a a r d o t s o o t m n e o c i m s a P d n o u ã F ç a c u d E Vanessa Gomes Lopes
Fundamentos da Educação Psicomotora Vanessa Gomes Lopes
Curitiba 2010
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Siderly Almeida CRB9/1022
Lopes, Vanessa Gomes L864f
Fundamentos da educação psicomotora / Vanessa Gomes Lopes. – Curitiba: Editora Fael, 2010. 138 p.: il. Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Educação psicomotora. I. Título. CDD 155.41
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Capítulo
o ã ç a t n e s e r p a apresentação Este livro apresenta as bases da educação psicomotora, a origem e a definição da psicomotricidade de acordo com diversos autores que veem o corpo e seu desenvolvimento com olhares diferentes. Os autores que Vanessa Gomes Lopes cita em seu livro falam de conceitos que afirmam sabiamente que a psicomotricidade integra mente e corpo permitindo que o ser humano, mais especificamente a criança, perceba o seu corpo, domine os seus movimentos e melhore a sua expressão corporal. A autora, de forma muito perspicaz, diferencia as formas de atuação ou abordagens da ciência psicomotora em: reeducação psicomotora, terapia psicomotora e educação psicomotora. Dessa forma, coloca a importância dessa ciência para o desenvolvimento infantil, fazendo com que o leitor amplie seus conhecimentos e desenvolva uma visão crítica a partir das diversas linhas de pensamento apresentadas. Na sociedade moderna, necessitamos de habilidades que vem se aperfeiçoando e se adaptando desde as sociedades primitivas, como ter bom domínio corporal, boa percepção auditiva e visual, lateralização bem definida e capacidade de simbolização, orientação espaço-temporal, concentração, percepção dos conceitos básicos, domínio da coordenação global e fina, bem como do equilíbrio. Essas habilidades formam um con junto que se desenvolve concomitantemente com a linguagem, com as estruturas cognitivas e com a inteligência. É a interação existente entre o pensamento e o movimento efetuado com auxílio do sistema nervoso, é a conexão entre cognitivo, afetivo e motor. A autora, assim, esclarece que a dualidade mente e corpo na história do desenvolvimento da humanidade, hoje em dia, se faz apenas didaticamente. Assim, coloca-se a importância de entendermos que o movimento, o pensamento e a linguagem são uma unidade inseparável, são uníssonos. Essa preocupação com o desenvolvimento psicomotor, os âmbitos de atuação, a relação entre a linguagem, a cognição, a inteligência e o
o ã ç a t n e s e r p a apresentação afeto interfere diretamente no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, frisando, então, a importância da educação psicomotora. Esta leitura destaca a importância do conhecimento conceitual de orientação espacial, temporal, ritmo e esquema corporal, que estão intimamente relacionados quando se estuda a compreensão do movimento humano. No universo da educação escolar, o educador deve preocupar-se em entender profundamente cada um desses aspectos na individualidade de conceitos e na totalidade do ser em desenvolvimento. O educador, ao ler o livro, percebe que ele apresenta a verdadeira importância das experiências psicomotoras proporcionadas aos educandos e que a influência destas experiências iniciais já perfazem o letramento. Esse é o caminho que os educadores percorrem já muito precocemente com seus educandos para a aquisição da leitura e da escrita. O público-alvo deste livro são os profissionais que estão envolvidos com a educação. Esta obra visa ampliar a consciência de suas práticas e seus efeitos sobre os educandos sob sua responsabilidade. Talvez você, leitor, esteja com dúvidas em relação a possibilidade de este livro cumprir com seus objetivos. Posso afirmar que a qualidade científica do texto o recomenda, que as informações nele contidas e a diversidade de autores citados mostram uma forma coerente de entender o desenvolvimento da educação psicomotora. Uma ótima leitura e que muitas aprendizagens ocorram no estudo da obra da professora Vanessa Gomes Lopes. Rita de Cássia Spréa Uhle* * Pós-graduada em Psicopedagogia, Neuropsicologia e Terapia Comportamental Cognitiva. É psicóloga, pesquisadora voluntária do Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas do Paraná e professora de pós-graduação da Fael.
sumário sumário Prefácio....................................................................................... 7
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Psicomotricidade: origens e definição ...................................... 9 Pressupostos básicos da psicomotricidade ............................ 23 Etapas do desenvolvimento psicomotor ................................. 37 Funções psicomotoras ............................................................. 57 Condutas psicomotoras neuromotoras ................................... 77 Condutas psicomotoras perceptomotoras............................... 95 Importância da educação psicomotora para a aprendizagem da leitura e da escrita ................................... 119 Referências............................................................................. 135
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psicomotricidade, inicialmente encarada como prescri A ção da medicina psiquiátrica – por Dupré, em 1920 –, atingiu com Wallon (1925; 1934; 1947) e Ajuriaguerra (1977; 1988) uma dimensão teórico-prática, sobre o desenvolvimento humano, significativa, educativa, reeducativa e psicoterapêutica. A psicomotricidade, em sua ação educativa, pretende atingir a organização psicomotora da noção do corpo como marco espaço-temporal do “eu” (concebido como unidade psicossomática). Esse marco é fundamental a qualquer processo de conduta ou de aprendizagem, pois, busca conhecer o corpo nas suas relações múltiplas: perceptiva, simbólica e conceitual, que constituem um esquema representacional e uma vivência indispensável à integração, à elaboração e à expressão de qualquer ato ou gesto intencional. No entanto, essa técnica não pretende realçar a automação, a eficácia, a destreza motora ou o rendimento motor. Pretende, na verdade, transformar o corpo em um instrumento de ação sobre o mundo e em um instrumento de relação e expressão com os outros. Por acreditar que a psicomotricidade auxilia e capacita melhor o aluno para uma melhor assimilação das aprendizagens escolares, buscou-se trazer seus recursos para a sala de aula, na modalidade da educação psicomotora. A educação psicomotora, aplicada na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é preponderante para o sucesso no processo de escolarização. Nesse estudo serão ressaltados alguns aspectos, sobretudo: a importância de o professor inteirar-se sobre o que a psicomotricidade trata; conhecer sua estrutura, o desenvolvimento
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psicomotor, as implicações do sistema nervoso e a importância da maturação neurológica; compreender como ocorre o desenvolvimento infantil (etapas do desenvolvimento), as funções psicomotoras, o processo de leitura e escrita e as dificuldades de aprendizagem, para a organização, planejamento e encaminhamentos acadêmicos. O docente precisa saber se sua proposta de trabalho está de acordo com as necessidades dos alunos, que caminho deve seguir e aonde pretende chegar. Para que o ato de ler e escrever se processe adequadamente, é indispensável o domínio de habilidades a ele relacionadas, considerando que essas habilidades são manifestações psicomotoras fundamentais. Entretanto, para a aquisição de cada habilidade motora, deverá haver um momento específico (ou uma sequência de oportunidades) em que as condições para o aprendizado de tal habilidade sejam propícias. A prática psicomotora, portanto, deve ser compreendida como um processo de ajuda que acompanha a criança em seu próprio percurso maturativo, que evolui desde a expressividade motora e do movimento até o acesso à capacidade de autonomia, independência e aquisições mais elaboradas, como as intelectuais. A autora.* * Vanessa Gomes Lopes é especialista em Psicomotricidade, Educação Especial e Ciência do Movimento Humano. É professora de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Curitiba – atuando na Educação Especial –, da Faculdade Educacional de Araucária (Facear) e da Fael, atuando no curso de Pedagogia nas modalidades presencial e a distância.
Psicomotricidade: origens e definição
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o dar início a um estudo sobre a psicomotricidade, torna-se A importante a exposição de alguns aspectos que permitam a elaboração de um referencial histórico sobre o assunto.
O corpo e a psicomotricidade Ao longo da sua história, o corpo foi marcado por significações diversas, atribuídas pela ciência em sua evolução constante, pela cultura de diferentes povos e épocas ou pelo social, carregado de suas crenças e mitos. O corpo foi alvo de questionamentos entre povos orientais e ocidentais através do pensamento filosófico, Platão o ressaltava como “o lugar de transição da existência no mundo de uma alma imortal” (COSTE, 1978, p. 10).
A preocupação em compreender as bases dos movimentos do corpo humano se apresenta desde a Grécia Antiga, quando a educação privilegiava a beleza física e a agilidade do ser humano. O estudo do corpo humano foi colocado, muitas vezes, em segundo plano. O corpo interessou apenas nos aspectos descritivos, em suas funções físicas e anatômicas, e era considerado objeto do homem, justificando-o na sua existência. O homem era apenas um corpo de carne e osso, não eram levados em conta os aspectos psíquicos. A partir da necessidade de perceber como os movimentos se processam e de como eles se desenvolvem, surgiu a psicomotricidade. Os estudos dessa área se destacaram em 1920, quando o termo psicomotricidade foi utilizado pela primeira vez na França, por Dupré, para evidenciar um entrelaçamento entre o movimento e o pensamento. Desde 1909, Dupré chamava a atenção de seus alunos sobre o desequilíbrio motor,
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Fundamentos da Educação Psicomotora
denominando o quadro de debilidade motriz. Verificou que existia uma estreita relação entre as anomalias psicológicas e as anomalias motrizes, o que levou a formular o termo psicomotricidade, identificado, conforme Ajuriaguerra (1983, p. 232), pelas seguintes características: Um estado patológico, congênito, do movimento em geral hereditário e familiar, caracterizado pela exaltação dos reflexos tendinosos, perturbação do reflexo plantar, sincinesias, inépcia dos movimentos voluntários intencionais, que chegam à impossibilidade de realizar voluntariamente a resolução muscular.
A psicomotricidade, em seus primórdios, estudava o corpo nos aspectos neurofisiológicos, anatômicos e locomotores. Os estudiosos se preocupavam com o fato de alguns seres vivos não apresentarem movimentos coordenados, simétricos e sincronizados no espaço e no tempo. Em uma primeira fase, a pesquisa teórica fixou-se, sobretudo, no desenvolvimento motor e no atraso intelectual da criança. Então, seguiram-se estudos sobre o desenvolvimento da habilidade manual e aptidões motoras em função da idade. Atualmente, o estudo ultrapassa os problemas motores. Há pesquisas sobre as ligações com a lateralidade, com o esquema-corporal, com a estruturação espacial e com a orientação temporal de um lado e, de outro, sobre as dificuldades escolares de crianças com desenvolvimento psicomotor normal.
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Fonseca (1988) afirma que a psicomotricidade integra mente e corpo, de modo a permitir que a criança perceba o seu corpo, domine os seus movimentos e melhore a sua expressão corporal. Elevada atualmente ao nível de ciência, a psicomotricidade possui crescente importância nos trabalhos que se relacionam com o desenvolvimento infantil, tanto na fase da pré-escola quanto nas fases posteriores. Os três principais campos de atuação, ou formas de abordagem, da psicomotricidade estão descritos a seguir. ●
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Reeducação psicomotora : ocupa-se do atendimento individual ou em pequenos grupos, de crianças, adolescentes e adultos portadores de sintomas de ordem psicomotora, como: debilidade motora; atraso e instabilidade psicomotora; dispraxias; distúrbios do tônus da postura, do equilíbrio e da coordenação; deficiências perceptivo-motoras. Barreto (1982) destaca o fato de que
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inúmeras vezes os distúrbios não se apresentam sozinhos, mas em um contexto global, em que problemas de nível mental, problemas psiquiátricos e neurológicos podem estar presentes. Em um mesmo enfoque, Morizot (1979) destaca que, geralmente, determinados sintomas desencadeiam outros distúrbios secundários, caracterizados como relacionais e afetivos. Após a realização de um exame psicomotor e, quando possível, analisados os resultados dos exames clínico, psicológico, neurológico etc., o reeducador procurará trabalhar sobre o sintoma que foi diagnosticado. Poderá, então, optar por um trabalho diretivo, em que traça e orienta as atividades de cada sessão, podendo fazer uso de técnicas de condicionamento ou adotar a não diretividade, deixando que a criança tome decisões quanto ao encaminhamento das ações. Segundo Barreto (1982), nessa última linha, o reeducador deixará à disposição da criança um amplo conjunto de materiais e ela decidirá o que fazer, podendo ou não abordar o sintoma de forma mais direta e imediata junto ao profissional. ●
Terapia psicomotora : Lapierre e Aucouturier (1980) indicam a terapia psicomotora especialmente às crianças com grandes perturbações e cuja adaptação é de ordem patológica. Por isso, o terapeuta deve possuir uma vasta formação prática, técnica e teórica que lhe permita interpretar atitudes corporais, reações tônico-afetivas e emocionais. Embora o trabalho com crianças seja mais frequente, a terapia psicomotora pode atender também a adolescentes e adultos, individualmente ou em pequenos grupos. Na terapia, é de fundamental importância o vivido corporal (as experiências vivenciadas) com relação à realidade e à fantasia, com a respectiva carga afetiva, emocional, sensual, sexual, etc. Aspectos desse vivido corporal são passados durante a terapia psicomotora, através da relação da criança com o seu próprio corpo, com o terapeuta e com outras pessoas que a cercam. Ao terapeuta cabe entender o que está sendo expressado e responder, às vezes através do seu corpo, num plano também simbólico. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Fundamentos da Educação Psicomotora
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Educação psicomotora : dirigida às crianças consideradas “normais”, atua como parte integrante da Educação Básica durante a fase pré-escolar e escolar. Inúmeros autores interessam-se pela corrente educativa da psicomotricidade. Destacam-se entre eles o professor Jean Le Boulch, que, nos anos 60 do século XX, buscando o reconhecimento dos valores da educação psicomotora, influenciou na decisão ministerial de incluí-las nos cursos primários da França. Outros pesquisadores realizaram estudos na área da educação psicomotora, entre eles André Lapierre, Bernard Aucouturier, Pierre Vayer, Georges Lagrange, Dalila M. Costallat, J. Guillarme, Germaine Rossel e Jean-Cloude Coste. Seus trabalhos, às vezes tratando simultaneamnete de reeducação e/ou terapia psicomotora, permitem aos educadores se aprofundar nos Fundamentos Teóricos da Educação Psicomotora e estruturar seus planos de atuação com maior segurança. Uma definição de educação psicomotora que parece resguardar as diferentes características abordadas pelos referidos autores foi citada por Morizot (1979, p. 16):
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Uma atividade através do movimento, visando um desenvolvimento de capacidades básicas – sensoriais, perceptivas e motoras – propiciando uma organização adequada de atitudes adaptativas, atuando como agente profilático de distúrbios da aprendizagem.
A importância da psicomotricidade Muito se tem escrito sobre o significado e a importância da psicomotricidade. Nesse tópico serão citados, de maneira esclarecedora, alguns autores que têm estudado esse assunto, embora pertençam a linhas de pensamento diferentes entre si. Gesell (1962), com a ajuda de vários colaboradores, foi responsável, ao final dos anos 30 do século XX, pela elaboração de uma escala de desenvolvimento infantil, na qual relacionava: características motrizes, conduta adaptativa, linguagem e conduta pessoal-social, a cada ano de idade completado pelas crianças observadas. FAEL
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Harrow (1972) fez uma análise sobre o homem primitivo, ressaltando como o desafio de sua sobrevivência estava ligado ao desenvolvimento psicomotor. As atividades básicas consistiam em caça, pesca e colheita de alimentos e, para isto, os objetivos psicomotores eram essenciais para a continuação da existência do grupo. Necessitavam de agilidade, força, velocidade e coordenação. A recreação, os ritos cerimoniais, as danças em exaltação aos deuses e a criação de objetos de arte também eram atividades desenvolvidas por eles. Tiveram que estruturar suas experiências de movimentos em formas utilitárias mais precisas. Hoje, o homem também necessita dessas habilidades, embora tenha se aperfeiçoado mais para uma melhor adaptação ao meio em que vive. Necessita ter um bom domínio corporal, boa percepção auditiva e visual, uma lateralização bem definida, faculdade de simbolização, orientação espaço-temporal, poder de concentração, percepção de forma, tamanho, número, domínio dos diferentes comandos psicomotores (como coordenação fina e global) e equilíbrio. Harrow (1972) citou, ainda, os sete movimentos ou modelos de movimentos básicos inerentes ao homem, que são: correr, saltar, escalar, levantar peso, carregar (sentido de transportar), pendurar e arremessar. Como exemplo disso, podemos observar crianças quando estão envolvidas em alguma atividade durante o dia. Possuem movimentos naturais porque são inerentes ao organismo humano, não necessitam ser ensinadas e representam a necessidade de se tornarem ativas. A função do educador, então, seria modelar e tornar eficiente a execução desses movimentos. Piaget (1987), estudando as estruturas cognitivas, descreveu a importância do período sensório-motor e da motricidade, principalmente antes da aquisição da linguagem, no desenvolvimento da inteligência. O desenvolvimento mental se constrói, paulatinamente; é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua, de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. Como exemplo, tem-se o desafio do meio, que pode levar a perturbações e provocar um desequilíbrio. Em resposta, a pessoa vai procurar novas formas de equilíbrio no sentido de uma maior adaptação ao meio e, com isto, atinge um maior desenvolvimento mental. A inteligência, portanto, é uma adaptação ao meio ambiente, e, para que isso possa ocorrer, necessita inicialmente da manipulação, pelo indivíduo, dos objetos do meio com a modificação dos reflexos primários. Fundamentos da Educação Psicomotora
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A adaptação se dá na interação com o meio e se faz por intermédio de dois processos complementares de incorporação dos objetos e informações às estruturas mentais já existentes. A acomodação, significando a transformação dessas estruturas mentais, se dá a partir das informações sobre os objetos. É claro que o desenvolvimento da inteligência não se esgota nesses aspectos, mas é importante lembrar que ela se relaciona com a psicomotricidade. Quando uma criança percebe os estímulos do meio através de seus sentidos, suas sensações e seus sentimentos, e quando age sobre o mundo e sobre os objetos que o compõem através do movimento de seu corpo, está experienciando, ampliando e desenvolvendo suas funções intelectivas. Por Por outro lado, para que a psicomotricidade se desenvolva, também é necessário que a criança tenha um nível de inteligência suficiente para fazê-la desejar experienciar experienciar,, comparar, classificar, classificar, distinguir objetos. Brandão (1984, p. 61) a esse respeito afirma: Mesmo após o início da prática dos movimentos voluntários, é somente após a criança ser capaz de representar mentalmente os objetos, de simbolizar, de poder fazer abstrações e generalizações, que poderá fazer a “invenção” de novos meios de ação. As manifestações da inteligência prática aparecem pelos 8 ou 9 meses, quando as condutas da criança demonstram que ela é capaz de combinar duas ou mais ações usando-as como meios para vencer as situações que a impedem de executar um ato desejado como, por exemplo, afastar primeiro um obstáculo interposto entre a sua mão e o brinquedo que quer manipular e só então aproximar a mão do objeto e segurá-lo.
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Para conseguir o nível de inteligência que permita assim proceder, uma longa preparação, através das experiências vividas pela criança, deve ter acontecido.
Wallon (1979, p. 17-33), um dos pioneiros nos estudos de psi Wallon comotricidade, salienta a importância do aspecto afetivo como anterior a qualquer tipo de comportamento. Existe, para ele, uma evolução corporal chamada de diálogo corporal e que constitui “o prelúdio da comunicação verbal”. Este diálogo corporal é fundamental na gênese psicomotora, pois “a ação desempenha o papel fundamental de estruturação cortical e está na base da representação”. representação”. O movimento, portanto, assume uma grande significação. Inicialmente a criança apresenta uma agitação orgânica e uma hipertonicidaFAEL
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de corporal, ocasionando uma relação com o meio ambiente de forma difusa e desorganizada. Pouco a pouco, começa a se expressar através dos gestos que estão ligados à esfera afetiva e que são, portanto, o escape das emoções vividas. Esse mundo das emoções, mais tarde, dará origem ao mundo da representação. O movimento, como um elemento básico de reflexão humana, aparece depois, como um fundamento sociocultural e dependente de um contexto histórico e dialético. Wallon W allon (1979, p. 17) afirma que é “sempre a ação motriz que regula o aparecimento e o desenvolvimento das formações mentais”. Na evolução da criança, portanto, a motricidade, a afetividade e a inteligência estão relacionadas. A criança exprime-se por gestos e por palavras e são essas aquisições que encaminham-na para sua autonomia. A esse respeito, Fonseca Fonseca (1987, p. 32) afirma que “a significação da palavra evolui com a maturidade motora e com a corticalização progressiva. É pelo movimento que a criança integra a relação significativa das primeiras formas da linguagem (simbolismo)”. Há duas frases de Wallon (apud FONSECA, 1987, p. 30) que traduzem seu pensamento sobre o que é o movimento: “Movimento (ação), pensamento e linguagem são uma unidade inseparável. O movimento é o pensamento pe nsamento em ato”. A educação educação psicomotora, psicomotora, no entender de Lagrange (1982, p. 470), “não é o treino destinado à automatização, à robotização da criança ”. Ele cita Vayer Vayer para reforçar sua opinião: Trata-se de uma educação global que, associando os potenciais intelectuais, afetivos, sociais e psicomotores da criança, lhe dá segurança, equilíbrio, e permite o seu desenvolvimento, organizando corretamente as suas relações com os diferentes meios com os quais tem de evoluir (VAYER apud LAGRANGE, 1982, p. 470).
Entretanto, Ajuriaguerra (1980, p. 211) afirma ser um erro estudar a psicomotricidade apenas sob o plano motor, dedicando-se [...] exclusivamente ao estudo de um “homem motor”. Isto conduziria a considerar a motricidade como uma simples função instrumental de valor puramente efetuador e dependente da mobilização de sistemas por uma força estranha a eles, quer seja exterior ou interior ao indivíduo, despersonalizando, assim, completamente a função motora. Fundamentos da Educação Psicomotora
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O autor faz uma comparação entre a evolução da criança e a evolução da sensório-motricidade: É pela motricidade e pela visão que a criança descobre o mundo dos objetos, e é manipulando-os que ela descobre o mundo; porém esta descoberta a partir dos objetos só será verdadeiramente frutífera quando a criança for capaz de segurar e largar, quando ela tiver adquirido a noção de distância entre ela e o objeto que ela manipula, quando o objeto não fizer mais parte de sua simples atividade corporal indiferenciada (AJURIAGUERRA, 1980, p. 210).
Defontaine (1980, p. 17-18) declara que só poderemos entender a psicomotricidade através de uma “triangulação corpo, espaço e tempo”. A psicomotricidade psicomotricidade é um caminho, é o “desejo de fazer fazer,, de querer fazer; fazer; o saber fazer e o poder fazer”. Defontaine (1980) define os dois componentes da palavra psicomotricidade: psico, significando os elementos do espírito sensitivo, e motricidade traduzindo-se pelo movimento, pela mudança no espaço em função do tempo e em relação a um sistema de referência. Já Fonseca (1988, p. 332) afirma que se deve tentar evitar uma análise desse tipo para não cair no erro de enxergar dois componentes distintos: o psíquico e o motor, motor, pois ambos são a mesma coisa.
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Defendemos, através da nossa concepção psicopedagógica, a inseparabilidade do movimento e da vida mental (do ato ao pensamento), estruturas que representam o resultado das experiências adquiridas, traduzidas numa evolução progressiva da inteligência, só possível por uma motricidade cada vez mais organizada e consciencializada.
Ele vê o movimento como realização intencional, como expressão da personalidade e que, portanto, deve ser observado não tanto por aquilo que se vê e se executa, mas também por aquilo que representa e origina. A psicomotricidade, para ele, não é exclusiva de um novo método, ou de uma escola ou de uma corrente de pensamento, nem constitui uma técnica, um processo, mas visa a fins educativos pelo emprego do movimento humano. Le Boulch (1984, p. 21-25) também acredita que a atitude em psicomotricidade deve ter sua própria identidade, e que não se deve relacionar necessariamente sua metodologia a uma outra corrente. Ele afirma que a psicomotricidade recebe contribuições da psicanálise, no FAEL
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tocante a importância do afeto no desenvolvimento e da concepção comportamental, no sentido de valorizar o instrumento para um maior desempenho do indivíduo. Ele apresenta o objetivo da educação psicomotora proposta pela comissão de renovação pedagógica para o 1º grau na França: A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares; leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação psicomotora deve ser praticada desde a mais tenra idade; conduzida com perseverança, permite previnir inadaptações difíceis de corrigir quando já estruturadas (LE BOULCH, 1984, p. 24).
Lapierre e Aucouturier (1986) e Le Boulch (1984) têm a mesma posição quando afirmam que a educação psicomotora deve ser uma formação de base indispensável a toda criança. A psicomotricidade se propõe a permitir ao homem sentir-se bem na sua pele, permitir que se assuma como realidade corporal, possibilitando-lhe a livre expressão de seu ser. Não se pretende aqui considerá-la como um coringa que vá resolver todos os problemas encontrados em sala de aula. Ela é apenas um meio de auxiliar a criança a superar as dificuldades e prevenir possíveis inadaptações. Ela procura proporcionar ao aluno algumas condições mínimas a um bom desempenho escolar. Pretende aumentar seu potencial motor dando-lhe recursos para que se saia bem na escola. O indivíduo não é feito de uma só vez, mas se constrói, através da interação com o meio e de suas próprias realizações. A psicomotricidade desempenha aí um papel fundamental, pois o movimento é um suporte que ajuda a criança a adquirir o conhecimento de mundo que a rodeia através de seu corpo, de suas percepções e sensações. A educação psicomotora pode ser vista como preventiva, na medida em que dá condições à criança desenvolver melhor em seu ambiente. É vista também como reeducativa quando trata de indivíduos que apresentam desde o mais leve retardo motor até problemas mais sérios. É um meio de imprevisíveis recursos para combater a inadaptação escolar (FONSECA, 1988, p. 368). Fundamentos da Educação Psicomotora
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Tanto dentro da ação educativa como reeducativa, adotaremos a visão proposta por Le Boulch (1984) de que se una o aspecto funcional ao afetivo, pois os dois têm que caminhar lado a lado. Por meio do vínculo afetivo ou relacional podemos entender a relação da criança com o adulto, com o ambiente físico e com as outras crianças. A maneira como o educador penetra no universo da criança assume aqui um aspecto essencial. É muito importante que o professor demonstre carinho e aceitação integral do aluno para que este passe a confiar mais em si mesmo e consiga expandir-se e equilibrar-se. A boa evolução da afetividade é expressa através da postura, das atividades e do comportamento. Uma criança muito fechada em si mesma possui falta de espontaneidade, tem a tendência de fechar também seu corpo, isto é, tende a encolher-se e a trabalhar com o tônus muito tenso, muito esticado.
Piaget (1987) consolida bem a relação entre afetividade e psicomotricidade, quando postula que a afetividade pode ser o motor ou o freio da inteligência.
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Com relação ao aspecto funcional, estamos entendendo a forma como o indivíduo reage e se modifica diante dos estímulos do meio. Um bom educador psicomotor, com sua disponibilidade e competência técnica, pode ajudar muito o aluno. Ele pode induzir situações que obriguem esse aluno a agir corretamente no ambiente, visando a um maior desenvolvimento funcional, pode auxiliar seu aluno a tomar consciência de seus próprios bloqueios e procurar suas origens e, principalmente, realizar exercícios adequados para um bom desempenho de seu esquema corporal.
Um educador, a partir de um bom conhecimento do desenvolvimento do aluno, poderá estimulá-lo de maneira que as áreas motricidade, cognição, afetividade e linguagem estejam interligadas.
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O aluno irá se sentir bem na medida em que se desenvolver integralmente através de suas próprias experiências, da manipulação adequada e constante dos materiais que o cercam e também das oportunidades de descobrir-se. E isso será mais fácil de conseguir se estiverem satisfeitas suas necessidades afetivas, sem bloqueios e sem desequilíbrios tônico-emocionais. Nesse sentido, pode-se afirmar o cuidado especial que se deve tomar com as crianças em seus primeiros anos de escolaridade.
Mediante o processo de ensino-aprendizagem é muito importante que os educadores, principalmente os de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, tenham conhecimento sobre o desenvolvimento infantil para que os conteúdos acadêmicos a serem trabalhados este jam de acordo com as necessidades psicomotoras daquela faixa-etária. Nesse sentido, uma crítica faz-se necessária: em uma tentativa de desenvolver a motricidade de seus alunos, os professores solicitam o preenchimento de folhas e mais folhas mimeografadas de riscos à direita, à esquerda, verticais, horizontais, bolinhas e ondas. Esses mesmos professores, quando pretendem ensinar conceitos dentro-fora, por exemplo, pedem a seus alunos para colarem bolinhas de papéis coloridos, fazerem cruzes ou desenharem dentro ou fora de um quadrado, círculo ou de qualquer desenho. Ao final, acham que as crianças assimilaram corretamente esses termos e passam para outros itens que serão treinados da mesma maneira. Na realidade, estão desenvolvendo a aquisição de gestos automáticos e técnicas sem se preocupar com a vivência corporal, isto é, as percepções que lhe dão o conhecimento do mundo que o rodeia. Oliveira (1997, p. 38) acrescenta: “os exercícios psicomotores, através do movimento e dos gestos, não devem ser realizados de forma mecânica, devem ser associados com as estruturas cognitivas e afetivas”. Muitas dificuldades podem surgir com uma aprendizagem falha na escola. Está certo que algumas habilidades motoras começam a ser desenvolvidas na família, mas não se pode negar a importância dos primeiros anos de escolaridade. Por outro lado, também há alunos que já vão para a escola com problemas motores que prejudicam seu Fundamentos da Educação Psicomotora
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aprendizado e que não são sanados em momento algum, acarretando em uma maior dificuldade para adaptar-se à escola. Existem alguns pré-requisitos, do ponto de vista psicomotor, para que uma criança tenha uma aprendizagem significativa em sala de aula. É necessário que, como condição mínima, ela possua um bom domínio do gesto e do instrumento. Isso significa que precisará usar as mãos para escrever e, portanto, deverá ter uma boa coordenação fina. Ela terá mais habilidade para manipular os objetos de sala de aula, como lápis, borracha, régua, se estiver ciente de suas mãos como parte de seu corpo e tiver desenvolvido padrões específicos de movimentos. Deverá aprender a controlar seu tônus muscular de forma a saber dominar seus gestos, ou seja, imprimir a força adequada no lápis sobre o papel. É importante, também, que ela tenha uma boa coordenação global, saindo-se bem ao se deslocar, transportar objetos e se movimentar em sala de aula e no recreio. Muitos dos jogos e brincadeiras, realizados nos pátios das escolas, são, na verdade, uma preparação para uma aprendizagem posterior. Com eles, a criança pode adquirir noções de localização, lateralidade, dominância e, consequentemente, orientação espaço-temporal.
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Um fator importante para a educação escolar é o desenvolvimento do sentido de espaço e tempo. Uma boa orientação espacial poderá capacitá-la a orientar-se no meio com desenvoltura. Do movimento que transcorre surgem as noções de tempo, duração de intervalos, sequência, ordenação e ritmo. Outro elemento importante, também como pré-requisito para uma boa aprendizagem, é a acuidade auditiva e visual, mas só é possível propiciar estes estímulos se eles estiverem integrados e bem orientados.
Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo O termo psicomotricidade apareceu pela primeira vez com Dupré, em 1920, para evidenciar o paralelismo entre o desenvolvimento motor e o desenvolvimento intelectual em pessoas com deficiência intelectual.
As primeiras teorias de psicomotricidade privilegiaram o funcionamento corporal e utilizaram-se de técnicas de reeducação instrumental. Essas técnicas desenvolviam aspectos específicos, como: FAEL
Capítulo 1
o tônus, a organização espacial Saiba mais e o esquema corporal. Era dada maior ênfase ao desempenho, O espaço gráfico compreende o processo de principalmente no contexto escrita. São as atividades de coordenação motora fina (visuo-motora) realizadas no papel. escolar. Os aspectos psicológicos, afetivos e emocionais eram Espaço vivido é a capacidade de orientar-se, abordados apenas quando a situar-se e movimentar-se no espaço, tendo criança apresentava um maior como referência o próprio corpo. Consistem nas atividades de coordenação motora ampla comprometimento. (corpo-espaço) realizadas no processo de Posteriormente, inúmeros interação da criança com o meio. pesquisadores realizaram importantes estudos que se refletem até os momentos atuais no âmbito da psicomotricidade, como: Gesell, Harrow, Piaget, Wallon, Lagrange, Vayer, Ajuriaguerra, Defontaine, Le Boulch, Lapierre, Fonseca, entre outros autores, alguns com publicações mais recentes. A preocupação com o desenvolvimento psicomotor infantil e o processo de aprendizagem da leitura e da escrita desencadeou, ao longo dos anos, todo um processo evolutivo da psicomotricidade no âmbito da educação. Por isso, foi denominada de educação psicomotora. Os estudos demonstram que a noção do espaço gráfico, por estar pautada no espaço vivido, demanda, no educando, a necessidade de já possuir no seu repertório alguns componentes psicomotores, sem os quais não alcançaria o sucesso no mundo letrado. Entretanto, para organizar o espaço gráfico a criança deve ter internalizado anteriormente o espaço vivido, isto é, a descoberta corporal e noções de espaço e tempo. O trabalho das funções psicomotoras mediante a aprendizagem significativa é fundamental para o desenvolvimento progressivo e equilibrado dos educandos. Assim, a psicomotricidade conquistou uma expressão significativa no universo da educação escolar, por desvendar o complexo fenômeno da leitura e da escrita a partir da compreensão e junção entre cognitivo, afetivo e motor.
Fundamentos da Educação Psicomotora
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Pressupostos básicos da psicomotricidade
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ara entender melhor a educação psicomotora é necessário deP finir alguns de seus elementos. Primeiramente, serão compreendidas as teorias sobre o desenvolvimento humano que comportam estudos de processos evolutivos nas perspectivas filo e ontogenética, e, posteriormente, o significado e a importância da estrutura e do desenvolv desenvolviimento psicomotor. 23
Da filogênese à ontogênese A con concep cepção ção filo filogen genéti ética ca de ev evolu olução ção das esp espéci écies es fav favor orece ece a co commpreensão do desenvolvimento dos seres humanos, a partir da análise da árvore filogenética correspondente. Na bifurcação que, ao cabo de vários milhões de anos, nos conduz até os orangotangos – a mais antiga espécie que originou –, gorilas e chimpanzés, de um lado, e os homens, de outro. A filogenia, que nos leva a compreender a base biológica do Saiba mais desenvolvimento orgânico do indivíduo, todavia, não é suficiente Filogenia: desenvolvimento das espécies que existem no mundo. para justificar as especificidades do desenvolvimento psíquico, típicas O homem é a única espécie que se apresenta do ser humano, isto é, o pensa- na posição ereta e pode, com as mãos, produmento, a linguagem, os modos de zir movimentos de coordenação motora fina. fazer as coisas e a personalidade. Para saber mais sobre filogênese e ontogêPara tanto, devemos nos apoiar nese, uma sugestão é o livro: FONSECA,V. da. na concepção ontogenética, pois Psicomotricidade : perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed, 2004. essa complementa e justifica as
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características da espécie humana, ou seja, do homo sapiens . O significado do controle postural para o ser humano é extremamente relevante, pois se trata de um produto final de inumeráveis adaptações filogenéticas e uma disposição ontogenética fundamental em todos os processos de aprendizagem e de adaptação (AYRES apud FONSECA 2008, p. 66). Por consequência, a postura é essencial à aprendizagem, sem ela seFonte: Fonseca (2004, p. 65). ria impossível ter uma perspectiva de transição da evolução biológica para a evolução cultural. Filogenia da organização neurológica na evolução da espécie
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Insetos: é a espécie que possui a menor organização neurológica. Possuem dois gânglios, por isso apresentam somente duas funções motoras. Vertebrados V ertebrados (tubarões e arraias): apresentam dois gânglios e a medula espinhal. Executam movimentos de ondulações e possuem mandíbula móvel. Anfíbios (sapos e salamandras): o cérebro do anfíbio apresenta medula espinhal, protuberância anular, mesencéfalo, hemisférios cerebrais (direito e esquerdo) e lobos olfativos. Movimentos de andar, pular e nadar. Répteis (lagarto, tartaruga e jacaré): possuem medula, protuberância anular, cerebelo, lobo ótico, lobo olfativo, nervo olfativo e hemisférios cerebrais (direito e esquerdo). Movimentos de andar e nadar. Mamíferos: dividem-se em três grupos. Primatas: são os lemuroides. Possuem medula espinhal, mesencéfalo, visão bilateral, têm quatro dedos e usam a •
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cauda como o quinto dedo. É a única espécie no mundo que não envelhece. •
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Tarsioides: têm como característica os cinco dedos. Antropoides: são os macacos. Sua constituição neurológica é muito próxima do ser humano.
Fonte: Fonseca (2004, p. 41).
Nesse processo filogenético existem dois fatores que diferenciam o homem de outras espécies e principalmente do macaco, que são a motricidade e a linguagem. A grande contribuição do homem ao processo filogenético foi de função e não de estrutura. Isso quer dizer que a espécie humana foi, cada vez mais, aperfeiçoando os seus movimentos e, consequentemente, os objetos. O homem começou a perceber a funcionalidade dos objetos.
Conforme Fonseca (2004, p. 42), o homem é, eminentemente, um ser práxico e comunicativo, educável e sociável, não obstante sua biologia seja insuficiente para explicar o que fez, o que faz ou venha fazer, uma vez que está condenado a ser, simultaneamente, agente e produto da cultura. Em síntese, a evolução revela que, nos seres humanos, a sua motricidade e a sua linguagem, concomitantemente concomitantement e com o cérebro e os sistemas funcionais, desenvolvem-se em conjunto.
Segundo a perspectiva ontogenética , o que caracterizará o desenvolvimento da espécie e da criança é a internalização de aquisições filogenéticas e, com elas, a apropriação da experiência sócio-histórica, ou, em outras palavras, da transmissão cultural, passadas de geração a geração. Assim, a ontogenética se se preocupa em compreender as nuances do desenvolvimento do ser humano e o estuda de forma horizontal, desde o período pré-natal até a velhice. Preocupa-se, também, com a Fundamentos da Educação Psicomotora
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integração dos processos já elucidados previamente nessa evolução. Já o estudo sobre o pensamento, a linguagem, a atenção, a percepção, o físico, o desenvolvimento psicomotor, o afetivo, o neurológico, ou das funções psíquicas superiores do ser humano é realizado de forma vertical, além de analisar as capacidades em si, contrapondo-se nas várias etapas da vida. É nessa perspectiva que a espécie, na sua evolução, e a criança, no seu desenvolvimento intraindividual, são concebidas como seres sociais em relação a um dado contexto social e cultural, primeiramente com a mãe e a família e, posteriormente, com outros sujeitos e contextos sociais, o que lhes permitirá ascender a uma espécie de reassimilação sócio-histórica e biocultural. Isso quer dizer que, em termos dialógicos, a espécie humana e a criança não estão meramente submetidas às leis biológicas, mas também às novas leis culturais adquiridas pelo homem através dos tempos. A evolução da espécie e da criança depende, assim, não só de leis biológicas, mas de leis socioculturais. 26
Em outras palavras, a evolução da espécie e da criança, isto é, seus desenvolvimentos psicomotores intrínsecos, realizam-se entre dois fatores dialeticamente dependentes: o biológico e o social, ou, por analogia, o corporal e o cultural.
Estrutura e desenvolvimento psicomotor Para entender melhor a psicomotricidade é necessário definir alguns elementos. Primeiramente, buscaremos compreender o significado dos termos estrutura e desenvolvimento, propriamente ditos. É bom que tenhamos clareza da relação existente entre a estrutura de um sujeito e os processos de seu desenvolvimento, para, mais tarde, podermos compreender algumas causas da obtenção do sucesso ou do fracasso escolar. Estrutura psicomotora
A estrutura psicomotora engloba todos os mecanismos responsáveis pelo deslocamento ou locomoção do indivíduo, além de todo e qualquer movimento produzido por qualquer parte do seu corpo. FAEL
Capítulo 2
Essa estrutura é a base para o desenvolvimento em todos os aspectos, de toda ordem e natureza do ser humano. Possibilita em todos os níveis o desenvolvimento psicomotor. É como se ela fosse o solo fértil para a germinação do alimento dos seres vivos do planeta. É por isso que, quando falamos em psicomotricidade, a noção de globalidade se generaliza, pois a impressão que temos é a de que se considerará o ser humano como um todo integrado, e não fragmentado em pequenas partes. As estruturas psicomotoras são as unidades básicas de movimento, que abrangem a capacidade de equilíbrio e asseguram as posições estáticas. Essas unidades básicas são aquelas que oportunizam ao sujeito: ●
locomover-se;
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manipular objetos;
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equilibrar seu tônus corporal (que interage com a organização espaço temporal); desenvolver e adequar sua coordenação óculo-manual, seu equilíbrio, sua lateralidade, seu ritmo e seu relaxamento.
As unidades básicas são responsáveis pelos movimentos naturais, como: andar, correr, pular, saltar, rolar, rastejar, engatinhar, lançar, subir e descer.
Desenvolvimento psicomotor
O termo desenvolvimento psicomotor diz respeito à interação existente entre o pensamento, consciente ou não, e o movimento efetuado pelos músculos, com auxílio do sistema nervoso. Estudar o desenvolvimento psicomotor implica em compreender as transformações contínuas que ocorrem por meio da interação dos indivíduos entre si e com o meio em que vivem. A meta do desenvolvimento psicomotor é o controle do próprio corpo até ser capaz de tirar dele todas as possibilidades de ação e expressão possíveis. Esse desenvolvimento envolve um componente externo ou prático (a ação), mas também um Fundamentos da Educação Psicomotora
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componente interno ou simbólico (a representação do corpo e suas possibilidades de ação) (COLL et al., 2004, p. 68).
Essa citação expõe duas características fundamentais do desenvolvimento psicomotor: possibilitar ao nosso corpo agir e expressar-se de forma adequada, a partir da interação de componentes externos, que é o próprio movimento. ●
possibilitar-nos ações e expressões adequadas, a partir da interação de componentes internos, que são todos os processos neurológicos e orgânicos que executamos para agir agir.. Tem-se evidenciado que todo movimento humano envolve processos neurológicos específicos, que ocorrem desde a percepção do estímulo até a efetivação da resposta. São eles que possibilitam ao sujeito agir e aprender. O movimento, as ações, enfim, a integração do homem às condições do meio ambiente está na dependência de um sistema muito especial chamado de sistema nervoso. ●
O sistema nervoso coordena e controla todas as atividades do organismo, desde as contrações musculares e o funcionamento de órgãos até a velocidade de secreção das glândulas endócrinas. Integra sensações e ideias, opera fenômenos de consciência, interpreta os estímulos advindos da superfície do corpo, das vísceras e de todas as funções orgânicas e é responsável pelas respostas adequadas a cada um destes estímulos. Muitas dessas informações são selecionadas e às vezes eliminadas pelo cérebro como não significativas. Por exemplo: pode-se não tomar conhecimento da pressão do corpo com as roupas, da visão de algum objeto em sala de aula, de um barulho constante. Muitas vezes, essas informações se tornam completamente irrelevantes. Uma das funções do sistema nervoso é selecionar e processar as informações e canalizá-las para as regiões motoras correspondentes do cérebro, para depois emitir respostas adequadas de acordo com a vivência e a experiência de cada indivíduo.
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Desde a nossa concepção, a maturação do sistema nervoso nos possi bilita a aprendizagem progressiva de habilidades de forma que sempre
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Capítulo 2
que uma determinada área cerebral amadurece, exibimos os movimentos e comportamentos correspondentes.
É muito importante termos algumas noções sobre o sistema nervoso, para que possamos compreender melhor o que se passa no organismo das crianças e assim termos mais condições de agir no sentido de propiciar-lhes um desenvolvimento equilibrado e progressivo. Ao nascer, o ser humano apresenta algumas estruturas já prontas, definidas, como a cor dos olhos, dos cabelos, o sexo. Outras ainda estão por se desenvolver. Nesse último caso encontra-se a parte do sistema nervoso, que precisa de condições favoráveis para o seu pleno funcionamento e desenvolvimento. O córtex cerebral, substância cinzenta que reveste o cérebro e onde estão localizadas as funções superiores, está presente no nascimento de forma ainda muito rudimentar rudimentar.. As células do sistema nervoso são chamadas de neurônios. O neurônio é uma célula diferenciada e tem as funções de receber e conduzir os estímulos. O córtex cerebral é o centro em que são avaliadas as informações e processadas as instruções ao organismo. Para que haja uma transmissão de informações, o córtex cerebral necessita de impulsos que lhe chegam dos receptores exteroceptivos (pele, retina, ouvido interno, olfato, paladar), proprioceptivos (músculos, tendões e articulações) e interoceptivos (vísceras). A condução dos impulsos advindos desses receptores aos a os centros nervosos se faz por meio das fibras nervosas sensitivas ou aferentes e a transmissão aos músculos do comando dos centros nervosos é efetuada pelas fibras eferentes ou motoras. A velocidade dos impulsos impulsos nervosos se faz através do revestimento revestimento da bainha de mielina encontrada nas fibras nervosas e que é composta por colesterol, fosfatídeos e açucares. Essa bainha possui a função não só de condução como também de isolante. Fonseca e Mendes (1987, p. 118), estudando a mielinização das fibras nervosas, afirmam que “a criança nasce e chega ao mundo Fundamentos da Educação Psicomotora
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com a sua mielinização por fazer, isto é, com o seu sistema nervoso por (e para) acabar”. A bainha b ainha de mielina desempenha um importante importan te papel pa pel na n a transmissão de informações. Existe maior velocidade nas fibras mielínicas do que nas amielínicas. Como conclusão, Fonseca e Mendes (1987, p. 118) mostram que: Ora, torna-se assim evidente como esta maior velocidade de comunicação entre os centros de decisão e os centros de execução é duma importância decisiva para a coordenação e respectivo controle muscular em qualquer aprendizagem, incluindo naturalmente todas as aprendizagens escolares. O grau de mielinização acaba mesmo por ser um índice de crescimento da própria criança (e da sua inteligência).
O período mais crítico para a mielinização e o desenvolvimento neuronal se dá entre o 6º mês de gestação até os seis anos de idade da criança. As células nervosas vão se desenvolver bastante nessa fase e para que isso ocorra necessitam de energia en ergia (açúcares e gorduras) e de proteíp roteínas. Das proteínas transmitidas pelo sangue da mãe para alimentar o feto, 80% vão para o cérebro.
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Uma gestante com condições nutricionais baixas vai influir bastante nos neurônios da criança. Uma desnutrição ocorrida nessa fase leva a criança a ter prejuízos enormes em seus neurônios. Ela terá menos neurônios e não chegará a ter o número adequado de células nervosas, mesmo que seja bem alimentada depois. Após o nascimento, a alimentação continua sendo essencial para que o sistema nervoso se torne diferenciado. As substâncias necessárias para uma boa formação do sistema nervoso, portanto, têm que estar presentes não só na vida intrauterina, mas também após o nascimento. Contudo, não só a nutrição é importante para um bom desenvolvimento da criança. A estimulação do ambiente também. Quanto mais estimulamos uma criança, mais provocamos nela reações e respostas que se traduzem em um número maior de sinapses. A sinapse é uma conexão entre entre os neurônios na qual um neurônio estimula o seguinte através da liberação de uma substancia chamada de neurotransmissor,, propagando-se, assim, os impulsos nervosos e transneurotransmissor mitindo as informações. FAEL
Capítulo 2
A palavra informações, nesse contexto, pode significar muitas coisas, como fatos, lembranças, conhecimentos, valores, intensidade de dor, temperatura, luz ou qualquer outro fato significante. O cérebro vai transmitir a informação de um ponto a outro de um modo que se torne significativo para a mente. As sinapses são numerosas, várias centenas para um mesmo neurônio. Cada neurônio é submetido a diversos estímulos, uns agindo no sentido da facilitação e outros, no sentido da inibição. Eles ocorrem em grande número e uns atuam mais que os outros devido ao hábito. Existem sinapses que nunca usamos e que nunca usaremos.
Aprender, neurologicamente falando, significa usar sinapses normalmente não usadas. O uso, portanto, de maior ou menor número de sinapses é o que condiciona uma aprendizagem no sentido neurológico. Dessa maneira, um educador com atitude estimuladora estará ajudando seu aluno a diferenciar seu sistema nervoso, ampliando seu número de sinapses. Embora tenhamos salientado a necessidade de uma boa estimulação do meio ambiente, temos que tomar cuidado para não nos excedermos, pois isso, além de provocar ansiedade na criança, não irá apressar o processo de maturação do sistema nervoso.
O sistema nervoso não se desenvolve de uma só vez e obedece a uma sequência. É preciso pedir para a criança o que ela é capaz de realizar, levando em consideração seu processo de maturação (OLIVEIRA, 1997, p. 20).
A importância da maturação nervosa para a aprendizagem tem merecido muitas discussões por parte de diversos autores. Lourenço Filho (1964, p. 35) comenta: A aprendizagem supõe um mínimo de maturidade de onde possa partir qualquer que seja o comportamento considerado. Para que o exercício de uma atividade complexa como a leitura possa integrar-se, exigir-se-á a fartiori, determinado nível de maturidade anterior. Sem ele, será inútil iniciar a aprendizagem. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Brandão (1984, p. 41) também ressalta a importância da maturidade para o desenvolvimento da aprendizagem. A aprendizagem não poderá proporcionar um desenvolvimento superior à capacidade de organização das estruturas do sistema nervoso do indivíduo; uma criança não poderá aprender das experiências vividas, conhecimentos para os quais não tenha adquirido, ainda, uma suficiente maturidade. A maturidade é, no entanto, dependente, em parte, do que foi herdado, e, em parte, do que foi adquirido pelas experiências vividas.
Para ele, portanto, a maturidade está sempre em desenvolvimento e nunca estaciona. Condemarín, Cladwick e Militic (1986, p. 4-5) acreditam que se pode construir a maturidade de forma progressiva contando com a interação de fatores internos e externos. Acreditam que, para isto, devem ser proporcionadas “condições nutricionais, afetivas e estimulação que são indispensáveis”. Elas fazem uma distinção entre maturidade escolar e prontidão. Prontidão, para elas, implica “[...] em uma disposição, um ‘estar pronto para’ determinada aprendizagem [...] a definição do termo inclui as atividades ou experiências destinadas a preparar a criança para enfrentar as distintas tarefas que a aprendizagem escolar exige”.
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Maturidade escolar implicaria em um “conceito globalizador que incluiria estados múltiplos de prontidão”. Assim, para as autoras, maturidade é “a possibilidade de que a criança possua, no momento de ingressar no sistema escolar, um nível de desenvolvimento físico, psicológico e social que lhe permita enfrentar adequadamente uma situação e suas exigências”. Jean Piaget (1974) aponta a maturação nervosa como um dos fatores relevantes do desenvolvimento mental. Embora ele acredite que não se conhecem bem as condições de maturação e a relação entre as operações intelectuais e o cérebro, reconhece sua influência, o que Jean-Marie Dolle (apud CONDEMARÍN; CHADWICK; MILITIC, 1986, p. 4) confirma: [...] constata-se, simplesmente, que a maturação abre possibilidades; que aparece, portanto, como uma condição necessária para a aparição de certas condutas, mas que não é sua condição suficiente, pois deve se reforçar pelo exercício e pelo FAEL
Capítulo 2
funcionamento. Ademais, se o cérebro contém conexões hereditárias, ele contém um número sempre crescente de conexões, das quais a maioria é adquirida pelo exercício. [...] A maturação é um fator, certamente necessário na gênese, mas que não explica todo o desenvolvimento.
A maturação desempenha um papel muito importante no desenvolvimento mental, porém, tem-se que levar em consideração outros fatores, como a transmissão social e a interação do indivíduo com o meio, através de exercícios e de experimentação em um processo de autorregulação. Ajuriaguerra (1980) tem a mesma opinião de Piaget, quando afirma que a maturação é uma condição necessária, mas não suficiente para explicar o comportamento. O desenvolvimento motor é afetado pela oportunidade de praticar e pelas variações ambientais mais importantes. O processo de maturação, sem dúvida, estabelece alguns limites sobre o ritmo de crescimento físico e desenvolvimento motor, mas o ritmo pode ser retardado pela ausência de práticas ou experiências adequadas. Enfim, conforme os estudos desenvolvidos até aqui, é importante evidenciar como a psicomotricidade pode auxiliar o aluno a alcançar um desenvolvimento mais integral que o preparará para uma aprendizagem mais satisfatória.
Resumo As teorias sobre o desenvolvimento humano comportam estudos de processos nas perspectivas filo e ontogenética. Atualmente, sabe-se que todos os organismos vivos compartilham caracteres básicos. A concepção filogenética se preocupa em desvendar os caminhos percorridos pelos seres vivos, para se constituírem enquanto espécie, enquanto raça, enfim, enquanto uma unidade ímpar de caracteres que se multiplica e se reproduz de forma específica. A ontogenética mostra que a diferença entre os homens e os demais seres vivos está no desenvolvimento das funções psíquicas Fundamentos da Educação Psicomotora
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superiores, sendo que algumas delas só se efetivam adequadamente em processos coletivos de sobrevivência, a partir de uma base sociocultural. Ela estuda o homem de forma horizontal, desde o período pré-natal até a velhice. A estrutura psicomotora constitui os mecanismos responsáveis pelo deslocamento ou locomoção. Em se tratando de desenvolvimento psicomotor, podemos traduzi-lo enquanto desdobramento, “desenrolamento” em diferentes momentos, de diversas formas e em graus diversificados, do corpo de um indivíduo. Temos que entender que nenhum ser humano cresce ou se desenvolve da mesma maneira que outro. É a interação existente entre o pensamento e o movimento efetuado com auxílio do sistema nervoso, é a conexão entre cognitivo, afetivo e motor. O processo de maturação ocorre no axônio ao ser envolto numa camada de gordura e proteína denominada mielina. O processo de mielinização ocorre em épocas distintas, em diferentes neurônios. Esse fenômeno depende das condições ambientais e do desenvolvimento do organismo. Maturação é o desenvolvimento das estruturas corporais, neurológicas e orgânicas, compreendendo padrões de comportamento que são resultado da atuação de mecanismos internos. Ela orienta o desenvolvimento potencial do organismo.
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O desenvolvimento psicomotor depende do processo de mielinização (maturação nervosa) e ganha características significativas a cada momento. Ele está sujeito a uma série de leis biológicas relacionadas, em sua maioria, ao processo maturativo. A aquisição e/ou o aparecimento de novos movimentos se repercute em todo desenvolvimento global da criança, pois esta novidade depende do movimento anterior para se estabelecer, tanto no domínio mental como no motor, por meio de experiências e interações com o meio. Contudo, destaca-se a importância das experiências motoras no processo de maturação e sabe-se que uma experiência pobre pode retardar essa maturação. Toma-se como exemplo crianças que residem em lugares desprovidos de espaço para recreação e que acabam limitando as experiências motoras, resultando em desvantagens em seu desenvolvimento global. A esse respeito, deve-se desmistificar o conceito de que só o pobre é prejudicado pela falta de oportunidade de se exercitar. Muitos meniFAEL
Capítulo 2
nos “de rua” têm uma coordenação motora global superior à criança de classe média, sempre protegida pelos medos e ansiedades dos pais. Outro exemplo que se pode citar é o de crianças criadas em creches e orfanatos, em que se verifica uma estimulação muito pobre do meio ambiente e, consequentemente, poucas respostas são solicitadas. Sabe-se que a qualidade e a abrangência dessas práticas condicionam o desenvolvimento futuro da criança. Daí a urgência de se efetivar reestruturações no espaço escolar público e privado, bem como orientações às famílias. Incluem-se nesse processo estudos reflexivos da teoria e da prática da psicomotricidade, em especial, o conhecimento sobre a maturação nervosa e o desenvolvimento, para consolidar na criança uma evolução psicomotora harmoniosa, plena e completa.
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Etapas do desenvolvimento psicomotor
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s teorias sobre o processo do desenvolvimento humano, em ge A ral, estabelecem-no em fases ou etapas, estágios ou períodos, dependendo da abordagem desenvolvimentista do teórico. As fases ou etapas representam um conjunto de aquisições mais complexas, mais significativas e pontuais para o processo de desenvolvimento global do indivíduo. O que se considera essencial é compreender o desenvolvimento emocional das crianças no processo educativo desde a tenra idade, que é a base primordial de todo o seu desenvolvimento psicomotor. Dentre as teorias desenvolvimentistas, o estudioso que mais oportunizou essa compreensão foi Henri Wallon (1984), pois, em suas teorias, ele evidenciou o caráter afetivo das relações pessoais, principalmente em crianças na faixa etária de zero a três anos, a base do desenvolvimento infantil. A psicogenética walloniana propõe uma perspectiva do desenvolvimento da pessoa completa, na qual o motor, o afetivo e o cognitivo se interligam ao longo da ontogênese. Ao todo multifuncional de atitudes (tendências, predisposições ou ações em potencial) e de atividades (ações expressas observáveis e produtoras de efeitos), esse autor confere a noção de função psíquica, que paralelamente encerra uma multiplicidade de direções, de formas, de níveis de organização e de extensão. Nesse pressuposto, a noção de vida psíquica, em Wallon, traduz a integração de percepções, ações, afetos, sentimentos, pensamentos e etc. Primeiro os de ordem emocional e afetiva, naturalmente, pelos quais a personalidade começa e, mais tarde, outros de natureza motora e cognitiva.
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Estágio impulsivo (recém-nascido) Os movimentos e os reflexos nesse estágio são simples descargas de energia muscular, em que as reações tônicas e clônicas se apresentam sob a forma de espasmos descoordenados sem significado ou intenção, como as pedaladas e as braçadas nos primeiros meses. A ação, no entanto, já é portadora de uma carga afetiva que alterna entre o bem-estar e o mal-estar condições somáticas que, necessariamente, na fase inicial irão se manifestar através de descargas motoras indiferenciadas. . a r o t u a a d o v r e c A
A atividade do bebê está totalmente monopolizada pelas suas necessidades vegetativas primárias, isto é, necessidades de sobrevivência, de respiração, de alimentação, de eliminação, de sono, de afeto, de segurança, etc.
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As reações tônicas abruptas já são um dado da consciência e constituem, portanto, verdadeiras pré-representações ou representações mentais compartilhadas e em gestação. Paulatinamente, as necessidades do bebê dei xam de ser respondidas em termos automáticos, como na vida intrauterina e nas primeiras semanas. Agora sua satisfação envolve momentos de espera, de ansiedade, de desconforto, de insegurança gravitacional, o que gera descargas motoras impulsivas, abruptas, descontínuas e desequilibradoras.
A característica psíquica do comportamento do bebê nesse estágio é a fusão tônico-corporal com os outros, especialmente a mãe, e, progressivamente, as outras figuras familiares, das quais a criança depende totalmente. Como o recém-nascido é incapaz de autonomamente prover as suas necessidades de sobrevivência e de segurança mais elementares, o meio social envolvente terá de interpretar e dar significado a seus sinais, ao mesmo tempo em que terá de FAEL
Capítulo 3
produzir respostas motoras relacionais que os satisfaçam. A tonicidade e a motricidade experiente do adulto atingem, assim, por essa capacidade de relação e de resolução corporal a que o bebê imaturo ainda não pode chegar, um cunho afetivo e uma natureza emocional verdadeiramente transcendentes (FONSECA, 2008, p. 22).
O bebê é concebido por Wallon (1984) como um ser social, por ser incapaz de sobreviver sem a ajuda de alguém mais experiente, interligando assim o biológico com o social. Não dispondo de outros recursos se não o seu corpo e a sua sensibilidade interoceptiva, visceral e íntima, o bebê expressa seu bem-estar ou seu mal-estar pela sua tonicidade e gestualidade. Fonseca (2008, p. 22) mostra que O corpo assume, então, neste estágio, o núcleo crucial e preferencial de onde emanam todos os processos de comunicação não verbal, uma complexa linguagem corporal infraestrutural, de onde mais tarde vão emergir os gestos simbólicos e, depois, as palavras.
Com o tempo, a interação Saiba mais criança-meio, mediatizada pela Aspecto clônico : é responsável pelo alongaação intencional dos outros, mento e encolhimento dos músculos, ligados assume um poder de comuniao movimento corporal propriamente dito. cação original. Ao responder Aspecto tônico: é responsável pela regulação em termos de motricidade afe- da tensão muscular e posturas que darão ao tiva e tônico-emocional às reamúsculo um grau de consistência e formas ções do bebê, o adulto acaba determinadas. por desenvolver um repertório comunicativo de reciprocidade afetiva, pois, ao cuidá-lo, assisti-lo, agarrá-lo, suportá-lo e manipulá-lo, os seus movimentos acabam por atingir um relevante significado relacional. O recém-nascido é levado por suas necessidades a se movimentar e seus movimentos acabam se constituindo como sinais para as pessoas que o cercam. Os primeiros gestos expressivos são fundamentalmente emocionais e capacitam a criança a se relacionar de um modo mais intencional com as pessoas, através da contínua troca de significados estabelecidos entre ela e o seu meio ambiente (BASTOS, 1995, p. 39).
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A motricidade do outro e a que emana de si próprio acabam por materializar todas as formas de expressão, de compreensão, de intencionalidade, de significação e de transcendência interativa. Elas acabam sendo um palco original, em que vão desenhar-se os primeiros vínculos e as primeiras redes de intimidade emocional e relacional do bebê.
A gênese do eu surge a partir do outro, daí a importância da interação precoce que o adulto tem com o recém-nascido, quase toda ela baseada em processos corporais, interativos, mímico-gestuais e motores, que dão expressão à sua intencionalidade afetiva e relacional. O outro é, portanto, um construtor do eu (daí o papel da díade mãe-filho), na medida em que ele vai sendo progressivamente internalizado e incorporado como parceiro permanente. O eu e o outro, em relação dialética, dão lugar aos primórdios da vida psíquica, a ação de um dá lugar à formação da vida psíquica no outro, em uma realidade interna antagônica a partir da qual a singularidade se constrói e co-constrói. O outro assume-se, assim, como um estranho essencial à formação do eu (FONSECA, 2008, p. 23).
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Verificamos aqui a importância do vínculo estabelecido na relação mãe-filho, em que é através da troca afetiva que a afirmação da identidade do “eu” busca no “outro” a sua afirmação. Autor da sua própria ação e objeto da ação do outro, o bebê progride de uma indiferenciação corporal para uma identidade de si, a partir das interações motoras com os adultos, que acabam por modelar o seu eu, consubstanciando a formação da sua consciência individual, que vai emergindo de uma consciência social e coletiva. É nesse sentido que o pensamento walloniano considera o recém-nascido um ser intimamente social. É social em consequência de uma necessidade interior e intrassomática, isto é, genética, biológica e neurológica. O bem-estar do bebê é consequência das sensações dos órgãos internos que fazem chegar ao seu cérebro as excitações que vem das suas vísceras, como as sensações de fome ou de sede, por exemplo. Uma vez satisfeitas pela motricidade do outro, e não pela sua autolocomoção, ainda exógena, vão provocar reações tonicamente gratificantes, que acabam por se transformar em sensações afetivas progressivamente mais diferenciadas. FAEL
Capítulo 3
De uma motricidade exóSaiba mais gena que tende a uma motriciExógena: motricidade do outro. dade autógena, a atividade do Autógena: motricidade do bebê. bebê, também assegurada pela maturação, começa a ser mais dependente da sensibilidade proprioceptiva que já está mais relacionada com a motricidade vertebrada e com as competências ou aquisições mais elementares de locomoção, como a reptação e quadrupedia, que estarão implicadas na conquista do espaço do próprio corpo e do envoltório da pele (egocêntricas) e, depois, do espaço à volta do corpo (alocêntricas). As terminações sensitivas, cada vez mais integradas, já não brotam das vísceras. Com o advento da motricidade autógena, as terminações que geram informações sensoriais localizam-se nos músculos, nos tendões e nas articulações. A motricidade vai começar a ser, então, o centro de interesse do bebê e do seu bem-estar. Com a motricidade autógena mais organizada em termos de segurança equilibratória e de sustentação tônica da cabeça e do tronco, o conhecimento e exploração Saiba mais do mundo exterior vão dar origem a outro tipo de sensibiliReptações: arrastando o corpo no solo, de dade exteroceptiva, baseada em onde recebe inúmeras sensações. descargas motoras que vão sen- Quadrupedia: a locomoção já com o corpo do sucessivamente reduzidas e elevado acima do solo, por efeito dos apoios reguladas. De uma imperícia dinâmicos das mãos motora exógena, dependente (ex.: engatinhar). e sobrevivente, a criança passa Proprioceptivo: sistema sensorial resultante da a uma motricidade cada vez atividade de receptores localizados no músmais autógena, independente e culo, no tendão, nas cápsulas articulares e no sinergética. labirinto (sistema vestibular), que fornecem informações referentes à posição e ao movi-
Até o terceiro mês o bebê mento dos membros do corpo. só responde impulsivamente às estimulações de ordem mais interna que externa. Com a maturação orgânica e os estímulos externos, ele passa a elaborar os seus recursos de comunicação, tornando-os mais intencionais, e abre espaço para uma nova fase: a emocional.
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Estágio tônico-emocional (dos 6 aos 12 meses) A partir da descoordenação e inquietação motriz, o bebê esboça as suas primeiras aquisições que, embora ainda confusas, anunciam a chegada do movimento para alguma coisa e para algum fim. Conforme Fonseca (2008, p. 24), “o movimento surge como uma das principais formas de comunicação da vida psíquica do bebe, pois é com ele e através dele que se vai relacionando e interagindo com o envolvimento exterior, quer das coisas, quer das pessoas”. Comunicando-se por meio de gestos e de mímica, ainda não verbalmente, a criança utiliza o seu corpo e os seus gestos como realizações mentais, exatamente porque acabam por testemunhar o significado intrínseco da sua atividade interiorizada, antes que ela seja exteriorizada e expressa. Partindo de movimentos de equilíbrio e de reações de compensação gravitacional, integradas sensorialmente pela tonicidade, pelo sentido tátilcinestésico e pela pele, a criança evolui da postura deitada à postura sentada e à locomoções quadrúpedes (engatinhar). Por meio dessa evolução motora vertebrada, a conquista do espaço começa a ser uma aventura fascinante para a criança, que, obviamente, revela condições excepcionais para o surgimento de multifacetadas mudanças. . a r o t u a a d o v r e c A
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É essencial que a criança, nessa fase do desenvolvimento, respeite todas as etapas sequenciais e evolutivas do movimento. O fato de a criança engatinhar é fundamental, pois é o primeiro deslocamento do corpo em exploração com o espaço. Aqui podemos afirmar que se inicia todo um preparo para a organização espacial, elemento fundamental que, consequentemente, prepara para o gesto mais importante, que é a escrita. A terceira fase dessa organização motora vai caracterizar-se por reações expressivas e mímicas. A característica principal do estágio tônico-emocional é a transformação das descargas motoras em forma de comunicação. Por meio das respostas obtidas, o bebê vai associando reações, interpretando situações e elaborando sua atuação no grupo social em que está inserido, mas, ainda, de forma bem rudimentar. Efetivamente, são os adultos a fonte primordial da afetividade (ZAZZO apud FONSECA, 2008, p. 26), são eles que acabam por dar significados aos gestos, posturas e choros das crianças, manifestações corporais que possuem um potente efeito de contágio emocional e que acabam por produzir entre eles vínculos muito importantes e essenciais ao desenvolvimento psicomotor.
O bebê é uma espécie de perito em afetividade, porque a sua atividade acaba por afetar a atividade dos outros que o rodeiam. Ele afeta o adulto porque o contagia e solicita que satisfaça as suas necessidades. O bebê obtém, por meio dessa estratégia interativa, respostas para satisfazer às suas necessidades.
Aos seis meses de vida, o bebê será capaz de repetir intencionalmente alguns gestos, com o objetivo de explorar seus efeitos e, também, suas variações, o que recebe o nome de atividades circulares. Em outro aspecto, mais relacionado com a constituição do esquema corporal, a criança recorre também às atividades circulares quando experimenta e estimula zonas erógenas de seu corpo, desde a mão e os pés na boca até as explorações com os órgãos genitais, etc. Essas atividades circulares o capacitam a promover seu processo cognitivo, pois elas necessitam de organização mental para a realização de exercícios sensório-motores, que passam a se intensificar mais a partir desta idade. Fundamentos da Educação Psicomotora
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A profunda relação entre a função tônica e a emoção é encarada por Wallon (1970) como crucial neste estágio de desenvolvimento psicomotor, por isso a tonicidade é um dos alicerces da teoria original da psicomotricidade.
O aumento do tônus (hipertonicidade) e o seu escoamento ou redução (hipotonicidade) refletem nuances da vida afetiva da criança, traçam a sua história singular e, nas palavras de Wallon (apud FONSECA, 2008, p. 26), vão esculpindo o corpo. Nos primeiros estágios do desenvolvimento psicomotor do bebê, gradualmente, o ato motor se transforma em um instrumento essencial para a sua exploração. Graças ao contato com o outro e aos efeitos conseguidos, seus movimentos diversificam-se e ganham precisão, sua atenção é aguçada e suas manifestações emotivas transformadas em uma atividade intencional e representativa, que favorece a construção de imagens.
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Estágio sensório-motor (dos 12 aos 24 meses) Nesse estágio, as relações da criança com o seu ambiente multiplicam-se e aumentam. Portanto, a maturidade na organização das suas sensações, ações e emoções, do estágio anterior impulsivo e dependente do outro, passa a novos encadeamentos de causa e efeito, provocando no outro novas disposições para satisfazer às suas necessidades. A criança passa a ser agora um continente a descobrir, a explorar e a manusear, não só em termos motores, mas em termos psíquicos também. Fonseca (2008, p. 27) comenta que “a expressão da psicomotricidade começa, então, a ter mais sentido e significado, e é aqui que se dá uma das passagens mais relevantes do biológico ao psicológico e, deste, ao social”. Antes que surjam os esboços de uma linguagem falada, uma linguagem corporal complexa já está em pleno desenvolvimento, e dá suporte àquela. A construção da realidade, antes de ser simbólica, é eminentemente não simbólica, tônico-postural e sensório-motora. FAEL
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Para Wallon (2005), este estágio se caracteriza, principalmente, pelo movimento. Esse é o seu suporte de representação. O nível de excitação e encantamento do bebê por tudo o que o cerca é incrivelmente fascinante. Ele aspira tocar, experimentar e morder tudo o que vê. Tudo no mundo é excitante e lhe servirá para manipular e apreciar suas características por meio do tato, audição e visão. Segundo Fonseca (2008, p. 27), “a percepção torna-se mais precisa, e o movimento conseguido tende a ser repetido, o que vai permitir a eficiência e a inteligência do gesto e a eliminação dos gestos inúteis ou sincinesias”. Por volta de um ano, a exploração dos objetos evolui para uma capacidade de coordenação dos movimentos próprios aos dos objetos, o que possibilita uma revisão e confrontação de meios e objetivos. Surge uma intencionalidade objetiva, voltada não ao meio social, mas às coisas. As imitações que a criança faz, principalmente dos animais e de gestos simples dos adultos, terão papel importante para a formação dessa intencionalidade. A exploração dos objetos que não eram vistos por ela anteriormente, e agora estão ao seu alcance, são os mais interessantes, como as tomadas de energia elétrica, os enfeites da estante da vovó, os minúsculos grãos no chão. Tudo é novidade por se apresentar para a criança em uma outra perspectiva. Essas novidades não devem ser analisadas, mas reconhecidas em relação a outras estruturas, inclusive espacialmente. As diferentes combinações de manipulação e exploração dos objetos do meio estabelecem a inteligência prática ou a inteligência de situações, que vai favorecer a criança a formular soluções não verbais, mas intuitivas, a partir das relações que descobrir entre os objetos que tanto explora.
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Esse processo conduzirá a uma diferenciação em relação a tudo o que está ao seu redor. A ação relacional com o mundo dos objetos toma lugar essencial e as atividades tônicas, automáticas e afetivas diminuem sensivelmente. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Essa diferenciação no período sensório-motor faz com que a ação sensório-motora se desenvolva em duas direções independentes, mas complementares: a manipulação dos objetos e a exploração do espaço. A primeira fica enriquecida pelo aparecimento da linguagem, que possibilita a nomeação dos objetos e desemboca na inteligência prática que intensifica as buscas por situações novas. A segunda, mais ligada à atividade postural e enriquecida com a novidade da marcha bípede e assimétrica (andar), permite o acesso a novos meios de investigação e interação com os objetos e espaço envolvente, bem como propicia à criança o surgimento da imitação mais especializada, também por meio da linguagem. Ao se deslocar de um lado para o outro e sempre em diálogo com os objetos, ela acaba por nomeá-los, identificá-los. Do espaço próprio egocêntrico que conseguia com sua postura sentada, a criança passa agora, neste estágio, com auxílio da marcha bípede, a explorar o espaço geocêntrico. Sua ação deixa de ser imediata, o espaço deixa de ser concreto, e o tempo deixa de ser presente (DANTAS apud FONSECA, 2008, p. 29).
A mudança de orientação deste estágio em relação ao anterior ocorre devido à passagem da atividade tônica para uma atividade práxica, instrumental e relacional. Wallon apud Fonseca (2008, p. 30) refere-se a este estágio sensório-motor como
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um período de individualização progressiva da criança, no qual se opera a verdadeira representação de si mesma, separando-se da confusão indiferenciada entre o corpo e a realidade em que se encontrava na etapa anterior de desenvolvimento. É efetivamente neste período de exploração do mundo exterior que se acaba de dar igualmente uma descoberta do mundo interior, uma consciência corporal se destaca o eu do não eu, algo em que se constrói uma fronteira mental do ser, entre o interior da pele e o seu envolvimento, onde se instala a unidade da sua pessoa.
As relações entre ações e sensações em interação com o mundo exterior estabelecem inúmeras informações dentro e fora do corpo, é um processo que produz uma totalidade experiencial significativa que diferencie o que pertence ao mundo exterior e o que pertence ao próprio corpo, ao próprio eu da criança. Nesse aspecto particular da consciência corporal, Wallon (apud FONSECA, 2008, p. 30) descreve de forma incomparável como ocorre o reconhecimento da imagem especular, que emerge também neste estágio. FAEL
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“Ao reconhecer sua imagem no espelho, a criança revela a compreensão de que sua imagem corporal pertence ao plano de sua representação mental, integrando, simultaneamente, sensações, percepções e imagens de si”.
Com 1 ano, a criança, ao ver sua imagem no espelho, toca-o e vira-o, como se quisesse tocar a sua imagem, brincando com ela e fazendo jogos de mímica e de interação. Aos 2 anos, ela consegue atribuir a si mesma a imagem refletida no espelho. É o acesso à sua autoimagem, a verdadeira incorporação cognitiva do corpo na sua unidade pessoal.
Esses exercícios sensório-motores contribuem para a tomada de consciência de si e para a diferenciação de sua pessoa e a de outrem.
Estágio projetivo (dos 2 aos 3 anos) A percepção dos objetos e a sua descoberta através da manipulação tornam possível a organização das primeiras representações, verdadeiras intenções gestuais e figurações motrizes baseadas nas múltiplas associações sensório-motoras adquiridas. A ação é apenas mais uma estrutura pura de execução ou de expressão, mais uma fonte de estímulos para a atividade mental. A criança só conhece os objetos quando age sobre eles corporal, tátil e cinestesicamente. A passagem do ato ao pensamento é, pois, o prelúdio da consciência. A atitude postural adquire, nesse estágio, a sua verdadeira autonomia, adaptação e segurança, que lhe conferem maior disponibilidade para a conquista do real. Wallon, nesta fase projetiva, dá uma grande importância ao simulacro e à imitação que considera imprescindíveis para novas aprendizagens. Com esta metamorfose não sensório-motora, mas já psicomotora, marca-se a identificação e a atenção compartilhadas que estão implicadas nas aquisições sociais mais elementares, ditas auto suficiências de higiene, de alimentação e de vestuário (WALLON apud FONSECA, 2008, p. 31). Fundamentos da Educação Psicomotora
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A imitação como ligação e relação psicomotora, e não como Simulacro: pensamento apoiado gesto imposto e comandado, dá em gestos. lugar a uma espécie de impregnação de postura e de atitudes, um resíduo integrado de gestos e de ações, que tendem a transformar-se em imagens mentais. Verifica-se que a criança inicia um processo de imitação do comportamento do adulto, como a realização da higiene corporal, o comer sem ajuda, tentar vestir-se e despir-se, experiências que gradativamente vão evoluindo e contribuindo para a construção de imagens mentais contextualizadas. Esses são processos fundamentais do desenvolvimento psicomotor da criança, atos que relacionam a motricidade com a representação, a ação com a imaginação.
Saiba mais
Ao recorrer ao simulacro, um pensamento apoiado em gestos, que consegue substituir objetos e rechamá-los para novas situações sem tê-los de fato presentes, a criança pode comunicar já com a base em atos sem objetos reais. Gestos e representações atingem, nesta fase, um pensamento ideomotor, uma narrativa e uma ficção, um faz de conta que ilustra um desdobramento da realidade (FONSECA, 2008, p. 31).
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Compreendemos por realizações ideomotoras a utilização de gestos simbólicos ou ações sem propósitos, como pantominas de ação que não dependem de objeto. Assim, antes da criança representar algo, a linguagem introduz um outro tipo de atividade, a atividade projetiva ideomotora, pois essa representação está necessariamente atrelada ao que desencadeia e a exprime concretamente e de forma sucessiva. . a r o t u a a d o v r e c A
A inteligência discursiva, que nos leva a discernir o real da fantasia, resulta desses “ideomovimentos” que são os precursores da representação propriamente dita. Nesse longo percurso, as condutas imitativas serão fundamentais. A imitação se diferencia da representação, por ser a repro-
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dução de um modelo concreto em determinado contexto físico e temporal, por meio de uma sucessão de atos, enquanto que a representação é atemporal, autônoma e definitiva. Outra composição dessa tríade é a linguagem, que, ao final do segundo ano de vida, permitirá a construção dos alicerces de um mundo conceitual que anuncia aquilo que nem sempre é realizável, num constante processo dialético. A linguagem e o pensamento estruturam-se reciprocamente, configurando, aos poucos, o pensamento categorial, próprios da idade adulta. Ao adquirir essa reciprocidade entre pensamento-linguagem, por meio das relações que estabelece com o meio exterior e dos intercâmbios emocionais, a criança sente necessidade de interferir e agir com atitudes cada vez mais intencionais. Mesmo que a consciência nesse período seja confusa e global, já podemos começar a considerá-la presente na vida do indivíduo a partir desse momento. O movimento aqui, como em todos os estágios, também ganha destaque. Nessa fase, ele vem acompanhar as representações mentais, como meio de exprimir-se melhor. A conduta da imitação, do simulacro e da representação vai construindo as condições para o surgimento de um novo estágio, o personalista.
Estágio personalístico (dos 3 aos 6 anos) O estágio personalístico está voltado para a pessoa, para o enriquecimento do “eu”, e, essencialmente, para a construção da personalidade, em que a consciência corporal adquirida ao longo dos estágios anteriores e a aquisição da linguagem se tornam os principais componentes integrados. A passagem do ato motor ao ato mental opera-se por meio do reconhecimento do corpo, uma representação vivida experencialmente e integrada contextualmente, isto é, uma integração sensorial e perceptiva da experiência vivida e materializada pela motricidade, seletivamente diferenciada pela capacidade da criança se autorreconhecer (FONSECA, 2008, p. 32).
A inteligência, nesse estágio, manifesta-se pela motricidade e pela afetividade e se transforma, por via de sua expressão, em uma fonte de conhecimento na medida em que se edifica com base em duas componentes psíquicas, a ideação e a execução. Fundamentos da Educação Psicomotora
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A motricidade deixa aqui de ser explicada por uma simples conduta motora completa, para ser imaginada e concebida por meio de processos mentais e procedimentos representacionais que têm suporte na imagem corporal e pessoal. . a r o t u a a d o v r e c A
Nessa fase, a criança transforma o espaço ao alcance da própria fantasia, modifica-o em função de seus desejos, motivações intrínsecas e interesses. De uma dimensão egocentrada, o espaço passa a ser prospectivamente explorado e navegado em uma dimensão descentrada, já possível de ser representado graficamente.
Outro fator importante é o estado de sociabilidade sincrética , a criança comumente mistura e confunde-se com os objetos, não se dissocia. É o que se denomina indiferenciação, pois ela percebe-se como difundida nos objetos ou nas situações familiares, mistura a sua personalidade à dos outros, e a destes entre si.
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Ocorre também a indiferenciação do “eu” psíquico, que é o fato da criança referir-se a sua pessoa mais frequentemente pelo próprio nome, na terceira pessoa, do que pelo pronome eu. Há ainda os diálogos estabelecidos consigo mesma, nos quais se identifica alternadamente com ela e com um interlocutor imaginário, sem ter clareza quanto à distinção entre ela e o personagem. Ao conseguir transferir do contexto real para a representação, principalmente as fantasias infantis, a criança acumula subsídios psicológicos para que constitua, ainda mais, a diferenciação e a afirmação de sua personalidade. Ela passa a utilizar mais o pronome pessoal “eu” e vê o outro a partir de seu ponto de vista, que é exclusivo e unilateral. Costumeiramente, a criança extrapola nas disputas por um mesmo objeto com outras crianças, por confundir o “eu” com o “meu”. Para FAEL
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Wallon (2005), isso ocorre devido à busca por assegurar-se da posse de sua própria personalidade, por isso ainda confunde o objeto desejado como se fosse uma extensão dela mesma. Nessa fase, a presença dos conflitos interpessoais (eu-outros), inerentes às relações humanas, iniciam-se, pois a criança toma consciência de que depende de outras pessoas, principalmente de sua faixa-etária ou idade muito próxima, e que estas competem e almejam as mesmas coisas que ela. Em geral, essa etapa tem o aspecto de uma crise, na qual são extremamente frequentes os conflitos interpessoais. Mediante esses conflitos, ela desenvolve a personalidade e a construção da consciência de si, passando por três fases distintas: oposição, sedução e identificação. O espírito opositor é o básico da criança que rejeita tudo o que considera diferente dela, o não eu, e se contrapõe a qualquer ordem, qualquer convite ou sugestão que venha do outro, buscando testar a independência de sua personalidade recém-desdobrada, expulsar do “eu” esse “intrometido” não eu. Essa atitude de oposição significa, na verdade, o desejo de apropriar-se das coisas. A criança confunde os sentidos dos termos “meu” com “eu”, na busca por apossar-se do objeto, tentando salvaguardar sua própria personalidade.
Embora a criança vá, paralelamente, reconhecendo o direito dos outros, partilhar objetos torna-se por vezes difícil, podendo utilizar-se de estratégias manhosas de duplicidade, simulando ou oferecendo algumas coisas para conseguir ou se apossar de outras. A mentira, o uso da força e o próprio ciúme entram em cena, as fantasias e as cumplicidades misturam-se para dar lugar a uma outra faceta da sua personalidade em construção.
Na sequência da oposição surge a sedução, ou a “idade da graça”, pois a criança tem necessidade de ser admirada pelos outros, aceitando os convites para se apresentar em público e exibir o que sabe fazer: dançar, cantar, repetir frases, etc. A sua exuberância motora, que ilustra a sua maturação neurológica, pode substituir o próprio objeto. A criança Fundamentos da Educação Psicomotora
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apela para ser prestigiada e elogiada e merecer dos outros atenção exclusiva e reconhecimento pessoal. A idade do “não”, “não faço”, “não quero”, “não tenho vontade” começa a dar lugar à sedução, visando ao apoio e reforço dos outros, procurando fazer valer os seus méritos com a finalidade de obter satisfações e gratificações narcísicas. A fase seguinte, de identificação, marca o personalismo da criança. As pessoas que admira e os heróis das suas fantasias são modelos, os quais ela passa a imitar, pois deseja apoderar-se das suas qualidades e atributos. Copiar, assimilar e reproduzir modelos passam a ser as manifestações novas da sua pessoa, desejosa de se ampliar nas suas competências. Ela passa a ser atraída por figuras e personagens que observa. Em outras palavras, a condição para a construção do eu psíquico é a consolidação do eu corporal, aquisição primordial do estágio personalista.
Estágio categorial (dos 6 aos 11 anos) Com a ampliação de sua capacidade de analisar, sintetizar, generalizar e comparar fatos, por volta dos seis anos, a criança ingressa no estágio categorial. O centro das atenções dela se volta para os ganhos intelectuais, para a aquisição de conhecimentos e para a conquista do mundo externo. No início desse estágio ocorrem avanços no plano da inteligência, preponderantemente nas relações da criança com o meio.
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Neste estágio, a criança torna-se mais atenta e autodisciplinada, mais inibida em termos motores e mais concentrada em termos atencionais e sensoriais. A planificação motora torna-se mais regulada e controlada, mais precisa e localizada, as sincinesias reduzem-se ao mesmo tempo em que as sinergias se multiplicam, dando origem a uma exploração do envolvimento mais sistemática e precisa (FONSECA, 2008, p. 35).
Para a criança, os exercícios de exploração mental do mundo físico, mediante atividades de agrupamento, seriação e classificação, são os mais relevantes. É por isso que Wallon (2005) denominou de categorial essa fase da vida do ser humano. Costumam brincar de escolinha, mesmo já a frequentando regularmente. Disputam com maior civilidade os espaços comuns, como FAEL
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andar de bicicleta, pular corda, pular elástico, brincar de amarelinha, brincar de bolinha de gude, geralmente com grupos formados por pessoas do mesmo sexo. É a fase do “clube do Bolinha”, para os meninos e “clube da Luluzinha”, para as meninas. Os parâmetros de certo e errado são vividos emocionalmente e desenhados motivacionalmente. As escolhas e as atividades das crianças, embora não prevendo a totalidade de suas consequências, começam a encorpar sua socialização. Nesse estágio categorial, novas estruturas mentais vão emergir subdividindo-se em duas etapas: dos 6 aos 9 anos – o pensamento pré-categorial – e dos 9 aos 11 anos – o pensamento categorial. Pensamento pré-categorial (6-9 anos): relações de tempo, espaço e causalidade são introduzidas progressivamente. Nesse período, a criança não consegue distinguir o fato da causa, o agente da ação, a ação do seu efeito, por isso classifica os objetos e as situações de acordo com a relação concreta e imediata que tem com eles. Cada objeto concentra em si todas as qualidades que o definem, e uma só de suas características pode ilustrar o seu todo. Ela não consegue separar, transferir ou deslocar a qualidade do objeto e recolocá-la em novos con juntos ou situações, não consegue ainda abstrair. Pensamento categorial (9-11 anos): nesse período é possível nomear, agrupar, comparar, categorizar e verificar dados de informação, como planificar, antecipar e executar condutas, com base em procedimentos psicomotores mais integrados e elaborados. A capacidade de categorizar, de estabelecer relações e sistemas lógicos transforma-se em um verdadeiro instrumento do pensamento e da ação. ●
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Tal competência do pensamento vai permitir à criança identificar, analisar, definir, sintetizar e classificar pessoas, objetos e acontecimentos, como procedimentos entre objetivos e fins, ou seja, o mundo, apesar da sua diversidade e complexidade, passa a ser como que domesticado e ordenado, pois as comparações são possíveis e as assimilações, mais sistemáticas, precisas e coerentes. O desenvolvimento psicomotor ilustra um equilíbrio postural que vai dar suporte a muitas praxias, cuja eficácia, melodia e automatização Fundamentos da Educação Psicomotora
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coordenativa podem atingir níveis de aperfeiçoamento notáveis em muitas expressões, quer na música, quer na arte ou nos jogos. Na posse de um equilíbrio postural, afetivo e cognitivo a criança, respondendo mais adequadamente às inquietações e questionamentos que vão se instalando, vai se preparando para a crise que marca o início de um novo estágio, o estágio da puberdade e da adolescência.
Estágio da puberdade e da adolescência (11 anos em diante) A denominada crise da puberdade marca a passagem da infância à adolescência, passagem visível em termos somáticos e biológicos na qual se operam mudanças evolutivas significativas, como em termos psicológicos e sociais. A intensidade e o volume dos seus efeitos variam muito com a cultura e a época em que o jovem vai se inserir. Ao ingressar na puberdade, a racionalidade com que elaborava suas emoções é rompida pela necessidade de redefinir sua personalidade. Novamente revive crises de identidade, como no estágio personalista, que a faz importar-se mais com suas questões pessoais, morais e existenciais, mas agora bem menos emotiva, utilizando mais o racional. A pulsão maior que ocasiona toda essa revolução é a modificação hormonal e corporal. A predominância agora é a afetividade, ou as relações afetivas que estabelece, e os conflitos que terão de ser superados , que são de natureza endógena. Há uma grande consolidação das conquistas cognitivas, pois as aquisições cognitivas predominam nas relações da criança com o meio.
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Com a chegada da puberdade, a tranquilidade afetiva é rompida, ocorrendo uma nova busca por definições pessoais. O púbere sente-se desestruturado devido às mudanças corporais resultantes das ações dos hormônios sexuais.
O ponto central passa a ser o das questões pessoais, morais e existenciais, que estão sempre à tona. As relações interpessoais e familiares se revigoram e passam a ocupar o maior tempo possível. A principal FAEL
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referência para tudo é o que o grupo de amigos faz, pensa e gosta. Assim, o conflito eu-outro se apresenta de forma mais sofisticada e o adolescente procura apoiar suas oposições em argumentos intelectuais, diferentemente do que ocorre no estágio personalista, em que a criança apoia suas oposições em argumentos emocionais. Como já não consegue mais viver sem o grupo de amigos, o alto poder de contágio que reveste as emoções é decisivo para a integração com o grupo social. Galvão (1995, p. 65) afirma que a emoção é social e alimenta-se das reações que provoca nos outros e no ambiente, mas a atividade intelectual pode diminuir os efeitos da emoção que tende a dissipar-se diante de uma atividade reflexiva. O desejo de independência, de conquista, de superação do cotidiano, de surpreender, etc., acaba por gerar novos circuitos de inter-relação afetiva e de responsabilidade que substituem os da família, quando poderão surgir ações imaginárias ou reais de conformismo ou de oposição, em que a comunhão de aspirações e de ideais passa a ter uma nova influência e dimensão na formação da personalidade (FONSECA, 2008, p. 38).
Os grupos da adolescência (turmas, gangues, clubes, etc.) acabam sendo laboratórios fundamentais para a construção original da personalidade dos jovens, normalmente geradores de evasão e de aventura, e atipicamente promotores de confronto, contestação e hostilidade. Tais grupos podem ser fundamentais para a construção da cidadania e da identidade dos jovens, desde que a sua orientação e organização sejam devidamente mediatizadas pelos valores positivos da sociedade, nos quais a família, a escola e a comunidade, no seu todo, têm um papel muito importante a desempenhar. Como foi possível verificar, a atualidade do pensamento walloniano é inegável no assunto em questão.
Resumo A psicogenética walloniana apresenta-nos uma perspectiva dialética do desenvolvimento da pessoa completa, em que o motor, o afetivo e o cognitivo se interligam coerentemente ao longo do desenvolvimento. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Para Wallon, o estudo do desenvolvimento psicomotor é o estudo sobre como as crianças e os jovens constroem a totalidade das relações organismo-meio, construção essa que tem início, como visto anteriormente, nos movimentos impulsivos do bebê e terminam no adulto, com a escolha de múltiplas opções de ação. Estudar a psicomotricidade à luz do pensamento walloniano é estudar as relações de origem, de concordância, de filiação, de integração, de sucessão e de alternância entre as funções motoras e as funções psíquicas. Em síntese, a ontogênese é apresentada com uma sucessão de sete estágios (impulsivo, tônico-emocional, sensório-motor, projetivo, personalístico ou personalista, categorial, puberdade e adolescência), cada um com uma reorganização resultante dos anteriores, dos quais emerge uma dinâmica nova que pode, inclusive, fazer ressurgir atividades funcionais passadas. Trata-se, portanto, de uma integração funcional, gerando conjuntos adaptativos que integram outros de forma sucessiva, de tal modo que os estágios mais precoces são integrados nos mais recentes e especializados funcionalmente. Assim, deixa-se de operar de modo independente, não deixando de lado o conjunto e reorganizando-o de acordo com as novas possibilidades de realização que emergem.
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Essa visão de conjunto do desenvolvimento psicomotor é algo permanente na obra de Wallon, pois trata o organismo como um todo, como uma organização somática evolutiva e integradora das influências do próprio corpo e do meio social envolvente. É nesse enquadramento que se deve entender o desenvolvimento psicomotor, podendo observar-se, inclusive, o risco de um estágio se deteriorar se não for adequada e sistematicamente integrado.
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Funções psicomotoras
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este capítulo, faremos reflexões sobre a educação psicomoN tora e sobre os procedimentos para sua efetivação na educação escolar. Compreenderemos as aquisições e pré-aquisições necessárias para um indivíduo obter sucesso no processo de escolarização, destacando estudos das funções psicomotoras, estruturadas e descritas a partir das condutas psicomotoras de base neuromotoras e perceptomotoras. Discutiremos, ainda, sobre as condutas psicomotoras de base – respiração, relaxamento, equilíbrio, freio inibitório, coordenação motora global e coordenação motora fina.
Educação psicomotora A educação psicomotora tem sido enfatizada em várias instituições escolares, aplicada principalmente na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Por meio de uma série de atividades, principalmente exercícios psicomotores, jogos e brincadeiras, procura promover o completo desenvolvimento físico, mental, afetivo e social. Seja qual for a experiência proposta e o método adotado, o educador deverá levar em consideração as funções psicomotoras (esquema corporal, lateralidade, equilíbrio, etc.) que pretende reforçar nas crianças com as quais está trabalhando. Mesmo levando em conta que, em qualquer exercício ou atividade proposta, uma função psicomotora sempre encontra-se associada a outras, o professor deverá estar consciente do que exatamente está almejando e onde pretende chegar. Para compreendermos melhor, vamos recordar um pedagógico diálogo que Alice, totalmente confusa, trava no entroncamento dos caminhos com o gato
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risonho. Ao pedir ajuda ao gato, para encontrar o coelho que fugiu com o relógio, Alice pergunta: – Gatinho, que caminho devo seguir? – Para onde você deseja ir? – indaga o astuto gato. – Para qualquer lugar... – responde Alice e acrescenta — eu estou perdida... – Ah... então qualquer caminho serve! – ironiza o gato risonho, pois de acordo com o seu modo de pensar, para quem não sabe para onde quer ir qualquer caminho serve (CARROLL, 2002).
Contudo, em se tratando de educação psicomotora é importante ressaltar, nesse aspecto, que o professor primeiramente precisa conhecer sobre o desenvolvimento infantil e as funções psicomotoras, para posteriormente organizar o seu planejamento e encaminhamento acadêmicos. O professor precisa ter muito claro qual o caminho a seguir, quais as necessidades de seus alunos naquela etapa do desenvolvimento em que se encontram e o que pretende alcançar com a realização de determinada atividade, ou melhor, se sua proposta de trabalho está realmente de acordo com as necessidades daquele grupo. Acontece, muitas vezes, uma busca por receitas, como os procedimentos de um jogo, por exemplo. Porém, dessa forma, o professor acaba esquecendo da base fundamental, a instrumentalização teórica. De nada adianta conhecer a brincadeira ou o jogo psicomotor, se não souber aplicá-lo com significados no processo de ensino-aprendizagem.
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Acrescenta Lapierre (2002, p. 25): Nós deveríamos levar mais longe essa lógica; se a criança tem deficiências que a impedem de chegar ao cognitivo, é porque o ensino que recebeu não respeitou as etapas de seu desenvolvimento psicomotor. Sob o aspecto da prevenção, passaríamos da reeducação à educação psicomotora.
Portanto, torna-se importante estudar as funções psicomotoras, bem como sua importância para o desenvolvimento infantil. FAEL
Capítulo 4
Os estudiosos da psicomotricidade não empregam uma classificação única e tampouco fazem uso de uma terminologia comum para as diversas funções psicomotoras. Le Boulch (1983), por exemplo, cita as seguintes funções: estruturação do esquema corporal, coordenação dinâmica geral, motricidade gráfica, lateralidade, relação corpo-tempo, percepção-temporal e tônus muscular. Fonseca (1983) faz referência às noções do corpo ou somatognosia, equilibração, coordenação dinâmico manual, lateralidade, controle da respiração, estruturação espaço-temporal, ritmo, dissociação e tonicidade. Coste (1981) aborda o esquema corporal, coordenação, motricidade fina, preensão e coordenação óculo-manual, lateralidade e estruturação espaço-temporal. Verifica-se que as diferentes classificações e terminologias aplicadas não denotam diferenças sensíveis entre as concepções dos autores. O que geralmente acontece é que cada autor ressalta certas funções psicomotoras sob determinados aspectos e tratam as demais agrupadas a estas primeiras. A partir de uma revisão da literatura na área de psicomotricidade, foi possível chegar a uma classificação de onze funções psicomotoras: respiração, relaxamento, equilíbrio, freio inibitório, coordenação motora global, coordenação motora fina, esquema corporal, lateralidade, orientação espacial, orientação temporal e ritmo. As condutas psicomotoras se estruturam paralelamente ao desenvolvimento do indivíduo e dependem, para tal, do processo de maturação do organismo, das habilidades psíquicas, físicas e estimulações adequadas, provenientes do meio no qual o indivíduo está inserido. Estão organizadas conforme a evolução neurológica da estrutura psicomotora, conforme veremos a seguir.
Condutas psicomotoras de base São as formas mais elementares do movimento, as necessidades vitais, por isso, são as primeiras. Insere-se aqui a respiração, o relaxamento, o equilíbrio e a coordenação motora global e fina. Elas acompanham o desenvolvimento da criança, como o engatinhar, sentar e levantar, rolar, andar, lançar, apanhar, pegar, transportar objetos, subir e descer. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Respiração
É o fenômeno que possibilita a troca gasosa, eliminando as substâncias nocivas ao corpo e renovando o ciclo energético. É a movimentação rítmica do ar para dentro (inspiração) e para fora (expiração). É um movimento para ser desenvolvido, pois é fundamental na vida do ser humano. Ao iniciar qualquer trabalho corporal é importante realizar exercícios respiratórios, priorizando a respiração diafragmática, pois melhora o equilíbrio, a concentração, a atenção, o diálogo tônico e diminui a ansiedade. O controle respiratório é uma importante função corporal su jeita a um controle automático por parte do sistema nervoso, o que não implica que a respiração não possa também ser submetida a um controle voluntário. Tal controle é importante, porque, como no caso do tônus muscular, a respiração está relacionada aos processos da atenção e das emoções. O controle respiratório implica conhecer como se respira e controlar conscientemente (até onde isso for possível) o ritmo e a profundidade da respiração (COOL; MARCHESI; PALLACIOS, 2004, p. 132).
60 As atividades respiratórias efetuam naturalmente um diálogo da criança com o seu tônus. Esse mecanismo estabelece inicialmente a descoberta corporal, ou seja, é a harmonia e o encontro do seu “eu” com o seu interior. O que podemos observar é que, por meio desse processo de inspiração e expiração, gradativamente, a criança vai diminuindo sua tensão e ansiedade e consegue direcionar melhor sua atenção. O controle de entrada e saída do ar do diafragma auxilia na reorganização de seu tônus e, consequentemente, na melhora do equilíbrio.
a c i t á r p a i r o et teoria
prática
Exercícios respiratórios Conscientização respiratória: esta tomada de consciência só pode se realizar se o aluno estiver completamente descontraído. Ela se estabelece, portanto, na saída de uma sessão de relaxamento, durante a qual foi obtida a descontração completa.
FAEL
Capítulo 4
1. Na posição de decúbito ventral (deitado de barriga para baixo) pede-se à criança para voltar a atenção ao seu tronco e, principalmente, à parte anterior do corpo. A posição ventral tem a vantagem de permitir uma consciência melhor da mobilidade do abdome ao contato com o chão. É essencial que o esforço de conscientização não acarrete modificação alguma da respiração natural. Entretanto, não é preciso aumentar o fluxo de ar. A criança descobre, então, as características de sua respiração: •
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no momento da inspiração o ventre se dilata, na expiração, se aprofunda. a criança pode sentir, igualmente, pequenos movimentos da parte inferior do tórax.
2. Em decúbito dorsal (deitado de barriga para cima), com os cotovelos levemente flexionados e palmas das mãos abertas e apoiadas sobre o ventre, a criança deve prestar atenção na continuidade do ato respiratório. Na respiração normal não há interrupção alguma entre a inspiração e a expiração. É necessário concentrar-se e observar a entrada e saída do ar. Posteriormente, a intervenção voluntária na respiração automática será feita no momento do tempo expiratório. Pede-se à criança para prolongar o tempo expiratório normal por meio de uma expiração bucal controlada e contínua, que resulta na evacuação de uma parte do ar de reserva. No final da expiração, a criança deve relaxar e esperar a volta do ritmo normal automático, antes de reiniciar um novo controle expiratório.
Relaxamento
Segundo Tubino (1979), relaxamento é o fenômeno neuromuscular resultante de uma redução de tensão da musculatura esquelética. O relaxamento está relacionado ao tônus, ao repouso e ao sono. O tônus exerce uma função fundamental na nossa performance postural, pois é o fenômeno nervoso complexo que implementa todos os nossos movimentos. Lapierre (2002, p. 43) complementa: “É o estado de tensão muscular involuntária que acompanha e exprime nossas tensões afetivas e emocionais, que faz com que a consistência de nosso corpo seja diferente quando estamos ansiosos, encolerizados, felizes, satisfeitos ou deprimidos”. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Em qualquer ato, atividade ou tarefa que realizamos, a tensão muscular está presente. Em todas as formas de movimento humano, ou até mesmo na ausência deste, existe uma função tônica. O tônus assegura a preparação para o movimento e para as mais variadas formas de atividades posturais e práxicas. A hipertonia (excesso de movimentos) ou a hipotonia (insuficiência ou ociosidade) dependem dos controles da tonicidade. Vejamos como Cool, Marchesi e Pallacios (2004, p. 131) tratam a importância da tonicidade muscular e o grau de tensão existente em cada momento no interior de nossos músculos: Parte de controle tônico é involuntário e está ligado à atividade intramuscular espontânea e a seu controle neurológico, e outra parte dessa tonicidade é suscetível de controle voluntário, como pode provar o fato de que podemos relaxar ou tensionar os músculos espontaneamente. As crianças vão aprendendo, mediante suas experiências com os objetos com os quais se relacionam, a ajustar seu tônus muscular às exigências de cada situação, de maneira que a tensão muscular utilizada para tentar mover sua cama não é a mesma para levantar uma bexiga que acaba de cair da sua mão. Esse ajuste é importante, pois não só garante uma maior adequação da ação a seu objetivo, como também tem uma vertente de representação e de controle voluntário do próprio corpo.
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Na medida em que afeta grandes grupos musculares, o tônus repercute no controle postural e na maior ou menor extensibilidade das extremidades. O controle da tonicidade muscular também é importante, porque, através de complexos mecanismos neurológicos, o tônus se relaciona, por um lado, com a manutenção da atenção e, por outro, com o mundo das emoções e da personalidade. No que se refere à relação com a atenção, a hipertonia muscular dificulta a manutenção da atenção enquanto o relaxaSaiba mais mento tende a facilitá-la. O aspecto da hipertonia muscular é comum em crianças que apresentam problemas emocionais, principalmente aquelas que trazem de casa problemas familiares. Geralmente elas apresentam um tônus tenso (hipertônico) e, consequentemente, dificuldades de concentração e atenção diante do processo de ensino-aprendizagem. FAEL
No entanto, um certo fundo tônico é necessário para manter um estado de alerta e de ativação. Aprender a controlar a tonicidade muscular é, portanto, facilitar a aprendizagem do controle da
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atenção. No que se refere à conexão emoções-tônus, é uma relação bem conhecida, por meio da qual as tensões emocionais são traduzidas em tensões musculares. A aprendizagem do relaxamento também é importante nesse terreno, uma vez que possibilita a descontração da musculatura voluntariamente e contribui significativamente na reorganização corporal.
a c i t á r p teoria a i r o et prática Exercícios psicomotores de relaxamento
No trabalho de relaxamento global, a primeira preocupação do professor será a de conseguir que os alunos fiquem imóveis e silenciosos durante 30 segundos, 1 minuto e depois por mais tempo. É necessário observar os alunos com tendência à excitação e que não conseguem deixar de se mexer. 1. Conscientização segmentária sem deslocamentos: tomada de consciência dos pontos de contato do corpo com o chão. Com as crianças deitadas em decúbito dorsal, braços ao longo do corpo, palmas das mãos abertas e cotovelos levemente flexionados, pedir para localizarem os pontos de contato com o chão. Fazer com que os designem. Citar as zonas que não ficam em contato. “Soltando-se”, tentar conseguir o máximo possível de contatos com o chão. A tomada de consciência de certos segmentos do corpo será feita a partir das sensações táteis de pressão. A partir destas aquisições, tentaremos obter uma aquisição cada vez mais completa. Após o exercício anterior, em estado de “descanso”, a criança será convidada a observar os diversos segmentos corporais, na seguinte ordem: braço dominante, o outro braço, os dois braços juntos, as pernas separadamente, as pernas juntas, a cabeça. para auxiliar a criança na busca da sensação de peso, pode-se pedir para que contraia o segmento interessado. no momento de cessação da contração (endurecimento) voluntária, a criança deve procurar sentir o peso, juntamente com um contato mais acentuado no chão. realizar as mesmas conscientizações em decúbito ventral e lateral. •
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2. Conscientização e relaxamento, segmento por segmento, na posição sentada: •
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elevação de um braço na vertical. Mantê-lo, depois soltá-lo (o braço cai sob o efeito de seu próprio peso). Segue o mesmo procedimento para o outro braço. flexionar uma perna em posição recurvada e soltar. Segue o mesmo procedimento com a outra. elevação simultânea dos dois braços, soltando-os a seguir. elevação recurvada de uma perna, depois a outra. Soltar simultaneamente ambas as pernas. girar a cabeça à direita e à esquerda. Tornar a posicioná-la no eixo, tentando suprimir todas as tensões parasitas.
Seguem os mesmos exercícios, porém, com descontração simultânea de dois segmentos diferentes, por exemplo: braço e perna do mesmo lado, braços e pernas cruzados. Por último, efetuar a descontração simultânea dos quatro segmentos corporais, relaxando de uma só vez os dois braços e as duas pernas. A elevação e soltura dos segmentos pode ser feita em 4 tempos. Exemplo: contando 1, 2, 3, 4, eleva os braços e flexiona as pernas, 1, 2, 3, 4, relaxa (solta).
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Observação : esses exercícios constituem em uma ajuda, para obter-se a gene-
ralização do relaxamento.
Freio inibitório
É a supressão de movimentos no tempo e no espaço precisos. Inicialmente, em movimentos simples e, só depois, na folha de papel. Exemplos: brincadeira de estátua, dança da cadeira, jogo de alerta, mãe cola e outras.
Saiba mais
O freio inibitório é um elemento psicomotor importantíssimo para o processo de escrita, pois trabalha naturalmente com a supressão do movimento no tempo e espaço vividos corporalmente e, depois, graficamente. FAEL
Equilíbrio
Sobre o equilíbrio, pode-se dizer que é facilitado no primeiro ano pelo crescimento do cere-
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belo e, além disso, é condição de nossos movimentos e de nossas ações. Graças ao fato de sermos capazes de manter nosso corpo em equilíbrio, podemos liberar para a ação partes do corpo que, de outra maneira, estariam continuamente comprometidas na manutenção de uma postura estável. Imaginemos simplesmente o incômodo que seria ter de escrever e, ao mesmo tempo, investir energia e atenção (e braços e mãos) na manutenção do equilíbrio, ou ter de caminhar e, ao mesmo tempo, esforçar-se para recuperar o equilíbrio após cada mudança de posição. A esse respeito, Cool, Marchesi e Pallacios (2004, p. 131) comentam: Nossa autonomia funcional e independência motora dependem da manutenção de um equilíbrio que, ocorre com os diversos componentes psicomotores que estamos considerando, está sob o controle de mecanismos neurológicos, mas sem que isso implique impossibilidade de controle consciente. Se habitualmente não somos conscientes de que esse controle existe, é porque o adquirimos cedo e sem dificuldades.
Com base nas definições de Tubino (1979) e Meinel e Schabel (1984), sabemos que equilíbrio é a capacidade de manter-se sobre uma base reduzida de sustentação do corpo, por meio de uma combinação adequada de ações musculares e sob a influência de forças externas. Especificamente, equilíbrio é a capacidade de assumir e sustentar qualquer posição do corpo em relação ao centro de gravidade, que pode ser trabalhado estático e dinamicamente. É importante ressaltar que o equilíbrio é básico em todas as tarefas motoras, como locomoção e postura. Quando trabalhamos com aspectos que envolvem o domínio corporal, devemos sempre colocar as crianças em situações em que se sintam confiantes e seguras de si. Para isso é importante que sejam estimuladas nas suas tentativas de realização, evitando desencorajá-las. O equilíbrio estático (sem movimento) caracteriza-se pelo tipo de equilíbrio conseguido em determinada posição, ou seja, é descrito pela capacidade de manter certa postura sobre uma base. Quanto menor for a base de sustentação, mais difícil será a tarefa a ser realizada, como, por exemplo, a brincadeira de estátua. O equilíbrio dinâmico é aquele conseguido com o corpo em movimento, determinando sucessivas alterações da base de sustentação. Esse tipo de equilíbrio é muito utilizado em circuitos psicomotores. Fundamentos da Educação Psicomotora
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A criança, em sua essência, tem a necessidade de explorar o seu corpo e o meio. Isso ocorre porque, quando consegue locomover-se com autonomia, destaca-se em seu comportamento. Assim, há um desejo constante em descobrir e experimentar todas as possibilidades de movimentos, ora correndo, ora pulando, rastejando ou até mesmo caminhando por cima de linhas traçadas no solo, sobre objetos colocados aleatoriamente no chão, sobre alicerces, etc. Muitas vezes, quando os pais encontram seus filhos nessas situações, utilizam expressões como: “cuidado, você vai cair, desça logo daí”. E quando, porventura, a criança se desequilibra e cai em uma de suas investidas, é ainda mais desestimulada com críticas: “eu não disse que você ia cair”. É importante salientarmos que a criança necessita dessas vivências de ensaio e erro para melhorar gradativamente os seus movimentos e, principalmente, o equilíbrio psicomotor. A abordagem do adulto mediante o erro, nesse caso, compreenderá apenas orientações apropriadas e estímulos de superação. Entretanto, quando a criança é colocada em situações vexatórias em que se evidencia o “seu erro”, ou seja, o “não sabe fazer”, contribuímos cada vez mais para que deixe de descobrir e organizar o seu corpo no espaço. Importante: o reflexo das interferências negativas pode influenciar na harmonia do desenvolvimento psicomotor da criança.
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a c i t á r p teoria a i r o et prática
Exercícios psicomotores de equilíbrio 1. Equilíbrio com os pés pousados sobre parte plana (conscientização das sensações plantares e dos reflexos plantares. O exercício deve ser realizado de pés descalços): familiarização global utilizando diferentes colocações do pé; •
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utilização de um material que tenha a superfície convexa. Conscientização do conjunto das sensações plantares, na medida em que os pés se apoiam sobre o material.
2. Equilíbrio sobre um plano inclinado (conscientização da importância e controle da estabilização da bacia ou quadril):
FAEL
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familiarização global com a situação; permanecer em equilíbrio sobre a superfície mantendo as pernas estendidas; posteriormente, manter-se na posição com os joelhos semiflexionados.
3. Deslocamentos sobre o solo (o exercício deve ser realizado com os pés descalços) – brincadeira da estátua: locomover-se no ritmo da música, experimentando as diferentes texturas colocadas sobre a superfície (material liso, rugoso, macio, áspero, molhado e seco). Quando a música parar, ficar imóvel (estátua). Variação da proposta: deslocamento sobre linhas retas, curvas e sinuosas, feitas com giz sobre o chão e quando a música parar, ficar imóvel. 4. Jogo de estafeta: deslocar-se de uma extremidade a outra, levando uma bandeja com um copo (plástico) com água. A criança terá que equilibrar a bandeja, cuidando para não derrubar o copo. No final do trajeto, deverá despejar todo o conteúdo do copo dentro de uma garrafa pet e retornar para sua fileira. Posteriormente, o próximo de sua fila apanha água com o copo e efetua o mesmo exercício. Segue assim sucessivamente, até que todos realizem a proposta. Será vitorios a a fileira que conseguir encher a garrafa primeiro. Variação da proposta: propor deslocamento dirigido. Exemplo: deslocamento seguindo a linha desenhada no chão.
Coordenação motora global
A coordenação global diz respeito à atividade dos grandes músculos e depende da capacidade de equilíbrio postural do indivíduo. Esse equilíbrio está subordinado às sensações proprioceptivas cinestésicas e labirínticas. Através da movimentação e da experimentação, o indivíduo procura seu eixo corporal, adaptando-se e buscando um equilíbrio cada vez melhor, consequentemente, vai coordenando seus movimentos e se conscientizando de seu corpo e das posturas. Quanto maior o equilíbrio, mais econômica será a atividade do sujeito e mais coordenadas serão suas ações. A coordenação global e a experimentação levam a criança a adquirir a dissociação de movimentos. Isso significa que ela deve ter condições de realizar múltiplos movimentos ao mesmo tempo, cada membro realizando uma atividade diferente, havendo uma conservação de Fundamentos da Educação Psicomotora
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unidade do gesto. Quando uma pessoa toca piano, por exemplo, a mão direita executa a melodia, a esquerda o acompanhamento e o pé direito a sustentação. São três movimentos diferentes que trabalham juntos para conseguir uma mesma tarefa.
A coordenação motora global é o conjunto de habilidades desempenhadas com o corpo todo, buscando a melodia cinética, isto é, a harmonia dos nossos gestos como um todo.
Segundo Le Boulch (1982, p. 120), coordenação motora global consiste em colocar a criança na frente de uma tarefa bem definida, em que deverá encontrar uma resposta através de ajustamentos progressivos, permitindo-lhes assim a descoberta de uma nova práxis. A finalidade é a plasticidade do ajustamento, alcançando um certo desempenho motor. O que importa é a pesquisa efetuada pela criança no plano da descoberta, mais do que a realização do gesto propriamente dito.
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Diversas atividades levam à conscientização global do corpo, como andar – um ato neuromuscular que requer equilíbrio e coordenação; correr – que requer, além destes, resistência e força muscular; e outras, como saltar, rolar, pular, arrastar-se, nadar, lançar-pegar, sentar. Muito mais que cada um desses movimentos, está a descoberta de uma ação global competente, plástica e econômica. A criança, desde cedo, pratica essas atividades e, quando chega aos bancos escolares, já possui certa coordenação global de seus movimentos. Algumas ainda podem apresentar dificuldades; neste caso, o professor, antes de tudo, deve levar em conta as possibilidades, avaliando as aquisições anteriores. Deve observar a relação entre a postura e o controle do corpo e se a criança apresenta cansaço ou uma realização deficiente do movimento. Ela precisa, então, corrigir as posturas inadequadas com paciência e dentro de um clima de segurança, para auxiliá-la no sentido de desenvolver uma coordenação mais satisfatória. Falar em coordenação motora é explicitar a capacidade de compor intencionalmente um movimento harmônico, que corresponda ao comando que o cérebro enviou aos feixes musculares para a sua realização. FAEL
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Quanto mais novas as crianças, mais utilizam músculos associados para a realização de movimentos de qualquer espécie. Por exemplo: um bebê de três meses não consegue esticar o braço para alcançar o móbile do berço sem levantar as pernas, o tronco, enfim, a maioria das partes e músculos do corpo, tamanho é o desgaste físico, motor e neuromotriz que empenha. Com o passar do tempo, o bebê vai sentar (entre o quinto e sexto mês) e utilizará as pernas e os pés (membros inferiores) para sustentar o tronco e a cabeça, liberando os braços e as mãos para ousar na exploração do pequeno espaço que consegue dominar. Ele continua a se exercitar e a adquirir o que denominamos de coordenação motora global, que é responsável pelos movimentos coordenados mais amplos, nos quais são utilizados todos os músculos de nosso corpo. Esses movimentos se responsabilizam pelo equilíbrio postural e corporal e favorecem os movimentos finos, complexos e minuciosos, como escrever, desenhar, pintar, fazer tricô, etc. 69 a c i t á r p teoria a i r o e t prática Exercícios psicomotores de coordenação motora ampla
Estes exercícios consistem em colocar a criança em situação de alerta diante de uma tarefa global, em presença da qual ela vai encontrar um modo de resposta por ajustamentos progressivos, permitindo, assim, a descoberta de uma nova praxia. As atividades podem ser dirigidas individualmente, em duplas e grupos, como trabalho de passes, arremessos, manipulação, drible e chutes; jogos de esta feta e pré-desportivos; brincadeiras populares, como o bets ombro, amarelinha, esconde-esconde, polícia-ladrão, mãe-pega, morto-vivo, caracol, alerta, caçador, pular corda, andar de bicicleta, gato e rato, lenço atrás, menino pega menina e vice-versa, elástico e etc. 1. Brincadeira Dormiu, dançou Disposição: forma-se um círculo de tal modo que os jogadores fiquem bem próximos uns dos outros e se posicionem com as pernas abertas lateralmente.
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Procedimentos: dentro do círculo, os jogadores deverão dar um tapinha na bola com a intenção de fazer gol. Será considerado gol quando a bola passar por baixo das pernas do colega. Por isso os alunos, para se defenderem e evitar o gol, devem interceptar a bola quando ela vem em sua direção e rapidamente tentar surpreender seu colega. O aluno que tomar gol permanece na roda com as pernas fechadas, mas com a possibilidade de efetuar gols. 2. Brincadeira Arco Maluco Disposição: em círculo, de mãos dadas. Procedimentos: inserir um arco na roda e propor para que cada criança passe-o pelo corpo sob a condição de não soltar da mão do colega durante a brincadeira. A ajuda mútua e a cooperação durante a atividade é oportuna para o sucesso de todos. Variação: disponibilizar mais arcos na roda, com diversos tamanhos.
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Coordenação motora fina
A coordenação fina diz respeito à habilidade e à destreza manual e constitui um aspecto particular da coordenação global, pois temos que ter condições de desenvolver formas diversas de pegar os diferentes ob jetos. Uma coordenação elaborada dos dedos da mão facilita a aquisição de novos conhecimentos. Por meio do ato de preensão, a criança vai descobrindo pouco a pouco os objetos de seu meio ambiente. Brandão (1984, p. 5) analisa a mão como um dos instrumentos mais úteis para a descoberta do mundo, afirmando que ela é um instrumento de ação a serviço da inteligência. No entanto, possuir uma coordenação fina não é o suficiente. É necessário que haja também um controle ocular, isto é, a visão acompanhando os gestos da mão. Chamamos a isso de coordenação óculo-manual ou viso-motora . FAEL
Capítulo 4
A coordenação óculo-manual se efetua com precisão sobre a base de um domínio visual previamente estabelecido e ligado aos gestos executados, facilitando, assim, a harmonia do movimento como um todo. Essa coordenação é fundamental para a escrita. Para Ajuriaguerra (apud OLIVEIRA 1997, p. 43), o desenvolvimento da escrita depende de diversos fatores: maturação geral do sistema nervoso, desenvolvimento psicomotor geral em relação à tonicidade e coordenação dos movimentos e desenvolvimento da motricidade fina dos dedos da mão.
Um dos aspectos que a experimentação do corpo todo favorece é a independência do braço em relação ao ombro e a independência da mão em relação aos dedos, fatores decisivos de precisão da coordenação visomotora . A escrita necessita dessa independência dos membros para se processar de maneira econômica, sem cansaço, e para que o indivíduo consiga controlar a pressão sobre os dedos (tônus muscular). Experiências dinâmicas de lançar-pegar também são muito importantes para a escrita, pois facilitam a fixação da atividade entre o campo visual e a motricidade fina da mão e dos dedos, provocando uma maior coordenação óculo-manual.
O ensino da escrita exige também certa coordenação global do ato de sentar. A criança precisa adquirir uma postura correta para realizar os movimentos gráficos no sentido de torná-la mais cômoda, mais relaxada. Além disso, necessita adquirir uma dissociação e controle dos movimentos. É fundamental que a criança consiga controlar a pressão gráfica exercida sobre o lápis e o papel, para alcançar maior destreza e, consequentemente, maior velocidade no movimento. Isso é facilitado quando possui uma lateralidade bem definida, que será objeto de estudo posterior.
Condemarín e Chadwick (1987, p. 23) ressaltam a importância do desenvolvimento do freio dos movimentos (inibição voluntária), para responder às exigências de precisão na forma das letras e à rapidez de execução. Para elas, “estes componentes do controle são resultantes de interações Fundamentos da Educação Psicomotora
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cinestésicas e visuais. O freio e a interrupção parecem depender mais da cinestesia. O manter ou retomar a direção dependem mais da visão”.
O desenho e o grafismo desempenham uma habilidade preparatória muito importante para a escrita e para a leitura. Auxiliam a desenvolver a habilidade de pegar o lápis de forma correta, facilitando uma maior harmonia dos movimentos. A escrita implica, pois, em uma aquisição de destreza manual organizada a partir de certos movimentos, a fim de reproduzir um modelo. Condemarín e Chadwick (1987, p. 23) afirmam que “constitui o resultado de uma conjugação entre uma atividade visual de identificação do modelo caligráfico e uma atividade motora de realização do mesmo”. Para uma criança conseguir realizar uma preensão correta sem se cansar, com pouco de esforço e com precisão, necessita desenvolver certos padrões de movimentos. As figuras ao lado e na próxima página ilustram algumas posturas fundamentais de pegas normais e anormais do lápis, fornecidas por Silver and Hagin (1991).
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A perfeição dos atos visomotores depende também da possibilidade de uma realização interiorizada, precedendo a execução e logo a dirigindo. Rey (apud OLIVEIRA, 1997, p. 46) afirma que “no momento de realizar uma ação, por exemplo, traçar linhas em zigue-zague, se produz, mentalmente, com antecipação à execução, uma medida visual da distância e se realiza como uma execução interior e mental do movimento a efetuar-se”. É muito importante a realização de exercícios motores (cobrinha, casinha, ondinha, zigue-zague, etc.) no processo que antecede a escrita propriamente dita, pois a prática destes movimentos propicia agilidade do movimento no papel e irão facilitar a memória mnemônica. Desenvolvimento da preensão Pega normal do lápis Fonte: Oliveira (1997, p. 45).
FAEL
Para que uma criança atinja a etapa de coordenar seus movimentos
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finos de forma precisa e com certa velocidade, necessita realizar um trabalho bem intenso de exercitação. A mão tem uma importância para o recém-nascido na exploração do mundo exterior. Inicialmente, por não conseguir maturidade neurológica suficiente para conseguir pegar os objetos, sua característica principal de pega é inteiramente reflexa. Pega anormal do lápis Pouco a pouco vai desenvolvendo Fonte: Oliveira (1997, p. 45). mecanismos necessários à realização da mesma. Brandão (1984) faz uma análise bem extensa do desenvolvimento da preensão, que aqui será apenas resumido. Para ele, as primeiras atividades de preensão adquiridas se esboçam durante o terceiro mês de idade e são executadas sob o estímulo do tato. Quando a coberta encosta na criança ela a segurará com a palma da mão. Mais tarde, com a aquisição da coordenação óculo-manual, consegue pegar o objeto que se encontra em seu campo visual. No quarto ou quinto mês a preensão é cúbito-palmar – entre o mínimo ou os dois últimos dedos e a palma da mão. A partir do quinto e sexto mês a preensão é exercida pela flexão dos quatro últimos dedos contra a palma da mão, que corresponde à posição de pinça dígito-palmar. Só após adquirir certo amaSaiba mais durecimento da ação de aproximar e segurar um objeto, de ter O que é a memória mnemônica? desenvolvido certos padrões de É a memória das linhas que existem no mundo ações, a criança passa a agir vo- e somente a espécie humana possui. A memória luntariamente, isto é, passa a es- mnemônica é importante porque vai capacitar colher o padrão de preensão que o gesto dos movimentos correspondentes da ledeseja. Isto se dá mais ou menos tra e porque faz, também, parte da linguagem. a partir do oitavo ou décimo mês de vida. Nessa fase, a preensão é radiopalmar, isto é, a criança pega os objetos entre a última falange do indicador e a borda do polegar. Depois, se transforma em radiodigital e vai se aproximando da forma desejada de preensão do adulto. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Brandão (1984) afirma que só a partir dos doze meses a preensão se adapta à forma e ao uso dos objetos, aquisição esta desenvolvida por imitação, por acaso ou por experimentação. A seguir, uma sequência progressiva e evolutiva dos movimentos, organizada esquematicamente por idade, movimentos e articulações. 2A3 ANOS 3A4 ANOS 4A5 ANOS 5A6 ANOS
A amplitude dos movimentos é maior.
Articulação escápulo-umeral (ombro).
Seguem movimentos circulares.
Articulação úmero-rádio-ulnar (cotovelo).
Seguem movimentos circulares menores.
Articulação rádio-cárpica (punho).
Movimento de pinça.
Empunhadura do lápis para a escrita.
No capítulo 5, falaremos acerca das condutas psicomotoras neuromotoras e, no capítulo 6, sobre as condutas psicomotoras perceptomotoras. 74
a c i t á r p teoria a i r o et prática Exercícios psicomotores de coordenação motora fina
O arremesso tem um interesse educativo considerável sob o ponto de vista do desenvolvimento global da coordenação. O parentesco com os mecanismos que atuam no grafismo não pode escapar ao professor. Na mira, a operação que consiste em traçar uma linha de um ponto a outro envolve o jogo das regulações proprioceptivas ao nível dos membros superiores, do mesmo tipo das que atuam no exercício de mira que consiste em agarrar uma bola no espaço. Na coordenação entre espaço cinestésico e espaço visual, o arremessar e o apanhar são atividades maiores, de grande alcance educativo. O programa de exercícios que propomos aqui compreende: •
exercícios globais de arremessar e apanhar bolas. A prática desses
exercícios ressalta certas dificuldades, obrigando-nos a trabalhar, frequentemente, um nível mais elementar. •
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exercícios anexos que permitem, progressivamente, adquirir habilidade na prática dos exercícios globais – exercícios de destreza visando
Capítulo 4
•
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afinar a sensibilidade proprioceptiva dos dedos; exercícios de ajustamento ao espaço (apreciação das trajetórias e das velocidades), nos quais a criança deverá acompanhar com os olhos um objeto que se desloca. a mão está presa ao corpo. A habilidade manual depende, em parte, do
apoio oferecido ao eixo corporal e a cintura escapular ao membro superior. Assim, os exercícios de postura e de reforço da cintura escapular são importantes para fornecer à mão e ao braço os pontos de apoio necessários para a precisão e para a força de sua ação.
Resumo As condutas psicomotoras de base constituem as formas mais elementares do movimento, por isso, são as primeiras a serem desenvolvidas. A respiração determina a movimentação rítmica do ar de dentro para fora. É através das atividades respiratórias que estabelecemos um diálogo com o nosso tônus, um encontro com o “eu” interior fundamental para diminuir a ansiedade e desenvolver a atenção e a concentração. O relaxamento está relacionado ao tônus, ao repouso e ao sono. O tônus efetua a preparação para o movimento e para as mais variadas formas de atividade postural e práxica. Para o processo de escrita, a criança precisa organizar seu tônus e a sua postura para imprimir a força adequada do lápis sobre o papel. O sono é essencial para criança, pois, quando ela dorme, assimila tudo o que aprendeu. O freio inibitório está relacionado ao tônus e compreende a supressão do movimento, ou seja, este elemento psicomotor constitui a base para orientações de iniciação do processo de escrita, que ocorre na horizontal, da esquerda para a direita e de cima para baixo. A coordenação motora fina nos leva a utilizar de forma eficiente e precisa os pequenos músculos da mão, produzindo, assim, movimentos delicados e específicos. Contudo, é importante ressaltar que a escrita é o ápice da orientação espacial e que existe todo um processo evolutivo Fundamentos da Educação Psicomotora
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Fundamentos da Educação Psicomotora
psicomotor a ser respeitado, ou seja, o professor deve ter todo um cuidado com seus encaminhamentos acadêmicos, procurando adequar os estímulos às necessidades da turma conforme a fase em que se encontra. Nesse aspecto, é essencial não atropelar nenhuma das etapas do desenvolvimento infantil. As crianças de 2 a 3 anos, por exemplo, encontram-se em fase de descoberta. Daí a importância de vivências corporais e dinâmicas que oportunizem experienciar o corpo e seus movimentos e explorar os objetos e o espaço. A criança, nessa fase, não tem maturidade suficiente para ficar o tempo todo sentada, concentrando sua atenção em atividades de coordenação motora fina, em folhas de papel sulfite. Exercícios de pintar são indicados, desde que sejam realizados no chão ou sobre o papel bobina. O professor precisa compreender que nessa fase os movimentos são mais amplos e, por isso, o espaço no papel deve ser maior. O limite estabelecido deve ocorrer gradualmente na organização do corpo no espaço e não diretamente no papel. Existe uma sequência lógica e progressiva a ser respeitada para com o processo de escrita. 76
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Condutas psicomotoras neuromotoras
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N este capítulo, desenvolveremos estudos sobre as condutas psicomotoras neuromotoras, focalizando o significado, o desenvolvimento, a importância e as perturbações da lateralidade e do esquema corporal. Estudar tais funções psicomotoras promoverá reflexão sobre as habilidades necessárias para um melhor desenvolvimento da leitura e da escrita, para a prevenção de algumas dificuldades acadêmicas, enfim, para compreender o desenvolvimento global do indivíduo. As condutas psicomotoras neuromotoras são assim denominadas porque dependem de nossa condição neurológica e do desenvolvimento motor.
Lateralidade É a manifestação de um lado preferencial na ação, vinculada a um hemisfério cerebral, ou seja, é a propensão que o ser humano possui de utilizar preferencialmente mais um lado do corpo que o outro, em três níveis: mão, pé, olho (em nível de força e de precisão). Isso significa que existe um predomínio motor, ou melhor, uma dominância de um dos lados do cérebro. O lado dominante apresenta maior força muscular, mais precisão e mais rapidez. O outro Saiba mais lado auxilia a ação e é igualmente Essas questões são expressamente observadas importante. Na realidade, os dois quando, por exemplo, pregamos um prego na não funcionam isoladamente, parede, situação em que a mão auxiliar segura o prego enquanto a outra, com precisão e mas de forma complementar. O conhecimento de esquerda e direita decorre da noção de
força muscular suficiente, bate o martelo; ou quando escrevemos, uma mão segura a folha enquanto a outra escreve.
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dominância lateral. É a generalização da percepção do eixo corporal a tudo que cerca a criança. Esse conhecimento será mais facilmente apreendido quanto mais acentuada e homogênea for a lateralidade da criança. Coll et al. (2004, p. 134) afirmam que: Na maior parte das pessoas, o hemisfério dominante é o esquerdo, já que o controle do cérebro sobre o movimento é contralateral (o hemisfério esquerdo controla os movimentos no hemicorpo direito, e o hemisfério direito controla o hemicorpo esquerdo).
Essa é a razão pela qual ser destro é o mais habitual, porque na maioria das pessoas a dominância hemisférica é controlada pelo centro da linguagem que se localiza no hemisfério esquerdo. O hemisfério direito possui um papel importante na percepção do esquema corporal e do espaço gráfico, pois é nele que as funções de perceber e analisar os modelos visuais são realizadas. A proporção de destros é, sem dúvida, muito maior do que a de canhotos. Conforme Hildreth (apud DEFONTAINE, 1980, p. 211):
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O meio ambiente em que vivemos foi feito pelo e para o destro, desde objetos mais simples como tesoura, régua, cartas de baralho, algumas espécies de carteiras em sala de aula, até a nossa escrita. Ela é realizada da esquerda para a direita e de cima para baixo e isto favorece o destro. Fisiologicamente, nenhum canhoto escreve como um.
Saiba mais Quando o hemisfério esquerdo do cérebro é dominante, refere-se à dominância nos três níveis (mão, olho e pé) do lado direito, denominada de destra homogênea. Isso acontece por causa do cruzamento das fibras nervosas. Quando o hemisfério direito do cérebro é o dominante, refere-se a dominância nos três níveis (mão, olho e pé) do lado esquerdo, denominada de canhota ou sinistra homogênea.
Defontaine (1980) afirma que o canhoto apresenta duas espécies de dificuldades: as motrizes – os movimentos centrípetos da mão são mais fáceis de realizar do que os centrífugos (ele acaba tendo que inclinar a sua mão); e as visuais – à medida que escreve, ele esconde com sua mão o que acabou de realizar.
A postura do canhoto também pode piorar com o tempo. Ele pode pender a cabeça ou até se deitar sobre a carteira para ler o que escreve. Há a necessidade de aprender a viFAEL
Capítulo 5
rar a folha sem se inclinar demais Saiba mais e sem provocar com isto uma Essas dificuldades são mais afetivas, pois muirotação do punho, que acaba lhe tos canhotos se veem como diferentes, como dando dores nos braços, cansaço, anormais, contrariando assim sua lateralidade. má postura, podendo desestimu- Contrariam-na também quando imitam uma pessoa que tenha lateralidade diferente da sua lar a escrita. e com a qual possuam grande identificação, ou quando imitam os gestos de seus pais, por exemplo.
Quando escreve, o canhoto está contrariando sua tendência natural. Essa é uma das razões pela qual muitos apresentam a escrita especular inicialmente, isto é, uma forma de escrita que pode ser projetada em um espelho, chamada também de escrita em espelho.
Concordamos com Brandão (1984) quando diz que a lateralidade deve surgir naturalmente, da própria criança, e não ser imposta. Deve surgir graças à imagem proprioceptiva que ela tem de seu corpo e de suas preferências naturais pelo uso de uma das mãos. A criança precisa experienciar os dois lados sem interferências. Ela precisa se descobrir. Os pais têm que ter muito cuidado para não a direcionar. Ao entregar o garfo ou a colher, por exemplo, devem colocar os mesmos na mesa na frente da criança e deixar que ela segure com a mão que quiser. Muitas vezes, sem querer, ao ensiná-las os movimentos corretos, coloca-se objetos em sua mão direita e isto é um direcionamento. Espera-se, primeiro, que a criança pegue no talher ou qualquer outro utensílio para, só depois, ensiná-la qualquer coisa. ●
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Lateralidade contrariada : é como se caracterizam pessoas, geralmente canhotas, que foram obrigadas a mudar a preferência de um dos lados. Lateralidade indefinida : caracteriza crianças que ainda não decidiram pelo uso preferencial de um dos lados do corpo. Lateralidade cruzada : além da dominância da mão, existe a do pé e a do olho. Quando essas dominâncias não se apresentam do mesmo lado, dizemos que o indivíduo tem lateralidade cruzada. Ambidestra : caracteriza-se pela dominância espontânea dos dois lados do corpo, o que não é muito comum. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Fundamentos da Educação Psicomotora
Perturbações da lateralização
O problema da perturbação da lateralização acontece quando uma pessoa apresenta uma lateralidade cruzada ou é mal lateralizada, o que pode resultar em muitos efeitos negativos como: dificuldade em aprender a direção gráfica. dificuldade em aprender os conceitos esquerda e direita. Deve-se aqui fazer uma distinção entre lateralidade como domínio de um dos lados do corpo e dominância lateral como conhecimento das noções de direita e esquerda. Esses últimos devem suceder a definição de sua própria lateralidade. Uma criança toma seu corpo como ponto de referência no espaço, então, se confundir ou não conhecer a sua dominância, pode não perceber o eixo de seu corpo e, consequentemente, será difícil saber qual lado é o direito ou o esquerdo. A lateralidade é importante porque permite à criança fazer uma relação entre as coisas existentes em seu meio. Diz-se que, se uma criança já tem a lateralidade definida e já está consciente dos lados direito e esquerdo de seu corpo, ela está apta para identificar esses conceitos no outro e no espaço que a cerca. Obedece, portanto, a algumas etapas: primeiro assimila os conceitos em si mesma, depois os objetos em relação a si mesma. Em seguida, descobre-os no outro que está à sua frente e, finalmente, nos objetos entre si. Segundo De Meur e Staes (1984, p. 13): ● ●
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O conceito estável de esquerda e de direita só é possível aos 5 ou 6 anos e a reversibilidade (possibilidade de reconhecer a mão direita ou a esquerda de uma pessoa a sua frente) não pode ser abordada antes dos 6 anos, 6 anos e meio.
Esse fenômeno é denominado espelhamento ou lateralidade espelhada, isto é, somente aos 8 anos de idade é que a criança inicia o processo de espelhamento. A criança com 6 anos de idade realiza apenas a lateralidade (direita/esquerda) em si própria e, gradativamente, vai exercitando e transferindo esse conhecimento no outro. Importante ressaltar aqui que é normal até os 5 anos de idade a criança escrever espelhado. Outros efeitos negativos podem ser: ●
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Comprometimento na leitura e escrita.
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O ritmo da escrita pode ser mais lento. A criança talvez não tenha força e precisão suficientes para imprimir maior velocidade. A escrita torna-se, muitas vezes, ilegível e especular. Má postura. Pode resultar em um desestímulo, decorrente do esforço que precisa fazer para escrever. Dificuldade de coordenação fina, isto é, há uma probabilidade maior de imprecisão dos movimentos finos. Dificuldade de discriminação visual. A criança pode apresentar confusão nas letras de direções diferentes como “d”, “b”, “p”, “q”. Perturbações afetivas que podem ocasionar reações de insucessos, como desestímulo para ir à escola e baixa autoestima. Dificuldade em organizar a fala (palavra) e escrita. O vocabulário, ou melhor, a linguagem só está localizada em um lado do cérebro. O que ocorre com a criança que apresenta a lateralidade cruzada é que ela dá a função à palavra, mas não a identifica, ou seja, isto acontece pelo cruzamento dos hemisférios dominantes como, por exemplo, pode ocorrer de sua visão ter como hemisfério dominante o esquerdo e a mão e a linguagem como dominante o hemisfério direito. A criança inicialmente se atrapalha no processo de alfabetização por causa desse cruzamento. Distúrbios do sono. É necessário saber como ocorre o sono da criança, pois um dos principais distúrbios psicomotores está relacionado com a qualidade do sono. As nossas funções intelectuais e a memória estão associadas com uma boa noite de sono, pois é quando dormimos que fixamos tudo o que aprendemos. Podemos afirmar que o sono insuficiente e intranquilo pode interferir na aprendizagem da criança. É durante o sono que os neurônios produzem os neurotransmissores que nos dão a sensação de prazer e afetividade. Consequentemente, o desequilíbrio destes neurotransmissores são sinais de que temos crianças com distúrbios de aprendizagem ou hiperatividade. Dificuldades de estruturação espacial. A lateralização é a base da estruturação espacial e é através dela que uma criança se orienta no mundo que a rodeia. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Aparecimento de maior número de sincinesias. A sincinesia é o comprometimento de alguns músculos que participam e se movem, sem necessidade, durante a execução de outros movimentos envolvidos em determinada ação. É involuntária e geralmente inconsciente. Ela está relacionada com o estado de fundo tônico. Verifica-se tensão muscular nos braços ou pés, por exemplo, que não estão executando o movimento. Isso quer dizer que, ao realizar um movimento com as mãos e os pés, pode-se observar sincinesias na boca (abertura, mordidura de língua, língua para fora), olhos, nos outros membros, etc.
Esquema corporal O desenvolvimento de uma criança é o resultado da interação de seu corpo com os objetos de seu meio, com as pessoas com quem convive e com o mundo em que estabelece ligações afetivas e emocionais. O corpo, portanto, é sua maneira de ser. É através dele que estabelece o contato com o mundo, que se engaja no mundo, que compreende os outros. Todo ser tem seu mundo construído a partir de suas próprias experiências corporais. Morizot (1982), em palestra proferida no 1º Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, afirmou que toda relação corporal implica uma relação psicológica, pois o movimento não é um processo isolado e está em estreita relação com a conduta e com a personalidade. O corpo deve ser entendido não somente como algo biológico e orgânico que possibilita a visão, a audição, o movimento, mas também como um lugar que permite expressar emoções e estados interiores. A esse respeito, Vayer (1984, p. 30) afirma:
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Todas as experiências da criança (o prazer e a dor, o sucesso ou o fracasso) são sempre vividas corporalmente. Se acrescentarmos valores sociais que o meio dá ao corpo e a certas partes, este corpo termina por ser investido de significações, de sentimentos e de valores muito particulares e absolutamente pessoais.
Para uma criança agir através de seus aspectos psicológicos, psicomotores, emocionais, cognitivos e sociais, precisa ter um corpo organizado . FAEL
Capítulo 5
Essa organização de si mesma é o ponto de partida para que descubra suas diversas possibilidades de ação e, portanto, precisa levar em consideração os aspectos neurofisiológicos, mecânicos, anatômicos e locomotores. Concordamos com Picq e Vayer (1985) quando afirmam que essa organização de si envolve uma percepção e um controle do próprio corpo através da interiorização das sensações. Isso quer dizer que a criança aprende a conhecer e a diferenciar seu corpo como um todo e também a sentir suas possibilidades de ação. Ela precisa, ainda, adquirir um equilíbrio econômico e postural, uma lateralidade bem definida, uma independência dos diferentes segmentos corporais e um domínio das pulsões e das inibições. A expressão “esquema corporal” nasceu em 1911, com o neurologista Henri Head, tendo um cunho essencialmente neurológico. Segundo Head (apud OLIVEIRA, 1997, p. 48), o córtex cerebral recebe informações das vísceras, das sensações e percepções táteis, térmicas, visuais, auditivas e de imagens motrizes, o que facilitaria a obtenção de uma noção, um modelo e um esquema de seu corpo e de suas posturas. Head afirma ainda que o esquema corporal armazena não só as impressões presentes, mas também as passadas. Já Schilder (1958, p. 15) parte das ideias de Head para desenvolver as suas. Ultrapassando a realidade neurológica, chega ao conceito de imagem corporal, que seria a representação mental de nosso corpo. Assim, consequentemente, esquema corporal é a imagem tridimensional que todo mundo tem de si. Tanto Morais (1986) quanto Santos (1987) explicam de maneira esclarecedora os conceitos de imagem e esquema corporal. Definem imagem corporal como uma impressão que se tem de si mesmo, subjetivamente, baseada em percepções internas e externas (exemplo: altura, peso, força muscular) e no confronto com outras pessoas do próprio meio social. O conceito de corpo envolve um conhecimento intelectual e consciente do corpo e também da função de seus órgãos. A criança aprende os conceitos e as palavras correspondentes aos diferentes segmentos e às diferentes regiões do corpo, bem como suas funções. A esse respeito, Vayer (1982, p. 31) afirma: “Estes conceitos não fazem parte da experiência propriamente dita, são entidades abstratas mais do que processo perceptivo ou afetivo. Mas a existência de tais conceitos influencia, certamente, a experiência corporal”. Fundamentos da Educação Psicomotora
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A nominação das partes do corpo, como diz Ajuriaguerra (1980, p. 343), “confirma o que é percebido, reafirma o que é conhecido e permite verbalizar (por um mecanismo de redução) aquilo que é vivenciado”. Na realidade, a criança tem uma representação gráfica da imagem de si. Podemos inferir essa imagem através de um desenho da figura humana. Por essa razão, quando queremos conhecer a visão da criança sobre si mesmo, pede-se para que ela faça um desenho da figura humana. Morais e Santos também conceituam o esquema corporal dizendo que resulta das experiências que possuímos, provenientes do corpo e das sensações que experimentamos. Por exemplo: andar, sentar, segurar o lápis ou a caneta de modo correto, com equilíbrio e com movimentos coordenados depende de uma noção adequada do esquema corporal. O esquema corporal, portanto, regula a postura e o equilíbrio. Defontaine (1980) compara a imagem corporal a um conhecimento “geográfico” que uma criança possa ter. Por meio da interiorização, a criança torna-se capaz de se situar. O esquema corporal, para ela, é um conhecimento imediato do corpo estático ou em movimento e suas relações com as partes do corpo, com o espaço e com os objetos circundantes.
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Uma grande preocupação com todos aqueles que lidam com crianças deveria ser ajudá-las a usar seu corpo para apreender os elementos do mundo que as envolve e estabelecer relações entre eles, isto é, auxiliar a desenvolver a inteligência.
É necessário, também, que o educador auxilie seus alunos no sentido de fazê-los centrar sua atenção sobre si mesmos, para uma maior in teriorização do corpo. A interiorização é um fator muito importante para que a criança possa tomar consciência do seu esquema corporal. Através dela, a criança volta-se para si mesma, possibilitando uma automatização das primeiras aquisições motoras. A criança que apresenta problemas de interiorização não garante uma representação mental do seu corpo, dos objetos e do mundo em que vive.
Ocorre que, a partir do momento que a criança interioriza a representação mental de seu próprio corpo, significa que registra em seu FAEL
Capítulo 5
cérebro a sua imagem corporal. A ausência súbita de qualquer Saiba mais parte do corpo corresponde, sem Foi por meio de estudos sobre o “membro dúvida, a uma ausência física, fantasma” que Charcot, em 1888, detectou mas permanece a ilusão mental pela primeira vez a ligação do cérebro com a sentida no membro amputado, imagem corporal. isto é, o amputado continua a sentir o membro mutilado. O cérebro não consegue apagar a imagem corporal já interiorizada, consequentemente, no lugar deste membro, a pessoa sente dor, frio, enfim, apesar de não existir, sente sua ligação com o resto do corpo. Essa representação mental é responsável pelo aparecimento do membro fantasma. O membro fantasma é a ilusão de que um membro amputado ainda está presente com suas sensações de presença, de volume e de movimento. O primeiro elemento concreto que o cérebro vai formar dentro do esquema corporal é a imagem corporal. O bebê, a partir dos seis meses de idade, já realiza um primeiro esboço de seu corpo ao visualizar sua imagem no espelho. Segundo Oliveira (1997, p. 53), imagem especular trata-se da descoberta pela criança de sua imagem no espelho. Inicialmente, a criança sente-se surpresa com a imagem que vê. Às vezes, tenta pegar seu reflexo ou sorri para ele sem reconhecer que é sua própria imagem refletida. Ela vê a imagem do adulto que a segura, sorri para ele e se volta surpresa quando este lhe fala. A representação que ela possui desse adulto vai somando-se à imagem especular dele. Aos poucos vai percebendo que o reflexo no espelho é uma representação dela também e passa a se ver de forma global como um ser único. Ela brinca com o espelho, faz caretas, põe a mão na face, nos cabelos, pula, beija o espelho. Cada vez mais vai comparar o que Le Boulch (1984) chama de reações posturais e gestuais com seu corpo cinestésico. Isso significa que ela percebe que o corpo que ela sente é o mesmo que ela observa no espelho. Ela deve compreender que está onde se sente e não onde se vê (WALLON). Para Zazzo (apud OLIVEIRA, 1997, p. 54), a criança consegue superar a dicotomia entre o que vê e o que sente quando é capaz de compreender que tipo de espaço pode estar representado no espelho, e Fundamentos da Educação Psicomotora
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isto só se resolve mais ou menos aos vinte meses. Com dois anos e meio, três anos, ela tem condições de entender que o espaço que ela sente é o mesmo que ela vê no espelho. A esse respeito, Wallon diz que o eu exteroceptivo fornecido pelo espelho vem se juntar ao eu proprioceptivo, num processo tônico-postural. Portanto, gradualmente, ela entende sua imagem especular como um reflexo, uma imagem, uma representação, um símbolo. A imagem corporal é singular, própria de cada sujeito, é incomparável e está ligada a sua história. Nesse sentido, torna singular e próprio o esquema corporal, que é a busca da sua identidade. A imagem do corpo representa uma forma de equilíbrio entre as funções psicomotoras e sua maturidade. Ela corresponde a um conjunto funcional, cuja finalidade é favorecer o desenvolvimento global do indivíduo. É por meio das relações com o meio social que a imagem do corpo organiza-se como núcleo central da personalidade. A criança estrutura sua imagem corporal através do corpo vivido. Entretanto, podemos afirmar que a concretização da imagem corporal se dá efetivamente dos 3 aos 4 anos de idade, quando a criança introjeta a imagem do corpo, mediante vivências corporais.
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Saiba mais O fenômeno printing cerebral é a gravação da imagem corporal pelo cérebro. O registro dessa imagem e a percepção do corpo estão diretamente relacionados com a inteligência. Por isso, a pessoa com deficiência intelectual tem dificuldades de relacionar sua imagem ao corpo, pois quando busca em seu cérebro experiências passadas tem dificuldades para fazer esta relação. Você já observou que em todas as escolas de Educação Especial, as salas de aula têm espelhos? Sabe por quê? Porque o aluno especial vai formar a imagem corporal – que se inicia aos seis meses de idade – com a ajuda dos espelhos, pois necessita perceber e descobrir seu corpo, encontrar sua identidade. FAEL
O corpo percebido corresponde à organização do esquema corporal, e o resultado é o “corpo vivido”. Então a criança poderá dispor de um corpo operatório que, para Piaget (1974), é um suporte que permite programar mentalmente as ações. Shilder (1958) explica que existe uma base fisiológica que facilita o conhecimento do corpo. O corpo tem, portanto, um exterior (corpo físico, o que todos veem) e um interior, que seria a representação mental de seu próprio corpo.
Capítulo 5
Um esquema corporal organizado permite à criança sentir-se bem, na medida em que seu corpo lhe obedece, que tem domínio sobre ele, que o conhece bem e que pode utilizá-lo para alcançar um maior poder cognitivo. Ela deve ter o domínio do gesto e do instrumento, que implica um equilíbrio entre as forças musculares, domínio de coordenação global e boa coordenação óculo-manual.
É importante ressaltar que “o corpo é o ponto de referência que o ser humano possui para conhecer e interagir com o mundo” (OLIVEIRA, 1997, p. 51).
A criança se faz presente por intermédio de seu corpo, entretanto, não consegue ser só, necessita interagir com o meio utilizando como referencial o corpo. O movimento corporal pela experiência vivida leva à ação consciente porque a experiência favorece a relação, e esta alarga a percepção de si e do outro, ou seja, é por meio desse processo que a criança exercita sua sociabilização, a independência e a autonomia, bem como a descoberta de sua identidade. Desenvolvimento do esquema corporal
O esquema corporal não é um conceito aprendido, que se possa ensinar, pois não depende de treinamento. Ele se organiza pela experenciação do corpo da criança. Como já afirmamos anteriormente, é uma construção mental que a criança realiza progressivamente, de acordo com o uso que faz de seu corpo. É um resumo e uma síntese de sua experiência corporal. A criança nasce com uma bagagem de sensações e percepções proprioceptivas, mas, por falta de mielinização das fibras nervosas, não consegue organizá-la. Na medida em que há maior amadurecimento do sistema nervoso, ela vai distinguindo, por exemplo, que o desconforto que sentia anteriormente é proveniente de fome ou de dor. Assim, desde o nascimento, vai organizando as diversas sensações que surgem. Guillarme (1983, p. 39) traduz muito bem este pensamento: Fundamentos da Educação Psicomotora
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Fundamentos da Educação Psicomotora
O esquema corporal [...] não tem nada a ver com uma tomada de consciência sucessiva de elementos distintos, os quais, como num quebra-cabeças, iriam pouco a pouco encaixar-se uns nos outros para compor um corpo completo a partir de um corpo desmembrado. O esquema corporal revela-se gradativamente à criança, da mesma forma que uma fotografia revelada na câmara escura mostra-se pouco a pouco para o observador, tomando contorno, forma e uma coloração cada vez mais nítidos.
Ao nascer, a criança tem como principal fonte de conhecimento a boca, e através dela recebe sensações de calor, de frio e de umidade. Passa a levar a boca tudo o que vê e sente, e, assim, vai iniciando seu aprendizado. Descobre suas mãos, leva-as à boca, brinca com elas; descobre seus pés; seu sexo. Sente o poder que tem sobre seu corpo quando, depois de cair e levantar-se diversas vezes, aprende a encontrar um ponto de equilíbrio e anda. Seu poder torna-se maior quando aprende a controlar seus esfíncteres. Então, pouco a pouco, vai se conhecendo e integrando as diversas sensações que experimenta, apreende o sentimento de mundo através da audição, visão, olfato, sensação de calor, de frio; percebe também sensações provenientes das inervações dos músculos, das vísceras.
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A construção do esquema corporal, isto é, a organização das sensações relativas a seu próprio corpo relacionado com os dados do mundo exterior, tem um papel fundamental no desenvolvimento da criança, pois essa organização é o ponto de partida para as diversas possibilidades de ação (VAYER, 1984, p. 18).
Para Defontaine (1980, p. 10), a criança descobre o seu corpo através das deslocações que normalmente lhe são impostas pela sociedade, desde uma atividade inicial automático-reflexa, até adquirir uma capacidade de movimentos dissociados devido ao processo de maturação.
O corpo é uma forma de expressão da individualidade. A criança percebe-se e percebe as coisas que a cercam em função de seu próprio corpo. Isso significa que, conhecendo-o, terá maior habilidade para se diferenciar e para sentir as diferenças. É a descoberta de sua identidade.
Identidade e autonomia : a capacidade das crianças terem confiança em si próprias e o fato de sentirem-se aceitas, ouvidas, cuidadas, envolvidas e amadas proporciona segurança para sua formação pessoal e FAEL
Capítulo 5
social. Conceber uma educação em direção à autonomia significa considerar as crianças como seres com vontade própria, capazes e competentes para construir conhecimentos, e, dentro de suas possibilidades, interferirem no meio em que vivem.
Saiba mais Fazem parte do processo de construção da identidade: desenvolvimento da autoestima;
confiança em si próprio; processos de socialização; seu nome; a família (primeira matriz de socialização). Fazem parte do processo de construção da autonomia : efetuar escolhas; resolver
Le Boulch (1983) distingue problemas; assumir pequenas responsabilitrês etapas na estruturação do dades; tomar decisões; interagir com o outro e com o meio; respeitar regras e valores. esquema corporal, que traduzem o cerne da teoria psicomotora. 1ª etapa: corpo vivido (até 3 anos de idade)
Nesse período, a criança tem uma necessidade muito grande de movimentação e, por meio desta, vai enriquecendo a experiência subjetiva de seu corpo e ampliando a sua experiência motora. Suas atividades iniciais são espontâneas, isto é, não pensadas. Essa etapa, portanto, é dominada pela experiência vivida pela criança, pela exploração do meio e sua atividade investigadora e incessante. Ela precisa ter suas próprias experiências e não se guiar pelas do adulto, pois é de sua prática pessoal, pela sua exploração que se ajusta, domina, descobre e compreende o meio. Esse ajuste significa que a criança, mesmo sem interferência da reflexão, adequa suas ações às situações novas, isto é, desenvolve uma das funções mais importantes que é a função de ajustamento. No final dessa fase, pode-se falar em imagem do corpo, pois o “eu” se torna unificado e individualizado. 2ª etapa: corpo percebido ou descoberto (3 a 7 anos)
Essa etapa corresponde à organização do esquema corporal devido à maturação da função de interiorização, aquisição esta de suma importância, porque auxilia a criança a desenvolver uma percepção centrada em seu próprio corpo. Le Boulch (1984, p. 16) define a função de interiorização como “a possibilidade de deslocar sua atenção do meio ambiente para seu corpo próprio a fim de levar à tomada de consciência”. Fundamentos da Educação Psicomotora
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A função de interiorização permite também a passagem do ajustamento espontâneo, citado na primeira fase, a um ajustamento controlado que, por sua vez, propicia um maior domínio do corpo. Tudo isso culmina em uma maior dissociação dos movimentos, adquirindo uma maior coordenação dentro de um espaço e tempo determinados. A criança percebe as tomadas de posições e associa seu corpo aos ob jetos da vida quotidiana. Ela chega à representação mental dos elementos do espaço, e isto é possível graças à primeira fase de descoberta e de experiências vividas pela criança. Ela descobre sua dominância e com ela seu eixo corporal. Passa a ver seu corpo como um ponto de referência para se situar e situar os objetos em seu espaço e tempo. Esse é o primeiro passo para que ela possa, mais tarde, chegar à estruturação espaço-temporal.
A criança tem acesso a um espaço e tempo orientados a partir de seu próprio corpo. Chega, pois, à representação dos elementos do espaço, descobrindo formas e dimensões. Adquire também noções temporais, como a duração de tempo, de ordem e sucessão. Nessa fase a criança toma consciência de suas características corporais e as verbaliza, por meio do jogo simbólico.
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3ª etapa: corpo representado (7 a 12 anos)
Nessa etapa observa-se a estruturação completa do esquema corporal. Até esse momento, a criança já adquiriu as noções do todo e das partes de seu corpo (que é percebido por meio da verbalização e do desenho da figura humana). Já conhece as posições e consegue se movimentar corretamente no meio ambiente, com um controle e domínio corporal maior. A partir daí, ela amplia e organiza o seu esquema corporal. Perturbações do esquema corporal
Segundo De Meur e Staes (1984, p. 32), “executando-se os casos referentes a problemas motores intelectuais, todas as perturbações na definição do esquema corporal são de origem afetiva”. Existem algumas crianças que não tem consciência de seu próprio corpo. Podem experimentar algumas dificuldades como, por exemplo, FAEL
Capítulo 5
insuficiência de percepção ou de controle de seu corpo, incapacidade de controle respiratório, dificuldades de equilíbrio, de coordenação. É frequente encontrarmos crianças com um conhecimento pobre de seu corpo. Para elas, a representação e nominação das diferentes partes do corpo são, muitas vezes, difíceis. Não localizam ou confundem essas partes, não percebem a posição de seus membros e, consequentemente, seu desenho da figura humana torna-se pobre. Elas podem, também, apresentar dificuldades em se locomover em um espaço predeterminado e em situar-se em um tempo, pois o esquema corporal está intimamente ligado à orientação espaço-temporal. Uma criança com grandes problemas de esquema corporal manifesta, normalmente, dificuldade na coordenação dos movimentos, apresentando uma certa lentidão que dificulta a realização de gestos harmoniosos simples – abotoar uma roupa, andar de bicicleta, jogar bola –, por falta de domínio de seu corpo em ação. Às vezes ela consegue realizar alguns movimentos, mas, como não planeja seus gestos ao agir, desprende tanto esforço nessas ações que logo acaba desestimulando-se. Outro sintoma de esquema corporal mal estabelecido pode ser visto quando a criança se confunde em relação às diversas coordenadas de espaço, como em cima, embaixo, ao lado, linhas horizontais, verticais, e, também, quando não adquire o sentido de direção, devido a confusões entre direita e esquerda. Uma perturbação do esquema corporal, portanto, pode levar a uma impossibilidade de se adquirir os esquemas dinâmicos que correspondem ao hábito visomotor, e também intervém na leitura e na escrita. Na escrita, por exemplo, pode não se dispor bem e nem obedecer aos limites de uma folha, não conseguir trabalhar com vírgulas, pontos, nem armar corretamente contas de somar. Além disso, essa falta de conhecimento de sua presença no mundo pode levar a uma dificuldade de contato com as pessoas que a rodeiam. Uma consequência séria da falta de esquema corporal é o não desenvolvimento dos instrumentos adequados para um bom relacionamento com as pessoas e com seu meio ambiente, e, pior ainda, leva a um mau desenvolvimento da linguagem. A esse respeito, Ajuriaguerra (apud FONSECA, 1988, p. 65) afirma: “[...] sem um verdadeiro conhecimento Fundamentos da Educação Psicomotora
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do corpo e do investimento sobre o mundo dos objetos e das pessoas, não se atinge, consequentemente, a linguagem”.
Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Quando atuamos com crianças na primeira infância, percebemos que o importante para elas não é apenas a posição que ocupam no espaço, mas antes de tudo o que o espaço lhes oferece para que possam se ocupar de forma prazerosa. Na medida em que vão se desenvolvendo, seguem as linguagens adultas, identificando-se e imitando-as cada vez mais, no intuito de entendê-las. O que elas pretendem é se situar melhor no tempo e no espaço. A apreensão da lateralidade é de extrema relevância para que elas alcancem essa noção corpórea, que implica na consolidação da dominância hemisférica da criança. É ela que vai definir a adequação do lado preferencial em nível de força e de precisão dos movimentos das mãos, pés e olhos. Já o conhecimento de direita e esquerda faz parte da estruturação espacial, por referir-se à situação dos seres e das coisas, mas está de tal forma vinculado à noção de dominância lateral que colocamos este conhecimento imediatamente após a lateralidade. A partir da orientação lateral, a noção de ocupação do espaço e demais objetos se estabelece na consciência corpórea da criança.
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O esquema corporal é uma forma de expressão da individualidade do corpo. A criança percebe-se, percebe as coisas que a cercam e interage, em função de seu próprio corpo. Isso significa que seu corpo é sempre seu ponto de referência e, conhecendo-o, terá maior habilidade para descobrir sua própria identidade e exercer sua independência e autonomia. A descoberta desse corpo servirá de base para o desenvolvimento cognitivo, para a aprendizagem de conceitos importantes para uma boa alfabetização, como os conceitos de espaço. Primeiramente, a criança visualiza esses conceitos por meio de seu corpo, e só depois consegue visualizá-los nos objetos entre si. Seu corpo também está inserido em um tempo, e isto permitirá situá-la melhor no mundo em que se enFAEL
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contra. Esse ponto de referência permitirá também uma inibição voluntária (freio inibitório), em que a criança inibe seu movimento na hora em que precisa e quer. Ela domina seus gestos ao escrever, domina seu tônus muscular ao imprimir a força adequada para a realização de determinadas tarefas. O esquema corporal é o que se pode dizer ou representar acerca do próprio corpo e das possibilidades de expressar-se por meio dele.
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Condutas psicomotoras perceptomotoras
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Neste capítulo, desenvolveremos estudos sobre as condutas psicomotoras perceptomotoras, focalizando o significado, o desenvolvimento, a importância e as dificuldades da orientação espacial, orientação temporal e ritmo. Nossa preocupação com tais funções psicomotoras é a de refletir sobre as habilidades necessárias para um melhor desenvolvimento da leitura e da escrita, para prevenção de algumas dificuldades acadêmicas e para compreender o desenvolvimento global do indivíduo. As condutas psicomotoras perceptomotoras compreendem a interpretação de estímulos de várias modalidades para se relacionar com o meio ambiente. São as últimas bases a se formar.
Orientação espacial A orientação espacial caracteriza-se pela capacidade de orientar-se, situar-se e movimentar-se no espaço, tendo como referência o próprio corpo, ou seja, é ver-se e ver as coisas no espaço em relação a si próprio, é dirigir-se, é avaliar os movimentos e adaptá-los ao espaço vivido. Consiste em perceber as posições, as direções, as distâncias, os tamanhos, o movimento, a forma dos corpos, enfim, todos os caracteres geométricos dos corpos.
O espaço vivido pela criança constitui-se um elemento fundamental para o desempenho no espaço gráfico.
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Em primeiro lugar, a criança percebe a posição de seu próprio corpo no espaço. Depois, a posição dos objetos em relação a si mesma e, por fim, aprende a perceber as relações das posições dos objetos entre si. Santos (1987, p. 17) afirma que, em nossa vida quotidiana, as especificações espaciais indicam as direções em relação ao nosso corpo e são definidas pela possibilidade de movimento e por nossa organização. A estruturação do espaço está relacionada com a consciência das coordenadas nas quais nosso corpo se move e nas quais transcorre nossa ação (ROSSEL, 1975). Desde os planos espaciais mais elementares (para cima/para baixo, para frente/para trás) até os mais complexos de aprender (direita/ esquerda), as crianças têm de ir representando seu corpo no cenário espacial em que transcorre sua vida, sendo capazes de organizar sua ação em função de parâmetros como perto/longe, dentro/fora, curto/longo, etc. (COLL et al., 2004, p. 132). Em síntese, os autores afirmam que ao ser capaz de estabelecer a diferença das posições que os objetos ocupam no espaço, a criança está em condições de apreender as noções espaciais, ou, nas palavras de Coll et al. (2004, p. 132): “o que significa que o espaço é dominado antes no nível de ação do que de representação”.
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O desenvolvimento da orientação espacial está intimamente ligado ao desenvolvimento motor e ao esquema corporal. O espaço se estrutura, a princípio, em referência ao próprio corpo, e se organiza por meio de dados proporcionados pelo esquema corporal e pela experiência pessoal. Corresponde à percepção do corpo no espaço. Muitas das atividades reaSaiba mais lizadas em sala de aula, como a A visão é um órgão importante para se escrita, dependem da manipulater uma boa noção espacial. ção das relações espaciais entre os objetos. As relações espaciais, A escrita é o ápice da orientação espacial por sua vez, são mantidas por da criança. meio do desenvolvimento de uma estrutura de espaço. “Sem esta ‘estruturação’ nós nos perdemos ou distorcemos muitas destas relações e nosso comportamento sofre por receber informações inadequadas” (OLIVEIRA, 1997, p. 75). FAEL
Capítulo 6
A importância da estruturação espacial na escrita é registrada de forma muito clara por Ajuriaguerra (1988, p. 290): A escrita é uma atividade motora que obedece a exigências muito precisas de estruturação espacial. A criança deve compor sinais orientados e reunidos de acordo com leis de sucessão que fazem destes sinais palavras e frases. A escrita é, pois, uma atividade espaço-temporal muito complexa.
De Meur e Staes (1984, p. 13) definem a orientação espacial como: a tomada de consciência da situação de seu próprio corpo em um meio ambiente, isto é, do lugar e da orientação que pode ter em relação às pessoas e às coisas; a tomada de consciência da situação das coisas entre si; a possibilidade, para o sujeito, de organizar-se perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas entre si, de colocá-las em um lugar, de movimentá-las. Craik apud Kephart analisa o espaço como um conceito que se desenvolve principalmente no cérebro, pois construímos nosso mundo espacial por meio da interpretação de grande número de dados sensoriais que não possuem relação direta com o espaço. Temos, então, que interpretar essas informações sensoriais, ao mesmo tempo em que construímos os conceitos espaciais. É um círculo vicioso, que se explica: ●
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Não podemos desenvolver um mundo espacial estável até que aprendamos a interpretar a informação de nossos sentidos em termos espaciais. No entanto, podemos construir este mundo espacial baseados somente nas interpretações espaciais de dados sensoriais (CRAIK apud KEPHART, 1986, p. 124).
Esses dados sensoriais a que Craik se refere dizem respeito principalmente à visão e a sensações cinestésicas de movimento. Podemos acrescentar também o tato e a audição. Movemos nossa mão para pegar algum objeto qualquer e por meio desta cinestesia calculamos a distância que temos que percorrer. A partir dessa avaliação, determinamos a que distância se encontra o objeto. A visão é mais eficiente nessa avaliação, pois permite, de acordo com a nossa própria experiência, realizarmos cálculos de espaço mais rápidos e mais precisos do que o movimento, além de nos fornecer inúmeras outras estimativas. Fundamentos da Educação Psicomotora
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A percepção auditiva é representada pela associação do símbolo verbal e outras sensações do corpo. Ela está mais ligada à orientação temporal, embora o espaço faça uso dela frequentemente. Pelo tato, percebemos as manifestações afetivas, como carícia e afagos, e também as agressivas, se houver manifestação física. Além disso, percebemos as superfícies das coisas ao nosso redor, se são lisas, rugosas, ásperas, macias. Todas essas percepções sensoriais nos levam, portanto, às propriedades dos diversos objetos e nos permitem uma catalogação, uma classificação, um agrupamento destes no sentido de uma maior organização do espaço. Desenvolvimento da orientação espacial
A orientação espacial não nasce com o indivíduo. É uma elaboração e uma construção mental que se opera através de seus movimentos em relação aos objetos que estão em seu meio. Fonseca (1988) vê o espaço bucal como o primeiro com que a criança se defronta. A boca é o espaço mais próximo dos braços e é, portanto, o primeiro objeto de exploração, pois a sensação e o movimento nesta fase estão intimamente ligados.
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Bucher (apud OLIVEIRA, 1997, p. 77) dá muita importância às ligações afetivas que a mãe desenvolve com o filho na fase inicial de sua vida. Suas sensações de bem ou mal-estar procedentes de carícias, movimentos e mudanças de postura são carregadas de afetividade. Na medida em que vai havendo a maturação do sistema nervoso, a criança vai se tornando capaz de perceber e coordenar as múltiplas sensações visuais, táteis, auditivas e cinestésicas. Bucher (apud OLIVEIRA, 1997) afirma ainda que os mundos interno e externo são indistintos para o recém-nascido. Sua imagem de corpo começa a se elaborar mais ou menos aos três meses, e entre o sexto e o nono mês se percebe uma primeira separação entre seu corpo e o meio ambiente. Aos três anos, a criança já tem uma vivência corporal. Para ela, portanto, a exploração do espaço inicia-se, como declara Le Boulch (1984), desde o momento em que ela fixa o olhar em um determinado objeto e tenta agarrá-lo. Depois, a locomoção permite-lhe dirigir-se aos locais e aos objetos que quer alcançar. FAEL
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A verbalização, que auxiliará na designação dos objetos, constitui um fator muito importante para a organização da vivência do espaço e, também, para um melhor conhecimento das diferentes partes do corpo e de suas posições. “Todo objeto, desde o momento em que ele é nomeado, faz o papel de organizador do espaço próximo circundante, permitindo construir o espaço que o rodeia”, diz Le Boulch (1984, p. 199). Para ele, a primeira orientação da criança é em relação à posição dos objetos familiares, descobertos através da experiência vivida. Desde muito cedo a criança escolhe e ordena os objetos. Ela veste-se, come, brinca, coloca e amarra o sapato. Esses atos de seu dia a dia obrigam-na a executar gestos diferenciados para sua realização e esta ordenação já envolve atividades concretas de classificação.
Para que uma criança perceba a posição dos objetos no espaço, precisa, primeiramente, ter uma boa imagem corporal, pois usa seu corpo como ponto de referência. Ela só se organiza quando possui um domínio de seu corpo no espaço. Isso significa que ela apreende o espaço através de sua movimentação e é a partir de si mesma que ela se situa em relação ao mundo circundante. Numa verdadeira exploração motora inicial, ela necessita pegar os objetos, manuseá-los, jogá-los, agarrá-los, lançá-los para frente, para trás, para dentro e fora de determinado lugar.
Para a criança assimilar os conceitos espaciais precisa, também, como já afirmamos anteriormente, ter uma lateralidade bem definida, o que se dá por volta dos 6 anos. Ela torna-se capaz de diferenciar os dois lados de seu eixo corporal, consegue verbalizar este conhecimento, sem o que seria difícil distinguir as diferentes posições que os objetos ocupam no espaço. É por meio de uma experimentação pessoal que os conceitos de direita e esquerda passam a ter um sentido e um valor para a criança. Ao assimilá-los, estará preparada para perceber, comparar e assimilar os conceitos relacionados com outras posições, como à frente, atrás, acima e abaixo. Nesse momento, a verbalização é fundamental para vivenciar melhor o domínio das noções de orientação. Ela apreende também as Fundamentos da Educação Psicomotora
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noções de situações (através de conceitos como dentro, fora, no alto, abaixo, longe, perto); de tamanho (conceitos de grosso, fino, grande, médio, pequeno, estreito, largo); de posição (por meio das noções de em pé, deitado, sentado, ajoelhado, agachado, inclinado); de movimento (através dos conceitos de levantar, abaixar, empurrar, puxar, dobrar, estender, girar, rolar, cair, levantar-se, subir, descer); de formas (conceitos de círculo, quadrado, triângulo, retângulo); de qualidade (conceitos de cheio, vazio, pouco, muito, inteiro, metade); de superfícies e de volumes. Ao apreender esses conceitos, diremos que ela atingiu a etapa da orientação espacial. Isso significa que a criança tem acesso a um “espaço orientado a partir de seu próprio corpo multiplicando suas possibilidades de ações eficazes” (LE BOULCH, 1984, p. 162). Oliveira (1997, p. 79) nos alerta sobre as dificuldades que podem ser encontradas ao se representar os pontos de referência, em relação às diversas posições espaciais relacionadas acima. A autora cita o exemplo de uma boneca em pé. Se uma criança tomar a boneca como objeto, irá projetar sobre ela sua própria lateralidade, significando que a sua esquerda será a esquerda da boneca e a sua direita, a direita da boneca. Se tomar a boneca como sujeito, esta irá estruturar o espaço em função de sua lateralidade. Esses mesmos conceitos de direita e esquerda podem ser projetados para as outras posições espaciais, mostrando a mesma ambiguidade de interpretação.
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A representação da boneca subentende um ponto de referência relativo e supõe um certo número de operações mentais. Os pontos de referência do tipo alto/baixo são absolutos, pois acima sempre é subentendido como o teto, e embaixo como o solo. Os conceitos direita/esquerda e adiante/atrás dependem, para muitas crianças, da posição de seu próprio corpo no espaço. Uma pessoa que já possua uma orientação espacial bem definida dará as coordenadas para que saibamos quais são seus pontos de referência. Normalmente, temos consciência dos objetos que se situam em nosso espaço, os que estão do nosso lado, que estão longe, a nossa frente e atrás. Não podemos vê-los, mas sabemos que existem, que existe uma “estrutura espacial” atrás de nós, e mantemos, portanto, uma relação bem viva com todos eles. Kephart (1986) analisa esse fato salientando que a criança pequena e a retardada apresentam dificuldades em perceFAEL
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ber o espaço existente atrás delas. Quando elas se voltam, os objetos e as situações localizadas atrás de si deixam de existir.
Quando uma criança consegue se orientar em seu ambiente, estará mais capacitada a assimilar a orientação espacial no papel. Muitas professoras, preocupadas com o desenvolvimento espacial ligado ao ensino da leitura e escrita, em vez de se preocupar em trabalhar estas noções em nível de movimentação de corpo, de interiorização das ações, tentam começar a orientação pelos exercícios gráficos. Isso é um erro, pois as crianças apenas apreendem a imitar e decorar o que é exigido delas, sem que haja qualquer transformação mental significativa.
Um indivíduo que possui orientação espacial no papel, mentalmente organiza sua folha ao escrever ou ao desenhar, antes de passar para estas atividades. Além disso, como foi dito anteriormente, na nossa cultura a escrita e a leitura possuem uma direção gráfica: escreve-se e lê-se de forma horizontal, da esquerda para a direita e de cima para baixo. A criança aprende a ler em um espaço determinado. Cada letra tem uma forma orientada e uma ambiguidade de letra pode modificar o sentido dela. Depois dessa fase em que o indivíduo aprende a orientar os objetos, ele passa a organizá-los e a combinar as diversas orientações. Isso significa que ele não mais toma seu próprio corpo como ponto de referência, mas escolhe outros pontos e os colocará segundo diversas orientações. Ele chega, então, às noções de distância, de direção e passa a prever, antecipar e transpor. Depois que as diferentes direções são conquistadas pelo indivíduo, a transposição sobre o outro e sobre os objetos é possível. Ele desenvolve, também, a memória espacial, o que lhe possibilita descobrir os objetos que estão faltando em determinado lugar e reproduzir um desenho previamente observado. Além disso, se ele tiver uma memória espacial desenvolvida, não “se esquecerá” dos símbolos gráficos e nem das direções a seguir. A partir dessa organização espacial, a criança chega à compreensão das relações espaciais, tão importantes para que se situe e se movimente Fundamentos da Educação Psicomotora
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em seu meio. Essas relações espaciais são obtidas graças a uma estrutura de espaço, sem a qual não conseguiríamos manter relações estáveis entre os objetos que estão ao nosso redor. “Essa etapa das relações espaciais baseia-se unicamente no raciocínio a partir de situações bem precisas” (DE MEUR; STAES, 1984, p. 15), como perceber a relação existente entre diversos elementos, a relação de simetria, oposição, inversão. Torna-se capaz de trabalhar com as progressões de tamanho, de quantidade e transposição. Por exemplo, a criança consegue desenhar a planta de sua escola ou de sua casa, de seguir um trajeto a partir de uma planta, além de trabalhar mais facilmente com mapas geográficos. É necessário, então, que a criança tenha condições de questionar seu meio, que experiencie as situações de seu corpo em relação ao espaço e que realize um trabalho mental que lhe permitirá organizar e representar seu espaço. Piaget (apud DEFONTAINE, 1980, p. 24) explica que “esta organização aparece mais ou menos com 8 ou 9 anos, época em que ela é capaz de situar direita e esquerda sobre os objetos em relação a um ponto de vista exterior”.
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A orientação e a estruturação espaciais são importantes porque possibilitam à criança organizar-se perante o mundo que a cerca, prevendo e antecipando situações em seu meio espacial. Dificuldades na orientação espacial
Muitas das dificuldades podem advir de uma má integração da orientação espacial. São diversos os motivos que impedem a orientação ou retardam o pleno desenvolvimento da criança, como: limitação do desenvolvimento mental e psicomotor. ● ●
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as crianças são tolhidas em suas experiências corporais e espaciais e não têm oportunidades de manipular os objetos ao seu redor. as que não desenvolveram a noção de esquema corporal, têm prejuízo na função de interiorização. as que não conseguiram estabelecer, ainda, a dominância lateral e nem assimilaram as noções de direita e esquerda através da internalização de seu eixo corporal.
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“insuficiência ou deficit da função simbólica. A criança é incapaz de associar termos abstratos como direita e esquerda, puramente convencionais, ao que sente ao nível proprioceptivo” (LE BOULCH , 1984, p. 208). dificuldade de representação mental em diversas noções.
As causas não se esgotam nas que apresentamos. As consequências são, às vezes, desastrosas para a aprendizagem escolar. De Meur e Staes (1984), Le Boulch (1984) e Santos (1987) comentam mais consequências advindas da dificuldade em orientação espacial: ●
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muitas crianças, que não conseguem assimilar os termos espaciais, confundem-se quando se exige uma noção de lugar, de orientação, tanto no recreio, quanto nas salas de aula. às vezes conhecem os termos espaciais, mas têm dificuldades em perceber as diversas posições, colocando em risco sua própria aprendizagem, pois não discriminam as direções das letras. Ex.: m e u, ou e on, b e p, 6 e 9, b e d, p e q, 15 e 51, etc. crianças que, embora percebam o espaço que as circundam, não têm memória espacial. Algumas esquecem ou confundem os significados dos símbolos representados pelas letras gráficas.
A falta de organização espacial é muito encontrada em adultos, inclusive. Significa que o indivíduo está constantemente se chocando e esbarrando nos objetos. Por exemplo, se estiver com um objeto a tiracolo, como uma bolsa, não percebe o espaço ocupado por seu corpo somado à bolsa e esbarra em tudo quando passa. Apresenta, muitas vezes, indecisões quando tem que desviar de um obstáculo, não sabendo para que lado deve ir. Além disso, não consegue ordenar e organizar seus objetos pessoais dentro de um armário ou uma gaveta. Não consegue, também, prever a trajetória de uma bola ou de um objeto qualquer quando este é atirado em determinado alvo. Pode possuir também, como consequência, falta de orientação espacial no papel. Não consegue prever a dimensão de seus desenhos, o que o obriga a desenhar algumas partes e espremer as outras em um canto da folha. Não obedece aos limites de uma folha, acumulando palavras ao sentir que a folha vai acabar ou continuando a escrever fora dela. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Na escrita, não respeita a direção horizontal do traçado, ocorrendo movimentos descendentes ou ascendentes e não conseguindo escrever em cima da pauta. Na leitura e escrita, tem dificuldades de respeitar a ordem e sucessão das letras nas palavras e das palavras nas frases. Além disso, possui incapacidade de locomover os olhos durante a leitura, obedecendo o sentido esquerda/direita, chegando a saltar uma ou mais linhas. Em matemática, poderá apresentar dificuldades em organizar seus números em fileiras, por isso acaba misturando o que é dezena, centena e milhar. Muitos dos exercícios exigem da criança uma análise sistemática dos elementos, assim ela terá dificuldades para classificá-los e agrupá-los. Apresenta dificuldade em reversibilidade e transposição (conseguida a partir dos 8 anos, somente). “A noção de reversibilidade possibilita, pouco a pouco, às crianças a compreensão de igualdades como: 8 + 5 = 3 + 10 10 – 3 = 7 7 + 10 = ? ou ainda que 7 x 3 dá a mesma resposta de 3 x 7” (DE MEUR; STAES, 1984, p. 39). Possui dificuldades para compreender relações espaciais. Como dito anteriormente, a compreensão das relações espaciais envolve raciocínio e um trabalho mental mais elaborado. Faz parte da lógica matemática. A criança não percebe o que muda de uma figura para outra nas representações espaciais, não percebe as relações como simetria, inversão, transposição, elementos adicionados ou subtraídos. Não consegue realizar desde progressões mais simples, como tamanho, quantidade, ritmo e cores, até progressões mais complexas, como a variação de dois ou mais elementos em uma ordem de sucessão e simultaneidade, ou mesmo compreensão das relações existentes entre as diversas orientações juntas.
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Analisamos, até agora, a orientação espacial que a criança deve adquirir quando age e interage com o meio. Intimamente ligada a ela, está a orientação temporal. Quando a pessoa se movimenta no espaço, há um tempo determinado, não se pode conceber um sem falar no outro. FAEL
Capítulo 6
Orientação temporal “O tempo vivido está intrinsecamente ligado ao espaço reconhecido” (FONSECA , 1988, p. 273). A noção de tempo é simultânea à de espaço. Elas são indissociáveis. Segundo Piaget ([s. d.], p. 11-12), o tempo é a coordenação dos movimentos: quer se trate dos deslocamentos físicos ou movimentos no espaço, quer se trate destes movimentos internos que são as ações simplesmente esboçadas, antecipadas ou reconstituídas pela memória mas cujo desfecho e objetivo final é também espacial.
As noções de corpo, espaço e tempo têm que estar intimamente ligadas se quisermos entender o movimento humano. O corpo coordena-se e movimenta-se continuamente dentro de um espaço determinado, em função do tempo, em relação a um sistema de referência. É por essa razão que sempre nos referimos à orientação espaço-temporal de forma integrada. Nessa parte de nosso estudo, analisaremos o espaço e o tempo separadamente, para melhor compreensão de seus fenômenos constitutivos. Kephart (1986, p. 142) discute dois tipos de tempo: estático e dinâmico. Quando um autor de romance fixa como presente uma sequência de eventos em um determinado tempo na história, está trabalhando o tempo estático. Todos os acontecimentos terão relação de precedência e subsequência com esse presente estático, e é este o final do tempo histórico relacionado por ele. Nós vivemos no tempo dinâmico, também chamado tempo experiencial, em que o “fluxo” do tempo perpassa pelas noções de passado, presente e futuro. Esse fluxo do tempo significa que os acontecimentos do passado são conhecidos, os do futuro, desconhecidos ou então podem ser previstos, e os do presente podem ser experimentados diretamente. Esse fluxo é contínuo, os acontecimentos do futuro passam pelo presente e se tornam passado. Possuímos e vivenciamos, então, o que Defontaine (1980) chama de um horizonte temporal. Piaget ([s.d.], p. 15) afirma que “em nossa noção de tempo nos defrontamos com três situações: o tempo está ligado à memória ou a um processo casual complexo, ou a um movimento bem delimitado”. Ele explica que, pela memória, existe uma reconstituição do passado, uma Fundamentos da Educação Psicomotora
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Saiba mais A audição é um órgão importante para uma boa noção temporal. O tempo por ser um elemento muito abstrato, é a última noção que se efetiva.
narrativa, e esta faz apelo à causalidade quando relaciona um acontecimento ligado a outro anterior a ele.
Quando existem dois acontecimentos independentes entre si, e que estão ligados somente ao acaso, eles se tornam difíceis de rememorar, e uma das soluções é conseguir um arranjo entre a ordem temporal destes acontecimentos e a causalidade anterior a eles. Para captar o tempo, portanto, é preciso dirigir-se às operações de ordem casual que, na opinião de Piaget ([s.d.], p. 15), [...] estabelecem um liame de sucessões entre as causas e os efeitos pelo próprio fato de que os segundos se explicam pelos primeiros. O tempo é, pois, inerente à causalidade; ele está para as operações explicativas como a ordem lógica o está para as operações implicativas.
Etapas da orientação temporal
Tanto quanto a orientação espacial, a orientação temporal também é um conceito inato. Tem que ser construído e exige um esforço, um trabalho mental da criança que só será realizado quando ela tiver um desenvolvimento cognitivo mais avançado. Já um adolescente, por exemplo, na busca de sua própria identidade, quando questiona os valores recebidos na infância e procura se projetar no futuro, tentando decidir o que gostará de fazer, está extrapolando noções temporais.
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De início, a criança vivencia seu corpo, tentando conseguir harmonia em seus movimentos. Mas esse corpo não existe isolado no espaço e no tempo e a criança vai, pouco a pouco, captando estas noções. Essa etapa é caracterizada pela aquisição dos elementos básicos. Seus gestos e seus movimentos vão se ajustando ao tempo e ao espaço exteriores. Depois dessa fase, vai assimilando também os conceitos que lhe permitirão se movimentar livremente nesse espaço-tempo. Assimilará noções de velocidade e duração próprias ao seu dia a dia. Numa etapa posterior, ela passa a tomar consciência das relações no tempo. Irá trabalhar as noções e relações de ordem, sucessão, duração e alternância entre objetos e ações. Irá perceber as noções dos momentos do tempo, por exemplo, o instante, o momento exato, a simultaneidade e a sucessão. FAEL
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A partir desta fase, ela começa a organizar e coordenar as relações temporais. Pela representação mental dos momentos do tempo e suas relações, ela atinge uma maior orientação temporal e adquire a capacidade de trabalhar ao nível simbólico. Ela terá, então, mais condições de realizar as associações e transposições necessárias aos ensinamentos escolares, principalmente em relação à leitura, à escrita e à matemática.
A orientação temporal é a capacidade de situar-se em função: • da simultaneidade; • da ordem e da sequência ou sucessão dos acontecimentos; • da duração dos intervalos; • da renovação cíclica de certos períodos; • do caráter irreversível do tempo.
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Simultaneidade A simultaneidade é vivenciada inicialmente através do movimento, de forma motora. Muitas das nossas atividades requerem atividades simultâneas. São movimentos que, para serem realizados, têm que aparecer juntos. Kephart (1986, p. 144) dá como exemplo um bebê que move seus braços e pernas ao mesmo tempo. Depois, passa a se movimentar mais ou menos de forma alternada e, em seguida, sequenciada. É exatamente ao relacionar os movimentos juntos e sequenciados, um após o outro, que uma criança desenvolve o conceito de simultaneidade. O bebê, exatamente por sua falta de coordenação e de maturidade física, apresenta muitos movimentos juntos. Quando chora, seu corpo todo está se movimentando. Kephart (1986) descreve, ainda, as ações de um atleta quando se movimenta na barra e precisa sincronizar seus movimentos no momento preciso. A simultaneidade requer, então, para a realização dos movimentos, que a pessoa possua uma boa coordenação. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Ordem e sequência Kephart (1986, p. 148) denomina a sequência como “a disposição dos acontecimentos em uma escala temporal, de modo que as relações de tempo e a ordem dos acontecimentos se evidenciem”. As nossas atividades cotidianas requerem uma sucessão de movimentos. Para uma criança conseguir colocar em ordem cronológica suas ações do dia a dia, precisa ter noção de antes e depois, da ordem em que seus gestos podem ser realizados (para colocar o sapato por exemplo). “Antes de dormir, eu escovo os dentes”. “Depois da refeição, vem a sobremesa”. “Primeiro eu realizo uma tarefa, depois a outra”. “Em primeiro lugar vou ao cinema, e em último vou ao teatro”. Uma criança pequena tem condições de perceber a ordem e a sequência de acontecimentos, mas só aos 5 anos adquire a noção de sequência lógica. Uma das maneiras de verificação desse fato pode ser a apresentação de diversos momentos em um desenho, para então pedir às crianças que coloquem-no na ordem em que o desenhista pintou. Uma flor com suas pétalas, seu caule, suas folhas. Qual foi a sequência pintada? Uma pessoa precisa, pois, adquirir a noção de escala temporal para assimilar as noções de sequência. Duração de intervalos Os fenômenos que acontecem no tempo apresentam certa duração – tempo curto e tempo longo – e envolvem as noções de hora, minuto e segundo, isto é, o tempo decorrido. Uma criança pequena vive o que De Meur e Staes (1984, p. 17) chama de “tempo subjetivo. Isto significa que o tempo é determinado pela sua própria impressão e emotividade”. Uma atividade que lhe dá prazer terá um tempo menor e passará mais rapidamente (pois ela não verá o tempo passar), do que uma que lhe seja desagradável (que transcorrerá lentamente e terá um caráter interminável). Nós, adultos, também vivemos o tempo subjetivo quando assistimos a uma palestra monótona e sem sentido para nós, ou quando estamos em uma reunião agradável. Entretanto, não perdemos de vista o outro tempo, o tempo matemático, sempre idêntico, repre-
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sentado pelo tempo objetivo. Esse tempo é fundamental para uma maior organização do mundo em que vivemos.
Orientar-se no tempo, portanto, torna-se fundamental em nossa vida cotidiana, pois a maioria de nossas atividades são controladas por ele. A criança caminha para essa noção de tempo objetivo, e nós devemos auxi liá-la nisto.
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Renovação cíclica de certos períodos
É a percepção de que o tempo é determinado por dias (manhã, tarde e noite), semanas, estações. De início, podemos apenas fazer com a criança associações, com as estações do ano, por exemplo: “Que roupa deve usar no inverno?”, “E no verão?”. A importância da orientação temporal
Da mesma forma que a palavra escrita exige que se tenha uma orientação no papel, através das linhas e do espaço próprio para ela, a palavra falada exige que as palavras sejam emitidas de uma forma ordenada e sucessiva, uma atrás da outra, obedecendo um certo ritmo e dentro de um tempo determinado. A leitura exige uma percepção temporal e um simbolismo, que Defontaine (1980, p. 144) explica: A leitura exige, também, a passagem a um simbolismo, isto é, a visão das formas associadas a um som e, enfim, a sincronização da leitura com os movimentos dos olhos e uma linguagem interior (mental) em coordenação com a respiração para a leitura em voz alta. Tudo isto pede, pois, um outro número de atitudes ao nível da percepção temporal.
Para uma criança aprender a ler é necessário que possua domínio do ritmo e boa memorização auditiva; que saiba reconhecer uma sucessão de sons no tempo, uma diferenciação de sons, as frequências e as durações dos sons das palavras. Pode-se perceber, portanto, uma grande ligação entre a orientação temporal e a linguagem. A aquisição da palavra, segundo Defontaine Fundamentos da Educação Psicomotora
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(1980, p. 144), supõe uma passagem no tempo, uma vez que a linguagem é uma sucessão de fonemas no tempo. Supõe também uma melodia das palavras e das frases, uma variação em frequência e em intensidade e, enfim, uma organização dos elementos percebidos. Kephart (1986, p. 148), analisando a fala e a linguagem, afirma que se pensarmos nos instantes da fala, ela não é mais do que um som isolado. São esses sons isolados que terão algum significado através de uma dimensão temporal. Um indivíduo deve ter a capacidade de lidar com conhecimentos de ontem, hoje e amanhã. Uma criança pequena não consegue extrapo lar suas ações para o passado ou o futuro. O seu presente é o que está vivenciando. Os acontecimentos passados normalmente se encontram entrelaçados com as noções de presente. Ela não percebe as sequências dos acontecimentos. É a orientação temporal que garantirá à criança uma experiência de localização dos acontecimentos passados e uma capacidade de projetar-se para o futuro, fazendo planos e decidindo sobre sua vida.
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Conforme Kephart (1986, p. 144), “A dimensão temporal não só deve auxiliar na localização de um acontecimento no tempo, como também proporcionar a preservação das relações entre os fatos no tempo”. A palavra tempo é empregada para indicar os momentos de mudança. O homem se insere no tempo. Ele nasce, cresce e morre e sua atividade é uma sequência de mudanças. “O seu organismo vive em função de um certo ‘relógio interno’, condicionado pelas suas atividades diárias”, como diz Defontaine (1980, p. 144). Normalmente, dormimos à noite e trabalhamos durante o dia. Isso significa que, quando a noite chega, temos uma “necessidade” enorme de recolhermos. A hora de dormir não é tão determinada pela quantidade de sono como pelo hábito. As horas de nossas refeições também são sagradas. Uma pessoa que almoça todo dia no mesmo horário saberá precisar as horas pela FAEL
Capítulo 6
necessidade que tem de comida. Se passar de seu horário habitual, muitas vezes sua fome tenderá a se aquietar, o que nos leva novamente ao hábito e ao nosso relógio interior. Segundo Piaget (apud PICQ; VAYER, 1985, p. 39) Nunca vemos nem percebemos o tempo como tal, uma vez que, contrário ao espaço ou à velocidade, ele não é evidente. Percebemos somente os acontecimentos, ou seja, os movimentos e as ações, suas velocidades e resultados.
Dificuldades em orientação temporal
De Meur e Staes (1984, p. 40), Santos (1987, p. 18), Morais (1986, p. 30), Kephart (1986, p. 144) e outros autores fazem uma análise pormenorizada das principais dificuldades que podem advir de uma má orientação temporal, que veremos a seguir. Uma criança com problemas de orientação temporal pode não perceber os intervalos de tempo, isto é, perceber os espaços existentes entre as palavras. Não percebe também o que vai mais depressa e mais devagar. Normalmente, essa criança escreve as palavras de forma ininterrupta, sem espaço entre elas, além de misturar os fatos. A criança pode apresentar confusão na ordenação e sucessão dos elementos de uma sílaba, isto é, não percebe o que é primeiro e o que é último, não se situa antes e depois. Essas noções são importantes porque, sem elas, a criança tem dificuldade para iniciar seu gesto no lugar certo. Por exemplo, na formação das palavras, escreverá inicialmente a segunda letra antes da primeira. Escreve porblema ao invés de problema , pois distorce a sequência gráfica (questão de espaço) de movimentos e não distingue o som da letra r como vindo antes (noção temporal). Esse problema diz respeito ao tempo e ao espaço concomitantemente. A criança não se organiza na direção esquerda/direita. Possui, muitas vezes, dificuldade na retenção de uma série de palavras dentro da sentença, e de uma série de ideias dentro de uma história. Pode haver problema de falta de padrão rítmico constante. A falta de ritmo motor ocasiona uma falta de coordenação na realização dos movimentos. Por exemplo, a criança se movimenta, anda e corre em um intervalo de tempo inconstante, isto é, não coordena muito bem o ritmo dos braços em relação às pernas. Fundamentos da Educação Psicomotora
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O ritmo auditivo normalmente está ligado ao motor, pois se estuda junto com os movimentos de dança, de jogos, e é mais difícil detectar. Uma criança que tenha falta de padrão rítmico visual, ao ler algum trecho, “grudará” seus olhos em um canto da página e não os moverá visualmente, nem para frente, nem para trás, tornando a leitura pobre e comprometida. Há também a dificuldade na organização do tempo. A criança não prevê suas atividades. Demora muito em uma tarefa e não consegue terminar as outras por “falta de tempo”. Muitas vezes não tem noções de horas e minutos. Uma organização espaço-temporal inadequada pode provocar um fracasso em matemática, pois os alunos precisam ter noção de fileira e coluna para organizar os elementos de uma soma. Em cálculo, não percebem os números que faltam. Ex.: 360 -32_
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Eles podem apresentar, também, má utilização dos tempos verbais. A criança deve saber distinguir “ontem eu fui ao teatro” de “amanhã irei a ...”. Dificuldades em representação mental sonora. As crianças se “esquecem” da correspondência dos sons com as respectivas letras que os representam, especialmente quando se trata de realizar ditados. Kephart (1986) ressalta ainda outra dificuldade que uma criança pode apresentar quando desenvolve apenas a orientação espacial ou apenas a temporal. Quando ela desenvolve as estruturas espaciais, mas ainda não tem as temporais, torna-se uma “repetidora de palavras”. Isso evidencia que reconhece as relações espaciais existentes na página e identifica as palavras, mas não consegue integrá-las no tempo. Elas ficam separadas e, portanto, a criança não percebe o sentido. Acaba, consequentemente, compreendendo muito mal o conteúdo. Sua escrita também fica comprometida, pois esta envolve uma sequência de acontecimentos no tempo. A criança apresenta, então, inversões e adições. Quando a criança é organizada no tempo, mas não no espaço, torna-se uma “leitora pobre”, demora muito tempo para ler e, portanFAEL
Capítulo 6
to, fica muito dependente do contexto. Muitas vezes substitui sinônimos que preservam o contexto, mas não reproduz o que está na página. Ela odeia ler, mas assimila um vasto número de informações auditivas, que pode manipular com grande facilidade. Sequências complexas não lhe causam problema, mas exibições visuais simples frustram-na (KEPHART, 1986, p. 156). A criança situa sua ação e suas rotinas em alguns ciclos de sono-vigília, de antes-depois, de manhã-tarde-noite, de ontem-hoje-amanhã, de dias da semana do fim de semana e é capaz de fazer isso em sua atividade muito antes de representar simbolicamente essas noções (COLL et al., 2004, p. 132).
Assim, a orientação temporal é a capacidade de situar-se e movimentar-se em um determinado tempo (passado, presente, futuro; antes, agora, depois), de acordo com o seu próprio tempo (ritmo próprio).
Ritmo O ritmo é um dos conceitos mais importantes da orientação temporal. O ritmo não envolve somente as noções de tempo, mas também está ligado ao espaço. A combinação dos dois dá origem ao movimento. “O ritmo não é movimento, mas o movimento é meio de expressão do ritmo” (DEFONTAINE, 1980, p. 206). É por isso que se diz que o ritmo deve ser vivido corporalmente. Toda criança tem um ritmo natural, espontâneo. Segundo Aristow-Journoud (apud OLIVEIRA, 1997, p. 92), “mesmo no nascimento, a criança é sensível ao ritmo do berço, da melodia cantada por sua mãe. Seu grito e suas manifestações são ritmadas. Tem horas de repouso e horas de impulsos e se manifesta através delas”. A vida moderna impede-nos de aflorar o nosso ritmo natural. Estamos constantemente sendo cobrados através do relógio, do tempo, a realizar tarefas em determinados prazos. Mesmo assim, muito de nosso ritmo natural se conserva conosco. Para Defontaine (1980, p. 200), o homem se insere no tempo segundo sua “realidade psicossomática”. Isso significa dizer que os fenômenos auditivos, táteis, visuais, biológicos, cinestésicos estão constantemente interferindo em sua percepção de tempo. Como afirmamos anteriormente, temos um relógio corporal do qual normalmente Fundamentos da Educação Psicomotora
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não tomamos conhecimento. As células e as substâncias químicas de nosso organismo trabalham com precisão, dentro de um determinado ritmo. Possuímos um ritmo endógeno ou interno, automantido pelo organismo e que é influenciado pelo ritmo exógeno, ou estímulo externo. O que pode ser observado quando escutamos os ruídos, as vibrações, os timbres, quando vemos as cores, e sentimos as ondas sonoras, é que nosso ritmo interno entrará em consonância ou reagirá a esses sons e tentaremos transformar, acertar ou mudar a ordem e a intensidade deles. Nós estaremos medindo o tempo preferido por nós. O ritmo pode ocorrer em várias áreas de nosso comportamento, ele traduz uma igualdade de intervalos de tempo. Kephart (1986, p. 147) distingue três tipos de ritmos: motor, auditivo e visual. O ritmo motor está ligado ao movimento do organismo, que se realiza em um intervalo de tempo constante. Andar, nadar, correr, são exemplos de ritmos motores. É uma condição necessária que a criança possua uma coordenação global dos movimentos, para que estes se tornem ritmados. 114
O ritmo auditivo normalmente é trabalhado em associação com algum movimento. Muitas crianças não percebem os ritmos auditivos, a não ser que estejam realmente unidos ao componente motor. Por essa razão, as escolas associam os dois e pedem para as crianças cantarem, dançarem, tocarem alguns instrumentos, etc. O ritmo visual envolve a exploração sistemática de um ambiente muito amplo para ser incluído no campo visual em uma só fixação. A criança precisa desenvolver uma transferência espaço-temporal, só o movimento espacial não é suficiente. É necessário também, que possua uma certa organização de ritmo. Muitas vezes, seus olhos não leem com ritmo constante, isto é, uma palavra atrás da outra. Eles se fixam em um determinado ponto e não acompanham a fluidez do texto, não percebem a sucessão de elementos gráficos contidos nele e que são traduzidos em elementos sonoros, comprometendo assim a ritmicidade da leitura. Na escrita, também verificamos o ritmo quando a criança respeita os espaços e as palavras e quando consegue ordenar as letras dentro da palavra e as palavras nas frases. Uma letra deve suceder a outra. A pontuação e a entonação que acompanham uma leitura e uma escrita são consequências das nossas habilidades rítmicas. FAEL
Capítulo 6
“O ritmo envolve, pois, a noção de ordem, de sucessão, de duração e de alternância”, como dizem De Meur e Staes (1984, p. 17). Fonseca (1988, p. 276) analisa a diferença que existe entre uma agnosia e uma praxia do ritmo: A agnosia do ritmo é a capacidade de interiorização da sucessão de sons e a assimilação dos fatores temporais elementares. [...] A praxia do ritmo é a capacidade de reproduzir estruturas rítmicas através de uma noção da evolução de fenômenos temporais com domínio da sucessão dos elementos constituintes de uma estrutura rítmica homogênea.
A praxia do ritmo, então, para Fonseca (1988), tem por objetivo obter dados sobre a capacidade de reprodução dos símbolos rítmicos. A educação psicomotora tem muito interesse em trabalhar com os movimentos ritmados, pois, além de ser um dos elementos de expressão dos sentimentos, ainda favorece a eliminação das sincinesias devidas a uma atividade voluntária mal controlada, provocando, assim, uma independência das partes necessárias ao domínio psicomotor. Alem disso, habitua o corpo a responder prontamente às situações imprevistas. O ritmo permite, também, uma maior flexibilidade de movimentos, um maior poder de atenção e concentração, na medida em que obriga a criança a seguir um compasso determinado. Outro fator fundamental é a aquisição de automatismos elementares. A percepção da alternância de tempos fortes e fracos leva à percepção do relaxamento e das pausas. Os exercícios de andar, por exemplo, “levam a materialização da sucessão temporal e suas variações” (PICQ; VAYER, 1985, p. 39). E essa consciência rítmica depende do desenvolvimento cognitivo. Quando uma criança entra na escola maternal já se supõe que tenha uma coordenação global dos movimentos e uma ritmicidade espontânea. O primeiro objetivo da escola, então, é deixar fluir na criança seu ritmo natural através de atividades de expressão livre, dos jogos lúdicos. A partir daí, o educador deve introduzir tempos ritmados através de danças cantadas, por exemplo. Le Boulch (1984, p. 182) afirma que a associação do canto e do movimento permite à criança sentir a identidade rítmica, ligando os movimentos do corpo aos Fundamentos da Educação Psicomotora
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sons musicais. Estes sons musicais cantados são ligados à própria respiração da criança. Declara também que não se pode confundir esta educação rítmica pois a atividade psicomotora não tem por objetivo fazer a criança adquirir os ritmos, senão favorecer a expressão de sua motricidade natural, cuja característica essencial é a ritmicidade.
Finalmente, devem-se introduzir nas manifestações rítmicas das crianças as estruturas rítmicas. Elas representam uma ruptura na igualdade de cadência, sempre constante, através da introdução de intervalos diferentes de tempo, a criança começa a perceber o tempo sucessivo. Le Boulch analisa a importância educativa da percepção das estruturas rítmicas (1984, p. 195): Da mesma forma que a percepção e a representação mental das formas que correspondem às figuras geométricas constituem uma base indispensável na memorização das posições relativas dos objetos no espaço, a percepção das estruturas rítmicas é o suporte de memorização do sucessivo imediato.
Podemos pedir para a criança acompanhar um certo ritmo e depois reproduzir as estruturas rítmicas batendo as mãos e os pés. A partir daí, iremos introduzir os ritmos escritos, como: ..... .. .. .. .. .. . .. . .. . .. . .. .. . .. . .. . .. . e etc. Outras formas de representar as estruturas rítmicas são: 00 00 00, 000 0 000 0 000, ou ainda 0o 0o 0o 0o 0o 0o, em que “0” é o tempo forte, “o” é o tempo fraco e o espaço vazio entre eles é a pausa.
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Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo As noções de corpo, espaço e tempo estão intimamente relacionadas quando compreendemos o movimento humano. O corpo, em interação com o meio, coordena e movimenta-se continuamente dentro de um espaço determinado, em função do tempo, do ritmo e do sistema FAEL
Capítulo 6
de referência. É por essa razão que sempre nos referimos à orientação espaço-temporal de forma integrada. Especificamente, em se tratando de orientação espacial, sabemos que toda nossa percepção de mundo é espacial, e que tomamos como ponto de referência o nosso próprio corpo. A criança vai construindo seu universo espacial na medida em que seu desenvolvimento psicomotor vai se efetivando, assim como suas sensações evoluem. A orientação espacial é essencial para que vivamos em sociedade. É por meio do espaço e das relações espaciais que nos situamos no meio em que vivemos, estabelecemos relações entre as coisas, fazemos observações, comparando-as, combinando-as, vendo as semelhanças e diferenças entre elas. Já a percepção do tempo está relacionada com a orientação temporal, sendo despertada e refinada, ao mesmo tempo em que se desenvolve o mundo espacial da criança. É esse elemento que dá sustentação às noções de passado, presente, futuro, ontem, hoje, amanhã, ou de tolerância, paciência, impaciência, etc. O ritmo não envolve somente as noções de tempo, mas também de espaço. É a combinação destas duas estruturas que dão origem ao movimento. Esse movimento evidencia em sua essência a expressão rítmica, ou seja, o ritmo deve ser vivido corporalmente. Enfim, as condutas psicomotoras perceptomoras são as últimas bases a se formar. Elas são essenciais para o processo de leitura e escrita, pois ressaltam a importância da estreita relação do espaço vivido com o espaço gráfico.
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Importância da educação psicomotora para a aprendizagem da leitura e da escrita
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N este capítulo, desenvolveremos estudos sobre a prática da educação psicomotora no processo de escolarização, focalizando a linguagem e a aprendizagem da leitura e da escrita. Faremos, também, análise e reflexão sobre as dificuldades e distúrbios de aprendizagem e intervenção em educação psicomotora. Espera-se que este estudo venha a contribuir para o desenvolvimento de melhores programas educacionais, e ajude os educadores a refletirem sobre o auxílio que a educação psicomotora pode prestar nas primeiras aprendizagens e na organização do indivíduo como um todo.
Linguagem O saber ler e escrever tornou-se uma capacidade indispensável para que o indivíduo se adapte e se integre ao meio social. A leitura e a escrita são algumas formas de comunicação e expressão entre as pessoas, mas não se pode falar delas isoladamente, pois ambas constituem manifestações da linguagem. A aquisição da linguagem desempenha um papel decisivo na compreensão de mundo e na transmissão de valores pessoais, sociais e culturais. A criança utiliza o código de linguagem para formular seus sentimentos, suas sensações e valores, para transmitir e receber as informações. Depende muito do meio em que está inserida, de seus contatos sociais e de sua exercitação e treino. É importante, para o desenvolvimento da linguagem, que a criança possua necessidade de falar, que seja suficientemente estimulada. Percebemos muitas crianças que não “precisam” emitir palavras, pois, ao simples apontar de dedo, as mães correm para atender seus
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Saiba mais A escrita não precisaria necessariamente ser mecânica e massificadora. Ela pode ser mais uma das formas de estimular os processos de pensamento e imaginação. Ela pode se tornar criativa.
tarde, quando for aprender a ler e pouco mais de dificuldade.
desejos, elas não têm necessidade de se esforçar. Como consequência, sua linguagem torna-se cada vez mais pobre e limitada. A criança fica estagnada e defasada em relação às outras crianças. Mais a escrever, poderá apresentar um
O desenho é o primeiro meio gráfico que sofre o julgamento do adulto, que tenta desde cedo corrigir os desenhos das crianças mostrando como podem ser feitos.
Saint-Exupéry, em sua obra O pequeno príncipe, descreve o exemplo de uma criança que mostra a diversos adultos o desenho de uma serpente en golindo um elefante. Esses, por sua vez, não compreendendo a mensagem, aconselharam-na a abandonar a atividade para se dedicar a outras, como geografia, história, cálculo. Encerrou-se aí toda a tentativa de a criança ex pressar-se por meio do desenho. Isso não acontece somente em histórias de ficção. Na nossa vida quotidiana existem, também, muitas crianças que se veem bloqueadas em suas primeiras manifestações gráficas e acabam mudando seu desenho e as cores que empregam, por outro que não tem muito significado para elas.
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Isso é um erro, pois o desenho é um meio que as crianças utilizam para expressar seus sentimentos, transmitir informações sobre elas mesmas. A criança que deixa de desenhar ao entrar na escola, porque deixa de brincar, [...] está deixando de uma forma de expressão que é sua, para seguir um padrão escolar imposto [...]. A alfabetização despreza assim a linguagem da criança que se expressa através do desenho e do jogo e procura equipá-la com uma linguagem ensinada [...]. A mecânica da alfabetização implica que a criança abandone a sua escrita e adote uma escrita aprendida, convencional (MOREIRA, [s. d.], p. 67).
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Capítulo 7
Leitura A leitura significa muito mais do que um simples processo pelo qual uma pessoa decifra os sinais ou símbolos – como as palavras e as letras – e reproduz o som. Uma pessoa sabe ler quando compreende o que lê, quando retira o significado do que lê, interpretando os sinais escritos. Existem crianças que conhecem as letras mas não leem. No início da leitura, a criança deve diferenciar visualmente as letras impressas e saber perceber que cada símbolo gráfico corresponde a um determinado som. A escrita é composta por uma sequência de letras, que são os símbolos gráficos, e que correspondem a uma sequência sonora também. A criança deve poder realizar essa correspondência para ler. Morais (1986, p. 17) explica de forma bastante clara esta associação: Este processo inicial da leitura, que envolve a discriminação visual dos símbolos impressos e a associação entre a palavra impressa e som, é chamado de decodificação e é essencial para que a criança aprenda a ler. Mas, para ler, não basta apenas realizar a decodificação dos símbolos impressos, é necessário que exista, também, a compreensão e análise crítica do material lido. [...] Sem a compreensão, a leitura deixa de ser uma atividade motivadora, pois nada tem a dizer ao leitor. Na verdade, só se pode considerar realmente que uma criança lê quando existe a compreensão. Quando a criança decodifica e não compreende, não se pode afirmar que ela está lendo.
Para que uma criança adquira a leitura é necessário que Saiba mais possua, além da capacidade de A automatização dos mecanismos de leitura simbolização, de verbalização e facilitará a produção gráfica. de desenvolvimento intelectual, algumas habilidades pessoais essenciais. Ela deve possuir capacidade de memorização e acuidade visual, coordenação ocular, mínimo de atenção dirigida e concentração, um mínimo de vocabulário e de compreensão e noção de lateralidade, pois a nossa escrita se faz linearmente da esquerda para a direita. Além disso, deve possuir também a orientação espacial, temporal e ritmo. As palavras se sucedem em um espaço e tempo determinados, e o ritmo inclui toda a organização da leitura, como entonações e pontuações. “A leitura, tal como a expressão oral, se desenvolve sobre um molde de frases ritmo-melódicas” (PICHON; B. MAUSONNY apud AJURIAGUERRA, 1980, p. 314). A criança não pode apresentar problemas sérios de articulação de palavras. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Escrita A escrita pressupõe, também, um desenvolvimento motor adequado, através de habilidades que são essenciais para o desenvolvimento infantil. Pode-se citar a coordenação fina, que irá auxiliar em uma melhor precisão dos traçados, preensão correta do lápis ou caneta, bom esquema corporal e boa coordenação óculo-manual. Além disso, a criança deve possuir uma tonicidade adequada, que irá determinar um maior controle neuromuscular e, consequentemente, determinará maior capacidade de inibição voluntária. A inibição voluntária é a capacidade de parar o gesto no momento em que se quer ou precisa. A rotação do pulso ao escrever e a posição da folha também devem ser considerados, para não haver um maior dispêndio de energia e não provocar dores musculares no braço. Ainda, a criança necessita de uma organização no espaço gráfico, em termos de estruturação espacial e temporal. A escrita é um ato motor que mobiliza diferentes segmentos do corpo. A escrita das crianças é verificada principalmente através da cópia, do ditado e das redações ou composições livres. Basta que ela tenha uma boa acuidade visual para transportar símbolos impressos, uma coordenação fina razoável e postura correta para escrever para realizar uma cópia. Ela não precisa saber ler para copiar. Poderíamos pensar que a cópia não possui nenhuma validade, a não ser a puramente mecânica do ato de escrever. Isso não é verdade, como comprovam Condemarín e Chadwick (1987, p. 168), a prática da cópia nas realizações acadêmicas é muito importante, pois facilita uma tomada de consciência (pela criança) das letras, dos espaços entre as palavras, da pontuação, dos sinais de expressão e da captação da sequência das letras dentro da palavra. Além disso, a cópia permite praticar e desenvolver uma melhor coordenação fina no sentido de auxiliar as destrezas caligráficas das formas específicas da cada letra. Auxilia, também, a percepção do tamanho, da proporção, do alinhamento e da inclinação das letras. A cópia favorece, além dos mecanismos de memorização por seu caráter cinestésico-motor “[...] a familiaridade da criança com diversas modalidades de estruturação das palavras nas frases e orações. A linguagem escrita possui uma sintaxe que lhe é própria e que nem sempre
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reproduz a fala, como é o caso dos relatos de experiência” (CONDEMARÍN; CHADWICK, 1987, p. 182). É necessário tomar cuidado quando se pede a realização de cópias indiscriminadamente. Elas podem se tornar terrivelmente desestimulantes para a criança quando dadas sem nenhum propósito, apenas a “cópia pela cópia”, não deixando de ser um ato mecânico quando não são bem administradas. Os textos têm que ser agradáveis e estimular os alunos a se interessarem pela sua realização. A cópia deve ser praticada concomitantemente com o ensino da escrita e leitura, e não isoladamente. Se não realizada dessa forma, não tem nenhum significado para a criança. Soaria mais como um castigo do que uma aprendizagem. Normalmente, o aluno tem mais dificuldade em realizar o ditado do que a cópia. No ditado, ele necessita ter, de antemão, uma representação gráfica do conteúdo, uma representação auditivo-verbal. Morais (1986, p. 18) faz uma análise muito interessante sobre o ditado: [...] as palavras ditadas oralmente pela professora devem ser discriminadas e diferenciadas auditivamente pelo aluno, depois são associadas aos significados, à sua forma gráfica (letras e silabas que compõe a palavra ouvida e seus respectivos traçados) e são escritas, devendo-se respeitar a orientação têmporo-espacial.
O ditado, portanto, é um treino de acuidade auditiva, pois a criança precisa se concentrar para diferenciar os sons emitidos pelo professor. Sua atenção terá que ser seletiva se quiser conseguir reproduzir graficamente a linguagem oral. Na redação, o aluno se encontra mais livre para elaborar as palavras e os pensamentos, pois, como diz Morais (1986, p. 18), “as palavras são elaboradas mentalmente, associadas aos respectivos sons, aos significados, à forma gráfica e escritos”. Normalmente, deve-se aprender a ler e a escrever concomitantemente. A leitura, entretanto, antecede a escrita. Se uma criança não aprendeu a ler, dificilmente escreverá, pois as palavras que escreve não têm correspondência sonora e, portanto, são incompreensíveis. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Dificuldades de aprendizagem, distúrbios de aprendizagem e intervenção em educação psicomotora Frequentemente, verifica-se que existe uma porcentagem significativa de crianças que têm encontrado dificuldades em acompanhar o desempenho acadêmico e as exigências escolares. Como consequências desses fracassos surgem as desadaptações, e, com elas, a ansiedade e os problemas emocionais. Essa frustração continuada leva as crianças a deixarem o sistema educacional. Abandonam as escolas com a sensação de perda, de fracasso, com o sentimento de que são incapazes de assimilar qualquer coisa que seus professores se proponham a ensinar. Ou, então, são encaminhadas para os diferentes profissionais que, “de fora”, tentam fazer seu reajuste e sua reintegração aos bancos escolares. Wallace e McLoughlin (apud OLIVEIRA, 1997, p. 117) afirmam que as crianças com dificuldades de aprendizagem possuem um “obstáculo invisível”, pois apresentam-se normais em vários aspectos, exceto pelas suas limitações no progresso da escola.
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Existe uma concordância de opiniões entre os pesquisadores de que devem investigar os motivos que levam uma criança a não aprender, tratando-se de dificuldades e distúrbios de aprendizagem. Fatores intraescolares
A escola tem como objetivo a integração da criança na sociedade, facilitando seu acesso ao mundo dos adultos. Verificamos, porém, que esse objetivo está cada vez mais esquecido. Ela tem selecionado duramente as crianças que têm menos facilidade de aprender. Muitas vezes, são as que mais precisariam dela, pois são provenientes de um meio sociocultural menos privilegiado. A escola também isola as crianças que já estão suficientemente segregadas devido ao meio socioeconômico-cultural. Acaba produzindo os mesmos controles da sociedade e, com isto, “expulsa” dos meios de comunicação e cultura crianças que têm maior dificuldade em se comunicar. FAEL
Capítulo 7
Vemos muitos professores com programas, procedimentos de ensino e materiais de instrução totalmente inadequados e desestimulantes e, principalmente, carentes da flexibilidade necessária para adaptar os objetivos de ensino às diferenças individuais dos alunos. Muitas das atividades em sala de aula são sem sentido para a criança e, com isto, a aprendizagem torna-se difícil e desestimulante. Frequentemente, os professores se queixam de que os alunos não possuem estímulo necessário à alfabetização, e que isto interfere no ensino. Em vez de culpar seus alunos, os docentes devem procurar desenvolver as capacidades dos mesmos, levando-os a sentirem a necessidade de valorizarem os instrumentos da cultura e valorizar as atividades que se relacionam com ela. O relacionamento professor-aluno também é outro fator que pode influenciar o processo de ensino-aprendizagem. O professor precisa verdadeiramente conhecer quem é o seu aluno, dialogar, tocar, olhar, enfim, tem que ser atencioso, aberto às perguntas e indagações dos alunos, tratá-los com igualdade e respeito, independente de suas limitações e diferenças. É importante estabelecer vínculos afetivos, transmitir confiança e segurança durante o processo e, principalmente, acreditar e investir nas potencialidades de cada um. Com as classes superlotadas, os professores se portam mais como “cães de guarda” do que propriamente educadores. Através do controle rígido, vão selecionando e punindo as crianças que não conseguem realizar as tarefas propostas e esquecem que são justamente essas que mais precisam de seu apoio e confiança. A base que a escola dá depende do que cada criança traz como bagagem no momento da aprendizagem, e as diferenças encontradas acabam ocasionando uma maior dificuldade daquela criança que já se acha defasada em seu desenvolvimento. Por isso a importância de intervenções apropriadas e adequadas de acordo com a realidade do educando. As altas taxas de fracasso escolar são, muitas vezes, atribuídas à própria criança, explicado por meio de doenças que ela possuiria. É por esse motivo que muitas vezes o aluno é encaminhado para classe especial, terapia, reeducação psicomotora ou, até mesmo, é empurrado pelo sistema sem aprender. Fundamentos da Educação Psicomotora
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Quanto à responsabilidade da escola diante das dificuldades acadêmicas do aluno, é necessário fazer uma ressalva, pois, apesar de ter sua parcela de culpa, não pode arcar sozinha com as desadaptações encontradas em suas classes. A família precisa inteirar-se e envolver-se nesse processo, auxiliando e dando continuidade ao trabalho acadêmico. O sistema precisa reorganizar o número de alunos por turma, readequar seus encaminhamentos, estruturas e mobiliários e, principalmente, oferecer suporte psico-pedagógico ao professor. Deficiência intelectual
Uma criança que tenha inteligência inferior já se encontra limitada em sua aprendizagem. Algumas alcançam um maior desenvolvimento, mas outras se encontram tão comprometidas que, mesmo recebendo uma estimulação rica e condições favoráveis de ensino, não conseguem ultrapassar seu limite. O educador esbarra em dificuldades que o aluno não está preparado para enfrentar. A prática da educação psicomotora na escola constitui uma grande área de adaptação, ao permitir a participação das crianças em propostas adequadas com suas possibilidades e dificuldades, proporcionando-lhes valorização e que se integrem em um mesmo mundo. Nesse caso, é importante ressaltar que se devem trabalhar as potencialidades dos alunos, e não suas limitações.
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Distúrbio da linguagem
O atraso na linguagem, a mudez, distúrbios de articulação, como a troca de letras na pronúncia, a falta de letras e a linguagem infantilizada, interferem significativamente no processo de alfabetização. Basta salientar que a aquisição da leitura e da escrita são manifestações de uma linguagem expressiva. Uma criança deve ser capaz de comunicar-se verbalmente com os outros de forma clara, sem problemas de articulação, para a aquisição de novas etapas da linguagem, que são a leitura e a escrita. A linguagem, portanto, é constituída por um conjunto de símbolos e de sinais que facilitam a representação gráfica. A linguagem tem um papel decisivo na mediação dos processos mentais, pois graças a ela é possível generalizar, pensar logicamente, adquirir, reter e selecionar conceitos; desta forma, FAEL
Capítulo 7
ir criando novos sistemas funcionais. É através da linguagem que a criança pergunta, procurando ajuda dos outros para aprender os nomes dos objetos, as categorias nas quais ordenará o mundo (POPPOVIC, 1975, p. 30).
Em se tratando de educação psicomotora, a fala da criança é um ato motor organizado e exige, além de uma adequada percepção auditiva e visual, um conhecimento e controle do corpo por meio das posturas e gestos; uma orientação espacial que facilite sua movimentação; uma coordenação adequada para a compreensão dos conceitos verbais; uma capacidade de simbolização; e uma estruturação temporal que permite à criança adquirir o ritmo e as sequências para uma emissão da fala mais fluida. Fatores afetivo-emocionais
A boa evolução da afetividade é expressa através da postura, das atividades e do comportamento. Muitas crianças que têm dificuldades de aprendizagem acabam apresentando algumas perturbações afetivas. Como possuem uma inteligência relativamente boa, sofrem com seus fracassos escolares e, com isso, se isolam mais e se afastam de qualquer atividade que envolva competição. Às vezes se sentem inferiorizadas, pois não raro são taxadas de preguiçosas pelos professores, devido ao seu desinteresse em ler e escrever. Muitas acabam apresentando falta de segurança, inibição, falta de interesse pela escola. A autoimagem e, consequentemente, a autoestima diminuem, e isto acarreta um isolamento muito grande da criança ou comportamentos agressivos com os companheiros e professores. É difícil saber se as perturbações afetivas são a causa ou a consequência da incapacidade de integrar a leitura e escrita. A educação psicomotora utiliza o lúdico como instrumento de trabalho na proposta acadêmica. Por meio dessa prática, possibilitamos a aproximação professor- aluno, bem como a interação do grupo. A confiança, segurança e vínculos são estabelecidos gradativamente mediante a interatividade, o toque corporal, a troca afetiva, o olhar, a espontaneidade dos gestos e ações, o respeito com o outro, enfim, estruturas que se formam diante desta relação do diálogo corporal. É muito importante no processo de ensino-aprendizagem a integração e participação ativa do aluno. Ele precisa sentir-se seguro, Fundamentos da Educação Psicomotora
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confiante e sem medo ou vergonha de expor suas dificuldades, tratando com naturalidade e sem bloqueios. O professor, nesse aspecto, é o mediador da ação, por isso deve intervir sempre com muito respeito às individualidades e afetividade na interação. Fatores ambientais
Uma nutrição inadequada pode afetar as habilidades de aprendizagem. A esse respeito, temos que ressaltar duas questões cruciais: a primeira diz respeito à gestação e aos primeiros anos de vida da criança. Na época da formação dos neurônios, uma alimentação inadequada pode acarretar prejuízos muito grandes para a criança, tanto no número de células nervosas, quanto no processo de mielinização. A mielina provoca maior facilidade e velocidade da comunicação entre os centros nervosos e os centros de execução, e também acarreta uma maior facilidade de coordenação e controle muscular. A outra questão se refere à época das aprendizagens escolares. Uma carência ou privação alimentar, tanto quantitativa quanto qualitativa, pode ocasionar o que Pain (1989, p. 29) chama de “ deficit alimentar crônico” e que acarreta, por sua vez, uma “distrofia generalizada” que irá afetar sensivelmente a capacidade de aprender.
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A carência alimentar no período escolar é mais fácil de ser resolvida por um plano de comida na escola. Falta de maturidade para iniciar o processo de alfabetização
A importância da maturidade para o processo de alfabetização tem sido apontada por diversos autores, como Lourenço Filho, Brandão e Piaget. Lourenço Filho (1964, p. 22) diz que para se iniciar a aprendizagem, deve existir um mínimo de maturidade, com a qual ela deve se fundamentar. Brandão (1984, p. 41) acredita que a maturidade é dependente, em parte, do que foi herdado pelas experiências de vida. Piaget (1974) valoriza a maturidade, mas afirma que ela é a condição necessária e não suficiente para explicar todo o desenvolvimento mental.
Condemarín, Chadwick e Militic (1986) salientam que a criança precisa apresentar um nível de maturidade, de desenvolvimento FAEL
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físico, psicológico e social no momento de sua entrada no sistema escolar, pois isto lhe facilitaria enfrentar adequadamente as situações de aprendizagem. Por isso, a educação psicomotora, quando inserida na prática pedagógica da escola básica, constitui, por meio do desenvolvimento progressivo das funções psicomotoras, um elemento fundamental para a maturidade no processo de alfabetização. A maturação da criança está no fato de a escola estimulá-la a atingir estágios que precedem o desenvolvimento cognitivo e social, a partir da aceleração dos períodos críticos das maturações físicas e das aprendizagens psicomotoras fundamentais, que se estendem até o final do primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Deficiências não verbais
Compreendemos como deficiências não verbais as dificuldades em orientação espacial, lateralidade, orientação temporal, especificamente o ritmo, o significado das expressões faciais e limitação de percepção social. Muitas vezes, esses elementos tão importantes no desenvolvimento e formação de nossos educandos são deixados de lado, priorizando somente a leitura escrita. Os professores esquecem de investigar aquela criança que apresenta dificuldades no processo de leitura e escrita, para observar possivelmente a instalação de deficiências não verbais. O trabalho de orientação espacial e lateralidade prepara a criança com toda uma organização para com o espaço gráfico e a aritmética. A orientação temporal organiza o tempo dos verbos em presente, passado e futuro e auxilia para com noções geográficas e de história. O ritmo é fundamental no processo de leitura, pois articula no leitor a interpretação, entonação e pontuações de um texto. Enfim, uma criança integra primeiramente as experiências não verbais, pois delas depende a aquisição de muitas outras aprendizagens. Dislexia
A criança disléxica tem dificuldade de compreender o que está escrito e de escrever o que está pensando, consequentemente, pode alterar a mensagem que recebe ou expressa. Quando tenta expressar-se no papel, Fundamentos da Educação Psicomotora
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o faz de maneira incorreta, o que torna difícil para o leitor compreender suas ideias. Por causa disso, muitos professores confundem dislexia com deficiência intelectual. Essas duas questões não têm relações entre si. A deficiência intelectual apresenta-se como um retardo global, enquanto que o disléxico, muitas vezes, tem um nível intelectual normal e até superior. Normalmente produz bem em todas as disciplinas e só se defronta com dificuldades quando precisa ler e escrever. Dislexia não é uma perda de função, mas um fracasso limitado. Para Santos (apud OLIVEIRA 1997, p. 125), “dislexia, em um sentido restrito, designa somente dificuldades diante da leitura e da escrita dos indivíduos sem outros problemas de aprendizagem e sem deficit sensorial ou de adaptação”. Nesse sentido, a autora vê a dislexia como síndrome pedagógica e apresenta os distúrbios que podem vir associados: distúrbios da fala e da linguagem, da estruturação espaço-temporal, do esquema corporal, do sentido de direção, da percepção do ritmo. Em sentido amplo, a dislexia significa quaisquer dificuldades que as crianças possam apresentar na aprendizagem da leitura, não importando a causa. 130
Os erros mais frequentes apontados em dislexia são: ●
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confusão no reconhecimento de sinais orientados diferentemente (letras simétricas): d e b, n e u, p e q; discriminação auditiva pobre, que se traduz pela confusão entre letras foneticamente semelhantes: t e d, f e v , p e b, ch e f ; leitura e escrita em espelho (imagem especular); repetição de palavras ou sílabas: “o menino menino correu...”, “memenino correu...”; na escrita, união das palavras: umdiaeu fuipassear; inversão na ordem das palavras por falta de orientação temporal: crote por corte; omissão de letras, palavras, sílabas: o meno gostou bolo (o menino gostou do bolo); confusão das letras de formas parecidas: l e i, t e f , i e j, a e o, v e u;
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pular uma linha ou perder a linha quando lê, sem perceber; substituição de palavras por outras ou criação de palavras com significado diferente: soltou por salvou, bebeu por deu; adições ou emissões de sons, sílabas ou palavras: canecão por cação, viver por viaver;
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ilegibilidade na escrita;
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leitura silábica, hesitante, com voz monótona.
A implementação da educação psicomotora no trabalho com a criança dislexa é importantíssima, pois sua prática evidencia a vivência corporal de elementos psicomotores (esquema corporal, lateralidade, orientação espacial, temporal e etc.) que auxiliam o processo de leitura e escrita. Hiperatividade e Distúrbio de Deficit de Atenção (TDAH) A sigla TDAH passou a ser utilizada a partir de 1987, e significa Transtorno de Deficit de Atenção com Hiperatividade. Os sintomas do TDAH devem estar presentes antes dos 7 anos. Pessoas com TDAH geralmente apresentam desatenção, impulsividade e/ou hiperatividade, porém, com diferentes graus de intensidade. ●
Características: •
inquietude (não ficam paradas na sala de aula);
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falam muito com os colegas;
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interrompem a professora de maneira imprópria;
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iniciativas descontroladas;
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tumultuam a classe com brincadeiras fora de hora;
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apresentam desempenho abaixo do esperado por falta de atenção; dificuldades em se organizar; tendência a dizer o que vem à mente, sem considerar o momento e a conveniência do comentário; busca frequente por forte estimulação; Fundamentos da Educação Psicomotora
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facilidade para distrair-se, problemas de concentração, tendência a se desligar ou ficar a deriva no meio de uma página ou diálogo; às vezes acompanhados de uma capacidade de hiperconcentração (dislexia ou deficiência visual); frequentemente criativos, intuitivos e muito inteligentes; dificuldade em seguir caminhos preestabelecidos, em proceder de forma “apropriada”; impaciência. Baixa tolerância a frustração; impulsivos, verbalmente ou nas ações – como gastar dinheiro impulsivamente, mudar de planos, fazer modificações em projetos profissionais; tendência a uma preocupação desnecessária e sem fim. Mostra desatenção ou descaso por perigos palpáveis; sensação de insegurança; humor oscilante, sobretudo quando desvinculado de uma pessoa ou projeto;
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tendência a comportamento aditivo, viciado e compulsivo;
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problemas crônicos de autoestima;
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histórico familiar;
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prevalência no sexo masculino.
Como proceder na escola com o hiperativo: •
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intolerância ao tédio;
trabalhar com pequenos grupos, sem isolar as crianças hiperativas; dar tarefas curtas ou intercaladas, para que elas possam concluí-las;
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elogiar sempre os resultados;
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utilizar jogos e desafios para motivação;
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valorizar a rotina, pois deixa a criança mais segura, com novidades no material pedagógico; quando houver mudanças na escola ou em casa, avisar o hiperativo; permitir que elas consertem os erros, pedindo desculpas quando ofender algum colega; repetir individualmente todo comando que for dado ao grupo, fazendo-o de forma breve e usando sentenças claras;
pedir a elas que repitam o comando para ter certeza de que escutaram e compreenderam; dar uma função oficial às crianças, como ajudantes do professor; mostrar limites de forma segura e tranquila, sem entrar em atrito; orientar os pais a procurarem um psiquiatra, um neurologista ou um psicólogo.
Resumo O propósito deste capítulo não era o de querer que o professor diagnostique, por exemplo, se a criança apresenta dislexia ou qualquer outro problema de aprendizagem. O seu campo de trabalho é pedagógico, e, portanto, deve se limitar a ele. Não deve catalogar ou rotular as crianças, mas reconhecer que existem algumas que apresentam mais dificuldades em leitura e escrita, e que ele deve conhecer e atuar no sentido de tentar corrigir ou minimizar essas dificuldades. Sobre a postura do professor frente às aprendizagens dos alunos, ele deve estar sempre aberto às indagações e dúvidas, tratá-los com respeito e consideração e respeitar o ritmo de cada um, sem rotulá-los, auxiliando-os em suas necessidades. Muitas vezes é necessário dar “um tempo” para eles se desenvolverem. Fundamentos da Educação Psicomotora
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O educador também deve respeitar as dificuldades apresentadas pelas crianças, evitando comentários que possam torná-las alvos de risadas dos colegas, que as exponham ao ridículo. Uma criança que apresenta limitações em leitura e escrita, normalmente sente-se ansiosa quando precisa ler em voz alta ou, ainda, escrever na lousa o que o professor dita. Essa situação causa-lhe agonia e pode provocar diversas situações de fuga. De início, o professor não deve ficar muito preso à sintaxe e à correção de palavras, mas se preocupar com o conteúdo e o sentido expresso. Essa deveria ser uma das primeiras etapas do ensino da leitura e escrita: auxiliar a criança a se expressar e a se comunicar. Deve-se corrigir, mas saber a hora certa. Muitas crianças escutam e falam errado em casa e para elas é uma dificuldade aprender a leitura e a escrita seguindo os moldes da norma culta, da língua padrão. Esse aluno não pode ser classificado, por este motivo, como portador de deficiência de aprendizagem. Ele só está reproduzindo o que é falado em seu primeiro meio de comunicação: a família. E não é fácil trocar seus símbolos sonoros por uma linguagem adequada à norma culta. É por isso que se deve dar um tempo a ele.
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A postura do professor, portanto, frente às dificuldades dos alunos, quaisquer que sejam elas, deve ser conversar sobre elas, fazendo com que seus alunos enxerguem que todo ser humano possui algumas falhas e que isto não deve impedi-los de as aceitarem e se esforçarem para superá-las. O professor pode, também, auxiliá-los a se perceberem positivamente e, ao mesmo tempo, proporcionar-lhes situações que motivem suas participações e interações no grupo. Estruturar, por meio da educação psicomotora, uma atmosfera envolvente e agradável, que favoreça significativamente a aprendizagem acadêmica.
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