CRISTIANE DERAN I
349.6 D443d 3. ed. AG Autor: Derani, Cristiane Títu lo: Direito ambiental econômico / N.Cham.
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"A presença de temas de política de meio ambiente permeando o direito, atuando sobre políticas públicas e empresariais e movimentos sociais, traz à superfície o que sempre existiu de fato: a indissociabilidade da natureza com a cultura." "A questão ambiental é, em essência, subversiva, posto que é obrigada a permear e questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação homem-natureza. ( ... ) O direito ambiental apresenta-se com uma tarefa transversa], onde a decantada oposição entre economia e proteção ambiental deixa de existir, trazendo o relacionamento da economia com a natureza de uma forma integrativa para o objetivo do direito ambiental." "O direito exclusivamente como texto reflete uma 'idéia'. A realização ou deturpação desta 'idéia' se dá pela sua prática, pela sua concretização. (... )O direito escrito é parte da geração concreta do Direito, que se completa com a sua interpretação e aplicação." C'ristianl' lkrnni
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CRISTIANE DERANI Livre-Docente da Faculdade de Direito da USP
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edição
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2009
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Saraiva
Ruo Henrique Schoumonn, 270, Cerqueiro César - São Paulo - SP CEP 05413-909 PABX: 111) 3613 3000 SACJUR: OBOO 055 76BB De 2Q a 6Q, das 8:30 às 19:30
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ISBN 97B·85·02·06637·3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileiro da Livro, SP, Brasil) Derani, Cristiane Direito ambiental econômico / Cristiane Derani. 3. ed. - São Paula : Saraiva, 200B. Bibliogmfia.
1. Oireho ambiental 2. Direito econômico 3. Meio ambiente 1. Título. 07-4856
CDU-34:502.7:33
Índice para catálogo sistemático: 1. Direito ambiental econômico 34:502.7:33
Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo Pinto Diretor áe proáução eáitorial Luiz Roberto Curio Assistente eáitorial Rosano Simone Silvo Proáução eáitorial Ligia Alves Clarissa Boraschi Maria Coura Capo Conexão Editorial
Data de fechamento da edição· 16-7-2007
RiodeJoneiro
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Aviolação dos direitos autorais é crime estabelecido no lei n. 9.610/98 e punidopeloortigo184doCódigoPenol.
A Gabriela que tanto me ensinou neste nosso primeiro ano juntas.
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ÁGRADECIMENTOS •••••. . . . Como seria de se esperar, durante a elaboração deste trabalho não fui alimentada por nenhuma inspiração miraculosa que me permitisse sozinha desenvolver todas as letras e pensamentos expressos neste escrito. Se apresento este trabalho hoje, livrando-me do triste destino de Sísifo ao qual me aproximava, é um mérito a ser dividido. O incentivo e a liberdade garantidos pelo meu orientador, professor Eros Roberto Grau, foram fundamentais para encorajar-me a alç;tr vôos que, várias vezes, duvidava poder empreender. Nisto incluo a busca por uma complementação das pesquisas na Alemanha. Lá fui acolhida pela paciência e interesse do professor Eckard Rehbinder, que me abriu as portas da Universidade J. W. Goethe, em flr1mkfurt, orientando-me na pesquisa bibliográfica e alertando-me contrn minha tendência a certa indisciplina na conclusão das pesquisas. Meu agradecimento deve estender-se aos professores Fábio Nusdeo (Faculdade de Direito da USP) e Jürgen Habermas (Faculdade de Filosofia da Universidade de Frankfurt) que me auxiliaram com indit,:dÇ<'ics bibliográficas e discussões sobre economia e filosofia, procur•tuin preencher minha falta de especialização nestas áreas. f~ evidente que sem o precioso auxílio do CNPq, CAPES e DAAD nílo poderia sonhar com os anos dedicados exclusivamente à realização dn tese de doutorado. Enumerar os amigos que me incentivaram, criticaram e auxiliaram 11erin talvez penoso ao leitor e ainda correria o risco de cometer injustlçn. Mas a todos eles a minha profunda gratidão e o eterno reconhei;lmcnto, mesmo quando a distância e os afazeres nos privam de mais freqlicntcs encontros. A~radecer a Amira e Alexandre é lembrar da sua inabalável prellt'l\ljOI, amizade e apoio por quase trinta anos. Não é menor o meu rrrn11lw~irnento a Gabriela, que de modo notável permitiu e comprerndru as ausências de sua mãe neste seu primeiro ano de vida. São Paulo, fevereiro de 1996
SUMÁRIO Agradecimentos....................................................................... Prefácio...................................................................................
XV
INTRODUÇÃO ·········································································
XIX
CAPITULO I -
o
DIREITO?···································
1
Direito e política .......... ................................................. 1.1 A civilização da ordem..........................................
2 4
1.2 A ordem jurídica é uma escolha: a escolha da Constituição Federal brasileira de 1988 ........................
8
2 Direito - Linguagem - Interpretação ............. ............
14
2.1
POR QUE
VII
Direito como linguagem........................................
14
2.2 O texto de lei e sua base material..........................
15
2.3 Norma jurídica e o "âmbito normativo" ..............
19
2.4 Interpretação........................................................
22
2.5 Princípios e regras.................................................
23
2.6 Colisão de princípios e conflito de regras..............
26
2.7 Por que legitimidade?............................................
27
.l Direito e a ordem social................................................
29
C:Al'ITUl.O II - DIREITO ECONÔMICO E DIREITO AM•1t(N'f'AI....................................................................................
37
l)ircito econômico.........................................................
37
1.1
Direito econômico e política econômica................
37
1.2 A dinâmica do direito econômico .........................
43
JX
1.3 Direito econômico, política econômica e ambiental . 2 Direito e meio ambiente ............................................... . 2.1 Premissas de estudo do direito ambiental.. ........... . '2.1.1 Natureza e cultura ..................................... .
46 49 49 49
2.1.2 Natureza e meio ambiente ......................... . 2.1.3 A "razão" da norma ambiental ................. .
50 53
2.2 O conceito de qualidade de vida unindo o direito econômico ao direito ambiental ........................... . 2.3 Conteúdo das normas de direito ambiental.. ........ .
57 62
CAPÍTULO -
III -
PoLíTICA EcoN.":lMICA E AMBIENTAL
73
1 Notas sobre a relação Economia -
73
2 Teoria do crescimento econômico e o Produto Interno Bruto ............................................................................ . 2.1 Produto Interno Bruto e qualidade de vida .......... . 2.2 Crescimento econômico e a finalidade da atividade econômica ............................................................ .
A sustentabilidade do desenvolvimento e a política ambiental..............................................................
120
5.3.1 As diversas espécies de valor dos recursos naturais......................................................
120
5.3.2 O desenvolvimento sustentável e a dissipação da energia...................................................
122
S .4 Limites ecológicos - Limites sociais.....................
125
C:Al'ITllLO IV-A PRATICA DO DIREITO AMBIENTAL..........
133
',,
Os princípios do direito ambiental................................
140
1. 1 Princípio da cooperação........................................ 1.2 Princípio do poluidor-pagador..............................
141 142
1.2.1 Princípio do ônus social.............................. 1.2.2 O princípio do poluidor-pagador orienta políticas públicas ...... ..................................
145
l .J Princípio da precaução..........................................
149
1.3.1 A base da precaução não é o risco..............
152
2 Direito e desenvolvimento sustentável...........................
154
j
POLÍTICA SOCIAL ............................................................. .
Dire.ito - Estado .. 1.1 A política econômica do bem-estar ...................... .
S.J
t
76 81 85
l
2.1
146
Avaliação de Impacto Ambiental...........................
156
2.2 A normatização do desenvolvimento tecnológico e o direito ao desenvolvimento sustentável..............
162
Pressupostos da economia ambiental ................... .
87 89 89
3.2 Pigou e a correção do mercado - Coase e a extensão do mercado .................................................... .
2.2.1 A ambivalência da técnica..........................
165
90
2.2.2 Tecnologia e poder......................................
167
92
2.2.3 O fundamento do incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico: o exemplo do art. 218 da Constituição Federal.................
169
3 Economia ambiental .................................................... . 3.1
3.3 O problema do Estado corretor das externalidades. 3.4 Valor monetário da natureza e os efeitos no mercado ..................................................................... . 3.5 Sobre o "conflito" economia - ecologia..............
94 99
4 A "globalização" do problema de apropriação dos recursos naturais..............................................................
103
5 Factibilidade da teoria do desenvolvimento sustentável para a proteção dos recursos naturais...........................
110
Ótimo de pareto e sustentabilidade do desenvolvimento................................................................. 5.2 Necessidade e bem-estar.......................................
\
Ct\l'l'l'llLO V -
X
ASPECTO CONSTITUCIONAL DA
VlllAllF ECONÔMICA COM O DIREITO AO MEIO AM1m:NTE EcoLoGICAMENTE EQUILIBRADO......................
173
Estado e sociedade na ordem econômica e ambiental....
175
1. 1 Estado social e riqueza social................................
183
Normas programáticas, normas-objetivo......................
187
5 .1
115 117
o
(;OMl'ATIBILIDADE DO DESENVOLVIMENTO DA A TI-
l
XI
2.1 Normas programáticas......................................... 2.2 Normas-objetivo...................................................
189 190
3 A vivificação do direito................................................. 3.1 Interpretação da norma constitucional e o agir do direito................................................................... 4 Compreendendo os direitos fundamentais..................... 4.1 O conteúdo dos direitos fundamentais.................. 4.1.1 Direitos fundamentais constitutivos: a atuação conjunta do Poder Público e dos cidadãos............................................................ 4.2 A efetividade dos direitos fundamentais mediante a política dos direitos fundamentais......................... · 5 O exercício das liberdades e a interpretação dos arts. 170 e 225 da Constituição Federal........................................ 5 .1 A ordem econômica, a defesa do meio ambiente e o desenvolvimento econômico ...................... ........ 5 .1.1 A realização da "economia social de mercado" ou "economia ecológica social de mercado".......................................................... 5 .2 Os princípios-essência na Constituição Federal..... 6 Os princípios da atividade econômica presentes no art. 170 ......................................................................... 6.1 Princípio da propriedade privada e da função social da propriedade...................................................... 6.2 Princípio da livre iniciativa e da livre concorrência - Liberdade e igualdade para empreender...... 6.3 A dignidade humana............................................. 7 O art. 225 da Constituição Federal............................... 7.1 O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo...................... 7.2 A defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como imperativo ao Poder Público e à coletividade......................................... 7.2.1 Poder Público............................................. 7.3 Normas impositivas de conduta............................
193
XII
7.4 A redistribuição entre as gerações.........................
257
HPll.<><;o.................................................................................
261
8181.l<><;RAFIA .........................................................................
265
194 203 204
207 215 218 222
229 232 236 237 240 242 245 245
250 253 255
!
XIII
PREFÁCIO Tive o imenso prazer de ter sido orientador da Prof". CRISTIANE
DERANI em seu doutorado na Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo. É a sua tese que ora é publicada. e:orno qualquer outro texto, este livro admite mais de uma leituH, Aqui, l:'ontudo, essa multiplicidade[= mais de um texto no mesmo
texto! se realiza de maneira mais incisiva, na medida que o livro está à dlNposição de classes diversas de leitores. De um lado, o leitor preoCUp11do mm o tema do meio ambiente; de outro, aquele que dedica 1teni;1lo mais detida à Teoria Geral do Direito. O tratamento dado pela Autora ao tema do direito ao meio am-
bltntr e~·ologicamente equilibrado, no quadro do Direito Econômico, 4primoroso. O trabalho excede a generalidade dos estudos bem-feitos 1
JrleN se destaca não apenas porque é muitíssimo bem construído,
tiunhém porque sua construção se dá em um plano mais elevado, 1 pitrtir de uma sólida estrutura de conhecimentos. m1ui
Este não será conhecido como mais uma monografia ou texto 1uhrr 1)irei to Ambiental, senão como o livro de CRISTIANE DERANI 1uhrt' /Jireito Econômico e o direito ao meio ambiente ecologicamen'' f11/uili/m1do. Será, de ora por diante, fonte necessária, indispensável, dt ~onsulta sohre o tema. Alrm disso, o livro da Prof". CRISTIANE DERANI também sobrtvivení, por longo tempo, mercê da contribuição que traz para a 1iurht Gl-ral do Direito. A Autora visualiza a norma em seu movimento na sociedade e partir da falsa oposição norma versus realidade; repudia a •flrnrnçfo da existência de dois mundos apartados, o do "ser" e o do "drvrr st•r".
nlu
M
l>rsdt• l'Ssa postura, nutrida no pensamento doutrinário mais 1H1111I, rm hoa parte inspirada na obra de FRIEDRICH MÜLLER, llVMll\'U sua t·xposição.
XV
"O sistema jurídico em si é uma abstração." O direito, diz ela, "é composto por elementos mais complexos e dinâmicos, que são os fatos da realidade em contínua comunicação com o texto, seja na sua formação cómo nos seus posteriores efeitos". Por isso - diz ainda - a "norma só pode ser compreendida em sua plenitude com a observância sincronizada destes dois momentos: o texto e o ato. Dissociados, são corpo sem alma, literatura árida, e, acordando com o implacável revisor de Saramago, 'tudo o que não é vida é literatura'. Portanto, para o direito não ser tomado como literatura, referências textuais a uma realidade ideal - o que seria a sua própria descaracterização, fazendo do direito o não-direito - entendo que o direito é, somente enquanto ação e reação da sociedade, sendo coll!posto pelo texto normativo, contudo não se encerrando nele". Valendo-se de F. MÜLLER, a Autora observa que a norma, tanto no seu processo de elaboração como na sua aplicação, é determinada histórica e socialmente. Daí a alusão ao âmbito da norma - elementos e situações do mundo da vida sobre as quais recai determinada norma - que não consubstancia um tema metajurídico. "Ademais - prossegue sob a inspiração de MÜLLER - a norma não é uma obra acabada, que seria utilizável sem maiores dificuldades. Muito mais, permanecem as concepções normativas orientadoras no espaço de um campo de problemas que abrange o âmbito da norma e a estrutura do possível e dos casos concretos. Este é o motivo hermenêutico para a caracterização da estrutura fática normativa como âmbito da norma, que não é nenhum fato isolado, porém um quadro verbal que delimita o campo sobre o qual permanece imprescindível a concretização prática". Daí porque "a norma só pode ser completamente compreendida durante o processo de concretização" e a sua faticidade "não está simplesmente no preenchimento de seus pressupostos formais". Fazendo ressoar a voz de von JHERING, diz a Autora: "Toda norma tem uma razão concreta a que deve sua existência. A insuficiência desta razão ou mesmo a sua inexistência arrastam a norma para o esquecimento e desprezo, como inúmeros exemplos no Brasil. As raízes da norma estão na atividade socialmente praticada ou praticável". E completa: "Uma prescrição legal é sempre uma resposta a uma pergunta presente, latente ou expressa numa sociedade. Em não sendo colocada a questão numa determinada sociedade, não pode a resposta
XVI
apresentada pelo enunciado legal ser adequada. Não existem enunciados normativos que tenham validade para todos os tempos e povos, uma vez que eles são sempre respostas especificamente voltadas às expectativas e vontades reais existentes numa sociedade". O direito não existe, existem apenas os direitos. Agora, após a reflexão que a exposição de CRISTIANE DERANI induz, compreendemos porque "argumentos da realidade podem somente servir para a apuração do sentido de normas, quando estes próprios elementos da realidade habitam a norma". E compreendemos, também, a importância das afirmações seguintes: "Normas de direito não se esgotam em seu texto, nem no mandamento ali expresso. A norma é sobretudo formulada tendo em vista um determinado estado da realidade social que ela pretende reforçar ou modificar. Este estado da realidade social normalmente não aparece no texto da norma. O texto é formulado, ao contrário, abstrato e geral, isto é, sem referência a motivos e contexto real. Então, não permanece o aspecto da realidade referida pela norma alheio a ela, porém constitui conjuntamente seu sentido. O sentido não pode, a partir daí, ser perseguido apartado da realidade a ser regulamentada. Ela é tanto parte da norma quanto o texto. Somente a partir deste pressuposto torna-se compreensível que as mudanças da realidade repercutam sobre o sentido da norma. 'Um dever-ser há de ser formulado somente em vista de um ser, de modo que elementos do mundo do ser sejam tomados para si (in sich)' [DIETER GRIMM]. 'O teor da norma só se completa no ato interpretativo', reitera Hesse". A riqueza da exposição de CRISTIANE DERANI ilumina não apenas - e tanto já bastava, à suficiência - a compreensão da relação entre mundo do ser e mundo do dever ser, mas, além disso, introduzindo a distinção entre princípios-base e princípios-essência, contribui ao esclarecimento da polêmica que se trava em torno da hierarquia entre os princípios e da relação entre princípios e direitos fundamentais. Princípios-base, diz ela, são prescrições destinadas a estruturar a organização de uma sociedade ou de determinada atividade que a integra. São princípios que garantem à sociedade uma estrutura específica de atuação. A sua modificação atinge imediatamente a forma organizacional da sociedade. Princípios-essência, de outra banda, são prescrições normativas constitucionais destinadas a traduzir valores sobre os quais se forma
XVII
li
uma sociedade. Conferem um caráter determinado, uma feição ao ordenamento jurídico. São preceitos que garantem a coesão no processo de aplicação das normas jurídicas, pois traduzem uma ética social de atuaçã~. Informam o conteúdo da norma [texto normativo aplicado], por constituírem o núcleo orientador da interpretação. A sua modificação altera o caráter essencial da sociedade. Entre ambos não há diferença hierárquica, porém uma diferença de âmbito de atuação. Diz a Autora: "Os princípios-base garantem a continuidade do sistema produtivo, assegurando os seus pressupostos. Os princípios-essência garantem a convivência em sociedade elegendo um ethos do comportamento social. A necessária conjugação dos princípios-essência com os princípios-base perfaz a ordem constitucional". Aos princípios-base correspondem direitos fundamentais. Já os princípios-essência, estes consubstanciam a fonte, a base sobre a qual são estruturados os direitos fundamentais. Aí encontramos critério que poderá, além de tudo, informar a reflexão a propósito das situações de oposição e contradição entre princípios. A tese ora publicada, como se vê, não é apenas um relato sobre o pensamento da doutrina; ela é uma porção do pensamento da doutrina. Dirá o leitor deste prefácio, eventualmente, que me excedo, pouco dizendo, limitando-me quase que a transcrever o que foi dito por CRISTIANE DERANI. Assim é, deveras, não por culpa minha, mas sim porque, tendo sido seu orientador de tese, descobri que mestre é o que sabe aprender. Por isso sou grato a ela - porque me permitiu ser mestre, ensinando-me. Eros Roberto Grau
INTRODUÇÃO O trabalho percorre um caminho jurídico-político de sentido crítico, procurando oferecer uma visão que demonstre a indissociabilidade entre o direito econômico e o direito ambiental. Partindo-se da percepção de que os fenômenos sociais não são estáticos, mas possuem uma dinâmica e estão em constante interação, não é possível tratar o direito como um complexo destacado que paira sobre a sociedade. Sua compreensão só é realmente possível pelo estudo simultâneo do direito como fenômeno e dos elementos que o compõem. Orientada por esta forma de análise, procurarei expor o problema, visando apresentar uma síntese no que se refere à relação entre direito, política, economia e natureza - evidentemente, dentro do contexto da sociedade brasileira contemporânea. Não se pode tratar o direito como elemento individualizado. Sua rnmpreensão é realmente possível pelo estudo daquela determinação recíproca entre o dado e o dar-se, ou seja, entre o fenômeno e os elementos responsáveis pelo seu surgimento, e pelas características que o individualizam. "O direito, antes de ser um sistema de normas enunciadas, está inscrito na trama das ações, na qualidade de pressupostos de nl~umas delas. [... ]Antes de vir a ser linguagem o direito entranha o tcddo do logos prático" 1• Sendo os fenômenos sociais dinâmicos, o que verificamos como d1ulo no texto jurídico não se separa de um modo particular de aparrcl'r1. A atuação do direito não se reduz a operações puramente "ló~irns". Pois à lógica é entregue apenas o domínio das idéias, e o dlrl'ito se manifesta na sua real-ização. Por isso afirmo que "a ordem J"rldil't1 é uma escolha".
1J11•r Arthur c;ianotti, Sobre o Direito e o Marxismo, in Márcio B. Naves (org.), 1:r111111 d11 dtrt'ito, p. 11. l t ;f, l11NI' Arthur Gianotti, Trabalho e reflexão, p. 9.
XVIII 11
11
XIX
A investigação no campo do direito que proponho não se destina à apreciação do texto jurídico simplesmente, mas é antes uma "reflexão sobre processos efetivos" 3 • A reflexão como arte suprema do pensar, torna possível a organização da sociedade pelo direito, fenômeno es- , pecífico de cada sociedade, atado ao modo de agir humano em sociedade, determinado por ele ao mesmo tempo que também o modifica. O jurista deve refletir sobre a norma no mundo e não sobre a estrutura normativa. Esse exercício não é sociologia do direito como classificam alguns. Tampouco me inclino à crítica da razão normativa que denominam outros, a meu ver equivocadamente, de ciência jurídica. Direito é uma prudência4, nutre-se devidamente da filosofia, história, economia, do vasto campo do saber desenvolvido pelo homem - inclusive valendo-se de estruturas de pensamento percorridas pelos cientistas - entretanto a nenhum se reduz. No item 3 do Capítulo 1, "Direit0 e a ordem social'', numa síntese dos itens anteriores, procuro responder à pergunta-título deste primeiro Capítulo, "Por que o direito?". E, assim, finalizando, tenho por construída a estrutura básica da "luneta". Pois é sobre o prisma do direito, cuja arquitetura é apresentada no Capítulo 1, que trabalho a relação da atividade econômica com a proteção do meio ambiente. Faltar-me-ia agora apresentar algumas lentes que são necessárias à aproximação e melhor definição do objetivo. Encontram-se estas lentes no Capítulo II, "Direito Econômico e Direito Ambiental", e no Capítulo III, "Política Econômica e Ambiental - Política Social".
1
11, 1
A separação do direito em ramos dá-se sobretudo por uma tentativa de circunscrever determinadas relações sociais a tratamentos jurídicos específicos (relações de família, de propriedade, de transação de bens, de organização do Estado etc.). Entretanto, no que diz respeito à separação entre direito econômico e direito ambiental, não me parecem apropriados os critérios até o momento utilizados. Uma classificação precisa revelar-se útil ao que se procura explicar. Não pretendo refutar os diversos e sempre mais diferenciados modos de segmen-
;11 3 A análise pura do texto jurídico é empreender uma investigação sobre elaborações mentais, é procurar a "razão" da norma, a logicidade que impera nestas construções. Tal tipo de análise não é estudo sobre o direito, mas sobre o pensamento normativo. Disto me afasto, pois filósofos de categoria já se detiveram na crítica da razão. 4
Eros Roberto Grau, Direito, conceitos e normas jurídicas, p. 20.
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tação do direito; contudo, para o trabalho, é fundamental que se visualize o direito como um todo e, especialmente, que se proceda à identificação dos elementos unificadores das normas que regulam a ordem econômica com as normas que dispõem sobre a conservação do meio ambiente. No Capítulo II passo, assim, a analisar o vínculo do direito econômico com a política econômica. Apresento a concepção do direito econômico como método. Enfrento também aqui os pressupostos relativos à realização do direito econômico na forma de políticas econômicas e ambientais. As normas ambientais são essencialmente voltadas a uma relação social e não a uma "assistência" à natureza. Tais normas de proteção ao meio ambiente são reflexos de uma constatação social paradoxal resumida no seguinte dilema: a sociedade precisa agir dentro de seus pressupostos industriais; porém, estes mesmos pressupostos destinados ao prazer e ao bem-estar podem acarretar desconforto, doenças e miséria. Com a profusão desta nova regulamentação, conceitos como crescimento, desenvolvimento e sua sustentabilidade, qualidade de vida e bem-estar exigem seu dimensionamento, sob pena de permanecer o presente estudo na superficialidade. O fator natureza, ao lado do fator trabalho e do fator capital, compõe a tríade fundamental para o desenvolvimento da atividade econômica. Isto seria o bastante para justificar a indissociabilidade entre direito econômico e direito ambiental. Contudo, existe um outro ponto, tão ou mais forte que este: a finalidade do direito ambiental coincide com a finalidade do direito econômico. Ambos propugnam pelo aumento do bem-estar ou qualidade de vida individual e coletiva. O tema do livro pressupõe uma investigação acurada da realidade econômica e ambiental, das suas estruturas e da sua dinâmica, sem o que a investigação jurídica cai num arcabouço formal, impedindo de se compreender o direito para além do texto, suprimindo-lhe o seu manancial de vida. Por isso, devo admitir que, por causa da diversidade de fontes e da ambição sintética (de síntese) deste trabalho, é bastante provável que estarei mais vulnerável a erros, quando, no Capítulo III, "Política Econômica e Ambiental - Política Social", trato de temas eminentemente econômicos e desenvolvidos por economistas. Descreve o direito, a seu modo, a organização produtiva de uma sociedade. Nele também se encontram elementos para a sua manuten-
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ção e transformação. A compreensão dos termos e expressões presentes no ordenamento jurídico, a sua devida contextualização, contribui para a interpretação do texto normativo, a fim de que possa viabilizar a utilização eficiente dos meios para atingir os fins colimados. A presença desta etapa é reveladora do que me parece ser a paixão5 deste estudo. De que modo o direito absorve, traduz em sua linguagem e trabalha questões tão complexas - permanente objeto de estudo dos economistas e fundamentais ao desenvolvimento da sociabilidade dos homens - como a relação do desenvolvimento da atividade econômica com a conservação dos recursos naturais. A questão ecológica é uma questão social, e a questão social só pode ser adequadamente trabalhada hoje quando toma conjuntamente a questão econômica e ecológica. É neste sentido que se reclama um redimensionamento da prática econômica, inserindo-a dentro de uma política mais abrangente, uma política social. Da economia que privilegia a concorrência para a produção de valor, onde a permanente pressão de modernização e conseqüente eficiência tecnológica requerem não só melhor como maior apropriação da natureza e energia, exige-se uma adequação a finalidades mais abrangentes, abraçadas pelas expressões qualidade de vida e bem-estar. É evidente que o direito é um dos instrumentos sociais necessários ao ajuste da atividade econômica à garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado. E, como qualquer instrumento, possui uma capacidade relativa e limitada. Seus limites são formados e conformados na prática cotidiana. Entretanto, alguns limites estruturais são apresentados no decorrer desta obra. O Capítulo III fornece os aspectos econômicos dos limites ou dificuldades de concretização da compatibilização da atividade econômica com a conservação dos recursos naturais. O item 5, "Factibilidade da Teoria do Desenvolvimento Sustentável para a Proteção dos Recursos Naturais", é fundamental por oferecer um manancial à compreensão do texto normativo, bem como para a orientação de políticas. Desenvolvimento sustentável não é a palavra mágica que tem o poder de transformar o sonho de harmonia
do homem com a natureza em realidade. É preciso alcançar o desenvolvimento sustentável? É possível? Se é, como e sob que condições? Qual o seu conteúdo, exigências e limitações? Os elementos para se responder a estas questões são apresentados no desenrolar dos quatro parágrafos que formam o item em questão. As limitações da realização dos preceitos jurídicos que impõem um ajuste da produção à melhoria da qualidade de vida oferecida pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado podem ser encontradas também no intrincado contexto internacional. É o que demonstra especificamente o item 4 do Capítulo III, "A 'Globalização' do Problema de Apropriação dos Recursos Naturais". A preocupação em se sublinharem os limites da realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está exatamente no fiel propósito de refletir sobre as condições de sua superação. Pois é também do negativo que se constrói o positivo. Da antítese chega-se com maior firmeza à tese, posto que o escuro dá a exata medida do claro. Encerrado o Capítulo III, julgo estar lapidada e devidamente ajustada a última lente necessária à construção da "luneta" mediante a qual vejo meu objeto (estudo): a compatibilização da realização da ordem econômica com a consecução do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, de que modo a realização da ordem econômica prevista na Constituição Federal está envolvida com a consecução do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Inicio o Capítulo IV, "A Prática do Direito Ambiental", e procuro vincular as teses econômicas abordadas a questões concretas que emergem da prática do direito ambiental, inclusive destacando princípios sintetizadores, referidos como princípios do direito ambiental, cuja paternidade é atribuída a teorias econômicas. Pela apresentação dos princípios do direito ambiental busco uma orientação na elaboração das normas de direito ambiental e políticas de proteção do meio ambiente.
Paixão, faculdade que move a alma, na compreensão de Aristóteles, apresentada no texto de Gerard Lebrun, O conceito de paixão, ih Os sentidos da paixão, p. 22.
Neste ponto, julgo ter material suficiente para investigar o comprometimento do direito com o desenvolvimento sustentável (item 3 do Capítulo IV). Análise essencial, uma vez que, em síntese, o "espírito" do direito ambiental está na concretização de uma prática produtiva social compatível com a manutenção das bases naturais, enfim uma atividade sustentável.
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Analiso o instituto jurídico que estabelece normas para o desenvolvimento de políticas de meio ambiente, a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Esta lei inaugura no Brasil a estrutura jurídica para o desenvolvimento de políticas ambientais. A relação do Estudo de Impacto Ambiental com o direito do desenvolvimento sustentável está no fato de que aquele se mostra instrumento fundamental para o planejamento deste. A importância que ganhou o fator tecnologia na produção mundial não pode ser desprezada. Tal é destacado pelo historiador Eric Hobsbawm, em palestra, quando afirma que é o desenvolvimento das ciências e tecnologias o grande marco da revolução industrial e a única certeza desta "era dos extremos" 6 • A detenção do conhecimento garante aos Estados e às empresas maior poder e potencializa sua capacidade de acumulação de riquezas. A ambivalência da tecnologia revela-se quando se constata que a técnica é, _ao mesmo tempo, instrumento para melhoria da proteção dos recursos naturais e dinamizador do esgotamento desses recursos. Por esta presença marcante do desenvolvimento técnico e científico na questão da conservação dos recursos naturais, inclusive instruindo o Estudo de Impacto Ambiental, dedicolhe o segundo parágrafo do item "Direito e o Desenvolvimento Sustentável", incluindo alguns comentários sobre a regulamentação do desenvolvimento técnico-científico, entendendo-a inseparável do direito econômico e do direito ambiental. Finalmente, fixo-me no "Aspecto Constitucional da Compatibilidade do Desenvolvimento da Atividade Econômica com o Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado" (Capítulo V). Procurarei ter então suficientemente argumentado que não há uma separação material entre economia e ecologia. A base do desenvolvimento das relações produtivas está na natureza. Esta união necessariamente tem de se fazer sentir no interior do ordenamento jurídico. Uma conformação da atividade econômica ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado passa pela análise do modo de agir do Estado e da sociedade civil. Como se dá esta integração numa sociedade, superada a crença de que o Estado pudesse suprir todas as falhas e insuficiências do mercado, sem contudo deixar-se persuadir pela armadilha de um metafísico neoliberalismo, é o próximo
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Em seguida vou buscar um esclarecimento e um modus operandi daquilo que se pode qualificar de direito fundamental declarado pela Constituição Federal, enquadrando nesta designação o "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado". O Capítulo 5 tem a responsabilidade de promover a ligação fundamental para o exercício integrado da profusão de direitos fundamentais existentes, designados sucintamente como "liberdades". Assim, a liberdade de empreender é colocada lado a lado com a liberdade de dispor de um ambiente ecologicamente equilibrado. Há uma busca da simetria na aplicação desses direitos. Relaciono a esta investigação sobre o "exercício das liberdades" a raiz, a essência, do ordenamento jurídico: os princípios juridicamente positivados, essenciais ao desenvolvimento e interpretação do direito positivo (princípios-essência). Os dois últimos capítulos procuram detalhar os princípios dos arts. 170 e 225 que julguei de extrema relevância para o desfecho da obra, incorporando os capítulos precedentes. Sublinho a relevância do parágrafo sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, expresso textualmente no art. 170, cuja compreensão em sua densidade se revela de fulcral importância. A sustentabilidade da prática econômica visando à conservação dos recursos naturais e uma satisfatória qualidade de vida é um imperativo jurídico e uma opção política. Tanto mais coincidente o jurídico estará com o político quanto maiores forem as condições materiais para a construção efetiva de uma sociedade com sólida estrutura democrática.
Palestra realizada no Museu de Arte de São Paulo em 14 de agosto de 1995.
Por fim, devo ressaltar que apresento as citações em língua estrangeira em traduções de minha autoria, procurando ser o mais fiel possível ao sentido do original, talvez com algum prejuízo do estilo ou da literalidade da tradução. Reescrevo no original em nota de rodapé aqueles textos cuja importância transborda o aspecto do conteúdo objetivo, quando se faz importante a apreensão do pensamento do autor no original, com todos os coloridos e requintes lingüísticos que são ceifados pela tradução, que lhe subtrai o sentido pleno ou simplesmente a beleza do escrito.
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passo. O item 1, "Estado e Sociedade na Ordem Econômica e Ambiental", o item 2, "Normas Programáticas, Normas-Objetivo", e o item 3, "A Vivificação do Direito", do Capítulo V, perseguem este objetivo.
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Este estudo não tem como finalidade desenvolver uma teoria do direito ou das normas jurídicas. Entretanto, por uma razão metodológica, não por apego excessivo à forma, mas por nutrir o mais fiel interesse na transmissão do pensamento que aqui imobilizo em palavras, procurarei sucintamente lançar as bases da compreensão do direito brasileiro que norteará este trabalho.
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Afirmo "direito brasileiro" porque é este direito que estudarei. É com ele que a sociedade brasileira con-vive 7 • E é guardando sua identidade que abordarei uma questão tão universal e ao mesmo tempo tão ligada à peculiaridade de cada região. O tema da conservação do meio ambiente, ou seja, do "tratamento das bases da existência humana", concentrado na perspectiva do direito constitucional brasileiro, investigando suas origens e expressão no desenvolvimento das relações de produção no Brasil, é o foco deste estudo. Por isso, é oportuno trazer o ensinamento do professor Eros Roberto Grau sobre a singularidade de cada direito, herdeiro de todos os elementos da sociedade que o origina: "A análise do Direito existente em determinada sociedade só pode ser adequada e proficientemente empreendida à medida que tenhamos sob consideração as características próprias dessa mesma sociedade - e, nela a combinação das estruturas regionais, no seu peculiar modo de articulação, dentro da estrutura social ~lohal" 8 •
'"Con=co - pref. do lat. co-(cum) 'com', que designa 'companhia, contigüidade, Mm:iedade"' (Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa, Rio de J~nriro: Nova Fronteira, 1982). M Eros R. Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e nítirn, p. 26-27.
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É uma verdade sempre mais imperativa que a nacionalidade da ordem jurídica constantemente cede à internacionalidade das relações político-econômicas. Mas mesmo estas influências não são simplesmente absorvidas pelas sociedades e traduzidas incondicionalmente pelo direito. Não é possível despir-se o direito de um país de sua história e cultura - seja durante sua formação, seja na sua aplicação-, as quais atuam como filtro, extraindo de cada fato genérico um fenô-
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Direito é tributário da política, da mesma maneira que um rio que se forma de outro e ganha traçado próprio, porém continua sendo água do rio de origem, como tal guardando toda a essência daquele sem o que não poderia existir. Em síntese, o direito é parte de uma ordem política (ou sistema político), e aquilo que ocorre à política reflete no direito. Reciprocamente, atos do direito e as prescrições 9 normativas formam e reformam a política • A política necessita de legitimidade, assim como o direito, para perpetuar-se na sociedade. Só a legitimidade política abre chance para a legitimidade do direito. Sua relação não é obrigatoriamente de imediata causa-efeito, porém abre o campo para atuação legítima do direito, na aceitação, participação e incentivo à organização política de uma sociedade. O direito sem seu potencial de legitimidade perece e, com ele, a política. Em resumo, um Estado Democrático de Direito só é possível com a existência concomitante de uma participação democrática efetiva na política e com a presença de normas imbuídas de um alto grau de aprovação social. Para entender-se a dinâmica do direito, deve-se primeiramente perceber que ele não é simplesmente um conjunto de normas. Estas são uma manifestação do direito, positivação de normas de conduta, que porém não o exaurem. O direito não é uma parte, um estamento
Sempre que menciono o vocábulo política ou a expressão sistema político, entendo todos os fatores que determinam uma prática social, estejam aqueles diretamente normatizados e institucionalizados, ou que tenham em instituições ou normas seu princípio. Este vocábulo abrange, por exemplo, partidos políticos, meios de comunicação, práticas econômicas, grupos de interesses, associações civis.
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da sociedade, é uma prática social. Todas as manifestações da vida devem ser compreendidas como reciprocamente causadas, nada podendo ser analisado senão dentro de uma visão holística deste todo complexo e múltiplo que é a realidade. Esta concepção do direito como um elemento da organização social, em vez de compreendê-lo como representação social estática, em si encerrada, conforme é operado por doutrinas idealistas do positivismo 10 jurídico e jusnaturalismo, desenvolve-se na adoção das categorias do materialismo histórico, cujas bases foram lançadas por Marx e, modernamente, reconstruídas por Habermas. É a linha adotada neste trabalho para a compreensão do direito como uma expressão social. Direito é também política. "Político" é, de modo não exclusivo, aquilo que pertence ao processo social de decisão, dominação, sanção, distribuição. Evidentemente, deste processo participa o direito com sua forma própria de expressão: a norma jurídica. Seguindo determinado critério, o direito é expresso na "forma de uma norma", onde se identifica o conteúdo político de uma específica organização social. Tal verbalização dinamiza-se à medida que sai do papel e ganha o "mundo da vida", compondo estruturas sociais de comunicação. A norma só pode ser compreendida em sua plenitude com a observância sincronizada destes dois momentos: o texto e o ato. Dissociados, são corpo sem alma, literatura árida, e, acordando com o implacável revisor de Saramago, "tudo o que não é vida é literatura" 11. Portanto, para o direito não ser tomado como literatura, referencias textuais a uma realidade ideal - o que seria a sua própria descaracterização, fazendo do direito o não-direito-, entendo que o direito é, somente enquanto ação e reação da sociedade, sendo composto pelo texto normativo, contudo não se encerrando nele. Em conclusão, ao tratar da ordem jurídica, refiro-me a uma or11nização básica proprietária de unidade interna formal (texto normativo), que se dissolve ao imergir no mar de contradições e na diverlkladc das sociedades modernas, sem contudo abandonar sua essência ora•nizadora e seu potencial implementador.
li Com rMta crítica é importante trazer o alerta de Forsthoff: "a superação dopom11111io é de maneira nenhuma o abandono da positividade do direito" (Ernst hoH, l>ic Umbildung des Verfassungsgesetzes, in R. Dreier, Probleme der ; 11H,,1l•i11t1•r/iretation, p. 56). ti IMf '-•rnm11140, História do cerco de Lisboa, p.15.
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Diversidade, pluralidade, complexidade não significam perda de identidade. A existência da unidade da ordem jurídica é dada pela sua percepção no decorrer da vivência de uma sociedade, exatamente porque ela ·existe e se desenvolve no mesmo movimento das atividades sociais.
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"O Direito é nível da própria realidade, é elemento constitutivo do modo de produção social. Logo, no modo de produção capitalista tal qual em qualquer outro modo de produção, o direito atua também como instrumento de mudança social, interagindo em relação a todos os demais níveis - ou estruturas regionais - da estrutura social global. 12 (... ) O direito é sempre fruto de uma determinada cultura" •
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O direito, como agir em sociedade por meio de seu código pró. prio, é a verbalização dos elementos constitutivos de uma sociedade e de suas expectativas. Afinal, o direito é antes de tudo uma produção humana. É Friedrich Müller quem nos oferece a afirmação de Jellinek: "O direito surge definitivamente como parte do conteúdo da consciência humana" 13 • De outra forma, valendo-me de Friedrich Müller, "o direito é resultado da análise hermenêutica da normatividade jurídica"14. É o modo preciso com que este renomado jurista proclama a indissociabilidade do texto, sua interpretação e aplicação na formação do direito. A análise dos elementos normativos do direito (texto jurídico, jurisprudência) dentro do seu ambiente histórico-cultural, por pessoas, ou mesmo por expertos, constrói o direito. A norma, produto da combinação destes elementos, é nitidamente jurídica e política, pois altera necessariamente o ambiente social em que atua.
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1.1 A Civilização da Ordem
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A civilização moderna, cujas bases remontam ao século XIV na Europa, é especialmente marcada pela busca da ordem. Seu "desenvolvimento" percorre o trilho da organização, do estabelecimento de
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normas e da obediência a regras institucionalizadas. Não é a finalidade do desenvolvimento das potencialidades da personalidade do indivíduo, nem o alcance de algum ideal coletivo de felicidade e justiça, porém a manutenção da organização social em suas bases que impulsiona o surgimento das normas jurídicas nessas sociedades. A manutenção de determinado status quo motiva os meios. Uma estabilidade mantida dentro dos limites de variação previsível dos comportamentos é o objetivo máximo da civilização moderna, e, conseqüentemente, a razão de todo o direito. Esta desmistificação do direito moderno faz-se necessária, não para nos acomodarmos num determinismo atávico, mas para que possa ser verificada, sem fantasias, uma determinada prioridade no direito da sociedade moderna 15 • Sua finalidade máxima é a manutenção dos pilares necessários à realização das atividades que caracterizam esta sociedade. Contudo, tal não significa que o direito esteja impedido de realizar uma determinada justiça social e contribuir para o aumento da satisfação dos indivíduos. O que se coloca é que o direito moderno não é a simples tradução de justiça, não obstante esta seja, em determinada quantidade, necessária para a manutenção da ordem das relações sociais. Faz-se necessário apresentar este contexto, à medida que, ao trabalhar com a Constituição Federal, estarei sobretudo discutindo princípios e direitos fundamentais individuais ou coletivos. E, para melhor orientar esse exame, é meu mister desmistificar uma pretensa relação de causalidade entre normas constitucionais e justiça. O alvo do sistema jurídico é a ordem social, independente do seu teor de justiça. Naturalmente, uma sociedade estará tanto mais pacificada e melhor poderá desenvolver suas atividades à medida que exista um mínimo de eqüidade nas relações e posições de e entre seus membros, bem wmo quanto maior for a confiabilidade na justeza do quinhão de que cada indivíduo consegue usufruir em sua vida na sociedade. Para tanto, tem-se resguardado direitos fundamentais e coletivos, que rezam
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E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 20. Friedrich Müller, Normstruktur und Normativitdt, p. 77. 14 Para Müller, é a "estrutura normativa" resultado de análise hermenêutica da normatividade do direito. Esta análise é conduzida com a confrontação do texto normativo e o ambiente histórico e cultural em que está imerso e do qual é fruto. Cf. F. Müller, Normstruktur, cit., p. 89.
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11 'foda referência ao "moderno" ou "modernização" adota o conceito de Haber11111s sobre este processo. Para ele, modernização - e por conseqüência o adjetivo Jr mesma raiz - refere-se à acumulação de capital e à mobilização de recursos; 110 desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trnhalho; à imposição de uma violência central política institucionalizada e à for11111~·iio de identidades nacionais; à expansão do direito de participação política, do modo de vida urbano, da formação escolar formal; à secularização de valores e normas etc. (Jürgen Habermas, Der philosophische Diskurs der Moderne, p. 10).
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melhor nível de vida à comunidade, não discriminação, garantia de privacidade e de livre manifestação, direito à propriedade etc. Porém, não há um único caminho e não nos é dado saber para onde estes instrumentos conduzem. O fato é que somente a revelação prática destas normas, ou seja, sua invocação, referência, declaração, por órgãos do Judiciário ou de qualquer outro poder do Estado, por requerimentos em peças processuais, pelos meios de comunicação, pelos atos dos cidadãos reclamando a concretização destes princípios - breve, pela prática da cidadania - conduz ao seu verdadeiro conteúdo e confere à ordem social seu real caráter. A escolha de um princípio em detrimento de algum outro, o seu conteúdo teleológico delimitado na interpretação, nada mais é que a opção por uma determinada ordem. O que nutre tal escolha é este · amálgama de aspirações individuais e coletivas por uma existência melhor e a busca de uma sociedade racionalmente eficiente, capaz de garantir o desenrolar de suas atividades. É uma escolha visando diminuir conflitos e garantir um equilíbrio das relações entre homens e destes com os objetos que permeiam estas relações, como os recursos naturais, propriedade, capital. Nesta composição, conforme acertadamente identificou Auguste Comte durante o revolucionário século XIX, na França, não há mais lugar para bases metafísicas de organização, como a religião, nem para poderes sem qualquer comprometimento com uma legitimação social, como o militar. A inexorabilidade destas conclusões conduz à redefinição por ele dos conceitos-chave da revolução burguesa de 1789 - liberdade, fraternidade e igualdade. A arcaica base da ordem social, a religião, não mais se ajusta a uma sociedade que vive de mudanças, "do progresso". Assim já se explicava Auguste Comte, ao defender sua máxima social "l'ordre et le progres'', em reação a meio século de crise revolucionária. Para ele, a desordem social daquele momento explicava-se pela insuficiente "teologia política" (religião e poder militar) que não conseguiu se sustentar perante "o progresso natural da inteligência e da sociedade"16. Desta forma, ilustra o "engenheiro social": "A ordem e o progresso, que a antigüidade olhava como essencialmente inconciliáveis, constituem cada vez mais, pela natureza da
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civilização moderna, duas condições igualmente imperiosas cujas íntimas e indissolúveis combinações caracterizam a dificuldade fundamental e o principal recurso de todo sistema político verdadeiro. Nenhuma ordem real pode se estabelecer, nem sobretudo durar, se ela não é plenamente compatível com o progresso; nenhum grande progresso se concretizará efetivamente se ele não tender finalmente à consolidação da ordem" 17 •
À antiga teologia social contrapõe-se o espírito científico que nos preserva de uma ressurreição real do espírito teológico ( "esprit cientifique que nous préserve à jamais d'aucune réssurection réelle de l'esprit theologique" ). O "esprit industriei" representaria a garantia mais eficaz contra o retorno do estático espírito teológico da civilização. Em se mantendo o "progresso" da sociedade unicamente movido pelo "esprit industriei", quer dizer, pelo desenvolvimento de tecnologias, pela expansão industrial e de mercados, e de tudo aquilo que assegure este movimento, insere-se todo o progresso moderno no interior de bases político-econômicas definidas que garantem o perfil de uma determinada sociedade. Por isso, não é sem mais a constatação do movimento da sociedade pelo seu modo de produção. Mais do que nunca a atividade de manutenção da vida e enriquecimento assume uma força caracterizadora da sociedade. Comte precisou muito bem a mudança de base do paradigma da ordem social - de uma ordem estática para uma postura dinâmica. No vácuo de diretrizes deixado pelo afastamento da religião como norteador dos valores sociais, o direito assume o papel de fonte moral e normativa, circunscrevendo os limites de mobilização social, numa orientação maleável, permitindo ações das mais diversas, fixando os pilares básicos da ordem social, a partir dos quais são possíveis os entendimentos mantenedores ou transformadores do cotidiano. Se, por um lado, a civilização moderna circunstanciou seu paradigma moral, por outro lado este mundo privatizado, laicizado e desencantado (quer
11 "L'ordre et !e progres, que l'antiquité regardait comme essentiellement inconciliables, constituem de plus en plus, par la nature de la civilisation moderne, deux conditions également impérieuses dont !'intime et indissoluble combinaisons caractérisent désormais la difficulté fondamentale et la principale ressource de tout véritable systeme politique. Aucun ordre réel ne peut plus s'etablir, ni surtout durer, s'il n'est pleinement compatible avec !e progres; aucun grand progres ne saurait effectivement s'accomplir, s'il ne tend finalement à l'évidante consolidation de l'ordre" (Cours, cit., p. 8).
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1.2 A Ordem Jurídica é uma Escolha: A Escolha da Constituição Federal Brasileira de 1988
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Apesar de toda aparência de neutralidade ostentada pelo direito devido a seu revestimento formal, ele está profundamente imbricado na própria base das relações de produção, assume suas características e valores e reage às suas modificações. Seu funcionamento ajusta-se como uma engrenagem em uma máquina às relações de produção. E aqui reitero o caráter político do direito. No caso do Brasil, o modo de produção desenvolvido é o modo de produção capitalista, explicitado e garantido pela Constituição Federal ao proteger e defender em seus princípios fundamentais os elementos que o compõem. A economia de mercado é garantida constitucionalmente, pois seus elementos fundamentais estão resguardados na 2 Constituição Federal - livre iniciativa, trabalho assalariado (art. 1 , IV). A particularidade de cada direito é ainda mais acentuada à medida que não se pode falar de um modo de produção genérico para uma sociedade, no caso a brasileira. Não se trata de afirmar que cada modo de produção pressupõe a existência do seu direito, senão de afirmar que em cada sociedade manifesta-se um determinado direito, produto da coexistência de relações calcadas no modo de produção dominante nessa sociedade com as relações fruto de outros modos de produção que, 18 nessa sociedade, coexistam com o modo de produção dominante • Por isto que não podemos adotar o simplismo de tachar o modo de produção expresso no texto da Constituição Federal como modo de produção capitalista, nivelando-o com demais Estados capitalistas, sem compromisso com seu espaço e tempo. A descrição normativa do texto constitucional brasileiro identifica uma série de relações e aspirações inerentes a esta sociedade num determinado tempo histórico, aportando à economia capitalista, que reafirma novos matizes. Assim, um fator fundamental da produção econômica, a natureza, sub-
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E. R. Grau, A dupla desestruturação do direito e o direito pressuposto, p. 16.
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mete-se aos efeitos da normatização dos meios de sua apropriação. Ajusta-se, portanto, a exigências de razões econômicas, estéticas, culturais, ontológicas reguladas pelo ordenamento jurídico peculiar a cada formação social. A Constituição reelabora e dá contornos próprios ao capitalismo que declara, desenhando-o na forma de "capitalismo social", estruturado na Carta Magna, sobretudo nos seus arts. 5 2 e 170. Naquele, quando dispõe sobre a garantia da propriedade privada e sua vinculação ao desempenho de uma função social (art. 52 , XXII - "É garantido o direito de propriedade" e art. 52 , XXIII - "A propriedade atenderá a sua função social"). Ademais, o modo de produção capitalista, depurado pelos elementos da democracia social, é assegurado no artigo inaugural do capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica, no título "Da Ordem Econômica e Financeira" (art. 170). A ordem econômica deve estar fundada na livre iniciativa (art. 170, caput) e na livre concorrência (inciso IV). Aqui está perfeitamente elencada a defesa dos três fatores da produção - capital, trabalho, natureza - representados respectivamente nos princípios inscritos nos incisos II - propriedade privada, VIII - busca do pleno emprego, VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Também é neste artigo que se encontra protegido o agente econômico nos seus dois momentos na sociedade: 1 - como trabalhador ou produtor - a ordem econômica deve estar fundada na "valorização do trabalho humano" (art. 170, caput) e a realização da ordem econômica deve atender à busca do pleno emprego (inciso VIII); 2 como consumidor (inciso V - defesa do consumidor). É fundamental a atuação do Estado para a materialização destes princípios e de todos os que visam a um maior equilíbrio nas relações sodais e integração de seus partícipes. Afinal, o Estado, ao longo dos dois últimos séculos, tem assumido um papel complementador das rdações de produção, pautadas originalmente na satisfação de interesses individuais. O Estado age a fim de melhor organizar a produçiio e para neutralizar tensões inerentes ao processo produtivo, entre 11 que seja público e privado, entre democracia e capitalismo, conforme já diagnosticou Habermas 19 •
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ct . .f. Habermas, Theorie des kommunikativen Handelns, v. 2, p. 507-508.
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Carl Offe expressou o relacionamento tensionado entre capitalismo e democracia, sob o ponto de vista da concorrência, no seguinte paradoxo:
uma "ética de responsabilidade solidária da humanidade" 2 S, a qual trará efeitos nas atividades e conflitos humanos e será apta a conduzir à materialização de ideais sociais e democráticos.
"Sociedade capitalista diferencia-se de todas as demais não pelo seu problema de reprodução, mas pelo fato de apresentar para o problema de compatibilização da integração social, que todas as sociedades de uma certa maneira trabalham, ao mesmo tempo, dois caminhos de solução lógica que se excluem mutuamente: o de diferenciação, ou seja, privatização da produção, e o de sua socialização, ou seja, politização"2º.
Asseguradas a cidadania e a dignidade da pessoa humana, lançam-se as bases gerais para a igualdade entre os cidadãos, nas suas mais diversas atividades. Este nivelamento dos homens é ponto de partida de toda comunicação social que se desenrolará com base no ordenamento jurídico. O direito, enquanto norma editada, perfaz uma unidade organizada, é o sistema jurídico 26 , e, como tal, é discurso escrito mantendo sua unidade interna: não há contradições no texto enquanto puro verbo. Canaris chama este sistema jurídico de "ordem teleológica", um complexo a ser analisado em sua inteireza perscrutando-se por trás da lex e da ratio !ex a abrangente ratio iuris 27 (contraposição que visa voltar a atenção ao sentido material e não simplesmente à ordem formal do texto).
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A perseguição da realização do bem comum pelo Estado afasta a concepção liberal de lei, que se pautava numa igualdade fictícia, e .dirige-se para uma atividade em busca de concreta justiça distributiva. Nos papéis de produtor, repartidor e distribuidor de riquezas, o Estado de Direito torna-se um Estado Sociat de Direito 21 à medida que se volta à organização do trabalho, bens e recursos naturais. Retornando ao Título Ida Constituição Federal, "Dos Princípios Fundamentais", é possível afirmar que estes princípios traduzem opções políticas fundamentais sobre as quais se pauta o desenvolvimento das atividades nesta sociedade22 • É oportuno lembrar Jorge Miranda, que sublinha a função ordenadora dos princípios fundamentais, quando afirma serem eles que dão coerência geral ao sistema 23 • A ligação mais profunda que ocorre entre os princípios é uma ligação ética. É a fundamentação derradeira, a pedra fundamental (die Letztbegründung24 ). É aquele topos, liame de todo o texto, que, por representar um valor teleológico relevante, acaba se evidenciando pela tendência que mostra cada Constituição. É na manifestação desta ética que se tornou possível adjetivar generalizando uma Constituição como social, democrática etc. Não é por conter um ou outro princípio de caráter social ou democrático, mas porque seus princípios são expostos num conjunto, vinculando os sujeitos, consolidando
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º Apud J. Habermas, Theorie, cit., p.
O direito apresenta uma unidade racional, isto é, sua concepção corresponde a uma estrutura resultante de embates políticos, espelhando uma totalidade coerente dentro da diversidade e antagonismos de interesses que o formaram. Não significa a ordem desejada, porém uma organização possível, resultante das diferenças e embates inerentes a cada sociedade. O direito é a realidade com todas as dificuldades de expressão e todas as contradições. Cada formação social, cada elemento da sociedade, carrega toda a contradição imanente àquela sociedade. Cada forma de expressão social reflete a turbulência do todo. É por isso que afirmo, a despeito da coerência do ordenamento jurídico, ser o direito necessariamente contraditório e conflituoso. Tais contradições e conflitos, no entanto, não integram o texto, surgem no momento de realização do direito: pela sua interpretação e aplicação. P. nesta esfera que se localizam contradições, diferenças, lutas para manutenção e modificação de um determinado status no interior da 1nciedade. Situando-se o direito numa amplitude maior que a do texto
508. Cf. Hermann Heller, Rechtsstaat oder Diktatur, in Martin Drath et ai. (org.), Gesammelte Schriften, v. 1, p. 451. 22 José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 83. 23 Apud, José Afonso da Silva, Curso, cit., p. 85. 24 Expressão de Karl-Otto Apel, Diskurs und Verantwortung, p. 7.
jurldirn na concepção do texto normativo e na unidade interna que ele representa" (,~y•trmdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz, p. 155). 1 • Ct. C. W. C:anaris, Systemdenken, cit., p. 46.
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F.xpressão de K.- O. Apel, Diskurs, cit., p. 16.
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do ~·onn·ito de sistema são ordem e unidade. Elas encontram sua correspondência
jurídico, tem-se que este não é qualquer ratio scripta, porém um produto, um resultado da história e é realizado por pessoas, acusando, como.tal, necessariamente contradições e insuficiências que são inconciliáveis com a i'magem de unidade interna e seqüência lógica. É preciso remarcar que no direito encontra-se um elemento antagônico à generalidade e abstração exigidas por um sistema: "a tendência individualizadora" da justiça, que reage contrariamente ao pensamento sistêmico nivelador, e tem como resultado a formação de normas, que afastam a priori um fatalismo textual indiferente à situação concreta. Assim, a conclusão de Canaris28 de que quebra de uniformidade e lacunas são portanto inafastáveis durante a prática do direito. O direito é comumente associado à noção de lei. Quanto a isto, alerta Grau: "O direito, assim, é concebido ~stritamente como conjunto de normas sancionadas e cada norma que o integra retira a sua 'essência' da circunstância de ser sancionada. Do Direito não cogitam os juristas - seu objeto de indagação é a norma jurídica, que se caracteriza como jurídica porque juridicamente sancionada. A norma jurídica, assim, na instância jurídica, se transforma em fetiche, tal qual a mercadoria é fetichizada na instância econômica" 29 •
O direito, porém, contém a lei, uma vez que ele é formado de outros elementos, e só se manifesta quando assentado neste conjunto de lei e fato interligados pela ação. O desvendar das linhas do "livro de leis", evocando a letra, seja pela instituição competente declarando determinada norma jurídica, seja por aquele que, em conhecimento do preceito, evoca-o e reclama sua aplicação, traz vida ao direito. O sistema de leis é um referencial, um instrumento para compor fatos da realidade. A força de sua presença na sociedade e seu efeito modificador, organizador, mantenedor das relações sociais resultam do sentido e valor que os sujeitos em sua prática diária atribuem à lei. A má compreensão da norma jurídica e sua redução a mero conceito lógico-hipotético, ou unicamente a um texto imperativo, levantam de forma aguda a questão sobre o modo apropriado da relação entre direito e realidade, exatamente no que diz respeito ao momento da concretização do direito.
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C. W. Canaris, Systemdenken, cit., p. 112. E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 24.
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O direito como texto é um experimento, apresenta um potendal, delimita um campo de ação sobre o qual a sociedade se baseia para o estabelecimento de seus relacionamentos, na requisição devalidade e prevalência de interesses. Ele surge como articulador social e as normas de organização coletiva estão na sua origem e na base moderna do contratualismo privado, que tributa sua concreção ao desenvolvimento da organização da sociedade. Não se trata aqui de negar a dogmática ou de colocá-la como um incômodo, cuja existência não se pode negar, mas que se procura por todas as maneiras dissimular. Naturalmente, ela tem um papel fundamental, na formação do direito moderno, na medida em que é por ela que se tem uma ordem jurídica com o desenvolvimento e a positivação de normas gerais e organizatórias de uma sociedade. A interpretação do direito positivo com toda contribuição que possa e deva ter da filosofia, sociologia, história, é um trabalho de interpretação de texto, de esclarecimento e determinação de seu conteúdo, o que faz da dogmática jurídica uma "disciplina multidimensional" 3 º e, portanto, os limites da legitimidade da argumentação dogmática são definidos menos por uma metodologia, porém muito mais por um substrato social. Ao analisarmos a Constituição Federal, várias são suas normas que requerem mais de uma interpretação, e reclamam um preenchimento via implementação política. São portais que, uma vez transpostos, levam a um campo fértil que aceita a semente que se atirar. Esta figura utilizada é especificamente para argumentar que, muitas vezes, a norma jurídica na Constituição é uma permissão a um assunto, contudo o que se desenvolve a partir dela é uma surpresa fugindo dos lindes de seu texto. O portal permite a entrada, porém não se responsabiliza pelo que, quando transposto, é encontrado, nem pelo que se passa no interior do ambiente onde ele permite o ingresso. O sistema jurídico resume-se ao texto jurídico, como desenvolvimento de orações jurídicas, que expõem conceitos e definições, formando um conjunto abstrato que se deixa deduzir logicamente. Isto wmpõe apenas uma parte do direito que não se deixa reduzir a este sistema. O sistema jurídico em si é uma abstração, o direito é um nível da realidade e é composto por elementos mais complexos e dinâmi-
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Ralf Dreier, Zur Problematik und Situation der Verfassungsinterpretation, in l'rohleme der Verfassungsinterpretation, p. 21.
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cos, que são os fatos da realidade em contínua comunicação com o texto, tanto na sua formação como nos seus posteriores efeitos. A insuficiência da compreensão da norma despida de fatos é estendida diversas .vezes parq as bases metodológicas do tratamento do direito. Um dos erros básicos do atual positivismo jurídico, a concepção e o tratamento da norma jurídica como algo assentado em si mesmo, já dado, tem como pressuposto a separação entre norma e fatos e é esta separação que rejeito. Todo tratamento deste trabalho avalia o direito com "corpo e alma". Norma e fato são elementos constitutivos, indispensáveis ao estudo do direito. Esta base de interdependência do direito contribui para desmistificar o trancamento do direito, apresentando uma compreensão da norma jurídica voltada às manifestações de uma sociedade temporal e espacialmente definida, o que aliás é exigido de toda teoria que se pretende social. Abandona-se, portanto, o hábito de reduzir o direito a um conjunto de normas, exilado e condenàdo à solidão de um texto sem vida, pois lhe falta a humanidade só concedida com a presença do homem, sujeito participante de uma sociedade, formador, respeitador e modificador da norma. E é nesta complexidade dinâmica que se torna possível identificar em sua inteireza a escolha operada pela ordem jurídica para a manutenção da ordem social. Como já tive oportunidade de referir, baseada em Auguste Comte, esta é uma ordem de modo algum inerte, mas necessariamente voltada ao progresso. A ordem da modernidade.
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O direito está necessariamente ligado à linguagem e, num sistema de direito escrito, aparecem as normas jurídicas como texto normativo, isto é, como um pronunciamento oficial autorizado do direito em vigor. Segundo Müller, a ordem jurídica constitui um continuum de textos mediados por processos lingüísticos. O direito imposto pelo Estado trabalha minimamente com violência concreta - repressão policial e afins - , e muito mais com uma violência constitucional verbalmente formada, conciliada e controlável. Revt;la-se como representação de uma força efetiva, e esta virtualidade torna-se a própria
2.2 O Texto de Lei e sua Base Material Já afirmei que a sociedade moderna tem como premissa a declaração de igualdade entre os homens. Igualdade formal que emoldura toda ordem jurídica, tornando-a praticável. Igualdade na razão da lei faz do homem um cidadão, tornando possível a igualdade de tratamento, o que viabiliza a necessária aceitação do direito como lnstituição 33 •
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rriedrich Müller, ]uristische Methodik und politisches System, p. 95.
u Cf. F. Müller, Normstruktur, cit., p. 80. 11
Aqui aplico o conceito de "Instituição Jurídica" apresentado por Habermas, que compreende como um conjunto de normas jurídicas que não podem ser suficientemente legitimadas por meio de referências positivistas a processos. Tão logo a vialidade destas normas seja questionada na prática diária, não basta a referência i\ sua legalidade. Ela precisa de uma justificação material, porque ela própria pertence ao conjunto de organizações do mundo da vida e juntamente com normas Je agir informais constituem o pano de fundo do agir comunicativo. Conseqüentemente, o direito precisa estar assentado em valores socialmente aceitáveis, capazes dr justificar a sua prática (ver Jürgen Habermas, Theorie, cit., v. 2, p. 536).
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2.1 Direito como Linguagem
coerção social. Este modo de linguagem da ordem jurídica corresponde à ambição por racionalidade do moderno Estado Constitucional burguês. Esta racionalidade é ambígua no desempenho de sua função, pois ela é duplamente efetiva, na medida em que ela por um lado auxilia no processo de dominação, e por outro estabelece os pressupostos para um consenso. Isto se expressa numa dupla forma de linguagem do texto jurídico, como texto organizador e justificador31 • Este trabalho orienta-se por uma concepção do direito que analisa a norma por meio de sua interpretação e aplicação. Procura-se compreender a norma em seu movimento na sociedade e não a partir do abismo conceptual entre "norma" e "realidade". Não é possível, numa sociedade em constante modificação social, cultural, moral, tecnológica, que se conceba o ordenamento jurídico e os fatos, um com o outro, estáticos, perenes e confrontados como possuidores de um ser independente 32 • A condição humana não é uma determinante indiscutível, e o que Estado e casamento, comércio e dívida significam depende sempre de como o homem interpreta a si mesmo e seu mundo. O momento da compreensão, sua atualidade e ligação a preconcepções são fundamentais para o acabamento da norma.
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A norma jurídica representa uma força efetiva e exerce uma função reguladora na sociedade. É ela a encenação de uma força, a sua manifesta~ão em potencial. Havendo a possibilidade de um conflito de interesses, desponta ºem seu papel coercitivo. Não ocorrendo propriamente o conflito, ocorre uma generalização pelo consenso, dando lugar à manifestação da norma como indução, encorajamento, para que uma conduta seja realizada. Do encorajamento à persuasão, abre-se o lugar para todas as formas de influência do ordenamento jurídico. Lanço mão de Giannotti, ao falar de uma "dimensão semântica da representação" 34 • Acompanhando este autor, é possível compreender ser o texto normativo um fenômeno da sociedade, a representação semântica dos elementos presentes efetivamente nesta sociedade, a ela retornando como um todo. A medida d.a efetividade do direito positivó é dada na razão direta de sua capacidade de captar a sociedade como um todo. A generalidade da norma deve ser capaz de encenar a totalidade do grupo, da "comunidade", ao mesmo tempo que unifica 35 as ações estatais, informando o dever ser de seu comportamento • Esta norma não é um dado, mas uma "re-presentação" de condições materialmente existentes. O modo como isto se revela e o posterior trabalho desta mesma sociedade sobre o "re-presentado" é o que interessa ao trabalho jurídico. Retomando ainda uma vez o que já apresentei acima, afirmo que o estado material se dá como fundamento do estado formal, e a partir deste são desenvolvidas novas formas de ação material. Quando nos defrontamos com a norma jurídica, devemos ter em mente que não estão nela regulamentados meramente desejos e ambição por comportamentos ou programas. A norma incorpora a tarefa de procurar reter no tempo o que o cotidiano não é ou não foi capaz de perpetuar. Nela estão presentes valores e idéias que remetem a uma
José Arthur Giannotti, Trabalho, cit., p. 183. Explica ainda Giannotti: "Não é qualquer instituição centralizada que se diz estado; somente quando um chefe atua em vista duma comunidade, quando sua concreta re-presenta uma koinomia, como diziam os gregos, de sorte que o comportamento singular passa a encenar a totalidade do grupo e, dessa maneira, reivindica para si o direito de avaliar ações alheias, é que temos o estado propriamente dito. É neste monopólio da medida, seja qual for a sua forma, que detectamos a presença do estado. E neste ponto nossa concepção está muito próxima daquela de Kelsen, que igualmente se insurge contra as interpretações sociológicas do estado, insensíveis a seu lado normativo" (J. A. Giannotti, Trabalho, cit., p. 184).
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nostalgia coletiva por uma sociedade ideal. A perda real daquilo que prescreve a norma jurídica numa sociedade acarretaria nela profundas modificações estruturais e morais, difíceis de serem absorvidas sem a erupção de um choque desintegrador. Este movimento de retenção desempenhado pela norma jurídica pode desenvolver-se tanto no sentido de apreender o que está presente de forma ainda latente na sociedade, como também pode representar o último suspiro de determinados fatos que não mais encontram guarida na prática diária. O sistema jurídico estrutura um movimento que já ocorre na sociedade36 • Este movimento é o da relação entre os homens em sociedade e deles com a natureza, constituindo o modo de produção da vida social. O regime de produção econômica assegurado pela Constituição Federal não é fruto de elucubração dos legisladores. Este regime, seguramente o do modo de produção capitalista, resulta da constatação da prática econômica existente (para Eros Grau - do direito pressuposto )37 • Este direito positivo que o legislador não pode criar arbitrariamente acaba influenciando as próprias relações básicas que lhe deram origem. O processo de diversificação social leva a uma multiplicação funcional de tarefas especializadas, de papéis sociais e de interesses que a ação comunicativa liberta das estreitas ligações institucionais para um mais amplo campo de opções 38 • Esta "ação comunicativa" se faz necessária em ações que se expandem e que são coalhadas de interesses antagônicos. Nesta sociedade profana, a ordem normativa deve-se manter sem qualquer suporte metassocial, como o de forças divinas. Assim, transfere-se o fardo da integração social ao trabalho de compreensão entre os membros de uma sociedade. É de grande valia o diagnóstico de Habermas da sociedade profanada, que ele denomina pós-metafísica. Nesta organização social, o peoso da ordem normativa é intenso porque independe de garantias
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1 ~ Vi:r sobre "direito posto" e "direito pressuposto" em Eros R. Grau, A dupla 1l,11•struturação do direito e o direito pressuposto. " Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiro~. 1996, p. 209. 11 Jtlr~t·n Habermas, Faktizitiit und Geltung, p. 42.
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metassociais, fazendo com que a compreensão entre os "atores" sociais seja o fiel da balança da estabilidade social. Uma vez que a estabilidade social e a concatenação (coerência, continuidade) da interação'social nã0 possam ser concretizadas com a simples sobreposição', de busca de interesses individuais, a sociedade precisa ser integrada 39 por uma ação comunicativa • Quando o contexto de interação não se deixa determinar pelo simples entendimento entre os indivíduos para se formar uma ordem estável, a sociedade precisa em última análise ser integrada por um instrumento estimulador da ação comunicativa. Nesta precisa necessidade encontramos a justificativa do direito por Habermas. A individualização de setores da sociedade, que passam a ser teorizados como sistemas, não os torna fragmentos isolados cujo conjunto constitui um todo. "No seu movimento de individualizar-se, uma sociedade constitui uma imagem de si mesma que passa então a 4 servir de parâmetro para as atividades políticas" º. Entretanto o poder, controle sobre uma sociedade, só ocorre com a capacidade de antepor-se a este ato um todo comum. Simplificadamente, é a capacidade de o timoneiro convencer a tripulação a agir sob suas ordens para um destino agradável a todos, visto que "estão todos num mesmo barco". A norma jurídica, que é representação semântica de uma sociedade, possui uma raiz real capaz de assegurar a sua efetividade. Essa raiz é dada por aquilo que se apresenta na qualidade do ser comum da sociedade, o bem comum. Valor supremo que legitima este instrumental normativo a ser movimentado, visando tanto a criação como a manutenção e a reparação do todo social. Esta dinâmica só pode ser compreendida quando avaliada a unidade representativa do direito positivo. "O texto de Lei é trabalhado na sua totalidade. Não se pode analisá-lo em tiras" 41 • O capítulo de meio ambiente da Constituição Federal não esgota as normas sobre meio ambiente e recursos naturais. Da mesma forma, o título da ordem econômica não forma uma constituição econômica independente das demais normas da Constituição Federal. É por isto que dificilmente me deterei em algum artigo
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Faktizitdt, cit., p. 43. 40 J. A. Giannotti, Trabalho, cit., p. 185. 41 E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 181.
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específico da Constituição Federal para cumprir meu objetivo que peca conscientemente pela generalidade, pois o que pretendo evidenciar não é um conceito específico, mas um movimento. O que julgo apresentar é a dinâmica histórica, situando temporal e espacialmente o texto promulgado em 1988, evidenciando sua ideologia própria, assim como sua estrutura lógica, concentrando-me apenas no que tange especificamente à relação entre economia e meio ambiente.
2.3 Norma Jurídica e o "Âmbito Normativo" Normas são mecanismos estruturadores de determinada sociedade. A concretização de normas, ou, mais precisamente, o estabelecimento de normas decisórias (Entscheidungsnormen, como quer Müller), assentadas sobre normas gerais de direito preestabelecidas, é, em princípio, não somente interpretação do texto normativo, mas também análise do âmbito da norma 42 • Portanto, o trabalho jurídico não é tratado somente como um trabalho decisório no sentido funcional, mas também na sua sistemática de trabalho, comprometido imediatamente com a realidade social 43 • Destarte, a norma não pode mais ser entendida como apenas um texto que exprime uma regra normativa. A norma só pode ser completamente compreendida durante o processo de concretização. Seu sentido está neste processo. Tal processo, no entanto, sublinha Müller, não se limita àquele da hermenêutica tradicional, onde o aplicador é um ator social institucionalmente Investido de poder para tal. Por esta teoria, o trabalho de concretização possui um raio de abrangência muito mais amplo, abraçando todos os meios de trabalho mediante os quais se chega a concretizar a norma e a realizar o direito 44 •
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Expressão utilizada por F. Müller para designar todo campo de atuação e de Influência recebido e transmitido pelo direito, compondo-se de história, cultura, atividade política e prática da sociedade civil, instituições do Estado. O 1lmhito da norma não é mera soma de fatos, porém um complexo real e possível formulado com elementos estruturais retirados da realidade, que aparecem em toda HKrn. O âmbito da norma não congrega a totalidade dos fatos, ele se manifesta qunndo um programa de interpretação prática está em curso, aplicando-se normas jurfdil.:as que, tendo em vista o fato concreto, fazem emergir relevantes estruturas 1111:i11is básicas que delinearão o seu universo (F. Müller, Normstruktur, cit., p.
187-188). F. Müller, ]uristische Methodik, cit., p. 9.
• 1 Cf.
•• P11ulo Bonavides, Curso de direito constitucional, p. 456.
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Explicitando melhor, a prática do direito não obedece apenas ao cumprimento de uma função declaratória do lícito e ilícito, sentenciando com base nos imperativos genéricos da norma do "dever ser". Por intermédio de uma atividade prática perscrutadora do sentido da norrr;a, o direito em cada sociedade deve ser compreendido e analisado dentro do seu ser em sociedade, relacionado com a política, atendendo à delimitação formal das disposições da Constituição Federal que estruturam o quadro da "organização social". É por isso que afirmo ser também uma tarefa do direito traçar linhas gerais que delimitem o campo de ação das normas e princípios gerais previstos na Constituição. Por tais parâmetros, circunscreve-se o campo de ação da aplicação das normas genéricas da Constituição, dentro de um papel explicativo e não restritivo. O direito, enquanto doutrina, deve contextualizar as normas e procurar apresentar as faculdades abertas pela norma. Esta metodologia jurídica apresentada não se desenvolve ao bel-interesse de seus agentes, porém encontra suas bases e limites de ação nas normas constitucionais. A Constituição, como delimitadora de práticas na sociedade, atua coordenando estas ações ou, pelo menos, garantindo sua legitimidade. É a norma, seja no seu processo de elaboração, seja na sua aplicação, determinada histórica e socialmente. Assim, quando trato do âmbito da norma (elementos e situações do mundo da vida sobre as quais recai determinada norma), não me refiro a um tema metajurídico, porque história, cultura, enfim, as características de uma sociedade, são os próprios componentes da norma. A propalada característica de objetividade e generalidade do direito aplica erroneamente o "absoluto" utilizado pelos parâmetros das ciências naturais. Ademais, a norma não é uma obra acabada, que seria utilizável sem maiores dificuldades. Muito mais, permanecem as concepções normativas orientadoras no espaço de um campo de problemas que abrange o âmbito da norma e a estrutura do possível e dos casos concretos. Este é o motivo hermenêutico para a caracterização da estrutura fática normativa como âmbito da norma, que não é nenhum fato isolado, porém um quadro verbal que delimita o campo sobre o qual permanece imprescindível a concretização prática45 . A norma não pode ser entendida como limite da realidade, porém como elemento dela integrante 46 . Também o texto normativo não
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As possibilidades de interpretação sistemática mediante a consideração dos aspectos do âmbito da norma e do ordenamento jurídico47 aparecem em primeiro plano nesta tarefa de concretização. Nas normas constitucionais, especialmente nas prescrições dos direitos fundamentais e demais pertinentes aos objetivos do Estado, é a identificação do âmbito da norma especialmente produtiva, porque tais normas revelam-se sobremaneira abstratas e genéricas quando se tem apenas a perspectiva do texto normativo. Porém, só o texto normativo é abstrato. Na relação entre texto e decisão concreta da norma, trabalha-se a compreensão da norma dentro da esfera do âmbito normativo. O caráter da norma é definido quando de sua aplicação. A concretização da norma compreende tanto sua interpretação e aplicação como, com isto, a solução de um caso jurídico. Citando Theodor Geiger, afirma Müller que cada decisão de aplicação ou não da norma atribui, pelo menos em potencial, uma nova versão à "substância vinculadora da norma", isto é, ao fato e a todos os elementos que o constituem 48 .
47
Cf. F. Müller, Normstruktur, cit., p. 173-174.
46
F. Müller, Normstruktur, cit., p. 168.
••E Müller, Normstruktur, cit., p. 192.
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Na verdade, a norma como cláusula geral é ainda inexistente, isto é, não se traduz de imediato num fato, pois é bem um meio. Ela precisa ser desenvolvida do programa normativo para o caso particular. Não há conformidade imediata, como uma roupa que se escolhe para determinada ocasião. A norma não é um objeto inerte, modificase e ajusta-se pela correlação de forças que imperam durante a sua utilização (concretização).
45
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O preceito jurídico é um material jurídico (Rechtsstoff), que precisa ser trabalhado. Ele recebe no decorrer de sua aplicação uma lapidação política e é provado durante o seu processo de realização. O essencial nesta lapidação e nesta prova está em que, pela aplicação de uma norma, todo o ordenamento jurídico é posto em discussão e são testadas suas finalidades e ideologias.
Entendo como "ordenamento jurídico" o conjunto de princípios e regras presentes na Constituição e demais normas e regulamentos a serem analisados. Toda interpretação normativa é uma interpretação do ordenamento jurídico e não de uma lei singular.
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é nenhum fato comprovável, nenhum dado coisificado, porém um possível ponto de vista, de qualquer modo reclamante de interpretação.
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zonte de uma respectiva pré-compreensão condutora da sociedade contemporânea. De tal arte que é a interpretação do direito também uma resposta, apreendida de uma maneira específica, às exigências de uma situação social5 1 •
É a aplicação da norma que permite a unificação da Constituição com o todo do sistema jurídico. Somente pela aplicação pode-se determinar a "justeza" de uma norma ao ordenamento, sobretudo sob o popto de vista das garantias e proteção dos direitos individuais, da aplicabilidade 'conforme as demais garantias constitucionais da norma individualizada ao caso específico.
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2.4 Interpretação
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Por ser o ordenamento jurídico formado e conformado pela realidade, temas que aparentemente se revelam contraditórios no texto normativo, como liberdade e restrição, individualismo e coletivismo, relevância e irrelevância, igualdade e diferença, devem ser compreendidos não como apresentando um antagonismo, mas conformando uma polaridade estrutural, uma vez que a existência simultânea desses opostos é inerente ao mundo da vida e estão essencialmente ligados entre si. Não resta dúvida que interpretar a Constituição é muito mais do que fazer-lhe claro o sentido: é sobretudo atualizá-la 53 • É por isto que toda concretização constitucional é aperfeiçoadora e criativa.
2.5 Princípios e Regras Tratei genericamente até o momento das normas jurídicas. Estas, no entanto, podem ser diferenciadas em duas espécies: os princípios e as regras.
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Tenho utilizado constantemente a palavra interpretação; cabe agora aclarar seu sentido. Adoto a distinção perspicaz de Friedrich Müller entre texto e norma jurídica. Texto jurídico é o que está escrito. A norma é o texto relacionado com situações de fato (âmbito nor)Tiativo) que se quer normatizar. Interpretação é a apuração do conteúdo verbal da norma. Argumentos da realidade podem servir somente para a apuração do sentido de normas, quando estes próprios elementos da realidade habitam a norma. Normas de direito não se esgotam nem em seu texto nem no mandamento ali expresso. A norma é sobretudo formulada tendo em vista um determinado estado da realidade social que ela pretende reforçar ou modificar. Este estado da realidade social normalmente não aparece no texto da norma. O texto é formulado, ao contrário, de modo abstrato e geral, isto é, sem referência a motivos e contexto real. Então, o aspecto da realidade referida pela norma não permanece alheio a ela, porém constitui conjuntamente seu sentido. O sentido não pode, a partir daí, ser perseguido apartado da realidade a ser regulamentada. Ela é tanto parte da norma quanto o texto. Somente a partir deste pressuposto torna-se compreensível que as mudanças da realidade repercutam sobre o sentido da norma. "Um dever-ser há de ser formulado somente em vista de um ser, de modo que elementos do mundo do ser sejam tomados para si (in sich)" 49 • "O teor da norma só se completa no ato interpretativo", reitera Hesse 50 • É, portanto, incisiva a afirmação de Habermas quando expõe que os expertos não interpretam a norma tendo em vista somente o contexto do corpo normativo como um todo, porém a partir do hori-
É a posição destes autores que adoto para o desenvolvimento deste trabalho. Este posicionamento procura evitar a antinomia de uma Constituição formal e uma material, repudiando a existência de dois mundos apartados, o do "ser" e o do "dever ser", e a discussão, que se tem revelado inócua na prática, sobre um confronto entre realidade e norma jurídica. Arguta é a síntese de Bonavides sobre este modo de ver o direito ao afirmar que "os métodos auxiliares da metodologia tradicional herdados a nossa época são incompletos, em face da latitude e da complexidade que toma na sociedade industrial o fato político, influenciando o Direito Constitucional, e ressaltandolhe esse aspecto, em detrimento da juridicidade, cujo colapso a metodologia concretista parece à primeira vista acelerar, dissolvendo a normatividade das Constituições" 52 •
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Dieter Grimm, Grundrechte und soziale Wirklichkeit, in Winfried Hassemer (org.), Grundrechte und soziale Wirklichkeit, p. 44.
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J. Habermas, Faktiziti:it, cit., p. 58.
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P. Bonavides, Curso, cit., p. 459. P. Bonavides, Curso, cit., p. 441.
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Apud P. Bonavides, Curso, cit., p. 439.
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Princípios são normas que dispõem a respeito de algo a ser realizado o mais amplamente possível dentro das relativas possibilidades do direito e dos fatos. Princípios são, portanto, mandados de otimização (Optimierungsgebote 54 ) com a característica de poderem ser preenchidos em diferentes graus. A medida deste preenchimento depende não somente dos fatos como também das possibilidades abertas pelo direito. A área das possibilidades do direito é delimitada pelo conjunto de princípios e regras vigentes. Em contrapartida, regras são normas, que podem ser ou não preenchidas, ficando descartada uma gradação de preenchimento. Quando uma norma vale há, então, um mandamento para fazer exatamente aquilo que ela exige, nada mais ou menos. As regras contêm, com isto, estipulações no âmbito do fático e juridicamente ·possível. Isto significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa e não uma distinção hierárquica em grau · de importância 55 • Nesta linha de argumentação, defende Eros Grau que os princípios positivos do direito reproduzem a estrutura peculiar das normas jurídicas:
1
"Quem o contestasse forçosamente teria de admitir, tomando-se a Constituição, que nela divisa enunciados que não são normas jurídicas. Assim, por exemplo, quem o fizesse haveria de admitir que o art. 52 , caput, da Constituição de 1988, não enuncia norma jurídica ao afirmar que todos são iguais perante a lei.[ ... ] Isso, no entanto, é insus2 2 tentável, visto que temos aí, nitidamente - tal como nos arts. 1 , 2 , 17, 18, 37 - autênticas espécies de norma jurídica. Ainda que a generalidade dos princípios seja diversa da generalidade das regras, tal como o demonstra Jean Boulanger, os primeiros portam em si pressuposto de fato (Tatbestand, hipótese, facti species), suficiente a sua caracterização como norma. Apenas o portam de modo a enunciar uma série indeterminada de facti species. Quanto à estatuição (Rechtsfolge, injunção), neles também comparece, embora de modo implícito, no extremo completável em outra ou outras normas jurídicas, tal como ocorre em relação a inúmeras normas jurídicas incompletas. Estas são aquelas que apenas explicitam ou o suposto de fato ou a estatuição de
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54 55
Expressão de Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, p, 75. R. Alexy, Theorie, cit., p. 76.
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outras normas jurídicas, não obstante configurando norma jurídica à medida que, como anota Larenz, existem em conexão com outras normas jurídicas, participando do sentido de validade delas. De resto, a necessidade de concretização dos princípios não é exclusiva deles, manifestando-se também no caso das normas programáticas propriamente ditas e das normas preceptivas. Estamos aí diante dos princípios que Larenz refere como 'princípio em forma de norma jurídica (Rechtsatzformige Prinzipien)' " 56 •
"Cumpre observar também que não se manifesta jamais antinomia jurídica entre princípios e regras jurídicas. Estas operam a concreção daqueles. Assim, quando em confronto dois princípios, um prevalece sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado são afastadas; não se dá a sua aplicação a determinada hipótese, ainda que permaneçam integradas, validamente, no ordenamento jurídico" 57 • O conteúdo dos princípios, sua real dimensão e alcance com todos os matizes da idéia que encerram, só é plenamente possível de ser determinado ao ser invocada sua aplicação num determinado contexto. Os princípios desenvolvem seu próprio conteúdo (Sinngehalt) somente quando compõem uma dinâmica conjunta de recíproca complementação e limitação (wechselseitiger Erganzung und Beschrankung). Portanto, deixa-se plenamente evidenciar o significado do princípio da livre iniciativa somente quando se compreendem os princípios que a ele reagem, impondo-lhe limites e delimitando o seu campo de atuação. Por exemplo, a existência da obrigação de contratar, a proteção à dispensa do empregado ou o direito a participação nos lucros da empresa são elementos que não contradizem o princípio da livre iniciativa, ao contrário, revelam-se como sustentadores do sistema para a afirmação da autonomia privada. Em outras palavras, a compreensão de um princípio é freqüentemente correspondente ao entendimento de seus limites, isto é, o conhecimento de um princípio é permitido pela contraposição a outros princípios e à realidade a que se refere 58 •
•• E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 125-126. A ordem econômica, cit., p. 134. u Cf. C. W. Canaris, Systemdenken, cit., p. 56.
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2 .6 Colisão de Princípios e Conflito de Regras
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solidez constitucional resulta, sem dúvida, da necessidade de instaurar em toda ordem social os chamados direitos da segunda e da terceira geração, a saber, os direitos sociais, econômicos e culturais, a par dos direitos da comunidade, quais, por exemplo, a autonomia, a proteção ao meio ambiente, o desenvolvimento e a fraternidade " 61 •
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Çolisão de princípios e conflito de regras manifestam-se quando duas normas, utÍlizadas independentemente, trazem resultados inconciliáveis uma com a outra, ou seja, conduzem à concretização de dois juízos normativos que se contradizem. Estes dois confrontos diferenciam-se no modo de solucionamento.
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2. 7 Por que Legitimidade?
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Quando dois princípios colidem, um deles precisa dar lugar ao outro. Isto não significa, porém, nem que o princípio que se retirou é um princípio inválido, nem que esta colisão é uma exceção do direito. O que ocorre é a precedência de um sobre o outro dentro de definidas situações concretas. Em outras situações pode muito bem a precedência ser dada ao outro princípio. Isto ocorre porque os princípios no caso concreto têm diferentes pesos. O conflito entre as regras jurídicas desenvolve-se na dimensão da validade;. já a colisão de princípios, porque somente princípios válidos podem colidir, ocorre além da dimensão da validade, porém na esfera dos pesos 59 • Entretanto, quem atribui peso aos princípios? A história de uma sociedade, a decisão dos seus participantes segundo regras de poder e de ação. Isto significa que o direito estende seus braços às menores decisões da sociedade, quando esta, consciente ou inconscientemente, aplica algum princípio jurídico em suas decisões. A escolha de qual princípio terá um peso superior a outro cabe a esta sociedade, e o processo desta também se remete ao direito, à medida que se pretende que a comunicação e o entendimento social se desenvolvam encerrados na ordem social, que é assegurada pela ordem jurídica. Procurando a "justa medida" na aplicação dos princípios, a doutrina alemã tem se referido a um "princípio da proporcionalidade" (Verhaltnismassigkeit), procurando estabelecer um relacionamento entre meio e fim, para a aplicação dos princípios, para que se torne possível um controle do excesso (eine Übermasskontrolle) 60 • Por este princípio fica patente o caráter instrumental do direito regido por uma adequação entre fim e meio, dentro da relação no todo. Bonavides, seguindo Ermacora e Vasak, afirma com toda propriedade que "com esse princípio nasce também um novo Estado de Direito cuja
A norma jurídica possui uma dupla face: ao mesmo tempo que é um mandamento impositivo é também uma afirmação de liberdades . Segundo Habermas, o valor social da norma jurídica é determinado pelo grau de sua impregnação na sociedade. Diverso do valor convencional dos usos e costumes, sustenta-se o direito não sobre o crescimento da efetividade de formas de vida usuais e tradicionais, mas sobre uma produção artificial de facticidade - da imposição de sanções definidas na forma do direito e passíveis de serem requeridas em juízo. Em contrapartida, é medida a legitimidade das regras pela convertibilidade discursiva de uma expectativa de valor normativo - no caso de ser resultado de um processo racional legislativo - , ou caso se possa ter justificada a norma, pelo menos sob um ponto de vista pragmático, ético e moral 62 • Distende-se, portanto, a definição tautológica sobre a validade do direito positivo (vale como direito positivo o que obtém força jurídica mediante um procedimento juridicamente válido). Embora verdadeira, não se pode reduzir a norma jurídica a esta afirmação. O que Habermas chama de "impregnação na sociedade" é legitimidade da norma. A legitimidade de uma norma é independente de sua consecução fática. Ao contrário, os valores sociais e o cumprimento fático variam com a crença na legitimidade dos profissionais do direito, e esta crença sustenta-se por sua vez sobre a subordinação da legitimidade, isto é, da fundamentabilidade das respectivas normas. Outros fatores como intimidação, poder, costumes ou mero hábito precisam tanto mais contribuir para estabilizar uma ordem jurídica quanto menor for o seu grau de legitimidade6 3 •
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Curso, cit., p. 358.
J. Habermas, Faktiziti:it, cit., p. 48. 1 • Cf. J. Habermas, Faktiziti:it, cit., p. 48.
59
R. Alexy, Theorie, cit., p. 77. 60 P. Bonavides, Curso, cit., p. 357.
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Fica justificado o fato de que trabalho muitas vezes com episódios do texto normativo, cuja aplicação ainda não foi reclamada, ou cujo tratamento se mostra ainda bastante débil, a despeito do tempo de edição do texto. A participação dos teóricos do direito procurando esclarecér o âmbit'o da norma, algumas das suas diversas possibilidades de manifestação no mundo da vida, revela-se de fundamental importância para a efetivação do direito. O princípio da democracia precisa preencher uma lacuna num sistema de direito, cujo cerne é o interesse privado e que, portanto, termina por representar um egoísmo juridicamente organizado. Destarte, este sistema não pode se reproduzir sobre si mesmo, porém mantémse embasado num consenso preliminar do "interesse do cidadão".
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Sem o amparo religioso ou metafísico pode o direito coercitivo, .que é constituído sobre o procedimento legal, somente garantir a sua força social integrativa, na medida em que chega a compreender cada endereçado da norma jurídica tanto imer'so na globalidade social como o titular individual desta norma 64 • Sob o céu de uma sociedade com valores pós-metafísicos, o direito vale somente como legítimo, quando oriundo de interesses e idéias de cidadãos iguais. Estes podem, por seu turno, mediante o seu direito democrático de participação, defender apropriadamente sua autonomia pública à medida que sua autonomia privada esteja garantida. Uma autonomia privada assegurada provê a consolidação (Entstehungssicherung = garantia de formação) da autonomia pública, da mesma forma que a garantia adequada da autonomia pública serve à consolidação da privada. Esta conexão circular se manifesta também na gênese do direito em vigor, pois direito legítimo reproduz-se somente na forma de uma regulação estatal de ciclo de poder, que se nutre das comunicações nas esferas privadas do mundo da vida de arraigada publicidade política. Por esta concepção de sociedade transfere-se o fardo das expectativas normativas da esfera das qualidades, competências e campos de ação dos autores para a esfera de formas de comunicação, com as quais transcorre o jogo completo da formação de opiniões e vontades informais e não institucionalizadas.
pública. Além disso, ela deve sua legitimidade às formas de comunicação com as quais ela pode externar e conservar esta autonomia 65 • O direito econômico, por excelência, trabalha com essa dupla perspectiva. O público e o privado estão de tal arte imbricados que, somente trazendo para o privado o interesse público e para o público considerações sobre o anima do sujeito econômico, pode-se assegurar a estabilidade da ordem econômica. Assim, o trabalho da ordem econômica diante dos desafios impostos pela necessidade de proteção ambiental não deve esquecer este relacionamento. Não é à toa que o desenvolvimento recente do direito ambiental segue a mesma melodia de complementação entre público e privado, trabalhando com normas dirigidas à abstenção privada como com determinantes de políticas públicas, uma vez que o objeto de sua atuação não pode perder de vista o objeto de que trata o direito econômico. Enfim, à pergunta "por que a preocupação com a legitimidade da ordem jurídica?'', responde-se afirmando que a legitimidade revela o grau de democracia vivenciado por uma sociedade. E o Estado Democrático de Direito não pode ignorar a democracia, este imperativo fundamental à sua constituição e esteio necessário à sua realização.
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Não se pode sobrestimar o direito na ilusão de sua onisciência e onipotência, tudo prevendo, tudo organizando. Porque nem toda atividade social se deixa organizar, e nem mesmo quando chega a ser organizada podem-se prever todas as suas peculiaridades. Homens, ilustra Hermann Heller, não podem ter toda sua vida organizada, não são tijolos, e mesmo estes, quando se quer ordená-los, precisam ver respeitadas propriedades de leis naturais 66 • Recebo a convicção de Heller. Sociedade não é uma convenção, pela qual pessoas se colocam ao lado de outras para um fim casualmente comum, como, por exemplo, numa sociedade por ações. Ao contrário, é a sociedade-comunidade um estar-com-o-outro e pelo-
Uma ordem jurídica é legítima, na forma de como ela igualmente assegura aos cidadãos as bases da autonomia da ação privada e
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DIREITO E A ÜRDEM SOCIAL
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Habermas, Faktizitat, cit., p. 51-52.
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Habermas, Faktizitat, cit., p. 492-493.
"Hermann Heller, Staatslehre, in Gesammelte Schriften, M. Drath et ai. (org.), v. 3, p. 185.
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outro. Pessoas são ligadas por laços menos conscientes, tais como terra, cultura, destinos, atuação conjunta e interdependente. Desta união desenvolve-se a existência individual. Basta lembrar que o eu e a sociedade somente existem e permanecem à medida que se nutrem um ao outro. "Assim, somente quando o indivíduo de antemão atua com e através da comunidade estando nela incorporado, e quando a comunidade, por sua vez, é reconhecida no e com os indivíduos como real e viva, fica diminuída a funcionalização (subsunção de um ao outro como um estando em função do outro) de um ao outro e fica clara a verdadeira estrutura da realidade social" 67 •
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O conceito de "ação comunicativa" de Habermas traz consigo a compreensão lingüística como mecanismo da coordenação da ação, e implica também a submissão dos atores, que orientam suas ações em pretensões de validade, à imediata relevância na construção e manutenção da ordem social. A tensão entre facticidade e validade existente na linguagem reproduz-se na integração comunicativa do indivíduo, e nela deve ser eliminada, pois parte-se da premissa de que a linguagem é a fonte primária de toda integração social 68 • A racionalidade de estruturas de comunicação - e por conseguinte de estruturas normativas - é capaz de integrar numa generalização e abstração ideológicas os conflitos sociais e reformulá-los numa composição racional pela linguagem. "Em contextos de ação social, a racionalização dos meios e da escolha dos mesmos significa um incremento das forças produtivas" 69 • Aqui Habermas acena que o direito, ao desenvolver uma normatização das atividades, dedica-se à regulamentação dos meios, deixando a escolha dos fins à gama de relacionamentos próprios ao mundo da vida. A ordem só é possível na escolha dos meios, não na determinação dos fins. A racionalização habermasiana cancela as relações de violência, pois, embora tencionada, a sociedade tende à composição e não à destruição. A sociedade em todas as suas contradições passa a ser administrada (verwaltete
67
Hermann Heller, Staatslehre, cit., p. 195: "Denn nur indem mandas Individuum von vornherein ais mit und durch die Gemeinschaft erweckt und in sie eingegliedert, die Gemeinschaft aber ais in und mit den Individuen lebendig und wirklich erkennt, vermeidet man die Funktionalisierung des einen durch das ander und wird der wahren Struktur der gesellschaftlichen Wirklichkeit gerecht". 68 69
Ver J. Habermas, Faktizitdt, cit., p. 33-41. J. Habermas, La reconstrucción de[ materialismo histórico, p. 32.
Gesellschaft) obtendo uma sociedade sem oposição e um espírito reificado, como observou seu colega Adorno 70 • Nesse contexto, o direito atua assegurando os instrumentos necessários a esta convivência. É válido apresentar mais uma passagem daquele filósofo sobre a racionalidade do direito moderno: "As estruturas de racionalidade do direito moderno [... ] se manifestam relacionadas com a racionalidade da ação dos sujeitos jurídicos e não com a racionalidade sistémica da circulação econômica, junto à qual este direito moderno desempenha funções" 71 • Assim, para Habermas, integração social é a base da ordem social, uma fusão estabilizadora de facticidade e validade 72 • Neste processo de integração a norma jurídica desenvolve seu papel juntamente com outros modos sociais de ação comunicativa. Para reconhecimento da norma jurídica como instrumento de integra-
711
Apud Olgária Matos, Os arcanos do inteiramente outro, p. 14.
71
"Así, las estructuras de racionalidad dei derecho moderno [... ] se manifiestan en relación con la racionalidad de la acción de los sujetos jurídicos y no con la racionalidad sistémica de la circulación económica, respecto a la cual cumple funciones este derecho moderno" (J. Habermas, La reconstrucción, cit., p. 233). 1
i "Stabilisierende Verschmelzung von Faktizitãt und Geltung" (J. Habermas, Faktizitdt, cit., p. 37). Nota sobre a palavra facticidade. Segundo o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, "facticidade" é o caráter próprio da condição humana pelo qual cada homem se encontra sempre já comprometido com uma situação não escolhida. O Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa aproxima "factício" de "fato": coisa ou ação feita, o que realmente existe. A facticidade da norma refere-se às condições de realização da norma. Diz respeito a sua força injuntiva. Nota sobre a tradução da palavra "Geltung". Optei pelo substantivo "validade" e não vigência por aquele abranger este e não se reduzir à vigência formal da norma. Validade remete a valor. Este aqui também não é "Werte" - valor material - porém está voltado ao sentido abstrato de valoração (preocupação axiológica). Poderia bem ter utilizado o substantivo "valor" para afastar a redução do sentido de "validade", misturando-o com o de "Gültigkeit", que está voltado mais à preocupação de "surtir efeito", "ser válido". "Geltung" aqui contém também este último sentido, porém sobretudo remete à existência de valores que sustentam as normas e não apenas diz respeito à validade da norma como tradicionalmente é entendida - aquela norma que preenche os requisitos legais para produzir efeitos. Uma norma que apresenta "validade" (Geltung) deve conter, além dos requisitos formais, os valores legitimadores do conteúdo da norma. A ciência desta complexidade é essencial. Isto posto, quando me refiro a "validade da norma", adoto o sentido complexo acima referido.
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ção social, ou seja, do valor de uma pretensão normativa, além da pressão coercitiva da norma que age por fora restringindo os campos de ação numa função estabilizadora de expectativas do comportamento social, é necessário um contexto compatível à realização desse 'tex. to. A linguagem isolada, como no livro de um código jurídico, tem uma gama imensa de dissenso, necessitando a presença sempre mais enérgica de seu aspecto sancionador, para impor mediante força o preceituado. Seu grau de contextualização, ou seja, sua inserção no mundo da vida (Lebenswelt), fonte básica do trabalho interpretativo, é o que permite aferir o seu valor, que, em última análise, independe de seu grau de coerção, porém de sua aceitação e reclamo na sociedade.
A ordem social assenta seus alicerces no reconhecimento da pretensão de validade da norma jurídica. O sentido da norma constitucional, partindo-se da idéia de 1789, seria o da realização do Estado de Direito, com a devida fixação e organização do Estado Liberal na forma de uma lei. Somente com a submissão da organização do Estado à lei pôde-se oferecer a garantia da liberdade de acordo com a lei, baluarte do Estado de Direito. Esta função da Constituição aceita na forma de lei pode e pôde naturalmente ser eficaz, quando a forma de lei da Constituição é tomada com seriedade. Como lei, submete a Constituição seu conteúdo à interpretação. Com isto, pode-se comprovar o sentido da Constituição e controlar a sua execução. Sua estabilidade resulta dos limites extraídos da interpretação da norma constitucional pela análise de seu objeto 73 • Isto é, a sua aceitação e respeito na sociedade está vinculada à facticidade do texto normativo, quer dizer às condições objetivas que ele apresenta de efetivação na sociedade. O Estado de Direito burguês é realizado sobretudo nas suas estruturas74. O desenvolvimento das forças produtivas reclama uma previsibilidade e racionalidade nas estruturas que alimentam a circulação econômica. Este Estado regido pela Constituição escrita é cego a particularidades, e portanto não persegue esta ou aquela pessoa, porém tem como objetivo proteger os fatores dominantes da socieda-
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Probleme der Ver(assungsinterpretation, p. 52. 74 Estrutura social é formada pelas instituições e atividades sociais que atribuem a
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determinada sociedade seu caráter, tais como o regime econômico, o direito, a organização política. ·
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Embora seja tarefa essencial ao direito fixar as linhas das estruturas sociais, ele vem assumindo sempre com maior intensidade uma postura de ordenação de situações conjunturais, o que lhe impregna também uma função de instrumento implementador das políticas públicas, revelando atualmente o lado funcional do direito paralelamente ao seu conteúdo estrutural. Pois, se, por um lado, fixa e ordena as estruturas básicas de desenvolvimento de uma sociedade, por outro, impõe constantemente ações que visam a determinado objetivo social. Assim, Jeameaud: "Cumpre para tanto não nos contentarmos em determinar as funções estruturadoras e reguladoras do direito nas relações sociais, mas sim procurarmos compreender como os mecanismos e as representações jurídicas organizam e regulam as relações empíricas dos indivíduos, grupos específicos e classes dentro de sociedades históricas" 76 • Essa dupla instrumenta/idade do direito 77 engendra uma falsa imagem de crise do direito. Instrumento de implementação de políticas públicas, deixa ele, por um lado, de regular exclusivamente situações estruturais, passando a ordenar situações conjunturais. O direito é sempre fruto de determinada cultura. Ele é nível da própria realidade, é elemento constitutivo do modo de produção social. Logo, no modo de produção capitalista, tal qual em qualquer outro modo de produção, o direito atua também como instrumento de mudança social, interagindo com todos os demais níveis - ou estruturas regionais - da estrutura social global7 8 • Finalizando, o direito não pode levar o estigma de "xerife" da sociedade, pois tem uma atuação ambivalente apontada neste capítulo. Seja por cumprir um papel tanto na repressão como na garantia de liberdade, seja por atuar tanto na fixação de estruturas sociais como por realizar o mister de implementar políticas públicas. Esta ambivalência afasta a idéia de segmentação do direito, seu isolamento da sociedade, sua independência e total abstração e generalidade, sua inércia diante das realizações nas demais esferas da sociedade.
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de burguesa, a fim de que a sua dinâmica de desenvolvimento econômico não seja prejudicada 75 •
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Cf. Friedrich Müller, ]uristische Methodik, cit., p. 90.
'• Apud E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 17. " Expressão utilizada por Eros R. Grau em A ordem econômica, cit., p. 30 e s. 11
E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 20.
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O direito não é escrito para os seus profissionais, tanto que o conhecimento do direito por todos os integrantes da sociedade é um pressuposto fictício vital para sua atuação coercitiva. A realização da cidadania, em contrapartida, reclama um real conhecimento do direito, não.pelo temor ao seu poder repressivo, mas para a consciência da amplitude da ação modificadora e mobilizadora da vida social dos cidadãos. Determinadas normas, à medida que são apresentadas à sociedade, causam um impacto muito mais amplo que propriamente o temor ao seu desrespeito. Elas são capazes de instrumentalizar ações intersubjetivas pelo poder conscientizador que exercitam. Elas apresentam possibilidades. Traduzem a materialização de um pensamento e da vontade desta sociedade (seus grupos ou na sua totalidade) trazidas à administração (proteção) das instituições. A formação do texto normativo é reveladora, à medida que desvela anseios e expectativas .ao declarar e assegurar a proteção e o reconhecimento público de um interesse presente na sociedade.
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Imersa nesta globalidade, parto para o estudo do texto do capítulo do meio ambiente na Constituição Federal. Para melhor abalizar meu pensamento, abordo preliminarmente a relação entre direito econômico e direito ambiental, procurando argumentar pela indissociabilidade de ambos, especialmente no que concerne à interpretação da ordem econômica e da ordem ambiental descritas na Constituição de 1988. Analiso a estréia de um capítulo sobre o meio ambiente na Constituição brasileira, que traz consigo princípios inéditos no ordenamento jurídico, os quais são capazes de exercer modificações substanciais no desenvolvimento da ordem social, seja pela orientação de trabalhos legislativos complementares, seja na fundamentação de decisões judiciárias, seja também no seu papel declarador à sociedade de possibilidades asseguradas pelo direito. O exercício comunicativo de estabilização social conta com o direito, cabedal informativo dos atos sociais, que desenvolve uma trilha própria de discussão, via inclusive capaz de orientar novas éticas. Procuro com esta investida teórica situar o direito no conflito de nosso tempo, numa tentativa de superar as visões sistémicas compartimentadas79. A meu ver, é a única forma de convalidar uma ética
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Apel denuncia este desvio do pensamento humano: "Pela perspectiva de uma teoria sistêmico-funcional, orientada pela biologia, mostra-se que nos envenenamos
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presente na gênese das preocupações norteadoras do Estado Social de Direito: uma "ética de responsabilidade solidária da humanidade"80. A conscientização deste movimento global integrado do direito afasta o erro procedimental grave de observação do direito apartado da dinâmica social, especialmente quando se faz a análise dos problemas da área ecológica e procura-se decidir visando saná-los ou preveni-los. Como fator econômico ou como elemento constitutivo da personalidade dos indivíduos e da sociedade, as questões referentes aos recursos naturais estão inseridas nos conflitos sociais, e sem eles não podem ser tratadas. Desta evidência não se furta a norma ambiental. Sua aplicação deve considerar todo o ordenamento jurídico. A realização do capítulo sobre o meio ambiente na Constituição Federal está relacionada com a efetivação da ordem jurídica como um todo. Caso contrário, desenvolveremos discursos floridos de ideais metafísicos sem qualquer base concreta e pouca plausibilidade de realização, pairando no éter das idéias compostas tão-somente para não serem praticadas. Num intermezzo entre o estudo dos elementos constitutivos do direito econômico e do direito ambiental e sua interação, e os preceitos constitucionais propriamente ditos, procederei à abordagem, um tanto árida para os juristas, porém indispensável, de aspectos de economia e de suas particularidades reunidas na derivação denominada economia ambiental. Esta abordagem revela-se fundamental, pois de tais teorias econômicas são tomados conceitos e elementos constituidores das normas ambientais. Descreve o direito, a seu modo, a organização produtiva de uma sociedade. As normas jurídicas são a face coercitiva e incentivadora ou inibidora do desenvolvimento das relações econômicas e sociais,
lté o momento a fim de impor as finalidades construídas subjetivamente no relacionamento aos sistemas funcionais quase-finalistas, que sem a nossa participação pertencem à natureza e servem à vida da espécie humana''. "Aus der Perspektive einer biologisch orientierten funktionalen Systemtheorie aeigte sich, daR wir es bisher weitgehend versãumt haben, unsere subjektiven Zwecksetzungen selbst in Beziehung zu setzen zu den quasi-zweckmãfügen Funktions1y1temen, die ohne unserer Zutun in der Natur bestehen und das Leben der menschlichen Gattung mitbedingen. (Der Triumph des mechanistischen Denkens in der Neuzeit und die Verketzerung alies objektiv-teleologischen denkens dürfte an dieltm Versãumnis nicht unschuldig sein)" (Karl-Otto Apel, Diskurs, cit., p. 18). 11111-:xpressão de Karl-Otto Apel, Diskurs, cit., p. 16.
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bem como a sua linguagem jurídica. A compreensão dos princípios da ordem econômica e ambiental e a correta orientação para o desenvolvimento de políticas públicas apontadas pela norma jurídica encon-. tram nessas teorias rico manancial, possibilitando viabilizar a utiliza- · ção eficiente dos meios para se atingir os fins colimados. É do movimento das práticas econômicas lá identificadas que retiram inspiração os políticos e juristas na realização do direito ambiental, seja do ponto de vista da prática legislativa, seja daquele de elaboração de políticas públicas.
CAPÍTULO
Portanto, deixo-me persuadir a ousar uma viagem pelos aspectos da teoria econômica, porque mediante sua compreensão podem fluir com maior agilidade as normas jurídicas. O que opero é uma busca da raiz teórica que suporta os preceitos normativos, ao mesmo tempo que chamo a atenção para a complexidade de fatores que envolve uma acurada interpretação do texto normativo. Pois, para a prática interpretativa, deve-se ir além do texto cru que nada mais é que uma organização lógica - processo mental de organização de idéias. E a realidade não é lógica.
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II Direito Econômico e Direito Ambiental
DIREITO ECONÔMICO
1.1 Direito Econômico e Política Econômica Trazendo o fio da "ética de responsabilidade solidária" de Apel 81 para o direito econômico, procurando marcar no labirinto das teorias e opiniões um caminho próprio, verificarei em que sentido o moderno direito econômico brasileiro está comprometido com o interesse social e a consecução do bem-estar coletivo. Se se tomam como alavanca do surgimento do direito moderno os acontecimentos da Revolução Francesa, pode-se afirmar que, dentre os princípios fundadores desta sociedade burguesa, o dominante é o da liberdade de iniciativa econômica e o da propriedade privada dos meios de produção. Estes princípios conduziram à formação do direito positivo econômico. Toda teoria de direito é uma teoria política e toda teoria de direito econômico é uma teoria de política econômica. Direito econômico é a normatização da política econômica como meio de dirigir, implementar, organizar e coordenar práticas econômicas, tendo em vista uma finalidade ou várias e procurando compatibilizar fins conflituosos dentro de uma orientação macroeconômica. Em primeiro plano está o funcionamento do todo e não a regulamentação do comportamento individual isolado 82 • Nesse senti-
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A contradição imanente ao sistema econômico capitalista tem sua redenção reivindicada no direito econômico, que, por meio de normas, procura ordenar os comportamentos dentro de um âmbito próprio (uma esfera comunicativa própria do direito). Assim, se não é possível prever os atos com que a realidade pode surpreender a teoria, delimita-se um campo com pilares definidos, restringindo-se as variáveis possíveis ao atendimento de princípios e valores de uma sociedade, previstos na norma jurídica. Tal não impede um uso inovador do direito, uma vez que a maleabilidade permitida pelo sistema tem de ~r necessariamente grande para não levá-lo a sua própria negação. O uso do direito poderá tanto reafirmar o sistema como agir subversivamente, produzindo um "discurso alternativo do direito" 83 • A plasticidade das normas jurídicas que dispõem sobre a ordem econômica assegura a inserção no âmbito jurídico do tratamento das tensões e divergências sociais. É uma escolha entre a mudança pela instituição social existente, ou seja, o direito, ou uma revolução (aqui compreendida como transformação da ordem reinante com a destruição de toda estrutura social preexistente). Tendo em mente esta capacidade de ajuste do direito, afirma Habermas que a relação entre direito e economia é comunicativa e livre em relação a instituições e parâmetros preexistentes, podendo tirar até conseqüências "anarquistas", no sentido de possibilitar mudanças das instituições com vistas a garantir uma verdadeira relação entre Estado de Direito e garantia de efetiva liberdade 84 • Política econômica e conseqüentemente direito econômico relacionam-se com a organização da economia e com a direção (orientação) do processo econômico. Por isso é tão fundamental a compreensão do nosso processo econômico como ponto de partida do estudo do direito
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econômico. Em outras palavras, impõe-se ao estudioso do direito econômico a compreensão da ordem econômica a que se refere o direito. ·,.~
Conforme afirma o professor Washington Albino Peluso de Souza, as normas de direito econômico versam obrigatoriamente sobre a realidade econômica, do ponto de vista da política econômica 85 • Esta relação da norma com a política, se por um lado confere à norma um caráter dinâmico e maleável, que ajusta e ao mesmo tempo é ajustado pela política, por outro lado, apresenta limites reciprocamente outorgados. A norma funda-se em base de valores constitucionalmente construídos, que respondem à estrutura do sistema econômico dominante na sociedade. Assim, a referência às normas de ordem econômica traz subjacente a afirmação de um determinado sistema econômico 86 , específico de um país, e necessariamente vinculado ao sistema econômico mundial no qual esse sistema específico se insere. Entende Mertens por ordem econômica as estruturas dominantes de um sistema econômico, independentemente do fato de ela estar ou não legalmente fixada 87 • Stober procura aclarar a idéia de ordem econômica. Seu significado pode estar ligado a determinações da ciência econômica, pode apresentar também um significado jurídico, sem afastar o conteúdo histórico-social. Sob o aspecto econômico, significa o relacionamento conjunto da produção de bens e prestação de serviços pensados como sistema econômico, estilo econômico ou está-
"' Washington Albino Peluso de Souza, Primeiras linhas de direito econômico, p. 36.
"Einen anarchistischen Kern hat freilich jenes Potential entfesselter kommunikativer Freiheiten, von dem die Institutionen des demokratischen Rechtsstaats zehren müssen, wenn sie gleiche subjektive Freiheiten effektiv gewãhrleisten sollen" (J. Habermas, Faktizitdt, cit., p.10). ·
'" Sistema econômico é caracterizado segundo a relação dos seus elementos na produção. Vital Moreira distingue forma econômica de sistema econômico, entendendo aquela em síntese como os aspectos conjunturais do sistema. Assim, "por forma econômica designam-se os modos típicos de manifestação de um determinado sistema diferenciados de acordo com vários critérios: forma e dimensão da unidade de produção, desenvolvimento das forças produtivas, organização dos sujeitos econômicos, modo de coordenação etc. [... ] A noção de forma econômica é, pois, uma qualificação do conceito de sistema econômico". Os sistemas são construções teóricas destacadas da realidade. A economia concretamente é a realização de um ou mais sistemas, de uma (ou mais) formas econômicas. "Efetivamente, uma economia concreta não é, em geral, a realização de um único sistema ou forma, antes é a combinação de vários, um dos quais contudo é dominante, subordinando os outros. E é nessa medida - enquanto 'expressão' de um sistema econômico ou forma econômica - que uma economia concreta possui uma estrutura ordenadora, uma ordem econômica" (Vital Moreira, Economia e Constituição, p. 48-49). 7 ' H.]. Mertens, Wirtschaftsrecht, cit., p. 193.
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A expressão é de E. R. Grau, A dupla desestruturação, cit., p. 2.
84
gio econômico. A ordem econômica no sentido jurídico é composta por determinações da Constituição (constituição econômica) ou de normas ordinárias, sobre a organização da vida econômica. Contudo, para construir a ordem econômica no sentido jurídico, não é decisivo que a's normas 'Se refiram de modo imediato à atividade econômica, ou que estejam necessariamente agrupadas em um capítulo específico do ordenamento jurídico que trate da ordem econômica. O que caracteriza as normas que dispõem sobre a ordem econômica é o seu conteúdo capaz de influenciar a vida econômica 88 • As normas do direito da ordem econômica deixam-se agrupar pela sua característica de conteúdo, fora do quadro jurídico esboçado. Isto é, não se encontram necessariamente normas sobre a ordem econômica apenas nas leis que se declaram como tal ou, no âmbito constitucional, no título denominado "da ordem econômica e financeira". É característico do conteúdo dessas normas a presença de elementos destinados a garantir o trânsito ·de bens e serviços, aptos a desempenhar a tarefa de assegurar a paz social, por intermédio da paz econômica. Desde pelo menos Max Weber, tem-se assentado que a relação entre economia e sociedade está amparada pela lei que, por sua vez, institui uma administração burocrática para seu devido funcionamento. É nesse sentido que se destaca a percuciente afirmação do professor Grau: "A igualdade (perante a lei) e a universalidade das formas jurídicas, arrematadas na sujeição de todos ao domínio da lei (legalidade), é fundamental à estruturação desse modo de produção [capitalista]". " ... as qualidades formais típicas do direito moderno são capazes de assegurar a calculabilidade reclamada pelo capitalismo" 89 • Esses regulamentos legais são os meios para redistribuição na sociedade industrial. A necessidade da sociedade industrial de regulamentação jurídica é enorme. O ajustamento destas normas às necessidades existentes é uma permanente busca do processo normativo 90 •
Nesse sentido, Pinto Antunes afirma que, "em verdade, em todos os tempos, o fator econômico constitui a força geradora de novas normas jurídicas" 91 • Acrescenta ainda o professor Grau: "A norma que surge dos fatos, acaba por condicioná-los. Por este raciocínio, encontramos também o professor Reale que afirma haver um processo de interação dialética entre o econômico e o jurídico" 92 • Direito econômico pode ser compreendido como instrumento de política econômica e como um direito político, quando se reconhece como política o esforço na realização efetiva da totalidade das relações sociais e, com isto, do conjunto das relações econômicas. Em suma, o direito econômico deixa-se definir como aquela parte da ordem jurídica que não se satisfaz em combater os problemas e infrações advindos da prática da ordem econômica existente, porém, muito mais, procura ele realizar aquela ordem econômica, especificamente visando à implementação dos objetivos de uma sociedade e a uma efetiva justiça, com isto afastando motivos de contenda 93 • A instrumentalidade do direito econômico em relação aos processos econômicos não deve conduzir a redução do direito econômico a mera condição de servidor da economia. O direito econômico não pode renunciar à realização da idéia de justiça e, conseqüentemente, a influir na conformação das relações sociais, neste caso da ordenação da economia 94 • Nesta corrente segue Steindorff, ao procurar afastar a falácia da subordinação do direito à economia, ou de sua posição como reflexo incondicional da realidade, e ao reiterar em contrapartida este processo de interação dialética entre o jurídico e as demais manifestações da sociedade (inclusive a econômica). Segundo ele, a ordem jurídica é nutrida pelos relacionamentos sociais. Porém, a ordem jurídica tem por mister, na resolução de casos conflitantes e no combate a situações irregulares, atuar também contra ações sociais para a realização da justiça 95 •
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Apud E. R. Grau, Direito: sua formação e os fatos econômicos, ]ustitia, v. 86,
p. 7-8. 88
Cf. Rolf Stober, Handbuch des Wirtschafts-verwaltungs- und Umweltrechts, p. 10-11. Sobre o conceito de constituição econômica, ver R. Stober, Handbuch, cit., p. 10-11. Ver também E. R. Grau, sobre distinção entre ordem econômica formal e material, A ordem econômica, cit., p. 80 e s. 89
E. R. Grau, A dupla desestruturação, cit., p. 4.
90
Ernst Forsthoff, Der Staat der Industriegesellschaft, p. 51.
40
u Direito, cit., p. 7-8. '·' Ernst Steindorff, Einführung in das Wirtschaftsrecht der Bundesrepublik Deutschland, p. 7. "" Eduardo Galán Corona no prólogo à edição espanhola, in Norbert Reich, Mercado y derecho, p. 15. •• E. Steindorff, Einführung, cit., p. 3.
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O direito econômico, condenado à dinâmica de ajustes exposta adrede, está constantemente exigindo seu redimensionamento social. Requer sempre renovadas regras de comportamento, delimitando a esfera de interesse individual, as realizações futuras de coordenação e organização de ações, orientando objetivos e apresentando meios para a resolução dos objetivos conflitantes. Nesse sentido ressalta Farjat a predominância do aspecto conjuntural do direito econômico. Segundo ele, o direito deve ser contingente a cada estágio do desenvolvimento e por isso temos o dever de reexaminar permanentemente a razão do nosso direito econômico positivo 96 • Não se deve confundir, reitero, a relação do sistema econômico com a formação do direito econômico como mera economização do direito. A análise dos aspectos econômicos de uma sociedade é importante para a identificação, em todas as suas conseqüências, do ponto de partida do direito econômico, o porquê e o para quê de sua existência. Sendo o direito econômico formado pela ordem econômica reinante numa sociedade, ao mesmo tempo em que a conforma, faz com que um direito econômico na antiga economia socialista não seja o mesmo de um país da Europa Ocidental, que, por sua vez, não se assemelha com o dos Estados Unidos, e, muito menos, com o direito econômico de um país tão cheio de contradições como o Brasil. Portanto, o direito que aqui se estuda é um específico direito envolvido com uma particular situação histórica que é o direito brasileiro. É por isso que afirmo que critérios político-econômicos podem influir de modo decisivo em questões aparentemente jurídicas. Decisões jurídicas, que não teriam nenhuma primeira intenção em política econômica, podem, porém, resultar em nítidos efeitos diretos sobre ela. Mertens chega a afirmar que: "Se se observa o conjunto de todas as ações no âmbito social como integrante de um sistema social, então pode-se falar que existe um subsistema economia no interior desse sistema. Cada regulamentação econômica deve ter em conta ao mesmo tempo o problema de integração das ações econômicas no conjunto das ações sociais" 97 • Da mesma forma que a produção não é possível de ser observada e modificada sob aspectos inteira e puramente econômicos - pois fatores culturais, históricos e naturais, ou seja, características específi-
cas das relações que envolvem a sociedade, hão de ser observados - , o direito econômico não deve ser visto como o direito da economia 98 • A produção econômica não é isolada da produção da vida social. É parte essencial de sua formação. Por isso, quando faço alusão à produção ou modo de produção de determinada sociedade não me refiro à mera elaboração e circulação de bens. Trata-se da produção da vida social como um todo, onde a produção de mercadorias desempenha um papel fundamental, porém não único, influenciando e sendo influenciada pelas demais atividades sociais. Não é demasiado reiterar que a realidade é um todo complexo inter-relacionado. O isolamento dos fenômenos sociais é uma simplificação mental que, enquanto fragmentada, não possui qualquer identidade com a realidade, pois o "concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso" 99 • O direito, logo o direito econômico, manifesta determinado modo de ser social compondo e sendo composto por este todo complexo que é a realidade.
1.2 A Dinâmica do Direito Econômico Direito econômico concretiza-se pelo constante esforço em direção à melhoria da organização e planejamento da economia, e por isso só pode ser concebível como um processo. Steindorff justifica a criação de um ramo específico do direito denominado direito econômico, por nele se agruparem normas que possuem a tarefa específica de fornecer o instrumental necessário para direcionar o mercado e a concorrência, como também de traçar disposições aptas a elaborar uma ordem na economia de mercado 100 • O direito econômico orienta-se em função dos princípios informadores do sistema econômico, dispondo, para a otimização deste, os instrumentos jurídicos apropriados. Esta instrumentalidade, que não converte as instituições jurídicas em instituições econômicas, dá lugar a uma frutífera inter-relação entre pensamento jurídico e pensamento econômico, o que põe de
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Gérard Farjat et Bernard Remiche, Liberté et droit économique, p. 15. H. J. Mertens, Wirtschaftsrecht, cit., p. 23.
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•H Sobre esta distinção ver Gérard Farjat, Droit économique, cit., p. 368. ••Karl Marx, Para a crítica da economia política, in Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos, p. 16. 11111
E. Steindorff, Einführung, cit., p. 4.
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manifesto a correspondência da realidade econômica com sua ordenação normativa. Este inter-relacionamento torna possível o avanço do direito, ao mesmo tempo em que obriga a pertinente reforma na atuação da economia, ou a formação de novas instituições jurídicas correspondentes: Pois o direito se nutre dos relacionamentos sociais, conseqüentemente das relações econômicas, e ele não apenas os reafirma como também os produz.
Vale citar a conclusão a que chega Steindorff quanto à linha filosófica que segue hoje o direito econômico: "Chego à conclusão que o direito econômico no seu estado atual, está apto a seguir uma via que poderia ser qualificada de hegeliana, na medida em que ele não garante simplesmente liberdades individuais, limitandoas perante liberdades concorrentes. Esta via visa, antes, uma definição endógena das liberdades com base na razão.[ ... ] É preciso admitir que as razões são múltiplas, o que implica na renúncia da idéia que um filósofo ou um comitê central possa definir a razão. A política, a ciência e a experiência devem aceitar que é preciso organizar sistemas racionais de direito econômico aos quais se submeterão as liberdades individuais. Mas estes sistemas devem não somente garantir mas exercer a liberdade de questionar os sistemas em vigor para os reformar. Podemos, como juristas, acordar sobre este ponto com Hegel, que nos ensina que o direito deve ser contingente a cada estado do desenvolvimento da história" (E. Steindorff, Liberté - égalité: opposition ou complémentarité?, in Gérard Farjat_ e B. Remiche, Liberté et droit économique, p. 80-81).
direito econômico deve, como uma norma social, que é a norma jurídica, garantir tais interesses. A natureza pública das suas normas e os poderes privados a que se dirigem formam os dois pólos do direito econômico. O direito é concebido na sua relação com a economia como um instrumento de sua efetivação e, ao mesmo tempo, como meio de seu direcionamento. O direito econômico, como garantidor das relações econômicas, apresenta os meios de realização da atividade econômica pelos seus sujeitos bem como regulamenta a relação entre eles. Como direcionador da atividade econômica, produz seus efeitos tanto num nível macroeconômico como na área mais imediata da atividade dos sujeitos. No cumprimento deste seu papel orientador da atividade econômica, atua o direito perseguindo duas finalidades gerais: por um lado defende os valores básicos do direito, expostos nos princípios constitucionais de liberdade, igualdade de oportunidades e justiça social; por outro, dispõe sobre objetivos de política e prática econômica, perseguindo principalmente eficiência da economia. Esta sua ligação com os processos econômicos permite que se estruture o direito econômico em parte geral e parte especial. Na parte geral, trata o direito econômico das bases, exigências e condições de desenvolvimento da política da ordem econômica. Num segundo momento, a parte especial, o direito concentra-se nos aspectos, mecanismos e instrumentos mais setoriais da política econômica. Em linguagem econômica, poderíamos afirmar que o direito econômico é composto por normas que tratam de microeconomia e de macroeconomia. O direito econômico, afirma Carl Ott, revela-se como um novo tipo de direito, aquele que fornece o instrumental para a aplicação de programas políticos e que dispõe sobre o direcionamento de processos organizacionais. Ele procura as condições para garantir a sua própria efetividade e, portanto, afasta-se progressivamente da base mais primitiva dos mecanismos de sanção e desata-se da dependência da tradicional estrutura de organização. O direito econômico organiza, no seu próprio âmbito, a sua forma imediata de implementação por meio de seus instrumentos e instituições administrativas e da interdependência organizacional entre os destinatários da norma. As tensões e incongruências resultantes do confronto de interesses entre o staff administrativo, de um lado, e os poderes priva-
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Aquela imanente dinâmica do direito econômico torna impossível a aplicação das teorias estáticas tradicionais que pretenderam fazer do direito um quadro de regras fixas num sistema próprio e independente101. O direito unicamente como um sistema de regras não se aplica ao direito econômico. Ele só realiza plenamente suas potencialidades à medida que trabalha com as normas de prática econômica, que, por sua vez, somente podem ser compreendidas como prática · social, pois aquela é parte deste todo. Como tal, a sua diversidade e necessidade de constante ajustamento é tão freqüente quanto as mudanças das relações sociais. Ou até mais, pois está na sua essência a função modificadora destas práticas econômicas, para eficácia de tais relações, atuando necessariamente com uma rapidez que as relações de mercado, por si, não permitem. Não se pode exigir que o mercado tenha uma visão social, pois a sua visão é preponderantemente de vantagem individual própria (lucro). Sem este anima não há mercado. Porém, não é a soma das vontades individuais que forma a vontade coletiva. São necessários instrumentos que resguardem e promovam uma atitude social. E o
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dos, de outro, conduzem ao encadeamento de um complexo sistema de direcionamento 102 • Assentando-se o direito econômico no quadro até o momento descrit9, torna-st; impossível enquadrá-lo na clássica divisão de direito público e privado, e também tornam-se inapropriadas as distinções clássicas entre direito civil e administrativo, como forma de delimitar juridicamente as relações entre Estado e cidadão. Devem-se retomar inclusive estas áreas clássicas e estudá-las na sua interação com as normas de direito econômico, o que lhes impregna uma nova forma de atuação social1°3 • Estas áreas misturam-se no direito econômico, seja na efetivação de objetivos de política econômica estatal ou nas medidas de coordenação de planos das empresas visando um efeito futuro. Por isso, é possível afirmar que a compartimentação apresentada, procurando definir um direito econômico, identificando as ca. racterísticas essenciais das normas que o compõem, trazendo os autores mais abalizados em sua defesa, são· bastante pertinentes por responderem a exigências didáticas e de organização teórica, porém uma rígida divisão não pode ser visualizada no mundo da vida. Destarte, não nos devemos surpreender ao termos de aplicar normas previamente classificadas em outros ramos do direito, como de direito administrativo, ou de direito ambiental, ou de direito do consumidor, a situações da ordem econômica.
1.3 Direito Econômico, Política Econômica e Ambiental O direito econômico, como tradução do que há de expresso ou latente numa sociedade, não desenrola uma rota sem conflitos. Ao espelhar as diferenças e divergências sociais ao mesmo tempo que incorpora seu papel político de objetivar o bem comum da sociedade, transita pelas mais distintas esferas de relacionamento social. Assim, justifica-se, e mais, torna-se imprescindível esta dupla dimensão do direito econômico: garantidor da iniciativa econômica privada e implementador do bem-estar social.
102
O direito, de um modo geral, ou o direito econômico especialmente, não se resume em prescrições normativas onde o ideal e o real se separam, constituindo respectivamente o mundo do "dever ser" e o mundo do "ser". Seu conteúdo se mostra muito mais rico. A sua estrutura revela essencialmente âmbitos de atuação, composição, orientação de ação. A moldura proposta por Kelsen, no seu modelo interpretativo, revela-se, nesse sentido, não como circunscrição das opções de adequação do mundo ideal ao real, mas como espaço comunicativo de concretização da norma. Aqui, direito privado e direito público unem-se necessariamente, o que é bastante evidente no campo do direito econômico, onde se torna impossível eleger a organização de direito privado como modelo de direito. É bastante exemplificativa a posição de Assmann: "O decisivo desafio para o direito está na crescente interdependência do Estado e economia, e no fortalecimento da atuação política por meio do direito" 104 • O direito, parte da estrutura social, absorve o que didaticamente se chamaria de âmbito político, ou econômico, realizando, mediante a sua aplicação, a necessária síntese do que nunca, em realidade, se separou. Conforme já argumentei, o direito visa primeiramente à ordem social. Além disso, a ordem da sociedade moderna afasta qualquer amarra porque se realiza, no progresso, um movimento. Pois bem, daqui tenho de admitir que, ao regulamentar as relações econômicas, o direito econômico está atuando sobre relações que trabalham obrigatoriamente com a expansão (lucro, desenvolvimento da produção). Logo, é no direito econômico que se faz mais nítida a necessária plasticidade das normas jurídicas, isto é, a sua capacidade de adaptação conjuntural. Se a finalidade do direito é a paz social, basicamente com a manutenção das estruturas do sistema produtivo com que se relaciona, é forçoso concluir que o direito deve fornecer as condições necessárias para o desenvolvimento. Assim, o direito econômico, ao visar à manutenção do sistema produtivo, trabalha necessariamente com institutos de implementação do desenvolvimento. O direito econômico é então o direito do desenvolvimento econômico.
Apud H.]. Mertens, Wirtschaftsrecht, cit., p. 187.
103
Ver a concepção do direito econômico como método, pçlo professor Eros R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 166-167.
104 Heinz-Dieter Assmann et ai., Wirtschaftsrecht ais Kritik des Privatrechts, p. 340.
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O desenvolvimento, por sua vez, só é pensado e praticado sem que haja uma separação institucional da sociedade em uma esfera econômica e uma esfera política. Esta união é sublinhada por Assmann, quandp afirma que o direito econômico é um instrumento da política econômica. "Deve ser observado como um novo tipo de direito, que serve de instrumental à efetivação de programas de ação política" 105 • Houve uma tentativa de transformar a economia numa ciência exata, filtrando-a, para que permanecessem como seu objeto apenas os movimentos passíveis de serem traduzidos por operações matemáticas. A clássica economia política aparta-se da sociedade, dando lugar à ciência econômica. Ao contrário deste modelo matemático que se pretendeu construir, e que hoje, com as demandas macroeconômicas mais complexas, passa a ser contestado por não conseguir mostrar capacidade suficiente de abordar com eficiência os problemas sociais, dentro de suas equações, retorna-se à idéia de uma economia como prática política. Procura-se revitalizar a prática da política econômica, que tem seus pressupostos assentados nas necessidades dos indivíduos que integram uma sociedade. O direito trabalha com esta teoria, auxiliando a implementação de seus conceitos. Isto faz com que as normas do direito econômico e ambiental tenham na política econômica uma fonte fundamental. A política econômica trabalha necessariamente com a coordenação da atividade de mercado, com a concorrência, com a prestação de serviços do Estado. Ela abraça também questões de caráter ambiental, tais como: reaproveitamento de lixo, exigências de equipamento industrial para uma produção limpa, aproveitamento de recursos naturais, o quanto de reserva natural é desejável e qual seu regime social. São indissociáveis os fundamentos econômicos de uma política ambiental conseqüente e exeqüível. E uma política econômica conseqüente não ignora a necessidade de uma política de proteção dos recursos naturais. Para isto, a economia deve voltar aos seus pressupostos sociais e abandonar qualquer pretensão por uma ciência exata. Pois o que está em jogo não é só a otimização do uso privado de recursos, mas as "externalidades" decorrentes e o modo de como esses recursos são apropriados. A economia política deve distender-se para
111,111,11
105
Heinz-Dieter Assmann et ai., Wirtschaftsrecht, cit., p. 288.
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uma política econômica, que na verdade deve ser denominada de modo mais abrangente como política social. Mediante uma política econômica, pode-se empreender macroplanejamentos que coordenem interesses privados e coletivos, evitando que a realização de um seja a negação do outro, reinserindo a produção dentro de uma finalidade de constituição de riqueza social, voltando-se à melhoria da vida em sociedade 106 • Aqui tenho por situado o direito econômico neste estudo. Passo à análise do que compreendo como direito ambiental.
2
DIREITO E MEIO AMBIENTE
2.1 Premissas de Estudo do Direito Ambiental 2.1.1 Natureza e cultura O estudo da realidade social pressupõe a compreensão da inafastável unidade dialética entre natureza e cultura. Toda formação cultural é inseparável da natureza, com base na qual se desenvolve. Natureza conforma e é conformada pela cultura. De onde se conclui que tantas naturezas teremos quão diversificadas forem as culturas, e, naturalmente pelo raciocínio inverso, as culturas terão matizes diversos, visto que imersas em naturezas diferentes. A presença de temas de política de meio ambiente permeando o direito, atuando sobre políticas públicas e empresariais e movimentos sociais, traz à superfície o que sempre existiu de fato: a indissociabilidade da natureza com a cultura. Com base nisto, é possível compreender a realidade social pelo prisma das "forças socializantes da natureza" (die vergesellschaftende Krafte der Natur), ou seja, pelo modo como cada sociedade se apropria dos recursos naturais e transforma o ambiente em que vive. Não é sem mais que Hermano Heller, jurista da República de Weimar, ao estudar a diversidade de comunidades políticas, concluía poder atribuir-se aos complexos naturais
~ Nesse sentido expõe Jean Bart sobre um movimento dialético liberdade /intervenção, pois ao mesmo tempo que as normas de direito econômico procuram garantir a liberdade de ação individual, traçam medidas de economia dirigida (Perspectives historiques, in G. Farjat e B. Remiche, Liberté et droit économique, p. 31). 10
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um papel fundamental nas diferenças culturais. A cultura deve ser compreendida como gradual continuação da natureza 107, escreve o jurista. E continua: "Conti;a aquele racionalismo que pretende esclarecer qualquer realidade pela razão, precisa ser defendido o ponto de vista, pelo qual a realidade social sempre e acima de tudo é uma unidade dialética de natureza e cultura e permanece constantemente sendo nutrida por uma continuidade cósmica" 1º8 • Isto significa que os elementos da realidade não partem do intelecto humano puramente, mas de relacionamentos com o meio natural e social. Fatalidades naturais como nascimento e morte, fenômenos climáticos e meteorológicos também compõem o ser de uma sociedade. Porém, não somente por meio destes fenômenos naturais implacáveis relaciona-se o homem com a natureza. Muito mais presentes são as atividades sociais em que a natureza é posta a serviço do homem em sua participação social (socialização da natureza), o que não significa necessariamente que o homem a compreenda. Pois, na sociedade moderna, é a natureza um instrumento. Tanto aquilo que apresenta de matéria como suas exigências naturais são compreendidas na exata medida de sua utilidade imediata.
2.1.2 Natureza e meio ambiente A natureza apresenta duplo sentido na percepção humana, seja como fonte da sua produção e reprodução econômica, seja como fator de bem-estar - o homem encontra sua expansão física e psíquica no todo. Nas duas manifestações, a relação homem-natureza é uma relação parte e todo, em que não se pode apartar o homem da natureza, seja pela impossibilidade de sua existência material, seja para seu equilíbrio psíquico. Esse duplo relacionamento - que hoje em dia foi colocado em atrito, excluindo-se mutuamente, pois não coexistem num mesmo espaço área de lazer e área de produção 109 - não é em sua origem con-
107
H. Heller, Staatslehre, cit., p. 168.
108
Staatslehre, cit., p. 167. A relação homem-natureza como condição necessária para sobrevivência material humana e a relação homem-natureza ligada a uma necessidade de equilíbrio 109
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flitante, apenas dois aspectos de uma única relação homem-natureza 110 • Ao torná-los espacialmente excludentes um ao outro, forma-se uma necessidade de escolha e de disposição temporal das atividades designadas como de trabalho e lazer. Tomando-se o fato de que a espécie humana possui um espaço limitado para a expansão de suas atividades (a vontade incomensurável humana tem como última barreira os limites da Terra), a delimitação do que seria matéria (natureza) para o trabalho e matéria (natureza) para o lazer é feita dentro de um universo finito. A imanente necessidade de expansão produtiva da atividade econômica implica a subordinação de toda relação homem-natureza a uma única e suficiente ação apropriativa. Aqui a natureza passa a ser exclusivamente recurso, elemento da produção. E é esta natureza como objeto de apropriação humana que é abordada neste estudo, por isso ser freqüente a utilização da expressão "recurso natural" no seu lugar. Sobre a natureza como fonte de reprodução econômica concentra-se a grande maioria das preocupações, aí residindo as contribuições da economia ambiental ou economia de recursos. A economia ambiental focaliza o papel da natureza como fornecedora de matériaprima ou como receptora de materiais danosos. Dentro desta redu-
e desenvolvimento psíquicos foram dissociadas. Há um tempo e espaço para o trabalho, tradução da primeira relação homem-natureza, e um outro tempo e espaço para o lazer. 11 º Blõhbaum confronta de modo interessante duas palavras semelhantes e que hoje estão, em um meio retórico, apartadas. Diz ele: "Ecologia e economia são dois conceitos, um formado pelos radicais oikos e logos, enquanto que o outro é constituído pelos radicais oikos e nomos. Ambos tratam da casa (oikos). Sobre uma casa deixa-se informar, observar. Sobre a outra trata-se de analisar as regras e interrelações a que está submetida, introduzindo-lhe as leis que são capazes de traduzir seu comportamento. A casa reconhecida pela razão é a casa da natureza, a outra casa por outro lado relaciona-se puramente com o homem, o qual inserido nela necessita de regras e normas, a fim de obter, com o mínimo de dispêndio, o máximo de utilidade. O conceito de economia reporta-se a uma vida parcimoniosa do homem, enquanto que o conceito de ecologia abrange uma teoria ou conhecimento do ser vivo com a sua casa natureza. Nesta perspectiva, a análise inter-relacionada de ambos os conceitos esconde uma certa oposição, uma vez que um toma unicamente o homem e suas regras, normas e necessidade para análise, enquanto que o outro conceito toma todos os seres vivos, no meio dos quais o homem é apenas um deles a se relacionar com a natureza" (Helmut Blõhbaum, Zur Dialetik des ôkologiebegriffs - unter Berücksichtigung des Physisbegriffes bei Aristoteles, p. 17).
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ção, encontramos o sentido de meio ambiente 111 • Assim, meio ambiente deixa-se conceituar como um espaço onde se encontram os recursos naturais, inclusive aqueles já reproduzidos (transformados) ou degenerados (poluídos), como no caso do meio ambiente urbano. · Importante ressaltar que este conceito de meio ambiente não se reduz a ar, água, terra, mas deve ser definido como o conjunto das condições de existência humana, que integra e influencia o relacionamento entre os homens, sua saúde e seu desenvolvimento. O conceito de meio ambiente deriva do movimento da natureza dentro da sociedade moderna: como recurso-elemento e como recurso-local. Sintetizando, este conceito, extremamente novo, tem sua base na contemporânea relação social com a natureza. Justamente por refletir uma - dentre as inúmeras possíveis - relação com a natureza, seu conteúdo torna-se tão pantanoso e turvo, à proporção que as sociedades tornam-se mais complexas e diferenciadas. A possível universalização do conceito de meio ambiente deve-se ao fato de que as sociedades contemporâneas estão, de certo modo, unificadas culturalmente, sobretudo motivadas pela unificação da produção (produção internacionalizada), o que nivela a cultura - e logicamente o modo de relacionar-se com a natureza - das sociedades que integram o mercado mundial. Em resumo, um ponto em comum de onde parte toda sociedade contemporânea seria o seguinte: natureza é recurso (matéria a ser apropriada) natural, e o homem, sujeito apartado do objeto a ser apropriado, não é mais natureza. Sujeito e objeto vivem dois mundos: mundo social e mundo natural. Meio ambiente seria toda a entourage deste solitário sujeito. Não somente a natureza "bruta" em sua forma primitiva é meio ambiente, porém todo o momento de transformação do recurso natural, ou seja, todo movimento deste objeto que circunda o homem, quem sobre ele age com seu poder, querer e saber, construindo o meio ambiente. Meio ambiente é um conceito que deriva do homem e a ele está ligado, porém o homem não o integra. O fato de o homem não constituir o conceito de meio ambiente não significa que este conceito seja menos antropocêntrico, muito pelo contrário,
111
Mesmo aquelas áreas especialmente destinadas a serem conservadas aparecem como uma exceção, um excepcional não-usar ou um usar especial. Sua definição, regulamentação e posição no ordenamento jurídico se realiza tendo como parâmetro a natureza enquanto "recurso para apropriação":
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ele mostra exatamente o poder de subordinação e dominação do "mundo exterior" objeto de ação do "eu ativo". Isto significa que o tratamento legal destinado ao meio ambiente permanece necessariamente numa visão antropocêntrica, porque essa visão está no cerne do conceito de meio ambiente.
2.1.3 A "razão" da norma ambiental A visão humana "homem-medida-máxima" não satisfaz; é ele também medida única, quando se trata de normas jurídicas. Há um total desprezo diante de qualquer dependência humana em relação a uma possível "ordem natural". Natureza como relação humana transforma-se numa subsunção humana, e exclusivamente como tal é tratada pelo direito. O fato de o homem criar conceitos permitiu-lhe o poder de ter a si como referência única - homem-medida-única de todas as coisas. Esta conseqüência da razão iluminista, que permite que o homem se coloque como centro do universo, numa direta substituição a Deus, por Este próprio permitido, ao lhe ter concedido diferencialmente a razão (anima rationales para Bacon), possibilitou-lhe desenvolver uma ética com a qual todo o seu meio pode e deve ser subjugado, para a finalidade de desenvolvimento da sociedade. A natureza, neste contexto já recurso natural, entrega sua substância para a apropriação e compreensão humana. Dá-se então a revolução de Prometeu 112 , que submete a energia divina à atividade dos mortais. Até a Revolução Industrial, as modificações da produção econômica estavam estreitamente ligadas ao grau de conhecimento dos movimentos da natureza - ponto de partida da transformação econômica. Entre os séculos XVI e XVIII, a investigação da natureza deixou o seu puro empirismo. A natureza como matéria em constante transformação, ativo devir, a ser reconhecido pela indagação científica, reduzse a matéria formada, estática. A partir do século XVIII, o conhecimento técnico abandona a investigação da natureza como unidade ativa. A razão técnica desenvolve a eficiência da apropriação e domesticação dos recursos naturais, não mais em sua dinâmica, porém na 1ua matéria formada. Todo movimento só existe agora após a sua
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Cf., infra, Capítulo IV-2.2.1. A ambivalência da técnica.
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"'T" apropriação. Natureza é matéria estática, seu movimento e integração na sociedade realiza-se na exata medida da eficiência da racionalização do uso dos recursos naturais. A sociedade só compreende um tipo de movimento de transformação dos recursos naturais, o proporcion'ado pela indústria, aquele da eficiência oferecido pelo desenvolvimento técnico 113 •
"So wie die von Menschen unabhangigen naturprozesse ihren Wesen nach stofflich-energetische Umsetzungen sind, so fallt auch die menschliche Produktion aus dem Naturzusammenhang nicht heraus. Natur und Gesellschaft sind einander nicht starr entgegengesetzt. Der gesellschaftlich tatige Mensch 'tritt dem Naturstoff selbst ais eine Naturmacht gegenüber.... Indem er durch diese Bewegung auf die Natur auRer ihm wirkt und sie verandert, verandert er zugleich seine eigene Natur'. Der Stoffwechsel hat zum Inhalt, daR die Natur humanisiert, die Menschen naturalisiert werden. Seine Form ist jeweils historisch bestimmt .... Wie die Menschen ihre Wesenskrafte den bearbeiteten Naturdingen einverleiben, so gewinnen umgekehrt die Naturdinge ais im Laufe der Geschichte immer reicher werdende Gebrauchswerte eine neue gesellschaftliche Qualitat" (A. Schmidt, Der Begriff der Natur in der Lehre von Marx, p. 64 ). ·
com o seu meio como um sujeito situado num plano apartado de seu objeto, mais a domesticação da natureza se transforma em pura atividade predatória (Ausbeutung). Neste cenário torna-se sempre maior a necessidade de normas de proteção do meio ambiente. Normas estas que são, evidentemente, sociais, humanas. Destinadas a moderar, racionalizar, enfim a buscar uma "justa medida" na relação do homem com a natureza. É necessário ficar assentado que as normas de proteção do meio ambiente não se destinam necessariamente a modificações radicais da relação homem-natureza. Na maior parte das vezes, tais normas contêm prescrições de caráter quantitativo. Isto é, a preocupação dominante gira em torno do quanto de poluente, quanto de abstenção ou de exploração etc. Retomando o acima exposto, o conceito de meio ambiente, e conseqüentemente a proteção do meio ambiente, só podem ser pensados e articulados dentro da base social onde se desenvolve a relação homem-natureza. É no interior do desenvolvimento industrial-tecnológico moderno que devem ser encontrados os meios de proteção e conservação dos recursos naturais. Pensar em proteção do meio ambiente é uma clara opção pela continuidade desta sociedade. A natureza continua recurso natural, permanece objeto estranho ao sujeito, por ele somente identificada mediante sua apropriação e transformação (a natureza como recurso é evidenciada na medida de sua utilidade). Quanto ao direito, é seu mister a manutenção da ordem social e, por conseguinte, da ordem produtiva. Normatizando-se o modo de apropriação dos recursos naturais, são traçadas as linhas mestras com as quais trabalhará a aplicação do direito. Por meio delas, será acertado o grau de transformação das atividades produtivas. Não se trata de estabelecer a priori uma idéia de modificação substancial da relação com a natureza, mas de fixar normas aptas a instrumentalizar uma ação comunicativa onde se desenvolverá a tensão entre apropriação e conservação dos recursos naturais. Esta dinâmica definida e assegurada pelo direito garante uma adaptabilidade às novas situações, requisito de uma sociedade extremamente instável, permitindo que ele acompanhe esta dinâmica, que efetivamente ocorre. Não se garantindo os meios para que o direito acompanhe a velocidade de mudanças da sociedade, fica ele condenado a caminhar constantemente atrás dos acontecimentos sociais, realizando apenas uma tarefa de polícia, recusando-se a cumprir seu papel político, no sentido de ação constituidora e não apenas corretora.
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Produção industrial é uma reprodução de elementos da natureza. As relações de produção de uma dada sociedade vão determinar como o meio ambiente será apropriado e como vai gerar riqueza. Não há produção sem recursos naturais. Não é privilégio do modo de produção capitalista a destruição das suas bases naturais de reprodução. Como exemplo posso citar a quase-total extinção das florestas primárias européias ainda na Baixa Idade Média, a ávida exploração do Novo Mundo no florescente mercantilismo, bem como a destruição das florestas de cedro ainda pelos navegadores fenícios de mil anos atrás. Quanto mais a relação com a niltureza se dissocia da compreensão de seu movimento intrínseco, quanto mais o homem se relaciona
113
"O conceito de troca material entre homem e natureza desprezado pela razão iluminista é de modo tão rigoroso quanto poético aclarado pelo filósofo da Escola de Frankfurt, Alfred Schmidt. Assim como os processos naturais independentes dos homens são trocas materiais-energéticas, não se afasta a produção humana deste contexto natural. Natureza e sociedade não são rigidamente contrapostas. O homem social ativo contrapõe ao próprio material natural um poder natural. [... ] Na medida em que ele através deste movimento atua sobre a natureza externa a ele e a modifica, modifica ele simultaneamente sua própria natureza. A troca material tem como conteúdo que a natureza humanizada torna o homem naturalizado. Sua forma é determinada historicamenre. [... ] O modo como os homens incorporam os objetos naturais trabalhados, impõe em contrapartida aos objetos naturais no correr da história uma nova qualidade social por valores de uso sempre diversos".
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Aqui está devidamente vincado que a ordem social não se alcança com a imobilidade. Por isso, a explicação do direito como fixador da ordem estabelecida é imprópria. A ele é dado apenas a possibilidade de fixar os caminhos, as metas e os instrumentos fundamentais. 0 manejo dest'es elementos é dado aos integrantes da sociedade. Pois a ordem na sociedade moderna é múltipla, é a ordem do progresso, a que já me referi. O que torna inapropriada a visão da ordem como algo estático, imutável e imediatamente desmistificada pelo direito ambiental (como pelo direito econômico). Dentro da ordem do progresso, marcantes são os conceitos de crescimento e desenvolvimento. Abrangem uma idéia de espaço e tempo e por isso devem ser bem definidos sob pena de terem prejudicada a sua plausibilidade. O eterno e o vazio de sentido material, quando presentes nestas palavras, são uma armação retórica e não são capazes de descrever um movimento real e plausível. Desta forma, as palavras tornam-se ar a ser capturado com as mãos. Tudo pode ser e não ser, e jamais ser realmente compreendido. É preciso reconhecer que esses conceitos de crescimento e desenvolvimento carregam hoje características resultantes de movimentos geográficos que envolvem todos os continentes, tais como os revelados nas relações trabalho-capital, campo-cidade, mercado financeiromercado de mercadorias, natureza-transformação industrial. Todos estes movimentos devem ser analisados em seu contexto para que se possa conceituar desenvolvimento e crescimento, apontando suas premissas, perspectivas e barreiras. O direito ambiental é em si reformador, modificador, pois atinge toda a organização da sociedade atual,. cuja trajetória conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem, o que jamais ocorreu em toda história da humanidade. É um direito que surge para rever e redimensionar conceitos que dispõem sobre a convivência das atividades sociais. Finalmente, as normas ambientais são essencialmente voltadas a uma relação social e não a uma "assistência" à natureza. "O direito ambiental é um direito para o homem. É um direito que deve ver o homem em todas as dimensões de sua humanidade" 114 • Por isso, qualquer
estudo que pretenda analisar a relação entre processos econômicos, ambientais e jurídicos não pode valer-se de teorias abstratas e descompromissadas. O valor real da teoria está em sua realização - a partir do seu contato com a realidade. Assim, deve desenvolver-se dentro de dimensões reais (sociais), formando-se num todo de tempo e espaço. Como todo novo ramo normativo que surge, o direito ambiental responde a um conflito interno da sociedade, interpondo-se no desenvolvimento de seus atos. Dürrenmatt já nos lembrava que, quando uma sociedade entra em conflito com o seu presente, ela produz leis 115 • É exatamente o que ocorre com as normas chamadas de proteção ao meio ambiente. São elas reflexos de uma constatação social paradoxal resumida no seguinte dilema: a sociedade precisa agir dentro de seus pressupostos industriais, porém estes mesmos destinados ao prazer e ao bem-estar podem acarretar desconforto, doenças e miséria. Para o solucionamento deste conflito, desenha-se todo um novo cabedal legislativo, que, uma vez parte do ordenamento jurídico, produzirá efeitos em todos os seus ramos, sobretudo no direito econômico.
2.2 O Conceito de Qualidade de Vida unindo o Direito Econômico ao Direito Ambiental Direito econômico e ambiental não só se interceptam, como comportam, essencialmente, as mesmas preocupações, quais sejam:
totélica por pensadores como Michel Montaigne. Deste meio humano e esta medida humana, que a visão na necessidades pressupõe contínuo 'autolimite' (Illich), afastou-se muito o ser residual da cultura industrial, ruído pelo 'mito da máquina' (Mumford), tornado sem instinto o 'homem unidimensional' (Marcuse). Resgatar Cites meios e medidas humanas - não desprezado o caminho do direito ambiental - será nosso mister". 11
114 No dizer de Mayer-Tasch, "um direito que em grande parte tem sido pautado pela concentração humanista sobre os meios humanos e a medida humana, como foi tematizado na idade de ouro do humanismo europeu em remissão à ética aris
Ein Recht, das in stãrkeren Masse ais bislang geprãgt wird von der humanistischen konzentration auf die menschliche Mitte und das menschliche Mass, wie es in der hõhen Zeit des europãischen Humanismus im Rückgriff auf die Aristothelische lthik von Denkern wie Michel Montaigne in unüberhebarer Weise thematisiert worden ist. Von dieser menschlichen Mitte und diesem menchlichen Mass, dass die llnsicht in die Notwendigkeit stãndiger 'Selbstbegrãnzung' (Illich) voraussetzt, hat l!i:h der dem 'Mythos der Maschine' (Mumford) verfallene, instinktlos gewordene, 'tlndimensionale' (Marcuse) Residualmensch der Industriekultur weit entfernt. Sie lftkht zulezt im Medium des Umweltrechtes- wiederzugewinnen, wird unser aller ÂUfgabe sein" (Peter Cornelius Mayer-Tasch, Umweltrecht im Wandel, p. 22). ·11f Friedrich Dürrenmatt, Justiça, p. 17.
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buscar a melhoria do bem-estar das pessoas e a estabilidade do processo produtivo. O que os distingue é uma diferença de perspectiva adotada pela abordagem dos diferentes textos normativos. . O dir~ito econômico visa a dar cumprimento aos preceitos da ordem econômica constitucional. Ou seja, a estrutura normativa construída sob a designação de direito econômico objetiva assegurar a todos existência digna, perseguindo a realização da justiça social (CF, art. 170, caput). O direito ambiental tem como tronco o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, passível de fruição por toda coletividade (bem de uso comum do povo) (CF, art. 225, caput). Com fundamento nesse direito fundamental, desdobram-se as demais normas pertencentes ao ramo do chamado direito ambiental. A despeito da existência de dois fundamentos orientando a formação do direito econômico e direito ambiental, ambos almejam, em suma, atender àquele conjunto de atividades e estados 'humanos substantivados na expressão qualidade de vida. Tal expressão traz o condão de traduzir todo o necessário aparato interno e externo ao homem, dando-lhe condições de desenvolver suas potencialidades como indivíduo e como parte fundamental de uma sociedade. A presença da fórmula qualidade de vida, finalidade máxima da implementação dos preceitos normativos do direito ambiental, surgiu como complemento necessário ao sentido que anteriormente lhe era dado pelas teorias econômicas preocupadas com a consecução do bem-estar - encontradas sustentando as normas da ordem econômica constitucional brasileira, dentro da afirmação de que esta ordem tem por fim assegurar a todos existêncià digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170). A inserção de tal expressão no direito ambiental brasileiro acaba por denunciar a busca por um aspecto qualitativo, depois das decepções resultantes da adoção de um sentido unicamente quantitativo para designar qualidade de vida, traduzida que era apenas por conquistas materiais. O alargamento do sentido da expressão "qualidade de vida'', além de acrescentar esta necessária perspectiva de bem-estar relativo à saúde física e psíquica, referindo-se inclusive ao direito do homem fruir de um ar puro e de uma bela paisagem, vinca o fato de que o meio ambiente não diz respeito à natureza isolada, estática, porém integrada à vida do homem social nos aspectos relacionados à produção, ao trabalho como também no concernente ao seu lazer.
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Qualidade de vida, proposta na finalidade do direito econômico, deve ser coincidente com a qualidade de vida almejada nas normas de direito ambiental. Tal implica que nem pode ser entendida como apenas o conjunto de bens e comodidades materiais, nem como a tradução do ideal da volta à natureza, expressando uma reação e indiscriminado desprezo a toda elaboração técnica e industrial. Portanto, qualidade de vida no ordenamento jurídico brasileiro apresenta estes dois aspectos concomitantemente: o do nível de vida material e o do bem-estar físico e espiritual. Uma sadia qualidade de vida abrange esta globalidade, acatando o fato de que um mínimo material é sempre necessário para o deleite espiritual. Não é possível conceber, tanto na realização das normas de direito econômico como nas normas de direito ambiental, qualquer rompimento desta globalidade que compõe a expressão "qualidade de vida'', muitas vezes referida por sua expressão sinônima "bem-estar". Acrescento a estas duas expressões sinônimas - qualidade de vida e bem-estar - a expressão de Aristóteles "bem viver" 116 , encontrada na Política, quando trata do dinheiro e da insuficiência da sua conquista para a realização de um "bem viver". Este "bem viver" traduziria a possibilidade efetiva de o cidadão desenvolver suas potencialidades. Pode-se afirmar, em suma, que o conjunto de normas voltadas à consecução do bem-estar ou da melhoria da qualidade de vida atualmente procura uma aproximação da ética do "bem viver" de Aristóteles. A qualidade de vida coloca-se, para Hippel, "no nível dos superobjetivos da política informadora do direito, junto com os direitos, deveres e valores fundamentais". Segundo este mesmo autor, "a antiga questão da felicidade tem agora um renascimento mundial sob o novo título de qualidade de vida'', e aponta como especialmente importantes para a qualidade de vida os seguintes pontos: "liberdade, segurança, trabalho, educação, nível de vida, entorno físico, entorno social, saúde, justiça" 117 • O mundo jurídico não se aparta da realidade, e as exigências dos fatos informam as condições de realização da norma. Tendo como verdade o fato de que uma ampla discussão ambiental é mais
116
Aristoteles, Politik, 1, 9, 1258a, p. 78, trad. F. Schwarz (livre tradução da expressão em alemão "das Gute Leben"). Cotejada com a tradução francesa: Aristote, La politique, trad. J. Tricot "bien vivre", I, 9, p. 62. 117
Apud Ramón Martín Mateo, Tratado de derecho ambiental, p. 101.
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profícua numa sociedade que seja capaz de resolver as necessidades básicas de fome, moradia e saúde, é óbvia a impossibilidade do divórcio entre as normas de incremento de práticas econômicas socialmente justas - destinadas à realização de uma justa distribuição de riq~ezas - e as normas destinadas à proteção do meio ambiente. A aceitação de que qualidade de vida corresponde tanto a um objetivo do processo econômico como a uma preocupação da política ambiental afasta a visão parcial de que as normas de proteção do meio ambiente seriam servas da obstrução de processos econômicos e tecnológicos. A partir deste enfoque, tais normas buscam uma compatibilidade desses processos com as novas e sempre crescentes exigências do meio ambiente. A Constituição Federal brasileira contém este caráter integrador da ordem econômica com a ordem ambiental, unidas pelo elo comum da finalidade de melhoria da qualidade de vida. O direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado pode ser caracterizado como um direito fundamental 118 , gozando do mesmo status daqueles descritos no art. 5Q dessa carta. Este bem jurídico, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, é um pressuposto para a concretização da qualidade de vida, a qual se afirma, por sua vez, como a finalidade máxima das normas do capítulo do meio ambiente. Este capítulo revela-se em normas destinadas a reformular a ação do homem sobre o seu meio. Devido a esta propriedade das normas ambientais, Caldwell conclui que a noção de qualidade de vida aparece associada ao processo de adaptação dos ordenamentos jurídicos às regras da Terra 119 • Após o exposto, há de se concluir pela fulcral importância do esclarecimento do conceito "qualidade de vida", podendo-se, sintetizando, dissecar dois níveis que o compõem: um geral, básico, e um particular, histórico. O aspecto basilar deste conceito consiste no seu ideal ético, assentado em valores de dignidade e bem-estar. O esclarecimento do que é materialmente necessário para a consubstanciação destes ideais é dado pela análise dos elementos da realidade que historicamente informam esses princípios.
118 Ver, infra, Capítulo V, n. 4 e parágrafos: Compreendendo os direitos fundamentais. 119 Apud R. M. Mateo, Tratado, cit., p. 99.
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Assim, é perfeitamente apropriado apresentar a definição de qualidade de vida criada na conferência de Estocolmo de 1973. Na declaração resultante deste encontro destaco os seguintes dizeres: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio para as gerações presentes e futuras" 120 •
Entretanto, sua utilidade para a interpretação do ordenamento jurídico brasileiro é relativa, pois lhe falta o conteúdo histórico-material, só recebido quando confrontado com as condições objetivas de cada sociedade capazes de informar os princípios subjacentes a esta definição, dando-lhes consistência. Abordando o aspecto histórico-material do conceito, é possível seccioná-lo nas seguintes partes: a) Aspecto físico
O conceito de qualidade de vida deve indicar as condições mínimas do meio físico - tanto no que pode ser quantitativamente é traduzido em normas que dispõem sobre os standards utilizados para medir o estado da pureza das águas, da atmosfera etc., como também no que concerne aos elementos qualitativos que traduzem sensações psicológicas, estéticas ou estados anímicos, beleza da paisagem, tranqüilidade do entorno, equilíbrio natural. b) Referência antropológica
As sociedades humanas desenvolvem-se e tomam seu caráter diferenciado também a partir de como se dá o acesso aos recursos naturais, e com que abundância eles as servem. Portanto, a qualidade de vida tem como pressuposto a presença dos recursos naturais adequados ao desenvolvimento desta sociedade, não somente no momento presente mas também no futuro, garantindo a necessária estabilidade do seu modo de ser às gerações posteriores. c) Tutela do bem-estar
O conceito de qualidade de vida deve prever a obtenção de fatores necessários que conduzam ao atendimento das necessidades bási-
120
Apud R. M. Mateo, Tratado, cit., p. 99.
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cas - alimentação, habitação, saúde e educação. As políticas que fornecem o instrumental necessário à aquisição desses bens não se opõem à política ambiental. Ao contrário, elas se complementam. Não é possível uma política econômica sem a devida política de proteção dos recursos naturais. Da mesma forma que a criação de unidades de conservação, o incentivo à participação da sociedade na diminuição da produção de lixo urbano etc. tem melhor resultado numa sociedade com maior nível material de vida e educação. Em resumo, a vinculação da obtenção da qualidade de vida à efetivação das normas de direito ambiental é insofismável. Uma mais ampla qualidade de vida capaz de beneficiar toda uma comunidade e não apenas grupos isolados depende desta normatização 121 •
2.3 Conteúdo das Normas de Direito Ambiental Aquilo que chamamos de crise ambiental não se reduz a ameaças aos sistemas ecológicos como água, ar, florestas. Trata-se de uma concomitante, e também daquelas decorrente, ameaça às condições sociais de existência. A expressão "crise ambiental" remete ao perigo às bases de sustentação do sistema produtivo vigente. A tarefa do direito no ramo do direito ambiental é fazer com que as normas jurídicas possam orientar as ações humanas, influenciando seu conteúdo, no sentido de um relacionamento conseqüente com o meio ambiente. As ações humanas a serem influenciadas são especificamente aquelas relacionadas com os fatores de reprodução da existência humana. Isto significa que o direito ambiental permearia todo processo de produção e reprodução da vida social. Que aqui fique bem claro que produção social refere-se não apenas à produção de bens, mas a toda relação e comportamento do homem em sociedade, numa perspectiva de mediação com a natureza. Trabalho, lazer, pro-
121
Cito o exemplo trazido por Mateo: "Poderia pensar-se que determinadas satisfações que produzem um plus de bem-estar podem, às vezes, contradizer os postulados ambientais, mas isto supõe uma visão circunscrita das condutas, ou seu tratamento fora do âmbito natural adequado. Assim, um indivíduo ou uma família podem extrair vantagens contaminando um álveo, porém perdem com o excesso desses benefícios particulares em escala de comunidade local, e o mesmo pode dizer-se de outras coletividades superiores até chega~ à comunidade mundial" (Tratado, cit., p.104).
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dução, consumo são atividades em sociedade e com a natureza, e é nesta relação que se localiza o campo de ação do direito ambiental. Portanto, aquilo que está disposto como direito ambiental pode estar também enquadrado no conteúdo do direito econômico. Como pretendo deixar claro no decorrer deste trabalho, tais definições do direito são classificações didáticas, cuja divisão não se opera na prática. Washington Albino de Souza, trazendo De Page, explica a razão da crescente especialização do direito, com o surgimento de novos ramos, devido a dois fatores: aumento da densidade social e divisão do trabalho. Segundo este autor belga, as regras em nossos dias não nos consideram mais apenas como membros de uma cidade, mas nos diferenciam dentro dela segundo a função que exercemos 122 • Partindo deste pensamento acrescento que, uma vez que a divisão do trabalho e a conseqüente especialização é uma realidade na sociedade moderna, só se podem evitar os malefícios decorrentes de raciocínios setorizados e que visualizam apenas parcelas da realidade, quando se procura desenvolver uma forma mais eficaz de entrosamento entre as diversas matérias, por meio da qual não se troque o todo pela parte, mas se saiba compreender todas as dimensões do conhecimento. Isto vale também para o direito, principalmente quando o ramo de direito em estudo envolve temas de uma abrangência social tão profunda, como é o caso do direito ambiental e do direito econômico. Pois, sem receio, posso afirmar que as relações do homem com a natureza e do homem com os processos produtivos que desenvolve refletem-se em todas as demais ações sociais, sobretudo porque a formação de uma cultura é indissociável do seu relacionamento com a natureza. A questão ambiental é, em essência, subversiva, visto que é obrigada a permear e a questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação homem-natureza, estando envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna. O economista Capra detectou esta força, diferenciando o pensamento ambiental superficial daquele mais profundamente comprometido com a proteção do meio ambiente. Segundo ele, o pensamento ambiental superficial preocupase, apenas, com um controle mais eficiente e um melhor gerenciamento do meio natural para utilização da humanidade. Enquanto um pensamento ambiental mais consistente reconhece que o equilíbrio
122
W. A. P. de Souza, Primeiras linhas, cit., p. 35.
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ecológico requer fortes mudanças sobre nossas concepções do papel do homem no ecossistema planetário 123 •
jurídica, superando, com isto, toda classificação tradicional sistemática do direito 127 •
Para Steiger, existem "situações-limite" (Grenzsituationen), em que a eficácia d~ solução dos conflitos no direito ambiental é bastante falha. Isto vale, sobretudo, porque o direito ambiental é um meio de transmitir modificações dos objetivos à realidade política mediante a regulamentação de atividades, sem necessariamente ter um impacto imediato coercitivo ou impositivo sobre as atividades cotidianas 124 •
Explica este autor que hoje não são poucas as leis que antes perseguiam outros objetivos e agora passam a adquirir um "tom ecológico". Seu objetivo final é uma suficiente "sustentabilidade ambiental da ordem jurídica como um todo" 128 • O direito ambiental é constituído por um conjunto normativo destinado a lidar com o problema de proteção da natureza, abraçando aquelas normas que já tradicionalmente protegiam isoladamente determinados recursos naturais como água, fauna, flora ou paisagem, procurando inclusive uma certa coordenação entre elas por meio da edição de normas que dispõem sobre políticas e princípios.
O direito ambiental reflete uma tensão política sem precedentes. Esta tensão deve ser, em primeiro lugar, resolvida pelo legislador ou agente normativo - aquele que dentro da sua competência será o tradutor das decisões políticas, dando-lhes as vestes da norma jurídica - , levada, então, à execução pela administração e particulares. O direito ambiental, por seu caráter reformador, mais do que qualquer direito, abriga proposições de um caráter finalista de estímulo a ações e comportamentos, até o momento de sua edição inéditos, alimentando uma dinâmica preventiva envolvida com prognósticos e incentivos, recriando as teias de comportamentos arraigados na sociedade. Seu agir, radicaliza Steiger, é exatamente oposto àquele baseado na mediação de argumentos publicamente reconhecidos, oriundos de uma razão jurídica institucionalizada, e com isto capaz de sustentar as ações estatais 125 •
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Steiger cognomina o direito ambiental "direito transversal" (Querschnittsrecht) 126 , pois ele não se deixa classificar dentro de uma das disciplinas clássicas do direito: direito civil, penal, público (direito constitucional e administrativo). Muito mais, normas de todas essas disciplinas podem compor o direito ambiental Klopfer, em consonância, afirma que é difícil a delimitação do direito ambiental, porque a proteção do meio ambiente apresenta-se como uma "tarefa transversal" (Querschnittaufgabe) para resolver problemas inter-relacionados e exige regras inter-relacionadas de proteção ambiental, permeando praticamente todo o conjunto da ordem
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A legislação ambiental confronta-se basicamente com uma dupla tarefa: Por um lado ela deve apresentar um arcabouço legislativo para uma luta eficiente contra a imensa variedade de problemas ambientais (viabilização da proteção ambiental). Por outro lado, ela precisa também trabalhar para uma coordenação entre interesses concorrentes e conflitantes, inclusive reescrevendo os conceitos que se encontram nos mais diversos ramos do direito (por exemplo, desenvolvimento econômico, alto nível de emprego, desenvolvimento tecnológico, expansão de áreas agrícolas). E sempre compreendendo e ampliando, como já acima exposto, os conceitos de bem-estar e qualidade de vida. As normas de proteção ao meio ambiente partem do conflito de interesses para poder estabelecer uma adequação dos interesses de poluidores e dos atingidos pela poluição ambiental, visando alcançar, dentro das atividades humanas, um equilíbrio ambiental (Umweltschutzausgleich) 129 • A potencialidade de efeitos que as normas de direito ambiental carregam faz deste direito não puramente um ramo do direito, mas uma classificação de normas que intencionam uma organização do meio como local (ambiente) e meios como instrumento - recurso natural e ambiental. A identificação entre estas normas está no seu objetivo final: assegurar a proteção do meio ambiente. Por seu caráter
123
Apud H. Blohbaum, Zur Dialetik, cit., p. 49. Helmut Steiger, Begriff und Geltungsebene des Umweltrechts, in Jürgen Salzwedel (org.), Grundzüge des Umweltrechts, p. 17. 125 Cf. Begriff, cit., p. 49. 126 Begriff, cit., p. 9. 124
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Cf. Michael Klopfer, Umweltrecht, p. 26-27. Umweltrecht, cit., p. 27. Cf. Michael Klopfer, Umweltrecht, cit., p. 16-17.
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teleológico, pode-se ter normas de direito ambiental que são direcionadoras de regras originariamente pertencentes a determinados outros ramos do direito. Este é o movimento do direito ambiental, direito transversal. Ele perpassa todo ordenamento jurídico, não lhe cabe~do uma 'delimitação rígida e estática. A ele é característico o movimento próprio da sociedade que integra. Esta dinâmica do direito ambiental na persecução de seu objetivo de proteção ambiental, envolvendo os mais diversos campos da atividade humana, implica o desenvolvimento de uma "estratégia". Segundo Eckard Rehbinder: "Por uma estratégia de proteção ambiental pode-se compreender o conjunto das medidas legais existentes, que têm como meta realizar objetivos visados pelas normas de proteção ao meio ambiente. Especificamente, trata-se de responder à questão referente a quais as medidas a serem prescritas pela norma, necessárias à realização da proteção ambiental desejada. Estratégias configuram a ponte entre os objetivos legais e seus respectivos instrumentos de realização. Elas apresentam, por um lado, a possibilidade de concretização efetiva dos objetivos, por outro, determinadas estratégias se deixam apenas realizar estando disponíveis os instrumentos específicos" 130 • [grifei]
A proposição de Rehbinder, de caracterizar o direito ambiental como estratégia, coaduna-se com a afirmação de ser a prática do direito uma política. É precisamente neste momento - na prática do direito como prática política, ou, reiterando Rehbinder, como prática estratégica - que o direito ambiental se deixa analisar conjuntamente com o direito econômico. Na formulação de políticas públicas, mediante a interpretação de princípios constitucionais, e pela opção entre diversos desses princípios que disputam entre si a primazia, perfilam as normas tradicionalmente concebidas como de direito econômico e de direito ambiental, para esculpir o perfil único de uma política brasileira, que envolve, necessariamente, desenvolvimento
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econômico e o uso adequado de recursos naturais, bem-estar material e sadia qualidade de vida. É possível visualizar dois modos de tratamento pelo ordenamento jurídico da relação economia e meio ambiente. Um enfoque instrumental e outro estrutural. Dentro da perspectiva instrumental, encontram-se as normas que apontam para a necessidade de novas tecnologias, visando uma produção limpa e uma otimização da produção agrícola, dando ensejo a um novo ramo da indústria: o da indústria da proteção ambiental. Sob um aspecto estrutural, são enfocadas as políticas ambientais destinadas a garantir a manutenção de recursos naturais exigidos para a continuidade da produção econômica. De igual modo, a normatização estrutural procura orientar uma produção econômica comprometida com uma distribuição eqüitativa de bemestar, onde é vital a previsão de medidas de proteção ambiental. A decantada oposição entre economia e proteção ambiental1 31 - por conseqüência, oposição entre os objetivos do direito econômico e do direito ambiental - deixa de existir, plenamente, quando a política econômica adotada traz de volta o relacionamento da economia com a natureza de uma forma integrativa, e não por uma atuação de pilhagem. "Natureza precisa ser entendida economicamente; por que economia não poderia ser entendida em termos de reprodução da natureza?" - indaga Altvater 132 • 1
1.1 Os fundamentos desta oposição são encontrados na oposição entre natureza e cultura, a qual é uma construção do século XIX, prestando-se ao objetivo de tornar a natureza um dos muitos "instrumentos" da produção: a natureza dominar e ignorar, abandonando a máxima de Francis Bacon (cf. nota 217). Não obstante, o que foi afastado pela porta da frente, entra pelos fundos, expressão de que o homem não pode fugir de si mesmo (é o homem também natureza), conforme precisamente descreve Ulrich Beck: "Natur ist unterworfen und vernutzt am Ende des 20. Jahrhunderts und damit von einem AuBen - zu einem Innen - , von einem vorgegebenen zu einem hergestellten Phiinomen geworden. Im Zuge ihrer technischindustriellen Verwandlung und weltweiten Vermarktung wurde Natur in das Industriesystem hereingeholt. Zugleich ist sie auf diese Weise zur unüberwindlichen Voraussetzung der Lebensführung im Industriesystem geworden. Konsum- und Marktabhiingigkeit bedeutet nun auch wieder in neuer Weise 'Natur' abhãngigkeit, und diese immanente 'Natur' abhiingigkeit des Marktsystems wird in und mit dem Marktsystem zum Gesetz der Lebensführung in der industriellen Zivilisation" (Ulrich Beck, Risikogesellschaft-auf dem Wege in eine andere Moderne, p. 9).
"Unter einer Umweltschutzstrategie kann man die Gesamtheit der gesetzlich festgelegten MaBnahmen verstehen, die die Ziele des Umweltgesetzes verwirklichen sollen. Genauer geht es um die Frage, nach welchem MaBnahmenansatz vom Gesetz beabsichtigte Umweltschutz verwirklicht soll. Strategien bilden das Bindeglied zwischen gesetzlichen Zielen und Instrumente. Sie stellen einerseits eine Konkretisierung dar, anderseits lassen sich bestimmte Strategien nur mit bestimmten Instrumenten verwirklichen" (Eckard Rehbinder, Allgemeines l)mweltrecht, in J. Salzwedel (org.), Grundzüge des Umweltrechts, p. 90).
"Nature must be understood economically: why should not economics be understood in terms of reproduction of nature?" (Elmar Altvater, The Foundations of Life (Natur) and the Maintenance of Life (Work), in Martin Kronauer (org.), Risky business: ecology and economy, p. 12).
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Esta via de mão-dupla é vislumbrada na agudeza do inter-relacionamento do capítulo de meio ambiente com os princípios da ordem econômica fundamentalmente. Esta comunhão emerge, seja na fórmulação· de uma política macroeconômica, seja na orientação da formulação de normas de direito econômico (que tenham em seu cerne o conteúdo econômico do ponto de vista da política econômica) e de normas de direito ambiental (que estejam relacionadas com a proteção dos recursos naturais). A divisão da relação homem-natureza pela setorização de sua atividade produtiva, em apropriação de recursos, produção industrial, consumo e lazer, é uma divisão teórica, com algum efeito didático, mas que mesmo na mais simples relação prática perde sua razão de ser. São etapas de um mesmo e único processo. As normas e princípios que regulam emissão de poluentes de uma fábrica, por exemplo, estão garantindo em última instância a integridade de recursos da produção, e, portanto, podem ser consideradas normas com conteúdo econômico. Inclusive o cuidado com a saúde, refletido na preocupação com a salubridade do ar e do ambiente de trabalho, contribui para a qualidade do trabalho na produção. Igualmente, a proteção da qualidade de vida deve ser entendida dentro desta globalidade que caracteriza a produção. A regulamentação sobre emissão de poluentes, por exemplo, é uma medida de proteção da saúde, propugna também pela melhoria da qualidade de vida e atinge a conservação de recurso natural, simultaneamente. Uma política econômica conseqüente nunca despreza a relação da produção com o seu fator natureza. Por esse motivo, as normas que norteiam o direito ambiental não podem pretender limitar seus objetivos concretos. Qualquer norma que se dirija à relação homemnatureza traz conseqüências vastas o suficiente para não mais ser possível identificar se seu efeito é na política de proteção da natureza entendida esta como um recurso da produção, ou compreendida como a paisagem relacionada ao lazer - ou na política de desenvolvimento da atividade econômica. Até há pouco tempo, tinha-se por óbvio, de modo expresso ou implícito, que a função do direito ambiental não poderia seriamente influir no ritmo de expansão de uma sociedade assentada no crescimento, pois nesta idéia de expansão estaria o germe indiscutível da política econômica do Estado contemporâneo. Tal obstinação pela pregação da concepção de crescimento fez àele um mecanismo que se tornou totalitário, dogmático, sendo grandemente responsável pelo
Michelsen, Der Fischer ôkoalmanach 91/92, Ôko-Institut Freiburg, p. 26. como nefasto exemplo, a miopia de determinadas normas preocupadas tio-somente com aspectos quantitativos de certas substâncias - cuja concentração enseja níveis incompatíveis com a sanção e bem-estar humanos, ou seja, materiais poluidores - o caso da morte das florestas na Europa.
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constante fracasso da aplicação de uma política ambiental toda vez que atinge, ou procura atingir, algum ponto central de posições socioeconômicas - constata Mayer-Tasch 133 • Esta visão setorizada não deve prosperar, se se quer tornar efetivos os princípios da Constituição Federal, prescritos sobretudo nos seus arts. 170 e 225. Tanto a Constituição não pode ser interpretada aos pedaços como políticas econômicas e ambientais não são livros diferentes de uma biblioteca, manuseados, cada um a sua vez, segundo o interesse e conveniência de algum leitor. A diversidade do atual aparelhamento legislativo reflete atividades de política ambiental e também seu conceituai desamparo, reiterando o denunciado por Mayer-Tasch. Protegem-se os bens ambientais evidentemente ameaçados - ar, água, paisagem - por meio de leis especiais, nas quais a propagada conexão entre ecologia e economia mal aparece no campo de visão. Como exemplo, toma-se a poluição química da terra, água e ar. Assim, a limitação pelo estabelecimento de padrão de emissão de dejetos na atmosfera permite a contínua morte das florestas, pois não se observam os efeitos sinergéticos devido às várias autorizações isoladas para liberação de poluentes. Então, as normas de direito ambiental relativas a tais permissões acabam se tornando o portal para a ruína de terras cultiváveis e para a contaminação do lençol freático. A permissão para uso ilimitado de pesticidas e adubos químicos, sobre os quais recaem prescrições legais apenas voltadas à sua composição, porém não chegam a interferir no seu uso, garantindo a inobservância do conseqüente acúmulo, reação com outros materiais e inevitável contaminação da terra e água, peixes e animais, é uma mostra da inocuidade de normas isoladas que não procuram uma coordenação para atingir a finalidade a que são destinadas 134 • O efeito estufa, o extraordinário ritmo da extinção de espécies animais, a destruição da camada de ozônio ou a produção industrial genética de seres vivos estéreis são alguns exemplos de efeitos imediatos sobre as bases de reprodução social, e, por conseqüência, sobre a
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P. C. Mayer-Tasch, Umweltrecht, cit., p. 10.
4 U Cf.
Ele cita,
,, funcionabilidade da sociedade industrial propriamente dita. Danos ambientais não são produzidos por alguns ramos marginais de indústrias, porém têm suas raízes e garras mais potentes exatamente nas chamadas.indústrias de base ou naqueles setores-chefes da socied<.fde industrial (como produção de veículos, indústria química, de mineração, setor energético).
I •
Cabe reconhecer, também, que uma boa parte dos danos ambientais está ligada direta ou indiretamente às decisões de investimento e produção de grandes empresas multinacionais. O domínio das chamadas indústrias-chefes está reduzido a um pequeno número de empresas que distribuem suas filiais e dividem seu processo produtivo pelo resto do mundo. Por isso, pela organização global das etapas da produção, a poluição industrial do Brasil, do Japão, da Tailândia e dos EUA acabam por ter as mesmas fundamentais origens decisórias. A política ambiental é confrontada forçosamente com a enorme concentração de poder e necessariamente se quedará no fracasso, caso não esteja em condições de causar modificações nas estruturas existentes do poder econômico, ou pelo menos poder fechar acordos com elas 135 • São estes exemplos que demonstram uma certa desolação na aplicabilidade de um direito ambiental setorizado, sem uma coerência política global. Logo, para fugir de normas que mais se assemelham a regulamentos fundados em estatísticas e operações matemáticas, pelo fato de estarem extremamente preocupadas em dispor sobre quantidade de poluentes isolados - como se a qualidade de vida fosse possível de ser medida pela quantidade de árvores disponíveis per capita - fazse necessária a fundamentação de um direito ambiental não setorizado, mas completamente envolvido com a política social e produtiva de uma sociedade. Para tanto, sua manifestação como norma é essencialmente na forma de políticas, mais como um fator do desenvolvimento social do que propriamente um corpo de texto normativo isolado. Suas normas florescem nas finalidades de melhoria das condições sociais de existência. Portanto, pode-se encontrá-lo tanto em normas relativas à saúde como em disciplinas administrativas, econômicas e comerciais, até mesmo na regulamentação do comércio exterior 136 •
Os problemas ecológicos tomaram uma dimensão que atinge o global funcionamento da reprodução da sociedade humana. Por isso, o problema ambiental deixa-se reduzir cada vez menos a questões quantitativas como: qual a quantidade ideal de um produto assinalado como danoso que se deve suportar? Torna-se sobretudo um problema de política, uma estratégia ancorada nos princípios e determinações jurídicas, no sentido de prevenir danos possíveis e de reorientar atividades potencialmente destruidoras das bases de reprodução da atividade humana. Em outros termos, trata-se de uma estratégia de sustentabilidade. O direito tem a indispensável tarefa de procurar fazer da vida em comunidade a realidade do "bem comum". Forças sociais, econômicas e políticas são organizações pré e pós-direito. O direito reage perante o desenvolvimento dessas forças e, por outro lado, provoca reações sociais, econômicas e políticas. É uma corrente de ação e reação, da qual não se exclui o direito ambiental. Com vistas à solução dos problemas ecológicos, as estruturas sociais devem ser mobilizadas, para uma participação efetiva nas normas de organização. Sobretudo, a chamada sociedade civil, organizações que se colocariam entre Estado e mercado, responderiam pela realização da cidadania, ao agir para um comprometimento das funções do Estado e para uma maior flexibilidade do mercado, visando ao assentamento de finalidades coerentes com um novo padrão de relacionamento com o ambiente. A participação da sociedade nos programas decisórios, de planejamento e licença de atividades geradoras de grande impacto no ambiente é um avanço no sentido da democratização da realização de políticas para a conservação ambiental- ou realização de estratégias de sustentabilidade. A consecução de um efetivo Estado Democrático Social depende desta participação. A simples crença no Estado como entidade supe-
FAO, ONU. Porém, isto deverá ser objeto de um estudo posterior, devido a com-
Reputo de importância crucial a consideração de uma política ambiental envol vida com a política de comércio exterior, e com os órgãos internacionais como O 1( .,
plexidade e polêmica dos temas que aborda. Proponho apenas uma idéia para a reflexão sobre o estreito vínculo existente entre uma ordem econômica, que tem nas relações internacionais o seu sustentáculo mais forte, e a questão da proteção dos recursos naturais do planeta, que, embora de importância crucial nestas relações, IC não são tomados na clássica concepção de bens livres, a política de preços no mercado internacional os torna assim.
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135
Cf. Mario Cogoy, Kann staatliche Steuerung in der Umweltpolitik erfolgreich sein? ln Frank Beckenbach (org.), Die okologische Herausforderung für die okunomische Theorie, p. 258-260.
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rior, acima de quaisquer interesses partidários, classistas etc., é enganosa. O Estado é uma instituição social, influenciado por relações de poder. Sua democratização só é possível à medida que apresente instrumentos para uma maior participação da sociedade. A co-particip11ção da comunidade abre um real espaço para mudanças, as quais são instrumentalizadas e asseguradas pelo sistema jurídico. Pela efetivação desta participação, em evidente ebulição nas normas de direito ambiental e complementares, como na lei que regula a Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), revela-se a indissociabilidade do Estado e sociedade, à medida que cada norma e cada princípio envolvem, em seus efeitos, a sociedade como um todo e não apenas sua organização administrativa. Assim, posso afirmar que a concretização das normas do direito ambiental depende de uma participação ampla da sociedade. O que me leva a concluir que a realização da Constituição Federal e a aplicação do direito como um todo dependem imensamente do nível de consciência e informação dos destinatários da norma, ou seja, da sociedade, nas suas mais diversas esferas de organização. Logo, cabe aqui sublinhar mais uma característica das normas de direito ambiental. O conteúdo real destas normas, ou seja, sua interpretação e aplicação, possui um aspecto eminentemente democrático. Sua realização implica um envolvimento das funções estatais com a participação efetiva de setores da sociedade e da coletividade, residindo nesta atuação comutativa a verdadeira força da estratégia de sustentabilidade a ser desenvolvida. Sem a garantia de um consenso pela discussão (ação concertada), ou de um campo para o desenvolvimento da ação comunicativa (expressão sinônima), tais políticas tendem a naufragar antes de vencerem a arrebentação.
CAPÍTULO
III
Política Econômica e Ambiental - Política Social 1
NOTAS SOBRE A RELAÇÃO ECONOMIA REITO ESTADO
DI-
Pode-se afirmar que há mais ou menos três séculos o mundo vive numa sociedade de mercado 137 • A economia de mercado tem suas leis próprias, que sempre se mostraram insuficientes, seja para a mera
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Situo "mercado" como sendo o ambiente onde são trocadas as produções resultantes de investimentos privados, com o intuito primordial de se obter lucro. Este relacionamento está assentado em duas bases: a propriedade privada dos meios de produção e o contrato. Numa sociedade de mercado, a economia é regulada e controlada pelo funcionamento do mercado, expandindo o âmbito deste para além da imediata troca de bens por dinheiro, projetando-se por toda cadeia produtiva. Assim, Karl Polanyi: "Una economía de mercado debe comprender todos los elementos de la industria, incluidos la mano de obra, la tierra y el dinero.[ ... ] Pero la mano de obra y la tierra no son otra cosa que los seres humanos mismos, de los que se compone toda sociedad, y e! ambiente natural en e! que existe tal sociedad. Cuando se incluyen tales elementos en e! mecanismo dei mercado, se subordina la sustancia de la sociedad misma a las leyes dei mercado" (La gran transformación, p. 80). São de boa ilustração estas outras observações de Polanyi sobre o domínio do mercado: "En última instancia, es por ello (el patrón dei mercado) que e! contrai dei sistema económico por parte dei mercado es fundamentalmente importante para la organización total de la sociedad: ello significa nada menos que la administración de la sociedad como un adjunto dei mercado. En lugar de que la economía se incorpore a las relaciones sociales, estas se incorporan ai sistema económico. La importancia vital dei factor económico para la existencia de la sociedad impide cualquier otro resultado" (La gran transformación, cit., p. 67).
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troca de mercadorias, seja para o total relacionamento da sociedade que integra esta forma de produção 138 • O que se observa é que, exatamente onde há capitalismo, não pode haver um total livre mercado. Daí o nascimentp do Estado Absoluto, de poder centralizado, coincidir com o desenvolvimento da própria economia liberal. Estas duas formações - Estado Absoluto e economia de mercado - agradecem sua existência uma à outra. Uma só existe em decorrência da outra. A concomitância do surgimento de um poder centralizado com o desenvolvimento do mercado baseado no interesse individual revela que a aparente contradição entre Estado e mercado resulta, na realidade, num movimento de complementação, base do nascimento e desenvolvimento do modo de produção capitalista. E o capitalismo só garante sua identidade à medida que mercado e Estado submetem suas leis à preservação desse sistema. Em outras palavras, a manutenção desse modo de produção exige a manutenção das estruturas política e econômica sobre as quais se funda. A identidade do capitalismo e do mercado puro não podem existir simultaneamente, afirma Castoriadis. E continua: onde se trata objetivamente de mercado não pode haver capitalismo, e onde se trata de capitalismo não pode haver um mercado real, apenas uma concorrência monopolista ou oligopolista, que exclui a decantada soberania e liberdade do consumidor 139 • Sem embargo, a concorrência - pressuposto da eficiência da economia de mercado - leva em si o germe de sua própria destruição, pois são tão grandes para os empresários as vantagens de unirem-se para eliminar ou restringir a concorrência, que construções de todo tipo, dirigidas a esta finalidade, produzir-se-ão sempre que a lei não o impeça. Resistindo a esta tendência, são elaboradas normas jurídicas em defesa da concorrência, com vistas a garantir o equilíbrio do funcionamento do mercado, procurando reprimir as condutas empresariais tendentes ao seu falseamento. Surge, assim, a normatização antitrust, composta por normas de proteção da livre concorrência, que se integram no âmbito do direito econômico 14º.
Dentro deste quadro, o Estado - produtor de normas - e o mercado - âmbito das relações econômicas - necessitaram sempre estar juntos. O direito é a instituição e o instrumento por meio do qual Estado e mercado servem-se mutuamente para a reprodução do sistema em que estão inseridos. Sua atuação histórica adquire diferentes dimensões, passando de organizador da sociedade burguesa, com o início do capitalismo, para coordenador das relações Estado e sociedade civil, seqüência da Revolução Francesa, atingindo um papel constitutivo de relações para solução de conflitos; e, finalmente, superando a dissociação Estado e sociedade civil, impondo a implementação de atividades para integração social1 41 • Hoje, já se constatou que a mera intervenção do direito como corretor de falhas eventuais não é mais suficiente. O papel mais ativo e empreendedor que ele vem assumindo atribui-se ao fato de que tomou para si uma função de redistribuidor de riquezas, objetivando diminuição de problemas e diferenças sociais, decorrentes da livre negociação. Tal atividade do direito é hoje um fato incontestável. Asociedade contemporânea não consegue imaginar-se prescindindo desta atividade social do direito, destinada a ordenar e prescrever atividades estatais, com vistas à conservação da dinâmica reprodutiva do capital, própria do sistema capitalista 142 • A "auto-regulamentação" 143 do mercado capitalista contemporâneo é uma ilusão, não somente por causa dos monopólios, oligopólios,
Sobre os quatro estágios da juridicização (Verrechtlichungsschübe): organização, coordenação, integração das esferas pública e privada, e implementação, ver J. Habermas (Theorie, cit., v. 2, p. 522-530). Também, verificar do mesmo autor sobre as modificações do papel do Estado no desenvolvimento do modo de produção capitalista: "constituição, complementação, substituição, compensação das atividades do mercado" (A crise de legitimação no capitalismo tardio, p. 72-74). 141
138 Esta afirmação pode ser encontrada em diferentes clássicos da teoria econômica como Adam Smith, Karl Marx, John M. Keynes. A respeito disto confrontar Karl Polanyi, La gran trransformación, cit., p. 77. u 9 Afirmação de Cornelius Castoriadis em conferência realizada em 27.10.92, em Frankfurt am Main. "Marxismus am Ende? Was nun?" 140 E. G. Carona, in N. Reich, Mercado y derecho, cit., p. 13.
142 A este respeito, o ensaio de Francisco de Oliveira, "O surgimento do antivalor". Nele, sustenta o autor que "a mudança mais recente das relações do fundo público com os capitais particulares e com a reprodução da força de trabalho representa uma 'revolução copernicana'". O autor utiliza a expressão "fundo público" para designar a presença do Estado nas relações econômicas. E continua: " ... o fundo público é agora um ex-ante das condições de reprodução de cada capital particular e das condições de vida, em lugar de seu caráter ex-post típico do capitalismo concorrencial" (Novos Estudos, n. 22, p. 9). 143 Verificar sobre a atualidade do Estado do bem-estar e a crítica à política de desregulamentação em Eros R. Grau, Notas sobre o discurso neoliberal, em especial p. 6 e p. 8-10.
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acordos visando à formação de dumpings, cartéis etc. Outro fator importante é que parte substancial do produto interno, de uma maneira ou de outra, surge de atividades do Estado (gastos com a administração, s.eguro soci.al, financiamentos, empreendimentos). Ou seja, a abstenção do Estado na economia implica uma imediata queda do volume da atividade industrial. Por estes fatores, a retração da participação do Estado na economia, seja como regulamentador ou empreendedor, produz obrigatoriamente diminuição da produção de bens, pois ocorre uma diminuição imediata de empresas e empreendimentos.
1.1 A Política Econômica do Bem-Estar 144 A finalidade da economia de mercado é o lucro (aumento de capital). Para alcançar este constante aumento é necessário crescimento, cujo motor é a concorrência. Sem a_ concorrência, estanca-se o crescimento, e o dinheiro não tem o que adquirir. Emperra-se a máquina - sendo este um dos fatores responsáveis pelo fracasso das economias socialistas. Concorrência é o anima do mercado. Concorrência no mercado interno e externo, estabilidade da moeda, pleno emprego são tidos como condições para o sistema continuar operando, com vistas a um constante crescimento econômico 145 • A economia de mercado é uma economia mobilizada pela vontade interna pessoal (individual) de obtenção de lucro. É calcada na concorrência, inovação tecnológica, crescimento da produção. Seu equilíbrio situa-se, basicamente, na possibilidade de obter um ótimo desenvolvimento da produção, de seu consumo e de investimento para uma futura produção. Para tanto, sustenta-se este ambiente (o mercado) em três colunas. Estabilidade de preços, alta taxa de emprego e concorrência equilibrada (interna e externa).
A produção está diretamente ligada ao lucro (à expectativa de lucro, para ser mais exata, visto que lucro é um acontecimento futuro). O lucro é essencial ao movimento das atividades econômicas nas sociedades capitalistas, porque é a renda (income) que será empregada como capital para reprodução 146 • A produção depende da quantidade de investimento, que, por sua vez, depende de um convencimento individual da possibilidade de um lucro futuro. Investimento significa expectativa de crescimento. Sem investimento, a economia não gira, não há crescimento. Uma deficiência em investimento (input) causa um declínio no lucro. Um declínio no lucro causa um declínio na produção (output). Aqui está uma preocupação fundamental para Keynes. É necessária determinada dose de segurança (estabilidade) para um mínimo de previsibilidade do investimento e de seu objetivo final, o lucro. Em que consiste esta estabilidade? Na disponibilidade de obtenção dos fatores necessários ao investimento e na expectativa de que a produção reverterá em lucro, sem que surjam imprevistos entre um e outro. Os fatores para investimento - ou também recursos são aquilo de que se dispõe para iniciar a produção: crédito (liquidez, dinheiro), trabalho e material para produção - em que se destacam fundamentalmente os recursos naturais. Keynes aponta, juntamente com estes fatores, um fator subjetivo indispensável para desencadear o investimento: a estabilidade social para a garantia de uma distribuição satisfatória da produção econômica 147 • Um mercado capaz de consumir o produzido e, assim, "realizar" o investimento é a alavanca para futuros investimentos, visto que garante maior probabilidade de lucro, o que, conseqüentemente, leva a um maior crescimento da produção. Na sociedade de mercado atual - para Offe, Arbeitsgesellschaft (sociedade do trabalho) 148 - um fator primordial da estabilidade so-
Tais são apontados como os quatros pilares da ordem econômica alemã pela lei "Zur forderung der Stabilitãt und des Wachstums der W.irtschaft" de 8 de junho de 1967.
146 Cf. John Maynard Keynes, The general theory and after, in The Collected Writings, v. 13, p. 490. 147 "My own conclusion is that there are certain fundamental reasons of overwhelming force, quite distinct from the technical considerations tending in the sarne direction, which 1 have already indicated and to which 1 shall return !ater, for wishing prices to rise. The first reason is on grounds of social stability and concord" (J. M. Keynes, The general theory, cit., v. 13, p. 360). 148 Ver Claus Offe, Soziali:ikonomie des Arbeitsmarktes: primares und sekundãres Machtgefalle, in Arbeitsgesellschaft: Strukturprobleme und Zukunftsperspektiven, p. 44-86.
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Neste trabalho bem-estar e qualidade de vida são empregados como expressões sinônimas. A escolha de uma palavra em relação a outra ocorre sobretudo em respeito às teorias que se empregam em cada momento do trabalho. Isto é, no presente caso, trato da teoria econômica do bem-estar, apoiando-me no exponente John Maynard Keynes. Não obstante, modernamente os mesmos argumentos aqui tratados aparecem sob a designação de qualidade de vida. 145
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eia! é o trabalho, meio pelo qual é dada ao ser humano a possibilidade de garantir dignamente a sua existência. Na sociedade capitalista, a forma mais genérica de exercer o trabalho é pelo emprego. Uma maneira de alcança.r o pleno emprego é receitada por Keynes quando afirma que é necessário, antes de tudo, tornar os negócios mais lucrativos para se remediar o desemprego. Criar receitas dentro de custos mais altos. "Prices should rise" 149 , proclamava.
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Toda teoria keynesiana de bem-estar assenta-se na produção e consumo. Aquela como motivadora e regulamentadora deste, e este como fomentador daquela. Constrói-se um ciclo de interdependência com o objetivo de provocar um constante aumento da produção, criando uma lógica de crescimento como remédio à recessão. Sob o ângulo do investidor, o aumento da produção econômica serve ao aumento do lucro. Para o sucesso de uma política econômica, é necessário garantir a satisfação do investidor. Aplica-se a lógica, segundo a qual o que for para o bem-estar de uma população deve iniciar-se da garantia do lucro daquele que investe, pois ele detém o start da produção. Assim, aumento da produção relaciona-se à garantia de lucro, e a ele está vinculada a realização do bem-estar geral. O consumo é dependente da produção, não o contrário. Como exemplo tomo a afirmação de Keynes: "Com a queda abrupta da taxa de juros durante um tempo suficiente para mostrar que não está havendo construção de capital, os fatos apontam para a necessidade de grandes mudanças sociais visando ao aumento do consumo" 15º.
os postos de trabalho cedem lugar constantemente à eficiência tecnológica, atrapalhando o raciocínio segundo o qual o aumento da produção implica necessariamente maior emprego de mão-de-obra. Como o investimento na produção tem sua propulsão no lucro e não numa política social, pois o investimento privado não abre mão da eficiência para garantir maior taxa de emprego, a qual somente tem-se definido à medida que implementa e garante o interesse privado, resta ao Estado a participação sempre mais empreendedora na economia. Por meio do direito são traçadas políticas de agir econômico do Estado e normas para a introdução de políticas sociais, a serem inseridas no seletivo comportamento do mercado. O papel do Estado ultrapassa o da previdência social, quando atua na criação de novas atividades empresariais para empregar o crescente excedente de mãode-obra, que é cada vez mais abandonada pelo mercado. Com esta tarefa de abrir campos de trabalho, contrabalançando o fato de que a tecnologia comanda o lucro e toma lugar do trabalho humano, as atividades estatais necessariamente colocam o fator rendimento em um segundo plano, o que acaba gerando produções cuja única finalidade está na atividade em si e não no seu resultado, provocando um efeito rebote de empobrecimento e inchaço da máquina administrativa 151 • Finalizo esta parte da exposição com Keynes: "A escola que acredita no auto-ajustamento do mercado está de fato assumindo que a taxa de lucro ajusta-se, mais ou menos automaticamente, à medida que o próprio mercado é capaz de: encorajar exata-
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Num momento em que o avanço tecnológico não se refletia de maneira tão contundente na expulsão da mão-de-obra da indústria (pré-Segunda Guerra, época desses escritos de Keynes), havia uma naturalidade em crer que aumento da produção evidencia aumento do emprego de mão-de-obra e conseqüente diminuição da recessão. Hoje,
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J. M. Keynes, The general theory, cit., p. 362.
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Transcrevo o parágrafo integral por se mostrar bastante ilustrativo para os objetivos deste trabalho. "But incarnes can only be generated by producing goods for consumption or by producing goods for use as capital. [... ] Consequently, our habit of withholding from consumption an increasing sumas our incarnes increase means that it is impossible for our incarnes to increase unless either we changl' our habits so as to consume more or the business world calculates that it is worth while to produce more capital goods. For failing both these alternatives, the incre ased employment and output, by which alone increased iru:omes can be generated, will prove unprofitable and will not persist" (The general theory, p. 490).
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Se, por um lado, estas atividades podem estar voltadas a um melhoramento social, por outro lado, podem ensejar a formação de uma produção que paira, fazendo emergir excrescências semelhantes àquelas presentes nos antigos regimes do leste, ou no oeste, como por exemplo o imenso parque de armamentos dos Estados Unidos, como bem lembra John Kenneth Galbraith (Herrschaft der Zufriedenen - Die Kapitulation der Demokratie vor der Armut, Der Spiegel, 361140, 1992). Também o autor: "[ ... ]o controle da demanda agregada, que ele [Marx] não previu, pode ser servido por diferentes tipos de dispêndios públicos. E mostrou-se amplamente agora que, por tal controle, se pode aumentar o tamanho do mercado l medida que o emprego ou outras considerações o exigirem. [... ] Não se podem substituir os gastos com armamentos pelos dispêndios privados
para consumo e investimento [... ].A regulação da demanda agregada exige que o lttor público da economia seja grande" (John Kenneth Galbraith, O novo estado
Industrial, p. 245).
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mente a correta quantidade de produção de capital, manter o máximo de retorno do investimento por uma aplicação eficiente de energia, conhecimento e organização e compensar a dispensa de mão-de-obra em favor da técnica por meio de maior crescimento econômico. Esta onisciência d~ mercado é clara suposição, sem qualquer razão teórica ou empírica para que se lhe credite alguma veracidade. Uma modesta observação dos fatos é suficiente para mostrar como esta teoria é desmentida na prática" 152 •
Este apanhado geral presta-se à necessidade de, rapidamente, situar as deficiências que vem encontrando a satisfação das exigências do trabalho na sociedade moderna. O que isto tem que ver com o tema, explico em dois pontos. Primeiro, porque, embora eu trate da proteção do meio ambiente como garantidor do bem-estar, fato é que, originalmente, reputava-se o alcance deste estado de satisfação apenas à garantia de condições materiais de trabalho e consumo. E isto foi mostrado com o modesto resumo -sobre a idéia de estabilidade social de Keynes. A preocupação que agora é introduzida - conservação dos recursos naturais - não destrói a anterior, vindo a somarse às exigências aludidas acima. Não trago a mim os créditos desta constatação. O texto constitucional assim o quer. Fiel à tradição da política do bem-estar, o princípio da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa são apresentados em destaque, no caput do art. 170, não obstante não sejam eles superiores aos princípios em seguida elencados. Ao fazer este apanhado geral, traço um paralelo, que reputo importante, entre a discussão, já exaustiv<;i, sobre o fator trabalho e a discussão do fator natureza, que ainda está por firmar raízes. Tanto quanto o fator trabalho, seu tratamento influi no modo de reprodução da vida social, aí compreendida a produção industrial, circulação e consumo de mercadorias. Nenhuma teoria econômica e, sobretudo, nenhuma teoria de direito econômico ignora hoje a questão do emprego de mão-de-obra. Tão premente quanto isto é a consideração da disponibilidade e das condições de acesso e conservação dos recursos naturais. Ainda, procurando analisar os efeitos da preocupação com a proteção dos recursos naturais sobre as teorias tradicionais de avalia-
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J. M. Keynes, The general theory, cit., p. 490. 80
ção da atividade econômica, passo a discutir algumas limitações do indicador de crescimento, o Produto Interno Bruto - PIB. Apresento algumas observações que julgo fundamentais ao direito, sobretudo quando está em pauta o desenvolvimento de normas e políticas normativas de estímulo ao desenvolvimento, tendo-se que, por imposição constitucional, defender concomitantemente o meio ambiente.
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TEORIA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO E o PRODUTO INTERNO BRUT0 153
Tem sido um dos postulados da moderna ciência econômica que somente um constante crescimento econômico garante a base para se obterem objetivos prioritários da economia social de mercado (die soziale Marktwirtschaft). Para que se possa compreender em que medida este objetivo econômico e a destruição ambiental estão interligados, é necessário esclarecer como é medido o crescimento econômico, quais são os componentes que o constituem etc. 154 • Hans Christoph Binswanger aponta os fatores da "função da produção econômica", que são tomados por base pela teoria dominante do crescimento, e sublinha o que para ele é determinante para o crescimento econômico: o avanço tecnológico: "O produto social, isto é, a assim chamada renda social real, depende do trabalho, do capital e finalmente de uma grandeza restante, que se expressa pelo avanço técnico, ou seja, a pesquisa, a qual representa por sua vez o verdadeiro fator de crescimento, posto que é o único fator que não está sujeito a qualquer restrição" 155 •
É de se remarcar que um fator dentro da teoria do crescimento não é tomado em consideração, o fator solo. Fator sempre presente
153 O professor Fábio Nusdeo sintetiza o conceito macroeconômico de produto nacional ou produto interno bruto como "um agregado que precisamente se destina a quantificar em unidades monetárias o total ou o conjunto de bens e serviços colocados à disposição de uma comunidade, no período convencional de um ano" (Desenvolvimento e ecologia, p. 6). 154 Sobre crescimento econômico e natureza, transformada em "qualidade de vida", ver Lutz Wicke, Umweltokonomie, p. 496-506. 115 Hans Christoph Binswanger, Geld und Natur, p. 35.
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nas teorias clássicas e que chegou a ter o papel central e determinador do desenvolvimento econômico na teoria dos fisiocratas. Solo aqui é natureza; a parte designa o todo. A economia neoclássica coloca o início da produção econômica não a partir da apropriação da nature- , 156 za, mas com a criação de crédito - quantidade de dinheiro necessária para iniciar a produção. Tal movimento desenvolve-se num crescendo infindável, à medida que a produção exige inovação. Isto aumenta sua complexidade, que, por sua vez, impõe um maior emprego de capital inicial e subseqüente para garantir lucro. Maior investimento inicial significa menor custo da produção total, porque maior investimento em tecnologia torna o produto final mais barato, por se produzir mais, diminuindose o custo da unidade. Criação inicial de dinheiro é necessária para garantir crédito, destinado a cobrir o custo inicial da produção. O produto no mercado deverá garantir um retorno do dinheiro investido e uma margem de lucro que também tomará parte do investimento futuro, dependente de uma crescente aplicação de capital, objetivando constante inovação técnica e maior produção. Procurando recuperar o desvio sofrido pela economia com o desprezo pelo fator natureza, Binswanger adverte que falta no conjunto da descrição dos elementos da produção econômica uma quarta medida, que seria a medida da utilização dos bens naturais. A teoria de crescimento hoje dominante toma por base que a natureza em nada participa do processo de crescimento. É necessário reinseri-la com o propósito de transformar o cômputo do crescimento econômico numa 157 relação de sustentabilidade com o meio ambiente • O afastamento do fator natureza da averiguação do crescimento econômico resulta do fato desta matéria-prima não aumentar depois de finalizado o processo de produção. E um fator que não cresce não poderia contribuir com o crescimento econômico. Diante de uma análise mais acurada, isto se revela um erro de raciocínio, pois o processo de crescimento é, na realidade, um processo de substituição, especifi-
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Quando escrevo dinheiro, estou designando o capital na sua forma de valor
abstrato. 1.57 H. C. Binswanger, Geld und Natur, cit., p. 34.
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camente, de transformação de grandezas 158 • Não há criação de nada, mas uma transferência para reelaboração (industrialização). Daí a afirmação de que toda produção é, na realidade, reprodução. Este processo substitutivo aparece somente, portanto, como parte de um processo de crescimento ideal, definido pelo aumento dos fatores que compõem o produto interno ou produto social. Porém, concretamente, trata-se de uma transferência de energia e matéria dentro de um movimento de transformação. Este processo de substituição consiste na apropriação dos bens da natureza, tomados pela economia como bens livres, na medida em que não recebem no mercado sua devida tradução em valor monetário e são inseridos de maneira sempre crescente no processo produtivo. Estes bens livres não entram na contabilidade do produto social, embora tenham sido até o momento, ou serão oportunamente, na sua forma natural, apropriados para o uso coletivo ou individual. O mesmo, de certa forma, é fácil de se visualizar com a agricultura, enquanto não inserida no mercado (agricultura de subsistência). Comunidades inteiras podem usufruir de produtos agrícolas ou da pesca, sem que isto seja computado como riqueza de um país. A natureza, embora essencial à produção social, só integra o cálculo responsável pela avaliação do desenvolvimento de um país, quando já transformada em algo "rentável", isto é, em algo que a presente um valor no mercado. Por tais motivos, alerta Binswanger que, ao lado do capital, do trabalho e da técnica, um fator responsável por um crescimento ilimitado é exatamente aquele cujo valor não entra nas operações aritméticas de input-output (apropriação e produção), isto é, a natureza. O crescimento não é somente explicado pelo desenvolvimento técnico, porém é ele conseqüência do aumento de uso da natureza como matéria-prima, ou seja, da exploração deste reservatório não renovável. Isto não significa outra coisa senão que o terceiro fator da função da produção econômica deve ser decomposto em dois - desenvolvimento técnico e exploração dos recursos naturais 159, integrando um reservatório que alimenta a expansão industrial e a massa do PIB.
UI Cf., infra, Capítulo III, n. 5.3.2. O desenvolvimento sustentável e a dissipação
de energia.
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Crescimento ou desenvolvimento, dentro da teoria neoclássica, expressam-se no aumento nominal do resultado do cálculo do produto interno, cuja valorização se dá à medida que se apliquem crescentemente .capital, tr;ibalho, recursos naturais (energia e matéria) e tecnologia, aumentando-se produção, transporte e consumo. Como tudo depende de um aumento monetário, o quê, como, por quê, para quê é produzido não se espelha neste cálculo. A avaliação do produto interno é um cálculo do capital para o capital. Em suma, o que ele apresenta é a quantidade de capital investido, e o que disto decorre é a análise de quanto a mais de capital deve ser investido, para não se afogar a produção. Desta forma, toda uma lógica da produção é desenvolvida visando ao aumento do dinheiro. O que é produzido e sua utilidade são colocados em função do lucro ~ ser obtido. Esta submissão da espécie ao seu símbolo é o que garante o predomínio do mercado financeiro sobre o mercado de bens, aquele responsável por um movimento muito superior ao comercializado efetivamente 16 º. Assim, para simplificadamente expor a mecânica da produção cujo motor é a expectativa de lucro posso afirmar o que segue. O investimento na produção de bens com durabilidade finita torna-se menos arriscado, esgotando, porém, rapidamente sua capacidade de produzir rendimentos, mas liberando recursos para novos investimentos. Trata-se especialmente de procurar desenvolver novos e melhores processos (racionalização) e novos produtos (inovação) com novas chances de lucro. Desta maneira, perpetua-se não somente o investimento que se torna sempre necessário para novos produtos e novas formas produtivas, como também forma-se um processo de acumulação contínua de capital, à medida que se mantém sempre a espiral lucro-investimento-maior lucro-maior investimento, e assim por diante.
160 Este desequilíbrio é chamado pelo economista americano Peter Drucker, citado por lgnacy Sachs, de dissociação entre economia financeira e economia real. De acordo com os dados fornecidos por Sachs: "Existe um giro especulativo diário de divisas no mercado financeiro mundial de ordem de US$ 1 trilhão. Ou seja, 50 vezes mais do que é necessário para o funcionamento do comércio mundial. Evidentemente, esse giro puramente especulativo produz lucros, perdas, faz ricos, destrói outros, mas não gera riqueza material, não contribui para o real desenvolvimento" (Ignacy Sachs, "Brasil precisa procurar por novo modelo, O Estado de S. Paulo, 7-8-1994, p. 2, H3).
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Crescimento zero, como é apregoado por muitos ideólogos da proteção do meio ambiente, é totalmente incoerente com a lógica apresentada. A simples paralisação do crescimento implica a queda do valor do capital. Uma renúncia ao crescimento conduziria, pela manutenção da taxa de lucro, a uma queda do capital- precisamente, para uma perda no valor do capital. Uma mera estabilidade da receita conduz a uma perda do patrimônio 161 • O ser do dinheiro é sua multiplicação, constata Binswanger 162 • Quem o explica é Altvater: "A razão para isto é que uma economia capitalista, que funciona sob o princípio do lucro, necessita de crescimento, fundamental ao sistema. Lucro que não é consumido mas acumulado é equivalente a crescimento. Taxas de crescimento estagnadas são portanto indicadores de baixas taxas de lucro, e vice-versa. Esforços políticos em épocas de crise para estimular crescimento têm como base o aumento de taxa de lucro. Por outro lado, a lucratividade dos investimentos pode ser incrementada, por exemplo, pela desregulamentação no sistema de previdência social e nos níveis de exigência para com a proteção ambiental" 163 •
2.1 Produto Interno Bruto e Qualidade de Vida Ao procurar inserir o fator natureza na ciranda do capital, de forma que ela deixasse de ser utilizada como um bem livre, ao mesmo tempo, porém, fazendo com que o recurso natural obtivesse um valor monetário, para, assim, receber um tratamento mais comedido, a fim de que não seja apropriado como coisa de ninguém, buscou-se desenvolver um novo cálculo do produto interno, incluindo-se nele o fator "qualidade de vida". Procurou-se quantificar um conceito de bemestar, abordando a questão do uso e deterioração dos recursos naturais. São fatores que compõem a qualidade de vida, a quantidade de recursos naturais para a produção, bem como a higidez do meio ambiente e a disponibilidade de natureza destinada ao lazer. Em um gráfico podem ser colocados, de um lado, o fator conservação de recursos naturais e, de outro lado, a produção que, de alguma forma, utilizaria estes recursos (seja pela apropriação propriamente dita, seja
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Cf. H. C. Binswanger, Geld und Natur, cit., p. 97-98. Geld und Natur, cit., p. 100. E. Altvater, The Foundations of Life, cit., p. 27.
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por uma poluição causada que o deterioraria). Estes elementos são convertidos em número, e a relação ideal estaria num ponto médio traçado (ótimo de Pareto) que corresponderia a um máximo de produção com um máximo viável de proteção. , Em term'os de cálculo do PIB, pelo fato de este ponto representar um valor médio - ou seja, o lucro máximo mediado pelo fator ambiental, chegando-se a um lucro ambientalmente satisfatório - , provoca-se necessariamente um reflexo negativo no produto interno, que deverá cair para atender ao "ambientalmente correto". Para que a qualidade de vida, ou bem-estar, integre esta operação matemática, deve-se amargar uma queda no valor nominal do produto interno bruto. Em contrapartida, esta sociedade será compensada pela melhoria da qualidade de vida, cuja dinâmica obedece a outra lógica que não o simples alcance de lucro. É forçoso admitir que a aplicação do ótimo de Pareto revela uma espécie de concorrência entre os fatore_s responsáveis pela formação do produto interno e que, paradoxalmente, também compõem o conceito de bem-estar (pois bem-estar é composto de condições materiais e anímicas, como já fora defendido). Isto acontece porque, ao se ajustar a produção a um nível ambiental satisfatório, verifica-se a necessidade de despender determinada quantidade de recursos, o que torna o rendimento nominal da produção inferior àquele possível de ser obtido sem a consideração da proteção dos recursos naturais. Ocorre uma relativização do lucro como grandeza constituinte do PIB. Esta pretendida relativização entre efeitos negativos da produção e aumento da proteção ambiental, se realmente aplicada, implica uma queda monetária do produto interno tal qual é determinado hoje. Despesas com medidas de limpeza ambiental, limitação da expansão de áreas industriais para garantia de espaço de lazer, influenciam negativamente o valor do produto interno bruto, não obstante representem largos passos para uma melhoria da qualidade de vida. Insisto no fato de que o bem-estar não se resume num meio ambiente íntegro, tampouco em condições materiais. Seu conteúdo é constituído pela soma desses elementos. Portanto, deve-se concluir que o desenvolvimento verdadeiro de uma sociedade, com a presença irrevogável de uma sadia qualidade de vida, não pode ser refletido, com fidelidade, na operação matemática responsável pela representação numérica do produto interno bruto. Fica patente, portanto, o quanto de ilusório contém o conceito de crescimento econômico, seja para a política ambiental, seja para o
que se convencionou chamar de bem-estar, ou qualidade de vida, quando se mantém apartado de seu movimento qualquer compromisso com a melhora do tratamento dos recursos naturais. Tampouco o aumento do PIB - indicador do crescimento - significa, por si, um aumento do padrão de vida de uma sociedade, pois sua expressão monetária não reflete necessariamente uma produção que atenda às necessidades dos integrantes da sociedade, condição básica para a realização da "sociedade do bem-estar".
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2.2 Crescimento Econômico e a Finalidade da Atividade Econômica Mediante o crescimento econômico, aumentam-se também os meios para a proteção ambiental (novas tecnologias, maior conhecimento científico etc.). Simultaneamente, tornam-se cada vez maiores as exigências para a proteção do meio ambiente e, com isto, aumentam também os gastos necessários para esta atividade. O que não significa necessariamente uma melhora do ambiente, mas somente uma manutenção do status quo do meio ambiente. Explico: aquecendo-se a atividade industrial, aumenta-se a pressão sobre o ambiente em termos de apropriação de recursos ou da produção de dejetos industriais, tornando maior o aparato de limpeza exigido para que o ambiente não entre em degeneração na razão direta do aumento da produção. Produtos não considerados no cálculo econômico - emissões de poluente e lixo - são interiorizados no tempo e espaço. A produção de hoje certamente traz custos maiores que a mesma produção de vinte anos atrás, porque, dentre outros fatores, precisa contar com recursos naturais mais escassos e com investimentos em recomposição de fatores ambientais, que sejam imprescindíveis à nova produção. A paulatina dificuldade de se conseguir energia e matéria-prima e o conseqüente aumento de regulamentação para a utilização desses recursos devem-se aos estragos e abusos ocorridos no passado. Em reação, vem surgindo um ramo lucrativo, o das indústrias de "limpeza ambiental", cujo objetivo único é produzir aparelhos para sanar os estragos decorrentes da produção cotidiana. Tais indústrias incorporam o produto interno e fazem-no crescer, embora não haja aumento de qualquer produção para consumo social. O que ocorre é uma "metaindustrialização". É toda uma mobilização de recursos e energia para produção de corretores de uma produção existente.
Por outro lado, embora um aumento do crescimento econômico signifique aumento das exigências frente aos recursos naturais, um crescimento nulo não implica necessariamente a diminuição ou estabiliz;:ição do u~o de matéria e energia. Não procedem os argumentos de que proteção aos recursos ambientais implica diminuição do crescimento econômico, como também são questionáveis os argumentos opostos de que só o crescimento econômico pode garantir proteção ambiental. Um crescimento negativo pode consistir numa diminuição da preocupação tecnológica para minimizar efeitos danosos dos dejetos finais da produção. Se a paralisação do crescimento econômico dificulta um tratamento com a última palavra em técnica de limpeza ambiental (tratamento dos outputs indesejáveis), o aquecimento da produção econômica eleva necessariamente a quantidade de recursos a serem apropriados (input para o crescimento da produção). De qualquer forma, o problema do esgotamento dos recursos naturais não é diretamente proporcional ao aumento ou diminuição do crescimento econômico. A velocidade da destruição dos recursos naturais está diretamente comprometida com a forma em que se dá a sua apropriação pela sociedade. A quantidade de transformação de matéria e de energia não depende do crescimento econômico, mas das características da atividade econômica. "Não é o tamanho da taxa de crescimento econômico que se revela como problema, porém o modo como a sociedade regula o 'metabolismo' de troca material entre natureza, indivíduo e sociedade" 164 •
Deste modo, não é com a grandeza monetária do produto interno e com os dados que compõem o crescimento econômico que se atinge o cerne do problema do uso dos recursos naturais na produção econômica. Porém, no momento em que se discute a razão e finalidade da produção, caminha-se para uma real alteração do modo de tratamento do meio ambiente pela economia moderna. É por isso que este trabalho deposita tanto valor na interpretação do art. 170 da Constituição e na elaboração de políticas públicas para uma maior compatibilização da prática econômica com as normas que compõem a "ordem econômica da Constituição Federal". Os
princípios constitucionais revelam a finalidade da produção. Estacaracterística de objetivo é própria deste novo tipo de norma constitucional que preceitua mais do que apenas o que seja ou não lícito. Define também valores, bases, metas, para a realização de uma política econômica, social, ambiental, enfim, para a materialização da totalidade em que se revela o sentido da palavra política.
3
ECONOMIA AMBIENTAL
3.1 Pressupostos da Economia Ambiental No momento em que se procura normatizar a utilização do meio ambiente, trabalha-se com dois aspectos de sua realidade. O primeiro considera o meio ambiente enquanto elemento do sistema econômico, e o segundo considera o meio ambiente como sítio, um local a ser apropriado para o lazer ou para as externalidades da produção, tornandose depósito dos subprodutos indesejáveis desta produção. Procura-se normatizar uma economia (poupança) do uso de um bem, e determinar artificialmente (sem qualquer relacionamento com as leis de mercado) um valor para a conservação de recursos naturais. Estes são os meios encontrados para "integrar os recursos naturais ao mercado". A busca de uma poupança dos recursos naturais mediante um aumento dos custos de apropriação, garantindo a existência desses recursos para a apropriação de gerações futuras, revela-se insuficiente. As preferências dos sujeitos econômicos das próximas gerações não se podem conhecer, e as dos sujeitos atuais são apenas insuficientemente conhecidas. No entanto, este conhecimento é absolutamente necessário quando se pretende basear uma política ambiental na finalidade de poupança dos recursos naturais, para que atendam às presentes e futuras gerações. Ademais, não se podem otimizar as possibilidades de uso da natureza quando não se sabem quais os limites que realmente não podem ser ultrapassados sem que se causem efeitos irreversíveis para o meio ambiente 165 •
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164 E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, p. 24. "Nicht die Hi:ihe der i:ikonomischen Wachstumsrate ist also das Problem, sondem der sozi.ale Regulationsmodus des 'Metabolismus', des Stoffwechsels zwischen Natur, Individuum und Gesellschaft".
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1 • Cf. E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 246. "Wenn die Effekte so vieler die Natur betreffender Aktionen und Handlungen zu wenig bekannt sind oder fast immer beiseite geschoben werden, kann ein optimaler Gebrauch der natürlichen Ressourcen - das Ziel der neoklassischen Analyse und politischen Empfehlungen - nicht stattfinden".
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A economia ambiental tem como foco de preocupação os "efeitos externos", e procura fixar o emprego da "monetarização" para responder à questão do uso de recursos renováveis e não renováveis. O ideal estaria em que cada fração de recurso natural utilizado obtivesse um preço no mercado. A economia ambiental analisa os problemas ambientais a partir do pressuposto de que o meio ambiente - precisamente a parte dele que pode ser utilizada nos processos de produção e desenvolvimento da sociedade industrial - é limitado, independentemente da eficiência tecnológica para sua apropriação. O esgotamento dos recursos naturais, responsável pela assim chamada crise do meio ambiente, é identificado em duas clássicas tomadas: com o crescente consumo dos recursos naturais (minérios, água, ar, solo, matéria-prima) como bens livres (free gifts of nature) e com os efeitos negativos imprevistos das transações humanas. Então, a fim de se equacionar o problema da escassez dos recursos naturais e da melhoria da qualidade de vida, mantendo o processo produtivo, procura a economia ambiental incorporar ao mercado o meio ambiente, adotando a teoria da extensão do mercado (atribuição de preços) patrocinada por Ronald Coase. Somando-se a isto, busca a economia ambiental um outro teórico, Arthur C. Pigou, adotando a via da correção do mercado, ou seja, apostando na revalorização das preferências individuais por intermédio do Estado. A preocupação central é a internalização das externalidades ambientais, visando ao "uso racional dos recursos naturais".
3.2 Pigou e a Correção do Mercado - Coase e a Extensão do Mercado A máxima de que cada um deve ocupar-se do próprio negócio permitiu que uma série de resultantes da produção não participassem do cálculo privado, o que conduziu a uma seqüência de "deseconomias ", ou seja, produtos não contabilizados na renda do empreendedor, trazendo efeitos negativos à sociedade - as externalidades negativas. Ao contrário do que previam os liberais clássicos, a perseguição de interesses individuais não conduz apenas ao aumento dos benefícios públicos - externalidades positivas - , mas também, tragicamente, à destruição da base comum de manutenção da vida. A razão individual transmuta-se no seu efeito final em irracionalidade social.
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Deseconomias externas se materializam em descarga para uns e carga para outros. A partir desta constatação, são incorporadas à economia ambiental as teorias de Pigou e Coase, visando à correção das externalidades negativas, também chamadas de custos sociais. Com base em Pigou, é apresentada uma extensão da política econômica do bemestar ao tratamento do meio ambiente, com a participação do Estado como corretor de distorções causadas pela escolha individual. Em Coase, é encontrado o pensamento categórico: "tudo que não pertence a ninguém é usado por todos e cuidado por ninguém". Daí sua proposta consistir em transformar tudo que for de propriedade comum em direito de propriedade individual (property rights). a) Pigou A. C. Pigou chama de deseconomias externas os efeitos sociais danosos da produção privada, e de economias externas os efeitos de aumento de bem-estar social da produção privada. Em ambos os casos, tanto positivo como negativo, o mercado não transporta todas as informações necessárias para que seus agentes (empresa e consumidor) realizem a alocação ótima de fatores. Recai-se forçosamente numa subutilização de recursos e, portanto, numa perda em bem-estar. As expedições proporcionadas pela concorrência em direção a soluções inovadoras e elevadoras de bemestar, por palmilharem caminhos imprevisíveis e inconciliáveis, conduzem, não raramente, em erro. Pigou analisa e conclui, no caso da falha do mercado com relação à percepção das externalidades, que o Estado deve igualmente introduzir um sistema de imposto, em caso de deseconomia externa (efeitos sociais negativos) e de subvenção ou incentivo, em caso de economia externa (efeitos sociais positivos). Trata-se de um movimento automático de complementação. A uma falha do mercado coloca-se o Estado como instituição à parte, para corrigir suas lacunas e, então, assegurar um nível ótimo do mecanismo de mercado. Da mesma forma, o Estado é chamado para corrigir, não só a distorção do mercado com relação ao uso dos recursos naturais, como também para agir subsidiariamente com os custos dos efeitos externos, tomando para si parte dos custos que seriam transmitidos ao causador. Sobre as eventuais limitações econômicas, ' decisórias e de planejamento do Estado não se discute. O Estado é definido como o negativo do mercado. 91
b) Coase
Os adeptos da liberalização do mercado, num outro extremo, preferem soluções extraídas de transações entre causador e suportador dos efeitos externos, eliminando o Estado redistribuidor (subvencionador) e o Estado elevador de impostos. Aqui, encontramos Coase. Pressuposto para esta solução é um sistema global de direitos de propriedade dos sujeitos privados, que negociam seus interesses, buscando um acordo, para, assim, conseguirem uma internalização eficiente dos efeitos externos. O Estado, neste caso, não tem de cuidar da internalização dos efeitos externos mediante um sistema de compensação intermediado pela administração pública (subvenção e imposto). Ele deve unicamente evitar, dentro da ordem contratual privada dos "property rights" 166 , o surgimento de externalidades que não interessem a ninguém, garantindo a eficiência da completa internalização dos efeitos externos pelos sujeitos do mercado 167 •
3.3 O Problema do Estado Corretor das Externali-
dades As teorias da extensão (Coase) e da correção (Pigou) do mercado não são, no seu plano básico, distantes uma da outra. Ambas buscam objetivos políticos, econômicos e ambientais, porém ambas apóiam-se num individualismo metodológico integrado por uma perspectiva econômica isolada, sem a devida flexibilização com os aspectos menos matemáticos da economia, o que dificilmente as retiram dos gráficos. A economia ambiental apenas mostra como tratar a na-
166 Couret sintetiza a teoria dos property rights. Explica ele que, para os seus defensores, a propriedade individual está na origem da eficácia econômica. O modo de alocação dos direitos de propriedade responde pelo desenvolvimento do mundo ocidental, procuram demonstrar os teóricos do property rights. A distribuição dos direitos de propriedade é a garantia de uma boa organização da produção. A partir disto, os meios de produção serão mais bem explorados, à medida que lhes sejam conferidos direitos de propriedade dotados eficazmente das seguintes prerrogativas: direitos exclusivos, direitos transferíveis. A propriedade privada combinada com a lógica do mercado seriam suficientes para assegurar um processo de alocação ótima dos recursos no interior da economia (Alain Couret, La propriété et l'organisation de la production en économie libérale, in G. Farjat, B. Remiche, Liberté et droit économique, p. 47). 167
E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 109.
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tureza, a fim de que se retire dela um máximo de utilidade econômica privada, buscando integrar o meio ambiente na economia de mercado. Esta procura naufraga, porque a complexidade dos aspectos ecológicos neste processo não chega a ser considerada 168 • É necessário que a transposição para a prática seja feita dentro de certas precauções. Essas teorias são modelos que precisam encontrar a devida contextualização. Sobretudo porque a proposta básica da economia ambiental, a valorização monetária da natureza, é artificiosa (não corresponde às forças do mercado, que a emprega necessariamente como bem livre ou em abundância 169 ), necessitando de amparo jurídico e político, a fim de que chegue ao fim almejado, sem se esquecer de que, como um rio desviado de seu curso, o mínimo descuido com as obras de engenharia permitirá que retome seu curso inicial, com uma fúria de efeitos imprevisíveis. Não é possível atribuir ao Estado, convenientemente, faculdades que não estão presentes na relação de mercado e, ao mesmo tempo, impedimentos para a realização de atos, que só ao mercado competiriam ser implementados com eficiência. Esta suposta atribuição ao Estado desenvolve-se num reflexo da ação do mercado: a cada falha deste é acrescida, automaticamente, uma capacidade do Estado, procurando forjar-se, na expressão de José Eduardo Faria, uma espécie de "jogo de soma positiva", sem perdedores 17º. O Estado depara-se com as peculiaridades dos problemas ambientais, sem poder honrar, com plena eficiência, sua atribuição de organizador e direcionador de atividades no campo da proteção do meio ambiente. Sua ação é limitada pelos seguintes pontos, precisamente assinalados por Cogoy: a globalidade dos problemas ecológicos e seu efeito na base de reprodução social; o caráter social e cultural da crise ecológica; o caráter inédito, irreversível e de impossível repetição dos "experimentos ecológicos"; o caráter histórico mundial que tomou a crise ambiental 171 • Para rever os fins da produção, transformando-a numa produção social, não basta o Estado Social, a quem é impossível realizar
168 Christian Leipert, Die Aufnahme der Umweltproblematik in der okonomischen Theorie, p. 40. 169 Cf., infra, n. 3.4. Valor monetário da natureza e os efeitos no mercado. 170 J. E. Faria, Direito e economia na democratização brasileira, p. 53. 171 M. Cogoy, Kann Staatliche, cit., p. 258.
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plenamente o papel de defensor da coletividade, traduzindo uma espécie de "efeito tampão" das imperfeições do mercado. À ineficiência do mercado não é possível contrapor um aumento da burocracia. Existe um grau ótimo de atuação do Estado, que, depois de ultrapassado, t~rna-o umà máquina pesada e ineficiente, com uma burocracia que concorre com o desenvolvimento da produção, a qual visava inicialmente melhorar. Quanto a este limite, afirma Robert Kurz: "Estado e mercado servem-se reciprocamente, porém não no ideal de complementação na busca de um processo social civilizatório" 172 • Tendo sob nossas vistas as limitações do Estado, é forçoso admitir que toda sua atuação para com a proteção dos recursos naturais não pode significar um ato isolado, dissociado de avaliações de ordem cultural, econômica e de capacitação técnica. Nem, muito menos, pode ficar o problema da internalização dos custos sociais restrito a · decisões administrativas isoladas, sem um envolvimento dos diversos setores da sociedade. Por isso, insisto na não-fragmentação da análise do problema ecológico. Tanto na atividade cotidiana como na interpretação do texto jurídico, a metodologia a ser adotada é aquela capaz de visualizar a gama de relações humanas envolvidas. Uma vez inserida na sociedade, a natureza deixa de ser algo em si, tornando-se indissociável do todo social. Procurar dar a ela um status normativo, ou econômico setorizado, trará efeitos imprevistos, dificilmente favoráveis.
3.4 Valor Monetário da Natureza e os Efeitos no Mercado Da mesma forma que a teoria derivada de Pigou procura adequar de modo setorizado o uso dos recursos naturais, trazendo o Estado para neutralizar os efeitos negativos, a busca da inserção do meio ambiente no sistema de preços do mercado não chega a avaliar o que significa este custo monetário extra para o desenvolvimento econômico. A monetarização e a regulamentação da natureza, como um fator escasso da produção e como uma propriedade privada, otimiza os modos de sua utilização econômica e procura enquadrar o objetivo de lucro empresarial dentro de uma política empresarial ambien-
talmente sustentável. Ela não chega, contudo, a atingir o verdadeiro cerne da questão 173 • Com base na teoria dos property rights de Coase, procura-se estimar um valor para o uso dos recursos naturais, acertado pelo mercado, fazendo da natureza um marketable good. Determinar preço à natureza é o mesmo que privatizá-la, imputando ao utilizador deste recurso uma contraprestação monetária. A apropriação de um recurso natural, para a produção ou para dejetos da produção, depende da disponibilidade do particular em arcar com o preço imputado à parcela de natureza que se pretende usufruir. É necessário remarcar que disponibilidade a pagar contém o atributo possibilidade de pagar. Uma relação calcada neste interesse subjetivo pouco garante de proteção efetiva ao ambiente, mas, por ser dependente de uma situação individual econômica, sujeita-se a outros critérios, como existência de outros bens no mercado, situação concorrencial, flutuações entre crises e aquecimento de consumo, além do fôlego econômico de cada empreendedor. Quanto maior o preço da mercadoria (recursos naturais), menor a quantidade de sujeitos que têm acesso a ela. Por causa do aumento da dificuldade de acesso a estes "bens", surge uma forma nova de exclusão da concorrência no mercado. O aumento do custo da produção permite maior concentração de capital, numa clara tendência monopolista. A concorrência é paulatinamente reduzida e o mercado torna-se um oligopólio de grandes grupos, que estão dispostos não somente a pagar, como também a diminuir a incômoda concorrência. O pagamento e a disposição a pagar são movimentos decorrentes da produção. Paga-se à medida que se detém o poder de compra. No desenvolvimento desta prática, não se alcança efetivamente o objetivo de conservação dos recursos naturais. O que ocorre é a sumária transferência do uso da natureza para faixas cada vez mais estreitas da sociedade. Um instrumento que seria para afastar a poluição, afasta a concorrência e concede privilégios de poluir. O aumento do preço de um produto potencialmente poluidor ou em processo de escassez não reduzirá o desejo em adquiri-lo, porém
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Robert Kurz, Der Kollaps der Modernisierung, p. 40.
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Helmut Brentel, Alternative okonomische Reproduktionsmodelle: Die ôkologisierung der Wirtschaft zwischen marktwirtschaftlichen und naturbeziehenden Konzepten, p. 8-9.
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somente trará uma frustração, por elevar um produto, antes acessível, à disposição de uma oligarquia. A perversidade deste mecanismo já tem mostrado o quanto produtos antes livres, e tomados como de natural acesso a qualquer pessoa, tornam-se produtos de luxo. Este movi~ento da teoria da prontidão a pagar impulsiona uma diminuição ainda mais aguda da possibilidade de generalização da qualidade de vida. Seleciona-se para aquele que pode estar pronto a arcar com o preço a possibilidade de acesso a recursos naturais e melhor qualidade ambiental. Esta constatação não se faz presente apenas no mercado interno, porém se pode vê-la refletida nas relações internacionais. A qualidade de vida torna-se um bem de mercado acessível a quem detém cada vez maior quantidade de riqueza e que se pode colocar na prontidão para pagar. Após quitado o preço, é desenvolvida toda atividade de expansão humana que sua imaginação e capital permitem, freqüentemente resultando no consumo, isto é, deterioração daquele bem adquirido, que representava um importante componente da "qualidade de vida" do ponto de vista da coletividade. A dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, de atribuir-se uma medida monetária ao recurso natural está sobretudo no fato de que lhe falta a soma de fatores inerentes à produção. Isto é, ele vale pela sua simples requisição para continuidade do processo produtivo. Sua valoração dispensa o fator custo de produção, estando sujeita teoricamente à quantidade ou escassez. Esta valoração é constituída por um raciocínio simplificado de preço, o qual partiria do zero - caso o recurso fosse abundante, por exemplo, o ar - atingindo valores diversos na medida de sua escassez no mercado. No entanto, é importante frisar que escassez, como elemento regulador de preço, significa escassez no interior de determinadas relações de mercado, dependente da quantidade do bem apresentado para comércio, bem como da relativização da sua finalidade, e não da sua existência em termos absolutos. Exemplificando, o valor de uma seringueira numa colônia de seringueiros não é o mesmo valor de uma seringueira que enfeita um jardim em São Paulo. Embora se possa determinar um valor monetário para ambas, jamais ele será um valor monetário intrínseco a cada árvore, simplesmente porque elas existem. Natureza "humanizada", em relação com o homem, é uma categoria social. Seu conteúdo e valor é-lhe socialmente atribuído. De fato, os bens não precisam ser escassos por si, basta que sejam escassamente apresentados no mercado. Na abundância não há
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lucro. A construção da escassez é necessária para garantir-se lucro. Não se deve inverter. A economia não surge com a escassez, porém a escassez é um pressuposto para a economia de mercado. Além do mais, não é toda escassez que integra a dinâmica de preços do mercado, mas aquela escassez que pode ser controlada e produzida. Por que, sabendo-se da esgotabilidade das reservas minerais como bauxita, ferro e petróleo, já inclusive estimado o tempo para sua desaparição definitiva do mercado, seus preços continuam sendo tão baixos, acessíveis a qualquer sujeito do mercado? Por que, também, consegue-se manter uma uniformidade e estabilidade no preço desses materiais por mais que se os utilize, sabendo que cada utilização do produto jamais é reposta, aumentando-se a cada dia sua escassez? Porque esta escassez é uma escassez real, não de mercado. Ao mercado não interessa transmitir a escassez real destes materiais que são a base de toda produção industrial. Seu preço deve ser garantido acessível, para que se reproduzam as atividades industriais de uma forma constante e ascendente. Por isso, o mercado internacional de minerais depende de outros fatores e muitas outras determinantes, além do puro mecanismo da oferta e da procura. Este relacionamento com produtos indispensáveis à estabilidade do processo produtivo, impedindo a internalização da sua real escassez, dentro da perspectiva monetária do mercado, é exemplificativo para a afirmação de que não existe um processo econômico fechado - um ciclo econômico, como bem lembra Leipert: "O processo econômico não é um círculo representado pela figura de um aparelho circulatório da economia, que pode ser mantido em movimento uniforme indefinidamente, independente da introdução de inputs externos ao circuito e refratário aos outputs que transfere ao exterior. Porém, é ele um processo unidirecional de transformação de energia e matéria transcorrendo no tempo histórico, provocando modificações qualitativas irreversíveis, que, por sua vez, repercutirão no futuro sobre o processo econômico" 174 •
174 C. Leipert, Die Aufnahme, cit., p. 6. "Der WirtschaftsprozeJS ist kein zyklischer ProzeJS, der sich im Bild des Wirtschaftskreislaufs einfangen laJSt und wie ein Perpetuum mobile unabhangig von extern zugeführten Inputs und in die AuJSenwelt abgegebenen Outputs aufrechterhalten werden konnte, sondem er ist ein unidirektionaler in der historischen Zeit ablaufender ProzeJS der Transformation von Energie und Materie, der mit irreversiblen in der Qualitatsveranderungen einhergeht, die wiederum auf den WirtschaftsprozeJS in der Zukunft zurückwirken".
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Revela-se incompatível com a realidade a facilidade com que é desenvolvida esta teoria fundada na capacidade de ajuste do mercado. Por ela, as atividades acabam correspondendo, idealmente, às necessidades de mercado, e a produção geral teria o poder ponderador Íi.e~essário pâra apropriar e ajustar-se aos recursos existentes, numa eficiência ótima. Todas as variáveis de tempo, espaço, cultura, costume, técnica e capital são submetidas a esse movimento imaginário. Ora, não existe tal imediata mobilidade de recursos produtivos. Isto faz parte de um tipo ideal, resultado de uma decomposição ideológica, em que se despreza séculos de batalha histórica, para o ajuste e domesticação de hábitos, gostos e modos de vida a um processo produtivo que não surgiu de uma racionalização de recursos produtivos, mas de uma razão individual de apropriação e proveito. Qualquer mudança de otimização de um proveito individual para uma utilidade social deve surgir de fora dessa lógica estéril, idealizada em um processo econômico impossível de se concretizar. A alta abstração alcançada pela teoria econômica idealizou e tipificou a tal ponto as relações humanas, que já não há mais como trabalhá-la dentro de padrões reais. A abstração necessária para o desenvolvimento de um raciocínio acabou tornando a realidade dispensável para a formação da teoria 175 • É justamente pela sua incapacidade de refletir a realidade que teorizações econômicas vêm sendo responsabilizadas pelos desenvolvimentos distorcidos, crises e catástrofes potenciais. Principalmente quando se trata da questão ecológica, este ceticismo toma conta da discussão, cuja premissa é sempre a suposta oposição entre economia e ecologia. É necessário, pois, trazer à superfície o intrincado movimento da sociedade, cuja diversidade tendencialmente vem sendo subjugada por teorias em formatos sistêmicos, reduzindo a riqueza das manifestações sociais a funções estéreis.
Deve-se redescobrir a economia e compreendê-la na indissociável relação imanente, teoria-praxis. Pois, a verdadeira teoria precisa ser desenvolvida e esclarecida no interior de situações concretas, considerando os efetivos relacionamentos. Os resultados científicos isolados precisam ser relativizados social e historicamente, caso contrário enrijecem-se em incompreensíveis dogmas 176 • A garantia da reprodução das bases naturais requer uma orientação no modo de sua apropriação. Impossibilidade de pleno conhecimento sobre a dinâmica dos ecossistemas integrados, incerteza quanto a conseqüências futuras, o perigo de efeitos irreversíveis (por exemplo o desaparecimento de espécies e de ecossistemas inteiros) delimitam os pressupostos a partir dos quais se desenvolve uma economia ligada ao bem-estar, na qual não se devem ultrapassar limites ecológicos - por representarem as condições mínimas da existência humana. São estes pressupostos materiais que são trabalhados na formação e aplicação de uma teoria econômica que seja sustentável no futuro 177 •
3. 5 Sobre o "Conflito" Economia - Ecologia Finalmente, procurando alargar o campo de trabalho do direito econômico, que, além de garantir a manutenção das bases naturais da produção, deve envolver-se com a melhoria da qualidade de vida, volto-me à crítica da idéia-base da economia ambiental. Assevero que o direito econômico não se reduz a instrumento da economia ambiental ao tratar da normatização do uso sustentável dos recursos naturais. Enfrento, para tanto, a face velada desta teoria, que procura, em última análise, a monetarização da natureza: no avesso do tecido da economia ambiental, encontra-se a sustentação da existência de um necessário conflito básico entre economia e ecologia. Este conflito é, antes, uma construção semântica, e sua divulgação deve-se a uma concepção "negligente dos macroeconomistas devido à limitação do seu objeto de conhecimento" 178 • É necessário situar-se de
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Cf. Karl Willian Kapp, Die Enthumanisierung der Wirtschaftswissenschaft und der gesellschaftlichen Realitat, in Sozialisierung der Verluste?, p. 66. "ln Verlaufe der fortschreitenden Abstraktion der wirtschaftlichen Theorie ist diese Verhaltenshypothese immer mehr zu einer ideal-typisch Akzentuierten Fiktion geworden, bei der die Frage des tatsachlichen menschlichen Vt:rhaltnis gar nicht mehr zur Diskussion steht".
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176 Cf. Alfred Schmidt, Zur Idee der kritischen Theorie, in Kritische Theorie: eine Dokumentation, p. 340-342.
C. Leipert, Die Aufnahme, cit., p. 60-1. Gerhard Maier-Rigaud, Die Herausbildung der Umweltokonomie, in F. Beckenbach, Die okologische Herausforderung für okonomische Theorie, p. 27.
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que economia se trata, sob pena de uma generalização que transforma assertivas em instrumentos de retórica sem qualquer precisão. Deve-se remarcar que a origem da palavra economia, o objetivo original da prática econômica, refere-se justamente à manutenção da existência (ma" nu'tenção das bases da vida - Lebensgrundlagen) 179 • Assumir economia e ecologia como complexa interação, impõe a imediata relativização da teoria dos preços e traz como conseqüência, um leque de atuações jurídicas e políticas, visando a compor o desenvolvimento econômico com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Natureza é o primeiro valor da economia, é a primeira apropriação, base de qualquer transformação. E, apesar desta evidência, observa Gunter Stephan, manuais sobre teorias de crescimento ou de equilíbrio geral não discutem nem as modificações causadas no ambiente pelas ações econômicas, nem as conseqüentes repercussões no sistema econômico. Bens e trabalho, que são colocados à disposição pela natureza, são tratados como bens não produzíveis, mas, a princípio, passíveis de utilização. E os efeitos que disso decorrem são reduzidos a um problema de alocação 181 •
O início do desenvolvimento da produção industrial estava atrelado ao fado da existência dos recursos adequados. Aço, carvão, ferro, alimento representaram condições decisivas para a Revolução Industrial, apesar da não-monetarização do valor da existência de tais recursos. Cidades cresceram e minguaram à medida que os recursos naturais que sustentavam o seu desenvolvimento desapareciam. Isto desvenda a existência de um valor econômico do bem natural condicionado pela sua existência e relacionado com o potencial de uma sociedade em apropriá-lo para o desenvolvimento da sua atividade econômica.
O antagonismo gerado entre ecologia e economia que especificamente hoje é possível de ser identificado pode ser formulado do seguinte modo: ecologia está assentada numa descrição de tempo e espaço, e os processos de transformação de matéria-prima são exercidos sobre um conjunto finito. A economia, ou melhor, o modo de produção moderno, não leva em consideração tempo e espaço, tomando os recursos naturais como infinitos e inesgotáveis, justificando a necessidade de um contínuo crescimento, que se revela por uma geração constante de valor-início e finalidade de toda a produção.
Certo é que o fator natureza integra necessariamente o movimento econômico, compondo o aumento e diminuição de riqueza de determinada sociedade, sem que, contudo, este fator seja necessariamente quantificado monetariamente. Natureza é a primeira mediação humana para a produção. A produção social é uma produção natural, posto que o homem, em qualquer formação social, tem as relações de produção e reprodução social mediadas pela natureza. A base e os limites dos objetivos da atividade humana são determinados pela prática social - pelos elementos históricos, culturais e naturais que integram cada sociedade. A produção é sempre social. Ela é sempre apropriação da natureza pelo indivíduo no interior e mediada por determinada forma de sociedade, conclui Alfred Schmidt 180 •
179
Economia forma-se do grego: oikos - casa, nomos - gerência, lei, costume. O gerenciamento da casa, é o sentido primitivo desta palavra. 18 ° Cf. A. Schmidt, Der Begriff der Natur, cit., p. 57. "Gesellschaftlich ist die Produktion immer. Immer ist sie Aneignung der Natur von seiten des Individuums innerhalb und vermittelt einer bestimmten Gesellschaftsform".
Esclarecedor ainda é o seguinte comentário de Schmidt: "Da mesma forma que os processos naturais, independentes do homem, realizam-se numa transformação
100
Binswanger localiza um conflito, circunscrito na análise dos problemas ambientais pela economia, no fato de que a realidade do dinheiro (não da economia) está em conflito com a realidade da natureza. Segundo o autor, é necessário organizar a economia de tal arte, a ponto de que este conflito não leve nem a uma crise econômica, por não se tomar com seriedade a realidade do dinheiro, nem a uma crise ambiental, por se desconsiderar a realidade da natureza 182 • Ressalta ainda que não se trata de esgotar as possibilidades apresentadas pela
matéria-energia, a produção humana, iniciando com a apropriação de recursos naturais, não pode se furtar dos movimentos da natureza. Natureza e sociedade não se opõem uma à outra. O homem socialmente ativo coloca-se perante a natureza (Naturstoff! como um poder natural. As forças naturais inerentes ao seu ser, braços, pernas, cabeça, mãos, colocam-no em movimento, a fim de que ele aproprie-se da natureza (Naturstoff), transformando-a em algo útil para sua vida. A medida que ele, por este movimento, atua sobre a natureza externa a ele e a transforma, transforma ao mesmo tempo a sua própria natureza" (Der Begriff der Natur, p. 64). 181
Günther Stephan, Ókologisch-orientierte Wirtschaftsforschung heute: Was kann ein entropie-theoretischer Ansatz leisten?, in F. Beckenbach, Die okologische Herausforderung für okonomische Theorie, p. 325. 182
H. C Binswanger, Geld und Natur, cit., p. 23.
101
economia, nas quais se podem procurar soluções em novos investimentos "ambientalmente conformes". É necessário dominar a situação, para que as possibilidades de desenvolvimento econômico não se tornem independentes e desemboquem num incontrolável crescimento quantitativo. A economia parte da dominação e transformação da natureza e é por isso dependente da disponibilidade de recursos naturais. Esta dominação/transformação está direcionada à obtenção de valor, que se materializa em forma de dinheiro, riqueza criada. Como equilibrar riqueza coletiva existente e esgotável com riqueza individual e criável é a grande questão para a conciliação entre economia e ecologia. Não há verdadeiro progresso com deterioração da qualidade de vida, e será ilusório qualquer desenvolvimento à custa da degradação ecológica - alerta o professor Fábio Nusdeo 183 • Este impasse coloca-nos o desafio da coordenação das práticas individuais com os interesses coletivos-. É por isso que a questão da apropriação dos recursos naturais tem a vocação de chamar à revisão das clássicas dicotomias (público-privado, estado-sociedade, economia-ecologia), que, na verdade, sempre se constituíram como revelações alternadas do todo indissociável. É imperioso ao jurista empreender a tarefa nada fácil de iluminar o público no privado, o privado no público, a sociedade no Estado e o Estado na sociedade, a economia na ecologia, a ecologia na economia. Um caminho que me parece evidente é pela prática jurídica voltada à coordenação dessas manifestações, antes representadas de maneira segmentada. Instrumentos de participação direta da sociedade são necessários. A atuação democrática concreta dos cidadãos é o que resta para ocupar o lugar do pingue-pongue entre estatismo-liberalismo. Tais instrumentos devem possibilitar a consecução de um bem-estar social calcado no conceito de comunidade. Sociedade não é um agrupamento aleatório humano. O homem é um ser social, enquanto se solidariza com o outro para um objetivo comum de sobrevivência e existência. A perda do sentido de agrupamento social transforma a união com o outro em sociedade num ato forçado. Uma violência à expansão da força individual. É a dessocialização do homem em sociedade e a desnaturalização do homem na sua relação com a natureza.
181
Cf. F. Nusdeo, Desenvolvimento, cit., p. 94.
10'2
Tomando-se as contribuições da economia ambiental, sem fechar os olhos a suas limitações; verificando-se, mais detidamente, que o conflito sobre o qual ela trabalha é conflito enquanto imerso na visão restrita e incorreta de que todos os elementos da produção podem ser inseridos na dinâmica reguladora do mercado (marketable good), é forçoso admitir que cabe à aplicação do direito a "justa medida", na composição dessas teorias, contextualizando e adaptando-as às condições e exigências sociais e sobretudo ratificando a complexidade - jamais oposição - da relação entre economia e ecologia. Daí chegar-se, agora pela via deste pequeno apanhado econômico, à conclusão de que não se pode analisar o capítulo do meio ambiente como limitativo da ordem econômica, ou conflitante com suas normas, ou mesmo tomar ambos como refratários um ao outro. O tratamento adequado do inter-relacionamento dos objetos tratados pelos arts. 170 e 225 da Constituição Federal revela-se numa prática interpretativa que avalie a complexidade do ordenamento jurídico. Busca-se a concretização de políticas públicas capazes de revelar o texto constitucional em toda sua globalidade, em vez de reproduzir os discursos que exaltam uma oposição que não é material, mas ideológica. Se aceita, esta ideologia conduz à impossibilidade de se encontrar uma lógica de relacionamento do desenvolvimento produtivo com a utilização sustentada da natureza. Portanto, remarco que, dentro da complexidade do quadro descrito, as normas do direito econômico devem não apenas estar comprometidas com o lucro e crescimento econômico, porém devem captar a abrangência de todos os vários fatores que compõem as relações sociais ligadas à atividade econômica, dentro de uma perspectiva de ajuste dinâmico dessas relações. Torna-se imprescindível, destarte, situar como o direito age na mudança de perspectiva da apropriação dos recursos naturais para o desenvolvimento econômico. Ou - o que também remete ao direito - investigar de que modo a prática econômica deve desenvolver-se, para que não mine os fatores que a sustentam.
4
A "GLOBALIZAÇÃO" DO PROBLEMA DE APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS
O planeta Terra, há muito, não mais é uma junção de terras distantes. O nivelamento das culturas e o desaparecimento das tradições abriram espaço para um modo uniformizado de vida. Das dife-
103
renças que os ibéricos encontraram em suas viagens do século XVI, mantém relatos de viagens a terras distantes que surpreenderam a Europa até o século XIX, destes não há mais pistas nesta segunda metade do sécµlo XX. A facilidade e a mobilidade do comércio internacional são tão simples, como comprar um pão na padaria da esquina, devido especialmente a uma certa e rígida divisão mundial da produção e do trabalho. Esta engrenagem funcionaria sem problemas, se tal divisão não causasse tamanha distorção na distribuição de riquezas. A diferença do nível de vida entre os países aumenta, e diminui o número de países favorecidos. Hoje, não é mais possível falar em um país com alto nível de vida; o que existe são faixas maiores e menores da população de cada país que gozam de melhores condições. O bem-estar atualmente não chega a ser privilégio de um ou outro país, porém de faixas de população. As relações internacionais, globalizadas inicialmente com os impulsos da colonização, mantêm uma estrutura de relacionamento econômico que, em essência, pouco se alterou. As relações entre os países do norte e do sul assentam-se numa contínua dependência material e financeira, que permanece garantindo uma balança comercial favorável para os países exportadores de bens mais elaborados (capital, trabalho e tecnologia). Se um lado pende favoravelmente, outro, necessariamente, penderá negativamente; ordem e caos são dois lados desta sociedade global.
1"
lação externa. Da mesma forma, os países que ficaram do lado desfavorável da balança tiveram que ajustar toda sua estrutura social nesta relação internacional. Não é possível modificar-se a estrutura de produção interna sem se reformar toda relação econômica externa. Portanto, as normas da ordem econômica não podem querer restringir-se a aspectos estritamente internos do desenvolvimento econômico. Todo planejamento da atividade econômica implica a consideração irrefutável dos efeitos das normas da atividade econômica sobre as estratégias de política econômica internacional. A verdadeira macroeconomia tem sua base na reprodução da estrutura internacional. Fatores como produção agrária e divisão de terra, emprego e capacitação profissional, investimento tecnológico e direcionamento da tecnologia, desenvolvimento da indústria nacional e sua finalidade, objetivo da produção e estabilidade da moeda jamais serão resolvidos circunscritos, exclusivamente, à estrutura da economia interna. Por isso, é possível que o Brasil seja o oitavo maior poder industrial da Terra e tenha cerca da metade da população vivendo em pobreza e miséria; um quarto da população ativa desempregada ou em subemprego; tenha 13% dos 50,2 milhões de pessoas empregadas trabalhando sem ganhar dinheiro como salário, e 30% ganhando menos que um salário mínimo (quantia nunca superior a 100 dólares) 185 • "Desenvolvimento, igualmente se o processo é observado de uma perspectiva regional ou nacional, por causa da base de elementos fósseis do processo industrial de reprodução, constitui-se sempre como um elemento dentro um contexto global - seja do lado de seu 'input' ou de seu 'output' (absorção de recursos e produção final). Portanto, desenvolvimento é sempre um processo de distribuição de possibilidades de acesso sobre matérias-primas e de 'direitos de poluir', estes resultantes do processo de entropia [produtos indesejados oriundos do processo produtivo]. Estas conexões formam um temporal e espacial, um econômico e político, ou seja, um multidimensional sistema de coordenação, cujos ramos em cada país (e dos atores nestas sociedades) não são passíveis de serem determinados (excepcionalmente em casos de exercício de poder imperialista ou hegemônico)" 186 •
"A produção da ordem em que se inscreve o desenvolvimento não é possível, sem a correlata construção de relações caóticas. Caos e ordem não constituem um antagonismo, porém são ao mesmo tempo e num mesmo espaço forjados dentro de uma dinâmica global composta por uma pluralidade de 'tempos específicos"' 184 •
A economia interna dos países com a balança comercial externa favorável só pode respirar com esse relacionamento internacional. Todo desenvolvimento da produção interna tem seus pilares nesta re-
181
"Die Herstellung von Ordnung, an der sich Entwicklung bemiBt, ist nicht ohne die gleichzeitige Erzeugung chaotischer Verhaltnisse mõglich. Chaos und Ordnung sind keine Gegensatze sondem gleich-zeitige und gleich-riiumliche eigenschaften einer globalen Dynamik mit einer Pluralitat von 'Eigenzeiten"' (Elmar Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 49).
É bastante provável que estes dados estejam defasados, pois são de 1988, tomados de E. Altvater, Sachzwang Weltmarkt, p. 9. Eximo-me de maior precisão devido a seu caráter meramente ilustrativo.
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184
18
º "Entwicklung, auch wenn der Prozess regional oder national begrenzt betrachtet wird, ist wegen der fossilen Basis des industriellen Reproduktionsprozesses immer
É evidente, dentro do panorama exposto, que a questão da conservação da natureza integra uma perspectiva mundial, não só pelos efeitos da destruição ambiental que desconhece fronteiras, mas sobretudo pela , sua vinculação à dinâmica do mercado internacional.
.
A destruição do ambiente não se deve a uma simples relação entre crescimento econômico de um país e a imediata poluição decorrente causada. Esta destruição faz parte de um processo global de expansão da produção. Causas e efeitos não estão necessariamente ligados ao mesmo território nacional. Altvater constrói, com base no movimento globalizado da produção, a seguinte máxima: "A contraface do bem-estar é o mal-estar das nações" 187 • De fato, o bem-estar de uma nação que consegue garantir o mo. vimento favorável no mercado internacional é intrinsecamente dependente do consumo massivo e barato de recursos naturais das nações menos industrializadas. A coerência nacional aumenta à medida que se externalizam fatores que levam à desestabilização da ordem econômica interna. As nações industrializadas só podem garantir o seu bem-estar com a manutenção da des-industrialização do mundo menos industrializado. É por isso que se pode dizer que o fracasso da estratégia de recuperação industrial (nachholender Industrialisierung) do terceiro mundo nas últimas décadas tem um aspecto ecológico. A sociedade industrial capitalista tende, com uma alta taxa de crescimento da produtividade do trabalho, a ampliar a apropriação dos recursos naturais. O retrocesso da cota de participação no mercado mundial de "países matéria-prima" na África e América Latina não precisa, de forma alguma, significar que aquelas "ilhas de natureza" são menos
utilizadas; o retrocesso é, em grande parte, decorrente da queda de preço das matérias-primas e do conseqüente aumento do endividamento desses países exportadores. O modelo fordista, que envolve todos os elementos da dinâmica social, e que cuida de garantir altas taxas de produtividade e consumo, é uma "fábrica de crescimento", mas também uma "fábrica de consumo da natureza": são necessários muitos recursos (o mais barato possível) como inputs da produção. O mundo precisa ter como recorrer a estas ilhas de natureza e não se produz apenas bens para o consumo massivo, porém emite-se também muita matéria tóxica no meio ambiente outputs, requisitando-o, pois, duplamente. Quanto mais estável a economia fincada na reprodução de capital, maior a sua capacidade de acumular bens concretos, independentemente da sua origem e escassez. Esta afirmação é comprovada pela massiva transferência de alimento e matéria-prima de países da África e América Latina para países mais "ricos" da Terra. A estabilidade deste mercado preservador e acentuador de desigualdades é viabilizada pela dependência financeira em que se encontram tais países. Uma permanente balança comercial desfavorável garante a perenidade desta relação. A venda de matérias-primas ou de produtos com pequena industrialização jamais cobre os custos da importação de materiais sujeitos a uma maior aplicação tecnológica (produtos resultantes de uma maior industrialização). O resultado triste deste comércio é exemplificado pelo Frankfurter Allgemeine Zeitung - FAZ, apontando o aumento constante do abismo social ( Weltsozialfi:ille) da África, América Latina e outras regiões miseráveis do terceiro mundo, cuja situação piorou drasticamente, fazendo da catástrofe da fome cotidiano. Significaria tal degradação humana um problema de escassez de alimento no mercado interno destes países? Não é o caso. Descreve o FAZ que, apesar da fome reinante no Sudão, "é sabido, no circuito da comissão da Comunidade Européia em Bruxelas, que o Sudão neste ano recebeu a aceitação da comunidade européia para exportação de até 100.000 toneladas de Sorgo, alimentação básica para eles, para servir de ração de gado, por um preço especial, isto é, redução de sessenta por cento em imposto" 188 • Este é apenas um
Element globaler Zusammenhiinge - auf der Input - ebenso wie auf der Outputseite. Daher ist Entwicklung immer ein Prozess der Verteilung von Zugangsmi:iglichkeiten zu Rohstoffen (Syntropieinseln) und von 'Verschmutzungsrechten', die bei der Entropieabführ wahrgenommen werden. Diese Zusammenhiinge bilden ein riiumliches und zeitliches, ein i:ikonomisches und politisches, also vieldimensionales Koordinatensystem, dessen Achsen von je nationalen Gesellchaften (und von Akteuren in ihnen) nicht (oder nur in den wenigen Fiillen imperialistischer oder hegemonialer Machtausübung) zu bestimmen sind" (E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 79). 187 Der Preis des Wohlstands, cit., p. 158.
"Wurde aus Kreisen der EG-Komission in Brüssel bekannt, daB Sudan in diesem Jahr Sorghum/Hirse, die in Sudan ein Grundnahrungsmittel ist, ais Viehfutter zu
106
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188
caso exemplificativo que ocorre em todo o miserabilizado "terceiro mundo". Os navios-contêiner, que transportam cestas básicas como modestas contribuições para as regiões de fome da África, retornam, lt;vando da~ mesmas regiões, produtos de luxo e de monoculturas, sobre os quais a grande maioria da população local não obtém qualquer vantagem, seja como produtores, seja como consumidores 189 • Na atual forma de desenvolvimento do comércio internacional, não se padece de fome por escassez de alimentos, mas por falta de meios financeiros. Sobre esta inversão dos valores reais para riquezas abstratas, corrompendo toda relação humana e impossibilitando a prática de uma política ambiental que resulte num ganho verdadeiro de qualidade de vida democraticamente distribuída, vale citar Robert Kurz. Para ele, este relacionamento, responsável por tamanhos desastres ecológicos e humanos, composto dentro do sistema produtor de mercadorias, cava o seu próprio túmulo. "O consumo (Vernutzung) abstrato da força de trabalho humana reflete a mesma abstração no consumo dos recursos naturais. [... ] A destruição gigantesca de sistemas ecológicos, no interior dos 'países-escudo' empobrecidos, resulta na ameaça de catástrofes climáticas e naturais capazes de atingir igualmente toda a humanidade, ante as quais o dinheiro dos 'ricos' nada pode garantir" 190 • Concluindo, afirma o autor que, também no aspecto ecológico da sua crise, o sistema produtor de mercadorias produziu decididamente "um só mundo", cuja trama não se pode ignorar. Em cada aspecto se passa o que foi prognosticado na conferência da ONU em Paris - relata Kurz, citando reportagem produzida pelo jornal Nürenberger Nachrichten de 4-9-1990. Naquela ocasião, foi alertado que seria impossível neutralizar o rebote do processo de destruição e pauperização, em franca ascensão nos países perdedores sobre as diminutas zonas vencedoras. "E, caso não venha a ser feito o necessário para apagar rapidamente a pobreza extrema, a miséria e a
Vorzugspreisen in die Europaische Gemeinschaft exportiert. Sudan hat von der EG die Zusage erhalten, bis zu 100.000 Tonen Sorghum jahrlich zu sechzig Prozent zollreduziert Europa einführen zu konne". Frankfurter Allgemeine Zeitung 7-111992, p. 18. 189 R. Kurz, Der Kollaps, cit., p. 270. 190
R. Kurz, Der Kollaps, cit., p. 235.
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descrença no mundo, o descarrilhamento demográfico e catástrofes ecológicas causarão tensão e violência, guerra e terrorismo contra a propagação das quais nenhum país da Terra estaria seguro" 191 • A comodidade em que todo o sistema ocidental se assentava, por ter um muro separando-o de outra parte do mundo, acabou. À euforia da vitória de um único modo de produção, de uma única sociedade, seguiu-se a impossibilidade de se creditar ao inimigo externo as crises e misérias surgidas neste sistema. "Ao vencedor as batatas" (Machado de Assis). Agora há o ônus de uma vitória em que se deve provar a eficiência de um sistema que vem continuamente solapando sua própria base de reprodução. Quando a base natural da produção e a sobrevivência física e psíquica estão de tal forma generalizadamente ameaçados, o lugar onde tal efeito mundial mais se faz sentir, de maneira mais cruel e direta, é na sociedade em que a economia fundada na reprodução de capital esteja menos desenvolvida e mais dependente do mercado internacional. É claro que nestes lugares a concorrência ainda não foi capaz de formar este ramo da cosmética industrial, as empresas de limpeza ambiental. Se por um lado seu fraco mercado não chegou a tal grau de eficiência, por outro, tal fraqueza, com relação às economias externas, deixa portas abertas para a transferência das indústrias "sujas" e de tecnologia ultrapassada, cuja competitividade não mais alcança os padrões do mercado natal, e por isso são transferidas com todo seu aparelhamento titânico de destruição. Este deslocamento espalha uma forma de industrialização que, além de poluente, é totalmente desconectada com o meio natural e cultural para onde é transferida. A obsoletização nos países mais industrializados é muito rápida, e a prática de exportação desta tecnologia em desuso tende a ser sempre maior. Um exemplo disto é a produção de produtos químicos para agricultura, que são manufaturados nos países importadores, quando, há muito, já foram proibidos pelos países de origem 192 •
191
R. Kurz, Der Kollaps, cit., p. 235-236. Ver E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 23. "Die beklagte 'verstümmelte Industrialisierung', die in Lateinamerika das Resultat der forcierten Industriealisierungsversuche der 60er und 70er Jahre ist, oder gar die 'verschuldete De-Industrialisierung' in einer Reihe von Landern, deren lnvestitionsquote gesenkt werden muBte, um finanzielle Mitrei für den Transfer des Schuldendienstes aus der 192
109
... "A apropriação de recursos (força de trabalho e meios financeiros) se dá como recurso global. São preferidos os locais onde a proteção ambiental é mais barata de se obter e onde as emissões de poluentes encontram menor resistência, possibilitando maior lucro 191 •
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Finalizando esta sintética exposição, é de ressaltar o quanto o trânsito dos recursos naturais está ligado ao sistema internacional de comércio, vinculando, portanto, a este movimento as medidas relativas ao seu uso sustentável. Por isso, paralelamente ao desenvolvimento normativo interno, julgo de extrema importância o trabalho coordenado com tratados e normas internacionais. E não me refiro somente àqueles propriamente destinados à conservação de determinados recursos, mas sobretudo àqueles referentes à importação, exportação, exploração de recursos naturais, bem como os relativos à transferência de tecnologia e produtos.
5 f ACTIBILIDADE DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO SusTENT ÁVEL PARA A PROTEÇÃO Dos REcuRsos NATURAIS
A princípio, convém a apresentação do que se definiu como desenvolvimento sustentável, dentro da perspectiva de conservação dos recursos naturais. O desenvolvimento sustentável foi divulgado primeiramente como um princípio diretor para o planejamento do desenvolvimento econômico pela WCED (World Commission on Environment and Development), em documento sobre estratégias do desenvolvimento em 1987. Segundo este documento, o desenvolvimento é sustentável quando satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a habilidade das futuras gerações em satisfazer suas próprias necessidades.
comissão presidida pela ex-primeira ministra da Noruega, e que foi encomendado pela Assembléia Geral da ONU, em 1983, pode-se encontrar a seguinte definição: "o desenvolvimento sustentável pretende satisfazer as necessidades do presente sem comprometer os recursos equivalentes de que farão uso no futuro outras gerações" 194 . Aqui está ínsita a seguinte norma de conduta: modificar a natureza pela sua apropriação ou por meio de emissões, somente quando for para a manutenção da vida humana ou para proteção de outro valor básico, ou quando for justificada a capacidade de se apropriar dos meios sem danificar a sua reprodução. Donde se conclui que a sustentabilidade é um princípio válido para todos os recursos renováveis195. Aos recursos não renováveis ou às atividades capazes de produzir danos irreversíveis este princípio não se aplica. Ramón Martín Mateo complementa afirmando que o desenvolvimento sustentável é um processo pelo qual a exploração de recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais se harmonizam e se coordenam a fim de que nosso potencial atual e futuro satisfaça as necessidades e aspirações humanas. Traz uma vez mais Brundtland, no Industry Forum on Environment, celebrado em Bergen em 1990: "A indústria sustentável requer uma transformação da cultura empresarial, que somente pode ser conseguida através de uma ampla interação entre indústria e outros valores da sociedade" 196 . Acrescento à citação a ressalva de Archibugi quando afirma que a implementação do desenvolvimento sustentável requer uma justa distribuição de riquezas, nos países e entre os países 197. Resumindo, posso retirar desses autores que a realização do desenvolvimento sustentável assenta-se sobre dois pilares, um relativo à composição de valores materiais e outro voltado à coordenação devalores de ordem moral e ética: uma justa distribuição de riquezas nos países e entre os países, e uma interação dos valores sociais, onde se
No denominado "informe Brundtland", um estudo de alternativas para o desenvolvimento e o meio ambiente, elaborado por uma 194
internen Ersparnis abzuzweigen, sind nicht nur Folge von wirtschaftspolitischen Fehlentscheidungen, sondem von Grenzen eines Entwicklungsmodells, das auf nationale Industrialisierung abzielt, damit aber die Globalisierung des Industrialisierungsmodells betreibt". 191
E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 126.
11 o
World Commission on Environment and Development, Our Common Future, p. 7. 195 E. Rehbinder, Allgemeine Umweltrecht, cit., p. 89. 196
R. M. Mateo, Tratado, cit., v. 1, p. 384-385.
197
Franco Archibugi et ai., The challenge of sustainable development, in Franco Archibugi e Peter Nijkamp, Economy and ecology: towards sustainable development, p. 3.
111
relacionam interesses particulares de lucro e interesses de bem-estar coletivo. A primeira condição seria genericamente chamada de proporcionalidade econômica, e a segunda seria uma condição voltada à proporcionalidade axiológica (referente aos diversos valores ou princípios existe'ntes na sàciedade). Como procuro defender adiante, as afirmações desses tópicos são fundamentais, porém não bastam para construir uma "teoria do desenvolvimento sustentável". Isoladamente, estas idéias de proporcionalidade são desejos. Falta-lhes uma consistência capaz de vincular a idéia de desenvolvimento sustentável às condições reais de produção social. Ou seja, quais são e como se apresentam os fatores que possibilitam a afirmação destes pilares em cada sociedade. O conteúdo da definição de desenvolvimento sustentável passa por uma relação intertemporal, ao vincular a atividade presente aos resultados que dela podem retirar as futuras gerações. As atividades que visam a uma vida melhor no presente não podem ser custeadas pela escassez a ser vivida no futuro. Para tanto, apresentam-se, como elementos a serem trabalhados, os seguintes fatores da produção: natureza, capital, tecnologia, os quais deverão ter sua dinâmica vinculada às aspirações presentes sem danificar possíveis interesses futuros. Além disso, dando-lhes o devido suporte, são necessárias alterações institucionais e nas respectivas políticas, visando uma espécie de planejamento, dentro de uma visão redistributiva das riquezas e dos ônus da atividade humana. Quando se usa a expressão "desenvolvimento sustentável", temse em mente a expansão da atividade econômica vinculada a uma sustentabilidade tanto econômica quanto ecológica. Os criadores dessa expressão partem da constatação de que os recursos naturais são esgotáveis. Por outro lado, apóiam-se no postulado de que crescimento constante da economia é necessário para expandir-se o bem-estar pelo mundo. As raízes dessa expressão estão na constatação da impossibilidade de continuidade do desenvolvimento econômico, nos moldes até então empreendidos, por causarem um acelerado e, muitas vezes, irreversível declínio dos recursos naturais. Assumindo que sustentabilidade é condição necessária para o crescimento econômico, David W. Pearce argumenta que o estoque do "capital natural" deve, no mínimo, ser mantido constante (e preferencialmente aumentado) enquanto a economia possa cumprir os objetivos de satisfação social1 98 •
198
Apud Franco Archibugi et ai., The challenge, cit., p. 5. 112
Desenvolvimento sustentável implica, então, o ideal de um desenvolvimento harmônico da economia e ecologia que deve ser ajustado numa correlação de valores em que o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na tentativa de conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado crescimento econômico, são condicionadas à consecução do desenvolvimento sustentável mudanças no estado da técnica e na organização social. Desenvolvimento sustentável é a tradução do ótimo de Pareto a ser encontrado entre desenvolvimento econômico e proteção dos recursos naturais. Sua lógica abstrata pode ser explicada no seguinte parágrafo: "O crescimento econômico precisa ser avaliado criticamente com relação aos critérios gerais ligados ao bem-estar, uma vez que não se pode deixar de observar especialmente os efeitos ambientais do crescimento como medida para o aumento do bem-estar" 199 • Em termos da teoria do desenvolvimento sustentável: existe um máximo grau de poluição ambiental, dentro do qual o sistema deve desenvolver-se. E este desenvolvimento econômico deverá estar comprometido em proporcionar o aumento de bem-estar social, respondendo pelo suprimento das necessidades da sociedade em que se insere. Uma espécie de tradução ecológica para o ótimo de Pareto. O ótimo de Pareto e a sua obtenção pelo mercado, porém, não passam de um modelo, no sentido de representarem uma simplificação drástica da realidade com a preocupação de apenas estabelecer relações entre algumas variáveis tidas como relevantes para a explicação do fato - o funcionamento do mercado - , afirma com muita propriedade o professor Fábio Nusdeo. E continua: "Para que, na realidade, as coisas assim se passassem seria necessária a verificação conjunta e simultânea de uma série de condições, todas elas extremamente restritivas, merecendo destaque as seguintes: a) grande número de compradores e de vendedores em interação recíproca; b) nenhum deles suficientemente importante a ponto de exercer qualquer influência nas condições de compra ou de venda do produto em questão (atomização de mercado); ausência de economia de escala; c) plena mobilidade dos agentes operadores e de seus fatores, isto é, facilidade de acesso ao mercado e de retirada dele por parte de qualquer interessado; d) pleno acesso dos operadores a todas as informações relevantes; e)
199
L. Wicke, Umweltokonomie, cit., p. 517.
113
ir
homogeneidade do produto objeto das operações; f) inexistência de efeitos colaterais ou externos da atividade econômica de cada agente" 2 ºº·
Na idéia de desenvolvimento sustentável, exposta pelos autort'.s aqui citados, não são encontrados elementos suficientes, capazes de indicar medidas concretas que levem a uma manutenção dos recursos naturais perante o crescimento da produção de bens. Para resolver este dilema, economistas que defendem tal concepção afirmam que só é possível o desenvolvimento sustentável durante um período de prosperidade econômica. Isto é, depois que a população tenha conseguido adquirir uma quantidade ideal de bens de consumo, suficiente para sua satisfação e bem-estar. Qual é esta quantia e a que tipo de bens se refere, dentro da imensidão de ofertas existentes no mercado, e como tal distribuição é possível de ocorrer, não se pode saber pelos defensores do desenvolvimento sustentável. Aqui, suprir necessidade representa o ponto de partida para a justificação do crescimento econômico, o que lhe confere uma aura de indiscutibilidade, tornando obviedade a prática da conservação dos recursos naturais, somente à medida que permita a expansão da atividade econômica. Desenvolvimento da atividade econômica significa consumo de recursos; como alcançar o ideal de diminuição do consumo sem danificar o desenvolvimento econômico é uma questão fundamental não trabalhada devidamente por estes ideólogos. A seguir explorarei, mais detidamente, os principais problemas para a concretização da idéia de desenvolvimento sustentável, tal como foi inicialmente apresentada. Primeiramente, abordarei com mais acuidade a questão do ótimo de Pareto; em seguida, passarei ao espinhoso conceito de "necessidade" e sua ligação com a realização do bem-estar social. Num terceiro momento, tratarei da realização da possibilidade de uma política ambiental que considere a sustentabilidade, tanto econômica como de conservação dos recursos naturais, indicando que existem diversos modos de valorar um recurso natural, dependendo do interesse nele depositado. Em seguida, procurarei sublinhar que o uso parcimonioso de recursos naturais não é o suficiente para garantir a sustentabilidade do desenvolvimento, uma vez que a produção se realiza inexoravelmente com o consumo de energia, a que pode ser reduzido todo recurso natural empregado. Finalmente, considerando que toda atividade humana consome e altera, isto é,
200
F. Nusdeo, Desenvolvimento, cit., p. 41-42. 114
nada que é envolvido pela atividade humana permanece como antes, pois, onde há vida, há transformação, concluirei que os limites do desenvolvimento não são propriamente imposições naturais, são limites apresentados dentro de um modo de produção social. Portanto, aquele conjunto de práticas e valores, que, a partir de uma constatação de escassez (social) de recursos naturais, é trazido como opção para a realização de um desenvolvimento sustentável, reflete, na verdade, uma opção por determinado modo de vida social, e não uma subordinação, na contracorrente da herança iluminista, às dádivas da natureza. Passo a detalhar nos quatro itens seguintes os pontos aqui levantados.
5.1 Ótimo de Pareto e Sustentabilidade do Desenvolvimento A imposição de um custo ao causador do dano não significa necessariamente que o dano será eliminado. O princípio do poluidorpagador não está em eliminar o efeito negativo, ele está inscrito na lógica do ótimo de Pareto, exigindo uma ponderação, uma espécie de avaliação de custo-benefício econômico (financeiro). Dentro dessa perspectiva, a economia de mercado atinge seu grau ótimo quando realiza uma satisfatória relação entre o uso de um recurso natural e sua conservação, encontrando um preço que permita a utilização do bem ao mesmo tempo que o conserva. Em outras palavras, a relação uso e não uso deve atingir um estágio ótimo que permita a continuação desta prática econômica, ou seja, a sustentabilidade do desenvolvimento. Maier-Rigaud cita o clássico exemplo que congestiona os modernos manuais de economia: "Na parte superior de um rio está uma indústria qmm1ca, que necessita utilizar daquela água. Abaixo, localiza-se uma fábrica de cerveja, que retira água do rio para sua produção. Igualmente, se partimos de Pigou ou Coase, o objetivo é chegar-se a um grau ótimo de poluição do rio. Compara-se o custo limite, economicamente viável, que a fábrica de cerveja pode arcar para a limpeza do rio. No ponto de encontro dos dois gráficos, encontra-se a poluição 'aceitável'. Nesta interseção está representado o uso ótimo no mercado do recurso 'água do rio"' 2 º1 •
201
G. Maier-Rigaud, Die Herausbildung, cit., p. 39. 1 15
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Se dermos um passo a mais, embora o exemplo dos manuais termine na comparação dos gráficos, e perguntarmos quais são os fatores que determinam o custo e uso limite, mergulharemos no mundo dos preços relativos e da noção de uso relativizada pelo tempo e espaço. Não existe um grau ótimo de poluição, mas, dentro de observações dinâmicas e históricas, vários optima, o que impede a transposição deste sistema teórico para a realidade. A relação custo-benefício varia em determinada situação e seu direcionamento sofre influências não só dos "ventos do mercado", como também de imposições político-normativas. Outrossim, no mercado não estão compondo sujeito A e B. Qualquer relação está envolvida com várias outras que integram o mundo da produção e trocas mercantis. Na teoria neoclássica é previsto o uso ótimo dos recursos (inclusive dos naturais) - princípio da eficiência. Porém, esta otimização é impossível, quando não se pode determinar pela preferência individual o valor dos recursos naturais. Como procurei demonstrar, o valor da natureza, na economia moderna, não pode jamais ser atribuído na relação de mercado movimentada pela lei da oferta e da procura. Ademais, é oportuna a objeção de Leipert: "Mesmo quando se consegue determinar grandezas monetárias aos efeitos externos negativos, correspondentes a diferentes níveis de poluição, isto não significa que o ótimo de Pareto encontrado seja capaz de assegurar uma sustentabilidade do uso deste recurso. Posto que, o cálculo custo-benefício não extingue o efeito negativo, pois tal efeito precisa ser tão-somente reduzido ao ponto de que o custo de reparação de um dano ambiental seja maior que o custo da sua proteção. O nível do ótimo de Pareto da poluição ambiental não está no ponto zero, porém, no ponto onde a perda marginal de bem-estar devido à poluição ambiental seja igual ao custo limite de reparação" 2 º2 • Enquanto for tomada a perda do bem-estar como não correspondente a um valor monetário significativo ao mercado, não há por que despender-se com investimentos de reparação das externalidades negativas. Estas só passam a ser empregadas quando efetivamente a perda de bem-estar refletir uma diminuição de ganho do investidor. Concluindo, o ótimo de Pareto não significa zero de poluição, tampouco uma otimização dentro de padrões biológicos de qualidade
202
C. Leipert, Die Aufnahme, cit., p. 13.
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de vida. É mais uma relação de custo-benefício, onde o custo da limpeza não pode ser superior ao custo da perda marginal de bem-estar. Esta teoria oculta necessariamente um nível de poluição restante 203 •
5.2 Necessidade e Bem-Estar A economia dos bens materiais é definida como a soma de todos os bens, pelos quais se torna possível um contínuo crescimento da produtividade do trabalho. No entanto, a industrialização resulta numa economia de bens posicionais, isto é, nem todo o mundo pode gozar dos benefícios dos bens produzidos pela sociedade industrial do bem-estar 204 • Por esta diferença de possibilidade de crescimento, é possível discernir, ainda de acordo com Fred Hirsch, dois tipos de bem-estar possíveis de serem atingidos: "bem-estar oligárquico" e "bem-estar democrático" 2º5 • Examinando-se a partir do fator natureza da produção, certo é que determinadas formas de bem-estar não podem jamais ser generalizadas, se a economia não solucionar os problemas advindos do consumo de energia e matéria-prima bem como aqueles resultantes da produção de lixo. Algumas formas de bem-estar chegam mesmo a ser causa da pobreza. Por conta desta dupla face da produção, Hirsch afirma que os limites do crescimento econômico são sociais e não ecológicos. Para tanto exemplifica: O rendimento de um pedaço de terra cultivada pode, em princípio, devido ao avanço tecnológico, aumentar em duas, dez ou até mil
Neste sentido expressa-se D. E. James: "Se as análises de custo-benefício são propriamente aplicadas para a elaboração de programas e projetos de desenvolvimento conjuntamente com estratégias de gerenciamento de recursos e proteção de recursos (à medida que conduza à construção de benefícios econômicos) serão estes realizados até o ponto em que o benefício marginal obtido com a proteção for igual ao custo marginal da proteção" (Ecological sustainability and economic development, in F. Archibugi, Economy and ecology, p. 44). 204 Economia de bens materiais é aqui entendida como o processo de aumento de bens de consumo. Economia de bens de posição é compreendida como o processo que garanta o poder de aquisição destes bens. A produção material não significa necessariamente uma melhora posicional. Sobre estes conceitos ver Fred Hirsch,
203
Social limits to growth, p. 23-26. 201 Cf. F. Hirsch, Social limits, p. 23-26.
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vezes. Por sua vez, se este pedaço de terra for usado como um jardim para descanso de uma única família, então, por causa desta forma de uso, a produtividade nunca pode ultrapassar este fim 2 º6 •
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l}ssim, coqclui Altvater, podem as sociedades industrializadas gozar da comodidade do bem-estar industrial, tão-somente enquanto o mundo ainda não totalmente industrializado permanecer desindustrializado. Fosse o mundo ilimitado, fossem as possibilidades do planeta de absorver materiais danosos infinitas, não haveria tal problema207. O sentido de bem-estar da economia clássica corresponde à satisfação individual de necessidades materiais. Tal satisfação é diretamente dependente da queda do custo da produção e do conseqüente crescimento do consumo. Para cair o preço e manter o poder de compra, o valor da força de trabalho não pode cair; então deve-se reduzir o custo da produção pelo barateamento dos recursos naturais e aumentar-se a eficiência tecnológica. O primeiro só foi possível com a garantia de preço baixo por países exportadores de natureza, o segundo com investimentos em pesquisa tecnológica, com um conseqüente deslocamento da mão-de-obra para o setor de pesquisas e uma necessária importação de trabalho para garantir a produção. Ademais, para a manutenção da produção massiva a custos baixos e com a garantia de um alto nível de emprego, é preciso estimular a necessidade individual. Necessidade individual possui um componente subjetivo alimentado pela criação de necessidades infindáveis - por meio de métodos sistemáticos como pesquisa de mercado e publicidade criando uma "sedução secreta" - para um consumo contínuo e conseqüente incremento da produção econômica. Cada vez fica mais distante alcançar uma satisfação plena, ou seja, um bemestar material.
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tentável ao abstrato e genérico suprimento de necessidades das presentes e futuras gerações ignora por completo a determinação social do que seja necessário e a variação de seus elementos no tempo e espaço. Há uma equivocada identificação entre necessidade natural e social. Exibe-se um total desprezo à sua origem nas sociedades e ao seu movimento moderno, eficientemente manipulado pelo desenvolvimento do marketing. Este instrumento da sociedade moderna é responsável por criações surpreendentes de "necessidades", e sem ele a sociedade de consumo não sobreviveria. É na importância de se diferenciar necessidade natural e social que apresento a explicação de Altvater: "Necessidades, interesses e motivos humanos não são apenas condicionados por estímulos físicos, ainda que fosse possível imaginar uma existência humana (social) pautada na escolha entre o prazeroso e o desagradável. As suas normas são, pois, um fundamento da reprodução individual e social. As relações sociais e individuais assim como as atividades coletivas moldam o espaço social, bem como por outro lado a base natural também molda a sociedade na sua dimensão temporal e espacial. Que o homem sinta fome quando não come por muito tempo, é uma lei natural. O modo que ele utilizará para aplacar esta fome, porém, está ligado a convenções sociais, condicionado culturalmente e além disto este ato está dependente da riqueza de suprimento, das questões individuais de gosto, dos bens alimentícios que o clima e a qualidade do solo podem a cada época do ano proporcionar" 2 º8 •
Por isso se faz tão fundamental o discernimento de necessidade natural e social, o que - acompanhando Marx - faz com maestria o filósofo frankfurtiano Alfred Schmidt: "Fome é fome, porém fome que é aplacada por uma carne cozida, degustada com o uso de garfo e faca é um outro tipo de fome do que aquela aplacada pela deglutição de uma carne crua com o auxílio das mãos, unhas e dentes. Não apenas o fato do consumo, porém o modo de consumir é produzido pela produção, e não apenas objetivamente, mas também subjetivamente.[ ... ] A natureza humana, 'este conjunto de necessidades e impulsos', é passível de ser compreendida apenas dentro de um processo histórico, onde não se justapõem um elemento constan-
O conceito de necessidade, como todo conceito, possui um conteúdo histórico e cultural, e por si não é capaz de descrever um estado fixo, imutável, para todas as sociedades do planeta, e, sobretudo, para as "futuras gerações". O condicionamento do desenvolvimento sus-
206
Apud Juan Martinez-Alier, ókologische ókonomie und Verteilungskonflikte aus historischen Blickwinkel, in F. Beckenbach, Die okologische Herausforderunf.!. fur okonomische Theorie, p. 57. 207 E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 23.
208
E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 33.
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te e um variável sem se inter-relacionarem, porém onde o particular constrói a vida do geral" (grifei) 2 º9 •
Concluindo, corroborando com o fato de que necessidade não é uma questão unicamente advinda de um reclame físico, deve-se ressaltar que é impossível produzir-se na sociedade de mercado sustentada pelo consumo, com a finalidade de esgotaram-se necessidades. Portanto, atrelar-se a noção de bem-estar ao apaziguamento das necessidades individuais no modo de produção capitalista é procurar preencher o que não deve ser preenchido, uma vez que a produção material precisa deste motor da vontade para sua necessária expansão. Por tais motivos, julgo que uma proposta de redirecionamento da economia visando à satisfação das necessidades de todos os sujeitos da sociedade, vinculando o consumo ao apenas "necessário", inibindo o aumento do consumo, para, assim, finalmente alcançar-se o almejado desenvolvimento sustentável, é apenas um modelo de discurso apaixonante que se esgota nas palavras do interlocutor. O que permanece é a questão fundamental de como se desenvolver uma coerente estrutura social e econômica capaz de realizar um equilíbrio entre reprodução dos sistemas naturais e reprodução edistribuição da produção social.
5.3 A Sustentabilidade do Desenvolvimento e a Política Ambiental
5.3.1 As diversas espécies de valor dos recursos naturais A política ambiental vinculada a uma política econômica, assentada nos pressupostos do desenvolvimento sustentável, é essencial-
209 "Hunger ist Hunger, aber Hunger der durch gekochtes, mit Gabei und Messer gegessenes Fleisch befriedigt, ist ein andrer Hunger, ais der rohes Fleisch mit Hilfe von Hand, Nagel und Zahn verschlingt. Nicht nur der Gegenstand der Konsumtion, sondem auch die Weise der Konsumtion wird daher durch die Produktion produziert, nicht nur objektiv, sondem auch subjektiv." "Die Menschennatur, diese 'Ganze von Bedürfnissen und Trieben', ist nur ais ein historischer Prozess zu begreifen, in dem nicht etwa ein konstanter und ein variabler Bestandteil unvermittelt nebeneinander bestehen, sondem in dem das Besondere das Leben des Allgemeinen ausmacht" (A. Schmidt, Der Begriff der Natur, cit., p. 70). Ver também Karl Marx, Para a crítica da economia política.
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mente uma estratégia de risco destinada a minimizar a tensão potencial entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade ecológica. Considerações estratégicas, em tais circunstâncias, estão baseadas na proposição de que a integridade dos componentes dos ecossistemas está diretamente conectada aos papéis físicos, químicos ou biológicos que assumem na totalidade do sistema. Além da sua função na manutenção dos processos dos ecossistemas, os bens ecológicos (ou recursos naturais) possuem um valor socioeconômico, que nem sempre é fácil de visualizar. Este valor é dependente do emprego dado aos recursos naturais, ou seja, da forma que assumem com sua inserção na sociedade. Archibugi destaca algumas possibilidades de valoração dos recursos naturais, vinculando as diversas distinções que lhes podem ser dadas ao sabor do interesse depositado sobre esses recursos: "a) valor de uso: o valor de um recurso natural para gerar benefícios presentes e futuros; b) valor do afastamento de risco: os usuários em potencial não estão certos de que irão alguma vez utilizar determinado recurso natural, porém não querem perder a oportunidade de usar (ou fruir) no futuro daquele mesmo bem que pode vir a esgotar-se; c) valor de quase-opção: usuários potenciais têm interesse em utilizar um determinado bem ambiental, mas estão dispostos a abandonar um desenvolvimento irreversível, a fim de preservar opções futuras ligadas a este bem ambiental; d) valor moral ou existencial: não-usuários consideram de grande valor o fato de que determinados bens ambientais escassos sejam mantidos intactos; e) valor de uso virtual: não-usuários querem manter certo bem ambiental (público) intacto, para que outros possam vir a usufruir dele; f) valor de herança: não-usuários adotam como sua responsabilidade moral (ou altruísmo) proteger e manter certo bem para as futuras gerações " 210 • Estas formas de valoração podem recair sobre um recurso natural isolada ou concorrentemente. Também, pode haver variação no tempo sobre qual valor atingiria determinado bem. Valorado, o recurso natural é um bem: um bem ambiental. O importante nesta classifi-
21
º F. Archibugi et ai., The challenge, cit., p. 5-6. t 21
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11 cação está na descrição das diversas formas de se avaliar a importância social de determinada fração da natureza, a fim de privilegiar certas condutas em relação a outras. Por esta prática, o desenvolvimento sustentável. deixa a questão subjetiva da necessidade e ganha um outro patamar. De maneira mais condizente com a realidade, a orientação do desenvolvimento sustentável passa a ser tratada como um problema de escolha, uma opção política ligada à estratégia de desenvolvimento a ser adotada.
Em suma, processos econômicos são irreversíveis transformações de matéria e energia e, de modo algum, transcorrem de forma circular. As condições de desenvolvimento e de limite dos processos econômicos são, portanto, sempre diversas e não podem ser reduzidas a dados fixos. E, sobretudo, é fundamental compreender que estabilidade no crescimento ou mesmo crescimento negativo, bem como processos de reciclagem de detritos, não são capazes de impedir maior dilapidação dos recursos naturais ou de repô-los, pois sempre há emprego crescente de energia para os processos.
5.3.2 O desenvolvimento sustentável e a dissipação da energia
As atividades econômicas modificam o meio ambiente, e este ambiente modificado representa uma restrição externa para o desenvolvimento econômico e social. Os recursos, uma vez consumidos no processo de desenvolvimento, não se colocam uma segunda vez à disposição de estratégias de desenvolvimento. Esta trivialidade não seria um problema, caso os recursos não fossem escassos, ou se a capacidade de absorção do mundo biótico e abiótico fosse ilimitada.
Volto a afirmar que o movimento da moderna produção econô·mica é necessariamente expansivo, seja na produção de produtos para o consumo, seja na mera requisição de energia para o início de qualquer elaboração industrial. Sobre isto atestam os economistas que tomam como analogia as leis da termodinâmica para explicar o movimento da apropriação de matéria e energia que viabilizam a produção econômica. Uma implicação da lei da termodinâmica está no fato de que todo sistema conversor de energia, transformador de matéria, requer maior inserção de energia disponível (ou livre) do que liberam como produto. Em outras palavras, todo processo biológico e industrial tem um grau de eficiência sempre inferior a 100%. Em termos ainda mais simples, é impossível construir uma máquina de movimento perpétuo, ou seja, que trabalha em um circuito fechado sem que haja necessidade de constante troca com o exterior. Conseqüentemente, nenhum processo material de reciclagem pode ser 100% eficiente. Disto decorre uma implicação natural que consiste no fato de que estoques de matéria precisam ser dissipados gradualmente, do mesmo modo como ocorre com a energia disponível 211 • Do apresentado se depreende que a maior implicação da termodinâmica na compreensão dos processos de produção econômica é a constatação imediata de que o sistema econômico é aberto e inerentemente dissipativo, dependendo de recursos externos, energia livre e matéria-prima, ou seja, requisitando sempre mais recursos naturais.
Contudo, uma vez obtido o direito de poluir o ar ou as águas, não é possível mais reeditá-lo. (Só se pode poluir um rio ou o ar uma vez; a mesma atividade no futuro já será sobre um rio ou ar poluído, por isso que tal direito esgota-se no seu primeiro detentor.) Este fato, constata Altvater, conduz a uma amarga conclusão: "Industrialização é um luxo exclusivo para parte da população mundial, e não para a grande maioria que somará no início do próximo milênio algo como 6,25 bilhões de pessoas" 212 • O sistema econômico é dissipativo e não se autoperpetua. É com base nestes fatos que se deve desenvolver uma teoria que vise a compor uma política ambiental e uma política econômica vinculadas. É somente trabalhando com tais evidências que se poderá erigir um conceito material de desenvolvimento sustentável. Ciclos biogeoquímicos precisam manter a circulação de matéria na biosfera, ecossistemas precisam reter sua capacidade para assimilação e degradação de dejetos, e os recursos renováveis como as populações de peixes, florestas e solos precisam manter seu potencial regenerativo 213 • Este é o ideal motriz do desenvolvimento sustentável.
212
R. U. Ayres e A. V. Kneese, Externalities: economics & thermodynamics, in F. Archibugi, Economy and ecology, p. 103.
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213
E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 22. D. E. James, Ecological sustainability, cit., p. 28.
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Toda produção econômica é, em suma, a transformação de matéria e energia existentes na natureza. Desenvolvimento econômico, imerso nesta mecânica, implica a apropriação da natureza e gasto de energia, ambo~ otimizados pelo desenvolvimento tecnológico. Este desenvolvimento tem como conseqüência a ampliação da zona industrial e maior mecanização na exploração da terra, expulsando o agricultor para a zona de expansão industrial e marginalizando parte crescente desta mão-de-obra fadada a ser substituída, cada vez mais, pelos avanços da técnica. Este é um confronto inglório que leva à substituição da força humana pela máquina, concorrente cujos limites de aprimoramento estão na própria limitação da capacidade criativa do homem. Entretanto, é preciso responder ao desafio de como manter o equilíbrio entre produção econômica e reprodução dos sistemas ecológicos, quando diariamente mais de 90% da energia utilizada nas atividades da sociedade moderna são derivadas de hidrocarbonetos fósseis, representando a acumulação de fotossíntese de milhões de anos 214 • Da mesma forma que ocorre um aumento da energia dissipada pelas atividades sociais, a sintetização corriqueira de substâncias químicas, formando novos materiais, com estruturas moleculares totalmente estranhas ao meio natural, desfaz o ideal de manutenção do ciclo bioquímico, implicando um processo contínuo linear de produção e acúmulo. A montanha de lixo plástico que a Terra vem armazenando é apenas um exemplo 215 • Numa perspectiva superficial sobre o intrincado e complexo mecanismo dos elementos que compõem o meio ambiente, a produção e dispersão de milhares de sintetizações químicas - muitas totalmente estranhas à natureza, outras altamente tóxicas, carcinogênicas e mutagênicas - e a mobilização de grandes toneladas de tóxicos metais pesados são fatores que não podem ser menosprezados na discussão de um desenvolvimento sustentável. A realidade do sistema econômico é de um sistema aberto que precisa extrair, processar e descartar grande quantidade de matéria. O
modelo de análise econômica dentro da corrente neoclássica consiste basicamente na redução das atividades produtivas a funções de custobenefício, num preexistente conjunto composto por recursos independentes, commodities e serviços. Este modelo é fechado, trabalha com recursos abstratos, a serem infinitamente convertidos em bens e serviços abstratos, que, por sua vez, são "consumidos" por um trabalho abstrato e, finalmente, retornam como recurso. Este modelo pretende apresentar a prática econômica como sendo uma espécie de máquina de movimento perpétuo 216 • O direito econômico deve ter presente este movimento da consumação da energia, que ocorre no interior da prática econômica. É com esta dinâmica que deve estar familiarizado ao dispor sobre o desenvolvimento da atividade econômica. Se é possível conceber o direito econômico essencialmente como conjunto de normas jurídicas que dispõem sobre a atividade econômica; se me deixo convencer de que atividade econômica no modo de produção capitalista só pode ser compreendida com a lógica de expansão da produção e consumo, ou seja, como crescimento econômico; então, devo concluir que o direito econômico é o direito do desenvolvimento econômico. Portanto, o direito econômico trabalha necessariamente com normas de implementação do desenvolvimento, interiorizando o seu movimento de expansão. Que tipo de desenvolvimento, para onde se dirigirá a expansão, privilegiando que espécie de incremento - em termos de termodinâmica-, de que modo se dará a absorção energética, tudo isso é tratado pelas políticas econômicas e normativas concomitantemente. Localiza-se na capacidade de compreender este fluxo energético, e poder geri-lo para uma atividade socialmente enriquecedora, a efetividade de um desenvolvimento econômico sustentável.
5.4 Limites Ecológicos - Limites Sociais A questão ecológica é uma questão social, e a questão social só pode ser adequadamente trabalhada hoje como questão ecológica.
R. U. Ayres, Externalities, cit., p. 107. A desilusão da reciclagem como forma de se realizar pela indústria o ciclo de matéria que a natureza não pode suportar é bem exemplificada com o praticamente fracassado projeto de reciclagem empregado na Alemanha ("Der grüne Punkt"), que, iniciado em 1992, mostrou seu saturamento já em 1993 e foi objeto de ação judicial proposta pelo Partido Verde (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 20-6-1992).
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A economia ambiental está assentada na política, e por intermédio dela se realiza. Por isso, um caminho a ser apresentado para a reconciliação da economia com a natureza localiza-se longe da mone-
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R. U. Ayres, Externalities, cit., p. 90.
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tarização do ambiente e é dependente da modificação vinculada a práticas políticas. Esta dualidade economia e ecologia (transformação de valor e de matéria) resulta num sistema de reação positiva (maior a atividade econômica, maior a transformação da natureza) que deve' ser modificado de modo a encontrar-se uma produção humana - movimento da e para a existência humana. Produção é o momento de encontro do meio social com o meio natural, da natureza com a cultura. Neste movimento, não apenas a natureza é socializada (civilizada), mas a sociedade é naturalizada. No lugar da unidimensionalidade da lógica de reprodução do capital, na qual a dimensão material do trabalho - sua dimensão social, ecológica, técnica e estrutural - só se pode manifestar num contexto de subordinação, reclama-se a multidimensionalidade da produção humana 217 • Hoje, mais do que nunca, é necessário garantir-se a manutenção e melhoria das bases de conservação da vida. O posicionamento pela conservação do meio ambiente não vem após a saturação da produção de bens de consumo, somando-se a eles na forma de qualidade de vida a constituir mais um bem de consumo. A conservação das bases naturais vem como reação à própria lógica que centrou a noção de bem-estar na aquisição individual de bens de consumo, exigindo sua revisão. A preocupação de como o homem tem lidado com a natureza surge quando é percebido que se está minando a qualidade, bem como a possibilidade de vida (existência humana) no planeta. O porquê da conservação da natureza está no homem e só dele pode sair, posto que é sobre seus atos, ligados à sua existência, que se questiona. Esta intrínseca relação entre homem e natureza e a impossibilidade de se obter um verdadeiro bem-estar à custa da destruição do meio natural são denunciadas por Castoriadis: "Natureza habita o homem, assim como ele a habita, o que é comprovado pela sua nova patologia somática e psíquica, individual e coletiva. (... ) E passa a ser banal remarcar que o poder técnico exercido sobre as coisas, se chegou a degradar em grande escala e talvez irreversivelmente o meio natural, não diminuiu em nada a impotência dos
217
Postulado reafirmado por toda filosofia da renascença, mãe teórica do nascente capitalismo que, neste aspecto, negou suas origens, tomando um caminho unidirecional, cujo resultado vivenciamos. É alertando que o caminho de civilização ou dominação da natureza não é uma mão única que se encontra a afirmação de Francis Bacon de que só se pode dominar a natureza obedecendo-a.
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homens face aos problemas de sua organização coletiva, o esfacelamento da sociedade nacional e mundial, a miséria física dos dois terços da humanidade e psíquica do terço restante" 218 •
O fato é que a "perda da humanidade" no pensamento teórico traduz uma constante desumanização do ambiente social do homem na moderna sociedade industrial. Kaap aponta para a necessidade de um questionamento substantivo-humano, capaz de colocar como ponto de partida o ser humano e o conteúdo material de suas necessidades. Necessidades estas que possam ser diferenciadas daquelas que diariamente estão sendo criadas para incentivo ao consumo. Para ele, o bem-estar dos homens está cada vez mais dependente de fatores e valores externos à economia. Apenas com observância concomitante dos condicionantes do bem-estar exteriores à aquisição de bens materiais poder-se-ia recuperar a perda de humanidade e vincular o conhecimento científico com o agir prático, capaz de preencher as exigências do futuro 219 • É a coordenação dos componentes que formam as bases de existência humana neste planeta que deve ser procurada. Numa economia que privilegia a concorrência para produção de valor, onde a permanente pressão por modernização e conseqüente eficiência tecnológica requerem não só melhor como maior apropriação de natureza e energia, exige-se uma adequação a finalidades mais abrangentes, abraçadas pela expressão qualidade de vida e bem-estar, produzindo uma mudança social de valores (gesellschaftlichen Wertwandel) assentada num outro consenso ético sobre os objetivos da economia. A continuação da existência humana compõe - o que é óbvio, embora freqüentemente renegado - um objetivo fundamental da economia. Nesta linha, pode-se trazer o reclamo de Altvater, que sintetiza os elementos básicos responsáveis pela efetivação de um desenvolvimento que se propõe sustentável.
218 Nature habite l'homme autant qu'il !'habite comme témoigne sa nouvelle pathologie somatique autant que psychique, individuelle autant que collective. (... ) Et il dévient banal de rémarquer que le pouvoir-faire technique unilateral exercé sur les choses, s'il a réussi à dégrader à grande échelle, et peut-être irreversiblement, le milieu naturel, n'a rien diminué l'impuissance des hommes face aux problémes de leur organisation collective, le déchirement de la societé nationale et mondiale, la misere physique des deux tiers de l'humanité et psychique du troisieme" (Cornelius Castoriadis, Les carrefours du labyrinthe, p. 147). 219 K. W. Kapp, Die Enthumanisierung, cit., p. 78.
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"Desenvolvimento é determinado como a realização de um sistema coerente com o aumento da produtividade, distribuição eqüitativa da renda social, modos de utilização sustentáveis dos recursos e gerenciamento inteligente dos riscos. [... ] Sem dúvida, a observação deste complexo de elêmentos nos conceitos das modernas políticas de desenvolvimento é uma expressão de avanço teórico e de realismo político" 22 º.
O tratamento da questão ecológica na economia consiste principalmente na melhor condução de situações de incerteza e de conflito, por uma abordagem que visualize as interligadas estruturas socioeconômicas. Uma teoria ecológica deve partir dos efeitos da produção sobre os homens (agentes) e sobre a natureza, e preparar políticas a serem implementadas, procurando estabelecer bases de ação que garantam a permanência da "razão" da produção: a existência humana e a manutenção de suas bases de reprodução. Se não se consegue esclarecer a dinâmica da direção predominante do desenvolvimento da economia de mercado, existem poucas chances de implantarem-se modificações no sentido de durabilidade e sustentabilidade dos recursos naturais e, por conseqüência, de sustentabilidade das relações econômicas - alerta Gerhard Maier-Rigaud 221 • A produção é social e o consumo, embora individualizado, tem uma implicação social. Daí pode-se afirmar que as relações econômicas só podem ser compreendidas de modo completo quando se identificarem os efeitos sociais de relações privadas de consumo. Uma conseqüência radical que se extrai desta nova perspectiva é o reconhecimento da existência de limites ecológicos permeando toda a economia. Estes limites ecológicos não podem ser interpretados como uma insuficiente dádiva dos céus ao proveito humano. A escassez de recursos naturais é uma escassez social, fruto de uma específica forma de relação com a natureza. A sociedade, ou, mais especificamente, o modo de produção social, impõe seus próprios limites. Poder-se-ia, por hipótese, imaginar uma situação em que todos tivessem acesso a um automóvel e, com isto, afirmar a satisfação geral na aquisição deste bem e uma expansão sem precedentes da indústria de automóveis, tudo isto realizado graças à imensa quantidade de energia e
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º E. Altvater, Der Preis des Wohlstands, cit., p. 81.
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G. Maier-Rigaud, Die Herausbildung, cit., p. 42.
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matéria-prima disponível (aqui no duplo sentido: por existir e por ter um preço compatível com a demanda). Os desejos e (ou) necessidades individuais que se julgavam aplacados entram pelos fundos na forma de exigência por qualidade de vida, devido ao aumento de congestionamento e poluição atmosférica. Portanto, é nitidamente inócua a preocupação por um saber científico que ateste a relação entre produção econômica e esgotamento de recursos naturais, como tem ocorrido com a infindável discussão sobre o efeito estufa (seria ou não o homem responsável pelo aquecimento da Terra). É sintomático o fato de as nações de atividade econômica mais aquecida recusarem firmar um compromisso imediato de redução da produção por causa da deterioração de condições naturais. O limite ecológico nada significa concretamente se não integrado às relações sociais. Isto é, se não transmutado em limite social. Sistemas ecológicos e seu equilíbrio em si não falam a linguagem social. São corpos estranhos. Os apelos dos cientistas às modificações sem precedentes operadas pelos homens nos sistemas ecológicos só serão incorporados em políticas ambientais ou econômicas ou sociais - como se quiser chamá-las - à medida que se consiga refletir este limite ecológico como limite social, isto é, como barreira ao desenvolvimento das atividades sociais até o momento empreendidas. Muito mais imediata é a constatação de que não se pode estender a toda humanidade o bem-estar ideal. Daí a crítica de Hirsch ao Clube de Roma 222 • Segundo o autor, os limites do crescimento lá apontados estariam mal colocados. O foco se assenta em limites físicos distantes e incertos, e ignora-se a presença imediata e menos apocalíptica dos limites sociais do crescimento223 • É por isso que estou convencida de que uma política ambiental, como pura preocupação com a preservação de sistemas ecológicos, numa espécie de adoção pública de postulados biológicos, não pode 222
O Clube de Roma é uma associação internacional informal, moldada como um colegiado invisível, mais conhecida pelo seu "modelo mundial" representando as interconexões de recursos, população e meio ambiente ao modo da dinâmica de sistemas. A mensagem que recebeu aclamação mundial e provocou críticas dos profissionais está contida no livro de Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jorgen Randers e William W. Behrens II, The Limits to Growth, A Report for the Club of Rome's Project on the Predicament of Mankind (London, Earth Island Limited, 1972) (F. Hirsch, Social limits, cit., p. 4). m F. Hirsch, Social limits, cit., p. 4.
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emplacar. O conhecimento do mundo biológico insere-se na política enquanto instrumento para uma política social mais conseqüente e ciosa de seus limites, capaz de propor uma prática da economia no seµ sentido .mais amplo 224 : prática econômica eficaz, duradoura, ertfim, sustentável. A política compatível a ser adotada baseia-se numa ordem econômica humanamente e ambientalmente mais justa. Neste contexto, trabalha-se com a viabilidade de responder-se praticamente à questão referente às condições necessárias para determinação de princípios sobre os quais se desenvolveria uma ordem econômica que trabalhasse com o meio ambiente e seus mais diversos desdobramentos dentro do processo produtivo (recursos, material, indústria, energia, usina nuclear, tecnologia, biotecnologia, previsão das conseqüências da técnica). Uma ética econômica se faz tanto mais necessária quanto maior for a possibilidade técnica do homem de manipulação e submissão da natureza e, conseqüentemente, quanto maior for o seu poder para dispor de meios que possam determinar uma dominação tecnológicoeconômica sem precedentes na história das sociedades humanas. No entanto, devido à alta especialização da sociedade, com o trabalho extremamente dividido - onde se podem evidenciar as funções, mas dificilmente seus executores podem imaginar seus resultados finais - torna-se difícil vislumbrar uma ética do procedimento econômico. Aqui, o direito, como produção estatal vinculante, lança, por intermédio dos princípios que abraça, as bases para uma ética
econômica geral e vinculante. Esta declaração de uma ética pelo direito teria como fundamento a "instrumentalidade" da economia, que, como a tecnologia e o direito, não pode esgotar-se em si mesma, mas o desenvolvimento da atividade econômica deve obrigatoriamente obedecer aos princípios declarados no texto constitucional: princípios gerais do direito brasileiro. Toda divisão da realidade é uma facilitação teórica, que não pode perder de vista sua temporalidade e característica de abstração. Isto ocorre com a idéia de desenvolvimento sustentável, perante a apropriação de recursos naturais. Embora se possa circunscrever seu objeto de abordagem, a prática se revela muito mais intrincada e dependente de outros fatores, inviabilizando sua simples transposição. Tanto melhor será uma economia, ou, num vocabulário instrumentalista, tanto mais eficiente será uma economia quanto maior for o grau de satisfação trazido efetivamente aos sujeitos de uma sociedade. Satisfação esta que não é possível de ser reduzida a mera aferição estatística, por exemplo, na análise da renda média dos integrantes de uma sociedade. Porém, é uma satisfação, deduzida do efeito imediato do aumento da renda individual e do aumento das externa/idades positivas da atividade econômica socialmente observada e da sustentabilidade material e psíquica da continuação do modo de produção econômico praticado.
224
Os princípios constitucionais têm um relevante papel na produção desta ética social, à medida que a Constituição fixa valores que, se efetivamente observados, podem levar à realização desta ética, precisamente por nela estar ínsita a construção de uma sociedade mais "justa e solidária" (art. 32 ). Chego ao ponto em que posso afirmar que a realização desta ética não é um caso novo a ser introduzido no movimento da sociedade brasileira, mas seus elementos e sua negação estão presentes na vida cotidiana. Sua realização, portanto, não é na busca de uma catequese, mas na sua vinculação a políticas específicas de coordenação dos elementos existentes.
"Die Erreichung dieses Zieles kann logischerweise niemals im Widerspruch stehen mit dem Ziel der Verbesserung materieller Lebensbedingungen. Das sollte die auf Markte und handelbare Gütern fixierte Õkonomie nicht negieren oder ignorieren. Daran wollte ich vor allem erinnern. So wird aus der Rückbesinnung zugleich eine Besinnung auf die Zukunft. Und auf diese sollte das primãre Erkenntnisinteresse nicht nur der Ôkonomie, sondem der Wissenschaft überhaupt gerichtet sein" (G. Maier-Rigaud, Die Herausbildung, cit., p. 43).
A teoria tem valor unicamente ideológico, quando ela não parte de pressupostos sociais e dirige-se a uma sociedade; se ela perde de vista seu ponto de partida e sua razão, perde a ligação ou referência ao concreto. A natureza está para e na existência humana, à medida que o homem é natureza e dela produz. Quando se perde esta ligação, esta relação social-natural-humana, toda atividade humana transforma-se numa atividade autônoma desvinculada de uma realização social.
"Economia no seu sentido mais antigo significa: assegurar as bases da vida. A consecução desta finalidade não pode logicamente jamais entrar em contradição com a finalidade da melhoria das condições materiais de vida. Isto não pode ser negado ou ignorado pela economia fixada nos bens de mercado ou comercializáveis. Isto quero lembrar antes de tudo. Assim, uma percepção do passado dirige-se para o futuro. E nesta linha deve estar ligado o interesse do conhecimento, não apenas da economia, mas da Ciência."
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Teoria e política (esta compreendida como ação social) são dois lados do mesmo objeto. Quando tal não ocorre, existe uma teoria que não traduz uma determinada realidade política, e uma política que não recebe ampar.o de qualquer teoria, existindo, contudo, para desconforto dos teóricos. É o que nos parece ocorrer com a teoria do desenvolvimento sustentável. A política ambiental, com todas as suas inovações, passa ao largo do idealismo de um genérico desenvolvimento sustentável calcado no ótimo de Pareto, pois a prática não consegue formar situações que se destaquem do todo e funcionem como se nada devessem à complexidade do meio que lhe cerca.
CAPÍTULO
IV
A Prática do Direito Ambiental Todas essas considerações de teoria econômica pretendem tecer um razoável cenário, mostrando a complexidade do que realmente significa a prática de uma política ambiental no interior do processo produtivo. Meu objetivo final é delimitar algumas vias de acesso para um relacionamento equilibrado da assim denominada cultura ocidental - que hoje atinge grande parte do globo, incluindo o oriente com a base de existência de toda cultura: a natureza. Procuro, a partir de então, sistematizar a apresentação das normas ambientais, estudando os princípios básicos a que podem ser reduzidas. Pretendo sintetizar as informações sobre teoria econômica, identificando sua utilidade na produção e aplicação do texto normativo. Exponho como se dá esta juridicização da economia ambiental e de que modo o direito apropria-se dos elementos da economia, incorpora-os ao seu universo, e os transforma, possibilitando que os elementos colhidos exerçam um outro movimento, o qual se revela na capacidade de transporem as limitações impostas pelas teorias das quais se originam. O direito como instrumento normativo de uma sociedade traria, então, a árdua tarefa de "reorganizar" o construído dilema exposto na contradição entre economia e ecologia. A manifestação das atividades econômicas está interligada com a estrutura política de uma sociedade. Tanto a estrutura política como a econômica encontram sua expressão e organização no direito. É sob a ótica do direito, como discurso tradutor da mobilidade social, e como instrumento de integração social, que penso as modificações do meio ambiente humano225, seja na sua performance atual, seja pela força modificadora que
225
Não faço a distinção entre meio ambiente humano e meio ambiente natural. Na medida em que o homem integra a natureza e, dentro do seu meio social, trans-
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exerce o direito (ou que é capaz de exercer) sobre as relações humanas com o seu meio. A relação do direito com as demais manifestações sociais, e o tratamento que pode (e deve) dispensar, na regulamentação do comP.ortamento da sociedade perante os recursos naturais, é o que permeia toda exposição. Tomar uma posição objetiva com relação aos problemas ambientais, ultrapassando a inércia do simples aviso e descrição dos perigos e riscos da moderna civilização, assumindo o seu potencial implementador. Ir ao encontro das verdadeiras causas dos resultados desastrosos, que se tornam parte do dia-a-dia. Tomá-los radicalmente como verdadeiro tema e ponto de partida de uma ação comunicativa. Este é um mister, penso eu, fundamental do direito. Considerando que o texto jurídico são palavras cujo real sentido é dado pela sua interpretação, procurei, com a descrição e crítica da economia ambiental e do desenvolvimento sustentável, modestamente, contribuir, buscando revelar a riqueza de opções apresentadas para efetivação do ordenamento jurídico, quando se trata da finalidade de adequação do uso dos recursos naturais ao processo produtivo, procurando afastar o emprego, esvaziado de sentido prático, das expressões que compõem o texto normativo (sobretudo dentro do direito ambiental). O que se pretende é reclamar o imperativo de abandonar conceitos abstratos, destacando a amplitude dos preceitos da ordem econômica e do capítulo de meio ambiente da Constituição Federal, cuja aplicação não abdica da tarefa de reconhecimento da situação política e econômica do Brasil no contexto mundial. Se nos detivermos apenas na Constituição Federal, art. 170, caput e seu inciso VI, verificaremos que a busca da sua aplicação atinge toda prática de política econômica, até então produzida. No que tange ao texto do art. 225 da Constituição, mais do que indicar o tratamento constitucional do meio ambiente, mostra este artigo como um princípio, até então inédito na nossa história constitucional, tem a capacidade de reverberar por todo ordenamento jurídico. Assim, procuro apontar para as contribuições que o direito, a partir destas normas constitucionais, pode realizar no sentido de
forma-a, não há como referir-se à atividade humana sem englobar natureza, cu! tura, e conseqüentemente sociedade. Toda relação humana é uma relação natural. toda relação com a natureza é uma relação social.
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orientação de uma prática econômica consciente do seu tributo à base natural (natürliche Grundlage). Aqui, o desenvolver de cada princípio da ordem econômica estará necessariamente contribuindo para a realização dos princípios do capítulo de meio ambiente e vice-versa, porque a realidade não se segmenta em capítulos. Porém, a fim de tornar factível esta união, deve-se estar disponível para rever teorias assentadas, e não ter receio de modificações, recusando aquelas teorias que mais traduzem esperanças do que uma racionalização envolvida com elementos da realidade. O "homem da lei" não é o "cientista-perito", já alertava Foucault. Aquele que se compromete em contrapor generalidade da lei e sua base de eqüidade ao abuso da riqueza e poder não pode compartimentar seu campo de conhecimento à lei, seu estudo é a universalidade que compreende as relações humanas 226 • O texto normativo é um dos instrumentos do jurista. Sozinho ele não diz nada, pois sua própria existência deriva de uma situação social historicamente determinada de formação política, e de embate pelo poder. A norma só pode ser analisada com a confrontação daquilo a que ela se refere: a intricada rede de fatos que compõem a realidade de uma sociedade. É pela interpretação e aplicação do direito que se põem em prática valores sociais traduzidos no texto normativo. O direito como texto é um experimento, apresenta um potencial, delimita um campo de ação sobre o qual desenvolve a sociedade seus relacionamentos, e aonde ela busca a legitimação de seus atos e interesses. O direito é fundamentalmente uma orientação do comportamento coletivo, aonde vão nutrir-se as relações contratuais privadas. Seu caráter organizatório - despido aqui da conotação de polícia e coerção, porém investido de um poder muito mais sutil e não pontual - traz a possibilidade de implementar atos e valores, que, embora presentes difusamente nos interesses da sociedade em que se insere, não atingiram sua completa manifestação. O direito não cria nada. Mesmo no momento em que se identifica nele o caráter implementador, continua sendo um instrumento que traz à luz o obscuro. Clarifica determinados modos de agir social dentre os múltiplos existentes. A possibilidade desta tradução e a aceitação deste veículo é que confere a legitimidade ao direito.
ll•
Michel Foucault, Microfísica do poder, p. 10.
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Chego ao fim da viagem pelos movimentos da teoria econômica que mais atingem a prática do direito ambiental. É necessário, pois, que se adentre este campo normativo. Iniciarei pelos princípios do direito ambiental. São eles os princípios da cooperação, princípio do poluidor-pagador, princípio da precaução. Tais princípios 227 representam, a meu ver, os três pilares da prática do direito ambiental, conferindo-lhe a solidez necessária à implementação dos fins almejados por este conjunto normativo que constitui o ramo do direito ambiental. Obviamente podem ser deduzidos outros princípios internos à norma ambiental. Esta classificação, que não é a mesma utilizada para a identificação dos princípios-norma (aqueles descritos pelo direito positivo), cumpre um papel de organização e orientação. Isto ocorre porque, de um lado, procura-se uma ordem de afinidade capaz de identificar as esparsas normatizações de proteção dos recursos naturais. De outro lado, orienta a formação das normas de direito ambiental que se inspirariam em uma ou na combinação dos três princípios. São eles, em verdade, descrição de maneiras de proceder. Isto porque estes princípios dizem respeito ao modo de solucionar os problemas ambientais: seja partilhando algum ônus (princípio da cooperação), seja pagando por seu uso (princípio do poluidor-pagador), seja prevenindo-os (princípio da precaução).
227
Não confundir o que aqui se chama de princípio, com os princípios expressos no texto normativo. Refiro-me aqui a indicadores que dão unidade e coerência à formação de normas de proteção ambiental, podendo ou não integrar o direito positivo. Rehbinder, com a preocupação de descaracterizar qualquer dubiedade de sentido, diferencia três modos de manifestação dos princípios do direito ambiental: princípios conforme o direito - estes seriam positivados na norma obrigando o seu imediato cumprimento; princípios estruturais - formam linhas diretrizes pelas quais se dirige a formação da norma; princípios gerais do direito - são aqueles deduzidos diretamente da norma, expressões que resumiriam a idéia geral direcionadora da aplicação da norma, podendo dirigir de maneira geral a formação e utilização do direito, não necessitando estarem expressos no direito positivo. É importante salientar que determinado princípio pode enquadrar-se nas três classificações. No entanto, trago esta distinção, para que se proceda a uma compreensão mais acurada. Quando trato dos princípios neste capítulo, utilizo a sua concepção mais ampla, não os vinculando à existência no direito positivo, embora estes princípios possam ser nele encontrados; mas analiso os princípios como inspiradores e orientadores da formação e aplicação do direito ambiental. Eles constituem o traço comum que integra a finalidade dessas normas.
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Não pretendo tecer comentários específicos sobre o texto normativo. Minha inquietação não se apazigua com a leitura destes textos referentes à proteção do meio ambiente. É a identificação da estrutura comum às normas destinadas à conservação dos recursos naturais, moldada pelos princípios do direito ambiental, que procurarei expor. Considerando a profusão de textos normativos relativos à proteção do meio ambiente, somente se conseguir encontrar o fio de Ariadne que conduza pelo que há de comum na numerosa e dispersa legislação existente, poderei, com convicção, construir a ponte do até aqui apresentado para o capítulo do meio ambiente da Constituição Federal e, assim, formular a tese sobre as efetivas possibilidades do direito para instrumentalizar a prática econômica compatível com as demandas ambientais (manutenção da base natural e aumento da qualidade de vida). Tratarei, mais adiante, especificamente do direito do desenvolvimento sustentável. Expressão que não ramifica o já segmentado direito ambiental. É uma outra maneira de designá-lo. Porém, não por diletantismo estilístico, mas para trazer ao signo o que está deveras no significado. Pois, em síntese, a razão do direito ambiental está na busca de uma prática produtiva social compatível com a manutenção das bases naturais e com a melhoria da qualidade de vida. - A compreensão do direito ambiental como um conjunto normativo intrinsecamente vinculado à produção econômica permite a visualização mais ampla das finalidades das prescrições normativas que agrupa. A proteção dos recursos naturais não se esgota na "vontade" de proteger a natureza, mas objetiva a manutenção de uma prática econômica socialmente desenvolvida. Esta nova designação reflete um outro modo de ver o direito ambiental. Dá-se uma mudança de perspectiva. Como que, de posse de uma máquina fotográfica, para retratar uma paisagem, optasse por trocar a lente tradicional por uma grande-angular. A imagem anteriormente obtida não deixa de ser verdadeira, porém é relativizada dentro da ampliação do contexto que me é apresentado por uma grande-angular. Em seguida passarei ao instituto jurídico que estabelece diretrizes para o desenvolvimento de políticas de meio ambiente, a Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Esta lei inaugura no Brasil a estrutura jurídica para o desenvolvimento de políticas ambientais. Dispõe ela sobre a "Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação".
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Não está nos objetivos deste trabalho analisar a riqueza dos preceitos jurídicos fornecidos por este texto. Porém, colho nele o que há de geral. Ou seja, investigarei aqueles princípios essenciais à efetivação das políticas comprometidas com o uso sustentável dos recursos naturais .. Destaco o instrumento por excelência, aquele que tem o potencial de conjugar políticas sociais, econômicas, ambientais, compatibilizando-as: a Avaliação de Impacto Ambiental. Prevista no art. 92 , III, daquela lei, e que ganha o nível constitucional, ao ser apresentada no inciso IV do§ 12 do art. 225 da Constituição Federal de 1988. O inciso I do art. 42 da Lei n. 6.938/81 afirma que a Política Nacional do Meio Ambiente visará à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Aqui, encontra-se sintetizada a função da Avaliação de Impacto Ambiental, que, na busca por um desenvolvimento sustentável, reflete mais apropriadamente uma Avaliação de Impacto Social, por estar atrelada às condições específicas de cada sociedade. Portanto, por exemplo, as condições para um desenvolvimento sustentável na Alemanha não são as mesmas para o Brasil. A realidade econômica, social, ambiental, bem como os meios políticos, jurídicos, científicos são próprios a cada país. A idéia fundamental de uma política ambiental é aquela inscrita na teoria do desenvolvimento sustentável, cujos pressupostos teóricos foram anteriormente expostos 228 • Conforme apresentei, a teoria do desenvolvimento sustentável como tradução do ideal de uso parcimonioso dos recursos naturais esgota-se num idealismo pouco factível. Entretanto, um trabalho de discussão política de prioridades, calcado em valores e princípios juridicamente garantidos, é capaz de erigir um relacionamento concreto menos autodestrutivo do homem com o homem e com a natureza. Indiscutivelmente, o âmbito açambarcado pelo instituto da Avaliação de Impacto Ambiental representa esta via a ser palmilhada por um "agir comunicativo". Daí chegar-se à conclusão de que uma avaliação de impacto ambiental tanto mais contribuirá para a realização de um desenvolvimento sustentável quanto melhor for a representatividade dos seus partícipes.
Cf., supra, Capítulo III, n. 5 - Factibilidade da teoria do desenvolvimento sustentável para a proteção dos recursos naturais.
De fato, não há um desenvolvimento sustentável, matematicamente dedutível. O que existe é, dentro de uma mediação política comunicativa, a possibilidade de compor, atentando à inerente multidisciplinaridade, um conjunto complexo de fatores que resultariam, para determinada sociedade, o econômica-ambiental-socialmente equilibrado. Em suma, são várias as possibilidades de sustentabilidade, que não refletem, de maneira alguma, um ideal nirvânico, mas que podem garantir, num período mais duradouro, a realização do "desenvolvimento nacional equilibrado" (CF, art. 174, § 12 ) compatível com a efetivação da justiça social e com a conservação dos recursos naturais. Para isto, são postos em discussão vários fatores que devem ser devidamente coadunados. Recursos naturais, tecnologia adequada, prioridades sociais. A importância que ganhou o fator tecnologia na produção mundial não pode ser desprezada. A detenção do conhecimento garante aos Estados e às empresas maior poder e potencializa sua capacidade de acumulação de riquezas. Conforme já foi descrito, se, por um lado, o emprego de novas tecnologias pode provocar o acirramento no consumo de recursos naturais, por outro, o investimento em pesquisas visando ao desenvolvimento de técnicas destinadas a uma melhor adaptação do homem ao seu meio, impingindo à produção humana um comportamento menos autodestrutivo, revela um outro caráter da técnica - na verdade, a sua primitiva natureza - o de proporcionar ao homem uma melhora da qualidade de vida. Não é sem mais, portanto, que a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente está repleta de prescrições referentes ao desenvolvimento de pesquisas e ao estímulo de produção de técnicas adequadas (art. 2 2 , II e VI; art. 42 , IV e V; art. 92 , V; art. 13, 1, II e parágrafo único). A Constituição Federal, nos seus arts. 218 e 219, aborda os princípios do incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico. Por outro lado, o texto constitucional, ao discorrer sobre as obrigações específicas do Poder Público visando assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, procura controlar a face nefasta do desenvolvimento técnico, quando determina o controle da produção, comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Esta ambivalência é inerente à técnica e será tratada mais adiante. São indissociáveis as normas que garantem e estimulam a pesquisa científica da efetivação do art. 225 da Constituição Federal. Ainda mais apropriadamente, a compatibilização da efetivação dos
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princípios da ordem econômica constitucional com a concretização dos princípios do capítulo do meio ambiente passa pela realização do capítulo da ciência e tecnologia. Por isto reservo algumas considerações sobre este importante fator.
1 Os
PRINCÍPIOS
oo
DIREITO AMBIENTAL
Os denominados princípios do direito ambiental, que passarei a expor, são construções teóricas que visam a melhor orientar a formação do direito ambiental, procurando denotar-lhe uma certa lógica de desenvolvimento, uma base comum presente nos instrumentos normativos. Segundo Hoppe, estes princípios de proteção ambiental são concepções básicas, "instruções para ações políticas visando a uma ·política ambiental racional" 229 • Com base nestes princípios, teria o legislador "uma direção conceituai básica" 230 para a construção legislativa da política ambiental. Com a ajuda dos princípios ambientais, procura-se fornecer uma sistemática unificadora à formação do direito ambiental, procurando sua harmonização 231 • Identifico três princípios fundamentais: da cooperação, do poluidor-pagador, da precaução (Kooperationsprinzip, Verursacherprinzip, Vorsorgeprinzip). Com base nestes princípios, indesejáveis efeitos colaterais do desenvolvimento social e econômico devem ser reconhecidos a tempo e, por meio de um amplo planejamento de conservação ambiental, ser minimizados. Devo ressaltar, contudo, que nenhum desses princípios é exclusivamente do direito ambiental. Afirmo que são seus norteadores, porém podem ser encontrados em outros ramos do direito, em especial no direito econômico, o que não é pura coincidência. A evidência de tais princípios no direito econômico mostra áreas onde é fundamental uma prática de interpretação e aplicação conjunta desses "ramos" do direito, sobretudo quando está em pauta o desenvolvimento de políticas econômicas e ambientais.
Rehbinder aponta que, ao lado dos objetivos do direito ambiental, formam os chamados princípios da proteção ambiental uma categoria especial, que deve ser observada para o esclarecimento da estrutura básica do direito ambiental2 32 • Deve-se voltar novamente à idéia de que o direito ambiental não é um direito estanque separado das outras manifestações da sociedade. Assim sendo, esses princípios, que o delimitam e orientam, estão presentes na formação de outros ramos do direito, ou porque não podem fechar-se nos objetos tratados pelas normas de proteção ambiental, ou porque sua presença em outros ramos do direito acaba por revelar a existência, em última análise, de normas que, de alguma maneira, provocam alterações no ambiente (como, por exemplo, as normas relativas ao desenvolvimento econômico, à exploração agrícola, ao controle da produção de alimentos, à salubridade no trabalho, à proteção à saúde, à construção imobiliária). Muito apropriadamente, resume Rehbinder: "Os princípios guardam a capacidade, quando compreendidos como princípios jurídicos gerais, de influenciar a interpretação e a composição de aspectos cinzentos do direito ambiental" 233 • Abaixo segue uma análise detida destes três princípios que constituem as linhas condutoras das normas de direito ambiental: princípio da cooperação, princípio do poluidorpagador, princípio da precaução.
1.1 Princípio da Cooperação O princípio da cooperação não é exclusivo do direito ambiental. Este princípio faz parte da estrutura do Estado Social. Ele orienta a realização de outras políticas relativas ao objetivo de bem-comum, inerente à razão constituidora deste Estado. É um princípio de orientação do desenvolvimento político, por meio do qual se pretende uma maior composição das forças sociais. Num sentido amplo, o princípio da cooperação é também uma expressão do genérico princípio do acordo (Kompromissprinzip), o qual perpassa toda a ordem jurídica e é também reclamado pela proteção ambiental, onde participa, impondo uma adequação entre os interesses mais significativos 234 •
229
Werner Hoppe e Martin Beckmann, Umweltrecht, p. 17. M. Klõpfer, Umweltrecht, cit., p. 73. 231 Eckard Rehbinder, Prinzipien des Umweltrechts in der Rechtsprechung des Bundesverwaltungsgerichts: das Vorsorgeprinzip ais Beispiel, in Everhardt FranBen (org.), Bürger- Richter - Staat: Festschrifit für Horst Sendler, p. 270.
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213 234
E. Rehbinder, Allgemeines Umweltrecht, cit., p. 86. E. Rehbinder, Allgemeines Umweltrecht, cit., p. 86. M. Klõpfer, Umweltrecht, cit., p. 94.
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O princípio da cooperação informa uma atuação conjunta do Estado e sociedade, na escolha de prioridades e nos processos decisórios. Ele está na base dos instrumentos normativos criados com objetivos de aumento dfl informação e de ampliação de participação nos processos de decisões da política ambiental, bem como de estabilidade no relacionamento entre liberdade individual e necessidade social. Uma ampla informação e esclarecimento dos cidadãos, bem como um trabalho conjunto entre organizações ambientalistas, sindicatos, indústria, comércio e agricultura, é fundamental para o desenvolvimento de políticas ambientais efetivas e para a otimização da concretização de normas voltadas à proteção do meio ambiente. Este princípio suporta também normas de incentivo à ciência e tecnologia a serviço da proteção ambiental, normas que abrem espaço P.ara cooperação entre os Estados e municípios, como também para uma cooperação de âmbito internacional, onde é fundamental um trabalho conjunto que supere fronteiras 235 • Pode-se dizer que o princípio da cooperação é resultado de uma divisão de funções dentro da ordem econômica fundada nas relações de mercado. Sua concretização, como princípio do direito ambiental e do direito econômico simultaneamente, se dá, por exemplo, quando se determina a divisão dos custos de uma política preventiva de proteção ambiental, implicando uma negociação constante entre as atividades do Estado e do cidadão.
1.2 Princípio do Poluidor-Pagador O princípio do poluidor-pagador (Verursacherprinzip) visa à internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental. Tal traria como conseqüência um maior cuidado em relação ao potencial poluidor da produção, na busca de uma satisfatória qualidade do meio ambiente. Pela aplicação deste princípio, impõe-se ao "sujeito econômico" (produtor, consumidor, transportador), que nesta relação pode causar um problema ambiental, arcar com os custos da diminuição ou afastamento do dano. Durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidas "externalidades negativas". São chamadas ex-
ternalidades porque, embora resultante da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão "privatização de lucros e socialização de perdas", quando identificadas as externalidades negativas. Com a aplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se sua internalização. Por isso, este princípio também é conhecido como princípio da responsabilidade (Verantwortungsprinzip). Pelo princípio do poluidor-pagador, arca o causador da poluição com os custos necessários à diminuição, eliminação ou neutralização deste dano. Ele pode, desde que isso seja compatível com as condições da concorrência no mercado, transferir estes custos para o preço do seu produto final. Este procedimento se revela como uma forma de sobrecarga no mercado - de tipo semelhante àquela percebida em modelos de oligopólio e de demandas inelásticas - , alerta Rehbinder, sendo prejudicial à justa distribuição de riquezas, visto que, em última análise, o consumidor é quem arca com o custo da utilização de produtos que não prejudiquem o ambiente 236 • A objetivação deste princípio pelo direito ocorre ao dispor ele de normas definidoras do que se pode e do que não se deve fazer, bem como regras flexíveis tratando de compensações, dispondo inclusive sobre taxas a serem pagas para a utilização de determinado recurso natural. De fato, o princípio do poluidor-pagador concretiza-se por meio da obrigação do poluidor de diminuir, evitar e reparar danos ambientais, com os instrumentos clássicos do direito, bem como por intermédio de novas normas de produção e consumo. Bender e Sparwasser remarcam, porém, que sua atuação principal está ligada ao princípio da contabilização dos custos (Kostenzurechnugsprinzip), mediante o qual deve arcar com custos aquele que, pelo uso, provoca a deterioração de recursos naturais, seja pela tomada do ambiente como reservatório de recursos, ou como lugar de dejetos (Entsorgunsmedium). Deve-se proceder, portanto, a uma "internalização dos custos sociais externos" 237 • Muito apropriadamente, remarcam os autores que, assegurado por este princípio, só estaria de fato aquilo que pode ser calculado monetariamente ou financiado por "prêmio" 238 , 216
E. Rehbinder, Prinzipien des Umweltrechts, cit., p. 95. Bernd Bender e Reinhard Sparwasser, Umweltrecht, p. 8. rn Bernd Bender e Reinhard Sparwasser, Umweltrecht, cit., p. 8.
217 235
Cf. W. Hoppe e M. Beckmann, Umweltrecht, cit., p. 18.
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uma vez que, não sendo possível a transformação do valor de um bem num equivalente monetário, não se pode enquadrá-lo na relação matemática custo-benefício. Este princípio envolve, por excelência, o relacionamento entre as normas de direito econômico e de direito ambiental. Contudo, é necessário remarcar a herança da teoria econômica, fundada no ótimo de Pareto, absorvida pelas normas jurídicas que expressam o princípio do poluidor-pagador nos termos que apresentei. Assim, as leis que dispõem sobre a internalização dos custos ambientais concentram-se geralmente até o limite em que não se sobrecarrega o valor dos custos da produção, evidentemente porque, levando a aplicação do princípio do poluidor-pagador até os seus limite;., chegar-se-ia à paralisação da dinâmica do mercado, por uma elevação de preços impossível de ser ·absorvida nas relações de troca. Klopfer, por sua vez, procura identificar outros desdobramentos do princípio do poluidor-pagador, afirmando que tal princípio não representa simplesmente a idéia de cálculo de custos. Ele esclarece, de modo muito mais abrangente, que o causador carrega, em regra, a responsabilidade objetiva e financeira pela proteção ambiental, o que teria de cumprir, mediante parcial diminuição, eliminação do dano ou por uma compensação financeira. Segundo ele, não somente a teoria da internalização dos custos sociais, descrita por Pigou, mas também outros meios, principalmente proibições e imposições, como ainda obrigações de não fazer, orientadas pelo direito civil, além da atuação jurídica processual pela ação de responsabilidade por danos ambientais se fazem presentes para o preenchimento da relação causa e efeito (produção e compensação) 239 . O princípio do poluidorpagador se revelaria, portanto, destinado a atuar como uma espécie de "princípio ponte" ao indispensável diálogo interdisciplinar para a proteção ambiental2 40 . Assim, uma otimização da aplicação deste princípio, escapando da relação aritmética individualizada, passa pela sua aproximação às preocupações de regulamentação macroeconômicas do direito ambiental, onde não se procura somente normatizar a produção
ou consumo individual, mas estimular a realização de políticas econômicas específicas.
1.2.1 Principio do ônus social A antítese do princípio do poluidor-pagador encontra-se no princípio do ônus social (Gemeinlastprinzip). De acordo com este princípio, as medidas de implementação da qualidade ambiental devem ter seus custos arcados pela coletividade, podendo o Estado contribuir com uma parte do custo, diminuindo a carga de impostos que recairia sobre o cidadão. Pelo princípio do ônus social são divididos os custos da proteção ambiental pela coletividade, isto é, pelo conjunto dos pagadores de impostos, sem se observar a utilidade relativa que cada indivíduo retiraria241. Com base no princípio do ônus social, recaem sobre o Estado os encargos da proteção ambiental, sobretudo quando se trata do financiamento da diminuição da poluição ambiental, bem como no subvencionamento direto e indireto, estimulando um trabalho privado de proteção ambiental. Aqui se pode também identificar o princípio da subsidiaridade, pelo qual, por impossibilidade técnica e incapacidade de sobrevivência do mercado, o Estado responsabiliza-se por riscos da utilização de matéria e energia, capazes de gerar danos irreparáveis, por exemplo, o fornecimento de energia por meio de usina nuclear. O princípio do ônus social se impõe para aliviar o mercado da aplicação do princípio do poluidor-pagador. Com muita propriedade, explica Rehbinder: "Uma utilização oculta do princípio do ônus social resulta do fato de que o Estado freqüentemente não consegue transferir à empresa ou ao cidadão poluidor o custo total do aparelhamento para despoluição". E continua. "Na realidade, trata-se de dois instrumentos necessários à conformação das políticas e prescrições normativas junto às disposições constitucionais condizentes com as finalidades do Estado Social. Pois, para superar os conflitos de interesses e objetivos, faz-se necessário recorrer ao princípio do ônus social, a fim de se alcançar uma certa relativização à aplicação do princípio do poluidor-pagador" 242 .
239
241
24
242
M. Kli:ipfer, Umweltrecht, cit., p. 84. º Cf. M. Kli:ipfer, Umweltrecht, cit., p. 85.
144
E. Rehbinder, Prinzipien des Umweltrechts, cit., p. 96. E. Rehbinder, Prinzipien des Umweltrechts, cit., p. 97.
145
r
1.2.2 O princípio do poluidor-pagador orienta políticas públicas Klõpfer especifica o que chama de quatro dimensões do princípio do poluidor-pagador. A dimensão objetivo-racional-econômica, a social-ética-normativa, a político-ambiental e a jurídico-normativa. A dimensão objetivo-racional-econômica deste princípio retrata não apenas uma estimativa de custo, porém, o efeito corolário, traduzido numa precaução, inspirada na intenção de afastar o custo decorrente da prática de uma atividade poluidora. O significado social-ético-normativo do princípio do poluidorpagador relativiza essa relação causa e efeito, numa ambição de justiça na distribuição dos custos de conservação ambiental, introduzindo o Estado no seu papel social, procurando reconhecer o porte de cada poluidor (poder econômico de cada poluidor e outras variáveis individualizadoras de cada potencial sujeito deste princípio são introduzidas para que a conservação ambiental não se transforme num instrumento de aumento de diferenças sociais). Na perspectiva político-ambiental, reúnem-se as dimensões anteriores para que se chegue a definir, dentro da corrente da causalidade, o poluidor-pagador. Quem pode ser classificado e, por conseguinte, responsabilizado como poluidor-pagador. O aspecto jurídico-normativo apresenta as diversas formas jurídicas de responsabilização do poluidor-pagador, uma vez que, na norma jurídica, a relação com o poluidor não é simplificada a ponto de reduzir-se a uma relação causa (dano ambiental)-efeito (pagamento pelo ocorrido). Valem também normas de responsabilização e normas que descrevem princípios, que, mesmo em caso de reclamar uma atuação pública, relativizam a elevação dos custos necessários à reparação perante as vantagens equivalentes decorrentes do aumento da qualidade ambiental2 43 • O princípio do poluidor-pagador estabelece uma ampla escala de possibilidades de reações, sem prever, obrigatoriamente, uma única variante ou um determinado padrão para sua realização. A determinação do poluidor-pagador depende de definição normativa da política ambiental; em resumo, é uma decisão política. Poluidores são todas aquelas pessoas - integrantes de uma corrente con-
secutiva de poluidores - que contribuem com a poluição ambiental, pela utilização de materiais danosos ao ambiente, como também pela sua produção (inclusive os produtores de energias) ou que utilizam processos poluidores. O endereçamento de medidas a um integrante desta "comunidade de poluidores" não pode ser deduzido automaticamente do princípio do poluidor-pagador, porém precisa (e pode) ser deduzido de pontos de vista políticos (por exemplo, efetividade de objetivos, eficiência econômica, gastos administrativos etc. )244 • O custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado à imediata reparação do dano. O verdadeiro custo está numa atuação preventiva, consistente no preenchimento da norma de proteção ambiental. O causador pode ser obrigado pelo Estado a mudar o seu comportamento ou a adotar medidas de diminuição da atividade danosa. Dentro do objetivo estatal de melhora do ambiente deve, então, participar ativamente o particular. De fato, o que se estaria praticando seria a Não poluição. Por outro lado, poderia o poluidor ser sujeitado a regras estatais, que lhe concederiam a possibilidade de praticar atividades danosas ao ambiente, porém, pagando uma taxa para tanto, o que, por sua vez, obrigaria a um dispêndio em dinheiro calculado na medida da potencialidade do dano. A opção entre estas duas alternativas está na avaliação a que o particular procede ao pretender realizar determinada atividade, e, eventualmente, por questão de maior eficiência, vir a escolher outra atividade. Aqui se revela novamente o ótimo de Pareto. Enquanto for vantajoso arcar com o custo - seja do preenchimento da norma, seja do pagamento para o exercício de certa atividade não se realoca o investimento de determinada atividade econômica. O reconhecimento dos direitos de propriedade (property rights) sobre o meio a ser poluído não implica necessariamente uma disposição a pagar. A decisão sobre o consumo ou conservação de determinado bem vai além do direito de apropriação sobre ele. É necessário verificar uma vantagem. Dir-se-ia que a opção não é livre, porém interessada. O proprietário de um bem natural só participará para a sua conservação, à medida que os custos para evitar o dano ambiental (Vermeidungskosten) fiquem abaixo do custo de reparação do dano
244
243
E. Rehbinder, Prinzipien des Umweltrechts, cit., p. 88.
146
E. Rehbinder, Wirtschaftsordnung und Instrumente des Umweltschutzes - zur Diskussion um das sog. Verursacherprinzip, in H. Sauermann, E. J. Mestmacker, Wirtschaftsordnung und Staatsverfassung, p. 512.
147
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(Sozial Zusatzkosten). Acima deste limite, perde-se o interesse por uma redução da poluição. Neste contexto, emergem duas opções para a conservação do bem: ou deve o poluidor arcar com o emprego de instrum~ntos para a diminuição dos custos de substituição daquilo que causa a poluiÇão; ou, por uma avaliação política, alivia-se o poluidor de tal encargo, devendo os prejudicados arcar com ele (sobretudo via atuação do Estado). Ocorre, então, uma subvenção do poluidor para que ele realize os investimentos necessários a fim de eliminar ou reduzir o dano ambiental245 • O princípio do poluidor-pagador, alerta Rehbinder, não está exatamente estimulando a atuação individual para diminuição do dano ambiental, seja pela limitação da produção e modificação do processo produtivo, ou, a longo prazo, pela construção de estruturas produtivas mais afinadas com a conservação do meio ambiente. Po. rém, quando tomado no sentido estrito, ou - na expressão de Klopfer - na dimensão objetivo-racional-econômica, atua na realização da capacidade de adequação do sistema fechado da economia de mercado, procurando uma melhor alocação dos fatores. O mercado orientaria a mais adequada política ambiental, ou seja, dentro de uma consideração individual custo-benefício. Estando os custos individuais de redução acima dos custos sociais (representados por tributos), são exercidos estímulos sobre as empresas a fim de tomarem medidas redutoras da poluição 246 • Esta específica concepção do princípio do poluidor-pagador, orientada pelo raciocínio neoliberal fundado na capacidade de o interesse individual orientar o convívio social, impõe que se volte à necessidade de uma reavaliação deste princípio, não para sua eliminação, porém para sua adequação em bases de política econômica despidas da crença incondicional na auto-regulação d.as relações privadas pela lei da oferta e da procura. A crença na capacidade de absorção do mercado (internalização das externalidades negativas) e no seu ajuste pela distribuição de direitos de propriedade perante toda e qualquer fração de natureza apropriável (teoria dos "property rights"), viabilizando a decantada alocação ótima de recursos, está subjacente ao princípio do poluidor-pagador. Tal visão privatista, no entanto, deve ser relativizada por uma orientação macroeconômica, comprometida
2 45
246
E. Rehbinder, Wirtschaftsordnung, cit., p. 504. E. Rehbinder, Wirtschaftsordnung, cit., p. 507-508.
148
com princípios constitucionais de melhoria das condições de existência. Para os adeptos da economia neoliberal, práticas privadas no mercado, que garantam um benefício individual, conduziriam inexoravelmente a uma melhora da vida social. O que proponho é exatamente a inversão desta orientação. O desenvolvimento de práticas privadas deve estar fundado na orientação de políticas públicas, as quais teriam a vocação de efetivamente realizar os objetivos básicos previstos no capítulo do meio ambiente, tendo presentes os demais princípios norteadores da sociedade brasileira. Pela orientação do comportamento coletivo, garante-se uma prática privada gratificante ao investidor e à sociedade. O princípio do poluidor-pagador, embutido na legislação ambiental, necessariamente se fará presente nas políticas públicas implementadas com base em tais instrumentos legais. Por ser um princípio estrutural, sua manifestação nas políticas públicas não é propriamente determinante de comportamentos, porém orientadora. O poluidor não deve cobrir todos os custos oriundos de sua atividade, explica Rehbinder. Dele são cobrados apenas os custos das medidas ambientais exigidas pela política pública de proteção ambiental, isto é, na medida dos objetivos públicos de qualidade ambiental. A concepção orientadora do princípio do poluidor-pagador facilita a imposição política das medidas de proteção ambiental, uma vez que, a partir do seu reconhecimento, são definidos instrumentos contra a resistência de interesses e objetivos políticos conflitantes247 • A realização desta diretriz do poluidor-pagador é um fator necessário para a efetivação do direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esse princípio é um meio de que se vale tanto o aplicador da legislação, especialmente na formação de políticas públicas, como o legislador, na elaboração de textos destinados a uma proteção mais eficiente dos recursos naturais.
I. 3 Princípio da Precaução Finalmente, cabe a apresentação daquele princípio que, a meu ver, corresponde à essência do direito ambiental. Este princípio indica uma atuação "racional" para com os bens ambientais, com a mais
247
E. Rehbinder, Allgemeines Umweltrecht, cit., p. 96.
149
cuidadosa apreensão possível dos recursos naturais, numa espécie de Daseinvorsorge ou Zukunftvorsorge 248 (cuidado, precaução com a existência ou com o futuro), que vai além de simples medidas para afastar o perigo. Na verdade, é uma "precaução contra o risco'~, que objetivà prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo. O emprego deste princípio está anterior à manifestação do perigo. Hoppe e Beckmann remarcam o que é pacífico entre os doutrinadores. Segundo eles, este princípio é de tal importância que é considerado como o ponto direcionador central para a formação do direito ambiental249 • Convém, a título de esclarecimento do conceito, citar a posição da Alemanha quanto à importância deste princípio. O relatório ambiental de 1976 do governo alemão destaca a relevância do princípio da precaução (Vorsorgeprinzip) na formação de políticas ambientais. Nesse sentido, remarca Klõpfer: "Política ambiental não se esgota na defesa contra ameaçadores perigos e na correção de danos existentes. Uma política ambiental preventiva reclama que as bases naturais sejam protegidas e utilizadas com cuidado, parcimoniosamente250 • O princípio da precaução deixa claro que, devido à dimensão temporal (relacionada com o futuro) e à complexidade da proteção ambiental, não é suficiente que se pratique apenas uma "intervenção periférica" 251 • Isto é, com base neste princípio, a política ambiental desenvolve-se em normas não rigidamente divididas em uma determinada ordem do direito ambiental. Normas que denotam uma prática sustentável de apropriação de recursos naturais integram obrigatoriamente o planejamento da política econômica e, conseqüentemente, as normatizações da prática econômica. Precaução ambiental é necessariamente modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica. Enquanto pelo princípio da precaução devem-se evitar perigos ambientais e procurar uma qualidade ambiental favorável (um ambiente o máximo possível livre de perigos), visando à consecução de fins de proteção ambiental básicos, os princípios do poluidor-pagador e da cooperação se relacionam a fins secundários ou complementares (distribuição da responsabilidade pela proteção ambiental e
248
B. Bender e R. Sparwasser, Umweltrecht, cit., p. 7. W. Hoppe e M. Beckmann, Umweltrecht, cit., p. 80. 25 º M. Klopfer, Umweltrecht, cit., p. 74. 251 M. Klopfer, Umweltrecht, cit., p. 75.
aspectos instrumentais da proteção ambiental). O princípio do poluidor-pagador e o da cooperação integram um relacionamento potencialmente tenso, cuja solução, nos casos individualizados, cabe ao legislador. Já o princípio da precaução tem uma dimensão pacificadora, firmando-se com o postulado de atuar previamente contra um risco - especificamente por medidas de prevenção de perigo de determinado tipo-, principalmente valendo-se de planejamento e controle prévio de produtos 252 • Na verdade, o princípio da precaução necessita do respeito aos outros dois princípios para concretizar-se plenamente. Ele assume, fundamentalmente, o sentido de linha orientadora dos objetivos da política de proteção ambiental. Entretanto, para a concretização deste princípio geral, coloca-se na estrutura do Estado Social a prática do indispensável princípio da cooperação, seguida pela correção aportada por práticas calcadas no princípio do poluidor-pagador. O princípio da precaução se resume na busca do afastamento, no tempo e no espaço, do perigo; na busca também da proteção contra o próprio risco e na análise do potencial danoso oriundo do conjunto de atividades. Sua atuação se faz sentir, mais apropriadamente, na formação de políticas públicas ambientais, onde a exigência de utilização da melhor tecnologia disponível é necessariamente um corolário. Esta precaução, visando à garantia de um meio ambiente física e psiquicamente agradável ao ser humano, impõe uma série de ações básicas pelo governo. Os desdobramentos concretos das políticas públicas adotadas com base no princípio da precaução podem ser elencados nas seguintes ações: defesa contra perigo ambiental iminente, afastamento ou diminuição de risco para o ambiente, proteção à configuração futura do ambiente, principalmente com a proteção e desenvolvimento das bases naturais de existência 253 • Nesse sentido, ao governo empenhado no desenvolvimento de tais políticas públicas atribui-se as seguintes tarefas: implementação de pesquisas no campo ambiental, melhoramento e desenvolvimento de "tecnologia ambiental", construção de um sistema para observação de mudanças ecológicas, imposição de objetivos de política ambiental a serem alcançados a médio e longo prazos, sistematização das
249
150
252
M. Klopfer, Umweltrecht, cit., p. 74.
253
W. Hoppe e M. Beckmann, Umweltrecht, cit., p. 17.
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organizações no plano de uma política de proteção ambiental; fortalecimento dos órgãos estatais competentes para a melhora na execução dos programas ambientais, bem como para formação de textos • legislativos visando a uma efetiva organização política e legislativa da proteção ambiental2 54 • Precaução é cuidado (in dubio pro securitate). O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente, seja pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade. O alcance deste princípio depende substancialmente da forma e da extensão da cautela econômica, correspondente a sua realização. Especificamente, naquilo concernente às disposições relativas ao grau de exigência para implementação de melhor tecnologia e ao tratamento corretivo da atividade inicialmente poluidora 255 •
1. 3.1 A base da precaução não é o risco A participação do Poder Público, segundo Winter, não se direcionaria exatamente à identificação e posterior afastamento dos riscos de determinada atividade. À pergunta "causaria A um dano?" seria contraposta a indagação "precisamos de A?" 256 • Não é o risco, cuja identificação torna-se escorregadia no campo político e técnicocientífico, causado por uma atividade que deve provocar alterações no desenvolvimento linear da atividade econômica. Porém, o esclarecimento da razão final do que se produz seria o ponto de partida de uma política que tenha em vista o bem-estar de uma comunidade. No questionamento sobre a própria razão de existir de determinada atividade, colocar-se-ia o início da prática do princípio da precaução.
254
Cf. Eckard Rehbinder, Prinzipien des Umweltrechts, cit., p. 271.
E. Rehbinder, Allgemeines Umweltrecht, cit., p. 88. 256 Gerd Winter, Brauchen wir das? von der Risikominimierung zur Bedarfsprüfung, Kritische ]ustiz, Heft 4, p. 390.
25s
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1
Necessidade (Bedarf) assume aqui um caráter objetivo, podendo opor-se à subjetividade da necessidade criada pelo mercado (Bedürfnis)257. Para Winter, necessidade (Bedarf) não dispõe de uma direção utilitarista, porém é orientada qualitativamente sobre a questão daquilo que o ser humano pode precisar, para melhoria de sua existência. Os desejos e a criatividade humanos são infinitos, o ambiente e os recursos de que se vale o homem para realização destes desejos são finitos. Esta máxima, acompanhada por valores de respeito e solidariedade social e atenção à manutenção dos processos ecológicos, seria o ponto de partida para consecução de políticas de bem-estar e aumento de qualidade de vida, razão final do princípio da precaução. Ao objetivo de toda atividade deve-se contrapor o grau de risco ao ambiente e à saúde. Para Winter, meta e risco colocam-se lado a lado em estreito relacionamento 258 • A elaboração de políticas públicas, incluindo as normativas, e a efetivação de avaliações de impacto ambiental, voltadas à conservação dos recursos naturais, além da realização dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 32 da CF) podem conduzir à concretização do afirmado por Gerd Winter. Na sua perspectiva, não se partiria de uma potencialidade de dano, pura e simplesmente, mas se traria à discussão a própria razão da atividade em pauta: a necessidade, o objetivo do que se pretende empreender. Em resumo, o critério geral para a realização de determinada atividade seria a sua "necessidade" sob o ponto de vista de melhora e não prejudicialidade da qualidade de vida. Este critério deve operar, especialmente, nos três estágios em que a atividade humana é potencialmente danosa ao ambiente: apropriação de recursos naturais, trânsito de produtos, emissões industriais. Concluindo, afirma Winter que, durante o processo de avaliação de impacto ambiental e o seu resultado, onde se define a necessidade ou não de realização de determinado objetivo, é preciso que se fundamente a realização dos objetivos em questão. A escolha dos objetivos é deixada à política e ao mercado. Se a política e o mercado estabelecem realmente os objetivos, e como isto ocorre, acaba sendo, poste-
257 Winter distingue do alemão "Bedarf" e "Bedürfnis". Esta reflete mais uma vontade, expressa no mercado pela "procura", é uma externalização do desejo, quando se dispõe a adquirir algo pagando o seu preço.
258
G. Winter, Brauchen wir das?, cit., p. 391.
153
riormente, uma questão a ser abordada pelo direito 259 • Isto posto, a realização do princípio da precaução envolve primeiramente a verificação da constitucionalidade das justificativas dos objetivos da realização qe determipado empreendimento antes mesmo de se examinar a relação objetivo-risco, como forma de analisar seu potencial poluidor.
2
DIREITO E DESENVOLVIMENTO SusTENT ÁVEL
Como foi visto, o direito econômico, em sua atuação, está envolvido não só com as opções econômicas, mas também políticas sociais e culturais de uma sociedade e ganha sua identidade com a tradução, no texto normativo, da "direção sistemática da economia" 260 • Hoje, diversamente das normas de direito econômico que refletem uma preocupação de política econômica, o direito ambiental muito se apropriou da teoria econômica neoclássica, preocupada com a resolução econométrica dos problemas, abalizada numa prática aritmética. Tal filiação tem impedido a prática do direito ambiental de desenvolver uma visão mais abrangente do movimento da sociedade em que está inserido, indo contra a "sua natureza" por ignorar o todo do ordenamento jurídico em que se insere. O que se tem presenciado é a tentativa de um direito estanque, voltado para si - narcisista-, procurando ligações com o exterior, por estatuições isoladamente tratadas, desenraizadas da prática social dos sujeitos. As conseqüências para o mercado do aumento do custo de um produto potencialmente nocivo ao ambiente, o problema da necessidade de crescimento da produção a despeito da conseqüente sobrecarga do meio ambiente pelo uso de recursos naturais - o que, por sua vez, aumenta a necessidade de saneamento do ambiente-, além do fato de que existem condições de tempo e espaço modificando e deslocando as relações de produção, tudo isso são questões fundamentais não discutidas pela teoria da economia ambiental.
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dos recursos naturais desconsidera os reais efeitos das normas de proteção ambiental sobre a dinâmica das relações econômicas e sociais, por desprezar o fato de que qualquer regulamentação do uso dos recursos naturais é uma regulamentação das relações sociais no seu sentido mais amplo. Falta-lhe a compreensão de que na base das relações em sociedade está a forma de como esta sociedade se relaciona com o meio natural. A análise do texto jurídico, dentro de sua totalidade complexa, é o único modo de adequar o direito ambiental a uma política real e conseqüente de conservação dos recursos naturais. Procurando ajustar prática econômica com o uso equilibrado dos recursos naturais, adota o direito a idéia de desenvolvimento sustentável. Este direito do desenvolvimento sustentável teria a preocupação primeira de garantir a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com seu ambiente 261 • O conceito do direito do desenvolvimento sustentável ainda não foi extensivamente trabalhado; contudo, acredito que a apresentação da expressão "desenvolvimento sustentável" na parte anterior deste trabalho 262 tenha contribuído ao delinear pontos fundamentais que integram o conteúdo desta expressão. Sinteticamente, este direito pode ser compreendido como um conjunto de instrumentos "preventivos", ferramentas de que se deve lançar mão para conformar, constituir, estruturar políticas, que teriam como cerne práticas econômicas, científicas, educacionais, conservacionistas, voltadas à realização do bem-estar generalizado de toda uma sociedade. O direito do desenvolvimento sustentável aporta essencialmente normas capazes de instrumentalizar políticas de desenvolvimento com
261
Cf. Fábio Konder Comparato, O indispensável direito econômico, in Ensaios e Pareceres de direito empresarial, p. 465.
A introdução do conceito de desenvolvimento sustentável no direito positivo abre um imenso campo de atuação para o Estado. Rehbinder aponta alguns desdobramentos do direito do desenvolvimento sustentável no direito positivo alemão: a norma para utilização da melhor tecnologia independente do estado concreto do bem ambiental a ser protegido, a norma que impede maior poluição do ambiente do que a já eventualmente existente (Verschlechterung der Umweltqualitat) e o princípio da precaução, segundo o qual o Estado também deve atuar com proibições e restrições, mesmo quando o potencial danoso de um determinado material ainda não estiver provado (cf. E. Rehbinder, Allgemeines Umweltrecht, cit., p. 87). 262 Cf., supra, Capítulo III - n. 5. Factibilidade da teoria do desenvolvimento sustentável para a proteção dos recursos naturais.
154
155
Este simplismo teórico tem sido paulatinamente adotado pela esfera jurídica no seu tratamento da proteção ambiental. A precipitada e irrefletida análise dos preceitos jurídicos voltados à conservação
259
G. Winter, Brauchen wir das?, cit., p. 404.
260
base no aumento da qualidade das condições existenciais dos cidadãos. A normatização do desenvolvimento, para procurar uma disposição racional dos seus elementos, procura geri-lo sob um ponto de vista macro, ou seja, como desenvolvimento socialmente analisado, sintetizado na· expressão "desenvolvimento econômico". Este, por sua vez, só pode ser compreendido integralmente quando vinculado a sua forma individualizada, expressa na garantia do desenvolvimento das expressões humanas (cultura, saúde, atividades individuais ou intersubjetivas que proporcionariam felicidade). Assim, políticas que reencontrem uma compatibilização da atividade econômica com o aumento das potencialidades do homem e do meio natural, sem exauri-las; apoiadas por normas de incentivo à pesquisa científica de proteção dos recursos naturais e de garantia de uma qualidade ambiental, são expressões do direito do desenvolvimento sustentável - uma outra forma de ver e compreender o direito ambiental. Não trato de um direito do desenvolvimento sustentável - devo reiterar - como um ramo autônomo do direito, porém como um enfoque novo e inovador que assume necessariamente a coordenação das normas de direito econômico com os preceitos que visam uma utilização sustentável dos recursos naturais. Uma concretização desta interação, já extensamente aplicada, é a Avaliação de Impacto Ambiental, sobre a qual discorrerei a seguir. Este instrumento, cabe remarcar, não pode ser considerado isolado de outras perspectivas que compõem a sociedade, mas precisa ser aplicado tomando a compreensão dos fatores econômicos, sociais, culturais, a fim de que cumpra sua ambição de contemplar a unidade do direito 263 •
2.1 Avaliação de Impacto Ambiental A Lei n. 6.938/81 introduz o instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental no ordenamento jurídico brasileiro. Não se trata
263
É Rolf Stober que trago para melhor autorizar este pensamento que desenvolvo. Afirma ele: "Um instrumento importante é a Avaliação de Impacto Ambiental, a qual não deve, contudo, ser realizada apartada de outros pontos de vista e valores, mas devem ser observados os aspectos econômicos e sociais entre outros, quando se tem a pretensão de efetivar a unidade da ordem jurídica" (R. Stober, Handbuch, cit., p. 138).
156
aqui de enveredar pelos seus meandros e discutir a riqueza dos novos elementos expostos por este preceito legal. Reservo este momento apenas para mostrar a origem teórica desta importante ferramenta e levantar os elementos basilares para sua efetivação. A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) é responsável por estratégias preventivas e antecipadoras da política ambiental. Isto é, ao mesmo tempo que serve a um dos princípios básicos da política ambiental - e, conseqüentemente, do direito ambiental - , que é o princípio da precaução264 , termina a AIA por criar em cada resultado uma nova política ambiental específica para cada ambiente avaliado. Política esta que, uma vez em acordo com os princípios e normas do direito, tem aplicabilidade imediata, podendo ser exigida a sua execução. A Avaliação de Impacto Ambiental engloba esforços para melhor informar sobre possíveis impactos ambientais, e deve permitir a tomada de ações mais apropriadas antes de que o dano ocorra. Neste sentido, a AIA pode ser classificada como parte de uma política ambiental preventiva, fundada no planejamento das atividades humanas. Portanto, o processo de avaliação de impacto ambiental não tem como objetivo impor barreiras àquilo que seria um procedimento habitual. É ele o foro para ponderações e contribuições. Sua realização não se manifesta como um óbice, uma paralisação, mas como um processo constitutivo, seja pela conformação de uma atividade, seja pela formação de uma política, ou seja, na produção de um planejamento. Nele não se encontram somente interesses diversos, mas também encontram-se manifestos conhecimentos diversos a serem observados, procurando uma composição.
Planejar para um desenvolvimento sustentável, nos ensina Archibugi, significa essencialmente um gerenciamento de recursos, pelo qual a direção e qualidade das condições ambientais são permanentemente monitoradas, de modo a obter a mais completa quantidade de informações para uma resposta política efetiva. O planejamento para sustentabilidade requer uma mudança no modo de pensar o desenvolvimento. Há uma necessidade evidente para um pensamento mais estratégico, mais coeso e mais multidimensional, a fim de assegurar a compatibilidade dos interesses econômicos e ambientais 265 • Localizo
104
Cf., supra, capítulo IV - n. 1.3. Princípio da precaução.
10
Cf. F. Archibugi et ai., The challenge of sustainable development, cit., p. 9.
'
157
nesta descrição o "espírito" da Avaliação de Impacto Ambiental: um processo que comporta planejamento para a sustentabilidade das atividades econômicas, integrado por um conjunto de ações estratégicas, visando uma melhoria e melhor distribuição da qualidade de vida. Isto faz 'com que investimentos empresariais retornem a uma base sólida, estendendo o horizonte de percepção para além dos elementos específicos que envolvem sua produção, procurando uma administração econômica que seja materialmente orientada (atenta aos recursos naturais utilizados) e não apenas monetariamente direcionada. Para esta realização é imprescindível uma "politização da economia" e uma "politização das decisões e planejamento" 266 • Pois, esclarece Brentel, para uma economia preocupada com a conservação efetiva dos recursos naturais, uma nova teoria de gerenciamento de investimentos se faz necessária. Impõe-se uma gama de reflexões sobre o desenvolvimento de uma economia ecológica, materialmente (stofflich) orientada. Promove o autor um alerta no sentido da reformulação dos princípios que orientam o planejamento empresarial, o qual deve libertar-se de sua orientação financeira (kapitaltheoretischen) e assentar-se sobre sua base material2 67 • Traduzindo seu pensamento para o que vem sendo até aqui exposto, apresento a Avaliação de Impacto Ambiental como âmbito de discussão e orientação da prática econômica. Representa a AIA o processo onde se passa aquilo que Brentel chama de politização da economia, decisão e planejamento. A aplicação do instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental é fundamentalmente dependente do conhecimento. Quanto se deve conhecer e como aplicar esse conhecimento são questões que se apresentam no início de cada estudo de impacto ambiental. A resposta a tais indagações freqüentemente ultrapassa o âmbito científico, chegando, em última análise, à dependência de uma opção política. É impossível, como muitas vezes se pretende, a separação entre conhecimento científico e poder político. Cada AIA traz esta conjunção de elementos. Portanto, ao analisarmos o valor da AIA, para a efetiva conservação das bases naturais, deve-se ter em vista que sua implementação satisfatória não depende unicamente do alto nível téc-
266
Expressões de H. Brentel, Alternative okonomische, cit., p. 24.
267
H. Brentel, Alternative okonomische, cit., p. 38.
158
nico das pessoas envolvidas. É igualmente fundamental a garantia de instrumentos de mediação política idôneos, a fim de que se possa, de maneira mais equânime e democrática, encontrar uma decisão para os dados apresentados pelo documento de Avaliação de Impacto Ambiental. Por isso, a constatação de Simonis, de que a questão de quanto conhecimento/compreensão é necessário a um país (governo, administração, instituição), pode não ser suficiente para outro. Muitas vezes, por exemplo, a não-adequação do binômio poder político e conhecimento conduz a um fraco compromisso sobre os padrões de emissão de poluentes a serem exigidos. O dilema para impor padrões de emissão mais restritivos é enorme. Enquanto isto, as florestas podem continuar a morrer, a camada de ozônio pode continuar a ser afetada e a água pode continuar a ser contaminada 268 e 269 • Ademais, o próprio conhecimento em si é questionado quando se trata da decisão de assumir os riscos advindos de atividades danosas ao meio ambiente. James reclama atenção para a insuficiência de elementos quando se trata de valorar a conservação dos recursos naturais. Segundo ele: "Mesmo com os sensíveis progressos, em anos recentes, na confiabilidade das técnicas de avaliação econômica, é potencialmente impossível capturar todos os custos de degradação ambiental nos investimentos empresariais. O custo verdadeiro está escondido pela tirania
268
"The question of how much knowledge/awareness for one country (government, agency, institution) may not be enough for the other. The normal outcome of such a situation is a meagre compromise over the emission standards to be implemented. They will be weaker than technically/politically feasible because knowledge/awareness on cause-effect-relationships or social priorities is said to be insufficient. Eminent cases in point are the emission standards for S0 2 , C0 2 and NOx in the air pollution field, and the nitrate standard in the water polution field. Thus, the dilemma of setting stricter emission standards is serious. Meanwhile the forests may continue to die back, the ozon layer may continue to be affected, and the water may continue to get contaminated. The conclusion therefore is, that environmental standard setting must be conceived as a continuous process, with growing knowledge/awareness on actual and probable environmental damages the thresholds for action must be consecutively lowred, i.e., standard setting must be dynamized to speed up industrial restructuring" (Udo Ernst Simonis, Ecological modernization of industrial society - Three strategic elements, in F. Archibugi, Economy and ecology, p. 131). 2 9 '
Sobre a relação entre desenvolvimento técnico e atividade política ver, supra, Capítulo III - n. 5.4. Limites ecológicos-limites sociais.
159
das (relativamente) pequenas decisões. Em regra, por causa da incapacidade de se medir acuradamente os verdadeiros custos sociais dos investimentos (Man-made investments), os rendimentos sociais calculados serão sobrestimados. Ao contrário, os benefícios da preservação • dos recurs'os naturais tendem a ser subestimados. O uso dos recursos naturais pode em algumas instâncias levar a custos externos difíceis de serem quantificados, mas o peso das evidências ecológicas sugere que, de modo geral, benefícios externos significantes estejam associados com a conservação dos estoques de capital natural" 27º.
Concluindo, a decisão, ao final do processo de qualquer Avaliação de Impacto Ambiental, é um posicionamento político, juridicamente orientado 274 • Esta é uma questão de escolha política do presente, dentro da qual o conhecimento científico, que no decorrer de todo o processo desempenhou sua função de prima-dona, cede e assume um papel secundário, na conclusão deste levantamento. Na realidade, termina por ser toda a ciência suporte de decisões políticas, que, por sua vez, num Estado Democrático de Direito, curvam-se às orientações e limites expressos pelo direito.
A prática da Avaliação de Impacto Ambiental apresenta um problema bastante delicado: o de decidir exatamente sobre aquilo que deve ser preservado 271 • Esta, aliás, é uma preocupação que permeia toda discussão sobre desenvolvimento sustentável, sobretudo quando se afasta o simplismo da idéia de mera poupança dos recursos naturais. Conforme já tive oportunidade de esclarecer, a economia do desenvolvimento sustentável assenta-se na análise de custo-benefício da preservação do recurso natural a ser utilizado, e seu resultado não pode ser absolutamente único, pois está ligado ao tempo e espaço em que este recurso se situa 272 • De qualquer modo, o valor do recurso natural não é absoluto, e sua preservação está na dependência da avaliação imediatamente anterior ao emprego para determinada atividade, sendo inegável a freqüência do conflito criado entre conservação e uso deste bem 273 •
A ciência e a técnica, em si e para si, não existem. O que há é sempre um conhecimento ligado a determinadas facções de poder na sociedade. O conhecimento científico só pode existir a partir de condições políticas que determinam os pressupostos para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios do saber 275 • Por outro lado, o poder político baseia-se no saber para dar solidez a sua decisão. Poder e saber nutrem-se mutuamente, sendo impossível na sociedade moderna dissociar-se conhecimento científico de decisões políticas e poder político dos novos postulados da ciência. Assim, o estabelecimento de indicadores de poluição ambiental, o grau máximo de concentração de determinada substância na atmosfera, as referências quanto à "sustentabilidade" de certa atividade econômica com relação aos recursos ambientais utilizados, ou seja, o uso de safe minimum standards para preservar estoques de recursos naturais renováveis, pagam seu tributo a poderes políticos.
27
º D. E. James, Ecological sustainability, cit., p. 42.
Cf. D. E. James, Ecological sustainability, cit., p. 43. Cf., supra, Capítulo III - n. 5. Factibilidade da teoria do desenvolvimento sustentável para a proteção dos recursos naturais. 273 Nesse sentido formula James: "Conflito entre objetivos econômicos e preservação ecológica atinge um máximo quando a análise de eficiência econômica recomenda a extinção de estoques de capital natural. Este será o caso onde a taxa de crescimento de rendimento líquido aportado pelos recursos renováveis é menor que a taxa de desconto. Será, então, economicamente eficiente reduzir o estoque a zero e investir o lucro em outros bens de capital, a partir dos quais, conforme indicado pelas taxas de desconto, pode-se esperar maior aumento na sustentabilidade da renda nacional. Este argumento supõe que benefícios líquidos tenham sido corretamente estimados e que o esgotamento de um recurso particular seja compatível com o uso sustentável de outros recursos" (D. E. James, Ecological sustainability, cit., p. 41).
271
272
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A veracidade do discurso político depende de um conjunto de procedimentos circulares de produção e apoio ligados aos sistemas de poder (instituições científicas, partidos políticos etc.). Assim, não é de tanta importância o fato de a aplicação das normas científicas de restrição do uso de determinada substância não produzir os desejados efeitos benéficos à saúde, nem que o último estágio de desenvolvimento da técnica não consiga evitar um acúmulo de lixo tóxico com alto potencial destruidor para as próximas gerações; desde que o poder do conhecimento científico, que dá sustentação a esta situação, seja aceito. O catalisador do conhecimento científico e do poder político, ajustando-os a uma ética social, revestindo-os de determinadas finalida -
274
Cf., supra, Capítulo IV - n. 1.3.1 A base da precaução não é o risco. Roberto Machado, Por uma genealogia do poder, introdução à obra de Michel Foucault, Microfísica do poder, p. XXI. 275
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des, submetendo-os à observância de princípios a serem acatados por toda a sociedade em todas as suas manifestações, é o direito. A consecução de um meio ambiente sadio e equilibrado consiste na buscá de múltiplos objetivos, que envolvem, por sua vez, medidas amplas, nas diversas estruturas da sociedade, requerendo eficiência econômica e naturalmente definição sobre a finalidade da produção (o que e para quem produzir), avaliação de riscos e julgamentos éticos na distribuição de custos e benefícios da atividade econômica, bem como opções políticas para consecução de um conjunto de fatores convencionalmente chamados de bem-estar. É um processo complicado e raramente envolve medidas que trarão resultados imediatos.
2.2 A normatização do Desenvolvimento Tecno-
lógico e o Direito ao Desenvolvimento Sustentável O fator tecnologia na produção econômica fornece os meios de melhor adaptação da produção humana, que é, na realidade, reprodução da natureza. A criação tecnológica é potencialmente infinita. Os limites da investigação científica surgem somente com a limitação da imaginação humana, com a restrição da capacidade de engenho.
e avalizar os riscos e chances da técnica (estimativa das conseqüências possíveis), por um trabalho integrado do planejamento econômico com o desenvolvimento tecnológico mais adequado. iiliiii'
A importância dedicada à tecnologia não se deve a fatores de somenos importância. O potencial destrutivo existente na tecnologia nuclear, o uso da ciência para produção de armamentos cada vez mais potentes e para sintetizações químicas extremamente perigosas, o avanço incauto da engenharia genética só plenamente conhecido por seus experts, trouxeram uma questão inusitada às sociedades humanas: sua capacidade de autodestruição. Paralelamente à produção de riquezas, a sociedade industrial produz riscos nunca antes pensados. Toda essa produção permitiu a caracterização da sociedade como Sociedade de Riscos (Risikogesellschaft276 ), pontuando o grande desafio das instituições da democracia: viabilizar um processo de produção e distribuição de riquezas que possua sustentabilidade. Sinteticamente, tal processo não pode ter como conseqüência a destruição daqueles de quem deveria estar a serviço. O direito desempenha um papel fundamental ao procurar estruturar a produção de tecnologia, adequando-a a fins sociais e revestindo-a de valores éticos presentes na sociedade. Mediado pelo ordena-
276
Sinteticamente, a produção de tecnologias fornece os meios dos quais o ser humano se vale para mediar sua relação com a natureza ou com o ambiente exterior que o circunda, com a finalidade de facilitar, otimizar e melhorar sua existência e a daqueles submetidos aos seus efeitos. Há uma simbiose entre o trabalho humano e a técnica para o desenvolvimento da produção. O fim último desta conjunção de forças não pode ser vislumbrado, visto que esta relação esgota-se na imediata contraprestação dos serviços prestados (salário). O efeito desta produção perde-se na complexidade da sociedade. É indispensável o desanuviamento das conseqüências decorrentes da dominação da natureza para uma concreta posição quanto aos riscos a serem assumidos e aos resultados positivos desta ação. Este papel esclarecedor é desempenhado por uma prática afinada da Avaliação de Impacto Ambiental que, na verdade, transforma-se num instrumento de finalidade mais ampla, à medida que tem a possibilidade de desenvolver uma Avaliação de Impacto Social, para responder à necessidade de estimar
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O conceito da expressão "sociedade de riscos" é melhor explicitado no texto que ora transcrevo: "O conceito de 'sociedade industrial ou de classes' (no sentido mais largo que em Marx e Weber) gira na questão de como a riqueza socialmente produzida pode ser dividida 'legitimamente' causando desigualdade ou igualdade social. Isto se resolve com o novo paradigma da sociedade de risco, que em seu bojo toca na questão da solução de um problema similar mas tratado de modo completamente diferente. Como é possível, no adiantado processo de modernização que causa sistematicamente riscos e perigos, afastar, inocular, dramatizar, canalizar tais problemas [... ] de modo que nem o processo de modernização seja afastado nem os limites ecológicos, medicinais, psicológicos, sociais sejam ultrapassados?". "Der Begriff der 'Industrie- oder Klassengesellschaft' (in weitesten Sinne von Marx und Weber) kreiste um die Frage, wie der gesellschaftlich produzierte Reichtum sozial ungleich und zugleich 'legitim' verteilt werden kann. Dies überschneidet sich mit dem neuen Paradigma der Risikogesellschaft, das in seinem Kern auf der Lõsung eines ãnlichen und doch ganz andersartigen Problem beruht. Wie kõnnen die im fortgeschrittenen ModernisierungsprozessE systematisch mitproduzierten Risiken und Gefahrdungen verhindert, verharmlost, dramatisiert, kanalisiert und dort, wo sie nun einmal ein Gestalt 'latenter Nebenwirkungen' das Licht der Welt erblickt haben, so eingegrenzt und wegverteilt werden, daE sie weder den ModernisierungsprozeE behindern noch die Grenzen des (õkologisch, medizinisch, psychologisch, sozial) 'Zumutbaren' uberschreiten?" (U. Beck, Risikogesellschaft, cit., p. 25-26).
163
menta jurídico, procura-se contrapor as chances e riscos da técnica, mediante estimativa das conseqüências da técnica empregada, via estudo sobre compatibilidade ambiental e social (Avaliação de Impacto Ambiemal - AI~), numa análise das alternativas existentes. Tudo isto reflete um modo de o direito assegurar um procedimento que vise a uma avaliação da técnica empregada, contextualizando interesse social, otimização econômica e adequação técnica. É dever do Estado minimizar os efeitos negativos e os riscos aportados por novas tecnologias direcionadas a resultados privados, fomentando o aumento da vantagem social dentro do lucro privado. O Estado deve disciplinar este desenvolvimento tendo em vista uma economia global, procurando resguardar a competitividade no mercado interno e externo e a utilidade social das inovações. Enfim, é indissociável o conhecimento científico do uso eficiente ·do direito, revelando-se aqui o constante movimento da norma jurídica: produto das relações sociais e modificadora da própria sociedade. Fomentando a pesquisa e direcionando o desenvolvimento tecnológico, atua o direito nas relações sociais e garante um aumento de condições para a própria elaboração de normas mais ajustadas à realidade em que está inserido, integrando ao processo de desenvolvimento uma garantia de aumento da qualidade de vida mediante a proteção das bases naturais e a melhoria das condições ambientais. Aqui é ferido um ponto de extrema importância para compreensão do inter-relacionamento das normas de direito econômico e de direito ambiental. A prática de um direito com o fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional (CF, art. T\ I e II), deve responder pelo desenvolvimento do conhecimento científico e pelo controle do exercício do poder adquirido com a detenção do conhecimento, por meio da regulamentação do desenvolvimento científico e da normatização do uso do poder fornecido pela ciência e tecnologia. O direito que procura adequar a prática produtiva à manutenção das bases naturais de existência da sociedade não pode prescindir do conhecimento científico. Pelo contrário, ele é sua mão direita (não a sua mente e espírito como querem alguns adeptos do cientificismo). Afirmo que o conhecimento científico é fundamental para inspirar a justa medida procurada na formação e aplicação do texto normativo, no que tange ao uso dos recursos naturais compatível com o desenvolvimento da sociedade. A prescrição que vincula a realização de uma dada atividade potencialmente poluidora ao mais avançado estado da 164
técnica é o exemplo mais significativo do tributo pago pelo direito econômico e ambiental ao desenvolvimento científico.
2.2.1 A ambivalência da técnica Circunscrevendo a técnica no modo de produção capitalista, é possível destacar duas manifestações básicas: a de estimular o mercado, propiciando aumento de lucratividade, otimizando a produção industrial, e a de servir - de fato ou por ilusão - à melhoria do bemestar das pessoas. A limitação da visão sobre a técnica, identificando-a apenas sob a forma de instrumento destinado a remir as necessidades humanas, uma espécie de fado do engenho, impede a sua compreensão mais ampla, induzindo em erro as políticas a respeito de seu desenvolvimento. Que todas as inovações da técnica trariam a libertação do homem de suas necessidades, a exemplo do que ocorreu com a invenção de instrumentos como o torno para elaborar utensílios de cerâmica ou com a invenção da imprensa por Gutenberg, é uma afirmação difícil de ser sustentada. Quando se toma a invenção do automóvel com motor a explosão, ou a do avião, dos filmes, do rádio e da televisão, a idéia de aplacar uma necessidade não viceja. Estas invenções correspondem a satisfações outras, prazeres e comodidades, cuja ausência antes de seu invento dificilmente se fazia lastimar. Muito mais, estas invenções trouxeram novas necessidades, por onde foi possível o surgimento dos pressupostos econômicos para sua produção em massa. Esta capacidade de despertar necessidades desnuda o poder de modificador do universo incorporado pela técnica. Isto posto, uma vez que a técnica satisfaça necessidades existentes, ajusta-se ela à condição humana. Mas, quando a técnica cria necessidades, exercita ela seu poder 277 , impondo uma adaptação do homem ao mundo como ambiente modificado pela técnica. Este poder revela-se em todo seu gigantismo, com a possibilidade de modificar-se o próprio homem pelos resultados das pesquisas genéticas. A tecnologia baseia-se nas descobertas das ciências naturais. Ela ambiciona a dominação da natureza e do meio tornando-os úteis ao homem, sob a forma de desenvolvimento, isto é, produção e melho-
m Cf. E. Forsthoff, Der Staat der Industriegesellschaft, cit., p. 46.
165
ramento de ferramentas, instrumentos, artefatos e produtos. Para o desenvolvimento satisfatório da produção capitalista, especialmente nos países pobres em matéria-prima e em energia, são as indústrias, o comércio, a ci.rculação de mercadorias, especialmente dependentes do emprego de tecnologia. A técnica viabiliza a economia, mantém a sua capacidade de operação e é o pressuposto para a continuação do seu desenvolvimento. Novas tecnologias podem estimular o progresso, fazer aumentar a produtividade e a capacidade de concorrência da economia de um país e, em suma, contribuir para um maior bemestar econômico 278 • O relacionamento homem-natureza, mediado pela técnica, com as características utilitaristas, que visam fundamentalmente extrair o máximo da natureza para a utilidade humana, tem suas raízes teóricas nos primórdios da idade moderna, quando se refazia toda a concepção humana da natureza, submetendo-a à razão. É significativa a leitura que Francis Bacon, um dos pais do pensamento moderno, faz do mito de Prometeu (Providência), encontrando, na alegoria da submissão do fogo ao homem, a dominação de toda natureza, transformada em objeto a serviço do engenho humano. Trago a este escrito um trecho desse belo ensaio de Francis Bacon, procurando ilustrar o que apresentei até o momento sobre o desenvolvimento da técnica, prestando um tributo ao pai do racionalismo moderno. "O homem parece ser (seems to be) aquele que centraliza todo o mundo, sob a égide das causas finais, de modo que, se ele não está presente, todas as outras coisas se dispersariam ou pairariam sem finalidade ou intenção, ou se tornariam totalmente desconectadas e fora de parâmetros. Todas as coisas são submetidas ao homem e ele usufrui de suas utilidades e benefícios. Deste modo, as revoluções, os locais e os períodos dos corpos celestes prestam-se ao homem para identificar o tempo e as estações do ano e para dividir o mundo em diferentes regiões; os meteoros permitem ao homem distinguir o clima; os ventos impulsionam nossos barcos, dirigem os moinhos, e movimentam nossas máquinas; e os vegetais e animais de todas as espécies do mesmo modo nos proporcionam materiais para casas e habitações, vestimenta e alimentação, têm a característica de facilitar ou satisfazer, suportar ou aliviar o homem de modo que tudo na natureza parece não ser feito com um fim em si mas para o homem.[ ... ]
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O homem, contudo, em sua origem, parece indefeso, criatura nua, débil para assistir a si próprio, sempre necessitando de numerosas coisas. Prometeu, porém, trouxe o fogo dos deuses. O fogo supre e administra praticamente todos os usos e necessidades humanas, no mesmo grau em que, se a alma pode ser chamada de a forma das formas, se a mão pode ser chamada de o instrumento dos instrumentos, o fogo pode ser apropriadamente chamado de o assistente dos assistentes, ou o auxílio dos auxílios. Por seu intermédio são efetuadas inúmeras operações, ele está presente em todas as artes mecânicas e presta infinita assistência à ciência" 279 •
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Uma característica fundamental da técnica é o risco imanente do ato de submissão das forças da natureza (Prometeu recebeu dos deuses seu castigo por ter roubado o fogo). Cada sistema técnico, potencialmente perigoso, engendra um risco específico. Neste aspecto, a técnica modifica modos de vida e os determina, ao mesmo tempo que seu uso e a decomposição de seus elementos tornam-se cada vez mais difíceis de serem compreendidos por não especialistas. O homem distancia-se dos elementos orientadores de seu modo de vida, dissolvendo parâmetros e dificultando a constituição da personalidade e identidade. Enfim, a estrutura psicológica individual é construída sem que se possa ter como certo o que realmente é necessário para desenvolver uma existência que não consegue definir seus fins. Tal preocupação deve-se à perda da ingenuidade inicial, que supunha que o progresso econômico e os meios utilizados para tanto conduziriam naturalmente à melhoria das condições sociais e individuais de vida.
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2.2.2 Tecnologia e poder É indiscutível o poder estratégico do conhecimento tecnológico. Como todo conhecimento, o domínio de determinada tecnologia representa um poder potencial do seu detentor. Este poder pode ser o de destaque nas relações de mercado, porém pode representar também poder político e de decisão sobre a segurança de pessoas. É ilustrativa a conclusão de Popitz a respeito do poder, quando afirma que "a atividade tecnológica surge como uma capacidade aberta do homem, a
279
278
Francis Bacon, Prometheus, or the State of man. Explained of an overruling providence, and of human nature, in Bacon's Essays and Wisdom of the Ancients, p. 394-397.
R. Stober, Handbuch, cit., p. 54.
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princípio, porém, em assim sendo, conclui-se que a periculosidade dos homens para os homens é também, a princípio, aberta. Por isso, torna-se o controle da atividade tecnológica a pedra de toque do controle do poder na sociedade moderna" 280 •
dos, assegurar o comprometimento institucional "no e para o concreto e complexo processo de comunicação, cujos resultados dependem sobremaneira de uma racionalidade e justiça política" 282 •
'Assim, revive-se o drama de Prometeu ao se identificar os dois lados da técnica, como, por exemplo, nos casos dos problemas ambientais: o desenvolvimento técnico é por um lado causa de inúmeros danos ambientais (por exemplo, poluição atmosférica provocada por indústrias e automóveis, poluição da água e do solo pelo excesso de adubos e pesticidas químicos); por outro lado, a proteção ambiental pode ser em grande parte alcançada pelo desenvolvimento de técnicas adequadas. Deste modo, ao direito cabe incentivar a utilização da melhor tecnologia disponível para uma produção "limpa", ao mesmo tempo que, no âmbito de políticas públicas, age fomentando pesquisas vinculadas com a necessidade de melhoria do bem-estar da sociedade, procurando afastar a aplicação de técnicas deletérias da qualidade ambiental.
2.2.3 O fundamento do incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico: o exemplo do art. 218 da Constituição Federal
Mais uma vez, depara-se com a dupla dimensão reguladora do direito. As normas que integram o direito do desenvolvimento sustentável devem, por um lado, fomentar o desenvolvimento privado e o investimento em novas tecnologias, a fim de assegurar o movimento da atividade industrial, pressuposto da saúde do mercado. Por outro lado, em respeito aos princípios do Estado Social, que tem como máxima o bem comum dos membros da sociedade, devem as normas procurar apontar caminhos para direcionar este desenvolvimento tecnológico agindo de forma valorativa, procurando assegurar uma prática privada responsável para com a sociedade, equilibrando o exercício do poder legado pelo domínio de determinada tecnologia 281 • Em resumo, trata-se de procurar, por meio de planejamento, imposição de políticas juridicamente determinadas, e pelo respeito a direitos e garantias individuais e sociais constitucionalmente declara-
280
Apud Erhard Denninger, Verfassungsrechtliche Anforderungen an die Normsetzung im Umwelt- und Technikrecht, p. 22. 281 Vale observar que com a "laicização da sociedade", ou seja, com o afastamento da religião da forma de organização social, outros valores precisaram ser inseridos e de maneira "laica" serem assegurados. Este ponto representa uma das grandes inovações do direito do Estado Moderno, e seu papel determinador de valores e delineador de uma ética das relações sociais assume tanto maior relevância quanto maior a incerteza dos efeitos finais das ações sociais.
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A ciência só se desenvolve em bases de experiências passadas, cujo primeiro elo é a natureza. O desenvolvimento de novas tecnologias depende do aprendizado do já existente. O trancamento deste conhecimento para o exercício de dominação é um modo perverso de subjugar o desenvolvimento da criatividade humana ao império do poder tecnológico. Sem criação não há vida e por isso é inerente a qualquer processo de transformação das condições de vida de uma sociedade o estímulo à capacidade criativa de seus membros. O não-estímulo ao desenvolvimento da pesquisa paralisa o tempo presente devido ao abandono dos elementos essenciais para a dinâmica da ciência: natureza (expressa na diversidade biológica) e intelecto humano (pesquisa e capacidade criadora). Impregna-se um não-agir no agora, que se revelará na catástrofe do vazio do futuro. A conta do que se desfaz hoje será paga amanhã com o sucateamento dos institutos de pesquisa submetidos ao limbo na dinâmica social e com uma atividade econômica que se desenvolve por espasmos de meia dúzia de empresas oligopolistas. Presentes, não exclusivamente, mas de maneira abrangente, na Constituição Federal, as normas relativas ao apoio e incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico procuram garantir a manutenção das bases naturais da vida, o que é essencial para o progresso do trabalho investigativo e fundamental à manutenção do processo produtivo. Estas normas presentes na Constituição revelam-se impondo, por um lado, ao Poder Público o dever de arquitetar políticas públicas, indicando a ele os pontos mínimos para desenvolver tais políticas, e, por outro, estabelecendo princípios de natureza individual ou coletiva que tanto regem a esfera pública como disciplinam e limitam os atos da esfera privada.
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U. Beck, Risikogesellschaft, cit., p. 15.
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De imediato, pode-se compreender a atuação do direito, ao tratar do fator tecnologia como um conjunto de instrumentos de incentivo e precaução. São ferramentas de que se deve lançar mão para conformar, constituir, estruturar uma política, que teria como cerne práticas ~conômicàs, científicas, educacionais, conservacionistas, voltadas à realização do bem-estar de toda uma sociedade. Assim, políticas que reencontrem uma compatibilização da tecnologia com o aumento das potencialidades do homem e do meio natural sem exauri-los, apoiadas por normas de incentivo à pesquisa científica e direcionadoras de uma tecnologia comprometida com valores de garantia da dignidade humana e bem-estar social, responderiam por uma autêntica concretização do direito como impulsionador do desenvolvimento econômico, com base no aprimoramento :ecoo lógico. Conforme já foi apresentado, o direito assume um papel norteador de valores da sociedade, sendo de caba:l importância a presença no ordenamento jurídico dos princípios fundamentais que regem a sociedade, expondo aquilo que a sociedade coloca como inviolável e absoluto na prática de suas ações, perfazendo uma espécie de ética normativa, pela descrição de valores e diretrizes morais que norteiam os relacionamentos sociais. A ética da boa vontade individual kantiana (não faça aos outros o que não queres que façam a ti), calcada num modus agendi, é então substituída por uma ética de responsabilidade, dirigida aos fins a serem obtidos, dentro de uma prática coerentemente constituída, onde se pode identificar uma homogeneidade entre meios e fins - fins éticos exigem meios éticos. Isto é, com o aumento dos efeitos negativos das atividades técnico-industriais dentro de dimensões inclusive planetárias, os valores éticos e os princípios fundamentais de respeito e proteção ao ser humano e sua dignidade devem ser atendidos, não apenas pelos elementos que compõem o desenrolar do processo produtivo, mas também pela adequação que deve estar presente no resultado destes atos. Trazendo este pensamento para nosso campo de indagação, seria afirmar que não só a atividade econômica, as relações de mercado e os experimentos científicos devem atentar para os direitos fundamentais, mas a finalidade das relações econômicas, os efeitos externos da produção industrial, o resultado de novas invenções devem responder àquilo que basicamente seria a garantia da dignidade, liberda170
de e igualdade entre os homens, culminando na realização da finalidade da estrutura do Estado, qual seja, a realização do bem-estar de toda a sociedade 283 • Esta ética da responsabilidade não é somente aquela propugnada por Max Weber, alerta Apel. Faz-se hoje imperativo o que ele chama de "ética de uma responsabilidade conjunta e solidária da humanidade no sentido de uma intermediação comunicativa de interesses e orientação de situações" ("gemeinsamen solidarischen Verantwortung der Menschheit in Sinne einer kommunikativen Interessenvermittlung und Situationsberatung") 284 • A ética passa a ser uma realização da vida ativa, ou seja, da prática política, e não se restringe a máximas derivadas de um imperativo categórico da razão 285 • Para uma concretização desta filosofia, é indispensável a desmistificação do conhecimento científico como um conhecimento em si, despido de ideologia ou valores outros que não a verdade científica. Somente após esta clarificação, pode-se valorar o desenvolvimento tecnológico e os resultados alcançados e inseri-los num processo de legitimação social. Não age de forma outra o § 2º do art. 218 da
283
Denninger fala de um direito da técnica para um verdadeiro bem comum (Gemeinwohlrichtiges) que se traduziria em três pontos: 1. estimular o avanço da ciência e tecnologia auxiliada por planejamento e pareceres de experts; 2. as decisões básicas do direito da técnica devem estar suportadas por adequados princípios de bem-estar, por exemplo, o uso pacífico da energia nuclear, a proteção do meio ambiente; 3. concretiza-se o ideal de um direito da técnica para um verdadeiro bem comum quando sua produção resulta de um processo democrático efetivamente representativo e portanto gozando de plena legitimidade (cf. E. Denninger, Verfassungsrechtliche, cit., p. 35). 284
K.-0. Apel, Diskurs, cit., p. 24.
285
Sintetiza sobre esta mudança Marilena Chauí: "Não por acaso, dois filósofos contemporâneos, formados na tradição alemã, voltam a tematizar a liberdade exclusivamente como práxis. Marcado pela ilustração kantiana, Habermas aposta numa 'ética da ação comunicativa' que permitiria o surgimento de um espaço público de diálogo tecido numa intersubjetividade racional, cujo pressuposto seria o caráter incondicionado e incondicional da palavra ética. Marcada por Heidegger e pela idéia do Mit-Sein, Hannah Arendt define a política como 'ação comum dos homens' e afirma que o nascimento da polis e da civitas seriam inconcebíveis sem a liberdade - a polis, porque rompe o espaço privado dos desiguais e funda a política propriamente dita, isto é, o espaço dos iguais e livres (liberados das carências e necessidades); a civitas, porque introduz a idéia de fundação, isto é, do poder humano para começar radicalmente, inaugurar, criar" (M. Chauí, Público, privado, despotismo, in Adauto Novaes (org.), Ética, p. 353).
1 71
Constituição Federal ao afirmar que "a pesquisa tecnológica voltarse-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional". É urna norma c;onstitucional que determina o valor político da pesquisa no Brasil, aplicando-se diretamente a toda produção legislativa e demais atos subseqüentes do Estado, a fim de garantir a realização desses objetivos.
CAPÍTULO
V
O Aspecto Constitucional da Compatibilidade do Desenvolvimento da Atividade Econômica com o Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado Anseio por ter, até este ponto da exposição, demonstrado que não há essencialmente uma separação material entre economia e ecologia. A base do desenvolvimento das relações produtivas está na natureza. E a natureza só pode ser compreendida enquanto integrante das relações humanas - aqui inseridas, com todo o seu peso, as relações econômicas. Esta união visceral, necessariamente, tem de se fazer sentir no interior do ordenamento jurídico. São estes os elementos que suportam a tese de que a realização do art. 225 da Constituição Federal passa pela efetivação do art. 170 e vice-versa. O Estado, como construção humana, tem seus atos moldados pela prática em sociedade. A produção de extensa legislação ambiental e, em especial, o art. 225 da Constituição reclamam um determinado compromisso dos atos estatais perante a conservação dos recursos naturais. Não é aqui que cultivarei elogios ao Estado do Bem-Estar. Mas estou convencida de que não é permitido desfrutar-se da ausência do aparato estatal quando está em discussão a compatibilização do desenvolvimento da ordem econômica com a conservação dos recursos naturais, ou com a garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Introduzo adiante o conteúdo do Estado e sua dinâmica de redistribuição de riquezas. Sublinho o caráter de cooperação da ativida1 7'.2
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de estatal com os agentes privados permeando as normas constitucionais, explicitamente no art. 225, quando prescreve deveres conjuntos ao Pode~ Público ~ à coletividade. Como organizador da riqueza social, o Estado tem suas atividades restringidas pelos limites impostos constitucionalmente. Submetese, enquanto coletor e aplicador dos tributos arrecadados, a finalidades legalmente expressas. Mesmo atuando como empresário, o capital que investe não "lhe pertence", devendo perseguir os objetivos fundamentais, constitucionalmente previstos para a República Federativa do Brasil (art. 3º-). Procuro analisar o instrumental jurídico que abre ao Estado um campo vasto de atuação, para o desenvolvimento de "políticas públi. cas juridicamente orientadas". Para tanto, é necessário compreender o que sejam normas programáticas e normas-objetivo. Nesta linha, acolho observações sobre direitos fundamentais, procurando uma definição não formalista, mas vinculada a premissas objetivas, que torna possível a identificação desses direitos além do formalmente designado como tal. Se tenho para mim que a realização de direitos fundamentais passa pela organização de atividades estatais com aquela finalidade, devo concluir que são as normas de direito ambiental rico manancial para o desenvolvimento de políticas que visam a sua realização. A compreensão dos princípios presentes no ordenamento jurídico, sobretudo o estudo daqueles princípios que destaco como princípios essenciais (princípios-essência), é fundamental para orientar uma prática compatível da atividade econômica com a garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, percorro os princípios descritos no art. 170, apontando a existência de dois tipos bem diferentes. É possível identificar aqueles que indicam a base, as condições estruturais do modo de produção imperante: os princípios-base. Juntamente com estes, mas extrapolando o âmbito da prática econômica, estão prescritos outros princípios, que se revelam inclusive em outros dispositivos constitucionais, mostrando a essência da Constituição: são os princípios-essência. Finalizando, entrego-me a uma análise mais detida do art. 225, dividindo-o em três partes básicas, chamando atenção para o estreito vínculo existente na realização deste artigo com a devida interpretação do art. 170 no desenvolvimento de políticas públicas e privadas (aquelas relativas ao gerenciamento ambiental e ao planejamento econômico das empresas).
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ESTADO E SOCIEDADE NA ORDEM ECONÔMICA E AMBIENTAL
O Estado Moderno surgiu em auxílio ao desenvolvimento da economia burguesa necessitada de universalização. Igualdade entre as pessoas, igualdade de câmbio, ampliação de mercados e de mão-deobra, garantia do laisser-faire e da organização produtiva que o viabilizava. A guarda e garantia desses fatores foram transferidas à administração estatal. Assim, expressa Eros Grau: "A burguesia, que em verdade jamais pretendera limitar a ação estatal sobre o domínio econômico, mas sim colocá-la a serviço de seus interesses, atribui ao Estado, então, a missão de conduzir o desenrolar do processo econômico. Este assume a responsabilidade por essa condução e planos econômicos e políticos se correlacionam" 286 . O Estado, parte integrante da sociedade, é também parte indispensável ao funcionamento do mercado, o que afasta obrigatoriamente a ilusão neoliberal em voga de um "fundamentalismo mercantil"287 - uma crença inabalável no poder do mercado em gerenciar com máxima eficiência os recursos disponíveis. Daí a asserção clássica de que o Estado como agente econômico não é a negação do modo de produção capitalista, mas responde à necessidade de sua lógica interna de expansão. A teoria liberal, com o rigor de separação da atividade social e atividade estatal, promove um elogio ao mercado auto-regulado. Na verdade, uma doutrina que nunca se realizou nos moldes de sua idealização. A presença do Estado, garantindo e equilibrando as relações econômicas, sempre existiu, com diferença de intensidade, desde o alvorecer da economia burguesa. Apesar de o Estado ter sido a base
m E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 18. 287
Expressão cunhada por Celso Furtado. Fundamentalismo mercantil é a idéia de que a lógica do mercado é a medida de todas as coisas, convertendo-se em "ética". Segundo ele, "delineia-se a idéia de que o mercado pode ser o cimento de uma sociedade. Assim, as relações mercantis são mais éticas que qualquer das atividades realizadas pelo Estado. [... ] É uma forma de religião moderna. Por isso a denomino 'fundamentalismo'. [... ] Supõe-se que o mercado é muito mais puro, muito melhor que as instituições públicas que não estão sujeitas à lei sagrada do mercado" (Entrevista de Celso Furtado a Carlos Malloquín, O pensamento econômico latinoamericano, Novos Estudos, CEBRAP, n. 41, p. 109.
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para o florescimento do modo de organização da sociedade burguesa, as codificações pós-revolução francesa esforçaram-se para dividir a sociedade em duas: o âmbito do Estado, regulado pelo chamado direito púl;>lico, e o âmbito da sociedade civil, onde se desenvolvem as relações de merca.do, de família e demais relacionamentos, em que não se detecte a participação imediata do Estado, regulados pelo direito privado. Especificamente, com relação à organização do mercado, a atuação normativa do Estado sempre foi um meio decisivo para sua estabilidade e harmonia, seja, da maneira mais elementar, garantindo a propriedade privada e atribuindo-lhe diferentes conteúdos, seja viabilizando a intervenção e a participação e planejamento do Estado. É nítida a inter-relação entre o aparato estatal e as ações dos indivíduos para a realização das normas constitucionais. O desempenho do Estado varia muito de acordo com o momento histórico e a característica sócio-cultural de cada sociedade, sendo por isso fundamental, antes de se falar numa genérica atividade estatal, estar-se bastante consciente sobre de que Estado se trata e quais são as pretensões sobre ele expressas na norma constitucional. Pois, como afirmava Hermann Heller: "O Estado é uma unidade ativa dentro da realidade históricosocial. Logo, para sua compreensão e discussão sobre suas ações, devese partir necessariamente do conhecimento da realidade social que nada mais é que a ação humana, a realidade ativa do homem" 288 • Nesse sentido, cabe reforçar o pronunciamento de Heller sobre não ser o Estado um ente aleatório. Constitui o Estado uma formação social, uma realidade social, e como tal, uma realização humana. Sua compreensão não reside em digressões de concepções passadas sobre a origem do Estado. Sem maneirismos, a compreensão do Estado está no entendimento dos elementos presentes capazes de definir e implementar sua função e funcionamento. Fundamentalmente, o Estado brasileiro é o que determina a Constituição brasileira, tanto na sua composição, como no seu funcionamento e finalidade, em conjunto com a aplicação fática que se dá a estas prescrições. Retendo que o Estado é uma produção social, deve-se sublinhar que os princípios-essência289 são princípios conformadores da República Federativa do Brasil. Isto é, não me refiro apenas a máximas de
atuação da organização administrativa, centro de poder, o Estado. Nem tão-somente a princípios diretivos da prática dos indivíduos, sujeitos agentes de uma sociedade - a sociedade civil. A República Federativa do Brasil é o Brasil, ou seja, os brasileiros, naturalmente aí incluso o Estado. A evidência da não-dissociação entre Estado e sociedade civil na Constituição de 1988, está sobretudo no que concerne à realização dos princípios-essência que a integram. Esta referência ao Brasil como um todo, não reproduzindo a divisão, ideológica, entre Estado e sociedade civil, demarca um verdadeiro avanço na Constituição, cujos desdobramentos atingirão especificamente o capítulo do meio ambiente ao explicitar o princípio da cooperação 290 , impondo conjuntamente ao Estado e à coletividade a proteção do meio ambiente. Pela constatação de que não se pode reproduzir na prática as condições necessárias de funcionamento autônomo da economia de mercado, o Estado precisou rever suas funções, modificando-se profundamente seu relacionamento com a economia. Neste estudo parti de dois pontos: em primeiro lugar, considerei que a participação do Estado estruturando, corrigindo, integrando a economia, sem contudo abandonar a base fundamental da estrutura capitalista que é a da propriedade individual dos meios de produção, é um dado histórico, sem o qual não se poderia compreender sequer a própria fixação deste sistema de produção. Em segundo lugar, acredito não ser fácil definir com rigidez o âmbito de atuação do Estado para o bom funcionamento do mercado, quando se verifica a amplitude de fatores que o integram e mobilizam. A manutenção do funcionamento do mercado exige a garantia da livre concorrência, a diminuição das desigualdades sociais e regionais, a manutenção do nível de emprego (poder aquisitivo da sociedade), a existência suficiente de recursos naturais, a expansão da economia por pequenos grupos (pequena e média empresa) - exemplificando sem pretensão de exaustão. Basicamente, e é exatamente este aspecto sobre o qual me debruço, o Estado responde pelos custos externos produzidos nas relações de mercado, desenvolvendo estratégias e políticas destinadas a neutralizar esses efeitos tão próprios do mercado quanto a mercadoria. Não é possível pensar as relações de troca capitalista sem um determi-
288
H. Heller, Staatslehre, cit., p. 162. Sobre "princípios-essência", verificar, infra, Capítulo V - n. 5.2. Os princípiosessência na Constituição Federal.
290 Sobre "princípio da cooperação", verificar, supra, Capítulo IV - n. 1.1. Princípio da cooperação.
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nado quantum externalizado, desprezado entre particulares e absorvido pela sociedade 291 • Como a situação do Estado diante das forças organizadas da industrial se formam e conformam na realidade, explica a seguinte observação de Forsthoff: soci~dade
"Pelo princípio democrático seria imperiosa a aceitação de que as chances de realização de um interesse é tanto maior, quanto mais numerosos forem aqueles que tiverem participação neste interesse, e que precisem ter uma garantia certa na sua breve realização. No entanto, esta obviedade é desmentida pela realidade. Um exemplo sobre isto é a exigência à manutenção da pureza das águas e do ar. Há anos este interesse é levantado e, naturalmente, um interesse de todos. Portanto, é um interesse que o Estado deve fazer seu próprio, uma vez que se responsabiliza pelo bem-estar de todos e - na atual situação, em que se encontra o relacionamento Estado e Sociedade - deve o Estado tomar para si exatamente aquele interesse que não motiva o particular executar. Está na natureza da coisa, que um tal interesse geral entre em contradição com interesses particulares. Então, tudo depende de com que força política se organizam os representantes de interesses particulares que resistem à realização do interesse geral. Assim, pode-se explicar o descuido na tão requerida precaução para a manutenção da limpeza do ar e das águas" 292 • Forsthoff identifica a complexidade das garantias a serem asseguradas pelo Estado e a constante luta que ocorre no interior da sociedade entre interesses conflitantes. Chama atenção - tendo em vista a expansão da técnica - para a proteção do meio ambiente contra a destruição causada pela indústria e sobretudo da proteção da própria integridade do homem, devido ao avanço da pesquisa genética. Está na base das medidas de estabilidade econômica (tais como pleno emprego, balança comercial equilibrada, crescimento econômico) o indispensável equilíbrio entre as necessidades da indústria e o bem-estar da coletividade. Naturalmente, não compartilho da inocen-
Cf., supra, Capítulo III - n. 3. Economia ambiental, e n. 3.2. Pigou e a correção do mercado - Coase e a extensão do mercado. 292 E. Forsthoff, Der Staat, cit., p. 25-26. Sobre este confronto verificar mais no capítulo do mesmo livro sobre grupos e ação concertada (Verbiinde und Konzertierte Aktion), p. 119-125.
te afirmação de que o interesse privado de desenvolvimento industrial conduz necessariamente ao bem-estar coletivo. E com isto posicionome de acordo com Forsthoff: "Medidas de precaução (Vorsorge) para uma ordenação correta dos alimentos, medicamentos, espaço, proteção da natureza e paisagem, são mantidas pelo Estado. Na relação Estado-Sociedade não se trata de apenas garantir-se a liberdade individual do cidadão, mas também a integridade do seu meio ambiente e a integridade do próprio homem" 293 • A Ordem Econômica presente na Constituição de 1988 é nitidamente voltada à estabilização econômica, através de atividades conjuntamente desenvolvidas pelo Estado e agentes privados, visando cristalizar bases para o desenvolvimento. Isto revela uma opção jurídica pela orientação global da economia, afastando a idéia do Estado como ator pontual das relações econômicas, prestando o que chamaria de "socorros emergenciais" àquilo que seria de exclusivo campo dos particulares. É por esta valorização da participação do Estado, que se pode falar de políticas públicas do desenvolvimento, por intermédio das quais ao Estado caberia definir diretrizes (policies) capazes de estabelecer uma "economia planificada", impondo a salvaguarda de fatores que assegurariam uma relação de mercado sustentável a longo prazo. Ao Estado caberia esta visão mais estendida no tempo, impossível de se impor nos relacionamentos imediatistas e particularizados que caracterizam as relações dos agentes na produção capitalista. Vale lembrar Reich que aponta a "dupla instrumentalidade do Direito" 294 , na medida que este se apresenta como instrumento a serviço do cumprimento dos objetivos previstos pelos operadores do mercado, colocando-se simultaneamente como instrumento de direção a serviço do Estado. Como instrumento de ação estatal, atua por normas de organização e autorização, demarcando a direção global da economia, operando também de modo conjuntural com normas de intervenção direta e indireta. "O direito é um dos meios decisivos para que o Estado possa organizar os processos de mercado (regulação) e para que possa intervir neles (manipulação)" 295 • E acrescenta Reich: "Com toda segurança, a luta contra a crise econômica ocupa uma posição central na re-
291
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E. Forsthoff, Der Staat, cit., p. 28. Cf. Norbert Reich, Mercado y derecho, cit., p. 140. 295 Mercado y derecho, cit., p. 29.
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gulação que o Estado busca para as condições globais dos processos de mercado (pleno emprego, estabilidade de preços, crescimento econômico, equilíbrio das trocas com o exterior)" 296 • Mais adiante, afirma o mesmo autor: "A teoria materialista moderna ·analisa, nà troca, o fenômeno das crises nos processos de mercado, assim como, as reações do Estado ante tais síndromes e as restrições que se impõem aos mesmos. Habermas entende por crise aqueles transtornos que se produzem na integração do sistema e que põem em perigo a integração social" 297 • O Estado teria como finalidade, portanto - seguindo o ensina mento desse jurista - procurar evitar as crises e, visto que com ele as relações de classe tenham perdido seu caráter puramente apolítico, será necessário que a estrutura dessas relações seja tida em conta na luta por uma distribuição eqüitativa do incremento do produto social. Habermas aponta dois tipos de atuação do Estado: de um lado as ações substitutivas, de outro as compensatórias do mercado. As ações substitutivas revelam-se como aquelas juridicamente contempladas voltadas a atingir os fatos econômicos, como reação à debilidade das forças de propulsão do sistema. Permitem a continuação de um processo de acumulação que não podia ser abandonado por mais tempo às vicissitudes de sua própria dinâmica, conduzindo assim à criação de novas economias. "Mediante a utilização de medidas compensatórias, o Estado pretende regular as conseqüências disfuncionais que produz o processo de acumulação, como podem ser, por exemplo, a externalização de alguns custos do mercado (danos produzidos por contaminação etc.), a política estrutural ou a melhora das condições do trabalhador dependente" 298 • O Estado "intervencionista", explica Reich, exerce uma estratégia de integração, estendendo seu campo de ação até o setor de regulação dos processos de mercado. Age em três frontes: proibição, incentivo e acondicionamento da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento das relações econômicas. A direção da economia resulta então da realização de programas objetivos. O terceiro instrumento de intervenção nos processos de mercado à disposição do Esta-
do constitui a chamada direção procedimental, que consiste em coordenar as atuações dos partícipes com o fim de alcançar determinados resultados de ordem social2 99 • É ele, o Estado redistribuidor de riquezas, assistencial, empreendedor, quem procura manter os conflitos inerentes num ponto mínimo de tensão que permita a livre expansão das forças produtivas dentro de um máximo de eficiência.
Um aumento na atuação regulamentadora do Estado, afirma Forsthoff, é tanto mais bem-vindo, quanto mais ele for dominado pelas forças sociais. Isto é, quanto mais identificado estiver o exercício do poder estatal com os interesses da sociedade. Esta tarefa regulamentadora não pode ser suprimida do Estado moderno, pois o mercado sozinho não é capaz de produzir uma justa distribuição de riquezas, condição necessária à capacidade de funcionamento da sociedade industrial, que depende do bem-estar de todos 300 • Nesse sentido é categórica a afirmação de Hermann Heller: "Nenhum Estado que realmente se propõe a garantir o livre desenvolvimento da força de trabalho dos homens economicamente ativos deve se retirar da economia; ele deve participar da área econômica com autoridade e atuando inclusive de maneira socialista. Nenhum Estado europeu será forte, se não conseguir impor-se economicamente contra bancos, indústrias e agricultura e ser capaz de obter pelo menos 90% da satisfação estatal através de uma organização da economia" 3º1 •
O mesmo autor, na sua análise da participação do Estado na economia, ilumina a relação entre economia privada e Estado. Afirma que a participação do Estado na economia apenas revela uma de suas facetas, pois toda atuação em sociedade provoca uma alteração inca-
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Mercado y derecho, cit., p. 57-58.
300
E. Forsthoff, Der Staat, cit., p. 24.
301
Habermas, Legitimationsprobleme im Spéilkapitalismus, apud Reich, Mercado y derecho, cit., p. 55.
Kein Staat, der wirklich den Willen hat, die, freie Arbeitskraft aller wirtschafttreibenden Menschen zu sichern, wird den Rückzug aus der Wirtschaft antreten dürfen; er wird gerade auf dem õkonomischen Gebiet autoritar, und zwar sozialistisch auftreten müssen. Es wird aber auch kein europaischer Staat ein starker Staat sein, dem es ncht gelingt, sich gegen Banken, Industrie und Landwirtschaft auch wirtschaftlich stark zu machen und durch eine Organisation der Wirtschaft, welche in erster linie den Bedarf der neunzig Prozent deckt, deren Staatsfreudigkeit zu heben" (H. Heller, Autoritarer Liberalismus, in Martin Drath et ai. (org.), Gesammelte Schriften, v. 1, p. 653).
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Mercado y derecho, cit., p. 29. Mercado y derecho, cit., p. 54.
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paz de se reduzir ao âmbito em que esta ação se concentra. Se na superfície se constata uma atuação do Estado no domínio econômico, é possível, por uma análise mais percuciente, visualizar efeitos que ultrapassam a esfera do mercado. Na questão sobre qual o significado da efiéiência eco"nômica, a fim de justificar a ação estatal, sustenta que as formas de atividades econômicas são o esqueleto de ferro, cuja manutenção é sempre pressuposto e limite de cada atuação estatal. É inegável que esta armadura social é, em grande parte - conforme Heller - estrutura básica para todas as atividades sociais, pois não se deve nunca esquecer que uma ação puramente econômica não existe. Toda atuação humana é forjada pela totalidade da natureza concreta e dos atributos culturais. Pode-se distinguir cada ação de acordo com a análise do seu sentido preponderante, isto é, como econômica, jurídico-política ou qualquer outro. Mesmo no foco da economia capitalista de troca desenvolvida, não se trata do puro homo economicus, porém do homem real, que é identificado sempre por motivos não econômicos, ou por este em um grau diminuto. Por isso, nunca pode o Estado ser compreendido apenas como em função da economia, embora, certamente, a estrutura econômica desempenhe junto à estrutura estatal um relacionamento muito estreito e altamente elucidativo 302 • O desenvolvimento industrial é responsável por uma série de fenômenos que não se pode levar a termo de comparação com qualquer outra situação da história do homem. Nunca o homem mobilizou e colocou a seu serviço tanta energia e matéria. A sociedade nunca dependeu de uma quantidade de recursos tão grande para sua manutenção quanto hoje. O Estado da Revolução Francesa mudou. Se seus limites internos já ruíram, há muito, com o advento do Estado do Bem-Estar, enfrenta ele agora o desafio de redimensionar suas feições externas. Os limites dos Estados Nacionais tornaram-se demasiado diminutos para a fome de recursos naturais e humanos decorrente da expansão da produção. Paralelamente a esta necessidade econômica de globalização, deparamo-nos com reações culturais nacionalistas do homem que procura sua identidade, o significado do seu ser-no-mundo. O domínio da energia da natureza alavancou a industrialização de três séculos, modificando radicalmente os milhares de anos de rela-
302
H. Heller, Staatslehre, cit., v. 3, p. 201-202.
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ção do homem com seu meio. O homem da sociedade industrial, submetendo as forças da natureza em toda sua potência a seu serviço, vive o drama de Prometeu. Quando se trata da posição que assume o direito atualmente diante das relações econômicas, discute-se precisamente sobre um papel inédito que ele assume como organização da sociedade perante a situação sem precedentes causada pelo desenvolvimento industrial. Pelo direito ambiental e econômico são tratados os meios da atividade industrial - neste caso, o domínio da natureza pelo homem - e a finalidade desta atividade - a produção de mercadorias. Reflete o direito, portanto, diretamente as conseqüências desta "revolução", que, por seus aspectos imprevisíveis, implanta no ordenamento jurídico um caráter dinâmico capaz de conduzir e ser conduzido pelas mudanças vertiginosas que se operam na sociedade do homem industrial.
1.1 Estado Social e Riqueza Social É importante ter em mente que toda atividade estatal depende dos recursos que a máquina pública possui, oriundos fundamentalmente de impostos, taxas e contribuições da sociedade. Estes valores tanto mais avantajados serão quanto maior for a quantidade de riqueza privada mobilizada, ou seja, quanto maior for a atividade econômica de uma sociedade. Quanto maior a quantidade de riqueza em circulação, maior a capacidade de arrecadação.
Na verdade, esta fatia recolhida é uma tradução parcial daquilo que se denomina riqueza social. Utilizando uma expressão dos economistas, estas seriam externa/idades positivas da atividade econômica. O alimento deste Estado é o próprio desenvolvimento que ele procura garantir. Se se constata um limite a esta expansão, automaticamente inicia -se a decadência do Estado Social. Assim, pronuncia Francesco Galgano: "O Estado Social pressupõe um desenvolvimento econômico contínuo, ilimitado, pressupõe a possibilidade de retirar da riqueza produzida quotas sempre maiores de recursos a redistribuir para compor os conflitos sociais, para frear os antagonismos sociais, para satisfazer os impulsos sociais. A constatação de que o desenvolvimento ilimitado não é possível dentro daquele ambiente limitado que é o nosso planeta terminou com o fazer-se constatar também entre os elementos da crise
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do Estado Social aquela que vem sendo definida, talvez universalmente, como a crise fiscal do Estado. [... ] Os recursos são escassos, é preciso programar da maneira mais racional possível a utilização dos recursos, é preciso talvez uma programação pública do desenvolvimento que é o · substituti~o daquela que era a função de composição dos conflitos sociais própria do Estado assistencial" 3 º3 (grifei).
As formas de participação do Estado na vida econômica podem ser simplificativamente assim sistematizadas: de um lado age como uma "Administração Econômica" (Wirtschaftsverwaltung) 304 , à medida que planeja, incentiva e dirige a economia. De outro, age como previdência, à proporção que constitui uma infra-estrutura econômica e coloca à disposição meios de transporte, previdência social e uma série de outras organizações. Além disso, o Estado se comporta como consumidor, quando precisa cobrir sua necessidade em mercadorias e como empresário (Privatunternehmer) produzindo mercadorias ou prestando serviços, à medida que participa do mercado objetivando lucro. Algumas vezes, podem-se misturar os papéis assumidos pelo Poder Público, como, por exemplo, administração econômica e previdência, com fins empresariais. Como exemplificação deste caso, cito empresas constituídas na forma do direito privado para cuidar do fornecimento energético (Cesp, Petrobras etc.). A ligação da atividade empresarial do Estado com os princípios constitucionais depende da maneira como o Estado e a comunidade participam no mercado para alcançar lucro. Na verdade, a decisão de o Estado agir ou não como empresário, e em que setor, é política, mais precisamente de política econômica. Esta decisão está alicerçada em diversos argumentos, tais como aumento de arrecadação financeira, equilíbrio da concorrência em determinado setor, garantia de fornecimento de mercadorias estratégicas ao mercado, capacidade de trabalhar tecnologias avançadas cuja pesquisa para o setor privado apresentaria custos impossíveis de serem absorvidos de imediato. Enfim, "o Estado age onde o setor privado não consegue, não quer ou não deve atuar" 3º5 •
O que diferencia a atividade lucrativa do Estado com a dos demais agentes econômicos é que aquela atividade, embora com o fim de lucro, não deve conflitar com a finalidade máxima da organização estatal, ou seja, o bem comum. Esta vinculação com a sociedade das atividades do Estado e seu fim deve-se a duas ordens de argumentação. Em primeiro lugar, trata-se da essência do aparelho estatal, cuja existência só é justificada enquanto organização destinada à proteção, segurança e organização de uma sociedade. Em segundo lugar, trata-se de uma diferença instrumental fundamental entre o investidor comum e o Estado empresário. O capital estatal, base de toda ação empreendedora, tem sua origem em tributos pagos pelo cidadão contribuinte, sendo o tributo uma "prestação pecuniária compulsória" (art. 32 do CTN), destinada a financiar as atividades do Estado que não podem ultrapassar determinações constitucionais. Poderíamos chegar ao limite do argumento afirmando que há uma espécie de "empréstimo" ou delegação ao Estado, pelo ato de pagamento de impostos. A coação ao pagamento de tributos não é meramente pela ameaça de punição, mas também um outro fator coativo revela-se na expectativa da prestação de um serviço que o indivíduo isolado seria incapaz de realizar. Não é sem mais que uma forma de evitar a sonegação de tributos se revela na publicidade dos atos do Estado. O estímulo pelo Estado da atividade econômica, cujo método e fórmula são definidos por políticas públicas, não havendo possibilidade de se identificar nenhuma fórmula mágica a ser expressa na rigidez de uma norma jurídica, é condição para sua própria sobrevivência e realização como Estado Social. Uma queda na produtividade reflete-se negativamente, de modo imediato, na rede de atividades deste Estado. Este plus apropriado pelo Estado, que centraliza a atividade redistributiva de riqueza, é revertido, por exemplo, numa política de proteção ambiental, ou de educação e saúde.
Fancesco Galgano, Crisi dello Stato sociale e contenuto minimo della proprietà, VVAA, Atti del Convegno Canerino, 27-28 maggio 1982, p. 63-64. 304 R. Stober, Handbuch, cit., p. 576. 305 Definição de Bilac Pinto de Serviço Público, exposta em aula de pós-graduação pelo professor Eros Roberto Grau, segundo semestre de 1994.
Nesta atividade redistributiva do Estado está a essência do por Forsthoff chamado Daseinvorsorge, cuja tradução literal seria "assistência preventiva da existência". O Estado do "Daseinvorsorge" revela a preocupação em assegurar uma base que possibilite alcançar a finalidade de melhoria da qualidade de vida. Não confundir este Estado com o Estado Previdência - Daseinfürsorge. Neste se resume tãosomente a atividade previdenciária do Estado, isto é, o Estado controlador de assistência médica, seguro, fiscalizador de atividades insalubres,
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regulamentador do ensino, serviço básico de abastecimento, saneamento, transporte.
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O Estado Daseinvorsorge, por sua vez, é o Estado Providência, que age com prudência e planejamento, visando objetivos futuros. Este Estado, além de efetuar as tarefas previdenciárias, dita normas de conduta, impondo comportamentos privados por uma melhoria da vida em coletividade. Aqui se enquadram normas de meio ambiente, de ocupação urbana, de relacionamento capital-trabalho. Ademais, efetua também aquelas tarefas eminentemente privadas, como empreendedor, exercendo atividade lucrativa por razões de orientação político-econômica, cujo objetivo é atingir, em última análise, alguma vantagem pública. Esta transformação do Estado manifesta-se num momento específico, quando não mais foi suficiente a estrutura do Estado tal como estava constituída para suprir as necessidades sociais que o mercado por si era incapaz de suprir. Ao Estado passaram a ser destinadas tarefas e serviços que, embora necessários, não entravam na lógica do movimento do desenvolvimento industrial. Passa a compor a substância do Estado o imperativo de redistribuição social, respondendo à necessidade de intervir a fim de assegurar a consecução do bem-estar de seus cidadãos. Surge, então, todo um rol normativo destinado a organizar o Estado Social. Entretanto, é importante visualizar que as normas destinadas a viabilizar um Estado Social não são capazes, unicamente pela sua existência, de determinar este Estado. Todo elenco de necessidades de implementação material pelo Estado de atividades e serviços voltados ao asseguramento da existência não é passível de ser efetuado pela sua simples presença no texto constitucional. Mesmo porque, considerando que as necessidades são diferentes e impossíveis de serem esgotadas em um texto, não se pode recorrer à Constituição como à prateleira de um supermercado para se servir do que se necessita, como se dela fosse possível, por um único ato, extrair não importa qual objeto do desejo do intérprete. A Constituição fornece instrumentos, indica caminhos. O modo de sua utilização forjará o que realmente se vivencia como Estado. No dizer de Forsthoff, a Constituição é a forma de um Povo, a qual o torna apto para a ação política 306 • Isto é, ela abre um elenco de possibilida-
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des cuja utilização, método e efeitos estão além do que seria possível prever em um texto. Não é exagerada, portanto, a preocupação de Bonavides ao afirmar que "o verdadeiro problema do Direito Constitucional de nossa época está em como juridicizar o Estado Social, como estabelecer e inaugurar novas técnicas ou institutos processuais para garantir os direitos sociais básicos, a fim de fazê-los efetivos. Por esse aspecto muito avançou o Estado Social da Carta de 1988, com o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo e a inconstitucionalidade por omissão. O Estado social brasileiro [... ]não concede apenas direitos sociais básicos, mas os garante" 307 • Tornar a norma factível é o desafio do Estado Democrático de Direito brasileiro. Pelo exposto, pode-se calcular o quanto aumentou a necessidade dos serviços burocráticos e, conseqüentemente, como a cobertura financeira deste aparato exige um dimensionamento sem precedentes para que este Estado se viabilize. Isto leva-me, sem contrariar o prestigiado autor, a complementar afirmando que, mais do que normas que instrumentalizem uma requisição imediata de serviços delineados na norma constitucional (ou seja, um instrumental procedimental adequado à execução das normas constitucionais), a ordem jurídica deve estar apta a instrumentalizar a atividade econômica pública e privada, no sentido de que a produção de externalidades positivas seja materialmente suficiente para a realização do Estado Social. Passo, então, à análise mais detida da estrutura e razão daquelas normas classificadas como normas programáticas e normas-objetivo, espécies de normas que traduzem a instrumentalidade do direito na efetivação do Estado Democrático de Direito.
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Muita discussão tem sido travada sobre o valor das normas constitucionais que expressam objetivos ou delineiam programas a serem desenvolvidos pelos órgãos públicos. Vale aqui tomar uma posição, sobretudo porque as normas que marcam a trilha de uma política econômica, e especificamente o caput do art. 225 da Constituição
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E. Forsthoff, Der Staat, cit., p. 70.
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NORMAS PROGRAMÁTICAS, NORMAS-OBJETIVO
P. Bonavides, Curso, cit., p. 338.
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Federal responsável pelo capítulo do meio ambiente, pertencem a esta categoria normativa. Segundo Eros Grau, as normas-objetivo distinguem-se das normas-regrn, uma vez que, por meio daquelas, o legislador não enuncia regras de conduta, mas resultados concretos que devem ser alcançados pelos seus destinatários 308 • Sustenta ainda o professor que, "a partir do momento em que o Estado deixou de ser um mero produtor de ordem, segurança e paz, passando a atuar também como conformador da ordem social e da ordem econômica, surgem, no direito positivo, inúmeros exemplos de normas que não têm o sentido de disciplinar condutas ou de instrumentar a organização de entidades ou atividades, mas sim, apenas, de fixar objetivos a serem perseguidos. Daí a necessidade de buscarmos a descrição de um novo tipo de norma jurídica, no qual possamos albergar - para explicá-las - aquelas que voltam à determinação de fins a atingir" 3º9 • Normas programáticas, na lição de José Afonso da Silva, seriam aquelas "através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado" 310 • De acordo com Eros Grau, as normas-objetivo e normas programáticas obedecem a dois critérios de classificação distintos. Normasobjetivo predeterminam fins a seguir, enquanto normas programáticas definem princípios e programas tanto de conduta e de organização quanto atinentes a fins a cumprir. Os dois conceitos coexistem 311 • Isto significa que uma norma programática não afasta a possibilidade de ser também classificada como norma-objetivo e vice-versa. Ainda na linha do mesmo autor, a classificação das normas programáticas segue um critério de efetividade, enquanto o que determina uma normaobjetivo é o seu conteúdo finalístico 312 • Ou seja, a existência de uma
2.1 Normas Programáticas As normas programáticas são, em suma, normas de organização. Dispõem sobre a estrutura e funcionamento de órgãos ou sobre a disciplina de processos técnicos de identificação e aplicação de normas. Também referem-se a princípios pelos quais deverá nortear-se a organização do serviço público. Sua presença no ordenamento é orientadora, organizacional. Mediante o respeito às normas programáticas, procura-se que o Poder Público atinja o seu melhor desempenho.
E. R. Grau, Norma-objetivo, in Rubens Limongi França (coord.), Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 54, p. 442. 309 Norma-objetivo, cit., p. 442. 310 Apud, idem, Curso, cit., p. 444. 311 Norma-objetivo, cit., p. 442. 312 Cf. E. R. Grau, Direito, cit., p. 123-153.
Procuro resumir as diferenças entre as normas programáticas e normas-objetivo da seguinte forma. Passando pela realização das normas programáticas pode-se alcançar mais adequadamente os fins estabelecidos nas normas-objetivo, pois um melhor aparelhamento do Estado e uma racionalização dos seus serviços contribuem para a execução dos seus objetivos. Contudo, a efetivação das normas programáticas não condicionam a realização das normas-objetivo. Uma norma programática é articulada dentro de uma perspectiva de eficiência, ou seja, ela visa ao funcionamento de uma atividade, à medida que, por exemplo, prescreve o dever de amparo à cultura pelo Estado, a competência de garantir a segurança nacional pela União. Afirma Paulo Bonavides que normas que dispõem sobre princípios podem ser identificadas como normas programáticas. É clara aqui a subordinação da norma ordinária àquela chamada norma constitucional programática. "Em conseqüência, o vínculo programático do princípio geral contido porventura em lei constitucional não somente obriga como prevalece sobre a norma da lei ordinária, reco-
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norma programática é dada pela identificação de uma causa eficiente, já a existência de uma norma-objetivo vincula-se a causas finais. A identificação das causas não interfere no objeto estudado, porém apenas no seu modo de reconhecimento. E o que me parece fundamental, quando proponho uma adequação das finalidades econômicas à finalidade de conservação dos recursos naturais e melhoria da qualidade de vida, é justamente a capacidade de reconhecer normas capazes de orientar a consecução de tais fins. Posso então concluir que o critério de classificação das normas-objetivo corresponde especificamente às preocupações aqui desenvolvidas, pois fere diretamente o aspecto da finalidade da norma.
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nhecendo-se-lhe também eficácia interpretativa sobre a norma cativa, que não deve contradizer o princípio donde emana" 313 •
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"Em resumo, a programaticidade das Constituições será contudo uni mal se não servir também ao Direito, se não for para o Poder um instrumento de racionalização e eficácia governativa, se não vier embebida de juridicidade, se não representar aquele espaço onde o espírito da Constituição elege o seu domicílio e se aloja, mas, ao contrário, venha a transformar-se nos Estados de constitucionalismo débil e apagada tradição jurídica em cômodo asilo das mais rudes transgressões constitucionais. A programaticidade sem juridicidade poderá enfim converter-se formal e materialmente no obstáculo dos obstáculos à edificação constitucional de um verdadeiro Estado de direito. Fora da Constituição haverá lugar para tudo, menos para uma ordem jurídica assentada na legalidade e legitimidade do Poder, segundo os critérios da sociedade democrática, inspirada nos valores ocidentais" 314 •
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2.2 Normas-objetivo
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As tarefas da administração, além de se submeterem ao princípio da legalidade, seguem parelhamente um critério de finalidade, vinculando-se aos objetivos de economicidade, racionalidade, efetividade, enfim, desenvolvendo ações resultantes, dentre outras, de uma ponderação custo-benefício econômico, social, ambiental. Orientando esta atividade e declarando os fins que a administração deve perseguir, estão as denominadas normas-objetivo. Tais dispositivos elaboram as possibilidades de agir da administração no que concerne às atividades econômicas, sociais e ambientais. Seu conteúdo procura imprimir à administração pública uma atuação voltada à redistribuição de riscos e oportunidades na sociedade, apresentando, para tanto, instrumentos de incentivo, planejamento, e de ação, propriamente dita, na economia, bem como reorientando uma estrutura de serviços, procurando focalizar um desenvolvimento econômico mais eficiente, isto é, social e ambientalmente sustentável. Pode-se afirmar que o sistema jurídico brasileiro é predominantemente teleológico, isto é, de modo geral, suas normas podem ser
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submetidas a ponderação, perdendo seu caráter definitivo, priorizando-se a realização de determinados objetivos. O texto do art. 52 da Lei de Introdução ao Código Civil o comprova: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Também assim o demonstra o art. 32 da Constituição Federal: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". É possível verificar-se uma complementaridade entre estes dois dispositivos. Quando o art. 52 da LICC se refere a "fins sociais", está apontando especificamente aqueles propósitos impressos no art. 32 da Constituição Federal. Pois são estes os fins da sociedade brasileira. E, portanto, a descrição no texto constitucional desses objetivos vincula toda a aplicação normativa (constitucional e infraconstitucional) a tais propósitos.
Discutir a aplicação dos instrumentos normativos de política econômica e ambiental, os modos como se viabilizam, parte necessariamente da compreensão do valor e da força que estas normas têm na realidade brasileira. Pelo que manifestei até o momento, torna-se redundante afirmar minha completa adesão à doutrina segundo a qual as normas-objetivo são eficazes, isto é, capazes de produzir efeitos. Contrariamente, seria incoerente, com estas reflexões, a posição de considerar o conteúdo de determinadas normas constitucionais um devaneio teórico ou retórica política e literária. Faço meu o pensamento do mestre constitucionalista republicano, Rui Barbosa: "Não há numa Constituição proposições ociosas, sem força cogente" 315 • A diferença que se pode visualizar quanto à efetividade das normas constitucionais está no fato de que algumas conseguem, pelo seu conteúdo, ser imediatamente aplicadas; outras, embora não menos impositivas, somente chegam à plenitude da realização de seu conteúdo quando implementadas pelo legislador ordinário, ou quando inseridas num mais amplo programa de ação da administração. Isto não
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Apud P. Bonavides, Curso, cit., p. 211.
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lhes diminui o valor, apenas as revelam como um preceito, cuja concretização está vinculada a uma cadeia mais complexa de atividades do Estado. A·ignorânci.a destes mandamentos pelo legislativo é uma omissão que infringe a norma constitucional, revelando-se extremamente prejudicial à credibilidade da Constituição e, por conseguinte, do aparato estatal como um todo. Karl Lówenstein, trazido oportunamente por Grau, já afirmava com franqueza que "para os detentores dopoder [as normas programáticas] são o estímulo que os impelirá a sua realização e para os destinatários do poder significarão a esperança de que um dia venha a ser realizado" 316 • Compartilho da indignação de Grau quando conclui: "ao aceitarmos, pacificamente, a existência de direitos sem garantias, alinhamo-nos, consciente ou inconscientemente, entre aqueles que concebem - inconsciente ou conscientemente, também - esteja a Constituição integrada por fórmulas vazias, desprovidas de valor jurídico" 317 • Acertadamente, defende este professor a aplicabilidade direta destas normas constitucionais, sobretudo as atributivas de direitos sociais e econômicos, vinculando automaticamente o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Não dependem, pois, de regulamentação por lei ordinária, mas aplicam-se independentemente de intervenção legislativa, justificando-se aí a figura da inconstitucionalidade por omissão, consagrada na Alemanha e em Portugal3 18 • A eventual subjunção de norma constitucional à norma ordinária é subverter a hierarquia das normas jurídicas, conferindo-se à lei força maior do que a atribuída à Constituição, como bem identificou Grau 319 • As normas-objetivo, como o próprio nome indica, fixam objetivos e evidenciam o caráter instrumental do direito, como meio para implementar diretrizes (policies). São elas enunciados normativos vinculados aos princípios, assumindo, portanto, um caráter finalístico mutável, como as demais normas, à medida que o sentido destes princípios se modificam. Por isso, Grau sintetiza que a norma-objetivo nutre as regras e, por sua vez, é nutrida pelos princípios. Esta maleabilidade da norma-objetivo salva o direito da desestruturação.
As normas-objetivo surgem com o novo papel que assume o direito neste século, o de transformador da ordem social. Na verdade, o direito traz uma nova ordem, uma ordem dinâmica no lugar da estática. No Estado antigo, a organização não estava pautada na transformação. Hoje, só há ordem dentro de uma dinâmica modificadora, porque a ordem capitalista funda-se na dialética de sua própria negação. As normas-objetivo que dispõem sobre fins a serem alcançados não trabalham matéria exclusivamente constitucional, podendo ser identificadas em leis ordinárias, como, por exemplo, na aqui já referida Lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81). Tal, no entanto, não ocorre com as normas programáticas, que estipulam programas e princípios de eficácia contida, dependente da normatização ordinária para produção do efeito desejado. São elas exclusividade da Constituição.
3 A
VIVIFICAÇÃO DO DIREITO
A discussão sobre a efetividade imediata das normas-objetivo e programáticas necessita, a meu ver, de algumas outras considerações que fogem da teoria da hierarquia das leis propriamente dita. Mesmo que aplicável, não havendo disposição por uma política de aplicabilidade, a efetividade da norma não ocorrerá 320 • Melhor distinguindo, mesmo que se torne pacífica, no campo doutrinário do direito, a força imediata dos preceitos constitucionais, tal não é por si só capaz de criar serviços e instituições para levar a cabo a tarefa programada na norma. Políticas, ou seja, ações públicas, fazem-se necessárias para concretizar o previsto em texto, por mais impositivo que seja. A palavra não possui vida própria, ela é vivificada e vivenciada pelos seus interlocutores. Por isso friso que a realização de um direito, embora seja o direito vivo, materializado, não está restrito ao Judiciário, ou ao Legislativo como artesão da norma. O Estado como um
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Apud E. R. Grau, Direito, cit., p. 125.
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20 ' Paulo Bonavides afirma com propriedade sobre as normas programáticas, o que a meu ver pode ser estendido às normas-objetivo: "As normas programáticas, às quais uns negam conteúdo normativo, enquanto outros preferem restringir-lhes a eficácia à legislação futura, constituem no Direito Constitucional contemporâneo o campo onde mais fluidas e incertas são as fronteiras do direito com a Política" (P. Bonavides, Curso, cit., p. 218).
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A .norma é um instrumento que pode ser ou não utilizado. O fato de não ser preenchida não a descaracteriza como direito. Por ser um instrumento, seus efeitos só se fazem sentir com o uso, porém o não-uso não pode anular sua essência.
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Lanço mão de uma metáfora, a título exemplificativo, sobre a potencialidade da norma perante a realização dos fins sociais. Da mesma forma que um arado puxado traz maravilhas à terra, o seu descanso nas paredes de um celeiro não anula a sua potencialidade para o desempenho de suas funções. Ainda mais, o plantio feito na ignorância deste instrumento trará possivelmente resultados outros . que não se conformariam à expectativa da produção de uma terra arada, provocando uma reação para fomentar o seu uso. Porém, só pode requerer o uso do arado, quem sabe de sua existência, e quer as conseqüências trazidas pelo seu uso. Um instrumento atinge sua plenitude quando utilizado eficientemente. E o objetivo atinge sua excelência quando os meios usados forem adequados. A negação do instrumento revela-se no não-resultado ou no resultado indesejado, e é confortável constatar a sua existência para remediar o malfeito ou a simples inércia. Assim, além de iluminar o caminho do legislador infraconstitucional, e também do juiz e das atividades públicas, as normas constitucionais que indicam fins a serem alcançados ou princípios a serem preenchidos têm uma outra eficácia jurídica imediata, direta e vinculante, um dever para o legislador ordinário, condicionando negativamente a legislação futura, com a conseqüência de ser invalidada por inconstitucionalidade qualquer lei que venha a se lhes contrapor 321 .
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todo, incluindo o seu setor executivo, e toda a composição da sociedade não se furtam desta atividade jurídica, que consiste em animar, trazer vida ao direito.
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3.1 Interpretação da Norma Constitucional e o Agir do Direito
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Não é sem mais que dois grandes teóricos do direito, especialmente do direito constitucional de nosso tempo, denunciam um mesmo fenômeno. Forsthoff, citando Burckhardt, mostra a sensação de
A perda da fé como base de coesão e organização social, o desfazimento de mitos aristocratas, que previam uma classe de homens superiores sob os quais os demais mortais deveriam humildemente se resignar, permitem a formação de uma sociedade com valores tão maleáveis como dificilmente se poderá encontrar na história. A mais importante reação a esta perda de certeza é a criação do "Estado Moderno", que concentra para si o poder de dispor da violência e organizar o movimento das atividades sociais por meio de um direito positivado, que, ao mesmo tempo que o estabelece, garante-lhe veracidade e estabilidade. Neste contexto, o direito está completamente dissociado do ideal de justiça. É ele um instrumento de que dispõe o "Estado Moderno" para organizar a sociedade estabelecendo parâmetros que devolvam um mínimo de previsibilidade para o comportamento social. Na verdade, justiça, entendida como um ideal social superior, depende de fatores muito mais ligados à formação moral dos sujeitos de uma sociedade que à positivação de uma ordem jurídica. O mundo do Estado Moderno privatizado, laicizado e desencantado, no sentido de um universo que perdeu as bases públicas, religiosas e semimágicas que outrora davam base à própria idéia de sacrifício por um bem superior324, dificilmente permite a expressão, em sua organização, de ideais de justiça. Por isso, reputo de primordial importância esta visualização que impede a mistificação da ordem jurídica no Brasil para sua melhor compreensão. Procurar uma interpretação do ordenamento jurídico brasileiro voltado a ideais de justiça socialmente assenta-
122
Das Hauptphiinomen unserer Tage ist das Gefühl des Provisorischen. Zu dem Ungewissen im Schicksal jedes Individuums kommt eine kolossale Daseinsfrage auf uns zu, deren Elemente gesondert zu betrachten sind ... " (Apud, E. Forsthoff, Der Staat, cit., p. 15). IH
Gõrg Haverkate, Verfassungslehre, p. 120.
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provisoriedade dos sentidos como característica desta segunda meta de de século: "O fenômeno mais importante dos nossos dias é o sentimento de provisório. Ao desconhecido no destino de cada indivíduo coloca-se-nos uma implacável questão existencial, cujos elementos devem ser observados detalhadamente" 322 . Haverkate acusa também o mesmo fenômeno ao asseverar que a "modernidade" é marcada por uma perda de certeza 323 .
Cf. Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, p. 102.
Renato Janine Ribeiro, Introdução, in Alexis de Tocqueville, Lembranças de 1848,p. lS.
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dos não significa que estes ideais sejam inerentes a esta ordem jurídica escrita. O "fazer justiça" está voltado a uma atividade política, onde o direito como um de seus instrumentos pode efetivar-se dentro de uma-práxis voltada à realização de valores éticos. Não se pode dissociar, sobretudo na norma constitucional, a interpretação do direito da posição política. A concretização do direito é uma das formas de manifestação da política. A hermenêutica vinculada estritamente à interpretação de texto ignora o inafastável caminho inverso: o do mundo da vida para a norma escrita. Da comunicação e recíproca influência, norma-mundo da vida, mundo da vida-norma, define-se a interpretação 325 • Segundo Bonavides:
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"O erro do jurista puro ao interpretar a norma constitucional é querer exatamente desmembrá-la de seu manancial político e ideológico, das nascentes da vontade política fundamental, do sentido quase sempre dinâmico e renovador que de necessidade há de acompanhá-la.
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Atado unicamente ao momento lógico da operação silogística, o intérprete da regra constitucional vê escapar-lhe não raro o que é mais precioso e essencial: a captação daquilo que confere vida à norma, que dá alma ao Direito, que o faz dinâmico, e não simplesmente uma arquitetura imobilizada. Cada ordenamento constitucional imerso em valores culturais é estrutura peculiar, rebelde a toda uniformidade interpretativa absoluta, quanto aos meios ou quanto às técnicas aplicáveis" 326 •
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A interpretação constitucional não pode dissociar dois aspectos essenciais da própria constituição, o político e o jurídico. Teria perdido todo seu caráter, caso houvesse de prescindir de algum deles ou privilegiar qualquer que fosse. Necessário à concretização dos preceitos constitucionais é desenvolvê-los no difícil equilíbrio entre prescrições normativas e realidade política. Esta interpretação nada tem da rigidez da idéia de previsibilidade do seu resultado. Seu compromisso está em encontrar um processo racional capaz de ser justificado pelo contexto constitucional como um todo. A estabilidade e a certeza jurídica são conquistadas em outro plano. Não é a lógica de resultado expressa na operação
"se A, então deve ser B" que lhe garante a estabilidade, porém, uma estrutura de princípios constitucionalmente expressos, que traduzem as bases sociais de valores e objetivos, a se fazer presente em toda operação interpretativa. As situações objeto de análise constitucional são várias e de sentidos múltiplos, o que necessariamente conduz a uma grande quantidade de resultados interpretativos, afastando-lhe definitivamente a idéia de um processo lógico. Trata-se muito mais de fundamentar uma argumentação, isto é, uma determinada decisão interpretativa, dentro de várias possíveis, por um método que tenha por objetivo fazer da solução encontrada algo que possa ser sustentado de maneira persuasiva. O direito moderno adquire sua legitimação pela eficiência e não pela formalidade de que se reveste. Um passo para resolver o que se designa por crise do direito seria desvendar a ficção da infalibilidade e perfeição sistêmica formal do ordenamento jurídico diante da realidade, procurando uma adaptação conjuntural eficiente, evitando-se uma crise de legitimidade. No sucesso desta adaptação reside a certeza e previsibilidade do direito, e a crença na realização de seu papel de pacificador das relações sociais327 • O direito é uma linguagem que constitui uma comunicação específica, assentada em determinados princípios, expressos ou não, delineando uma ética própria de atuação. Por isso, a segurança desloca -se da ficção de certeza da rigidez de um enunciado para a certeza de um resultado mais adequado aos conflitos sociais existentes. Aquela ficção funda-se na certeza da prescrição a priori" de todos os comportamentos possíveis. A segurança jurídica focada no resultado baseia-se na crença da capacidade de decisão e ajuste das instituições. Pressupõe-se uma legitimidade existente desde o processo de formação institucional até a eficácia e justeza da decisão tomada. O que se defende como certeza jurídica hoje, afirma José Arthur Giannotti, é aquela realizada pela "prática contínua de julgar e ajustar os comportamentos que se lustram e se ajustam conforme ampliamos e relativizamos nossas perspectivas, dentro do desejo de melhor convivência em sociedade" 328 •
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325
Cf., supra, Capítulo I - n. 2.6. Colisão de princípios e conflito de regras.
326
P. Bonavides, Curso, cit., p. 420.
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Cf. E. R. Grau, O direito posto, cit., p. 60.
128
José Arthur Giannotti, Moralidade pública e moralidade privada, in A. Novaes (org.), Ética, p. 245.
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A relação da norma jurídica com a sociedade não é um processo unilateral, em que o Estado, por intermédio de suas normas, ordena e dispõe para que o cidadão obedeça. A posição de submissão à norma não é a única rei.ação que o cidadão tem com a ordem jurídica. O cidadão também participa ativamente no estabelecimento da norma (vivificação do direito). A corrente que acredita que o ordenamento tem apenas o papel de se impor ao cidadão, obrigando-o à absoluta e indiscutível obediência, consegue valorizar somente o caráter de decisão da norma, que, na verdade, é um ponto na linha de discussão do direito. A decisão que impõe a aplicação da norma faz parte de um processo de formação histórica da norma e de argumentação e discussão que envolve a valoração dos elementos normativos, conferindo-lhe sua medida social. O decisionismo, que percebe somente o caminho unidirecional de imposição da norma sobre o cidadão, retira a norma de todo o seu contexto histórico e social. Porém, sem este contexto, torna-se a norma ininteligível3 29 • A norma jurídica, inclusive a norma constitucional, não é simplesmente uma positivação, o estabelecimento de uma prescrição; ela é ao mesmo tempo hipótese e tentativa de solucionar um problema. Pode parecer relativista, mas, na verdade, é a norma mais que um instrumento mediador das atividades sociais; ela é um meio para o alcance de finalidades sociais. Com relação à finalidade social prescrita pela norma, Haverkate aponta uma diferença entre as finalidades a serem alcançadas pela norma constitucional e pelas normas de direito ordinário. "As finalidades das normas ordinárias são, em regra, muito mais concretas e restritas, mais ligadas ao ato cotidiano que às finalidades dispostas pela constituição. Contudo, não se pode pôr em dúvida a objetividade da norma constitucional, por causa da amplitude de seus enunciados, porquanto tais normas são evidentemente direcionadas para produzir efeitos" 330 • À pergunta "o que é a norma jurídica?" comumente se responde que é aquela capaz de preencher os requisitos de validade para tanto.
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Sobre isto já alerta Bonavides afirmando que: "A análise histórico-teleológica, que nenhum texto constitucional dispensa e a que não se pode forrar nenhum constitucionalista, é talvez o instrumento interpretativo mais poderoso de que dispõe a hermenêutica das normas constitucionais, sobretudo da norma programática" (P. Bonavides, Curso, cit., p. 219). 330 G. Haverkate, Verfassungslehre, cit., p. 112.
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Pela forma simplista de pensar o direito como prescrição dotada de sanção, não se atinge o verdadeiro potencial conformador de fins sociais próprios ao texto constitucional. Obviamente esse posicionamento não logra resolver os problemas de efetividade da norma. Não é a norma jurídica apenas um mero resultado de uma prática institucional. A facticidade da norma não está simplesmente no preenchimento de seus pressupostos formais. Toda norma tem uma razão concreta a que deve sua existência. A insuficiência desta razão ou mesmo a sua inexistência arrastam a norma para o esquecimento e desprezo, como inúmeros exemplos no Brasil. As raízes da norma estão na atividade socialmente praticada ou praticável. "Todas disposições legais são conseqüências de experiências anteriormente obtidas; elas procuram solucionar um problema. Todas as prescrições legais objetivam uma continuidade; elas possuem como finalidade atingir um estado, o qual sem a norma não seria atingido" 331 •
Uma prescrição legal é sempre uma resposta a uma pergunta presente, latente ou expressa, numa sociedade. Em não sendo colocada a questão em determinada sociedade, não pode a resposta apresentada pelo enunciado legal ser adequada. Não existem enunciados normativos que tenham validade para todos os tempos e povos, uma vez que eles são sempre respostas especificamente voltadas às expectativas e vontades reais existentes numa sociedade. É por este motivo que não há uma verdade em si na norma. É necessário que determinadas perguntas sejam efetuadas, para que seu conteúdo se manifeste. Conseqüentemente, as verdades retiradas das disposições normativas estão sempre vinculadas a um pensamento histórico, pois cada pergunta existe diante de requisições e valores presentes em determinada sociedade em determinada época, e, naturalmente, a resposta que dela decorre jamais conseguirá ser desvinculada de um pensamento historicamente situado. Precisa-se trazer a norma para o mundo, invocando-lhe seu conteúdo. Conforme já tive oportunidade de esclarecer, o texto normativo precisa ser vivificado pela prática social, sem o que é mera literatura. Seu poder só se manifesta à medida que é lembrado. Isto vale sobretudo para as normas constitucionais que expressam objeti-
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G. Haverkate, Verfassungslehre, cit., p. 125.
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vos - as normas-objetivo. Desaparecendo as perguntas e as referências àquela prescrição, desaparece também a verdade do que ela dispõe. Aquela finalidade descrita desaparece se for esquecida pela 332 prática política . e pela lembrança da sociedade como um todo •
.
A norma jurídica e o direito, embora expressem o mesmo na linguagem corrente, não podem ser tratados como sinônimos. O direito é o continente da norma, pois nele estão assentados outros elementos. O direito não é idêntico ao conjunto de disposições normativas de um país. Dos enunciados positivos impostos pelo Estado aflora todo um sentido maleável da Constituição, as ideologias que preponderam na sua análise e interpretação, bem como a maneira na qual se articula a sua efetivação. O direito constitucional positivo é um referencial, porém, como texto que é, é um instrumento para compor fatos da realidade. A força de sua presença numa sociedade e seu efeito como modificador, organizador, mantenedor das relações sociais são resultantes do sentido e valor que é dado no cotidiano às normas do ordenamento jurídico. Avançando por esta senda, ao analisarmos a Constituição, é possível perceber que suas normas e princípios comportam mais de uma interpretação. Tais reclamam um preenchimento via implementação fática. São portais que, uma vez transpostos, conduzem a um campo fértil receptivo àquilo que se semear. A metáfora é utilizada especificamente para argumentar que, muitas vezes, a norma jurídica na Constituição é uma permissão a um assunto, porém o que se desenvolve a partir dela é uma surpresa, fugindo dos limites de seu texto. O portal permite a entrada, porém não se responsabiliza pelo que lá é encontrado, nem pelo que, no ambiente em que permitiu o acesso, é feito. É o caso das normas-objetivo, das normas programáticas, inclusive das normas que dispõem sobre direitos fundamentais.
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Cf. G. Haverkate, Verfassungslehre, p. 126: "Die Wahrheit eines Rechtssatzes kann immer nur darin bestehen, daR der Rechtssatz die zutreffende Antwort auf eine gestellte Frage ist. Wird in einer gegebenen Gesellschaft eine Frage nicht gestellt, dann kann ein bestimmter Rechtssatz, der eine Antwort auf eben diese Frage gibt, natürlich auch für diese Gesellschaft nicht richtig sein. Es gibt keine für alie Zeiten und Võlker gleichbleibend wahren normativen Satze - nicht weil es keine Wahrheit im Normativen gibt, weil alies 'relativ' sei, sondem weil Rechtssatze immer nur antworten auf Fragen sein kõnnen, die tatsachlich in einer Gesellschaft gestellt werden".
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Portanto, é indissociável a atividade política da concreção de tais normas, uma vez que elas mesmas são manifestações de determinada prática política. Desmistificar o trancamento do direito, afirma Ralf Dreier, é a contribuição das novas "teorias de interdependência do direito" 333 responsáveis por uma compreensão holística da norma jurídica, posição, aliás, exigida por toda teoria que se pretende social. Deixa-se, portanto, de igualar o direito ao ordenamento jurídico, de reduzi-lo a um conjunto ilhado de normas, exiladas e condenadas à frieza de um texto sem vida, esvaziado de humanidade. A partir da organização concreta da sociedade - seus costumes e instituições (religião, arte, família, indústria, ciência) - , desenvolve-se a existência e a característica do Estado (das konkrete Dasein und Sosein des Staates), afirma Hermann Heller, e acrescenta: "A organização estatal produz a constituição escrita. Esta Constituição conserva uma intrínseca relação com a composição de forças sociais. Por intermédio da Constituição, desnudam-se as oposições e composições, as tendências de transformação e manutenção existentes na realidade social e o seu constante movimento. É fundamental, portanto, deter a consciência do permanente estado mutante do sentido da Constituição, justamente porque as relações de poder estão de fato em constante movimento e modificam-se a cada instante" 334 •
É importante frisar, segundo o pensamento deste autor, que este movimento de troca de influências do texto sobre a sociedade e desta sobre a constituição não traz o caos, mas resulta na organização e constituição da unidade e ordem do Estado. Seguindo com Hermann Heller, cada organização humana tem como característica seu contínuo renascimento. Ela tem sua realidade atual fundada na efetividade momentânea da forma de organização dos relacionamentos entre seus participantes trazidos para uma ação unificada. Sua realidade potencial é expressa por meio de uma calculável probabilidade relativa de continuação no futuro, de maneira semelhante, da atuação conjunta dos integrantes. A Constituição seria a manifestação da atuação conjunta (estado normativo e sociedade - mundo da vida) tanto atual como futura, mediante a qual a unidade e ordem da organização se refazem. Para Heller, ain-
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da, a Constituição não é tão-somente o amálgama do escrito com a atividade social. Embora o conhecimento do Estado e da Constituição não possa jamais olvidar este caráter de formação dependente de seu opjeto, tampouco deve-se esquecer que uma Constituição só é reconhecida se ·ela permanece com uma relativa estabilidade na e apesar da dinâmica do processo de integração. A Constituição seria, portanto, produto e não processo; não é atividade, porém forma de atuação. Ela é uma forma aberta, pela qual a vida perpassa, vida na forma e forma a partir da vida (Leben in Form und Form aus Leben). Do mesmo modo que uma melodia transposta não é mais a mesma em relação aos seus elementos constitutivos, e no entanto continua sendo a mesma melodia, é a Constituição, dentro desse movimento de influência recíproca, uma unidade própria 335 • Procuro fechar a questão com mais uma última citação do jurista Heller:
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"A Constituição como norma não é composta apenas por prescrições que expressam autorizações do Estado, porém necessita, para sua validade, sempre, de uma complementação por elementos fora da ordem jurídica. Conteúdo e eficácia de uma norma não são determinados pela sua interpretação literal ou pela intenção do legislador, mas sobretudo pelas condições materiais que envolvem o intérprete. [... ] Uma prescrição isolada só pode ser essencialmente compreendida a partir da totalidade política da Constituição" 336 •
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Assim, tenho como condição fundamental à realização das normas-objetivo que sua efetivação se apóie nas condições políticas materiais e nos princípios e direitos fundamentais presentes na Constituição Federal. Este apoio pode lhe garantir efetividade e validade do ponto de vista formal, como sob o aspecto material (legitimidade).
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COMPREENDENDO OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
No início de sua formação como construção jurídica, no século XVIII, os direitos fundamentais eram compreendidos como garantias contra o poder do Estado. Esta posição teórica é fruto do grande problema enfrentado pela burguesia na época: o poder absoluto do Rei que dirigia a ordem social. Contrapondo esta forma de organização, defendia a burguesia que a justiça e o bem-estar do povo não poderiam ser conseguidos numa sociedade assentada em corporações e dirigida pelo Estado Absoluto. Bem-estar e justiça seriam, ao contrário, decorrência natural de uma ordem social fundada na liberdade e igualdade, porque essa ordem não somente possibilita a iniciativa individual e o livre desenvolvimento de suas faculdades, levando com isto a um aumento da riqueza da sociedade como um todo, mas também deixa aos indivíduos a livre formação de seus relacionamentos e, com isto, permite um equilíbrio de interesses, garantidos por uma regulação estatal central.
Hermann Heller, Staatslehre, cit., p. 363 . Die rechtlich normierte Verfassung besteht niemals bloR aus staatlich autorisierten Rechtssatzen, sondem bedarf zu ihrer Geltung immer einer Erganzung durch die nicht normierten und durch die auRerrechtlich normierten Verfassungselemente. lnhalt und Geltungsweise einer Norm werden niemals bloR durch ihren Wortlaut und auch nicht allein durch Absichten und Eigenschaften ihres Setzers, sondem vor aliem auch durch die Eigenschaften der sie beobachtenden Normadressaten bestimmt. [... ] Deshalb kann der einzelne Rechtssatz grundsatzlich erst aus der Totalitat der politischen Gesamtverfassung voll begriffen werden" (H. Heller, Staatslehre, cit., p. 368-369).
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Passo a seguir, em fidelidade à relação de dependência traçada entre a realização das normas-objetivo e o respeito aos direitos fundamentais, a esmiuçar esta última espécie de norma, procurando uma mais consistente aproximação, uma vez que caminho para provar que o "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" é de fato um direito fundamental constitucionalmente garantido.
O Estado só seria necessário para harmonizar as liberdades individuais, evitando que se chocassem. No entanto, a garantia material do bem comum não lhe diria mais respeito. O princípio distributivo de poder existente até então é invertido: fundamentalmente autônoma se tornava a sociedade, enquanto o Estado passava a ser fundamentalmente limitado. Os direitos fundamentais se encarregaram de definir os limites entre Estado e sociedade. Os direitos fundamentais garantiam aos indivíduos uma esfera de atuação livre do Estado onde não precisavam movimentar-se de acordo com modelos objetivos de relacionamento, porém por decisões apreciadas subjetivamente, num contexto em que, de um lado, se constituíam os interesses burgueses da autonomia de relacionamento, e, de outro, a inclinação do Estado
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Ou seja, quanto mais próximo a execução destas normas chegar da realização das liberdades individuais e coletivas, maior amparo jurídico e social obterão.
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em dirigir este relacionamento. A atuação dos direitos fundamentais se desenvolvia neste dualismo entre Estado e indivíduo. Ao Estado era impingida certa limitação de atuação, o indivíduo surgia a aspiração de um maior campo de ação 337 • A revolução industrial modificou sobremaneira as condições para o exercício da liberdade individual. A maquinização da produção fez com que, para uma boa parte da população, definhasse a base material para a afirmação da liberdade. Com isto se perdeu na sociedade um elemento fundamental da teoria clássica dos direitos fundamentais, para não falar do seu pressuposto necessário, o equilíbrio de forças; de tal arte que o automático ajuste de interesses não pôde prosperar. As novas relações de poder que se consolidam após a queda do poder absoluto dos reis fazem desmoronar a concepção de que os direitos fundamentais poderiam se resumir apenas a garantias subjetivas contra o Estado 338 • Na esfera liberta do domínio estatal, estendese agora uma dependência social. Privilégios e restrições de classes - essenciais à afirmação aristocrática - , inimigos históricos dos direitos fundamentais, retornam na figura do proprietário. A liberdade individual não é mais ameaçada apenas pelo Estado. Enfim, o processo se desenvolve de tal forma que uma série de liberdades expostas como direitos fundamentais não pode mais ser realizada individualmente, porém somente através de instituições sociais. Quer dizer, cai por terra a máxima de que a liberdade de outrem se encerra onde a minha se inicia. A liberdade individual é possível de ser alcançada somente por uma composição social. Para tanto, o Estado recebe um aumento de tarefas destinadas a incorporar conflitos e organizá-los dentro da esfera administrativa, seja por normas, seja por aumento dos seus serviços.
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4.1 O Conteúdo dos Direitos Fundamentais
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O relacionamento das normas com a realidade pode ser de diferentes grandezas, na medida da intensidade com que uma parcela da realidade abrangida pela norma seja revelada ou produzida pelo direito. Além das disposições estatutárias na Constituição, isto é, enuncia-
dos que regulam processos e expressam competências do Estado, dispõe ela sobre programas a serem percorridos pelo Estado, como também sobre princípios e direitos fundamentais dos cidadãos. Acerca dos preceitos estatutários e as normas que dispõem sobre objetivos e programas já me pronunciei quando abordei as normas programáticas e normas-objetivo. Cabe agora considerar especificamente os direitos fundamentais. Conforme espero ter esclarecido, esta classificação (norma programática, norma-objetivo, direitos fundamentais) não revela uma divisão de normas. Acompanhando o expresso por Grau, estes conceitos não são paralelos, mas assimétricos 33 9, dependentes do ângulo por onde se analisa o preceito normativo. Isto é, se são classificados em razão da eficácia, da finalidade ou do conteúdo respectivamente. Assim, posso encontrar direitos fundamentais em normas programáticas como em normas-objetivo, pois esta classificação diz respeito ao conteúdo específico do termo da norma. Acredito que, nos dispositivos constitucionais de maior interesse para o presente trabalho (arts. 170 e 225 da CF), é possível verificar estes três aspectos simultaneamente. Os direitos fundamentais constituem uma esfera normativa, cujo sentido tanto pode estar localizado previamente ao direito, quando este apenas reflete, ratifica juridicamente o que já se tem como assentado numa sociedade, como pode apresentar uma dinâmica própria, com alto grau de inovação para a prática habitual. Assim, tem-se que inúmeras garantias dos direitos fundamentais traduzem necessidades vitais elementares ou expressam modos de agir básicos, que nem são fundados na estrutura do direito, nem recebem sua essência do direito, em suma, não necessitam verdadeiramente de regulamentação jurídica, porém somente precisam ser mantidos compatíveis, em linha geral, com a ordem social (ex.: liberdade de crença e de expressão). Corroborando este raciocínio, acrescenta Canotilho que o conteúdo dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade 340 • De tal sorte, pode-se afirmar que os direitos fundamentais são normas que necessitam de intenso preenchimento, pois revelam valores sobre os quais inúmeras práticas sociais se assentam e, portanto, a esta espécie de norma se sujeitam. Assim, Grimm, procurando extrair
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a essência deste tipo particular de norma, afirma que o objetivo dos direitos fundamentais está na consecução de uma ordem social orientada na liberdade individual. Como isto se traduz nos casos isolados fica.ao encargo da interpretação. Segundo o mesmo autor, pressupos- · ta à solução de cada caso particular, está a questão sobre as possibilidades de uma ordem social livre. A ligação entre o objetivo genérico (a liberdade) dos direitos fundamentais e as condições específicas de realização destes preceitos revela a base da teoria dos direitos fundamentais. Esta teoria trabalha o significado geral dos direitos fundamentais, a fim de precisar a direção da interpretação e utilização de cada direito fundamental especificamente 341 • Seguindo a lúcida orientação de Dieter Grimm, deve-se considerar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado apresentado no art. 225 da Constituição Federal é um direito fundamental, não obstante esteja apartado do conjunto elencado pelo art. 52 desta Carta. Coloco-me com esta afirmação com a teoria que procura um sentido material às normas de direitos fundamentais. Filiar-me à corrente que afirma serem direitos fundamentais somente aqueles descritos como tais na norma constitucional seria escudar-me numa posição formalista, o que não corresponde à orientação seguida neste trabalho. É direito fundamental, também, aquele direito constitucionalmente atribuído, em cujo conteúdo se pode identificar uma coordenação de prescrições de direitos fundamentais básicos (liberdade, igualdade, fraternidade) e cuja realização revela-se na concretização total ou parcial destes direitos fundamentais.
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Além do aspecto material já mencionado para identificação dos direitos fundamentais, ajunto um aspecto estrutural de derivação dos direitos fundamentais capaz de ser identificado em cada sistema jurídico. Robert Alexy, na introdução da sua obra, afirma:
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"A listagem dos direitos fundamentais regula, de fato, da maneira mais ampla, as questões mais discutidas da estrutura básica normativa do Estado e da Sociedade. Especificamente, são desdobramentos dos conceitos jurídicos de dignidade, liberdade e igualdade. Acrescentem-se a estes conceitos, os conceitos de objetivos estatais, e estrutura vinculados à democracia, ao Estado de Direito e ao Estado Social e obtém-se,
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então, um sistema conceituai, que abriga a fórmula principal da racionalidade do direito moderno" 342 •
A contribuição para a construção da liberdade é um indício de que um direito conferido constitucionalmente seja um direito fundamental. Seja liberdade individual ou a realização de uma sociedade livre, justa e solidária. Sucintamente, afirmo que direitos fundamentais representam condições necessárias à efetivação da liberdade real (em oposição à liberdade formal). Portanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, porque é uma prerrogativa individual prevista constitucionalmente, cuja realização envolve uma série de atividades públicas e privadas, produzindo não só a sua consolidação no mundo da vida como trazendo, em decorrência disto, uma melhora das condições de desenvolvimento das potencialidades individuais, bem como uma ordem social livre. Os direitos fundamentais revelam-se concomitantemente no texto normativo como princípios quando analisados em relação à concretização da liberdade - aí inserido o princípio da liberdade de iniciativa. O princípio da liberdade de inciativa, ao mesmo tempo em que se apresenta na forma de uma construção deôntica, expondo um aspecto objetivo - prescrição normativa - e subjetivo - possibilidade de exigir seu preenchimento - , revela-se como base a ser respeitada para o desenvolvimento das relações sociais.
4.1.1 Direitos fundamentais constitutivos: a atuação conjunta do Poder Público e dos cidadãos Modernamente, pode-se dizer que as funções dos direitos fundamentais resumem-se numa dupla operação: limitam as ações do Estado, ao mesmo tempo em que corrigem o déficit da compreensão liberal dos direitos fundamentais e sua prática, isto é, ajustam a prática individual. Uma vez que a mera limitação do Estado se mostrou incapaz para uma garantia total da liberdade, isto é, para a consecução efetiva da liberdade, fez-se necessária uma ampliação do âmbito de abrangência dos direitos fundamentais. Este alargamento do conteúdo im-
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Os direitos fundamentais exerciam preponderantemente funções limitativas (o exercício da liberdade individual só é limitado pelo exercício da liberdade de outro). Hoje, seu maior papel está em ações constitutivas operadas tanto pelo Estado como pelos agentes privados. Esta compreensão nova e inovadora dos direitos fundamentais está pautada numa premissa essencial, a de que as liberdades individuais são indissociáveis das liberdades sociais ou coletivas. A realização do indivíduo não é passível de ser alcançada sem a concreta difusão das liberdades pela sociedade como um todo. E é neste contexto que deixa o Estado de ser é.quele temido Leviatã para se tornar um promotor dos direitos fundamentais, os quais são passíveis de ser reivindicados judicialmente nas vestes do exercício de uma prestação estatal juridicamente assegurada. Garante-se um direito público subjetivo. Ao lado do componente de direito subjetivo, surge um elemento de direito objetivo. Os direitos fundamentais não são mais passíveis de serem compreendidos pelo mero dualismo entre Estado e indivíduo. Eles recebem o caráter de princípios constituidores (formadores, criadores) da ordem social como um todo. A inovação não está, como se poderia supor, na existência dos elementos de direito objetivo. Estes elementos já estavam presentes, também, no momento em que se rompia com a organização feudal, para que se impusessem os princípios da sociedade burguesa. Entretanto, uma vez que a ordem jurídica se ajustou aos ideais da nova ordem social, ficaram os princípios objetivos submetidos ao pressuposto liberal, segundo o qual uma sociedade é capaz de auto-regular-se e somente necessitaria da tutela do Estado contra eventuais perturbações. O inédito presente nas constituições, principalmente nas da segunda metade do século XX, focaliza-se na delimitação de conteúdo das liberdades asseguradas pelos direitos fundamentais. Estão elas, agora, circunscritas em quadros institucionais preestabelecidos, encarregados de garantir-lhes efetivação343. Expresso de outro modo, esta modificação imprimida no conteúdo dos direitos fundamentais permite que o direito incorpore a
dimensão real do problema da garantia do exercício das liberdades, uma vez que estão fornecidas as condições para uma compreensão material das liberdades, construídas sob o império das liberdades formais, até então garantidas pela ordem jurídica. Toda esta amplitude funcional dos direitos fundamentais está em sintonia com a dissolução do problema da liberdade do esquema Estado-cidadão. Numa sociedade marcada pela contradição e pela convivência de interesses conflitantes, é possível afirmar que a liberdade concebida unicamente como ausência da coerção do Estado sobre o cidadão (há liberdade onde o Estado não obriga) é uma liberdade formal. À medida, porém, que são trazidos ao direito outros fatores limitantes do exercício das liberdades que não somente a atuação do Estado, assume esta instituição o papel de efetivar os direitos fundamentais. De obstáculo ao exercício das liberdades ou de titular de um poder de polícia para zelar pelo pleno exercício das liberdades, a instituição estatal converte-se num agente promotor de liberdades individuais e coletivas. A realização de direitos fundamentais passa a ser um objetivo do Estado, sendo, portanto, possível identificar descrições de direitos fundamentais nas normas designadas por norma-objetivo. Os direitos fundamentais, nestes casos, dirigem-se com caráter mandamental ao legislador e ao Executivo, a quem estão abertos diferentes caminhos para a realização dos pressupostos que assegurem a efetividade dos objetivos inscritos nos direitos fundamentais. É o caso específico do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cuja efetivação depende de uma ordem de comportamentos do Poder Público e da sociedade. Assim - precisa Canotilho - , se antes os direitos fundamentais tinham função unicamente de defesa, impondo-se como "direitos negativos" diretamente conformadores de um espaço subjetivo de distanciação e autonomia com o correspondente dever de abstenção ou proibição de agressão por parte dos destinatários passivos, públicos e privados 344 , hoje é bastante presente o seu caráter "positivo" (constitutivo), resolvendo-se em direitos a prestações, realização de objetivos, como de fato revela o art. 225 da Constituição Federal. Ajunta-se a isto a oportuna afirmação de Grimm:
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Os direitos fundamentais, sociais ou coletivos diferem num ponto essencial dos clássicos direitos garantidores de liberdades: eles são precipuamente direcionados a uma atividade do Estado e dependem, portanto, de que o Estado disponha dos meios 346 para o exercício desta atividade. Isto significa que, mesmo com a idéia de participação do Estado como garantidor de efetivação dos direitos fundamentais, seja por insuficiência de meios ou por prioridade política, deparamonos com limites de atuação, onde naufraga a idéia de uma imediata efetivação de todos os direitos fundamentais. Cabe aqui ressaltar que exigüidade do aparato institucional estatal, ou insuficiência de meios, não se traduz por mera ausência de condições financeiras. Também, estão compreendidos na pauperização e inércia do Estado a deficiência da atuação política, o pouco cuidado dedicado à formação de quadros políticos, a ausência de prioridades políticas sociais, a displicência com a política de ensino e formação cultural. Enfim, são todos os problemas que impregnam a história da formação do Estado brasileiro, referente ao qual se desenvolveu uma idéia malsinada de público, onde é sempre presente a perspectiva do Estado como instrumento, "propriedade do grupo social que o controla" 347 •
Pode-se acrescentar ainda que os fatores, que acabam por reduzir e emperrar a capacidade ativa do Estado na consecução dos direitos fundamentais previstos pela Constituição, inerte perante a pauperização material dos seus cidadãos e a concentração de renda mais aviltante ocorrida no mundo nos últimos quinze anos 348 , impedem o desenvolvimento de uma real liberdade social, submetida que está aos seus pressupostos materiais. Não há como afastar esta relação, pois onde há acentuada desigualdade, há necessariamente acentuada diferença no exercício da liberdade. "O liberalismo resolveu a contradição, à medida que ele compreendeu o preceito que garante a igualdade exclusivamente de maneira formal, e o reduziu à igualdade jurídica. Tão logo os direitos fundamentais passam a ser compreendidos em sua materialidade, torna-se difícil manter o preceito de igualdade apenas dentro de sua compreensão formal. A igualdade precisa também ser revelada, na sua concepção material, compatível com a liberdade. Portanto, igualdade não pode significar uniformidade formal, idealizada. Igualdade significa aqui um ajustamento dos pressupostos materiais, sob os quais cada um indistintamente pode fazer uso da liberdade. Este processo de ajuste é sem dúvida uma constante, porque as desigualdades advindas do exercício da liberdade necessitam permanentemente de renovada compensação, não se olvidando - para não cair num simplismo idealista - que a base de reprodução da sociedade moderna, logo do próprio direito, é a contradição. Tomando-se este contexto em consideração, radicou-se o conceito da igualdade de oportunidades" 349 •
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"Die Rechtsgeltung sozialer Grundrechte erschopft sich also in einem mehr oder weniger konkreten Auftrag an den Gesetzgeber. Ihr gesetzesüberschieBender Gehalt und damit auch die Chance der verfassungsrechtlichen Aktualisierung ist dagegen gering. Darin liegt kein Einwand gegen die Mi:iglichkeit solcher Grundrechte, sondem ein Bedenken hinsichtlich ihrer Zweckmasigkeit" (D. Grimm, Grundrechte, cit., p. 62). 146 A palavra "meios" é empregada aqui como conjunto de elementos econômicos, político-administrativos e culturais, necessários ao desempenho de determinada atividade. 347 Expressão utilizada por Maria Sílvia Carvalho Franco. Segundo a autora, "o aparelho governamental nada mais é que parte do sistema de poder desse grupo, imediatamente submetido à sua influência, um elemento para o qual ele se volta e utiliza sempre que as circunstâncias o indiquem como o meio adequado. Só nessa qualidade se legitima a atuação do Estado. Surge assim, sob a imagem de 'Estado345
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tutelar', a figura mais real do 'Estado-instrumento', ficando linearmente entrosados os momentos de busca e repulsa de sua atividade como etapas de afirmação do poder de um grupo social" (M. S. C. Franco, Homens livres na ordem escravocrata, p. 132 e 133 ). 14
2 ' Entre 1950 e 1988 o Brasil pulou do 52 para o 34 2 lugar em renda per capita. O salto não foi, no entanto, acompanhado de um mínimo indispensável de redistribuição de renda. Ao contrário: o Brasil foi o segundo colocado em concentração de renda, superado apenas pela Jamaica (Folha de S.Paulo, 12-12-1993, p. 2). 14 • Cf. D. Grimm, Grundrechte, cit., p. 63. Ver também a respeito da introdução das idéias liberais no Brasil e o liberalismo de fachada, Sérgio Buarque de Holanda, quando afirma que a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. "A democracia no Brasil foi sempre um lamentável malentendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la,
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O reconhecimento das atividades do Estado, logo do próprio Estado, pela forma específica de ação estatal, nega uma razão de Estado (raison d'État) apartada de uma razão mais básica estruturadora de toda formação social, pois concebe o Estado como um nível da sociedade. Com isto, a compreensão dos deveres do Estado - embora de fundamental importância - é tida como apenas uma das atividades, visando a formação, aprimoramento e manutenção das bases sociais, pois é no Estado que se concentram o poder político e a violência coativa da sociedade. Porém, o reclamo pela realização da ordem jurídica não está restrito a suas instâncias. A participação conjunta da sociedade pela realização dos direitos fundamentais é especificamente evidenciadora desta performance do Estado como nível do todo social. A comunicação que ocorre entre as instâncias estatais e as outras formas de organização da sociedade, como não poderia deixar de ser, obedece a regras e códigos sociais, alimentando-se reciprocamente, sendo inegável a sua existência. Caso não concebesse Estado e sociedade civil como indissociáveis em essência, seria forçada a aceitar o Judiciário, o Executivo e o Legislativo como versões modernas do absolutismo, onde o Supremo Tribunal Federal passaria a ser o príncipe portador da incontestável voz da lei, o Legislativo e o Executivo enviados sagrados para governar, não mais pela idéia de um escolhido de Deus, mas pela "unção sagrada do voto".
A efetividade dos preceitos constitucionais não depende, contudo, pura e exclusivamente, do comprometimento e engajamento da máquina administrativa, nem tão-somente da consolidação de estruturas políticas e administrativas capazes de criar condições para a implem~ntação dos programas e objetivos contidos na norma constitucional que prescreve direitos fundamentais. Uma vez institucionalizados, os dizeres do texto constitucional possuem capacidade de motivar as atividades da sociedade, e seus preceitos, de estimular movimentos na sociedade dos mais diversos matizes, com os mais variados efeitos, no interior dos quais a atividade legislativa, o compromisso do Executivo e a decisão do Judiciário representam um momento dentro da variedade de ações abertas pelo caráter imperativo e vinculador daquelas expressões normativas. Os movimentos sociais, as manifestações individuais e o desenvolvimento de atividades que invocam aquele texto reconhecem sua pretensão de validade e requerem sua efetividade, pois colocam na prática o texto normativo que, enquanto atado a sua forma literal, é uma aspiração. A criação de um substrato social fundado em bases mais igualitárias, e assentado nos valores que respeitem seus elementos constitutivos - o homem e seu ambiente - não se reduz à esfera estatal do Legislativo, Executivo e Judiciário. Tal pensamento é fruto da idéia de que Estado e sociedade civil constituem unidades distintas. Esta separação baseia-se na distinção da estrutura organizacional administrativa com as demais formas de organização social. Contudo, não se pode ter tão bem compartimentada esta separação quando se trata do conteúdo das atividades, que, em essência, constituem uma prática social, envolvendo inúmeras relações de dependência e influência. Isto é, o Estado só pode ser diferenciado das demais formas de organização da sociedade à medida que suas atividades são revestidas de um caráter específico que lhe confere e reafirma seu atributo institucional. Porém, as razões que o movem, aquilo de que trata e, mesmo, os resultados a que chega encontram-se todos imersos na infinidade de interesses convergentes e divergentes presentes na sociedade.
O ordenamento jurídico tem se aprimorado, estabelecendo instâncias específicas para maior comunicação da base administrativa (Estado) com seus administrados. Não tem outra aspiração o preceito do art. 225, ao impor ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. O desdobramento deste dever comum de preenchimento do mandamento explicitado no art. 225 pode ser vivenciado, por exemplo, nos conselhos nacionais e estaduais de meio ambiente, também com a previsão de audiência pública para tratar de decisões da administração, ou através do exercício do direito de representação e do direito à informação dos procedimentos administrativos.
onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas. E assim, puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos" (S. B. de Holanda, Raízes do Brasil, p. 160).
O Estado intervencionista, que se espalhou após a Primeira Grande Guerra, consolidou-se, nos regimes democráticos, como um Estado orientador e planificador nas matérias consideradas estratégicas para a integridade e o bom desenvolvimento das relações de uma sociedade. Isto vale sobretudo no campo da economia, onde o direito fundamental da liberdade de iniciativa na Constituição brasileira é
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• temperado pelos demais princípios constitucionais, na exata proporção capaz de assegurar o fim maior da República brasileira, o de garantir a todos existência digna, com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. , Não .obstante este fim maior vincular a atuação do Estado e dos cidadãos, orientando a interpretação do art. 170 da Constituição Federal, pode-se ressaltar seu desdobramento em praticamente todos os capítulos do título da ordem social. Está ele embutido no art. 194 sobre seguridade social, que prevê a ação conjunta do Poder Público e da sociedade visando a saúde, previdência e assistência social dos cidadãos. Possui tradução no art. 205, que declara ser a educação um direito de todos e dever do Estado e da família. Encontra guarida no art. 225, que compõe o capítulo do meio ambiente, dispondo sobre o direito à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Encontra, por fim, cobertura no art. 231, que dispõe sobre o reconhecimento aos índios de sua cultura e garante o seu respeito.
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Não posso furtar-me de abrir um parêntese trazendo outra conclusão que entendo oportuna. A afirmação corrente, que diz ser a Constituição Federal de 1988 uma constituição intervencionista ou de consagração do dirigismo econômico pelo Estado, não deve prevalecer. É esta Constituição extremamente inovadora porque traz ao direito o prudente equilíbrio. Rechaça o liberalismo puro e recusa o simplismo de uma centralização no Estado de decisões e programas de ação. O que há de mais vibrante neste texto é o reconhecimento da indissolubilidade do Estado e da sociedade civil. Todo problema de política econômica, social e ambiental só pode ser trabalhado quando reconhecida esta unidade e garantidos os instrumentos de atuação conjunta. Fechando o parêntese, volto aos direitos fundamentais que, nessa ótica, abdicam da polaridade Estado-cidadão. Sua realização envolve a ação e abstenção de ambos, dentro de um processo comunicativo. Os direitos fundamentais são, como as demais normas, direcionados aos indivíduos ou a organizações administrativas ou privadas. Sua validade e sua eficácia são evidenciadas na atividade social. A teoria dos direitos fundamentais procura verificar como se dá esta realização e quais os fatores indispensáveis para o desenvolvimento de políticas para sua implementação, clareando vias para a plena realização de valores sociais mais prezados positivados na Constituição Federal.
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4.2 A Efetividade dos Direitos Fundamentais mediante a Política dos Direitos Fundamentais A simples vigência da norma não é o bastante para o sucesso do direito. A atividade de implementação e realização do texto, transformando o verbo em ato, é o que completa a ordem jurídica. Isto não é diferente para os direitos fundamentais: o que vale para o todo também se aplica à parte. Os dispositivos referentes aos direitos fundamentais precisam ganhar efetividade. A discussão sobre a eficácia imediata dos direitos fundamentais constitucionalmente apresentados não pode ser resolvida na absurda subversão, pela qual a eficácia de preceitos constitucionais é vinculada a prescrições de leis ordinárias. Assentada a questão de que, uma vez inscritos na norma constitucional, tais direitos têm eficácia imediata, passa-se à reflexão sobre a efetividade dos direitos fundamentais. Esta não é resolvida com a solução do problema sobre funcionamento e aceitação de jurisdição constitucional. O problema de efetividade dos direitos fundamentais não se deixa mais solucionar no interior do sistema jurídico. A facticidade das normas sobre direitos fundamentais se revela em atuações políticas, capazes de assegurar o exercício das liberdades expressas naqueles dispositivos, sobretudo em sua dimensão social. Assim, a efetividade dos direitos fundamentais torna-se questão de operação sistemática de uma política de direitos fundamentais. Afirma Grimm que a efetividade dos direitos fundamentais é sobretudo produto da prática conjunta do trabalho jurídico dos direitos fundamentais e da estrutura político-social. As inúmeras lacunas de conhecimento, quanto à efetividade dos direitos fundamentais e aos pressupostos de sua efetividade, afetam diretamente a otimização dos direitos fundamentais 35 º. É portanto válida a afirmação de que a efetividade dos direitos fundamentais depende também da força relativa e independência do Estado Democrático de Direito. Uma avaliação dos limites existentes na realidade social para a efetivação de medidas implementadoras dos direitos fundamentais está sujeita a este pressuposto. Para a realização de uma sociedade democrática não basta ter consagrados em sua Constituição os direitos fundamentais necessários à realização da ordem democrática, eles precisam ser efetivados na prática.
"ºD. Grimm, Grundrechte, cit., p. 76.
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O conteúdo democrático de um sistema político não pode ser medido apenas pela existência periódica de eleições livres para representantes do povo no Executivo e no Legislativo. Democracia, como um processo estatal, preenche seu sentido somente quando combina d~terminados princípios de atuação (Gestaltungsprinzipien) tendo em vista a ordem social. É digno de nota o movimento destes princípios, que, originários da política, são condicionantes do funcionamento da democracia e encontram no direito, sob a forma de direitos e garantias fundamentais, o seu asseguramento. Por isso, afirma Canotilho que, tal como são um elemento constitutivo do Estado de Direito, os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático 351 • Democracia não é apenas uma forma de organização da sociedade, mas é também um modo de agir social. Isto impõe a responsabilidade do Estado em garantir um instrumental que apóie e viabilize a realização dos princípios democráticos e não sua mera declaração jurídica. Sem esta contrapartida fática, a democracia torna-se apenas argumento de retórica, e a alternância do poder pelo voto, um meca nismo automático institucionalizado, incapaz de trazer real alteração na ordem política.
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Por estar inserido no mesmo contexto histórico e social, o direito não pode olvidar os conflitos, a pluralidade e o dinamismo existentes na sociedade, e, se se pretende comprometido com a realização do bem-estar desta sociedade, não pode fechar-se numa redoma fria de um texto distante, estático, acima de qualquer contradição. A efetivação dos preceitos da Constituição Federal de 1988 reflete a "indecisão" existente no Estado brasileiro, onde a ânsia por justiça social é freqüentemente atropelada por antigos privilégios, interesses individualistas e pelo pouco comprometimento dos governantes com uma política definida ou com os interesses da maioria dos governados. É por isso que a Constituição brasileira reflete o que seria para Bonavides uma característica inerente à Constituição do Estado Social na democracia. Diz ele: " ... é a Constituição do conflito, dos conteúdos dinâmicos, do pluralismo, da tensão sempre renovada entre a igualdade e a liberdade; por isso mesmo, a Constituição dos direitos sociais básicos, das normas
351
J. J. G. Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 431. 216
programáticas, ao contrário portanto da Constituição do estado liberal, que pretendia ser a Constituição do repouso, do formalismo, da harmonia, da rígida separação de poderes, do divórcio entre o Estado e a Sociedade" 352 •
Esta digressão sobre direitos fundamentais destina-se a situar especificamente as condições de efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ao se revelar como direito fundamental, sua aplicação não depende de uma afirmação da validade constitucional por norma ordinária. Este direito, como todos os direitos fundamentais presentes na Constituição, tem aplicação imediata, conforme dispõe o § l2 do art. 5º, que, ao se referir às normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, não se restringe àquelas do art. 5º, mas aplica-se a todos os demais previstos no texto constitucional3 53 • Pelo texto do art. 225 visualiza-se a dupla dimensão dos direitos fundamentais: uma subjetiva e outra objetiva. Por um lado, o poder do sujeito afetado no seu direito à sadia qualidade de vida de voltar-se contra o Poder Público ou contra o poluidor para fazer respeitar esse seu direito, por exemplo através da atuação em juízo 354 • Uma outra faculdade colocada à disposição do cidadão é a de participação nas decisões administrativas, seja em discussões durante audiências públicas, seja por outros caminhos, como fazendo valer seu direito de representação e o de informação sobre os atos administrativos. Por outro lado, este direito se desdobra no dever do Poder Público, no âmbito de sua competência legislativa ou executiva, de atuar com o objetivo de criar condições para a sua efetivação. Neste senti-
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P. Bonavides, Curso, cit., p. 345.
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Adotando a posição de Canotilho, sublinho que aplicação direta não significa apenas que os direitos fundamentais se aplicam independentemente da intervenção legislativa. Significa também que eles valem diretamente contra a lei, quando esta estabelece restrições em desconformidade com a Constituição (cf. J. J. G. Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 186). 114
Na participação em juízo evidencia-se, mais uma vez, a ambivalência do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - ao mesmo tempo um direito individual e coletivo - ao ser tratado o procedimento de atuação em juízo para a defesa deste direito pela lei que estabelece a Ação Civil Pública (Lei n. 7.34711985), ou como é conhecida, Lei dos Interesses Difusos. Aqui, é defendido um interesse que não tem um titular específico, mas diz respeito a toda a coletividade.
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do, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se revela também numa norma-objetivo. Sua efetividade está ligada ao desenvolvimento dos objetivos elencados nos incisos do § 12 do art. 225; ou seja, a realização deste direito tanto mais efetiva será quanto maior a eficiência das práticas de políticas públicas coordenadas com as atividades privadas.
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"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
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VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
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VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei". "Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ lQ Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2Q Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3Q As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4Q A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § SQ São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6Q As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas."
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Inicialmente apresento o panorama geral do aspecto normativo da relação entre ordem econômica, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e desenvolvimento econômico.
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Em seguida, procuro tratar especificamente de como a liberdade de iniciativa, princípio-base da ordem econômica, se compõe com a realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 356 .
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Assim, é tendo presente esta troca recíproca de influências que a questão da liberdade será colocada. A liberdade para empreender e a liberdade das presentes e futuras gerações de desfrutarem de um ambiente ecologicamente equilibrado estão unidas no modo de produção constitucionalmente apresentado, e a análise de uma deve ter em vista seu reflexo na outra, procurando uma compatibilização do exercício de ambas 357 . À primeira vista, pode parecer pretensão abordar um tema tão extenso como o da liberdade, inclusive uma visão menos acurada o reputaria como alheio ao objeto das meditações aqui apresentadas. É
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,Em seguiçla, retomo a questão dos princípios, procurando diferenciar no art. 170 duas espécies de princípios: os princípios-base e os princípios-essência. Isto se dá para que, num outro estágio, analise como a estrutura do modo de produção capitalista (assegurado pelos princípios-base) é mantida e articulada com o respeito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E como a realização deste direito, por sua vez, contribui para o preenchimento do princípio-essência355 da dignidade humana, constitucionalmente prescrito.
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importante esclarecer que não posso ter a ambição de desenvolver neste trabalho conceitos e considerações filosóficas sobre o conteúdo da liberdade e de abordar este ponto com a devida acuidade que ele merece. Apenas torno-me a ele à medida que a liberdade está no princípio-base da liberdade de iniciativa, um fundamento da ordem econômica, não sendo possível furtar-me de algumas poucas, mas necessárias, considerações. E também porque, sobretudo, é a liberdade razão dos direitos fundamentais, conforme já foi exposto. O exercício das liberdades como direito fundamental (a liberdade de fruir de um ambiente ecologicamente equilibrado e a liberdade de ser proprietário) está ligado ao princípio da liberdade de iniciativa e, é claro, aos princípios embutidos naqueles direitos (princípio da defesa do meio ambiente e princípio da propriedade privada e da função social da propriedade). Compreendo, neste contexto, liberdade como a possibilidade de agir ou dispor de algo. Este algo pode desdobrar-se em uma variedade sem fim, porém é meu mister ressaltar que, sempre sob o ponto de vista do direito, existem liberdades que não podem se anular, uma vez que se encontram sob o mesmo grau de imperatividade. Assim, a essência da ordem econômica, a sua finalidade máxima, está em assegurar a todos existência digna. Isto posto, a livre iniciativa só se compreende, no contexto da Constituição Federal, atendendo àquele fim. Do mesmo modo, a razão de garantir a livre disposição das presentes e futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado tem em vista, em última instância, a mesma finalidade de uma existência digna a todos -deduzida necessariamente do fato de que uma "sadia qualidade de vida" (art. 225) é elemento fundamental para a composição de uma existência digna. Portanto, não há de argumentar que para realizar a livre iniciativa devem-se olvidar as disposições, que permitem o livre dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, decorrente da Constituição Federal, no capítulo sobre o meio ambiente. O direito brasileiro não faculta esta alternativa, posto que os dois princípios (o da livre iniciativa e o do meio ambiente ecologicamente equilibrado) são igualmente necessários para a consecução de uma finalidade essencial do texto constitucional: o da realização de uma existência digna.
Poder-se-ia perguntar por que não empregar este mesmo cuidado ao princípio da valorização do trabalho humano, uma vez que ambos os princípios são colocados igualmente como fundamento da ordem econômica constitucional. Sintetizo assim meu argumento. A atividade econômica é fundada basicamente no trabalho humano, nos recursos naturais e no capital (aqui também compreendida a maquinização, como inovação tecnológica produzida pelo capital). Por neste trabalho tratar especificamente do fator natureza e sua relação imediata com o seu modo de apropriação para gerar riquezas, não quero estender-me a outro braço da produção. Não obstante saiba que os fatores manifestam-se e recebem sua feição definitiva no inter-relacionamento que desenvolvem e, portanto, o fator trabalho não permanecerá ileso por ocasião do objeto aqui tratado. Entretanto, urge setorizar para uma maior precisão. 357 Cf. supra, Capítulo II - n. 2.2. O conceito de qualidade de vida unindo direito econômico ao direito ambiental.
No plano específico da prática, tampouco um prescinde do outro. Mesmo que intencionalmente o agente econômico não tenha em vista a consecução dos objetivos constitucionais, a manutenção da sua atividade econômica só se concebe à medida que garanta uma base natural de apropriação de seu investimento, bem como, mais
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extensivamente, reconheça a necessária satisfação do mercado consumidor decorrente de uma qualidade de vida mais elevada. Os princípios fundados na liberdade de agir econômico e na liberdade de dis_por de um meio ambiente ecologicamente equilibrado exprimem a mesma força imperativa na Constituição Federal. Estes princípios se revelam, na realidade, não em contradição, como o simplismo imperante sugere, mas constituem inseparáveis aspectos de uma realidade que perece sem a manutenção do tensionamento entre tais valores. A liberdade não conhece limites. Estes são sua negação. Entretanto, a atividade humana não se desenvolve num único interesse. Esta multiplicidade de tendências provoca um relacionamento tensionado entre as paixões. Disto decorre que as paixões só se transformam em ato, pela atividade de incorporação dos antagonismos, resolvendo-se em equilíbrio. Do contrário, o exercício de uma liberdade sem a necessária consideração do leque de faculdades aberto pela vida faz dessa paixão (pathos) uma patologia, e por isso destrói.
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5.1 A Ordem Econômica, a Defesa do Meio Ambiente e o Desenvolvimento Econômico
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Na análise do texto constitucional é possível verificar duas abordagens para a expressão "ordem econômica": ordem econômica é empregada para se referir ao conjunto de prescrições normativas (mundo do dever ser) que moldam e conformam as relações econômicas, como também é utilizada para designar o conjunto das práticas econômicas realizadas (mundo do ser) 358 • Estes dois planos estão perfeitamente interligados, a ponto de esta distinção relativizar-se em uma zona cinzenta, onde não é possível saber se nos encontramos
diante do fático ou do normativo. Isto se dá devido a uma necessária "simbiose" entre os elementos do mundo do ser e do mundo do dever ser. Não há dois mundos distintos. A ordem econômica (mundo do ser) compõe as prescrições relativas ao dever ser da ordem econômica, que por sua vez atuam imediatamente produzindo modificações no mundo dos fatos, pois as prescrições se substantivam. A ordem econômica como conjunto de prescrições normativas estabelecidas pela Constituição, a ordem jurídica da economia, está pautada na específica estrutura econômica em que se insere e que ao mesmo tempo pretende garantir e dirigir. Afirma com precisão Vital Moreira: "Sem essa ligação à estrutura econômica, os preceitos econômicos da Constituição nunca poderão ser compreendidos no seu sentido e alcance prático-jurídicos, muito menos ser objeto de elaboração teórica" 359, a qual só tem sentido no estudo, à medida que trabalha com elementos da realidade. Não obstante ser aqui tratada a ordem econômica descrita pela norma constitucional (parte da ordem jurídica) - a ordem jurídica da economia 360 - , não pode o estudioso do direito quedar-se alheio aos movimentos econômicos, sob pena de uma insuficiente compreensão do conteúdo e das condições oferecidas pelas prescrições que compõem a ordem econômica, tal o entrelaçamento entre as condições oferecidas pelo mundo do ser e as prescrições próprias do mundo do dever ser. A ordem econômica presente na Constituição é apenas uma ordem possível por ela descrita, porém não é a única possível. Segundo Stober, ela reflete um interesse do legislador constituinte por determinada decisão econômica e sociopolítica, a qual pode ser substituída ou interrompida por uma outra decisão 361 • A ordem econômica descrita no texto constitucional perfaz a constituição econômica de uma ordem de mercado dirigida global-
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É magistral a explicação de Eros Grau sobre tal distinção. Citando Vital Moreira, assinala o sentido da "ordem econômica" como modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; o termo como um conceito de fato e não um conceito normativo ou de valor. Em um segundo sentido, "ordem econômica" constituiria uma expressão a designar um conjunto de normas, um sistema normativo da ação econômica. Sobre o tema, verificar E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 68-78. Ver, também, Vital Moreira, que distingue os dois sentidos existentes para a expressão "ordem econômica": um sentido fático (como ordem dada, ordem existente, realidade econômica) e um sentido normativo, sobretudo jurídico-normativo (conjunto das normas que regulam a vida econômica) (V. Moreira, Economia e Constituição, cit., p. 53).
R. Stober, op. cit., p. 144: "Sie beruhe auf einer vom Willen des Gesetzgebers getragenen wirtschaftsund sozialpolitischen Entscheidung, die duch eine andere Entscheidung ersetzt oder durchbrochen werden kõnne". É patente aqui a independência da criatura (texto normativo) do criador (legislador). Embora sua elaboração respeite um interesse inicial, este no entanto fica relativizado ou mesmo neutralizado quando o texto normativo "cai no mundo da vida" e passa a ser objeto de interpretação.
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mente 362 • Nela estão presentes elementos essenciais de uma ordem econômica, dispostos como diretrizes político-econômicas. Estes elementos são os pressupostos da economia de mercado que ratifica: o respeito ao princípio da concorrência e da livre iniciativa. Igualmente, cuida ordem econômica constitucional da manutenção do equilíbrio global da economia. Havendo perturbação nesse equilíbrio, deve intervir o Estado dentro de um direcionamento global, mesmo que para isso os princípios da livre iniciativa e concorrência acabem sendo relativizados. São estes dois aspectos básicos da ordem jurídica da economia: trazer para o campo jurídico os pressupostos essenciais do desenvolvimento da economia e apresentar condições para seu fomento e equilíbrio.
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Os princípios de estímulo ao desenvolvimento econômico, traduzidos pelo fortalecimento e expansão dos fatores da produção, pelo aumento do nível de emprego, do desenvolvimento da tecnologia, e pelo aumento da quantidade e variedade de produtos no mercado - com a elevação do poder aquisitivo e do valor do investimento - , estão presentes na Constituição brasileira, refletindo as bases normativas do desenvolvimento do Estado brasileiro.
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Certo é que a concretização de uma qualidade de vida satisfatória, capaz de atingir toda sociedade, está intrinsecamente relacionada ao modo de como esta sociedade dispõe da apreensão e transformação de seus recursos, ou seja, de como desenvolve sua atividade econômica. Esta assertiva conduz necessariamente à indagação de qual o conteúdo daquilo que se resume como desenvolvimento econômico, e de que maneira seus elementos constitutivos estão presentes no texto constitucional.
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362 Constituição Econômica, segundo Vital Moreira, "é o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica, ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições jurídicas que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos, garantem e (ou) instauram, realizam uma determinada ordem econômica concreta" (V. Moreira, Economia e Constituição, cit., p. 41).
mentos sociais. Especificamente com referência à atividade econômica, o art. 174 declara o Estado seu agente normativo e regulador, exercendo funções de fiscalização, incentivo e planejamento, o que lhe confere um papel nada desprezível no processo de desenvolvimento econômico. A interpretação do art. 174 descortina um campo vasto e fértil de atividades normativas conjunturais exercidas por conselhos e demais órgãos da administração pública, cuja produção vem em muito suplantando a atividade normativa do Poder Legislativo. A ordem econômica emitida pela Constituição inviabiliza a visão de um Estado regido por princípios mínimos de intervenção, limitando-se a dispor sobre ações mínimas da administração - fundamentalmente de ajuste fiscal e regulação da emissão de moeda - , orientada por modelos simplificados de avaliação custo-benefício. Os princípios econômicos constitucionalmente positivados encontramse, muito mais, radicados no pensamento do equilíbrio da atividade econômica de Keynes visando a constituir uma conjuntura política anticíclica 363 • O movimento do Estado, na teoria keynesiana, se resumiria, em boas condições econômicas, a diminuir sua atuação como empresário - apesar da decorrente boa contribuição de impostos, primariamente através da restituição de crédito, bem como da diminuição dos gastos estatais por uma simultânea construção de reservas - ou fomentar a economia em péssimas condições econômicas, através do aumento dos gastos estatais e de empréstimos, apesar de uma péssima contribuição de impostos. Neste último contexto, trata-se também do chamado deficit spending, ou seja, exceder os gastos públicos sobre as receitas, para alcançar um efeito expansivo no estado de subocupação. De acordo com Keynes, é a expansiva política fiscal na produção da dívida pública para o movimento conjuntural - ao contrário da política de poupança - apropriada para uma imediata superação da crise. É uma política de aumento da demanda, porque o Estado como investidor, no lugar do empresário privado, surge e cobre a "lacuna de demanda". Tal posição é criticada pelos monetaristas, que, ao revés, aconselham uma influência da economia global por meio de uma apropriada política monetária (relativa à quantidade de dinheiro).
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Sobre os elementos responsáveis para o equilíbrio da atividade econômica, ver John Meynard Keynes, The general theory of employment, interest and money,
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Uma vez que o desenvolvimento econômico previsto pela norma constitucional deve incluir o uso sustentável dos recursos naturais (corolário do princípio da defesa do meio ambiente, art. 170, VI; bem como dedutível da norma expressa no art. 225, § 12 , IV), é impossível propÚgnar-se por uma política unicamente monetarista sem colidir com os princípios constitucionais, em especial os que regem a ordem econômica e os que dispõem sobre a defesa do meio ambiente. Como perfeitamente assevera o professor Grau, inexiste proteção constitucional à ordem econômica que sacrifique o meio ambiente 364 • Desenvolvimento econômico do Estado brasileiro subentende um aquecimento da atividade econômica dentro de uma política de uso sustentável dos recursos naturais, objetivando um aumento de qualidade de vida que não se reduz a um aumento do poder de consumo. Desenvolvimento econômico é garantia de um melhor nível de vida coordenada com equilíbrio na distribuição de renda e de condições de vida mais saudáveis. A medida de renda per capita não se mostra como o mais apropriado indicador do desenvolvimento econômico compreendido pela ordem econômica constitucional. O grau de desenvolvimento é aferido sobretudo pelas condições materiais de que dispõe uma população para o seu bem-estar. Assim, o acesso à alimentação sadia, oferecida no mercado ou garantida numa política de crédito agrícola compatível a quem vive da produção da terra; a qualidade da água que se consome e a sua disponibilidade para o lazer; o índice de salubridade do ambiente de trabalho, substituindo a política do pagamento por insalubridade (que engorda o referencial de renda sem contudo acrescentar melhora da qualidade de vida a quem recebe) para o investimento em efetiva qualidade de vida no ambiente de trabalho; condições dignas de trabalho; o uso sustentável de recursos naturais renováveis e tratamento adequado aos recursos naturais não renováveis voltado à efetiva melhoria de vida das pessoas pertencentes à sociedade envolvida são exemplos de indicadores que contribuem à aferição do desenvolvimento propugnado pela ordem econômica constitucionalmente assegurada. Este modo de pensar o desenvolvimento econômico decorre da interpretação dos princípios da ordem econômica constitucionalmente construídos, e que se destinam a reger a atividade econômica
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e seus fatores. Um novo ângulo de se observar o desenvolvimento econômico, inserindo outros fatores na formação de políticas públicas, é conformado pela presença do capítulo do meio ambiente na Constituição Federal. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado exposto no art. 225 se faz presente como princípio a ser respeitado pela atividade econômica no art. 170, VI. A positivação deste princípio ilumina o desenvolver da ordem econômica, impondo sua sustentabilidade. Não se trata apenas da sustentabilidade econômica no sentido de continuidade do modo de produção dominante, mas também da manutenção da sanidade física e psíquica dos indivíduos, com a introdução, no rol de benefícios a serem alcançados pela prática econômica, de outros elementos além daqueles proporcionados pelo consumo de bens no mercado. A possibilidade de se usufruir de riquezas sociais, externalidades, produzidas ou asseguradas na prática econômica, é um indicador de melhoria da qualidade de vida. Trata-se de uma satisfação advinda do exercício da liberdade de fruir de bens de uso comum, como áreas verdes, paisagens, lugares de recreação adequados, tais como praias apropriadas ao banhista etc. A necessidade de assegurar a base natural da vida (natureza) coloca novos matizes na política econômica. É, na verdade, o grande desafio das políticas econômicas. A obviedade da necessidade de uma relação sustentável entre desenvolvimento industrial e meio ambiente é exatamente a mesma da irreversibilidade da dependência da sociedade moderna dos seus avanços técnicos e industriais. Assim, qualquer política econômica deve zelar por um desenvolvimento da atividade econômica e de todo seu instrumental tecnológico ajustados com a conservação dos recursos naturais e com uma melhora efetiva da qualidade de vida da população 365 • De modo geral, a proteção do meio ambiente engloba todas as medidas destinadas à manutenção e melhoria das bases naturais da vida (die natürlichen Lebensgrundlagen), bem como aquelas para evitar ou minimizar danos e utilizar racionalmente os recursos naturais.
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E. R. Grau, Proteção do meio ambiente (Caso do Parque do Povo), Revista dos Tribunais 7021251.
Sobre isto é lapidar a conclusão de Stober: "O fundamento desta temática parte da situação de que o asseguramento das bases naturais da vida (solo, plantas, animais, água, ar, clima), a proteção do meio ambiente e das matérias-primas são pressupostos indispensáveis para a viabilização, expansão e continuidade do desenvolvimento das atividades econômicas" (R. Stober, Handbuch, cit., p. 276).
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Ora, a constatação do inter-relacionamento do art. 225 com o art. 170 da Constituição Federal aparenta uma obviedade, pois o ordenamento jurídico deve ser sempre compreendido em seu conjunto e não por suas normas jsoladamente. Certo, e disso já tratei adrede. Entretanto, a relação a que me refiro não é simplesmente intranormativa, porém é uma relação entre os elementos do "mundo da vida" que estão presentes em cada norma. Assim, afirmo que os elementos que compõem a norma expressa no art. 225 estão na realidade interagindo com os elementos tratados pela norma do art. 170. Mais ainda, os fatos a que se reportar ou a que der ensejo alguma destas normas, inclusive pelo seu caráter prospectivo, invariavelmente envolverão os elementos da realidade sobre os quais dispõe o outro artigo 366 •
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Não se pode pensar em desenvolvimento da atividade econômi. casem o uso adequado dos recursos naturais, posto que esta atividade é dependente do uso da natureza, para sintetizar de maneira mais elementar. Destarte, a elaboração de políticas visando ao desenvolvimento econômico sustentável, razoavelmente garantido das crises cíclicas, está diretamente relacionada à manutenção do fator natureza da produção (defesa do meio ambiente), na mesma razão da proteção do fator capital (ordem econômica fundada na livre iniciativa) e da
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Esta interação de fato entre economia e ecologia, que induz à interação das normas, está descrita nos capítulos anteriores sobre economia e meio ambiente, sobretudo em Capítulo III - n. 3.5. Sobre o "conflito" economia-ecologia e n. 5 Factibilidade da teoria do desenvolvimento sustentável para a proteção dos recursos naturais. Cabe aqui uma sucinta reapresentação do que tenho insistido em demonstrar, apenas para não permitir dúvidas ou imprecisão, ao afirmar que não há oposição entre economia e ecologia (ou seja, entre produção econômica e natureza). Não me refiro a um eventual relacionamento harmônico, isto é, fundado no desenvolvimento sem conflito destes dois sistemas. Não oposição não significa ausência de conflito, mas uma conclusão lógica pelo fato de que a atuação humana é uma só. As bases naturais, mesmo quando colocadas em perigo de total extinção e degradação pela atividade econômica, integram um processo da atividade humana e, portanto, não há como tratar (inclusive normatizar) economia e ecologia como dois mundos que se contrapõem, dois sistemas isolados, que se postos em contato chocam-se por apresentarem lógica de reprodução diversa, porém estão inseridos num único e indissociável contexto. Quando se diz conflito entre economia e ecologia subentendem-se dois mundos apartados que ao se aproximarem chocam-se em sua lógica distinta de reprodução. A menos que o objeto de estudo aqui fosse a biologia, a reprodução dos sistemas ecológicos só pode ser compreendida enquanto em contato com a atividade humana de apropriação ou contemplação, mas insofismavelmente inserido na ótica da sociedade humana.
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manutenção do fator trabalho (ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano). A consideração conjunta destes três fatores garante a possibilidade de atingir os fins colimados pela ordem econômica constitucional: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. É o que dispõe textualmente o caput do art. 170.
5.1.1 A realização da "economia social de mercado" ou "economia ecológica social de mercado" Para garantir a realização dos valores constantes no texto constitucional é que se faz presente o Estado Social. Considerando que o modo de produção brasileiro, definido constitucionalmente, é o modo de produção capitalista, com base em relações de mercado, âmbito garantido também pela Constituição, à medida que proclama como direito fundamental a autonomia privada para a atividade econômica: a propriedade privada e a livre iniciativa. Admitindo que o desenvolvimento do mercado depende de uma contínua reordenação de recursos e da garantia de um mínimo de serviços sociais que assegurem a continuidade das relações de mercado, tornou-se indispensável o fortalecimento de instituições estatais para otimizar as operações econômicas privadas. Trata-se de uma mixed-economy, à medida que é constituída por uma economia baseada no mercado e no planejamento estatal, resultando em uma "economia social de mercado". A realização desta "economia social de mercado" responde pela efetiva consecução dos princípios da sociedade moderna que não foram negligenciados na Constituição de 1988. Na realidade, procurase não mais privilegiar a liberdade em detrimento da igualdade e fraternidade, o que se revela na aproximação da liberdade (liberdade de iniciativa econômica privada) aos princípios de igualdade e fraternidade (diminuição das desigualdades sociais, valorização da dignidade humana, justiça social). Mais precisamente, quanto ao uso racional dos recursos naturais, trago as palavras de Stober: "Uma economia ecologicamente alinhada deixa-se subsumir na expressão economia social de mercado, à medida que os componentes dos aspectos ecológicos são implementados. Precisamente, o momento social deste sistema econômico requer que, no interesse dos agentes econômicos, sejam protegidas as importantes bases naturais da vida para o funcionamento da atividade econômica e que sejam, por um
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Vale mencionar que a expressão "economia social de mercado" ganhou um out~o qualificativo, respondendo às novas pressões final do século passado. A nova expressão "economia ecológica social de mercado" (okologisch sozial Marktwirtschaft) é aplicada por respeitáveis autores alemães (Kloepfer, Stober, Rehbinder). Naturalmente, o termo reflete mais uma preocupação do Estado na orientação de políticas públicas. Embora seja de se reconhecer o avanço teórico resumido nesta expressão, não posso deixar de ratificar a tese de que, em essência, não se há de verificar qualquer modificação no conteúdo das políticas empreendidas juridicamente conformes. Uma política macroeconômica percorre inevitavelmente a necessidade de determinação de um uso racional dos recursos naturais, à medida que deve manter esta utilização sustentável e distribuir os efeitos positivos destes recursos pela sociedade. De fato, é sintomática a preocupação desses renomados autores. Estou convencida de que, para escapar-se do ingênuo idealismo sem tombar no abismo do pessimismo, as teorias fundadas em bases concretas do mundo da vida devem procurar atingir dois dos maiores problemas da humanidade: a distribuição de riquezas e o aniquilamento da natureza. A integração dos componentes ecológicos na ordem da economia social de mercado apresenta uma maneira de afastar o tratamento de oposição que se pretende muitas vezes dar entre ecologia e economia. Os caminhos para isto são apontados por Stober com os seguintes tópicos para a orientação de uma economia de mercado condizente com a proteção dos recursos naturais 368 : - precaução contra danos ecológicos: orientar uma prática econômica que tenha como pressuposto uma atitude de precaução con-
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- reversibilidade e flexibilidade: os danos que eventualmente ocorram, ou os prejuízos advindos ao ambiente pela prática econômica, devem ser reversíveis, ou seja, passíveis de reparação; - praticabilidade: é indispensável ao início de determinadas atividades econômicas uma avaliação de custo-benefício social, onde se relaciona o grau de impacto ambiental de uma atividade com os seus benefícios sociais, trazendo à discussão a própria necessidade e utilidade social de uma determinada prática econômica 369 ; - eficiência econômica: os custos das atitudes preventivas e minimizadoras de impactos ambientais não devem retirar da atividade a sua lucratividade;
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centrada numa prática de avaliação e planejamento, de modo a garantir a integridade do ambiente onde necessariamente terá de influir; - efetividade ecológica: a avaliação e o planejamento devem ser de tal forma realizados, de modo a trazer um verdadeiro efeito positivo ao equilíbrio dos ambientes naturais e uma melhora efetiva da qualidade de vida da sociedade. Deve-se garantir que as práticas isoladas revertam num resultado único positivo. Não é a simples instalação de um filtro numa fábrica que garantirá a efetividade ecológica. Numa primeira apreciação, um dano ecológico estará sendo evitado ou minimizado pelo fato da empresa "X" não contribuir com o acréscimo de determinada substância na atmosfera. No entanto, se isto não for seguido pelas empresas vizinhas, ou se, em contrapartida, for produzida uma nova forma de poluição, não haverá efetividade ecológica na medida adotada. É por isso que estes tópicos descritos, sobretudo o da efetividade ecológica, estão voltados à produção normativa, orientando sua formação, procurando edificar uma estrutura, capaz de identificar um "direito ambiental". Uma vez que é imprescindível a uniformidade de comportamento, a efetividade ecológica tem como instrumento fundamental o asseguramento normativo da execução das atividades que buscam a otimização do uso dos recursos naturais;
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367 Eine õkologisch ausgerichtete Wirtschaft laBt sich durchaus unter das Stichwort soziale Marktwirtschaft subsumieren, in dem die Komponente um den õkologischen Aspekt erganzt wird. Gerade das soziale Moment dieses Wirtschaftssystems verlangt, daB im Interesse der Wirtschaftsteilnehmer die für das Funktionieren des Wirtschaftsablaufs notwendigen natürlichen Lebensgrundlagen geschützt werden und Gegenstand der Wirtswchaftsbeeinflussung einerseits und Einbeziehung der Betroffenen in staatlichen Entscheidungen andererseits sind" (R. Stober, Handbuch, cit., p. 86). 368 Cf. R. Stober, Handbuch, cit., p. 87.
- conformidade ao sistema: todas as medidas a serem adotadas não devem levar a uma modificação estrutural do sistema de produção capitalista; - justiça distributiva (para as presentes e futuras gerações): a proteção dos recursos naturais é indissociável e, mesmo, é parte do
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Cf., supra, Capítulo IV - n. 2.1. Avaliação de Impacto Ambiental.
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objetivo de bem-estar dos integrantes de uma sociedade. As vantagens advindas com a modificação do modo de agir das atividades econômicas devem aproveitar a todos. Os benefícios sociais devem ser justa,mente distribuídos. . A abordagem destes tópicos constitui a base necessária para o desenvolvimento de um direito ambiental e de uma política ambiental, compatíveis com os princípios constitucionais da ordem econômica e do capítulo do meio ambiente, bem como responsivo aos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 32 da CF). Para a realização deste Estado Social, comprometido com a relação mais saudável e não autodestrutiva da sociedade com seus recursos naturais, tornam-se imperativos uma produção normativa compatível com os tópicos acima elencados e um gerenciamento administrativo da atividade econômica, isto é, a implementação de políticas públicas. O Estado deve dispor de determinado instrumental e de estrutura adequada à política que se pretende desenvolver. As normas constitucionais que dispõem sobre a realização de políticas do Estado, normasobjetivo, não podem ser analisadas e implementadas dissociadas daquelas que dispõem sobre a compatibilização da administração à consecução de seus resultados. Este devido aparelhamento da burocracia para o fim de organizar a prática econômica é chamado por Stober de Administração Econômica (Wirtschaftsverwaltung) 370 • Sem a devida estrutura administrativa e um competente preenchimento de seus quadros, a dificuldade à implementação dos objetivos previstos pela norma chega às raias da impraticabilidade. O tratamento coerente desses objetivos, auxiliados pelos princípios do direito ambiental acima tratados, sintetiza a "conciliação" de fato entre economia e ecologia, que, ademais, como já foi abordado, corresponde à ideologia disposta na Constituição Federal.
5.2 Os Princípios-essência na Constituição Fe-
deral Apenas para me concentrar nas modificações estritamente econômicas que atingiram seu ápice em meados do século XVIII, especi ficamente na França e na Inglaterra, desenvolvo a seguinte linha dl'
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R. Stober, Handbuch, cit., p. 72.
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raciocínio: a produção industrial pressupõe uma divisão básica do trabalho social, onde alguns detêm a concentração de capital na forma de instalações, maquinário, tecnologia, e outros contribuem nesse processo com o seu trabalho, ou seja, com sua atividade pessoal. Estes dois grupos encontram-se na empresa, local onde se fundem as diferenças, produzindo um resultado vendável: uma mercadoria. Não importa o resultado final, se o produto é uma fina porcelana ou um tanque de guerra, a base produtiva de transformação de um material inicial pela conjugação de forças (trabalho, capital) pertencentes a pessoas distintas fazem da produção industrial um processo homogêneo "globalizante". Isto é, a relação de produção entre as pessoas essencialmente não se altera. O resultado da industrialização (a mercadoria) é também condição da permanência deste processo. Para que o produto final seja representado por uma matéria única e que seu valor seja sempre obtido por equivalência a outro - não importando a diferença de espécie por meio da representação monetária, faz-se mister não somente uma produção homogênea, mas também um tratamento homogêneo pela legislação e pela Administração Pública. Tal se deixa visualizar, de maneira mais evidente, na norma constitucional, onde se desenvolve de forma cristalina a inter-relação entre Estado, atividade social e direito, e onde reside, como pilar da organização social, o princípio de que todos são iguais perante a lei (art. 52 , caput). A Constituição Federal reflete o conjunto de normas fundamentais de organização e desenvolvimento de uma sociedade. E os valores lá proclamados são exatamente aqueles pelos quais se orientam os atos do Estado e da sociedade que organiza. No art. 12 encontram-se a descrição da formação da República Federativa do Brasil (formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal}, a definição de seu regime político (Estado Democrático de Direito), a forma do exercício do poder neste regime (poder exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente pelo povo) e os fundamentos (princípios) do Estado em questão (I - a soberania, II - a cidadania, III - a dignidade da pessoa humana, IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, V - o pluralismo político). Pode-se afirmar que o país, ou seja, o Brasil, não apenas a sua organização institucional, o Estado, tem juridicamente definidos princípios fundamentais, os quais orientam todas as interpretações das normas do corpo constitucional e das demais produções norma-
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tivas. Valendo-me da tipologia adotada por Canotilho, afirmo que esses são princípios políticos constitucionalmente conformadores, pois explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constitujnte 371 • São princípios orientadores de toda atividade de aplicação do direito, não podendo ser contestados por atos que se oponham ao seu conteúdo. Ao lado desses princípios, constituindo igualmente outro pilar do ordenamento jurídico, estão princípios mais precisamente ligados às finalidades máximas da sociedade organizada sob os preceitos constitucionais. Na verdade, carregam tais princípios a razão de existir da organização jurídica. Evidenciam o sentido final de todo ordenamento jurídico. São estes princípios aqueles presentes, contudo não exclusivamente, no art. 32 da Constituição Federal. Transcrevo o .artigo:
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Cada norma aplicada deve sua interpretação à compreensão de todo ordenamento jurídico. Esta unidade interpretativa só é possível mantendo-se uma coesão interna, fundada nos princípios-essência. Exemplificando, são encontrados desdobramentos dos princípios-essência da Constituição Federal naqueles princípios inscritos no Título VII que dispõe sobre a Ordem Econômica, especificamente descritos no caput do art. 170, e naqueles descritos pelo art. 193, que compõe o Título VIII, que dispõe sobre a Ordem Social.
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menta jurídico, posso chegar a uma coerência epistemológica interna de um sistema que não se resolve em si mesmo, mas que necessita da troca constante com os fatos dinâmicos da vida. Estes pilares lhe garantem coesão e razoabilidade na concretização das normas constitucionais. Sublinho a característica de essência inerente a tais princípios. Naufragando um destes sustentáculos, desfaz-se a prescrição jurídica de uma ética do comportamento social - obviamente, aí incluído o comportamento do Estado. Diluem-se os parâmetros de identidade necessários à aplicação e interpretação do ordenamento jurídico como um todo.
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Canotilho os denomina princípios constitucionais impositivos. A eles estão subsumidos todos os demais princípios. Os princípios constitucionais impositivos se impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, na realização e execução de tarefas, traçando diretrizes da sua atividade política e legislativa 372 • Reúno estas duas representações de valores presentes na Constituição (princípios conformadores e impositivos) e as denomino princípios-essência. Esta denominação se faz útil para, ao tratar das demais normas constitucionais (inclusive dos demais princípios), avaliar a sua aplicação em conformidade com estes preceitos. Valendo-me desta organização metodológica, aplicada à realização do ordena-
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Diz o caput do art. 170: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social[ ... ]". Prescreve o art. 193: "A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais". Da interseção destes dois artigos - pois, cabe reiterar, não se pode compreender a totalidade da ordem econômica sem a consideração da ordem social - vislumbra-se a manifestação daqueles princípios-essência anteriormente apontados, como abaixo descrevo. Compondo aqueles dois artigos, procedo à seguinte leitura: A atividade humana, perfeitamente coerente com os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, deverá observar a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, visando à consecução ou ao resguardo dos seguintes valores: I - dignidade da pessoa humana; II - justiça social; III - bem-estar social; IV - liberdade e solidariedade.
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J.]. G. Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador, cit., p. 172.
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São estes, pois, os valores essenciais aos quais a concretização do texto normativo deverá obedecer.
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6 Os PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE SENTES NO ART. 170
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A Constituição de 1988 adota dois sentidos para o que define como princípio. Um deles é o de finalidade, razão de existir de uma prática, ou do próprio Estado. Refere-se a um bem essencial à existência da sociedade (os princípios-essência) 373 • Outro sentido para os princípios que encontramos no mesmo artigo é de caráter basilar, são os princípios necessários para o desenvolvimento de determinadas atividades, que lhes emprestam uma conformação específica, capazes de, quando aplicados, caracterizar a estrutura organizacional de uma sociedade. Isto ocorre, por exemplo, com os incisos do art. 170. São os princípios-base. Conforme dispõe o caput do art. 170, a finalidade da ordem econômica estaria em assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Estes preceitos são a razão de todo texto sob o título da ordem econômica e financeira da Constituição Federal. Para que estes princípios-essência prevaleçam é que se justifica a existência de determinados preceitos jurídicos visando a dar maior corpo e materialidade a eles. Os princípios-base são prescrições destinadas a estruturar a organização da sociedade, ou de determinada atividade que a integra. São princípios que garantem à sociedade uma estrutura específica de atuação. A modificação destes princípios atinge imediatamente a forma organizacional da sociedade. Já a alteração dos princípios-essência modifica o caráter essencial de uma sociedade, posto que se referem à ética social de atuação. Não falaria de uma diferença hierárquica entre estes tipos de princípios, porém de uma diferença do âmbito de atuação. Os princípios-base garantem a continuidade do sistema produtivo, assegurando os seus pressupostos. Os princípios-essência garantem a convivência em sociedade elegendo um ethos do comportamento social. A necessária conjugação dos princípios-essência com os princípios-base perfaz a ordem constitucional.
373
Cf. supra, Capítulo V - n. 5.2. Os princípios-essência na Constituição Federal.
236
Merecem uma abordagem mais detida os seguintes princípiosbase: princípio da função social da propriedade e princípio da livre iniciativa. Estes princípios trazem uma imediata conexão com a aplicação do art. 225. É impossível abordar o art. 225, como um todo ou em suas diversas prescrições separadamente, sem ter os olhos voltados aos princípios descritos no art. 170. A realidade dos preceitos apresentados pelo capítulo do meio ambiente é indissociada destes princípios-base da ordem econômica. O porquê desta afirmação pode ter exaurido a paciência do leitor, contudo ainda cabe uma nova revalidação. O capítulo do meio ambiente da Constituição brasileira trata de um fator básico da produção econômica: o fator natureza. Ao mesmo tempo, dispõe sobre sua proteção e limites de sua apropriação. Outrossim, seu objetivo não difere, fundamentalmente, daquele previsto no art. 170. Pois, como venho pretendendo demonstrar, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, é um dos elementos que compõem a dignidade da existência, princípio-essência apresentado no art. 170. É de se remarcar que os princípios-base da propriedade, da função social da propriedade e da livre iniciativa desdobram-se também como direitos fundamentais, do mesmo modo que o princípio da defesa do meio ambiente está inserido no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Procuro nos próximos parágrafos, então, encerrar promovendo a ligação entre o exposto sobre direitos fundamentais e o conteúdo dos princípios da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre iniciativa, da defesa do meio ambiente, dentro da perspectiva de realização do princípio-essência da dignidade humana.
6.1 Princípio da Propriedade Privada e da Função Social da Propriedade O conteúdo do princípio da função social da propriedade e dos demais incisos do art. 170 e a sua verificação na realidade revelam-se basilares para a consecução do valor máximo da ordem econômica: assegurar a todos existência digna - princípio-essência do Estado brasileiro. Passemos, pois, a uma breve análise dos incisos II e III do art. 170, princípio da propriedade privada e princípio da função social da propriedade, respectivamente.
237
A propriedade privada é um valor constitutivo da sociedade brasileira, fundada no modo capitalista de produção. Sobre este preceito recai um outro que lhe confere novos contornos. Um novo atributo insere-se na propriedade, que, além de privada, ou seja, ligada, a um sujéito particular de direito, atenderá a uma destinação social, isto é, seus frutos deverão reverter de algum modo à sociedade, o que não exclui naturalmente o poder de fruição particular inerente ao domínio, sem o qual o conteúdo privado da propriedade estaria esvaziado. Assim, pode-se dizer que o princípio da propriedade privada é um pressuposto do princípio da função social da propriedade, e o exercício do domínio só será constitucional se condisser com esta dupla característica da propriedade: domínio privado, frutos privados e sociais. Por isso, afirma Guida Alpa que o conteúdo da fórmula "função social" está intimamente conectado com a expressão propriedade, a qual passa a ser definida não como a relação da pessoa com a coisa, mas a relação entre a coisa e o processo das várias utilizações que se possa tirar da coisa 374 • De modo preciso argumenta Grau que a função social da propriedade tem como pressuposto a propriedade privada: "A idéia da função social como vínculo que atribui à propriedade conteúdo específico de sorte a moldar-lhe um novo conceito, só tem sentido e razão de ser quando referida à propriedade privada" 375 • É por este sentido dado à propriedade privada que se é capaz de exigir por meio do ordenamento jurídico um uso privado compatível com o interesse público, buscando um equilíbrio entre o lucro privado e o proveito social.
374 Continua o mesmo autor: "A propriedade é um conceito relativo, variável, elástico, imperfeito. E quando falamos de relativização, entendemos aquela tentativa de construção cultural com a qual - tendo atrás a própria sensibilidade complexa e utilizando um material técnico-jurídico de numerosa e densa derivação - os paleocivilistas, todavia não desmantelando e antes confirmando o modelo, buscam elaborar um feixe de propriedade específica, que se afasta assim de alguns dos caracteres essenciais reconhecidos à propriedade genérica, mas guarda a qualificação formal e o conteúdo mínimo da propriedade" (Guido Alpa, Crisi dello Stato sociale e contenuto minimo della proprietà, VV.AA., Atti dei Convegno Camerino, 27-28 maggio 1982, p. 4).
375
E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 244.
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A propriedade é um conceito variável, circunscrito na relação entre o conteúdo do direito do proprietário e a organização da sociedade. A essência da propriedade é seu serviço à sociedade. Inclusive enquanto fruição privada, é justificada como meio de alcance da felicidade social, pois o bem-estar individual deve levar também à felicidade coletiva. Isolamento como finalidade é incompatível com a vida social, implicando um total desconhecimento do "homem-político". Não se pode ter no indivíduo o sanguessuga de uma estrutura social. É ele agente constituidor e o destinatário dos resultados da sociedade. A realização do princípio da função social da propriedade reformula uma prática distorcida de ação social traduzida na privatização dos lucros e socialização das perdas. A propriedade é motor de agregação e de mudança sociais. O relacionamento da sociedade com a propriedade é um testemunho da evolução histórico-cultural e da tradição de um povo. Este caráter essencial da propriedade, capaz de espelhar, pelas suas formas de manifestação, características tão profundas de um povo, deve-se sobretudo à ligação vital e inalienável que o homem tem com a terra, "a extensão de seu ser, sua natureza inorgânica " 376 • Neste quadro, a propriedade mostra um conteúdo mínimo instrumental377 para a realização dos sujeitos concretos, através da função de assegurar a realização dos interesses individuais e agora também sociais. O que legitima a propriedade é o exercício de sua função social. Aqui, faz-se pertinente a citação do comentário de Eckard Rehbinder ao preceito inscrito no art. 14, 2 da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha: "A propriedade obriga. Seu uso deve, ao mesmo tempo, servir o interesse da coletividade", que opera de modo que algumas intervenções estatais não são indenizáveis, atuando como vinculação social (Sozialbindung); manifestam-se, então, desapropriações sem indenização. Exemplifica com o caso da proteção do meio ambiente 378 •
376 Cf. Karl Marx, Formações econômicas pré-capitalistas, p. 67: "A propriedade - ou seja, a relação do indivíduo com as condições naturais do trabalho e reprodução, a natureza inorgânica que ele descobre e faz sua, o corpo objetivo de sua subjetividade". m Francesco Galgano, Crisi dello Stato sociale, cit., p. 61.
178
Apud E. R. Grau, Proteção do meio ambiente, cit., p. 257.
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6.2 Princípio da Livre Iniciativa e da Livre Concorrência - Liberdade e Igualdade para Empreender A discussão sobre os "limites" - na verdade sobre o conteúdo - da liberdade não é nova. Dentro da própria ordem econômica, sua extensão já foi discutida por ocasião da questão sobre como assegurar a liberdade de concorrência, compatibilizando-a com a livre iniciativa. Parte-se da afirmação de que uma condição preliminar de exercício da liberdade, inclusive da liberdade de ação econômica, é um mínimo de igualdade. A eqüidade é a base para relacionamentos mais justos numa sociedade. Assim, como anteparo ao aumento de desigualdade, visando assegurar efetiva liberdade, surge a normatização impedindo a formação de monopólios e oligopólios. Ela procura enfraquecer as posições dominantes e velar por uma igualdade de fato, de maneira a facilitar e manter o jogo, não somente da concorrência, mas também do exercício das liberdades. Isto significa que, para uma democratização da liberdade, fizeram-se necessárias ações coordenadoras e limitadoras da liberdade individual. Ninguém contestaria atualmente que a liberdade de empreender estaria estagnada, se não estivessem disponíveis meios para garantir uma concorrência efetiva no mercado, impedindo que fosse suprimida, restringida ou debilitada pela ação, não somente dos poderes públicos, mas também das empresas ou grupos de empresas, constituindo os denominados "poderes privados"379. A regulamentação da concorrência, portanto, não destrói a liberdade do comércio e da indústria. Ela proíbe ou regulamenta os usos e abusos que a deturpam ou destroem 380 . Não se realiza o princípio da liberdade de empreender sem a garantia real dos meios para a prática da atividade econômica. Por isso, nunca é demasiado afirmar que os princípios da liberdade e da
igualdade caminham juntos, e são indissociáveis na persecução dos fins últimos do Estado Democrático de Direito brasileiro, que se deixam reduzir àquele objetivo que engloba todos os demais previsto no art. 32 , inciso I, da Constituição Federal: "Construir uma sociedade livre, justa e solidária". A comunhão da finalidade da atividade econômica, precipuamente privada, com a finalidade perseguida pelo Estado poderia ser sucintamente desdobrada no ideal de melhoria do ser humano como indivíduo e como integrante de uma sociedade, garantindo-lhe meios para o desenvolvimento de suas capacidades. Isto levaria à conclusão de que a produção privada de riqueza não pode estar no Estado brasileiro dissociada do proveito coletivo. Neste relacionamento entre atividade coletiva e vantagens individuais, está subentendido o seguinte pressuposto: o homem só pode se realizar plenamente como indivíduo à medida que age coletivamente, construindo para si e para o outro. Precisamente, tratar o ser humano como integrante de uma sociedade não é retirar-lhe a individualidade, porém é como ser político, no sentido empregado por Aristóteles 381 , que o indivíduo descobre e desenvolve sua própria identidade. O homem situa-se no início e fim de toda atividade econômica. É sua razão de ser, seja pelas vantagens que adquire diretamente do empreendimento na forma de lucro ou salário, seja pelos benefícios trazidos por uma estrutura social, forjada a partir de uma acumulação social de riqueza 382 , que reverte ao seu aprimoramento. Sobre o bem-estar do homem como indivíduo e membro participante de uma sociedade, funda-se uma ética da atividade econômica. Expresso de outro modo, é pelo respeito à dignidade humana que deve mover-se toda ordem econômica. Esta afirmação traz reflexos diretos na relação trabalhista, no relacionamento com o consumidor, no tratamento com o meio ambiente.
381
Cf. Gérard Farjat, Droit économique, cit., p. 16. Berthold Goldman, La liberté du commerce dans les pays développés, in G. Farjat e B. Remiche, Liberté et droit économique, p. 98.
O homem como integrante de uma comunidade participa da obtenção de um "bem comum". Cf. Aristóteles, La politique, cit., livre 1, 1, p. 21-22 (1252a). Especificamente "homem animal político", ver La politique, cit., livro 1, 2, p. 2831. Ver também ensaio sobre o conceito em Aristóteles de homem como animal político por Wolfgang Kullmann, Manas a political Animal in Aristotle, in David Keyth e Fred D. Miller Jr. (orgs.), A companion to Aristotle's Politics, p. 94-117. 382 Ver supra, Capítulo V - n. 1.1. Estado social e riqueza social.
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379
380
6.3 A Dignidade Humana 383 Pelo exposto sobre os princípios presentes no art. 170 da Constituição Federal, deve-se depreender que o princípio da dignidade humana é a essência, a razão das normas da ordem econômica, entendendo-se este princípio como aquilo que a inspira e a conduz. Deve-se diferenciá-lo do que textualmente é chamado pelo mesmo art. 170 de princípios. Estes, elencados nos incisos, não têm o poder norteador, constituidor, de uma base ética da ordem econômica. Eles desempenham um papel de suporte para organização da atividade econômica, esboçam um determinado perfil da ordem econômica, moldando sua estrutura (princípios-base 384 ). Aqui, o sentido de princípio coincide com o de preceito, uma regra de proceder. Do contrário, quando se trata do princípio da dignidade humana, está se referindo a valores essenciais que orientam toda prática social (princípio-essência). Traduzindo, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, deve desenvolver-se tendo como fundamento último (Letztbegründung, no dizer de Apel 385 ) a dignidade humana. O valor em questão coloca-se como indiscutível, é um valor que inspira o sistema jurídico como um todo, é a essência axiológica da norma. De forma mais poética, Domenico Farias transmite este pensamento caracterizando o princípio da dignidade humana como a alma da norma constitucional3 86 • Neste sentido, Bonavides expressa a importância da presença do princípio da dignidade humana. Diz ele: "A dignidade humana é a 'raiz da árvore' desta ordem jurídica" 387 • Ignorando-a durante a prática econômica, retira-se a essência das normas constitucionais formadoras da ordem econômica, que se mantêm apenas como um símbolo, um fetiche, esvaziado de seu sentido material.
383
Conforme define a doutrina alemã, a dignidade humana consiste em se conceber o homem como um ser espiritual e moral por natureza, capaz de determinar-se a si próprio pela liberdade e consciência, de criar e de influir sobre seu ambiente (R. Stober, Handbuch, cit., p. 425). 384 Cf., supra, Capítulo V - n. 6. Os princípios da atividade econômica presentes no art. 170. 385 K.-0. Apel, Diskurs, cit., p. 7. 386 Apud P. Bonavides, Curso, cit., p. 245. 387 P. Bonavides, Curso, cit., p. 259.
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Diversamente, os chamados princípios elencados nos incisos de 1 a IX não guardam este caráter absoluto. São princípios que comportam uma eventual contraposição prática com outros princípios, em possível concorrência de princípios perante situações de fato. São imposições normativas, que, no entanto, são regidas, em última análise, pelo valor absoluto da dignidade humana. O princípio da dignidade humana, como princípio-essência que é, não admite concorrência. É lapidar a colocação de Grau, inspirado por Fábio Comparato e José Afonso da Silva. Afirma ele que, embora a dignidade humana assuma concreção como direito individual, enquanto princípio constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos. Lembra ainda Canotilho e Moreira, os quais remarcam que este princípio não apenas fundamenta e confere unidade aos direitos fundamentais - direitos individuais, direitos sociais e econômicos - , mas também à organização econômica. Tal assertiva é particularmente evidente na Constituição de 1988, que apresenta a dignidade humana não apenas como fundamento da República (art. l2, III), mas também como a finalidade para a qual se deve voltar a ordem econômica (art. 170) 388 • Exemplos de atentado à dignidade humana são infelizmente abundantes, variando da própria impossibilidade de um trabalhador poder sustentar-se e morar condignamente à custa de seu salário, até a crescente imposição da tecnologia sobre o ritmo e o modo de vida das pessoas junto com a - sempre mais aviltante - deterioração da qualidade do meio ambiente; obrigatório também mencionar os planos e políticas econômicas que desprezam a queda constante do nível de emprego e salário e da qualidade e quantidade dos recursos naturais. Tais fatos não negam a validade da norma que, entendo, tem apenas a sua efetividade postergada para um momento onde a sociedade se conscientizará de sua potencialidade. A tensão existente - e muito própria de todo Estado Democrático de Direito - entre a norma e a realidade tende a solucionar-se, à medida que se desenvolve uma coordenação dos mecanismos de integração da sociedade, dos quais participa o ordenamento jurídico. Neste processo integrativo, a norma válida adquire também legitimidade, podendo assim o direito desempenhar seu duplo papel: o da resposta funcional ao movimento de reprodução social e o da legitimação desta reprodução 389 • Portanto, os exemplos
388 389
Cf. E. R. Grau, A ordem econômica, cit., p. 216- 217. Cf. J. Habermas, Faktizitat und Geltung, cit., p. 60.
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que demonstram a não-aplicação de um determinado princípio não o desqualificam perante o direito, porém evidenciam a necessidade de fazê-lo consciente na sociedade para reivindicar sua efetivação. ,Não é possível, somente pela leitura do art. 170, dissecar-se todos os princípios envolvidos na atividade econômica, posto que, para alcançar o seu objetivo maior, o da "existência digna", é necessária a composição das demais normas do ordenamento jurídico perante a situação de fato que se vivencia. Detive-me especificamente no princípio da dignidade humana, porque entendo ser este o vínculo axiológico da realização da ordem econômica com a prática de proteção ao meio ambiente. Não é sem mais que a defesa do meio ambiente encontra-se no inciso VI do art. 170. É uma chamada para a própria interpretação do art. 225, que constitui o capítulo do meio ambiente. Quando o art. 225 da Constituição Federal afirma que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem essencial à sadia qualidade de vida, descreve uma faceta importante para a formação e garantia da dignidade humana. O princípio da defesa do meio ambiente aparece no art. 225 como direito fundamental. De princípio-base da ordem econômica - necessário ao desenvolvimento da atividade econômica - tem seu conteúdo ampliado, quando é reconhecido que, além de um fator da produção, é a conservação do meio ambiente uma condição essencial para o livre desenvolvimento das potencialidades do indivíduo e para a melhoria da convivência social.
mente equilibrado para as gerações futuras. Abriga este mesmo princípio da dignidade da pessoa humana a efetivação de práticas consistentes na manutenção da base de reprodução de recursos para a satisfatória qualidade de vida das gerações futuras. É com esta orientação que se encontram garantidas na Constituição normas de conservação da diversidade biológica e do seu meio de reprodução (art. 225, § !f!, 1, II, III, V, VII e § 4 2 ).
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ART.
22 5
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O texto do art. 225 pode ser visualizado em três partes: 1) apresentação de um direito fundamental - direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; 2) descrição de um dever do Estado e da coletividade - defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações; 3) prescrição de normas impositivas de conduta, inclusive normas-objetivo - visando assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
7 .1 O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, Bem de Uso Comum do Povo A primeira parte do art. 225, mais genérica, descreve um direito constitucional de todos, o que, apesar de não estar ele localizado no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, não afasta o seu conteúdo de direito fundamental3 90 • Este direito é explicitado como sendo simultaneamente um direito social e individual, pois deste direito de fruição ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não advém nenhuma prerrogativa privada. Não é possível, em nome deste direito, apropriar-se individualmente de parcelas do meio ambiente para consumo privado. O caráter jurídico do "meio ambiente ecologicamente equilibrado" é de um bem de uso comum do povo. Assim, a realização individual deste direito fundamental está intrinsecamente ligada à sua realização social.
Não há atividade econômica sem influência no meio ambiente. E a manutenção das bases naturais da vida é essencial à continuidade da atividade econômica. Este relacionamento da atividade humana com o seu meio deve ser efetuado de modo tal que assegure existência digna a todos. Existência digna, em termos de meio ambiente, é aquela obtida quando os fatores ambientais contribuem para o bem-estar físico e psíquico do ser humano. A aplicação do art. 225 também é capaz de garantir a dignidade da existência àquelas comunidades cujo modo de vida - seja pela atividade de subsistência, seja pela cultura como um todo - está essencialmente ligado à atividade com a natureza, por exemplo, a prática agrícola não vinculada à indústria agropecuária, a prática da pesca e a extrativista, a atividade das comunidades indígenas. E, de uma forma mais complexa, sob a garantia deste princípio procura-se assegurar um meio ambiente ecologica-
°Cf., supra, Capítulo V - n. 4.1. O conteúdo dos direitos fundamentais; 4.1.1 Direitos fundamentais constitutivos: a atuação conjunta do Poder Público e dos cidadãos.
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O meio ambiente ecologicamente equilibrado revela-se como um patrimônio coletivo, ou seja, um bem de uso comum do povo. Tal assertiva traz a necessidade de reflexão sobre o conteúdo da expressão pçitrimônio ou bem de uso comum do povo. A sociedade, voltada intensamente às relações de troca de mercadoria, induz à redução irrefletida do conteúdo do vocábulo "patrimônio" ao conjunto de coisas que apresentam determinado valor pecuniário. Na sua origem, entretanto, o patrimônio se revela como objeto ligado à essência do sujeito. O patrimônio de um indivíduo - afirma François Ost - é o conjunto de objetos necessários à sua realização, ao seu desenvolvimento, aí compreendidos naturalmente os bens econômicos, porém não a eles restrito 391 • Acompanhando a precisa afirmação deste jurista, insisto em que o conteúdo de um patrimônio ultrapassa a realidade econômica que o visualiza como um conjunto de bens comerciáveis. O patrimônio é uma "potência jurídica'', um atributo da personalidade do sujeito de direito 392 •
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O fato de se revelar o meio ambiente ecologicamente equilibrado um patrimônio coletivo conduz à conclusão de que sua manutenção não só é imprescindível ao desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, mas também à realização da sociedade como comunidade, isto é, como âmbito onde se travam relações entre sujeitos, voltadas, em última análise, à consecução de um objetivo de bem-estar comum.
O patrimônio, enfim, é um conceito transtemporal, que se revela, tomando-se o hoje, o ontem e o amanhã, como uma herança do passado, que, transitando pelo presente, é destinada a dotar os hóspedes futuros do planeta 393 • Isto é particularmente evidente com o meio ambiente ecologicamente equilibrado, cuja destinação às gerações futuras está asseverada pelo texto constitucional.
A relação da sociedade com a natureza é uma manifestação cultural. A natureza forma e é conformada pela cultura. Portanto, a cultura naturalizada determina, ao mesmo tempo que é determinada pelo indivíduo. Esta relação complexa e extremamente rica, onde não há uma linha única de causa e efeito, mas revelações em cada parte do todo, e visualização no todo das partes que o integram, permite afirmar que o meio ambiente como bem de uso comum do povo assim o é por ser imprescindível à realização do indivíduo como tal e como participante de uma sociedade.
Neste sentido, os parágrafos que se seguem ao caput do art. 225 procuram definir instrumentos jurídicos voltados a uma gestão prudente deste patrimônio, garantindo a sua capacidade de reprodução. "Se é verdade que etimologicamente a natureza está em perpétuo estado de transformação (in statu nascendi), então o patrimônio natural
Desse modo, a defesa do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado não pode ser o resultado da volatilização do espaço público sob o manto protetor da intimidade. Este direito essencial à sadia qualidade de vida, ao mesmo tempo em que gera uma valorização da vida individual, não desfaz a sua perspectiva social.
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é, por excelência, aquele tesouro imenso de inventividade que garante uma existência sensata a cada geração" 394 • A mais evidente resposta à preocupação de garantir a capacidade regenerativa da natureza está no que dispõe especificamente o inciso II do § 12 do referido artigo, ao definir que incumbe ao Poder Público "preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético".
François Ost esclarece a noção de patrimônio afirmando:" ... ele [o patrimônio] aparece alienável e inalienável, dentro e fora do comércio, dependendo se o observamos pelo ângulo do conteúdo ou do continente, da parte ou do todo. Ele se produz como um conjunto de interesses, mas também como um conjunto de encargos, um se remetendo ao outro; ele demanda proteção e gestão, conservação e administração; ele se acomoda à superposição, num mesmo espaço, de diversas prerrogativas distintas, remetendo a diferentes usos e titulares; é como uma aura disposta, em nome do interesse geral, sobre os bens e as coisas, destacando uma vez a propriedade privada, outra vez o domínio público, ou ainda a soberania nacional" (F. Ost, La nature hors-la-loi?: l'écologie à l'épreuve du droit, p. 308). 392 La nature, cit., p. 313. 393
La nature, cit., p. 308.
A proteção do meio ambiente tem seu movimento fundado no interesse coletivo ou social. Aqui a sociedade é representada unida em torno de um interesse comum, não se procurando esquivar das evidentes diferenças existentes na sociedade, nem unir idealisticamente todos, independentemente de suas diferenças sociais, num messiânico interesse comum. Este direito a uma vida melhor é uma conquista a ser obtida na prática social. O indivíduo sem a vida social não existe ou sobrexiste. É muito importante fixar neste ponto, mais uma vez, o constante es-
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F. Ost, La nature, cit., p. 327.
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forço deste escrito. É vital a este trabalho evitar que a matéria relativa à proteção do meio ambiente caia no discurso de uma "ecologia mística" dissociada de valores sociais, políticos, econômicos, aparecendo apenas c9mo floreados egoístas e descontextualizados pelo belo e sadio. Não se podem jamais conceber as relações com a natureza dissociadas das relações sociais que as fundamentam. O que leva à afirmação, cuja fundamentação procurou-se demonstrar em capítulos anteriores, de que os valores prevalecentes nas relações sociais impregnam-se necessariamente no comportamento em relação à natureza. A afinidade de valores na relação entre os homens e destes com a natureza permite afirmar a subsunção tanto do art. 170 como do art. 225 aos princípios-essência da Constituição Federal prescritos nos arts. 12 e 32 • Estes princípios são o esteio necessário, capaz de manter o encadeamento e os vínculos dos atos privados e públicos, sem os quais se desintegraria uma sociedade. Essa confluência de interesse público e privado estabelece-se muito mais numa necessária solidariedade em torno de objetivos forçosamente comuns. Comuns porque atingem a todos, embora naturalmente com reflexos diferenciados dependendo da posição de cada indivíduo na sociedade. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem jurídico, constitucionalmente protegido. Este bem não pode ser desmembrado em parcelas individuais. Seu desfrute é necessariamente comunitário e reverte ao bem-estar individual. Já se disse que o meio ambiente, enquanto bem jurídico, apresenta-se como garantia das condições básicas necessárias para a manutenção e desenvolvimento da vida em geral e da humana em particular; tratar-se-ia, no dizer de Rodrigues Ramos, de um interesse de nível superior, síntese ou síncrese de outros bens 395 • A homogeneidade de interesses aqui tratados não prescinde do reconhecimento das reais diferenças e contradições existentes, mas é ela necessária para o desenvolvimento de políticas que objetivem um novo tratamento dos recursos naturais. Como Hermann Heller afirmava, homogeneidade social não significa jamais a eliminação das antagônicas estruturas sociais, seria muito mais a prevalência de um sentimento de cooperação para atingir um objetivo favorável a todos.
395
Apud R. M. Mateo, Tratado, cit., v. 1, p. 109.
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"Homogeneidade social revela sempre um estado social psicológico, no qual as oposições e luta de interesses ainda existentes aparecem ligadas através de uma consciência e sentimento do nós (Wirbewuj3tsein und -gefühl), tendo em vista uma vontade comunitária sempre renovada. Este relativo nivelamento da consciência social pode assimilar em si imensas tensões de antagonismos e digerir antagonismos religiosos, políticos, econômicos, dentre outros" 396 •
Uma vez compreendido que recurso natural é base da produção social, independentemente do lugar que ocupa no processo produtivo, a modificação do conjunto destes recursos, bem como de sua forma de apreensão e trabalho na sociedade, atinge toda esfera da sociedade. Isto posto, a proteção dos recursos naturais e do meio ambiente passa a ser empreendida dentro de um sentimento de solidariedade insofismável. De todo modo, jamais é demasiado afirmar a inseparabilidade das diversas manifestações sociais e a interdependência que os aspectos da produção mantêm entre si. Ao se tratar da manutenção e conservação dos recursos naturais, que correspondem a um dos fatores da produção, toca-se necessariamente nas relações produtivas entre os homens - capital, trabalho - , bem como nas condições sociais de existência a que estes homens estão submetidos. Discorrer sobre a solidariedade social necessária para empreenderse uma efetiva política de meio ambiente permanece no reino do desejo (Wunsch), quando as condições materiais existentes afastam sempre mais as relações humanas das bases mais justas e igualitárias. Não se podem fechar os olhos à disparidade da distribuição de renda no país e nem à população marginalizada pela sociedade que não dispõe do mínimo para que seus integrantes se possam considerar membros de uma sociedade. Trabalho que garanta a subsistência e instrução é condição necessária para o tratamento homogêneo de qualquer assunto atinente ao modo de ser da sociedade, inclusive da questão ambiental.
396 "Soziale Homogenitiit ist immer ein sozialpsychologischer Zustand, in welchem die stets vorhandenen Gegensiitzlichkeiten und Interessenkampfe gebunden erscheinen durch ein WirbewuBtsein und -gefühl, durch einen sich aktualisierenden Gemeinschaftswillen. Solche rela tive Angeglichenheit des gesellschaftlichen BewuBtseins kann ungeheure Spannungsgegensiitze in sich verarbeiten, ungeheure religiose, politische, okonomische und sonstige Antagonismen verdauen. Wodurch dieses WirbewuBtsein erzeugt und zerstort wird, laBt sich nicht allgemeingültig sagen ... " (H. Heller, Politische Demokratie und soziale Homogenitat (1928), in M. Drath et ai., Gesammelte Scriften, v. 2, p. 428).
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Como é possível tratar-se de medidas genéricas de proteção ao meio ambiente, como aquelas que vêm sendo aplicadas na Europa - em especial na Alemanha - do poluidor-pagador, da taxa sobre a utilização de recursos naturais, etc., se não se garante um mínimo de igualdáde participativa? 397 • Sem estas condições de fato, a democracia restringe-se a um "vazio conceituai", para colocar-me ao lado do jurista que soube retratar com tanta perspicácia a angústia vivida na república de Weimar 398 •
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7 .2 A Defesa e Preservação do Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado como Imperativo ao Poder Público e à Coletividade
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O Estado Social não traça uma via de mão única na relação entre Estado e indivíduo. Ele se assenta na cooperação entre Estado e economia, ao mesmo tempo que reclama um comportamento social do indivíduo frente à comunidade. Portanto, integra também o seu conteúdo o aspecto de obrigação do sujeito, traduzida na expressão responsabilidade socia/3 99 e devidamente relatada no art. 225 da Constituição (impõe-se à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado). Isto implica a necessi-
397
Quando aqui se menciona participação, elenca-se o voto no fim da lista, porque para esta participação democrática é necessário democratizar-se ensino, renda, saúde. Devem estar asseguradas necessidades individuais básicas para uma participação consciente nas atividades sociais, caso contrário teremos, como de hábito, a massa do povo indiferente a alterações políticas, facilmente manipulada, emborcada na faina diária, parecendo perguntar como o burro da fábula: Não terei a vida toda de carregar a albarda? (cf. Saint-Hilaire, in S. B. de Holanda, Raízes do Brasil, cit., p. 161 ).
dade da produção de normas que viabilizem a colaboração e a participação da sociedade nas decisões. É neste espírito que prospera a discussão, entre os sujeitos envolvidos e a própria administração, sobre possibilidades de execução de ações mitigadoras visando à diminuição de efeitos danosos ou de atividades de grande risco, levando a êxito o que se tem chamado de ação concertada, buscando a melhor harmonização das práticas e valores de uma sociedade. Como toda norma, a plena compreensão e extensão do significado do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado só é possível durante seu movimento de efetivação. Ou seja, à medida que o cidadão, jurista ou não, trabalhe pela sua efetividade material e o Estado atue administrando, usando de seu poder de polícia, planejando e incentivando condutas a fim de dar plena concretização a esse direito. Este "dever-poder" ambiental manifesta-se no comportamento não apenas do Estado, mas também do cidadão. Neste sentido ajunta Eros Grau: "Os administradores, de meros beneficiários do exercício da função ambiental pelo Estado que eram, passam a ocupar a posição de destinatários do dever-poder de desenvolver comportamentos positivos, visando àqueles fins. Assim o traço que distingue a função ambiental pública das demais funções estatais é a não-exclusividade do seu exercício pelo Estado" 400 •
É patente a manifestação no texto constitucional do princípio da cooperação 401 , um valor marcante do direito ambiental. Vale trazer aqui preceito semelhante presente na Constituição espanhola, sobretudo porque ele é mais detalhado, esmiuçando o que sinteticamente é apresentado no texto da Constituição brasileira: "Art. 45. (... ) § 2Q Os poderes públicos velarão pela utilização racional de todos os recursos naturais, com o fim de proteger e melhorar a qualidade de vida e defender e restaurar o meio ambiente, 'apoiando-se na indispensável solidariedade coletiva'" 4º2 •
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Hermann Heller, ao retratar a democracia de Weimar, afirma ser certo que "a democracia visa garantir a cada cidadão a igual possibilidade de influir na produção da unidade política. Porém, a disparidade social pode transformar o summum jus em summa injuria. A mais radical igualdade formal torna-se, sem uma correspondência material, a mais radical democracia formal acompanhada da mais radical desigualdade material, tornando-se a ditadura da classe dominante" (H. Heller, Politische Demokratie, cit., p. 430).
A despeito do sucesso surpreendente que a idéia de proteção ao meio ambiente vem ganhando atualmente de maneira global - o que é
399
Ver Rolf Stober, Handbuch, cit., p. 170. Também sobre uma nova ética do comportamento social verificar Karl-Otto Apel, Diskurs, cit., onde expõe o problema de uma ética de responsabilidade social difundida por uma prática comunicativa de intermediação de interesses e orientação de situações.
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E. R. Grau, Proteção do meio ambiente, cit., p. 255. Ver, supra, Capítulo IV - n. 1.1. Princípio da cooperação. 402 R. M. Mateo, Tratado, cit., p. 109. 401
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comprovado à medida que hoje todo Estado se preocupa em inserir a proteção do meio ambiente no seu ordenamento jurídico -, não se pode tomar a realização da defesa do meio ambiente isoladamente. O art. 225 da Constituição declara um fim a ser perseguido e indica algumas medidas fundamentais que devem ser observadas durante este percurso, porém o caminho propriamente dito está aberto. Este caminho é definido pela instituição de políticas e normas ordinárias visando especificar como e em que medida este fim pode e deve ser alcançado. Ora, políticas públicas são requeridas não só para o cumprimento do que prescreve o art. 225, mas também para inúmeros outros preceitos constitucionais. Isto significa que nenhuma política, por mais que aparentemente intencione, pode restringir-se ao cumprimento de um ponto específico da Constituição. Por ser uma política, seus efeitos concretos atingem as mais diversas esferas da sociedade, não sendo possível dizer apenas que se trata de uma política de meio ambiente ou de uma política econômica simplesmente - o que também se dá em outras áreas, como se vê pela indissociabilidade da política de saúde com a de educação, habitação etc. Assim, especificamente com relação ao objetivo da proteção do meio ambiente, os caminhos a serem adotados são decisões políticas, amparadas pelo conjunto normativo existente, as quais, no entanto, não podem desprezar a aplicação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Os limites e a magnitude dessas decisões são dados pela Constituição em seu conjunto de normas, bem como pela análise dos seus efeitos relacionados com os valores sociais descritos constitucionalmente, a serem respeitados. Por isso, duas ordens de perspectiva devem orientar a aplicação singular do art. 225: uma compreensão global dos valores e imposições constitucionais, bem como uma visão objetiva do movimento macroeconômico da sociedade, a fim de que se possam adotar políticas ambientais afinadas com a finalidade geral de toda política, que é a de melhoria das condições sociais e individuais de vida na sociedade. A concretização do direito previsto no capítulo do meio ambiente e sua devida composição com as demais normas constitucionais, sobretudo com aquelas relativas à ordem econômica, correspondem a um processo amplo de criação de garantias para sua fixação na realidade. Aqui reside o fundamento do conceito de "modernização" do país. Esse projeto se realiza com a atuação do Estado desenvolvendo políticas. Encontro-me na segunda parte da norma do art. 225, aquela responsável pelo tom que lhe caracteriza propriamente como nor-
ma-objetivo. Prevê o art. 225 que a realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser empreendida pelo Poder Público e pela coletividade. Esta segunda parte do art. 225 expressa o ônus da coletividade e do Poder Público decorrente do direito descrito, impondo-se-lhes a sua defesa perante as presentes e futuras gerações. É uma norma extremamente genérica que descreve um objetivo, uma norma-objetivo. A partir desta norma, obriga-se o Poder Público a incluir nas suas atividades a defesa e preservação do meio ambiente, não apenas para resultados imediatos, mas também para vincular-se este dever do Estado às gerações futuras, impondo-se a ele um exercício de planejamento de suas atividades, a fim de garantir um ambiente equilibrado também para as futuras gerações.
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7.2.1 Poder Público Antes de passar à análise da terceira parte do art. 225, convém esclarecer seu destinatário. O § 12 assevera que "incumbe ao Poder Público" as tarefas que passa a enumerar, mas é necessário, primeiramente, compreender o que seria este Poder Público. Poder Público é fruto do Estado de Direito, aquele Estado constitucionalmente organizado, respeitador de uma determinada ordem jurídica, que garante um mínimo de previsibilidade aos seus atos e generaliza o campo de ação de todos os cidadãos. É o modus agendi deste Estado, uma vez que não há nem pode haver Estado sem poder. Este é o princípio unificador da ordem jurídica e, como tal, evidentemente é uno, conforme sintetiza o jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho 4 º3 • Embora o poder do Estado seja único, seu exercício se dilui na atividade administrativa, de acordo com competências constitucionalmente estabelecidas visando a impedir abuso próprio da concentração do poder. Assim, as atividades legislativa, judiciária e executiva são manifestações de um único poder, o Poder Público. Em suma, quando o art. 225 da Constituição se refere ao dever do Poder Público, está determinando o dever do Estado para a efetivação dos preceitos enunciados nos incisos deste artigo, a qual terá lugar no âmbito de
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, p. 75.
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cada poder estatal, segundo competência previamente definida no ordenamento jurídico.
7.3 Normas Impositivas de Conduta
O exercício do Poder Público manifesta-se sobretudo na participação l}as atividades sociais, resguardando-as da ambição individual. Como Poder Público, a finalidade do Estado não é apenas a de assegurar a liberdade individual e a proteção da propriedade privada, porém, através desta unificação, permitir que o indivíduo consiga obter um tipo de existência que ele isoladamente jamais alcançaria. A prática deste poder impõe-se como um dever do Estado, por isso sua característica de um dever que se reveste em poder.
Num terceiro momento, prescreve o capítulo do meio ambiente regras (normas de conduta) plasmadas para garantir a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Apresenta os pontos fundamentais, destinados a assegurar a efetividade deste direito, otimizando o dever do Poder Público em desenvolver políticas públicas voltadas ao equilíbrio ambiental dentro de uma perspectiva de sustentabilidade do desenvolvimento. Aqui, são prescritas ações específicas para a concretização do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. São normas que impõem condutas, fixando tarefas diretivas e materiais ao Estado, declarando atividades que estão especialmente sob sua tutela e descrevendo deveres especiais do Poder Público. Em suma, orientam o exercício pelo Estado da função ambiental. Estas normas poderiam estar igualmente em legislação ordinária, pois o seu teor não é essencialmente uma prerrogativa constitucional. Sua presença na Constituição confere ao bem ambiental um caráter de especial relevância dentro do conjunto de bens tutelados.
Este Estado, criação burguesa, caminha com o desenvolvimento das atividades desta burguesia, e tem função fundamental na solidificação e garantia de estabilidade de suas atividades. Desde seu nascedouro, é um instrumento de seu desenvolvimento e não, como se tem . ultimamente vulgarizado, um empecilho à sua expansão. Conforme precisamente esclarece Hermann Heller, o moderno Estado de Direito caracteriza-se pela certeza do direito e das relações e contribui ao bom entendimento dos cidadãos (Bürgertum), até o ponto em que seus destinatários não se degenerem em burguesia (Bourgeoisie) 4º4 • Com esta distinção, revela a importância da atuação homogeneizada do Estado de Direito, em todos os segmentos sociais, pois, embora sendo uma construção burguesa, seu modo de operar não se amesquinha como um baluarte de defesa de classe. A preservação do todo social está no âmago de suas atividades. Uma vez instituído este Estado de Direito, pela própria característica que o edifica, não é possível tê-lo apenas como um avatar de direitos individuais. Se, por um lado, sua estrutura foi desenvolvida para garantir o poder de uma classe num determinado momento histórico, por outro lado seu movimento adquire hoje uma dinâmica própria de comunicação com todos os interesses que permeiam a sociedade, e somente no cumprimento deste papel garante-se como instituição, mantendo-se válido e legítimo. Neste sentido, deve-se compreender o imposto ao Poder Público no § 1Q do art. 225 como um dever para com a coletividade, cabendo, pois, a esta a atuação necessária para reivindicar a completa realização das normas ali impostas.
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H. Heller, Bürger und Bourgeois, in Gesammelte Schriften, v. 2, p. 625.
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Conforme esclarece Canotilho, as normas constitucionais impositivas apresentam-se em estreita conexão com as normas determinadoras de fins e tarefas e com os princípios constitucionalmente impositivos405. Especificamente no caso do capítulo do meio ambiente, este inter-relacionamento é bastante evidente, por estarem agrupadas estas três espécies de norma num único artigo. A Constituição enfrenta, pois, de imediato, a realização do direito previsto no caput do art. 225 (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), prescrevendo em seus parágrafos e incisos, basicamente, as seguintes obrigações do Poder Público: I - proteção e manutenção dos ecossistemas visando à garantia da sua integridade (incisos I, II e III), inclusive declarando áreas a serem especialmente protegidas(§§ 4Q e 5Q); II - uso sustentável dos recursos naturais a ser alcançado pelo ajuste de medidas que compatibilizem a necessária exploração destes recursos, adotando-se formas de atuação que se mostrem mais racionais, no sentido de eficiência produtiva, com um retorno em dupla
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J. J. G. Canotilho,
Constituição divergente, cit., p. 179.
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perspectiva: aumento da produção econômica e aumento das externalidades positivas, ou aumento da riqueza social. O efeito social da produção não pode ser negativo. Constrói-se uma razão, onde se relacionam o ganho privado e o efeito social da produção, procurandose um ponto ótimo de eficiência sem o que a produção não seria racional406. Normas que estão envolvidas com este procedimento de uso dos recursos podem ser identificadas nos incisos IV, V e VII e no § 2 2 do art. 225 da Constituição Federal; III - medidas preventivas e compensatórias - são impostas obrigações especiais a práticas consideradas especialmente deletérias ao meio ambiente ou que possam oferecer grande risco (§§ 2 2 , 32 e 62 ). É de se remarcar que o art. 225 vem integrar o ordenamento, trazendo uma nova forma de abordagem dos recursos naturais interferindo na orientação da economia de mercado. Pode-se inferir dos incisos I, II e III diretamente o princípio da precaução subjacente, na busca de se evitarem danos ecológicos. Mais especificamente, o desdobramento deste princípio através da preocupação com a efetividade ecológica, a reversibilidade de danos decorrentes de atividades, a possibilidade de se flexibilizar o seu exercício, a eficiência econômica, pode ser encontrado nos incisos IV, V e VII, e nos parágrafos deste artigo.
O direito tem esta capacidade de assimilar normas de diferentes sistemas como as leis econômicas, e até mesmo leis da natureza, digeri-las e reapresentá-las na sistemática própria do ordenamento jurídico. Estas leis não passam a ser traduções jurídicas da economia ou da natureza. A partir do momento de sua assimilação pelo direito, elas assumem um caráter de comprometimento com o todo da prática social, afastando-se elas daquele funcionamento de sistema fechado, obrigando-as a se submeterem às variáveis que lhes impregnam um movimento totalmente diferenciado. Assim, leis econômicas assimiladas pelo direito não obedecem a uma simples perspectiva de sistema econômico, mas atuam de modo mais maleável ao se verem relativizadas por outras normas presentes no ordenamento jurídico. Isto é bastante evidente no capítulo do meio ambiente, onde leis naturais, como a de homeostase de ecossistemas, são impostas pari passu às leis de produtividade econômica.
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Cf., supra, Capítulo III - n. 5. Factibilidade da teoria do desenvolvimento sustentável para a proteção dos recursos naturais.
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A proteção constitucional do meio ambiente traz, fundamentalmente, as seguintes conseqüências: - A partir do momento em que ganha o caráter de norma constitucional, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado torna-se um "bem jurídico" 4º7 que deve ser igualmente correlacionado com os demais "bens jurídicos" presentes na Constituição. Portanto, é igualmente um desdobramento do art. 32 da CF e deve ser revelado na atuação privada como na estatal com a mesma prioridade das demais normas da Constituição Federal. - As bases naturais da vida, ao serem reconhecidas como bens constitucionais, espelham a sua real importância como fator estrutural e conformador de uma sociedade. - A declaração da proteção ambiental como um objetivo do Estado e um dever da coletividade desempenha importante papel na formação da consciência social, por uma responsabilidade conjunta para com este bem.
7 .4 A Redistribuição entre as Gerações A redistribuição entre as gerações é um conceito inédito nas Constituições brasileiras até 1988, e deve ser observado mais detidamente. É a primeira vez que se prescreve um direito para quem ainda não existe: as futuras gerações. Esta preocupação tem sua origem no aumento de dificuldades que devem ser enfrentadas pelas futuras gerações devido ao comportamento inconseqüente da geração presente. Em uma frase, pode-se dizer que o presente tem a opção ou de poupar em favor do futuro ou, para aumentar os meios do seu próprio consumo, de onerar o futuro. A estas duas maneiras de portar-se perante à futura geração pode responder o direito, à medida que se faz capaz de atender às seguintes questões: Como é efetuada a redistribuição entre a presente geração e as futuras? Quem contrai esta obrigatoriedade, que deve ser prestada no futuro? Quem é o favorecido, se realmente existe algum? Quem é o onerado?
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Bem é compreendido aqui como uma entidade imaterial da realidade externa que adquiriu relevo do ponto de vista jurídico.
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Este ônus para com o futuro suscita uma outra indagação: Poderia este vínculo mais tarde ser imputado a alguém, e sobre quem recairia este ônus? 408 •
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As gel'ações futuras estão também ligadas às garantias dos direitos fundamentais: Os interesses dos que viverão no futuro precisam ser considerados. A assim constituída justiça distributiva entre as gerações fica prejudicada, quando as futuras gerações unilateralmente ficam oneradas, sem que se comprove uma possibilidade de proveito para elas 409 • Neste pensamento o fator tempo representa um ponto fundamental. Risco e tempo sempre formaram fatores indissociáveis da prática econômica. Tempo de investimento, planejamento, retorno de capital, ou risco do negócio, da concorrência, são temores enfrentados por todos os agentes econômicos. No entanto, esta relação de tempo e risco está voltada ao próprio agente. Somente quando a prática econômica atinge sua dimensão política é possível falar-se nos efeitos em terceiros desconhecidos, como as gerações futuras. Dentro de uma perspectiva de planejamento político da finalidade máxima desta prática - o bem comum - passa-se a argumentar que a felicidade da humanidade presente não pode escudar-se no endividamento a ser pago pelos que estão por vir. É originariamente uma obrigação moral de "não fazer ao outro o que não queres que façam a ti", mas também está coligada a um objetivo prático de manutenção das bases de reprodução do conhecido, ou seja, a manutenção do modo de vida
408
presente só é possível à medida que o futuro receba as mesmas condições e recursos existentes no presente. ..,
Os riscos originados de novas práticas desenvolvidas, como a tecnologia atômica, a engenharia genética etc., lançam uma perspectiva de irreversibilidade de efeitos negativos nunca antes previstos, capazes de alterar os elementos básicos de sobrevivência humana, como alimentos, ar e temperatura. A imposição de novos modos de agir no presente, com vistas a obter vantagens para outrem, traduz uma perspectiva singular no direito que traz a dedução de um novo titular de direitos: as futuras gerações. Esta nova relação está ligada a um objetivo bastante presente: a manutenção da organização social. A conclusão de que o desenvolvimento da atividade industrial pode acarretar conseqüências graves à saúde e bem-estar dos indivíduos, além de levar à inviabilidade de sua existência por minar suas bases de reprodução, conduziu a esta nova perspectiva orientada para o futuro. Assim sendo, a prática presente, donde sobressai a prática de política econômica, passa a contar com um outro fator decisivo, a garantia de uma "sadia qualidade de vida", não só para as presentes como para as futuras gerações. Neste sentido desenvolve Stober: "A proteção dos recursos naturais é uma questão que requer também uma atenção do Estado para as futuras gerações. Disto depreendese que o Estado, quando age no planejamento de interesses de longo prazo e referentes ao desenvolvimento coletivo, deve tomar em conta nas suas decisões os efeitos sobre as gerações futuras. Por outro lado, deve o Estado tanto mais intervir por uma cuidadosa avaliação danobenefício das conseqüências, quanto maiores forem os efeitos futuros de um regulamento. Fundamental é que se estabeleça uma profunda avaliação dos impactos para as futuras gerações" 410 •
G. Haverkate, Verfassungslehre, cit., p. 320.
409
Este princípio da distribuição da justiça entre as gerações foi manifestado primeiramente por Thomas Jefferson, que o desenvolve por ocasião da apresentação sobre os limites do endividamento estatal (ele tinha em mira o grande endividamento da França; pelo que defendia o limite do endividamento do Estado, e votava contra uma disposição absolutista e unilateral sobre os recursos das futuras gerações). Escreve Jefferson a Madison em 1789: "A cada geração pertence a terra em seu tempo completamente e o seu próprio direito. Quando uma geração pode apenar as próximas com suas dívidas, então pertencerá a terra aos mortos e não à geração viva. Nenhuma geração deve contrair dívidas, que sejam maiores que a capacidade de sua quitação durante o seu tempo de vida" (Apud, G. Haverkate, Verfassungslehre, cit., p. 327). O caso do endividamento do país é um exemplo, e pode ser apropriado pela questão dos danos ambientais. A extinção e a contaminação irreversíveis dos recursos naturais tornam o problema do legado a futuras gerações bastante mais evidente.
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Concluindo, a avaliação e a opção a ser feita quanto às conseqüências de atividades decididas no presente sobre as gerações futuras é uma decorrência necessária das normas-objetivo. Toda atividade estatal de planejamento e de alcance dilatados no tempo traz conseqüências a terceiros que fatalmente não puderam intervir na tomada das decisões, por distanciamento temporal. É o que torna indispensável a
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R. Stober, Handbuch, cit., p. 364.
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participação do Estado na consecução do direito previsto no art. 225 da Constituição Federal. Um direito impossível de ser assegurado, sem que se garanta uma base de reprodução dilatada no tempo. Sua concretizaçã,o envolve uma generalização não só espacial como temporal, sem o que sua efetivação é mera suposição.
EPÍLOGO Através do direito procuro iluminar a relação entre produção econômica e conservação dos recursos naturais. A síntese do direito econômico e do direito ambiental é necessária para que sua aplicação se dê de maneira conseqüente, cumprindo seu objetivo básico de racionalização e democratização da atividade econômica, entendida como produção, reprodução e distribuição de riquezas. Quando digo racionalização, entendo a negação de uma unidirecional prática utilitarista voltada à eficiência na produção de bens. Razão na prática econômica é justamente voltar à valoração uniforme tanto da base quanto dos meios de produção e do modo como o homem se insere neste processo e a finalidade deste. Democratização da atividade econômica está voltada à maior participação da sociedade na produção e seus resultados. Isto significa a inserção do indivíduo no mercado com a realização dos princípios de pleno emprego, poder de consumo, acesso à atividade empresarial (combate a monopólio e oligopólio) e aos meios de produção, discussão das diretrizes de política econômica. Em suma, garantir materialmente o exercício da capacidade produtiva do indivíduo, não como máquina produtora de mercadoria, mas como um ser humano capaz de comunicar sua humanidade, quando lhe são asseguradas bases dignas para o desenvolvimento de sua existência. O fundamental neste trabalho foi identificar a relação que existe entre os fatos e os fenômenos políticos, econômicos, jurídicos, ambientais, e reconhecê-los em suas relações dialéticas: naquilo que na realidade econômica, ambiental, social é constitutivo da Constituição, naquilo em que esta é constitutiva da realidade econômica, ambiental, social. Dialética é aqui compreendida como integração progressiva por meio de uma tensão renovada a cada etapa cumprida. Assim, a relação economia-ecologia é absorvida pelo direito, que para trabalhá-la não pode escapar deste mesmo movimento, pois, se economia e eco-
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logia se revelam em dois pólos, eles são imprescindíveis, portanto essenciais à relação, genericamente entre homem e natureza, e mais especificamente entre produção da vida econômica e conservação dos recursos naturais. Há um esforço permanente neste trabalho em negar um primado do "sistema jurídico'', sobre o movimento dos fatos do mundo da vida. O amor incondicional às "formas fixas e leis genéricas" não é aqui compartilhado. A preocupação em romper com o tradicional da atuação política brasileira, consistente em depositar nas leis ou regulamentos o poder de influir por si só e de modo enérgico sobre o destino de um povo 411 , é uma insistência até por vezes aborrecedora. Portanto, não se trata de uma redenção, via direito, dos danos causados ao ambiente pela produção econômica; trata-se, sim, de apontar caminhos. São conformações estruturais de pavimentos para uma leitura do direito que respeite aquela tensão integrativa - não oposição - entre a prática econômica e a reprodução dos sistemas ecológicos, e também para um trabalho jurídico que oriente, dentro deste quadro, a formação de políticas que não venham a eliminar a tensão com o aniquilamento de algum de seus pólos. Esta obra, embora esteja destinada num primeiro plano a provar a indissociabilidade da apreciação da ordem econômica com o capítulo do meio ambiente da Constituição Federal, apontando alguns caminhos para esta realização, procura trazer, quiçá como mais permanente contribuição, a reflexão sobre o direito brasileiro como fenômeno da sociedade brasileira, abrigando em seu texto e em sua concretização todos os matizes contidos nas relações desta sociedade. Neste ponto coloco-me com Castoriadis. Contrariamente à obra de arte, não há aqui edifício terminado e a terminar. Tanto e mais que os resultados, importa o trabalho de reflexão. E é, talvez, sobretudo isto que um autor pode dar a ver - se ele pode dar a ver alguma coisa. "A sinfonia, se existe alguma, o leitor deve criá-la de suas próprias orelhas" 412 •
411 Cf. Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, cit., p. 178. Textualmente, continua o autor: "A rigidez, a impermeabilidade, a perfeita homogeneidade da legislação parecem-nos constituir o único requisito obrigatório da boa ordem social. [... ] Escapa-nos esta verdade de que não são as leis escritas, fabricadas pelos jurisconsultos, as mais legítimas garantias de felicidade para os povos e de estabilidade para as nações". 412 Cf. Cornelius Castoriadis, L'institution imaginaire de la société, p. 6.
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Procurei concentrar-me na apresentação dos pressupostos materiais que envolvem a realização do direito econômico e ambiental, sem a pretensão de esgotá-los, mas sob o firme propósito de não deixar cair o estudo do direito na metafísica das criações sobre idéias. Não obstante, sei - e acredito que neste ponto se encontra a chave esperada - que não podemos aceitar a realidade como um cárcere limitativo da criatividade, pois, como nos chama a atenção Paul Valéry, "os dados jamais serão inteiramente dados e pode-se sempre dizer que há dados ocultos ... A tarefa da inteligência é tornar relativo aquilo que o sentido e o corpo apresentam como absoluto. Ela deve, pois, descobrir ou imaginar as operações (mudanças de pontos de vista etc.) que tornam as coisas/fenômenos partes de alguma relação - que deve anular-se"413.
O direito exclusivamente como texto reflete uma "idéia". A realização ou deturpação desta "idéia" se dá pela sua prática, pela sua concretização. É por isso que não há o caminho, porém os caminhos de se chegar à concretização do ordenamento jurídico. O direito escrito é parte da geração concreta do direito, que se completa com a sua interpretação e aplicação. A apresentação de "receitas" da aplicação do direito para uma compatibilização do desenvolvimento da atividade econômica com o respeito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não faz parte deste trabalho. O que se pretendeu foi abrir o leque de possibilidades e demonstrar que os caminhos já estão dados. Se tais caminhos serão seguidos e como ou quando o serão é trabalho de clarividência ou adivinhação. Fato é que se revolvem neste questionamento estruturas e dogmas do coração da sociedade moderna, sendo esperado, por isso, um certo mal-estar. No entanto, é imperativo entregar-se a este desafio, sem os subterfúgios de teorias indecifráveis, confortável refúgio do academicismo estéril e abrigo seguro contra a dor do concreto, onde se mostra seguro o texto metafísico, fundado na metalinguagem, nos prefixos, sufixos e amparado na alegórica criatividade exercida sobre a sintaxe. Procurei, verdadeiramente, esgrimir o tema, investigando em autores que se debruçam sobre o estudo do direito, da economia ou filo-
413 Apud Adauto Novaes, Cenários, in Ética, p. 12.
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sofia, os golpes que se me demonstraram mais certeiros. Não foram raros os momentos em que esta "estranha esgrima" (fantastique escrime414) se travou comigo mesma, na busca de exprimir com clareza meus pensamentos, na tentativa de abordar todos os pontos, dirimir todas as dúvidas, provar todas as afirmações. É evidente que "nenhum sistema favorece qualquer desafio a seus axiomas " 415 • O questionamento de pressupostos enraizados sobre os quais se apóia uma sociedade é tarefa delicada. Importante, neste momento de conclusão, é deixar claro que a contestação de uma oposição vivida não conduz necessariamente ao idealismo, como exclusão do positivo, mas a negação volta-se à contradição e funda a sua própria superação. Afinal, a apresentação no texto jurídico da composição da atividade econômica com a proteção dos recursos naturais é a demonstração, pela linguagem jurídica, de que os homens se tornaram conscientes deste conflito. É inegável, portanto, um certo processo de incubação de novas condições materiais, que só podem vir a ser postas em definitivo com o auxílio das idéias 416 .
Finalmente, embora possa parecer um pretensioso desejo em desviar águas para o meu moinho - se é que poderia atribuí-lo a mim-, lembro uma palestra de Eric Hobsbawm, que, respondendo a uma pergunta sobre o fato de ser pessimista ou otimista quanto ao futuro da humanidade, afirmou categórico: "A via do otimismo passa pela resolução de três problemas fundamentais: a destruição dos recursos naturais, o aumento de desigualdade social e a explosão demográfica"417.
Acredito ter contribuído para a solução de ao menos dois dos problemas acima apontados, na expectativa de defender a realização deste seu quinhão para o aumento do otimismo perante o futuro.
414
Expressão de Charles Baudelaire para exprimir o seu exercício da poesia em "le solei!" (As flores do mal, edição bilíngüe, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985, p. 318 e 319). 415 Will Durant, A história da civilização, v. IV, p. 830, Record, 1950. E continua: "Agora que a política se esforça por assumir o lugar de Deus, torna-se mais perigoso duvidar do Estado do que da Igreja". 416 Sobre o movimento da objetividade à idéia e desta ao positivo ou posto, ver Ruy Fausto, Marx: lógica e política, p. 95-96, 113-116. 417 Palestra realizada no Museu de Arte de São Paulo em 14 de agosto de 1995.
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"O tratamento dado pela Autora ao tema do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, no quadro do Direito Econômico, é primoroso. O trabalho excede a generalidade dos estudos bem feitos e deles se destaca não apenas porque é muitíssimo bem construído, mas também porque sua construção se dá em um plano mais elevado, a partir de uma sólida estrutura de conhecimentos." Eros Roberto Grau
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