O Conceito de Justiça em Santo Agostinho Click to edit Master subtitle style
Texto T exto retirado retirado da obra de •
SILVIO DE MACEDO
“História do pensamento jurídico” •
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Rio de Janeiro:Biblioteca Jurídica Freitas Bastos
Expressão de três culturas •
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pensamento jurídico de Santo Agostinho opera o sincretismo na cultura clássica greco-romana, com o estremecimento das estruturas sociais vigentes, sob o "clan" do Cristianismo, com suas teses revolucionárias, a começar por seu conceito de Justiça: "A Justiça é como uma ordem inerente ao amor de Deus" {De O
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Santo Agostinho retira o conceito de intuições criadoras oriundas do Cristianismo. E sua presença na cultura ocidental tem uma função ímpar, irradiando através de uma produção imensa as novas ideias. Renovam-se a teologia, a filosofia, e, com elas, a hermenêutica. A inserção do pensamento agostiniano na história marca definitivamente a cultura ocidental. Ninguém emitiu conceitos mais belos
Justiça como expressão do amor do mais sábio •
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A Justiça é o resultado do maior amor do mais sábio dentre os homens. A justiça é a expressão do amor do sábio". Estaria tudo no superlativo, nessa triangulação da perfeição: Justiça, Amor, Verdade. O conceito de Justiça teve na Antiguidade clássica a sua maior valorização, "a virtude das virtudes" (Platão), "a estrela que brilha perenemente" (Aristóteles), a grande paixão dos romanos. O conceito de verdade filosófica teve nos gregos seu grande requinte no pensamento socrático e obteve os altos níveis de reflexão em Aristóteles e o de verdade revelada, através da luz que se irradiou do Cristianismo.
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A tese nova seria a tese do amor, na forma da "ágape" = amor sacrificial, amor doação, que motiva as ideias agostinianas. Daí os reflexos na sua definição acima de Justiça. De Civitate Dei é a grande obra do Bispo de Hipona, que se classifica como a grande construção de filosofia social, filosofia da história, filosofia do direito, original e ímpar durante muitos séculos. O conceito de justiça agostiniano ilumina os demais conceitos do sistema. Emite, em consequência, de forma candente este julgamento a respeito dos Estados que cometem injustiças:
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"Os reinos sem justiça não passam de grandes latrocínios" (De Civ. Dei, IV, 4), sabendo-se que a justiça penal tipifica como o delito dos mais graves o latrocínio. Diante das imperfeições da justiça humana, semelhante à luz do vagalume, o homem deve tentar sempre a verticalização, penetrando na profundidade de si mesmo, a fim de de encontrar a verdadeira direção da
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Santo Agostinho define o Direito como a "tranquilitas ordinis". Sendo o Direito um fenômeno de ordem coexistencial, configura-se como postulado da ordem universal humana, manifestando-se como tendência à coesão, à unidade, à concórdia. As normas de conduta são iluminadas pelas verdades transparentes na mente humana. O Conceito de Direito emerge assim de três ordens: a) — Lei eterna — inerente à realidade transcendente, de natureza indelével; b) — Lei natural — iluminação da mente humana;
O Conceito de Estado em Agostinho •
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O conceito de Estado agostiniano é dos mais famosos. A história desse conceito apresenta três relevos históricos: Em Aristótels, Santo Agostinho e Jellineck. O povo, a estrutura social, revela três naturezas: uma natureza econômica, uma natureza política e uma natureza moral. O Estado repousa na natureza política, em que a "utilitas" e a "cupiditas" constituem suas manifestações características. Daí que o Estado não teria nascido da convenção, mas da natureza humana viciada, sujeita porém às leis da divina providência. A sociedade, por sua vez, tem seu fundamento nas leis intrínsecas à natureza humana e não no contrato. O Estado é uma sociedade
Dois conceitos de Estado para Santo Agostinho •
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a) — Estado especulativo: "coetus multitudinis, júris consensu et utilitate communione societatus" (conceito coincidente com o de Cícero); e b) — Conceito histórico: "coetus multitudinis rationalis, rerum quas deligit concordi communione societatus". O Estado teria assim natureza instrumental, na concepção agostiniana.
A teoria dos dois amores •
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A teoria dos dois amores é a grande construção ética e estética agostiniana: "Assim, dois amores fundaram duas cidades, a terrestre — o amor-próprio até o desprezo de Deus, e a celeste — o amor de Deus até o desprezo de si mesmo" (De Civ. Dei, 28). E repetindo a conceituação paulina: "A lei natural é o reflexo em nós da luz de Deus" — "ratio inscripta" (São Paulo, Ep. Rom. III, v. 21). "Sem lei se manifesta a Justiça de Deus." A coexistência humana está situada em duas dimensões, que traduzem os dois tipos de amor. Os conceitos "Civitas Humana" e
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O dualismo entre "civitas divina" e "civitas terrena" é afinal o dualismo entre vida ético-religiosa e vida política. A antinomia entre uma e outra deixa de ser o contraste ideal entre moral subjetiva e inferior e a política, exterior e coativa, e se transforma no conflito histórico entre Estado e Igreja". No que tange à Justiça, esta pertence somente à cidade de Deus, razão
O pensamento jurídico de São Tomas de Aquino •
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Teoria política tomística Santo Tomás de Aquino, "Doctor" e "Sanctus": — Doctor Angelicus, titulação que resume duas expressões máximas: a de natureza intelectual e a de natureza moral. Sua vida (1225-1274) define o apogeu da Escolástica, da filosofia medieval. E sua obra atesta uma exuberância criadora que se manifesta na exegese escritural, na teologia e na filosofia, e,
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Obras de São Tomás que reúnem os aspectos jurídicos de sua doutrina • Comentários à Ética Nicomáquea
de Aristóteles (In Decem Libros Ethicorum Aristotelis). • Comentários aos livros políticos de Aristóteles (In Libros Politicorum Aristotelis (expositio). • Summa Theologica. •De Regimine Principum (Do regime dos princípios, ou seja, do governo
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O importante da filosofia política tomística é a superação do pessimismo da Patrística em relação às coisas públicas, em que o Estado é visto como consequência do pecado, sendo sua existência algo como poena et remedium peccati. A concepção tomista admite que a comunidade política tem um valor ético intrínseco que lhe é específico, e assim tem conotação otimista. Discordando da Patrística em geral, e em particular de Santo Agostinho, Santo Tomás não aceita o Estado como resultado do pecado original. Na Suma Teológica (2a. 2 ae., q. 188, ed. 5) está escrito que a negação da vida social é um signo de infrahumanidade, pois "o impulso social" é marca do homem — a qual não se encontra nem nos animais, nem nos seres sobre-humanos. Santo Tomás, apesar de grande Teólogo e Filósofo, é também pensador político, o que se conclui da
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Recebendo a influência de Aristóteles e Santo Agostinho, sobretudo, não adota o pessimismo metafísico tradicional, em que a noção de pecado se projetava na vida social, não aceitando que o Estado seja uma consequência do pecado como castigo. Neste particular, está com Santo Agostinho, que também não concordava que o Estado fosse um produto do pecado original (Summa, Ia., q. 92, 1, art. a ad. 2). O Estado é um produto natural e não artificial. O resultado do tácito consentimento das vontades e não o pacto formal. A teoria política tomística prevê que o Estado atinge um fim ético através do Direito, avaliando no entanto que as leis feitas pelos homens representam um nível médio entre o crime e a virtude. Um dos fatos notáveis da teoria tomista é sua pregação contra a tirania, ou seja, o direito de resistência à
Justiça e Verdade • •
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O Conceito de Justiça 1 — Definição: "A Justiça tem por escopo ordenar o homem nas suas relações com os outros homens. Isso pode ocorrer de dois modos. De um lado, com os outros homens considerados socialmente: neste particular que é sujeito a uma determinada comunidade, a todos os homens que nela estão compreendidos" (Justitia. . . ordi-nat hominem in comparatione ad alum. Quod quidem potest esse dupliciter. Uno modo, ad alium singularites. Alio modo, ad alium in communi secundum scilicet, quod ille qui servit alucui communi-tati onunibus hominibus qui sub communitate illa cannentar". Sum-ma, 58, a.5). 2 — A relação entre Justiça e Verdade São Tomás estabelece uma relação fundamental entre verdade e justiça: "A justiça portanto se chama verdade, porque é a retidão impressa na vontade
As várias formas de Justiça •
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São Tomás distingue várias formas da Justiça, a saber: a) — A justiça como retidão do ato (Ia. 2ae., Q. 21, a.5) e a justiça como hábito. b) — A justiça geral que ordena para o bem comum e a particular que ordena as pessoas em particular. A geral divide-se em: por causalidade e por predicacação: a primeira em legal, a segunda em comum. A particular divide-se em: comunicativa e distributiva . c) — A justiça adquirida e a infusa (esta última depende da graça divina)
O conceito de Direito •
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O termo Direito (jus) é entendido no sentido de jus objectivum (norma agendi) em São Tomás, isto é, como lei, norma. Para designar o "Direito subjetivo" ele usa os termos "licitum" e "potestas". Este nunca emprega a palavra lei no sentido de "lei física", e sim como ato de império. Por outro lado, a lei não se confunde com o Direito, porque ela é apenas "razão do Direito". Na concepção tomística, o Direito tem sua origem na ética. Mas esta é um momento da filosofia do ser, cuja lei é a razão: "Omnia per rationem justificare". O Conceito de Lei Desenvolvendo a concepção agostiniana no que diz respeito à lei, São Tomás abandona a interpretação voluntarista, apelando para a própria razão. Para ele, a Lei eterna normatiza toda a realidade, como um emanação universal. A razão humana dela participa como lei natural, a qual é aplicada por sua vez nas
A divisão da lei segundo São Tomás • • • •
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Lei Eterna — inerente à vontade de Deus, perene, imutável, universal; b) — Lei Natural — ("lex naturalis est aliquid diversuma lege aeterna. . . quaedam participatio jus"); portanto, diferencia-se da "Lei eterna", sendo uma participação nela (Q. 91, a.3); c) — Lei Humana — é um ditame da razão prática — ("Lex est quoddam dictamen praticae rationis" — Q. 91, a.3). Definição da lei: em consequência, podemos dar agora a definição tomística: "Certa ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele que representa a comunidade" (Quaedam rationis ordinatio ad bonum commune, ad ao qui curam communi-tatis habet, promulgata). Poder-se-ia aplicar a teoria das Causas, de Aristóteles, à definição acima, do seguinte modo: a) — causa eficiente: Chefe da comunidade, aquele que a
Das Formas da Lei •
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São Tomás admite várias formas da lei, como se vê do esquema abaixo: a) — Lex in communi — "pertence à moral" (Ia., 14, arg. 2); b) — Lex aeterna — "excede à razão" — 2a., 2ae., 8, 3); c) — Lex naturalis — "certa participação na Lei eterna em nós" (Ia. 2ae., 96, 2); d) — Lex divina — "Deus é lei de si próprio" (Ia. 21, D; e) — Lex vetus — referente à lei mosaica, a do Antigo Testamento. "Foi consumada com a morte de Cristo" (3a., 47, 2); f) — Lex nova — "Lei do Evangelho é lei do amor. A do Novo Testamento. "Na nova Lei não se determina a pena de morte ou de mutilação corporal" (2a., 2ae., 108, 1; 2a., 2ae, 64, 4); g) Lex humana — "O fim desta é a tranquilidade
Particularidades sobre a Lei Humana •
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A concepção tomística sobre a lei humana apresenta as seguintes particularidades a) — a lei humana tem um fim ético. O objeto da lei é guiar os homens à prática da virtude que lhe é pró pria. Assim, a lei tirânica, não sendo de acordo com a razão, não passa de uma perversão da razão. "Lex injusta non est lex, sed corruptio legis" (Summa, Ia., 2ae., q. 92, a.I); b) — a lei humana é subordinada à lei natural. Um ato humano é justo enquanto seja reto, isto é, segundo a regra da razão. A primeira regra da razão é portanto lei da natureza (Q. 95, a.2); c) — a lei humana tem poderes e caráter de genera lidade de norma, sendo proporcionada ao bem comum (Q. 96, a.I); d) — a lei humana tem seus limites, isto é, importa aos
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e) — a lei humana é obrigatória, em consequência de ser justa, porque já está nos "Provérbios" (8): "É por mim que os Reis reinam e que os legisladores decretam as coisas justas" — (Q. 96, a.4); f) — a lei humana tem coatividade. Assim, a vontade dos bons é conforme à lei, enquanto a vontade dos maus dela discorda. Neste sentido, portanto, os bons não estão sujeitos à lei, mas só os escravos do erro (Q. 96, a.5); g) — a lei humana é material, que se justifica pela mudança das condições, em correspondência das diversas situações (Q. 97, a.I);
O Estado na concepção de São Tomás •
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concepção aristotélica influiu poderosamente no conceito de Estado tomístico. Este seria uma emanação da própria natureza humana, sujeito, por consequência, ao primado do poder espiritual. O Estado não é, para São Tomás, uma consequência do pecado, porque tal visão significaria um pessimismo metafísico. Deste modo, o homem não é tirânico ao aceitá-lo, e sim tende a satisfação a uma necessidade social, a uma tendência da pessoa humana.
Sobre o Estado...cont. •
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Contrário à escravidão por considerá-la afrontosa à natureza humana, afirmava não ser ela um direito natural, como alguns filósofos haviam afirmado. Tratarse-ia de um problema de direito das gentes, uma marca das imperfeições do homem. Mas assegurava a legitimidade da coerção, assegurando que a lei, pelo próprio significado e essência racional, deve possuir meios reguladores da atividade humana. Há necessidade de uma profunda justificação moral dos atos humanos, e o Estado deve limitar-se a uma coação equilibradora. Porque o Estado não pode estar a serviço
O sentido ético do Estado: o Direito •
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Há um sentido ético implícito no viver humano e o Estado procura realizar seu fim ético através de uma atividade específica, chamada direito. Daí que só os homens em nível moral elevado são capazes de imprimir na coletividade uma direção. O Estado tomista não se confunde com o Estado autocrático, expressão do "pater-familias", mas