ÁS
M A RIA MONTESSORI
FORMAÇÃO DO HOMEM (2.a Edição)
PORTUGÁLIA EDITORA (BRASIL)
PR EFÁ CIO Poucos são, ainda, os livros de Maria Montessori tra duzidos para a língua portuguesa, privando, assim, um grande número de pessoas de melhor conhecer a obra monumental dessa grande educadora italiana. É de se lamentar esse fato, pois, a simples interpre tação e comentários de autores ou estudiosos do Sistema Montessoriano de educação não nos dão, muitas vezes, uma idéia real de seu verdadeiro valor. A tradução fiel das palavras, do pensamento de Maria Montessori. expressos em seus livros publicados, traz até nós, em toda a sua autenticidade, a fabulosa experiência psicopedagógica vivenciada por ela, no decorrer do longo tempo que se dedicou, com entusiasmo e amor, aos problemas da educação. A seguir à edição brasileira de “A CRIAN ÇA”, somase hoje, este, que é de importância relevante para o educa dor em geral: “Formação do Homem”. Nele, a autora tem por escopo oferecer de maneira simples mas segura, devi damente fundamentada, uma visão do que seja o Homem, de como se processa o seu desenvolvimento desde a fase embrionária e como cuidou de sua formação còmo pessoa humana, contribuindo com subsídios valiosos para todos aqueles que se preocupam com a educação no seu sentido mais amplo, sejam os mestres ou os pais. Neste livro, há informações básicas que devem ser postas em prática, tendo em vista o educando desde a mais tenra idade. O que ele encerra são princípios válidos para a nossa época e que foram preconizados por Maria Mon tessori há mais de 60 anos. São princípios que não cadu caram porque, além de terem sido alicerçados cientifica mente em bases psicopedagógicas profundas, tiveram por uma verdadeira antevisão dos acontecimentos, por parte da. genial educadora, uma realidade presente para refe rendar o seu incontestável valor atual. Hoje, o Sistema Montessoriano, no Brasil, é uma pre sença alvissareira no campo da educação. O Sistema está sendo difundido em quase todo o território brasileiro, par ticularmente em São Paulo, onde o número de escolas mon tessori anas cresce, dia a dia, de maneira surpreendente. No entanto, para que esse Sistema educacional nãó seja deturpado no Brasil, mister se faz que haja uma gran de bibliografia traduzida, à disposição dos educadores, de
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maneira tal, que seja possível aos interessados no assunto terem conhecimento global da obra de Maria Montessori, e possam compenetrar-se da sua realidade integral, tendo assim, melhores condições de adoçáo do método, sem des figurá-lo. B9te livro deve ser lido por todos os que são educa dores ou tenham responsabilidade de educar, e cada idéia nele exposta deverá ser alvo de meditação profunda. É um livro que deve ser lido e relido muitas vezes. Ele nos sur preende sempre a cada leitura, pela sua atualidade-profun didade. Ê daqueles livros capitulados como “livro de cabe ceira do educador” , Para meditação antecipada do leitor, transcreveremos a seguir um pequeno trecho do livro, inserido no capítulo: “A Questão Social da Criança”. — A história das injustiças contra a criança não está ainda escrita oficialmente e, por isso, não é aprendida nas disciplinas históricas das escolas, em nenhum grau. Os próprios estudantes de história, que têm “títulos” e “espe cializações” nessa matéria, não estão mais interessados em falar. A história refere-se somente ao homem adulto, pois pomente ele vive diante da consciência. Dessa forma, os que se especializam na legislação aprendem infinidades de leis dos tempos passados e dos tempos presentes, não se importando de não encontrarem leis promulgadas para os direitos das crianças. Assim, a civilização passa por cima de uma questão que nunca foi um problema social No capítulo “O Estudo do Homem”, destacamos estes dois parágrafos iniciais que de pronto despertam o inte resse t,ara ° que há de vir a seguir: • u c'i(•ik'i11 romcrnKsc a estudar “o homem” con seguiria não só fornecer novas técnicas para a educação das crioncãs © dos jovens, mas chegaria a uma compreen são profunda de muitos fenômenos humanos e sociais, que estão envolvidos em espantosa obscuridade” . “A base da reforma educativa e social, necess.íria aos í i i •i iliu-:.
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fortes e vencedores e povos fracos e vencidos. Mas, atual mente, a impotência humana atinge o mais alto grau. Hoje, não há mais segurança”. “A própria humanidade é que foi vencida e feita escrava. O impressionante é que a humanidade, que jaz em uma terrível escravidão, grita, com um estribilho esteriotipado, que é livre ou independente” . No entanto, não só hoje, constatamos que o mara vilhoso progresso da tecnologia está cercendo o desenvolvi mento humano, porque ele não foi realizado tendo em vista o homem como um ser “livre” que deseja ser feliz. O homem está encontrando grandes dificuldades em adaptar-se, sofre e se degrada. O progresso espiritual e social não acom panha o progresso material. Há uma defasagem muito gran de entre um e outro que precisa urgentemente ser corrigida. Por que isso está acontecendo? Será o homem vencido pela máquina? Toma-se-á o homem escravo dele próprio? Lendo-se, atentamente, este livro espetacular de Maria Montessori encontraremos respostas para essas perguntas e outras indagações que nos afligem e aprenderemos muito sobre o que é realmente o Homem, o seu valor, o proces samento de seu desenvolvimento e o respeito que lhe é devido como Pessoa Humana. Por fim, poderemos, ao terminar a leitura desta jóia, sentir o quão atualizada ela está, e quão genial foi sua autora, criadora do Sistema de Educação que leva o seu nome, o que não só é perfeitamente válido ainda hoje como também é, senão o melhor, pelo menos aquele que sabe reconhecer o valor e o respeito que são devidos ao ser humano. À Maria Montessori, privilegiada inteligência posta a ser viços da humanidade, com dedicação e amor, o profundo agra decimento de todos aqueles seus seguidores que labutam no setor educacional e, por certo, daqueles muitos que, em breve, estarão participando conosco da tarefa de constuir um Mundo melhor. E à Portugália Editora (Brasil) um agradecimento pela possibilidade que nos dá de ter, finalmente, ao alcance de to dos os educadores brasileiros, a obra de Maria Montessori. Edith Dias Menezes de Azevedo Diretora da Escola Experimental “Irmã Catarina”
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INTRODUÇÃO CONTRADIÇÕES Quantos anos já se passaram desde quando começamos nosso trabalho! Em 1907 foi inaugurada a primeira “Casa das Crianças” e quase em seguida a idéia e a nova obra parq a educação foram difundidas em todo o mundo. Já são transcorridos 40 anos e nesse tempo aconteceram as duas grandes guerras européias e mundiais, sem extinguir aquele movimento educativo que fincou suas boas raízes em mui tos países. Agora, mais convencidos ainda da importância da Edu cação Infantil, desejamos dar novas forças à nossa obra, proporcionando uma ajuda efetiva para reconstrução desta sofrida humanidade, que parece esmagada pelos cataclismas humanos mais espantosos da história. Quero então levar minha mensagem a essa humanidade jovem e forte que deve continuar seu caminho, mas tem muita necessidade de fé e esperança. Irei dar aqui uma ajuda para a orientação no nosso trabalho. Por que respeitam a isto que chamam “Escola Montessori” e “Método Montessori” , onde há tantas dificuldades, tantas contradições e tantas incertezas? Por que as escolas continuam, entre guerras e cataclismas, a se espalhar cada vez mais em todo o mundo e são encontradas até na ilha do Ha vaí, em, Honolulu, em meio ao oceano, entre os nativos da Nigéria, no Ceilão, na China, entre todas as raças em todos os países do mundo? Seriam as escolas perfeitas para os nativos da África, da índia ou da China e de todos os países, os mais civili zados? Se escutássemos os “entendidos” , eles certamente diríam que não é uma escola verdadeira mente boa, mas ao mesmo tempo, todos concordariam aue Montessori é o método educativo moderno mais difundido que existe. Por aue então se difunde, se não encontramos os mo delos perfeitos? Quantos países mudaram suas leis para não causar obstáculos na difusão do Método Montessori! E por que? Em aue se basearam? E como é difundido, se não temos revistas, iniciativas publicitárias, sociedades organiza das plenamente de acordo entre si e organicamente coorde nadas? Poder-se-ia dizer então que existe um fermento trans formador, cu uma semente que se espalha com o vento.
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Ê também um método que parece egoísta, que parece querer andar só, não se misturando com nenhum outro; to davia, nenhum outro método aproveita continuamente a oca sião para pregar a união e a paz mundial. Quantas contradições! Não se vê aqui algo misterioso? Há correntes e educadores importantes, como por exem plo, a grande sociedade mundial Nevz Education Fellowship, que pretenderam harmonizar o Método Montessori com ou tros novos métodos que continuam a surgir vindos de todos os lugares. Em toda parte se deveria dar esse passo depisivo: apro veitar todos os esforços daqueles que, em diversas tentati vas, têm procurado educar a infância. É necessário tirar o método de seu isolamento, dar con dições para que os estudiosos o avaliem, e sobretudo trans miti-lo da melhor maneira para os professores. Eu sei que muitos dos que dedicaram sua ida a este método estão encontrando problemas de cooperação. Outra coisa estranha é que este método criado para os “jardins de infância” esteja se infiltrando nas escolas ele mentares, nas escolas secundárias e até nas Universidades. Na Holanda, existem cinco Liceu Montessorianos, que por seus resultados tão bons levaram, o governo holandês não só a subsidiá-los, mas a torná-los independentes, como todos os outros colégios reconhecidos. Vi em Paris um colé gio particular montessoriano que dava aos alunos muitas segurança, tornando-os independentes e sem temor dos exa mes como tinham os alunos provenientes de outros colégios franceses. Na íindia, chegou-se à conclusão de que é neces sário criar-se a Universidade Montessori. Mas o método tem seguido também um caminho opos to e está sendo aplicado em crianças de menos de 3 anos. No Ceilão, foram colocadas crianças de somente 2 anos de idade em nossas escolas e o público pede que sejam aceitas muitos crianças de um ano e meio. Na Inglaterra são muitos os berçários que usam o nosso método. Berçários montes sorianos estão sendo fundados também em Nova Iorque. O que é então este método que parte do recém-nascidjo e tende a chegar aos doutores universitários? Não acontece assim com outros métodos. O método Frõebel refere-se exclusivamente às crianças que estão abai xo da idade escolar, o método Pestalozzi diz respeito somen te às escolas elementares; os métodos de Herbart conside ram especialmente a escola secundária. Ainda também en-
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tip o« métodos mais modernos, podemos citar o método Decroly, destinado às escolas elementares; o Plano Dalton, à* escolas secundárias e assim por diante. Ê verdade que os métodos clássicos estão sendo modificados, mas os educa dores de uma classe não poderiam ser de outra. Nenhum professor de escola secundária se preocupa como se educa nos jardins de infância e, muito menos, nos berçários. Uma classe é bem diferente da outra e os métodos que hoje se multiplicam dizem respeito a uma ou outra destas categorias bem distintas. Aquele que dissesse que existem escolas secundárias de método Frõebel, seria considerado um insensato e àquele que quisesse levar à Universidade os métodos dos berçários, diríamos que estava brincando. Mas então, por que se fala seriamente em levar o mé todo Montessori a todos os graus de educação? O que se entende por isto? O que se pensa que seja o “Método Mon tessori” ? Continuamente são feitos ainda paralelos e aproxima ções. Confrontam-se, por exemplo, os berçários ingleses com as escolas Montessori; comparam-se os brinquedos e o modo de tratar as crianças nas duas instituições, com o propósito de poder harmonizá-los fazendo deles uma coisa só. Na América, muitos paralelos foram feitos para har monizar as escolas froebelianas e as “Casas das Crianças”. Comparando o nosso material com o froebeliano, se conclui que todos os dois são bons e seria conveniente usá-los em conjunto. Existem somente alguns pontos discordantes cotro, por exemplo, os contos de fadas, os jogos com areia, o uso do material e outras particularidades que causam muitas dis cussões. Também nas escolas elementares se continua a dis cutir sobre métodos para ensinar a ler e a escrever ou para ensinar aritmética e fala-se especialmente da nossa insistên cia em ensinar a geometria ou outra coisa mais avançada durante o período de instrução. Para a escola secundária, contudo, existem opiniões diversas. Alguns pensam que nós não levamos bastante em consideração os esportes e alguns trabalhos, que imprimimos um estilo mais moderno ao en sino, introduzindo mecânica e trabalhos manuais. Tudo isso é colocado ainda mais em evidência pelo fato de que os programas das escolas montessorianas deveriam ser neces sariamente os mesmos das outras ecolas secundárias, pois de outra forma os alunos não poderiam ser admitidos na Uni versidade. Em suma, nos encontramos em um labirinto. . .
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O QUE Ê O M ÉTODO M ONTESSORI Pode-se dizer em poucas e claras palavras o que é o método Montessori, Se abolíssemos não só o nome, mas também o conceito comum método para substituí-lo por uma outra indica ção, se falássemos de “uma ajuda a fim de que a persona lidade humana pudesse conquistar sua independência, de um meio para libertá-la das opressões, dos preconceitos an tigos sobre a educação” , então, tudo se tornaria claro. É a personalidade humana e não um método de educação que vamos considerar, é a defesa da criança, o reconhecimento científico de sua natureza, a proclamação social de seus di reitos que devem substituir os falhos modos de conceber a educação. Uma vez que a personalidade humana é caracterís tica de todo ser humano — sendo homens tanto os euro peus como os hindus e os chineses, então onde se encontre uma condição de vida que ajude a personalidade humana, isto diz respeito e interessa por sua própria força a todos os países habitados pelo homem. O que é então a personalidade humana? Onde começa? Quando o homem começa a ser homem? Seria difícil deter minar. No Velho Testamento, o homem foi criado adulto; no Novo, se apresenta como uma criança. A personalidade humana é certamente uma só em vários estágios de desen volvimento. Qualquer homem, em qualquer idade, os garo tos da escola elementar, os adolescentes, os jovens os adul tos em geral, todos sem exceção começaram sendo crianças e cresceram depois de crianças a adultos sem solução de unidade de sua pessoa. Se a personalidade humana é uma em diferentes etapas de desenvolvimento, deve-se então con ceber um princípio educativo que abranja todas as idades. De fato, em nosso curso mais recente, chamamos a crian ça: Homem. O HOMEM DESCONHECIDO O homem, que aparece no mundo sob a forma de cri ança, desenvolve-se rapidamente por um verdadeiro mila gre da criação. O recém-nascido não possui ainda a linguagem nem outras características relativas aos costumes da espécie; não tem inteligência, nem memória, nem vontade e nem mesmo 12
.1 poder de locomover-se e manter-se de pé; entretanto, esse ip <í-m-nascido realiza uma verdadeira criação psíquica. Com u idade de dois anos, fala, anda e reconhece as coisas e, pusaidos cinco anos, adquire o desenvolvimento psíquico su ficiente para ser admitido na escola. Atualmente, há um grande interesse científico no co nhecimento da psicologia infantil nos dois primeiros anos de idade. Por milhares e milhares de anos a humanidade dei xou de lado a criança, permanecendo completamente insen sível a essa espécie de milagre da natureza que é o desen volvimento de uma inteligência, de uma personalidade. Co mo se desenvolve? Através de quais processos e com que leis? Se tudo no universo se sustenta sobre leis fixas, é im possível que justamente a mente humana se forme ao aqaso, isto é, sem leis. Tudo se desenvolve através de processos evolutivos com plexos; também o homem, que aos 5 anos toma-se um ser inteligente, deve ter tido a sua evolução construtiva. Este campo é, pode-se dizer, ainda inexplorado. Existe um vazio no conhecimento científico dos nossos tempos, um campo inexplorado, uma incógnita que diz respeito ao pro cesso de formação da personalidade. A persistência de uma tal ignorância no grau de civili zação em que nos encontramos deve ter raízes misteriosas. Alguma coisa permanece sepulta no inconsciente e é revestida de preconceitos difíceis de serem superados. Para que comecemos a exploração científica desse imenso cam po obscuro que é o espírito humano, é necessário superar esses fortes obstáculos. Sabemos somente que na psique hu mana existe um enigma ainda não desvendado pelo nosso interesse, como sabíamos a algum tempo atrás que existia uma imensa extensão de gelo no Pólo Sul da Terra. E eis que hoje é feita a exploração antártica sendo encontrado um continente sepulto, cheio de maravilhas e riquezas com lagos quentes e muitos seres viventes, mas para se chegar até lá foi preciso vencer obstáculos tão grandes quanto a espessura dos gelos que o recobriam e a friagem de um clima diferente do nosso. O mesmo se pode dizer da exploração daquele pólo da vida humana que é a criança. O homem em idade mais avançada (a criança, o ado lescente, o jovem, o adulto) provém para nós do desconhe cido e avaliamos seus vários aspectos assim como são en contrados.
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Nôsãos esforços para conduzir o homem nessas várias idades sao ainda empíricos, superficiais. Avaliamos como culincapazes, a aparência, os efeitos, sem nos preocupfuüio« com a« causas que os produzem. Acertadadamente, chama jardim da infância à escola das crianças de 4 mu g fuioH de idade. Podemos chamar desta maneira a Indas g» rseolai, especialmente as melhores, aquelas onde sitt. «e procura o bem e a felicidade das crianças, paia distingui-las das outras onde ainda reina uma cruel tiíafija: pois nas escolas que respeitam o ideal froebeliano, os edm adotes s«i comportam como os bons jardineiros e os bons rultÍv*dor©i das plantas. Atrás do bom cultivador está o cientista. O cientista iíi Ritiga os segredos da natureza e adquire através de suas dest uIhuIhn conhecimentos profundos que podem conduzii‘ > nlo só a «valiá-la, mas também a transformá-la. Os cul tivadores modernos, que multiplicam as variedades das fiorei e da» frutas, que beneficiam as florestas, que mudgiH, pod«moi dizer, a face da terra, têm colhido seus prin. ipins técnicos na ciência e não em seus hábitos familiares. Assim também, as flores maravilhosas, de fantástica beleza, •ií n avos multicoloridos, as orquídeas soberbas, as rosas gi gantescas, perfumadas e sem espinhos, as várias frutas matavilhnsas que têm mudado a face da terra, são o produto do homem que estudou as plantas cientificamente. Foi a ciên cia qu® fez surgir uma nova técnica, foi o cientista que deu o impulso para a construção de uma verdadeira supernatutmgá fantasticamente mais rica e mais bela do que aquela qu# uós hoje chamamos de natureza selvagem. O ESTUDO DO HOMEM Ne a ciência comèçasse a estudar os homens, conse guiria náo mó fornecer novas técnicas para a educação das 11 tflhÇai O dos jovens, mas chegaria a uma compreensão p».»funda de muitos fenômenos humanos e sociais que estão ilude envolvidos em espantosa obscuridade. A base da reforma educativa e social, necessária aos fUh», deve ser construída sobre o estudo científico do homem desconhecido. Mas, como já disse, há muitos obstáculos para se fazer êgae estudo científico, pois os preconceitos acumulados em milênios estfio solidificados como majestosas geleiras quase Inacessíveis, sendo para isso necessária uma exploração co-
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tajoga, uiriM luta contra elementos adversos, para as quais •*!'> bttHlmn as armas habituais da ciência, isto é, a obseriftÇie e a experimentação. E*l© estudo do homem espiritual, da psicologia, é um movimento intelectual que está se difundindo desde os pri meiros unos deste século. O que diz resepeito ao subconsciente f<»i uma descoberta fecunda. Ela teve início através de estu da adultos doentes mentais, estendendo-se depois a indi víduos normais. Mais recentemente a psicologia infantil tamMin dômeçou a interessar os estudiosos. Enquanto esses estudos concluíam que atualmente quaí# tõdos os homens têm algumas imperfeições, as estatísti cas revelavam de maneira indiscutível a quantidade sempre n ascente dos loucos e dos criminosos e o aumento do nú mero dos menores, o que nos faz pensar nos danos que des viam ri humanidade. As condições sociais, produto da nossa civilização, co locam evidentemente obstáculos no desenvolvimento nor mal do homem. Não foram criadas ainda para o espírito as mesmas defesas criadas para a higiene física. Enquanto hoje são controladas e utilizadas as riquezas da terra e suas energias, não foi levada em consideração a energia suprema que é o intelecto do homem; enquanto são explorados os ebismos das obscuras forças naturais, não foram iluminados os abismos do subconsciente. O homem psíquico, abandona do às circunstâncias externas, está se tornando um destruidor de suas próprias construções. Pode-se por isso conceber um movimento universal de reconstrução, como o único caminho para ajudar o homem it conservar o seu equilíbrio, a sua normalidade psíquica e ci sua orientação, nas atuais circunstâncias do mundo exter no. Esse movimento não se restringe a nenhuma nação e a nenhuma direção política, porque tem em mente valo rizar simplesmente o homem, que é o que essencial mente interessa, acima de todas as políticas e das distinções na cionais. É evidente que para um tal movimento não bastam mais os conceitos das escolas antigas, onde se ensina de forma não condizente com os nossos tempos. A educação é um fato social e humano, um fato de interesse universal.
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Ela deve basear-se na psicologia, para defender a in dividualidade, orientando-a para a compreensão da civili zação, porque a personalidade, protegida das desordens dos acontecimentos, torna o homem consciente da sua posição real na história. Não é evidentemente um syllabua ou um arbitrário aquele que informa a cultura de hoje, mas ocorre um syllabus que dá capacidade de compreender as condições do homem na sociedade atual, com uma visão cós mica da história e da evolução da vida humana, pois de que serviria hoje a cultura se não ajudasse os homens a conhe cer o ambiente do qual devem adaptar-se?„ Enfim, os problemas da educação devem ser resolvidos baseados em leis de ordem cósmica que vão daquela eterna construção psíquica da vida humana, àquela mutabilidade que conduz a sociedade nos caminhos da sua evolução. O respeito às leis cósmicas é o respeito fundamental. Somente através dele pode-se julgar e modificar as inúme ras leis humanas que se referem ao momento passageiro das construções sociais externas. A SOCIEDADE ATU AL Podemos constatar que o progresso maravilhoso do am biente está cerceando o desenvolvimento humano. Que o ho mem encontra grande dificuldade em adaptar-se, sofre e se degrada. Poder-se-ia dizer que as forças do progresso exterior são semelhantes às forças de um povo poderoso que invade e submete um povo fraco e como acontecia nas guerras bár baras, o submisso é feito escravo. Hoje, a humanidade está vencida e escravizada pelo seu próprio ambiente, permanecendo fraca. A escravidão vai crescendo rapidamente, tomando uma forma diferente da do passado, das lutas entre povos fortes e vencedores e povos fracos e vencidos. Mas, atualmente, a impotência humana atinge o mais alto grau. Hoje não há mais segurança. Não podemos salvar as riquezas. O dinheiro que está no banco pode ser, de um mo mento para outro, perdido inteiramente. Se alguém preten de acumular riquezas escondendo-as como se fazia na Ida de Média, enterrando os tesouros, o dinheiro pode perder todo o seu valor e’ ser retirado de circulação. O dinheiro de um país não pode ser exportado. Uma pessoa, ainda que rica, não pode viver em outro país porque é proibido levar consi-
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f.-.i fliiihei»n m Jóia«, se arriscando a ser revistada e despojada =i^ àsuã i^n» na Alfândega, como se a propriedade fosse um f iy lf t N,i go pode viajar com passaportes que são somente obsu!,,g par« o indivíduo e não mais uma proteção como era nr» passado. Nn própria pátria é necessário andar portando e . ai ttiiH de identidade, com retrato e impressões digitais, f umo iiati acontecia nem para os criminosos. Para poder comprar somente o necessário para a sobreIvlncía é preciso, toda vez, apresentar um cartão, sem o ijüil nfco se recebe nem mesmo o pão, coisa que acontecia ãiHigaintnte só aos pobres que viviam de esmolas. Ninguém tmn sfigurença na vida, pois pode acontecer, de uma hora pata outra, uma guerra absurda, onde todos, jovens e velhos, mulhéie» e crianças, estarão em perigo de morte. As habitatr.êi g#rã0 bombardeadas e as pessoas precisarão refugiar-se èm subterrâneos, da mesma forma que os homens primitivos sm iRÍugiavam em cavernas para se defender de animais fefOfCI, O alimento pode desaparecer e milhões de homens mor rerão de fome e peste. Eis o homem estraçalhado e nu, que se move rijo e ge lado pelas intempéries. As famílias se dividem, se destroem; es crianças ficam abandonadas e andam em bandos como èelvngens. Isto não é só para as populações vencidas na guerra; é pera todos. A própria humanidade é que foi vencida e feita
escrava. Por que escrava? Porque, vencedores ou vencidos, os homens são todos escravos, inseguros, amedrontados em dú vidas, em hostilidade, obrigados a se defender com espiona gem e patifarias, assumindo e alimentando a imoralidade co mo forma de defesa. A fraude, o latrocínio tomam novos aspectos e representam o modo de sobreviver onde as restri ções chegam ao absurdo. A covardia, a prostituição, a violên cia tornam-se formas habituais da existência. Os valores es pirituais e intelectuais que uma vez honravam os homens, estão perdidos. Os estudos são áridos, fatigantes, sem eleva ção, tendo somente o objetivo de encontrar um trabalho que, todavia, é incerto e inseguro. O impressionante é que a humanidade, que jaz em uma terrível escravidão, grita, como num estribilho esteriotipado, que é livre ou independente. Este miserável povo degradado díz que é superior. O que aconteceu com esses inflizes? Pro curam como bem supremo isto que chamamos democracia,
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isto é, que o povo possa dar sua opinião do modo como é go vernado, j>o8sa votar nas eleições. Mos o voto não é uma ironia? Escolher quem governa! Quim governa não pode libertar nenhuma das cadeias que ligam tudo, que impedem cada atividade, cada iniciativa e todo poder de proteção. O proprietário é misterioso. O tirano é onipotente como um deus. É o ambiente que devora e tritura o homem. Outro dia, um jovem padeiro que trabalhava numa gran de máquina de fazer pão, prendeu uma das mãos entre as engrenagens e estas agarraram depois todo o seu corpo e o mastigaram. Não é por ventura isto um símbolo das condi ções nas quais permanece esta humanidade inconsciente e ví tima de seu destino? O ambiente é comparável àquela má quina colossal, capaz de produzir fabulosa quantidade de ali mento e o operário abatido representa a humanidade deses perada e imprudente, que permanece presa e magoada por aquilo que deveria trazer-lhe abundância. Eis um aspecto do desequilíbrio entre o homem e o ambiente, do qual a hu manidade deve livrar-se, fortalecendo a si própria, desenvol vendo seus próprios valores, livrando-se de sua insensatez e tornando-se consciente de seu próprio poder. É necessário que o homem reúna todos os seus valores vitais, suas energias, crescendo e preparando-se para sua liber tação. Não é mais tempo de combater uns aos outros, de pro curar subjugar, deve-se ver o homem somente com o objeti vo de elevá-lo, de despi-lo das íeis inúteis que é&tão sendo criadas e que o empurram através do abismp da loucura. A força inimiga está na impotência do homem a respeito de seus próprios produtos, está na parada do desenvolvimen to da humanidade. Bastaria, para vencê-la, que o homem rea gisse e fizesse uma preparação diferente do ambiente que ele mesmo criou. O OBJETIVO DA NOVA EDUCAÇÃO Pode parecer que estamos nos afastando do primitivo argumento que era a educação, mas este divagar deve abrir novos caminhos que são necessários percorrer; Como se ajuda um doente no hospital, a fim de que pos sa recobrar a saúde r. continuar a viver, queremos ajudar a
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humanidade e salvar-se. Devemos ser os enfermeiros neste vasto hospital que é o mundo. É necessário levar-se em conta que o problema não se restringe à escola, como são concebidas hoje, e não diz res peito a métodos de educação, mais ou menos práticos, mais ou menos filosóficos. Ou a educação contribui para um movimento de liber tação universal, indicando o modo de defender e elevar a hu manidade, ou torna-se-á semelhante a um órgão que se atro fiou por não ter sido usado durante a evolução do organismo. Existe em nossos dias, como dissemos, um movimento científico todo novo, que se apresenta com resultados desli gados tendentes a uníficarem-se no futuro. Este movimento, entretanto, não se encontra propria mente no campo da educação, mas sim no da psicologia. Tam bém na psicologia não encontramos uma preocupação peda gógica (conhecer o homem para educá-lo), mas sim, a preo cupação que vem de encontro aos sofrimentos e às anormaliriH dos homens, principalmente dos adultos. A nova psicolo gia por isso nasceu no campo da medicina e não no da edurnçlo, Esta psicologia da humanidade doente foi levada tam bém às crianças agitadas e infelizes, com energias vitais re|H(íiiíiImh o recolhidas na anormalidade. Daste modo, este é o movimento científico que está naspara colocar uma barreira aos males espalhados, ajuffaíidm 0« ulmos confusas e desorientadas. É este movimento que precisa sor ligado à educação. Creiam-me os tentativas da assim dita educação moder na, f|u# procuram simplesmente livrar as crianças das supost i i ffpliSióe», não são o melhor caminho. Dei«ar o aluno fazer aquilo que quer, diverti-lo com leçgã m upaçftas. levá-lo quase a um estado de natureza selva gem nio é o suficiente. Não se trata de “liberar” algumas Ifls, í preeilg rtwvn&trüir e a reconstrução requer a elaboraeI h f|@ ume "elêndfl fio espírito humano” . É um trabalho pagffeliti, um Mahallio feito de pesquisas, para o qual devem fggtHhuii ffiilhaiãs tia |>r*fiuoos que se dedicam a esse intento. A.j.mU qn. trabalha paru essa reconstrução deve estar iSlEfêlidy p®f Uftí ideal grandioso, bem maior do que os ideais pdilffeMi fpiè têm promovido melhoramentos sociais, levando Bi#? a vida material de grupos humanos opri^-Lí—; injustiça # na miséria.
Esse ideal é universal, é a libertação de toda a huma nidade, sendo necessário muito trabalho paciente neste cami nho de libertação e de valorização do homem. Observamos no campo das outras ciências quantos tra balham fechados em seus laboratórios, observando as células em microscópios e descobrindo as maravilhas da vida; quan tos em gabinetes químicos experimentam realizações, desco brindo os segredos da matéria; quantos trabalham para isolar a energia cósmica* a fim de conquistá-la e utilizá-la! São estes inúmeros trabalhadores, pacientes e sinceros, que têm impul sionado a civilização. Alguma coisa semelhante, como já havíamos dito, é pre ciso, portanto, também fazer para o homem. Mas, o ideal, o fim a que se propõe deve ser comum a todos. Ele deve al cançar aquilo que os livros religiosos dizem a respeito do ho mem: “Specie tua et pulchritudine tua intende, prospere pro cede e regna”1, o que podemos parafrasear dizendo: “Com preenda a ti mesmo e a tua beleza refletir-se-á no ambiente rico e pleno de milagres e reina sobre ele”. Poderão me dizer: “Sim, isto é belo e fascinante, mas cs crianças crescem, os jovens tornam-se homens e não se po de esperar uma elaboração científica, porque nesse ínterim a humanidade será destruída”. Eu responderei: “Não é necessário que o trabalho de pes quisa seja concluído. Basta compreender a idéia e proceder sobre as suas indicações”. Entretanto, uma coisa atualmente já se tornou clara; a pedagogia! não deve ser guiada, como no passado, pelas idéias de alguns filósofos e filantropos que estavam impelidos por sua simpatia, por sua caridade. A pedagogia deve ressurgir ajudada pela psicologia aplicada à educção, à qual convém dar rapidamente um nome diferente: Psicopedagogia. Nesse campo, deverão surgir muitas descobertas. É in dubitável que, se o homem permanece ainda desconhecido e reprimindo, a sua liberação vital deve causar assombrosas re velações. É sobre estas revelações que a educação deverá continuar, assim como a medicina comum se baseia na “vis medicatri natural” sobre forças curativas que já se encontram na natureza e a higiene se baseia em conhecimentos de fi siologia, isto é, nas funções naturais do corpo. Ajudar a Vida, eis o princípio fundamental.
* — Toma consciência da tua beleza e da tua formosura e então prosperás e reinarás. (N.T.)
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Na hora em que puderem ser reveladas as vias naturais sobre as quais procede o crescimento psíquico do indivíduo, não estará a criança colocada em condições de revelar-se a si mesma? Eis então que o nosso primeiro mestre será a pró pria criança, ou melhor, o ímpeto vital com leis cósmicas que conduzem inconscientemente, não isto que chamamos a “vontade da criança” , mas o misterioso querer que dirige a sua formação. Posso afirmar que as revelações da criança «ão são difí ceis de se obter. A verdadeira dificuldade reside nos antigos preconceitos dos adultos com relação à criança, nas cegas in compreensões e nos mimos, que são formas de educação ar bitrárias, baseadas somente no raciocínio e ainda mais sobre o inconsciente egoísmo do homem, e no seu orgulho de do minador, chegando a esconder os valores da sábia natureza. A nossa contribuição, por enquanto pequena e ainda in completa, insignificante no campo científico da psicologia, iervirá, porém, para ilustrar este enorme obstáculo de pre conceitos que podem apagar e destruir as contribuições da nossa isolada experiência. Se tivéssemos êxito em somente provar a existência des ití preconceitos, já teríamos obtidos um benefício de impor tância geral.
/ REVELAÇÕ ES DE ORDEM N A T U R A L NAS CRIAN ÇAS E SEUS OBSTÁCULOS Revelações e obsfáculos . . . . b'()COfdamo-nos bem de como foi iniciado nosso estudo. Cerca de 40 anos atrás, um grupo de crianças revelou ym fenômeno inesperado e maravilhoso. l!«t© fenômeno foi chamado “a explosão da escrita”. AlgMiüâs nimiruí começaram espontaneamente a escrever e is§i» m propagou logo a um grande número delas. Foi uma ver dadeira explosão em conjunto de atividades e entusiasmo. Aqueles pequenino* carregavam como uma espécie de procisãêti triunfei <• alfabeto, com gritos de alegria. Escreviam inte Cobriam o chão e as paredes com sua escrita tffffrilV fl Heus progresso* foram fantásticos e miraculosos. depois, poi si só, aprenderam a ler escritas diferentes, éinsivas e Impressa», letras minúsculas e maiúsculas, e por fim fes« iíiíi9 p.3|»m ials, arllatica* e góticas.
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Examinemos um pouco esta primeira revelação. Era evídentemente uma revelação de ordem psicológica e bastante forte para chamar a atenção do mundo. Era uma espécie de milagre. Contudo, qual foi a reação especialmente dos cientistas da época? A escrita miraculosa não foi atribuída a um fato psí quico, mas a um ‘‘método de educação”. Escrita e natureza não se podia juntar. A escrita é a conseqüência, em geral, de uma paciente e ingrata preparação na escola, é uma recordação de áridos esforços, de penas su portadas, de castigos infligidos e de tormentos para todos que são alfabetizados. Deveria ser um método verdadeiramente maravilhoso aquele que tinha êxito em obter resultados tão brilhantes em uma idade precoce. A curiosidade surgiu em torno deste método educativo que oferecia a prova de haver finalmente encontrado um meio para vencer rapidamente o analfabetismo, que é encontrado nas populações, mesmo nas mais civilizadas. Quando apareceram alguns professores da Universida de dos Estados Unidos da América para estudar pessoal mente este método, o único material que eu tinha para mostrar eram as letras do alfabeto, separadas uma das outras, letras que tinham a forma de objetos manejáveis e móveis e de grandes dimensões. Alguns destes professores se ofenderam, acreditando que eu zonbava deles, sem respeitar sua dignidade. Em outras esferas começaram a dizer que em tudo isso não havia serie dade, que falar em milagres era uma mistificação. Sabendo então que em vez de livros comuns, usávamos objetos, que poderiam ser adquiridos ou vendidos, tinham medo de imiscuir-se em coisas de comércio. Uma espécie de amor próprio afastava da atenção dos grandes esta manifestação que todavia estava ligada a uma incógnita de ordem psico lógica. E assim surge um obstáculo, uma barreira intrans ponível entre aquela experiência iluminadora e as pessoas que pertenciam à alta esfera cultural, aquelas que pela sua cultu» *» superior teriam podido dècifrá-la e utilizá-la. Vejamos uma outra forma de preconceitos. Os pequeninos que escreviam infatigavelmente eram uma realidade que centenas e milhares de pessoas podiam constatar. Muitas pessoas puderam se convencer de quo as letras do alfabeto eram simplesmente ali colocadas, isol.i.l e nenhum professor fazia esforços para ensinar a escrs 22
As crianças, isto sim, faziam evidentemente esses progressos por si mesmas. Qualquer um podia pensar então que todo segredo con I \ sistia em haver feito das letras do alfabeto objetos isolados e móveiá. Que descoberta simples e genial! Por que — diziam muitos com mágoa — por que eu não pensei nisso antes? Mas, disse alguém, não é, de fato, uma descoberta. Já na Antigüidade Quintiliano usou um alfabeto móvel deste gênero. E assim, caso eu tivesse querido aparecer como uma genial inventora, seria desmascarada. Ê curioso entretanto constatar a inércia mental, assim difusa, que se fixava somente no objeto externo, sem ver a possibilidade de encontrar algum novo fato psicológico que considerasse a criança. Uma verdadeira barreira mental comum a todos, cultos e incultos. Todavia, era simples pensar: Se a História recorda ainda o alfabeto móvel de Quintiliano, deveria recordar ainda mais as realizações a ele devidas. Será que pessoas entusiasmadas, cheias de alegria, per correram as ruas de Roma carregando letras do alfabeto como se carregassem bandeiras? A população, através da quele mágico contato, aprendeu a escrever por si só, sendo «s ruas de Roma e as paredes das casas recobertas de palavras escritas? Todos aprenderam a ler sozinhos, não só Mi ui romanas, mas também as gregas?... A História haveria por certo registrado esse fato impo nente mas. ao contrário, recorda somente as letras móveis, líítfto não são as letras que têm um influxo mágico; a magia filo estú nas letras mas sim na psicologia da criança. NinjfUém atf» agora chegou a admitir isso. Âquelei preconceitos de não crer no extraordinário, a ¥§F§BíihM *1« mostrar-se crédulo para quem quer manter sua dfiíiidade r superioridade cultural é comum e é um dos que escondem o novo e inutilizam uma descoberta. t Ijhh
Ôü homens de cultura superior são os que deveriam m t Ê i m m , tornar se ob exploradores destes campos, uma Ikmmhiu mental e emocional impedindo as mjE já i».»iir-«iMii o gosto pelos contos de fadas da ij sgiirto ram giauutiur uma exceção para esta regra.
Já o famoso banquete de Vangelo exprime este fato eterno, simbolicamente: é necessário um certo grau de simplicidade e de pobreza para entrar em novos reinos. Uma história pitoresca que se refere a este fato é encon trada nos milagres dos cavalos de Elbefld, os quais se expri miam por meio de um alfabeto e faziam cálculos matemá ticos. O público afluiu, gente comum e também cientistas. Mas o Dr. Pfungst, aluno do laboratório de psicologia de Berlim emitiu sua opinião: “Os experimentos com cavalos eram causados por terem sido adestrados e não pela suposta inteligência dos mesmos”. Dessa maneira, o interesse desa pareceu, os cientistas que estavam interessados se afastaram e o velho Von Osten que havia feito a descoberta sobre seus amados cavalos, morreu humilhado. Depois dele, entretanto, um jovem, Kroll, repetiu as mesmas experiências com os cavalos de Von Osten e com outros cavalos cujos milagres psíquicos eram melhores, especialmente para matemática. Desta vez os cientistas tiveram coragem e muitos deles aceitaram o fato, mas por não poder explicá-lo, o colocaram no campo da psicologia. Assim fizeram Kraemer, Ziegler de Stoccarda, o professor Beredka, do Instituto Pasteur, o Dr. Claparède, da Universidade de Genebra, Freudenberg, de Bruxelas, e muitos outros. É necessário notar que se tratava de cavalos. Com rela ção à criança existe um maior número de preconceitos acumulados e de interesses práticos, sobretudo o interesse de defender a criança dos esforços mentais e dos precoces trabalhos intelectuais. As crianças são para todos, seres va zios, às quais convém somente os jogos, o sono e os contos fantásticos; um trabalho mental sério para tão delicadas criaturas parece sacrilégio. Ainda mais depois das insistentes publicações da senhora Bühler, mulher de um conhecido psicólogo de Viena e pessoa de alto relevo na psicologia experimental. A Sra. Bühler chegou à conclusão de que as faculdades mentais das crianças, antes dos cinco- anos, são absolutamente negativas para toda forma de cultura. Dessa maneira, foi ela a mensageira, em nome da ciência, de um abafamento em nossas experiências, sendo estas atribuídas unicamente a um método de educação incerto e discutível. Então começaram as críticas; foi dito primeiramente que não era necessário sacrificar a vida mental dos peque ninos para obter resultados inúteis porque um pouco mtiw tarde, depois dos seis anos de idade, todos podem aprendei
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a ler e a escrever e se sabe com quanto esforço e sacrifício. Ê preciso afastar a primeira infância do trabalho penoso do estudo! Cleparède, grande autoridade em pedagogia, des creveu por conta da New Education Fellowship os males que atingem os escolares por causa do estudo na escola! Ê verdade, disse Claparède, que estudar é uma necessidade da nossa civilização, mas se o estudar produz nas crianças um mal é preciso prejudicar o menos possível! Dessa ma neira as escolas novas procuraram eliminar e pouco a pouco conseguiram que fossem eliminados dos programas muitos estudos não necessários, como a geometria, a gramática, muitas partes da matemática etc., substituindo-os pelos jogos ao ar livre. O mundo oficial da educação diante disso, separou-se do nosso trabalho. Quanto aos professores que aprenderam conosco, eram principalmente pessoas dedicadas à educação nas creches* froebelianas, e unindo os jogos de Froebel com o nosso material científico de desenvolvimento mental che garam à conclusão de que todos os dois eram bons, podendo ser usados cm conjunto desde que não fosse introduzido o alfabeto, a escrita ou matemática nas escolas das crianças de tenra idade. Foram, pois, os professores das classes elementares que tentaram a experiência com o alfabeto, não chegando a provocar nenhum entusiasmo, nenhuma explosão. Restou somente nas escolas comuns um modo mais livre de estudar e de dar ocupação individual e objetiva. O milagre foi oficialmente desmentido, não chegando a interessar à psicologia moderna. Ficou para mim o trabalho <1e indagar cs segredos da psicologia infantil revelados nessa e xperiência, porque ninguém melhor do que eu podia isolar a.jueles fatos reais da influência educativa que o pudessem te» provocado. Era evidente para mim que alguma energia, particular fri crianças daquela idade, se manifestava e por tanto existia. Me rímo que a experiência ficasse limitada somente àquele primeiro grupo de crianças, o fato representava a descoberta >iê pofleies que permaneciam ocultos na psique infantil. Oalvani não pensou que fosse um milagre quando viu movei «*# urna rã morta que estava na balaustrada de sua jciHêlá Hfi houvesse pensado que se tratava de um milagre dê Fêgayrrêiçiio ou de uma ilusão ótica, estaria dissipada «qugiã t ut iosidada insistente de sua inteligência indagadora, i s # >i iiioita se* move, então deve haver uma energia que
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a faz mover-se, e desta forma foi descoberta a eletri cidade. A manifestação da eletricidade e suas aplicações esta vam distantes daquele fenômeno revelador, Mas se alguém quisesse literalmente repetir a experiên cia, para prová-la, não obteria o milagre e acreditaria ter sido uma ilusão indigna de entrar para o campo da ciência. Revelações anteriores As nossas crianças não foram as primeiras a revelarem energias psíquicas que permanecem geralmente escondidas, mas foram as mais jovens. Aconteceram revelações anterio res com crianças de idade muito mais avançada, isto é, de mais de sete anos. A história da pedagogia conta os milagres da Escola Stanz de Pestalozzi. De repente, seus alunos começaram n ter progressos imprevistos. As crianças faziam coisas supe riores à sua idade; alguns tiveram em matemática progressotais que fizeram com que os pais brassem os filhos da escol > psstalozziana, temendo que estes se fatigassem mentalmentr Pestalozzi, descrevendo o trabalho espontâneo, infatigável, seguido de prodigiosos progressos, faz uma confissão eloqüen te do fato, pois para ele eram estranhos aqueles fenômenos maravilhosos: Eu era somente um estupefato espectador. Depois, a chama se apagou sob a benevolência e os cuidados afetuosos de Pestalozzi e tudo voltou à normali dade. É bastante interessante saber o que pensaram seus admiradores, especialmente os suíços que se orgulhavam de le. Todos julgaram o fenômeno de Stanz como um período de loucura de seu herói e ficaram felizes por ter ele voltado a fazer um trabalho sério. Assim, a pedagogia triunfou, sepultando uma revelação de ordem psicológica. Tolstói também descreve algo semelhante ocorrido com os pequenos camponeses que e*le educava com muito entusias mo e carinho na Escola de Isnaia Poliana. De repente as cri anças se apaixonaram pelas leituras bíblicas, indo à escola pe la manhã, mais cedo que de costume, para, por si só, lerem in fatigavelmente, mostrando uma alergia que nunca havia se ma nifestado antes. Também aqui Tolstói conseguiu um “retorno à normalidade”. Quantos fatos semelhantes devem ter acontecido duran te a vida de crianças que não conhecemos, por não estarem 26
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perto de alguém que pudesse imortalizá-los na história da pedagogia! II — Forma mental da Infância Existe então uma energia interior que por si mesma tende a manifestar-se, mas que permanece sepulta sob as barreiras dos preconceitos universais. É uma forma mental da infância que nunca foi reconhecida. Era, de fato, uma forma mental, e não só o fenômeno explosivo da escrita, que se revelou nas minhas crianças da primeira escola de S. Lorenzo. Acontecia que, ditando a elas palavras muito longas e também em língua estrangeira, elas as reproduziam foneti camente com o alfabeto móvel, mesmo tendo-as ouvido pro nunciar somente uma vez. Todos os que têm lido meus livios conhecem esses fenômenos. Ditávamos, por exemplo, pala vras como Darmstadt, Sangiaccato di Novi Bazar, precipitevolissimevolmente, etc. O que era aquilo que fixava na mente das crianças aquelas palavras complicadas, de modo que elas pareciam Aprisionadas na mente com tal segurança como se tivessem sido esculpidas? E o mais maravilhoso era a calma e a sim plicidade das crianças, como se não estivessem fazendo imnhum esforço. É bom esclarecer que elas não escreviam U&ando um lápis, mas deviam pegar cada letra nas diversas i ^partições do alfabetário. A procura não é fácil. Procurar h letra, apoderar-se dela, colocá-la ao lado de outras letras Já depositadas a fim de completar a palavra, haveria distiâído a atenção de qualquer um de nós. ICste fato maravilhou especialmente os técnicos de edufa çlo comum, porque sabemos o quanto é difícil o ditado nus PHColas elementares, sabemos quantas vezes uma boa piotesNora deve repetir a palavra para que a criança a escre va, mesmo quando a criança tem oito ou mais anos de idade, () motivo é que a criança, enquanto escreve se esquece.' g pm lano, nos primeiros tempos, os ditados são somente «1ê palavra* curtas e conhecidas. Hftordemos um fato pitoresco acontecido com o inspe tor Di Drmoto quando veio visitar a escola, com aspecto corno um homem bem precavido contra as possíveis fidiiiííi aro««, Não quis ditar palavras longas e difíceis sob 3i qnsla podiêl «*conder-8e um truque. Ditou simplesmente ü y nsm i, Dl Donato, a uma criança de quatro anos. Esta
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evidentemente não compreendeu bem a pronúncia, compre endeu Ditonato e colocou como terceira letra um T. O inspe tor, devotado a seus métodos educativos, corrigiu rapida mente repetindo mais claramente seu nome: Di Donato. O menino não se confundiu, para ele é claro que não se tratava de correção de erro e sim de não haver ouvido bem. Pegou o t, e em vez de colocá-lo na repartição do alfabetário, deixou-o de lado sobre sua mesa. Compôs com tranqüilidade o nome e quando chegou ao fim utilizou o t que havia deixado de lado. Então, o nome estava todo impresso em sua mente e a interrupção não trouxe nenhuma dificul dade. Ele sabia desde o começo que precisava de um' t para completar o nome. Foi isto que impressionou vivamente o inspetor. O erro foi a mais eloquente prova da verdade. Confesso que não acreditava neste fato surpreendente mas agora estou convencido. Devo dizer: Incrível, mas verdar deiro! Depois sem pensar em louvar a criança como havia pensado em corrigi-la, disse-me: Congratulo-me com a se nhora! É realmente um método notável. Ê necessário aplicáo nas escolas. Eis que, para um técnico de educação, podia existir somente um método melhor ou pior. O fato psicoló gico permanecia estranho. A barreira de preconceitos de um educador tornava impossível a compreensão do fenômeno. Com os métodos comuns — disse — nem mesmo uma criança de nove anos poderia fazer o mesmo. O cumprimento era dirigido a mim. Todavia tratava-se de uma questão de memória. A idéia de que pudesse existir uma forma de memória diferente daquela das crianças maiores era inconcebível. A criança pequena devia ter uma memória mais fraca que a das cri anças mais velhas. Mas o que havia na memória dos pequeninos? Eviden temente a palavra estava esculpida em sua mente com todos os detalhes dos sons que a compunham e numa ordem exata. A palavra se imprimia, permanecendo inteira na mente e nada podia cancelá-la. Aquela memória tinha uma qualidade diferente: colocava na mente uma espécie de visão e a criança copiava com segurança aquela visão clara e fixa.
A M NEM E Poderá haver também uma memória diferente da nossa mente consciente e desenvolvida?
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Quando hoje os psicólogos modernos consideraram uma outra forma de memória no inconsciente, que pode fixar-se também através das gerações, reproduzindo exatamente ca racterísticas da espécie, quiseram dar-lhe um outro nome: Mneme. A Mneme, nas suas infinitas gradações, baseia-se nos próprios fatos da vida e da eternidade. Após esta consta tação, poder-se-ia reconhecer, na mente da criança de qua tro anos, uma fase de desenvolvimento psíquico na qual a mneme está propriamente no limear da memória consciente, quase a confundir-se com esta, manifestando-se, todavia como a última característica de um fenômeno que tem pro fundas raízes. Aquele último indício da mneme vinha de muito longe e estava ligado às forças criadoras da linguagem. A lingua gem materna já estava formada no inconsciente, e com pro cedimentos diferentes dos da mente consciente. Esta é a linguagem que se fixa na personalidade como uma caracte rística da raça e que é diferente das línguas estrangeiras que podem ser adquiridas com a ajuda da memória consci ente: linguagens sempre imperfeitas, que são mantidas so mente com exercícios contínuos. É claro que as letras móveis representavam um objeto relacionado aos sons fixados na mente da criança e provo cavam a linguagem tangível no mundo externo. O interesse demonstrado pela escrita provinha de dentro; era ainda vibrante uma sensibilidade criativa, como aquela destinada pela natureza para fixar a linguagem falada no homem e era esta sensibilidade que despertava o entusiasmo pelo alfabeto. O alfabeto italiano tem somente vinte e um sons e com ejp-B podem ser compostas todas as palavras, infinitas, a ponto de não ser possível contê-las em um volumoso dicio nário. F.ssnn vinte e uma letras eram, pois, suficientes para tppiesentar o patrimônio de palavras que a criança havia à iumulado durante o seu desenvolvimento; para fazer expiodii, íjuatie de improviso, toda a linguagem acumulada e sufi» iente para a criança viver com entusiasmo o seu miIfiffOi A D ISCIPLIN A Etaiuineino* outros sérios preconceitos que foram grand«# ubstéml«» pai« a compreensão do nosso trabalho.
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Recordemo-nos das questões sobre disciplina e veremos o fenômeno estupendo apresentado por aquelas crianças que, deixadas livres para escolher suas ocupações, para fazer sem perturbação seus exercícios, ficavam em ordem e silenciosas. Eram capazes de permanecer assim todo o tempo, até mesmo quando a professora estava ausente. A conduta co letiva de harmonia social e a qualidade de suas caracterís ticas, sem inveja, sem competição, levavam, em vez disso, a ajudas recíprocas e causavam admiração. Elas eram aman tes do silêncio e o procuravam como a um verdadeiro prazer. A obediência desenvolvia-se em sucessivos graus de perfei ção, levando finalmente a uma obediência feita com prazer, dir-se-ia, com ansiedade de obedecer muito semelhante a dos cães, quando seu dono arremessa longe um objeío para que ele lhe traga de volta. Para obter este estranho fenô meno a professora não contribuía ativamente, pois ele não era conseqüência direta da educação e por isso, não havia ensinamentos nem exortações, nem prêmios nem castigos, tudo acontecia espontaneamente. Portanto, este fato inusitado devia ter alguma causa, ser produto de alguma influência. Aos que me solicitavam explicação, eu podia somente responder: Ê a liberdade; da mesma forma que para a explosão da escrita eu havia res pondido: É o alfabeto móvel. Recordo que um Ministro de Estado, sem excessiva observação ao fato da espontaneidade, disse-me: A Senhora resolveu um grande problema: soube reunir disciplina e liberdade. Este não é um problema que diz respeito à admi nistração da escola, ê um problema que diz respeito à administração das nações. Evidentemente, também neste caso. estava subentendi do que eu tivesse o poder de obter tais resultados. Eu havia resolvido um problema. Era mesmo impossível, dada a men talidade das pessoas, conceber esta outra idéia: Na natureza das crianças pode advir a solução de um problema insolúvel para nós, deles vêm a fusão das coisas que para nós são contrastantes. Seria justo dizer: Estudemos também estes fenômenos! Trabalhemos juntos para penetrar nos segredos da psique humana! Mas, que do interior da alma infantil, pudéssemos tirar qualquer coisa de novo, útil para todos nós, oualauer luz sobre fatos obscuros da conduta humana, isto não era compreensível. É interessante recordar as opiniões e as críticas que
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vinham de toda parte: dos filósofos como dos pedagogos e das pessoas comuns. Alguns destes últimos simplesmente me julgavam uma inconsciente: Vós não sabeis o que haveis íeito e não vos apercebeis de haver concluído uma érande obra! Outros diziam como se o fato fosse uma espécie de exposição fantás tica ou um sonho que eu houvesse formado: Como pode ser desta maneira otimista com relação à natureza humana? Mas a grande luta, que não é mais interrompida, é derivada dos filósofos e dos religiosos, os quais atribuíam os fatos, que tantas centenas de pessoas haviam constatado, a opiniões minhas. Era para alguns uma seguidora de Rousseau, con cordando com ele em acreditar que tudo no homem é bom, mas tudo se destrói no contato com a sociedade e, havia colocado na escola uma espécie de romance, como Rousseau o havia colocado em um livro. Todavia, discutindo comigo, não se revelava nenhuma explicação clara ou convincente; uma pessoa conhecida es creveu num jornal muito sério: A Montessori é uma pobre lilósofa. Padres religiosos achavam-me quase contra a fé e muitos chegaram-se a mim para explicar o fato do pecado Ktiglnal. Podem imaginar o que deveriam pensar os calvinlsífiH, ou, em geral, os protestantes convictos, da maldade iíiili do homem! Ademais eram outros os princípios da filosofia relatittgg è natureza da alma humana que vinham ofender tamMm õ» princípios da técnica da educação escolar. Falava-se tjn J£6U ensinamento como de um método apriorístico, o qual ! >n prêmios e castigos, propondo-se a obter a discipliíffp eites recursos práticos. Julgaram-no um “absurdo” a também uma contradição quanto às experiências }-■ »• Ifi-iS universais e ainda um sacrilégio porque é dito que f l i y i pNMidn os bons e castiga os maus, e este é o mais real «HitfHitÁ. tilo da moral. ■ ÜiHiVt até um grupo de mestres ingleses que fizeram um públido declarando que, se fossem abolidos os casti|p| gtei ief inm demitidos de seus ofícios porque não podetfiuèer ipm castigos. t »t»| O® castigos! Não ocorreu-me que fosse uma instituiibí Índipengável, dominante na vida de toda a humanidade « lifltilí Todíit ui homens crescem sob esta humilhação. iafefi n castigo foi feita investigação da Liga das Nações, igt Ciífiêhtt; e 0 Inst ituto J. J. Rousseau organizou uma pes!rtW Education Fellowship. Foi perguntado 31
aos institutos de educação e a particulares “que espécie de caa tigos eles usavam para educar as crianças”. É curioso que, ao ■ invés de se ofenderem por uma investigação indiscreta, todos se apressaram em dar suas informações e alguns institutos pa» reciam orgulhosos de seu modo de castigar. Alguns, por exemplo, disseram que era proibido o cas tigo imediato, para que não fosse dado sob sentimentos d« ira; mas o castigo era deligentemente dado no fim de sema na, no sábado de repouso, quando se aplicava friamente « dose de castigo merecida durante toda a semana. Algumas famílias disseram: “Nós não somos violentos. Quando a cri ança faz alguma coisa errada, a mandamos para a cama sem jantar”. Não há dúvida que o castigo violento estava em gran de voga: bofetões, pauladas, insultos, encerramento, terríveis sustos imaginários. A lista conseguida pela Liga das Nações no nospo século era a continuação da sabedoria de Salomão: “Aquele que não usa o bastão com seu filho é um mau pai, porque condena o filho ao inferno”. Eu pude comprar em Londres os açoites, que se vendiam em grande quantidade e eram usados ainda pelos mestres, se bem que tal uso viesse do passado. A necessidade destes “meios indispensáveis” para a edu cação demonstra que a vida das crianças não foi e não é de mocrática, nem a dignidade humana é respeitada. Desde a Antigüidade está levantada uma barreira mais no coração do que na mente do adulto: as forças interiores da criança não são vistas pelo lado intelectual nem pelo mo ral. Nas minhas experiências, as revelações destas obscuras forças interiores haviam eliminado os castigos. Mas tudo isto surgiu tão rapidamente que, permanecia incompreensível e provocara escândalo. Deixe-me fazer um paralelo ilustrativo: quando se indi ca um objeto a um cão, apontando com o indicador a dire ção, para que vá buscá-lo, o cão olha fixamente para o indi cador e não para o objeto indicado. Seria mais fácil que o cão mordesse aquele dedo do que compreender e andar na direção em que está o objeto. A barreira dos preconceitos agia do mesmo modo, as pes soas viam em mim aquele dedo indicador e terminavam por mordê-lo. Parecia impossível aceitar simplesmente os fatos eviden tes. Deviam ser obra de qualquer pessoa que os houvesse pro duzido ou os houvesse imaginado.
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% l'-tf isso nós falamos de um ponto cego no coração do h Sm 4Ui, contudo, sabe tão bem compreender, análogo ao f ^ . ego no fundo da retina que é o órgão que vê todas as : • misai, A visão moral da criança caía “o ponto cego” -í = . 'Oíurto, cala numa barreira de gelo. K hdamoa de uma “página” na história da humanidade, tem g, g página que não foi escrita, aquela que se refere à p fë fifls
Nns volumes colossais e inumeráveis da história da humãíiiílid# nunca figura a criança e essa nunca foi levada em míita na política, na estrutura social, na guerra, ou na reenfiiirUÇÔO. O adulto fala como se somente existissem os adultos. A t •laiita faz parte da vida privada e é um objeto que suscita õç. ejpg sacrifícios por parte dos adultos merecendo castigo qUSfldo os perturba. Sonhando com um Paraíso Terrestre no inundo futuro, uma nova sociedade melhorada, vê somente a .í í í > ( Kva e a serpente. No Paraíso Terrestre não está a
g iânça. a .junies
que podem levar uma ajuda, uma luz, um ensiuma nova visão para a solução dos problemas inexfiil* Aveis, nfio penetraram ainda hoje, na mentalidade social, li ate -is próprios psicólogos não encontraram uma porta aber ta para |>enetrar no subconsciente que estão procurando des abite m decifrar só através dos males do homem adulto. ORDEM E BONDADE Para vencer as barreiras morais seria simples observaréiius b disciplina espontânea e a conduta social das crianças fio inHtHvilhosamente delicada, segura e perfeita. Quando observamos as estrelas que brilham no firma mento, e fiéis em seguir uma trajetória tão misteriosa na pos sibilidade de sustentar-se, nós não pensamos: “Oh!, como são buas bs estrelas” . Dizemos: “Como é maravilhosa a ordem da
Cfiaçlo". Na conduta das nossas crianças era evidente uma forma ti0 nrrfam da natureza. Ordem não quer dizer necessariamente bondade. Istò não demonstra que o homem “nasce bom” nem que “nasce mau” . Demonstra somente que a natureza,* no seu processo de cons truir o homem, passa através de uma ordem estabelecida. A ordem não é bondade mas talvez seja o caminho indispensá vel para alcançá-la.
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Até mesmo na organização social externa deverá haver uma ordem como fundamento. As leis sociais que regem os cidadãos, a polícia que os controla, são necessárias para obter o enganjamento social; e mesmo os governos maus, injustos e cruéis, que levam à guerra, que é o pior feito e o mais desu mano, baseiam-se na disciplina e na obediência dos soldados. A bondade de um governo e sua disciplina são coisas dife rentes. Também na escola, sem obter a disciplina dos alunos, a instrução não poderá progredir, contudo, podem haver for mas de educação boas e más. Na minha experiência, a ordem entre as crianças era proveniente da misteriosa e oculta dire tiva interna, que só podia se manifestar através da liberdade. Para conseguir aquela liberdade seria necessário que ninguém interferisse para impedir a atividade espontânea das crianças, num ambiente preparado, que satisfizesse sua ne cessidade de desenvolvimento. Antes de chegar a ser “bom” é necessário entrar “na or dem das leis da natureza”. Depois deste plano é possível ele var-se e ascender em uma “supernatureza” onde é necessária a cooperação da consciência. E quanto ao mau, à “maldade” , é portanto necessário distinguir a “desordem” da decadência em planos morais in feriores. Ser “desordenado” com respeito às leis naturais que dirige o desenvolvimento normal das crianças não é necessa riamente ser “mau”. De fato, os ingleses usam termos dife rentes para a maldade das crianças e para a dos adultos: cha mam à primeira nauéhtiness e à segunda evil ou banciness. Agora, podemos dizer com segurança: nauéhtiness infan til é uma “desordem” com respeito às leis naturais da vida psíquica em via de construção, não sendo, portanto, maldade, mas comprometendo a normalidade futura no funcionamento psíquico do indivíduo. SAÜDE E DEVASTAÇÃO Se, ao invés de “normalidade”, disséssemos “saúde”, isto é, saúde psíquica das crianças durante o crescimento, então a coisa tornar-se-ia mais clara, porque faria pensar num fato análogo às funções do corpo. Dizemos que um corpo é sadio quando todos os órgãos funcionam normalmente e isto é co mum a todos os homens, tanto aos robustos como aos delica dos ou de diferentes caracteres físicos. Mas, se qualquer órgão não funciona bem, se há neles “doenças funcionais”, que não
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% são lesões, isto é, doenças orgânicas, e sim somente funciona mentos anormais, estas doenças funcionais podem ser corrigi das com tratamentos higiênicos, exercícios e similares. Coloquemos o quadro no campo psíquico. Se são as fun ções que podem ser alteradas elas não dependem das carac terísticas das raças ou de uma forma individual, de um ego predestinado a grandes ou miseráveis coisas da vida. Tanto o gênio quanto o mais comum1 dos indivíduos deve ter certas funções estabilizadas “normalmente” , deve ser psiquicamente sadio. As crianças comumente conhecidas (instáveis, preguiço sas, desordenadas, violentas, teimosas, desobedientes etc. . . ), são “funcionalmente doentes” e podem sarar, seguindo uma forma higiênica de vida psíquica, isto é, podem “normalizarse” , parecendo então com estas crianças disciplinadas que se revelaram a princípio, trazendo tanta surpresa. Nessa normaliziição, as crianças não parecem “obedientes a um professor que «» instruí e as corrige” , mas encontram ajuda nas leis da na tureza, istó é, voltam a funcionar normalmente e assim podem i pvolnr ao exterior aquela espécie de fisiologia que, como para o corpo, tem lugar dentro, no labirinto complicado dos órgãos
cia alma. Isto que se chama “Método Montessori” gira em torno dã«s« ponto essencial. Podemos dizer com segurança, através de 40 anos de ex|}giiânrin, através de provas repetidas em todas as raças, em tmtna na países do mundo: a disciplina espontânea foi a base dê todo* os assombrosos resultados, como a explosão da es trita # tantos outros progressos que se manifestaram em se guida fi: necessário obter primeiro o “funcionamento normal” , ,= eàlàdu dn «aúde que chamamos “normalização”. Assim como um homem doente necessita primeiro sarar para podêt produzir segundo as possibilidades que existem flt!$ p©f natureza, também é preciso que a criança primeiro Ss# normalize" para poder progredir. Aqui!«' que m psicanalistas procuram fazer é “normalizar” m adultos nua encontram tanta dificuldade no agir, no reapftipsi propéfitoe sociais. O que se ieiitn nas clínicas das crianças difíceis é colocar gin Odsris Itettiiil «uns funções. Ofá, «UfMiiltAinoe que um método de educação reconhe■ é SMewário “normalizar” desde o princípio, e depois §§i tfiç vista a tmriínuíição deste estado de normalidade. Este 35
método terá como fundamento uma espécie de “higiene psíca” que auxilia o homem a crescer com boa saúde mental. Isto não diz respeito à teoria filosófica sobre a natureza boa ou má dos homens e tampouco a outras idéias abstratas sobre o que seja o “homem normal” , mas é um fato prático que se pode tornar universal.
A BASE DO CRESCIM ENTO A coisa é muito clara. O impulso subsconsciente na ida de do crescimento. Isto só pode dar a máxima felicidade às crianças e impulsioná-las ao máximo esforço para alcançá-lo. Pode-se dizer que a idade infantil é uma idade de “vida in terior” que conduz ao engrandecimento, à perfeição; e o mun do externo tem valores somente enquanto oferece meios ne cessários para atingir o fim da natureza. Por isso, a criança não deseja nada mais que as coisas que se adaptam às suas neces sidades, e as usam só com as finalidades que reconhecem como úteis ao seus objetivos. Como a criança não inveja o garoto maior que ela, também não deseja as coisas que pelo momen to lhe pareçam inúteis. Este é o motivo daquela atitude pacífica e alegre da cri ança que, num ambiente favorável escolhe os seus materiais e as suas ocupações. A criança mais velha não pode inspirar competição ao mais novo, mas, ao contrário, admiração e devoção vendo nele o quadro de seu próprio triunfo, o que é seguro, porque a crian ça crescerá, se não morrer. Os meninos maiores não desper tam inveja pelo fato de serem maiores. Por isso não são mani festados aqueles sentimentos que poderiam ser chamados “maus”. As nauéhtiness dos pequeninos são manifestações de defesa ou de inconsciente desesperação, por não poder “fun cionar” naquele tempo do qual depende todo o futuro e no qual cada hora traz um progresso, ou as nauéhtiness são as agi tações que provêm da fome mental, afastada dos estímulos do ambiente, ou das degradações diante da impossibilidade d© agir. Então, o “fim inconsciente” que se distancia das suas rea lizações leva uma espécie de inferno na vida da criança. Ê a separação da fonte condutora das energias criativas. Só mais tarde, quando o tempo útil para “formar o pri meiro esboço do homem” está terminado, e a criança que teve
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% mais ou menos sucesso em realizar os projetos da vida, come ça a ter interesse nas coisas externas, podendo vir a ter então inveja pelo sucesso dos outros. A coisa então é diferente e pode-se conceber um julgamento de “bondade’' ou de “malda de” , isto é, de defeitos de ordem moral contra a sociedade, que podem justificar a intervenção corretiva da educação.
EDUCAÇÃO D ILA TA D O R A Ainda neste ponto o conceito que se tem* de corrigir, su primindo diretamente os defeitos, é errado. Corrige-se somen te “dilatando” , dando espaço, dando meios para a expansão da personalidade, suscitando interesses mais distantes daque les de um outro indivíduo, que somente está se empobrecen do ao nosso lado. Apenas os pobres disputam um pedaço de pão. Os ricos buo atraídos pelas possibilidades que se oferecem em seu mun do. A inveja e a competição são sinais de “restrito desenvol vimento mental” , de visão limitada. Aquele que tem a visão de um “Paraíso” para conquis tar nfio se contentará nem com toda a terra e renunciará fa cilmente aos bens limitados. , Analogamente, pode-se dizer de uma educação que “en grandece” e leva mais longe os interesses imediatos que estão limitados no desconhecido. É a limitação de algo que se vai ttmquistar, que desperta a inveja e a luta, mas um vasto espggoi Irva a outros sentimentos, e são os sentimentos que apai«nimiu e por isso conduzem verdadeiramente os homens em fÜFifio ao progresso. 1 ÍPSfiH maneira, uma educação de “vastidão” é a platar.Mt.m iohro a qual podemos dissipar certos defeitos morais. "Itttgt amlrrpT o mundo” no qual se enfranquece hoje a crian ç a dèvp ter o primeiro passo da educação. “Libertá-lo das Ü Éiias que o impedem de avançar” é a técnica fundamen t a ‘'Multiplicar para seu rendimento os motivos de interesse UH# ÜltiifhÇBm mais profundamente as tendências sepultas no gitrffíU» Convidar a conquistar no ilimitado, mais que repripiif o# flisejo» de possuir aquilo que possuem os vizinhos” , jgi §utíie psan plano aberto às possibilidades, que se pode e ££ ensinar o respeito às leis externas, estabelecidas por gsyglg nutra potência natural que é a sociedade dos homens. E n f i m , « quuitlo moral e também de bondade pode ser BlgitiFitlft ÜBiente quando a formação da “criança pequena” 37
está superada, sendo então possível discutir os problemas da filosofia. Mas esses se dirigem antes à grandeza transcedente: 44a obtenção de Deus” , a idéia elevada do mundo e do destino individual. De fato, aqueles que querem lutar contra o “pe cado original” o fazem dirigindo os homens para a grandeza da redenção. II — PR ECO N CEITOS SOBRE A CRIANÇA NA CIÊN CIA E NA EDUCAÇÃO A AQUISIÇÃO D A CU LTU RA Na nossa escola, onde está progredindo esta experiência educativa, são manifestadas praticamente as tendências natu rais de “estender” a cultura e “engrandecer” o “conhecimen to”. Parece ser este o caminho natural. Os problemas do en sino se invertem: parece que o problema prático do professor não é mais aquele de dar conhecimentos em limites estabele cidos, mas sim, o de “entreter” e o de “dirigir” como fazem os domadores de cavalos espertos e jovens. Ocorre desta maneira uma ajuda para entreter e conduzir que não frustra para fazer avançar. Também o “modo”* de transmitir a cultura se apresenta diferente. A técnica do ensinamento nas escolas comuns tinha como forma uma lenta e sucessiva progressão entre supostas dificuldades classificadas em precedência. Ao invés disso, as crianças, deixadas livres no ambiente, têm mostrado técnicas originais, que não havíamos jamais suspeitado. A criança aprende realmente por si só quando pode exer citar suas próprias energias segundo procedimentos mentais da natureza, que agem algumas vezes de modo bem diferente do que se supõe comumente, sendo por isso errados e falhos os procedimentos em uso nas escolas comuns. O aluno pode dar surpreendentes resultados só se o mestre aplicar a técnica científica de uçna “intervenção indireta” para ajudar o desen volvimento natural da criança. Os progressos precoces e extensos da cultura, que se têm revelado em nossas crianças e que causaram tanta admiração e tanta oposição por mal-entendidos e incompreensões, par tem sempre de um princípio que se refere à psicologia da criança, isto é, que ela aprende por atividade própria, assu mindo a cultura do “ambiente” e não a do professor; não só, mas (como agora pode-se claramente demonstrar) colocando também em ação os poderes do subconsciente que permane 38
cem livres de absorver, como de exprimir-se segundo os pro cedimentos naturais da mente absorvente. Dir-se-á que também o professor faz parte do ambiente e, de fato é que a criança não pode aprender assim, como se acredita, só peia obra de um professor que lhe explica as coi sas mesmo que seja o melhor e mais perfeito de todos os mes tres. A criança, ainda aprendendo, segue as leis interiores de formação mental e há um intercâmbio direto entre o ambiente e a criança, enquanto que o professor com suas ofertas de in teresses e suas iniciações, constitui em primeiro lugar um tra ço de união. Pode-se observar melhor a aprendizagem quando as ex periências são intensificadas e determinadas com o propósito de conhecer intimamente estes fenômenos. Pode-se constatar em muitas crianças colocadas em condições adequadas, uma paixão pela matemática, pelos grandes números, pelas gran des operações aritméticas, como também pelos cálculos de ní vel muito superior, como o estudo das potências dos números, a extração da raiz quadrada e cúbica e especialmente pelos problemas de geometria. Também é constatada a capacidade de aprender muitas línguas simultaneamente e de estudar a gramática e o estilo, í ilo, por exemplo, uma criança de 8 anos na índia que se in teressou em ler poemas em língua sânscrita (língua morta) e traduzindo as histórias védicas do industânico para o inglês, tmbnt« sua língua materna fosse o gujarati, isto é, um dialeto hindu. Dessa forma, sua cultura foi estendida através de línguas vivai a mortas de países estrangeiros. A tudo isso pode-se acrescentar ainda o interesse pelas ititiai du natureza, a prodigiosa memória para os nomes e, esU atila > Uto, o prazer de aprender as classificações complicad#§ das plantas e dos animais: classificações que são muitas incei 1as e embaraçosas para a memória, e que o órgão nfit hit glíolíu do programa escolar acreditando ser um esforço
i&Âtil () tiHmrfüin pelas “classificações” revelou-se através de af« ifiatÊi iai móvel feito com símbolos; era evidente o prazer dfe fifül uini ordem mental entre as imagens colocando cada lifiliU lii tdãdfi em seu lugar. Não era por certo uni exercício p | Sliínuriiaçif', ma» sim de construção, como o que fazia ygta erínüçá pequena com a areia molhada. As muitas idéias y § H ftofttii podei iam sor reunidos em fascinantes construções; 39
assim como com o material de matemática pode-se ordenar e construir o sistema decimal, reunindo as unidades em hierar quias sucessivas tão claras, que a aritmética se apresenta como uma conseqüência da ordem das unidades. Assim, desta ma neira acontece com os fatos históricos que são classificados ao lado de datas e posição geográfica, construindo na mente um sistema de fatos culturais no tempo e no espaço. A natpreza criativa também assim procede. Na constru ção da linguagem (língua materna) na criança, esta é, primitivamente, construída pelos sons das palavras e pela gramáti ca, isto é, pela ordem na qual a palavra deve estar para ex primir o pensamento. Esta é a primeira construção fundamen tal que se completa, pouco depois dos dois anos de idade, com uma quantidade relativamente escassa de palavras. Depois a linguagem se enriquece espontaneamente com novas palavras, que encontram uma ordem já estabelecidas para atender a tudo. O processo adotado, na nossa experiência, sobre cnança até os nove anos de idade pode estender-se a idades mais avançadas, podendo-se afirmar que: em todos os graus esco lares é necessário não impedir a atividade individual, que, des-, ta forma, obedece a um “procedimento natural de desenvol vimento psíquico”. É verdade que o professor, à medida que a cultura se eleva, tem um ofíciò sempre mais importante, que consiste em “estimular o interesse” comumente compreendido no ensino, porque as crianças, quando se interessam por um argumento, tendem a permanecer longo tempo, a estudá-lo ou a prová-lo até que atinjam uma espécie de “maturação” atra vés da própria experiência. Depois disso, tal aquisição está não só garantida, mas tende a estender-se sempre mais largamente. Agora, o pobre professor se encontra obrigado a andar além dos limites a que se havia proposto para os seus ensinamentos. A sua dificulda de então não está em ter êxito em “ensinar”, mas no saber responder à exigência inesperada da parte de seus alunos, e no dever de ensinar a cada um coisas a que não se havia pro posto. A instrução tende a estender-se por força própria. Mui tas vezes, após um longo repouso, uma suspensão de trabalho, ou imediatamente após o período de férias, os alunos não con servam a memória das coisas aprendidas, mas freqüentemente a cultura se enriquece como por força mágica. Após as férias, são revelados os poderes de absorver o ambiente mais facil mente do que antes. 40
O procedimento da atividade espontânea consiste algu mas vezes em um trabalho voluntariamente intensificado e complicado, que absorve todas as energias mentais por horas inteiras e até por vários dias consecutivos. Recordo de um me nino que queria desenhar um rio, o Reno, tendo em conta to dos os afluentes, e para isso deveria buscar os tratados de geo grafia em livros não escolares; para seu desenho ele utilizou uma daquelas cartas milimetradas que são usadas pelos enge nheiros em seus desenhos, usando compassos e vários instru mentos reunidos com grande paciência no seu intento, Certamente, ninguém teria mais presteza em tal trabalho. De outra vez vi um jovem que se propôs a executar uma multiplicação gigantesca de um número de trinta algarismos por outro de vinte e cinco. Os produtos se acumulavam tanto qu© o jovem surpreso teve que recorrer ao auxílio de dois com panheiros que se ocuparam em colar folhas para conter a opeí ação monstruosa no seu enorme desenvolvimento. Depois de iliiii dias consecutivos de trabalho a multiplicação ainda não I»avia sido terminada, só terminando no terceiro dia, e os jovatm ©m vez de aborrecidos, pareciam orgulhosos e sastifeitos du giande trabalho cumprido. Recordo-me ainda, de quatro ou cinco crianças que se P? opuseram a executar, em conjunto, a multiplicação algébrica de {odo o alfabeto por ele mesmo: de fazer o “quadrado do glfãbêtü", Também desta vez a operação requeria o trabalho o.uíni wd d© colar sucessivas tiras de papel as quais atingiram iiiti n uBMimento de cerca de 10 metros. ©a
vilhoso do que a própria execução, pois a mente da criança tinha evidentemente essas qualidades particulares, para reter nela todo esse processo. De outra vez, uma criança qué havia aprendido a extra ção de uma raiz quadrada com os processos indicados pelo nosso material, mostrou-se intensamente interessada em extra ir raízes pof si só, mas com um processo diferente, inventado por ela, que entretanto não sabia explicar. Poderia citar inúmeros exemplos. Um dos mais extraor dinário foi o paciente trabalho de uma criança que analisou gramaticalmente, por escrito, todo um pequeno livro, sem tro car de ocupação até haver completado seu trabalho que foi feito em dias sucessivos. Estas manifestações psíquicas revelam uma espécie de mecanismo formativo, são exercícios que não têm nenhuma utilidade externa, nenhuma aplicação prática. Não seria pos sível impô-los como se poderia fazer com uma ginástica física, porque sabe-se ser impossível sustentar artificialmente um in teresse vivo e ininterrupto, uma atenção constante por coisas em si pouco atraentes e sem objetivos. É realmente um esfor ço espontâneo e tão grande que seria impossível provocá-lo. Embora pareça “perda de tempo” o que se apresenta em tan tos jovens na variedade de suas ocupações, aqueles mesmos jovens fazem progressos excepcionais em todos.os ramos da cultura e também da arte. Em uma escola indiana, onde havia um mestre especial para música e para a dança, um grupo de crianças freqüentemente se reunia na sala de música quando o mestre não esta va, e improvisava bailados que o mesmo não havia ensinado e que diferenciavam muito dos movimentos rígidos da arte in diana, e várias crianças tocavam os instrumentos rítmicos acompanhando com uma espécie de canto coral inventado por elas próprias. Todo mostravam um intenso interesse que não era somente prazer. De tempos em tempos ouvia-se na escola aquela música inesperada. Eis então os fenômenos que são muito diversos daqueles considerados na educação corrente em relação à psicologia “es colástica” , a qual considera somente a “vontade” e o “esforçoM que seriam fatos proveniente das reflexões do intelecto ou dm coações externas. Aqui, ao contrário, surge do interior de ca»la reflexão ou aplicação prática e utilitária, uma espécie *1« ÉLAN V ITA L, a “explosão de manifestações improvisadas # insuspeitadas”. Todavia, o “progresso” , na real aquisição d# 42
cultura, é evidentemente ajudado por esta energia interior, muito mais que um esforço voluntário e imposto. E os resul tados que se conseguem não estão diretamente em relação com esses estranhos exercícios de paciência e de trabalho cons tante; mas parecem, antes, pertencerem a mcanismos “interio res” , que, agindo, dão um impulso de desenvolvimento a to da a personalidade no seu conjunto. De fato, uma das conseqüências mais indiretas é a for mação do “caráter”. As crianças não fazem somente progres sos na aquisição quase maravilhosa da cultura; mas, parecem mais conscientes de si, donas das próprias ações, mais seguras t-tn sua conduta, sem hesitação de timidez ou de medo, pron tas também para uma adaptação com outras pessoas, com o ambiente e suas eventualidades. A alegria de viver e a disci plina parecem consequência mais destes atos interiores que «148 circunstâncias externas. Elas estão então prontas para do minar o ambiente. Por estarem equilibradas e mais capazes ti# orientarem-se e de valorizarem a si mesmas, mostram-se tmiilo calmas e harmoniosas; e também, por isto, encontram yffU) maior facilidade em adaptarem-se com outras pessoas. No decorrer de nossas experiências encontramos também Bípii « força esmagadora dos preconceitos. Ao mesmo tempo Mi11 «jua todos se lamentavam da falta de cultura na vida civil d# ímíssu» tempos, e colocavam em evidência a sua absoluta iièt gsãidade, opunham-se, quase em defesa da criança, ao deIfttvoivimento cultural nas nossas escolas. A fun.n da inércia mental via quase como uma heresia ^«datôgirH e mais ainda psicológica, estas revelações de nos sas ailauças e combatia o oferecimento de nossos materiáis fftí# ajudavam tal desenvolvimento. Contra isso vinham adofiUidt) a§ «ifini obertaií sobre o cansaço mental das crianças nas Pfêfíl# comuns e nos acusavam de forçar as energias intelecItiiii de eriençe, ou denunciavam o nosso intelectualismo. Nós, ft| ff=m i í t ealavamos completamente inocentes de tudo isso. J p aúMpifeâ deacrlçfles dos fatos, dos quais citamos somente Hjfeyui) fie# páginas anteriores, prova que eles nos surpreentfinUí «jiianfn «Irspertavam a maravilhada susepeita nos tpyéin Haveria portanto ousado provocar as manifestações §H|g puderes na criança? Não fomos nós, por certo. Foram | que o# revelaram e nós não fizemos mais que resjfftâ iss «esta atmoifeiH «lo liberdade da nossa escola, responIttèáèf lltfes pMauamehié mm a ajuda pedida. Procuramos en
tender o aparecimento desses poderes e investigar as condi ções que permitiam e, talvez, facilitavam a sua “explosão.” E somente com a repetição universal desses mesmos fenômenos, entre crianças de raças tão diversas ou de civilizações muito mais primitivas que a nossa, fomos obrigados a concluir que se tratavam de possibilidades “normais” , de poderes verdadei ramente humanos, que por muito tempo permaneceram escon didos por parte dos adultos que não respeitaram as leis da formação psíquica e não deram a ajuda que é de direito se exigir da educação.
A QUESTÃO SOCIAL D A CRIANÇA Os resultados aos quais nos referimos não são fáceis de serem obtidos, porque são encontrados enormes obstáculos nos preconceitos milenares. O que diz respeito à criança e à sua educação é um campo no qual todos têm experiências desde a aparição do homem na terra: experiências que tiveram bas tante tempo de se consolidarem e de se tornarem universais. E infelizmente, foram contudo a ciência moderna e as tenta tivas dela, que se desenvolveram sobre as manifestações in fantis mais superficiais (sob os “efeitos” de circuntâncias ex ternas) e se acomodaram com facilidade aos preconceitos que todo homem tem em relação à criança. É por isso que as ma nifestações infantis das quais havíamos falado, não se apre sentam à observação dos “homens que observam” , mas ho mens que se rendem cegamente aos preconceitos. Estes preconceitos são tão universais que é difícil fazê-los reconhecer como preconceitos e se confundem com a evidên cia dos fatos, pois que, todos, ou quase todos, vêem somente a criança conhecida e não a desconhecida. De fato, se diante de um‘ público afirmar-se que para reformar a educação 6 necessário vencer muitos preconceitos, o pensamento dos ou vintes mais avançados, mais “despreocupados” , vai diretamen te ao “que se deve ensinar” e não à criança. Eles pensarão que do ensinamento é necessário distanciar do ensino aquilo que se considera “preconceitos e erros” a fim de não transml* ti-los. Alguns dirão que é necessário evitar o ensino de con ceitos religiosos dogmáticos, outros que é necessário tolher 0 « preconceitos entre as castas sociais, outros ainda dirão quo st deve eliminar certos hábitos de formalidade que estão fora da moda na sociedade moderno, e assim por diante. 44
Mas que são os preconceitos, que “impedem” ver a crian ça de um ponto de vista diferente do habitual, isto parece ainda inconcebível. Os que se ocupam da psicologia infantil, ou de educação, devem levar em consideração não os precon ceitos sociais dos quais se ocupam os homens modernos, mas outros preconceitos, os que se referem diretamente à criança, esta criança nos seus atributos naturais, nos seus poderes, nas condições anormais de vida. Observando os preconceitos religiosos, poder-se-á, talvez, compreender melhor a grandeza e o significado das religiões, mas não a personalidade natural da criança. Tolhendo os pre conceitos das castas sociais, poder-se-á intensificar o acordo e « harmonia entre os homens na sociedade mas não por isso Vfif melhor a criança. Se muitas formalidades nas relações soi iais são reconhecidamente fúteis, pertencentes a uma época |M»n«ada, far-se-á a reforma dos costumes, mas não é por isso que se verá melhor a criança. Tudo quanto parece contribuir para um progresso social o» adultos pode completamente prescindir, na opinião comum, das necessidades vitais do ser infantil. O adulto tem íjpfipFf visto na sociedade, no seu progresso, somente o adul to, ©mcriança tem permanecido um extra-social, uma incógni ta dü equação da vida. Daí nasce um preconceito de que a vida da criança possa modificar e melhorar somente com o enÜR*m preconceito este que impede de ver o fato de que a crijlfiça se Coitrói por si mesma, de que há um mestre dentro dete» d# que «té mesmo possui um programa e uma técnica edu# de que nós, reconhecendo este mestre desconhecido, pgdiüiiiofi Ipi o privilégio e a fortuna de nos tomarmos seus fipÉShmtèa m Bitus fiéis servidores, ajudando-a como coopera das
nutro* preconceitos são a conseqüência lógica disI M* m qu© a mente da criança é vazia, sem direção e sem bH# f, Hpfflfito, nó« temos a grande e completa responsabiliI Aê H^gfifhè Im, de guiá-la e de comandá-la; que sua alma g unia quanl idade de defeitos, tende a decadência e à igtulê © flutuar como uma pluma levada pelo vento ifiiri, diHeui«»9 estimular e encorajar, corrigir e guiar iM il i, ê ©r>iã*mi coisa. A criança — diz-se — não I lÜ&fflffltOS « é, pois, incapaz de servir a si mesf sdnhsi sfe êj-i^au a fazer tudo por ela, sem pensar que jirvU por si «ó, Grande peso esta criança sob
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nossos cuidados e nossa responsabilidade. O adulto diante dela está seguro de que deve “criar” nela um homem, e que a in teligência, a atividade socialmente útil, o caráter deste homem que chegou em sua casa será portanto obra sua. Nasce então o orgulho juntamente com a ansiosa respon sabilidade. Essa criança deve um infinito respeito e gratidão aos seus criadores, aos seus salvadores, e se, ao invés disso, se demonstrar um rebelde, é julgada e deve ser corrigida, sub metida até à violência, se necessário. Essa criança para ser perfeita, deve ser absolutamente passiva, isto é, deve obedi ência rigorosa. Ela é um perfeito parasita de seus pais, a fim de que os pais assumam todo o peso econômico de sua vida, ela deve depender absolutamente deles. Ê o filho! Ainda que já tenha se tornado um homem, fazendo a barba todas as manhãs para ir à Universidade, continua contudo dependen do do seu pai e de seus professores como quando era criança. Fará o que o pai quiser e estudará como querem seus mestres. Permanecerá um extra-social mesmo quando formado, tendo talvez 26 anos. Não poderá escolher um estado matrimonial, sem o con sentimento do pai, até a maioridade que é estabelecida não por seus desejos e sentimentos, mas por uma lei social feita pelos adultos e igual para todos. Ele então deve obedecer até para morrer, quando a so ciedade lhe diz: “Parasita, prepara-te para matar ou ser mor to!” e se não fizer isto, isto é, o serviço militar, não encontra rá um lugar na sociedade; será um delinqüente. Tudo isso desliza no mundo como as águas calmas de um regato sobre os prados. Esta é a preparação do homem. E a m ulher.. . é ainda mais dependente e condenada na vida. As normas deste modo de viver são as bases da socieda de. Ninguém pode ser chamado bom se não segui-las. Dessa forma, desde o nascimento até que todas as regras ditadas pelos adultos sejam executadas, a criança e o homem dependente, isto é, os jovens, não são considerados como um homem pela sociedade. Ao jovem estudante então se diz: ““Pense em estudar, não te ocupes de política, nem de idéias diferentes daquelas que te foram impostas; tu não tens direi tos civis”. O mundo social abre-se somente depois desta espécie dn preparação ditadorial. 46
É necessário reconhecer que durante a história da civi lização houve uma evolução. Enquanto no direito romano o pai podia matar o filho pelo direito que a natureza lhe dava de havê-lo criado, e as crianças fracas e disformes podiam ser mortas, jogadas no fundo de um penhasco (o penhasco Tarpea), que tinha essa função depurativa da raça, o Cristianis mo coloca além do filho, a criança deformada sobre uma lei que faz com que respeite sua vida. Mas isso não é tudo. Não ■ e pode matar materialmente a criança. Pouco a pouco a ciência, sob forma de higiene, chega até à “proteger” a vida da criança das doenças e das crueldades evidentes, mas acautela-se em ditar as condições sociais ne cessárias para proteger a vida de todas as crianças. A personalidade infantil permanece sepultada sob os preconceitos da ordem e da justiça. O adulto que está sempre interessado em defender seus próprios direitos, tem entretanto esquecido a criança e nem ao menos se aper.eirfnj disto. Sobre este plano a vida tem continuado a deseuvolver-se e complicar-se até o nosso século. Derivam do conjunto de tais conceitos os preconceitos pa» limiares, que são impostos com louváveis objetivos de pMjteyão e de respeito pela infância. Por exemplo, a criança pequena não pode ser admitida em nenhuma forma de trabalho, mas deve ser abandonada g uma vida de inércia intelectual, podendo somente brincar de Um esrto modo estabelecido. Per iiso, se for descoberto, um dia, que a criança é iifti giãiiijfi trabalhador, que pode aplicar-se verdadeiramente g rum mncentração, que pode instruir-se, que tem uma disgÉ&jggj em rí própria, isto parecerá uma fábula que não ££3ii?ãtê rui praia mas sim aparecerá como um absurdo. A» alíMiçoe» não se fixam nesta realidade, por isso, não #f=§ytle ttn lu/er refletir que pode haver um erro por parte eis âduítu O fato é simplesmente impossível, inexistente ou, nio seria. iHm. a maior dificuldade de libertar a criança e ilumiust teus {.«HÍmrn não está em encontrar uma educação realimas sim em vencer os preconceitos que o adulto Ésgftfyhi fHUti ei«, Por isso, diziam que se devia reconhecer, fpU^«F s i oiiifKiluf s6 os preconceitos relativos à criança, jíf y temt pui outros preconceitos que o adulto construiu §us vida. pit# luta contra o* preconceitos é uma questão social = I 4 ffisuvH. u'*§ dava acompanhar a renovação de sua edu 47
cação. É necessário preparar um caminho positivo e deli mitado para este objetivo. Se temos em vista diretamente e somente os preconceitos relativos à criança, então uma reforma do adulto andará par e passo, porque derrubará um obstáculo que está nele. Esta reforma do adulto tem uma importância enorme para toda a sociedade: representa o despertar de uma parte da consciência humana que está descoberta pelos impedimentos estratificados, e sem isso todas as outras questões sociais tornam-se também obscuras, e seus problemas insolúveis A consciência fica ofuscada não em alguns adultos, mas em todos os adultos, porque todos têm crianças e estando ao lado delas com a cons ciência ofuscada, agem inconscientemente; não usam aqui a reflexão, a inteligência, que em outros campos os con duzem a um progresso. Existe verdadeiramente um ponto cego, como o do fundo da retina. A criança, esta desco nhecida, esté projeto de homem, incompreendida, julgada algumas vezes como um acidente matrimonial que abre um caminho de sacrifícios e de deveres, não desperta em si maravilhas e admiração. Deixe que descreva um complexo psicológico: suponha que ao natural, a criança possa aparecer como um milagre divino, como os homens vêem a figura de Jesus Menino, figura inspiradora de artistas e poetas, esperança de reden ção para a humanidade inteira, figura augusta a cujos pés os reis do Oriente e do Ocidente depositaram devotada mente suas dádivas. Esta criança, Jesus, é todavia, tam bém no culto, uma verdadeira criança, um recém-nascido inconsciente. Ora, para quase a totalidade dos pais, senti mentos grandiosos desabrocham com o nascimento de seus filhos, que vêm idealizados pela força do amor! Mas depois, esta criança cresce, começa a trazer aborrecimentos. Quase com remorso procuram então defender-se dela, ficando con tentes quando dorme e procuram fazê-la dormir o máximo possível. Se possível, colocam-na em mãos estranhas ou entregam-na a uma enfermeira para que ela a mantenha longe o maior tempo possível. E se a criança, este ser des conhecido e incompreensível, que age por impulsos inconicientes, não se submete, castigam-na, combatem-na, e ela, sendo frágil, sem nenhuma arma de defesa em sua inteli gência e força, deve a tudo suportar, Há então um con flito na alma do adulto que a ama, em princípio talvBi não sem pena, não sem remorso. Mas depois o mecani»* 48
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mo psíquico entre o consciente e o subconsciente encon tra no homem uma acomodação; advém, como diz Freud, uma fuga: o subconsciente prevalece, isto é, sugere: Isto que quero fazer é para defender a criança, é um dever que a completa; é um bem necessário, e peto contrário deve corajosamente agir, porque assim vou Ueducar, e tra balhar para construir sua bondade'*. E tendo este alívio, eis que os sentimentos naturais de admiração e de amor são sepultados. Isto se verifica em todos, porque o fenômeno está na humanidade. Desta forma realiza-se uma espécie de “orga nização inconsciente de defesa” entre todos os pais do mundo. Uns apóiam-se nos outros e a sociedade inteira forma um subconsciente coletivo, onde todos agem de acordo, afastando e deprimindo a criança, agindo para seu bem, cumprindo para com ela um dever mesmo que seja um sacrifício. E fica sacrificado de tal modo aquela espécie de remorso, que no conflito permanece sepultado definiti vamente entre a solidariedade, ou seja, o fato estabelecido toma a força de uma sugestão e dá aparência de um sofisma indiscutível, sobre o qual todos estão de acordo, e os futu ros pais são por sua vez sugestionados e preparados para ns deveres e sacrifícios que devem cumprir para o bem futuro da criança. Estas pessoas sugestionadas preparam a consriência para uma tal acomodação, que a criança é sepultada no subcons ciente. Como acontece a todos os sugestionados, também para estes tudo o que existe foi estabelecido através da sugestão, e este estado de coisa se perpetua de geração em geração. Por séculos e séculos a criança seputtada não po derá revelar mais nada de sua outra natureza. Façamos uma espécie de fórmula, de sisrla para indi car este fenômeno. O bem é em verdade um mal masca rado, um mal organizado que te mlevado uma resolução subconsciente a graves conflitos. Ninguém auer o mal. todos querem o bem, mas aquele bem é um mal. Todos o tem preso por força de uma sugestão que advém do ambiente rnornlmente uniforme. Existe, portanto, na sociedade uma Organização do Mal que toma a forma do Bem, e que é imposta pelo ambiente à Humanidade inteira por Sugestão. Ko fizermos uma s i g l a destas maiúsculas formaremos OMBIHS. 49
OM BIH S O OM BIH S social domina a criança. Todos sentem o OM BIHS ao invés de ver a sublime criança, o pequenino irmão do Menino Jesus. E os sentimentos ombihsanistas cobrem fatalmente toda a vida da criança, enquanto um ideal luminoso que dela emana permanece só como um símbolo sobre os altares das religiões. Quando os homens adultos chegarem por si mesmos à conclusão de que todos são filhos de Deus e que Cristo vive em cada um de nós, sendo seu modelo necessariamente imitado, ao ponto de uma identificação com ele dizendo: Não sou mais eu quem vive, é o Cristo que vive em mim farão excessões às crianças. Jesus Menino é separado do pobre recém-nascido que está sepultado pelo OMBIHS. Nele, todos veem somente o pecado original que é neces sário combater. Essa pequena história, baseada nos segredos psicológi cos da natureza humana, ilustra o fato primordial de uma crescente e total opressão à criança. Sobre ela, ainda que isolada na família, agrava-se o preconceito da sociedade inteira organizada pelos adultos. E durante a evolução e os movimentos sociais para o direito do homem a criança será esquecida. A história das injustiças contra ela não está ainda escrita oficialmente e por isso não é aprendida nas disci plinas históricas das escolas em nenhum grau. Os próprios estudantes de História, que têm títulos e especializações nesta matéria, não estão mais interessados em falar nisso. A história refere-se somente ao homem adulto, pois so mente ele vive diante da consciência. Desta forma os que se especializam na legislação aprendem infinidades de leis dos tempos passados e dos tempos presentes, não se impor tando de não encontrarem leis promulgadas para os direitos das crianças. Assim, a civilização passa por cima de uma questão que nunca foi um problema social. Todavia, a criança é levada em conta quando pode tornar-se útil aos interesses do adulto. Mas, até mesmo neste caso, continua a ser o homem cujo destino cai no ponto cego da consciência. Tomemos um exemplo mais evi dente: No tempo da revolução francesa proclamou-se pela primeira vez os direitos do homem e através disto todos os homens adquiriram o direito de serem instruídos, de saber ler e escrever, roubando assim um privilégio acessí 50
vel à mais alta sociedade e tornando-se um fato universal. Toria sido lógico que todos os adultos se fizessem preimites a este novo trabalho, pois aquele era um direito que não se baseava unicamente na rutura violenta de pri vilégios, mas exigia um esforço de aperfeiçoamento. Penfõu-10, ao contrário, unicamente na criança e sobre ela ex*luaivamente se concentrou o esforço para tal conquista. Eis aqui, pela primeira vez na história do mundo, a licitados para o serviço na escola, como em tempo de guerra Hiõbiliza-se a juventude masculina para o serviço militar. Todos conhecem a lamentável história! A criança foi •'lipnada em vida, pois durante toda a infância ficou apriFechada em celas nuas, sentada em bancos de inárlgira, sob o domínio do tirano que lhe impunha até como ele queria, aprender o que ele queria e fazer •jhfí nlp queria. A mão delicada da criança devia escrever, ; sua mente criadora devia fixar-se nas áridas formas do ifnt mi o que não revelavam nenhuma das vantagens que ^ deln. As vantagens as encontrara o adulto. Uuanhil histórias de martírio são registradas! As crian■ torturadas, seus dedinhos presos às canetas foram • rum vara e forçados a um exercício cruel. São muitos s =ním#nt08 daqueles prisioneiros que tiveram até a espifItifiid torcida pela condenação de permanecer sentado - >-H um banco de madeira dia após dia, ano após ano, ; *• 1« i1p 1í«adíssima idade de crescimento. Na aglomeraft* promiscuidade das doenças, sofrendo frio, assim viveu naquele campo de concentração. Isso durou até d?« du século passado. A vantagem era um direito do --Hi. oiti da criança, mas a ninguém pode ela ser grata, I HÍftfUim procurou ajudá-la em suas penas. Contudo r f niigMlem Ainda nos pais aqueles sentimentos naturais de ; meúttf r» amor materno e paterno pelo nascimento do ; É i os ífisf inlo» de proteção aos pequeninos, comum até - «ítji Animais. * o#tui ts explica isso, senão como um fenômeno mis= dn fõnii iiiicia, ou melhor, o que mais que isto pode r o iiMMIíf:; e os preconceitos dirigidos à criança? à fifíssu féfiulõ, procurou-se seriamente atenuar esses SHéfPUrlo transformar a educação, construindo p i * AÍs iBdlsâ, inAi* bonitas e modernas, mas isso en| i p td u h figura da criança incompreendida e vista
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tiMhtuH, 51
III — AS NEBULOSAS O HOMEM E OS ANIMAIS A criança recém-nascida mostra-se diferente do ponto de vista da hereditariedade dos recém-nascidos dos outros mamíferos, somente quando a consideramos logicamente. De fato, os filhotes dos mamíferos herdam, da mesma forma que todos os outros animais, comportamento especial que é fixo como são fixos os caracteres morfológicos do corpo. O corpo está exatamente adaptado às funções que exercerá na vida: funções que são fixas na espécie. Os hábi tos, o modo de mover~se, de saltar, de correr, de trepar, estão estabelecidos ao nascer e portanto a adaptação ao ambiente considera a possibilidade de exercitar aquelas fun ções características que têm o objetivo não só de manter a espécie mas de contribuir conjuntamente para o funciona mento de toda a natureza (objetivo cósmico). As natas que saltam, correm, trepam, cavam a terra, são construídas de modo a corresponder às necessidades de cada um. Também a ferocidade, a avidez de cadáveres e imundícies contribuem para a ordem cósmica na superfície da terra. Enfim, o corpo, na sua rigidez e na sua flexibilidade, é construído de modo a realizar o “objetivo cósmico” de cada uma das espécies. São poucas as espécies dotadas da possibilidade de ounlquer particularidade e limitadas variações de adaptação inatas, sendo estas as que podem ser domesticadas pelo homem. A maior parte dos animais conserva, ao contrário, uma rigidez absoluta nos caracteres hereditários e não podem eer domesticados. Entretanto, o homem tem um poder de adaptação ilimi tado no sentido de poder viver em todas as regiões geográ ficas. como também o poder de assumir inumeráveis hábitos e forma de trabalho. Assim, o homem é a única esoécle capaz de uma indefinida evolução em suas atividades [(<■ mundo externo, o que resulta no desenvolvimento d° civhi zação. Ê verdadeiramente uma espécie que por natureza nts está fixa em seu comportamento como todos os outros soibs viventes. É, como disse recentemente um biólogo, uma eap4= cie em perpétuo estado de infância, porque desenvolve i# em progresso' contínuo. Então, esta é a primeira diferença: o homem não recêh® por hereditariedade um comportamento fixo. Uma outra notória diferença é que nenhum filhotê d§ mamífero nasce tão inerte na incapacidade de realizar 81 52
<«mcterísticas do adulto como o homem. Muitos animais, como os cabritos, os cavalos, os bovinos, sustentam-se quase «ubitamente de pé e durante o aleitamento correm em direçfto u mãe. Os. próprios macacos, que são considerados os mais próximos do homem, apenas nascidos, são vistos vivazes e inteligentes agarrando-se com energia ao corpo da mãe que Rio necessita levá-los nos braços. A macaca mãe salta sobre as árvores com seu recém-nascido que a agarra com os braços t somo se não bastasse ele também foge e a mãe cansa de r@$it@endê~lo para mantê-lo próximo. A criança, ao contrário, permanece inerte por longo i&inpo. Não fala, enquanto todas as outras espécies rapi damente adquirem o latido ou o miado, enfim, reproduzem l»jf hereditariedade os sons da língua fixa, limitada e própriR li« espécie. Todos os cães, de todas as partes do mundo e de todas as raças ladram, todos os gatos miam, assim iodas as aves têm o seu próprio gorgeio, um canto t a i-íio @ uma linguagem própria que está dentro das catiiiltleas da espécie. A longa inércia e incapacidade da criança é verdadein íumíê exclusiva do homem. Na idade na qual um bovino ; - <«)>»* de reproduzir, se bem que tenha um corpo bem dei que o homem e mais ou menos os mesmos órgãos íisáaidfigoij este está ainda em um estado infantil e bastante Ífíf?§ê da maturidade. 1 1.« homem e dos animais, não observaram todavia tttffctenln atenção as diferenças que se revelam sobre — mtsteilfwa característica da longa infância humana i aíiéa iHiin isso um vazio que a teoria da evolução ainda ^5
s s R ild ft R U .
li# fstu, poder-se-ia concordar logicamente que o hoí um símio evoluído por longos esforços de adaptação somente por obra desses esforços, porque Hüt§ evidente semelhança entre o corpo do homem e = dfi üüéêi o <) crânio e a face de uns restos humanos #8<» bastante semelhantes e próximos ao de um «Rpeilo» As articulações e o esqueleto em geral têm -iurpipendente«. Aquele que pensa que o homem Iffl d l via também trepar nas árvores não faz mais üu !uK h comum desenvolvido fantasticamente # bíífifes ppliRfliogrâfico« de Tarzan. Mas uma coisa per53
manece inexplicável. Pode-se supor um homem primitivo, de tipo morfológico inferior, que se agarra nas árvores, mas não se pode admitir que tenha havido um recémnascido que falasse, que se agarrasse à mãe, que se pusesse de p? e subitamente corresse! É difícil encontrar uma razão pela qual o homem ao mesmo tempo que evolui para uma espscie superior, isto é, homo sapiens, deva ver o seu recémnascido surgir passivo, mudo, sem inteligência e incapaz de fazer por anos inteiros aquilo que fazia em épocas pre cedentes à evolução! Portanto, um dos caracteres verdadei ramente humanos, distintamente diferenciados está no recémnascido. Não importa que o fato até hoje não possa ser expli- I cado. O fato existe e é fácil deduzir que se o recém-nascido I do homem mostra tão grave inferioridade em relação aos I filhotes dos mamíferos, esse deve ter uma função especial que os outros não têm. Esta função não advém da hereditariedade das formas infantis precedentes sendo, portanto, relativa a qualquer ca racterística nova, acrescentada durante a evolução. Esta característica não se reconhece observando o ho mem adulto, reconhece-se com evidência somente observando a criança. Qualquer coisa de novo aconteceu durante os processos evolutivos que conduziram à realização do homem, da mes ma forma que uma característica nova sobreveio com respeito aos répteis, às aves e aos mamíferos, isto é, o sangue quente e seus cuidados instintivos pelo ovo e respectivamente pelos filhote para proteção da espécie. A verdadeira diferença entre as aves e os répteis não está nos eventuais dentes, no bico do archeopterix * ou na áonga cauda de muitos vertebrados, mas sim naquele amor maternal que no início não existia e que surgiu ao mesmo tempo em que o sangue quente. São mutações da evolução e portanto não são unica mente transformações. A FUNÇÃO DA CRIANÇA ’ A criança deve ter uma função especial que não aquela de somente ser o mais débil em relação ao adulto. Ela ftÉít
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Archeopterix — -um representante de fóssil de páM&ffl do fim do período Jurássico. (N.T.) 54
é possui “por nascimento” todos os atributos destinados a engrandecer-se e fortificar-se para atingir o estado adulto, pois se já tivfesse as características fixadas, como acontece para as outras espécies, o homem não poderia adaptar-se a locais e hábitos tão diversos, nem evoluir em sua forma social, nem assumir trabalhos tão diferentes. Este então é diferente dos animais no que diz respeito à hereditariedade. Não herda evidentemente os caracteres, mas as potencialidades e formalidades. É então após o nas cimento que os caracteres próprios da raça, da qual a crian ça pertence, se constroem. Tomemos como exemplo a linguagem. É certo que o homem deve possuir e transmitir, por hereditariedade, a qualidade de todo nova de desenvolver uma linguagem que está em relação à inteligência e à necessidade de trans mitir os pensamentos para uma cooperação social. Mas não existe uma linguagem particular. O homem não “fala uma língua” só porque cresce, como um cãozinho que ladra em qualquer parte do mundo em que se ache, mesmo que isolado de outros cães. A linguagem vem pouco a pouco, e se desenvolverá precisamente durante a época inerte e inconsciente da primeira infância. É aos dois anos ou dois «nos e três meses que a criança fala corretamente e repro duz com precisão a linguagem falada pelos que a circundam. Nâo reproduz hereditariamente a linguagem do pai e da mãe. De fato, se uma criança separada de seus genitores B de seu povo, sendo criada em outro país onde se fala outra língua, ela assume a linguagem do lugar onde se encontra. Um recém-nascido italiano transportado para os Esta do* Unidos da América falará inglês com sotaque yankee, m imo saberá o italiano. É a própria criança então que assu me « linguagem e antes de havê-la adquirido era mudo, ■ iiimente dos animais. Aquelas raras crianças das quais fala a história, chamadas “filhas das selvas” que foram «mtnQtradaa abandonadas na floresta, tendo sobrevivido exi #p< ionalmente ao abandono, assemelhavam-se aos animais selvagens, eram mudas, ainda que com doze ou dezesseis eii»9 <(tunulo foram encontradas. Nenhuma delas reproduzia aã vozes dos animais no meio dos quais viveram e pelos •jMfíia luram de certo modo adotadas. Mudo era o famoso §#ÍvggíMn de Aveyron, encontrado naquela floresta com aprcsimariaituinti doze anos e educado pelo famoso médico fran gi# {laid, o qual descobriu em suas interessantes experiên 55
cias que a criança não era surda nem incapaz de falar porque aprendeu a conversar em francês, aprendendo depois até a ler e escrever nessa mesma língua. Era considerado por sua aparência um surdo-mudo porque tinha vivido longe dos homens, das pessoas que falavam, A linguagem, pois, desenvolve-se ex novo da própria criança. Ela se desenvolve naturalmente, isto é, tem este poder hereditário, mas a desenvolve por si mesmo, em si mesmo, absorvendo-a do ambiente. Nada é mais interessan te que os recentes estudos de psicologia relativos a obser vações exatas sobre o desenvolvimento da linguagem das crianças. As crianças absorvem de certa forma inconscientemente a linguagem de forma gramatical e enquanto permanecem aparentemente inertes por muito tempo, de um momento para outro (ou melhor dizendo, no espaço de dois anos e três meses mais ou menos), mostram um fenômeno quase de explosão de uma linguagem já totalmente formada. Logo, houve um desenvolvimento interno durante o longo período no qual o pequenino era incapaz de exprimir-se. Ele estava elaborando nos mistérios de seu inconsciente toda a lingua gem com as regras que colocam as palavras na ordem gra matical necessária para exprimir o pensamento. Isto é feito pelas crianças com respeito a todas as línguas possíveis, das mais simples, como as de certas tribos africanas, às mais complicadas como o alemão ou russo, sendo todas absorvi das exatamente durante o mesmo período de tempo; pois em toda raça a criança começa a falar pelos dois anos de idade. Foi assim certamente no passado. As crianças roma nas falaram o latim, tão complicado nos casos e nas decli nações, tão difíceis de serem aprendidos pelos jovens de nosso tempo que freqüentam as escolas superiores e na índia, os pequeninos falaram o sânscrito, que é de uma dificuldade quase insuperável para os estudiosos de hoje. A língua Tamil, no Sul da índia, por exemplo, é difi cílima para nós, com aqueles sons e aquelas acentuações quase imperceptíveis que mudam o sentido do discurso so mente elevando ou abaixando um pouco o tom de voz, mas os pequeninos de dois anos nas vilas e nos desertos hindus falam o Tamil. Da mesma forma uma das grandes dificuldades para quem estuda a língua italiana é recordar o masculino e o feminino dos nomes, pois não há nenhuma regra e como se não bastasse, alguns nomes podem ser masculinos no 56
* singular e femininos no plural e vice-versa. Portanto, é quase impossível ao estrangeiro deixar de cometer erros, mas as ignorantes crianças das estradas não se atrapalham mmca e riem-se quando percebem os erros dos estrangeiros. Algumas vezes, pessoas instruídas, estudiosas da língua italiana, das regras e dos sons, estão convencidas de que falam como um italiano e todavia somos obrigados a di8#r; “Você tem um sotaque estrangeiro, de que naciona lidade é?” As línguas aprendidas e absorvidas durante a infância §Ím evidentes e inimitáveis: são as respectivas “línguas mapróprias do homem ignorante como do culto; lin guagem única para todo o homem que a possui nos sons alfabéticos, na entonação de voz, nas disposições gramati- h!§ @ que caracterizam sua origem, de uma nação ou de =m»ã riça, como podería fazer a cor da pele ou o tipo físico.
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EM BRIÃO E SPIR ITU A L
ifiaUfíi, que em sua aparência é psiquicamente inerte, Sjféa lalvgí um embrião no qual se desenvolveram po• f =* éfgipi psíquicos do homem? Um embrião onde $7
existem unicamente nebulosas, as quais têm o poder de se desenvolverem espontaneamente mas, somente, alimenta da pelo ambiente, por aquele ambiente que ó tão variado nas formas de civilização? Eis porque o embrião humano deve nascer antes de completar-se e poder desenvolver-se so mente após o nascimento, porque suas pontencialidades de vem ser estimuladas pelo ambiente. As “influências internas” serio muitas, como o são no crescimento físico durante os processos dependentes dos ^ens, por exemplo, a influência de vários hormônios. Ao invés disto, no embrião espiritual, existem sensibilidades dirigentes. Por exemplo, no caso da linguagem, nota-se naa averiguações sensoriais, que o senso da audição parece ser o menos desenvolvi do durante a primeira semana de vida. Todavia é com o sen so auditivo que devemos colher os sons mais delicados da palavra. Conclui-se, portanto, que o ouvido não ouve somente como sentido, mas é guiado por sensibilidades especiais para recolher do ambiente precisamente os sons das palavras e esses não são unicamente sentidos, mas provocam reações motoras nas delicadas fibras das cordas vocais, da língua, dos lábios que são despertados, entre tantos filamentos apropria dos, deste modo, para reproduzir estes sons. Todavia, eles não são expressos imediatamente, mas sim armazenados na expectativa do tempo em que a linguagem deverá nascer, da mesma forma que a criança na vida intra-uterina, forma-se sem funcionar sendo depois estimulada a nascer, num deter minado momento, quando seu organismo passa a exercer suas funções. Estas são suposições, mas resta o fato que havendo desen volvidos internos direitos da energia criativa, estes desenvolvi mentos podem chegar à maturação antes de manifestar-se ex ternamente. Quando depois se manifestam eles são caracteres cons truídos para formar parte da individualidade. A M EN TE ABSO RVEN TE Certamente, nem todos esses complicados processes se guem o funcionamento que se encontra estabelecido no adul to, porque a criança não aprendeu uma língua como nós pode mos aprender uma língua estrangeira, com o esforço de nos sas faculdades mentais, mas ela adquiriu uma construção está vel, exata e maravilhosa, como as construções embrionárias 58
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de um órgão num organismo. Existe, isto sim, nos pequeninos um estado mental inconsciente que é criativo e que nós cha mamos “mente absorvente”. E a mente absorvente constroi-s€ não por esforços voluntários, mas sob a direção de uma “sen sibilidade interna”, que chamamos “período sensitivo”, poique a sensibilidade dura só temporariamente até quando não se completou a aquisição que a natureza deve fazer. Assim, poi exemplo, se numa criança a nebulosa da linguagem encontras se obstáculos ao desenvolvimento e a sensibilidade de audição construtiva não funcionasse, então poderia resultar num sur do-mudo que tem todos os órgãos do ouvido e da palavra perfeitamente normais. É claro que na “criação” psíquica do homem deve haver algo secreto. Se nós aprendemos tudo através da atenção, da força de vontade, da inteligência, como pode empreender, sua grande construção a criança que ainda não é dotada de inte ligência, de vontade e de atenção? É evidente que nisso age uma mente com poderes completamente diferente dos nossos e por isso pode existir no inconsciente um funcionamento psíquico diferente do da mente consciente. A linguagem é um exemplo que pode prestar-se clara mente para dar uma idéia da diferença desta mentalidade, porque ela se presta a um estudo de observação direto e de talhado. Na mente inconsciente não se encontram as diversas difi culdades que experimentamos no aprender, por exemplo, uma língua muito simples, ou uma língua extremamente complica da. Evidentemente, como não existem dificuldades, não exis tem nem mesmo desenvolvimentos graduais relativos a essas dificuldades. O todo está retido no mesmo período de tempo. Ora, esta aquisição não é comparável a um esforço de memó ria que nós devemos fazer, nem à habilidade da nossa memó ria que deixa facilmente escapar as suas evanescentes con quistadas, porque a linguagem na époça inconsciente se grava indelevelmente tornando-se uma característica que o homem tem em si, estabelecida. Nenhuma linguagem que se deseje somar à linguagem materna tomar-se-á uma característica e nenhuma poderá ser adquirida com tal segurança como a ma terna. Para nós, é algo bem diferente aprender uma língua com nossa mente consciente. Evidentemente é muito fácil apren der uma língua primitiva, simples em sua gramática, como al gumas linguagens de povos nativos da África Central, e que 11 eqüentemente os missionários aprendem durante as viagens 59
que fazem através dos oceanos e desertos para chegar ao seu destina È, entretanto, dificílimo aprender uma língua compli cada como o latim, o alemão ou o sânscrito e os estudantes levam quatro, cinco e até oito anos para estudá-los sem toda via conhecê-las perfeitamente. Uma língua viva, mas estran geira, não se aprende nunca totalmente; qualquer erro de gra mática ou “sotaque estrangeiro” revela que aquela não é a lín gua materna de quem fala. E esta língua estrangeira se não é cuidada continuamente, será esquecida còm facilidade. A língua materna nao está fixada na memória consciente, está depositada em uma memória diferente semelhante à que os psicólogos modernos, biólogos e psicanalistas chamam “mneme” ou a “memória da vida”, aquela que detém a forma transmitida por hereditariedade, através da infinidade dos tempos e que é considerada como um “poder vital”. Talvez uma comparação superficial possa ilustrar esta diferença; a comparação entre a fotografia e a representação gráfica feita conjuntamente com a ajuda da mão e da inteli gência, ou seja, a escrita, o desenho, a pintura. Uma máquina fotográfica com seu filme pode captar num instante qualquer coisa que lhe chegue através da luz, não sendo um feito maior captar a figura de uma floresta, ou de uma árvore isolada, um grupo de pessoas com o ambiente que as circundam ou uma faCe isolada. Qualquer que seja a complexidade da figura, esta se fixa do mesmo modo, no mesmo átimo de tempo: o átimo no qual o obturador se abre e os raios luminosos penetram para trocar o filme. Se desejamos fotografar a capa de um li vro, que contém unicamente um título, ou uma página inteira coberta de escrita fina, o processo e os resultados são os mes mos. Entretanto, se quisermos reproduzir um desenho a mão, isso resulta num trabalho mais ou menos fácil e laborioso e o tempo que se emprega em reproduzir o perfil de um rosto é bem diferente do necessário para representar uma pessoa in teira ou um grupo de pessoas, ou mesmo uma paisagem. O desenho também não reproduz, ainda que queira, todos os detalhes, tanto que, para ter-se um documento de um objeto ou a posição de um corpo exige-se a fotografia e não um dese nho. Assim, escrever o título de um livro é coisa fácil e ligeira comparada a copiar uma página extensa de escrita. Enquanto a mão trabalha, o objeto se vai representando com a evidên cia de sua lentidão, de seus esforços sucessivos. Mas, n máqui na fotográfica após captar a imagem, permanece como antes e nada aparece nela da imagem possuída. É necessário colocar 60
o filme em um lugar escuro, expondo-o a seus reativos qu agem quimicamente, fixando a imagem longe da luz que produziu. Após a fixação da imagem pode-se lavar e expor filme à luz pois a imagem permanece indelével reproduzind todas as particularidades do objeto fotografado. Analogamente parece agir a mente absorvente. As imf gens também aqui devem permanecer ocultas na obscuridad do inconsciente para serem fixadas por misteriosas sensibíl: dades, sem que nada apareça exteriormente, sendo soment depois que o milagroso fenômeno se completa, que a conquii ta criativa levada à luz da consciência então se firma, indelc vel, com todas as suas particularidades. Ainda no caso da lir guagem, esta explode pouco depois dos dois anos, encontrar do-se em seus lugares as particularidades dos sons, dos pref: xos e sufixos da palavra, das declinações e das conjuraçõe dos verbos e das construções das sintaxe. Ê a indelével lingus gem materna; é uma característica da raça. A mente absorve! Maravilhoso som da humanidade! Sem que participe com seu esforço, somente “vivendo’ o indivíduo absorve do ambiente até mesmo um fato complí xo da cultura, como é a linguagem. Se essa forma essencial permanecesse no adulto, com seriam facilitados os estudos! Imaginemos, se pudéssemos i a um outro mundo, digamos, ao planeta Júpiter e lá encon trar homens que somente passeando, vivendo, absorvesser toda a ciência sem estudá-la, adquirindo habilidades sem o esforços de exercícios! Diríamos nós: “Que milagre afortuna do” ! Pois bem, essa forma fantástica da mente existe; é mente dos pequeninos. Ê um fenômeno que permanece escor dido nos mistérios do inconsciente criativo. Se isso acontece com a linguagem, para aquela constri; ção de sons foriada pelos homens durante séculos e milênio de esforços intelectuais, para esculpir a expressão de pensa mentos é fácil reconhecer que deve, analogamente, fixar-se n criança os caracteres psíquicos que diferenciam uma raça d outra, ou seja, os hábitos, os preconceitos, os sentimentos em geral todas as características que sentimos “encarnadas em nós, ou ainda, malgrado as modificações que a nossa inte ligência, a lógica, o raciocínio, estariam dispostos a produzii Oandhi disse um dia: “Eu poderei aprovar e seguir muito dos costumes dos povos do Ocidente, mas jamais poderei car celar em mim a adoração à vaca”. E quantos pensariam: “Siir minha religião é absurda segundo a lógica, mas permanec em mim um sentido misterioso de devoção aos objetos sagra 61
dos; uma necessidade de implorar para viver”. Esses homens crescidos com as impressões de seus tabus, ainda que tornan do-se doutores em filosofia, não puderam cancelá-los. A crian ça çonstrói-se verdadeiramente, reproduzindo em si mesma, como em uma forma de mimetismo-psíquico, as caracteríticas dos homens que a circundam. E assim, crescendo, não torna-se simplesmente um homem, mas transforma-se em um homem de sua raça. Com essa descrição tocamos um segredo psíquico de im portância vital para a humanidade: o segredo da adaptação.
A AD APTAÇÃO A adaptação, como está convencionada pela teoria da evolução, terminaria por produzir os “caracteres da espécie” o que os faz diferir uns dos outros a fim de que se fixem e que sejam transmitidos inalterados por hereditariedade. No homem, que deve adaptar-se a todas as condições e circunstâncias do ambiente e que nunca se fixa em seus hábitos, porque evolui continuamente no caminho histórico da civilização, deve haver um “poder de adaptação” rápido que substitua a hereditariedade no campo psíquico. Ora, esta adap tação, se bem que seja demonstrada pelo fato do homem encontrar-se em todas as regiões geográficas da Terra, em todas as latitudes, em todos os níveis do mar, ao lado das altas montanhas, não é algo próprio do adulto. O adulto não se adapta facilmente, ou melhor, quando nele estão fixados os caracteres da raça, vive bem somente naquela região e vive feliz somente quando está imerso nesses caracteres que estão fixados nele. A adaptação do adulto que imigra, ou que vive entre povos de costumes diferentes, exige um grande e penoso es forço. Os exploradores são heróis e os que vivem longe de seu próprio centro de vida são os exilados. Ao contrário, aqueles que estão adaptados só em seu pró prio centro, nas condições estabelecidas pelo seu grupo racial, são felizes. Os esquimós sentem o fascínio pelo gelo, como os etíopes sentem atração pela selva, e como quem vive à beira-mar é fascinado pelo oceano e os povos do deserto gozam a poesia das dunas áridas e infinitas. Sofre um grande esforço, aquele que não está adaptado às novas condições de vida. Os missionários consideram suas vidas como sacrifício. 62
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A criação é um instrumento que não só faz amar a cada uni o próprio ângulo de terra e o prende atada aos próprios costumes, mas, é também pela mesma razão, o veículo de passagem através da evolução da civilização. Todo homem está adaptado em seu tempo, vivendo bem nele. Como nós não saberíamos mais nos adaptar a um modo de vida social de mil anos atrás, também o homem de mil anos atrás que não tinha máquinas e rápidas comunicações, não poderia viver entre os rumores e os movimentos rápidos do nosso ambiente mecanizado e ficaria aterrorizado com os milagres que o ho mem conseguiu com suas descobertas; entretanto nós encon tramos neste ambiente o prazer, ou melhor dizendo, o confor to de nossa vida. O mecanismo é simples e claro: a criança encarna em si o ambiente que encontra e constrói em si, o homem adapta,do a viver. Ela vive, para realizar esta função, um período embrionário que é próprio unicamente do homem; vive ocul tamente na aparência de um ser vazio e inerte. Somente hoje, após a primeira década do nosso século, começou-se a estudar a criança e todos que a tem estudado ©itfio chegando à conclusão de que os primeiros dois anos de vida são o mais importantes, pois neles ocorrem os de senvolvimentos fundamentais que caracterizam a personalida de. Enquanto o recém-nascido não tem nada, nem mesmo o poder de mover-se, eis que a criança de dois anos fala, corre, compreende, reconhece as coisas do ambiente. Depois ainda mm infância se prolonga, na idade dos jogos para organizar sumn criações inconscientes tornando-as conscientes de si mesma. A vida se divide em período bem distintos. Cada período .irrínnvolve suas propriedades que são criadas pelas constru ídos das leis da natureza. Se essas leis não forem respeitadas, a construção do indivíduo pode tornar-se anormal, monstruosa, mas curando-a, n>m o interesse de descobrir e ajudar as leis do desenvolvi mento, podem ser manifestados caracteres mais conhecidos e étu proendentes, nos quais pouco a pouco se entreveem as in ternas o misteriosas funções que dirigem a criação psíquica do tto ffitm .
As crianças têm grandes poderes que nós ainda não sa ltemos utilizar. Na civilização atual um dos mais ameaçadores perigos é o de estar contra as leis na educação e o de sufocá-la ou diformá Ia sob erros dos preconceitos comuns. 63
O CONTATO COM O MUNDO Isso tudo resulta em um fato lógico: se a criança, após o nascimento deve formar-se sendo alimentada pelo ambiente, deveria ser introduzida em contato com o mundo, com a vida externa dos homens; deveria participar, ou melhor, assistir a vida dos adultos. Se ela deve encarnar a linguagem da raça, deveria sentir os homens que falam, assistir as conversações. Devendo adaptar-se ao ambiente, deveria participar da vida pública, ser testemunha dos costumes que caracterizam as pessoas de sua raça. Que estranha e impressionante conclusão! Se a criança fica reclusa nos berçários, subtraída da vida social, ela se verá impedida, diminuída, deformada, e por último, será um anormal, um incapaz de adaptação, porque lhe foram tirados os meios necessários para cumprir sua grande função! Aquela criança que não fala e não se move deverá por tanto ser conduzida à sociedade, às funções públicas, tomando parte na vida dos adultos? Quem teria coragem de fazer tal afirmação, de tentar uma revolução tão profunda com respeito aos nossos preconceitos modernos? Apesar de todos os cuidados higiênicos e do absoluto repouso a que as crianças atualmente são submetidas, cres ce assustadoramente o número de crianças difíceis, de cri anças retraídas, sem caráter, tímidas, com uma linguagem pobre e interrompida por hesitações ou absolutamente de formada por balbucios, fato este que nos deixa perplexos pelas inúmeras anormalidades psíquicas que tanto as atra palham na vida social. Todos diriam: “Este é um mal, mas a vossa providência é absurda”. E então recorremos à natureza. Porque a função do re cém-nascido é aquela, a natureza deve tê-lo promovido para dar-lhe proteção e facilitar-lhe a função vital necessária à sociedade. Pois então, se constata que uma forma de vida natu ral e primitiva advém precisamente assim. O recém-nascido, o pequenino, o embrião espiritual, que deve alimentar-se do ambiente, preparar a adaptação e construir os caracteres pró prios da raça, participou sempre da vida social dos dultos. A mãe leva a criancinha aos braços e a mantém consigo em toda parte. A camponesa vai ao trabalho levando consigo a criança; a mulher que vai ao mercado, que vai à igreja, que conversa com as comadres, tem sempre a criança agarrada a si. 64
% A adaptação é o vínculo que mantém ainda atado à mãe 0 embrião espiritual; é um fato comum a todas as raças. Dessa maneiro, o mndo que ns mães usam para agarrarem-se à crian ça ficando com ms mSos livres par trabalhar é uma das caracteríatinm dofj eoBtumes dos povcs. Seja a mãe esquimó que prende seu filho ás costas, ou a japonesa que o prende ao orabjo, a imllfiMM que o leva sobre o franco, outras, em cantões suíços o Im n i cabeça. Desta maneira também as mães cumpiHiii uma segunda função natural, uma função de ordem psíf.uiça cumprindo inconscientemente um ato necessário à salvaçlm d i espécie. A mãe é mais que ninguém uma “revolücioná1 iw da educação". Não é uma mestra da criança, não a convida a observar e a aprender, é simplesmente para ela um meio de trmiiporte. A mãe não se preocupa se a criança observa ou não. Para ela, como para todos, a criança é um ser vazio, mudo, incapaz de inteligência e de movimento. E este é um meio providencial da natureza. As coisas que a mãe observa não são observadas pela criança e as coisas que esta observa fogem à atenção da mãe. Ê interessante notar isso em uma multidão primitiva, como por exemplo, num mercado de vilarejo, onde se encon tram homens e animais e várias espécies de objetos, de frutas, d© fazendas, onde as pesoas falam entre si sobre os próprios feftizerea, Podemos observar então que o pequeno latante, o NfM embrionário, observa com estranha fixação e com interesse ftiuitas coisas; ele observa o ambiente nos seus vários aspectos, tflquanto o mãe fica comprando suas mercadorias e falando com os pessoas. O mundo, o ambiente no seu conjunto desapa rece para a mãè, mas não para a criança. A mãe observa a fruta que quer comprar, mas a criança ficará encantada em observar um cão ou um asno nos seus movimentos. Mãe e filho aio de todo independentes em seus interesses; apesar do Pequenino estar agarrado de tal modo que deva necessaria mente observar em sentido oposto ao dela. A maioria dos ami gos que a mãe encontra diz algumas palavras de cumprimen to à criança, dando a ela involuntariamente repetidas lições d» linguagem. Nas raças pouco evoluídas o aleitamento é muito longo; dura quase um ano e poderá ainda durar dois. Em todo esse tempo importante da vida, a criança faz a conquista do ambi ente. Verdadeiramente não é mais necessário para o corpo que • riança ao alimente por tanto tempo do leite materno; não r neetrairio m.ns a mãe tem instinto de amor para não sepa65
íar-se dela e levá-la sempre ainda que a criança naturalmente aumente de peso. Um missionário francês, que havia estudado especialmen te os costumes dos povos de Bantu, na África Central, mara vilhou-se com o fato de que as mães não têm em mente a idéia de separar-se de seus filhos considerando-se quase como um só corpo. A criança é parte da mãe. Tendo assistido a uma solene coroação real, aquele missionário viu a rainha chegar com a criança ao braço e receber a honra soberana tendo seu filho junto a si. Ficou maravilhado com o fato de que as mu lheres de Bantu pudessem amamentar por tanto tempc, que geralmente era de dois anos inteiros, isto é, durante toda a época que interessa atualmente aos nossos psicólogos mo dernos. Não queremos considerar revolucionários esses testemu nhos naturais. Nós que observamos com admiração, estamos dispostos a atribuir o mérito desses costumes, o caráter tranqüilo dessas crianças que não são difíceis e não apresentam “problemas” como os nossos. O segredo está contido em duas palavras: leite e amor. A natureza, a sábia natureza, deve ser a base sobre a qual pode-se construir uma supernatureza ainda mais perfeita. É certo que o progresso deve superar a natureza e tomar di versas formas, porém não pode proceder atabalhoadamente. Essas breves citações abrem um caminho prático para a afirmação genérica que começa a invadir nosso mundo cien tífico: “a educação deve começar ao nascer”. CONCLUSÃO O homem não é nem um corpo vegetativo que vive uni camente de alimento material, e nem ao menos está destina do unicamente às emoções sensuais. O homem é aq iele ser superior, dotado de inteligência, que está destinado a uma grande tarefa sobre a terra: transformá-la, conquistá-la e uti lizá-la, construindo um novo mundo maravilhoso, que supera e se sobrepõe às maravilhas da natureza. É ele quem cria a civilização. Seu trabalho é ilimitado sendo o objetivo de seus membros físicos. Desde o seu aparecimento na terra ele é um trabalhador. Os primeiros relatos da humanidade são as pe dras lascadas por suas mãos, favorecendo fins que se aumen taram e se estenderam ao infinito. Ele tornou-se o dominador de todas as coisas viventes, de todas as substâncias e energias espalhadas no universo. Parece pois “natural ao homem” que 56
a criança comece por absorver o ambiente completando com o seu trabalho, com as experiências gradativas sobre o ambien te que n circunda, o seu desenvolvimento infantil. É com abíiorgfiíi inconsciente e depois com atividades sobre as coisas ejdõfnii que ela nutre e desenvolve sua qualidade humana. Eli» eon^trói-se, forma suas características, alimentando seu espírito, S© o desenvolvimento se limitasse ao físico, a criança «cria condenada a uma espécie de fome, jamais saciada pe la sua mente e cairia nos males profundos da “desnutrição peíquica”. Nada de humano poderia desenvolver-se normal mente nela. São poucos os que descobriram que as anomalias psíquicas, evidentes na infância moderna, reveladas aos fins dos primeiros anos de vida são provenientes de duas coisas: “desnutrição mental” e “falta de atividade inteligente e es pontânea”. São devidas a uma repressão das energias vitais, destinadas a desenvolver a alma do homem; a uma demolição das leis que guiam passo a passo o crescimento da criança. O mundo civilizado torna-se um imenso campo de con centração onde todos os homens que nascem são relegados e feitos escravos, diminuídos em seus valores, alienados em seus impulsos criativos, subtraídos dos estímulos vivificantes que cada homem tem direito de encontrar entre os que o amam. Esta expressão vaga deve ser concentrada assim: “É ne cessário construir uma nova educação que começa ao nascer. É preciso reconstruir a educação baseando-se nas leis da natu reza e não em preconceitos que prejudicam o homem”. A educação de hoje não se baseia nem mesmo na ciência dos homens porque, atualmente está se desenvolvendo um tratamento para os pequeninos “logo ao nascer”, que se apóia somente no que a higiene acredita e prevê, isto é, boa nutri ção, especialmente a artificial, facilitando o afastamento da mãe que acha conveniente não ter mais leite e o isolamento da criança em um berçário, confiada a uma mulher desconhe cida e privada do amor materno. A criança é também conde nada a dormir na escuridão artificial, procurando defendê-la da luz do dia. Quando esta sai para o mundo externo, é levada «m um carrinho coberto de modo que não veja nada e quando vira a cabeça tem diante de si somente a pajem, que é uma espécie de enfermeira, comumente velha, pois sup5e-se que os velhos têm irais experiências para cuidar das crianças. O c.. 67
rinho afetuoso de uma bela e jovem mãe permanece ignorado à criança. Ela é um corpo vegetativo; os médicos especialistas e os psicanalistas ousam dizer definitivamente que ela é um “tubo digestivo”. O silêncio necessário ao sono, substitui a voz humana que fala, este “tubo digestivo” é bem estudado: onde são medidas quantidades e qualidades de alimentos rigoro samente regulados e graduados. O corpo é pesado regularmen te para acompanhar seu crescimento. Os carinhos, o apalpar dos membros, sugeridos pelo instinto materno são abolidos, todavia foi a natureza que os inspirou e são, portanto, estímu los para a vida, reclamados pela consciência; são massagens delicadas que preparam os músculos inertes através de um exercício passivo que é necessário quando os movimentos voluntários não estão ainda desenvolvidos. Algo verdadeiramente estranho! Existe até o temor de que os carinhos e contatos com a mãe sejam perigosos e inde centes podendo suscitar os instintos sexuais naqueles que ape nas chegaram ao mundo. Dessa maneira, as crianças estão em perigo de perder o seu caráter e o poder de adaptação e orientação no mundo complicado no qual nasceram, Ê necessário que a sociedade desperte de erros tão pro fundes e liberte esses prisioneiros da civilização, preparando para eles um mundo adaptado as suas necessidades supremas, que são necessidades psíquicas. Um dos trabalhos mais urgen tes na reconstrução da sociedade é a reconstrução da educa ção que deve ser feita, dando à criança um ambiente apro priado para sua vida. Pois bem, o primeiro ambiente é o mun do, e os outros ambientes, como a família, a escola, devem corresponder à satisfação daqueles impulsos criativos que são guiados pelas leis cósmicas para realizar o aprefeiçoamento humano. Quando os preconceitos forem dominados pelo conheci mento, aparecerá então no mundo a “criança superior” , com seus poderes maravilhosos que hoie Dermanecem escondidos; aparecerá então a criança que está destinada a formar uma humanidade capaz de compreender e de controlar a presente civilização. AN ALFABETISM O MUNDIAL A questão do analfabetismo ressurge hoje com novo vigor como um assunto da atualidade. Não se esgota mais como no passado, na compilação de frias estatísticas ou no desgnho de 68
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mapas geográficos, sobre percentuais de analfabetos que, em várias proporções, existem ainda nas nações da Europa e da América. Após a segunda grande guerra, estudou-se os problemas sociais num plano que superava os limites nacionais e o dos continentes que têm uniformidade de raça ou de civilização, estendendo-se a todo o mundo. Uma consequência da guerra é que os povos asiáticos, os orientais, entraram na esfera de interesse dos povos ocidentais, com a consciência clara de que tcdos os povos do mundo já estão coligados. Alguns aconte cimentos históricos, como a independência da índia e de ou tros países da Ásia, e ao mesmo tempo o esforço de contri buir para a educação com uma aliança universal no interesse de todos, coloca o problema do analfabetismo entre as gran des questões atuais. O persistir no mundo de centenas de mi lhares, senão de milhões de analfabetos, enquanto já se difun dem em todos os continentes os produtos e os instrumentos da civilização mecânica, constitui um contraste estridente entre 0 progresso material e o progresso morai dos homens, criando um desequilíbrio universal. De fato, a UNESCO, que estuda a educação também como meio prático e necessário para esta belecer uma maior harmonia entre os povos, coloca em posi ção proeminente a luta contra o analfabetismo. O problema da educação não é certamente o do analfa betismo, mas sim um outro problema: o respeito à formação espiritual e a elevação intelectual da humanidade para adap tá-la às novas condições sociais no “novo mundo” , no qual essa vegeta despreparada e inconsciente. Mas essa educação deve circular através do analfabetismo, como as ferrovias cir culam através dos trilhos das estradas de ferro. Na índia, hoje independente, entre os objetivos mais urgentes, é. colocado o da educação do povo. Ao problema de providenciar alimento para todos segue imediatamenete o de criar escolas para crianças, instituições culturais para os adultos e os governos orientais sentem como •' analfabetismo é um problema fundamental a ser resolvido. Problema semelhante apresentou-se há um século e meio fiit às, nas nações da Europa e da América. Disseram elas enííhí quo era necessário remover gradualmente o analfabetismo 1 ã ignorância, dando a todos o conhecimento chamado pelos inglese» de 3 R: “Reading, Writing, Reckoning” : ler, escrever s interpretar, mas sobretudo ler e escrever. 69
Grandes obstáculos se opuseram logo a estas tentativas pois não haviam experiência precendentes que pudessem ser vir de orientação. Incorreu-se em muitos erros. Os países ori entais, pode-se dizer que são afortunados, pois mesmo havendo obstáculos, os erros puderam ser evitados! A experiência feita no Ocidente é para eles de grande valor. O caminho já está traçado e pode-se avançar a grandes passos em direção ao fim desejado. Na Europa, os erros derivados da inexperiência em reali zar rapidamente sobre um plano total a educação infantil, re caíram sobre suas crianças. Eles foram vítimas de uma forma de escravidão ainda não havida na história da humanidade. Poucos conhecem que o primeiro impulso para realizar este colossal esforço social veio de uma revolução que deu início a novos tempos na Europa, pois assinalou os princípios das grandes descobertas científicas e o avançado uso das má quinas. A Revolução Francesa de 1789 apresentou um estranho fenômeno. Entre as selvagens violências de uma inssurreição popular, o próprio povo exigiu que entre os direitos do homem estivesse o de possuir linguagem mais elevada, isto é, a lin guagem escrita. Era um pedido estranho e sem precedentes. Não havia nada a fazer contra a reação do poder opressivo que empobrecia o povo. O povo não queria somente pão e trabalho como fez depois, segundo os ensinamentos de Marx, nem se limitava a exigir uma mudança nas hierarquias sociais e no governo político, mas reivindicava o direito humano do ser instruído para poder usar também esta arte. II da Declaração dos Di reitos do Homem e do Cidadão, sancionada em 1791: “A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um, dos di reitos mais preciosos do homem” : cada cidadão pode, portan to, faiar, escrever e publicar livremente. Foi por certo uma das poucas vezes que ao invés de uma diminuição de traba lho, o povo pediu para fazer uma nova aquisição com um esforço que cada indivíduo deveria cumprir por si só, à custa de penosa fadiga. O pedido nascia de algo bem maior que o desejo de rom per as cadeias da tirania. De fato, foram necessários três anos para estabelecer os princípios de uma nova vida social e para abater a monarquia; mas foi necessário um século para esten der ao povo o conhecimento da linguagem escrita. Se bem que o grito de guerra fosse “liberdade” , esta con quista não foi feita através da liberdade, pois se fez necessária
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a coerção. A realização prática de colossal tarefa não foi atin gida pela destruição de uma monarquia que havia desfrutado do povo, mas foi conquista de uma outra monarquia: o pri meiro Império Francês. Napoleão, paladino da Revolução Francesa, fortaleceu o povo e, percebendo ser impossível que as velhas pondições fossem restabelecidas, levou decisivamen te o povo para uma nova vida. ' Vê-se então a plebe da França transformada, por seu toque mágico, numa onda que quebra os aguilhões seculares. Seu gesto épico deu nascimento à unica e verdadeira con quista que até hoje permanece: a elevação do nível intelec tual do povo, segundo os direitos do homem. Com o código de Napoleão, a educação obrigatória faz sua primeira aparição nas legislações das Nações. Uma vez que Napoleão impôs o seu código aos povos da Europa, esse princípio de educação conquistou não só a França, mas todo o Império logo após as terríveis destruições da guerra. A educação obrigatória foi estabelecida em muitos Esta dos europeus, passando depois à América, e iniciando assim a lenta e difícil tarefa de eliminar o analfabetismo. Todas as nações civis daquele tempo a assumiram. A educação das massas abre um novo capítulo na histó ria humana que continua a dsenvolver-se e a expandir-se. Era uma tarefa que requeria um trabalho mental de cada indiví duo e a tarefa era confiada às crianças. Nos primeiros anos do século X IX , a criança entrou na História como elemento ativo do progresso da civilização, mas ao rnesmo tempo ela aparece como uma vítima. A criança não podia compreender, da mesma forma que o adulto, a necessi dade dessa conquista essencial à vida da sociedade. Mobiliza da aos seis anos de idade, a infância sentiu só os sofrimentos das prisões e a escravatura de ser forçada a aprender o alfa beto e a arte de escrever: qualquer coisa árida e aborrecida da qual não podia julgar nem a importância nem as vantat.ens futuras. Relegada aos bancos pesados, impulsionada por castigos, aprendeu sob a coerção, sacrificando não só o seu débil corpo como também sua personalidade. Assim, sempre aconteceu na penosa história dos homens. Todas as grandes conquistas são obtidas à custa de escrava tura. Os grandes monumentos egípcios, a expansão marítima de Roma, tiveram como necessidade primordial o sacrifício de homens, forçados com açoites ao duro e monótono traba lho de transportar blocos de pedra e de mover g s remos. TamW-m para esta nova conquista de um grau mais alto de intelí71
gência, para adquirir o uso universal do ler e escrever, a hu manidade teve necessidade de escravos e os escravos foram as crianças. No princípio do século X X , foi iniciadG um movimento para aliviar as condições das crianças condenadas a “estudos forçados'*, porém, por mais que se tivesse feito nesse sentido, a criança está ainda hoje longe de ser considerada na pleni tude de seus direitos naturais de homem. Não se está ainda suficientemente persuadido de que a criança que estuda na escola é um homem em potencial; que seu valor não consiste unicamente em ser o meio de elevar o povo a um nível mais alto de cultura, de atingir os objetivos nacionais, de conseguir as vantagens práticas para a sociedade. Ela possui os “seus próprios valores” e se a humanidade deve ser melhorada a criança deverá ser melhor conhecida, sendo respeitada e ajudada, porque a humanidade permanecerá im perfeita como o é agora se persistirem os diferentes níveis de desenvolvimento e as conseqüentes desarmonias que não lhe permitem avançar no caminho para o progresso. A sucessão dos infaustos eventos de nossos dias demonstra que é urgente e essencial cultivar as energias humanas. Nos países onde atualmente a educação obrigatória faz sua primeira aparição, podem ser muito importantes as expe riências precedentes, podendo estas partirem de um alto nível. Não é preciso mais considerar a criança como um meio de progresso, como um escravo que sobre suas costas deve acu mular o peso do progresso da civilização. A educação deve começar ajudando o desenvolvimento da própria criança e, portanto, como incremento à potencialidade do povo. As necessidades da criança, as ajudas necessárias para sua vida, devem ser as preocupações fundamentais da educa ção moderna. “Necessidades das crianças” não são. somente as da vida física. As da inteligência e as da personalidade como homem, são muito mais urgentes e muito mais elevadas. A ignorância é ainda mais fatal ao homem do que a desnutrição e a po breza. Muitos pensam que o respeito pela criança e a considera ção por sua vida psíquica significa não esforçá-la, isto é, evitar o trabalho mental. Ao contrário! Quando se leva em conside ração como base as energias naturais ou, em outras palavras, quando o plano da educação segue psicologia especial do de senvolvimento humano, alcançar-se-á não só um vasto e rápi 72
do progresso na cultura mas se reaiizará também uma inten sificação dos valores pessoais. Os progressos da nossa civilização apóiam-se em bases científicas. A educação, pontanto, deve também ser colocada 6obre essas bases. Aprender a ler e escrever é o início da educação obri gatória, o fundamento no qual se baseia e é considerado como um dos muitos objetivos da instrução. É necessário, portanto, que seja distinto de todo o resto da cultura. A posse da arte de escrever não é uma pura habilidade mas representa a posse de uma forma superior de linguagem que se acrescenta à lin guagem natural, completando-se e integrando-se com ela. A linguagem falada se desenvove natural mente em cada homem, pois sem ela o homem seria um infeliz, um extra-so cial, um surdo-mudo. A linguagem é uma das características que diferencia o homem dos animais. Ê um dom natural dado somente a ele, uma expressão de sua inteligência. De que adiantaria possuir inteligência se o ser humano não fosse capaz de compreender e transmitir seus pensamentos? Sem linguagem, como poderia associar-se a outros homens para alcançar um propósito co mum, para executar um trabalho? À linguagem falada se desenvolve naturalmente em cada dos que estão perto e esta é a razão pela qual os homens, desde a mais remota antigüidade, procuram outros meios, para transmitir mais longe seus pensamentos e para fixar suas re cordações. Sinais gráficos foram gravados nas rochas ou escri tos em peles de animais. Destas tentativas, através de inúme ras transformações, chegou-se ~gfadualmente à invenção do alfabeto. Foi uma aquisição da máxima importância! “Esta conquista — diz Diringer — é muito maior e mais importante do que qualquer outra para o progresso da civilização, porque ela pode unir o pensamento de toda a humanidade através do desenvolvimento este sucessivo das gerações. A aifabeto con sidera não somente este desenvolvimento externo, mas a pró pria natureza do homem, porque completa a linguagem natu ral, atingindo uma outra forma de expressão.” Se o homem é superior aos outros animais que não pos#U#m uma linguagem articulada, então, o homem que pode lt*r e escrever é superior aos outros homens que podem somen te falar. Somente aquele que escreve possui a linguagem necèBsúria à cultura dos nossos tempos portanto, a linguagem
escrita não pode ser considerada somente como uma matéria de estudo e uma parte da cultura, pois é ela uma característica do homem civilizado. O progresso da civilização de nossos dias não pode florir entre homens que possuam somente a linguagem falada, sendo portanto o analfabetismo o maior obstáculo ao progiesso. Recentemente, por acaso, tive conhecimento de uma notí cia. Na China, além dos movimentos e Chiang-Kai-Shek e dos comunistas, há um outro movimento, nascido de um jovem que está dedicando sua inteligência para simplificar a escrita chinesa. Isto vai de encontro a uma necessidade de seus país, que ninguém até agora havia compreendido. A atual escrita chinesa requer o conhecimento de pelo menos 9.000 símbolos, o que torna impossível remover a ignorância das massas. Aque le jovem reformador, sem introduzir novas idéias, nem novas formas de governos, nem melhores condições econômicas e nem mesmo liberdade, conquistou na China uma grande po pularidade e prestígio. Ele é evidentemente um grande benfeitor para o povo chinês, que sente necessidade de tomar parte no progresso mundial; aquele progresso que só se atinge com a elevação da personalidade. O povo chinês sente que seu direito fun damental e primeiro é possuir as duas linguagem necessárias ao homem civilizado. As duas linguagem são o ponto de parti da e depois vem a cultura. É necessário por isso distinguir na escola, de um lado as duas linguagens, ligadas com a formação do homem, e de cutro, a cultura que deve ser adquirida em um segundo tempo. Com este propósito, indicarei minha experiência, obtida através do estudo da criança, que pode ser muito útil àqueles que se esforçam na eliminação do analfabetismo: a linguagem escrita pode ser adquirida por crianças de quatro anos, mais tacilmente do que por aquelas de seis anos, para as quais co meça geralmente a educação obrigatória3. Enquanto as crian ças de seis anos, com grande aflição e esforço contra a natu reza, devem empregar pelo menos dois anos para aprender, as crianças de quatro anos aprendem a segunda linguagem em poucos meses4. Essas crianças aprendem não só sem esforço e aflição mas também com um grande entusiasmo. O fenômeno que por mais 40 anos me tocou e fez surgir em mim o desejo
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de dedicar minha vida à educação, foi o fenômeno espon tâneo da “explosão da escrita” em crianças de quatro anos. Esse fato, que ilustrarei mais adiante, tem uma impor tância prática de enorme valor. Se de fato a assim dita educação obrigatória começa com crianças de seis anos,, elas encontrarão grandes dificuldades, pois, nessa época da vida, aprender a ler e a escrever faz perder tempo e ener gia, impondo às crianças um árido esforço mental que determina um certo desgosto pelo estudo e por qualquer instrução intelectual. Tolhe o apetite de saber antes de começar a nutrir-se. Ao contrário, se as crianças aos seis anos já soubessem ler e escrever, a escola poderia começar logo possibilitando cultura de um modo fácil e interessante e as crianças entra riam com entusiasmo no campo dos estudos. A diferença é fundamental. As escolas verdadeiramente racionais e modernas, ca pazes de obter uma elevação do povo, devem poder contar com suas novas crianças, aquelas que já possuam as duas linguagens, as crianças do homem superior adaptadas para viver em nossos tempos. Todas as escolas começam sempre a ensinar a ler e escrever porque a escrita fixa o conhecimento humano, sendo por isso um procedimento lógico. Uma vez que o objetivo da escola é dar conhecimento, é necessário dar às crianças os meios para tornar esses conhecimentos duradouros. Ler e escrever são as chaves que podem abrir as imensas reservas do conhecimento humano, reunidas fixadas e acumuladas nos livros, com a arte da escrita. Como já havia dito antes, duas coisas devem ser disdntas: a escrita, que por si só é uma arte, e o conhecimento. A escrita tornou-se acessível a todos depois da inven ção do alfabeto, que a simplificou de tal modo tornando-a acessível à criança. Tal invenção não somente simplificou mas humanizou*4
í 4
No Brasil a alfabetização obrigatória tem início aos 7 anos. (N.T.) Sendo o processo ortográfico de nossa língua misto, fonético etimológico, a idade ideal para iniciar a alfabetização montessoriana em nosso país é dos qua tro anos e meio aos cinco anos. (N.T.) 75
a escrita, porque ligou diretamente a linguagem escrita ccm a falada fazendo daquela um complemento desta. A linguagem falada é composta de poucos sons essen cialmente distintos, de quantidade limitada* porque depen dem da possibilidade das combinações dos movimentos dos órgãos vocais que têm, por sua vez, um limite, que é o mesmo para toda a humanidade. Em algumas línguas são usados so mente 24 ou 26 sons essenciais, em outras, mais; mas os sons são sempre limitados. Ilimitadas, ou quase, são as combina ções destes sons, óu seja. as palavras. Não há limites para que haja um enriquecimento de palavras numa língua, não há di cionário que possa conter todas as palavras que podemos for mar unindo letras e sílabas segundo as leis matemáticas das combinações e permutações. A linguagem escrita alfabética consiste em dar a repre sentação, com sinais gráficos, de cada som que compõe uma palavra. O resultado 6 que estes sinais são pouco numerosos, isto é, tão pouco como são os sons. Esta representação é per feitamente obtida nas línguas fonéticas. Mais ou menos per feitamente toda linguagem escrita é baseada neste simples princípio. O fato de que nem todas as escritas alfabéticas cor respondem foneticamente à linguagem falada é uma dificul dade resultante do alfabeto não ter sido aplicado completa mente, segundo o seu significado, mas essa dificuldade pode rá ser corrigida facilitando assim a escrita. Não há dúvidas deque as línguas e as suas traduçpes na escrita estão ainda em desenvolvimento e continuámente se aperfeiçoando. Esta é a razão pela qual a aprendizagem da escrita deve ria começar de uma análise dos sons da palavra, pois este é o caminho que deve ser seguido. A escrita não deveria iniciar-se com os livros usados na escola atual que começam representando sílabas e palavras impressas: as cartilhas. Para o uso correto do alfabeto na aprendizagem da escri ta, deveriam ser dados somente os simples sinais do alfabeto, colocando-os em relação direta com os sons que sao por eles representados. Dessa maneira as combinações das palavras es critas poderiam derivar diretamente da linguagem falada que já está desenvolvida na mente* Isto é tão simples que pode levar a escrever como por magia porque os sinais alfabéticos são geralmente simples, de fácil execução, pouco numerosos e, portanto, fáceis de serem recordados. Um raciocínio lógico leva à conclusão de que se este pro cedimento fosse aplicado, a escrita deveria surgir espontanea 76
«• mente, representando imediatamente toda a linguagem falada que cada um possui. Agindo desta maneira, o problema de aprender a escrever seria resolvido sem dificuldade. Poder-seda não so‘ aprender a escrever em poucos meses, mas a. escrita poderia também de senvolver-se espontaneamente completando-se gradualmente à medida que a mente vai se concentrando nesse exercício. O alfabeto diretamente ligado com a linguagem falada é o modo da alcançar a arte de escrever seguindo uma via inte rior, atingindo a habilidade de escrever, que é resultante da análise da palavra que todos possuem e da atividade da pró pria mente interessada nesta mágica conquista. Se ao contrário, a aprendizagem partir de livros, isto é, da habilidade de ser, dos livros que apresentam palavras es colhidas arbitrariamente que se deve aprender, as dificuldades se multiplicarão, resultando uma linguagem separada, uma linguagem escrita escolhida de fora, originada do decifrar síla bas e palavras que não têm nenhum interesse. É como se fosse feita uma tentativa de construir externamente uma outra linguagem começando pelos sons, pelos balbucios sem sentido como aqueles da criança durante o primei ro ano de idade, seguindo um processo igual ao usado pela natureza ao construir a linguagem articulada num ser sem inte ligência e sem habilidade motora, como é o homem ao nascer. Se, ao contrário, o alfabeto for ligado à linguagem falada, o processo torna-se uma simples tradução da própria lingua gem em sinais gráficos. Então é sempre ligado à palavra que tem um significado para a mente que o processo da escrita acontece por uma atra ção natural. É dupla, portanto, a linguagem que se possui, e fixada de uma forma estável. Cs olhos e a mão agem em conjunto sobre o tesouro que foi acumulado naturaímente através do ouvido e dos órgãos vocais. Mas, enquanto a linguagem falada é um sopro que se desvanece no espaço, a linguagem escrita torna-se algo permanente, que permanece fixo diante des olhos « que pode ser manejado e estudado. É por esta sua direta relação com os sons das palavras qu© o alfabeto representa uma das maiores invenções da hu manidade. Mais que qualquer outra invenção, o alfabeto influenciou o progresso humano porque modificou o próprio homem, dan do-lhes novos poderes superiores à sua natureza, dando a ele 77
a posse de duas linguagens, uma natural e outra supernatural. Com esta última o homem pode transmitir seus pensamentos para pessoas distantes, pode fixá-los para seus descendentes, pode enriquecer-se, através do tempo e do espaço, dos produ tos intelectuais de toda a humanidade. “É surpreendente — diz Diringer — que a história da escrita seja uma “Cinderela”, tanto para os homens cultos como para os incultos. Esta história não é objeto de estudo na universidade, nem na escola secundária, nem na primária e nenhum museu importante achou necessário oferecer ao pú blico uma exposição demonstrativa do desenvolvimento da escrita.” (D. Diringer, L ’Alfabeto) Concentrados nos progressos externos, os homens não pres taram muita atenção a esse mágico instrumento. A escrita não é o alfabeto. A escrita é uma série de ten tativas para transmitir o pensamento de um modo prático e permanente. A sua história remonta há milhares de anos. O homem no princício tentou representar os objetos de seu pensa mento por meio de desenhos, depois simbolizou as idéias em sinais e só recentemente encontrou uma solução simples no alfabeto. Não são as idéias que devem ser representadas por meio de figuras, mas sim, a linguagem nos seus sons componentes, porque somente a linguagem pode representar genuinamente as idéias e o conteúdo dos pensamentos mais elaborados. O alfabeto permite fazer isto porque traduz fielmente a lingua gem falada. No ensinar a escrever, a função do alfabeto não é leva da em consideração. Ele é somente apresentado como uma análise da linguagem falada. Fica submerso na escrita, sem objetivo e sem interesse. Constitui por isso um árido princípio de estudos. O seu objetivo e a sua vantagem ficam escondidos por longo tempo na mente da criança. A linguagem escrita é ensinada nas lín guas perfeitamente fonéticas, do mesmo modo como se ensi naria a escrita chinesa, que não tem uma relação direta com os sons das palavras e que não possui a maravilhosa e prática simplicidade do alfabeto. A nossa experiência, que se iniciou com crianças entre três e seis anos de idade, nos fins de 1906 em Roma, é, eu creio, o primeiro e único exemplo de ensinar a escrever ligan do diretamente os sinais gráficos do alfabeto com a linguagem falada, sem o uso de livros. 78
* O resultado maravilhoso e inesperado foi que a escrita surgiu “explGsivamente” , começando com palavras inteiras, as quais brotavam sem cessar da mente da criança que com suas mãozinhas cobriam de palavras a lousa, o chão e as paredes, em incansável e exaltante traoalho criativo. Esse fenômeno impressionante acontecia com crianças entre quatro e quatro anos e meio de idade. Eu estou certa de qua esta velha experiência poderá tornar-se útil hoje para combater o analfabetismo, utilizan do os recursos da natureza. Afinal, é um progresso prático colocar a escrita no seu real e simples aspecto, ligando-a diretamente com a lingua gem falada. É um processo prático que pode ser aplicado tanto à criança quanto a adultos. Então, a escrita torna-se uma forma de auto-expressão e desperta um interesse e uma ativi dade que são exaltados pelo entusiasmo de uma conquista evidente e de um novo poder que se vai adquirindo. A lingua gem escrita, depois de uma primeira fase que se estabelece no indivíduo, torna-se um talismã que permite penetrar no oceano da cultura, abrindo mais ou menos largamente, mas abrindo a todos um novo mundo. Ós livros de leitura e as cartilhas devem por isso ser abolidos durante o primeiro período no qual a escrita é adquirida como uma nova forma de auto-expressão. O alfabeto funciona, então, como uma chave que é girada in ternamente. A cultura em si é algo separado da escrita. Pode-se bem imaginar um homem de grande experiência e valor moral que permaneceu analfabeto antes da invenção do alfabeto, mas, nos nossos dias, é inconcebível um indivíduo iletrado, mesmo que tenha um grande valor moral, que seja um participante da cultura própria de seu tempo. Os dois diferentes aspectos, sob os quais podemos consi derar a linguagem, levam a uma distinção que pode ser de grande ajuda prática. A linguagem escrita diz respeito a auto-expressão sendo um simples mecanismo criado na personalidade e que se pode analisar nas suas partes, sendo essa análise a que tem valor. Ser letrado ou iletrado, isto é, culto ou ignorante, é uma outra coisa do que saber escrever ou ser analfabeto. O escrever está em relação somente com o alfabeto e, por isso, com a linguagem falada, isto é, com a análise do som. Ser letrado, instruído ou culto ó penetrar na literatura, ligada com o mundo externo, com os livros que fixam as ima gens e os pensamentos através da leitura. 79
A nossa experiência feita com crianças de quatro anos (época na qual a escrita pode “explodir” como consequên cia dè uma conquista já feita) foi muito importante. A linguagem se desenvolve até os cincos anos de idade e a mente se encontra então numa fase de atividade e inte resse para tudo aquilo que se liga com a palavra. É este o tempo, poder-se-ta dizer, “a estação da vida” na qual a linguagem escrita pode frutificar. A frutificação não depende somente da semente e da preparação do solo, mas depende também da estação do ano na qual iremos plan tar. A análise da escrita no seu mecanismo* que permite ligâ-la alfabeticamente com a lingagem falada pode ser útil tanto para as crianças como para os aduítos, mas a época favo^ rável é aquela na qual a linguagem falada espontaneamente vai se completando e se aperfeiçoando. Este é c período sen sitivo psíquico” colocado pela natureza, com tal objetivo, na criança pequena. Pode-se aqui realmente usar o termo “desen volvimento da linguagem escrita” , porque colocando o alfabe to em conexão com os sons das palavras, as duas linguagens se desenvolvem, se expandem e se enriquecem* como se fos sem um conjunto orgânico. A preparação do mecanismo é um processo natural. Tam bém a linguagem falada começa com os balbucios prolongados que fazem funcionar mecanicamente os órgãos da palavra. Somente aos dois anos de idade, quando os movimentos estão estabelecidos, a linguagem se desenvolve sob o impulso da in teligência, que absorve então novas palavras e continua a aper feiçoar a própria construção da linguagem, absorvendo-a do ambiente e das pessoas entre as quais, vive a criança. Existem, portanto, duas diferentes fases: uma na qual o mecanismo (isto é, a ágil função dos órgãos da palavra) vai sendo preparado através de longos exercícios, e uma segun da fase, intelectual, na qual a linguagem desenvolve a sua construção expressiva. Esta segunda fase, isto é, o período intelectual do desen volvimento natural da linguagem, pode ser ajudada pelo alfa beto para o seu aperfeiçoamento do mesmo modo como no adulto a inteligência se aperfeiçoa com a aquisição da cultura, quando ele sabe ler e escrever.. O fato importante é que o alfabeto e a conseqüente habi lidade de escrever “ajudam” o desenvolvimento da linguagem na criança e sendo uma real ajuda ao seu desenvolvimento
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natural, que chega no tempo certo, é absorvida com vital avidez. Os símbolos alfabéticos que são dados às crianças, como nós damos, em forma de objetos separados, que se pode mane jar, não agem somente como estímulos que requerem a ativi dade da consciência em favor da linguagem articulada, adqui rida primeiro inconscientemente mas levam a anlisar os sons que compõem a palavra, dando também a esses sons uma forma visível que permanece sempre diante dos olhos. O alfabeto móvel é um instrumento obediente, que a mão pode mover fazendo combinações e construindo palavras, como se faria com as diferentes peças de um quebra-cabeças, que leva a uma maravilhosa conquista. E que conquista mais fascinante se poderia encontrar? Aqueles poucos objetos permitem construir todas as pa lavras que uma criança conhece e também as palavras pro nunciadas por outros. Este exercício intelectual tão fácil repre senta por isso uma ajuda para determinar, aperfeiçoar e esta belecer a linguagem falada. A base destes exercícios é evidentemente a análise da palavra, isto é, “spilling” , o acabamento. É um exercício intei ramente interior que permite fazer uma análise das partes componentes da linguagem. Isto a criança não faria, nem po deria fazer, sem possuir a chave que lhe é dada por esses sinais visíveis e móveis. A criança, deste modo descobre sua própria linguagem. Cada tentativa para construir uma palavra é baseada sobre uma pesquisa e uma descoberta: a descoberta dos sons que formam a palavra que ela quer reproduzir. Estes exercícios podem também interessar o adulto anal fabeto e, de fato, foi provado que é assim. O alfabeto pode •er para todos a chave que conduz à exploração da própria linguagem, suscitando um novo interesse. O interesse surge, não só motivado por essa análise que faz superar a dificuldade de ortografia na linguagem escrita, mas também porque oe «inais alfabéticos são bem poucos e embora pouco numerosos podem exprimir toda a linguagem em qualquer forma e em toda ocasião. Se um adulto, por exemplo, sabe de cor uma l>oesia ou uma prece, então todas as palavras desta poesia ou desta prece podem ser construídas. Ê fantástico pensar que todo» os dias as páginas dos inumeráveis jornais, são todas com todo» o» dias as páginas dos inumeráveis jornais, são todas combinações do alfabeto, que as conversas que se escutam no
ambiente onde se vive, tudo aquilo que é transmitido pelo rádio, são representados por tão poucos objetos: as letras do alfabeto! Pode-se oem compreender como o homem iletrado sen te-se elevado espiritualmente por este pensamento que pode ser para ele uma revelação e uma inspiração! Mas não são estas idéias que fascinam as crianças e sim as ações das energias vitais. Os exercícios com o alfabeto lhes dão emoções exaltantes, pornue no período do desenvolvimen to da linguagem existem nelas uma chama viva que arde em cada obra da criação. Na nossa primeira escola as crianças carregavam freqüentemente, como se fossem bandeiras, algüns cartões que repro duziam as letras do alfabeto, mostrando-os com seus gritos de alegria e ímpetos de entusiasmo. Nos meus livros eu falo das crianças que passeavam sozinhas, como monges em meditação, analisando as palavras: ‘Tara escrever Sofia preciso d e s - o - f - i - a.” Uma vez um pai perguntou a seu filho que freqüentava nossa escola: “Você vai bem?” O filho respondeu enfa ticamente: “Bem?. . . B - E M - ” , pois aquilo que ele havia compreendido era uma palavra e logo a analisava em seus som componentes. Os exercícios com o alfabeto móvel movimentam inteira mente a linguagem e provocam uma atividade propriamente -intelectual. É necessário notar, todavia, que em todos esses exercícios a mão não escreve. A criança pode construir palavras longas e difíceis sem nunca haver escrito, sem nünca haver segurado uma caneta. O exercício de compor a palavra é somente uma prepa ração para escrever, mas, nesse exercício são unidos poten cialmente as duas coisas: o escrever, porque dos exercícios resultam objetivamente a palavra escrita e o ler, porque quan do se olha aauelas palavras escritas se lê. Por isso, esses con tínuos exercícios de construção tanto da palavra falada quanto da escrita, preparam não só para escrever, mas para escrever corretamente. As crianças geralmente escrevem errado quando estnn na escola. Esta séria dificuldade da escola comum (tanto quo na América existem hoje clínicas para correção de ortogra fia) é resolvida inteiramente com as construções feitas com 0 alfabeto móvel. Este exercício prepara para ler sem livro a para escrever sem escrever. 82
«■ Ê como eu defino: “a linguagem escrita liberta dos meca nismos." O escrever realmente, isto é, com a mão que traça com a pena as letras do alfabeto, é somente um mecanismo da edu cação sendo, portanto, separado do trabalho intelectual, pois se pode escrever com uma máquina ou com letras impressas. A mão é uma espécie de máquina vivente, cujos movimentos devem ser preparados de modo que ela possa servir à inteli gência e essa preparação se faz por meio de exercícios separa dos que estabelecem a coordenação motora necessária. A inteligência é o órgão executivo: é uma outra distin ção que exige na prática diferentes processos de preparação. Quando se começa, como se faz nas escolas comuns a «prender a escrever escrevendo, encontrar-se-á dificuldades que, se não forem insuperáveis, serão certamente inibidoras do trabalho mental. Seria como se o homem, inteligente, cheio de idéias, desejoso de falar, não tivesse ainda à sua disposi ção os mecanismos para a articulação da linguagem falada. Um processo idêntico é adotado para a linguagem do surdo-mudo provocando os movimentos articulados com o esforços de falar. O mesmo acontece quando se insiste em preparar a mão para escrever, fazendo-a escrever. Se um operário, cuja mão já esteja endurecida, deve começar a usar uma caneta cuja ponta é muita delicada, ou um lápis, ele deve empreender exercícios que lhe são difíceis, penosos e desencorajantes. A pena partida, a mancha de tinta, a ponta do lábis quebrada constituirão um grande tormento e seus resultados muito imperfeitos colocarão em prova heróica a sua vontade. 1 Para as crianças a caneta, na escola elementar, parece um instrumento de tortura e o escrever, um. trabalho forçado imposto por coerção e contínuos castigos. Para isto também a mão deve ter preparação, isto é, deve aprender a escrita antes de escrever, por meio de uma série de exercícios interessantes que são uma espécie de ginástica semelhante àquela usada para dar agilidade aos músculos do corpo. A mão é um órgão externo cujos movimentos podem ser influenciados diretamente pela educação porque esses são visí veis e simples, ao contrário do que acontece com o mecanismo dn palavra que requer segredo e imperceptíveis movimentos de orgáos escondidos, tais como a língua e as cordas vocais.
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Também para a mão que escreve são necessárias certas coordenações, mas estas, entretanto, podem ser analisadas com a demora na utilização do instrumento usado para escrever, o fluente movimento necessário para traçar com a pena o minu cioso desenhar das letras do alfabeto sustentando, ao mesmo tempo, a mão leve e firme. Da mesma forma que trabalhamos com as crianças da nossa escola, para os adultos podemos inventar trabalhos ma nuais que preparem suas mãos para a escrita. Movendo os objetos nos exercícios sensoriais, as crianças preparam a mão e todas as ações necessárias para o ato de escrever (ver: Método de Preparazione Indiretta delia Scrittura). Basta somente dar uma indicação exata de como utilizar os instrumentos da escrita. A exatidão no manejo dá à criança um novo interesse. Na época da primeira infância elas são impelidas pela nature za a coordenar os movimentos da mão, como se pode observar no instinto de tomar em tudo, de segurar tudo e de jogar quase todos os objetos. A mão da criança “na idade dos jogos” é levada pela própria vida a preparar-se indiretamente para a escrita. Nesta época a criança tem também paixão pelo desenho. A imensa vantagem de ter uma mão nova e aninfada por energias naturais não se encontra mais no adulto e nem na criança de seis anos, pois estas já passaram e período sen sitivo ( a idade do jogo, a idade de tocar) e por isso já se esta beleceram ao acaso os movimentos de suas mãos. No operário, a condição é ainda pior porque, aprendendo a escrever, deve destruir qualquer coisa que o hábito do tra balho já fixou em sua mão. Justamente por esta dificuldade é importante preparar a mão do adulto analfabeto com qualquer exercício manual e especialmente com o desenho, desenho este não livre, mas conduzido com precisão por qualquer meio que guie a mão e permita obter resultados visíveis de desenhos decorativos e bem feitos. Teríamos assim uma espécie de ginástica preparatória dos mecanismos da mão que se pode comparar, em sua fi nalidade, à outra preparação intelectual da escrita feita com alfabetário móvel. A mente e a mão vão sendo preparadas separadamente para a conquista da linguagem escrita, execu tando ações diferentes. 84
!ralt( agora o aio finòl, isto é, traçar efetivamente com a mio o« símbolos alfabéticos que os olhos já conhecem. ( métodos comuns que são usados nas escolas consistem fazer a criança copiar a letra já traçada e exposta como mofjpln. Isto parece lógico, mas é somente ingênuo porque os movlmontos da mão não têm nenhuma correspondência direta com os olhos. Ver não ajuda a mão a escrever. É somente a vontade que age quando se executa uma escrita copiando-a de um modelo. Não acontece como no caso da linguagem falada, onde o ouvido e os movimentos da articulação da palavra têm aquela misteriosa e íntima correspondência, que é uma das características distintivas da espécie humana. Por isso, copiar é um esforço artificial que conduz a uma série de tentativas imperfeitas, fatigantes e desencorajantes. A mão pode ser preparada diretamente para traçar os sinais alfabéticcs e se algum sentido pode ajudá-la, este será o senso tátil, o senso rr iscular, mas não a vista. Para isto pre paramos para nossas crianças letras gravadas em lixas, coladas sobre papel liso, que reproduzem em dimensões e forma as letras do alfabeto móvel e ensinamos nossos alunos a tocá-las exatamente, movendo o dedo sobre cada uma, no sentido da escrita. Este procedimento é muito simples e no entanto conduz a resultados maravilhosos, porque a criança, dessa maneira, poder-se-ia dizer, estampa a forma das letras na mão. Quando começa a escrever espontaneamente, sua caligrafia é perfeita e todas as crianças escrevem do mesmo modo, porque todas tocaram as mesmas letras. No caso de operários analfabetos, pode-se adotar o mesmo procedimento. Qualquer operário é capaz de tocar as, letras de lixa, guiado pelá sensibilidade tátil do dedo, podendo seguir assim todas as particularidades dos simples desenhos relativos ao alfabeto. Eu sei que há cerca de dois séculos um artista que tra balhava no Vaticano preparou desta forma a escrita caligráfica, para uso de adultos. Naqueles tempos ainda se escreviam a mão livros e pergaminhos, finas obras de arte. A caligrafia, isto é, a bela escrita, era uma necessidade de especialistas, mas tornava-se dificílimo executar as mínimas particularidades de uma escrita perfeita. Aquele artista pensou em fazer tocar os modelos, em vez de copiá-los e obteve a preparação de calígrafos com uma rapi 85
dez e exatidão que haveria de requerer de outra forma, um longo tirocínio, nem sempre seguido de sucesso. Ê simples como o ovo de Colombo, é prático e lógico. Então, quando tudo estiver pronto, a mente pode efe tivamente escrever e se a mente já se exercitou na construção das palavras pode “explodir” de repente, escrevendo logo pala vras inteiras ou frases, como um prodígio, como um novo dono da natureza. Assim aconteceu durante a famosa “explo são da escrita” nas crianças de quatro anos. Elas escreviam re produzindo a letra tocada e por isso escreviam bem, com uma ortografia correta, já conquistada pela inteligência indepen dentemente. A rapidez com que as crianças aprendem a escrever é espantosa. Nas minhas experiências elas receberam pela pri meira vez o alfabeto no mês de outubro e na época do Natal (25 de dezembro) escreviam cartas a seus pais. Antes disso já escreviam na lousa saudações aos visitantes. É bom por isso refletir que a mão daquelas crianças foi preparada indiretamente para escrever pelo longo manuseio do' material sensorial e que a língua italiana é quase perfeitamente fonética podendo-se escrevê-la inteiramente por meio de so mente vinte e um símbolos alfabçticos. Também nas línguas não fonéticas acontece o mesmo fenômeno, mas demora um pouco mais de tempo. Em todos os países de língua não fonética como a inglesa, a holandesa, a alemã, as crianças foram alfabetizadas também. Quanto à leitura, ela está, de certo modo, envolvida nos exercícios com o alfabetário. Em uma língua perfeitamentè fonética poderia desenvolver-se ainda sem outra ajuda, que não fosse um forte desejo de conhecer os segredos da escrita. * As nossas crianças, quando aos domingos passeavam com os pais, paravam constantemente diante das lojas conseguindo ler os nomes que estavam escritos, mesmo os qué eram escritos com letras de forma e maiúsculas, embora õ alfabeto por elas conhecido fosse cursivo. Elas faziam um verdadeiro trabalho de interpretação, semelhante àquele que se faz para interpretar as inscrições dos povos desaparecidos. Tal esforço podia nascer somente de um grande interesse em compreender aquilo que estava escrito. Certa vez, na nossa primeira escola, freqüentada por cri anças filhas de analfabetos e que por isso não tinham livroí
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em casa, um dos meninos trouxe um pedaço de papel amassa do e sujo, dizendo: “Adivinhem o que ó isto” — “Um pedaço de papel sujo.” — “Não, aqui há uma história”. As outras crianças se reuniram em volta dele, maravilhadas, e todas se convenceram da prodigiosa verdade. Depois disto eles pegavam os livros e arrancavam as fo lhas para levá-las para casa. Essa experiência mostra-nos que a aprendizagem da leitu ra depende mais da atividade mental que do ensinamento. Com a idade de cinco anos as crianças lêem livros in teiros e a leitura lhes dá satisfação e divertimento, do mesmo modo como os contos de fadas e as histórias com as quais os adultos procuram entretê-las. As crianças se interessam pelos livros quando sabem ler. Isto é tão óbvio que parece supérfluo dizer. Nas escolas comuns, a leitura começa diretamente do® livros, as crianças devem aprender a ler, “lendo”. Os primeiros livros de leitura são compostos baseados em velhos preconceitos que levam em consideração imaginárias dificuldades sucessivas de superar, começando com palavras curtas, para chegar às longas, de sílabas simples, às compostas e assim por diante, isto é, colocam obstáculos que devem ser superados a cada passo. Mas essas dificuldades não existem. As crianças encon tram na própria linguagem materna palavras cürtas e longas e sílabas de toda a espécie. Basta então somente fazer uma aná lise dos sons e encontrar para cada um os sinais .alfabéticos cor respondentes. Isso é assim, por mais que possa parecer uma coisa difícil de compreender para aqueles que ainda não conhe çam essa verdade! A leitura não deve ser usada para superar dificuldades como as acima descritas. Ela é o ingresso da linguagem escrita no campo da cultu ra. Não é como a escrita um meio de auto-expressão. Seu ob jetivo é colher e reconstruir através dos sinais alfabéticos, as palavras e as idéias expressas por outras pessoas que falam no •ilêncio. A leitura também necessita de uma preparação. Ainda que não seja possível descrever com particularida de os meios que usamos para essa preparação, quero novamenfr repetir que a leitura não começa nos livros. Nós a iniciamos Com uma série de materiais que começam com pequenos car io©« onde está escrito o nome de um objeto conhecido. A crian ça procura entender o sentido da palavra lida, colocando o 87
cartãozinho ao lado do objeto que nele está indicado. Num período sucessivo são escritas nos cartãozinhos frases curtas que indicam uma ação para ser executada. Indicar nomes ensina a distinguir uma parte da oração; indicar ações faz distinguir uma outra parte, isto é, nos verbos. Assim, as primeiras leituras podem ser preparadas de tal medo que se possa introduzir o estudo gramatical da lingua gem. A criança de dois anos não possui somente palavras, mas também as sucessivas combinações necessárias para exprimir o pensamento na linguagem materna. Porque não bastam as palavras para dar o sentido. É também necessária a ordem em que as colocamos para tornar claro o significado do que queremos expressar. Da mesma forma como a análise das palavras, nos seus 9ons componentes, durante o período da construção alfabética ajuda as crianças na realização consciente de sua própria lin guagem, também a leitura, baseada nas partes do discurso, facilita o conhecimento da construção gramatical, das funções de cada parte da oração e da ordem que cada uma deve ocu par para tornar claro o período. A gramática assume desse modo uma forma “construtiva” ajudada por uma análise, não sendo como se costuma fazer nos métodos comuns, uma espécie de anatomia que separa o discurso nas suas partes, para analisá-las. As pequenas leituras gramaticais são curtas, fáceis e cla ras e ao mesmo tempo interessantes, sobretudo, porque são também acompanhadas de atividades motoras, não só da mão, mas de todo o corpo. Estas ativas leituras gramaticais condu zem a um desenvolvimento das ações e dos jogos, que ajudam a explorar a linguagem, isto é, aquela maneira de exprimir-se que foi adquirida inconscientemente. Por isso: a exploração da linguagem que já se encontra construída é feita por meio de atraentes exercícios práticos, ligados com a leitura. Para que a leitura das frases se torne atraente elas são preparadas com escritas não somente grandes mas em vária« e vivas cores. Isto torna não só mais fácil a leitura, mas per mite distinguir com facilidade as diferentes partes da oração, É neste ponto, nesta época da vida, que a criança pode ser ajudada a corrigir os defeitos gramaticais de sua lingua gem, do mesmo modo que a construção alfabética ajuda a ortografia. 88
No procedimento desta experiência se apresentam fatos que são de difícil compreensão para aqueles que ainda não estejam trabalhando em nosso método. Por exemplo: o fato de não existir uma progressão sucessiva entre os exercícios, por serem feitos em conjunto e podendo ser repetidos muitas vezes àqueles que já tinham sido feitos. Os que seriam considerados mais difíceis nas escolas comuns podem anteceder outros exer cícios considerados mais fáceis, alterando-se uns aos outros, na mesma manhã. Pode acontecer que uma criança de cinco anos, que já sabe ler livros inteiros, volte a tomar parte en tusiasticamente nas leituras gramaticais, participando de jogos que já conhece. A leitura apresenta-se então diretarnente no plano da cultura, porque não se limita somente a fazer ler, mas pene tra no progresso do conhecimento: o estudo da própria língua. Durante esse brilhante procedimento são encontradas e supe radas todas as dificuldades gramaticais. Também aquelas pe quenas variações que as palavras devem suportar para adapta rem-se às particularidades de um discurso expressivo: os pre fixos, os sufixos, as flexões, tornam-se uma exploração interes sante. As conjugações dos verbos têm suscitado uma espécie de análise filosófica que faz compreender como o verbo numa oração é a voz que fala das ações, não é a indicação de ações efetivas que se estão concluindo e ergue diante da consciência as diversas latitudes do tempo. Os verbos irregulares (tão di fíceis de aprender) já existem na linguagem e é necessário somente descobrir que são irregulares. Ê completamente diferente de quando se estuda a gramá tica de uma língua estrangeira, onde todas as coisas devem «er aprendidas. Mas não se estuda porventura assim nas escolas comuns, ã gramática, a língua materna? A própria língua é estudada como se fosse uma língua ©etrangeira. Prescinde-se do trabalho divino e misterioso da criação, *!<> maior milagre da natureza. Ê fácil compreender que as leituras gramaticais, com sua simplicidade e clareza possam ser usadas também pelos adul tos analfabetos. Do outra forma eles, para aprender a ler, deve: iam esfgrçar Ne para compreender a escrita de um livro que não nenhuma atração na uniformidade monótona da estaml»s Isso requer a dificuldade de conhecer ao n :mo tempo 89
dois alfabetos diferentes: aquele com o qual se escreve e aque le com o qual se lê. A exploração gramatical da linguagem ajuda não só a leitura mas também consegue estimulantes satisfações pois, vai de encontro à linguagem que já se possui, enquanto ler os livros faz concentrar sobre pensamentos que vêm de fora. Praticamente, pois, para ensinar uma massa de homens analfabetos não seria fácil encontrar muitos professores que conhecessem bem a gramática, mas um material preparado pode assumir esta imperfeição de professores improvisados e a fadiga de ensinar para o próprio professor é aliviada. Numa recente experiência feita na Inglaterra depois da segunda grande guerra, uma professora escocesa disse: “Eu me sentia embaraçada, com as muitas coisas a fazer, mas o material supria a minha insuficiência, a classe estava se tor nando uma verdadeira feitoria gramatical com operários, to dos ocupados e alegre.” A cultura em si mesma não deve ser confundida, como disse no princípio, com aprender a ler e a escrever. A criança de cinco anos não é culta porque possui a lin guagem escrita, mas porque é inteligente e pode ter apreendido muitas coisas. De fato, as nossas crianças, aos seis anos, possuem já muitos conhecimentos sobre biologia, geografia, matemática, que são devidos diretamente ao uso de um material visível e manejável. Este, portanto, é um argumento diferente daquele que desejo tratar aqui. Propus-me a tratar somente da atuali dade que é a eliminação do analfabetismo nas massas. A cultura pode ser transmitida através da palavra, do rádio, e por meio de discos e projeções de filmes cinemato gráficos. Mas sobretudo deve-se deixar operar através de ati vidades, com a ajuda de materiais que permitam à criança adquirir a cultura por si mesma, impulsionada pela natureza de sua mente que obedece às leis de seu desenvolvimento. Isto demonstra que a cultura é absorvida pela criança através de experiências individuais, com as repetições de exercícios in teressantes, para os quais sempre contribui a atividade das mãos, órgãos que cooperam para o desenvolvimento da inteli gência.
INTRODUÇÃO CONTRADIÇÕES
I — AS REVELAÇÕES DE ORDEM N ATU R AL NAS CRIANÇAS E SEUS OBSTÁCULOS
II
III
— PRECONCEITOS SOBRE A CRIANÇA NA CIÊNCIA E NA EDUCAÇÃO — AS “NEBULOSAS” AN ALFABETISM O M UN DIAL