O que é Dialética?
(Leandro Konder, 1985)
Origens:
“Dialética era, na Grécia Antiga, a arte do diálogo”; “Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capa de definir a distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão” “Na acepção moderna, entretanto, dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos as contradições da
realidade, o modo de compreendermos a realidade real idade como essencialmente contraditória e em permanente transformação.”
No sentido moderno da palavra, se aproxima a concepção de Heráclito de Eféso que reconhece a constante mudança. “Um homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio”
Heráclito nega qualquer estabilidade do ser. Já Parmênides diz que a mudança só ocorre superficialmente e que a “essência” profunda do ser é imutável.
A concepção de Parmênides ganhou mais espaço que a de Heráclito e assim, a metafísica – de Parmênides – se sobrepõe a dialética – de Heráclito. Assim, a dialética só foi retomar seu espaço durante o Iluminismo, Il uminismo, principalmente com Denis Diderot em sua obra O Sobrinho de Rameau: “o resultado é um confronto fascinante, que Hegel e Marx consideraram um primo de dialética”.
Jean Jacques Rosseau também contribuiu para a dialética, porém, ao contrário dos Iluministas ele não tinha confiança na razão humana, preferindo confiar na natureza. Para ele os indivíduos nascem livres mas a organização social tolhe o exercício dessa liberdade natural. Dessa forma, Rousseau procura estabelecer as bases para o Contrato Social, uma forma dos homens de terem na vida social, a liberdade capaz de compensar a perda de suas liberdades individuais. O Trabalho:
Os conflitos existentes no século XIX passaram para a filosofia e tem em Kant como uma de suas expressões. “Kant percebeu que a consciência co nsciência humana não se limita a registrar passivamente impressões provenientes do
mundo exterior, que ela é sempre a consciência de um ser que interfere ativamente na realidade; reali dade; e observou que isso complicava extraordinariamente o processo do conhecimento humano.”
Para Kant, um metafísico, era fundamental antes de interpretar o real, se perguntar o que é o conhecimento. “O centro da filosofia, para Kant, não podia deixar de ser a reflexão sobre a questão do conhecimento, a questão da exata natureza e dos limites do conhecimento humano.” Na razão pura, segundo Kant, existem certas contradições, as ‘antinomias’, que nunca podem ser expulsas do
pensamento humano. Anterior a Kant, Hegel também demonstra que a contradição é elemento essencial para a realidade porém Hegel se contrapõe a Kant no que diz respeito a questão central da filosofia: se para Kant é questão central saber o que é conhecimento, para Hegel a questão é “O que é o ser?”
Hegel e Kant também concordam ao reconhecerem o sujeito humano como ator de sua realidade. Hegel com todo seu ânimo em relação as revoluções na França, vê-se frustrado com a tomada por Napoleão e o retrocesso causado pela Santa Aliança. Além disso, a Alemanha em que vivia não havia conseguido nem a unidade territorial. Hegel então conclui que apesar do homem transformara realidade, “quem impõe o ritmo e as condições dessa transformação ao sujeito é, em última análise, a realidade objetiva.”
Hegel, como Lukács mostra, faz uma análise da Revolução Francesa e da Revolução Industrial em curso e de forma radical toma o trabalho como “mola que impulsiona o desenvolvimento humano”, foi com ele que foi conseguida
sua relativa autonomia da natureza. “O trabalho permitiu ao homem dominar algumas das energias da natureza”
(Arthur Gianotti) “O trabalho é conceito chave para entendermos o que é a superação dialética”
Hegel explica a superação dialética a partir da palavra alemão aufheben, que significa: suspender. A palavra é usada em três sentidos diferentes. No sentido de ‘negar’, ‘cancelar’; no sentido de “manter” além também do sentido de ‘elevar’, ‘promover’.
Hegel é um idealista, para ele, a realidade material é subordinada a uma chamada Ideia Absoluta, ideia essa explicitada de maneira muito vaga impedindo o filósofo de assim refletir sobre a realidade material. Posteriormente, Marx supera dialeticamente Hegel primeiramente concordando com ele no que diz respeito ao trabalho como mola impulsa do desenvolvimento humano, porém, Marx critica o enroque que Hegel dava apenas ao trabalho intelectual, não enxergando a significação do trabalho físico, material. Marx vem e coloca essa dialética, antes de cabeça para baixo, sobre seus próprios pés. A Alienação:
Marx admite o trabalho como força impositiva do homem sobre a natureza, força que humaniza o natural e assim transforma a si mesmo. Porém, Marx reconhece que o trabalho sofreu deformações, e de atividade emancipadora e transformadora tornou-se ‘uma atividade que é sofrimento’. Razões para esse ‘corrompimento’ do trabalho está na divisão social deste, e na propriedade privada. Ambas criaram no trabalhador uma sensação de ‘estranhamento’. Estranhamento entre o trabalhador e o trabalho, na medida em
que este cria um produto que não pertence ao trabalho. Assim, o trabalhador se aliena. “Se o homem fosse apenas atividade criadora e produtora de si mesmo e do mundo que o cerca, é certo que toda apropriação privada seria fonte de violência e dominação do homem sobre o ho mem” (Henri Chambre, padre, sobre
a validade da crítica de Marx) A dialética, para os marxistas, é um eficiente instrumento de análise dos problemas humanos e importante na busca da resolução de problemas políticos. “Os marxistas acham que a única maneira de superar a divisão da sociedade em classes e dar início a um processo de ‘desalienação’ do trabalho é levar em conta a realidade da luta de classes para promover a revolução socialista.” Marx não criao conceito de ‘luta de classes’ apenas é o primeiro, j untamente com Engels, a reconhecer no Manifesto Comunista, que ‘toda história transcorrida tinha sido uma luta de classes’.
A Totalidade:
“Para a dialética marxista, o conhecimento é totalizante e a atividade humana, em geral, é um processo de totalização que nunca alcança uma etapa definitiva, acabada.”
Dessa maneira, um objeto criado ou percebido, ou a solução de um problema, se encaixam em uma lógica totalizante, onde o objeto/problema deve ser colocado em ligação às outras coisas com as quais ele se relaciona. Enxergar o todo permite uma compreensão mais verdadeira com aquilo que estamos nos relacionando. “A visão de conjunto – ressalve-se – é sempre provisória e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se
refere. A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que a gente tem dela. Há sempre algo que escapa às nossas sínteses, isso porém, não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor nossa realidade. A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada. É essa estrutura significativa – que a visão de conjunto proporciona – que é chamada de totalidade”
A Contradição e a Mediação:
Saber se está se trabalhando com a tota lidade correta nem sempre é possível. “Nenhuma teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros.” A gente depende da prática social. A teoria pode nos ajudar com preciosas informações. Sobre ‘totalidade’ é importante pegar cada elemento que
nosso objeto de estudo se apóia, conhecer suas condições de existência e dentro dos conceitos mais simples que se chegar, fazer a “viagem de volta” ao objeto. Dessa vez o vendo permeado de complexas relações.
SIMPLES COMPLEXO
SIMPLES
COMPLEXO
(abstrato)
SIMPLES
(concreto)
O processo dialético de descobrimento da realidade visa além de se buscar a realidade que imediatamente percebemos das coisas, a razão mediata (que se constrói com o tempo). Um livro, ou qualquer outro objeto, passa por uma série de mediações antes de chegar a pessoa. Essas mediações vem também acompanhada de contradições. Contradição, não se refere apenas a contradição lógica – hegemônica por conta da metafísica no pensamento filosófico -, ela extrapola à medida que esta só consegue alcançar parte da realidade, a dialética procura ir além da lógica e reconhecer a contradição como ‘princípio básico do movimento pelo qual os seres existem’.
A dialética a fim de extrapolar esses espaço para além do meramente real, trabalha com instrumentos conceituais como determinações reflexivas promovendo uma ‘fluidificação dos conceitos’.
A ‘fluidificação’ dos conceitos:
Marx não conseguira lançar uma obra dedicada exclusivamente a expor seu método dialético e explicá-lo, como gostaria, mas deixou importantes contribuições a respeito n’O Capital.
Hegel => idealista = “a Ideia absoluta assumiu a imperfeição (a instabilidade) da matéria” = > descrição da realidade como ‘fechada’ e perpassada po r todo conhecimento.
Marx => materialista = a realidade sempre como algo inacabado, “ aberto”; no qual o conhecimento jamais conseguiria captar sua totalidade.
Afim de acompanhar esse movimento rico e perpétuo precisaríamos ‘fluidificar’ os conceitos. “Marx não reconhece a existência de nenhum aspecto da realidade humana situado acima da história ou fora dela; mas admite que determinados aspectos da realidade humana perduram na história” “A ‘fluidificação’ dos conceitos destinados a tratar dos dois lado s dessa realidade só pode ocorrer através da determinação reflexiva: os conceitos funcionam como pares inseparáveis.” Conceitos como mudança/permanência; finito/infinito; absoluto/relativo; “são como cara e coroa: duas faces da mesma moeda”
As Leis da Dialética:
Engels foi quem se preocupou em descrever melhor como se dá o processo dialético e defender o caráter materialista deste. Outra preocupação dele era para com a demonstração de que a dialética da história humana possui uma base irredutivelmente natural. Ao estudar então certos princípios com esse enfoque, Engels e Marx chegam a três leis gerais da dialética: I – lei da passagem da quantidade à qualidade (e vice-versa); II – lei de interpenetração dos contrários; III – lei da negação da negação; O primeiro diz respeito ao processo de transformação das coisas que pode se dar de maneira lenta ou acelerada. Na lenta, sucedem-se pequenas alterações quantitativas e nas rápidas, ocorrem ‘saltos’, modif icações radicais, mudanças qualitativas. A segunda ‘nos lembra que tudo tem a ver com tudo’, ‘as coisas não podem ser compreendidas isoladamente, uma por uma, sem levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantem com o todo’. E a terceira de que ‘a afirmação engendra necessariamente sua negação e essa é a s uperada pela síntese, que é a negação da negação’. Esses conceitos ‘tese -antítese-síntese’ já existiam em Hegel, mas a preocupação de Engels, como dito, era dar -lhes
um sentido materialista. Essas regras apesar de terem grande uso para os operários no séc. XX também originou sérias contradições teóricas e práticas (a ausência de um aprofundamento na dialética deixou que pessoas como Stalin ‘sabotassem’ o método).
O Sujeito e a História:
Depois da morte de Marx (1883) e de Engels (1895) o estudo da dialétic a prossegue, porém vacilante. Bernstein, um revisionista, critica os escritos de Marx e afirma que sua dialética ‘impede a apreciação lógica das coisas’ e as ideias
de Marx precisariam ser revistas. A posição de Bernstein não é validada pelo principal partido socialista da época (o Partido Social Democrático Alemão), porém, ganha espaço a concepção dialética de Karl Kautsky, que ora confundia dialética e evolucionismo, interpretando a história humana como mera parte da história natural. Nem mesmo Paul Lafar gue, genro de Marx, consegue assimilar a dialética materialista e escreve uma obra (“O Determinismo Econômico de Karl Marx) que irá servir de canal para as ideias oportunistas no socialismo. A pessoa acreditar que sua vida depende de um fator externo a ela (a economia) leva ela a uma maior passividade, por não ver-se como ‘ator de sua história’. Rosa Luxemburgo e Lênin reagiram contra a deformação dialética. Lênin escreve em ‘O que fazer?’ (1902) o que seria a abertura para o sujeito revolucionário e a vang uarda do
proletariado. Futuramente em 1914 Lênin ao estudar a obra de Hegel confere a obra hegeliana e principalmente à Lógica, os ensinamentos indispensáveis aos marxistas para se entender O Capital. Logo após tomar o poder junto dos bolcheviques, Lênin ajuda a impulsionar a dialética. Importantes marxistas da década de 20 e 30 buscaram afastar o marxismo do materialismo ‘vulgar’ ou do ‘determinismo econômico’.
Apesar dos esforços, Josef Stálin ganha espaço e assume a direção da URSS, de maneira autoritária, antidialética e pragmática. Stálin ignorava o papel da subjetividade, via ‘subjetivo’ como algo arbitrário e ‘objetivo’ como ‘científico’. Stálin chegou a retornar aos escritos de Engels, e ao invés de três leis da dialética, apontou ‘quatro traços fundamentais’; reformulando até o conceito de ‘negação da negação’, para ele ‘muito hegeliano’, ‘abstrato’ e trocado então por
categorias pouco explicativas e sempre usadas para fins propagandísticos. Dessa maneira, toda sua ideologia vai influenciar as próximas gerações de comunistas. “Herança” essa deixada que infelizmente não contribuiu para a interpretação marxista dos fenômenos e sua natureza.
O Indivíduo e a Sociedade:
“O indivíduo isolado, normalmente, não pode fazer história: suas forças são muito limitadas. Por isso, o problema da
organização capaz de leva-lo a multiplicar suas energias e ganhar eficácia é um problema crucial para todo revolucionário” “...é preciso que ele não se reduza a uma impotência contemplativa ou a um ativismo cego”
Althusser, marxista francês, diante da impressão de que os fatos decorridos no século XX conclui precipitadamente que a história é um processo sem finalidade e sem sujeito, na qual o espaço para a ação humana não existe. Essa é mais uma concepção antidialética. “O indivíduo é o ser social; e é tão intrinsicamente social que somente ao longo da sua história em sociedade é que o homem, depois de muitos séculos, chegou a se individualizar” “A racionalização ‘utilitária’ do capitalismo e o espírito exageradamente comp etitivo estimulado pelo mercado agravam muito as contradições entre os homens...”
Sementes de Dragões:
“Uma das características essenciais na dialética é o espírito crítico e autocrítico”, “a dialética é fundamentalmente contestadora” São ‘sementes de dragões’, segundo o argentino Carlos Astrada, que irão assustar muita gente pelo mundo afora. E que levam consigo a essência do pensamento dialético enunciada por Marx à Feuerbach na tese 11: “Os filósofos têm-se limitado a interpretar o mundo; trata-se agora de transformá- lo”