as possibilidades de reverter essa tendência? Uma coisa deve car clara desde o começo: não existe a possibilidade de reverter o progresso cientíco, de um retorno à idade de ouro da ciência “qualitativa”. Por certo é verdade que uma mudança poderia ser imaginada apenas como um evento no desenvolvimento da própria ciência, mas tal desenvolvimento cientíco somente pode ser esperado como resultado de uma ampla mudança social. O necessário é nada menos que uma completa transvalorização dos objetivos e necessidades, a transformação das políticas e instituições repressivas e agressivas. A ransformação da ciência é imaginável apenas em um ambiente transformado; uma nova ciência exigirá um novo clima, em que novos experimentos e projetos serão sugeridos ao intelecto por novas necessidades sociais. Em seu sentido mais geral, essa transformação implicaria o desaparecimento das necessidades sociais de produção e produtos parasitários e desperdiçadores, de defesa agressiva, de competição por status e conformismo, e exigiria a correspondente liberação das necessidades individuais de paz, alegria e tranquilidade. Em vez de promover a conquista da natureza, a restauração da natureza; em vez da lua, a terra; em vez da ocupação do espaço extraterrestre, a criação do espaço interno; em vez da coexistência não-tão-tranquila da auência e da pobreza, a abolição da auência até que a miséria tenha desaparecido; em vez de armas e manteiga nas nações superdesenvolvidas, margarina suciente para todas as nações. Evidentemente, esta seria a mudança global mais radical que podemos imaginar. O que
podem fazer os cientistas a respeito disso? Aparentemente, nada. Mas aqui também somos confrontados com uma ilusão, pois o cientista já não é o pesquisador dissociado e isolado, mas se tornou o esteio das políticas e das instituições estabelecidas. Na medida em que a economia se torna um sistema tecnológico, a ciência se transforma num fator decisivo nos processos econômicos da sociedade. Mesmo o trabalho físico torna-se cada vez mais dependente de fundamentos cientícos (tecnológicos). Ao mesmo tempo, a brecha entre ciência pura e aplicada se estreita; as realizações mais abstratas e formais na lógica e na matemática traduzem-se em valores muito concretos e materiais (por exemplo, computadores). A ciência literalmente abastece a economia. Na medida em que a ciência é parte da base da sociedade ela se torna um poder material, uma força política e econômica, e todo cientista individual é uma parte desse poder. Assim como o cientista depende do governo e da indústria para o nanciamento de sua pesquisa, também o governo e a indústria dependem do cientista. O cientista individual pode de fato ser impotente para deter a maré da destruição “cientíca”, mas pode recusar-se a emprestar suas mãos e seu cérebro para a perfeição da destruição, e ele pode denunciar. Com certeza, sua recusa e seu protesto são apenas expressões individuais, e podem resultar na perda do apoio necessário para um determinado projeto. Há sempre esse risco. Mas sua recusa pode fazer com que indústria e governo pensem, e pode encorajar outros a segui-lo. Se estivermos inclinados a desprezar esse esforço como “meramente negativo”, devemos recordar que muitas vezes no passado o negativo foi o primeiro passo positivo. Hoje não há conito entre a ciência e a sociedade (a sociedade estabelecida); elas impelem-se reciprocamente na direção estabelecida do progresso, uma direção que parece cada vez mais perigosa para a
[L35] Comentário: Razão de ser.
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humanidade. Mas existe um conito entre a ciência moderna tal como é praticada e o telos interno da ciência. A ciência está ameaçada pelos seus próprios progressos, ameaçada por seu avanço como instrumento de um poder livre de valores, em vez de um instrumento de conhecimento e verdade. A ciência, como todo pensamento crítico, tem sua origem no esforço de proteger e melhorar a vida humana em sua luta com a natureza; o telos interno da ciência não é nada mais que a proteção e o melhoramento da existência humana. Essa tem sido a razão de ser da ciência, e seu abandono é equivalente à ruptura entre a ciência e a razão. A ciência pode de fato continuar a crescer, em um sentido limitado, como uma técnica, mas perderá sua própria raison d´être.
A ciência como um esforço humano continua a ser a mais poderosa arma e o instrumento mais ecaz na luta por uma existência livre e racional. Esse esforço estende-se para além do estudo, além do laboratório, além da sala de aula, e visa a criação de um ambiente, tanto social quanto natural, no qual a existência pode ser libertada de sua união com a morte e a destruição. Tal libertação não será um objetivo externo ou subproduto da ciência, mas antes a realização da própria ciência.
Krieger e Fritz Stern (Org.), The responsibility of power: historical essays in honor of Hajo Holborn (New York, Doubleday, 1967), p.
439-44.]. Traduzido do original em inglês por Marilia Mello Pisani. Revisão técnica de Marcos Barbosa de Oliveira.
scientiæstudia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 655-64, 2009 disponível em http://www. scientiaestudia.org.br/ Ressaltamos o papel de destaque atribuído aos cientistas na avaliação do uso que se faz de sua produção, expresso desde o início do texto. Para Marcuse, parece que o lugar que estes indivíduos ocupam na sociedade, no momento da denição das questões ligadas à ciência, volta a ser bastante privilegiado. Talvez esta posição se confronte com outras possíveis, que mostraremos mais a seguir. Contrariando a tese baconiana que ligava o desenvolvimento da ciência ao da sociedade, Marcuse arma que a ciência pode ser destrutiva e repressiva, ao invés de libertadora e progressiva. Para ele, o uso que se faz dela é quem irá determinar sua qualicação. Corroborando a crítica de Léyy-Leblond, arma que o “valor social das pesquisas” pode ser denido “a despeito da intenção dos cientistas” e que a “ciência livre de valores”, ao m e ao cabo, acaba por “promover cegamente certos valores políticos e sociais”.
* Texto revisado da palestra ministrada
Marcuse apresenta uma crítica e aponta o que, a seu ver, deveria ser a ciência: substituição da vontade de dominação da natureza pela de sua restauração. Para que isso pudesse acontecer, exige a “transformação” do “ambiente social”, a superação do sistema de produção vigente na atualidade, seus princípios e modus operandi .
no Lake Arrowhead Center of the University of California, Los Angeles (julho de 1966). [Esta tradução foi feita a partir da publicação de The responsibility of science em Leonard
O cientista, que “empresta suas mãos e seu cérebro para a perfeição da destruição” é o primeiro que deve renunciar e protestar
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contra este estado de coisas, assumindo as conseqüências políticas e nanceiras de seus atos subversivos, para angariar, assim, adeptos.
– como se Prometeu tivesse trabalhado para Frankstein (LEBRUN, 2006, p. 501) Não devemos concluir que Lebrun concorda com a análise de Marcuse, a quem atribui uma “ultratecnofobia” (LEBRUN, 2006, p. Parece-nos que este artigo seja bastante 505). Para Lebrun, “é preciso ter cuidado esclarecedor, referindo-se a uma posição e não se enganar de adversário” pois isto sustentada em argumentos bem construídos, conduziria, por exemplo, a “designar a e não com apelo ao medo como instrumento informática como bode expiatório, quando de controle. Mas também não é verdade o que está em questão é uma vontade que Lebrun tenha dirigido a Marcuse uma exacerbada de controle social” (LEBRUN, crítica com este conteúdo, nós é que estamos 2006, p. 505). Lebrun lia-se a tese forçando a argumentação, levando-a ao limite aristotélica que estabelece a diferença entre como método de apresentação da arena de produzir uma coisa e bem usá-la. Para ele, debates. Ao contrário, no mesmo Sobre a é claro “que o técnico tem receitas para tecnofobia, Lebrun reconhece o “mérito” de a produção, mas não para sua utilização Marcuse em “ter sublinhado a originalidade correta”, pois “o saber instrumental é de do fenômeno” de transformação, nas tal natureza que sua aplicação é sempre sociedades de consumo modernas, das passível de um coeciente de incerteza – e é invenções em ramos da produção. Assim, isso que torna imperfeita a competência do destaca Lebrun, Marcuse “forja seu conceito especialista”. (LEBRUN, 2006, p. 506 - 507). de tecnologia como sendo um processo social, forma de organização e perpetuação Para Lebrun, os textos de Aristóteles (ou transformação) das relações sociais cuja “têm sobretudo o interesse de esclarecer a aparelhagem técnica existente representa atividade técnica fazendo-nos não esperar apenas um fator entre outros” (LEBRUN, dela (ou ngir esperar dela) resultados tais 2006, p. 497). No entanto, Lebrun considera como o saber do bom uso, apenas exigíveis este conceito “demasiado abstrato” (LEBRUN, de um saber absoluto” (LEBRUN, 2006, 2006, p. 499): p. 508). “Eis uma precaução útil para não enveredarmos pela tecnofobia”, prossegue Parece inegável que assistimos a um Lebrun, para quem esta “começa quando declínio do ser humano enquanto centro de se atribuem á técnica responsabilidades decisão e a sua integração bastante rápida indevidas, que ela evidentemente não possui” num sistema cada vez mais como um objeto (LEBRUN, 2006, 508). Segundo este autor, manipulável. Situação na qual Habermas este cuidado pode deixar o medo de fora encontra uma fórmula impressionante: é desta discussão tão signicativa, o que é um como se o Homo faber , arrebatado por seu pré-requisito necessário para que o debate impulso, se torna-se Homo fabricatus. É racional possa fruticar. como se a humanidade tivesse montado uma armadilha que hoje se fecha sobre ela... A espécie humana foi aquela que conseguiu adaptar culturalmente o meio ás suas necessidades, em vez de adaptar-se á natureza como as outras espécies animais. Mas essa performance parece voltar-se contra ela: o comportamento humano torna-se mais e mais incontrolável,a própria natureza humana está a caminho de ser modicável www.posugf.com.br
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Controle social, revolução microeletrônica e digital
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as relações ou comunicações mediadas pelos recursos tecnológicos predominam sobre os contatos diretos e o calor humano. É um mundo sem dúvida vistoso, mas não bonito; intenso, mas não agradável; potencializado por novas energias e recursos, mas cada vez mais carente de laços afetivos e de coesão social. (SEVCENKO, 2001, p. 89) Neste mundo “intenso” e “desagradável”, não seria possível negar o impacto das novas tecnologias sobre o meio ambiente, seus desdobramentos sobre as condições de vida humana, e o fato de que o debate já envolve diversos grupos sociais – conjunto muito mais amplo que a comunidade cientíca.
=? O debate que desenvolvemos é bastante atual. Para o professor Sevcenko, precisamos juntar três elementos para compreender nossa época: a ascenção da cultura da imagem e do consumo, a desregulamentação dos mercados e a retração dos estados, com a progressiva desmontagem de seus mecanismos de distribuição e apoio social, promovidos pela era Reagan (1981-89) e Thatcher (197990)- e, por trás disso, como seu elemento propulsor, a Revolução Microeletrônica e digital. O resultado é uma situação na Fonte das imagens, na sequência: www. qual a imagens são mais importantes do infodhistoriar.blogspot.com, www.materiaespecializada. que os conteúdos, em que as pessoas são estimuladas a concorrer umas com as outras, blogspot.com, www.infoescola.com em detrimento de disposições de colaboração ou sentimentos de solidariedade, e na qual www.posugf.com.br
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Desde o século XVIII, quando as pessoas se referiam á “Inglaterra verde” em contraste com a “Inglaterra cinza”, por causa dos resíduos lançados pelas fábricas na atmosfera, a modicação da paisagem ocorre de forma e numa velocidade que não poderiam ser imaginadas por gerações passadas. A vida social e o meio ambiente passam a ser modicados num ritmo acelerado. Um verdadeiro turbilhão nos arrebata pois se somássemos todas as descobertas cientícas, invenções e inovações técnicas realizadas pelos seres humanos desde as origens da nossa espécie até hoje, chegaríamos a espantosa conclusão de que mais de oitenta por cento delas se deram nos últimos cem anos. Dessas, mais de dois terços ocorreram concentradas após a Segunda Guerra. Vericaríamos também que cerca de setenta por cento de todos os cientistas, engenheiros, técnicos e pesquisadores produzidos pela espécie humana estão ainda vivos atualmente, ou seja, compõem o quadro das gerações nascidas depois da Primeira Guerra [...] Essa situação transparece com clareza na taxa de crescimento dos conhecimentos técnicos, que desde o começo do século XX é de treze por cento ao ano. O que signica que ela dobra a cada cinco anos e meio. (SEVCENKO, 2001, p. 24). Simultaneamente, os conhecimentos se multiplicam, aumentam as taxas de produtividade, desenvolvem-se novos materiais. Com isso, as circunstâncias iniciais de cada projeto se transformam, modicam-se sempre, conduzem a resultados que estão além do que seria possível prever num primeiro momento. Um dos resultados desta velocidade que acompanha o (legenda) Alguns rios pelo mundo... desenvolvimento tecnológico é a proporcional fonte: meioambiente.culturamix.com diculdade de que as pessoas, sejam elas A partir destas características, surge o que cientistas ou leigos, possam compreender Hans Jonas chama de “presentismo”, ou seja, e reetir sobre os impactos futuros á vida, decorrentes das mudanças inigidas ao meio a escolha e decisão de algo, no presente, sem a necessária consideração de seus ambiente no presente. www.posugf.com.br
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desdobramentos futuros – desconhecidos, imprevisíveis. As gerações futuras é que terão de arcar com os resultados de nossas escolhas presentes, terão de acertar a fatura herdada de nosso “presentismo”. Vejamos um exemplo deste tipo de impasse: Uma das características do grande salto tecnológico e de produtividade obtido após a segunda Guerra Mundial,foi o desenvolvimento de uma enorme gama de produtos sintéticos. Atualmente existem mais de 100 mil desses produtos em circulação, sendo que mais de mil fórmulas novas são introduzidas a cada ano que se passa. Como são todos de criação relativamente recente, pouco se sabe sobre seu efeito de longo prazo nos seres ou na natureza. (SEVCENKO, 2001, p. 96)
Por toda parte onde pesquisaram, esses biólogos constataram grupos de animais que apresentavam declínio acentuado da taxa de fertilidade, apontando para a própria extinção da espécie, deformações aberrantes sobretudo nos órgãos reprodutores e outras anomalias congêneres. Mas o que é pior: eles desenvolveram também estudos sobre a relação de declínio do esperma e o crescimento dos índices de câncer dos testículos dos seres humanos. Sua constatação foi a de que entre 1938 e 1990, em populações ao redor do mundo, os níveis de esperma caíram praticamente pela metade, equivalendo a um aumento agudo de câncer testicular, afora um crescimento extraordinário de anomalias genitais em meninos e adolescentes. Quanto de tudo isso se deve a quais agentes químicos industriais e em que circunstâncias ocorre Desta forma, por nossa decisão no a contaminação, é algo difícil precisar [...]. presente, sem o conhecimento dos Mas o triste fato é que não foi possível desdobramentos futuros, estamos, todos, encontrar em nenhum ponto da Terra, por testando em nossos corpos, nos corpos de mais distante e remoto que fosse, mesmo nossos lhos, os efeitos dos agrotóxicos, dos entre os esquimós do Pólo Norte, algum alimentos geneticamente modicados, dos grupo que vivesse em algum ambiente ainda pesticidas, inseticidas... não contaminado por produtos químicos Alguns estudos que têm sido empreendidos industriais. (SEVCENKO, 2001, p. 99) para avaliar os efeitos destes novos compostos sintéticos nos organismos vivos, especialmente os mais comuns (DDT, PCBs e a dioxina) são, no mínimo, pouco estimulantes: Esses produtos estão por toda parte e são presenças banais no cotidiano das pessoas: detergentes, desinfetantes e outros produtos de limpeza, plásticos, sprays e assim por diante [...] Pois bem, os estudos se concentraram em três grandes grupos: aves, lontras e peixes. Algumas conclusões, apenas como exemplo, revelaram que as águias do Sudoeste dos estados Unidos se tornaram maciçamente estéreis; as lontras praticamente sumiram das ilhas britânicas, onde costumavam ser abundantes; e as gaivotas que pescavam arenques na Cubatão, São Paulo, Brasil região do lago Ontário passaram a dar a autoracing.virgula.uol.com.br e luz lhotes com deformações grotescas. www.posugf.com.br
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A capital paulista metrophotochallenge.com e helvioromero.wordpress.com
Este cenário pode ser contestado. A indústria química, farmacêutica, de alimentos, enm, as grandes corporações nanciam e divulgam pesquisas cientícas que apontam no sentido inverso. Se algum cientista isolado ou um grupo independente revela que determinado produto ou procedimento é nocivo para o ambiente ou os seres humanos, as grandes corporações dispõem logo dos recursos necessários para nanciar estudos na direção oposta, desmoralizando os cientistas autônomos e desqualicando os resultados de suas experiências. Além, é claro, de tirar todo o proveito de seu vultoso potencial econômico para gastar generosamente em publicidade e negociar o apoio de setores signicativos da imprensa e das instituições políticas e cientícas. Uma vez mais é um duelo desigual, como sempre o será (SEVCENKO, 2001, p. 101)
destas idéias. Poderá haver disputa entre os interesses das grandes corporações, que garantem sua posição na sociedade através da reprodução deste modelo, e valores mais humanistas, defendidos pela sociedade civil organizada, cientistas, partidos e/ou governos. De qualquer modo, o embate não se dará em condições de igualdade. Nesta conjuntura, com ou sem conhecimentos técnicos profundos, parece que somos lançados na arena de debates, bem como na experimental. O ar que respiramos, a água que consumimos, os alimentos, cosméticos, utensílios, os meios pelos quais nos locomovemos, nos comunicamos, enm, nossas existências não estão isoladas dos resultados da aplicação do avanço tecnológico na modicação e manipulação da natureza, dos hábitos e costumes de cada sociedade. Ao mesmo tempo, a ciência e as técnicas são instrumentos cada vez mais fundamentais na avaliação, diagnóstico e busca de alternativas a um modelo de desenvolvimento que chamaremos de predatório.
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Empresa de transgênicos impede publicação da cartilha ‘O Olho do Consumidor’
A concentração da propriedade privada dos meios de comunicação social é uma importante ferramenta na distribuição www.posugf.com.br
Adital – Uma cartilha produzida pelo Ministério da Agricultura sobre agroecologia teve sua distribuição impedida. A cartilha “O Olho do Consumidor”, que conta com ilustrações de Ziraldo, 44
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foi lançada para divulgar a criação do “Selo do SISORG” (Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica) que pretende padronizar, identicar e valorizar produtos orgânicos, orientando o consumidor. O livreto, que teve tiragem de 620 mil cópias, foi objeto de uma liminar de mandado de segurança, fruto de ação movida pela transnacional Monsanto, que impediu sua distribuição. Setores do Ministério ligados ao agronegócio também não caram contentes com as informações contidas na cartilha. O arquivo foi inclusive retirado do site do Ministério. A proibição se deu por conta do item 5 da página 7 onde se lê: “O agricultor orgânico não cultiva transgênicos porque não quer colocar em risco a diversidade de variedades que existem na natureza. Transgênicos são plantas e animais onde o homem coloca genes tomados de outras espécies”. Em autêntica desobediência civil e resistência pacíca à medida de força, o MST se junta a todos aqueles que estão distribuindo eletronicamente a cartilha. Se você concorda com esta idéia, continue a distribuição para seus amigos e conhecidos. A cartilha está circulando na internet. Leia e divulgue. ADITAL: Agência de Informação Frei Tito para América Latina.
Assim, mesmo sem os conhecimentos técnicos mais especícos, podemos investigar como funcionam as políticas que inuenciam, conduzem, fomentam, ou, no limite, determinam as pesquisas cientícas. Como resultado desta iniciativa, estaremos em melhor condição de participar destes complexos debates. Nesta linha de raciocínio, Sevcenko apresenta-nos ainda outra questão: O maior obstáculo à formulação dessa ciência responsável é, uma vez mais, o modo como no panorama atual as grandes corporações escaparam do controle de órgãos reguladores e dos grupos de pressão social da sociedade civil. Conforme vimos, na
medida em que desfrutam de uma condição privilegiada, isentas de controle do Estado e infensas ás demandas da sociedade, elas se tornaram o principal agente indutor das políticas de ciência e tecnologia. Dados os constantes e crescentes cortes de nanciamento para as universidades e institutos de pesquisa, a alternativa deixada a essas instituições é buscar recursos junto às grandes corporações. A prioridade das megaempresas, por sua vez, é a valorização de suas ações, o que implica compromissos com grupos minúsculos de acionistas e com planilhas de prazos muito curtos, completamente indiferentes a entidades tão amplas como a humanidade e o planeta ou como o futuro distante. Assim, em vez de ser responsável, a ciência é levada a ser rentável. (SEVCENKO, 2001, p.101) Somos lançados ao espaço público, à esfera da política, local onde se encontram as forças organizadas da sociedade disputando a implementação dos projetos considerados como os mais válidos, mais vantajosos ou melhores – segundo os critérios de cada agrupamento. O turbilhão de nossa era nos arrebata. Analisemos um exemplo. No site do Ministério da Agricultura, encontramos a declaração de que “a sustentabilidade envolve desenvolvimento econômico, social e respeito ao equilíbrio e às limitações dos recursos naturais”. Esse princípio estaria de acordo com as diretrizes expressas no relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU em 1983, que dene como nalidade do “desenvolvimento sustentável [...] o atendimento das necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às próprias necessidades”. A atitude que Jonas designa como “presentismo” foi debatida e repudiada nos fóruns internacionais e os instrumentos regulatórios estabelecidos ocialmente
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no Brasil acompanham e professam conformidade com estas decisões. A intenção expressa pela instituição nacional de regulação, fomento e organização da atividade produtiva de alimentos, o Ministério da Agricultura, é essa. Podemos, no entanto, apontar a existência de ações para inibir e mesmo impedir o desenvolvimento das atividades voltadas ao “desenvolvimento sustentável”. Com ilustrações de Ziraldo, este Ministério produziu a cartilha O olho do consumidor , dirigida ao grande público com o objetivo de orientar a escolha de alimentos mais saudáveis, livres de agrotóxicos. A Monsanto, megaempresa que tem negócios neste ramo, através de uma ação na justiça, conseguiu impedir a divulgação deste instrumento pelos órgãos ociais de governo. Outro caso bastante próximo historicamente, é o da retomada, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de terras públicas griladas pela Cutrale. O INCRA conrmou pertencerem à União as terras ocupadas ilegalmente pela megaempresa. Ainda assim, os grandes conglomerados de mídia divulgaram que os prejuízos causados pelo MST totalizaram R$ 1,2 milhão, referentes a equipamentos danicados, defensivos agrícolas extraviados e à parte da lavoura de laranja derrubada. , Segundo Gilmar Mauro, da direção do movimento, mesmo após a Justiça ter desmentido a calúnia, dando ganho de causa ao MST, “durante um tempo não podíamos sair na rua em Bauru, pois produziu-se um consenso para gerar processos coercitivos”. Desta forma, a política de “coerção e consenso”, fabricada pelos meios de comunicação, tornaram palatáveis para as amplas maiorias formas de violência contra os próprios lesados: a comunidade, que teve seus bens subtraídos pela Cutrale, tornou-se defensora dos usurpadores da propriedade estatal e passou a perseguir os defensores de seus interesses.
Milho transgênico causa
alteração em rato
GEOFFREY LEAN DO “INDEPENDENT” Ratos alimentados com uma dieta rica em milho geneticamente modicado desenvolveram anormalidades em seus órgãos internos e alterações em seu sangue, segundo um estudo. Os resultados trazem à tona os velhos temores de que a saúde humana possa ser afetada pelo consumo de alimentos transgênicos. O jornal britânico “The Independent” obteve detalhes de um estudo secreto realizado pela companhia Monsanto, uma gigante no ramo de alimentos geneticamente modicados, que mostra que ratos alimentados com o milho alterado tinham rins menores e variações na composição de seu sangue. Segundo o relatório condencial de 1.139 páginas, esses problemas de saúde não apareceram em outro conjunto de roedores, alimentados com produtos não-modicados para servir de grupo de controle para comparação dos resultados. As revelações surgem em meio a pedidos para que os resultados sejam tornados públicos, enquanto os países europeus se preparam para votar sobre se o milho modicado deve ou não ser colocado no mercado para consumo por seres humanos. Impasse na Europa - Uma votação conduzida na semana passada pela União Européia não conseguiu chegar a um acordo sobre se o produto deveria ou não ser comercializado no continente. O Reino Unido e outros nove países votaram a favor da liberação. No entanto, a revelação dos efeitos médicos sobre os ratos da Monsanto intensicou o debate sobre se é possível dizer que o milho é seguro para consumo sem mais pesquisas. Médicos dizem que as mudanças no sangue dos roedores indicam que o
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sistema imunológico do rato foi danicado ou que uma doença como um tumor havia surgido e o sistema lutava para combatê-la.
Monsanto se recusa a divulgar por considerar que ele “contém informações condenciais de negócios que poderiam ter uso comercial por nossos competidores”. Preocupação - Vyvyan Howard, Um porta-voz da Monsanto disse no nal especialista em anatomia humana e biologia da semana passada: “Se algum desses celular da Universidade de Liverpool, pediu a conhecidos críticos antibiotecnologia tinha publicação completa do estudo, dizendo que dúvidas sobre a credibilidade desses estudos, o sumário da pesquisa dava “motivos para elas deveriam ter sido apontadas aos preocupação”. [órgãos] reguladores. Anal, o MON 863 não Michael Antoniu, especialista em genética é novo, e já foi aprovado como tão seguro molecular na Escola Médica do Guy’s Hospital, quanto o milho convencional por nove outras no Reino Unido, descreveu as descobertas autoridades globais desde 2003”. como “muito preocupantes do ponto de Fonte: Folha de São Paulo - Caderno vista médico”, complementando: “Eu quei “Ciência” - 23/05/2005 impressionado pelo número de diferenças http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/ signicativas que eles encontraram [no fe2305200501%2ehtm experimento de ratos]”. Embora a Monsanto descarte as anormalidades observadas nos ratos como insignicantes e aleatórias, uma fonte no governo britânico disse que os ministros estavam tão preocupados pelas descobertas que estavam requisitando mais informações. Os ambientalistas encaram as descobertas como conrmação de um estudo britânico de sete anos atrás, que sugeria que ratos Dr. Arpad Pusztal, cientista britânico que alimentados com batatas transgênicas foi forçado a se aposentar em 1989, após sofriam danos à saúde. Aquela pesquisa, coordenar as pesquisas que evidenciaram severamente criticada pela comunidade malefícios causados pelo consumo de cientíca britânica, foi interrompida, e Arpad alimentos geneticamente modicados. Pusztai, o cientista que liderou o estudo, Em 1990, cientistas de vários países foi forçado a se aposentar. Pusztai também pediram sua reabilitação, depois de reportou uma “enorme lista de diferenças estudar e comprovar os resultados de signicativas” entre ratos alimentados com suas pesquisas. milho convencional e modicado. Nesta arena desigual de embates, surge o Produto antigo -O novo estudo da chamado “princípio da precaução”, gestado Monsanto é feito com um milho, com por participantes de organizações sociais, codinome MON 863, que foi modicado para se proteger contra uma larva de besouro, que cientistas e leigos, especialmente após os a companhia descreve como “uma das pragas debates gerados em torno da utilização mais perniciosas a afetar plantações de milho dos alimentos geneticamente modicados. “O fundamento do princípio da precaução”, ao redor do mundo”. esclarece o professor Sevcenko, “é o de que Agora, no entanto, qualquer decisão de quando uma tecnologia ou produto comporta permitir que o milho seja comercializado no alguma ameaça de dano á saúde pública Reino Unido irá causar alerta generalizado. ou ao meio ambiente, garante-se que antes Os detalhes completos da pesquisa com de serem liberados eles sejam evitados ou os ratos estão no relatório principal, que a www.posugf.com.br
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postos de quarentena para maiores estudos e avaliações” (SEVCENKO, 2001, p. 103). Este “princípio de precaução” envolve alguns elementos:
comunidades passem a avaliar as políticas de pesquisas cientícas. Desta forma, a comunidade, leiga nos aspectos técnicos, estaria envolvida na denição das perguntas, das técnicas e procedimentos, na escolha 1. reconhecimentos dos riscos das teorias que seriam investigadas pela comunidade cientíca. Os cientistas, como potenciais decorrentes da cidadãos, não estariam excluídos destes utilização de determinada técnica debates. A intenção é clara, embora nem tão claros estejam os princípios e mecanismos ou produto que garantirão sua realização. 2. reconhecimento das incertezas Por trás dele [princípio da precaução] palpita a nítida intenção de rever o papel cientícas sobre os impactos, e as condições que presidem as políticas conseqüências diretas e indiretas de pesquisa cientíca, a disposição de incrementar a participação pública nos relacionadas à utilização da debates relativos à saúde e ao meio ambiente e de consolidar uma ética que repõe os seres referida técnica ou produto humanos e a natureza antes dos interesses 3. necessidade de ação preventiva econômicos. (SEVCENKO, 2001, p. 103) Vemos que é sugerida uma mudança em relação aos riscos latentes social, com o fortalecimento de critérios de progresso que levem em conta a realização identicados humana e não os lucros. Trata-se da “Assim denido, denido, o princípio retomada da “tradição humanista”, humanista”, que da precaução se tornou um item prescreve que o progresso da sociedade fundamental das reivindicações das ocorre na medida em que aumenta a ONGs junto aos órgãos reguladores capacidade das pessoas para assumir internacionais”, internacionais”, esclarece Sevcenko responsabilidade política, em que se fomenta (SEVCENKO, 2001, p. 103). Trata-se a universalidade do ser humano (contra de uma iniciativa fomentada a partir toda forma de discriminação), amplia-se da reunião de leigos, cidadãos que a liberdade de pensamento respeitando a não detêm profundo saber técnico individualidade e a criatividade. O desao especializado mas que, por sentirem-se permanece: como realizar estes ideais a envolvidos e ameaçados diretamente partir da realidade prática estabelecida? pelo incremento do desenvolvimento Em seu aspecto negativo, a crítica tecnológico nos modelos atuais, unem pretende apontar o que está errado no suas vozes ao debate, dividindo espaço vigente. Pode-se, a partir disso, assumir com os cientistas. uma posição de negação do papel positivo Não nos parece, a despeito da validade ou que a técnica, a ciência e a tecnologia têm desdobramentos práticos da iniciativa, que em nosso cotidiano. Esse caminho não este princípio da precaução seja um sólido reconhece o potencial emancipatório inscrito instrumento na resolução destes complexos nas ferramentas tecnológicas, quer seja conitos. A idéia de seus formuladores é a na produção de alimentos, de energia, na de que, com estas diretrizes tão gerais, as substituição do trabalho humano e criação [L47]Comentário: entrada, aquilo que é posto, aplicado (cf. Houaiss Webster’s)
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de espaço para o desenvolvimento de outras atividades, no prolongamento da vida ou a diminuição da dor... Num caminho diferente, encontramos críticos que pretendem despertar nas pessoas a consciência da necessidade de mudanças. Para estes, além dos membros da comunidade cientíca, este debate pode e deve ser travado por todos. Os adeptos desta tese acreditam que podemos desenvolver o lado positivo da crítica: a invenção e a prática de novas formas de ciência, com a utilização da tecnologia, das construções teóricas e instrumentos práticos voltados para a realização de valores de solidariedade e justiça, ao invés da acumulação de capital; substituindo a noção de dominação da natureza pela de respeito ao meio ambiente. Para estes, outro mundo é possível.
transgênicos requerem o input input da da pesquisa cientíca, por exemplo, no que concerne aos riscos e ao potencial produtivo das alternativas agrícolas; porém, as questões éticas não podem ser respondidas somente com pesquisa cientíca; não podem ser reduzidas a questões cientícas. Além disso, diss o, a identicação de qual é a pesquisa cientíca relevante a ser conduzida implica por si mesmo juízos éticos, mas de um modo que não deve abalar a objetividade da pesquisa cientíca. A inter-relação entre o ético e o cientíco penetra em cada aspecto da controvérsia sobre os transgênicos. transgênicos . Os modos comuns de entender a ciência e a ética – os quais armam que os juízos factuais e de valor estão fundamentalmente separados, que a ciência é “objetiva” e “livre de valores” e a ética “subjetiva” – tendem a obscurecer esta inter-relação e, portanto, a tornar difícil que os grupos em oposição Voltemos Voltemos á controvérsia envolvendo os aprendam os argumentos de seus oponentes. alimentos transgênicos, para exemplicar, exemplicar, O entendimento do que está envolvido mais uma vez, como são desenvolvidos os na controvérsia acerca dos trangênicos debates pelo lósofo da ciência: – e o entendimento é um pré-requisito Considero que a posição pró posição pró-transgênicos -transgênicos para a resolução razoável desta disputa defende, em primeiro lugar, lugar, a legitimidade – repousa necessariamente sobre uma e a importância do desenvolvimento da losoa da ciência adequada, que interpretação imediata, da utilização intensiva clarique e forneça inteligibilidade e da ampla difusão dos transgênicos o mais exatamente ao modo como a ciência e cedo possível nas práticas agrícolas que os valores interagem, incrementando a produzem as maiores colheitas do mundo integridade e a credibilidade de ambos. e, em segundo lugar, que os transgênicos (LACEY, (LACEY, 2006, p. 9-10, grifos nossos) acabem por assumir um lugar central c entral nas Para nós, não se trata de apresentar políticas agrícolas nacionais e internacionais. respostas prontas, apontar o caminho da Em oposição a isso, considero o lado verdade, fornecer soluções mágicas que se conclusões pró contra, que nega que as conclusões pró mantenham acima de qualquer suspeita. O tenham sido estabelecidas adequadamente, lósofo, como amigo do conhecimento, é argumentando que é necessário fazer mais aquele que busca, para além das aparências, pesquisa antes que uma posição denitiva da tradição e do consenso, a essência, a possa ser tomada; e, armativamente, que origem, as causas e nalidades do objeto devem priorizar alternativas que não usam investigado, esteja ele dentro ou fora de nós. transgênicos, tal como a agroecologia, Como os demais caminhantes, construímos e enfatizar a urgência e a prioridade da nas passadas o caminho. investigação de seus potenciais produtivos. Parece-nos um bom momento para [...] Dedicarei grande atenção à interretomarmos uma das mais belas passagens relação entre o ético e o cientíco. As da história do cinema, prazer que não seria soluções para as questões éticas envolvendo possível experimentar sem a mais moderna www.posugf.com.br
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tecnologia. Trata-se Trata-se do memorável O grande ditador, mais especicamente o episódio em que o barbeiro (Chaplin), por ser confundido com Hitler, é chamado para proferir um discurso.
POPPER, K. R. Conjecturas e refutações. Brasília: Ed. UNB, 1982. ____________. O realismo e o objectivo da ciência. ciência. Lisboa: D. Quixote, 1987. RHODES, Richard. “Prefácio” “ Prefácio”.. In: Um
Bibliograa ARISTÓTELES. Metafísica - Porto Alegre: Editora Globo, 1969. CALDAR, Roseli Salete. O MST e a formação dos sem terra: o movimento social
como princípio educativo. Estud. av. [online]. 2001, vol.15, n.43, pp. 207-224. ISSN 01034014. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. ideologia. 8 º reimp., 2º ed. – São Paulo: Editora Brasiliense, 2006. CHALMERS, Alan. O que é ciência anal? São Paulo: Editora Brasiliense, 1993. ÉSQUILO. “Prometeu”. In: AGUIAR, L. A., Prometeu/Ésquilo; Alceste/Eurípedes. Alceste/Eurípedes. – 2° Ed. – Rio de Janeiro: Difel, 2010.
mundo ou nenhum. São Paulo: Editora Paz e Trerra, 2008.
SEVCENKO, Nicolau. A Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 http://www.agricultura.gov.br/ desenvolvimento-sustentavel http://www.cutsp.org.br/ noticias/2011/02/28/cms-abre-guerra-contra201cagenda-regressiva-imposta-pelosinteresses-do-sistema-nanceiro-e-suamidia201d.1 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/ fe2305200501%2ehtm
JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade cientíca. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.
Os cibercéticos estão na
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções cientícas. - 6° Ed.- São Paulo: editora Perspectiva.
The Observer: Redes como o Facebook mais isolam do que unem, segundo um número crescente de estudiosos
LACEY, LACEY, Hugh. Hug h. A A controvérsia dos transgênicos. transgênicos. Aparecida: Ideias e Letras, 2006.
Por Paul Harris www.cartacapital.com.br
moda
As mídias sociais estariam nos LÉVY-LEBLOND, J. M.. Sobre a neutralidade tornando menos capazes de digerir informação complexa e nos isolando numa cientíca. [on line] Les Temps Modernes nº pobre imitação do mundo real. real. 288. Julio/70 O modo como as pessoas se comunicam LEBRUN, Gerard. Gerard. “Sobre a tecnofobia”. tecnofobia”. In: freneticamente on-line através do Twitter, LEBRUN, A losoa e sua história. São Paulo, do Facebook e das mensagens instantâneas Cosac Naify, 2006. pode ser considerando uma forma de loucura moderna, segundo uma importante socióloga MARCUSE, Herbert. A Herbert. A Responsabilidade da americana. ciência. ciência. [on line] scientiæstudia, São Paulo, v. “Um comportamento que se tornou 7, n. 1, 2009. típico ainda pode expressar os problemas que www.posugf.com.br
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antes nos faziam considerá-lo patológico”, escreve Sherry Turkle, professora do MIT, em seu novo livro, Alone Together (Sozinhos Juntos), que está liderando o ataque contra a era da informática. O livro de Turkle , que será publicado no Reino Unido no mês que vem, causou sensação nos Estados Unidos, país geralmente mais obcecado pelos méritos da redes sociais. Ela participou na semana passada do programa cômico de TV de Stephen Colbert, The Colbert Report . Quando Turkle disse que esteve em enterros em que as pessoas vericavam seus iPhones, Colberto retrucou: “Cada um tem sua própria maneira de dizer adeus”. A tese de Turkle é simples: a tecnologia ameaça dominar nossa vida e nos tornar menos humanos. Sob a ilusão de permitir uma melhor comunicação, na verdade nos isola das verdadeiras interações humanas, em uma ciber-realidade que é uma pobre imitação do mundo real. Mas o livro de Turkle não é a única obra do tipo. Uma reação intelectual nos Estados Unidos pede a rejeição de alguns dos valores e métodos das comunicações modernas. “É uma enormes revolta. Os diferentes tipos de comunicação que estamos utilizando tornaram-se algo que assusta as pessoas”, disse o professor William Kist, especialista em educação na Universidade Estadual de Kent, em Ohio.
Outra linha de pensamento no campo do ciberceticismo encontra-se em The Net Delusion (A Ilusão da Rede), de Evgeny Morozov. Ele arma que a mídia social produziu uma geração de slacktivists (ativistas frouxos). Ela tornou as pessoas preguiçosas e consagrou a ilusão de que clicar com o mouse é uma forma de ativismo equivalente às doações em dinheiro e tempo no mundo real. Outros livros incluem The Dumbest Generation (A Geração mais Idiota), de Mark Bauerlein, professor da Universidade Emory, que arma que “o futuro intelectual dos Estados Unidos parece sombrio” – e We Have Met the Enemy (Encontramos o Inimigo), de Daniel Akst, que descreve os problemas de autocontrole no mundo moderno, dentre os quais um componente-chave é a proliferação das ferramentas de comunicação. A reação atravessou o Atlântico. Em Cyburbia, publicado na Grã-Bretanha em 2010, James Harkin investigou o mundo tecnológico moderno e encontrou algumas possibilidades perigosas. Embora Harkins não seja um “cibercético” puro, encontrou muitos motivos de preocupação, assim como de satisfação, na nova era tecnológica. Em outra frente, o lme de sucesso A Rede Social tem sido considerado um ataque ligeiramente velado à geração da mídia social, sugerindo que o Facebook foi criado por pessoas que não conseguiam se encaixar no mundo real.
A lista de ataques à mídia social é longa e vem de todos os cantos do mundo acadêmico e da cultura popular. Um best seller recente nos EUA, The Shallows (Águas Rasas ou Os Baixios) de Nicholas Carr, sugeriu que o uso da internet estaria modicando nosso modo de pensar, para nos tornar menos capazes de digerir quantidades de informação grandes e complexas, como livros e artigos de revista. O livro baseouse em um ensaio que Carr escreveu na revista Atlantic. Era igualmente enfático e se intitulava O Google Está nos Tornando
O livro de Turkle, porém, provocou mais debates até agora. É um grito de alerta para que se ponha de lado o Blackberry, se ignore o Facebook e se evite o Twitter. “Nós inventamos tecnologias inspiradoras e potencializadoras, mas permitimos que elas nos reduzissem”, ela escreve. Outros críticos apontam diversos incidentes para reforçar seus argumentos. Recentemente, a cobertura na mídia da morte de Simone Back, em Brighton (Inglaterra), concentrou-se em um bilhete de suicida que ela havia “postado” no Facebook e que foi visto por muitos de seus 1048 “amigos” no
Idiotas?
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site. Mas nenhum deles tentou ajuda-la – em vez disso trocaram insultos na página de Back no Facebook. O livro de Turkle também agradou, porque suas obras anteriores, The Second Self (O Segundo de Si Mesmo) e Life on the Screen (Vida Tela), pareciam mais abertas ao mundo tecnológico. “Alone Together parece ter sido escrito pela gêmea maligna de Turkle”, brincou Kist. Mas hoje até a reação tem uma reação, e muitas pessoas saltam em defesa da mídia social. Elas indicam que e-mails, Twitter e Facebook geraram mais comunicação e não menos – especialmente para pessoas que podem ter diculdades para se encontrar no mundo real devido à distância física ou à diferença social. Os defensores dizem que sua forma de comunicação é apenas diferente, e algumas pessoas podem ter diculdade para se adaptar. “Quando você entra em um café e todo mundo está em silêncio sobre seus laptops, compreendo o que ela diz sobre não conversar uns com os outros”, disse Kist. “Mas ainda é comunicação. Eu discordo dela. Não vejo a coisa tão preto e branco.” Alguns especialistas acreditam que o debate está tão acirrado porque as redes sociais são um novo campo que ainda precisa desenvolver regras de etiqueta que todos possam respeitar, e que por isso incidentes, como a morte de Simone Back, parecem tão chocantes. “Sejamos francos, não vejo sinais de alguém se desligando”, disse Kist. “Mas talvez precisemos desenvolver uma ´netiqueta´para lidar com tudo isso. Ele também indicou que o “mundo real” a que muitos críticos da mídia social se referem nunca existiu realmente. Antes que todo mundo viajasse no ônibus ou no trem com as cabeças enterradas em iPads ou smartphones, geralmente apenas cavam em silêncio. “Não víamos as pessoas conversar com estranhos espontaneamente. Elas se voltavam para si mesmas”, disse Kist. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Os sonhos de Kepler Frei Betto para Caros Amigos www.carosamigos.com.br A impressão é que o ser humano conquistou o “impossível”. Sabemos voar como pássaros, navegar sob as águas como peixes, correr mais rápido do que coelhos e capazes de nos comunicar a distâncias outrora inimagináveis. Somos a geração automotiva. O relógio mede cada segundo do nosso tempo, cavalos e carruagens cederam lugar a carros e aviões, trovadores invisíveis cantam através de nosso equipamento de som, arautos sem rosto divulgam os fatos pelo rádio, o circo e o teatro irrompem em nossa sala nas dimensões de uma pequena tela eletrônica. Melhor do que dividir a história em antiga, medieval, moderna e contemporânea, é distingui-la pelas eras agrícola, que durou 10.000 anos; industrial, nos últimos 100 anos; e, agora, cibernética. Johannes Kepler, nascido na Alemanha em 1571, atraído pelo faro estético dos gregos que acreditavam ter o Universo uma natural simetria - descobriu a arquitetura do sistema solar e levou quatro anos para calcular a órbita de Marte, uma elipse perfeita. Com um computador, bastariam quatro segundos. Kepler, que escreveu o livro intitulado O Sonho, teria invejado a nossa geração se imaginasse quanto tempo poderia poupar. Daria asas à imaginação, sonhando em fazer tudo aquilo que o trabalho exaustivo não lhe permitia: desfrutar da vida campestre, perder tempo com os amigos, car na igreja ouvindo o som inebriante do órgão, contemplar o céu noturno para captar a música das estrelas. O que ele jamais poderia supor é que, com tanta tecnologia, a nossa geração dispõe cada vez mais de menos tempo. Somos incorrigivelmente vorazes. Queremos o máximo de informações no mínimo de tempo. Desaamos, a cada
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momento, as barreiras do espaço. Reduzimos as distâncias com telefones celulares e operações digitais. Ainda que no trânsito ou no aeroporto, no trabalho ou no clube, a “coleira eletrônica” impede que nos percam de vista. Entre uma marcha e outra, uma exão abdominal e outra, um opinião e outra no trabalho, controlamos os lhos, as aplicações nanceiras, os negócios geogracamente distantes. Como prometeu, queremos arrebatar o fogo dos deuses, fazendo de conta que não somos frágeis e mortais. Porque precisava pensar, Kant nunca saiu de Königsberg, onde construiu uma obra losóca monumental. Ora, para que livros se há milhares de vídeos interessantes? Basta saber que o patrimônio cultural da humanidade se encontra armazenado nas bibliotecas. Relaxados, passamos horas, dias, meses e anos de nossas vidas vendo um punhado de homens correrem atrás de uma bola e carros velozes desaando as curvas da morte. Nossos heróis estão distantes da arte musical de Mozart, da física de Planck ou da literatura de Machado de Assis. Veneramos aqueles que quebram limites. O Evangelho da “pós-modernidade” são os índices do mercado nanceiro. A Biblía. O Guiness Book of the Records. Pelé fez 1.000 gols. Michael Jackson coloriu de branco sua pele negra. Ayrton Senna andou mais depressa grudado no solo que qualquer outro mamífero. Só não descobrimos o elixir da felicidade. Por que nenhuma empresa vende o que mais procuramos, o amor? Ora, talvez possamos deixar de pagar, com o sacrifício da própria vida, o preço letal dessa busca, se abraçarmos os sonhos de Kepler: a vida campestre, a roda de amigos, o coro de anjos numa igreja e a melodia das estrelas.
Espiões por todos os lados: a inltração nos movimentos sociais
Agentes inltrados nos movimentos sociais ingleses vem das forças ociais da polícia, mas também de empresas privadas contratadas por grandes corporações. No início de janeiro deste ano, pouco antes de seis ativistas irem à julgamento por tentarem fechar uma usina termoelétrica em 2009, Mark Kennedy (foto), um policial inltrado entre o grupo de manifestantes, mudou de lado e resolveu prestar depoimento em favor dos acusados. O caso foi suspenso e uma série de revelações envolvendo espionagem policial entre ativistas ingleses veio a público. O artigo é de Wilson Sobrinho. Wilson Sobrinho - Correspondente da Carta Maior em Londres Serviços de investigação privados estão sendo utilizados porcorporações britânicas para manterem-se informadas a respeito dasatividades dos movimentos sociais. A revelação da semana passada do jornal londrino The Guardian ocorre um mês depois do início de uma crise envolvendo a polícia britânica em função do uso de agentes secretos inltrados entre ativistas e ONGs. Documentos revelados pelo jornal inglês mostram que pelo menos três companhias de energia com sede nas ilhas britânicas contrataram os serviços de uma empresa privada de investigação para monitorar os passos de grupos que iam de ambientalistas como London Rising Tide e Plane Stupid, focado na aviação, até movimentos contra o comércio internacional de armas, como o Campaign Against Arms Trade, de Londres. (1) Por pelo menos três anos, pessoas ligadas à empresa Vericola, com sede no sudeste da Inglaterra, ngiram ser apoiadores de causas ecológicas e políticas para ganhar acesso a manifestações, reuniões e listas de discussões que de outro modo seriam restritas a ativistas. A descoberta da inltração só aconteceu em função de um e-mail erroneamente remetido pela gerente da empresa a alguns grupos que ela monitorava. A Vericon – que se descrevia
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como um grupo de“gerenciamento de riscos” a negócios sujeitos a “ameaças potenciais” – negou à reportagem do The Guardian que trabalhasse com espionagem corporativa. Eles apenas juntariam informações amplamente divulgadas, remetidas aos leitores das newsletters e publicadas na internet. “Nossa cliente não obteve informação condencial nem foi desonesta”, disseram os advogados da empresa ao jornal. Porém, em uma das mensagens obtidas pelo The Guardian, Rebecca Todd, proprietária da Vericon, prepara um funcionário para encontrar-se com manifestantes e dá dicas sobre como se relacionar sem despertar suspeitas. “Diga que você tem problemas com a namorada. Soa melhor do que problemas com a família ou no trabalho”, aconselhou para tentar acobertar a ausência do agente das recentes reuniões. “E não diga que você está indo para Munique – obviamente eles odeiam viagens curtas de avião”, ordenou. Em outra mensagem, dessa vez enviada para um grupo de ativistas, ela teria se mostrado interessada em fazer uma “contribuição positiva ao planeta”, para logo em seguida pedir informações sobre como se reunir com o grupo. “Eu adoraria participar”, lê-se no e-mail obtido pelo jornal.
o presidente da Associação dos Chefes de Polícia (Acpo), sir Hugh Orde, havia criticado o “descontrolado e irrestrito” papel do setor privado no ramo de inteligência (3). Não se sabe se Orde tinha informações de que o The Guardian estava prestes a revelar a bisbilhotagem patrocinada por mega-corporações. O que se sabe é que ele estava se defendendo da outra crise, essa envolvendo o governo. No início de janeiro deste ano, pouco antes de seis ativistas irem à julgamento por tentarem fechar uma usina termoelétrica em 2009, Mark Kennedy, um policial inltrado entre o grupo de manifestantes, mudou de lado e resolveu prestar depoimento em favor dos acusados. O caso foi suspenso e uma série de revelações envolvendo espionagem policial entre ativistas ingleses veio a público. (4)
À revelação da verdadeira identidade de Kennedy, agente duplo desde 2000, seguiuse uma lista de outros agentes inltrados em grupos dee cologistas pela Inglaterra. Entre eles, o caso de um agente que teria revelado o disfarce para uma ativista do Reclaim The Steets antes de se casar com ela. Uma manifestação no nal do mês de janeiro reuniu em Londres um grupo de mulheres ativistas descontentes com as Pelo menos uma das companhias citadas táticas da polícia inglesa, principalmente admitiu usar os serviços da Vericon no pelo fato de que alguns policiais estariam passado. “Como uma grande empresa que usando suas posições para fazer sexo com as tem sido alvo de numerosos protestos manifestantes. “A polícia sabia o que estava ambientais, alguns dos quais violentos, acontecendo ou até mesmo encorajou?”, nós temos por obrigação cuidar de nossos perguntou uma ativista que teria mantido empregados e mantê-los seguros”, relações sexuais com Kennedy ao longo de manifestou-se através de um porta-voz uma um ano. “Se ele estava mantendo segredo da das companhias, a E.ON, fornecedora de gás polícia então é diferente. Mas eu acho que ele e energia elétrica (2). Porém, eles armam tinha tantos amigos e relações com pessoas que estavam interessados apenas nas do movimento que eu preciso questionar informações publicamente disponíveis e que se era uma tática – ou parte de sua tarefa não requisitaram e não se responsabilizam – para se tornar mais respeitado e ganhar por eventuais excessos cometidos por seus conança dentro do grupo”, disse a mulher, prestadores de serviços. Embora não existam identicada apenas como Anna. provas de outros casos, uma semana antes de o The Guardian publicar a reportagem, A Acpo reconheceu por meio de um portawww.posugf.com.br
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voz que “sob nenhuma hipótese” é permitido aos agentes manter relações com as pessoas vigiadas. “É grosseiramente anti-prossional”. Porém defendeu o uso de agentes secretos em meio a ecologistas, alguns deles “dispostos a causar danos, cometer crimes, e em algumas ocasiões desabilitar partes importantes da infraestrutura do país”, armou o porta-voz. (5) Na semana passada, Orde defendeu que juízes autorizem a decisão de inltrar um agente secreto em um grupo sob vigilância como forma de restabelecer a conança do público nos serviços de inteligência. (1) http://www.guardian.co.uk/ environment/2011/feb/14/environmentalactivists-protest-energy-companies (2) http://www.heraldscotland. com/news/transport-environment/ campaigners-mock-energy-rms-over-spyinvestigations-1.1085549
Marroquín, diretor do diário Prensa Libre, da Guatemala, “durante el 2011 pondremos empeño en educar al público para que se tome conciencia de que cuando se restringe a la prensa y la libertad de expresión, se menosprecia el valor a saber, un derecho humano de carácter individual y social que es esencial para la sobrevivencia y el éxito de la
democracia” . Declarou também que será dada ênfase às “enseñanzas que sobre libertad de prensa y de expresión emanan de la Declaración Universal de los Derechos Humanos, la
Convención Americana sobre Derechos Humanos y la Declaración de Chapultepec”
A nota da SIP informa que a brasileira ANJ (Associação Nacional de Jornais) é uma das associações nacionais do hemisfério que apóiam a iniciativa. Ótimo.
Documentos básicos (3) http://www.acpo.police.uk/ExternalLinks/ Para dar uma modesta contribuição à SirHughOrdeSpeechtoLiberty.aspx SIP e à ANJ, considerando que já estamos em 2011, reproduzo abaixo alguns trechos (4) http://www.bbc.co.uk/news/uk-12148753 dos três documentos básicos que serão enfatizados ao longo do ano. (5) http://www.bbc.co.uk/news/uk-12238445 O leitor notará que, mesmo a declaração Ano novo, velha batalha de Chapultepec – que é um conjunto de princípios redigido por especialistas a pedido A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) da própria SIP e, portanto, não tem o poder anunciou que 2011 será o “Ano pela Liberdade de de vinculação legal dos outros documentos Expressão”. A ANJ apoiará a iniciativa no Brasil. – é clara em relação a quem é o sujeito da Para dar uma modesta contribuição à SIP e à ANJ, liberdade de expressão ou da liberdade de reproduzo alguns trechos dos três documentos opinião: a pessoa, o cidadão e não, por óbvio, básicos que serão enfatizados ao longo do ano. as empresas concessionárias do serviço Venício Lima para o Observatório da público de rádio e televisão nem as que Imprensa exploram comercialmente a imprensa escrita. Nossa conhecida SIP, a Sociedade Interamericana de Imprensa [ver, neste OI, ** Declaração Universal dos Direitos “As lições de democracia da SIP”], divulgou, Humanos (1948) de sua sede em Miami, Estados Unidos, no último dia 27/12, que 2011 será o “Ano pela Artigo 19 – Toda pessoa tem direito à Liberdade de Expressão”. liberdade de opinião e expressão; este direito Segundo seu novo presidente, Gonzalo
inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir
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informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
** Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969)
da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
** Declaração de Chapultepec (1994) Artigo 13 – Liberdade de pensamento e de
expressão
Uma imprensa livre é condição fundamental
para que as sociedades resolvam seus 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de
conitos, promovam o bem-estar e protejam
pensamento e de expressão. Esse direito
sua liberdade. Não deve existir nenhuma lei
compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro
ou ato de poder que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa, seja qual for o
meio de comunicação. (...)
processo de sua escolha. I – Não há pessoas nem sociedades livres 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente xadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.
a. o respeito aos direitos ou à reputação das
II – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode
demais pessoas; ou
restringir ou negar esses direitos.
b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral
No Brasil
públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles ociais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros
meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor
Coincidentemente, o Brasil tem desde o dia 1º de janeiro uma nova presidente da República que em seu discurso de posse, no Congresso Nacional, declarou expressamente: “Rearmo meu compromisso inegociável com
a garantia plena das liberdades individuais; da liberdade de culto e de religião; da liberdade de imprensa e de opinião” Ao mesmo tempo, tomaram posse os governadores de estado e do Distrito Federal. A disposição desses governantes em relação ao papel da mídia talvez possa ser resumida na convocação feita pelo novo governador gaúcho, Tarso Genro. Disse ele: “Queremos que a imprensa gaúcha
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acompanhe detalhadamente o nosso governo e que promova, sempre que tiver informações, as denúncias mais duras a respeito do seu governador, do seu vicegovernador e dos seus secretários. Porque é desta informação colocada na esfera pública que surge a transparência, que surge a possibilidade da informação como resposta, que surge a democracia regulada
pelo sentimento cívico da transparência e da verdade. Vocês, integrantes da imprensa, terão no nosso governo um apoio
especialíssimo para que vocês realizem
é sua responsabilidade na criação da geraçãoconsumo que temos “em nós” e também “diante de nós”. Tendo como cenário as mudanças climáticas, a degradação ambiental e os extremos corrosivos da riqueza e da pobreza, a transformação de uma cultura de consumismo irrestrito para uma cultura de sustentabilidade ganhou força em grande parte graças aos esforços das organizações da sociedade civil e agências governamentais no mundo inteiro. A par com essas forças, e mesmo permeando-as, temos o poder de inuência e onipresença da mídia.
o trabalho de vocês com dignidade, com
sobriedade e com respeito ao povo gaúcho” Bem-vindo ao Brasil o “Ano pela Liberdade de Expressão” da SIP! Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.
Existem situações-limite em que não é lícito ser espectador de espetáculo nefasto que nós mesmos produzimos. Alardear a desgraceira toda, desnudar os mecanismos de poder envolvidos no debate para se criar políticas públicas de alcance mundial e, acima de tudo, alertar que o futuro é hoje, são tarefas que os meios de comunicação não podem e não têm a quem delegar. O estágio de “aldeamento”
O poder da mídia em uma ordem cambaleante
Estará a mídia, a grande mídia, preparada para promover novos conceitos de cidadania mundial, de paz internacional, de apreço e defesa dos nossos esgotáveis recursos naturais? É vital que os meios de comunicação revejam sua missão, seus objetivos e sua agenda. Washington Araújo para o Observatório da Imprensa A cultura de massa que temos está umbilicalmente conectada com a pauta apresentada instante a instante em algum dos veículos de comunicação em massa. Nada lhe escapa e, por isso mesmo, enorme
Além das políticas de informação e tecnologias “verdes”, a transformação que precisamos realizar vai exigir um exame sério da nossa compreensão acerca da natureza humana e dos “esquemas culturais” seguidos por instituições do governo, por empresários da área de educação e dos meios de comunicação ao redor do mundo. Perguntas sobre o que é natural precisam ser reexaminadas criticamente. A questão do consumo e da produção sustentável deverá ser considerada no contexto mais amplo de uma ordem social cambaleante que se caracteriza pela competição, violência, conito e insegurança da qual ela própria é parte. Os meios de comunicação poderiam considerar promover tais mudanças visando
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a um consumo e produção sustentáveis, na imensidão do espaço. Há décadas “no algo que implicitamente nos levará a estrangeiro” deixou de compor manchete em desaar normas e valores culturais que jornais. Isso se deu graças ao avanço dos têm promovido o consumismo a todo o meios de comunicação. custo. Concepções subjacentes deverão Estará a mídia, a grande mídia, preparada ser examinadas. Estas questões incluem para promover novos conceitos de cidadania concepções da natureza humana, do mundial, de paz internacional, de apreço desenvolvimento (e da natureza do progresso e defesa dos nossos esgotáveis recursos e da prosperidade); das causas das recentes naturais? Estarão os prossionais da crises econômicas, dos processos de comunicação desarmados o suciente para desenvolvimento tecnológico, dos meios municiar o inevitável debate sobre temas e dos ns dos processos educativos. Uma que afetam a todos, como a segurança tarefa gigantesca? Sim, mas não maior que mundial, os meios para a produção de o poder de mobilização e inuência que os melhores condições de vida a populações meios de comunicação em massa detêm, historicamente massacradas, massas na medida em que o planeta chegou ao anônimas da humanidade que somente estágio atual de “aldeamento”, ou seja, o entram no futuro pela porta dos fundos? planeta mostrou ser pequeno, ao alcance de uns poucos cliques na internet, ao alcance de imagens replicadas por satélites É vital que os meios de comunicação estrategicamente localizados. revejam sua missão, seus objetivos e se pautem por cima. Que não vejam apenas os dias que correm, mas que lancem o olhar Tempo de avançar sobre os próximos 20, 30, 50 anos. É tempo de aprendermos uns com os outros, de expressarmos perspectivas e experiências e O alargamento das fronteiras da avançarmos coletivamente rumo à construção informação alargou também nossas visões de uma sociedade justa e sustentável. Isso do mundo e vestiu velhas palavras com tudo transcende esquerda e direita. Isso tudo novos e desaados signicados. A palavra abomina a partidarização política dos meios “estrangeiro”, quando utilizada nos anos 1950 de comunicação. – portanto, há bem pouco tempo –, trazia consigo sentidos de reserva, suspeita, medo Contradição paralisante e tudo porque nossos sentidos não estavam acostumados a ver nossos semelhantes residentes em outros continentes com aquelas nossas características humanas, A questão da natureza humana tem um lugar plausíveis, reais. Hoje, a palavra importante no discurso sobre o consumo e “estrangeiro” perdeu as garras, depôs produção sustentáveis, uma vez que nos pretensos tentáculos venenosos e assim leva a reexaminar, em níveis mais profundos, do nada deixou de nos causar emoções quem somos e qual nosso propósito na vida. A experiência humana é essencialmente de negativas. “Estrangeiro” passa a ser apenas natureza espiritual: ela está enraizada na mais uma palavra desdentada que não realidade interna, ou o que alguns chamam de mais aponta para os demais como nossos “alma”, que todos nós partilhamos em comum. dessemelhantes. E não ouviremos mais A cultura do consumismo, no entanto, tende a nos telejornais que tal evento “aconteceu reduzir os seres humanos a meros concorrentes, no estrangeiro”. É tudo Terra, é tudo azul, em consumidores insaciáveis de mercadorias e é tudo aquele pálido ponto azul perdido www.posugf.com.br
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objetos freneticamente alvos de manipulação do no mais das vezes são fomentadas pelo mercado. mercado com as bênçãos de forças políticas É comum aceitarmos como se certa fosse a que asseguram a vigência dos atuais padrões noção de que deparamos com um conito insustentáveis de consumo e produção. A vida, não nos iludamos, é muito mais insolúvel entre o que as pessoas realmente querem (ou seja, para consumir mais) e o que que arenga política, que escaramuças entre a humanidade precisa (ou seja, um acesso PT e PSDB. É tempo de entendermos a brisa equitativo aos recursos). que sopra nesta frase de Clarice Lispector: “O que alarga a vida de uma pessoa são os Como, então, poderemos resolver a sonhos impossíveis.” contradição paralisante que, por um lado, desejamos um mundo de paz e prosperidade, enquanto, por outro lado, grande parte da Washington Araújo é jornalista e escritor. teoria econômica e psicológica retrata seres Mestre em Comunicação pela humanos como meros escravos de seus UNB, tem livros sobre mídia, direitos desejos egoísticos? humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org “Sonhos impossíveis” Email -
[email protected] As faculdades necessárias para construir um mundo mais justo e uma ordem social sustentável são aquelas de sempre, estas mesmas que podem atribuir nobreza ao caráter humano: moderação, justiça, amor, motivos sinceros, serviço ao bem comum. Ora, tão antigas quanto elas, essas palavras vêm sendo julgadas ao longo dos séculos como ideais ingênuos. Sim, pensar grande, abarcar a espécie humana em um pensamento maior de fraternidade vem sendo rotulado como perda de tempo, ingenuidade rematada. Como se devesse merecer nossa atenção, ocupar nossos milhões de neurônios apenas aquelas questões mais comezinhas e que falem diretamente ao nosso bemestar individual, à nossa “felicidade” pessoal. E, nada mais ridículo que isso, uma visão castradora do muito de bom e de belo e de justo que poderia ser nosso. E de todos nós. Mas sei que devo insistir em um ponto: justiça, moderação, serviço altruístico à nossa espécie são algumas das qualidades necessárias para superar os traços de egoísmo, ganância, apatia e violência que
Agroecologia pode dobrar produção de alimentos em 10 anos Maurício Thuswohl, especial para a Rede Brasil Atual
Olivier de Schutter defende que métodos agroecológicos são mais efcazes que os agrotóxicos (Foto: Jean-Marc Ferré. Nações Unidas)
Rio de Janeiro – Ao mesmo tempo em que a alta mundial no preço dos alimentos atinge seu maior patamar em duas décadas e dá força redobrada ao fantasma da fome que persegue as populações pobres dos países economicamente mais vulneráveis, um informe da Organização das Nações Unidas (ONU) arma que a agroecologia pode duplicar a produção alimentar nos próximos dez anos. Divulgado na terçafeira (8) pelo Alto-Comissariado de Direitos Humanos, o documento que, segundo a ONU,
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foi embasado por “uma exaustiva revisão da literatura cientíca mais recente”, defende a agroecologia como “meio para incrementar a produção alimentar e melhorar a situação dos mais pobres”. Os estudos que embasaram o informe foram coordenados pelo belga Olivier de Schutter que, desde 2008, é relator especial da ONU sobre direito à alimentação: “Para poder alimentar a nove bilhões de pessoas em 2050, necessitamos urgentemente adotar as técnicas agrícolas mais ecientes conhecidas até hoje. Neste sentido, os estudos cientícos mais recentes demonstram que ali onde reina a fome, especialmente nas zonas mais desfavorecidas, os métodos agroecológicos são muito mais ecazes para estimular a produção alimentar do que os fertilizantes químicos.” De acordo com os casos relatados no documento da ONU, projetos agroecológicos desenvolvidos nos últimos anos em 57 países em desenvolvimento registraram um rendimento médio de 80% em suas lavouras. Isso signica, por exemplo, um aumento de 116% na média de todos os projetos desenvolvidos na África. “Os projetos mais recentes levados a cabo em 20 países africanos demonstraram que é possível duplicar o rendimento das lavouras em um período de três a dez anos”, arma Schutter. A ONU arma que o modelo agrícola dominante, baseado nas monoculturas e na utilização massiva de agrotóxicos, fertilizantes e outros insumos, “já demonstrou não ser a melhor opção no contexto atual”, além de acelerar o processo de aquecimento global. “Amplos setores da comunidade cientíca já reconhecem os efeitos positivos da agroecologia sobre a produção alimentar no que se refere à redução da pobreza e à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas”, arma o documento. Menos agrotóxicos
O relatório divulgado pelo AltoComissariado de Direitos Humanos da ONU também dá destaque aos países que
diminuíram consideravelmente a utilização de agrotóxicos nos últimos anos. São citados no documento países como Indonésia, Vietnã e Bangladesh, que reduziram em até 92% o uso de agrotóxicos na produção de arroz, que é o alimento básico das populações camponesas desses países. Outro exemplo citado no relatório é o do Malauí, país que era grande consumidor de produtos agroquímicos e agora faz sucesso com a transição para um modelo agroecológico. Segundo a ONU, essa transição já tirou da extrema pobreza 1,3 milhões de pessoas, além de aumentar o rendimento das lavouras de milho do país de uma para três toneladas por hectare. “O conhecimento substituiu os pesticidas e fertilizantes”, comemora Olivier de Schutter. O relator especial da ONU sobre o direito à alimentação arma que o Estado tem um “papel fundamental” a cumprir no fortalecimento da agroecologia. “As empresas privadas não investirão tempo e dinheiro em práticas que não podem proteger com patentes e que não pressuponham uma abertura dos mercados para novos produtos químicos ou sementes melhoradas”. Schutter também exortou os Estados a darem maior apoio às organizações camponesas que, segundo ele, “demonstraram uma grande habilidade na hora de difundir as melhores práticas agroecológicas entre seus membros”. http://m.redebrasilatual.com.br/temas/internacional/2011/03/ agroecologia-pode-dobrar-producao-de-alimentos-em-10-anos
Questões para avaliação: Escolha um dos temas propostos: Comente a armação de Thomas Khun confrontando-a com outras possibilidades de descrever o desenvolvimento da ciência. “Na escolha de um paradigma, - como nas revoluções políticas - não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante”. (KHUN, 2001, p.128).
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É lícito armar que a neutralidade cientíca “Para avaliar uma teoria o cientista deve é um mito? Comente os textos de Lévyindagar se pode ser criticada, se expõe Leblond e Marcuse. a críticas de todos os tipos e, em caso armativo, se resiste a essas críticas”. Esta TESTES: (ATENÇÃO: a alternativa em armação poderia ser proferida por um: negrito é a correta) Indutivista. Para um investigador indutivista, para Falsicacionista. elaborarmos os enunciados universais Presentista. devemos investigar: Relativista. Os livros sagrados. Evolucionista. Os manuais tradicionais. As opiniões estabelecidas no senso Autor que sugere que a atividade cientíca comum. é análoga a montagem de um quebraA natureza. cabeças: As leis e teorias cientícas. Alan Chalmers Karl Popper O argumento de Russel conhecido como David Hume “peru indutivista” pode ser entendido como Francis Bacon uma crítica a: Thomas Khun Variabilidade dos sentidos. Crença na regularidade da natureza. Simplicidade na solução dos problemas, Capacidade de falseabilidade. equilíbrio entre o objeto de estudo cotidiano e Ausência de teoria. esotérico, precisão e amplitude de estofo são Multiplicidade de teorias. critérios para avaliar: O número de observações necessárias para “Um argumento logicamente válido não é o enunciado de uma lei cientíca. necessariamente verdadeiro” é Se um ramo de investigação é cientíco Uma contradição. ou não. Um equívoco, se algo é válido então Se um paradigma é melhor que outro. corresponde à verdade. Se o método indutivo é melhor que o Correto pois a lógica investiga a dedutivo. estrutura e não o conteúdo. Se teoria e prática se relacionam Parcialmente falso. mutuamente. Nenhuma das alternativas (n.d.a). A posição de Chalmers, que chamamos “As proposições de observação que de objetivismo, é coerente com a seguinte formam a base da ciência são seguras e armação: conáveis porque sua verdade pode ser Teorias vagas e indenidas não são averiguada pelo uso direto dos sentidos”. cientícas pois não podem ser falsicadas. Esta armação poderia ser proferida por A estrutura das revoluções cientícas pode um: ser comparada à estrutura das revoluções Indutivista. políticas. Falsicacionista. O conhecimento é tratado como algo Objetivista. exterior, antes que interior, às mentes Relativista. ou cérebros dos indivíduos. Presentista. A formulação de enunciados universais não se relaciona com a ciência. N.d.a. www.posugf.com.br
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Leia as seguintes armações: Em todas as épocas da história da humanidade o fazer prático esteve ligado ao saber teórico. A teoria aristotélica das quatro causas não se relacionava com a sociedade grega da antiguidade. Com a ascensão da burguesia os saberes teóricos deixam de ser utilizados nas artes práticas. Todas as armações estão corretas Nenhuma das armações está correta. Somente I e II estão corretas. Somente I e III estão corretas. Somente II e III estão corretas. Quando afrmamos que “tecnologia é mais que conhecimento científco agregado á técnica” queremos dizer que: A tecnologia prescinde de conhecimento científco. Tecnologia representa a antítese do conhecimento científco. A tecnologia é a superação do conhecimento científco. A tecnologia implica também invenção, criação. e) Tecnologia é aplicação prática da ciência pura.
11. Os aspectos mais comumente abordados numa análise losóca da tecnologia referem-se a: a) Ao tipo de objeto. b) A classe especíca do conhecimento. c) O conjunto de atividades desenvolvidas na produção e relacionadas à utilização do artefato. d) A manifestação de uma determinada vontade humana. e) Todas as alternativas. “A ________seria caracterizada pelo temor de que uma ou outra empreitada tecnológica ou cientíca afetem a vida, a biosfera, no
limite que possam mesmo comprometer a vida no planeta. _______, ao contrário, seria a marca daqueles que defendem que, com a própria tecnologia futura, possamos reparar
os prejuízos causados pela tecnologia na atualidade.” As expressões que preenchem corretamente as lacunas, respectivamente, são: respectivamente: tecnolia e Tecnofobia. falsicação e Presentismo. objetivismo e Falsicação. tecnofobia e Tecnolia.
falsicação e Indutivismo
A possibilidade de neutralidade da ciência coloca-nos algumas questões básicas, entre elas podemos destacar: A seleção das questões que serão investigadas e os valores da sociedade onde ocorrem as pesquisas.
A necessidade de criação de um vocabulário esotérico e de um paradigma. A superação do período de pré-ciência e a escolha de um paradigma que irá nortear os trabalhos futuros. O m do relativismo na ciência e o reconhecimento de um critério para demarcar o que é ciência e o que não é. N.d.a. “A quem serve denitivamente minha atividade cientíca? Porque sou pesquisador? Quais são minhas motivações pessoais? Por que a sociedade organiza a investigação cientíca? Qual é o papel da ciência em nossa sociedade?”. As questões apresentadas pelo professor Jean Marc Lévy-Leblond deixam claro sua posição: A ciência é neutra, o que a diferencia de outras atividades humanas. A neutralidade da ciência é somente um mito. A atividade do cientista é parcialmente neutra. A ciência não tem nenhuma importância em nossa sociedade. A sociedade deveria deixar de investir na ciência. “Por acaso não se outorgam os prêmios cientícos àqueles que cumpriram da melhor
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