Filosofia da Paisagem A Paisagem como problema da filosofia (Adriana Veríssimo Serrão) Uma palavra, múltiplos sentidos
a paisagem paisagem como como um ingrediente da "experiência "experiência milenar milenar dos seres humanos humanos que desde sempre (...) escolheram sítios privilegiados para (...) fundarem comunidades de vida." vida." Gosto des Gosto desta ta ter termi minol nolog ogia ia pa para ra se pen pensa sarr a nos nossa sa prá prátic tica a efê efêmer mera a com como o um uma a proposta/alternativa onde instauramos comunidades de vida, mais que obras ou experimentos artísticos artísticos - ou através deles. "A investigação filosófica é unânime em situar as primeiras ocorrências do termo no final do séc. XV, constituindo esse advento, geralmente associado à introdução na pintura do elemento paisagístico, um dos tópicos inovadores do Renascimento. A transformação do francês pays em paysage e do italiano paese em paesaggio ilustr ilustrari aria a o desloc deslocam ament ento o das noções noções prim primiti itivas vas de 'terr 'terra' a' ou 'regiã 'região' o' para para a representação pictórica de regiões e espaços naturais. Se nas línguas neolatinas a raiz pays, ou paese, indica a aldeia natal, o lugar de origem familiar e próximo, os termos termos germânic germânicos os Landschaft (alemã (alemão) o) e landschap (hol (holan andê dês) s),, e o ingl inglês ês landscape reenviam para Land, com o sentido de região, parcela de terreno ou circunscrição circunscrição territorial." (p.13) "que a paisagem não é uma projecção afectiva sobre o exterior, mas, inversamente, um quadro pessoal em que um sujeito individual recebe, como que num écran, o mundo que sobre ele se projecta. A separa separação ção entre entre ciênci ciências as da nature natureza za e ciênc ciências ias do espír espírito ito não deixar deixará á de impregnar também o estudo das paisagens, acentuando a divergência entre o lado objectivo e material (estudadas no exterior e onde o homem está necessariamente presente), e o lado subjectivo e espiritual (marcadas pela transformação, transformação, criação ou interpretação)." O que representa na Árvore esta busca de elo, ou união (e manifestação) destas esferas? Onde ne Onde nele le e co como mo el ela a co cont ntri ribu buii na in inte tegr graç ação ão en entr tre e a ar arte te,, a po polí líti tica ca,, a espiritualidade espiritualida de e a pedagogia, por exemplo? Como estes conteúdos se "unificam" e quando eles estão em elo, mas não com o todo? (Por exemplo, arte e pedagogia.)
(p.15) A origem de uma visão do mundo
"A pergunta pela origem da paisagem, melhor dizendo, da visão do mundo enquanto paisagem , só se coloca à filosofia no início do século XX. Coube a Georg Simmel cumprir esta função inaugural no ensaio 'Filosofia da Paisagem', de 1913, ao descrevê-la como categoria do pensamento e fazendo-a derivar, não de uma região espacial determinada, mas da categoria englobante de Natureza. Esta é uma totalidade espacial e temporal, sem cortes nem hiatos, processando-se num fluxo contínuo que liga e move em cadeia todos os seres e manifestações. A paisagem, por sua vez, enquanto 'porção de natureza' implica a percepção de um pequeno todo que é recortado da totalidade natural, o que acarreta uma dupla contradição com a indivisibilidade espacial e as continuidade temporal da Grande Natureza. O correr do tempo suspende-se numa apreensão imediata, se bem que de estabilidade relativa; a continuidade espacial suspende-se na percepção de uma unidade coesa, se bem que de contornos imprecisos." "A parte pelo todo." Como perceber isto neste "caráter work in progress da Árvore", a parte pelo todo, o projeto micro pelo macro? Como está contida sua identidade e seu depoimento? "Na gênese encontrar-se-ia, portanto, a decomposição da Grande Natureza, a segmentação da totalidade natural que emergiu em simultâneo com o advento do espírito analítico da Modernidade em duas faces complementares: por um lado, o rigor do método científico (...) por outro, a diversificação social decorrente da divisão do trabalho reparte o indivíduo em múltiplas actividades especializadas e ameaça a sua inteireza." "'paisagem' não corresponde em si mesma a um objecto perceptivo delimitado. Trata-se de uma peculiar forma de apreender as coisas naturais, que, justamente enquanto forma, reside no espírito e não nas coisas; não é um dado em-si, mas implica um para-si. É esta forma que permite converter uma multiplicidade de elementos separados num todo homogêneo, que resulta deles mas não se reduz à sua mera soma." Neste sentido, compor, por exemplo, uma "colagem" reflexiva-analítica-memorial da Árvore é compor uma paisagem. E, portanto, são múltiplas as paisagens possíveis de serem contadas; quais são e como são? (p.16/17) "O cosmos omni-englobante rasga-se quando Petrarca já não encontra na natureza exterior a unidade espiritual que buscara ao planear a excursão ao Monte Ventoux como uma empresa de aprofundamento espiritual: fora dele ergue-se uma montanha destituída de espírito, e a visão da transcendência apenas a pode buscar
num movimento de introversão. (Me faz lembrar da relação que vi nas pessoas com as pirâmides.) A disjunção entre uma natureza material despida de mistério e a espiritualidade que interioriza no fundo da alma corresponde, na segunda secção, ao duplo sentido, característico do séc. XVII, das concepções da natureza que de desenvolvem a par: a natureza científica, séries de leis universais que regem, como constantes mensuráveis, o comportamento dos fenômenos, e essa outra natureza atraente, próxima e qualitativa que se dá sensivelmente na experiência estética. É esta natureza que corresponde à paisagem, tal como se oferece à contemplação de um observador que se encontra existencialmente e gnosiologicamente já fora dela. Por fim, na terceira secção, Ritter demonstra que a realização humana da liberdade apenas teria podido acontecer na cidade, espaço da vida social organizada, lugar de múltiplas possibilidades, desde o enriquecimento material ao progresso cultural. A liberdade humana, a libertação do reino da necessidade, é fruto de trabalho e teve inevitavelmente de se afirmar contra a natureza, que será gradualmente afastada, tanto espacial como historicamente, desta mesma realização. A terra dos camponeses e do mundo agrário é já um pálido sucedânio da Natureza primordial e exige ser 'vista' por outro olhar que não o dos próprios camponeses; será espiritual e livremente celebrada não tanto pelo contemplação do homem comum, mas pela apresentação artística que a idealiza, esteticamente sublimada e mediatizada pela cultura do espírito." Me faz pensar sobre esta noção da espiritualidade, como da fruição estética, estar atrelada 'ao olhar'; ao modo como escolho olhar, contemplar, fruir, sentir, viver. Uma escolha pessoal e forjada por caminhos e trilhas pessoais, com o exercício e trabalho a partir desta escolha; dissociada de instituições, correntes, filosofias, religiões, estilos, ou melhor, sendo estes campos e matérias possíveis e disponíveis à minha colagem, à construção da minha cosmogonia. O prazer do de vir, e a responsabilidade associada a esta liberdade. A Árvore como uma busca, desta possibilidade, de uma construção de possibilidade; deste estímulo, à autonomia, em nós e em quem nos encontra. (Interessante pensar nesta recusa/medo do "conhecimento" em relacionar-se com o transcendente como um caminho seu; pelo mistério indissociável à sua essência?) "...textos poéticos ilustram cosmovisões típicas das respectivas épocas mas filtradas pelo sentimento pessoal." (Me faz lembrar as considerações sobre a pessoalidade do cientista de Jorge Albuquerque.) "A paisagem veio substituir para o homem moderno o cosmos, ordem abrangente e invisível." (Interessante refletir sobre esse "movimento humano" de "fragmentação", como se da modernidade à contemporaneidade este "foco" fosse se movendo, ou
ampliando, do externo/"paisagem-cosmos" para o interno/"indivíduo-estruturas do eu". Chegando, ou levando, a este movimento de "re-encontrar" o uno a partir de diversas "abordagens". Talvez a "saturação do fragmento", e mesmo as crises às quais esta perspectiva leva também o corpo humano, esteja nos levando a esta necessidade de união. Não mais em uma possibilidade, talvez ingênua, de unica via, ou caminho único, mas numa perspectiva de transdisciplinaridade; E também de aceitação ao silêncio, ao vazio, ao inexprimível, ao impossível de se apreender e ser no campo da elaboração discursiva ou científica, apenas.) (p.17/18) "Em Simmel, a paisagem faz-se refaz-se em cada acto contemplativo. O fluxo espacial e temporal retorna aí, por momentos, pela vitalidade que liga o contemplador e contemplado numa mesma atmosfera de unidade. Obscura e fugaz, mas ainda presente, a vida é o terceiro elemento, o medium que une o desunido e funda a vivência unitiva..." (A experiência, o experienciar.) Ou é a vida ela mesma, em sua essência, já a união. Esta visão já não conteria ela própria a noção da segmentação? A busca da Árvore de nos levar e ressaltar esta noção de ser a vida própria o campo da união, onde estes elementos e forças - a matéria e o espírito, o cotidiano e o cosmos, o ordinário e o divino - são e são provados. (p.18/19) Uma categoria sintética entre natureza e cultura
"Alain Roger ('Natureza e cultura. A dupla artialização.') e Nicolas Grimaldi ('A estética da bela natureza. Problemas de uma estética da paisagem.'). Para estes autores, nem todos os espaços naturais seriam paisagens, só aqueles recortados e sacralizados pelas obras de arte. Paisagens seriam os sítios exemplares consagrados na literatura e na pintura, que a partir do momento da sua invenção se iriam sedimentando na memória das comunidades como símbolos culturais e lugares execpcionais. Todas as culturas teriam os seus lugares de eleição, elementos estruturantes da coesão do grupo social, verdadeiros monumentos da história colectiva e referências nas acontecimentos cerimoniais da história pessoal e familiar." Neste sentido como a Árvore transforma (transforma?) em paisagem as paisagens pelas quais passou? E qual seria o valor ou sentido disto? Por exemplo, o Parna, como agregamos valor à sua existência? E como fazê-lo?
(p.20) "Eugenio Turri e Augustin Berque (...) Cultura tem aqui outra acepção: é, em primeiro lugar, o efeito do continuado labor das comunidades, repetido ao longo de gerações na transformação e modelação do solo. As relações possibilitadas pelo trabalho agrário criam vínculos fortes, ao mesmo tempo de proximidade e de dependência, e produzem por sua vez significados que envolvem o plano imediato e horizontal do território. A paisagem, subjectiva e colectiva, 'cobre' o solo, objectivo e físico, como repositório de sentido. Esfera de significações, uma paisagem formase-ia de sucessivos cruzamentos e interdependências entre as características concretas dos espaços físicos e a camada simbólica sobre eles depositada, o mesmo é dizer, entre os sujeitos (habitantes) e o mundo envolvente. É por isso que estes espaços diversificados e mutáveis nunca podem ser confundidos com o espaço extenso, homogêneo e mensurável das ciências físicas. É por isso que se pode defender que a paisagem é uma criação cultural." Como esta noção de paisagem vem contribuir para o pensamento da Árvore? Podemos considerar que ao contruir nossa obra, que é em si a construção de comunidades de vida, construimos paisagens sobre a paisagem (urbana e/ou natural)? Como poderíamos pensar numa "paisagem humana", a partir da investigação, elaboração e manifestação do eu, do corpo? Como ista pergunta poderia se vincular ao Corpos? "Na introdução A paisagem como Teatro , Turri apela a uma hermenêutica da paisagem que compreenda o contraste entre as sociedades tradicionais, quando a natureza e cultura se harmonizavam, e as sociedades pós-industriais em que são opostas. Entre aquelas e estas interpõe-se um factor essencial: a perda de consciência por parte do homem da sua função mediadora na transformação do território em paisagem, função que urge reatar na base de um conceito unificado, partilhado pelas diversas disciplinas, que Turri caracteriza de iconema. Uma distinção fundamental estabelece-se entre o nível territorial do solo e a dimensão simbólica da paisagem, condensação de símbolos plenos de significações. O homem não pode considerar-se unicamente um agente, deve também ver-se como actor um sujeito, que colectiva e socialmente represente papéis, recitando e contando as suas histórias e, simultaneamente, um espectador do seu próprio agir nos palcos desses lugares de tradições e memória, que são terra dos antepassados erigidos sobre mitos fundadores." Interessante refletir sobre isto nesta relação onde, por exemplo e para tomar a Árvore, o homem cosmopolita e contemporâneo não se relaciona de modo a se apropriar, no usufruto e na responsabilidade, do espaço público, e menos ainda, do espaço público natural (no caso de SP, rios e árvores). Como sendo um território externo que se faz desassociado de sua existência, lançando seu olhar, por
exemplo, muito mais voltado aos bens materiais que ao espaço físico, que nunca deixa ou deixou de ser, pedaço de planeta, e Terra. (p.21) "Michel Corajoud (...) ('A paisagem é o lugar onde o céu e a terra se tocam'). Avessa a noções simplistas, mostra-se como realidade complexa, uma solidariedade de elementos, não um mero agregado, disposto sobre um solo onde todos se interpenetram. Permanente, é também dinâmica, móvel e complexa: estável, não estática. É então como se fosse ela, com as suas idiossincrasias inatas, a solicitar a intervenção humana, seja através do olhar, seja através do corpo de quem a habita e cuida." Gosto destas atribuição, tanto como uma meta/metáfora para se "descrever"/ver a Árvore, como projeto e proposta, quanto como perspectiva para se pensar que na associação a estes valores ela pretende/pensar em operar; neste benefício. "O verdadeiro elemento de ligação com a paisagem não seria primeiramente nem a ação nem a percepção, mas a integração permitida pelo corpo..." Em que medida podemos falar sobre a transcendência contida nesta perspectiva da paisagem? O corpo como mediador e mantendor do elo, da união; ele em si como manifesto da ligação. (p.22) Sentimento e conhecimento na apreciação das paisagens "Foi no contexto inglês do séc. XVIII, que pensadores como Edmund Burke, Joseph Addison e Conde de Shaftesbury, defenderam uma estética não-intelectualista que concedia ao sentimento da natureza um lugar único na elenco das faculdades humanas. Dimensão antropológica básica e constitutiva, esta experiência seria independente do conhecimento; este é fruto do intelecto e expressa-se pela generalidade dos conceitos, aquela estimula a sensibilidade e vivifica a imaginação. O elogio do homem sensível em contacto directo com os espaços abertos dissemina-se por outras correntes europeias. Rousseau acresce de uma carga moral a experiência da natureza proporcionada pelo caminhar citadino que evade para fora de muros: a possibilidade de reviver, mesmo num estado social moralmente corrompido, as características da estabilidade, equilíbrio e pureza do 'estado de natureza'. Também Kant defende a subjectividade do sentimento estético, mas supera a associação do sentimento ao psicologismo, e o perigo de confinar o sentir à esfera privada onde permaneceria incomunicável. O sentimento estético nasce da reflexão, um procedimento da razão humana universal. Reflectir é um modo de pensar que se debruça sobre as manifestações sensíveis, as considera atentamente
como singularidades irredutíveis a conceitos explicativos, num livre jogo interior de que nasce o sentimento de harmonia com o mundo e que, sendo pessoal, pode ser compartilhado." Penso aqui (e me lembro ainda de Jorge Albuquerque) na relação proposta e investigada na Árvore entre o vivenciar e o refletir, o experimentar/experienciar e o analisar a experiência; Como um fluxo/trânsito contínuo, algumas vezes com um impulso mais claramente definido, às vezes como vias paralelas e retroalimentares. Isto como procedimento artístico, mas também impulsionado, e vivido, como forma de vida (formar a vida). (p.23) "A arte, produção do espírito inventivo..." (p.24) “’A imagem da natureza sobrevive, porque a sua perfeita negação no artefacto, a qual salva esta imagem, torna-se necessariamente cega quanto ao que estaria para lá da sociedade burguesa, do seu trabalho e das suas mercadorias. O belo natural permanece alegoria deste para-lá, apesar da sua mediação através da imanência social’ (Teoria Estética, 1982, p.85).” Para refletir a relação com a árvore como ponto/foco de visibilidade. “…linguagem e funcionalidades do obejcto artístico. Hepburn chama a atenção para propriedades dos objectos naturais inexistentes no campo dos artefactos; fenômenos e situações sem enquandramento, acontecendo em espaços abertos, indeterminados e imprevisíveis, colocam o espectador em atitude de surpresa, apelam a experiências de pertença e integração num todo maior.” Pensar nos ambientes naturais (árvore e rio) e suas características, ou/e as que imprimem, enquanto ‘o espaço da obra’ - ou “obra espaço”/”espaço obra”, (e a própria obra). Lembrar de como necessitávamos/necessitamos compreender este todo maior, nos integrar a ele, e nos desdobrar/flexibilizar a esta força; deixandonos livres e compenetrados ao instante e seus devires, para fluir em sua manifestação e possibilitar/potencializar a nossa. Os ensinos da Árvore no que refere ao fluxo e força viva da vida, enquanto expressão e enquanto procedimento (da linguagem, da construção para a linguagem e das minúcias de desenvolvimento do coletivo e seus procedimentos). (p.25) “O estímulo deste artigo viria a provocar o forte movimento da estética ambiental, cujos representantes são unânimes em libertar a consideração estética da natureza do modela da obra de arte e com ele de categorias antropomórficas e projectivas.
Se Hepburn valorizara capacidades subjectivas do contemplador situado no meio da natureza, solicitado a responder-lhe mediante o uso dinâmico do pensamento, como a apercepção, é a objetividade de apreciação que toma primazia em Allen Carlson (‘Apreciar a arte e apreciar a natureza”). A appreciation não é uma questão de sentimento, emoção ou gosto, mas de conhecimento, neutro, objectivo e impessoal que oferece os conhecimentos precisos para uma adequada apreciação, ou seja, para reconhecer, julgar e discriminar qualidades e propriedades inerentes. Se é incorrecto tomar a natureza como se fosse um artefacto e com critérios importados da crítica da arte, a apreciação não deixa de carecer de um modelo prévio, o ‘modelo pela ordem’. Ao contrário da espontânea contemplação, fundada em disposições de uma sensibilidade estética universal, a apreciação exige orientação e seleção. Apreciar é ter os conceitos adequados para poder formular juízos competentes. Permanece neste debate da estética ambiental, aqui reunido na Parte III, a presença ainda latente dessa mesma referência à arte que os seus defensores pretendem abandonar: tal como a história e a crítica da arte fornecem os conhecimentos certos para conhecer e avaliar uma obra artística, a estética deve fornecer pontos de apoio firmes para apreciar a natureza, sejam eles baseados nas ciências da natureza e na história natural (Allen Carlson), ou incorporando narrativas populares e lendas da história sobre os lugares nativos (Yuriko Saito, ‘Apreciar a natureza nos seus próprios termos’). Objectividade, cognitivismo e realismo são os pressupostos teóricos de uma estética claramente dirigida para políticas de conservação, apresentando argumentos para a defesa de Wilderness americana ou do sistema de parques naturais.” (p.25/26) “No livro A Apreciação Estética da Natureza , demonstra ser indispensável disntinguir entre os vários planos, e acepções, de ‘natureza’, podendo esta ir da natureza globalmente tomada até cada um dos seus espécimes. Considerando esta complexidade real, que impregna a nossa linguagem de inúmeras imprecisões quando nos referimos a qualquer coisa ‘como natureza’ e converte o conceito de natureza numa referência teórica sempre ambígua se não for previamente esclarecida, e de que a paisagem é um dos planos intermédios, procurar definir um modelo único para a apreciação é uma tarefa vã. Para Budd, apreciar e avaliar esteticamente ‘a natureza’, pressupondo a nítida repartição entre natural e nãonatural, é uma frágil posição de base. O conhecimento necessário para apreciar cada caso não pode ser uniformizante, daí que nenhum modelo teórico esteja em condições de predeterminar o sentido de um juízo, sempre singular, que incide sobre ocorrências naturais constantemente diferentes e que, ao contrário da arte e dos artefactos, manifestam uma qualidade única: a liberdade que excede qualquer conceito.” Interessante este pensamento para dar respaldo tanto à perspectiva de se tomar e
re-tomar o corpo como “uma das naturezas objeto na Árvore”, quanto com relação à complexidade de se definir e/ou referir a isto ou aquilo como sendo e/ou não sendo natureza. Trazendo também uma problematização sobre o nosso recorte: corpo x cidade x natureza, refletindo em que medida estes são objetos estanques ou não. (p.26/27) A ontologia da paisagem e a questão do fundamento
“Rosario Assunto (…) Paisagem é sempre a natureza, mas existindo sob um modo espacial próprio: a finitude, a exterioridade e a abertura.” “Há um tempo próprio da natureza – circular (sem começo nem fim, que move em uníssono todos os elementos), inclusivo, que conserva as suas modificações e se altera com elas, um tempo, enfim, onde se gera a novidade do idêntico : nela o mesmo é sempre diferente e sempre novo.” Esta fala traz novamente à tona dos princípios/ensinos da Árvore. Ser circular, ser inclusiva, alternar-se na alteração do mesmo. E novamente, na linguagem e na sua contrução, nos procedimentos de desenvolvimento e estar do coletivo, no transbordar para a vida. “…um espaço sem tempo nunca será uma paisagem. É por isso que a fruição da paisagem é também espacial e temporal. Contemplamo-la estando nela. A materialidade dos elementos é fruída multi-sensorialmente, e não apenas visualmente, numa fusão simbiótica (…) o estar é condição do sentir, o sentir condição da reflexão.” Sobre isto, refletir, por exemplo, o acontecimento da Árvore em todas as faces como um resultante onde espaço e tempo estão diretamente em diálogo e são condição, na construção, na execução e como conteúdo para todo o “pensamento”. Para se realizar as vivências, por exemplo, existem perguntas básicas que são: onde será, em qual árvore e contexto; e quanto tempo? A partir daí o todo começa a ser tocado, sentido, elaborado e construído. Além disso, esta percepção sobre o estar como um objeto, no sentido tanto de exercício nosso quanto de busca na relação e com relação ao transeunteespectador; E como o dispositivo primeiro para percorrer o caminho até a reflexão. Considerando também que a reflexão não é o foco último, mas sim todos estes estágios: estar, sentir, refletir; não tendo propriamente que isto é um caminho progressivo, e sim presenças que co-existem. (p.27) “Na experiência estética o tempo da vida humana enlaça-se num tempo mais amplos, que é natural e histórico, simultaneidade de passado, presente e futuro. As
idades dos diversos reinos naturais – mineral, vegetal, animal -, ritmadas pelo eterno retorno das estações e da sucessão do dia e da noite impregnam-se de temporalidade humana. Daí a importância dos animais – um elemento raras vezes abordado nas teorias da paisagem -, que tanto suscitam a imagem pacifica do equilíbrio dos tempos (o enlace do infinito no finito), como trazem com a sua presença a irrupção do inquientante, da estranheza, do ameaçador, o prenúncio da morte (o tempo infinito torna-se tempo existencial). No seu antípoda está o tempomáquina, a temporaneidade quantitativa, uniforme e divisível que governa a cidade gigante e invade também as paisagens, quer interceptando a sutil transição entre cidade e paisagem enquanto realidades complementares, quer impondo à natureza a repetitividade dos processos ultra-mecanizados transpostos da fábrica. Com pressupostos filosóficos diversos, também Arnold Berleant funda a estética ambiental numa ontologia. A sua noção de ambiente ( environment ) inclui além do meio físico todas as esferas de integração da existência, os enquadramentos de vida, sejam eles naturais, intervencionados ou construídos, mas sempre dotados de consistência real própria. A ontologia liberta a estética do âmbito da representação. Esta pressupõe uma diferença entre a coisa (real) e a imagem que dela se recebe; a sua matriz é necessariamente visual, sendo a visão o órgão mais liberto do contacto físico. Pela sua imaterialidade, e proximidade com as operações do pensamento, a visão e audição foram privilegiadas na tradição metafísica e racionalista, em detrimento dos sentidos mais corpóreos: paladar, olfacto e tacto. Uma das primeiras, se não a primeira ontologização do sentir fora defendida por Ludwig Feuerbach, em 1843, nos ‘Princípios da filosofia do futuro’: a sensação não é representação mental, mas efectiva ligação de ser como ser; ao sentir, o homem enquanto sujeito encarnado num corpo e ser-no-mundo liga-se às coisas, entes também dotados do estatuto de sujeito na medida em que exercem
sua ação. A sensação é precisamente este elo, e será efectivo na condição de a filosofia considerar o homem como alternância de repceptividade e actividade. Para Berleant, a estética deve reflectir esta continuidade. Não parte dos valores pré-codificados, mas de uma fenomenologia da vivência multi-estética, que tem início nas sensações do corpo situado que se desloca no interior do mundo, dele recebendo a diversidade qualitativa, e só depois chega à percepção que pode distanciar-se. Se a visiualidade das paisagens tem como principal analogon representativo a pintura – sendo a paisagem vista como um
quadro -, a envolvência no ambiente, e na paisagem como um dos níveis do ambiente, tem como modelo interpretativo a arquitectura, arte de modelação dos ambientes de vida, onde espaço circundante, objectos e corpos humanos se encontram em continuidade ontológica (‘Estética e Ambiente’).” Aqui encontramos fundamentos muitos importantes sobre nossas proposições relacionais, e mais ainda, fundamentações para propostas como o Diálogos. (p.28)
“Esta reversibilidade presente em todas as instâncias de vida tem implicações múltipas no pensamento de Berleant, desde sua estética da imersão à exigência de comprometimento (engagement ) que deve reger os nossos actos.” “Criticando a separação entre observador e observado própria das filosofias da representação, o conceito de envolvência permite-lhe valorizar não tanto a beleza, dada a matriz pictórica que lhe subjaz na estética clássica, mas sobretudo o sublime de inspiração kantiana: a sensação de estar envolvido de todos os lados pela presença inabarcável, magnífica ou aterrorizadora, da natureza acima de nós. Mas a perda da sensação de magnitude que transcende a escala humana e se vai substituindo nos nossos dias pelo colossal dos edifícios que arranham os céus, acarreta uma perda na capacidade sensitiva.” (Nesta perspectiva qual função ou responsabilidade (ou mesmo perspectiva) poderia assumir a arte?) E mais, como a nossa perspectiva dialoga com esta noção? Onde ela trabalha nas fissuras e onde ela causa fissuras? Como consideramos e trabalhamos com a presença do transeunte-espectador a partir desta noção de envolvência? Como envolvemos e como poderíamos melhor envolver? (p.29) “A ecologia da filosofia resguarda o significado etimológico de oikos, a casa, como refúgio e envolvimento, onde se enlaçam passado, presente e futuro. A estética emancipa-se, por um lado, do intelectualismo; por outro, perde qualquer conotação de ligeireza, lazer, futilidade. É laço da vida com vida, sim-biose. Tal o fio que acompanha a ligação da natureza, como paisagem, e do humano, através do sentimento vital, multi-sensitivo, não primário nem elementar, mas originário; as sensações são elemento essencial da fusão do viver em com o viver de. A imagem da harmonia ou, pelo contrário, da ruptura, entre o físico e o espiritual, a passagem do hipotético ‘sem a natureza morreríamos’ à certeza de que ‘sem a natureza morreremos’ remata a estética da paisagem numa metafísica: o encontro com a natureza como fundamento da existência.” E ainda, termos como oikos a presença do corpo, sendo ele próprio um refúgio, um resguardo; a natureza da existência. “Gonçalo Riberiro Telles (…) a cidade compacta deve re-aproximar-se da paisagem rural através de corredores verdes, ligando zonas urbanas, peri-urbanas e naturais (‘Paisagem global. Um conceito para o futuro.’) (p.29/30) A ética e o futuro da paisagem
“…da desmundanização do homem moderno, a geofilosofia defende a pasaigem
como lugar natural e cultural, inseparável das interacções que ao longo das gerações ligam comunidades não apenas ao espaço circundante mas à terra de origem.” A noção sobre a reverberação das ações (Didi e a comunicação entre as árvores). (p.30) “O ambiente, ou a bio-ecosfera (…) é global, ignora fronteiras (…) Uma paisagem… é sempre local…” “A conservação do ambiente não salvaguarda a protecção das paisagens. Quando examina, em ‘Os limites das teorias actuais da paisagem e a paisagem como identidade estética dos lugares’, as principais orientações em que se repartiram as teorias mais antigas – a pictórica ou vedutista e a físico-biológica ou naturalista -, Paolo D’Angelo mostra bem a necessidade de superar a alternativa entre o subjectivismo e objectivismo que lhe subjaz, elaborando um conceito abrangente e relacional, capaz de conjugar o plano subjectivo com dimensões objectivas. Para este pensador, uma paisagem implica tanto os aspectos físicos e morfológicos, quanto factores culturais e históricos. E entre aqueles devem contarse também as propriedades estéticas que contribuem para a sua individuação qualitativa, e são percebidas, mas não projectadas, por quem as vive e observa. Deslumbrantes ou monótonos, todos os lugares possuem coerência própria e intrínseco valor estético. Neste sentido, o estético não é apenas subjectivo; é, mais propriamente, ‘inter-subjectivo’: qualquer paisagem será uma identidade plena; não apenas factor identitário das populações, mas a ‘identidade plena do lugar’.” (p.31) “A natureza como paradigma da estabilidade, seria uma entidade abstracta, metafísica, por resguardar uma essência atemporal e permanente.” “Ao conceito completo e perfeito de cosmos do pensamento antigo, contrapõe Martin Seel, a problematicidade. A sua crítica a Joachim Ritter aponta precisamente o facto de este ter fundado a interpretação da origem da paisagem numa ordem intelectual. Ora, essa Natureza não só já não corresponderia ao nosso tempo, plural e perspectivista, como implicaria a inteligibilidade do belo, desvalorizando o sensível em que se desdobra a multiplicidade das coisas belas. Defender um conceito problemático – e não canônico de natureza, próprio da metafísica antiga e das ciências naturais que lhe se sucedem – dá precisamente conta das transformações já sobre ela operadas, sendo que cada época histórica aceita ‘como natureza’ aquela que encontra já dada, sem ter de inquirir e decidir sobre o grau da composição. Sentimos e percepcionamos sempre a natureza presente, como se dá aqui e agora à nossa experiência actual, e que reconhecemos ao nomearmos cada ser como flor, lago, céu…Daí que a problematicidade não constitua justificação para
abandonar o conceito de natureza. Pelo contrário, se esta implica o modo como actualmente se apresenta, podendo por isso conter transformações, continua a produzir-se nela o dinamismo profundo da auto-geração. Possui a autonomia do que não foi ‘feito’, porque existe unicamente ‘a partir de si’, como natura naturans. Entender a paisagem como ‘um espaço maior de natureza estética’ significa que a matriz da paisagem é a natureza livremente percepcionada na contemplação e na imaginação, e que correlativamente é a unidade da paisagem que confere à natureza a qualidade estética. A noção de paisagem urbana, recusada por Rosario Assunto, admite em Seel uma possibilidade: a cidade pode ser percepcionada ‘como uma paisagem’ não quando é um pedaço de cidade, mas quando se parece com uma paisagem na natureza livre. Nesta ordem de idéias, a estética da paisagem encontra necessariamente uma ética não-antropocêntrica, um respeito pela naturalidade e uma autolimitação da acção humana. No livro ‘Uma Estética da Natureza’, Seel entronca a estética da natureza – pelo seu caráter perceptivo e contemplativo, a atitude estética é modelo de não-instrumentalidade e não-violência – numa metafísica do belo natural, isto é, como possuindo inalienável valor moral. Todas as reflexões elaboradas na seqüência da crise ambiental e da consciência auto-crítica dos malefícios da acção humana contêm, com acentuações próprias, um fundo ético, ou mesmo uma posição ética definida, uma resposta à questão ‘como devemos agir?’. Seja uma moral objectiva – como a conservação dos lugares, a defesa do natural como um bem moral ou a positividade estética da natureza prístina -, seja uma ética subjectiva – o apelo ao respeito, ao comprometimento e à responsabilidade dos actos -, em causa está não perder a natureza como alteridade absoluta para o homem. E perder a natureza é perder a paisagem.” (p.33) Para uma filosofia da paisagem
“A idéia de paisagem nasceu na Europa num momento civilizacional em que as cidades se começam a formar como estruturas sociais organizadas e reguladas pela din6amica do trabalho, libertando os seus habitantes da dependência obtida pela exploração da terra. As paisagens estão extra-muros, mas ainda próximas, consideradas como zonas de lazer e excursão, mas não já espaços habituais da existência. Com a ascensão do indivíduo autonomo, que se colocou for a da natureza para se poder pensar como sujeito de conhecimento e como ser livre, e o incremento da civilização urbana em grande medida fruto desta liberdade, as paisagens foram sendo afastadas e reduzidas a tema da representação artística ou lugar de exploração científica e fruição afectiva. A sua origem remete para a separação; hoje cumpre uma função mediadora. E revisão actual do coneito tende a repor unidades, superar dualismos e colmatar brechas, procurando reunir o que foi dividido. Esta inversão é um dos traços que
justificam a importância crescente do conceito, mas sobretudo o seu caráter abrangente de categoria sintética, ponto de confluência de múltiplas perspectivas. O interesse da filosofia pela paisagem não é, por isso, nem só histórico e teórico, muito menos recapitulativo. O conhecimento das teorias clássicas e a intervenção nos debatas recentes contribui para uma nova consciência paisageira, tem intenção de futuro e lida necessariamente com o paradoxo de resguardar a natureza precisamento num momento em que a fonte da vida parece declinar. A categoria de paisagem não substitui a de natureza. Proveio dela e implica-a agora como sua componente ou elemento integrante: e tanto se pode ver como estando a paisagem na natureza ou como estando a natureza na paisagem. Só que ‘natureza’ contêm múltiplos planos, desde a totalidade do mundo, que pode ser pensada mas é inacessível à percepção, até cada ente singular. Conjuntos de funcionamento integrado e animados pelos processos vitais, as paisagens são realidades intermédias entre a totalidade e a singularidade….” (p.34)