Diário do Minho
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A Paisagem Notas de conceptualizaçã conceptualizaçãoo A pretexto da 20.ª edição dos “Encontros da Imagem” A 20.ª edição ed ição dos do s “Encontr “Encontros os da Imagem” Image m”, que está a decorrer no Museu da Imagem (Braga) até 31 de Outubro, é dedicada dedic ada ao tema “Transmutações “Transmutaç ões da Paisagem” Pais agem”. Esta opção segue a tendência actual no mundo artístico de exploração das novas representações da paisagem associadas ao impacto da presença humana, penetrando muitas vezes nas questões ambientais, ecológicas e mais globalmente articuladas com a tomada de consciência sobre as problemáticas do desenvolvimento e do futuro do planeta e da humanidade. A actualidade e importância deste tema são também acompanhadas pela dificuldade da sua definição conceptual. Assim, o objectivo deste texto é contribuir para uma melhor compreensão da estética da paisagem.
Por Sara Pinheiro (Licenciada em Estudos Artísticos e Culturais pela Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa)
«Por meio da observação e contemplação da paisagem é que aprendemos a noção da proporção do nosso tamanho em relação ao tamanho do mundo, os nossos próprios limites, pequenez e grandeza, a inteligência das coisas por meio dos nossos sentidos», afirma Ynaia Barros1 . O extracto que agora citámos, pode muito bem ser um exemplo da tendência que existe na actualidade para se valorizar e aprofundar a temática da paisagem, acompanhada do aumento exponencial de iniciativas relacionadas com o mesmo assunto. Este crescente interesse emerge, entre outros factores, da consciência dos desafios que a sociedade contemporânea enfrenta face às consequências da acção humana sobre o meio físico. Por isso, a paisagem é um objecto de estudo que congrega um universo de saberes que ultrapassam largamente a esfera dos interesses estético-artísticos, tais como a geografia, antropologia, a arqueologia, a ecologia, o urbanismo, a arquitectura. Mas, o que é a paisagem? De que falamos quando nos referimos a ela? O “cenário” que nos serve de
moldura onde assentamos a vida? Um dado já elaborado, algo de adquirido? A resposta mais imediata seria algo do género: a paisagem é o que vemos, o conjunto que a nossa visão alcança. Algo, portanto que, não é da ordem do extático, mas dinâmico: a paisagem é de facto um devir que não permanece, que se transfigura com o tempo, numa intuição que faz remontar ao pré-socrático Heraclito – “tudo flui, nada permanece”. No entanto muitos autores consideram que a paisagem é mais que isso. Deste modo, para Javier Maderuelo, a paisagem não é apenas uma realidade física, nem sinónimo de natureza, mas uma construção mental que realizamos através do fenómeno da cultura2 . Não se trata de um conjunto de objectos configurados pela natureza ou pelo homem, mas uma construcção cultural que não se esgota no suporte natural. Por conseguinte, os valores paisagísticos são culturais, variando no tempo, no espaço e dependendo da formação de quem a percepciona e contempla. Esta concepção contrasta com uma noção mais tradicionalista e mais rígida de
“Tudo flui, nada permanece...” (Heraclito) (Heraclito) paisagem, quase sempre associada à natureza inalterável e ao valor da beleza natural (Kant), como sinónimo de uma realidade edílica, campestre, bucólica. Ora, após a viragem do século tudo mudou: o território, a intervenção na natureza, a consciência ecológica mundial, e por consequência, os próprios valores paisagísticos.
No que diz respeito ao termo Paisagem,, o autor considera que o Paisagem dualismo entre o meio físico e a representação do meio físico está na origem da polissemia actual do termo. A ausência de duas ou mais palavras para nomear a realidade e a sua representação demonstra que na cultura euro peia esses conceitos surgiram e desenvolveram-se desenvolvera m-se juntos.3
Mas o conceito de Paisagem alcançou o seu significado mais nobre no seio da actividade artística propriamente dita, mais concretamente na “pintura de paisagem”. Javier Manderuelo é claro ao dizer: «hay que señalar que ‘paisaje’ es un término que há surgido en el ámbito de una actividad concreta: el arte, utilizándose para designar un género de pintura, actividad en la qual la palabra há cobrado su sentido pleno».4 Daqui podemos partir para a distinção que Alain Roger faz entre “território” “territ ório” e “paisagem”. “paisagem”. O território seria anterior ao género artístico que lhe corresponde, a paisagem. Ao território corresponde o domínio da geografia, que seria uma espécie de grau zero da paisagem, e à paisagem o domínio da estética, tendo em conta a sua origem como conceito artístico.5 Porém, muitos artistas trabalharam também como topógrafos e cartógrafos, reunindo em si dois domínios considerados opostos por aquele autor. Martin Seel considera – um tanto ou quanto surpreendentemente, quanto a nós – que nem sempre a paisagem é estética; é antes, «un lugar potencial de potencial de experiência estética»6 . Para a dimensão estética da paisagem se concretizar o sujeito tem de estar num estado de atenção estética. Precisa de sair para um exterior real, para fora de quatro paredes. E também para fora de um exterior metafórico, para o qual é preciso distender o vínculo com orientações pragmáticas que normalmente determinam o nosso comportamento no espaço. Isso acontece quando não nos movemos nesse espaço com destinos determinados, mas nos mantemos abertos à presença do espaço maior. A necessidade de representar o mundo que nos rodeia está presente na arte desde há milénios. A carta de Petrarca sobre a sua suposta ida ao monte Ventoux é considerada pelos historiadores como a
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origem da sensibilidade face à paisagem no Ocidente. O poeta mostrou-se comovido pelo vasto panorama que se estendia aos seus pés e descreveu a beleza física desse mundo e a emoção de contemplação. Javier Manderuelo considera que foram os geógrafos e os artistas que despertaram a nossa consciência para a paisagem. Os cartógrafos procuraram o reflexo fiel da realidade física, através da representação do território num mapa, com medidas e proporções rigorosas. Já os artistas transformaram a paisagem nas suas formas e cores de maneira a exprimir as suas emoções. Tanto Tanto uns como outros projectaram as suas visões, alterando decisivamente a forma como actualmente vemos a paisagem. Para isso foi preciso ultrapassar a ideia de utilidade associada à paisagem território, para passar a olhá-la como uma obra de arte e observá-la com prazer e deleitação. É necessária a intencionalidade estética, referida por Martin Seel, e que transforma um território numa paisagem. Alain Roger chama a este fenómeno de “artelização” “artelização” 7 , um processo através do qual se atribui a um espaço uma apreciação estética positiva. Isto explica porque é alguns lugares considerados feios e repulsivos em determinada época se tornam apreciados noutra, através da mediação da arte. Assim sendo, a apreciação da paisagem depende do código de apreciação pertencente a uma sociedade, num determinado período da história. Na maioria das civilizações os artistas criaram e recriaram-se no mundo da natureza. A paisagem foi incluída no mundo da arte desde muito cedo, proporcionando ao artista uma fonte quase ilimitada de inspiração. Augustin Berque estabelece quatro condições que tornam determinada cultura, numa cultura de paisagem. Primeiramente um vocabulário; em segundo lugar uma literatura oral e escrita que descreva paisagens; que existam representações pictóricas com esse tema; por fim, que possua jardins de recreio.8 A partir destes critérios é possível concluir que a civilização ocidental é uma cultura de paisagem. Enquanto tema, género e modelo académico, a paisagem tem um enorme peso na tradição artística ocidental. Faz ainda mais sentido explorar esta temática numa altura em que se discutem os problemas ambientais. O ambiente físico mostra-se sobre a forma de paisagem, que hoje se apresenta poluída, devastada, danificada e a necessitar de reabilitação. «A ecologia desempenha aqui o papel de guarda da natureza e portanto de guarda da paisagem».9 Assim, a preocupação ecológica vem implantar-se no interesse pela paisagem e o ambiente representa uma palavra-chave.❐ SUGIMOTO, Luiz - “A construção da paisagem”. paisagem”. Disponível em: ag12.pdf> Acedido em 11 de Setembro de 2010. MANDERUELO, Javier – “Paisaje: un término artístico”. In Arte In Arte y Paisaje, Abada, 2007, p. 12. Ibidem Idem., p. 11. CASTRO, Laura – ‘’Antes e Depois da Paisagem’’. Disponível Disponív el em : .pdf> Acedido e m 11 de Setembro de 2010. SEEL, Martin – Especios de tiempo del paisaje y del arte. In: Arte y Paisaje p.40. In MANDERUELO, Javier – Op. Cit., p. 15. In Idem, p. 13. CAUQUELIN, Anne – A – A Invenção da Paisagem. Edições 70, 2008, p. 9. 1
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A propósito propósito dos SP SPA A SPA é uma palavra na moda: SPA do Gerês, SPA do Imperador de Chaves, SPA termal de Caldelas, SPA termal de Alcafache, SPA Resort das Caldas de Monchique, “ O resort dispõe de pisc inas, de um u m SPA”, etc. Mas, antes de prestarmos atenção à sigla – SPA – que já ganhou foros de cidadania, i. e., ganhou vida autónoma, visto que se encontra registada em alguns dicionários como substantivo; antes de assinalarmos a sua origem e as calinadas a respeito da mesma, uma breve abordagem quanto a termas, hoje intimamente ligadas aos SPA.
«SPA deve ser grafada com letras maiúsculas e sem plural»
Por
Gil de Azevedo Abreu (Professor de Língua Portuguesa)
1. Na edição n.º 1801 de 5 de Maio de
2007 do Expresso Expresso,, este semanário publicou um caderno intitulado “Termas de d e Portugal” Port ugal”.. E, de entre quatro dezenas cá existentes, destaca 18, dando, no entanto, especial atenção, em 28 páginas, a uma dúzia: Curia, Vimeiro, Gerês, Monchique, Caldelas, Monfortinho, Chaves, Luso, Sangemil, Alcafache, Entre-os-Rios e S. Jorge. Também neste dossiê, podemos ler duas entrevistas: uma de José Manuel Romão, presidente da Associação das Termas de Portugal onde «fala-nos «fala-nos das principais alterações, objectivos e desafios deste “produto” estratégico para o desenvolvimento do turismo nacional »; »; outra de Idalina Russell qu e, como Directora Clínica das Termas de Caldelas, «conta «conta como as Termas têm evoluído em Portugal e explica por que frequentar uma estância termal é tão positivo para a saúde ». A entrevista a José Manuel Romão foi conduzida por Helena Oliveira e a da Id alina Russell não está anotado qualquer entrevistador, mas mas tudo leva a crer que seja a mesma pessoa. A entrevista a Idalina Russell, com o Curso de Hidrologia e Climatologia Médicas, é deveras interessante, porque, segundo a médica, «foi « foi abandonada a noção exclusivamente “tera pêutica” (doença) associada à prática termal, reconfigurando-se numa pers pectiva mais “preventiva” (saúde), permitida pelas recentes potencialidades do “bem estar e do lazer”». Fala ainda da medicina alopática, da tendência “holística” (bio-psico-social) e dos programas de wellness (“expressão anglo-saxónica dificilmente traduzida para português”) com vista a prevenir a doença e promover a saúde permitindo «atingir «atingir elevados patamares de saúde física, mental e social ». social ». Nas duas ent revistas, aparecem aparecem registadas inexactidões, já que, ao falar dos SPA, está escrito: “Os “Os SPA’s, cujo conceito une o bem-estar físico ao bem-estar da mente ao mesmo tempo em que privilegia o sector da estética, estão na moda”” (1.ª entrevista a José Manuel moda Romão) e “Com “ Com a moda crescente dos SPA’s […]” (2.ª entrevista a Idalina Russell). Ora, “SPA’s” está errado, porque as siglas não têm plural.
trolada e natural, ginástica, massagem, sauna, banhos a vapor, etc ” etc ”. 3. Quanto à origem da sigla em ques-
tão, vi-a registada em duas revistas: na Única (do jornal Expresso Expresso),), 31/12/2009, pág. 157, e na Pública (do diário Público),), 2 Maio 2010, págs 66-67. co Na Única Única,, com o título “De molho nos spas” e texto de Mafalda Anjos, está lá escrito o seguinte:“Prometem bem-estar para o corpo e b enefícios para a alma. E nasceram como cogumelos nesta década. Os spas, cujo nome vem da expressão latina “salute per aqua” (saúde pela água), abriram por todo o lado. Não basta ser hotel, há que ser hotel & spa; não basta ser cabeleireiro, há que ser beauty center & spa” spa ”. Na Pública Pública,, com o título “Spa em casa” e texto de Maria Antónia Ascensão, a páginas tantas, aparece o seguinte: “Mas para recriar uma experiência de “spa” em casa precisa, obviamente, de água. É sabido que a origem da palavra “spa” vem da expressão latina “Sanus Per Aqua” (saúde pela água). Os gregos e romanos já tinham este conceito de cura através da água há milhares de anos, em que se reuniam em centros termais para tratar do físico e fazer negócios. Nos anos 1980 e 1990, quando se começou a popularizar, o conceito de “spa” passou a ser sinónimo de paz, tranquilidade, prazer, mimo, auto-estima, onde o silêncio, as técnicas, a decoração, os serviços estão integrados e em harmonia, para promover uma agradável viagem sensorial” sensoria l”. 4. Que comentários a fazer quanto à
2. São poucos os dicionários que mencio-
nam o significado de SPA. O Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, por exemplo, assinala duas siglas: “SPA, “SPA, s.f., sigla de Sociedade Portuguesa de Autores” Autores ” e “SPA, sigla de Sociedade Protectora de Animais ”, mas não aparece como “Saúde pela Água” Águ a”. Encontrei-a, no entanto, em três dicionários: n’ O Dicionário Português – Inglês e Inglês – Português do Público, 2004: “Spa, “Spa, s. estância termal, estância balnear ”; ”; no Dicionário Inglês Português, Webster’s, Círculo de Leitores, Março de 1989: “Spa, “ Spa, s. fonte de águas minerais, estação de águas, balneário”; balneário ”; e no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tomo VI, Círculo de Leitores, com os seguintes significados: “Spa [ing. lit. “balneário”] s.m. 1. estância hidromineral 2. hotel ou local elegante de veraneio 3. hotel ou estabelecimento ger. [geralmente] localizado fora das cidades, que oferece tratamentos de saúde e/ou beleza, emagrecimento, alimentação con-
escrita – “spa(s)”– e às duas versões propostas, “salute per aqua” e “Sanus Per Aqua”, Aqua”, a respeito da d a origem orige m da sigla em questão? Em primeiro lugar, como já foi atrás referido, SPA SPA deve ser grafada com letras maiúsculas e sem plural. Em segundo lugar, não sei onde as jornalistas se apoiaram para escrever acerca da origem de SP SPA. A. Dizem que vem de uma expressão latina, mas, provavelmente, nunca estudaram ou não têm quaisquer rudimentos de Latim, porque uma das regras mais básicas e comezinhas – e que vem em qualquer gramática latina – é saber que a preposição “per” rege acusat ivo. Logo, o que devia dev ia lá estar est ar era “per aquam”. aquam”. Das duas versões, penso que a expressão “salute per aqua” [aliás, “aquam”] i. e., (viver) com saúde por meio da água, é que será a mais aprop riada. Já “sanus per aqua” [aliás, “aquam”], i. e., (ficar) são pela água, não se me afigura, visto que as águas termais, com propriedades físico-químicas, ajudam a prevenir ou a recuperar a saúde, mas não se fica “são” “são” única e exclusivamente pela água, quer pela ingestão quer associada a outras práticas como imersão, duche, piscina, lamas, vapores, massagens ou instilação.❐