HUNT, Lynn. “Revolução Francesa e Vida Privada”. In Michelle PERROT (org.), Histó (org.), História ria da Vida Vida Privada Privada (vol. IV): Da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 2151.
1. Objet bjetiv ivo: o: veri verific ficar ar a pres presen ença ça e os limi limite tess da priv privac acid idad adee no cont contex exto to da Revolução francesa, incluindo a maneira como o tratamento das relações entre público público e privado, privado, nesse período, determinou determinou a configuração configuração da vida privada no século XIX.
2. O pre predom domínio ínio da esfe sfera púb pública lica:: o priv privad ado o conf confun undi dido do com com o “co “contra ntra-revolucionário” (pp. 21-4).
a) Recus Recusaa ao partidari partidarism smo o (partido (partido “do povo” [totalid [totalidade ade]] versus versus partido partido “dos intrigantes”, pp. 21-2).
b) Falta de identificação identificação com a Revolução Revolução na esfera pública pública indicaria indicaria corrupção corrupção a esfera esfera privada privada (p. 22). 22). Robesp Robespierr ierre: e: imoralid imoralidade ade (privad (privada) a) é “impolít “impolítico”, ico”, corrupção é “contra-revolucionário” (p. 23).
c) A Revolução Revolução no nível do indivíduo: indivíduo: “Para “Para ser realmente realmente republicano, republicano, é preciso que cada cidadão experimente e opere em si mesmo uma revolução igual à que transformou transformou a face da França” (p. 24, citando a “Comissão “Comissão temporária de vigilância republicana estabelecida em Ville-Affranchie, Lyon”).
3. O púb público lico invadin invadindo do o priva privado: do: o vestuário.
a) Encontrando Encontrando significado significado político político nas roupas (p. 24). 24). Simplicidade Simplicidade e avareza no no vestuário como prova de patriotismo. “A moda masculina não se definiu de imediato com tanta clareza, mas a indumentária logo se transformou num sistema semiótico intensamente carregado” (p. 24).
b) Preocupação Preocupação com o vestuário vestuário feminino: feminino: medidas medidas para impedir impedir a obriga obrigatorie toriedade dade de determi determinada nadass vestime vestimentas ntas visou, visou, sobretu sobretudo, do, barrar barrar a “radicalidade “radicalidade revolucionária” revolucionária” entre as mulheres: mulheres: “Hoje se exige o barrete vermelho [para as mulheres]; não vão parar por aí; logo exigirão o cinto com pistolas” pistolas” (p. 26, citando o Comitê de Segurança Segurança Geral). Supressão Supressão das
associações femininas, entendendo-se que iam “contra a ‘ordem natural’, na medida em que ‘emancipavam’ as mulheres de sua identidade exclusivamente familiar (privada)” (p. 26). “As mulheres eram tidas como a representação do privado, e sua participação ativa enquanto mulheres em praça pública era rejeitada por praticamente todos os homens” (p. 27).
c) Adereços tornados obrigatórios (como a roseta tricolor para os homens); tentativas de elaborar um vestuário “civil” (projetos de Louis David): nunca plenamente implementado, mas sintomático da existência dos que pretendiam eliminar toda fronteira entre público e privado (p. 27).
d) A questão central envolvendo o vestuário dizia respeito às diferenças sociais [que no Antigo Regime se manifestavam em grande medida através de vestuários]; entendia-se que a necessidade não era tão grande para as mulheres (p. 28).
4. Os utensílios e objetos.
a) Ardor revolucionário transportado para os objetos mais íntimos (camas, espelhos, estojos de barba etc.).
b) Não há um completo desbancar de elementos icônicos tradicionais (em especial, os religiosos); mas “a invasão dos novos símbolos públicos nos espaços privados foi determinante para a criação de uma tradição revolucionária” (p. 28).
5. As palavras e a linguagem.
a) O movimento reverso: não só os símbolos revolucionários (públicos) invadem a vida privada, mas também as marcas da vida privada invadem o espaço público. No âmbito da linguagem: generalização do tuteamento (p. 30), inversão das regras usuais do discurso público.
b) Invasão da “linguagem chula”, com seu ápice nas descrições de Maria Antonieta ([cuja figura foi “diabolizada]), p. 30. A linguagem chula servia para “destruir a aura da soberania, da nobreza e da deferência” (p. 31).
c) Obrigatoriedade do uso do francês (p. 31). Esse movimento de padronização, na esfera pública, acabou por gerar, no âmbito privado, a solidificação do espaço apropriado aos regionalismos e aos dialetos.
d) Criação de novas linguagens privadas: falas próprias dos soldados, etc. [Aqui, cabe observar: trata-se do reconhecimento de algo presente naquele momento, mas não de uma especificidade; quase todo segmento específico, em qualquer época, criou formas específicas de fala.]
6. Uso político dos símbolos da vida doméstica.
a) Mulher e mãe como símbolos revolucionários (a figura de “Marianne”): justamente as desprovidas de direitos políticos alçadas à dimensão do emblema. Justamente por causa da ausência desses direitos?
b) Inicialmente, a figura do pai (antes da rejeição do rei) que precisa resolver os problemas da família com a ajuda dos filhos adultos. Com a tentativa de fuga do rei, rejeição da figura paterna; exploração do adultério de Maria Antonieta inviabiliza também o uso da figura materna. Restam os irmãos: exploração da figura da Fraternidade como proteção para as “irmãs órfãs”, a Igualdade e a Liberdade (pp. 31-2).
7. Os lugares da religião.
a) Igreja vista como um dos sustentáculos do Antigo Regime.
b) Inicialmente, tentativa de confinar a religião à esfera privada (p. 32). O peso dos velhos hábitos e a crescente necessidade financeira levaram a outras medidas: o confisco dos bens do clero e a Constituição Civil do clero. Exigência da prestação de juramento pelo clero.
c) Resistência na esfera privada: “Foi a primeira vez que indivíduos privados – em sua maioria, mulheres e crianças – assumiram um papel público para defender sua Igreja e seus ritos” (p. 34. [Não exatamente; casos semelhantes na Escócia, no século XVII, por parte de mulheres presbiterianas contra o predomínio do anglicanismo]). Mulheres responsáveis por proteger padres refratários (não juramentados) e até mesmo celebrar missas brancas [celebrações sem a presença do sacerdote ordenado; um leigo faz a leitura do Ofício, sem celebração eucarística].
d) A religião privatiza-se sob o ataque do Estado. Devoções privadas como forma de resistência (p. 34); recusa ao calendário republicano no que diz respeito à guarda do domingo (p. 35). Com o tempo, recuperação dos espaços e dos objetos de culto (p. 35).
8. Autoridade pública e vida familiar.
a) Secularização do casamento (instituição do casamento civil), pp. 35-6.
b) A Convenção pretendia considerar a educação dos filhos como interesse da República (p. 36).
c) Preocupação em proteger os cidadãos contra a eventual tirania das famílias e da Igreja.
d) Exemplo emblemático: a questão do divórcio (pp. 37-42). Possibilitado pela secularização do casamento; inicialmente, ampla tolerância, com posterior estreitamento; formalidades do divórcio sinalizam uma das raras vias de acesso à sensibilidade privada durante a Revolução: o exemplo emblemático é a mulher que se divorcia por não poder ser feliz com o marido (!!), ver pp. 412.
9. Os revolucionários e a vida privada.
a) Difícil expor. Geralmente a experiência revolucionária é narrada por eles em termos exclusivamente públicos [ainda a presença de uma esfera pública predominante, como no Antigo Regime? Aqui, notar que a divisão entre público e privado foi fundamental para possibilitar a constituição de uma esfera privada; no Antigo Regime inexistia na prática o “privado”, na medida em que mesmo o acordar e o recolher-se do rei era considerado público!]
b) Nas memórias, a dimensão pública engole a privada. Exemplo em madame Roland desejando que sua filha pudesse cumprir seus deveres de “esposa e mãe” (ver pp. 42-3).
c) As especificidades do viver sob a Revolução: a presença do fermento revolucionário atingiu até mesmo detalhes como os nomes (ver pp. 43-4). Cartas e memórias testemunham detalhes da vida privada, como a falta ou não de alimentos. A morte: épocas de desespero mais intenso com grande aumento no número de suicídios (especialmente masculinos), p. 43.
10. A Revolução e a sexualidade.
a) Sexualidade como uma das dimensões mais importantes da vida privada; e a obra de Sade como exploração dos limites mais extremos da sexualidade. Suas principais obras compostas entre 1785 e 1800 (p. 46).
b) Sua obra (em especial os Contes philosophiques) minam o ideal revolucionário por levar sua lógica ao extremo (p. 47). Nessa obra, natureza e razão servem apenas “aos direitos de um egoísmo absoluto. (...) A obra de Sade glorificava e ao mesmo tempo desencaminhava a liberdade, a igualdade e até mesmo a fraternidade” (p.47).
c) A dimensão privada, privilegiada nessa obra por razões óbvias (o que se pratica nelas precisa do esconderijo; o interior, todavia, tem sempre as cores do encarceramento e seu mundo é um mundo rigidamente ordenado (a perversão é diferente da anarquia), ver p. 48.
d) A mulher como prisioneira: serve ao prazer do homem (“Todo gozo partilhado diminui”, p. 48. “Nos romances de Sade, o privado é o lugar onde as mulheres (às vezes crianças, inclusive garotos) são encarceradas e torturadas para o gozo sexual dos homens” (p. 49).
11. A concepção geral da mulher nos demais círculos intelectuais de fins do século XVIII.
a) Sempre representada como o inverso do homem, frágil e definida pelo útero; o homem é macho momentaneamente [no coito], enquanto a mulher é fêmea permanentemente. Assim, define-se seu papel (mãe) e seu lugar (o âmbito privado).
b) Nesse particular, a Revolução incentivou o relegar as mulheres à vida privada, cooperando para que o século XIX fosse o momento por excelência da reclusão feminina no âmbito doméstico (p. 50). [Verdade que isso diz respeito às famílias burguesas, e não às operárias...] “Mas a Revolução deu um grande impulso a essa evolução decisiva das relações entre os sexos e da concepção da família. As mulheres estavam associadas a seu ‘interior’, ao espaço privado, não só porque a industrialização permitia que as mulheres da burguesia se definissem exclusivamente por ele, mas também porque a Revolução tinha demonstrado os resultados possíveis (e o perigo para os homens) de uma inversão da ordem ‘natural’” (p. 51, grifos meus).
12. Os limites frágeis entre público e privado.
a) A mulher, confinada ao privado por sua fragilidade; e o privado, revelado frágil diante da predominância da esfera pública (p. 51). Diante da presença do Estado, percebeu-se como a vida privada podia desaparecer .
b) O gesto revolucionário da abolição da deferência diante dos “superiores” sociais (reis, rainhas, nobres e ricos) pôs em relevo o perigo da perda do respeito no seio familiar; os próprios revolucionários procuraram reverter esse risco traçando fronteiras entre os âmbitos – e a fixação da mulher no âmbito do privado, bem como a do homem no âmbito público, era fundamental para essa delimitação. “Mesmo os revolucionários mais encarniçados não
conseguiram suportar a tensão criada pela invasão do público no privado, e se distanciaram progressivamente de sua criação, bem antes do Termidor” (p. 51).
c) [Notar a semelhança entre o que se passou, nesse aspecto, na Revolução francesa, e o ocorrido na experiência soviética; também nesta grande liberação inicial, que se manifestou inclusive no divórcio facilitado (como na França) e na tentativa de aliviar a mulher das responsabilidades domésticas (lembrar a ideia dos refeitórios coletivos); mas também ali um distanciamento progressivo, talvez pelo fato de que essa liberação ameaçava estruturas de “longa duração”, firmemente encravadas na mentalidade.]