OCA empenharam seus melhores esforços para assegurar que as informações e os procedimentos ■ As autoras deste livro e a EDITORA R OCA apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelas autoras até a data da entrega dos originais à editora . Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na legislação regulamentadora. Adicional Adicionalmente mente,, os leitore leitoress podem buscar por possíveis possíveis atualizações atualizações da obra em http://gen-io.grupogen.com.br http://gen-io.grupogen.com.br ..
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CDD: 571.6 CDU: 576
Ana Claudia Trocoli Torrecilhas Professora. Especialista em Parasitologia pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Relação Patógenohospedeiro pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Doutora em Relação Patógeno-hospedeiro pela USP. Professora Adjunta da disciplina Parasitologia e Imunologia Clínica do Departamento de Ciências Biológicas da Unifesp.
Carla Peluso de Paiva Biomédica. Especialista em Genética pelas Faculdades Metropolitanas Unidas. Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Professora Aulista da disciplina Genética do Departamento de Fisioterapia da FMABC.
Carolina Tosin Bueno Farmacêutica. Doutoranda da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Denise Maria Christofolini Geneticista. Mestre e Doutora em Genética pela Unifesp. Professora-assistente da disciplina Genética do Departamento de Morfologia da FMABC.
Eny Maria Goloni Bertollo Professora Universitária. Geneticista. Especialista em Genética e em Biologia Molecular pelo Conselho Regional de Biologia de São Paulo (CRBio-SP). Mestre e Doutora em Genética pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Livredocente em Genética Humana e Médica pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). Professora Adjunta das discip linas Genética, Biolo gia Molecular e Genética Médica do Departamento de Biologia Molecular da Famerp. Pesquisadora e Orientadora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Famerp. Responsável pelo Serviço de Aconselhamento Genético do Hospital de Base da Fundação Faculdade Regional de Medicina (Funfarme/Famerp).
Érika Cristina Pavarino Professora Universitária. Geneticista. Especialista em Genética e em Biologia Molecular pelo CRBio-SP. Doutora em Ciências Biológicas pela Unesp. Livre-docente e Professora Adjunta do Departamento de Biologia Molecular da Famerp. Professora das disciplinas Genética, Genética e Médica e Biologia Molecular do Departamento de Biologia Molecular da Famerp, Unidade de Pesquisa em Genética e Biologia Molecular (UPGEM).
Fernanda Abani Mafra Biomédica. Especialista em Genética Humana pela Universidade Metodista de São Paulo. Mestre e Doutoranda em Ciências da Saúde pela FMABC.
Fernando Luiz Affonso Fonseca Farmacêutico-bioquímico. Mestre e Doutor em Hematologia e Clínica Médica pela FMUSP. Professor Adjunto da Unifesp (campus Diadema). Professor-assistente da FMABC. Coordenador do Labo ratório de Análises Clínicas da FMABC.
Jane Zveiter de Moraes Especialista em Imunologia pela Unifesp. Mestre e Doutora em Ciências da Vida pela Unifesp. Professora Associada da disciplina Físico-química do Departamento de Biofísica da Un ifesp.
Leiliane Rodrigues Marcatto Farmacêutica. Mestranda da FMUSP.
Mariana Ferreira Leal Professora Afiliada e Pesquisadora do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Unifesp. Mestre e Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Morfologia/Genética da Unifesp.
Nívea D. Tedeschi Conforti ( in memoriam) Mestre e Doutora em Genética pela Unesp. Pós-doutora pela Universidade do Texas (EUA), ramo médico de Galveston. Professora Aposentada da Unesp (campus São José do Rio Preto). Coordenadora da Divisão de Farmacogenética do Centro de Genomas de São Paulo.
Patrícia Matos Biselli Chicote Geneticista. Doutora em Ciências da Saúde pela Famerp. Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação da Famerp. Pesquisadora da UPGEM-Famerp.
Patricia Xander Professora. Doutora em Ciências pela Unifesp. Professora Adjunta II da disciplina Imunologia Básica e Diagnóstico Laboratorial das Doenças Infecciosas e Parasitárias do Departamento de Ciências Biológicas da Unifesp (campus Diadema).
Paula Fernanda da Silva Fonseca Biomédica. Especialista em Vigilância Sanitária pela Universidade Guarulhos. Mestranda em Ciências Médicas pela FMUSP.
Paulo Caleb Júnior de Lima Santos Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da FMUSP. Pós-doutor pelo Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP). Doutor pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Farmacêutico-Bioquímico pel a Uni versidade Federal d e Alfenas (Unifal).
Priscila Keiko Matsumoto Martin Biomédica. Mestre em Biologia Molecular pela Unifesp. Doutoranda da disciplina Biologia Molecular do Departamento de Bioquímica da Unifesp.
Renata Pellegrino Biomédica. Mestre em Morfologia (Genética) e Doutora em Psicobiologia pela Unifesp. Pós-doutora em Genômica pelo The Children’s Hospital of Philadelphia. Senior Research Associate do Center for Applied Genomics, The Children’s Hospital of Philadelphia.
Sang Won Han Professor Associado. Especialista em Terapia Gênica e Celular pela Unifesp. Mestre e Doutor em Bioquímica pela USP. Professor da disciplina Físico-química do Departamento de Biofísica da Un ifesp.
Wagner Luiz Batista Professor. Doutor em Ciências pela Unifesp. Professor Adjunto III das disciplinas Microbiologia Básica e Diagnóstico Laboratorial das Doenças Infecciosas e Parasitárias do Departamento de Ciências Biológicas da Unifesp.
Dedicamos este livro a pessoas especiais, que nos iluminam, inspiram e incentivam: Marco e André, Álvaro e Fernando.
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Aos colaboradores, por aceitarem fazer parte desta jornada conosco e nos ajudarem a concretizá-la. Obrigada por toda confiança, parceria e paciência e por colocarem seus conhecimentos à disposição. Ao Grupo GEN, pela oportunidade, pelo profissionalismo e pela dedicação com que nos acolheu. Aos Drs. Luciane Maria Ribeiro Neto e Alexsandro Macedo Silva, pelo convite para coordenar esta obra. Aos familiares da Dra. Nívea, por nos permitirem incluir seu último trabalho neste livro e, assim, homenagear a grande mestre e amiga que foi. À grande parceria desta e de outras jornadas.
Monica V. N. Lipay Bianca Bianco
A série “Análises Clínicas e Toxicológicas” é uma coletânea de livros na área de análises clínicas e toxicológicas que aborda os métodos empregados para o diagnóstico laboratorial de doenças e a interpretação dos resultados para garantir a qualidade analítica e a adequada orientação ao paciente. Esta obra foi idealizada para ser usada por estudantes e profissionais da área de saúde como fonte de consulta. Sua leitura permitirá aprender, revisar ou aprimorar os conhecimentos sobre as questões analíticas, bem como a interpretação de seus resultados na área de análises clínicas e toxicológicas. Esta série visa a facilitar o acesso às informações de forma prática e rápida, para a execução de métodos analíticos, a interpretação de resultados e a resolução de problemas. Os autores são profissionais e docentes atuantes em suas respectivas áreas, que contribuem para a qualidade, a clareza e a praticidade do conteúdo apresentado. Os principais temas abordados nesta série são: hematologia, bioquímica, imunologia, hormônios, citologia, parasitologia, biologia molecular, microbiologia e micologia e toxicologia ocupacional. O objetivo de apresentar esses conteúdos em formato de série está fundamentado na importância das análises clínicas e toxicológicas na área da Saúde Pública. Por meio da escolha de métodos adequados e da correta interpretação de resultados, é possível diagnosticar e tratar doenças de forma mais rápida e eficiente ou prevenir doenças, minimizando custos para o sistema de saúde e melhorando a qualidade de vida do paciente. O estudante e o profissional que desejam atuar em análises clínicas e toxicológicas precisam ter o referencial teórico para desenvolver as competências que a área requer. Neste sentido, a série “Análises Clínicas e Toxicológicas” busca cumprir o seu papel de fonte de consulta na área, sendo sistematicamente revisada e atualizada. Portanto, os livros desta série pretendem ser referência de métodos analíticos, diagnóstico laboratorial, investigação clínica e terapêutica, contribuindo para a q ualidade dos resultados analíticos e a promoção da saúde pública. Deseja-se que os leitores aproveitem as obras publicadas de forma crítica, para que possam avaliar e aplicar soluções de intervenção na prática das análises clínicas e toxicológicas.
Alexsandro Macedo Silva Luciane Maria Ribeiro Neto
Editar este livro envolveu reflexão e perseverança sobre a ideia de uma obra que reunisse diferentes aspectos das abordagens da Biologia Molecular e suas aplicações, cada vez mais diversificadas. Em nossa visão apaixonada da Genética, os temas selecionados precisavam partir de uma obra em comum, que tornasse essa diversidade acessível e agradável ao público surgido de sua crescente extensão. Ao compor este livro, procuramos selecionar temas de importância importância na aplicação das técnicas de Biologia Molecular ao estudo das doenças e caracterís características ticas humanas. Ao finalizálo, percebemos que atingimos mais do que isso, destacando desde aspectos básicos da rotina laboratorial, de coleta e processamento de amostras, até as metodolo gias mais utilizadas, utili zadas, além de diversas perspectivas e do estado da arte de técnicas sofisticadas, fruto das conquistas pioneiras do Projeto Genoma Humano e de toda a revolução que ele provocou na ciência. Nesse longo long o processo, desde a ideia até a concepção concep ção final, esta obra revelou um time de pessoas especiais, que discorreram sobre temas de suas especialidades de modo dedicado e completo, envolvendo velhas e novas amizades e parcerias. E, desse modo, como um rio fica mais completo se houver houv er pontes, ponte s, nos permitimos navegar pelos caminhos da Biologia Molecular e explorar variados aspectos cruzando esse conhecimento por diferentes lados (ou margens!). Agradecemos a todos os colegas que colaboraram para essa conquista, pela dedicação, paciência e parceria. E esperamos que, aos nossos leitores, essa viagem pela Biologia Molecular atenda às expectativas e seja tão fascinante quanto é para cada um dos que construíram essa obra.
Monica V. N. Lipay Bianca Bianco
Biologia Biolog ia Molecular Molecula r pode ser considerado um guia para consulta tanto no ambiente dos laboratórios quanto para profissionais de d e áreas correlatas e estudant es de graduação e pós-graduação p ós-graduação interessados no n o estudo das características e das d as doenças humanas. Nos primeiros qu atro capítulos capítu los são discutidos discuti dos os aspectos básicos da biolo gia molecular, que q ue envolvem envol vem o trabalho de laboratório: organização, preparo de reagentes, coleta e amostragem de material biológico, conceitos de segurança e controle de qualidade. Em seguida, são apresentadas as principais técnicas utilizadas na atualidade, com suas variações mais frequentes. O livro ainda inclui algumas das mais importantes aplicações das técnicas empregadas nesse estudo, discutidas por profissionais com significativa expertise na expertise na área.
Monica V. N. Lipay Bianca Bianco
1
Bases Teóricas para Investigação Laboratorial
2
Amostragem de Material Biológico
3
Principais Técnicas Utilizadas em Coletas e Extrações de Ácidos Nucleicos
4
Controle de Qualidade no Laboratório de Biologia Molecular
5
Reação em Cadeia da Polimerase
6
Desvendando a Técnica de MLPA
7
Análise de Proteômica Quantitativa
8
Microarrays | Microarranjos de DNA
9
Aplicações da PCR e suas Variações na Microbiologia Clínica
10
Aplicações da PCR na Parasitologia
11
Aplicações da Biologia Molecular em Farmacogenômica
12
Aplicações da PCR em Hematologia
13
Aplicações da Biologia Molecular em Genética de Populações
14
Técnicas de FISH e CGH nas Análises Clínicas e Toxicológicas
15
Citogenômica Aplicada à Medicina
16
Terapia Celular
Desde a primeira metade do século 19, alguns países europeus e também os EUA começaram a adotar descobertas no campo das ciências e técnicas biomédicas. No decorrer desses 100 anos, o triunfo da clínica, a medicina pré-industrial, o desenvolvimento da medicina laboratorial e experimental e a descoberta do compartimento das células culminaram com o uso da investigação laboratorial e, mais especificamente, dos métodos moleculares para essas investigações. O triunfo da clínica teve seu início no século 18, quando o médico passou a utilizar o ambiente hospitalar para estudos das doenças (casos clínicos). Esse ambiente ainda é usado como cenário de prática para sua própria formação acadêmica e científica. Contudo, na era pré-industrial, o diagnóstico era realizado pelo “olhar” clínico singular, ao que se chamava “arte do diagnóstico por excelência”. Nessa época, houve uma passagem lenta da medicina-arte para medicina-ciência (baseada na observação, sistemática, controlada e voltada para o doente). Além disso, nesse período, iniciou-se o desenvolvimento da fisiologia, da química e da biologia, de modo que a formação dos médicos se fundamentou na anatomia e na patologia. Assim, com a introdução da patologia, a arte do diagnóstico consistia, de certa maneira, em antecipar o que a anatomia patológica descobriria depois da morte. O desenvolvimento da medicina laboratorial e experimental provocou uma mudança na medicina como um todo, que passou a sofrer uma transformação e, já no século 20, viu a aplicação do conhecimento baseado na bacteriologia e nos estudos laboratoriais. Essa transformação foi marcada pelo aumento de contingente de pessoal médico e paramédico dentro dos hospitais e pela interação entre as ciências biológicas e não biológicas, como a física e a química, que foram desenvolvidas por Pasteur, Koch e Bernard. Claude Bernard, fisiologista, pode ser considerado um dos fundadores da medicina laboratorial. Sua descoberta da produção hepática do glicogênio foi o início do uso do laboratório para fundamentar as bases da determinação de analitos inerentes ao funcionamento de órgãos ou sistemas. Já Louis Pasteur pode ser considerado o criador da bacteriologia patológica, pois conseguiu demonstrar a teoria do germe, a partir da qual descobriu os microrganismos como causadores de doenças, colocando fim na teoria da geração espontânea. Além disso, foi capaz de unir esses conhecimentos laboratoriais para identificação dos estreptococos à observação clínica e, assim, desenvolveu a vacina contra a raiva. Robert Koch, por sua vez, identificou o bacilo da tuberculose e, em viagem ao Egito e à Índia, isolou o vibrião da cólera e definiu a sequência da investigação bacteriológica, definindo métodos de análises pautados em epidemiologia. O fim dessa transformação, tanto na Europa quanto nos EUA, foi marcado pelo enfeudamento do hospital com o laboratório, quando o primeiro passou a fornecer casos ao segundo, o qual passou a compartilhar os frutos das ciências com o hospital. O desenvolvimento das metodologias laboratoriais moleculares só foi possível por causa do descobrimento do compartimento nuclear (núcleo), a partir do qual houve o desenvolvimento da citologia clínica, da teoria da seleção natural e das leis da hereditariedade e a descoberta da molécula do DNA, do cromossomo e do código genético. Com essa
riqueza de informações, foi possível introduzir os métodos moleculares para investigação de doenças.
“Medicina diagnóstica” é o termo usado atualmente para se referir a um conglomerado de especialidades direcionadas à realização de exames complementares no auxílio ao diagnóstico, com impacto nos diferentes estágios da cadeia da saúde: prevenção, diagnóstico, prognóstico e acompanhamento terapêutico. Fazem parte desse mercado os laboratórios de patologia clínica e medicina laboratorial, de anatomia patológica, as clínicas de radiologia e imagem e outras especialidades, conjuntamente denominadas centros de diagnósticos, que fornecem todas as informações sobre o paciente. Cada vez mais, percebem-se tendências à integração desses serviços na medicina diagnóstica. Essa integração traz benefícios para as diferentes partes relacionadas, como: os pacientes, que passam a contar com centros de alta resolubilidade; a comunidade médica, oferecendo laudos e suporte por meio de diagnósticos integrados; e o próprio mercado, que se torna ainda mais competitivo e passa a ter empresas sólidas com alto poder de investimento, favorecendo o crescimento e a profissionalização dos que trabalham com saúde, além de incentivar o uso de novos meios de gestão nas empresas de saúde. A medicina laboratorial refere-se à prática da seleção, provisão e interpretação do exame diagnóstico que usa principalmente amostras de pacientes. Os exames na medicina laboratorial podem ser direcionados para confirmar uma suspeita clínica, excluir um diagnóstico, auxiliar na seleção, na otimização e no monitoramento do tratamento, fornecer um prognóstico ou fazer a triagem para a doença na ausência de sinais ou sintomas clínicos. O exame também é usado para estabelecer e monitorar a gravidade de um distúrbio fisiológico. Essa medicina inclui desde a bioquímica clínica até os diagnósticos moleculares e as disciplinas tradicionais, como toxicologia, endocrinologia, genética molecular, microbiologia, hematologia, hemostasia, medicina transfusional e imunologia, além da citologia e da anatomia patológica. O manejo e a interpretação das informações (incluindo informática laboratorial) são aspectos essenciais do serviço de medicina laboratorial, assim como as atividades relacionadas com manutenção da qualidade (controle de qualidade, testes de proficiência, auditoria, aferição) e gestão clínica (administração das organizações de saúde).
Atualmente, houve a introdução na medicina laboratorial dos campos da epidemiologia clínica e da medicina baseada em evidências (MBE). Os epidemiologistas clínicos desenvolvem projetos de estudo para quantificar a acurácia do diagnóstico dos exames desenvolvidos em medicina laboratorial e métodos de estudo para avaliar o efeito e o valor do exame laboratorial na assistência à saúde. Dessa maneira, priorizam o uso da melhor evidência disponível a partir dos estudos bem projetados no cuidado dos pacientes individualmente. Além disso, essa prática reformula problemas no cuidado clínico dos pacientes em perguntas estruturadas, procura evidências clínicas disponíveis, avalia a qualidade dos estudos clínicos e as implicações clínicas dos resultados e fornece ferramentas para ajudar os médicos a usarem de maneira ideal aqueles resultados no cuidado dos pacientes individualmente. Pode-se definir a MBE como o uso consciencioso, criterioso e explícito da melhor evidência na tomada de decisões sobre o cuidado individual dos pacientes. A palavra “criterioso” significa o uso de habilidades de médicos experientes em colocar as evidências em um contexto e em reconhecer a individualidade e as preferências dos pacientes. Um dos objetivos da MBE é incorporar as melhores evidências da pesquisa clínica às decisões clínicas – a palavra “melhores” significa a necessidade de avaliação crítica; as palavras “tomar decisões” indicam por que os princípios da MBE podem e devem ser aplicados na medicina laboratorial, uma vez que esta é uma das ferramentas essenciais usadas na tomada de decisões na prática médica. As justificativas para uma abordagem baseada em evidências para a medicina estão fundamentadas na constante exigência de informações, na adição frequente de novas informações, na qualidade precária do acesso a boas informações, no declínio do conhecimento atualizado e/ou da experiência com o passar dos anos de uma prática médica individual, no tempo limitado disponível para consultar a literatura e na variabilidade dos valores e preferências individuais dos pacientes. A estas, podem-se adicionar, especificamente em relação à medicina l aboratorial: • Número limitado e qualidade precária dos estudos que ligam os resultados dos exames aos benefícios aos pacientes • Avaliação ruim do valor dos exames diagnósticos • Demanda sempre crescente de exames • Abordagem incoerente à alocação de recursos na medicina laboratorial (limites de orçamentos).
A prática da MBE requer: conhecimento do processo e conversão de um objetivo clínico em pergunta que possa ser respondida; facilidade para originar e avaliar criticamente as informações para gerar conhecimentos, um recurso do conhecimento criticamente avaliado; capacidade para usar o recurso do conhecimento, isto é, um meio de acessá-lo e distribuí-lo; uma estrutura de responsabilidade clínica e econômica de prestação de contas; e uma estrutura de administração da qualidade. A Tabela 1.1 elenca outros fatores que não devem mais ser usados na prática médica e laboratorial.
Os serviços de medicina laboratorial são ferramentas importantes na disposição dos médicos para responder a perguntas diagnósticas e ajudar a tomar decisões. As ferramentas fornecidas pela medicina laboratorial são chamadas de exames diagnósticos, os quais são usados muito mais amplamente do que apenas para fazer um diagnóstico. Como mencionado anteriormente, exames também podem ser realizados para fazer um prognóstico, excluir um diagnóstico, monitorar um tratamento ou processo de doença e fazer triagem para esta.
Tabela 1.1 Outros
fatores além da MBE que podem influenciar as decisões clínicas.
Modificado de Isaacs e Fitzgerald, 1999.1
A medicina laboratorial baseada em evidências é simplesmente a aplicação de princípios e técnicas da MBE na medicina laboratorial. O médico que pede uma investigação espera que o resultado do exame o ajude a responder a uma pergunta e auxilie na sua decisão. Assim, o processo de tomada de decisão envolve um dos quatro cenários exemplificados pelas seguintes perguntas: • • • •
Qual é o diagnóstico? Outro diagnóstico pode ser descartado? Qual é o prognóstico desse paciente? Qual é a condição desse paciente?
Dentro de uma lógica clínica e laboratorial, a solicitação dos exames serve de base para unir as suspeitas do médico quando realizada a história clínica. Na primeira pergunta, procura-se um diagnóstico. As conclusões levam a uma decisão e a alguma forma de ação, o que frequentemente envolve uma intervenção projetada para melhorar os desfechos. Assim, quando se solicita a dosagem de paracetamol e nota-se elevação desse fármaco, por exemplo, a administração de Nacetilcisteína reduzirá o risco de um desfecho fatal. Nesse caso clínico, a mensuração do paracetamol é chamada de “exame para inclusão”. Na segunda pergunta, o resultado do exame exclui um diagnóstico – este é chamado de “exame para exclusão”. Quando um paciente se queixa de dor torácica e há suspeita de infarto agudo do miocárdio, o achado de que a troponina I
é indetectável no plasma pode ser usado para descartar a necrose miocárdica aguda. Já na terceira situação, a pergunta é usada para o prognóstico, que pode ser considerado a avaliação de risco, e complementa a aplicação do diagnóstico. Exemplo dessa situação é quando se mensura a concentração de RNA do vírus da imunodeficiência humana (HIV) no plasma. Após o diagnóstico inicial de infecção pelo HIV, a medida da concentração pode ser usada para prever o intervalo antes do colapso imune se o distúrbio não for tratado. A quarta pergunta está relacionada com o tratamento do paciente. O resultado do exame de um paciente com uma doença crônica pode ser usado para selecionar o tipo de intervenção e avaliar sua efetividade. Exemplo disso ocorre nos pacientes diabéticos, em que as mensurações de hemoglobina glicada (HbA1c) são usadas para avaliar o controle glicêmico e, assim, a efetividade da terapia. Se a HbA1c estiver alta, deve-se considerar a mudança do tratamento; se não estiver alterada, mostrando-se dentro dos valores desejáveis, o tratamento vigente deve ser mantido. Em cada um dos exemplos supracitados, há três componentes presentes: uma pergunta, uma decisão e uma ação. Identificá-los é crucial para o planejamento de estudos de utilidade ou desfecho do exame. O reconhecimento dessa tríade levou à definição de um pedido de exame adequado, aquele que possui uma pergunta clínica para a qual o resultado fornecerá uma resposta, possibilitando ao médico tomar uma decisão e iniciar a ação que levará a um benefício de saúde para o paciente. O critério principal para a utilidade de um exame é que o resultado possa levar a uma mudança na probabilidade da presença do distúrbio-alvo. A mudança na probabilidade em si não é fator decisivo. O médico tem de usar essa informação, aliada a outros achados e ao julgamento clínico, para tomar decisões ou fazer recomendações sobre o cuidado. Na maioria dos casos, o exame deve ser seguido de uma intervenção apropriada para produzir um desfecho desejado. Um resultado de exame sozinho pode tranquilizar ou permitir compreender a origem de uma queixa, mas, ainda assim, podem ser exigidas explicações e tranquilização por parte do médico. Por causa da dificuldade de se documentar que determinado exame melhora os desfechos do paciente, grande parte das pesquisas aborda apenas as características analíticas e o desempenho diagnóstico dos exames, e não seus efeitos na vida dos pacientes. A pesquisa restrita prejudica a compreensão e a contribuição dada pelo resultado do exame. Um exemplo disso pode ser um estudo randomizado de um protocolo rápido de avaliação de dor torácica, que mostra que os resultados normais para marcadores cardíacos descartam o infarto do miocárdio, mas não abordam o fato de o exame levar a menos admissões na unidade de cuidados coronarianos, com redução da mortalidade e morbidade.
A prática clínica geralmente se depara com perguntas e incertezas, resultantes da primeira análise de informações oriundas do paciente. Os testes diagnósticos, laboratoriais ou não, são uma ferramenta valiosa que o clínico utiliza para, aliado ao seu juízo crítico e conhecimento prévio, estabelecer a etiologia das queixas ou anormalidades dos pacientes. Para a prática da medicina sob o novo paradigma da MBE, tanto o médico quanto o analista clínico devem estar familiarizados com as questões que dizem respeito à precisão, à exatidão e à acurácia de determinado teste, baseado nesses conceitos básicos e nos quais estará centrada a discussão da aplicabilidade e da validade do resultado para o paciente em questão. A seguir, são descritos alguns conceitos básicos e extremamente importantes para a avaliação correta de um teste diagnóstico, laboratorial ou não.
A relação entre o resultado de uma prova diagnóstica, seja laboratorial ou não, e a ocorrência da enfermidade que ela busca diagnosticar é normalmente visualizada em uma tabela 2×2, como mostra a Tabela 1.2. Nota-se que apenas em duas dessas combinações o teste está correto. Isso ocorre porque, na verdade, não existem provas perfeitas, capazes de acertar todos os diagnósticos. A acurácia é a proporção de testes verdadeiramente positivos e verdadeiramente negativos em relação à totalidade dos resultados (a+d/a+b+c+d). A capacidade do teste, entretanto, é mais frequentemente medida por meio de sua sensibilidade e especificidade, igualmente derivadas dessa tabela.
Tabela 1.2 Tabela
2×2, para cálculo de acurácia, sensibilidade e especificidade de um teste diagnóstico.
O indicador utilizado para determinar a presença ou não da doença é o que se chama de “padrão-ouro”, normalmente difícil de ser encontrado. Na maioria das vezes, a certeza sobre a existência da doença só se dá com o uso de metodologias invasivas, como cirurgias e biopsias, ou já inúteis para aquele caso em particular, como as necropsias.
É definida como a proporção de indivíduos doentes que têm o teste positivo. A casela “a” da tabela 2×2 serve de base para o cálculo da sensibilidade, ou seja, S = a/a+c. Um teste muito sensível dificilmente deixa de identificar as pessoas doentes. Sua aplicação clínica ideal, portanto, seria para excluir doentes. Convém ressaltar a diferença entre a sensibilidade aqui definida e a sensibilidade analítica, quantidade mínima do analito capaz de ser diferenciada de zero pelo método em particular.
Definida como a proporção de indivíduos sadios que apresentam teste negativo, é relacionada com a casela “d” da tabela 2×2, ou seja: E = d/b+d. Um teste muito específico exclui a grande maioria das pessoas sadias testadas. Sua aplicação clínica recomendável seria para confirmar uma doença.
Assim como a sensibilidade e a especificidade estão diretamente relacionadas com o desempenho ou a acurácia de um teste, os valores preditivos estão relacionados com a estimativa da presença ou não da doença, com base no resultado positivo ou negativo do teste. Calculadas nas linhas horizontais da tabela 2×2, as fórmulas são as seguintes: VPP (valor preditivo positivo): a/a + b × 100 (percentual) VPN (valor preditivo negativo): d/d + c × 100 Os resultados de VPP devem ser interpretados levando em conta as prevalências das doenças nas populações testadas. Assim, um teste para diagnóstico do HIV que tenha VPP de 20% pode parecer ineficaz, mas torna-se útil quando se sabe que a prevalência da doença na população geral é menor do que 1%.
A mais valiosa ferramenta para a prática clínica e laboratorial na análise de um teste diagnóstico é, sem dúvida, o likelihood ratio (LR). Definido como a possibilidade de um resultado de um teste em particular para uma pessoa com a doença de interesse, é dividido pela probabilidade daquele resultado de teste para uma pessoa sem a doença de interesse. Matematicamente, obtêm-se os LR usando-se a seguinte fórmula: LR+: Sensibilidade/1-Especificidade LR–: 1-Sensibilidade/Especificidade Neste caso, os valores de S e E são expressos em proporções, e não em porcentagens. Quanto maior o valor LR+ de um teste, maior a sua capacidade de diagnosticar a doença, enquanto um valor de LR– baixo revela uma baixa suspeita da doença em pacientes com teste negativo. Como sempre se parte da probabilidade inicial da doença (conhecida como probabilidade pré-teste), o valor de 1 é neutro, ou seja, um teste com LR+ de 1 não acrescenta nada ao diagnóstico, mesmo sendo positivo. Conhecendo-se ou estimando-se uma probabilidade pré-teste e o LR do teste aplicado, pode-se, com tranquilidade, definir quantas vezes aumentou ou diminuiu a chance do paciente que tem um teste positivo ou negativo. A probabilidade pré-teste depende da combinação de valores epidemiológicos (prevalência), mas principalmente de uma avaliação clínica criteriosa e quantitativa. A Tabela 1.3 mostra o comparativo entre duas metodologias aplicadas à
determinação da HbA1c. A metodologia X (nova metodologia) está sendo comparada a partir da metodologia Y (metodologia de referência e consagrada) cujo ponto de corte é a concentração acima de 6,5%. Avaliando-se a tabela, nota-se, no ponto de corte de 6,5% determinado pelo método Y (consagrado pela literatura), o valor de 82% dos indivíduos classificados corretamente como alterados para o parâmetro HbA1c. Nessa faixa de avaliação, a sensibilidade é de 74,1% e a especificidade é de 87,3%. A chance do paciente é de 5,85 vezes de não responder ao tratamento, já que o LR+ foi de 5,85. Adiciona-se à avaliação citada anteriormente o ponto de corte ou valor de referência. Não há dúvidas de que um ponto crucial na correta interpretação de um teste laboratorial é o seu “ponto de corte”, ou seja, o limiar a partir do qual ele se torna “positivo” ou discriminador da doença. Os profissionais devem estar cientes de que, dependendo da maneira em que esse ponto for definido, muda o enfoque com que o teste passa a ser visto. O modo clássico com que os laboratórios de análises clínicas definem seus valores de referência segue os recomendados pelo fabricante do kit que está sendo usado. Esse procedimento pode levar a interpretações errôneas e aquele que deseja fazer o melhor uso dos testes diagnósticos deve ter extrema cautela com esse hábito. Uma análise mais criteriosa por parte do responsável pelo laboratório deveria ser feita antes de se adotar um ponto de corte preestabelecido. Sugerem-se os seguintes pontos para essa determinação:
Tabela 1.3 Capacidade
método Y.
do método X de classificar indivíduos segundo valores de hemoglobina glicada comparado ao
Obs.: ponto de corte para método Y > 6,5%.
•
As populações de “sadios” e “doentes” com os quais o fabricante determinou seu valor de referência correspondem à realidade prática do laboratório? • Há quanto tempo esse valor está estabelecido pelo fabricante? • Existem consensos na literatura especializada corroborando os valores propostos? • Há na literatura algum registro recente de trabalhos que referendam ou reveem os valores estabelecidos no caso em particular? A observação desses itens poderá permitir uma informação com maior grau de confiabilidade por parte do laboratório. Outro fator relevante que se deve recordar é que a mudança do ponto de corte afeta os valores de sensibilidade e especificidade de um teste e, consequentemente, todos os cálculos deles derivados influenciam decisivamente na maneira como o teste pode ser usado. O exemplo da Tabela 1.3 mostra essa relação quando outros pontos de corte são usados a partir da metodologia X. Nota-se que os valores de sensibilidade e especificidade se alteram de acordo com os novos pontos de corte estabelecidos.
Os estudos no campo da medicina laboratorial baseada em evidências têm cinco objetivos principais: • • • • •
Caracterização da acurácia diagnóstica dos exames pelo estudo dos grupos de pacientes Determinação do valor do exame (desfecho) para os indivíduos testados Revisão sistemática dos estudos de acurácia diagnóstica ou desfechos dos exames para responder a uma pergunta clínica específica Avaliação econômica dos exames para determinar quais exames poderão ser usados Auditoria do desempenho no decorrer dos exames para responder a questões sobre seu uso.
A prática da MBE parece ter lugar cativo no futuro dos serviços de saúde, graças a alguns benefícios palpáveis que pode oferecer tanto a pacientes quanto a instituições. Os profissionais de laboratório não podem e não devem ficar alheios a esse processo. A MBE na prática clínica inicia-se com o estabelecimento de questões e a tentativa de respondê-las com o máximo de evidências possíveis. Nas questões relativas a diagnóstico, terapêutica e prognóstico, é inegável a relevância do laboratório clínico. Assim, o uso correto dos exames laboratoriais é a base para a aplicação e o êxito dessa nova prática médica laboratorial.
Os princípios da medicina laboratorial baseada em evidências podem servir de base para o modo como a medicina laboratorial é praticada, desde a descoberta de um novo exame diagnóstico até sua aplicação no cuidado de rotina do paciente. Os princípios fornecem a lógica pela qual todos os elementos da prática são fundamentados. As ferramentas da medicina laboratorial baseada em evidências, se seguidas da maneira exposta neste capítulo, fornecem os meios para a prestação da mais alta qualidade de serviço ao atender às necessidades dos pacientes e profissionais de saúde que o servem. A aplicação da prática baseada em evidências é muito mais complexa para a medicina laboratorial do que para as intervenções terapêuticas, porém é crucial para o sucesso.
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Campana GA, de Faro LB, Gonzalez CPO. Fatores competitivos de produção em medicina diagnóstica: da área técnica ao mercado. J Bras Patol Med Lab. 2009;45:295-303. Drummond JP. O que é medicina baseada em evidências? In: Drummond JP, Silva E, Coutinho M. Medicina baseada em evidências. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2002. Dufour DR, Lott JA, Nolte FS, Gretch DR, Koff RS, Seef LB. Diagnosis and monitoring of hepatic injury. Performance characteristics of laboratory tests. Clinical Chemistry. 2000;46:2027-43. Fleiss JL. The design and analysis of clinical experiments. New York: John Wiley & Sons, 1986. Greenberg RS, Daniels SR, Flanders WD, Eley JW, Boring III JR. Epidemiologia clínica. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. Greenhalg T. How to read a paper: papers that report diagnostic or screening tests. British Medical Journal. 1997;315:540-43. Halkin A, Reichman M, Schwarber M, Paltiel O, Brezis M. Likelihood ratios: getting diagnostics testing into perspective. QJM. 1998;91:247-58. Horvath AR, Pewsner D, Egger M. Systematic reviews in laboratory medicine: principles process and practical considerations. Clin Chimi Acta. 2004;342:23-9. Knottnerus JA, Van Weel C, Muris JWM. Evaluation of diagnostics procedures. British Medical Journal. 2002;324:477-80. Kuhn T. A estrutura da revolução científica. São Paulo: Perspectiva, 2003. Lin LI. Assay validation using the concordance correlation coefficient. Biometrics. 1992;48:599-604. McQueen MJ. Overview of evidence-based medicine: challenges for evidence-based laboratory medicine. Clinical Chemistry. 2001;47:1536-46. Oosterhuis WP, Bruns DE, Watine J, Sandberg S, Horvarth AR. Evidenced-based guidelines in laboratory medicine: principles and methods. Clin Chem. 2004;50:806-1. Steurer J, Fischer JE, Bachmann LM, Koller M, Riet G. Communicating accuracy of tests to general practitioners: a controlled study. British Medical Journal. 2002;324:824-6. Van Walraven C, Naylor CD. Do we know what inappropriate laboratory utilization is? JAMA. 1998;280:550-8.
O conhecimento e a apreciação das ferramentas em biologia molecular, que estão em constante desenvolvimento, devem ser incorporados em projetos de estudo e procedimentos laboratoriais. Sob esse aspecto, algumas considerações devem ser feitas para a preparação, a conservação e o armazenamento de amostras biológicas para esses estudos epidemiológicos e de monitoramento. Apesar da importância da coleta de amostras e da construção de bancos de dados biológicos, pouco tem sido publicado sobre a seleção e a validação dos procedimentos e como eles podem afetar o resultado desses estudos. O objetivo deste capítulo, portanto, é discutir os procedimentos, os desafios e as armadilhas em coleta, processamento e armazenamento de amostras biológicas.
Para uma coleta de amostra confiável e consistente, é essencial estabelecer uma comunicação eficaz entre médicos ou pesquisadores, funcionários e pacientes do estudo. Procedimentos especiais de coleta podem ser necessários caso envolvam espécimes de uma população especial, como crianças, nas quais a coleta de sangue muitas vezes requer uma pessoa habilitada e experiente nessa atividade. Os responsáveis pelo procedimento devem entregar instruções ao pessoal envolvido (funcionários e pacientes), incluindo o período recomendado para coleta, a necessidade ou não de jejum ou abstinência, os volumes necessários, os recipientes específicos a serem utilizados e até mesmo o tamanho da agulha para a punção venosa. Instruções detalhadas são reforçadas por protocolos operacionais de comunicação escrita e frequente. Caso o local do processamento laboratorial seja diferente do local de coleta da amostra, é importante assegurar que o processamento receba os espécimes adequadamente, de modo a evitar perda ou dano de transporte, armazenamento prolongado ou tentativas de entrega sem sucesso. Instruções claras devem ser fornecidas aos pacientes quando há necessidade de autocoleta e na coleta seriada. Essas instruções podem ser fornecidas por via oral e/ou escrita e devem relatar a necessidade ou não de jejum, interação com medicamentos ou alimentos, higiene, conservação da amostra coletada, armazenamento e transporte de amostras ao laboratório. Por exemplo, pode ser importante colocar a amostra de urina imediatamente no refrigerador ou em gelo até que seja transferida para o laboratório, para que não afete o nível de metabólitos e/ou a integridade das células uroteliais. Também pode ser necessário comunicar ao participante a importância de seguir com precisão os protocolos de coleta de amostras.
A coleta invasiva, às vezes, é necessária para análises específicas. A coleta de sangue é o método mais frequentemente utilizado para obter amostras biológicas, uma vez que certamente é menos invasiva do que biopsias, por exemplo. No entanto, mesmo métodos menos invasivos, como a coleta de células descamadas da boca ou urina (células uroteliais), podem ser adequados para determinados fins (genotipagem, citogenética, detecção de mutações ou lesões) e para minimizar a utilização de amostras de sangue valiosas ou mesmo reduzir o volume de sangue necessário a ser obtido de cada paciente. Além disso, o uso desses métodos pode aumentar a adesão ao exame, uma vez que muitos participantes podem estar mais dispostos a fornecer uma amostra obtida pelo uso de um swab bucal ou mesmo de urina. A coleta de células descamadas é logisticamente menos difícil e não requer pessoal altamente treinado, como na coleta de sangue. Assim, amostras alternativas podem ser mais viáveis em determinadas situações.
Os níveis de biomarcadores podem ter uma variação metabólica tempo-dependente. Por exemplo, há uma diferença hormonal e de vários níveis de metabólitos detectados na primeira urina da manhã em comparação com as demais do dia. Em algumas investigações, são necessárias várias coletas em diferentes momentos, a fim de se obter a evolução no tempo da verdadeira relação entre a exposição e o desenvolvimento de anomalias e possibilitar o estabelecimento de associações causais. O efeito da pré-clínica, nos níveis de biomarcadores, tem sido uma questão amplamente debatida, especialmente para biomarcadores medidos durante o curto período antes do início da doença. Se o momento da coleta está dentro do período do início da doença, mas antes de esta ter sido manifestada clinicamente, há uma possibilidade de alguns dos parâmetros biológicos medidos serem resultado da doença em si, e não do valor preditivo para tal. Amostras coletadas um longo tempo antes do aparecimento da doença podem ser mais informativas e mais bem associadas à causa da doença.
Fatores que afetam a estabilidade de amostras biológicas incluem anticoagulantes, agentes de estabilização, temperatura, tempo antes do processamento inicial, condições de esterilidade, fatores endógenos (enzimas que degradam as propriedades, morte celular) etc.
Na obtenção de amostras de sangue para análise, destaca-se a importância da seleção adequada do fator anticoagulante. Enquanto certos anticoagulantes são melhores ou mesmo necessários para fins analíticos, outros podem ser absolutamente contraindicados. Por exemplo, o citrato de sódio pode proporcionar uma melhor qualidade de RNA e DNA em relação a outros anticoagulantes e produz maior rendimento de linfócitos para a cultura, ao passo que a heparina afeta a proliferação de células T e liga-se a muitas proteínas. Além disso, o ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA) é bom para ensaios baseados em DNA, influencia a concentração de Mg2+ e gera problemas para a análise citogenética (aumenta a permuta de cromátides irmãs, diminui o índice mitótico etc.). A coleta de sangue total, em qualquer tipo de tubo contendo anticoagulante, pode induzir a produção de citocinas in vitro e, provavelmente, resultar em concentrações artificialmente elevadas.
Muitos componentes do sangue, potenciais biomarcadores, são instáveis e devem ser conservados utilizando-se agentes estabilizadores. O EDTA e o ácido ascórbico, por exemplo, são agentes de estabilização de folato no sangue e devem ser adicionados o mais rapidamente possível após a coleta, a fim de garantir a qualidade da análise. O ácido metafosfórico ou a glutationa reduzida são utilizados para preservar o ácido ascórbico. Há também considerações especiais para a determinação dos compostos voláteis, como biomarcadores, ou o efeito de hemólise sobre os níveis de eletrólitos. Esses fatores de estabilidade devem ser explorados e validados em um estudo-piloto antes que ocorra uma coleta em larga escala.
O tempo permitido entre a coleta e o processamento de amostras biológicas depende dos componentes de interesse e de sua estabilidade. Se a alta viabilidade de células é desejada, o processamento de sangue, esfregaços bucais ou amostras de urina precisariam ter prazo de 24 a 48 h.
Da mesma maneira, para muitos biomarcadores, o tempo entre a coleta e o processamento afeta a estabilidade, apesar da presença de agentes estabilizadores. Essas considerações determinam a periodicidade e o processamento das amostras coletadas. Por exemplo, se a distância física entre as instalações de coleta e do processamento puder acarretar atrasos de transporte, a análise de biomarcadores instáveis deve ser excluída. Como alternativa, para garantir a sua integridade, pelo menos o mínimo de passos iniciais tem de ser conduzido antes da transferência da amostra.
A temperatura pode afetar a estabilidade da amostra basicamente em duas fases: durante o tempo entre a coleta e o processamento da amostra (se as amostras não são processadas imediatamente) e durante o armazenamento a curto e longo prazos. Geralmente, o DNA isolado é armazenado a 4°C durante várias semanas, a –20°C durante vários meses e a –80°C durante vários anos; RNA isolado deve ser armazenado a –80°C. Células vivas são estáveis à temperatura ambiente por até 48 h, mas devem ser cultivadas ou criopreservadas em nitrogênio líquido a –132°C, a fim de permanecerem viáveis. Soro e plasma contêm um grande número de moléculas solúveis e a maioria requer temperatura muito baixa para se manter intacta (–80°C). O controle da temperatura durante o tempo entre a coleta e o processamento de amostras até o armazenamento final é essencial, especialmente quando envolve várias horas. A temperatura adequada depende do biomarcador de interesse. Se um biomarcador bioquímico muito lábil é o foco principal do estudo (p. ex., citocinas) e as amostras não serão analisadas imediatamente, estas necessitam ser congeladas a –80°C e ciclos repetidos de congelamento e descongelamento devem ser evitados. Congelar a amostra coletada sem processamento é incompatível com a manutenção de células viáveis, visto que estas se romperão se congeladas sem dimetilsulfóxido (DMSO). Portanto, o investigador tem de escolher entre a separação imediata dos componentes da amostra, de modo que cada um possa ser preservado em conformidade, e a seleção de um componente da amostra para preservação imediata (p. ex., citocinas), sacrificando os demais que necessitam de diferentes condições (p. ex., células vivas). Contudo, para manter a viabilidade das células durante várias horas ou dias, deve-se manter a amostra à temperatura ambiente (até 48 h). Baixas temperaturas (4°C) geralmente são uma boa opção entre os dois extremos de congelamento ou à temperatura ambiente – as células podem permanecer viáveis (viabilidade reduzida em comparação com a temperatura ambiente) e protegidas também, pelo menos em certa medida, contra a degradação enzimática das sensíveis proteínas biomarcadoras.
O requisito para as condições assépticas durante o processo de coleta é essencial, especialmente se a intenção for isolar RNA ou realizar cultura de células da amostra. Bactérias ou contaminação fúngica podem ser prejudiciais para a qualidade dos biomarcadores, introduzir novos produtos e metabólitos e tornar a amostra não confiável.
A degradação enzimática pode afetar muitos biomarcadores bioquímicos. As proteínas são sensíveis à degradação por proteases, em particular se a integridade celular foi comprometida. A integridade proteica é protegida por adição de inibidores de protease disponíveis comercialmente, utilizados logo após a coleta. É importante mencionar que os inibidores da protease são tóxicos para células vivas e, portanto, não devem ser adicionados ao sangue total quando se deseja viabilidade celular. Além disso, todas as etapas durante o processamento de proteína devem ocorrer no gelo. O RNA também é particularmente sensível à degradação por nucleases abundantes e ubíquas. A manutenção da integridade do RNA é possível por manuseio em ambiente livre de ribonucleases (RNAses), por adição de inibidores disponíveis comercialmente. Em contraste, o DNA é o componente mais estável em amostras biológicas, incluindo sangue, células esfoliadas e outros tecidos. Existem relatórios mostrando que, a partir de amostras de células esfoliadas, o DNA permaneceu estável por até 1 semana em temperatura ambiente. Na verdade, exposição a 37°C por 1 semana também não afeta o rendimento do DNA. A estabilidade do DNA permite que ele seja recuperado e analisado a partir de fluidos corporais secos, sangue coagulado, manchas de sangue seco, de lâminas ou mesmo roupas, como é frequente nos casos de investigações forenses.
A escolha do tamanho e das características dos tubos, garrafas ou outros recipientes para coleta e transporte de amostras depende do volume, dos meios de transferência para o laboratório, do custo, da eficiência do armazenamento e dos tipos de análises pretendidas. Pequenas amostras de sangue podem ser colhidas por picada no dedo em cartões disponíveis, comercialmente pré-tratados para evitar a degradação e a contaminação da amostra. Células epiteliais são normalmente
coletadas com uma pequena escova citológica ( swab) ou espátula, que é, então, enxaguada em tubos de centrífuga cônicos contendo tampão de estabilização. O uso de sistema para coleta de lavados bucais ou saliva recentemente ganhou popularidade. A coleta de células bucais também pode ser feita em placas pré-tratadas. Veículos secos e compactos para coleta de células bucais podem ser particularmente úteis se o tratamento não for possível no local de coleta e requerer transporte para processamento. No entanto, os veículos secos para coleta de amostras biológicas limitam sua utilidade para um número menor de aplicações, como o isolamento de DNA, a detecção de compostos inorgânicos (p. ex., Hg e As) etc. Além disso, o recipiente primário utilizado para a coleta de amostras e os recipientes subsequentes do processo podem afetar a qualidade da amostra. Recipientes certificados livres de RNAses devem ser utilizados para todos os passos de manuseio de amostras de RNA. De utilização única, tubos estéreis de laboratório são adequados para essa finalidade, desde que todo o manuseio associado não introduza fontes de contaminação (p. ex., o uso de luvas e de uma área de trabalho livre de RNAses). Frascos estéreis de uso único também devem ser utilizados em caso de manipulação e isolamento de células em cultura e/ou de criopreservação.
Várias questões de segurança surgem a respeito do manuseio de materiais biológicos humanos, devendo ser tomadas precauções em todas as fases do trabalho. Tecidos humanos são potencialmente infecciosos e testes detalhados para perfis de organismos patogênicos não são realizados, a menos que sejam parte do estudo, como HIV, hepatite ou outros agentes transmissíveis ou parasitários. Os funcionários devem ser treinados para lidar com materiais humanos, tomando as precauções de segurança necessárias para sua própria proteção e de outros envolvidos em todo o processo (p. ex., pessoal de transporte). Há uma preocupação de segurança particularmente elevada sobre grupos de amostras provenientes de países com alta incidência de doenças infecciosas, como hepatite, na China; tuberculose, em países do Leste Europeu; o HIV, na África etc. A conduta geral preconiza que, a menos que os sujeitos do estudo sejam selecionados e diagnosticados como negativos, o risco é desconhecido e, portanto, os cuidados devem ser tomados como se as amostras fossem infectadas. Objetos afiados, como agulhas, representam um risco particularmente elevado para a contaminação do pessoal. Recomendam-se disponibilidade de manuais e treinamento de práticas de segurança e saúde ocupacional.
A consciência dos riscos potenciais durante o transporte de materiais biológicos tem aumentado não só entre os cientistas, mas também entre o público. Materiais biológicos apresentam potencial e muito alto risco de transmissão de doenças infecciosas. Portanto, o responsável pelo laboratório deve fornecer treinamento para seus funcionários a fim de assegurar a conformidade com os regulamentos, que não permitem qualquer margem para erro. Além disso, produtos embalados ou rotulados inadequadamente serão recusados para o transporte pelas companhias aéreas e terrestres ou retidos na alfândega. Todas as operações do processo de transporte devem ser padronizadas por meio de Procedimento Operacional Padrão (POP), que deve incluir, entre outras etapas, condições de acondicionamento e transferência do material, armazenamento temporário, limpeza e manutenção dos equipamentos e veículos.
A documentação apropriada inclui detalhes como data de coleta, número da amostra, tipos e volumes, informações de entrega (FedEx e recibo eletrônico) e cadeia de formas de custódia. Informações pessoais sobre os participantes devem ser codificadas, em conformidade com as normas de proteção da privacidade. Os formulários de papel podem ser substituídos por sistemas informatizados mais versáteis de bases de dados eletrônicos. Códigos de barras são cada vez mais utilizados para catalogar eficazmente amostras e permitir a verificação eletrônica e de processamento. Além disso, todos os protocolos de coleta e processamento, bem como os registros eletrônicos, devem ser armazenados em locais seguros e conservados por período a ser determinado.
Quanto maior o estudo, maior é o desafio para a consistência na manipulação de todos os espécimes biológicos. É inevitável que alguns indivíduos e, possivelmente, vários laboratórios manipulem as amostras, seja na coleta ou nos estágios de processamento. O desafio, nesse caso, além de produzir protocolos claros e explícitos, utilizar POP e treinar todas as pessoas sobre os passos a serem seguidos, é garantir que todos adiram estritamente aos POP. Para tanto, os fluxogramas ajudam a equipe técnica a evitar confusões e mal-entendidos.
A garantia de qualidade é parte dos requisitos de boas práticas laboratoriais (BPL). Embora nem todos os laboratórios sejam obrigados a cumprir essas leis, muitos deles percebem os benefícios de seus procedimentos.
O consentimento informado é um elemento necessário, um direito do paciente e um dever moral e legal dos profissionais envolvidos. Uma vez que o paciente é dono de seu próprio interesse, decidindo se prefere se manter no estado de saúde em que se apresenta ou se submeter a um tratamento relativamente perigoso, deve ser devidamente esclarecido pelo profissional que o atende. O consentimento informado representa uma manifestação expressa da autonomia da vontade do paciente; por isso, é recomendável que seja feito por escrito, para evitar maiores discussões sobre o consentimento ter sido dado de modo suficiente ou não. Uma das principais características desse termo é que ele deve isentar o paciente de dúvidas, indicando as vantagens e os inconvenientes ou riscos do tratamento ou da intervenção. O potencial de plena expansão da biotecnologia e a crescente preocupação do público sobre o uso não divulgado de materiais biológicos geraram complexas questões éticas, levando a questão do consentimento informado a uma nova dimensão. Preocupações de caráter ético surgem como desafio ao processo tradicional de obtenção do consentimento informado. Até recentemente, os participantes costumavam ser convidados a dar o seu consentimento, a fim de obterem informações sobre riscos em potencial inerentes ao estudo. Todavia, nos dias atuais, os cientistas do estudo precisam obter o consentimento para que os participantes também sejam informados sobre os usos atuais e sobre o futuro, às vezes imprevisível, de suas amostras. Isso é essencial porque os cientistas podem querer realizar análises adicionais não previstas no momento da coleta, na medida em que novos biomarcadores se tornam disponíveis. O Conselho Nacional de Saúde teve a preocupação de revisar as normas éticas para a realização de pesquisas envolvendo seres humanos, publicando a Resolução 196/1996, atualmente em vigor. As diretrizes dessa resolução envolvem todas as pesquisas com seres humanos, em qualquer área do conhecimento, determinando que elas devem ser submetidas à apreciação de um comitê de ética em pesquisa (CEP). Uma consequência disso foi que todas as instituições que desenvolvem pesquisas com seres humanos se viram obrigadas a constituir um ou mais CEP. Na impossibilidade dessa medida, os projetos devem ser apreciados por um CEP de outra instituição, de preferência por aquele indicado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS). A Resolução também determina o que deve constar no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e que este deve ser avaliado pelo CEP, que decide se o termo é suficiente para esclarecer os sujeitos em potencial da pesquisa e se lhes permite tomar uma decisão autônoma e voluntária sobre a participação.
Se a amostra biológica original for sangue total, urina, células bucais, lavagem brônquica ou outro tecido (p. ex., biopsias), o processamento pode produzir uma variedade de espécimes em potencial para investigações futuras. Quanto mais cedo as amostras são processadas, melhor a qualidade dos componentes extraídos. O processamento pode ser extremamente simples, como aliquotagem e congelamento, ou a separação do sangue em componentes celulares e séricos. Um processamento eficaz assegura que os componentes das amostras possam ser adequadamente recuperados depois da armazenagem e que o rendimento mais elevado seja obtido. Assim, o processo inclui planejamento e provisões para: • • • • • • •
Isolar grandes quantidades de DNA Armazenar RNA de alta qualidade Utilizar DNA de células bucais e pellet de sangue (ou esfregaços de sangue) para genotipagem Separar DNA/RNA a partir dos linfócitos e granulócitos Preparar lâminas contendo placas metafásicas, que podem ser armazenadas por muitos anos Criopreservar sangue total ou de linfócitos recém-isolados, a serem recultivados Preparar lâminas de células esfoliadas da boca e na urina.
Para atingir os objetivos propostos, a amostra inicial pode ser dividida em alíquotas, adequadas a diferentes finalidades. Nessa situação, diferentes condições de conservação devem ser utilizadas. Por exemplo, alíquotas preparadas para análise de RNA são geralmente misturadas com o tampão estabilizador contendo betamercaptoetanol (tampão disponível comercialmente). Alíquotas preparadas para análise de ácido fólico devem conter agentes antioxidantes (ácido ascórbico) e EDTA; já biomarcadores imunológicos são estabilizados na presença de DMSO, que também é necessário para as amostras utilizadas no ensaio do cometa.
Outras ferramentas de auxílio podem vir na forma de horários e tabelas pre-concebidos para o registro do número e dos volumes das amostras produzidas. É importante ressaltar que, dividindo-se cada uma das várias formas de amostra que surgem do processamento inicial em múltiplas alíquotas (p. ex., várias alíquotas de soro, alíquotas para o isolamento de RNA, lâminas para análise citogenética e de esfregaços de sangue etc.), preserva-se a integridade dos componentes, evitando danos causados por congelamento/descongelamento repetidos, e permite que cada componente seja armazenado ou distribuído de maneira adequada para os colaboradores.
Grandes estudos epidemiológicos geram dezenas de milhares de amostras valiosas, que podem ser armazenadas por meses ou anos. Diante do que foi discutido anteriormente, é evidente que o cumprimento das disposições para preparar as amostras para estudos futuros pode levar a uma ampla variedade de amostras provenientes de um único tubo de sangue. Assim, o armazenamento físico adequado e um sistema de rotulagem e gestão de estoques eficaz são essenciais. A rotulagem das amostras, de modo que sejam eficientemente recuperadas e rastreadas, pode ser realizada com o auxílio de programas de gestão de dados eletrônicos, como a utilização de sistemas por código de barras. A identificação por código de barras é única, dada a cada amostra, gerando um sistema de espécimes facilmente rastreados. No Brasil, pode-se destacar como exemplo e modelo o Biobanco do Hospital A. C. Camargo, centro especializado em câncer, que é composto pelo Banco de Tumores e pelo Banco de Macromoléculas, tendo armazenado e processado 62.506 amostras biológicas (dados referentes a março de 2014). Bases de dados eletrônicas são muito mais eficientes na gestão de grandes bancos de amostras do que as versões mais antigas, em papel, de registros de armazenamento. Dependendo dos tamanhos do biorrepositório e do projeto, diversas opções de bancos de dados eletrônicos estão disponíveis.
Os avanços na genética molecular só podem ser concretizados se a qualidade da amostra for garantida para a investigação de biomarcadores já disponíveis e até mesmo futuros. A tecnologia oferece enorme poder de análise de um grande número de amostras de maneira eficaz e rápida, possibilitando também o aumento da sensibilidade, precisão e reprodutibilidade. A manipulação apropriada de amostras biológicas, a partir do momento da coleta para a análise, protege a qualidade dos espécimes e a validade dos resultados. As ações a serem tomadas incluem: • • • • • • • •
Identificar o tecido adequado, com preferência a abordagens não invasivas Determinar o período de coleta e examinar os requisitos de estabilidade dos biomarcadores Obter o equipamento necessário para as instalações de processamento Desenvolver protocolos detalhados e fluxogramas Treinar os funcionários Realizar estudos-piloto sobre a eficiência da criopreservação ou purificação Organizar as instalações de armazenamento físico e dos equipamentos e configurar o código de barras e os sistemas de gerenciamento de banco de dados eletrônicos Rever todos os requisitos legais, incluindo a conformidade com a segurança na manipulação de tecidos humanos, no transporte de materiais potencialmente infecciosos, na aprovação de pesquisa envolvendo humanos e no consentimento informado dos participantes do estudo.
Todas estas questões têm de ser abordadas nos POP, realizados por meio do Programa de Garantia da Qualidade, como parte integrante dos estudos moleculares bem-sucedidos.
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A biologia molecular é uma disciplina que colabora no entendimento de várias áreas, sendo de suma importância para a identificação humana, os diagnósticos moleculares, a investigação das doenças genéticas, os estudos populacionais e o desenvolvimento da medicina terapêutica, preventiva e personalizada. No setor de biologia molecular, além de seguir as boas práticas de laboratório, é importante ter cuidado ao analisar os resultados, de modo que se possa entender exatamente o que eles têm a dizer e alcançar conclusões sólidas. Este capítulo aborda as técnicas mais utilizadas em coletas e extrações de ácidos nucleicos, ressaltando que as decisões sobre o tipo de técnica a se escolher e como executá-la dependem dos resultados que se pretende alcançar.
O tipo de tubo e a metodologia a serem utilizados para a extração de ácidos desoxirribonucleicos e ribonucleicos (DNA e RNA) dependem das células que se deseja partir e da qualidade e quantidade que se busca obter. O tubo mais comumente utilizado para extrações de DNA e de RNA de células mononucleares é aquele com anticoagulantes citrato de sódio e ácido etilenodiaminotetracético (EDTA). Geralmente, os anticoagulantes são pulverizados no interior do tubo, prevenindo a formação de microcoágulos e, assim, viabilizando as extrações. Para extrações de RNA de sangue total, existem tubos com substâncias que estabilizam e protegem o padrão de expressão de RNA das amostras durante a coleta e o armazenamento do produto, garantindo que as análises mostrem verdadeiramente o perfil intacto de expressão dos tecidos e que as amostras possam ser armazenadas sem risco de degradação, para posterior extração com kit . Outra metodologia que pode ser aplicada aos dois tipos de extrações (DNA e RNA) é o FTA Card, que possui uma matriz quimicamente tratada, destinada à coleta, ao transporte, à armazenagem e à extração de ácidos nucleicos. Esta tecnologia patenteada permite que o DNA de diferentes tipos de amostras (sangue, células bucais, saliva, secreções, tecidos etc.) seja imobilizado e conservado em temperatura ambiente durante anos, podendo ser analisado rapidamente, quando necessário.
A extração do DNA a partir de leucócitos de sangue periférico é o meio de obtenção mais amplamente utilizado e pode ser executado por várias técnicas. A antiga técnica de extração com fenol-clorofórmio permite obtenção de DNA de ótima qualidade entre as técnicas manuais. Entretanto, em razão da toxicidade desse reagente, atualmente são preferidos métodos conhecidos como salting out , que utilizam a precipitação salina das proteínas por meio de uma solução saturada de cloreto de sódio. Já os kits comerciais para extração do DNA geralmente apresentam maior qualidade em relação aos métodos manuais, isto é, maior desempenho qualitativo. A desvantagem é que, em muitos casos, são inviáveis em decorrência do maior custo. Basicamente, a técnica de extração segue alguns passos até a exposição e a obtenção do DNA genômico. Primeiro, o sangue periférico é posto em reação com tampão concentrado de cloreto e bicarbonato de amônio, com a finalidade de promover lise das hemácias e obter pellet leucocitário. Em seguida, com o auxílio de enzimas proteases (proteinase K) e reagentes desnaturantes (SDS – dodecil sulfato de sódio, 10%) em solução de pH alcalino e temperatura entre 37 e 56°C, há rompimento da membrana leucocitária e liberação do DNA. Na presença da solução salina saturada, as proteínas se precipitam e são descartadas. Posteriormente, há precipitação do DNA na presença do etanol absoluto e, dessa maneira, sua captura torna-se possível. Depois, hidrata-se o DNA em água ou tampão.
Considerando que as coletas de sangue são invasivas e, algumas vezes, mais difíceis de serem feitas, a extração do DNA vindo de células do epitélio bucal pode ser viável, pois essas células podem ser coletadas por meio da raspagem, com hastes, da parte interna das bochechas, de lavagem ou do enxaguante bucal. A seguir, é apresentado um protocolo de extração do DNA genômico, como sugestão do procedimento. •
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Os tubos contendo as células epiteliais precisam ser centrifugados durante 10 min, a 3.000 rpm, em temperatura ambiente, para sedimentar as células epiteliais e os detritos. O sobrenadante deve ser descartado imediatamente, para evitar que o pellet deslize Para a segunda lavagem, 1 m ℓ de solução TNE [17 mM Tris-HCl (pH 8), 50 mM NaCl, 7 mM EDTA] precisa ser adicionado, a fim de suspender novamente as células, centrifugando os tubos a 2.000 rpm, durante 5 min. Após esse procedimento, o sobrenadante deve ser descartado O pellet celular deve, então, ser submetido a agitação por vórtex durante 5 s. O volume de 1,3 m ℓ de solução de lise [Tris 10 mM (pH 8), 0,5% de SDS, 5 mM de EDTA] e de 10 μ ℓ de proteinase K sob concentração de 20 mg/m ℓ (Sigma Chemical Co., St. Louis, MO, EUA) deve ser adicionado. Essa mistura deve ser agitada em vórtex durante 5 s e, em seguida, incubada overnight a 55°C Após a incubação, 1,4 m ℓ da mistura deve ser transferido para um tubo de 2 m ℓ . As proteínas e outros contaminantes devem ser removidos por adição de 500 μ ℓ de uma solução contendo acetato de amônio 8 M e EDTA 1 mM, seguido por vórtex em alta velocidade durante 5 s e centrifugação a 10.000 rpm durante 10 min O sobrenadante deve ser cuidadosamente vertido em dois tubos limpos de 1,75 m ℓ , contendo 540 mℓ de isopropanol As soluções devem ser misturadas por inversão suave do tubo, 20 vezes, e centrifugadas a 17.000 rpm durante 5 min 2 mℓ de etanol 70% devem ser adicionados em cada tubo e invertidos várias vezes, para lavar o sedimento de DNA. Depois, devem ser centrifugados a 10.000 rpm durante 5 min e, então, o etanol precisa ser descartado cuidadosamente Cada tubo deve ser invertido e colocado em papel limpo e absorvente. Em seguida, deve ser deixado secando ao ar durante 45 a 60 min Deve-se suspender novamente o DNA em 100 μ ℓ de tampão TE [10 mM Tris (pH 7,8) e 1 mM de EDTA].
Material: 8 mℓ de sangue periférico coletados em tubo contendo EDTA Hemólise: transferir o sangue total para um tubo de 50 m ℓ , adicionar 20 m ℓ de tampão 1× de 0,144 M cloreto de amônia (NH 4Cl) + 0,001 M de bicarbonato de amônia (NH 4CO3), agitar em agitador de soluções por aproximadamente 30 s, incubar a 4°C por 10 min e centrifugar a 3.000 rpm por 10 min a 4°C • Lavagem: descartar o sobrenadante e adicionar 20 m ℓ do mesmo tampão. Em agitador de soluções, agitar por 30 s para ressuspender o sedimento leucocitário. Incubar por 10 min a 4°C. Centrifugar por 10 min a 3.000 rpm na
temperatura de 4°C • Lise: descartar o sobrenadante, retirar o excesso de sangue. Ao sedimento leucocitário, adicionar: – 200 μℓ de SDS 10% – 3 mℓ de um segundo tampão preparado com 10 mM (0,010 M) Tris HCl pH 8 + 400 mM (0,400 M) NaCl + 2 mM (0,002 M) EDTA pH 8 – 500 μℓ de um terceiro tampão preparado com 50 μ ℓ de SDS 10% + 2 μℓ de EDTA 0,5 M pH 8 + 488 m ℓ de água ultrapura + proteinase K – Observação: a proteinase K deve ser diluída no terceiro tampão antes de ser adicionada na reação de extração, ou seja, 2 μℓ de proteinase K na concentração de 20 mg/mℓ são suficientes para diluir em 5 m ℓ do terceiro tampão, e esse volume é suficiente apenas para 10 amostras. No caso de maior quantidade de amostra, sugere-se realizar cálculo proporcional. Após adicionar todas as soluções anteriores, incubar a 37°C em estufa por 12 a 18 h • Precipitação: adicionar 1 m ℓ do quarto tampão de NaCl 6 M, preparado com 175,3 g de NaCl, e completar o volume com 500 mℓ de água ultrapura. Misturar vigorosamente durante 1 min em agitador de soluções e centrifugar 3.000 rpm por 20 min a 4°C. Fazer a transferência do sobrenadante para tubo de 15 m ℓ . Em seguida, adicionar 3 a 4 m ℓ de etanol 100% mantido a –20°C, “capturar” o DNA precipitado com auxílio de uma ponteira e transferir para criotubo de 1,5 m ℓ , que já deve conter 1 m ℓ de etanol 70%. Essa etapa deve ser realizada em recipiente com etanol 70% mantido a –20°C contendo gelo, a fim de promover menores temperaturas. Centrifugar a 4°C por 15 min a 13.500 rpm, descartar o sobrenadante e aguardar evaporar o etanol à temperatura ambiente e em local seco e preservado de contaminação (ideal entre 12 e 8 h). Após a secagem, ressuspender o sedimento (DNA) em 1 m ℓ de TE 1× preparado a 10 mM Tris-HCl pH 8 + 1 mM EDTA pH 8 ou hidratado em volume de água ultrapura estéril. Aguardar de 12 a 18 h para utilizar o DNA. O volume da solução para hidratar depende da concentração final de DNA desejada. Na maioria dos casos, pode-se hidratar com 1 m ℓ .
Após o término da extração do DNA, mede-se a concentração de dupla-fita em equipamento espectrofotométrico específico. Ácidos nucleicos podem ser estimados pela absorbância de 260 nm (A 260), ao passo que proteína pode sê-lo em 280 nm (A 280). Razão A 260/A 280 entre 1,7 e 2 geralmente representa boa qualidade de DNA na amostra extraída. É possível observar a degradação do DNA por meio de eletroforese em gel de agarose 1%. Aplicam-se 5 μ ℓ do DNA extraído [tratado com corante específico para visualização por luz ultravioleta (UV)] em gel, submetendo-o à eletroforese programável por 30 min, nas condições de 120 V e 500 mA. Visualizar, em equipamento transiluminador UV, “rastro de DNA”: quanto mais “rastros”, maior degradação ocorreu durante a realização da técnica.
A extração do RNA/cDNA (DNA complementar) é necessária para a realização de algumas metodologias de biologia molecular. Para esse procedimento, um exemplo simples é a utilização de basicamente 1 m ℓ de trizol® (reagente comercial utilizado para extração de ácidos nucleicos) para lise das células, 200 μ ℓ de clorofórmio e centrifugação por 15 min a 4°C e 12.000 rpm. Adicionam-se 500 μ ℓ de isopropanol seguidos de centrifugação na mesma condição anterior. Em seguida, adiciona-se 1 m ℓ de etanol 75%. O RNA precipita-se na presença do isopropanol. Uma vez extraído o RNA, é feito o DNA complementar (cDNA).
Uma maneira mais simples e geralmente com maior reprodutibilidade e qualidade da extração, tanto de DNA quanto de RNA, é a extração feita a partir de kits com tubos e reagentes específicos de cada empresa, bastando seguir o manual de extração. A principal característica desses kits é a utilização de colunas “filtrantes” nos tubos de extração; as colunas aumentam o rendimento das amostras e em tempo mais curto, em comparação à extração convencional a partir de solventes. A qualidade e o rendimento dos ácidos nucleicos são melhores e a chance de socorrerem possíveis erros é menor. No entanto, o custo desses tipos de kits pode ser um limitante da utilização.
As metodologias desse tipo de extração, mesmo em kits de empresas diferentes, geralmente são bem parecidas, divididas em cinco etapas consecutivas, descritas a seguir.
É o processo de ruptura ou quebra da membrana plasmática (parede das células), com o intuito de isolar os ácidos nucleicos da célula que estão localizados no núcleo celular. A fórmula da lise varia conforme a extração de DNA ou RNA, mas, para ambos, utiliza-se como base um tampão de lise que contém alta concentração de sais caotrópicos. Esses sais quebram interações intermoleculares não covalentes, que têm efeito estabilizador sobre a molécula, como as ligações de hidrogênio e as interações de van der Waals e hidrofóbicas, sendo as proteínas desestabilizadas e rompidas, incluindo as nucleases. Assim, passa a ser possível que essas células se liguem na sílica dos tubos do kit de extração. Dependendo do tipo de amostra, podem ser utilizadas enzimas específicas para essa lise celular (p. ex., as lisozimas e a proteinase K).
Nesta etapa, é adicionado etanol no tampão de ligação, para garantir a total absorção dos ácidos nucleicos (DNA/RNA) na membrana da sílica. Durante essa etapa, sais, enzimas, óleos, proteínas e qualquer outro tipo de impureza passam diretamente pela membrana, sem ser absorvidos, e, assim, são eliminados.
É o processo de eliminação das impurezas da extração. Como elas passam através da coluna, a membrana da coluna acaba ficando contaminada com resíduos de proteínas e sais; assim, precisa ser lavada com as soluções tamponadas próprias para remoção apenas dessas impurezas. As etapas de lavagem começam com um tampão que possui baixa quantidade de sais caotrópicos, para remover as proteínas e parte dos contaminantes, e, posteriormente, com etanol, para remover resíduo dos sais.
Esta etapa serve para remover totalmente o etanol e deixar apenas o DNA/RNA na membrana. Ressalta-se que, se restarem resíduos de etanol na membrana, os ácidos nucleicos não podem ser completamente reidratados e liberados na presença do tampão de eluição.
Nesta etapa final, ocorre a liberação dos ácidos nucleicos da membrana para a solução de tampão de eluição utilizada. Para que haja eluição total dos ácidos nucleicos, deve-se atentar para o valor de pH e para as concentrações de sais do tampão de eluição. As eluições mais eficientes são mantidas sob condições alcalinas e baixas concentrações de sais. Para as extrações de DNA, normalmente os kits utilizam tampões de Tris 10 mM, com pH entre 8 e 9. Já para as extrações de RNA, normalmente é utilizada a água livre de nucleases. A eluição do DNA/RNA pode ser melhorada, permitindo que o tampão seja depositado na membrana por alguns minutos antes da centrifugação.
As extrações automatizadas possuem algumas vantagens, como a total padronização dos procedimentos, com redução do tempo de extração, o que possibilita manipular diversas amostras ao mesmo tempo – de 12 a 96 amostras, dependendo do equipamento utilizado. Ademais, esses equipamentos diminuem possíveis erros de interferência humana, reduzindo a possibilidade de contaminação e, de certa maneira, propiciando economia pela redução do volume de amostra e de reagentes. Mesmo com tantas vantagens, alguns pontos negativos também precisam ser levados em consideração, como o custo do equipamento e dos kits, de modo que se requer grande demanda de extrações para justificar essa aquisição. Um exemplo de extração automatizada é o QIAcube® (Qiagen, EUA/CA) um instrumento automatizado de extração de DNA e RNA que processa até 12 amostras em uma única corrida. O QIAcube tem como base, assim como nos processos de extração por kits, o uso de colunas com membranas de filtração, além de eliminar a necessidade de etapas manuais de preparação das amostras a serem extraídas. É inovador e controla componentes integrados, incluindo uma centrífuga, um agitador aquecido, um sistema de pipetagem automático e uma pinça robótica. O usuário seleciona um protocolo predefinido, usando a tela sensível ao toque do aparelho, e carrega as colunas, os tubos, as amostras e os reagentes no
equipamento, seguindo as instruções do manual. Em seguida, fecha-se o aparelho e inicia-se o protocolo que foi selecionado, que fornece todos os comandos necessários para a extração de ácidos nucleicos, utilizando lise simples, lavagem, eluição e purificação das amostras. Outro exemplo desse tipo de extração é o QIAsymphony, um novo sistema automatizado para extração e purificação de ácidos nucleicos, com fluxo de trabalho simplificado, utilizando a tecnologia de partículas magnéticas. Os protocolos permitem a automação de 1 a 96 amostras por corrida. A plataforma apresenta um novo conceito, usando “gavetas seladas”, caixas de reagentes pré-cheias, que oferecem facilidade de utilização e segurança de processo. A preparação da amostra é composta por quatro etapas: lise, desvinculação, lavagem e eluição. As amostras são lisadas sob condições de desnaturação, na presença de proteinase K; os lisados são transferidos para cartuchos preparatórios, nos quais o DNA se liga à superfície da sílica de partículas magnéticas. Os contaminantes são removidos por lavagem e o DNA puro é eluído, em volume especificado pelo utilizador, em tampão modificado ou em água.
A assistência de consultores ou assessores de programas de acreditação de laboratórios clínicos pode auxiliar bastante no cumprimento de boas práticas de qualidade nos setores de biologia molecular. Algumas indicações e requisitos são mostrados a seguir: •
O setor de biologia molecular deve ter um programa de garantia de qualidade para cada um de seus sistemas analíticos, em todas as fases analíticas, sendo capaz de detectar problemas e com a oportunidade de possibilitar melhorias • Os supervisores e os encarregados de executar as técnicas de biologia molecular devem ser devidamente treinados e ter experiência comprovada. Para algumas técnicas, é necessário ter nível superior completo e, mesmo assim, treinamentos periódicos devem ser feitos, a fim de garantir que todos estejam sempre trabalhando de forma correta • No momento da coleta, deve-se solicitar: – Consentimento assinado pelo paciente ou responsável – Raça ou etnia autodeclarada – Heredograma, se cabível – Local e data da coleta da amostra – Identificação do coletor da amostra – Documento de identidade dos indivíduos coletados – Certidão de nascimento, para menores, ou de nascido vivo, para recém-nascidos. Os critérios para a rejeição de amostras que podem ter perdido a sua integridade ou ser inaceitáveis também devem ser documentados, e incluem: • • •
Amostras mal identificadas Material inadequado Recipientes manipulados antes de dar entrada para os testes de biologia molecular.
Caso seja retirada qualquer alíquota do material, esta deve ser documentada, para evitar que contaminações sejam cometidas, incluindo retornar uma alíquota para o recipiente original. Também devem ser documentados todo o processo de identificação das coletas, suas alíquotas ao longo de todas as fases analíticas, o recebimento das amostras, o tipo de extração de ácidos nucleicos, a quantificação de ácidos nucleicos (quando aplicável), a hibridização, a detecção e o armazenamento. Cada recipiente de amostra primária e de alíquotas deve possibilitar a identificação e a rastreabilidade da coleta, mas o tipo de sistema adotado é de livre escolha. Para os métodos próprios, deve haver documentação e registro de validação das características de desempenho antes da sua implantação, incluindo, quando aplicável: • • • • •
Sensibilidade diagnóstica (clínica) Sensibilidade analítica Especificidade diagnóstica (clínica) Especificidade analítica Precisão
• • • • • •
• • •
Linearidade (ensaios quantitativos) Faixa reportável de resultados de pacientes Intervalo de referência Qualquer outra característica de desempenho aplicável Características clínicas de desempenho (revisões da literatura científica em publicações revistas por pares ou sumários dos dados de estudos próprios) Amostras representativas de todos os resultados dos genótipos com resultados normais versus resultados anormais e resultados reportáveis (p. ex., tipo selvagem homozigoto, heterozigoto ou homozigoto mutante) definidas e acessíveis Número representativo de cada tipo de amostra que será analisada Comparação de resultados obtidos pelo método-teste com resultados obtidos por um método comparativo válido ou por meio de validação clínica Quando os valores de referência dependerem da situação clínica, as diretrizes para a interpretação dos resultados de pacientes devem ser definidas e documentadas.
Para os testes comerciais, o laboratório deve verificar as características de desempenho informadas pelos fabricantes. Os procedimentos de amplificação de ácidos nucleicos (p. ex., reação em cadeia da polimerase) devem ser planejados para minimizar carreamento de produtos pré-amplificados e resultados falso-positivos, por meio do uso de barreiras físicas, como salas diferentes para procedimentos de pré e pós-amplificação, a fim de evitar a contaminação por amplicons . A completude e a especificidade da digestão por endonucleases de restrição devem ser avaliadas e o tratamento de restrição do DNA deve ser realizado durante o período e as condições adequados e controlados. Os ensaios de sequenciamento devem ser otimizados, de modo a garantir a presença de sinal detectável em todo o comprimento da região-alvo e a detecção de sequências variantes, especialmente daquelas em estado de heterozigose. Na fase pós-analítica, devem ser gerados resultados preliminares, além de outras condutas descritas a seguir: • • • • • •
Discrepâncias entre os resultados preliminares e os laudos devem ser investigadas e documentadas Discrepâncias entre os achados da biologia molecular e a clínica médica ou outros achados de laboratório devem ser investigadas e documentadas e devem ser tomadas ações corretivas, quando indicadas Deve haver protocolos documentados para a liberação de laudos O laudo deve incluir o resumo dos métodos, loci ou mutações testadas, a interpretação analítica e a interpretação clínica O laudo definitivo deve ser revisto e assinado pelo diretor do laboratório ou por um responsável designado, qualificado e habilitado Em virtude dos riscos de discriminação ou estigmatização do paciente, os laudos e resultados de testes de genética molecular devem ser transmitidos de maneira a preservar a confidencialidade.
Para testes genéticos de doenças complexas com múltiplas mutações possíveis, o laudo deve ter linguagem clara e incluir: •
Informações do risco residual de ser portador de uma ou mais das mutações não testadas, quando aplicável (p. ex., fibrose cística, câncer de mama e ovário) • Discussão das limitações dos achados e das implicações clínicas da mutação detectada (ou do resultado negativo), com respeito à herança recessiva ou dominante, ao risco de recorrência, à penetrância, à gravidade e a outros aspectos da correlação genótipo/fenótipo • Recomendações para que o paciente receba aconselhamento genético e esclarecimentos acerca das implicações do resultado do teste, dos riscos residuais e das incertezas, bem como quanto às opções médicas e reprodutivas que o resultado levanta, quando apropriado, uma vez que os resultados de testes genéticos moleculares são complexos e probabilísticos. A nomenclatura-padrão, na área da qualidade da biologia molecular, está vinculada à avaliação externa da qualidade, ao controle interno de qualidade e ao controle de reação. O controle externo da qualidade é o material utilizado para o monitoramento da conferência e da exatidão de um sistema analítico, obtido de fontes externas, como programas de ensaios de proficiência, ou uma amostra conhecida, validada em outros centros de pesquisas ou com validação clínica. Já o controle interno de qualidade é o material utilizado para o monitoramento da precisão ou da reprodutibilidade do sistema analítico, obtido de fontes externas, comerciais, ou uma amostra conhecida, validada por meio de procedimentos do próprio laboratório ou mesmo construída por engenharia genética (plasmídio que contenha a sequência ou a mutação de
interesse). O controle da reação é o material utilizado para monitorar o funcionamento do sistema analítico e pode ser obtido de fontes externas, comerciais, ou ser uma substância caracterizável por meio de procedimentos do próprio laboratório, chamados, em biologia molecular, de “controle endógeno” ou “controle exógeno”.
Aidar M, Line SRP. A simple and cost-effective protocol for DNA isolation from buccal epithelial cells. Braz Dent J. 2007;18(2):14852. College of American Pathologists. Commission on laboratory accreditation. Laboratory Accreditation Program – Molecular Pathology Checklist, 2006. Kit de Purificação RNA de Múltiplas Amostras Miniprep HiPura™ – MB602. Disponível em: www.himedialabs.com.br . Acessado em 7/8/2014. Miiller SA, Dykes DD, Polesky HF. A simple salting out procedure for extracting DNA from human nucleated cells. Nucleic Acids Res. 1988;16(3):1215. QIacube and Qiasymphony automated sample-processing workstation. Disponível em: www.qiagen.com/products/catalog/automatedsolutions. Acessado em 30/7/2014. Sambroock J, Russel DW. Molecular cloning: a laboratorial manual. 3.ed. Cold Spring Harbor: Cold Spring Harbor Laboratory, 2001. Santos PC. Hematologia: métodos e interpretação. São Paulo: Roca, 2012. Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial. Comissão de Acreditação de Laboratórios Clínicos. Norma do Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos (PALC) versão 2007.
Recentemente, tem-se observado o crescimento explosivo do diagnóstico por técnicas de biologia molecular e a consequente incorporação aos laboratórios clínicos de profissionais oriundos da área de pesquisa. Suas técnicas compreendem importantes ferramentas de diagnóstico pré e pós-natal de anomalias congênitas e de monitoramento de terapia em casos de neoplasias, principalmente hematológicas. A inovação tecnológica oferecida pela reação em cadeia da polimerase (PCR) permitiu ainda que quantidades mínimas das amostras pudessem ser analisadas. Nos últimos anos, cresceu também o interesse em dados moleculares de doenças genéticas por parte de médicos e profissionais da saúde. O alcance e a precisão dos diagnósticos genéticos trazem responsabilidades clínicas, éticas e legais sem precedentes. Assim, o setor de biologia molecular dos laboratórios deve ter um Programa de Garantia da Qualidade que contemple todos os sistemas analíticos em todas as respectivas fases, o qual deve ser capaz de detectar problemas e identificar oportunidades de melhoria. Assim como o erro técnico, a compreensão incorreta do significado de um exame é igualmente prejudicial. Por isso, deve-se ter consciência da própria responsabilidade e de que erros laboratoriais podem causar danos irreparáveis na vida de um paciente. A meta dos laboratórios que prestam serviços nessa área deve ser o desenvolvimento de uma política de qualidade que torne ínfimo o número de erros, senão nulo, e que os laudos emitidos sejam compreensíveis pelos profissionais que atuam junto ao paciente. Um aspecto fundamental refere-se ao pessoal que executa as técnicas de biologia molecular, que deve ter nível superior e ser qualificado para tal.
A qualidade nos exames realizados é consequência da padronização dos processos envolvidos, desde a solicitação dos exames até a liberação do laudo. Esses processos são cumulativos, cada um dos quais constituindo uma fonte potencial de erros. Desse modo, a padronização laboratorial tem a finalidade de prevenir, detectar, identificar e corrigir erros ou variantes que possam ocorrer durante o teste. Com a padronização correta, é possível atingir a qualidade desejada, que, submetida a um sistema de qualidade, permite avaliar e, assim, garantir que o procedimento seja bem-sucedido.
A implementação de um sistema de qualidade requer alguns fatores, entre os quais se destacam uma infraestrutura física e ambiental adequada, pessoal técnico selecionado e treinado por um programa estabelecido, dispositivos de medição e ensaios de boa qualidade e calibrados, com plano de manutenção periódica. Além das condições básicas para o manejo das amostras e dos ensaios, os reagentes em si devem ser de boa qualidade, assim como a metodologia deve apresentar confiabilidade, sendo atual e padronizada. As condições de manutenção do laboratório também têm papel fundamental nesse processo, exigindo a correta limpeza da vidraria e condições livres de endonucleases para o material plástico descartável, por exemplo. A obtenção de amostras coletadas e mantidas adequadamente é outro aspecto fundamental, que será discutido no Capítulo 2 – Amostragem de Material Biológico. Atualmente, a maior parte dos exames feitos em procedimentos de biologia molecular utiliza a PCR. Esse conjunto de técnicas deve ser realizado em um ambiente controlado, uma vez que está sujeito a interferências graves em caso de contaminação da amostra a ser amplificada por outras moléculas de DNA ou RNA, inclusive as moléculas de DNA previamente amplificadas em outras reações. Medidas de organização do espaço físico dos laboratórios, como a delimitação de áreas para a manipulação e o processamento das amostras, podem minimizar o risco de contaminação. A organização também deve prever espaços seguros e apropriados para manipulação de substâncias tóxicas, disposição dos equipamentos, estocagem de reagentes, amostras e laudos, além dos setores administrativos.
Os procedimentos laboratoriais devem ser executados por profissionais adequadamente treinados, e esse treinamento deve ser realizado antes do início das atividades, com o responsável pelo laboratório assegurando a existência e a disponibilidade de manuais com recomendações sobre segurança e que eles sejam consultados com frequência e seguidos rotineiramente. Os profissionais devem estar paramentados adequadamente para cada situação (p. ex., usando aventais e luvas descartáveis). Alguns procedimentos podem requerer equipamentos extras de segurança, como máscaras e óculos de proteção. Vários compostos químicos utilizados em laboratórios de biologia molecular são tóxicos, cáusticos ou potencialmente cancerígenos. O laboratório deve dispor de manuais específicos de segurança que contenham instruções sobre manuseio, estocagem e descarte desses produtos. Recomenda-se a utilização de capelas de exaustão para manipulação de substâncias voláteis e tóxicas. Destacam-se também alguns agentes físicos, como a luz ultravioleta, a eletricidade e, especialmente, as radiações emitidas por radioisótopos, que merecem atenção especial no que diz respeito às instalações e às precauções no seu manuseio. Recomenda-se que esses procedimentos não sejam conduzidos na ausência de pessoal do laboratório, pois significam risco aumentado de incêndio ou de dano a indivíduos não treinados (p. ex., pessoal de limpeza). Em relação aos radioisótopos, os profissionais que os manipulam devem realizar treinamento prévio e ter acesso a cursos especializados sobre segurança no seu manuseio, armazenamento e descarte, conforme preconizado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Materiais biológicos, reagentes e organismos geneticamente modificados requerem cuidados no manuseio, na armazenagem e no descarte. A vigilância sanitária e a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio) preconizam procedimentos específicos para cada caso. É desejável que todo laboratório mantenha uma relação de documentos e normas externos relativos a todas as questões de segurança.
Na realização dos exames por um laboratório de biologia molecular, as seguintes etapas devem ser consideradas: préanalítica, analítica e pós-analítica.
Os fatores pré-analíticos são difíceis de monitorar e controlar, pois grande parte deles ocorre fora do laboratório e envolve o fornecimento adequado da história clínica, a preparação do paciente para o procedimento, a coleta precisa das amostras, o transporte destas sob condições controladas (identificação, temperatura, recipientes ou embalagens) e o manejo. Estudos de certificação revelam que mais de 80% das falhas detectadas nos laboratórios ocorrem na fase pré-analítica, principalmente pelo envolvimento de pessoal não ligado diretamente ao ambiente do laboratório. Considerando os
diversos fatores que podem afetar de alguma maneira seus resultados, o laboratório deve fornecer instruções escritas sobre os procedimentos adotados, além de treinamento. O controle de qualidade deve incluir também uma mensuração da satisfação do paciente submetido ao procedimento de coleta, o que pode ser realizado por meio de um questionamento objetivo e respondido de modo voluntário, contendo itens sobre satisfação com o esclarecimento prévio, a obtenção e o tratamento da amostra e o atendimento posterior à coleta e à divulgação dos resultados dos testes. Outra fonte de falhas em potencial são os fatores intrínsecos à amostra, como variações no ritmo circadiano, exercício físico prévio, dieta, condições de estresse e efeitos de posição. Os principais fatores a se considerar nessa etapa do processo são descritos a seguir.
O paciente, a solicitação do teste e as amostras devem estar identificados claramente, fornecendo o nome do paciente, a data e a hora da coleta, o tipo de material e as condições de armazenamento e transporte. A documentação pré-analítica deve incluir, quando aplicável, itens como consentimento informado assinado pelo paciente ou responsável, dados sobre raça ou etnia e heredograma. Em relação a testes de paternidade e de finalidade forense, a acurácia das informações e da identificação das amostras deve ser verificada e aprovada pelo indivíduo testado ou por seu guardião legal. As amostras devem ser mantidas em áreas de segurança com acesso limitado e deve haver uma cadeia de custódia adequadamente documentada.
Os profissionais envolvidos devem ter conhecimento sobre a correta preparação do paciente (necessidade de jejum, uso de medicamentos, febre etc.) e das implicações para o processamento da amostra e da relação com os resultados.
Etapa fundamental para a realização dos testes, uma vez que fatores como identificação incorreta do paciente e dos frascos de armazenamento das amostras, tipo e uso de anticoagulante, temperatura de manutenção e condições de assepsia, homogeneização ou centrifugação, por exemplo, podem interferir negativamente nos resultados. Deve haver procedimentos documentados para a prevenção de perdas, alterações ou contaminações de amostras.
A abordagem tradicional do laboratório ao processo analítico envolve o desempenho real dos testes realizados e o cálculo dos resultados. O aprimoramento inclui um tempo de processamento adequado, facilidade na interpretação dos exames, disponibilidade de complementação e/ou repetição dos testes e presteza no atendimento ao cliente e a questões que venham a surgir referentes aos testes e procedimentos utilizados. Todavia, a precipitação na emissão de um laudo não colabora com as operações do laboratório nem com a necessidade de precisão na divulgação dos resultados ao solicitante ou ao paciente. Laboratórios de biologia molecular têm a responsabilidade de realizar pesquisa e desenvolvimento de novas metodologias e testes, bem como atualização de terminologia e de critérios de resultados normais e anômalos. A rejeição de uma amostra inadequada aos padrões estabelecidos pelo laboratório não é bem recebida pelos solicitantes ou pacientes, mas é um componente necessário a essa fase. Assim, deve haver critérios documentados para a rejeição de amostras inaceitáveis ou que possam ter perdido sua integridade, incluindo aquelas mal identificadas, material inadequado para análise ou em recipientes manipulados antes de darem entrada nos testes de biologia molecular. Caso sejam retiradas alíquotas dos materiais, deve haver procedimentos documentados para prevenir possíveis contaminações, incluindo a proibição de retornar uma alíquota para o recipiente original. É necessário, também, um procedimento documentado para que o requisitante seja informado prontamente caso a amostra seja inadequada. Deve haver um procedimento documentado para a identificação dos tipos de materiais e amostras dos pacientes e suas alíquotas ao longo de todas as fases analíticas, incluindo o recebimento de amostras, a extração de ácidos nucleicos, a quantificação de ácidos nucleicos (quando aplicável), a hibridização, a detecção e o armazenamento. Cada recipiente de amostra primária e de alíquotas deve possibilitar a identificação única do paciente e a rastreabilidade da coleta, mas o tipo de sistema adotado é de livre escolha do laboratório. As amostras de pacientes devem ser processadas imediatamente ou conservadas de modo a minimizar sua degradação até o momento da análise. Os métodos analíticos, antes de serem implantados na rotina laboratorial, devem ser analisados conforme os seguintes
critérios: • •
Confiabilidade: a metodologia apresenta precisão, exatidão, sensibilidade, especificidade e linearidade adequadas? Praticidade: o que será necessário para a execução dos testes? Quais são o volume e o tipo da amostra? Qual é a duração do ensaio? A complexidade metodológica está de acordo com as in stalações e qualificações do laboratório e de seu pessoal?
Variáveis importantes incluem qualidade da água, lavagem e manutenção da vidraria, calibração dos dispositivos de medição e ensaio e estabilidade dos reagentes. A documentação acerca dos processos analíticos (protocolos) deve ser implementada e disponibilizada aos responsáveis pela realização dos exames.
Para os métodos próprios ( in house ), deve haver documentação e registro dos estudos de validação das características de desempenho, realizados antes da sua implantação, que incluam, quando aplicável: • • • • • • • • •
Sensibilidade diagnóstica (clínica) Sensibilidade analítica Especificidade diagnóstica (clínica) Especificidade analítica Precisão Linearidade (ensaios quantitativos) Faixa reportável de resultados de pacientes Intervalo de referência Qualquer outra característica de desempenho aplicável. Para métodos próprios (in house ) para testes genéticos, os protocolos de validação devem incluir na documentação:
• • • • •
Acurácia Sensibilidade analítica Especificidade analítica Precisão Características clínicas de desempenho (revisões da literatura científica em publicações revisadas por pares ou resumo dos dados de estudos próprios). Já os estudos de validação devem incluir, quando aplicável:
• • •
Amostras representativas de todos os resultados (genótipos) acessíveis Um número representativo de cada tipo de amostra que será analisada Comparação de resultados obtidos pelo método-teste com resultados obtidos por um método comparativo válido ou por meio de validação clínica.
Para métodos próprios para análises qualitativas, os valores de referência (resultados normais versus resultados anormais) e os resultados reportáveis (p. ex., tipo selvagem homozigoto, heterozigoto ou homozigoto mutante) devem ser definidos. Quando os valores de referência dependerem da situação clínica, as diretrizes para a interpretação dos resultados de pacientes devem ser definidas e documentadas. Para análises quantitativas, os valores de referência (valores esperados para a população “normal”) e as faixas reportáveis (intervalo de valores que podem ser relatados) devem estar definidos. Já para os testes comerciais, o laboratório deve verificar as características de desempenho informadas pelos fabricantes. Caso o laboratório faça alterações nos procedimentos recomendados pelo fabricante, deve haver uma validação das modificações realizadas de modo que se comprove que o desempenho obtido seja equivalente ou superior ao informado pelo fabricante. O responsável pelo laboratório deve analisar criticamente e aprovar todas as validações de todos os métodos antes de serem colocados em uso na rotina. Em relação aos reagentes de ácidos nucleicos usados para testes genéticos ou moleculares (como sondas de DNA e primers de PCR), deve haver documentação de todos os dados relevantes, quando aplicável, em relação a: • Primers: tamanho, conteúdo de bases CG, temperatura de desnaturação do primer (Tm), sequência, localização genômica, concentração do estoque, temperatura usada para anelamento do primer e para hibridização
•
Sondas: sequência parcial ou total de nucleotídios, localização genômica, vetor de clonagem, temperatura de hibridização e método de preparação.
Quanto aos testes moleculares quantitativos, o laboratório deve ter os métodos para o cálculo dos resultados e unidades descritos de maneira clara, incluindo as fórmulas usadas e os exemplos de cálculos. A faixa de trabalho (a faixa dinâmica) do ensaio deve ser definida, e o desempenho deve ser monitorado a cada corrida com o uso de controles internos negativo e positivo (inclusive com níveis recomendáveis: negativo e positivo, baixo e alto). Quando o ensaio gerar uma curva de desnaturação, deve haver critérios para sua validação. Para os sistemas analíticos moleculares, tanto qualitativos como quantitativos, deve haver documentação para a interpretação dos resultados que inclua os critérios para a verificação do desempenho de cada ensaio, de acordo com as características de cada corrida analítica, antes da liberação dos resultados de pacientes. Deve haver registros das análises críticas efetuadas. Para todos os sistemas analíticos que incluam uma ou mais fases de detecção de sinais quantitativos, devem existir critérios para a realização e avaliação das calibrações, sejam elas efetuadas pelo fabricante ou pelo laboratório. Para testes qualitativos, devem ser corridos controles internos negativos e positivos e é preciso haver uma sistemática para verificar a sensibilidade analítica (detecção de níveis baixos de sequências-alvo). Para aqueles que usam um valor de ponto de corte ( cutoff ) para a distinção entre resultados positivos e negativos, o valor do ponto de corte deve ser avaliado inicialmente e a cada 6 meses, daí em diante. A verificação do ponto de corte também deve ser feita a cada mudança de lote dos reagentes críticos, após manutenções corretivas com troca de componentes críticos e quando indicado pelo controle da qualidade. Os ácidos nucleicos devem ser extraídos e purificados por meio de métodos relatados na literatura, recomendados pelo fabricante ou validados pelo próprio laboratório ( in house ). A quantidade e a integridade do DNA de alto peso molecular devem ser avaliadas por eletroforese em gel ou método comparável, quando aplicável, ou seja, para procedimento que dependa de grande quantidade de DNA disponível. Para sistemas analíticos que tenham como alvo o RNA humano (p. ex., pesquisa de transcrição de genes), a integridade do RNA da amostra deve ser avaliada. Os procedimentos de amplificação de ácidos nucleicos (p. ex., PCR) devem ser planejados de modo a minimizar carreamento (carryover ) de produtos pré-amplificados e resultados falso-positivos por meio do uso de barreiras físicas e procedimentais para minimização de aerossóis (p. ex., troca frequente de luvas, pipetas com barreiras ou tipo de deslocamento positivo). É preciso haver barreiras físicas adequadas entre as amostras pré e pós-amplificação, a fim de evitar a contaminação por amplicons . As amostras devem ser ordenadas da seguinte maneira: amostras de pacientes, controles positivos e controles negativos. Em todos os procedimentos de amplificação de ácidos nucleicos, devem ser corridos controles da reação (controles “endógenos”) capazes de detectar reações falsamente negativas em virtude da presença de inibidores, quando aplicável. Para análises quantitativas, a questão da inibição parcial também deve ser avaliada. A completude e a especificidade da digestão por endonucleases de restrição devem ser avaliadas (quando aplicável). O tratamento do DNA com endonucleases de restrição deve ser realizado durante o período e as condições adequados e controlados. Para as análises de doenças genéticas, deve haver informação adequada acerca do gene a ser testado em relação à sua sequência selvagem, às mutações relatadas e aos seus polimorfismos. As análises de sequenciamento de DNA devem ser restritas às doenças geneticamente bem caracterizadas na literatura e nos bancos de dados genômicos quanto à região-alvo. Os ensaios de sequenciamento devem ser realizados de modo a garantir a presença de sinal detectável em todo o comprimento da região-alvo e a pronta detecção de sequências variantes, especialmente daquelas em estado de heterozigose (p. ex., sequenciamento bidirecional). As autorradiografias e as fotografias de géis devem apresentar boa resolução, fundo ( background ) fraco, sinal claro e ausência de bolhas e de outros artefatos. Enfim, uma qualidade que permita a interpretação correta dos resultados. Em relação ao uso de eletroforese em gel: • • • • •
A qualidade (integridade) do DNA de alto peso molecular deve ser avaliada, quando aplicável Quantidades padronizadas de ácidos nucleicos devem ser colocadas nos géis, quando possível Marcadores de peso molecular conhecidos, em intervalo compatível com o das bandas esperadas, devem ser usados a cada corrida Marcadores visuais ou de fluorescência devem ser usados para marcar o ponto final da corrida Deve haver critérios objetivos para a interpretação de autorradiografias ou da eletroforese em gel. Já em relação à eletroforese capilar:
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Deve haver critérios para validar e interpretar os dados do sequenciamento preliminar (primário) Deve haver uma documentação adequada e atualizada do banco de dados de alelos conhecidos É necessário determinar a sequência das fitas “ sense” e “antisense” em heterozigotos, alelos raros e de combinações raras de alelos O banco de dados para a determinação de alelos deve constar da documentação e ser atualizado, quando aplicável Quando apenas uma fita é sequenciada nos heterozigotos, o processo de validação do sistema analítico deve apresentar evidências de que a análise de apenas uma fita gerará resultados acurados. Nesse caso, recomenda-se haver confirmação periódica das fitas complementares. Em relação à PCR em tempo real ( real time PCR ou q PCR):
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Para testes que geram resultados baseados em Tm, devem ser definidos e monitorados intervalos de temperatura adequadamente estreitos (≤ ± 2,5°C) Para testes quantitativos, os resultados do controle interno devem estar dentro do intervalo especificado a cada corrida Lotes novos de reagentes fluorescentes contendo oligonucleotídios devem ser testados anteriormente ou quando postos em uso Para sistemas analíticos que medem múltiplos fluorocromos, devem ser tomadas precauções para identificar e corrigir sinais espúrios de um canal para o outro Novas versões de softwares devem ser validadas com o uso de controles conhecidos. Sobre os ensaios tipo arranjo ( microarray ):
• • •
A integridade do ácido nucleico, bem como sua marcação (sondas de hibridização), deve ser verificada e monitorada A qualidade dos arranjos deve ser verificada de acordo com as especificações do fabricante Para ensaios quantitativos (expressão gênica, carga patogênica), devem ser usados um controle de nível positivo baixo para uma ou mais sondas e, ainda, um branco de reação a cada corrida • As funções do software usado para analisar os dados devem ser verificadas periodicamente. Para a hibridização in situ por fluorescência (FISH), é necessário: • • • •
Haver políticas e procedimentos documentados para a validação das sondas Haver procedimentos documentados para a gradação da escala de resultados e as análises devem ser graduadas da maneira preconizada Usar e registrar loci -controle (internos ou externos) para cada análise Reter imagens digitalizadas ou fotográficas como registros para a documentação de todas as análises (pelo menos uma célula por análise com resultados normais e pelo menos duas células por análise com resultados anormais). Para a hibridização in situ (ISH) de campo claro:
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As condições de pré-tratamento e de análise devem ser verificadas para cada amostra, com o uso de sondas-controle positivas adequadas contra os alvos endógenos • Condições livres de ribonucleases devem ser mantidas em todas as análises para detecção de RNA-alvo nos tecidos ou para o uso de sondas de RNA • Para análises realizadas em amostras de citologia ou histologia, o laudo interpretativo deve incluir a correlação com os achados morfológicos • O laudo deve fornecer uma interpretação adequada dos resultados da ISH. Devem ser mantidas estatísticas dos resultados de testes moleculares de maneira que permita o acompanhamento do desempenho analítico, a avaliação de tendências populacionais e a realização de estudos comparativos, quando aplicável. A seguir, é apresentada uma sugestão de roteiro para essa padronização. As instruções de trabalho para os procedimentos analíticos devem apresentar informações explícitas e instruções claras para todas as áreas nas quais serão utilizadas. 1. Nome do procedimento: determinar o nome principal do procedimento, nomes alternativos e também as abreviações mais comumente utilizadas. 2. Fundamento do método: descrever a metodologia e seus fundamentos químicos e biológicos.
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Principais aplicações clínicas e biológicas: d e modo objetivo, descrever as indicações do teste ou exame. Material ou amostra proveniente do paciente: descrever os tipos de amostras que podem ser utilizados e o volume recomendado. Também é necessário indicar as condições de rejeição das amostras, listar os procedimentos de preparação do paciente para a coleta e fornecer instruções para o manuseio da amostra antes do teste, como transporte, armazenamento, descarte de materiais e outras indicações pertinentes ao processo. Padrões, calibração, controles, reagentes e insumos: listagens dos componentes e dos materiais utilizados. Relacionar os nomes dos fornecedores, a data de aquisição e a validade dos reagentes, o modo de preparo e a conservação dos insumos. Equipamentos: listar os equipamentos utilizados no teste, com suas indicações de manuseio e conservação. Cuidados e precauções: descrever os cuidados na manipulação de reagentes e das amostras biológicas, os procedimentos de descarte, levando em consideração as normas de boas práticas em laboratório. Protocolo detalhado: descrever os procedimentos da metodologia de modo claro, para que mesmo uma pessoa não familiarizada com o método possa reproduzi-lo. Limite de detecção: informar o limite de detecção do método. Cálculos (se aplicável): descrever as fórmulas e os procedimentos necessários para a sua realização (planilhas, inserção em bases de dados etc.). Controle de qualidade: especificar o material utilizado como controle, origem, frequência e quantidade com que deve ser utilizado. Valores de referência: destacar os valores esperados para indivíduos sadios. Quando pertinente, associar parâmetros como idade, raça, sexo etc. Significado clínico: indicar sucintamente a aplicação do exame na clínica do paciente. É pertinente a inclusão de alguns exemplos de patologias, com os valores alterados esperados. Observações ou considerações adicionais. Bibliografia.
A abordagem laboratorial tradicional para a fase pós-analítica envolve os procedimentos de rotina e a transmissão dos resultados dos testes. Práticas mais recentes incluem códigos de faturamento, preocupação com a segurança dos dados do paciente e avaliação da qualidade no atendimento ao cliente. A maioria dos erros relatados nessa fase do processo resulta da inabilidade de se corrigir um resultado falho e da não notificação do médico sobre um problema com o teste solicitado. Em relação à fase pós-analítica: • • • • • •
Devem ser gerados resultados preliminares, quando apropriado Discrepâncias entre os resultados preliminares e os laudos devem ser investigadas e documentadas Discrepâncias entre os achados da biologia molecular e a clínica ou outros achados de laboratório devem ser investigadas e documentadas e devem ser tomadas ações corretivas, quando indicadas Deve haver protocolos documentados para a liberação de laudos O laudo deve incluir um resumo dos métodos, loci ou mutações testados, a interpretação analítica e a interpretação clínica, quando apropriado O laudo definitivo deve ser revisto e assinado pelo responsável pelo laboratório, qualificado e habilitado quando há um componente subjetivo ou interpretativo no resultado da análise.
Por causa dos riscos de discriminação ou estigmatização do paciente, os laudos e resultados de testes de genética molecular devem ser transmitidos de modo a preservar a confidencialidade. Para a análise de ligação, o laudo para doenças moleculares hereditárias deve incluir as estimativas de risco de resultados falso-negativos e falso-positivos decorrentes de recombinações entre as sondas e os alelos ou mutações da doença. Para testes genéticos para doenças complexas com múltiplas mutações possíveis, o laudo deve incluir, em linguagem clara, uma estimativa da chance de detecção da mutação e o risco residual de ser portador de uma ou mais das mutações não testadas, quando aplicável (p. ex., fibrose cística, câncer de mama e ovário). Além disso, deve incluir uma discussão das limitações dos achados e das implicações clínicas da mutação detectada (ou do resultado negativo) com respeito à herança recessiva ou dominante, o risco de recorrência, a penetrância, a gravidade e outros aspectos da correlação genótipo/fenótipo.
O laudo deve incluir recomendações para que o paciente receba aconselhamento genético e esclarecimentos acerca das implicações do resultado do teste, dos riscos residuais, das incertezas e das opções médicas e reprodutivas que o resultado levanta, quando apropriado, uma vez que os resultados de testes genéticos moleculares são complexos e probabilísticos. Deve ser usada nomenclatura-padrão internacional para designar genes e mutações. Para interpretação de novas variantes de troca de sentido, o laboratório deve seguir diretrizes existentes para a avaliação do efeito e do impacto clínicos, caso existam, do gene ou da proteína detectados. Para genes e loci humanos, a nomenclatura recomendada é a definida pela HUGO Gene Nomenclature Committee. Em qualquer caso, a nomenclatura usada deve ser amplamente aceita e prontamente compreensível para os profissionais da área. Para testes de paternidade e identificação forense, a validação, os critérios de exclusão, a interpretação dos resultados e os laudos devem estar de acordo com as normas internacionalmente aceitas. O laudo deve incluir um índice individual de chance de paternidade para cada sistema genético, um índice combinado, a probabilidade percentual de paternidade, a chance de paternidade utilizada nos cálculos e a população usada para comparação. Os resultados de testes de DNA [paternidade e identificação genética por polimorfismo de fragmentos de restrição (RFLP), análise de repetições em tandem (STR) ou polimorfismo de nucleotídio único (SNP)] devem ser interpretados por dupla conferência, de maneira independente. O laboratório deve manter registros suficientes e adequados sobre as condições da amostra e de sua análise, como quantidade e qualidade do ácido nucleico isolado e quantidade usada na análise, números de lotes das endonucleases de restrição, sondas ou primers usados e outras variáveis importantes da análise. Além disso, devem ser mantidas cópias de laudos, dados brutos, membranas, autorradiografias, fotografias de géis e lâminas de hibridização in situ . As autorradiografias, as fotografias em gel e as lâminas de hibridização in situ devem ser identificadas de modo a permitir sua referência cruzada aos registros do caso em questão.
Para os espectrofotômetros: • • •
Os filtros devem ser verificados periodicamente quanto à sua boa condição (limpeza, arranhões etc.) A leitura dos comprimentos de onda deve ser calibrada regularmente, de acordo com as instruções do fabricante Se forem utilizadas curvas de calibração, elas devem ser repetidas ou verificadas regularmente, quando indicado pelo controle da qualidade e após manutenção. Para os equipamentos de detecção de sinais (contadores de cintilação, luminômetros, densitômetros etc.):
• Os níveis de contagem de fundo devem ser medidos e registrados a cada dia ou a cada uso • Níveis aceitáveis de contagem de fundo devem estar definidos. Para os equipamentos processadores de filmes fotográficos: • • •
Deve haver manutenção adequada e reagentes incluídos As câmaras fixas devem estar seguras e niveladas As fontes de luz UV devem ser protegidas por barreiras. Para os termocicladores:
• •
Os poços individuais ou uma amostra significativa deles devem ter a acurácia da temperatura verificada antes de serem postos em uso e em intervalos adequados posteriormente Quando aplicável, devem ser tomadas medidas de proteção (equipamentos de proteção coletiva – EPC ou equipamentos de proteção individual – EPI) para prevenir os riscos causados por líquidos voláteis, como a formamida. Nos casos em que isso ocorra, deve haver uma cabine de biossegurança, certificada pelo menos anualmente.
É preciso adotar uma sistemática para prevenir a contaminação das amostras pelo operador, incluindo medidas como a identificação adequada das amostras, a utilização de cabines para os procedimentos de preparo da PCR, fluxo unidirecional de amostras e de procedimentos e áreas de pré e pós-amplificação. Para os sistemas analíticos nos quais a contaminação ambiental por ribonuclease precisa ser evitada, devem ser mantidas condições ambientais controladas.
Caso sejam manipulados produtos radioativos, as normas da CNEN para manipulação e descarte devem ser atendidas. 1. 2. 3. 4. 5. 6.
As bancadas e as pias devem ser descontaminadas a cada dia de uso. A efetividade da descontaminação deve ser verificada pelo menos mensalmente. Deve haver políticas específicas relativas ao pessoal autorizado para manipular radionucleotídios, incluindo a conduta para a inspeção de recebimento dos materiais radioativos. As áreas de armazenamento e de decaimento de materiais radioativos devem ser blindadas, como requerido. Deve haver monitoramento contínuo dos níveis de radiação do ambiente e das superfícies. Todas as áreas e salas onde há armazenamento e manipulação de materiais radioativos devem ser sinalizadas e ter acesso controlado. O pessoal deve ser treinado nas rotinas de descontaminação, manuseio seguro e descarte adequado de radionucleotídios e materiais contaminados. O relatório deve incluir o manuseio de material radioativo para descarte, inclusive os registros das quantidades descartadas.
Como os processos pós-analíticos envolvem as etapas executadas após a realização dos exames, incluem o cálculo dos resultados, a análise de consistência desses resultados, a liberação dos laudos, o armazenamento de material ou amostra do paciente, a transmissão e o arquivamento dos resultados e a consultoria técnica. Os laudos devem ser legíveis e sem rasuras de transcrição. Os dados são confidenciais, sendo necessários o respeito à privacidade do paciente e a manutenção do sigilo sobre os resultados. A direção do laboratório é responsável por assegurar que o laudo seja entregue ao usuário adequado. Os resultados devem ser liberados em prazos especificados e expressos preferencialmente nas unidades do Sistema Internacional de Unidades (SI, do francês système international d’unites ). No laboratório, devem permanecer cópias ou arquivos de laudos para posterior recuperação, se necessário, os quais devem ser recuperados enquanto forem clinicamente relevantes. Deve existir um procedimento operacional padrão (POP) para emitir, datar e assinar os laudos dos exames realizados, seja na rotina, nos plantões ou nas emergências, se aplicável. Também é importante ter procedimentos para transmissão de laudos por fax, telefone, internet ou outro meio.
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Do laboratório clínico: nome, endereço completo, número do registro no conselho profissional, responsável técnico com seu registro no conselho profissional Do paciente: nome, número de registro no laboratório Do médico solicitante: nome, número do registro no conselho profissional Do material ou amostra do paciente: tipo, data, hora da coleta ou recebimento, quando aplicável Do resultado do exame: nome do analito (parte da amostra que é o foco da análise), resultado, unidade, nome do método, intervalo de referência, data de liberação Do responsável técnico: data, número de registro no conselho profissional, assinatura.
Além dos procedimentos para os processos pré-analíticos e pós-analíticos, o laboratório deve ter procedimentos de qualidade (POP) para treinamento de pessoal, prevenção e extinção de incêndios, segurança do trabalho (uso de equipamentos e vestimentas de proteção e prevenção de riscos químicos e biológicos), descarte de material (biológico, químico, perfurocortante) e limpeza de material.
É imprescindível que cada laboratório tenha um registro próprio documentando todos os procedimentos utilizados em sua rotina, de modo que qualquer profissional recém-admitido e em fase de treinamento tenha condições de executar os procedimentos exatamente da mesma maneira que seus colegas mais experientes. Esse registro deve ser datado, revisado e atualizado periodicamente, contendo: • •
Descrição detalhada de cada um dos procedimentos utilizados no laboratório Descrição detalhada dos procedimentos de preparo de cada um dos reagentes ou soluções utilizados em cada etapa do processo
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Indicações sobre marca, fabricante, número de catálogo e validade dos produtos utilizados no preparo de cada reagente ou solução Instruções especiais de segurança a serem seguidas durante a execução de cada procedimento (p. ex., utilização de luvas) e em caso de contaminação e/ou dano ao meio ambiente e/ou ao profissional Descrição detalhada dos procedimentos para utilização de cada um dos aparelhos ou instrumentos do laboratório Documentação sobre manutenção de equipamentos e controles de qualidade. Essa documentação deve incluir: qualidade das preparações citológicas, índice de falhas de cultura e de coloração, frequência de resultados alterados e de erros de resultados.
O POP é um documento organizacional que traduz o planejamento do trabalho a ser executado. Trata-se de uma descrição detalhada de todas as medidas necessárias para a realização de uma tarefa. Apresenta instruções das sequências das operações e sua frequência de execução, apontando os seguintes elementos: • • • •
O responsável pela execução e a listagem dos equipamentos Peças e materiais utilizados na realização da tarefa Descrição dos procedimentos das atividades críticas, de operação e de pontos proibidos de cada tarefa Roteiro de inspeção periódica dos equipamentos de produção.
Todos esses elementos devem ser aprovados, assinados, datados e revisados anualmente ou de acordo com a necessidade do processo. O POP tem como objetivo manter o processo em funcionamento, por meio da padronização e minimização de ocorrência de desvios na execução da atividade, ou seja, ele assegura que as ações tomadas para a garantia da qualidade sejam padronizadas. Para sua elaboração, deve-se descrever as tarefas que fazem parte da rotina do trabalho, tomando alguns cuidados: • Não copiar procedimentos de livros ou de outras organizações, pois cada processo possui suas particularidades, devendo esses procedimentos ser adequados ao tipo de processo • O executor do processo deve ser parte integrante da elaboração dos procedimentos, pois é o conhecedor dele e sabe de suas características e deficiências • O colaborador deve ser treinado para executar a tarefa • A aplicabilidade dos procedimentos deve ser monitorada constantemente, para assegurar se estão sendo seguidos da maneira correta • A linguagem utilizada no POP deve ser simples e objetiva para o entendimento de todos, bem como a sua aplicação. É importante que o POP tenha informações suficientes para que os colaboradores possam utilizá-lo como um guia, além de, em caso de dúvida, saberem onde buscar mais informações ou a quem recorrer. Os itens que um bom procedimento deve conter são: • Nome • Objetivo • Documentos de referências (manuais) • Local de aplicação • Siglas (se houver) • Descrição das etapas da tarefa e de seus executores e responsáveis • Fluxograma • Local onde poderá ser encontrado e o nome do responsável por sua guarda e atualização • Frequência de atualização • Meio em que será gerado (eletrônico, papel) • Gestor (quem elaborou) • Responsável. Vale mencionar que o fluxograma é um diagrama utilizado para representar a sequência dos processos por meio de símbolos gráficos. Os símbolos do fluxograma proporcionam uma melhor visualização do funcionamento do processo, ajudando no seu entendimento. No gerenciamento de processos, o fluxograma tem como objetivo garantir a qualidade e aumentar a produtividade, possibilitando a documentação do fluxo das atividades, com a utilização de símbolos para identificar os diferentes tipos. O uso do fluxograma permite uma melhor compreensão do processo de trabalho, caracteriza
os passos envolvidos no processo e delimita a inclusão das normas de padronização. A Tabela 4.1 indica a simbologia adotada para a confecção de um fluxograma. Quando um fluxograma de processo é elaborado, são identificados os fatores problemáticos que não eram percebidos anteriormente, os quais poderão ser trabalhados e otimizados para alcançar melhores resultados. O POP é um instrumento destinado a quem executa a tarefa e deve ser simples, completo e objetivo para que possa ser interpretado por todos os colaboradores. Quanto a sua aplicação, representa a base para garantir a padronização de tarefas e assegurar aos usuários um serviço ou produto livre de variações, que poderão interferir na sua qualidade final. A finalidade de um POP é sempre a de padronizar e minimizar a ocorrência de desvios na execução de tarefas fundamentais para a qualidade do exame, independentemente de quem as faça. Isso significa que um procedimento coerente garante ao usuário que, a qualquer momento que ele se dirija ao laboratório, as ações tomadas nas fases préanalítica, analítica e pós-analítica críticas para garantir a qualidade de seus exames sejam as mesmas, de uma rodada para a outra, de um turno para outro, de um dia para outro. Assim, aumenta-se a previsibilidade de seus resultados, minimizando as variações causadas por imperícia e adaptações aleatórias da metodologia, independentemente de falta, ausência parcial ou férias de um funcionário.
Tabela 4.1 Símbolos
do fluxograma.
O POP também tem uma finalidade interna de ser um ótimo instrumento para a gerência da qualidade para praticar auditorias internas – funcionários de um setor auditam outro setor e, de posse de um POP do setor auditado, o auditor encontra subsídios técnicos para indagações e verificação de eficácia da metodologia, assim como sua familiarização entre os auditados. Em todos os POP do laboratório, devem constar as seguintes informações: • • • • • • • •
Nome do laboratório Título Identificação, assinatura e data da elaboração, revisão e aprovação do POP Número da versão atual Número do documento Paginação Abrangência, distribuição Números de cópias.
Se o POP for um procedimento analítico, ainda deverá conter (quando aplicável): • • • • • • • • • • • • •
Princípio do teste Aplicação clínica Amostra analisada (tipo de amostra e suas condições necessárias) Padrões, controles, reativos e outros insumos Equipamentos (uso, calibração e manutenção preventiva) Passo a passo do ensaio (fase analítica detalhada) Cálculos (quando aplicável: conversão de unidades ou aplicação de fatores) Controle da qualidade (externo e interno com periodicidade e faixa de aceitação de valores) Interferentes e reações cruzadas Valores de referência (referentes à população atendida) Linearidade, limites de detecção e limitações do método (que deverão ser congruentes com as necessidades do usuário: sensibilidade, robustez contra fatores externos, incertezas de medição etc.) Interpretação dos resultados Referências bibliográficas (fontes dos dados obtidos no procedimento).
A seguir, são resumidos os principais erros ou variações que podem ocorrer nas etapas de realização de exames laboratoriais, desde o pedido até a interpretação final. Qual é o impacto de erros nas três fases dos testes do laboratório na evolução do paciente? Por exemplo, em anatomia patológica, o resultado de um diagnóstico errado em uma secção congelada pode levar a modificações do procedimento cirúrgico, exclusão da cirurgia ou mesmo realização de um novo procedimento. Na medicina laboratorial, 70 a 74% dos erros de laboratório não tiveram significativo impacto sobre a conduta terapêutica. No entanto, em 7 a 20% dos erros, a assistência inadequada ao paciente resultou em mudanças, ou seja, constituíram falhas que poderiam ter sido evitadas.
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Erros na solicitação do exame: – Escrita ilegível – Interpretação errada do exame – Erro na identificação do paciente – Falta de orientação por parte do médico ou do laboratório para a realização do exame • Erros na coleta da amostra: – Identificação errada do paciente – Troca de amostras – Paciente não preparado adequadamente (falta de jejum, horário de coleta inadequado) – Uso de anticoagulante inadequado – Volume de amostra inadequado para o exame – Hemólise e lipemias intensas – Estase prolongada – Transporte e armazenamento de amostra incorreto – Contaminação de tubos, frascos, tampas.
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Troca de amostras Erros de pipetagem: pipetas não aferidas, molhadas, volume incorreto Vidrarias e recipientes mal lavados Reagentes e padrões contaminados, mal conservados, com validade vencida, erro no preparo dos reagentes, concentração errada Presença de interferentes na amostra: medicamentos, lipemia, hemólise, icterícia
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Equipamentos não calibrados, erros no protocolo de automação, cubetas arranhadas, temperaturas de leitura ou de reação inadequadas Tempo de reação errado Erros nos cálculos das diluições ou das unidades.
• Identificação errada do paciente • Transcrição de dados incorreta • Resultado ilegível • Unidades erradas • Não identificação de substâncias interferentes • Especificidade, sensibilidade e precisão do teste não adequadas • Erros na interpretação dos resultados.
Segundo as normas de Boas Práticas para Laboratórios Clínicos (BPLC), da Portaria 13 de 2005, e mantendo sempre o bom senso, essa tarefa que, a princípio, é difícil de ser conquistada, torna-se parte do cotidiano do laboratório. Essas normas podem ser aplicadas aos laboratórios de biologia molecular desde que respeitadas suas particularidades. Por meio da utilização de POP para cada uma das etapas dos processos e realizando treinamentos constantes na equipe, a identificação de fatores ou procedimentos incorretos fica bem mais fácil e a percepção para a solução de problemas tornase mais rápida. Além disso, a introdução desses procedimentos economiza e melhora os recursos aos laboratórios e empresas. Um número crescente de laboratórios vem estabelecendo tecnologias moleculares para o diagnóstico clínico. Entidades e organizações profissionais, como a Sociedade Brasileira de Genética (SBG) e a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC-ML), realizaram esforços para padronização, validação e acreditação dos exames moleculares dirigidos ao diagnóstico clínico. Todavia, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas, pelo fato de o diagnóstico molecular ser complexo e abordar diversas doenças, constituindo uma alternativa cada vez mais utilizada de diagnóstico para o serviço clínico e, sobretudo, uma ferramenta que auxilia no direcionamento do tratamento e na predição prognóstica.
Hollensead SC, Lockwood WB, Elin RJ. Errors in pathology and laboratory medicine: consequences and prevention. J Surg Oncol. 2004;88:161-81. Plebani M. The detection and prevention of errors in laboratory medicine. Annals of Clinical Biochemistry. 2010;47. Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos (PALC) da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC-ML). Normas PALC para o Diagnóstico Molecular, 2008. Sociedade Brasileira de Genética. Guia de boas práticas laboratoriais em citogenética e genética humana molecular da Sociedade Brasileira de Genética (SBG). Disponível em: www.anvisa.gov.br/reblas/cursos/qualidade17/MP%20_apostila_%205%20%20final.pdf .
A técnica da reação em cadeia da polimerase ( polymerase chain reaction – PCR ) foi desenvolvida na década de 1980 por Kary Mullis, que recebeu, em 1993, o prêmio Nobel. Essa técnica possibilita a síntese de fragmentos de DNA a partir de sequências-alvo de DNA definidas, capazes de gerar uma quantidade essencialmente ilimitada de uma sequência de interesse, e pode ser executada inteiramente in vitro sem o uso de células. Para permitir a amplificação seletiva, é necessário desenhar dois oligonucleotídios iniciadores ( primers ou amplificadores), os quais são específicos para a sequência-alvo e apresentam cerca de 15 a 25 nucleotídios de extensão. Após os primers terem sido adicionados ao DNA molde desnaturado, eles se ligam especificamente às sequências de DNA complementares ao seu local-alvo. Esses iniciadores são projetados de modo que um é complementar ao filamento de uma molécula de DNA em um lado da sequência-alvo e o outro é complementar ao outro filamento da molécula de DNA no lado oposto da sequência-alvo (Figura 5.1). Na presença de uma enzima DNA polimerase termoestável apropriada e de precursores de DNA (dATP, dCTP, dGTP, dTTP), é iniciada a síntese de novas fitas de DNA. Os filamentos de DNA recém-sintetizados, mesmo complementares, formam uma segunda cópia da sequência-alvo original, gerando, assim, uma amplificação exponencial (2, 4, 8, 16, 32… cópias) da sequência do DNA-alvo. A PCR é uma reação em cadeia porque as fitas de DNA, recentemente sintetizadas, atuarão como molde para mais uma síntese de DNA nos ciclos subsequentes. Após cerca de 25 ciclos de síntese de DNA, os produtos da PCR incluem, além do DNA que iniciou a reação, cerca de 10 5 cópias da sequência-alvo específica. Na PCR convencional, os resultados são qualitativos. Além da análise do DNA, a PCR pode ser aplicada na análise de pequenas amostras de RNA. A RT-PCR é uma reação da transcriptase reversa, seguida de PCR, que, nesse caso, será quantitativa. A técnica não utiliza o DNA de cadeia dupla como molde, mas sim o RNA de cadeia simples. A partir do RNA, a enzima transcriptase reversa sintetiza uma cadeia de DNA complementar (chamado de cDNA). Ao cDNA, aplica-se a técnica de PCR. A RT-PCR é amplamente utilizada para verificar a expressão gênica, uma vez que analisa o RNA responsável pela síntese de proteínas.
Figura 5.1 Esquema representando as diferentes etapas de amplificação pelo processo de PCR. A. Desnaturação da dupla-fita de DNA. B. Anelamento dos primers e ação da enzima Taq polimerase.
A PCR envolve ciclos sequenciais compostos por três etapas: • •
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Desnaturação (93 a 96°C): separação da dupla hélice do DNA-alvo em duas fitas simples Anelamento (50 a 70°C): pareamento dos primers por meio de ligações de hidrogênio ao DNA-alvo de fita simples (a temperatura de pareamento depende da quantidade de citosina e guanina da sequência a ser amplificada, cerca de 5°C abaixo da temperatura média calculada) Extensão (70 a 75°C): síntese da cadeia complementar de cada cadeia molde catalisada pela DNA polimerase, enzima responsável por adicionar os dNTP à nova fita.
DNA genômico total ou uma população de cDNA DNA polimerase termoestável: obtida de microrganismos cujos habitat s naturais são as fontes quentes (p. ex., a amplamente utilizada Taq DNA polimerase é obtida de Thermus Aquaticus , termoestável até 94°C, com uma temperatura ótima de funcionamento de 80°C) Primers: aproximadamente 20 oligonucleotídios responsáveis por localizar a sequência-alvo de DNA a ser amplificada Tampão (10 mM Tris-HCl, pH 8,3, 50 mM KCl): mantém o pH ideal para a atividade enzimática, influencia a cinética da hibridação de DNA e também a temperatura média dos primers Magnésio (MgCl 2): oferece resistência iônica para a atividade da enzima Taq polimerase dNTP: os quatro desoxirribonucleotídeos trifosfatos, dATP, dCTP, dGTP, dTTP.
Fase de rastreamento: os primers procuram o DNA molde com as sequências que lhes são complementares Fase intermediária: o processo de amplificação está ocorrendo, levando ao acúmulo exponencial do fragmento de DNA. O pareamento do primer com a sequência que lhe é complementar já está bem facilitado, pois existem várias cópias das sequências-alvo
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Fase de platô: a amplificação já é subótima por causa da limitação dos reagentes e da competição dos produtos gerados com os primers disponíveis.
Na PCR convencional, é necessário realizar uma eletroforese para posterior visualização do produto da reação. Trata-se de uma técnica de separação de moléculas que envolve a migração de partículas em determinado gel durante a aplicação de uma diferença de potencial. As moléculas são separadas de acordo com o seu tamanho, pois as de menor massa migrarão mais rapidamente que as de maior massa. O produto da PCR que tem carga negativa migra para o polo oposto, positivo, ocorrendo a separação molecular da amostra e permitindo a visualização de bandas ( Figura 5.2). A agarose é um polissacarídio que forma uma rede prendendo as moléculas durante a migração. O gel de agarose é corado com brometo de etídeo, um intercalante de DNA que permite a visualização deste quando exposto à luz ultravioleta. Já a poliacrilamida é uma mistura de dois polímeros, acrilamida (molécula linear) e bisacrilamida (em forma de T). Misturando essas duas moléculas, tem-se a formação de uma rede. Diferentes relações entre as concentrações dessas moléculas permitem a criação de distintos gradientes de separação. O gel de poliacrilamida é corado com nitrato de prata e não precisa ser exposto à luz ultravioleta.
A clonagem de DNA por PCR pode ser realizada em poucas horas usando um equipamento chamado termociclador, que possui um bloco de resistência elétrica que distribui a temperatura de maneira homogênea através de uma placa durante tempos programáveis, com faixas de temperaturas de 0 a 99°C. Ele mantém sua tampa aquecida constantemente a 105°C, a fim de evitar a condensação de água nas tampas dos tubos onde ocorre a reação.
Figura 5.2 Esquema dos passos da PCR. A amostra passa pelo termociclador ( A) e o produto da PCR é submetido a uma carga elétrica (B), sendo, posteriormente, visualizado em gel de agarose (C).
De maneira típica, uma reação de PCR consiste em 30 ciclos contendo as etapas de desnaturação, anelamento e
extensão, com cada ciclo individual levando de 3 a 5 min em um termociclador. Isso é comparado favoravelmente com o tempo necessário para clonagem de DNA com base celular, que pode levar semanas. Uma vez que as condições para a reação foram testadas, ela pode, então, ser repetida de modo simples.
A PCR é uma técnica que consiste em fazer cópias de DNA in vitro usando elementos básicos do processo de replicação do DNA. A partir dessa técnica, surgiu uma inovação tecnológica denominada PCR em tempo real, que tem capacidade de gerar resultados quantitativos, permitindo o acompanhamento da reação e a apresentação dos resultados de maneira mais precisa e rápida, comparada à PCR convencional, que apresenta resultados qualitativos. O fato de poder monitorar a reação revolucionou o processo de quantificação de DNA e RNA. A quantificação desses materiais ocorre mais precisamente e com maior reprodutibilidade, determinando valores na fase exponencial da reação. A PCR em tempo real baseia-se na detecção e na quantificação do sinal fluorescente dos vários amplicons gerados por ela, ou seja, do produto da amplificação do DNA. Essa detecção ocorre por meio de um termociclador com sistema óptico para a captação da fluorescência e um computador com um software para aquisição de dados e análise da reação. Há vários fabricantes e esses equipamentos diferem entre si quanto à capacidade da amostra e ao método de captação da fluorescência na sensibilidade e nos softwares para a análise dos dados. Durante a PCR, as emissões de fluoróforos são medidas de ciclo em ciclo, diretamente proporcionais aos amplicons que estão sendo gerados. A principal característica da PCR em tempo real é que ela consegue monitorar o progresso da PCR enquanto ocorre a reação, e os dados são coletados ao longo dos ciclos. Utiliza a primeira amplificação de uma sequência-alvo e, a partir daí, quanto mais alto o número de cópias iniciais da sequência de DNA-alvo, mais rápido será observado um aumento significativo da fluorescência.
A quantificação por PCR em tempo real envolve a determinação de um ciclo threshold Ct ou um ponto de cruzada Cp, que é o momento da reação em que a fluorescência de determinada amostra é detectada pelo sistema – nessa hora, a reação atinge o limiar da fase exponencial. Esse ponto permite a quantificação exata e reprodutível baseada na fluorescência. O nível de fluorescência computado para cada amostra é aquele suficiente para atingir um limiar de detecção igual para cada conjunto de primers/amostras testados. A fluorescência emitida antes do nível do Ct para cada curva é considerada ruído de fundo (background ) e deve ser desconsiderada na análise (Figura 5.3). Quanto mais DNA houver no início da reação, mais rápido se iniciará a fase exponencial – quando o dobro de produto se acumula a cada ciclo (100% de eficiência). Como consequência, o número de ciclos necessários para detectar o produto da PCR será menor e a concentração inicial de DNA será maior. A detecção da amplificação ciclo por ciclo e o uso do começo da fase exponencial fazem da PCR em tempo real uma técnica muito mais sensível quanto à quantificação de DNA do que os métodos semiquantitativos citados anteriormente. Atualmente, há vários sistemas usados para a análise da PCR em tempo real. Esses equipamentos se diferenciam no tipo de termociclador, no número de filtros usados para analisar os vários fluoróforos da reação, na reação de substratos e no número de amostras que podem ser analisadas. O termociclador é equipado com cabos de fibra óptica que direcionam a luz do laser para cada um dos tubos contendo as amostras. Além disso, ele utiliza uma fonte de luz capaz de excitar o fluoróforo envolvido na reação, que, por sua vez, pode absorver a energia luminosa proveniente do equipamento e distribuí-la como luz e calor, em comprimento de onda. O sistema coleta a emissão fluorescente entre 500 e 600 nm em cada um dos poços, em intervalos de 3 a 10 s ( Figura 5.4). Os compostos fluorescentes mais utilizados são o SYBR® Green I e o TaqMan®.
Figura 5.3 Imagem da amplificação por PCR em tempo real, em que a linha pontilhada representa o alelo selvagem e a linha sem marcações representa o alelo polimórfico. A. Homozigoto selvagem. B. Heterozigoto. C. Homozigoto mutado.
Figura 5.4 A e B. Termocicladores para PCR em tempo real.
Os fluoróforos são moléculas que absorvem e emitem luz em um comprimento de onda específico. Os sistemas de detecção da PCR em tempo real utilizam essas moléculas que proporcionam o monitoramento da reação ao longo dos ciclos. O sistema TaqMan® utiliza uma sonda fluorescente (ensaio) que possibilita a detecção de um produto da PCR, conforme este se acumula durante os ciclos. Os ensaios podem ser usados para quantificação de DNA, RNA e cDNA,
discriminação alélica e presença de controle positivo interno. O SYBR® Green I utiliza o corante SYBR Green I, que se intercala ao DNA dupla-fita, detectando o produto de PCR conforme ele se acumula durante os ciclos da reação. Os ensaios podem ser usados para quantificação de DNA, RNA e quantificação de cDNA. A principal diferença entre os dois sistemas é que o SYBR® Green I detecta o DNA dupla-fita inteiro, não sendo muito preciso, enquanto os ensaios TaqMan® utilizam sondas marcadas com fluorescência, usando atividade nuclease 5′ da Taq DNA polimerase, permitindo a detecção apenas dos produtos de amplificação específicos.
Uma sonda (fragmento de DNA marcado usado para hibridizar outra molécula de DNA) é construída contendo um fluoróforo reporter na extremidade 5′ e um corante quencher (molécula que aceita energia do fluoróforo na forma de luz e dissipa na forma de calor ou luz) na extremidade 3′. Durante a PCR em tempo real, a sonda TaqMan® hibridiza com a sequência da fita simples de DNA complementar-alvo para a amplificação. Enquanto a sonda está intacta, a proximidade do quencher reduz a fluorescência emitida pelo corante reporter – se a sequência-alvo estiver presente, a sonda se anela logo após um dos primers (molécula de DNA molde que indica o início da sequência a ser copiada) e é degradada por meio da atividade exonuclease 5′ da Taq DNA polimerase enquanto o primer é estendido. A clivagem da sonda separa o corante reporter do corante quencher , resultando no aumento da intensidade da fluorescência. Assim, durante o processo de amplificação, a emissão de luz é aumentada de forma exponencial. A remoção da sonda da fita-alvo permite que a extensão do primer continue até o final da fita molde, não interrompendo o processo de PCR. Cada vez que uma nova fita de DNA é sintetizada, há aumento na intensidade da emissão fluorescente. A reação com a TaqMan® é considerada um método sensível para determinar a presença ou a ausência de sequências específicas. •
Vantagens: – A hibridização específica entre a sonda e o alvo é necessária para gerar fluorescência – As sondas podem ser marcadas com corantes reporter distintos, os quais permitem a amplificação de duas sequências distintas em um mesmo tubo de reação – O pós-processamento da PCR é eliminado • Desvantagem: – Necessidade de síntese de diferentes sondas para sequências distintas.
Quando o corante SYBR® Green I entra em contato com a amostra, ele se liga imediatamente ao DNA dupla-fita da amostra, e com a excitação da luz emitida pelo sistema óptico do termociclador, emite uma fluorescência verde. No começo da amplificação, a mistura da reação contém o DNA desnaturado, os primers e o SYBR® Green. Durante a PCR, há o reconhecimento dos primers, a DNA polimerase amplifica a sequência-alvo, gerando os produtos da PCR (amplicons ), e o corante SYBR® Green se liga às novas cópias de DNA dupla-fita. Assim que a PCR começa a progredir, mais amplicons são gerados e, como o corante se liga em todo o DNA, isso resulta no aumento da intensidade da fluorescência, sendo proporcional à quantidade de amplicons gerados. Assim, a reação é monitorada continuamente e um aumento da fluorescência é observado em tempo real. Na fase de desnaturação do DNA, há uma queda no sinal de fluorescência, pois moléculas do SYBR® Green são liberadas. No final da extensão de cada ciclo, é possível monitorar a quantidade crescente de DNA amplificado. •
Vantagens: – Pode ser utilizado para monitorar a amplificação de qualquer sequência de DNA dupla-fita, já que o corante se liga nela inteira – O uso de sonda não é necessário, o que reduz o custo da reação – Facilidade no uso e maior sensibilidade • Desvantagens: – Pode gerar falso-positivos quando ligado a sequências não específicas de DNA dupla-fita – É menos específico que a sonda TaqMan®. Além das duas alternativas mais utilizadas, há a molecular beacons . Trata-se de oligonucleotídios que formam uma estrutura secundária entre as extremidades 5′ e 3 (denominada haste-e-loop ) e que são usados como sonda de fita simples de DNA.
O loop contém uma sequência complementar, a sequência-alvo, e a haste é formada pelo anelamento das sequências complementares que estão localizadas nas extremidades. Um fluoróforo é ligado no final de uma extremidade e um quencher no final da outra. Quando livres em solução, esses oligonucleotídios não emitem fluorescência; porém, quando hibridizam a sequência-alvo, o fluoróforo se dissocia do quencher , sendo capaz de emitir fluorescência. Na ausência de sequência-alvo, não há emissão de fluorescência, pois o quencher está próximo do fluoróforo captando energia. Os molecular beacons são altamente específicos, permitindo discriminar sequências-alvo que diferem entre si e são ideais para detecção de SNP e em aplicações farmacogenéticas. •
Aplicações da PCR em tempo real: – Quantificação e análise de sequências (viral, bacteriana ou de protozoários) – Análise de expressão gênica – Verificação de array – Verificação da eficácia no tratamento de medicações – Medição do dano do DNA – Controle de qualidade e validação – Detecção de patógenos – Genotipagem – Análise de produtos transgênicos • Vantagens da PCR em tempo real em relação à PCR convencional: – Coleta de dados durante a fase exponencial – Aumento do sinal de fluorescência do corante reporter diretamente proporcional ao número de amplicons gerados – Aumento na dinâmica da taxa de detecção – Gravação permanente da amplificação dos amplicons geradas pelas amostras – Maior facilidade na quantificação – Maior sensibilidade – Maior precisão – Maiores reprodutibilidade e acurácia – Maior velocidade de análise – Melhor controle no processo – Menor risco de contaminação – Hibridização com sondas marcadas fornece aumento na sensibilidade e especificidade da amplificação. A PCR em tempo real permite a quantificação das amostras amplificadas, sendo de grande importância para o diagnóstico de patógenos e doenças genéticas.
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A técnica de MLPA (do inglês multiplex ligation-dependent probe amplification) é uma ferramenta de biologia molecular relativamente nova 1 baseada na reação de PCR (reação em cadeia da polimerase) e utilizada para a detecção de anormalidades genéticas, como aneuploidias, deleções e duplicações gênicas, rearranjos subteloméricos, estado da metilação, entre outras. Essa técnica permite amplificar cerca de 45 sequências de DNA em uma única reação. 1
Uma característica típica da técnica de MLPA é que não são as sequências genômicas, mas sim as sondas adicionadas às amostras que são amplificadas. Cada sonda consiste de duas metades, de 20 pb (pares de base) cada, sendo uma sintética e outra derivada de um bacteriófago M13. Essas sondas hibridam em posições adjacentes na sequência-alvo. Uma vez hibridadas, as duas metades são unidas por uma enzima ligase. As sondas possuem uma sequência para um primer universal em sua extremidade (Figura 6.1). Assim, em contraste com a PCR multiplex, um único par de primers, marcado de modo fluorescente, é utilizado na fase de amplificação da reação de MLPA. 1,2 Para distinguir as diferentes sondas utilizadas em um mesmo experimento, cada par de sondas tem um tamanho distinto de pares de bases que a identificam. Essa diferença é dada pela presença de uma sequência intercalada entre os primers e a sequência-alvo, que varia quanto ao número de pares de base ( Figura 6.2). Assim, cada par de sondas amplificado corresponde a um fragmento gênico de tamanho determinado e único, variando entre 130 e 480 nucleotídios, que podem ser identificados por eletroforese capilar. 1 A reação de MLPA é realizada em quatro etapas principais: desnaturação do DNA teste e hibridação deste com as sondas de MLPA, reação de ligação entre as duas partes das sondas, reação de PCR e separação dos produtos amplificados por eletroforese capilar e posterior análise dos dados (Figura 6.3).
Figura 6.1 Esquema da ligação de um par de sondas MLPA. Em azul-claro, a sequência específica para hibridação; em cinza, os primers universais; e, em azul-escuro, a sequência intercalar de tamanho diferente, de acordo com a sonda. Nota-se que a sequência intercalar e os primers não se ligam ao DNA.
Figura 6.2 Esquema representando a diferença do tamanho da sequência intercalar presente nas sondas de MLPA. Em azul-claro, a sequência específica para hibridação; em cinza, os primers universais; e, em azul-escuro, a sequência intercalar de tamanho diferente de acordo com a sonda.
Todas as sondas que encontrarem complementaridade ao DNA serão ligadas e, uma vez que todas elas são flanqueadas por sequências idênticas de primers nas posições 3′ e 5′, a reação de amplificação ocorre simultaneamente, usando apenas um par de primers marcado de modo fluorescente. A disponibilidade relativa de sondas ligadas no início da reação de PCR corresponde à disponibilidade (número de cópias) das sequências-alvo na amostra. A Figura 6.4 demonstra um aumento no número de cópias de uma sequência correspondente ao gene NDN , localizado no braço longo do cromossomo 15. 3 O aumento no número de cópias é evidenciado pelo aumento relativo do tamanho do pico do eletroferograma do paciente em relação à amostra-controle.
Figura 6.3 Etapas do método de MLPA. A. Desnaturação e hibridação. B. Ligação. C. Amplificação por PCR. D. Eletroforese dos produtos de amplificação. Cada pico corresponde a uma sonda.
Figura 6.4 Aumento relativo do pico correspondente ao gene NDN localizado no braço longo do cromossomo 15 ( seta). Os picos em ocre representam o material do paciente, e os picos em cinza representam a média de intensidade obtida na análise dos controles. O kit de MLPA® (MRC-Holland, Amsterdã, Holanda) utilizado foi o P070 – human telomere . Modificado de Christofolini et al., 2012.3
Foram desenvolvidas algumas variações da reação de MLPA típica. O RT-MLPA ( reverse transcriptase MLPA ) pode ser usado para investigar o perfil de RNA. Como a enzima ligase não pode unir as sondas hibridadas ao RNA, o primeiro passo da reação é uma transcrição reversa do mRNA em cDNA; em seguida, o RT-MLPA continua como um MLPA comum. Outra variação é o MLPA metilação específico (MS-MLPA), que pode ser utilizado para investigar o número de cópias e o perfil de metilação de uma sequência. O MS-MLPA tem demonstrado ser um método bastante útil na detecção de doenças relacionadas ao imprinting e para a análise de metilação aberrante em amostras tumorais.
A técnica de MLPA é semiquantitativa e permite detectar alterações no número de cópias de determinada região genômica de uma amostra de DNA em relação a uma amostra-controle. Por conta da variação da eficiência do PCR entre as amostras e as sondas, decorrente de seus diferentes tamanhos e natureza, um método de normalização é necessário para comparar as dosagens. Esse passo é fundamental, uma vez que variações nas condições experimentais podem levar a diferenças nos valores medidos entre as amostras, atrapalhando a interpretação dos resultados. Após a normalização, que elimina possíveis diferenças introduzidas durante o processo experimental, o objetivo é demonstrar diferenças biológicas quantitativas para os genes em estudo. 4 O método mais comum de normalização é o de razão, que divide a intensidade gerada por cada sonda pela soma de todas as intensidades de cada amostra. 5,6 Outras abordagens são baseadas nos métodos de regressão que consideram o decaimento da amplificação de sondas grandes. Alguns desses métodos utilizam sondas-controle internas 7, enquanto outros normalizam as intensidades baseando-se na intensidade média do pico estatisticamente mais provável, utilizando um filtro como mediana. Outros autores sugerem normalizar a intensidade dos picos utilizando as áreas dos picos das sondas vizinhas na amostra-teste. 8 Finalmente, uma abordagem similar usa a intensidade média das sondas-controle dentro de um grupo de normalização como um fator de divisão para ser considerado. 9 Nos métodos de razão 6 e regressão7, a base para análise é a comparação entre intensidades de pico normalizadas entre pacientes de amostras-controle, usando razão ou quociente de dosagem. Esse quociente é determinado pela divisão do sinal normalizado da amostra pela média de resultados obtidos de 4 a 7 amostras-controle. Por exemplo, quando um locusalvo é dissômico, apresenta um número de cópias normal, igual a 2. O valor do sinal normalizado para aquele lócus será igual entre amostras e controle, de modo que o quociente de dosagem será igual a 1. Em caso de perda ou ganho de material genômico, em heterozigose, seriam esperadas razões de 1,5 e 0,5, respectivamente. Considerando-se o ruído do experimento, é aceito empiricamente que valores abaixo de 0,7 e acima de 1,3 são indicativos de perda ou ganho de
material genético, respectivamente. 10
A qualidade de um experimento de MLPA depende do método de normalização dos dados, do desenho do experimento, de como o protocolo é realizado e das especificações do instrumento de eletroforese capilar. Diferenças sutis entre os experimentos podem afetar o padrão de picos do MLPA. Portanto, é necessário incluir sequências de referência em cada experimento. Além disso, assim como nas reações de PCR, é recomendado utilizar amostras-controle positivas e negativas e uma amostra sem DNA, para auxiliar na interpretação dos resultados e na solução de problemas.
A reação de MLPA é baseada na análise de alterações relativas no sinal das sondas. Assim, determinada amostra não fornecerá uma informação sobre o número de cópias se não existir uma sequência de referência com a qual ela possa ser comparada. As amostras de referência são aquelas em que se considera que as sequências-alvo possuem número normal de cópias. Geralmente, essas amostras de referência são obtidas de indivíduos sadios. É extremamente recomendável que as amostras de referência tenham sido purificadas pelo mesmo método e derivadas do mesmo tipo de tecido que as amostras-teste, para minimizar a variação estrutural e as diferenças não biológicas presentes. São necessárias muitas amostras de referência para estimar a reprodutibilidade de cada sonda em um experimento de MLPA. Recomenda-se o uso de pelo menos três amostras de referência em cada corrida de MLPA. Quando forem analisadas mais de 21 amostras, deve ser adicionada mais uma amostra de referência para cada sete amostras-teste. As amostras de referência devem ser distribuídas randomicamente pela placa para evitar qualquer viés e minimizar a variação. Embora o uso de amostras de referência seja recomendado, em alguns casos sua utilização não é essencial. O uso de amostras de referência é dispensável quando se utilizam mais de 20 amostras-teste independentes (de famílias diferentes) ao mesmo tempo e a chance de cada amostra estar alterada (apresentar deleção ou duplicação) é pequena (menor que 10%). Nesses casos, é possível fazer a normalização dos dados pela mediana dos resultados de todas as amostras. É o caso das alterações subteloméricas, que podem contemplar diferentes subtelômeros entre os pacientes avaliados.
Reações com controle sem DNA (branco) são realizadas para checar se o procedimento funcionou bem e se os resultados são confiáveis. É recomendado incluir uma reação sem DNA a cada experimento para verificar se há contaminação da água, dos reagentes de MLPA, dos reagentes de eletroforese ou capilares. Essa reação sem DNA é feita utilizando água ou tampão TE (Tris-EDTA).
As amostras de controle positivo são aquelas em que já se conhece a alteração presente, seja ela uma deleção, duplicação, mutação de ponto ou alteração de metilação, e podem ser usadas para checar o funcionamento do procedimento de MLPA, inclusive a análise dos dados. A inclusão de controles positivos pode ser muito útil, mas não é essencial. Assim como as amostras de referência, as de controle positivo devem ser purificadas pelo mesmo método que as amostras-teste. MS-MLPA. Assume-se
que as amostras de referência para a reação de MS-MLPA tenham um perfil normal de metilação. Essas amostras são utilizadas apenas para determinar o número de cópias, e não para quantificar a metilação. Entretanto, as amostras de referência são necessárias para a interpretação dos resultados do status de metilação. RT-MLPA. A escolha de amostras de referência para RT-MLPA depende da aplicação. Às vezes, é possível usar amostras
de RNA obtidas do mesmo tecido, mas de indivíduos saudáveis. Como alternativa, as amostras de referência de RNA podem ser obtidas do mesmo indivíduo ou de linhagens celulares antes de determinado tratamento.
Reações-controle sem a enzima transcriptase reversa. Usar uma amostra RNA e substituir a enzima por uma solução de
glicerol 50%. Reações-controle de DNA. A maioria das sondas de RT-MLPA não gera um sinal de contaminação com DNA genômico,
uma vez que as sondas se ligam às regiões de junção de íntrons e geram somente sinal para cDNA. Isso não se aplica às regiões de éxons. Reações-controle de RT-MLPA. Os quatro fragmentos Q (64, 70, 76, 82 nt) devem estar bastante proeminentes.
Para resultados mais acurados, é recomendado que a amostra-teste e a amostra de referência tenham a mesma origem (mesmo tecido), concentrações similares de DNA e que tenham sido obtidas pelo mesmo método. Embora o ensaio de MLPA permita utilizar uma variação de concentração de DNA entre 20 e 500 ng e os resultados sejam independentes da concentração utilizada, é necessário manter as concentrações aproximadas entre as amostras utilizadas no mesmo experimento para evitar qualquer viés no resultado. Aspectos como o tratamento do DNA (estocagem e método de extração) podem influenciar o padrão de picos obtido em uma reação de MLPA. Contaminantes que permanecem na amostra após a extração ou a diluição (p. ex., sais ou fenol, utilizados na extração) podem afetar a desnaturação do DNA e/ou a amplificação das sondas de MLPA. Em um único experimento, devem ser comparadas apenas as amostras extraídas pelo mesmo método, de preferência no mesmo laboratório, e de concentrações similares. Como o efeito dos contaminantes é geralmente consistente e reprodutível, um viés causado por impurezas será sempre corrigido quando as amostras receberem o mesmo tratamento. Entretanto, quando os contaminantes estão presentes em grandes quantidades e diferentes concentrações, alguns problemas podem surgir. Quando se trabalha com amostras antigas, que foram extraídas por diferentes métodos ou ainda que possam ter contaminantes, sugere-se adicionar menor quantidade de amostra e realizar um passo extra de purificação. Para amostras menos puras, a utilização de menores quantidades de DNA (cerca de 50 ng) é recomendada. A estocagem do DNA por longos períodos (anos) e com repetidos ciclos de congelamento e descongelamento pode influenciar a qualidade da amostra. Sugere-se aliquotar as amostras e o DNA de referência e armazená-los a –20°C. Depois de descongelado, o tubo poderá ser utilizado por 6 meses. Sugere-se que as amostras sejam dissolvidas em TE. Para estocagem por longo tempo, as amostras são mais estáveis em TE do que em água. Uma vez que as sondas de MLPA reconhecem fragmentos de 50 a 80 nt de comprimento, a reação de MLPA é fortemente influenciada pela fragmentação do DNA.
Alguns contaminantes, como proteínas, não influenciam a reação de MLPA. Entretanto, a concentração de sal nas amostras deve ser baixa, pois altas concentrações (maiores que 60 mM) podem causar problemas na desnaturação do DNA. A presença de íons como ferro e magnésio pode causar problemas de desnaturação mesmo quando em baixa concentração. A desnaturação incompleta resulta em sinais baixos de sondas próximas a ilhas CpG que podem ser facilmente detectados por sinais baixos das sondas de 88 e 96 nt, conhecidas como fragmentos de controle D, quando estes estão presentes nos kits utilizados. A reação de PCR do MLPA é mais sensível a certas impurezas que uma PCR comum. Impurezas iônicas como ferro (de células sanguíneas), etanol, fenol e trizol inibem a atividade da polimerase. Nem todas as sondas reagem da mesma maneira a essa diminuição de atividade. Assim, enquanto a maioria delas não é afetada, uma parte pode demonstrar diminuição da altura do pico ou aumento de sinal. As amostras não podem conter mais do que 1 mM de EDTA, uma vez que esse reagente se liga ao magnésio. Uma alta concentração de magnésio é necessária para as reações de ligação das sondas e durante a PCR do MLPA. Quando o DNA está contaminado, deve ser utilizado em menor quantidade, o que também diluirá a concentração de contaminantes. A adição de um passo extra de purificação permite a limpeza de DNA contaminado e pode ser realizada pela precipitação do DNA com etanol ou por colunas de sílica. Prolongar o passo de desnaturação de 5 para 40 min também pode auxiliar a desnaturação de DNA contaminado. Quando o MLPA é corretamente realizado e analisado, o desvio-padrão entre amostras deve ser de, no máximo, 10% para a grande maioria das sondas. Se uma grande variação for encontrada, pode indicar que há diferenças entre as amostras.
Para o método de MLPA, não é necessário nenhum tipo específico de método de extração ou kit . Muitos usuários utilizam métodos de extração por sais, fenol-clorofórmio e kits. O DNA extraído de sangue tratado com heparina pode gerar alguns problemas, além de sua remoção das amostras de DNA ser difícil. O mais importante é que todas as amostras utilizadas em uma mesma reação sejam extraídas pelo mesmo método.
Usar o MLPA para a detecção de número de cópias oferece muitas vantagens frente a outras técnicas. Métodos desenvolvidos para a detecção de mutações de ponto, como o sequenciamento e a cromatografia líquida desnaturante de alta performance, geralmente não detectam alterações no número de cópias gênicas. A análise por Southern blot , por sua vez, pode detectar muitas aberrações, mas nem sempre consegue localizar pequenas deleções, além de não ser ideal para ser usada como uma técnica de rotina. Embora deleções e duplicações sejam bem caracterizadas por PCR, o tamanho e o ponto de quebra exatos da maioria das deleções são desconhecidos. Além disso, comparando as técnicas de MLPA e hibridização in situ por fluorescência (FISH), o MLPA demonstra ser mais vantajoso por ser multiplex e trabalhar com sondas menores (50 a 70 nt), permitindo identificar aberrações genéticas muito pequenas para serem detectadas por FISH. O MLPA pode, ainda, ser usado em DNA em vez de material para preparação citogenética. Finalmente, quando comparado à hibridação genômica comparativa (CGH) array, oferece baixo custo e é tecnicamente menos complicado. Embora não possa ser usado para pesquisas de varredura do genoma completo, é uma boa alternativa às técnicas baseadas em array para muitas aplicações de rotina.
1. Schouten JP, McElgunn CJ, Waaijer R, Zwijnenburg D, Diepvens F, Pals G. Relative quantification of 40 nucleic acid sequences by multiplex ligation-dependent probe amplification. Nucleic Acids Res. 2002;30(12):e57. 2. Gouas L, Goumy C, Véronèse L, Tchirkov A, Vago P. Gene dosage methods as diagnostic tools for the identification of chromosome abnormalities. Pathol Biol. (Paris) 2008; 56(6):345-53. 3. Christofolini DM, Meloni VA, Ramos MA, Oliveira MM, de Mello CB, Pellegrino R, Takeno SS, Melaragno MI. Autistic disorder phenotype associated to a complex 15q intrachromosomal rearrangement. Am J Med Genet B Neuropsychiatr Genet. 2012 Oct;159B(7):823-8. 4. González JR, Carrasco JL, Armengol L, Villatoro S, Jover L, Yasui Y et al . Probe-specific mixed-model approach to detect copy number differences using multiplex ligation-dependent probe amplification (MLPA). BMC Bioinformatics. 2008;9:261. 5. Lai KK, Lo IF, Tong TM, Cheng LY, Lam ST. Detecting exon deletions and duplications of the DMD gene using multiplex ligation-dependent probe amplification (MLPA). Clin Biochem. 2006 Apr;39(4):367-72. 6. Palomares M, Delicado A, Lapunzina P, Arjona D, Amiñoso C, Arcas J et al . MLPA vs multiprobe FISH: comparison of two methods for the screening of subtelomeric rearrangements in 50 patients with idiopathic mental retardation. Clin Genet. 2006;69(3): 228-33. 7. Mavrogiannis LA, 2004. Disponível em: http://leedsdna.info/science/dosage/REX-MLPA/REX-MLPA.htm . 8. Gerdes T1, Kirchhoff M, Lind AM, Larsen GV, Schwartz M, Lundsteen C. Computer-assisted prenatal aneuploidy screening for chromosome 13, 18, 21, X and Y based on multiplex ligation-dependent probe amplification (MLPA). Eur J Hum Genet. 2005 Feb;13(2):171-5. 9. Huang JS, Huang CJ, Chen SK, Chien CC, Chen CW, Lin CM. Associations between VHL genotype and clinical phenotype in familial von Hippel-Lindau disease. Eur J Clin Invest. 2007;37(6):492-500. 10. Bunyan DJ, Eccles DM, Sillibourne J, Wilkins E, Thomas NS, Shea-Simonds J et al . Dosage analysis of cancer predisposition genes by multiplex ligation-dependent probe amplification. Br J Cancer. 2004;91(6):1155-9.
Na última década, foi publicado um número crescente de estudos utilizando as tecnologias de “ômica” (p. ex., genômica, transcriptômica, proteômica e metabolômica), que buscam analisar moléculas em larga escala com o intuito de obter uma visão global de sistemas biológicos. A maioria das funções biológicas do corpo humano é realizada por proteínas, que são o produto final responsável pelo fenótipo celular, além de serem, atualmente, os principais alvos moleculares de substâncias farmacológicas. O proteoma é dinâmico, e a expressão proteica depende dos mecanismos de controle da transcrição dos mRNA correspondentes e da tradução e regulação da degradação proteica. Assim, o conceito de “um gene, uma proteína” é demasiado simples, pois um RNA pode sofrer recomposição ( splicing ) alternativa e produzir vários produtos proteicos. Adicionalmente, a atividade proteica depende não somente do nível de expressão, mas também de sua localização e, em muitos casos, de modificações pós-traducionais, como fosforilação, glicosilação, metilação, acetilação, desaminação, ubiquitinação etc. 1 Além disso, algumas proteínas são ativas somente ao interagirem com outras proteínas ( Figura 7.1), de modo que a análise de proteômica reflete o estado funcional da célula e adiciona dados únicos que não podem ser observados pelas análises de genômica e de transcriptômica. 2 A análise de proteômica pode, por conseguinte, englobar a identificação, a caracterização e a quantificação do conjunto total de proteínas expresso por um genoma inteiro em uma célula, um tecido ou um organismo, incluindo isoformas, polimorfismos e modificações pós-traducionais, além de interações proteína-proteína e descrição estrutural de proteínas ou complexos proteicos. 3 Neste capítulo, serão descritos alguns métodos de análise de proteômica quantitativa.
Figura 7.1 Regulação da expressão gênica em humanos.
As tecnologias mais comumente utilizadas para análise de proteômica são: eletroforese em gel bidimensional (2-DE), separação por ponto isoelétrico (pI) por meio de focalização isoelétrica (IEF) e por peso molecular por meio de eletroforese em gel de poliacrilamida com dodecil sulfato de sódio (SDS-PAGE), marcação metabólica ou com isótopos, espectrometria de massa (MS, mass spectrometry ) por ionização/dessorção de laser em matriz (MALDI, matrix-assisted laser desorption/ionization ) ou acoplada diretamente à cromatografia líquida (LC, liquid chromatography ) etc. Essas ferramentas são atreladas à análise de bioinformática para o processamento de dados. O sucesso de um estudo de proteômica depende de vários fatores, como o aumento da cobertura do proteoma para facilitar a detecção de proteínas de baixa abundância e a alta cobertura cobertura da sequência proteica para aumentar a confiança da 4 identificação e da quantificaçã qu antificação. o.
A MS é a base da proteômica. Trata-se de um método de determinação precisa de massas molares em relação à carga. Usando-se tecnologias de MS, as proteínas podem ser analisadas rapidamente, com acurácia e alta sensibilidade a um custo relativo baixo e com alta reprodutibilidade dos resultados. resultados. 5 Um espectrômetro de massa pode ser utilizado para determinar a sequência de aminoácidos de um peptídio ou de proteínas e para caracterizar diversas modificações pós-traducionais, como fosforilação e glicosilação. Um espectrômetro de massa também pode ser utilizado para determinar a quantidade absoluta ou relativa de uma única proteína ou identificar e quantificar milhares de proteínas em uma amostra complexa, o que o torna uma ferramenta extremamente poderosa para o estudo de sistemas biológicos. 6 Os espectrômetros de massa são constituídos por uma fonte de ionização, um ou mais analisadores de massa, um detector que registra o número de íons que saem do analisador de massa e um computador que processa os dados produzidos, produzid os, além de permitir o controle do equipamento. equip amento. O sistema de ionização ioniza ção das moléculas é responsável por vaporizá-las e carregá-las eletricamente. As técnicas principais de ionização de proteínas/peptídios são: dessorção a laser e eletropulverização (ESI – electrospray ionization ). Para o primeiro método, uma mistura proteica ou peptídica é cocristalizada com uma matriz ácida em uma placa e irradiada com pulsos de laser . A matriz absorve a energia do laser e e atua como um intermediário para a codessorção e a ionização da amostra e da matriz. Os íons em estado gasoso são acelerados em um campo elétrico em direção ao analisador de massa. 3 Essa técnica de ionização é empregada nos espectrômetros de massa do tipo MALDI. O ESI é, na realidade, um processo de transferência de íons preexistentes em solução para a fase gasosa para posterior
análise por MS. Assim, a ionização por ESI envolve a formação de um spray, a partir do qual são geradas pequenas gotas com o solvente contendo o analito (proteínas ou peptídios). O solvente é removido das gotas pelo aquecimento e por uma corrente corrente de gás g ás inerte direcionada direcionada no sentido contrário contrário ao do spray. As gotas reduzem de tamanho até atingirem um ponto em que são instáveis e explodem em gotas menores. Por fim, a repulsão eletrostática causa a dessolvatação dos íons. 3 O analisador de massa – o espectrômetro de massa propriamente dito – separa os íons de acordo com a massa molecular. Os principais analisadores são: Tempo de voo (TOF, time-of-flight ).
Moléculas ionizadas são lançadas simultaneamente em um tubo sob vácuo e sem campo elétrico, mas aceleradas de maneiras diferentes por causa de sua massa/carga, e chegam ao detector em tempos diferentes. Os íons com menor massa/carga apresentam maior velocidade e chegam mais rapidamente ao detector do que os íons com maior massa/carga. Assim, o tempo de voo é proporcional à massa/carga dos íons. 7 Os analisadores TOF apresentam alta resolução e precisão, além de varreduras extremamente rápidas.
Quadrupolo. Moléculas
ionizadas são separadas com base na estabilidade de sua trajetória em um campo elétrico criado por oscilações oscil ações elétricas el étricas aplicadas apl icadas a quatro cilindros cilin dros metálicos paralelos. As trajetórias trajetó rias das moléculas molécu las dependem dep endem do d o campo ca mpo elétrico produzido, em que apenas íons de uma particular massa/carga apresentam uma trajetória estável e chegam ao detector. O campo elétrico é variado para que íons de diferentes massa/carga sejam transmitidos, gerando um espectro de massas.7 Os quadrupolos realizam varreduras rápidas, mas com baixa resolução. Aprisionamento de íons ( ion trap ).
Moléculas ionizadas também são conduzidas em um campo elétrico, como nos quadrupolos. No entanto, os íons são aprisionados em um compartimento com campo eletromagnético e liberados individualmente para a detecção de suas massas/cargas. Dessa forma, diferentemente do quadrupolo, não há perda de íons até o detector. Esses analisadores são robustos e sensíveis, porém apresentam baixa acurácia na mensuração de massas. 3 Espectrômetro de massa por transformada de Fourier (FTMS) ou com ressonância ciclotrônica de íons (ICR-MS). Uma variação de ion trap que consiste em uma cela cúbica dentro de um forte campo magnético. Os íons são guiados e
aprisionados nessa cela, e o forte campo magnético faz com que eles se movimentem em uma trajetória circular perpendicular perpendic ular (ciclotrônica). Os movimentos ciclotrônicos ciclot rônicos são periódicos periódico s e caracterizados pela frequência ciclotrônica, ciclot rônica, que é determinada pela força do campo magnético e pela carga/massa do íon. Assim, a medida das frequências de ressonância ciclotrônica é usada para determinar a massa/carga dos íons. O espectro de massas é obtido após a transformada de Fourier do sinal dos íons. Esse analisador de massa apresenta alta sensibilidade, acurácia, resolução e variação dinâmica. No entanto, apresenta alto custo e complexa operação. 3 Orbitrap. Uma
variação de ion trap em que moléculas ionizadas são injetadas com alta energia envolta de um eletrodo central fusiforme. O espectro de massas é obtido após a transformada de Fourier da corrente induzida dos íons. 8 Esses analisadores possuem alta sensibilidade, resolução e acurácia, além de apresentarem um menor custo quando comparados ao FTMS.
Alguns espectrômetros de massa possuem mais de um analisador, como um analisador do tipo quadrupolo conjugado a um TOF (Q-TOF), dois TOF seguidos (TOF-TOF) ou ion trap -orbitrap. Nesses tipos de equipamento, é possível realizar múltiplas etapas de fragmentações e, assim, analisar massas em séries (MS/MS ou MS n, MS em tandem ). Esse tipo de equipamento pode ser usado, por exemplo, para a identificação de proteínas partindo de misturas complexas de peptídios ou para o sequenciamento de proteínas. Nesse tipo de análise, um peptídio de interesse é selecionado no primeiro filtro de massa e introduzido e acelerado em uma câmara de colisão, onde ocorrerá uma fragmentação da cadeia polipeptídica em resíduos menores.9 O tipo de fragmentação mais utilizado para a identificação de proteínas/peptídios é a dissociação induzida por colisão (CID – collision induced dissociation ). Esse tipo de fragmentação rompe principalmente ligações peptídicas peptí dicas e da cadeia ca deia principal princi pal de aminoácido a minoácidos, s, gerando um espectro rico em informações de sequência. sequência . 10 As duas abordagens principais de MS para a análise de proteômica são denominadas bottom-up (da base para cima) e top-down (do topo para baixo). A bottom-up é mais amplamente utilizada, sobretudo para a identificação de grande número de proteínas e a determinação de algumas modificações pós-traducionais. Nessa abordagem, as proteínas de interesse são clivadas usando-se, em geral, tripsina. A digestão pode ser direta em solução ou após a separação em gel SDS-PAGE (uma dimensão ou 2-DE). Em seguida, as massas dos peptídios gerados são mensuradas em espectrômetros de massa. Em muitos espectrômetros, é possível analisar MS em tandem . Dessa maneira, além de determinar a massa do peptídio intacto, são determinadas as massas dos íons gerados após a nova fragmentação. Esse conjunto de dados produz informações sobre a sequência e/ou possíveis modificações pós-traducionais dos peptídios. No entanto, em geral, somente uma parte dos peptídios e de seus íons ( Figura 7.2)) é identificada por meio dessa metodologia. Assim, a determinação de modificações e de variantes alternativas de 7.2 splicing splicin g pode pode ser subavaliada. subavaliada.11
Figura 7.2 Resultados utilizando o programa Mascot® para a probabilidade de identificação de peptídios. Em linha contínua, íons com massa correspondente à da sequência provável para o íon precursor ou o peptídio analisado. A. Probabilidade relativamente alta, com cobertura quase total de íons (probabilidade do íon individual = 54). B. Probabilidade baixa, pouca cobertura dos resíduos correspondentes à sequência mais provável para o íon precursor (probabilidade do íon individual = 33).
Já a abordagem top-down é baseada na identificação de proteínas intactas, mensurando a massa de fragmentos gerados por MS em tandem . Esse tipo de análise permite determinar a sequência de proteínas, além de possíveis modificações. 12 Para tanto, a seleção de íons deve ser feita com alta acurácia para assegurar a seleção eficiente de proteínas que diferem por poucos pouco s Dálton Dálto n ou mesmo mesmo por uma única unidade unid ade de massa, uma vez que essas diferenças d iferenças podem p odem modificar a função de uma proteína. A desaminação de resíduos de asparagina ou glutamina (+1Da), por exemplo, pode levar a alterações na atividade de proteínas. Espectrômetros de massa do tipo FTMS e orbitrap apresentam esse nível de resolução e acurácia na mensuração de massas e, assim, são usados na maioria das análises de proteômica top-down.12 Essa estratégia de análise ainda é recente quando comparada à bottom-up , apresentando diversas limitações desde a purificação de proteínas até a análise de dados. Por isso, essa abordagem ainda não é comumente aplicada à quantificação de proteínas em larga escala. Diversos programas de busca podem ser usados para a identificação de proteínas nas abordagens bottom-up, como Mascot®, Sequest®, X!tandem®, Phenyx® e ProteinProspector®. A identificação de proteínas, em geral, é realizada com base em sequências sequênci as primárias disponíveis dispon íveis em bancos banco s de dados, como NCBI, IPI e UniProt. Esses programas são constantemente melhorados, a fim de reduzir as taxas de falso-positivo. Para estudos com abordagens top-down, porém, os programas para identificação de d e proteínas ainda ai nda são pouco po uco desenvolvid desenv olvidos. os. O mais testado é o ProSight PTM. 13
Um dos pontos críticos da análise de proteômica é a preparação da amostra. Uma análise de proteômica busca virtualmente analisar todas as proteínas presentes em uma amostra, cuja preparação pode ser afetada pelos métodos de lise, purificação de proteínas, inativação de enzimas proteolíticas, solubilização de proteínas e remoção de contaminantes não proteicos. Os resultados de um estudo de proteômica também dependem da concentração de proteínas a ser analisada. Não existe um protocolo único para a preparação de amostras para uma análise de proteômica. O protocolo deve ser otimizado para cada tipo de amostra (tipo de tecido, soro ou outros fluidos biológicos, linhagens celulares etc.) ou para a classe de proteínas a ser analisada, como aquelas de um compartimento celular específico (proteínas solúveis de citoplasma ou proteínas mais hidrofóbicas, como as de membrana) ou com uma modificação pós-traducional específica (fosfoproteínas, glicoproteínas etc.). No entanto, algumas recomendações devem ser consideradas: a preparação da amostra tem de ser a mais simples possível para aumentar a reprodutibilidade, deve-se evitar a perda de proteínas e recomenda-se minimizar modificações proteicas durante a preparação. 14 Para evitar a proteólise, a lise de células e tecidos deve ser realizada na mais baixa temperatura possível e gerar o mínimo de calor, além de, preferencialmente, ser realizada diretamente em soluções desnaturantes contendo inibidores de protease. Apesar de não inativar todas as enzimas proteolíticas, as amostras podem ser fervidas em tampões com SDS (sem ureia), e as proteases ser inativadas em soluções com baixo pH. Amostras contendo ureia não devem ser aquecidas a mais de 37°C, pois a elevada temperatura pode levar à hidrólise de ureia para isocianato, resultando em carbamilação de proteínas (uma modificação que altera o pI). O primeiro passo da preparação de amostras biológicas, em geral, é a lise de células. Para a purificação de proteínas, as células podem ser rompidas por métodos físicos e/ou químicos. Os métodos de lise mais comuns são: lise osmótica, ciclos de congelamento e descongelamento, lise com detergentes, lise enzimática, sonicação, trituração de células com nitrogênio líquido, alta pressão (“prensa francesa”), homogeneização com beads etc.14 Estudos com organelas e estruturas celulares específicas, em geral, exigem métodos de lise mais delicados, como métodos químicos associados a uma série de centrifugações em gradiente de densidade ou ultracentrifugações. Após a purificação da amostra proteica, as proteínas são solubilizadas. A solução de proteínas em condições desnaturantes e redutoras é essencial, principalmente para a posterior separação por IEF em uma análise de proteômica baseada em 2-DE. Em geral, os tampões de solubilização contêm reagentes caotrópicos, detergentes não iônicos e/ou zwitteriônicos, agentes redutores e inibidores de proteases. Os agentes caotrópicos mais utilizados em preparações de amostras para géis 2-DE são ureia e tioureia. A ureia é um agente caotrópico de carga neutra, não interferindo, portanto, diretamente na IEF. Ela rompe ligações não covalentes e iônicas entre resíduos de aminoácidos, levando à desnaturação de proteínas. O maior problema associado à ureia é sua espontânea degradação para cianato em temperatura ambiente. A redução de íons cianato com grupos amina de proteínas (carbamilação) remove a carga positiva da amina e, assim, afeta o resultado da IEF. Realizar a preparação da amostra em temperaturas inferiores a 37°C e com a introdução de anfólitos carreadores ajuda a minimizar o processo de carbamilação de proteínas por um período de até 24 h, o que é compatível com o tempo de preparação de amostras. 14 A concentração de ureia em tampão de solubilização, em geral, varia de 5 M a 9,8 M. Além da ureia, a tioureia tem sido adicionada em soluções de solubilização. Ela ajuda a romper as interações hidrofóbicas, melhorando, por exemplo, a solubilização de proteínas de membrana. É pouco solúvel em água e mais em soluções concentradas de ureia. A concentração mais utilizada de tioureia é de 2 M em tampão com 5 a 7 M de ureia. Para prevenir interações hidrofóbicas, é necessária a adição de detergentes à solução de solubilização. Embora o detergente aniônico SDS seja o mais eficiente para a desnaturação de proteínas, o tratamento com esse surfactante confere a elas carga negativa. O SDS não é o detergente preferencial para IEF, mas pode ser utilizado se a concentração final de SDS for inferior à sua concentração crítica (0,2%). 14 Para a solubilização de proteínas para uma análise por 2-DE, são preferencialmente adicionados detergentes não iônicos, como Tween 80, NP-40, triton x-100, zwitteriônicos como 3-[(3Colamidopropil)dimetilamônio]-1-propanosulfonato (CHAPS) e/ou sulfobetaínas, como SB 3-10 e ASB14. O detergente CHAPS é um dos mais utilizados e é relativamente efetivo para a solubilização de proteínas hidrofóbicas. Em geral, a concentração de detergentes varia de 1 a 4% da solução de solubilização, porém a escolha deve levar em consideração a tolerância e a concentração dos agentes caotrópicos utilizados na solução de solubilização. 15 Agentes redutores são necessários para clivar as pontes dissulfeto intra e intermoleculares, ajudando na solubilização de proteínas de misturas complexas. Os agentes redutores mais usados são: ditiotreitol (DTT), ditioeritritol (DTE) ou 2mercaptoetanol (menos utilizado, particularmente quando se objetivam proteínas básicas), tris-(2-carboxietil)-fosfina (TCEP), tributila fosfina (TBP). DTT e DTE são mais comumente usados (20 a 100 mM) do que TCEP e TBP (2 a 50 mM), porém DTT e DTE não promovem redução e solubilização completas de proteínas com alto conteúdo de cisteínas, como queratinas. Na IEF, em uma análise de proteômica baseada em gel 2-DE, DTT e DTE migram durante esse processo em pH abaixo
de 7. TCEP também migra durante a IEF, pois é negativamente carregado em solução. Já TBP é neutro e não migra na IEF. No entanto, esse composto é menos solúvel em água, além de tóxico e volátil. Adicionalmente, a redução com DTT, DTE ou TCEP pode resultar em reoxidação das pontes dissulfeto reduzidas. Para prevenir a oxidação, é necessário um passo de alquilação, como o tratamento com iodocetamida. Embora as condições desnaturantes de grande parte dos tampões inibam a ação da maioria das proteases, algumas enzimas proteolíticas continuam ativas. Dessa maneira, é necessário incluir os inibidores de protease. Atualmente, existem coquetéis disponíveis comercialmente que são muito utilizados em análises de proteômica. Em análise em gel 2-DE, também são adicionados anfólitos carreadores, uma mistura heterogênea de polímeros sintéticos com grupos ácidos e básicos que apresentam boa capacidade de tamponamento em valores individuais de pI durante a IEF. Esses carreadores inibem a interação entre proteínas hidrofóbicas e as tiras de gradiente imobilizado de pH (immobilized pH gradient , IPG), o que tende a ocorrer na extremidade ácida, levando à formação de um arraste por conta da precipitação. Adicionalmente, os anfólitos carreadores ajudam a remover os íons cianato resultantes da degradação de ureia. Esses carreadores podem ser usados em concentração variando de 0,5 a 2% – a concentração de 2% do volume final da solução de solubilização é mais frequentemente utilizada.
A composição da amostra influi fortemente na resolução de cada proteína na eletroforese. Ácidos nucleicos, polissacarídios, lipídios, sais, detergentes e agentes redutores presentes na amostra podem interferir na separação de proteínas por meio de focalização isoelétrica, inibir a digestão de proteínas em peptídios e interferir na identificação de proteínas por espectrometria de massa ou mesmo na análise estatística. Assim, devem sempre ser usados reagentes de alta qualidade, e passos alternativos para o pré-tratamento de amostras complexas podem ser requeridos para a remoção desses contaminantes. Em estudos de proteômica baseados em géis 2-DE, altas concentrações de sais provenientes da amostra (p. ex., urina e suor, que apresentam alta concentração de sais) ou de reagentes utilizados para a solubilização de proteínas podem interferir na IEF, resultando em pontos ( spots) não bem resolvidos ou em “arrastes” no gel, além de elevação da temperatura durante essa etapa. Sais podem ser removidos usando-se colunas para dessalinização, pelo processo de diálise ou microdiálise, por ultracentrifugação, filtração em gel ou precipitação com ácido tricloroacético e/ou outros solventes orgânicos, além de kits comerciais. Esses métodos também ajudam a remover detergentes. A interação de lipídios com proteínas reduz a estabilidade delas e pode afetar sua massa/carga. Proteínas complexadas a lipídios são insolúveis em solução aquosa e, assim, não são focalizadas. O uso de detergentes ou a precipitação de proteínas com TCA/acetona ou acetonitrila com 1% de ácido trifluoracético, por exemplo, podem ajudar na remoção de lipídios. Para a MS, a remoção de lipídios usando colunas de fase reversa C 18 é reprodutível e rápida, além de permitir a eliminação de outros interferentes, como sais. Polissacarídios, especialmente com carga, podem interferir na IEF, obstruindo os poros de gel de poliacrilamida. A ligação dessas moléculas a proteínas com carga positiva também pode interferir na migração delas. Para a remoção, podem ser usadas a ultracentrifugação (remoção de polissacarídios de alto peso molecular) e a precipitação de proteínas, além de kits comerciais. Ácidos nucleicos também podem ligar-se a proteínas e impedir a focalização. Ácidos nucleicos podem ser removidos pelo tratamento com nucleases (RNAses e DNAses) ou por ultracentrifugação em adição a poliaminas básicas.
Uma das dificuldades dos estudos de proteômica é a ampla variação dinâmica na concentração das diferentes proteínas em uma amostra complexa. A presença de algumas proteínas abundantes em amostra complexa pode ser um problema. A remoção de proteínas altamente abundantes leva ao “enriquecimento” de proteínas de menor abundância e, com isso, aumenta a quantidade de proteínas identificadas em uma análise de proteômica. O fracionamento de proteínas por precipitação, centrifugação, imunoafinidade, cromatografia ou eletroforese, ou a combinação de um ou mais métodos, geralmente é usado para o enriquecimento de proteínas pouco abundantes. Adicionalmente, em um estudo de proteômica baseado em gel 2-DE, somente uma limitada concentração de proteínas pode ser aplicada à etapa de IEF. Assim, as proteínas abundantes podem ser facilmente observadas, enquanto aquelas com baixa concentração serão pouco representadas ou mesmo não serão detectadas em um gel 2-DE. Grandes spots no gel 2-DE também podem encobrir ou mesmo deslocar outros spots , resultando em uma determinação não precisa do ponto isoelétrico e do peso molecular deles. Sangue, soro ou plasma humano são exemplos de amostras que apresentam algumas proteínas altamente abundantes, como albumina, transferrina, haptoglobinas, imunoglobulinas e lipoproteínas, que mascaram as diversas proteínas e suas
isoformas com menor abundância nesse tipo de espécimes, sendo essas últimas, em geral, as principais envolvidas nos processos a serem avaliados. Para análises de proteômica com esses tipos de amostras, a identificação e a caracterização de proteínas têm sido realizadas após a utilização de kits comerciais de imunoprecipitação, utilizando diferentes anticorpos para as proteínas altamente abundantes. Alguns estudos realizam um pré-fracionamento das amostras, como em compartimentos celulares (p. ex., citoplasma e membranas) ou subcelulares e organelas (p. ex., núcleo, mitocôndria, complexo de Golgi, lisossomos, peroxissomos, membrana plasmática etc.), ou avaliam somente um grupo de proteínas, como complexos proteicos e microdomínios (ribossomos, poros nucleares, complexos de transdução do sinal etc.) ou proteínas que apresentam determinada modificação pós-traducional (fosfoproteínas, glicoproteínas etc.) para reduzir a complexidade das amostras e, assim, diminuir também a variação dinâmica ou o número de proteínas a serem analisadas. O método de purificação e as tecnologias a serem utilizados dependem do objetivo do estudo.
Um dos desafios da análise de proteômica é separar proteínas de uma amostra biológica complexa. A separação de proteínas por 2-DE foi inicialmente descrita por O’Farrell em 1975. 16 No entanto, a metodologia tem sido modificada substancialmente para aumentar a reprodutibilidade e a resolução. 2-DE tem sido a ferramenta de análise de proteômica mais utilizada nas últimas décadas para a separação de milhares de proteínas de amostras complexas e, consequentemente, para a comparação do perfil de expressão proteica entre dois ou mais grupos de amostras. De modo resumido, para a análise de proteômica em gel 2-DE, as proteínas são separadas inicialmente com base na sua carga em tiras de IPG por meio da IEF e, posteriormente, de acordo com o peso molecular, por meio de eletroforese em gel SDS-PAGE. 16 Após a separação, é observado um mapa de 2-DE, no qual cada spot representa virtualmente uma proteína (Figura 7.3). Em geral, após a separação por 2-DE, é realizada uma estratégia bottom-up para a identificação de proteínas. Assim, os spots de interesse são excisados do gel e digeridos usando-se proteases, comumente tripsina. Os peptídios (purificados) gerados após a digestão enzimática têm sua massa e carga mensuradas em espectrômetros de massa. Em princípio, as proteínas separadas por gel 2-DE poderiam ser identificadas por uma abordagem top-down, porém nenhum estudo robusto realizou essa estratégia. As principais limitações dessa abordagem são a dificuldade de extrair proteínas intactas da matriz e a presença de detergentes não compatíveis com MS, como o SDS. A ressolubilização de proteínas após a remoção de detergentes pode acarretar perda de amostra. 12
Figura 7.3 Eletroforese bidimensional. Uma amostra complexa de proteínas é separada inicialmente de acordo com a carga das proteínas e, posteriormente, de acordo com o peso molecular. A amostra é aplicada em uma tira contendo um gel com um gradiente imobilizado de pH e submetida a corrente elétrica. As proteínas migram no gradiente de pH até atingirem o ponto isoelétrico, onde se igualam e se anulam as cargas positivas e negativas. Após essa primeira separação, essa tira é colocada no topo de um gel SDS-PAGE para a separação de acordo com o peso molecular. Cada ponto representa virtualmente uma proteína.
A etapa de separação de proteínas de acordo com o pI requer que as amostras proteicas estejam solubilizadas, desagregadas, desnaturadas e reduzidas. As proteínas são moléculas anfotéricas, cuja carga é determinada pelo pH do meio. A carga de uma proteína é dada pela soma de todas as cargas positivas e negativas dos seus aminoácidos. O pI é o específico pH em que se igualam e se anulam as cargas positivas e negativas de uma proteína. As proteínas são positivamente carregadas quando estão em um pH abaixo do pI e negativamente carregadas quando estão em um pH acima de seu pI. Assim, com a passagem de uma corrente elétrica em um gradiente de pH, as proteínas com carga positiva migram em direção ao cátodo, mas param quando o ponto isoelétrico é atingido. Já as proteínas com carga negativa migram em direção ao ânodo e também param ao atingirem o pH em que sua carga passa a ser zero. Atualmente, existem tiras de poliacrilamida com IPG comercialmente disponíveis que permitem uma separação eficiente e reprodutível. Podem ser selecionadas tiras de diferentes tamanhos (em geral, 7 a 24 cm) com uma ampla variedade de possíveis faixas de pH (linear ou não linear), como pH 3 a 11, pH 4 a 7 ou pH 3,5 a 4,5. As escolhas da faixa de pH e do tamanho da fita variam de acordo com a complexidade e a concentração da amostra e o objetivo do estudo. Um volume limitado de amostra pode ser aplicado por fita, variando conforme o tipo de fita. Tiras de IPG mais longas (p. ex., 18 ou 24 cm) permitem maior resolução e a aplicação de um maior volume de amostra. No entanto, em geral, são de maior custo do que tiras menores (com menos de 13 cm) e exigem mais tempo de IEF. Faixas mais amplas de pH são mais frequentemente utilizadas quando se busca ter uma visão geral de um proteoma complexo ou quando se busca avaliar um proteoma simples, como um compartimento subcelular, uma organela, uma classe de proteínas ou mesmo um proteoma derivado de um genoma pequeno. Como dito anteriormente, há uma ampla variação dinâmica na concentração de proteínas de uma mesma amostra. Assim, mesmo tiras com amplas faixas de pH não são suficientes para a análise de um proteoma complexo. Para tentar solucionar essa limitação, alguns estudos combinam os resultados de múltiplas tiras com diferentes faixas de pH, como pH 3 a 5,6, pH 5,3 a 6,5, pH 6,2 a 7,5 e pH 7 a 11. Outros estudos utilizam tiras com amplas faixas de pH (p. ex., pH 3 a 11) para identificar em que faixas há maior abundância de proteínas para a amostra estudada e, posteriormente, utilizam faixas com menor amplitude de pH (p. ex., pH 4 a 7) para permitir, com maior concentração de amostra inicial, a melhor separação dessas proteínas, favorecendo, assim, a análise de proteínas menos abundantes nessa variação de pH, como se fosse dado um zoom nessa faixa mais estreita. Antes da IEF, as tiras devem ser reidratadas em solução de reidratação – em geral, solução semelhante ao descrito para a solubilização de amostras – com ou sem a presença da amostra proteica. As condições de corrida variam com o equipamento, a amostra, o tamanho e a faixa de pH das tiras. Em geral, a corrente elétrica durante a IEF é limitada para 50 μA por tira e até 20°C e a focalização inicia-se com baixa voltagem.
Imediatamente antes da separação por peso molecular, é necessário equilibrar as tiras para permitir a interação das proteínas com SDS e, assim, a transferência da primeira dimensão (tiras IPG) para a segunda dimensão (gel SDS-PAGE). A solução de equilíbrio, em geral, contém 6 M de ureia, 75 mM de Tris-HCl (pH 8,8), 30% de glicerol, 2% de SDS, traços de azul de bromofenol para acompanhar a migração das proteínas durante a corrida eletroforética e um agente redutor (10 a 20 min). Se o agente redutor escolhido for DTT, DTE ou TCEP, é necessário realizar uma etapa de alquilação da tira. Para isso, o tampão é semelhante ao de equilíbrio descrito anteriormente, com a substituição do agente redutor por um alquilante, como a iodoacetamida (10 a 20 min). Após o equilíbrio e, se necessário, a alquilação das tiras IPG, as tiras são posicionadas no topo do gel SDS-PAGE para a separação de proteínas de acordo com o peso molecular com a passagem de uma corrente elétrica. A carga elétrica não é um fator para essa separação em razão da presença de SDS na amostra e no gel, o que forma complexos com carga negativa. Uma das principais variações nessa etapa é a concentração de poliacrilamida a ser utilizada. O gel SDS-PAGE pode conter uma única concentração de poliacrilamida ou um gradiente de concentração de poliacrilamida, favorecendo a resolução de proteínas de baixo peso molecular. O tampão de corrida mais utilizado nessa fase é o Laemmli. 17 A corrida em gel SDS-PAGE pode ser realizada em
sistema horizontal ou vertical. Em geral, os sistemas verticais são mais utilizados para múltiplas corridas em paralelo.
Após a separação por 2-DE, milhares de proteínas são visualizadas depois da coloração dos géis por diferentes técnicas, como Coomassie brilliant blue (CBB), coloração por prata18 ou corantes fluorescentes (SYPRO® Ruby, da Molecular Probe; Deep Purple, da GE Healthcare; CyeDyes da GE Healthcare etc.)19 ou marcação radioativa.16 Em geral, cada gel representa as proteínas de uma amostra biológica complexa. Mais recentemente, a incorporação de corantes fluorescentes, em geral cianina ( CyeDyes), às proteínas antes da focalização isoelétrica permitiu a separação e a análise de proteínas de diferentes amostras marcadas diferentemente em um mesmo gel. Assim, proteínas idênticas de diferentes amostras e, portanto, marcadas com CyeDyes diferentes (Cy2, λem = 520 nm; Cy3, λem = 580 nm; Cy5, λem = 670 nm) migram para a mesma posição no gel 2D. Essa técnica, denominada 2-DE diferencial (2D-DIGE – 2-DE differential in-gel electrophoresis ), simplifica a comparação entre amostras, por causa da separação e da visualização simultânea de proteínas desconhecidas, não sendo necessário o alinhamento entre amostras em um mesmo gel. 20 A sensibilidade da análise de proteômica baseada em 2-DE deve-se, em parte, ao método de visualização das proteínas. A coloração por CBB e a coloração por prata são as mais frequentemente usadas e apresentam custos reduzidos em relação aos corantes fluorescentes. No entanto, a coloração por CBB é a menos sensível, sendo detectadas proteínas na faixa de 10 a 25 ng por spot . Já as colorações por prata e corantes fluorescentes apresentam sensibilidades semelhantes (0,5 a 1 ng), mas os corantes fluorescentes são superiores, por sua capacidade de quantificar proteínas com maior linearidade em uma variação de até quatro ordens de magnitude. 21 Os CyeDyes possuem limite de detecção e variação dinâmica linear semelhantes ao dos outros corantes fluorescentes. 20 Cabe ressaltar também que somente alguns protocolos de coloração por prata são compatíveis com a digestão de proteínas e espectrometria de massa. Adicionalmente, alguns corantes têm sido desenvolvidos com o intuito de detectar modificações pós-traducionais específicas. ProQ-Diamond (Molecular Probe) e Phos-tag™ (PerkinElmer) são corantes fluorescentes específicos para a fosforilação de serinas, treoninas e tirosinas e podem ser usados para a detecção de fosfoproteínas em géis de poliacrilamida. Já os corantes ProQ-Emerald (Molecular Probe), Glycoprotein detection kit (Sigma), GlycoProfile™ III Fluorescent Glycoprotein Detection kit (Sigma), GelCode Glycoprotein Stain (Pierce) e Krypton Glycoprotein staining kit (Pierce) são uma alternativa para a detecção e a quantificação de glicoproteínas em géis de poliacrilamida sem o uso de marcação radioativa.
Para a comparação do perfil de expressão proteica, as imagens de diferentes géis precisam ser alinhadas com a ajuda de programas de análise para corrigir as diferenças causadas pelas distorções entre os géis, além da variabilidade entre amostras. Programas comerciais permitem o alinhamento e a comparação de imagens de géis 2-DE, como PDQuest (BioRad), Melanie (GeneBio), ImageMaster® 2D (GE Healthcare), DeCyder™ (GE Healthcare), Dymension (Syngene), Progenesis Samespots (Nonlinear Dynamics), Proteomweaver (Definiens), Delta2D (Decodon) etc. Após o alinhamento das imagens, a intensidade, a área, o volume, a intensidade normalizada e o volume normalizado dos spots podem ser mensurados, dependendo do programa de análise a ser utilizado. Com base nesses parâmetros, é possível realizar análises estatísticas para comparar a expressão proteica entre os grupos de estudo para a triagem de proteínas diferencialmente expressas e a seleção dos spots de interesse para a posterior identificação de proteínas por espectrometria de massa.
A principal vantagem da análise de gel 2-DE é permitir, além da identificação de proteínas diferencialmente expressas, a detecção de modificações pós-traducionais por meio da observação do peso molecular e do ponto isoelétrico de cada proteína em um gel. No entanto, a análise de 2-DE tem limitações quando utilizada para analisar e comparar perfis de expressão proteica. Uma das principais limitações é a dificuldade de automação, exigindo muita mão de obra em todas as etapas e tempo para gerar resultados de qualidade. A separação por 2-DE resolve somente os principais componentes de uma mistura complexa de proteínas e, assim, a detecção de proteínas de mais alto (mais que 150 kDa) ou mais baixo (menos que 10 kDa) peso molecular ou extremamente básicas ou hidrofóbicas costuma ser ineficiente. 22
Novas tecnologias estão disponíveis para resolver algumas das limitações da análise de proteômica baseada em 2-DE e podem ser mais facilmente aplicadas a estudos que exigem maior número amostral. A análise de proteômica quantitativa não dependente de gel 2-DE pode ser realizada por meio de duas abordagens maiores: técnicas com marcação ou sem marcação (label-free ) de peptídios. Ambas as abordagens utilizam, em geral, a LC como método de separação/fragmentação de misturas complexas. A LC pode ser multidimensional (MDLC), com mais de uma coluna cromatográfica, dependendo da complexidade da amostra. Em uma abordagem bottom-up , uma mistura de peptídios, marcada ou não, é separada por LC – comumente de fase reversa ou de fase reversa acoplada a uma segunda coluna cromatográfica, como de troca iônica – e, depois, o eluído é analisado diretamente por MS. Alguns grupos de pesquisa realizam uma separação inicial de proteínas por gel SDS-PAGE, frações/bandas dos géis são digeridas enzimaticamente e os peptídios de cada fração são separados por LC. A separação direta de proteínas, marcadas ou não, por colunas cromatográficas para posterior análise de MS também tem sido realizada. No entanto, como dito anteriormente, análises de proteômica quantitativa com abordagem top-down ainda são iniciais.
Entre os métodos com marcação mais frequentemente usados para análises de proteômica quantitativa, destacam-se a marcação metabólica (p. ex., stable isotope labeling by amino acids in cell culture – SILAC23) e as marcações químicas, como Isotope-Coded Affinity Tags (ICAT)24 e Isobaric Tags for Relative and Absolute Quantification (iTRAQ).25 O método SILAC incorpora marcação nas proteínas pela via metabólica de células em cultivo. Dois grupos de células são cultivados separadamente em meio de cultura contendo ou a forma leve ou a forma pesada de um aminoácido essencial específico, como L-leucina e L-leucina deuterada. As células são forçadas a incorporar esses aminoácidos essenciais (não sintetizados pela célula) durante o cultivo até, eventualmente, a incorporação de 100% do aminoácido na forma leve ou pesada, dependendo do grupo de análise. O método de SILAC apresenta alta fidelidade e não requer múltiplos processamentos químicos e passos de purificação, assegurando que as amostras a serem comparadas estão sujeitas às mesmas condições experimentais. 23 Esse método, no entanto, requer células em cultivo para permitir a incorporação dos respectivos aminoácidos na forma leve ou pesada nas amostras proteicas. A marcação ICAT foi o primeiro tipo de marcação química para a análise LC-MS descrita. O reagente ICAT contém uma etiqueta (tag ) com afinidade à biotina, um ligante que incorpora o isótopo estável e um grupo reativo a tiol. O reagente existe nas formas leve e pesada que apresentam uma diferença de 8 Da. Proteínas de diferentes grupos de análise são marcadas nos resíduos de cisteínas usando-se diferentes reagentes ICAT. As amostras (uma de cada grupo) são combinadas e digeridas enzimaticamente com tripsina. Os peptídios marcados com ICAT são purificados por meio de cromatografia de afinidade em coluna de avidina e analisados por LC-MS/MS. A razão na intensidade de íons para os pares de peptídios marcados com ICAT (p. ex., leve versus pesado) permite uma quantificação relativa de proteínas entre os dois grupos de análise. A presença de sais na amostra e outros contaminantes podem interferir na marcação com ICAT, sendo necessária a remoção desses interferentes por precipitação ou dessalinização por colunas cromatográficas. Após a purificação, alguns peptídios podem ser perdidos por conta de sua forte afinidade na coluna de avidina. Uma taxa de cobertura de peptídios de cerca de 70% é estimada para a análise de ICAT após as etapas de pré-tratamento da amostra. 24 Assim, múltiplos passos de pré-tratamento podem reduzir o número de peptídios na análise por MS e tornar menos reprodutíveis os resultados. 21 Cabe ressaltar que a metodologia permite a análise de somente proteínas contendo cisteína. A tecnologia iTRAQ, relativamente mais recente que ICAT, utiliza reagentes isobáricos para marcar o primeiro grupo amina de peptídios ou proteínas. Cada amostra é reduzida, alquilada, digerida e marcada separadamente com uma tag diferente. Em seguida, as amostras são misturadas, fracionadas por cromatografia de troca iônica e analisadas por LCMS/MS. Podem ser usadas até oito marcações (113,1, 114,1, 115,1, 116,1, 117,1, 118,1, 119,1, 121,1 massa/carga), ou seja, oito amostras marcadas diferentemente podem ser analisadas ao mesmo tempo. Em virtude da natureza isobárica dos reagentes, o mesmo peptídio de cada amostra aparecerá como um único pico no espectro MS, reduzindo, assim, a complexidade desse espectro quando comparado ao da marcação ICAT. Após a fragmentação por CID (MS/MS), o peptídio libera a tag iTRAQ. A intensidade do íon das tags (massa/carga = 113,1 a 121,1 dependendo da tag ) é usada para acessar a abundância dos peptídios e, consequentemente, das proteínas das quais são derivados. 25 Como múltiplos fragmentos peptídicos de uma mesma proteína têm chance de serem marcados, múltiplas quantificações por proteína são realizadas. Tem sido sugerido que iTRAQ é um método sensível que permite a identificação e a quantificação de proteínas pouco abundantes em amostras complexas. A sensibilidade de iTRAQ é relativamente maior do que a de ICAT, considerando-se a concentração de proteínas iniciais e o número de proteínas identificadas. No entanto, como para ICAT, múltiplos passos de
pré-tratamento da amostra podem afetar a reprodutibilidade dos resultados. O processamento, a digestão e a marcação de amostras separadamente também contribuem para tornar os resultados menos reprodutíveis. 21
Nos últimos anos, a observação de uma correlação entre a abundância da proteína e a área do pico ou o número de espectros MS/MS levou ao desenvolvimento de uma nova abordagem de proteômica quantitativa sem o uso de marcações químicas ou metabólicas. Existem dois métodos principais de quantificação sem marcação ( label-free ): a comparação direta da intensidade dos íons entre peptídios e, a mais usada, a contagem de espectro ( spectral counting ) – contagem do número de espectros em modo MS/MS gerados para os peptídios de uma proteína que, após normalização, será usada para mensurar a abundância de uma proteína em uma amostra. 26,27 A aplicação desses métodos à análise de sistemas biológicos complexos, como o de mamíferos, nos quais a variação dinâmica e o número de proteínas são grandes, requer separações cromatográficas múltiplas – para aumentar a resolução – e reproduzíveis. 27 Os programas disponíveis para a análise de dados, em geral, apresentam elevado custo ou são específicos para cada espectrômetro de massa. Os principais programas comercialmente disponíveis são: DeCyder MS (GE Healthcare), Elucidator (Rosetta Biosoftware), Expressionist (Genedata), Progenesis-LC (Nonlinear Dynamics), ProteinLynx Global Server (Waters), ProteoIQ (NuSep), Scaffold (Proteoma Software) e SIEVE (Thermo Scientific). Somente os programas ProteoIQ e Scaffold são empregados para a análise de contagem de espectro.28
As estratégias baseadas em marcação de peptídios ou proteínas apresentam, em geral, alta acurácia na quantificação. Entretanto, essas técnicas são relativamente caras e limitam a análise a dois ou poucos grupos de amostras, dependendo do número de marcações utilizadas. Os métodos label-free possibilitam realizar estudos com menor custo usando métodos analíticos relativamente simples, que podem ser aplicados a estudos que requerem maior número amostral. No entanto, requerem maior tempo no uso de espectrômetros de massa. Entre as principais limitações das análises quantitativas não baseadas em 2-DE com abordagem bottom-up , independentemente da utilização de um método com ou sem marcação, está a existência de peptídios que compartilham a mesma massa no modo MS/MS (referidos como peptídios não únicos ou degenerados), o que gerará uma interferência na quantificação de suas proteínas, pois essas sequências peptídicas não únicas podem fazer parte de mais de uma proteína candidata durante a etapa de identificação de proteínas. 28 Importa ressaltar que um único gene pode resultar em centenas de proteínas diferentes, derivadas por variantes de splicing , modificações pós-traducionais, isoformas proteicas e proteínas homólogas, o que leva à identificação de proteínas indistinguíveis, quando a cobertura da sequência é incompleta. 29 Adicionalmente, a maioria desses estudos de espectrometria de massa é realizada com análises dependentes de dados (DDA – data-dependent analysis ), ou seja, o espectrômetro de massa realiza o escaneamento dos íons parentais (precursores) e seleciona os íons mais abundantes, para os quais será realizado o escaneamento dos produtos de fragmentação; somente após essa etapa, retorna-se ao escaneamento dos íons parentais. 28 Dessa maneira, pode haver um viés nesse tipo de análise para peptídios que coeluem, em virtude da omissão dos peptídios de menor abundância para o modo MS/MS.30 Esse viés cria um subgrupo de proteínas efetivamente não analisadas por essa metodologia e evidencia a importância dos métodos de separação de misturas complexas antes da análise por MS.
No momento, não há uma ferramenta ou abordagem de análise de proteômica capaz de cobrir toda a diversidade das proteínas contidas em uma amostra complexa nem toda a variação dinâmica da abundância dessas proteínas individuais em espécimes.5 As ferramentas apresentadas neste capítulo estão sujeitas a constantes modificações, o que torna a análise de proteômica quantitativa um campo em contínuo desenvolvimento. As tecnologias e abordagens apresentadas têm aplicação direta nas análises clínicas e toxicológicas.
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A biologia molecular e a genética são áreas do conhecimento que sofreram grandes e revolucionárias mudanças nas últimas décadas. Tais mudanças estão diretamente relacionadas com os avanços tecnológicos e com a perfeita combinação de ciências exatas, como física, química e matemática, com a biologia e, consequentemente, com a medicina. O Projeto Genoma abriu novas portas para o conhecimento, não somente das sequências de DNA do genoma humano, mas também para a melhor elaboração de ferramentas para validação dessas sequências identificadas. Por muitos anos, diversas técnicas de biologia molecular surgiram e evoluíram respondendo a cada vez mais perguntas tidas como complexas. Entre esses avanços, a metodologia de microarrays (microarranjos) tem contribuído há mais de duas décadas com a elucidação de várias perguntas biológicas até então não respondidas e é uma das mais poderosas ferramentas usadas em estudos genômicos.
É válido ressaltar a importância de descobertas científicas que abriram caminhos para tecnologias extremamente robustas e de alta complexidade usadas atualmente. Os microarrays surgiram entre as décadas de 1980 e 1990 e a tecnologia evoluiu a partir de um método clássico denominado blot , cujas técnicas são baseadas na teoria de complementaridade de uma molécula a determinada superfície ou fragmento, podendo ser DNA, RNA e/ou proteína ( Southern blot , Northern blot e Western blot , respectivamente).1,2 As primeiras metodologias de blot surgiram em 1938, introduzidas por Edwin Southern, que posteriormente se tornou um dos responsáveis pela implantação dos microarrays comerciais no mundo. A primeira descrição clássica foi feita em 1995, com o uso de microarrays miniaturizados, e, em 1997, o perfil de expressão do genoma do Saccharomices cerevisae foi desvendado com a utilização da técnica. 1-5 A Figura 8.1 mostra um dos primeiros equipamentos utilizados para a confecção e leitura de microarrays . Também em 1995, Steven Fodor desenvolveu a tecnologia de “fotolitografia” e, posteriormente, fundou a primeira empresa de microarrays do mundo, denominada atualmente Affymetrix. 5
Os microarrays são utilizados na detecção e quantificação de ácidos nucleicos (RNA mensageiro, RNA mensageiro na forma de cDNA ou DNA genômico) provenientes de amostras biológicas que, por hibridação e complementaridade, se ligam às probes contidas em determinada superfície. 6 A maior vantagem em estudos de microarrays é a capacidade de investigação de genomas completos e milhares de genes ou sequências simultaneamente no mesmo experimento. Em geral,
os microarrays comerciais fornecem sequências genômicas completas de diversos organismos. 6-8 O método é baseado na complementaridade do DNA-alvo ou RNA-alvo a determinada sequência preestabelecida em uma superfície de aderência. Uma definição mais simples pode ser que uma molécula-alvo sendo estudada em determinada condição pode se ligar por hibridação em “arranjo” predefinido de moléculas denominadas probes (fragmentos de DNA genômico, cDNAs ou oligonucleotídios) quimicamente ligadas a uma superfície sólida, como demonstrado na Figura 8.2. Essas superfícies podem ser lâminas de microscópio ou membranas de náilon revestidas com compostos que conferem carga positiva (método obsoleto), superfícies de quartzo (fotolitográficas), pérolas revestidas aderidas em lâminas, entre outras.5-8
Figura 8.1 A. Imagem do primeiro scanner e spotter desenvolvido pelo grupo do Dr. Fodor na Califórnia. B. Primeira publicação, em 1989, a respeito de química combinatória e microarrays na revista Science. Imagens cedidas por Affymetrix Inc (todos os direi tos reservados).
Figura 8.2 Esquema ilustrativo de uma lâmina de microarray com aumento em certa região e a distribuição das sondas (pontilhado) e hibridação com o DNA-alvo (ondulado).
Os microarrays têm milhares de probes que são complementares às sequências de um genoma de determinado organismo. Assim, é necessário um desenho muito bem elaborado das probes contidas nos microarrays .8 Cada empresa ou laboratório estabelece suas próprias estratégias de confecção de probes, mas há um consenso em relação aos genes mais conhecidos e anotados de determinados genomas. 9,10 Em geral, os bancos de dados públicos de genoma são bem completos e interligados. Bancos de dados como National Center for Biotechnology Information (NCBI), RefSeq, Ensembl e o browser da Universidade de Santa Cruz na Califórnia são exemplos de fontes ricas para construção das sequências. 9-11 As empresas
de microarrays costumam ter bancos de dados próprios indiretamente interligados aos bancos públicos. As probes podem ser de oligonucleotídios (sintéticos), cDNA (DNA complementar), produtos de reação em cadeia da polimerase ( polymerase chain reaction – PCR), beads (pérolas revestidas de DNA) aderidas em lâmina, entre outras. 8-11 Cada companhia ou laboratório tem uma estratégia de incorporação das sondas à superfície dos microarrays . Os tipos in house de microarrays eram denominados “spotados” (baseados em spots ), as probes (oligonucleotídios ou produtos de PCR) são depositadas em superfícies de vidro do tipo lâmina de microscópio com o auxílio de um robô. Esse método foi utilizado por anos, principalmente na academia, uma vez que a construção de sondas era feita em menor densidade e apenas uma parte de determinado organismo era investigada. 10 Atualmente, é considerada uma técnica obsoleta e pouco utilizada em razão de sua baixa reprodutibilidade. Os microarrays de nova geração são baseados em sondas de oligonucleotídios e comercializados por empresas como Agilent, Affymetrix, Illumina, NimbleGen, entre outras. As diferenças entre as companhias são mais relacionadas com o tipo de incorporação de sonda ao microarray e o portfólio de organismos oferecidos. Uma das primeiras metodologias aplicadas aos microarrays comerciais foi a fotolitografia (patente da empresa Affymetrix). 6,7,11,12 A técnica utiliza “máscaras” que direcionam a síntese das probes e a incorporação das bases é feita de acordo com a presença da luz em forma vertical. Tal método possibilita a melhor ocupação do espaço físico nos microarrays e permite a investigação de genomas completos em um único experimento. As probes Affymetrix possuem 25 mers (pares de bases), como mostra a Figura 8.3. A empresa Illumina utiliza beads, ou pérolas, revestidos com os oligonucleotídios que são complementares às sequências estudadas, que têm, em média, 70 mers. Os microarrays Agilent são desenhados em forma de gotas de nucleotídios aderidas a uma superfície do tipo lâmina de vidro, e as probes possuem cerca de 60 mers. 13-15 Em geral, todas as empresas fazem parte de um consenso de qualidade de desenho e cobertura de determinado genoma, mas efetivamente cada metodologia de construção possibilita melhores respostas ao experimento feito. 12,13 A seguir, serão discutidas as aplicações dos microarrays e também suas limitações.
Em virtude da alta complexidade do genoma, da expressão gênica e dos rearranjos cromossômicos, os experimentos envolvendo microarrays requerem alta criteriosidade e planejamento. 14 A definição de desenho experimental detém-se ao conjunto de requerimentos mínimos para sucesso e qualidade dos resultados. O desenho experimental engloba o planejamento do número amostral, o tipo de microarray utilizado, o método de extração do RNA, o tempo de coleta, os operadores, os testes estatísticos escolhidos e a organização do protocolo em si.14-20
Figura 8.3 Esquema ilustrativo da construção dos microarrays Affymetrix e como ocorre a disposição das probes ao longo do microarray .
Em termos de microarrays de expressão gênica, é mandatória uma elaboração cuidadosa do desenho experimental, uma vez que a expressão sofre maiores oscilações do que estudos com DNA.
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
8.
Os casos e controles devem ser pareados e processados conjuntamente. Não se recomenda mudar a semana de experimento entre os casos e os controles. Não se deve mudar o operador da etapa de síntese ou durante as extrações de RNA. O método de extração deve ser único para todas as amostras envolvidas nas comparações. Não se devem utilizar máquinas diferentes ( scanners e estações de lavagem ou mesmo máquina de PCR). O número de amostra deve ser bem delineado, para que se tenha o poder estatístico desejado (aplica-se tanto em estudos de expressão quanto naqueles com microarrays de DNA para estudos de associação). O laboratório deve ter todo o material disponível e estar dentro dos padrões de limpeza necessários. Amostras devem ser processadas em sala de pré e pós-PCR e devidamente sinalizadas. Amostras em pool (conjunto de amostras testadas simultaneamente) devem ser muito bem selecionadas. Muitos grupos preferem o uso de pool de amostra para diminuir custos, porém existe um grande viés estatístico e questões de variabilidade interna que devem ser considerados ao se escolher a utilização de pools de RNA ou DNA.16-18 Replicatas técnicas e/ou biológicas: os microarrays comerciais requerem cada vez menos replicatas técnicas ou biológicas: • Replicatas técnicas podem ser definidas como experimentos independentes com reagentes e estrutura distintos, porém executadas a partir de uma amostra comum • Replicatas biológicas visam à reprodutibilidade biológica, como a execução de três extrações de RNA independentes de um mesmo tecido ou tumor.
A escolha de se realizar as replicatas depende do desenho experimental e da complexidade do modelo estudado.
A expressão gênica é um evento biológico extremamente variável e alterações sutis na execução dos protocolos laboratoriais podem ser decisivas para a obtenção de bons resultados que reflitam os níveis de expressão. 19,20 Por definição e de maneira simplificada, expressão gênica refere-se ao momento que determinado tecido ou célula codifica uma sequência de DNA em RNA mensageiro e este pode ou não ser traduzido em uma proteína, como ilustrado na Figura 8.4. A expressão gênica é tecido-dependente e está relacionada com um timing de necessidades da célula em determinado momento ou condição (Figura 8.5). Os microarrays são aplicados para responder a perguntas sobre como um tecido ou célula se comporta frente a um tratamento ou doença. 7,8,19,20 Um exemplo clássico são os estudos com microarrays para câncer, que abriram novas portas no conhecimento da biologia de vários tumores e definiram novos rumos terapêuticos. Os microarrays podem interrogar milhares de transcritos gênicos (produtos da transcrição) simultaneamente frente a um controle ou a uma amostra “sadia” ( Figura 8.6). Os métodos de microarrays de expressão gênica são baseados na molécula de RNA (RNA mensageiro) e requerem um perfeito método de extração e purificação dela. Atualmente, existem vários tipos de extração de RNA: silica based (coluna de sílica), cetyltrimethylammonium bromide (CTAB), orgânicos ou fenólicos (Trizol, Qiazol), entre outros. 7,19 Os métodos orgânicos são excelentes para obtenção de RNA total, porém os resíduos do produto fenol podem inibir as reações enzimáticas dos protocolos. É preconizado que, após a extração de RNA com métodos orgânicos, seja realizada uma purificação em coluna de sílica para remover resíduos e aumentar a pureza do RNA.
Figura 8.4 Esquema expressão gênica.
Figura 8.5 Exemplo da mudança do perfil de expressão gênica em células do mesmo tecido em resposta à ação de uma substância terapêutica.
Figura 8.6 Sequência de eventos desde a extração de RNA até a checagem de qualidade das amostras em espectrofotômetro e eletroforese capilar.
Outra questão importante em relação aos microarrays refere-se à presença de DNA genômico (DNAg). O DNAg pode atrapalhar a hibridação específica com as probes dos microarrays e, ainda, ser um “coibridante” em protocolos que utilizem cDNA. O ideal é o tratamento das amostras de RNA com DNase (enzima que cliva DNA) naquelas que apresentarem contaminação com DNAg. 7,18-20 É fundamental a checagem da qualidade do RNA após a extração e purificação. Em geral, os laboratórios quantificam as amostras em espectrofotômetro medindo a concentração de RNA total, mas, muitas vezes, o método não fornece noção de contaminação com DNAg, por exemplo. Sugere-se a confecção de gel de agarose a 1%, que pode ser desnaturante ou não; assim, bandas ribossômicas e possíveis DNAg podem ser visualizadas. Para mamíferos, as bandas ribossômicas são denominadas 18S e 28S (porções detectáveis do RNA ribossômico); para outros organismos, o número de bandas pode variar. Em geral, o método padrão-ouro é a denominada eletroforese capilar, como o sistema Bioanalyzer (Agilent). Esse método gera um “gel” hipotético baseado nos picos de eletroferograma fornecido pela leitura das bandas ribossômicas 7,8,20 e oferece uma medida conhecida como RIN, ou razão de integridade, que deve ser acima de 5 para experimentos de microarrays . As etapas de síntese do RNA até hibridação são baseadas também em complementaridade. Habitualmente, os microarrays têm as seguintes etapas: amplificação e produção do DNA complementar (cDNA) com a enzima transcriptase reversa e a incorporação da região T7 promoter , que direciona a transcrição in vitro ; a transcrição in vitro e a biotinilação das moléculas de RNA complementar (cRNA); a fragmentação do cRNA para obter fragmentos compatíveis com o tamanho das sondas dos microarrays (tamanho variável de acordo com a empresa escolhida e hibridação e marcação final (incorporação de fluorescência) que interage com as moléculas de ácido nucleicos biotiniladas e, então, são “lidas” via scanner .15-20 Tal método é baseado em um canal ( one chanel ) de leitura do fluoróforo aderido à biotina. Outras empresas utilizam métodos de marcação dupla com dois fluoróforos denominados CY3 e CY5, no qual uma amostra é marcada com um e outra amostra com o outro fluoróforo e colocadas juntas em um microarray . A diferença de cor da marcação indica qual amostra tem genes mais ou menos diferencialmente expressos (verde e vermelho). A Figura 8.7 resume as etapas principais do protocolo de microarrays segundo o manual da empresa Affymetrix.15
Mensagem final: os microarrays de expressão podem responder a perguntas de como um tecido ou célula se comporta frente a uma condição que pode ser uma patologia ou ação de um medicamento, por exemplo.
Os microarrays de DNA foram desenvolvidos com o intuito de observar alterações ou variações do genoma. Essas variações são baseadas em polimorfismos genéticos, que podem ser do tipo single-nucl eotide-polymorphism (SNP), bem como regiões de copy number variation (CNV, rearranjos grandes em cromossomos, como amplificações, deleções e duplicações).21-23 Em genética, é popular o envolvimento de certos SNP com determinadas doenças ou mesmo uma associação com determinados fenótipos. Os microarrays de DNA, também conhecidos como microarrays de genotipagem e CNV arrays, podem ser aplicados em estudos de ligação ou de famílias, estudos de associação ( genome-wide association ) e também na investigação de alterações do número de cópias e na citogenética molecular. 22,23 Os microarrays de DNA têm alta densidade de probes e alguns podem interrogar cerca de um milhão de SNP em uma única amostra. As probes são desenhadas para cobrir todos os SNP já catalogados em genes do genoma inteiro. Infelizmente, porém, há uma limitação de organismos e microarrays de genotipagem, sendo humanos, bovinos e camundongos os mais bem representados.
Figura 8.7 A. Esquema ilustrativo do experimento de microarray de expressão e posterior detecção com scanner de alta resolução. B. Regiões no array apresentando fluorescência indicam que houve complementaridade e hibridação, de modo que ocorre a detecção da fluorescência. Imagens cedidas gentilmente pela Affymetrix.
É importante ressaltar que os novos estudos de associação, denominados genome-wide association , requerem um grande número de amostras em vista dos testes estatísticos e da complexidade dos genomas em determinadas populações. Em geral, fala-se em milhares de amostras para uma real descoberta de um SNP ou CNV envolvido em determinados fenótipos.22
As técnicas de biologia molecular têm avançado cada vez mais e a fusão das ciências exatas com a biologia provocou uma nova área de conhecimento, denominada bioinformática. A bioinformática une dados de imagens, algoritmos matemáticos, física e estatística e converte tal informação em valor biológico. Inúmeras ferramentas foram desenvolvidas para ajudar as análises de microarrays e, atualmente, existem softwares comerciais e bancos públicos para as análises. Os dados gerados por microarrays são quase infinitos e diversas abordagens estatísticas podem ser feitas com base no desenho experimental (tipo de amostra, casos e controles, número de indivíduos etc.).7 Os softwares comerciais são mais simples e fáceis de operar, não requerendo muitos recursos de computação. Os primeiros dados gerados são imagens, que, em seguida, serão convertidas em dados numéricos brutos, porém sem qualquer correção estatística ou de background . Após a obtenção dos dados não ajustados ou “corrigidos”, as amostras necessitam de uma etapa denominada “normalização”, cujo intuito é diminuir os ruídos metodológicos e as
variações biológicas maiores. Para a etapa de normalização, a metodologia ou algoritmo de normalização, denominado robust multichip analysis (RMA), é um dos mais populares em estudos de microarrays .7,24 Há diversos softwares de estatística/bioinformática aplicados aos microarrays. Em um deles, as análises mais confiáveis são aquelas feitas em mais de um programa estatístico, porém usando testes estatísticos similares e algoritmos que se sobrepõem. As análises para busca de genes diferencialmente expressos ( differentially expressed genes – DEGs) e correções estatísticas podem ser realizadas com programas comerciais (p. ex., Partek Suite, Geneshift, Genespring) e com um tipo de pacote de engenharia gratuito ( online ) denominado Pacote R. O programa Partek usa como teste estatístico ANOVA, ANOVA de duas vias e Teste-t, fornece os valores com p de interesse e, ainda, faz correções para múltiplos testes. As correções para os métodos de testes múltiplos, como taxa de detecção falsa ( false discovery rate – FDR) e família-wise taxa de erro ( family-wise error rate – FWER), devem ser realizadas antes que os genes diferencialmente expressos sejam selecionados e mais análises sejam conduzidas. 25 O sistema R possui um pacote denominado Bioconductor que proporciona maior flexibilidade na escolha do teste estatístico e é considerado um dos melhores programas para microarrays . Os pacotes estatísticos inclusos no R são: significance analysis of microarrays (SAM), rankProd, LIMMA, entre outros. O SAM utiliza em suas análises estatísticas uma série de testes-t específicos para cada gene, ajustados para a detecção de genes diferencialmente expressos em larga escala, como é o caso dos microarrays . Os genes que apresentaram níveis de expressão acima de um limiar-padrão são definidos como DEG significativos. O SAM também faz o cálculo de fold change , que é a razão entre o valor obtido para o experimento tratado pelo valor obtido para o experimento-controle de determinado gene para cada um de seus transcritos, ajustada pela correção de FDR. A correção de FDR foi elaborada por Benjamini e Hochberg 26 e é definida como a proporção esperada de falso positivos entre todos os testes significativos. Com a aplicação da correção por FDR, espera-se que o número de hipóteses nulas rejeitadas caia, em função da eliminação dos falso-positivos, sendo possível a seleção somente das sondas, com maior probabilidade de apresentarem expressão gênica diferencial com base no valor da probabilidade do teste estatístico de hipóteses utilizado na análise.7,24 Após a identificação dos DEG, estes podem ser agrupados de acordo com seus níveis de expressão e categorizados de acordo com suas funções biológicas. Os DEG podem ser incorporados em programas específicos de “clusterização” ou agrupamento e também em vias específicas, definindo melhor a fisiopatologia do estado estudado. Clustering é uma ferramenta de análise exploratória de dados que tem como objetivo agrupar objetos semelhantes às respectivas categorias, de acordo com alguma medida de similaridade. Tipicamente, é utilizado como uma estratégia para apresentar e resumir os dados de microarray no formato de dendrograma ou heatmaps .6 A análise funcional, também definida como enriquecimento funcional, é um método que integra a lista de genes identificados pelos métodos estatísticos e compara com as informações experimentais de um banco de dados de literatura disponível, normalmente público. O programa comercial mais popular em microarrays que gera as vias relacionadas aos DEG é denominado Ingenuity ou Ingenuity Pathways Analysis (IPA). O programa permite visualizar vias metabólicas e celulares e, ainda, atribui funcionalidade aos genes que estão interligados e diferencialmente expressos, facilitando a interpretação biológica dos achados (construção de redes), como mostra a Figura 8.8. Existem também programas de uso online e não comerciais eficazes para construção de vias, agrupamentos gênicos, atribuição de ontologia do gene ( gene ontology – GO) e enriquecimento.24,27 Em termos de análises de dados de genotipagem, a abordagem é diferente e faz-se necessário um critério baseado no tipo de estudo (associação, linkage ou CNV). Atualmente, existem ferramentas poderosas de bioinformática gratuitas para análises de genotipagem e CNV. Vale ressaltar que os dados gerados circundam casas de milhões de marcadores em milhares de amostras e que o poder estatístico requerido é muito alto. As diferenças populacionais também devem ser consideradas em estudos de genotipagem e, muitas vezes, a estratificação populacional dos indivíduos estudados é necessária.
Figura 8.8 DEG agrupados em redes (relação entre genes) com mesma ontologia, de acordo com o software Ingenuity.
Os softwares mais utilizados são: Plink, Haploview, PennCNV, Dchip e Partek, além de algoritmos especiais rodados em Linux, como Perl e STATA. Há diversos algoritmos utilizados para a análise de CNV, entre eles o Hidden Markov Model (HMM), para a determinação dos estados de CNVs (0, 1, 2, 3, 4), em que: • • • • •
Estado 0 = CN de 0 = deleção em homozigose Estado 1 = CN de 1 = deleção em heterozigose Estado 2 = CN de 2 = diploide normal Estado 3 = CN de 3 = ganho de uma única cópia Estado 4 = CN de 4 = ganho de duas cópias.
Os desbalanços são determinados com base nas razões log 2 das intensidades obtidas e as sequências são consideradas amplificadas ou deletadas quando ultrapassam a variação de três desvios-padrão. Existem diversas ferramentas no software que possibilitam a interligação dos achados com bancos de dados externos (UCSC, Toronto DGV e Ensembl), sequências de referências e bancos de dados de hibridação in situ por fluorescência (FISH) e cromossomos artificiais bacterianos (BAC) para investigação em mais detalhes dos genes contidos em determinada região.
Há muita controvérsia em relação à validação dos experimentos de microarrays . Em geral, se o desenho experimental for corretamente delineado, os dados são robustos. O tipo de validação mais comum é o feito com a tecnologia de PCR quantitativa ou em tempo real. A abordagem pode ser aplicada tanto para expressão gênica quanto para validação de genótipos e CNV. Há grupos que validam os experimentos de expressão com qRT-PCR e também com estudos em níveis proteicos, com a técnica de Western blot . Em geral, recomenda-se a validação dos resultados em cerca de 5% dos genes tidos como diferencialmente expressos provenientes da lista dos resultados estatísticos. Para expressão gênica, muitas vezes observa-se a não validação dos resultados obtidos nos microarrays , e isso reflete o desenho equivocado das probes de qRT-PCR ou fenômenos como splicing alternativos.28 Vale ressaltar também que muitos transcritos podem, eventualmente, não ser detectáveis por PCR em tempo real.25 Assim, cada vez mais é possível observar na literatura trabalhos sem uma segunda técnica de validação. 29
O número de estudos envolvendo o uso de microarrays para diversas patologias e modelos ultrapassa a casa de milhares. Muitas descobertas científicas foram feitas utilizando essa metodologia, como a busca de biomarcadores, diagnóstico precoce e até prognóstico de doenças. Há um movimento que leva a novo nível científico, no qual os mecanismos e
fisiopatologia de doenças complexas podem estar mais próximos de serem compreendidos. A nova geração de técnicas de sequenciamento e transcriptoma promete extinguir os microarrays , mas o método tende a sobreviver em virtude de sua confiabilidade e por ser uma tecnologia extremamente robusta. A promessa para o futuro é de que os biomarcadores identificados por microarrays ajudarão no entendimento de uma série de condições, podendo vir a ser diretamente incorporados no diagnóstico, prognóstico e tratamento de doenças. O uso de microarrays é ainda bastante limitado para alguns grupos de pesquisa, por causa de seu custo e também pelo requerimento de um cuidadoso projeto experimental, que envolve a aquisição de amostras de alta qualidade para a escolha da plataforma correta e mais adequada de análise. Outro ponto a se considerar é a necessidade da implementação de ferramentas de bioinformática e análise estatística capazes de gerir e interpretar a enorme quantidade de dados gerados após cada experimento. Esse último parece ser um fator crucial para o sucesso e a reprodutibilidade dos experimentos e a veracidade dos resultados. A tecnologia de microarray pode ser uma ferramenta de triagem importante quando utilizada em um contexto apropriado e acompanhada por métodos adequados de análise de bioestatística e bioinformática, sendo capaz de revelar pistas valiosas relacionadas com a fisiopatologia de doenças complexas.
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A detecção, a identificação e a determinação da suscetibilidade a medicamentos constituem a missão primordial dos laboratórios de microbiologia clínica. Além disso, a realização de testes de resistência/suscetibilidade a medicamentos é de fundamental importância para a adequada tomada de decisões antes e durante o tratamento de pacientes. Contudo, pela frequente demora entre a coleta das amostras e o resultado das culturas, muitas vezes o tratamento do paciente é iniciado com antibioticoterapia empírica, pelo menos até a liberação do laudo laboratorial. Apesar dos esforços que têm sido realizados para o desenvolvimento de métodos de identificação mais rápidos, confiáveis e de adequada relação custo/benefício, atualmente o tempo requerido para identificação dos patógenos, em especial bactérias, tem sido de 24 a 72 h. Nesse sentido, a implantação de métodos moleculares, os quais têm por objetivo captura e/ou amplificação do material genético dos microrganismos, é um campo promissor para a microbiologia clínica, já que essas técnicas são facilmente realizadas, de baixo custo e proporcionam identificação do patógeno de maneira mais rápida que os métodos clássicos ainda hoje utilizados. Além disso, as técnicas moleculares são uma alternativa diagnóstica importante para aqueles microrganismos de crescimento lento em cultura e não cultiváveis. Considerando as metodologias moleculares mais amplamente utilizadas nos laboratórios clínicos, destacam-se a PCR ( polymerase chai n reaction ) e a PCR em tempo real (qPCR), as quais apresentam alta sensibilidade, grande especificidade e permitem a geração de resultados quantitativos. Neste capítulo, serão apresentadas as aplicações clínicas da PCR e suas variações nas áreas de bacteriologia e virologia clínica e micologia médica das principais doenças infecciosas, as quais estão resumidas na Tabela 9.1.
Tabela 9.1
infecciosas.
Principais microrganismos identificados por métodos moleculares em uso no diagnóstico de doenças
O diagnóstico de infecções causadas por bactérias, em especial as fastidiosas e as de crescimento lento, tem sido grandemente beneficiado com a introdução de técnicas moleculares. Essas ferramentas têm a vantagem de permitir rápido diagnóstico, evitando a espera de dias a semanas para o crescimento dos microrganismos em meios de cultura. Além disso, podem auxiliar nos casos em que a cultura é negativa, pela dificuldade de crescimento do organismo e/ou da introdução de terapia antimicrobiana antes da coleta da amostra clínica. Laboratórios de microbiologia clínica têm introduzido sistemas automatizados para cultura e identificação de microrganismos. Alguns desses sistemas também permitem realizar testes de suscetibilidade a medicamentos, mas, em geral, requerem pelo menos 48 h para a liberação do resultado. Além disso, alguns métodos convencionais não apresentam boa acurácia para o teste de suscetibilidade a certos antibióticos. Nesse sentido, métodos moleculares podem auxiliar na diminuição do tempo de identificação de microrganismos. Na bacteriologia, a amplificação do DNA do gene-alvo, molécula extremamente estável, é usada para o diagnóstico. Como o diagnóstico é realizado frequentemente em indivíduos com alguma sintomatologia, a presença do DNA bacteriano, seguido de amplificação de sequências específicas da bactéria, é evidência forte de infecção provocada por dado microrganismo. Na maioria dos casos, reações mostrando presença ou ausência de DNA bacteriano específico são suficientes para se fechar o diagnóstico. Muitos desses testes utilizam sequências específicas de DNA codificando a região 16S de RNA ribossômico (rRNA) ou a região intergênica de 16S a 23S do rRNA, regiões que contêm informação para identificar gênero e espécie de bactérias. A amplificação de sequências de DNA codificand o rRNA tem sido historicamente utilizada para identificação bacteriana, sobretudo porque esses genes são altamente conservados e apresentam alto número de cópias dependendo do gênero. Em bactérias, há três genes que codificam rRNA: 5S , 16S e 23S . O gene 16S rRNA apresenta baixa taxa de mutações, constantes ao longo do tempo. Porções altamente variáveis de 16S proporcionam assinaturas moleculares únicas para aquele gênero e/ou espécie de bactéria. Mais recentemente, foi demonstrado que regiões intergênicas de rRNA também apresentam alto número de cópias, além de serem altamente variáveis entre as espécies, tornando-se, portanto, importantes regiões para identificação desses microrganismos. Oligonucleotídios iniciadores ( primers) específicos e dirigidos tanto para rRNA quanto para regiões intergênicas podem ser utilizados para identificação bacteriana. Nesses casos, quando é observado o produto de amplificação, pode-se dizer que, naquela amostra, há a presença de determinado DNA bacteriano. Embora o rRNA venha sendo usado com sucesso para identificação bacteriana, em alguns gêneros não é possível fazer a discriminação da espécie. Nessas circunstâncias, outros genes podem ser utilizados para se fazer a identificação, como proteínas de choque térmico (heat shock proteins), as quais se mostraram muito úteis em alguns casos. Essas proteínas funcionam como mecanismo homeostático importante para sobrevivência do organismo em condições de estresse. A sequência dessas proteínas é altamente conservada entre as espécies, contudo, para alguns microrganismos, ainda não há informação sobre esses genes e apenas número limitado de patógenos pode ser identificado com essa abordagem. Além desses, diversos marcadores moleculares foram identificados para uma grande variedade de patógenos e têm sido muito úteis na identificação bacteriana. Métodos moleculares também podem ser utilizados na detecção e na identificação de bactérias resistentes a medicamentos. Neste caso, destacam-se bactérias com perfil de multirresistência a antibióticos, por exemplo, Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e Enterococcus spp., resistente à vancomicina (VRE). A seguir, são apresentados as principais bactérias nas quais o diagnóstico molecular pode ser útil, os genes envolvidos na resistência a antibióticos e alguns testes comercialmente disponíveis.
As técnicas moleculares têm contribuído grandemente para a elucidação diagnóstica de doenças que acometem o trato respiratório. A rápida identificação de bactérias responsáveis por pneumonias e infecções pulmonares intersticiais, com a determinação do agente etiológico bacteriano responsável pelo quadro clínico de pneumonia, é de fundamental importância para o estabelecimento de adequada antibioticoterapia no tratamento da pneumonia, tanto para aquelas adquiridas na comunidade q uanto as adquiridas em ambiente hospitalar. A pneumonia é uma das enfermidades do trato respiratório inferior que, se não for rapidamente diagnosticada, pode ser fatal. Há grande diversidade na evolução clínica da doença, sobretudo pela diversidade de agentes etiológicos causadores da doença, pela presença de fatores de virulência e pela imunidade do hospedeiro. Por isso, o diagnóstico precoce e a identificação correta do agente etiológico são fundamentais para o rápido e adequado estabelecimento da terapia antimicrobiana. O agente bacteriano mais comumente envolvido com pneumonia é o Streptococcus pneumoniae (pneumococo), responsável por 30 a 70% dos casos. Contudo, como este microrganismo faz parte da microbiota do trato respiratório humano, a detecção do DNA desta bactéria em amostras clínicas ainda hoje representa um dado complicado de se interpretar. Por sua vez, bactérias como Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae e Legionella estão relacionadas com aproximadamente 48% dos casos de pneumonia. Destas, M. pneumoniae é um dos agentes mais comuns da pneumonia adquirida em crianças e jovens adultos e também está associada a epidemias. Aproximadamente 10 a 20% dos casos de pneumonia, com aumento para 40% dos casos em epidemias, estão relacionados com esse agente. Já a C. pneumoniae é um dos principais agentes causadores de pneumonia atípica em todo o mundo. A identificação da infecção causada por estes ou outros patógenos, com base apenas nos sinais e sintomas clínicos, é praticamente impossível, portanto o diagnóstico laboratorial é de muita importância. Alguns testes comerciais já estão disponíveis para identificar bactérias causadoras de infecção do trato respiratório a partir de colônias isoladas em culturas celulares. O AccuProbe system® (Gen-Probe) utiliza uma sonda de DNA com um marcador quimioluminescente, a qual é complementar ao rRNA do organismo-alvo. A complementaridade entre sonda e alvo forma um híbrido RNA-DNA que emite um sinal fluorescente que, por sua vez, é captado e medido em um aparelho chamado luminômetro. O uso de multicópias de rRNA aumenta a sensibilidade e a especificidade do método. São considerados resultados positivos valores que estão acima do cut-off estabelecido. As principais vantagens são a rapidez no resultado e a alta especificidade e sensibilidade, em especial para Staphylococcus aureus, caso em que especificidade e sensibilidade alcançam 100% e 96%, respectivamente. Contudo, a grande desvantagem dessa metodologia é a necessidade de se utilizar um kit para identificação para cada espécie de microrganismo. Atualmente, esse teste está disponível para identificação de S. pneumoniae, S. aureus, C. pneumoniae e M. pneumoniae. Em relação à bactéria M. pneumoniae, os métodos convencionais para a sua identificação têm várias limitações, especialmente relacionadas com a acurácia. As culturas são demoradas (2 a 5 semanas) e os testes sorológicos que apresentaram melhores resultados foram os pareados, nos quais se detectaram IgM no início da infecção e IgG após certo período. A maior dificuldade nesses testes é que a resposta de IgM pode não ser específica ou até mesmo estar ausente em alguns casos. Nesse sentido, técnicas que utilizam amplificação de ácidos nucleicos são muito úteis para o rápido diagnóstico, permitindo a introdução de adequada antibioticoterapia logo no início da infecção. As amostras clínicas mais empregadas para essas determinações são escarro e lavado broncoalveolar. Contudo, também podem ser utilizados materiais provenientes da nasofaringe e da traqueia. Existem vários métodos e alvos moleculares desenvolvidos in house (métodos manuais testados em laboratórios de pesquisa). Entretanto, testes comerciais já bem padronizados quanto a sensibilidade e especificidade foram desenvolvidos. Entre os testes comercialmente disponíveis, os mais comuns utilizam a estratégia de PCR em tempo real para detecção do M. penumoniae. O Mycoplasma pn Q-PCR Alert kit (Nanogen Advanced Diagnostics) utiliza o sistema Taqman®-MGB e tem como alvo o gene P1 cytadesina de M . pneumoniae. Em trabalho publicado por Touati et al.1, este kit apresentou a melhor sensibilidade analítica e desempenho quando comparado a outros quatro testes comerciais testados no trabalho. O Diagenode detection kit for Mycoplasma pneumoniae/Chlamydophila pneumoniae – R-DiaMCpn® (Diagenode SA, Liège, Belgium) utiliza também PCR em tempo real para amplificação de sequências de ácidos nucleicos específicas de M. pneumoniae e C. pneumoniae. A identificação das espécies é realizada em sistema multiplex, no qual há marcadores de cores diferentes na mesma reação. Dessa maneira, é possível distinguir entre essas duas espécies de bactérias. Já o sistema Venor® Mp-Qp PCR detection kit (Minerva Biolabs GmbH) utiliza a PCR convencional, na qual a identificação é qualitativa e baseada na presença ou ausência do produto amplificado analisado em gel de agarose. O teste também pode ser quantitativo, caso em que é utilizada PCR em tempo real. A plataforma é aberta, compatível com aparelhos termocicladores de diversas empresas. Na micobacteriol ogia, a detecção molecular de Mycobacterium tuberculosis tem sido realizada para identificar e
diferenciar espécies de bactérias pertencentes ao complexo M. tuberculosis , assim como para detectar cepas resistentes a medicamentos. A importância de se usar novas tecnologias para o diagnóstico da tuberculose é que esta doença ainda é um sério problema de saúde pública no mundo, com aproximadamente 2 milhões de mortes anuais. A forma mais comum da doença é a pulmonar, e o diagnóstico baseia-se na detecção dos bacilos por microscopia ou cultura dos espécimes clínicos. Embora a cultura seja o método mais sensível, o crescimento das micobactérias é bastante lento e o resultado do exame costuma demorar semanas para ser concluído. Por sua vez, a bacterioscopia do escarro ou lavado broncoalveolar é uma metodologia rápida, específica e de baixo custo, mas apresenta baixa sensibilidade. Por isso, grande esforço tem sido realizado para tornar os testes diagnósticos mais rápidos e sensíveis. O diagnóstico molecular da tuberculose pode ser realizado diretamente a partir de amostras como escarro e lavado broncoalv eolar, em que o objetivo é a amplificação de sequências específicas de ácidos nucleicos do complexo M. tuberculosis. Em laboratórios de pesquisa, já foram descritos muitos sistemas e genes-alvo para amplificação. A desvantagem é a grande heterogeneidade quanto à acurácia desses métodos. Contudo, alguns testes comerciais já se encontram disponíveis e as principais diferenças entre eles são a sequência a ser detectada e a sensibilidade e especificidade de cada um deles. Clinicamente, a grande importância desses testes baseia-se tanto na possibilidade de se realizar um diagnóstico precoce de tuberculose (aproximadamente 60% dos casos de pacientes com bacterioscopia negativa e posterior cultura positiva) quanto na diferenciação das micobactérias pertencentes ao complexo M. tuberculosis daquelas não pertencentes a esse grupo. O teste de amplificação de ácido nucleico (NAAT) Mycobacterium Tuberculosis Direct Test (MTD, Gen-Probe), aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), utiliza como alvo o rRNA das micobactérias. Neste ensaio, o produto de amplificação produzido é detectado usando-se son da de DNA marcada com acridina (marcador fluorescente de ácidos nucleicos) e fazendo a leitura da reação em equipamento luminômetro. Já o COBAS® Taqman® MTB test (Roche Diagnostics) utiliza o gene 16S do rRNA micobacteriano para amplificação e detecção por PCR em tempo real. Para distinguir entre as diversas espécies de micobactérias, existem no mercado dois testes que usam a tecnologia DNAstrip. Neste caso, o DNA ou RNA do microrganismo é amplificado por PCR ( amplicon) e o produto gerado é desnaturado e adicionado a tiras ( strips) contendo sondas de DNA específicas para regiões de rRNA de diferentes espécies de micobactérias. Após incubação do material amplificado com as strips, ocorre a marcação do híbrido seguida da revelação, a qual produz bandas facilmente visualizadas. A leitura do padrão de bandas formadas indicará a espécie de micobactéria. Os testes comerciais que utilizam essas metodologias são GenoType® Mycobacterium CM/AS e GenoType® Mycobacterium MTBC (HAIN lifescience) e INNO-LiPA® Mycobacteria V2 (Innogenetics). Esta mesma tecnologia também tem sido empregada para detectar cepas de micobactérias resistentes ou suscetíveis a medicamentos. Este é o caso do Genotype® MTBDR plus, no qual são identificadas mutações no gene rpoB para determinação de resistência à rifampicina; no gene katG, para alta resistência à isoniazida; e promotor de inhA, para baixa resistência à isoniazida. Por sua vez, uma plataforma totalmente automatizada foi desenvolvida para identificação de micobactérias do complexo M. tuberculosis e determinação da suscetibilidade à rifampicina. O princípio do método baseia-se na detecção de sequências específicas de DNA em nested RT-PCR, no qual cinco diferentes sondas de DNA são usadas em reação multiplex. Cada sonda é complementar a uma sequência-alvo diferente dentro do gene rpoB. O padrão de amplificação indicará se o isolado clínico é resistente ou não à rifampicina. Apesar dos resultados promissores e dos kits comercializados, os testes foram aprovados pela FDA apenas para o diagnóstico de tuberculose pulmonar, utilizando escarro e lavado broncoalveolar como amostras clínicas. A sensibilidade e a especificidade foram altamente variáveis, possivelmente por causa da heterogeneidade das amostras avaliadas. Com base nessas informações, ainda não é recomendada a completa substituição dos testes convencionais para o diagnóstico da tuberculose pulmonar, assim como também não é indicado que os testes moleculares sejam utilizados para monitorar o tratamento dos pacientes. No Brasil, ainda estão sendo realizados estudos para validação e determinação da acurácia desses métodos.
A doença diarreica ainda hoje é causa de mortalidade e morbidade em todo o mundo. Suas causas podem ser infecciosas, incluindo agentes bacterianos, vírus, parasitas e toxinas produzidas por bactérias entéricas, e não infecciosas, por exemplo, por intolerância a lactose e glúten. Quanto às infecções intestinais, sua ocorrência está ligada tanto a fatores inerentes ao hospedeiro, como imunidade e motilidade do trato intestinal, quanto àqueles ligados ao agente, destacando-se os fatores de virulência e quantidade do inóculo. A doença é geralmente autolimitada, podendo ser acompanhada de náuseas, febre e dor abdominal. Quando ocorrem complicações, normalmente estão relacionadas com o desequilíbrio hidreletrolítico, o qual, quando muito grave,
pode levar ao óbito por conta de choque hipovolêmico e/ou hipotassemia. Considerando agentes bacterianos, Bacillus cereus, Campylobacter , Vibrio cholera, Escherichia coli , Yersinia, Shigella e Salmonella são as bactérias mais comuns causadoras de diarreia adquirida na comunidade, sobretudo em países em desenvolvimento. Já Clostridium difficile vem sendo relacionado com a enfermidade adquirida em ambiente hospitalar. A Tabela 9.2 mostra os principais microrganismos causadores de diarreia e o modo de transmissão. O agente etiológico da doença diarreica é diagnosticado apenas com exame laboratorial, uma vez que os sinais e sintomas clínicos são muito parecidos entre as diferentes etiologias da doença. Considerando que a doença é quase sempre autolimitada, nem sempre é necessário realizar o diagnóstico laboratorial. Contudo, a importância de se conhecer o agente causador está relacionada sobretudo com a adoção de corretas medidas preventivas, visando a evitar e controlar potenciais surtos e direcionar o tratamento em indivíduos imunocomprometidos. A presença da microbiota normal é um fator que dificulta a detecção de patógenos entéricos. Essa microbiota surge após o nascimento e, perto de 1 ano de idade, já se encontra estabelecida. Um adulto normal apresenta em torno de 10
11
a
10 12 microrganismos por grama de fezes. O grande desafio é conseguir detectar vários enteropatógenos em meio complexo. Nos métodos convencionais, a coprocultura (cultura de fezes), os métodos imunológicos e a microscopia são os mais utilizados para o diagnóstico do agente causador de diarreia. Entretanto, utilizando essas metodologias, apenas um número limitado de bactérias enteropatogênicas é diagnosticado, uma vez que muitos fatores podem contribuir para as análises, como tempo entre coleta e processamento da amostra, uso de antibióticos e variações dos meios e das condições de cultura. Além disso, o processamento é moroso e consome vários dias para se conhecer o resultado final. Considerando-se as características inerentes às técnicas tradicionais, o tempo para realização do exame laboratorial e o fato de a doença geralmente ser autolimitada, o diagnóstico diferencial da doença diarreica não é realizado na maioria dos casos. Estudos que utilizam técnicas convencionais mostraram que a etiologia dos casos de diarreia ainda permanece desconhecida entre 60 e 80% dos casos.
Tabela 9.2
Principais agentes bacterianos causadores de diarreia, grupo etário da maioria dos casos e modo de transmissão.
Adaptada de CDC, 1990.2
Contudo, a identificação dos agentes etiológicos da doença diarreica é crucial em casos de surtos, para o estabelecimento de medidas de prevenção, e, em pacientes imunocomprometidos, para o estabelecimento de adequada terapia. Cerca de 40% dos pacientes HIV positivos relatam pelo menos um caso de diarreia por mês, índice que aumenta com a diminuição da população de células T CD4 +. A implantação de técnicas moleculares tem melhorado o diagnóstico desses enteropatógenos, tanto em indivíduos imunocompetentes quanto nos imunocomprometidos, além de auxiliar nos estudos epidemiológicos. Alguns métodos moleculares já estão disponíveis para diagnóstico de Shigella, Yersinia, Campylobacter , C. difficile e cepas de E. coli. Grande parte dessas metodologias utiliza a PCR para identificação das espécies bacterianas. A técnica de
PCR para enterobactérias é uma metodologia fácil e rápida de ser realizada, com a vantagem de diminuir muito o tempo de identificação desses patógenos. Alguns estudos comparativos mostraram que, para identificar enteropatógenos, a sensibilidade e a especificidade da PCR foram muito similares às das metodologias convencionais, quando não superiores. Outra vantagem é a detecção até mesmo quando há número reduzido de bactérias, característica importante em infecções causadas por Shigella, na qual poucos microrganismos já podem desencadear a doença. Já para E. coli, pela existência de cepas comensais e cepas enteropatogênicas, apenas a identificação deste microrganismo não é suficiente para fechar o diagnóstico. Existem algumas metodologias, como PCR em tempo real multiplex, que podem ser usadas para detectar os subtipos de E. coli. Entre os métodos disponíveis comercialmente, o CLART® EnteroBac (Genomica) faz a identificação molecular dos enteropatógenos diretamente na amostra fecal. Esta plataforma utiliza um sistema que detecta Salmonella spp. (todas as espécies descritas), Shigella spp. (S. dysenteriae, S . sonnei, S . boydii e S . flexneri), Yersinia spp. (Y . pestis, Y . pseudotuberculosis, Y . enterocolitica), Campylobacter spp. (C . lari, C . laridis, C . upsaliensis, C . jejuni, C . coli), Campylobacter jejuni , Campylobacter coli, Escherichia coli enteropatogênica EPEC ( E . coli êntero-hemorrágica, E . coli enteroinvasiva, E . coli enterotoxigênica e E . coli enteropatogênica), Clostridium difficile B e Aeromonas spp., produtores de aerolisina. Nesse sistema, é realizada amplificação por PCR de regiões específicas de enterotoxinas e fatores de virulência para os microrganismos anteriormente descritos e de genes constitutivos para Salmonella spp. e Campylobacter spp. Durante a amplificação, os produtos formados são marcados com biotina e, posteriormente, hibridados com uma matriz contendo sondas para esses alvos. A detecção é realizada incubando os híbridos com estreptavidina-peroxidase. Após incubação com o substrato da enzima, o precipitado formado se deposita no local. A leitura é realizada em aparelho específico para este fim. Outras empresas também disponibilizam testes comerciais utilizando a metodologia de PCR em tempo real para identificar tais patógenos. Esse é o caso de Seeplex Diarrheae (Seegene) e Kit Series of Pathogen of Infectious Diarrhea (Mo Bi Tec). A detecção de C. difficile pode ser realizada pela plataforma Gene Xpert® C. difficile e C. difficile/Epi (Cepheid), a qual é um sistema automatizado baseado em PCR em tempo real. A identificação é baseada na detecção do gene da toxina B do patógeno. Algumas dessas técnicas também já vêm sendo usadas na identificação de microrganismos enteropatogênicos em amostras de alimentos. Este é um avanço importante para a confirmação de casos de alimentos suspeitos de contaminação. Uma PCR multiplex foi desenvolvida para detectar genes de virulência de E. coli (cepa O157:H7), Salmonella , Staphylococcus aureus, Listeria monocytogenes e Vibrio parahaemolyticus em amostras de alimentos. O ensaio mostrou-se mais rápido e de menor custo quando comparado aos métodos tradicionais. O Helicobacter pylori é a bactéria que causa infecção na mucosa gástrica e, além disso, há uma forte associação entre a presença do microrganismo e o desenvolvimento de gastrite e adenocarcinoma gástrico em alguns pacientes. Acredita-se que mais de 50% da população mundial esteja infectada com a bactéria, sendo que a maioria dos casos encontra-se em países em desenvolvimento. Há grande variedade de métodos diagnósticos para detecção do patógeno, os quais podem ser realizados usando-se amostras coletadas por procedimentos invasivos (endoscopia) e não invasivos. Amostras coletadas com métodos invasivos, nos quais fragmentos do tecido gástrico podem ser recolhidos, são frequentemente usadas para detectar infecção ativa. Tais métodos incluem cultura do H. pylori e detecção de urease. Contudo, considerando que a bactéria requer meios de transporte especiais, semeadura após 2 h de coleta (tempo máximo) e condições de crescimento específicas, os procedimentos de cultura não são realizad os com frequência. Já a utilização de métodos não invasivos para o diagnóstico de H. pylori é recomendada apenas em algumas circunstâncias, como em pacientes que não requerem exame histológico (p. ex., pacientes com histórico de uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroidais) e seguimento de tratamento para H. pylori. Entre os métodos não invasivos, encontram-se sorologia, pesquisa de antígenos nas fezes, teste respiratório da ureia e métodos moleculares. O diagnóstico molecular de H. pylori tem se beneficiado dos avanços da biologia molecular. Além da detecção de ácido nucleico do patógeno em amostras de biopsias, métodos moleculares podem auxiliar nas análises de diversidade, virulência e persistência e detectar resistência a medicamentos. Testes moleculares podem ser realizados em amostras coletadas por métodos não invasivos, como escova orofaríngea, fezes e método da cápsula duodenal (Entero-test®, HP HDC Diagnostic), no qual uma cápsula é deglutida com um cordão absorvente cuja extremidade final fica localizada na boca, enquanto a outra desce pelo tubo digestivo e é posteriormente recuperada para análise. A PCR em tempo real, a amplificação isotermal e as técnicas de hibridação apresentaram bons resultados tanto para detectar H. pylori quanto para identificar resistência a antibióticos, em especial à claritromicina, que é agente-chave na combinação de terapias usadas para o tratamento da infecção. Na detecção molecular deste microrganismo, a diversidade genética, às vezes até no mesmo paciente, é um grande desafio para o diagnóstico. Entre os genes que devem ser testados, estão ureA e ureC (também denominado glmM ), os quais apresentam boa sensibilidade, mas pouca especificidade. Também deve ser considerada a análise do rRNA 16S, o qual tem sido uma importante ferramenta para diferenciar H. pylori.
Mutações no gene gyrA estão relacionadas com a resistência à fluoroquinolona. Já mutações nos genes porD e oorD de H. pylori indicam resistência à furazolida. Múltiplas mutações em pbp1 podem levar a resistência à amoxicilina. Por sua vez, a resistência a macrolídeos, principalmente à claritromicina, é uma enorme causa de falha no tratamento e está relacionada com a perda de ligação dos macrolídeos ao componente rRNA 23S (23S rRNA). Mutações pontuais e espontâneas neste alvo, em especial na região de peptidiltransferase do gene 23S rRNA, foram detectadas, sendo as mais frequentemente observadas as A2142C e A2143C. Outros pontos de mutação foram também encontrados, mas são menos frequentes. Tais mutações podem ser detectadas usando PCR em tempo real empregando jogos específicos de oligonucleotídios iniciadores. Comercialmente, o teste GenoType® HelicoDR (Hain Lifescience) detecta a bactéria em amostras de biopsias e cultura e também identifica resistência para fluoroquinolonas e claritromicina utilizando a metodologia DNA-strip.
A detecção molecular de bactérias transmitidas sexualmente proporcionou uma grande melhora no diagnóstico laboratorial das doenças provocadas por esses microrganismos. Este fato está intimamente ligado a maior sensibilidade desses métodos em relação às técnicas convencionais. Além disso, nas técnicas convencionais, é necessário o uso de metodologia invasiva para coleta das amostras, como uso de espéculo vaginal nas mulheres e swab uretral em homens. Esses procedimentos são causa de constrangimento e desconforto para os pacientes. Para detecção molecular desses patógenos, a coleta das amostras clínicas pode ser realizada de maneira não invasiva, podendo ser utilizadas a autocoleta da primeira urina (jato inicial) ou até mesmo swabs vaginais. A urina mostrou-se um bom material clínico para ser usado no diagnóstico molecular de Chlamydia trachomatis tanto em homens quanto em mulheres. A sensibilidade e a especificidade foram equivalentes às das amostras coletadas por procedimentos invasivos. Amostras coletadas por swab vaginal apresentaram a mesma sensibilidade que amostras coletadas na cérvice. Vale ressaltar que infecção por C. trachomatis é muito frequente em países desenvolvidos. No Brasil, ainda não foi realizado levantamento da prevalência da bactéria, e apenas alguns trabalhos pontuais têm sido publicados. A bactéria é o agente etiológico do linfogranuloma venéreo (LGV), mas também pode causar tracoma (doença oftálmica que compromete córnea e conjuntiva), conjuntivite e pneumonia em recém-nascidos e, em casos mais graves, infertilidade. O diagnóstico dos casos assintomáticos é fundamental para realização de tratamento e monitoramento desses indivíduos, diminuindo a prevalência da doença. O ensaio de PCR tem se mostrado eficiente em detectar infecção assintomática de C . trachomatis. Essa metodologia é capaz de detectar rapidamente pequenas quantidades de DNA ou RNA das amostras clínicas. A sensibilidade dessas técnicas é cerca de 20% maior que a cultura, a pesquisa de antígenos por ensaio de ELISA ( enzyme linked immuno assay ) ou a imunofluorescência direta. Contudo, a especificidade e a sensibilidade da técnica dependem, entre outros fatores, dos oligonucleotídios iniciadores utilizados, do tipo de amostra, da população e do método de detecção. A PCR convencional é a técnica mais comumente utilizada, na qual a detecção do fragmento amplificado é realizada por eletroforese em gel de agarose (método qualitativo). Já a captura híbrida utiliza sonda específica marcada com enzima para capturar o produto amplificado. A amplificação de genes do plasmídio de C . trachomatis é a técnica considerada mais sensível, uma vez que podem conter de 7 a 10 cópias de DNA bacteriano. Alguns estudos têm usado o gene momp do genoma da bactéria, o qual dispõe de apenas uma cópia para confirmação de casos positivos ou discordantes. Além de melhorar o diagnóstico de C . trachomatis, a PCR pode auxiliar na genotipagem desse microrganismo. Os diversos sorotipos encontrados estão relacionados com diferentes apresentações clínicas: os sorotipos A, B, Ba, C estão associados ao tracoma endêmico; L1, L2, L3, ao LGV; D, E, F, G, H, I, J, K, a infecções genitais e em neonatos. Tradicionalmente, são empregadas técnicas sorológicas usando painel de anticorpos monoclonais para discriminação desses sorotipos. No entanto, técnicas como Restriction Fragment Length Polymorphism (RFLP) ou sequenciamento de fragmentos específicos de DNA pós-amplificação (p. ex., o gene omp1) permitem a genotipagem dessas bactérias. Atualmente, já estão disponíveis no mercado testes para detecção molecular de C . trachomatis. Os testes já aprovados pela FDA incluem COBAS® AMPLICOR® C. trachomatis Assay (Roche Molecular Systems), o qual é baseado na PCR; LCX® C. trachomatis Assay (Abbott Laboratories), o qual usa oligonucleotídios que se ligam em regiões adjacentes do gene-alvo e são posteriormente unidos por enzimas específicas (ligases), formando um produto que será amplificado nos próximos ciclos – Ligase Chain Reaction (LCR); e Gen-Probe® Aptma® Assay for C. trachomatis (Gen-Probe) que utiliza a metodologia transcription-mediated amp lification assay , a qual é baseada na amplificação de rRNA bacteriano. Outra bactéria comumente encontrada em infecções genitais é Neisseria go norrhoeae , agente etiológico da gonorreia. No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostraram que a gonorreia é a principal infecção bacteriana encontrada em indivíduos que apresentaram algum tipo de infecção no trato geniturinário e que procuraram serviços de saúde
especializados em doenças sexualmente transmissíveis (DST). N . gonorrhoeae causa cervicite, em mulheres, uretrite, faringite e proctite, em ambos os sexos. Podem surgir sequelas da doença quando não tratada, como doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica e infertilidade em mulheres. Em homens, as sequelas incluem epidermite, prostatite e estreitamento uretral. Infecções oculares podem ocorrer em recém-nascidos de mães com infecção vaginal. Quanto ao diagnóstico laboratorial, embora a cultura seja considerada o padrão-ouro para o diagnóstico desse microrganismo, a bactéria frequentemente não resiste a condições de transporte tradicionais, sobretudo quando o tempo entre a coleta da amostra clínica e a cultura é muito longo. Desse modo, testes imunológicos que usam detecção de antígenos de N . gonorrhoeae têm sido cada vez mais utilizados. A vantagem dessa metodologia é que não há necessidade de cultivo do patógeno. Nos últimos anos, técnicas moleculares para o diagnóstico da gonorreia vêm sendo cada vez mais utilizadas. A principal vantagem sobre a detecção de antígenos é a possibilidade de se detectar o microrganismo em amostras co letadas por técnicas pouco invasivas, como urina e swab vaginal. A detecção molecular de N . gonorrhoeae em urina masculina foi muito similar em relação às amostras coletadas por swab uretral. Contudo, em mulheres, a detecção de N . gonorrhoeae foi mais baixa em urina em relação às amostras tradicionais. O uso de swabs vaginais poderia melhorar a sensibilidade do teste. Outra vantagem da aplicação de métodos moleculares em amostras coletadas com swabs é a facilidade de transporte, uma vez que o DNA se mantém íntegro por longos períodos. Além disso, na mesma amostra, é possível testar outros patógenos além da N. gonorrhoeae, por exemplo, C. trachomatis e Klebsiella granulomatis (agente etiológico da donovanose). Portanto, apesar do alto custo de execução do teste, as vantagens de se poder testar mais de um patógeno e o uso da autocoleta devem ser argumentos levados em consideração para a implantação dessa metodologia no laboratório de análises clínicas. Uma das desvantagens da técnica é a impossibilidade de ser usada como critério de cura, já que o DNA de N. gonorrhoeae pode estar presente mesmo após semanas de tratamento e a cura da infecção. Além disso, cuidados na manipulação para evitar contaminação cruzada, controles de amplificação e inibição devem ser rotineiramente usados. Plataformas automatizadas, como COBAS® AMPLICOR® CT/NG (Roche Diagnostic Systems), já foram desenvolvidas para o diagnóstico de C. trachomatis e N. gonorrhoeae e minimizam os riscos de resultados falsos-positivo decorrentes de contaminação. A especificidade e a sensibilidade da PCR dependem, entre outros fatores, do tipo e da qualidade da amostra, assim como dos oligonucleotídios iniciadores utilizados. Contudo, método de PCR multiplex em tempo real para coamplificação de C. trachomatis e N. gonorrhoeae apresentou boa sensibilidade (92,3%) quando comparado à cultura. Entre os testes comerciais disponíveis, estão o COBAS® 4800 CT/NG Test (Roche) e o Abbott® RealTime CT/NG Assay (Abbott). Já o BD ProbTec® ET System (Becton Dickinson) proporciona um sistema de amplificação isotermal por PCR em tempo real, no qual é possível detectar simultaneamente C. trachomatis e N. gonorrhoeae em apenas 1 h. Além desses, alguns ensaios comerciais fazem uma etapa de captura de sequências específicas de ácidos nucleicos de C. trachomatis e/ou N. gonorrhoeae e, posteriormente, realizam amplificação das sequências capturadas. O APTIMA® Combo 2 Assay (Gen-Probe) captura sequências de rRNA da região 23S de C. trachomatis e 16S de N. gonorrhoeae. O RNA capturado é utilizado como molde para fazer sequências de DNA complementar. Esse DNA é então usado para produzir milhares de moléculas de RNA específicas. Sondas de DNA fluorescentes específicas para cada sequência são adicionadas e posteriormente detectadas em equipamento apropriado. Já a captura híbrida (HC2, Digene Corporation) usa sondas de DNA que se ligam em sequências específicas de N. gonorrhoeae e/ou C. trachomatis de uma única amostra clínica, e o sinal é amplificado utilizando anticorpos marcados específicos para o híbrido formado. Outras bactérias sexualmente transmitidas, como Treponema pallidum – agente etiológico da sífilis –, ainda não tiveram métodos moleculares completamente padronizados. Para a sífilis, a sorologia ainda é o método mais eficaz e de mais baixo custo. Alguns poucos ensaios de amplificação vêm sendo desenvolvidos em laboratórios de pesquisa para auxiliar no diagnóstico de pacientes coinfectados pelo HIV, uma vez que esses indivíduos apresentam baixa de anticorpos em virtude da imunodeficiência.
As meningites compreendem um grupo de doenças de diferentes etiologias que levam a processo inflamatório das meninges, membrana que envolve o cérebro. Podem ser causadas por bactérias, fungos ou vírus e também podem ser assépticas. Entre as meningites bacterianas, existem diferentes agentes etiológicos envolvidos, sendo os mais comumente encontrados: Neisseria meningitidis (meningococo), Streptococcus pneumoniae , Mycobacterium tuberculosis e Haemophilus influenzae . Pelo potencial para causar surtos e pelas significativas morbidade e mortalidade dos pacientes, a doença requer rápido e diferencial diagnóstico dos outros tipos de meningites, sobretudo para implantação de adequada terapia antimicrobiana. A principal via de transmissão é por contato direto com secreções das vias respiratórias de
indivíduo doente. Já a meningite causada por M. tuberculosis é uma complicação da tuberculose pulmonar. O diagnóstico da meningite é realizado tanto clinicamente, avaliando-se sinais e sintomas do paciente, quanto laboratorialmente, identificando-se o agente patogênico. As amostras clínicas coletadas do paciente são sangue e líquido cefalorraquidiano (LCR). No sangue, são realizados os seguintes exames: cultura (hemocultura), para identificar a espécie bacteriana; aglutinação pelo látex, para detectar antígenos bacterianos específicos de cada espécie de bactéria no soro dos pacientes; e contraimunoeletroforese, também para identificar antígenos bacterianos no soro. Embora a análise de bactérias no sangue forneça fortes evidências do agente etiológico da meningite, o exame do LCR é fundamental para se confirmar o diagnóstico. Atualmente, a cultura do LCR ainda é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico da doença. Contudo, testes adicionais, como coloração de Gram do LCR, teste de aglutinação de látex e PCR, são ferramentas úteis na identificação do agente etiológico da meningite. As técnicas moleculares podem fornecer resultados mais rápidos no diagnóstico das meningites, quando comparadas à cultura do microrganismo, a qual, frequentemente, é mais demorada. Outra vantagem importante é que se consegue obter resultados positivos mesmo quando a cultura é negativa, em especial naqueles pacientes que já iniciaram a antibioticoterapia. Os testes de amplificação de ácidos nucleicos têm por objetivo detectar a presença do DNA bacteriano nas amostras de LCR. Dados da literatura sobre a especificidade e a sensibilidade da técnica de PCR para diagnóstico de meningite bacteriana ainda são controversos. Alguns estudos, usando o LCR de casos confirmados de meningite bacteriana como amostra clínica, mostraram que a PCR convencional apresentou maior sensibilidade para detecção de Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae , quando comparada à cultura desses patógenos. Entretanto, em outros trabalhos, esses parâmetros foram considerados mais baixos em relação à técnica de referência. Portanto, considerando que técnicas moleculares não estão completamente validadas para o diagnóstico da meningite, esta metodologia não deve ser ainda utilizada como rotina diagnóstica e somente deve ser usada como teste complementar.
Muitos mecanismos de resistência a antimicrobianos já foram descritos até hoje, possibilitando usar, além da cultura, outras metodologias para detectar e/ou confirmar resistência a certos antibióticos. Nos métodos tradicionais, a obtenção do resultado de antibiograma pode demorar entre 48 e 72 h. A aplicação de ferramentas moleculares pode diminuir o tempo para obtenção do resultado, assim como permitir análise de grande número de amostras ao mesmo tempo. Além disso, alguns métodos vêm sendo desenvolvidos para determinar a resistência diretamente de amostras clínicas. Contudo, são necessários alguns cuidados na interpretação desses resultados, uma vez que a simples presença de gene de resistência pode não indicar alta resistência a um antimicrobiano. Em alguns microrganismos, a produção de betalactamases – enzimas que hidrolisam antibióticos do grupo dos betalactâmicos – pode estar muito baixa, insuficiente para levar resistência ao patógeno. Por sua vez, métodos moleculares de detecção de resistência bacteriana são muito úteis para microrganismos de crescimento lento, não cultiváveis e para identificação de mutações em alguns genótipos. A resistência bacteriana a agentes antimicrobianos pode ser causada por vários e diferentes mecanismos, como: •
Ação direta sobre o agente antimicrobiano: o microrganismo passa a expressar enzimas específicas que inativam o agente antimicrobiano
•
Ação indireta: expressão de moléculas que apresentam funcionalmente a mesma atividade do alvo inibido pelo agente antimicrobiano; mutação no alvo, reduzindo a ligação do agente antimicrobiano; superprodução do alvo do agente antimicrobiano
•
Ação sobre o transporte: expressão de moléculas que impedem ou diminuem a captação do agente antimicrobiano; ativo efluxo do agente antimicrobiano.
Os agentes antimicrobianos mais amplamente utilizados são os pertencentes ao grupo dos betalactâmicos, dos quais a penicilina e seus derivados fazem parte. Esses antibióticos agem sobre a proteína ligadora de penicilina (PBP), envolvida na síntese da parede celular bacteriana. A resistência a esse grupo de medicamentos microbianos está associada à presença de betalactamases e mutações no gene que codifica a PBP, levando à diminuição de afinidade da molécula pelos antibióticos. Os genes que codificam para betalactamases podem estar localizados em plasmídios ou cromossomos. As betalactamases podem ser classificadas de A até D, de acordo com a sequência de nucleotídios. Nas classes A, C e D, existe um resíduo serina no local ativo da enzima, enquanto na classe B há quatro átomos de zinco neste local. Na classe A, estão agrupadas enzimas com grande atividade para benzilpenicilina, assim como as lactamases de espectro estendido (ESBL), as quais têm atividade sobre benzilpenicilina e algumas cefalosporinas e/ou monobactâmicos. As
enzimas da classe B agem igualmente sobre penicilinas, cefalosporinas e algumas inativam também carbapenemas. As enzimas da classe C podem ser superexpressas quando ocorrem certas mutações. Na classe D, estão agrupadas as enzimas que hidrolisam a oxacilina. O tratamento de infecções causadas por patógenos resistentes a vários tipos de antibióticos é de alto custo para hospitais e centros de saúde, além de representar causa de morbidade e mortalidade nos pacientes. Entre os microrganismos que apresentam resistência a vários tipos de antibióticos, destacam-se Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e Enterococcus spp. resistente à vancomicina (VRE). A implantação de sistema de vigilância para MRSA e VRE pode ser muito dispendiosa. Além disso, usando os métodos tradicionais de cultura, a obtenção de resultados positivos pode demorar muitos dias. PCR em tempo real para detectar MRSA e VRE apresentaram resultados promissores, simplificando o processo de detecção e proporcionando resultados valiosos em poucas horas. Tanto a técnica de PCR quanto a PCR em tempo real aumentaram a sensibilidade de detecção do patógeno, em relação à cultura. Testes comerciais usando plataformas de PCR em tempo real encontram-se disponíveis para detecção de MRSA e VRE. A discriminação de MRSA de outros S. aureus é realizada pela detecção dos genes mecA e mecC , os quais são responsáveis por esta resistência. Também podem ser analisados os genes vanA e vanB, que conferem resistência a glicopeptídios e genes que codificam β-lactamases de amplo espectro. A expressão destes genes pode ser constitutiva ou induzida por alguns tipos de antibióticos betalactâmicos. Usando PCR multiplex, pode-se analisar simultaneamente a presença dos genes mecA e nuc (nuclease termoestável de S. aureus), que funcionam como controle interno da reação. A pesquisa de outros genes comuns para todas as cepas de S. aureus pode, também, ser realizada para evitar falso-negativo na caracterização de MRSA. Podem ser alvos de controle interno os genes gyrA, holB, rRNA 16S , femA e femB de S. aureus. Dessa maneira, é possível realizar rápida detecção molecular de S. aureus e confirmação de MRSA de culturas suspeitas. Os testes BD MAX® MRSA Assay (BD), Xpert® MRSA/SA (Cepheid) e LightCycler® MRSA Advanced test (Roche) estão entre os ensaios aprovados pela FDA. Para VRE, a resistência à vancomicina é determinada pela presença de vários genes: vanA, vanB, vanB2, vanC1, vanC2, vanC3 e vanD. Usando métodos convencionais de identificação, a caracterização dessas bactérias demora cerca de 48 h. Com métodos moleculares, a detecção de colônias suspeitas pode ser mais rápida. Contudo, em relação à sensibilidade da técnica, dados da literatura ainda são controversos: alguns estudos mostraram baixa sensibilidade, enquanto outros apresentaram boa sensibilidade e especificidade, quando comparados ao método da cultura (padrão-ouro). Comercialmente, o kit Xpert® vanA/vanB (Cepheid) avalia a presença de vanA e vanB diretamente de amostras fecais ou de swab perianal por PCR em tempo real em sistema completamente automatizado. Importante dizer que, além da PCR e da PCR em tempo real, outras metodologias também têm sido desenvolvidas e aplicadas na detecção molecular de genes de resistência a medicamentos. Entre elas, destacam-se: DNA microarrays; Luminex XMAP Technologies, a qual utiliza uma metodologia de hibridização e captura de ácidos nucleicos para rápida identificação de polimorfismos de um único nucleotídio (SNP); next generation sequencing (NGS), que faz o sequenciamento do genoma inteiro do microrganismo; hibridização in situ por fluorescência (FISH); FRET, que usa, para hibridização, sondas não nucleotídicas marcadas com um reporter e moléculas quencher ; e espectrometria de massa. Contudo, algumas das técnicas citadas são dispendiosas e ainda não se encontram disponíveis e completamente padronizadas para utilização na rotina de laboratórios de microbiologia clínica. Ainda assim, representam um avanço tecnológico importante e po dem ter potencial uso para entrar na rotina diagnóstica nos próximos anos.
O diagnóstico de infecções virais tem sido dificultado por muitos anos, em razão de custo, tempo de execução dos testes e qualificação do pessoal necessário para os sistemas de cultura de células utilizados. A esses fatores se somam a sensibilidade geralmente baixa e o crescimento lento de muitos vírus em meios artificiais. Além disso, a sorologia é frequentemente inútil nas fases iniciais da infecção e, em muitos casos, os anticorpos específicos para os testes sorológicos podem ser difíceis de obter. Nesse contexto, a biologia molecular melhorou sobremaneira o diagnóstico no campo da virologia médica. A quantificação da carga viral e os ensaios de detecção de resistência a antivirais ou subtipagem são, agora, parte do controle biológico de pacientes cronicamente infectados pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV), da hepatite B (HBV), da hepatite C (HCV) e citomegalovírus (CMV). Ensaios qualitativos para a detecção de vírus transmitidos pelo sangue têm aumentado a segurança da doação de sangue e do transplante de órgãos. Nesta parte do capítulo, serão abordados os aspectos fundamentais necessários para compreender a utilização dos métodos moleculares no diagnóstico das principais infecções causadas por vírus.
As hepatites virais são doenças causadas por diferentes agentes etiológicos, de distribuição universal, que têm em comum o hepatotropismo. As hepatites virais são causadas sobretudo pelos seguintes vírus: vírus da hepatite A (HAV), o agente etiológico da hepatite A; vírus da hepatite B (HBV), causador da hepatite B; vírus da hepatite C (HCV), o agente da hepatite C (causa comum das hepatites pós-transfusionais); e vírus da hepatite E (HEV), o agente da hepatite transmitida por via entérica. Além destes, outros vírus que têm em comum o hepatotropismo foram caracterizados (D, G e TT). Todos esses vírus apresentam diferenças importantes entre si, tanto no que diz respeito a estrutura, conteúdo de ácidos nucleicos, vias de transmissão e formas de inativação quanto na evolução clínica dos indivíduos infectados. Os vírus causadores das hepatites determinam um amplo espectro de apresentações clínicas, de portador assintomático ou hepatite aguda ou crônica, até cirrose e carcinoma hepatocelular. Infecções crônicas causadas pelos vírus da hepatite B (HBV) e da hepatite C (HCV) afetam aproximadamente 500 milhões de pessoas no mundo. No entanto, a grande importância das hepatites não se limita ao enorme número de pessoas infectadas; estende-se também às complicações das formas agudas e crônicas. Considerando que as consequências dessas infecções são diversas, dependendo do tipo de vírus, o diagnóstico de hepatite, nos dias atuais, será incompleto, a menos que o agente etiológico fique esclarecido. Nos últimos anos, as melhorias nas técnicas baseadas em biologia molecular produziram ferramentas muito valiosas para o uso com essa configuração. A utilização dos testes moleculares nas hepatites virais tem maior valor na confirmação diagnóstica da infecção viral e no seguimento dos pacientes com formas crônicas, bem como na avaliação terapêutica daqueles pacientes submetidos a tratamento. São métodos que permitem a detecção direta, com alto grau de sensibilidade, de uma região do genoma (DNA ou RNA) desses vírus, de diferentes materiais biológicos (sangue o u tecido de indivíduos infectados). Atualmente, o diagnóstico laboratorial das hepatites virais baseia-se sobretudo em técnicas sorológicas, moleculares e bioquímicas. Os testes moleculares podem ser classificados como ensaios qualitativos [qualitativa reação em cadeia da polimerase (PCR), transcrição mediada por amplificação (TMA)], e quantitativos [DNA de cadeia ramificada (bDNA), PCR quantitativo e em tempo real]. A definição da técnica a ser utilizada depende da informação clínica que se quer obter – presença ou ausência do vírus, replicação viral, genótipo do vírus, pesquisa de mutações no genoma viral. De modo geral, a maioria dos testes moleculares (nos ensaios de derivados da PCR) tem alta sensibilidade e capacidade de detecção de até 100 cópias/m ℓ , e os resultados obtidos frequentemente são expressos em picogramas por mililitros (pg/m ℓ ), UI/mℓ (Unidades Internacionais/mℓ ) ou cópias/mℓ .
O HBV é uma partícula esférica de 42 a 47 nm de diâmetro (originalmente denominada partícula de Dane) e apresenta em seu interior um genoma constituído por DNA circular com 3,2 kb de fita parcialmente dupla; é classificado como um hepadnavírus. Produz hepatite aguda ou crônica (5 a 10% dos casos), e os portadores crônicos apresentam um risco elevado de complicações em longo prazo, incluindo cirrose e carcinoma hepatocelular. A transmissão do HBV se faz por via parenteral, e, sobretudo, pela via sexual, sendo considerada uma doença sexualmente transmissível. A transmissão vertical (materno-infantil) também é causa frequente de disseminação do HBV. O HBV é constituído por uma estrutura externa (envelope) e outra interna (core ou nucleocapsídio), de forma icosaédrica. Existem três polipeptídios do envelope, conhecidos como HBsAg (antígeno de superfície), HBcAg (antígenos do core) e HBeAg (antígeno e). Após a contaminação pelo HBV, seu DNA é o primeiro marcador presente no sangue. No fígado, a replicação viral do HBV pode atingir 10 8 a 1010 partículas virais por mililitros de soro. No entanto, durante o período de janela sorológica, a viremia é exponencialmente inferior e a infectividade também é menor, muito provavelmente por causa da formação de anticorpos (anti-HBc e anti-HBs) após a infecção aguda. Ao contrário dos testes moleculares para detecção de HCV e de HIV, os ensaios para detecção do DNA de HBV não eliminam a necessidade da realização de testes sorológicos. Atualmente, a principal utilização prática dos testes moleculares na hepatite B é na avaliação da gravidade/prognóstico da doença e no tratamento da infecção por HBV. Na Tabela 9.3, estão indicados os principais ensaios comerciais utilizados para o diagnóstico do HBV, bem como o seu respectivo limiar de detecção.
Tabela 9.3 Principais kits comerciais
para detecção de DNA de HBV.
Os antígenos HBsAg e HBeAg são, em geral, utilizados como marcadores sorológicos, os quais são habitualmente utilizados como indicadores de diagnóstico e/ou prognóstico da infecção aguda ou crônica por HBV. Porém, a utilização desses marcadores para monitorar a progressão da doença pode ser limitada. Todavia, a detecção do DNA do HBV no soro tem valor no prognóstico e na evolução das infecções por HBV, uma vez que permite detectar a presença do vírus (DNA viral) mesmo após o desaparecimento do antígeno HBsAg ou na ausência de resposta imunológica (sem marcadores sorológicos). O exame histológico de material de biopsia hepática ainda é a melhor maneira de avaliar a gravidade da hepatite B crônica e estabelecer o prognóstico. A detecção do DNA de HBV também fornece informações valiosas sobre o prognóstico. De fato, a replicação do HBV está associada a um significativo risco de progressão para as complicações crônicas da hepatite B (incluindo cirrose e carcinoma hepatocelular). Esse risco é baixo na ausência de DNA do HBV detectável, exceto em pacientes com cirrose, que podem posteriormente desenvolver carcinoma hepatocelular, apesar da ausência de replicação de HBV.
A eficácia da terapêutica antiviral utilizada no tratamento de pacientes com HBV também pode ser avaliada por marcadores sorológicos ou por mediação da função das enzimas hepáticas (verificação dos níveis séricos de AST e ALT). Todavia, a medida mais direta e confiável de replicação viral consiste na detecção e na quantificação do DNA viral do HBV no soro ou no plasma. Uma diminuição brusca e mantida dos níveis de DNA do HBV em pacientes submetidos a tratamento constitui um fator de previsão para um resultado favorável deste. O monitoramento dos níveis de DNA do HBV pode predizer o desenvolvimento de resistência à terapêutica. Consequentemente, os testes quantitativos de determinação do DNA viral são uma importante ferramenta que pode ser utilizada em associação com os marcadores sorológicos no tratamento da infecção por HBV. Dessa maneira, o papel principal da quantificação do HBV durante o tratamento da infecção consiste: 1) na decisão do tratamento; 2) na seleção da terapia ideal; 3) no monitoramento do tratamento; e 4) na avaliação da resistência do HBV à lamivudina.
A decisão de tratar um paciente com hepatite B crônica deve ser tomada individualmente, com base em parâmetros precisamente p onderados. Aumento sérico da atividade de ALT, biopsia do fígado mostrando hepatite crônica com ou sem cirrose e presença de significativos níveis de DNA de HBV são argumentos fortes para início da terapêutica antiviral.
O tratamento de hepatite B crônica baseia-se principalmente na administração de interferon-gama (IFN-γ) ou lamivudina. Os pacientes com baixo nível de DNA de HBV são mais prováveis a iniciar o tratamento com IFN-γ do que aqueles que apresentam alto nível de carga viral. A quantificação do DNA do HBV poderia, assim, ajudar a escolher a terapia ideal. No entanto, um cut-off preciso que determine altos e baixos n íveis ainda está sendo p adronizado.
A quantificação do DNA de HBV somada às determinações de ALT e à avaliação dos HBeAg e anticorpos anti-HBe nos pacientes são fundamentais no monitoramento do tratamento. Pacientes não responsivos ao IFN-γ têm pouca ou nenhuma
mudança na carga viral durante o tratamento, enquanto os respondedores mostram uma diminuição significativa. Tratamento com IFN-γ bem-sucedido é caracterizado por soroconversão HBe e uma redução na carga viral. Pequenas quantidades de DNA de HBV podem ser, ainda, detectáveis nos soroconvertidos HBe com os ensaios de amplificação do alvo. Em contraste, o DNA de HBV nunca é detectado após a soroconversão de HBs. Em pacientes que receberam monoterapia com lamivudina, o efeito específico e potente deste medicamento antiviral leva a uma diminuição significativa e rápida da carga viral. O DNA do HBV torna-se indetectável em ensaios de amplificação de sinal dentro de alguns dias a algumas semanas, na grande maioria dos pacientes, mas os de baixo nível de replicação podem permanecer detectáveis com os ensaios de amplificação do alvo.
A resistência do HBV à lamivudina é frequente e ocorre em 14 a 32% dos casos após 1 ano de tratamento, e entre 38 e 58% após o segundo ano. Isso é caracterizado por uma recaída na replicação do HBV durante a terapia, em níveis que podem ser menores que o observado antes do tratamento. A resistência do HBV à lamivudina está relacionada com a seleção de mutantes do vírus que apresentam substituições de aminoácidos localizados dentro ou próximo do local catalítico da DNA polimerase do HBV. Essas mutações podem ser detectadas por sequenciamento direto ou hibridação reversa. Essas técnicas atualmente não têm indicações de rotina.
O HCV é um vírus RNA do grupo dos flavivírus. O genoma tem 9,4 kb de tamanho e codifica uma proteína de núcleo, duas glicoproteínas de envoltório e várias proteínas não estruturais. O HCV exibe diversidade genômica, com predominância de diferentes genótipos em diferentes partes do mundo. Tal diversidade genética não está relacionada com diferenças nas formas clínicas da doença, porém existe diferença na resposta à terapia antiviral, de acordo com o genótipo do vírus. Por isso, é importante realizar a genotipagem do vírus. Sua transmissão ocorre principalmente por via parenteral, e a transmissão por via sexual é pouco frequente. A maioria dos casos de hepatite não A e não B pós-transfusional foi provocada pelo HCV (antes de 1993). Diferentemente do HBV, as infecções crônicas por HCV ocorrem entre 75 e 85% dos pacientes infectados, e muitos correm o risco de evoluir para hepatite ativa crônica e cirrose (10 a 20%). Dada a dificuldade de se cultivar o vírus, as técnicas moleculares foram fundamentais para a identificação prévia de HCV, tornando-o um dos primeiros patógenos a ser identificado por diagnóstico molecular. Os principais ensaios disponíveis se dedicam à detecção/quantificação do RNA do HCV (p. ex., PCR, TMA, bDNA ou PCR em tempo real) e também à determinação do genótipo do HCV. O uso prático dos testes moleculares utilizados no diagnóstico de infecção por HCV é importante para o rastreamento de doadores de sangue, no diagnóstico propriamente dito, na avaliação da gravidade/prognóstico da doença e no tratamento (importante na escolha, na otimização e no monitoramento) da infecção por HCV. Os ensaios sorológicos (detecção anti-HCV) utilizados no rastreamento dos doadores de sangue para a detecção do RNA do HCV trouxeram uma drástica redução no risco de ocorrência de hepatite C pós-transfusão (1 para 276.000 doadores). Por sua vez, a janela sorológica entre a infecção por HCV e a detecção de anticorpos específicos varia de um paciente para outro (7 a 8 semanas em média). Além disso, a sorologia não permite diferenciação entre a infecção atual e os pacientes que espontaneamente eliminaram o vírus. Em bancos de sangue dos Estados Unidos e da União Europeia, têm sido implementadas técnicas moleculares para reduzir o período de janela sorológica e, consequentemente, melhorar a segurança dos produtos derivados de sangue. Com a utilização desses métodos moleculares, o risco de ocorrência de hepatite C pós-transfusão foi reduzido. Na prática, têm sido utilizados os kits VERSANT® (Bayer Diagnostics), Abbott® Realtime HCV Assay (Abbott) e COBAS® AMPLICOR® Hepatitis C Virus (HCV) Test (Roche), todos aprovados pelo FDA. Já o Procleix® HIV-1/HCV (Gen-Probe) faz a detecção simultânea de HIV-1 e HCV. Recém-nascidos de mães infectadas com HCV costumam apresentar anticorpos entre alguns meses e 1 ano, pela transferência passiva da mãe. Dessa maneira, o diagnóstico é exclusivo para detecção de RNA viral. No caso de negatividade para detecção de RNA de HCV, o diagnóstico só será conclusivo após o desaparecimento gradual dos anticorpos anti-HCV. Para o diagnóstico de hepatite C aguda, recomenda-se utilizar testes moleculares para detectar o vírus, uma vez que anticorpos anti-HCV são detectados em apenas 50 a 70% dos pacientes no início dos sintomas. Assim, deve-se realizar a detecção do RNA do HCV nos pacientes com hepatite aguda que não apresentam os marcadores sorológicos desta hepatite viral. No caso dos pacientes com hepatite crônica que apresentam sintomas, a detecção do RNA viral é solicitada quando os
anticorpos anti-HCV estiverem presentes, para avaliar a replicação viral e confirmar o diagnóstico.
O teste qualitativo mais comumente utilizado para detectar RNA viral é o teste de transcrição reversa-PCR (RT-PCR). Existem três testes amplamente utilizados para detecção qualitativa de RNA do HCV, incluindo dois kits disponíveis comercialmente (COBAS® AMPLICOR HCV 2.0 e COBAS® AmpliScreen HCV, Roche Diagnostics) e um teste de laboratório de referência conhecido como UltraQual® (National Genetics Institute). Esses testes apresentam, em média, alta sensibilidade (96%) e especificidade (99%) quando comparados com o teste-padrão (detecção de anticorpos circulantes e com níveis séricos de ALT). O teste de TMA parece ser mais sensível do que os de RT-PCR. O ensaio VERSANT® HCV RNA qualitativo (Bayer Diagnostics) apresenta capacidade de detecção inferior a 5 UI/m ℓ , com sensibilidade maior que 98%.
Já para os testes quantitativos, existem atualmente três métodos capazes de quantificar RNA de HCV: transcrição reversaPCR quantitativa, PCR em tempo real e bDNA. Os testes de PCR quantitativa incluem MONITOR® 2.0 (Roche Diagnostics) e SuperQuant® (National Genetics Institute), que fornecem resultados comparáveis. O ensaio de bDNA (VERSANT® 3.0, Bayer Diagnostics) tem um bom limite de detecção, com alta reprodutibilidade, e apresenta especificidade que varia entre 96 e 98%. A utilização da tecnologia TaqMan® (Life Technologies) nos métodos de PCR em tempo real trouxe grande avanço no processo de quantificação do RNA viral. A PCR em tempo real pode quantificar com precisão os níveis de RNA de HCV em uma faixa linear superior a 6 log (10 a 100 milhões UI/m ℓ ) para fins de monitoramento terapêutico. Dessa maneira, um único teste serve ao propósito de identificar o RNA viral tanto de forma quantitativa como qualitativa.
A alta variabilidade do HCV decorre de mutações que ocorrem em seu genoma durante a etapa de replicação viral pela enzima RNA polimerase. O HCV é classificado em seis grandes genótipos, numerados de 1 a 6, que variam em sequência de nucleotídios em até 30%. Esses genótipos ocupam únicos nichos geográficos. No Brasil, o genótipo 1b ocorre com maior frequência na população de doadores de sangue, sendo também encontrados os subtipos 1a, 2a, 2b e 3a. A identificação do genótipo do vírus tem grande importância clínica, porque essa informação pode prever com maior precisão a resposta aos antivirais, podendo, ainda, ditar a terapia a ser adotada e a dosagem de ribavirina a ser utilizada. Vários testes estão disponíveis para diferenciar os genótipos do HCV. Os ensaios têm como alvo a análise da região altamente conservada 5´NCR (non-coding region) do genoma viral, o qual é considerado o padrão-ouro para a determinação do genótipo. Os ensaios para determinação da genotipagem de HCV são INNO-LiPA® HCV II (Innogenetics) e Trugene® HCV 5´NC Genotyping kit (Visible Genetics Inc.).
O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é o agente patogênico causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). A infecção pelo HIV pode ser transmitida por contato sexual, exposição a sangue infectado e a produtos derivados de sangue ou por transmissão vertical (da mãe infectada ao feto). O HIV é um retrovírus com genoma de RNA, da família Retroviridae (retrovírus) e subfamília Lentivirinae. As partículas virais infectantes contêm duas cópias idênticas de RNA, de cadeia simples, com cerca de 9,2 kb. O genoma do HIV contém quatro genes necessários à replicação de um retrovírus – gag , pro, pol e env. Outros seis genes adicionais regulam a expressão viral e são importantes na patogenia da doença. Desde a descoberta do HIV, mais de 40 milhões de pessoas foram infectadas por ele e, atualmente, quase 3 milhões de pessoas morrem de AIDS a cada ano. Isolados virais, obtidos em humanos, são agrupados em um dos dois tipos, HIV-1 e HIV-2. O HIV-1 pode, ainda, ser dividido em três subtipos: grupo major (M), grupo outlier (O) e grupo new (N). O grupo M (com subtipos designados A a K) é o principal agente etiológico identificado na maioria dos indivíduos infectados pelo HIV em todo o mundo. No Brasil, os subtipos mais comuns são B e F (inicialmente descrito no Brasil). A extensa variabilidade genética do HIV-1 é decorrente da grande incidência de erros atribuídos à função da enzima viral transcriptase reversa, que resulta em mutações. A genética do HIV é clinicamente relevante no desenvolvimento de ensaios moleculares. Por exemplo, as regiões mais conservadas do HIV-1 são utilizadas para desenvolver ensaios para a determinação qualitativa da carga de HIV, e mutações são usadas como alvos de ensaio para o monitoramento de pacientes resistentes a medicamentos.
Em comparação com testes sorológicos, o diagnóstico à base de técnicas moleculares é capaz de monitorar a infecção pelo HIV em uma fase muito precoce, o que ajuda a diminuir substancialmente o período de janela de 2 a 6 meses para 2 a 7 dias. A diminuição deste período pelos ensaios tem um grande impacto no controle da transmissão do HIV, embora o diagnóstico molecular não seja recomendado oficialmente como padrão-ouro no diagnóstico clínico da infecção pelo HIV, em virtude de possíveis falsos-positivos em ensaios de PCR. Nos EUA, a utilização de técnicas moleculares reduziu o risco residual de transmissão do HIV de 1 em 450.000 para 1 em 2.135.000 doações de doadores com uma história de doação de sangue anterior (doadores de repetição). A partir de 2004, a legislação brasileira 3 recomendou a implantação de métodos de biologia molecular para triagem de doadores para o HIV e o HCV. Apesar da aplicação corrente dos testes sorológicos para o diagnóstico da infecção pelo HIV, deve-se salientar que há algumas circunstâncias nas quais esses ensaios são menos adequados: •
Em recém-nascidos de mães HIV-positivas
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Em indivíduos potencialmente infectados com o HIV, mas ainda no período de janela sorológica (livre de anticorpos)
•
Quando o nível de anticorpos não refletir a gravidade infecciosa, caso em que o sistema imunológico é patológica ou farmacologicamente suprimido
• No anticorpo relevante ou apenas em níveis muito baixos do anticorpo produzido, no caso de recurso antigênico alterado de mutações virais.
Dispõe-se de uma grande variabilidade de ensaios para detectar e quantificar o RNA do HIV-1. Os testes incluem PCR/RTPCR, bDNA e NASBA ( Nucleic Acid Sequence-Based Amplification ) para detectar e quantificar o HIV-1 a partir de sangue total e soro ou plasma.
Como mencionado anteriormente, os ensaios à base de biologia molecular não são oficialmente recomendados como padrão-ouro para determinar a presença de uma infecção pelo HIV. A análise qualitativa do HIV pode ser obtida por PCR, testando o provírus, ou por RT-PCR, testando as partículas virais em amostras biológicas, o que é correntemente usado como um conjunto de dados complementares de diagnóstico. As regiões relativamente conservadas dos genes gag de codificação do genoma do HIV e pol são escolhidas como os alvos em uma variedade de métodos e kits comerciais. Os produtos amplificados são visualizados por eletroforese diretamente ou após uma digestão com enzima de restrição. A hibridação de ácidos nucleicos ou análise de sequenciamento é realizada sempre que necessário e de maneira adequada. Além de ser usado como diagnóstico complementar da infecção pelo HIV, o ensaio de HIV qualitativo é empregado na identificação de subtipos de HIV resistentes a medicamentos e variantes. Diferentes subtipos de HIV-1 ou estirpes de mutação mostram suscetibilidade diferente aos medicamentos antivirais. Portanto, tanto as análises fenotípicas quanto as genotípicas de resistência ao HIV têm um impacto positivo na orientação do tratamento especial para os que são inicialmente responsivos à terapia antiviral, mas tornam-se resistentes a medicamentos durante o tratamento.
A análise quantitativa do HIV-1 é baseada em ensaio de carga viral. A quantificação da carga viral do HIV tem múltiplas implicações clínicas: •
Serve, atualmente, como um diagnóstico complementar da infecção pelo HIV e pode tornar-se um dos padrões de diagnóstico em um futuro próximo
• No diagnóstico precoce da infecção pelo HIV, pois sabe-se que há um aumento da carga viral no sangue na fase precoce da infecção pelo HIV. Neste estágio inicial, a carga viral é, por vezes, ainda mais elevada do que em estágio de progressão para a AIDS •
Pode ser utilizada no diagnóstico complementar de infecção pelo HIV para recém-nascidos de mães infectadas pelo HIV. Embora os testes sorológicos para HIV sejam o padrão no diagnóstico na prática clínica, é inútil durante o seu período de janela na fase precoce da infecção e não tem qualquer valor de diagnóstico para lactentes de mães infectadas pelo HIV, como mencionado anteriormente
•
A análise da carga viral é um parâmetro eficaz na avaliação da terapia antiviral. O padrão eficaz é a carga viral
diminuir 0,5 log após 4 semanas ou 1 log após 8 semanas de terapia antiviral, ou a carga viral ser reduzida para 1.000 cópias/mℓ cópias/mℓ após após 16 a 24 semanas de terapia •
A carga viral tem grande valor na predição da progressão para a doença (AIDS), independentemente da contagem de células T CD4 +. Sugere-se seu monitoramento a cada 3 a 4 meses.
Os três métodos atualmente utilizados em kits comerciais kits comerciais para quantificação da carga viral de HIV-1 são os ensaios RTPCR (AMPLICOR® – Roche), bDNA (VERSANT® – Bayer) e NASBA (NucliSens® – BioMerieux). A principal diferença entre eles é a exigência de equipamentos específicos de análise em vez de sua sensibilidade ou especificidade. Portanto, os recursos das várias configurações permanecem como fator determinante para a escolha do método molecular para a detecção do HIV. HIV. O ensaio de RT-PCR pode ser utilizado tanto para a análise qualitativa quanto para a quantitativa do HIV. A RT-PCR é, no entanto, especificamente requerida em ensaio para a quantificação da carga viral do HIV. Os produtos amplificados podem ser visuali zados por uma variedade v ariedade de métodos, como eletroforese em gel de agarose, visualização vi sualização em tempo real e reação enzimática. A simplicidade e o menor tempo requerido para a realização do ensaio fazem da técnica de RT-PCR o ensaio mais competitivo entre todos os kits disponíveis. kits disponíveis. O método de bDNA difere da RT-PCR, pois, neste ensaio, ocorre a captura da molécula-alvo e, em seguida, a amplificação do sinal, não dependendo, assim, da amplificação da molécula-alvo. Atualmente, os ensaios de bDNA só são utilizados para quantificar a carga viral do HIV-1. A sensibilidade de detecção encontra-se na faixa de 500 cópias/m ℓ de soro, principalmente nos ensaios de segunda e terceira geração. Uma desvantagem desse tipo de ensaio é que a sua hibridação requer um longo período de realização. A eliminação da amplificação de moléculas-alvo é uma das vantagens dos ensaios de amplificação de sinal, em comparação com outros métodos de amplificação, pois minimiza a contaminação e, consequentemente, a presença de falsos-positivos. Embora bDNA seja um ensaio demorado, é menos dependente de equipamento e é um método adequado para testes de HIV em contextos com recursos limitados. A metodologia de NASBA ou TMA é outro exemplo de método que apresenta como vantagem poder ser utilizada em locais com recursos limitados. Isso é possível porque este método se baseia em uma reação enzimática isotérmica. Além disso, a eficiência de amplificação é maior do que a da PCR, pois, em cerca de 90 min, o RNA-alvo pode ser amplificado em cerca de 10 8 a 109 vezes. Essas duas características, associadas ao sistema de visualização em tempo real, tornam este ensaio isotérmico adequado tanto no laboratório como no campo. Ainda, o RNA é mais lábil no ambiente de laboratório do que o DNA, o que ajuda a reduzir a possibilidade de relatar contaminação, causando falsos-positivos. NucliSens® (BioMérieux) é um exemplo de kit de de ensaio para carga viral de HIV, aprovado pela FDA.
Multiplex PCR refere-se à utilização de diferentes pares de oligonucleotídio iniciadores para amplificar simultaneamente múltiplas regiões de ácidos nucleicos a partir de uma amostra. Nesse contexto, PCR multiplex é a amplificação simultânea de múltiplas regiões-alvo selecionadas com visualização dos produtos amplificados por eletroforese em gel, PCR em tempo real ou detecção com o uso de dUTP marcado com digoxigenina (DIG) e os anticorpos para DIG. A principal vantagem da utilização de PCR multiplex é minimizar o número de reações separadas, por exemplo, para detectar uma gama de agentes patogênicos em um espécime, as variações de sequência para identificação da estirpe do patógeno e a análise de mutações múltiplas ou polimorfismos em estudos genéticos. Outras vantagens incluem a conservação de tempo, reagentes e amostras, que são de volume limitado. Atualmente, nos Estados Unidos, esses testes têm sido utilizados para selecionar doadores de sangue. O Procleix® Ultrio® (Gen-Probe) é um ensaio qualitativo para a detecção simultânea de HBV, HCV e HIV-1. O teste Roche COBAS® TaqScreen MPX (Roche Molecular Systems) também é um ensaio qualitativo para a detecção simultânea de HBV, HCV, HIV-1 (tanto o grupo M quanto o grupo O) e HIV-2.
O vírus do papiloma humano (HPV) está se tornando um problema mundial, especialmente nos países em desenvolvimento (mais de 80% dos novos casos), por seu envolvimento com uma variedade de neoplasias, sendo o câncer do colo do útero o mais importante e prevalente. O câncer do colo do útero é responsável por aproximadamente 200.000 mortes por ano no mundo. O HPV é um vírus de pequenas dimensões, desprovido de invólucro e que apresenta DNA de cadeia dupla, com um genoma de aproximadamente 8 kb. O genoma viral contém uma fase aberta de leitura (ORF) organizada em três regiões: a região de expressão precoce (E), a região tardia (L) e a long control region (LCR), que apresenta a origem de replicação e transcrição viral. Atualmente, 118 genótipos de HPV foram classificados de acordo com seu nicho biológico, potencial oncogênico e posição filogenética. Os tipos de HPV da mucosa (anogenital e oral) e cutâneo (pele) são diferenciados e
apresentam genótipos definidos como de alto risco (HR) e baixo risco (LR), dependendo de sua associação com carcinoma cervical ou lesões precursoras associadas. Os tipos de HPV 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73 e 82 são considerados oncogênicos ou de alto risco, e os tipos 26, 53 e 66 são provavelmente oncogênicos. Já os tipos 6, 11, 40, 42, 43, 44, 54, 61, 70, 72 e 81 são classificados como de baixo risco (LR). Muitos tipos de HPV são considerados benignos. Esses genótipos de HPV podem causar diversos graus de anormalidades celulares, muito frequentemente detectados em um exame de Papanicolaou de rotina. A maioria das infecções por HPV resolve-se espontaneamente, mas a persistência de HPV de alto risco constitui um fator de risco significativo para o desenvolvimento de câncer de colo uterino. Desde 2002, têm sido utilizadas vacinas profiláticas para HPV 16/18 com comprovada segurança e eficiência, fator que vem aumentando a expectativa da erradicação completa dessa infecção no futuro. O HPV é extremamente difícil de se cultivar in vitro vitro e nem todos os indivíduos infectados pelo vírus apresentam uma resposta imunológica adequada com anticorpos detectáveis. Consequentemente, os testes moleculares são um método sensível e não invasivo para determinar a presença de uma infecção ativa por HPV no colo do útero. A detecção precisa de DNA de HPV por PCR é dificultada porque existe um grande número de genótipos virais com sequências de nucleotídios altamente diversas. Há várias técnicas moleculares utilizadas para detecção do DNA do HPV, sendo a maioria delas realizada para fins de investigação. Entre elas, estão: a) hibridação de DNA; b) PCR-RFLP; c) Reverse-line Reverse-line hybridization hybridi zation ; e d) ensaio de captura híbrida. O método mais comumente utilizado é a PCR. Atualmente, vários primers primers de diferentes genes do HPV foram concebidos, mas os mais populares baseiam-se no gene de L1. L1.
•
Como uma ferramenta para a triagem adequada dos pacientes com suspeita ou constatação positiva no exame de Papanicolaou (encaminhamento para colposcopia e biopsia). Sabe-se que o exame microscópico é propenso a erros subjetivos e depende da experiência dos examinadores. O valor da detecção de HPV molecular é mais perceptível quando há resultados contraditórios entre os outros testes, o que é uma situação comum
•
Como um teste de cura para avaliar a erradicação completa do vírus após 12 meses de tratamento e para o monitoramento da potencial recorrência nos anos seguintes.
O DNA do HPV pode ser detectado em esfregaços cervicais e amostras de biopsia por vários métodos, dos quais a hibridação in situ situ é complementar à citologia. Este método baseia-se na utilização de sondas marcadas que hibridam especificamente no DNA-HPV intracelular. Embora a sensibilidade desse método seja limitada, ele permite localizar a infecção pelo HPV na amostra. Outro meio de detectar o DNA do HPV é a hibridação de ácido nucleico diretamente da amostra isolada. Dos ensaios estabelecidos, a hibridação por Southern blot continua continua a ser o teste mais sensível e específico para DNA DN A de d e HPV, HPV, mas tem a desvantag em de ser o mais d emorado.
Entre os métodos de genotipagem do HPV, encontra-se o sistema de hibridação reversa, que compreende a imobilização de várias sondas de oligonucleotídios (tipos específicos) sobre uma fase sólida e a adição do produto de PCR na fase líquida. A hibridação é seguida por uma fase de detecção. Os testes de hibridação reversa mais frequentemente utilizados envolvem uma tira de membrana contendo sondas múltiplas imobilizadas como linhas paralelas, os quais são conhecidos como line probe (LiPA), probe (LiPA), line blot assay (LBA) assay (LBA) ou linear array (LA). array (LA). Esse método permite a detecção múltipla dos tipos de HPV em uma única etapa e requer apenas uma quantidade limitada de produtos de PCR. Alguns métodos de hibridação reversa podem incluir de 27 a 37 sondas para diferentes tipos de HPV de alto ou baixo risco. Os principais kits comerciais kits comerciais para genotipagem do HPV são: INNO-LiPA® detection genotyping assay (Innogenetics), Reverse-line blot, AMPLICOR® HPV test (Roche) e Linear Array® HPV (Roche).
O citomegalovírus (CMV) está incluído na família Herpesviridae e seu genoma é constituído de DNA (240 kb). O CMV representa um importante problema de saúde pública em virtude da frequência de infecções congênitas, que podem levar a anomalias congênitas graves. O risco de infecção por este agente começa já na vida intrauterina e no período perinatal, podendo poden do ocorrer também na infância ou na idade adulta adult a como infecção adquirida adqui rida (principalmente em adultos adult os imunossuprimidos). Atualmente, é a causa mais comum de doença e morte em pacientes imunossuprimidos, incluindo os receptores de transplantes de órgãos e de medula óssea, os pacientes com câncer, os portadores da AIDS, os submetidos à
quimioterapia e os que fazem uso de medicamentos imunossupressores. A transmissão pode ocorrer por contágio parenteral (sangue e hemoderivados), inter-humano, do contato direto com fluidos corporais (urina, saliva, leite materno, sangue, lágrimas, sêmen e fluido vaginal), via materno-fetal (canal de parto, pós-parto ou transmissão intrauterina) e por meio de transplantes de órgãos. Em pacientes imunossuprimidos, a infecção ativa pelo CMV pode estar associada a doenças de difícil tratamento, como pneumonite, retinite, meningoencefalite, neuropatias, vasculites, miocardites, esofagites e colites. Os testes mais frequentemente utilizados para diagnosticar infecção por CMV são a detecção do antígeno (a antigenemia pp65), DNA ou mRNA. A técnica de PCR para detectar o DNA viral tem sido utilizada para o diagnóstico da infecção pelo CMV. O principal problema no diagnóstico do CMV é o fato de o vírus ser cosmopolita e, portanto, sua detecção no sangue, por qualquer método, não confirma a doença clínica. Desse modo, o desafio no diagnóstico do CMV está em distinguir os pacientes imunocomprometidos que desenvolveram a infecção pelo CMV daqueles nos quais a infecção não é clinicamente significativa. Como existe uma relação entre a carga viral e a presença da doença clinicamente manifesta, atualmente tem se detectado o RNA mensageiro do CMV, que representa evidência de transcrição ativa do genoma viral. Portanto, os testes de carga viral por PCR quantitativo são aceitos como o padrão para monitorar o surgimento de infecção por CMV durante a imunossupressão e permitem terapia preventiva ao aparecimento da doença clínica, com alta sensibilidade quando comparado à cultura. O DNA viral pode ser detectado de diferentes amostras clínicas, como urina, leucócitos periféricos, fragmentos de tecidos e amostras de lavado broncoalveolar. Amostras de sangue e urina são normalmente empregadas. Muitos dos testes quantitativos em tempo real para DNA de CMV existentes utilizam as plataformas ABI Prism® (Life Technologies) e LightCycler® (Roche Life Sciences) e os kits kits COBAS® TaqMan® CMV Test (Roche) e NucliSens® CMV pp67 (Organon Teknika Corporation).
O vírus Epstein-Barr (EBV), um herpesvírus, é o agente etiológico da mononucleose infecciosa aguda e está associado a carcinoma nasofaríngeo, linfoma de Burkitt, doença de Hodgkin e outros distúrbios linfoproliferativos em indivíduos imunodeficientes. O EBV infecta a maioria dos indivíduos antes da idade adulta. Na primeira infecção, o vírus é transmitido pela saliva e invade as células epiteliais da orofaringe, que são destruídas, infectando, em seguida, linfócitos B circulantes, nos quais entra em estado de latência. O genoma do EBV consiste em uma molécula de DNA linear de 172 kb que codifica aproximadamente 100 proteínas virais. O DNA viral permanece na célula infectada como um epissomo circular, e a expressão da LMP-1 em indivíduos imunodeprimidos pode induzir a transformação de linfócitos B e o surgimento de processos linfoproliferativos. Semelhante aos ensaios quantitativos do CMV, a maioria dos ensaios de PCR quantitativos em tempo real para detectar o DNA de EBV foi desenvolvida e formatada usando-se a plataforma ABI Prism® e sondas TaqMan® (Life Technologies). A partir desses métodos, o EBV tem sido detectado de diferentes amostras clínicas, principalmente de sangue, fluidos corporais e amostras de tecido. Uma das implicações práticas da detecção da carga viral do EBV por PCR em tempo real consiste na avaliação da tendência de replicação do EBV em pacientes transplantados de órgãos sólidos. Outra relação importante é a correlação entre as cargas virais do EBV e a probabilidade de desenvolvimento de distúrbio linfoproliferativo pós-transplante. Nesse contexto, um limiar de 1.000 cópias de DNA de EBV/m ℓ de de plasma foi escolhido para iniciar o tratamento com rituximabe (um anticorpo anticorpo monoclonal dirigido contra o receptor receptor local CD20 de ligação para o EBV).
As infecções agudas do trato respiratório são uma importante causa de morbidade e mortalidade, em particular nos pacientes pacien tes mais j ovens, em idosos e em imunocomprometido s. A maioria dessas infecções é viral v iral (aproximadamente 80%) e esses vírus ocorrem predominantemente no inverno e na primavera. Os vírus respiratórios têm um período de incubação relativamente curto (1 a 14 dias) ( Tabela 9.4), 9.4 ), e a transmissão pode ser por contato direto com secreções contaminadas, inoculação do epitélio nasal e conjuntival ou por gotículas de aerossol. Além de comumente causar infecção de faringe, olhos e orelha média, esses vírus podem causar graves complicações sistêmicas associadas à doença do trato respiratório inferior, sobretudo em indivíduos com fatores de risco, como doenças cardíacas e pulmonares e outras doenças crônicas, como diabetes, doença renal, asma, anemia e outras doenças do sangue. Na prática clínica, muitas vezes um vírus específico não é identificado, por causa da falta de testes sensíveis e/ou da presença de agentes patogênicos ainda desconhecidos. As principais causas de infecções agudas do trato respiratório em crianças e adultos são: vírus influenza A e B; vírus parainfluenza tipos tipo s 1 (PIV1), (PIV1), PIV2 e PIV3; vírus sincicial respiratório (VSR); ad enovírus; enoví rus; e rinovírus. Na verdade, todos todo s esses vírus citados apresentam sobreposição das manifestações clínicas e podem causar tanto infecções do trato respiratório
superior (ITRS) como inferior (ITRI), e, geralmente, os clínicos não conseguem distinguir o agente causador sem um diagnóstico laboratorial. Desde 2000, alguns vírus respiratórios recém-descobertos se tornaram emergentes; neste grupo, encontram-se o vírus da gripe aviária (H1N1, H5N1, H7N7 e H7N3), o metapneumovírus humano (hMPV), a síndrome respiratória aguda grave associada ao corinovírus (SARS-CoV), HCoV-NL63 e HCoV-HKU1 ( Tabela 9.4). O diagnóstico laboratorial das viroses respiratórias consiste basicamente no isolamento do vírus e em técnicas sorológicas (principalmente imunofluorescência direta – IFD) e de biologia molecular. Os vírus respiratórios clássicos têm sido tradicionalmente identificados por inoculação dos espécimes em uma variedade de culturas de células. Mesmo com o sistema mais sensível e rápido de cultura de células, são necessários cerca de 2 a 3 dias para detectar infecções virais respiratórias comuns. Dessa maneira, a utilização das técnicas moleculares em relação à tecnologia de cultura de vírus tem se mostrado mais vantajosa, em virtude dos fatores econômicos (custo e tecnologia de trabalho intensivo associado à cultura de células) e, certamente, das características de desempenho dos testes.
Tabela 9.4 Características dos principais vírus causadores de infecção respiratória aguda.
′
M: proteína de matriz; HA: hemaglutinina; NS-1: proteína nã o estrutural. HA-NA: gene da hemaglutinina-neuramini dase; P: gene da fosfoproteína; L: subunidade maior da polimerase; pol: gene da polimerase; N: proteína do nucleocapsídio; F: proteína de fusão; H: proteína hexon; VA: gene VA RNA; VP: proteína do capsídio viral; S: proteína Spike; NP-1: nucleoproteína.
Desde o final da década de 1990, os testes moleculares vêm sendo utilizado como abordagem para o diagnóstico de infecções por vírus respiratórios. Atualmente, esses testes vêm assumindo um papel importante no diagnóstico dessas viroses, e muito se deve às recentes epidemias e até mesmo às pandemias ocasionadas por esses vírus nos últimos anos. Testes moleculares já foram desenvolvidos para todos os vírus respiratórios, incluindo ambos os grupos de vírus: tradicionais e emergentes. Entre os métodos moleculares utilizados na rotina de laboratórios clínicos para detecção de vírus respiratórios, destacam-se: PCR/RT-PCR, NASBA e Loop-mediat ed isothermal amplification (LAMP). Além disso, a PCR multiplex representa abordagem diagnóstica mais recente para o laboratório clínico. Em eventos globais potencialmente catastróficos, como a emergência da SARS e o vírus da gripe aviária H5N1, testes diagnósticos precisos, como os moleculares, têm desempenhado um papel crucial na identificação do agente e no monitoramento dos focos. Atualmente, alguns kits de ensaios RT-PCR multiplex para a detecção do vírus influenza e outros causadores de viroses respiratórias estão disponíveis comercialmente. Esses testes incluem o ensaio de ResPlex® II (Qiagen), o MultiCode®-PLx RVP Assay (EraGen Biosciences), o ensaio de Seeplex® RV (Seegene Inc.), o NGEN® RVA ASR kit (Nanogen Inc.) e o ensaio xTAG® RVP (Luminex Molecular Diagnostics). Dois ensaios de multiplex foram aprovados pela FDA. O primeiro é o ProFLu+® (Prodesse Inc.), que detecta os vírus influenza A, da gripe B e RSV. O segundo ensaio é o xTAG® RVP, que está aprovado para a detecção de 12 vírus respiratórios. Esses testes têm sensibilidade e especificidade de 96,4% e 95,9%, respectivamente, para o vírus influenza A, e 91,5% e 96%,
respectivamente, para o vírus influenza B, em comparação com IFD e cultura.
Embora métodos moleculares não sejam frequentemente utilizados para diagnóstico de infecções causadas por eucariotos, em algumas circunstâncias clínicas, eles podem ser uma ferramenta muito útil. Pacientes imunocomprometidos, que apresentam baixa produção de anticorpos, podem ser muito beneficiados pelo diagnóstico molecular. Além disso, amostras que requerem coleta por procedimentos invasivos são, na maioria dos casos, desnecessárias quando são usados métodos moleculares para identificação do patógeno. Como exemplo de doenças que podem ser diagnosticadas por tais métodos, podem ser citadas as pneumonias e as meningites fúngicas. O uso de técnicas moleculares também permite realizar a discriminação de espécies sem a necessidade de crescimento do isolado clínico no laboratório e da avaliação morfológica detalhada, a qual requer examinador experiente para a identificação. Além disso, métodos moleculares podem auxiliar nos casos em que testes bioquímicos são necessários para se realizar o diagnóstico diferencial, por exemplo, no diagnóstico de candidemia. Apesar das vantagens, a aplicação de testes de diagnóstico molecular na micologia médica ainda é rara e poucos sistemas comerciais encontram-se disponíveis. Ainda, a grande maioria dos estudos tem focado principalmente nas micoses sistêmicas. A Tabela 9.5 apresenta um resumo dos principais fungos e das técnicas moleculares que foram testadas para o diagnóstico molecular d essas micoses. Os principais fungos e as metodologias que estão em desenvolvimento para o diagnóstico molecular na micologia médica são apresentados mais detalhadamente na seção a seguir.
O gênero Aspergillus está entre os fungos patogênicos humanos mais estudados para o desenvolvimento de abordagens moleculares úteis no diagnóstico laboratorial. Essas técnicas podem diminuir o tempo de identificação do patógeno e, consequentemente, reduzir a morbidade e a mortalidade associadas ao fungo. Fungos Aspergillus causam um amplo espectro de doenças em humanos dependendo da imunidade do hospedeiro. Em indivíduos atópicos, o fungo pode levar a reações de hipersensibilidade do tipo I (alergias), porém, em alguns indivíduos, os conídios podem germinar no pulmão, levando ao crescimento saprofítico do fungo comumente chamado de aspergiloma. Dependendo do estado imune do hospedeiro, especialmente na imunossupressão, hifas germinadas no pulmão podem invadir outros tecidos e levar à doença frequentemente fatal denominada aspergilose pulmonar invasiva. O habitat do Aspergillus é o solo, mas também pode ser encontrado em material orgânico, lixo, comida, condimentos e plantas em processo de apodrecimento. Existem aproximadamente 167 espécies descritas de Aspergillus, mas poucas estão relacionadas com a doença humana. As espécies mais frequentes na aspergilose pulmonar são A. fumigatus , A. flavus e A. niger . Já A. nidulans, A. terreus e A. versicolor são menos frequentes. Na literatura, há grande variedade de métodos moleculares e genes-alvo descritos para o diagnóstico de Aspergillus, entretanto poucos foram levados à prática clínica, sendo apenas realizados em centros de pesquisa. Em virtude disso, é difícil determinar com certo critério a especificidade e a sensibilidade dos métodos moleculares, em comparação aos convencionais. Amostras de sangue total analisadas por PCR proporcionaram boa taxa de positividade quando comparadas ao plasma. Por sua vez, PCR de amostras provenientes de lavado broncoalveolar de indivíduos com aspergilose apresentaram sensibilidade e especificidade similares a técnicas sorológicas, as quais pesquisam antígenos do fungo no soro dos pacientes. Contudo, os dados da literatura ainda são controversos e não há consenso sobre a sensibilidade e a especificidade de técnicas de amplificação de ácidos nucleicos no diagnóstico de Aspergillus. Acreditase que a grande variabilidade existente entre os diferentes estudos esteja no tipo de amostra analisada e n a possibilidade de contaminação da amostra, uma vez que o Aspergillus é fungo comumente encontrado no ambiente. Entre os genes-alvo mais utilizados para detecção molecular de Aspergillus, encontram-se o DNA mitocondrial e o 18S de rRNA.
Tabela 9.5 Técnicas
moleculares que foram testadas para o diagnóstico molecular das micoses.
BAL: lavado broncoalveolar; LSU: large subunit ; SSU: small subunit .
Já para a determinação de resistência de Aspergillus a medicamentos antifúngicos, existem poucos dados disponíveis até o momento e, por isso, os mecanismos ainda não estão bem esclarecidos. Alguns estudos mostraram que a superexpressão de AfuMDR3 e AfuMDR4, genes que codificam proteínas envolvidas no efluxo de medicamentos, assim como mutações pontuais em locais-alvo para medicamentos, como a 14-a demetilase codificada pelos genes cyp51A e cyp51B, têm forte associação com a resistência ao itraconazol, medicamento antifúngico amplamente utilizado. Contudo, mutações encontradas em cyp51A apresentaram as maiores correlações com a resistência a antifúngicos.
Infecções causadas por Candida, sobretudo a candidíase invasiva, são importante causa de morbidade e mortalidade, com taxa de mortalidade relativamente alta, entre 40 e 50%. Representam de 8 a 9% de todas as infecções de corrente sanguínea, sendo que o maior risco encontra-se em pacientes de unidade de terapia intensiva e indivíduos com câncer. O padrão-ouro para o diagnóstico de candidemia é a cultura do sangue, a qual demora de 24 a 48 h para tornar-se positiva. A identificação da espécie de Candida sp pode demorar alguns dias, atrasando o tratamento com adequado antifúngico. Essa demora na identificação pode aumentar o risco de mortalidade nos pacientes. Métodos de identificação não baseados em cultura, como detecção por PCR, têm sido desenvolvidos para realizar o rápido diagnóstico do fungo. Muitos estudos vêm sendo desenvolvidos para realizar a rápida identificação das espécies de Candida, tão importante em alguns casos. Usando culturas de sangue, alguns pesquisadores conseguiram identificar seis espécies de Candida utilizando as regiões espaçadoras flanqueando os genes 18S , 5.8S e 28S dos genes de rRNA. Essas regiões são conhecidas como ITS1 e ITS2. Esse ensaio apresentou altas sensibilidade e especificidade (100% em ambos os casos), quando comparado com a cultura e os métodos bioquímicos para identificação do fungo. Em outros estudos, ensaios de PCR em tempo real foram desenvolvidos utilizando sondas específicas tanto para a espécie Candida albicans quanto para o gênero Candida. Nesse
ensaio, a sensibilidade e a especificidade foram de 100% e 97%, respectivamente, para C. albicans. Contudo, para o gênero Candida, houve reações cruzadas com outros fungos, diminuindo a sensibilidade e a especificidade do método. Vale ressaltar que a maioria dos ensaios de PCR em tempo real desenvolvidos para o diagnóstico molecular de Candida tem focado na identificação das espécies mais comumente encontradas. Nesses estudos, ensaios multiplex com vários jogos de primers e sondas são uti lizados. Outros testes baseados na técnica de FISH têm possibilitado a identificação de diferentes culturas de Candida. Entre eles, destaca-se o teste Yeast Traffic Light® PNA FISH® (AdvanDx, Inc.), ensaio qualitativo de hibridação de ácido nucleico utilizado para a identificação de C. albicans e/ou Candida parapsilosis, Candida tropicalis de identificação de Candida glabrata e/ou Candida krusei em esfregaços feitos a partir de culturas de sangue positivas contendo leveduras observadas no Gram ou outras colorações microbiológicas. O teste não faz distinção entre C. albicans e C. parapsilosis, bem como entre C. glabrata e C. krusei. Em relação a genes de resistência de C. albicans, mecanismos moleculares de resistência a azóis têm sido identificados, incluindo: •
Aumento da expressão do alvo do medicamento (lanosterol 14-a-demetilase), o qual é codificado pelo gene erg11
•
Mutações pontuais no gene erg11, levando à reduzida afinidade do alvo pelo azol
•
Diminuição do acúmulo intracelular do azol por conta da expressão aumentada de bombas de efluxo de medicamentos, como cdr1, cdr2 e mdr1.
A quantificação da expressão desses genes é uma ferramenta importante tanto para melhor compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos com a resistência de Candida ao fluconazol quanto para monitoramento de cepas resistentes do fungo. Nesse sentido, PCR em tempo real é uma tecnologia importante para quantificar a expressão desses genes. Alguns métodos têm utilizado colônias provenientes de cultura, enquanto outros usam amostras de sangue do paciente.
O fungo Pneumocystis jiroveci é o agente etiológico causador da pneumonia pneumocística, uma das mais frequentes e graves infecções oportunistas em indivíduos imunocomprometidos. Além deste, outros grupos também podem ser acometidos por infecções provocadas por este microrganismo, incluindo neonatos e gestantes saudáveis. Quanto ao diagnóstico laboratorial, como até o momento não foi possível cultivar o fungo a partir de amostras clínicas, o diagnóstico é realizado por demonstração microscópica do P. jiroveci em amostras do paciente ou por imunofluorescência direta, usando anticorpos monoclonais ou policlonais para o fungo. Contudo, esses métodos apresentam baixa sensibilidade, e somente amostras obtidas por procedimentos invasivos, como lavado broncoalveolar, são consideradas apropriadas para realizar a identificação do patógeno. A detecção molecular de P . jiroveci é um dos poucos casos no qual o tempo de identificação é maior, em relação ao método convencional (imunofluorescência). Usando a técnica tradicional, o resultado é obtido em 30 min, enquanto o ensaio de PCR em tempo real apresenta um tempo mínimo de execução de 3 h. Entretanto, a sensibilidade e a objetividade da PCR em tempo real proporcionam vantagem adicional a esse método. Além disso, a possibilidade de se quantificar a carga fúngica dos pacientes também é fator importante. De maneira geral, o diagnóstico por PCR baseia-se na detecção dos genes de rRNA, de choque térmico ssb1 (membro da família das hsp70), o gene dhfr (dihidrofolato redutase) ou do gene que codifica a glicoproteína de superfície de múltiplas cópias ( msg ), principal glicoproteína do fungo. Atualmente, existe um teste comercial LightMix® kit Pneumocystis jiroveci (Roche) que detecta por PCR o gene msg . Amostras de indivíduos com ou sem pneumonia foram testadas em ensaio de PCR quantitativo e apresentaram resultados promissores.
Fungos dimórficos são organismos que alteram sua morfologia dependendo das condições ambientais, como temperatura, pH, nutrientes, entre outros. Os fungos dimórficos mais estudados são Coccidioides spp., Histoplasma capsulatum , Blastomyces dermatitidis, Paracoccidioides brasiliensis e Paracoccidi oides lutzii . Esses fungos são responsáveis por micoses profundas que acometem vários órgãos e sistemas, incluindo trato respiratório e sistema nervoso central. A rotina diagnóstica desses fungos inclui avaliação do crescimento do microrganismo em cultura e observação microscópica da morfologia do fungo, técnicas que requerem, obrigatoriamente, examinador experiente e bem treinado para identificar estruturas características de cada gênero e/ou espécie. Além disso, o crescimento desses organismos a partir de amostras clínicas pode demorar de dias a semanas, levando à demora na identificação. Embora seja necessário desenvolver métodos diagnósticos mais rápidos, a detecção molecular de fungos dimórficos teve pouco progresso nos últimos anos, sendo que a validação de métodos realizados in house ainda está longe de ser
alcançada. Para o diagnóstico de coccidioidomicose, o principal método que vem sendo desenvolvido é a PCR em tempo real, e os genes-alvo que estão sob estudo são o Ag2/PRA e a região ITS2 de rRNA. O diagnóstico da histoplasmose é realizado utilizando uma combinação de cultura, sorologia, avaliação histológica e pesquisa de antígenos. A aplicação de técnicas moleculares no diagnóstico ainda está em fase de validação. Alguns autores mostraram que a PCR convencional foi menos sensível que a pesquisa de antígenos. Por sua vez, ensaios de PCR em tempo real usando como alvo regiões ITS de rRNA do complexo de H. capsulatum apresentaram resultados muito promissores, com 100% de especificidad e e sensibilidade para identificação. Comercialmente, já se encontra disponível o kit AccuProbe® (Roche) para identificação de Coccidioides immitis, Histoplasma capsulatum e Blastomyces dermatitidis a partir de culturas celulares. O P. brasiliensis e o P. lutzii são os agentes etiológicos da paracoccidioidomicose, micose sistêmica, endêmica na América Latina. A infecção primária do fungo costuma ocorrer nos pulmões, sendo que o patógeno pode alcançar outros órgãos e sistemas por via hematogênica e/ou linfática. Para o diagnóstico laboratorial da doença, emprega-se pesquisa de formas características do fungo em análise microscópica dos espécimes clínicos, cultura do organismo, sorologia e pesquisa de antígenos. Na sorologia, tradicionalmente é utilizada a imunodifusão lateral dupl a, na qual são pesquisados anticorpos para proteínas secretadas do fungo. Ensaios imunológicos usando antígenos purificados do organismo só são utilizados em centros de referência e pesquisa. Mais recentemente, antígenos recombinantes e peptídios sintéticos também foram testados com sucesso. Apesar dos testes sorológicos, o crescimento do patógeno em cultura ainda representa o padrão-ouro no diagnóstico da doença, e a sorologia é usada como seguimento dos pacientes em tratamento. Técnicas moleculares, como a PCR e a PCR em tempo real, poderiam diminuir o tempo para identificação de P. brasiliensis em amostras clínicas. Entretanto, foram realizados poucos estudos com grande número de pacientes empregando-se métodos moleculares para identificação do fungo em amostras clínicas.
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Os diagnósticos parasitológico e imunológico são ensaios para isolar parasitas e detectar anticorpos circulantes nos pacientes pacien tes infectados. Esses ensaios são muito importantes na identificação ident ificação dos parasitas e são validados valid ados nos laboratórios de referência, porém ainda há muitos problemas na sensibilidade e especificidade desses testes. A grande desvantagem desses ensaios são as reações cruzadas com outra parasitose ou infecção, como o HIV. O principal foco deste capítulo é mostrar a aplicação da técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR, do inglês, polym erase chain chai n reactio n ) na identificação dos principais protozoários (apicomplexa) e helmintos causadores de doenças humanas. A PCR tem inúmeras vantagens em relação aos ensaios parasitológicos e imunológicos, mas não se pode invalidar os métodos diagnósticos clássicos. A técnica de PCR é uma ótima ferramenta diagnóstica, mas deve-se levar em consideração a fase da infecção, o sistema de defesa do hospedeiro e o treinamento do pessoal técnico na interpretação dos dados. O desenvolvimento de métodos sensíveis sensíveis e específicos para detecção de parasitas continua sendo objeto de d e estudo de vários pesquisadores nos laboratórios de referência nas universidades em todo o mundo.
A doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e foi descrita, pela primeira vez, por Carlos Chagas, em 1909. Atualmente, essa doença afeta cerca de 8 a 10 milhões de pessoas na América Latina, aproximadamente 40 milhões de pessoas nas áreas de risco. Foram detectados casos da doença de Chagas nos Estados Unidos e na Europa. Ela está ligada a problemas sociais e ainda constitui, especialmente no Brasil, um grave problema de saúde pública. A infecção é transmitida por fezes contaminadas do inseto-vetor, o triatomíneo. Nestas, encontram-se as formas tripomastigotas metacíclicas que, ao alcançarem a corrente sanguínea, por meio do local da picada ou das mucosas, imediatamente invadem células do sistema monocítico fagocitário envolvidas na defesa primária contra o parasita, bem como diversos tipos de células. Após a invasão das células, os metacíclicos transformam-se em formas amastigotas e se multiplicam por divisão binária no citoplasma. Essas formas transformam-se, em seguida, em tripomastigotas, rompem a membrana plasmática e atingem a matriz extracelular e a circulação sanguínea, podendo invadir outras células e tecidos. 1 A infecção por T. cruzi gera uma intensa resposta imune mediada por anticorpos líticos (resposta imune humoral) e ativação celular (resposta imune celular). A resposta humoral é caracterizada pela presença de anticorpos que induzem à lise dos parasitas, mediada por complemento (específico contra epítopos de alfagalactose presentes nas mucinas expressas na superfície do parasita), e a resposta celular, pela produção de citocinas, ambas tendo importante papel no controle da proliferação do parasita. p arasita.1-3
A doença de Chagas é dividida em fase aguda sintomática, assintomática, indeterminada e crônica, e o diagnóstico de referência são os ensaios parasitológicos e imunológicos (sorologia), utilizados para avaliar a detecção de parasitas e a produção de anticorpos antico rpos lítico l íticoss circulantes c irculantes no soro de pacientes pacien tes infectados. O diagnóstico diagn óstico na fase aguda ag uda é a detecção de anticorpos contra os epítopos de alfagalactose, utilizando ensaios de imunofluorescência indireta (IFI) e imunoenzimático (Elisa). Já na detecção de parasitas sanguíneos, são utilizados métodos diretos (exame a fresco) e indiretos, como hemocultura hemocultura e xenodiagnóstico. 2 Na fase crônica, são utilizados util izados os métodos métod os indiretos indi retos que detectam det ectam baixa quanti q uantidade dade de parasitas circulantes. Trata-se Trata-se de ensaios altamente específicos, mas observa-se baixa sensibilidade. Já os ensaios sorológicos são sensíveis na detecção de anticorpos, mas sua especificidade é baixa. Já os testes Elisa apresentam algumas desvantagens: • • •
Resultados de difícil interpretação, pois pode haver reações cruzadas contra outros antígenos expressos na membrana plasmática do parasita Diversidade da composição dos glicoconjugados expressos na superfície do parasita Diversas cepas do T. cruzi .
Esses métodos caracterizam o parasita e a produção de anticorpos na infecção ativa, mas, em virtude do baixo número dos parasitas nas fases agudas assintomática, indeterminada e crônica, adota-se outro ensaio em paralelo para isolamento ou detecção do parasita circulante no sangue humano e em tecidos dos animais de experimentação. 2,3 Atualmente, utiliza-se a PCR 4,5 com a finalidade da síntese enzimática in vitro , que amplifica milhões de cópias a partir de um segmento específico do cinetoplasto do T. cruzi (kDNA) e DNA nuclear do parasita 2, como se observa na Figura 10.1.. A PCR é uma boa alternativa diagnóstica para a detecção de fragmentos (DNA) do T. cruzi no sangue periférico 10.1 humano e nos tecidos dos animais infectados experimentalmente. 2,3 O resultado é a amplificação de fragmentos específicos (330 pares de base e de 149 pares de base aproximadamente) pela PCR a partir dessas regiões detectadas nas amostras de pacientes pacien tes chagásicos chagásico s crônicos. A PCR complementa complementa os resultados dos ensaios parasitológicos parasitológicos e imunológicos no diagnóstico da doença de Chagas e contribui para o esclarecimento de casos com sorologia duvidosa nos pacientes chagásicos agudos assintomáticos e crônicos. Além da PCR convencional, atualmente utiliza-se a PCR em tempo real, que é uma amplificação convencional de DNA ou RNA, cuja característica principal são longos ciclos de amplificação e a utilização de uma molécula fluorescente. Os fluoróforos mais utilizados são o SYBR® Green e o TaqMan®, que se liga à fita de DNA ou RNA. A amplificação ocorre ao final de cada ciclo, quando é emitido um sinal de fluorescência captado por um sistema óptico do aparelho e convertido em um gráfico de amplificação. As Figuras 10.1 e 10.1 e 10.2 10.2 mostram mostram detalhes da amplificação, do sinal de fluorescência e da análise dos resultados após o final da amplificação.
Figura 10.1 Reação de PCR convencional.
Figura 10.2 Reação de PCR em tempo real e PCR quantitativa (PCRq).
A extração de DNA de protozoários protozoários deve obedecer à seguinte ordem: ordem: 1.
Centrifugar as culturas de parasitas a 3.000 rpm a 4°C por 10 min
2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12.
Lavar uma vez com solução tampão salina Ressuspender o pellet em 200 m ℓ de tampão de lise e transferir para outro tubo de 2 m ℓ até romper os parasitas, deixando o DNA e as proteínas livres no sobrenadante Adicionar ao sobrenadante 3 m ℓ de proteinase K (10 mg/mℓ em H2O), que desnatura as proteínas, e incubar por 2 h a 50°C Adicionar 200 mℓ de fenol (fase inferior amarela), homogeneizar e centrifugar por 1 min a 14.000 rpm Retirar a fase superior, transferir para um novo tubo e repetir o passo 5 Adicionar 200 mℓ de clorofórmio álcool isoamílico (1:1), homogeneizar e centrifugar durante 1 min a 14.000 rpm Retirar a fase superior, transferir para novos tubos e repetir o passo 7 Retirar a fase superior e transferir para tubos novos, adicionar 20 m ℓ (10% do volume final) de acetato de sódio 3M pH 5,2 (o acetato de sódio liga-se ao DNA) Adicionar 400 mℓ de etanol gelado (precipitar o DNA) e deixar durante 18 a 24 h a –20°C ou 15 min a –70°C Centrifugar a 14.000 rpm por 3 min sob refrigeração Lavar o precipitado com 100 m ℓ de etanol 70% gelado, secar e ressuspender em água estéril. Quantificar a concentração do DNA por espectrofotometria (absorbâncias a 260 e 280 nm) e congelar até o uso.
Deve-se adicionar ao tubo 10 m ℓ contendo 1/100 de DNA, 10 pmoles dos pares de iniciadores ( Tabela 10.1), 0,2 m ℓ da enzima Taq DNA polimerase, tampão específico e H 2O. A mistura da reação é submetida a 25 ciclos de amplificação em um termociclador.
Tabela 10.1 Sugestões dos pares de iniciadores utilizados em PCR e PCRq.
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1 a 3 m ℓ do produto final da reação de PCR, da amplificação, são separados por eletroforese em gel de agarose e corados com brometo de etídeo.
Rocha et al .7 adaptaram a PCR quantitativa (PCRq) dos trabalhos do grupo do Dr. Rick Tarleton 8 com a finalidade de mensurar o número de parasitas equivalentes a 5 ng de DNA genômicos (DNAg) provenientes de tecidos (coração, bexiga, intestino, baço etc.) de animais de experimentação. Esse método é uma nova abordagem que é a quantificação absoluta utilizando uma curva-padrão em cada ensaio. A grande vantagem dessa nova abordagem metodológica é que não é necessário verificar a eficiência da amplificação do gene-alvo nem que os controles endógenos (geralmente GAPDH e beta-actina) sejam iguais.
Extração do DNAg de sangue ou tecidos. Utilizar
o kit Dnaeasy Blood and Tissue Kit (QIAGEN). Em seguida, quantificar a concentração do DNAg por espectrofotometria (absorbâncias a 260 e 280 nm) e ajustar para uma concentração final de 2,5 ng/ml. Preparar a curva-padrão para a PCRq. Utilizar 25
mg de tecido de animais infectados (pode-se adicionar ao tecido não infectado cerca de 5×10 5 parasitas) e não infectados pelos parasitas. Realizar diluições seriadas em uma razão 10, com 2,5 ng/m ℓ de DNA dos tecidos dos animais sem infecção. Esse ensaio tem um limite de detecção é de 0,5 parasitas/25 mg de tecido.
Em um volume final de 20 mℓ por reação.
A leishmaniose é uma doença tropical negligenciada e constitui um problema de saúde pública nos principais continentes. Atualmente, existem milhões de pessoas em risco e uma incidência anual de 500 mil casos da forma visceral, e aproximadamente 2 milhões de pessoas infectadas com a forma cutânea da leishmaniose. A leishmaniose cutânea é endêmica em mais de 70 países, e 90% dos casos são diagnosticados no Afeganistão, na Argélia, no Paquistão, no Peru, na Arábia Saudita e na Síria. Nos casos da infecção pela forma visceral, a maioria dos indivíduos infectados encontra-se em Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia, Nepal e Sudão. É uma doença do sistema fagocítico mononuclear (SFM), em que se observam diferentes manifestações clínicas nas formas cutânea, mucocutânea, cutânea difusa e visceral (calazar), dependendo da espécie do parasita e da resposta imune do hospedeiro. No Brasil, a
leishmaniose tegumentar americana (LTA) engloba as formas cutâneas e mucocutâneas. 3,10 O parasita causador das leishmanioses é do gênero Leishmania pertencente ao filo Sarcomastigophora da família Trypanosomatidae e da ordem Kinetoplastida . Esse parasita possui as formas amastigota e promastigota e seu ciclo de vida inicia pela inoculação das formas promastigotas no hospedeiro vertebrado com a saliva no momento da picada do insetovetor fêmea do gênero Lutzomya . Imediatamente, o parasita invade células do sistema monocítico fagocitário e, depois, os promastigotas transformam-se em amastigotas, que se multiplicam por divisão binária, rompem a membrana plasmática e atingem a matriz extracelular, que pode ser fagocitada por outras células do SFM, mantendo o ciclo intermitente. As leishmanioses podem ser divididas em: • • • •
Forma cutânea: produz lesões cutâneas, ulcerosas e, às vezes, mutilação da face. São lesões limitadas e a doença é relativamente benigna Forma mucocutânea: formas que se complicam, aparecendo lesões destrutivas nas mucosas do nariz, da boca e da faringe Forma cutânea difusa (forma disseminada cutânea): pacientes que foram tratados para calazar Forma visceral ou calazar: forma mais complexa e grave das leishmanioses.
A principal manifestação clínica é o aumento do baço, do fígado, da medula óssea e de tecidos linfoides. Após o tratamento, alguns indivíduos podem desenvolver a leishmaniose cutânea crônica, denominada leishmaniose póscalazar.3,10
O diagnóstico principal é a detecção de parasitas nas lesões e as reações sorológicas. A pesquisa de parasita é realizada diretamente nas lesões provocadas pelo próprio parasita nas LTA. O material utilizado para sua detecção é aspirado de lesões cutâneas, linfonodos infartados, raspado das bordas das lesões e esfregaços das biopsias corados por Giemsa ou Leishman, podendo semear em meio de cultura MNN (McNeal, Novy e Nicolle) ou LIT ( liver infusion triptose ) ou inocular em animais de experimentação, como hamsters. Os resultados obtidos são razoáveis, mas pode-se observar infecções secundárias que impedem a detecção correta dos parasitas, dificultando a interpretação dos resultados. 3 Em relação aos testes imunológicos, pode-se utilizar a reação intradérmica ou intradermorreação de Montenegro, IFI, Elisa e as reações de aglutinação direta. As reações intradérmicas são técnicas rotineiramente utilizadas para o diagnóstico da leishmaniose tegumentar e, mesmo após o tratamento dos pacientes, os resultados podem permanecer positivos. É um ensaio específico e sensível para o diagnóstico quando o número de parasita está baixo. Sua grande desvantagem é o resultado negativo na forma visceral aguda. O Elisa e o teste de aglutinação direta são ensaios que apresentam algumas limitações, como resultados falso-positivos em infecções assintomáticas por Leishmania ou em outras doenças infecciosas, como a doença de Chagas e nos casos de pacientes com HIV. A padronização internacional do método PCR para identificação dos parasitas ainda não existe, mas, como em outras parasitoses, utilizam-se as técnicas de PCR na identificação das formas amastigotas, podendo-se fazer o diagnóstico diferencial entre leishmaniose e doença de Chagas e a análise de várias cepas de Leishamania. 11 Esse método é sensível, rápido e utiliza uma pequena quantidade de amostra do material isolado das lesões dos pacientes infectados. Entretanto, há algumas desvantagens, como contaminação cruzada entre as amostras de pacientes com leishmanioses e hanseníase e câncer de pele, tuberculose para a leishmaniose cutânea e malária e esquistossomíase para a leishmaniose visceral em áreas endêmicas, ou até mesmo a presença de um produto não específico amplificado, de tamanho similar ao do produto esperado. A grande vantagem da aplicação da técnica PCR é que ela ajuda na caracterização da espécie da Leishmania , pois mostra diferenças entre as espécies, além de ser utilizada para análise de dados epidemiológicos, prognóstico e tratamento das leishmanioses, assim como em outras parasitoses. 3,11 Nos laboratórios de referência, utiliza-se PCR com adição de enzimas de restrição, a chamada PCR-RFLP ( restriction fragment length polymorphism) . O princípio dessa técnica é que as amostras isoladas dos parasitas podem ser diferenciadas pela análise de padrões derivados da clivagem do DNA, mais especificamente da restrição do material amplificado, o qual é incubado em uma reação de PCR e enzimas digestivas (endonucleases de restrição) que cortam o DNA em posições constantes dentro de um local específico. Assim, o perfil de restrição de um único gene conhecido pode ser comparado com o perfil de outra cepas (p. ex., se duas espécies de Leishmania ssp forem diferentes na distância entre os locais de clivagem pelas enzimas digestivas, o tamanho do fragmento é diferente do DNA quando for digerido com uma enzima digestiva). Além das técnicas convencionais de PCR, os pesquisadores têm desenvolvido novas estratégias moleculares para
melhor caracterizar as espécies de Leishmania ssp, como as técnicas moleculares de eletroforese enzimática multilócus (MLEE, multilocus enzyme electrophoresis ), o método multiplex PCR, a hibridização do DNA do cinetoplasto (kDNA), sondas contra minicírculos, marcadores cromossômicos, mapa do cariótipo e tipagem do microssatélite (MLMT). 11
Na Tabela 10.2, observam-se alguns pares de iniciadores utilizados na técnica de PCR para análise de restrição por meio do uso de enzimas digestivas, descrito por Rocha et al .11
Tabela 10.2 Par de iniciadores utilizados na PCR para análise de restrição por meio do RFLP.
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O agente causador da toxoplasmose é o Toxoplasma gondii , protozoário do filo Apicomplexa , da família Sarcocystidae e da classe Sporozoa. É uma doença cosmopolita que afeta 13% da população mundial, tendo 75% de prevalência na França, 50 a 80% no Brasil e de 15 a 68% nos Estados Unidos. O diagnóstico é tardio na maioria dos pacientes e o tratamento não está disponível gratuitamente, apenas para imunodeprimidos com HIV e transplantados. 13 As principais formas do parasita são: oocistos (produzem o esporozoítos), taquizoítos (forma proliferativa) e bradizoítos (forma cística). O ciclo de vida do T. gondii é heteroxênico facultativo, sendo os hospedeiros definitivos os felídeos (o gato doméstico é o hospedeiro mais importante), nos quais ocorrem a reprodução assexuada e sexuada do parasita. Os hospedeiros intermediários são as aves e os mamíferos, nos quais ocorre apenas a reprodução assexuada do parasita. As principais manifestações clínicas são toxoplasmose congênita ou pré-natal, a forma mais grave da doença, pois pode provocar aborto no primeiro trimestre da gestação e partos prematuros. Outra manifestação clínica é a toxoplasmose em pacientes imunodeprimidos, levando a alterações nas funções cerebrais e, em 2% dos casos, toxoplasmose extracerebral (ocular, pulmonar ou cardíaca). Em caso de imunossupressão nos pacientes com HIV ou transplantados, pode ocorrer toxoplasmose cerebral, causando a doença neurológica. 3
No diagnóstico laboratorial da toxoplasmose, utilizam-se tanto os métodos indiretos quanto os diretos. O diagnóstico parasitológico é feito por meio do isolamento dos parasitas de amostras de sangue, material de biopsia e líquido cefalorraquidiano (LCR) por inoculação de amostras clínicas em animais de experimentação. Após 6 a 10 dias, deve-se pesquisar as formas taquizoítas no líquido peritoneal, cistos no cérebro ou em outros órgãos. As grandes limitações desse método diagnóstico são a demora nos resultados, o risco de infecção do manipulador dos animais de laboratório e o custo
desse ensaio. Também no diagnóstico parasitológico, pode-se realizar a semeadura das amostras em cultura de células de linhagem, os fibroblastos, e, depois, uma IFI e os ensaios de histopatologia nos tecidos. As desvantagens desses ensaios são os resultados demorados e os custos elevados para manter as culturas celulares e o biotério com os animais de experimentação. 3 O diagnóstico imunológico baseia-se na detecção de anticorpos contra antígenos do parasita, por meio de testes de Sabin-Feldman, que é a neutralização de parasitas vivos. Esse é o teste de referência (padrão-ouro), pois é sensível e específico para detecção de anticorpos. Pode-se também listar algumas limitações nesses ensaios, como necessidade de manutenção de cepa virulenta do Toxoplasma gondii , que detecta primariamente imunoglobulina da classe (IgG) e altos títulos, que podem persistir por anos, sem correlação entre níveis de anticorpos e gravidade da doença. Outros ensaios sorológicos são a hemaglutinação indireta e a IFI, que detecta IgM na fase aguda e IgG na fase crônica da doença. O Elisa também é um teste muito utilizado para detecção de IgG, IgM, IgA e IgE, anticorpos que podem distinguir a infecção latente, recente ou a doença. As placas de Elisa são sensibilizadas com antígenos totais dos parasitas ou proteínas recombinantes. Além da pesquisa de anticorpos no soro dos pacientes, pode-se realizar testes de captura de IgM e teste de avidez de IgG e pesquisar os anticorpos da classe IgA como marcadores de fase aguda da toxoplasmose. A sorologia para essa doença é uma estratégia em constante evolução diagnóstica, porque exige novas abordagens metodológicas, além de treinamento técnico para interpretação dos resultados. 3 Paralelamente ao diagnóstico parasitológico e imunológico, são realizados os métodos moleculares. Uma das abordagens moleculares mais usadas é a PCR para análise de restrição a partir do RFLP, na qual é possível analisar os diferentes tipos cepas de T. gondii, como se observa na Tabela 10.3. A genotipagem das linhagens de T. gondii tem importância médica para interpretar os resultados nas diferentes manifestações clínicas e nos vários padrões epidemiológicos da toxoplasmose.
De acordo com Andrade et al .15 e Volpini et al .16, para cada reação, deve-se adicionar: • • • • •
20 ng de DNA genômico 200 ng dos pares de iniciadores (Tabela 10.4) 100 mmol/ ℓ do tampão TRIS-HCL, 500 mmol/ ℓ de KCL, 1,5 mmol/ℓ de MgCl2 2 mmol/ ℓ de dNTP 2,5 UI de Taq DNA polimerase.
Tabela 10.3 Classificação das linhagens de Toxoplasma gondii.
Tabela 10.4 Par de iniciadores utilizados na PCR para análise de restrição por meio do RFLP.
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Fonte: Fux, 2007.20
Volume final de 50 m ℓ .
O produto amplificado é digerido com a enzima de restrição HaeIII (1 UI) durante 3 h a 37°C. Dependendo da análise de restrição por RFLP, pode-se utilizar as enzimas HaeII , DdeI , HhaI , Sau3aI , TaqI , HinfI , XhoI , PmlI , RsaI , MseI , HpaII etc.
Seguidos de 95°C por 1 min, 55°C por 30 s, 72°C por 10 s e 72°C por 5 min.
A malária é uma doença causada pelo parasita do gênero Plasmodium , pertencente ao filo Apicomplexa , da classe Sporozoea e da família Plasmodiidae. Existem mais de 100 espécies identificadas, sendo que 22 parasitam macacos e aproximadamente 50 parasitam aves e répteis. As principais espécies que infectam o homem são: P. falciparum , P. vivax , P. malariae e P. ovale. Atualmente, é uma doença associada a baixas condições socioeconômicas e é endêmica em 101 países. Há cerca de 300 milhões de casos por ano, levando à morte de 1 milhão de pessoas por ano e 200 crianças por hora pela infecção por P. falciparum , segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, anualmente, ocorrem 300 a 500 mil casos por ano, sendo P. vivax a espécie prevalente (aproximadamente 75% dos casos). A grande maioria ocorre na Amazônia (mais de 99%) e os estados com maior número de casos de malária são o Pará e o Amazonas. 3 A transmissão acontece pela inoculação das formas esporozoítas de Plasmodiu m durante a picada da fêmea do mosquito do gênero Anopheles. O ciclo de vida no hospedeiro definitivo (homem) acontece por reprodução assexuada por esquizogonia (tecidual e eritrocítica) do parasita; no vetor, ocorrem a reprodução sexuada e assexuada. As principais formas do parasita são esperozoítos, merozoítos, trofozoíto e esquizonte. 3 A malária cerebral grave é causada pelo P. falciparum , podendo ocorrer insuficiência renal, edema pulmonar agudo, anemia grave, icterícia acentuada, hipertermia e vômitos. Na gravidez, em alguns casos, podem acontecer morte materna, morte do feto, baixo peso ao nascer e anemia. Na infecção pelo P. vivax , ocorrem alterações hematológicas, ruptura esplênica, alterações renais e pulmonares. Na malária cerebral pelo P. falciparum , ocorre o sequestramento de eritrócitos infectados com (PfEI) em receptores no cérebro (CD36, ICAM-1, VCAM-1), iniciando um processo inflamatório, isquemia, hipóxia e acidez. Os sintomas mais graves são paralisia, convulsões, coma e morte. Já na malária gestacional, há o sequestramento dos eritrócitos infectados na placenta por adesão a receptores específicos nesta. As mulheres são suscetíveis à infecção na primeira gravidez e os sintomas mais comuns são retardamento no crescimento do feto, baixo peso ao nascer, nascimento prematuro, mortalidade fetal e anemia materna. 3
O diagnóstico microscópico da malária é feito com o uso de duas técnicas principais: o esfregaço grosso sanguíneo, mais conhecido como gota espessa, e o esfregaço sanguíneo fino corado pelo Giemsa. A gota espessa tem alta sensibilidade e o esfregaço fino, alta especificidade. A gota espessa é o teste padrão-ouro, semiquantitativo. Rotineiramente, são contados 100 campos microscópicos, nos quais os resultados são expressos em “cruzes”: • • • • •
½ +: 40 a 60 parasitas por 100 campos (200 a 300 parasitas/mm 3) +: 1 parasita por campo (301 a 500 parasitas/mm 3) ++: 2 a 20 parasitas por campo (501 a 10.000 parasitas/mm 3) +++: 21 a 200 parasitas por campo (10.001 a 100.000 parasitas/mm 3) ++++: mais de 200 parasitas por campo (> 100.000 parasitas/mm 3).
Existem produtos comerciais para a detecção rápida de antígenos parasitários, como o HRP2 e LDH em fitas impregnadas com anticorpos, mas com algumas limitações, como o alto custo e a sensibilidade variável. Em relação ao diagnóstico sorológico, a detecção de anticorpos não diferencia infecção aguda de anterior. 3 Muitos pesquisadores procuram novas alternativas diagnósticas, como os métodos de diagnóstico molecular e a PCR, que são utilizados em pesquisa, mas ainda não têm papel na rotina diagnóstica. A PCR poderia ser amplamente utilizada nos ensaios clínicos, epidemiológicos e no monitoramento das bolsas de doadores nos bancos de sangue. As abordagens dos métodos moleculares mais utilizadas são a PCR em tempo real e a PCR nested para detecção de parasitas nas amostras de pacientes. As grandes vantagens da PCR em tempo real são o fato de apresentar alta sensibilidade e especificidade e ser rápido – em cada amplificação, pode-se utilizar muitas amostras, as quais não precisam ser submetidas à eletroforese após amplificação. Esse método deve ser indicado como primeira escolha para diagnóstico de malária. A PCR nested pode diferenciar as espécies de Plasmodium . Em contrapartida, esses ensaios moleculares também apresentam suas limitações, como descrito anteriormente.
Inicialmente, a amostra é amplificada, primeiro de forma abrangente (utilizando-se um par de iniciadores), depois com
amplificação da real sequência-alvo, como outros pares de iniciadores mais específicos, aumentando a quantidade de produto amplificado final. A primeira e a segunda amplificações podem ser realizadas ao mesmo tempo, ou em reações separadas, assim como a PCR seminested . Na Figura 10.3, observa-se o princípio da PCR nested . A primeira reação de PCR ocorre adicionando a amostra de DNA-alvo – o primeiro par de iniciadores (azul) liga-se a regiões alternativas. Na segunda etapa da reação, o produto da primeira amplificação da PCR é submetido a uma nova corrida com o segundo par de iniciadores (cinza). Nessa fase, há pouca ou nenhuma contaminação, a partir de produtos especificamente amplificados da PCR das sequências-alvos. A primeira etapa desta técnica é preparar o Master Mix (primeira etapa da PCR), conhecida como internal round of PC R ou amplificação.
Em seguida, prepara-se o Nested PCR Master Mix (segunda etapa da reação de amplificação da PCR).
Figura 10.3 Princípio da PCR nested .
Tabela 10.5 Par e iniciadores utilizados na PCR nested para análise da região 18S rRNA do parasita, descrito por Perandin et al .21
′ ′
Os agentes causadores da tricomoníase e da giardíase são a Trichomonas vaginalis e a Giardia lambria, respectivamente. As principais espécies que parasitam o homem são a Giardia duodenales, a Giardia lamblia ou a Giardia intestinalis. O diagnóstico laboratorial da tricomoníase é a coleta da secreção vaginal e, no homem, de sedimento urinário, secreção uretral ou prostática. O isolamento do parasita pode ser feito por meio do cultivo em meios de cultura in vitro , e a detecção do DNA do parasita é realizada por meio da PCR. O diagnóstico parasitológico da giardíase e a detecção de cistos em fezes sólidas, cujas formas trofozoítas ocorrem em fezes líquidas ou aspirado de duodeno, normalmente requerem coletas sucessivas e exames repetidos em pelo menos três amostras dos pacientes. Já nos ensaios imunológicos, utiliza-se o ensaio de Elisa para a pesquisa de antígeno do parasita isolado nas fezes. 3,22 Na amebíase, o agente etiológico é a Entamoeba histolytica . O exame parasitológico de fezes é realizado nas fezes sólidas para identificação de cistos (pode-se diferenciar amebas não patogênicas) e a identificação das formas trofozoítas é
utilizada nas fezes líquidas. Além dos exames de fezes, pode-se realizar paralelamente a cultura de fezes. No diagnóstico imunológico, os laboratórios de rotina utilizam o ensaio de Elisa para detecção de antígeno do parasita nas fezes e de anticorpos da classe IgG no soro de pacientes, para diagnóstico da amebíase invasiva. 3,22 Ascaridíase, tricuríase, ancilostomíase e esquistossomose são os principais helmintos causadores de doenças tropicais negligenciadas. Em conjunto, essas doenças parasitárias têm elevada prevalência mundial, mas também existem outras parasitoses que causam graves problemas de saúde pública em países subdesenvolvidos, como criptosporidiose, teníase/neurocisticercose e estrongiloidíase. Os principais ensaios utilizados para detectar anticorpos contra os antígenos dos parasitas estão resumidos na Tabela 10.6. Pouco se utiliza o diagnóstico molecular nessas parasitoses, visto que esses ensaios são empregados em laboratórios de pesquisa para distinguir espécies de parasitas, mas ainda não têm papel na rotina diagnóstica.
Tabela 10.6 Principais parasitoses e diagnósticos utilizados rotineiramente.
IFD: imunofluorescência di reta; IFI: imunofluorescência indireta; HI: hemaglutinação indireta. Adaptada de Uecker et al., 2007.22
Como se observa na Figura 10.4, alguns resultados dos tamanhos dos fragmentos após as amplificações finais da reação de PCR e a corrida em um gel de agarose de algumas amostras isoladas do DNA de T. cruzi , L. infantum , L. amazonensis, T. gondii , P. falciparum e P. vivax podem ser sugeridos. Observam-se tabelas com os pares de iniciadores e o tamanho dos fragmentos, respectivamente.
A reação de PCR ainda é um método pouco explorado nos laboratórios de rotina. Entretanto, a cada dia, os pesquisadores têm avançado no desenvolvimento de novas técnicas diagnósticas para detectar os parasitas das principais doenças humanas. O grande desafio é desenvolver ensaios com alta especificidade e sensibilidade e grande reprodutibilidade. O diagnóstico molecular tem elevados custos operacionais em algumas metodologias, porém, com ele, o risco de contaminação se torna cada vez menor, além de ser rápido, utilizar uma pequena quantidade de amostra do material isolado dos pacientes infectados e diferenciar várias espécies de parasitas. Esses ensaios moleculares também apresentam algumas limitações, conforme descrito anteriormente, mas trata-se de uma metodologia elegante e eficiente na detecção de parasitas nos testes confirmatórios em bancos de sangue, nos doadores com resultados sorológicos duvidosos ou no monitoramento de pacientes crônicos e nos estudos de pesquisa utilizando modelos experimentais.
Figura 10.4 Resultados esperados após ampliação dos fragmentos amplificados (pb) na reação de PCR.
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Nem todos os pacientes respondem à terapia medicamentosa de modo uniforme e benéfico. A noção de que variantes genéticas poderiam modular a variabilidade de ação de medicamentos foi proposta pela primeira vez pelo fisiologista inglês Archibald Garrod, em 1902. Ele sugeriu que os defeitos enzimáticos levariam não só ao acúmulo de substratos endógenos em “erros inatos do metabolismo” (termo criado por ele), mas também ao acúmulo de substratos administrados exogenamente, como medicamentos, alimentos e toxinas, com consequências clínicas. O termo “farmacogenética” foi posteriormente criado por Kalow, em 1959, muito antes de os métodos para estudo da variação da sequência do DNA estarem disponíveis, para descrever o papel da genética na determinação de respostas à medicação que se desviam da norma em relação a eficácia, resultados adversos ou variabilidade da dose. 1 As denominações farmacogenômica e farmacogenética tendem a ser usadas como sinônimos, embora uma definição mais precisa ainda não esteja definida. Em geral, a farmacogenômica é uma aplicação mais ampla de tecnologias genômicas (p. ex., microarranjos e micro-RNA) à nova descoberta de fármacos com base no conhecimento dos genes. 2 Grande parte do interesse clínico atual está na farmacogenética, que examina a variação de genes envolvidos no metabolismo de fármacos, com particular ênfase na melhoria da eficácia e segurança deles. 3 Atualmente, a Food and Drug Administration (FDA) define a farmacogenética como “o estudo das variações na sequência de DNA, relacionado com a resposta à droga”. Essas variantes podem incluir polimorfismos de nucleotídio único (SNP), repetições únicas em tandem (STR), deleções ou amplificações gênicas, polimorfismos complexos e haplótipos. 4 Outros fatores, além dos genéticos, influenciam a resposta terapêutica a um medicamento, como tipo de dieta, idade, gênero, administração concomitante de outros medicamentos, comorbidade e peso corpóreo. 5
Os determinantes da resposta podem ser mais bem compreendidos a partir da definição de duas categorias: a farmacocinética e a farmacodinâmica. A farmacocinética é o estudo da resposta terapêutica aos fármacos, conforme determinado pela influência genética em absorção, distribuição, metabolismo e excreção. Por sua vez, a farmacodinâmica é o estudo das propriedades bioquímicas e dos efeitos fisiológicos dos fármacos, o mecanismo de sua ação, a relação entre as concentrações e, principalmente, o alvo da medicação ou as vias circundantes que influenciam seus efeitos terapêuticos. 6 Os medicamentos interagem com os receptores específicos na circulação, localizados na superfície ou no interior das
células para exercer os seus benefícios e efeitos prejudiciais. A variabilidade da resposta à terapia medicamentosa pode refletir tanto a diferença na quantidade de fármaco liberada nos locais receptores (farmacocinética) quanto na resposta à concentração do fármaco equivalente (farmacodinâmica). Em termos leigos, a farmacocinética é o que o corpo faz com a medicação, enquanto a farmacodinâmica é o que a medicação faz com o corpo. A compreensão da farmacocinética e farmacodinâmica das substâncias é particularmente importante no que se refere a medicamentos que têm índice terapêutico estreito.3 Os processos de absorção, distribuição, metabolismo e eliminação podem ser passivos ou depender da expressão ou função de moléculas específicas de transporte de fármacos. Assim, a excreção renal ou biliar de uma substância, por exemplo, envolve captação ativa por moléculas de transporte específico para o epitélio renal ou biliar, seguida de excreção na urina ou bile. Da mesma maneira, a absorção a partir do trato gastrintestinal pode envolver captação ativa em enterócitos, seguida de excreção para a circulação porta ou de volta para o intestino, por absorção de fármacos específicos e efluxo de moléculas. Em alguns casos, o fármaco é inativo (profármaco) e requer bioativação pelo metabolismo para exercer seus efeitos farmacológicos. A maioria dos compostos químicos não é ativa por si só, necessitando de ativação metabólica para se tornar eletrofílica e interagir com as macromoléculas celulares. As reações metabólicas são didaticamente classificadas em duas amplas categorias: fase 1 e fase 2. As enzimas da fase 1 envolvem quase exclusivamente os citocromos P450 (CYP450), que catalisam a inserção de um átomo de oxigênio em substratos relativamente inertes, tornando-os altamente reativos. As isoenzimas do citocromo P450 (CYP450) representam uma superfamília de enzimas importantes no metabolismo oxidativo e na redução do metabolismo de numerosos compostos, constituindo o sistema biológico de catalisação mais versátil conhecido. Plantas, animais e microrganismos contêm P450, e todos esses genes evoluíram a partir de um ancestral comum, cerca de dois bilhões e meio de anos atrás. Essas isoenzimas estão divididas em famílias, com base em sua relação evolutiva, determinada, por sua vez, pelo grau de homologia de genes individuais e, assim, pelas estruturas de aminoácidos das proteínas. 7 Nas reações de fase 1, ocorrem principalmente oxidações, que tornam os compostos mais reativos. Nos mamíferos, esse sistema enzimático encontra-se em todos os tecidos examinados, embora em maior abundância no tecido hepático, estimando-se a existência de mais de duas centenas de enzimas funcionais. Presume-se que, no genoma humano, existam em torno de 60 a 100 genes codificadores de enzimas P450, sendo que cerca de 20 deles estão envolvidos na codificação de enzimas que metabolizam compostos exógenos. Os substratos para o CYP450 incluem vitaminas, esteroides, ácidos graxos, prostaglandinas, aminas e xenobióticos, como medicamentos, incluindo antibióticos, drogas ilícitas, carcinógenos ambientais, antioxidantes, solventes, anestésicos, corantes, pesticidas, produtos derivados de petróleo, álcoois, entre outros. Funcionalmente, os CYP podem ser classificados em dois grupos: aqueles com papel específico no metabolismo de moléculas endógenas e aqueles que processam as moléculas exógenas. No primeiro grupo, os genes são estáveis e persistem como cópias únicas, como hormônios – umas das transformações essenciais para a vida é a conversão do colesterol em corticosteroide e hormônios sexuais. O segundo grupo é representado por fármacos, compostos químicos, produtos naturais etc., que são mais instáveis que os primeiros e estão mais sujeitos a frequentes alterações no decorrer do processo da evolução, provavelmente em resposta às mudanças do tipo de exposição aos compostos químicos. Por sua vez, as reações de fase 2 promovem a conjugação com enzimas, como glutationa-S-transferases (GST) e uridilglicuronosiltransferases (UGT), capazes de inativar ou tornar os compostos químicos menos polares e mais facilmente excretáveis, por proporcionarem mudanças nas propriedades físico-químicas dos substratos, limitando as reações de biotransformação e levando à rápida excreção do composto, via bile ou urina. As GST constituem importante parte do processo do sistema de detoxificação celular. Essas enzimas catalisam a reação de conjugação da glutationa (GSH) com diferentes espécies de compostos tóxicos que possam lesar o DNA, tornando-os mais facilmente excretáveis. Provavelmente, esse sistema evoluiu para proteger as células contra os metabólitos reativos, daí sua função primária ser atribuída à inativação, típica reação de fase 2 do metabolismo celular. Entre 25 e 95% da variação interindividual na resposta a fármacos ocorre pela presença de polimorfismos genéticos. Existem diferentes classificações, mas, em geral, considera-se um polimorfismo a alteração genética presente em mais de 1% da população. Seres humanos têm 99,5% de semelhança no seu genoma e um polimorfismo ocorre a cada 500 a 2.000 nucleotídios. Apesar dos vários tipos de polimorfismos, os SNP são os mais estudados e representam a mudança de um nucleotídio na sequência que compõe um gene, que ocorre aproximadamente a cada 1 Kb no genoma humano. 8 Outros tipos de polimorfismos estão representados pelo número variável de repetições em tandem , também conhecidas como minissatélites, que consistem em múltiplas cópias de sequências repetidas de DNA (0,1 a 10 Kb) distribuídas no genoma humano e em repetições em microssatélites, nos quais a sequência de 2 a 4 nucleotídios está presente muitas
vezes. Essas alterações, ou polimorfismos genéticos, não são distribuídas ao acaso na população humana e variam de acordo com padrões geográficos e étnicos, o que explica também incidências diferentes de doenças ao redor do mundo. Mais de um terço dos genes humanos apresenta característica polimórfica.
Por muitos anos, acreditou-se que a farmacogenética revolucionaria a prescrição de medicamentos. No entanto, apesar dos grandes avanços nesse campo, incluindo o Projeto Genoma Humano e os Estudos de Ampla Associação Genômica (GWAS), a farmacogenética ainda não conseguiu criar um grande impacto na prática clínica diária. 9 Há que se ressaltar a difícil replicação de seus estudos, uma vez que envolvem um grande número de indivíduos com fenótipos variados de resposta a substâncias. Outros desafios, principalmente no caso de GWAS, incluem a escolha de grupos-controle apropriados, pareados com fatores como doença de base, ancestralidade, variantes de DNA não capturadas pelas plataformas atuais (p. ex., variações raras no número de cópias) e análise das interações gene-gene e gene-ambiente na determinação do fenótipo.1 Como conceito, a farmacogenética faz sentido. Em muitos países europeus e nos Estados Unidos, são registradas internações hospitalares e mortes causadas por reações adversas a medicamentos. Além disso, nem todos os pacientes obtêm o benefício esperado da medicação prescrita. Os betabloqueadores são um exemplo, por serem ineficientes para a redução da pressão arterial em até um terço dos pacientes. Desse modo, prever e evitar efeitos colaterais graves podem oferecer benefícios clínicos e econômicos. Em reconhecimento a isso, o National Institute of Health (NIH) estabeleceu uma rede de pesquisa em farmacogenética projetada para o suporte multidisciplinar, promovida pela colaboração de vários grupos de pesquisa, com a finalidade de estudar como a variação genética contribui para diferenças interindividuais nas respostas aos fármacos. Apesar de existirem inúmeros exemplos de como SNP em genes relevantes pode influenciar a resposta a determinado medicamento, a genotipagem ainda não é utilizada comumente antes da prescrição de fármacos, havendo poucas exceções. Por exemplo, atualmente, é rotina em muitos centros clínicos medir os níveis da enzima tiopurina metiltransferase (TPMT), responsável pelo metabolismo da azatioprina, usada como agente imunossupressor. A atividade dessa enzima mostra ampla diferença interindividual, em virtude da presença de um polimorfismo. Estudos em populações caucasoides têm demonstrado que cerca de 89% dos indivíduos são homozigotos para atividade normal da TPMT, enquanto um em cada 300 apresenta alelos polimórficos homozigotos associados ao fenótipo metabolizador baixo para a atividade de TPMT, que coloca esses indivíduos em risco maior de mielossupressão. Os 11% restantes são heterozigotos, apresentando atividade intermediária. As razões mais comumente encontradas de variabilidade na disposição de fármacos devem-se aos polimorfismos genéticos que afetam as enzimas envolvidas na ativação ou no catabolismo e remoção de uma substância (farmacocinética). Atualmente, o banco de dados de farmacogenética PharmGKB lista 301 genes implicados na disposição metabólica de medicamentos. 6 Com base na natureza da modificação química, enzimas metabolizadoras de substâncias podem ser categorizadas em oxidativas (fase 1) e de conjugação (fase 2). As mais comuns entre as reações de fase 1 são as do citocromo P450 (CYP), que são mono-oxigenases de função mista estimadas no metabolismo de mais de 80% dos produtos farmacêuticos, tanto na eliminação da forma ativa da medicação quanto na ativação de um profármaco. O profármaco é um composto farmacologicamente inativo que requer modificação química em sua forma ativa. Tais reações são geralmente catalisadas por enzimas de fase 1, de modo que a variação em seus genes pode resultar em ativação subótima do profármaco. Quando as substâncias são eliminadas por múltiplos passos, a ausência de uma das enzimas, por causa do polimorfismo genético ou da interação com substâncias inibidoras, não causa variação significativa na concentração do medicamento no local-alvo e, consequentemente, no seu efeito. Contudo, quando a substância é metabolizada por uma via em especial, há duas possibilidades em que a concentração pode variar e causar situação de risco farmacocinético. A primeira é aquela em que o medicamento é um profármaco que necessita de bioativação para gerar seus efeitos farmacológicos. Nesse caso, se há perda de função enzimática (indivíduo pobre metabolizador), ocorre diminuição da ação esperada. Um exemplo é a medicação antiplaquetária clopidogrel, que exige a enzima CYP2C19 para ativação. O gene CYP2C19 que codifica essa enzima é polimórfico, levando a uma função reduzida ou aumentada, dependendo do respectivo genótipo. Os alelos CYP2C19*2 e CYP2C19*3 produzem enzimas com capacidade reduzida de ativação e, portanto, estão associados a um aumento de eventos cardiovasculares. Em indivíduos com função normal da enzima (metabolizadores extensivos), o uso de medicações que inibem sua atividade bioativadora pode colocá-los em situação de pobres metabolizadores. No entanto, outros genes podem interferir nos efeitos do clopidogrel, incluindo outros CYP , o receptor P2Y12 , alvo da medicação, o transportador de efluxo da substância P-glicoproteína, codificado pelo gene ABCB1, além de outras moléculas que interagem com o receptor. Apesar de o CYP2C19 estar descrito na bula do clopidogrel, o modo como os clínicos devem
responder a essa informação permanece incerto. 10,11 Outro exemplo bastante interessante refere-se ao CYP2D6 , por ser o primeiro polimorfismo genético observado entre a superfamília P450 e um dos principais modelos de variação do número de cópias de um gene, com potencial impacto fisiológico. Em 1970, dois grupos estudando fármacos diferentes (o anti-hipertensivo debrisoquina e o antiarrítmico esparteína) relataram que 5 a 10% dos indivíduos tratados com essas medicações apresentavam efeitos colaterais, provavelmente por causa da ausência de enzimas-chave no processo de biotransformação. As enzimas foram inicialmente denominadas debrisoquina 4-hidroxilase e esparteína N-oxidase. Contudo, em seguida, percebeu-se tratar do mesmo defeito, atualmente reconhecido como homozigosidade para a perda de função do gene CYP2D6.1 O CYP2D6 é um gene que codifica para uma enzima de metabolização importante, pois participa da biotransformação de até 25% dos medicamentos atualmente aprovados, incluindo betabloqueadores, antiarrítmicos, opioides e uma série de antidepressivos e antipsicóticos. Os indivíduos pobres metabolizadores para CYP2D6 apresentam alto risco de desenvolver reações adversas a doses convencionais de medicamentos. 12 O gene CYP2D6 é altamente polimórfico e, dependendo do número de cópias, os indivíduos podem ser classificados em metabolizadores pobres, extensivos ou normais e ultrarrápidos. Os metabolizadores pobres possuem o alelo nulo (CYP2D6 * 5 variante) e, consequentemente, a enzima não tem função, como resultado de uma mutação do tipo frameshift (CYP2D6*3 e CYP2D6*6) ou um defeito de splicing (CYP2D6*4). Cerca de 5 a 14% dos caucasoides, 0 a 5% dos africanos e 0 a 1% dos asiáticos apresentam alteração na atividade da CYP2D6. 13 Por sua vez, os metabolizadores rápidos possuem múltiplas cópias do gene (CYP2D6 * 2XN), sendo que o aumento da atividade enzimática nos indivíduos portadores de uma ou mais duplicações aumenta a degradação de medicamentos, o que pode causar concentrações subterapêuticas de fármacos administrados em doses-padrão. 14 Têm sido relatadas dezenas de variantes que reduzem ou eliminam a função do CYP2D6 . A segunda possibilidade de risco é observada quando o substrato do medicamento sofre inativação por via metabólica única. Na ausência dessa via, haverá um maior acúmulo da substância parental. Por exemplo, a varfarina é um anticoagulante que apresenta isomeria. Os isômeros R e S diferem em relação às suas concentrações no plasma, liberação, potência, locais de metabolismo e genes CYP . O isômero ativo S-varfarina é metabolizado primariamente pelo CYP2C9 a formas inativas. Os polimorfismos genéticos, resultando em substituições de aminoácidos, reduzem a capacidade do 2C9, causando aumento de concentração de varfarina, o que pode levar a episódios de sangramentos em alguns pacientes. Nesse caso, o conhecimento do polimorfismo permite prescrever doses mais baixas do medicamento, evitando episódios graves. Contudo, há pacientes com quase completa perda de função da enzima (homozigotos CYP2C9*3), nos quais a condução clínica é difícil. Variantes únicas em genes não envolvidos no metabolismo de medicamentos também podem conferir alto risco na resposta. Nesse caso, as alterações ocorrem em genes que codificam para moléculas-alvo ou vias metabólicas com as quais a medicação interage ou naqueles genes que não estão relacionados com o efeito terapêutico. Para esse último grupo, o exemplo mais conhecido é o do sistema HLA. Variantes genéticas do tipo HLA B*5701 estão associadas ao alto risco de reações dérmicas fatais durante o tratamento com o antirretroviral abacavir. No caso de variantes na molécula-alvo da substância, pode-se citar o polimorfismo R389G no gene receptor beta-adrenérgico, com efeitos durante o tratamento com o betabloqueador adrenérgico bucindolol. Diferentemente do exemplo de polimorfismos que ocorrem em regiões codificadoras, como o CYP2C9 e CYP2C19 , o gene CYP3A4 codifica a enzima envolvida no metabolismo de mais de 50% de fármacos clinicamente relevantes. Nesse caso, a presença do polimorfismo implica ampla variedade de resposta individual e provavelmente reside na regulação da expressão do gene. A variabilidade de atividade da enzima pode estar associada também a um SNP intrônico em um gene bastante relacionado, o CYP3A5 , uma vez que o alelo variante CYP3A5*3 altera o RNA mensageiro, pela criação de um novo local de splice. 1 A incidência de importantes alelos funcionais da família CYP pode variar significativamente em razão da ancestralidade. Por exemplo, os pobres metabolizadores para CYP2D6 (função ausente da enzima) são encontrados em europeus e africanos, mas são menos comuns nos asiáticos. Por sua vez, os pobres metabolizadores para CYP2C19 são comuns nos asiáticos, enquanto a frequência da variante CYP3A5*3 é maior em brancos se comparada aos negros. 1 Esses exemplos sugerem que a genotipagem, antes da prescrição, deve ser usada como estratégia terapêutica. Apesar da determinação de o metabolismo hepático ser limitado pelas enzimas, principalmente por aquelas pertencentes à família do citocromo P450, os transportadores regulam o acesso dos medicamentos, que serão substratos para a ação enzimática em certos órgãos, além de controlarem a concentração das substâncias nos hepatócitos. Somente nos últimos anos percebeu-se o impacto que o transporte pelas membranas possui na tomada dos medicamentos do trato gastrintestinal no corpo humano e da circulação para os tecidos-alvo e nos órgãos, onde serão transformados e eliminados. Por exemplo, o transporte ativo não só influencia as etapas cinéticas, como também pode contribuir para a variabilidade
dentro e entre os indivíduos e efeitos fármaco e toxicodinâmicos. 8
De acordo com o “dogma central da biologia molecular”, o DNA é a única fonte de informação genética que flui para o RNA e as proteínas. Atualmente, no entanto, muitos fenômenos, incluindo as respostas individuais a fármacos, não podem ser explicados por esse dogma. É óbvio que deve haver uma camada adicional de informação codificada, obtida pelas modificações epigenéticas. Modificação epigenética refere-se a processos que modificam o DNA ou a estrutura da cromatina de maneira que altere o nível de expressão de genes, mas não a sequência do DNA em si. Os padrões epigenéticos são conhecidos como reversíveis e podem variar com a idade, bem como de tecido para tecido, já que um indivíduo tem múltiplos epigenomas. Processos químicos que caem na esfera da epigenética incluem metilação do DNA e modificações pós-transducionais das histonas, como a adição de grupos metil, fosfato e acetil. Essas modificações influenciam a estrutura geral da cromatina e a disponibilidade de regiões reguladoras de genes às máquinas de transcrição.15 O aspecto dinâmico da epigenética fornece uma ligação entre o genoma e o meio ambiente e preenche a lacuna entre DNA e proteínas. A farmacoepigenômica envolve o estudo da epigenômica em relação às variações intra e interindividuais, em resposta à terapia medicamentosa, nos efeitos dos fármacos na expressão gênica, no mecanismo de ação dos fármacos e nas reações adversas a medicamentos, além da descoberta de novos alvos terapêuticos. Variações em sequências de emenda do pré-mRNA também têm sido descritas como tendo impacto sobre a terapia medicamentosa. Provavelmente, um dos genes mais bem estudados é o da tiopurina metiltransferase (TMPT), já abordado anteriormente. Sabe-se que pacientes com níveis baixos de atividade da TPMT estão em risco muito maior para a toxicidade induzida pela tiopurina (mielossupressão), quando tratados com essa classe de fármacos. Uma anomalia genética que leva ao risco de mielossupressão é a variante TMPT*4, que altera o local de splicing do íntron 9 do gene. Qualquer processo que produza uma mudança na codificação, expressão ou tradução de um gene relacionado com a medicação pode ter um efeito potencial na farmacogenética. Um exemplo de mecanismo de resposta à medicação refere-se aos micros RNA (miRNA), sequências curtas não codificadoras de RNA (aproximadamente 22 nucleotídios de comprimento) que se ligam a sequências complementares na extremidade 3′ do gene. O número de miRNA humanos identificados continua a crescer – o genoma humano pode codificar até 1.000 miRNAs com a capacidade de controlar a transcrição de 50 a 60% dos conhecidos e previsíveis genes humanos. 16 O estudo de miRNA é uma disciplina relativamente nova, mas a importância dessas pequenas moléculas no desenvolvimento do organismo e na sua saúde ou doença está se tornando apreciado.
Este capítulo teve como objetivo enfatizar que, mesmo para terapias conhecidas clinicamente, há variabilidade substancial de respostas entre os pacientes, ou seja, uma mesma dose de medicamento pode não servir para todos. Algumas pesquisas, particularmente nas últimas décadas, têm elucidado a contribuição genética para essa variabilidade, com uma visão crescente de que as medicações agem em um meio biológico complexo. Um obstáculo significativo para a aplicação da farmacogenômica/farmacogenética na prática clínica é a determinação do nível de evidência para que uma variante polimórfica seja colocada na prática clínica. Outro conjunto de desafios é logístico, isto é, determinar o genótipo no momento em que o medicamento é prescrito significa que o profissional deve obter o resultado, saber como agir sobre ele e, se necessário, mudar de medicação ou de dose. Uma abordagem alternativa é aquela na qual a informação genotípica é depositada em um prontuário eletrônico, antes da prescrição de medicamentos, com a intenção de dar apoio aos profissionais e adquirir e gerenciar grandes quantidades de informações genômicas que, em última instância, podem ser acessíveis pelo sistema de prontuário eletrônico. Assim, esse tipo de informação precisa ser desenvolvido a fim de aplicar os dados genômicos em prol da saúde do paciente. Parece claro que uma nova era está se iniciando, na qual esse conhecimento será cada vez mais aproveitado para melhorar os cuidados de saúde e qualidade de vida.
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As aplicações das técnicas de biologia molecular são ferramentas laboratoriais importantes no auxílio diagnóstico de doenças hematológicas e em seu acompanhamento terapêutico. Ao longo deste capítulo, será abordada a detecção de anormalidade genética para diversas doenças hematológicas por diferentes técnicas de biologia molecular.
Vários testes e pesquisas genéticas são possíveis em hematologia, sendo considerados importantes ferramentas para o diagnóstico clínico ou diferencial. A anemia falciforme é uma doença caracterizada pela formação de células falciformes, e a condição homozigótica (HbS/S) causa anemia hemolítica crônica moderada a grave. O diagnóstico pode ser feito por eletroforese de hemoglobina em acetato de celulose e por teste de falcização. No entanto, em alguns casos, pode-se realizar a análise de DNA, por exemplo, para diferenciar HbS/S da HbS/betatalassemia ou para confirmar a anemia falciforme no pré-natal ou no neonato. A alteração molecular ocorre na posição 6 do gene da globina beta (GAC > GTG), que acarreta a troca do ácido glutâmico pela valina (p.Glu6Val). A alfatalassemia é reconhecida pela deficiência na síntese de cadeias alfa de globina, podendo ser classificada em quatro tipos, de acordo com o número de deleções: alfatalassemia + (um dos dois genes do cromossomo perde a função); alfatalassemia0 (dois genes do cromossomo perdem a função); doença da hemoglobina H (três genes afetados); e hidropisia fetal por hemoglobina de Bart (quatro genes afetados). O diagnóstico da alfatalassemia é frequentemente realizado perante a exclusão da beta e de deficiência de ferro, pois, na maioria dos casos, a forma da alfatalassemia é clinicamente benigna (alfatalassemia+). Para a alfatalassemia0, é importante confirmar o diagnóstico pela análise de DNA, particularmente para as principais alterações. A betatalassemia é uma doença autossômica recessiva que acarreta redução na síntese da cadeia beta. Mais de 200 mutações foram relacionadas com a doença e o fenótipo de anemia hipocrômica e microcítica, com ampla heterogeneidade clínica. Entretanto, algumas alterações são mais comuns e podem ser analisadas prioritariamente, como a deleção de 619 pares de base e a mutação em frameshift 41/42 no gene HBB. Também é possível realizar o sequenciamento das regiões codificantes do gene e, assim, detectar mutações em aproximadamente 95 a 99% dos indivíduos com betatalassemia. A hemocromatose hereditária é uma das doenças autossômicas recessivas mais comuns, caracterizada por aumento na
absorção de ferro. O diagnóstico laboratorial da sobrecarga de ferro pode ser feito por meio da determinação das concentrações dos exames que avaliam o ferro. Já a avaliação molecular é realizada principalmente pela solicitação das genotipagens das mutações no gene HFE (p.C282Y e p.H63D). Homozigose para a p.C282Y é a principal causa da doença, mas a heterozigose composta dessa mutação com a p.H63D é também frequente nos pacientes. Essa avaliação é útil para identificar a origem genética da doença, ou seja, diagnóstico diferencial para causas secundárias, em pacientes com sobrecarga de ferro caracterizada por valores aumentados de saturação da transferrina e da ferritina sérica. As hemofilias A e B apresentam hereditariedade recessiva ligada ao cromossomo X e são caracterizadas pelas deficiências dos fatores VIII e IX, respectivamente, os quais acarretam sangramentos, principalmente em articulações (hemartroses). Para a hemofilia A, a inversão íntron 22A está presente em cerca de 50% dos casos. Já para os demais casos e para a hemofilia B, estudos adicionais são necessários a fim de identificar um potencial marcador molecular. Existem alguns marcadores genéticos associados ao risco para o tromboembolismo venoso (TEV), porém os mecanismos exatos são ainda desconhecidos. A alteração p.R506Q (c.G1691A), no gene que codifica o fator V de Leiden (FVL), foi associada a risco 5 vezes maior de TEV nos heterozigotos e 50 vezes maior nos homozigotos polimórficos, em relação aos indivíduos portadores de genótipo normal. As alterações c.G20210A no gene da protrombina (FII) e c.C677T no gene metilenotetra-hidrofolato redutase ( MTHFR) também são associadas a maior risco de TEV. A SERPINE 1 é uma proteína inibidora da peptidase que está relacionada com a regulação da hemostasia via inibidor do ativador do plasminogênio. O polimorfismo nessa proteína (4G/5G PAI-I) resulta em alterações na atividade transcricional da proteína, podendo aumentar o risco ou a predisposição para alguns fenótipos relatados, como préeclâmpsia, tumores, doença arterial coronariana, complicações na gestação, entre outros. O polimorfismo de inserção/deleção na posição da região promotora do gene SERPINE 1 é comum, bem caracterizado e funcionalmente importante. O alelo 4G tem frequência de 54,2% na população europeia, de 44,4% em brasileiros e de 67,7% na população japonesa. A deficiência de G-6-PD é uma doença ligada ao cromossomo X e caracterizada principalmente por anemia hemolítica induzida por fármacos ou infecções. Em alguns casos de aconselhamento genético, a análise da deficiência da G-6-PD por DNA pode ser importante, já que mulheres heterozigotas apresentam 50% de possibilidade de terem filhos do gênero masculino com a doença. Mais de 100 alterações foram associadas à doença, porém a mais requisitada é a mutação c.G202A. A policitemia vera (PV) é uma doença mieloproliferativa ( Myeloproliferative disorders – MPD) clássica, categoria que também inclui a trombocitemia essencial e a mielofibrose primária. A PV é caracterizada pelo excesso de células vermelhas morfologicamente normais, glóbulos brancos e plaquetas sem fibrose significativa de medula óssea. A proteína JAK2 é membro da família Janus kinase , as tirosina-quinases citoplasmáticas associadas aos domínios intracelulares de citocina e receptores do fator de crescimento. A mutação p.V617F no gene JAK2 substitui uma valina por fenilalanina na posição 617, e a descoberta dessa mutação teve grande impacto na abordagem diagnóstica para a PV, bem como para outras MPD. Mais de 90% dos pacientes com PV carregam a mutação p.V617F, o que apoia a recomendação de que a triagem de mutações em sangue periférico seja incorporada na avaliação inicial de todos os pacientes com suspeita de PV. A eritrocitose idiopática é o termo reservado para casos com origens inexplicáveis de aumento anormal dos eritrócitos após a investigação inicial. Suas causas podem ser divididas em dois grupos: primário, no qual há uma alteração intrínseca na medula óssea, conduzindo à eritropoiese anormal, ou secundário, quando existe um evento fora da medula óssea que leva à produção anormal de eritrócitos, como a PV. Normalmente, o diagnóstico de um paciente que não é classificado em PV nem apresenta uma causa adquirida de eritrocitose é considerado como tendo eritrocitose idiopática. Dentro do grupo de eritrocitose secundária, existem várias causas adquiridas (hipóxia e produção alterada de eritropoietina) e um subgrupo restrito de causas congênitas, cujas mutações podem ser pesquisadas nos genes VHL, PHD2 e HIF-2 a. A telangiectasia hemorrágica hereditária (THH) é uma doença autossômica dominante causada por alterações genéticas que levam ao desenvolvimento de vasos telangiectásicos frágeis e malformações arteriovenosas. Pesquisas genéticas para os genes ENG, que codifica a endoglina (THH tipo 1), e ACVRL1, que codifica a ALK1 (THH tipo 2), podem ser realizadas. A maioria dos pacientes com THH (mais de 80%) tem mutações em ENG ou ACVRL – mutações em ENG são mais comuns (61%) do que em ACVRL1 (37%) ou MADH4 (2%). A anemia de Diamond-Blackfan é uma doença rara que faz parte do grupo das síndromes herdadas de falência da medula óssea, sendo caracterizada por redução das células vermelhas sanguíneas na medula óssea, presença de anomalias congênitas e predisposição ao câncer. O diagnóstico é geralmente feito no 1 o ano de vida, por meio da identificação de mutações em genes RPS19 , no lócus 19q13.2, e RPL5, no lócus 1p22.1, entre outros, considerados mais frequentes.
A reação em cadeia da polimerase ( polymerase chain reaction – PCR) pode ser aplicada à análise de amostras de RNA, um procedimento comumente chamado de PCR em tempo real. A partir do mRNA, um único filamento de cDNA é sintetizado com a enzima transcriptase reversa. Essa é uma abordagem quantitativa para se fazer a PCR e determinar o número de cópias na reação. A caracterização molecular de algumas doenças hematológicas, como a leucemia mieloide crônica (LMC), as leucemias agudas e os linfomas, tem importante contribuição em decisões no início do tratamento e está associada ao prognóstico do paciente. Muitas anormalidades citogenéticas podem ser identificadas por técnicas de biologia molecular. A translocação (9;22) da qual resulta o cromossomo Philadelphia (Ph), presente em 95% dos casos de LMC, pode ser identificada facilmente por técnicas citogenéticas. Essa anormalidade é resultante da translocação t(9;22) e pode ser confirmada com maior sensibilidade pela presença do gene de fusão BCR-ABL, por meio da técnica da PCR em tempo real, apresentando, assim, o diagnóstico definitivo para pacientes suspeitos de LMC. A presença do gene BCR-ABL em cerca de 25% dos pacientes adultos e em 5% dos pacientes pediátricos com leucemia linfocítica aguda está associada a pior prognóstico e necessidade de terapêutica mais agressiva. Existe, ainda, a possibilidade de realizar o monitoramento da doença residual mínima para a LMC, cujo principal objetivo é detectar e medir o gene de fusão BCR-ABL. Com isso, há informação molecular em relação à resposta terapêutica do paciente perante quimioterápicos ou transplante de medula.
A aplicação farmacológica é uma das bases do tratamento das doenças hematológicas e, nas últimas décadas, foi uma das grandes responsáveis pelas reduções de morbidade e mortalidade. Nesse contexto, houve avanço enorme dos estudos de farmacogenética, isto é, da identificação de associações das condições genéticas dos indivíduos com a resposta ao tratamento farmacológico, as quais parecem ter significativo potencial de aplicabilidade. Alguns fármacos que apresentam importante potencial farmacogenético são descritos a seguir.
A anticoagulação com a varfarina é uma modalidade terapêutica importante para pacientes considerados de risco para doença tromboembólica. Pesquisas recentes revelam que cerca de 20% dos indivíduos com ancestralidade europeia são portadores de pelo menos um alelo variante dos dois polimorfismos mais frequentes na enzima CYP2C9, que causa sensibilidade ao fármaco. Essa enzima do CYP450 é metabolizadora de fase 1, inativando o fármaco no fígado. O genótipo selvagem (de referência ou normal) é identificado como alelo CYP2C9*1 . Além dele, a enzima pode evidenciar dois alelos variantes relativamente comuns ( CYP2C9*2 e CYP2C9*3 ) com alteração de propriedades catalíticas, acarretando diminuição de funcionalidade. A variante CYP2C9*2 é caracterizada pela substituição do aminoácido Arg144Cys, em razão do polimorfismo c.C416T no éxon 3 do gene CYP2C9, e a CYP2C9*3 pela substituição do aminoácido Ileu359Leu, em consequência do polimorfismo c.A1061T no éxon 7. Alelos variantes são mais comuns entre os pacientes que requerem baixas doses de varfarina se comparados àqueles que demandam doses comuns. Além disso, os portadores dos alelos mutantes podem manifestar maior frequência de sangramento e de elevação no valor de Razão Normalizada Internacional (RNI) no início do tratamento. Desse modo, considera-se que os genótipos CYP2C9 são úteis na estimativa da dose inicial da varfarina e que a genotipagem pode se tornar mais comum na avaliação inicial dos pacientes usuários de varfarina. Em 2007, a agência regulamentadora de fármacos dos EUA, a Food and Drug Administration (FDA), indicou que doses iniciais menores devem ser consideradas em pacientes portadores de variantes alélicas e determinou que essas informações sejam introduzidas na bula do produto. A enzima vitamina K epóxido-redutase (VKORC1) é um cofator essencial na formação dos fatores II, VII, IX e X ativados pela carboxilação. Alterações no gene VKORC1 podem resultar em maior resposta indicada pelo RNI, exigindo doses menores. Estimou-se que a dose deve ser reduzida em aproximadamente 28% para portadores de variantes no gene VKORC1 .
O clopidogrel, um tienopiridínico, é um profármaco que inibe o difosfato de adenosina (ADP) induzido e, por conseguinte, apresenta ação de antiagregação plaquetária. É prescrito principalmente para pacientes com síndromes
coronarianas agudas e requer metabolização hepática pela ativação das isoenzimas do citocromo P450, em particular da isoenzima CYP2C19. Vários estudos relataram a associação entre os polimorfismos do gene CYP2C19 e a atividade da enzima. A variação genética mais comum, designada CYP2C19*2 (c.G681A), conduz a defeito de splicing , que afeta a funcionalidade da enzima, porém outras alterações também são relatadas com perda de função. A variante alélica CYP2C19*17 (c.C806T; região 5’-UTR do gene) associa-se ao aumento da função da enzima, de modo que os indivíduos portadores dessa variante genética apresentam melhor prevenção de eventos trombóticos, mas, em contrapartida, risco elevado de sangramento.
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Na década de 1990, os avanços na genética molecular causaram grande impacto na área de genética de populações. O desenvolvimento da reação em cadeia da polimerase (PCR), que amplifica segmentos específicos de DNA, a aplicação de conjuntos de iniciadores evolutivamente conservados para PCR, a utilização dos loci de microssatélites hipervariáveis e o advento do sequenciamento de DNA de rotina em laboratórios foram os mais importantes. Essas inovações, com a evolução de análises precisas e relativamente simples de programas computacionais, permitiram que grande parte dos dados genético-moleculares pudesse ser explorada, revelando informações que, de outra maneira, seriam inalcançáveis. O destino de uma variante genética no tempo e no espaço é influenciado por fatores biológicos e pelas circunstâncias a que são submetidos os indivíduos, incluindo sucesso reprodutivo, migração, tamanho da população, seleção natural e outros eventos evolutivos. A partir da análise de marcadores genéticos que apresentam certa frequência de alteração, podem ser obtidas informações sobre praticamente qualquer população e sobre os processos evolutivos aos quais foram submetidas. As taxas de variação da distribuição de diferentes marcadores genéticos entre populações variam em virtude da ação diferencial de processos fundamentais, incluindo recombinação e mutação. 1 Embora a expressão de um fenótipo possa resultar de mecanismos que regulam a expressão gênica, como modificação de histonas, expressão de microRNA e outros RNA não codificadores, variantes de splicing e modificações póstraducionais de proteínas, além de fatores ambientais 2, muitos pesquisadores centralizam seus trabalhos na identificação de variantes genéticas que ocorrem com maior frequência em determinada população e que possam apresentar influência na expressão de um fenótipo. De acordo com a revisão de Marian 3 sobre estudos genético-moleculares de fenótipos complexos, os seres humanos diferem geneticamente em aproximadamente 0,1% de seus genomas e cada genoma contém aproximadamente 4 milhões de variantes na sequência de DNA (VSD) que afetam 50% dos genes. Além disso, essa revisão mostra que a maioria das VSD corresponde a polimorfismos de nucleotídio único ( single nucleotide polymorphism – SNP), mas que variações estruturais, as quais alteram muitos nucleotídios no genoma, também são observadas em frequência elevada e incluem deleções, inserções, duplicações e rearranjos de segmentos grandes de DNA. Essas variações estruturais são denominadas variações do número de cópias (copy number variation – CNV) e podem aumentar ou reduzir o número de cópias de genes. O dbSNP Build 132, banco de dados de SNPs, apresenta mais de 37 milhões de variantes genéticas descritas no
genoma humano. Entre os aproximadamente 3,5 milhões de SNP em cada genoma, 10.000 são alterações não sinônimas, às quais se atribuem dois terços de efeitos potencialmente prejudiciais por análises in silico, uma vez que resultam em substituição de um aminoácido e alteração da função da proteína produzida. Além disso, cada genoma contém cerca de 50 a 100 variantes associadas a doenças hereditárias e cerca de 30 variantes novas. A ocorrência de novas variantes genéticas é indicativa da introdução contínua de novos alelos ao patrimônio genético da população. A grande quantidade de VSD no genoma e a regulação da função e expressão gênica refletem a complexidade dos determinantes dos fenótipos complexos. Acredita-se que os fenótipos clínicos resultam de interações entre múltiplos alelos e vários fatores genéticos e ambientais, embora os fatores genéticos sejam os principais determinantes. Em um fenótipo complexo, presume-se que o efeito dos alelos envolvidos seja muito variável. Espera-se que somente poucos alelos causem grande impacto e que muitos exerçam efeitos modestos, os quais podem não ser facilmente detectados. Entretanto, por influenciarem a expressão gênica, a estrutura de proteínas e as funções celulares, as VSD podem exercer impacto importante em várias vias que, em conjunto, influenciam a suscetibilidade a um fenótipo complexo e contribuem para um traço etiológico também complexo. 4
Os estudos genéticos de fenótipos complexos podem ser investigados a partir de um conhecimento prévio do envolvimento de determinado gene na patogênese de um fenótipo – esse método é conhecido como abordagem de gene candidato. O gene candidato geralmente é analisado por estudos caso-controle ou estudos prospectivos de associação alélica, nos quais genótipos e frequências alélicas do gene candidato, determinados por genotipagem ou sequenciamento direto, são comparados entre casos e controles. Em uma abordagem de gene candidato, pode-se caracterizar a população para VSD candidatas, que podem ser selecionadas com base em suas frequências, por desequilíbrio de ligação do lócus ou por funções biológicas conhecidas, como no caso de SNP não sinônimos, que alteram a proteína e interferem em sua função dentro da célula. Para identificar novas variantes, o gene completo ou as regiões selecionadas, geralmente as regiões codificadoras, junções de splicing e regiões regulatórias são sequenciadas nos grupos-caso e controle. O objetivo desses estudos genéticos é detectar e quantificar o risco para uma doença e a eficácia de terapias específicas ou o risco de efeitos colaterais no indivíduo, e depende de dados de grupos para alcançar tais informações.
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Na busca por genes candidatos na suscetibilidade a fenótipos complexos, destacam-se os genes variantes que codificam as enzimas que participam do metabolismo do folato. Esse metabolismo está relacionado com vários processos biológicos relevantes, como síntese de purinas, metilação e reparo do DNA. Portanto, os polimorfismos que afetam a atividade dessas enzimas têm sido associados ao desenvolvimento de doenças complexas, como câncer e doença arterial coronariana obstrutiva (DAC), e a processos de não disjunção cromossômica resultante de hipometilação do DNA. Outros genes polimórficos envolvidos em fenótipos complexos são aqueles que participam da angiogênese. O processo de formação de novos vasos sanguíneos é importante para alguns mecanismos dependentes de angiogênese, como a formação de placas ateroscleróticas na DAC e o desenvolvimento e crescimento tumoral. Relacionados também com a formação de tumores, destacam-se os genes envolvidos nos processos de ativação e detoxificação de compostos carcinogênicos. Portanto, polimorfismos em genes codificadores de enzimas envolvidas no metabolismo de xenobióticos podem contribuir para o desenvolvimento de tumores.
Os mecanismos pelos quais o metabolismo anormal do folato pode contribuir para a carcinogênese são: hipometilação do DNA e subsequente ativação de proto-oncogenes; incorporação de uracilas durante a síntese de DNA, promovendo instabilidade genômica; e aumento da desaminação nos locais de metilação do DNA, levando à ocorrência de mutações. 5 Concentrações anormais de folato decorrentes da presença de polimorfismos genéticos são associadas à alteração nas reações de metilação, síntese e reparo do DNA. Além disso, concentrações adequadas de folato são essenciais para a biossíntese de purinas e pirimidinas, q ue são necessárias nesses processos biológicos. Entre os vários polimorfismos genéticos da via metabólica do folato, destaca-se um SNP no gene que codifica a enzima metilenotetra-hidrofolato redutase (MTHFR). Uma substituição de citosina para timina na posição 677 (C677T) do gene MTHFR, que resulta na substituição do aminoácido alanina por valina na proteína produzida, leva a aumento da termolabilidade e redução da atividade enzimática, comprometendo a via de remetilação da homocisteína (Hcy) para metionina e, consequentemente, levando à hiper-homocisteinemia. 6 Essa variante genética é associada a doenças vasculares, defeitos de fechamento do tubo neural, nefropatia diabética e desenvolvimento de tumores. 7 Estudos
bioquímicos e estruturais da enzima MTHFR humana e de Escherichia coli revelam que o alelo variante 677T permite uma dissociação precoce da enzima variante com um importante cofator estabilizador, o dinucleotídio adenina-flavina (FAD), quando comparada com a MTHFR selvagem, resultando em termolabilidade e atividade significativamente reduzida da enzima.8 Concentrações adequadas de folato ou riboflavina protegem a MTHFR da perda do cofator FAD, garantindo, assim, a atividade funcional da enzima. Tanto que, em condições de alta concentração de folato ou riboflavina, a cinética enzimática da MTHFR variante é semelhante à da enzima selvagem. Assim, acredita-se que somente em baixas concentrações de folato ou riboflavina o impacto funcional da variante MTHFR C677T se torna significativo. De fato, o alelo variante 677T é associado a elevadas concentrações plasmáticas de Hcy (um indicador do status de folato) e hipometilação do DNA em linfócitos de indivíduos com status reduzido de folato ou riboflavina. 8 De acordo com uma extensa revisão de Young-In 9 sobre o impacto de genes do metabolismo do folato na carcinogênese, o polimorfismo MTHFR C677T parece modular o risco para o câncer, atuando de maneira local-específica em vários tipos de tumores. O alelo MTHFR 677T parece reduzir o risco de câncer colorretal, carcinoma hepatocelular, câncer cervical, leucemia linfocítica aguda em adultos, certas leucemias infantis, linfoma e carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço. Por sua vez, o alelo MTHFR 677T parece aumentar o risco de câncer de mama, endométrio, esôfago, estômago e pâncreas. Segundo Young-In 9, uma teoria proposta de como o alelo variante MTHFR 677T poderia modular o risco para o câncer sugere que, em condições de alta ingestão de folato e outros nutrientes relacionados pela dieta, indivíduos portadores do alelo 677T poderiam ter um risco reduzido para o câncer em razão das altas concentrações intracelulares de 5,10metilenoTHF, o que poderia prevenir o desequilíbrio de nucleotídios durante a síntese de DNA, garantindo a replicação do DNA com alta fidelidade. Além disso, com alta ingestão de folato, a conversão de 5,10-metilenoTHF para 5-metilTHF pela enzima MTHFR funcionaria de modo eficiente e, assim, indivíduos portadores do alelo 677T teriam concentrações adequadas de S-adenosilmetionina (SAM) para a metilação do DNA. Contudo, quando a ingestão de folato e outros nutrientes é baixa, a estabilidade reduzida da MTHFR variante resulta em inativação da enzima e, consequentemente, redução da disponibilidade de 5-metilTHF para o ciclo da metionina. Isso manteria a disponibilidade de 5,10metilenoTHF, que não é convertido em 5-metilTHF, e reduziria a probabilidade de comprometimento na síntese de DNA. Nesse caso, porém, a metilação do DNA poderia ser prejudicada por conta da baixa disponibilidade de 5-metilTHF para o ciclo da metionina, responsável pela síntese de SAM, o principal doador de grupos metil para as reações de metilação celulares. Outros polimorfismos em genes envolvidos no metabolismo do folato, como MTHFR A1298C, MTR A2756G, MTRR A66G, TC2 A67G e C776G, SHMT C1420T, BHMT G742A, RFC1 A80G, MTHFD1 G1958A e C βS 844ins68, também têm sido investigados no processo da carcinogênese. 10 Entretanto, a influência destes na suscetibilidade ao câncer não está totalmente esclarecida.
A hiper-homocisteinemia, caracterizada pela concentração elevada de Hcy plasmática, é considerada um importante fator de risco para doença arterial coronariana (DAC). O mecanismo pelo qual concentrações elevadas de Hcy induzem lesões cardiovasculares permanece desconhecido. Evidências experimentais sugerem que a Hcy pode estar envolvida na aterogênese e trombogênese, levando a hiperplasia celular e fibrose. Além disso, parece facilitar o processo oxidativo vascular, alterar o sistema de coagulação e reduzir a regulação vasomotora do endotélio. 11 A contribuição das variantes genéticas do metabolismo do folato para o desenvolvimento da aterosclerose é sugerida pelo papel das respectivas enzimas no metabolismo da Hcy. O alelo polimórfico 677T do gene MTHFR é um forte candidato para o aumento do risco de doenças vasculares por sua influência nas concentrações de Hcy, cujo aumento é considerado um fator de risco independente para a aterosclerose. O alelo 677T é observado com maior frequência em pacientes com DAC, embora alguns estudos não confirmem essa associação. 12,13 Outra variante relacionada com o aumento das concentrações de Hcy, MTR A2756G, também é associada ao risco para doenças coronarianas e cardiovasculares. 14 A contribuição do genótipo polimórfico MTHFR A1298C para a redução da função enzimática não é clara. No entanto, o genótipo MTHFR 1298AA é associado a aumento da Hcy e desenvolvimento de DAC. 15
Em 1999, foi apresentada a primeira evidência de que a ocorrência da síndrome de Down (SD) independente da idade materna está associada à hipometilação do DNA como consequência de alterações no metabolismo do folato. 16 Segundo essa hipótese, a hipometilação da região pericentromérica, resultante de alteração no metabolismo do folato em resposta ao polimorfismo C677T do gene MTHFR, poderia alterar a segregação cromossômica e aumentar o risco para não disjunção
do cromossomo 21 em mães jovens. Nesse estudo, o risco para prole com SD foi 2,6 vezes maior em mães com a substituição de C/T em um ou em ambos os alelos na posição 677 do gene MTHFR. Além disso, mães de filhos com SD apresentaram um significativo aumento das concentrações plasmáticas de Hcy e citotoxicidade ao metotrexato, condizentes com um metabolismo anormal do folato. Desde então, estudos têm associado o polimorfismo MTHFR C677T à modulação do risco para o nascimento de crianças com SD, bem como com aumento das concentrações plasmáticas de Hcy. Além disso, a presença do alelo variante 677T está associada a concentração reduzida de 5-metilcitosina e hipometilação do DNA, formação de micronúcleos e instabilidade de microssatélites. Outro polimorfismo no gene MTHFR, que resulta da substituição de A/C no nucleotídio 1298, também foi associado à modulação do risco para a SD e ao aumento das concentrações de Hcy plasmática. Além disso, frequência elevada do alelo variante 1298C foi observada em abortos espontâneos com aneuplodias cromossômicas fetais, evidenciando seu envolvimento na origem de alterações cromossômicas. 6 Segundo a revisão de Pavarino et al .6, vários estudos demonstram a participação de outros polimorfismos genéticos envolvidos na via do folato na modulação do risco materno para SD, bem como nas concentrações dos metabólitos envolvidos nessa via. O polimorfismo MTR A2756G é associado a aumento do risco materno para a SD na presença dos genótipos 2756AG ou 2756GG, assim como quando combinado com os polimorfismos MTRR A66G ( MTR 2756AG/ MTRR 66AG) e MTHFR C677T ( MTHFR 677TT/ MTR 2756AA). Em relação ao gene MTRR, a maioria dos estudos associa os genótipos variantes do polimorfismo MTRR A66G a risco para SD e aumento da concentração de Hcy quando combinados com outros polimorfismos da via do folato, como o MTHFR C677T. Ainda que poucos estudos tenham avaliado a influência do polimorfismo RFC1 A80G no risco para SD, há evidências de associação entre essa variante e a ocorrência da síndrome. Além disso, alguns estudos sugerem um papel desse polimorfismo quando combinado a outros polimorfismos de genes envolvidos no metabolismo do folato. Uma das interações do polimorfismo RFC1 A80G parece ocorrer com o polimorfismo MTHFD1 G1958A, uma vez que o genótipo MTHFD1 1958AA mostrou associação com o risco para SD somente quando combinado com o genótipo RFC1 80GG. Ao contrário dos polimorfismos anteriormente citados, os polimorfismos dos genes C βS (844ins68), DHFR (deleção de 19 pares de base) e TC2 (C776G) parecem não desempenhar um papel na modulação do risco para a SD. Esses achados sugerem que o efeito combinado de polimorfismos em genes envolvidos no metabolismo do folato pode modificar o efeito individual destes e aumentar o risco materno para a SD. 6
O fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) é um potente mitógeno de células endoteliais que promove a angiogênese, ou seja, a formação de novos vasos sanguíneos a partir de um endotélio preexistente. Experimentos in vitro e in vivo mostram que o aumento da expressão de VEGF é associado a crescimento tumoral e metástase, enquanto sua inibição resulta em supressão da angiogênese e do crescimento do tumor. 17 O processo de vascularização tumoral não é totalmente conhecido, mas VEGF parece ser o fator de crescimento vascular predominante na maioria dos tumores. O aumento da expressão do VEGF é associado à ocorrência de alguns tumores sólidos, como de mama, colorretal e carcinoma espinocelular de cavidade oral. Para este último, a expressão elevada de VEGF foi significativamente associada a um pior prognóstico e à redução na taxa de sobrevida.
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Muitos estudos têm investigado o papel de polimorfismos do gene VEGF como determinantes genéticos da suscetibilidade ao câncer de mama, próstata, pulmão e colorretal. Vários polimorfismos foram descritos na região promotora do gene VEGF (C-2578A, C-2489T, C-1498T e G-1154A, C-460T), na UTR-5′ (G-634C e C-7T) e na UTR-3′ (C936T e G1612A). Os alelos variantes -1154A e 936T resultam em expressão reduzida de VEGF, enquanto os alelos polimórficos -1498T e -7T resultam em concentrações elevadas de RNA mensageiro de VEGF. O efeito funcional dos polimorfismos C-2578A e G-634C não é bem definido entre os estudos; alguns relatam baixa e outros evidenciam alta produção de VEGF para os alelos variantes. 18 A revisão de Jain et al .18 mostra que os resultados de estudos de associação desses polimorfismos com risco para câncer de mama, próstata, pulmão e cólon são discordantes. O alelo 936T parece desempenhar um papel protetor contra o câncer de mama, mas é associado ao risco elevado de câncer colorretal. Da mesma maneira, a presença do alelo -634C é um fator preditor do risco elevado ao câncer de pulmão e próstata, mas associado a risco reduzido de tumores de cólon e não apresenta relação com o desenvolvimento do câncer de mama. A ausência de consenso sobre o papel desses SNP na carcinogênese poderia ser explicada por sua relação com outros SNP funcionais desconhecidos do gene VEGF ou SNP de outros genes da via angiogênica.
A proteína VEGF é relacionada com o aumento da progressão de placas ateroscleróticas. 19 Entre os polimorfismos localizados na região promotora do gene VEGF , o genótipo VEGF -2578AA é associado a maior número de artérias lesadas de pacientes com DAC 20, sugerindo que a redução da expressão do VEGF resultante do genótipo VEGF -2578AA poderia promover o desenvolvimento de aterosclerose. Em relação ao polimorfismo VEGF G-1154A, o genótipo -1154GG, associado a aumento da expressão de VEGF, é menos frequente em pacientes com doença cardíaca. 21 Além disso, em outro estudo, este polimorfismo não foi associado ao número de artérias envolvidas nem com o grau de obstrução arterial.22 Quando consideradas as frequências haplotípicas dos polimorfismos VEGF C-2578A e VEGF G-1154A, foi observada uma associação entre o haplótipo AG (-2578A/-1154 G) e a presença de três vasos comprometidos. 22 Portanto, esses resultados sugerem que o polimorfismo VEGF C-2578A tem maior impacto no desenvolvimento de DAC.
Tabaco e álcool são os principais fatores de risco para o câncer. Estudos mostram que muitos carcinógenos contidos no cigarro e provenientes da degradação do álcool são metabolizados para formas ativas acarretando efeitos deletérios ao organismo. Essas substâncias podem causar reações oxidativas nos tecidos e iniciar reações que produzem radicais livres. A presença de oxigênio reativo pode causar danos a proteínas, carboidratos, lipídios e D NA, consequentemente resultando em mutagênese e alterações no ciclo celular. 23 O metabolismo de xenobióticos é composto por duas fases: o metabolismo oxidativo (fase I) e o metabolismo realizado por enzimas conjugadas (fase II). Muitos compostos são convertidos para metabólitos altamente reativos por enzimas oxidativas de fase I, principalmente por enzimas da superfamília do citocromo P450 (CYP), as quais catalisam uma variedade de reações oxidativas, envolvendo centenas de substratos. Como resultado, por meio da introdução de um ou mais grupos hidroxila, um pró-carcinógeno se torna um composto carcinogênico. Por sua vez, as reações de fase II envolvem conjugação desses compostos com substratos endógenos (glutationa, sulfato, glucose, acetato) por meio da atuação das enzimas glutationa S-transferases (GST), UDP-glucoronosiltransferases e N-acetiltransferases (NAT), que atuam como inativadoras de produtos da fase I, catalisando a conversão de produtos eletrofílicos reativos para inativos, solúveis em água que podem, então, ser facilmente removidos. 24 Polimorfismos em genes codificadores de enzimas envolvidas no metabolismo de xenobióticos podem alterar sua expressão e função, modificando o processo de detoxificação de compostos carcinogênicos. Estudos mostram associação entre polimorfismo do gene CYP1A1 (CYP1A1MspI) e risco elevado para câncer oral e cervical. 25,26 Polimorfismos do gene CYP2E1 (CYP2E1 RsaI e DraI) foram associados a câncer de esôfago. 27 Em câncer de cabeça e pescoço, o estudo de Cury et al .28 não demonstrou associação do polimorfismo CYP2E1 DraI com o desenvolvimento da doença e, além disso, apresentou uma menor frequência do polimorfismo CYP2E1 (PstI) no grupo de pacientes. As deleções em homozigose nos genes GSTT1 e GSTM1 são associadas a aumento do risco de câncer colorretal 29, leucemia aguda 30 e câncer de bexiga.31 Além disso, esses polimorfismos de deleção foram relacionados com a ocorrência de carcinoma de cabeça e pescoço. 32,33 No entanto, esses resultados são contraditórios, uma vez que a literatura não é unânime em confirmar essas associações. Assim, é relevante ressaltar a importância de estudos na área para contribuir com o esclarecimento da participação desses genes no processo da carcinogênese.
Estudos mostram que a variabilidade genética da população pode contribuir para o aumento da suscetibilidade a determinadas doenças, por causa das alterações metabólicas resultantes dos efeitos funcionais dessas variantes. O avanço das metodologias utilizadas em estudos genéticos permite a identificação cada vez mais precisa de marcadores genéticos associados a doenças. A aplicação das informações obtidas por meio desses estudos na prevenção e na cura de doenças humanas requer a exploração do conhecimento gerado para elucidar os mecanismos moleculares que governam a patogênese do fenótipo.
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A citogenética tem sido utilizada para detectar alterações cromossômicas numéricas e estruturais, as quais constituem uma parcela significativa das doenças genéticas, respondendo por parte relevante dos insucessos reprodutivos, das malformações congênitas, da deficiência motora e do atraso intelectual. No entanto, algumas alterações citogenéticas, como rearranjos envolvendo múltiplos cromossomos encontrados em tumores sólidos e leucemias, podem escapar da detecção das técnicas de cariotipagem tradicionais. Nas últimas duas décadas, observou-se uma explosão de avanços metodológicos nas técnicas de citogenética molecular, que adicionaram cores ao até então mundo preto e branco da citogenética convencional, melhorando o diagnóstico das aberrações cromossômicas. A hibridação in situ por fluorescência (FISH) é uma técnica de citogenética molecular que utiliza sondas de DNA marcadas com fluorescência para detectar a presença ou ausência de uma sequência particular de DNA ou para avaliar o número ou a organização de um cromossomo ou de uma região cromossômica. É possível detectar sequências específicas de ácidos nucleicos pela formação de um duplex de um fragmento de ácido nucleico de fita simples modificado (sonda ou probe) e sua sequência complementar (sequência-alvo) no espécime fixado. A sonda de DNA reconhece e se pareia (hibridação) com sua sequência complementar no cromossomo. Atualmente, como é marcada com um corante fluorescente (fluorocromo), o local em que se hibrida pode ser visualizado ao microscópio de fluorescência (Figura 14.1). Um tipo de sonda comumente usado para a FISH é um fragmento de DNA derivado de uma localização única no cromossomo (sondas de sequência única). Essas sondas hibridam e marcam a posição deste fragmento na metáfase, que pode ser a sua posição no cromossomo normal, ou em outro cromossomo, caso haja uma translocação. Uma sonda também pode ser uma mistura complexa de DNA obtido a partir de um braço do cromossomo ou de parte deste, ou mesmo a partir de um cromossomo inteiro, conhecida como “pintura cromossômica”.
Figura 14.1 FISH evidenciando metáfase com constituição cromossômica XX pela presença de dois sinais fluorescentes brancos da região centromérica do cromossomo X.
Sondas gene-específicas ou lócus-específicas podem ser utilizadas para detectar a presença, ausência ou localização de um gene em particular. Sondas para DNA repetitivo permitem a localização de DNA satélite ou outros elementos de DNA repetidos em um loci cromossômico específico, incluindo centrômeros, telômeros e regiões de heterocromatina ( Figura 14.2). Também é possível usar diferentes fluorocromos para marcação das sondas e detectar múltiplos loci ao mesmo tempo. Duas, três ou quatro aplicações de cores são rotineiramente utilizadas para diagnosticar deleções específicas, duplicações ou rearranjos.
A técnica de FISH proporciona uma resolução consideravelmente melhor do que as técnicas de bandeamento de alta resolução, pois permite detectar deleções pequenas de até um milhão de pares de bases (1 Mb). Uma de suas grandes vantagens é o uso não somente de células em metáfase, mas também de células em interfase, o que permite fazer diagnósticos citogenéticos mais acurados tanto para anormalidades constitucionais quanto para mudanças cromossômicas adquiridas, como no caso de células cancerosas. Além disso, pesquisas de aneuploidias podem ser feitas mais rapidamente, sem a necessidade de culturas das células, e tecidos preservados podem ser investigados, assim como tecidos fixados em formol e amostras de sangue e de medula óssea.
Figura 14.2 Imagem mostrando diferentes tipos de sondas de FISH. A. Sondas de DNA repetitivo (centrômeros). B. Sondas de DNA repetitivo (telômeros). C. Sondas de DNA de cópia única. D. Sondas de pintura cromossômica.
Uma das principais desvantagens é o alto custo das técnicas de citogenética molecular em geral, não somente dos consumíveis, mas também dos equipamentos, como os microscópios de fluorescência e softwares de captura e análise das imagens, além da necessidade de se conhecer ou suspeitar da região envolvida e também da possibilidade de falha na hibridação, que pode levar a falsas interpretações dos resultados.
Nos últimos anos, a citogenética humana vem despontando como importante método no diagnóstico de diversas doenças e também como mais um recurso de medicina preventiva, graças ao surgimento do aconselhamento genético. Estima-se que as anomalias cromossômicas sejam responsáveis por mais de 60 síndromes identificáveis, sendo mais comuns que todos os distúrbios monogênicos juntos. As anomalias cromossômicas afetam 0,7% dos nascidos vivos, 2% das gestações em mulheres com mais de 35 anos e estão presentes em 60% dos abortos espontâneos do primeiro trimestre. As principais aplicações da técnica de FISH são: •
Detecção de aneuploidias: as aneuploidias são o tipo mais comum e clinicamente significativo de alterações cromossômicas humanas, ocorrendo em cerca de 5% de todas as gestações. Os cromossomos mais comumente envolvidos são 13, 18, 21, X e Y (Figura 14.3) • Diagnóstico pré-implantação: é um método precoce de diagnóstico pré-natal que se destina à prevenção da transmissão de doenças genéticas por meio da seleção de embriões. É possível graças aos avanços nos campos da fertilização in vitro e da biologia molecular. Geralmente, no terceiro dia após a fertilização, retira-se um ou dois blastômeros em busca das alterações cromossômicas ou gênicas mais comuns na população ou na família em estudo
Figura 14.3 A. Cariótipo evidenciando trissomia do cromossomo 21, característica da síndrome de Down. B. Hibridação in situ fluorescente mostrando núcleo interfásico com dois sinais do cromossomo 13 (branco) e três sinais do cromossomo 21 (preto).
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Síndromes de microdeleções Síndrome de Williams (7q-) – Síndrome de Prader-Willi/Angelman (15q-) – Síndrome do miado do gato – cri-du-chat (5p-) Leucemias – Avaliação da origem clonal – Caracterização das alterações cromossômicas e estruturais para diagnóstico, prognóstico e tratamento – Detecção de doença residual mínima – Identificação de recidiva da doença – Monitoramento pós-transplante: quando doador e receptor são de sexos diferentes, para verificação da proporção de células XX e XY Leucemia mieloide crônica (LMC) – Avaliação da presença do cromossomo Philadelphia (Ph) – translocação entre os cromossomos 9 e 22 Leucemia linfoide crônica – Trissomia do cromossomo 12 em 30% dos casos – 14 q+ em 20% dos casos – Alterações do cromossomo 13 em 20% dos casos – Deleção 6q em 10% dos casos Leucemia mieloide aguda – Leucemia promielocítica aguda: rearranjo PML/RARa – translocação entre os cromossomos 15 e 17.t (15;17) – Leucemia mielomonocítica aguda: pesquisa da inversão do cromossomo 16
– Leucemia monocítica aguda: pesquisa de alterações envolvendo o gene MLL (myeloid/lymphoidormixedlineage leucemia ), localizado em 11q23 – Leucemias com monossomia dos cromossomos 7 e 5 ou trissomia do cromossomo 8 para detecção de doença residual no controle pós-terapia – Leucemia mieloide aguda com cromossomo Ph ou BCR/ABL • Leucemia linfoide aguda – Cromossomo Ph – Rearranjo do gene MLL – Aneuploidias – Rearranjo dos genes TEL/ AML1 • Câncer de mama – FISH é utilizada para demonstrar a amplificação de genes – 25 a 30% dos tumores de mama e ovário têm amplificação do gene HER-2/neu (um proto-oncogene localizado no cromossomo 17 e que codifica uma oncoproteína transmembrana, a p185 HER2) – A presença do HER-2/neu determina rápida proliferação do tumor e muita agressividade – Por meio de sondas de DNA complementares marcadas com fluorocromo, pode-se visualizar um número aumentado de cópias do gene em relação às duas cópias normalmente existentes.
A hibridação genômica comparativa (CGH) é uma técnica de citogenética molecular que permite detectar alterações genéticas numéricas, não balanceadas, a partir da comparação de perdas e ganhos de regiões cromossômicas em relação a uma metáfase normal de referência. Basicamente, a técnica é feita da seguinte maneira: o DNA que se deseja testar é marcado com um corante fluorescente ou fluoróforo, geralmente verde ou vermelho, e o DNA obtido de células-controle normais é marcado com outro fluoróforo, de cor diferente daquela que se usou para marcar o DNA-teste. Esses DNA marcados são desnaturados e hibridados contra uma lâmina contendo cromossomos metafásicos normais. Os ganhos e perdas cromossômicos são notados pela diferença da razão de cores dos fluoróforos utilizados na marcação dos DNA-teste e controle. Com o auxílio de um software de processamento de imagens, pode-se observar as regiões com perdas e ganhos e a razão pela qual os DNA-teste e normal se desviam do esperado. Por exemplo, se o DNA-teste é marcado com o fluoróforo verde, o DNA normal é marcado com vermelho e, após a hibridação com a metáfase, uma região verde sobressai na metáfase e indica-se a presença de uma duplicação no DNA-teste. Se há o mesmo número de cópias das sequências entre o DNA-teste e o controle, a cor observada é uma mistura de verde e vermelho, geralmente observada como amarelo. A técnica de CGH tem sido amplamente utilizada para identificar perdas e ganhos de regiões cromossômicas em tumores sólidos. Muitas células cancerosas contêm múltiplas cópias de oncogenes estruturalmente normais. Os cânceres de mama, em geral, possuem aumento do número de cópias dos genes ERBB2 e MYC . O gene MYC também pode ser observado aumentado em neuroblastomas e adenocarcinomas. Centenas de cópias dessas regiões podem ser encontradas dispersas pelo genoma. Amplificações semelhantes são encontradas para genes relacionados com o metabolismo, como o gene de resistência ao metotrexato. O aumento do número de cópias implica aumento do nível de expressão desses genes. Uma vantagem da técnica de CGH é a necessidade de pequenas quantidades de DNA, como as obtidas a partir de regiões microdissecadas obtidas de um tumor.
Com o conhecimento das sequências gênicas proporcionado pelo Projeto Genoma e a melhoria nos processos de automação aplicada à medicina, as análises cromossômicas também sofreram avanços. Foi desenvolvida a técnica de CGH array, pela qual o DNA-teste e o DNA normal são hibridados às sondas (ou pequenos fragmentos de DNA) presentes em uma lâmina de microarranjo genético ( microarray ), também conhecidas como chips de DNA. Essa variação da técnica de CGH permite analisar fragmentos pequenos de DNA e o genoma de modo abrangente, com lâminas contendo uma representação completa do genoma, com distâncias cada vez menores entre os fragmentos de DNA. A técnica de CGH array pode ser aplicada às mesmas indicações que as técnicas de FISH e CGH, a saber: • •
Diagnóstico pré-natal de aneuploidias Diagnóstico pré-implantacional de aneuploidias
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Diagnóstico de amplificações e deleções gênicas em cânceres Diagnóstico de amplificações e deleções gênicas em leucemias
A técnica de CGH array também pode ser usada para auxílio no diagnóstico de atraso intelectual e no desenvolvimento, malformações congênitas múltiplas e doenças de espectro autista. Todavia, vai além da detecção pela técnica de FISH, uma vez que permite a resolução de aberrações cromossômicas complexas e a análise global de alterações genômicas, além da identificação de aberrações em genes específicos, por permitir a investigação de pequenos fragmentos de DNA. A técnica também requer pouco DNA e é possível utilizar DNA obtido de amostras formolizadas, parafinadas e de preparações celulares armazenadas em fixador para análise citogenética. Uma desvantagem das técnicas de array é que elas não detectam translocações, isto é, trocas entre fragmentos cromossômicos, se houver número de cópias normal dos fragmentos rearranjados. Além disso, as análises genômicas de alta resolução podem revelar pequenas variações de número de cópias de regiões cromossômicas, que podem não estar relacionadas com as anomalias testadas. Um número crescente dessas variações vem sendo identificado em populações fenotipicamente normais e pode ser observado no banco de dados de variantes genômicas ( Database of Genomic Variants ), de modo que sua interpretação deve ser cuidadosa. Por último, destaca-se como desvantagem o custo do teste, que é maior que o das demais metodologias. Assim, com outros métodos, como bandeamento G e análises moleculares tradicionais, a citogenética molecular proporciona aumento significativo de informações que podem ser geradas a partir de uma amostra. Dentro dessa realidade, os estudos citogenéticos moleculares têm se mostrado como uma importante ferramenta auxiliar de diagnóstico em genética humana, apresentando interface com áreas de pediatria, endocrinologia, hematologia, neurologia, ginecologia, obstetrícia, dermatologia, ortopedia e outras.
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As metodologias de análise do DNA tiveram grande desenvolvimento nos últimos anos, proporcionando um maior detalhamento dos aspectos genéticos da célula e permitindo uma maior compreensão do relacionamento entre o conteúdo genômico e o fenótipo clínico. Desse modo, a triagem de variações na estrutura do DNA, como deleções, amplificações e rearranjos cromossômicos utilizando técnicas de citogenética molecular, tornou-se ferramenta crucial no diagnóstico de um grande número de doenças. Como todos os métodos de citogenética molecular têm base na análise da arquitetura genômica, a fusão dos termos “citogenética molecular” e “genômica” resultou na palavra “citogenômica”, que expressa de modo adequado a essência das novas abordagens de estudo do DNA.
A descoberta de que as células humanas apresentavam 46 cromossomos ocorreu em 1956, a partir do trabalho pioneiro de Tjio e Levan em metáfases obtidas em culturas de células embrionárias pulmonares, possibilitado pelo desenvolvimento de métodos de cultura celular, pela utilização da colchicina (substância que impede a formação do fuso mitótico, bloqueando as células em metáfase) e pelo tratamento das células com solução salina hipotônica, que propicia uma melhor dispersão dos cromossomos. A citogenética convencional permitiu os estudos relacionando os defeitos cromossômicos a síndromes já conhecidas anteriormente, como a síndrome de Down, caracterizada pela presença de um cromossomo 21 adicional, ou a síndrome de Turner, com presença de um único cromossomo sexual X em mulheres. Anomalias na estrutura dos cromossomos também foram descritas e associadas a doenças, como a deleção parcial do braço curto do cromossomo 5 na síndrome de Cri du Chat. Todavia, até 1971, o reconhecimento das aberrações estruturais ainda era muito limitado, sendo a classificação dos cromossomos baseada quase exclusivamente no tamanho e na morfologia. Com a introdução da técnica de bandamento G, utilizada até hoje na rotina citogenética para realizar o exame de cariótipo, foi possível a identificação inequívoca de todos os 23 pares cromossômicos. A partir de então, houve um grande progresso na citogenética humana com o desenvolvimento de outros métodos de bandamento e coloração cromossômica, todos ainda baseados em tratamento químico ou enzimático do DNA. Essas técnicas possibilitaram o diagnóstico mais preciso de anomalias estruturais com a identificação de deleções menores, inversões, inserções, translocações e outros rearranjos cromossômicos mais complexos.
Quase 20 anos mais tarde, no final da década de 1980, época na qual foram desenvolvidas diversas das metodologias básicas de biologia molecular, a citogenética foi muito beneficiada com a incorporação da técnica de hibridação in situ por fluorescência (FISH, fluorescent in situ hybridization ), baseada na hibridação do DNA cromossômico com sondas de DNA específicas para certas regiões cromossômicas marcadas com fluorocromos. Como a hibridação podia ser realizada tanto em cromossomos metafásicos quanto em núcleos interfásicos, a técnica de FISH permitiu o estudo de células que não haviam sido submetidas a cultivo e que não estavam em processo de divisão celular, tornando o diagnóstico mais rápido e constituindo uma grande vantagem para aplicações em diagnóstico pré-natal, por exemplo. Desde então, a técnica de FISH tem sido muito utilizada na rotina citogenética para o diagnóstico de alterações cromossômicas, inclusive das alterações envolvendo regiões antes inacessíveis à resolução da metodologia do cariótipo, como as microdeleções em síndromes como Prader-Willi e Angelman, no cromossomo 15q, ou velocardiofacial, em 22q11.2. Como o limite entre as anomalias cromossômicas detectadas na microscopia óptica pela citogenética convencional e as alterações mendelianas, caracterizadas por mutações em uma ou poucas bases do DNA, foi atingido com essas metodologias, surgiu o conceito de doença genômica, definida como alterações do genoma envolvendo regiões menores do que 5 Mb e maiores do que 10 Mb de DNA.
Outra inovação na citogenética que permite a detecção de doenças cromossômicas e genômicas é a técnica de hibridação genômica comparativa (CGH, comparative genomic hybridization ), que quantifica um DNA-teste e um DNA de referência, os quais são coibridados e marcados com diferentes fluorocromos em lâminas contendo cromossomos metafásicos normais, e detecta ganhos e perdas de segmentos cromossômicos. Isso pode ser feito em qualquer ponto no genoma, uma vez que cromossomos metafásicos são como microchips naturais, com alto nível de integração, mas com baixa resolução. Mais recentemente, foi desenvolvida a técnica de array-CGH, na qual a hibridação é realizada em plataformas contendo microarranjos (microarrays ) de sequências genômicas construídos a partir de milhares de clones de cromossomos artificiais bacterianos (BAC) ou oligonucleotídios cobrindo todo o genoma humano. Agora, os chips de oligonucleotídios dentro da gama de resolução de alguns até vários milhões de kilobases estão aptos a produzir resultados consistentes. Paradoxalmente, a metodologia introduzida com a CGH simplifica muito a interpretação de anomalias em seu formato-padrão. Atualmente, há técnicas de arranjos baseadas na hibridação do DNA-teste em plataformas contendo oligonucleotídios, tanto de regiões com variação do número de cópias (CNV, copy number variation ) quanto de sequências de polimorfismos de um único nucleotídio (SNP, single nucleotide polimorphism ). Tais arranjos genômicos permitem, além da detecção de regiões com alteração do número de cópias, a detecção de perda de heterozigosidade e de dissomia uniparental e que seja feita a identificação da origem parental da alteração citogenômica. Malformações congênitas múltiplas, deficiências de crescimento, dificuldades de aprendizagem e deficiência cognitiva compreendem um grupo grande e extremamente heterogêneo de doenças com incidência de 2 a 3% em nascidos vivos, representando, portanto, uma importante questão de saúde pública. A compreensão da etiologia dessas patologias é fundamental para a orientação e o aconselhamento genético das famílias, bem como para o estabelecimento de medidas preventivas. Sem sombra de dúvida, a era genômica redimensionou a avaliação genética, especialmente em pacientes pediátricos. A análise cromossômica por microarranjos teve um grande impacto na avaliação genética de pacientes e tem sido proposta como primeiro exame genético a ser realizado em pacientes com suspeita de alterações citogenômicas, deficiência intelectual, atraso no desenvolvimento, anomalias congênitas múltiplas e nos transtornos do espectro do autismo. Esses testes têm um rendimento significativamente maior do que o diagnóstico por cariótipo convencional. Essa realidade é vivenciada por países como Estados Unidos e Canadá, entretanto os custos para a realização dessa técnica diagnóstica ainda são muito elevados para países em desenvolvimento, como o Brasil, recomendando-se a sua utilização somente em casos específicos. Esse progresso tem contribuído sobremaneira para a compreensão da etiologia genética em 12 a 48% dos pacientes pediátricos com atraso do desenvolvimento, deficiência intelectual, anomalias congênitas múltiplas e anomalias do complexo autístico e, consequentemente, para a implementação de aconselhamento genético baseado no conhecimento, a ação clínica racional e o acompanhamento de estudos familiares para uma proporção substancial de pacientes, evoluindo em direção a uma medicina totalmente personalizada.
As principais vantagens dessa tecnologia são suas sensibilidade, especificidade e escala, pois permitem que os dados de milhares de regiões genômicas relevantes sejam gerados rapidamente em um único experimento. Outra vantagem importante para a utilização de amostras clínicas é a quantidade de material requerida, em geral muito pequena, algo em torno de 0,1 mg. Entretanto, apresenta limitações, uma vez que não permite detectar alterações cromossômicas equilibradas, cromossomos marcadores constituídos por sequências pericentroméricas nem fornece informação referente à posição do material em desequilíbrio. Nesses casos, as técnicas de cariotipagem clássica e de FISH são necessárias para o esclarecimento dos rearranjos. Anomalias diagnosticadas por microarranjos cromossômicos muitas vezes incluem características clínicas que precisam ser prontamente abordadas por ações clínicas específicas e adequadas. Os primeiros relatos sobre a utilidade clínica dos microarranjos foram descrições de deleções de genes supressores de tumor, que colocam os pacientes em alto risco de desenvolvimento de síndromes de câncer hereditário e se beneficiam do conhecimento dos riscos do tumor para propiciar vigilância clínica adequada. Os diagnósticos propiciados pela análise cromossômica por microarranjos frequentemente envolvem características clínicas específicas que podem existir, mas não ser aparentes ou não estar ainda manifestas no momento do teste. A obtenção de um diagnóstico inequívoco é fundamental para o entendimento da etiologia da doença, fornecendo respostas sobre o prognóstico, os riscos de recorrência e para o direcionamento do paciente à terapia específica, o que pode minimizar o custo financeiro resultado dessas doenças e mesmo possibilitar a inclusão desses indivíduos na sociedade.
Diversas síndromes clínicas estão associadas a anomalias cromossômicas, e a análise do genoma é útil sempre que um paciente apresenta manifestações de uma dessas síndromes. Quando uma alteração cromossômica é revelada, não apenas o médico obterá informações valiosas sobre o prognóstico, como também os pais podem obter informações sobre as causas dos problemas de seus filhos e a família pode ser aconselhada com precisão e tranquilizada sobre os riscos de recorrência. As principais indicações para investigação genômica são: • • • • • • • • • •
Pacientes de qualquer idade que manifestam atraso no desenvolvimento físico ou mental, especialmente se houver anomalias associadas Pacientes com genitália ambígua interna e/ou externa ou suspeita de hermafroditismo Mulheres com amenorreia primária (até 25% das pacientes com amenorreia primária apresentam anomalias cromossômicas) e homens com retardo no desenvolvimento puberal Homens com distúrbios de aprendizagem ou de comportamento que sejam mais altos do que o esperado em relação aos seus pais Determinadas doenças malignas e pré-malignas, como neuroblastoma, del(1)(p36), del(11)(q23), leucemia mieloblástica aguda, t(8;21)(q22;q11) ou policitemia vera, del(20)(q11) Pais de paciente com translocação cromossômica Pais de paciente com suspeita de síndrome cromossômica quando há história familiar de outras crianças afetadas Casais com histórico de múltiplos abortamentos espontâneos de causa desconhecida Casais inférteis após as causas obstétricas e urológicas mais comuns terem sido excluídas Diagnóstico pré-natal (pais com translocações cromossômicas, detecção de malformações fetais por exame de ultrassonografia etc.).
A deficiência intelectual é componente comum em síndromes com malformações congênitas. Qualquer pessoa com retardo mental inexplicável deve ser estudada pela análise do genoma. Os estudos utilizando sondas fluorescentes para sequências genéticas subteloméricas revelaram a ocorrência de rearranjos sutis ou exclusões em cerca de 6% dos pacientes com deficiência intelectual, que seria inexplicável de outra forma, na presença ou não de características dismórficas. Essas alterações ocorrem tanto por causa de mutação de novo quanto por rearranjos de translocações parentais equilibradas. A maioria das anomalias é muito pequena para ser detectada por análise citogenética de rotina. Assim, a evolução das tecnologias utilizando microarranjos de DNA melhorou muito a detecção. As anormalidades de diferenciação sexual só podem ser entendidas após o sexo genético do paciente ser esclarecido. A terapia hormonal e a cirurgia plástica podem, em certa medida, determinar o sexo fenotípico. Todavia, o sexo genético é ditado pelo complemento de cromossomos sexuais.
Alta estatura é, talvez, a única característica fenotípica consistentemente associada a ter um cromossomo Y extra (cariótipo 47, XYY). A maioria dos homens com essa aberração cromossômica leva uma vida normal, e uma estatura elevada no sexo masculino não é em si indicação para análise cromossômica. No entanto, algumas evidências sugerem que um aumento da prevalência de dificuldades de aprendizagem podem estar associadas a essa aberração. Além disso, a síndrome de Klinefelter (cariótipo mais comum 47, XXY) muitas vezes apresenta estatura alta, embora com um fenótipo eunucoide e problemas de comportamento e de aprendizagem. Assim, a combinação de dificuldades de aprendizagem ou problemas comportamentais associados a aumento inesperado na estatura em indivíduo do sexo masculino deve levar em consideração a realização de investigação citogenômica, determinando também a presença ou não de alterações subteloméricas, como explanado anteriormente. O conhecimento de que alterações cromossômicas podem estar envolvidas no desenvolvimento de neoplasias não é um fato recente. A maioria dos tumores é associada a anomalias cromossômicas, algumas das quais são altamente específicas. A análise genômica do tecido tumoral pode ajudar no diagnóstico, prognóstico e seguimento do paciente. Na presença de alterações cromossômicas estruturais, seja translocação balanceada, geralmente assintomática ou desequilibrada, associadas a malformações congênitas, deve ser considerada a importância da identificação da fonte dessa anomalia. Se o probando é uma criança e os pais pretendem ter mais filhos, estes devem ser investigados genomicamente para que se possa determinar o risco de recorrência na família em questão. A incapacidade de produzir descendentes, seja por falha concepcional ou como resultado de abortos de repetição, é um problema frustrante e desanimador. Apesar do progresso considerável na compreensão urológica e ginecológica da infertilidade, as aberrações cromossômicas continuam a ser um problema importante na medicina reprodutiva e a análise genômica constitui uma ferramenta importante de investigação. Qualquer aborto espontâneo precoce pode ser resultado de aneuploidia fetal. Já a recorrência pode ser causada pela translocação parental predispondo a um cariótipo fetal desequilibrado. As abordagens citomoleculares desenvolvidas nos últimos anos revolucionaram a citogenética, permitindo a triagem de todo o genoma quanto à perda e ao ganho de material cromossômico com um nível de resolução sem precedente, além de revelar a organização tridimensional do genoma. Este último fato revelou, por exemplo, que os cromossomos, e consequentemente seus genes, mantêm uma individualidade em territórios no interior do núcleo interfásico, o que está relacionado com a sua expressão. Por exemplo, um cromossomo rico em genes, como o cromossomo 19, parece ajustar-se em uma posição interna no núcleo, enquanto aqueles que carecem de genes se posicionam na periferia nuclear, formando uma proteção contra possíveis agressões mutagênicas. Em câncer, a combinação das técnicas citogenéticas e moleculares (FISH, PCR, CGH e metodologias relacionadas) podem definir mais claramente a progressão patológica e as funções biológicas dos marcadores moleculares do que se as abordagens fossem utilizadas isoladamente. Tal abordagem conjunta deve conduzir a um entendimento biologicamente menos empírico na classificação tumoral e, finalmente, a uma utilização clínica mais eficiente dos biomarcadores. Achados baseados na combinação de abordagens citogenéticas e moleculares vêm contribuindo com os critérios para o estabelecimento do diagnóstico e prognóstico do câncer e fornecem bases não apenas para as terapias existentes, mas também para os mais recentes e personalizados tratamentos. Em termos de tratamentos personalizados, o enfoque foi deslocado dos marcadores moleculares, assim como de suas vias de ação, os quais geram alvos adicionais para intervenções terapêuticas. Essa combinação pode também ser preditiva. Em estudos genômicos do câncer, os arranjos até agora têm sido utilizados sobretudo para identificar CNV novas e recorrentes que podem indicar o mecanismo subjacente ao seu desenvolvimento, e também novos alvos diagnósticos, prognósticos e terapêuticos. Além disso, a recorrência de diversos CNV pequenos e de significado clínico pode ser detectada em SNP arrays de 250 k, bem como de algumas regiões de homozigozidade em loci de genes supressores tumorais. Esse experimento destacou também que, quando a análise é complementada com uma detecção direcionada de anomalias clinicamente relevantes, no caso dos genes de fusão BCR ABL1 e ETV6-RUNX1, um perfil diagnóstico mais eficaz pode ser estabelecido. Estudos citogenéticos são geralmente necessários para o prognóstico, o seguimento dos pacientes com câncer (particularmente nas leucemias) e a determinação de possíveis alterações cariotípicas adicionais, as quais, em geral, indicam um tipo de doença mais agressiva. Além disso, pode-se considerar que a medicina personalizada é a alfaiataria de medicamentos para pacientes individuais de acordo com a variabilidade genética, passível de avaliação por metodologias citogenômicas. Em virtude da sua capacidade para detectar alvos de drogas, a técnica de FISH é um método conveniente para justificar a prática da medicina personalizada. Além disso, muitos outros exemplos podem ser encontrados em neoplasias hematológicas e em tumores sólidos, como a orientação do tratamento com herceptina em câncer de mama com ERBB2 testado por FISH. Apesar do enorme potencial do sequenciamento por métodos de alta capacidade, a tecnologia de arranjos avançou
bastante nos últimos anos e ainda é apropriada para uma ampla gama de projetos de investigação. Além da robustez, da flexibilidade e da pequena quantidade de amostra necessária, as tecnologias de arranjos não exigem tantos recursos como as tecnologias de sequenciamento de nova geração (NGS) em termos de equipamento e de poder computacional, permitindo o estudo de um número maior de amostras com um custo efetivo. Os ensaios baseados em arranjos vêm substituindo a cariotipagem em algumas aplicações e se tornarão o procedimento-padrão, até que os custos do sequenciamento caiam drasticamente e os procedimentos de análise sejam facilitados. No entanto, a terceira geração das tecnologias de sequenciamento que está por vir fornecerá leituras mais longas e de baixo custo, ajudando a superar os problemas metodológicos de alinhamento em relação ao genoma de referência utilizado nessas técnicas. Com o aumento da resolução e com um maior número de variantes estruturais detectadas em cada genoma com os métodos atuais, o desafio agora é inferir seu impacto sobre a variação fenotípica normal e sobre a saúde como um todo. Desse modo, mais recursos serão necessários para orientar a interpretação, especialmente com o crescente interesse da medicina personalizada. O surgimento da citogenética molecular, cujos métodos principais são a FISH e a CGH, e dos arranjos de DNA, além das metodologias de sequenciamento do genoma e de microdissecção cromossômica, expandiu bastante o campo da citogenética, metamorfoseando-o em citogenômica. Novas metodologias de estudo têm sido desenvolvidas continuamente, permitindo a identificação de alterações genômicas responsáveis pelas doenças genéticas humanas, além de possibilitar uma melhor compreensão das interações genótipo/fenótipo, bem como das interações gênicas e epigenéticas. Recentemente, o Brasil passou por modificações em suas políticas na área de Genética. O Diário Oficial da União publicou Portaria do Ministério da Saúde com as primeiras diretrizes políticas de genética clínica do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo exames e aconselhamento genético na rede de saúde a partir de 2009. Em 2014, uma nova Portaria (no 199 de 30 de janeiro de 2014) instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Doenças Raras, viabilizando incentivos financeiros de custeio. Tais iniciativas visam a introduzir esse tipo de investigação nos Serviços de Genética, principalmente naqueles vinculados a Instituições Federais e Estaduais.
Bernheim A. Cytogenomics of cancers: from chromosome to sequence. Mol Oncol. 2010;4(4):309-22. Ellison JW, Ravnan JB, Rosenfeld JA, Morton SA, Neill NJ, Williams MS et al . Clinical utility of chromosomal microarray analysis. Pediatrics. 2012;130(5):e1085-95. Kulikowski LD (ed.). Citogenômica aplicada à prática médica. São Paulo: Atheneu, 2013. Pyeritz RE. Fundamentals of human genetics. In: Papadakis MA, McPhee SJ, Rabow MW (eds.). Current Medical Diagnosis & Treatment 2014. New York: McGraw-Hill, 2014. Xu F, Li P. Cytogenomic abnormalities and dosage-sensitive mechanisms for intellectual and developmental disabilities. Mental and behavioural disorders and diseases of the nervous system. In: Salehi A. Developmental disabilities – Molecules involved, diagnosis, and clinical care. Rijeka: InTech, 2013.
“Aquiles comeu medula óssea de leões para aumentar sua força e bravura”, descreve Homero em seu poema. Na verdade, o conceito de terapia celular vem do antigo Egito (Papiro Ebers) e é utilizado pelos chineses há mais de 3.000 anos. Já a terapia celular dos tempos modernos foi desenvolvida por acaso pelo médico suíço Paul Niehans, em 1931. 1,2 Chamado para intervir em uma situação de emergência, em que uma paciente corria risco de morte por causa de convulsões resultantes de uma ressecção equivocada da paratireoide, o cirurgião Niehans preparou uma solução fisiológica contendo extrato da glândula obtida de vaca e a administrou via intramuscular. Tal procedimento controlou os espasmos, que não voltaram a aparecer durante os 25 anos subsequentes de vida da paciente. Assim, Niehans estabeleceu um método de tratamento que não era conhecido e conseguiu regenerar um órgão ao usar células jovens de um doador animal. Mesmo antes, em 1912, o francês Alexis Carrel, laureado com o prêmio Nobel, havia notado que culturas de células poderiam ser estimuladas a aumentar o seu crescimento p ela adição de tecido embrionário. A terapia celular foi, então, definida como um tratamento biológico que resulta em revitalização e regeneração de órgãos pela administração de células animais fetais. Consta que muitas personalidades da história – o Papa Pio XII, os imperadores Hirohito e Haile Selassie, o rei Ibn Saud, o primeiro ministro britânico Winston Churchill, o presidente da França Charles de Gaulle, entre outros – fizeram uso do método em busca de saúde e vitalidade. 2 Existem, ainda, relatos de que, no início do século 20, medula óssea foi administrada via oral em pacientes com anemia ou leucemia. Apesar do insucesso do procedimento, experimentos posteriores demonstraram que camundongos com medula defeituosa puderam ser recuperados com infusões na corrente sanguínea de medula derivada de camundongos sadios. Isso levou os médicos a especularem que seria possível transplantar medula óssea de um humano para outro. Já a história da pesquisa com células-tronco teve início em meados do século 19, com a descoberta de que algumas células poderiam gerar outras células. Células-tronco embrionárias humanas (hES, do inglês, human embryonic stem cells ) estão em discussão não só pelos pesquisadores interessados em descobrir mais sobre elas, mas também por profissionais médicos, estudiosos da ética, governos, políticos e mídia. Existem profundas razões para isso. De um lado, essas “super” células têm potencial clínico para reparar e recuperar tecidos e acredita-se que elas sejam o caminho para a cura de uma ampla variedade de doenças. Por outro lado, o uso de hES é altamente controverso porque essas células são derivadas de embriões humanos antes da implantação do zigoto. Essas discussões levaram a mudanças na política de financiamento das pesquisas com célulastronco em todo o mundo. Enquanto a polêmica não se resolve, exploram-se alternativas. A história da evolução da terapia celular ( Tabela 16.1) mostra que, a partir de discussões científicas, filosóficas e políticas, a ciência avança e, com ela, a tecnologia, que melhora a qualidade e a expectativa de vida da humanidade. Tópicos relevantes para o entendimento da terapia celular são descritos a seguir.
Tabela 16.1 Marcos na história da terapia celular.
iPS: células-tronco pluripotentes induzidas; SCID: imunodeficiência combinada grave.
A célula-tronco é definida por duas propriedades. Primeiro, é uma célula que pode se dividir indefinidamente, produzindo uma população de células idênticas. Segundo, ela pode sofrer uma divisão assimétrica para produzir duas células-filhas: uma idêntica à parental e outra que varia por conter um conjunto de instruções genéticas que lhe confere uma capacidade proliferativa reduzida e um potencial de desenvolvimento mais restrito, que é denominada célula precursora ou progenitora. Há alguma confusão conceitual sobre célula-tronco e célula progenitora em virtude das caracterizações duvidosas de ambas as células. Pesquisas estão em andamento para elucidar esses conceitos. Diferenças características entre essas células podem ser vistas na Tabela 16.2. Pode-se identificar períodos no processo de formação do organismo que dão origem a diferentes populações de célulastronco. De maneira resumida, logo depois da fecundação, os núcleos haploides do ovócito secundário e do espermatozoide fundem-se para formar um núcleo único com um número diploide de cromossomos. O ovo se divide e sua progênie se multiplica várias vezes para formar uma esfera compacta de células chamada mórula. Cada uma das 16 células que constituem a mórula é uma célula totipotente, pois cada uma delas pode dar origem a todos os tipos de células do embrião e dos tecidos extraembrionários necessários para a implantação do ovo em desenvolvimento na parede do útero. Durante a passagem da mórula ao longo do oviduto, suas células continuam a proliferar-se. A mórula aumenta de tamanho para formar uma esfera oca chamada blastocisto ou blástula. Durante os dias finais do caminho pelo oviduto e os primeiros dias no útero, umas poucas células separam-se em lâminas a partir da superfície da blástula para formar uma massa interna de células (do inglês, inner cell mass , ICM) dentro da cavidade. Esse agrupamento de células é outra fonte de células-tronco embrionárias. É importante notar que a ICM se forma antes da implantação do ovo. Assim, blastocistos criados in vitro contêm ICM, embora o embrião tenha sido criado e mantido em tubo de ensaio. É possível isolar essas
células e crescê-las em cultura. Células dissociadas da ICM são pluripotentes, uma vez que podem se diferenciar em qualquer dos 200 tipos de células do organismo adulto. Elas não são mais totipotentes porque não são capazes de formar membranas extraembionárias ou placenta.
Tabela 16.2 Características de célula-tronco e célul a progenitora.
O tempo entre a fertilização e a implantação na parede uterina é de aproximadamente 14 dias em humanos. Logo depois da implantação, o blastocisto se invagina e uma série crítica de movimentos celulares conhecidos como gastrulação ocorre, o que resulta na formação dos três folhetos germinativos: endoderma, mesoderma e ectoderma ( Figura 16.1). O organismo humano é basicamente definido durante esse processo e o destino de muitas células é determinado nessa fase. Assim, o endoderma dá origem à vasculatura e aos órgãos formadores do sangue, o mesoderma produz músculos e órgãos internos e o ectoderma dá origem à pele e ao sistema nervoso. Células-tronco estão presentes em todos os três folhetos germinativos. A plasticidade dessas células-tronco é mais restrita, portanto, e, por isso, são ditas multipotentes. Células de determinado folheto dão origem a células com características das parentais que, a partir dessa fase, já têm uma determinação ou um destino parcialmente definidos. De modo simples, pode-se dizer que as células-tronco são classificadas, de acordo com sua capacidade de diferenciação, em três grandes categorias: • • •
Totipotentes: encontradas na formação inicial do embrião. Cada célula pode formar um organismo completo Pluripotentes: presentes na ICM indiferenciada do blastocisto e podem formar qualquer um dos 200 tipos celulares diferentes do organismo Multipotentes: são derivadas do tecido fetal, cordão umbilical e células-tronco adultas. Apesar de a capacidade de diferenciação dessas células ser mais limitada do que a das pluripotentes, elas já têm uma história de sucessos em terapias celulares. Essas células mostraram potencial para formar muitos tipos diferentes de tecidos e células, incluindo células funcionais semelhantes a hepatócito. Tais células podem ser úteis no reparo de órgãos lesados por doenças.
Figura 16.1 Categorias de células-tronco. Zigoto e células dos estágios iniciais da divisão celular da mórula são definidos
como totipotentes porque podem gerar um organismo completo. No estágio de blastocisto, apenas as ICM retêm a capacidade de dar origem aos três folhetos germinativos primários, o endoderma, o mesoderma e o ectoderma. São ditas pluripotentes. Nos tecidos adultos, células-tronco progenitoras são multipotentes. Células-tronco embrionárias (ESC), derivadas da ICM, têm a capacidade de se diferenciar in vitro em células somáticas e células germinativas feminina e masculina.
As células-tronco pluripotentes naturais e induzidas serão detalhadas nas próximas seções.
O campo da terapia celular está em franca expansão. A pesquisa sobre células-tronco tem progredido rapidamente, gerando um volume extenso de publicações em revistas científicas. Apesar do potencial positivo, ainda há muito a ser descoberto para que se possa controlar completamente o crescimento e o desenvolvimento dessas células. Discriminar terapias celulares promissoras ou estabelecidas daquelas que são teóricas ou enganosas ainda é um desafio. Assim, é prudente distinguir protocolos clínicos legitimados de práticas não regulamentadas, que podem oferecer riscos inaceitáveis, atraso em terapias efetivas ou tornar pacientes inelegíveis para estudos em protocolos clínicos. Indicadores úteis de terapias celulares legitimadas incluem a acreditação voluntária por organizações profissionais, publicações científicas de relevância de seus autores e informação disponível relacionada com os riscos e benefícios potenciais da terapia proposta. A administração de células com o objetivo de fornecer células terapêuticas efetoras no tratamento de doença ou para suporte de outras terapias pode funcionar de diferentes maneiras: • • • • •
Para produzir células sanguíneas maduras que levam oxigênio aos tecidos Para proteger contra infecções Para auxiliar na coagulação do sangue ou na função imunológica Para crescer ou se diferenciar em células de diferentes tecidos Para reparar tecidos lesados, incluindo cicatrização da pele.
Em 1957, E. Donnall Thomas descreveu a infusão intravenosa de células de medula óssea para controlar os efeitos indesejáveis de radiação e quimioterapia, uma abordagem nova, na época, e radical para o tratamento do câncer. Células malignas ou células normais de um paciente, destruídas por quimioterapia ou radioterapia, foram substituídas por células normais e formadoras de sangue de um doador saudável. Apesar de poucos trabalhos terem mostrado evidências de que as células tenham sido efetivamente enxertadas, a
pesquisa continuou para melhorar a seleção de doadores, os cuidados de suporte e a conduta nas complicações. No entanto, foi observado que houve uma melhora marcante na sobrevida de pacientes que foram submetidos ao tratamento precocemente no curso de suas doenças. A explicação para isso foi que algumas células progenitoras derivadas de medula óssea transplantada, chamadas células-tronco progenitoras hematopoiéticas (HPC), têm, também, uma função imune e desempenham um papel importante na erradicação do câncer. Essas e outras descobertas sobre o transplante de células no tratamento de doença humana levaram à premiação do Dr. Thomas, com o Nobel em 1990. HPC funcionam para substituir células defeituosas em pacientes com imunodeficiência combinada grave (SCID), uma doença hereditária caracterizada por infecções repetidas com frequente morte prematura na infância. Em 1969, o Dr. Robert Good e sua equipe transplantaram com sucesso células de medula óssea entre irmãos para repovoar o sistema imune de uma criança com SCID 3, abrindo o caminho para o tratamento de muitas outras doenças humanas congênitas ou adquiridas, incluindo anemia aplásica e disfunções de hemoglobina, como talassemia e anemia falciforme ( Tabela 16.3). HPC também são utilizadas por sua capacidade de produzir enzimas normais em alguns casos de deficiências hereditárias de enzimas.
Tabela 16.3 Modelos de terapia celular.
Células terapêuticas podem ser obtidas, processadas, tratadas ou manipuladas em laboratório com o objetivo de administrá-las para prevenir ou tratar uma doença ou lesão. Células-tronco hematopoiéticas são encontradas na medula óssea, no sangue periférico e no cordão umbilical. HPC são as “sementes” das células que constituem o sangue e o sistema imune. Em adultos humanos, a moradia predominante dessas células progenitoras é a medula óssea, um tecido mole complexo que ocupa os espaços vazios dentro dos ossos, particularmente os grandes e achatados. A medula dos ossos da bacia é mais frequentemente utilizada como fonte, sendo, para isso, aspirada por meio de procedimento cirúrgico. Uma porcentagem muito pequena de células-tronco circula no sangue periférico. A administração de fatores estimuladores de colônia (CSF, do inglês colony stimulating fator ) de célula sanguínea estimula a produção e a liberação de células-tronco, induzindo essas células a deixarem a medula e irem para a corrente sanguínea; G-CSF (do inglês, granulocyte colony stimulating factor ) e GM-CSF (do inglês, granulocyte and macrophage colony stimulating factor )
são os principais fatores usados para mobilizar células-tronco para sangue periférico. O sangue é, então, coletado do doador, que frequentemente é o próprio paciente, em uma máquina separadora de células em um processo chamado leucoferese. HPC podem, subsequentemente, ser purificadas por seleção do marcador CD34, expressos especificamente na membrana de HPC. O sangue de cordão umbilical também é rico em HPC e tem se tornado uma importante fonte de células, especialmente para pacientes pediátricos que não encontram doador compatível. Células-tronco adultas são usadas para tratar muitas condições, como doenças do coração e leucemia. Podem ser isoladas de pele, intestino, fígado, cérebro e medula óssea. Essas células apresentam plasticidade limitada. Existem em pequeno número nos tecidos e, em muitos casos, é difícil mantê-las em proliferação in vitro . Todavia, estudos mais recentes têm mostrado que as células-tronco adultas podem proliferar-se, diferenciar-se, responder e agir por múltiplos mecanismos para adquirir um efeito terapêutico. Exemplos de células utilizadas em terapia celular incluem: • • • •
Células imunes, como monócitos, células B e T ativadas Células dendríticas modificadas geneticamente ou não para vacina contra cânceres Células-tronco mesenquimais, como células-tronco adultas presentes na medula, sangue de cordão e outros tecidos que podem se diferenciar em uma variedade de tipos celulares potencialmente úteis em medicina regenerativa Preparações de células maduras derivadas de órgãos sólidos, como ilhotas pancreáticas e hepatócitos.
Esses produtos estão em vários estágios de pesquisa e desenvolvimento e, por isso, estão disponíveis apenas para ensaios clínicos. Existem pesquisas em andamento utilizando ainda outras fontes de células-tronco adultas, incluindo dente, sangue menstrual e líquido amniótico; entretanto, estão em estágios muito iniciais de experimentação e seu valor terapêutico ainda não foi demonstrado claramente.
Após um acidente com radiação na França, no final da década de 1950, ocorreram as primeiras tentativas de transplantes de medula óssea. No entanto, o transplante de medula em humanos só se estabeleceu como método de tratamento depois da descoberta de Jean Dausset sobre o sistema imune, em 1958. 4 Ele identificou o primeiro de muitos antígenos de histocompatibilidade humana. Essas proteínas, encontradas na superfície da maioria das células, são chamadas de antígenos de leucócitos humanos, do inglês human leucocyte antigens (HLA). Os antígenos HLA dão ao sistema imune de um indivíduo a capacidade de distinguir o próprio do não próprio ao organismo. Quando o organismo não reconhece as séries de antígenos na superfície de uma célula, ele produz anticorpos e outras substâncias que destroem a célula estranha. Os primeiros transplantes de medula óssea em humanos foram, então, feitos entre gêmeos idênticos, pois, nesse caso, doador e receptor exibem compatibilidade completa de HLA. Só depois de 1960, com o conhecimento mais profundo sobre os antígenos HLA, foi possível realizar transplantes entre irmãos não gêmeos. Em 1973, foi realizado o primeiro transplante de medula óssea entre indivíduos não relacionados. 5 Os doadores de células podem ser autólogos ou alogênicos. Células alogênicas são células normais doadas por uma pessoa para administração em outra. Inicialmente, doadores alogênicos eram gêmeos idênticos ou descendentes muito próximos. Após a publicação, em 1979, do primeiro transplante de HPC bem-sucedido de um doador não relacionado para uma criança com leucemia, esforços em todo o mundo foram intensificados para estabelecer um registro de pessoas saudáveis, voluntárias para doação de células, que tiveram seus tecidos caracterizados quanto aos antígenos HLA. Doadores autólogos são, por exemplo, pacientes cujas HPC podem ser coletadas, processadas e estocadas antes do procedimento terapêutico. Essas células são reinfundidas para restaurar a função hematopoiética depois de tratamento com altas doses de radiação ou quimioterápicos. Esse procedimento só é possível quando as células normais podem ser obtidas sem contaminação com células cancerosas. Transplantes com células-tronco hematopoiéticas alogênicos e autólogos têm diferentes indicações e ambos são usados para tratar cânceres do sangue, dos órgãos linfoides e da medula óssea. Os transplantes com HPC têm salvo dezenas de milhares de pessoas afetadas por leucemia, linfoma, mieloma e outras malignidades.
A terapia com célula-tronco mais bem-sucedida – o transplante de medula óssea – é feita há mais de 40 anos. Um grande número de HPC diferencia-se continuamente ao longo da vida a fim de preencher o sangue e os órgãos linfoides com células maduras e substituir as células que atingem o final de sua vida útil ou são eliminadas ou perdidas. Assim, HPC são
essenciais para o desenvolvimento e a sobrevivência humanos. A capacidade de HPC repovoarem o sangue e o sistema imune é uma propriedade extremamente útil para tratar certas doenças. Indivíduos vítimas de doenças da medula óssea têm problemas nas células sanguíneas. Doenças genéticas do sangue, como anemia falciforme – uma condição em que as células vermelhas crescem em forma de foice –, são herdadas. Outras doenças, como anemia aplásica e leucemia, podem se desenvolver com a idade. Anemia aplásica, uma doença autoimune, faz as células brancas do sangue atacarem células-tronco sanguíneas, resultando em baixas contagens de células vermelhas, brancas e plaquetas. Leucemia, um tipo de câncer, leva as células-tronco sanguíneas a terem crescimento desviado para a esquerda e começarem a gerar mais delas mesmas, em vez de células especializadas. Embora de natureza diversa, todas essas doenças podem se beneficiar da terapia celular, isto é, do transplante de medula. Há cerca de 60 anos, preocupados com a ameaça de uma reação nuclear, cientistas começaram a estudar meios de salvar pacientes expostos à radiação. Em níveis suficientemente altos, a radiação destrói a medula óssea de um indivíduo. Os cientistas, então, especularam que a pré-exposição do paciente à radiação poderia aumentar a eficiência do transplante. Contudo, o procedimento não funcionou como planejado porque a exposição à radiação destrói não apenas a medula óssea, mas também outros órgãos do organismo. Assim, aqueles que recebem uma dose muito alta de radiação perdem não só a medula, mas também outros órgãos vitais, enquanto aqueles que recebem pouca radiação provavelmente se recuperam sem necessitar de um transplante de medula. Ainda assim, a ideia de usar radiação para matar as células da medula chamou a atenção dos médicos especializados no tratamento de doenças da medula óssea. Eles consideraram que, se fosse possível destruir a medula óssea doente, usando níveis controlados de radiação, os pacientes poderiam ter sua medula reconstituída com células de doador saudável. As primeiras tentativas mostraram que a exposição do organismo inteiro, mesmo controlada, à irradiação levava a problemas pulmonares nos pacientes. Outras maneiras de matar a medula óssea doente foram, então, estudadas. Entre elas, a administração de medicamentos quimioterápicos. Logo se descobriu que o uso de um coquetel de quimioterápicos não apenas matava a medula óssea sem causar os efeitos tóxicos observados com a radiação, mas também tinha fortes propriedades anticâncer. Desde então, transplantes de medula óssea usando o regime pré-operatório com quimioterápico são o tratamento de escolha. 3 Os últimos avanços em transplantes de medula óssea são direcionados para minimizar as consequências da doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD, do inglês, graft versus host disease ), pois os transplantes entre indivíduos com compatibilidade parcial abrem a possibilidade de tratar um número maior de doenças e, consequentemente, de pacientes. Células-tronco adultas estão sendo estudadas para outras aplicações, além das doenças do sangue. Na cardiologia, vários tipos de células foram estudados em modelos animais, incluindo cardiomiócitos, fibroblastos, células musculares esqueléticas, células progenitoras endoteliais e fração mononuclear de células-tronco de medula óssea. Os resultados com essas células foram sempre encorajadores em relação à remodelagem benéfica do miocárdio pós-infarto. A descoberta de que células-tronco cardíacas no coração se diferenciam em várias linhagens de células cardíacas mudou profundamente o entendimento da biologia do miocárdio. São notáveis os resultados do uso de células-tronco do próprio paciente para reparar danos provocados por infarto do miocárdio. Para esse procedimento, uma pequena amostra do coração é removida. Células-tronco são isoladas, cultivadas e expandidas. O tecido cardíaco é potente para gerar célulastronco, produzindo milhões de células transplantáveis em um período de 2 meses. As células podem, então, ser reinfundidas no próprio paciente por meio de um cateter colocado na artéria danificada, garantindo a entrega específica das células para o alvo. 6 No campo das doenças autoimunes, vale mencionar o que tem sido descrito sobre a esclerose múltipla. As lesões nessa doença são infiltradas por células imunes de origem sanguínea, incluindo linfócitos T e B, que parecem atacar e lesar células produtoras de mielina. Não se conhece a causa desse ataque, mas o processo certamente envolve disfunção do sistema imune. O objetivo de um transplante de HPC, nesse caso, é eliminar o sistema imune existente e regenerar o repertório de células a partir de HPC de um doador. A ideia é restaurar o “relógio imunológico”. Em princípio, as células maduras do sistema imune, entre elas as que reconhecem como estranhos antígenos do próprio cérebro nessa doença, podem ser eliminadas e substituídas por células novas. Estudos recentes provaram que ocorre a restauração do sistema imune nessas circunstâncias e que o timo, órgão onde as células progenitoras hematopoiéticas amadurecem para linfócitos T, é reativado após o transplante, dando origem a um grande número de novas células T, o que suprime os ataques autoimunes.7-9 Estudos recentes e iniciais em neurocirurgia mostram que o procedimento de infusão de HPC autólogas para tratar lesões cerebrais pós-traumáticas em crianças é seguro e exibiu algum benefício em estudo clínico de fase I. 8,10 Existem também estudos em andamento que utilizam células-tronco adultas para acelerar cicatrização e curar suturas cirúrgicas. Os resultados mostram que, quando administradas, as células-tronco se diferenciam e substituem o tecido danificado ou perdido e estimulam mecanismos biológicos via sinalização parácrina. As interações parácrinas parecem ser
o primeiro passo pelo qual as células-tronco influenciam o reparo tecidual. As células utilizadas podem ser coletadas, em vários estágios de diferenciação, do tecido a ser curado ou, quando as condições não são favoráveis, de alguma fontereservatório de células-tronco. Podem ser administradas diretamente ou crescidas e diferenciadas em cultura antes do transplante in vivo.11,12
As células-tronco embrionárias (CTE) são células capazes de se dividir e proliferar mantendo o seu estado original (termo denominado autorrenovação) e de dar origem às células dos três folhetos embrionários (mesoderma, ectoderma e endoderma), sendo consideradas pluripotentes. 13 A pluripotência, por definição, é a capacidade de uma célula gerar todas as linhagens celulares relacionadas com a formação de um organismo adulto. Em outras palavras, as CTE podem formar todos os tipos celulares, como neurônios, fibroblastos, células cardíacas, músculo e células germinativas ( Figura 16.1). Estas células são derivadas da massa celular interna do blastocisto, sendo consideradas fármacos biológicos potenciais para o tratamento de doenças para as quais a terapêutica não existe ou é de pouca eficiência, como no caso dos distúrbios neurodegenerativos (doença de Parkinson, Alzheimer), cardiovasculares ou de diabetes (tipo 1), entre outras. Os mecanismos moleculares que controlam a pluripotência das CTE e o potencial de autorrenovação envolvem processos-chave importantes para o entendimento do desenvolvimento embrionário e para o estudo de novos fármacos e de possíveis terapias que utilizem essas células. Muitas doenças conhecidas atualmente são decorrentes de falhas ainda durante a formação do indivíduo, e o estudo com CTE poderá trazer novas alternativas terapêuticas para essas doenças.
O termo “célula-tronco embrionária” foi introduzido para distinguir as células pluripotentes derivadas de um embrião de camundongo das células pluripotentes derivadas de um teratocarcinoma. Em 1964, pesquisadores isolaram um tipo celular capaz de crescer em cultura com características de células-tronco. Essas células foram denominadas células de carcinoma embrionário. No entanto, com o aumento do número de passagens, essas células passavam a apresentar muitas alterações genéticas. Com isso, houve a necessidade de se isolar as células pluripotentes diretamente da massa celular interna. 14 É importante ressaltar que as CTE são, atualmente, consideradas pluripotentes, mas não são totipotentes. A totipotência é uma propriedade atribuída apenas às células presentes na mórula ou em fases anteriores do desenvolvimento embrionário, que podem, além de dar origem a um indivíduo completo, gerar linhagens celulares extraembrionárias, como as de trofoblasto e de endoderma primitivo. As CTE foram isoladas pela primeira vez por Martin em 1981, na Califórnia, nos Estados Unidos, e por Evans e Kaufman em Cambridge, Inglaterra. 13 As células isoladas foram derivadas de um blastocisto de camundongo na fase de pré-implantação, na região do epiblasto transiente. As CTE isoladas foram cultivadas em condições complexas e pouco esclarecidas e permitiram a formação de 129 linhagens murinas muito custosas para serem mantidas in vitro . Em outros modelos animais, incluindo o humano, as células obtidas nas mesmas condições não geraram CTE viáveis, pois não eram pluripotentes. No início da década de 1990, linhagens de células pluripotentes foram geradas de primatas não humanos e de blastocistos humanos. 15 Mais recentemente, o método de isolamento utilizado para obtenção de CTE de blastocisto humano mostrou-se eficiente também para o isolamento de células pluripotentes de epiblasto de embrião de camundongo pós-implantação, e estas células foram denominadas EpiSC – de epiblast stem cell. 16 As EpiSC compartilham muito mais semelhanças com as CTE de primatas do que as CTE murinas descritas em 1981. As propriedades em comum são: resistência à dissociação celular, estabilidade do cariótipo e capacidade limitada de formação de quimeras e células germinativas. As CTE murinas e as EpiSC diferem entre si em sua origem: epiblasto pós e pré-implantação, respectivamente (Figura 16.2). No estágio pós-implantação, a inativação do cromossomo X já ocorreu nas células epiblásticas e já passou a responder aos estímulos da gastrulação. No caso do blastocisto pré-implantação, as células epiblásticas ainda estão em estado primitivo, podem reativar o padrão de inativação do cromossomo X e possuem a cromatina em conformação menos enovelada, facilitando a ocorrência de modificações epigenéticas. Os estudos com EpiSC, que são mais semelhantes às CTE humanas, podem permitir mais facilmente a obtenção de conhecimentos que agilizem a descoberta de novos fármacos e aplicações terapêuticas dessas células. Logo após o isolamento das CTE murinas, pesquisadores utilizaram protocolos semelhantes para obter células pluripotentes de ratos. Este modelo animal é muito importante para os estudos de cognição, comportamento e fisiologia. O interesse pelas linhagens germinativas de ratos foi tão grande quanto aquele pelas de camundongos. No entanto, por mais de 25 anos, nenhum grupo conseguiu isolar células-tronco embrionárias sem contaminação com tecidos extraembrionários
de modo a contribuir para a primeira geração de quimeras. 17 Assim, o isolamento de CTE humanas e das EpiSC forneceu informações importantes sobre a técnica de manutenção das culturas pluripotentes, permitindo finalmente que as CTE pudessem ser isoladas de duas linhagens distintas de ratos.
Figura 16.2 Representação da origem de duas linhagens de célula-tronco embrionária de camundongo. À esquerda, as
células-tronco embrionárias murinas, derivadas do epiblasto do blastocisto pré-implantacional. À direita, as EpiSC, derivadas do epiblasto do embrião pós-implantacional. 17
As propriedades de pluripotência e autorrenovação das CTE são as principais características destas células e despertam tanta atenção pelo seu potencial de utilização na clínica e cura de doenças. A capacidade que as CTE apresentam de gerar todas as células de um organismo pode ser tanto algo promissor quanto um problema grande a ser enfrentado pelos pesquisadores nesta área, uma vez que é necessário compreender muito bem os mecanismos responsáveis pela pluripotência para poder controlá-los. A propriedade de formação de teratomas das CTE torna o controle da diferenciação destas células crucial tanto in vitro como in vivo . No entanto, os mecanismos de pluripotência ainda são pouco conhecidos. Sabe-se que o controle desta propriedade se dá no nível do genoma das células. Alguns genes já foram descritos como essenciais para manter a pluripotência das CTE. Os principais são os genes Oct4 , Nanog e Sox2 18, sendo os dois primeiros reguladores-chave do processo. A ação do gene Sox2 depende da formação de heterodímero com o gene Oct4 nas CTE, por isso também tem importância na manutenção do estado de pluripotência. 19 Mais recentemente, pesquisadores conseguiram reprogramar células somáticas utilizando os genes Oct4 e Sox2 e geraram células pluripotentes semelhantes às CTE em quase todos os aspectos (descrito no item Células-tronco pluripotentes induzidas), corroborando a função desses fatores na indução e manutenção do estado de pluripotência. 20 O Nanog também está relacionado com a autorrenovação e a estabilidade das CTE no estado indiferenciado e pode ter uma participação de regulação das vias de Oct4 e Sox2 , pois muitas vias de ação destes genes são compartilhadas. 21 Dois conceitos-chave são importantes na compreensão da função de Oct4, Sox2 e Nanog nas CTE. O primeiro é que esses fatores agem juntos, regulando positivamente sua própria transcrição e mantendo sua expressão constante nas células. O segundo é a ação desses fatores ativando a expressão de genes necessários para a manutenção do estado de célula-tronco embrionária enquanto reprime genes expressos em linhagens celulares específicas, impedindo que as células
deixem o estado de pluripotência. 22 A propriedade de autorrenovação das CTE foi observada in vitro , após o estabelecimento das CTE de camundongo e humanas. Inicialmente, esta propriedade só era observada quando as CTE eram cultivadas em meio de cultura contendo soro animal e sobre uma camada de células de sustentação, fibroblastos inativos. Entretanto, em 1988, descobriu-se que os fibroblastos da camada de células de sustentação produziam LIF ( leukemia inhibitory factor ), uma citocina da família da IL-6, que é responsável pela permanência da CTE no estado indiferenciado. 23 O soro animal passou a ser substituído por uma citocina antineural, a BMP-4. A via do FGF-MAPK também está relacionada com as propriedades das CTE de autorrenovação e de se multiplicar sem se diferenciar. Quando inibidores da via do FGF-MAPK (ou 2i) são utilizados, as CTE sobrevivem por muito mais tempo em cultura. 24
Os métodos de cultivo de CTE inicialmente eram muito controversos. Pouco se sabia sobre a necessidade das CTE crescerem sobre uma camada de células de sustentação – comumente fibroblastos inativos – e sobre a necessidade do soro animal. Nas duas últimas décadas, essas informações foram relacionadas com os fatores de pluripotência e autorrenovação de que as CTE necessitam no meio de cultivo. Assim, o soro animal e a camada de fibroblastos puderam ser substituídos pelo acréscimo de fatores no meio de cultivo. As CTE humanas e de primatas não humanos foram obtidas do blastocisto pré-implantação por Thomson et al.15,25 e cultivadas em meio de cultura contendo soro animal e sobre a camada de fibroblastos. No entanto, apesar das semelhanças quanto a origem e condições de cultivo, sabe-se que essas células necessitam de diferentes fatores para sua autorrenovação.26 Enquanto as CTE murinas precisam de LIF e BMP-4 ou de 2i, as CTE humanas precisam de activina e FGF-2 para manter seu estado indiferenciado in vitro.24 Essa distinção foi atribuída inicialmente pelas diferentes espécies de origem, mas as EpiSC, que são derivadas de camundongo, necessitam de FGF-2 e activina como as CTE humanas. Ainda assim, os métodos de cultivo só foram esclarecidos a partir de 2005, e uma série de meios específicos para CTE está disponível comercialmente para facilitar o cultivo celular.
As CTE despertaram muito a atenção dos cientistas, da sociedade e dos políticos por seu potencial de pluripotência. Isso porque as CTE não podem ser utilizadas sozinhas em terapia celular, pois sempre geram teratomas – tumores gravíssimos não tratáveis. Os riscos na utilização das CTE as impedem de serem potenciais terapêuticos, como as células-tronco adultas. No entanto, o aumento da incidência de diversas doenças neurodegenerativas, cardiovasculares e outras graves, como diabetes tipo 1 e distrofias musculares, força o desenvolvimento das pesquisas com essas células, o que aumenta a expectativa para a geração de células raras, como neurônios, células musculoesqueléticas, pancreáticas, renais e cardiomiócitos a partir de CTE. A maioria dessas doenças está relacionada com o envelhecimento populacional e com o aumento da parcela de idosos na população do planeta e, assim, novas alternativas de tratamento se fazem necessárias. As técnicas de purificação, diferenciação e cultivo das CTE ainda precisam ser aprimoradas para diminuir os riscos de geração de tumores e mutações que essas células podem provocar após o transplante no organismo, mas muitos pesquisadores já conseguiram gerar neurônios, células sanguíneas, cardiomiócitos e células pancreáticas. Outra problemática é a resposta imunológica decorrente do transplante alogênico. Necessariamente, a compatibilidade entre o doador das células e o receptor deve ser avaliada. Apesar de diversos estudos terem mostrado que a expressão do complexo maior de histocompatibilidade (MCH) classe I é baixa e o MHC classe II é ausente nas CTE humanas, estas células diferenciadas expressam MHC e, consequentemente, ativam a resposta imunológica. 27 Contudo, as questões éticas envolvidas com o uso de CTE ainda precisam ser resolvidas. A primeira questão é: de onde retirar as CTE? O isolamento das células a partir do blastocisto implica na destruição do embrião. Muitas questões éticas e religiosas impedem que embriões sejam produzidos para esta finalidade e, até o momento, esta prática é proibida. Na maioria dos países, só é permitida a utilização de embriões excedentes da fertilização in vitro congelados por um tempo até que se tornem inviáveis para geração de um novo indivíduo. A segunda questão envolve a possibilidade teórica de geração de clones humanos a partir de células embrionárias por procedimentos como aqueles utilizados na geração da ovelha Dolly. Dessa maneira, as pesquisas com as CTE humanas são limitadas e estão restritas às legislações de cada país.
Em princípio, a melhor via de utilização terapêutica de CTE seria o desenvolvimento de um método que permitisse
reprogramar células somáticas, de modo que cada indivíduo pudesse ter suas CTE próprias. Essa teoria tornou-se realidade e esta seção do capítulo tratará desse tipo de célula-tronco: célula-tronco pluripotente induzida (iPS).
Uma das primeiras evidências da existência de fatores responsáveis pela manutenção da pluripotência foi a reprogramação de células somáticas, por transferência nuclear e fusão com células-tronco embrionárias. Nesse sentido, o primeiro experimento bem-sucedido foi realizado por Wilmut et al .28, que produziram a ovelha Dolly, pela transferência do núcleo de uma célula somática para um oócito enucleado. Esta foi a primeira demonstração da obtenção de um clone viável capaz de gerar um indivíduo por reprogramação genética. Posteriormente, outras espécies de animais também foram clonadas pela mesma técnica: porco, vaca, camundongo, gato e coelho. 29 Esta metodologia de reprogramação celular é pouco eficiente, pois é necessário utilizar um número grande de oócitos, o que dificulta seu uso para a finalidade terapêutica humana. Esses experimentos e outros de transferência nuclear trouxeram uma evidência muito importante: as células podem ser reprogramadas para se desdiferenciarem, o que as leva ao estado de pluripotência. Em 2006, Takahashi e Yamanaka foram os primeiros a identificar 24 fatores envolvidos no processo de desdiferenciação. 20 Após um longo estudo desses fatores, verificou-se que, entre eles, estão os genes Oct3/4 , Sox2, Nanog , responsáveis pela manutenção da pluripotência nas CTE, e Stat3 , E-Ras, c-myc, Klf4 , b-catenina, também expressos em tumores. As células-alvo escolhidas inicialmente foram fibroblastos de adultos e de embrião de camundongos. Assim, as primeiras células com propriedades de CTE pluripotentes foram geradas utilizando-se vetores retrovirais que carregavam os genes Sox2 , Oct3/4 , Klf4 e c-myc. As células obtidas nesses experimentos foram denominadas iPS (células-tronco pluripotente induzidas) (Figura 16.3). As iPS são semelhantes às CTE em vários parâmetros, como morfologia, capacidade de diferenciação em células dos três folhetos embrionários, marcadores moleculares e formação de teratomas. As primeiras iPS obtidas por Takahashi e Yamanaka geraram embriões quiméricos quando transplantadas para blastocistos de camundongos, mas não foram capazes de produzir linhagens germinativas, nem adultos quimeras, indicando que estas células sofreram uma reprogramação parcial. Uma nova alternativa foi, então, proposta por mais três grupos de pesquisadores no ano seguinte. Como resultado, células iPS induzidas por quatro fatores (Sox-2, Oct3/4, c-myc e Klf4), mais as que expressavam Nanog, foram capazes de gerar animais quimeras adultos e linhagens germinativas com eficiência. 30 Os fatores utilizados serão descritos mais adiante no capítulo, mas sabe-se que as iPS geradas são quase indistinguíveis de CTE quanto ao padrão de expressão gênica, metilação do DNA e modificação de histonas.
Figura 16.3 Esquema de formação de iPS. A biopsia de pacientes foi utilizada para estabelecer cultura de fibroblastos. A
seguir, essas células foram transduzidas com vetores retrovirais para que se tornassem resistentes a um antibiótico. Os genes dos fatores Sox2, Oct3/4, c-myc e Klf4 foram transferidos para os fibroblastos resistentes. Depois, a camada de células alimentadoras (MEF) foi semeada na placa de Petri e os fibroblastos modificados anteriormente foram semeados por cima destas células. Após algumas semanas de acompanhamento, foi possível identificar colônias sendo formadas, mas que não são iPS. Após a seleção com antibiótico é que se pode isolar colônias que são realmente iPS.
Os quatro fatores utilizados pelo Yamanaka para geração de iPS – Sox-2, Oct3/4, c-myc e Klf4 – tornaram-se universais para tal função. Em homenagem ao pioneiro deste estudo, estes fatores também são denominados fatores de Yamanaka nas publicações científicas.
O fator Oct3/4, também conhecido por POU5F1, é especificamente expresso nas células-tronco embrionárias, na fase embrionária e em células da linhagem germinativa. Embriões que não expressam este fator morrem no útero, na fase de préimplantação.31 Apesar de esses embriões atingirem a fase de blastocisto, a cultura in vitro da massa celular interna gera apenas linhagem trofoblástica. Oct3/4 também é um fator importante na diferenciação. Apenas 50% de aumento de proteína Oct3/4 nas CTE de camundongos resulta na diferenciação espontânea de endoderma primitivo e mesoderma. 32 Este fator também já foi descrito pela sua participação na diferenciação de CTE em células cardíacas e neurais. Um aumento de Oct3/4 nas células epiteliais gástricas leva a crescimento de tumor. No intestino, a expressão de Oct3/4 causa displasia pela inibição da diferenciação celular. Esses dados indicam que as células adultas podem responder a sinais característicos da embriogênese, seguindo para a tumorigênese. 33
Sox2 é um fator da família dos fatores de transcrição expressos em CTE, embriões, células germinativas e células-tronco neurais.34 Embriões que não expressam Sox2 morrem no momento da implantação em virtude do mau desenvolvimento do epiblasto. Blastocistos que não expressam Sox2 parecem ser morfologicamente normais, mas células indiferenciadas não proliferam in vitro e somente o trofoectoderma e células primitivas do endoderma são produzidos. 35 Assim como o Oct3/4, Sox2 é importante para a manutenção da pluripotência. Sox2 regula genes-alvo em associação com fatores, incluindo o Oct3/4, com o qual forma um heterodímero. Estes fatores, por sua vez, regulam FGF4, UTF1 e Fbx15. Há indícios de que os fatores Sox2 e Oct3/4 regulam a expressão de diversos fatores em comum, incluindo a expressão deles próprios e do Nanog.36
O c-myc foi um dos primeiros proto-oncogenes encontrado em cânceres humanos. Embriões de camundongos que não expressam c-myc morrem 10 dias após a gestação por conta de uma série de anormalidades no coração, no pericárdio, no tubo neural, na vasculogênese e na eritropoiese primitiva. 37 Apesar disso, esses embriões não apresentam alterações morfológicas até o 10 o dia e têm proliferação celular normal. Sua maior importância está na manutenção e na renovação de células pluripotentes. Alguns fatores que regulam a expressão de c-myc são STAT-3, LIF e Wnt, todos relacionados com a indução de pluripotência nas células.
O Klf4 é a sigla para fator de transcrição Kruppel- like que, originalmente, foi descrito como um supressor tumoral deletado em cânceres gastrintestinais. 38 No entanto, foi descrito que este fator é subexpresso em cânceres de mama e de pele. Assim, Klf4 está associado tanto com a supressão de tumor quanto com a oncogênese. O mecanismo molecular que pode explicar esta ação dualística do Klf4 está relacionado diretamente com a via de p21. A expressão de p21 parece agir como um determinante do papel que o Klf4 exercerá na progressão tumoral. 39 Outros fatores relacionados com a pluripotência celular também estão intimamente ligados à expressão de Klf4, como STAT3, Oct3/4 e Sox2 em células-tronco embrionárias.
Nanog é uma proteína pequena expressa especificamente em células pluripotentes e na massa celular interna do blastocisto. Embriões que não expressam Nanog apresentam desorganização nos tecidos extraembrionários e no ectoderma primitivo. Blastocistos que não expressam Nanog in vitro são morfologicamente normais, porém a massa celular interna dá origem apenas a células do endoderma, sem a produção de células do epiblasto. As CTE precisam de Nanog para manter o estado de pluripotência, caso contrário, se diferenciam em linhagens do endoderma extraembrionário. Por sua vez, uma superexpressão de Nanog em CTE de camundongo aumenta a divisão mitótica na ausência de LIF, um fator utilizado para manter a pluripotência de cultura de células-tronco embrionárias. 40
A expressão de Nanog é regulada diretamente por Oct3/4 e Sox2 e suprimida por p53.
As células-tronco embrionárias são geralmente mantidas em cultura sob uma camada de fibroblastos embrionários de camundongo (MEF) a fim de promover a divisão celular e a manutenção destas culturas, sem diferenciação. As MEF inibem a diferenciação das CTE por meio da produção de uma citocina da família das IL-6: LIF. O receptor de LIF é um receptor do tipo tirosinoquinase, formado de um heterodímero do receptor de LIF associado a gp130, e intracelularmente pelas proteínas JAK quinases. Quando LIF se liga ao receptor, as JAK quinases fosforilam gp130 e o receptor de LIF, levando à ativação dos fatores STAT1 e STAT3. Esses fatores ativados formam dímeros ou heterodímeros que migram para o núcleo e agem como fator de transcrição de outros genes, sendo essenciais para a manutenção da pluripotência em células-tronco embrionárias de camundongo. A função do LIF é diferente entre as espécies. Por exemplo, o LIF não induz a divisão celular de células-tronco embrionárias de humanos ou macacos, porque as primeiras expressam baixos níveis de LIF e altos níveis de supressores (SOCS) que regulam negativamente a via de LIF.41 Nas segundas, há uma supressão da sinalização de LIF por baixa produção de STAT3. Assim, as CTE humanas e de camundongos parecem manter a pluripotência de uma maneira independente de LIF. Dessa maneira, não seria necessário utilizar MEF para estas culturas, evitando possíveis contaminações nos transplantes dessas células.
As CTE são muito semelhantes às iPS: são imortais, proliferam rapidamente e formam tumores em modelos animais. No entanto, pelo fato de as iPS serem células transformadas em cultura, pouco se sabe sobre como os fatores Sox2, c-myc, Klf4 e Oct3/4 induzem a pluripotência. Os fatores relacionados com a indução tumoral, como é o caso do c-myc e do Klf4, contribuem para a rápida proliferação das iPS. Há indícios de que o Klf4 também esteja associado à supressão de p53 e à apoptose induzida por cmyc.39 E, como já foi descrito, o balanço entre c-myc e Klf4 é crucial durante o processo de transformação das iPS. O c-myc e as proteínas de sua família são capazes de desfazer a estrutura da cromatina de células somáticas, ligando-se em regiões do genoma e recrutando complexos de histona acetilase. 42 Tal atividade favorece a ligação de outros fatores de transcrição, como o Oct3/4. Apenas a expressão de c-myc e Klf4 não é suficiente para a geração de iPS. Como esses fatores de indução tumoral levam à geração de tumores, provavelmente são os fatores Oct3/4 e Sox2 que direcionam a transformação de células pluripotentes. Esta via de indução é tão complexa que o Klf4, por sua vez, pode agir como um cofator de Oct3/4 e Sox2. Se os fatores podem ser fornecidos para as células somáticas por meio de vetores virais ou não virais, por que a taxa de eficiência de produção de iPS é menor que 1%? Uma das possibilidades é que existam outros fatores além dos de Yamanaka. Alguns candidatos são: proteínas “polycomb”, que ajudam na manutenção da pluripotência, e fatores modeladores da cromatina, como ISWI e Brg1. 43 Recentemente, foi visto que a inativação do fator p53 favorece a formação de iPS em células não neoplásicas. Esta observação é corroborada pela alta taxa de formação de iPS em células tumorais, que têm mutações no gene p53 .
Vários genes foram testados para a reprogramação em diferentes tipos celulares. Em fibroblastos de camundongo, Sox1 e Sox3 podem substituir o Sox2, mas a eficiência de reprogramação celular cai drasticamente. 44 O mesmo acontece com o Klf4, que pode ser substituído pelo Klf2, e com o c-myc, que pode ser substituído pelo L-myc e N-myc, mas a taxa de reprogramação é afetada.45 Yu et al . mostraram em 2007 que a combinação de Nanog, Lin28, Oct3/4 e Sox2 também leva à reprogramação de fibroblastos. 46 Essa variação de uso de fatores dependendo do tipo celular pode ser resultado do nível de expressão endógena variável. Por exemplo, os fibroblastos expressam c-myc e Klf4, não precisando, portanto, de c-myc exógeno para a formação de iPS. As células progenitoras neurais expressam Sox2 e c-myc e, consequentemente, podem gerar iPS somente com os genes Oct3/4 e Klf4 ou com a combinação de Oct3/4 e c-myc.46 Diversos fatores devem ser considerados na escolha do tipo celular para a geração de iPS: 1.
A facilidade com que os fatores de reprogramação são introduzidos nas células. As células-tronco adultas, que têm mais chance de serem transformadas em iPS, pois seu perfil de expressão gênica é mais parecido, são alvos mais difíceis para a introdução de genes. Em consequência, a taxa de formação de iPS é reduzida
A quantidade de células que se pode obter, viabilidade e potencialidade de proliferação. Por exemplo, células 2. progenitoras neurais, que já expressam Sox-2 e c-myc endogenamente, são bem mais difíceis de serem obtidas do que fibroblastos porque existem em quantidade bem menor 3. Número de passagens das células. Células em passagens avançadas, ou seja, mantidas e replicadas em cultura por muito tempo, são mais frequentemente portadoras de danos no conteúdo genético e podem gerar células pluripotentes com baixo potencial terapêutico. Para a obtenção de iPS, é necessário introduzir os genes de interesse nas células-alvo. Até o momento, a forma mais utilizada é por meio de vetores virais que apresentam maior capacidade de transdução. No entanto, em razão das preocupações com biossegurança, os vetores não virais são os mais utilizados na geração de iPS. Em 2008, Okita et al. mostraram que o uso de vetores adenovirais também levava à produção eficiente de células pluripotentes. 47 Os vetores adenovirais não são integrativos, portanto o tempo de expressão gênica é limitado. Esse trabalho mostrou que a integração gênica e a expressão muito prolongada não são necessárias, tornando possível utilizar vetores não virais, como um simples plasmídio, para geração de iPS. Okita et al . mostraram que os plasmídios que expressavam os fatores Oct3/4, Sox2, Klf4 e c-myc eram capazes de gerar iPS. Embora a taxa de produção tenha sido bem menor que a obtida com vetores virais, foi uma demonstração importante do uso de vetores não virais e corroborou com a hipótese de que os fatores de Yamanaka não precisam ser produzidos continuamente para gerar iPS.
Embora ainda existam controvérsias, a identificação de uma célula iPS consiste nas seguintes etapas ( Figura 16.4): • • • • • • •
Observação da morfologia, que deve ser semelhante às das células-tronco embrionárias Identificação de marcadores de superfície de células pluripotentes, como o SSEA-1 em camundongos, SSEA-3 e SSEA-4, Tra-1-60, Tra-1-81 em humanos Positividade para fosfatase alcalina Capacidade de formar linhagens de células dos três folhetos germinativos: endoderma, mesoderma e ectoderma Formação de teratomas Formação de animais quimeras Obtenção de animais puramente derivados de iPS após o cruzamento dos quimeras.
Figura 16.4 Critérios para caracterização de iPS. A. Morfologia semelhante às das células-tronco embrionárias. 48 B.
Formação de animais quimeras e obtenção de animais puramente derivados de iPS após o cruzamento dos quimeras.
49
C. Positividade para fosfatase alcalina.50 D. Formação de teratomas (tumores contendo células dos três folhetos germinativos).47 E. Capacidade de formar linhagens das três camadas dos folhetos germinativos: endoderma, mesoderma e ectoderma.51 F. Identificação de marcadores de superfície de células pluripotentes, como o SSEA-1, em camundongos. 50 G. Embrião formado por meio de células iPS fluorescentes. 50
Vale comentar que os critérios para validar as células iPS têm sido simplificados com base em resultados apresentados por diversos grupos de pesquisadores. Por exemplo, para o grupo do Yamanaka, a produção de animais quimeras não é mais necessária.
As semelhanças entre as células-tronco embrionárias e as iPS permitem imaginar que as perspectivas de aplicações terapêuticas sejam similares. As iPS podem ser utilizadas principalmente para o tratamento de doenças cardiovasculares, neurodegenerativas (doenças de Parkinson e de Alzheimer) e genéticas, como diabetes tipo 1 e doença de Huntington, que ainda não contam com nenhuma terapia efetiva duradoura. A vantagem de utilização das iPS é a possibilidade de utilizar as células do próprio paciente, em vez de células-tronco de um embrião. Desse modo, as reações imunológicas seriam praticamente inexistentes, uma vez que o transplante destas células seria autólogo. Contudo, o alto potencial de formação de teratoma a partir de iPS pode limitar ou inviabilizar seu uso como alternativa terapêutica. No entanto, como as iPS são células capazes de formar todos os tipos celulares dos três folhetos germinativos, quaisquer células poderiam ser produzidas em cultura, como cardiomiócitos, hepatócitos, neurônios ou células tipo beta do pâncreas. Essas células produzidas em larga escala no laboratório certamente poderão ser utilizadas para terapia celular ou engenharia tecidual com fim terapêutico. Além do uso dessas células para medicina regenerativa, a geração de modelo de doença in vitro , teste de fármacos e estudos toxicológicos são outras aplicações importantes que se espera ter para as células iPS ( Figura 16.5).52
Figura 16.5 Aplicação das iPS na medicina. Aplicação do uso das iPS para a medicina regenerativa em pacientes,
produção de diferentes tipos celulares a fim de auxiliar nos testes de fármacos, modelos de doença toxicológicos.52
in vitro e
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