CÁLCULO AVANÇADO II Felipe ACKER Departamento de Matemática Aplicada Instituto de Matemática Universidade Federal do Rio de Janeiro Caixa Postal 68530 21945-970 Rio de Janeiro Brazil email:
[email protected] 6 de abril de 2009
2 Nuestro hermoso deber es imaginar que hay un laberinto y un hilo. Nunca daremos con el hilo, acaso lo encontramos y lo perdemos en un acto de fe, en una cadencia, en el sueño, en las palabras que se llaman filosofía, o en la mera y sencilla felicidad. Jorge Luis Borges
Estas notas são dedicadas ao time do Botafogo (e seu treinador) campeão carioca de 1989
Sumário I
INTEGRAIS MÚLTIPLAS
1 INTRODUÇÃO a Sobre a definição . . . . . b Critério de integrabilidade c Integrais iteradas . . . . . d Mudanças de variáveis . . e Integral e convergência . .
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7 . . . . .
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9 9 11 13 15 20
2 DEFINIÇÃO DE INTEGRAL
23
3 CONJUNTOS DE MEDIDA NULA
27
4 INTEGRAIS ITERADAS
33
5 FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE
35
6 MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
45
7 INTEGRAIS IMPRÓPRIAS
57
8 EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES 59 a Integrais de Superfície . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 b Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 9 INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA 69 a Convergência Uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 b Regularização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 3
4
II
SUMÁRIO
ANÁLISE VETORIAL CLÁSSICA
79
10 INTRODUÇÃO a Campos Conservativos e Integrais de Linha . . . . . . . . b Integrais de Superfície . . . . . . . . . . . . . . . . . . . c O Teorema de Kelvin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . d A variação de ângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . e O Teorema de Gauss-Ostrogradski . . . . . . . . . . . . . f “O Campo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . g Pausa para Reflexão : Será que é tudo um Teorema só ?
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83 83 87 91 96 101 106 110
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115 . 115 . 119 . 121 . 124
11 OS a b c d
OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS Curvas e Superfícies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Curvas e Superfícies parametrizadas . . . . . . . . . . . . . Cadeias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
12 OS a b c
TEOREMAS 129 Kelvin-Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 Gauss-Ostrogradski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 Um outro ponto de vista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
13 OS a b c d
INTEGRANDOS Campos de vetores e 1-formas . Formas Diferenciais . . . . . . . A notação de formas diferenciais Campos . . . . . . . . . . . . .
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137 . 137 . 143 . 148 . 153
14 A DERIVADA a A divergência e a densidade de fluxo b O rotacional . . . . . . . . . . . . . . c Uma nova derivada . . . . . . . . . . d O Teorema do Valor Médio . . . . . . e O Teorema de Green revisitado . . . f O Pullback . . . . . . . . . . . . . . g A Derivada Exterior . . . . . . . . . h Green, Kelvin, Ostrogradski e Gauss i A dualidade entre formas e cadeias .
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157 157 158 160 163 169 171 172 175 179
SUMÁRIO j
5
O Lema de Volterra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
15 APLICAÇÕES a Índice de uma Curva . . . . . . . . . . . . . . b Funções de Variável Complexa . . . . . . . . . c O Teorema de Brouwer . . . . . . . . . . . . . d Algumas Questões Topológicas . . . . . . . . . e Homologia × Homotopia . . . . . . . . . . . . f O Operador de Laplace . . . . . . . . . . . . . g Difusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . h Funções Harmônicas e a Equação de Laplace . i O problema de Dirichlet na Bola . . . . . . . . j Mecânica dos Fluidos . . . . . . . . . . . . . . k O rotacional e as rotações . . . . . . . . . . . l A decomposição de um campo de velocidades m Sistemas Hamiltonianos . . . . . . . . . . . . n Equações de Maxwell . . . . . . . . . . . . . .
III
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FORMAS DIFERENCIAIS
16 INTRODUÇÃO a Cenas de Capítulos Anteriores b Os Objetos e os Integrandos . c A Derivada Exterior . . . . . d O Teorema de Stokes . . . . .
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187 . 187 . 189 . 195 . 198 . 204 . 212 . 217 . 220 . 225 . 233 . 236 . 237 . 238 . 243
251 . . . .
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253 . 253 . 254 . 259 . 262
17 O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA 267 a (N-1)-Formas em IRN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267 b O Bordo do Cubo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 268 c O Teorema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270 18 PEQUENA PAUSA PARA REFLEXÃO
273
19 O PULLBACK
275
20 O BORDO
277
6
SUMÁRIO
21 O TEOREMA DE STOKES E A DERIVADA EXTERIOR, VERSÃO CLÁSSICA 281
Parte I INTEGRAIS MÚLTIPLAS
7
Capítulo 1 INTRODUÇÃO A função destes capítulos iniciais, dedicados à integral de funções de IRN em IR, é tornar o texto auto-suficiente (se é que isto pode existir), do ponto de vista do Cálculo Integral. Um resumo da história é apresentado nos pontos a., b., c., d. e e. desta introdução . A construção da integral “de Riemann” para funções de mais de uma variável (que não traz grandes novidades do ponto de vista teórico para quem já lidou com o caso de uma variável) será tratada no ponto a.. Nos pontos b., c. e d. comentaremos três resultados fundamentais, que serão desenvolvidos mais à frente: o critério de integrabilidade (de Riemann-Du Bois Reymond-Lebesgue-Vitalli), o teorema sobre integração iterada (princípio de Cavalieri, dito teorema de Fubini) e a fórmula de mudança de variáveis (de Jacobi). No ponto e. discutimos a possibilidade de "derivar dentro do sinal de integral"(regra de Leibniz).
a
Sobre a definição
Considere uma função limitada f : B −→ IR, onde B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] é um retângulo em IR2 . Diremos que s = {β1 , . . . , βn } 9
10
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
β1 β9 β2
β8
β4 β3 β6 β7 β5
é uma subdivisão 1 de B se: (ı) cada βSi é um retângulo (fechado); (ıı) B = ni=1 βi ; o
o
(ııı) se i 6= j, então βi ∩ βj é vazio. Podemos então definir, associadas a cada subdivisão s de B, duas aproximações para a integral de f sobre B: U (f, s) =
X
sup f (β)µ(β),
β∈s
L(f, s) =
X
inf f (β)µ(β),
β∈s
onde, para cada retângulo R = [a, b] × [c, d], µ(R) = (b − a)(d − c). Procedendo como no caso de uma variável, consideramos o conjunto ς(B) de todas as subdivisões de B e dizemos que f é integrável se 1
este termo não será muito utilizado no resto do livro
B. CRITÉRIO DE INTEGRABILIDADE
11
inf {U (f, s), s ∈ ς(B)} = sup{L(f, s), s ∈ ς(B)}. O número assim obtido é chamado de integral de f sobre B e notado Z f. B
Exercício: Uma partição de um intervalo [a, b] é um conjunto finito P = {a0 , a1 , . . . , an } tal que a = a0 < a1 < . . . < an = b. Os subintervalos de P são os intervalos [ai−1 , ai ], i = 1, 2, . . . , n. Uma partição de B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] é um conjunto P = P1 × P2 , onde Pi é partição de [ai , bi ], i = 1, 2. Os sub-blocos de P são os retângulos obtidos como produtos cartesianos de subintervalos de P1 por subintervalos de P2 . A subdivisão de B associada a P é a coleção S(P ) dos sub-blocos de P . (ı)Mostre que se s1 e s2 são subdivisões de B e s2 refina s1 (isto é, todo elemento de s1 é união de elementos de s2 ), então U (f, s1 ) ≥ U (f, s2 ) ≥ L(f, s2 ) ≥ L(f, s1 ). (ıı) Mostre que para toda subdivisão s de B existe uma partição P de B tal que S(P ) refina s. (ııı)Conclua que, para a definição de integral, podemos nos restringir a subdivisões associadas a particões .
b
Critério de integrabilidade
De forma análoga ao caso de uma variável, toda função contínua f : B → IR (onde B é um retângulo fechado) é integrável. É claro, porém, que existem funções descontínuas integráveis. Quando se trata de funções de uma variável, é usual observar que um número finito de descontinuidades não muito feias pode ser tolerado e deixar para outra oportunidade uma discussão mais aprofundada. Em dimensões maiores somos forçados a uma postura menos inocente.
12
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
b2
X B
b1
a2
a1
Seja X ⊂ IR2 um conjunto bem razoável (conexo e limitado, pelo menos). Seja f : X −→ IR uma função a integrar (f igualmente razoável - contínua, digamos). A maneira mais simples de definir a integral de f sobre X parece ser a seguinte: considere um retângulo B contendo X e defina f : B −→ IR f (x) , x ∈ X x 7−→ 0 , x∈ /X Faça, agora, Z
Z f=
X
f. B
Deixemos aos onanistas fervorosos o exercício de praxe: mostre que a definição acima independe de B. Prazeres mais refinados nos promete a observação
C. INTEGRAIS ITERADAS
13
de que, mesmo se f é contínua, f será, em geral, descontínua em todos os pontos da fronteira de X. Trata-se, pois, de responder à seguinte questão : dada uma função integrável f definida em um retângulo, quão descontínua pode ser f ? Numa primeira abordagem, nota-se que é suficiente que, para cada ε positivo, se possa cobrir o conjunto D dos pontos de descontinuidade de f por uma coleção finita de retângulos β1 , . . . , βn tal que µ(β1 ) + . . . + µ(βn ) < ε. O primeiro a obter um critério mais profundo parece ter sido Riemann 2 . O passo decisivo foi dado por Lebesgue, que introduziu o conceito de conjunto de medida nula: X é dito de medida nula se para todo ε positivo existe uma coleção enumerável (βn )n∈IN de retângulos tal que: (ı) X ∪∞ n=1 βn P⊂ ∞ (ıı) n=1 µ(βn ) < ε. O critério de integrabilidade de Lebesgue, que demostraremos mais à frente, é o seguinte: f é integrável se e somente se o conjunto D de seus pontos de descontinuidade é de medida nula.
c
Integrais iteradas
O segundo teorema a ser atacado diz respeito à decomposição do cálculo de uma integral em IRN em cálculos de sucessivas integrais de funções de uma variável. A fórmula é bem conhecida (usualmente pelo nome de Teorema de Fubini); sua versão mais simples, com N = 2, é Z
Z
b1
f= [a1 ,b1 ]×[a2 ,b2 ] 2
a1
Z (
b2
f (x1 , x2 ) dx2 ) dx1 .
a2
No trabalho Sobre a possibilidade de representar uma função por uma série trigonométrica, de 1854
14
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO f (x1 , x2 ) R [a1 ,b1 ]×[a2 ,b2 ]
Rb
2 a2
a1 a2
R
b1 a1
f =
f (x1 , x2 ) dx1 dx2
b2 x2
b1 x1
H
área S(h)
h
V =
volume V
RH 0
S(h) dh
0
A demonstração tem suas sutilezas. . . Limitemo-nos, por ora, à observação de que por trás de tudo está uma idéia conhecida como Princípio de Cavalieri, do qual damos uma versão livre no exercício abaixo. Exercício: Seja X um subconjunto de IR3 dotado de volume (seja lá isso o que for). Seja v um vetor unitário de IR3 . Defina s : IR −→ IR t 7−→ a ´rea de π(t) ∩ X, onde o plano π(t) é definido por π(t) = {u ∈ IR3 , < u, v >= t}. Você acredita que o volume de X, µ(X), é dado por Z
∞
µ(X) =
s(t) dt ? −∞
E se v não é unitário, como fica a fórmula?
D. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
15 f
f ◦ϕ
ϕ
α
d
t0
t0 + ∆t
β
a
x0
x0 + ∆x
b
Mudanças de variáveis
Comecemos com o caso de uma variável: seja f : [a, b] −→ IR integrável e suponhamos que exista um difeomorfismo ϕ : [α, β] −→ [a, b] de classe C 1 (neste caso ϕ é crescente ou decrescente, conforme ϕ(α) = a ou ϕ(α) = b). Sabemos que não é verdadeira a fórmula Z
b
Z
β
f (x) dx =
f (ϕ(t)) dt, α
a
porque, embora a cada x0 em [a, b] corresponda um t0 em [α, β] com ϕ(t0 ) = x0 , o intervalo [α, β] sofre um esticamento (não uniforme, em princípio). A integral Z
β
f (ϕ(t)) dt α
é aproximada por retângulos de base ∆t e altura f (ϕ(t0 )), aos quais correspondem, em
16
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
Z
b
f (x) dx, a
retângulos de base ∆x e altura f (x0 ), onde x0 = ϕ(t0 ). Conseqüentemente (supondo ϕ crescente), f (ϕ(t0 )) = f (x0 ), mas ∆x = ϕ(t0 + ∆t) − ϕ(t0 ) 6= ∆t. Escrevendo ∆x = ϕ(t0 + ∆t) − ϕ(t0 ) =
ϕ(t0 + ∆t) − ϕ(t0 ) ∆t, ∆t
obtemos ϕ(t0 + ∆t) − ϕ(t0 ) ∆t, ∆t o que é um razoável argumento a favor da fórmula f (x0 ) ∆x = f (ϕ(t0 ))
Z
b
Z
β
f (x) dx = a
f (ϕ(t)) ϕ0 (t) dt
α
(já que, quando ∆t é “infinitamente pequeno”, temos ∆t = dt, ∆x = dx e então “dx = ϕ(t0 + dt0 ) − ϕ(t0 ) = ϕ0 (t0 ) dt”). Pensemos agora no caso de várias variáveis. Suponhamos que C é imagem do bloco B por um difeomorfismo ϕ de classe C 1 e que f : C −→ IR é integrável. O fator de correção a introduzir na fórmula (errada) Z Z f= f ◦ϕ C
B
é o “coeficiente de esticamento” referente à deformação de B em C operada por ϕ.
D. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
17
f ◦ϕ
f
ϕ A x
B
x + ∆x
ϕ(x)
ϕ(x + ∆x)
ϕ ϕ(x)
x ϕ(Q) ∼ = ϕ(x) + ϕ0 (x)(Q)
Q
Esse “coeficiente de esticamento” será, é claro, o limite da relação entre as áreas (no caso bidimensional) de ϕ(β) e de β, onde β é um quadradinho contido em B. Analisemos, pois, esta relação . Se t0 é o centro de β e ϕ(t0 ) = x0 , os pontos de ϕ(β) serão da forma ϕ(t0 + h) = x0 + ϕ0 (t0 )h + ε(h), com ϕ
β
ϕ(β)
B
c = ϕ(B)
18
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
ϕ(β)
β ϕ x0
t0 γ
limh→0
ε(h) = 0. |h|
Sabemos que, entre outras coisas, isto significa que, se β é pequeno, ϕ(β) se parece com o paralelogramo γ = {x0 + ϕ0 (t0 )h, t0 + h ∈ β}. Temos, pois, a ´rea de ϕ(β) ∼ a ´rea de γ . = a ´rea de β a ´rea de β E, é claro, suspeitamos que limλ→0
a ´rea de ϕ(β) a ´rea de γ = limλ→0 , a ´rea de β a ´rea de β
onde λ é o lado de β. Comparar as áreas de ϕ(β) e γ não é tarefa simples, já que nenhum dos dois conjuntos está, em princípio, contido no outro. Comecemos notando que os elementos das fronteiras respectivas são da forma x0 + ϕ0 (t0 )h, para γ, e ϕ(t0 + h) = x0 + ϕ0 (t0 )h + ε(h), para ϕ(β),
D. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
19
γ2 γ1
ϕ ϕ(t0 )
t0
ϕ(t0 + β)
t0 + β
onde t0 + h está na fronteira de β 3 . Assim, a distância entre um elemento ϕ(t0 + h) da fronteira de ϕ(β) e a fronteira de γ será no máximo |ε(h)|. Observemos ainda que as relações entre as dimensões de γ e de β independem do tamanho do lado de β (como ϕ0 (t0 ) é linear, são dadas por regra de três). Mas, para t0 + h em β, temos que |ε(h)| é pequeno em relação às dimensões de γ se o lado de β é pequeno. Considere então d = maxt0 +h∈β |ε(h)|. As considerações acima nos garantem que d é pequeno em relação às dimensões de γ (se o lado de β é pequeno) e que os pontos do bordo de ϕ(β) estão a uma distância do bordo de γ menor do que d. Mas isto nos diz (porque ϕ é difeomorfismo) que ϕ(β) está entre dois paralelogramos γ1 e γ2 , semelhantes a γ e de dimensões aproximadamente iguais às de γ. Mas então a ´rea de ϕ(β) a ´rea de γ2 a ´rea de γ1 ≤ ≤ , a ´rea de β a ´rea de β a ´rea de β com limλ→0
a ´rea de γ2 = 1, a ´rea de γ1
o que justifica 3
Isto se deve ao fato de que ϕ é difeomorfismo e pode ser demonstrado a partir do Teorema da Função Inversa
20
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
limλ→0
a ´rea de γ a ´rea de ϕ(β) = limλ→0 . a ´rea de β a ´rea de β
Exercício: Preencha os detalhes da demonstração .
E agora, qual a relação entre as áreas de γ e de β? Exercício: Seja T : IR2 → IR2 linear. Seja Q um quadrado em IR2 de lados paralelos aos vetores e1 e e2 da base canônica. Observe que a relação entre as áreas de T (Q) e de Q independe das dimensões e da posição de Q. Você está convencido de que se X é um subconjunto razoável de IR2 então esta é a relação entre as áreas de T (X) e de X? Exercício: Mostre que se T : IR2 → IR2 é linear e Q = [0, 1] × [0, 1], então a área de T (Q) é o valor absoluto do determinante de T .
Tendo reduzido nosso problema ao caso linear, podemos concluir que o fator de correção que procuramos é o valor absoluto do determinante de ϕ0 (t0 ) (conhecido como jacobiano de ϕ e notado Jϕ (t0 )). Ou seja, Z Z f ◦ ϕ |Jϕ |. f= B
ϕ(B)
e
Integral e convergência
Suponhamos dada f : IR × [a, b] → IR diferenciável e façamos, para x em IR, Z g(x) =
b
f (x, y)dy. a
Se quisermos derivar g, teremos Z
0
g (x) = lim
h→0
a
b
f (x + h, y) − f (x, y) dy, h
E. INTEGRAL E CONVERGÊNCIA
21
o que nos dá muita vontade de, permutando o limite em h com a integral, concluir que b
f (x + h, y) − f (x, y) dy = h a Z b Z b ∂f f (x + h, y) − f (x, y) lim dy = (x, y)dy. = h a ∂x a h→0 Z
0
g (x) = lim
h→0
A permutação entre a passagem ao limite e a integração pode ser vista da seguinte forma: fixado x, associamos a cada h uma função de y, ϕh , dada por f (x + h, y) − f (x, y) . h Para cada y em [a, b], temos (se nossa f tem derivada parcial em relação a x em todos os pontos), que ϕh : y 7→
∂f (x, y). h→0 ∂x Assim, a questão que se nos coloca é a seguinte: se ϕh (y) → ϕ(y) ∀y ∈ [a, b], podemos afirmar que lim ϕh (y) =
Z
b
Z ϕh (y)dy →
a
b
ϕ(y)dy? a
Exercício: Considere, para y ∈ [0, 1] e h > 0, ϕh (y) dada por 2 h sin(πy/h), y ≤ h ϕh (y) = 0, y > h. R1 Mostre que ϕh (y) → 0 ∀y ∈ [0, 1] (quando h → 0), mas 0 ϕh (y)dy > 1∀h > 0.
O exemplo acima mostra que não podemos ser totalmente inocentes na troca de ordem entre passagem ao limite e integração . No entanto, se nosso domínio de integração é limitado e a convergência é uniforme, não é difícil ver que a troca pode ser feita. De fato, se f e g são integráveis sobre o bloco B e | f (y) − g(y) |< ε ∀y ∈ B, então é claro que Z Z | f− g |< εµ(B). B
B
22
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
Assim, para podermos derivar dentro do sinal de integral, podemos exigir hipóteses que nos garantam que f (x + h, y) − f (x, y) ∂f = (x, y) h→0 h ∂x uniformemente em y. Estas condições , veremos, são satisfeitas quando f é contínua e tem derivada parcial em relação a x contínua. Em particular, se f é de classe C 1 e a integral se faz sobre um bloco (que é um compacto), podemos derivar sem medo dentro do sinal de integral. lim
Capítulo 2 DEFINIÇÃO DE INTEGRAL Um bloco N -dimensional é um produto cartesiano de N intervalos fechados não degenerados (N ≥ 1). Se B = [a1 , b1 ] × · · · × [aN , bN ] então a medida de B (também chamada volume, área ou comprimento, em alguns casos) é notada por µ(B) e definida por µ(B) = (b1 − a1 )(b2 − a2 ) · · · (bN − aN ) (é claro que µ(B) = b1 − a1 se N = 1). Se B = [a, b], uma partição de B é um subconjunto finito de [a, b] contendo a e b, geralmente notado por {a0 , . . . , an }, sendo a = a0 < · · · < an = b (os intervalos [ai−1 , ai ] são chamados subintervalos da partição). Se B = [a1 , b1 ] × · · · × [aN , bN ] chamaremos de partição de B um produto cartesiano P = P1 × · · · × PN , onde cada Pi é uma partição de [ai , bi ] (os produtos cartesianos dos subintervalos das Pi serão chamados sub-blocos de P ). Convencionemos ainda chamar de S(P ) o conjunto dos sub-blocos de P e de p(B) o conjunto das partições de B. Seja agora f : B → IR limitada (onde B é um bloco N -dimensional). Se P é uma partição de B definiremos a soma superior e a soma inferior de f associadas a P por, respectivamente, P U (f, P ) = β∈S(P ) sup f (β)µ(β) e P L(f, P ) = β∈S(P ) inf f (β)µ(β) . 23
24
CAPÍTULO 2. DEFINIÇÃO DE INTEGRAL
A integral superior e a integral inferior de f são definidas por, respectivamente, R f = inf P ∈p(B) U (f, P ) e B R B
f = supP ∈p(B) L(f, P )
.
R R Quando B f = B f , este valor é chamado integral de f sobre B, e f é dita integrável à Riemann. Exercício : Sejam B bloco em IRN e f : B → IR limitada. Mostre que f é integrável se e só se ∀ε > 0 ∃P ∈ p(B) | U (f, P ) − L(f, P ) < ε. Exercício : Prove tudo que lhe parecer importante ou necessário sobre integral. Em particular, prove que o conjunto das funções Riemann-integráveis em B é um R espaço vetorial, digamos R(B), e que B : R(B) → IR é linear.
Se X ⊂ IRN é limitado e f : X → IR é limitada, considere um bloco B tal que X ⊂ B. Estenda f a f : B → IR dada por f (x) = 0 se x ∈ B \ X (f (x) = f (x) em X). R R Exercício : Mostre que B f e B f não dependem de B (isto é, os valores são sempre os mesmos, qualquer que seja o bloco B contendo X).
Definimos integral superior, integral inferior e, quando for o caso, integral de f sobre X por Z Z Z Z Z Z f= f , f= f e f= f X
B
X
B
X
B
Exercício : Mostre que se X1 ∩ X2 = ∅ e f : X1 ∪ X2 → IR é integrável à Riemann sobre X1 e sobre X2 , então f é integrável à Riemann sobre X = X1 ∪ X2 R R R e X f = X1 f + X2 f .
Se X é tal que 1 : X → IR x 7→ 1 é integrável, então X é dito Jordan-mensurável (J-mensurável). A medida de X é definida por Z µ(X) = 1 X
25 Observação : A classe dos conjuntos J-mensuráveis é ainda insuficiente para uma “boa” teoria da medida. Não partiremos na direção de estender até onde for possível a classe dos conjuntos que podem ser medidos, mas consideraremos aqui um exemplo clássico. Seja X = Q I ∩ [0, 1]. É fácil provar que X não é J-mensurável (se achar que não, faça-o). Por outro lado, sendo X enumerável, podemos, qualquer que seja ε > 0, encontrar uma S seqüência (βn )n∈IN de intervalos fechados não degenerados com X ⊂ n∈IN βn e P n∈IN µ(βn ) < ε. Isto nos indica que X poderia perfeitamente ser considerado como tendo medida igual a zero. Exercício : x em B.
Sejam B um bloco e f : B → IR integrável com f (x) ≥ 0 para todo
(i) Mostre que se existe x em B com f (x) > 0 e f é contínua em x, então
R B
f > 0.
(ii) Se f (x) > 0 para todo x em B mas f não é necessariamente contínua, é R verdade que B f > 0 ?
Daremos a seguir uma definição alternativa de integral. Dado um bloco B, uma partição indexada de B é um par ordenado (P, ξ) tal que P é uma partição de B e ξ é uma aplicação de S(P ) em B, com ξ(β) ∈ β para todo β em S(P ) (isto é, ξ consiste em escolher um ponto em cada sub-bloco de P ). Seja f : B −→ IR dada. Para cada partição indexada (P, ξ), definimos a correspondente soma de Riemann, S(f, P, ξ), por: X S(f, P, ξ) = f (ξ(β))µ(β). β∈s(P )
A integral de f sobre B é então definida (caso exista) por: Z f = lim S(f, P, ξ), B
|P |→0
sendo |P | a norma da partição P , definida como o maior dentre os comprimentos dos sub-intervalos das partições Pi , com P = P1 × . . . × PN . O limite deve ser entendido no seguinte sentido: Z ∀ε > 0 ∃δ > 0 | |P | < δ ⇒ |S(f, P, ξ) − f | < ε. B
Exercício: Prove que as duas definições de integral são equivalentes.
26
CAPÍTULO 2. DEFINIÇÃO DE INTEGRAL
Capítulo 3 CONJUNTOS DE MEDIDA NULA Investiguemos agora o alcance e o limite da definição precedente, e coloquemo-nos esta questão: em que casos uma função é suscetível de integração ? em que casos não o é ? Bernhard Riemann Exercício : Seja B ⊂ IRN um bloco e seja f : B → IR contínua (i) Prove que f é integrável (ii) Sejam x0 ∈ B, c ∈ IR e f1 : B → IR dada por f (x) , x 6= x0 f1 (x) = c , x = x0 R R Mostre que f1 é integrável e B f1 = B f .
.
(iii) Sejam {x1 , . . . , xn } ⊂ B e g : B → IR dada f (x), x 6∈ {x1 , . . . , xn } g(x) = ci , x = xi onde {c1 , . . . , cn } ⊂ IR. Mostre que g é integrável e que
, R B
g=
R B
f.
(iv) Observe que (ii) e (iii) valem mesmo se f não é contínua, mas apenas integrável. (v) Observe que todo conjunto finito é J-mensurável e tem medida igual a zero.
27
28
CAPÍTULO 3. CONJUNTOS DE MEDIDA NULA
(vi) Mostre que se X ⊂ B é J-mensurável com µ(X) = 0 e M ∈ IR,então h : B → IR dada por f (x), x 6∈ X h(x) = qualquer coisa entre − M e M, x ∈ X R R é integrável e B h = B f . Observe que o mesmo vale se se supõe apenas f integrável. (vii) Observe que X é J-mensurável e µ(X) = 0 se e só se para todo ε > 0 existe coleção finita {B1 , . . . , Bn } de blocos tal que X ⊂ B1 ∪ · · · ∪ Bn e µ(B1 ) + · · · + µ(Bn ) < ε. Mostre que o conjunto de Cantor é J-mensurável. (viii) Mostre que se X é J-mensurável e µ(X) = 0, então seu fecho X é Jmensurável e µ(X) = 0. (ix) Mostre que se ϕ : B → IR é limitada e o conjunto de seus pontos de descontinuidade é J-mensurável e de medida zero, então ϕ é Riemann-integrável (observe: isto é mais que (vi)). (x) Mostre que
ϕ : [0, 1] → IR ϕ(x) =
dada
por
0, x irracional ou zero p 1 ´ q , x = q irredutivel , p, q ∈ IN
é Riemann-integrável mas descontínua em um conjunto que não é J-mensurável.
Observemos que se f : B → IR é limitada (B bloco N -dimensional) e P é uma partição de B, então X U (f, P ) − L(f, P ) = [sup f (β) − inf f (β)].µ(β) . β∈S(P )
Ora, f é integrável se e só se para todo ε > 0 existe uma partição P de B com U (f, P ) − L(f, P ) < ε. Se f é contínua, sabemos que para todo ε1 > 0 existe δ > 0 tal que se o diâmetro de β é menor do que δ, então sup f (β) − inf f (β) < ε1 . Assim, para provar que se f é contínua então é integrável, basta, dado ε > 0, tomar uma partição P tal que os diâmetros de seus blocos β sejam suficientemente pequenos para que sup f (β) − inf f (β) <
ε . µ(B)
29 Se f não é contínua, porém, não podemos tomar P tal que os sup f (β) − inf f (β) sejam todos “tão pequenos quanto se queira”. A solução é introduzir uma medida de quão descontínua é f : a oscilação de f é a função Of : B → IRN dada por Of (x) = lim [sup f (Bε (x)) − inf f (Bε (x))] ε→0+
(onde Bε (x) = {y ∈ B| | y − x |< ε}) Agora vejamos. Queremos, dada f : B → IR limitada e dado ε > 0, obter partição P de B tal que U (f, P ) − L(f, P ) < ε. É claro que isto é possível se ε Of (x) < µ(B) para todo x em B. A questão é, porém, controlar o conjunto dos pontos em que Of é grande.
Lema: Sejam B bloco em IRN e f : B → IR limitada. Então f é Riemann integrável se e somente se para todo ε positivo o conjunto Xε = {x ∈ B, Of (x) ≥ ε} é J-mensurável e µ(Xε = 0. Demonstração : (i) Se para algum ε > 0 Xε não for J-mensurável com µ(Xε ) = 0, então existe δ > 0 tal que toda coleção finita {B1 , . . . , Bn } de blocos cobrindo Xε é tal que µ(B1 ) + · · · + µ(Bn ) ≥ δ. Daí segue U (f, P ) − L(f, P ) ≥ εδ para todo P em p(B), e f não será integrável. (ii) Suponhamos agora que para todo ε > 0 Xε é J-mensurável com µ(Xε ) = 0. Observe que isto significa que para todo δ > 0 se podem tomar blocos B1 , . . . , Bn ◦
◦
tais que µ(B1 ) + · · · + µ(Bn ) < δ e Xε ⊂B 1 ∪ · · · ∪ B n (é importante notar que podemos trabalhar com os interiores dos Bi ). Seja então ε > 0 dado. Vamos construir uma partição P tal que U (f, P )−L(f, P ) < ε. ε ε Considere X 2µ(B) = {x ∈ B, Of (x) ≥ 2µ(B) }. Observe então que para cada x em ◦
ε ε existe um bloco Bx tal que x ∈B x e sup f (Bx ) − inf f (Bx ) < 2µ(B) . Por B\X 2µ(B) ε outro lado, sendo δ = 2M (onde M = 1 + sup f (B) − inf f (B)), existem B1 , . . . , Bn ◦
◦
ε tais que X 2µ(B) ⊂B 1 ∪ · · · ∪ B n e µ(B1 ) + · · · + µ(Bn ) < δ.
◦
◦
◦
Ora, B 1 , . . . , B n formam, com os B x anteriormente definidos, uma cobertura aberta de B. Podemos então garantir que teremos uma coleção finita de blocos B1 , . . .
30
CAPÍTULO 3. CONJUNTOS DE MEDIDA NULA
ε , Bn ,Bn+1 , . . . , Bm (incluindo B1 , . . . , Bn e alguns dos Bx , x ∈ B\X 2µ(B) ) tal que B = B1 ∪ · · · ∪ Bm . Seja P = P1 ×· · ·×PN definida da seguinte forma: cada Pi é formada pelas i-ésimas coordenadas dos vértices dos Bj (isto é, se Bj = [aj1 , bj1 ] × · · · × [aji , bji ] × · · · × [ajN , bjN ], então aji e bji estão em Pi ). Então é claro (quem duvidar que prove !) que P U (f, P ) − L(f, P ) ≤ nj=1 [sup f (Bj ) − inf f (Bj )]µ(Bj )+
+
Pm
j=n+1 [sup f (Bj )
ε < M. 2M +
− inf f (Bj )]µ(Bj ) ≤
ε 2µ(B) .µ(B)
=ε
O resultado acima é devido a Du Bois-Reymond (seguindo a linha de investigação aberta por Riemann). Observemos agora o seguinte: se (Xn )n∈IN é uma família enumerável de subconjuntos de IRN , todos J-mensuráveis e tais que µ(Xn ) = 0 para todo n, então, dado ε ≥ 0 qualquer, podemos achar, para cada n em IN , uma coleção finita {Bn1 , . . . , Bnin } de blocos tal que (i) Xn ⊂ Bn1 ∪ · · · ∪ Bnin (ii) µ(Bn1 ) + · · · + µ(Bnin ) <
ε 2n+1
S Daí segue que se X= n∈IN Xn , então existe uma família enumerável (Bn)n∈IN tal que S (i) P X ⊂ n∈IN Bn ∞ (ii) n=1 µ(Bn ) < ε .
Definição : X ⊂ IRN ´ê dito de medida nula se para todo ε > 0 existe uma família enumerável (Bn )n∈IN de blocos tal que S (i) X ⊂ P∞ n∈IN Bn (ii) n=1 µ(Bn ) < ε Exercício : Mostre que se (Xn )n∈IN é uma família enumerável de conjuntos de medida nula, então X = ∪n∈IN Xn é de medida nula. Em particular, todo conjunto enumerável é de medida nula.
31 Observação : É costume chamar os conjuntos J-mensuráveis de medida zero de conjuntos de conteúdo nulo. Os conjuntos de medida nula acima definidos podem não ser J-mensuráveis (são, na realidade, Lebesgue-mensuráveis) Observe agora o seguinte: (i) Se f : BS→ IRN é dada e pomos Xf = {x ∈ B, f descontínua em x}, então Xf = n∈IN Xn , onde Xn = {x ∈ B, Of (x) ≥ n1 } (ii) Para todo ε > 0 o conjunto Xε = {x ∈ B, Of (x) ≥ ε} é fechado (e portanto compacto). (iii) Se X é compacto e de medida nula, então X é J-mensurável (e µ(X) = 0). Daí segue: Teorema de Lebesgue:1 Se B é um bloco N -dimensional e f : B → IR é limitada, então f é Riemann-integrável se e somente se o conjunto de seus pontos de descontinuidade é de medida nula. Exercício : Sejam X ⊂ IRN e f : X → IR limitados. Mostre que (i) X é J-mensurável se e só se ∂X (fronteira de X) tem medida nula. ◦
(ii) Se X é J-mensurável R R e f é integrável, então todo Y com X ⊂ Y ⊂ X é Jmensurável e Y f = X f (onde f é uma extensão limitada qualquer de f| ◦ a X
Y ). (iii) Se X é um bloco, f é contínua e g : X → IR é limitada e tal que {x ∈ X, f (x) 6= g(x)} tem medida nula, podemos ter g não integrável. (iv) Motre que se f é integrável e Y ⊂ X é J-mensurável, então f|Y é integrável. Exercício : Mostre que o conjunto de Cantor tem medida nula. Mostre, modificando adequadamente sua construção, que existem conjuntos compactos de interior vazio e que não têm medida nula. Conclua que existem abertos limitados que não são J-mensuráveis. Exercício : Mostre que se M < N , A ⊂ IRM e f : A → IRN é de classe C 1 , então f (A) tem medida nula. Exercício : Prove o que mais lhe parecer interessante ou necessário. 1
Lebesgue demonstrou, em sua tese de doutorado, que a condição é suficiente. A necessidade aparece em seu livro Leçons sur l’intégration et la recherche des fonctions primitives e foi provada também, de forma independente, por Vitalli
32
CAPÍTULO 3. CONJUNTOS DE MEDIDA NULA
Capítulo 4 INTEGRAIS ITERADAS Exercício : Seja f : [0, 1] × [0, 1] → IR, f (x, y) = 0, se x 6∈ Q I ou y 6∈ Q I e p 1 f (x, y) = q se x = q fração irredutível e y ∈ Q. I Mostre que f é integrável mas, sendo ϕx (y) = f (x, y), o conjunto dado por {x ∈ [0, 1] | ϕx : [0, 1] → IR e´ integr´ avel} não é J-mensurável.
O exercício acima mostra que seria impróprio enunciar o “teorema” Z Z 1 Z 1 f= f (x, y)dy dx . [0,1]×[0,1]
0
0
Melhor fazer: TEOREMA (dito de Fubini1 : Sejam B1 ⊂ IRM e B2 ⊂ IRN dois blocos. Seja f : B1 × B2 → IR integrável. Seja, para cada x em B1 , ϕx : B2 −→ IR y 7−→ f (x, y) Seja ψ : B1 → IR definida por ψ(x) = qualquer coisa entre Então ψ é integrável e 1
R B2
ϕx e
R B2
ϕx .
O teorema de Fubini é o resultado que corresponde, na teoria da integral de Lebesgue, ao que aqui apresentamos
33
34
CAPÍTULO 4. INTEGRAIS ITERADAS Z
Z ψ=
.
B1
f B1 ×B2
Demonstração : R R ϕx , ψ2 (x) = Podemos considerar ψ1 , ψ2 : B1 → IR, ψ1 (x) = B2 ϕx . B2 R R R R Basta então provar que B1 ×B2 f ≥ B1 ψ2 ≥ ψ1 ≥ f. B1 B1 ×B2 Como a desigualdade do Rmeio é óbvia e as outras duas são equivalentes, provaremos R apenas que B1 ×B2 f ≥ B1 ψ2 . Sejam P1 partição de B1 e P2 partição de B2 . Seja P = P1 × P2 . Observando que cada sub-bloco β em S(P ) é produto cartesiano de β1 ∈ S(P1 ) por β2 ∈ S(P2 ), temos P U (f, P ) = β∈S(P ) sup f (β)µ(β) = P P sup f (β × β )µ(β ) µ(β1 ) ≥ = β1 ∈S(P1 ) 1 2 2 2) β2 ∈S(PP P ≥ β1 ∈S(P1 ) supx∈β1 β2 ∈S(P2 ) sup f ({x} × β2 )µ(β2 ) µ(β1 ) = P = β1 ∈S(P1 ) supx∈β1 U (ϕx , P2 ) µ(β1 ) ≥ R P ≥ β1 ∈S(P1 ) supx∈β1 B2 ϕx µ(β1 ) = R = U (ψ2 , P1 ) ≥ β1 ψ2 . O resultado segue imediatamente
Capítulo 5 FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE
Este capítulo, preparatório para a fórmula de mudança de variáveis, contém idéias fundamentais para tudo que será feito no resto do texto. Aqui começamos realmente a entrar no centro de nosso assunto. Boa parte de seu conteúdo é, usualmente, discutido nos cursos de Álgebra Linear; no entanto, talvez seja útil encará-lo de um ponto de vista mais próximo da integração . A questão básica é a seguinte: dado um espaço vetorial E de dimensão N , que opções temos se quisermos criar uma “forma de medir” sólidos em E que seja “coerente” com a estrutura algébrica de E ? Colocando a coisa de maneira menos abstrata, considere o seguinte problema: sejam u = (u1 , u2 ) e v = (v1 , v2 ) vetores em IR2 ; calcule a área do paralelogramo de vértices 0, u, v e u+v. Atenção: não venha com argumentos geométricos, queremos a medida de A = {su + tv, (s, t) ∈ [0, 1] × [0, 1]}, conforme definida nas seções anteriores !
O melhor que podemos fazer para evitar o vexame de cobrir A por retângulos é imitar a demonstração da Geometria (que é um pouco menos simples do que parece) ou usar os teoremas de Fubini e Fundamental do Cálculo (e considerar todos os casos possíveis). 35
36
CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE
~u + ~v u2 + v2 v2
~v
A
u2
~u u1
v1
u1 + v1
ϕ A
ϕ(A)
X
ϕ(X)
Supondo u1 , v1 , u2 , v2 positivos e v2 > u2 , por exemplo, teremos i R u +v h Rv µ(A) = 0 1 vv12 xdx + v11 1 v2 + uu12 (x − v1 ) dx− i R u +v h Ru − 0 1 uu12 xdx − u11 1 u2 + vv12 (x − u1 ) dx = = u1 v2 − u2 v1 Exercício : Sejam a1 , . . . , aN vetores de IRN . Seja A = {t1 a1 + · · · + tN aN , (t1 , . . . , tN ) ∈ [0, 1]N }. Calcule µ(A). Tente ao menos provar que se a1 , . . . , aN são ortogonais então µ(A) =| a1 | · · · | aN | !
Há uma importante questão por trás destas considerações. Na realidade, queremos, dados X em IRN e ϕ : X → IRN , comparar µ(ϕ(A)) e µ(A), para A ⊂ X.
37
T T (A)
A
T e2
e2
T e1
e1
É claro que se T : IRN → IRN é linear e A ⊂ IRN , a relação entre µ(T (A)) e µ(A) é dada por µ(T (Q)), onde Q é o bloco [0, 1]N : Se {e1 , . . . , eN } é a base canônica de IRN , então T (Q) = {t1 v1 + · · · + tN vN , (t1 , . . . , tN ) ∈ [0, 1]N }, onde vi = T ei , i = 1, . . . , N . Exercício : Mostre que se T : IRN → IRN é linear, com T ei = vi , i = 1, . . . , N , então, se A ⊂ IRN é J-mensurável temos T (A) J-mensurável com µ(T (A)) = αµ(A), onde α = µ({t1 v1 + · · · + tN vN , (t1 , . . . , tN ) ∈ [0, 1]N }). Exercício : Seja T : IRN → IRN linear (i) Se existir i tal que ej , j 6= i T ej = λei , j = i
,
mostre que µ(T (A)) =| λ | µ(A) para todo A ⊂ IRN , J-mensurável. (ii) Se existem i e j tais que ek , k 6= i, j ei , k = j T ek = , ej , k = i mostre que µ(T (A)) = µ(A) para todo A ⊂ IRN J-mensurável. (iii) Se existem i e j tais que ek , k 6= i T ek = , ei + ej , k = i
38
CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE
mostre que µ(T (A)) = µ(A) para todo A ⊂ IRN J-mensurável. (iv) Mostre que µ(T (A)) =| detT | µ(A) para todo A ⊂ IRN J-mensurável (observe que T é produto de transformações como as de (i), (ii) e (iii)).
As considerações acima indicam, para o leitor com algum conhecimento sobre o assunto, que os determinantes têm tudo a ver com nossa discussão . Mas, já que vamos falar de determinantes, comecemos do começo. Considere a aplicação m2 : IR2 × IR2 → IR que a cada par (u, v) associa a área do paralelogramo {tu + sv, 0 ≤ t, s ≤ 1}. Analogamente, considere m3 : IR3 × IR3 × IR3 → IR, m3 (u, v, w) = µ({ru + sv + tw, 0 ≤ r, s, t ≤ 1}). Exercício: Mostre que (i) m2 (λu, v) = λm2 (u, v), λ ≥ 0 (ii) m2 (u1 + u2 , v) = m2 (u1 , v) + m2 (u2 , v) ou m2 (u1 + u2 , v) =| m2 (u1 , v) − m2 (u2 , v) | (iii) m2 (u, v) = m2 (v, u) ; resultados similares valendo para m3 (não se preocupe com demonstrações formais, use a intuição geométrica).
Vemos que m2 (assim como m3 e, podemos imaginar, mN ) morre de vontade de ser linear em cada componente. Para que o fosse realmente, precisaríamos admitir que tomasse valores negativos. Exercício : Considere um plano, azul de um lado e vermelho do outro. Sejam u e v ortogonais marcados sobre o lado azul e seja T linear com T u = u e T v = −v. Enxergue T como a transformação que gira o plano de 180o em torno de um eixo dado pela reta gerada por u. Exercício : (i) Seja E um espaço vetorial real de dimensão N + 1 e sejam v1 , . . . , vN vetores linearmente independentes de E. Observe que o subespaço gerado por {v1 , . . . , vN } divide E em dois semi-espaços.
39
azul
vermelho zul
a
(ii) Nas mesmas condições de (i), suponha que u e w em E são tais que {u, v1 , . . . , vN } e {w, v1 , . . . , vN } são bases de E. Considere as bases ordenadas α = (v1 , . . . , vi , u, vi+1 , . . . , vN ) β = (v1 , . . . , vi , w, vi+1 , . . . , vN )
e
Diga que α e β têm a mesma orientação se u e w estão no mesmo semi-espaço (da divisão vista em (i)). (iii) Se {u0 , . . . , uN } são linearmente independentes, mostre que (u0 , . . . , ui , . . . , uj , . . . , uN ) (u0 , . . . , ui + uj , . . . , uj , . . . , uN )
e
têm a mesma orientação e que (u0 , . . . , ui + uj , . . . , uj , . . . , uN ) (u0 , . . . , ui + uj , . . . , ui , . . . , uN )
e
não têm a mesma orientação. (iv) Mostre que as bases α e β de (ii) têm a mesma orientação se e somente se existe uma aplicação contínua f : [0, 1] −→ E tal que f (0) = u, f (1) = w e (v1 , . . . , vi , f (t), vi+1 , . . . , vN ) é linearmente independente para todo t em [0, 1].
Definição : Seja E um espaço vetorial de dimensão N . Diremos que duas bases ordenadas α = (u1 , . . . , uN ) β = (v1 , . . . , vN )
e
de E têm a mesma orientação se existem funções f1 , . . . , fN : [0, 1] −→ E tais que: (i)fi é contínua ∀i = 1 . . . N ;
40
CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE (ii)fi (0) = ui , fi (1) = vi ∀i = 1 . . . N ; (iii)f1 (t), . . . , fN (t) são linearmente independentes ∀t ∈ [0, 1].
Exercício: Mostre que "ter a mesma orientação "é uma relação de equivalência no conjunto das bases de E. Exercício: Seja m2 : IR2 × IR2 → IR como definida há pouco. Seja ω2 : IR2 × IR2 → IR dada por ω2 (u, v) = 0 se u e v são linearmente dependentes, ω2 (u, v) = m2 (u, v) se (u, v) tem a mesma orientação que (e1 , e2 ) e ω2 (u, v) = −m2 (u, v) se (u, v) não tem a mesma orientação que (e1 , e2 ). Mostre que (i) ω2 (u, v) = 0 sss u e v s˜ao linearmente dependentes (ii) ω2 (u, v) = −ω2 (v, u), ∀u, v (iii) ω2 (λu + w, v) = λω2 (u, v) + ω2 (w, v) ∀λ, u, w, v
Definição : Seja E um espaço vetorial sobre o corpo K. Uma forma plinear alternada (ou forma de medir coisas de dimensão p) em E é uma aplicação ω : E p → K tal que: (i) ω é linear em cada coordenada e (ii) ω(v1 , v2 , . . . , vp ) = 0 sempre que v1 , v2 , . . . , vp forem linearmente dependentes. O espaço das formas p-lineares alternadas em E é denotado por Ap (E). Exercício: Seja ω : E p → K p-linear alternada. (i) Mostre que ω é, de fato, alternada, isto é: ω(v1 , . . . , vi , . . . , vj , . . . , vp ) = −ω(v1 , . . . , vj , . . . , vi , . . . , vp ) para quaisquer v1 , . . . , vp em E. Exercício: Suponha que K é tal que 1 + 1 = 0. Mostre que é possível a existência de ω : E p → K linear em cada coordenada e satisfazendo à condição do exercício anterior, mas sem que ω(v1 , . . . , vp ) = 0 sempre que {v1 , . . . , vp } for linearmente dependente. Exercício: Mostre que se dimE = N , então o espaço das formas p-lineares alterN nadas de E tem dimensão . p Exercício: Mostre que toda forma p-linear definida em um espaço de dimensão finita sobre um subcorpo de CI é contínua.
41 Exercício: Sejam E um espaço vetorial de dimensão k e ω uma forma k-linear alternada em E. Mostre que são equivalentes: a) ω é identicamente nula; b)existe base v1 , . . . , vk de E tal que ω(v1 , . . . , vk ) = 0; c)para toda base v1 , . . . , vk de E se tem ω(v1 , . . . , vk ) = 0. Exercício: Sejam E um espaço real de dimensão N +1 e ω uma forma (N +1)-linear alternada em E. Suponha que ω não é identicamente nula. Mostre que duas bases ordenadas (v1 , . . . , vi , u, vi+1 , . . . , vN ) e (v1 , . . . , vi , w, vi+1 , . . . , vN ) têm a mesma orientação se e somente se ω(v1 , . . . , vi , u, vi+1 , . . . , vN ) e ω(v1 , . . . , vi , w, vi+1 , . . . , vN ) têm o mesmo sinal.
Proposição : Sejam E um espaço vetorial real de dimensão N + 1 e ω uma forma (N + 1)-linear alternada em E, não identicamente nula. Então duas bases ordenadas (u1 , . . . , uN +1 ) e (v1 , . . . , vN +1 ) de E têm a mesma orientação se e somente se ω(u1 , . . . , uN +1 ) e ω(v1 , . . . , vN +1 ) têm o mesmo sinal. Demonstração : Supondo que as duas bases tenham a mesma orientação, considere as funções contínuas f1 , . . . , fN +1 : [0, 1] → E que transformam uma na outra e faça α : [0, 1] → IR, α(t) = ω(f1 (t), . . . , fN +1 (t)). Como α não pode se anular, o resultado segue do Teorema do Valor Intermediário. Para a recíproca, comecemos observando que podemos supor que nosso espaço tem produto interno e que a base (u1 , . . . , uN +1 ) é ortonormal. O processo de ortonormalização de Gram-Schmidt nos fornece uma deformação de (v1 , . . . , vN +1 ) em uma base ortonormal com a mesma orientação , mantendo o sinal de ω. Assim, podemos supor que as duas bases são ortonormais e que ω(u1 , . . . , uN +1 ) e ω(v1 , . . . , vN +1 ) têm o mesmo sinal. Vamos agora, passo a passo, deformar cada ui em cada vi . Se u1 = v1 ou u1 = −v1 , nada fazemos; caso contrário, tomamos θ tal que cos θ = < u1 , v1 >, fazemos e1 = u1 , v¯1 = v1 − < v1 , u1 > u1 , e2 = (1/|¯ v1 |)¯ v1 e, para t ∈ [0, 1], consideramos a transformação Tt de E em E dada por Tt e1 = cos(tθ)e1 + sin(tθ)e2 , Tt e2 = − sin(tθ)e1 + cos(tθ)e2 , mantendo fixos os vetores ortogonais ao espaço gerado por e1 e e2 . Assim, como Tt preserva a ortonormalidade, a antiga base (u1 , . . . , uN +1 ) se deforma em uma nova, com o novo u1 igual a v1 . Fazemos o mesmo com u2 até uN . Teremos então uma nova base ortonormal, que
42
CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE
continuamos chamando (u1 , . . . , uN +1 ), em que ui = vi ou ui = −vi , i = 1, . . . , N . Daí decorre que também temos uN +1 = vN +1 ou uN +1 = −vN +1 . Durante todo o processo, o sinal de ω(u1 , . . . , uN +1 ) não se alterou, continuando igual ao de ω(v1 , . . . , vN +1 ). Logo, o número de índices i para o s quais ui = −vi é par. Mas, se ui = −vi e uj = −vj , podemos fazer, no espaço gerado por ui e uj , uma rotação de 1800 , transformando finalmente uma base na outra.
Examinemos agora o espaço das N -formas lineares alternadas num espaço E de dimensão N , que será notado AN (E) (o espaço das p-formas será notado Ap (E)). Se ω ∈ AN (E), então ω é determinada por seu valor em (v1 , . . . , vN ), onde {v1 , . . . , vN } é base de E. Assim, AN (E) tem dimensão 1, isto é, se ω, η ∈ AN (E), ω 6= 0, então existe λ ∈ IR tal que η = λω (ou seja, a menos de fixação da unidade de medida, só existe uma forma de medir coisas de dimensão N em E). Seja agora T : E → E linear. Para cada ω ∈ AN (E), seja ωT ∈ AN (E) dada por ωT (v1 , . . . , vN ) = ω(T v1 , . . . , T vN ) A aplicação ω → ωT é claramente um homomorfismo de AN (E) em AN (E). Sendo AN (E) de dimensão 1, existe um único escalar detT tal que ω(T v1 , . . . , T vN ) = detT.ω(v1 , . . . , vN )∀ω ∈ AN (E) . detT é chamado determinante de T . Observe que se T1 , T2 : E → E são lineares, então, para qualquer ω em AN (E), temos det(T1 T2 )ω(v1 , . . . , vN ) = ω(T1 T2 v1 , . . . , T1 T2 vN ) = = ωT1 (T2 v1 , . . . , T2 vN ) = detT1 ω(T2 v1 , . . . , T2 vN ) = = detT1 .detT2 .ω(v1 , . . . , vN ) ∀(v1 , . . . , vN ) ∈ E N , o que prova a famosa fórmula det(T1 T2 ) = detT1 .detT2 .
Note ainda que nossa construção do determinante não utiliza o fato de estarmos trabalhando com espaços vetoriais reais. Podemos, portanto considerá-lo
43 definido em espaços vetoriais quaisquer de dimensão finita (inclusive sobre C). I Recordamos que se E é um espaço (de dimensão finita) com produto interno h, i e T : E → E é linear, a adjunta de T , T ∗ , é definida por hT u, vi = hu, T ∗ vi ∀u, v ∈ E Exercício: Mostre que T ∗ está bem definida e é linear. Mostre que (ST )∗ = T ∗ S ∗ −1 e que (T −1 )∗ = T ∗ . Mostre que (λS + T )∗ = λS ∗ + T ∗ . Exercício: Mostre que detT ∗ = detT (a barra indica conjugação complexa). Sugestão: escreva T como produto de transformações lineares elementares. Exercício: Mostre que se U preserva produto interno então | detU | = 1.
Ao leitor que só conhecia a tradicional definição de determinante para matrizes quadradas e que eventualmente esteja entusiasmado com a simplicidade da definição que apresentamos, observamos que as dificuldades inerentes a esta escamoteadas sob forma de um inocente exercício : dimAp (E) = foram N , onde N é a dimensão de E. Nosso objetivo aqui é menos enfrentar p estas dificuldades, mas, principalmente, tirar o conceito de determinante de um quadro puramente algébrico. Assim, do ponto de vista que adotamos, a fórmula det(AB) = detA.detB é intuitivamente óbvia (do ponto de vista geométrico). Já a fórmula detA∗ = detA, intuitivamente óbvia do ponto de vista algébrico, deixou de sê-lo ao adotarmos um ponto de vista geométrico. PROBLEMA: Encontre uma forma de tornar intuitivamente óbvia, do ponto de vista geométrico, a fórmula detA∗ = detA.
44
CAPÍTULO 5. FORMAS ALTERNADAS E O DETERMINANTE
Capítulo 6 MUDANÇAS DE VARIÁVEIS A esta altura já devemos estar convencidos dos seguintes fatos: (i) Se T : IRN → IRN é linear e Q = [0, 1]N , então T (Q) é J-mensurável e µ(T (Q)) =| detT |. (ii) Se T : IRN → IRN é linear e A ⊂ IRN é J-mensurável, então T (A) é J-mensurável e µ(T (A)) =| detT | µ(A). A partir daí devemos ser capazes de concluir que se ϕ é um difeomofismo C 1 entre A e ϕ(A) e f : ϕ(A) → IR é integrável, então f ◦ ϕ : A → IR é integrável e Z Z f ◦ ϕ | Jϕ |
f= ϕ(A)
A
Tentemos, pois, demonstrar o resultado acima. Deveríamos, é claro, ser capazes de prová-lo facilmente no caso em que ϕ é linear . . . e no entanto a coisa, na prática, se mostra inesperadamente complicada. Suponhamos então que ϕ é uma isometria. Aos poucos vamos descobrindo surpreendentes dificuldades até mesmo para provar que um cubo de lado 1 tem volume 1 ! A razão pela qual estamos sendo humilhados é que nossa definição de medida utiliza apenas retângulos de lados paralelos aos eixos. Não há nada que nos permita dizer que figuras congruentes têm a mesma medida (embora seja verdade). Qualquer rotação é um problema enorme. Reduzindo nossas ambições, podemos abordar alguns casos em que temos certeza de sucesso, como translações, homotetias, reflexões não muito complicadas, etc.. . . Ora, o processo de solução de sistemas lineares por elimi45
46
CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
nação nos fornece a prova de que toda transformação linear de IRN em IRN é produto de transformações de um dos seguintes tipos: ei , i 6= j, k ek , i = j , (i) T ei = i = 1, . . . , N ej , i = k ei , i 6= j (ii) T ei = , i = 1, . . . , N λej , i = j ei , i 6= j (iii) T ei = , i = 1, . . . , N ej + λek , i = j Exercício: Mostre que podemos fazer o mesmo com transformações dos seguintes tipos: ei , i 6= 1, k e , i = 1, a) T ei = , k e1 , i = k λe1 , i = 1 , b) T ei = ei , i 6= 1 ei , i 6= 1 , c) T ei = e1 + ej , i = 1 ou dos seguintes tipos: PN d) T ei =
j=1 λj ej ,
ei ,
i=1 i 6= 1
e
a)
.
Examinando as transformações dos tipos (i), (ii) e (iii) acima, vemos facilmente que, sendo Q = [0, 1]N , temos µ(T (Q)) = 1 se T é do tipo (i) (e detT = −1) e µ(T (Q)) =| λ | se T é do tipo (ii) (e detT = λ). Quanto ao tipo (iii), podemos aplicar-lhe o Fubini e mostrar que µ(T (Q)) = 1 (e detT = 1). Assim, com uma tacada de Álgebra Linear, conseguimos escapar das rotações e enunciar: Lema 1: Se T : IRN → IRN é linear e A ⊂ IRN é J-mensurável, então T (A) é J-mensurável e µ(T (A)) =| detT | µ(A). Demonstração :
47 Comecemos provando que basta demonstrar o Lema para Q = [0, 1]N . Se T não é sobrejetiva não há nada a demonstrar. Suponhamos então que T é um isomorfismo e que µ(T (Q)) =| detT |. Seja iA a função característica de A, dada por iA (x) = 1 se x ∈ A e iA (x) = 0 se x 6∈ A (escolha um bloco B contendo A para domínio de iA ). Da mesma forma, considere iT (A) = iA ◦ T −1 . A idéia agora é fazer um sanduíche de iT (A) entre duas funções que sabemos integrar. Considere uma partição P de B tal que U (iA , P ) − L(iA , P ) < ε. Sejam S1 (P ) o conjunto dos sub-blocos de P que interceptam A e S2 (P ) o conjunto dos que estão contidos em A. Sejam X X f1 = iβ , f2 = i◦ β∈S1 (P )
β∈S2 (P )
β
Temos f1 ≥ iA ≥ f2 e R R P P U (iA , P ) = f1 = β∈S1 (P ) iβ = β∈S1 (P ) µ(β) , R R P P L(iA , P ) = f2 = β∈S2 (P ) i ◦ = β∈S2 (P ) µ(β) β
Mas se µ(T (Q)) =| detT | µ(Q), é imediato que a mesma relação vale para qualquer bloco. Temos então iβ ◦ T −1 integrável qualquer que seja o bloco β (aberto, semiaberto ou fechado) e, portanto, f1 ◦ T −1 e f2 ◦ T −1 integráveis, com f1 ◦ T −1 ≥ iA ◦ T −1 = iT (A) ≥ f2 ◦ T −1 Mas Z
f1 ◦ T −1 =
X Z
iβ ◦ T −1 =
β∈S1 (P )
Z
f2 ◦ T −1 =
X
| detT | µ(β) =| detT | U (iA , P ) ,
β∈S1 (P )
X Z β∈S2 (P )
i ◦ ◦ T −1 =| detT | L(iA , P ) β
Fazendo tender ε a zero obteremos T (A) J-mensurável e µ(T (A)) = | detT | µ(A). Resta provar que µ(T (Q)) =| detT | µ(Q). Pelas considerações que precedem o Lema isto vale se T é uma transformação elementar dos tipos (i), (ii) ou (iii). O que acabamos de provar garante que podemos estender o resultado ao produto de transformações lineares (observe que isso é necessário para podermos garantir que µ(T1 T2 (Q)) =| detT1 | µ(T2 (Q)), já que T2 (Q) não é, em geral, um bloco).
Passemos agora ao caso não linear. Devemos dar legitimidade à idéia de que, ϕ(x) perto de um ponto x0 sendo aproximada por ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 ).(x − x0 ), devemos ter ϕ(x0 + β) ∼ = ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )(β)
48
CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
ϕ ϕ(x0 )
x0
ϕ(x0 + β)
x0 + β
para blocos β pequenos contendo 0 e, conseqüentemente, µ(ϕ(x0 + β)) ∼ =| Jϕ (x0 ) | µ(β) Comecemos pelo que deve ser mais fácil: para δ pequeno, o conjunto dos ϕ(x0 + h), com h ∈ [−δ, δ]N deve estar contido em algo pouco maior do que o conjunto dos ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )h. Mais precisamente, dado r > 1, devemos ter δ0 > 0 tal que ϕ(x0 + [−δ, δ]N ) ⊂ ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )([−rδ, rδ]N )
∀δ ∈]0, δ0 ] .
Mais delicado (e similar à parte mais complicada do Teorema da Função Inversa) é o seguinte: dado r < 1, devemos ter δ0 > 0 tal que ϕ(x0 + [−δ, δ]N ) ⊃ ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )([−rδ, rδ]N )
∀δ ∈]0, δ0 ]
Supondo verdadeiras as afirmações acima, devemos ainda “juntar pedacinhos”, o que leva a crer que seja necessária alguma hipótese de compacidade. Lema 2: Sejam A, B ⊂ IRN abertos ϕ : A → B um difeomorfismo de classe C 1 . Se K ⊂ A é compacto, então , para qualquer r1 ; r2 com 0 < r1 < 1 < r2 , existe δ0 > 0 tal que, sendo x0 ∈ K E β = [−δ, δ]N , 0 < δ ≤ δ0 , temos x0 + β ⊂ A e ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )(r1 β) ⊂ ϕ(x0 + β) ⊂ ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )(r2 β) . Demonstração : Sendo K compacto e A aberto, podemos garantir que existe δ1 > 0 tal que x0 + [−δ, δ]N ⊂ A para todo x0 em K. Podemos também garantir que existe R > 0 tal que ϕ0 (x0 )([−1, 1]N ) ⊃ B R (0) ∀x0 ∈ K (vamos fixar desde já R = maxx∈K k ϕ0 (x0 )−1 k)−1 ) .
49 ϕ0 (x0 ) [−(r2 − 1)δ, (r2 − 1)δ]N
(r2 − 1)δR
x0 + [−δ, δ]N x0
0 ϕ0 (x0 ) [−δ, δ]N
(i) Seja então r2 > 1 Se x0 ∈ K, podemos escrever ϕ(x0 + h) = ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )h + ε(x0 , h) . A idéia é fazer ε(x0 , h) suficientemente pequeno para caber dentro de ϕ0 (x0 )([−(r2 − 1)δ, (r2 − 1)δ]N ) . Ora, como ∂ ε(x0 , h) = ϕ0 (x0 + h) − ϕ0 (x0 ) , ∂h que é contínua em K × [−δ1 , δ1 ]N (δ1 definido acima), e ∂ ε(x0 , 0) = 0 ∂h
∀x0 ∈ K ,
temos, pela compacidade de K × {0}, que, dado η > 0 existe δ2 > 0 (com δ2 ≤ δ1 ) tal que ∂ k ε(x0 , h) k< η ∀h ∈ [−δ2 , δ2 ]N ∂h Nestas condições, teremos, para h ∈ [−δ, δ]N , 0 < δ ≤ δ2 , | ε(x0 , h) |≤ η | h |≤ ηδ
.
Ora, tomando η = (r2 − 1)R (R definido acima), teremos ε(x0 , h) ∈ B (r2 −1)δR (0) ⊂ ϕ0 (x0 )([−(r2 − 1)δ, (r2 − 1)δ]N ) ( por homotetia). Como ϕ0 (x0 )h ∈ ϕ0 (x0 )([−δ, δ]N ), teremos ϕ(x0 + h) = ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )h + ε(x0 , h) ∈ ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )([−r2 δ, r2 δ]N ) ,
50
CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
ϕ0 (x0 )−1 ε(x0 , h) x0 + [−r1 δ, r1 δ]N x0 x0 + [−δ, δ]N
quaisquer que sejam x0 em K e h em [−δ, δ], com 0 < δ ≤ δ2 (ii) Seja agora r1 entre 0 e 1 Escrevendo ϕ(x0 + h) − ϕ(x0 ) = ϕ0 (x0 )h + ε(x0 , h), queremos investigar para que valores k podemos encontrar h tal que k = ϕ0 (x0 )h + ε(x0 , h) , ou, equivalentemente, h = ϕ0 (x0 )−1 k − ϕ0 (x0 )−1 ε(x0 , h) Ora, se F (h) = ϕ0 (x0 )−1 k − ϕ0 (x0 )−1 ε(x0 , h), temos | F (h1 ) − F (h2 ) |≤k ϕ0 (x0 )−1 k . | ε(x0 , h1 ) − ε(x0 , h2 ) |≤ ≤ R−1 maxK×[−δ3 ,δ3 ]N k
∂ε ∂h (x0 , h)
k . | h1 − h2 |
(R já definido, δ3 anegociar). Podemos tomar δ3 > 0 tal que R−1 maxK×[−δ3 ,δ3 ]N k tal que
∂ε ∂h (x0 , h)
k< 1 e além disso,
ϕ0 (x0 )−1 ε(x0 , h) ∈ [−(1 − r1 )δ3 , (1 − r1 )δ3 ]N ∀(x0 , h) ∈ K × [−δ3 , δ3 ]N . Basta, dado que K × {0} é compacto e R−1
max K×[−δ3 ,δ3
]N
k
∂ε ∂h
é contínua, termos δ3 tal que
∂ε (x0 , h) k< 1 − r1 ∂h
51 Segue então, se k ∈ ϕ0 (x0 )([−r1 δ, r1 δ]N ), que F é uma contração forte em [−δ, δ]N (sempre que 0 < δ ≤ δ3 ). Logo, existe h ∈ [−δ, δ]N com ϕ(x0 + h) = ϕ(x0 ) + k
.
Concluindo a demonstração do Lema, tome, dados r1 , r2 > 0 com r1 < 1 < r2 , δ0 = min{δ1 , δ2 , δ3 } e estará tudo certo.
Agora já podemos atacar nosso Teorema:
Teorema de Jacobi: Sejam A, B abertos IRN e ϕ : A → B um difeomorfismo de classe C 1 (isto é, ϕ é uma bijeção de classe C 1 tal ϕ0 (x) é isomorfismo, para todo x EM A). Se K ⊂ A é compacto e f : ϕ(K) → IR é tal que f ◦ ϕ | Jϕ | é integrável, então f é integrável e Z Z f ◦ ϕ | Jϕ | . f= K
ϕ(K)
Demonstração : Considere r1 , r2 > 0 com r1 < 1 < r2 . Tome δ0 > 0 tal que ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )([−r1 δ, r1 δ]N ) ⊃ ϕ(x0 +] − δ, δ[N ) ϕ(x0 + [−δ, δ]N ) ⊂ ϕ(x0 ) + ϕ0 (x0 )([−r2 δ, r2 δ]N )
e
para quaisquer x0 em K1 e δ em ]0, δ0 ], onde K1 é um compacto que contém K e está contido em A, com x0 + [−δ0 , δ0 ]N ⊂ K1
∀x0 ∈ K
(pequena alteração do Lema 2, sem dificuldades). Vamos começar supondo f ≥ 0. Tome, agora, um bloco B contendo A de modo que todas as arestas de B tenham comprimento 2nδ0 . Divida B em nN blocos de arestas 2δ0 (seja P0 a partição correspondente de B). A idéia é ir dividindo os sub-blocos de P0 e formar uma seqüência de partições (Pn )n∈IN , de modo que Pi+1 é obtida dividindo cada bloco de Pi (de aresta 21−i δ0 ) em 2N blocos (de aresta 2−i δ0 ). Quando n → ∞, teremos Z U (f ◦ ϕ | Jϕ |, Pn ) → f ◦ ϕ | Jϕ |← L(f ◦ ϕ | Jϕ |, Pn ) k
52
CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
(a demonstração desse fato é um exercício a ser explicitamente enunciado a seguir). Agora observe: (i) Estendendo f a um bloco contendo ϕ(A)1 (f (x) = 0 se x 6∈ ϕ(K)), é fácil ver que se X é conjunto dos pontos de descontinuidade de f ◦ ϕ | Jϕ |, então ϕ(X) é o conjunto dos pontos de descontinuidade de f (ϕ é um difeomorfismo, | Jϕ | é contínua e não nula). Mas X é de medida nula; pode portanto ser coberto por cubos N -dimensionais (que podem ser supostos todos de aresta menor que 2δ0 ) cujas medidas, somadas, são pequenas. Os Lemas 1 e 2 provam que ϕ(X) tem medida nula. Portanto, f é integrável. (ii) Seja agora Pn uma das partições anteriormente definidas. Seja R(Pn ) a coleção dos blocos relevantes (isto é, aqueles que interceptam K). Temos então, para β ∈ R(Pn ), que ϕ(β) é J-mensurável (por (i)), que f é integrável sobre ϕ(β) e R R P P β∈R(Pn ) ϕ(β) f ≤ β∈R(Pn ) supβ f ◦ ϕµ(ϕ(β)) ≤ ϕ(K) f ≤ ≤ r2N
P
β∈R(Pn ) (supβ
f ◦ ϕ) | Jϕ (xβ ) | µ(β)
(onde xβ é o centro de β). S Seja εn = supβ∈R(Pn ) supβ || Jϕ | − | Jϕ (xβ ) ||. Como β∈R(Pn ) β ⊂ K1 , temos que limn→∞ εn = 0 (K1 compacto ⇒| Jϕ | uniformemente contínua). Segue i hP R N f ≤ r sup(f ◦ ϕ | J |)µ(β) + ε sup | f | µ(B) = ϕ n 2 β∈R(Pn ) ϕ(K) = r2N (U (f ◦ ϕ | Jϕ |, Pn ) + εn sup | f | µ(B)) Fazendo n → ∞, temos Z f≤ ϕ(K)
r2N
Z f ◦ ϕ | Jϕ | K
(iii) Repetindo a mesma idéia teremos R R P P ◦ f ≥ β∈R(Pn ) β∈R(Pn ) inf β f ◦ ϕµ(ϕ(β)) ≥ ϕ(K) f ≥ ϕ(β)
1
≥ r1N
P
≥ r1N
P
β∈R(Pn ) (inf β
f ◦ ϕ) | Jϕ (xβ ) | µ(β) ≥
inf (f ◦ ϕ | J (x ) |)µ(β) − ε sup | f | µ(B) , n ϕ β β β∈R(Pn )
Como ϕ(K) é compacto, podemos supor ϕ(A) limitado
53 de onde concluímos, com n → ∞, que Z Z N f ≥ r1 f ◦ ϕ | Jϕ | ϕ(K)
K
(iv) Fazendo r1 → 1 ← r2 , temos para f ≥ 0, que Z Z f= f ◦ ϕ | Jϕ | ϕ(K)
Trocando f por −f , temos para f = f1 + f2 , f1 ≥ 0, f2 fazendo f (x), + f (x) = 0,
K
o mesmo resultado para f ≤ 0 e, conseqüentemente ≤ 0, f1 e f2 integráveis. Ora, se f é integrável temos, f (x) ≥ 0 f (x) < 0 ,
f − (x)
=
f (x), f (x) ≤ 0 0, f (x) > 0 ,
f = f + + f − e o conjunto dos pontos de descontinuidade de f contém os de f + e f − . Logo f é integrável se e só se f + e f − o são, e pronto.
Observação : Na demonstração acima utilizamos alguns resultados cujas provas não foram explicitadas. Os exercícios abaixo destacam esses pontos obscuros. Exercício: Seja B ⊂ IRN um bloco. Se P = P1 × P2 × · · · × PN é uma partição de B, a norma de P , | P |, é o comprimento do maior subintervalo de todas as Pi . Suponha que f : B → IR é integrável e que (Pn )n∈IN é uma seqüência de partições de B com limn→∞ | Pn |= 0. Mostre que Z lim U (f, Pn ) = f = lim L(f, Pn ) n→∞
B
n→∞
Exercício: Um cubo em IRN (ou N -cubo) de aresta l é um bloco do tipo [a1 , a1 + l] × [a2 , a2 + l] × · · · × [aN , aN + l]. Seja X ∈ IRN de medida nula. Mostre que S para todo ε > 0 existe uma família (Cn )n∈IN de cubos com X ⊂ n∈IN Cn e P∞ n=1 µ(Cn ) < ε Exercício: Sejam A ⊂ IRN aberto e ϕ : A → IRN de classe C 1 . (i) Mostre que, se X tem medida nula e X é um compacto contido em A, então ϕ(X) tem medida nula. (ii) Mostre que se X ⊂ A tem medida nula, então ϕ(X) tem medida nula.
54
CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
(iii) Mostre que se K ⊂ A, K compacto e f : ϕ(K) → IR é integrável, então f ◦ ϕ não necessariamente é integrável, mas isto é verdade se ϕ for difeomorfismo de classe C 1 . (iv) Seja K o conjunto de Cantor (obtém-se K retirando, inicialmente, o terço central, aberto, de [0, 1]; em seguida retiram-se os terços centrais dos intervalos remanescentes e assim sucessivamente; o que resta é K). Mostre que K tem medida nula. (v) Modifique a construção de K de forma a obter um conjunto similar mas que não tenha medida nula (troque, na construção de K, os terços centrais por intervalos menores). (vi) Sejam A = [0, 1] \ K e B = [0, 1] \ L, onde L é o conjunto construído em (v). Mostre que a fronteira de A é K e a de B é L. Mostre que A é J-mensurável e B não. Observe que A e B são reuniões enumeráveis de intervalos abertos disjuntos. Conclua que existe um difeomorfismo de classe C ∞ entre A e B. (vii) Observe que os intervalos que constituem B são menores que seus correspondentes em A. Conclua que podemos criar difeomorfismo ϕ : A → B de classe C ∞ com | Jϕ (x) |≤ 1 para todo x em A. Mostre que existe f : B → IR tal que f ◦ ϕ | Jϕ | é integrável mas f não é.
Os exercícios acima tapam os buracos da demonstração e explicam as hipóteses do Teorema. Passemos agora a outro tipo de comentário. Nossa demonstração é boa, por ser geométrica, mas pode ser simplificada. Simplificação : Retome a demonstração no final de (ii). Fazendo r2 → 1, temos Z Z f≤ f ◦ ϕ | Jϕ | ϕ(K)
K
Considere agora g : K → IR, g(x) = f ◦ ϕ(x) | Jϕ (x) |. Então g ◦ ϕ−1 | Jϕ |= f é integrável (por (i)) e, por (ii), Z Z Z Z f ◦ ϕ | Jϕ |= g≤ g ◦ ϕ−1 | Jϕ−1 |= f K
K
ϕ(K)
ϕ(K)
Daí se pode passar diretamente a (iv), suprimindo metade do Lema 2. Exercício : Sejam A ⊂ IRN aberto limitado tal que ∂A tem medida nula e ϕ : A¯ → IRN de classe C 1 tal que ϕ|A : A → ϕ(A) é um difeomorfismo. Mostre que ¯ → IR é integrável se e só se f ◦ ϕ|Jϕ | é integrável e que neste caso vale f : ϕ(A) R R ¯ f = A ¯ f ◦ ϕ|Jϕ |. Ou seja: é permitido usar coordenadas polares. ϕ(A)
55 Aproveitemos a linha de idéias do Lema 2 e demonstremos a parte fácil (mas ainda assim útil) do Teorema de Sard. Teorema de Sard (parte fácil): Sejam A aberto em IRN e ϕ : A → IRM de classe C 1 , N ≤ M . Seja D = {x ∈ A | ϕ0 (x) não é sobrejetiva }. Então ϕ(D) é um conjunto de medida nula. Demonstração : Observe, inicialmente, que a continuidade de ϕ0 garante que D é fechado em A. Como A é união de uma família enumerável de compactos, basta provar que se K ⊂ D é compacto, então ϕ(K) é de medida nula. A demonstração está baseada no seguinte fato: se X está contido em um subespaço de dimensão M − 1 de IRM e seu diâmetro é menor ou igual a d, então o conjunto Xε = {y ∈ IRM , ∃x ∈ X com | y − x |< ε} está contido em um conjunto de medida 2M ε(d + ε)M −1 (demonstração: rode X até ficar contido em IRM −1 × {0}; X cairá dentro de um cubo de IRM −1 × {0} de aresta 2d, Xε dentro de um bloco da forma [a1 − ε, a1 + 2d + ε] × · · · × [aM −1 − ε, aM −1 + 2d + ε] × [−ε, ε], cuja medida é 2M ε(d + ε)M −1 ). A idéia agora é estender esta afirmativa local a conjuntos compactos. Seja então K ⊂ D compacto. Escreva ϕ(x + h) − ϕ(x) − ϕ0 (x)h = ε(x, h) ∂ε Como ∂h (x, 0) = 0 para todo x em D, temos (K é compacto) que dado η > 0 existe δ > 0 tal que
| h |≤ δ ⇒| ε(x, h) |< η | h |
∀x ∈ K .
Podemos então, dado η > 0, cobrir K por uma coleção {C1 , . . . , Cn } de cubos de mesmo diâmetro (< δ) e tal que µ(C1 ) + · · · + µ(Cn ) ≤ V , onde V é um número fixo independente de η (V pode ser a medida de um cubão contendo K), todos os Ci dentro de K1 compacto, K1 ⊂ A. Daí segue que se x ∈ Ci , temos x = xi + h (xi = centro de Ci ) com | h |< δ e, portanto, ϕ(x) = ϕ(xi + h) = ϕ(xi ) + ϕ0 (xi )h + ε(xi , h) Seja agora L = maxK1 | ϕ0 |. Então ϕ0 (xi )h está em subconjunto de um espaço de dimensão M − 1 e diâmetro menor que Lδ. Como | ε(xi , h) |< ηδ, temos que ϕ(Ci ) está contido em um conjunto de medida inferior a 2M ηδ(Lδ + ηδ)M −1 = 2M η(L + η)δ M .
56
CAPÍTULO 6. MUDANÇAS DE VARIÁVEIS
c8
c12
c13
c9
c10
c11
K c4
c5
c6
c7
c1
c2
c3
A
S Como N ≤ M e podemos supor δ < 1, temos que ϕ(K) ⊂ ni=1 ϕ(Ci ) e cada ϕ(Cn ) está contido em um conjunto de medida inferior a 2M η(L + η)δ N . Assim, como P V ≥ µ(Ci ) ≥ nδ N , temos que ϕ(K) está contido em um conjunto de medida inferior a 2M (L + η)ηV . Como η é arbitrário e V e L são fixos, ϕ(K) é de medida nula. Problema: A conclusão do teorema de Sard vale se N > M ?
Definição : Sejam A aberto em IRN e ϕ : A → IRM de classe C 1 . Um ponto x de A tal que ϕ0 (x) não é sobrejetiva é dito um ponto crítico de ϕ; os demais pontos são chamados de pontos regulares. A imagem de um ponto crítico é chamado valor crítico de ϕ; os demais pontos de IRM são chamados de valores regulares.
Capítulo 7 INTEGRAIS IMPRÓPRIAS Nossa definição de integral excluiu liminarmente de consideração duas classes de funções perfeitamente honradas: as ilimitadas e aquelas, limitadas ou não, cujos domínios de definição não são limitados. Trataremos agora de eliminar tais restrições . Exercício : Sejam X ⊂ IRN limitado e f : X → IR limitada. Sejam f + , f − : X → IR dadas por f (x), f (x) ≤ 0 f (x), f (x) ≥ 0 . e f − (x) = f + (x) = 0, f (x) > 0 0, f (x) < 0 Mostre que f é integrável se e somente se f + e f − são integráveis.
Consideremos, pois, X ⊂ IRN qualquer e f : X → R IR limitada. Escrevendo + − f = f +f como acima, vemos que basta definir X f para f positiva. Supof (x), x ∈ X nhamos pois f positiva. Seja f : IRN → IR dada por f (x) = . 0, x 6∈ X Diremos que f é integrável se o conjunto dos pontos de descontinuidade de f é de medida nula. Neste caso, definimos Z Z f = lim f , X
R→∞
[−R,R]N
entendido que o resultado pode ser infinito. Para f não necessariamente diremos que f é integrável se pelo menos R + R positiva, − uma das integrais X f , X −f for finita (supondo, é claro, que f + e −f − 57
58
CAPÍTULO 7. INTEGRAIS IMPRÓPRIAS
são integráveis). Definimos Z
Z
Z
f −
f= X
+
X
−f − .
X
Desta forma, podemos considerar que todas as funções estão definidas no espaço inteiro. Seja agora f : IRN → IR positiva mas não necessariamente limitada. Diremos que f é integrável se o conjunto de seus pontos de descontinuidade tem medida nula. Para cada R ∈ IR, considere fR : IRN → IR R f (x), f (x) ≤ R dada por fR (x) = . Neste caso existe o limite de fR R, f (x) > R quando R tende a infinito (finito ou infinito). Definimos então Z Z f = lim fR R→∞
Finalmente, dados X ⊂ IRN e f : X → IR, diremos que f é integrável se f + e −f − são integráveis e ao menos uma das duas integrais é finita. Definimos Z Z Z + f = f − −f − X
onde f + e −f − são entendidas como funções definidas em IRN . Exercício : Mostre que o conceito de integral assim estendido tem as propriedades RR senx que deve ter. Mostre que existe limR→∞ 0 senx x dx mas x não é integrável. Exercício : Estenda a integrais impróprias os Teoremas de Fubini e de Jacobi.
Aproveitando o ensejo, defina integral vetorial da seguinte maneira: se f : X → IRN é tal Rque o conjunto deRseus pontos de descontinuidade é de R medida nula, então X f = X f1 , . . . , X fN , onde as fi são as componentes de f .
Capítulo 8 EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES Os exercícios e aplicações abaixo são qualitativamente diferentes, em sua maioria, dos que foram incluídos nos parágrafos anteriores. Aqueles tinham caráter conceitual ou teórico, principalmente; estes têm um aspecto mais “cálculo” e procuram estimular mais a criatividade do que o rigor lógico.
a
Integrais de Superfície
Não vamos definir aqui o que vem a ser uma superfície. Intuitivamente, tratase de um subconjunto de IR3 que tem dimensão 2. Superfícies sem “bicos” devem ter plano tangente em cada ponto. Superfícies regulares não devem ter auto-interseções e os planos tangentes devem variar continuamente.
superfície com bicos
superfície com auto-interseções
59
superfície regular
60
CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES z v ∆D
v0 + ∆v
ϕ
D
∆S
S
v0
y u0
u0 + ∆u
u x
Seja, pois, S ⊂ IR3 uma superfície (seja lá isso o que for) e suponhamos que existem D ⊂ IR2 e ϕ : D → IR3 , injetiva e de classe C 1 , com ϕ(D) = S. Se considerarmos em D um retângulo ∆D de vértices (u0 , v0 ), (u0 + ∆u, v0 ), (u0 + ∆u, v0 + ∆u), (u0 , v0 + ∆u), sua imagem ∆S será aproximada pelo paralelogramo formado, a partir de ϕ(u0 , v0 ), pelos vetores ∆u ∂ϕ (u0 , v0 ) e ∂u ∂ϕ ∂ϕ ∆v ∂v (u0 , v0 ). A área de ∆S será aproximada, pois, por ∆u∆v | ∂u (u0 , v0 ) × ∂ϕ (u0 , v0 ) | 1 . ∂v Desta forma, dada f : S → IR, sua integral (se existir e seja lá o que for) deve ser calculada por Z Z ∂ϕ ∂ϕ × | f dS = f ◦ϕ| ∂u ∂v S D (neste sentido, chamamos |
∂ϕ ∂u
×
∂ϕ ∂v
| de jacobiano de ϕ).
Com estas breves considerações, podemos dar por entendido o que vem a ser integral de superfície. Uma discussão sobre o conceito de superície fica para mais tarde; para mais tarde ainda ficam definições rigorosas de superfície e integral de superfície (observe que há dificuldades: se S é uma esfera, por exemplo, não há ϕ : D → IR3 injetiva e de classe C 1 com ϕ(D) = S, D ⊂ IR2 , a menos que ϕ−1 seja descontínua).
b
Exercícios
1) Seja c : [a, b] → IRN (considere dada P uma norma | | em IRN ). Para cada partição P de [a, b] defina S(c, P ) = ni=1 | c(ti ) − c(ti−1 ) |, onde P = 1
Se u = (u1 , u2 , u3 ) e v = (v1 , v2 , v3 ), então u × v é definido por u × v = (u2 v3 − u3 v2 , u3 v1 − u1 v3 , u1 v2 − u2 v1 )
B. EXERCÍCIOS
61
{t0 , . . . , tn }, a = t0 < t1 < · · · < tn = b: Defina S(c) = supP ∈p([a,b]) S(c, P ) (finito ou infinito). Mostre que se c é de classe C 1 (ou C 1 por partes), então Rb R S(c) é finito e S(c) = a | c0 (t) | dt. Defina c f analogamente ao que foi feito para integrais de superfície. 2) Mostre que a construção acima não funciona para superfícies. Mais precisamente, mostre o seguinte: existe uma superfície S para a qual podemos, aproximando sua área pela soma das áreas de triângulos com vértices em S, obter valores arbitrariamente grandes (com triângulos pequenos e procedendo honestamente). Espera-se, é claro, que você encontre um exemplo em que a área de S é claramente finita. 3) Abra um livro de Cálculo e calcule algumas integrais de superfície (ou invente algumas). 4) Calcule os Jacobianos de coordenadas polares : (r, θ) 7−→ (rcosθ, rsenθ) coordenadas cilíndricas : (r, θ, z) 7−→ (rcosθ, rsenθ, z) coordenadas esféricas : (r, θ, ϕ) 7−→ (rcosϕsenθ, rsenϕsenθ, rcosθ) R∞ √ 2 5) Mostre que −∞ e−x dx = π. Sugestão: 12 Z ∞ Z ∞ Z ∞ −y 2 −x2 −x2 e dy e dx = e dx −∞
−∞
−∞
6) Calcule a área da casquinha de sorvete dada por z 2 = a2 (x2 + y 2 ), 0 ≤ z ≤ bx + c, a, b, c positivos fixos, b < a. 7) Considere uma distribuição uniforme de cargas elétricas positivas sobre a superfície de uma esfera. Mostre que o campo elétrico resultante é nulo no interior da esfera e igual ao que seria gerado pela carga total da esfera, se concentrada em seu centro, para pontos no exterior da esfera. Calcule o campo gravitacional gerado por uma bola de raio R e massa M uniformemente distribuída.
62
CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES
N x
projecao cilíndrica de x
8) O centróide de uma figura S é o ponto cujas coordenadas são R 1 x0 = µ(S) xdS , RS 1 y0 = µ(S) S ydS , R 1 z0 = µ(S) zdS , S onde µ(S) representa o comprimento, área ou volume, conforme o caso (se S R é finita, então µ(S) = #S e representa somatório em S). Mostre que se S é uma figura plana “cheia” (isto é, com área), então o volume do sólido obtido pela rotação de S em torno de um eixo l contido no mesmo plano que S (e tal que S fica inteiramente contida em um dos semi-planos determinados por l) é 2πRµ(S), onde R é a distância do centróide de S a l (Teorema de Pappus). 9) A projeção cilíndrica consiste em uma transformação p que a cada ponto de uma esfera de raio R (excluídos dois pontos simétricos em relação ao centro) associa um ponto da superfície cilíndrica de raio R e altura 2R, da seguinte maneira: Pensando a esfera como se fosse a Terra e o cilindro tangenciando-a ao longo da linha do Equador, a cada ponto x da Terra corresponderá o ponto em que a semi-reta ligando o centro do paralelo que passa por x a x corta o cilindro. Mostre que a projeção cilíndrica preserva áreas, isto é: o mapa de qualquer região tem área igual à da região.
B. EXERCÍCIOS
63
Seja f : [a, b] → IR de classe C 1 e tal que f (x) 6= 0 ∀x ∈ [a, b]. Seja S a superfície de revolução obtida girando o gráfico de f em torno do eixo dos x. Mostre que para qualquer R > 0 existe uma bijeção que preserva áreas entre S e a superfície cilíndrica cuja base é o círculo de raio R e cuja altura H é tal que 2πRH = área de S. 10) Seja S uma superfície parametrizada por ϕ : [a, b] × [c, d] → IR3 , ϕ de classe C 1 . Mostre que existem uma região D ⊂ IR2 e uma aplicação f : D → IR2 tais que f (D) = [a, b]×[c, d], f é injetiva e de classe C 1 e a parametrização ψ = ϕ ◦ f preserva áreas. Encontre D ⊂ IR2 e ψ : D → IR3 preservando áreas de modo que ψ(D) seja um toro (ψ deve ser dada explicitamente por fómulas envolvendo apenas funções elementares e D deve ser desenhada). 11) Uma função é dita uma transformação conforme se preserva ângulos (isto é, as imagens de curvas que se cortam segundo um ângulo α são curvas que também se cortam segundo o ângulo α). Seja ϕ : IR2 → IR2 uma transformação conforme de classe C 2 tal que Jϕ seja a −b sempre positivo. Mostre que a matriz jacobiana de ϕ é da forma . b a Sendo ϕ(x, y) = (ϕ1 (x, y), ϕ2 (x, y)), mostre que a função ψ : IR2 → IR2 ∂ϕ2 ∂ϕ1 dada por ψ(x, y) = ∂x (x, y), ∂x (x, y) também tem uma matriz jacobiana a −b da forma . Mostre que toda transformação conforme em IR2 de b a jacobiano positivo e preservando áreas é uma rotação. 12) A projeção estereográfica é a aplicação P de IR2 em S 2 = {(x, y, z) ∈ IR3 , x2 + y 2 + z 2 = 1} definida da seguinte maneira : cada ponto do plano é ligado ao “pólo norte” (0, 0, 1) por uma reta; a interseção desta reta com S 2 \ {(0, 0, 1)} é a projeção estereográfica do ponto. Encontre a expressão de P e do jacobiano de P . Mostre que P é uma transformação conforme. Calcule a integral sobre D = {(x, y) ∈ IR2 , x ≥ 1} da função f (x, y) = (x2 +y12 +1)2 . 13) Seja c : [a, b] → IR2 uma curva fechada de classe C 2 , tal que c(s) ˙ 6= (0, 0) ∀s ∈ [a, b] e c(a) ˙ = c(b) ˙ (isto é, c não tem bicos). Suponha ainda que c é estritamente convexa. Seja n : [a, b] → S 1 definida por n(s) = vetor normal a c em c(s), unitário e apontando para fora de c. Mostre que Rb | n(s) ˙ | ds = 2π. a Seja R > 0. Para cada s ∈ [a, b] trace um círculo de raio R e centro c(s). Seja D a região exterior a c coberta pelos círculos. Mostre que µ(D) = LR + πR2 , onde L é o comprimento de c. Mostre que o mesmo resultado vale se c é
64
CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES
n(s) c(s)
c
D
apenas convexa e tem “bicos”. 14) Se você não gostou do argumento final da demonstração da fórmula de mudança de variáveis para o caso linear (quando utilizamos a decomposição de uma transformação linear em transformações simples), experimente a alternativa a seguir. Admitamos provado que se T : IRN → IRN é linear e bijetiva, então X ⊂ IRN é J-mensurável se e só se T (X) o é e que existe λ > 0 tal que µ(T (X)) = λµ(X) para todo X J-mensurável (isto já deve estar claro). Então basta provar que µ(T (B)) =| detT | µ(B),
B = {x ∈ IRN , | x |≤ 1}
(é interessante notar que se T preserva produto interno, ou seja T ∗ T = I, então T (B) = B e portanto T preserva medida – mesmo se não soubermos provar a fórmula acima ou se não soubermos provar que neste caso | detT |= 1). Seja, pois, T : IRN → IRN linear e invertível. Mostre que o elipsóide T (B) é imagem de B por uma transformação auto-adjunta R (no fundo é uma questão de achar os eixos principais de T (B)). Faça assim: T T ∗ é autoadjunta e invertível, com auto-valores estritamente positivos. Tome R tal que R2 = T T ∗ . Então U = R−1 T é tal que U U ∗ = I. Conclua (observe que é preciso mostrar que | detU |= 1). Aproveite e prove que detT ∗ = detT . 15) Seja S N −1 = {x ∈ IRN , | x |= 1}. Considere ϕ : [0, ∞[×S N −1 → IRN dadaR por ϕ(r, u) = ru. “Mostre” que o “jacobiano” de ϕ é rN −1 . Mostre que AR r1α < ∞ se e só se α > N , onde AR é região de IRN exterior a R BR = {x ∈ IRN , | x |≤ R}. Mostre que BR r1α < ∞ se e só se α < N . 16) Calcule a área de S N −1 e o volume de B N (B N = {x ∈ IRN , | x |≤ 1}) para cada N . Mostre que limN →∞ µ(B N ) = 0 = limN →∞ µ(S N ) R R∞R N 2 2 Sugestão: π 2 = IRN e−|x| = 0 S N −1 e−r rN −1 dSdr. Usando s = r2 ,
B. EXERCÍCIOS
65
F =b F =a
D ∇F ∇F mostre que se σN é a área de S N , então vale a fórmula σN =
2π σN −2 N −1
Integrando em r mostre que se vN é o volume de B N , então vN =
σN −1 . N
17) Considere F : IR2 → IR de classe C 1 e suponha que as curvas de nível de F são fechadas e que ∇F não se anula. Considere a região D compreendida entre as curvas F = a e F = b. Para cada r em [a, b], seja cr a curva F = r. Seja f : D → IR contínua. Mostre que Z b Z Z f f= dr a cr | ∇F | D Faça o mesmo para F : IR3 → IR. 18) Suponha que para cada t ∈ [0, T ] está definida uma figura plana St que “varia continuamente” com t. Suponha ainda que o plano de St “varia continuamente” com t. A questão é calcular o volume varrido pelas St . Suponha que o movimento se dá segundo o fluxo de um campo de vetores: existe ϕ : [0, T ] × S0 → IR3 injetiva e de classe C 1 tal que St = ϕ(t, S0 ) ∀t ∈ [0, T ] (cada ponto x0 se move, a partir de S0 , segundo ϕ(t, x0 )). Suponhamos ainda que ∂ϕ (t, x) = F (ϕ(t, x)) ∀(t, x) ∈ [0, T ] × S0 , com F de classe C 1 (ϕ é dito ∂t fluxo associado ao campo F ), F 6= 0. Mostre que o volume varrido pelas St é dado por Z T
F (xt ).n(t)µ(St )dt , 0
66
CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES
onde xt é o centróide de St , n(t) é o vetor unitário normal a RSt (n(t) pode ser (t, x) | escolhido de forma que F (x).n(t) ≥ 0 ∀x ∈ St ) e µ(St ) = S0 | det ∂ϕ ∂x dx. Suponha agora que, para cada t o centróide xt de St seja dado por xt = ϕ(t, x0 ) e que F (ϕ(t, x0 )) seja normal a St . Conclua que o volume varrido pelas St é Z µ(St )dS , c
onde c é a curva dada por c(t) = ϕ(t, x0 ). Em particular, se µ(St ) é constante e igual a A, então o volume varrido é LA, onde L é o comprimento da curva percorrida pelo centróide. 19) Considere um corpo X ⊂ IR3 (pode ser constituído de um número finito de partículas, ser uma curva, uma superfície ou um sólido). Suponha que X é rígido e gira ao redor de um eixo. Suponha que a distribuição de massa em X é dada por µ : X → IR e que as distâncias dos pontos de X ao eixo são dadas por r : X → IR. Se v(x) é a velocidade de cada ponto, temos que | v(x) | = ωr(x), onde ω Ré a velocidade angular. SeR calcularmos a energia cinética de x, dada por X 21 µ(x) | v(x) |2 = 12 ω 2 X µ(x)r(x)2 , vemos que é uma boa idéia definir o momento de inércia (de X em relação ao eixo) por Z µ(x)r(x)2 .
I= X
Prove o Teorema de Huygens: O momento de inércia de X em relação ao eixo s é igual à soma do momento de inércia de X em relação ao eixo s0 paralelo a s e passando pelo centro de massa de X mais M d2 , onde M é a massa total de X e d a distância a s do centro de massa de X. Suponha agora que X1 e X2 são dois corpos (sem interseções) e que X = X1 ∪ X2 . Se I1 , I2 e I representam os respectivos momentos de inércia em relação a eixos paralelos passando pelos respectivos centros de massa, mostre que M1 M2 2 I = I1 + I2 + d , M1 + M2 onde M1 e M2 são as massas totais de X1 e X2 e d é a distância entre os respectivos centros de massa. (20) Seja S N = {x ∈ IRN +1 , x21 + · · · + x2N +1 = 1}. Seja, para k inteiro e
B. EXERCÍCIOS
67
N ε > 0 fixos, Sk,ε = {x ∈ S N , | xi |≤ ε, i = 1, . . . , k}. Mostre que N “´area00 de Sk,ε =1 N →∞ “´ area00 de S N
lim
Seja B N = {x ∈ IRN , x21 + · · · + x2N ≤ 1}. Seja, para k inteiro, ε > 0 e r entre N 2 2 2 0 e 1 fixos, AN r,k,ε = {x ∈ B , | xi |≤ ε, i = 1, . . . , k, r < x1 + · · · + xN }. Mostre que µ(AN r,k,ε ) =1 lim N →∞ µ(B N ) Interprete probabilisticamente os resutados acima. Sugestão : Se a “área” de S N −1 é dada por σN −1 , “mostre” que a “área” de N S1,ε é dada por Z ε
(1 − r2 )
σN −1
N −2 2
dr .
−ε
Aproveite para mostrar que Z
π 2
σN = σN −1
(cosθ)N −1 dθ .
− π2
(21) Seja U : IR → IR uma função convexa de classe C 2 tal que lim U (x) = ∞.
|x|→∞ ..
.
Seja x : IR → IR solução de x= −∇U (x). Sendo y =x, mostre que existe ε ∈ IR tal que E(x(t), y(t)) = ε ∀t ∈ IR, onde E : IR2 → IR é dada por 2 E(x, y) = y2 + U (x). Mostre que x é periódica. Seja S : E(IR2 ) → IR dada por S(e) = a ´rea da regi˜ ao dada por E(x, y) ≤ e. Mostre que o período de x dS é de (ε). (22)Seja ϕ : IR3 − {(0, 0, 0)} −→ S 2 (x, y, z) 7−→ √
1 (x, y, z) x2 +y 2 +z 2
.
Seja S superfície em IR3 − {(0, 0, 0)} tal que ϕ|S seja injetiva. O ângulo sólido compreendido por S (vista da origem) é a área de ϕ(S). Suponha S parametrizada por ϕ[a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] → IR3 \ {0}, de classe C 1 . Mostre que o ângulo sólido compreendido por S é dado pelo valor absoluto da integral
68
CAPÍTULO 8. EXERCÍCIOS E APLICAÇÕES
S2
ϕ(S)
Z
b1
a1
Z
b2
a2
S
1 ∂ϕ ∂ϕ ϕ(s, t). (s, t) × (s, t)dt ds |ϕ(s, t)|3 ∂s ∂t
Capítulo 9 INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA
a
Convergência Uniforme
Considere uma seqüência (fn )n∈IN de funções fn : X → IR, X ⊂ IRN , cada uma das fn integráveis. Suponhamos que fn → f de alguma forma. Podemos R R dizer que f é integrável? Se f é integrável, podemos dizer que X fn → X f ? Exercício: Suponha que (qn )n∈IN é uma enumeração dos racionais entre 0 e 1. Sejam fn : [0, 1] → IR dadas por 0, x 6∈ {q1 , . . . , qn } . fn (x) = 1, x ∈ {q1 , . . . , qn } Observe que para todo x em [0, 1] existe f (x) = limn→∞ fn (x), mas a função f assim definida não é integrável, embora cada uma das fn o seja. Exercício : Suponha que X é limitado e que f, g : X → IR são integráveis. Observe que se | f (x) − g(x) |< ε para todo x ∈ X e se B ⊃ X, B J-mensurável, R R então | X f − X g |< εµ(B).
0, x > 1/n . Observe que para todo n, x ≤ 1/n R1 x em ]0, 1] existe f (x) = limn→∞ fn (x) = 0, mas limn→∞ 0 fn (x) = 1 6= 0.
Exercício: Sejam fn :]0, 1] → IR, fn (x) =
69
70
CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA
Os exemplos acima mostram que a integral de Riemann é bem comportada em relação à convergência uniforme, mas não em relação à convergência simples. É esta a principal razão pela qual a Integral de Lebesgue conquistou a preferência dos matemáticos: seu comportamento em relação à convergência é bem melhor (em particular, a função f do primeiro dos exercícios acima é integrável à Lebesgue e sua integral é 0). Vamos nos restringir aqui à convergência uniforme, que já nos permite obter interessantes resultados. Seja X um conjunto e sejam fn , f : X → IRN (IRN pode ser substituído por um espaço métrico). Diz-se que a seqüência (fn )n∈IN converge uniformemente para f se ∀ε > 0 ∃n0 ∈ IN | n > n0 ⇒| fn (x) − f (x) |< ε ∀x ∈ X Teorema: Sejam X ⊂ IRN limitado e (fn )n∈IN uma seqüência de funções de X em IR convergindo uniformemente para f : X → IR. Se as fn são integráveis, então f é integrável e Z Z fn . f = lim X
n→∞
X
Demonstração : Observe inicialmente que não estamos supondo que f ou as fn sejam limitadas. De qualquer forma, se Dn é o conjunto dos pontos de descontinuidade de fn e D o dos de f , então D ⊂ ∪n∈IN Dn e os Dn são de medida nula. Logo, D é de medida nula. (i) Suponhamos inicialmente que f é limitada (e, portanto, fn também o são para n suficientemente grande). Então, pelo Teorema de Lebesgue, f é integrável e, se fn é tal que | fn (x) − f (x) |< ε para todo x em X, é fácil ver que Z Z | fn (x) − f (x) |< εµ(B) X
onde B é um bloco contendo X. Logo, (ii) Se mesma
X
R
X fn + f não é limitada, observe que fn → forma fn+R → fR+ e −fn−R → −fR−
→
R X
f.
e fn− → f − uniformemente. Da uniformemente (recorde que se g é f+
g(x), g(x) ≤ R ). Segue, se B é um bloco contendo X e fn R, g(x) > R é tal que | fn (x) − f (x) |< ε para todo x em X, que Z Z Z Z + + − | fnR − fR | < εµ(B) > | −fnR − −fR− | ∀R > 0 .
positiva, gR (x) =
A. CONVERGÊNCIA UNIFORME
71
Passando ao limite quando R → ∞, temos Z Z Z Z + + − | fn − f | ≤ εµ(B) ≥ | −fn − −f − | . Logo
R
f+ e
R
−f − não podem ser ambas infinitas e o resultado segue.
Exercício: Construa uma seqüência de funções integráveis fn : IR → IR convergindo uniformemente para uma função não integrável.
Vamos agora extrair outro importante resultado similar ao apresentado acima: trata-se de legitimar a chamada Regra de Leibniz, Z Z ∂ d f (x, y)dy = f (x, y)dy . dx ∂x Embora as hipóteses possam ser enfraquecidas, vamos ficar no nível elemen∂ f contínuas. tar: f e ∂x Proposição : Sejam A aberto em IRN , K compacto em IRM e f : A×K → IR contínua. Seja F : A → IR dada por Z F (x) = f (x, y)dy . K ∂f ∂x
existe e é contínua em A × K, então F é de classe C 1 e Z ∂ 0 F (x) = f (x, y)dy K ∂x R ∂ (observe que K ∂x f (x, y)dy é uma integral vetorial). Se
Demonstração : Fixado x0 em A e dado ε > 0 tal que | h |< ε ⇒ x + h ∈ A, temos R ∂ 1 |h| | F (x0 + h) − F (x0 ) − K ∂x f (x0 , y)dyh |≤ ≤
1 K |h|
R
≤
| f (x0 + h, y) − f (x0 , y) −
R K
∂ supB ε (x0 ) k ∂x f (x, y) −
≤ µ(K) supB ε (x0 )×K k
∂ ∂x f (x0 , y)h
∂ ∂x f (x0 , y)kdy
∂ ∂x f (x, y)
−
| dy ≤ ≤
∂ ∂x f (x0 , y)
k ,
72
CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA
e o resultado segue da continuidade uniforme de
∂ ∂x f
em B ε (x0 ) × K.
Exercício: (introdução ao Cálculo das Variações ) Nas situações em que a variável do problema é uma função , é freqüente que a grandeza a considerar seja dada por uma integral, que se deseja minimizar. (i)Pense em curvas de comprimento mínimo, superfícies de menor área dentre as que têm um certo bordo (ditas superfícies mínimas), trajetórias minimizando o tempo do percurso, princípios de menor ação , estratégias de investimento maximizando o lucro, etc.. (ii)Seja K um compacto em IRN e considere E = C 1 (K, IRN ) e f : K × IRN × L(IRN , IRM ) → IR de classe C 1 (usaremos a notação f (x, y, y 0 )). Se u vive em um subconjunto X de E, podemos considerar o funcional J : X → IR dado por Z J(u) = f (x, u(x), u0 (x))dx. K
Suponha que a norma de E é dada por |u| = supK |u| + supK |u0 | e que X é aberto em E. Mostre que J é contínuo. (iii)Se supusermos que u minimiza J em X, é natural considerar as derivadas direcionais de J em u (que deverão ser todas nulas). Dado h em E, calcule a derivada direcional de J em u na direção h e mostre que é dada por ∂J (u) = ∂h
Z K
∂f ∂f 0 0 0 (x, u(x), u (x))h(x) + 0 (x, u(x), u (x))h (x) dx. ∂y ∂y
(iv)Mais particularmente, suponha que A é um aberto em IRN e considere trajetórias ligando os pontos P0 e P1 de A, minimizando um certo funcional de ação, dado pelo lagrangeano L: Z J(x) =
b
L(t, x(t), x(t))dt, ˙ a
onde L(t, y, y) ˙ e x : [a, b] → A são de classe C 2 (por razões técnicas que aparecerão a seguir), com x(a) = P0 e x(b) = P1 . Neste caso o espaço a considerar é um subespaço afim de E, E0 , dado por E0 = {x ∈ E|x(a) = P0 , x(b) = P1 }. Uma variação de x é dada por x(t) + sh(t), onde h : [a, b] → IRN é de classe C 2 e tal que h(a) = h(b) = 0. Mostre que, nestas condições , fixado x, x(t) + sh(t) está em A para todo t em [a, b], se s é suficientemente pequeno. (v)Mostre que, neste caso, para que x minimize J, é necessário que Z b a
∂L ∂L ˙ (t, x(t), x(t))h(t) ˙ + (t, x(t), x(t)) ˙ h(t) dt = 0. ∂y ∂ y˙
B. REGULARIZAÇÃO
73
(vi)Integre por partes a segunda parcela, use o fato de que h(a) = h(b) = 0, observe que a derivada direcional se anula em todas as direções e prove que, para que x minimize J, é necessário que ∂L d ∂L (t, x(t), x(t)) ˙ − (t, x(t), x(t)) ˙ = 0. ∂y dt ∂ y˙ Esta equação é conhecida como equação de Euler, ou de Euler-Lagrange. O funcional L costuma ser chamado de ação . (vii)Calcule a equação de Euler-Lagrange no caso em que L é dado por 1 ˙ 2 − U (y) L(t, y, y) ˙ = m|y| 2 (m é a massa, de forma que o minuendo é a energia cinética, e o subtraendo U é a energia potencial).
b
Regularização
Exercício: Seja f : IRN → IR integrável (f limitada). Dado ε > 0, seja, para cada x = (x1 , . . . , xN ) ∈ IRN , cε (x) = [x1 − 2ε , x1 + 2ε ] × · · · × [xN − 2ε , xN + 2ε ]. R Seja fε : IRN → IR dada por f (x) = ε1N c f . Mostre que fε é contínua e que ε(x)
ε→0
fε (x) −→ f (x) se f é contínua em x. Mostre que se K é compacto e f é contínua ε→0 em K, então fε −→ f uniformemente em K.
A lição a tirar é clara: se substituímos, para cada x, f (x) pela média de f perto de x, obtemos uma função mais regular que f . Ora, médias podem ser ponderadas. Considere uma função ϕ como a da figura abaixo: ϕ : IR → IR R positiva e de suporte1 compacto contendo 0, com IR ϕ = 1. A média de f perto de x pode ser ponderada por ϕ e dada por Z f (y)ϕ(x − y)dy IR
Exercício: R Seja ϕ como acima. Se f :RIR → IR é integrável, defina f : IR → IR por f (x) = IR f (y)ϕ(x − y)dy (suponha | f |< ∞). 1
O suporte de ϕ é definido por suppϕ = {x, ϕ(x) 6= 0}
74
CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA
ϕ
0 (i) Mostre que f (x) =
R
IR f (x
− y)ϕ(y)dy.
(ii) Mostre que se ϕ é contínua então f é uniformemente contínua. (iii) Mostre que se ϕ é de classe C k , então f é de classe C k .
Desta forma, a situação se apresenta ainda melhor: escolhendo o peso de maneira adequada, podemos obter médias de f de classe C ∞ . É claro também que, para f contínua, quanto “menor” for o suporte de ϕ, mais próxima de f estará a média obtida. Vamos, então, fixar uma seqüência regularizante (ϕn )n∈IN . As funções ϕn : IRN → IR serão definidas da maneira a seguir. Seja ϕ dada por 0, | x |≥ 1 , x ∈ IRN (| x |2 = x21 + · · · + x2N ) ; ϕ(x) = −(1−|x|2 )−1 e , | x |< 1 Exercício: Prove que ϕ é de classe C ∞ ; observe que Z Z 1 ϕ(nx)dx = N ϕ(x)dx . n IRN IRN
Sendo a =
R IRN
ϕ, defina ϕn (x) =
nN ϕ(nx), n = 1, 2, . . . a
Temos então que cada ϕn é de classe C ∞ , tem como suporte B 1 (0) e n A idéia agora é usar os ϕn como pesos.
R
ϕn = 1.
B. REGULARIZAÇÃO
75
Proposição : Seja f : IRN → IR integrável. Para cada n em IN , seja fn : IRN → IR dada por Z
f (y)ϕn (x − y)dy 2
fn (x) = IRN
(suponha |
R IRN
f |< ∞ ).
Então : (i) as fn são de classe C ∞ ; (ii) se K ⊂ IRN é compacto e f é contínua em K, temos fn → f uniformemente em K; (iii) se K ⊂ IRN é compacto e uniformemente em K.
∂f ∂xi
é contínua em K, então
∂fn ∂xi
→
∂f ∂xi
Demonstração : Observe que a mudança de variáveis y 7→ (x − y) mostra que Z fn (x) = f (x − y)ϕn (y)dy . IRN
Assim, fn (x) − f (x) =
R
=
R
=
R
R
IRN
f (x − y)ϕn (y)dy − f (x)
IRN
[f (x − y) − f (x)] ϕn (y)dy =
B 1 (0) [f (x
IRN
− y) − f (x)] ϕn (y)dy
ϕn (y)dy =
.
n
Se K é compacto e f é contínua em K, então f é uniformemente contínua em K. Portanto, dado ε > 0, podemos tomar δ > 0 tal que | y |< δ ⇒ | f (x−y)−f (x) |< ε para todo x em K. Segue , se n1 < δ, Z Z | fn (x) − f (x) |≤ | f (x − y) − f (x) | ϕn (y)dy < ε ϕn = ε ∀x ∈ K , B 1 (0) n
o que prova (ii). Para provar (i), tentemos mostrar que Z 0 fn (x) = f (y)ϕ0n (x − y)dy IRN
2
fn , num contexto mais geral, é notada f ∗ ϕn e chamada produto de convolução de f por ϕn
76
CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA
Ora, temos, para x ∈ IRN fixo e h ∈ IRN , Z 1 0 f (y)ϕn (x − y)hdy = fn (x + h) − fn (x) − |h| IRN Z =
f (y) IRN
Mas
1 |h|
ϕn (x − y + h) − ϕn (x − y) − ϕ0n (x − y)h dy . |h|
| ϕn (x − y + h) − ϕn (x − y) − ϕ0n (x − y)h |≤ sup|k|≤|h| k ϕ0n (x − y + k) − ϕ0n (x − y) k .
Como ϕ0n é uniformemente contínua, podemos garantir que, se | h | é pequeno, então sup|k|≤|h| k ϕ0n (x − y + k) − ϕ0n (x − y) k é pequeno, independentemente de y – menor do que ε, se | h |< δ, digamos. Logo, Z Z 1 0 | fn (x + h) − fn (x) − f (y)ϕn (x − y)hdy |≤ ε | f (y) | , |h| IRN IRN o que prova que fn0 (x)
Z = IRN
f (y)ϕ0n (x − y)dy .
Isto significa que as derivadas parciais de fn são dadas por Z ∂fn ∂ϕn (x) = f (y) (x − y)dy , ∂xi ∂xi IRN e o resultado segue por indução. Para provar (iii) basta integrar por partes a fórmula acima para obter Z ∂fn ∂f (x) = (y)ϕn (x − y)dy ∂xi IRN ∂xi e usar (i). Problema: Sejam fn , n ∈ IN e f funções integráveis. Diz-se que (fn ) converge em média para f se Z lim | fn − f |= 0 . n→∞
Se não se supõe que f é contínua, é possível concluir que as fn da proposição convergem em média para f ?
B. REGULARIZAÇÃO
77
Exercício (introdução às distribuições : Se pensarmos que não interessa conhecer o valor de uma função em cada ponto, mas seu valor médio perto de cada ponto, podemos olhar cada função f como uma aplicação Z ϕ 7→ f ϕ , onde ϕ é qualquer peso3 possível. Suponha que se f : Ω → IR, Ω aberto em IRN , então ϕ é tomada em C0∞ (Ω) = {ϕ ∈ C ∞ (Ω), suppϕ é compacto }. Não há mal algum em estender nossa aplicação a todas as funções ϕ em C0∞ (Ω). Observe que podemos então pensar f como uma aplicação Tf : C0∞ (Ω) −→ IRR ϕ 7−→ f ϕ = hTf , ϕi (i) Mostre que se f é localmente integrável (isto é, f|K é integrável com finita para todo compacto K ⊂ Ω) então Tf está bem definida.
R k
f
(ii) Mostre que se f é de classe C 1 , então hT ∂f , ϕi = −hT, ∂xi
∂ϕ i ∀ϕ ∈ C0∞ (Ω) ∂xi
∂f da seguinte forma : (iii) Conclua que podemos, para f como em (i), “pensar” ∂x i não sabemos quanto vale para cada x em Ω, mas sabemos que se ϕ ∈ C0∞ (Ω), então Z Z ∂f ∂ϕ “ ϕ “=− f ∂xi ∂xi
(iv) Uma distribuição é uma aplicação linear T : C0∞ (Ω) → IR, contínua no seguinte sentido: se (ϕn )n∈IN é uma seqüência em C0∞ (Ω) cujos suportes estão todos contidos em um mesmo compacto, tal que ϕn → ϕ uniformemente e todas as seqüências de derivadas parciais das ϕn convergem uniformemente para as correspondentes derivadas parciais de ϕ, então hT, ϕn i → hT, ϕi (isto é, se Dα ϕn → Dα ϕ uniformemente para todo α, onde Dα indica qualquer derivada parcial de qualquer ordem, então hT, ϕn i → hT, ϕi). Mostre que se f é localmente integrável, então Tf é uma distribuição. (v) Se T é uma distribuição, suas derivadas no sentido das distribuições são definidas por ∂ ∂ϕ T, ϕi = −hT, i h ∂xi ∂xi 3
Um peso é, em termos mais eruditos, uma densidade de probabilidades. então , o valor esperado de f
R
f ϕ seria,
78
CAPÍTULO 9. INTEGRAIS E CONVERGÊNCIA
Mostre que toda distribuição é infinitamente diferenciável. Se α = (α1 , . . . , αN ), α1 , . . . , αN ∈ IN , e | α |= α1 + · · · + αN , seja Dα =
∂ |α| . ∂xα1 1 · · · ∂xαNN
Mostre que hDα T, ϕi = (−1)|α| hT, Dα ϕi. (vi) Assim, num passe de mágica, toda função localmente integrável passa a ser infinitamente diferenciável. Mostre que se f é de classe C |α| , então Dβ Tf = TDβ f ∀β com | β |≤| α |. 0, x < a . Mostre que (vii) Seja, para a ∈ IR, Ha : IR → IR dada por Ha = 1, x ≥ a sua derivada no sentido das distribuições (isto é, a de THa ) é δa dada por hδa , ϕi = ϕ(a). Observe que δa pode ser pensada como uma distribuição de probabilidade concentrada em a. Esta distribuição é conhecida pelo nome de distribuição delta de Dirac. (viii) Uma sequência de distribuições (Tn )n∈IN é dita convergente para T se hTn , ϕi → hT, ϕi ∀ϕ ∈ C0∞ (Ω). Considere a sequência regularizante ϕn definida neste parágrafo e suponha que N = 1 (isto é, ϕn : IR → IR). Mostre que Tϕn → δ0 . Observe que se fixarmos x em IR e tomarmos ψn : IR → IR dada por ψn (y) = ϕn (x − y), então Tψn → δx .
Parte II ANÁLISE VETORIAL CLÁSSICA
79
81
TEOREMA DE STOKES
4
e TEOREMA DE GAUSS
4
5
Embora o nome “Teorema de Stokes” esteja consagrado pelo uso, é fato reconhecido no meio matemático que o resultado é devido a Sir William Thomsom (Lord Kelvin) (vale a pena dar uma olhada, também, nas contribuições de Ampère e de Green); vamos pois, ao longo do texto, usar o nome “Teorema de Kelvin”, numa tentativa de fazer justiça ao verdadeiro pai da criança 5 É comum que resultados atribuídos no Ocidente a um ou outro autor tenham na Rússia outros nomes; no presente caso o nome russo é “Teorema de Ostrogradski”, o que talvez esteja bem próximo da verdade; para evitar polêmica e diante da fama de Gauss, vamos chamá-lo de “Teorema de Gauss-Ostrogradski”
82
Capítulo 10 INTRODUÇÃO
a
Campos Conservativos e Integrais de Linha
Seja Ω ⊂ IRN um aberto e seja F : Ω → IRN um campo de vetores. Partiremos da seguinte questão: sob que condições podemos afirmar que existe f : Ω → IR tal que F = ∇f ? Exemplo 1: Se N = 1 sabemos, pelo Teorema Fundamental do Cálculo, que basta exigir a continuidade de F . Exercício : Seja Ω ⊂ IR2 aberto. Seja F : Ω → IR2 de classe C 1 . Observe que ∂f ∂F1 2 se F = (F1 , F2 ) = ( ∂x , ∂f ) então ∂F ∂x1 − ∂x2 ≡ 0. Invente 53 exemplos de campos 1 ∂x2 2 contínuos não conservativos em IR .
Definição : Um campo F : Ω → IRN , Ω ⊂ IRN aberto, é dito conservativo se existe U : Ω → IR tal que F = −∇U (o sinal é uma homenagem aos físicos). U é chamada uma energia potencial ou, mais carinhosamente, um potencial para F . Exercício : Seja F = −∇U : Ω → IRN . As linhas de fluxo de F são as curvas ϕ :]a, b[→ Ω tais que ϕ(t) ˙ ≡ F (ϕ(t)). Mostre que U ◦ ϕ :]a, b[→ IR é decrescente sempre que ϕ é uma linha de fluxo de F . Exercício : Seja F = −∇U : Ω → IRN . Seja m ⊂ IR uma constante. Uma trajetória sob a ação do campo F é uma curva c :]a, b[→ Ω tal que m¨ c(t) ≡
83
84
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
F (c(t)). Mostre que E(t) = 12 m | c(t) ˙ |2 +U (c(t)) é constante sempre que c é uma trajetória.1 Exemplo 2: Seja
F : IR2 − {0} −→ IR2 . 1 (x, y) 7−→ x2 +y 2 (−y, x) F é o campo inventado a partir da seguinte consideração: como inverter a transformação ]0, ∞[×[0, 2π[ −→ IR2 − {0} (r, θ) 7−→ (rcosθ, rsenθ)
?
p É fácil concluir que r(x, y) = x2 + y 2 , mas a obtenção de θ(x, y) é menos evidente. Logo nos damos conta de que θ será descontínua em ]0, ∞[×{0}2 . Na hora de escrever a fórmula para θ, surgem expressões do tipo y x x y θ(x, y) = arctg , arccotg , arccos , arcsen , x y r r todas igualmente insatisfatórias. No entanto todas têm algo em comum: em qualquer caso, teremos ∇θ(x, y) =
1 (−y, x) = F (x, y) x2 + y 2
Nosso campo F tem tudo, portanto, para ser gradiente de uma função θ. Só há um problema: F está definido em IR2 − {0}, mas, por mais que nos esforcemos, θ acaba sempre sendo descontínua em alguns pontos desta região.
Pensemos um pouco mais. Se F : Ω → IRN é o gradiente de uma função f : Ω → IR, então, para toda curva c : [a, b] → Ω diferenciável, teremos f ◦ c : [a, b] → IR diferenciável e dtd (f ◦ c)(t) = F (c(t)).c(t). ˙ Melhor ainda, se F é de classe C 0 e c de classe C 1 , então 1
Assim, quando o campo de forças F é conservativo, a energia total E se conserva ao longo das trajetórias sob a ação de F 2 Na realidade não é necessário que θ seja descontínua em ]0, ∞[×{0}, mas em alguma linha ligando (0, 0) ao infinito.
A. CAMPOS CONSERVATIVOS E INTEGRAIS DE LINHA
85
c c(b) c(a) a
Ω
b
c
F (c(t)) B = c(b)
A = c(a) 0
c(t) a
c (t)
b
Z f (c(b)) − f (c(a)) =
Ω
b
F (c(t)).c(t)dt ˙ . a
Ou seja, podemos recuperar os valores de f através de integrais ao longo de curvas ligando os pontos de Ω. Desta forma, se A ∈ Ω e se fixarmos o valor de f (A) como α, teremos, para B ∈ Ω, Z f (B) = α +
b
F (c(t)).c(t)dt ˙ a
onde c : [a, b] → Ω é um caminho C 1 com c(a) = A e c(b) = B. Temos aí algo interessante: existem sempre infinitos caminhos ligando A a B. No entanto, qualquer que seja o caminho c escolhido, teremos Z
b
F (c(t)).c(t)dt ˙ = f (B) − f (A) a
A esta altura já podemos parar, pensar um pouco, e concluir que a resposta a nossa questão não é, se N > 1, tão simples como no caso N = 1. Definicão : Se Ω ⊂ IRN é aberto, F : Ω → IRN é C 0 e c : [a, b] → Ω é C 1 , a integral de linha de F sobre c é definida por
86
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
Z
Z F =
c
b
F (c(t)).c(t)dt. ˙ a
Exercício : Suponha que m > 0, Ω ⊂ IR3 , F : Ω → IR3 é contínua e que c : [a, b] → Ω é tal que m¨ c(t) = F (c(t))∀t ∈ [a, b]. Mostre que a variação da energia cinética é igual ao trabalho realizado por F , isto é: Z 1 1 m | c(b) ˙ |2 − m | c(a) ˙ |2 = F. 2 2 c Exercício : c : [a, b] → Ω é dita C 1 por partes se c é contínua e existe uma particão P de [a, b] tal que c é C 1 em cada subintervalo de P . Note que a definicão de integral de linha se estende ao caso em que c é C 1 por partes.
Teorema: Sejam Ω ⊂ IRN aberto e F : Ω → IRN de classe C 0 . São equivalentes: (i)
existe f : Ω → IR tal que ∇f = F ;
(ii)
para quaisquer c1 : [a1 , b1 ] → Ω e c2 : [a2 , b2 ] → Ω C 1 por partes, com c1 (a1 ) = c2 (a2 ), c1 (b1 ) = c2 (b2 ), vale Z b1 Z b2 F (c1 (t)).c˙1 (t)dt = F (c2 (t)).c˙2 (t)dt; a1
(iii)
a2
para qualquer c : [a, b] → Ω C 1 por partes, com c(a) = c(b), vale Z
b
F (c(t)).c(t)dt ˙ = 0. a
Demonstração : É óbvio que (i) ⇒ (iii); (iii) ⇒ (ii) é um exercício fácil. Limitemonos, pois, a provar que (ii) ⇒ (i). Como Ω é união disjunta de abertos conexos por caminhos C 1 por partes, podemos nos restringir ao caso em que Ω é conexo por caminhos C 1 por partes. Fixemos A em Ω e a em IR. Seja então f : Ω → IR dada por Z f (B) = a + F, c
onde c é qualquer caminho começando em A e terminando em B. Por (ii), f está bem definida. Para provar que ∇f = F , basta, já que F é contínuo, mostrar que
B. INTEGRAIS DE SUPERFÍCIE
87
suas derivadas direcionais em um ponto qualquer B são dadas pelo produto escalar por F (B). Sejam, pois, B em Ω e v em IRN . Fixemos h > 0 tal que B + tv está em Ω para todo t em [0, h] e um caminho C 1 por partes c : [α, β] → Ω, com c(α) = A e c(β) = B. Podemos, é claro, esticar c até B + tv, se 0 < t ≤ h, obtendo um caminho c1 : [α, β + t] → Ω (fazendo c1 (s) = B + (s − β)v, se β < s ≤ t). Temos, então , Z t Z Z F (B + sv).vds. F− F = f (B + tv) − f (B) = c1
c
0
Multiplicando por (1/t) e passando ao limite quando t tende a zero, temos, da continuidade de F , o resultado desejado. Exercício : Mostre que não existe θ : IR2 \ {(0, 0)} → IR tal que ∇θ(x, y) = 1 (−y, x). E se quisermos θ : IR2 \]0, ∞[×{(0, 0)} → IR ? x2 +y 2
b
Integrais de Superfície
Consideremos um campo de vetores F em IR3 (suposto de classe C 1 ). Consideremos em IR3 as linhas de fluxo de F , isto é, as curvas x(t) satisfazendo a x(t) ˙ = F (x(t)) Consideremos agora uma superfície S (seja lá o que for isso) em IR3 . Supondo que as linhas de fluxo carregam “alguma coisa” (água que escoa, por exemplo), tentemos calcular o volume dessa “alguma coisa” que atravessa S por unidade de tempo. Para isto é preciso fixar uma direção positiva de escoamento, através, por exemplo, da escolha de um campo contínuo de vetores normais a S (definido apenas nos pontos de S, claro !). Considerando uma “porção infinitesimal” de S, de área dS e um intervalo de tempo dt, o “volume infinitesimal” que atravessa o pedacinho de superfície no tempo dt é o de um paralelepípedo infinitesimal cuja base tem área dS, cuja altura tem a direção de n(x) e cujo terceiro lado é dtF (x), onde x é um ponto do pedacinho. Volume Infinitesimal = dSdtF (x).n(x)
(com sinal)
88
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
n F (x(t)) x(t)
S
n(x) dtT (x)
dS
x
B. INTEGRAIS DE SUPERFÍCIE
89
x0
x(t)
R0
R(t)
Dividindo por dt e integrando sobre S, teremos o que pode ser chamado fluxo de F através de S, dado por Z F.ndS S
Note que esta é uma integral escalar e deve ser calculada, em princípio via uma parametrização de S. Exercício : Suponha que S é uma superfície fechada limitando uma região R0 . Defina R(t) como a região constituída pelos “pontos que estavam em R0 , levados pelas linhas de fluxo, depois de um tempo t”. Seja V (t) o volume de R(t). Mostre (para si mesmo) que é razoável concluir que Z 0 V (0) = F.ndS (n = normal exterior) . S
R Para o cálculo de S F.ndS, suponhamos que S é a imagem de uma superfície parametrizada (de classe C 1 ) ϕ : [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] → IR3 , ϕ(u, v) = (x1 (u, v), x2 (u, v), x3 (u, v)). A imagem do quadradinho de lados ∆u e ∆v será aproximada pela diferencial de ϕ, obtendo-se um paralelogramo de lados (vetoriais) ∂ϕ (u0 , v0 )∆u e ∂u ∂ϕ (u0 , v0 )∆v. A área deste paralelogramo é calculada pelo produto veto∂v rial, ∆u∆v
∂ϕ ∂ϕ (u0 , v0 ) × (u0 , v0 ) = det ∂u ∂v
e1
e2
e3
∂x1 ∂u ∂x1 ∂v
∂x2 ∂u ∂x2 ∂v
∂x3 ∂u ∂x3 ∂v
∆u∆v
90
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO ∆u∆v ∂ϕ ∂u (u0 , v0 ) ×
∂ϕ ∂v (u0 , v0 )
v0 + ∆v v0
u0
u0 + ∆u
Exercício : Considere um triângulo ABC cujos vértices estão sobre os eixos coordenados. Mostre, usando o Teorema de Pitágoras, que o quadrado de sua área é a soma dos quadrados das áreas de suas projeções OAB, OBC, OCA nos planos Ox1 x2 , Ox2 x3 e Ox3 x1 . Mostre que o mesmo resultado vale, não só para triângulos, mas para figuras planas quaisquer (sugestão : a área da projeção é igual à área original vezes o cosseno do ângulo entre os planos). Conclua que a área do paralelogramo formado por dois vetores a = (a1 , a2 , a3 ) e b = (b1 , b2 , b3 ) é dada por p (a1 b2 − a2 b1 )2 + (a3 b1 − a1 b3 )2 + (a2 b3 − a3 b2 )2 = =| (a1 b2 − a2 b1 )e1 + (a3 b1 − a1 b3 )e2 + (a2 b3 − a3 b2 )e3 |= =| a × b | Observe que a × b é realmente normal a a e a b.
Assim, o vetor ∂ϕ (u0 , v0 ) × ∂ϕ (u0 , v0 ) é normal a S em ϕ(u0 , v0 ) e tal que sua ∂u ∂v norma espressa a relação entre o “elemento de área” dS de S e o “elemento de área” dudv de [0, 1] × [0, 1]. Desta forma, nosso fluxo de um campo F através de S pode ser calculado por Z Z b1 Z b2 ∂ϕ ∂ϕ F.ndS = F (ϕ(u, v)). (u, v) × (u, v)dudv ∂u ∂v S a1 a2 ~ O integrando à direita é o Observação : ndS costuma ser notado dS. ∂ϕ ∂ϕ produto misto de F (ϕ), ∂u e ∂v . Assim, podemos também escrever R R ~ = F.ndS = S F.dS S
C. O TEOREMA DE KELVIN
91 ϕ
t
.B
c0
Q
A . c1 s
Z
b1 Z b2
det
= a1
a2
F1 ◦ ϕ F 2 ◦ ϕ F 3 ◦ ϕ ∂x1 ∂u ∂x1 ∂v
∂x2 ∂u ∂x2 ∂v
∂x3 ∂u ∂x3 ∂v
(u, v)dudv
onde ϕ(u, v) = R(x1 (u, v), x2 (u, v), x3 (u, v)). Usaremos também a notação mais abreviada S F .
c
O Teorema de Kelvin
Voltemos à questão que nos serviu de ponto de partida: dado um campo F em IR3 (ou num aberto de IR3 ), gostaríamos de entender 3 o que está acontecendo quando F não é conservativo. Seja Ω ⊂R3 e seja F : Ω → IR3 um campo de vetores (para simplificar as contas que faremos mais adiante, vamos supor F de classe C 1 ). Consideremos duas curvas de classe C 1 , c0 , c1 : [0, 1] → Ω, com c0 (0) = c1 (0) = A, c0 (1) = c1 (1) = B. Suponhamos que c0 pode ser deformada até se transformar em c1 da seguinte maneira: para cada s ∈ [0, 1], temos uma curva cs : [0, 1] → Ω de classe C 1 , com cs (o) = A e cs (1) = B. Seja Q = [0, 1] × [0, 1]. Seja ϕ : Q → Ω dada por ϕ(s, t) = cs (t) (ϕ é dita uma homotopia entre c0 e c1 ). Em princípio deveríamos exigir apenas que as curvas cs variem continuamente com s, mas, para evitar aborrecimentos desnecessários na hora das contas, vamos supor que ϕ é de classe C 2 . 3
O termo entender tem, aqui, um sentido estético, como em toda forma de conhecimento: dizemos que “entendemos” aquilo que nos parece harmonioso
92
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO t
ϕ
.
c0
Q
B Ω
A . s
c1
Note que ϕ(s, 0) ≡ A, ϕ(s, 1) ≡ B. Seja então Z
1
Z
1
F (ϕ(s, t)).
F (cs (t)).c˙s (t)dt =
I(s) =
0
0
∂ϕ (s, t)dt. ∂t
Recordemos que se F fosse conservativo (isto é, se existisse f : IR3 → IR tal que ∇f = F ) I deveria ser constante. Uma tentativa de entender o caso geral pode começar pelo estudo da derivada de I. Calculando I 0 (s), obtemos, se F = (F1 , F2 , F3 ) e ϕ = (x1 , x2 , x3 ): R1h 0 (s, t) · F (ϕ(s, t)) ∂ϕ ∂s 0
I 0 (s) =
∂ϕ (s, t) ∂t
+ F (ϕ(s, t)) ·
∂2ϕ (s, t) ∂s∂t
i
dt.
Integrando por partes a segunda parcela, obtemos: I 0 (s) = +F (ϕ(s, t)) ·
∂ϕ (s, t) |t=1 t=0 ∂s
−
R1
(s, t) · F 0 (ϕ(s, t)) ∂ϕ ∂s
∂ϕ (s, t) ∂t
+
R1 0 F (ϕ(s, t)) ∂ϕ (s, t) · ∂t 0
∂ϕ (s, t) ∂s
dt.
0
Como ϕ(s, 0) ≡ A e ϕ(s, 1) ≡ B, temos I 0 (s) = =
R1 0 F (ϕ(s, t)) ∂ϕ (s, t) · ∂s 0 R1 0
∂ϕ (s, 0) ∂s
≡0e
∂ϕ (s, 1) ∂s
≡ 0. Logo,
∂ϕ (s, t)−F 0 (ϕ(s, t)) ∂ϕ (s, t)· ∂ϕ (s, t) ∂t ∂t ∂s
(F 0 (ϕ(s, t)) − F 0 (ϕ(s, t))∗ ) ∂ϕ (s, t) · ∂s
∂ϕ (s, t)dt, ∂t
dt =
C. O TEOREMA DE KELVIN
93
onde A∗ indica a adjunta de A, cuja matriz, no caso, é a transposta da de A. Subtraindo da matriz jacobiana de F sua transposta, obtemos para I 0 (s) a seguinte expressão :
0 Z 1 ∂F2 ∂F1 ∂x1 − ∂x2 0 ∂F1 ∂F3 ∂x1 − ∂x3
∂F2 ∂F1 ∂x2 − ∂x1
0
∂F3 ∂F1 ∂x3 − ∂x1 ∂F2 ∂F3 ∂x3 − ∂x2
∂F2 ∂F3 ∂x2 − ∂x3
0
(ϕ(s, t))
Exercício: Mostre que o produto da matriz 0 c −c 0 −b −a
∂x1 ∂s (s, t) ∂x2 ∂s (s, t) ∂x3 ∂s (s, t)
·
∂x1 ∂t (s, t) ∂x2 ∂t (s, t) ∂x3 ∂t (s, t)
dt.
anti-simétrica b a 0
pelo vetor (v1 , v2 , v3 ) é igual ao produto vetorial de (−a, b, −c) por (v1 , v2 , v3 ).
Concluímos, então , que I 0 (s) é dada por: ∂x2 ∂x3 R 1 h ∂F3 ∂F2 − (ϕ(s, t)) − ( ∂x2 ∂x3 ∂s ∂t 0 − +
∂F1 ∂x3
∂F2 ∂x1
=
−
−
R1 0
∂F3 ∂x1
∂F1 ∂x2
(ϕ(s, t))
(ϕ(s, t))
∂x
∂x3 ∂s ∂t 1
∂x
∂x2 ∂s ∂t
∇ × F (ϕ(s, t)) ·
1
−
∂x3 ∂x1 ∂s ∂t
∂x2 ∂x1 ∂s ∂t
−
∂ϕ (s, t) ∂s
∂x3 ∂x2 ∂s ∂t
×
(s, t)−
(s, t)−
(s, t)]dt =
∂ϕ (s, t)dt ∂t
,
onde, abusando um pouco da notação , ∂F3 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1 − , − , − , , ∇×F= ∂x2 ∂x1 ∂x3 ∂x1 ∂x1 ∂x2 ou, abusando um pouco mais, ∇×F=“det00
e1
e2
e3
∂ ∂x1
∂ ∂x2
∂ ∂x3
F1
F2
F3
.
94
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
∇×F é chamado o rotacional de F 4 . Observemos que o que obtemos tem cara de integral de superfície: R1 R1 F (c1 (t)).c˙1 (t)dt − 0 F (c0 (t)).c˙0 (t)dt = 0 R1 0 = I(1) − I(0) = I (s)ds = 0 R 1R 1 ∂ϕ (s, t)dsdt . = 0 0 ∇ × F (ϕ(s, t)). ∂s (s, t) × ∂ϕ ∂t Esta é a forma paramétrica do Teorema de Kelvin. Escólio: A conclusão do Teorema continua válida se substituirmos a hipótese de que nossa curva se deforma, mantendo fixas as extremidades (cs (0) ≡ A, cs (1) ≡ B) pela seguinte: nossa curva se mantém fechada, isto é, cs (0) = cs (1) para todo s. De fato, nossa hipótese só foi utilizada para eliminarmos os termos que surgiram da integração por partes, o que também é obtido com a hipótese alternativa. Observação: Note que não há razões para trabalharmos com (s, t) ∈ [0, 1] × [0, 1]. O resultado vale, igualzinho, para ϕ : [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] → IR3 . Voltemos a nosso Teorema. Se a imagem de ϕ é uma superfície S e entendemos Z 1 Z 1 F (c0 (t)).c˙0 (t)dt F (c1 (t)).c˙1 (t)dt − 0
0
como uma integral de linha sobre o bordo de S (∂S), teremos a forma não paramétrica Z Z ~ ∇ × F.dS , F = ∂S
S
onde as orientações para ∂S e S estão ligadas por ϕ. No caso em que nossa superfície está inteiramente contida em um plano, podemos considerar que S ⊂ IR2 , esquecer a terceira componente de F (que não vai desempenhar papel algum) e concluir que Z Z ∂F2 ∂F1 F = − . ∂x1 ∂x2 ∂S S 4
Maxwell, em seu tratado, propõe, with great diffidence, o termo rotation
C. O TEOREMA DE KELVIN
95
t
ϕ 1
Q
c0
ϕ(Q) 0
1
s c1
Este caso particular é conhecido como Teorema de Green. Para F : IR2 → IR2 , usaremos também a notação ∂F2 ∂F1 − . ∂x1 ∂x2 No caso geral, porém, não há razão para supor que nossa ϕ parametrize de fato uma superfície sem auto-interseções . O Teorema de Green tem, é claro, sua versão para as situações em que ϕ : [0, 1] × [a, b] → IR2 não é tão bem comportada. Neste caso, sendo nosso campo F = (F1 , F2 ) definido apenas em IR2 , teremos: Z Z Z 1Z b ∂F2 ∂F1 − F− F = (ϕ(s, t))Jϕ (s, t)dtds. ∂x ∂y c1 c0 0 a dF =
Exercício: Certifique-se de que entendeu. Mostre que a conclusão continua válida caso a hipótese ϕ(s, a) ≡ A, ϕ(s, b) ≡ B seja substituída por ϕ(s, a) ≡ ϕ(s, b). Exercício : Entenda que ∇ × F “mede quanto F deixa de ser conservativo”. Observe que se F de classe C 1 é conservativo, então ∇ × F = 0. Suponha agora que F : Ω −→ IR3 é de classe C 1 e que ∇ × F = 0 e entenda que o problema de saber se F é conservativo depende de Ω (dê um exemplo em que ∇ × F = 0 mas F não é conservativo e mostre que se Ω é uma bola e ∇ × F = 0 então F é conservativo).
Observação : Na demonstração do Teorema de Kelvin trabalhamos com uma superfície parametrizada ϕ de classe C 2 , quando o natural seria exigir que ϕ fosse apenas C 1 . Isto pode ser (e será, mais à frente) remediado com uma demonstração mais cuidadosa.
96
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO t c0
ϕ 1
Q c1
1
0
Ω
s
Problema : Sejam Ω um aberto de IR3 , F : Ω → IR3 um campo de vetores de classe C 1 e ϕ : [0, 1] × [0, 1] → Ω uma superfície parametrizada de classe C 1 . Defina o bordo de ϕ de maneira adequada e dê um jeito de provar que Z Z F = ∇×F . ∂ϕ
d
ϕ
A variação de ângulo
Voltemos ao nosso campo F : IR2 − {0} −→ IR2 1 (x, y) 7−→ x2 +y 2 (−y, x) 1 2 Temos (faça as contas) dF = ∂F − ∂F = 0. Isto não é surpreendente, pois, ∂x ∂y como já vimos no ponto a., se não fizermos questão de definir θ em IR2 − {0}, mas trabalharmos em uma região um pouco menor, teremos F = ∇θ. Observando as curvas c1 e c0 da figura, vemos que c1 pode ser contraída em um ponto A de IR2 − {0}, isto é, existe
ϕ : [0, 1] × [0, 1] −→ IR2 \ {(0, 0)} de classe C 2 com ϕ(0, t) ≡ A, ϕ(1, t) = c1 (t), ϕ(s, 0) = ϕ(s, 1) ∀s ∈ [0, 1].
D. A VARIAÇÃO DE ÂNGULO
97
c1
y
A
c0
x
0
Assim Z
1
Z F (c1 (t)).c˙1 (t)dt =
0
1
Z 1Z F (A).0dt +
0
1
dF (ϕ(s, t))Jϕ (s, t)dtds = 0 0
0
Já c0 dá uma volta em torno da origem. Não podemos deformá-la em um ponto de IR2 − {0}. Seria possível, por outro lado, deformá-la em um círculo c : [0, 1] −→ IR2 − {0} t 7−→ (cos 2πt, − sin 2πt)
,
de modo que Z
1
Z
0
1
F (c(t)).c(t)dt ˙ = −2π
F (c0 (t)).c˙0 (t)dt = 0
Como o leitor já terá observado, dada c : [a,b] → IR2 − {0} de classe C 1 , Rb F (c(t)) · c(t)dt ˙ mede a variação (com sinal) do ângulo θ ao longo de c. a Exercício : Seja c : [a, b] → IR2 − {0} de classe C 1 , com c(a) = c(b). Mostre que Rb 1 ˙ é inteiro. Convença-se de que n(c) é o número de voltas n(c) = 2π a F (c(t)).c(t)dt que c dá em torno da origem, com sinal positivo para o sentido trigonométrico e negativo para o sentido horário. Mostre que se existe uma homotopia ϕ : [0, 1] × [0, 1] 7→ IR2 \ 0 de classe C 2 com ϕ(0, t) = c0 (t) e ϕ(1, t) = c1 (t), então n(c0 ) =
98
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
n(c1 ). Seja f : CI 7→ CI dada por f (z) = z k , onde k é um inteiro positivo. Pense f como uma função de IR2 em IR2 . Seja c(t) = f (Rcos2πt, Rsen2πt), t ∈ [0, 1], R > 0 fixo. Mostre que n(c) = k.
Vamos utilizar a forma paramétrica do Teorema de Green para demonstrar o Teorema Fundamental da Álgebra: Teorema Fundamental da Álgebra : Todo polinômio não constante sobre o corpo dos complexos possui ao menos uma raiz. Demonstração : Seja
p : CI −→ CI . x 7−→ ak z K + · · · + a0 Podemos, sem perda de generalidade, supor ak = 1 e a0 6= 0. Vamos considerar p como uma transformação de IR2 em IR2 e examinar a imagem por p dos círculos de centro na origem. A idéia da demonstração é linda. Para cada R em [0, ∞[, consideramos o círculo de raio R e centro na origem. Sua imagem por p será uma curva cR que podemos parametrizar por cR : [0, 1] −→ CI . t 7−→ p(Re2πit ) Note que, quando R vai de 0 a ∞, cR varre a imagem de p. Ora, quando R é bem pequeno, cR está muito perto de a0 e não pode, portanto, envolver a origem. Desta forma, se notarmos por n(R) o número de voltas de cR em torno da origem 5 , teremos, para R pequeno, n(R) = 0. Já quando R é grande, os pontos de cR serão imagens de números complexos z para os quais z k é muito maior do que ak−1 z k−1 + . . . + a0 . Podemos então afirmar que, para R bem grande, cR está “próxima” da imagem por f (z) = z k do círculo de centro na origem e raio R e, portanto, envolve forçosamente a origem. Ou seja, n(R) > 0 se R é grande (na verdade teremos n(R) = k). Mas se cR passa de uma situação em que não envolve a origem para outra em que a envolve, somos forçados a concluir que em algum momento cR passa pela origem (e nesse instante achamos uma raiz de p). Vamos agora cuidar dos detalhes burocráticos indispensáveis. 5
Note que se cR passar pela origem n(R) não estará definido
D. A VARIAÇÃO DE ÂNGULO
99
p a0
cR 0
0
Suponhamos que p não se anula, isto é, p é uma aplicação de classe C ∞ de IR2 em IR2 \ {(0, 0)}. Seja n : [0, ∞[ −→ IR2 R1 1 R 7−→ 2π 0 F (cR (t)).c˙ R (t)dt onde F (x, y) =
1 (−y, x) x2 +y 2
,
,
cR (t) = p(Rcos2πt, Rsen2πt).
Temos n(0) =
1 2π
Z
1
F (a0 ).0dt = 0 . 0
Fixado R > 0, seja ϕ : [0, 1] × [0, 1] → IR2 \ {(0, 0)} (s, t) 7→ p(sRcos2πt, sRsen2πt) ϕ satisfaz às condições da forma paramétrica do Teorema de Green: ϕ é de classe C ∞ , ϕ(0, t) = c0 (t), ϕ(1, t) = cR (t), ϕ(s, 0) = ϕ(s, 1) para todo s. Então Z 1 Z 1 1 n(R) − n(0) = F (cR (t)).c˙R (t)dt − F (c0 (t)).c˙0 (t)dt = 2π 0 0 1 = 2π
Z
1Z 1
dF (ϕ(s, t)).Jϕ (s, t)dtds = 0 0
.
0
Logo, n(R) = 0 para todo R em [0, ∞[. Mostremos agora que, se k > 0, n(R) = k para R suficientemente grande.
100
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO ϕ
t
p
(s, t) 7→ sR(cos 2πt, sin 2πt)
1
a0
0 0
1
0
s
Escrevendo p(z) = z k (1 +
ak−1 z
+ ··· +
a0 ), zk
temos
| p(z) | ≥ h |ak−1 | ≥| z |k 1 − |z| + · · · +
|a0 | |z|k
i
.
Além disso, existe R0 , tal que | ak−1 | | a0 | 1 + ··· + < k |z| 2 |z| para todo z com | z |≥ R0 . Podemos então deformar, para R ≥ R0 , cR (t) em c¯R (t) = (Re2πit )K , através de ϕ : [0, 1] × [0, 1] −→ IR2 − {0} (s, t) 7−→ (Re2πit )K + s ak−1 (Re2πit )K−1 + · · · + a1 (Re2πit )1 + a0 . Temos ϕ de classe C ∞ , ϕ(0, t) = c¯R (t), ϕ(1, t) = cR (t), ϕ(s, 0) = ϕ(s, 1) para todo k s (observe que | ϕ(s, t) |≥ R2 ∀(s, t) ∈ Q). Então, pelo Teorema de Green, temos n(R) −
1 2π
Z
1
F (¯ cR (t)).c¯˙R (t)dt =
0
o que prova que n(R) = k. E pronto.
dF ◦ ϕJϕ = 0 Q
Mas 1 2π
Z
Z 0
1
F (¯ cR (t)).c¯˙R (t)dt = k,
E. O TEOREMA DE GAUSS-OSTROGRADSKI
101
Observação: Este é um caso em que temos boas razões para a utilização da forma paramétrica do Teorema de Green: não temos informações precisas sobre as regiões limitadas pelas curvas; além disso, dF = 0, o que torna simples as contas, já que não é preciso estar a calcular derivadas parciais e jacobianos. Mais interessante ainda: embora estivesse, durante toda a demonstração , implícito que o número de voltas n(R) é um número inteiro, tal fato (cuja demonstração não é tão simples assim) não foi utilizado em momento algum!
e
O Teorema de Gauss-Ostrogradski
O Teorema de Kelvin nos indica que é possível iterar o processo que conduziu a sua dedução. Se F é um campo de vetores e ∂F3 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1 − , − , − , , G=∇×F = ∂x2 ∂x3 ∂x3 ∂x1 ∂x1 ∂x2 então, dada uma superfície S, temos Z Z Z ~ ~ ∇ × F.dS = G.dS =
F
.
∂S
S
S
Portanto, se tomarmos duas superfícies S1 e S2 tais que ∂S1 = ∂S2 (isto inclui também as orientações), teremos Z Z ~ ~ G.dS = G.dS. S1
S2
Um campo G tal que existe F com ∇ × F = G costuma ser chamado solenoidal. Assim, dado um campo G (não necessariamente solenoidal), poderíamos R R ~ 6= ~ para S1 querer saber o que estará acontecendo caso S1 G.dS G.dS S2 e S2 com ∂S1 = ∂S2 . Exercício : Considere um aberto Ω em IR3 , G −→ IR3 de classe C 1 e ϕ : [0, 1]3 −→ Ω de classe C 2 tal que ϕ(t1 , u, v) = ϕ(t2 , u, v) sempre que u = 0; u = 1, v = 0 ou
102
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
S2
∂S1 = ∂S2
n S1
v = 1, quaisquer que sejam t1 e t2 em [0, 1]. Considere as superfícies St definidas R ~ Calcule I 0 , por St (u, v) = ϕ(t, u, v). Defina I : [0, 1] −→ IR por I(t) = St G.dS. R1 0 escreva I(1) − I(0) = 0 I (t)dt e veja o que encontra. Repita supondo que ϕ é apenas de classe C 1 .
O exercício anterior é um plágio do roteiro que nos conduziu ao Teorema de Kelvin; sua resolução conduz ao Teorema de Gauss-Ostrogradski. No entanto, para não estarmos sempre a repetir a mesma estória, vamos deduzir nosso teorema de outra maneira. Consideremos um campo F : IR3 −→ IR3 de classe C 1 (ou C 2 , ou C ∞ , se for preciso). Consideremos as linhas de fluxo de F , isto é, as soluções da equação x˙ = F (x). Para evitar problemas, vamos supor que as linhas de fluxo x(t) estão definidas para todo t em IR. Consideremos então as aplicações ϕt : IR3 −→ IR3
,
ϕt (x) = posição no tempo t de quem está em x no tempo 0 e caminha sobre
E. O TEOREMA DE GAUSS-OSTROGRADSKI
103
F (ϕt (x)) ϕt (x) x
uma linha de fluxo) De forma equivalente, podemos definir ϕ : IR × IR3 −→ IR3 (t, x) 7−→ ϕ(t, x) = ϕt (x)
,
dada por (i) ϕ(0, x) = x ∀x ∈ IR3 ∂ (ii) ∂t ϕ(t, x) = F (ϕ(t, x)) ∀(t, x) ∈ IR × IR3 Exercício : Entenda que ϕ(s, ϕ(t, x)) = ϕ(s + t, x) ∀s, t ∈ IR, x ∈ IR3 , o que equivale, já que ϕt (x) = ϕ(t, x), a ϕs (ϕt (x)) = ϕs+t (x), ou ainda, de forma mais sucinta, a ϕs ϕt = ϕs+t .
Temos assim, para cada t, uma aplicação ϕt que nos diz “onde vão parar os pontos depois de um tempo t”. Consideremos agora uma região R0 limitada por uma superfície S0 e acompanhemos o que acontece com R0 (imagine uma bolha de tinta azul no meio de água que escoa). Um pouco menos informalmente, se R0 ⊂ IR3 , ∂R0 = S0 , sejam Z t R(t) = ϕ (R0 ) , V (t) = volume de R(t) = 1 . R(t)
Coloquemo-nos a seguinte questão: V (t) varia ? Se varia, quem é V 0 (t) ?
104
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
F (x) x
R0
ϕt (R0 ) R(0)
R(h)
Exercício : Deduza, de ϕ(t, ϕ(s, x)) = ϕ(t + s, x), que basta saber calcular V 0 (0). Exercício : Tome h pequeno, desenhe R(h), R(0) e conclua (com argumentos não necessariamente rigorosos, do ponto de vista matemático, mas bastante razoáveis) R ~ Comece observando que R(h) − R(0) = volume do que sai que V 0 (0) = S0 F.ds. menos volume do que entra (através de S0 ) no tempo h.
Observação : O exercício acima é obrigatório.
Vamos agora calcular V 0 (0) diretamente: Z Z Z d d d 0 V (t) = 1= 1= Jϕ dt R(t) dt ϕt (R(0)) dt R(0) t
E. O TEOREMA DE GAUSS-OSTROGRADSKI
105
Observação : Não vamos provar isto, mas ϕt é de classe C 1 . Como vale ϕt ◦ ϕ−t = ϕ−t ◦ ϕt = I, temos Jϕt 6= 0 ∀t. Além disso Jϕt depende continuamente de t. Como Jϕ0 = JI = 1, temos Jϕt > 0 ∀t.
Proseguindo, temos V 0 (t) =
Mas
∂ϕ (t, x) ∂t
d dt
R
det R0
∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ (t, x), ∂x (t, x), ∂x (t, x) ∂x1 2 3
dx =
=
R
det R0
∂ϕ ∂ϕ ∂2ϕ (t, x), ∂x (t, x), ∂x (t, x) ∂t∂x1 2 3
dx+
+
R
det R0
∂2ϕ ∂ϕ ∂ϕ (t, x), ∂t∂x (t, x), ∂x (t, x) ∂x1 2 3
dx+
+
R
det R0
∂ϕ ∂2ϕ ∂ϕ (t, x), ∂x (t, x), ∂t∂x (t, x) ∂x1 2 3
dx
= F (ϕ(t, x)). Portanto,
0
V (t) =
R
+
R
+
R
R0
R0
R0
det
∂F (ϕ(t,x)) ∂ϕ ∂ϕ (t, x), ∂x (t, x), ∂x (t, x) ∂x1 2 3
dx+
det
∂ϕ ∂ϕ (t, x), ∂F (ϕ(t,x)) (t, x), ∂x (t, x) ∂x1 ∂x2 3
dx+
det
∂ϕ ∂ϕ (t, x), ∂x (t, x), ∂F (ϕ(t,x)) (t, x) ∂x1 ∂x3 2
dx
Observemos ainda que ϕ(0, x) ≡ x, donde
∂ϕ (0, x) ∂xi
= ei . Logo,
i h ∂F (x) ∂F (x) ∂F (x) = V (0) = R0 det ∂x1 , e2 , e3 + det e1 , ∂x2 , e3 + det e1 , e2 , ∂x3 0
=
R
h
R R0
∂F1 (x) ∂x1
+
∂F2 (x) ∂x2
+
∂F3 (x) ∂x3
i
dx .
106
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
Escrevendo ∇.F (x) =
∂F1 (x)
+
∂F2 (x)
+
∂F3 (x)
∂x1 ∂x2 ∂x3 e igualando os dois valores obtidos para V 0 (0), deduzimos o Teorema de Gauss-Ostrogradski: Z Z ~ F.ds = ∇.F S0
R0
∇.F é chamado de divergência de F . Observação : No termo à esquerda a normal a S0 “aponta para fora”. É importante ainda salientar que a dedução R acima não é uma demonstração: 0 0 calculamos V (0) e obtivemos V (0) = R0 ∇.F ; mas a igualdade V 0 (0) = R R ~ resultou apenas do “significado físico” de ~ F. dS F.dS. S0 S0
f
“O Campo”
Considerando a importância dos campos elétrico e gravitacional, “o campo” é, sem dúvida, F : IR3 − {(0, 0, 0)} −→ IR3 (x, y, z) 7−→ 2
1 3
(x +y 2 +z 2 ) 2
ou, mais ao gosto dos físicos, F =
~r , r3
onde ~r(x, y, z) = (x, y, z) e r =| ~r | .
(x, y, z) ,
F. “O CAMPO”
107
S2
ϕ(S)
S
Do ponto de vista geométrico, F está associado à construção do conceito de ângulo sólido. Seja ϕ : IR3 − {(0, 0, 0)} −→ S 2 1 (x, y, z) 7−→ r(x,y,z) ~r(x, y, z) . Seja S superfície em IR3 − {(0, 0, 0)} tal que ϕ|S seja injetiva. O ângulo sólido compreendido por S (vista da origem) é a área de ϕ(S). 6 Exercício : Seja S como acima. “Mostre” geometricamente que o ângulo sólido compreendido por S é dado por Z ~ , Ω(S) = F.dS S
onde a orientação de S é tal que o vetor normal aponta sempre “para longe” de (0, 0, 0). Exercício : Prove que ∇.F = 0. Refaça o exercício acima. Exercício : Seja S ⊂ IR3 − {(0, 0, 0)} uma superfície fechada. Mostre que R R ~ = 0 se (0, 0, 0) é exterior a S e que ~ F. dS S S F.dS = 4π se (0, 0, 0) é interior a S e se considera a orientação de S com normal exterior. Exercício : Prove que ∇ × F = 0. Conclua que F é conservativo (isto é, existe f : IR3 − {(0, 0, 0)} → IR tal que F = ∇f ). Mostre que F = −∇f , onde f (x, y, z) = 1r . 6
Esta é, na realidade, uma definição provisória, a ser substituída pela que nos fornece o exercício seguinte
108
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
Exercício : Calcule
R S
~ nos seguintes casos: F.dS
(i) S dada por z = a + b(x2 + y 2 ), a ≥ 0, b ≥ 0 (ii) S dada por z 2 − b(x2 + y 2 ) = a, a ≥ 0, b ≥ 0
Vamos agora a uma questão mais delicada: pode existir G tal que F = ∇ × G? R ~ = 0, sempre que S for uma Exercício : Mostre que isto implica em S F.dS superfície fechada contida no domínio de G. Conclua que não existe G : IR3 \ {(0, 0, 0)} → IR3 tal que F = ∇ × G. Exercício : Seja s uma semi-reta partindo de (0, 0, 0). Seja S ⊂ IR3 \ s uma R ~ = 0. superfície fechada. Mostre que S F.dS
Consideremos uma superfície S que não “envolve” a origem. Para fixar idéias, suponhamos que S não contém pontos na semi-reta s = {(0, 0, z), z ≥ 0}. Então a projeção de S sobre S 2 = {(x, y, z), x2 + y 2 + z 2 = 1} não contém o “pólo norte” (0, 0, 1). Isto é, se ϕ(x, y, z) = 1r (x, y, z), então ϕ(S) pode ser transportada para IR2 pela projeção estereográfica p : IR2 −→ S 2 \ {(0, 0, 1)} 2y x2 + y 2 − 1 2x (x, y) 7−→ , , . x2 + y 2 + 1 x 2 + y 2 + 1 x2 + y 2 + 1
Lembrando que o “jacobiano” de p é
área de ϕ(S) =
R
4 , (x2 +y 2 +1)2
podemos dizer que
4 dxdy p−1 (ϕ(S)) (x2 +y 2 +1)2
Exercício : Considere, no plano, a 1-forma ω(x, y) =
x2
−2y 2x dx + 2 dy 2 +y +1 x + y2 + 1
F. “O CAMPO”
S2
109
N
S
ϕ(S)
p−1 (ϕ(S)) Mostre que dω(x, y) = (x2 +y42 +1)2 (ω foi obtida por advinhação e tentativa). Conclua que se D ⊂ IR2 é limitada por uma curva fechada, então Z Z −2y 2x 4 dxdy = dx + 2 dy 2 2 2 2 2 x + y2 + 1 ∂D x + y + 1 D (x + y + 1)
Exercício : Use o exercício anterior e a projeção estereográfica para concluir que se R ⊂ S 2 \ {(0, 0, 1)} é uma superfície limitada pela curva c, então Z 2 area de R = ´ (ydx − xdy) 2 2 2 c x + y + (1 − z)
Exercício : Conclua que se S é uma superfície que não contém pontos no semi-eixo Oz + e é tal que ϕ|S é injetiva, então Z 1 ~ . (y, −x, 0)dS Ω(S) = r(r − z) ∂S
Seja G dado por G(x, y, z) = por que só podia dar isso.
1 r(r−z) (y, −x, 0).
Mostre que ∇ × G = F e explique
110
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
Problema: Considere Ruma superfície S orientada contida em IR3 . Para x ∈ ~ onde Fx (y) = 1 3 (y − x) (isto é, α(x) é o IR3 \ S, seja α(x) = S Fx .dS, |y−x| ângulo sólido compreendido por S vista de x). Observe que α(x) dá um salto quando x “passa através de S”. Tente estudar esta questão. Exercício: Seja B = {(x, y, z) ∈ IR3 , x2 + y 2 + z 2 ≤ 1}. Demonstre o Teorema de Brouwer: se f : B → B é contínua, então f tem ponto fixo.
g
Pausa para Reflexão : Será que é tudo um Teorema só ?
Agora que já apresentamos nossos dois teoremas, vale a pena reparar em certas parecenças que guardam entre si e com o Teorema Fundamental do Cálculo. Comecemos por observar que estamos lidando com quatro classes de objetos, quanto à dimensão : pontos (dimensão 0), curvas (dimensão 1), superfícies (dimensão 2) e sólidos (dimensão 3). A cada uma destas classes está associada uma integral: integral de linha para curvas, integral de superfície (ou fluxo) para superfícies, integral volumétrica para sólidos; podemos também considerar que o valor de uma função f em um ponto P é a “integral” de f sobre P . Fixado um aberto Ω de IR3 , podemos estabelecer o seguinte quadro: DIMENSÃO OBJETO
INTEGRANDO
RESULTADO DA OPERAÇÃO f (x)
0
ponto x
f : Ω → IR
1
curva c
F : Ω → IR3
R
2
superfície S
F : Ω → IR3
R
3
região R
f : Ω → IR
R
c
F
S
F
R
f
G. PAUSA PARA REFLEXÃO : SERÁ QUE É TUDO UM TEOREMA SÓ ?111 Vejamos agora os Teoremas. (ı) O Gradiente Consideremos f : Ω → IR de classe C 1 e façamos um ponto A se deslocar até B ao longo da curva c. O Teorema Fundamental do Cálculo nos diz então que a variação de f é dada por uma integral sobre c: Z f (B) − f (A) = ∇f . c
(ıı) O Rotacional Seja agora F : Ω → IR3 de classe C 1 e consideremos a aplicação F que a cada curva c em Ω associa Z F(c) = F. c
Suponhamos que nossa curva se desloca de uma posição c0 a uma posição c1 , mantidas fixas as extremidades. No deslocamento de c0 a c1 a curva “varre” uma superfície S. O Teorema de Kelvin mostra que a variação de F, F(c1 ) − F(c0 ), é dada por uma integral sobre S: Z Z Z ∇×F . F− F = c1
c0
S
(ııı) A Divergência Voltemos a considerar um campo F : Ω → IR3 de classe C 1 mas associemos agora a F uma aplicação F que age sobre as superfícies em Ω: Z F(S) = F . S
Mais uma vez, se deslocarmos S da posição S0 à posição S1 , de forma que, no caminho, S varra uma região R (e mantido fixo o bordo de S), teremos pelo Teorema de Gauss-Ostrogradski, que a variação de F será dada por uma integral sobre R: Z Z Z F− F = ∇.F . S1
S0
R
112
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO B
S1
c0
S
A
R c1 S0
Note que no caso (ı) os pontos A e B constituem o bordo da curva c; no caso (ıı) as curvas c0 e c1 formam o bordo da superfície S; e no caso (ııı) o bordo da região R é dado pelas superfícies S0 e S1 . Assim, cada um de nossos três Teoremas diz que a integral de “algo” sobre o “bordo” de um objeto é igual à integral de uma espécie de “derivada” deste “algo” sobre o próprio objeto. Há aqui duas operações que se cruzam: (ı) A operação (que notaremos por ∂) que a cada objeto M k) associa seu bordo ∂M (de dimensão k − 1);
7
(de dimensão
(ıı) A operação (que notaremos por d) que a cada integrando ω (uma função f ou um campo de vetores F , este último desempenhando papéis diferentes conforme M tenha dimensão 1 ou 2) associa uma espécie de “derivada” dω, que chamaremos de derivada exterior de ω (note que, conforme o caso, dω = ∇f, dω = ∇ × F ou dω = ∇.F ). ∂M ←− M ω −→ dω Sob esta ótica, nossos Teoremas dizem todos a mesma coisa: Z Z ω= dω . ∂M
M
Já poderíamos dizer que tivemos sucesso em unificar os três Teoremas. Mas o que até agora foi feito tem um caráter puramente descritivo: observamos 7
Do alemão Mannigfaltigkeit (multiplicidade, ou variedade), aparentemente usado pela primeira vez nos primórdios da Teoria da Relatividade para descrever o conjunto dos possíveis valores das coordenadas x, y, z, t do espaço-tempo
G. PAUSA PARA REFLEXÃO : SERÁ QUE É TUDO UM TEOREMA SÓ ?113 semelhanças e classificamos espécies, algo assim como se fôssemos biólogos do século XIX. Há lacunas gritantes em nossa compreensão : se, por um lado, nossa experiência com Geometria e Álgebra Linear faz com que saibamos razoavelmente bem o que entendemos por objetos de dimensão k, o mesmo não pode ser dito quando falamos dos integrandos. É evidente a falta de uma definição unificada para os diversos tipos de integral envolvidos. Mais ainda: se o operador de passagem ao bordo tem um apelo geométrico que praticamente o isenta de explicações , seu adjunto, o operador de derivação exterior, faz aparições misteriosas, e em cada caso se apresenta sob uma forma diferente. Fica pois o duplo desafio: (ı) Estabelecer uma definição unificada para as diversas integrais; (ıı) Esclarecer o conceito de derivada exterior, de forma que gradiente, rotacional e divergência apareçam claramente como diferentes manifestações de uma idéia geral. Não seria demais exigir, ainda, que daí possa resultar uma teoria geral aplicável também a dimensões mais altas.
114
CAPÍTULO 10. INTRODUÇÃO
Capítulo 11 OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS
a
Curvas e Superfícies
Curvas e superfícies são objetos geométricos; é natural que sejam definidas não como funções (forma paramétrica) mas como subconjuntos de IR3 . Exemplo : A esfera S 2 = {(x1 , x2 , x3 ) ∈ IR3 , x1 2 + x2 2 + x3 2 = 1} tem todo o direito de ser chamada de superfície – mais direito do que a aplicação ϕ : [0, 1]×[0, 1] → IR3 , ϕ(s, t) = (sen(πs)cos(2πt), sen(πs)sen(2πt), cos(πs)). Uma definição razoável de curvas e superfícies poderia ser a seguinte: uma superfície (curva) em IRN é um subconjunto de IRN que é imagem de uma aplicação injetiva C 1 ϕ : [0, 1] × [0, 1] → IRN (ϕ : [0, 1] −→ IRN ) tal que ϕ0 (s, t) é injetiva (ϕ0 (s) é injetiva) em todos os pontos (s, t) de [0, 1] × [0, 1] (s de [0, 1]). Exercício : Entenda esta definição. Mostre que, se a adotarmos, S 2 não é superfície. Observe que se retirarmos a injetividade de ϕ teremos superfícies com auto interseções; se retirarmos a injetividade de ϕ0 (s, t) teremos superfícies com bicos.
115
116CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS
superfície com bicos
superfície com auto-interseções
superfície regular
Embora seja razoável a idéia de que uma superfície é um plano deformado. se quisermos trabalhar com esferas, toros e outras menos populares, é preciso deformar e colar. Colar significa perda de injetividade. A alternativa é renunciar a usar uma parametrização única (qualquer cartógrafo sabe disto). Definição : S ⊂ IR3 é uma superfície de classe C r (r ≥ 1) se para todo ponto x de S existem um aberto U de IR2 e uma aplicação ϕ : U −→ IR3 de classe C r tais que: (i) ϕ(U ) = V ∩ S 3 x (ii) ϕ é injetiva (iii) ϕ−1 : V ∩ S → U é contínua (iv) ϕ0 (u) é injetiva ∀u ∈ U . ϕ é dita uma parametrização ou carta local. Uma coleção de parametrizações cujas imagens cobrem S é dita um atlas ou sietema completo de cartas locais. Exercício : Mostre que se excluirmos o item (iii) (ϕ−1 contínua) da definição, então nossas superfícies poderão ter auto-interseções. Trabalhe com alguns exemplos. Observe que nossa definição não inclui a possibilidade de termos superfícies com bordo.
A definição de superfície com bordo é praticamente a mesma vista acima, com uma alteração: as parametrizações ϕ : U −→ IR3 são definidas de modo que U seja um aberto não necessariamente de IR2 , mas de um semi-plano (por exemplo, U ⊂ {(x1 , x2 ) ∈ IR2 , x1 ≤ 0}). Isto
A. CURVAS E SUPERFÍCIES
117
ϕ U
ϕ(U )
S Figura 11.1: U inclui pontos (x1 , x2 ) com x1 = 0. A imagem de U inclui pontos de S que estão no bordo ( e correspondem aos pontos de U com x1 = 0) que não são abertos de IR2 (o que permite parametrizar vizinhanças de pontos do bordo)
inclui abertos de IR2 (e nos permite parametrizar vizinhanças de pontos do “interior”) e abertos como o abaixo: O bordo de S consiste exatamente nos pontos de S que não têm vizinhança parametrizada por aberto de IR2 (notação: ∂S). ∂S é certamente uma curva (ou união de curvas). Dado x ∈ S, o plano tangente a S em x é o subsepaço de IR3 dado por {ϕ0 (u)v, v ∈ IR2 }, onde ϕ é uma parametrização para uma vizinhança de x com ϕ(u) = x. Se x ∈ ∂S e ϕ : U ⊂ {(u1 , u2 ) ∈ IR2 , u1 ≤ 0} → IR3 é uma parametrização para uma vizinhança de x com ϕ(u1 , u2 ) = x, então necessariamente u1 = 0. Então a reta tangente a ∂S em x é o subespaço de IR3 dado por {ϕ0 (u1 , u2 )te2 , t ∈ IR} É claro que existem muitas questões sobre as definições acima. Mais ainda, dados um campo F e uma superfície S, definir corretamente a integral de F sobre S de forma independente das diferentes parametrizações de S dá um certo trabalho e apresenta algumas dificuldades técnicas. 1 Vamos deixá-las de lado, por ora. O que realmente nos interessa, no momento, é compreender o seguinte: 1
Tais dificuldades não estão , absolutamente, acima de nossas forças, mas enfrentá-las agora nos desviaria do objetivo principal
118CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS
n
S ∂S (i) curvas e superfícies podem ser definidas como subconjuntos de IR3 (ii) se S é uma superfície orientada (isto é, para a qual se escolheu um campo contínuo de vetores normais)2 , então ∂S é uma curva para a qual se pode escolher uma orientação compatível com a de S (de maneira que o enunciado da forma não paramétrica do Teorema de Kelvin esteja correto) (iii) se F é um campo de vetores C 1 em um aberto contendo uma superfície orientada S, o Teorema de Kelvin pode ser expresso por: Z
Z
∇×F
F = S
∂S
(orientações compatíveis para S e ∂S).
(iv) se V é um aberto cujo bordo é uma superfície S orientada com normal exterior e F é um campo C 1 em V , então o Teorema de Gauss-Ostrogradski pode ser expresso por: Z
Z ∇.F
F = S
2
V
Nem toda superfície é orientável; um exemplo famoso de superfície não orientável é a faixa de Möbius
B. CURVAS E SUPERFÍCIES PARAMETRIZADAS
b
119
Curvas e Superfícies parametrizadas
Nas considerações seguintes, limitaremos a variabilidade das grandezas x e y a um domínio finito, e, como lugar do ponto 0, não teremos em vista mais o próprio plano A, mas uma superfície T recobrindo este plano. Escolhemos este modo de representação onde não há nada de chocante em falar de superfícies superpostas, a fim de podermos admitir que o lugar do ponto 0 possa recobrir várias vezes a mesma parte do plano . . . B. Riemann Princípios fundamentais para uma teoria geral das funções de uma grandeza variável complexa, Göttingen, 1851
Definição : Uma curva parametrizada é uma aplicação c : [a, b] → IRN de classe C 1 (onde a, b ∈ IR, a < b). Uma superfície parametrizada é uma aplicação ϕ : [a, b] × [c, d] → IRN de classe C 1 (com a < b e c < d). Podemos aproveitar a ocasião e definir logo a generalização para dimensões maiores. Definição : Um bloco singular de classe C l é uma aplicação c : B → IRN de classe C l (neste caso, B é um bloco não degenerado em IRk e c é também dito um k-bloco de classe C l ; à falta de indicação, supomos que c é ao menos C 1 ). Observação : Dada uma superfície ϕ, não estamos exigindo que sua derivada, ϕ0 , seja injetiva; nossas superfícies (se confundidas com suas imagens) não têm necessariamente dimensão 2, assim como a imagem de uma curva pode se restringir a um só ponto. Além disso, nossas superfícies parametrizadas podem ter auto interseções ou mesmo recobrir a mesma região várias vezes (o que é particularmente claro no caso N = 2). Definição : Seja ϕ : [a, b] × [c, d] → IR3 uma superfície parametrizada (de classe C 1 ) e seja F : Ω → IR3 , com ϕ([a, b] × [c, d]) ⊂ Ω, tal que ∂ϕ ∂ϕ (s, t) × (s, t) F (ϕ(s, t)). ∂s ∂t
120CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS é integrável. A integral de superfície de F sobre ϕ é dada por Z
Z F ◦ ϕ.
F = ϕ
Z bZ
[a,b]×[c,d] d
F (ϕ(s, t)).
= c
a
∂ϕ ∂ϕ × ∂s ∂t
=
∂ϕ ∂ϕ (s, t) × (s, t) dtds . ∂s ∂t
No caso de campos de vetores no plano, o Teorema de Green torna natural a definição a seguir. Definição : Seja ϕ : [a, b] × [c, d] → IR2 uma superfície (de classe C 1 ) e seja f : Ω → IR, com ϕ([a, b] × [c, d]) ⊂ Ω tal que f ◦ ϕJϕ é integrável. A integral de superfície de f sobre ϕ é dada por Z
d
f ◦ ϕJϕ =
f= ϕ
Z bZ
Z [a,b]×[c,d]
f (ϕ(s, t))Jϕ (s, t)dtds . a
c
Exercício: Sejam ϕ e f como acima. Faça ψ : [a, b] × [c, d] → IR3 , ψ(s, t) = (ϕ1 (s, t), ϕ2 (s, t), 0) e F : Ω → IR3 , F (x, y, 0) = (0, 0, f (x, y)). Mostre que Z
Z F =
ψ
f. ϕ
Como já vimos, o Teorema de Kelvin relaciona a integral de linha de um campo F no bordo (seja lá o que for isso) de uma superfície com a integral de superfície de algo que estamos chamando de dF . Passemos, pois, à definição do bordo de uma superfície. Consideremos o retângulo R = [a, b] × [c, d]. O bordo de R é composto por quatro segmentos de reta, que formam um circuito fechado, misteriosamente percorrido no sentido trigonométrico. Da mesma forma, se ϕ : R → IRN é uma superfície parametrizada, seu bordo será formado por quatro curvas, de modo que o bordo de ϕ seja a imagem por ϕ do bordo de R.
C. CADEIAS
121
(0, 1)
c3
(1, 1)
c4
Q
c2
(0, 0)
c1
(1, 0)
Exercício : ϕ(R).
ϕ
Note que o bordo de ϕ pode ser diferente da fronteira do conjunto
Agora deveríamos definir o bordo de ϕ como sendo uma curva C 1 por partes. Mas não vamos. Exercício : Pense no cubo [0, 1] × [0, 1] × [0, 1] = Q. Pense ϕ : Q → IRN de classe C 1 . Pense o bordo de ϕ. Como você definiria uma "superfície parametrizada C 1 por partes"?
c
Cadeias
Uma cadeia é, basicamente, uma colagem de curvas (ou de seus análogos de dimensões maiores). Dadas duas curvas parametrizadas c1 : [a1 , b1 ] −→ IRN , c2 : [a2 , b2 ] −→ IRN , poderíamos "colá-las"definindo c : [0, b1 − a1 + b2 − a2 ] −→ IRN c1 (a1 + t), t ∈ [0, b1 − a1 ] t 7−→ c2 (a2 + t − (b1 − a1 )), t ∈ [b1 − a1 , b1 − a1 + b2 − a2 ] Temos três problemas: (ı) c(b1 − a1 ) está mal definida; (ıı) não parece simples fazer o mesmo para superfícies;
122CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS (ııı) de qualquer forma, está horrível. Definição : Uma cadeia unidimensional (ou 1-cadeia ) de classe C r em IRN é uma soma formal c = n 1 c1 + · · · + n k ck
,
onde cada ni é um inteiro e cada ci : [ai , bi ] −→ IRN é de classe C r (com ai 6= bi ).3 As multiplicidades ni indicam que ci deve ser contada ni vezes (com sentido invertido se ni for negativo). As cadeias generalizarão as curvas quando estivermos tratando de integrais de linha: dado um campo F definido em um aberto contendo as imagens das ci , definiremos Z Z Z F = n1 F + · · · + nk F . c
c1
ck
Da mesma forma definimos cadeias bi-dimensionais ou 2-cadeias (e nada nos impede de generalizar logo para dimensões maiores): Definição : Uma cadeia k-dimensional (ou k-cadeia) de classe C r em IRN é uma soma formal c = n 1 c1 + · · · + n l cl
,
onde cada ni é um inteiro e cada ci : Bi −→ IRN é de classe C r (Bi é um bloco não degenerado em IRk ). Considerando os ni todos não nulos, a imagem de c é ∪li=1 ci (Bi ). No caso particular em que ϕ1 , . . . , ϕl são superfícies parametrizadas em IR2 e f é uma função a valores em IR cujo domínio contém as imagens das ϕi , definimos, se ϕ = n1 ϕ 1 + · · · + nl ϕ l , 3
Do ponto de vista formal, não há impedimento para que se troque o anel dos inteiros por qualquer outro; assim, podemos (e frequentemente vamos) supor que os ni estão em IR ou C.
C. CADEIAS
123 Z
Z
f + · · · + nl
f = n1 ϕ
Z
ϕ1
f
;
ϕl
da mesma forma, para superfícies parametrizadas ϕ = n1 ϕ1 + · · · + nl ϕl em IR3 e campos de vetores F , fazemos Z Z Z F = n1 F + · · · + nl F . ϕ
ϕ1
ϕl
Estamos também em condições de definir a integral volumétrica para cadeias de dimensão três. Se B é um bloco em IR3 , c : B → IR3 é C 1 e f : Ω → IR, com c(B) ⊂ Ω, é tal que a integral abaixo existe, definimos a integral de f sobre c por Z Z f ◦ cJc . f= B
c
Se c = n1 c1 + . . . + nl cl , a integral é definida por Z Z Z f = n1 f + ... + f. c
c1
cl
Exercício: Certifique-se de que entendeu a definição . Note que o jacobiano de c é tomado com seu sinal. A exemplo das curvas e superfícies, mudar a parametrização pode mudar a orientação e, com ela, o sinal de Jc e o resultado da integral.
Cadeias de mesma dimensão a valores no mesmo IRN podem ser somadas da maneira óbvia e multiplicadas por números inteiros. Consideramos nula nc se o número n for zero ou se c : B −→ IRN , B bloco em IRk , for tal que o posto de c0 (t) for menor do que k para todo t em B. 4 Exercício: Uma definição mais abstrata de cadeias pode considerar que pegamos, dentre todas as c : B → IRN , algumas para multiplicar por inteiros não nulos, multiplicando por 0 as demais. Confira e entenda a seguinte definição de k-cadeia em Ω. Dados Ω ⊂ IRN , k ∈ IN e r ∈ IN , seja B = {c : B → Ω | B bloco em IRk , c de classe C r }. Uma k-cadeia em Ω é uma aplicação c : B → ZZ tal que c 6= 0 apenas para um número finito de elementos de B. Dada a cadeia c, teremos os elementos c1 , . . . , cm de B em que c não se anula, com 4
Veremos mais à frente uma definição mais geral de equivalência entre cadeias
124CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS os correspondentes valores n1 , . . . , nm em ZZ, o que significa que cada cj é contado nj vezes.
d
O bordo
Dada uma superfície parametrizada ϕ : [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] −→ IRN
,
seu bordo será uma cadeia composta pelas curvas ϕa1 : [a2 , b2 ] −→ IRN , t 7−→ ϕ(a1 , t) ϕa2 : [a1 , b1 ] −→ IRN , s 7−→ ϕ(s, a2 ) ϕb1 : [a2 , b2 ] −→ IRN , t 7−→ ϕ(b1 , t) ϕb2 : [a1 , b1 ] −→ IRN . s 7−→ ϕ(s, b2 )
Para manter o sentido trigonométrico (misteriosamente escolhido), somos forçados a definir o bordo de ϕ por ∂ϕ = ϕa2 + ϕb1 − ϕb2 − ϕa1
D. O BORDO
125
Exercício : Entenda isto.
De maneira geral, dada uma 2-cadeia n1 ϕ1 + · · · + nl ϕl
,
∂ϕ = n1 ∂ϕ1 + · · · + nl ∂ϕl
.
ϕ
=
o bordo de ϕ é definido por
Exercício : Seja ϕ : [a0 , a2 ] × [b0 , b2 ] → IR2 uma superfície parametrizada. Dados a1 em ]a0 , a2 [ e b1 em ]b0 , b2 [, considere, para i = 0, 1 e j = 0, 1, as superfícies ϕij : [ai , ai+1 ] × [bj , bj+1 ] −→ IR2 . (s, t) 7−→ ϕ(s, t) Dadas f : IR2 → IR e F : IR2 → IR2 contínuas, mostre que, sendo ϕ = ϕ00 + ϕ01 + ϕ10 + ϕ11 tem-se
Z
Z f=
f
ϕ
e
Z
ϕ
Z F =
∂ϕ
,
F
.
∂ϕ
O exercício acima é muito fácil mas é fundamental. Exercício: Seja c : [0π1]×[0, 2π] → IR3 dada por c(θ, φ) = (sin θ cos φ, sin θ sin φ, cos θ). Calcule ∂c.
Se c é uma k-cadeia a valores em A ⊂ IRN e f : A −→ IRM é de classe C 1 , definimos a imagem de c por f (que, claro, é uma cadeia em IRM ): f c = n1 f ◦ c1 + · · · + nl f ◦ cl , onde c = n1 c1 + · · · + nl cl
.
126CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS Exercício : Mostre que se ϕ é uma 2-cadeia a valores em A e f : A → IRM é de classe C 1 , então ∂(f ϕ) = f (∂ϕ).
Para podermos definir bordo de uma 1-cadeia, somos obrigados a criar as 0-cadeias. Uma 0-cadeia em IRN é uma soma formal c = n1 c1 + · · · + nl cl
,
onde cada ni é inteiro e cada ci é um ponto em IRN (a soma é formal, nada a ver com somar vetores em IRN ). A rigor, cada ci deveria ser uma função de {0} em IRN , mas vamos abrir mão do rigor. Se c : [a, b] → IRN é uma curva, o bordo de c é a 0-cadeia ∂c = c(b) − c(a) (insistimos em lembrar que a soma é formal : o bordo de c é constituído pelos pontos c(a) e c(b) - os sinais indicam que a "entrada"é por c(a) e a "saída"por c(b)). Se c = n 1 c1 + · · · + n l cl
,
definimos ∂c
=
n1 ∂c1 + · · · + nl ∂cl
.
Uma cadeia c é dita fechada se ∂c = 0 . Exercício : Emende umas tantas curvas umas nas outras de forma a obter um circuito fechado (com uma orientação bem definida). Mostre que o bordo da cadeia assim obtida é nulo. Exercício : Seja ϕ uma 2-cadeia. Mostre que ∂(∂ϕ) = 0.
Resta-nos definir o bordo de uma 3-cadeia. É claro que podemos nos restringir a c : B → IRN , onde B é um bloco em IR3 . Se B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] × [a3 , b3 ] seu bordo deve ser composto pelas seis faces dadas por:
D. O BORDO
127
ca1 : [a2 , b2 ] × [a3 , b3 ] −→ IRN (s, t) 7−→ c(a1 , s, t), cb1 : [a2 , b2 ] × [a3 , b3 ] −→ IRN (s, t) 7−→ c(b1 , s, t), ca2 : [a1 , b1 ] × [a3 , b3 ] −→ IRN (s, t) 7−→ c(s, a2 , t), cb2 : [a1 , b1 ] × [a3 , b3 ] −→ IRN (s, t) 7−→ c(s, b2 , t), ca3 : [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] −→ IRN (s, t) 7−→ c(s, t, a3 ), cb3 : [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] −→ IRN (s, t) 7−→ c(s, t, b3 ). Cada uma destas superfícies parametrizadas vem com sua orientação . Pelo que temos visto, gostaríamos que as orientações fossem tais que, c preservando orientação , as normais apontassem para fora. Exercício: Pense no caso em que c : B → IR3 é a identidade.
Definimos, então , o bordo de c por: ∂c = −ca1 + cb1 + ca2 − cb2 − ca3 + cb3 . Exercício: Entenda bem as escolhas dos sinais, na definição acima. Lembre-se de que e1 × e2 = e3 , e2 × e3 = e1 , mas e1 × e3 = −e2 .
No caso geral, c = n1 c1 + . . . + nl cl , o bordo de c é definido por: ∂c = n1 ∂c1 + . . . + nl ∂cl Exercício: Exercício classe C 1 , Exercício:
Seja c uma 3-cadeia. Mostre que ∂(∂c) = 0. : Mostre que se ϕ é uma 3-cadeia a valores em A e f : A → IRM é de então ∂(f ϕ) = f (∂ϕ). Seja c : [0, R] × [0, π] × [0, 2π] → IR3 dada por c(r, θ, φ) = r(sin θ cos φ, sin θ sin φ, cos θ).
Calcule ∂c. Exercício: Pense em como definir o bordo de uma k-cadeia, para k > 3.
128CAPÍTULO 11. OS OBJETOS: CURVAS, SUPERFÍCIES E CADEIAS
Capítulo 12 OS TEOREMAS Podemos agora repassar nossos teoremas, aproveitando para esclarecer as hipóteses. Já decidimos adiar a definição de integral de superfície, no caso não paramétrico. Assim, todos os objetos que consideraremos (curvas, superfícies e mesmo sólidos) serão parametrizados. De maneira geral, estaremos trabahando com cadeias de dimensão um, dois e três (e - não há por que discriminálas - também de dimensão zero). Se, por um lado, tal situação gera um certo desconforto (nas aplicações , estaremos com freqüência nos referindo a integrais não paramétricas que, rigorosamente, não foram definidas), por outro ganharemos a liberdade de trabalhar com curvas superfícies e sólidos com bicos e auto-interseções , o que é, em muitos casos, excelente. Com relação às demonstrações propriamente ditas, terão tratamentos um pouco diferentes, no que diz respeito à maneira como eliminaremos a hipótese de que as cadeias devam ser de classe C 2 e não C 1 . No Teorema de Kelvin usaremos um truque elementar; já no de Gauss-Ostrogradski, recorreremos a uma idéia extremamente útil, aproximando funções de classe C 1 por funções C ∞.
a
Kelvin-Green
Na introdução , o Teorema de Kelvin surgiu do estudo que fizemos da variação da integral de linha de um campo F ao longo de uma curva que se movia, de 129
130
CAPÍTULO 12. OS TEOREMAS
t
ϕ
c0
c1
s
uma posição inicial c0 até uma posição final c1 , mantidas fixas suas extremidades. Isto gerava uma superfície ϕ, cujo bordo era, precisamente, c1 − c0 . Podemos observar, é claro, que se deixarmos livres as extremidades da curva, o bordo da superfície que geraremos terás mais dois pedaços, além de c0 e c1 . Parece claro que é possível lidar com esta situação , o que deve alterar pouco a demonstração do Teorema. Teorema: Sejam Ω aberto em IR3 , F : Ω → IR3 um campo de vetores de classe C 1 e ϕ : B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] → Ω de classe C 1 . Então Z Z ∇ × F. F = ϕ
∂ϕ
Demonstração : Comecemos, para não complicar, supondo que ϕ é de classe C 2 . Façamos, para cada s em [a1 , b1 ], cs : [a2 , b2 ] → Ω, c(t) = ϕ(s, t) e Z I(s) =
Z
b2
F = cs
∂ϕ (s, t)dt. ∂t
F (ϕ(s, t)). a2
Derivando I, obtemos:
I 0 (s) =
Z
b2
a2
F 0 (ϕ(s, t))
∂ϕ ∂ϕ (s, t). (s, t)dt + ∂s ∂t
Z
b2
F (ϕ(s, t)). a2
∂2ϕ (s, t)dt ∂s∂t
Integrando por partes a segunda parcela, obtemos I 0 (s) =
R b2 a2
∂ϕ F 0 (ϕ(s, t)) ∂ϕ ∂s (s, t). ∂t (s, t)dt −
R b2 a2
∂ϕ F 0 (ϕ(s, t)) ∂ϕ ∂t (s, t). ∂s (s, t)dt+
∂ϕ +F (ϕ(s, b2 )). ∂ϕ ∂s (s, b2 ) − F (ϕ(s, a2 )). ∂s (s, a2 ).
A. KELVIN-GREEN
131
Integrando de a1 a b1 , obtemos R
F−
c b1
=
R ca1
R b1 R b2 a1
a2
F−
R b1 a1
F (ϕ(s, b2 )). ∂ϕ ∂s (s, b2 )ds +
R b1 a1
F (ϕ(s, a2 )). ∂ϕ ∂s (s, a2 )ds =
∂ϕ 0 (ϕ(s, t)) ∂ϕ (s, t). ∂ϕ (s, t) dtds. F 0 (ϕ(s, t)) ∂ϕ (s, t). (s, t)dt − F ∂s ∂t ∂t ∂s
R O primeiro termo é exatamente ∂ϕ F . O segundo, após manipulações (ver a InR trodução ), é ϕ ∇ × F . Isto demonstra o Teorema, no caso em que ϕ é de classe C 2. Vejamos agora o caso em que ϕ é apenas C 1 . Note que, nestas condições , não podemos calcular I 0 da mesma forma. Vamos trabalhar com a definição . Dado h, temos: I(s + h) − I(s) =
R b2
−
R b2
a2
a2
[F (ϕ(s + h, t) − F (ϕ(s, t))] . ∂ϕ ∂t (s + h, t)dt− F (ϕ(s, t)).
h
∂ϕ ∂t (s
+ h, t) −
i
∂ϕ ∂t (s, t)
dt.
Integrando por partes a segunda parcela, obtemos: R b2 a2
F (ϕ(s, t)).
h
∂ϕ ∂t (s
+ h, t) −
∂ϕ ∂t (s, t)
i
dt =
= F (ϕ(s, b1 )). [ϕ(s + h, b1 ) − ϕ(s, b1 )] − F (ϕ(s, a1 )). [ϕ(s + h, a1 ) − ϕ(s, a1 )] − −
R b1 a1
F 0 (ϕ(s, t)) ∂ϕ ∂s . [ϕ(s + h, b1 ) − ϕ(s, b1 )] .
Agora é só escrever I(s + h) − I(s) h→0 h e observar que as convergências dos integrandos são uniformes. O resto é igual. I 0 (s) = lim
Como conseqüência imediata, temos o mesmo teorema para cadeias. Note que o resultado vale tanto para cadeias em IR3 como para cadeias em IR2 . Teorema: Sejam Ω aberto em IR3 ou em IR2 , F : Ω → IR3 ou IR2 um campo de vetores de classe C 1 e c uma 2-cadeia de classe C 1 em Ω. Então
132
CAPÍTULO 12. OS TEOREMAS
Z
Z F =
dF,
∂c
c
onde dF = ∇ × F , se Ω ⊂ IR3 , ou dF =
∂F2 ∂x1
−
∂F1 , ∂x2
se Ω ⊂ IR2 .
Exercício: Seja F : IR2 \ {(0, 0)} → IR2 dado por F (x, y) = −
1 (−y, x) x2 + y 2
e seja c = c1 − c2 , c1 , c2 : [0, 2π] → IR2 dadas por c1 (t) = (5 + 10 cos t, −4 + 10 sin t), R c2 (t) = (10 cos t, 10 sin t). Calcule c F .
b
Gauss-Ostrogradski
A demonstração do Teorema de Gauss-Ostrogradski, no caso C 2 , segue a mesma linha da do teorema de Kelvin. O truque que usamos para passar ao caso C 1 , no entanto, não funciona tão bem. Vejamos... Teorema: Sejam Ω aberto em IR3 , F : Ω → IR3 um campo de classe C 1 e ϕ : B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] × [a3 , b3 ] → Ω de classe C 1 . Então Z Z F = ∇.F. ∂ϕ
ϕ
Demonstração : Comecemos supondo ϕ de classe C 2 e façamos, para t1 ∈ [a1 , b1 ],
Z I(t1 ) =
F (ϕ(t1 , t2 , t3 ). B1
∂ϕ ∂ϕ (t1 , t2 , t3 ) × (t1 , t2 , t3 ) dt2 dt3 , ∂t2 ∂t3
onde B1 = [a2 , b2 ]×[a3 , b3 ]. Derivando I, obtemos (omitindo o argumento (t1 , t2 , t3 )): I 0 (t1 ) = +
R
∂ϕ 0 B1 F (ϕ) ∂t1 .
R
B1 F (ϕ).
∂2ϕ ∂t1 ∂t2
×
∂ϕ ∂t2
∂ϕ ∂t3
×
∂ϕ ∂t3
dt2 dt3 +
dt2 dt3 +
R
B1 F (ϕ).
∂ϕ ∂t2
×
∂2ϕ ∂t1 ∂t3
dt2 dt3 .
B. GAUSS-OSTROGRADSKI
133
Integrando por partes as parcelas com derivadas segundas, obtemos
I 0 (t1 ) =
∂ϕ 0 B1 F (ϕ) ∂t1 .
R
−
R
∂ϕ 0 B1 F (ϕ) ∂t2 .
−
R
B1 F (ϕ).
+
R b3
−
R b3
+
R b2
−
R b2
a3
a3
a2
a2
∂ϕ ∂t1
∂ϕ ∂t1
×
×
∂ϕ ∂t2
∂ϕ ∂t3
∂2ϕ ∂t2 ∂t3
×
∂ϕ ∂t3
dt2 dt3 + ∂ϕ 0 B1 F (ϕ) ∂t3 .
R
dt2 dt3 −
dt2 dt3 −
F (ϕ(t1 , b2 , t3 ).
∂ϕ ∂t1 (t1 , b2 , t3 )
F (ϕ(t1 , a2 , t3 ).
F (ϕ(t1 , t2 , b3 ). F (ϕ(t1 , t2 , a3 ).
R
B1 F (ϕ).
∂ϕ ∂t2
∂2ϕ ∂t3 ∂t2
×
∂ϕ ∂t3 (t1 , b2 , t3 )
∂ϕ ∂t1 (t1 , a2 , t3 )
×
∂ϕ ∂t3 (t1 , a2 , t3 )
∂ϕ ∂t2 (t1 , t2 , b3 )
×
∂ϕ ∂t1 (t1 , t2 , a3 )
∂ϕ ∂t2 (t1 , t2 , a3 )
×
∂ϕ ∂t1 (t1 , t2 , a3 )
∂ϕ ∂t1
∂ϕ ∂t1
dt2 dt3 −
dt2 dt3 +
dt3 −
×
×
dt3 +
dt2 −
dt2 .
Agora devemos: 1. notar que as parcelas com derivadas segundas se cancelam; 2. passar as parcelas com integrais simples para o lado esquerdo do sinal de igual; 3. integrar tudo de t1 = a1 a t1 = b1 ; 4. observar que, à esquerda do sinal de igual, teremos a integral de F sobre o bordo de ϕ; 5. reorganizar as parcelas à direita do sinal de igual, obtendo: o R n 0 ∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ 0 (ϕ) ∂ϕ × ∂ϕ + ∂ϕ . ∂ϕ × F 0 (ϕ) ∂ϕ F (ϕ) . × + . F ; ∂t1 ∂t2 ∂t3 ∂t1 ∂t2 ∂t3 ∂t1 ∂t2 ∂t3 B 6. notar que o integrando que obtivemos é trilinear e alternado em
∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ ∂t1 , ∂t2 , ∂t3 ;
7. lembrar que o espaço das transformações trilineares alternadas em IR3 é de dimensão um e que, portanto, nosso integrando se escreve, para algum real ∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ α(t1 , t2 , t3 ), como α ∂t1 . ∂t2 × ∂t3 = αJϕ ;
134
CAPÍTULO 12. OS TEOREMAS
8. calcular α substituindo as derivadas parciais por vetores mais simples, como e1 , e2 , e3 , e obter α = trF 0 (ϕ) = ∇.F (ϕ).
Isto completa a demonstração para o caso em que ϕ é de classe C 2 . Para passar ao caso C 1 , recorreremos a aproximações : se ϕ é de classe C 1 , podemos estendê-la a uma ϕ¯ definida em IR3 e aproximá-la por por uma seqüência (ϕn ) de funções C ∞ de forma que as ϕn e suas derivadas primeiras convergirão , uniformemente sobre compactos em que ϕ¯ seja contínua, para ϕ¯ e suas correspondentes derivadas parciais. Devemos, porém, tomar uma precaução : se fizermos ϕ¯ ≡ 0 fora de B, perderemos a continuidade de ϕ¯ e suas derivadas em B. A solução é, primeiro, estender ϕ de forma C 1 a um aberto contendo B, o que pode ser feito de forma barata com simetrias em relação às faces que compõem o bordo de B (o que é deixado como exercício para o leitor que prefira este caminho). Outra possibilidade é fazer mesmo ϕ¯ ≡ 0 fora de B e considerar, para blocos B 0 contidos no interior de B, ψ : B 0 → Ω, dada pela restrição de ϕ a B 0 . Neste caso, nossas preocupações se desfazem: ψ e suas derivadas primeiras são aproximadas, uniformemente sobre B 0 , pelas ϕn e suas derivadas primeiras. Vale notar que, como ϕ(B) é compacto, teremos ϕn (B) ⊂ Ω, se n é grande. Como nosso resultado vale para as ϕn , que são C ∞ , valerá também, passando ao limite, para ψ. Agora é só fazer o bloco B 0 crescer para B, de modo que as integrais convergirão , isto é: Z
Z F →
∂ψ
Z
Z ∇.F →
F, ∂ϕ
ψ
∇.F. ϕ
Daí decorre, imediatamente, que o resultado vale também para o caso C 1 .
A extensão para cadeias é imediata. Teorema: Sejam Ω aberto em IR3 , F : Ω → IR3 um campo de classe C 1 e c uma 3-cadeia de classe C 1 em Ω. Então Z
Z F =
∂c
onde dF = ∇.F .
dF, c
C. UM OUTRO PONTO DE VISTA
c
135
Um outro ponto de vista
O Teorema de Green é usualmente apresentado de uma outra maneira, que tratamos, a seguir, sob forma de exercícios. A mesma linha de raciocínio pode ser usada para demonstrar o Teorema de Gauss-Ostrográdsqui e, com um pouco mais de trabalho, o de Kelvin (todos na forma não paramétrica). Para mais detalhes, veja qualquer livro de Cálculo. Exercício importante: Seja R = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] e seja ω = P dx + Qdy contínua ∂P em R e tal que ∂Q ∂x e ∂y existem no interior de R e são contínuas. Mostre que Z
Z P dx + Qdy = ∂R
R
∂Q ∂P − ∂x ∂y
.
∂P Sugestão : integre separadamente ∂Q ∂x (primeiro em relação a x) e ∂y (primeiro em relação a y), e observe que pode aplicar o Teorema Fundamental do Cálculo em ambos os casos.
Exercício: Sejam R, P, Q como no exercício anterior. Mostre que se F = (P, Q) e ∂Q ∂P = ∂x ∂y em R, então F é conservativo.
Exercício: Seja D uma região do plano com a seguinte propriedade: existem f1 , g1 : [a, b] → IR C 1 por partes, com f1 (x) ≤ g1 (x) para todo x em [a, b] e f2 , g2 : [c, d] → IR C 1 por partes, com f2 (x) ≤ g2 (x) para todo x em [c, d], de forma que D = {(x, y) ∈ IR2 | a ≤ x ≤ b, f1 (x) ≤ y ≤ g1 (x)} e D = {(x, y) ∈ IR2 | c ≤ y ≤ b, f2 (y) ≤ x ≤ g2 (y)}. Seja ω = P dx + Qdy contínua em D e tal que ∂Q e ∂P existem no interior de D e são contínuas. ∂x ∂y Mostre que Z Z ∂Q ∂P P dx + Qdy = − . ∂x ∂y ∂D D Sugestão : siga a mesma do primeiro exercício. Para a orientação de ∂D, veja a figura.
136
CAPÍTULO 12. OS TEOREMAS
y
D ∂D x
Capítulo 13 OS INTEGRANDOS
a
Campos de vetores e 1-formas
Comecemos com uma observação de caráter formal: dada f : Ω → IR, Ω ⊂ IRN aberto, o gradiente de f em x é apenas uma representação mais popular da diferencial de f : f 0 (x) : IRN −→ IR ∂f (x)h1 + · · · + h 7−→ ∂x 1
∂f (x)hN ∂xN
= ∇f (x).h .
Assim, quando nos colocamos a questão de, dado F : Ω → IRN , saber se existe f tal que F = ∇f , estamos, na verdade, interessados em saber se existe f : Ω → IR tal que f 0 (x)h = F (x).h para cada x em Ω e cada h em IRN . Isto é, não nos interessam os vetores F (x), mas as formas lineares a eles associadas. Isto parece, é claro, coisa de gente pedante, mas não nos custa nada substituir vetores por formas lineares. Definição : Seja Ω ⊂ IRN . Uma 1-forma diferencial em Ω é uma aplicação ω : Ω → L(IRN , IR)1 . Observação : Suporemos em geral que nossas 1-formas são contínuas como aplicações de Ω em L(IRN , IR), mas isto não é estritamente necessário. Como 1
L(IRN , IR) = {T : IRN → IR, T linear}
137
138
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
veremos mais à frente, é outra a continuidade que está em jogo. Da mesma forma, dizer que ω é de classe C 1 significa que a aplicação ω é diferenciável como função de Ω em L(IRN , IR) e que sua derivada é contínua (note ainda que isto equivale a dizer que o campo de vetores F correspondente a ω é de classe C 1 ). Utilizando em L(IRN , IR) a base {dx1 , . . . , dxN } definida por dxi (h1 , . . . , hn ) = hi podemos escrever qualquer 1-forma ω como combinação linear dos dxi : ω(x) = a1 (x)dx1 + · · · + aN (x)dxN . Existe, é claro, uma dualidade entre campos de vetores e 1-formas:
F (x) = (F1 (x), . . . , FN (x)) ←→ F1 (x)dx1 + · · · + FN (x)dxN = ωF (x) Observação sobre a notação : Um campo de vetores nos serviu, no que até aqui temos feito, para o cálculo de integrais de linha. O integrando, dada uma curva x : [a, b] −→ Ω t 7−→ (x1 (t), . . . , xN (t)) ´e dxN dx1 (t) + · · · + FN (x(t)) (t) . dt dt Ou seja, estamos interessados em integrais da forma F (x(t)).x(t) ˙ = F1 (x(t))
Z b a
dx1 dxN F1 (x(t)) (t) + · · · + FN (x(t)) dt , dt dt
o que nos leva,fazendo dxi dt = dxi , dt à notação Z F1 (x)dx1 + · · · + FN (x)dxN x
.
A. CAMPOS DE VETORES E 1-FORMAS
139
Mais ainda, a integral acima encontra suas origens nas somas Pn F (x(tj−1 )).(x(tj ) − x(tj−1 )) = Pj=1 N Pn = i=1 Pj=1 Fi (x(tj−1 ))(xi (tj ) − xi (tj−1 )) = PN n = , i=1 j=1 Fi (x(tj−1 ))∆xi com a = t0 < t1 < · · · < tn = b o que também nos conduz a Z Z F1 (x)dx1 + · · · + FN (x)dxN . x
x
Definição : Seja c : [a, b] → IRN uma curva parametrizada. Seja A ⊂ IRN tal que c([a, b]) ⊂ A e seja ω uma 1-forma diferencial em A (tal que ω ◦ c seja integrável). A integral de ω sobre c (integral de linha) é Z
Z
b
ω(c(t))c(t)dt ˙ ,
ω= c
a
onde c(t) ˙ = c0 (t)1 (lembre-se de que c0 (t) é uma transformação linear de IR em IRN ). c(t), ˙ onde estiver definido, é chamado vetor velocidade de c. Dada uma 1-cadeia c = n1 c1 + · · · + nl cl
,
a integral de ω sobre c é Z Z Z ω = n1 ω + · · · + nl ω . c
c1
cl
Exercício: Seja ω uma 1-forma contínua em um aberto A do plano. Mostre que existe f : A → IR tal que ω = df se e só se Z ω=0 c
para toda 1-cadeia fechada c .
140
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
Exercício: Seja c : [a1 , b1 ] → IRN uma curva parametrizada C 1 por partes. Suponha que exista ϕ : [a2 , b2 ] → IR, C 1 por partes e tal que ϕ([a2 , b2 ]) = [a1 , b1 ]. É verdade (ou sob que condições é verdade) que para toda forma 1-forma ω em c([a1 , b1 ]) Z Z ω , ω= c◦ϕ
c
onde
c ◦ ϕ : [a2 , b2 ] −→ IRN ? t 7−→ c(ϕ(t))
Sob que condições vale Z
Z ω=−
c
ω
?
c◦ϕ
Exercício: Sejam c1 : [a1 , b1 ] → IRN , c2 : [a2 , b2 ] → IRN curvas parametrizadas C 1 por partes tais que c1 ([a1 , b1 ]) = c2 ([a2 , b2 ]). É verdade (ou sob que condições é verdade) que para toda 1-forma ω em c1 ([a1 , b1 ]) Z Z ω= ω ? c1
c2
Exercício: Uma curva parametrizada c : [a, b] → IRN é dita retificável se S(c) = sup S(c, P ) < ∞ , P ∈P
onde P é o conjunto das partições do intervalo [a, b] e, para cada P ∈ P, dada por P = {t0 , t1 , . . . , tn }, a = t0 < t1 < · · · < tn = b, S(c, P ) =
n X
| c(ti ) − c(ti−1 ) |
.
i=1
Mostre que toda curva c : [a, b] → IRN C 1 por partes é retificável e que Z
b
| c(t) ˙ | dt .
S(c) = a
Exercício: Seja c : [a, b] → IRN curva parametrizada e seja ω 1-forma em c([a, b]). Para cada partição P = {t0 , t1 , . . . , tn } de [a, b], defina ω(c, P ) =
n X t=1
ω(c(ti )).(c(ti ) − c(ti−1 )) .
A. CAMPOS DE VETORES E 1-FORMAS
141
Defina ω(c) por ω(c) = lim ω(c, P ) |P |−→0
se existir,
onde | P |= max{| ti − ti−1 |, i = 1, . . . , n}, sendo P = {t0 , . . . , tn }, a = t0 < t1 < · · · < tn = b. Mostre que se c é C 1 por partes, então Z ω(c) = ω c
É verdade que ω(c) existe sempre que c é retificável ?
A idéia de fluxo, que nos serviu de motivação para definirmos integrais de superfície, também faz sentido em termos de integrais de linha. Considere um campo de vetores F : IR2 → IR2 não mais como um campo de forças mas como um campo de velocidades. Pense num escoamento plano (isto é, suponha que temos uma fina camada de água, mas que a velocidade não depende da profundidade - podemos então trabalhar com áreas no lugar de volumes). Considere uma curva c e suponha que em cada ponto de c esteja definido um vetor normal unitário n e que n varia continuamente. Então a quantidade de água que atravessa c por unidade de tempo é (proporcional a) Z
b
F (c(t)).(−c˙2 (t), c˙1 (t))dt , a
sendo c parametrizada por c : [a, b] −→ IR2 , c(t) = (c1 (t), c2 (t)) . Exercício: Entenda (note que no ponto c(t) n é dado por n(t) = ±
1 1
(c(t) ˙ 2 + c(t) ˙ 2) 2
(−c˙2 (t), c˙1 (t)) .
Exercício: Suponha que c é uma curva fechada simples (isto é, c(a) = c(b) e c não tem autointerseções ). Então c encerra um região A do plano2 . Suponha que c está 2
Este fato banal não é muito fácil de demonstrar; na literatura matemática é conhecido como Teorema da curva fechada de Jordan
142
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
n(t) F (c(t)) c(t) c(t) ˙
F (x)
A x
parametrizada de forma que, ao percorrermos c, A fica à esquerda. Se F = (F1 , F2 ), entenda que a quantidade de água que atravessa c por unidade de tempo, de dentro para fora de A, é (proporcional a) Z ω , c
onde ω = −F2 dx1 + F1 dx2 .
Imagine agora que a curva fechada c encerra uma bolha de tinta azul que preenche a região A. A bolha de tinta vai se deslocando segundo o fluxo do campo F . Exercício: Defina S(t) como a área da bolha no tempo t (em t = 0 a bolha ocupa a região A). Entenda que
B. FORMAS DIFERENCIAIS
143
F (c(t)) c(t) ˙ c(t)
S 0 (0) =
Z ω . c
Calcule diretamente S 0 (0) e mostre que S 0 (0) =
Z A
b
∂F1 ∂F2 + ∂x1 ∂x2
.
Formas Diferenciais
Tentemos refletir sobre os integrandos com que temos estado tratando. Comecemos pelos campos de vetores. O primeiro aspecto a salientar é que nossos campos têm significados distintos, conforme estejamos lidando com integrais de linha ou com integrais de superfície. R Consideremos o campo F . Se c é uma curva e queremos calcular c F , F nos serve apenas para associar um número a cada vetor tangente a c: Já destacamos que F (x) pode ser pensado como uma 1–forma. R ~ F nos serve para Se, por outro lado, S é uma superfície e queremos S F.dS, associar um número a cada par de vetores tangentes a S. Neste sentido, F (x) pode ser pensado como uma forma bilinear em v1 e v2 .
144
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
F (x) v2 x
v1
w v volume = det(u, v, w) u Talvez valha a pena, neste ponto, colocar uma questão mais filosófica: quando calculamos uma integral, qual é o significado do integrando ? Z b1 Z b2 Z b1 Z b2 Z b3 Z b f (x)dx, f (x, y)dxdy, f (x, y, z)dxdydz a
a1
a2
a1
a2
a3
Nos três casos acima, podemos pensar que nosso conjunto de base tem uma medida de comprimento, área ou volume e que f representa uma densidade. Ou, de maneira mais ousada, que f modifica nossa forma original de medir comprimentos, áreas ou volumes: a medida original é dx, a nova é f (x)dx. Deixemos de lado, por ora, o caso de dimensão 1. Em dimensão 2 e dimensão 3, as formas de medir áreas e volumes são dadas pelo determinante. Mas o determinante, em IRN , pode ser pensado como a única forma N–linear alternada que assume o valor 1 quando aplicada aos N vetores da base canônica 3 . 3
Lembrete: uma forma k–linear alternada em um espaço vetorial E é uma aplicação ω :
B. FORMAS DIFERENCIAIS u2
145 ϕ ∂ϕ (u) ∂u2
e2 u
ϕ(u) ∂ϕ (u) ∂u1
e1 u1
Exercício : Seja E um espaço vetorial real de dimensão N . Seja Ak (E) o conjunto das formas k–lineares alternadas de E. Mostre que Ak (E) é um espaço vetorial N de dimensão . Em particular AN (E) tem dimensão 1, ou seja, toda forma k N–linear em IRN é um múltiplo do determinante. Mostre que se k > N , então Ak (E) = {0}.
Assim, poderíamos dizer que quando integramos a função f : IRN → IR sobre o conjunto A, estamos substituindo, perto de cada ponto x de A, a medida original de IRN por uma nova medida, dada pela forma N–linear f (x)det : (v1 , . . . , vN ) 7−→ f (x)det(v1 , . . . , vN ). Ou seja, podemos repensar o conceito de integral de modo que os integrandos devam ser formas diferenciais (neste caso, aplicações que a cada ponto associam uma forma N-linear alternada). Passemos agora às superfícies. Seja S uma superfície e suponhamos S parametrizada por ϕ : U −→ IR3 , U ⊂ IR2 . Para calcular a área de S, recorremos a Z ∂ϕ ∂ϕ (u) × (u) | du1 du2 . | ∂u1 ∂u2 U Ora, o que representa o número |
∂ϕ (u) ∂u1
×
∂ϕ (u) ∂u2
|?
E k → IR com ω(v1 , . . . , vi + λwi , . . . , vk ) = ω(v1 , . . . , vi , . . . , vk ) + λω(v1 , . . . , wi , . . . , vk ) para qualquer i = 1, . . . , k e com ω(v1 , . . . , vk ) = 0 sempre que {v1 , . . . , vk } são linearmente dependentes — isto implica em ω(v1 , . . ., vi , . . ., vj , . . ., vk ) = − ω(v1 , . . ., vi , . . ., vj , . . ., vk ) ∀i, j = 1, . . . , k
146
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
Exercício : O que representa o número |
∂ϕ ∂u1 (u)
×
∂ϕ ∂u2 (u)
|?
Ora, dados dois vetores v1 ,v2 no plano tangente a S, | v1 × v2 | é a área do paralelogramo formado por v1 e v2 (ou seja, o valor absoluto do “determinante do plano tangente a S” aplicado a (v1 ,v2 )). Em verdade, como a variável de ∂ϕ ∂ϕ (u) × ∂u (u) | aparece para indicar a relação integração é o parâmetro u, | ∂u 1 2 entre o “elemento de área” da imagem por ϕ e o “elemento de área” original em U (sendo que o elemento de área da imagem é medido não sobre S, mas sobre o plano tangente – só sabemos medir coisas retas !). Que significa então Z
Z Z ∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ ~ = F (ϕ(u))· F · dS (u)× (u)du = det(F (ϕ(u)), (u), (u)) ? ∂u1 ∂u2 ∂u1 ∂u2 S U U
Significa que estamos mudando a forma de medir área em S (mudando nos planos tangentes). Dados dois vetores v1 , v2 no plano tangente a S em x = ϕ(u), vamos "medir"o paralelogramo por eles formado não mais pelo determinante, mas por uma nova forma bilinear alternada, ωF (x), dada por ωF (x)(v1 , v2 ) = F (x).v1 × v2 = det(F (x), v1 , v2 )
Como toda integral sobre S deve ser transformada em uma integral sobre U , o procedimento é o seguinte: O elemento de área (v1 , v2 ) é transformado no elemento de área dS = (ϕ0 (u)v1 , ϕ0 (u)v2 ). Isto significa que, para medir a área de dS, substituímos a forma de medir det(v1 , v2 ) pela nova forma de medir (no plano tangente a S em ϕ(u)) “det(ϕ0 (u)v1 , ϕ0 (u)v2 )”
B. FORMAS DIFERENCIAIS
147
ϕ ϕ0 (u)v2
v2 u
ϕ(u)
v1
ϕ0 (u)v1
Mas ainda não terminamos: a forma de medir em S não será o “determinante”, mas a forma ωF (x). Assim, o elemento de área (v1 , v2 ) será medido por ωF (ϕ(u))(ϕ0 (u)v1 , ϕ0 (u)v2 )
Desta maneira, se para cada x em S temos uma forma bilinear alternada ω(x)4 no plano tangente a S em x (isto é, uma nova forma de medir áreas em S), podemos integrar ω sobre S trazendo ω para U : (v1 , v2 ) será medido pela nova forma ϕ∗ ω(u)(v1 , v2 ) = ω(ϕ(u))(ϕ0 (u)v1 , ϕ0 (u)v2 ) Como ϕ∗ ω(u) é uma forma bilinear em IR2 que altera as medidas de área “perto de U ”, temos que existe, para cada u em U , um número f (u) tal que ϕ∗ ω(u)(v1 , v2 ) = f (u)det(v1 , v2 ) Basta então definir
Z
Z ω=
S
∗
Z
ϕω= U
f U
Em termos práticos temos, dado um campo de vetores F em S, que a 2–forma ωF é definida por ωF (x)(w1 , w2 ) = F (x).(w1 × w2 ) = det(F (x), w1 , w2 ) 4
Uma aplicação ω que a cada ponto x de S associa uma forma bilinear alternada definida no plano tangente a S em x é chamada uma forma diferencialde grau 2, ou 2–forma em S.
148
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
ϕ∗ ωF é dada por ϕ∗ ωF (u)(v1 , v2 ) = ωF (ϕ(u))(ϕ0 (u)v1 ), ϕ0 (u)v2 ) = = F (ϕ(u)).(ϕ0 (u)v1 × ϕ0 (u)v2 ) = det(F (ϕ(u)), ϕ0 (u)v1 , ϕ0 (u)v2 ). Temos ϕ∗ ωF (u)(v1 , v2 ) = f (u)det(v1 , v2 ), onde f (u) pode ser calculado observando que det(e1 , e2 ) = 1: f (u) = ϕ∗ ωF (u)(e1 , e2 ) = det(F (ϕ(u)), ϕ0 (u)e1 , ϕ0 (u)e2 ) = ∂ϕ ∂ϕ (u), ∂u (u)) = det(F (ϕ(u)), ∂u 1 2
Assim, Z
Z
∂ϕ ∂ϕ ωF = det(F (ϕ(u)), (u), (u)) = ∂u1 ∂u2 S U
c
Z
~ F.dS
S
A notação de formas diferenciais
Estamos agora em condições de reenunciar nossos teoremas em termos de formas diferenciais. Exercício (Teorema de Kelvin): Seja dado um campo de vetores C 1 F na vizinhança de uma superfície com bordo S. Considere a 1–forma ω(x) = F1 (x)dx1 + F2 (x)dx2 + F3 (x)dx3 . Seja G = ∇ × F , G(x) =
∂F3 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1 − , − , − ∂x2 ∂x3 ∂x3 ∂x1 ∂x1 ∂x2
(x) .
Defina dω como a 2-forma associada a G, isto é, dω(x)(u, v) = det(G(x), u, v). Se S é orientável e S e ∂S têm orientações compatíveis, entenda que o Teorema de Kelvin significa Z Z ω= ∂S
dω . S
C. A NOTAÇÃO DE FORMAS DIFERENCIAIS Se dx2 ∧ dx3 , dx3 ∧ dx1 , dx1 ∧ dx2 são formas 1 (dx2 ∧ dx3 )(u, v) = det(e1 , u, v) = det u1 v1 0 (dx3 ∧ dx1 )(u, v) = det(e2 , u, v) = det u1 v1 0 (dx1 ∧ dx2 )(u, v) = det(e3 , u, v) = det u1 v1
bilineares alternadas dadas 0 0 u2 u3 u2 u3 = det v2 v3 v2 v3 1 0 u3 u1 u2 u3 = det v3 v1 v2 v3 0 1 u1 u2 u2 u3 = det v1 v2 v2 v3
149 por ,
,
,
Observe que: (ı) (dxi ∧ dxj )(u, v) representa a área da projeção do paralelogramo formado por u e Rv no plano 0xi xj ; (ıı) ∂S F1 dx1 + F2 dx2 + F3 dx3 = R 3 ∂F2 ∂F1 ∂F3 ∂F2 ∂F1 − dx ∧ dx + − dx ∧ dx + − = S ∂F 2 3 3 1 ∂x2 ∂x3 ∂x3 ∂x1 ∂x1 ∂x2 dx1 ∧ dx2 . Exercício (Teorema de Gauss-Ostrogradski): Seja V um aberto de IR3 cujo bordo é uma superfície S orientada com normal exterior a V . Seja F um campo de vetores C 1 em V . Considere a 2-forma ω(x) = F1 (x)dx2 ∧ dx3 + F2 (x)dx3 ∧ dx1 + F3 (x)dx1 ∧ dx2 . Seja f (x) = ∇.F (x) =
∂F1 ∂F2 ∂F3 + + . ∂x1 ∂x2 ∂x3
Seja dω a forma trilinear alternada dada por dω(x)(u, v, w) = f (x)det(u, v, w). Entenda que o Teorema de Gauss-Ostrogradski significa que Z Z ω= dω . ∂V
V
Se dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 é definida por (dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 )(u, v, w) = det(u, v, w), usa-se escrever d(F1 (x)dx2 ∧ dx3 + F2 (x)dx3 ∧ dx1 + F3 (x)dx1 ∧ dx2 ) = =
∂F1 ∂x1 (x)
+
∂F2 ∂x2 (x)
+
∂F3 ∂x3 (x)
dx1 ∧ dx2 ∧ dx3
150
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
Exercício: Se (dxi ∧ dxj )(u, v) representa a área da projeção do paralelogramo formado por u e v no plano Oxi xj , entenda que é natural concluir que dx1 ∧ dx1 = dx2 ∧ dx2 = dx3 ∧ dx3 = 0 . Veja se dx3 ∧ dx2 = −dx2 ∧ dx3 dx1 ∧ dx3 = −dx3 ∧ dx1 dx2 ∧ dx1 = −dx1 ∧ dx2 são boas definições. Veja ainda se concorda que dxi u dxj u dxk u (dxi ∧ dxj ∧ dxk )(u, v, w) = det dxi v dxj v dxk v dxi w dxj w dxk w esteja bem (lembre-se que dxi u = ui ). Conclua que, se definirmos ∧ de maneira a ser distributivo, i.e., (ai dxi + aj dxj ) ∧ (bi dxi + bj dxj ) = ai bi dxi ∧ dxi + ai bj dxi ∧ dxj + aj bi dxj ∧ dxi + aj bj dxj ∧ dxj e (ai dxi + aj dxj ) ∧ (bdxk ∧ dxl + cxm ∧ dxn ) = ai bdxi ∧ dxk ∧ dxl + ai cdxi ∧ dxm ∧ dxn + aj bdxj ∧ dxk ∧ dxl + aj cdxj ∧ dxm ∧ dxn , então: (i) Se ω é a 1-forma dada por ω = F1 dx1 + F2 dx2 + F3 dx3 , então (observe que dFi ∂Fi ∂Fi ∂Fi = ∂x dx1 + ∂x dx2 + ∂x dx3 ) 1 2 3 dω = dF1 ∧ dx1 + dF2 ∧ dx2 + dF3 ∧ dx3
(ii) Se ω é a 2-forma dada por ω = F1 dx2 ∧ dx3 + F2 dx3 ∧ dx1 + F3 dx1 ∧ dx2 , então dω = dF1 ∧ dx2 ∧ dx3 + dF2 ∧ dx3 ∧ dx1 + dF3 ∧ dx1 ∧ dx2
C. A NOTAÇÃO DE FORMAS DIFERENCIAIS
151
Dadas duas formas alternadas ω e η, ω ∧ η é chamada produto exterior de ω e η. Observe que ω ∧ η é uma forma alternada de grau i + j, se i é o grau de ω e j é o grau de η. Pelo que já vimos, formas diferenciais servem para unificar nossos vários tipos de integral: 1-formas são integradas sobre objetos de dimensão 1 (curvas); 2-formas são integradas sobre objetos de dimensão 2 (superfícies); 3-formas são integradas sobre objetos de dimensão 3 (sólidos). Definição : Seja A ⊂ IR3 aberto. Uma forma diferencial de grau k (k = 1, 2 ou 3) ou, abreviadamente, uma k-forma em A, é uma aplicação ω : A → Ak (IR3 ).5 Definição : Sejam A ⊂ IR3 aberto, ω uma forma diferencial de grau k em A e c : B → A de classe C 1 , onde B é um bloco em IRk , k = 1, 2 ou 3. A integral de Ω sobre c é definida por Z Z ω(c(t)(c0 (t)e1 , ..., c0 (t)ek )dt, ω= B
c
sempre que a integral à direita exista (e1 , .., ek são os vetores da base canônica de IRk ). Se c = n1 c1 + . . . + nl cl é uma cadeia C 1 , definimos Z Z Z ω = n1 ω + . . . + nl ω. c
c1
cl
No caso particular R R em que Rc : BR → B é c(t) = t ∀ t ∈ B, usaremos as notações B ω e ∂B ω para c ω e ∂c ω. Exercício: Note que as definições acima se generalizam imediatamente para dimensões maiores. Exercício: Seja ω uma k-forma em A. Mostre que 5
A forma ω serve para ser integrada, de maneira que deveremos acrescentar alguma hipótese que garanta, conforme o caso, a existência da integral de linha, de superfície ou volumétrica de ω; a maneira mais simples, caso não se queira esquentar a cabeça, é supor a continuidade de ω (note que Ak (IR3 ) é espaço vetorial de dimensão finita e que, portanto, a continuidade de ω independe da norma escolhida)
152
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
(i) Se k = 1, então existe F : A → IR3 tal que ω(x) = F1 (x)dx1 + F2 (x)dx2 + F3 (x)dx3
(ii) Se k = 2, então existe F : A → IR3 tal que ω(x) = F1 (x)dx2 ∧ dx3 + F2 (x)dx3 ∧ dx1 + F3 (x)dx1 ∧ dx2 (iii) Se k = 3, então existe f : A → IR3 tal que ω(x) = f (x)dx1 ∧ dx2 ∧ dx3
Observe que: (i) Se k = 1, ω(x)v = hF (x), vi ∀v ∈ IR3 , x ∈ A (ii) Se k = 2, ω(x)(u, v) = hF (x), u × vi = det(F (x), u, v) ∀u, v ∈ IR3 , x ∈ A (iii) Se k = 3, ω(x)(u, v, w) = f (x)det(u, v, w) ∀u, v, w ∈ IR3 , x ∈ A
As funções F1 (x), F2 (x), F3 (x), f (x) que aparecem em cada um dos casos acima são chamadas de coeficientes de ω. Uma forma é dita de classe C r se seus coeficientes têm derivadas parciais contínuas até ordem r. O Teorema de Kelvin, em sua forma não paramétrica, mostra que se ω é uma 1-forma de classe C 1 no aberto A de IR3 , então existe uma 2-forma dω em A de classe C 0 tal que Z Z dω = ω , S
∂S
sempre que S ⊂ A seja uma superfície com bordo compacta e orientada e as orientações de S e ∂S compatíveis. Já o Teorema de Gauss-Ostrogradski (também na forma não paramétrica) afirma que se ω é uma 2-forma em A e V ⊂ A é um aberto cuja fronteira em IR3 é uma superfície S, então Z Z ω= dω S
V
D. CAMPOS
153
para uma certa 3-forma dω de classe C 0 em A (a orientação de S é tal que a normal “aponta para fora de V”). Temos ainda o velho Teorema Fundamental do Cálculo, que nos diz que se f : A → IR é de classe C 1 , então existe uma 1-forma C 0 df em A tal que se c ⊂ A é uma curva orientada partindo do ponto a para o ponto b, então Z df = f (b) − f (a) c
Se considerarmos que o bordo da curva c é o conjunto (de dimensão 0 !) {a, b}, com a orientação negativa em a e positivaRem b, poderíamos dizer que a função f é uma 0-forma em A e, escrevendo ∂c f = f (b) − f (a), obter Z Z f . df = c
∂c
Definimos então, dada uma k-forma ω, k = 0, 1, 2, sua derivada exterior como sendo a (k + 1)-forma dω tal que se M é um objeto (curva, superfície ou sólido) de dimensão k + 1, orientado, e seu bordo ∂M (que é um objeto de dimensão k) também é orientado convenientemente, então Z Z dω ω= ∂M
M
Como nossa teoria está toda construída com objetos parametrizados, a definição acima fica mais precisa se, simplesmente, substituímos objeto orientado por cadeia. Observação : Guardamos para os próximos capítulos a definição da derivada exterior em um ponto, o que deverá fazer a luz sobre a maneira algo misteriosa como foram obtidas as diversas versões de dω, que ora aparece como gradiente, ora como rotacional, ora como divergência, tendo a unificá-las apenas uma certa magia algébrica.
d
Campos
Pelo que acabamos de ver, uma função escalar f : Ω → IR define, simultaneamente, uma 0-forma e uma 3-forma (supondo Ω ⊂ IR3 ). Da mesma
154
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
maneira, um campo de vetores F : Ω → IR3 , F = (F1 , F2 , F3 ), define, em Ω, a 1-forma ω1 = F1 dx1 + F2 dx2 + F3 dx3 e a 2-forma ω2 = F1 dx2 ∧ dx3 + F2 dx3 ∧ dx1 + F3 dx1 ∧ dx2 . Diremos que ω2 é a adjunta de ω1 e usaremos a notação ω2 = ∗ω1 . Da mesma forma, ω1 é a adjunta de ω2 (ω1 = ∗ω2 ). No caso de 0-formas versus 3-formas, teremos ∗f = f dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 e ∗(f dx1 ∧ dx2 ∧ dx3 ) = f . Neste sentido, um campo pode ser entendido como um par (ω1 , ω2 ) de formas, com ω2 = ∗ω1 . Exercício: Note que, como as dimensões de Ak (IRN ) e AN −k (IRN ) são iguais, este procedimento pode ser estendido a formas k-lineares em IRN , de maneira que a cada k-forma ω seja associada uma (N − k)-forma ∗ω. Existe um procedimento simples para se obter ∗ω, se usarmos a base canônica de Ak (IRN ). Se dxI1 ∧ . . . ∧ dxIk aplicado a k vetores nos dá o determinante da matriz obtida considerando, destes vetores, apenas as coordenadas I1 , . . . Ik , então ∗(dxI1 ∧ . . . ∧ dxIk ) = dxJ1 ∧ . . . ∧ dxJN −k , de forma que dxI1 ∧ . . . ∧ dxIk ∧ dxJ1 ∧ . . . ∧ dxJN −k seja o determinante em IRN . Note que, em IR2 , temos ∗dx1 = dx2 e ∗dx2 = −dx1 . Conclua que ∗(∗ω) = ±ω, dependendo das dimensões envolvidas. Mostre que, sendo ω uma k-forma em IRN , ∗(∗ω) = (−1)k(N −k) ω.
A passagem à adjunta nos fornece ferramentas para interpretar, no âmbito das formas diferenciais, operações como ∇ × (∇ × F ) e ∇.(∇u). De fato, a operação que consiste em tomar o gradiente (u 7→ ∇u) associa uma 1forma a uma 0-forma. Mas a operação que consiste em tomar a divergência (F 7→ ∇.F ) associa uma 3.forma a uma 2-forma. Assim, não faria, em princípio, sentido tomar a divergência do gradiente de u. No entanto, usando os operadores d e ∗, podemos entender ∇.(∇u) como ∗(d(∗(du))) (de maneira que, assim como u, ∇.(∇u) seja uma 0-forma. Da mesma maneira, podemos entender ∇ × (∇ × F ) como associando à 2-forma ω definida por F a 2-forma dada por ∗(d(∗(df ))). Exercício: Note que, considerando u como 3-forma, podemos ver ∇. (∇u) como a 3-forma d(∗(d(∗u))). Interprete ∇ × (∇ × F ) como uma 1-forma, caso F seja visto como uma 1-forma. Note que há outras possibilidades, se incluirmos o operador inverso de ∗. Exercício: Mostre que, para uma função escalar u, temos ∆u = ∇. (∇u) =
∂2u ∂2u ∂2u + + . ∂x1 2 ∂x2 2 ∂x3 2
D. CAMPOS
155
Exercício: Para um campo de vetores F , calcule ∇ × (∇ × F ) e ∇(∇. F ). Exercício: Mostre, sendo F = (F1 , F2 , F3 ), que ∇(∇. F ) − ∇ × (∇ × F ) = (∆F1 , ∆F2 , ∆F3 ) (∆, para funções escalares, foi definido no exercício anterior). (∆F1 , ∆F2 , ∆F3 ) também costuma ser denotado por ∆F .
156
CAPÍTULO 13. OS INTEGRANDOS
Capítulo 14 A DERIVADA a
A divergência e a densidade de fluxo
Suponhamos dado um campo de vetores C 1 F : IR3 → IR3 e procuremos dar um sentido à divergência de F . Fixado x em IR3 e dada qualquer bolinha B contendo x, teremos, do Teorema da Divergência, Z Z 1 1 F = ∇.F. µ(B) ∂B µ(B) B Passando ao limite quando o diâmetro de B tende a zero, temos Z 1 ∇.F (x) = lim F. diam(B)→0 µ(B) ∂B Esta caracterização da divergência tem vantagens que merecem destaque: (i) a divergência aparece como resultado de uma passagem ao limite de um quociente de termos que tendem a zero, o que lhe dá uma simpática cara de derivada; (ii) o teorema de Gauss-Ostrogradski passa a ser óbvio. A segunda afirmação pode ser justificada da seguinte forma: se trocarmos bolinhas por bloquinhos, o resultado não se altera, isto é: 157
158
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
1 0 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 111111111111111 000000000000000 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 111111111111111 000000000000000 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 111111111111111 000000000000000 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 111111111111111 000000000000000 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 01 1 01 0 1 01 0 1 01 01 0 1 0
B
β
Z 1 F, ∇.F (x) = lim diam(B)→0 µ(B) ∂B onde B é um bloquinho contendo x. Suponhamos agora que B é um bloco fixo em IR3 . Se o dividirmos em sub-bloquinhos β de uma partição P , teremos Z F =
X 1 Z F = F µ(β). µ(β) ∂β ∂β β
XZ
∂B
β
Se fazemos tender a zero a norma R da partição , é bastante razoável concluir que o lado direito tenderá a B ∇.F , o que nos dá, essencialmente, nosso Teorema. Exercício: Reflita a respeito. Note que a "demonstração "acima é, basicamente, a demonstração do Teorema Fundamental do Cálculo. Observe que o mesmo raciocínio pode ser feito em dimensão dois, conduzindo ao Teorema de Green. R Exercício: Recorde que B ∇.F , no caso em que F é visto como um campo de velocidades, nos dá a taxa de expansão volumétrica da porção de um fluido que ocupasse a posição de B, sendo transportada pelo fluxo de F . Neste caso, reinterprete ∇.F como densidade da taxa de expansão volumétrica.
b
O rotacional
Podemos tentar o mesmo truque com o rotacional. Dados um campo de vetores F : IR3 → IR3 e um ponto x de IR3 , podemos tomar uma superfície
B. O ROTACIONAL
159 c
S, passando por x e nela considerar uma vizinhança de x (em S), σ, que vai encolher até x. Se F é C 1 , podemos usar o Teorema de Kelvin e obter 1 lim σ→x area de σ
Z
1 F = lim σ→x area de σ ∂σ
Z ∇ × F.~ndS = ∇ × F (x).~n(x), σ
onde ~n(x) é o vetor unitário normal a S em x. Temos, neste caso ,duas dificuldades suplementares: • não obtemos diretamente ∇ × F , mas apenas seu produto escalar por algum n; • não é tão simples trabalhar com a área de σ (só calculamos diretamente áreas de blocos). A questão da área de σ pode ser resolvida via parametrização de S: S, como de costume, será parametrizada por c : B → IR3 , onde B ⊂ IR2 é um retângulo. Assim faremos σ = c(β), onde β é um retangulozinho que encolhe para t (com c(t) = x). Note que, se ∂c ∂c (t), v2 = c0 (t)e2 = (t), ∂t1 ∂t2 então quando σ é pequenininho, temos área de σ ∼ = |v1 × v2 | área de β. Ao mesmo tempo, temos v1 = c0 (t)e1 =
n(x) =
1 v1 × v2 . |v1 × v2 |
Se trocarmos a (incômoda) divisão por área de σ pela divisão por área de β, teremos
160
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
1 lim β→t µ(β)
Z
1 F = lim β→t µ(β) ∂σ
Z ∇ × F.~ndS = |v1 × v2 |∇ × F (x).~n(x), σ
ou seja, 1 lim β→t µ(β)
Z F = ∇ × F (x).(v1 × v2 ). ∂σ
Este resultado não é tão mau assim: se nos damos conta de que F é, na verdade, uma 1-forma ω e que ∇ × F é a 2-forma dω, dada por dω(x)(v1 , v2 ) = ∇ × F (x).(v1 × v2 ), conhecer ∇ × F (x) é, no fundo, conhecer ∇ × F (x).(v1 × v2 ). Exercício: Observe que, usando a notação de formas diferenciais, o que obtivemos significa Z 1 ω. dω(c(t))(c0 (t)e1 , c0 (t)e2 ) = lim β→t µ(β) ∂c(β)
c
Uma nova derivada
A idéia da seção anterior é tão boa que seria uma pena não explorá-la um pouco mais. Para simplificar as coisas, vamos nos restringir a IR2 e definir (provisoriamente) a derivada de uma 1-forma ω no ponto x por Z 1 dω(x) = lim ω, B→x µ(B) ∂B onde B → x significa que: (i) x ∈ B; (ii) o diâmetro de B tende a zero;
C. UMA NOVA DERIVADA
161
(iii) se L(B) designa o maior lado de B e l(B) designa o menor, existe uma constante K tal que L(B)/l(B) < K para todos os B considerados1 . Definição : Seja A um aberto de IR2 e seja ω uma 1-forma em A integrável nos bordos dos retângulos contidos em A. Diremos que dω(x) é a derivada de ω no ponto x de A se ∀ε > 0 ∀K > 1 ∃δ > 0 tal que
Z 1 L(B)
0 ∃ δ > 0 tal que ! Z 1 L([a, b]) < δ, x ∈ [a, b] ⇒ f − f 0 (x) < ε. µ([a, b]) ∂[a,b]
Poderíamos então tentar a generalização do seguinte e famoso Teorema, dito Teorema Fundamental do Cálculo: 1
Esta hipótese, aparentemente desnecessária ou, pelo menos, pouco natural, tem o seu valor: graças a ela, poderemos mostrar que a diferenciabilidade de ω em x implica em sua derivabilidade 2 Rigorosamente, dω(x) é uma forma bilinear alternada. Mas como o espaço das formas bilineares alternadas em IR2 é de dimensão 1, podemos ficar com esta definição simplificada, entendido que o número real dω(x) corresponde à forma bilinear (u, v) 7→ dω(x)det(u, v)
162
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
Teorema : Se f : [a, b] → IR é contínua em [a, b] , derivável em ]a, b[ e f 0 é integrável, então Z b f (b) − f (a) = f0 . a
É interessante notar que a ferramenta básica para a demonstração do Teorema Fundamental do Cálculo é o Teorema do Valor Médio 3 . De fato, se P = {a0 , a1 , . . . , an } é uma partição de [a, b], escrevemos f (b) − f (a) =
n X
f (ai ) − f (ai−1 ) =
i=1
n X
f 0 (ξi )(ai − ai−1 ) ,
i=1
onde ξi ∈]ai−1 , ai [. Temos então L(f 0 , P ) ≤ f (b) − f (a) ≤ U (f 0 , P )4 , e o Teorema segue. Exercício: Recorde que o Teorema do Valor Médio afirma que: se f : [a, b] → IR é contínua em [a, b] e derivável em ]a, b[, então existe c em ]a, b[ tal que Z 1 f = f 0 (c). µ([a, b]) ∂[a,b]
O teorema a provar, no caso de uma 1-forma ω definida em um retângulo B seria: se ω é contínua em B e derivável no interior de B, sendo dω integrável5 em B, então Z Z ω= dω. ∂B
B
Tentemos imitar a demonstração acima. Dada uma partição P de B, sejam β1 , . . . , βn seus sub-blocos. Então : 3
Observe que esta é uma situação em que o verdadeiro Teorema do Valor Médio, sob forma de igualdade é utilizado 4 U (f 0 , P ) e L(f 0 , P ) designam, como de costume, as somas superior e inferior referentes à partição P 5 Neste caso, ficando implícito que dω é limitada
D. O TEOREMA DO VALOR MÉDIO
163
0 10 10 10 1 0000000000000000 1111111111111111 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 1010 1010 1010 0 1 1111111111111111 0000000000000000 0 1 1010 1010 1010 0 1 1111111111111111 0000000000000000 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 1010 1010 1010 1111111111111111 0000000000000000 0 1 0 10 10 10 1 Z ω= ∂B
n Z X i=1
ω
∂βi
(quem não achar óbvio que demonstre!). Tudo dará certo se pudermos garantir que no interior de cada βi existe ξi tal que Z ω = µ(βi )dω(ξi ) . ∂βi
Ou seja, precisamos generalizar o Teorema do Valor Médio.
d
O Teorema do Valor Médio
O leitor observará que a formulação deste teorema, que evidentemente se dá para funções a valores vetoriais, difere em aparência do teorema clássico do valor médio (para funções a valores reais), que se escreve correntemente em forma de igualdade f (b) − f (a) = f 0 (c)(b − a). O que confunde nesta demonstração clássica é que: 1o não se apresenta nada análogo quando f assume valores vetoriais; 2o fica completamente oculto o fato de que não se conhece nada sobre o número c, exceto que está compreendido entre a e b, e na maioria dos casos, a única coisa que se necessita saber é que f 0 (c) é um número que está compreendido entre o extremo superior e o extremo inferior de f 0 em [a, b] (e não o fato de ser efetivamente um valor de f 0 ). A real natureza do teorema do valor médio se revela expressando-o por meio de uma desigualdade e não mediante uma igualdade.
164
CAPÍTULO 14. A DERIVADA f (x)
f
x
Jean Dieudonné Fundamentos da Análise Moderna, 1960 O trecho acima, extraído de um livro bastante conhecido, expressa com fidelidade uma crença que se consolidou ao longo dos tempos. No entanto, como veremos a seguir, há uma interessante generalização , sob forma de igualdade, que é bastante reveladora no que diz respeito à verdadeira natureza do teorema. Aparentemente, as razões que podem ter encoberto uma idéia tão simples são duas: 1o uma definição insatisfatória de derivada exterior; 2o a demonstração usual do Teorema do Valor Médio é tão boa que deixa pouca margem a que se procure pensar em outra. Comecemos, pois , por dar ao Teorema do Valor Médio clássico uma nova demonstração . Lema: Se f : [a, b] → IR é contínua, então existem a1 e b1 em ]a, b[ tais que f (b) − f (a) f (a1 ) − f (b1 ) = , b 1 − a1 b−a com (a1 − b1 ) =b−a . 3 Demonstração : Divida [a, b] em três intervalos de mesmo comprimento através dos pontos α0 , α1 , α2 e α3 . Como
D. O TEOREMA DO VALOR MÉDIO
165
3
f (b) − f (a) 1 X f (αi ) − f (αi−1 ) , = b−a 3 αi − αi−1 i=1
temos que ou bem as três parcelas à direita são todas iguais (e neste caso basta fazer a1 = α1 , b1 = α2 ), ou bem se tem uma das parcelas superior e outra inferior ao termo à esquerda. Neste caso, sendo h = b−a 3 , a função contínua m : [a, b − h] −→ IR (x) − x 7−→ f (x+h)−f h
f (b)−f (a) b−a
assume valores positivos e negativos. Existe, pois, a1 em ]a, b − h[ tal que m(a1 ) = 0.
Teorema do Valor Médio: Se f : [a, b] → IR é contínua em [a, b] e derivável em ]a, b[, então existe c em [a, b] tal que f (b) − f (a) = f 0 (c)(b − a). Demonstração : Aplicando reiteradamente o Lema, obtemos uma seqüência de intervalos encaixantes [an , bn ] ⊂]a, b[ tais que f (bn ) − f (an ) f (b) − f (a) ∀n ∈ IN . = bn − an b−a Basta tomar como c o ponto interseção dos [an , bn ].
Generalizemos o Lema. Trata-se de, dados um bloco B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] e um campo de vetores contínuo F : B −→ IR2 , mostrar que existe um bloco B1 contido no interior de B tal que Z Z 1 1 F = F , µ(B1 ) ∂B1 µ(B) ∂B sendo as dimensões de B1 iguais a um terço das de B. Comecemos dividindo B em nove blocos iguais, que vamos batizar de β1 , β2 ,..., β9 . Temos então Z F = ∂B
9 Z X i=1
∂βi
F .
166
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
B β7
β6
β5
β8
β9
β4
β1
β2
β3
Observando que µ(B) = 9µ(βi ) , i = 1, . . . , 9, vem 1 9 µ(B)
Z F = ∂B
9 X i=1
1 µ(βi )
Z F , ∂βi
ou, equivalentemente, Z Z 9 X 1 1 ( F− F) = 0 . µ(β ) µ(B) i ∂β ∂B i i=1 Sejam então h1 =
b 1 − a1 b 2 − a2 , h2 = 3 3
e β = [0, h1 ] × [0, h2 ]. Consideremos a função contínua m : [a1 , b1 − h1 ] × [a2 , b2 − h2 ] −→ IR R 1 x 7−→ µ(β) F− ∂(x+β) onde x + β = {x + y, y ∈ β}.
1 µ(B)
R ∂B
F ,
D. O TEOREMA DO VALOR MÉDIO
167
B
B1
Agora note que ou bem m(a1 + h1 , a2 + h2 ) = 0 (e então basta fazer B1 = (a1 +h1 , b1 +h2 )+β), ou bem a função m assume valores positivos e negativos em ]a1 , b1 − h1 [×]a2 , b2 − h2 [ 6 . Mas então m se anula em um ponto x0 de ]a1 , b1 − h1 [×]a2 , b2 − h2 [, e podemos fazer B1 = x0 + β. Observação : Note que a continuidade de F só intervém para garantir a continuidade de m. Desta forma, se, por exemplo, alterarmos o valor de F em um número finito de pontos, F deixará de ser contínuo mas a demonstração acima não se alterará. Podemos pois dizer que demonstramos o seguinte resultado: Lema: Seja ω uma 1-forma em B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] tal que que para todo retângulo β = [0, h1 ] × [0, h2 ] com h1 < b1 − a1 e h2 < b2 − a2 a aplicação Z x 7−→ ω ∂x+β
é contínua em [a1 , b1 − h1 ] × [a2 , b2 − h2 ] contido no interior de B tal que:
7
. Então existe um retângulo B1
(ı) os lados de B1 medem um terço dos de B; R R 1 ω. (ıı) µ(B1 1 ) ∂B1 ω = µ(B) ∂B O Teorema do Valor Médio toma então o seguinte aspecto em IR2 : 6 7
Atenção !Podemos garantir isto porque m é contínua Estamos representando por x + β a cadeia dada pela aplicação identidade em x + β
168
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
Teorema do Valor Médio: Seja ω uma 1-forma em B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] tal que que: (ı) para todo retângulo β = [0, h1 ] × [0, h2 ] com h1 < (b1 − a1 ) e h2 < (b2 − a2 ) a aplicação Z x 7−→ ω ∂(x+β)
é contínua em [a1 , b1 − h1 ] × [a2 , b2 − h2 ] ; (ıı) ω tem derivada em todos os pontos de ]a1 , b1 [×]a2 , b2 [. Então existe um ponto c em ]a1 , b1 [×]a2 , b2 [ tal que Z 1 ω. dω(c) = µ(B) ∂B Demonstração : Aplique reiteradamente o Lema de forma a obter uma seqüência (Bn ) de retângulos encaixantes tais que: (ı) para todo n, Bn está contido no interior de B; (ıı) os lados de Bn+1 medem um terço dos de Bn ; R R 1 (ııı) para todo n, µ(B1 n ) ∂Bn ω = µ(B) ∂B ω. Seja c o ponto comum aos Bn . Como c está no interior de B, ω tem derivada exterior em c e o resultado segue da definição de derivada exterior. Exercício: Seja ω a 1-forma definida em IR2 por ω(x1 , x2 ) = 0 , (x1 , x2 ) 6= (0, 0) , ω(0, 0) = dx1 . Mostre que, embora seja descontínua em (0, 0), ω satisfaz às hipóteses do Teorema do Valor Médio em qualquer retângulo de IR2 . Exercício: Considere a 1-forma definida em IR2 por ω(x1 , x2 ) =
1 1
(x1 2 +x2 2 ) 2
(x1 dx1 + x2 dx2 ) , (x1 , x2 ) 6= (0, 0) ,
ω(0, 0) = 0 . Mostre que não existe limx→0 ω(x).
E. O TEOREMA DE GREEN REVISITADO
169
Mostre que dω(0, 0) = 0. Mostre que ω satisfaz às hipóteses do Teorema do Valor Médio em qualquer retângulo de IR2 . Mostre que dω(x) = 0 ∀x ∈ IR2 .
Quando alguém diz que sabe alguma coisa, fico perplexa: ou estará enganado, ou é um farsante, —ou somente eu ignoro e me ignoro desta maneira? E os homens combatem pelo que julgam saber. E eu, que estudo tanto, inclino a cabeça sem ilusões , e a minha ignorância enche-me de lágrimas as mãos . Cecília Meireles 1960
e
O Teorema de Green revisitado
Já estamos em condições de enunciar e provar uma nova versão do Teorema de Green. Trata-se de uma versão preliminar, mas que permite antever claramente suas generalizações . Teorema de Green: Seja ω uma 1-forma em B = [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] tal que que: (ı) para todo retângulo β com 0 ∈ β a aplicação Z x 7−→ ω ∂(x+β)
é contínua em {x ∈ B, (x + β) ⊂ B} ; (ıı) ω tem derivada exterior em todos os pontos de ]a1 , b1 [×]a2 , b2 [; (ııı) dω é integrável (e limitada) em B. Então
170
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
Z
Z ω =
∂B
dω . B
Demonstração: Seja P uma partição de B. Sendo S(P ) o conjunto dos sub-blocos de P , temos Z X Z ω , ω = β∈S(P ) ∂β
∂B
onde estamos identificando cada retângulo com a aplicação identidade. Aplicando em cada β o Teorema do Valor Médio, temos Z X ω = µ(β)dω(xβ ) , ∂B
β∈S(P )
com xβ em β. Então Z L(dω, P ) ≤
ω ≤ U (dω, P ) , ∂B
e o Teorema está demonstrado. Exercício: Copie tudo que foi feito em IR2 para IR3 e prove uma versão similar do Teorema da Divergência.
Suponhamos agora dadas c : B → A ⊂ IR3 , onde B é um bloco em IR2 e ω 1-forma em A. O Teorema de Kelvin deve nos dar, com as hipóteses adequadas, Z Z ω = dω. ∂c
c
Antes de discutirmos o significado do lado direito (e, particularmente, o de dω), podemos observar que, no frigir dos ovos, todas as integrais serão calculadas em IR2 (mais especificamente, em B a do lado direito e em ∂B a do lado esquerdo). Esta é, aliás, uma característica básica de nossas integrais: sempre trazemos nossos integrandos para um bloco. Uma pequena pausa para estudar este procedimento pode ser proveitosa.
F. O PULLBACK
171
ϕ ϕ0 (x)vk
vk x
f
ϕ(x)
v1
ϕ0 (x)v1
O Pullback
Coloquemo-nos num caso bastante geral. Suponhamos dados A aberto em IRN , B aberto em IRM , ϕ : A → B diferenciável e ω k-forma em B.
Dados x em A e v1 , . . . , vk em IRN , podemos levar v1 ,...,vk para IRM por meio de ϕ0 (x) e calcular ω(ϕ(x))(ϕ0 (x)v1 , . . . , ϕ0 (x)vk ). É muito interessante observar que, vista como função de v1 ,...,vk , ω(ϕ(x))(ϕ0 (x)v1 , . . . , ϕ0 (x)vk ) é k-linear alternada. Podemos, então , tomá-la como uma k-forma em A. Definição : Dados A aberto em IRN , B aberto em IRM , ϕ : A → B diferenciável e ω k-forma em B, definimos o pullback de ω por ϕ, ϕ∗ ω, por: ϕ∗ ω(x)(v1 , . . . , vk ) = ω(ϕ(x))(ϕ0 (x)v1 , . . . , ϕ0 (x)vk ). ϕ∗ ω é, é claro, uma k-forma em A. A função básica do pullback é nos dar uma outra perspectiva para as mudanças de variáveis. Proposição (Fórmula de Mudança de Variáveis): Suponhamos dados A aberto em IRN , B aberto em IRM , ϕ : A → B diferenciável e ω k-forma em B. Então , para toda k cadeia c em A, temos ω integrável sobre ϕc se e somente se ϕ∗ ω é integrável sobre c. Neste caso, Z
Z ω=
ϕc
c
ϕ∗ ω.
172
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
A demonstração é um mero exercício de aplicação das definições (note que, por enquanto, nosso k varia de 1 a 3, mas é claro que tudo deve funcionar para dimensões maiores). Um caso particular interessante ocorre quando temos uma k-forma ω em A e c : B → A de classe C 1 , onde B é um bloco em IRk . A própria definição da integral de ω sobre c pode ser refraseada: Z Z ω= ϕ∗ ω. c
g
B
A Derivada Exterior
Voltemos ao Teorema de Kelvin: temos uma 1-forma ω no aberto A de IR3 , um bloco B em IR2 e c : B → A de classe C 1 . Sabemos o que nosso Teorema deve dizer: Z Z ω= dω. ∂c
c
Reescrevendo em termos de pullback, teríamos: Z Z ∗ cω= c∗ dω. ∂B
B
Mas, agora, sabemos exatamente o que devemos ter do lado direito. De acordo com nossa nova versão do Teorema de Green, temos, com as hipóteses apropriadas sobre c∗ ω, Z Z ∗ cω= d(c∗ ω), ∂B
B
onde 1 d(c ω)(t) = lim β→t µ(β) ∗
Z
c∗ ω.
∂β
Assim, igualando os integrandos, um bom chute para dω seria dado por
G. A DERIVADA EXTERIOR
173
c∗ dω = d(c∗ ω). Observação : Na realidade, devemos lembrar que tanto c∗ dω como d(c∗ ω) são 2-formas em B ⊂ IR2 : • c∗ dω é dada por c∗ dω(t)(v1 , v2 ) = dω(c(t))(c0 (t)v1 , c0 (t)v2 ); • d(c∗ ω) é dada por d(c∗ ω)(t)(v1 , v2 ) = α(t)det(v1 , v2 ), onde α(t) é o número real dado por 1 α(t) = lim β→t µ(β)
Z
c∗ ω.
∂β
Ora, isto nos leva a 1 dω(c(t))(c (t)v1 , c (t)v2 ) = lim β→t µ(β) 0
0
Z
c∗ ω det(v1 , v2 ).
∂β
Fazendo v1 = e1 e v2 = e2 , obtemos 1 dω(c(t))(c (t)e1 , c (t)e2 ) = lim β→t µ(β) 0
0
Z
1 c ω = lim β→t µ(β) ∂β ∗
Z ω. ∂c(β)
Interpretação Geométrica: Suponhamos que ω é dada por um campo de vetores F , isto é: ω(x)v = F (x).v e que tenhamos uma superfície parametrizada por c, de forma que c(t0 ) = x0 , c0 (t0 )e1 = u1 , c0 (t0 )e2 = u2 . Se F for de classe C 1 , podemos escrever Z Z Z ~ F = ∇ × F.dS = ∇ × F.~ndS ∂S
S
S
Se pudéssemos dividir pela área de S e passar ao limite com S → x0 , teríamos Z 1 ∇ × F (x0 ).n~0 = lim F, S→x0 µ(S) ∂S onde
174
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
c S ∂S
β
n0 =
1 u1 × u2 . |u1 × u2 |
Por outro lado, fazer S tender a x0 é fazer um bloquinho β tender a t0 e fazer S = c(β). Com β pequenino, temos µ(S) ∼ = |u1 × u2 |µ(β). Como é complicado dividir por µ(S) (teríamos que calcular a área de S), podemos dividir pela área de β. Isto nos dará: 1 ∇ × F (x0 ).n~0 = lim S→x0 µ(S)
Z
1 F = lim β→t0 |u1 × u2 |µ(β) ∂S
Z F, ∂S
ou seja, 1 ∇ × F (x0 ).(u1 × u2 ) = lim β→t0 µ(β)
Z F. ∂S
Voltando para a notação de formas, isto significa exatamente 1 dω(c(t0 ))(c (t0 )e1 , c (t0 )e2 ) = lim β→t µ(β) 0
0
Z
1 c ω = lim β→t0 µ(β) ∂β ∗
Z ω. ∂c(β)
Definição : Seja ω uma k-forma integrável8 em A, k = 0, 1 ou 2. Dizemos que a forma (k + 1)-linear dω(x) é a derivada exterior de ω em x se, para toda ϕ : U → A de classe C 1 , com U aberto em IRk+1 e ϕ(t) = x, Z 1 lim ϕ∗ ω = dω(x)(ϕ0 (t)e1 , . . . , ϕ0 (t)ek+1 ). B→t µ(B) ∂B 8
Isto significa que existe a integral
R c
ω, para toda cadeia C 1 c em A
H. GREEN, KELVIN, OSTROGRADSKI E GAUSS
175
Explicitamente, o limite acima significa que ∀ε > 0 ∀K > 1 ∃δ > 0 tal que, se L(B) < δ, t ∈ B,
L(B) < K, l(B)
então Z 1 ϕ∗ ω − dω(x)(ϕ0 (t)e1 , . . . , ϕ0 (t)ek+1 ) µ(B) ∂B
< ε,
onde B designa um bloco qualquer contido em U , L(B) designa o maior lado de B e l(B) designa o menor. Exercício: Seja F : IR3 → IR3 de classe C 1 e seja ω a 2-forma em IR3 dada por ω(x)(v1 , v2 ) = F (x).(v1 × v2 ). Mostre que, com a definição acima, dω existe em todos os pontos e é dada por dω(x)(v1 , v2 , v3 ) = ∇.F (x)det(v1 , v2 , v3 ).
h
Green, Kelvin, Ostrogradski e Gauss
Com a definição da derivada exterior, podemos unificar nossos teoremas em um só, cuja demonstração , a partir do resultado básico da página 169, consistiu em encontrar a correta definição de derivada exterior: Teorema: Sejam A ⊂ IR3 e ω uma k-forma em A (k=0, 1 ou 2). Sejam B um bloco em IRk e c : B → A de classe C 1 e tal que: • c∗ ω é contínua em B; ◦
• ω tem derivada exterior em c(B ); • c∗ (dω) é integrável em B.
176
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
Então Z
Z ω=
∂c
dω. c
Escólio: O enunciado está, claro, extremamente pedante (ainda mais se considerarmos que a continuidade de c∗ ω é aquela referida na versão preliminar do Teorema de Green (página 169). Podemos, sem susto, torná-lo mais ameno exigindo apenas a continuidade de ω no sentido usual (isto é, ω : A → A é contínua) e a existência de dω em todos os pontos de A. O importante é compreender que o resultado segue, quando k = 0, do Teorema Fundamental do Cálculo e, quando k=1, da versão preliminar do Teorema de Green . O caso k = 2 é a generalização natural que o leitor está convidado a fazer. Sua aplicabilidade depende, porém, da possibilidade de obtermos dω de maneira barata. Como já vimos, no caso em que ω é de classe C 1 , dω existe e coincide com o que já tínhamos. O resultado a seguir vai dar substância a todo o processo. Teorema: Sejam ω uma k-forma (k=0, 1 ou 2) definida e integrável em um aberto A de IR3 , e x um ponto de A. Se ω é diferenciável em x, então ω tem derivada exterior em x, dada por • dω(x)v = ∇f (x)v, se k = 0 e ω é dada pela função escalar f ; • dω(x)(v1 , v2 ) = ∇ × F (x).(v1 × v2 ), se k = 1 e ω é dada pelo campo F ; • dω(x)(v1 , v2 , v3 ) = ∇.F (x)det(v1 , v2 , v3 ), se k = 2 e ω é dada pelo campo F . Demonstração : Vamos fazer o caso k = 2, que os outros são até mais fáceis. Suponhamos ω dada por ω(y)(v1 , v2 ) = F (y).(v1 × v2 ), onde F : a → IR3 é diferenciável em x.Devemos provar que para toda ϕ : U → A de classe C 1 , com U aberto em IR3 e ϕ(t) = x, Z 1 lim ϕ∗ ω = ∇.F (x)det(ϕ0 (t)e1 , ϕ0 (t)e2 , ϕ0 (t)e3 ). B→t µ(B) ∂B Fixemos, pois, ϕ como acima e observemos que, da diferenciabilidade de ω, temos que F se escreve como soma de três campos:
H. GREEN, KELVIN, OSTROGRADSKI E GAUSS
177
F (y) = F (x) + F 0 (x)(y − x) + |y − x|e(y), com limy→x e(y) = 0. Chamaremos o campo constante F (x) de F0 , F 0 (x)(y − x) de F1 (y) |y − x|e(y) de E(y). Note que dois primeiros são de classe C 1 ; podemos, pois, aplicar-lhes o Teorema de Gauss-Ostrogradski, considerando, dado B em U , a cadeia elementar ϕB : B → A dada por ϕB (s) = ϕ(s). Exercício: Mostre que ∇.F1 (y) = ∇.F (x)∀ y ∈ A. Temos, então , limB→t
1 µ(B)
ϕ∗ ω =
R ∂B
= limB→t
1 µ(B)
R
= limB→t
1 µ(B)
R
∂ϕB
ϕB
F0 + limB→t
1 µ(B)
∇.F0 + limB→t
R
1 µ(B)
∂ϕB
R ϕB
F1 + limB→t
1 µ(B)
∇.F1 + limB→t
= 0 + ∇.F (x)det(ϕ0 (t)e1 , ϕ0 (t)e2 , ϕ0 (t)e3 ) + limB→t
1 µ(B)
R ∂ϕB
1 µ(B)
R ∂ϕB
E=
R ∂ϕB
E=
E.
Resta provar que este último limite é zero. Examinemos, pois, para B próximo de t, o tamanho de Z 1 E. µ(B) ∂ϕB Fixemos ε > 0. Podemos, antes de mais nada, nos fixar em uma vizinhança de t na qual ||ϕ0 || seja menor que um certo M . Como nossos blocos devem satisfazer a L(B)/l(B) < K, para um certo K > 1, vamos querer, para s em B, que ϕ(s) √ y→0 caia em uma vizinhança de x tal que |e(y)| < ε/(6 3M 3 K 2 ). Como e(y) −→ 0 e ϕ é contínua, podemos encontrar uma vizinhança de t em que isto também aconteça. Para B na interseção das duas vizinhanças de t supracitadas, com t ∈ B e L(B)/l(B) < K, teremos 1 µ(B)
≤
R ∂ϕB
E≤
1 6L(B)2 sup {|c(s) l(B)2 L(B)
1 6L(B)2 M l(B)2 L(B)
√
− x||e(c(s)|, s ∈ ∂B} M 2 ≤
3L(B) 6√3Mε 3 K 2 M 2 =
εL(B)2 K 2 l(B)2
< ε.
178
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
Nosso Teorema está provado. Exercício: Note que, finalmente, usamos a extranha hipótese L(B)/l(B) < K. Observe que sua função é garantir que (diâmetro (B).área(∂B))/volume(B) fique limitado.
Corolário 1: Sejam A aberto em IR3 e F : A → IR3 diferenciável. Se B é um bloco em IR2 e c : B → A é de classe C 1 , então Z Z F = ∇ × F, ∂c
c
desde que a integral do lado direito exista. Corolário 2: Sejam A aberto em IR3 e F : A → IR3 diferenciável. Se B é um bloco em IR3 e c : B → A é de classe C 1 , então Z Z F = ∇.F, ∂c
c
desde que a integral do lado direito exista. Vale a pena destacar um caso, mais particular ainda, por conta de seu interesse para a Teoria das Funções de Variável Complexa (ver página 189). Corolário 3: Seja P dx1 + Qdx2 uma 1-forma no aberto A de IR2 . Se P e Q são diferenciáveis em A, com ∂P ∂Q − ≡ 0, ∂x1 ∂x2 então Z P dx1 + Qdx2 = 0 c
para toda curva fechada c homotópica a um ponto em A. Em termos de cadeias, a conclusão se expressa por Z P dx1 + Qdx2 = 0 ∂c
para toda 2-cadeia c em A.
I. A DUALIDADE ENTRE FORMAS E CADEIAS
179
Agora podemos dizer que quase chegamos lá. Temos uma boa definição de derivada exterior, que claramente pode ser generalizada para dimensões maiores, e um bom Teorema, que também se generaliza. Os últimos resultados, que mostram que a diferenciabilidade implica na derivabilidade, porém, parecem ainda depender de teoremas cuja generalização é menos evidente. No entanto, já temos condições de pressentir que uma versão para dimensões maiores está ao alcance da mão .
i
A dualidade entre formas e cadeias
Poderíamos fazer uma tentativa de resumir o que já temos. Podemos dizer que, dado um aberto Ω em IR3 , temos, para cada inteiro k, de 0 a 3, objetos e integrandos de dimensão k, chamados de k-cadeias e k-formas, constituindo conjuntos que podemos chamar, respectivamente, de Ck (Ω) e Fk (Ω). Juntando Ck (Ω) e Fk (Ω), está definida uma operação de integração , que designaremos por <, >, dada por <, > Ck (Ω) × Fk (Ω) → RIR (c, ω) 7→ c ω Para que as coisas façam sentido, podemos convencionar que nossas cadeias são C 1 e que nossas formas, além de serem integráveis sobre as cadeias, com as integrais variando continuamente (ver página 169), têm derivadas exteriores (que serão (k + 1)-formas) integráveis (sobre as (k + 1)-cadeias). Temos, então, duas aplicações , ∂ e d, com ∂ : Ck (Ω) → Ck−1 (Ω) e d : Ak (Ω) → Ak+1 (Ω), ligadas pelo Teorema (de um monte de gente): < ∂c , ω > = < c , dω > .
180
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
Dados dois abertos Ω1 e Ω2 , cada f : Ω1 → Ω2 de classe C 1 define, para cada k, duas aplicações , f : Ck (Ω1 ) → Ck (Ω2 ) e f ∗ : Ak (Ω2 ) → Ak (Ω1 ), ligadas pela fórmula de mudança de variáveis < f c , ω > = < c , f ∗ω > . Exercício: Note que f é um homomorfismo de grupos e f ∗ é linear. Exercício: Note que f comuta com ∂, ou seja: para cada c, vale ∂(f c) = f (∂c).
Decorre também da definição de d a regra da cadeia que d(f ∗ ω) = f ∗ (dω), ou seja: f ∗ comuta com d. Exercício: Compreenda esta última asserção .
De ∂(∂c) = 0, e do Teorema de um monte de gente, decorre o seguinte resultado, conhecido como Lema de Poincaré: d(dω) = 0. Lema: Suponha que a k-forma ω tem derivada exterior dω integrável sobre cadeias em uma vizinhança do ponto x. Então dω tem derivada exterior em x e d(dω)(x) = 0. Demonstração: Note que dω é uma (k + 1)-forma. Se c é uma (k + 2)-cadeia em uma vizinhança de x, temos, usando um de nossos teoremas, Z Z dω = ω. ∂c
Mas ∂(∂c) = 0. Daí segue d(dω)(x) = 0.
∂(∂c) 9
Exercício: Compreenda e prove que ∂(∂c) = 0. 9
O Lema de Poincaré, classicamente, é um resultado um pouco mais fraco: supõe-se que ω é duas vezes diferenciável em x e prova-se o resultado sem recurso a integrais, usando a simetria da segunda derivada
J. O LEMA DE VOLTERRA
181
Como as cadeias cujo bordo é nulo são ditas fechadas, dizer que sempre vale ∂(∂c) = 0 significa que o bordo de uma cadeia é, sempre, uma cadeia fechada. Por analogia, chamamos de fechadas as formas que têm derivada exterior nula. Assim, a derivada exterior de uma forma é, sempre, uma forma fechada. Não é difícil ver que, por outro lado, nem toda k-cadeia fechada é bordo de alguma (k + 1)-cadeia. Exercício: Entenda que isto está relacionado com a existência de "buracos"em Ω. Dê exemplos de abertos em que toda cadeia fechada é um bordo e de abertos em que isto não acontece. Observe que, em geral, em um mesmo aberto podemos ter que toda k-cadeia fechada é um bordo, para certos valores de k, sem que isto aconteça para todos os valores de k. Considere, em particular, os casos IR3 menos um ponto, IR3 menos uma reta e IR3 menos um plano. De maneira análoga, nem toda k-forma fechada é derivada exterior de alguma (k − 1)-forma. Exercício: Lembre-se da forma de variação de ângulo em IR2 \ {0} e da forma de ângulo sólido em IR3 \ {0}. Note que, em ambos os casos, também nos deparamos com "buracos". Uma k-forma ω é dita exata se existe uma (k − 1)-forma η tal que dη = ω. Analogamente, se existe uma (k + 1)-cadeia b tal que ∂b = c, c será dita uma cadeia exata. Do teorema de Kelvin e da caracterização dos campos conservativos, decorre o seguinte resultado: Proposição : Se Ω é tal que toda cadeia fechada de C1 (Ω) é exata, então toda forma fechada de A1 (Ω) é exata.
j
O Lema de Volterra
A partir das observações da seção anterior, seria razoável perguntarmos se é verdade, para qualquer aberto Ω e qualquer k, que, sendo exata toda cadeia fechada de Ck (Ω), então será também exata toda forma fechada de Ak (Ω). Se tentarmos imitar a demonstração do caso k = 1, veremos que há uma alteração no quadro. Dada a 1-forma ω, uma forma η tal que dη = ω associa números a
182
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
c1 B A
c0
pontos de Ω. Fixado um ponto de base A e supondo Ω conexo, todo ponto B de Ω é tal que a cadeia B − A é bordo de uma curva, o que facilita as coisas. Se passamos para o caso em que ω é uma 2-forma, a coisa muda de figura. A forma η, agora, associa números a curvas (1-cadeias) e, se fixarmos uma curva de base c0 , não teremos, em geral, dada uma curva c1 em Ω, que c1 − c0 será bordo de uma 2-cadeia em Ω. Uma forma de criar uma situação um pouco mais favorável é padronizar as ligações entre as cadeias de Ω e um ponto privilegiado de Ω. Definição : X ⊂ IRN é dito retrátil se existe h : [0, 1] × X → X, de classe C 1 , tal que h(1, x) = x ∀x ∈ X e h(0, x) = x0 ∀x ∈ X, para um certo x0 em X. Suponhamos, pois, que nosso aberto Ω é retrátil e que ω é uma 2-forma fechada em Ω. Queremos definir η, de maneira que η seja uma 1-forma em Ω, com dη = ω. Nossa estratégia é encarar η como uma aplicação que associa números reais a curvas em Ω. Como Ω é retrátil, podemos fixar x0 em Ω e h : [0, 1] × Ω → Ω, de classe C 1 , com h(0, x) ≡ x e h(0, x) ≡ x0 . Dada uma curva c : [a, b] → Ω, definimos hc : [0, 1] × [a, b] → Ω por hc (s, t) = h(s, c(t)). Se c = n1 c1 + . . . + nl cl é uma cadeia, fazemos, claro, hc = n1 hc1 + . . . + n l hcl . Se c é uma curva em Ω, o bordo de hc tem, além de c e de menos o ponto x0 , duas curvas ligando as extremidades de c a x0 ; vamos, mesmo assim, definir a 1-forma η por Z = ω hc
(estendemos η às 1-cadeias c = n1 c1 + . . . +R nl cl por < c, η >=< n1 c1 + . . . + nl cl , η >= n1 < c1 , η > + . . . + nl < cl , η >= hc ω).
J. O LEMA DE VOLTERRA
183
t
hc
c
1
1
0
s
x0
hc S
B
x0 Exercício: Dê uma pensada e entenda por quê η deve ser um homomorfismo em C1 (Ω), respeitando < c1 , η >=< c2 , η > sempre que c1 e c2 forem equivalentes. Vejamos agora como deve ser dη. Basicamente, se x é um ponto de Ω e S é uma superfície passando por x, queremos ver no que dá Z 1 lim η. S→x areadeS ∂S Exercício: Suponha S dada por ϕ : B → Ω, B bloco em IR2 . Defina hϕ : [0, 1]×B → Ω por hϕ (s, t1 , t2 ) = h(s, ϕ(t1 , t2 )). Estude o bordo de hϕ até se convencer de que (usando o teorema da divergência e o fato de que dω = 0) Z Z η= ω. ∂S
S
Conclua que, de fato, se ω é contínua em x, então dη(x) = ω(x).
184
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
Já podemos enunciar e provar o Lema de Volterra10 . Lema: Se Ω ⊂ IR3 é um aberto retrátil, então toda k-forma fechada em Ω, k = 1, 2, 3, é exata (neste caso, estamos supondo a continuidade de nossas k-formas em cada ponto de Ω). Demonstração : O caso k = 0 foi feito na Introdução , o caso k = 3 é mais trabalhoso e é deixado para o leitor. Façamos o caso k = 2. Suporemos a retração de Ω dada por h como acima. Usando as definições acima, devemos provar que, dados x em Ω e ϕ : U → Ω de classe C 1 , com U aberto de IR2 , 0 ∈ U , ϕ(0) = x, vale Z 1 lim η = ω(x)(ϕ0 (0)e1 , ϕ0 (0)e2 ). B→0 µ(B) ∂ϕB Basta definir hϕB : [0, 1] × B → Ω por hϕB (s, t1 , t2 ) = h(s, ϕ(t1 , t2 )) e calcular ∂hϕB , obtendo ∂hϕB = ϕB − h∂ϕB − x0 , onde x0 designa a 2-cadeia constante (t1 , t2 ) 7→ x0 (preste atenção aos sinais). Daí segue: Z Z Z Z Z η= ω=− ω+ ω− ω. ∂ϕB
h∂ϕB
∂hϕB
ϕB
x0
Das três integrais à direita, a terceira é, obviamente, nula. À primeira aplicamos o teorema da divergência e, usando dω = 0, obtemos: Z Z dω = 0. ω= ∂hϕB
hϕB
Resta, pois, 1 lim B→0 µ(B)
Z
1 η = lim B→0 µ(B) ∂ϕB
Z
1 ω = lim B→0 µ(B) ϕB
Z
ϕ∗ ω.
B
Se ω é contínua no ponto x, o limite é exatamente o anunciado. Escólio: Omitimos até agora a definição pontual da forma η, evitando, assim, a tentação de calcular explicitamente dη. O objetivo foi fazer com que a idéia da demonstração ficasse mais clara. Mas não custa nada, agora, explicitar. De 10
Na literatura, este resultado aparece, em geral, como recíproca do Lema de Poincaré, assim batizado por Élie Cartan. Georges de Rham, contudo, registra que o resultado aparece nos trabalhos de Vito Volterra
J. O LEMA DE VOLTERRA
185
Z ω,
= hc
temos, para o caso em que c : [a, b] → Ω é uma curva, Z
1 Z b
= 0
a
∂h ∂h ω(h(s, c(t)))( (s, c(t)), (s, c(t))c(t))dt ˙ ds. ∂s ∂x
Trocando a ordem das integrações , temos: Z b Z = a
0
1
∂h ∂h ω(h(s, c(t)))( (s, c(t)), (s, c(t))c(t))ds ˙ dt. ∂s ∂x
Agora, salta aos olhos a definição : Z η(x)(v) =
1
ω(h(s, x))( 0
∂h ∂h (s, x), (s, x)v)ds. ∂s ∂x
Exercício: Suponha que ω é de classe C 1 . Calcule dη, a partir da fórmula acima e da expressão do rotacional. Se tudo estiver certo, devemos ter dη = ω. Exercício: Considere, em IR3 \{0} a 2-forma ω do ângulo sólido. Note que IR3 \ {0} 3 3 2 2 não é retrátil, mas Ω = IR \ (x1 , x2 , x3 ) ∈ IR , x1 + x2 = 0, x3 ≥ 0 é. Escolha um ponto de Ω, defina h e calcule, pela fórmula acima, uma 1-forma η tal que dη = ω. Escreva η como um campo de vetores. Exercício: Note que, para Ω em IR3 , toda 3-forma em Ω é fechada. Obtenha, para um aberto retrátil, fórmula análoga à que temos acima para uma 2-forma η tal que dη = ω. Exercício: Sejam P1 , . . . , Pn pontos de IRN , N ≥ 2, e seja Ω = IRN \ {P1 , . . . , Pn }. Mostre que Ω é união de dois abertos retráteis.
186
CAPÍTULO 14. A DERIVADA
Capítulo 15 APLICAÇÕES Um apanhado razoavelmente completo das aplicações dos resultados que acabamos de abordar deveria cobrir praticamente toda a Física do século XIX. Com efeito, pouco ou nada se fez em matéria de Física (e Matemática) durante o século passado que não girasse em torno do que hoje é conhecido como Teorema de Stokes1 . Tratase de uma obra faraônica: se considerarmos que sua formulação dá seguimento ao Cálculo dos séculos XVII e XVIII, não é exagero dizer que veio coroar dois séculos de esforços, envolvendo praticamente todos os físicos e matemáticos da Europa. Diante do tamanho da empreitada, faremos algumas escolhas. Destacaremos algumas importantes questões topológicas que estão por trás de muitos acontecimentos; as questões físicas serão abordadas sob a forma de exercícios, sem qualquer pretensão de sermos completos ou sistemáticos.
a
Índice de uma Curva
Tem estado presente em nossas considerações , aqui e ali, o número de voltas que uma curva plana c dá em torno de um ponto P . Tal número, em matematiquês2 , é chamado índice da curva c em relação ao ponto P e notado n(c, P ). Para facilitar um pouco a notação , lidaremos com o índice em relação à origem, estando claro que o caso geral é análogo. 1
Veremos, mais à frente, a forma geral deste resultado, que engloba os teoremas clássicos de Newton, Leibniz, Euler, Green, Gauss, Ostrogradski e Kelvin. 2 Toda corporação cria seu jargão , que consiste em dar a coisas simples nomes incompreensíveis para os demais
187
188
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Exercício: Sejam c : [a, b] → IR2 \ {0, 0}, de classe C 1 , c(t) = (x(t), y(t)), e ω uma 1-forma em IR2 \ {0, 0} tal que dω ≡ 0. • (i) Seja H : [0, 1] × [a, b] → IR2 dada por 1−s c(t). H(s, t) = s + | c(t) | Mostre que H é de classe C 1 , que H(s, t) 6= (0, 0)∀(s, t) ∈ [0, 1] × [a, b], que H(1, t) = c(t) e que H(0, t) = (1/ | c(t) |)c(t). • (ii) Seja c¯ : [a, b] → IRR2 \ {0,R0} dada por c¯(t) = (1/ | c(t) |)c(t). Mostre que, se c(a) = c(b), então c ω = c¯ ω. • (iii) Seja c1 : [a, b] → S 1 = {(ξ, η) ∈ IR2 | ξ 2 + η 2 = 1} de classe C 1 . Use a forma de variação de ângulo para mostrar que existe θ : [a, b] → IR, de classe C 1 , tal R t que c1 (t) = (cos θ(t), sin θ(t))∀ t ∈ [a, b]. Sugestão : tente ˙ com θ0 adequadamente escolhido. θ(t) = θ0 + a (−y x˙ + xy), • (iv) Seja c1 como em (iii). Mostre que existe H : [0, 1] × [a, b] → S 1 , de classe C 1 , tal que H(1, t) = c1 (t)∀ t ∈ [a, b], H(s, a) = c1 (a)∀ s ∈ [0, 1], H(s, b) = c1 (b)∀ s ∈ [0, 1] e H(0, t) = c0 (t), onde c0 (t) = (cos θ0 (t), sin θ0 (t)), sendo θ0 : [a, b] → IR dada por θ0 (t) = θ(a) +
t−a (θ(b) − θ(a)) b−a
(θ é a função cuja existência é provada em (iii)). • (v) Suponha agora que c(a) = c(b). Mostre que existe uma 2-cadeia ϕ, de classe C 1 , tal que ∂ϕ = c − c˜, onde c˜ : [a, b] → IR2 é dada por t−a t−a c˜(t) = cos(2πn) , sin(2πn) , b−a b−a para um certo n ∈ ZZ (mostre também que há uma homotopia C 1 por partes de caminhos fechados entre c e c˜). Conclua que n só depende de c e é dado por R ω n = Rc , uω u : [0, 2π] → IR2 dada por u(t) = (cos t, sin t).
B. FUNÇÕES DE VARIÁVEL COMPLEXA
189
• (vi) Seja ω0 a 1-forma de variação de ângulo, dada por ω0 (x, y) =
−y x dx + 2 dy. x2 + y 2 x + y2
Conclua que o número n obtido em (v) é dado por 1 n= 2π
Z ω0 . c
Definição : Se c é uma cadeia fechada C 1 em IR2 \ {(0, 0)}, o índice de c em relação à origem é o número inteiro n(c, 0) dado por Z 1 −y x n(c, 0) = dx + 2 dy . 2π c x2 + y 2 x + y2 Se P ∈ IR2 e c é uma cadeia fechada em IR2 \ {P }, o índice de c em relação a P é definido por n(c, P ) = n(f c, 0), onde f : IR2 \ {P } → IR2 \ {(0, 0)} é dada por f (X) = X − P . Exercício: Mostre que, no caso de cadeias fechadas, n(c, 0) é, de fato, um número inteiro.
b
Funções de Variável Complexa
Considere a função f : IR → IR dada por f (x) =
1 1 + x2
.
f é de classe C ∞ . Se desenvolvermos f em série de potências de centro em 0, teremos f (x) = 1 − x2 + x4 − x6 + · · · , | x |< 1 . Gostaríamos de discutir por quê, embora sendo f de classe C ∞ em IR, sua série de potências só converge num intervalo limitado. A resposta nos vem se tentarmos estender f aos números complexos. Considerando f (z) =
1 1 + z2
190
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES i
−1
0
1
−i onde z é um número complexo, vemos que será necessário (se quisermos f (z) ∈ CI e f contínua) excluir do domínio os pontos z = i e z = −i. É claro também que, se | z |< 1, vale 1 = 1 − z2 + z4 − z6 + · · · 1 + z2 (trata-se da soma de uma PG). Agora podemos entender por que, embora f não tenha singularidades em IR, sua série de potências não tem raio de convergência infinito: existe um obstáculo, não em IR, mas em C. I Exercício : Considere f (x) definida por f (x) =
∞ X
an (x − x0 )n
n=0
P n e suponha que existe R > 0 tal que ∞ n=0 an R < ∞. Mostre que f está bem definida para x ∈]x0 − R, x0 + R[. Mostre que, se definirmos f para z complexo por ∞ X f (z) = an (z − x0 )n , n=0
f está bem definida BR (x0 ) = {z ∈ CI || z − x0 |< R}. Assim, toda função de variável real que se escreve como soma de uma série de potências de centro x0 se estende a uma vizinhança de x0 no plano complexo. Exercício : Seja (an )n∈IN uma seqüência de números complexos. Seja
B. FUNÇÕES DE VARIÁVEL COMPLEXA
191
f v1 c2 z
f (c2 ) θ
f 0 (z)v1
f (z)
v2
c1
f (c1 )
θ f 0 (z)v2
1
R = (lim | an | n )−1 . P n Mostre que se z0 ∈ CI então ∞ n=0 an (z − z0 ) converge se | z − z0 |< R e diverge se | z − z0 |> R. R é chamado raio P de convergência da série. Mostre que se n f : BR (z0 ) → CI é definida por f (z) = ∞ n=0 an (z − z0 ) , então existe, para todo z em BR (z0 ), f (z + h) − f (z) f 0 (z) = lim h→0 h P∞ n−1 0 . e que f (z) = n=0 n.an (z − z0 ) Pelo acima exposto, as funções de variável complexa que surgem como extensão natural de funções de variável real (polinômios, por exemplo, se quisermos ficar nos casos mais simples) são diferenciáveis no sentido complexo. Definição : Seja Ω ⊂ CI aberto e seja f : Ω → C. I f é dita diferenciável no sentido complexo em z ∈ Ω se existe o limite f 0 (z) = lim
h→0
f (z + h) − f (z) h
.
Se f 0 (z) existe para todo z em Ω, f é dita holomorfa3 . Exercício : Mostre que f é diferenciável no sentido complexo se e só se é diferenciável (como função de Ω ⊂ IR2 em IR2 ) e Df (z) é a composição de uma homotetia positiva com uma rotação ou Df (z) = 0. Conclua que: (i) Se f 0 (z) 6= 0, então f preserva ângulos entre curvas que 3
Diz-se também analítica. O termo “analítica” corresponde à possibilidade de desenvolver f em série de potências. Temos, como conseqüência do Teorema de Cauchy, que as duas noções são equivalentes.
192
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
se cruzam em z. (ii) Jf (z) ≥ 0. (iii) Se f (z) = (f1 (z), f2 (z)) = f1 (z) + if2 (z), então valem as Equações de Cauchy–Riemann:
∂f2 ∂f1 (z) = (z) , ∂x1 ∂x2 ∂f1 ∂f2 (z) = − (z) . ∂x2 ∂x1
(iv) f é holomorfa com f 0 contínua se e só se f1 e f2 têm derivadas parciais contínuas satisfazendo às equações de Cauchy–Riemann. Fixemos agora Ω ∈ CI aberto e f : Ω → C. I Gostaríamos de saber se existe g : Ω → CI tal que g 0 = f . Suporemos que f é holomorfa em Ω. Ora, a primeira condição para que exista g é, como no caso que nos conduziu ao Teorema de Green, que dados A e B em Ω e duas curvas c0 , c1 : [0, 1] → Ω, ci (0) = A, ci (1) = 0, tenhamos Z
1
Z
1
f (c0 (t))c˙0 (t)dt = 0
g 0 (c0 (t))c˙0 (t)dt =
0
Z
1
= g(B) − g(A) =
g 0 (c1 (t))c˙1 (t)dt =
0
Z =
1
f (c1 (t))c˙1 (t)dt , 0
onde as integrais acima têm duas componentes, uma para g1 e outra para g2 . Exercício : Se dx, dy : IR2 → IR são por dx(u, v) = u e dy(u, v) = v, defina dz : CI → C, I dz(u + iv) = u + iv = dx(u, v) + idy(u, v). Defina agora a 1–forma f (z)dz : Ω −→ L(IC,C) I por (f (z)dz)(ζ) = f (z)ζ.
B. FUNÇÕES DE VARIÁVEL COMPLEXA
193
Para cada curva parametrizada c : [a, b] → Ω de classe C 1 , c(t) = (x(t), y(t)), defina Z b Z f (c(t))˙c(t)dt = f (z)dz = a c Z b (f1 (c(t)) + if2 (c(t)))(x0 (t) + iy 0 (t))dt = = a Z b = (f1 (c(t))x0 (t) − f2 (c(t))y 0 (t))dt + a Z b +i (f2 (c(t))x0 (t) + f1 (c(t))y 0 (t))dt = a Z Z = f1 (z)dx − f2 (z)dy + i f2 (z)dx + f1 (z)dy c
c
Se você entendeu isso, então analise em separado as duas 1–formas ω1 (x, y) = f1 (x, y)dx − f2 (x, y)dy
e
ω2 (x, y) = f2 (x, y)dx + f1 (x, y)dy . Mostre que se c é uma curva fechada em Ω e existe uma homotopia de classe C 1 entre c e um ponto de Ω, então decorre do Teorema de Green que Z f (z)dz = 0 c
(Teorema de Cauchy-Goursat). Exercício : Considere a 1–forma z1 dz. Mostre que 1 xdx + ydy −ydx + xdy dz = +i 2 2 z x +y x2 + y 2 e conclua que se c é uma curva fechada de classe C 1 em CI \ {0}, então Z 1 1 dz = n(c) 2πi c z Mostre que, sendo z0 ∈ CI fixo, 1 2πi
Z c
1 dz = n(c, z0 ) z − z0
194
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
c(t) c0 (t)
z0
f (z) Exercício : Fixe z0 ∈ Ω. Considere a 1–forma z−z dz. Mostre que se c é uma 0 curva fechada em Ω \ {z0 } tal que existe uma homotopia de classe C 1 entre c e a curva constante z0 , então Z Z f (z) f (z) dz = dz , c z − z0 c0 z − z 0
onde c0 anda sobre um círculo de raio R, tão pequeno quanto se queira, com n(c0 , z0 ) = n(c, z0 ). Aproxime, sobre c0 , f (z) por f (z0 ) + f 0 (z0 )(z − z0 ) e conclua que Z 1 f (z) n(c, z0 )f (z0 ) = dz 2πi c z − z0 (Fórmula Integral de Cauchy). Exercício : Considere, na fórmula acima, que c é um círculo (dando uma volta no sentido positivo) de raio R tal que BR (z0 ) ⊂ Ω. Observe que Z 1 f (ξ) f (z) = dξ ∀z ∈ BR (z0 ) 2πi c ξ − z Escreva ∞
X (z − z0 )n 1 1 1 1 = = = z−z ξ−z (ξ − z0 ) − (z − z0 ) ξ − z0 1 − ξ−z0 (ξ − z0 )n+1 n=0 0
C. O TEOREMA DE BROUWER
195
ξ
z
z0
C e conclua que, para z ∈ BR (z0 ), vale
f (z) =
∞ X
an (z − z0 )n ,
onde
n=0
an =
1 2πi
Z c
f (ξ) dz (ξ − z0 )n+1
Isto prova Teorema de Cauchy : Se f : Ω → CI é holomorfa , então f é analítica, isto é, se escreve como soma de uma série de potências em torno de cada ponto de Ω. Em particular, f é de classe C ∞ .
c
O Teorema de Brouwer
Vimos na Introdução uma demonstração do Teorema Fundamental da Álgebra baseada na forma dθ. Vamos aqui obter um resultado um pouco mais geral, que já estava, essencialmente, contido naquela demonstração.
196
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
B
ϕ
ϕ(B)
(0, 0)
S Consideremos B = {(x, y) ∈ IR2 , x2 + y 2 ≤ 1}. B pode ser pensado como uma união de círculos concêntricos de centro em (0, 0). Neste sentido, toda aplicação contínua ϕ : B → IR2 dá origem a uma homotopia entre ϕ(0, 0) e ϕ(S), sendo S = {(x, y) ∈ IR2 , x2 + y 2 = 1}. É razoável supor, portanto, que se ϕ(S) “envolve” um ponto P de IR2 , então existe Q em B tal que ϕ(Q) = P . “Envolve”, no caso, significa: se c : [0, 1] → IR2 é dada por c(t) = ϕ(cos2πt, sen2πt), então n(c, P ) 6= 0. Exercício: Seja ϕ : B → IR2 de classe C 1 . Seja P ∈ IR2 \ ϕ(S). Seja c : [0, 1] → IR2 dada por c(t) = ϕ(cos2πt, sen2πt). Mostre que se n(c, P ) 6= 0, então existe Q ∈ B tal que ϕ(Q) = B. Exercício: Exiba ϕ e P como acima de modo que n(c, P ) = 0 mas exista Q ∈ B com ϕ(Q) = P . O que está acontecendo ? Entenda que se P ∈ / ϕ(S) então devemos esperar que ϕ−1 (P ) tenha, em geral, | n(c, P ) | pontos. Exercício: Prove o Teorema Fundamental da Álgebra. Esperemos que já esteja clara a idéia básica: não é possível deformar uma curva c0 em uma curva c1 , sem passar pelo ponto P , se n(c0 , P ) 6= n(c1 , P ), isto é, se ϕ : [0, 1] × [0, 1] → IR2 de classe C 1 e definimos cs : [0, 1] → IR2 por cs (t) = ϕ(s, t), sendo que cs (0) = cs (1)∀s ∈ [0, 1], então, se n(c0 , P ) 6= n(c1 , P ), existe (s0 , t0 ) ∈ [0, 1] × [0, 1] tal que ϕ(s0 , t0 ) = P . Exercício: Prove isto. Exercício: Seja ϕ : B → S tal que ϕ(x) = x ∀x ∈ S, ϕ de classe C 1 . Mostre que ϕ não existe.
C. O TEOREMA DE BROUWER
197
c1 n(c0 , P ) = 1 c0 P
n(c1 , P ) = −1
Exercício: Seja ϕ : B → B de classe C 1 . Suponha que ϕ não tem ponto fixo (isto é, ∃ / x ∈ B tal que ϕ(x) = x). Construa ψ : B → S assim: ψ(x) é a interseção com −→ S da semi-reta ϕ(x)x. Mostre que ψ é de classe C 1 . Conclua que se ϕ : B → B é de classe C 1 então ϕ tem ponto fixo. Teorema de Brouwer: Se ϕ : B → B é contínua, então ϕ tem ponto fixo. Demonstração : Estenda ϕ a IR2 de forma contínua fazendo x ϕ(x) = ϕ . |x| Agora aproxime ϕ em IR2 por uma seqüência (ϕn ) de funções de classe C 1 convergindo uniformemente em B para ϕ. Para cada n, seja (xn ) ponto fixo de ϕn . Tome subseqüência de (xn ) convergindo para x ∈ B e mostre que ϕ(x) = x. Definição : Sejam c0 , c1 : [a, b] → Ω contínuas e tais que c0 (a) = c0 (b), c1 (a) = c1 (b). Uma homotopia entre c0 E c1 é uma aplicação ϕ : [0, 1] × [a, b] → Ω contínua, com ϕ(0, t) ≡ c0 (t) ϕ(1, t) ≡ c1 (t) e ϕ(s, a) ≡ ϕ(s, b) 4 . Problema: Sejam c0 , c1 : [a, b] → IR2 − {0} curvas fechadas de classe C 1 . É verdade que se n(c0 ) = n(c1 ) então existe homotopia de classe C 1 entre c0 e c1 ? Sejam P1 , . . . , Pn pontos de IR2 , c0 , c1 : [a, b] → IR2 − {P1 , . . . , Pn }. Sob que condições podemos garantir que existe homotopia entre c0 e c1 em IR2 − {P1 , . . . , Pn } ? Exercício: Use a forma de ângulo sólido para provar o Teorema de Brouwer em dimensão três. 4
Mais precisamente, ϕ é chamada de homotopia de curvas fechadas
198
d
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Algumas Questões Topológicas
Já vimos que uma 1-forma (ou um campo de vetores) pode ser pensada como uma aplicação que a cada curva associa um número. Tentemos ser um pouco mais rigorosos. Para simplificar a vida, consideremos apenas curvas fechadas.
Exercício: Seja E = {c : [0, 1] → IRN , c de classe C 1 e tal que c(0) = c(1)}. Mostre que E é um espaço vetorial. Mostre que k k0 : E → IR dada por k c k0 = max{| c(t) |, t ∈ [0, 1]} é uma norma. Mostre k c k1 = max{| c(t) |, t ∈ [0, 1]} + max{| c0 (t) |, t ∈ [0, 1]} também é uma norma . Sendo o espaço E definido acima um espaço vetorial normado, podemos aplicar a E técnicas do Cálculo Diferencial. Em particular, se f : E → IR é diferenciável e f 0 ≡ 0, então, pelo Teorema do Valor Médio, f é constante. Seja F um campo de vetores em IR2 e seja E como acima, com N = 2. Seja f : E → IR dada por Z f (c) = F c
Não vamos nos preocupar com demonstrações, por ora, mas é evidente que f 0 está diretamente relacionada com dF (o próprio processo que nos levou a “inventar” dF consistia em derivar f ). De fato, já que f (0) = 0, segue do Teorema de Green que, se dF ≡ 0, então f ≡ 0. Observe que a demonstração disto consiste em considerar c ∈ E e fazer uma deformação de c em 0. Ora, uma deformação (homotopia) de c em 0 nada mais é do que um caminho em E ! Considere agora Ω = {c : [0, 1] → IR2 − {(0, 0)}}, c de classe C 2 e tal que c(0) = c(1). Exercício: Mostre que Ω é um aberto em E (com qualquer uma das normas definidas acima). Coloquemo-nos agora a seguinte questão: Ω é conexo ? Embora estejamos em condições de justificar rigorosamente nossa resposta usando o Teorema de Green e a forma dθ, a explicação intuitiva parece suficientemente convincente: Ω não é conexo
D. ALGUMAS QUESTÕES TOPOLÓGICAS
199
c
sc
Figura 15.1: α : [0, 1] → E leva s em sc, onde (sc)(t) = s(c(t))
(0, 0)
200
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
porque não há como deformar (dentro de Ω) uma curva fechada “envolvendo” (0, 0) em outra que não “envolva” (0, 0) Nova questão: quantas são as componentes conexas 5 de Ω ? Mais uma vez vamos recorrer à intuição. Existe claramente uma componente conexa que é formada pelas curvas fechadas em IR2 \ {(0, 0)} que não envolvem a origem. Consideremos agora duas curvas c1 e c2 com índices diferentes em relação à origem (isto é, o número de voltas que c1 dá em torno de (0, 0) é diferente do número de voltas que c2 dá em torno de (0, 0)). Podem c1 e c2 pertencer à mesma componente conexa de Ω ? Intuitivamente é claro que não. Não é difícil acreditar, também, que cada componente conexa de Ω corresponde a um número de voltas em torno de (0, 0), isto é : Ω=
[
Ωi ,
Ωi = {c ∈ Ω, n(c, 0) = i}
i∈Z Z
Seja agora f : Ω → IR diferenciável e suponhamos que f 0 ≡ 0. Como Ω não é conexo, não podemos garantir que f seja constante sobre Ω, mas apenas que f é constante sobre cada Ωi . 1 Exercício: Seja F : IR2 \ {(0, R 0)} → IR de classe C e tal que dF ≡ 0. Seja f : Ω → IR dada por f (c) = c F . Mostre que f é constante sobre cada componente conexa de Ω.
Exercício: Estude o seguinte caso: Sejam P1 , . . . , Pn ∈ IR2 e seja Ω(P1 , . . . , Pn ) = {c : [0, 1] → IR2 \ {P1 , . . . , Pn }, c de classe C 1 e tal que c(0) = c(1)}. Como são as componentes conexas de Ω(P1 , . . . , Pn ) ? Sugestão : estude π : Ω(P1 , . . . , Pn ) → Z n dada por π(c) = (n(c, P1 ), . . . , n(c, Pn )). Consideremos agora o caso tri-dimensional. Seja E = {c : [0, 1] → IR3 , c de classe C1 e com c(0) = c(1)} Seja Ω = {c ∈ E, c(t) 6= (0, 0, 0) ∀t ∈ [0, 1]} Exercício: Observe que Ω é conexo. Conclua que se F : IR3 \ {(0, 0, 0) → IR3 } é tal que ∇ × F = 0, então existe f : IR3 \ {(0, 0, 0) → IR} com ∇f = F 5
Entenda-se, aqui, conexa por conexa por caminhos: conseqüentemente, dois elementos c1 e c2 de Ω estão na mesma componente conexa (por caminhos) se existe uma homotopia de caminhos fechados em Ω entre c1 e c2
D. ALGUMAS QUESTÕES TOPOLÓGICAS
201
Exercício: Seja agora Ω = {c = (c1 , c2 , c3 ) ∈ E, c21 (t) + c22 (t) 6= 0, ∀t ∈ [0, 1]}. Ω é
conexo ? Seja F dado por F (x, y, z) = x2−y , x , 0 . Mostre que ∇ × F = 0 +y 2 x2 +y 2 R mas f : Ω → IR dada por f (c) = c F não é constante. Os exercícios acima mostram que, do ponto de vista das integrais de linha, IR3 não “sente” a retirada de um ponto, mas “sente” a retirada de uma reta. Exercício: Seja A ⊂ IR3 um aberto. Seja Ω = {c ∈ E, c(t) ∈ A ∀t ∈ [0, 1]}. Mostre que Ω é aberto em E. Tente entender como deve ser A para que Ω seja conexo. Estude os seguintes casos e procure ver, em cada um, quantas componentes conexas tem Ω : (i) (ii) (iii) (iv) (v) (vi) (vii) (viii) (ix)
A = IR3 \ X, X = segmento de reta A = IR3 \ X, X = semi reta A = IR3 \ X, X = curva fechada simples A = bola A = interior de um toro A = {x ∈ IR3 , | x |> 1} A = exterior de um toro A = IR3 \ (∪ni=1 ri ), onde cada ri é uma reta A = IR3 \ (∪ni=1 ci ), onde cada ci é uma curva fechada simples
Estude as semelhanças e diferenças entre os diversos exemplos acima. Deixemos de lado as curvas, já que estas não “sentem” a ausência de um ponto de IR3 . O mesmo não se pode dizer das superfícies fechadas (certamente não se pode deformar S 2 = {x ∈ IR3 , | x |= 1} em um ponto sem passar por (0, 0, 0)). Para falar em superfícies parametrizadas fechadas usaremos de um pequeno artifício. Seja σ : [0, 1] × [0, 1] −→ IR3 (s, t) 7−→ (senπtcos2πs, senπtsen2πs, cosπt)
Isto é, σ é a parametrização usual de S 2 em coordenadas esféricas. Considere agora E = {ϕ : S 2 −→ IR3 , ϕ de classe C 1 } (lembremos que se X ⊂ IRN ; ϕ : X → IRM de classe C k significa que existem A aberto em IRN com X ⊂ A e ψ : A → IRM de classe C k com ψ(x) = ϕ(x)∀x ∈ X).
202
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Exercício: Mostre que E é um espaço vetorial normado, por exemplo com a norma k ϕ k= maxx∈S 2 | ϕ(x) | + maxx∈S 2 | ϕ0 (x) |. Seja Ω = {ϕ ∈ E, ϕ(x) 6= (0, 0, 0)∀x ∈ S 2 } Exercício: Mostre que Ω é aberto. Entenda que Ω não é conexo. Considere ϕn : S 2 → IR3 dada para n ∈ Z , por n ( z , h), se z 6= 0 (|z| |z| ϕn (x, y, h) = (0, h), se z = 0 , onde estamos identificando (x, y) ∈ IR2 com z ∈ C. Mostre que se n 6= m, então ϕn e ϕm estão em componentes conexas distintas de Ω. ~ r 3 Exercício: Seja R F dado em IR \ {(0, 0, 0)} por F = r3 . Seja f : Ω → IR dada por f (ϕ) = ϕ◦σ F (σ foi definida logo acima). Mostre que f (ϕn ) = 4πn, ϕn como definida no exercício anterior. Compare com o que foi feito para 1-formas em IR2 \ {(0, 0)}.
Mais Exercício: (i) Considere uma 1-forma ω em IR2 \ {(0, 0)} com dω = 0. Já R vimos que c ω deve ser constante em cada componente conexa de Ω = {c : [0, 1] → IR2 \ {(0, 0)}, c(0) = c(1), c de classe C 1 }. R Na realidade, porém, c ω não pode tomar quaisquer valores. Mostre que se cn (t) = R R x (cos2πnt, sen2πnt), então cn ω = n c1 ω. Considere dθ(x, y) = x2−y dx+ x2 +y 2 dy. +y 2 R R R 1 Seja α = 2π c1 ω. Mostre que c ω = α c dθ ∀c ∈ Ω. Conclua que existe f : IR2 \ {(0, 0)} → IR tal que ω = αdθ + df , onde df = ∂f ∂f ∂x dx + ∂y dy. (ii) Uma 1-forma ω é dita exata se existir f tal que ω = df , fechada se dω = 0. Seja Z 1 (A)={1-formas fechadas de classe C 1 em A}, A aberto conexo de IR2 . Seja B 1 (A) = { 1-formas exatas de classe C 1 em A}. Mostre que B 1 (A) é um sub-espaço vetorial de Z 1 (A). Mostre que se A = IR2 , então Z 1 (A) = B 1 (A). Como deve ser A para que Z 1 (A) = B 1 (A)? Se Z 1 (A) = B 1 (A), diz-se que A é simplesmente conexo. Mostre que se A = IR2 \{(0, 0)}, então Z 1 (A) 6= B 1 (A). De maneira geral, dado A, seja H 1 (A) = Z 1 (A)/B 1 (A) (H 1 (A) é o espaço quociente de Z 1 (A) por B 1 (A)). Observe que o exercício (i) leva à conclusão seguinte: se A = IR2 \ {(0, 0)},
D. ALGUMAS QUESTÕES TOPOLÓGICAS
203
então H 1 (A) é de dimensão 1. Entenda que a dimensão de H 1 (A) é igual ao “número de buracos” de A. Mostre que A é simplesmente conexo se e somente se Ω = {c : [0, 1] → A, c de classe C 1 , c(0) = c(1)} é conexo. Duas formas fechadas ω1 e ω2 tais que ω1 − ω2 é exata são ditas cohomólogas; para cada ω em Z 1 (A), sua classe de cohomologia é dada por ω + B 1 (A) (iii) Seja A um aberto conexo em IR2 . Seja Ω = {c : [0, 1] → A, c de classe C 1 , c(0) = c(1)}. SejaR ω = F1 dx1 + F2 dx2 1-forma de classe C 1 em A. Seja f : Ω → IR dada por f (c) = c ω. Mostre que f é diferenciável e que 0
Z
f (c)h = 0
1
∂F2 ∂F1 − ∂x1 ∂x2
(c(t)) h1 (t)c02 (t) − h2 (t)c01 (t) dt
(isto significa provar o seguinte: Ω é um aberto do espaço E = {c : [0, 1] → IR2 , c de classe C 1 , c(0) = c(1)} e para cada c ∈ ω a aplicação f 0 (c) : E → IR definida (c)−f 0 (c)h acima é linear e contínua e tal que limh→0 f (c+h)−fkhk = 0 – considere em E 0 a norma k c k1 = maxt∈[0,1] | c(t) | + maxt∈[0,1] | c (t) |). Mostre que f 0 é contínua. bs Considere agora dois elementos c0 e c1 de Ω (c0 e c1 são , lembre-se, duas curvas). Uma homotopia entre c0 e c1 é uma aplicação contínua H : [0, 1] → Ω, com H(0) = c0 H(1) = c1 (observe que nem sempre, dependendo de A, existem homotopias entre dois elementos quaisquer de Ω). Seja agora H : [0, 1] → Ω uma homotopia entre c0 e c1 e suponha que H seja de classe C 1 (isto é, para todo s ∈ [0, 1] existe H 0 (s) = limh→0 h1 (H(s + h) − H(s)), onde o limite é referente à norma k k, definida acima). Observe que temos, pelo Teorema Fundamental do Cálculo, Z f (c1 ) − f (c0 ) = f (H(1)) − f (H(0)) = 0
1
d (f ◦ H)(s)ds ds
Seja ϕ : [0, 1] × [0, 1] → A de classe C 1 , com ϕ(s, 0) ≡ ϕ(s, 1). Seja H : [0, 1] → Ω dada por H(s)(t) = ϕ(s, t). Mostre que H é uma homotopia de classe C 1 . Conclua que vale o Teorema de Green: Z Z ω= dω ∂ϕ
ϕ
Observe que o mesmo resultado, com a mesma demonstração, vale em IR3 para o Teorema de Kelvin.
204
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
(iv) Seja A um aberto conexo em IR3 . Seja Ω = {c : [0, 1] → A, c de classe C 1 , c(0) = c(1)}. Seja E = {c : [0, 1] → IR3 , c de classe C 1 , c(0) = c(1)}. Considere em E as normas k c k0 = maxt∈[0,1] | c(t) |, k c k1 = maxt∈[0,1] | c(t) | + maxt∈[0,1] | c0 (t) |. Mostre que Ω é aberto em E com qualquer uma das duas normas. Uma homotopia H em Ω é dita C 1 por partes se existem a0 , . . . , an com 0 = a < a1 < · · · < an = 1 tais que H é de classe C 1 em cada intervalo [ai , ai+1 ] (com a norma k k1 ). Mostre que o resultado do problema (iii) vale também para H C 1 por partes. Para cada c em Ω, seja Ωc = {d ∈ Ω, existe H homotopia C 1 por partes entre c e d}. Mostre que para todo c em Ω existe ε < 0 tal que {d ∈ E, k d − c k0 < ε} ⊂ Ωc (Ωc é dita componente conexa de c por arcos seccionalmente C 1 ). Seja agora E0 = {c : [0, 1] → IR3 , c contínua, c(0) = c(1)}. Considere em E0 a norma k k0 . Observe que E ⊂ E0 . Mostre que E é denso em E0 (vale qualquer resultado de aproximação de funções C 0 por funções C 1 ). Seja Ω0 = {c ∈ E0 , c(t) ∈ A ∀t}. Mostre que se c ∈ Ω0 , então existe ε < 0 tal que se c1 , c2 ∈ E, k c1 − c k0 < ε, k c2 − c k0 < ε, tem-se que c1 , c2 estão em Ω e na mesma componente conexa. Conclua que se F : A → IR3 é de classe C 1 e ∇ × F = 0, então podemos definir, para c em Ω0 , Z Z F = c
lim
kc1 −ck0 →0 c1 ∈Ω
F c1
R Mostre que c F é constante em cada componente conexa por caminhos de Ω0 . Observe que o mesmo pode ser feito em IR2 e conclua que faz sentido falar em índice de uma curva c em relação a um ponto mesmo quando c é apenas contínua. (v) Considere um aberto conexo A de IR2 . Seja E0 = {c : [0, 1] → IR2 , c contínua, c(0) = c(1)}, com a norma k k0 usual. Seja Ω = {c ∈ E, c(t) ∈ A ∀t}. Para cada c em Ω, sua componente conexa (por arcos) é dada por Ωc = {d ∈ Ω, existe homotopia entre c e d}. A é dito simplesmente conexo se Ω tem uma só componente conexa (isto é, se quaisquer duas curvas fechadas em A são homotópicas). Mostre que esta definição coincide com a do exercício (ii) acima. É verdade que o número de componentes conexas de Ω é igual à dimensão de H 1 (A) definida no exercício (ii)?
e
Homologia × Homotopia
Continuemos trabalhando em um aberto A ⊂ IR2 (ou IR3 ). Nas questões topológicas que acabamos de discutir, a idéia básica era observar que o conjunto das curvas fechadas em A é dividido em componentes conexas (por arcos), chamadas classes de homotopia.
E. HOMOLOGIA × HOMOTOPIA
A1
205
A2
Q
P
Figura 15.2: homotopia de extremidades fixas e homotopia de curvas fechadas A ideia de homotopia, na verdade, está presente em nossos estudos desde a dedução do Teorema de Kelvin/Green. Temos, desde então, utilizado deformações de curvas em outras curvas, como na figura (usualmente distinguimos dois casos: homotopia de extremidades fixas e homotopia de curvas fechadas; no primeiro, temos H : [0, 1] × [a, b] → A contínua, com H(s, a) ≡ P , H(s, b) ≡ Q, com P e Q fixos; no segundo, H : [0, 1] × [a, b] → A contínua é tal que H(s, a) ≡ H(s, b)). O Teorema de Kelvin, assim como o de Green, se aplica a situações em que uma simples homotopia não dá conta do recado. Um exemplo instrutivo é o seguinte, em que o aberto considerado é IR2 \ {P1 , P2 }: A definição de bordo é um outro exemplo em que as coisas ficam mais simples se considerarmos várias curvas juntas como uma coisa só. Não é difícil considerar várias curvas como um só objeto. Dadas as curvas c1 e c2 , esse objeto pode ser definido formalmente (ou informalmente, diriam alguns) como sendo c1 +c2 . Considerando ainda que freqüentemente somos obrigados a inverter o sentido d uma curva c, tal operação deveria ter como resultado um objeto designado por −c. Da mesma forma, nc, onde n é um número inteiro, deve significar que a curva c deve ser contada n vezes (se n é negativo temos (−n) vezes −c; se n = 0 isto significa que c “não conta”)
206
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
c c1
c
c2
c1
d1
c2
d2
Figura 15.3: Não há como deformar c em "c1 e c2 juntas", mas, se fizermos uma “ligação”entre c1 e c2 , podemos deformar c em "c1 , d2 , c2 e d1 juntas"
ϕ
E. HOMOLOGIA × HOMOTOPIA
207
Como já vimos, uma 1-cadeia de classe C r em A é uma soma formal c = n1 c1 + n2 c2 + . . . + nk ck , onde c1 , c2 , . . . , ck são curvas de classe C r e n1 , n2 , . . . , nk são inteiros. Exercício: Mostre que as cadeias c0 e c1 dadas, respectivamente por c0 : [0, 1] → IR2 , c0 (t) = (cos(4πt), sin(4πt)), c1 = 2α, α : [0, 2π] → IR2 ,R α(t) =R (cos t, sin t) são diferentes mas, para toda 1-forma ω de classe C 0 , se tem c0 ω = c1 ω. O exercício acima mostra, claramente, que nossa definição tem um defeito: as 1-cadeias c1 e c0 deveriam ser consideradas iguais. Definição : Duas 1-cadeias c1 e c2 em A são equivalentes se Z
Z ω=
c1
ω c2
para toda 1-forma C 0 ω em A. Exercício: Certifique-se de que entendeu a definição de equivalência acima. Você poderia dar uma definição mais elementar para a mesma idéia? Se c1 e c2 são duas curvas, quando podemos garantir que c1 ≡ c2 ? Analogamente, uma cadeia bi-dimensional ou 2-cadeia de classe C r em A é uma soma formal ϕ = n1 ϕ1 + · · · + nk ϕk , onde n1 , . . . , nk ∈ Z e ϕ1 : [a11 , b11 ]×[a21 , b21 ] → A, . . . , ϕk : [a1k , b1k ]×[a2k , b2k ] → A são superfícies de classe C r . Como no caso de dimensão 1, duas cadeias ϕ1 e ϕ2 são consideradas equivalentes se Z
Z ω=
ϕ1
ω ϕ2
para toda 2-forma C 0 ω em A. Cadeias podem ser somadas e multiplicadas por números inteiros da maneira óbvia (o conjunto das 1-cadeias em A, munido de tais operações, constitui o que chamamos um módulo sobre Z – o mesmo vale para as 2-cadeias).
208
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Se c = n1 c1 + · · · + nk ck é uma 1-cadeia de classe C 1 e ω é 1-forma C 0 , ambas em A, definimos Z Z Z ω + · · · + nk ω , ω = n1 c
c1
ck
definição análoga R valendo para 2-cadeias e 2-formas (para quem gosta, vale a observação de que ω é um homomorfismo de módulos entre as 1-cadeias – analogamente para 2-cadeias – e IR). Observe agora que se ϕ : [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] → A é uma superfície, então seu bordo é a cadeia ∂ϕ definida por ∂ϕ = ϕ20 + ϕ11 − ϕ21 − ϕ10 onde ϕ20 (s) = ϕ(s, a2 ), ϕ11 (t) = ϕ(b1 , t), ϕ21 (s) = ϕ(s, b2 ), ϕ10 (t) = ϕ(a1 , t) Podemos então, se ϕ = n1 ϕ1 + · · · + nk ϕk é uma 2-cadeia, definir seu bordo por ∂ϕ = n1 ∂ϕ1 + · · · + nk ∂ϕk Recordemos que, com as definições acima, o Teorema de Kelvin se estende a cadeias com o seguinte enunciado: Teorema de Kelvin: Seja A ⊂ IR3 um aberto. Se ϕ é uma 2-cadeia de classe C 1 em A e ω é uma 1-forma de classe C 1 em A, então Z Z ω= dω ∂ϕ
ϕ
Podemos agora introduzir o conceito de homologia entre cadeias, que generaliza o de homotopia entre curvas: HOMOLOGIA: a curva c é homóloga à soma c1 + c2 + c3 , porque existe uma superfície ϕ tal que R c − (c R 1 + c2 + c3 ) =R∂ϕ. Pelo Teorema de Kelvin, teremos, para uma 1-forma ω, c ω − c1 +c2 +c3 ω = ϕ dω. Em particular, se dω = 0, teremos R R ω = c ϕ ω. Definição : Duas 1- cadeias c e d de classe C r em A são ditas C r -homólogas em A (quando não houver dúvidas quanto a A diremos simplesmente homólogas) se existe uma 2-cadeia ϕ em A de classe C r tal que c − d = ∂ϕ. Notação: c ∼ d. Observação : Para efeitos de homologia, consideramos R iguais R duas cadeias equivalentes no sentido anteriormente definido (c1 ≡ c2 ⇔ c1 ω = c2 ω∀ω contínua em A)
E. HOMOLOGIA × HOMOTOPIA
209
c
c1
c3
c2
c
c2 p1 p2
c1
Exercício: Mostre que a homologia é uma relação de equivalência. Exercício: Para cada n ∈ Z, seja cn ; [0, 1] → IR2 \ {(0, 0)} dada por cn (t) = (cos2πnt, sen2πnt).R MostreR que c2 ≡ 2c1 em IR2 \ {(0, 0)}, no sentido anteriormente definido ( c2 ω = 2c1 ω∀ω contínua em IR2 \ {(0, 0)}). É verdade que cn ≡ −c−n ∀n ∈ Z ? É verdade que n n n n X X X X αi ci ≡ βi ci se e só se iαi = iβi ? i=−n
i=−n
i=−n
i=−n
Exercício: (ı)Na figura abaixo, mostre que c ∼ (c1 + c2 ) no aberto constituído pelo plano menos os pontos P1 e P2 . (ıı)E na figura seguinte?
210
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
c c2 p1
p2
c1
Como ainda não falamos em bordo de 1-cadeias, falemos agora. O bordo de uma 1-cadeia deve ser constituído de pontos. O natural é, então, definir 0-cadeias (que, para não complicar demais, formaremos através de pontos). Como já vimos, uma 0-cadeia é uma soma formal P = n1 P1 + · · · + nk Pk
,
onde n1 , . . . , nk ∈ Z, P1 , . . . , Pk ∈ A. Observação: Recordemos que a “multiplicação” de n ∈ Z por P ∈ A é formal, e nada tem a ver com a do escalar n ∈ IR pelo vetor P . Como de hábito, se n = 0, nP será considerado nulo. Se c : [a, b] → A é uma curva, seu bordo é definido por ∂c = c(b) − c(a) Se c = n1 c1 + · · · + nk ck é 1-cadeia, seu bordo é ∂c = n1 ∂c1 + · · · + nk ∂ck
O bordo de uma 0-cadeia será sempre o número 0, por definição. Podemos agora introduzir o conceito análogo ao de curva (superfície) fechada: Definição : Uma cadeia é dita fechada se seu bordo é nulo. Uma 1-cadeia fechada é também dita um ciclo. Exercício: Pare e pense. Tente desenhar uma cadeia que seja “geometricamente fechada” e não seja fechada pela definição acima e vice-versa. Pelo amor de Deus, não consiga !
E. HOMOLOGIA × HOMOTOPIA
211
Exercício IMPORTANTE: Seja ϕ uma 2-cadeia. Mostre que seu bordo é uma cadeia fechada (observe que basta provar para uma superfície). Entenda o seguinte : se A ⊂ IR2 não tem buracos, então toda 1-cadeia fechada em A deve ser bordo de uma 2-cadeia. Definição : Uma 1-cadeia c é dita exata (em A) se existe uma 2-cadeia ϕ em A tal que ∂ϕ = c. Exercício: Diga que um aberto A é simplesmente conexo se toda 1-cadeia fechada em A é exata. Entenda que essa nova definição coincide com as anteriores. Exercício: Seja A um aberto conexo (em IR2 ou IR3 , mas podia ser em qualquer lugar). Sejam Z1 (A) = {1− cadeias fechadas em A}, B1 (A) = {1− cadeias exatas em A}. Mostre que B1 (A) é um subgrupo de Z1 (A) e que o grupo quociente Z1 (A)/B1 (A) é formado pelas classes de equivalência de Z1 (A) pela homologia. H1 (A) = Z1 (A)/B1 (A) é chamado primeiro grupo de homologia de A (para quem gosta: o posto de H1 (A), isto é, o número mínimo de geradores de H1 (A), é chamado primeiro número de Betti de A; mostre que se A ⊂ IR2 , “primeiro número de Betti de A” é uma forma sofisticada de dizer “número de buracos de A”). Exercício: Só para ir pensando. Considere, dado um aberto A ⊂ IR3 , os seguintes conjuntos Ark (A) = {k − formas de classe C r em A, k = 0, 1, 2} Ckr (A) = {k − cadeias de classe C r em A, k = 0, 1, 2} e as aplicações h , i : Ck1 (A) × A0k (A) −→ IR , k = R 1, 2 (c, ω) 7−→ hc, ωi = c ω , d : Ark (A) −→ Ar−1 k+1 (A) , k = 0, 1 ω 7−→ dω r (A) , k = 1, 2 ∂ : Ckr (A) −→ Ck−1 c 7−→ ∂c
(ı) Observe que h , i é “bilinear” isto é hnc1 + c2 , ωi = nhc1 , ωi + hc2 , ωi∀n ∈ Z , c1 , c2 ∈ Ck1 (A), ω ∈ A0k (A); hc, λω1 + ω2 i = λhc, ω1 i + hc, ω2 i∀λ ∈ IR, c ∈ Ck1 (A), ω1 , ω2 ∈ A0k (A).
212
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
(note que poderíamos ter usado números reais no lugar de inteiros na definição de cadeia). (ıı) Observe que o Teorema de Kelvin afirma que d e ∂ são duais: h∂c, ωi = hc, dωi∀c ∈ C11 (A), ω ∈ A11 (A). (note que tanto ∂ como d são homomorfismos). (ııı) Observe as seqüências d
d
A20 (A) −→ A11 (A) −→ A02 (A) ∂
∂
C01 (A) ←− C11 (A) ←− C21 (A) e note que a imagem de A20 (A) por d é constituída pelas formas exatas e está contida no núcleo de d : A11 (A) → A02 (A) (que é constituído pelas formas fechadas). O grupo quociente d−1 (0)/d(A20 (A)) (isto é, o grupo formado pelas classes de equivalência de formas fechadas por ω1 ≡ ω2 ⇔ ∃η | dη = ω1 − ω2 ) é chamado primeiro grupo de cohomologia de A. O grupo quociente ∂ −1 (0)/∂(C22 (A)) (isto é, o grupo formado pelas classes de equivalência de cadeias fechadas por c1 ∼ c2 ⇔ ∃c | ∂c = c1 − c2 ) é, como vimos, chamado primeiro grupo de homologia de A6 . Problema: Os dois grupos acima definido são isomorfos ?
f
O Operador de Laplace
Consideremos uma função u : [0, ∞[×A → IR, onde A é um aberto de IR3 . Pense u(t, x) como representando a temperatura de x no tempo t, ou algum tipo de 6
Há aqui uma assimetria que tira um pouco da elegância da formulação. Na realidade, o que importa não é a diferenciabilidade das formas, mas sua derivabilidade. De fato, se a forma ω tem derivada exterior dω, dω é automaticamente derivável, com derivada nula. Assim, é possível trabalhar com algo do gênero d
d
∂
∂
A10 (A) −→ A11 (A) −→ A12 (A) C01 (A) ←− C11 (A) ←− C21 (A)
F. O OPERADOR DE LAPLACE
213
x + r~n S2 ~n x 0
concentração em x no tempo t. A propriedade que nos interessa aqui é a seguinte: fixado x, u(t, x) tende a variar, quando t aumenta, em função da diferença entre seus valores em x e nos pontos vizinhos a x. Podemos imaginar que u tenda a aumentar se seu valor em x no tempo t é menor que a média de seus valores nos pontos vizinhos a x no tempo t (da mesma forma, u tende a diminuir se seu valor em x é maior do que sua média nos pontos vizinhos). A idéia é que os valores de u se redistribuam de forma a amenizar as diferenças. Vamos então fixar o tempo t e esquecê-lo. Considere A ⊂IR3 aberto e u : A → IR de classe C 2 (já veremos por quê). Fixemos ainda x ∈ A e R > 0 tal que BR (x) = {y ∈ IR3 , | y − x |< R} ⊂ A. Para cada r ∈]0, R[, seja Sr (x) = {y ∈ IR3 , | y − x |= r}. Vamos calcular a média de u sobre Sr (x). Seja m : [0, R[→ IR dada por m(r) =
1 4πr2
R
Sr (x) udS
, r>0 ,
m(0) = u(x)
Exercício : Mostre que m é contínua em 0.
Para entender a diferença entre u(x) = m(0) e a média de u nos pontos vizinhos a x, seria conveniente calcular m0 . Ora, lembrando que S 2 = {~n ∈ IR3 , | ~n |= 1}, temos a mudança de variáveis S 2 −→ Sr (x) ~n 7−→ x + r~n .
214
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Podemos então escrever, observando que o “jacobiano” desta transformação é r2 , Z Z 1 1 2 u(x + r~ n )r dS = u(x + r~n)dS . m(r) = 4πr2 S 2 4π S 2 Agora é fácil derivar: 1 m (r) = 4π 0
Z ∇u(x + r~n) · ~ndS . S2
Fica melhor se retornarmos a Sr (x): Z Z 1 1 2 ~ , m0 (r) = ∇u(x + r~ n ).~ n r dS = ∇u.dS 4πr2 S 2 4πr2 Sr (x) ou seja, m0 (r) tem a ver com o fluxo do gradiente de u através de Sr (x). Aplicando o Teorema da Divergência, vem: Z 1 0 m (r) = ∇.(∇u) . 4πr2 Br (x)
Ora, considerando que o que mais nos interessa, a princípio, é o sinal de m0 (r), vale a pena investigar o sinal de ∇.(∇u).
Definição : O operador ∆ = ∇.∇ (também notado ∇2 ), que a cada função u de classe C 2 associa ∆u definida por 2 ∂ u ∂2u ∂2u ∆u(x) = ∇.(∇u)(x) = + + (x) ∂x21 ∂x22 ∂x23 é chamado operador de Laplace ou laplaciano. Das considerações que precedem segue: Propriedade da média: Sejam A ⊂ IR3 um aberto e u : A → IR de classe C 2 . Então (i) Se ∆u(y) ≥ 0 para todo y em A, vale 1 u(x) ≤ 4πr2
Z udS Sr (x)
F. O OPERADOR DE LAPLACE
215
para todo x em A e todo r positivo com Br (x) ⊂ A. Neste caso, u é dita subharmônica. (ii) Se ∆u(y) ≤ 0 para todo y em A, vale u(x) ≥
1 4πr2
Z udS Sr (x)
para todo x em A e todo r positivo com Br (x) ⊂ A. Neste caso, u é dita super harmônica.
Em particular, se ∆u(y) ≡ 0 em A, temos, para x e r como acima, Z 1 udS , u(x) = 4πr2 Sr (x) ou também, integrando em r, u(x) =
3 4πr3
Z u. Br (x)
Observe que, sendo u de classe C 2 , é claro que qualquer uma das duas identidades acima, se válida para todo x em A e todo r tal que Br (x) ⊂ A equivale a ∆u ≡ 0. Neste caso u é dita harmônica. Exercício: Use as idéias acima e o Teorema de Green para demonstrar a propriedade 2 2 da média para u : A → IR2 , A aberto em IR2 (neste caso ∆u = ∂∂xu2 + ∂∂xu2 e a média 1 2 é tomada sobre uma circunferência). Exercício: Observe que o correspondente ao Laplaciano em dimensão 1 é a segunda derivada. Note que se u :]a, b[→ IR é tal que u00 (y) ≥ 0 ∀y ∈]a, b[, então u é convexa; se u00 ≤ 0, então u é côncava; traduza geometricamente, neste caso, a propriedade da média. Não exagere nas analogias: se u1 , u2 , u3 : IR2 → IR são dadas por u1 (x, y) = x2 − y 2 , u2 (x, y) = 2x2 − y 2 , u3 (x, y) = x2 − 2y 2 , então ∆u1 ≡ 0, ∆u2 > 0, ∆u3 < 0, mas u1 não é linear afim, u2 não é convexa e u3 não é côncava. Um corolário importante da propriedade da média é: Princípio do Máximo: Sejam A ⊂ IR3 um aberto conexo e u : A → IR de classe C2
216
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
(i) Se ∆u(y) ≥ 0 para todo y em A e u atinge em A seu valor máximo, então u é constante. (ii) Se ∆u(y) ≤ 0 para todo y em A e u atinge em A seu valor mínimo, então u é constante. Demonstração : É claro que basta provar (i). Suponha que x0 ∈ A e u(x0 ) ≥ u(x)∀x ∈ A. Seja B = {x ∈ A | u(x) = u(x0 )}. Como u é contínua, B é fechado em A. Mostraremos que B é aberto: se x ∈ B e RR > 0 é tal que BR (x) ⊂ A, 1 temos, pela propriedade da média, que u(x) ≤ 4πr 2 S (x) udS, ∀r ∈]0, R[. Como x Rr 1 é ponto de máximo de u, vale também u(x) ≥ 4πr2 Sr (x) udS, e portanto u(x) = R 1 udS ∀r ∈]0, R[. Se existir y em BR (x) com u(y) < u(x), teremos, para 4πr2 Sr (x) R 1 r =| y − x |, u(x) > 4πr 2 S (x) udS. Logo BR (x) ⊂ B. Como A é conexo, segue r B = A. Exercício: Mostre que se u : A → IR é de classe C 2 , A ⊂ IR3 aberto conexo e ∆u é estritamente positivo em A, então u não pode ter ponto de máximo local em A. Isto é verdade se se supõe apenas 4u(x) ≥ 0 ∀x ∈ A ? Exercício: Mostre que se A ⊂ IR3 é aberto limitado, u : A¯ → IR é contínua em A¯ e C 2 em A com ∆u ≡ 0, então u assume seus valores máximo e mínimo na fronteira de A. Mostre que se v, w : A → IR são contínuas em A e C 2 em A com ∆v ≡ ∆w em A e v ≡ w em ∂A, então u ≡ v. Vale ainda uma observação sobre o comportamento do Laplaciano quanto a mudanças de sistemas de coordenadas: seu caráter geométrico ou, em outras palavras, sua invariância por mudanças de coordenadas que preservem a métrica de IR3 : Proposição :Seja T : IR3 → IR3 dada por T x = x0 + Ax, onde x0 é fixo A é ortogonal (isto é, AA? = I). Seja u : IR3 → IR de classe C 2 e seja v = u ◦ T . Então ∆v(x) = ∆u(T x). Demonstração : Observe que ∆v(x) = traço de D2 v(x) (como Dv(x) pode ser identificada a ∇v(x), D2 v(x) pode ser pensada como uma transformação linear). Então, temos Dv(x) = Du(T x)A, ou ∇v(x) = A? ∇u(T x) Logo, identificando D2 v a D(∇v) e D2 u a D(∇u), vem: ∆v(x) = trD2 v(x) = trD(A? ∇u(T x)) = = tr(A∗ D2 u(T x)A) = trD2 u(T x) = = ∆u(T x)
G. DIFUSÃO
217
Exercício: Considere (x, y, z) = (rsenθcosϕ, rsenθsenϕ, rcosθ) (coordenadas esféricas) e v(r, θ, ϕ) = u(x, y, z) = u(rsenθcosϕ, rsenθsenϕ, rcosθ). Mostre que ∂ 2 1 ∂v ∂ ∂v ∂ 1 ∂v ∆u(x, y, z) = 2 (r senθ ) + (senθ ) + ( ) r senθ ∂r ∂r ∂θ ∂θ ∂ϕ senθ ∂ϕ (se não conseguir, ou não tiver coragem, olhe no COURANT). Veremos mais à frente o aparecimento do operador de Laplace em equações a derivadas parciais. Nestas situações torna-se importante estudar o comportamento dos autovalores e autovetores de ∆. Exercício: Seja A ⊂ IR3 um aberto limitado cuja fronteira S é uma superfície boa para a aplicação do Teorema da Divergência. R 2 com u ≡ v ≡ 0 em S. Mostre que A → I R de classe C (i) Sejam u, v : A 4uv = R u4v. Sugestão: calcule ∇ · (f F ), onde f é uma função escalar e F é um campo A de vetores, aplique a u∇v e a v∇u, use o Teorema da Divergência, etc.. (ii) Mesmas hipóteses sobre uRe v. Suponha que existem λ, µ ∈ IR com 4u = λu, 4v = µv, λ 6= µ. Mostre que A uv = 0. (iii) Mostre que se u : A → IR é de classe C 2 , u ≡ 0 sobre S, u(x) 6= 0 para algum x em A e 4u = λu, λ ∈ IR, então λ < 0. (iv) Adapte este exercício para dimensão 1 fazendo A =]0, π[ e 4 = D2 (segunda derivada) e veja que tudo funciona. Neste caso quem são os autovalores e autovetores ?
g
Difusão
Retomemos u : [0, ∞[×A → IR, A aberto em IR3 , u(t, x) representando a temperatura de x no instante t. Consideremos uma porção de A dada por um aberto B de bordo S bom para o Teorema da Divergência. Se µ representa a massa específica e c o calor específico (supostos constantes para simplificar), a energia interna de B, no instante t, será dada (no nosso caso é melhor dizer definida) por Z E(t) = µcu(t, x)dV B
218
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
dV designa integração apenas em relação a x. A taxa de variação da energia interna em relação ao tempo, que representa o ganho de calor por unidade de tempo é Z ∂u 0 E (t) = µc (t, x)dV . ∂t B Por outro lado, se não há fontes de calor em B o ganho de calor se realiza apenas por meio de trocas com o exterior, através da fronteira de B, que designamos por S. Suponhamos que o fluxo de calor se dê de forma proporcional, em cada instante, ao gradiente de temperatura (em sentido contrário) com constante de proporcionalidade k, correspondendo à condutividade. Então o ganho de calor em B por unidade de tempo é dado pelo fluxo através de S de −k∇u, onde consideramos o gradiente apenas em relação à variável espacial e S com normal interior. Ou seja, Z −→ 0 E (t) = k∇u· dS S
(agora S é tomada com normal exterior). Exercício : Iguale as duas expressões para E 0 (t), aplique o Teorema da Divergência (com t fixo) à segunda expressão, observe que a igualdade vale para todo B e conclua que se u é de classe C 2 então u satisfaz a ∂u k (t, x) = 4u(t, x) , ∂t µc conhecida como Equação da Difusão. Exercício : Seja A ⊂ IR3 aberto de fronteira S boa para o Teorema da Divergência e seja u : [0, ∞[ × A → IR de classe C 2 satisfazendo a ∂u (t, x) = K∆u(t, x), t ≥ 0, x ∈ A , ∂t onde, K é uma constante positiva. (i) que u (t, x) = 0 ∀(t, x) ∈ [0, ∞[ × S. R Suponha 2 dV é decrescente. |u(t, x)| A
Mostre que n1 (t) =
G. DIFUSÃO
219
∂u ∂u (ii) Suponha que ∂n (t, x) = 0 ∀(t,R x) ∈ [0, ∞[×S ( ∂n = ∇u · n, onde n é a normal 2 exterior a S). Mostre que n2 (t) = A |∇u(t, x)| dV é decrescente.
Exercício: O Método de Fourier - nas hipóteses do Rexercício anterior, suponha que u(t, x) = 0∀t > 0∀x ∈ S. Seja E = {v : A¯ → IR | A v 2 < ∞}. Considere em E o produto escalar Z v1 v2
< v1 , v2 >= A
(na verdade, nosso produtoR só será, de fato, um produto escalar se identificarmos funções v1 e v2 tais que A | v1 − v2 |2 = 0). Seja U : [0, ∞[→ E dada por U (t)(x) = u(t, x). (i) Reinterprete a equação da difusão como uma equação diferencial ordinária em E, nos seguintes termos: U˙ (t) = T U (t), t > 0, onde T é o operador linear (definido em um subespaço de E) dado por T V = K∆V , e U vive no subespaço E0 de E dado por E0 = {V ∈ E|V (x) = 0∀x ∈ S}. (ii) Se tentarmos a idéia algo imprecisa de resolver nossa equação ordinária diagonalizando T , note que os autovetores ϕ deverão satisfazer a
∆ϕ(x) = λϕ(x) , x ∈ A ϕ(x) = 0 , x ∈ S,
de modo que os autovalores serão todos negativos e autovetores associados a autovalores distintos serão ortogonais. (iii) Suponha ainda que o conjunto {ϕn }n∈IN dos autovetores seja enumerável e que todo elemento P de E0 se escreva como combinação linear infinita dos ϕn . Faça então U (t) = n∈IN cn (t)ϕn , com cn : [0, ∞[→ IR e conclua que cada cn satisfaz à equação ordinária c˙n (t) = Kλn cn (t). P (iv) Suponha conhecido que U (0) = f . Temos, então , f = n∈IN cn (0)ϕn . Fixado m ∈ IN , multiplique escalarmente dos dois lados por ϕm e obtenha R f ϕm cm (0) = RA 2 . A ϕm
220
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
(v) Considere o caso de dimensão 1, com A =]0, π[, K = 1. Mostre que (a menos de multiplicações por P constantes e mudanças de ordem), ϕn (x) = sin(nx). Calcule a solução u(t, x) = n∈IN cn (t) sin(nx), no caso em que u(0, x) = x.
h
Funções Harmônicas e a Equação de Laplace
Exercício: Sejam A e B dois pontos do plano α, k um real positivo e seja c = P ∈ α | P A = kP B . Mostre que c é um círculo (dito círculo de Apolônio). Mostre que, se trocarmos o plano α por IRN , c será uma esfera (N −1)-dimensional. Sugestão para a primeira parte: chame de V1 e V2 os dois pontos de c situados na reta AB; mostre que P ∈ c se e somente se as bissetrizes dos ângulos formados pelas retas P A e P B passam por V1 e por V2 ; conclua que P ∈ c ⇔ V\ 1 P V2 é reto. Sugestão para a segunda parte: use a experiência adquirida na primeira parte e mostre que P ∈ c ⇔ |P − C| = |V1 − V2 |/2, onde C = (V1 + V2 )/2 . Mostre que |A − C||B − C| = R2 , onde R é o raio de c. Exercício: Sejam S uma esfera (de dimensão N − 1) em IRN e P um ponto outro que o centro de S. Mostre que existe um (único) ponto P¯ tal que S é esfera de Apolônio para P e P¯ . Mostre que, neste caso, a razão k é d/R, onde R é o raio de S e d a distância de P ao centro de S. Exercício: Considere duas cargas puntiformes, q1 e q2 , situadas em dois pontos distintos, x1 e x2 , de IR3 . Os correspondentes campos elétricos provêm de potenciais V1 e V2 dados por (a menos de multiplicação por constante) V1 (y) = q1
1 , |y − x1 |
V2 (y) = q2
1 . |y − x2 |
Note que, se q1 e q2 têm sinais opostos, então existe uma esfera em que V1 + V2 se anula. Exercício: Suponha S = y ∈ IR3 | y12 + y22 + y32 = R2 e x ∈ IR3 , x 6= 0. Dado q ∈ IR, determine x ¯ ∈ IR3 , q¯ ∈ IR tais que a soma dos potenciais devidos à carga q em x e à carga q¯ em x ¯ se anule em S. Consideremos o potencial V devido a uma carga puntiforme. Para simplificar, nossa carga estará em (0,0,0) e faremos V (x) =
1 . |x|
H. FUNÇÕES HARMÔNICAS E A EQUAÇÃO DE LAPLACE
221
Sabemos que ∆V (x) = 0 ∀x 6= 0. O que talvez seja menos evidente é que podemos dar um significado a ∆V (0). Uma conta simples mostra que ,se B é uma bolinha de centro 0 e S é seu bordo, Z ∇V = −4π, S
o que aponta para −∆V (0) = ∞. Mais interessante ainda é tentar olhar para o laplaciano de V no sentido das distribuições (veja página 77). Se ϕ : IR3 → IR é uma função -teste C ∞ de suporte compacto, teremos, no sentido das distribuições , Z Z Z < ∆V, ϕ >= ” ∆V ϕ ” = V ∆ϕ = lim V ∆ϕ = IR3
Z = lim
ε→0
Z Sε
Z V ∇ϕ −
ϕ∆V + ¯R −Bε B
ε→0 B ¯R −Bε
IR3
ϕ∇V
= 0 + 0 − 4πϕ(0),
Sε
¯R , Bε , Sε (R > 0 é tal que ϕ e todas suas derivadas se anulam para x ≥ R; B representam, como de hábito, bolas e esferas, tendo os respectivos raios como subíndices). Exercício: Confira as igualdades acima. Em particular, se ainda não o fez, note que, para u e v duas vezes diferenciáveis, vale ∇.(u∇v) − ∇.(v∇u) = u∆v − v∆u. Exercício: Conclua que, no sentido das distribuições , o laplaciano de (−V /4π) é a distribuição δ de Dirac. Isto é (e, de maneira um pouco mais geral, sem supor x = 0), se ϕ : IR3 → IR é C ∞ e de suporte compacto, então Z −1 ” ”∆” ϕ(y)dy” = ϕ(x). 4π|x − y| IR3 Exercício: Use os mesmos argumentos para provar que, se B ⊂ IR3 é uma região ¯ → IR é contínua em B ¯ e C 2 em B, com ∆u ≡ 0 limitada pela superfície S e u : B em B, então , com normal exterior em S, Z Z −1 −1 ~ ~y . u(x) = u(y)∇ dSy − ∇u(y)dS 4π|x − y| 4π|x − y| S S Exercício: Suponha agora, nas condições do exercício anterior, que B é uma bola de centro na origem e raio R e faça, para x em B, x 6= 0, x ¯ = (R2 /|x|2 )x. Note que R ∆y = 0 ∀y ∈ B 4π|x||y − x ¯|
222
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
e que R 1 − = 0 ∀y ∈ S. 4π|x||y − x ¯| 4π|x − y| Conclua que, neste caso, Z u(y)∇ u(x) = S
R 1 − 4π|x||y − x ¯| 4π|x − y|
~y . dS
Faça as contas e obtenha R2 − |x|2 u(x) = 4πR
Z S
u(y) dSy |x − y|3
(note que, pela propriedade da média, esta fórmula vale também para x = 0). Problema: Suponhamos agora, sendo B a bola de raio R e centro (0, 0, 0) e S = ∂B, ¯ → IR, harmônica em B, a partir de seu que queiramos construir uma função u : B valor em S. Podemos concluir que, dada f : S → IR contínua, então u dada pela fórmula Z R2 − |x|2 f (y) u(x) = dSy 3 4πR S |x − y| ¯ e harmônica em B, com u(x) = f (x) ∀x ∈ S? é contínua em B Comecemos por um exame mais detalhado da função de Green, definida para x e y em B, x 6= y, por G(x, y) =
1 R − . 4π|x||y − x ¯| 4π|x − y|
Note que, por construção , ∆y G(x, y) = 0 ∀(x, y) ∈ B × B, e que G(x, y) = 0 ∀(x, y) ∈ B × S. Exercício: Mostre que
1 G(x, y) = 4π
R (|x|2 |y|2 + R4 − 2R2 < x, y >)1/2
1 − |x − y|
! = G(y, x),
¯ com x 6= y. Note que isto garante ∆x G(x, y) = a igualdade valendo para x e y em B, 0 ∀(x, y) ∈ B × B, além de G(x, y) < 0 ∀(x, y) ∈ B × B. Note ainda que nossa
H. FUNÇÕES HARMÔNICAS E A EQUAÇÃO DE LAPLACE
223
¯ × B, ¯ G(x, y) está, agora, definida também para x = 0 e também para (x, y) ∈ B com x 6= y. Exercício: Mostre que, para x em B e y em S, ∆x ∇y G(x, y) = ∇y ∆x G(x, y) = 0 (o laplaciano, neste caso, é tomado coordenada a coordenada). Mostre que ∇y G(x, y) =
R2 − |x|2 y. 4πR2 |y − x|3
Conclua que a função u definida em B por R2 − |x|2 u(x) = 4πR
Z S
f (y) dSy , |y − x|3
é tal que ∆u(x) = 0 ∀x ∈ B (onde f : S → IR é contínua e dSy representa o ¯ → IR é elemento de área em S). Note ainda que, para o caso em que v : B ¯ com V (y) = f (y) ∀y ∈ S, já provamos que a harmônica em B e contínua em B, fórmula acima (chamada de fórmula de Poisson) nos dá u = v. Resta mostrar que, dada : S → IR contínua, a função u definida pela fórmula acima satisfaz a limx→y0 = f (y0 ) ∀y0 ∈ S. Exercício: Seja então , para x em B e y em S, K(x, y) =
R2 − |x|2 . 4πR|y − x|3
R ¯ e conclua que, para todo x em B, Faça u ≡ 1 em B S K(x, y)dSy = 1. Note, ainda, que K(x, y) > 0 ∀(x, y) ∈ B × S. Assim, para cada x em B, K(x, y) nos dá uma densidade de probabilidades em S, de forma que u(x) é uma média, ponderada por K, dos valores de f em S (K é chamada de núcleo de Poisson). Exercício: Para concluir, fixe y0 em S e ε > 0. Tome δ1 > 0 tal que |y − y0 | < δ1 ⇒ |f (y) − f (y0 )| < ε/2. Se S0 = {y ∈ S| |y − y0 | < δ1 } e S1 = S \ S0 , escreva, para x em B, Z Z u(x) − f (y0 ) = K(x, y)f (y)dSy − K(x, y)f (y0 )dSy = S
Z
S
Z K(x, y)(f (y) − f (y0 ))dSy +
S0
K(x, y)(f (y) − f (y0 ))dSy . S1
Mostre que, quando x tende a y0 , K(x, y) converge, uniformemente sobre S1 , para zero. Com esta dica enorme, prove que limx→y0 u(x) = f (y0 ).
224
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
0 y¯ x
y
Problema: Note que a diferenciabilidade de u em S é discutível. O que você tem a dizer a respeito? Os exercícios a seguir dão uma idéia de um possível caminho alternativo, algo fantasioso, conduzindo à fórmula de Poisson. Exercício: Suponha que u : [a, b] → IR satisfaz a u00 ≡ 0. Mostre que, para cada x em [a, b], u(x) é uma média ponderada de u(a) e u(b), dada por u(x) =
b−x x−a u(a) + u(b). b−a b−a
Exercício: Suponha dada f : S → IR e procuremos definir, para x em B, u(x) como uma média ponderada dos valores de f . Para começar, suponhamos que x "vê"os pedaços de S segundo o ângulo sólido (a partir de x e não de 0). Desta forma, cada cone de vértice x vai recortar em S dois pedaços opostos em relação a x. Cada par de pedaços contribuirá com um peso igual a seu ângulo sólido (visto de x) Por outro lado, se y e y¯ são pontos de S alinhados com x, suas ponderações serão distintas (embora sejam vistos segundo o mesmo ângulo sólido): f (y) ganha peso |¯ y − x|/|¯ y − y| e f (¯ y ) ganha peso |y − x|/|¯ y − y|. Assim, cada ponto de S contribui
I. O PROBLEMA DE DIRICHLET NA BOLA
225
segundo seu elemento de ângulo sólido, sendo que pontos opostos em relação a x têm suas ponderações distribuídas de acordo com a condição acima. Mostre que, sendo u(x) dada pela média dos valores de f em S segundo a ponderação assim definida, u(x) será dada pela fórmula de Poisson. O visível aspecto probabilístico da fórmula de Poisson não é mera coincidência, é claro. Dentro da área de Probabilidades, há toda uma sub-área dedicada á Teoria do Potencial, em que nossa fórmula é obtida com argumentos bastante diferentes.
i
O problema de Dirichlet na Bola
¯ x 6= y: Voltemos à função de Green, definida para x e y em B, G(x, y) =
R 1 − . 4π|x||y − x ¯| 4π|x − y|
¯ → IR de classe C 1 em B ¯ e Exercício: Note que já provamos que, sendo u : B com ∆u limitada e integrável em B, então vale a fórmula de representação de Green: Z u(x) =
Z G(x, y)∆u(y)dy +
B
~y − u(y)∇y G(x, y).dS
S
Z
~y . G(x, y)∇u(y).dS
S
Como tomamos a precaução de escolher G de forma que G(x, y) = 0 para y em S, temos Z
Z
u(x) =
G(x, y)∆u(y)dy + B
~y , u(y)∇y G(x, y).dS
S
o que mostra que u pode ser reconstruída a partir de seus valores em S e dos valores de seu laplaciano em B. É natural que nos coloquemos a seguinte conjectura: dadas ρ : B → IR, limitada e integrável, e f : S → IR contínua, a função u, definida em B por Z Z ~y u(x) = G(x, y)ρ(y)dy + f (y)∇y G(x, y).dS B
S
¯ e satisfaz a ∆u = ρ em B? e em S por u(x) = f (x), é contínua em B
226
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
A igualdade ∆u = ρ é, evidentemente, delicada: se alterarmos o valor de ρ em um ponto x, u(x) não mudará, de modo que a igualdade pontual fica comprometida7 . Podemos (e vamos) simplificar um pouco a discussão , supondo ρ contínua. Como já ¯ e harmônica sabemos que a fórmula de Poisson produz uma função contínua em B em B, podemos concentrar nossa análise em Z ¯ G(x, y)ρ(y)dy, x ∈ B. v(x) = B
Exercício: Suponha que ρ é limitada e integrável em B. (i) Mostre que limx→y0 v(x) = 0 ∀y0 ∈ S. ¯ com ∇v dado por (ii) Mostre que v é de classe C 1 em B, Z ∇v(x) = ρ(y)∇x G(x, y)dy B
(note que a derivação dentro do sinal de integral, neste caso, exige uma justificação delicada). Para calcular ∆v = ∇.∇v, a tentativa de derivar pela segunda vez dentro do sinal de integral conduz a uma integral cujo resultado não é, em geral, finito (algo da R forma B1 |z|−3 dz, onde B1 é uma bola de centro 0). Exercício: Confira (faça ρ ≡ 1). No entanto, podemos calcular a divergência como derivada exterior, diretamente, pela definição . Neste caso obtemos, de fato, ∇.∇v = ρ. A idéia é, essencialmente, sendo β uma bolinha contendo x, de bordo σ, calcular Z 1 lim ∇v . d~s. β→x µ(β) σ Se pudermos trocar a ordem das integrações (note que, neste caso, estamos lidando com integrais impróprias e a situação é menos elementar do que no caso de funções limitadas), teremos Z Z
Z ∇v.d~s = σ
ρ(y)∇x G(x, y)dy
σ
B
Z Z . ds~x =
ρ(y)∇x G(x, y) . ds~x dy.
B
σ
Exercício: Observe que, se β ⊂ B, 7
Na verdade, ∆u é uma 3-forma, de modo que seu valor em x não importa, mas sim os valores de suas integrais sobre 3-cadeias
I. O PROBLEMA DE DIRICHLET NA BOLA
Z
Z ∇x G(y, x) . ds~x =
ρ(y)∇x G(x, y) . ds~x = ρ(y) σ
227
σ
0, y∈ /β ρ(y), y ∈ β
Exercício: Conclua que Z
Z ∇v . d~s =
ρ(y)dy β
σ
e que, portanto, nos pontos x de B em que ρ é contínua, Z Z 1 1 ∆v(x) = lim ∇v . d~s = lim ρ(y)dy = ρ(x). β→x µ(β) σ β→x µ(β) β
Para fazer tudo conforme o figurino, devemos justificar a troca de ordem nas integrais. Usaremos livremente, no Lema abaixo, a forma não paramétrica do Teorema da Divergência. Lema 1: Seja ρ : IR3 → IR3 limitada e integrável e seja E : IR3 → IR3 dado por Z ρ(y) E(x) = (x − y)dy. 3 IR3 4π|x − y| Então , se B ⊂ IR3 é um aberto "bom para o Teorema da Divergência", temos Z Z E= ρ. ∂B
B
Demonstração : Comecemos observando que E é dado por uma integral duplamente imprópria, porém finita. Exercício: Seja f : IRN → IR integrável (mas não necessariamente limitada), com integral finita. Mostre que para todo ε positivo existe δ positivo tal que, para A Jordan mensurável, Z µ(A) < δ ⇒ f < ε. A
Continuando a demonstração , vamos mostrar que, para todo ε > 0, a diferença entre as integrais cuja igualdade pretendemos provar é menor do que ε. Seja, pois, fixado ε > 0. Observemos que, como ∂B é compacto e de medida nula, podemos cobri-lo por um aberto A, união finita de blocos abertos, tal que
228
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
|ρ(y)| ε dy < 2 4π|x − y| 3 area de ∂B
Z A
e Z
ε |ρ(y)|dy < . 3 A
Podemos, também, tomar um bloco C, com A ⊂ C e B ⊂ C, tal que Z |ρ(y)| ε dy < . 2 4π|x − y| 3 area de ∂B 3 IR \C Nosso campo E se escreve, então , como soma de três campos: E = E0 + EA + EC , com Z ρ(y) (x − y)dy, EA (x) = 3 A 4π|x − y| Z ρ(y) (x − y)dy, EC (x) = 3 IR3 \C 4π|x − y| Z ρ(y) E0 = (x − y)dy. 3 C\A 4π|x − y| Temos, então , Z
Z
Z
E=
EC +
∂B
∂B
Z EA +
∂B
E0 . ∂B
Subtraindo dos dois lados a integral de ρ sobre B, temos: R R R R R R ∂B E − B ρ ≤ ∂B EC + ∂B EA + ∂B E0 − B ρ < <
2ε 3
R R + ∂B E0 − B ρ .
Resta-nos, pois, mostrar que ε E0 − ρ ≤ . 3 ∂B B
Z
Z
Ora, em notação de integral de superfície, temos Z
Z
Z
E0 = ∂B
∂B
C\A
! ρ(y) ~x . (x − y)dy . dS 4π|x − y|3
I. O PROBLEMA DE DIRICHLET NA BOLA
229
Agora estamos com um integrando limitado, em um domínio limitado. Podemos, pois, trocar, sem medo, a ordem das integrais: Z
Z
Z E0 =
∂B
C\A
∂B
ρ(y) ~ (x − y). dSx dy. 4π|x − y|3
Se y ∈ / B, temos, pelo Teorema da Divergência, Z
ρ(y) ~x = 0. (x − y). dS 4π|x − y|3
∂B
Logo, Z ∂B
Z
Z E0 =
ρ(y) B\A
∂B
Z 1 ~x dy = (x − y). d S ρ(y)dy. 4π|x − y|3 B\A
Como esta última integral difere do que queremos de menos que ε/3. o Lema está demonstrado. Uma versão mais conforme a nossas definições , com superfícies parametrizadas, embora um pouco mais sofisticada, se demonstra com as mesmas ferramentas usadas para provar o Lema 1. Lema 2: Sejam ρ : IR3 → IR3 limitada e integrável e E : IR3 → IR3 dado por Z E(x) = IR3
ρ(y) (x − y)dy. 4π|x − y|3
Então , para toda c : B → IR3 de classe C 1 , onde B é um bloco em IR3 , temos Z Z E = ρ. ∂c
c
Demonstração : Se c é um difeomorfismo, a demonstração segue, basicamente, do Lema 1 (já que poderemos trabalhar com ∂c exatamente como o bordo de uma região "‘boa para o teorema da divergência"’ - construir uma homologia entre ∂c e uma esfera parametrizada de centro x, para cada x no interior de c(B) dá um certo trabalho, mas é factível). Exercício: Se tiver coragem e determinação , construa esta homologia, isto é: mostre que existe uma 3-cadeia C 1 cujo bordo é a diferença entre ∂c e uma esfera parametrizada de centro x.
230
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Vamos, pois, considerar provado o caso em que c é um difeomorfismo. Consideremos agora o caso geral. Como no Lema 1, vamos mostrar que, para todo ε > 0, a diferença entre as integrais cuja igualdade pretendemos provar é menor do que ε. Seja, pois, fixado ε > 0. Observemos que c(∂B) é compacto e de medida nula. Da mesma forma, pelo Teorema de Sard, o conjunto dos valores crítcos de c também é de medida nula (e é compacto). Podemos, pois, cobri-los por um aberto A, união finita de blocos abertos, tal que Z |ρ(y)| ε dy < . 2 4 area de c(∂B) A 4π|x − y| Podemos, também, tomar um bloco D, com A ⊂ D e c(B) ⊂ D, tal que Z |ρ(y)| ε dy < . 2 4π|x − y| 4 area de ∂B 3 IR \D Nosso campo E se escreve, então , como soma de três campos: E = E0 + EA + ED , com Z ρ(y) (x − y)dy, EA (x) = 4π|x − y|3 A Z ρ(y) ED (x) = (x − y)dy, 3 IR3 \D 4π|x − y| Z ρ(y) (x − y)dy. E0 = 4π|x − y|3 D\A Temos, então , Z
Z E=
Z ED +
∂c
∂c
Z EA +
∂c
E0 . ∂c
Subtraindo dos dois lados a integral de ρ sobre B, temos: R R R R R R E − ρ ≤ ED + EA + E0 − ∂c c ∂c ∂c ∂c Bρ < <
ε 2
R R + ∂c E0 − c ρ .
Resta-nos, pois, mostrar que Z
ε E0 − ρ ≤ . 2 ∂c c Z
I. O PROBLEMA DE DIRICHLET NA BOLA
231
Exercício: Seja X o conjunto dos pontos críticos de c. Note que X é compacto. Mostre que existe uma coleção finita {β1 , . . . , βn } de blocos fechados, contidos em B, tal que X está contido na união dos interiores dos βj e, para cada j, |Jc (x)| < ε/(2 µ(B) sup |ρ|) ∀x ∈ βj e c(βj ) ⊂ A . Mostre que existe uma partição P de B tal que X está contido no interior de uma união de sub-blocos de P como os βj recém descritos. Tomemos, pois, uma partição como a do exercício. Sendo s(P ) = {sub − blocos de P }, podemos considerar as restrições de c aos β de s(P ), cβ : β → IR3 , e escrever: Z
X Z
E0 = ∂c
E0 .
β∈s(P ) ∂cβ
Agora, basta observar que s(P ) se divide em blocos β que contêm elementos de X, com c(β) ⊂ A e blocos β para os quais cβ é um difeomorfismo. Os do primeiro tipo formam uma coleção s1 (P ) tal que: i.
R
ii.
∂cβ
E0 = 0 ∀β ∈ s1 (P ), R
P
β∈s1 (P ) cβ
|ρ| < 2ε .
Os do segundo tipo formam uma coleção s2 (P ) tal que Z
Z
ρ ∀β ∈ s2 (P ).
E0 = ∂cβ
cβ
O Lema 2 está demonstrado. Juntando tudo, provamos o seguinte resultado: Teorema: Sejam B a bola aberta de raio R e centro na origem em IR3 , S seu bordo, ρ : B → IR contínua e limitada e f : S → IR contínua. Seja G definida, para (x, y) em (B ∪ S) × (B ∪ S), x 6= y, por 1 G(x, y) = 4π
R (|x|2 |y|2 + R4 − 2R2 < x, y >)1/2
1 − |x − y|
Então a função u : B ∪ S → IR, dada, em B, por Z u(x) =
Z G(x, y)ρ(y)dy +
B
S
~y , f (y)∇y G(x, y).dS
! .
232
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
e, em S, por u(x) = f (x), é contínua em B ∪ S e satisfaz a ∆u = ρ em B.8
Uma interessante abordagem alternativa, introduzida por Riemann (que atribui a Dirichlet o princípio fundamental, usualmente chamado de princípio de Dirichlet), consiste em considerar, sendo Ω um aberto bom para o teorema da divergência, o problema
∆u(x) = ρ(x), x ∈ Ω u(x) = f (x), x ∈ ∂Ω
(dito, neste caso, problema de Dirichlet para a equação de Poisson). A idéia é considerar ∆u = ρ como equação de Euler-Lagrange do funcional Z Z 1 2 J(v) = |∇v| + ρv. 2 Ω Ω ¯ → IR é contínua em Ω ¯ e de classe C 2 Mais especificamente, suponhamos que u : Ω em Ω,e que u é um ponto crítico (de mínimo, digamos) de J sobre V = v ∈ C 2 (Ω, IR) ∩ C 0 (Ω, IR) | v(x) = f (x) ∀x ∈ ∂Ω . Então , para qualquer h ∈ C 2 (Ω, IR) ∩ C 0 (Ω, IR), com h(x) = 0 ∀x ∈ ∂Ω, temos que t = 0 é ponto crítico (de mínimo) de α : IR → IR dada por α(t) = J(u + th). Exercício: Calcule α0 (0) e mostre que, qualquer que seja h ∈ C 2 (Ω, IR), com h(x) = 0 ∀x ∈ ∂Ω, temos 0
Z
α (0) =
(−∆u + ρ)h. Ω
Conclua que, α0 (0) = 0 ∀h ∈ C 2 (Ω, IR), com h(x) = 0 ∀x ∈ ∂Ω se e somente se u satisfaz a ∆u = ρ em Ω. Assim, cada solução do problema de Dirichlet é um ponto crítico de J, e vice-versa. Problema: Suponha que Ω é um aberto limitado e simpático (mas não uma bola). Mostre que J possui, de fato, um ponto de mínimo.
8
Note que, aqui, ∆u é tomado no sentido "‘físico"’, ou, mais rigorosamente, como a função que corresponde à derivada exterior da 2-forma definida por ∇u
J. MECÂNICA DOS FLUIDOS
233
v(t, ϕ(s, t, x)) ϕ(s, t, x)
x j
Mecânica dos Fluidos
Considere um fluido em movimento em uma região do espaço dada pelo aberto A ⊂ IR3 . Sejam v(t, x) a velocidade do fluido no ponto x de A no instante t e ρ(t, x) a densidade de massa. Se considerarmos uma porção B de A (B aberto de fronteira S boa para o Teorema da Divergência), temos, exatamente como no caso da difusão, uma equação de balanço: a variação da massa do fluido em B é medida por seu escoamento através de S (supondo que não há ninguém com o canudinho em B, claro). Isto significa que d dt
Z
−→
Z ρ(t, x)dV = −
B
ρ(t, x)v(t, x)· dS S
Exercício : Aplique o Teorema da Divergência, note que B pode ser qualquer e conclua que ρ e v satisfazem à Equação da Continuidade: −
∂ρ = ∇ · (ρv) = ρ∇ · v + ∇ρ · v ∂t
(supondo ρ e v de classe C 1 ).
Considere agora as trajetórias ao longo do fluxo, isto é, para cada x, ϕ(s, t, x) dada por
∂ ∂t ϕ(s, t, x)
= v(t, ϕ(s, t, x)) ϕ(s, s, x) = x.
234
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Supondo-se v de classe C 1 , pode-se mostrar que existe um aberto Ω ⊂ IR×IR×IR3 , com {(s, s, x), s ∈ IR, x ∈ A} ⊂ Ω, tal que ϕ:Ω→A é de classe C 1 . Além disso, se B ⊂ A é um aberto e s, t ∈ IR são tais que (s, t, x) ∈ Ω para todo x em B, então ϕts : B → ϕ(s, t, B) x
7→
ϕts (x)
= ϕ(s, t, x)
(15.1) (15.2)
é um difeomorfismo. Exercício : Mostre que ϕss = identidade, ϕts ◦ ϕsr = ϕtr e que Jϕts > 0 ∀s, t. Exercício : Mostre que
∂ Jϕt (x) = (∇ · v(t, ϕts (x))Jϕts (x). ∂t s
Exercício : Mostre que a massa se conserva, isto é se B ⊂ A e Z m(t) = ρ(t, y)dV , ϕt (B)
então m0 (t) = 0. Sugestão: derive, aplique o exercício anterior e a equação da continuidade. Exercício : Mostre que ρ(t, ϕ(s, t, x))Jϕts (x) ≡ ρ(s, x). Conclua que ϕts preserva d [ρ(t, ϕ(s, t, x))] ≡ 0. volume (fluxo incompressível) se e só se dt Exercício : Mostre que o fluxo é incompressível se e só se ∇ · v ≡ 0. Considere ainda uma porção B caminhando ao longo do fluxo. Seu momentum é dado por Z
Z ρ(t, y)v(t, y)dv =
π(t) = ϕts (B)
ρ(t, ϕ(s, t, x))v(t, ϕ(s, t, x))Jϕts (x)dv
.
B
A derivada em relação a t desta expressão, π 0 (t), deve ser igual à soma das forças externas que atuam sobre B. Exercício: Mostre que
J. MECÂNICA DOS FLUIDOS
235
x
ϕts (x)
B
ϕ(s, t, B) 0
π (t) =
Z (
D (ρv) + ρv∇ · v)dV Dt
onde D ∂ ∂f ∂f f (t, ϕ(s, t, x)) = (f (t, ϕ(s, t, x)) = (t, ϕ(s, t, x))+ (t, ϕ(s, t, x))v(t, ϕ(s, t, x)) , Dt ∂t ∂t ∂y ∂f D ou seja, Dt f (t, y) = ∂f ∂t (t, y) + ∂y (t, y)v(t, y) ∂ representa a derivada em relação à variável espacial). (aqui ∂y derivada substantiva de f .
D Dt f
é chamada
As forças externas, no caso mais simples, podem ser representadas da seguinte forma: Z F1 (t) = ρadV ϕts (B)
(estamos pensando, em particular, no caso em que a(t, y) ≡ g = aceleração da gravidade) e Z F2 (t) = −pndS ϕts (S)
onde p representa a presão e n a normal exterior a ϕts (S). R Exercício : Mostre que F2 (t) = − ϕt (B) ∇pdV s
Exercício: Suponha que o fluxo é incompressível (isto é, ϕts preserva volume). Mostre que desta condição, da equação da continuidade e do balanço de momentum
236
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
π 0 (t) = F1 (t) + F2 (t) (π, F1 , F2 definidas acima) se deduzem as Equações de Euler: Dv ρ Dt = ρa − ∇p Dρ Dt = 0 ∇·v = 0
k
O rotacional e as rotações
Consideremos F : IR2 → IR2 como um campo C 1 de velocidades e fixemos x em IR2 . Se um disquinho D de raio r está espetado pelo centro no ponto x, de forma que possa apenas rodar (no plano) em torno de x, sua velocidade angular em relação a x, ω, deverá ser a média das velocidades angulares dos pontos do bordo de D: 1 ω= 2πr
Z 0
2π
1 F (x + r(cos θ, sin θ).(− sin θ, cos θ)dθ = 2πr2
Z F. ∂D
Do Teorema de Green, temos, fazendo tender r a zero, 1 ∂F2 ∂F1 lim ω = − (x). r→0 2 ∂x1 ∂x2 Suponhamos agora que as coisas se passam em dimensão três. Nosso campo F é um campo C 1 de velocidades em IR3 e nosso disquinho D está espetado pelas mãos de um Deus tetradimensional em x, podendo rodar apenas em um plano normal ao vetor unitário n (o sentido de n e o sentido positivo de rotação tomados compatíveis). As mesmas contas nos darão , então , 1 lim ω = ∇ × F (x).n. 2
r→0
Exercício: Cuide dos detalhes técnicos. Observe que, se nosso disquinho tiver o direito de escolher o plano em que a velocidade angular será máxima, a escolha tenderá, quando o raio tender a zero, para o plano normal a ∇ × F (x).
L. A DECOMPOSIÇÃO DE UM CAMPO DE VELOCIDADES
l
237
A decomposição de um campo de velocidades
Continuemos pensando nosso campo C 1 F : IR3 → IR3 como um campo de velocidades e examinemos seu comportamento perto de x, aproximando-o pela derivada. Teremos, então , para h em IR3 , h pequeno, F (x + h) ∼ = F (x) + F 0 (x)h. Escrevendo F 0 (x) como soma de uma transformação simétrica com uma antisimétrica, obtemos: F 0 (x) + F 0∗ (x) F 0 (x) − F 0∗ (x) F (x + h) ∼ h+ h. = F (x) + 2 2 Assim, podemos enxergar F , nas cercanias de x, como soma de três campos: o primeiro, constante, age de forma transladar os corpos com velocidade fixa F (x); o segundo é dado por uma transformação linear simétrica; o terceiro, por uma transformação linear anti-simétrica. Exercício: Note que ∇.F (x) é o traço de (F 0 (x)+F 0∗ (x))/2 e que (F 0 (x)−F 0∗ (x))h = (∇ × F (x)) × h ∀h ∈ IR3 . Note que (F 0 (x) − F 0∗ (x))(∇ × F (x)) = 0. Exercício: Seja T : IR3 → IR3 linear simétrica. Considere o fluxo associado a h˙ = T h. Diagonalize T , resolva explicitamente a equação e mostre que a densidade da taxa de expansão volumétrica é dada pelo traço de T . Exercício: Seja T : IR3 → IR3 linear anti-simétrica. Considere o fluxo associado a h˙ = T h. Diagonalize T , resolva explicitamente a equação e mostre que o fluxo consiste em rotação em torno do eixo dado pelo autovetor correspondente ao autovalor nulo. Calcule o vetor velocidade angular. Exercício: Note que nem tudo são flores. O fluxo correspondente à equação x˙ = T x, com T linear, é dado por x(t) = exp(tT )x(0). No entanto, se T = A + B, não vale exp(T ) = exp(A)exp(B), a menos que A e B comutem. Em particular, se A = (T + T ∗ )/2 e B = (T − T ∗ )/2, isto só acontece se T T ∗ = T ∗ T . Mostre que isto acontece se T for a matriz jacobiana de f , com f holomorfa (interpretada como função de IR2 em IR2 .
238
m
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Sistemas Hamiltonianos
9
Consideremos um sistema de N partículas em IR3 , movendo-se sob a ação de forças que dependem apenas da posição do sistema (pense no tradicional problema dos N corpos, em que cada partícula está sujeita à atração gravitacional das demais). Se mi ∈ IR representa a massa e xi ∈ IR3 representa a posição de cada partícula, teremos, considerando xi como função do tempo t ∈ IR e Fi (x1 , . . . , xN ) ∈ IR3 a força atuando sobre a i-ésima partícula: mi x ¨i (t) = Fi (x1 (t), . . . , xN (t)) . De maneira mais abstrata, estamos diante de uma equação diferencial de 2a. ordem dada por x ¨ = f (x) , onde x : IR → IR3N é função a determinar, sendo f : IR3N → IR3N dada por fi = m1i Fi . Neste caso é útil passar a um sistema de 1a. ordem dado por x˙ = y y˙ = f (x) obviamente equivalente a nossa equação anterior. Se considerarmos z : IR → IR6N dada por z(t) = (x(t), y(t)), estaremos diante de uma equação do tipo z˙ = G(z) , onde G(z) = G(x, y) = (y, f (x)).
Exercício : Mostre que nossa interpretação da divergência como taxa de expansão volumétrica (que acaba de reaparecer na Mecânica dos Fluidos) pode ser adaptada sem problemas a qualquer dimensão, isto é: se G : IR × IRM → IRM é um campo de vetores C 1 e ϕ : IR × IRM → IRM fornece as soluções de z˙ = G(t, z), isto é, 9
“Sistemas Hamiltonianos” é um nome exageradamente pomposo para o que vamos fazer, já que procuraremos evitar aqui a passagem pelo Cálculo das Variações e pelas Formas Diferenciais em dimensão maior que três.
M. SISTEMAS HAMILTONIANOS
239
∂ ϕ(t, z) = G(t, ϕ(t, z)) , ∂t então, se B é uma região de IRM e v : IR → IR é dada por Z Z v(t) = volume de ϕ(t, B) = 1= Jϕ(t, x)dx ϕ(t,B)
B
(onde Jϕ(t, x) é calculado em relação a x com t fixo), vale Z Z ∇ · G(t, ϕ(t, x))Jϕ(t, x)dx , ∇ · G(t, x)dx = v 0 (t) = B
ϕ(t,B)
onde ∇ · G(t, x) =
∂G ∂x1 (t, x)
+ ··· +
∂G ∂xM (t, x).
Conclua que no caso acima, em que G : IR6N → IR6N é dada por G(z) = G(x, y) = (y, f (x)), o fluxo preserva o volume. Voltando ao problema dos N corpos, notemos que a força Fi atuando sobre a i-ésima partícula é dada por Fi (x1 , . . . , xN ) =
N X Gmi mj (xj − xi ) |xj − xi |3 j=1 j6=i
Exercício : Seja A = {(x1 , . . . , xn ) ∈ IR3N , i 6= j ⇒ xi 6= xj }. Seja F : A → IR3N dada pelas Fi acima. Mostre que existe V : A → IR tal que F = −∇V .
Exercício : Se q : IR → IR3N é de classe C 2 , seja pi = mi q˙i (pi é chamado impulsão ou quantidade de movimento). Observe que a equação mi q¨i = Fi (q1 , . . . , qN ) é equivalente a 1 pi mi ∂V (q) . pi = Fi (q) = − ∂qi
Defina H : IR3N × A → IR por
q˙i =
240
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
H(p, q) =
N X 1 |pi |2 + V (q) . 2mi i=1
Observe que nosso sistema pode agora ser escrito ∂H p˙ = − (p, q) ∂q ∂H q˙ = (p, q) . ∂p Mostre que H se conserva sobre as trajetórias do sistema (isto é, se (p(t), q(t)) é solução, então H(p(t), q(t)) é constante). Note que isto corresponde à conservação da energia. Exercício : Seja A um aberto de IR2N . Seja H : A → IR de classe C 2 . Sejam I ⊂ IR um intervalo e (p, q) : I → A solução de ∂H (p, q) p˙ = − ∂q ∂H (∗) (p, q) . q˙ = ∂p Mostre que H(p(t), q(t)) é constante e que o fluxo do sistema (∗) preserva volume (isto é, se B ⊂ A é J-mensurável e tal que todas as soluções de (∗) começando em qualquer ponto (p0 , q0 ) de B existem no tempo t - dadas por ϕ(t, p0 , q0 ) então µ(ϕ(t, B)) = µ(B)). Mostre que se H depende também de t já não se tem “conservação da energia” mas a “preservação do volume” se mantém. Observação : Um sistema como (∗) é dito um sistema hamiltoniano; H é dito o hamiltoniano do sistema. Nos exercícios anteriores tomamos um atalho para passar das equações de Newton às de Hamilton. Há que ressaltar que nosso procedimento foi absolutamente desonesto e pode dar ao leitor a impressão de que trata-se apenas de chamar x de q (posição) e trocar a variável velocidade por impulsão. Na realidade a coisa é bem mais profunda. Ver, por exemplo, Arnold, “Métodos Matemáticos da Mecânica Clássica”. Consideraremos agora, para simplificar, H : IR3 → IR de classe C 2 (as variáveis são (p, q, t)). As soluções de
M. SISTEMAS HAMILTONIANOS
241
∂H p˙ = − (p, q) ∂q ∂H q˙ = (p, q) . ∂p podem ser representadas em IR3 pelas curvas (p(t), q(t), t), que são também soluções do sistema autônomo ∂H (p, q) p ˙ = − ∂q ∂H (p, q) q˙ = (∗) ∂p t˙ = 1 . Considere o campo de vetores em IR3 dado por ∂H ∂H F (p, q, t) = − (p, q, t), (p, q, t), 1 ∂q ∂p Exercício : Note que ∇ · F = 0 e que, portanto, deve haver G tal que ∇ × G = F . Procure G. Se não achar, tente G(p, q, t) = (0, p, −H). Em termos de formas, G é a 1-forma pdq − H(p, q, t)dt. Considere agora uma curva fechada c em IR3 . Vamos transportar c no tempo. Seja ϕ : IR × IR3 → IR3 o fluxo associado a (∗) (suponha que está bem definido), dado por ϕ(s, x) = posição de x depois de passado um tempo s. Então ϕ(s, c) é uma nova curva. Mais ainda, ϕ constrói uma homotopia entre c e ϕ(s, c), qualquer que seja s. Mas então, pelo Teorema de Kelvin Z Z Z −→ pdq − Hdt − pdq − Hdt = F · dS , ϕ(s,c)
c
M
∂H onde F = (− ∂H ∂q , ∂p , 1) = ∇x(0, p, −H) e M é a superfície obtida deformando c em ϕ(s, c) através do fluxo associado a F . Como F é obviamente tangente a M , temos Z Z pdq − Hdt = pdq − Hdt . ϕ(s,c)
c
A 1-forma pdq − Hdt é chamada invariante integral de Poincaré-Cartan.
242
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
t F (p, q, t)
ϕ(sc) (p, q, t) q
c
p
Exercício : Seja D uma região do plano t = t0 (isto é, os pontos de D ⊂ IR3 são todos da forma (p, q, t0 ), t0 fixo). Mostre que o fluxo associado a (∗) preserva a área de D (isto é, área de ϕ(s, D) = área de D), como corolário do resultado acima. Exercício : Sejam c0 e c1 duas curvas em IR3 Rde modo que c1 − R c0 seja o bordo de uma superfície M tangente a F . Mostre que c1 pdq − Hdt = c0 pdq − Hdt. Para ter uma idéia de como as idéias acima se generalizam para dimensões maiores, considere H : IR2N +1 → IR de classe C 2 , notado H(p, q, t), p ∈ IRN , q ∈ IRN , t ∈ IR. Seja ϕ o fluxo associado ao sistema hamiltoniano ∂H p˙ = − i ∂qi q˙i =
∂H ∂pi
.
Exercício : Mostre que se η é a 1-forma dada por η =
N X
pi dqi −Hdt (em IR2N +1 )
i=1
e c é uma curva fechada em IR2N +1 , então para todo s vale
N. EQUAÇÕES DE MAXWELL
243
Z
Z
η
η=
.
c
ϕ(s,c)
O exercício acima deve ser difícil (ou ao menos trabalhoso - de certa forma implica em refazer a demonstração do Teorema de Kelvin). Exercício : Seja S uma superfície (objeto de dimensão 2) contido em um subespaço t = t0 de IR2N +1 . Suponha que o bordo de S seja uma curva fechada c. Obtenha do resultado do exercício anterior que Z X N
N X
Z pi dqi =
c i=1
pi dqi
.
ϕ(s,c) i=1
Conclua que se πi : IR2N +1 → IR2 é dada por πi (p, q, t) = (pi , qi ) então N X
area de πi (S) = ´
i=1
n
N X
´area de πi (ϕ(s, S)) .
i=1
Equações de Maxwell
As chamadas Equações de Maxwell abarcam e enunciam de forma matematicamente sucinta uma série de resultados obtidos, basicamente ao longo do século XIX, sobre os fenômenos elétricos e magnéticos. Consideraremos três campos de vetores, E para o campo elétrico, H para o campo magnético e i para a densidade de corrente (definidos em IR × IR3 ). Consideremos também uma função escalar ρ, densidade de carga (também definida em IR × IR3 ), e uma constante c, velocidade da luz no vácuo. As equações de Maxwell no vácuo são : ∇.E = 4πρ ∇.H = 0 1 ∂H ∇×E =− c ∂t 4π 1 ∂E ∇×H = i+ c c ∂t
(lei de Gauss) (inexistˆencia de fontes magn´eticas) (lei de Faraday) (lei de Amp`ere)
244
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Comecemos pela lei de Gauss. Da lei de Coulomb, temos que, em unidades adequadas, o campo elétrico devido a uma carga de intensidade q colocada no ponto x (agindo sobre uma carga unitária positiva colocada em y)10 será dado por: E(y) = q
1 (y − x). |y − x|3
Para uma distribuição de cargas dada por ρ, podemos generalizar a lei de Coulomb, desde que ρ independa do tempo t: Z ρ(x) E(y) = (y − x)dx. |y − x|3 3 IR Exercício: Mostre que a integral acima é finita se ρ é limitada e integrável em IR3 , com integral finita. Você pode melhorar estas hipóteses? Exercício: Pense a distribuição dada por ρ como caso limite de um grande número de pequenas cargas, distribuídas por um grande número de pontos do espaço. Note que, neste caso, o campo E é evidentemente conservativo (embora não definido nos pontos ocupados pelas cargas). Note ainda que, neste caso, o fluxo de E através de qualquer superfície fechada S seria igual a 4π vezes a carga total encerrada por S. Seja agora B uma região do espaço limitada por uma superfície S, boa para o teorema da divergência (B pode ser uma bola). O fluxo de E através de S será dado por Z Z Z ρ(x) ~ ~y . E.dS = ( (y − x)dx).dS 3 |y − x| 3 S S IR Exercício: Reflita sobre a possibilidade de se trocar a ordem das integrações no membro à direita, já que a integral é imprópria. Que condições devemos exigir sobre ρ para que E seja C 1 ? Note que, se, no lugar de uma distribuição contínua de cargas, com densidade ρ, tivéssemos uma quantidade finita (mesmo que enorme) de (pequenas) cargas, tais questões nem se colocariam; porém, como já destacamos, o campo E não estaria definido nos pontos em que houvesse carga. Exercício: Trocando a ordem das integrações , mostre que Z Z Z Z 1 ~= ~y )dx = 4π (y − x).d S ρ(x)dx. E.dS ρ(x)( 3 B S IR3 S |y − x| Conclua que, nos pontos de continuidade de ρ, temos ∇.E = 4πρ, pelo menos no seguinte sentido: 10
Esta carga deve ser entendida como uma abstração , chamada carga de teste
N. EQUAÇÕES DE MAXWELL
1 lim B→x µ(B)
245
Z
~ = ρ(x), E.dS
S
onde B → x significa que B é uma bola contendo x, com raio tendendo a zero. Exercício: Sob que hipóteses sobre ρ podemos dizer que E é conservativo, com potencial dado por Z ρ(x) U (y) = dx? IR3 |y − x|
Observemos agora que, mesmo com ρ dependendo de t, condições adequadas sobre ρ fariam com que, permanecendo válida a lei de Coulomb, E fosse conservativo em x, o que seria incompatível com a lei de Faraday. Na concepção de Faraday, aprofundada por Maxwell, a idéia de carga elétrica e a lei de Coulomb não são o ponto de partida11 . Assim, estaremos admitindo que os campos E e H são conceitos fundamentais. Exercício: Suponha que o campo E é conservativo (o que, como estamos em IR3 , pode ser traduzido em ∇ × E = 0) e defina ρ por ∇.E = 4πρ. Seja ϕ tal que −∇ϕ = E. Use a segunda identidade de Green, Z Z ~= (u∇v − v∇u).dS (u4v − v4u)dV, ∂V
V
com u = ϕ e v(y) = 1/|x − y|, na região V compreendida entre as esferas Sε e SR de centro x e raios respectivamente iguais a ε e R, para obter: 1 y−x ~y − E(y) − ϕ(y) ).dS |y − x|3 SR |y − x| Z Z 1 y−x ρ(y) ~y = −4π ( E(y) − ϕ(y) ).d S dVy . 3 |y − x| |y − x| |y − x| Sε V
Z
(
Suponha que E é limitado e que a integral sobre SR tende a zero quando R tende a infinito. Fazendo R → ∞ e ε → 0, conclua que 11
Maxwell, referindo-se a Faraday, diz:Ele nunca considera corpos como existindo sem nada entre eles a não ser sua distância. Ele concebe o espaço inteiro como um campo de força, as linhas de força sendo em geral curvas, e aquelas devidas a cada corpo se estendendo a partir dele para todos os lados, suas direções sendo modificadas pela presença de outros corpos. Este trecho se encontra no ponto 529 do tratado de Maxwell, O método deste tratado fundado no de Faraday
246
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Z ϕ(x) = IR3
ρ(y) dV. |y − x|
Agora suponha que o suporte de ρ está contido em uma bolinha Bε de centro y e raio r, com |x − y| > r. Mostre que Z ρ(z) (x − z).dVz . E(x) = 3 Bε |x − z| Suponha que Z ρ(z)dVz = q. Bε
Se fazemos ε tender a zero, mantendo q constante, mostre que, no limite, teremos E(x) =
q (x − y). |x − y|3
Problema: Encontre condições razoavelmente gerais sobre E para que a integral Z 1 y−x ~y , ( E(y) − ϕ(y) ).dS |y − x|3 SR |y − x| que aparece no exercício acima, efetivamente tenda a zero quando R tende a infinito. Assim, temos bons motivos para, a partir da lei de Coulomb, acreditar na de Gauss (e vice-versa). Mas, como já salientamos, adotaremos o ponto de vista segundo o qual os campos E e H são considerados conceitos primitivos, a densidade de carga ρ sendo definida, a partir de E, pela lei de Gauss. Nossa segunda lei, ∇.H = 0, expressa o fato de que, contrariamente ao que acontece com o campo elétrico, o campo magnético não é "gerado"por cargas magnéticas. Vamos tomá-lo como um resultado puramente experimental. Experimental, também, é a lei de Faraday. Os experimentos indicam que o campo elétrico não é, na verdade, conservativo. Se considerarmos uma curva fechada γ e uma superfície S cujo bordo é dado por γ (com orientações compatíveis), então a integral de E sobre γ não é nula, mas está relacionada com a variação do campo H pela fórmula Z Z 1d H. E=− c dt S γ Aplicando o teorema de Kelvin, obtemos
N. EQUAÇÕES DE MAXWELL
247
Z ∇×E =− S
1d c dt
Z H. S
Supondo E e H de classe C 1 , temos, já que a igualdade vale para toda S, a expressão usual da lei de Faraday: ∇×E =−
1 ∂H . c ∂t
Exercício: Suponha que E tem derivada exterior em x e que H é contínua, com derivada em relação a t contínua. Mostre que a expressão acima para a lei de Faraday continua válida. A lei de Ampère não tem, originalmente, a forma que lhe atribuímos acima. Numa simplificação um tanto grosseira, podemos dizer que, na versão inicial, esta lei estabelecia uma relação entre i e H, dada por Z Z 4π i. H= c S ∂S Aplicando o Teorema de Kelvin, teremos Z Z 4π ∇×H = i, c S S o que dá, se i e ∇ × H forem contínuos, 4π i. c Tomando a divergência, isto nos daria ∇. i = 0. No entanto, se considerarmos uma região B do espaço, a carga total em B será dada por Z Q= ρ, ∇×H =
B
de forma que dQ d = dt dt
Z ρ. B
Por outro lado, temos que a variação de Q pode ser medida pelo fluxo de i através de ∂B: Z Z dQ =− i=− ∇. i. dt ∂B B
248
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
Assim, se ρ e i são de classe C 1 , devemos ter ∂ρ 1 ∂∇. E 1 ∂E =− = − ∇. . ∂t 4π ∂t 4π ∂t Isto sugere que a equação original, ∇. i = −
4π i, c seja corrigida, sendo-lhe acrescentado o termo, devido a Maxwell (e chamado de corrente de deslocamento), ∇×H =
1 ∂E . 4π ∂t Ficamos, assim, com ∇×H =
1 ∂E 4π i+ . c c ∂t
Exercício: Suponha dados dois campos, E e H, satisfazendo à lei de Faraday e à condição ∇. H = 0. Defina ρ e i pelas leis de Gauss e de Ampère. Mostre que E, H, ρ e i satisfazem às equações de Maxwell. Mostre também que ρ e i satisfazem à equação da continuidade: ∂ρ + ∇. i = 0. ∂t A partir das equações de Maxwell, podemos obter uma interessante relação entre nossos campos E e H e a equação da onda12 . Comecemos da equação mais simples, ∇. H = 0. Exercício: Note que, como estamos em IR3 , que é retrátil, podemos aplicar o Lema de Volterra e concluir que existe A : IR × IR3 → IR3 tal que H = ∇ × A. Exercício: Note que nosso A não é único. Mostre que a diferença entre dois possíveis As é dada por ∇f , para alguma f : IR × IR3 → IR. 12
A equação da onda já fora bastante estudada antes de Maxwell, mas do ponto de vista das vibrações mecânicas. Seu aparecimento no estudo dos fenômenos eletromagnéticos tem importantes interpretações , do ponto de vista físico
N. EQUAÇÕES DE MAXWELL
249
Exercício: Substitua H = ∇ × A na lei de Faraday e conclua que E+
1 ∂A = −∇ϕ, c ∂t
para alguma ϕ : IR × IR3 → IR. Exercício: Note que, se acrescentarmos a nosso A o gradiente de alguma f (obtendo um novo A), nossa ϕ também mudará. Substituir H = ∇ × A na lei de Ampère exige uma conta: Exercício: Mostre que ∇ × (∇ × A) = ∇(∇. A) − ∆A, onde ∆A deve ser entendido como (∆A1 , ∆A2 , ∆A3 ), sendo A = (A1 , A2 , A3 ). Exercício: Conclua que 1 ∂2A 4π 1 ∂ϕ − ∆A = i − ∇ ∇. A + . c2 ∂t2 c c ∂t
Seria interessante, pois, escolher A e ϕ de forma a anular ∇. A +
1 ∂ϕ . c ∂t
Suponha que obtivemos (como o Lema de Volterra nos permite construir), um certo valor para A, que chamaremos de A0 . A partir daí, temos uma correspondente ϕ0 . Podemos, então , tentar determinar f de forma que, sendo A = A0 + ∇f , A e a correspondente ϕ satisfaçam à relação acima. Exercício: Substitua A = A0 + ∇f , faça as contas e mostre que tudo estará bem se f satisfizer à equação : 1 ∂2f 1 ∂ϕ0 − ∆f = + ∇. A0 . 2 2 c ∂t c ∂t Exercício: Da lei de Gauss e das relações E+
1 ∂A c ∂t
∇. A +
= −∇ϕ
1 ∂ϕ c ∂t
deduza que ϕ deverá satisfazer à equação :
= 0,
250
CAPÍTULO 15. APLICAÇÕES
1 ∂2ϕ − ∆ϕ = 4πρ. c2 ∂t2
Assim, podemos dizer que substituímos a determinação dos campos E e H, satisfazendo às equações de Maxwell, pela determinação do campo A (que pode ser chamado de potencial vetorial ) e da função ϕ (que também aparece como um potencial), satisfazendo às equações : 1 ∂2A − ∆A = 4π c i c2 ∂t2 1 ∂2ϕ − ∆ϕ = 4πρ c2 ∂t2 ∇. A + 1c ∂ϕ ∂t = 0 As duas primeiras equações são equações da onda não homogêneas. A terceira é chamada de condição de Lorenz. Exercício: Suponha dados o campo i e a função ρ, e que A e ϕ satisfazem às equações acima. Faça 1 ∂A H = ∇ × A, E = − ∇ϕ + . c ∂t Mostre que ρ, i, H e E satisfazem às equações de Maxwell.
Parte III FORMAS DIFERENCIAIS
251
Capítulo 16 INTRODUÇÃO a
Cenas de Capítulos Anteriores
A discussão que leva ao conceito de determinante pode ser resumida em três pontos: (i) Se admitirmos volumes negativos e procurarmos ω : (IRN )N → IR, ω(v1 , . . . , vn ) = volume (com sinal) do paralelotopo formado por v1 , . . . , vn , então ω deve ser uma forma n-linear alternada1 . (ii) O espaço das FORMASk-LINEARES ALTERNADAS em IRN , notado N . por Ak (IRN ), tem dimensão k (iii) Cada transformação linear T : IRN → IRN define uma aplicação linear de Ak (IRN ) em si mesmo, dada por ω 7→ ωT , ωT (v1 , . . . , vN ) = ω(T v1 , . . . , T vN ). Segue de (ii) que, para cada T : IRN → IRN linear, existe um número detT tal que ωT = detT ω para toda ω em Ak (IRN ). Exercício : Prove os pontos (ii) e (iii) acima (e entenda (i)). Exercício : Prove que se (sendo 1 o elemento neutro de IK) 1 + 1 6= 0, então ω(v1 , . . . , vk ) = 0 sempre que ω é k-linear alternada e v1 , . . . , vk são linearmente 1
Dado um espaço vetorial E sobre um corpo IK, uma forma k-linear alternada (ou anti-simétrica) em E é uma aplicação ω : E k → IK tal que : (i) ω(λu + w, v2 , . . . , vk ) = λω(u, v2 , . . . , vk ) + ω(w, v2 , . . . , vk ), quaisquer que sejam u, w em E e λ em IK. (ii) ω(v1 , . . . , vi , . . . , vj , . . . , vk ) = −ω(v1 , . . . , vj , . . . , vi , . . . , vk ), 1 ≤ i < j ≤ k
253
254
CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO
independentes (ou seja, se o paralelotopo formado por v1 , . . . , vk tem dimensão menor do que k, qualquer forma de medir seu “volume” k-dimensional dará 0 como resultado). Em particular, AK (IRN ) = {0}, se k > N . OBSERVAÇÃO : Trate de entender bem os resultados acima. Admitindo entendido que formas k-lineares alternadas servem para “medir coisas de dimensão k”, podemos mudar de cena. Fixemo-nos em IR3 e façamos mais três observações: (i) Toda forma 1-linear alternada em IR3 é dada por ω(v) = F1 v1 + F2 v2 + F3 v3 = F.v para algum vetor F em IR3 . (ii) Toda forma 2-linear alternada em IR3 é dada por ω(u, v) = F1 (u2 v3 − u3 v2 ) + F2 (u3 v1 − u1 v3 ) + F3 (u1 v2 − u2 v1 ) = F.(u × v) para algum vetor F em IR3 . (iii) Toda forma 3-linear alternada em IR3 é dada por
ω(u,v,w)=det(u,v,w) 2
Desta maneira (vamos discutir isto em detalhe daqui a pouco), as clássicas “integrais de linha de um campo de vetores”, “integrais de superfície (fluxo) de um campo de vetores” e “integral volumétrica de uma função escalar” podem ser re-interpretadas em termos de formas multilineares alternadas: um campo de vetores, do ponto de vista das integrais de linha, é uma aplicação que a cada ponto associa uma forma linear (alternada); um campo de vetores, agora para efeito de cálculos de integrais de superfície, é uma aplicação que a cada ponto associa uma forma bilinear alternada; já uma função escalar, entendida como um integrando, é uma aplicação que a cada ponto associa uma forma tri-linear alternada.
b
Os Objetos e os Integrandos
Nossa intuição geométrica identifica quatro classes de objetos em IR3 , quanto à dimensão: (i) Objetos compostos de um número finitos de pontos têm dimensão 0 e são suscetíveis de contagem; (ii) Curvas (ou uniões de curvas) têm dimensão 1 e comprimento; (iii) Superfícies (ou uniões de) têm dimensão 2 e área; 2
Chamaremos, por abuso de linguagem, de determinante a forma N-linear alternada det em IRN tal que det(e1 , . . . , eN ) = 1.
B. OS OBJETOS E OS INTEGRANDOS
255
(iv) Sólidos têm dimensão 3 e volume. Poderíamos, a esta altura e antes de mais nada, colocar duas questões bastante pertinentes: Problema : Encontre definições adequadas de curva e de superfície. Comecemos com as curvas. Temos duas possibilidades tradicionais, quanto ao ponto de vista: (i) Ponto de vista geométrico – uma curva é um subconjunto de IR3 satisfazendo a certas propriedades; (ii) Ponto de vista paramétrico – uma curva é uma função de um intervalo da reta em IR3 satisfazendo a certas propriedades. Adotaremos neste capítulo o ponto de vista paramétrico, por duas razões: primeiro, porque a definição é mais fácil; segundo, porque nossa experiência indica que as integrais se calculam sempre via parametrizações. O ponto de vista geométrico será abordado no próximo capítulo. Assim, uma curva é uma função c : [a, b] → IRN de classe C 1 . Exercício : Por que não de classe C 0 ? Por que não C 1 por partes ? RESPOSTA : Já veremos. De maneira mais geral, um cubo singular de dimensão k e classe C r será uma aplicação c : B → IRN de classe C r , onde B é um bloco (não degenerado) em IRk . Usualmente, diremos apenas um k-cubo C r ou um k-cubo em IRN . Para todos os efeitos, um cubo é um objeto k-dimensional em IRN 3 Exercício : Observe que um k-cubo c : B → IRN não é um subconjunto de IRN . Observe que a imagem de c pode não ser realmente de dimensão k (para quem está habituado a pensar uma curva como trajetória não deve haver qualquer novidade em pensar na curva c(t) = (0, 0, 0) ∀t ∈ [a, b]). Consideremos agora um k-cubo de classe C 1 em IRN e tentemos atribuir-lhe um volume (entendido como um análogo k-dimensional da idéias de comprimento e área). Comecemos observando que é possível definir em cada subespaço vetorial de dimensão k em IRN , uma forma k-linear alternada cujo valor em uma base ortonormal (para o produto vetorial herdado de IRN ) seja 1. Se k = 0, IRk = {∅}. Um 0-cubo, portanto, é uma aplicação c : {∅} → IRN , o que, para efeitos práticos, corresponde a um ponto 3
256
CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO
c(x) Exercício : Seja E um subspaço vetorial de IRN , de dimensão k. Seja {v1 , . . . , vk } uma base ortonormal de E (para o produto vetorial de IRN ). Observe que existe uma única ω ∈ Ak (E) = {formas k-lineares alternadas em E} com ω(v1 , . . . , vk ) = 1. Observe que se {w1 , . . . , wk } é outra base ortonormal de E e ω ¯ ∈ Ak (E) é tal que ω ¯ (w1 , . . . , wk ) = 1, então ω ¯ = ω ou ω ¯ = −ω (sugestão: a transformação U : E → E dada por U vi = wi é unitária; a forma ω ¯ U dada por ω ¯ U (z1 , . . . , zk ) = ω ¯ (U z1 , . . . , U zk ) é, como já vimos, dada por ω ¯ U = detU ω ¯ ; como detU = ±1, temos 1 = ω ¯ (w1 , . . . , wk ) = ω ¯ U (v1 , . . . , vk ) = ±¯ ω (v1 , . . . , vk ); por outro lado, ainda porque dimAk (E) = 1, existe λ tal que ω ¯ = λω; como ω ¯ (v1 , . . . , vk ) = ±1, segue λ = ±1). DEFINIÇÃO : SEJA E UM ESPAÇO VETORIAL DE DIMENSÃO k COM PRODUTO INTERNO. UMA FORMA k-LINEAR ALTERNADA EM E VALENDO 1 EM ALGUMA BASE ORTONORMAL DE E SERÁ DITA UMA FORMA DE VOLUME EM E. OBSERVAÇÃO : O exercício acima mostra que: (i) Se ω é uma forma de volume em E e {w1 , . . . , wk } é uma base ortonormal qualquer de E, então ω(w1 , . . . , wk ) = ±1; (ii) Só existem duas formas de volume em um espaço. Como íamos dizendo, seja c : B → IRN de classe C 1 . Fixemos, para cada subespaço E de dimensão k em IRN uma forma de volume volE . Nossa experiência com mudanças de variáveis, comprimentos e áreas nos permite dizer que a relação entre o elemento de volume de nosso k-cubo nas cercanias de c(x) e o correspondente elemento de volume nas cercanias de x é dada por
B. OS OBJETOS E OS INTEGRANDOS
257
| volE (c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek ) |, onde {e1 , . . . , ek } é base canônica de IRk e E é o espaço gerado por {c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek } (se, por acaso, dimE < k, faremos volE ≡ 0). Assim, se quisermos calcular o volume de nosso k-cubo, poremos Z VOLUME DE c =
| vol(c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek ) |
B
Observe que a ambigüidade quanto ao integrando é apenas aparente: c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek definem um subespaço E ; se dimE < k, então vol(c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek ) = 0; se dimE = k, então só há duas formas de volume em E, que diferem apenas no sinal. Agora podemos colocar a questão: e se quisermos calcular outra coisa que não o volume de c, mas que seja relacionada a volume (exemplos: massa. carga elétrica, energia interna) ? É claro que poderemos atribuir uma densidade a cada ponto da imagem de c (por exemplo por uma função f : c([0, 1k ]) → IR) e calcular Z
f (c(x)) | vol(c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek ) |
B
Observando ainda o sinal de f (c(x)) pode ser mudado, podemos dizer que estaremos calculando Z f (c(x))volE (c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek )
B
Seja então, no espaço E gerado por {c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek } a k-forma ω(c(x)) = f (c(x))volE . Não há mais como negar que, de maneira geral, estaremos calculando Z ω(c(x))(c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek ) ,
B
onde ω(c(x)) é uma forma k-linear alternada no espaço gerado por {c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek }} (que bem pode ser chamado espaço tangente A c EM c(x)). A maneira mais simples de definir uma forma k-linear alternada no espaço tangente de cada ponto de c(B) é a seguinte: suponha que c(B) ⊂ A ⊂ IRN , A aberto, e que a cada ponto y de A associamos uma forma k-linear alternada ω(y) em IRN , isto é ω : A → Ak (IRN ) está definida; então, para cada x ∈ B temos a forma ω(c(x)), que pode ser restrita ao espaço tangente a c em c(x). Juntando tudo:
258
CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO
DEFINIÇÃO : SEJA A UM ABERTO4 DE IRN . UMA FORMA DIFERENCIAL DE GRAU k E CLASSE C r EM A É UMA APLICAÇÃO ω : A → Ak (IRN ) de classe C r . OBSERVAÇÃO : Ak (IRN ) é um espaço vetorial de dimensão finita. Portanto, a definição de diferenciabilidade independe da norma escolhida. ω será dita também uma k-forma C r , ou apenas uma k-forma. Mais adiante, quando generalizarmos a idéia de forma diferencial, usaremos, para os objetos que acabamos de definir, a expressão forma diferencial clássica. DEFINIÇÃO : SEJAM A UM ABERTO EM IRN , ω UMA k-FORMA C 0 EM A E c UM k-CUBO SINGULAR DE CLASSE C 1 COM VALORES EM A. A INTEGRAL DE ω SOBRE c É DEFINIDA POR Z Z ω= ω(c(x))(c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)ek ) c
B
R OBSERVAÇÃO : Se f : B → IR é contínua podemos re-interpretar B f da seguinte maneira: Seja I k : B → IRk dada por I k (x) = x. Seja ωf a k-forma definida por ωf (x)(v1 , . . . , vk ) = f (x)det(v1 , . . . , vk ). Então teremos Z Z f= ωf B
Ik
(Observe que f pode ser estendida continuamente – por reflexão, por exemplo – a um aberto contendo B). Exercício : Sejam A um aberto em IR3 , F : A → IR3 um campo de vetores contínuo e c : B → A de classe C 1 , B bloco em IR2 . Seja ωF : A → A2 (IR3 ) dada por ωF (x)(u, v) = det(F (x), u, v). R R ∂c ∂c Observe que c ωF = B F (c(x)). ∂x (x) ⊗ (x) ∂x2 1 onde ⊗ indica produto vetorial. Sejam agora A um aberto de IRN , F : A → IRN de classe C 0 e c : B → A de classe C 1 , B bloco em IRN −1 . Seja ωF : A → AN −1 (IRN ) dada por ωF (x)(v1 , . . . , vN −1 ) = det(F (x), v1 , . . . , vN ). A rigor, basta supor A ⊂ IRN . Neste caso ω de classe C r significa que ω se estende a uma forma k-forma C r em um aberto contendo A. 4
C. A DERIVADA EXTERIOR
259
Observe que
∂c ∂c det F (x), ωF = (x), . . . , (x) ∂x1 ∂xN −1 B c Z
Z
c
A Derivada Exterior
Pelo que acabamos de ver, uma k-forma em A é uma aplicação ω : A → Ak (IRN ) (supondo A ⊂ IRN ). Neste sentido, visto que Ak (IRN ) é um espaço vetorial de dimensão finita, podemos dizer que ω é diferenciável em x ∈ A se existe ω 0 (x) : IRN → A(IRN ) , com
kω(x + h) − ω(x) − ω 0 (x)hk =0 , h→0 |h| lim
onde k k representa uma norma qualquer (todas são equivalentes) para Ak (IRN). Exercício : Mostre que k k : Ak (IRN ) → IR dada por kωk =
max
|v1 |=···|vk |=1
| ω(v1 , . . . , vk ) |
é uma norma e que | ω(v1 , . . . , vk ) | ≤ kωk | v1 | · · · | vk | ∀ω ∈ Ak (IRN ), v1 , . . . , vk ∈ IRN Até aqui nenhuma surpresa, mas não é desta diferenciação que vamos falar. Na realidade devemos mudar de ponto de vista e recomeçar com uma afirmação algo bombástica, a partir da observação de que, dada uma k-forma ω em A, não nos R interessa tanto conhecer ω(x) para cada x em A, mas sim c ω para cada k-cubo em A. Uma k-forma em A é uma aplicação que a cada k-cubo em A associa um número real. OBSERVAÇÃO : Evidentemente não é verdade que qualquer aplicação que a cada k-cubo em A associa um número real seja oriunda de uma k-forma em A (pense, por exemplo, na aplicação c 7→| c(0, . . . , 0) |). O que nos importa agora é
260
CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO
c0
c1
o entendimento de que as k-formas constituem uma classe particular dentre estas aplicações. Para esclarecer melhor as coisas, consideremos um aberto A de IRN e uma k-forma ω : A → Ak (IRN ), suposta de classe C 0 . Seja S k,1 o conjunto dos k-cubos de classe C 1 em A. Considere a aplicação Fω : S k,1 (A) −→ IR R c 7−→ Fω (c) = c ω
Ora, o estudo da variação de ω pertence ao Cálculo Diferencial. O que realmente pode trazer alguma novidade é o estudo da variação de Fω (quando variamos c). Na verdade, porém, também aí não há nada de novo. A técnica é devida a Euler e Lagrange, está na base do cálculo das variações (rigorosamente, poderíamos dizer, um capítulo do Cálculo Diferencial em dimensão infinita). Tudo que temos a fazer, em princípio, é considerar dois k-cubos c1 e c0 e analisar Fω (c1 ) − Fω (c0 ). A maneira mais simples seria considerar uma “variação” de c0 e c1 parametrizada por um intervalo da reta. Em linguagem moderna, devemos considerar uma homotopia H : [0, 1] × B → A, com H(0, x) ≡ c0 (x) e H(1, x) ≡ c1 (x). Para cada s ∈ [0, 1] teremos um k-cubo cs dado por cs (x) = H(S, x), o que produz uma função f : [0, 1] −→ IR R s 7−→ Fω (cs ) = cs ω
C. A DERIVADA EXTERIOR
261
.
c0
. c1
O único cuidado a tomar é o seguinte: quando variamos o k-cubo de c0 a c1 , o “deslocamento” dos pontos do “bordo” produz novos k-cubos, que terão que ser considerados, a menos que convencionemos fazer homotopias “de bordo fixo”. Recordemos, para ilustrar o procedimento, o Teorema de Stokes em IR3 . R Escrevendo cs (x) = H(s, x) e considerando f (s) = Cs ω, onde ω é a 1-forma dada por ω(x)(v) = F (x).v, obtemos R R R1 0 ω 0 f (s)ds = c1Rω − c 0 1R1 ∂H = 0 0 ∇ × F (H(s, x)). ∂H ∂s (s, x) ⊗ ∂x (s, x) dsdx A observação crucial é que H é um 2-cubo e o termo à direita representa a integral sobre H da 2-forma dω dada por dω(y)(u, v) = ∇ × F (y).(U ⊗ v). Observando ainda que c0 e c1 constituem, de alguma forma, o bordo de H, concluímos que nosso porocedimento produz algo de novo enfim: se “variamos” um k-cubo de c0 a c1 de maneira que c0 e c1 constituam o “bordo” de um (k + 1)-cubo H, então existe uma (k + 1)-forma dω tal que Z Z Z ω− ω= dω c1
c0
H
A forma dω será chamada derivada exterior de ω. O objetivo básico deste capítulo é desenvolver as idéias esboçadas acima. O trabalho é, principalmente, psicológico: trata-se de deixar de pensar em termos de
262
CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO
c0
c1 funções de pontos e diferenciais relacionando valores de uma função em pontos distintos; para pensar em termos de formas e derivadas exteriores relacionando objetos geométricos e seus bordos.
d
O Teorema de Stokes
Comecemos observando que nosso interesse não são os pontos e as funções de pontos, mas objetos geométricos tais como curvas, superfícies e seus análogos de outras dimensões; as funções que nos ocupam associam números a objetos geométricos. Consideremos pois que nossos objetos geométricos estão divididos em classes, segunda a dimensão. Os objetos geométricos de dimensão k serão constituídos de kcubos (essencialmente, uniões finitas de k-cubos). Vamos chamá-los de k-cadeias. O exemplo básico de uma k-cadeia é o bordo de um (k + 1)-cubo, que é constituído de 2(k + 1) k-cubos. Pensemos pois um k-cubo como um objeto geométrico de dimensão k, dotado de uma orientação (se k = 1, temos curvas com sentido de percurso definido; se k = 2, temos superfícies com direção normal definida – idéias válidas em IR3 é claro). Um 0-cubo é um ponto. Convencionaremos chamar de −c o objeto c com a orientação trocada, de nc o mesmo objeto contado n-vezes.
D. O TEOREMA DE STOKES
263
c
c1
c2
Vamos substituir a idéia de homotopia pela de homologia. Basicamente, a diferença é a seguinte: uma homotopia entre dois objetos de dimensão k é uma deformação de um no outro; uma homologia é a “construção” de um objeto de dimensão k + 1 cujo bordo é constituído pelos objetos homólogos. Vale observar que, em nossas homotopias, temos sempre incluído hipóteses que fazem com que sejam, em verdade, homologias. Sejamos um pouco mais explícitos.
Fixemo-nos em um aberto A ∈ IRN e consideremos objetos k-dimensionais em A. HOMOTOPIA – Consideremos que os nossos objetos são k-cubos c : B → A de classe C r . Podemos pensar que estamos trabalhando em Ω = {c : B → A, c de classe C r }, que é um aberto do espaço E = {c : B → IRN , c de classe C r }. Dados dois k-cubos c0 e c1 em A, uma homotopia em A entre c0 e c1 nada mais é que um caminho h : [0, 1] → Ω; com h(0) = c0 , h(1) = c1 (podemos exigir, é claro que h seja de classe C r , ou ao menos C 0 ).
264
CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO
c0
c1 No entanto, nem todas as homotopias são “boas”: Na realidade, são “boas” apenas as homotopias que fazem de c1 − c0 o bordo de um (k + 1)-cubo em A. Embora sem definir bordo e sem explicar por que c1 − c0 e não c1 + c0 , podemos entender que este é o caminho para o que procuramos. A idéia de homotopia é considerar os k-cubos como pontos em E; o fato de desconhecermos seu caráter k-dimensional faz com que tenhamos que escolher quais as “boas” homotopias. HOMOLOGIA – Consideremos o bordo de um (k + 1)-cubo; certamente é um objeto k-dimensional, mas não é um k-cubo (é, na verdade, composto de 2(k + 1) k-cubos). Assim, se quisermos falar em bordo, somos forçados a trabalhar com objetos mais gerais do que simples k-cubos. Diremos que uma k-cadeia de classe C r é uma soma formal c = n1 c1 + · · · + nl cl
,
c1 , . . . , cl k-cubos de classe C r , n1 , . . . , nl números inteiros. k-cadeias podem ser somadas formalmente da maneira óbvia. Convencionaremos ser nula a cadeia nc se n = 0 ou se c é um k-cubo degenerado (isto é, se dimc0 (x)IRk < k para todo x em B – essencialmente, isto quer dizer que c é um objeto de dimensão menor do que k). Não vamos definir aqui o bordo de uma cadeia. Basta que possamos entender que se c é uma (k + 1)-cadeia, então seu bordo é uma k-cadeia (notada ∂c). O grupo das k-cadeias de classe C r em A será notado C k,r (A). Duas k-cadeias c0 e c1 em A serão ditas homólogas se existe uma (k + 1)-cadeia (tão C r quanto c0 e c1 ) c tal que ∂c = c1 − c0 .
D. O TEOREMA DE STOKES
265
Agora considere uma k-forma ω em A e uma k-cadeia c, também em A (ω de classe C 0 e c de classe C 1 ). Sendo c = n1 c1 + · · · + nl cl defina Z Z Z ω = n1 ω + · · · + nl ω5 c1
c
cl
O Teorema de Stokes diz simplesmente que se ω é uma k-forma em A, sua derivada exterior é uma (k + 1)-forma dω em A tal que se c0 e c1 são duas k-cadeias em A “ligadas” pela (k + 1)-cadeia c (isto é, c1 − c0 = ∂c), então Z Z Z dω , ω= ω− c
c0
c1
ou, se preferirmos, Z
Z ω=
∂c
dω c
Observação : Notando por Ak,1 (A) o espaço das k-formas de classe C 1 em A, temos que a integral define uma dualidade entre Ak,0 (A) e C k,1 (A), dada por Z hω, ci = ω c
Neste sentido, as operações d : Ak,1 (A) → Ak+1,0 (A) e ∂ : C k+1,1 (A) → C k,1 (A) são duais, já que podemos re-enunciar o Teorema de Stokes como hω, ∂ci = hdω, ci
Observação : Ao leitor que se pergunte se não seria mais honesto adotar desde o princípio um ponto de vista não paramétrico, já que raciocinamos todo o tempo como se nossas k-cadeias fossem subconjuntos k-dimensionais de IRN , observamos que existem situações simples e importantes em que o ponto de vista paramétrico é mais natural (ou praticamente o único possível) Observação : O fato de o operador d levar formas C 1 em formas C 0 , o que não acontece, em relação às cadeias, com o operador ∂, tira um pouco da beleza da 5
Note que não há ambigüidade : se n ∈ Z e c é um k-cubo R de forma que nc = 0, então n = 0 ou c é degenerado; em ambos os casos teremos n c ω = 0
266
CAPÍTULO 16. INTRODUÇÃO
c0
A
c0
B
c1 c1 dualidade. Veremos depois que, com definições adequadas, é possível eliminar esta discrepância.
Capítulo 17 O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA O que até aqui foi dito, por enquanto, deixou apenas no ar a possibilidade de um teorema bastante geral. Vamos agora pôr os pés no chão e abordar um caso em que as coisas devem ser relativamente simples.
a
(N-1)-Formas em IRN
Exercício : Seja a ∈ IRN . Observe que ωa : (IRN −1 ) → IR dada por ωa (v1 , . . . , vN −1 ) = det(a, v1 , . . . , vN −1 ) é uma (N − 1)-forma alternada em IRN . PROPOSIÇÃO : SE ω ∈ AN −1 (IRN ), ENTÃO EXISTE a ∈ IRN TAL QUE ω É DADA POR ω(v1 , . . . , vN −1 ) = det(a, v1 , . . . , vN −1 ) Demonstração : Num estilo tradicional,gostaríamos de desenvolver det(a, v1 , ..., vN −1) em “determinantes menores” relativos a a. Se a = (a1 , . . . , aN ), devemos certamente ter ai = (−1)i+1 ω(e1 , . . . , eˆi , . . . , eN ), onde eˆi significa que o vetor ei não está incluído. Para uma demonstração um pouco mais formal, considere em AN −1 (IRN ) as formas e˜i , i = 1, . . . , N , dadas por e˜i (v1 , . . . , vN −1 ) = det(ei , v1 , . . . , vN −1 )
267
268
CAPÍTULO 17. O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA
que constituem uma base de AN −1 (IRN ). Observe que se (α1 e˜1 + . . . + αN e˜N ) (v1 , . . . , vN ) = 0 ∀v1 , . . . , vN −1 ∈ IRN , então, sendo α = (α1 , . . . , αN ), teremos det(α, v1 , . . . , vN −1 ) = 0∀v1 , . . . , vN −1 ∈ IRN , e portanto, α = (0, . . . , 0). Temos então que, para cada ω ∈ AN −1 (IRN ), existem a1 , . . . , aN ∈ IR com ω = a1 e˜1 + · · · + aN e˜N , o que prova o resultado. Exercício: Já estamos com a mão na massa, prove que se α ∈ IRN e det(α, v1 , . . . , vN −1 ) = 0 ∀v1 , . . . , vN −1 ∈ IRN , então α = (0, . . . , 0)). A conclusão que tiramos é a seguinte: se A é um aberto de IRN e ω é uma (N − 1)forma de A de classe C r , então existe um campo de vetores a : A → IRN de classe C r com ω(x)(v1 , . . . , vN −1 ) = det(a(x), v1 , . . . , vN −1 )∀v1 , . . . , vN −1 ∈ IRN
Exercício: Observe que, em IR3 , a coisa se passa assim: Se A ⊂ IR3 é aberto e ω : A → A2 (IR3 ) é dada por ω(x)(u, v) = det(a(x), u, v) = a(x).(u ⊗ v), então, dada uma superfíicie parametrizada c : [a1 , b1 ] × [a2 , b2 ] → A, a integral de ω sobre c é exatamente o fluxo de a através de c. Note que, em IR2 , se fizermos ω(x)v = det(a(x), v), então a integral de ω sobre uma curva c também representará um fluxo (estaremos integrando a componente do campo a normal a c).
b
O Bordo do Cubo
Seja B bloco em IRN . Consideremos o N -cubo I N : B → IRN dado por I N (x) = x. Não há a menor dúvida que qualquer definição razoável de bordo de I N terá que ser construída “juntando” suas faces Fij dadas por Fij (s1 , . . . , sN −1 ) = (s1 , . . . , si−1 , j, si , . . . , sN −1 ), j = 0, 1, i = 1, . . . , N,
(podemos também escrever Fij (s1 , . . . , sˆi , . . . , sN ) = jei +
N X
sk ek ).
k=1
k6=1
A experiência em dimensões 2 e 3, porém, ensina que devemos ser cautelosos
B. O BORDO DO CUBO
269 figura 8
Exercício: Podemos utilizar um método tradicional e definir o bordo de I N segundo a orientação da normal exterior. A idéia é considerar os Fij como parametrizações das faces de I N . Os vetores {e1 , . . . , eˆi , . . . , eN } (ei omitido)1 formam uma base orientada do plano tangente à face perpendicular a ei na altura j, segundo a parametrização Fij . O vetor normal à face, segundo a parametrização Fij , será obtido pelo produto vetorial de e1 , . . . , eˆi , . . . , eN . Generalizando a regra usual, definiremos, para v1 , . . . , vN −1 ∈ IRN , seu produto vetorial por v1 ⊗ · · · ⊗ vN −1 = (u1 , . . . , uN ) , onde cada ui é definido da seguinte maneira: sendo πi : IRN → IRN −1 dada por πi (x1 , . . . , xN ) = (x1 , . . . , x ˆ i , . . . , xN ) , poremos ui = (−1)i+1 det(πi vi , . . . , πi vN −1 ) . Mostre que e1 ⊗ . . . ⊗ eˆi ⊗ . . . eN = (−1)i+1 e1 . Se Fij é tal que o vetor normal correspondente “aponta para fora” do cubo, dar-lhe-emos o sinal positivo; caso contrário, sinal negativo. É claro então que a “normal exterior” em Fij é ei se j = 1 e −ei se j = 0. Assim, podemos considerar razoável definir o bordo de I N como sendo a (N − 1)-cadeia ∂I N =
N X 1 X
(−1)i+j Fij .
i=1 j=0
Observação: A definição acima está formalmente correta, geometricamente motivada e é coerente com nossa experiência em dimensões 2 e 3. Falta, porém, o principal: por que esta e não outra, para quê ? Já que não há pressa, podemos, pelo menos por enquanto, considerá-la apenas uma definição possível. Não precisamos definir agora o bordo de I N ; a boa definição deve surgir ao procurarmos demonstrar nosso teorema no cubo.
1
Usaremos sempre esta convenção: x1 , . . . , x ˆi , . . . , xN significa que “xi não existe”.
270
CAPÍTULO 17. O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA
c
O Teorema
Consideremos o bloco B em IRN e o cubo singular I N : B → IRN e suas 2N faces Fij como definidos acima. Seja ω uma (N − 1)-forma de classe C 1 definida em um aberto A contendo B, ω dada por ω(x)(v1 , . . . , vN −1 ) = det(a(x), v1 , . . . , vN −1 ) , a(x) R= (a1 (x), . . . , aN (x)), ai : A → IR de classe C 1 , i = 1, . . . , N . Se calcularmos Fij ω, obteremos, sendo Bi a projeção de B em IRN −1 que omite a i-ésima coordenada, R
ω= Fij R ˆ i . . . dxN = = Bi det(a(x1 , . . . , xi−1 , j, xi+1 , . . . , xN ), e1 , . . . , eˆi , . . . , eN )dx1 . . . dx R i−1 ˆ a (x , . . . , xi−1 , j, xi+1 , . . . , xN )dx1 . . . dxi . . . dxN = (−1) Bi i 1
Agora basta observar que, para cada i, o integrando é o mesmo tanto para j = 1 como para j = 0: ai calculado como xi = j. Quem já aprendeu o Teorema Fundamental do Cálculo sabe o que isto significa. Para acertar o sinal, bastaria R que Fij ω fosse precedida da mesmo sinal que (−1)i−1 , se j = 1 e o contrário se j = 0. Uma boa escolha é (−1)i+j . Já podemos ratificar a definição do bordo de IN : ∂I
N
=
N X 1 X
(−1)i+j Fij
.
i=1 j=0
Só resta enunciar (a prova está feita) nossa primeira versão do Teorema de Stokes em dimensão N qualquer (provavelmente já conhecida no século XVIII): TEOREMA DA DIVERGÊNCIA2 : SEJA ω UMA (N − 1)-FORMA EM UM ABERTO A DE IRN , DADA POR ω(x)(v1 , . . . , vN −1 ) = det(a(x), v1 , . . . , vN −1 ). SE a : A → IRN É DE CLASSE C 1 e B é um bloco contido em A, ENTÃO Z Z ω= dω , ∂I N
2
a expressão
∂a1 ∂x1
+ ··· +
∂aN ∂xN
IN
é conhecida por divergência de a
C. O TEOREMA
271
ONDE dω É A N -FORMA (DE CLASSE C 0 ) EM A DADA POR dω(x)(v1 , . . . , vN ) =
∂a1 ∂x1
+ ··· +
∂aN ∂xN
(x)det(v1 , . . . , vN ) .
272
CAPÍTULO 17. O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA
Capítulo 18 PEQUENA PAUSA PARA REFLEXÃO Já temos uma primeira versão do resultado que estamos buscando. Sólida, óbvia e, principalmente, insatisfatória. Queremos um teorema relativo a integrais de formas de grau k qualquer envolvendo objetos de dimensão (k + 1) e seus bordos (de dimensão k). Ora, se considerarmos um (k + 1)-cubo singular c : B → IRN , é razoável supormos que seu bordo seja a “imagem por c” do bordo de I K+1 . Por outro lado, se A é um aberto de IRN contendo c(B) e ω : A → Ak (IRN ) é uma k-forma, todos os cálculos de integrais referentes a ω terão que ser feitos “trazendo tudo de volta” para IRk+1 (e depois, é verdade, para IRk ). Em termos geométricos, a aplicação c leva B para IRN ; na hora das contas, porém, c traz os cálculos de IRN para B. É essa a nossa chance, pois em B já temos o teorema desejado. Procuraremos a seguir esclarecer esse “leva e traz”.
c
273
274
CAPÍTULO 18. PEQUENA PAUSA PARA REFLEXÃO
Capítulo 19 O PULLBACK
Consideremos a situação descrita pela figura acima. Se c é um k-cubo em A, podemos “levar” c para B através de ϕ, R obtendo o k-cubo ϕ ◦ c. Se ω é uma k-forma em B, podemos agora calcular ϕ◦c ω: Z
Z
ω(ϕ(c(x)))(ϕ0 (c(x))c0 (x)e1 , . . . , ϕ0 (c(x))c0 (x)ek )dx
ω= ϕ◦c
B
Ora, se olharmos com cuidado, veremos que o termo à direita representa a integral sobre c de uma nova k-forma, ϕ∗ ω : A −→ Ak (IRN ) x 7−→ ϕ∗ ω(x) , ϕ∗ ω(x)(v1 , . . . , vk ) = ω(ϕ(x))(ϕ0 (x)v1 , . . . , ϕ0 (x)vk )
ϕ ϕ0 (x)v2
v2 ϕ(x)
x
ϕ0 (x)v1
v1
c
ϕ◦c
275
276
CAPÍTULO 19. O PULLBACK ϕ∗ ω é chamada pullback de ω por ϕ.
Exercício : Entenda que “pullback” é apenas uma forma modernosa de dizer em inglês o que usualmente é chamado de mudança de coordenadas (ou de variáveis). Assim, o pullback nos fornece uma fórmula de mudança de variáveis bvastante adequada. Para estendê-la a cadeias: DEFINIÇÃO : SEJAM A ⊂ IRN , B ⊂ IRM , c = n1 c1 + · · · + ni ci UMA k-CADEIA DE CLASSE C r EM A E ϕ : A → B DE CLASSE C r . A IMAGEM DE c POR ϕ É A k-CADEIA C r EM B DEFINIDA POR ϕ(c) = n1 ϕ ◦ c1 + · · · + ni ϕ ◦ ci Temos então a fórmula de mudança de variáveis: nas condições da definição acima (com r ≥ 1), se ω é uma k-forma C 0 em B, vale Z Z ω = ϕ∗ ω. ϕ(c)
c
Capítulo 20 O BORDO Já definimos o bordo do k-cubo singular I k : B → IRk , I k (x) = x. Visto que qualquer k-cubo c se escreve c = c(I k ), é natural definirmos ∂c = c(∂I k ) Observemos que isto significa que, para cada i = 1, . . . , k, j = 0, 1, consideramos, supondo dado c : B → IRN , cij : Bi −→ IRN (x1 , . . . , x ˆi , . . . , xk ) 7−→ c(x1 , . . . , xi−1 , j, xi+1 , . . . , xN ) e definimos ∂c =
k X 1 X
(−1)i+j cij
i=1 j=0
Se c = n1 c1 + · · · + nl cl é uyma k-cadeia, definimos ∂c = n1 ∂c1 + · · · + nl ∂cl É imediato observar que o operador bordo (c 7→ ∂c) comuta com as mudanças de variáveia, isto é: se c é uma cadeia em A e ϕ : A → B é dada, então ∂(ϕ(c)) = ϕ(∂c)
277
278
CAPÍTULO 20. O BORDO
OBSERVAÇÃO : É muito importante ter presente que, embora raciocinemos com freqüência como se isto fosse verdade, o cubo c : B → IRN não deve ser confundido com sua imagem c(B). Para o leitor que tenha passado um pouco rapidamente pelo Capítulo I, recitamos Riemann em seus “Princípios fundamentais para uma teoria geral das funções de uma grandeza variável complexa” (Göttingen, 1851): “Nas considerações seguintes, limitaremos a variabilidade das grandezas x e y a um domínio finito, e, como lugar do ponto 0 não teremos mais em vista o próprio plano A, mas uma superfície T recobrindo ente plano. Escolhemos este modo de representação onde não há nada de chocante em falar de superfícies superpostas, a fim de podermos admitir que o lugar do ponto 0 possa recobrir várias vezes a mesma parte do plano . . .” Exercício : Pense um 2-cubo com um pedaço de fazenda. Exercício : Seja c : [0, 1]2 → IR2 dada por c(x1 , x2 ) = ((2x1 − 1)2 , x2 ). Mostre que o bordo de c é um tanto diferente da fronteira do conjunto c([0, 1]2 ). Exercício: Seja c uma cadeia. Mostre que ∂(∂c) = 0 (faltou dizer isto: o bordo de uma 0-cadeia é definido como sempre nulo). EXEMPLO : Considere o 2-cubo c : [0, 1]2 → IR3 representando a esfera parametrizada; dado por c(s, t) = (senπscos2πt, senπssen2πt, cosπs) Calculemos o bordo de c: c10 (t) c11 (t) c20 (s) c21 (s)
= (0, 0, 1), = (0, 0, −1), = (senπs, 0, cosπs) = (senπs, 0, cosπs)
Observando que c10 e c11 são degenerados (e portanto nulos), temos ∂c = −c10 + c11 + c20 − c21 = 0 EXEMPLO UM POUCO MAIS GERAL : parametrizada de dimensão N por
Vamos definir por indução a esfera
S 1 (x1 ) = (cos2πx1 , sen2πx1 ) S N +1 (x1 , . . . , xN , xN +1 ) = (senπxN +1 S N (x1 , . . . , xN ), cosπxN +1 ) , N ≥ 1,
279 onde estamos identificando IRN +1 com IRN × IR. Observe que S N +1 (x1 , . . . , xN +1 ) = (senπxN +1 · · · senπx2 cos2πx1 , senπxN +1 · · · senπx2 sen2πx1 , senπxN +1 · · · senπx3 cos2πx2 , . . . , senπxN +1 · · · senπxi+1 cos2πxi , . . . , cosπxN +1 ), (x1 , . . . , xN +1 ) ∈ [0, 1]N +1 . 2 Note ainda que se y12 + · · · + yN +1 = 1, então existe um único xN +1 ∈ [0, 1] 2 2 = sen2 πx com cosπxN +1 = yN +1 e que y1 + · · · + yN N +1 (compreenda que isto N +1 N +1 significa que a imagem de S é a esfera S = {(y1 , . . . , yN +1 ) ∈ IRN +1 , 2 2 y1 + · · · + yN +1 = 1} “coberta apenas uma vez”). N +1 Para mostrar que ∂S N +1 = 0, observe que Sij é degenerado sempre que i > 1 e N +1 N +1 que S10 = S11 .
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CAPÍTULO 20. O BORDO
Capítulo 21 O TEOREMA DE STOKES E A DERIVADA EXTERIOR, VERSÃO CLÁSSICA
Suponhamos dados um aberto A ⊂ IRN e uma (k − 1)-forma ω em A. Dado um k-cubo singular c : B → A, podemos, supondo ω contínua e c de classe C 1 , trazer a integral de ω sobre ∂c para ∂I k , observando que ∂c = c(∂I k ): Z Z Z ω= ω= c∗ ω . ∂c
c(∂I k )
∂I k
Aplicando nossa versão preliminar do Teorema de Stokes, teremos Z Z Z ∗ ω= c ω= d(c∗ ω) . ∂c
∂I k
Ik
A c
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282CAPÍTULO 21. O TEOREMA DE STOKES E A DERIVADA EXTERIOR, VERSÃO CLÁ É, pois, praticamente um dever pesquisar uma expressão para d(c∗ ω)1 . Para isto precisamos saber como escrever c∗ ω(x)(v1 , . . . , vk−1 ) = det(a(x), v1 , . . . , vk−1 ) .
Exercício: Seja η uma (k − 1)-forma em A ⊂ IRk dada por η(x)(v1 , . . . , vk ) = det(a(x), v1 , . . . , vk ) , onde a(x) = (a1 (x), . . . , ak (x)) ∈ IRk . Mostre que ai (x) = (−1)i+j η(x)(e1 , . . . , eˆi , . . . , ek ), i = 1, . . . , k Podemos então escrever ∗
d(c ω)(x) = onde
∂a1 ∂ak + ··· + ∂x1 ∂xk
det ,
ai (x) = (−1)i+1 (c∗ ω)(x)(e1 , . . . , eˆi , . . . , ek ) = ˆ , . . . , c0 (x)ek ) = (−1)i+1 ω(c(x))(c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)e i
Pk ∂a1 Resta calcular i=1 ∂xi (x). Basta observar que, dados uma forma l-linear η e l vetores v1 , . . . , vl , a expressão η(v1 , . . . , vl ) é (l + 1)-linear (em η, v1 , . . . , vl ) e, portanto, se deriva como um produto. Vamos supor que c seja de classe C 2 e que ω seja de classe C 1 (isto significa que se y ∈ A e h ∈ IRN , então ω 0 (y)h é uma (k + 1)-forma em IRN ). Mãos à obra: ∂ai ˆ , . . . , c0 (x)ek )+ (x) = (−1)i+1 ω 0 (c(x))c0 (x)ei (c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)e i ∂xi k X ˆ , . . . , c0 (x)ek ) + (−1)i+1 ω(c(x))(c0 (x)e1 , . . . , c00 (x)ei ej , . . . , c0 (x)e i j=1
j6=i
P ∂a Observemos agora que cada termo j dentro do sinal reaparece em ∂xjj (x), só que os sinais se cancelam. De fato, consideremos i e j distintos. Podemos supor j < i. Os termos em questão são 1
Este comentário, na verdade, só aparece em um texto quando o autor já sabe que a “pesquisa” vai dar bons frutos.
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ˆ , . . . , c0 (x)ek ) (em (−1)i+1 ω(c(x))(c0 (x)e1 , . . . , c00 (x)ei ej , . . . , c0 (x)e i ˆ , . . . , c00 (x)ej ei , . . . , c0 (x)ek ) (em e (−1)i+1 ω(c(x))(c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)e j
∂ai ∂xi (x)) ∂aj ∂xj (x))
A única diferença é que (−1)j+1 e que o j-ésimo vetor da primeira expressão “saltou (i − 1 − j) casas” para “virar” o i − 1-ésimo vetor na segunda expressão, o que faz com que os dois termos se cancelem. Temos, portanto, k k X X ∂ai ˆ , . . . , c0 (x)ek ). (x) = (−1)i+1 ω 0 (c(x))c0 (x)ei (c0 (x)e1 , . . . , c0 (x)e i ∂x1 i=1
i=1
Podemos, agora dar uma primeira definição de derivada exterior e uma primeira versão do Teorema de Stokes. Definição : Sejam A um aberto de IRN e ω : A → Ak−1 (IRN ) diferenciável em x. A derivada exterior de ω em x é a forma k-linear alternada dω(x), dada por dω(x)(v1 , . . . , vk ) =
k X (−1)i+1 ω 0 (x)vi (v1 , . . . , vˆi , . . . , vk ). i=1
Teorema: Sejam A um aberto de IRN e ω : A → Ak−1 (IRN ) de classe C 1 . Se c é uma k-cadeia C 1 em A, então Z Z ω = dω. ∂c
c
Demonstração : O caso c de classe C 2 está feito. O caso C 1 se faz aproximando os k-cubos singulares de classe C 1 por k-cubos singulares de classe C 2 e passando ao limite, como de hábito.