GillesLipovetsy, JeanSerroy, A Cultura-Mundo. Resposta a uma sociedade desorientada.Lisboa: Edições 70, 2010, 243 pp. ISBN 978-972-44-1586-4
Alexandr e Duarte*
³A cultur a tr ansfo ansform ou-se em mu ndo, em cultur a-mundo, a cultur a-mundo do tecnoca pitalis mo planetár io io, das indústr ias ias cultur ais ais, do consumis mo total, d os media e das r edes digitais.´(p.11).
O mot e par a uma interpr etação crítica, objectiva e muito pertinente da perm oder na sociedade actual, que o autor a pelida de hi p na, é feito logo nas pr imeir as as páginas e dá ao leitor uma visão per fei feita ment e lúcida dos par adigmas actuais com que o mundo se debate nos dias de hoje. Dividida em quatr o gr an andes ár eas eas de análise, a saber, merc ado, c omunicação, mitos e desafios e enquanto civilização, esta cultur a-
-mundo ³designa a época da ex pansão assom br osa osa do univer so so da comunicação, da informação e da mediatização.´ (p.14). C omeçando por estabelecer uma cr ono onologia evolutiva das r elações entr e a cultur a e o todo social, o autor identifica três gr an andes fases: a pr imeir a, onde a cultur a sur ge ge ligada aos as pectos r eligioso-tr adicionais, e que não pode ser se par ada das suas interde pendências políticas, mágicas, r eligiosas,
par en entais ou entr e clãs. Passa da de ger ação ação em ger ação ação, esta cultur a não r econhece o individualismo e perpetua-se legitimada pela for ça ça e poder es es do invis ível. Uma segunda época coincide com o sur gi giment o das democr acias moder nas nas e r asga asga
definitivament e com o até então estabe abelecido. Su bstituindo a r eligião pela ciência, a tr adição pelo pr og ogr esso esso, o inquestionável pela r aciona lidade e o sobr ena enatur al inatingível p ela afirmação do ser humano enquanto verdadeir o motor da civilização e
construção do mundo e do f utur utur o, esta segunda fase distingue clar ament e uma arte
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Professor Assistente da Escola Superior de Marketing e Publicidade do IADE, Investigador da UNIDCOM, unidade de I&D e Doutorando em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho. (
[email protected])
*
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³comercial´ dir igi igida às massas e ao sucesso imediato, em f unção das tendências e os gostos momentâ neos do pú blico, de uma outr a forma de arte, m ais pur a, m ais elevada e que r ecusa a mercantilização e a banalização, r egen egendo-se por leis própr ias ias e autónomas. F inalmente, nas últimas duas ou três déca das, o mundo entr ou, segundo o
utur o autor, numa nova fase, car acter iza iza da pela su bstituição de uma valor ização ização do f utur pelo sobr einves einvestimento do pr esen esent e, do imediato, do já. Impulsionada pelo individualismo exacer bado -tema que o autor r evisi evisita de pois de o abordar em anter io ior es es obr as as como ³A Er a do Vazio´ (1989), ou o³Impér io io do Ef ém émer o´ (2010) - esta nova forma de cultur a é ditada, m oldada e multi pl plicada pela exigência e ur gência da economia que, ao pensá-la em term os de mercado, de
r en entabilidade, de r aciona lização, de volume e de lucr os os, a tr ansfo ansforma numa 1 commoditie .
A anter io ior o posição entr e alta e baixa cultur a desa par ece numa
homogeneização cultur al que tudo alinha e padr oniza oniza em f unção dos int er esses esses ca pitalistas. Esta cultur a global, cada vez mais igual e acessível devido à vor acidade dos mercados e à ex pansão das r edes de comunicação, é d esta forma marcada pela compr essão essão do tempo e pelo encurta mento do es paço. Mas a pesar dohi p per in individualismo, da exigência constante de liberdade e igualdade, da super ab abundância de informação e da ligação permanente ao mundo e aos outr os os, o ser humano encontr a-se perdido, desor ien ientado, conf uso e insegur o. ³A incerteza tor no nou-se a coisa mais pr esen esente do mundo´ (p.28) onde o caos emocional se
deve não à escassez, mas ao excesso, ao hiper . E hiper é definitiva mente o conceito-chave desta obr a que define a permoder no or ganização ganização deste mundo hi p no em r edor dos seguintes quatr o pólos estrutur an antes:
1
hiperindividualismo(o
culto
do
eu,
liberto já
do
passado
palavr a utilizada no univer so so do marketing par a designar um pr oduto indis pensável ao dia -a-dia, de que são exemplos a água ou a electr icidade, par a citar a penas dois.
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constr angi angiment o comunitár io io),hiper capitalismo(r es esultado da globalização financeir a), hipertecnicização(a exaltação da téc nica e da tecnologia ao ser viço viço do Homem) e ohiper co consum o(a consagr ação ação do hedonis mo atr av avés da aquisição de bens e ser viços viços).
Esta nova dinâmica social qu e o autor define como cultur a-mundo, é ana lisada nesta obr a em r edor d e duas dimensões: enquanto sistema agr ega egador e or ganiza ganizador d o
mundo e, por outr o lado, r e pr esen esentando a totalidade de conteúdos pr oduzidos, vendidos e consumidos em todo o planeta.
Ohi p perca pitalismo,coma sua cr es escente importâ ncia, é mais que económico, é tam bém cultur al, a partir do moment o em qu e invadiu t odas as esfer as as da nossa vida, dos objectos aos pensa mentos, da arte à educação, dos valor es es aos r elaciona mentos. Do ponto de vista tecnológico, o desenvolvimento constante e aceler ado de novas formas téc nicas, tr ansfo ansform ou a própr ia ia forma de ver, pensar e sentir dos ser es es
humanos. A comunicação aumenta ex ponencialment e a cada dia que passa mas, cur iosa iosa ment e, no sentido contrár io io aos encontr os os. ³O corpo deixa de ser a âncor a r ea eal da vida, e vai-se formando um u niver so so sem c orpo, dessensualizado e desr ea ealizado: o dos ecr ãs ãs e dos contactos digitais.´(p.57). É d este ponto de partida que o autor ch a ma a atenção par a o novo estádio de evolução da es pécie humana a que deu o nome de homo ecranis. Um mundo e uma vivência onde tudo é visto e partilhado atr av avés de ecr ãs: ãs: dos monitor es es médicos ao cinema, da televisão ao gps, das consolas aos
telemóveis. Ao ponto de nada existir sem a partilha. S e não foi visto, se não pode ser mostr ado, se as massas não têm acesso, então é como se não existisse. Est e mundo dos ecr ãs ãs que acompanha m o homem d esde o nascimento até à sua morte, d esr eg egulou as r elações de es paço e t empo, ao permitir o acesso a pr atica mente toda a informação, em tempo r ea eal, do ponto mais cosmo polita ao mais r emot o do planeta e de forma
total, ainda que muitas vezes de maneir a não ordenada, hier arquizada ou fiável.
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Nesta cultur a-mundo, ondetudo é ef ém émer o, tudo é descartá vel, tudo é tr ansi ansitór io io na permanente e ansiosa ex pectativa do seguinte, d a próxima novidade, da perc onsumidor, ao mesmo tempo que pr ocur a bem-estar, ³nextbigthing´, o hi p divertimento e a satisfação imediata, perde os valor es es e as r efe eferê ncias, perde as certezas e a f é. é. N este ponto, o autor r etoma a sua tese avançada na obr a ³A Er a do Vazio´ onde escr eve: eve: esulta a penas d o fosso entr e a cultur a e a A contr adição nas nossas sociedades não r es economia,
esulta do própr io io pr ocesso de per sona sonalização, de um pr ocesso r es
sistemático de atomização e d e individualização narcísica: se
qu anto mais a sociedade
humaniza, mais o sentimento de anoni mato se estende; quanto mais há
indulgência e tolerância, mais aumenta a falta de segur ança ança d o in divíduo em r elação a si
própr io io(...) quanto mais a comunicação e o diálogo se institucionalizam, mais
sós se sentem os indivíduos, e com m aior es es dificuldades de contacto;
quanto mais
esce o bem-estar, mais a de pr essão essão tr iunfa. ( Li p cr es povetsy,1989:119)
Par alela mente, há um outr o dado novo e pertinente que define esta cultur a-mundo: da moda à música, da liter atur a ao teatr o, da pintur a ao es pectáculo, são agor a os media que fabr ica m as estr elas, que as inventa m, que as mostr a m e as
pr omovem, t or nan nando-se assim nos novos legitimador es es cultur ais ais, c om um poder cada vez maior sobr e a vida int electual e cultur al ao dar em, ou não, visibilidade aos
pr oje ojectos e às pessoas. A globalização deu or ige igem aum mu ndo cada vez mais igual, cada vez mais padr oniza onizado. A pr obabi obabilida de de um jovem do México vestir, comer , ouvir as mesmas músicas, ver os mesmos filmes, assistir aos mesmos pr og ogr a mas de televisãoe ler os mesmos livr os osque um outr o da Finlândia é cada vez maior. A socieda de hi p permoder na na homogeneizou os pr odutos, as cultur as as, e até os ê-lo de uma forma agr ega gostos, vontades, ex pectativas e am bições. Mas f ê-l egador a, i.e.,
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as cultur as as partilha m e cruzam element os, ao mesmo tempo acolhendo e cedendo
partes de si mesmas, numa tr oca permanente e inclusiva. R es estaur an ant es mexicanos, tailandeses, chineses, italianos, ja poneses estão lado a lado com as cadeias amer icanas de f ast f ood , na maior ia ia das ca pitais mundiais, par a citar a penas um exemplo evidente. Esta cultur a-mundo é pois uma a málga ma de pequenos pedaços, um verdadeir o mosaico de r etalhos. E é neste mundo egoísta, individualista, c entr ado no culto do eu, d a satisfação imediata, da r a pidez, da es pectacular idade e da image m que as marcas ganha m
pr otagonismo e importâ ncia, ass umindo-se como extensões dos indivíduos, classifi cando e dando a quem as ostenta o sim bolis mo por elas veiculados. As marcas r e pr esen esenta m estilos, per sona sona lidades, ³ fa la m´ por qu em as usa, e valem muito mais do que o seu cu sto de pr odução, devido à h i p per va valor ização izaçãoda sua dimensão imater ia ial em detr iment o da f uncionalidade própr ia ia do pr oduto em causa. ³O que o consumidor compr a, antes de mais, é a marca e com ela um suplemento de alma, de sonho e de identidade.´ (p.117).
Estas hi p permarcas cr ia iar am uma cultur a própr ia ia, uma cultur a de marcas que r ag ajuda m os seus utilizador es es a viver nesta dinâmica social desf r agmentada, ao tr ans ansmitir em p ontos de r efe eferê ncia e identidade, ger an ando sentimentos de pertença, de comunhão e, c onsequentement e, de integr ação ação. É o marketing na sua exaltação máxima, integr an ando ta m bém ele e de forma muito vinca da, a cultur a-mundo, atr av avés da construção de imagens, de sonhos, de um imaginár io io colectivo desejado e partilha do por indivíduos do mundo int eir o.
Da educação às sit co coms t elevisivas, dos cha ts às músicas, da art e à pu blicidade, da r eligião aos comporta mentos, dos gostos aos desejos, nada esca pa a
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esta
³sociedade consumista-hedonista-neo-individualista da hi p permoder ni nidade´
(p.186-187) qu e tudo abr ange ange e abr aça aça. No final desta obr a, o autor a ponta três imper ativos par a lidar com esta nova r ea ealidade: em pr imeir o lugar, a r eabi eabilitação da cultur a do tr aba aba lho e do mér ito, potenciando par a isso a formação pr ofissiona ofissional quer de base, quer contínua. Em segundo lugar, r efo efor çan çando a coesão social, uma vez que a estabilidade, pr otecção e justiça social são f unda mentais par a o bom desempenho e conse quent e cr es escimento. E finalment e, a necessidade de se investir no ca pital humano, na educação e na
utur o mais investigação. Segundo o autor, a única forma de gar an antirm os um f utur pr omissor. A nós, r es esta-nos su blinhar a pertinência e actualidade do tema desta obr a, de tal forma que ela é, em si mesma, um pr oduto desta hi p per so socieda de: a sua pu blicação, divulgação, pu blicitação e venda em hi p percat edr ais ais de consumo em todo o mundo, pr ova ovam toda a tese ex posta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS povetsy, Li p
G.
&Serr oy oy,
Respo staaumas ociedadedesorientada ,
J.
(2010)
A
C ultura-Mund ultura-Mund o ,
Lisboa: Edições 70
povetsy, G. (1989) A E ra Li p ra d o V azi azio, Lisboa: R elógiod¶Água povetsy, G. (2010) Li p
mpério O I mpéri
d o E f émer o, (2ª ed.) Lisboa: D. Quixote
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