EVOLUÇÃO URBANA do Rio de Janeiro MAURÍCIO DE A. ABREU Rio, 1997 IPLANRIO 3a edição
SUMÁRIO Prefácio........................................................................................................................ 7 1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 11 2. SOCIEDADE, ESPAÇO URBANO E ESTADO: EM BUSCA DE UMA BASE TEÓRICA ............................................... ............................................................... .................................... .................................................. .............................. 13 2.1 CONSIDERAÇÕES CONSIDERAÇÕES INICIAIS: MODELOS PRONTOS E SUA CRÍTICA.... 13 2.2 A FORMAÇÃO SOCIAL COMO PONTO DE PARTIDA............................... PARTIDA............................... 16 2.3 FORMAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO: A ÁREA METROPOLITANA METROPOLIT ANA DO RIO DE JANEIRO................................................................................................................... 16 2.3.1 O modelo metropolitano............................... metropolitano....................................................... ............................................ .......................... ...... 17 2.3.2 A estrutura metropolitana......................... metropolitana........................................... ...................................... ................................... ............... 18 2.3.3 Como se compõe a estrutura metropolitana...................... metropolitana.................................................. ............................ 25 2.4 ESTRUTURA URBANA E MOMENTOS DE ORGANIZAÇÃO ORGANIZAÇÃO SOCIAL. 30 REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................ BIBLIOGRÁFICAS............................................ ........................................... ....................... 33 3. O RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX: DA CIDADE COLONIAL À CIDADE CAPITALISTA ................................... ................................... 35 3.1 INTRODUÇÃO............................... INTRODUÇÃO..................................................... ........................................ ...................................... ....................... ... 35 3.2 O PERÍODO ANTERIOR A 1870: A MOBILIDADE MOBILIDADE ESPACIAL É PRIVILÉGIO DE POUCOS............................. POUCOS................................................. ...................................... ...................................... ........................................ .................... 37 3.3 BONDES E TRENS: A CIDADE CRESCE EM DIREÇÕES QUALITATIVAMENTE DISTINTAS............................... DISTINTAS................................................... ................................... ............... 43 3.3.1 O papel dos bondes.............................. bondes.................................................... .......................................... ................................. ............. 44 3.3.2 O papel dos trens ,....................,................... ,....................,.................................... ................................... ............................... ............. 50 3.4 A INDUSTRIALIZAÇÃO INDUSTRIALIZAÇÃO CARIOCA NO FINAL DO SÉCULO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DA QUESTÃO HABITACIONAL........................................ HABITACIONAL........................................ 54 3.5 ENFIM O ESPAÇO CAPITALISTA: CAPITALISTA: A REFORMA PASSOS .................. 59 REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................ BIBLIOGRÁFICAS........................................................ ......................................... ......... 68 4. O RIO DE DE JANEIRO NO INÍCIO INÍCI O DO SÉCULO XX: AS AS NOVAS CONTRADIÇÕES DO ESPAÇO .................................. ...................................................... .................................. .............. 71 4.1 INTRODUÇÃO......................... INTRODUÇÃO..................................................... ................................................ ...................................... .................. 71 4.2 A EVOLUÇÃO EVOLUÇÃO DA CIDADE COMO REFLEXO REFLEXO DAS CONTRADIÇÕES CONTRADIÇÕES ESTRUTURAIS DA ÉPOCA.............................. ÉPOCA............................................... ................................... .............................. ............ 72 4.3 A FORMA URBANA E O PAPEL DO ESTADO..................................... ESTADO..................................... 73 4.3.1 O Período Carlos Sampaio............................ Sampaio................................................................ ........................................... ....... 76 4.4 O CRESCIMENTO INDUSTRIAL E A FORMAÇÃO DA ÁREA METROPOLITANA.......................................................................................... 79 4.5 O PLANO AGACHE...................................... AGACHE......................................................... ..................................... ........................ ...... 86 REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................ BIBLIOGRÁFICAS............................................ ....................................... ................... 91 5. O ESPAÇO EM MOVIMENTO: DO URBANO AO METROPOLITANO 93 5.1 INTRODUÇÃO......................... INTRODUÇÃO..................................................... ................................................ .................................... ................ 93
5.2 REVERTENDO TENDÊNCIAS? AS CONTRADIÇÕES CONTRADIÇÕES POPULISTAS POPULISTAS E A FORMA URBANA................................. URBANA..................................................... ...................................... ...................................... .................... 94 5.3 O PERÍODO 1930-1950..................... 1930-1950...................................... ............................................. ..................................... ......... 96 5.3.1 O papel da Indústria....................................... Indústria........................................................... ....................................... ................... 96 5.3.2 O crescimento crescimento dos Subúrbios............................. Subúrbios............................................... ................................... ................. 99 . 5.3.3 A expansão expansão das Favelas......................... Favelas.......................................... ............................................. ............................... ... 106 5.3.4 Dos Subúrbios Subúrbios à Periferia................................................. Periferia..................................................................... ...................... 107 5.3.5 O crescimento cresciment o da Zona Sul e a estagnação relativa da Área Área Central.... Centr al.... 112 5.4 O PERÍODO 1950-1964....................... 1950-1964........................................ ........................................... .................................. ........ 115 5.4.1 A Explosão Metropolitana.................................. Metropolitana...................................................... .................................. .............. 118 5.4.2 A Favela em 1960....................................... 1960........................................................................... .......................................... ...... 126 5.4.3 A verticalização vert icalização da Zona Sul, o "Problema Viário" e o Papel do Estado 126 5.5 VOLTANDO VOLTANDO ÀS ORIGENS..................................... ORIGENS....................................................... .............................. ............ 134 REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................. BIBLIOGRÁFICAS................................ ......................................... ............................. ... 136 6. RESUMO E CONCLUSÕES............................. CONCLUSÕES................................................. ...................................... ..................... ... 139 FOTOS- 1900-1960........................... 1900-1960............................................... ...................................... .................................. ................ 149
PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO O Rio pelo Rio. A cidade que já inspirou centenas de artistas, escritores, pesquisadores, pesquisadores, poetas e intelectuais intelectuais dispensa apresentações. apresentações. Sua poesia, poesia, seu glamour, seus belos cenários e suas excentricidades já serviram de enredo para muitas obras. Não tem sido diferente com os diversos profissionais especialistas especialistas em cidades, onde se destaca o professor Maurício de A. Abreu. Ao começar, em 1978,-os estudos que dariam origem a este livro, Maurício integrava a equipe do Centro de Pesquisas Urbanas do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM). O objetivo inicial de pesquisar a influência das políticas públicas referentes à distribuição espacial da população população de baixa renda da cidade se desdobrou na tarefa de escrever sobre a "Evolução Urbana do Rio de Janeiro". A riqueza de informações que que conseguiu reunir e analisar neste livro tornou-se referência para diferentes segmentos que estudam o Rio e sua região ou que, simplesmente, têm vontade de conhecer sua dinâmica história. A abordagem do tema foi de tal sucesso que a IPLANRIO reedita o livro, ciente de estar preenchendo preenchendo uma lacuna que vai atender à grande demanda que fez com que as primeiras edições fossem fossem rapidamente rapidamente esgotadas. Com esta iniciativa, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro contribui, mais uma vez, para a ampliação do conhecimento sobre aquela que ficou conhecida como a cidade maravilhosa. Hélia Nacif Xavier Secretária Municipal de Urbanismo Novembro Novembro de 1997
Quase uma década após o seu lançamento, vem a público uma nova edição do "Evolução Urbana", já um clássico da nossa literatura especializada em urbanismo. Nesses anos, a obra de Maurício Maurício Abreu conquistou conquistou um lugar de destaque entre professores e alunos de arquitetura e urbanismo, urbanismo, profissionais do setor junto ao público
interessado na história e na atualidade de nossa cidade. É um trabalho conciso, esclarecido e inspirado inspirado na medida certa para cativar o leitor com o romance da vida real. real. Ocorre que o livro de Maurício Abreu, para desespero do público, havia se transformado em raridade bibliográfica. A pequena tiragem das duas primeiras edições vinha sendo disputada avidamente em sebos e livrarias especializadas. Um grave contratempo impedia a reimpressão: durante uma mudança da IPLANRIO, agência municipal de planejamento encarregada da edição, os fotolitos se extraviaram e foram frustradas todas as tentativas de encontrá-los. Agora, premida por uma procura inconformada, a IPLANRIO encontrou uma solução para refazer os fotolitos. fotolitos. Imagens e textos foram cuidadosamente cuidadosamente digitalizados com técnica de scanner, obtendo um resultado superior ao que se podia obter com técnica de facsímile. O "Evolução Urbana" merece o investimento. E o público volta a ter acesso a uma das mais importantes contribuições à história urbanística da cidad c idadee do Rio de Janeiro. Verena Andreatta Diretora-Presidente Diretora-Presidente da IPLANRIO Novembro Novembro de 1997
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO Este trabalho é, antes de tudo, um trabalho de época, daí porque é necessário contar um pouco de sua história. Foi escrito em 1978 e integrava, naquela ocasião, o programa de estudos do Centro de Pesquisas Urbanas do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), contando com o patrocínio do International Development Research Centre (Instituição canadense) e da então Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU, hoje CNDU). O objetivo inicial da pesquisa era o estado da influência das políticas públicas sobre a distribuição espacial da população de baixa renda na Área Metr opolitana do Rio de Janeiro. E foi nessa direção que eu e Olga Bronstein, responsáveis por sua elaboração, encaminhamos inicialmente o estudo. Na divisão de trabalho que se seguiu, a mim foi confiada a tarefa de buscar elementos históricos que servissem de ponto de partida para a discuss d iscussão ão da estrutura est rutura urbana atual da metrópole carioca. A partir part ir daí, o estudo tal como o havíamos havíamos imaginado, começou a mudar de direção. direção. A consulta à bibliografia então existente logo revelou a riqueza das informações disponíveis. Com efeito, os livros, relatórios, artigos, crônicas e dados estatísticos encontrados tratavam dos mais variados aspectos da evolução urbana do Rio de Janeiro, despertando em nós uma curiosidade científica crescente. Cada nova informação obtida aumentava, por sua vez, o fascínio pelo tema em estudo, impelindo-nos à exploração de horizontes ainda mais distantes. Havia entretanto um problema: embora rica, a bibliografia a que tivemos acesso era extremamente setorial e/ou pontual, resultando daí a inexistência de qualquer obra que tratasse do processo de construção/ transformação do espaço metropolitano carioca de forma integrada, ou seja, que analisasse as ações dos agentes modeladores do Rio de Janeiro no conjunto de suas interrelações, conflitos e contradições. contradições.
Era preciso, pois, realizar esta tarefa, ou seja, integrar as informações obtidas em fontes secundárias num texto único. Este deveria ter, entretanto, unidade teórica e metodológica próprias, consoantes com os objetivos do trabalho proposto. Foi seguindo esta orientação que, na medida do possível, e lutando contra a escassez de recursos e a fatalidade dos prazos, se desenvolveu este trabalho. O resultado final revelou-se muito mais amplo do que aquele originalmente previsto, tendo a pesquisa recebido o extenso título de "POLÍTICAS PUBLICAS, ESTRUTURA URBANA E DISTRIBUIÇÃO DE POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA NA ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO". O texto aqui apresentado contém os capítulos de minha autoria constantes desse documento. A vontade de publicá-los é antiga, mas a decisão de realizá-la foi fruto de um longo e difícil processo de reflexão. Os cinco anos de pesquisa investidos posteriormente no estudo do mesmo tema - e dedicados agora à análise das fontes primárias, ausentes do trabalho anterior representaram, nesse processo, uma barreira poderosa, que precisou ser vencida. A tentação de alterar o trabalho original era grande, e aumentava mais ainda a cada novo códice consultado no Arquivo da Cidade, a cada novo mapa original encontrado no Arquivo Nacional, a cada nova leitura de documento antigo na Biblioteca Nacional ou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. E o que falar de todas aquelas temáticas, importantes para o estado da evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, e que nem eram tratadas no estudo já realizado? Era preciso incorporá-las ao trabalho já feito!!! A conscientização de que qualquer modificação estrutural realizada no texto anterior resultaria na sua total reformulação e, por conseguinte, num outro estudo, demorou a chegar. Mas veio! E, com ela, a decisão de manter o trabalho tal qual ele havia sido elaborado em 1978. O texto aqui apresentado reflete, pois, um pensamento de época. Os que conhecem a versão original notarão diversas modificações estilísticas e a supressão e/ou alteração de vários parágrafos e subtítulos. Pretendeu-se, com isso, corrigir certas imprecisões do texto original e eliminar seu formato de relatório de pesquisa. O conteúdo, entretanto, pouco foi alterado. A oportunidade de publicação deste trabalho traz inevitavelmente à memória todos aqueles que contribuíram, das mais diversas maneiras, para que isto acontecesse. O agradecimento inicial é ao IBAM. Sem a confiança em mim depositada, e sem o ambiente amigo e intelectualmente desafiante que lá encontrei, quando a essa instituição estive formalmente ligado, este trabalho não teria sido realizado. Ao Professor Diogo Lordelío de Mello e a Cleuler de Barros Loyola, o meu profundo reconhecimento. A Carlos Nelson Ferreira dos Santos, a amizade e o agradecimento pela autonomia concedida ao desenvolvimento deste estudo. A Edgar Gonçalves da Rocha, Paulo Fernando Cavallieri, Alete Ramos de Oliveira, Maria Laís Pereira da Silva, Olga Bronstein e Ana Maria Brasileiro, a minha amizade, construída ainda nos tempos do IBAM. A Paulo Luís de Freitas e Gladis Brum, a alegria de poder dividir com vocês a realização de um desejo antigo, para a qual muito contribuíram. À Professora Maria Therezinha de Segadas Soares, que orientou meus primeiros passos como pesquisador, e que despertou em toda uma geração de estudantes a vontade de desvendar os mistérios da geografia urbana carioca, a alegria de poder retribuir o incentivo recebido. A Leila Christina Duarte Dias e Lia Osório Machado, a satisfação de poder provar, ainda que com bastante atraso, que suas "preleções" surtiram efeito.
A. Milton Santos, Afonso Carlos Marques dos Santos, Olga Becker, Lysia Bernardes, Maria Adélia A. de Souza, Lícia Valladares, Marta Bebianno Costa, Carlos José Mascarenhas Fernandes, Manoel Seabra, Ney Paiva Chaves, Mônica Vertis, Ivan Viana, Yelda Saraiva, Mário Aizen, Consolação Moreira Lima e Alberto Strozemberg a gratidão pelo apoio recebido, em momentos diversos. Aos meus alunos de graduação e pós-graduação do Departamento de Geografia da UFRJ, o obrigado pela constante troca de idéias, realizada sobretudo com Nina Maria C. Elias Rabha, Nelson da Nóbrega Fernandes e Susana Mara Miranda Pacheco. À minha equipe de pesquisa, e ao CNPq, FINEP e CEPG/UFRJ, que viabilizaram a formação do grupo, todo reconhecimento é pouco. Sem o apoio e dedicação recebidos de todos, e sem o suporte dos órgãos financiadores, teria sido impossível avançar nesse campo do conhecimento e reconhecer o valor de um trabalho pioneiro. O agradecimento é coletivo, mas seria injusto não citar aqui o estímulo constante recebido de Mônica Marques Leão, Maria Cristina Siqueira dos Santos, Angela Nunes Damasceno e Elizabeth De-zouzart Cardoso. A Valéria Naslausky, Ana Tereza Redig de Campos Barrocas, Patrícia Ribeiro Carvalho, Bruno Speranza, Jorge Enrique Janna Herrera e Luzia Cardoso Repinaldo agradeço o esforço empreendido na preparação final desta publicação, à qual dedicaram não apenas sua eficiência profissional, como também um carinho todo especial. Sou grato também ao Dr. Gilberto Ferrez que autorizou a publicação de algumas fotos de seu livro "O Rio Antigo do Fotógrafo Marc Ferrez." e aos amigos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (Seção de Documentação Cartográfica, Iconográfica e Audiovisual) e da Biblioteca Nacional (Seção de Obras Raras e Seção de Microfilmagem), que facilitaram ao máximo o trabalho de seleção de diversas ilustrações aqui apresentadas. Finalmente, devo à IPLANRIO o maior agradecimento, pela oportunidade de tornar público um trabalho que, embora bastante citado, muitos já consideravam como fadado a ser eternamente "inédito". Maurício de A. Abreu Junho de 1987
Este trabalho é dedicado a MURILO GODOY que ainda continua vivo na lembrança de todos nós.
1. INTRODUÇÃO Este trabalho pretende explicar o presente através do processo histórico que lhe deu forma e conteúdo. Mais especificamente, seu objetivo é demonstrar que o alto grau de estratificação social do espaço metropolitano do Rio de Janeiro, na atualidade, é apenas a expressão mais acabada e um processo de segregação das classes populares que vem se desenvolvendo no Rio há bastante tempo. Pretende-se, com esta pesquisa recuperar esse processo histórico, teórica e empiricamente. Um trabalho que vise analisar o processo de evolução de qualquer cidade a partir de sua organização atual é, por definição, um estudo dinâmico de estrutura urbana. Para que evite cair no empirismo da mera descrição geográfica, é necessário, entretanto, que ele relacione - a cada momento - a organização interna da cidade com o processo de evolução da formação social. Só assim será possível integrar padrão e processo, forma e função, espaço e tempo. Tentando atingir este objetivo, o estudo aqui apresentado descreve e analisa a estrutura urbana do Rio de Janeiro, desde o início do Século XIX até o momento atual, procurando perceber, paralelamente, suas interações com os processos econômicos, sociais e políticos que impulsionaram o país nesse mesmo período. Vários são os responsáveis pela evolução da estrutura urbana no tempo. Analisálos todos, e de forma detalhada, seria tarefa por demais complexa para os objetivos deste trabalho. Por esta razão, e sem descuidar da ação exercida por outros agentes modeladores do espaço, resolvemos dar atenção especial ao papel desempenhado pelo Estado. Partimos da premissa que, se a estrutura atual da Área Metropolitana do Rio de Janeiro se caracteriza pela tendência a um modelo dicotômico do tipo núcleo-periferia, onde a cidade dos ricos se contrapõe àquela dos pobres, isto não se deve apenas às forças de mercado. Tal estrutura, também seria função do papel desempenhado pelo Estado no decorrer do tempo, seja através da criação de condições materiais que favoreceram o aparecimento desse modelo dicotômico, seja mediante o estabelecimento de políticas que, embora objetivando muitas vezes regular conflitos entre o capital e o trabalho, sempre acabaram sendo benéficas àquele e em detrimento deste. Dois pressupostos básicos aparecem, implícita ou explicitamente, ao longo de todo o estudo. O primeiro diz respeito à natureza do Estado. Este, longe de ser um agente neutro, atuando em benefício da sociedade como um todo, como prega o pensamento liberal, ter-se-ia aliado, através do tempo, a diferentes unidades do capital, expressando os seus interesses e legitimando suas ações precursoras. Por conseguinte, o modelo segregador do espaço carioca teria sido estruturado principalmente a partir dos interesses do capital, sendo legitimado e consolidado indiretamente pelo Estado. O segundo pressuposto é o de que haveria também uma relação direta entre a crescente estratificação social do espaço, no que hoje se denomina Área Metropolitana do Rio de Janeiro, e o estabelecimento de determinadas políticas públicas. Isso quer dizer que os padrões de distribuição espacial das classes sociais no Rio teriam sido altamente influenciados pelo Estado através do tempo, tanto por suas ações como por suas omissões. Essas políticas (ou não-políticas) seriam, por sua vez, bastante representativas dos momentos de organização social em que foram formuladas. Atualmente (período pós-1964), sabe-se que o objetivo principal do modelo em vigor é alcançar eficiência econômica em todos os setores de atuação, mesmo que a altos custos políticos e sociais. Em consonância com esta filosofia, a atuação do Estado tem tomado um cunho altamente empresarial, evidenciando uma preocupação máxima com o retorno de seus investimentos. Mesmo setores sociais básicos, relacionados à reprodução da força de trabalho (transporte e habitação, por exemplo), não apresentam
importância em si mesmos, sendo usados apenas como estratégia, para a resolução de objetivos mais amplos, sempre referentes à eficiência do modelo de crescimento econômico adotado. Como reflexo dessa postura, as políticas e investimentos públicos, associados ou não ao capital privado, têm privilegiado apenas os locais que asseguram retorno financeiro ao capital investido, ou seja, as áreas mais ricas da cidade. Resulta daí ã acentuação das disparidades intra-metropolitanas e, por conseguinte, do modelo espacial dicotômico, no qual um núcleo hipertrofiado e rico (em termos de renda e de oferta de meios de consumo coletivo) é cercado por periferias cada vez mais pobres e carentes desses serviços, à medida que se distanciam dele. E tomando como ponto de partida essas reflexões que se desenvolve este trabalho. Presume-se que, ainda que variando em forma e conteúdo, a atuação do Estado sobre a estrutura urbana do Rio de Janeiro através do tempo pouco tenha diferido daquela que é verificada hoje. Em outras palavras, o Estado teria contribuído, de forma constante, para a criação do modelo espacial dicotômico que hoje caracteriza a metrópole carioca. A metodologia utilizada no trabalho foi basicamente a análise crítica de documentos secundários: bibliografia especializada, planos e programas oficiais, censos, e estudos de entidades governamentais. Os limites de tempo e de recursos não permitiram cobrir o vasto manancial de fontes primárias encontrado nas bibliotecas e arquivos públicos, objetivo que ficará para trabalhos posteriores. Cabe observar ainda que o embasamento teórico adotado, a nível apenas da articulação de categorias e de conceitos, revela-se ainda bastante incompleto. Acredita-se, entretanto, que tenha sido adequado para uma primeira tentativa de análise do processo de estruturação urbana do espaço carioca através do tempo, análise essa que deve ser encarada apenas como preliminar.
2. SOCIEDADE, ESPAÇO URBANO E ESTADO: EM BUSCA DE UMA BASE TEÓRICA
2.1 considerações iniciais: modelos prontos e sua crítica Dada a realidade concreta que se nos antepõe, que é o estudo do processo de estruturação do espaço urbano carioca, o primeiro passo empreendido nesta pesquisa foi, sem dúvida, a procura de uma base teórica que permitisse, de antemão, orientar o desenvolvimento do trabalho. Neste sentido, a tarefa inicial seria consultar a literatura especializada, objetivando encontrar nela um modelo ou teoria, de estruturação urbana que pudesse servir de ponto de partida para a análise. Isso, entretanto, não aconteceu. Os poucos modelos e "teorias" encontrados ou se estruturavam a partir de um processo de desenvolvimento urbano diferente daquele que se objetivava estudar; ou eram estáticos, não se prestando a uma análise dinâmica do espaço, como a que se pretende aqui; ou ainda, se limitavam a descrever a estrutura urbana através de pressupostos irreais, que privilegiavam a ação apenas dos agentes econômicos, enquanto a ação de outros, dentre eles o Estado, era ignorada ou mantida constante. As teorias e modelos emanados da escola de ecologia humana de Chicago', por exemplo, vêem a cidade como um complexo ecológico estruturado a partir de processos "naturais" de adaptação social, especialização funcional e competição por espaço processos esses que se desenvolvem dentro de uma determinada ordem moral, segundo ―uma forma cult uralmente definida de solidariedade socia l‖. Objetivam, outrossim, explicar, não um processo geral de crescimento urbano aplicável a todas as sociedades, mas um processo evolutivo condicionado por variáveis bem definidas, ou seja, a evolução de uma aglomeração em rápido crescimento demográfico e industrial, dominada por uma economia capitalista com poucas imperfeições de mercado. Pressupõem, ademais, um determinado grau de heterogeneidade étnica e social, um sistema de transportes eficaz e homogeneamente distribuído no espaço, e a existência de um núcleo urbano inicial, localizado no centro da cidade, com pequeno valor simbólico e fracamente constituído social e arquitetonicamente. O caso da Área Metropolitana do Rio de Janeiro, como o da maioria das cidades capitalistas dependentes, não se enquadra nesse contexto. A área central não só tem nessas cidades um valor simbólico importante, como essa importância é decorrente do fato de ser nessa área, e nas suas proximidades, que tradicionalmente se concentram as funções de direção e de residência das classes dominantes. Ademais, ao contrário das cidades americanas, a área central e suas proximidades, quando vistas temporalmente, tendem a adquirir valores monetário e simbólico, ainda maiores, solidificando ainda mais as características descritas acima. Para isso contribuem tanto a inexistência de um bom sistema de transportes, como a oferta restrita de serviços públicos, que fazem com que a população abastada resida em áreas densamente povoadas (como é o caso do Rio) e não em suburbs bucólicos, como pressupõe o modelo ecológico. Tabela 2.1 página 14 – Número absoluto e participação relativa dos residentes no núcleo, periferia imediata e periferia intermediária da área metropolitana do Rio de Janeiro Não muito diferente dos estudos clássicos de ecologia humana, as contribuições de Alonso, Wingo e Muth analisam o processo de estruturação urbana das cidades norte-americanas segundo os postulados da teoria econômica neoclássica. Pressupondo concorrência perfeita e custos de transporte crescentes com o aumento da distância ao centro, esses estudos enfocam o processo de estruturação residencial urbana como resultante de um trade-off entre o quantum de habitação desejada (geralmente visto em
termos de área), a acessibilidade de um lugar em relação ao centro (onde todo o emprego se concentra e onde o solo urbano é mais caro) e o limite de despesas representado pelo orçamento familiar. O uso do solo urbano é então determinado pela simples competição entre os diversos setores econômicos ou classes sociais por cada segmento do espaço. Dado que as classes de baixa renda precisam minimizar os custos de transporte entre local de emprego e local de moradia, o processo de competição descrito acima faz com que, paradoxalmente, elas acabem ocupando, em altas densidades, justamente as áreas onde o solo é mais valorizado. A aplicabilidade desse tipo de modelo às cidades dos países subdesenvolvidos não é discutível apenas em função do arranjo espacial dele resultante, ou seja, pobres no centro e ricos na periferia. Se este fosse o único problema, bastaria modificar algumas das premissas comportamentais do modelo para que se obtivesse a forma urbana inversa, característica das cidades do Terceiro Mundo. Ao contrário, a sua aplica bilidade é contestada principalmente devido à adoção do pressuposto de que o processo de estruturação urbana é comandado exclusivamente pela instância econômica, servindo o Estado apenas de mediador de conflitos potenciais entre os agentes privados. Segundo esta visão liberal do Estado, a ação pública decorre da necessidade de coordenar decisões individuais de uma forma que seja socialmente "ótima", tanto do ponto de vista da eficiência como da equidade. O Estado seria, assim, o grande mediador dos conflitos existentes no espaço, e sua função principal seria resolvê-los de tal forma que a sociedade como um todo não fosse prejudicada. A ação do Estado se daria, ademais, num ambiente onde não haveria dominação de classe, onde todos seriam "iguais". Várias restrições devem ser feitas a esse tipo de pensamento. Em primeiro lugar, a dependência da análise liberal de conceitos paretianos de otimização, que não levam em conta padrões já existentes de distribuição (de renda, por exemplo), põe sérias dúvidas quanto à capacidade do Estado vir a atingir o objetivo de equidade. Em segundo lugar, o Estado é visto muitas vezes como se fosse constituído de elementos desvinculados de toda e qualquer classe ou grupo social. Seria, por assim dizer, uma entidade superior, à qual caberia resolver conflitos que só existiriam em escalas inferiores. Em terceiro, os diversos atores que geram conflitos, sejam eles o próprio Estado, as diversas unidades do capital, ou os habitantes da cidade, são considerados como se fossem entidades autônomas, verdadeiros atores-concretos cuja ação seria determinada apenas por seus interesses individuais. Finalmente, a ação desses atores-concretos raramente é analisada dentro de um esquema mais amplo, historicamente determinado, que permita não só relacioná-la com o momento de organização social em que se prática, como inseri-la num contexto mais geral dos processos sociais que acontecem no urbano. Isto é tão mais sério quanto mais se verifica que, na análise do espaço, só se levando em conta as características históricas da formação social naquele momento é que se pode encontrar essa autonomia dos atores-concretos, ou seja, sua determinação num segundo nível, que combine suas práticas específicas com o estado atual da conjuntura. A estrutura espacial de uma cidade capitalista não pode ser dissociada das práticas sociais e dos conflitos existentes entre as classes urbanas. Com efeito, a luta de classes também reflete-se na luta pelo domínio do espaço, marcando a forma de ocupação do solo urbano. Por outro lado, a recíproca é verdadeira: nas cidades capitalistas, a forma de organização do espaço tende a condicionar e assegurar a concentração de renda e de poder na mão de poucos, realimentando assim os , conflitos de classe. Nesse contexto, o Estado tem tradicionalmente apoiado os interesses e privilégios das classes e grupos sociais dominantes, via a adoção de políticas, controles e mecanismos reguladores altamente, discriminatórios e elitistas. No caso brasileiro atual
(período pós-1964), esse comportamento, associado a uma prática política concentradora e anti-distributiva, tem se refletido na acentuação das disparidades intrametropolitanas, isto é, na crescente elitização dos espaços urbanos centrais e na conseqüente periferização das classes de baixa renda. Entende-se por "periferização" mais do que a localização distante do centro metropolitano. O conceito inclui também a não acessibilidade ao consumo de bens e serviços que, . embora produzidos socialmente pelo Estado, localizam-se apenas nas áreas mais privilegiadas da metrópole, beneficiando, portanto, principalmente aqueles que aí residem. O Estado não tem, pois, uma participação neutra no contexto urbano, como pretendem os modelos neoclássico-liberais. Embora ele também não deva ser concebido apenas como mero instrumento político, ou como uma instituição estabelecida pelo capital, como querem certas teorias marxistas ortodoxas, não há dúvida que, no cenário capitalista, ele expressa o seu interesse. Daí é de se esperar que a ação pública venha a contribuir, efetivamente para a construção diferenciada do espaço, provendo as áreas de interesse ido capital e das classes dominantes de benefícios que são negados às demais classes e setores da sociedade. A experiência recente do Brasil fortalece esta afirmação plenamente. Com efeito, apesar de se constituir em agente distinto do capital, o papel do Estado no campo econômico tem sido o de garantir ao máximo a reprodução do capital, fazendo concessões apenas quando estas se evidenciam necessárias, ou seja, para, assegurar as condições mínimas, de reprodução da força de trabalho (estabilidade social). Concluindo esta parte, pode-se afirmar que a literatura especializada revela grandes lacunas quanto à teorização do processo de estruturação do espaço urbano, no tempo. Nota-se, particularmente, a ausência de um arcabouço teórico que permita relacionar a forma como o espaço urbano se estratifica socialmente com os processos econômicos, políticos e sociais que aí têm lugar. Ademais, dada a importância do Estado no desenvolvimento desses processos, verifica-se um vazio muito grande no que se refere ao seu real papel na estruturação do espaço. O processo de estruturação urbana precisa ser estudado de maneira mais abrangente. É necessário que se examine, a cada momento, a interação que se estabelece entre os processos econômicos, sociais e políticos que se desenvolvem na cidade, e a forma pela qual o espaço se estrutura. Espaço e sociedade precisam ser analisados conjuntamente para que a complementaridade entre processo e forma fique evidente. Isso implica, de um lado, estudar como, numa sociedade historicamente determinada, o espaço urbano é elaborado, ou seja, como os processos que têm lugar nas cidades determinam uma forma espacial. Por outro lado, implica também estudar a essência das formas, ou seja, o papel por elas desempenhado nos diversos momentos por que passa a sociedade no tempo. 2.2 A FORMAÇÃO SOCIAL COMO PONTO DE PARTIDA Quando se pretende estudar a evolução da sociedade no tempo, a categoria modo de produção logo se revela ao pesquisador como ponto de partida fundamental. Entretanto, quando o objetivo da investigação passa a ser mais particularizado, referindo-se a um espaço de tempo relativamente curto e a uma área geográfica específica, faz-se necessário usar uma categoria que se refira, não à realidade pura e abstrata do modo de produção, mas a uma realidade concreta, impura, caracterizada pela existência de vários tipos de relação de produção. Esta categoria teórica é a formação social.
Formação social pode ser definida como "uma totalidade social concreta historicamente determinada". É a maneira pela qual os processos que, juntos, formam o modo de produção (produção propriamente dita. circulação, distribuição e consumo) são histórica e espacialmente determinados. Segundo Milton Santos, a formação social se diferencia do modo de produção "pois estes escrevem a história no tempo, enquanto que as formações sociais escrevem-na no espaço". Toda formação social, como todo modo de produção, compõe-se de uma estrutura econômica, uma estrutura jurídico - política (ou institucional) e uma estrutura ideológica. Entretanto, devido à realidade concreta e impura que caracteriza a formação social, essas estruturas têm, nesse nível, um caráter bem mais complexo do que a nível do modo de produção. Ademais, o seu desenvolvimento raramente é sincronizado, ou seja, nem sempre elas evoluem na mesma direção ou à mesma velocidade. A evolução não sincronizada das estruturas que compõem a formação social tem papel importante nó seu desenvolvimento. É exatamente essa a responsável por alterações importantes na organização social, por transformações na divisão social do trabalho. A evolução mais rápida de uma das estruturas, por exemplo, pode levar ao aparecimento de novas funções a serem desempenhadas pela sociedade sem que haja, de início, grandes modificações nas demais estruturas. Com o tempo,,entretanto, as contradições irão se acumular, è esse grau de defasagem terá que ser ajustado. Passa-se, então, de um momento de organização social para outro. A cada novo momento de organização social, determinado pelo processo de evolução diferenciada das estruturas que a compõem, a sociedade conhece então um movimento importante. E o mesmo acontece com o espaço. Novas funções aparecem, novos atores entram no cenário, novas formas são criadas, e formas, antigas são transformadas. Como diz Santos, a formação social se exprime, a cada momento, "através de processos que, por sua vez, se desdobram através de funções, enquanto estas se realizam mediante formas". Assim, a categoria formação social é, não só abrangente, já que trata da totalidade de processos sociais, econômicos e políticos que atuam numa sociedade, como fundamentalmente empírica.
2.3
FORMAÇÃO SOCIAL E ESPAÇO: A ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
As áreas metropolitanas brasileiras são, na atualidade, uma das expressões espaciais mais acabadas da formação social brasileira, refletindo a coerência e as contradições dos sistemas econômico, institucional e ideológico prevalecentes no país. O caso do Rio, então, parece ser ainda mais significativo, pois, além de ter sido aí que se localizou a capital do Brasil de 1763 a 1960, a cidade foi a mais populosa do país durante quase todo esse período, só perdendo essa posição privilegiada para São Paulo na década de 1950. Devido a isso, o Rio de Janeiro foi, durante muito tempo, um modelo urbano para as demais cidades brasileiras, E esta função de servir de modelo e de refletir, por conseguinte, as características da formação social num determinado momento, parece ser ainda um monopólio seu. De fato, apesar de ser relativamente comparável em tamanho a São Paulo, o Rio se assemelha hoje, muito mais do que São Paulo, às outras metrópoles brasileiras em termos de recursos, de produto gerado e de
composição sócio-econômica da população. Em suma, apesar de ser hierarquicamente inferior a São Paulo, o Rio ainda dita-a moda metropolitana brasileira. 10 E qual é essa moda? Uma compilação de trabalhos recentes sobre o tema nos fornece informações precisas a esse respeito.
2.3.1 O Modelo Metropolitano* Seria arriscado pensar em modelo pronto: mais sensato, talvez, seria falar de tendências. O modelo do Rio tende a ser o de uma metrópole de núcleo hipertrofiado, concentrador da maioria da renda e dos recursos urbanísticos disponíveis, cercado por estratos urbanos periféricos cada vez mais carentes de serviços e de infra-estrutura à medida em que se afastam do núcleo, e servindo de moradia e de local de exercício de algumas outras atividades às grandes massas de população de baixa renda. Apesar de serem mencionadas apenas tendências, o raciocínio não é embasado em teorizações abstraias. Há dados que comprovam a situação descrita, alguns dos quais serão utilizados mais adiante. Não é demais insistir em que não se deve estranhar tal identificação de área metropolitana, que só é assim por refletir, de forma extrema, toda a estratificação inerente ao atual sistema político-econômico brasileiro. A descrição serve, ainda que com adaptações às especificidades locais, a Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife ou qualquer outra de nossas áreas metropolitanas, com exceção talvez da de São Paulo. A área Metropolitana do Rio sofre de um paradoxo básico: por ter de ser igual às metrópoles externas das quais depende, o Rio está tomando configuração exatamente oposta à delas. De fato, enquanto nas áreas metropolitanas americanas, por exemplo, as camadas de maior poder aquisitivo - para que possam gozar das amenidades da urbanização moderna buscam as periferias em soluções de baixa densidade de ocupação do solo, pelo mesmo motivo, as classes mais altas no Rio se concentram no núcleo, em soluções de elevadas densidades. Por outro lado, o núcleo e sua periferia imediata nas cidades americanas são abandonados pelos mais ricos, que os deixam como local de moradia para os pobres, obrigados a suportar todos os ônus da urbanização, tais como degradação edilícia, poluição, falta de segurança. No Rio, a localização no núcleo é mais valorizada que esses ônus, que afinal são preferíveis a outros, advindos da escassez de recursos para aplicação urbana (infra-estrutura urbanística, sistema de transportes, equipamento social). Como conseqüência, os pobres são obrigados a ir para as periferias e a morar em condições precárias. Afirmar que a situação é igual, ainda que se configure de forma oposta, é dizer que a origem de ambos os modelos é a mesma: privilégio urbano das camadas mais ricas da população, em detrimento das camadas mais pobres. A diferença é apenas formal e se baseia na enorme afluência das populações ricas das cidades norteamericanas, o que permite alocar recursos de infra-estrutura e de equipamento urbanístico em locais dispersos e pouco densos, fazendo com que se "destrua" a cidade pela fuga dos ricos. Isso condiciona a transferência da renda e deixa os terrenos de maior valor (os do núcleo) abandonados aos pobres que não têm condições de mantêlos, nem à dispendiosa infra-estrutura correlata. É assim que os núcleos metropolitanos americanos estão em estado de insolvência (veja-se o caso recente de Nova York, em que q termo pode ser tomado ao pé da letra) e cada vez se toma mais difícil sustentá-los e às suas populações, que já não usufruem nem as vantagens da localização, pois os empregos estão acompanhando o deslocamento das classes altas para os subúrbios.
No Rio não ocorre a mesma afluência, e os recursos aplicáveis em bens urbanísticos são raros: em vários casos, a infra-estrutura não se renova há trinta ou cinqüenta anos. A solução foi amontoar os ricos em torno destes bens para que pudessem desfrutá-los ao máximo, e impedir a entrada dos pobres no núcleo (do que se encarregou a empresa privada, através da especulação imobiliária, ou expulsá-los para fora dele (do que se encarregam certos planos e instituições de governo), sem preocupação pela sua necessidade de acesso fácil ao mercado de trabalho, que em sua maioria permaneceu localizado no centro ou em suas cercanias. A antiga situação, em que o núcleo se via separado de suas periferias e do seu território com a divisão da Região Metropolitana em dois estados**, contribuiu ainda para reforçar sobremaneira a dicotomia núcleo/ periferia. A cidade do Rio de Janeiro, e mais especificamente o seu núcleo, concentrou todos os recursos, muitas vezes aplicando em obras suntuosas e de prestígio, sem reinvestir nada numa região onde não tinha responsabilidades políticas. O resultado foi um núcleo forte, cercado por uma periferia pobre e, superpovoada, onde eram deixados todos os ônus para o antigo Estado do Rio, enquanto a Guanabara auferia todas as vantagens disponíveis. Os reflexos dessa distorção se fazem sentir tanto na área ampla de influência metropolitana, como no atual Estado do Rio e, pela experiência já vivida após a fusão dos dois estados, ainda persistirão por bastante tempo.
Observação *Este item transcreve, em grande parte e com autorização dos autores, trecho do artigo de SANTOS, Carlos Nelson F. e BRONSTEIN, Olga. Metaurbanização - Caso do Rio de Janeiro. Revista de Administração Municipal 25 (140), out-dez. 1978. **Em 1974, foi promulgada a Lei Complementar n" 20, que além de criar a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, unificou os Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, até então unidades isoladas da Federação.
Pouca importância tem sido dada à análise dos fenômenos de dependência, especificamente na sua tradução no interior de sistemas urbanos e metropolitanos. No caso do Rio, pode-se fazer uma leitura direta a partir das próprias informações do espaço, que são quase caricaturais. O suporte físico facilitou o desenvolvimento de um complexo urbano compartimentado, onde estão concretizadas as estratificações projetadas a partir de outros níveis (espaços econômico e social). O resultado é uma Região Metropolitana que tende à "depuração", com os grupos sociais arrumados em ordem, a partir de suas possibilidades de acesso e desfrute das vantagens urbanas, de qualquer natureza (de produção ou de consumo). Quanto mais se pode, mais se está perto do mínimo que há para se tirar vantagem. A imagem resultante é de super congestionamento no núcleo (onde, em certas áreas, os índices de uso do solo e de ocupação do espaço atingem os limites do suportável) e progressiva deterioração das periferias, abrigando diferentes padrões de atividades e de usos do espaço informais, tanto mais precários quanto mais se afastem do núcleo, até chegar a variações sutis em cima do nada urbanístico (ausência de redes de infra-estrutura, de equipamentos básicos, de transportes, etc.).
2.3.2 A Estrutura Metropolitana* A Região Metropolitana do Rio de Janeiro é constituída de 14 municípios (Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, Magé, Petrópolis, Paracambi, Mangaratiba, Itaguaí, Nilópolis, São João de Meriti, Nova Iguaçu e Duque de Caxias). Para fins puramente metodológicos, ela pode ser dividida em quatro faixas de limites imprecisos mas que, pelas características físicas do espaço metropolitano e face ao desenho da estrutura viária condicionante da expansão, são mais ou menos circulares e concêntricas (ver Mapas 2.1 e 2.2). O primeiro círculo, que chamamos de núcleo, é constituído pela área comercial e financeira central (o antigo core histórico da cidade) e por suas expansões em direção à orla oceânica (a zona sul) e ao interior (cujos limites seriam os bairros da Tijuca, de Vila Isabel, de São Cristóvão, e do Caju), mais o centro e a zona sul de Niterói. O segundo círculo abrange os subúrbios mais antigos do Rio de Janeiro, que se formaram ao longo das linhas das estradas de ferro (os limites vão de Benfica, Riachuelo e Méier até a Penha, Irajá e Madureira) e a zona norte de Niterói. Também se inclui nesta faixa a Barra da Tijuca e a parte de Jacarepaguá onde deverá ser construído o novo centro administrativo do Rio. A todo o conjunto dá-se o nome (Mapa 2.3). Apesar de constituir bairro periférico, a Barra da Tijuca está, entretanto, sendo ocupada por classes de alta renda, o que leva a crer que, em futuro próximo, será parte integrante do núcleo metropolitano. O terceiro círculo abrange o restante do tecido urbano carioca situado além dos limites da periferia imediata, mais a conurbação do Grande Rio, que se constitui por Nilópolis, São João de Meriti, grande parte de Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu, e parte de Magé. Esta seria a periferia intermediária (Ver Mapa 2.2). Finalmente, o quarto círculo engloba o restante da Região Metropolitana. Trata-se da periferia distante que faz parte da Região Metropolitana, tal como definida em lei, mas não da Área Metropolitana, tal como esta denominação será empregada neste trabalho, ou seja, como sinônimo de área conurbada, definida esta última como a área contiguamente urbanizada da metrópole (Mapa 2.4).
A definição de Área Metropolitana adotada nesta pesquisa baseou-se em critérios puramente operacionais. Dado o caráter histórico/espacial do trabalho, foi necessário obter uma base geográfica relativamente constante no tempo, o que foi obtido através da decisão de se trabalhar a nível de distrito municipal, base dos dados censitários a serem bastante utilizados neste estudo. A decisão de recorrer ao distrito municipal como área mínima de comparação pretendeu, ainda, eliminar da discussão aqueles distritos que seriam, em 1970, tipicamente rurais, ou que, embora sendo predominantemente urbanos, não estariam ligados ao tecido construído contínuo da metrópole. A representação espacial obtida é apresentada no Mapa 2.5. Cabe mencionar que a definição de Área Metropolitana aqui empregada revelouse algumas vezes bastante problemática, dada a impossibilidade de desagregar alguns dados distritais do total municipal. O mesmo aconteceu com o município do Rio de Janeiro, para o qual utilizou-se a divisão atual em Regiões Administrativas (Mapa 2.6). Ocorre que a Barra da Tijuca esteve até pouco tempo agregada à Região Administrativa de Jacarepaguá, tendo sido muitas vezes impossível singularizar os dados referentes à essa área da cidade. Apesar desses problemas, resolveu-se utilizar os dados e mapas, mesmo do modo não uniforme em que eles se apresentam, pela importância que adquirem ao comprovar certas afirmações do trabalho. Sempre que necessário, as tabelas e mapas contêm informações explicativas sobre a base territorial utilizada. OBS * Esta parte do trabalho é baseada em BRASIL. Instituto de Planejamento Econômico e Social. Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana. Região Metropolitana do Grande Rio: Serviços de Interesse Comum. Brasília, IPEA; IBAM, 1976. Mapa 2.1 Página 19 – Estado do Rio de Janeiro: localização da região metropolitana (1978)
Mapa 2.2 Página 20 – Região metropolitana do Rio de Janeiro (1978)
Mapa 2.3 Página 21 – Núcleo e periferia imediata da A.M.R.J. no município do Rio de Janeiro (1978)
Mapa 2.4 Página 22 – Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Delimitação da área conurbada (1978)
Mapa 2.5 Página 23 – Área mapa 2.1 – Estado do Rio de Janeiro: localização da região metropolitana
Mapa 2.6 Página 24 – Município do Rio de Janeiro: divisões em regiões administrativas (1978)
2.3.3 Como se compõe a Estrutura Metropolitana* As principais características do núcleo e das periferias podem ser qualificadas como quase opostas. O núcleo contém o core histórico inicial da cidade do Rio de Janeiro. É a área que sofreu o maior número de transformações na Região Metropolitana (apresenta, em alguns pontos, terceiras gerações de edificações em menos de 50 anos) e de modificações na estrutura viária, visando a adaptá-la ao uso cada vez maior do automóvel particular, resultado direto do aumento do poder aquisitivo de sua população residente. O núcleo concentra as funções centrais (econômicas, administrativas, financeiras e culturais) da Área Metropolitana. Apresenta os melhores padrões de infra-estrutura urbanística e de equipamento social urbano, ainda que com tendência ao superuso, além de ter como residentes principalmente representantes das classes média e alta da Metrópole que, em grande parte, pertencem a grupos ocupacionais hierarquicamente superiores como, por exemplo, as profissões liberais (Tabela 2.1, apresentada na pág. 14). Quanto à concentração da renda, os habitantes do núcleo detêm 54% da renda total. Dentro do núcleo, a densidade é muito maior na zona sul, onde os 14% da população metropolitana residentes possuem mais ou menos 30% da renda. Em compensação, na periferia intermediária só estão 21% dos ingressos. As desproporções só não são maiores porque no núcleo ainda vivem muitas famílias em favelas, que têm constituído até agora alternativa de peso para a moradia nas periferias." A primitiva função residencial da área central do núcleo foi gradativamente sendo substituída. Em seu lugar implantaram-se as zonas comercial e financeira centrais da Metrópole, cercadas por áreas decadentes que sofrem, no momento, processo de renovação urbana por parte do Governo. O porto é contíguo ao centro e, próximas a ele, localizam-se as indústrias mais antigas da cidade. E também no núcleo que está a maioria dos empregos da Área Metropolitana, conforme demonstra a Tabela 2.2. TABELA 2.2 - POPULAÇÃO ATIVA RESIDENTE E EMPREGOS EXISTENTES NA ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO, POR LOCALIZAÇÃO (1970) A periferia imediata é, principalmente, o local de residência da baixa classe média. Nela estão os prolongamentos das zonas industriais mais antigas, que se irradiaram a partir do núcleo. Apresenta centros de prestação de serviços de importância regional, com hierarquia imediatamente inferior aos do núcleo. A infra-estrutura urbanística, extensão daquela do núcleo, é bastante adequada frente aos padrões predominantes na Área Metropolitana. Sua ocupação se fez através dos primitivos pólos residenciais ao redor das paradas de trem suburbano, que hoje se apresentam interligados, configurando uma densa malha urbana. O valor da terra é alto, só superado por aquele do núcleo, o que se justifica devido à localização próxima aos centros de trabalho e serviços (ver Tabela 2.3); Deve-se notar, no entanto, a grande diferença nas condições de moradia entre o núcleo e a periferia imediata. O núcleo é privilegiado por melhores condições ambientais, infra-estrutura superior (ver tabela 2.4), sistema de t ransporte mais eficiente e equipamentos sociais de melhor qualidade.
TABELA 2.3 - VALOR MÉDIO DA TERRA (Cr$/m2) NAS TRANSAÇÕES NO MERCADO; SEGUNDO AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO – 1975
OBS ** Esta parte do trabalho transcreve, com algumas modificações e com a autorização dos autores, trecho da pesquisa publicada em BRASIL. Instituto de Planejamento Econômico e Social. Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana. Região Metropolitana do Grande Rio: Serviços de Interesse Comum. Brasília, IPEA/1BAM 1976. Várias tabelas aqui apresentadas são, entretanto, originais deste trabalho.
TABELA 2.4 DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES POR INSTALAÇÕES E UTILIDADES. MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO 1970 Finalmente, a periferia intermediária é a área através da qual a metrópole se expande. Aí, as taxas de crescimento populacional são muito elevadas. Segundo o Censo Demográfico de 1970, o crescimento da periferia intermediária na década de 60 foi de 69%, mais ou menos 1.200.000 pessoas em números absolutos, o que representa mais da metade do crescimento da população de toda a Área Metropolitana do Rio de Janeiro (Ver Tabela 2.5). Vale a pena lembrar que a periferia intermediária está crescendo através de fluxos migratórios duplamente induzidos: através da expulsão das populações mais pobres residentes no núcleo ou na periferia imediata (migração intrametropolitana) e por meio do deslocamento de pessoas que, vivendo fora da Área Metropolitana, principalmente no próprio Estado do Rio, mudam-se para a cidade do Rio de Janeiro atraídas pelas possibilidades de emprego e que, por não poderem aí se localizar, acabam se radicando nas suas cercanias. A expulsão dos pobres citada acima pode dar-se por processos informais, como os da empresa privada que age fazendo com que subam os preços de terrenos e imóveis no núcleo. Pode dar-se também por ação direta do Governo, quando este, por exemplo, pratica a renovação urbana numa área central degradada, sem se importar como e onde irão morar as pessoas aí residentes, que até então estavam pagando aluguéis muito baratos em edificações antigas (cortiços, casas de cômodos, habitações degradadas). Finalmente, a expulsão pode acontecer como conseqüência indireta da ação governamental, como no caso das favelas, em que as "vilas", os conjuntos habitacionais e os centros de triagem, para onde os favelados são transferidos, funcionam para muitos como etapa provisória, de onde eles saem para a periferia, expulsos por inadimplência de pagamentos ou simplesmente fugidos por conta própria. Independentemente da procedência desses habitantes, o importante a ressaltar é que trata-se de uma população pobre que, em quase sua totalidade recebia, em 1970, não mais que 3 salários mínimos (Mapa 2.7). Os centros de serviços existentes na periferia intermediária, apesar de dinâmicos e de possuírem alguma expressividade, são de baixo padrão, adaptados às possibilidades de consumo de seus usuários. O crescimento industrial é restrito a algumas áreas, especialmente no município de Duque de Caxias, que participa com 12,5% da população industrial metropolitana.
TABELA 2.5 – CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO DA ÁREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO (1960 – 1970), SEGUNDO AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS E MUNICÍPIOS. TABELA 2.6 – POPULAÇÃO URBANA, DENSIDADE E TAXAS DE CRESCIMENTOS DA ÁREA CONURBADA DA RMRJ, POR MUNICÍPIOS 1970 TABELA 2.7 – PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO DOS MUNICIOIOS EM RELAÇÃO À AREA CONURBADA E À REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO. A densidade de ocupação do solo é muito irregular: alta em algumas áreas e baixa em outras (Tabelas 2.6 e 2.7). A infra-estrutura urbanística inexiste ou é muito precária. O mesmo acontece com o equipamento social, ocorrendo uma tendência para a busca daqueles do núcleo ou da periferia imediata. O controle progressivo do uso da terra no núcleo e nas suas proximidades, além de expulsar as populações pobres para a periferia, obrigou-a a desenvolver um mercado de emprego informal local. Nota-se, também, grande informalidade no uso do solo e nos tipos de construção. A conurbação da periferia intermediária com a imediata sacralizou-se definitivamente a partir do início da década de sessenta quando houve a mudança da capital e o Rio passou a cidade - Estado. É a partir dessa época também, e especialmente a partir de 1964, que o núcleo metropolitano passa a ser o palco preferido de grandes melhoramentos urbanos, realizados tanto pelo Governo Federal como Estadual. Com efeito, as grandes obras, como túneis, viadutos e autopistas, ficaram no núcleo em sua maioria, reforçando o contraste entre este e as periferias metropolitanas. O mesmo ocorreu com os maiores investimentos, como a construção de grandes sistemas abastecedores de água ou do interceptor oceânico (Tabela 2.8). Mas o melhor exemplo e o mais recente (já durante o processo de fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro) é o do Metro -_obra que, servindo exclusivamente ao núcleo, é a de orçamento mais elevado de todas, e a de alcance mais restrito, enquanto o verdadeiro transporte de massa, o trem suburbano, ficou em completo abandono.
Mapa 2.7 Página 29 – Área metropolitana (área conurbada) do Rio de Janeiro: percentagem da população ativa com renda inferior a 3 salários mínimos
A escolha não foi aleatória nem atípica. Ao contrário, ela parece ser apenas um exemplo a mais no longo processo de construção diferenciada do espaço carioca em benefício dos mais ricos, conforme será demonstrado adiante. Antes disso, entretanto, é necessário que se explicite a forma como essa demonstração será realizada.
2.4 ESTRUTURA URBANA E MOMENTOS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL O objetivo desta parte é apresentar uma articulação de conceitos que possibilite teorizar sobre a evolução da estrutura urbana do Rio de Janeiro. As seções anteriores mostraram claramente o estágio atual dessa estrutura, ressaltando o alto grau de estratificação social do espaço. Mostraram também que a intensificação deste processo de estratificação é uma característica do momento brasileiro pós-64, um momento historicamente determinado da evolução da formação social brasileira. A análise do momento atual é, pois, o ponto de partida do estudo da estrutura urbana. Mas ela só não basta. É preciso ir além, e demonstrar que momentos atuais são também influenciados por momentos anteriores, que legaram ao espaço atual forma e conteúdo. Há que se discutir, então, o que isto significa. Qualquer cidade pode ser vista como uma coleção de formas geográficas. Essas formas, sejam elas bairros ou edifícios, por exemplo, podem ser analisadas em termos de forma-aparência e forma-conteúdo. Quando analisada apenas sob o critério de forma-aparência, a cidade seria composta, a qualquer momento, de formas antigas, testemunhos de períodos anteriores de organização social, e de formas novas, características de momentos mais recentes de organização social. No presente momento, por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro possui bairros onde predominam antigos sobrados e casas geminadas, e bairros onde a predominância é de grandes edifícios de apartamentos em condomínios fechados,
reflexos de dois períodos distintos de organização social pelos quais passou a cidade. As formas-aparência, ou formas morfológicas, representam então uma acumulação 3e tempo, e sua compreensão, desse ponto de vista, depende do conhecimento do que foram os diversos momentos de organização social pelos quais passou um determinado espaço. As formas, entretanto, não têm apenas uma aparência externa, mas também possuem um conteúdo, isto é, realizam uma função. E esta função é determinada exclusivamente pelo período atual de organização social. Formas morfológicas antigas podem, pois, ser chamadas a realizar funções totalmente distintas daquelas para as quais foram criadas; podem, inclusive, desaparecer, se assim o determinar a dinâmica da organização social.
TABELA 2.8 – DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS INVESTIMENTOS EM ÁGUA E ESGOTO SEGUNDO AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS DO MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO.
Figura
Para exemplificar, o Rio de Janeiro possuía, até a década de sessenta, uma série de bairros (como Catumbi, Estácio e Lapa) que serviam de local de resi dência para classes de baixa renda ou abrigavam funções de apoio ao comércio e à indústria. Alguns desses bairros tinham sido, outrora, local de residência de classes mais abastadas, e o fato de não mais o serem refletia uma mudança já ocorrida na sua forma-conteúdo, ou seja, refletia a perda dessa função original. Hoje, esses bairros praticamente desapareceram do cenário residencial carioca, por exigência de forças poderosas de estruturação urbana que, presentes já há muito na cidade, só vieram a se materializar plenamente a partir da década de 1950. Destacam-se aí as exigências viárias do transporte individual, fruto, por sua vez, da intensificação do processo de concentração de renda no país. Visto sob uma ótica mais abrangente, o momento atual diz respeito, então, à forma como se estruturam os sistemas econômico, jurídico-político e ideológico de uma sociedade num dado período de tempo. E ele o responsável pelo valor atribuído às formas antigas. E ele também que leva à criação de novas formas. A evolução de um momento de organização social para outro, por sua vez, é função de modificações ocorridas nesses sistemas que compõem a sociedade. Essas modificações podem decorrer do fato de a evolução diferenciada desses sistemas ter chegado a um grau de contradição insustentável, ou podem ainda refletir um reajuste ou recomposição da estrutura anterior. Tanto num caso como no outro, as características do novo momento de organização social dependerão, obviamente, do grau de resolução das contradições existentes, e de que classe ou grupo passa a ser dominante. Dado que o espaço reflete, a cada momento, as características da organização de uma sociedade, a ordem espacial de uma cidade, ou seja, sua estrutura urbana, refletirá também o resultado do confronto, reajuste ou recomposição dos sistemas que constituem a sociedade. Por essa razão, o estudo da estruturação da cidade não pode ser feito separadamente do estudo do processo de evolução da sociedade. Como diz Castells, o espaço não é independente da estrutura social; é, isto sim, a expressão concreta de cada fase histórica na qual uma sociedade se especifica. A afirmação de Castells não deve, entretanto, levar à suposição de que o espaço é uma matéria inerte, "um simples pano de fundo no qual são inscritas as ações de classes e instituições através do tempo". Com efeito, se os processos sociais dão ao espaço uma, forma, uma função, uma significação social, este também influencia o desenvolvimento
desses mesmos processos no decorrer do tempo, institucionalizando-os ou modificandoos. Esta influência do espaço é determinada, principalmente, pela permanência de formas anteriores, que tanto podem se constituir em barreira ao desenvolvimento de novos processos, como podem facilitá-los. Tudo depende da atribuição que essas formas antigas adquirem a cada momento de organização social, de sua capacidade de adaptarse ou resistir às novas exigências e finalmente, do papel exercido pelo Estado (a cada momento, às vezes impondo os desejos da classe ou grupo dominante, às vezes resolvendo os conflitos existentes ou potenciais de maneira menos evidente, mas geralmente em benefício dessa mesma classe ou grupo. Os capítulos seguintes procuram analisar a evolução da forma urbana da Metrópole carioca segundo os diversos momentos de organização social pelos quais ela passou. A determinação desses momentos, obviamente, está sujeita a críticas, já que toda classificação é arbitrária. Acredita-se, entretanto, que a periodização aqui estabelecida revela os grandes marcos de desenvolvimento da formação social brasileira, e seu conseqüente rebatimento no espaço urbano carioca. Focaliza-se, em primeiro lugar, o século XIX, dando destaque ao papel exercido pelos meios de transporte coletivo na expansão física da cidade. A Reforma Passos, no início do século XX, marca o início de outro momento importante de desenvolvimento da cidade, um momento de resolução de contradições antigas e de aparecimento de novas. O fim da República Velha estabelece, finalmente, o início de outro momento, que vai durar até 1964.
Figura
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O l . O exemplo mais típico dessa escola está consubstanciado na teoria de Burgess sobre o crescimento das cidades. Ver BURGESS, E. & MACKENZIE, R. The City. Chicago, Univer-sity of Chicago Press, 1925, pp. 47-62. 02. HARVEY, David. Social Justice and the City. Baltimore, The Johns Hopkins University ^\ Press, 1973, p. 131. 03. /CASTELLS, Manuel. La Cuestión Urbana. Ma-' dri, Siglo Veintiuno Editores, 1974, p. 143. 04. ALONSO, Wiliam. Location and Land Use. Cambridge, Mass, Harvard University Press, 1964; WINGO JR. Lowdon. Transportation and Urban Land. Washington, D. C., Resources for the Future, 1 96 1 MUTH, Richard F. Cities and Housing. Chicago, The University of Chicago Press, 1969. 05. CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 298. 06. Ver ALTVATER, E. Notas sobre alguns Problemas do Intervencionismo de Estado, 1977, (mimeo.) p. 3. 07. HARNECKER, Marta. Conceitos Elementais do Materialismo Histórico. México, Siglo Veintiuno Editores, 1972. 08. SANTOS, Milton. Sociedade e Espaço: A Formação Social como Teoria e como Método. Boletim Paulista de Geografia, 54, junho 1977, p. 88. 09. SANTOS, Milton. A Divisão do Trabalho Social como uma Nova Pista para o Estudo da Organização Espacial e da Urbanização nos Países Subdesenvolvidos, in 3° Encontro Nacional de Geógrafos, Fortaleza, 19-27 de julho de 1978, Sessões Dirigidas. Fortaleza, Universidade Federal do Ceará/Associação dos Geógrafos Brasileiros, p. 39. Reproduzido também em SANTOS, Milton. Espaço e Sociedade. Petrópolis, Vozes, 1979, pp. 36-54. 10. SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos e BRONSTEIN, Olga. Metaurbanização - caso do Rio de Janeiro. Revista de Administração Municipal 25 (149), out-dez, 1978. 11. Ver VETTER, David. The Distribution ofmonetary and real income in Grande Rio's Metropolitan system. Los Angeles, University of Califórnia. 1975 12. Censo Industrial de 1970 - IBGE. 13. Quanto às razões da escolha alternativa de investimentos em transportes de massa, consultar o artigo de SANTOS, Carlos Nelson F. Transportes de massa- condicionadores ou condicionados? Revista de Administração Municipal, 24 (144): 13-32, set/out. 1977; ef. também o documento de ASSMANN, Plínio Osvvaldo. O lugar dos diferentes modos de transporte co-letivo. São Paulo, 1976. Documento apresentado no I Simpósio Internacional de Transportes Públicos. 14. SANTOS, Milton. A Divisão do Trabalho Social como uma Nova Pista para o Estudo da Organização Espacial e da Urbanização nos Países Subdesenvolvidos. Op. cit., p. 41. 15. CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 141. 16. Ibid.
3. O RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX: DA CIDADE COLONIAL À CIDADE CAPITALISTA Figura
3.1 INTRODUÇÃO Só a partir do século-XIX é que a cidade do Rio de Janeiro começa a transformar radicalmente a sua forma urbana e apresentar verdadeiramente uma estrutura espacial estratificada em termos de classes sociais. Até então, o Rio era uma cidade apertada, limitada pelos Morros do Castelo, de São Bento, de Santo António e da Conceição. Ocupava, entretanto, um chão duramente conquistado à natureza, através de um processo de dissecamento de brejos e mangues que já durava mais de três séculos. Além dos morros havia apenas alguns tentáculos, que se dirigiam aos "sertões" do sul, do oeste e do norte1 (ver Mapa 3.1). Era também uma cidade em que a maioria da população era escrava. Quase que uma cidade de mercadorias. Poucos eram os trabalhadores livres, e reduzidíssima a elite administradora/militar/mercantil que lhe dirigia política e economicamente. A falta de meios de transporte coletivo e as necessidades de defesa faziam com que todos morassem relativamente próximos uns aos outros, a elite local diferenciando-se do restante da população mais pela forma - aparência de suas residências do que pela localização das mesmas. No decorrer do século XIX assiste-se, entretanto, a modificações substanciais tanto na aparência como no conteúdo da cidade. A vinda da família real impõe ao Rio uma classe social até então praticamente inexistente. Impõe também novas necessidades materiais que atendam não só aos anseios dessa classe, como facilitem o desempenho
das atividades econômicas, políticas e ideológicas que a cidade passa a exercer. "A independência política e o início do reinado do café geram, por sua vez, uma nova fase de expansão econômica, resultando daí a atração - no decorrer do século e em progressão crescente — de grande número de trabalhadores livres, nacionais e estrangeiros. A partir de meados do século a cidade passa a atrair também numerosos capitais internacionais, cada vez mais disponíveis e à procura de novas fontes de reprodução. Grande parte deles é utilizada no setor de serviços públicos (transportes, esgoto, gás, etc.), via concessões obtidas do Estado. Mapa 3.1 – Página 36 – A cidade do Rio de Janeiro no início do século XIX
Baseada em relações de produção arcaicas, de base escravista, a formação social brasileira ainda conviveria algum tempo com esses novos elementos, essencialmente capitalistas, que aqui se introduziam. As contradições daí decorrentes não tardaram, entretanto, a aparecer. |Com efeito, pouco a pouco, a cidade passa a ser movida por duas lógicas distintas (escravista e capitalista), e os conflitos gerados por esse movimento irão se refletir claramente nó seu espaço urbano. As contradições da cidade só serão resolvidas no início do século XX. Tal resolução, entretanto, só será possível porque, no decorrer do século XIX, são lançados no espaço os elementos que a possibilitam, dentre eles a separação, gradual a princípio, e acelerada depois, dos usos e classes sociais que se amontoavam no antigo espaço colonial. Essa separação só foi possível, entretanto, devido à introdução do bonde de burro e do trem a vapor que, a partir de 1870, constituíram-se grandes impulsionadores do crescimento físico da cidade. Um crescimento que segue a direção das "frentes pioneiras urbanas" já esboçadas desde o Século XVIII, mas que é agora qualitativamente diferente, já que os usos e classes "nobres" tornam a direção dos bairros servidos por bondes (em especial aqueles da zona sul), enquanto que para o subúrbio passam a se deslocar os usos "sujos" e as classes, menos privilegiadas. Dada a importância dos transportes coletivos na expansão da cidade e na conseqüente transformação de sua forma urbana, é necessário, pois, que se analise a evolução urbana do Rio de Janeiro no século XIX em dois períodos distintos, ou seja, a fase anterior ao aparecimento dos bondes e trens, e o período que lhe é posterior.
O ano de 1870 é, neste sentido, um marco divisório bastante adequado. A nível da forma-aparência da cidade, é neste ano (dois anos depois da entrada em funcionamento da primeira linha de carris da cidade), que a Estrada de Ferro D. Pedro, II aumenta o número dos seus trens urbanos. Trata-se, pois, do ano em que os dois elementos impulsionadores da expansão da cidade (bondes e trens) passam a atuar sincronicamente. A nível da forma-conteúdo, é a partir dessa década que o sistema escravista, mola mestra da produção nacional, entra definitivamente em colapso, caminhando celeremente para a sua superação, mas detonando, ao mesmo tempo, forças importantes de estruturação urbana, que marcariam profundamente a cidade.
3.2 O PERÍODO ANTERIOR A 1870: A MOBILIDADE ESPACIAL É PRIVILÉGIO DE POUCOS Treze anos após a chegada da família real, e a um ano da independência do país, o Rio de Janeiro ainda é, em 1821, uma cidade bastante modesta. Restringia-se basicamente às freguesias da Candelária, São José, Sacramento, Santa Rita e Santana, que correspondem grosso modo, às atuais regiões administrativas do Centro e Portuária (Mapa 3.2). As demais freguesias existentes eram, então, predominantemente rurais. Já nesta data podia-se notar, entretanto, uma tênue diferenciação social entre as cinco freguesias urbanas. Abrigando agora o Paço Real, na atual Praça XV, e as repartições mais importantes do Reino, as freguesias da Candelária e São José transformaram-se gradativamente em local de residência preferencial das classes dirigentes, que ocupavam os sobrados das ruas estreitas da Freguesia da Candelária, ou dirigiam-se às ruas recém-abertas do Pantanal de Pedro Dias (ruas dos Inválidos, do Lavradio e do Resende, no atual bairro da Lapa). Tinham como opção, também, as chácaras recentemente retalhadas em terras situadas ao sul da cidade (nos atuais bairros da Glória e Catete), seguindo assim os passos da rainha Carlota, que morava em Botafogo. As demais classes, por outro lado, com reduzido ou nenhum poder de mobilidade, e não podendo ocupar os terrenos situados a oeste da cidade devido à existência das áreas de mangue do Saco de São Diogo (Cidade Nova), adensavam cada vez mais as outras freguesias urbanas, especialmente as de Santa Rita e Santana, dando origem aos atuais bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa. 4 Também entre as áreas rurais havia diferenciação. Enquanto as freguesias situadas a grandes distâncias do centro mantinham-se exclusivamente rurais, e fornecedoras de gêneros alimentícios à Corte, aquelas áreas mais próximas das freguesias urbanas pouco a pouco viam suas fazendas retalhadas em chácaras que, de início reservadas às atividades de fim-de-semana das classes dirigentes, foram aos poucos transformando-se em local de residência permanente, justificando inclusive a criação de novas freguesias. Assim, o aparecimento cada vez maior de chácaras no atual bairro de Laranjeiras e o adensamento populacional urbano do Catete e da Glória levaram à criação da freguesia da Glória em 1834, desmembrada da de São José. Botafogo, arrabalde da freguesia da Lagoa, também passa nessa época por um surto de criação de chácaras, situadas principalmente na praia de Botafogo na rua de São Clemente e na de São Joaquim da Lagoa (atual Voluntários da Pátria). Favorecido pelo privilégio de abrigar a residência da família real, o velho arraia! de São Cristóvão passou também a ser procurado pelos que tinham poder de mobilidade. Isso, entretanto, só foi possível depois que a Câmara Municipal mandou
aterrar a parte do Saco de São Diogo vizinha ao Caminho do Aterrado, ou das Lanternas (no atual lado par da Av. Presidente Vargas), que ligava o centro à Quinta da Boa Vista. Resolvido o problema da acessibilidade, o bairro rapidamente viu multiplicadas as moradias ricas, fenômeno que se estendeu, embora em grau mais modesto, até a ponta do Caju. Local de residência imperial, foi em direção a São Cristóvão que se dirigiram as primeiras diligências de que se tem notícia na cidade. E quando, em 1838, circularam os primeiros ônibus de tração animal, as chamadas "gôndolas", uma das linhas também demandava esse bairro. 5 Já no final da primeira metade do século, o Rio de Janeiro apresentava, então, uma forma diferente daquela que tinha prevalecido até o século XVIII. Beneficiadas pela ação do poder público, que abria e conservava as estradas e caminhos que demandavam os arrabaldes da cidade, as classes de renda mais alta, as únicas com poder de mobilidade, puderam se deslocar do antigo e congestionado centro urbano em direção à Lapa, Catete e Glória (freguesia da Glória), Botafogo, (freguesia da Lagoa), e São Cristóvão (freguesia do Engenho Velho). Com efeito, o crescimento dessas freguesias é notável no período 1821 -l 838, como demonstra a Tabela .3.1. Note-se também o aumento populacional da freguesia de Santana que, junto com a de Santa Rita, abrigava populações urbanas de baixa renda. Trata-se de área ainda disponível a uma população sem poder de mobilidade, trabalhadores livres e escravos de ganho que precisavam estar próximos ao centro, onde o trabalho era buscado diariamente.
Mapa 3.2 – Página 38 – Município do Rio de Janeiro: a freguesias do Rio de Janeiro no século XIX
TABELA 3.1 – POPULAÇAO RESIDENTE E TAXA DE CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO DAS FREGUESIAS DO RIO DE JANEIRO
A partir de 1850 a cidade conhece um novo e importante período de expansão, caracterizado não só pela incorporação de novos sítios à área urbana, como também pela intensificação da ocupação das freguesias periféricas, notadamente a da Lagoa. No que diz respeito à incorporação de novos sítios, teve grande importância a decisão da Câmara, em 1850, de intensificar os trabalhos de aterro do Saco de São Diogo. Para isso foi levantada, em 1851, a planta de todo o mangue, o que permitiu o posterior aterro e construção de um canal de escoamento, obra de Mauá, criando-se assim a Cidade Nova (que inclui não só a Cidade Nova dos dias atuais, como também os bairros de Estácio, Catumbi, o que sobrou do Mangue e parte do Rio Comprido). Os trabalhos de drenagem do Saco de São Diogo permitiram, por sua vez, a ocupação de grande parte dos terrenos situados no antigo Caminho de Mata Porcos (Estácio), e justificaram a criação da freguesia de Santo António em 1854, desmembrada das de São José, Santana e Sacramento. Essa freguesia tinha jurisdição sobre parte da Lapa e sobre os atuais bairros de Catumbi, Estácio e Santa Teresa, que só a partir da conclusão das obras de drenagem puderam ser efetivamente ocupados, embora já fossem habitados desde o início do século, estando inclusive localizada aí a nova Casa de Detenção, inaugurada em 1840 e no mesmo local até hoje. A respeito da ocupação dessa área, cita Noronha Santos: "Em 25/01/1812 foi comprada por Francisco Xavier Pires a Joaquim Viegas a bela chácara dos Coqueiros, em Catumbi, por 8:000$000. Anos depois foram retalhados os terrenos dessa chácara para a abertura de ruas. Autorizada pelo Governo, abriu a Câmara, em 1850, uma estrada de comunicação com o Rio Comprido e ... . em 1852, começou a Câmara a mandar aterrar o mangue da Cidade Nova, entre o lugar denominado Aterrado e a Casa de Correção (rua Frei Caneca) . . . A porção da rua Haddock Lobo, que fica entre o Largo Estado de Sá, antigo de Mata Porcos, e o Rio Comprido, foi por muito tempo extenso atoleiro, com o qual despendeu a Câmara avultadas quantias, até que, em 1850 foi também aterrado convenientemente, tornando se então excelente logradouro público. Figura página 40
O aterro dos mangues e atoleiros que cercavam Santa Teresa e Rio Comprido permitiu, por sua vez, a intensificação da ocupação desses bairros, principalmente o de Santa Teresa, que já se havia ligado à planície desde 1844 através da ladeira de Paula Mattos. A rapidez da ocupação dessa "Cidade Nova" foi tão intensa que, a partir de 1865, criou-se a freguesia do Espírito Santo, que tinha jurisdição sobre os atuais bairros do Catumbi, Estácio, Rio Comprido e parte de Santa Teresa, tendo sido desmembrada de terrenos pertencentes às freguesias de Santo António, Engenho Velho, Santana e São Cristóvão (esta criada, por sua vez, em 1856). Os vestígios desse tipo de ocupação são visíveis até hoje nas áreas que conseguiram sobreviver às cirurgias urbanas. São prédios estreitos e muito profundos, "onde a iluminação é feita através de clarabóias e áreas internas, sempre de frente da rua e colados uns aos outros"8, em tudo revelando a preo-
cupação de aproveitar intensamente o espaço próximo ao centro, numa época em que, devido à inexistência de transportes coletivos rápidos, a cidade praticamente andava a pé. Enquanto o processo de urbanização se espraiava pela Cidade Nova, deixando entretanto, em locais ainda não totalmente drenados, alguns claros importantes, a freguesia do Engenho Velho começava a sofrer o processo de retalhamento das antigas fazendas e sítios aí existentes. A esse respeito, Bernardes, citando Noronha Santos, descreve a existência nessa época de numerosos solares na Tijuca, no Engenho Velho, no Andaraí, e mesmo no Engenho Novo*, locais que, entretanto, ainda não haviam adquirido função residencial urbana, apesar de já serem servidos pelos ônibus de tração animal9 desde 1838. Lobo, por sua vez, descreve a freguesia de Engenho Velho nessa época como constituída de casas de recreio de campo, com inúmeras fazendolas e sítios", ou seja, uma área afastada da cidade, que possuía inclusive locais propícios à localização de "usos sujos", como o matadouro da cidade, transferido finalmente da rua de Santa Luzia, no Centro, para as proximidades da atual Praça da Bandeira em 1853. Enquanto se processava o retalhamento das fazendas e sítios do Engenho Velho e se ocupava a Cidade Nova, o vetor de expansão rumo à zona sul já identificado no período anterior a 1838, passava a tomar características diferentes, as antigas chácaras de fim-de-semana da aristocracia transformando-se gradualmente em locais de residência permanente. Com efeito, os bairros de Botafogo, Glória e Catete, passavam então a ser procurados "pelas famílias de mais altas rendas do segundo reinado . . . (multiplicando-se ai a construção)... de mansões suntuosas", algumas pertencentes aos grandes fazendeiros de café que, tendo multiplicado os seus lucros durante a fase de expansão da rubiácea pelos planaltos mineiro e fluminense, aplicavam parte deles na construção de residências na Corte. E o caso, por exemplo, do atual Palácio do Catete, construído em 1862 para servir de residência urbana aos Barões de Nova Friburgo, e de tantas outras construções urbanas da nobreza que viriam a desaparecer no século seguinte, substituídas por prédios de apartamentos. A ocupação permanente de Botafogo pela aristocracia já era de tal monta nos meados do século XIX que, em 1843, era inaugurada uma carreira de barcos a vapor ligando o bairro ao Saco do Alferes (no atual bairro de Santo Cristo). Em 1844, outra companhia ligava a praia de Botafogo à Ponta do Caju, perto da Quinta da Boa Vista13. Nas palavras de Noronha Santos, tudo fazia acreditar "que se tornava rendoso esse transporte, pois em 1846 a barca a vapor Vénus se empregava exclusivamente nesse serviço, fazendo todos os dias cinco viagens, do cais do Brito, perto do Pharoux, até a praia de Botafogo ". E prossegue Noronha Santos: "Em 1852 a Companhia Nictheroy-lnhomirim estabelece uma linha para Botafogo... O aristocrático bairro foi (depois) em 1867 contemplado pela Companhia de Barcas Ferry com uma carreira das suas elegantes e velozes embarcações que atracavam em duas pontes ali existentes, uma das quais em frente à rua São Clemente". Tal dinamismo do bairro de Botafogo logo atraiu também populações não aristocráticas, principalmente imigrantes portugueses, que passaram a se dedicar ao comércio e a se instalar nos terrenos menos valorizados, situados principalmente nas proximidades do Cemitério de São João Batista (que havia sido inaugurado em 1852), e
cujas atividades contribuíram, também, para o incremento da navegação entre o bairro e o centro da cidade. As freguesias centrais, por sua vez, embora pouco tivessem modificado a sua forma-aparência durante o período, passaram, a partir de 1850, a sofrer inúmeras transformações. Para isso contribuíram tanto o Estado como o capital estrangeiro, que pouco a pouco obtinha concessões do Governo Imperial para a provisão de serviços públicos. As atividades produtivas aí localizadas foram, assim, as primeiras a se beneficiar das benesses urbanísticas modernas. OBS * O Engenho Novo é descrito por Noronha Santos como sendo, em l 860, um povoado da cidade do Rio de Janeiro sem importância, retalhado de fazendolas e sítios de austeros senhores de escravos. Figura - Página 42
Com efeito, já em 1854 muitas das ruas da freguesia da Candelária (o verdadeiro centro da cidade, onde se localizava grande parte do comércio importador e exportador, as grandes casas comerciais, vários consulados, bancos e companhias de navegação) passam a ser calçadas com paralelepípedos. Nesse mesmo ano, através da iniciativa de Mauá, a iluminação a gás é inaugurada no centro*, que passa a se beneficiar também, em 1862, do serviço de esgotos sanitários concedidos à empresa inglesa Rio de Janeiro City Improvements Company Limited, passando o Rio a ser a quinta cidade do mundo a possuir esse tipo de serviço'6. Sede agora de modernidades urbanísticas, o centro, contraditoriamente, mantinha também a sua condição de local de residência das populações mais miseráveis da cidade. Estas, sem nenhum poder de mobilidade, dependiam de uma localização central,
ou periférica ao centro, para sobreviver. Com efeito, para muitos, livres ou escravos, a procura de trabalho era diária, e este era apenas encontrado na área central. A solução era então o cortiço, habitação coletiva e insalubre e palco de atuação preferencial das epidemias de febre amarela, que passam a grassar quase que anualmente na cidade a partir de 1850. A importância do cortiço na cidade nessa época já não é nada desprezível. A Tabela 3.2 demonstra claramente este fato e ressalta a sua concentração nas freguesias periféricas ao centro de negócios, especialmente nas de Santana, Santo António, São José e Santa Rita. Note-se também que este tipo de habitação coletiva já adquire importância em freguesias mais afastadas, notadamente na de Espírito Santo (freguesia de criação recente, sujeita a inundações periódicas e ainda em fase de ocupação) e Glória (principalmente em sua parte mais próxima ao centro). Resta falar, para concluir a análise deste período, da integração efetiva das povoações da "banda d'além" à Capital do Império. Este processo já vinha se desenvolvendo desde 1835, quando o serviço regular de barcas a vapor entre Rio e Niterói foi inaugurado pela Sociedade Navegação de Nictheroy. De início, dedicava-se a incrementar o comércio entre as duas margens da baía, já que o litoral oriental era constituído de muitas chácaras e fazendolas que supriam, em parte, as necessidades de abastecimento da Corte.** OBS * A produção.e distribuição de gás na cidade do Rio de Janeiro, em âmbito industrial, só foi iniciada, entretanto, com a criação da Rio de Janeiro Gás Company Limited, que foi autorizada a funcionar em 27/4/1865. Essa companhia foi sucedida pela Societé Anonyme du Gaz de Rio de Janeiro, empresa belga que foi concessionária do serviço até 1969. ** Niterói possuía, em 1834, 29.500 habitantes, sendo 22.000 escravos.
A introdução da navegação a vapor contribuiu, entretanto, para tornar Niterói, não só em aprazível estância balneária, como em local de residência alternativo para quem desejasse (e pudesse) se transferir do congestionado centro urbano. A Sociedade de Navegação de Nictheroy possuía, então, "três barcas para 250 pessoas, que trafegavam de hora em hora, das 6 da manhã às 6 da tarde". O crescente fluxo de passageiros e mercadorias entre os dois lados da baía logo atraiu, entretanto, a atenção do capital internacional que, abundante nessa época, buscava novas e seguras fontes de reprodução. Em 1862, foi inaugurado então o serviço de barcas a vapor do sistema ferry, financiado por capitais americanos, e que, devido à maior rapidez e melhor adequação ao transporte de veículos, levou à falência a com panhia nacional até então responsável pelo serviço. Iniciava-se assim o processo de controle dos serviços públicos da cidade pelo capital internacional (a Cia. City Improvements, como visto anteriormente, já detinha o monopólio do serviço de esgotos), um processo que se intensificaria sobremaneira a partir de 1870. Finalmente, as demais freguesias da cidade pouco modificaram a sua formaaparência no período de 1838 a 1870, continuando a ter um caráter exclusivamente rural. Pouco cresceram também em população, conforme já demonstrou a Tabela 3.1. Muitas delas, entretanto, apresentavam intensa atividade econômica, como atestam a instalação de olarias e curtumes na freguesia de Inhaúma, e o crescimento dos pequenos portos de transbordo de mercadorias destinadas à área urbana (Inhaúma, Maria Angu,
Brás de Pina, Pavuna). O mesmo acontecia, e em maior escala, nos portos da Baixada Fluminense, notadamente Piedade de Magé, Inhomirim, Estrela, Iguaçu, Mauá e Porto das Caixas, que tiveram nessa época a sua fase áurea de desenvolvimento como entrepostos comerciais. Tabela 3.2 – Distribuição absoluta e relativa da população residente em cortiços, segundo as freguesias urbanas do Rio de Janeiro (1868)
3.3 BONDES E TRENS: A CIDADE CRESCE EM DIREÇÕES QUALITATIVAMENTE DISTINTAS O período que se estende de 1870 a 1902 representa, para a história do Rio de Janeiro, não só a primeira fase de expansão acelerada da malha urbana, como também a etapa inicial de um processo em que esta expansão passa a ser determinada, principalmente, pelas necessidades de reprodução de certas unidades do capital, tanto nacional como estrangeiro. Este período começa, na realidade, em 1858, com a inauguração do primeiro trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro II (atual Central do Brasil) que permitiu, a partir de 1861, a ocupação acelerada das freguesias suburbanas por ela atravessadas. A partir de 1868, com a implantação das primeiras linhas de bondes de burro, outro meio de transporte veio facilitar a expansão da cidade, neste caso em direção aos Bairros das atuais zona sul e norte. Controlados em grande parte pelo capital estrangeiro, trens e bondes tiveram um papel indutor diferente no que toca a expansão física da cidade. Os primeiros passaram a servir áreas ainda fracamente integradas à cidade, que se abriram então àqueles que podiam se dar ao luxo de morar fora da área central mas não podiam arcar com os custos, já elevados, dos terrenos da Glória, Botafogo ou Tijuca; os bondes permitiram o êxodo cada vez maior dos que podiam arcar com esse ônus, mas mantinham-se no centro por falta de meio de transporte rápido e regular. É importante ressaltar que os bondes não só vieram a atender uma demanda já existente como, em atendendo a essa demanda, passaram a ter influência direta, não apenas sobre o padrão de ocupação de grande parte da cidade, como também sobre o padrão de acumulação do capital que aí circulava, tanto nacional como estrangeirado capital nacional, proveniente de grande parte dos lucros da aristocracia cafeeira, dos comerciantes e financistas, passou cada vez mais a ser aplicado em propriedades imóveis nas áreas servidas pelas linhas de bonde. O capital estrangeiro, por sua vez, teve condições de se multiplicar, pois controlava as decisões sobre as áreas que seriam servidas por bondes, além de ser responsável pela provisão de infra-estrutura urbana. Os dois, entretanto, nem sempre atuavam separadamente, aliando seus esforços em muitas instâncias, quando esta associação era desejada, ou mesmo inevitável, como no caso da criação de novos bairros. Bondes e trens possibilitaram, assim, a expansão da cidade e permitiram a solidificação de uma dicotomia núcleo-periferia que já se esboçava, como visto, antes de 1870. Nas palavras de Ferreira dos Santos: "Trem e bondes foram, sem dúvida, indutores do desenvolvimento urbano do Rio. Mas o caráter de massa destes meios de transporte tem de ser relativizado, como também devem ser relativizados os seus papéis frente ao ambiente urbano. É que trem, bondes e, mais tarde, ônibus (e os sistemas viários correspondentes) só vieram
"coisificar "um sistema urbano preexistente, ou pelo menos um sistema de organização do espaço urbano, cujas premissas já estavam prontas em termos de representação ideológica do espaço e que apenas esperavam os meios de concretização. Em outras palavras, o bonde fez a zona sul, porque as razões de ocupação seletiva da área já eram "realidade" ... Já o trem veio responder a uma necessidade de localização de pessoas de baixa renda e de atividades menos nobres (indústrias, por exemplo) ". Dada a importância e a ação diferenciada de ambos os meios de transporte, decidiu-se analisar separadamente o seu papel no desenvolvimento da forma urbana do Rio de Janeiro até a virada do século. Esta é a época em que as necessidades crescentes de concentração e acumulação do capital passarão a requerer, mais do que a incorporação de novos sítios à área urbanizada, uma modificação drástica da formaaparência (e também da forma-conteúdo) dos locais de decisão política e econômica da cidade e do país, ou já, das antigas freguesias centrais.
3.1 O papel dos bondes Embora já em 1859 tivesse sido implantada a primeira linha de veículos sobre trilhos a tração animal, ligando a atual Praça Tiradentes com o alto da Tijuca, e seu desaparecimento em 1866, por motivo de insolvência financeira, faz com que seja geralmente atribuído ao ano de 1868 o início do serviço de carris no Rio de Janeiro. A primeira concessão para o serviço de bondes de burro* a ser efetivamente levada a efeito na cidade foi aquela outorgada à Botanical Garden Railroad Company (posteriormente Companhia Ferro Carril do Jardim Botânico), empresa americana que em 9/10/1868 inaugurou a sua primeira linha, ligando a rua Gonçalves Dias ao Largo do Machado. Servia, assim à freguesia da Glória que, como já foi visto, . havia se transformado em importante área residencial das classes abastadas. Logo depois, em 1/1/1871 a companhia estendeu suas linhas até o Jardim Botânico, passando a beneficiar, então, ao aristocrático bairro de Botafogo e permitindo, pela primeira vez, a ligação rápida do praticamente desabitado Largo das Três Vendas (atual Praça Santos Dumont), onde tinha ponto final, com o centro da cidade, numa extensão de 13 km. Nesse mesmo ano foi inaugurado o ramal de Laranjeiras e a companhia já transportava mais de 3.000.000 passageiros anuais em suas linhas.23 O sucesso da Companhia do Jardim Botânico logo levou à criação de empresas similares, que obtiveram concessões para atuar em outras partes da cidade. Assim, em março de 1870,_inaugurado o serviço da Rio de Janeiro Street Railway Company (posteriormente Companhia São Cristóvão), servindo aos bairros de São Cristóvão, Andaraí Pequeno (Tijuca), Saúde, Santo Cristo, Gamboa, Caju, Catumbi e Rio Com prido. Já nesse ano os bondes dessa companhia também transportavam mais de 3.000.000 passageiros, notadamente nas linhas de São Cristóvão e Tijuca.24 Dois anos depois, a 17/ 12/1872, a Companhia Jardim Botânico inaugurava, por sua vez, o ramal da Gávea, que passaria a ser freguesia a partir do ano seguinte. Nesse mesmo ano, o governo concedia permissão a (João Baptista Vianna de Drummond (Barão de Drummond) para estabelecer "uma linha de trilhos urbanos entre a cidade e os bairros do Andarahy Grande (Andaraí, Vila Isabel, Grajaú e Maracanã), São Francisco Xavier e Engenho Novo". Nascia assim a Companhia Ferro-Carril de Vila Isabel, que entretanto só pôde inaugurar a sua primeira linha, ligando o Centro a Vila Isabel, em fins de 1873, devido aos numerosos trabalhos de aterro e construção de ponte que se faziam necessários na área do Mangue, junto à foz do Rio Comprido. As demais linhas somente
foram inauguradas em 1875, sendo que, no ano seguinte, essa companhia já transportava mais de 1.500.000 passageiros. A associação bonde/loteamento é bem exemplificada em Vila Isabel, onde o bonde demandava o bairro do mesmo nome, criado em 1873 pela Companhia Arquitetônica, também de propriedade de Drummond, em terrenos outrora pertencentes à família imperial (Fazenda do Macaco). Esse loteamento se destacava dos demais que se faziam na cidade por suas ruas largas, a exemplo das cidades européias, dentre as quais se destacava o Boulevard Vinte e Oito de Setembro.
OBS A popularização pelos cariocas da palavra "bonde" para designar estes veículos decorreu dos cupons (bonds) que a empresa concessionária vendia ao público para contornar problemas de falta de troco. A empresa passou, então, a ser conhecida como "Companhia dos bonds". Ver DUNLOP, Charles. Os Meios de Transporte do Rio Antigo. Rio de Janeiro, Grupo de Planejamento Gráfico Editores, 1973, pp. 36-37.
Figuras Página 45
Em 1878, por sua vez, foi criada a Companhia Carris Urbanos, resultado da agregação de várias empresas de pequeno porte que já serviam ao centro comercial e à zona portuária, dentre elas a Companhia Locomotora, originalmente criada para transportar café da estação terminal da Estrada de Ferro Dom Pedro II aos trapiches e depósitos da Prainha (atual Praça Mauá). Assim, enquanto a Companhia Jardim Botânico possibilitava a intensificação da ocupação da freguesia da Lagoa pelas classes abastadas, as demais integravam à área central da cidade, não só os bairros proletários das freguesias de Santana e Espírito Santo (Santo Cristo, Gamboa, Saúde, Catumbi), como também os ricos bairros de chácaras da zona norte (Tijuca, Andaraí), que agora também estavam fadadas a desa parecer. A esse respeito diz Noronha Santos, escrevendo, em 1900, sobre a freguesia do Engenho Velho:
Bons prédios de apurado gosto, têm sido, de 1870 para cá, construídos nas ruas servidas pelos bondes das Companhias de São Cristóvão e Vila Isabel, dando novo aspecto à freguesia que, antes daquela data, só possuía casas de recreio e de campo, nas terras das fazendas e sítios, em que foram abertos, os logradouros públicos que hoje vão ter à Tijuca, ao Andaraí e Vila Isabel Tantos são os prédios de belas construções, espalhados por vários pontos de Engenho Velho, nas chácaras e jardins de vegetação luxuriante, que difícil, senão impossível, é a tarefa de quem se propuser a colher dados sobre as melhores edificações que existem no território desta freguesia". “
O bairro de São Cristóvão, entretanto, começava nessa época a mudar de aparência e conteúdo. Durante algum tempo São Cristóvão foi, grande rival de Botafogo como área residencial das classes abastadas da cidade. Na década de 1880 usufruía inclusive de vantagens que Botafogo ainda não possuía, já que se beneficiava do melhor sistema de fornecimento de água do Rio de Janeiro.28 Era servido também por sistemas de esgoto, estendidos pela Companhia City Improvements, embora, neste caso, o mesmo tivesse acontecido em direção às freguesias da Glória, Engenho Velho e Lagoa. Rapidamente, entretanto, essa rivalidade acabou, passando Botafogo a ser, mesmo antes da proclamação da República, incontestavelmente "o mais procurado pela aristocracia estrangeira ou pela alta burocracia brasileira para moradia. Representantes do corpo diplomático, capitalistas, titulares, enfim quase todos que (possuíam) fortuna, ou que (tinham) recursos, (residiam) no elegante bairro carioca, em con fortáveis edifícios".
Figura projeto da Vila Isabel
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Vários fatores contribuíram, além da proclamação da República, que retirou de São Cristóvão o status de abrigar a família imperial, para a mudança de aparência e conteúdo do bairro. A procura cada vez maior desse bairro para a instalação de indústrias que buscavam uma localização próxima aos eixos ferroviários, ao porto, e ao centro da cidade foi um deles. Mas o mais importante - e com efeitos não apenas em São Cristóvão, mas sobre toda a cidade - foi, sem dúvida, a difusão da ideologia que associava o estilo de vida "moderno‖ à localização residencial à beira mar. Atrás desse
movimento estavam as mais variadas unidades do capital, destacando-se aí a Companhia Jardim Botânico, interessada em estender o território sobre o qual tinha monopólio de transporte. Com efeito, desde meados da década de 80 que a Companhia Jardim Botânico pretendia estender suas linhas ao "pitoresco arrabalde de Copacabana". Quando seu prazo de concessão já estava por terminar, no ano de 1890, a companhia solicitou ao então intendente da capital da República, Dr. Ubaldino do Amaral Fontoura, permissão para prolongar seus trilhos até Copacabana, para o que teria que ser construído um túnel no Morro do Barroso. Por essa época, o Rio passava por uma séria crise de transportes, devido ao adensamento acentuado das áreas que já eram servidas pelas companhias de bondes e à falta de renovação do seu equipamento. Em pronunciamento de 22/7/1890, o intendente comentava a situação da seguinte forma: "Duas das principais e as mais antigas empresas de viação urbana (Jardim Botânico e São Cristóvão) viam aproximar-se o término de seus privilégios sem que lhes fosse dar a conhecer qual sorte seria a sua, esgotado o resto dos prazos, de três anos, para um, e menos de quatro para outro. Ameaçadas de próxima liquidação, cuja
forma e resultado eram incertos, as companhias esquivavam-se a renovar o seu material, recusavam abaixamento de tarifas e evitavam desenvolver as linhas em tráfego ... não era de estranhar que mais cogitassem da distribuição de dividendos e da recomposição do capital, do que do interesse público." Para forçar a melhoria do ser/iço já existente, o intendente indeferiu o requerimento de criação de novas linhas. Entretanto os interesses em jogo eram bastante poderosos, dentre os quais os planos dos que loteavam Copacabana (Companhia de Construções Civis, Barão de Ipanema, dentre outros) e o interesse da própria companhia, que desejava obter monopólio de área sobre local potencialmente tão lucrativo. As pressões sobre o governo Municipal então intensificaram-se bastante e, coincidência ou não, o fato é que o Dr. Ubaldino do Amaral foi, no mês seguinte, substituído no cargo por Félix da Cunha Menezes que, como novo intendente, assinou, em 30/08/1890, os contratos de renovação da exploração de bondes das duas companhias.
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Removidos os obstáculos, foram então inaugurados, em 1892, o atual Túnel Velho, perfurado pela Companhia Jardim Botânico e, conseqüentemente, a primeira linha para Copacabana, que tinha ponto terminal na rua Barroso (atual Siqueira Campos). Em 19/1/1894, um termo aditivo ao contrário de 1890 permitiu, por sua vez, a criação de dois ramais a partir desse ponto, um em direção ao Leme e outro à Igrejinha (atual Posto Seis). Estes ramais foram inaugurados, respectivamente, em 8 e 15 de abril, sendo a condução grátis.* A inauguração das linhas de Copacabana sofreu pressões contrárias de alguns acionistas da empresa que viam como um grande erro da diretoria e, na melhor das hipóteses, como um ato imprudente, a decisão de levar o bonde "àquele deserto arenoso, sem habitação e cujo progresso seria muito lento ‖7. Refutando essa opinião, e antecipando as vantagens de acumulação de capital que a nova linha proporcionaria,
seus diretores, em relatório datado de 25/08/1894 e submetido à assembléia, expressavam a ideologia que orientava a ação da Companhia de forma exemplar: "E incontestável que as duas praias de Copacabana e Arpoador são dotadas de um clima esplêndido e salubre, beijadas constantemente pelas frescas brisas do oceano. . . A exceção de um ou outro prédio bom, os demais são, na verdade, pequenas e pobres choupanas . . . E (pois) um bairro a crear-se. Agora é que vão tendo começo as edificações, as melhores casas se levantam, depois de vendidos os lotes de terrenos para esse fim, já se acha organizada uma companhia, com capital suficiente para edificar um club de sport e uma grande casa balneária, que, brevemente, dará começo às obras. Dentro de um lustro, aqueles desertos do Sahara — como o qualificaram, se converterão em grandes povoações, para onde afluirá, de preferência, a população desta cidade. . . Não podemos duvidar da acção civilizadora dos nossos tramways, que têm levado aos bairros afastados e desertos o gosto e o conforto na edificação de prédios, a vida e o progresso, dilatando assim o seu percurso, com aumento de renda ". Nesse mesmo ano, 1894, a Companhia firmou um termo de obrigação com a Empresa de Construções Civis, de Otto Simon, referente ao ramal do Leme, termo esse que passou a fazer parte do contrato assinado por essas companhias com a Prefeitura em IO/ 02/1899. De acordo com o contrato, a companhia loteadora se. comprometia a modificar o traçado de certas ruas para facilitar a locação da linha do ramal do Leme, que a Companhia Jardim Botânico faria estender, desde que fosse terminado o arruamento daqueles logradouros36. Note-se, neste caso, a coincidência de interesses de frações distintas do capital sobre a mesma área, resultando daí uma colaboração mútua sob o patrocínio do Estado. Em 1900, novo contrato foi assinado entre a Prefeitura e a Companhia Jardim Botânico. Desta vez a Companhia se comprometia a ampliar a sua rede de tráfego eletrificado (inaugurada em 1892 com a ligação Centro-Largo do Machado) até ao Largo dos Leões e à Escola Militar (Praia Vermelha) no prazo de três anos, e até aos pontos terminais das demais linhas em cinco anos. Comprometia-se também a abrir, no prazo de quatro anos, um novo túnel para Copacabana (atual Túnel Novo). Em compensação, a Prefeitura declarava de utilidade pública os terrenos necessários à abertura do túnel37, e autorizava a companhia a prolongar, no prazo de um ano, sua linha da Igrejinha até Vila Ipanema, onde a empresa do mesmo nome, pertencente ao Barão de Ipanema, estava incorporando novos lotes à área urbana. As obras foram concluídas em 1901, ano em que também se inaugurou a iluminação elétrica do atual bairro de Ipanema, que ainda nem habitado estava. Vale lembrar que, quando da extensão da linha da Igrejinha até Vila Ipanema, já não houve mais reações negativas dos acionistas da Companhia Jardim Botânico. Com efeito, a estratégia de "preparar" áreas da zona sul para posterior revenda tinha se revelado bem sucedida, e não havia razão para duvidar do sucesso do empreendimento. Só faltava agora o Leblon, que viria a ser finalmente incorporado na segunda década do século atual.
OBS *Note-se que, tal como atualmente na Baixada Fluminense, a estratégia dos incorporadores era a de minimizar o custo econômico dos primeiros adquirentes, como compensação para seus altos custos sociais. ** No final do século XIX, o Leblon era constituído de aproximadamente 100 chácaras, desmembradas da antiga Fazenda Nacional da Lagoa.
Em contraposição às transformações rápidas que, sob a orientação do capital privado e do Estado, ocorriam em áreas praticamente desabitadas da cidade, a forma urbana das freguesias centrais pouco se modificou. Entretanto, desde 1875, data da publicação do primeiro relatório da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro (que foi, na realidade, o primeiro plano conjunto da cidade), o Estado era aconselhado a realizar melhoramentos na área central, em especial o "alargamento e retificação de várias ruas e abertura de novas praças e ruas com o fim de melhorar suas condições higiênicas e facilitar a circulação entre seus diversos pontos dando, ao mesmo tempo, mais beleza e harmonia às suas construções (devendo as ruas e praças ficar) dispostas de modo que a ventilação das casas e o escoamento das águas pluviais sejam feitos com facilidade ". Essas transformações, entretanto, só viriam a ocorrer a partir de 1903, na administração Pereira Passos. Até essa data as freguesias centrais (exceto Candelária verdadeiro centro de negócios) continuaram a se adensar cada vez mais, conforme demonstram os dados da Tabela 3.4 apresentada adiante, que refletem também o crescimento acelerado das freguesias do Engenho Velho, São Cristóvão e Lagoa no final do século passado. As razoes do adensamento das freguesias centrais nesse período continuaram a ser as mesmas, ou seja, a necessidade de uma população extremamente carente, tanto livre como escrava, de residir próximos aos locais de emprego. E estes eram muitos. Nas freguesias de Santana e Santo António, por exemplo, predominavam as atividades manufatureiras, e sua população "na maioria de rendas baixas, se aglomerava em cortiços". Em Santa Rita, por sua vez, localizavam-se "as mais importantes casas comerciais de café, muitos trapiches e estaleiros". E em toda a área central podiam ser encontrados os empregos sem lugar fixo, isto é, aqueles referentes aos mais variados tipos de prestação de serviços.
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A proliferação dos cortiços na área central (e mais valorizada) da cidade já há algum tempo preocupava as autoridades públicas, que os combatiam principalmente através de um discurso sanitarista. Em 1886, por exemplo, o Conselho Superior de Saúde Pública escrevera alguns relatórios, "todos deplorando as condições dos cortiços e concordando em que as habitações eram higienicamente perigosas e que os moradores deveriam ser removidos "para os arredores da cidade em pontos por onde passem trens e bondes ". Os relatórios pressionavam o governo a expropriar os cortiços, destrui-los e construir casas individuais para o pobre ". Entretanto, essas recomendações só foram seguidas ao pé da letra na parte relativa à expropriação dos cortiços. Destaca-se aí a administração do Prefeito Barata Ribeiro que, em 1893, empreendeu verdadeira guerra aos cortiços, dentre os quais ao célebre Cabeça de Porco, para cuja destruição foi necessário planejar todo um esquema policialmilitar. Começava aí um processo de intervenção direta do Estado sobre a área central da cidade, que viria a se intensificar sobremaneira a partir do início do século, e que seria responsável pelo aumento da estratificação social do espaço carioca. Antes de se discutir isto, é preciso analisar, entretanto, o outro vetor de expansão da cidade no século XIX.
3.3.2 O papel dos trens Ao contrário dos bondes, que penetraram em áreas que já vinham sendo urbanizadas ou retalhadas em chácaras desde a primeira metade do século, os trens foram responsáveis pela rápida transformação de freguesias que, até então, se mantinham exclusivamente rurais.
Em 1858 foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro II, ligando a freguesia de Santana a Queimados (distrito do atual município de Nova Iguaçu). Nesse mesmo ano foram inauguradas as estações de Cascadura e Engenho Novo (no Rio de Janeiro) e de Maxambomba (atual distrito 'sede de Nova Iguaçu). Em 1859, foram inauguradas, por sua vez, as estações de São Cristóvão e Sapopemba (atual Deodoro), enquanto a de São Francisco Xavier foi aberta em 1861. Sapobemba e Maxambomba eram, nessa época, pequenos núcleos isolados que serviam à uma população rural esparsa. Cascadura e Engenho Novo, por outro lado, eram áreas rurais que já mantinham relações constantes com as freguesias centrais, relações essas que foram bastante incrementadas a partir de 1861, quando foi inaugurado o serviço regular de trens até Cascadura. "custando as passagens de primeira classe 900 réis até Engenho Novo e 1$500 até Cascadura. Havia passagens de 2"e 3aclasses que custavam, respectivamente, 600 réis e l $500, para o Engenho Novo e Cascadura, nos carros de 2" classe, e 300 e 500 réis, nos de 3". A existência de uma linha de subúrbios até Cascadura incentivou, de imediato, a ocupação do espaço intermediário entre esta estação e o centro. Antigas olarias, curtumes, ou mesmo núcleos rurais, passaram então a se transformar em pequenos vilarejos, e a atrair pessoas em busca de uma moradia barata, resultando daí uma elevação considerável da demanda por transporte e a conseqüente necessidade de aumentar o número de composições e de estações. Na década de 60 foram inauguradas então as estações de Riachuelo e Todos os Santos. Em 1870, por sua vez, a linha de Cascadura passou a ser servida por mais dois trens diários, inaugurando-se de fato o sistema suburbano de transporte, já que os horários dos trens passaram então a ser mais adequados às horas de entrada e saída dos locais de emprego do centro da cidade. Como conseqüência imediata, o processo de ocupação da faixa suburbana até Cascadura adquiriu impetuosidade ainda maior na década seguinte, levando à inauguração das estações de Engenho de Dentro, Piedade, Rocha, Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier, Mangueira e Encantado e, já em 1890, da estação de Madureira (Mapa 3.3). O processo de ocupação dos subúrbios tomou, a princípio, uma forma tipicamente linear, localizando-se as casas ao longo da ferrovia e, com maior concentração, em torno das estações. Aos poucos, entretanto, ruas secundárias, perpendiculares à via férrea, foram sendo abertas pelos proprietários de terras ou por pequenas companhias loteadoras, dando início assim a um processo de crescimento radial, que se intensificaria cada vez mais com o passar dos anos. Falando sobre a freguesia de Inhaúma, assim se expressava Noronha Santos na virada do século: "De 1889 para cá, Inhaúma começou a progredir dia a dia, edificando-se em vários pontos da vasta e populosa freguesia confortáveis prédios, que podem competir com os melhores das freguesias urbanas. Foram retalhados os terrenos das antigas fazendas que ainda existiam; bem poucos vestígios ficaram daqueles tempos em que o braço escravo era o cooperador valioso da fortuna pública e particular". De importância fundamental para o crescimento dos subúrbios foi também a inauguração, na década de 1880, de duas novas ferrovias. Em 1883 foi aberta ao tráfego, em caráter provisório, a Estrada de Ferro Rio D'Ouro, ligando a Quinta Imperial do Caju à represa do Rio D'Ouro, na Baixada Fluminense. Atravessando as freguesias de
São Cristóvão, Engenho Novo, Inhaúma e Irajá, essa ferrovia foi construída com a finalidade de transportar material para as obras de construção da nova rede de abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro captada nos mananciais da Serra do Mar, em Tinguá e Xerém. Por acompanhar os encanamentos que traziam a água do Rio D'Ouro até São Cristóvão, a ferrovia foi, inicialmente, utilizada apenas para os trabalhos de conservação do sistema (adutor e distribuidor). Posteriormente, passou a ter um serviço regular de passageiros, embora jamais tenha tido o mesmo papel indutor da D. Pedro II, já que seu ponto terminal era distante do centro, na Ponta do Caju. Isto não impediu, entretanto, que pequenos núcleos se desenvolvessem ao longo de suas linhas (dentre os quais se destacam Inhaúma, Vicente de Carvalho, Irajá, Colégio, Areal (atual Coelho Neto) e Pavuna), já que se podia alcançar o centro da cidade através de baldeação para os trens da Dom Pedro II na altura de São Francisco Xavier. Figura pagina 51
Mapa página 52 – Área metropolitana (área conurbada) do Rio de Janeiro: localização das estradas de ferro
Embora atravessando terras mais baixas, sujeitas a inundações periódicas, próximas que estavam da orla da baía de Guanabara, a Rio de Janeiro Northern Railway Company, também chamada Estrada do Norte (futura Leopoldina Railway), teve papel indutor muito mais importante que a Rio D'Ouro. Sua primeira linha, inaugurada a 23/04/1886, entre São Francisco Xavier e Mirity (atual Duque de Caxias), interligou uma série de núcleos semi-urbanos preexistentes, (como Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Brás de Pina, Cordovil, Lucas e Vigário Geral) que, devido à grande acessibilidade ao centro proporcionada agora pela ferrovia, passaram então a se desenvolver em ritmo bastante acelerado. A esse respeito, dizia Noronha Santos: "Quatro trens de subúrbios trafegavam diariamente, antes de 1897, na única linha que existia até Mirity, com desvios em Bonsucesso, Penha e na Parada de Lucas. O primeiro núcleo de habitantes dessa zona que mais acentuadamente prosperou foi Bonsucesso. Esta localidade e as de Ramos, Olaria e Penha, em pouco tempo - entre os anos de 1898 e 1902 - tiveram os seus terrenos divididos em lotes, organizando-se simultaneamente empresas para construção de prédios. Ramos transformou-se em empório commercial e num dos centros de maior actividade na zona da Leopoldina Railway". Finalmente, em 01/11/1893, foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil, construída pela Companhia do mesmo nome e presidida por André Gustavo Paulo de Frontin, e que, em 1903, seria incorporada à Central do Brasil, com o nome de Linha Auxiliar. Esse trecho ligava Mangueira a Sapopemba (atual Deodoro), que já integrava a rede da Central. Em 1898 foram inauguradas, por sua vez, as estações de Vieira Fazenda, Del Castilho, Magno e Barros Filho.
Já na última década do século passado estavam pois, em pleno crescimento, os principais subúrbios do Rio de Janeiro atual. Naquela época, entretanto, eles não passavam de simples núcleos dormitórios, conforme descrevia Aureliano Portugal no início do século XX: "A continuidade da cidade propriamente dita é tal que, em grande parte, se torna impossível estabelecer limites entre as paróquias urbanas e as chamadas suburbanas. Todo o percurso da Estrada de Ferro Central do Brasil, até além da Estação de Cascadura, é marginado de habitações, formando, sem quebra de continuidade, inúmeras ruas. que a freqüência e a rapidez de transporte incorporam naturalmente à cidade. O mesmo se dá com relação à vasta planície servida pelas linhas suburbanas do Norte, da Melhoramentos do Brasil e da Rio D'Ouro. Esses subúrbi os não têm exis- tênci a pr ópria, i ndependente do Centr o da ci dade; pelo contrário, a sua vida é comum e as relações intimas e freqüentes; é a mesma população que moureja, no centro comercial da cidade, com a que reside neste, sendo naturalmente impossível separálas" (o grifo é nosso). A ocupação dos subúrbios é exemplificada, ainda, pela movimentação de passageiros nas estações da Central do Brasil, que atingiu, no período 1886-1896, um total de quase 30 milhões de pessoas (Tabela 3.3). Este número, se é insignificante quando comparado ao total de passageiros transportados pelos bondes (estes transportaram, em um único ano - 1896 quase 73.000.000 pessoas), já representava, entretanto, uma demanda acima da capacidade de oferta, como exemplifica Noronha Santos ao falar da crise de transportes da década de 1890: "A crise de transporte não ficou circumscripta ao bond. Nos trens de subúrbios constituía, já naquella época, verdadeiro martyrio; viajar pela manhã ou à tarde. O povo acotovelava-se nas estações principaes, debatendo-se em horas de maior affluencia de passageiros, como se fosse um bando de lutadores offegantes, para alcançar um logar no trem, onde se apinhava gente de toda casta ". Ao analisar o crescimento dos subúrbios nessa época, é preciso, pois, relativizá-lo frente ao que estava ocorrendo nas áreas servidas pelos bondes. Com efeito, apesar das freguesias de Engenho Novo, Inhaúma e Irajá terem apresentado um aumento demográfico considerável no período 1872-1890, conforme demonstra a Tabela 3.4, já comentada, as freguesias centrais e aquelas periféricas ao centro (onde se concentrava a população mais pobre da cidade) também apresentaram incrementos demográficos importantes. E o mesmo aconteceu com as demais freguesias urbanas, que estavam em franco processo de ocupação - ver a Tabela 3.4*. Note-se, ademais, que toda a cidade começava, nessa época, a sofrer o impacto de uma industrialização incipiente, que a princípio procurou localizações próximas ao centro urbano, só se transferindo para os subúrbios no século atual.
OBS * Note-se ainda, nessa tabela, o grande crescimento apresentado por Santa Cruz que, desde 1875, estava diretamente ligada ao centro por ferrovia, constituindo-se agora era importante núcleo de criação de gado. O matadouro municipal, em nova migração, já havia inclusive se transferido para aí desde 1881.
3.4 A INDUSTRIALIZAÇÃO CARIOCA NO FINAL DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DA QUESTÃO HABITACIONAL A cidade do Rio de Janeiro passou, na segunda metade do século XIX, por diversos "surtos" de industrialização. Estes, entretanto, se identificavam muito pouco com o processo de acumulação capitalista típico. Extremamente dependente do comportamento do setor agrário — exportador, exportador, do qual provinha grande parte do seu capital, a atividade industrial sofria revezes consideráveis, que dificultavam a reprodução do capital. Esta reprodução .era afetada, ainda, pela inexistência de fontes regulares de produção de energia, pela dificuldade de recrutamento de força de trabalho qualificada; pela concorrência de produtos estrangeiros; pela dependência, em alguns setores, da mão-de-obra escrava em extinção; e pelas constantes epidemias de febre amarela, que atacavam preferencialmente os quarteirões operários da cidade. Apesar desses entraves, a atividade industrial conseguiu se expandir. Até o início do século atual concentrava-se principalmente no centro da cidade, ou em suas imediações, e caracterizava-se pela predominância de pequenos estabelecimentos dedicados à fabricação de calçados, chapéus, confecções, bebidas e mobiliário. Eram indústrias com baixíssimo nível de mecanização, verdadeiros artesanatos, absorvendo, conseqüentemente, grande quantidade de força de trabalho. Ainda no centro localizavam-se as gráficas, as metalurgias leves e fundições, a indústria alimentar e outras. Era o centro, pois, o grande mercado de trabalho.
Tabela 3.3 página 54 – Número Número total de passageiros transportados pela estrada de ferro central do Brasil segundo segundo as estações, municípios municípios do Rio R io de Janei J aneiro ro (1886-1896). ( 1886-1896). Tabela 3.4 página 54 – População População residente e taxa de crescimento demográfico das freguesias do Rio de Janeiro
Em 1890 aí se concentravam, por exemplo, não só as atividades tradicionais da cidade (comércio e serviços), como também a maioria das indústrias (Tabela 3.5). Já se notava entretanto um processo de deslocamento de unidades industriais para São Cristóvão -que perdia sua característica de área residencial nobre - sobressaindo-se aí as fábricas de perfumaria e velas e alguns ramos da indústria têxtil. A partir da proclamação proclamação da República esse processo se intensificou, intensificou, e outras indústrias vieram a ocupar antigos casarões residenciais, deixados para trás por uma elite que se deslocava para a zona sul. Estas construções passaram, passaram, então, a ter uma forma-conteúdo (isto é, uma função) totalmente diferente daquela que lhes dera origem.51 A localização em São Cristóvão revelou-se duplamente benéfica às indústrias que para aí se deslocaram. Por um lado, a utilização dos casarões diminuiu, d iminuiu, para algumas indústrias, os custos de capital fixo, fato importante numa época em que a conjuntura financeira não apresentava perspectivas seguras a longo ou médio prazos (época do encilhamento). Por outro lado, a localização em São Cristóvão representou também a minimização dos custos com infra-estrutura, já que este bairro era dos mais bem
servidos do Rio à época, especialmente quanto ao abastecimento de água. São Cristóvão oferecia, ainda, grande proximidade aos eixos ferroviários e aos diversos portos que serviam a cidade (Cais dos Mineiros, Cais Pharoux, Gamboa, Ponta do Caju), dos quais as indústrias dependiam para o recebimento de matérias primas e para a exportação do produto final para para outros mercados. Na realidade, realidade, a importância de São Cristóvão era tamanha para a indústria nessa época, que é difícil assegurar se esta atividade se aproveitou da situação residencial decadente do antigo bairro aristocrático, ou se a indústria levou à sua transformação, já que, por ser um bairro bem servido de infra-estrutura e com localização estratégica em relação aos principais eixos de transporte, era também local privilegiado para a implantação fabril; neste último caso, prevaleceriam os interesses da produção sobre os do consumo. É entretanto difícil estabelecer a direção da causalidade, devido ao caráter ainda incipiente da industrialização carioca, feita inclusive como que à revelia da classe dominante (aristocracia cafeeira), como se verá adiante. A exceção à regra de localização próxima ao centro era proporcionada pelas fábricas têxteis. Destacavam-se aí aquelas que utilizavam motores a vapor (Companhia Progresso Industrial do Brasil e Companhia Tecidos de Seda Brasileira, instaladas em 1893 às margens da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Bangu e Piedade, respectivamente) e as indústrias movidas parcialmente por força hidráulica, que se localizavam em Laranjeiras (Fiação Tecelagem e Tinturaria Aliança)* e nas proximidades do Jardim Botânico (Companhia (Companhia de Fiação e Tecidos Tecidos Carioca, Fábrica São Félix,- Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado), área ainda não saneada pelo poder público e, àquela época, predominantemente predominantemente operária. Cumpre ressaltar ainda a existência de diversas fábricas na Baixada Fluminense, próximas às quedas d'água da Serra do Mar (em Pau Grande e na subida da serra de Petrópolis), para aí atraídas pela oportunidade de geração de energia hidráulica.* hidráulica.*
Tabela 3.5 página 55 – Número Número de unidades prediais por tipo e sua participação percentual nas nas freguesias do Rio de Janeiro – 1890. 1890. OBS * Esta fábrica possuía, em 1900, cerca de 1.000 operários. Figura da página 56
O final do século XIX não se caracterizou apenas pela multiplicação das fábricas no Rio de Janeiro. Outra face da mesma moeda, coincidiu também com o esgotamento do sistema escravista, com o conseqüente declínio da atividade cafeeira na Província do Rio de Janeiro e com o grande afluxo de imigrantes estrangeiros. Resultou daí um processo de crescimento crescimento populacional populacional acelerado via migração, que agravou de consideravelmente o problema habitacional da cidade, pois levou o adensamento ainda maior dos cortiços e ao recrudescimen r ecrudescimento to das epidemias epidemias de febre amarela que assolavam a cidade periodicamente. Preocupado com os efeitos que a degradação das condições de habitação e salubridade poderiam causar na cidade como um todo, e no processo de reprodução da força de trabalho em particular, o Estado resolveu então intervir. Assim em 9/12/1882 foi promulgado um decreto que isentava de impostos aduaneiros e concedia outros benefícios benefícios às indústrias que construíssem "casas populares higiênicas, com fossas, dependências de cozinha e de lavanderia, elevadas do solo e com boa aeração" para seus operários, o que foi efetivamente realizado por várias delas na década seguinte, desejosas de manter à sua volta uma força de trabalho cativa e disciplinada.** O Estado passava assim a ajudar a empresa privad pr ivada, a, cumprindo um papel que teoricamente não lhe caberia: assumiu pela primeira vez a responsabilidade de subsidiar, pelo menos em parte, a reprodução reprodução da força de trabalho. O Decreto do Legislativo de 8/2/1 888, por sua vez, concedeu privilégios de isenção de impostos sobre importação de materiais de construção, e de concessão de terrenos e de edifícios, à firma que se propusesse a edificar casas populares. Em 1889 foi então criada a Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro, de Arthur Sauer, que passou a explorar a concessão concessão do referido decreto. Ainda na década de 90, a empresa inaugurou cinco "vilas operárias", construídas tanto nas proximidades do centro (Vila Rui Barbosa, na Rua dos Inválidos), como nos bairros operários do Jardim Botânico (Vila Arthur Sauer), Vila Isabel (Vilas Maxwell e Senador Soares) e Sampaio (Vila Sampaio). A construção de vilas operárias não eliminou entretanto os cortiços, que continuavam a abrigar a maior parte da população pobre da cidade, ainda concentrada principalmente no centro. Esta situação iria mudar, entretanto, logo no n o início do século XX. Para tanto já estavam lançadas as bases ideológicas da ocupação da nova cidade que iria surgir. As áreas abertas pela ferrovia deveriam se destinar aos mais pobres, que para lá se deslocavam deslocavam voluntária ou involuntariamente involuntariamente (guerra aos cortiços cortiços empreendida pelo Governo Municipal). Municipal). Trem, subúrbio subúrbio e população de baixa renda r enda passavam a ser sinônimos aos quais se contrapunha a associação bonde/zona sul/estilo de vida "moderno ’. Havia,; entretanto, uma contradição nesse processo, que era a presença de bairros operários na zona sul, nas proximidades proximidades da Lagoa Rodrigo de Freitas. Permitir Permitir a instalação de ferrovias nessa área que, saneada, saneada, seria ser ia tão lucrativa como aquelas que lhe eram vizinhas, equivaleria a solidificar uma tendência não desejada. Isso explica, por exemplo, porque foi frustrada a construção da única estrada de ferro que atravessaria a zona sul da cidade: "A Estrada de Ferro Sapucaí, ou melhor, Companhia Viação Férrea Sapucaí, por concessão do governo, pretendia ligar o bairro de Botafogo ao porto fluminense de Angra dos Reis, numa extensão de 193 km, sendo que pelo Decreto n" 1587 de 10/10/1891 foi autorizada a mesma empresa a estender seus trilhos até Guaratiba. Entretanto, não se inaugurou o ramal projetado, porque o traçado da via férrea foi
modificado, devido à reclamação da Companhia Melhoramentos da Lagoa. *** Todavia, um trecho foi iniciado em 1891, de cerca de 800 m, partindo do lado do Leblon e contornando a montanha dos Dois Irmãos em direção à Praia da Gávea. Foi o início da atual Avenida Niemeyer. O empreendimento, então foi paralisado e posteriormente desistiu a Companhia Sapucaí de sua realização, cobrindo o mato os cortes abertos na montanha e os aterros feitos foram levados pelo mar. . . Mais tarde, em 1912, o diretor do Ginásio ' Anglo Brasileiro, Charles Weeksteed Armstrong, procurou completar a estrada abandonada, aumentando-a numa extensão de 400 m, pretendendo melhorar o acesso ao seu estabelecimento de ensino. Em 1915, o Comendador Conrado Jacob Niemeyer, proprietário no local, empreendeu à sua custa o prolongamento da belíssima passagem e ofereceu-a como logradouro público à Prefeitura, no dia 20/10/1916. Em 1920, a Prefeitura, por ocasião da visita do Rei Alberto, da Bélgica, resolveu alargar a estrada e, além de aumentar o raio de suas curvaturas, procedeu à macadamização da mesma".
OBS * Vale lembrar, ainda, a localização de algumas indústrias têxteis em terrenos ribeirinhos de Vila Isabel, Tijuca e Andaraí. ** Dentre essas indústrias pode-se citar as Companhias Progresso Industrial do Brasil (Bangu), Mavilis e Bonfim (Caju), Cruzeiro (Andaraí), Luz Stearica (São Cristóvão), Brahma (Centro) e Corcovado (Jardim Botânico). *** A Companhia Melhoramentos da Lagoa e Botafogo havia assumido a responsabilidade de beneficiar a área da Lagoa Rodrigo de Freitas em 1896. Figura página 58
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Evidentemente, a preservação da zona sul para as classes de renda mais alta seria violentada com o aparecimento, no século XX, das favelas. Essas, entretanto, só permaneceram aí enquanto proporcionaram mais benefícios do que custo, tanto ao capital como ao Estado. Quando, a partir de 1960, a relação custo benefício se inverteu, a maioria delas foi sumariamente erradicada, e seus moradores removidos para as áreas suburbanas. Isto será discutido, entretanto, em capítulo posterior. Resta discutir, para encerrar a análise do período 1870-1902, o incremento populacional ocorrido no outro lado da baía na época, que se refle-tia sobretudo no aumento do número de viagens entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói. Com efeito, já em 1884 a Companhia Ferry mantinha "52 viagens diárias da Corte para Nictheroy, até uma hora e vinte minutos da noite, das quaes, vinte e duas pela manhã e trinta à tarde e à noite. De Nictheroy para a Corte, as viagens eram 51:23 pela manhã e 28 à tarde, e à noite, até l hora e 20 minutos da madrugada". Mais tarde, em 1 889, o processo de urbanização de Niterói atingiu tamanha intensidade e lucratividade, que a Companhia de Barcas Ferry absorveu a Empreza de Obras Públicas no Brasil, que fora criada para explorar os serviços públicos de abastecimento de água e de carris na capital fluminense. Dessa junção surgiu a Companhia Cantareira e Viação Fluminense, que a partir de 1908 passaria ao controle da Leopoldina e monopolizaria, durante muito tempo, não só o transporte de passageiros na baía de Guanabara, como a provisão de infra-estrutura física na sua orla oriental.
3.5 ENFIM O ESPAÇO CAPITALISTA A REFORMA PASSOS58
A primeira década do século XX representa, para a cidade do Rio de Janeiro, uma época de grandes transformações, motivadas, sobretudo, pela necessidade de adequar a forma urbana a forma urbana às necessidades reais de criação, concentração e acumulação do capital. Com efeito, o rápido crescimento da economia brasileira, a intensificação das atividades exportadoras e, conseqüentemente, a integração cada vez maior do país no contexto capitalista internacional, exigiam uma nova organização do espaço (aí incluído o espaço urbana de sua capital), condizente com esse novo momento de organização social. Este momento, que se iniciara em 1894, quando a oligarquia cafeeira retomou o poder político, cristalizou-se durante a administração Rodrigues Alves, que indicou para o cargo de Prefeito do Distrito Federal um dos responsáveis pelo antigo (1875) plano da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro, jamais implementado: Francisco Pereira Passos. O Prefeito Passos comandou, então, no curto período de quatro anos a maior transformação já verificada no espaço carioca até então, um verdadeiro programa de reforma urbana.
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A transformação da forma urbana visava sobretudo resolver as contradições que ela apresentava. Era imperativo agilizar todo o processo de importação/exportação de mercadorias, que ainda apresentava características coloniais devido à ausência de um moderno porto. Era preciso, também, criar uma nova capital, um espaço que simbolizasse concretamente a importância do país como principal produtor de café do mundo, que expressasse os valores e os modi vivendi cosmopolitas e modernos das elites econômica e política nacionais. Nesse sentido, o rápido crescimento da cidade em direção à zona sul, o aparecimento de um novo e elitista meio de transporte (o automóvel), a sofisticação tecnológica do transporte de massa que servia às áreas urbanas (o bonde elétrico), e a importância cada vez maior da cidade no contexto internacional não condiziam com a existência de uma área central ainda com características coloniais, com ruas estreitas e sombrias, e onde se misturavam as sedes dos poderes político e econômico com carroças, animais e cortiços. Não condiziam, também, com a ausência de obras suntuosas, que proporcionavam "status" às rivais
platinas. Era preciso acabar com a noção de que o Rio era sinônimo de febre amarela e de condições anti-higiênicas, e transformá-lo num verdadeiro símbolo do "novo Brasil". Para empreender seu programa de reformas, Passos determinou, logo após ser nomeado, a reorganização da antiga Comissão da Carta Cadastral, que deveria fornecer o apoio logístico necessário às obras que pretendia realizar, as quais foram discriminadas na mensagem encaminhada à Câmara em 1/9/1903 sob o título "Embelezamento e Saneamento da Cidade". Três meses antes, entretanto, o prefeito já havia inaugurado sua primeira obra, ou seja, o alargamento da rua do Sacramento, a qual, a partir de 1910, levaria o seu nome. A reorganização da Comissão (agora Serviço) da Carta Cadastral teve as suas primeiras conseqüências concretas na instituição do recuo progressivo dos edifícios, e na uniformização dos planos de alinhamento das ruas da cidade, que passaram também a ser numerados. Os PA* números 1/2 e 4 referiram-se à ligação da Lapa com o Estácio, através da abertura das ruas Salvador de Sá e Mem de Sá, de 17 metros de largura em terrenos obtidos com a conclusão das obras de demolição do Morro dó Senado, que se arrastavam há décadas. (Mapa 3.4). Para a sua construção foram demolidas, entretanto, inúmeras casas que serviam de residência às populações pobres das freguesias de Santo António e Espírito Santo. Iniciava-se, assim, com impetuosidade, o processo de renovação urbana das freguesias centrais, que viria a atingir principalmente os quarteirões operários.
OBS * Planos de Alinhamento
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A abertura dessas novas vias de circulação seguiu-se uma série de obras que objetivavam o alargamento das principais artérias do centro ou de suas imediações. Foram assim alargadas, para 17m, as ruas Estácio de Sá, Frei Caneca, Assembléia, Uruguaiana, Carioca e Visconde do Rio Branco; para 24m as ruas Estreita de São Joaquim (continuação da rua Larga de São Joaquim, atual Marechal Floriano) e Visconde de Inhaúma, e, para 14 m, a rua Mariz e Barros. Alargaram-se, também, as ruas Treze de Maio, Acre, Camerino, Sete de Setembro, São José, Ramalho Ortigão, e muitas outras. Note-se que, na maioria dos casos, a Prefeitura desapropriava mais prédios do que aqueles necessários para o alargamento das ruas. Visava com isso a venda dos terrenos remanescentes (e agora valorizados) após o término das obras, ressarcindo-se assim de grande parte dos seus custos. Continuando o seu programa de melhoramentos da capital, Passos determinou o uso do calçamento asfáltico em várias ruas do Centro, Catete, Glória, Laranjeiras e Botafogo, fato que adquiriu importância por ser esta a primeira vez que esse tipo de calçamento era utilizado no Brasil .São Cristóvão e Engenho Velho tiveram, por sua vez, várias de suas ruas calçadas com macadame betuminoso, enquanto pouco ou nada se fez nas áreas suburbanas. Decidido a melhorar a acessibilidade da zona sul ao centro, ordenou o prefeito a construção da Avenida Beira Mar, que deveria ligar a antiga Praia de Santa Luzia ao Mourisco, numa extensão de 5.200 m, e com uma largura de 33 m. Construída no tempo recorde de 23 meses, e tendo grande parte do seu eixo em terrenos conquistados ao mar, a avenida passou a ser "um dos boulevards mais lindos do mundo", com suas duas pistas de rolamento de 9 m cada uma, separadas por um refúgio central de 7 m. O trecho entre a Praia do Flamengo e a de Botafogo exigiu a abertura de uma nova avenida, chamada da Ligação, e que mais tarde passaria a denominar-se Oswaldo Cruz. Quanto às obras de embelezamento propriamente ditas, várias foram as ações empreendidas por Passos. A Praça XV, o largo da Glória, o Largo do Machado, a Praça São Salvador, a Praça Onze de Junho, o Passeio Público e a Praça Tiradentes foram agraciados com estátuas imponentes e/ou tiveram seus jardins melhorados; as ruas do Centro, Botafogo e Laranjeiras passaram pôr um surto de arborização e as estradas do Alto da Boa Vista sofreram várias modificações. Além disso, foram construídos pavilhões arquitetônicos em determinados pontos da cidade (Pavilhões de Regatas e Mourisco, em Botafogo, Vista Chinesa, Pavilhão do Campo de São Cristóvão), além de "um teatrinho Guignol para a petizada" na Praia de Botafogo. Deu-se início, ainda à construção do Teatro Municipal, em terreno adquirido pela Prefeitura "por 551:875$000. Esta obra, que teve toda a sua estrutura metálica importada da Europa, era, segundo uma artista francesa em visita ao Rio e presente à inauguração "plus riche que celui de l’Opéra de Paris".
Mapa 3.4 Página 62 – A cidade do Rio de Janeiro após a reforma passos
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A integração de Copacabana ao espaço urbano foi, por sua vez, promovida pelo poder público, seja através da intimação dada à Companhia Jardim Botânico para acelerar a obra de perfuração do Túnel do Leme (inaugurado em 4/3/1906), seja pela construção da Avenida Atlântica, de início modesta, com apenas 6 m de largura, embora pavimentada. Preocupado também com o saneamento e a higiene da cidade, ou pelo menos de alguns de seus bairros, Passos mandou canalizar o Rio Carioca (que atravessa Laranjeiras e Flamengo) e partes dos rios Berquó (Botafogo), Maracanã, Joana e Trapicheiro (Tijuca). Além disso, saneou parte da Lagoa Rodrigo de Freitas e
determinou que o lixo urbano fosse removido para a Ilha de Sapucaia. Também em nome da higiene e da estética, declarou guerra aos quiosques da cidade e proibiu a venda de vários produtos por ambulantes, atingindo, por conseguinte, as fontes de renda de grande número de pessoas. Proibiu ainda o exercício da mendicância e demoliu uma série de cortiços, que já haviam sido proibidos de sofre reparos por lei municipal de 10/2/1903. Embora não relacionadas diretamente com a administração Passos, visto que financiadas e construídas pela União, outras obras de grande vulto foram realizadas na cidade nesse período. Embora menores em número, elas tiveram, entretanto, efeitos sociais muito mais intensos que as de Passos propriamente ditas, devido à sua monumentalidade. A mais importante, em termos de transformação da forma urbana, foi sem dúvida a construção da Avenida Central (atual Rio Branco) para cuja abertura foram demolidas "duas ou três mil casas, muitas com famílias numerosas", custando as desapropriações ao Governo Federal a quantia de 26.456:638$01961*. Esta avenida era, sem dúvida, o complemento natural de duas outras grandes obras que se realizavam na cidade, ou seja, a Avenida Beira Mar (pela administração Passos) e o novo porto do Rio de Janeiro (a cargo da União). Decorria também da necessidade do capital e dos valores da época de se expressarem simbolicamente no espaço, razão porque, após a sua inauguração, em 15/11/1905, "as melhores casas comerciais foram ali instaladas; os jornais construíram seus prédios monumentais e as grandes companhias, clubes, hotéis e vários edifícios do governo (Escola de Belas Artes, Biblioteca Nacional, Supremo Tribunal, Teatro Municipal, Palácio Monroe) foram nela localizados ". As duas outras obras a cargo do Governo Federal foram a construção do porto do Rio de Janeiro e a abertura das avenidas que lhe davam acesso (Francisco Bicalho e Rodrigues Alves, tudo em aterro. Embora menos dramáticas em termos de seus efeitos sociais, já que não exigiram tantas demolições, sua importância econômica foi entretanto fundamenta pois eliminaram vários entraves à circulação de mercadorias, contribuindo, assim, para a integração efetiva do país na nova divisão internacional do trabalho. O período Passos (aqui incluídas as obras realizadas pela União) foi, pois, um período revolucionador da forma urbana carioca, que passou a adquirir, a partir de então, uma fisionomia totalmente nova e condizente com as determinações econômicas e ideológicas do momento. Nas palavras de Noronha Santos, a cidade. "ia perdendo pouco a pouco, o aspecto pictoresco e inconfundível de grande villa portuguesa. Modificara a feia e pesada edificação colonial e banira archaicas usanças commerciaes. Abandonara para sempre a indumentária desataviada, como que num gesto de repulsa de senhora de alta distincção. Queria ser nova e bonita, com automóveis a aguçarem-lhe a ânsia de vida farta e confortável". A Reforma Passos foi também importante em três outros aspectos. Em primeiro lugar, ela representa um exemplo típico de como novos momentos de organização social determinam novas funções à cidade, muitas das quais só podem vir a ser exercidas mediante a eliminação de formas antigas e contraditórias ao novo momento. Em segundo lugar, representa também ò primeiro exemplo de intervenção estatal maciça
sobre o urbano, reorganizado agora sob novas bases econômicas e ideológicas, que não mais condiziam com a presença de pobres na área mais valorizada da cidade. OBS * As informações a respeito do número de desapropriações (Apud Leeds) e de custo (Apud Reis) são conflitantes com aquelas fornecidas por Lobo, que diz terem sido desapropriadas 641 casas de comércio e renda ao custo de 8.000:000$000.62. Figura – página 64
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Figura – página 66
De fato, o alargamento das ruas centrais e a abertura de novas artérias, que atravessaram preferencialmente as velhas freguesias artesanais e industriais, "destruiu os quarteirões de cortiços, habitados pelos proletário, e os armazéns e trapiches dos bairros marítimos, numa extensão de aproximadamente 13 ha". Grande parte da população foi, então, forçada a morar com outras famílias, á pagar aluguéis altos (devido à diminuição da oferta de habitações) ou a mudar-se para os subúrbios, já que pouquíssimas foram as habitações populares construídas pelo Estado em substituição às que foram destruídas. Conforme relata Oliveira Reis: "Devido ao fato de que as desapropriações e demolições afetavam os locais de moradia da classe operária, Passos enviou à Câmara Municipal mensagem solicitando autorização para a construção de casas para operários. Obteve o Decreto 1042, de 18/7/1905. Por esse decreto, podia aproveitai-as sobras dos terrenos desapropriados para a abertura da Avenida Salvador de Sá e de outras constantes do plano para construir casas para operários, que pagariam aluguel mensal de, no máximo, 12% do custo das mesmas. Na sua administração foram construídas 120 casas, totalizando 12.743 m2 nas ruas Mendes Campos, Salvador de Sá e Leopoldo". Finalmente, o período Passos também se constitui em exemplo de como as contradições do espaço, ao serem resolvidas, muitas vezes geram novas contradições para o momento de organização social que surge. E a partir daí que os morros situados no centro da cidade (Providência São Carlos, Santo Antônio e outros), até então pouco habitados, passam a ser rapidamente ocupados, dando origem a uma forma de habitação popular que marcaria profundamente a feição da cidade neste século - a favela. O Morro
da Providência, por sinal, já era conhecido como Morro da Favela desde 1897, quando passou a ser habitado por militares de baixa hierarquia retornados de Canudos. A destruição de grande número de cortiços fez, pois, da favela a única alternativa que restou a uma população pobre, que precisava residir próximo ao local de emprego. E essa população, paradoxalmente, não cessava de crescer, atraída que era à cidade pelo desenvolvimento industrial e pelos empregos na construção civil. Com efeito, a esse respeito dizia Backheuser em 1906: "A situação da classe pobre era, pois, muito precária, apesar da existência de trabalhos bem remunerados no Rio atualmente. Mas por isso mesmo chegavam diariamente, de todos os lugares circunvizinhos, camponeses, que trocavam seus serviços na roça por ocupações de operário. . . A população pobre aumentou sem que alimentasse o número de casas ". Nem todos os que eram expulsos dos cortiços ou que chegavam à cidade localizaram-se, entretanto, nas favelas. A grande maioria, ao que parece, instalou-se nus subúrbios, contribuindo assim para a sua ocupação efetiva. Os dados apresentados na Tabela 3.6, referentes ao período 1890-1906, parecem confirmar isso, indicando o apreciável aumento populacional ocorrido nas freguesias suburbanas mais próximas do Centro: Engenho Novo e Inhaúma. Note-se ainda, nessa mesma tabela, os efeitos da Reforma Passos sobre as freguesias centrais, as quais, se não apresentaram decréscimos de população (como ocorreu com as de Candelária, Santa Rita e Sacramento, as mais sacrificadas em termos de demolições), tiveram taxas de crescimento sensivelmente menores do que aquelas apresentadas pelas demais freguesias da cidade. A Tabela 3.6 indica, ainda, a progressão da ocupação residencial burguesa na zona sul e na freguesia do Engenho Velho, que eram agora servidas por bondes elétricos. Com efeito, a partir de 1904 toda a linha da Companhia Jardim Botânico passou a ser eletrificada, o mesmo acontecendo, a partir de 1905, com as linhas das Companhias São Cristóvão, Carris Urbanos e Vila Isabel, detentoras de volume de tráfego apreciável (Tabela 3.7). Essas três últimas passaram ainda, nesse mesmo ano, a ser administradas pela Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited,* empresa canadense concessionária dos serviços de energia elétrica da cidade, que em breve passaria a ter virtual monopólio sobre os serviços públicos da cidade.
Tabela 3.6 – página 67 – População residente e taxa de crescimento demográfico das freguesias do Rio de Janeiro Tabela 3.7 – página 67 – Número de passageiros transportados pelas companhias São Cristóvão, Vila Isabel e carris urbanos (1904 – 1906) Concluindo, o período Passos, verdadeiro período Haussmann à la carioca, representa, para o Rio de Janeiro, a superação efetiva da forma e das contradições da cidade colonial-escravista, e o início de sua transformação em espaço adequado às exigências do Modo de Produção Capitalista. Neste movimento de transição o papel do Estado foi fundamental, tanto no que diz respeito à sua intervenção direta sobre o urbano, como no que toca ao incentivo dado à reprodução de diversas unidades do
capital. Dialeticamente, o período Passos representa também a etapa inicial de desenvolvimento de novas e importantes contradições – agora de base totalmente capitalista - que marcarão profundamente a evolução da cidade no século XX, e que serão discutidas a seguir. OBS * A transferência da concessão dessas companhias para a Light só iria ocorrer, entretanto, em 1916.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS l.BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti. Evolução, da Paisagem Urbana do Rio de Janeiro até o'; Início do Século XX. Boletim Carioca de Ge-\ ografia.^2 (l e 2), 1959, p. 33. .,--'' 2. Ibid.p^'^' ., 3. Ibid, p. 3 f 4. Ibid, pp. 33-34. 5. Ibid, pp. 35-37. 6. NORONHA SANTOS, Francisco Agenor. As Freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1965, p. 49. 7. BERNARDES, Lysia M.C., op. cit., p. 37. 8. SEGADAS SOARES, Maria Therezinha. Fisionomia e Estrutura do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia 27(3), julho/setembro. 1965, p. 360. 9. Ver sobre o assunto BERNARDES, Lysia M.C., op. cit., p. 37, e NORONHA SANTOS, F.A. 10. LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital industrial e financeiro). Rio de Janeiro, IBMEC, 1978, vol. l, p. 242. 11. Ibid, pp. 243-244. 12. Ver BARDY, Cláudio. O Século XIX. In GOVERNO DO ESTADO DA GUANABARA, Rio de Janeiro em seus Quatrocentos Anos -Formação e Desenvolvimento da Cidade. Rio de Janeiro, Record, 1965, p. 119. 13. NORONHA SANTOS, Francisco Agenor. Meios de Transporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typographia do Jornal do Commercio, 1934 vol. l, p. 262. 14. Ibid, p. 262. 75. Ibid, p. 263. 16. ESTADO DA GUANABARA, Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral, Programas de Governo, vol. III (Desenvolvimento Econômico e Social - Serviços Públicos Básicos A). Rio de Janeiro, 1974, sem página numerada. 17. Sobre o assunto, ver NORONHA SANTOS, F.A. Meios de Transporte no Rio de Janeiro, op. crt., vol. 2, p. 217. 18. Ibid, T3 218 19. Uma análise sucinta do desenvolvimento dessas vilas da Baixada Fluminense é apresentada por SEGADAS SOARES, Maria Therezinha. Nova Iguaçu: Absorção de uma Célula Urbana pelo Grande Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, 24 (2), 1962, pp. 155-256. 20. SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Transpor-
tes de Massa - Condicionadores ou Condicionados? Revista de Administração Municipal, 24 (144), setembro/outubro, 1977, p. 25. 21. BARAT, Josef. Estrutura Metropolitana e Sistema de Transportes: estudo do caso do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1975, pp. 99-100. 22. DUNLOP, Charles. Os Meios de Transportes do Rio Antigo. Rio de Janeiro, Ministério dos Transportes, Serviço de documentação, 1972, p. 37. Apud BARAT, Josef, op. cit., p. 100. 23. NORONHA SANTOS, F.A. Meios de Transporte no Rio de Janeiro, op. cit., vol. l, p. 260. 24. Ibid, p. 269. 25. NORONHA SANTOS, F.A Meios de Transporte no Rio de Janeiro, op. cit., pp. 271-272. 26. Ibid, pp. 276-277. 27. NORONHA SANTOS, F.A. As Freguesias do Rio Antigo, op. cit., p. 42. 28. LOBO, Eulália Maria Lahmeyer, op. cit., vol. l, p. 246. 29. NORONHA SANTOS, F.A. As Freguesias do Rio Antigo, op. cit., p. 86. 30. Ibid, p. 90 31. NORONHA SANTOS, F.A. Meios de Transporte _np Rio de Janeiro, o£._.czí.,-vol,-l,.pJ.._3J.8.___ /J2. REIS, José de Oliveira. O Rio de Janeiro e seus . Prefeitos: Evolução Urbanística da Cidade. Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade do Rio de v....._ Janeiro,J977, p. 8. >••• ........ 33. NORONHA SANTOS, F.A. As Freguesias do Rio Antigo, op. cit., p. 90. 34. NORONHA SANTOS, F.A. Meios de Transporte no Rio de Janeiro, op. cit., vol. l, p. 344. 35. Ibid, pp. 241-242. 36. Ibid, pp. 338-339. 37. REIS, José de Oliveira, op. cit., p. 10. 38. NORONHA SANTOS, F. A. Meios de Transporte • no Rio de Janeiro, op. cit., vol. l, p. 341.
39. BRONSTEIN, Olga & LUCENA, Henrique. Um Estudo para a Lagoa Rodrigo de Freitas, trabalho inédito, PUR/COPPE/UFRJ, 1973. 40. REIS, José de Oliveira, op. cit., pp. 15-16. 41. LOBO, Eulália Maria Lahmeyer, op. cit., p. 237 42. Ibid. p. 238. 43. BRASIL. Conselho Superior de Saúde Pública, Pareceres sobre os Meios de Melhorar as Condições das Habitações Destinadas às Classes Pobres. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886. Apud LEEDS, Anthony & LEEDS, Elizabeth. A Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 189. 44. NORONHA SANTOS, F.A. Meios de Transporte no Rio de Janeiro, op. cit., vol. l, p. 482 45. Ibid, p. 482 46. NORONHA SANTOS, F.A. As Freguesias do Rio