BIOÉTICA E ÉTICA EM A UDITORIA UDITORIA
BRASÍLIA -DF. -DF.
Elaboração Rogério de Moraes Silva
Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................... ................................................................................................. ................................................................... ................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA ............................................................... ..................................................................... ...... 5 INTRODUÇÃO .................................................................. .................................................................................................... ................................................................... ................................. 7 UNIDADE I ................................................................................................ ................................................................... ................................. 9 BIOÉTICA E ÉTICA .............................................................. CAPÍTULO 1 ................................................................................................. ....................................... ...... 9 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ................................................................ CAPÍTULO 2 .................................................................................................... .......................................... ......... 26 BIOÉTICA E CIÊNCIA ................................................................... CAPÍTULO 3 ................................................................................................... ..................................... .... 30 REPRODUÇÃO ASSISTIDA .................................................................. CAPÍTULO 4 .................................................................................................. ..................................................... .................... 37 TRANSPLANTES ................................................................. CAPÍTULO 5 ........................................................................................................... 39 BIOÉTICA E EUTANÁSIA EUTANÁSIA ........................................................................................................... CAPÍTULO 6 .......................................................................................... .......................... 41 PESQUISA COM SERES HUMANOS ................................................................ CAPÍTULO 7 ................................................................................................. ............................... 48 ÁREAS TEMÁTICAS ESPECIAIS ESPECIAIS .................................................................. CAPÍTULO 8 ............................................................................................ .......................... 51 A BIOÉTICA E A SAÚDE PÚBLICA PÚBLICA .................................................................. CAPÍTULO 9 ............................................................................................. ............................... 54 BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS .............................................................. CAPÍTULO 10 ................................................................................................................. 61 BIOÉTICA CLÍNICA ................................................................................................................. UNIDADE II .................................................................................................... ................................................................... ..................................... ... 71 AUDITORIA ................................................................... CAPÍTULO 1 ................................................................................................ ...................................................... .................... 71 QUESTÃO ÉTICA .............................................................. CAPÍTULO 2 ................................................................................................ ................................ 77 INSTRUMENTOS DE AUDITORIA ................................................................
PARA (NÃO) FINALIZAR ...................................................................................................................... 86 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 88
Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos especícos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao prossional que busca a formação continuada para vencer os desaos que a evolução cientíco-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na prossional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial
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Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao nal, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Sugestão de estudo complementar
Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.
Praticando
Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado.
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Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final
Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar
Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.
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Introdução Para um melhor entendimento da Bioética no século XXI, que traz conceitos extremamente variados no que se refere aos temas privilegiados por pesquisadores e estudiosos da área, dois assuntos têm merecido uma atenção especial e certamente continuarão compondo a pauta básica das preocupações dos governos dos diferentes países e das comissões cientícas dos congressos bioéticos internacionais. Algumas situações da Bioética persistentes como o aborto e a eutanásia continuam dividindo o planeta com posições opostas e aparentemente inconciliáveis, e a fecundação assistida tem ocupado os principais espaços da mídia na década passada no que se refere às situações emergentes. Em um mundo onde a razão liberada impera sobre os outros conceitos éticos e losócos, há de se questionar porque a vida efetiva e emancipada do homem em sua plena autonomia deve ser condicionada ao requisito da vida ética. Por isso precisamos ter um melhor entendimento dessas questões, haja vista a complexidade do tema, que envolve cultura, religião e o próprio entendimento de “ser humano”, um ser composto de uma diversidade de sentimentos, ambições, vontades e formações culturais e socioeconômicas. Neste contexto, podemos considerar que as inovações biotecnológicas das últimas décadas vêm obrigando o homem a criar uma nova ética. Mesmo podendo divergir das várias formas de ver e entender a Ética e a Bioética, não é possível divergir da sua verdadeira necessidade, pois elas servem como freio moral para as ações do homem em relação a tudo que o cerca.
Objetivos » Identicar noções introdutórias e conceitos sobre Bioética e Ética em Auditoria. » Identicar aspectos acerca da Bioética e ciência. » Levantar aspectos relevantes a respeito da reprodução assistida. » Identicar noções importantes sobre Bioética e eutanásia. » Identicar os ensinamentos éticos sobre pesquisa com seres humanos. » Levantar aspectos relevantes acerca da Bioética e saúde pública. » Levantar aspectos relevantes acerca da Bioética e Direitos Humanos. » Identicar noções importantes sobre Bioética Clínica. » Identicar os instrumentos de Auditoria em Bioética e Ética.
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BIOÉTICA E ÉTICA UNIDADE I
CAPÍTULO 1 Noções introdutórias Apresentando a Bioética O autor George Edward Moore, em sua obra Princípios Éticos, dene que: Ética é uma palavra grega, com duas origens possíveis. A primeira é a palavra grega éthos, com e curto, que pode ser traduzida por costume, a segunda também se escreve éthos, porém com e longo, que signica propriedade do caráter. A primeira é a que serviu de base para a tradução latina Moral, enquanto a segunda é a que, de alguma forma, orienta a utilização atual que damos a palavra Ética. Portando Ética é a investigação geral sobre aquilo que é bom.
A Filosoa dá origem ao que conhecemos como a ética, pois ela surge na tentativa de dar uma resposta aos problemas que envolvem o comportamento humano. Dessa forma, a ética é, ou procura ser, uma reexão sobre a ação embasada na realidade, especialmente na área da saúde, remetendo ao conceito de Bioética o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e a atenção à saúde. Neste contexto temos a bioética, com bio representando o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas viventes, e a ética, representando o conhecimento dos sistemas. Podemos dizer que a Bioética é um campo interdisciplinar da Ética aplicada como uma das principais congurações da moralidade leiga. No aspecto sociocultural, tem sua origem na sensibilidade moral crítica dos movimentos sociais dos anos 1960, que questionavam as normas e valores absolutos, herdados da tradição, em nome de princípios prima facie. No aspecto epistemológico-metodológico, constitui-se como “diálogo” entre várias competências disciplinares, capaz de enfrentar criticamente (e resolver pragmaticamente) os conitos que surgem, nas sociedades secularizadas 10
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e contemporâneas, entre os processos do saber-fazer tecnocientíco (em particular o biomédico) e a sensibilidade ética. Neste contexto prático-teórico reconguram-se (analiticamente) antigas questões sanitárias, ou de “bioética quotidiana”, e outras novas, ou de “bioética de fronteira”. Em particular, as questões, por um lado, das iniquidades, do aborto, da eutanásia etc., e, por outro, das biotecnologias, dos direitos das gerações futuras, do meio ambiente etc. Fonte: Linha de Pesquisa Bioética e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública. LEXICON – Vocabulário de Filosoa. Disponível em: . Acesso em 25 de novembro de 2011.
A comunidade cientíca e tecnológica preconiza que poucas áreas evoluíram com tamanha rapidez quanto a Bioética. A Bioética descreve um compromisso moral, o equilíbrio e a preservação da relação dos seres humanos com o ecossistema e a própria vida do planeta. Diversas obras foram publicadas sobre bioética nos anos 1970 e início dos anos 1980. Posteriormente sintetizada e colocada como “principialismo”, a bioética desenvolveu-se sob quatro princípios básicos, dois deles de caráter teleológico ( benecência e autonomia) e os outros dois caráter deontológico (não malecência e justiça). Mesmo sem estarem losocamente sob o mesmo prisma, estes princípios foram rapidamente assimilados, passando a constituir a ferramenta mais utilizada pelos bioeticistas na mediação e/ou resolução dos conitos morais pertinentes à temática bioética. Atualmente com mais de dez diferentes raciocínios utilizados pela Bioética no seu desenvolvimento, citamos alguns: o feminismo, o naturalismo contratualismo, o naturalismo, contextualismo e outras. O contextualismo tem-se destacado pois defende que cada caso deve ser analisado individualmente, dentro dos seus contextos social, econômico e cultural.
Conceitos básicos Da ética filosófica à ética em saúde Há diculdade em denir a ética como conhecimento. Para Aristóteles não existe uma necessidade nas ações humanas e para Sócrates não é possível ensinar a virtude. Por isso é necessário conhecimento teórico e prático para dissertar sobre ética e bioética. Trabalhando com emoções, não é possível demonstrar o que são necessariamente o bem e o mal, pois a “A diculdade da Ética consiste justamente em introduzir normatividade na contingência, pois está fora de dúvida que quem age moralmente o faz a partir de normas que não são apenas relativas à pessoa e ao momento”. É possível, em uma situação, existir um bem superior e absoluto, mas é muito difícil identicá-lo na contingência em que acontecem as relações humanas.
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Ética e conhecimento Não podemos situar a ética como dimensão cultural sem separar o conhecimento e a religião, pois a relevância da ética como contexto próprio, denindo o ser humano seguido da essência de sua existência, nos leva a alcançamos regras de generalidade e de universalidade que ultrapassam o mero plano dos fatos estritamente considerados. A partir do momento que empregamos processos intelectuais de ordenação, inferimos a ordem dos fatos que interferem no conhecimento e, para separar conhecimento de moral, diferenciamse os juízos que a ciência expede na ordem de juízos propriamente morais na ordem do ver e ser. Com esta constatação estende-se que, quando ciência tratar da realidade como ela é, e a moral da realidade como ela deve ser, a ciência elaboraria juízos de realidade e a moral juízos dependentes de normatividade. Na natureza, atribuímos um grau de necessidade que nenhuma observação particular poderia justicar. Aristóteles reconhecia que o saber acerca das coisas inclui necessariamente o conhecimento das causas de seu aparecimento e de seu modo de ser. Com as teorias do conhecimento da antiguidade e da modernidade descritas por Aristóteles – ele armava que incluía na compreensão não apenas a eciência causal da produção do fenômeno, como também a nalidade a que cada parte está submetida na totalidade –, não bastaria entender como os fatos se produzem, mas seria preciso compreender a função de cada um no conjunto e as razões da ordem estabelecida para elaboração destes fatos. Por muitas vezes criticada na história das epistemologias modernas, a causalidade nal indica que o esforço de conhecimento solicita, naturalmente, completar-se na formulação das indagações relativas ao porquê dos fenômenos descritos na estrutura da realidade. Certamente este tipo de resposta, se fosse possível, permitiria um tipo de conhecimento que não seria somente mais abrangente, mas mais avaliativo, isto é, possibilitaria julgamentos mais seguros acerca da totalidade, pois nos faria ver, talvez com mais clareza, o sentido das partes e do todo, a razão da posição de cada elemento na articulação geral e o modo pelo qual convergem na sintonia e na diferença. Contudo, estaríamos ainda no plano dos juízos de realidade, no sentido em que os entendemos quando dizemos que a ciência os produz para descrever compreensivamente os seus objetos, articulando as percepções e sistematizando a experiência. Mas talvez não quemos apenas nisto. Por um misto de ingenuidade e pretensão, muitas vezes emitimos juízos que qualicam a realidade. Dizemos não apenas que as coisas são desta ou daquela maneira, mas também que é bom que sejam assim, ou que é mau, ou que poderiam ser de outra maneira. Talvez, de maneira implícita, isto ocorra sempre, sendo impossível olhar as coisas sem atribuir a elas um valor, embora a disciplina da atitude cientíca nos leve a reavaliar este modo de julgamento. Persistindo a mentalidade do senso comum, bem como no que a ciência de screve do homem comum, algo do animismo da relação primitiva com o mundo faz com que defenda-se que todas as coisas
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aparecem como benécas ou malécas, ultrapassando os poderes que interferiam na vida e nas ações humanas, ou seja nos sentimentos e emoções. Portanto, conhecer é saber como aproveitar o caráter benéco e propiciatório ou presumir o mal que as consequências advindas do próprio conhecimento das coisas poderiam causar. A ciência buscou eliminar esta valoração inicialmente pelo conhecimento das causas materiais que regem o comportamento dos seres naturais e, em seguida, por meio de leis gerais e necessárias que nos permitem prever este comportamento para, desta forma, dominá-lo. Com isso o mundo deixa de ser enigma quando o conhecimento se torna sinônimo de determinação necessária.
Bioética e seu verdadeiro significado Sabendo que o termo Bioética origina-se do grego éthos – que expressa a conduta, o hábito ou comportamento –, a terminologia indica que esta é a ciência que busca dirigir ou disciplinar a conduta humana. Essas duas concepções diferentes fundamentam diversas reexões sobre a bioética. A primeira sugere uma reexão acerca do ideal ao qual o homem, pela sua natureza ou essência, deve se dirigir, a segunda sobre os motivos ou as causas que determinam a conduta e se restringe ao conhecimento dos fatos. Entende-se a Bioética como a ética aplicada à vida e esta abrangendo temas que vão da simples relação interpessoal aos mais variados fatores que podem interferir na sobrevivência do próprio planeta. Na Medicina a Bioética está relacionada ao bem-estar do homem e dos animais. O termo “bioética” foi inicialmente usado em 1970, por Van Rensselaer Potter, doutor em Bioquímica, pesquisador e professor na área de Oncologia no Laboratório McArdle da Universidade de Wis consin/ EUA. Contudo, este tema teve sua relevância ao estudar vários abusos com o uso indiscriminado de animais e seres humanos em experimentos e técnicas desumanizantes que foram surgindo rapidamente, em especial relacionados à clonagem de seres humanos que deram origens às mais complexas discussões sobre a bioética. Com a insipiência dos referenciais éticos tradicionais, devido ao rápido progresso cientíco, tornouse fácil constatar que os códigos de ética das diferentes prossões não evoluíam no mesmo ritmo do progresso cientíco, sendo por muitas vezes insucientes para julgar temas polêmicos em especial os da bioética. As descobertas cientícas, por diversas vezes, afetaram positiva ou negativamente a sociedade, com vantagens e desvantagens das tecnologia ou experimentos cientícos que muitas vezes foram questionados, necessitando de avaliações de comitês constituídos por indivíduos de diversas formações. Sendo assim, percebeu-se a necessidade de a bioética envolver prossionais das mais diferentes áreas; como as Tecnociências (Medicina, Veterinária e Biologia); Ciências Humanas (Filosoa, Teologia, Psicologia e Antropologia); Ciências Sociais (Economia e Sociologia); Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Contabilidade e Economia), Ciências Jurídicas 13
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e Políticas entre outras, com a Bioética se rmando em quatro princípios básicos dinidos como Princípios da Benecência e Não Malecência, Princípio da Autonomia e da Justiça.
O Princípio da Beneficência e Não Maleficência O Princípio da Não Malecência (Benecência) preconiza que toda e qualquer tecnologia deve trazer benefícios para a sociedade e jamais causar-lhe malefícios. É fato nos dias de hoje, que a bioética está mais relacionada aos seres humanos do que aos animais, pois a maior parte dos experimentos existentes visa beneciar o homem e não os animais. Com o objetivo de conhecer o que é o bom e o que é o bem e os seus opostos, com os princípios e argumentos que os fundamentam, justicam e diferenciam, estes constituem o conteúdo geral da ética teórica. Com muita propriedade, George Edward Moore arma na sua obra Principia Ethica: O que é bom? E o que é mau? E ele deu o nome de ética à discussão dessa questão e a pergunta sobre como deve denir-se o bom como a questão mais importante de toda a ética. Este estudo é que se ocupa das ações das pessoas, como o seu agir pode ser qualicado de bom ou de mau, é este agir que embaza o conteúdo da ética prática. A esse respeito, diz Aristóteles na Ética a Nicômaco: “Não pesquisamos para saber o que é a virtude, mas para sermos bons”. Essa armação esclarece que o interesse de Aristóteles nessa obra é basicamente prático. As teorias éticas ou as escolas éticas que apresentam a sua doutrina como uma série de normas para agir de modo correto são chamadas de éticas normativas. Dentre os diversos tipos de éticas normativas cabe destacar a teoria do dever vinculado ao imperativo categórico, de Immanuel Kant, e a teoria dos deveres num primeiro momento ou deveres numa primeira consideração (prima facie duties), de William David Ross. Essa última teoria tem grande inuência na teoria conhecida como o principialismo. Portanto este princípio traz a questão que, para sermos éticos e bioéticos, temos que praticar o Princípio da Não Malecência (Benecência), ou seja, não somente praticar o mal mas ir muito mais além, fazendo o bem.
O Princípio da Autonomia e o Consentimento Livre e Esclarecido Também conhecido como Princípio da Liberdade (Autonomia), este principío leva em consideração a relação médico-paciente, em que este último tem o direito a todas as informações pertinentes ao seu estado de saúde, assim como ao tratamento a ser prescrito, tendo ainda toda a liberdade para decidir se irá ou não se submeter ao tratamento determinado. Em casos em que o paciente não possa decidir, seus responsáveis tomaram a decisão. Tomar uma decisão é o problema fundamental na relação médico-paciente, principalmente nos procedimentos de diagnósticos e terapêuticos. O impasse criado se impõe nas várias situações que ocorrem: a decisão cabe ao médico, aquele que tem experiência e conhece os meios de cura ou ao paciente que é arquiteto do seu próprio destino? 14
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Esta discussão aborda outras questões; uma delas é: qual deve ser a postura do médico? Deve contar ao paciente, com detalhes, os procedimentos, bom como as condutas de diagnósticos e terapêuticas? Deve, sempre, obter consentimento do paciente e familiares para a realização dessas condutas? O juramento de Hipócrates tende à postura clássica do médico na relação médico-paciente, uma postura virtuosa daquele que está preparado e tende a buscar o bem-estar do próximo, sacricando seu próprio bem-estar, colocando em prática o Princípio da Benecência. Ainda hoje esse juramente se perpetua sendo a expressão máxima e alicerce da postura ética da Medicina. Como em toda regra, existe uma lacuna que pode ser reetida, o médico também tem que deixar o livre arbítrio do paciente decidir. O juramento se baseia na moral medica e no apogeu do período da cultura grega no nal do séc. V e séc. IV a.C. A herança da medicina sacerdotal tinha como obrigação guardar os segredos sobre a doutrina. Simboliza a divisão dos homens, separados pela ciência oculta que só era acessível a poucos. Começa a divisão entre o prossional e o leigo, expressa nas palavras nais do Nomos hipocrático: “As coisas consagradas só devem ser reveladas aos homens consagrados; é vedado revelá-las aos profanos, uma vez que não estão iniciados nos mistérios do saber”. Porém, nessa época, aparece um novo tipo de médico na Grécia, o prossional da medicinaciência, que esquece o cunho religioso. Esse novo prossional converteu a medicina grega em uma arte consciente e metódica, baseadas em fatos verdadeiros, deixando as concepções religiosas e losócas. Com o passar dos tempos, o médico que já não era mais ligado ao misterioso, ao oculto, buscava formas de expor e se comunicar com os pacientes, am de encontrar um caminho inteligível nessa relação. Surge assim a literatura médica, que se destina às pessoas leigas. Com essa divulgação, nasce um novo intelectual, “o homem culto em Medicina” mesmo não possuindo todos os conhecimentos e especialidades, ele cria matérias que se destinam à grande massa ignorante. O momento ideal para transmitir ao leigo a informação do médico é durante o relacionamento com o paciente. Antigamente a relação entre médico – paciente era muito adversa; existia o médico de escravo, um médico frio e tirano, que não dava informação alguma sobre os procedimentos, e o médico dos homens livres, que expunha detalhadamente cada tipo de procedimento e diagnóstico. Platão vê nessa conduta médica, baseada no esclarecimento detalhado do paciente, o real ideal da terapêutica cientica. A busca de uma relação mais harmoniosa entre paciente e médico por meio do esclarecimento é o princípio da ciência médica recém criada, ainda que existam vestígios da medicina sacerdotal.
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As ideias da ciência médica davam um tom de absolutismo e de controle ao médico, nascendo a conduta autoritária e paternalista deste para com o paciente. Durante o período medieval a medicina era aplicada por teólogos, moralista e confessores, assim o médico tinha plenos poderes. Com a Revolução Francesa, o Renascimento, a redescoberta do espírito da Grécia clássica traz novas luzes ao conhecimento humano. A arte é a primeira a ressurgir, seguida pela losoa e pela ciência. O pensamento humano começa a ressuscitar os ideais da cultura grega e os anseios de liberdade e democracia renascem. Criam-se os ideiais modernos que teriam a forma dos direitos humanos. No séc. XVIII, quando a democracia ressurge, ela não é apenas um poder do povo, mas também um direito de cada um. Na relação médico-paciente, o até então leigo não era considerado mais só como o incompetente físico, mas também moral, por isso devia ser conduzido em ambos os campos pelo seu médico. Assim, essa relação continuava sendo tradicionalmente paternalista e absolutista. Em 1969, nos Estados Unidos, por um acordo entre um grupo de associações de consumidores e usuários e a Comissão Americana de Credenciamento de Hospitais (JCAH), surgiu um documento que é considerado a primeira carta de Direitos do Paciente, sob a perspectiva do usuário de hospitais. Em 1973, o Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar recomendou aos hospitais e outras entidades de saúde que adotassem e distribuíssem declarações de direitos dos pacientes. Nesse mesmo ano, a Associação Americana dos Hospitais (AHA) aprovou uma Carta de Direitos do Paciente. Outros países passaram a adotar essas medidas. O movimento pelos direitos do paciente, nos Estados Unidos, não se originou de uma luta social pela liberdade, mas pelos direitos do consumidor, isto é, quem paga pelo serviço tem direito à qualidade do atendimento. À medida que essa ideia se divulgava, o seu caráter sofria mudanças e seus limites se expandiam. Os avanços tecnológicos criaram um grande ramo para reexão, a Bioética. Visualizando, atualmente, esses fenômenos dentro da perspectiva histórica, as Declarações de Direitos do Paciente, somadas aos questionamentos de ordem ética surgidos com os avanços tecnológicos e ao aparecimento da Bioética, provocaram na ética dos prossionais de saúde uma verdadeira revolução – que poderia ser enfocada como a chegada da Revolução Francesa na Medicina, ou melhor dito, nas Ciências da Saúde. A Revolução Francesa estabeleceu três princípios básicos para que os homens pudessem viver com dignidade: liberdade, igualdade e fraternidade. Na Bioética, a relação médico-paciente pode reduzir-se a três tipos de agentes: o médico, o paciente e a sociedade, cada um com um signicado moral especíco: o paciente atua guiado pelo princípio da autonomia, o médico pelo da benecência e a sociedade pelo da justiça. A autonomia corresponde, nesse sentido, ao princípio de liberdade, a benecência ao de fraternidade e a justiça ao de igualdade. 16
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Autonomia é um termo derivado do grego “auto” (próprio) e “nomos” (lei, regra, norma). Signica autogoverno, autodeterminação da pessoa de tomar decisões que afetem sua vida, sua saúde, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais. Refere-se à capacidade de o ser humano decidir o que é “bom”, ou o que é seu “bem-estar”. A pessoa autônoma é aquela que tem liberdade de pensamento, é livre de coações internas ou externas para escolher entre as alternativas que lhe são apresentadas. Para que exista uma ação autônoma (liberdade de decidir, de optar) é também necessária a existência de alternativas de ação ou que seja possível que o agente as crie, pois se existe apenas um único caminho a ser seguido, uma única forma de algo ser realizado, não há propriamente o exercíc io da autonomia. Além da liberdade de opção, o ato autônomo também pressupõe haver liberdade de ação, requer que a pessoa seja capaz de agir conforme as escolhas feitas e as decisões tomadas. Logo, quando não há liberdade de pensamento, nem de alternativas, quando se tem apenas uma opção de escolha, ou ainda quando não existe liberdade de agir conforme a alternativa ou opção desejada, a ação empreendida não pode ser julgada autônoma. A evolução histórica do respeito à autonomia, ou seja, a conquista do respeito à autonomia é um fenômeno histórico bastante recente, que vem deslocando pouco a pouco os princípios da benecência e da não malecência como prevalentes nas ações de assistência à saúde. A partir dos anos 1960, movimentos de defesa dos direitos fundamentais da cidadania e, especicamente, dos reivindicativos do direito à saúde e humanização dos serviços de saúde vêm ampliando a consciência dos indivíduos acerca de sua condição de agentes autônomos. Desde a década de 1980 no Brasil, os códigos de ética prossional vêm tentando estabelecer uma relação dos prossionais com seus pacientes, na qual o princípio da autonomia tenda a ser ampliado. Em nosso País, cresce a discussão e a elaboração de normas deontológicas sobre as questões que envolvem as relações da assistência à saúde, contendo os direitos fundamentais que devem reger a vida do ser humano. O princípio da autonomia não deve ser confundido com o princípio do respeito da autonomia de outra pessoa. Respeitar a autonomia é reconhecer que ao indivíduo cabe possuir certos pontos de vista e que é ele quem deve deliberar e tomar decisões segundo seu próprio plano de vida e ação, embasado em crenças, aspirações e valores próprios, mesmo quando divirjam daqueles dominantes na sociedade ou daqueles aceitos pelos prossionais de saúde. O respeito à autonomia requer que se tolerem crenças, escolhas das pessoas desde que não constituam ameaça a outras pessoas ou à coletividade. Anal, cabe sempre lembrar que o corpo, a dor, o sofrimento, a doença são da própria pessoa. O respeito pela autonomia da pessoa conjuga-se com o princípio da dignidade da natureza humana, aceitando que o ser humano é um m em si mesmo, não somente um meio de s atisfação de interesses de terceiros, comerciais, industriais, ou dos próprios prossionais e serviços de saúde. Certamente que não se espera que a autonomia individual se ja total, completa. Autonomia completa é um ideal a ser buscado.
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O homem não é totalmente autônomo, mas isso não signica que sua vida esteja totalmente determinada por emoções, fatores econômicos e sociais ou inuências religiosas. Apesar de todos os condicionantes, o ser humano tem sua margem própria de decisão e ação.
O Princípio da Justiça Partindo da Justiça Distributiva, os avanços técnico-cientícos devem beneciar a sociedade como um todo e não apenas alguns grupos privilegiados. Para isso a Bioética é dividida em dimensões: » Dimensão pessoal: estuda a relação entre os prossionais responsáveis e seus pacientes, respeitando a liberdade e individualidade dos envolvidos. » Dimensão social, econômica e política: objetiva estabelecer critérios para determinar a alocação e distribuição de recursos, reduzindo as diferenças econômicas e sociais dentro dos universos envolvidos, podendo ser em um país ou entre os países. Destacam-se: alocação de recursos nanceiro, patentes, desequilíbrio entre países ricos e pobres e principalmente a fome. » Dimensões ecológicas: é pauta desta discussão a ecologia como proteção ao meio ambiente, exploração com responsabilidade ambiental dos recursos naturais, a deserticação, a poluição com destruição da camada de ozônio, extinção de espécies, equilíbrio ecológico, utilização de animais e plantas em condições éticas, proteção da qualidade de vida dos animais, desequilíbrio entre países ricos e pobres, problemas nucleares e proteção da biodiversidade. » Dimensão pedagógica: trata de buscar alternativas que visem melhorar o ensino e a aprendizagem nas instituições. » Dimensões biológicas ou bioética especial: destacam-se a engenharia genética e os organismos geneticamente modicados, especialmente o começo da vida, com o diagnóstico pré-natal, o abortamento provocado, a reanimação do recém-nascido, a terapia gênica, eugenia, reprodução medicamental assistida, clonagem, transplante de órgãos, experimentação animal e em humanos, eutanásia e distanásia.
Com ênfase na importância das discussões em bioética, do seu caráter transdisciplinar, busca-se fazer com que a ciência evite o uso indiscriminado das novas tecnologias sem a comprovação de sua ecácia, usando-as somente após possuir o conhecimento e a sabedoria sucientes para utilizá-las em benefício da humanidade e não em seu detrimento. Nesse propósito, a Bioética permitirá que a sociedade decida sobre as tecnologias que lhe convêm.
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Bioética: do principialismo à busca de uma perspectiva latino-americana Leisinger traz a política de saúde como uma ramicação da Bioética, apesar de ser ainda uma disciplina nova. Mas existe um enorme fosso que separa a realidade de saúde norte-americana em comparação com os outros países em desenvolvimento. Vale registrar: Enquanto nós começamos a enfrentar alguns de nossos complexos problemas de saúde com a engenharia genética, centenas de milhões de pessoas nos países em desenvolvimento sofrem de malária, lariose, esquistossomose, doença de Chagas ou mal de Hansen. Nenhuma dessas doenças _ que são perfeitamente preveníveis e/ou curáveis estão sendo controlada de uma forma satisfatória e, para algumas delas, a situação está em franca deterioração. Fonte: LEISINGER, K.M. Bioethics in USA and in poor countries. Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics 1993.
Segundo este autor, a Bioética não considera a política dos países pobre. Ressalta que cabe uma consideração quanto a um desenvolvimento sutentável que satisfaça as nece ssidades humanas mais básicas, considerando que muitas vezes as populções destes países são privadas de provisões de comida, educação básica, água potável e facilidades sanitárias, assim como também habitação e cuidados básicos deveriam ser priorizados.
Da ética filosófica à ética em saúde. Ética e conhecimento Ao situarmos a ética na conjuntura das dimensões culturais, deparamo-nos de início com um primeiro problema: como dissociá-la de outras manifestações como, por exemplo, o conhecimento e a religião? É cabível uma separação de tal maneira que a ética se componha como uma instância independente da cultura transparente em sua denição de especicidade? Pela importância da ética, é natural colocar em campo próprio; partindo dele poderemos reconhecer um modo singular de existir, primeiro como ser humano (característico), depois demarcando com clareza entre as dimensões da existência. Entretanto é nessa demarcação, na busca do entendimento, que as diculdades abundam. Estas, quando, tentamos fazer a distinção entre ética e conhecimento. Na tentativa de compreensão do mundo, seguimos fazendo juízos que nos possibilitam a assimilação da verdade dos fatos (daí surgem juízo mais abstratos). Saber das coisas é dizer como elas são e, racionalmente, aprender as relações que interligam os fenômenos. Nossa percepção e observação, nos levam a julgamentos a respeito da própria realidade em que estamos inseridos, isto é, o julgar e o observar nos permite, de maneira mais ampla e mais geral, a avaliar como se comportam os fenômenos. Costuma-se separar conhecimento e moral considerando que os juízos emanados pela ciência são da ordem do ser e os juízos, propriamente, morais na ordem do que devem ser. A ciência trata da realidade assim como ela é; e a moral da realidade em seu estado pretendido (deve ser). 19
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Aristóteles reconhecia que o saber acerca das coisas inclui necessariamente o conhecimento das causas de seu aparecimento e de seu modo de ser. Não seria necessário só entender como os fatos se produzem, mas seria preciso compreender a função de cada um no conjunto e as razões da ordem estabelecida. Armamos não somente que as coisas são desta ou daquela forma e também que é bom desta maneira, ou que é mau, ou que poderiam ser de outra jeito. É difícil olhar as coisas e não lhe taxar um valor apesar do modo cartesiano nos disciplinar o modo de julgamento. Provavelmente persista na mentalidade do senso comum, e necess ariamente naquilo que o cientista tem de homem comum, algo do animismo da relação primitiva com o mundo, que fazia com que todas as coisas aparecessem como benécas ou malécas, ultrapassando poderes que interferiam na vida e nas ações humanas. Conhecer, neste caso, era também saber como aproveitar o caráter benéco e propiciatório ou conjurar o mal que as coisas poderiam causar. A ciência eliminou esta valorização primeiramente pelo conhecimento das causas materiais que regem o comportamento dos seres naturais e, em segundo lugar, estabelecendo leis gerais e necessárias que nos permitem prever este comportamento para, desta forma, dominá-lo. O mundo deixa de ser enigma quando o conhecimento se torna sinônimo de determinação necessária.
Critérios éticos Aristóteles não acreditava na diculdade do estabelecimento de parâmetros de necessidades para as ações essenciais para os critérios aos quais conferimos às ações este ou aquele valor. Para ele, não é possível que, baseados em condições gerais e necessárias, estabelecidas, possamos conferir o valor ético das ações. Por não ser regido pela necessidade, o universo das ações humanas julga segundo a ética, não o faz na mesma ótica daquele que conhece os objetos físicos, aquele que agindo moralmente não o faz, semelhantemente, àquele que analisa a causalidade, intrinsecamente, presente na conexão dos fenômenos. É conhecida a interrogação de socrática acerca da possibilidade de se ensinar a virtude. Ensinar alguma coisa supõe saber com certeza o que esta coisa é para poder transmiti-la com clareza àquele que vai aprender. Há dúvida se o homem de bem sabe com absoluta segurança teórica o que é o bem. Nesta prática do bem supõe este saber, mas será possível saber, ensinar e aprender moral como sabemos, aprendemos e ensinamos geometria? A resposta é não, e a razão disto é a diferença que existe entre conhecimento teórico e conhecimento prático. O conhecimento teórico se constitui como saber acerca do que é necessário. O conheci mento prático se constitui como saber acerca do que é contingente. O saber prático é quem atribui aos juízos morais suas oscilações e diculdades. Daí é que os julgamentos e as decisões morais estão envolvidas e serão inuenciadas por fatores que, no campo teórico, têm pouca ou nenhuma inuência. Isso se dá pelo fato de que ne stes assuntos não é possível 20
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uma demonstração, não da mesma forma que ocorre nas ciências teóricas. O bem e o mal não possuem o caráter coercitivo, próprios da verdade e do erro. Chegar ao que é certo em moral não ocorre como a solução em um teorema. São claras as ideias de que a existência do bem está diretamente interligada à verdade absoluta da essência da ética. A verdade cientíca reete as demonstrações necessárias as suas conexões o bem, por sua vez, está inserido nas contingências dos fatos humanos, impossibilitando, assim, sua demonstração. Pressupõe-se a relatividade das coisas humanas. Política e ética compartilham deste atributo. Isso não implica um relativismo absoluto, o que decorreria na inviabilidade de critérios que não os essencialmente circunstanciais e subjetivos. A normatividade a contingência é o desao da ética, porque não resta dúvida de que quem age moralmente o faz segundo normas que não são somente relativas à pessoa e ao momento. O homem não é um ser que se determina apenas por um aspecto. O termo animal racional, a mais antiga denição teórica do homem, mostra por si mesma a dualidade de aspectos. Na qualidade de animal, o homem tem algo que o vincula aos seres puramente naturais. Na qualidade de racional, tem algo que o diferencie. Se permanecemos no contexto da sensação e da percepção, estamos falando de tipos de representação que, embora eventualmente mais aperfeiçoadas no homem, não distinguem essencialmente do que acontece no caso dos animais, que são capazes não apenas de sentir e perceber como também de estabelecer relações de consecução, como o cão que foge quando seu dono pega um bastão, se acaso aconteceu de já ter sido espancado. Porém, somente o homem é capaz de emitir juízos, ou seja, ligar um caso particular com uma ideia geral, por denição não imediatamente presente na situação empírica dada. A origem destas ideias gerais, mesmo no que se refere ao mundo natural, é problema que foi resolvido de diversas formas na história do pensamento. Ainda assim não há como explicar o juízo sem este tipo de vinculação. O que se questiona no caso da ética é: que espécie de generalidade ligamos ao particular quando formulamos juízos morais? Como já sabemos que na Ética formulamos juízos de valor, responderíamos que são os valores que remetemos aos termos dos juízos morais. Expondo isto, mostramos uma outra questão, que é a da generalidade dos valores e do fundamento desta universalidade. A questão das bases da ética, assim como os juízos acerca de fatos, os juízos de valor também se remetem à generalidade. Ao admirarmos, em alguém, sua generosidade, o que fazemos é perceber que esse alguém adota, como fundamento de suas ações, um valor primaz em relação à individualidade do homem. E ao fazermos isso julgamos compreendendo que o mundo seria melhor se todos agissem desta maneira. O intento é o domínio racional que se traduzirá concretamente na submissão da natureza às necessidades humanas e na expansão da técnica como extensão da ciência, que deve realizar praticamente o domínio do homem sobre o mundo. Kant dene como a maioridade do gênero humano, isto é, a capacidade de utilização plena da razão, sem a submissão a dogmas ou a autoridades; portanto, o exercício maduro da liberdade. Mas como 21
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denir a liberdade? Se analisarmos o que ocorre na ciência, vericaremos que a racionalidade da experiência consiste justamente em compreender a necessidade que, a partir de princípios lógicos do entendimento, governa a natureza. Isto signica que, no âmbito da experiência de conhecimento, que é o domínio da razão teórica, não se pode falar em liberdade, pois tudo a que temos acesso é uma conexão de fenômenos logicamente sistematizada, mas caracterizada justamente pela inseparabilidade de causa e efeito, condição e condicionado. Sempre haverá, na ordem da experiência, que é a ordem da teoria, fenômenos condicionados, por mais longe que formos na cadeia dos eventos naturais. Isto faz parte do determinismo da natureza e é o que possibilita a ciência, no rigor das suas explicações. Assim, a liberdade terá que ser procurada fora do campo da experiência e da razão teórica. Kant estabelece, então, o domínio da razão prática em que é possível pensar a liberdade e reivindicá-la para o sujeito moral, mas nunca para um objeto natural. Esta divisão permite que se fale como que de dois mundos: um em que as coisas estão rigorosamente determinadas, pois não existe efeito sem causa; outro em que o sujeito moral, no plano das decisões éticas que nada tem a ver com o plano dos eventos empíricos, pode escolher e optar, atuando assim como causa livre, isto é, como aquele tipo de causa que nunca se encontra no universo dos fenômenos. Com isto as ações humanas podem ser remetidas à liberdade do sujeito, quer dizer, a algo que não atua determinadamente, mas que pode iniciar absolutamente uma série de ações. Para Kant, esta liberdade corresponde a autonomia de que deve ser dotado o sujeito nas suas decisões morais, autonomia que deve ser absoluta, ou se ja, nenhum motivo de qualquer ordem pode interferir na decisão do sujeito, sob pena de contaminar a vontade com elementos que a tornariam dependente de outra coisa que não ela mesma. Mas, então, qual o critério para a decisão moral, se absolutamente nada pode interferir? O critério é a forma da universalidade que deve orientar a ação. Somente a forma atinge a pureza que o ato moral deve revestir. Qualquer conteúdo, por mais geral que seja, constituirá uma motivação extrínseca e comprometerá a autonomia do ato moral. Quando estamos diante de uma decisão moral devemos perguntar: o que ocorreria se esta ação fosse adotada universalmente? Devemos agir como se o critério de nossa ação devesse estender-se universalmente. Qualquer ato que não seja susceptível de universalização se contradiz em termos morais. O que se percebe é o esforço de Kant para encontrar o critério universal que deveria pautar o juízo moral. A radicalidade com que ele concebe este critério o faz encontrá-lo somente na esfera do formal. Assim, o que Kant chama de prático não corresponde à esfera da contingência, mas a um mundo inteligível no qual a pura racionalidade da norma universal garante a moralidade do ato. Por isto o próprio Kant nos diz que, dentro de tais parâmetros, jamais houve um só ato moral praticado pela humanidade, porém, isto não o impede de formular o que o ato moral deve ser, na coerência lógica que teria de caracterizá-lo, independentemente das condições concretas de realização, fundamento e experiência moral. O que sobretudo impressiona nesta concepção formalista da moral é a separação drástica entre os planos do ser e o do dever ser. Não se trata apenas de separar o conhecimento teórico ou cientíco da moral, mas de separar todos os aspectos da vida concreta da realização ética. Independentemente da apreciação que possamos fazer da teoria kantiana, o importante é perguntar o que isto signica no processo histórico da civilização moderna. No limiar da contemporaneidade, numa época em 22
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que a ciência calcada no modelo newtoniano alcança a plenitude de suas possibilidades, o homem é separado como que em dois sujeitos:o teórico, que realiza o ideal de certeza absoluta no interior dos limites do conhecimento cientíco, e o moral, que, para compreender-se na esfera de sua liberdade, é obrigado a colocar esta liberdade numa altura transcendental em que ela se situa distante do plano da experiência. Talvez possamos ver nesta solução a que chega a losoa crítica uma espécie de consolidação do caminho tomado pela modernidade. O que Kant percebe é que, na continuidade do teor unitário da racionalidade, instituído por Descartes, não seria possível dar conta da moral, pois a racionalidade cientíca não atinge o plano dos requisitos do ato moral, autonomia e liberdade. Isto o levou a conceber uma outra esfera de racionalidade na qual os critérios de determinação teórica não teriam vigência. E com isto separou o conhecimento da ação, ao menos naquilo que a ação comporta de decisão moral. Podemos mensurar a amplitude deste acontecimento lembrando que, no caso do saber prático armado por Aristóteles, o sujeito discriminava no seio da possibilidadea o meio de realizar a ação que guardasse alguma adequação com o bem absoluto. Kant tem isso como princípio formal, que a razão pensa a parte do mundo concreto, vai dispor a respeito da moralidade, isto é , da concordância da ação à moral. Isto implica na tentativa de ligar a universalidade formal à ação. Assim, o mundo da contingências se diferencia de um universo logicamente necessário como o da ciência exatamente dada à impossibilidade desta vinculação. Por esta razão a moralidade,dita, kantiana acaba sendo muito mais um ideal de que devemos nos aproximar do que um critério de discernimento para a experiência moral concreta. Uma ética com um único juízo, que se confunde com um dado incontestável de realidade: a liberdade. Aceitá-la é lucidez e autenticidade; o contrário é má-fé. O existencialismo está na margem das éticas que partem de uma profunda reexão a respeito da situação humana, bem como a reexão à apresenta. Procura então uma maneira de proporcionar o encontro do homem consigo próprio e com a história a partir da consciência, entendida agora não mais como essência, mas como projeto. Mas há outra corrente cuja manifestação é a matriz do pensamento ético, e nesta linha estão as éticas utilitaristas. A relatividade cultural dos valores aparece, assim, de forma mais nítida, pois é a perspectiva histórico-sociológica que procura dar conta do estabelecimento e das mudanças dos critérios morais. Existe uma contingência na prescrição dos valores, porém ela age em prol da coesão social. Trata-se de uma gura da racionalidade técnica que se estrutura por parâmetros seletamente utilitários.
Ética e progresso da razão A característica da modernidade é a hegemonia da razão, que tem em seu mais importante ramo, a ciência e os seus seguimentos tecnológicos. Esta hegemonia, na verdade, jamais fora posta à prova; porém no século XX vê uma crítica, historicamente concreta, que procedem de reexão vinda da relação entre meios e ns nos feitos da razão. Um problema ético, mas apresentado de forma mais abrangente. A possibilidade de união entre a teoria e a práxis, que corresponderia a uma simetria entre o progresso cientíco-técnico e o aumento da felicidade, não se conrmou.
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O homem da modernidade já não submete às injunções que traduziam, por exemplo, o elo do homem medieval com as instâncias do sacro, solidicadas nas imposição dos dogmas e da autoridade religiosa. Tampouco se encontra submetido às forças naturais, que a ciência explicou e dominou. Entretanto o progresso da razão gerou novas modelos de dominação ideológica, que se enraizaram nos campos social, político, econômico e que tem no capitalismo os requisitos necessários para se rmar, por exemplo, no domínio da produção, essencialmente vinculada ao aperfeiçoamento dos meios técnicos de transformação da natureza. Em um mundo em que impera a razão liberada, questiona-se a vida efetiva e emancipada do homem; ou seja, em sua plena autonomia na condição de requisito da vida ética. A emancipação não se realizou, pois as condições do progresso técnico zeram com que as instâncias de controle em todos os parâmetros da vida se tornassem autônomos, de imediata consequência a submissão do indivíduo a tais mecanismos num mundo totalmente administrado. Estas instâncias de controle não pesam sobre o indivíduo como a fatalidade das forças naturais ou a autoridade eclesiástica. Em um mundo regido pelo progresso técnico, estas foram convencionadas como medidas racionais absolutamente necessárias. Inferimos que foram interiorizadas na consciência do homem moderno como princípios naturais de relacionamento com os outros e com o mundo. Esta autonomização dos critérios de racionalidade acarretou uma inversão entre os meios e os ns: o que redundou na diculdade de se dimensionar no mundo contemporâneo a capacidade de discernir os ns à possibilidade de mobilizar os meios. Jamais os meios foram tão abundantes e ao mesmo tempo tão distantes das nalidades que eles deveriam atender. Nunca se dispôs de tantos meios, e nunca eles estiveram tão distanciados dos ns a que deveriam servir. Enm, associar meios e ns é problema ético. O contemporâneo é inepto no estabelecimento desta relação contemplando o prático, ou seja, a totalidade da realização humana, como m do progresso técnico. O que se observa, então, é um ciclo em que as condições do progresso técnico se comportam como se este fosse uma nalidade em si mesmo. Tornar racional do social, do político, do econômico e até da cultura é administrar todos estes parâmetros da vida pela ótica da objetividade técnica, consubstanciando-se, fundamentalmente, na supremacia tecnocrática. Manifesta-se a clara crise que aige o mundo atual e que, do ponto de vista ético, é a tecnocracia a contradição em termos. Se ela mesma coordena a aplicação dos meios às nalidades, esta relação acaba se estabelecendo no interior da própria técnica. Este é o motivo pelo qual a planicação tecnocrática não produz efeitos fora do próprio meio técnico. Vistos os fatos no limiar, o que caracteriza uma tal cultura é a recusa da ética. Vivemos num mundo técnica e administrativamente ordenado, de modo unilateral, pela alternância entre progresso técnico e satisfação de necess idades criadas na própria esfera da produção. Consumo é contrapartida tecnológica e não nalidade de produção. O que marca a presente situação e diculta tal busca de soluções é que a crise da ética provém de um desdobramento de atributos e consequências inerentes à própria racionalidade técnica e ao progresso cientíco e tecnológico ocorrido a partir dela. Para aqueles que consideram imprescindíveis os rumos da história da razão na modernidade, o momento que estamos vivendo deve ser entendido como consequência necessária, mesmo porque seria insensato pensar em soluções que representassem retrocesso em relação ao já conquistado pela ciência moderna. A 24
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dependência da civilização em relação aos produtos da ciência e da técnica afasta do horizonte histórico este tipo de hipótese.
Crise da razão e ética aplicadas A emergência das éticas aplicadas, entre as quais está a ética da saúde, responde a uma dupla necessidade: de um lado, tenta-se encurtar a distância que se abriu na modernidade, entre ética e conhecimento; de outro, procuram-se instrumentos para recolocar questões pertinentes à relação entre ciência e valor, relação rompida por conjunturas históricas, sobretudo contemporâneas, que contribuíram para o aparecimento de dúvidas profundas a respeito do signicado e amplitude do progresso cientíco. A hegemonia da racionalidade técnica já não permite que o pensamento acerca da vida prática, que os antigos deniam discernimento, realize-se numa situação independente autônoma, gerando parâmetros de conduta tais que resultassem numa manutenção da densidade do espaço público, isto é, o plano das relações sociais e da ação política. A liberdade nas sociedades capitalistas modernas exauriram o orbe da vida prática, pois impulsionados por estas passou a ser considerada a simples possibilidade de decidir individualmente sobre assuntos privados. As mesmas causas que inuíram para a ocorrência disso também fomentaram formas de reação que baseadas em tentativas de adaptar a reexão ética à diversidade dos domínios das especializações. Existe uma subordinação da ética ao processo de especialização e de fragmentação do saber. A outra face desta atitude nos mostra, no entanto, um esforço para recompor, dentro de certos limites, o interesse ético que deve fazer parte da atuação do pesquisador e do prossional, principalmente quando os fatos indicam que a ausência de preocupação ética ocasiona a transgressão das fronteiras que separam o humano do inumano. Foi devido a razões como essas que a Bioética surgiu a partir da pressão de fatos históricos, reveladores de práticas de pesquisa das quais estava ausente qualquer parâmetro de consideração da dignidade do ser humano. Após a Segunda Guerra, tomou-se conhecimento de práticas experimentais em seres humanos, conduzidas sob o nazismo por médicos e cientistas, que ultrapassavam qualquer expectativa imaginável de degradação. A primeira manifestação de caráter mais sistemático e normativo a respeito do assunto consta do Código de Nuremberg, que estabelece regras a serem observadas quanto à experimentação com seres humanos. Dentre os preceitos formulados destacam-se: a necessidade de consentimento daqueles que serão submetidos ao experimento; o consentimento deve ser dado livremente, por pessoas que estejam em plena capacidade de decisão e às quais devem ser explicadas com absoluta clareza todas as condições do experimento, quais sejam, natureza, duração, objetivos, métodos, riscos, efeitos e inconvenientes. A ética orienta que não se deve optar por experimentos em seres humanos quando houver outros procedimentos compatíveis com os resultados esperados. Os experimentos em seres humanos, quando absolutamente essenciais, devem ser precedidos de experiências com animais, de modo a prover o pesquisador de um razoável conhecimento acerca do problema estudado. Deve-se reduzir 25
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ao mínimos incômodos decorridos do experimento, e este não deve ser conduzido se houver risco razoável de dano grave e permanente. Esta visão, que pode parecer parecer pessimista auxilia-nos a compreender as ambiguidades do progresso e a prevenir as monstruosidades que ele pode dar à luz. É nesta direção que podemos entender as preocupações éticas que se expressam nos códigos de conduta e em outros conjuntos de normas aplicadas às pesquisas e às prossões. A Bioética é a ética da vida, quer dizer, de todas as ciências e derivações técnicas que pesquisam, manipulam e curam os seres vivos. A ética da saúde ocupa lugar proeminente neste conjunto, uma vez que se ocupa de questões que têm a ver com a manutenção da vida no caso dos seres humanos. Sendo a vida o primeiro de todos os direitos, a ética da saúde enraíza-se profundamente no solo dos direitos humanos, e no seu estudo vamos encontrar, como regras de normatização, alguns dos grandes princípios que vimos aparecer no percurso da ética losóca. É preciso conhecer a realidade e as situações sobre as quais se vai exercer o juízo ético; mas fazer com que este juízo traduza uma mera justicação do que existe é propriamente renunciar à ética.
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CAPÍTULO 2 Bioética e ciência Até onde avançar avançar sem agredir agredir Os avanços alcançados pelo desenvolvimento cientíco e tecnológico nos campos da Biologia e da Saúde, principalmente nos últimos trinta anos, têm colocado a humanidade frente a situações até pouco tempo inimagináveis. São praticamente diárias as notícias provenientes das mais diferentes partes do mundo que relatam a utilização de novos métodos investigativos e/ou de técnicas desconhecidas, a descoberta de medicamentos mais ecazes e o controle de doenças tidas até agora como fora de controle. Se, por um lado, todas essas conquistas trazem na sua esteira renovadas esperanças de melhoria da qualidade de vida, por outro, criam uma série de contradições que necessitam ser analisadas responsavelmente com vistas ao equilíbrio e bem-estar futuro da espécie humana e da própria vida no planeta. Hans Jonas (1990) foi um dos autores que se debruçou com mais propriedade sobre esse tema, ressaltando a impotência da Ética e da Filosoa contemporâneas frente ao homem tecnológico, que possui tantos poderes não só para desorganizar como também para mudar radicalmente os fundamentos da vida, de criar e destruir a si mesmo. Ao mesmo tempo que gera novos seres humanos por meio do domínio das complexas técnicas de fecundação assistida, agride diariamente o meio ambiente do qual depende a manutenção futura da espécie. O surgimento de novas doenças infectocontagiosas e de diversos tipos de câncer, assim como a destruição da camada de ozônio, a devastação de orestas e a persistência de velhos problemas relacionados com a saúde dos trabalhadores (como a silicose), são “invenções” desse dess e mesmo “homem tecnológico”, que oscila suas ações entre a criação de novos benefícios extraordinários e a insólita destruição de si mesmo e da natureza. Ao contrário do que muitos pensam, a atual pauta bioética internacional não diz respeito somente s omente às situações emergentes, proporcionadas emergentes, proporcionadas por avanços como aqueles alcançados no campo da engenharia genética e seus desdobramentos (projeto genoma humano, clonagem etc.), mas também às situações persistentes, relacionadas principalmente com a falta de universalidade no acesso das pessoas aos bens de consumo sanitário e à utilização equânime desses benefícios por todos os cidadãos indistintamente (GARRAFA, 1998). Considerando essas duas situações, portanto, a humanidade se vê atualmente às voltas não apenas com alguns velhos dilemas éticos que persistem teimosamente desde a antiguidade, como também com os novos conitos decorrentes da marcha acelerada do progresso. Juntamente com seus inquestionáveis benefícios, a “biotecnociência”, para utilizar um neologismo proposto por Schramm (SCHRAMM, 1996, p. 109-127), pode, contraditoriamente, proporcionar a ampliação dos problemas de exclusão social hoje constatados. Como impedir, por exemplo, que os conhecimentos recentemente alcançados sobre as probabilidades de uma pessoa vir a desenvolver determinada 27
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doença no futuro devido a uma falha em seu código genético (como nos casos da doença de Huntington) não sejam transformados em novas formas de discriminação por parte das companhias seguradoras responsáveis pelos chamados “planos de saúde”? (MORELLI in: BENER; LEONE, 1994. p. 287-292). Tudo isso se torna mais dramático quando se sabe que o perl populacional mundial tem sofrido transformações profundas a partir da elevação da esperança de vida ao nascer das pessoas (em anos), aliada ao fenômeno da globalização econômica que produz uma crescente e insólita concentração da renda mundial nas mãos de poucas nações, empresas e pessoas privilegiadas. Dentro desse complexo contexto, merecem menção, ainda, o aumento dos custos sanitários mediante a criação e a expansão de tecnologias de ponta que possibilitam novas formas de diagnóstico e de tratamento, o recrudescimento de algumas doenças que já estiveram sob controle (como a tuberculose, febre amarela, dengue, malária e outras) e o surgimento de novas enfermidades (como a aids).
Moral, ética e pesquisa científica Alguns dos principais bioeticistas que têm-se dedicado a estudar a ética e a moral, bem como suas relações com situações que envolvem a vida no planeta, de uma forma geral, procuram considerálas como sinônimos (ENGELHARDT, 1998; MORI, 1994. p. 332-341; SINGER, 1994. p. 1-23). Mesmo assim, nas disciplinas e cursos de Bioética em várias universidades, de 1994 para cá, têmse utilizado, para ns didáticos, alguns parâmetros diferenciais entre as duas. Essa diferenciação tem-se revelado útil no sentido de uma melhor compreensão de alguns temas mais conitivos e fronteiriços da análise bioética, principalmente quando os interlocutores são alunos dos cursos de graduação. Em resumo, se, por um lado, o signicado etimológico de ética e moral é similar, por outro, existe uma diferença historicamente determinada entre ambas. A moral romana é uma espécie de tradução latina de ética, mas que acabou adquirindo uma conotação formal e imperativa, que direciona ao aspecto jurídico e não ao natural, a partir da antiga polarização secularmente vericada, e especialmente forte naquela época, entre o “bem” e o “mal”, o “certo” e o “errado”, o “justo” e o “injusto” (GARRAFA, 1995. p. 20-24). Para os gregos, o ethos ethos indicava o conjunto de comportamentos e hábitos constitutivos de uma verdadeira “segunda natureza” do homem. Na “Ética a Nicômacos”, Aristóteles interpretava a ética como a reexão losóca sobre o agir humano e suas nalidades (ARISTÓTELES, 1992). Com base na interpretação aristotélica, a ética passou posteriormente a ser referida como uma espécie de “ciência” da moral. Na prática, no entanto, a discussão persiste até hoje.
A manipulação da vida e o tema dos “limites” A questão questão da “manipul “manipulação ação da da vida” vida” pode pode ser ser contempla contemplada da sob sob variados variados ângulo ângulos: s: “biotecno “biotecnocientíco cientíco”, ”, político, econômico, social, jurídico, moral etc. Em respeito à liberdade individual e coletiva conquistada pela humanidade através dos tempos, a pluralidade constatada neste nal do século XX requer que o
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estudo bioético do assunto contemple, na medida do possível e de forma multidisciplinar, todas essas possibilidades. Com relação à vida futura do planeta, não deverão ser regras rígidas ou “limites” exatos que estabelecerão até onde o ser humano poderá ou deverá chegar. Para justicar essa posição, vale a pena levar em consideração alguns argumentos de Morin sobre os sistemas dinâmicos complexos. Abordando o tema da “ética para a era tecnológica”, Casals traz o assunto para a esfera da responsabilidade individual dizendo que trata-se de atingir o equilíbrio entre o extremo poder da tecnologia e a consciência de cada um, bem como da sociedade em seu conjunto: Os avanços tecnológicos nos remetem sempre à responsabilidade individual, bem como ao questionamento ético das pessoas envolvidas no debate, especialmente aquelas que protagonizam as tomadas de decisões. (CASALS, 1997. p. 65-84) A força da ciência e da técnica está, exatamente, em apresentar-se como uma lógica utópica de libertação, que pode levar-nos a sonhar para o futuro inclusive com a imortalidade.
“Endeusamento” versus “demonização” da ciência Com relação às ciências biomédicas, as reexões morais emanadas de diferentes setores da sociedade mostram hoje duas tendências antagônicas. De um lado existe uma radical bioética racional e justicativa,por meio da qual tudo aquilo que pode ser feito, deve ser feito. No extremo oposto, cresce uma tendência conservadora, baseada no medo de que nosso futuro seja invadido por tecnologias ameaçadoras, levando seus defensores à procura de um culpado, erroneamente identicado na matriz das novas técnicas na própria ciência. Nesse quadro complexo, a bioética pode vir a ser usada por alguns como instrumento para armar doutrinas anti-cientícas e, por outros, ser considerada como um obstáculo impertinente ao trabalho dos cientistas e ao desenvolvimento bioindustrial; ou ainda, como um instrumento para negar o valor da ciência (ou como validação de posições anti-cientícas) ou então para justicá-la a qualquer custo (BERLINGUER; GARRAFA, 1996). De acordo com a ordem polarizada das coisas, o mundo moderno poderá desaguar em uma crescente “confusão diabólica” ou na resolução de todos problemas da espécie humana por meio do progresso cientíco. As duas hipóteses incorrem no risco de alimentar, na esfera cultural, o dogmatismo, e, na esfera prática, a passividade. Se, por um lado, são inúmeros os caminhos a serem escolhidos para que a terra se transforme num verdadeiro inferno, são também innitas as possibilidades de utilização positiva das descobertas cientícas. O embate entre valores e interesses sobre cada uma das opções é um dado real, inextinguível e construtivo sob muitos aspectos. A adoção de normas e comportamentos moralmente aceitáveis e praticamente úteis requer, por todas razões já expostas, tanto o confronto quanto a convergência das várias tendências e exigências. (GARRAFA; BERLINGUER, 1996. p. 5)
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Pluralidade e tolerância, participação e responsabilidade, equidade e justiça distributiva Toda essa desorganização de ideias e práticas comprometem diretamente a própria espécie humana, que se tornou interdependente em relação aos fatos, ainda que por sorte se mantenha diversicada em termos de história, leis e cultura. A relação entre interdependência, diversidade e liberdade poderá tornar-se um fator positivo somente no caso das escolhas práticas e das orientações bioéticas terem reforçadas suas tendências ao pluralismo e à tolerância. A intolerância e a unilateralidade, porém, são fenômenos frequentes tanto nos comportamentos relacionados às situações persistentes quanto nas atitudes que se referem aos problemas emergentes surgidos mais recentemente e que crescem todos os dias. Quanto aos comportamentos, pode-se citar, por exemplo, o ressurgimento do racismo na Europa e em outras partes do mundo e cujas bases culturais estão exatamente em negar o fato de que as etnias pertencem ao domínio comum da espécie humana e em confundir o conceito de “diferença” com o de “inferioridade”. Para as atitudes com relação aos problemas “emergentes”, pode-se recordar a decisão do presidente norte-americano Bill Clinton de proibir as pesquisas de clonagem com seres humanos e cortar todo possível auxílio governamental para elas, contrariando as sugestões de uma comissão nacional de bioética por ele convocada. Dentro do tema da democracia e desenvolvimento da ciência, não se pode deixar de tratar da questão do controle social sobre qualquer atividade que seja de interesse coletivo e/ou público. A ética é um dos melhores antídotos contra qualquer forma de autoritarismo e de tentativas espúrias de manipulações.
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CAPÍTULO 3 Reprodução assistida A Igreja Católica e a reprodução assistida Dos diversos assuntos que mais provocam debates situam-se aqueles referentes à reprodução humana, em vista do forte componente religioso, moral e ético que envolve a questão. O dogmatismo da Igreja Católica sobre o tema, desde o início da era cristã, dando uma conotação divina à reprodução humana, tornou, durante quase dois mil anos, essa discussão proibida, ou, pelo menos, restrita a grupos de pensadores e lósofos que ousaram desaar os dogmas estabelecidos. No Novo Testamento, no Evangelho segundo S. João, lê-se: “Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus” – por si só esta asserção impõe um silêncio sobre a questão da reprodução e não admite discussão. A inuência de diversas religiões, principalmente da católica, sobre o assunto, levou à aceitação de que a reprodução humana era uma manifestação exclusiva da vontade de Deus e, portanto, seria inadmissível sua discussão pelo homem. A interferência humana no processo reprodutivo constituía uma agressão à vontade de Deus. Esse dogma perdurou durante séculos, mantendo a humanidade sob a doutrina de uma religião que impunha seus conceitos a todos, religiosos ou não, em uma atitude claramente coercitiva que não reconhecia a diversidade do pensamento humano.
Considerações É sempre preferível conar mais no progresso e nos avanços culturais e morais que em certas normas jurídicas. Existem de fato zonas de fronteira nas aplicações da ciência. Levando em consideração a velocidade do progresso “biotecnocientíco” é, contudo, impossível reconstruir rapidamente certas referências ou valores que possam vir a ser compartilhados por todos, a menos que se insista na alternativa da imposição autoritária e unilateral de valores. A solução está, então, em vericarmos se é possível trabalhar para a denição de um conjunto de condições de compatibilidade entre pontos de vista que permanecerão diferentes, mas cuja diversidade não implique necessariamente um conito catastróco ou uma radical incompatibilidade (RODOTÁ, 1993. p. 9). É oportuno levantar, neste ponto, o importante papel formador desempenhado pela mídia (virtual, impressa, falada e televisionada), que deve avançar do patamar do simples entretenimento em direção à abertura de debates públicos relacionados e comprometidos com temas de interesse comum. O grande nó relacionado com a questão da manipulação da vida humana não está na utilização em si de novas tecnologias ainda não assimiladas moralmente pela sociedade, mas no seu controle. E esse controle deve-se dar em patamar diferente ao dos planos cientícos e tecnológicos: o controle é ético. É prudente lembrar que a ética sobrevive sem a ciência e a técnica; sua existência não depende delas. A ciência e a técnica, no entanto, não podem prescindir da ética, sob pena de
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transformarem-se em armas desastrosas para o futuro da humanidade nas mãos de minorias poderosas e/ou mal-intencionadas.
Reprodução assistida A reprodução assistida, ou fecundação assistida, compreende duas técnicas: a inseminação articial, isto é, a introdução de forma articial dos espermatozoides no aparelho genital feminino, e a fecundação in vitro, ou seja, a extração do óvulo da mulher e sua fecundação externa. Estas técnicas têm por nalidade a procriação e também o controle ou tratamento de doenças genéticas. A inseminação articial é utilizada há muito tempo para a obtenção de animais com determinadas características selecionadas. Atualmente é também utilizada nos seres humanos, no caso de infertilidade. Quando o marido é estéril, mas a mulher é capaz de conceber e engravidar, podem recorrer à inseminação articial através de um doador. No período da ovulação, o esperma do doador é introduzido na vagina da mulher, junto ao colo do útero. No caso de o homem ser fecundo e a mulher ser estéril ou correr o risco de transmitir uma anomalia genética, o processo de inseminação articial também pode ser utilizado. Neste caso, o homem cede o esperma destinado a inseminar uma mulher que esteja de acordo em conceber a criança. A mulher transforma-se, então, em mãeportadora.
Bioética e aborto O tema do aborto é, entre a totalidade das situações analisadas pela Bioética, aquele sobre o qual mais se tem escrito, debatido e realizado congressos cientícos e discussões públicas. Isso não signica, no entanto, que tenham ocorrido avanços substanciais sobre a questão nestes últimos anos ou mesmo que se tenham alcançado alguns consensos morais democráticos, ainda que temporários, para o problema. Ao contrário. A problemática do aborto é um exemplo nítido tanto da diculdade de estabelecer diálogos sociais frente a posições morais distintas quanto do obstáculo em criar um discurso acadêmico independente sobre a questão, uma vez que a paixão argumentativa é a tônica dos escritos sobre o assunto. Para um não iniciado, a maior diculdade ao ser apresentado à literatura relativa ao aborto é discernir quais são os argumentos losócos e cientícos consistentes entre a innidade de manipulações retóricas que visam apenas arrebatar multidões para o campo de batalha travado sobre o aborto. Nesse contexto, não é tarefa fácil apresentar um panorama dos estudos bioéticos pertinentes ao assunto. Misturam-se textos acadêmicos, políticos e religiosos, e selecionar quais os mais signicativos para o debate parece ser sempre uma tarefa injusta. Para melhor entendimento, o asunto está dividido em três partes assim distribuídas: na primeira, esclarecemos a terminologia e os principais tipos de aborto; em seguida, apresentamos dados sobre legislação comparada, para, na terceira parte, nos centrarmos no debate bioético propriamente dito sobre o tema.
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Terminologia e tipos de aborto Uma avaliação semântica dos conceitos utilizados pelos pesquisadores que escreveram sobre o aborto seria de extrema valia para os estudos bioéticos. A variedade conceitual é proporcional ao impacto social causado pela escolha de cada termo. Infelizmente, e isso é claro para qualquer pesquisador interessado no tema, não se escolhem os conceitos impunemente. Cada categoria possui sua força na guerrilha linguística, algumas vezes sutil, que está por trás das denições selecionadas. Fala-se de aborto terapêutico como sendo aborto eugênico, deste como aborto seletivo ou racista, numa cadeia de denições intermináveis que gera uma confusão semântica aparentemente intransponível ao pesquisador. No entanto, ao invés de se deixar abalar pela diversidade conceitual, o primeiro passo de uma pesquisa sobre o aborto é desvendar quais pressupostos morais estão por trás das escolhas. Há uma certa regularidade moral na seleção de cada conceito. Para este capítulo, utilizaremos a nomenclatura mais próxima do discurso médico ocial, por considerá-la a que mais justamente representa as práticas a que se refere. Basicamente, pode-se reduzir as situações de aborto a quatro grandes tipos: » Interrupção eugênica da gestação (IEG): são os casos de aborto ocorridos em nome de práticas eugênicas, isto é, situações em que se interrompe a gestação por valores racistas, sexistas, étnicos etc. Comumente, sugere-se o praticado pela medicina nazista como exemplo de IEG quando mulheres foram obrigadas a abortar por serem judias, ciganas ou negras. Regra geral, a IEG processa-se contra a vontade da gestante, sendo esta obrigada a abortar. » Interrupção terapêutica da gestação (ITG): são os casos de aborto ocorridos em nome da saúde materna, isto é, situações em que se interrompe a gestação para salvar a vida da gestante. Hoje em dia, em face do avanço cientíco e tecnológico ocorrido na medicina, os casos de ITG são cada vez em menor número, sendo raras as situações terapêuticas que exigem tal procedimento. » Interrupção seletiva da gestação (ISG): são os casos de aborto ocorridos em nome de anomalias fetais, isto é, situações em que se interrompe a gestação pela constatação de lesões fetais. Em geral, os casos que justicam as solicitações de ISG são de patologias incompatíveis com a vida extra-uterina, sendo o exemplo clássico o da anencefalia. » Interrupção voluntária da gestação (IVG): são os casos de aborto ocorridos em nome da autonomia reprodutiva da gestante ou do casal, isto é, situações em que se interrompe a gestação porque a mulher ou o casal não mais deseja a gravidez, seja ela fruto de um estupro seja de uma relação consensual. Muitas vezes, as legislações que permitem a IVG impõem limites gestacionais à prática.
Além da variedade conceitual, outro ponto interessante, no tocante ao estilo dos artigos sobre o aborto, é a escolha dos adjetivos utilizados pelos autores para se referirem a seus oponentes morais. Não raro, encontram-se artigos que chamam os prossionais de saúde que executam aborto como “aborteiros”, “homicidas”, “assassinos” ou “carniceiros”. 33
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O Projeto Genoma Humano e a medicina preditiva: avanços técnicos e dilemas éticos O Projeto Genoma Humano (PGH) Na história da civilização ocidental, os avanços tecnológicos frequentemente trazem como consequência verdadeiras revoluções sociais e econômicas. Isto ocorreu, por exemplo, com o desenvolvimento da agricultura, que permitiu a sedentarização das sociedades nômades; com a invenção da bússola, que permitiu as grandes navegações e, mais recentemente, com os desenvolvimentos da eletricidade, física nuclear, microeletrônica e informática. Sem dúvida alguma, a emergência da biotecnologia moderna representa um avanço técnico de igual magnitude. O potencial de progresso é fantástico e certamente haverá impactos múltiplos da nova tecnologia em nossa vida quotidiana e em nossas relações humanas. Para nós, a biotecnologia é inquietante porque manipula a própria vida. E torna-se mais inquietante ainda quando volta a sua atenção para a própria pessoa humana. É o caso do Projeto Genoma Humano – PGH. O genoma humano consiste de 3 bilhões de pares de base de DNA distribuídos em 23 pares de cromossomos e contendo de 70.000 a 100.000 genes. Cada cromossomo é constituído por uma única e muito longa molécula de DNA, a qual, por sua vez, é o constituinte químico dos genes. O DNA é composto por sequências de unidades chamadas nucleotídeos ou bases. Há quatro bases diferentes, A (ademina), T (timina), G (guamina) e C (citosina). A ordem das quatro bases na fita de DNA determina o conteúdo informacional de um determinado gene ou segmento. Os genes diferem em tamanho, desde 2.000 bases até 2 milhões de bases. Fica claro, então, que os genes estruturais, que contêm a mensagem genética propriamente dita, perfazem apenas aproximadamente 3% do DNA de todo o genoma. O restante é constituído de sequências controladoras e, principalmente, de regiões espaçadoras, muitas das quais geneticamente inertes. O PGH propõe o mapeamento completo de todos os genes humanos e o sequenciamento completo das 3 bilhões de bases do genoma humano. Mapeamento é o processo de determinação da posição e espaçamento dos genes nos cromossomos. Sequenciamento é o processo de determinação da ordem das bases em uma molécula de DNA. A projeção é que o projeto esteja completo no ano 2005, a um custo total de três a cinco bilhões de dólares.
A Bioética e o PGH Por sua própria natureza, o PGH cerca-se de incertezas éticas, legais e sociais (ELSI). Reconhecendo isto, o PGH dedicou 10% de seu orçamento total à discussão destes temas. Três itens se destacam na agenda ELSI: 1. privacidade da informação genética; 2. segurança e ecácia da medicina genética; e 3. justiça no uso da informação genética.
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Subjacentes a estes itens há cinco princípios básicos sobre os quais está sendo construído o edifício ético consensual do PGH: autonomia, privacidade, justiça, igualdade e qualidade, já citados anteriormente.
Regulamentação bioética do PGH Após o lançamento do PGH nos Estados Unidos, em 1989, grande número de outros programas genômicos emergiu em nível nacional e internacional. Há, atualmente, programas no Reino Unido, França, Itália, Canadá, Japão, Austrália, Rússia, Dinamarca, Suécia, Holanda e Comunidade Europeia. Para a coordenação internacional destes esforços foi criada a Organização do Genoma Humano (Human Genome Organization – HUGO). A HUGO tem escritórios em Londres, Bethesda, Moscou e Tóquio. No Brasil, o escritório da HUGO funciona no Núcleo de Genética Médica, em Belo Horizonte. A missão da HUGO é promover a colaboração internacional na iniciativa genômica humana e assistir na coordenação da pesquisa. A HUGO tem vários comitês, incluindo: mapeamento, bioinformática, propriedade intelectual e bioética. Do ponto de vista de propriedade intelectual, a HUGO tem tido uma posição rme contra o patenteamento de ESTs que são fragmentos curtos de DNA sequenciados aleatoriamente de genes codicadores de proteínas de função desconhecida.
O diagnóstico pré-sintomático e a medicina preditiva Qual a relação entre o genoma e as características físicas e mentais? Como vimos, o genoma humano contém aproximadamente de 50.000 a 100.000 genes. Um gene é uma unidade funcional que geralmente corresponde a um segmento de DNA que codifica a sequência de aminoácidos de uma determinada proteína. Os produtos gênicos, as proteínas integram, coordenam e participam dos processos enormemente complexos do nosso desenvolvimento embrionário e do nosso metabolismo. O produto final destes processos de desenvolvimento e metabolismo é o ser humano. As características observáveis deste ser humano, ou seja, sua aparência física, seu estado de saúde, suas emoções, constituem o seu fenótipo. Ao contrário do genoma ( genótipo) que permanece constante por toda a vida, o fenótipo é dinâmico e muda constantemente ao longo de toda a existência do indivíduo, registrando, assim, a sua história de vida. O genótipo não determina o fenótipo; ele determina uma gama de fenótipos possíveis, uma norma de reação. Quando mutações em um único gene são capazes de, sozinhas, causar uma doença genética, falamos de um “ gene pode causar um grande efeito” e consequentemente a doença que é chamada de “monogênica”, podendo ter herança autossômica dominante, autossômica recessiva ou ligada ao sexo. Por outro lado, a maioria das doenças comuns do homem (câncer, diabetes, arteriosclerose, hipertensão etc.) são multifatoriais, dependendo de uma interação complexa de múltiplos genes de pequeno efeito (doenças poligênicas) com o ambiente.
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│ X O que se pode conseguir com a medicina preditiva?
A essência da medicina preditiva, como o próprio nome indica, é a capacidade de fazer predições quanto à possibilidade de que o paciente venha a desenvolver alguma doença (nível fenotípico) com base em testes laboratoriais em DNA (nível genotípico). Assim, a capacidade preditiva do teste vai depender do nível de relacionamento do gene testado com a doença. Assim, a medicina preventiva pode ser definida. Se por um lado, temos o diagnóstico pré-sintomático de doenças gênicas, situação em que há grande previsibilidade mas baixa possibilidade de modificação do risco de desenvolvimento da doença. Por outro, temos doenças multifatoriais poligênicas em que um único teste genético tem baixa previsibilidade, mas as chances de se manipular o ambiente para tentar evitar o desenvolvimento da doença são grandes. A maior parte das doenças com etiologia genética fica entre estes extremos são raras as doenças puramente monogênicas na grande maioria das enfermidades genéticas monogênicas há influência de outros genes e de fatores ambientais na determinação da penetrância e do grau de expressividade da doença e também são raras as doenças puramente poligênicas (na grande maioria das doenças poligênicas há alguns genes com efeito mais importante que outros, que são chamados “genes maiores”). Qual deve ser a nossa conduta com relação à medicina preditiva? O diagnóstico pré-sintomático de doenças gênicas, situação em que há grande previsibilidade mas baixa possibilidade de modificação do risco de desenvolvimento da doença, como também as doenças multifatoriais poligênicas em que um único teste genético tem baixa previsibilidade, mas grandes chances de se manipular o ambiente para evitar o desenvolvimento da doença). Estas últimas incluem as várias formas de câncer, diabetes, coronariopatias, hipertensão, doença de Alzheimer, artrite reumatoide, colite ulcerativa, esclerose lateral amiotrófica, esclerose múltipla e as grandes psicoses (esquizofrenia e psicose maníaco-depressiva). Em conjunto, estas doenças acometem ou virão a acometer grande parte da população. Todas elas têm em sua etiologia em componentes genéticos importantes e a identificação dos genes envolvidos abrirá novas oportunidades para a intervenção médica. Assim, poderíamos usar testes de DNA em indivíduos sadios, digamos aos 18 anos, para determinar as suas propensões genéticas para doenças, estabelecendo, dessa forma, um mapa individual de predisposições. A partir deste conhecimento o indivíduo poderia, com o aconselhamento e acompanhamento apropriados, fazer as modificações ambientais necessárias (dieta, estilo de vida, escolha de profissão etc.) para evitar o aparecimento das doenças. As empresas estão investindo pesadamente no PGH. Há a expectativa de que a medicina preditiva abra mercados potencialmente enormes, de bilhões de dólares, o que tem atraído as empresas farmacêuticas e de biotecnologia para esta área de atividade. Estima-se que até 1996 estas empresas, conjuntamente, já haviam 36
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investido mais de um bilhão de dólares no PGH. Assim, vão entrar n a relação médicopaciente como um coringa. Elas, certamente, vão querer induzir o médico a fazer os testes genéticos que elas mesmas desenvolveram e/ou estão comercializando, e não terão o prurido ético de tentar distinguir o que é bom, ou não, para o paciente. Teremos o trinômio médico-paciente-indústria biotecnológica. Isso já existe, de certa maneira, com a indústria farmacêutica. Portanto, um desafio imediato é fazer com que os profissionais de saúde e o público em geral compreendam o que está em jogo e tornem-se consumidores bem informados e alertas. Sérgio Danilo J. Pena e Eliane S. Azevêdo, em seu trabalho O Projeto Genoma Humano e a Medicina Preditiva: Avanços Técnicos e Dilemas Éticos.
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CAPÍTULO 4 Transplantes Aspectos Éticos dos Transplantes de Órgãos, segundo José Roberto Goldim Os transplantes de órgãos vêm provocando inúmeros questionamentos éticos a cerca da origem, forma de obtenção do material a ser transplantado e tipo de procedimento a ser realizado. Quanto à origem, os órgãos podem ser oriundos de outras espécies animais (xenotransplante), de seres humanos vivos (alotransplante intervivos) ou mortos (alotransplante de doador cadáver). Quanto à forma de obtenção, especicamente falando em órgãos oriundos de seres humanos, a questão mais importante é a do resguardo da voluntariedade e da espontaneidade no ato de doar órgãos, ou aceita que o bem comum está acima da vontade do indivíduo e permitir a apropriação dos órgãos de cadáveres ou que o indivíduo é proprietário do seu corpo e, desta forma, pode dispor dele como melhor lhe aprouver. O tipo de procedimento também apresenta inúmeros questionamentos. Os transplantes de órgãos internos foram os primeiros, mas alguns transplantes já foram realizados com manifestação externa das partes transplantadas, como o transplante de mão e mais recentemente o transplante parcial de face. A utilização de órgãos de outros animais em seres humanos vem atraindo a atenção de cientistas desde o início do século. Exemplo disto é o caso Baby Fae. A obtenção de órgãos de doador vivo tem sido muito utilizada, ainda é útil, porém, e igualmente questionável sob o ponto de vista ético. Este tipo de doação somente tem sido aceito quando existe relação de parentesco entre doador e receptor. A doação de órgãos por parte de amigos ou até mesmo de desconhecidos tem sido fortemente evitada. As questões envolvidas são a autonomia e a liberdade do doador ao dar seu consentimento e a avaliação de risco/benefício associada ao procedimento, especialmente com relação à não malecência (mutilação) do doador. A utilização de órgãos de doadores cadáveres tem sido a solução mais promissora para o problema da demanda excessiva. O problema inicial foi o estabelecimento de critérios para caracterizar a morte do indivíduo doador. A mudança do critério cardiorrespiratório para o encefálico possibilitou um grande avanço neste sentido. Os critérios para a caracterização de morte encefálica foram propostos, no Brasil, pelo Conselho Federal de Medicina através da Resolução CFM n o 1.480/1997. Na doação de órgãos por cadáver muda-se a discussão da origem para a forma de obtenção: doação voluntária, consentimento presumido, manifestação compulsória ou abordagem de mercado. Em 16 de janeiro de 1997, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, após uma longa discussão, a nova lei de transplantes (Lei no 9.434/1997), sancionada pelo Presidente da República em 4 de fevereiro de 1997, que altera a forma de obtenção para consentimento presumido. A legislação anteriormente 38
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vigente (Lei no 8489/1992 e o Decreto no 879/1993) estabelecia o critério da doação voluntária. Em março de 2001 houve uma nova mudança, através da Lei n o 10.211, que dá plenos poderes para a família doar ou não os órgãos de cadáver. Todas as manifestações de vontade constantes em documentos foram tornadas sem efeito. A alocação dos órgãos para transplante, assim como de outros recursos escassos deve ser feita em dois estágios. O primeiro estágio deve ser realizado pela própria equipe de saúde, contemplando os critérios de elegibilidade, de probabilidade de sucesso e de progresso à ciência, visando à benecência ampla. O segundo estágio, a ser realizado por um Comitê de Bioética, pode utilizar os critérios de igualdade de acesso, das probabilidades estatísticas envolvidas no caso, da necessidade de tratamento futuro, do valor social do indivíduo receptor, da dependência de outras pessoas, entre outros critérios mais.
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CAPÍTULO 5 Bioética e Eutanásia Eutanásia e distanásia A palavra “eutanásia” tem como signicado “boa morte” e é também conhecida como “suicídio assistido” ou “morte voluntária”. Ela acontece quando se põe m a vida de um doente terminal como forma de acabar com sua dor e sofrimento.
Bioética e Eutanásia A Bioética, relembrando, é o estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão moral, decisões, condutas e políticas – das ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num cenário interdisciplinar. A eutanásia representa atualmente uma complicada questão de bioética e biodireito, pois enquanto o estado tem como princípio a proteção da vida dos seus cidadãos, existem aqueles que, devido ao seu estado precário de saúde, desejam dar um m ao seu sofrimento antecipando a morte. Independentemente da forma de eutanásia praticada, seja ela legalizada ou não, é considerada como um assunto controverso existindo sempre prós e contras, podendo haver sempre teorias eventualmente mutáveis com o tempo e evolução da sociedade, tendo sempre em conta o valor de uma vida humana.
Eutanásia – Classificação A eutanásia pode ser classicada quanto ao tipo de ação e quanto ao consentimento do paciente. Quanto ao tipo de ação - pode ser ainda dividida em eutanásia ativa e eutanásia passiva. A primeira corresponde ao ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento ao paciente. A segunda diz respeito à morte do paciente dentro de um quadro terminal, ou porque não se inicia uma ação médica, com o objetivo de minimizar o sofrimento. Quanto ao consentimento do paciente – representa-se como voluntária, involuntária ou não voluntária. A eutanásia voluntária exprime-se quando a morte é provocada atendendo à vontade do paciente. Por outro lado, a eutanásia involuntária, acontece quando a morte é provocada contra a vontade do paciente. E, ainda, a eutanásia não-voluntária surge quando a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela.
Distanásia Etimologicamente, distanásia é o oposto de eutanásia. A distanásia defende que devem ser utilizadas todas as possibilidades para prolongar a vida de um ser humano, ainda que a cura não seja uma possibilidade e o sofrimento se torne demasiadamente penoso. 40
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Ortotanásia No que se refere à ortotanásia, esta, opondo-se à distanásia, defende que se reconheça o momento natural da morte de um indivíduo, não se procedendo a qualquer tipo de meio para manter ou prolongar a sua vida. Signica que se deve deixar o ser h umano morrer em paz, sem que se promova e acelere esse processo de deixar a vida. É importante neste caso, distinguir ortotanásia de eutanásia passiva, na medida em que na primeira não são levadas a cabo quaisquer medidas que visem manter ou melhorar o estado de saúde do doente, e na segunda estas são tomadas e interrompidas num determinado momento de sua vida. Salientamos também que na ortotanásia podem ser adaptadas medidas paliativas para aliviar o sofrimento da pessoa em vias de falecer.
Matar ou deixar morrer? Há alguns problemas em distinguir “matar” ou “deixar morrer”. Se a distinção entre matar ou deixar morrer se apoiasse meramente na distinção entre ações e omissões, então o agente que desliga a máquina que suporta a vida de outro mata este, enquanto aquele que recusa colocar alguém numa máquina de suporte à vida permite apenas que alguém morra. Comparativamente, a administração de uma injecção letal seria matar, enquanto não pôr o paciente num ventilador, ou tirá-lo, seria deixar morrer. Matar uma pessoa é sempre moralmente pior do que deixa-la morrer! Foram propostas várias razões para que seja assim. Uma das mais plausíveis é que um agente que mata causa a morte, enquanto um agente que deixa morrer permite apenas que a natureza siga o seu caminho. Embora evitar matar alguém exija pouco ou nenhum esforço, normalmente salvar alguém exige esforço. Se matar e deixar morrer estivessem moralmente ao mesmo nível seríamos tão responsáveis pela morte daqueles que não conseguimos salvar como somos pela morte daqueles que matamos. Mas, mesmo que às vezes se possa traçar uma distinção moralmente relevante entre matar e deixar morrer, é claro que isso não signica que a distinção se aplique sempre. Por vezes somos tão responsáveis pelas nossas omissões quanto pelas nossas ações. Visão religiosa O homem é o único ser sobre a Terra que tem consciência da sua nitude, o único a saber que sua passagem neste mundo é transitória e que deve terminar um dia. A vida humana é a base de todo o bem e é a fonte e condição necessárias de qualquer atividade humana e toda a sociedade. Muitos encaram a vida como algo de sagrado e defendem que ninguém pode dispor dela, mas os crentes vêem na vida algo maior, nomeadamente uma dádiva do amor de Deus que são chamados a preservar e tornar frutífera.
Como referido anteriormente, a eutanásia é, e continuará a ser, uma questão controversa. Todavia, por exemplo, os últimos estudos revelam que cerca de metade da população portuguesa é a favor desta prática. A grande maioria requer a eutanásia citando que a dor é o principal fator que as leva a acabar com as suas vidas. Contudo, permanece a questão do que será ou não ético.
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CAPÍTULO 6 Pesquisa com seres humanos Ética na pesquisa com seres humanos A Editora Loyola juntamente com o Centro Universitário São Camilo e a Sociedade Brasileira de Bioética publicaram o livro: “Bioética: Poder e Injustiça”, preciosa coletânea das mais importantes conferências apresentadas no VI Congresso Mundial de Bioética, realizado em Brasília em 2002. Atualmente no Brasil há mais de 400 Comitês institucionais de Ética em Pesquisa (CEP), o que signica, minimamente, 4.000 pessoas diretamente envolvidas no processo de avaliar projetos de pesquisa realizados no País. Estamos, portanto, na condição de território de pesquisadores com adequada formação cientíca e centro eciente de recrutamento de pessoas para execução de qualquer projeto de pesquisa, o que é mister salientar, não tem ocorrido nos países centrais. Brasília tem-se apresentado de forma exemplar neste campo de pesquisa, pois conseguiu estruturar um sólido sistema de proteção aos indivíduos envolvidos na pesquisa, o que está fundado na Re solução no 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. O importante é considerar que muitos são os desaos ainda persistentes, quais sejam: independência dos CEPs diante de interesses de pesquisadores, instituições e patrocinadores, maior legitimidade dos CEPs, adequado controle social das pesquisas e, apenas para car em alguns poucos exemplos, maior representação de usuários nos CEPs. Em consequência do julgamento de Nuremberg, a pesquisa médica envolvendo seres humanos teve um marco deontológico no ano de 1947, que foi o surgimento do Código de Nuremberg. Este, em linhas gerais, abrangia temas como o consentimento voluntário, informações essenciais para os sujeitos da pesquisa e a não indução à participação. Determinava que a experiência tivesse que apresentar resultados vantajosos não alcançáveis por outros métodos e exigia a realização da experimentação em animais anteriormente à pesquisa em humanos. O sofrimento deveria ser evitado, o risco minimizado e, na possibilidade de morte, o projeto não deveria ser realizado. A Declaração de Helsinque sofreu algumas revisões durante as Assembleias Médicas Mundiais, sendo a primeira realizada no Japão no ano de 1975, seguida pela revisão na Itália em 1983, Hong Kong em 1989, África do Sul em 1996 e, por último, na Escócia no ano de 2000. O Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), objetivando nortear, do ponto de vista ético, a condução de pesquisas envolvendo seres humanos, de acordo com os princípios enunciados pela Declaração de Helsinque, publicou no ano de 1993 as Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Bi omédicas Envolvendo Seres Humanos, abordando temas como a necessidade de consentimento pós-esclarecimento 42
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individual, com informações essenciais para os sujeitos; a não indução à participação; regras para pesquisa envolvendo: crianças, portadores de distúrbios mentais, prisioneiros, comunidades subdesenvolvidas, gestantes nutrizes. Abordou, também, a necessidade de consentimento da comunidade em estudos epidemiológicos, avaliação risco/benefício em todo tipo de pesquisa envolvendo seres humanos, sigilo dos dados obtidos, compensação por danos, revisão ética e cientica e as obrigações dos países no desenvolvimento da pesquisa. No Brasil, a regulamentação das pesquisas envolvendo seres humanos teve seu marco inicial com a Resolução no 01 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no ano de 1988. Esta normatizou os aspectos éticos da pesquisa em seres humanos, a pesquisa de novos recursos proláticos, diagnósticos, terapêuticos e de reabilitação, a pesquisa com menores de idade, mulheres e sujeitos, a pesquisa realizada em órgãos, tecidos e seus derivados, a pesquisa em farmacologia e pesquisas diversas. Regulamentou, também, o credenciamento de centros de pesquisas no país e recomendou a criação de comitês internos nas instituições de saúde. A aceitação desta resolução foi inexpressiva e sua aplicação prática foi considerada insatisfatória, tendo, contudo, o mérito de ser a tentativa inicial de normatização nacional das pesquisas em seres humanos. Alguns termos e denições constam no documento e são úteis para seu entendimento, a saber: » Pesquisa: atividade com objetivo de desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável. » Pesquisa em seres humanos: pesquisa que envolva o ser humano mesmo de forma individual ou coletivamente, direta ou indiretamente, parcial ou totalmente. » Pesquisador responsável: responsável pela coordenação e realização da pesquisa e integridade e bem estar do sujeito da pesquisa. » Risco da pesquisa: possibilidade de dano físico, psíquico, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano na pesquisa ou dela decorrente. » Sujeito da pesquisa: é o pesquisado, de caráter voluntário, sendo vedada qualquer forma de remuneração. » Consentimento livre e esclarecido: anuência do sujeito livre de fraude, simulação ou erro, dependência, subordinação ou intimidação, após explicação pormenorizada de todos os aspectos da pesquisa, incluindo riscos e incômodos, elaborada em um termo, autorizando sua participação voluntária. » Indenização: cobertura material em reparação a dano causado pela pesquisa. » Ressarcimento: cobertura das despesas decorrentes da pesquisa » Comitês de Ética em Pesquisa (CEP): colegiados interdisciplinares e independentes, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, com objetivo de defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. 43
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» Vulnerável: pessoa cuja capacidade de autodeterminação esteja reduzida, sobretudo para o consentimento livre e esclarecido. » Incapacidade: falta de capacidade civil do sujeito da pesquisa para o consentimento.
Aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos Para que determinada pesquisa seja aceitável, certas exigências éticas fundamentais e cientícas devem ser respeitadas. Algumas destas são fortemente baseadas nos princípios básicos da Bioética e estão listadas no quadro abaixo:
Princípio bioético
Exigência ética fundamental » consentimento livre e esclarecido
AUTONOMIA
» proteção aos vulneráveis
BENEFICÊNCIA
» comprometimento com o máximo benefício e mínimo risco
NÃO MALEFICIÊNCIA
» evitar danos » seleção do sujeito da pesquisa
JUSTIÇA
» garantia de igual consideração dos interesses envolvidos com vantagem significativa para o sujeito da pesquisa e mínimo ônus para os vulneráveis Fonte: acessada em 10 dez. 2011.
Será considerado pesquisa e estará submetido à Resolução n o 196/1996 todo procedimento em seres humanos, seja de que natureza for, de aceitação ainda não consagrada cienticamente. Estas pesquisas deverão atender aos seguintes quesitos: » ser justicada cienticamente e ter possibilidade concreta de responder as incertezas; » ter fundamentação cientíca prévia (Ex.: intervenção – fase pré-clínica); » ser a único modo de se obter determinado conhecimento; » os benefícios devem superar riscos; » obedecer à metodologia adequada, assegurarando numa distribuição aleatória que não seja possível estabelecer vantagem de um procedimento sobre outro; » justicar placebo (sua necessidade metodológica) (considerar primordialmente a não malecência - se tratamento consagrado já existe, o placebo é injusticável); » obter consentimento livre e esclarecido; » garantir recursos humanos e materiais para o bem estar do sujeito da pesquisa; 44
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» garantir privacidade e condencialidade, assegurando a não utilização das informações em prejuízo das pessoas; » envolver sempre que possível indivíduos com autonomia plena, evitando vulneráveis a menos que a investigação traga benefício direto a estes; » respeitar valores culturais, sociais, morais, religiosos, éticos e hábitos e costumes em pesquisa com comunidades; » comunicar os resultados às autoridades sanitárias sempre que puderem contribuir para melhoria da condições de saúde comunitária, preservando a imagem do s ujeito da pesquisa (evitar estigmatização); » assegurar ao sujeito da pesquisa os benefícios resultantes do projeto (retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa); » comprovar as vantagens para sujeitos de pesquisa e para o Brasil em pesquisas conduzida do exterior. Deve possuir instituição e pesquisador nacionais coresponsáveis. Deve incluir aprovação no país de origem. Deve ser aprovado por comitê de ética em pesquisa nacional; » utilizar o material biológico e dados exclusivamente para nalidade prevista; » levar em conta, nas pesquisas com mulheres grávidas ou em idade fértil, as consequências na fertilidade, gravidez e amamentação; » descontinuar o estudo somente após análise das razões pelo comitê que o aprovou.
Consentimento livre e esclarecido Este se caracteriza por ser um instrumento para se tentar assegurar a autonomia do sujeito da pesquisa, através da obtenção da sua anuência à participação. A concordância é o pressuposto do seu correto uso, sem qualquer coerção, após fornecimento e compreensão da informação sobre os procedimentos. Tem como objetivo principal de proteger os indivíduos, não sendo, como o consentido, a informação usada no passado, se constitui também em um instrumento de defesa do pesquisador e instituição diante de consequências negativas da pesquisa. Contudo não é infalível, principalmente em um País como o nosso em que a grande maioria dos sujeitos de pesquisa é extremante vulnerável por suas condições sociais, culturais e econômicas desiguais. Apesar de ter algumas controvérsias, foi um grande avanço e tem sido útil se utilizado da forma correta. Para tal é necessário que seja elaborado em linguagem acessível e possua informações sobre: » justicativa, objetivo e procedimentos (porque, para que e como); » desconfortos, riscos e benefícios; » identicação do responsável, forma de acompanhamento e assistência;
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» carantia de esclarecimentos a qualquer momento e informação clara sobre grupo controle e placebo; » liberdade para retirar-se sem penalização; » privacidade de sujeito da pesquisa / condencialidade; » formas de ressarcimento; » formas de indenização;
Não são permitidas ressalvas que impliquem isenção das responsabilidades do pesquisador e instituição. Além disto, todo consentimento deve ser aprovado pelo Comitê de Ética e conter a assinatura do sujeito da pesquisa. Uma via deve permanecer com este e outra com o pesquisador. Quando a situação envolve restrição à liberdade ou limitação ao esclarecimento do consentimento requer um cuiadado especial. Principalmente nas pesquisas com crianças, adolescentes, portadores de doença mental e outros sujeitos com substancial redução de sua capacidade de consentimento, para estas deve haver: » justicativa bem fundamentada para escolha de um destes grupos; » aprovação pelo Comitê de Ética; » consentimento livre e esclarecido do representante legal; » informação para o indivíduo no limite de sua capacidade;
Sujeitos expostos a condicionamentos especícos ou inuênci a de autoridade (estudantes, militares, empregados, presidiários, asilos, associações religiosas) devem ter garantia de plena liberdade de consentimento. Em comunidades culturalmente diferenciadas como as indígenas, o consentimento deve ser individual e comunitário através dos seus líderes. Quanto aos Riscos e benefícios, quanticar o risco é uma característica essecial ns pesquisas com seres humanos. Este risco pode ser individual, coletivo, imediato, tardio, físico, psíquico, entre outros, contudo sempre existirá em menor ou maior grau. Assim sendo, é aceitável quando a nalidade de determinada pesquisa justicá-lo, da seguinte forma: » se a pesquisa oferecer elevada possibilidade de entendimento, prevenção ou alívio do problema que afeta o sujeito; » se for de grande importância o benefício esperado; » se o benefício for igual ou maior que aquele de outra alternativa já estabelecida.
Caso um dano ou risco não identicado surja em determinada pesquisa, não tendo sido previsto no termo de consentimento, o estudo deve ser interrompido. Da mesma forma, tão logo seja constatada a superioridade de um método sobre outro, o melhor regime deverá ser oferecido a todos 46
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os sujeitos. Este tópico foi alvo de grande discussão durante a revisão da Declaração de Helsinque na Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, em outubro de 2000. Há uma tentativa de mudança no sentido de não mais se oferecer o melhor regime existente, mas sim, o melhor regime disponível no local em que a pesquisa é realizada. Armações como estas abrem, inclusive, uma brecha para o uso do placebo mesmo quando já houver um tratamento ecaz. Esta proposta, denominada duplo-standard duplo- standard , vem sendo defendida pela poderosa indústria farmacêutica, que, com sua aprovação, reduziria enormemente os custos de desenvolvimento de medicamentos, principalmente em pesquisas nos países mais pobres, porém com prejuízo enorme para os sujeitos da pesquisa. Esta modicação não foi aprovada, mas permaneceu em aberto para nova discussão na próxima revisão da Declaração de Helsinque. Ainda com relação aos danos sofridos pelos sujeitos da pesquisa, é importante ressaltar que, previstos ou não, se ocorrerem, serão de responsabilidade do pesquisador e instituição. Neste caso, os sujeitos devem receber assistência integral, tendo direito a uma indenização.
Protocolo de pesquisa Todo protocolo deve apresentar os dados do pesquisador, instituição e da pesquisa, além da fundamentação cientíca que a justique, com análise crítica dos riscos e benefícios. O pesquisador deve assumir, também, o compromisso de cumprir c umprir a Resolução no 196/1996 e de tornar os resultados de sua pesquisa públicos, mesmo que sejam desfavoráveis.
Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) Com a Resolução no 196/1996 surgiram os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) institucionais, multidisciplinares na sua composição, com a função de analisar as pesquisas em seres humanos nas diversas áreas de conhecimento, bem como fomentar discussão sobre bioética. Segundo o documento das diretrizes e normas, toda instituição deveria criar, organizar e manter um CEP e toda pesquisa envolvendo seres humanos deveria ser submetida à aprovação desse comitê. Cada CEP deve ser composto por no mínimo sete membros não remunerados, incluindo prossionais da saúde, ciências exatas, sociais, humanas e, pelo menos, um representante dos usuários da instituição, possuindo, assim, caráter multi e transdisciplinar. A metade destes membros é escolhida pela instituição e o restante por eleição entre aqueles com experiência em pesquisa, com mandato de três anos. Ao não permitir que mais da metade dos integrantes de um CEP seja formada por apenas uma categoria prossional, a resolução impede uma composição corporativista. Do mesmo modo, os dois sexos devem estar representados de maneira semelhante, não sendo permitido membro envolvido com a pesquisa analisada. São atribuições dos CEP:
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» revisar os protocolos de pesquisa, resguardando a integridade e direito dos voluntários; » emitir parecer enquadrando o protocolo em: aprovado, com pendência (60 dias), retirado, não aprovado, aprovado em encaminhado ao CONEP nos casos relativos às ÁREAS TEMÁTICAS ESPECIAIS; » acompanhar o desenvolvimento do projeto; » ser consultivo e educativo, fomentando a reexão sobre ética na ciência; » receber denúncia e decidir o destino da pesquisa.
A interrupção de uma pesquisa sem justicativa aceita pelo CEP é considerada conduta não ética. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) É a instância superior aos CEPs, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa e independente. Também composta de forma multi e transdisciplinar por 13 membros sendo cinco personalidades destacadas no campo da ética e saúde e oito personalidades de atuação outras áreas. Entre suas atribuições estão: » examinar os aspectos éticos das pesquisas em seres humanos; » adequar e atualizar as normas destas pesquisas; » estimular a criação dos CEP; » instância nal de recursos; » rever responsabilidade e interromper pesquisas; » constituir sistema de informação e acompanhar, do ponto de vista ético, as pesquisas; » divulgar estas normas; » estabelecer normas para credenciamento dos centros de pesquisa; » analisar todo projeto encaminhado pelos CEP para parecer; » aprovar e acompanhar protocolos de pesquisa nas ÁREAS TEMÁTICAS ESPECIAIS.
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CAPÍTULO 7 Áreas temáticas especiais Genética humana Os pareceres do CONEP relativos à área de Genética Humana são baseados, no que se refere aos aspectos especícos, nas Instruções Normativas no 8 e 9 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Estas instruções rearmam os princípios da Resolução no 196/1996, dispondo sobre manipulação genética e clonagem de seres humanos, com as seguintes normas: » São vedadas, em seres humanos, quaisquer atividades de manipulação do genoma humano que envolva células responsáveis pela formação dos gametas (células germinativas), bem como células com capacidade para formar células germinais ou diferenciar-se em um indivíduo (células tronco). » Não é permitida a clonagem de um ser humano a partir de uma célula (clonagem radical).
Dentro desta área são passíveis de aprovação apenas projetos que envolvam manipulação genética de células somáticas.
Reprodução humana Com objetivo de complementar as Diretrizes de Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Resolução n o 303/2000, relativa à área de reprodução humana. Nesta ca denido que os sujeitos da pesquisa serão todos aqueles afetados pelos procedimentos estudados. Estabelece também que, dentro desta área temática, todas as pesquisas com intervenção em reprodução assistida, anticoncepção, manipulação de gametas, pré-embriões, embriões e feto e medicina fetal devem ser, após parecer do CEP, obrigatoriamente encaminhadas para avaliação do CONEP.
Fármacos, vacinas e testes diagnósticos. A Resolução no 251/1997 que incorpora a Resolução n o 196/1996 e reporta-se à Resolução de Grupo Mercado Comum (GMC) no 129/1996, trata da normatização desta área temática. Nela é denida como pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas ou testes diagnósticos, todos os estudos com estes produtos em fase I, II, III e, ainda, fase IV quando abordar aplicação diferente daquela já estabelecida. Estas fases, denidas na Resolução do GMC, são:
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» Fase I – pesquisa em pequeno grupo voluntário visando avaliação inicial de segurança, farmacocinética e farmacodinâmica; » Fase II – estudo terapêutico piloto para se estabelecer segurança e relações doseresposta; » Fase III – estudo terapêutico ampliado (ensaio clínico randomizado) explorando a relação risco-benefício e valor terapêutico relativo; » Fase IV – pesquisa pós-comercialização do produto, a m de, na grande população, estabelecer-se o valor terapêutico e novas reações adversas;
Esta resolução apresenta aspectos de fundamental importância relativos aos direitos e proteção do sujeito da pesquisa. Nela consta que deve ser assegurado aos sujeitos da pesquisa, por parte do patrocinador, instituição e pesquisador, o acesso, após a comprovação, ao melhor procedimento diagnóstico ou terapêutico, inclusive àqueles do grupo controle quando houver. É, também, contrária ao uso de placebo quando um método terapêutico ecaz já existir. Estes dois aspectos, como já mencionado anteriormente, têm sido questionados nas revisões da Declaração de Helsinque. Sua modicação, por pressão da indústria farmacêutica, seria um imenso retrocesso na qualidade da regulamentação. A preocupação com este assunto levou o Brasil, previamente à revisão da Declaração de Helsinque de outubro de 2000, à homologação da Resolução CNS 301/00, que reforça as normas já estabelecidas, posicionando-se contrariamente às mudanças propostas.
Populações indígenas A preocupação com a vulnerabilidade do índio e de sua cultura e o interesse crescente em pesquisas com populações indígenas, muitas delas isoladas, fez com que esta área obtivesse tratamento especial, com resolução complementar (Resolução n o 304/2000). Esta apresenta de forma bem clara a necessidade de que a pesquisa respeite os aspectos culturais peculiares, não admitindo exploração das comunidades indígenas. Outras exigências da resolução são: » Deve ser obtida a anuência coletiva, além do consentimento individual. » A igualdade de consideração de interesses deve ser respeitada. » Comunidades isoladas devem ser evitadas. » Não são aceitos patenteamentos de produtos obtidos em pesquisas com indígenas.
Para estes efeitos, são índios todos aqueles que se considerarem pertencentes a uma comunidade indígena e forem por ela aceitos como tais.
Pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira Os países em desenvolvimento têm-se tornado, cada vez mais, local de pesquisa dos grandes laboratórios multinacionais. A Resolução n o 292/1999 foi criada visando regulamentar esta prática. 50
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Nela é apresentada a necessidade de que o ônus e os benefícios sejam distribuídos de forma justa entre as partes envolvidas. Fica, também, estabelecida a obrigatoriedade da aprovação da pesquisa pelo comitê de ética do país de origem e, se não desenvolvida nesse país, a razão para tal de ser apresentada ao CONEP para análise.
Projetos que envolvam aspectos de biossegurança Os documentos como a Declaração de Helsinque e as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Resolução n o 196/1996) são importantes referências ociais para os pesquisadores, apesar de alguns pesquisadores, inclusive da área de Saúde/Educação Física negligenciarem ou até desconhecerem as normas para realização de uma pesquisa envolvendo seres humanos. Contudo, o maior impacto destes, com valorização dos Comitês de Ética em Pesquisa, só ocorreu com a exigência para publicação, por parte das revistas cientícas nacionais e internacionais, de aprovação ética prévia da pesquisa por um comitê institucional. A necessidade do cumprimento destas resoluções tem uma razão muito maior que somente o enquadramento da pesquisa em regras de publicação. O objetivo primordial das diretrizes e normas é a proteção do ser humano na sua integridade e dignidade, fazendo com que o desenvolvimento cientíco ocorra de forma ética. Nesse caminho, os CEP e o CONEP são instrumentos fundamentais, multi e transdisciplinares, e, portanto pluralistas, capazes de uma avaliação adequada dos protocolos de pesquisa antes da sua execução, impedindo assim a ocorrência de transgressões éticas de consequências eventualmente graves, principalmente para a parte mais frágil, o sujeito da pesquisa. Se ampliarmos o conceito de vulnerabilidade, incluindo não só aqueles em situações especícas de redução da autonomia, como crianças e prisioneiros, mas sim todos que vivem em condições de desigualdade, sejam elas social, econômica, cultural, política, étnica e educacional, teremos como vulnerável a quase totalidade dos sujeitos da pesquisa no Brasil. Deste modo é fundamental que muitas destas resoluções sejam fortalecidas, tornando-se leis, e que a rede de CEP seja constantemente avaliada, treinada e ampliada. Os CEP e CONEP devem manter-se atuantes, fomentando a discussão sobre bioética, reavaliando e adequando as diretrizes e normas à evolução técnico-cientíca e social. A proteção ao nosso sujeito da pesquisa, extremamente vulnerável, deve ser ampliada com a correção de distorções resultantes de uma regulamentação adaptada de normas estrangeiras, moldadas em um princípio de autonomia excessiva, inadequado frente às condições do povo brasileiro. O Brasil aprova as normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos e regulamenta na publicação no Diário Ocial da União, p. 21082-5, 16 out. 1996. Seção 1. Item VII.13.c, sobre as atribuições dos Comitês de Ética em Pesquisa: “manter a guarda condencial de todos os dados obtidos na execução de sua tarefa e arquivamento do protocolo completo, que cará à disposição das autoridades sanitárias”.
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CAPÍTULO 8 A Bioética e a Saúde Pública 1. Contexto: A Bioética deve assumir um caráter interdisciplinar na
construção do processo saúde-doença. O conceito de saúde joga um papel de especial importância para a compreenção da interdiciplinaridade da Bioética. 2. Reflexão: A primeira informação que deve ser transmitida é que, em
1948, a Organização Mundial de Saúde define saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência da afecção ou doença.
Alguns autores armam que este conceito foi ampliado durante a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1988, quando foram incluídos nele as condições de vida, como trabalho, habitação, alimentação e todos os direitos ao acesso igualitário, inclusive assistência religiosa (se assim o desejar), através das chamadas políticas de saúde. Um olhar mais apurado, com o devido respeito, faz com que se perceba que nada foi, de fato, acrescentado, mas apenas desmembrado. Parece claro que ao se falar em bem-estar físico, mental e social já está se falando em condições aceitáveis de vida em todas as suas variantes, inclusive o poder de fazer valerem direitos e exigir o cumprimento de obrigações, expressando o ser cidadão. O direito à saúde já está contido no preceito constitucional brasileiro que garante aos seus, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, como indica a inteligência do artigo 1o da nossa Constituição Federal conforme preconiza no seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantidomediante políticas sociais e econômicas que visemà redução dorisco dedoença edeoutros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
Bioética e biossegurança O expressivo desenvolvimento de biomateriais para utilização em clínica odontológica na última década tem representado um poderoso instrumento terapêutico nas atividades cirúrgicas, especialmente nas correções de defeitos ósseos. No entanto, apesar dos comprovados benefícios, sua utilização exige do prossional um cuidado clínico e ético criterioso na análise dos riscos e benefícios que cada biomaterial possa apresentar. Pesquisas antropológicas e arqueológicas mostram que nas comunidades primitivas havia preocupação com a substituição de elementos dentários perdidos. Uma mandíbula de origem Maya, datada dos anos 600 d.C., continha três pequenos fragmentos de coral substituindo os dentes incisivos inferiores. Por meio de exames radiográcos, observou-se a formação de osso compacto
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em volta destes fragmentos. Dessa forma, esses foram considerados os mais antigos implantes aloplásticos colocados com sucesso em uma pessoa viva no mundo. Toda via, o desenvolvimento biotecnológico iniciado nos anos 1950, acelerado nos últimos anos, trouxe à odontologia avanços signicativos, ampliando o campo de trabalho do cirurgião-dentista e fortalecendo-a como ciência. Por outro lado, aumentou a responsabilidade do prossional, exigindo constante atualização para absorver os novos conhecimentos gerados. No atual mundo globalizado, as descobertas cientícas são rapidamente introduzidas e absorvidas pela prática clínica. Segundo Schramm (1998), biossegurança é “o conjunto de ações voltadas para prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços, riscos que podem comprometer a saúde, o meio ambiente ou a qualidade do trabalho desenvolvido”.
Tanto a bioética quanto a biossegurança se ocupam da probabilidade dos riscos, de degradação da qualidade de vida dos indivíduos e populações e da aceitabilidade de novas práticas. Entretanto, a biossegurança quantica e pondera os riscos e benefícios, ao passo que a bioética analisa os argumentos racionais que justicam ou não tais riscos. A teoria bioética do Principialismo proposta por Beauchamp e Childress (2001), em Principles of Biomedical Ethics, se transformou na principal fundamentação teórica do novo campo da ética biomédica. Ela aplica um sistema de princípios – autonomia, benecência, não-malecência e justiça – para a área clínico-assistencial em situações do cotidiano da relação prossional-paciente. A rapidez dos avanços cientícos e tecnológicos passou a exigir uma reexão ética mais acurada sobre o agir do prossional envolvido com as novas descobertas no campo da biomedicina. É nesse contexto que a bioética se apresenta como novo território de estudo e reexão ético-moral, envolvendo diferentes movimentos e sujeitos, orientados para o agir prossional, no respeito à cidadania e aos direitos humanos, em contextos temporais e espaciais onde pessoas se encontram vulneráveis, tanto no acesso como na busca da saúde. Segundo alguns autores, o paciente tem o direito moral de ser esclarecido sobre a natureza e os objetivos dos procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos. Da mesma maneira, deve ser informado de sua invasibilidade, duração dos tratamentos, benefícios, prováveis desconfortos e possíveis riscos físicos, psíquicos, econômicos e sociais que possa ter. O prossional de saúde deve apresentar possíveis alternativas de tratamento, quando existentes. A pessoa precisa ser informada da ecácia presumida das medidas propostas, sobre as probabilidades de alteração das condições de dor, sofrimento e de suas condições patológicas, ou seja, deve ser esclarecida em tudo que possa fundamentar suas decisões.
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Dessa forma, o consentimento informado é um instrumento fundamental para a comunicação entre o paciente e o prossional de saúde.
Discussão A análise dos resultados permitiu reexões sobre o uso dos biomateriais por especialistas. A procedência dos materiais é diversicada, principalmente pelo fato de haver no mercado brasileiro uma grande variedade de membranas e osso liolizado de origem bovina. Entre os biomateriais animais estão a proteína morfogenética do osso e o osso liolizado; entre os sintéticos, a hidroxiapatita e o sulfato de cálcio. O uso de biomateriais de origem animal ou sintéticos deve-se principalmente ao fato de a Constituição Brasileira proibir a comercialização e utilização de materiais de procedência humana. Além disso, a Lei no 9.434 de 4/2/1997, que dispõe sobre a doação de órgãos e procedimentos, prevê sanções penais e administrativas, sendo vedado todo tipo de comercialização de órgãos ou tecidos humanos no País. Segundo Berlinguer e Garrafa (2001), a tendência do futuro será a mudança de biomateriais humanos para enxerto xenogênico, motivada pela escassa oferta mundial do osso humano. No entanto, restam muitas dúvidas sobre a interação entre células de espécies distintas. Muita polêmica foi gerada quando foi proposta a utilização de órgãos de animais tratados geneticamente como opção aos transplantes, devidos aos efeitos a longo prazo, principalmente no campo da imunologia. Os biomateriais mais citados em rmas de importação são os implantes fabricados em outros países e o osso liolizado de origem humana. A inexistência de um banco de ossos humanos no Brasil para ns comerciais, como os existentes nos Estados Unidos, Singapura, Hong-Kong e outros, permitiu o desenvolvimento e crescimento de empresas para importação de osso liolizado humano. Do ponto de vista da teoria bioética do Principialismo, observa-se que o princípio da autonomia dos pacientes é frequentemente desrespeitado. A maior parte dos entrevistados referiu que o paciente pouco ou nunca participa do processo decisório de tratamento. O uso do termo de consentimento informado ainda não está incorporado à prática prossional. A pouca participação do paciente também foi relatada em pesquisa recente sobre avaliação da documentação odontológica de implantodontistas em São Paulo.
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CAPÍTULO 9 Bioética e Direitos Humanos Em Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley descreve uma sociedade onde as pessoas são concebidas em centros de incumbação e condicionamento a partir de linhas de produção articiais. Todos seriam predestinados e manipulados biologicamente, de forma a se criar um mundo no qual o lema fosse comunidade, identidade e estabilidade. Não existiria vontade livre e a submissão seria totalmente aceitável a partir de doses regulares de felicidade química e ideologias ministradas durante o sono. Segundo um dos personsagens da narrativa de Huxley, o propósito do condicionamento genético e social seria “fazer as pessoas amarem o destino social a que não podem escapar. Pela primeira vez na história, sabe-se seguramente para onde se vai”. O que o livro de Huxley, publicado em 1932, tem a nos ensinar? 1. Olhando o presente, podemos imaginar um futuro semelhante em termos
de avanços e riscos científicos e tecnológicos? 2. Como compreender, atualmente e a partir de uma sociedade altamente
complexa, a relação entre direito e ciência? Ou mais especificamente, entre direito e bioética?
Os avanços ocorridos a partir de 1960 mudaram completamente o papel da medicina, em especial o transplante de órgãos, a pílula contraceptiva, os diagnósticos prenatais, a utilização generalizada de unidades de cuidados intensivos e de respiradores articiais. No âmbito da genética, é extremamente signicativa a distância percorrida de Mendel, com as leis básicas da hereditariedade (1866), passando por Watson e Crick e a estrutura molecular do DNA (1953), até chegar a Craig Venter, o primeiro a sequenciar o genoma humano (2000). Em 1978, nascia a primeira criança concebida por meio de um procedimento de fertilização in vitro e, em 1997, realizava-se o primeiro clone de um mamífero adulto, a ovelha Dolly. Impulsionado pelo desenvolvimento de inúmeras possibilidades da ciência e da tecnologia, principalmente a partir do segundo pós-guerra e da descoberta de que experimentos genéticos de nalidade eugênica eram realizados pelos nazistas, é que surge um novo campo do conhecimento denominado de bioética. Em 1971, Van Rensselaer Potter escreve o livro “Bioethics: Bridge to the Future”, primeira publicação a tratar diretamente do tema, dedicado ao exame do aumento da habilidade humana em transformar a natureza, inclusive a humana, e as implicações desse aumento para o futuro global.
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Como mencionado anteriormente, nos dias atuais o signicado dado à palavra bioética é mais amplo, abrangendo uma reexão moral sobre questões ligadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, a partir da dimensão social, jurídica e ambiental. Nesse campo, discute-se sobre doação de órgãos, eutanásia, aborto, pesquisa com células-tronco, controle de natalidade, reprodução assistida, saúde pública e globalização, doenças mentais, bioterrorismo, transgênicos, clonagem e manipulação genética, entre outros. Para o entendimento de como se deu o progresso da ciência este entendimento deve ser feito com reservas. O desenvolvimento cientíco do século XX provocou a crise do conceito de ciência e fez com que o estudo das suas condições de possibilidade, da sua justicação e dos seus riscos e limites se tornasse um tema de importância central para o pensamento losóco. A inaceitabilidade, hoje manifesta, da pretensão iluminista de uma racionalidade humana capaz de esclarecer todas as dimensões da vida e do mundo, eli minando totalmente as trevas, fundamenta-se na constatação, resultante do duro processo de aprendizado histórico, de que todo saber humano assenta-se em pré-compreensões, em preconceitos, histórica e socialmente determinados, pois toda e qualquer luz projeta sombras e se, por um lado, nos permite ver muito bem o que ilumina, por outro, nos cega para tudo o que se encontra mergulhado nas sombras por ela geradas. Assim, se todo o progresso cientíco-tecnológico vericado no século XX proporcionou inúmeros benefícios para o ser humano, por outro lado, possibilitou intervenções de um tipo completamente novo, que pode afetar signicativamente a autocompreensão normativa da espécie humana como um todo. Nesse sentido, a época atual seria, de certo modo, apocalíptica, não porque está dirigida inevitavelmente rumo à catastrófe, mas porque introduz riscos que gerações precedentes não tiveram que enfrentar. O que fazemos pode ter consequências profundas, de longo alcance e de longa duração, consequências que não podemos ver diretamente nem identicar com precisão. Entre as ações e seus efeitos existe uma enorme distância – tanto no tempo como no espaço – que não podemos sondar usando nossas capacidades habituais de percepção. Qual a repercussão disso tudo para o direito? É necessário um exame que leve em conta os riscos e as possibilidades desses avanços para os direitos fundamentais. Se o mapeamento do genoma humano pode possibilitar, por um lado, o 56
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conhecimento antecipado e a cura de determinadas doenças, por outro, pode induzir a uma eventual discriminação genética, sobretudo entre companhias de seguro de saúde, de vida e mesmo entre empregadores. O inevitável compromisso das tecnologias biomédicas com o poder econômico representa uma ameça à dignidade humana, na medida em que o corpo humano tornou-se passível de ser instrumentalizado mediante uma lógica de mercado. Recorde-se que os termos “doença” e “dignidade humana” são expressões abertas e passíveis de ser articuladas na luta pela armação da igualdade, como demonstra o Little People Movement, que conseguiu barrar, na Inglaterra, as pesquisas que evitariam o nanismo, ao argumento de que esta condição não pode ser considerada uma doença, o que violaria o respeito à diferença especíca dos anões.
A vida humana como valor ético Qualquer ação humana que tenha algum reexo sobre as pessoas e seu ambiente deve implicar o reconhecimento de valores e uma avaliação de como estes poderão ser afetados. O primeiro desses valores é a própria pessoa, com as peculiaridades que são inerentes à sua natureza, inclusive suas necessidades materiais, psíquicas e espirituais. Ignorar essa valoração ao praticar atos que produzam algum efeito sobre a pessoa humana, seja diretamente sobre ela ou através de modicaçõe s do meio em que a pessoa existe, é reduzir a pessoa à condição de coi sa, retirando dela sua dignidade. Isto vale tanto para as ações de governo, para as atividades que afetem a natureza, para empreendimentos econômicos, para ações individuais ou coletivas, como também para a criação e aplicação de tecnologia ou para qualquer atividade no campo da ciência. Entre os valores inerentes à condição humana está a vida. Embora a sua origem permaneça um mistério, tendo-se conseguido, no máximo, associar elementos que a produzem ou saber que em certas condições ela se produz, o que se tem como certo é que sem ela a pessoa humana não existe como tal, razão pela qual é de primordial importância para a humanidade o respeito à origem, à conservação e à extinção da vida. A ética de um povo ou de um grupo social é um conjunto de costumes consagrados, informados por valores. A partir desses costumes é que se estabelece um sistema de normas de comportamento cuja obediência é geralmente reconhecida como necessária ou conveniente para todos os integrantes do corpo social. Se alguém, por conveniência ou convicção pessoal, procura contrariar ou efetivamente contraria uma dessas normas tem comportamento antiético, presumivelmente prejudicial a outras pessoas ou a todo o grupo, quando não a todos os seres humanos. Assim, ca sujeito às sanções éticas previstas para a desobediência, podendo, pura e simplesmente, ser impedido de prosseguir na prática antiética ou, conforme as circunstâncias, ser punido pelos danos que tenha causado ou ser obrigado a repará-los. Todos estes fatorem têm aplicação à proteção da vida no plano da ética, sem prejuízo da proteção resultante de seu reconhecimento como valor jurídico.
Ciência, tecnologia e Bioética Recentes avanços tecnológicos, como também alguns progressos cientícos, criaram possibilidades novas de interferência na vida humana, que podem representar uma vantagem ou, contrariamente, um risco ou mesmo um grave prejuízo. Pelo fato de que a vida é geralmente reconhecida como 57
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um valor humano ou social, muitos sentiram a necessidade de reetir sobre essas inovações e seus efeitos, de prever ou, pelo menos, tentar prever, suas consequências prováveis, benécas ou malécas e, nalmente, de avaliar tais possibilidades à luz de considerações de ordem ética. A primeira advertência formal sobre os riscos inerentes ao progresso cientíco e tecnológico foi feita pela ONU, em 10 de novembro de 1975, quando proclamou a Declaração sobre a Utilização do Progresso Cientíco e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da Humanidade. Entre as considerações preliminares, esse documento contém o reconhecimento de que o progresso cientíco e tecnológico, ao mesmo tempo em que cria possibilidades cada vez maiores de melhorar as condições de vida dos povos e das nações, pode, em certos casos, dar lugar a problemas sociais, bem como ameaçar os direitos humanos e as liberdades fundamentais do indivíduo. O artigo 6o dessa Declaração é bem expressivo como advertência, tendo a seguinte redação: Todos os Estados adotarão medidas tendentes a estender a todos os estratos da população os benefícios da ciência e da tecnologia e a protegê-los, tanto nos aspectos sociais quanto materiais, das possíveis consequências negativas do uso indevido do progresso cientíco e tecnológico, inclusive sua utilização indevida para infringir os direitos do indivíduo ou do grupo, em particular relativamente ao respeito à vida privada e à proteção da pessoa humana e de sua integridade física e intelectual.
Nesta seara entra a necessidade de consideração jurídica dos mesmos valores de que se ocupa a Bioética, pois são valores humanos fundamentais, que precisam ser tutelados em benefício de cada ser humano e de toda a humanidade.
A vida humana como valor jurídico Para a consideração da vida como valor jurídico, um ponto de partida adequado é a observação, ainda que sucinta, do tratamento dispensado à pessoa humana e suas características essenciais ao longo dos tempos. O exame dos documentos antigos, mesmo os mais remotos textos legislativos, mostra que se perde na origem dos tempos o reconhecimento de que os seres humanos são criaturas especiais, que nascem com certas peculiaridades. Com o avanço dos conhecimentos humanos foi havendo maior precisão, esclarecendo-se que há certas necessidades básicas, de natureza material, psicológica e espiritual, que são as mesmas para todas as pessoas. Entre as peculiaridades da condição humana encontra-se a possibilidade de se desenvolver interiormente, de transformar a natureza e de estabelecer novas formas de convivência. Essa evolução levou à conclusão de que o ser humano é dotado de especial dignidade, bem como de que é imperativo que todos recebam proteção e apoio tanto para a satisfação de suas necessidades básicas como para o pleno uso e desenvolvimento de suas possibilidades físicas e intelectuais. Em decorrência de todos esses fatores, foi sendo denido um conjunto de faculdades naturais necessitadas de apoio e estímulo social, que hoje se externam como direitos fundamentais da pessoa humana. Nos textos da antiguidade se confundem preceitos religiosos, políticos e jurídicos, mas já se percebe a existência de regras de comportamento social impostas à obediência de todos e com a
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possibilidade de punição para os que desobedecerem. Em vários casos a punição vai além da sanção moral e uma autoridade pública pode impor castigos ou restrições a direitos. Aí está a origem humana e social dos direitos, inclusive do direito à vida, que através dos séculos será reconhecido e protegido como um valor jurídico. Conforme observam muitos autores, durante séculos a proteção da vida como direito se deu por via reexa. Não havia a declaração formal do direito à vida, mas era punido com severidade quem atentasse contra ela. Isso chegou até os nossos dias, sendo interessante assinalar que no Brasil o direito à vida só foi expresso na Constituição de 1988, embora desde 1830 a legislação brasileira já previsse a punição do homicida. Assim nasceu a moderna diferenciação entre nobres e plebeus, entre os ricos proprietários, sempre participantes diretos ou indiretos do poder político, e os outros, incluindo pequenos proprietários e também muitas pessoas pobres ou miseráveis que só tendo a força de seu corpo e de sua mente viviam, como vivem ainda hoje, em situação de sujeição, sendo forçados, mediante coação expressa ou disfarçada, a contribuir para a prosperidade dos primeiros.
Os direitos humanos: defesa da pessoa e da vida No nal da Idade Média, no século XIII, aparece a grande gura de Santo Tomás de Aquino, que terá grande importância para a recuperação do reconhecimento da dignidade essencial da pessoa humana. Embora sendo um pensador cristão, Santo Tomás de Aquino retomou Aristóteles, sob muitos aspectos, e procurou xar conceitos universais. De seus estudos, pondo-se de parte alguns pontos de suas ideias que se apóiam em dogmas de fé, resultam noções fundamentais que foram e podem ser acolhidas mesmo por quem não aceite os princípios cristãos. Tomando a vontade de Deus como fundamento dos direitos humanos, Santo Tomás condena as violências e discriminações dizendo que o ser humano tem Direitos Naturais que devem ser sempre respeitados, chegando a armar o direito de rebelião dos que forem submetidos a condições indignas. Nessa mesma época nasce a burguesia, uma nova força social, composta por plebeus que foram acumulando riqueza mas continuavam excluídos do exercício do poder político e, por isso, eram também vítimas de violências, discriminações e ofensas à sua dignidade. Durante alguns séculos foram ainda mantidos os privilégios da nobreza, que, associada à Igreja Católica, tornara-se uma considerável força política e usava a fundamentação teológica dos direitos humanos para sustentar que os direitos dos reis e dos nobres decorriam da vontade de Deus. E assim estariam justicadas as discriminações e injustiças sociais. Os séculos XVII e XVIII trouxeram elementos novos, que acabaram pondo m aos antigos privilégios. No campo das ideias surgem grandes lósofos políticos, que rearmam a existência dos direitos fundamentais da pessoa humana, sobretudo os direitos à liberdade e à igualdade, mas dando como fundamento desses direitos a própria natureza humana, descoberta e dirigida pela razão. Isso favoreceu a eclosão de movimentos revolucionários que, associando a burguesia e a plebe, ambas interessadas na destruição dos seculares privilégios, levaram à derrocada do antigo regime e abriram caminho para a ascensão política da burguesia. Os pontos culminantes dessa fase 59
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revolucionária foram a independência das colônias inglesas da América do Norte, em 1776, e a Revolução Francesa, que obteve a vitória em 1789. A nova situação criada a partir daí foi inteiramente favorável à burguesia, mas adiantou muito pouco para os que não eram grandes proprietários. Em 1789 foi publicada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, onde se armava, no artigo primeiro, que “todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”, mas, ao mesmo tempo, admitia “distinções sociais”, as quais, conforme a Declaração, deveriam ter fundamento na “utilidade comum”. São também contra os direitos humanos os que, em nome do progresso cientíco e de um futuro e incerto benefício da humanidade, ou alegando atitude piedosa em defesa da dignidade humana, pregam ou aceitam com facilidade a inexistência de limites éticos para as experiências cientícas ou o uso dos conhecimentos médicos para apressar a morte de uma pessoa. E assim estes últimos defendem a eutanásia e o suicídio assistido, que são formas de homicídio, atitudes que levam à antecipação da extinção da vida, que nenhuma norma de direitos humanos autoriza. Há hipóteses em que só resta uma aparência de vida e, neste caso, tomadas todas as cautelas para a eliminação de dúvidas quanto ao verdadeiro estado do paciente e obtida a autorização livre e consciente de quem pode decidir pela pessoa que, na realidade, já deixou de viver, aí sim, é possível deixar de prolongar a vida aparente e optar pela ortotanásia, em nome da dignidade humana. Isso é compatível com os direitos humanos. Um dado importante é que, por meio da experiência, da reexão e, muitas vezes, do sofrimento, muitas pessoas de boa-fé, que se julgavam contrárias aos direitos humanos, adquiriram consciência de sua contradição e mudaram de atitude. É necessário e oportuno ressaltar que, embora sem a rapidez que seria ideal, vem aumentando sempre o número de pessoas conscientizadas, sendo necessário um trabalho constante de esclarecimento e estímulo para que se acelere a ampliação do número de defensores dos direitos humanos.
Os direitos humanos no século XX: avanços e resistências A segunda metade do século XX cará marcada na história da humanidade como a abertura de um novo período, caracterizado pelos avanços dos direitos humanos. Terminada a II Guerra Mundial, estando ainda abertas as feridas da grande tragédia causada pelo egoísmo, pelo excesso de ambições materiais, pela arrogância dos poderosos e pela desordem social resultante, iniciou-se um trabalho visando a criação de um novo tipo de sociedade, informada por valores éticos e tendo a proteção e promoção da pessoa humana como seus principais objetivos. Foi instituída, então, a ONU, com o objetivo de trabalhar permanentemente pela paz. Demonstrando estarem conscientes de que esse objetivo só poderá ser atingido mediante a eliminação das injustiças e a promoção dos direitos fundamentais da pessoa humana, os integrantes da Assembleia Geral da ONU aprovaram, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Todos estes fatores que marcam a existência de uma nova mentalidade, caracterizada pela valorização da ética e pelo reconhecimento dos direitos humanos, não foram feitos e não ocorrem sem resistências. Os que põem acima de tudo a consecução de objetivos econômicos têm aliados 60
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numa intelectualidade que usa argumentos sosticados, chamando de “idealistas utópicos” os defensores dos direitos humanos. O deslumbramento com os avanços no mundo da ciência e da tecnologia também cria resistentes, estando entre estes os que se opõem à Bioética ou que tentam manipulá-la, propondo o estabelecimento de padrões de comportamento que, aparentando uma nova ética, são de tal modo exíveis que equivalem à negação da ética. E por esse caminho negam também os direitos humanos.
Direitos humanos e Bioética: conjugação necessária Os direitos humanos e a Bioética andam necessariamente juntos. Qualquer intervenção sobre a pessoa humana, suas características fundamentais, sua vida, integridade física e saúde mental deve subordinar-se a preceitos éticos. As práticas e os avanços nas áreas das ciências biológicas e da medicina, que podem proporcionar grandes benefícios à humanidade, têm riscos potenciais muito graves, o que exige permanente vigilância dos próprios agentes e de toda a sociedade para que se mantenham dentro dos limites éticos impostos pelo respeito à pessoa humana, à sua vida e à sua dignidade. Na prática, a vericação desses limites é facilitada quando se levam em conta os direitos humanos, como têm sido enunciados e clasicados em grande número de documentos básicos, incluindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os pactos, as convenções e todos os acordos internacionais, de caráter amplo ou visando a objetivos especícos, que compõem o acervo normativo dos direitos humanos. O que se pode concluir disso tudo é que a Declaração Universal dos Direitos Humanos marca o início de um novo período na história da humanidade. E a Bioética está inserida no amplo movimento de recuperação dos valores humanos que ela desencadeou. Os que procuram a preservação ou a conquista de privilégios, os que buscam vantagens materiais e posições de superioridade política e social, sem qualquer consideração de ordem ética, os que pretendem que seus interesses tenham prioridade sobre a dignidade da pessoa humana, os que supervalorizam a capacidade da inteligência e se arrogam poderes divinos, pretendendo o controle irresponsável da vida e da morte, esses resistem à implantação das normas inspiradas nos princípios da Declaração Universal. A consciência dos direitos humanos é uma conquista fundamental da humanidade. A Bioética está inserida nessa conquista e, longe de ser opor a ela ou de existir numa área autônoma que não a considera, é instrumento valioso para dar efetividade aos seus preceitos numa esfera dos conhecimentos e das ações humanas diretamente relacionada com a vida, valor e direito fundamental da pessoa humana.
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CAPÍTULO 10 Bioética clínica Erro médico São relatados erros médicos de grande visibilidade histórica e na sequência é feita uma análise dos mesmos levando-se em conta os princípios bioéticos da benecência, não-malecência, autonomia e justiça. A história mostra que o erro médico não é uma preocupação exclusiva da sociedade contemporânea e já estava presente no Código de Hamurabi – 2394 a.C. – com penalidades diferenciadas para o médico no caso de o erro ser cometido contra o senhor ou contra o escravo. No entanto, somente nos tempos contemporâneos, ocorreu a discussão dos princípios da autonomia e da justiça. Apesar disso, pessoas de posses, como George Washington, em 1799, já usavam o princípio da autonomia quando do tratamento de suas doenças.
A responsabilidade médica: uma visão bioética Na tentativa de chegar a uma avaliação ética ou mesmo a um julgamento moral, vários fatores podem ser responsabilizados em cada ato humano, em cada problema de conduta. Razões, motivos, intenções, meios, resultados, consequências, são todos eles elementos inter-relacionados em um amplo complexo de causa e efeito. Diz-se, que o moralista está preocupado apenas com a parte subjetiva do comportamento humano, os cientistas sociais com os meios e os processos utilizados e os políticos com os ns e resultados. As inúmeras controvérsias éticas levantadas pelo grande desenvolvimento cientíco e tecnológico da biologia nos últimos anos é um dos exemplos de questão moral, em Ética e Medicina, que envolve não apenas um, mas todos os fatores determinantes do ajuizamento quanto ao certo e o errado. Capacidade, liberdade de escolha e responsabilidade são o próprio âmago da ética e a condição sem o qual não pode ser para o verdadeiro status moral do homem. Enquanto é verdade que não existe qualquer responsabilidade pelo próprio nascimento e, por consequência, nenhuma participação moral nisso, nós temos uma participação moral efetiva quanto à concepção, o nascimento e a morte de outros, sobretudo daqueles que trazemos para o mundo e daqueles dos quais cuidamos. Vida, saúde e morte são portanto questões morais. Podemos “fazer algo” a respeito delas e, consequentemente, temos de decidir o que fazer. É esta verdade fundamental acerca da nossa existência humana, que nos coloca em nível diverso dos demais componentes do reino animal: o fato de que a maior parte do nosso destino é, ou pode ser, resultado de decisão deliberada, de conduta racional, mais do que de comportamento meramente instintivo. Toda a história do crescimento moral do homem, desde o que Breasted chamou de “a aurora da consciência” e que, paradoxalmente, os teólogos clássicos chamam de “a queda”, tem sido nossa permanente marcha ascendente na escala da responsabilidade. Desde uma ação pré-escolhida 62
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em direção a uma ação auto-deliberada, a partir da moralidade costumeira para uma moralidade reetida, racional, não impulsiva. Ao mover-se para além da existência bruta, o homem só contou com duas vantagens biológicas para emancipá-lo dos hábitos e limites irracionais de sua natureza: a primeira e mais importante foi a maior inteligência que o ajudou a escolher não apenas entre os ns, mas entre os meios. A outra foi a postura ereta, que liberou suas mãos e lhe conferiu o nome genérico grego “anthropos”, signicando “aquele que anda com a face para o céu”. O tamanho de nossa responsabilidade moral expande-se, por necessidade, com os avanços da ciência e tecnologia médicas. Quase que anualmente é alcançada uma nova etapa na nossa batalha para estabelecer controle sobre a saúde, a vida e a morte. Existem cada vez menos motivos em nossa geração, para sermos fatalistas acerca dos episódios cruciais de nossa existência, em contraposição à geração de nossos antepassados. Fatalismo que reete uma falta de controle sobre os acontecimentos é a visão daqueles que são impotentes para prevenir ou evitar o que não podem escolher ainda que tivessem o poder de escolha. Da mesma forma que a inércia é o solo árido do fatalismo, o controle é a semente viçosa da liberdade e da responsabilidade, da própria ação moral, do comportamento verdadeiramente humano. Um ato humano, seja em teoria ética, seja em teologia moral, é denido como aquele que é livre e baseado no conhecimento e não ditado irremediavelmente pela ignorância e pela resignação. Os atos morais são mais bem servidos pela reexão do que pelo reexo e a qualidade ética de um a to está muito mais vinculada ao raciocínio do que à paixão. É por esse motivo que a ciência, a despeito de alguns casos trágicos e equivocados, contribui decisivamente para a expansão do nosso alcance moral e para a magnitude de nossa vida ética. A tecnologia não somente altera a cultura, ela indiscutivelmente adiciona créditos à nossa estatura moral. E as questões do início e do m da vida, como uma parte do cuidado médico, ilustram a regra geral. Tomemos, por exemplo, a questão da anticoncepção. Os preservativos, os dispositivos intrauterinos e as pílulas eliminaram as velhas restrições sobre a sexualidade fora do casamento, o chamado terror triplo da concepção, infecção e descoberta que, em certa medida, mantinha as pessoas contidas. Não obstante o fato da AIDS, os riscos são, rigorosamente falando, quase uma coisa do passado. A ciência tende a remover as compulsões morais. Isto quer dizer, através de um paradoxo signicativo, que a responsabilidade moral está sendo salientada e nossa estatura moral aumentada. Pode até não parecer assim à primeira vista. No entanto, quando as sanções externas, tais como o medo das consequências, são minimizadas pela Medicina, é precisamente aí que nossos controles internos têm de ser elevados a um nível mais alto de importância. E, naturalmente, com cada um desses aumentos de responsabilidade pessoal e livre escolha, as chances de um equívoco moral cam igualmente aumentadas. Daí a importância do reforço da responsabilidade, através das decisões reetidas e racionais, não impulsivas. Em qualquer discussão sobre Moral e Medicina é necessário delinear nossa liberdade moral, nossa ação humana, em uma série de decisões sobre a vida e sobre a morte. E isso deve ser feito de tal maneira que tais eventos possam tornar-se decisões verdadeiras e não meras fatalidades biológicas. 63
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“A censura e a culpa são conceitos legais e religiosos, e não cientícos”, diz Menninger. Podemos parafrasea-lo, dizendo que a responsabilidade é um conceito legal e ético e não empírico. A responsabilidade não é assunto ou fato natural e objetivo; é algo moral e espiritual. Em suma, é um fenômeno humano e pessoal, que não pode ser encontrado “lá fora”, no mundo físico. Descendo agora, da discussão doutrinária para o nível da avaliação meramente normativa, ca claro que a importância do Capítulo III do Código de Ética Médica está no seu próprio título que trata da responsabilidade prossional do médico, e não somente de sua responsabilidade legal. A autoria da ação constitui pressuposto elementar da ética. Só há responsabilidade moral quando há responsabilidade pela autoria da ação. Este princípio se desdobra em diversas modalidades. A principal delas é a da autonomia da vontade, à qual corresponde à espontaneidade da ação ética. A ação ética nasce de seu autor, como nasce do artista a obra de arte. Não há valor moral na ação heterônoma, inspirada e dirigida por valores impostos, quando a vontade não é livre. Essencialmente, autonomia é a capacidade de pensar, decidir e agir, com base em tal pensamento e decisão, de modo livre e independente. Na esfera da ação, é importante distinguir entre, por um lado liberdade, isenção, licença, ou simplesmente “fazer de cordocommsua vontade, ou seja o que vier na cabeça” e por outro lado agir autonomamente, que também pode se fazer o que se quer, mas baseado em deliberação racional. Só como exemplo, os animais não possuem autonomia, mas podem ser perfeitamente livres. A autonomia é uma categoria de liberdade, mas nem toda a liberdade é autonomia. O conceito de autonomia está, necessária e obrigatoriamente, ligado ao exercício daquilo que Aristóteles chamou de atributo específco do homem – a racionalidade. Outra modalidade deste princípio, e que constitui a contrapartida da autoria da ação, é ser a responsabilidade ética intransferível. Mesmo quando, na ação, existam vários autores, a responsabilidade ética não poderá ser dividida. Ela existe por inteiro, em relação a cada um dos que participaram da ação, sendo todos eles solidariamente responsáveis. Também as circunstâncias não dividem a responsabilidade. Ou são elas circunstâncias conhecidas e previsíveis, e então assumidas, ou são elas imprevisíveis e não conhecidas e, portanto, sem responsabilidade a cogitar. Estas questões estão disciplinadas no Código de Ética Médica que, cuida precisamente da total responsabilidade moral que o médico deve assumir como autor único de seus próprios atos, não a dividindo com terceiros, nem para eles transferindo a responsabilidade. Esta será, sempre, igualmente inteira para cada um deles. Não se pode consentir em sua divisão quando as circunstâncias pelas quais se quer responsabilizar a ocorrência, eram razoavelmente esperadas e, ainda assim, foram assumidas. O princípio geral do primum non nocere, fonte e inspiração da benecência ou, mais precisamente, da não malecência, não é, em nosso entender, um preceito ético exclusivo da Medicina, nem um princípio de exigência para a ação ética, já que poderia levar o médico até mesmo à inércia total. É, antes de mais nada, um simples princípio de cautela, contenção, alerta e prudência que somente têm lugar como limites para a prática médica inspirada no princípio mais importante de servir, que obriga a ação.
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O médico que nada faz jamais incidirá em erro, mas obviamente não é essa a razão e o propósito maiores da medicina, entendida como prática comprometida com a ação. Originada, como ciência, arte e prossão, da existência prévia do próprio médico, e caracterizado o médico como aquele que assumiu o encargo de cuidar (do latim, medeor), o preceito tradicionalmente repetido do primum non nocere” , não poderia sobrepor-se ao princípio ético indiscutivelmente mais alto que é o princípio de servir. Incontáveis são as ocasiões em que seria bem mais cômodo para o médico primum non agere. Entretanto é o seu dever maior de intervir que o conduz a assumir riscos nem sempre possíveis de serem calculados com a segurança que se pretende no preceito do non nocere. Estas circunstâncias, que se tornam cada vez mais frequentes para a Medicina contemporânea, na qual aos maiores recursos correspondem maiores riscos, impõe-nos necessariamente a ver naquele postulado mera cautela para a ação do médico, que não deve ultrapassar os limites da prudência, mas que ao mesmo tempo não pode e não deve recear o imperativo ético da intervenção ativa. Trata-se, como se vê, de um princípio muito antigo. Mas, nem mesmo por ser historicamente remoto, tem ele, na sua ancianidade, o aval indiscutível da verdade. Também é do mesmo tempo, a velha regra de que o médico nada mais é do que uma consolação para o espírito (medicus enim nihil aliud est quam animi consolatio) . Mas seria francamente ridículo haver alguém, entre médicos e pacientes que, apesar das limitações próprias da Medicina, pudesse repetir, hoje em dia, aquele brocardo. São eles – “primum non nocere” e “nihil aliud est” – mandamentos típicos de uma história da ciência e da cultura em que realmente eram pequenos os conhecimentos e recursos, ao ponto de se preferir nada fazer: “O médico que prescreve ao doente a cura do tempo, prescreve um remédio melhor do que se houvesse empregado lancetas”. Mas a ninguém é dado o direito, em nossa época, de ter da Medicina a mesma imagem de resignação e inoperância chegando a sobrepor qualquer daqueles preceitos ao preceito ético superior de apostar na cura, apesar dos riscos. A ética e a responsabilidade médica têm necessariamente que mudar, crescer e se engajar constantemente em auto-correção. Isto é verdadeiro porque a Medicina é uma arte humana para seres humanos. E nós, seres humanos, temos de crescer em sabedoria e em estatura na mesma medida em que o fez o lho de Deus. Aqueles que assumem a responsabilidade pessoal de cuidar de alguém, aqueles que têm o conhecimento dos fatos e que exercitam a liberdade de escolha e o respeito pela autonomia dos outros são seres verdadeiramente morais, pois sem liberdade de escolha e sem direito de saber as verdades as pessoas seriam apenas marionetes. E não existe qualidade moral em um espetáculo de marionetes. Seguramente não nos bonecos.
Bioética e Medicina Legal Com o propósito de enfocar a Ética e, mais especicamente, a Bioética, revendo os conceitos de Medicina Legal e, principalmente, transpondo o limite entre a moralista e cartorária Deontologia, mostrar que a ligação entre as duas áreas de conhecimento continua existindo, embora, a nosso 65
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ver, ela possa ser concebida de uma forma mais abrangente e profunda do que a exposta pelos nossos professores. Ainda hoje, muitos vêem a Medicina Legal como uma simples aplicação de conhecimentos médicos ou médico-biológicos à prática forense. Quando se “pensa” a Medicina Legal, a ideia mais presente, mesmo na mente dos prossionais de saúde, é a do especialista realizando necrópsias para ns de esclarecimento de crimes. Para os que cursaram Medicina a visão da especialidade é um pouco mais ampla: conseguem agregar, a essa área do conhecimento, o exame genital para constatação de estupro, a identicação de ossadas humanas e, no máximo, o exame de “corpo de delito” visando ao registro de lesões corporais. Há grande desinformação, por exemplo, quanto à existência de uma “Psicopatologia Forense”, que preferimos denominar “Saúde Mental e Justiça”, uma das áreas de atuação da Medicina Legal. Com relação a esse aspecto, podemos armar que não há Medicina puramente biológica sem ênfase na psyché humana, assim, como já vimos, não haverá Medicina Legal apenas “corporal”: o estudo do psicopatológico e da sexologia são partes integrantes da ciência forense. O crime apenas existe porque se estabeleceu a regra, e a regra foi criada visando um objetivo pragmático, especíco. E a percepção desses aspectos, já na área da Sociologia Criminal, não é ela também fundamento do Direito? – estamos falando de Criminologia, na qual a Medicina Legal se prolonga. William Saad Hössne, em 1993, apresentou na Conferência de Abertura da “I Jornada Oscar Freire” uma visão iluminista do que ele considera deva ser a Medicina em geral, e a Medicina Legal em especial. Iluminista, porque bem nos moldes do movimento que se difundiu na Europa no século XVIII, dirigiu suas “luzes” para o âmago do ser humano. Fez-nos ele muito bem sentir, e esse pensamento, que à Medicina e, consequentemente, também à Medicina Legal não cabe o rótulo de ciência biológica. A menos que se queira incluir no “bios”, o abrangente e riquíssimo conteúdo humano que não pode ser dissociado de qualquer prática de saúde. A Medicina é o cerne de uma integração entre ciências biológicas e humanas. A moral é resultado da obediência e o oposto da autonomia, sendo representada, na pessoa, essencialmente pelo “superego”. Assim, podemos observar que um indivíduo poderá agir de forma ilegal sem deixar de ser coerente com sua ética, tomando como paradigma a situação de “Robin Hood”, que roubava dos ricos, distribuindo os seus bens aos pobres; ainda poderemos ver uma pessoa agindo moralmente de forma “correta” não se ajustando, entretanto, aos nossos valores, por exemplo, quando sob o jugo de um regime autoritário se submete à autoridade para realizar atos com os quais ela mesmo não concorda. Poderá estar também presente o conito com relação à realização do aborto a pedido da mãe porque, para nós, apenas essa situação autônoma da paciente merece ser agora considerada a empatia com o desejo de sua auto-determinação, que não quer, por razões próprias, dar prosseguimento à gravidez. A resposta à questão “pode a mãe dispor da vida do feto?”, que para alguns é um prolongamento da mãe e, para outros, algo independente, sobre o qual ela não tem poder de decisão, é decisiva para a reexão ética. Simplicando, a pessoa poderá posicionar-se francamente contra o aborto se, na reexão, predominar a repulsa pelo feticídio, ou então poderá pender para um juízo favorável, se prevalecer a sintonia com a vontade da mãe. Nesse “jogo” pela mãe ou pelo feto poderão inuir, na decisão, outros valores. Muitos estão a favor da interrupção da gravidez ante uma grave anomalia fetal, ou em situações em que a maternidade possa trazer um grave distúrbio na vida psicossocial 66
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da paciente, ou quando a gravidez tiver resultado de estupro situação, aliás, prevista pela lei penal vigente. A Bioética abrange as mais variadas linhas de pensamento, confrontando tendências por vezes absolutamente opostas, sendo paradigmático o exemplo “Bioética sacra x Bioética laica”, a primeira heterônoma de forma clara ou disfarçada, tendo como pressuposta a existência de uma ordem anterior religiosa, ou natural; e a segunda autônoma, tendo como pré-requisito exclusivo a capacidade de pensar e de sentir do ser humano. É imperioso enfatizar que Bioética é uma área de discussão sobre valores, não podendo precipitar-se para a vala comum dos positivismos busca da “verdade”, sendo portanto nada mais do que um espelho do relativismo ético do qual, ainda que possamos desejar, nunca escaparemos. Portanto vemos que a exposição de uma visão ampliada da Medicina Legal, se propõe a integrar as “Ciências da Vida aplicadas ao Direito”; postula, consequentemente, a sua transcendência quanto à Medicina e à Biologia; procura, nalmente, conceituar a Bioética, dentro de um enfoque moderno e amplo. Aí percebemos que Bioética e Medicina Legal, ambas “ciências da vida”, ambas fundamentais para o Direito, em sua própria estruturação, e também na sua aplicação, são áreas do conhecimento muito próximas, ligadas conceitualmente entre si, de forma muito mais profunda do que as denições meramente deontológicas as caracterizavam.
Aspectos bioéticos da confidencialidade e privacidade Carlos Fernando Francisconi e José Roberto Goldim. Aspectos bioéticos da condencialidade e privacidade (1997b).
Tanto em um hospital, posto de saúde ou consultório privado, os resultados de exames e procedimentos realizados com nalidade diagnóstica ou terapêutica s ão de sua propriedade. Durante muito tempo houve o entendimento de que estas informações pertenciam ao médico assistente ou à instituição. Desta visão é que surgiram as denominações “prontuário médico” e “arquivo médico”. Esta maneira de tratar as informações do paciente deve ser atualizada. Os prossionais e as instituições são apenas seus éis depositários. Os médicos, enfermeiros e demais prossionais de saúde e administrativos que entram em contato com as informações têm apenas autorização para o acesso a elas em função de sua necessidade prossional, mas não o direito de usá-las livremente. O dilema ético, na realidade, não está situado entre revelar ou não o diagnóstico, ao paciente, ou qualquer outra informação relevante, mas sim na forma e momento de revelar. Vale relembrar que a garantia recíproca de comunicar a verdade e de não ser enganado, ou seja, a veracidade, é um dos princípios básicos sobre os quais se estabelece a relação médico-paciente. A preservação de segredos está associada tanto à questão da privacidade quanto da condencialidade. A privacidade, mesmo quando não há vínculo direto, impõe ao prossional os deveres de resguardar as informações que teve contato e de preservar a própria pessoa do paciente – pode ser considerada como sendo um dever institucional. A condencialidade, por sua vez, pressupõe que o paciente 67
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revele informações diretamente ao prossional, que passa a ser o responsável pela preservação das mesmas. Condencialidade A condencialidade é uma característica presente desde os primórdios das prossões de saúde. O juramento hipocrático, do século V a.C., estabelecia que: “qualquer coisa que eu veja ou ouça, prossional ou privadamente, que deva não ser divulgada, eu manterei em segredo e contarei a ninguém”. Thomas Percival, em seu livro “ Medical Ethics”, de 1803, também reiterava a importância da garantia da preservação das informações para uma adequada relação médico-paciente. Condencialidade, desta forma, é a garantia do resguardo das informações dadas em conança e a proteção contra a sua revelação não autorizada. A condencialidade não uma prerrogativa dos pacientes adultos, ela se aplica a todas as faixas etárias. As crianças e os adolescentes têm, como um adulto, o mesmo direito de preservação de suas informações pessoais, de acordo com a sua capacidade, mesmo em relação a seus pais ou responsáveis. Com relação aos pacientes idosos, especial atenção deve ser dada à revelação de informação aos familiares e, especialmente, aos cuidadores. No Brasil, os códigos de ética prossional dos médicos e dos fonoaudiólogos impedem a estes prossionais prestar informações mesmo a um juiz, independentemente da s olicitação de privilégio por parte dos pacientes. O prossional de saúde, ao ser chamado para testemunhar em uma Corte Judicial, deve comparecer perante a autoridade e declarar-se impedido de revelar qualquer informação, pois está moralmente comprometido com a preservação das informações. Existem opiniões, contudo, que admitem que um juiz pode assumir a sponsabilidade de inquirir a revelação de informações, mesmo contrariando o código de ética prossional, desde que isto que claramente congurado nos autos do processo. Desta forma estaria caracterizada uma exceção – e não uma quebra à condencialidade. Essa alternativa pode contemplar os aspectos legais do ato de revelar informações tidas como condenciais, porém, não atende plenamente ao aspectos morais envolvidos. As situações de abuso ou maus tratos devem ser avaliadas com cautela. No Brasil, existe a obrigação legal de comunicar essas ocorrências quando constatadas em crianças ou adolescentes. As demais situações de abuso de cônjuge ou idoso da família não estão previstas em lei, mas podem ser equiparadas, desde o ponto de vista moral, às vericadas em menores. Nestes casos é necessário contatar um Comitê de Bioética ou alguma outra estrutura de defesa dos direitos dos pacientes que por ventura existem na própria instituição. No caso de trabalho em consultório privado, a situação ca mais delicada, pois as decisões são mais solitárias. Nessa circunstância pode ser solicitada uma consultoria ou supervisão formal a algum especialista nesta área ou ao Conselho Regional de Medicina do estado. Em todos estes episódios os prossionais envolvidos também passam a se r solidários na manutenção da condencialidade e privacidade do caso.
Pesquisa A realização de um projeto de pesquisa envolve aspectos de condencialidade e privacidade em todas as suas etapas. Desde o planejamento até a divulgação, o pesquisador e todas as demais pessoas que vierem a se envolver têm o compromisso de resguardar as informações, ou seja, de impedir que elas sejam utilizadas de forma inadequada. 68
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Durante a fase de planejamento a preservação das informações entre os membros da equipe é fundamental, pois o projeto ainda não foi apresentado. Da mesma forma, os Comitês de Ética em Pesquisa, em todas as instâncias, e os Comitês Assessores das agências nanciadoras assumem o compromisso com a preservação das informações a eles submetidas. Na divulgação, o importante é a garantia de que todos os participantes tiveram as suas identidades preservadas na íntegra. Os editores de revistas cientícas, por sua vez, devem garantir a preservação dos contéudos, durante a tramitação do artigo. Novamente, todos os consultores e membros do Corpo Editorial estão comprometidos formal e solidariamente. Inúmeros novos desaos estão sendo propostos. O uso crescente de recursos de transmissão de dados sobre pacientes, utilizando telefone, fax, redes de computadores, podem se constituir em novas situações de quebra de condencialidade ou de privacidade. Novas situações exigem novas soluções, que muitas vezes resgatam antigas proposições, apenas adequando-as ao novo contexto. O fundamental é reconhecer que as pessoas sempre possuem dignidade, independentemente de sua idade ou capacidade, merecendo, desta forma, todo o nosso respeito e cuidado para com as informações a elas pertinentes.
Ética clínica: a AIDS como paradigma A ética clínica com todas as denições já citadas neste trabalho tem por base a denição de Kant, que a dene como a ciência das leis da liberdade, aceitando também que se a compreenda como a a teoria dos costumes. É de extrema importância reconhecer que a Ética encontra sua razão de ser fundamentalmente nas relações humanas, pois nestas deposita o seu caráter teleológico; volta-se, assim, em suma, para a criação de condições que visem à armação da dignidade do ser. Para a ética clínica a AIDS surge como um paradigma humano. No pensamento de Kant, esse objetivo se impõe como fundamento de um princípio prático supremo, estabelecedor da humanidade como m em si mesma. Há que se entender que a Ética discute o comportamento desejável dos seres que integram uma determinada a sociedade, tendo em vista os valores, dentre estes a Justiça, que a orientam; e nestes volta-se, consequentemente, para a formulação de uma teoria dos costumes, da qual nos fala Kant. Do debate de temas éticos sempre resultará sob o ponto de vista prático, um conjunto de preceitos de conduta social destinados a tornar as relações humanas mais harmônicas e agradáveis, o que implica, substancialmente, o respeito à pessoa em sua integralidade. Não se perca de vista que esses preceitos estão sujeitos a constantes modicações, decorrentes da natureza dinâmica dos valores sociais.
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Dentro dessa linha de raciocínio deui a conclusão de que a Ética pode regular campos especícos de atividades sociais; trata a Ética Clínica das condutas desejáveis no âmbito da relação que se forma entre prossionais da área da saúde e seus pacientes, criando-se, com isso, condições para que, por um lado, os valores pessoais dos seres humanos envolvidos sejam preservados e respeitados e, por outro, a prestação do serviço que constitui o objeto especial dessa relação possa alcançar a máxima ecácia possível. Pode-se armar com segurança que a parte mais importante dos códigos éticos que regulam os comportamentos dos prossionais da saúde é a que trata das relações com os seus pacientes, já que estas constituem o eixo de suas atividades. A preservação da privacidade do paciente, por seu turno, está vinculada ao princípio de que tudo que diz respeito à sua intimidade lhe pertence, e somente ele poderá dela dispor; a proteção dessa intimidade se dá por meio da adoção do sigilo, que torna a circulação de informações relacionadas à intimidade do paciente restrita apenas ao círculo integrante da relação prossional. Evidentemente, tais institutos com o consentimento informado e o sigilo prossional que se aplicam a todas as hipóteses possíveis que ensejem a ocorrência da relação entre prossionais e pacientes. Quando se toma a Síndrome da Imunodeciência Adquirida (AIDS) como paradigma para este trabalho, leva-se em consideração que não ocorreu, propriamente, o surgimento de alguma nova situação para o campo da ética clínica; problemas éticos concernentes à AIDS já haviam sido, de algum modo, identicados no que tange a outras moléstias transmissíveis. A eclosão da AIDS implicou, na verdade, que alguns aspectos éticos da relação prossional fossem profundamente revistos e exaustivamente rediscutidos, seja em decorrência de aspectos epidemiológicos da infecção, seja em razão do caráter dramático que reveste o aparecimento dessa pandemia, seja em consequência do prognóstico sombrio que se desenha para o portador do agente etiológico da doença.
A vida humana com valor ético Qualquer ação humana que tenha algum reexo sobre as pessoas e seu ambiente deve implicar o reconhecimento de valores e uma avaliação de como estes poderão ser afetados. O primeiro desses valores é a própria pessoa, com as peculiaridades que são inerentes à sua natureza, inclusive suas necessidades materiais, psíquicas e espirituais. Ignorar essa valoração ao praticar atos que produzam algum efeito sobre a pessoa humana, seja diretamente sobre ela ou através de modicações do meio em que a pessoa existe, é reduzir a pessoa à condição de coisa, retirando dela sua dignidade. Isto vale tanto para as ações de governo, para as atividades que afetem a natureza, para empreendimentos econômicos, para ações individuais ou coletivas, como também para a criação e aplicação de tecnologia ou para qualquer atividade no campo da ciência.
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Bioética e direitos humanos Dalmo de Abreu Dallari preconiza que entre os valores inerentes à condição humana está a vida. Embora a sua origem permaneça um mistério, tendo-se conseguido, no má ximo, associar elementos que a produzem ou saber que em certas condições ela se produz, o que se tem como certo é que sem ela a pessoa humana não existe como tal, razão pela qual é de primordial importância para a humanidade o respeito à origem, à conservação e à extinção da vida. O que hoje pode ser armado com argumentos sosticados, após milênios de reexões e discussões losócas, foi pensado ou intuído pela humanidade há milhões de anos e continua presente no modo de ser de todos os grupos humanos, tanto naqueles que se consideram mais avançados como nos que vivem em condições julgadas mais rudimentares, como os grupos indígenas que ainda vivem isolados nas selvas. Como foi assinalado por Aristóteles e por muitos outros pensadores, e as modernas ciências que se ocupam do ser humano e de seu comportamento o conrmam, o ser humano é associativo por natureza. Por necessidade material, psíquica aqui incluídas as necessidades intelectuais e afetivas, espiritual, todo ser humano depende de outros para viver, para desenvolver sua vida e para sobreviver. A consciência dos direitos humanos é uma conquista fundamental da humanidade. A Bioética está inserida nessa conquista e, longe de ser opor a ela ou de existir numa área autônoma que não a considera, é instrumento valioso para dar efetividade aos seus preceitos numa esfera dos conhecimentos e das ações humanas diretamente relacionada com a vida, valor e direito fundamental da pessoa humana.
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CAPÍTULO 1 Questão ética ÉTICA História da questão ética “Por que a ética voltou a ser um dos temas mais trabalhados do pensamento flosófco
contemporâneo”? essa foi a indagação feira por José Gianotti, renomado cientista social brasileiro, quando iniciou seu artigo “Moralidade Pública e Moralidade Privada”, publicado no livro Ética – Vários autores, organização de Adauto Novaes, pela editora Companhia das Letras. A formulação dessa pergunta ocorreu com base na constatação de evidências ocorridas nas duas esferas, pública e privada. No início desse século, a presença empresarial privada conheceu a necessidade de aperfeiçoamento da gestão da ética em suas organizações. Algumas grandes empresas internacionais, entre elas líderes em seus respectivos setores de atuação, perceberam que estavem envolvidadas enormes casos de escândalos corporativos-nanceiros Nesse ambiente conturbado, as autoridades americanas aprovaram a legislação Sarbanes-Oxley, conhecida como SOX, em 30/6/1992, dando reconhecimeto a necessidade de atuar com força na prevenção, na administração e na punição dos agentes de desvios éticos, fraudes e corrupção. A crise de 2008 voltou a expor a impressão de que a ética está fora de controle. A verdade é que as organizações, como os seres humanos, são imperfeitas. No âmbito público, o então Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Pedro Parente, na Exposição de Motivos no 37, do Código de Conduta da Alta Administração Federal, de 18/8/2000 armou que “a insatisfação social com a conduta ética dos governantes e dos agentes públicos não é fenômeno exclusivamente brasileiro e circunstancial. Os países democráticos e desenvolvidos também enfrentam ceticismo da opinião pública a respeito do comportamento dos adminis tradores públicos e da classe política”.
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No poder executivo brasileiro, o Código de Ética foi incorporado à Administração Pública pelo Decreto no 1.171, de 22 de junho de 1994. No decorrer do tempo, o trabalho foi sendo aperfeiçoado e regulamentado, criando assim o Decreto no 6.029, de 1o de fevereiro de 2007. O BNDES tem a certeza de ter conquistado reconhecimento e respeito perante a sociedade brasileira por valorizar as atitudes éticas no exercício das atividades de seus empregados. A formulação do compromisso do BNDES ligada à administração ética, foi regulamentada na Resolução 1.007 da Diretoria, de 26 de junho de 2002, que criou o Código de Ética Prossional dos Empregados do Sistema BNDES - 2002. Esse regulamento orientou o trabalho desenvolvido na gestão da ética no BNDES através da promoção de ações de natureza educativa, da atualização e do aperfeiçoamento de suas normas e da apuração e aplicação das penas que serão aplicadas nos casos de condutas que vão contra a ética.
Ética e transparência Incorporar os principios da ética, honestidade, respeito mútuo, conança entre as partes, integridade e transparência nos negócios, combate o tráfego de inuências, a oferta ou recepção de suborno e a corrupção na esfera pública e privada e inuenciar as partes interessadas neste combate.
Sustentabilidade corporativa e a ética empresarial É natural as empresas errarem, por mais que os processos sejam automatizados, eles foram feitos e são conduzidos por pessoa, e pessoas erram. A partir desse ponto de vista, o que faz a diferença e ntre uma empresa sustentável e uma empresa não sustentável é a forma de ela lidar com o erro, já que não há como desvincular a ética da sustentabilidade. Uma dúvida a ser e sclarecida é como imaginar uma empresa capaz de gastar milhões na gestão de seus resíduos e ao mesmo tempo manter uma relação danosa com seus fornecedores? Apesar da chamada era da responsabilidade, as empresas parecem não se dar conta de que o consumidor é um de seus principais interessados (stakeholders), se não o principal. Muitas vezes a falta de transparência na condução de negócios é o principal problema nessa relação. Voltando para a realidade do nosso país, a burocracia, a lentidão e a falta de punições realmente educativas, ajudam as empresas a perpetuarem desmandos. Temos exemplos clássicos no segmento de telefonia, mas a percepção que temos é de que o problema se inseriu na cultura da maioria das empresas, independente da área. A questão é que não podemos esperar das empresas a ética no seu sentido mais pleno. Se a conjuntura econômica e/ou política permitir, elas vão querer potencializar seus lucros sim! Alguém duvida, por exemplo, que se a Nestlé fechar sua operação no país hoje, a Unilever sobe seus preços amanhã? É natural e faz parte do jogo capitalista. No entanto, nós, os consumidores temos um poder que até então não tínhamos: o do alcance da palavra. E é com ele que podemos exigir transparência e ética na condução dos negócios. Existe a necessidade das empresas reverem seus princípios éticos e seus comportamentos neste mundo globalizado e diante da rápida difusao de informações por meio das ferramentas de 73
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comunicação. neste sentido são cobradas (ou penalizadas) pelos grupos de interesse (stakeholders) podendo ter consequências em suas vendas. Com as mudanças do mundo, os aci onistas se preocupam com a imagem e reputação da empresa, pois reete nos lucros e na sobrevivência da empresa nos mercados a médio e longo prazos.
Princípios éticos do desenvolvimento sustentável Ética da ação efetiva É a ética do movimento. Desenvolvimento sustentável só se torna realidade pela ação. O princípio aqui é que todas as deliberações sobre o assunto deverão sempre ir a té o estágio da ação efetiva em todas as áreas que condicionam a excelência do resultado nal (em consonância com o princípio ecológico da interdependência e do sistêmico). Nenhuma deliberação sobre desenvolvimento sustentável cará, portanto, tão somente no nível de intenções teóricas, que não contemplem soluções criativas, ecazes, que levem à superação de todas as barreiras a um efetivo fazer acontecer. A premissa aqui é que já dispomos de conhecimento suciente, teorias sucientemente fundamentadas, evidências mais que razoáveis e tecnologias apropriadas para tomar todas as decisões necessárias para colocar nosso desenvolvimento na direção de uma sustentabilidade muito melhor do que a que temos hoje. Nosso problema hoje está na falta de mais ações pragmáticas e velocidade no fazer acontecer. Não é ético continuar procrastinando as ações que já sabemos ser necessárias. A cada dia de adiamento é possível calcular os impactos sobre a sustentabilidade e os problemas que se geram a médios e longos prazos. A questão ética passa pelo respeito ao outro. O impacto e as externalidades que suas atividades provocam nos diferentes sgmentos da sociedade passam pelo entendimento que todos são iguais e têm o direito ao meio ambiente saudável, a justiça social e benefcios econômicos que satisfaçam suas necessidades básicas. Conforme a Revista Visões 4a edição, no 4, volume 1, jan./jun. 2008: Na Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD), também conhecida como Comissão de Brundtland, presidida pela norueguesa Gro Haalen Brundtland, no processo preparatório a Conferência das Nações Unidas – também chamada de “Rio 92” foi desenvolvido um relatório que cou conhecido como “Nosso Futuro Comum”. Tal relatório contém informações colhidas pela comissão ao longo de três anos de pesquisa e análise, destacandose as questões sociais, principalmente no que se refere ao uso da terra, sua ocupação, suprimento de água, abrigo e serviços sociais, educativos e sanitários, além de administração do crescimento urbano. Neste relatório está exposta uma das denições mais difundidas do conceito: “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”.
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O relatório Brundland considera que a pobreza generalizada não é mais inevitável e que o desenvolvimento de uma cidade deve privilegiar o atendimento das necessidades básicas de todos e oferecer oportunidades de melhora de qualidade de vida para a população. Um dos principais conceitos debatidos pelo relatório foi o de “equidade” como condição para que haja a participação efetiva da sociedade na tomada de decisões, através de processos democráticos, para o desenvolvimento urbano. O relatório ainda ressaltou, em relação às questões urbanas, a necessidade de descentralização das aplicações de recursos nanceiros e humanos, e a necessidade do poder político favorecer as cidades em sua escala local. No tocante aos recursos naturais, avaliou a capacidade da biosfera de absorver os efeitos causados pela atividade humana, e armou que a pobreza já pode ser considerada como um problema ambiental e como um tópico fundamental para a busca da sustentabilidade. O conceito de desenvolvimento sustentável foi rmado na Agenda 21, documento desenvolvido na Conferência “Rio 92”, e incorporado em outras agendas mundiais de desenvolvimento e de direitos humanos, mas o conceito ainda está em construção segundo a maioria dos autores que escrevem sobre o tema, como por exemplo, Carla Canepa (2007), José Eli da Veiga (2005) e Henri Ascelard (1999). Apesar de ser um conceito questionável por não denir quais são as necessidades do presente nem quais serão as do futuro, o relatório de Brundtland chamou a atenção do mundo sobre a necessidade de se encontrar novas formas de desenvolvimento econômico, sem a redução dos recursos naturais e sem danos ao meio ambiente. Além disso, deniu três princípios básicos a serem cumpridos: desenvolvimento econômico, proteção ambiental e equidade social. Mesmo assim, o referido relatório foi amplamente criticado por apresentar como causa da situação de insustentabilidade do planeta, principalmente, o descontrole populacional e a miséria dos países subdesenvolvidos, colocando somente como um fator secundário a poluição ocasionada nos últimos anos pelos países desenvolvidos.
Ética da intenção verdade É a ética da não manipulação, da falta de conito de interesses, da ausência do jogo de aparências e do autoengano. O princípio aqui é que todas as deliberações sobre desenvolvimento sustentável deverão ser feitas com base na intenção de assegurar o melhor para tudo e para todos no planeta de forma igualitária e justa, da forma mais transparente possível e sempre com real intenção de fazer o necessário acontecer (cumprir efetivamente o que se combina). Nenhuma deliberação sobre desenvolvimento sustentável portanto deverá acontecer em ambientes de pressão (de lobistas ou de grupos de interesse segmentado) que conduzam a problemas de conito 75
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de interesses e que desviem o processo decisório dos propósitos nobres e universais inerentes ao próprio conceito de sustentabilidade. A premissa é que em geral vivemos um ambiente de auto-engano e de inversão de valores, em que passamos a achar “normal” o jogo das promessas que sabemos que não s erão cumpridas, dos acordos de bastidores, das intenções ocultas por trás de propostas aparentemente bem intencionadas etc., tudo isso afetando a sustentabilidade de nossa evolução. Obviamente nada disso é ético em todos os sentidos. Menos ético ainda é fechar os olhos para essa realidade e nada fazer a respeito, tornando permanente esse jogo de ilusões. A premissa aqui é que todo esse quadro é reversível e essa reversão é absolutamente necessária para fazer com que o desenvolvimento sustentável se torne efetiva realidade. A ética da sustentabilidade pressupõe colaboração entre diversos atores sociais e pressupõe solidariedade, parceria na busca de objetivos comuns.
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Ética do respeito genuíno É a ética do respeito verdadeiro – e não o protocolar, o institucionalizado, o genérico – a cada ser vivo do planeta. Desenvolvimento sustentável só acontece se esse respeito genuíno estiver presente na sociedade como um todo. O princípio neste caso é que todas as deliberações que afetam a sustentabilidade da evolução devam ser feitas por pessoas que têm uma “sensibilidade vivida” em relação às pessoas que estão sendo afetadas (por essas deliberações) e os seres vivos envolvidos. Essa sensibilidade não pode estar baseada apenas em relatórios, estatísticas e números. O fundamental aqui é que essas pessoas tenham uma experiência direta, “olho no olho”, presencial para chegar ao nível de respeito necessário (assim evitando decisões no “piloto automático”). Nenhuma deliberação sobre desenvolvimento sustentável será feita por pessoas de gabinete, sem essa experiência direta. A premissa a considerar é que, quando as deliberações se tornam “institucionais” nas duas pontas (é um “órgão” que delibera e não pessoas, é um agrupamento “x” que está do outro lado e não pessoas), elas perdem o senso de humanidade, se materializar. O mesmo pode acontecer em relação a todos os seres vivos que perdem sua individualidade e se tornam até meras estatísticas. Não é ético materializar seres vivos, tornando-os não dignos de respeito genuíno, o tipo de respeito que temos em relação às pessoas próximas, aos nossos animais, às nossas plantas.
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CAPÍTULO 2 Instrumentos de Auditoria Diálogo com partes interessadas Diálogo com as partes interessadas Conar no diálogo como o único meio legítimo de realização da persuasão, superação de divergências e resolução de conitos. Garantir um relacionamento aberto, transparente e de conança com as diferentes partes interessadas; instituir canais de auscultação das partes interessadas e integrar as suas preocupações; reportar de forma credível e objetiva o desempenho, na sua vertente económica, ambiental e social. Promover, ainda, o diálogo e cooperação com outras entidades públicas e privadas e outros movimentos relevantes. Figura 1: Necessidades dos stakeholders.
Fonte: Davidson (2003. p.6)
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Diálogo com todos os stakeholders As soluções viáveis para a sustentabilidade só se podem desenvolver através do diálogo com todos os grupos sociais – em nível local, regional e internacional. Neste sentido, procuramos sempre falar com todas as partes interessadas, incluindo clientes, consumidores, fornecedores, empregados, acionistas, comunidades locais, autoridades governamentais, associações, ONGs e universidades. Este diálogo mostra-nos os fatores do desenvolvimento sustentável particularmente relevantes para os grupos de interesse individual. Quanto mais cedo e intensamente conhecermos as opiniões dos nossos stakeholders em relação aos futuros desaos sociais, mais depressa os teremos em conta nas nossas ações. Este intercâmbio aberto proporciona uma base para o entendimento mútuo e uma oportunidade para a aceitação social das nossas ações empresariais. É também uma fonte de ideias novas para a empresa e permite-nos identicar os potenciais riscos associados às nossas ações numa fase inicial. O diálogo com os grupos de interesse contribui para a gestão da inovação e dos riscos, sendo a base para o desenvolvimento da nossa estratégia e relatórios de sustentabilidade.
Relações com stakeholders O termo stakeholders refere-se a todos aqueles que interagem com as organizações afetando ou sendo afetado por elas. A palavra surgiu como extensão de shareholder (acionista, proprietário do negócio). Acreditava-se que o planejamento da empresa deveria levar em consideração a opinião e as conveniências dos acionistas, por serem avaliados como os mais interessados da organização. Porém, com a abertura do mercado e o aumento da concorrência, essa ideia começou a mudar, passando-se a observar que existem vários grupos de interes ses que interferem no planejamento da empresa. Os stakeholders têm interesse ou exercem impactos sobre a organização, ou seja, ou tem desejo de obter algo através da empresa, como por exemplo, os colaboradores que têm interesses econômicos, ou podem causar alterações sob a organização dependendo de suas atitudes ou de sua visão sobre ela. Por isso é importante saber gerenciar as necessidades conitantes desses grupos de interesses sob a organização. Isso pode ser observado através da gura 1 e do quadro 2. Por isso, torna-se c ada vez mais importante conhecer e avaliar os stakeholders, fazendo o mapeamento para identicar quem são e quais os tipos de inuências que eles exercem sob o objetivo da organização. Nesse sentido, vale destacar a tipologia de Lucien Matrat que classica os públicos de acordo com o tipo de poder que exercem sob a organização, sendo eles: público de decisão (aquele cuja autorização a organização necessita para realizar suas atividades, como por exemplo, o governo); público de consulta (consultado pela organização quando ela pretende agir, como por exemplo, sindicatos e acionistas); público de comportamento (aqueles cuja atitude favorece ou prejudicam as ações da empresa, como por exemplo, funcionário e clientes); e público de opinião (os que ao manifestarem suas opiniões ou ponto de vista podem inuenciar a organização, como por exemplo, líde res comunitários, professores universitários etc.). 79
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Existe ainda uma divisão dos stakeholders em dois conjuntos, que seriam classicados em primários ou secundários. O conjunto primário é formado por acionistas e credores, que possuem direitos legais sobre a organização e seus recursos. Os secundários são aqueles que não têm direitos denidos por lei, ou que seus direitos são menos claros, ou ainda estão embasados em obrigações éticas, com relação aos recursos organizacionais. Esse segundo conjunto é formado por comunidade, funcionários, consumidores, entre outros grupos de interesses. Assim, os stakeholders são os agentes ligados ao negócio que dão suporte a seu funcionamento. Estes agentes precisam ser classicados de acordo com seus interesses na organização, podendo então a empresa atender suas expectativas. A gestão do relacionamento com stakeholders deve começar com a identicação dos grupos de interesse mais importantes, priorizando as demandas desses grupos por ordem de importância. O quadro 2 mostra alguns desses grupos e seus interesses. Quadro 2: Parceiros da organziação
Stakeholders
CONTRIBUIÇÕES E INTERESSES
Proprietários e acionistas
Investem o capital inicial da empresa e pretendem ter um retorno sobre o investimento feito e transparências nas relações.
Fornecedores
Fornecem as mercadorias e desejam ter seus contratos respeitados, numa negociação legal, além de uma divulgação antecipada de decisões que possam afetar aos fornecedores, como deixar de comprar-los a eles ou mudando os produtos
Funcionários
Contribuem com a sua mão de obra, seu tempo, suas ideias e criatividade, assim esperam ter uma remuneração justa, direitos trabalhistas respeitados, segurança e saúde no trabalho e reconhecimento, realização pessoal. Além de uma comunicação interna bem estruturada e eficiente, visando o desenvolvimento pessoal e profissional dos colaboradores.
Clientes
Compram o que a empresa oferece, pretendendo ter suas necessidades atendidas através de produtos que ofereçam qualidade, segurança e preços acessíveis. Desejando também a divulgação das mudanças que ocorreram que poderão afetar os clientes, como: mudanças de endereço, mudanças de produtos, fechamento da empresa, entre outros.
Comunidade local
A infraestrutura que a empresa necessita encontra-se inserida em uma comunidade que almeja a eliminação de ruídos noturnos, de emissão de gases poluentes ou mau cheiro, visando ao progresso econômico e ao bem-estar social.
Meio ambiente
Minimizar os impactos ambientais, como emissão de resíduos.
Mídia e opinião pública
Informações claras, verdadeiras e rápidas sobre os eventos da organização, como acidentes, demissões, novas contratações, entre outros.
Concorrentes
Podem servir de benchmarketing para a organização e a relação entre elas deve ser de concorrência livre, havendo parcerias entre as empresas quando necessário, que ambas possam se manter no mercado. Propagandas honestas.
Governo
Respeitar as leis e os códigos locais, pagando os tributos e desenvolvendo ações sociais para a comunidade.
Instituições financeiras
Oferecedores de crédito as empresas, ganhando um retorno posterior com o pagamento dos juros sob o capital cedido. Fonte: Adaptado de Karkotli e Aragão (2004, p.24); e Daher (2006, p.76-77).
Os stakeholders podem ser beneciados ou prejudicados a partir dos resultados das ações da empresa. Por tudo que foi abordado, percebe-se que existe uma relação íntima entre os públicos relacionados e a responsabilidade social, sendo que os primeiros são fundamentais para a compreensão da abrangência da segunda. Assim, a responsabilidade social é ampliada para atingir esses grupos de interesses, que devem ser detalhados e analisados pelo planejamento estratégico das corporações, 80
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pois têm impactos primordiais sob o sucesso ou o fracasso da organização, além de s erem diferentes de acordo com a natureza da organização.
Indicadores ethos Indicadores ethos de responsabilidade social empresarial Os Indicadores Éticos foram desenvolvidos com o propósito de oferecer às empresas uma ferramenta de gestão para o diagnóstico e planejamento das práticas de responsabilidade social empresarial, disponíveis desde 1999 e atualizados ao longo dos anos. Trata-se de uma ferramenta de uso essencialmente interno, que permite a auto-avaliação da gestão no que diz respeito à incorporação de práticas de responsabilidade social, além do planejamento de estratégias e do monitoramento do desempenho geral da empresa, abrangendo os seguintes temas: valores, transparência e governança, público interno, meio ambiente, fornecedores, consumidores e clientes, comunidade e governo e sociedade. As empresas podem escolher qual o tipo de questionário que pretendem responder: se Éticos, sugerido para grandes e médias empresas, ou o Éticos-Sebrae, adaptado para micro e pequenas empresas. O conteúdo em ambos os tipos é o mesmo, mas a abordagem é diferenciada, dada a complexidade de gestão ter suas peculiaridades entre os portes. Aplicando os Indicadores Éticos, a empresa terá acesso a um autodiagnóstico o qual conterá, além do desempenho nos temas mencionados, comparativos com o grupo de benchmark e outras ferramentas e/ou iniciativas legítimas em responsabilidade social empresarial, a saber: Norma ABNT NBR ISO 26000, Diretrizes da Global Reporting Initiative (G3), Metas do Milênio, Pacto Global e a Norma SA8000. Os dados fornecidos pelas empresas, assim como as informações do relatório de diagnóstico, são tratados com máxima condencialidade e não são divulgados sem o consentimento prévio formalizado.
Indicadores éticos setoriais de SER Com o propósito de oferecer relatórios de diagnósticos precisos e aprofundados, os Indicadores Éticos Setoriais de Responsabilidade Social Empresarial foram desenvolvidos desde 1999 para diversos setores. Para saber quais setores já foram contemplados e possuem indicadores setoriais, clique em “Indicadores Éticos Setoriais”.
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Processo de revisão dos Indicadores éticos – 3 a Geração Com o avanço do movimento de responsabilidade social no Brasil e na América Latina, um amplo processo de revisão dos Indicadores Éticos foi iniciado em outubro de 2010 para a construção dos Indicadores Éticos – 3a Geração, cujo lançamento está previsto para outubro de 2012. Por meio de um espaço de troca e aprendizagem, a terceira geração dos Indicadores Éticos potencializará sua utilização como ferramenta de gestão para o diagnóstico e para o planejamento das práticas de responsabilidade social empresarial (RSE).
Indicadores Éticos O Instituto Éticos de Empresas e Responsabilidade Social foi fundado em 1998 para auxiliar as empresas a compreender e incorporar os conceitos de responsabilidade social em sua gestão. Para isso, desenvolveram um conjunto de indicadores que permitem identicar a performance das organizações em relação a suas práticas socialmente responsáveis. Os indicadores s ão apresentados em forma de questionário de avaliação da empresa dividido em sete temas: valores e transparência; público interno; meio ambiente; fornecedores; consumidores/clientes; comunidade; governo e sociedade. Essas categorias são elencadas no quadro a seguir. Quadro 3: Indicadores de avaliação do Instituto Éticos
IINDICADORES ETHOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DIMENSÃO
DESCRITORES
INDICADORES » Compromissos éticos
Auto-regulação da conduta
» Enraizamento na cultura organizacional » Governança corporativa
Valores, Transparência e Governança
» Diálogo com as partes interessadas (Stakeholders)
Relações transparentes com a sociedade
» Relações com a concorrência » Balanço social
Diálogo e participação Respeito ao indivíduo Público Interno
» Relações com sindicatos » Gestão participativa » Compromisso com o futuro das crianças » Valorização da diversidade » Política de remuneração, benefícios e carreira. » Cuidados com saúde, segurança e condições de trabalho.
Trabalho decente
» Compromisso com o desenvolvimento profissional e a empregabilidade » Comportamento frente a demissões » Preparação para aposentadoria
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IINDICADORES ETHOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DIMENSÃO
DESCRITORES Responsabilidade frente às gerações furturas
Meio Ambiente Gerenciamento do impacto ambiental
INDICADORES » Comprometimento da empresa com a causa ambiental » Educação e conscientização ambiental » Gerenciamento do impacto no meio ambiente e do ciclo de vida de produtos e serviços » Minimização de entradas e saídas de materiais » Critérios de seleção e avaliação de fornecedores
Fornecedores
Seleção e parceria com fornecedores
» Trabalho infantil na cadeia produtiva » Relações com trabalhadores terceirizados » Apoio ao desenvolvimento de fornecedores » Política de comunicação comercial
Consumidores e Clientes Dimensão social do consumo
» Excelência do atendimento » Conhecimento e gerenciamento dos danos potenciais dos produtos e serviços
Relações com comunidade local Comunidade
» Envolvimento da empresa com ação social
Transparência política Liderança social
» Relações com organizações locais » Financiamento da ação social
Ação social
Governo e Sociedade
» Gerenciamento do impacto da empresa na comunidade de entorno
» Contribuições para campanhas políticas » Práticas anticorrupção e própria » Liderança e influência social » Participação em projetos sociais governamentais
Fonte: Adaptado de Ashley (2005, p.30-36)
Modelo IBASE O Balanço Social IBASE é o modelo mais utilizado e conhecido no Brasil, foi lançado em 1997 pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), através de uma campanha pela divulgação voluntária do balanço social. Portanto, trata-se de um demonstrativo anualmente publicado para tornar públicas informações sobre projetos, ações dirigidas a empregados, investidores, acionistas e a comunidade, visando a transparência das atividades da organização. Com o objetivo de simplicar a apresentação dessas informações, o IBASE criou um modelo que contempla as seguintes informações: Base de cálculo (receita líquida, resultado operacional, e folha de pagamento bruta); Indicadores sociais internos (gastos com alimentação, previdência privada, saúde, educação, cultura, capacitação e desenvolvimento prossional, creches ou auxílio-creche, participação nos lucros ou resultados e outros benefícios); Indicadores sociais externos (somatório dos investimentos na comunidade); Indicadores ambientais (investimentos relacionados com a produção/operação da empresa, investimentos em programas externos e metas anuais); Indicadores do corpo funcional (número de funcionários, de demissões, de empregados terceirizados, de estagiários, de empregados acima de 45 anos, de mulheres, de negros, porcentagem de cargos de chea ocupados por mulheres e por negros e número de portadores de deciência); e informações 83
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relevantes quanto ao exercício da cidadania empresarial (relação entre maior e menor remuneração, total de acidentes, projetos sociais e ambientais realizados, padrões de segurança, relação com fornecedores, entre outros). Para estimular a adesão das empresas existe um selo “Balanço Social/Ibase/Betinho” utilizado pelas empresas que adotam o modelo. Além disso, anualmente existe o Prêmio Balanço Social paras as empresas que apresentam os melhores balanços sociais.
Modelo de Hopkins Segundo Daher (2006, p.113), Hopkins, em 1997, estabeleceu indicadores com o intuito de analisar o perl de responsabilidade social das empresas. Estes indicadores são subdivididos em três níveis que envolvem: I. Princípios da Responsabilidade Social; II. Processo de Capacidade de Resposta Social; III. Resultados/Ações de Responsabilidade Social. Os indicadores têm a característica de serem genéricos para todas as empresas e, para cada um, é sugerida uma forma de medição (ASHLEY, 2005, p.95). No nível I, são observados os princípios da legitimidade, da responsabilidade pública e do arbítrio dos executivos. No nível II, há dois indicadores agregados às respostas das empresas, que se referem à percepção do ambiente e ao gerenciamento dos stakeholders. No nível III, são observados os efeitos das ações sob os stakeholders internos e externos, além dos efeitos institucionais. O Quadro 4 mostra os indicadores utilizados em cada nível do modelo de Hopkins. Esses indicadores avaliam a intensidade com que as ações desenvolvidas pelas empresas estão motivadas pelos princípios de responsabilidade social. Quadro 4: Indicadores de Responsabilidade Social segundo Hopkins
NÍVEL I – PRINCÍPIOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL Descritores Legitimidade
Indicadores » Código de ética » Litígios envolvendo violação das leis pela empresa » Penalidades em consequência das atividades ilegais
Responsabilidade Pública
» Contribuição para inovações » Criação de empregos diretos » Criação de empregos indiretos » Código de ética
Arbítrio dos Executivos
» Executivos condenados por atividades ilegais
NÍVEL II – PRINCÍPIOS DE CAPACIDADE DE RESPOSTA SOCIAL Descritores Percepção do ambiente
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Indicadores » Mecanismo para examinar questões sociais
X
│ UNIDADE II
» Corpo analítico para as questões sociais, como parte integral da elaboração depolíticas
Gerenciamento dos Stakeholders
» Existência de auditoria social » Relatório de prestação de contras sobre a ética
Administração de Questões
» Política com base nas análises de questões sociais
NÍVEL III – RESULTADOS/AÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL Descritores
Indicadores Proprietários e acionistas » Lucratividade/valor » Irresponsabilidade administrativas ou atividades ilegais » Bem estar da comunidade » Filantropia corporativas » Código de ética
Executivos
Efeito nos Stakeholders Internos
» Código de ética
Funcionários » Relações sindicato/empresa » Questões de segurança » Pagamentos, subsídios e benefícios » Demissões » Funcionários proprietários » Políticas para mulheres e minorias
Clientes/consumidores » Código de ética » Recalls de produtos » Litígios » Controvérsia pública sobre produtos e serviços » Propaganda enganosa
Meio ambiente » Poluição » Lixo tóxico
Efeito nos Stakeholders Externos
» Reciclagem e uso de produtos reciclados » Uso de etiqueta ecológica nos produtos
Comunidade » Doações corporativas para programas comunitários » Envolvimento direto em programas comunitários » Controvérsias ou litígios com a comunidade
Fornecedores » Código de ética da empresa » Código de ética dos fornecedores » Litígios/penalidades » Controvérsias públicas 85
UNIDADE II
│ X Organização como uma instituição social » Código de ética
» Efeito Institucional Externo
» Litígios genéricos » Processos por ações classistas » Melhorias nas políticas e na legislação em decorrência de pressões da empresa
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P ARA (N ÃO) FINALIZAR Prezado Aluno, FICAR VELHO É OBRIGATÓRIO, CRESCER É OPCIONAL No primeiro dia de aula, nosso professor se apresentou aos alunos e nos desaou a que nos apresentássemos a alguém que não conhecêssemos ainda. Eu quei em pé para olhar ao redor quando uma mão suave tocou meu ombro. Olhei para trás e vi uma pequena senhora, velhinha e enrugada, sorrindo radiante para mim, com um sorriso que iluminava todo o seu ser. Ela disse: Hei, bonitão! Meu nome é Rosa. Tenho oitenta e sete anos de idade. Posso te dar um abraço? Eu ri e respondi entusiasticamente: – É claro que pode! – Ela me deu um gigantesco apertão. Por que você está na faculdade em tão tenra e inocente idade? – perguntei. Ela respondeu brincalhona: – Estou aqui para encontrar um marido rico, casar, ter casal de lhos e então me aposentar e viajar. – Está brincando – eu disse. Eu estava curioso em saber o que havia motivado a entrar neste desao com a sua idade e ela disse: – Eu sempre sonhei em ter estudo universitário e agora estou tendo um! Após a aula nós caminhamos para o prédio da União dos Estudantes e dividimos um “milkshake” de chocolate. Nos tornamos amigos instantaneamente. Todos os dias, nos próximos três meses, nós teríamos aula juntos e falaríamos sem parar. Eu cava sempre extasiado ouvindo aquela “máquina do tempo” compartilhar sua experiência e sabedoria comigo. No decurso de um ano, Rosa tornou-se um ícone no Campus Universitário e fazia amigos facilmente, onde quer que fosse. Ela adorava vestir-se bem e revelava-se na atenção que lhe davam os outros estudantes. Ela estava curtindo a vida! No m do semestre, nós convidamos Rosa para falar no banquete do futebol. Jamais esquecerei do que ela nos ensinou. Ela foi apresentada e se aproximou do pódio. Quando ela começou a ler a sua fala preparada, deixou cair três das cinco folhas o chão. Frustrada e um pouco embaraçada, ela pegou o microfone e disse simplesmente: – Desculpa-me, estou tão nervosa! Eu nunca conseguirei colocar meus papéis em ordem de novo, então me deixe apenas falar para vocês sobre aquilo que eu sei. Enquanto nós ríamos, ela limpou sua garganta e começou: – Nós não paramos de amar porque camos velhos; nós nos tornamos velhos porque paramos de amar. Existem somente quatro segredos para continuarmos jovens, felizes e conseguindo sucesso. Você precisa rir e encontrar humor em cada dia. Você precisa ter um sonho. Quando você perde seus sonhos, você morre. Nós temos tantas pessoas caminhando por aí que estão mortas e nem desconam! Há uma enorme diferença entre car velho e crescer. Se você tem dezenove anos de idade e car deitado na cama por um ano inteiro, sem faze r nada de produtivo, você cará com vinte anos de idade. Se eu tenho oitenta e sete anos e car na cama e não zer coisa alguma, eu carei com oitenta e oito anos. Qualquer um consegue car mais velho. Isso não exige talento nem habilidade. A ideia é crescer através de sempre encontrar oportunidade na novidade. Isto não precisa nenhum talento ou habilidade. A ideia é crescer sempre encontrando a oportunidade de mudar. Não tenha remorsos. Os velhos geralmente não se arrependem daquilo que zeram, mas sim por aquelas coisas que deixaram de fazer. As únicas pessoas que têm medo da morte são aquelas que têm remorsos. Ela concluiu seu discurso cantando corajosamente “A Rosa”.
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PARA NÃO FINALIZAR
Ela desaou a cada um de nós a estudar poesia e vivê-la em nossa vida diária. No m do ano, Rosa terminou o último ano da faculdade que começou todos aqueles anos atrás. Uma semana depois da formatura, Rosa morreu tranquilamente em seu sono. Mais de dois mil alunos da faculdade foram ao seu funeral, em tributo à maravilhosa mulher que ensinou, através do exemplo, que nunca é tarde demais para ser tudo aquilo que você pode ser.” (Autor desconhecido)
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