INTEGRIDADE DA PREGAÇÃO
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JOHN KNOX Professor no Seminário Teológico Unido de Nova York
A
INTEGRIDADE DA PREGAÇÃO
Traduzido por F l á v ia ia B r a z i l
ASTE
Es t e v e s
5ÄO PAVLO
Títwlo do original THE INTEGRITY OF PREACHING Abingdon Press, New York, l.a edição, 1957
Edição em língua portuguesa, com colabo ração do Fundo de Educação Teológica, pela Associação de Seminários Teológicos Evangélicos São Paulo 1 964
Í N D I C E
Introdução .....................................................
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I — Quando é Bíblica a Pre gação .....................
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II — A Relevância da PregaçãoBíblica ..............
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III — Teólogos e Pregadores ................................
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IV — Pregação é E nsin o .......................................
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V — Pregação é Pessoal .......................................
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VI — Pregação é C u lto .........................................
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VII — Pregação é Sacramento ..............................
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N otas ..............................................................
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INTRODUÇÃO
Dentre todos os muitos pregadores do evan gelho, fiéis e capazes, e que, ãespretenciosamente de modo geral, foram meus professores de komilética, aquele que de modo imensurável signi ficou mais para mim do que qualquer um outro foi o meu próprio pai, Âbsalom Knox, falecido há mais de trinta anos. Embora os seus dias tivessem sido passados em lugares obscuros, era êle um grande pregador (no único sentido em que êsse têrmo jamais deveria ser empregado) e ter-se-ia tornado maior ainda se a morte não o tivesse der rubado quando ainda em meia idade. Não teve êle a vantagem de um curso colegial completo, muito menos a de um treino em seminário, porém foi uma das pessoas mais inteligentes, sensíveis e humanas que jamais conheci e, portanto, uma das mais cultas. Era muitíssimo bom e reconhecido como tal por todos quantos o conheciam mas, de igual modo, era uma pessoa ativa e enérgica, possuindo talentos de eloquência autêntica — algo muito raro. Contudo, ao pensar nele como um pregador, não são esses os talentos que vêm à mente em pri meiro lugar e sim a seriedade com que êle pregava e a honestidade absoluta com que fazia isso, o tra balho cuidadoso e longo que dedicava a fim de preparar-se para êsse mister (todos nós sabíamos
que diariamente, durante as primeiras horas, não podíamos “incomodar o papai”), a qualidade bí blica da pregação, sua solidez e integridade, a ma neira pela qual a mesma respondia à vida da igreja, o modo pelo qual falava ao coração. Mais do que qualquer outra coisa, foi a memória de sua pregação que sugeriu a palavra “integridade” para o título dessas minhas reflexões com respeito ao pregador e seu trabalho. Ao escrever o Capítulo II, extraí-o livremente de um de meus ensaios — “Autenticidade e Rele vância” — publicado há vários anos no The Union Seminary Review. Sou agradecido ao Deão James Cannon ãa Divinity School of Duke University e seus colegas pelo convite que me fizeram para dar preleções lá, em junho de 1956, e pelas muitas gentilezas que me demonstraram durante esse período de prele ções. Desejo agradecer também a meu prezado amigo Paul Scherer por ter lido o meu manuscrito e ter-me feito muitas críticas construtivas.
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Ca
p ít u l o
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QUANDO É BÍBLICA A PREGAÇÃO? : Em nossos dias estamos testemunhando uma nova insistência sôbre o fato de que a pregação deve ser bí blica. Nada é mais característico das discussões contemporâneas quanto à pregação do que essa ênfase. A mensagem do pregador precisa provir não de acontecimentos correntes, ou literatura em voga, ou de tendências prevalescentes de um tipo ou de outro, não de filósofos, políticos, poetas e nem mesmo, em último recurso, da própria experiência ou reflexão do pregador, mas sim das Escritu ras. Naturalmente não há nada de realmente nôvo com relação a isso. O fato de que é mister repetir tal coisa — e com nova ênfase — significa tão somente que a pregação tem se desviado nesse ponto de sua própria tradição. Aquilo que estamos asseverando enèrgicamente, outras épocas tomaram como certo. A pregação nos primeiros séculos e a pregação em todos os períodos mais vitais e fecundos da história da Igreja tem sido bíblica. Mas quando é bíblica a pregação? Pregadores usam a Bíblia — e têm sempre usado em uma grande variedade de modos. Nem tôda a pregação que toma forma de exposição bíblica pode ser chamada bíblica em qualquer sentido apreciativo ou realmente autêntico. Na verdade, como bem o sabemos, a exposição bíblica em si mesma pode ser muito infrutífera e enfadonha — e por
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tanto (atrevernosíamos a dizer?) muito nãobíblica. Em um dos livros de William Law, místico inglês do século XVIII, há uma história encantadora de um presente delicado — um comentário bíblico — feito por uma mulher a um velho pastor chamado John e sua esposa Betty. O pastor descreve o que sucedeu:
Senhora, a esposa do Juiz de nossa cidade, ouvindo falar de como Betty e eu amamos as Escrituras, trouxe-nos certo dia um enorme livro explicativo sôbre o Nôvo Tes tamento e nos disse que ficaríamos entendendo muito melhor as Escrituras lendo naquele livro do que só no Nôvo Testamento... No outro Dia do Senhor, quando, de acordo com o que era hábito, dois ou três vizinhos vieram para se sentar conosco lá pela noitinha, “Betty”, disse eu, “traga o grande livro da Senhora e leia o quinto capítulo de São Mateus.” Quando ela ter minou, pedi-lhe que lesse o capítulo quinze da Primeira Carta aos Coríntios. Na manhã seguinte disse eu a Betty: “Carregue de volta à minha senhora êsse enorme livro explicativo e diga-lhe que as palavras de Cristo e seus Apóstolos são melhores por si mesmas e tal como êles as deixaram.” E, enquanto eu me dirigia às minhas ovelhas, pensava comigo mesmo: — Êsse grande livro explicativo parece ter feito tanto bem a êsse livrinho do Nôvo Tes tamento ao ser acrescentado e misturado ao mesmo, tal como um galão de água faria para um copinho de vinho verdadeiro ao ser acrescentado ou misturado ao primeiro. Na verdade o vinho todo estaria lá, porém o seu gosto delicado e o espírito cordial que tinha quando bebido por si estaria todo perdido e submerso na frieza e insipidez da água. (!) Provàvelmente os pregadores terão um prazer todo especial nesta história e é bem natural que o tenham, pois que talvez tivessem sofrido mais do que outros por causa dos comentaristas sem inspiração e sem esclarecimento. Entretanto, lembremonos de que o pregador é também um expositor e que um sermão pode esconder
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ou deturpar um texto bíblico de maneira tão certa e completa como qualquer comentário. Não é somente dos “enormes livros explicativos” dos sábios acerca dos quais por vêzes pode ser dito que têm sucesso unicamente em entorpecer “o bom gôsto” do original, diluindo o “seu espírito cordial”; muitas e muitas vêzes os longos discursos expositivos dos pregadores têm o mesmo efeito. Em outras palavras, o uso da Bíblia — e até mesmo o seu uso em larga escala — não é suficiente para garantir a pregação bíblica eficiente ou mesmo autêntica. Tudo depende de como nós a usamos. Dedicaremos vários dêstes capítulos para uma discussão dêsse “como”; primeiramente, porém, talvez algo mais devesse ser dito a respeito do “porquê”, pois que são os elementos no uso da Bíblia para a pregação que determinam em grande parte como devem ser julgados os nossos próprios modos de utilizála. A meu ver, êsses elementos podem ser indicados sumàriamente do seguinte modo: Usamos a Bíblia na pregação porque é literatura de alta qualidade, porque é nossa literatura e porque é, em sentido muito verdadeiro e distinto, a literatura divina. Essas razões encontramse em ordem ascendente de importância, mas cada uma delas merece alguma atenção. Com tôda a certeza, uma das razoes pelas quais é apropriado usar a Bíblia na pregação e porque efetivamente nós a utilizamos, é em vista da mesma ser literatura religiosa de alta qualidade. Talvez não precisemos usar o primeiro adjetivo, desde que em determinado sentido tôda a grande literatura pode ser considerada “religiosa”. Inúmeras tentativas têm sido feitas — e por pessoas muito mais competentes do que eu — para definir “grande” literatura e para dizer justamente o que é um grande livro. É oportuno afirmar que nenhuma dessas tentativas tiveram perfeito sucesso. O critério de grande
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arte não pode ser formulado de maneira precisa e exaustiva. Distinguimos o grande livro da maneira pela qual conhecemos a grande música — pelo modo com que reagimos permanentemente ao primeiro, por tudo quanto faz e continua a fazer em nós — e a única comparação objetiva sôbre a nossa impressão dêle é a reação de outros. A literatura mundial de grande porte é composta de livros sôbre os quais muitos homens e mulheres, em muitas gerações, têm dito para si mesmos: “Êste é um grande livro!” Certamente podemos afirmar com segurança que esses livros tratarão sempre, não de meras concepções abstratas nem tampouco de fantasias, mas da experiência humana em sua verdade concreta e existencial. Procurarão descobrir tudo quanto há de profundo no homem, as fontes de sua grandeza e de sua derrota trágica. Colocáloão em um lugar espaçoso, concedendo algum senso de significado último e do mistério de sua vida. E farão tudo isso por meio de linguagem simples, clara e comovente. Contudo, por mais que tentemos formular nossa definição de grande literatura, não há dúvida que a Bíblia como um todo, bem como muitas de suas partes tomadas em separado, podem ser perfeitamente enquadradas como tal. Não é grande literatura apenas, mas em alguns aspectos é incomparavelmente grande*. É o relato mais realístico, profundo e comovente do homem que o próprio homem jamais produziu. A pregação, no entanto, é também profunda e radicalmente relacionada com o homem, sua necessidade e sua redenção, sendo que sua eficiência e genuinidade dependem da compreensão profunda, certa e verdadeira do pregador relativamente à situação humana. A Bíblia provê recursos magníficos para essa compreensão. Por esta razão, se não por outra, o pregador utiliza êsse livro. Entretanto, uma razão ainda mais potente para o uso da Bíblia na pregação é a de ser a mesma nossa lite-
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ra tu ra. Quero dizer com isso, naturalmente, que é a li tera tu ra da Igreja. Os livros do Antigo Testamento (oi pelo menos os da Lei e os Profetas) podiam ser encontrados por séculos e séculos e em uso familiar entre o í judeus, antes que êsses mesmos livros fôssem adotadoj pela comunidade cristã. Desde tempos primordiais tais escritos foram associados com a vida da Igreja e essa associação foi feita do modo mais significante e íntimo. Jesus conhecia tais livros e citouos, assim como Paulo. As próprias cartas e outros documentos especificamente cristãos, de modo especial os Evangelhos que descreveram a carreira de Jesus e registraram suas palavras, logo conseguiram o mesmo status elevado, desfrutando desse mesmo uso familiar. Por vinte séculos, a Igreja — verdadeiramente tôda a Cristandade — está sendo nutrida com êsses escritos antigos. Imagens e também concepções bíblicas têm penetrado na urdidura e na com posição da cultura ocidental; a linguagem da Bíblia não somente foi o ingrediente básico na linguagem da liturgia e devoção da Igreja, mas também afetou profundamente tanto nossa literatura em geral assim como nossa linguagem comum. Com tôda a probabilidade, os hinos ensinados por nossas mães eram bons, porém não é só a sua excelência intrínseca que os torna preciosos para nós. Amamolos muito menos por seu conteúdo e por si mesmos do que por causa de nossas mães e, sem dúvida alguma, nossas avós que também gostavam dêsses hinos. De igual modo, a Bíblia conseguiu obter significado e valor mais elevados pelo uso que a Igreja faz da mesma. Passagens como o salmo vinte e três, os primeiros versículos do capítulo cinco de Romanos, ou algumas afirmações de Jesus nos Evangelhos, têm hoje um valor que não poderiam ter tido quando primeiramente expressados ou escritos. Por vezes uma frase bíblica familiar pode evocar todo um mundo de
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significados passados e, por vêzes, meio esquecidos. Na verdade, alguns dêsses significados mais profundos mal podem ser evocados de qualquer outro modo. Contudo, justamente êsses significados — concretos e existenciais — a pregação procura comunicar. Não é de se espantar, pois, que a Bíblia seja usada! Como se poderia fazer de outra forma? Mas a terceira razão é realmente a decisiva: é a literatura de Deus. É, conforme afirmamos, “a Palavra de Deus." Se não pudesse ser chamada Palavra de Deus, não só seria altamento dubitativo que fôsse utilizada para a pregação, mas também que fôsse empregada com tanta familiaridade — ou até mesmo que existisse algo como a pregação. Se, na história que teve início com Abraão e culminou com Cristo e na vida comunal que pertenceu a essa história ou à qual essa história pertenceu (podese olhar de dois modos para essa interrela ção), os homens não tivessem encontrado ali a própria presença e a ação poderosa de Deus, não haveria nem Igreja, nem Bíblia, nem tampouco pregação. A Bíblia é denominada a Palavra de Deus não porque ela seja composta de palavras de Deus, ou contenha essas palavras (como se Deus se expressasse por palavras), mas porque transmite a" nós a presença e a ação poderosa de Deus. Pois bem, a pregação cristã procura transmitir essa mesma presença e essa mesma ação poderosa. Tal como a Bíblia em si mesma, a pregação se preocupa com o evento de Cristo, procurando comunicar sua realidade e sua relevância, interpretar o seu significado para os homens de cada geração e para o homem em todas as gerações. A Bíblia, portanto, não é apenas útil na pregação; é absolutamente indispensável. É mais do que um recurso supremamente útil; pertence essencialmente à própria fonte da pregação. Não é somente ver-
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dadeiro que a pregação devesse ser bíblica; a pregação autêntica tem de ser assim! Perguntamos novamente, porém: que é pregação bíblica? Agora já o suficiente foi dito para indicar que não se pode definir a pregação bíblica em têrmos de qualquer conexão mecânica — externa ou meramente formal — conexão esta feita entre a Bíblia e o sermão. Não se pode dizer, por exemplo, que a pregação bíblica seja a simples pregação de um texto bíblico. Lembrome de ter ouvido, quando me encontrava no seminário, acêrca da distinção entre sermões tópicos e textuais. Talvez esta possa ser uma distinção útil para determinados propósitos, porém de nada servirá com relação a todos os sermões textuais como sendo bíblicos e todos os sermões tópicos como nãobíblicos. Todos nós sabemos ser possível tomar de um texto bíblico e proceder à pregação de um sermão bem nãobíblico. Poderseá fazer isso de várias maneiras. Uma delas é citar algumas poucas palavras da Escritura como uma espécie de frontispício ornamental para um discurso que, na realidade, nada deve a qualquer uma dessas palavras ou qualquer outra parte da Escritura. Recordome, por exemplo, de ter ouvido há vários anos — e confesso, com vergonha, que eu próprio uma vez preguei — um sermão dêsse tipo (que foi pregado primeiramente, tanto quanto saibamos, por Charles Reynolds Brown) sobre a pergunta feita certa vez a Jacó por Faraó, “Quantos são os dias dos anos de tua vida?” (Gn 47.8) — sermão êste em torno das “dimensões da vid a.” Nesse caso e em inúmeros outros semelhantes, é puramente acidental qualquer conexão entre o sermão e qualquer outra coisa sôbre a qual a Bíblia esteja realmente interessada a dizer. Ou, então, podese tomar de um texto e depois interpretálo mal, como quando alguém emprega “Examinai as Escrituras” — a tradução de Jo 5.39 — como texto para um sermão
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relacionado com o dever da leitura da Bíblia. Outra alternativa é alguém extrair da Bíblia um texto relativamente nãobíblico — isto é, um ou dois versículos que não sejam típicos ou representativos — tratando depois dos mesmos, talvez de modo íntimo e fiel, mas sem referência alguma ao que a Bíblia, como um tôdo, está afirmando. Em uma só palavra, a pregação de um texto — ou até mesmo o que denominamos pregação expositiva — como tal não é pregação bíblica. A pregação bíblica tampouco pode ser definida como pregação quando tem a Bíblia como seu assunto ou quando se baseia na Bíblia em grande parte de sua matéria. Cari S. Patton em seu livro The Use of the Bible in Preaching, parece admitir o fato de que a pregação bíblica significa pregar acêrca da Bíblia. Êle descreve, por exemplo: Não sustenho que tôda a pregação devesse ser bíblica. Longe disso. A religião está em formação durante todo tempo. Acontecimentos correntes na vida política, eco nômica e internacional apelam fortemente por um comen tário e por uma intepretação Cristã pelo profeta Cristão. Tanto o pensamento científico contemporâneo como o filosófico movimentam-se freqüentemente, apresentando novos significados sôbre as crenças e práticas religiosas. É inútil pretendeV que as únicas coisas sôbre as quais precisamos falar do púlpito devam ser encontradas na Bíblia. (*)
A idéia parece ser a de que a pregação pode ser bí blica e ocuparse da Bíblia, ou então ser relevante e tratar do que na realidade está acontecendo no mundo — porém não ambas as coisas. (Com relação a essa idéia errônea algo mais será dito no próximo capítulo). Esta citação e as seguintes são de The Use of the Bifrie in Preaching, Copyright 1930 por Harper & Brothers e usadas com a permissão dos mesmos. Reconhecemos que as citações não representam devidamente todo o livro, o qual tem muitos méritos.
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A história de Patton acêrca de como êle foi iniciado na pregação “bíblica” é tão viva e divertida como devem ter sido os seus sermões: Em certa ocasião, entretanto, talvez há quinze ou vinte anos, experimentei fazer um sermão bíblico. Su ponho que assim fiz porque ninguém havia sido morto durante aquela semana, a respeito do qual coubesse mm^ pregação, e nada sucedera no Japão ou na Itália, ou tam pouco na Liga das Nações que requeresse uma elucida ção de minha parte — e eu precisava urgentemente de um tópico. Estivera lendo a velha história da Tôrre de Babel. Foi assim que num rasgo de coragem — ou, quem sabe, de desespero — disse comigo mesmo: “Vou fazer um sermão extraído disso .” Senti-me um tanto apologé tico a êsse respeito. For que arrastar a minha gente mo derna e atualizada para aquele passado tão longínquo e para aquela tôrre inacabada? Entretanto, não consegui pensar em outra coisa naquela semana e assim teve que ser aquilo mesmo. Para meu espanto, os comentários em tôrno daquele sermão quase me levaram a supor que o pessoal da minha congregação havia passado noites in teiras em claro pensando naquela velha história.
Patton mal faz alusão ao conteúdo dêsse primeiro sermão “bíblico. ” Êle é mais explícito em sua descrição da segunda tentativa que êle fêz. Fiz outra tentativa. Tomei o trecho menos indicado de material homilético que pode ser encontrado em todo o Antigo Testamento — o quinto capítulo de Gênesis. Tentei fazer isso de modo um tanto realista. Inda guei por que aquêles anciãos puderam viver tanto tempo e o que es tava errado com a medio na e a higiene atuais em vista de não podermos competir com os primeiros. Perguntei como é que se divertiam depois de atingirem a idade de quinhentos ou seiscentos anos. Levantei a questão sôbre se êles chegavam a ficar doentes e, se ficassem, será que teriam artrite (suponho que teria sido reumatismo ao tempo dêles) por uns dez ou quinze anos como todo o mundo tem hoje em dia, ou então no
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É oportuno dizer que Patton acrescenta: “Se tais pregações só fossem interessantes, não nos levariam muito longe. Contudo, êsse tipo de pregação é informativo — educativo — de duas maneiras. ” Ao lêlo, porém, constatase que tanto uma como outra dessas “maneiras” tem muito a ver com o fato de que as pessoas começavam a ter idéias mais inteligentes a respeito da própria Bíblia. Não culparemos Patton pelos defeitos de compreensão que talvez se encontrem nesse seu livro cheio de vida. Reconheceremos as passagens citadas como representações satisfatórias do clima teológico de certas secções do Protestantismo na geração passada. No entanto, tais trechos também servem para nos fazer lem brar que a pregação bíblica não pode ser definida como simples pregação que tem a preocupação explícita e grande dos componentes bíblicos — pouco importando quais êsses componentes e como são tratados. Na realidade, a diferença entre a pregação bíblica e a nãobí
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blica tem muito pouco a ver com a estrutura do sermão e se sua forma é tópica ou expositiva. A diferença é mais profunda do que isso. Se fôr possível — como já temos afirmado — pregar um sermão bem nãobíblico sôbre um texto bíblico, de igual modo será possível pregar um sermão bem bíblico sem base em texto algum. Como, pois, podemos definir pregação bíblica? Muito do restante dêste livro procurará responder a esta questão, de modo que não se fará tentativa aqui a êste res peito. Estabeleçamos de modo resumido quatro pontos que não podem ser claramente separados um do outro. Podemos afirmar primeiramente que pregação bíblica é a que permanece próxima às idéias bíblicas características e essenciais: a transcendência, a santidade, o poder e soberania, o amor de Deus; sua exigência de justiça ética; seu julgamento do pecado; a criação do homem, sua condição de pecador; sua necessidade de perdão e liberdade; o significado de Cristo como a vinda real de Deus para nossa história com o auxílio de que precisamos; a eficácia da reconciliação e da redenção, da vida, do gôzo e da paz na nova comunidade do Espírito que Deus criou através de Cristo e para a qual podemos entrar mediante a condição única de penitência e fé. E, na pregação bíblica, essas idéias não aparecerão sim plesmente como tais — não só como largas concepções gerais — mas sim como parte integrante no contexto concreto da tradição e da vida eclesiástica. A pregação bíblica não se preocupa com abstrações. Já era “existencialista” muito antes que os filósofos começassem a em pregar êste têrmo. Na verdade, não foi mero acidente que Kierkegaard, o pai do existencialismo moderno, tivesse sido um pregador bíblico. Em segundo lugar, pregação bíblica é a que se preocupa essencialmente com o acontecimento bíblico principal — o evento de Cristo. O simples tratam ento de
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incidentes na narrativa bíblica ou fragmentos de ensino, até mesmo quando feitos de maneira fiel e edificante, não qualificam a pregação como sendo bíblica, a não ser que esses incidentes e ensinos sejam vistos e apresentados em sua relação com o ato completo da redenção divina que culminou com a vida e morte de Jesus, a Ressurreição, a vinda do Espírito e a criação da Igreja. Sinclair Lewis, em Babitt, apresenta alguns comentários satíricos com relação às várias preleções sôbre “filosofia e etnologia oriental”, as quais estavam sendo dadas por “solteironas sinceras”, nas diversas classes de uma escola dominical. As discussões de componentes bíblicos serão precisamente essas preleções (quer sejam ou não informativas, quer maçantes como as que Lewis tem em mente, ou interessantes e até divertidas como as que Patton por vêzes nos dá) ou então serão meras exortações moralistas e provàvelmente sentimentais, a não ser que sua preocupação primária seja o estabelecimento do significado da nova relação de Deus com os homens tal como foi cumprido através do evento e incorporado à Igreja. A própria palavra “pregar” deveria lembrarnos êsse propósito primário e o caráter da pregação. A forma original inglêsa dessa palavra era prechen, uma derivação imediata do francês antigo prechier (o prêcher moderno) e finalmente de praeãico, forma latina que significa declarar em público, proclamar, publicar. Geralmente se supõe que êsse têrmo latino corresponde ao grego prophêteao, profetizar. Entretanto, prophêteuo e prophêteia, tal como aparecem no Nôvo Testamento, são transliterados regularmente nas versões latinas, aparecendo como propheto e prophetia. Praeãico traduz kêrysso e praedica^°, kerygma; e essas palavras, tanto gregas como latinas, denotam uma declaração pública, uma proclamação e, na realidade, um anúncio no sen-
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tido mais simples e geral, O kêryx era um arauto e kerygma as notícias que proclamava. Desde que as notícias são boas, o Nôvo Testamento prefere evangélion a kerygma . O pregador é o arauto das boas novas. Proclama o ano aceitável do Senhor. Da maneira pela qual essa função está desenvolvida na Igreja, pregar é estar convicto, mais do que uma simples proclamação, portanto . Embora o latim praeáico restitua apenas o têrmo grego único kêrysso, o próprio ato de pregar chegou a incluir funções originalmente designadas por outros têrmos, notadamente “profecia” e “ensino.” Mas o significado fundamental de “pregação” ainda anuncia algo além daquilo que sucedeu; e o sentido mais complicado e inclusivo do têrmo pode ser verdadeiramente com preendido tão somente se aquele significado fundamental fôr conservado na m ente. Antes de qualquer outra coisa, o pregador ainda é o anunciador do Evangelho. Sua mensagem é, pois, determinada primàriamente por um acontecimento antigo — aquêle que está centralizado na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Somente uma pregação dêsse tipo é bíblica. Em terceiro lugar, pregação bíblica é a que dá res postas e nutre a vida essencial da Igreja. Isso porque o acontecimento que proclama é mais do que uma ocorrência antiga por nós conhecida só por meio de relatos documentados da mesma, que por um acaso foram escritos e que sobreviveram também por acaso. Êsse acontecimento e seu verdadeiro sentido estão perpetuados na nova comunidade do Espírito. Aqui está a realidade da Ressurreição. O pregador não repete incessantemente uma crônica antiga; dá o testemunho da qualidade e significado da nova vida comunitária em que Deus torna accessível a nós uma nova saúde e salvação. Sua pregação é como se fôra uma elipse que se movimenta em tôrno de dois focos, um da antiga ocorrência e outro da
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v contínua vida nova do Espírito. Desde que só se pode falar verdadeiramente do evento na luz da experiência contínua da Igreja e que só se pode, na realidade, inter pretar a vida da Igreja à luz do acontecimento relem brado, os dois focos tendem a se tornar um único centro. A verdadeira forma da pregação, porém, é uma elipse e não um círculo e a tensão entre o acontecimento e o Espírito é tão importante como a reciprocidade dos mesmos. Muitas vêzes a pregação fracassa em vista de ambos serem identificados de modo por demais fácil, ou então porque um ou outro é simplesmente ignorado. O problema básico da pregação é conservar juntos os dois elementos em sua completa integridade e fôrça distinta, mas conservá-los juntos. Finalmente, pregação bíblica será aquela em que o acontecimento seja recorrente no sentido real da palavra. O Deus que atuou nos acontecimentos através dos quais surgiu a Igreja, age novamente na palavra do pregador. A pregação do evangelho é, em si mesma, uma parte do Evangelho. O verdadeiro pregador bíblico não discute simplesmente acontecimentos do passado (tal como um professor de história), nem tampouco esboça meras lições edificantes de sua vida (como um guia moral ou filósofo). O acontecimento passado chega a suceder novamente em suas palavras inspiradas. A verdadeira pregação é em si mesma um evento — e um evento de um tipo especial. Nesse evento a revelação de Deus em Cristo é, na realidade, recorrente. O acontecimento escatológico, que teve início com a vinda de Cristo e terminará com o julgamento final e com o cumprimento da história, está sendo realizado recorrentemente ou, se o preferir, de modo contínuo, nos sacramentos e na pregação da igreja. Se isso não fôr verdade, pouca importância têm os sacramentos ou mesmo a pregação. Na verdade, se tudo isso não fôr verídico, os sacramentos
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e a pregação nao existem de maneira alguma em nenhum sentido autêntico. As Escrituras Cristãs chegaram a nós diretamente da vida da Igreja primitiva e nos foram transmitidas por meio da vida da Igreja desde então, através de todos os séculos. Seu valor principal está no fato de que trazem até nós, em seu caráter concreto, o acontecimento em que a Igreja começou e que determinou a natureza inicial e essencial da Igreja. Desta maneira, as Escrituras correspondem à vida da comunidade primitiva em res posta a êsse acontecimento como se, ao lêlas, sejamos postos em contacto com o evento e capacitados a participar na vida. A verdadeira pregação bíblica é aquela que tem êsse mesmo efeito em tôda e qualquer época.
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IX
A RELEVÂNCIA DA PREGAÇÃO BÍBLICA Mais para o fim do capítulo anterior apresentei a pregação como tendo, por assim dizer, a forma de uma elipse com dois focos — o evento antigo e a vida sempre nova do Espírito. É necessário dizer mais a respeito da integridade e distinção de cada uma dessas questões, assim como acêrca da reciprocidade essencial das mesmas. Há poucos anos, ao principiar um relato sôbre sua experiência religiosa e escrevendo em uma de nossas revistas, uma mulher observou que no começo de sua carreira voltarase contra a Igreja porque lhe parecera que ! a mesma tinha muito pouca relação, quer fosse com o século primeiro ou com o século vinte para ter significação. Não me recordo do título de seu artigo ou até mesmo de seu próprio nome e não posso lembrarme de ; nada com respeito ao contexto de sua afirmativa ou mesmo o curso geral de seu argumento ou confissão; não me esqueci, porém, da agulhada daquela observação aberta, a decisão clara de sua saída da Igreja. Será que alguém pode negar que haja verdade em sua acusação9 E quem discutirá que, tanto quanto seja verdade, é uma acusação absolutamente rejeitável? Com tôda a certeza os críticos podem argumentar que temos o direito de esperar que a Igreja esteja em contacto com a realidade em qualquer ponto: se não com o nosso próprio século,
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pelo menos então eom o primeiro século; se não com o primeiro século, de qualquer modo então com o século vin te . Ou, para estabelecer o problema do ponto de vista Cristão, que poderíamos nós dizer com respeito à justificação de um Cristianismo — ou de uma pregação Cristã — que fôsse tanto nãobíblica como inaplicável? Demos ênfase às comparações na observação que citei, porém não estou certo se a escritora gostaria que tivéssemos feito tal coisa. Entretanto, tenho certeza de que o fato de assim fazermos esconde uma parte importante de seu significado. Essa leitura sugere que talvez fôsse possível à Igreja entrar em contacto com o primeiro ou com o século vinte sem ter relação com ambos, que talvez fôsse possível à pregação ser bíblica sem ser relevante, ou ser relevante sem ser bíblica. Isso, porém, não é verdade. Nesse caso, pelo menos a relevância e a au tenticidade histórica são dois lados de uma só moeda. Por exemplo, considerese o pregador que crê que sua pregação esteja no mais íntimo contacto com o primeiro século — êle está convicto de pregar o “verdadeiro Evangelho” — quando, na realidade, falta à pregação um toque qualquer com o século vinte. Não está òbviamente enganado com respeito à sua conexão com o primeiro século? Estar em contacto com o primeiro século não significa a pura e simples repetição das palavras do primeiro século ou freqüentes referências lisonjeiras ao primeiro século; significa, na verdade, algo mais, tal como compartilhar da experiência do primeiro século, conhecendo as fontes de poder que o mesmo conheceu, possuindo uma vida comum com essa época. Mas uma Igreja não pode estar em contacto com o primeiro século nesse sentido sem que seja uma comunidade viva; e uma comunidade viva, além de estar em relação orgânica com a vida do passado, pertence orgânicamente à vida de seu próprio período. Realmente é só num presente vivo
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que se pode ter qualquer contacto vital com o passado, ou que o passado em si pode ser considerado como existente. Estar em contacto com um passado vivo é mais do que meramente ter tido um tal passado; é mais do que saber que alguém o teve, ou continuar freqüente mente lembrando a si mesmo e a outros que tem êsse passado; na realidade, é ser uma continuação viva dêle. Entretanto, a mesma coisa pode ser dita da Igreja que não tem conexão real com o primeiro século, mas pensa que está em relação das mais frutíferas com o século vinte. Essa Igreja se engana ao supor que uma sociedade pode ser uma Igreja de qualquer modo, sem manter um contacto vivo com o primeiro século e todos os outros desde então. De outra maneira poderá ser contemporânea, porém não é uma Igreja contemporânea. Isso devido à razão pela qual a Igreja tem o seu caráter distinto em todo e qualquer século em virtude de sua relação com os acontecimentos que ocorreram no primeiro; e somente nesse caráter tem ela qualquer palavra importante para dizer ou qualquer serviço realmente adequado para executar. Resumindo, se nós, como pregadores, não estamos falando às necessidades do mundo contemporâneo, podese claramente supor que não ouvimos realmente o Evangelho da Igreja primitiva. Por outro lado, por mais que tenhamos muita preocupação relativamente ao mundo contemporâneo, essa ansiedade não é Cristã a não ser que seja originada da convicção de que um acontecimento ocorreu no primeiro século à luz do qual somente pode ser compreendido o significado da cena contemporânea e no poder do qual somente pode ser concretizada a comunidade que procuramos. Só a autêntica pregação bíblica pode ser realmente relevante; só a pregação essencialmente relevante pode ser real mente bíblica.
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O reconhecimento dessa interrelação entre autenticidade histórica e relevância faz com que o teólogo e o pregador bíblicos se aproximem muito mais intimamente do que parecia, geralmente falando, e seja revelado o campo comum em que ambos permanecem se cada um dêles estiver desempenhando a sua própria função. A diferença entre ambos não é a que um esteja preocupado com a verdade histórica e o outro com o valor contemporâneo. Ambos estarão interessados nessas duas coisas, embora uma diferença de ênfase dê a cada um dêles um papel distinto. Considerese primeiramente a introdução estritamente histórica — isto é, a introdução dominada pelo interesse na história por seu próprio fim. Agora, os fatos externos da história podem ser estabelecidos ou não, conforme fôr o caso, sem referência nenhuma à relevância. Mas o significado interior da história (e isso nada mais é do que a realidade concreta) só pode ser apreendido por alguém que seja sensível ao significado de sua pró pria época. Há aqui uma relação mútua, uma espécie de alternação ou ritmo, o passado lançando luz ao presente e o presente ao passado; no entanto, desde o início e em certa medida, devem estar presentes a preocupação pela relevância *e o interêsse pela autenticidade. O estudante de história precisa levar consigo, pelo menos, a capacidade para uma compreensão profunda do presente se jamais tiver que alcançar qualquer compreensão profunda do passado. O livro de Herbert Butterfield, Christianíty anã History, (3) é um brilhante exemplo dessa verdade. “É quase impossível”, escreve êle a certa altura, “apreciar de modo apropriado os desenvolvimentos mais elevados na reflexão histórica do Antigo Testamento, a não ser que seja em outra época que tenha experimentado (ou que tenha enfrentado) um cataclis ma colossal, um período como êste em que vivemos.” E
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poderseia acrescentar que, quanto mais profundamente determinado historiador sentir o impacto e o significado do cataclisma presente, tanto mais profundamente autêntica pode ser a sua compreensão do que os profetas procuram afirm ar. Estamos testemunhando agora um notável despertamento de interêsse com relação ao Antigo Testamento. Cometeríamos um êrro se atribuíssemos isso simplesmente aos Pergaminhos do Mar Morto ou ao fato de que justamente agora existem tantos sábios e professores brilhantes nesse campo. O fator primeiro e realmente decisivo é a história trágica de nossos próprios dias, a qual tem feito com que o Antigo Testamento se torne de nôvo relevante e tem, portanto, possibilitado primeiramente a nossos professores e depois a nós mesmos a que ouçamos com nova compreensão a sua voz autêntica. De igual modo o nosso entendimento do Nôvo Testamento e dos acontecimentos que o criaram depende, para sua profundeza e verdade, muito mais de nossa ca pacidade de discernimento do significado de nossa existência presente do que de qualquer equipamento técnico que porventura tenhamos para o estudo de documentos antigos ou qualquer grau de aprendizagem e erudição — valiosos e indispensáveis para determinados propósitos importantes, como, sem dúvida alguma, são tais qualificações. Cristo precisa viver por nós, precisa entrar em nossa própria existência, precisa encontrarnos onde estamos, se é que vamos chegar a conhecer a maravilha da Encarnação ou o poder — e, portanto, a verdade — da ressurreição. MilnerWhite começa uma de suas orações da seguinte maneira: “Ó Cristo, cujo nascimento maravilhoso nada significa, a não ser que nasçamos de nôvo, cuja morte e sacrifício são nada, a não ser que morramos para o pecado, cuja ressurreição é nula se tu ressurgires sozinho... ” (4) Seja o que fôr dito da his-
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tória em geral, não pode haver conhecimento autêntico da história para a qual o Cristão se volte — aquilo que os alemães chamam de Heilsgeschichte — sem que haja êsse tipo de participação; e uma participação que, preocupada com a autenticidade, deixe de lado tôdas as considerações de relevância, terminando por perder, não somente a relevância, mas também a autenticidade. O anverso, contudo, é também verdadeiro. Consi derese o caso do pregador que se aproxima da história bíblica com um interesse primário na relevância. Êsse alguém está em perigo todo especial de se tornar desconexo. Isso é verdade porque, em grande parte, a relevância da história bíblica jaz no desafio que apresenta com relação a hipóteses convencionais e modos costumeiros de se pensar, enquanto que a atenção para a relevância tende ünicamente para a modernização e a assimilação. A Bíblia foi feita para responder somente nossas perguntas — isto é, aquelas que fazemos cons cientemente — e evita responder as que são suas em primeiro lugar, mas que, propriamente falando, tendo sido apresentadas, provam também ser nossas mais profundas questões. Os pontos em que a Bíblia é mais relevante com relação ao século vinte são precisamente aquêles em que a mensagem Cristã original era a mais relevante para o primeiro século — em sua maior parte, no entanto, estes não são pontos de acordo e conformidade, mas sim pontos de diferença e confronto. Há uma geração, o modernismo bíblico estava ocupado em reduzir êsses pontos de confronto, tanto como o fundamentalismo estava ocupado em multiplicálos — o modernismo negando que a Bíblia e a Igreja tivessem qualquer coisa a dizer que ainda não conhecêssemos como sendo verdade, e o fundamentalismo afirmando que tudo quanto a Bíblia e a Igreja tinham a dizer era, em sua maior parte, o que bem sabíamos não
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ser verdade. Tanto um como outro tinham falta de relevância — o modernismo porque tornou o Cristianismo fácil demais; e o fundamentalismo, não porque fizesse o Cristianismo difícil demais, mas porque tornavao difícil em lugares errados, O modernista teria reduzido tôda a oposição essencial da Igreja e do mundo ao status de diferenças de cultura meramente acidentais entre o primeiro século e o século vinte; o fundamentalista teria elevado tôdas as diferenças acidentais de cultura entre o primeiro século e o século vinte ao status de diferenças essenciais e permanentes entre a Igreja e o mundo. A Igreja do primeiro século levantase contra o mundo moderno; os acontecimentos do primeiro século confrontam e desafiam o século vinte — o têrmo bíblico severo é “escandalizam” . Qualquer modernista se acha em perigo de esquecer êsse fato. No entanto, os pontos em que êles desafiam assim o século vinte são precisa e unicamente aqueles em que também desafiaram ao primeiro século; é êsse fato que qualquer fundamentalismo ou dogmatismo tende a ignorar. Somente através de um esforço fiel e desinteressado para ver o Cristianismo em seu cenário original e de ouvir a sua mensagem como os seus primeiros ouvintes a escutaram — só através de um esforço pela verdade histórica — é que podem ser discernidos êsses pontos de confronto e, portanto, de maior relevância. A verdadeira pregação bíblica é a que discerne tais pontos de relevância e, fazendo isso, recupera o significado autêntico do texto bíblico. Tanto o teólogo como o pregador bíblicos estão sujeitos a perigos característicos. O perigo do sábio é o de uma especialização estreita demais — isto é, uma especialização tão limitada que malogre em seu próprio fim. Já ouvimos, provavelmente ad nauseam, que um especialista é alguém que “conhece cada vez mais sôbre cada vez mais” sôbre “cada vez mais coisas.” Isso porque,
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de verdade nesse epigrama como na grande maioria de epigramas; porém, se por “especialista” quisermos significar um sábio competente em qualquer campo, precisamos reconhecer que deve saber “cada vez mais” sôbre “cada vez mais”, se na realidade êle tiver que saber “cada vez mais” sôbre “cada vez menos”; ou, para dizer a mesma coisa de outro modo igualmente verdadeiro, se realmente êle está aprendendo “cada vez mais” sôbre “cada vez menos coisas”, também está aprendendo “cada vez menos coisas” . Naturalmente, há certa parcela qualquer que seja o problema especial em que se tenha empenhado, se tiver algum significado, suas ramificações são literalmente intermináveis e o contexto em que pode ser examinado de modo frutífero é literalmente sem limite. Dêsse modo, o sábio bíblico, preocupado com problemas técnicos especiais na pesquisa em que supõe nada ter a aprender do estudo da pregação ou teologia contemporânea, para não mencionar a filosofia moderna, a literatura ou a política, não só está enganado, mas também está a si mesmo pondo um fim à possibilidade da mais elevada aquisição em seu próprio campo. Km conexão a isso, o perigo característico para o pregador é o de impaciência prematura com o especialista. Por vêzes esquecesé de que é preciso ter ferramentas para certo trabalho e que, muitas vêzes, levase mais tempo a fazer ou conseguir as ferramentas necessárias do que realmente fazer o serviço final e mais òbviamen te importante. Reli, e não há muito, Robinson Crusoe, e fiquei impressionado com o quanto de seu tempo foi gasto em confeccionar ferramentas que não tinham utilidade alguma como finalidades em si mesmas. Passou êle meses inteiros fazendo uma pá, tanto como podemos passar meses inteiro aprendendo grego. Talvez a pá e o grego sejam mais do que um degrau removido de aplicabilidade final; porém, para, a realização
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de determinados alvos últimos e importantes, pode ser que não sejam só relevantes, mas indispensáveis. Ou pode ser que a nossa concepção de relevância seja prematura em si e, conseqüentemente, superficial ou grosseiramente utilitária em demasia. Rejeitamos as desco bertas do especialista antes que tenhamos tido tempo de descobrir o quanto tem a contribuir para a nossa com preensão de questões muito além dos limites de seu campo aparentemente estreito; ou, então, rejeitamos porque de nosso ponto de vista atual é irrelevante tudo quanto poderia nos ter dado um nôvo ponto de vista do qual novas cadeias inteiras de relevância teriam sido reveladas. Ficamos impacientes com nossos dirigentes especializados porque nem sempre estão nos apresentando uma visão esplêndida das coisas. Ou talvez de cidâmonos a dispensar completamente os dirigentes, preferindo a vista que já temos ou a que podemos facilmente achar por nós mesmos, ao invés de seguir a trilha sinuosa através das longas passagens sombrias até atingirmos o pico. Rejeitamos completamente tudo isso porque não nos provê um sermão que, no entanto, se fôra dado tempo, poderia nos ter fornecido um evangelho! O processo educacional, o crescimento em direção à maturidade intelectual, poderia ser descrito — e realmente quase ser definido — como o processo de desco brir constantemente regiões cada vez mais extensas de relevância. Entretanto êsse processo não é indolor, nem tampouco o seu alvo está à plena vista a qualquer momento . Certamente que uma das marcas do sábio é sua habilidade de estar interessado por um número surpreendente de coisas, e, como poderá parecer a outros, em coisas surpreendentemente desinteressantes — e tudo porque êle aprendeu que muitas vêzes existem possibilidades de relevância em lugares bem insuspeitos e muito pouco prometedores. Aprendeu êle que se lhe fôr dado
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tempo, a verdade — qualquer que seja a sua espécie — tem um modo de se tornar não só interessante, mas im portante; que todo o descobridor da verdade, seja qual fôr o campo, tem algo de significativo a dizer, embora se deva por vêzes estar pronto a esperar que o significado se revele a si mesmo; que a verdade é finalmente uma só e que, portanto, nenhum pedacinho dela, seja qual fôr o campo, em último recurso pode ser discrepante ou irrelevante. Contudo, se é possível dizer de todos os pesquisadores da verdade que êles se acham empenhados numa tarefa comum e, portanto, estão sob a obrigação de confiança mútua e ajuda, será que, relativamente ao sábio e pregador bíblicos, tal referência não pode ser feita com ênfase tôda especial? Êles pertencem e servem a uma comunidade especial — e essa comunidade é a de Cristo. Ambos estão procurando conhecer o significado de sua comunidade — suas origens, sua natureza e sua tarefa. O teólogo ou pregador que diz ao outro, “Não preciso de você”, falhou em ver não só a natureza da Igreja e o significado da qualidade de ser membro da mesma, mas também a natureza de seu próprio trabalho. ■Em vista dêle não estar desejoso de receber, verdadeiramente não pode dar. E, malogrando em contribuir para um empreendimento comum, está destituído de qualquer realização significativa de si próprio. A disposição para aprender de outros — tanto ávida como pacientemente — não é só uma das graças do amor; é o próprio coração da sabedoria.
Ca pít u l o
III
TEÓLOGOS E PREGADORES
Tendo lançado as bases de alguns princípios gerais sobre a relação da Bíblia com a pregação, poderemos discutir agora como êsses princípios podem ser postos em prática. De modo geral, até aqui estivemos preocupados com o uso da Escritura pelo pregador; consideraremos agora a utilização de determinados textos da Bíblia em sermões especiais. Será o uso do pregador limitado à intenção consciente do texto? Se não, até que ponto ou sob quais condições pode êle partir daquele sentido original? Pode ser encarado como legítimo o desenvolvimento de significados meramente implícitos? Na Igreja, até que ponto o emprêgo extensivo de um versículo bíblico, com certo significado, pode justificar o seu uso continuado com êsse mesmo sentido, conquanto o estudo histórico tenha deixado bem claro que êsse versículo possuia significado bem diferente no original? Será legítimo focalizar a atenção em determinado sermão acerca de um aspecto especial e comparativamente sem importância do significado de um versículo, mesmo que seja apresentado um tratamento altamente despro porcional no qual o ponto principal do texto receba atenção deficiente ou na verdade nem mesmo apareça? Embora eu não me aventure a oferecer respostas detalhadas e definitivas a essas diversas questões, elas indicam o problema geral dêste capítulo. De modo nenhum é um problema simples ou fácil de ser resolvido.
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O primeiro passo para a solução, porém, está bastante claro: o uso do texto pelo pregador precisa começar por um conhecimento do significado original do mesmo. Seja o que fôr que êle fizer com o texto, precisa saber o que está fazendo; e isso significa conhecer o que o texto, na realidade, significou para o seu escritor e o que êste pretendia que o mesmo significasse para seus primeiros leitores. Por certo é impossível saber o que alguns textos bíblicos pretendiam transmitir originalmente, quer seja porque o fraseado original é incerto ou ambíguo ou por alguma outra razão. Não há, entretanto, desculpa alguma para nossa falha em conhecer tanto quanto possível, e, na maioria dos casos, o sentido original é bastante claro se o mesmo fôr pesquisado. Ernest C. Celwel escreve: De modo geral, há somente dois métodos de interpre tação da Bíblia. São os métodos de “modernização” e “his tórico”. Cada um dêsses métodos tem inúmeras modifi cações e formas, porém os dois estão separados um do outro por nm golfo que é tão va&to a ponto de restringir tôdas as divisões menores. O método chamado de modernizador tem os seus pés plantados solidamente no período em que o intérprete vive; encontra o significado básico da Bíblia com referência ao período “moderno” em que, natu ralmente, o intérprete está mais interessado. O método histórico, por outro lado, descobre o significado básico da Bíblia com referência à situação em que ela foi escrita. (5)
A ênfase nas duas últimas sentenças deveria recair sôbre a palavra “básico” . Temos já visto que, na realidade, nenhum de nós poderá compreender o que a Bíblia disse à sua própria época, se não ouvirmos também o que está falando à nossa. Entretanto, tal como o capítulo precedente deixou claro, não há dúvida com respeito a onde começa o processo de compreensão. Principia com o significado do texto em seu cenário original. O sen
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tido básico, tanto para o pregador e não menos para o sábio bíblico, é o significado histórico. Pois bem, todos nós reconhecemos que o pregador está sob a tentação extraordinária de negligenciar nesse primeiro passo. Não é êle um historiador preocupado pela história como um fim em si. Está, sim, preocupado com o significado do Evangelho para a sua própria época e sente grandes responsabilidades para com os homens e mulheres modernos, tanto em sua congregação como na sociedade em geral, cujos problemas e necessidades requerem a sua atenção de todos os ângulos. Está sob a mais urgente pressão de “servir a geração atual. ” Não é estranho que grande parte das vezes sua primeira indagação acerca de um texto bíblico seja: “Como posso empregar êsse texto para ajudar minha gente?” ao invés de: “Qual o sentido original dêsse texto?” A tendência para descuidar do sentido original é encarecida pelo ponto de vista um tanto comum da natureza da Bíblia como a Palavra de Deus. Como tal, de acordo com essa idéia, ela não é só infalível, mas também incalculàvelmente convincente e misteriosamente grávida. Literalmente falando, não há limite ao que o texto possa significar. Tudo quanto as palavras sugiram ao intérprete — ou, como êle diria grande parte das vezes, tudo quanto o Espírito Santo comunique — deve ser tudo ou, pelo menos, uma parte daquilo que o texto pretenda transm itir. Em vista do significado que as palavras inicialmente tiveram para seus leitores não determinar ou limitar em grau algum o significado real das mesmas, para que se dar ao incômodo de inquirir a êsse respeito? Dêsse modo, acontece que as próprias concepções do pregador tomam precedência às palavras da Escritura em si e a própria afirmação do significado ilimitado da Bíblia passa a ser uma negação da mesma. Talvez nenhum
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de nós chegaria a se expressar como aquêle pregador que disse: “Não sou matemático, nem biologista, nem tam pouco gramático, mas quando se trata de manejar a Bíblia eu derrubo verbos, quebro preposições e pulo por sôbre adjetivos.” Não é sem freqüência, porém, que agimos com igual arrogância, passando, sem consideração nenhuma por sôbre o significado claramente planejado do texto, a fim de estabelecer o nosso próprio ponto. Quando se pensa a êste respeito, é de se espantar que alguém possa fazer isso sob a impressão de que, desprezando o significado original das palavras da Escritura, de certo modo está exaltando a Palavra de Deus. Se esta fôsse falada por meio de um evento ou desenvolvimento histórico, tornase então vital reaver aquêle desenvolvimento ou evento tão completa e verdadeiramente como pudermos. Daí a importância do trabalho do sábio bíblico. Daí também a importância do pregador começar a empregar determinado texto com uma com preensão tão clara quanto possível do seu significado original. Não é necessário que se diga aqui muita coisa a res peito do método para conseguirmos essa compreensão. O terreno já foi palmilhado muitas vêzes e é conhecido. Está claro que é mister que se conheça, se possível, o que o texto realmente afirma —■ querendo isto dizer que deverseia conhecer o texto grego ou hebráico. Se o manuscrito ou outra antiga evidência torna incerto o fraseado exato, o pregador deveria estar preparado para considerar as várias possibilidades e chegar a uma conclusão inteligente quanto à forma apropriada do texto. É preciso, então, que êle traduza o texto utilizandose dos muitos recursos que o conhecimento moderno põe à disposição — dicionários, gramáticas, concordâncias, comentários — de acordo com o limite de suas capacidades (e com prática e disciplina essas capacidades podem
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ser aum entadas). Caso o pregador não conheça as línguas originais, é mister que dependa inteiramente de outros, tanto para a determinação do texto correto como para a sua tradução. Contudo, para êsse pregador, ricos recursos também estão disponíveis, com o grande nú :mero de excelentes traduções modernas, sendo que ao fazer um acomparação das mesmas, êle estabeleceria, com vantagem, tanto um texto de maior autoridade como uma versão mais acurada para sua língua. Quando alguém traduz um texto ou se decide com respeito à tradução feita por outra pessoa, começou já a interpretar. Na verdade a tradução dificilmente poderá vir a ser certa e definitiva até que seja completado — ou pelo menos bem adiantado — o processo de inter pretação . Muitas e muitas vêzes não é simples nem tam pouco fácil êsse processo de descobrir o que o texto significava em sua origem. É mister que se conheça tão bem quanto possível o livro bíblico do qual é extraído o texto — a situação histórica e cultural que é refletida no mesmo e para a qual é dirigida; seu propósito geral e o curso geral de seu argumento; e a relação do texto com êsse argumento e propósito. É preciso que, tanto quanto possível, o texto seja visto em sua composição imediata e total. É necessário colocarse de modo inteligente no lugar do escritor e compreendêlo à luz daquilo que se conhece acêrca dêle — suas circunstâncias, suas experiências, suas idéias e suas responsabilidades. É preciso que se entre, de modo imaginário, na situação dos primeiros leitores, sentindo tão concretamente como possível os interêsses e necessidades dos mesmos. Uma vez mais podemos lembrarnos que o moderno conhecimento bíblico tem ricas capacidades para nos ajudar a conseguir êsse tipo de compreensão histórica. Assim, o conhecimento adquirido pelo pregador nem sempre precisa ser narrado minuciosamente à con-
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gregação durante o seu sermão. Um sermão bíblico não é preleção sôbre a Bíblia — mesmo que seja preleção cheia de humor, como alguns dos sermões de Patton que dariam essa impressão, ou mesmo uma preleção mais séria. É verdade que os sermões deveriam ser mais reveladores quanto à Bíblia em si e os problemas literários e históricos que a mesma apresenta, do que grande parte das vêzes dão mostras de ser. Um pregador interessado em levantar o nível geral do conhecimento da Bíblia que sua congregação tem, sempre encontrará meios de com partilhar diretamente com ela os resultados mais im portantes de seus próprios estudos. E Patton tem tôda a razão ao afirmar que as pessoas estão mais preparadas para receber informações do que muitas vêzes damos crédito a elas com relação a isso. Ainda assim, pelo menos no que diz respeito ao sermão, a indicação de uma simples informação será um interêsse subordinado e incidental. Porém, isso não quer dizer que a própria posse do conhecimento disponível e relevante tanto literário como histórico seja subordinado e incidental enquanto êle se pre para para pregar sôbre certo trecho em qualquer sentido ou grau. Êsse conhecimento é indispensável. Por piais que existam modos legítimos ou ilegítimos de se empregar um texto na pregação, não pode haver a utilização apropriada de um texto que não comece por uma com preensão verdadeira, tanto quanto possível, de seu sentido original ou histórico. Mas, legitimamente falando, que tem a ver o sermão com o texto? Quais os usos apropriados que podem ser feitos dêle? Que “partidas” podem ser permitidas do mesmo? Numa só palavra, que resposta ou respostas podem ser dadas às questões que foram apresentadas no início dêste capítulo? Geralmente constatamos que, se alguém principiar com um reconhecimento claro do sentido original do
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texto, êsse tipo de problema não surgirá. Se o texto fôr uma parte vital da Escritura e, portanto, realmente valha a pena ser pregado, sendo constatado o que, na realidade, significa em seu contexto bíblico e histórico, de modo geral o pregador sentirseá movido a pregar êsse significado. O sermão será um esforço de transm itir e aplicar o sentido original do texto e não haverá dúvida quanto à “partida” do mesmo. O próprio entendimento que alguém tenha do significado do texto original, tal como vimos no capítulo anterior, envolve um sentido vivo de sua importância presente e o impulso completo para usar o texto na pregação provém dessa compreensão . Em tais casos, o conhecimento do que o texto disse à sua geração é o conhecimento do que tem a dizer à nossa — e o pregador estará interessado em apresentar e aplicar de nôvo e de modo preciso aquêle significado, e nenhum outro. Se a grande maioria de nossos sermões não estão relacionados aos textos dos mesmos, dêsse modo direto e imediato, temos boa razão para suspeitar da solidez de nossos métodos de pregação. Quando falamos do “sentido original” de uma passagem ou de seu significado em seu “contexto original”, deveríamos ter em mente não apenas as suas relações lógicas dentro da sentença, parágrafo, capítulo ou livro em que seja encontrado, mas também algo muito mais rico e muito mais significativo. O “contexto original” não é mera forma de palavras, mas sim a vida real da antiga comunidade religiosa em que primeiramente o texto foi ouvido e conservado. Posso imaginar, por exemplo, três tipos de sermões acêrca da conhecida história de Bartimeu no Evangelho, o mendigo cego que exclamou, quando Jesus passava, “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!” (Mc 10.46) e a quem Jesus curou com um a só palavra. Um sermão encontrará nesse incidente a prova de que Jesus era o Messias — êle
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foi chamado “Filho de Davi” e demonstrou que merecia êsse título através de seu ato miraculoso. O propósito do sermão será o despertamento ou a confirmação da crença de que verdadeiramente Jesus era o Cristo. O segundo sermão porá ênfase na compaixão humana de Jesus. Jesus está passando, preocupado com outras questões, quando ouve o clamor do mendigo. Êle pára, pergunta o que o homem deseja e bondosamente vai de encontro à necessidade dêle . O propósito do sermão será o de animar semelhante sensibilidade, cortezia e generosidade. O primeiro desses dois sermões pode considerarse mais fiel ao texto, sendo, mesmo assim, inaplicável e, portanto, por mais verdadeiro que seja, não é um sermão verdadeiro. Ninguém pode ser convencido de que Jesus era o Cristo, por um simples incidente do passado. Uma convicção intelectual baseada em fato passado dessa espécie não teria significação alguma. O segundo sermão talvez poderia fazer melhor reinvidica ção quanto à relevância; mas certamente que o uso tão superficial de um texto não pode ser autêntico. Não foi por causa dessa espécie de significado encontrado nela que a história chegou a ser relembrada e finalmente registrada no Evangelho. ^ No entanto, o térceiro sermão não tratará o incidente como um evento passado do qual podemos extrair lições verdadeiras ou úteis — quer sejam doutrinárias ou éticas — mas como um acontecimento em nossa pró pria história. Somos como o cego Bartimeu. Cristo nos pergunta: “Que queres que eu te faça?” Somos nós quem respondemos, ou deveríamos responder: “Mestre, que eu torne a ver.” E, na medida de nossa fé, somos tirados das trevas para a sua maravilhosa luz. É óbvio que somente quando o texto é compreendido dêsse modo chega a ser profundamente aplicável. Mas é bem verdade também que só uma compreensão dessas é històri
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camente autêntica. Êsse é o tipo de significado que o texto possuía desde o princípio. Em vista de responder dêsse modo às realidades da vida da Igreja primitiva é que se tornou uma parte de sua pregação e mais tarde foi incorporado no Evangelho. Êsse uso do texto não é uma alegorização imaginativa. Descansa sôbre o único tipo adequado de exegese. Isso porque se não escutarmos esses textos como se fossem falados a nós, não os ouvimos como o foram na Igreja primitiva e, portanto, não os ouvimos em seu contexto verdadeiro e original. Incidentalmente, podese assinalar que o reconhecimento do fato do terceiro sermão ser o único verdadeiro sôbre o texto, ajuda a resolver o problema com que a crí tica histórica e literária da Bíblia parece, por vezes, confrontar o pregador. Uma vez constatado que o significado autêntico do texto é o sentido que possuia — e ainda possui — no contexto da vida da Igreja, tornaramse grandemente irrelevantes as indagações relativas a quem primeiro o pronunciou ou escreveu, ou acêrca de sua proximidade com algum incidente ou fato real. A verdade do texto depende inteiramente da autenticidade com que é estabelecido o significado do evento histórico, tal como êste era conhecido dentro da Igreja primitiva e como agora é conhecido ou pode ser conhecido dentro da vida da comunidade histórica ininterrupta. (6) Algumas vêzes, porém, verificaremos e também seremos movidos a pregar sôbre significados de textos, dos quais há boa razão para duvidarmos, sôbre o que os escritores originais pretendiam ou o que os primeiros leitores reconheciam. Nesse caso, a questão de fidelidade está em sabermos se os significados estão realmente implícitos no texto, se são vistos erroneamente ou se são francamente introduzidos nêle. Se o significado do sermão não fôr encontrado — quer seja consciente ou implicitamente — o uso do texto é ilegítimo, não importando
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quãolnteligen temente o ministro faça com que as meras palavras do mesmo sirvam para seu propósito. Muitas vêzes são flagrantes e inequívocas nossas violações dêsse princípio de justeza. Ninguém duvidará, por exem plo, que esteja implícito na pergunta de Faraó a Jacó: “Quantos são os dias dos anos da tua vida?” um sermão sôbre as dimensões da vida, qualquer que seja o seu sentido ou grau. Mas não raras vêzes a questão de fidelidade é muito mais difícil de responder e grandes exigências são feitas com respeito a nossos poderes de honesta discriminação. Ainda assim, o princípio permanece, por mais difícil que seja a aplicação em determinados casos. Não se pode honestamente dar a aparência de que se extrai de um texto o que não há nêle. Tampouco não é direito ou prudente basear um sermão sôbre algum texto que não possa suportálo com firmeza. Entretanto, é preciso que se reconheça a realidade — e muitas vêzes a rica variedade — de significados meramente implícitos. O significado completo de um a afirmação qualquer é conscientemente apreendida por aqueles que primeiro a ouvem ou até mesmo por aquêles que a pronunciam pela primeira vez. O grande pensador ou poeta está sempre expressando mais do que tem consciência de ter dito, ê o grande arquiteto está sempre edificando mais sàbiamente do que imagina. As palavras do profeta hebráico, do salmista, de Paulo, de João ou até mesmo do próprio Jesus (na realidade, principalmente dêle) são mais fecundas além do próprio conhecimento dêles e são verídicas em sentidos que seus ouvintes jamais poderiam ter sonhado. Por vêzes, qualquer acontecimento ou desenvolvimento nos tempos modernos não só ilustrará de nôvo ou confirmará um antigo texto, mas também revelará plenamente novas dimensões de significado dentro do mesmo. Ocasionalmente, até mesmo alguma experiência pessoal de alguém revelará algu-
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ma capacidade ou aplicação do texto e que o escritor original dificilmente teria estado a par. Semelhantemente, um incidente na narrativa bíblica pode ilustrar alguma verdade universal ou eterna acêrca de Deus, do homem, do dever ou da salvação, sendo que todos quanto a registraram — sem falar daqueles que originalmente testemunharam dêle — nunca chegaram a pensar. Quando, na crucificação de Jesus entre dois ladrões. Reinhold Niebuhr vê uma exemplificação da verdade de que a sociedade convencional tende a tratar seus criminosos e santos de modo idêntico, não está empregando mal o seu texto, embora seja quase certo que êle esteja estabelecendo um ponto que os observadores da crucificação, nem tampouco os escritores do Evangelho jamais tivessem pensado. Ainda assim o ponto é verdadeiro, repetidamente ilustrado, tanto na história como na vida comum e estabelecido de modo supremo nas circunstâncias da morte de Jesus para que o vejam todos quantos têm olhos. Não é introduzida: encontrase lá. Do mesmo modo, poderseá ver na res posta de Jesus a Marta, quando ela solicitou que êle chamasse a atenção de sua irmã, ou na resposta do Mestre ao homem anônimo que se queixava contra seu irmão com respeito a uma herança — isto é, em ambos os casos poderseá ver na resposta de Jesus um lembrete de que, quando permanecemos diante de Deus estamos sempre na posição de acusados e nunca de acusadores. Deus não ouve nossas queixas contra outros; antes, êle pergunta — “E tu? Olha para ti mesmo!” Tal significado pode ou não ter sido visto nesses incidentes pelo escritor do Evangelho que os registrou, mas lá está. Em outras palavras, um sermão não “parte” de seu texto quando encontra um nôvo significado nêle. O uso autêntico dum texto não precisa ser “insípido”; a utilização imaginativa não é necessàriamente extravagante
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e falsa. Na verdade, se nosso uso de certo texto fôr real meiUe sem imaginação e enfadonho, não pode ser autêntico. Não se pode estabelecer regras rígidas de fidelidade nesse domínio. Só se pode confiar na inteligência, integridade, bom gosto e só isso é que satisfaz — contanto que o pregador sempre comece por uma compreensão tão clara quanto possível do significado original. Sem essa compreensão êle se encontra sem leme ou compasso para empregar a Escritura, por mais inteligente, honesto ou sensível que seja. Com isso êle achará difícil extra viarse demasiadamente.
Ca p í t u l o
IV
PREGAÇÃO Ê ENSINO Já vimos que a palavra “pregação” é derivada do latim -praedicatio, que por seu turno traduz o grego kerygma, palavra esta que, em seu sentido mais geral, significa a proclamação de um fato ou de um acontecimento. É usada regularmente no Nôvo Testamento para descrever a mensagem e (em sua forma verbal) a atividade dos evangelistas Cristãos, os quais tinham “boas novas” supremas para contar, boas novas de que, em Cristo, Deus visitou e redimiu o seu povo e que a salvação estava sendo oferecida gratuitamente a todos quantos se arrependessem e pusessem sua confiança nêle. Os pregadores eram os arautos do reino de Deus. Anunciavam o fato da obra bondosa de Deus em Cristo e chamavam seus ouvintes para reagirem de modo apropriado em penitência e fé. Eram, como temos visto, os pregadores do Evangelho. Em nossas mentes, a palavra “evangelho” primeiramente está associada aos livros no comêço do Nôvo Testamento; êsse, porém, é um uso derivado e não primário do têrmo. Nenhum dos Evangelhos foi originalmente chamado por êsse nome, nem tampouco, na realidade, essa palavra foi muitas vêzes empregada nesses livros. Lucas emprega freqüentemente a forma verbal correlata que significa “proclamar boas notícias”, porém o substantivo “evangelho” não é encontrado em Lucas ou João e aparece onze vêzes apenas conjuntamente em
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Marcos e Mateus. Aparece duas vêzes em Atos, uma vez em I Pedro, uma vez no Apocalipse e em nenhum outro lugar do Nôvo Testamento, exceto nas epístolas Pauli nas — onde é encontrado umas sessenta vêzes! Paulo, que pode ser suspeito de ter realmente cunhado essa palavra em seu sentido Cristão, certamente não estava pensando num livro quando a empregou. Pensava, sim, no conteúdo da pregação Cristã. Não sabemos ao certo como o têrmo chegou a designar um livro ou um cânon de livros. Talvez isso tenha acontecido sob a influência do primeiro versículo de Marcos, “O princípio do evangelho de Jesus Cristo”, uma frase encontrada na sentença introdutória, tornandose assim o título do livro e daí o título de outros livros do mesmo tipo. Pode ser que isso tenha ocorrido sob a influência de Márcion, o primeiro a canonizar qualquer um de nossos livros do Nôvo Testamento e cujas escrituras continham, entre outros, um documento bem parecido com o nosso Lucas, mas chamado por Márcion simplesmente de “o evangelho” (sem dúvida nenhuma corresponde à “lei” no cânon judáico, que êle rejeitara) . Como apoio a essa explicação, pode ser citado o fato de que, quando os outros Evangelhos chegaram a ser estabelecidos como canônicos, não eram denominados.“Evangelhos” de Marcos, Mateus, Lucas e João. A forma no singular sugere o significado original da palavra “evangelho” — não um livro, mas uma mensagem, que poderia ser apresentada de forma diversa por diferentes autores, mas que em si era necessàriamente singular e única. No princípio de tudo não havia tais documentos como os nossos evangelhos. O “Evangelho” da ação salvífica de Deus em Cristo primeiramente não foi uma história escrita num livro, mas uma proclamação nos lábios dos pregadores primitivos. C. H. Dodd principia seu pequeno opúsculo The Apostolic Preaching (7) chamando a atenção para a dis-
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tinção entre pregação e ensino feita na Igreja primitiva. Ensino (didachê), justamente com exortação (paraklêsis), em sua maior parte era uma instrução ética e apêlo endereçado a pessoas já estabelecidas na fé. Pregação (.kerygma) era primàriamente dirigida a nãoCristãos. Era proclamação e não instrução ou exortação. Não pode haver dúvida quanto à solidez dessa distinção — tudo quanto tem sido dito relativamente ao significado da palavra “pregação” indicará outro tanto. Contudo, indago se a distinção entre “pregação” e “ensino” era tão pronunciada como Dodd dá a entender e, mais particularmente, se as funções do pregador e do professor eram, na realidade, tão separadas na vida da comunidade primitiva. Estudantes da Igreja primitiva estão acostumados a falar (como, por exemplo, em discussões das origens e desenvolvimento da tradição do Evangelho) dos “primeiros pregadores e professores Cristãos.” Será que êles querem com isso dizer duas classes de pessoas, ou estão êles se referindo a dois tipos de atividades que as mesmas pessoas poderiam exercer? Seja o que fôr que signifiquem, é muitíssimo difícil que duas classes separadas de funcionários existissem, de fato, e uma pergunta pode ser feita de modo apropriado com respeito a quão pronunciadamente as duas funções seriam distintas uma da outra. Não se poderia proclamar as boas novas de Cristo sem procurar, ao mesmo tempo, explicar o seu significado e fundamentar o mesmo com argumentos e exemplos, sem esquematizar algumas de suas im plicações éticas. E não se poderia, à maneira do professor, interpretar o significado da vida Cristã em si, sem trazer constantemente à lembrança de seus próprios ouvintes, o acontecimento de Cristo. Embora o verbo “pregar” na mais das vêzes tenha como seu objeto um termo como “o evangelho” ou “o reino de Deus”,
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Paulo pode (em Rm 2.21) falar em “pregar que não se deve fu rtar.” E, embora aparentemente verdadeiro que “ensino” fosse geralmente endereçado áos crentes, lemos (em At 13.12) que o procônsul pagão Sérgio Paulo tTcreu maravilhado com a doutrina (ou ensino) do Senhor,” Na realidade, há muitas indicações que “ensino" era um têrmo vasto que podia incluir a proclamação dos fatos do Evangelho bem como instrução ética e advertência. De fato, a distinção entre os ministros Cristãos primitivos que é mais frequente no Nôvo Testamento, não é entre “professores” e “pregadores”, mas sim entre “professores” e “profetas” . Paulo, na lista, primitiva que possuimos das funções da Igreja e dos funcionários (1 Co 12.28), fala inicialmente de “apóstolos”, “profetas”, “professores”, nessa ordem. É quase certo que os “apóstolos” são o grupo limitado dos líderes de autoridade em tôda a Igreja — aqueles a quem, assim se cria — o próprio Jesus, imediatamente depois de sua ressurreição, havia comissionado como seus representantes e os enviara para proclamar o Evangelho e estabelecer Igrejas. Cem êles outros evangelistas foram associados, os quais serviam sob as ordens dos primeiros ou que os acompanhavam em suas viagens — homens como Tito, Timóteo, Barnabé, Marcos — e estes também, em certas ocasiões, podiam, talvez, ser chamados “apóstolos” . Entretanto, de qualquer modo que sejam definidos, os “apóstolos” pertenciam à Igreja como um tôdo, e não às congregações locais. Os ministros locais principais são os “profetas” e os “professores” . É claro que a pregação será uma das funções mais importantes do apóstolo — êle é o evangelista por excelência — mas será que devemos supor que também não houvesse evangelistas nas Igrejas locais? Será que o Evangelho seria proclamado naquele lugar tão somente quando um apóstolo
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autorizado visitante estivesse presente? Fazer uma pergunta dessas é quase respondêla. Cada congregação Cristã, estabelecida num vasto ambiente pagão, era consciente de uma constante oportunidade e tarefa evange lística. Mas ainda mais importante que isso é o fato de que as “boas novas” precisam ser, e podem ser, revistas continuamente. O evento de Cristo precisa ser continuamente declarado — tanto na assembléia dos santos como na dos descrentes. Aquilo que Dodd denomina pregação apostólica teria lugar em tôda e qualquer igreja local, dia após dia, semana após semana. Entretanto, não ouvimos falar de “pregadores” em conexão a isso. A pregação era feita pelos “profetas” e “professores”. Que podemos saber acêrca dêsses ministros da Igreja primitiva? A A . , , :: Os “profetas” certamente devem ser vistos contra o cenário de fundo da profecia hebraica. Os profetas aparecem claramente em Israel nos primórdios, tão cedo como do início da monarquia, porém suas origens são muito mais antigas. Eram “homens de Deus”, identificados como tais por um dom pessoal notável. Essas pessoas são encontradas em tôda a comunidade primitiva. Estão de modo especial sujeitos a transe e êxtase e sentem serem possuidos pelo mana divino, o Deus misterioso. São “inspirados”. Alguns dos mais antigos profetas foram homens de inteligência fora do comum e de poder moral, tais como Samuel e Elias. Alguns dêles eram dervixes errantes. Amós, Oséias, Isaías, Miquéias e outros como êles também foram profetas. Êsses homens de dons pessoais e intelectuais bem extraordinários tiveram cuidado para se distinguirem do tipo comum: “Eu não sou profeta, nem filho de profeta” (7.14), afirma Amós. Êles, porém, tinham isto em comum com outros profetas — e é a coisa essencial — a de que se
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julga jul gava vam m (ou era er a m julgad julg ados os)) com como que em con co n tín tí n u a e íntima relação com Deus, recebendo a palavra diretamente dêle e também a capacidade extraordinária de comunicar em um sentido da realidade e do poder temeroso do divino div ino.. : Tudo nos faz crer que homens e mulheres dessa es pécie foram for am os prof pr ofet etas as d a Igre Ig reja ja prim pr imit itiv iva. a. Sem dúvidúv ida nenhuma alguns deles eram o tipo do dervixe primitivo, e alguns desses eram imitações conscientes ou inconsciente incons cientes. s. Luciano, Luciano, um escritor e scritor pagão do do segundo segundo século, escreveu uma sátira divertida a respeito de um dêles, um homem chamado Peregrinus que alcançou sucess cesso o explorando explo rando caridade carida de e credulidade credu lidade dos C rist ri stão ãos. s. O escritor do Didaquê, um manual primitivo da ordem da Igreja, chama a atenção das congregações para essas pesso pe ssoas. as. As indicações indicaç ões dada da dass p a r a exp ex p e rimen rim enta tarr os “profet “pro fetas” as” são simpl simples es,, mas ma s perspicazes. Se um profeta profe ta visitante pedir hospitalidade, deve ter permissão de ficar, “não mais do que um dia ou, sendo necessário, dois; se, ção pessoalmente participará da mesma; se o fizer, é um falso also p ro fe ta ... Nenhum profeta que que pedir um a refeirefeição pessoalmente participará da mesma; se o fizer, é um fals falso o p ro fe ta ... .. . Se pessoalmente pessoalmente pedir dinheiro ou ou qualqu alquer ou o u tra cois coisa, a, não se deve deve ouvi ou vilo.” lo.” O escritor resures ume: “Nem todo aquele que fala pessoalmente é profeta; é prof pr ofet etaa só se tiver tiv er o comp co mport ortam amen ento to do S e n h o r .” Mas nao pode haver dúvida de que a maioria dos profetas prov pr ovar aram am ser verdadeir verd adeiros. os. O comportamento não era a única prova; o verdadeir deiro o profeta profe ta deveria “en “ensin sinar ar a verdade. verdade. ” Suas palavras edificarão a Igreja. Paulo também estabelece êsse ponto ao falar da mais extrema das formas de êxtase em Corinto, aquêl aquêles es que que falam em línguas língua s estra es tranh nhas as.. Embor Emboraa não coubesse a êle inquirir acêrca da genuinidade e valor dêsse tipo de falar extásico, não deu ao mesmo o
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nome de de profecia. Essa designação foi reservada reserva da para pa ra o discurso inteligente que provasse seu valor pela edificação da congregação. congrega ção. “Que “Quem m fala em outra out ra língua, não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala fal a mistérios. mistér ios. Mas Mas o que profetiza, fala aos homens, edificando, exortando e consolando” (1 Co 14.23). Como, então, os profetas diferiam dos professores? sores? Eu não creio que as duas du as classes fossem fossem complecompletamente distintas uma da outra na Igreja primitiva, ou que qualquer separação clara, até de função, existisse entr en tree elas. (8) (8) O termo “professor” “professor” designava a categoria ri a mais extensa, extensa, mais geral. Os profetas pro fetas eram todos todos professores, porém nem todos tod os os professo profe ssores res eram er am propr ofetas — tal como os apóstolos todos podem ter sido profetas, porém porém todos os profetas pro fetas não foram apóstolos. apóstolos. Os pro pr o feta fe tass eram er am professor profe ssores es com u m tipo especial de ins in s piraçã pir ação, o, homens hom ens e m ulhe ul here ress dotad do tados os de m a n e ira ir a cara ca racc tete rística com um poder misterioso de comunicar a presença de Deus. De us. O prof pr ofee ta ficava, de modo todo especial, possuído pelo Espírito e era capaz de “ensinar” com um poder pod er també tam bém m especial, desp de sper erta tand ndo o emoçõe emoçõess e movendo movendo a consciência tão bem quanto iluminando a mente. Não se deve supor que o “professor” não tivesse êsses dons “pneumáticos”; êle também era inspirado “pelo mesmo Espírito Es pírito”” (1 Co 12.411). Entreta En tretanto nto,, era menos ricarica mente dotado com respeito a isso, embora em outros aspectos (tal como, por exemplo, na capacidade de explicar ca r de de m aneira an eira coerente coerente e com com persuasão racional) p u desse — em determinado caso — ter sido mais dotado do que muitos muito s dos dos profeta pro fetas. s. Ainda assim, assim, tal ta l com como os profet pro fetas as,, com u m a auto au torid ridad adee m ais ai s v asta as ta e mais ma is elevada elev ada na Igreja, eram “apóstolos”, também os professores mais inspirados inspirados eram “profetas” pro fetas” . Nada há para pa ra indicar que os vários grupos tivessem coisas dife-
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rentes a dizer — todos estavam preocupados com o “evangelho”, a “pregação”, e todos sentiam a responsa bilidade de ilu il u m inar in ar as m e n tes te s e consciências cons ciências de seus ouvintes. Todo Todoss tinham tinh am responsabi responsabilidad lidades, es, tan ta n to evan evan gelísticas como como pasto pa storai rais. s. Os apóstolo apóstoloss eram er am professoprofessores bem como pregadores, e os profetas e professores locais todos eram pregadores assim como professores. Pelo menos os apóstolos e profetas tiveram outras tarefas. Assim ssim e que os apóstolos apóstolos tinh tin h am responsabilida respon sabilidades administrativas importantes e os profetas aparentemente eram responsáveis, de modo geral, pela conduta do culto normal norm al da congregação. congregaç ão. Êsse Êsse o significado de tais termos na Igreja primitiva. O ministro moderno, tal como o antigo bispo, com bin b inaa as funções de todos os trê tr ê s tipos tipo s primitivo prim itivos, s, tan ta n to quan qu anto to u m homem pod podee fazêlo. Êle Êle é o past pa stor or e o ca ca beça adm ad m inis in istr trat ativ ivoo da Igre Ig reja ja,, o líder líde r do culto, culto , e o p r e gador. Nossa Nossa preocupação preocupaç ão com respeito respeito a êle êle está na na última dessas três funções, e nessa capacidade êle corresponde de modo mais íntimo com o professor. Sendo dotado de determinado tipo de sensibilidade e eloqüência, capacitado, acima de outros professores, de sentir e comunicar a* realidade concreta do Espírito, ficará bem próximo ao profeta primitivo quanto ao tipo (e, na situação moderna, tanto quanto na antiga, haverá muitos falsos profetas, pois que há muitos tipos de espírito ritos, s, tanto tan to n a atualidade como antig an tigaa m ente en te). ). O prepr egador, no entanto, quer seja ou não profeta, será profes pro fessor sor.. A pala pa lavv ra “e “enn s ina in a r ”, porém, impli im plica ca em u m a cadeia sem limites limit es de con co n teúd te údo, o, No sentido antigo an tigo está preo pr eocu cupa pada da com n a d a menos men os do que a procla pro clama mação ção e interpretação do Evangelho — o anúncio da ação de Deus em Cristo e a introdução de tôda a vasta riqueza de seu significado para a história humana e para tôda
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a criatura hum ana. E o critério de seu sucesso é a edificação da Igreja, tanto em número como na compreensão e devoção. Não raras vezes os têrmos “ministério de ensino” ou “sermão de ensino” têm sido usados entre nós num sentido restrito, se não um tanto depreciativo. Pregação é algo mais do que isso — ou mesmo outra coisa — que ensino, segundo se supõe. Precisamos compreender que, a não ser que pregação seja ensino, não é pregação. Para estar certo, pregação é o ensino altamente distinto por causa do caráter e significado de seu conteúdo, por causa de sua determinação no culto, por causa da inter relação pessoal que o pregador mantém com sua mensagem, e porque êle está se dirigindo, não somente às mentes de seus ouvintes, mas também à sua vontade — a êles verdadeiramente como pessoas completas em si mesmas. Procura não só convencêlas, mas também leválas a uma decisão. Consideraremos essas notas de distinção nos capítulos subseqüentes. O pregador, contudo, é ainda basicamente o professor. Sua responsabilidade primária é para com a compreensão da verdade e o significado do Evangelho e para a comunicação dessa verdade e significado (inclusive todas as implicações lhe é dado constatar) tão clara e persuasivamente quanto possível. A não ser que o ensino seja êste, é meramente som — ou, talvez, som e fúria ■— por mais fervoroso ou atraente que seja. Quando a pregação deixa de ser iluminadora, não se torna “profecia”, como, por vêzes, podemos supor em vão, mas “línguas” — e “línguas” de um tipo todo característico, irresponsável e sem sentido algum. De acordo com Paulo, os que falam línguas estão falando para Deus. A pregação que não fôr iluminadora — quer seja porque é ininteligível, irrelevante ou trivial — não fala a Deus nem tampouco ao homem.
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Já definimos o “ensino” nessa conexão de maneira muito extensa, como estou certo de que deveríamos fazêlo; poderemos, porém, terminar esta discussão de maneira apropriada, lembrando que até mesmo no sentido mais estreito em que comumente é empregado o têrmo quando falamos de “sermões de ensino” — mesmo nesse sentido, o ensino tem a maior maio r impo im portâ rtânc ncia. ia. Ouvi Ouvim mos freqüentemente falar do “analfabetismo” das congregações de modo geral — homens e mulheres que são inteligentes com relação a outros assuntos e que, porém, são completamente simples ou desesperançadamente confusos em seu pensamento com respeito à Igreja e sua fé. Por que que é isto verdade? verdade? Sem dúvida nenhu nen hum m a podem ser encontradas muitas causas; entretanto, não será que uma das mais significativas seja a falha da pregação da Igreja Igre ja no sentido de ser realme real mente nte educativa? Muitas Muita s e muitas vêzes essa falha aparecerá no caráter acidental dos assuntos de pregação — o pregador sem fazer esforço aparente para tratar de modo compreensivo durante um período extensivo com os temas importantes da fé e vida Cristãs, quer seja pela sequência ao ano litúrgico da Igre Ig reja ja ou ou de qualque qua lquerr outro modo. modo. Contudo Contudo,, a falha poderá também se manifestar no nível constantemente elementar da pregação — os mesmos temas sendo manipulados de modo idêntico ano após ano, o preg pr egad ador or a p a rent re ntem em ente en te n ão tend te ndo o n e n h u m a expe ex pecta ctativa de que sua congregação possa crescer em compreensão . Há grand gra ndee sabedoria em não se dar da r carne carn e a pessoas pessoas que só estão prontas para o leite; mas algo está errado quando uma congregação fica permanentemente numa dieta de leite. Será que não precisamos confessar que o que muitas vezes está errado em tais casos é que o pregador mesmo só toma leite?
Ca p í t u l o V
PREGAÇÃO É PESSOAL . Chegamos a constatar que tôda a pregação, além de qualquer qualque r outra ou tra coisa coisa,, é ensino, òbviamente, òbviam ente, porém, porém, nem nem todo o ensino — até mesmo o ensino com respeito a um assu as sunt nto o religi religioso oso — é pregaçã preg ação. o. Num de de nossos seminários há um “sermão” especial feito anualmente por um sábio sábio visitan vis itante. te. Há alguns algu ns anos o assunto ass unto dêsse êsse sermão serm ão fo foi “O Texto Ocidental de A tos. to s.”” Bem, Bem, n enh en h u ma falta foi encontrada no pregador nessa ocasião es pecial, tendo ten do suas su as próp pr ópria riass cara ca ract ctee ríst rí stic icas as tradic tra dicion ionais ais;; os que dentre nós temos trabalhado com problemas de crítica textual sabemos o quão fascinante êsse asunto pode ser. se r. E n tre tr e tan ta n to, to , poder po derse seia ia ima im a g ina in a r o p asto as torr de uma congregação anunciando êsse tema para o seu serm ão de domingo domingo de de m a nhã? nh ã? E, contudo, por vez vezes es nós agimos tão erroneame erronea mente nte “pregand pre gando” o” sôbr sôbree a auto au toria ria dos dos Hebreus, ou o número de Isaías, ou mesmo sôbre a organização do trabalho missionário de nossa denominação, ou até a constituição con stituição das Naçõ Nações es Unidas. Sermão não é preleção, prele ção, isso é bem c e rto rt o . Mas em que é êle êle dife d iferen rente? te? O que, além de seu conteúdo geralmente religioso ou até mesmo Cristão, distingue a pregação de outros tipos de ensino? ensino? Os capítulos capítu los resta re stant ntes es dêste liv livro ro preocupar preocupar seão seão com com esta es ta m a tér té r ia . A resposta, assim o crei creio, o, está est á n a nature na tureza za pess pessoal oal da pregação pregação e n a relação relação que que a mesma tem com o culto normal, de um lado, e com o Espírito e o evento de Cristo, de outro.
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Podemos começar, então, por dar ênfase ao caráter pessoal da pregação. O pregador é uma um a pesso pessoaa dirigindirigin dos dosee a outra ou trass pessoas. Seu discur discurso so vai d ireta ire ta e imediaime diatamente a um grupo de ouvintes, sendo tirado da experiência riên cia e compreensão pessoal. Qualquer Qu alquer professor professor se dirige a um grupo de ouvintes, naturalmente, mas poderá estar falando menos como uma pessoa a outras pessoas pesso as do que como como um especi esp ecialis alista ta sôbre o assu as sunn to de sua preleção a uma audiência presumivelmente interessada em em aprender aprende r mais acêrca daquel daquelee assunto. assunto . O prepr egador não é um especialista em religião dando informações a aprendizes interessados, mas sim alguém que está repartindo algumas de suas experiências mais intimas ma s e profun pro fundas das com com outra ou trass pessoa pessoas. s. Pregação não é discurso sôbre religião; é uma pessoa religiosa falando. Êsse caráter pessoal da pregação é que torna tão importa im portante nte a integridade moral do preg pr egad ador. or. Argumen Argumen tase muitas vezes que a validez e eficácia dos sacramentos da Igreja não são elevadas nem tampouco deterioradas pelo caráter moral do sacerdote que está oficiando ciando . Seria Se ria muito mais ma is árduo árd uo estabelecer êste ponto com com respeito à preg pr egaç ação ão.. O grau gr au de nossa noss a boa qualidade, como pregadores, depende — não completamente, mas (não cometa êrro!) primàriamente — no grau de nossa bonda bo ndade de como como homen hom ens. s. E que não nã o h a ja m á compre com preen ensão sôbre o que desejo dizer com “o grau de nossa bondade dad e . ” Quero signific sign ificar ar com isso isso o quão quã o hone ho nest stos os somos, somos, o quão íntegros e sinceros, o quão livres de orgulho, falsidade, pretensão, complacência própria ou preocupação com os nossos próprios problemas. Quero também dizer com isso o quão penitentes somos, com que paixão ou desejo procuramos a Deus, quão prontos estamos a nos submeter me ter à sua s ua vontade, vontade, quão preocupados preocupados estamos em agra ag radarlhe, quão constantemente compreendemos nossa necessidade de perdão, quão fielmente dependentes de sua
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graça, quão insubmissos em nossa disciplina, quão incon tidos em nossa devoção. Quero dizer o quão genuinamente preocupados estamos cora outros, quão prontos a com preendêlos e ajudálos, quão pacientes com êles e quão amorosos e sensíveis aos anseios mais profundos dos mesmos, porque nós próprios estamos vivendo verdadeira e profundamente. Ninguém dentre nós estará pronto a reivindicar que, nesse sentido, somos boas criaturas; entretanto, travamos conhecimento com homens como êsses e todos nós sabemos que essa bondade é a qualificação mais importante que o pregador tem mais do que qualquer montante de conhecimento e eloqüência que porventura possua. Na realidade, o conhecimento ou eloqüência podem ser, tal como a riqueza, uma armadilha para pegar e destruir nossas alm as. É tão difícil para o assim chamado grande pregador entrar no reino do céu como para qualquer outro homem ou mulher de sucesso — talvez até mais difícil. As tentações para o orgulho são quase que irresistíveis, e desde que o pregador esteja numa situação em que precise parecer humilde a fim de ter uma base socialmente aceitável para o seu orgulho, o pecado mais grosseiro da hipocrisia é tudo, menos inescapável. Ao homem de muitos talentos, assim como para o homem de grande riqueza, Jesus diz: “Se quiseres ter vida, deixa todo o apoio que tens em tua riqueza, renuncia a todo o teu orgulho nela e no poder que isso te concede; vem, toma a tua cruz e segueme” e, tal como o outro fêz, êste muitas vêzes “vaise com tristeza”, pois que a riqueza não é apenas o nosso único bem ou aquilo que há de mais íntimo, ou mesmo aquilo em que possamos ter maior orgulho. Além disso, podese solucionar o problema da riqueza — ou pelo menos escapulir dêle — desem baraçandose do mesmo; não se pode, contudo, desperdiçar os próprios talentos. É pecado exibilos ou expio
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rálos egoisticamente, porém de igual modo é pecado enterrálos. E, naturalmente, o homem de um único talento pode ser tão orgulhoso dêste seu talento e tão egocêntrico no uso que fizer dêle como o homem de dez talentos seja dos seus. O homem rico pode estar em perigo todo especial de cobiça, porém os pobres não estão isentos disso. Ocasionalmente o homem rico não só é mero participante de sua abundância, mas, na realidade, consagra a abundância em si e, por vêzes, antes de dar todo o seu sustento, a viúva pobre junta as suas duas moedas. Pode ser certo que “todo o poder corrompe”, porém não é necessário que se possua riqueza para ser corrompido pela mesma; basta ser somente ambicioso, invejar de outros a posse de bens. Cobiça significa ambição, inveja, e o orgulho tanto pode torcer como destruir a alma humana com poucos dons, tanto como a do homem com muitos talentos. Não há pregador tão verdadeiro e tão honesto que não sinta freqüentemente como Paulo, o temor desesperado: “ai de mim se não pregar o Evangelho.” Êsse é um temor saudável e muito realístico, de modo * especial, quando nos tornamos mais velhos e os músculos de nossa disciplina tenderem a se enrijar e os pulsos de nossa devoção baterem mais vagarosamente. Quando se olha para isso, de certa maneira, não será de se estranhar que por menor prospecto que tenhamos de desfrutar dêste mundo, de algum modo, mais precioso se torna para nós? Parece mais fácil ao jovem entregar tudo do que ao ancião entregar o pouco que lhe resta. Isto é tão verdadeiro com ministros como para outros. Demas não foi o último ministro a abandonar o seu chamado, “tendo amado êste mundo presente.” A “deserção” não precisa ser aberta e, geralmente falando, não o é. A grande maioria dos Demas prosseguem com as atividades de sua profissão e provàvelmente êles mes
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mos não sabem quão distantes estão de Cristo e quão frias e mortas tornaramse as brasas que uma vez ardiam sôbre o altar de seus corações. Como qualquer um que esteja em conexão com a educação teológica, muitas e muitas vezes tenho tido que tratar com um estudante que luta contra o que parece ser um chamado para o ministério. Uma de suas queixas mais freqüentes é: “Não sou suficientemente bom para ser um m inistro.” A resposta invariável a essa queixa é: “Mas ninguém é ou pode ser. Na verdade, a pessoa que mais clara e certamente seja imprópria para o ministério seria aquela que pensasse ser suficientemente boa para isso. ” Sem dúvida nenhuma, isso é a verdade em tôda sua clareza e, no entanto, é algo de sólido o sentimento instintivo do estudante quanto a uma conexão es pecial entre a bondade espiritual e o trabalho do ministério. Com tôda a certeza, o estudante de medicina é menos propenso a dizer: “Não sou bastante bom para ser médico”; ou o estudante de direito: “Sou moralmente inca paz de ser advogado.” Na realidade, seria difícil — e uma presunção intolerável — estabelecer como que uma prova moral adequada para o candidato ao ministério, pois que o tipo de bondade que estamos abordando não pode ser medido em têrmos legais. Entretanto, há provas de caráter que o ministro precisa enfrentar — nos lugares secretos de seu coração, se não fôr em outra parte qualquer — e o verdadeiro sucesso de seu ministério está, em primeiro lugar, nesse encontro que tiver com êles. Quando me recordo dos homens que mais me têm ajudado no ministério, não penso naqueles que são bem dotados, mas sim nos que são bons. Alguns dentre os bons também eram dotados, mas o pensar em seus talentos é um fato quase que incidental. Quer tenha conhecido os mesmos, recentemente ou há anos, lembrome
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de modo particular o que êles foram e não o que disseram. Tanto no púlpito, como fora dêle, o que, na realidade deram a mim, foi o que tinham de si mesmos. Êsse caráter essencialmente pessoal da pregação pesa com a mesma importância no que diz respeito à preparação do pregador para pregar. A resposta à provocante decisão de, se é melhor alguém escrever os seus próprios sermões ou dizêlos sem anotações, ao acaso, está nesse ponto. O método que determinado pregador adota não tem, realmente, importância, enquanto não fôr violada a natureza da pregação como comunicação pessoal, querendo isso dizer, enquanto o sentido de contato pessoal entre pregador e ouvintes fôr mantido entre ambas as parte s. O pregador bem sucedido que escreva seus sermões é capaz, enquanto escreve, de se colocar a si mesmo através da imaginação, na presença de sua congregação e na situação do culto, pondo deste modo no manuscrito, o que, na realidade, êle se sentir movido a dizer quando fôr o momento dêle falar. No entanto, o sermão formal — quer seja ou não escrito — poderá, na verdade, separar o pregador de sua congregação, tornandose mais uma barreira do que um meio de comunicação. Ao ouvir determinado pregador, muitas vêzes, certamente, você pensou: “Se tão somente êle jogasse fora êsse sermão e falasse realmente para nós, certas coisas começariam a acontecer!” ■ A esta altura tratamos daquilo que talvez seja o pro blema supremamente difícil e importante na arte ou técnica da pregação — isto é, o problema de como fazer o preparo necessário, sem perder a realidade da comunicação pessoal. Agora não haverá disputa com relação à necessidade de preparação — ainda mais que a pre paração precisa incluir não só mera leitura e reflexão de um tipo que, geralmente falando, seja de auxílio (em bora essa espécie de preparo para a pregação seja im-
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portante e, muitas vêzes, negligenciada), mas também a composição mais ou menos detalhada do que se deseja dizer em cada ocasião particular. Na verdade, não teríamos a confessar que uma das razões pelas quais nossa pregação não seja mais eficaz é porque não damos atenção suficiente e séria para a preparação de nossas mensagens. Todos nós reconhecemos que esta não é a causa mais profunda da derrota e que essa não seria, de forma alguma, uma causa, se não houvesse outras mais profundas. Quero dizer que, se estivéssemos certos com res peito à substância de nossa pregação, não precisaríamos ficar tremendamente perturbados com sua forma e seu estilo. Poderia bem ser que não falássemos de acôrdo com os modelos mais aprovados da arte de homilética, porém falaríamos de modo suficientemente eficiente. Paulo nos diz que não sabia muito acêrca das regras de oratória, e que muitos o encaravam como um pregador pretencioso; no entanto, quem pode duvidar da eficiência de Paulo como pregador do Evangelho? Ainda assim, mesmo que Paulo não tenha sido um mestre de estilo, não há dúvida alguma que dispendeu muito tempo pensando arduam ente no que diria em sua pregação e que muitas e muitas vêzes, deu séria atenção ao modo pelo qual pregaria. Certamente tudo isso é verdade se êle teve tanto cuidado com seus sermões como com suas epístolas. A verdade da questão é que podemos facilmente distinguir de maneira bem clara entre substância e estilo, quer seja na pregação ou em outro domínio análogo. A capacidade de pensar e sentir, bem como a habilidade de expressão andam muito mais juntas do que muitas vêzes podemos supor. Não há dúvida alguma que isso é certo com relação a nosso pensamento. Pensamos com palavras. Aquêle que não pode escrever ou expressarse claramente não tem, tampouco, o pensamento claro. O
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cuiso de composição em inglês de que melhor me recordo tinha como texto um livro denominado Sentences and Thinking. (9) O livro era bom. O título era perfeito! Nossos sentimentos poderão ser tão profundos a ponto de causarem lágrimas, porém o mesmo não se pode dizer das palavras. Mas quando somos assim tão inarticula dos, certifiquêmonos que seja devido à profundidade de nossos sentimentos e não devido à pobreza, inatividade e falta de cultura de nosso discurso. Afinal de contas, os grandes poetas conseguem expressar alguns de seus pensamentos mais profundos. E embora se creia que até mesmo êles podem dizer somente uma parcela do que sentem, suspeitase que podem sentir mais profundamente, em parte devido a poderem dizer tanto. A maestria da técnica de expressão e capacidade para discernimento e verdadeira emoção vão juntas, qualquer que seja a arte; e tão relacionadas estão como causa e efeito que, muitas vezes, é impossível dizer com qual delas começa o círculo. O pregador, então, que luta para adquirir um estilo adequado, quer seja escrevendo ou reescrevendo o sermão no seu escritório, ou dizendo re petidamente suas sentenças e parágrafos para a floresta ou para o mar (tal como, assim nos é dito, fazia Demós te nes), está fazendo* algo mais do que polir a superfície de sua pregação; tôda a sua substância, em maior ou menor grau, está envolvida. Todos nós, alguma vez, já agüentamos o pregador que não se prepara para pregar. Pode ser que se o pregador de alguma seita “primitiva” que segue de modo muito literal a injunção do Evangelho de que não se pode pensar de antemão o que se deva dizer e que se deve depender completamente na promessa de que o Espírito dará, tanto a mensagem como as palavras apropriadas, quando a hora chegar. Ou, então, êle poderá ser uma espécie de pregador mais admirável — e, infelizmente,
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menos rara — que se apoia somente em certa loquacidade natura l ou adquirida. Mas, quer seja tíe um tipo ou de outro, sabemos bem como não é edificante o discurso de um pregador sem preparo prévio, especialmente se êle tiver que falar, domingo após domingo, para as mesmas pessoas. Lembrome do que meu pai contava acerca de um pregador de seu conhecimento, que se ga bava de nunca ter preparado um sermão, mas que, quando chegava o momento dêle falar, dizia êle que era como se um grande funil tivesse sido colocado no alto de sua cabeça e o Senhor derramasse as palavras que devesse falar. Meu pai prosseguiu, dizendo que tendo mais tarde ouvido êsse mesmo pregador, decidira que o funil deveria ter sido colocado de cabeça para baixo com o pequeno orifício para cima. Muitos pregadores são sofisticados demais para crerem no funil, mas na realidade seguem a mesma linha, sendo igualmente irresponsáveis e ineficazes. . E, no entanto, quase tão ruim como a falta de pre paro é o preparo que unicamente chama atenção para êsse ponto. O sermão não deve ser parecido com algo tremendamente elaborado para que a atenção do ouvinte seja sempre distraída daquilo que está sendo dito para o modo inteligente — ou até mesmo bonito — com que o pregador o está dizendo. De fato, um sermão desses não aparecerá de maneira alguma, ideaimente falando. O propósito e a natureza real da pregação são malogrados e violados peio sermão que atrai atenção para si mesmo por sua habilidade, tanto como pelo sermão que chame atenção para si mesmo por sua má qualidade. Naturalmente é um sermão; mas, quanto menos cons pícuo fôr, melhor é . Sob o aspecto humano, os elementos essenciais na situação da pregação são o pregador e a congregação; o sermão não é um terceiro elemento, mas sim a ação de um dos elementos sôbre o outro, ou, s a B U K ) COBCOBDfc
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melhor talvez, o movimento de um dos elementos em direção ao outro. Se o sermão aparecer em cena como um elemento, de maneira tal que o pregador não esteja pensando na congregação e o que deseja dizer a seus ouvintes, mas sim no sermão que êle preparou na semana anterior, cujas palavras estão diante dêle num manuscrito ou mesmo foram memorizadas e, se a congregação tiver a impressão de estar ouvindo, não ao pregador, mas êsse mesmo sermão — desta forma a pregação não está sendo realizada. Sermão não é ensaio literário; é ato oral de comunicação. E mesmo assim precisa ser preparado cuidadosamente, não só planejado em seu esboço de linhas gerais, mas preparado até em sua linguagem. Portanto, será que não se pode concordar em que o problema central na técnica de pregação está no modo de fazer êsse preparo sem prejudicar o caráter pessoal e direto da pregação em si mesma? Não tenho solução a propor. Na realidade, é plausível que o problema seja solucionado individualmente pelo pregador e que duas soluções dificilmente sejam idênticas. Entretanto, o alvo preparado é bem claro; é um homem preparado e não um sermão. O sermão precisa ser um elemento na disposição pessoal do homem para o momento da*pregação. Não se deve pensar que o sermão realize o trabalho do pastor, ou que mesmo seja um mero instrumento com que êle o faz. O melhor sermão é o próprio homem realizando o seu trabalho. O sermão é o pregador pregando — uma ação, não uma coisa. É um ato de expressão e de comunicação pessoal, não um depósito de experiência e reflexão prévias, É êsse fato que torna tão difícil a pregação de um sermão antigo. O sermão é uma criação pessoal, íntima, pertencendo essencialmente ao próprio momento da pregação. A antecipação do momento precisa dominar completa mente a disposição com que o pregador se prepara para
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pregar. Quanto mais êle puder antecipar aquêle momento de modo verdadeiro, fecundo e vivo, mais intensamente êle pode experimentálo de antemão e tanto mais apropriado e eficaz pode ser o seu preparo. Êle estará preparando não um sermão, mas a si próprio; ou, para talvez expressar melhor o que desejamos dizer, o preparo de um sermão seu, na verdade, será um preparo de si próprio, e seu preparo próximo será, em parte, o preparo de um sermão. Portanto, o sermão é um a expressão humana. Não é o arejamento da opinião do pregador — até mesmo opiniões acerca de assuntos importantes — mas a participação de suas convicções mais sérias e íntimas. É mais do que isso; êle se atreve a crer — e, na verdade, não pode deixar de crer — que tudo quanto declara tem vindo a êle, para êle mesmo, como sendo a Palavra de Deus. Dêsse modo, tem êle o fardo de um senso único de responsabilidade, elevado por um único senso de privilégio. “Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?” (Am 3.8). “Ai de mim se não pregar o Evangelho” (1 Co 9.16). De certa maneira o artista se encontra na mesma relação com seu trabalho. Pense em Ghiberti e as portas do batistério florentino nas quais êle trabalhou por cinquenta anos consecutivos. Aquelas portas grandiosas não foram tanto sua obra como o foi sua vida. O trabalho do pregador é pessoal dessa mesma maneira íntim a e necessária. Deuselhe algo — a êle, única e pessoalmente — que precisa procurar declarar. Êle foi admitido “ao lugar mais secreto do tabernáculo do Altíssimo” e sabe que ouviu lá uma palavra que ninguém mais ouviu em sua particularidade e concretização. Com respeito a êsse senso especial de vocação êle não falará muitas vezes, ou mesmo talvez nunca chegue a se referir. (Note a aversão com que Paulo toca nesse ponto em 2 Co 12) . É significativo demais, sagrado de-
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mais e íntimo demais para si mesmo. Entretanto, êle leva êsse gôzo e pêso em seu coração e isso dá significado, não somente a seu ministério de pregação como um tôdo, mas para tôda e qualquer ocasião em que êle pregar. No entanto, a pregação é pessoal, não só porque provém dêsse senso de vocação profundamente pessoal e porque quando está sendo realizada o pregador é uma pessoa real procurando expressar o que para êle, como uma pessoa, é o mais importante e o mais profundamente verdadeiro, mas também em vista de ser endereçada a pessoas.. De certo modo, isso não precisa ser mencionado, pois que a própria palavra “pessoa” implica relações com outras pessoas. Falar a outros como uma pessoa é, por definição, falarlhes como pessoas. Por algum tempo fui capelão de uma instituição educacional onde recebíamos a visita de muitos pregadores; era digno de nota o número de vêzes em que o pregador parecia estar sob a impressão de que, numa universidade, a congregação era composta de estudantes e não pessoas, sendo que o sermão se tornava preleção sôbre religião, ou qualquer outra coisa, menos uma proclamação do julgamento e do amor de Deus e um convite ao arrependimento e obediência. Em outras palavras, o pregador tinha a prevenção de falar como uma pessoa, de maneira proveitosa e produtiva, devido à sua falsa suposição de que não estávamos preparados para ouvir como pessoas. Isso não significa que tudo quanto foi dito proveitosamente para alguns, possa ser dito com igual eficácia a todos. É bem possível que o bom sermão que o pregador visitante tivesse dado à sua própria congregação na semana anterior, não fôsse apropriado para a capela do colégio, embora seja bem possível que o fôsse. Mesmo assim, divergem em diferentes ocasiões a linguagem e a forma e, até certo ponto, a substância da genuína co
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municaçao pessoal, Aqui o que alcança o próprio coração de um grupo pode ser simplesmente inteligível para outro. O que fala decisivamente às necessidades sentidas por alguns, só servirá para confundir a outros. De modo inverso, o que é muito relevante e útil para uma congregação, pode ser óbvio demais para ser interessante ou realmente de auxílio para outra. Entretanto, com respeito a isso, devemos dizer que tudo quanto é falado de coração — simples, direta e honestamente —■ com tôda a probabilidade alcançará outros corações. Pessoas humildes e simples podem aprender verdades tão profundas quanto qualquer sábio, contanto que sejam verdades conhecidas concretamente através da experiência, mais do que meras abstrações — e, de qualquer modo, são estas as únicas verdades que pertencem devidamente à pregação. Por outro lado, a integridade, simplicidade e sinceridade não ofenderão de modo algum aos mais iluminados, pois que, ser simples, não significa necessà riamente ser superficial ou óbvio. E uma congregação, por mais bem educada ou sofisticada que seja, será melhor servida, quer ela saiba ou não (e provàvelmente ela o saberá) com o pastor honesto, mas relativamente sem talentos, que conhece e fala às profundas necessidades pessoais de seus ouvintes, do que com o especialista brilhante de uma simples arte, por mais inteligente que ■seja ou por mais engenhosamente construído e impecável que seja o ensaio que êle entrega como sermão, no domingo de manhã. O que estamos fazendo aqui é repetir simplesmente o fato de que a pregação precisa ser relevante, com a qualificação de que por “relevância”, nesse sentido, queremos significar relevância à vida pessoal dos ouvintes de alguém. A pregação é dirigida a indivíduos e precisa ter como alvo o encontro de suas necesidades pessoais. Êsses indivíduos são, naturalmente, membros de comu-
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nidades — da Igreja, da nação, da família, e assim por diante, Não se pode falar a êles sem tomar em consideração a composição do grupo ou existência corporada em que estão envolvidos. Mas é mister que se fale a êles. O contexto mais vasto só preocupa se afetar a êles. Cada ouvinte, em sua própria situação pessoal, é o foco de atenção necessário do pregador. Para se certificar, precisa êle estar ciente da literatura contemporânea, dos desenvolvimentos científicos contemporâneos e do pensamento contemporâneo, tanto teológico como filosófico. Êle precisa compreender ao máximo o espírito de seus dias. Isso é certo, porém, só porque o seu povo é afetado pessoal e individualmente por esses fatores. São irrelevantes as citações de literatura, as alusões à tecnologia, até mesmo as discussões teológicas e, portanto, pior do que inúteis, a não ser que iluminem a situação pessoal do ouvinte, ajudandoo a melhor compreender a si mesmo, a ver o seu dever mais claramente, a conhecer de modo mais real o significado do Evangelho e a aprender verdadeiramente o auxílio que Deus lhe oferece em Cristo. Sermões “aprendidos” podem ser tão ruins como os inteligentes. De igual modo, determinase a relevância das discussões de acontecimentos atuais e fatos políticos e econômicos correntes por sua referência à vida pessoal dos membros da congregação. Há cêrca de trin ta anos, quando eu me encontrava no seminário, constantemente ouvíamos que o pregador deveria ser um profeta — não no sentido daquele termo que consideramos no capítulo anterior, mas sim em sentido bem diverso. O “profeta” era um pregador cujos sermões eram quase que inteiramente descrições e denúncias dos males sociais — guerra, injustiça na indústria, descriminação racial e coisa semelhante. De modo geral, essas fulminações “proféticas” do pregador eram dirigidas não só aos males, mas
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também à sua congregação — como se tais homens e mulheres fossem mais responsáveis por aquêles males do que êle próprio! Geralmente falando, também, êle nada tinha a propor, quer fôsse como solução para aquele mal em larga escala, ou como forma de vida para o indivíduo em presença do mesmo m al. E quando, de pois de tôda a sua paciência, o povo começava a ficar cansado de ir à Igreja para ser alimentado e, ao invés de pão, receber pedras (e pedras atiradas nêles), decidindose a querer outro pregador, o “profeta” estava convicto de ser um mártir pela verdade, uma vítima da reação econômica e política. Na realidade, na grande maioria das vêzes o seu sofrimento sobreveio porque malograra em falar como pessoa para outras pessoas, falhara no modo de lidar com as pessoas onde elas se encontravam (para usar uma frase corrente) em têrmos de sua própria situação existencial, isto é, falhara realmente em pregar. Não precisamos dizer que não se pode pregar dessa maneira sem levar em consideração os fatos econômicos e políticos que condicionam a vida dos homens e também os fatos econômicos e políticos com que êles se defrontam. Há um julgamento de Deus contra as ordens injustas deste mundo, tão certo como contra os pecados individuais, sendo que, portanto, precisamos almejar por uma sociedade nova e melhor, e não pura e simplesmente pessoas regeneradas. Entretanto, a discussão de fatos sociais (ou quaisquer outros) é algo apropriado e que auxilia na pregação, somente quando serve para iluminar o estado assim como o dever de cada ouvinte. Para cada pregador do evangelho social que é rejeitado por sua congregação, outro pode ser encontrado e que esteja tão preocupado pela justiça social e tão sincero ao expressar esta sua participação era atos e palavras que a congregação continua a ser leal a êle. A diferença
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está — nem sempre, naturalmente, mas muitas vêzes — no fato que num caso os males sociais e objetivos são tratados no verdadeiro contexto pessoal da pregação, enquanto que no outro isso não acontece. Não podemos nos esquecer — com o perigo de perdermos nossas almas — que é fácil racionalizar aqui e supor que estamos sendo verdadeiros a nosso chamado quando, na realidade, nossa atuação é tão desonesta como covarde. O martírio — algo para se deplorar sem pre (mesmo quando é o seu próprio!) — por vêzes não pode ser evitado. A vida Cristã não é uma escapatória da responsabilidade social; o Evangelho não é narcótico. O pregador que não é sensível à injustiça social, ao com promisso dos não privilegiados, a cada exemplo de desumanidade do homem para com o homem, e que não trata realisticamente com tais condições em sua pregação, não é um pregador no real sentido da palavra. Sua pregação não é realmente importante, por mais popular que possa ser no decorrer de determinado tempo. Entretanto, “realismo" nesse sentido designa um tipo de compreensão não só das condições que alguém está descrevendo, mas também das pessoas a quem se está dirigindo, e, para que a discussão de alguém seja relevante, é mister que seja relevante a eles. Nesse sentido, como em qualquer outro, a pregação é pessoal.
Ca pí t u l
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PREGAÇÃO Ê CULTO Não nos voltamos contra o caráter pessoal da pregação, mas damos a êste caráter uma nova ênfase e um significado ainda mais distinto quando reconhecemos a conexão íntima e necessária entre pregação e culto. Esta é uma segunda distinção entre pregação e outros tipos de ensino religioso. Na Igreja primitiva os profetas e professores eram os líderes de seu culto, e isso de igual modo é bem verdadeiro relativamente à Igreja moderna. Além do mais, comumente, desde o princípio também o culto providenciou a situação para o pregador fala r. Por vêzes, para se certificar, o culto tem sido subordinado ao sermão — o tôdo à parte — pensandose dêle como sim ples moldura para o discurso do pregador. Hinos, confissões, até mesmo orações foram concebidas como sim ples preparação do caminho para o sermão; dessa maneira é que se foi perdendo o senso de realidade e importância do culto comum. Tudo isso é de se deplorar, tanto no interesse da verdadeira pregação como por quaisquer outras razões. Mesmo assim, ainda é verdade que o culto — nem sempre, mas muitas vêzes — precisa de um sermão tanto quanto o sermão precisa do culto. Êles se interpretam reciprocamente. Um é mais significativo porque o outro está presente. Mas êste não é o caminho mais certo para se des ■ crever a conexão entre pregação e culto. A interrelação é mais íntima e profunda. A não ser que concebamos
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a pregação como sendo em si um ato de culto, perdemos o que há de mais essencial nela e o que a distingue mais radicalmente de outras espécies de ensino, quer religioso ou secular. A realidade do assunto não é que a pregação seja simplesmente encaixada no contexto de um culto ou que seja mais eficaz quando tiver êsse tipo de moldura . Não pode ser pregação, na realidade, a não ser que seja naquele contexto. Se o contexto de culto não fôr encontrado, o verdadeiro sermão criao. A pregação contribui ou providencia um meio de culto — ou de maneira nenhuma é pregação. Êsse caráter da pregação se manifesta no período preparatório. O sermão é uma oferta a Deus — ou antes, é o pregador oferecendose a si mesmo a Deus eo pre paro é um ato disciplinado de devoção. Pregar é, na realidade, orar com outros, levar a outros em oração; prepararse para pregar é, sem dúvida nenhuma, sob um aspecto importante, orar por outros e por si mesmo para o bem de outros. Perguntome se a vida devocional particular da maioria dos pregadores não está grandemente associada com a pregação deles e sua respectiva preparação. Certamente esperarseia que assim não fôsse. Quando o pregador se confronta com a oportunidade de pregação é que sentirá mais agudamente a sua fraqueza, o seu vazio, o seu pecado. É então que verseá orando com o mais profundo anseio: “Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte” (SI 43.3). E será no decorrer de seu trabalho preparatório que êle será mais movido à adoração, à gratidão e ao louvor. O reconhecimento que o preparo para pregar equivale ao preparativo de uma oferta a Deus, colocará em sua verdadeira perspectiva a importância dêsse preparo. Alguém que suba ao púlpito sem estar preparado não só desperta um certo descontentamento por parte de seus
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ouvintes; sentese culpado da mais grosseira irreverência com relação ao próprio Deus. Lemos no Antigo Testamento acêrca da maneira meticulosa com que tanto os sacrifícios como os sacerdotes precisavam ficar prontos para os serviços do templo. Com que cuidado ambos deveriam ser escolhidos e preparados! Ficamos cientes de nossa liberdade diante dêsses regulamentos; todo o sistema de sacrifícios animais ficou abolido em Cristo, o qual, como o grande Sumosacerdote, ofereceu o seu próprio sangue. Mas será que Deus é menos santo do que no passado, ou será que temos mais merecimento para nos aproximarnos dêle? Será que o culto público da congregação é ainda tão sacro, um evento tão momentoso como sem pre o foi? O pregador é sacerdote, assim como profeta e professor. Possui uma oferta para levar. Essa oferta não é um animal; é, em primeiro lugar, êle próprio. Êle se apresenta como “sacrifício vivo.” Sua oferta, tal como o cordeiro no altar, precisa ser “santa e aceitável.” Será que, então, poderá ser algo improvisado e casual? O “culto”, afirmamos, tornouse mais “espiritual” . Mas será que, por causa disso, deverá ser tomado menos a sério? E, no entanto, alguns dentre nós, habitualmente não nos achamos preparados para pregar. Tenho ouvido pregadores gracejarem até com respeito à sua falta de preparo, tendo feito já referência ao pregador que se gaba de sua capacidade de sairse bem sem nenhum pre paro. Como é que podemos ser tão grosseiramente presunçosos9 Como é que nos atrevemos a tanto? Pregador sem preparo é sacerdote infiel. E, a não ser que o pre paro do pregador tenha principiado, continuado e terminado em oração e louvor, êle não está preparado, por mais sábio, “belo” ou inteligente que seja o seu sermão • e por mais tempo e fidelidade com que tenha labutado no mesmo..
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Pensemos em culto como algo que inclui várias dis posições ou movimentos — adoração e ação de graças, confronto com a vontade de Deus, confissão de pecado, procura de perdão e outra ajuda que precisarmos, afirmação da fé, consagração e vida. A pregação participa em cada um a dessas ações. Naturalmente não quero dizer que cada sermão envolva todos êsses movimentos em igual medida ou com igual clareza, ou que estejam envolvidos na pregação em qualquer ordem regular, como pode acontecer numa liturgia. No entanto, pregação sempre incluirá, pelo menos, tôdas essas disposições e de tempos em tempos uma ou mais constituirão a intenção total e o efeito do sermão. Certamente é difícil imaginarmos um verdadeiro sermão que não transmita um senso da realidade, de modo bem concreto, a majestade, o mistério de Deus e o reconhecimento de nossa dependência dêle, e que não leve os ouvintes a adorálo e glorificálo por sua bondade soberana. De semelhante modo, dificilmente pode ser verdadeira a pregação que não confrontar os homens com a lei de Deus em Cristo, dirigindoos ao arrependimento, confissão do pecado e obediência renovada. E a natureza básica da pregação como a proclamação do Evangelho faz com que seja uma afirmação de fé — sendo esta a razão pela qual sempre andam juntos os estudos da pregação apostólica e dos credos mais primitivos. Pois bem, é muitíssimo importante reconhecer que a fé e a necessidade pela qual a pregação é uma confissão, são uma fé e necessidade comuns. Na confissão de pecado o pregador está confessando o seu próprio pecado assim como o da congregação, e na confissão de fé o pregador está confessando a fé, tanto sua como da congregação. Nesses dois pontos êle se encontra não acima, mas dentro da comunidade e compartilha plenamente com a mesma. Certa ênfase é apropriada para
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cada um dêsses pontos, pois que freqüentemente são negligenciados. Notamos então, em primeiro lugar, que a fé acerca da qual o pregador fala e que êle declara, é uma fé comum, O pregador Cristão não é “franco atirador.” Ê um portavoz para a comunidade Cristã e se encontra em posição de grande responsabilidade com respeito à sua tradição. Sua autoridade é a da verdade tal como é conhecida, não simplesmente em sua própria experiência, mas na experiência da Igreja. Quando muito, será mero ator e de maneira nenhuma pregador, a não ser que declare as suas próprias convicções pessoais; porém não é um pregador Cristão a não ser que suas convicções pessoais sejam as de um Cristão. Além do mais, as convicções de um Cristão não são simplesmente quaisquer convicções particulares que pessoas sinceras de boa vontade — também membros da Igreja — tenham por acaso, mas são as de uma comunidade histórica. A mensagem Crista não é apenas qualquer espécie de mensagem que o pregador individual, por mais sincero e devoto que seja, tenha vindo a aceitar. É uma mensagem confiada ao pregador e que êle precisa transmitir fielmente, sem ter diminuído a outros. É uma confissão de fé da Igreja. Essa fé não pode ser formulada rigidamente. O que foi dito num capítulo anterior com respeito à relevância da pregação bíblica precisa ser lembrado aqui. Podese destruir uma fé antiga pela insistência em preservála imutável numa nova época, tanto como procurando uma completa reconstrução da mesma. A fé da Igreja, como a própria Igreja, é algo de vivo. Não podemos recons truila sem destruila; mas, por outro lado, não é possível malograrmos em deixála crescer. Não podemos pôr um a cêrca a seu redor. O pregador que repete meras afirmações antigas, sem estar de modo algum novamete cônscio de sua verdade para com êle e sua geração é tão
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infrutífero e tão infiel ao Evangelho como o é o pregador que pensa que os têrmos antigos são (se porventura em pregálos) um meio meramente conveniente de explorar suas próprias noções particulares ou de ir ao encontro das expectativas da gente que acorre para ouvilo. Contudo, é óbvio que ambos estão errados. A pregação é uma confissão pessoal e viva da fé antiga da Igreja. Ora, para dizer a mesma coisa de modo um tanto diferente, pregação é uma interpretação que vem de dentro da vida da Igreja — a espécie de coisa que dirige o crente ouvinte, o qual embora compartilhe no Espírito, não possui os dons de discernimento e expressão do pregador para dizer “Amém” . Êsse “Amém” significa: “O Senhor disse o que sei ser verdadeiro, ainda que talvez não pudesse têlo dito. O senhor apontou para realidades em minha própria experiência como um participante da vida da Igreja. O senhor está falando a m im, porém mais profundamente ainda para mim. O senhor está confessando a minha fé.” O pregador — e isso não é menos verdadeiro do que para o Evangelho — não pode fazer uma cerca à sua volta; é mister que fique livre para apresentar o significado do Evangelho como o significado que veio diretamente para êle, A não ser que sua pregação faça vir à tona uma tal reação na Igreja, em vista de ser uma resposta às realidades na vida da Igreja e uma proclamação do evento que deu margem ao mesmo e determinou o seu caráter — repito: a não ser que isso seja verdade, sua pregação cessou de ser uma pregação autênticamente Cristã. E não deveríamos ficar surpresos se essa congregação se rebelar ou, então, morrer. Mas se o pregador precisa confessar a fé da Igreja e não apenas a sua, precisa então confessar os seus pró prios pecados e não, simplesmente, os da congregação. O pregador se apresenta, então, cem tanta necessidade
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de perdão como qualquer um dos ouvintes. Naturalmente que êsse é um terreno comum, e nas orações em que êle dirige a congregação êsse fato é geralmente reconhecido de maneira ple na. O sermão por vêzes, porém, malogra em revelar essa consciência. O pregador fala não como se êle estivesse escutando a Palavra de Deus, mas como se êle, na realidade, fosse o próprio Deus falando. Seus modos sugerem que êle está contando às pessoas de alguma eminência ética o que elas devam fazer. Há alguns anos Reinhold Nietauhr publicou um artigo com respeito a “Pregação Moralística”, definida como “sustentando elevados ideais de fraternidade e amor para com os homens e as nações na suposição de que nada mais do que sua reiteração continuada afetará finalmente a realização dos mesmos.” (10) Essa pregação consiste principalmente em exortações para que pratiquemos as virtudes Cristãs e em figuras vagas de quão perfeito tudo seria se as praticássemos. O pregador “moralista” crê aparentemente que os requisitos éticos de Deus são padrões perfeitamente praticáveis — um tanto difíceis, mas certamente não impossíveis. Poderiam ser cumpridos se tão somente colocássemos um pouco mais de esforço nêles. Sua pregação consiste em falar acerca do amor sem qualquer sinal de que se está ciente, quer seja da impossibilidade de fazermos aquilo que o amor pura e simplesmente requer em algumas situações ou da impossibilidade de sabermos o que requer em outras. A conclusão de cada sermão é: “Já lhes tenho dito o que fazer. Fazeio agora!” Quase não é necessário apontarmos a falsidade, o enfado e a futilidade dessa espécie de pregação; e o predomínio da mesma pareceria ser indicado pela própria conotação que a palavra “pregar” adquiriu em nossa linguagem comum. Os pais são aconselhados a não “pregarem ” a seus filhos. A crítica que possivelmente
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causa mais devastação com respeito a uma novela ou peça é a de que a mesma “prega um sermão. ” Essa má reputação de uma importante palavra Crista, a qual bàsicamente significa o anúncio das supremas boas novas, poderá ser atribuída em parte ao espírito de nossa época que — se me fôr dada a permissão de “pregar” um pouquinho — é mais rebelde contra a autoridade moral do que deveria ser. Entretanto, será que podemos negar que reflete também falhas na própria pregação? Vale notar que embora as palavras “pregar”, “pregador” e “sermão” continuem a ter sua dignidade própria, em certos meios populares são usados, por vezes, com sentido de humor) e até pejorativo. É certo que não nos cabe corrigir a semântica dessas palavras, mas convém indagar das razões dessa depreciação. Nós que pregamos, poderemos de maneira apropriada perguntar até onde a culpa está em outros — em sua falta de seriedade ou sensibilidade, ou talvez mesmo em sua perversidade — e até onde está em nós mesmos. E, quando tivermos feito isso, somos obrigados a reconhecer que uma parte da resposta indubitavelmente está no “moralismo” fácil e superficial de muitas de nossas pregações. Entretanto, a pregação pode ser dêsse tipo somente enquanto não fôr confessional. O pregador que, de fato, tem procurado cumprir com a lei de Cristo e que fala de sua experiência, saberá muito bem a realidade e poder do pecado na vida humana, bem como as limitações implícitas em nossa finitude. Verdadeiramente, se êle tiver algo de verdadeiro ou que sirva de ajuda para dizer acerca do dever de outros, é porque êle próprio tem sido confrontado e confundido pelas tremendas dimensões de seu próprio dever. Êsse alguém vê a si mesmo e a seus ouvintes como se estivessem num terreno comum absoluto — sob um requisito moral completamente acima do poder de qualquer um dêles para cumprirem e,
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sendo assim, necessitados de perdão, direção e ajuda acir ma do poder de qualquer um dêles para suprir. A pregação ética eficiente, tal como a pregação doutrinária eficaz, é a pregação confessionária. Alguns anos atrás ouvi, em apenas uma hora, dois sermões por dois estudantes de teologia sôbre a ética Cristã do amor. O primeiro dêles era um apêlo convencional para que a congregação e os homens geralmente falando, tanto individual como coletivamente, seguissem o caminho do amor. Assinalou que se tão somente fizéssemos isso, a humanidade ficaria desembaraçada de tôdas as suas dificuldades. O outro pregador, tomando essencialmente o mesmo tema, apresentou em termos muito realistas e pessoais o que envolveria seguir o caminho do amor num mundo como o nosso. Poderseia sentir durante todo o seu sermão os seus esforços sinceros, mas finalmente insucedidos para escapar dos requisitos dêste amor ou para cumprilos; assim, ao falar de sua própria experiência, êle esquadrinhou profundamente nossos corações. Essa atitude confessionária também determinará o caminho para alguém proclamar o “evangelho social. ” Já fiz referência às, assim chamadas, denúncias proféticas de males sociais expressas pelo pastor de tal modo como alguém que pensa que sua congregação seja a principal responsável pelos mesmos. Essas fulminações fúteis seriam evitadas se o pregador reconhecesse não somente a sua própria implicância nesses males sociais, mas também a inevitabilidade dessa implicância, tanto para si mesmo como para os outros. Todos nós estamos envolvidos nas iniqüidades maciças e nas desumanidades da vida social, política e econômica — não sem culpa e, no entanto, não inteiramente culpados e de qualquer modo completamente incapacitados para nos libertarmos. É importante que tanto nós como nossas congre-
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gações estejam cientes da larga escala de tais injustiças e desajustamentos sociais, estando sensíveis ao enorme sofrimento humano e perda que os mesmos acarretam. É importante reconhecermos não só nossa própria im plicância nêles, mas, de igual modo, nossa responsabilidade pelo alívio dos mesmos tanto quanto fôr possível. Mesmo quando admitimos completamente a solidez e recalcitrância dos males sociais e nossas próprias limitações tanto em bondade como em sabedoria, ainda assim é mister reconhecermos que poderíamos fazer muito mais do que fazemos. Ê absolutamente essencial que vejamos e confessemos nosso dever e nosso pecado nessa dimensão — que nos arrependamos não só de nossos pecados individuais, mas dos maiores e que não são menos nossos porque compartilhamos dêles com outros. O pregador, porém, só nos pode levar a fazer isso se êle também se arrepender — e não ficar simplesmente indignado! Em outras palavras, o problema social pode ser discutido de modo apropriado e frutífero na pregação só na disposição de um culto comum. Nossa sociedade está enfêrma e culpada; todos nós compartilhamos nessa enfermidade e culpa; não podemos nos curar; somente Deus pode nos perdoar e renovar nossa vida, Não é fora do comum que o sermão seja precedido e seguido por orações. Isso, porém, não é suficiente: o sermão precisa ser uma oração em si mesmo. A verdadeira pregação é muito próxima à oração, a obra do profeta à obra do sacerdote.
Ca pí t u l
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VII
PREGAÇÃO Ê SACRAMENTO No capítulo anterior consideramos a pregação como oferta a Deus. O pregador é um sacerdote representando e falando por seu povo, confessando tanto a sua fé como o seu pecado. Mas a verdadeira pregação é também o dom de Deus para nós. É até mais do que isso; é Deus na realidade se entregando a nós, Paulo reconhece tanto a profecia como o ensino como sendo dons do Espírito e o autor aos Efésios pode falar de apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e professores como sendo “dons” de Deus à Igreja, Assim é que as palavras do pregador são mediadoras no sentido completo da palavra, não somente reunindo e levando a Deus as necessidades da congregação, mas também chegando a ser um meio de comunicação de Deus conosco e, na verdade, de sua ação salvífica. É freqüentemente expressa no Nôvo Testamento a compreensão de pregação como sendo uma ação do Espírito. Marcos registra que os discípulos de Jesus foram ensinados, em conexão com sua própria defesa do Evangelho diante de “governadores e reis”: “Não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos fôr concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo” (13.11). Essa prescrição pode ser encontrada em Mateus (10.19) virtual mente nas mesmas palavras. Lucas escreve de modo um tanto diferente, porém para o mesmo efeito: “Assentai,
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pois, era vossos corações de não vos preocupardes com o que haveis de responder; porque eu vos darei bôca e sa bedoria a que não poderão resistir nem contradizer todos quantos se vos opuserem” (21.1415). E, mais tarde, em Atos (2.4), o mesmo escritor descreve os discípulos falando “segundo o Espírito lhes concedia que falassem.” Seguramente êle está se referindo ao milagre das línguas, porém teria dito a mesma coisa da profecia em geral e, de fato, muitas vêzes o faz em relação a isso. Além de representar de modo consistente tôda a pregação Cristã como sendo um dom espiritual, Paulo pode falar de sua própria pregação como sendo “não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito” (1 Co 2.13). Já fizemos referência ao pregador moderno que, tomando literalmente a injunção do Evangelho, recusase a fazer qualquer preparo especial para a pregação, mas se apóia no Espírito a fim de que lhe sejam providenciadas as palavras apropriadas. E vimos que seus ouvintes tendem muito mais a ficarem chocados com o que falta ao primeiro do que por aquilo que o Espírito providencia. Seja qual fôr a verdade e importância que a inspiração do Evangelho tivesse em seu contexto original, é óbvio que não é regra praticável a ser seguida por um professor de responsabilidade da congregação. De acordo com todos os três Evangelhos, o contexto original estava relacionado com um interrogatório diante do magistrado, quando o Cristão é mandado a fim de fazer a sua defesa. Numa situação como essa, foi talvez a experiência da Igreja primitiva, que uma explicação bem pessoal e espontânea — sem dúvida nenhuma sem ser preparada e sem ter sido ensaiada — seria mais eficiente em vista de ser inconfundivelmente mais sincera do que qualquer argumento cuidadosamente elaborado. Isso é compreensível; na verdade, qual o pregador que não se viu ocasional-
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mente em situações quando a mensagem que êle próprio preparara para dar estava completamente fora de lugar e quando êle teve que simplesmente se esquecer daquilo que tão cuidadosamente havia planejado e falado — como costumamos dizer, vindo do fundo do coração — seguindo então livremente conforme a direção do Espírito? No entanto, se há situações ocasionais de pregação dêsse tipo, sabemos que há um número consideravelmente maior quando, se não tivermos “meditado de antemão”, vêmonos sem absolutamente nada que seja útil ou apropriado para dizermos. Isso não significa que o pregador devesse depender do Espírito ocasionalmente e mais freqüentemente em si mesmo. Longe disso; o Espírito precisa dizernos sempre “o que falar” se nossa pregação fôr genuína. A pregação precisa vir sempre do “fundo do coração” — querendo isso dizer (bastante paradoxalmente), que não pode ser sempre nossa própria expressão deliberada, mas uma reação à inspiração do Espírito. É possível que, por vezes, a inspiração e a reação sejam súbitas e momentâneas. De repente alguém ouve e precisa falar. Tais momentos de êxtase vêm para a maioria de nós — embora seja preciso reconhecer que os mesmos raramente coincidem com as ocasiões formais de pregação. Contudo, de modo geral, a inspiração é menos dramática e irresistível, porém compassivamente periódica ou persistente; e a reação de alguém, embora ainda uma verdadeira reação (e não algo que se inicia) é feita de modo mais gradual. O Espírito permanece à porta e bate — bate silenciosa mas constantemente ou regularmente. Não chega a ser ouvido completamente a não ser que se ponha à escuta de modo deliberado. O preparo para pregar é essa ação de ouvir ou de tentar ouvir. A maioria dos bons sermões ficam por meses a fio em processo de criação, até anos talvez. De início não se está certo de ter ouvido alguma
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coisa. Gradualmente a pessoa chega a certificarse. Finalmente, a batida requer nossa atenção plena e então sabemos que chegou o momento de responder à mesma. A porta precisa ser aberta. O sermão sôbre o texto ou tema indicado precisa ser pregado. Talvez o pregador dedique uma semana inteira para escutar aquilo que o Espírito está procurando transmitir. O sermão é sua resposta — sem dúvida nenhuma uma resposta autêntica pelo tempo requerido para fazêlo. Na realidade a criação, seja qual fôr o campo, nunca é algo de súbito, ainda que por vêzes pareça ser assim. Poderá parecer que ouvimos de súbito, mas ouvimos somente se tivermos estado à escuta, e não teríamos começado a escutar se já não tivéssemos começado a ouvir. De comêço a fim a verdadeira pregação é obra do Espírito. É Deus à nossa procura e nos encontrando. Entretanto, a pregação é esta ação de Deus não só do modo geral que tenho procurado descrever — o modo em que tôda a obra fecunda é ação divina — mas tam bém num sentido Cristão mais específico. É vital e essencialmente relacionada com a comunidade Cristã e com o acontecimento no qual a comunidade teve o seu soerguimento. Afirmar como o fizemos, que é uma res posta do Espírito e, portanto, num sentido muito real a criação deste último, é afirmar virtualmente essa conexão, pois que “o Espírito”, no sentido Cristão, é aquele em cuja vinda o antigo evento consistia essencialmente e em cuja presença contínua a vida da Igreja também consiste essencialmente. Embora essa interrelação tanto da comunidade como do evento, tenha sido fre qüentemente aludida no decorrer destes capítulos, é apropriado que concluamos nossa discussão considerandoa novamente e de modo resumido — fazendo especial referência à natureza da pregação como a obra do Espírito, como o ato revelador de Deus.
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Primeiramente, então, deveríamos reconhecer que quando dizemos que a pregação é movida pelo Espírito, queremos significar com isso que essa inspiração provém da vida da comunidade. Não há dúvida nenhuma que vem de Deus — mas vem de Deus tal como êle é concretamente conhecido na Igreja. Dizer que a mensagem do pregador é dada a êle pelo Espírito equivale afirmar que lhe é dada como participante na vida divina comum que constitui a natureza essencial da Igreja Cristã. É um fato surpreendente que o primeiro sermão Cristão registrado — o de Pedro em Pentecostes — foi ocasionado pela necessidade de explicar, de responder com relação aos fenômenos da nova vida da comunidade. Coisas estranhas estavam sucedendo e os de fora começavam a se perguntar o que significariam. Devido ao fato de que o Espírito viera — isto é, a Igreja começava a existir plenamente — é que Pedro foi movido a falar; foi somente por esta razão que êle teve algo para falar. É verdade que seu sermão, em grande parte, constituiu uma recordação da vida, morte e ressurreição de Jesus, porém êsse acontecimento foi lembrado a fim de que respondesse pela existência dessa nova comunidade com sua vida distinta e intrinsecamente significativa. Sem aquela "nova criação” — a criação da Igreja — Pedro nunca teria tido oportunidade para pregar nem tam pouco um texto sobre o qual falar. Essa mesma identidade do Espírito que inspira o pregador com o Espírito que constitui a Igreja, é reconhecida tàcitamente quando o autor de I João, ao falar dos "muitos falsos profetas”, insta para que a Igreja "prove os espíritos se procedem de Deus” (4.1). Com que critério podem ser provados os espíritos de seus profetas e professores a não ser por seu próprio Espírito, o Espírito da própria Igreja? Com tôda a certeza podem existir provas éticas mais objetivas a fim de que sejam elimina-
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dos os charlatães ou os mais óbvios logradores de si mesmos. Porém, em último recurso, a prova precisa ser es piritual. A não ser que a congregação constate que as asseverações do profeta chamam e apelam para as profundezas de sua própria experiência compartilhada, não se pode estar seguro que êle seja movido pelo Espírito. Caso contrário, é mister que se chegue à conclusão que êle possui um espírito estranho ou maligno, ou nenhum espírito. Suas palavras precisam ir ao encontro de seus membros em seu nível mais profundo e mais autêntico, em sua consciência de seu pecado, de sua separação e de sua finitude, de sua necessidade de perdão e cura, e da realidade de salvação que Deus providenciou em Cristo — a realidade do amor perdoador e sanador de Deus que é pôsto constantemente à disposição através da própria vida da comunidade divinamente concedida. O escritor aos Efésios pode falar do profeta como o dom de Deus para a Igreja, porém é de igual modo tão certo que os próprios dons do profeta foram conferidos a êle através da Igreja e somente em consideração a isso é que podem ser reconhecidos como dons do Espírito. Entretanto, se a pregação deve tudo à comunidade, deve também tudo ao evento. A mensagem do pregador, embora lhe tenha sido comunicada através da vida da Igreja, foi concedida primeiramente em alguns acontecimentos antigos. Como tantas vêzes temos lembrado a nós mesmos, o pregador é o mensageiro do Evangelho — as boas novas dêsses acontecimentos. O kerygma era no princípio — como ainda o é — a proclamação da vida, morte e ressurreição de Jesus, do significado salvador que aquêle evento provou ter e tudo quanto ainda se espera dêle. É mais do que isso, porém. Tal como a pregação não discute tanto ou descreve a vida da comunidade Cristã como expressa e transmite o seu significado concreto, assim a pregação faz mais do que contar no
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vamente e explicar o antigo evento. O Espírito faz com que o antigo evento, num sentido muito real, seja um acontecimento que ainda está sendo realizado, e a pregação é um meio da ação do Espírito para realizar isso. Na pregação, quando realmente é pregação, o acontecimento é continuado e recorrente. A ação reveladora em Cristo está sendo realizada ainda ou chega a ser novamente realizada. É freqüentemente trazido à tona no Novo Testamento êsse caráter da pregação como sendo, não um simples relatório do evento, mas êle próprio uma parte dêle. Em Rm 1.16 Paulo escreve: "Não me envergonho do Evangelho porque é o poder de Deus ‘para a salvação’. ” Por "Evangelho” Paulo significa, naturalmente, a pregação; e seu ponto não é simplesmente que o evento proclamado na pregação é o “poder de Deus” sal ví fico, mas que a pregação em si mesma participa dêsse “poder” . A pregação é uma extensão do evento em si e não meramente de seu conhecimento. Assim também em 1 Co 1.21, Paulo fala de "pregação” como sendo o meio através do qual Deus “salvará aos que crêem.” Cristo crucificado e pregado é “o poder de Deus e sabedoria de Deus. Semelhantemente, em Lc 4.18, a citação de Cristo do profeta Isaías, “O Espírito do Senhor está sôbre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres”, parece fazer com que a pregação do Evangelho seja um elemento do próprio Evangelho em si. Isso é ainda mais claro nas palavras de Jesus aos discípulos de João, em Lc 7.22: “Ide e anunciai a João o que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres anunciaselhes o Evangelho.” O acontecimento com o qual o pregador está preocupado é bem antigo, sucedido na Palestina no primeiro século, sendo muito importante que seja lembrado como
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tal. Entretanto, não é só isso — o mesmo ainda está sucedendo, ou se repete constantemente, e uma das maneiras de sua contínua recorrência é a pregação em si. Aqui está a prova final da pregação Crista, se fôr pura pregação, genuinamente Crista: Será que, na verdade, transmite a ação salvífica de Cristo? Tal como Deus usou a vida, morte e ressurreição de Jesus, assim também, quer seja de modo subordinado, está êle usando a pregação do ministro acêrca daquela vida, morte e ressurreição como o meio de seu poder e amor? Está Cristo dizendo novamente: “Vinde a mim?” e, tendo mesmo ascendido, está êle atirandonos para si? Será que, de fato, vêmolo morrer por nossa causa, e verdadeiramente em nossas mãos? Estará êle se mostrando, até mesmo a nós, vivo após a sua paixão, ressurreto para a nossa redenção? Visto que a pregação está malogrando, aqui está o ponto inicial de sua falha — não que falhe em ser suficientemente aprendida, ou suficientemente divertida, ou suficientemente resumida, ou suficientemente “moderna” — e esta falha está em que o poder e ação de Deus não estão sendo comunicados com eficiência nela. Êsse é o ponto inicial da derrota, pois que, falhando aqui, a pregação está malogrando como pregação. Um homem expressa suas opiniçes — verdadeiras ou falsas, interessantes ou não — relativamente a assuntos de importância ou sem importância nenhuma. Deus, entretanto, não está agindo. Algo está sendo dito, mas nada está acontecendo. O acontecimento decisivo e salvador de Cristo não está sendo recorrente. O Espírito — o “poder glorioso” de Deus — não está presente. Nossa afirmação aqui focaliza a natureza sacramental da pregação. Isso porque a interrelação dupla com o evento para o qual estamos agora apontando como . essencialmente pertencente à pregação constitui, de igual modo, a natureza essencial da Eucaristia. É certo
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ver na Ceia do Senhor um memorial de Cristo; tudo quanto está sendo íeito é “em lembrança’' dêle, e falhar em lembrar dêle, seria perder o significado total do sacramento. Contudo, isso não é dizer que o ato de lembrar seja no sentido total. Seja qual fôr a sua profissão, nenhum corpo de Cristãos em grande número encara a Ceia do Senhor como sendo apenas um memorial, um lembrete de algo que aconteceu há muito tempo. Algo está sucedendo agora; o antigo evento está sendo realizado nesse instante. O que Deus fêz em Cristo está sendo realizado agora. Assim acontece com o sacramento. Assim também sucede com a pregação. Êste é o significado do Espírito que toma as palavras de Cristo e a ação de Deus — e é assim que as palavras são novamente faladas, a ação está sendo feita novamente. Se alguém perguntar “como podem ser essas coisas”, é mister que se responda que êste é o único milagre final e inescapável no Cristianismo — essa con temporaneidade do que aconteceu há muito tempo, essa atualidade, no presente, do que é também lembrado no passado. Êste é o milagre da Ressurreição. Mas ainda que não possa ser explicado e sendo, portanto, um milagre, constitui a própria existência da Igreja e é, pois, indubitável. É o milagre da própria vida distinta da Igreja. Os sacramentos só são sacramentos reais e a pregação só é real se tão somente êste milagre fôr realizado neles.
NOTAS 1. Devo a meu amigo, o Rev. George F, Woods, do Downing College, Cambridge, o ter chamado minha atenção para essa passagem. É encontrada em Works (Londres, Impresso por j . Richardson, 1762, c provavelmente re-edilado por G, lilore ton, 18931, VII, 186. 2. Chicago, Willet Clark and Company, 1936, Os vários trechos citados foram usados com a permissão de Harper & Brothers, atuais editores, 3.
Nova Iorque, Charles Scribner's Sons, 1950,
4. A Cambridge 1936), pág, 15,
Bede Book
(Nova Iorque, Longmans Green & Company,
5. The Study oj the Bible (Chicago, University of Chicago Press, 1937), págs. 103 era diante. Copyright 1937 pela Universidade de Chicago. A citação foi permitida pela University of Chicago Press. 6. Uma discussão mais completa dêste principio de interpretação è encon trada em meu livrinho Criticism and Faith (Nova Iorque e Nashville, Abingdon, 1952), especiaimente o capitulo final "Crítica Histórica e Pregação,” 7. Chicago, Willet Clark & Company, 1937. 8. Vide o artigo muito útil The Christian Teacher in the First per Floyd V. Filson, Journal o) Biblical Literature, LX, 317, 28.
Century,
9. Norman Foerstef e John M, Steadman (Boston, Houghton Mifflin Co., 1923). 10.
The Christian Century,
LXI1I, 985 e seguintes.