GEOLOGIA DE ENGENHARIA
1. INTRODUÇÃO
©
1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA GEOLOGIA DE DE ENGENHARIA. O crescente desenvolvimento das obras de engenharia civil e a necessidade de utilização de terrenos progressivamente de pior qualidade têm levado ao reconhecimento, cada vez mais generalizado, da importância e consequente indispensabilidade da adequada caracterização geológica e geotécnica dos terrenos interessados pela respectiva construção a fim de, com segurança, se prever o seu comportamento em face das respectivas solicitações. Tal tem-se mostrado particularmente evidente em obras cuja implantação interfere significativamente com a estabilidade de elementos da crusta terrestre, nomeadamente obras subterrâneas, barragens, pontes, estradas e vias férreas. Simultaneamente, o desenvolvimento dos conceitos de planeamento e de protecção do ambiente, tem conduzido a uma participação cada vez maior de estudos geológicos e geotécnicos das respectivas regiões na definição das aptidões dos terrenos para as diversas ocupações possíveis ou desejáveis. Pode pois dizer-se que é hoje prática corrente fazer acompanhar o estudo de barragens, pontes, túneis, estradas, obras marítimas, edifícios, materiais de construção, planos de desenvolvimento regional e urbano, etc., do reconhecimento geológico e caracterização geotécnica dos terrenos directa ou indirectamente associados ao empreendimento, dependendo o pormenor desse reconhecimento da natureza das formações geológicas e do tipo e grandeza das solicitações. Aceita-se, para certos casos mais simples, que o estudo geológico e geotécnico se limite ao reconhecimento geológico de superfície desde que efectuado por técnico com a formação adequada, enquanto, para outros, ter-se-á que recorrer a diversas técnicas de prospecção e de ensaio até se conseguir uma descrição satisfatória das características dos terrenos interessados pelas obras ou, ainda, ao acompanhamento durante a sua construção para ir confrontando os estudos anteriormente realizados com as situações realmente encontradas.
Texto adaptado dos elementos de consulta da disciplina de Geologia de Engenharia da Universidade Nova de Lisboa, leccionada pelo Professor Dr. Ricardo Oliveira. ©
INTRODUÇÃO
1.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Compreende-se, assim, que embora já desde o fim do século dezanove aparecessem referidas no âmbito de grandes projectos de engenharia preocupações relativas à importância das características das formações geológicas na sua estabilidade (um significativo exemplo português é o estudo geológico que acompanhou a escavação do túnel do Rossio, em Lisboa, realizado por Paul Choffat em 1889), só na segunda metade do século vinte se tenha assistido ao aparecimento de Geologia de Engenharia como ramo científico independente e de âmbito definido e, também, ao seu progressivo desenvolvimento. Poderá dizer-se que os primeiros escritos com caracter sistemático aparecem no século passado no fim da década de 20 e início da década de 30 (como as conhecidas obras de K., Redlich, K. Terzaghi e R. Kampe - Ingenieurgeologie, 1929, e de Maurice Lugeon - Géologie des Barrages, 1933), mas é só no início da década de 50 que se deve situar o estabelecimento formal da Geologia da Engenharia. É dessa época o aparecimento dos primeiros tratados de Geologia de Engenharia e o início de actividades de ensino universitário com caracter sistemático. Como consequência lógica dessa evolução e como necessidade de coordenação e de estruturação da Geologia de Engenharia a nível internacional, é criada em 1968 a Associação Internacional de Geologia da Engenharia que organizou o seu primeiro congresso, em Paris, em 1970. Nos estatutos então publicados (1968), a Geologia da Engenharia está definida como a ciência que estuda as propriedades físico-químicas e mecânicas da crusta terrestre, quer em amostras, quer in situ ,
o mais correctamente possível, que transmite esses conhecimentos geológicos com vista à utilização dos terrenos, especialmente do ponto de vista da engenharia, tendo em vista a segurança e o maior benefício para a humanidade, cobrindo assim, as aplicações das ciências da terra à engenharia, planeamento, construção, prospecção, ensaios e exploração de materiais geológicos. Esta definição, de carácter muito geral, pode considerar-se à luz dos conceitos actuais, bastante desactualizada e a necessitar de uma clara reformulação. Embora variem significativamente as definições que aparecem na bibliografia, reflectindo normalmente a formação básica dos seus autores, pode dizer-se que existe apreciável convergência nos seguintes tópicos (Dearman, W. e R.
Oliveira, 1978): −
a Geologia de Engenharia é a ciência que se ocupa, sobretudo, da aplicação da Geologia a obras de Engenharia Civil Civil e ao estudo de problemas do ambiente ambiente que afectam a crusta terrestre;
−
1.2
o âmbito da Geologia Geologia de Engenharia cobre: a definição da geomorfologia, estrutura, litologia e certas características hidrogeológicas das formações geológicas; a caracterização (físicomecânica, química e mineralógica) dos materiais; a definição do comportamento mecânico de maciços terrosos e rochosos; a previsão da evolução daquelas propriedades durante a vida das
INTRODUÇÃO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
obras; e a definição das medidas apropriadas para melhorar ou manter as propriedades relevantes dos terrenos. Pode pois considerar-se a Geologia de Engenharia fazendo a ligação entre a Geologia e a Engenharia, nomeadamente a Engenharia Civil, aparecendo simultaneamente como uma das disciplinas da Geotecnia e um dos ramos das Ciências Geológicas, baseando o seu corpo científico quer em disciplinas no âmbito da Engenharia, quer do âmbito da Geologia. Destas, as mais importantes são a Petrografia, a Tectónica e a Hidrogeologia, mas a Geomorfologia, a Sedimentologia e a Sismologia têm frequentemente papel de relevo. Das disciplinas da Engenharia são, sem dúvida, a Mecânica dos Sólidos e a Mecânica dos Fluidos, ao nível das ciências básicas, e a Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas, ao nível das Ciências aplicadas, aquelas que têm maior influência e afinidade com a Geologia de Engenharia e consequentemente aquelas com as quais o especialista tem que estar bem familiarizado. Com efeito, a Geologia de Engenharia, a Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas, que conjuntamente constituem o núcleo do ramo do saber designado por Geotecnia, têm como objecto de estudo os materiais geológicos da camada superficial da crusta terrestre, resultando daqui que não é clara, muitas vezes, a linha de separação dos seus domínios de actividade. De um modo geral, contudo, poderá dizer-se que a Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas têm a seu cargo a aplicação dos princípios da Mecânica e a solução dos problemas de estabilidade à custa de cálculos numéricos mais ou menos complexos, enquanto que à Geologia de Engenharia cabe o estudo das características geológicas que determinam os parâmetros numéricos e a sua distribuição geométrica num dado maciço (zonamento (zonamento geotécnico), geotécnico), fornecendo elementos para a análise da sua importância geotécnica. É evidente que problemas como os da génese, constituição, consolidação e permeabilidade de solos estão igualmente ligados à Geologia de Engenharia e à Mecânica dos Solos e que problemas como os da composição, textura, alteração e alterabilidade de rochas ou da definição das características tectónicas e hidrogeológicas de maciços rochosos interessam do mesmo modo à Geologia de Engenharia e à Mecânica das Rochas. Da sobreposição destas disciplinas resulta, pois, a necessidade de um trabalho de equipa entre os diversos especialistas que intervêm na resolução dos problemas e destes com os técnicos que têm a seu cargo o planeamento e a coordenação dos projectos respectivos. Aparece assim a Geologia de Engenharia, tendo como finalidade essencial contribuir para o projecto económico e seguro dos empreendimentos de Engenharia Civil e, consequentemente, para a redução de insucessos que se cifram sempre em danos materiais importantes e, muitas vezes, em perda de vidas.
INTRODUÇÃO
1.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Embora se compreenda que a resenha de insucessos, sobretudo os de graves consequências, seja difícil de objectivar em muitos casos, tem-se conhecimento de algumas situações em que a realização de estudos geológicos e geotécnicos adequados e (ou) o acompanhamento da obra por técnicos especializados os teria permitido eliminar ou, pelo menos, reduzir significativamente. Em muitos casos, foi a invocação da falta de tempo para a realização dos necessários estudos a causa apresentada para a sua ausência ou drástica redução na fase de projecto dos empreendimentos, verificando-se depois que os atrasos em obra, resultantes da ausência ou não adequabilidade dos estudos geológicos e geotécnicos, chegaram a ser iguais ou mesmo superiores ao tempo programado para a fase de construção. Esta situação tem ocorrido com maior frequência e importância para certos tipos de obras dos quais se destacam as estradas, especialmente no caso de grandes taludes de escavação, as obras subterrâneas e as barragens. Em relação às barragens, um estudo levado a cabo pela Comissão Internacional das Grandes Barragens (Lessons from Dam Incidents, 1973) evidenciou que, de 250 acidentes com barragens de vários tipos e dimensões, objecto do inquérito realizado, cerca de 40% foram devidos a condições deficientes de fundação e, destes, 30% ficaram a dever-se a deficiências nos estudos geológicos e geotécnicos. Deve referir-se, no entanto, que grande parte dos casos estudados diz respeito a barragens construídas há já algumas dezenas de anos e que o panorama actual tem vindo, pelo menos quantitativamente, a modificar-se significativamente. Apesar disso, têmse verificado alguns acidentes importantes relativamente recentes, em especial com barragens de terra de grande altura (um dos mais importantes dos últimos anos foi o acidente com a barragem de Teton, de 90 m de altura, nos Estados Unidos, que rompeu em 1976, provocando o esvaziamento brusco de toda a água da albufeira) que servem para continuar a alertar para a necessidade de conduzir estudos geológicos e geotécnicos pormenorizados para informarem os projectos das grandes obras de engenharia, tanto mais que o seu custo é, normalmente, insignificante quando comparado com o custo da construção ou até do respectivo projecto. Embora variando com o tipo e dimensão das obras e com a complexidade geológica dos terrenos interessados, constata-se que o custo da condução de estudos geológicos e geotécnicos adequados, incluindo o custo de trabalhos de prospecção e de ensaios de campo e de laboratório, raramente ultrapassa 1% do custo da construção civil do empreendimento e se situa entre 10% e 20% do custo do projecto. Em situações singulares, aceita-se que aquelas percentagens subam até 5%, em relação ao custo de obra, e até 50%, em relação ao custo do projecto.
1.4
INTRODUÇÃO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
1.2 METODOLOGIA DA GEOLOGIA DE ENGENHARIA Os estudos geológicos e geotécnicos devem ser programados por fases, utilizando métodos de reconhecimento progressivamente mais sofisticados e dispendiosos, acompanhando as próprias fases de execução do projecto e construção de cada empreendimento e visando, no final, o zonamento geotécnico dos maciços geológicos interessados pelas obras com pormenor adequado a cada caso. O responsável pelos estudos tem que os conduzir de forma a esclarecer as questões relevantes para o projecto e a dá-los por terminados logo que a informação necessária esteja obtida, ainda que, eventualmente, alguns problemas da geologia local ou regional que não interfiram com o problema, possam estar insuficientemente esclarecidos. De um modo geral, as características mais visadas com o estudo geológico e geotécnico dos maciços são a sua deformabilidade e resistência ao corte e frequentemente a sua permeabilidade (em especial no caso de obras hidráulicas e de certos tipos de obras em escavação) e o estado de tensão
in situ (sobretudo
no caso de obras subterrâneas profundas). Assim, o responsável pelos
estudos, em face de um dado problema e de posse do conhecimento das técnicas de reconhecimento, prospecção e ensaio e do funcionamento das estruturas, e, como se disse, sempre em colaboração com os outros especialistas intervenientes no projecto do empreendimento, deverá elaborar um programa de estudos geológicos e geotécnicos que permita responder de forma mais económica e eficiente às questões que lhe forem sendo postas no decorrer de cada uma das fases do empreendimento. Em relação aos grandes empreendimentos no âmbito da Engenharia Civil é frequente o desenvolvimento ocorrer durante as fases de Estudo Prévio (ou de Viabilidade), Anteprojecto (ou Projecto Base), Projecto (ou Projecto de Execução) e construção, havendo ainda em regra lugar à participação da Geologia de Engenharia na fase de entrada em serviço das obras, a propósito da interpretação das medições resultantes da observação do seu comportamento. No quadro seguinte esquematiza-se, para os casos mais gerais, as tarefas do âmbito de Geologia da Engenharia em relação com cada uma das fases do empreendimento: FASE DO PROJECTO ESTUDOS GEOLÓGICOS E GEOTÉCNICOS
INTRODUÇÃO
ESTUDO PRÉVIO
Reconhecimento
ANTE PROJECTO
Campanha preliminar de prospecção
PROJECTO
CONSTRUÇÃO
FUNCIONAMENTO
Campanha Interpretação complementar Acompanhamento dos de da obra resultados de prospecção e observação ensaios
1.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Com efeito, considera-se que na maior parte dos casos em que as fases do empreendimento estão assim escalonadas, durante o Estudo Prévio a informação resulta essencialmente dos dados obtidos no reconhecimento que deverá incluir a análise de elementos topográficos, geológicos, sismológicos e geotécnicos existentes, a interpretação geológica da fotografia aérea da região e do reconhecimento geológico da superfície do terreno. Apesar de, nesta fase, em regra, não se recorrer a trabalhos de prospecção (por vezes utilizam-se técnicas expeditas como prospecção geofísica, trados, poços e ensaios de penetração) é indispensável que o reconhecimento seja orientado pela necessidade de obter resposta para os problemas geotécnicos que, com maior probabilidade, irão ser levantados pela construção do empreendimento. Muitas vezes, uma das tarefas desta fase é o da selecção de locais alternativos para um mesmo empreendimento. Trata-se de uma situação relativamente frequente para certos tipos de obras em que a influência das condições geológicas é altamente significativa na viabilidade do empreendimento, como é o caso de barragens, de centrais subterrâneas, de centrais nucleares e de estradas. No caso de barragens é, em regra, nesta fase que é tomada a opção sobre o tipo de obra mais adequado, opção essa que resulta em muitos casos da disponibilidade em materiais de construção (barragem de terra, de betão ou de enrocamento). As considerações geológicas e geotécnicas relativas à fase de Estudo Prévio são em regra condensadas num relatório preliminar que frequentemente contém, a terminar, uma proposta de programa de trabalhos de prospecção e ensaios. Este primeiro programa de trabalhos, a realizar na fase de Anteprojecto, deverá iniciar-se pela aplicação dos métodos mais expeditos (nomeadamente métodos de prospecção geofísica, valas e trincheiras, trados) aos quais de forma progressiva se seguirão outros métodos de prospecção e ensaio (sondagens mecânicas, galerias, ensaios in situ , ensaios de laboratório), com vista a possibilitar um primeiro zonamento geotécnico dos maciços interessados. Pode dizer-se que a fase de Anteprojecto de um empreendimento termina com a escolha definitiva da respectiva solução e o seu pré-dimensionamento, restando para a fase de projecto a pormenorização do dimensionamento de todos os elementos ou orgãos do empreendimento. Do ponto de vista da Geologia da Engenharia as actividades na fase de Projecto compreendem a pormenorização do zonamento geotécnico iniciado na fase anterior, nomeadamente à custa de mais informação de natureza quantitativa que permita a fixação dos parâmetros de cálculo necessários às análises de estabilidade das estruturas, sobretudo à custa da realização de ensaios in situ , e a caracterização de zonas não anteriormente contempladas por trabalhos de prospecção mas que, em face da evolução das soluções de projecto, passaram a interessar o empreendimento.
1.6
INTRODUÇÃO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Quando estas duas fases - Anteprojecto e Projecto - são nitidamente separadas, o que é frequente no caso de projectos importantes, a cada uma delas corresponde um relatório geológico e geotécnico com a integração de toda a informação existente até à data da respectiva apresentação. A necessidade da intervenção da Geologia de Engenharia num empreendimento não termina, como se disse já, com a apresentação do Projecto, sendo cada vez mais frequente a participação de especialistas no campo da geotecnia nas equipas que executam ou acompanham a execução das obras. Para certas estruturas (o caso dos túneis será porventura o exemplo mais claro) a elaboração do Projecto com o pormenor que é normalmente exigido em trabalhos de engenharia civil só é possível durante a fase de construção e à medida que vão progredindo os trabalhos, o que exige um acompanhamento permanente. Nesta fase há pois que confrontar as hipóteses de projecto com as situações reais que vão sendo encontradas durante as escavações dos terrenos e, quando for caso disso, fazer sugestões de adaptação do projecto às situações realmente existentes. Para além disso, há lugar a todo um trabalho de mapeamento das superfícies escavadas e ao cadastro de todas as ocorrências significativas no decorrer dos trabalhos, resultando daqui que somente nesta fase se poderá, em muitos casos, elaborar o relatório geológico e geotécnico final relativo ao empreendimento. Em certos tipos de estruturas (barragens, túneis e taludes, por exemplo) há ainda lugar a uma participação significativa na fase de serviço das obras, através de tarefas de interpretação das medições com os equipamentos de observação do comportamento.
INTRODUÇÃO
1.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
2. PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.1 Introdução Todos os processos geológicos estão de certa maneira dependentes das propriedades dos minerais e rochas. Erupções vulcânicas, movimentos tectónicos, os efeitos das acções de erosão e alteração, e mesmo as vibrações sísmicas, envolvem sempre determinadas características dos minerais e rochas. Consequentemente, um conhecimento básico dos materiais constituintes da terra é essencial para a compreensão de todos os fenómenos geológicos. A classificação geológica dos terrenos inclui sempre alguma informação básica sobre o comportamento a esperar destes em relação à implantação de obras de Engenharia Civil.
2.2 Minerais O termo mineral pode ter vários significados consoante a formação da pessoa que o utiliza. De facto os minerais são substâncias por vezes muito comuns. As areias e outros solos são dois exemplos comuns de substâncias compostas essencialmente por minerais. Um mineral é qualquer substância sólida inorgânica. Cada mineral tem uma estrutura química definida que lhe confere um conjunto único de propriedades físicas. A rocha, por contraste, pode ser definida simplesmente como um agregado de um ou mais minerais. O termo agregado significa que os minerais se apresentam misturados mas mantendo as suas propriedades individuais. Apesar da maioria das rochas serem compostas por mais de um mineral, alguns minerais podem apresentar-se em grandes quantidades impuras. Nestas circunstâncias são considerados como rochas. Um exemplo comum é o mineral calcite que frequentemente é o constituinte principal de grandes unidades rochosas que são os calcários. Actualmente são conhecidos mais de quatro mil minerais. Só algumas dezenas são mais abundantes e constituem a maioria dos minerais que formam as rochas. Os minerais são sólidos formados por processos não orgânicos. A maior parte dos minerais possui uma estrutura ordenada de átomos (estrutura cristalina) e uma composição química particular correspondente a um conjunto definido de características. Para a identificação de um mineral são observadas determinadas propriedades físicas que, em geral, não necessitam a utilização de meios
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
sofisticados. Entre as propriedades de um mineral constituinte de uma determinada rocha algumas podem ter uma influência directa nas propriedades desta. Nos minerais, e também nas rochas, as propriedades podem ser vectoriais ou escalares conforme dependem ou não da direcção em que são medidas ou observadas. A dureza, a clivagem, a resistência à compressão são exemplos de propriedades vectoriais enquanto que o peso volúmico e a porosidade são propriedades escalares. As propriedades vectoriais podem ser contínuas (ex. resistência à compressão) ou descontínuas (ex. clivagem). Relativamente às propriedades direccionais contínuas, se um mineral ou rocha apresentar sempre o mesmo valor para uma determinada propriedade independentemente da direcção em que esta é medida o material diz-se isotrópico para essa propriedade. Pelo contrário, se houver uma direcção em que a propriedade apresenta um valor máximo e outra em que o valor observado é mínimo o material diz-se anisotrópico. Além das propriedades dos minerais referidas em seguida existem outras que não têm um interesse e influência directa na Engenharia Civil (características de luminosidade, eléctricas e magnéticas por exemplo). 2.2.1 Forma Cristalina
A maior parte dos minerais não exibe uma forma cristalina, tal como a representada em dois exemplares da Figura 2.1 para o mineral quartzo, que reflecte externamente o arranjo interno dos átomos constituintes. A razão é porque a maior parte dos cristais forma-se num espaço sem as condições óptimas necessárias para o crescimento destes resultando num aglomerado sem uma geometria definida embora a matéria continue a ser toda cristalina.
Figura 2.1 − Vários aspectos físicos do mesmo m ineral (quartzo).
2.2
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
2.2.2 Cor
A cor é uma propriedade óbvia de um mineral mas não é muito adequada à sua identificação. Alguns minerais podem apresentar cores variadas resultantes da inclusão de impurezas na sua estrutura cristalina. O quartzo apresenta cores que vão deste o branco ao negro, passando pelo verde, rosado e púrpura. Outros minerais apresentam uma cor que não varia significativamente. Os minerais de brilho metálico, por exemplo, apresentam na sua grande generalidade, cores constantes e definidas, facilitando a sua identificação. A cor de um mineral deve ser observada numa superfície recente, uma vez que pode sofrer alterações. 2.2.3 Risca
A risca ou traço de um mineral é a cor do pó desse mineral. Enquanto a cor dum mineral pode variar o mesmo já não acontece tão frequentemente com a cor do seu pó pelo que esta pode ser utilizada como característica de identificação. Minerais que macroscopicamente apresentam cores idênticas podem apresentar cores de traço absolutamente distintas, pelo que podem ser diferenciados através desta propriedade. De um modo geral, os minerais de brilho metálico ou submetálico produzem traços pretos ou de cor escura enquanto que os minerais de brilho não-metálico produzem traços incolores ou de cores claras. 2.2.4 Brilho
Define-se o brilho como a aparência ou qualidade da luz reflectida pela superfície do mineral. Consideram-se três tipos fundamentais de brilho: •
•
Brilho metálico − característico dos minerais opacos, ou quase opacos, e que têm a aparência brilhante de um metal; as superfícies destes minerais são bastante reflectoras; Brilho não-metálico − característico de substâncias transparentes ou translúcidas e sem a aparência brilhante de um metal; no brilho não-metálico incluem-se, entre outros, os seguintes tipos de brilho: vítreo, resinoso, nacarado e gorduroso.
2.2.5 Clivagem
A ruptura de alguns minerais ocorre, preferencialmente, segundo superfícies planas e brilhantes. A esta propriedade dá-se o nome de clivagem e aos planos, segundo os quais ela ocorre, planos de clivagem. Estes correspondem a planos de fraqueza na estrutura cristalina desses minerais, ou seja, correspondem a planos reticulares entre os quais as forças de ligação são fracas.
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
2.2.6 Fractura
Designa-se por fractura ao modo pelo qual um mineral se rompe quando a ruptura não ocorre ao longo de superfícies de clivagem. As superfícies de fractura não correspondem, ao contrário das superfícies de clivagem, a planos reticulares da estrutura do mineral, mas sim a superfícies que os intersectam e segundo as quais as ligações químicas são mais fracas. 2.2.7 Dureza
A dureza é uma propriedade importante dos minerais uma vez que cada mineral apresenta valores característicos, facilmente determináveis. Podemos definir dureza como sendo a resistência que um mineral oferece ao ser riscado por outro ou por um objecto. A dureza também depende da estrutura interna do cristal (tal como as outras propriedades físicas), isto é, quanto mais fortes forem as ligações químicas mais duro é o mineral. A dureza é uma propriedade geologicamente importante uma vez que traduz a facilidade ou dificuldade com que um mineral se desgasta quando submetido à acção abrasiva da água, do vento e do gelo nos processos de erosão e transporte. Em 1822, Friedrich Mohs, um mineralogista alemão, imaginou uma escala de dureza baseada na capacidade de um mineral riscar outro. A escala de Mohs (Tabela 2.1), composta por dez minerais de dureza conhecida, permite determinar a dureza relativa de um mineral, mediante a facilidade ou dificuldade com que é riscado por outro. 2.2.8 Peso volúmico e densidade
A densidade relativa indica quantas vezes um material é mais pesado do que um igual volume de água a 4º C. Se um mineral tem densidade relativa 2, isto significa que ele pesa duas vezes mais que o mesmo volume de água. O peso volúmico ou peso específico (ver exemplos para minerais na Tabela 2.2) define-se como o peso por unidade de volume e será referido adiante com mais detalhe como propriedade das rochas.
2.3 O ciclo das rochas As rochas estão todas envolvidas num ciclo de transformação que se pode repetir indefinidamente. O ciclo das rochas (Figura 2.2) é um meio de visualizar a origem dos três tipos básicos de rochas e o modo como os vários processos geológicos transformam um tipo de rocha noutro diferente. O conceito do ciclo das rochas pode ser considerado como a base da geologia física. As setas na Figura 2.2 indicam os processos químicos e físicos e as caixas representam os materiais da terra.
2.4
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 2.1: Escala de Mohs. Mineral
Tabela 2.2: Pesos volúmicos de minerais. 3
Dureza
Mineral
Talco
1
Biotite
27,5-31,4
Gesso
2
Calcite
26,7
Calcite
3
Caulinite
25,5
Fluorite
4
Feldspato
25,0-27,1
Apatite
5
Gesso
22,8
Felspato
6
Halite
21,2
Quartzo
7
Hematite
51,6
Topázio
8
Moscovite
27,1-28,2
Corindo
9
Pirite
49,2
Diamante
10
Arrefecimento e solidificação
Rocha Ígnea
Erosão, transporte e deposição
γ (kN/m
)
MAGMA Fusão
Pressão e temperatura
Rocha Metamórfica
ã o s i ç e p o d e o r te p s t r a n ã o, s o E r
Sedimentos Erosão, transporte e deposição
Pressão e temperatura
Rocha Sedimentar
Cimentação e compactação (litificação)
Figura 2.2 − O ciclo das r ochas.
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
O primeiro tipo de rochas, designadas como ígneas (formadas pelo fogo), origina-se quando um material no estado líquido chamado magma arrefece e solidifica. Este processo chamado cristalização pode ocorrer muito abaixo da superfície da terra ou, no seguimento de uma erupção vulcânica, à superfície desta. Em profundidade o arrefecimento é normalmente lento enquanto que à superfície é rápido. As rochas ígneas resultantes têm assim características diferentes. Quando as rochas ígneas ficam expostas à superfície da terra podem sofrer processos de alteração e erosão que vão lentamente desagregando e decompondo as rochas. Os materiais resultantes podem ser transportados por vários meios (gravidade, água, glaciares, vento e ondas) constituindo os sedimentos. A partir do momento em que são depositados, normalmente em camadas horizontais (no oceano, por exemplo), irão sofrer um processo de litificação (conversão para rocha). Os sedimentos são litificados pela compactação resultante do peso das camadas superiores e pela cimentação resultante da precipitação de matéria mineral transportada pela água de percolação que preenche os poros. As rochas sedimentares resultantes encontram-se assim profundamente enterradas podendo ser envolvidas em processos tectónicos de formação de montanhas ou ser submetidas a grandes pressões e temperaturas. As rochas sedimentares irão sofrer as consequências da sua alteração de ambiente e transformar-se em outros tipos de rochas (rochas metamórficas). Eventualmente as rochas metamórficas poderão ser submetidas a pressões e temperaturas ainda maiores, fundindo e constituindo outra vez magma fechando, assim, o ciclo das rochas. O percurso indicado pelo círculo não é necessariamente o percurso seguido na transformação das rochas em tipos diferentes. As rochas ígneas, antes de serem expostas a processos de erosão e alteração à superfície, podem ser submetidas a pressões e temperaturas em profundidades maiores e transformar-se em rochas metamórficas. Por outro lado, rochas metamórficas e sedimentares podem ser expostas à superfície a processos de erosão e transformar-se em sedimentos de onde podem resultar novas rochas sedimentares. Ao estudar as características dos três tipos de rochas é importante ter sempre em consideração o ciclo das rochas. Estas podem parecer que são grandes massas imutáveis quando na realidade não o são. As modificações demoram geralmente períodos de tempo que ultrapassam na maior parte dos casos a escala humana de tempo.
2.4 Rochas ígneas As rochas ígneas formam-se quando o magma arrefece e cristaliza. Esta rocha fundida, com origem a profundidades até 200 km no interior da Terra, compõe-se de elementos encontrados nos minerais do tipo silicatos e de alguns gases, sobretudo vapor de água, todos confinados no magma pela pressão das rochas confinantes. Como a massa magmática é menos densa que os maciços de rochas circundantes força o seu movimento em direcção à superfície podendo escapar-se de modo violento produzindo uma erupção vulcânica (Figura 2.3). O material expelido durante uma erupção vulcânica
2.6
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
pode ser acompanhado pela libertação de gases devido à diminuição de pressão à superfície originando explosões por vezes muito violentas. Acompanhando a projecção de blocos rochosos a erupção pode gerar o derrame de grandes quantidades de lava, cuja composição é semelhante à do magma mas sem a maior parte dos componentes gasosos.
Figura 2.3 − Erupção vulcânica.
A rocha resultante da solidificação da lava é classificada como extrusiva ou vulcânica, sendo o basalto o exemplo mais conhecido. Quando o magma não alcança a superfície pode eventualmente solidificar e cristalizar em profundidade, num processo bastante mais lento formando uma massa sólida de cristais imbricados entre si. As rochas ígneas produzidas deste modo são chamadas intrusivas ou plutónicas, das quais o granito é o exemplo mais abundante (Figura 2.4), e só aparecem à superfície após a actuação de movimentos tectónicos e a acção de processos de erosão das camadas de rochas superiores. Quando a solidificação do magma se verifica em profundidades intermédias, formando filões, as rochas resultantes designam-se por hipoabissais (exemplo do dolerito). A velocidade do arrefecimento do magma vai originar cristais de diferentes tamanhos. Um arrefecimento lento produz cristais de grandes dimensões enquanto que um arrefecimento rápido irá originar uma massa rochosa formada por cristais de pequenas dimensões, por vezes impossíveis de observar sem meios de ampliação. Quando o arrefecimento é extremamente rápido não há formação de cristais formando-se uma matéria sólida sem estrutura cristalina (matéria amorfa).
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 2.4 − Formação característica dos maciços graníticos (Serra da Estrela).
2.4.1 Textura e composição mineral
Existe uma grande variedade de rochas ígneas que se diferenciam com base na sua textura e composição mineral. O termo textura, quando aplicado a rocha ígneas, é usado para descrever a aparência geral da rocha com base no tamanho e disposição dos seus cristais interligados. A textura é uma característica muito importante da rocha porque pode revelar informação qualitativa importante sobre o ambiente em que a rocha foi formada e sobre as suas propriedades, como por exemplo, a resistência e deformabilidade. Quando grandes massas de magma solidificam a grande profundidade formam-se rochas ígneas com uma textura de grãos grossos (Figura 2.5.a). A sua aparência é de um agregado de cristais interligados com tamanho suficiente para serem identificados individualmente por simples observação (textura fanerítica). As rochas ígneas formadas à superfície ou em pequenas bolsas magmáticas a pouca profundidade têm um arrefecimento rápido originando uma textura de grãos finos por vezes impossíveis de diferenciar sem recorrer a observação microscópica (textura afanítica e Figura 2.5.b). Para ter uma ideia das diferentes velocidades de arrefecimento do magma, uma rocha vulcânica pode formar-se em alguns minutos enquanto que uma rocha plutónica pode resultar do arrefecimento de uma grande massa de magma durante milhares de anos. Nem todos os minerais componentes do magma cristalizam à mesma velocidade. Alguns podem já ter um certo tamanho quando outros iniciam a sua cristalização. Por exemplo quando o magma aflora à superfície pode já conter alguns cristais levando assim a massa ainda líquida a arrefecer mais rapidamente originando uma rocha com uma textura particular de cristais grandes envolvidos por uma matriz de cristais mais pequenos (textura porfirítica).
2.8
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
(a)
(b)
Figura 2.5 − (a) Granito – Textura de grãos grossos (fanerítica); ( b) Riolito – Textura de grão muito fino (afanítica).
2.4.2 Classificação das rochas ígneas
As rochas ígneas são classificadas, ou agrupadas, com base na sua textura e composição mineral. As várias texturas ígneas resultam dos diferentes padrões de arrefecimento enquanto que a composição mineral de uma rocha ígnea depende dos componentes do magma inicial e do ambiente de cristalização. As rochas do lado direito da Tabela 2.3 são compostas por determinados minerais cuja cristalização se dá em primeiro lugar. O seu alto conteúdo em ferro e magnésio faz com que tenham uma cor escura e uma maior densidade que outras rochas. O basalto é a rocha ígnea extrusiva mais comum. As ilhas dos Açores, com excepção de Santa Maria, são todas constituídas principalmente por basaltos. No lado esquerdo da Tabela 2.3 estão as rochas ígneas com minerais que são os últimos a cristalizar. O granito é a rocha ígnea intrusiva mais comum, em parte pela sua abundância e pelo seu uso generalizado na construção e decoração. O granito está geralmente associado aos processos tectónicos ligados à formação de montanhas. Por ser mais resistente à erosão e alteração que as outras rochas forma frequentemente o núcleo principal das cadeias montanhosas. É importante notar que duas rochas podem ter a m esma composição mineral mas texturas diferentes. O granito, rocha intrusiva de grão grosso, tem o seu equivalente vulcânico no riolito, rocha de grão muito fino. Existe uma grande variedade de rochas entre as de composição granítica e basáltica, das quais se referem alguns exemplos na Tabela 2.3.
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.9
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 2.3: Rochas ígneas mais c omuns. Félsico
Intermédio
Máfico Ultramáfico
(granítico)
(andesítico)
(basáltico)
Intrusivo (grão grosso)
Granito
Diorito
Gabro
Peridotito
Extrusivo (grão fino)
Riolito
Andesito
Basalto
—
Quartzo
Hornblenda
Feldspato cálcico
Olivina
Feldspato potássico
Feldspato sódico
Piroxena
Piroxena
Feldspato sódico
Feldspato cálcico Biotite
Olivina
Piroxena
Hornblenda
Feldspato cálcico
Composição Mineral
Moscovite Componentes Minerais Biotite Secundários Hornblenda
Notas: Félsico – grupo de minerais de cor clara; o nome vem de de feldspato, feldspatóide e sílica; Máfico – com minerais ferromagnesianos ferromagnesianos de de cor escura; biotite, piroxena, hornblenda. hornblenda.
2.5 Rochas sedimentares Os materiais resultantes dos processos erosivos constituem a base para a formação das rochas sedimentares. A palavra sedimentar ilustra a natureza destas rochas uma vez que significa o resultado do processo de deposição dos sedimentos em suspensão ou transportados por um fluido, normalmente a água. Os geólogos estimam que as rochas sedimentares constituem apenas 5% da camada exterior de 16 km de espessura da Terra. No entanto a importância deste grupo de rochas é muito maior do que aquela que esta percentagem poderia indicar. A maioria de formações rochosas à superfície são de natureza sedimentar (cerca de 75%) o que está relacionado com o facto de os sedimentos se acumularem à superfície da terra (Figura 2.6). Como as rochas sedimentares têm a sua origem na deposição sucessiva de camadas horizontais de sedimentos apresentam-se normalmente em estratos cuja inclinação varia consoante a acção de movimentos tectónicos ao longo da vida geológica das formações. É de referir que muitas rochas sedimentares têm uma grande importância económica. O carvão, por exemplo, é classificado como uma rocha sedimentar. O petróleo e o gás natural são também encontrados em associação com outras rochas sedimentares tais como por exemplo o sal-gema.
2.10
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
2.5.1 Litificação
A litificação inclui os processos que transformam sedimentos não consolidados em rochas sedimentares sólidas. Um dos processos mais comuns é a compactação, ou seja a acção do peso das camadas de sedimentos suprajacentes. suprajacentes. À medida que os sedimentos são comprimidos pelo peso das camadas superiores há uma redução considerável do volume dos poros. Com o peso de milhares de metros de outras camadas a actuar durante milhares de anos originam-se as rochas sedimentares dispostas em estratos originariamente horizontais. A compactação tem um efeito maior sobre sedimentos de partículas finas como as argilas originando, por exemplo, os xistos argilosos. Alguns maciços de rochas sedimentares podem apresentar estratificação entrecruzada resultante de períodos de sedimentação espaçados no tempo e de acidentes tectónicos (ex. falhas) (Figura 2.7). A cimentação constitui outro processo importante através do qual os sedimentos se transformam em rochas sedimentares. O material de cimentação pode ser transportado pela percolação de água através dos poros existentes entre as partículas dos sedimentos. Com o tempo, o cimento vai precipitando sobre os grãos preenchendo os vazios e criando ligações físicas entre as partículas. Calcite, sílica e óxido de ferro são alguns dos cimentos mais comuns. A identificação do tipo de cimento é relativamente fácil de fazer: a calcite reage com o ácido clorídrico, a sílica é o cimento mais duro e o óxido de ferro confere uma cor alaranjada ou vermelha à rocha.
Figura 2.6 − Maciço de rochas sedimentares (Baleal, Peniche).
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.11
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 2.7 − Maciço sedimentar com estratificação entrecruzada (La Corniche, Beirute).
2.5.2 Classificação das rochas sedimentares
Os materiais que se acumulam como sedimentos têm duas origens principais. principais. Os sedimentos podem ser acumulações de materiais resultantes dos processos erosivos e transportados na forma de partículas. As rochas sedimentares são neste caso chamadas de detríticas. O segundo grande grupo de origem dos sedimentos corresponde aos materiais produzidos por precipitação química, de origem inorgânica ou orgânica. São as chamadas rochas sedimentares químicas. 2.5.2.1 Rochas sedimentares sedimentares detríticas
Embora exista uma grande variedade de minerais e fragmentos de rochas na composição das rochas detríticas os principais componentes são minerais de argila e quartzo. Os minerais de argila são o produto mais abundante resultante da alteração dos minerais do grupo dos silicatos, especialmente os feldspatos. Por outro lado o quartzo deve a sua grande abundância ao facto de ser muito resistente, tanto do ponto de vista mecânico como químico. O tamanho das partículas é a característica principal que permite distinguir os vários tipos de rochas sedimentares detríticas (Figura 2.8 e Tabela 2.4). O tamanho das partículas de uma rocha detrítica pode ser usualmente correlacionado com a energia do meio de transporte dos sedimentos. As correntes de água e vento distribuem as partículas por tamanhos: quanto maior for a força da corrente maior será o tamanho das partículas. Os cascalhos são transportados por correntes de rios, ondas, deslizamentos de terrenos e glaciares. Uma menor energia é necessária para transportar as areias, nomeadamente correntes de água com menor
2.12
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
velocidade e ventos (formação de dunas). Os siltes e areias depositam-se de modo lento e as acumulações destes materiais estão normalmente associadas com águas paradas de lagos, lagoas, pântanos e ambientes marinhos profundos.
(a)
(b)
(c)
(d)
Figura 2.8 − Rochas sedimentares detríticas comuns: (a) Conglomerado − Pudim; (b) Conglomerado Conglomerado − Brecha; (c). Arenito; (d). Xisto argiloso.
Tabela 2.4: Classificação do tamanho das partículas das rochas detríticas. Nome do Sedimento
Diâmetro (mm)
Rocha Detrítica
Cascalho
> 2 mm
Conglomerado: Conglomerado: Pudim e Brecha
Areia
2 – 0,06 mm
Arenito
Silte
0,06 – 0,002 mm
Siltito
Argila
< 0,002 mm
Argilito
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.13
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
2.5.2.2 Rochas sedimentares químicas
Em contraste com as rochas detríticas, formadas a partir de grãos sólidos resultantes da erosão e alteração de rochas, os sedimentos de origem química resultam de materiais que são transportados em solução até lagos e mares. Estes materiais não permanecem em solução na água indefinidamente e acabam por sofrer uma precipitação depositando-se em sedimentos. Esta precipitação pode ter uma origem inorgânica mas também pode ser o resultado de processos orgânicos. Um exemplo de um depósito resultante de uma acção inorgânica é o sal após a evaporação da água marinha originando posteriormente o sal-gema (por exemplo). A acumulação de conchas, por vezes microscópicas, de animais é um exemplo de origem orgânica de sedimentos. O calcário é a rocha sedimentar química mais comum. É composta essencialmente pelo mineral calcite e pode ser formada por processos tanto inorgânicos como orgânicos, sendo estes últimos os mais comuns. A origem orgânica da maior parte dos calcários pode não ser tão evidente porque a maior parte das conchas sofre processos consideráveis de transformação antes de se constituírem em rochas.
2.6 Rochas metamórficas Grandes áreas de rochas metamórficas estão expostas em todos os continentes em regiões relativamente planas conhecidas por escudos. Outras formações de rochas metamórficas constituem uma parte importante de muitas cadeias de montanhas. Mesmo o interior estável continental, geralmente coberto por rochas sedimentares, tem como base rochas metamórficas. Em todas estas formações as rochas metamórficas apresentam-se geralmente muito deformadas e com penetração de grandes massas ígneas (exemplo dos batólitos, principal formação dos granitos). De facto, partes significativas da crusta terrestre são compostas por rochas metamórficas associadas com rochas ígneas. O metamorfismo (mudança de forma) constitui a transformação de uma rocha preexistente, que pode ser ígnea, sedimentar ou mesmo metamórfica (Figura 2.2). Os agentes de transformação ou de metamorfismo incluem o calor, pressão e fluidos quimicamente activos, que produzem modificações de textura e composição mineral. O metamorfismo pode ocorrer com um grau de baixa intensidade fazendo com que por vezes seja difícil distinguir a rocha original da final. Noutros casos a transformação é tão intensa que não é possível identificar a rocha de origem. No metamorfismo de grau elevado, características estruturais tais como planos de estratificação, fósseis e espaços vazios vesiculares, que poderiam existir na rocha original são completamente destruídas. Quando as rochas são submetidas a acções intensas de calor e pressão direccional comportam-se de modo plástico donde resultam dobras por vezes de aspecto intrincado (Figura 2.9). É importante referir que durante os processos de metamorfismo de grau elevado a rocha mantém-se sempre no estado sólido porque uma vez atingida a fusão desta entra-se num processo de natureza ígnea.
2.14
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 2.9 − Maciço de rochas metamórficas deformadas (ISRM).
O processo de metamorfismo inicia-se quando uma rocha é submetida a condições diferentes daquelas em que se formou originalmente. A rocha começa então a sofrer transformações até atingir um estado de equilíbrio com o novo ambiente. Estas modificações ocorrem a profundidades a partir de alguns quilómetros até próximo da fronteira entre a crusta e o manto. A formação de rochas metamórficas ocorre em zonas completamente inacessíveis ao contrário de muitas rochas sedimentares e algumas ígneas, donde resulta o seu estudo ser mais difícil. O metamorfismo pode ser de três tipos: o metamorfismo regional ocorre na formação de cadeias de montanhas quando grandes quantidades de rochas são submetidas a tensões de elevada intensidade e altas temperaturas associadas com os grandes níveis de deformação; o metamorfismo de contacto sucede quando a rocha fica perto ou em contacto com uma massa de magma, onde as altas temperaturas são a causa primária das transformações das rochas encaixantes; finalmente o metamorfismo dinâmico ou cataclástico ocorre quando a rocha é submetida pressões muito elevadas e bruscas como por exemplo em zonas de falhas. 2.6.1 Agentes de Metamorfismo
O agente de metamorfismo mais importante é, talvez, o calor. As rochas que se formam perto da superfície são submetidas a calor intenso quando uma massa de rocha derretida as atravessa num movimento ascendente. Também pode ocorrer a situação de determinadas rochas formadas num ambiente superficial sejam obrigadas a localizar-se posteriormente a profundidades muito maiores onde as temperaturas são substancialmente superiores. Alguns minerais, tais como os argilosos, tornam-se instáveis quando estão enterrados a temperaturas de alguns quilómetros começando a recristalizar-se dando origem a novos minerais. Os minerais componentes das rochas ígneas são
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.15
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
estáveis a temperaturas e pressões relativamente altas sendo, por isso, necessárias profundidades superiores a 20 km ou mais para que o metamorfismo possa ocorrer. A pressão, tal como a temperatura, também aumenta com a profundidade. Todas as rochas enterradas são submetidas à acção do peso das camadas superiores. As formações rochosas também são submetidas a pressões resultantes dos processos de formação das cadeias montanhosas. Neste caso a pressão é direccional fazendo com que a estrutura da rocha adquira formas características visíveis, como por exemplo nos planos de xistosidade dos gnaisses e das ardósias. A água contendo iões em solução é o fluido quimicamente activo mais comum que tem influência no metamorfismo. As rochas contêm geralmente água nos espaços porosos e esta funciona como catalisador na migração dos iões. Em certas circunstâncias os minerais podem recristalizar em configurações mais estáveis e, noutros casos, a troca de iões entre minerais através da água pode resultar na formação de minerais completamente novos. 2.6.2 Modificação de textura e composição mineralógica
O grau de metamorfismo é reflectido na composição mineralógica da rocha e na sua textura (Tabela 2.5). Quando as rochas são submetidas a metamorfismo de baixo grau tornam-se mais compactas, logo mais densas. Tabela 2.5: Descrição de algumas rochas metamórficas comuns.
Textura
Ardósia
Rocha de grão muito fino composta por grãos microscópicos de micas; resultante do metamorfismo de grau baixo do argilito e xist o argiloso.
Xisto
Rocha metamórfica mais comum composta em grande parte por partículas visíveis; pode resultar também do metamorfismo do argilito e xisto argiloso mas com grau mais intenso.
Gneisse
Na maior parte dos casos com a composição do granito; a característica principal é o aspecto de bandas muito dobradas de cores alternadas escuras e claras.
Mármore
Resultado do metamorfismo do calcário; apresenta grandes cristais de calcite imbricados entre si; as colorações que apresenta para além do branco resultam da presença de impurezas.
Quartzito
Rocha metamórfica comum formada a partir do arenito quartzoso; o aspecto pode ser semelhante ao mármore mas apresenta uma dureza muito maior.
foliada
Textura não foliada
Debaixo das pressões de metamorfismo, alguns grãos de minerais são reorientados e realinhados perpendicularmente à direcção das tensões actuantes (Figura 2.10). No entanto, nem todas as rochas metamórficas que sofreram a acção de pressões orientadas têm uma estrutura foliada. Nestas rochas
2.16
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
a pressão tem uma acção muito limitada como agente de metamorfismo. Por exemplo, quando um calcário de grão fino sofre um metamorfismo, os pequenos cristais de calcite combinam-se para formar cristais imbricados relativamente grandes. A rocha resultante tem uma aparência similar a uma rocha ígnea de grão grosso. Este equivalente metamórfico do calcário é chamado mármore. Em resumo, os processos metamórficos provocam muitas modificações nas rochas, incluindo aumento da densidade, crescimento de cristais grandes, reorientação dos grãos minerais podendo resultar numa aparência de bandas conhecida como foliação ou xistosidade. A foliação é uma propriedade que as rochas apresentam que se manifesta pela facilidade de se fracturarem segundo planos mais ou menos paralelos. Esta propriedade resulta, em muitos casos, de um alinhamento de minerais que possuem uma clivagem predominante segundo uma dada direcção. Xistosidade é um tipo de foliação. Neste caso esta é originada pela presença de grande quantidade de micas que estão orientadas na rocha. Lineação é uma propriedade das rochas apresentarem linhas ou traços que resultam do alinhamento de minerais prismáticos (em m uitos casos).
Tensão
Antes
Depois
Figura 2.10 − Origem da es trutura foliada do gneisse.
PROPRIEDADES DOS MINERAIS E ROCHAS
2.17
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
3. PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.1 Introdução Algumas propriedades das rochas têm uma importância particular no planeamento, execução e custo dos projectos de engenharia civil nos quais estão envolvidas modificações do estado in situ (tensão e deformação) de maciços rochosos. O conhecimento destas propriedades índice, que podem ser avaliadas a partir de testes em laboratório ou no campo, possibilita a classificação das rochas e dos maciços rochosos de acordo com vários critérios técnicos. A classificação dos maciços rochosos depende naturalmente do estado da matriz rochosa (rocha intacta) e das superfícies de descontinuidades que intersectam o maciço. Num documento diferente serão abordados os parâmetros em que se baseiam as diferentes classificações dos maciços rochosos. Para as rochas não há ainda sistemas de classificação geomecânica aceites pela generalidade da comunidade técnica. Contudo, os critérios mais correntes de classificação do "material rocha" baseiam-se, na sua maioria, nos parâmetros módulo de elasticidade (E ), resistência à compressão simples (σc) e velocidade de propagação das ondas ultrassónicas (V p e
V s),
por serem, por um lado,
valores que facilmente podem ser obtidos através de ensaios e, por outro, por caracterizarem de modo significativo o comportamento mecânico da rocha. Os ensaios para obtenção destes parâmetros são frequentemente realizados sobre amostras cilíndricas colhidas nas sondagens executadas durante a fase de prospecção geotécnica (Figura 3.1). É usual utilizarem-se provetes com uma relação l/ d (l – altura; d – diâmetro) compreendida entre 2,5 e 3, e diâmetro mínimo com cerca de 54 mm, obtido com um amostrador duplo da série NX.
3.2 Propriedades de identificação A rocha intacta é constituída por uma assemblagem mais ou menos compacta de grãos cristalinos e, nalguns casos, matéria amorfa. O termo matriz rochosa poderá ser mais correcto uma vez que poderá existir já algum grau de alteração e fracturação nesse aglomerado de grãos. A Figura 3.2 apresenta alguns exemplos de matrizes rochosas com texturas diferentes características dos tipos de rochas referidos. As rochas são assim sólidos policristalinos, descontínuos e que podem exibir uma certa anisotropia derivada de uma orientação preferencial na sua estrutura.
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 3.1 − Caixa de sondagem com indicação das profundidades e ensaios a realizar.
rocha ígnea (granito)
Aglomerado compacto de grãos com volume de vazios reduzido
rocha sedimentar (conglomerado)
Grãos arredondados e maior volume de vazios
rocha metamórfica (micaxisto)
Grãos orientados numa direcção preferencial
Figura 3.2 − Exemplos de estruturas de rochas.
As rochas são então constituídas por grãos minerais sólidos interligados e por descontinuidades ou vazios existentes entre esses grãos. As propriedades da matriz rochosa dependem, assim, das características destes grãos (mineralogia), sendo muito influenciadas pelo tamanho e arranjo espacial dos grãos minerais (estrutura ou textura da rocha) e também pela forma, quantidade e distribuição das descontinuidades ou vazios. A determinação da composição mineralógica das rochas conduz, juntamente com a sua textura, tamanho dos grãos, cor, e outras propriedades, à sua classificação geológica (Tabela 3.1). Referem-se em seguida algumas propriedades físicas mais importantes na identificação das rochas.
3.2
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 3.1 − Principais grupos de rochas.
Rochas ígneas
Rochas metamórficas
Família dos Granitos Família dos Dioritos Famílias dos Basaltos e Gabros R. metamórficas massivas R. metamórficas xistosas R. sedimentares carbonatadas
Rochas sedimentares
R. sedimentares siliciosas
R. sedimentares carbonatadas-siliciosas Nota1: o gneisse tem foliação mas não tem xistosidade.
Granito, sienito, riolito, traquito, … Diorito, andesito, … Gabro, dolerito, diabase, basalto, … Gneisse1, corneanas, quartzitos, mármores, … Xistos, micaxistos, ardósias, xistos mosqueados, … Calcários, cré, dolomias, travertinos, … Grés, arenitos, conglomerados, … Margas, grauvaques, …
3.2.1 Porosidade As descontinuidades representam os defeitos ou vazios existentes no meio contínuo formado pelos minerais constituintes da matriz rochosa. A presença e o desenvolvimento destes vazios estão estreitamente relacionados com a deformação e a rotura das rochas. A quantidade de vazios é avaliada pela porosidade (n) que é a razão entre o volume de vazios de uma amostra de rocha e o seu volume total. n=
V v V
(×100 )
A porosidade é normalmente expressa em percentagem considerando-se para as rochas 10% como um valor médio, 5% um valor baixo e 15% um valor alto. Nos solos, onde os grãos minerais se podem separar mais facilmente (pelo menos por agitação na água), a porosidade assume valores substancialmente maiores (Tabela 3.2). Os vazios são constituídos pelos poros e fissuras da rocha e não estão necessariamente todos interligados. A porosidade total (n) resulta assim da porosidade correspondente aos poros (n p) e da porosidade das fissuras (n f ). Por esta razão, são por vezes definidos dois tipos de porosidade para as rochas: a total e a efectiva, esta última correspondente ao volume de vazios acessível à passagem de fluidos, normalmente a água. A uma escala maior, para os maciços rochosos, podemos ainda distinguir a porosidade primária correspondente ao volume dos poros entre os fragmentos das rochas clásticas e a porosidade secundária produzida pela fracturação e alteração posteriores da rocha. A primeira é característica de toda a massa rochosa e a segunda depende da história de alteração da rocha, podendo variar muito no mesmo maciço rochoso.
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 3.2 − Valores da porosidade de solos e rochas. Tipo de rocha ou solo Solo Areia e seixo Argila Areia cimentada Arenito Calcário e mármore Calcário oolítico Cré Rochas ígneas Rochas metamórficas
Porosidade máxima (%) > 50 20 – 47 > 49 5 – 25 10 – 15 5 10 até 50 < 1,5 geralmente muito baixa
3.2.2 Peso volúmico Peso volúmico ou peso específico (γ ) é o peso da unidade de volume da rocha. Atendendo à variabilidade da quantidade de água presente na rocha considera-se o peso volúmico seco (γ d ) da rocha como um parâmetro mais representativo. γ =
W W s V
W
γ d
V
=
W s V
– Peso total da amostra de rocha – Peso total da amostra de rocha seca na estufa – Volume total da amostra de rocha
Notar na Tabela 3.3 a maior densidade característica das rochas ígneas e metamórficas em comparação com as rochas sedimentares. Tabela 3.3 − Valores do peso volúmico seco de algumas rochas. 3 γ d (kN/m )
Rocha Granito Diorito Basalto Sal-gema Gesso Calcário denso Argilito Xisto argiloso Mármore Micaxisto
26,0 27,9 27,1 20,6 22,5 20,9 22,1 25.7 27,0 27,6
A quantidade de água na rocha pode ser quantificada pelo teor em água (w) que é a razão entre o peso da água presente numa determinada amostra e o seu peso seco. O peso volúmico da rocha é, por esse motivo, muito variável. w=
3.4
W w W s
(×100)
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
3.2.3 Permeabilidade A facilidade de escoamento da água através de um meio contínuo é avaliada através do coeficiente de permeabilidade (k ). A permeabilidade das rochas, em comparação com a dos solos, é geralmente muito baixa (Tabela 3.4). O seu valor cresce sensivelmente com a fissuração e o grau de alteração. O nível de anisotropia2 da permeabilidade depende da orientação preferencial das fissuras. O estado de tensão na rocha influencia consideravelmente a sua permeabilidade. O aumento das tensões de compressão provoca o fecho das fissuras e a diminuição da permeabilidade, mas, a partir de um certo limite, o aumento das tensões pode iniciar o aparecimento de novas fracturas provocando o aumento da permeabilidade. A variação da permeabilidade da rocha pode também variar com a pressão da água que circula nos seus vazios e descontinuidades: o aumento da pressão da água tende a abrir as fissuras aumentando a permeabilidade. A caracterização da permeabilidade da rocha (e dos maciços rochosos) voltará a ser abordada no contexto das classificações de maciços rochosos. Tabela 3.4 − Permeabilidades de solos e rochas. Rocha Areia uniforme Areia e seixo Areia siltosa Argilas Granodiorito Granito Basalto Calcário 1 Calcário 2 Calcário 3
n
29 - 50 20 – 47 23 – 47 > 49 0,004-0,005 0,008 0,007 0,004 0,03 0,39
k (m / seg.) 5,0 x 10-5 – 2,0 x 10-3 1,0 x 10-5 – 1,0 x 10-3 1,0 x 10-5 – 5,0 x 10-5 1,0 x 10-10 – 1,0 x 10-7 9,8 x 10-11 1,96 x 10-10 2,94 x 10-10 9,8 x 10-11 9,8 x 10-10 7,65 x 10-6
Nota2: Anisotropia − Condição de variabilidade de propriedades físicas e mecânicas de um corpo rochoso ou mineral segundo direcções diferentes, como, por exemplo, a resistência à compressão simples ou a variação da velocidade de propagação de ondas sísmicas em massas rochosas estratificadas segundo diferentes direcções.
3.2.4 Durabilidade A durabilidade é a resistência da rocha aos processos de alteração e fragmentação sendo também conhecida por alterabilidade. O contacto da rocha com a água e o ar, muitas vezes através de obras de engenharia civil como escavações e terraplenos, pode ocasionar a degradação das suas características mecânicas. O ensaio “slake durability test” (Figura 3.3), consiste em submeter material rochoso previamente fragmentado a ciclos normalizados de secagem, humidificação e acção mecânica. Os fragmentos são colocados dentro de redes metálicas cilíndricas com determinada abertura parcialmente imersas na água que rodam em torno de um eixo horizontal. O choque dos fragmentos de rocha entre si e o
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
contacto com a água favorecem a sua desagregação e alteração. A secagem dos fragmentos é realizada em estufas após o que pode seguir-se outra humidificação e acção mecânica. O índice de durabilidade ( I D) corresponde à percentagem de rocha seca que fica retida nos tambores de rede metálica após 1 ou 2 ciclos completos ( I D1 ou I D2). I D (% ) =
Peso seco depois de um ou dois ciclos Peso inicial da amostra
Figura 3.3 − Ensaio “slake durability test”.
3.2.5 Velocidades de ondas sísmicas As propriedades elásticas das rochas são determinadas por um lado pela elasticidade dos minerais que as compõem e por outro lado pela importância e pela morfologia das descontinuidades, nomeadamente fissuras e fracturas. Em particular, as velocidades de propagação das ondas sísmicas longitudinais, V l ou
V p (ondas
de compressão), e das ondas transversais V s variam significativamente
com a presença de descontinuidades. A realização de ensaios, não destrutivos, para determinação destas velocidades em provetes, que vão ser submetidos posteriormente a ensaios de compressão uniaxial, é muito frequente existindo vários métodos que permitem a determinação dos valores quer da velocidade de propagação das ondas longitudinais (V p), quer das ondas transversais (V s). Conhecidos estes valores, torna-se possível determinar as características elásticas dinâmicas através das seguintes expressões: 2 s
(3V p2 − 4V s2 )
Módulo de elasticidade longitudinal
E d = ρ V
Módulo de elasticidade transversal
Gd = ρ V s2 =
Coeficiente de Poisson
υ d
=
(V p2 − V s2 ) E d
2(1 + υ d )
V p2 − 2 V s2
2 (V p2 − V s2 )
( ρ representa a massa específica )
3.6
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Teoricamente, as velocidades das ondas que atravessam o provete de rocha dependem exclusivamente das suas características elásticas e da sua massa específica. Na prática a rede de fissuras do provete vai fazer diminuir o valor das velocidades. A velocidade de propagação das ondas pode então ser utilizada para detectar a presença de descontinuidades nas rochas e mesmo quantifica-las através da razão entre o valor medido de V p na rocha estudada e o valor de V p* máximo para a rocha com porosidade nula (Tabela 3.5). Este valor não é o mesmo para todas as rochas e depende essencialmente da velocidade de propagação das ondas nos diferentes minerais presentes na rocha (Tabela 3.6) e da percentagem presente de cada um dos minerais constituintes da rocha. Tabela 3.5 − Velocidades padrões de rochas V p* (n = 0%). ROCHA Gabro Basalto Calcário
V p* (m/s)
ROCHA Dolomite Arenito e quartzito Rochas graníticas
7000 6500 – 7000 6000 - 6500
A velocidade padrão das rochas é determinada pela relação
1 * P
V
=∑ i
C i V P ,i
V p* (m/s)
6500 – 7000 6000 5500 - 6000
onde C i é a percentagem
em volume do constituinte mineral i da rocha e V p,i a velocidade das ondas longitudinais no mineral i . Tabela 3.6 − Velocidades longitudinais de minerais V p. MINERAL Quartzo Olivina Augite Anfíbola Moscovite Ortóclase Plagioclase
(m/s) 6050 8400 7200 7200 5800 5800 6250
MINERAL Calcite Dolomite Magnetite Gesso Epídoto Pirite
V p
V p (m/s)
6600 7500 7400 5200 7450 8000
A qualidade da rocha, em relação ao seu estado de alteração e fracturação, pode ser avaliada pelo índice de qualidade da rocha obtido pela relação IQ =
V P V P*
× 100% (ver exemplos na Tabela 3.7).
Tabela 3.7 − Exemplo de variação da velocidade das ondas sísmicas longitudinais em função da porosidade. Porosidade total n % 1 5 10 20 30 45
V p (m/s)
- calcários 6500 6000 5200 4000 3000 1850
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
V p (m/s)
– grés e quartzitos 5900 5200 4700 3200 -
3.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Experiências conduzidas por Formaintraux (1976) permitiram concluir que, para rochas não fissuradas o valor de IQ é afectado pelos poros da rocha (vazios naturais), variando de acordo com a expressão IQ =100−1,6×n p , onde n p representa a porosidade da rocha (relação entre o volume de vazios e o volume total da rocha), expressa em percentagem. A presença de uma pequena quantidade de fissuras conduz a uma diminuição do valor do índice de qualidade. Na Figura 3.4 apresenta-se o gráfico com a classificação proposta por Formaintraux, que permite avaliar a qualidade da rocha, em termos da fissuração, em função do índice de qualidade obtido da forma anteriormente descrita. Do mesmo modo que a fissuração em provetes de rocha afecta os valores das velocidade de propagação das ondas, também a fracturação ou as descontinuidades nos terrenos, principalmente se estas estiverem abertas, irão afectar as velocidades de propagação que se obtêm em ensaios realizados in situ .
Figura 3.4 − Classificação da qualidade das rochas em função do seu estado de fissuração (a recta que passa no ponto com n = 0% e IQ = 100% correspone à equação IQ =100−1,6×n p ).
3.3 Propriedades de resistência e deformabilidade 3.3.1 Ensaio de compressão simples ou uniaxial Pese embora o facto de as rochas que constituem os maciços se encontrarem em geral submetidas a estados de tensão triaxiais, tem interesse o estudo do comportamento das rochas quando submetidas
3.8
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
a compressão simples pois, tal estudo, permite pôr em evidência fenómenos com interesse fundamental na mecânica dos maciços rochosos. O caso prático mais importante em que os maciços rochosos se encontram submetidos a um estado de compressão simples é o dos pilares de minas. O ensaio de compressão simples é corrente na determinação das características mecânicas das rochas. A resistência à compressão simples ou uniaxial é determinada num provete de rocha de forma cilíndrica submetido a uma tensão normal σ nas bases igual à razão da força normal N pela área da base A (Figura 3.5). Os provetes podem ter outras formas (cúbica ou prismática) mas normalmente são retirados de tarolos recolhidos em sondagens. A preparação da amostra deve ter um cuidado especial na rectificação da superfície das bases que irão sofrer compressão para garantir uma forma cilíndrica perfeita.
Figura 3.5 − Ensaio de compressão uniaxial.
O comportamento da rocha é normalmente não reversível, o que significa que a deformação sofrida pela amostra nunca poderá ser recuperada na totalidade se houver uma descarga (Figura 3.6). Isso deve-se ao facto de as fissuras iniciais presentes em qualquer rocha fecharem no início da compressão levando a uma diminuição da compressibilidade da amostra (E0
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.9
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 3.6 − Ensaio de compressão – Curva de compressibilidade típica.
As diferenças de resposta mecânica entre uma rocha dura e uma rocha branda (Figura 3.7) mostram que a pequena deformabilidade do primeiro tipo está associada a uma rotura súbita com uma resistência residual praticamente nula. As rochas brandas são as que exibem maior deformabilidade, sobretudo no início do carregamento.
Figura 3.7 − Comparação das curvas de tensão-deformação de uma rocha dura e de uma rocha branda.
A Figura 3.8 sintetiza o que se pode considerar o comportamento típico das rochas submetidas à compressão simples. Apresentam-se os diagramas das extensões longitudinais (ε1 = εl = ∆h/h) e das
3.10
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
extensões transversais (ε3 = εt = ∆D/D) em função da tensão aplicada. Na mesma figura está também indicada a variação relativa de volume (∆V/V = ε1 – 2ε3 = (1-2 ν) ε1).
Figura 3.8 − Principais fases do comportamento de uma rocha durante um ensaio de compressão.
Analisando com mais detalhe as principais fases do comportamento de uma rocha durante um ensaio de compressão, podemos identificar cinco valores característicos da tensão vertical (σ1 = σv) que limitam diferentes tipos de comportamento da amostra: • σ1S tensão de fecho das fissuras • σ1F tensão de início de fissuração • σ1L tensão limite de fissuração • σ1M tensão de resistência máxima ( σc) • σ1R tensão de resistência residual σ 1 tensão principal máxima ( σ v)
Deformações: ε1 = εl ; ε3 = εt ∆ V/V = ε1 – 2ε3 = (1-2 ν) ε1
É muito frequente o diagrama de compressão das rochas (σ1, ε1), mesmo de rochas muito compactas, apresentar um trecho inicial curvo (0 < σ1 < σ1S) devido ao fecho progressivo das fissuras da rocha, resultando daí que, o módulo de elasticidade crescerá, traduzindo o aumento de compacidade da rocha. No trecho em consideração a curva de variação da extensão transversal (ε3 = εt)
com a tensão apresenta um curvatura muito ligeira e o coeficiente de Poisson sofre um certo
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.11
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
incremento, como seria de esperar, uma vez que ocorre o fecho de fissuras. A evolução da extensão volumétrica (∆ V/V), que corresponde a uma diminuição de volume, é mais acentuada na origem. A seguir ao trecho inicial curvo do diagrama (σ1, ε1) ocorre muitas vezes um trecho rectilíneo (σ1S < σ1 <
σ1F)
ao qual corresponde um módulo de elasticidade constante. A extensão transversal (ε3 = εt) também apresenta em geral andamento rectilíneo, donde resulta ser constante o coeficiente de Poisson. No trecho seguinte o diagrama (σ1, ε1) continua com o mesmo andamento rectilíneo, e portanto o mesmo módulo de elasticidade, mas as deformações transversais processam-se a um ritmo crescente, devido à microfracturação, isto é, a fracturas de grãos ou grupos de grãos da peça em ensaio, cujo número aumenta progressivamente. Neste trecho o coeficiente de Poisson sofre pois crescimento e o ritmo de redução de volume da peça comprimida atenua-se progressivamente, em virtude de ser cada vez mais relevante o aumento do volume devido às microfracturas, até que no termo deste trecho o volume se torna estacionário. A esta microfracturação corresponde o aumento marcado da permeabilidade. No trecho que se segue acentua-se o número e o volume das zonas fracturadas, crescendo rapidamente as deformações longitudinais e transversais, assim como o volume da peça, apesar de comprimida. Este comportamento é consequência da progressiva ocorrência de escorregamentos em microfracturas oblíquas. O ponto de transição entre este trecho e o anterior é designado por ponto de fluência. A partir do ponto em que ν=0,5 o volume da peça passa mesmo a ser superior ao seu volume inicial, apesar de a peça continuar sob compressão. Este fenómeno do aumento de volume na vizinhança da rotura, conhecido por dilatância, desempenha um papel relevante na rotura de maciços rochosos, dado que estes se encontram em regra submetidos a equilíbrios tridimensionais ou bidimensionais que contrariam aquele aumento de volume, acabando a rotura por dar-se para valores mais elevados da tensão tangencial do que os obtidos no ensaio de compressão uniaxial. O trecho termina quando é atingido o valor máximo da tensão σ1, o que se dá ao ocorrerem fracturas com dimensões da ordem de grandeza das dimensões da peça. Ao valor máximo atingido pela tensão é dada a designação da resistência à compressão, que se representa por σc. Finalmente atinge-se o último trecho no qual a tensão σ1 decresce apesar da máquina de ensaio continuar impondo o encurtamento da peça. Este trecho do comportamento das rochas terá bastante interesse em certas circunstâncias, como no caso de obras subterrâneas em que seja aceitável que haja zonas do maciço rochoso nas quais se ultrapassou a tensão máxima, isto é, trabalhando com o maciço já francamente fracturado.
3.12
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Quanto à caracterização da deformabilidade da rocha o parâmetro mais importante é o módulo de elasticidade E = dσ /dε (declive da tangente à curva σ-ε). Dependendo da natureza dos problemas a deformabilidade é avaliada pelo módulo de elasticidade inicial (E0), pelo móculo de elasticidade tangente (Et) ou pelo módulo de elasticidade médio ou secante (Emédio).
Exemplo 1 Os resultados de um ensaio de compressão unixial realizado sobre um provete cilíndrico de granito estão descritos na tabela e representados pela curva ao lado. A altura e o diâmetro iniciais do provete eram de 100 mm (h0) e 83 mm (D0), respectivamente. A amostra encontrava-se seca antes da realização do ensaio, tendo sido determinado o peso volúmico seco de 26,0 kN/m3 (γ d). O valor da resistência à compressão uniaxial σc corresponde ao valor máximo atingido pela tensão normal σ1 (σc = σ1M = 75,8 MPa). O módulo de elasticidade inicial corresponde ao declive da tangente à curva σ-ε na origem E0 (3,1-0)/(0,2-0)×103 = 2,9 GPa. O módulo de elasticidade tangente para 0,1% corresponde ao declive da ≈
tangente à curva σ-ε no ponto em que ε = 0,1% = 1×10-3 , ou seja, E0,1% (50,2-37,7)/(1,1-0,9)×103 = 62,5 GPa. O módulo de elasticidade médio corresponde ao declive da secante entre a origem e o ponto de rotura E médio (75,8-0)/(1,7-0)×103 = 44,5 GPa. ≈
≈
ε
σ -3
10 0,0 0,2 0,4 0,6 0,7 0,9 1,0 1,1 1,2 1,4 1,4 1,5 1,6 1,7 1,7 1,8 1,9 2,0 2,1
MPa 0,0 3,1 12,6 25,1 31,4 37,7 43,9 50,2 56,5 62,8 65,9 69,0 72,2 75,3 75,8 75,2 71,5 64,2 60,6
80,0
70,0
60,0
50,0 ) a P M ( 40,0 c
σ
30,0
20,0
10,0
0,0 0,0
0,5
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
1,0
1,5
2,0
2,5
ε (10-3)
3.13
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
3.3.1.1
Ciclos de descarga e carga
Se durante a compressão de um provete de rocha se diminuir a força aplicada antes de se atingir a rotura a curva de tensão-deformação observada evolui da forma representada na Figura 3.9 a partir do ponto P. A diminuição da tensão normal é acompanhada por uma diminuição proporcional da deformação axial. Ao se atingir a descarga completa observa-se que a curva deixa de ser rectilínea e que permanece uma deformação residual εP. O ramo de carga (ou recarga) seguinte já não apresenta uma curvatura inicial acentuada e vai encontrar o diagrama original num ponto um pouco acima de P. As rochas muito resistentes só apresentam geralmente deformações permanentes quando o ponto P se encontra para além do trecho rectilíneo do diagrama. Por outro lado, as rochas de baixa resistência, em particular as rochas alteradas, podem exibir deformações permanentes ou residuais importantes desde o trecho inicial curvo.
Figura 3.9 − Ciclos de descarga e carga em compressão uniaxial
3.3.1.2
Efeitos do tempo nas deformações − fluência
Os ensaios mecânicos de compressão (e outros) sobre provetes de rocha são normalmente conduzidos de forma relativamente rápida, ou seja, a taxa de variação das forças aplicadas (e, consequentemente, das tensões aplicadas) é constante sem existir a preocupação em considerar a variável tempo na evolução das deformações. No entanto, se aplicarmos a vários provetes iguais duma mesma rocha compressões σ’, σ’’, σ’’’, … sucessivamente maiores e mantivermos os provetes sob essas tensões observa-se, em regra, um acréscimo das deformações no tempo (Figura 3.10). Esta característica é designada por fluência, e constitui um comportamento observável em muitos materiais sólidos. Por exemplo, o sal-gema é uma rocha sedimentar com uma fluência extremamente grande ao contrário do calcário. Isto significa que,
3.14
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
se dois provetes com as mesmas dimensões de cada uma destas rochas fossem submetidos a tensões de compressão iguais e constantes no tempo, ao fim de um determinado intervalo de tempo a amostra de sal-gema apresentaria deformações maiores do as do calcário.
Figura 3.10 − Efeito da fluência em deformações de compressão uniaxial
3.3.2 Ensaio de carga pontual (“Point load test”) A determinação da resistência à compressão simples da rocha recorrendo a ensaios de compressão uniaxial é uma tarefa que requer especiais e morosos cuidados na preparação das amostras e condução dos ensaios. Em certos casos, o número de ensaios requeridos para determinar as propriedades dum vasto leque de tipos de rocha referentes a um projecto pode assumir um valor extremamente elevado. Existem outros casos em que a resistência à compressão simples e o comportamento tensão-deformação não necessita de ser estudado em detalhe, bastando o conhecimento aproximado do valor da resistência. Nestas circunstâncias, haverá vantagem em recorrer a ensaios bastante mais simples e económicos que o ensaio de compressão uniaxial, desde que os resultados destes ensaios possam fornecer índices correlacionáveis com a resistência à compressão das rochas. Um método alternativo de aferir a resistência à compressão simples das rochas consiste na determinação do índice de resistência ou índice de carga pontual através do ensaio de carga pontual (“Point Load Test”) também conhecido por ensaio Franklin. O ensaio tem um procedimento sugerido pela ISRM (“International Society for Rock Mechanics”) e consiste em provocar a rotura de amostras de rochas, obtidas a partir de carotes de sondagens com diâmetros variando entre 25 e 100 mm, aplicando uma força pontual crescente. A amostra de rocha é comprimida entre duas ponteiras
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.15
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
cónicas de metal duro, que provocam a rotura por desenvolvimento de fissuras de tracção paralelas ao eixo da carga, sendo registado o valor da carga P que provoca a rotura (Figura 3.11).
P
Figura 3.11 − Resistência sob carga pontual - Ensaio Franklin.
Como padrão, o índice de carga pontual é definido para o ensaio realizado sobre provetes cilíndricos de rocha com diâmetro D igual a 50 mm, em que a aplicação da carga P é feita na direcção diametral, sendo calculado pela expressão seguinte. I s (50 ) =
P D 2
Para ensaios idênticos realizados sobre provetes cilíndricos com outros diâmetros, a relação P/D 2 deverá ser multiplicada por um factor correctivo F a fim de se obter o índice de carga pontual normalizado. P
I s (50 ) = F 2 D
D F = 50
0 , 45
No ensaio de carga pontual podem ainda ser testados não só provetes cilíndricos comprimidos diametralmente, mas também axialmente, e ainda provetes com outras formas, regulares ou irregulares, desde que obedeçam aos critérios indicados na Figura 3.12. Para estes casos será necessário definir um diâmetro equivalente D e correspondente a uma secção circular com área igual à da secção transversal do provete ensaiado sendo o índice de carga pontual normalizado calculado a partir desse valor.
3.16
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 3.12 − Relação de dimensões dos provetes a satisfazer nos ensaios de carga pontual.
A = W D =
π
4
De
2
P
I s (50 ) = F 2 De
De =
D F = e 50
4
W D
π 0 , 45
Em rochas isotrópicas, em geral são necessários 10 ensaios válidos por cada tipo/qualidade de rocha que se pretende caracterizar, mas um número inferior poderá ser suficiente se a dispersão de resultados for pequena. São considerados válidos somente os resultados dos ensaios cuja superfície de rotura contenha os pontos de aplicação da carga (Figura 3.13). Com 10 ensaios, para calcular o valor representativo da resistência à carga pontual, é usual eliminarem-se os dois resultados mais elevados e os dois mais baixos, após o que se determina a média com os restantes 6 valores.
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.17
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
O resultado final obtido é usualmente correlacionado com o valor da resistência à compressão simples σc através duma relação linear proposta por Bieniawski. σ c
= a I s ( 50 )
Os valores mais frequentes de a estão compreendidos entre 20 e 25.
Figura 3.13 − Fracturas válidas e não válidas nos ensaios de carga pontual.
Exemplo 2 Foram realizados 10 ensaios para determinação da carga pontual (P) dum granito com provetes cilíndricos de diâmetro igual a 83 mm. Os valores obtidos para a carga pontual (direcção diametral) foram: 17,4; 17,8; 17,3; 17,8; 17,2; 17,9; 17,0; 17,8; 16.9; 18,0 (kN). O valor médio da carga pontual é obtido sem considerar os dois resultados mais elevados e os dois mais baixos: Pmédio = 17,55 kN. índice de carga pontual normalizado I s(50 ) é igual a (83/50)0,45×17,55/0,0832 = 3200 kPa. Se a resistência à compressão uniaxial
σc do
mesmo granito for igual a 75,8 MPa (valor obtido com um ensaio
de compressão simples) o factor de proporcionalidade entre
I s(50) e σc será
igual a 23,7. A determinação de
σc
em outras amostras do mesmo granito poderá agora ser realizada com o ensaio de carga pontual recorrendo à correlação linear com I s(50).
3.18
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Em rochas com anisotropia conferida pela xistosidade, foliação ou pela estratificação, a realização do ensaio de carga pontual deverá ter em atenção a orientação de tais descontinuidades estruturais. Nestes casos é usual a determinação dos índices de carga pontual quer na direcção da normal, quer na direcção paralela a esses planos, sendo então possível definir um índice de anisotropia, dado pela relação entre aqueles índices. I a (50 ) =
I s (50 )⊥ I s (50 ) //
De salientar que no caso das rochas anisotrópicas, o parâmetro a que relaciona a resistência à compressão simples com o índice de carga pontual assume uma variabilidade maior que no caso das rochas com comportamento isotrópico, reforçando-se neste caso, quando o estudo o justifique, a necessidade de realizar alguns ensaios de compressão uniaxial que permitam estabelecer correlações mais fidedignas com os valores obtidos nos ensaios de carga pontual. 3.3.3 Ensaio com o esclerómetro ou martelo de Schmidt A resistência à compressão simples das rochas pode ainda ser correlacionada com a sua dureza. A dureza nas rochas é um conceito diferente daquele que é considerado nos minerais. Geralmente é associada com a chamada dureza de Schmidt (R) que é determinada através do ensaio com o martelo de Schmidt. Este valor é depois correlacionado com a resistência à compressão simples da rocha constituinte da superfície ensaiada de acordo com o valor do seu peso volúmico (Figura 3.14).
Exemplo 3 Sobre várias amostras cilíndricas de granito, devidamente imobilizadas, foram realizados diversos testes com o martelo de Schmidt (direcção vertical descendente) com os resultados seguintes: 35, 34, 39, 31, 33, 35.5, 38, 32, 40 e 34 (valores de R − dureza de Schmidt). O granito tem um peso volúmico igual a 26,0 kN/m3. Para obter o valor médio de R consideram-se os cinco resultados mais elevados: Rmédio = 37,5. Em seguida determina-se no gráfico da Figura 3.14 o valor da resistência à compressão simples para o valor do respectivo peso volúmico. A leitura correcta da resistência (σc) na escala logarítmica decimal deverá dar o valor de 73 MPa.
3.3.4 Classificação da resistência das rochas Finalmente, refira-se a possibilidade de ser possível, através de análises expeditas, realizadas com o recurso ao martelo de geólogo ou a uma faca, estimar os valores da resistência à compressão simples. Para tal, bastará recorrer à classificação proposta pela ISRM (Tabela 3.8), que em função do grau de qualidade da rocha, correlaciona a resistência à compressão simples (σc) e o índice de carga pontual (I S(50)) com o comportamento do material face àquelas análises expeditas.
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.19
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 3.14 − Estimativa da resistência à compressão a partir da dureza de Schmidt.
Tabela 3.8 GRAU
DESIGNAÇÃO
I S(50)
(MPa)
ANÁLISE EXPEDITA
A rocha lasca depois de sucessivos golpes de martelo e ressoa quando batida Requer muitos golpes de martelo para partir R5 100 – 250 4 – 10 espécimes intactos de rocha Pedaços pequenos de rocha seguros com a R4 Elevada 50 – 100 2–4 mão são partidos com um único golpe de martelo Um golpe firme com o pico do martelo de R3 Mediana 25 – 50 1–2 geólogo faz identações até 5 mm; com a faca consegue-se raspar a superfície Com a faca é possível cortar o material, mas R2 Baixa 5 – 25 (*) este é demasiado duro para lhe dar a forma de provete para ensaio triaxial O material desagrega-se com golpe firme do R1 Muito baixa 1–5 (*) pico de martelo de geólogo R0 Extremamente baixa 0,25 – 1 (*) Consegue-se marcar com a unha (*) – Não são consideradas minimamente fiáveis as correlações com a resistência à compressão simples. R6
3.20
Extremamente elevada Muito elevada
σc
(MPa) >250
>10
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
3.4 Influência da anisotropia das rochas Uma isotropia perfeita é geralmente difícil de encontrar nas rochas. A disposição dos minerais constituintes, resultante da formação da rocha, a textura da rocha resultante de processos geológicos posteriores à génese da rocha, o estado de fissuração e a existência de planos de descontinuidade contribuem para a anisotropia das rochas, em relação à sua deformabilidade e à sua resistência mecânica. A anisotropia define-se como a condição de variabilidade de propriedades físicas e mecânicas de um corpo rochoso ou mineral segundo direcções diferentes, como, por exemplo, a variação do módulo de deformabilidade e da resistência à compressão simples nas rochas com xistosidade ou foliação, e a variação da velocidade de propagação de ondas sísmicas em massas rochosas estratificadas segundo direcções diferentes. 3.4.1 Anisotropia de deformação O comportamento elástico de um meio contínuo anisotrópico depende em geral de 21 coeficientes independentes cuja determinação experimental é muito difícil de realizar de modo completo. Através de um ensaio de compressão isotrópica realizado sobre uma amostra cúbica de rocha instrumentada com extensómetros do modo esquematizado na Figura 3.15 é possível identificar o tipo de anisotropia da rocha (Figura 3.16).
Figura 3.15 − Orientação do cubo e posição dos extensómetros para um ensaio de compressão isotrópica.
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.21
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 3.16 − Comportamento mecânico sob solicitação isotrópica.
De acordo com o nível de deformações observadas nas três direcções ortogonais (ε i = ∆l /l i i) a rocha poderá ser classificada num dos seguintes casos: a)
ε 1
= ε 2 = ε 3
rocha provavelmente isotrópica;
b)
ε 1
≠ ε 2 = ε 3
rocha provavelmente isotrópica transversa;
c)
ε 1
≠ ε 2 ≠ ε 3
rocha provavelmente ortotrópica.
No entanto, em muitos casos considera-se suficiente, para caracterizar a anisotropia de deformação de uma rocha, determinar os módulos de deformação máximo e mínimo numa amostra. Nas rochas com uma textura planar marcada (xistos, por exemplo) utiliza-se normalmente uma simetria axial para caracterizar o comportamento anisotrópico. Na Figura 3.17 apresentam-se resultados da determinação dos módulos de elasticidade e dos coeficientes de Poisson dum filádio com simetria ortótropa. Esta simetria é conferida pela xistosidade, representada na referida figura por traços contínuos, e por uma estrutura planar disposta paralelamente à xistosidade. Os valores do módulo de elasticidade, maiores quando a carga é aplicada paralela à xistosidade, e do coeficiente de Poisson, mais elevados e da mesma ordem de grandeza nas direcções em que é potenciada a abertura normal aos planos de xistosidade, evidenciam que esta é a principal responsável pela anisotropia manifestada pela rocha. Digno de registo, é de referir o facto de que neste tipo de rocha, bem como noutras em que a anisotropia conferida pela xistosidade ou pela estratificação é muito acentuada, ser comum o valor mínimo do módulo de elasticidade ocorrer para uma direcção intermédia entre a normal e a paralela àqueles descontinuidades estruturais.
3.22
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Ez = 28 Gpa νzx = 0,14 νzy = 0,18
Ey = 100 Gpa νyx = 0,20 νyz = 0,60
Ex = 120 Gpa νxy = 0,24 νxz = 0,56
Figura 3.17 − Módulos de elasticidade e coeficientes de Poisson dum filádio com anisotropia conferida pela xistosidade.
Na
Figura 3.18 está representada a variação do módulo de elasticidade em três rochas xistosas, sendo E1 o módulo de elasticidade na direcção normal ao plano de xistosidade (a escala vertical de E é igual à horizontal). A maior deformabilidade (menor valor de E) das rochas na direcção perpendicular aos planos de xistosidade (E1) explica-se pela existência de bandas de material mais compressível entre os planos de xistosidade. Nesta direcção verifica-se também, como se verá adiante, a resistência mais elevada à compressão. Os maciços rochosos podem também exibir idêntico tipo de comportamento ditado pela anisotropia da própria rocha ou pela orientação preferencial de descontinuidades. Tal circunstância assume-se de elevada importância para alguns tipos de estruturas, como por exemplo para barragens de grande porte, em que o comportamento anisotrópico das fundações pode ser indesejável e obrigar a precauções especiais. Na Figura 3.19 apresentam-se os resultados obtidos no estudo da deformabilidade do maciço de fundação da barragem da Aguieira, constituído por um xisto grauvacóide com graus de alteração variáveis de ponto para ponto do maciço. Cada curva corresponde a um local onde foram realizados ensaios segundo duas direcções. Como se vê a anisotropia é acentuada, para todos os locais, e o andamento das curvas de variação do módulo de deformabilidade (equivalente ao módulo de elasticidade para um material não elástico ) evidencia o
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.23
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
facto, também verificado nos ensaios de compressão uniaxial, de o menor valor se registar para uma direcção intermédia entre a normal e a paralela à xistosidade.
Xisto n.º 1 E 1 = 76300 MPa E 2 = 97600 MPa
Xisto n.º 2 E 1 = 42000 MPa E 2 = 78600 MPa
Xisto n.º 3 E 1 = 20400 MPa E 2 = 64800 MPa
Figura 3.18 − Anisotropia da deformação de rochas xistosas.
3.24
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 3.19 − Módulos de deformabilidade do maciço de fundação da barragem da Aguieira (xisto grauvacóide).
3.4.2 Anisotropia de resistência Tal como em relação à deformabilidade, algumas rochas de certo tipo poderão exibir anisotropia em relação à resistência à compressão. No caso das rochas xistosas é frequente verificarem-se valores mais elevados da resistência à rotura quando a carga é aplicada perpendicularmente aos planos de xistosidade, registando-se o valor mínimo quando a carga é aplicada numa direcção oblíqua à xistosidade (Figura 3.20). Este aspecto é perfeitamente compreensível, se considerarmos os planos de xistosidade como superfícies de maior fraqueza da rocha, e compararmos o comportamento desta com o de um material isotrópico em que ocorre uma fractura não rugosa. A anisotropia de resistência para o comportamento frágil explica-se pela distribuição não aleatória das orientações das fissuras. Na Figura 3.21 está representada a variação da resistência à compressão de uma rocha com a inclinação dos planos de xistosidade em relação à vertical. Verifica-se que num determinado intervalo de variação desta inclinação a rotura da amostra se dá por corte ao longo de um destes planos de xistosidade (a curva a tracejado indica a resistência ao corte)
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.25
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 3.20 − Influência da direcção da carga com a resistência dum filádio grafitoso (tipo xisto argiloso).
Figura 3.21 − Curva polar da resistência em compressão simples de uma rocha com xistosidade.
3.26
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 3.22 − Tensão de rotura em função da orientação das descontinuidades (ensaio com pressão de confinamento).
Na Figura 3.22 pode verificar-se que o valor da resistência é variável em função da orientação relativa da descontinuidade (ex. diaclase ou plano de xistosidade) e da direcção da carga, sendo mínima a resistência para uma direcção oblíqua a estas direcções. Registe-se, ainda, que o valor mínimo é função do ângulo de atrito da descontinuidade, o que se afigura lógico por a rotura se dar, neste caso, quando nesta é excedida a resistência ao escorregamento.
Figura 3.23 − Influência na resistência de duas descontinuidades (ensaio com pressão de confinamento).
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
3.27
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Também, com base no representado nas Figura 3.22 e Figura 3.23, percebe-se facilmente a influência que a ocorrência de descontinuidades com diversas orientações tem na resistência dos maciços rochosos. Para tal, basta considerar o efeito na diminuição da resistência provocada por cada descontinuidade e sobrepor os efeitos devidos a cada uma delas, para verificar que a resistência global do maciço rochoso poderá ser grandemente afectada.
Bibliografia
Ingeniería geológica / Luis I. González de Vallejo... [et al.]. - Madrid [etc.] : Prentice Hall, 2002. Practical Rock Engineering / Evert Hoek, 2000 Edition, http://www.rocscience.com Mecânica das Rochas / por Manuel Rocha. - Lisboa : LNEC, 1981.
3.28
PROPRIEDADES ÍNDICE E CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
4. DESCONTINUIDADES
4.3 INTRODUÇÃO O projecto de qualquer estrutura a implantar no terreno, seja localizada à superfície ou no espaço subterrâneo, deve incluir um minucioso estudo das estruturas geológicas do local da construção. A descrição da qualidade de um maciço, especialmente de um maciço rochoso, inclui por sistema a análise das características das descontinuidades ocorrentes nesses locais. São as descontinuidades, com efeito, que condicionam as propriedades geotécnicas de grande número de terrenos (maciços terrosos rijos e maciços rochosos) conferindo-lhes um comportamento em termos de deformabilidade, resistência ao corte e permeabilidade substancialmente diferente do material que constitui esses maciços. A fotografia da Figura 4.1 mostra a forma duma cunha de um bloco de rocha, delimitado por duas descontinuidades que se intersectaram, que se destacou provocando o recuo da face do talude. Qualquer outra escavação no pé do talude pode igualmente determinar instabilidades similares de cunhas, as quais poderão levar à destruição de várias habitações construídas ao longo da crista da escarpa. A estabilidade das fundações destas habitações depende fundamentalmente das propriedades das descontinuidades, isto é, da sua orientação, desenvolvimento e resistência ao deslizamento. No caso presente, a resistência da rocha propriamente dita, de valor elevado para suportar as cargas transmitidas pelas fundações, não é determinante para a estabilidade. Este é um exemplo típico da situação onde o projecto da fundação deve ter como enfoque a geologia estrutural do local e não a resistência da rocha. A análise de estabilidade de blocos em fundações rochosas requer o conhecimento de informação fidedigna de dois tipos de características das descontinuidades: –
orientação e dimensões das descontinuidades, as quais definem a forma e grandeza dos blocos, e a direcção segundo a qual o bloco pode deslizar;
–
as propriedades de resistência ao deslizamento das descontinuidades, que determinam a resistência ao escorregamento dos blocos.
DESCONTINUIDADES
4.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.1 - A intersecção de descontinuidades numa rocha muito resistente produziu o colapso de blocos da fundação das casas construídas junto à crista da escarpa.
4.4 TIPOS DE DESCONTINUIDADES Sob a designação de descontinuidade engloba-se qualquer entidade geológica que interrompa a continuidade física de uma dada formação. As caracterizações geológicas classificam geralmente as descontinuidades de acordo com o modo da sua formação. Isto é usual na geologia de engenharia porque descontinuidades de cada categoria têm propriedades similares, no que respeita às dimensões e propriedades de resistência ao deslizamento, que podem ser utilizadas nas análises preliminares das condições de estabilidade do local. Apresentam-se de seguida os tipos mais frequentes de descontinuidades que se podem observar na natureza. a) Falha (fault ) Fractura em que houve um deslocamento de grandeza significativa ao longo da superfície de separação das partes, esta usualmente designada por superfície ou plano de falha. As superfícies dos blocos que delimitam a falha designam-se por paredes de falha e o espaço compreendido entre estas designa-se por caixa de falha. Uma parede de falha polida por atrito entre blocos designa-se por espelho de falha (slickenside ), enquanto que a brecha de esmagamento das paredes de uma falha é designada por milonito. As falhas raramente são unidades planas singulares já que ocorrem
4.2
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
normalmente como conjuntos de descontinuidades paralelas ou sub-paralelas, constituindo famílias, ao longo das quais se registou movimento numa maior ou menor extensão. b) Superfície de estratificação (bedding ) Descontinuidade paralela à superfície de deposição dos sedimentos, a qual pode ou não ter uma expressão física. De notar que a atitude original da superfície de estratificação não deverá ser assumida como horizontal. c) Foliação (foliation ) Descontinuidade determinada pela orientação paralela dos minerais lamelares ou bandas minerais nas rochas m etamórficas. d) Diaclase ( joint ) Fractura em que não houve significativo deslocamento ao longo da superfície de rotura. Em geral diaclases intersectam superfícies primárias tais como superfícies de estratificação, de clivagem e de xistosidade. Designam-se por diaclases de corte (shear joint ) aquelas que são devidas a tensões de corte e por diaclases de tracção (tension joint) as que são originadas por tensões de tracção. Um conjunto de diaclases sensivelmente paralelas numa dada região designa-se por família de diaclases ( joint set ), enquanto o conjunto de duas ou mais famílias de diaclases nessa região designase por sistema de diaclases (joint sistem ). Duas famílias de diaclases com orientações aproximadamente normais entre si designam-se por ortogonais. No caso das diaclases, é relativamente frequente a ocorrência de três famílias principais com atitudes sensivelmente normais entre si, como ocorre muitas vezes em maciços de rochas ígneas, ou mesmo nos maciços sedimentares e metamórficos em que uma das famílias corresponde, respectivamente, às superfícies de estratificação e de xistosidade. e) Clivagem de fractura (cleavage ) Fracturas paralelas formadas em camadas rochosas de baixa resistência, ditas incompetentes, intercaladas em camadas com graus de resistência superior (competentes) são descontinuidades conhecidas por clivagens de fractura. Tais tipos de descontinuidades podem, por exemplo, formar-se num xisto argiloso intercalado entre duas camadas de arenito de resistência muito superior que, ao serem dobrados, levam ao surgimento de superfícies de fractura oblíquas à superfície de estratificação. Subentende-se, nesta designação, que a formação das superfícies de clivagem não é controlada pela orientação paralela das partículas minerais. f) Xistosidade (schistosity ) É a foliação no xisto ou em outra rocha cristalina de grão grosseiro resultante da disposição em planos paralelos dos minerais do tipo lamelar e/ou prismáticos, tal como a mica.
DESCONTINUIDADES
4.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Quando se procede à caracterização das descontinuidades, algumas, como as falhas, são em regra estudadas individualmente. Isto porque, normalmente, para um dado local o número das que têm alguma importância geotécnica é reduzido e, além disso, têm frequentes vezes orientações e propriedades físicas diferentes umas das outras. Outras, como as diaclases e as superfícies de estratificação e de xistosidade, que conduzem isoladamente ou associados entre si à compartimentação dos maciços, ocorrem em geral em grande número, associadas em famílias (conjunto de descontinuidades com idêntica orientação e génese), o que justifica que o seu estudo se revista de um carácter estatístico. Nas aplicações práticas de engenharia são de uso corrente as designações das categorias de descontinuidades apresentadas podendo algumas das propriedades ser inferidas desde logo em função daquelas categorias. Por exemplo, falhas são estruturas principais contendo preenchimentos pouco resistentes, tais como rocha esmagada e milonito argiloso, enquanto diaclases têm desenvolvimentos menores que o das falhas e o seu preenchimento é frequentemente fino e coesivo ou nem sequer existe. Contudo as designações geológicas por si só raramente fornecem informação detalhada das propriedades das descontinuidades para efeitos de dimensionamento em projecto, especialmente para fundações onde características, como a espessura do preenchimento, podem ter uma significativa importância nos assentamentos. Por esta razão, descrições geológicas são correntes para a compreensão das condições locais, mas estudos geotécnicos mais específicos serão quase sempre necessários antes de proceder ao dimensionamento definitivo da obra.
4.5 COMPARTIMENTAÇÃO DOS MACIÇOS ROCHOSOS Os parâmetros relativos às descontinuidades que determinam a forma e dimensão dos blocos que compartimentam os maciços rochosos são a orientação e número de famílias, o desenvolvimento e o espaçamento. Os desenhos da Figura 4.2 ilustram como estas propriedades podem influenciar a estabilidade da fundação. Em ambos os casos existem duas famílias de descontinuidades: a família A (set A) mergulha cerca de 40º no sentido da face do talude e a família B (set B) mergulha para o interior com uma pendente elevada.
4.4
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.2 – Influência do desenvolvimento e orientação das descontinuidades numa fundação: (a) descontinuidades contínuas mergulhando para o interior do talude – fundação estável; (b) descontinuidades contínuas mergulhando para fora da face do talude - fundação instável.
No caso da Figura 4.2a as descontinuidades da família A são descontínuas (pouco persistentes) e mais espaçadas que as da família B. Esta fundação deverá ser estável porque as descontinuidades aflorando na face do talude não são contínuas e apenas um pequeno bloco instável se forma junto da face. Pelo contrário, na Figura 4.2b as descontinuidades mergulhando no mesmo sentido da face do talude são extensas e possibilitam o movimento do conjunto da fundação sobre aquelas, constituindo as descontinuidades da família B fracturas de tracção (tension cracks). Um exemplo típico da situação referida pode corresponder ao de uma formação de arenito estratificado contendo uma família conjugada de descontinuidades pouco persistentes. Se as camadas mergulham para o interior do talude a fundação pode ser estável, e se mergulham para fora da face com um ângulo de 40º, que é frequentemente maior que o ângulo de atrito das superfícies de estratificação do arenito, é provável que a fundação venha a escorregar sobre estas descontinuidades. As condições mostradas na Figura 4.2 ilustram também a influência do espaçamento das descontinuidades nos assentamentos. Neste exemplo, o espaçamento das descontinuidades é tal que a sapata assenta predominantemente na rocha intacta. Consequentemente é pouco provável a ocorrência do fecho das descontinuidades e o assentamento será função do módulo de deformabilidade da rocha intacta. Contudo, no caso duma rocha muito fracturada, o assentamento pode ocorrer como resultado do fecho das descontinuidades, particularmente se o preenchimento
DESCONTINUIDADES
4.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
incluir um material compressível, tal como argila, sendo neste caso o assentamento função do módulo de deformabilidade do maciço rochoso que constitui o conjunto da fundação. Quanto à estabilidade global da fundação registe-se que uma rocha intensamente fracturada pode ser suficientemente indentada para evitar o movimento do conjunto da fundação num tipo de rotura em bloco como o mostrado na Figura 4.2b. Por outro lado, o destaque de blocos de pequena dimensão pode gerar-se como resultado da acção do gelo ou da acção erosiva de um rio e, em consequência poderá dar-se o descalce da fundação (Figura 4.2a). 4.5.1 Orientação das Descontinuidades O primeiro passo na investigação das descontinuidades duma fundação consiste na análise da orientação e identificação das famílias de descontinuidades, ou descontinuidades singulares, que podem determinar blocos de rocha potencialmente instáveis. A informação sobre a orientação das descontinuidades pode ser obtida a partir de diferentes fontes, tais como mapeamentos de superfície e subterrâneos, amostras e furos de sondagens, sendo necessário combinar os dados num sistema que possibilite a respectiva análise. Esta análise é facilitada pelo uso de métodos simples e precisos que exprimem a orientação da descontinuidade. A orientação, ou atitude duma descontinuidade no espaço é definida pelo pendor ou mergulho da linha de maior declive (dip ) do respectivo plano que a contem (Figura 4.3), através do ângulo medido no sentido descendente a partir da horizontal (ψ ), e pelo azimute da direcção dessa mesma linha (dip direction ), sendo medido este ângulo a partir do Norte no sentido dos ponteiros do relógio (α).
α - azimute da linha de maior declive (dip direction) ψ - pendor ou mergulho da linha de maior declive (dip)
Figura 4.3 – Terminologia definindo a orientação do plano duma descontinuidade N60E,30SE: (a) vista isométrica; (b) vista em planta.
4.6
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Nas aplicações práticas, mormente quando se fazem tratamentos estatísticos ou análises de estabilidade de maciços rochosos, é usual representar os dados de orientação na forma azimute da direcção (3 dígitos) / pendor (2 dígitos), tal como 150/30 e 040/60. Alguns profissionais, nomeadamente geólogos, preferem representar a orientação das descontinuidades pelos valores do azimute da recta de nível (strike ), medido a partir do Norte, para Este ou Oeste por forma a não ultrapassar 90º, e pelo pendor da recta de maior declive. Esta representação resulta do facto de ser sob esta forma que os dados de campo são colhidos utilizando uma bússola provida de clinómetro (Figura 4.4). Nestas condições as orientações das descontinuidades acima dadas como exemplos teriam, respectivamente, as designaçõesN60E,30SE e N50W ,60NE.
Figura 4.4 – Bússola provida de clinómetro
No que se refere ao tratamento da representação da orientação das descontinuidades há a referir uma dualidade de critérios de tratamento em função do tipo de descontinuidades. Algumas, pela sua grande importância constituindo singularidades específicas, têm representação individual, como é o caso por exemplo das falhas e dos filões. Por tal, são estudadas em pormenor, em afloramentos ou no interior dos maciços, à custa da realização de trabalhos de prospecção e representadas uma a uma em cartas geológicas, perfis geológicos e blocos-diagrama. No caso de descontinuidades que ocorrem em grande número, no todo conduzindo à compartimentação geral do maciço, torna-se impossível representá-las na totalidade, pelo que se recorre com frequência à análise estatística das suas características, sobretudo das atitudes medidas (em regra da ordem das centenas), com vista a obter uma imagem do tipo de compartimentação; neste caso é usual apresentar-se numa planta geológica apenas algumas atitudes representativas e um esquema gráfico com o tratamento do conjunto das medições efectuadas e, em complemento, descrever-se num relatório a envolvente das propriedades físicas, para cada família de descontinuidades.
DESCONTINUIDADES
4.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Antes de iniciar o registo das respectivas atitudes, porém, é indispensável definir, a partir do conhecimento de superfície, zonas do maciço com características próprias no que se refere à atitude das descontinuidades e só depois, dentro de cada zona, fazer o respectivo tratamento estatístico. Quando se procede ao estudo de um maciço de fundação de uma barragem, por exemplo, é costume, mesmo quando não há evidências nítidas de variação de atitude das descontinuidades de margem para margem, proceder à análise estatística separada das medições feitas em cada uma das margens; se a observação dos resultados mostrar não haver qualquer variação significativa das atitudes das descontinuidades, de uma para outra margem, faz então sentido proceder ao tratamento global de toda a informação, utilizando para o efeito um só gráfico de projecção. Outro exemplo característico é o do levantamento geológico de descontinuidades ao longo de um túnel mais ou menos extenso; neste caso o tratamento estatístico das medições das atitudes deve começar por ser parcelar, interessando trechos relativamente pouco extensos do túnel e só no caso de manutenção das atitudes pelas famílias mais representativas ao longo dos vários trechos, faz sentido agrupar as medições e fazer a análise de conjunto do maciço atravessado pelo túnel. A obtenção dos elementos de estudo no caso de descontinuidades numerosas faz-se, tal como as de expressão individual: quer a partir da observação de afloramentos, quer a partir da observação directa ou indirecta do interior dos maciços através de trabalhos de prospecção (poços, galerias e sondagens). 4.5.1.1 Método da Roseta O método da roseta é um tipo de representação gráfica da orientação das descontinuidades. Trata-se de um método gráfico de simples execução em que se dispõe de uma base circular dividida de 0º a 360º, frequentemente em sectores de 10º, correspondentes às direcções das descontinuidades e em que o número de medições para cada família é dado pelo comprimento do respectivo sector, medido a partir do centro do círculo. Neste tipo de representação, não há lugar para a indicação da inclinação individual das descontinuidades no gráfico, sendo somente indicado, da forma como se mostra na Figura 4.5, o intervalo de variação das inclinações das descontinuidades pertencentes a cada família. Considera-se que esta representação é relativamente pobre na informação que contem quando se pretende proceder a análises detalhadas, já que unicamente fornece campos de valores sem indicar qual a relativa probabilidade de ocorrência no cômputo global das medições efectuadas. Por isto, importa referir as técnicas de tratamento estatístico dos elementos relativos à orientação das descontinuidades numerosas e forma de representação gráfica adequada dos respectivos resultados. As representações mais usadas nas aplicações da engenharia civil são as projecções hemisféricas que só consideram a posição relativa dos ângulos das rectas e dos planos, e nunca a sua localização absoluta.
4.8
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.5 – Representação da orientação das descontinuidades pelo método da roseta
4.5.1.2 Projecção Hemisférica A projecção hemisférica é um método de representação e análise das relações tri-dimensionais entre planos e rectas num diagrama bi-dimensional. Tem sido uma ferramenta largamente utilizada no campo da geologia estrutural e mais recentemente a sua utilização tem tido um grande incremento na resolução de problemas de engenharia. As bases do método e as suas aplicações práticas são descritas por vários autores tais como Goodman (1976), Hoek & Brown (1980), Hoek & Bray (1981) e Priest (1980, 1985)1. Imagine-se uma esfera livre de se mover no espaço e que por tal a podemos colocar por forma a um dado plano passar pelo seu centro. A intersecção do plano com a superfície da esfera é um círculo maior , correspondente ao perímetro da área sombreada da Figura 4.6. A recta perpendicular ao plano e passando pelo centro da esfera intersecta esta em dois pontos diametralmente opostos designados por polos do plano. Uma vez que o círculo maior e os polos representando o plano surgem nas partes superior e inferior da esfera, só será necessário um hemisfério para representar e trabalhar os dados do plano.
1
Sobre este tema recomenda-se a consulta do livro “Hemispherical Projection Methods in Rock Mechanics” da autoria de S. D. Priest.
DESCONTINUIDADES
4.9
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Usualmente utiliza-se em engenharia o hemisfério inferior, embora haja um grande número de publicações sobre geologia estrutural a utilizarem o hemisfério superior, sendo igualmente possível utilizar este hemisfério para a resolução de problemas de engenharia.
Figura 4.6 – Círculo maior e polos definidores da orientação dum plano.
A projecção hemisférica permite a representação de círculos maiores e polos no plano horizontal que contém o equador (plano equatorial ). Esta representação pode ser conseguida, tal como se mostra na Figura 4.7, ligando todos os pontos do circulo maior situados sobre a esfera de referência e polo com o zénite (ponto de intersecção da recta vertical que passa pelo centro da esfera com a superfície do hemisfério superior). As projecções hemisféricas do círculo maior e do polo são dadas pelas intersecções das respectivas linhas de projecção com oplano equatorial . A projecção referida no parágrafo precedente é conhecida por projecção igual ângulo ou de Wulff . Nesta projecção, qualquer círculo maior é representado por um arco de circunferência no plano equatorial de projecção.
4.10
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.7 - Projecção igual ângulo (Wulff) dum círculo maior e do respectivo polo.
Uma outra projecção, alternativa a esta e correntemente utilizada, é a projecção igual área , de Lambert , ou de Schmidt . Nesta, qualquer ponto P´ situado na superfície da hemisfera inferior, representativo duma recta que passa pelo centro da esfera, é representado no plano equatorial de projecção por um ponto P (Figura 4.8b) situado no alinhamento do plano vertical que contém aquela recta e se situa a uma distância do centro da área de projecção igual ao quociente da distância entre P´ e B por
2
. Nesta projecção, qualquer círculo é representado no plano equatorial de projecção por
uma curva cuja equação é do 4º grau. Nas aplicações práticas de engenharia, a utilização da projecção igual área é preferível para o tratamento de dados das orientações das descontinuidades, já que permite uma representação gráfica com menores distorções. A projecção igual ângulo, nomeadamente quando se recorre a aplicações manuais, pode apresentar-se com alguma vantagem pela facilidade de recurso à utilização do compasso para executar certas construções gráficas. Apesar destas diferenças entre os tipos de projecção indicados, a filosofia de abordagem dos problemas é idêntica para qualquer deles.
DESCONTINUIDADES
4.11
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
(a)
(b)
Figura 4.8 – Cortes verticais, pelo centro da esfera de referência, ilustrando: (a) - projecção igual ângulo; (b) projecção igual área.
Como adiante se explicará, a representação de planos e respectivos polos poderá ser feita com o auxílio duma rede de projecção , tal como as representadas na Figura 4.9. Os “círculos maiores” da rede representam planos com rectas de níveis orientadas na direcção N-S e pendores intervalados dum valor constante, igual a 10º no caso da Figura 4.9. Por se tratar de uma projecção igual ângulo , os “círculos maiores” da rede da Figura 4.9a são arcos circulares centrados na recta de suporte do eixo E-W no caso da rede de projecção igual ângulo .
(a)
(b)
Figura 4.9 – Redes de projecção: (a) - igual ângulo (Wulff ); (b) - igual área (Schmidt ).
4.12
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Considere-se agora um plano base cuja recta de nível tenha aquela orientação (N-S ) e uma recta r desse mesmo plano que faz um determinado ângulo δ com a recta de nível. Ao rodar o plano base em torno do eixo N-S , a recta r descreve um movimento definindo uma superfície cónica cuja intersecção com a esfera de referência determina um círculo menor . As redes de projecção contêm ainda as representações de “círculos menores” correspondentes a rectas do plano base orientadas com desfasamentos angulares constantes, igual a 10º nos casos da Figura 4.9. Na rede da Figura 4.9a (projecção igual ângulo), as representações dos“círculos menores” são obtidas pelo traçado de arcos circulares, agora centrados na recta de suporte do eixo N-S . Resulta, do que se acabou de referir, que o ângulo entre duas quaisquer rectas pertencentes a um mesmo plano cuja recta de nível tenha a orientação N-S , representadas na rede de projecção por dois pontos dum mesmo “círculo maior“ , é determinado pelos número de intervalos entre “círculos menores” que contêm aqueles pontos.
(a)
(b)
Figura 4.10 – Representação do plano N40W,40SW (αd / ψ d = 230/40), com base nas redes de projecção: (a) igual ângulo (Wulff); (b) - igual área (Schmidt).
Para realizar a representação manual dum plano pelo “círculo maior” e pelo polo no plano equatorial de projecção, pode-se utilizar a rede de projecção como auxiliar. Começa por se assentar sobre a rede, uma folha de papel vegetal que pode girar em torno do centro da rede, recorrendo-se para tal a um alfinete que serve de eixo. Na folha de papel vegetal marca-se o ponto correspondente ao Norte da rede e em seguida, a partir deste, marca-se a direcção do pendor da descontinuidade medida sobre a periferia da rede no sentido dos ponteiros do relógio. Em seguida roda-se a folha de papel vegetal por forma a esta direcção coincidir com o eixo E-W da rede. Sobre este eixo e a partir da periferia da rede mede-se o pendor do plano após o que se desenha no papel vegetal o traço do plano
DESCONTINUIDADES
4.13
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
sobreposto ao “círculo máximo” da rede de projecção. O polo corresponderá ao ponto da rede, a marcar ainda com a folha de papel vegetal rodada, localizado sobre o eixoE-W à “distância” de 90º do ponto de intersecção deste eixo com o traço do “círculo maior” . Depois destas operações, roda-se a folha de papel vegetal por forma ao Norte regressar à sua posição verdadeira. A Figura 4.10 mostra a representação, obtido por esta via a partir das redes de projecção igual ângulo e igual área , dum plano cuja recta de maior declive tem a direcção de 230º e um pendor de 40º. O plano aparece representado pelo traço do “círculo maior” e pelo polo . 4.5.1.3 Diagramas de Isodensidades Uma utilização elementar das projecções hemisféricas é a representação e análise das orientações das descontinuidades medidas no campo. Dispondo dos dados correspondentes a um elevado número de descontinuidades é possível representá-las num dos sistemas de projecção atrás referidos e, a partir daí, identificar as principais famílias de descontinuidades, determinar a orientação mais representativa de cada família e, para cada uma destas, verificar a dispersão das orientações em relação à orientação mais representativa. Para este tratamento dos dados relativos às orientações das descontinuidades, é conveniente fazer a representação dos planos através dos respectivos polos . Embora nessa representação dos polos se possa utilizar uma das rede anteriormente referidas, é preferível a utilização dumarede polar tal como a representada na Figura 4.11.
(a)
(b)
Figura 4.11 – Redes polares: (a) – projecção igual ângulo; (Wulff ) (b) - projecção igual área (Schmidt ).
Com uma rede deste tipo, não será necessário rodar a folha de papel vegetal onde se representam
4.14
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
os polos dos diversos planos. A folha de papel vegetal é sobreposta à rede polar e os polos são desenhados directamente com base nos valores αd / ψd da recta de maior declive do plano atendendo a que a orientação da recta normal a um plano, representada por αn / ψn , pode ser obtida a partir da orientação da sua recta de maior declive: αn = αd ± 180º e ψ n = 90º - ψ d. Atendendo a estas relações, refira-se que uma vez definida a direcção da recta normal (igual à da recta de maior declive) sobre a rede polar, o polo pode ser obtido marcando a partir do centro da rede o valor do pendor da recta de maior declive (ψ d), à semelhança do que é mostrado na Figura 4.10. A Figura 4.12 mostra um exemplo onde 387 descontinuidades medidas num local foram representadas pelos seus polos através das projecções igual ângulo e igual área . A partir destas representações pode-se proceder à análise das concentrações dos polos das descontinuidades e determinar as orientações mais representativas das famílias de descontinuidades.
(a)
(b)
Figura 4.12 - Representação dos polos de 387 descontinuidades: (a) – projecção igual ângulo; (Wulff) (b) - projecção igual área (Schmidt ).
A ferramenta essencial necessária para as análises pela via manual da dispersão das descontinuidades são redes de contagem onde a área de projecção é dividida em sectores com idêntica representatividade das correspondentes áreas da superfície do hemisfério de referência. A Figura 4.13 mostra dois exemplos de redes de contagem, sendo de assinalar no caso da rede relativa à projecção igual ângulo a variação das áreas dos sectores, diminuindo da periferia para o centro, tendo em vista a correcção das distorções inerentes a este tipo de projecção.
DESCONTINUIDADES
4.15
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
(a)
(b)
Figura 4.13 – Exemplos de redes de contagem: (a) – projecção igual ângulo; (Wulff ) (b) - projecção igual área (Schmidt ).
A forma mais conveniente para usar a rede de contagem é obter uma cópia desta em material transparente e sobrepô-la à folha de dados onde se fez a representação dos polos das descontinuidades, deixando-a livre de rodar em torno do centro (novamente com a ajuda dum alfinete, por exemplo). Uma terceira folha de papel transparente, a folha de trabalho onde se irá fazer a representação das curvas de igual densidade de distribuição das descontinuidades no espaço, é montada sobre as restantes duas folhas, mas por forma a ficar solidária com a folha inferior que contem os dados a analisar. O primeiro passo da análise é contar todos os polos da rede. Isto deverá ser feito contando o número de polos caindo dentro de cada célula da rede de contagem. Estes números são anotados na folha de trabalho em pontos correspondentes ao centro de cada uma das células. Conhecido o número total de polos da amostragem, determinam-se as percentagens relativas aos valores anotados para cada célula. A rede de contagem pode então ser rodada entre a folha de dados e a folha de trabalho por forma a conseguir incluir o máximo de polos numa das células e, a partir daí, pode determinar-se a máxima percentagem de concentração de polos . Com pequenas rotações da rede de contagem, podem-se estabelecer as posições dos pontos aos quais correspondem percentagens de concentração de polos sucessivamente inferiores à máxima e, a partir daí, traçar na folha de trabalho curvas delimitando áreas de idêntica densidade de ocorrência dospolos .
4.16
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Actualmente existe no mercado diverso software que permite o tratamento informático dos dados de levantamento e o seu tratamento. Normalmente tal software, para além do traçado de curvas de isodensidades de concentração de polos , permite a obtenção de outros elementos de interesse prático. Na Figura 4.14 mostram-se os diagramas obtidos através do software DIPS (Rocscience) em resultado do tratamento do conjunto de descontinuidades representado na Figura 4.12.
(a)
(b) Figura 4.14 - Curvas de isodensidades de concentração de polos representados na Fig. 12: a) – projecção igual ângulo; (Wulff ) (b) - projecção igual área (Schmidt ).
DESCONTINUIDADES
4.17
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Neste caso foram identificadas três famílias de descontinuidades, duas com orientação subvertical (concentração de polos junto ao contorno da área de projecção) e a terceira é subhorizontal (concentração polar no centro). A máxima concentração polar das famílias subverticais corresponde às normais cuja orientação é caracterizada por αn / ψn = 158/01 (recta de maior declive αd / ψd = 338/89) e αn / ψn = 236/06 (recta de maior declive αd / ψd = 056/84). Por sua vez a família subhorizontal é caracterizada pela orientação αn / ψn = 204/86 (recta de maior declive αd / ψd = 24/04). Entre famílias, verifica-se que as subverticais possuem idênticos valores de máximos da concentração de polos (cor mais escura), tendo portanto idêntica importância em termos de frequência de ocorrência. Por sua vez, sob este ponto de vista, a família subhorizontal será aparentemente menos importante pelo facto de a máxima concentração polar ser inferior à das famílias subverticais. 4.5.2 Tipos de instabilidade em taludes Os diferentes tipos de instabilidade possíveis em taludes rochosos estão intimamente ligados ao tipo de estruturas geológicas pelo que é importante, logo numa fase preliminar dos estudos, identificar quais as potenciais situações de instabilidade que tais estruturas podem ocasionar. Estas situações, podem ser muitas vezes facilmente identificadas através duma simples análise dos diagramas com a representação dos polos das descontinuidades e das respectivas curvas de isodensidades. (Figura 4.15). Podem-se diferenciar quatro potenciais tipos de rotura cujas características são função das orientações relativas da face do talude e das descontinuidades. Para cada um dos potenciais tipos de rotura existe um método específico de análise da estabilidade o qual tem em consideração a forma e dimensões dos blocos, a resistência ao deslizamento das superfícies de escorregamento, as pressões da água e outras forças aplicadas. Os primeiros três tipos de instabilidade de blocos – planar, cunha e “toppling ”- têm formas distintas determinadas pela estrutura geológica. No caso dos blocos planares e cunhas (Figura 4.15b e 15c) a estrutura tem mergulho concordante com a face do talude e emerge nesta, pelo que na representação hemi-esférica os pólos das descontinuidades localizam-se na parte oposta do círculo maior representativo do plano da face do talude. No caso do “toppling ” de blocos (Figura 4.15d) a estrutura mergulha no sentido contrário para o interior da face do talude, pelo que na representação hemiesférica os pólos e o círculo maior do plano da face situam-se do mesmo lado da área de projecção. O quarto tipo de instabilidade, rotura circular, ocorre em solos, enrocamentos ou rochas com fracturas muito próximas e com descontinuidades não persistentes mergulhando para fora da face do talude (Figura 4.15a). Para cortes de escavação em maciços com rocha fracturada, a superfície de escorregamento forma-se seguindo em parte do traçado as descontinuidades com orientação aproximadamente paralela a esta superfície e na parte restante do traçado intersectando a rocha
4.18
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.15 – Tipos principais de figuras de rotura de taludes e condições estruturais que lhes dão origem.
DESCONTINUIDADES
4.19
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
intacta. Dada a relativamente elevada resistência ao corte da rocha quando comparada com a resistência ao deslizamento das descontinuidades, este tipo de rotura somente ocorre em maciços rochosos com fracturas muito próximas onde a maior parte da superfície de deslizamento coincide com as descontinuidades. Em consequência, quando a rotura ocorre sob estas condições, a superfície de escorregamento aproxima-se de um arco circular de grande raio determinando uma superfície de rotura pouco profunda. Análises de estabilidade deste tipo de rotura em maciços rochosos podem ser conduzidos de modo idêntico aos de estabilidade de solos, utilizando parâmetros apropriados de resistência. Por uma questão de clareza, nos diagramas mostrados na Figura 4.15 aparecem apenas representados casos bastante simples. Nas situações correntes podem verificar-se outras combinações de estruturas geológicas que conduzem a diferentes figuras de rotura. Por exemplo, num maciço em que as descontinuidades conduzam à formação de blocos prismáticos susceptíveis de escorregar sobre duas descontinuidades, a ocorrência de uma terceira família de descontinuidades que normalmente origina a instabilidade por “toppling ”, pode potenciar o aparecimento de fendas de tracção dando origem a blocos instáveis com a forma de troncos de pirâmide. Estasfendas de tracção são um factor importante a ter em conta nas análise de estabilidade dos maciços, já que frequentes vezes constituem o local privilegiado para a infiltração de escorrências superficiais da água das chuvas, que podem gerar forças que favorecem o escorregamento. 4.5.3 Análises Cinemáticas Uma vez identificado o tipo de rotura através da projecção hemisférica, a mesma representação pode também ser utilizada para examinar a direcção segundo a qual o bloco irá deslizar e dar uma indicação das possíveis condições de estabilidade. Este procedimento é conhecido como análise cinemática. Uma aplicação da análise cinemática pode ser mostrada em relação à face rochosa da Figura 4.1, onde duas descontinuidades planas formaram um bloco que deslizou do talude na direcção do fotógrafo. Se a face do talude fosse menos inclinada que a linha de intersecção dos planos das duas descontinuidades, então o bloco (cunha) formado por estes não poderia escorregar. Esta relação entre a direcção segundo a qual o bloco deslizaria e a orientação da face do talude é medida na projecção hemi-esférica prontamente. Contudo, enquanto análises da projecção hemisférica dão uma boa indicação das condições de estabilidade, aquela não têm entra em linha de conta com forças externas tais como cargas das fundações, pressões da água ou reforços incluindo ancoragens tensionadas, as quais podem ter um efeito significativo na estabilidade. O procedimento usual em projecto consiste na utilização da análise cinemática para identificar blocos potencialmente instáveis, seguido de análises numéricas para verificação da estabilidade desses blocos.
4.20
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Um exemplo de análise cinemática pode ser observada na Figura 4.15 onde se representa uma sapata localizada na crista de um talude inclinado que contém três famílias de descontinuidades. O potencial para estas descontinuidades determinarem blocos instáveis na fundação depende do seu azimute e pendor em relação à face do talude; as condições de estabilidade podem ser estudadas através da projecção hemi-esférica tal como se descreve seguidamente. 4.5.3.1 Rotura Planar Um bloco planar potencialmente instável é determinado pelo plano AA caracterizado por ter um pendor menor que a face (ψ p < ψ f), ou seja, emerge (“daylight ”) no plano da face do talude (Figura 4.15a). Contudo, o deslizamento não será possível sobre o plano BB o qual tem um pendor maior que a face (ψ p > ψ f), ou seja, não emerge no plano da face do talude. Similarmente, a família de descontinuidades CC tem pendor contrário ao da face pelo que o escorregamento não é possível sobre estes planos, embora o “toppling ” seja possível. Os pólos da face do talude (símbolo p f) e das descontinuidades (p AA, p BB e p CC) estão representados na projecção hemisférica na Figura 4.15b, admitindo que todas as descontinuidades têm azimute idêntico ao da face. A posição destes pólos em relação à face do talude mostra que os pólos de todos os planos que emergem na face, que determinam situações potencialmente instáveis, localizam-se numa área restrita situada para o interior do polo da face do talude (ψ f). Tal área, que pode ser utilizada para identificar rapidamente os blocos potencialmente instáveis, é designada por envoltória “daylight ” e aparece na Figura 4.15b preenchida por uma trama de traços horizontais. Refira-se que o azimute da recta de maior declive (dip direction) das famílias de descontinuidades tem influência na estabilidade. Na prática verifica-se que o escorregamento não é possível se o azimute da recta de maior declive da descontinuidade diferir da direcção da recta de maior declive da face de um valor superior a cerca de 20º. Isto é, o bloco será estável se αp - αf > 20º porque, nestas condições, haverá um incremento da espessura de rocha intacta numa das extremidades do bloco a qual permitirá garantir a este uma resistência suficiente para evitar o seu escorregamento. Na projecção hemi-esférica esta restrição relativa à orientação das rectas de maior declive dos planos é representada por duas linhas definindo direcções da recta de maior declive (αf + 20º) e (αf - 20º). Estas duas linhas determinam os limites laterais da envoltória “daylight ” na Figura 4.15 aplicável aos casos de instabilidade por rotura planar (área preenchida por uma trama quadricular).
DESCONTINUIDADES
4.21
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.16 – Análise cinemática de blocos em taludes: (a) representação das descontinuidades; (b) envoltórias representadas através de projecção igual área.
4.5.3.2 Rotura de Cunhas A análise cinemática de rotura de cunhas (Figura 4.15c) pode ser efectuada de maneira similar ao das roturas planares. No presente caso o polo da linha de intersecção de duas descontinuidades é representado na área de projecção hemisférica e considera-se que o escorregamento é possível se o polo emergir na face do talude, isto é (ψ i < ψ f). A análise da direcção do escorregamento no caso de cunhas com possibilidade cinemática de deslizar é mais complexa que o das roturas planares uma vez que existem dois planos que delimitam a superfície de escorregamento, podendo o deslizamento processar-se simultaneamente sobre os dois planos ou sobre um deles. Para a análise deste tipo de instabilidade é recomendável o recurso ao teste de Markland, que se expõe mais adiante.
4.22
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Refira-se desde já que o lugar geométrico correspondente às linhas de intersecção emergentes na face, tal como é mostrado na Figura 4.15b, é mais amplo que o relativo ao das roturas planares. A envoltória “daylight ” para roturas de cunhas é o lugar geométrico de todos os pólos representando linhas de intersecção com azimutes que determinam o afloramento desta no plano da face do talude. 4.5.3.3 Rotura por “toppling” Para que a rotura por toppling possa ocorrer o azimute da recta de maior declive das descontinuidades, mergulhando no sentido oposto ao do pendor da face do talude, não deve divergir mais que cerca de 20º do azimute da recta de maior declive do plano da face. Só nestas circunstâncias se podem formar séries de blocos de forma paralelepipédica (placas) cujas faces de maior desenvolvimento possuam azimute paralelo, ou próximo, do azimute do plano da face. Também, o pendor dos planos das descontinuidades deve ser suficientemente elevado para que o escorregamento entre placas possa ocorrer. Se as faces das camadas tiverem um ângulo de atrito φ j, então o escorregamento só ocorrerá (vide § seguinte) se a direcção das tensões de compressão aplicadas fizer com a normal às descontinuidades um ângulo superior a φ j. Como a direcção da tensão principal máxima numa escavação é paralela à face do corte (pendor ψ f), então o escorregamento entre camadas e a rotura por “toppling “ ocorrerá em planos de descontinuidades com pendor ψ p ( normal com pendor ψ np = 90º - ψ p) quando for verificada a condição: (90º - ψ f) + φ < ψ p, ou seja, ψ np < ψ f - φ .
Estas condições relativas à orientação dos planos das descontinuidade que podem determinar roturas por “toppling ” são mostradas na Figura 4.15d. Na projecção hemisférica o lugar geométrico das orientações destes planos localiza-se no lado oposto ao das zonas definidas para os escorregamentos planares e de cunhas. 4.5.3.4 Cone e Círculo de Atrito Uma vez identificada pela projecção hemisférica a situação cinemática admissível relativa a um bloco, torna-se possível examinar as condições de estabilidade recorrendo a essa mesma projecção. Esta análise é realizada assumindo que a resistência na superfície de deslizamento incorpora unicamente a componente atrítica e que a coesão é nula. Considere-se um bloco paralelepipédico de rocha com a base lisa, submetido unicamente à acção gravítica (vertical) e em repouso sobre uma superfície cuja inclinação em relação ao plano horizontal se pode fazer variar. Enquanto a inclinação (ou pendor) do plano da base for suficientemente pequena, o bloco mantém-se numa situação de equilíbrio, havendo no entanto um valor limite do pendor da base a partir do qual o bloco passa a escorregar sobre tal plano. O ângulo correspondente a tal limite, que é função da natureza das superfícies de contacto, designa-se por ângulo de atrito (φ).
DESCONTINUIDADES
4.23
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Supondo que a base é uma descontinuidade, tal bloco encontra-se em equilíbrio sempre que o pendor desta descontinuidade seja menor que o ângulo de atrito. Tal afirmação é equivalente à afirmação de que o bloco está em equilíbrio sempre que o ângulo entre a vertical (linha de acção do peso próprio) e a normal ao plano da descontinuidade da base seja inferior a φ. Se na área da projecção, com centro coincidente com o centro daquela desta área, for desenhado um círculo menor correspondente a um cone de eixo vertical e semi-abertura igual a φ, pode-se então afirmar que o bloco é estável se a normal à descontinuidade que representa a base ficar situada no interior desse círculo, designado por “cone de atrito ”, e instável se situar no exterior deste. Tendo em atenção o que anteriormente foi exposto, a verificação da estabilidade poderia também ser realizada com base na representação da recta de maior declive do plano da descontinuidade da base e de um círculo menor, designado por “círculo de atrito ”, representativo do lugar geométrico das rectas com pendor igual a φ (círculo cuja distância angular do contorno da área de projecção é φ). Nesta representação, o bloco é estável sempre que a representação da recta de maior declive da descontinuidade se posicione exteriormente ao “círculo de atrito ”. As regiões da Figura 4.16 mostram as possíveis posições dos polos que podem originar blocos instáveis. Foram desenhadas regiões para faces de talude com pendores de 60º e 80º que evidenciam que o risco de instabilidade cresce à medida que o talude é mais íngreme, tal como se pode observar pela maiores dimensões da região para o talude mais inclinado. Também, tais regiões são maiores quando diminui o ângulo de atrito. A delimitação das regiões de instabilidade permite concluir ainda que, quando da actuação isolada da acção gravítica, a instabilidade somente ocorrerá para uma gama restrita de condições geométricas.
Figura 4.17 – Análise cinemática combinada com análise usando o conceito de cone de atrito (representação através de projecção igual área).
4.24
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
No caso de o bloco paralelepipédico em análise, sujeito à actuação isolada do peso próprio, para além da instabilidade por escorregamento pode verificar-se um outro tipo de instabilidade associado à rotação do bloco em torno da aresta inferior da base (ver Figura 4.17). Deste movimento, característico da rotura por “toppling ”, resulta o derrube do bloco. A verificação da condição de estabilidade do bloco em relação ao derrube é estabelecida a partir da equação de equilíbrio de momentos das forças actuantes em relação ao eixo de rotação (aresta inferior).
Figura 4.18 – Condições de estabilidade em função da geometria dum bloco paralelepipédico sob a acção do peso próprio.
DESCONTINUIDADES
4.25
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Sendo o peso próprio W = (a.b.h).γ a força actuante (a e b as dimensões da base, respectivamente na direcção da recta de nível e da recta de maior declive, h a altura do bloco e γ o peso volúmico da rocha), o momento de derrube será Md = W.sinΨ.h/2 e o momento estabilizador Me = W.cosΨ.b/2. Para que o bloco esteja em equilíbrio ter-se-á de verificar Me > Md, ou seja: W.cosψ .b/2 > W.senψ .h/2
⇒
b/h > tanψ
Na Figura 4.17 representa-se a justaposição das condições acima deduzidas para a verificação da estabilidade dum bloco paralelepipédico, verificando-se existir, mesmo para um bloco com esta forma geométrica simples e submetido unicamente à acção gravítica, três potenciais de situações de instabilidade (escorregamento planar, toppling , e misto), as quais são função das dimensões relativas do bloco, pendor do plano da base e valor do ângulo de atrito no plano desta. 4.5.3.5 Teste de Markland Enquanto a análise das condições de estabilidade dos blocos planares é usualmente feita recorrendo ao estudo do posicionamento das normais em função do “cone de atrito ”, já para o caso das cunhas o exame é normalmente conduzido através da verificação do posicionamento da recta de intersecção das descontinuidades que delimitam as bases do bloco relativamente ao “círculo de atrito ”, recorrendo-se para tal efeito ao denominado teste de Markland . Como adiante se verá, através deste teste, inicialmente concebido para analisar a estabilidade de blocos nos casos em que o movimento de deslizamento ocorre ao longo da linha de intersecção de duas descontinuidades planas (Figura 4.15c), é também possível identificar a situação de escorregamento dum bloco ao longo de um dos planos descolando do outro. Se durante o deslizamento duma cunha o contacto for mantido ao longo dos planos de duas descontinuidades da base, então o movimento dar-se-á obrigatoriamente na direcção da linha de intersecção daqueles planos, devendo esta linha intersectar a face do talude. Por outras palavras, para haver deslizamento do bloco, o pendor da linha de intersecção das descontinuidades deve ser menor que o pendor (ou mergulho) aparente do plano da face do talude, medido este na direcção da linha de intersecção (ver Figura 4.18a). À semelhança do exposto em relação ao escorregamento sobre um plano de um bloco paralelepipédico, numa primeira aproximação, que constitui a base do teste de Markland , é considerado que só poderá haver instabilidade do bloco, quanto a um potencial escorregamento sobre as duas descontinuidades, nos casos em que se verifique que o pendor da linha de intersecção destas excede o valor do ângulo de atrito, ou seja, quando a recta de intersecção se posicione interiormente ao “círculo de atrito ” correspondente àquele ângulo. Assim, tal como se mostra na Figura 4.18b, um talude será potencialmente instável quando, na área
4.26
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
de projecção, o ponto que representa a recta de intersecção dos dois planos cai dentro da zona crítica delimitada pela circunferência definida pelo ângulo de atrito φ (círculo de atrito) e é exterior ao “círculo maior” que representa a face do talude.
Figura 4.19 – Teste de Markland .
Assinale-se que o teste Markland apresenta desde já como limitação o facto de utilizar um único valor do ângulo de atrito sendo duas as descontinuidades sobre as quais o bloco pode escorregar, podendo estas possuir valores bastantes diferentes de tal ângulo. Também através de estudos mais elaborados mas fora do âmbito da disciplina, é possível verificar que o factor de segurança em relação à estabilidade de um talude (relação entre a resistência disponível, expressa em termos de uma força, e o somatório das forças actuantes que tendem a provocar o escorregamento, contabilizadas na direcção do deslizamento), para além dos parâmetros de resistência ao escorregamento das descontinuidades e do pendor da linha de intersecção, depende também do valor do ângulo formado pelas descontinuidades que constituem a base da cunha e que determinam um efeito favorável à estabilidade designado por “efeito de cunha”. Um refinamento introduzido por Hocking (Figura 4.19) ao teste de Markland permite diferenciar as
DESCONTINUIDADES
4.27
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
situações de escorregamento em que o movimento se dá segundo a recta de intersecção de dois planos, ou segundo a recta de maior declive de um dos planos que constitui a base do bloco. Se as condições do teste de Markland são satisfeitas, isto é, se a recta de intersecção dos dois planos cai na área sombreada (área de instabilidade potencial), e se, simultaneamente, a direcção da recta de maior declive de um dos planos das descontinuidades se situar entre a direcção da recta de intersecção e a direcção da recta de maior declive do outro plano, então o deslizamento deverá ocorrer segundo a recta de maior declive do primeiro plano e não segundo a recta de intersecção.
Figura 4.20 - Teste de Markland : refinamento de Hocking .
Nas Figuras 5.19 e 5.20 as descontinuidades foram representadas pelos círculos maiores . No entanto, quando se procede a aplicações do teste de Markland , prefere-se frequentemente a representação das descontinuidades através dos polos . Na Figura 4.20, os planos das duas descontinuidades representadas na Figura 4.18 aparecem representados pelos respectivospolos .
Figura 4.21 - Representação dos planos pelos polos e determinação da recta de intersecção dos planos através do polo do círculo maior que contem os polos daqueles planos.
4.28
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Para determinar a linha de intersecção daquelas descontinuidades dever-se-á, com a ajuda de uma das redes de projecção anteriormente referidas (ver §3.1.2), colocar os polos sobre um mesmo círculo maior para determinar o plano que contem as normais às descontinuidades. A recta normal a este plano é coincidente com a recta de intersecção. das duas descontinuidades. Um exemplo da utilização do teste de Markland , considerando a representação dos polos numa área de projecção, é exemplificada na Figura 4.21. Neste exemplo pretende-se examinar a estabilidade dum talude cuja face é representada pela recta de maior declive 120/50. Admite-se que o valor do ângulo de atrito é de 30º. Uma primeira tarefa será representar na área de projecção (Figura 4.21a) os seguintes elementos: o círculo maior representando a face do talude (a), o polo representando a face do talude (b) e o círculo de atrito (c). Possuindo a representação das famílias de descontinuidades, representadas pelas curvas de isodensidade, são desenhados os círculos maiores passando pelos pontos de maior concentração polar. As linhas de intersecção serão então representadas pelos polos desses círculos maiores, como se mostra na Figura 4.21b.
Figura 4.22 - Avaliação preliminar da estabilidade de um talude com 50º de inclinação, num maciço com 4 famílias de descontinuidades.
A análise da Figura 4.22b permite verificar que as combinações mais perigosas das descontinuidades são as que correspondem às combinações das concentrações polares 1+2 e 2+3. A intersecção 13I cai fora da área crítica e não dá lugar a instabilidade. A concentração polar correspondente à família 4 não provoca deslizamento, mas pode originar situações de “toppling ” (Figura 4.15d) ou gerar a abertura de fendas de tracção . Em relação à combinação 1+2, os polos dos planos 1 e 2 situam-se
DESCONTINUIDADES
4.29
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
em posições opostas em relação a direcção da linha de intersecção I12, pelo que o provável deslizamento terá a direcção da recta I12. Por fim, no caso da combinação dos planos 2 e 3, a posição dos polos representando estes planos e a direcção da recta de intersecção, I23, leva a concluir que o provável deslizamento terá a direcção da recta de maior declive do plano 2. A esta combinação deverá corresponder a situação mais crítica do talude analisado, já que as orientações relativas das descontinuidades não proporcionam o efeito de cunha , factor que contribui favoravelmente para a estabilidade dos blocos. Note-se que o teste de Markland , à semelhança das análises cinemáticas atrás descritas, é essencialmente orientado para identificar situações potencialmente críticas, mas não permite a avaliação do coeficiente de segurança em relação a um possível escorregamento. Os seus fundamentos simplistas e a facilidade de aplicação levaram à sua grande divulgação. A sua utilização, no entanto, deverá ser confinada à fase inicial dos estudos de estabilidade de taludes que, nos casos em que tal se justifique, deverão ser complementados com as análises mais precisas. Um exemplo em que a utilização do teste de Markland é de grande interesse, aplicado numa fase inicial dos estudos dum projecto, diz respeito a grandes escavações a céu aberto. Nesta fase, interessa muitas vezes prever qual a melhor inclinação a dar aos taludes, no sentido de minorar os problemas de instabilidade, ou de seleccionar os locais mais adequados para a inserção de estradas ou pistas de circulação rodoviária. A Figura 4.22 diz respeito a uma análise deste tipo, realizada com base no teste de Markland . Nessa figura mostra-se a planta proposta para uma escavação onde ocorrem duas regiões estruturalmente distintas, denominadas por A e B, delimitadas pela linha representada a tracejado. Por uma questão de simplicidade são unicamente apresentadas as curvas de isodensidades de concentração depolos das descontinuidades objecto de tratamento estatístico, considerando-se que o outro tipo de descontinuidades deveria ser objecto de um estudo específico tendo em atenção potenciais problemas de instabilidade de taludes. Cada troço de talude deverá ser objecto duma análise baseada no teste de Markland , nos moldes descritos anteriormente. No exemplo da Figura 4.34 foi assumido que o plano da face da generalidade dos taludes de escavação teria a inclinação de 45º e que o ângulo de atrito das descontinuidades é de 30º. A avaliação das condições de segurança evidencia que os taludes das zonas Oeste e Sul são potencialmente estáveis para a inclinação de 45º da face. Tal situação sugere que, se a rocha constituinte do maciço for suficientemente resistente e não houver outras descontinuidades importantes, estes taludes poderão ser construídos com maiores inclinações ou, em alternativa, estas zonas poderão ser adequadas à inserção de pistas de acesso à base das escavações.
4.30
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.23 - Grande escavação a céu aberto e avaliação preliminar da estabilidade dos taludes em função da geologia estrutural.
DESCONTINUIDADES
4.31
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Por outro lado, as zonas Norte e Este evidenciam um elevado número de situações potencialmente instáveis. Na face Norte poderão ocorrer escorregamentos ao longo da família de descontinuidades A1 (note-se que o polo da família A1 é quase coincidente com o polo do plano da face do talude, o que traduz uma situação potencialmente crítica em relação ao escorregamento). Na face Nordeste será mais provável a ocorrência de instabilidade de cunhas, com escorregamento ao longo das superfícies das descontinuidades das famílias A1 e A3, enquanto no talude Este é mais provável a ocorrência de instabilidade por “toppling ”, determinado pela família A3. As indicações colhidas quanto à possibilidade de ocorrência de diversas situações de instabilidade nos taludes nas zonas Norte e Este, torna recomendável, que nestas zonas sejam adoptadas inclinações mais suaves para os taludes. É interessante verificar que numa mesma região estrutural, poderão ocorrer diversos tipos de instabilidade, dependentes da orientação da face dos taludes escavados. Tal facto sugere que, quando possível, um re-alinhamento dos taludes pode ser uma das medidas para minimizar os problemas relacionados com a sua estabilidade.
4.5.4 Volumetria dos blocos A volumetria dos blocos é um indicador extremamente importante do comportamento dos maciços rochosos. As dimensões dos blocos são determinadas pelo espaçamento das descontinuidades, pelo número de famílias e pela persistência das descontinuidades que delimitam os potenciais blocos. O número de famílias e a orientação determinam a forma dos blocos de rocha, que podem ter a aparência de cubos, paralelepípedos, romboedros, prismas, etc.. Contudo as formas geométricas regulares são mais a excepção do que a regra, uma vez que as descontinuidades de qualquer família são raramente paralelas de um modo consistente. É nos maciços sedimentares que ocorrem normalmente blocos com formas mais regulares. Da conjugação da dimensão dos blocos e da resistência ao corte inter-blocos, resulta o comportamento mecânico do maciço rochoso sob determinadas condições de carregamento. Maciços rochosos constituídos por blocos de grandes dimensões tendem a ser menos deformáveis, e no caso das obras subterrâneas, permitem a formação do efeito arco por imbricamento entre blocos. No caso de taludes, uma dimensão pequena dos blocos pode originar modos de rotura próximos dos registados com as formações terrosas, isto é, circulares ou rotacionais (ver Figura 4.15), em vez de modos de rotura translaccionais ou do tipo “toppling ”. No exemplo da Figura 4.18 põe-se em evidência a influência das dimensões relativas de um bloco paralelepipédico na sua estabilidade, quando este se apoia num plano inclinado e sob a acção isolada do peso próprio.
4.32
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
A eficiência da exploração das pedreiras para a obtenção de inertes para betão e para aterros com enrocamentos (para barragens e estradas, por exemplo), ou para a obtenção de rochas ornamentais, e a utilização dos dispositivos de desmonte com explosivos, são fortemente condicionados pelas dimensões naturais dos blocos que ocorrem in situ . 4.5.4.1 Persistência das Descontinuidades A persistência ou continuidade define-se como a extensão em área de uma descontinuidade. É um dos parâmetros que maior influência tem no comportamento dos maciços rochosos, mas também é um dos mais difíceis de determinar dada a exiguidade de acessos à medição de tais áreas. A dificuldade desta avaliação leva a que muitas vezes se recorra à representação gráfica através de blocos-diagrama obtidos por visualizações de campo (Figura 4.24), com os quais se pretende representar a importância relativa das várias famílias de descontinuidades em termos da persistência. De facto, através destas representações é possível perceber que as descontinuidades de uma dada família são mais extensas do que as de outras, tendendo as de menor área a terminar contra as principais, ou até no seio da própria rocha.
Figura 4.24 - Representações simples e blocos-diagrama para exemplificar a continuidade relativa de várias famílias de descontinuidades.
Uma quantificação da persistência poderá fazer-se através da medida do comprimento do traço da superfície das descontinuidades em superfícies expostas do maciço e, a partir destas medições, estimar as áreas médias das diversas famílias de descontinuidades. De acordo com o valor modal do
DESCONTINUIDADES
4.33
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
comprimento do traço das descontinuidades pertencentes a uma mesma família, é usual utilizar a terminologia seguinte para descrever a continuidade ou persistência das descontinuidades: CONTINUIDADE
COMPRIMENTO (m)
Muito pequena
<1
Pequena
1-3
Média
3 - 10
Elevada
10 - 20
Muito elevada
> 20
As descontinuidades são frequentemente mapeadas e caracterizadas em superfícies rochosas de taludes ou paredes de túneis onde os comprimentos de algumas descontinuidades são superiores à dimensão da superfície de observação, não sendo possível neste caso medir o comprimento representativo da persistência. Foram desenvolvidas técnicas por meio das quais o comprimento médio das descontinuidades no afloramento pode ser estimado a partir de observações dos desenvolvimentos daquelas em relação à dimensão da superfície mapeada sem realizar qualquer medição dos respectivos comprimentos. A Figura 4.25 ilustra uma face rochosa contendo um conjunto de descontinuidades duma única família, cujos comprimentos pertencem a uma das seguintes categorias: 1 – descontinuidades contidas (N c) – os dois extremos da descontinuidade são visíveis entre a linha de observação (scan line ) e a base da face rochosa; 2 – descontinuidades intersectadas - uma das extremidades da descontinuidade é visível na superfície rochosa exposta entre a linha de observação e a base da face rochosa; 3 – descontinuidades transcendentes (N t) - o desenvolvimento da descontinuidade é maior que a superfície rochosa exposta entre a linha de observação e a base da face rochosa.
4.34
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.25 – Afloramento rochoso com as representações do espaçamento, comprimento e terminação (c – contidas ; t – transcendentes ).
Baseado nestas categorias de comprimentos das descontinuidades, o comprimento médio l pode ser estimado a partir da seguinte equação: l = H ´
(1 + m ) (1 − m )
onde H ´=
LH
( L sin ψ + H cosψ )
m=
( N t − N c ) ( N ´+1)
e ψ é o pendor das descontinuidades, L o desenvolvimento da linha de observação, H a altura da linha de observação em relação à base do afloramento rochoso e N’ o número total de descontinuidades visíveis na janela de observação contida entre a linha de observação e a base da face rochosa. Para as descontinuidades da família representada na Figura 4.25 o comprimento médio calculado com recurso às equações anteriores foi de 4,3 m, estando representado à escala na extremidade direita daquela figura.
DESCONTINUIDADES
4.35
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Na realidade, a superfície de observação pode conter várias famílias de descontinuidades e a utilização do método exposto depende da finalidade para a qual os dados irão ser aplicados. Por exemplo, se estão a ser estudadas as propriedades do maciço rochoso, então será apropriado caracterizar cada uma das descontinuidades da área da linha de observação para determinar o comprimento médio do conjunto das descontinuidades. Contudo, se o mapeamento está a ser realizado para caracterizar uma família específica de descontinuidades que podem constituir potenciais planos de deslizamento na fundação, então será apropriado distinguir as descontinuidades pertencendo à família em questão. A persistência das descontinuidades tem especial incidência na estabilidade dos maciços rochosos e reveste-se de importância decisiva em certos problemas de taludes, de fundações de barragens e de obras subterrâneas. Dado que a superfície de descontinuidade é, em geral, uma superfície de baixa resistência, a sua dimensão em face da dimensão do problema em estudo é um factor extremamente importante. Descontinuidades com traços na ordem de 5 a 10 metros de extensão num maciço rochoso a atravessar por um túnel com um diâmetro desta ordem de grandeza poderão colocar problemas delicados em relação à estabilidade da obra, enquanto que descontinuidades com idênticas características podem não causar problemas especiais de estabilidade global para um talude com 100 metros de desnível. Finalmente, refira-se que, quando a continuidade é pequena, em regra a resistência do maciço fica repartida pela parcela correspondente à área da descontinuidade e pela parcela, normalmente muito maior, correspondente à resistência ao corte das “pontes ” de rocha (Figura 4.26). Naturalmente, uma estimativa por defeito da persistência (comprimento) das descontinuidades origina uma apreciação optimista em relação à segurança das obras, nomeadamente em relação à avaliação das condições de estabilidade de taludes.
4.36
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.26 – Representação de "pontes " de rocha, elementos favoráveis à estabilidade de taludes.
4.5.4.2
Espaçamento das Descontinuidades
O espaçamento é a distância entre descontinuidades adjacentes de uma mesma família (Figura 4.27). O espaçamento pode ser medido ao longo de uma linha de observação na face de um talude, ou parede de um túnel, ou numa sondagem. Quando numa sondagem a recuperação é razoável, as descontinuidades podem ser então caracterizadas e é possível diferenciar as descontinuidades naturais e as fracturas que foram provocadas por acções mecânicas. É também possível examinar o espaçamento e orientação das descontinuidades nas paredes dum furo de sondagem utilizando pequenas câmaras de filmar. Os comprimentos de amostragem devem preferencialmente ser superiores a cerca de dez vezes o espaçamento previamente estimado para as descontinuidades.
DESCONTINUIDADES
4.37
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.27 - Medição do espaçamento das descontinuidades a partir duma face exposta.
Tal como referido em relação à persistência, o tipo de estudo deve determinar se deverão ser consideradas todas as descontinuidades na medição do espaçamento ou somente as pertencentes a uma determinada família. Uma metodologia que deve ser implementada para estudar o espaçamento de diferentes famílias de descontinuidades consiste em realizar medições segundo linhas de observação com diferentes orientações, preferivelmente com uma linha de observação normal a cada família se fisicamente possível. O espaçamento médio das descontinuidades é determinado registando o número, N’’ , das que intersectam a linha de observação com um comprimento conhecido, L, após um ajustamento se as descontinuidades não são normais à linha de observação. Para a condição mostrada na Fig 25 em que a linha de observação é horizontal e o pendor das descontinuidades é ψ , o espaçamento médio s é dado por: s=
L sin ψ N ´´
A Fig 25 mostra que existem 13 descontinuidades com um pendor médio de 65º que intersectam a linha de observação com o comprimento de 27 m. Através da fórmula anterior, foi determinado o espaçamento médio de 1,9 m representado à escala na parte direita daquela figura. Tal como para outras características dos maciços rochosos cujos parâmetros que as representam assumem valores com alguma dispersão, quando se procede ao estudo do espaçamento das 4.38
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
descontinuidades é conveniente proceder a uma análise da distribuição dos valores medidos por cada família. Para tal, estes são representados em histogramas a partir dos quais são possíveis as visualizações de curvas de frequência para cada família, do respectivo valor modal e dispersões. Em função do valor modal (o mais frequente) do espaçamento é usual utilizar a terminologia seguinte para descrever esta característica das descontinuidades: DESCRIÇÃO
ESPAÇAMENTOS
Extremamente próximas
< 20 mm
Muito próximas
20 – 60 mm
Próximas
60 – 200 mm
Moderadamente afastadas
200 – 600 mm
Afastadas
600 – 2000 mm
Muito afastadas
2000 – 6000 mm
Extremamente afastadas
> 6000 mm
Por vezes, com objectivos idênticos é utilizado o inverso do espaçamento, isto é, o número de descontinuidades por metro. Este valor é designado por frequência. Os mecanismos de rotura e de deformação podem variar em função da razão entre as dimensões do espaçamento das descontinuidades e as da escavação. Um espaçamento das descontinuidades demasiado pequeno traduz-se por uma perda de “coesão” do maciço rochoso, principalmente se for grande a área das descontinuidades. Nestas circunstâncias o modo de rotura do maciço rochoso, normalmente do tipo translacional, poderá ser predominantemente do tipo rotacional ou, ainda, de rolamento de pequenos blocos de rocha. Verifica-se que, então, perante um espaçamento das descontinuidades demasiado pequeno, dando lugar à formação de pequenos blocos, o parâmetro orientação decresce de importância quanto à sua influência em relação às características de resistência e deformabilidade dos maciços. O espaçamento individual das descontinuidades e o número de famílias tem também uma forte influência nas características de permeabilidade do maciço e nas condições de percolação. Em geral, a condutividade hidráulica duma dada família varia na razão inversa do espaçamento. Na natureza, é corrente verificar-se um aumento do espaçamento de certas descontinuidades, em especial diaclases, quando nos maciços rochosos se caminha em profundidade. Isso resulta da descompressão a que estes estão normalmente sujeitos, próximo da superfície, como consequência da sua meteorização e da erosão.
DESCONTINUIDADES
4.39
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Esta circunstância é pois de grande importância na escolha dos métodos e equipamentos a usar em escavações, na avaliação de características de fragmentação do maciço quando sejam utilizados explosivos, na definição das cotas de implantação de certas estruturas como é o caso da escolha da cota de fundação de barragens e no estudo de exploração de pedreiras para a obtenção de enrocamentos ou de inertes para betão. 4.5.4.3
Índices característicos
Tendo em atenção a forma e dimensão dos blocos rochosos, a Sociedade Internacional da Mecânica das Rochas (ISRM) propôs a adopção das designações indicadas no quadro seguinte para descrever os maciços rochosos. Na Figura 4.28 são mostradas algumas das representações esquemáticas dos tipos de maciços indicados no quadro.
TIPO DE MACIÇO
CARACTERÍSTICAS
Maciço compacto
Poucas descontinuidades ou muito espaçadas
Maciço de blocos paralelepipédicos
Dimensões da mesma ordem de grandeza
Maciço tabular
Uma dimensão consideravelmente menor que as duas restantes
Maciço colunar
Uma dimensão consideravelmente maior que as duas restantes
Maciço irregular
Grandes variações do tamanho e forma dos blocos
Maciço esmagado
Fracturação intensa
Além destas designações qualitativas, a ISRM sugere o estabelecimento de índices quantitativos para caracterização dos maciços rochosos. Um dos parâmetros propostos é o índice dimensional de bloco, I b, que permite teoricamente determinar as dimensões médias dos blocos de rocha mais frequentes. Para o caso particular de maciços com três famílias de descontinuidades quase ortogonais (blocos paralelepipédicos ou cúbicos), como sucede frequentes vezes com os maciços sedimentares, o valor de I b pode ser representado pela média dos valores modais dos espaçamentos das descontinuidades. Nestas condições o volume dos blocos poderá ser determinado por:
V =
4.40
s a .s b .s c 1 − (cos α )2 − (cos β )2 − (cos γ )2 − 2 cos α . cos β . cos γ
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
s a , s b , s c – espaçamento das 3 famílias de descontinuidades A, B e C; α , β , γ – ângulos diedros definidos entre as superfícies de descontinuidade das famílias (B e C), (A e
C) e (A e B).
Figura 4.28 – Representação esquemática de maciços rochosos; a – blocos paralelepipédicos; b – blocos irregulares; c – blocos tabulares; d- blocos colunares.
Para as situações em que ocorram menos que três famílias de descontinuidades, a determinação de Ib perde significado, uma vez que não é possível a consideração da formação de blocos. Também, quando ocorrem mais do que três famílias de descontinuidades, o valor de I b , determinado através da média dos espaçamentos modais, pode conduzir a resultados irrealistas porque existindo, por exemplo, mais uma família com descontinuidades bastante afastadas, I b virá artificialmente
DESCONTINUIDADES
4.41
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
aumentado apesar destas últimas terem reduzida influência nas dimensões dos blocos. Um outro índice mais correntemente utilizado, é designado por índice volumétrico, J v , que é determinado pelo somatório do número de descontinuidades de cada família, por metro de amostragem medido na normal a cada uma das famílias que ocorrem no maciço. O comprimento de medida é usualmente de 5 ou 10 metros. De acordo com os valores de J v , são normalmente utilizadas as seguintes designações para descrever as dimensões dos blocos: DESCRIÇÃO
J v (descontinuidades/m3)
Muito grandes
<1
Grandes
1-3
Médios
3 - 10
Pequenos
10-30
Muito pequenos
> 30
Quando J v é superior a 60, considera-se que o maciço rochoso está bastante esmagado,
4.5.5 Análise Probabilistica em Geologia Estrutural Para o desenvolvimento de estudos probabilísticos de fundações em maciços rochosos é necessário exprimir parâmetros, tais como a orientação e persistência das descontinuidades, em termos de distribuições de probabilidade em detrimento da utilização de valores singulares. Aquela informação permitirá a determinação do valor mais frequente de cada parâmetro, bem como as probabilidades de ocorrência no campo de possíveis valores que pode assumir. A distribuição probabilística da orientação pode ser avaliada a partir da projecção hemi-esférica, enquanto as distribuições do comprimento (como elemento representativo da persistência) e o espaçamento poderão ser calculadas a partir de histogramas construídos com os resultados das medições no campo. Os valores calculados da média e do desvio padrão dos parâmetros podem ser introduzidos em modelos de geração aleatória de casos (análise Monte Carlo, p.ex.) de cuja análise resulta uma avaliação do grau de segurança duma fundação. 4.5.5.1 Distribuições de Probabilidade As medições das características de cada fractura incluem a orientação, o comprimento visível e o
4.42
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
espaçamento das descontinuidades de cada família e, por sistema, aquelas características das descontinuidades têm um amplo campo de variação. É possível descrever a distribuição dessas características por meio de funções de distribuição de probabilidade. A distribuição normal é aplicável se uma propriedade particular assume valores em que o valor médio é o de ocorrência mais comum. Esta condição indica que a propriedade de cada descontinuidade, tal como a orientação, está relacionada com as propriedades das descontinuidades adjacentes, reflectindo que a origem da descontinuidade se deve à libertação de tensões. Para as propriedades que possuem distribuição normal, a função densidade de distribuição é dada pela expressão: 2 1 x − x exp − f ( x ) = 2 SD SD 2π
1
onde x representa o valor médio, determinada pela expressão: n
∑ x x =
x =1
n
e SD é o desvio padrão dado pela expressão: 1
n 2 2 ( x − x ) SD = x =1 n
∑
Tal como mostra a Figura 4.29a, a dispersão dos valores, representada pela extensão horizontal da curva, é medida pelo desvio padrão. Uma das propriedades desta curva reside no facto de a área total que ela subentende ser igual a 1, isto é, a probabilidade dos valores do parâmetro em estudo se situarem entre os extremos da curva é de 100%. Verifica-se ainda que 68% dos valores situam-se no intervalo definido por um desvio padrão em torno da média e 95% dos valores situam-se no intervalo definido por dois desvios padrão em torno da média.
DESCONTINUIDADES
4.43
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.29 – Propriedades da distribuição normal: a) – densidade da distribuição normal com média x =0 e vários desvios padrão (SD ); b) – função distribuição Φ(z ) de distribuição normal com média 0 e desvio padrão 1.
Reciprocamente, é possível determinar o valor do parâmetro definido pela distribuição normal, partindo da probabilidade de ocorrência. Tal é mostrado graficamente na Figura 4.29b onde Φ(z ) é a função distribuição com média 0 e desvio padrão 1: por exemplo, a média é o valor que tem a probabilidade de ser superior a 50% do conjunto dos valores, enquanto que o valor que tem a probabilidade de ser superior a 16% do conjunto dos valores é igual à média menos um desvio padrão. A distribuição exponencial negativa é aplicável a propriedades das descontinuidades, tais como o comprimento e espaçamento, que têm distribuições casuísticas indicando que as descontinuidades são mutuamente independentes. A distribuição exponencial negativa mostra que são mais frequentes as descontinuidades curtas e pouco espaçadas e menos comuns as descontinuidades extensas e muito espaçadas. A forma geral da função densidade f(x) duma distribuição exponencial negativa é dada pela expressão: 1 − x e x
f ( x ) =
x
e a correspondente função probabilidade acumulada F(x) para que um dado valor do espaçamento ou
4.44
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
comprimento seja menor que a dimensão x será será dada por:
F ( x ) = 1 − e
− x x
onde x é o comprimento ou espaçamento medido e x é o valor médio desse parâmetro. Uma propriedade da distribuição exponencial negativa reside no facto de o desvio padrão ser igual ao valor médio. Com base nesta última expressão, para uma família de descontinuidades em que o espaçamento médio é de 2 m, as probabilidades de o espaçamento ser menor que 1 m e 5 m são respectivamente:
F ( x ) = 1 − e
−1
2
= 40%
e
F ( x ) = 1 − e
−5
2
= 92%
Tal expressão pode também ser usada para estimar a probabilidade de ocorrência de descontinuidades com um determinado comprimento. Este resultado pode ser utilizado, por exemplo, para determinar a probabilidade de uma fundação ser atravessada pelo plano duma descontinuidade de dada família. A distribuição log-normal é uma outra distribuição também usada para descrever as dimensões das descontinuidades. É aplicável quando a variável x = lny é normalmente distribuída. A função de distribuição log-normal para a variável y é é expressa por: f ( x ) =
onde x é o valor médio e
DESCONTINUIDADES
SD x é
1 ySD x
2 1 ln y − x exp − SD 2 2π x
o desvio padrão da variável x .
4.45
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.30 – Histograma dos comprimentos do traço de descontinuidades e curvas exponencial e e log-normal ajustadas.
A Figura 4.30 mostra um histograma com a representação dos comprimentos (menores que 4 m) das descontinuidades medidos num arenito. O comprimento médio das 122 descontinuidades é de 1,2 m. Ao conjunto dos dados foram justapostas curvas representativas das funções exponencial e lognormal. Enquanto a curva log-normal se ajusta mais adequadamente ao conjunto dos dados, a curva exponencial é a mais representativa das descontinuidades de maior comprimento. Este exemplo demonstra que para cada conjunto de dados deve ser determinada a distribuição mais apropriada.
4.5.5.2 Atitude representativa e grau de dispersão das famílias A natural variação da orientação das descontinuidades resulta na dispersão dos polos quando são representados na projecção hemisférica. É usual incorporar esta dispersão nas análises de estabilidade porque, por exemplo, a análise de uma cunha utilizando os valores médios do par de famílias de descontinuidades pode conduzir a que a linha de intersecção não aflore na face do talude, concluindo-se então ser estável. Contudo, uma análise usando orientações de outras descontinuidades das mesmas famílias pode mostrar a formação de cunhas instáveis. O risco de ocorrência desta condição deverá ser quantificado calculando o valor médio e desvio padrão das orientações das descontinuidades de cada família.
4.46
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Para determinar o valor médio (atitude representativa) representativa) de uma dada família constituída por N descontinuidades considera-se que cada uma destas pode ser representada por um vector orientado paralelamente à sua normal. Se a amostragem das orientações tiver sido efectuada em diversas direcções, não privilegiando nenhuma em especial, poder-se-á assumir o valor unitário para a grandeza do vector representativo da descontinuidade. Contudo, já anteriormente foi referido que as descontinuidades são usualmente mapeadas e cartografadas segundo linhas de observação que podem ser os provetes de sondagens e paredes dos respectivos furos, ou os alinhamentos traçados na faces de um talude ou na parede de um túnel. Um factor importante a considerar na interpretação dos resultados do levantamento é a orientação relativa entre o plano ou linha de observação e as descontinuidades, uma vez que tal observação introduz um enviezamento não só no espaçamento como no número de descontinuidades amostradas. Tal viés resulta do facto de todas as descontinuidades com atitude normal à superfície de observação serem visíveis, enquanto as sub-paralelas a estas superfícies, por serem menos visíveis, são menos amostradas. A correcção da amostragem em relação à orientação das descontinuidades, conhecida porcorrecção por correcção de Terzaghi , poderá ser efectuada associando um factor de ponderação ω j relativo a cada descontinuidade, cujo valor é dado pela relação: ω j =
1 cos δ j
em que δ j é o ângulo entre a linha de observação e a normal ao plano da descontinuidade j . À semelhança do representado na Figura 4.14, mostram-se na Figura 4.31 os diagramas obtidos através do software DIPS (Rocscience) em resultado do tratamento do mesmo conjunto de descontinuidades representado na Figura 4.12 com a introdução da correcção de Terzaghi. Através do confronto visual das Figura 4.14 e Figura 4.31, conclui-se que tal correcção conduz a uma alteração significativa da importância relativa entre as famílias de descontinuidades: enquanto na análise representada na Figura 4.14 as duas famílias de descontinuidades sub-verticais (concentrações de polos próxima do contorno da área de projecção) têm representatividade idêntica e bastante superior à da família sub-horizontal, a introdução da correcção de Terzaghi vem mostrar ser esta a família com maior importância e haver uma diferença significativa entre as duas famílias subverticais.
DESCONTINUIDADES
4.47
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.31 - Curvas de isodensidades de concentração de polos representados representados na Fig. 12, com correcção de Terzaghi: a) – projecção igual ângulo; (Wulff (Wulff ) (b) - projecção igual área (Schmidt (Schmidt ). ).
N
O somatório dos factores de ponderação N ω = ∑ ω j das descontinuidades de uma dada família vai j =1
conduzir a um valor superior ao número de descontinuidades amostradas (N (N ) dessa família, importando então determinar um factor de ponderação normalizado para para cada descontinuidade, dado por:
4.48
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ω j' = ω j .
N N ω
e que representa a grandeza do vector associado a cada descontinuidade. As componentes de tais vectores, segundo um sistema de eixos cartesiano em que o sentido positivo do eixo vertical z é descendente e os sentidos positivos do eixos dos y e x estão orientados respectivamente para os pontos cardeais Norte e Este, são dadas pelas expressões: n jx = ω j' . sin α nj . cos ψ nj
n jy = ω j' . cos α nj . cos ψ nj
n jz = ω j' sin ψ nj
Considera-se que a orientação do vector resultante da soma dos n j vectores é representativa da família das N descontinuidades e a sua atitude é tomada como a atitude média da normal à família. As componentes da resultante são dadas por: N
r x =
∑n
jx
j =1
N
r y =
∑n
jy
j =1
N
r z =
∑n
jz
j =1
Com o conhecimento das componentes é possível determinar a magnitude da resultante, dada por: R = r x2 + r y2 + r z2
e a atitude pode ser determinada através das expressões: r x +q r y
α rn = arctg
r x2 + r y2
ψ rn = arctg
DESCONTINUIDADES
r z
4.49
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
em que
Se
r y = 0
e
No caso de
q = 0
se
r x ≥ 0
e
r y ≥ 0
q = 360º
se
r x < 0
e
r y ≥ 0
q = 180º
para outras situações desde que
r x > 0 ,
então α rn = 90º , se
( r x2 + r y2 ) = 0
r y = 0
e
r x < 0 ,
r y ≠ 0
então α rn = 270º .
então ψ rn = 90º .
Para avaliar o grau de dispersão das descontinuidades daquela família, pode admitir-se que as atitudes das descontinuidades seguem a lei de distribuição isotrópica de Fisher em torno da média, devendo começar por se determinar a constante de Fisher: k =
N − 1 N − R
Note-se que esta constante dá desde logo uma imagem do grau de dispersão. De facto, se as descontinuidades forem paralelas, R assume um valor próximo de N , resultando um valor elevado de k . Para maiores dispersões, k toma valores mais baixos (teoricamente o valor mínimo de k será igual à unidade, mas, na prática, raramente assume valores inferiores a 5). Para valores de k elevados e N grande (>30), isto é, para famílias pouco dispersas e com razoável número de descontinuidades, podem definir-se as seguintes probabilidades relacionadas com o grau de dispersão das descontinuidades: • a probabilidade de a atitude duma descontinuidade da família, escolhida de uma forma
aleatória, fazer um ângulo menor que θ com a atitude média verdadeira P1 (< θ ) = 1 − e − k .(1−cosθ )
(representa a percentagem de descontinuidades cujas atitudes se encontram, teoricamente, dentro de um ângulo cónico θ centrado na atitude média verdadeira; dado que esta é desconhecida, toma-se como a sua melhor estimativa, a atitude média calculada anteriormente) • a probabilidade de a atitude média verdadeira se situar dentro de um ângulo cónico θ
centrado na atitude média calculada P2 (< θ ) = 1 − e
− k .R (1−cosθ )
(este valor define intervalos de confiança da média)
4.50
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Todo o processo de tratamento estatístico e de análise visual da dispersão das descontinuidades pode fazer-se com recurso a programas de cálculo automático, sendo neste caso preferível utilizar a representação polar de igual área por visualmente apresentar a vantagem de minimizar distorções resultantes do sistema de projecção no plano equatorial quando se utiliza a projecçãoigual ângulo . De facto, enquanto que na projecção igual área se verifica que a áreas iguais da superfície do hemisfério de referência correspondem-lhes também áreas iguais no plano equatorial de projecção, no sistema de projecção igual ângulo não se verifica esta equivalência, registando-se que à mesma área da superfície do hemisfério de referência corresponde uma área projectada tanto maior quanto maior for o afastamento daquela área em relação ao eixo vertical da esfera. Deste modo, a utilização do sistema de projecção igual área permite minimizar os erros das avaliações visuais em relação ao grau de dispersão das descontinuidades pertencentes a cada família.
4.6 RESISTÊNCIA AO DESLIZAMENTO 4.6.1 Comportamento das Descontinuidades O ensaio mais comum para avaliar a resistência ao deslizamento de descontinuidades consiste em preparar uma amostra do material rochoso onde se inclua a descontinuidade cuja resistência se pretende determinar. Este ensaio poderá ser realizado em laboratório (Figura 4.32), sobre amostras colhidas directamente duma escavação ou preparadas a partir dos testemunhos recolhidos em sondagens, mas também poderá realizar-se no campo, sendo necessário para tal talhar um bloco rochoso, normalmente de forma paralelepipédica, por exemplo na base de uma escavação para a fundação duma estrutura.
DESCONTINUIDADES
4.51
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.32 – Corte esquemático duma máquina de ensaio de corte directo, utilizada para determinação da resistência ao deslizamento de descontinuidades.
Após a preparação da amostra, é aplicada uma carga vertical N que é mantida constante até ao final dum ensaio. Com esta carga aplicada, é imposta uma translação horizontal a uma das partes da amostra, medindo-se o valor da força horizontal S que provoca tal translação (Figura 4.33). Um ensaio deste tipo é repetido para diferentes valores de N, aos quais correspondem outros tantos valores da força S. O conhecimento forças N e S e da área A da descontinuidade, esta variável no decorrer do ensaio devido à translação relativa das duas partes da amostra, permite a determinação dos valores médios das componentes normais (σn = N/A) e tangenciais (τ = S/A) das tensões actuantes na superfície da descontinuidade. Usualmente, para além das forças N e S, são ainda medidos os deslocamentos tangenciais ( δt ) e normais ( δn ) à superfície média da descontinuidade.
4.52
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.33 – Esquema de forças actuantes num ensaio de deslizamento de descontinuidades.
4.6.1.1
Descontinuidades planas e lisas
Para uma dada tensão normal constante, em testes realizados em descontinuidades com superfícies planas e lisas obtêm-se curvas tais como as indicadas na Figura 4.34, em que é possível identificar o instante a partir do qual se regista um forte crescimento dos deslocamentos δt, mantendo-se aproximadamente constante (ou com pequena variação) o valor da tensão tangencial. Neste caso, verifica-se então que a máxima resistência, designada por resistência de pico, é praticamente igual à resistência para grandes deslocamentos, esta conhecida por resistência residual.
Figura 4.34 – Curvas (τ , δt) para descontinuidades ensaiadas com σn = 1 MPa.
Realizando o mesmo tipo de ensaios para diferentes valores da tensão normal, torna-se possível obter a envolvente de rotura num diagrama (τ , σn) - Figura 4.35. Esta envolvente, para o caso de
DESCONTINUIDADES
4.53
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
descontinuidades com aquelas características pode ser expressa pela lei de Mohr-Coulomb: τ = σn . tanφ
[1]
onde φ é o valor do ângulo de atrito da descontinuidade, referenciado frequentemente por ângulo de atrito básico quando correspondente a determinações sobre descontinuidades planas e lisas.
Figura 4.35 – Resultados de ensaios de deslizamento em descontinuidades planas e lisas dum quartzito.
Geralmente as rochas de grão fino e rochas com elevado teor em mica tendem a possuir baixo ângulo de atrito, enquanto rochas de grão grosseiro e rochas de elevada resistência têm elevado ângulo de atrito. Em seguida indicam-se gamas de valores de referência de ângulos de atrito em função de tipos de rocha: •
rochas de baixo atrito (ângulo de atrito entre cerca de 20º e 27º): xisto micáceo, argila xistosa, marga;
•
rochas de médio atrito (ângulo de atrito entre cerca de 27º e 34º): arenito, siltito, cré, gneisse, ardósia;
•
rochas de elevado atrito (ângulo de atrito entre cerca de 34º e 40º): basalto, granito, calcário, conglomerado.
Os valores indicados deverão ser usados unicamente como um guia já que os valores reais podem assumir ampla variação em função das condições locais.
4.54
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
4.6.1.2
Descontinuidades rugosas
Na natureza, ocorrem frequentemente descontinuidades em condições diversas daquelas cujos resultados estão representados nas Figuras 5.34 e 5.35. A curva “tensão tangencial vs. deslocamento tangencial ” típica dum ensaio realizado sobre descontinuidades limpas mas muito rugosas é do tipo indicado na Figura 4.36.
Figura 4.36 - Curvas (τ , δt) e (δt , δn) para descontinuidades ensaiadas com σn = 1.5 MPa.
Neste caso verifica-se que, para uma dada tensão normal, o valor da resistência de pico é atingido para um pequeno deslocamento δt e, para maiores deslocamentos horizontais (tangenciais), a resistência ao escorregamento decresce até atingir um valor residual algo inferior ao máximo registado; simultaneamente, é corrente verificarem-se deslocamentos normais, no sentido do afastamento das duas partes da amostra ensaiada. Assim, a realização de ensaios sobre descontinuidades rugosas, com diferentes valores da tensão normal (Figura 4.37a), permite a obtenção de duas envolventes de rotura, uma relativa aos valores das resistências de pico e a outra relativa aos valores das resistências residuais (Figura 4.37b), esta correspondente a grandes deslocamentos. Patton (1966) explica o comportamento das descontinuidade com a superfície rugosa recorrendo a ensaios usando modelos simples, partindo do comportamento duma descontinuidade plana e lisa, como a seguir se descreve.
DESCONTINUIDADES
4.55
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.37 – Ensaio de deslizamento em descontinuidades. a) curvas (τ , δt) para vários σ´n ; b) envolventes de rotura para valores de resistências de pico e residual.
No ensaio de corte directo, cuja configuração se representada na Figura 4.38a, realizado em descontinuidades cujas superfícies se apresentem lisas, limpas e secas, e cujo ângulo de atrito seja φ , a condição de equilíbrio limite pode ser expressa pela relação S * / N * = tan φ (expressão equivalente a [1].
Figura 4.38 – Modelos teóricos para ilustrar o efeito da rugosidade na resistência ao deslizamento.
4.56
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Se a superfície da descontinuidade se apresentar inclinada de um ângulo i em relação à força de corte S (Figura 4.38b), então o escorregamento irá ocorrer quando as componentes das forças actuando no plano da descontinuidade, S * e N *, obedecerem à relação: S * / N * = tan φ
[2]
Projectando S e N na direcção do plano da descontinuidade e na normal a esta, tem-se: S * = S . cos i – N . sin i N * = N . cos i + S . sin i o que por substituição e simplificação da expressão anterior conduz à condição de escorregamento: S / N = tan (φ + i )
[3]
o que também pode ser traduzido pela relação:
τ = σn . tan ( φ + i )
[4]
Assim, para o ensaio nas condições indicadas na Figura 4.38b, pode afirmar-se que uma descontinuidade inclinada apresenta um ângulo de atrito aparente (φ + i ). Considerando agora modelos que ao longo da superfície média da descontinuidade apresentem uma série de asperidades (Figuras 5.38c e 5.38d) verifica-se o seguinte: •
para pequenos valores de N o escorregamento ao longo das superfícies inclinadas satisfaz as relações [3] e [4] e, em simultâneo, regista-se a ocorrência de deslocamentos significativos na direcção normal ao plano médio da descontinuidade, fenómeno que se designa pordilatância . Na Figura 4.39 a representação da envolvente de rotura para tensões normais (ou para N ) baixos corresponde ao segmento rectilíneo passando pela origem dos eixos e com inclinação dada por (φ + i )
•
para elevados valores de N o escorregamento ao longo de superfícies inclinadas das asperidades é impedido e o valor de S que ocasiona o escorregamento é atingido quando se verifica o corte das asperidades; nestas circunstâncias, os valores de N e S obtidos conduzem a tensões que no instante da rotura satisfazem a relação expressa pela lei de Mohr-Coulomb na sua forma mais geral, a qual é traduzida pela equação (correspondente ao troço superior do diagrama bilinear representado na Figura 4.39):
τ = c + σn . tan φ r
[5]
onde c é representa a coesão de imbricamento , dependente da resistência da rocha, e φ r é o ângulo de atrito residual , valor este que é próximo do valor que se obtém em ensaios de deslizamento sobre juntas lisas preparadas artificialmente em amostras de rocha por corte com serra.
DESCONTINUIDADES
4.57
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.39 – Envolvente bilinear de rotura de pico obtida a partir de ensaios de corte directo nos modelos representados na Fig. 38.
As descontinuidades naturais raramente têm um comportamento tal como o idealizado nos modelos referidos. No entanto, os mesmos dois mecanismos – escorregamento ao longo de superfícies inclinadas em relação ao plano médio da descontinuidade e impedimento da dilatância com corte das asperidades para tensões normais elevadas – estão presentes no comportamento dessas descontinuidades. Geralmente estes dois mecanismos aparecem combinados em proporções variáveis, cujo resultado se pode traduzir, em relação às resistências de pico, por uma envolvente de rotura que tem uma forma curva em vez da forma bilinear dos modelos antes idealizados. Para exprimir o valor da resistência de pico em relação ao escorregamento, fundamentado em resultados experimentais, Barton propõe uma envolvente daquele tipo expressa pela seguinte relação:
JCS + φ r σ n
τ = σ n . tan JRC . log 10
[6]
em que σn é a tensão normal, JRC é um coeficiente relativo à rugosidade das paredes da descontinuidade, JCS representa o valor da resistência à compressão simples do material da parede da descontinuidade e φ r é o valor do ângulo de atrito residual. A equação [6] sugere a existência de três componentes na avaliação da resistência ao escorregamento – uma componente friccional básica relacionada com φ r , uma componente geométrica controlada pela rugosidade da descontinuidade (JRC ) e, por fim, uma componente relacionada com a rotura das asperidades, controlada pela razão ( JCS / σn ). A combinação destas duas últimas componentes, que adiante serão objecto de análise, determina o efeito global da
4.58
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
rugosidade anteriormente atribuído ao ângulo i , sendo então a resistência global função de (φ r + i ). Na Figura 4.40 apresenta-se a representação gráfica da equação [6] para a situação de uma descontinuidade muito rugosa ou ondulada (JRC = 20), com ângulo de atrito residual φ r = 30º, e para diferentes valores da resistência do material da parede (JCS = 5, 10, 50 e 100). Para tensões normais elevadas é de salientar a forte variação da resistência ao escorregamento determinada pela resistência do material da parede, perdendo importância a parcela associada à rugosidade.
Figura 4.40 – Representação de envolventes de rotura de pico obtida com base no proposto por Barton para valores de JRC = 20, φ r = 30º e diferentes resistências do material da parede (JCS ).
4.6.1.3
Coesão e atrito instantâneos
Muitas das análises realizadas para o cálculo de factores de segurança em relação ao deslizamento são, por razões históricas, expressas com base nos parâmetros coesão (c ) e ângulo de atrito (φ ) definidos pelo critério de Mohr-Coulomb. No entanto é reconhecido que a relação entre a resistência ao deslizamento e a tensão normal é mais fielmente representada por uma relação não linear, tal como a proposta por Barton. Contudo, afigura-se por vezes com interesse estimar os valores equivalentes da coesão e ângulo de atrito a partir deste tipo de relações não lineares.
DESCONTINUIDADES
4.59
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Da Figura 4.41 deduzem-se as definições da coesão instantânea c i e ângulo de atrito instantâneo φ i para uma determinada tensão normal σn. Estes valores são obtidos respectivamente, pela intercepção e inclinação da tangente à relação não linear entre a tensão tangencial τ e tensão normal
σn e podem ser usados para análises de estabilidade nas quais é aplicado o critério de Mohr-Coulomb desde que a tensão normal σn tenha um valor relativamente próximo do valor considerado na definição do ponto de tangência.
Figura 4.41 – Determinação da coesão c i e ângulo de atrito φ i instantâneos relativos a critério de rotura não linear.
O ângulo de atrito instantâneo φ i para uma determinada tensão normal σn poderá ser determinado a partir das seguintes relações: ∂τ σ ∂ n
φ i = arctan
[7]
π . JRC 2 ∂τ JCS JCS = tan JRC . log 10 + φ r − + φ r + 1 tan JRC . log 10 σ n σ n ∂σ n 180 ln 10
[8]
enquanto a coesão instantânea c i é determinada pela relação: ci = τ − σ n . tan φ i
4.60
[9]
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
A determinação dos valores c i e uma aplicação específica deve ser antecedida pela estimativa φ i para da tensão normal média actuando nos planos das descontinuidades. Para muitos dos problemas práticos, a utilização do valor médio de σn será suficiente, mas quando se analisam situações críticas, deverá a determinação de c i e φ i ser efectuada para cada uma das superfície das descontinuidades mais importantes. Finalmente refira-se que a equação [6] não é válida para σn = 0 e deixa de ter significado prático para φ r + JRC . log10 JCS σ > 70º .Este limite poderá então ser usado para determinar o mínimo valor para n
σn. O limite superior para σn será obtido quando σn = JCS . 4.6.1.4
influência da pressão da água
Quando no maciço rochoso existe água sob pressão, as superfícies das descontinuidades são compelidas a afastar-se e a tensão normal σn sofre uma redução de valor. Em condições de estabilidade, isto é quando decorreu um período de tempo suficientemente longo para que as pressões da água tenham atingido o equilíbrio, a tensão normal reduzida será dada por σ’n = (σn –u ), onde u representa a pressão da água, correntemente designada por pressão neutra . A tensão normal reduzida σ’n é usualmente conhecida por tensão normal efectiva , e deve ser esta utilizada em vez da tensão normal σn em todas as equações anteriormente apresentadas em § 4.1.1, § 4.1.2 e § 4.1.3.
DESCONTINUIDADES
4.61
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
4.6.2 Caracterização da Rugosidade A rugosidade é um factor que tem especial incidência na resistência ao deslizamento duma descontinuidade, principalmente se esta se apresentar fechada e sem prévios movimentos. A sua importância como factor favorável à resistência diminui com os aumentos da abertura, da espessura do enchimento ou do valor do deslocamento devido a anteriores movimentos de escorregamento. Duma maneira geral a rugosidade pode ser caracterizada (Figura 4.42): • pela curvatura - ondulações em grande escala que, se as paredes estiverem encaixadas e em
contacto, provocam dilatância positiva durante o movimento de deslizamento uma vez que são demasiado grandes para que sejam “cortadas”; estas ondulações não são manifestáveis à escala das amostras ensaiadas em laboratório ou "in situ” e determinam, na prática, a direcção do deslizamento em relação ao plano médio da descontinuidade definido pelo ângulo de incidência i; • pelas asperidades - irregularidades de superfície, detectáveis a pequena escala, que tendem
a ser danificadas durante os deslocamentos por corte, salvo se as paredes apresentarem elevada resistência e/ou as tensões de compressão serem baixas, casos em que a dilatância pode também ocorrer, embora à escala das irregularidades; estas últimas determinam, então, o aumento da resistência ao deslizamento da descontinuidade em função dos ângulos de incidência e da relação entre a resistência da matriz rochosa e as tensões normais aplicadas sobre a descontinuidade, conforme já anteriormente explicado no §4.1.2.
Figura 4.42 – Tipos de rugosidade e amostragem para ensaios
4.62
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
De registar que, para uma mesma descontinuidade, a rugosidade pode apresentar-se com valores perfeitamente distintos consoante a direcção, pelo que, quando se pretende estudar um problema que envolva a análise ao escorregamento, importa antever qual a direcção provável do movimento. Se a direcção dum potencial escorregamento é conhecida, a rugosidade poderá ser amostrada através de perfis lineares paralelos a essa direcção (Figura 4.43). Em muitos casos a direcção relevante será a da recta de maior declive (escorregamentos planares), mas noutros, quando o escorregamento é controlado pela intersecção de duas descontinuidades planas, a direcção do potencial escorregamento será paralela à linha de intersecção daqueles planos. Se a direcção do potencial escorregamento é desconhecida, a rugosidade deverá ser amostrada nas três dimensões do espaço.
Figura 4.43 – Determinação da rugosidade ao longo duma direcção de potencial deslizamento.
Quando em estádios preliminares dos estudos de caracterização geotécnica haja limitações que impeçam as determinações antes referidas, a descrição da rugosidade poderá limitar-se à utilização de termos descritivos baseados em duas escalas de observação: pequena (alguns centímetros) e intermédia (vários metros). A escala intermédia da rugosidade é dividida em três graus (em patamar, ondulada e planar) e sobreposta à rugosidade de pequena escala, esta também dividida em três graus (rugosa, lisa e espelhada), resultando por combinação nove classes (Figura 4.44). Também é possível acrescentar a cada uma destas classes a informação relativa à curvatura (rugosidade a uma grande escala de observação), indicando o comprimento de onda e amplitude das ondulações.
DESCONTINUIDADES
4.63
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
CLASSE
DESCRIÇÃO
I
Rugosa ou irregular, em patamares
(rough or irregular, stepped)
II
Lisa, em patamares
(smooth, stepped)
III
Espelhada (*), em patamares
(slickensided (*), stepped)
IV
Rugosa ou irregular, ondulada
(rough or irregular, undulating)
V
Lisa, ondulada
(smooth, undulating)
VI
Espelhada (*), ondulada
(slickensided (*), undulating)
VII
Rugosa ou irregular, planar
(rough or irregular, planar)
VIII
Lisa, planar
(smooth, planar)
IX
Espelhada (*), planar
(slickensided (*), planar)
(*) O termo espelhada (slickensided ) só deverá ser usado quando houver sinais evidentes de deslizamento prévio ao longo da descontinuidade (estriamentos)
Figura 4.44 - Perfis típicos de rugosidade e respectivas designações
A partir dos perfis de rugosidade obtidos por técnicas similares, Barton propôs, em 1977, a sua
4.64
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
correlação com o parâmetro JRC anteriormente referido, que permite estimar a resistência de pico duma descontinuidade em relação ao deslizamento (Figura 4.45). Posteriormente, em 1982, o mesmo autor propõe correlações (ver Figura 4.46) do parâmetro JRC com a amplitude das asperidades e comprimento do perfil de observação, assumindo este valores superiores a 0,10 m.
Figura 4.45 – Perfis tipo de rugosidade e correspondentes valores de JRC (Barton, 1977).
DESCONTINUIDADES
4.65
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.46 – Valores de JRC em função da amplitude das asperidades e do comprimento do perfil de observação (Barton, 1982).
4.66
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
4.6.3 Resistência das Paredes O estado de alteração da rocha junto às paredes das descontinuidades tem não só forte influência na resistência ao corte dos maciços rochosos, principalmente se as descontinuidades estiverem fechadas, isto é, se houver contacto entre os dois bordos, como também condiciona a sua deformabilidade. A ocorrência de pequenos deslizamentos segundo as descontinuidades, causados por tensões de corte desenvolvidas no interior dos maciços, pode originar áreas de contacto muito pequenas das asperidades, levando a que localmente seja excedida a resistência à compressão da rocha junto à parede, e, em consequência, a esmagamentos pontuais com redução da rugosidade. Os maciços rochosos apresentam-se frequentemente alterados perto da superfície por acção dos agentes de meteorização, e, algumas vezes estão também alterados por processos hidrotermais. O processo de alteração geralmente afecta mais a rocha junto às paredes das descontinuidades do que no interior dos blocos que constituem os maciços rochosos. Em resultado disso, a resistência da parede é apenas uma fracção daquela que se regista no interior dos blocos de rocha. Enquanto a resistência da rocha pode ser avaliada em ensaios de compressão uniaxial ou triaxial, a camada relativamente fina da rocha mais alterada junto à parede, que mais afecta a resistência ao corte e deformabilidade, só pode ser estimada por via indirecta recorrendo a testes ou ensaios simples cujos resultados possam ser correlacionados com a resistência à compressão simples. Estão neste caso os ensaios com martelos de Schmidt, de funcionamento idêntico ao utilizado em ensaios para avaliar as características resistentes do betão, e outros ensaios para determinação das resistências ao choque e ao desgaste. No ensaio com o martelo de Schmidt é “disparada” uma massa normalizada (o valor é função do tipo de martelo) contra o material a ensaiar, após o que é lida, numa escala do aparelho, o valor do recuo daquela massa. Este valor é função da energia absorvida na deformação plástica e de rotura da rocha no local do impacto, a qual se correlaciona com a dureza da superfície que recebeu o impacto. Na Figura 4.47 apresenta-se um gráfico, de origem experimental, que correlaciona os valores do recuo obtido em ensaios com um martelo ligeiro de Schmidt (“Tipo L”), usado normalmente no laboratório ou no campo para rochas brandas, com a resistência à compressão do material da parede (JCS ). Registe-se que, neste ensaio, os valores de JCS são da função orientação do disparo (o recuo é maior quando o disparo é ascendente) e do peso volúmico da rocha na zona do impacto.
DESCONTINUIDADES
4.67
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.47 – Correlação do recuo obtido com o martelo de Schmidt Tipo L e a resistência à compressão uniaxial.
4.68
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Para a realização do ensaio o martelo deve ser posicionado na direcção perpendicular à parede da descontinuidade. A superfície da rocha deve ser preferencialmente ensaiada sob condições saturadas, já que conduzem a resultados mais conservativos, e deve estar limpa de partículas soltas no local do impacto. É recomendável a realização de um número significativo de ensaios para avaliar a resistência da parede de cada um das descontinuidades a ensaiar (ou por cada zona no caso de descontinuidades muito extensas). A ISRM sugere que para cada descontinuidade sejam realizados pelo menos 10 determinações, com locais de impacto sucessivamente distintos. Para cada grupo de 10 determinações, recomenda desprezar os cinco valores inferiores e determina um valor médio do recuo com os restantes. Este é o valor considerado representativo para estimar o parâmetro JCS.
4.6.4 Abertura e Enchimento Abertura define-se como a distância que separa as paredes adjacentes de uma descontinuidade no qual o respectivo espaço está ocupado por ar ou água (Figura 4.48b). Enchimento é o termo usado para descrever o material que preenche o espaço entre as paredes da descontinuidade e que poderá ser muito diversificado, como por exemplo: calcite, quartzo, argila, silte, milonito de falha, brecha, etc.. A distância medida na perpendicular às paredes duma descontinuidade que esteja preenchida é usualmente designada por espessura (Figura 4.48c).
DESCONTINUIDADES
4.69
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.48 – Representações esquemáticas: a) descontinuidade fechada; b) descontinuidade aberta; c) descontinuidades preenchida.
As grandes aberturas podem resultar de anteriores deslizamentos de descontinuidades com rugosidade apreciável, de movimentos gerados por tensões de tracção, do arrastamento de materiais de enchimento (argila, por exemplo) ou de fenómenos de solução. As descontinuidades verticais ou muito inclinadas que abriram em resultado de tracções associadas à erosão dos vales ou retraimento glaciário podem atingir grandes aberturas. Naturalmente que a abertura das descontinuidades varia bastante ao longo da sua extensão, o que dificulta, ou mesmo impossibilita, a sua medida. Em função do valor da abertura podem classificar-se as descontinuidades de acordo com as designações seguintes:
4.70
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
DESIGNAÇÃO
ABERTURA (mm)
Muito fechadas
< 0,1
Fechadas
0,1 - 0,25
Parcialmente fechadas
0,25 - 0,5
Abertas
0,5 - 2,5
Largas
2,5 - 10
Muito largas
10 - 100
Extremamente largas
100 - 1000
Cavernosas
> 1000
A abertura e o tipo de enchimento das descontinuidades faz-se sentir de modo notável em todos os parâmetros geotécnicos de um maciço: resistência, deformabilidade e permeabilidade. A abertura e a sua variação têm influência na resistência ao deslizamento já que a uma maior abertura corresponde uma diminuição de contactos entre as paredes da descontinuidade, podendo daí resultar concentrações de tensões conduzindo a esmagamentos pontuais das asperidades das paredes da descontinuidade. Por sua vez é evidente a diferença de comportamento em termos de resistência ao corte entre descontinuidades preenchida por um material pétreo, por vezes mais resistente e menos deformável do que o restante material que constitui o maciço, e o de uma descontinuidade preenchida por um material argiloso brando de elevada deformabilidade e baixa resistência ao corte. Devido à enorme variedade de ocorrências possíveis, ditando comportamentos extremamente diferenciados, importa para cada situação proceder a um estudo cuidadoso das características do enchimento das descontinuidades, sendo de particular importância analisar os aspectos relacionados com a geometria (espessuras médias e sua variação), o tipo de material de enchimento (mineralogia, dimensão das partículas, grau de alteração, potencial expansivo) e as respectivas resistências ao corte (tal como as características de deformabilidade e permeabilidade).
DESCONTINUIDADES
4.71
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
4.7 ÁGUA NAS DESCONTINUIDADES E PERCOLAÇÃO. A presença da água na envolvente de uma escavação em maciços rochosos tem diversos efeitos nefastos, sendo de salientar: •
a pressão da água reduz a estabilidade dos taludes por diminuição da resistência ao deslizamento ao longo das potenciais superfícies de rotura, tal como resulta do exposto no § 4.1.4;
•
as variações do teor em água de certas rochas, particularmente nos xistos argilosos, pode causar uma acelerada alteração da rocha com um correspondente decréscimo da resistência ao deslizamento das descontinuidades;
•
a água que preenche as descontinuidades ao gelar aumenta de volume podendo provocar a fracturação da rocha originando o aparecimento de blocos de menores dimensões; por sua vez, a formação de gelo junto da superfície pode obturar os caminhos de drenagem resultando daí um incremento das pressões da água no interior do talude, o que contribui para o decréscimo das condições de estabilidade;
•
a erosão dos solos da superfície e do preenchimento das descontinuidades que ocorre como resultado da circulação da água pode levar ao aumento da abertura e, consequentemente, à diminuição das condições de estabilidade.
De entre os aspectos citados, o efeito mais importante da presença da água nos maciços rochosos reside normalmente na redução das condições de estabilidade resultante da pressão exercida pela água nas paredes das descontinuidades. No caso das obras de retenção de água (barragens, diques, ...) e em escavações cuja drenagem não se faça por gravidade, a percolação da água através dos terrenos é também um aspecto extremamente importante, não só por razões económicas associadas à perda de água armazenada (barragens) ou custos de bombeamento (túneis, por exemplo), como também pelas consequências que pode ter na evolução das condições de estabilidade das obras e das respectivas fundações. Assinale-se que caso das obras de retenção de água é frequente proceder-se a intervenções no sentido de melhorar as características de permeabilidade do terreno de fundação, consistindo aquelas quer na injecção de cimento através de furos abertos no terreno com o objectivo do preenchimento de vazios (como sejam as descontinuidades abertas), quer na abertura de furos de drenagem para alívio da pressão da água no interior do maciço. Já no que respeita à melhoria das condições de estabilidade em escavações, como sejam os casos de taludes e túneis, é frequente proceder-se à realização de furos de drenagem igualmente para alívio das pressões da água no maciço.
4.72
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
4.7.1 Permeabilidade e Pressão. Considere-se um talude, tal como o ilustrado na Figura 4.49, e neste um elemento cilíndrico de solo ou de rocha, posicionado abaixo do nível freático, com um comprimento l e uma secção transversal com a área A. Seja Q o caudal (volume de água por unidade de tempo) que atravessa tal elemento quando os níveis de água em furos de sondagens situados nas extremidades do elemento atingem as alturas h1 e h2 acima do plano horizontal de referência. Nestas circunstâncias, de acordo com a lei de Darcy, o coeficiente de permeabilidade k do elemento será dado por: k =
Q.l A.(h1 − h2 )
=
v.l
(h1 − h2 )
[10]
onde v representa a velocidade de descarga.
Figura 4.49 – Definição da permeabilidade de acordo com a lei de Darcy.
Tendo em atenção as dimensões das grandezas intervenientes, verifica-se que o coeficiente de permeabilidade tem as mesmas dimensões que a velocidade de descarga, isto é, a de um comprimento por unidade de tempo. A dimensão mais frequentemente utilizada nos estudos de percolação em terrenos é a de centímetros por segundo (ou m/s), apresentando-se no quadro da página seguinte as gamas típicas de valores do coeficiente de permeabilidade para solos e rochas (Hoek,E. & Bray, J.W.).
DESCONTINUIDADES
4.73
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tal como mostra a Figura 4.49, a carga total h (altura acima do nível de referência atingida pela água no furo) pode ser expressa em termos da pressão p na extremidade do elemento e da altura z acima da superfície de referência de acordo com a expressão: h=
p
γ ω
+ z
[11]
onde γ ω representa o peso por unidade de volume (peso volúmico) da água.
e l t e n v e á m e m a r c e i t p a r m P i
, a g r a c s e d a x i a B
k - cm/seg
Rocha intacta
10-10
ardósia, dolomito, granito
10-9 10-8 10-7 10-6
m e g a n e r d a c a r f
10-5 10-4 10-3 10-2
, a g r a c s e d a d a v e l E
10-1 m e g a n e r d l i c á f
o i r á c l a c -
. o t i n e r a -
Rocha fracturada
Solo
argila homogénea em zona de alteração
Descontinuidades com preenchimento argiloso
areias muito finas, siltes orgânicos e inorgânicos, misturas de areia e argila, depósitos argilosos estratificados
Rocha fracturada
1
Rocha com
101
descontinuidades abertas
102
Rocha extremamente fracturada
areias e misturas de areia e seixo limpos (sem finos)
seixos limpos
4.7.2 Permeabilidade da rocha com escontinuidades A tabela anterior põe em evidência que a permeabilidade da rocha intacta é muito baixa e, em consequência, é expectável que seja baixo o fluxo de percolação e o caudal drenado através dum maciço rochoso isento de descontinuidades ou com estas fechadas. Por outro lado, se a formação
4.74
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
rochosa se apresenta com diaclases, fracturas e outras descontinuidades com alguma abertura ou preenchidas com enchimento permeável, a permeabilidade pode assumir valores elevados porque essas descontinuidades actuam como redes de canais por onde a água circula mais facilmente. O fluxo de água através de fissuras em rochas é assunto complexo e tem constituído objecto de estudo por diversos investigadores. O tema apresenta-se aqui duma forma simplificada ao considerar a determinação da permeabilidade equivalente de um conjunto de fissuras paralelas, planas e lisas. O coeficiente de permeabilidade equivalente na direcção paralela a este conjunto é dada por k =
onde:
k = g
g .e 3
12.υ .b
[12]
coeficiente de permeabilidade hidráulica equivalente (cm/s);
= aceleração da gravidade (981 cm/s2);
e=
abertura das fissuras (cm); 2
υ = viscosidade dinâmica do fluido (0,0101 cm /s para água a 20ºC).
Note-se que nesta equação é ignorado o fluxo através da matriz rochosa já que a permeabilidade da rocha é muito pequena quando comparada com a permeabilidade das descontinuidades abertas. Na Figura 4.50 representa-se o coeficiente de permeabilidade equivalente k de conjuntos de fissuras paralelas com diferentes aberturas, sendo notório que a permeabilidade do maciço rochoso é muito sensível à abertura das descontinuidades. Como as aberturas das descontinuidades variam com o estado de tensão, a permeabilidade do maciço rochoso será por isso também sensível às modificações do estado de tensão.
DESCONTINUIDADES
4.75
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.50 – Influência da abertura (e ) e do espaçamento (b ) no coeficiente de permeabilidade (k ) na direcção paralela a um conjunto de descontinuidades lisas dum maciço rochoso.
Refira-se que a equação [12] só é válida para regimes laminares de fluxo através de fissuras planas e paralelas. Serão significativos os erros que resultam da sua aplicação se a velocidade do fluxo for suficientemente elevada para daí resultar um regime turbulento de escoamento, se as superfícies das descontinuidades forem rugosas ou, ainda, se estas tiverem preenchimento. Poder-se-á afirmar que tal equação permite determinar o limite superior do valor do coeficiente de permeabilidade equivalente, enquanto que o valor inferior deste mesmo coeficiente para um sistema de descontinuidades preenchidas será dado por: k =
onde:
e b
k f + k r
k f =
coeficiente de permeabilidade do material de preenchimento;
k r =
coeficiente de permeabilidade da rocha.
[13]
Um exemplo com a aplicação da equação [12] a um maciço rochoso com duas famílias ortogonais de descontinuidades é representado na Figura 4.51. Esta mostra uma família principal de descontinuidades, com abertura e1 = 0.10 cm e espaçamento b1 = 1 metro, para a qual o valor do coeficiente de permeabilidade equivalente é k 1 = 8.1x10-2 cm/s. A segunda família tem idêntico
4.76
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
espaçamento (b2 = 1 m) e uma abertura e2 = 0.02 cm, resultando daí um coeficiente de permeabilidade equivalente k 2 = 6.5x10-4 cm/s, isto é, mais de cem vezes inferior ao valor do coeficiente de permeabilidade equivalente da família principal. Naturalmente que o padrão do fluxo e as características de drenagem do maciço rochoso no qual ocorrem estas duas famílias de descontinuidades será fortemente influenciado pela orientação das famílias.
Figura 4.51 – Representação esquemática de 2 famílias de descontinuidades ortogonais dum maciço rochoso. Na determinação de k assumiu-se não haver circulação de água de uma família para outra.
4.7.3 Redes de fluxo A representação gráfica da percolação da água nos maciços terrosos ou rochosos faz-se através das redes de fluxo. Na Figura 4.52 representa-se um exemplo duma rede de fluxo de um talude em relação à qual importa assinalar o seguinte: •
as linhas de fluxo são trajectórias seguidas pelas partículas de água no percurso através do terreno;
•
as linhas equipotenciais são linhas unindo pontos com a mesma carga total h ; o nível da água é idêntico em furos de observação (ou piezómetros) que terminam na mesma linha equipotencial, tal como se mostra na Figura 4.52 em relação aos pontos A e B;
•
as pressões da água nos pontos A e B não são iguais uma vez que, de acordo com a equação [11], a carga total é dada pela soma da altura (ou carga) piezométrica com a cota z do ponto de medição em relação ao plano de referência; assim, a pressão da água aumenta com a profundidade ao longo duma linha equipotencial, tal como se mostra na Figura 4.52.
DESCONTINUIDADES
4.77
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.52 - Representação bidimensional duma rede de fluxo num talude.
A determinação da permeabilidade dos maciços rochosos é necessária para estimar o afluxo de água nas obras em escavação a céu aberto ou subterrâneas e a partir daí dimensionar o sistema de drenagem que possibilite a realização dos trabalhos e a exploração da obra. Para a avaliação da estabilidade de taludes das escavações é mais propriamente a pressão da água, em vez do volume de água, cujo conhecimento interessa para a análise. Num sistema em equilíbrio, a pressão da água em qualquer ponto é independente da permeabilidade do maciço rochoso, mas depende da trajectória da água até esse ponto. O conhecimento da anisotropia e da distribuição da permeabilidade no maciço rochoso é fundamental para estimar a distribuição da pressão da água no talude. Para uma melhor percepção desta questão, representam-se na Figura 4.53 distribuições das linhas equipotenciais em taludes correspondentes a diferentes configurações da permeabilidade. A Figura 4.53a) diz respeito a uma configuração em que são iguais os valores dos coeficientes de permeabilidade nas direcções vertical e horizontal (k h = k v; k h / kv = 1). Nestas condições a pressão da água num qualquer ponto é independente do valor absoluto desses coeficientes, variando contudo o caudal afluído á base da escavação na razão directa do valor assumido por k h = k v.
4.78
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.53 – Representação de equipotenciais em taludes com várias configurações de permeabilidade.
Idêntico raciocínio pode fazer-se em relação a cada uma das configurações representadas nas Figuras 5.53b) e 5.53c), estas caracterizadas pela existência duma pronunciada anisotropia da permeabilidade tendo em conta que a razão dos coeficientes de permeabilidade assume um valor igual a 1/10. Embora cada uma das configurações das equipotenciais seja independente do valor absoluto dos coeficientes de permeabilidade (desde que a relação entre coeficientes seja mantida), verifica-se que a pressão da água num ponto com igual posicionamento nas várias configurações assume valores diferentes em resultado das equipotenciais (e redes de fluxo) de cada configuração ser influenciada pela distribuição da permeabilidade no maciço do talude.
DESCONTINUIDADES
4.79
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
No sentido de avaliar a permeabilidade num maciço rochoso num dado local torna-se necessário alterar as condições hidráulicas nesse lugar, como por exemplo modificar o nível da água subterrânea, e medir o tempo para o restabelecimento das condições originais ou, em alternativa, medir a quantidade de água necessária para manter as novas condições. Estes ensaios são normalmente realizados em furos de sondagem nos quais são isolados troços delimitados por dois obturadores inseridos no furo, ou, ainda, entre o fundo do furo e um obturador. Tais ensaios enquadram-se usualmente num dos seguintes tipos: •
ensaios de carga variável, nos quais a água é vertida num furo vertical ou sub-vertical e é medido o tempo necessário para o nível de água descer até ao nível original;
•
ensaios de carga constante, nos quais é medida a quantidade de água introduzida no furo de modo a manter um nível de água imposto;
•
ensaios de bombeamento de água ou ensaios Lugeon, nos quais a água é bombeada ou introduzida sob pressão num troço de furo entre dois obturadores e são estudadas as mudanças decorrentes destas operações.
Os dois primeiros tipos de ensaio têm aplicação nos casos em que se pretende determinar a permeabilidade de formações terrosas ou rochosas razoavelmente uniformes. O terceiro tipo de ensaios, de custo mais elevado, são recomendados para avaliar a permeabilidade de formações rochosas em que a permeabilidade é essencialmente condicionada pelas descontinuidades.
4.8 ANÁLISES DE ESTABILIDADE DE TALUDES 4.8.1 Considerações gerais As análises de estabilidade são realizadas no projecto de taludes ou quando estes apresentam situações de instabilidade. Deve-se escolher um coeficiente de segurança adequado, dependendo da finalidade da escavação e do carácter temporário ou definitivo do talude, combinando os aspectos de segurança, custos de execução, consequências ou riscos que poderiam advir da rotura, etc. Para taludes permanentes, será recomendável adoptar um coeficiente de segurança igual ou superior a 1.5, ou até 2.0, dependendo da segurança exigida e da confiança que se possua nos dados geotécnicos que intervêm nos cálculos. Para taludes temporários o factor de segurança poderá ser fixado no valor de 1.3, mas em certos casos poderá ser adoptado um valor inferior. As análises permitem definir a geometria da escavação ou as forças externas que devem ser aplicadas para atingir o factor de segurança requerido. No caso de taludes instáveis, as análises permitem definir as medidas de correcção ou estabilização adequadas para evitar novos movimentos.
4.80
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
As análises à posteriori de taludes (back-analisis ) realizam-se após a ocorrência da rotura e, por isso, nestes casos conhece-se o mecanismo, modelo e geometria da instabilidade. É uma análise muito útil para a caracterização geomecânica dos materiais envolvidos, para o estudo dos factores influentes na rotura e para conhecer o comportamento mecânico dos materiais do talude. Na sequência, os resultados obtidos podem ser extrapolados para o estudo de outros taludes de características similares.. Estas análises consistem em determinar, a partir dos dados de campo necessários ao estudo (geometria, tipos de materiais, modelo de rotura, pressões da água, etc.), os parâmetros resistentes do terreno, geralmente pares de valores c e φ do critério de Mohr-Coulomb, que satisfazem a condição de equilíbrio estrito do talude (FS =1) ao longo da superfície real de rotura. Os métodos de análise de estabilidade baseiam-se numa abordagem fisico-matemática na qual intervêm as forças estabilizadoras e instabilizadoras que actuam sobre o talude e que determinam o seu comportamento e condições de estabilidade. Podem agrupar-se em: •
Métodos determinísticos : conhecidas ou supostas as condições em que se encontra um talude, estes métodos indicam se o talude é ou não estável. Consistem em seleccionar os valores adequados dos parâmetros físicos e resistentes que controlam o comportamento do material para, a partir deles e das leis de comportamento adequadas, definir a condição de estabilidade ou o factor de segurança do talude. Enquadram-se neste tipo os métodos de equilíbrio limite.
•
Métodos probabilísticos : consideram a probabilidade de rotura de um talude sob umas condições determinadas. É necessário conhecer as funções de distribuição dos diferentes valores considerados como variáveis aleatórias nas análises (o que pressupõe uma maior dificuldade pela grande quantidade de dados necessários), realizando-se a partir delas os cálculos do factor de segurança mediante processos iterativos. Obtêm-se as funções de densidade de probabilidade e distribuição de probabilidade do factor de segurança, e curvas de estabilidade do talude com o factor de segurança associado a uma determinada probabilidade de ocorrência.
A selecção do método de análise mais adequado a cada caso dependerá das características geológicas e geomecânicas dos materiais (solos ou maciços rochosos), dos dados disponíveis sobre o talude e da sua envolvente (geométricos, geológicos, hidrogeológicos, geomecânicos, etc.) e, finalmente, do alcance e objectivos do estudo, grau de pormenorização e resultados que se espera obter.
DESCONTINUIDADES
4.81
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
4.8.2 Métodos de equilíbrio limite em taludes rochosos Os métodos de equilíbrio limite analisam o equilíbrio de uma massa potencialmente instável e consistem em comparar as forças que tendem a provocar o movimento ao longo de uma determinada superfície de rotura com as forças resistentes que se opõem a esse mesmo movimento. Tais métodos têm por base:
-
a selecção de uma superfície teórica de rotura no talude; o critério de rotura de Mohr-Coulomb (usualmente) ou de Barton;
-
a definição do “coeficiente de segurança”.
-
Os problemas de estabilidade são estaticamente indeterminados e para a sua resolução é necessário considerar uma série de hipóteses de partida, as quais são diferentes conforme os métodos. Contudo, de uma forma geral são assumidas as seguintes condições: -
-
-
a superfície de rotura deve satisfazer uma geometria tal que permita a ocorrência do deslizamento, isto é, deverá ser uma superfície cinemáticamente possível; a distribuição das forças actuando na superfície de rotura poderá ser determinada utilizando dados conhecidos (peso volúmico do material, pressão da água, forças externas); a resistência é mobilizada simultaneamente ao longo de toda a superfície de rotura.
Satisfazendo estas condições são estabelecidas as equações de equilíbrio entre as forças que induzem o deslizamento e as forças resistentes que o contrariam. As análises proporcionam a determinação do valor do coeficiente de segurança do talude para a superfície analisada, referido ao equilíbrio estrito ou limite entre as forças actuantes. O coeficiente de segurança, FS , será o valor numérico pelo qual devem ser divididas as forças tangenciais resistentes (ou multiplicadas as forças de corte destabilizadoras) para alcançar o equilíbrio limite:
forças estabilizadoras ou resistentes (f r)
FS
=
forças destabilizadoras (f d)
ou expressando em termos de tensões: FS
4.82
tensões tangenciais estabilizadoras ou resistentes =
tensões tangenciais destabilizadoras
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
No caso de ser adoptado o critério de rotura de Mohr-Coulomb, o coeficiente de segurança ao deslizamento será dado por: FS =
Rc + Rφ S
[14]
onde: Rc representa
a resultante das forças coesivas que actuam no plano de deslizamento, obtida
pelo somatório do produto da coesão c pela área A das superfícies de rotura; Rφ
representa a resultante das forças friccionais que actuam no plano de deslizamento,
obtida através do somatório dos produtos das componentes das forças normais ao plano de rotura por
tan φ ;
S representa
a resultante das forças que tendem a provocar o deslizamento, obtida através
do somatório das projecção das forças actuantes na direcção do deslizamento.
4.8.2.1
Estabilidade em relação ao deslizamento planar
Trata-se do caso mais simples de análise de estabilidade. A partir das forças actuantes sobre a superfície de rotura considerada estabelece-se a equação do coeficiente de segurança. Na Figura 4.54a representa-se um talude onde, ao longo da superfície de deslizamento de área A e com inclinação α em relação ao plano horizontal, se admite instalar o diagrama de pressões da água cuja resultante é U . Nestas condições, a equação do coeficiente de segurança será dada por:: FS =
c. A + (W . cos α − U ). tan φ W .senα
[15]
em que: c.A = força resistente devida à coesão no plano de deslizamento; W . cos α =
componente estabilizadora do peso (normal à superfície de deslizamento);
(W . cos α − U ). tan φ = W .senα =
força resistente ao atrito no plano de deslizamento;
componente do peso tendente a provocar o deslizamento (paralela à superfície de
deslizamento).
DESCONTINUIDADES
4.83
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 4.54 – Deslizamentos por um plano: a) – distribuição triangular de pressões da água num único plano; b) - distribuições triangulares de pressões em caso de existência de fissura de tracção.
No caso de existir também uma fissura de tracção com água (Figura 4.54b): FS =
c. A + (W . cos α − U − V .senα ). tan φ
[16]
W .senα + V . cos α
sendo V a resultante da força exercida pela água na parede da fissura de tracção.
O peso do talude é determinado pelo produto do volume por unidade de comprimento (medido na normal ao plano do corte representado na figura) do bloco deslizante pelo peso volúmico do material. As resultantes das forças exercidas pela água, de peso volúmico
ω
podem-se determinar pelas
expressões: U =
1 2
γ ω . z. A
[17]
e
V =
1 2
γ ω . z 2
[18]
A partir desta formulação geral, dependendo das características e forma da rotura planar e dos factores envolvidos, introduzem-se nas equações as diferentes forças actuantes. Para a situação de uma ancoragem transmitindo uma força activa aplicada na face do talude (Figura 4.55), no caso de não existir água em fissura de tracção, a expressão do coeficiente de segurança virá dada por:
4.84
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
FS =
c. A + (W . cos α − U + T . cos δ ). tan φ
[19]
W .senα − T .senδ
Figura 4.55 – Deslizamento por um plano. Representação das componentes da força de ancoragem.
Esta equação permite calcular a força total de ancoragem necessária para conseguir um determinado coeficiente de segurança do talude. Por exemplo, caso se pretende alcançar um valor deFS = 1.3 em relação a um deslizamento planar de um bloco de 700 kN/m de peso sobre uma superfície com 35º de inclinação, tem-se, considerando para tal superfície os valores de c = 0, φ = 32º e U = 220 kN/m e que a ancoragem faz um ângulo de 30º com a horizontal (δ = 25º), virá: 1. 3 =
(700 cos 35º −220 + T cos 25º ) tan 32º 70 sen35º −Tsen 25º
de onde se obtém T = 270 kN/m, força que poderia aplicar-se através de um só elemento resistente ou repartido por vários elementos distribuídos pela face do talude. Para aumentar as condições de estabilidade em relação ao deslizamento do talude poderão ser utilizados varões de aço selados em todo o comprimento e atravessando a superfície de rotura (pregagens). Estes varões, capazes de suportar uma carga T, constituem um elemento passivo resistente, já que a sua capacidade só será mobilizada no caso de se verificar um deslocamento relativo do bloco delimitado pela descontinuidade que constitui a superfície de rotura. Em tais condições o efeito das pregagens deve ser associado ao conjunto das forças resistentes, vindo o coeficiente de segurança dado pela expressão:
FS =
DESCONTINUIDADES
c. A + (W . cos α − U + T . cos δ ). tan φ + T .senδ W .senα
[20]
4.85
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
4.8.2.2
Estabilidade de cunhas
O método de análise da estabilidade de blocos em forma de cunha obedece aos mesmos princípios descritos para a análise da rotura planar. A resolução é contudo mais complexa uma vez que se torna necessário determinar as forças actuantes em cada um dos planos de deslizamento.
Figura 4.56 – Estabilidade tridimensional dum bloco em forma de cunha: a) – vista isométrica do bloco; b) – corte vertical pela linha de intersecção dos planos 1 e 2.
O procedimento de análise passa por determinar o peso da cunha bloco e a área de cada face. O peso, bem como todas as forças externas, tais como pressões da água, cargas transmitidas por fundações e forças de ancoragens, são espacialmente decompostas em três direcções: as duas normais aos planos de deslizamento e a da linha de intersecção destes.
Na equação base para determinação do coeficiente de segurança da cunha FS = f r f tem-se: d
f r = N 1 . tan φ 1 + N 2 . tan φ 2 + c1 . A1 + c 2 . A2
4.86
[21]
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
e '
f d = f (W , T , Q, E , V )
[22]
A função f’ representa o somatório das componentes tangenciais paralelas à direcção do deslizamento das forças que solicitam a cunha. N 1 e N 2 são as forças normais efectivas nos planos 1 e 2; A1 e A2 representam as áreas dos planos 1 e 2; φ 1 e φ 2 os ângulos de atrito dos planos 1 e 2; c 1 e c 2 as coesões nos planos 1 e 2; W é o peso do bloco, T a força transmitida pelo elemento de suporte (ancoragem), Q uma carga externa, E uma força sísmica (= a .W , sendo a o coeficiente sísmico) e V a resultante da pressão da água na fissura de tracção (Figura 4.56).
4.8.2.3
Estabilidade em relação ao “toppling”
As roturas por “toppling” podem dar-se quando as descontinuidades mergulham para o interior do talude e originam um bloco único, ou uma série blocos paralelipédicos (e/ou tabulares) formando “placas”, tal que o centro de massa do bloco caia fora da base (Figura 4.57). Estas condições para o “toppling” verificam-se quando o plano da face do talude e os planos das descontinuidades mergulham em sentidos opostos com pendores elevados, tendo as respectivas linhas de nível azimutes idênticos.
Figura 4.57 – Estabilidade de blocos com “toppling”.
DESCONTINUIDADES
4.87
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
A experiência tem demonstrado que movimentos significativos podem ter lugar quando as “placas” se deslocam horizontalmente, mas a rotura global do talude não ocorrerá antes de se verificar a rotura dos blocos do pé do talude, actuando estes como elementos chave que se opõem à instabilização do talude. Como o deslocamento total que antecede a rotura global do talude pode rapidamente exceder o valor limite admissível do deslocamento para a maioria das superestruturas, torna-se importante identificar as estruturas geológicas que podem desencadear o “toppling”. A análise de estabilidade envolvendo blocos susceptíveis de “toppling”, consiste no exame das condições de estabilidade de cada bloco a partir da parte superior do talude. O bloco pode encontrarse numa de três situações possíveis: estável, instável em relação ao deslizamento pela base e instável em relação ao movimento de derrube. Cada uma destas situações depende das dimensões do bloco, dos parâmetros de resistência ao deslizamento das respectivas faces e das forças externas nele actuando. Por exemplo, os blocos baixos da crista do talude representado na Figura 4.57 (blocos 7, 8 e 9) para os quais o centro de massa cai dentro da base serão estáveis, desde que o ângulo de atrito da base seja superior ao pendor do plano base. Contudo, blocos esbeltos para os quais o centro de massa caia fora da base podem tombar (blocos 4, 5 e 6), dependendo tal das restrições impostas pelas forças aplicadas em ambas as faces do bloco. Se o bloco não tomba, gera um impulso sobre o bloco contíguo inferior. Se o bloco seguinte é também esbelto pode tombar como resultado daquele impulso, mesmo considerando que o seu centro de massa possa situar-se no plano da base. Na proximidade da base do talude, onde os blocos são baixos e não tombam (blocos 1, 2 e 3) o impulso produzido pelos blocos superiores pode ser suficientemente elevado para causar o deslizamento destes blocos, resultando daí que todo o talude seja instável. Contudo, se os blocos do pé do talude não deslizarem nem tombarem, os blocos acima podem sofrer deslocamentos significativos, mas daí não resultando uma rotura global. Se uma sapata tiver fundação no talude, a respectiva carga tem o efeito idêntico ao do crescimento do bloco. Tal pode conduzir a que um bloco estável passe a tombar, ou potenciar a condição existente de toppling por aumento das forças de impulso sobre os blocos a cotas inferiores. O primeiro passo na análise de estabilidade consiste na determinação das dimensões de todos os blocos, definindo a respectiva largura ∆x e altura y n (Figura 4.58). Então, partindo do topo na direcção do pé do talude, são calculadas as forças actuando em cada bloco. Estas forças compreendem: •
o peso W n do bloco n
•
a carga Q transmitida pela sapata
•
a força P n produzida como resultado do “toppling” do bloco (n+1) imediatamente acima
•
a reacção P n-1 proveniente do bloco (n-1) imediatamente abaixo
•
forças de atrito desenvolvidas nas faces laterais dos blocos
4.88
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
•
forças normais N n e na base do bloco tangenciais S n actuando
•
pressões da água actuando nas faces e base dos blocos, com magnitudes determinadas pelas grandezas y w e z w .
Figura 4.58 – Forças actuantes em bloco com “toppling”.
Para a análise de estabilidade, deve adoptar-se uma marcha de cálculo em que, em primeiro lugar, por decomposição do conjunto de forças actuantes no bloco nas componentes perpendicular e paralela à base, são determinadas as resultantes das forças normal (N n) e tangencial (S n) que actuam na base: N n = W n . cosψ b − (Pn −1 − Pn ) tan φ s −
S n = W n .senψ b − (Pn −1 − Pn ) +
onde o peso do bloco n é dado por
1 2
( y w + z w )γ w ∆ x + Q.sen(ψ Q − ψ b )
1
( y w2 − z w2 )γ w + Q. cos(ψ Q − ψ b ) 2
W n = γ r .∆ x. y n ; ψ b é
[23]
[24]
o pendor da base dos blocos; ψ Q é o ângulo
medido no sentido dos ponteiros do relógio a partir do eixo horizontal até à direcção da carga (a face do talude está desenhada com talude descendo da esquerda para a direita); φ s é o ângulo de atrito nas faces laterais dos blocos; y w e z w são as alturas dos níveis de água, respectivamente nas faces laterais superior e inferior; Q é a carga transmitida pela sapata em unidades de força por unidade de desenvolvimento do talude; γ r e
w
são, respectivamente, os pesos volúmicos da rocha e da água.
Considerando o equilíbrio de rotação, determina-se o valor da força P n-1,t que é absolutamente necessária para evitar o “toppling” do bloco n:
DESCONTINUIDADES
4.89
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Pn −1,t
W n ( y n .senψ b − ∆ x . cos ψ b ) + Pn .( M n − ∆ x. tan φ s ) + 2 2 γ w z (∆ x ) y w z w 1 = + γ w + −V 3. w + + V 1 3 2 2 3 3 L n ∆ x + Q sen(ψ Q − ψ b ) − cos(ψ Q −ψ b ) y n 2
[25]
onde M n e Ln definem os pontos de aplicação das forças P n e P n-1 respectivamente. As forças V 1 e V 3 actuando nas faces laterais dos blocos são: V 1 =
V 3 =
1 2 1 2
γ w . y w2
[26]
γ w .z w2
[27]
Assumindo que os blocos estão em estado de equilíbrio limite e atendendo às expressões [23] e [24], a força necessária para evitar o escorregamento é dada por: Pn −1, s = Pn +
+ {− W .(cosψ b . tan φ b − senψ b ) + V 1 − V 2 . tan φ b − V 3 + Q[− sen(ψ Q − ψ b ) tan φ b + cos(ψ Q − ψ b )]}.(1 − tan φ s tan φ b )
− 1
[28]
onde φ b é o ângulo de atrito na base dos blocos e V 2, a resultante das pressões da água na base do bloco, é: V 2 =
1 2
γ w ( y w − z w )∆x
[29]
O procedimento para a análise da estabilidade do talude consiste em examinar a condição de estabilidade de cada bloco, começando a partir do topo do talude. A estabilidade de cada bloco é estabelecida de acordo com os critérios seguintes: •
Para φ b > ψ b , desde que não actuem forças exteriores, isto é
Q = V 1 = V 2 = V 3 = 0 ,
não
ocorrerá o deslizamento pela base dos blocos; •
São estáveis os blocos de pouca altura localizados junto da crista do talude que satisfaçam a condição
•
4.90
y n / ∆x < cot ψ b ;
A partir do primeiro o bloco a contar do topo em que y n / ∆x > cot ψ b (situação geradora de
DESCONTINUIDADES
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
“toppling”) calcula-se a força
Pn −1 inter-blocos
Pn −1, t e Pn −1, s respectivamente
necessária para garantir a estabilidade. Sendo
os valores calculados para garantir o equilíbrio limite do bloco
em relação não “toppling” e ao deslizamento, três situações poderão ocorrer: se
Pn−1,t > Pn −1, s e Pn −1,t > 0 ,
se
Pn−1, s > Pn −1,t e Pn −1,s > 0 o
se •
Pn −1,t < 0 e Pn −1,s < 0 ,
o bloco tende a bascular e bloco tende a deslizar e
o bloco é estável e
Pn−1 = Pn−1,t
Pn−1 > Pn−1, s
Pn −1 = 0 ;
Para a análise do equilíbrio de cada bloco subsequente, aplica-se num dos lados a força interblocos de grandeza
Pn −1 ,
mas de sentido oposto ao desta, e calcula-se a força do outro lado
segundo idêntica marcha de cálculo •
Prossegue-se com idêntico cálculo até chegar ao bloco do pé do talude em que as condições fronteira são à priori conhecidas ou podem ser impostas.
Note-se que se os blocos do pé do talude deslizam, então o talude será instável. Contudo mesmo que o bloco (ou blocos) do pé do talude seja estável impedindo a rotura global do talude, poderão registar-se deslocamentos significativos dos blocos mais altos que têm tendência para bascular. Tendo calculado as forças actuando em cada bloco, é possível determinar o factor de segurança do talude através dum processo iterativo como a seguir se explica. Os ângulos de atrito são progressivamente feitos variar até serem encontradas as condições de equilíbrio limite (eminência do escorregamento) do bloco inferior. O ângulo de atrito necessário ao equlíbrio limite é φ r e se o ângulo de atrito na base dos blocos for φ b , então o factor de segurança será dado por FS =
tan φ b
tan φ r
DESCONTINUIDADES
.
4.91
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
5. CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.1 INTRODUÇÃO Um dos aspectos mais importantes ligados aos estudos de terrenos para fins de engenharia civil é o da respectiva classificação, nomeadamente no que se refere à definição dos parâmetros que melhor caracterizam uma formação do ponto de vista de Geologia de Engenharia. Embora a importância desses parâmetros varie de caso para caso, consoante o tipo de estrutura a projectar, há que basear a classificação, para ser universal, sempre nos mesmos parâmetros e procurar quantificar as designações respectivas a partir de observações e ensaios simples expeditos. Uma primeira classificação dos materiais geológicos do ponto de vista da Geologia de Engenharia, bem como da engenharia civil, é em solos e em rochas. Às formações constituídas por solos é atribuída a designação genérica de maciços terrosos, enquanto as que são essencialmente constituídas por material rocha se designam por maciços rochosos. No primeiro grupo cabem os terrenos que se desagregam facilmente quando agitados dentro de água. Dada a indefinição das condições de agitação da água, facilmente se depreende que poderá haver uma apreciável zona de "sombra" onde caiem os chamados "terrenos de transição". A forma de se vir a obviar essa indefinição é o da utilização de ensaios simples que permitam a quantificação dos parâmetros que caracterizam a agitação da água e a desagregação do terreno que dela resulta. Relativamente aos solos existem já critérios de classificação universalmente aceites que serão devidamente estudados na disciplina de Mecânica dos Solos. Quanto às rochas (sobretudo aos maciços rochosos, já que é o comportamento destes e não do material rocha que interessa na generalidade dos problemas do âmbito da Geologia de Engenharia) não há ainda nenhuma classificação universal, embora existam propostas de vários autores com muitos pontos semelhantes. Essa circunstância levou a que fossem criados respectivamente em 1972 e em 1975 dois grupos de trabalho, o primeiro no âmbito da Sociedade Internacional de Mecânica das Rochas (ISRM) e o segundo da Associação Internacional de Geologia de Engenharia (IAEG), com a preocupação de estabelecerem sistemas de classificação que pudessem vir a ser aceites internacionalmente. Esta diferença entre o grau de desenvolvimento e aceitação das classificações de solos e de rochas deve-se, por um lado, a que a classificação de solos é, em si, mais simples e, por outro lado, à diferença de idades entre a Mecânica dos Solos e a Mecânica das Rochas.
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Do ponto de vista da Geologia de Engenharia, a classificação dos terrenos deverá basear-se quer em critérios geológicos, quer em parâmetros que visem as aplicações práticas do domínio da engenharia civil. 5.2 CLASSIFICAÇÕES GEOLÓGICAS Quando se pretende fazer o estudo de uma dada formação interessada num problema de engenharia civil é corrente iniciá-lo por uma classificação geológica. Reconhece-se que esta classificação não é absoluta para fins de engenharia, mas atribui-se-lhe utilidade. Embora certos autores (cada vez mais raros) menosprezem o seu papel, chegando ao ponto de propor o seu abandono, o certo é que continua a utilizar-se sistematicamente em trabalhos de Geologia de Engenharia a classificação geológica dos terrenos, em virtude da sua informação implícita. Como exemplo do que se afirma poder-se-á referir o caso de maciços calcários, ou constituídos por outras rochas solúveis, em que a simples designação alerta para a possibilidade de ocorrência de situações, tais como fenómenos de dissolução ou outros problemas idênticos, que poderão ser de muita importância em determinadas obras de construção civil. Conforme é conhecido, aqueles fenómenos poderão estar na origem da formação de vazios nos maciços, por vezes de grandes dimensões (cavernas), que estão na origem de fenómenos de subsidência e de colapsos da superfície dos terrenos (Figura 5.1), ou ditar comportamentos hidráulicos típicos (Figura 5.2) associados à permeabilidade em grande que se processa através da rede de descontinuidades.
Figura 5.1 − Corte esquemático representativo dos fenómenos de subsidência e de colapso associados a maciços de calcário.
5.2
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 5.2 − Hidrogeologia dum maciço sedimentar: A - zona de recarga; B – zona de cavidades saturadas; C – zona de transferência.
É evidente que é insuficiente dizer-se que um dado maciço é granítico, xistoso ou basáltico quando se pretende informar um projectista de uma barragem ou de uma ponte das características do respectivo maciço de fundação. O estado de alteração do material, o seu estado de fracturação, a presença ou ausência de material de enchimento das diaclases e sua qualidade são factores que fazem variar extraordinariamente as características do maciço. Para obviar a esta dificuldade, os geólogos ao fazerem a classificação dos terrenos, além da designação litológica das formações, apresentam em regra a descrição da qualidade do material constituinte em termos do seu estado de alteração e de fracturação, ou de outras condições locais, como por exemplo as hidrogeológicas. Tais descrições, embora muito informativas, têm o inconveniente de serem até certo ponto subjectivas, por se basearem normalmente na opinião do autor da classificação. Outro autor utilizaria eventualmente outra designação para as mesmas características do mesmo material. O granito muito alterado de um pode ser o granito medianamente alterado de outro; o grés brando de um pode ser o grés duro de outro; a areia fina de um pode ser a areia média de outro. Daqui a necessidade de acompanhar, tanto quanto possível, a classificação de um dado material de grandezas quantitativas que mantenham o seu valor independentemente da pessoa que classifica ou, pelo menos, da definição da terminologia utilizada. 5.2.1 Classificação tendo em consideração o estado de alteração das rochas e a estrutura geológica de maciços rochosos As características de qualidade de maciços rochosos são fundamentalmente consequência do seu estado de alteração e de fracturação. A ocorrência de água percolando nos maciços actua também, com frequência, na respectiva estabilidade. Importa desde já referir os dois primeiros parâmetros considerados - estado de alteração e grau de fracturação - e fazer considerações sobre os critérios de classificação de maciços neles baseados.
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
O estado de alteração é vulgarmente indicado à custa da sua descrição baseada em métodos expeditos de observação. Em solos, por exemplo, é de grande utilidade a indicação da facilidade com que se desmonta o material com determinados tipos de ferramentas. Em rochas é costume referir-se a maior ou menor facilidade com que se parte o material, utilizando um martelo de mão, ou a sua coloração e brilho como consequência da alteração de certos minerais como feldspatos e minerais ferromagnesianos. O número de graus a considerar em relação ao estado de alteração de uma dada formação varia necessariamente com o tipo de problema e, consequentemente, com a necessidade de pormenorizar a informação respectiva. Na maioria dos casos parece adequado considerarem-se cinco graus de alteração dos maciços rochosos conforme se esquematiza na Tabela 5.1.
Tabela 5.1 − Graus de alteração de maciços rochosos.
Símbolos
Designações
Características
W1
são
sem quaisquer sinais de alteração
W2
pouco alterado
sinais de alteração apenas nas imediações das descontinuidades
W3
medianamente alterado
alteração visível em todo o maciço rochoso mas a rocha não é friável
W4
muito alterado
alteração visível em todo o maciço e a rocha é parcialmente friável
W5
decomposto (saibro)
o maciço apresenta-se completamente friável com comportamento de solo
Sempre que se realizam sondagens com recuperação contínua de amostra, um indicador muito utilizado para informar quanto ao estado de alteração das rochas atravessadas, mas também influenciado pelo estado de fracturação destas, é o da percentagem de recuperação resultante das operações de furação. A percentagem de recuperação obtém-se multiplicando por 100 o quociente entre a soma dos comprimentos de todos os tarolos obtidos numa manobra e o comprimento do trecho furado nessa manobra. Embora se desconheça qualquer tabela de classificação de rochas em face de percentagem de recuperação, e apesar de se ter em conta que este valor pode ser altamente influenciado pela qualidade do equipamento de furação, pela competência do operador e por particularidades litológicas ou estruturais das formações geológicas, é vulgar considerar que um maciço rochoso é pouco alterado (logo, em princípio, de boa qualidade) quando se obtêm percentagens superiores a 80%,
5.4
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
muito alterado (logo de má qualidade) para percentagens inferiores a 50% e medianamente alterado para valores intermédios. Quanto ao estado de fracturação de um maciço há vários critérios razoavelmente semelhantes entre si que caracterizam em regra, o espaçamento entre diaclases. No geral contêm igualmente 5 classes correspondendo cada uma às designações de muito próximas, próximas, medianamente afastadas, afastadas e muito afastadas. Apresenta-se na Tabela 5.2 a classificação elaborada pela respectiva comissão da ISRM.
Tabela 5.2 − Graus de fracturação de maciços rochosos.
Símbolos
Intervalo entre fracturas (cm)
Designação
F1
> 200
muito afastadas
F2
60 - 200
afastadas
F3
20 - 60
medianamente afastadas
F4
6 - 20
próximas
F5
<6
muito próximas
A avaliação do grau de fracturação de um maciço pode ser igualmente feita através da contagem do número de diaclases por metro. É evidente que embora exista uma relação entre este índice e os valores anteriores, a extrapolação dos resultados só será aceitável se o afastamento entre descontinuidades for idêntico. Relacionado com os estados de alteração e fracturação, Deere (1967) desenvolveu um sistema de classificação baseado num índice que designou por RQD (“Rock Quality Designation”), indicativo da qualidade de maciços rochosos, definido a partir dos testemunhos de sondagens realizadas com recuperação contínua de amostra. Este índice, que tem vindo a ser muito utilizado internacionalmente, é definido como a percentagem determinada pelo quociente entre o somatório dos troços de amostra com comprimento superior a 10 cm e o comprimento total furado em cada manobra. Em função dos valores do RQD, são apresentadas na Tabela 5.3 as designações propostas por Deere para classificar a qualidade dos maciços rochosos. Em princípio, a determinação do RQD deve ser feita apenas em sondagens com diâmetro superior a 55 mm, cuidadosamente realizadas em que sejam utilizados amostradores de parede dupla ou tripla.
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.3 − Classificação dos maciços com base no RQD. RQD
Qualidade do Maciço Rochoso
0 - 25%
muito fraco
25 - 50%
fraco
50 - 75%
razoável
75 - 90%
bom
90 - 100%
excelente
Exemplo 1 RQD (%) =
L L =
∑ li (> 10 cm) ×100 L
Comprimento total furado numa manobra L = ∑ li 200 cm (ex.)
RQD =
(38+17+20+35)/200×100 = 55%
Quando não haja amostragem obtida por sondagens mas sejam identificáveis os traços das descontinuidades em afloramentos rochosos ou em escavações, poder-se-á estimar o valor do RQD recorrendo à relação proposta por Palmström (1982):
RQD = 115 – 3,3 Jv
5.6
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
onde Jv representa o índice volumétrico (somatório do número de descontinuidades por unidade de comprimento, para o conjunto das famílias). De notar que o RQD é um parâmetro dependente da direcção de amostragem podendo o seu valor variar significativamente em função da orientação das sondagens. O uso do índice volumétrico, para estimar o valor do RQD, pode apresentar-se como benéfico por reduzir tal dependência.
Exemplo 2
Jv = 1/S1 + 1/S2 + 1/S3 + juntas dispersas n/5
Exemplo: S1 = 0,1 m S2 = 0,5 m S3 = 2,0 m
Jv = 10 + 2 + 0,5 = 12,5
O parâmetro RQD deve representar a qualidade do maciço rochoso “in situ ”. Quando se realizam sondagens em maciços com forte anisotropia, nos quais se incluem muitas das formações xistentas que ocorrem em Portugal, é frequente o desenvolvimento de novas fracturas no material das amostras, segundo os planos de fraqueza, resultantes da descompressão que se regista em consequência da sua retirada do maciço. Quando da observação de amostras obtidas por furação, deverá ter-se cuidado de distinguir as fracturas naturais das decorrentes do processo de furação ou daquelas que foram causadas quer pelo manuseamento do equipamento, devendo estas últimas ser ignoradas na determinação do RQD. Do mesmo modo, quando se recorra à observação de superfícies escavadas tendo em vista a utilização da relação devida a Palmström, as fracturas provocadas pelo uso de explosivos devem ser ignoradas. A classificação dos maciços rochosos baseada nos valores do RQD, embora útil, é bastante limitada. De facto, além das fracturas, outras descontinuidades que caracterizam a estrutura geológica das
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
formações, podem, de forma idêntica, imprimir um dado comportamento a um maciço. Estão neste caso, por exemplo, as superfícies de estratificação e de xistosidade. 5.2.2 Descrição Geotécnica Básica (“Basic Geotechnical Description” - BGD) Este sistema classificativo constitui um passo interessante no sentido estruturar a informação essencial tendo em vista as aplicações aos domínios da engenharia civil. Proposta pela ISRM, a “descrição básica” foi elaborada com as seguintes intenções: −
−
−
ser um código de linguagem que permita a descrição de maciços rochosos, com referência, em particular, ao seu comportamento mecânico, de forma não ambígua, isto é, que diferentes observadores de um dado maciço rochoso o classifiquem da mesma forma; conter informação tanto quanto possível quantitativa que possibilite a resolução de problemas práticos; ser baseada, de preferência, em medições muito simples em vez de o ser apenas na observação directa dos maciços rochosos ou de tarolos de sondagem neles realizados.
Para ter em atenção estes aspectos, este sistema classificativo considera deverem ser incluídos os seguintes parâmetros na “descrição básica”, alguns dos quais já anteriormente foram referidos: −
−
−
a caracterização geológica; duas características estruturais dos maciços rochosos: espessura de camadas e espaçamento entre fracturas; duas características mecânicas: compressão simples do material rocha e o ângulo de atrito das descontinuidades.
A aplicação da "descrição básica" deve fazer-se após realizado um zonamento prévio do maciço a classificar, isto é, depois de identificar as zonas em que, dentro de cada uma, haja certa uniformidade de propriedades. Este zonamento pode ser feito com base em variações de litologia, de estado de alteração, de grau de fracturação, etc.. No que respeita à caracterização geológica é recomendado fazer referência por um lado à classificação litológica e petrográfica, composição mineralógica, textura, cor, etc., por outro lado ao grau de alteração das rochas (W1 ... W 5 – ver Tabela 5.1), à natureza das descontinuidades e das estruturas geológicas (dobras, falhas, atitude das famílias de descontinuidades, etc.) dos maciços rochosos. Em relação às duas características estruturais, o espaçamento das descontinuidades que constituem fracturas e a espessura das camadas, a ISRM propôs que fossem adoptados idênticos valores para os limites das várias classes. As designações das classes dos espaçamentos das fracturas (F1 ... F5)
5.8
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
e as das espessuras das camadas (L1 ... L5) (cujos valores são coincidentes) são, respectivamente apresentadas nas Tabela 5.2 e Tabela 5.4.
Tabela 5.4 − Espessura das camadas.
Símbolos
Espessura da camada (cm)
Designação
L1
> 200
muito espessas
L2
60 - 200
espessas
L3
20 - 60
espessura mediana
L4
6 - 20
delgadas
L5
<6
muito delgadas
Nas Tabela 5.5 e Tabela 5.6 são apresentadas, respectivamente, as classificações relativas às duas características mecânicas: a resistência à compressão simples (S1 ... S5) e o ângulo de atrito das descontinuidades (A1 ... A5), este definido a partir da tangente à envolvente de rotura correspondente à tensão normal de 1 MPa.
Tabela 5.5 − Resistência à compressão simples.
Símbolos
Resistência à compressão simples (MPa)
Designação
S1
> 200
muito elevada
S2
60 - 200
elevada
S3
20 - 60
média
S4
6 - 20
baixa
S5
<6
muito baixa
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.9
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.6 − Ângulo de atrito das fracturas.
Símbolos
Ângulo de atrito
Designação
A1
> 45º
muito elevado
A2
35º - 45º
elevado
A3
25º - 35º
médio
A4
15º - 25º
baixo
A5
< 15º
muito baixo
Em rochas exibindo comportamento anisotrópico nítido, devem ser registados os valores das resistências médias obtidas nas diferentes direcções, e, ainda, a direcção para a qual ocorre o valor mais baixo das resistências. Na descrição geotécnica básica, cada zona em que o maciço é subdividido pode ser abreviadamente caracterizada por uma descrição geológica sintética, seguida dos símbolos classificativos correspondentes aos parâmetros avaliados, por exemplo, "Granito W2, L1, F3, S 2, A 3". Sempre que o maciço apresente características especiais ou as necessidades do projecto o requeiram, deverão ser incluídas na “descrição básica” as informações complementares julgadas úteis. 5.3 CLASSIFICAÇÕES PARA FINS DE ENGENHARIA Os critérios de classificação apresentados, que se designaram genericamente por classificações geológicas, utilizam essencialmente elementos de análises micropetrográficas, de análises químicas e os que resultam essencialmente da observação macroscópica de amostras ou afloramentos. As classificações de terrenos para fins de engenharia lançam mão de outros critérios, nos quais os ensaios físicos de caracterização ganham relevo. A classificação dos solos é tema que será devidamente aprofundado na disciplina de Mecânica dos Solos. Para as rochas não há ainda sistemas de classificação geomecânica aceites pela generalidade da comunidade técnica. Contudo, os critérios mais correntes de classificação do "material rocha" baseiam-se, na sua maioria, nos parâmetros módulo de elasticidade (E), resistência à compressão simples (σc) e velocidades de propagação das ondas ultrassónicas (Vp e V s), por serem, por um lado, valores que facilmente podem ser obtidos através de ensaios e, por outro, por caracterizarem de modo significativo o comportamento mecânico da rocha. Do mesmo modo que a fissuração em provetes de rocha afecta os valores das velocidade de propagação das ondas, também a fracturação ou as descontinuidades nos terrenos, principalmente se
5.10
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
estas estiverem abertas, irão afectar as velocidades de propagação que se obtêm em ensaios realizados “in situ ”. Assim, no que se refere a maciços rochosos, como critérios de classificação utilizam-se com frequência quer o valor da velocidade de propagação de ondas elásticas, quer o quociente das velocidades de propagação de ondas elásticas medidas respectivamente no campo (num maciço) e num provete (em laboratório). A avaliação da qualidade do maciço rochoso feita com base no primeiro destes critérios (velocidades) não distingue o efeito da fracturação do maciço da qualidade da rocha que o constitui, já que podem obter-se idênticas velocidades em dois maciços diferentes em que a pior qualidade da rocha de um deles é “compensada” pelas perturbações causadas pela presença de um maior número de descontinuidades no outro. Com o último daqueles critérios (quociente de velocidades) já é possível avaliar o efeito das descontinuidades no comportamento do maciço rochoso ao serem comparadas as velocidades de propagação das ondas no maciço – VP,m - com os valores da velocidade de propagação de idêntico tipo de ondas determinado laboratorialmente em provetes de rocha – VP,l – do mesmo maciço e submetidos, para simulação das condições de campo, a uma tensão de compressão correspondente ao peso dos terrenos de cobertura “in situ ”. Em princípio, se no maciço não existissem descontinuidades e se o meio fosse isotrópico, o valor do quociente seria igual à unidade. O desvio desse valor deve-se, em regra, à presença dessas descontinuidades e ao atraso que elas introduzem na propagação das ondas longitudinais. Na Tabela 5.7 apresenta-se uma classificação da qualidade dos maciços rochosos baseada nos valores do quociente VP,m /VP,l , ou da relação entre os módulos de elasticidade dinâmicos obtidos “in situ ” (E d,m) e em laboratório (Ed,l), e apresenta-se a correlação destes quocientes com os valores do
RQD e com a frequência das fracturas do maciço. Tabela 5.7
Qualidade do Maciço Rochoso
V P,m /V P,l
E d,m / E d,l
Frequência das fracturas
RQD
muito fraca
< 0,4
< 0,2
> 15
0 - 25%
fraca
0,4 – 0,6
0,2 – 0,4
15 – 8
25 - 50%
razoável
0,6 – 0,8
0,4 – 0,6
8–5
50 - 75%
boa
0,8 – 0,9
0,6 – 0,8
5–1
75 - 90%
excelente
0,9 – 1,0
0,8 – 1,0
<1
90 - 100%
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.11
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Uma informação quanto à qualidade do maciço rochoso, baseada nos resultados da prospecção sísmica, pode também ser dada pelo amortecimento do sinal quando da realização da prospecção sísmica “in situ ”. Se há um amortecimento rápido da onda o maciço rochoso é, em geral, de boa qualidade, mas no caso de a amplitude se mantiver por algum tempo a rocha é em regra de má qualidade. Note-se, no entanto, que os critérios acima referidos, baseados na velocidade de propagação das ondas, perdem o sentido quando se está em presença de maciços fortemente anisotrópicos já que os valores medidos variam apreciavelmente de acordo com a direcção da solicitação do ensaio. Os deslocamentos de maciços rochosos submetidos a ciclos de carga e descarga são análogos aos respeitantes à compressão simples em rochas (ver Propriedades índice e classificação das rochas ), apesar de os estados de tensão serem em regra triaxiais e não uniformes. Determinado tipo de materiais, tal como grande parte das rochas xistosas, exibem um comportamento francamente anisotrópico que é necessário ter em consideração quando se pretendem analisar as suas características. Vários autores têm procurado estabelecer sistemas de classificação de maciços rochosos com vista a uma caracterização da estabilidade desses maciços quando interessados por obras de engenharia, nomeadamente obras subterrâneas. Reconhece-se, assim, de interesse apresentar alguns desses sistemas de classificação e simultaneamente ilustrar algumas das aplicações práticas. Como se irá verificar, estes sistemas de classificação baseiam-se, por vezes, em parâmetros e classificações referidos nos itens precedentes. 5.4 CLASSIFICAÇÕES GEOMECÂNICAS As classificações geomecânicas são utilizadas para caracterizar os maciços rochosos através de um conjunto de propriedades identificadas por observação directa e ensaios realizados in situ ou em amostras recolhidas em sondagens. O interesse destas classificações consiste também em sistematizar o conjunto de elementos geotécnicos que interessa caracterizar num determinado maciço rochoso. Entre as várias classificações geomecânicas referem-se as de Bieniawski (Sistema RMR) e Barton (Sistema Q). 5.4.1 Classificação de Bieniawski (Sistema RMR) Bieniawski publicou esta classificação em 1976, tendo por base uma vasta experiência colhida em obras subterrâneas. A classificação de Bieniawski ou Sistema RMR (“Rock Mass Rating”) é, actualmente, muito divulgada e tem sido sucessivamente refinada à medida que são incluídos os
5.12
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
resultados de análises de um maior número de casos práticos. Neste texto será apresentada a versão de 1989. A classificação geomecânica é baseada no princípio da atribuição de pesos aos seis parâmetros que Bieniawski considerou contribuírem mais significativamente para o comportamento dos maciços rochosos, tendo em atenção especial o caso das obras subterrâneas. O somatório dos pesos atribuídos a cada um destes parâmetros constitui um índice, usualmente designado por RMR, ao qual corresponde uma das cinco classes de qualidade de maciços, consideradas pelo autor. Os parâmetros utilizados são os seguintes: 1. Resistência à compressão uniaxial da rocha intacta; 2. RQD (“Rock Quality Designation”); 3. Espaçamento das descontinuidades; 4. Condição das descontinuidades; 5. Influência da água; 6. Orientação das descontinuidades. A aplicação da classificação a um maciço rochoso implica a divisão deste em várias regiões estruturais (zonas) a serem classificadas separadamente. As fronteiras destas regiões coincidem usualmente com as estruturas geológicas principais, tais como falhas ou mudanças do tipo de rocha. Nalguns casos, dentro do mesmo tipo de rocha, as mudanças significativas no espaçamento das descontinuidades, ou das características destas, podem obrigar à subdivisão do maciço rochoso num maior número de regiões estruturais de menor dimensão. A Tabela 5.8 permite determinar os pesos relativos a cinco das características (1. a 5.). O peso relativo à condição descontinuidades (4.) pode ser determinado através da Tabela 5.9 se houver uma descrição mais detalhada das juntas. Neste caso, o valor do peso é determinado através da soma dos cinco parâmetros característicos destas referidos nessa tabela. No caso de não haver valores disponíveis para utilizar esta tabela deverá ser escolhida a descrição da Tabela 5.9 mais próxima da realidade. A orientação das descontinuidades em relação à orientação da escavação traduz-se num peso (6.) que constitui um factor corrector do somatório e é determinado através da Tabela 5.10. A direcção das descontinuidades aqui referida corresponde à do “strike” (recta horizontal) do plano destas. Tratando-se por exemplo da escavação de um túnel, a abertura no sentido da inclinação da descontinuidade corresponderá à indicada na Figura 5.3.a e a abertura contra a inclinação à Figura 5.3.b.
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.13
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
a)
b)
Figura 5.3 − Orientação de um túnel em relação aos planos de descontinuidades.
A Tabela 5.11 classifica o maciço rochoso em cinco classes de acordo com o valor do índice RMR, dando ainda indicações do tempo médio de auto-sustentação para vãos não revestidos em túneis (períodos de tempo durante os quais deverá ser colocado o suporte sob pena de ocorrer o colapso previsível da abertura). São também dadas estimativas relativas às características resistentes do maciço rochoso, nomeadamente, a coesão e o ângulo de atrito. Finalmente refira-se que o índice RMR tem sido correlacionado com o valor do módulo de deformabilidade do maciço rochoso. De entre as várias relações sugeridas merece especial destaque a expressão proposta em 1983, baseada na análise de um número razoável de casos observados (Figura 5.4). Bieniawski (1978) E m
=
2 RMR − 100
( RMR > 50)
RMR −10
Serafim e Pereira (1983) E m
=
10
40
(Nota: Valores de E m em GPa)
5.14
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.8 − Classificação geomecânica de Bieniawski (1989) - "Rock Mass Rating - RMR".
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.15
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.9 − Classificação da condição das descontinuidades - RMR (1989). Comprimento da descontinuidade (persistência)
<1m
1-3m
3 - 10 m
10 - 20 m
> 20 m
Peso
6
4
2
1
0
Separação (abertura)
Nenhuma
< 0,1 mm
0,1 - 1,0 mm
1 - 5 mm
> 5 mm
Peso
6
5
4
1
0
Rugosidade
Muito rugoso
Rugoso
Ligeiramente rugoso
Quase liso
Liso
Peso
6
5
3
1
0
Enchimento
Nenhum
Duro com espessura < 5 mm
Duro com espessura > 5 mm
Mole com espessura < 5 mm
Mole com espessura > 5 mm
Peso
6
4
2
2
0
Grau de alteração
Não alteradas
Ligeiramente alteradas
Peso
6
5
Moderadamente Muito alteradas alteradas 3
1
Em decomposição 0
Tabela 5.10 − Efeito da orientação das descontinuidades - RMR (1989). Direcção perpendicular ao eixo do túnel Abertura do túnel no sentido da inclinação
Inclinação 45-90º
Inclinação 20-45º
Inclinação 0-20º
Inclinação 45-90º
Inclinação 20-45º
Inclinação 45-90º
Inclinação 20-45º
Muito favorável
Favorável
Razoável
Desfavorável
Muito desfavorável
Razoável
Razoável
Orientação das descontinuidades Túneis e minas
Muito favorável
Favorável
Razoável
Desfavorável
Muito desfavorável
0
-2
-5
-10
-12
Fundações
0
-2
-7
-15
-25
Taludes
0
-5
-25
-50
-60
Pesos
5.16
Abertura do túnel no sentido inverso da inclinação
Direcção paralela ao eixo do túnel
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.11 − Classes de maciços - RMR (1989). Peso global
100-81
80-61
60-41
40-21
< 21
Classe
I
II
III
IV
V
Descrição
Maciço rochoso Maciço rochoso Maciço rochoso Maciço rochoso muito bom bom razoável fraco
Maciço rochoso muito fraco
Tempo médio para aguentar sem suporte
20 anos para 15 m de vão
1 ano para 10 m de vão
1 semana para 5 m de vão
10 horas para 2,5 m de vão
30 minutos para 1 m de vão
Coesão da massa rochosa (kPa)
> 400
300-400
200-300
100-200
<100
Ângulo de atrito da massa rochosa (º)
> 45
35-45
25-35
15-25
<15
Figura 5.4 − Estimativa do módulo de deformabilidade.
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.17
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
5.4.2 Classificação de Barton (Sistema Q) Com fundamento na observação dum grande número de escavações subterrâneas, Barton, Lien e Lund, do Norwegian Geotechnical Institute, propuseram, em 1974, uma classificação que assenta na definição de um índice de qualidade Q baseado na análise de 6 factores considerados relevantes para a caracterização do comportamento dos maciços rochosos. O valor numérico do índice Q apresenta um largo campo de variação, entre 10-3 e 103, e é determinado pela expressão seguinte: Q
=
RQD J r J w J n J a SRF
Os parâmetros da expressão de Barton têm o significado indicado nas Tabela 5.12 a Tabela 5.17. É de salientar que os três quocientes que compõem a expressão correspondem a três aspectos relativos ao maciço rochoso: 1. RQD / Jn caracteriza a estrutura do maciço rochoso e constitui uma medida do bloco unitário deste; o seu valor, variável entre 200 e 0,5, dá uma ideia genérica da dimensão dos blocos; 2. Jr / Ja caracteriza as descontinuidades e/ou o seu enchimento sob o aspecto da rugosidade e do grau de alteração; este quociente é crescente com o incremento da rugosidade e diminui com o grau de alteração das paredes em contacto directo, situações a que correspondem aumentos da resistência ao corte; o quociente diminui, tal como a resistência ao corte, quando as descontinuidades têm preenchimentos argilosos ou quando se encontram abertas; 3. Jw / SRF representa o estado de tensão no maciço rochoso; o factor SRF caracteriza o estado de tensão no maciço rochoso, em profundidade, ou as tensões de expansibilidade em formações incompetentes de comportamento plástico, sendo a sua avaliação feita quer a partir de evidências de libertação de tensões (explosões de rocha, etc.), quer a partir da ocorrência de zonas de escorregamento ou de alteração localizada; o factor Jw representa a medida da pressão da água, que tem um efeito adverso na resistência ao escorregamento das descontinuidades. Refira-se que o sistema Q considera os parâmetros Jn, Jr e Ja como tendo uma importância relativa superior ao papel desempenhado pela orientação das descontinuidades. Contudo, o parâmetro orientação não é totalmente ignorado, pois está implícita a sua contribuição nos factores Jr e J a, dado que na ponderação destes deverão ser consideradas as descontinuidades mais desvaforáveis.
5.18
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Baseado no sistema de classificação Q são propostas recomendações quanto ao tipo de suporte necessário à estabilidade de maciços rochosos interessados na construção de túneis. Na Figura 5.5 apresenta-se um gráfico proposto por Grimstad e Barton (1993) que permite estimar o tipo de suporte em função do valor designado por Dimensão Equivalente, De, da escavação. Esta grandeza é obtida dividindo o vão, diâmetro ou altura da escavação por um índice, ESR (Excavation Support Ratio), que constitui um factor de segurança definido em função do tipo de obra (Tabela 5.18). O módulo de deformabilidade (em GPa) do maciço rochoso pode também ser estimado através da expressão de Barton (1992): E m
=
25 log Q
Conforme se pode observar na Figura 5.4, esta expressão quando comparada com a proposta por Serafim e Pereira, correlacionando o módulo de deformabilidade com o valor do RMR, evidencia uma menor aproximação aos valores determinados a partir dos deslocamentos medidos em casos concretos de obras. Existem expressões que correlacionam os índices RMR e Q. No gráfico da Figura 5.6 está representado um vasto conjunto de situações objecto de estudo, sendo a expressão RMR = 9 ln Q + 44 a que melhor correlaciona aqueles índices.
Tabela 5.12 − RQD - Designação da qualidade da rocha (Q.1).
Descrição do Parâmetro
Valor
"Rock Quality Designation"
R.Q.D.
A.
Muito mau
0-25
B.
Mau
25-50
C.
Médio
50-75
D.
Bom
75-90
E.
Muito bom
90-100
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
Notas
1. Quando o RQD for < 10 (incluindo 0) considera-se um valor nominal de 10 no cálculo de Q 2. Intervalos de 5 no RQD têm precisão suficiente (100, 95, 90, …)
5.19
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.13 − J n - Índice das famílias de juntas (Q.2).
Descrição do Parâmetro
Valor
"Joint set number"
Jn
Notas
A.
Nenhuma ou poucas descontinuidades presentes
0,5 - 1,0
B.
Uma família de descontinuidades
2
C.
Uma família mais descontinuidades esparsas
3
D.
Duas famílias de descontinuidades
4
E.
Duas famílias mais descontinuidades esparsas
6
F.
Três famílias de descontinuidades
9
G. H. I.
Três famílias mais descontinuidades esparsas Quatro ou mais famílias, descontinuidades esparsas, maciços muito fracturados
1.
Nas intersecções util izar 3 x J n
2.
Nas embocaduras utilizar 2 x J n
12 15
Rocha esmagada, tipo terroso
20
Tabela 5.14 − J r - Índice de rugosidade das juntas (Q.3).
Descrição do Parâmetro
Valor
"Joint roughness number"
J r
Notas
1. As descrições das alíneas a) e b) referem-se a escalas de amostragem de pequena e média dimensão, respectivamente
a) Contacto entre as paredes de rocha das descontinuidades b) Contacto entre as paredes de rocha antes de 10 cm de escorregamento A.
Juntas descontínuas
4
B.
Descontinuidades rugosas, irregulares, onduladas
3
C.
Descontinuidades suaves e onduladas
2
D.
Descontinuidades polidas e onduladas
1,5
E.
Descontinuidades rugosas ou irregulares, planas
1,5
F.
Descontinuidades lisas, planas
1,0
G.
Descontinuidades polidas, planas
0,5
2. Adicionar 1,0 se o espaçamento médio da família de descontinuidades mais relevante for maior que 3 m 3. J r igual a 0,5 pode ser usado para descontinuidades polidas e planas contendo lineações, se essas lineações estiverem orientadas na direcção de menor resistência
c) Não há contacto entre as paredes de rocha no escorregamento H. I.
5.20
Zona contendo minerais argilosos e suficientemente espessa de modo a impedir o contacto entre as paredes Zonas esmagadas contendo areias de modo a impedir o contacto entre as paredes
1,0 1,0
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.15 − J a - Grau de alteração das descontinuidades (Q.4).
Descrição do Parâmetro "Joint alteration number"
Valor J a
φ r (º) aprox.
a) Contacto entre as paredes de rocha das descontinuidades A.
Paredes duras, compactas, preenchimentos impermeáveis (quartzo ou epibolito)
0,75
-
B.
Paredes não alteradas, somente com leve descoloração
1,0
25-35
C.
Paredes ligeiramente alteradas, com partículas arenosas e rochas desintegradas não brandas
2,0
25-30
D.
Paredes com partículas siltosas ou areno-argilosas
3,0
20-25
E.
Paredes com partículas de materiais moles ou de baixo ângulo de atrito, tais como caulinite, mica, gesso, talco, clorite, grafite, etc., e pequenas quantidades de argilas expansivas
4,0
8-16
b) Contacto entre as paredes de rocha das descontinuidades antes de 10 cm de escorregamento F.
Paredes com partículas de areia e rochas desintegradas, etc
4,0
25-30
G.
Descontinuidades com preenchimento argiloso sobreconsolidado (contínuo, mas com espessura < 5 mm)
6,0
16-24
H.
Descontinuidades com preenchimento argiloso subconsolidado (contínuo, mas com espessura < 5 mm)
8,0
12-16
I.
Descontinuidades com enchimento argiloso expansivo, como por exemplo montmorilonite (contínuo, mas com espessura < 5 mm); o valor de Ja depende da percentagem de partículas de argila expansiva e do acesso da água, etc
8-12
6-12
c) Não há contacto entre as paredes de rocha das descontinuidades J.
Zonas ou bandas com rochas desintegradas ou esmagadas com argila (ver G, H e I para condições do material 6,8 ou argiloso) 8-12
6-24
K.
Zonas ou bandas siltosas ou areno-argilosas, com pequena fracção de argila
5,0
-
L.
Zonas contínuas de argila (ver G, H e I para condições do material argiloso)
10,13, 13-20
6-24
Nota: Os valores do ângulo de atrito residual (φ r ) devem considerar-se como um guia aproximado das propriedades mineralógicas dos produtos de alteração
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.21
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.16 − J w - Índice das condições hidrogeológicas (Q.5).
Descrição do Parâmetro
5.22
Valor
Notas
"Joint water reduction"
Jw
Pressão da água aprox. (MPa)
A.
Escavações secas ou caudal afluído pequeno, isto é < 5 l/min localmente
1,0
< 0,1
B.
Caudal médio ou pressão que ocasionalmente arraste o preenchimento das descontinuidades
0,66
0,1-0,25
C.
Caudal ou pressão elevada em rochas competentes sem preenchimento
0,5
0,25-1
D.
Caudal ou pressão elevada, com considerável arrastamento do preenchimento das descontinuidades
0,3
0,25-1
E.
Caudal excepcionalmente elevado ou pressão explosiva, decaindo com o tempo
0,2-0,1
>1
F.
Caudal excepcionalmente elevado ou pressão contínua, sem decaimento
0,1-0,05
>1
1. Os factores nos casos C a F são estimados para condições naturais; o parâmetro Jw deverá ser aumentados caso sejam efectuadas drenagens 2. Os problemas especiais relacionados com a formação de gelo não são considerados
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.17 − SRF - Factor de redução de tensões (Q.6). Descrição do Parâmetro
Valor
"Stress Reduction Factor"
SRF
Notas 1.
a) Zonas de fraqueza intersectando as escavações, o que pode causar a descompressão do maciço rochoso durante a abertura destas Zonas de fraqueza frequentes, contendo argila ou r ocha decomposta quimicamente; maciço A. 10,0 rochoso envolvente muito descomprimido (todas as profundidades) Zonas de fraqueza individuais, contendo argila ou rocha decomposta quimicamente B. 5,0 (profundidades da escavação <= 50 m) Zonas de fraqueza individuais, contendo argila ou rocha decomposta quimicamente C. 2,5 (profundidades da escavação > 50 m) Numerosas zonas de corte em rocha competente, sem argila; rocha envolvente descomprimida D. 7,5 (todas as profundidades) Zonas individuais de corte em rocha competente, sem argila (profundidades da escavação <= 50 E. 5,0 m) F.
Zonas indiv iduais de corte em rocha rígida, sem argil a (profundidades da escavação > 50 m)
2,5
G.
Juntas abertas, rocha muito f racturada e des comprimi da (todas as pr ofundidades)
5,0
b) Rocha competente, problemas de tensões na rocha
Reduzir o índice SRF de 25 a 50% se as zonas de corte influenciarem a escavação sem a atravessarem 2.
σ
c / σ 1
No caso de maciços rochosos contendo argila, é conveniente obter o índice SRF para as cargas de descompressão. A resistência da matriz rochosa é então pouco significativa. Em maciços muito pouco fracturados e sem argila, σ
t / σ 1
H.
Tensões baixas, próximo da superfície
2,5
> 200
> 13
I.
Tensões médias
1,0
200-10
13-0,66
J.
Tensões altas, estrutura rochosa muito fechada (usualmente favorável para a estabilidade; pode ser desfavorável para a estabilidade das paredes)
0,5-2,0
10-5
0,66-0,33
K.
Explosões moderadas de rochas (rocha maciça)
5-10
5-2,5
0,33-0,16
L.
Explosões intensas de rochas (rocha maciça)
10-20
< 2,5
< 0,16
c) Rocha esmagada: plastificação de rochas incompetentes sob a influência de altas pressões de rocha M.
Pressão moderada da rocha esmagada
5-10
N.
Pressão elevada da rocha esmagada
10-20
d) Rochas expansivas: actividade química expansiva devida à presença da água O.
Pressão de expansão moderada
5-10
P.
Pressão de expansão elevada
10-15
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.23
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Tabela 5.18 − Índice de segurança ESR para diferentes obras subterrâneas (Q).
Classe
Tipo de escavação
ESR
A.
Cavidades mineiras temporárias
3-5
Poços verticais de secção circular
2,5
Poços verticais de secção quadrada ou rectangular
2,0
C.
Cavidades mineiras definitivas, túneis de aproveitamentos hidráulicos (excepto túneis sob pressão), túneis piloto, túneis de desvio, escavações superiores de grandes cavidades
1,6
D.
Cavernas de armazenagem, estações de tratamento de águas, pequenos túneis rodo-ferroviários, chaminés de equilíbrio, túneis de acesso
1,3
B.
E. F.
Centrais subterrâneas, túneis rodo-ferroviários de grande dimensão, abrigos de defesa, bocas de entrada, intersecções Centrais nucleares subterrâneas, estações de caminhos de ferro, fábricas
1,0 0,8
Figura 5.5 − Classes de suporte definidas para o sistema Q (Grimstad e Barton, 1993).
5.24
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 5.6 − Correlações entre os índices RMR e Q.
Bibliografia
Ingeniería geológica / Luis I. González de Vallejo... [et al.]. - Madrid [etc.] : Prentice Hall, 2002.
Practical Rock Engineering / Evert Hoek, 2000 Edition, http://www.rocscience.com
CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS
5.25
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
6. PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.1 INTRODUÇÃO Define-se prospecção geotécnica do local de uma futura obra o conjunto de operações visando a determinação da natureza e características do terreno, sua disposição e acidentes com interesse para essa obra. Com excepção para os casos em que se considera suficiente o reconhecimento superficial e existem afloramentos que o permitem, é necessário proceder a um reconhecimento em profundidade o qual se faz lançando mão das técnicas mais indicadas ou disponíveis de prospecção mecânica e (ou) de prospecção geofísica. Estas técnicas aplicar-se-ão de acordo com um plano de prospecção que deverá incluir, além da definição e localização dos trabalhos de prospecção, indicações quanto à colheita de amostras e à realização de ensaios ‘in situ’, tendo em vista que se pretende adquirir um conhecimento suficiente do maciço até a profundidades consideradas interessadas pelas respectivas obras. Um plano de prospecção não pode ser rígido, mas sim deverá poder adaptar-se às novas situações postas em evidência pelos trabalhos que se vão realizando. Convém pois iniciar a prospecção por uma malha larga que se vai apertando à medida das conveniências, de acordo com os resultados que se forem obtendo. Também as indicações sobre a profundidade a atingir com os trabalhos de prospecção devem ser entendidas como orientadoras devendo ser ajustadas de acordo com a evolução dos trabalhos e com o fim em vista. A conjugação dos elementos existentes sobre o local ou proximidades, com os elementos do estudo geológico de superfície (fotografias aéreas e observações de campo) e com os obtidos a partir dos trabalhos de prospecção e ensaios, deve permitir elaborar um relatório que informe sobre as características geológicas e características geotécnicas dos terrenos, em termos que respondam às questões do projecto. Na sua realização devem ter-se em conta as eventuais normas ou especificações existentes no que diz respeito à realização dos trabalhos, à nomenclatura e simbologia utilizadas. O responsável pelo programa de prospecção, a par dos indispensáveis conhecimentos geológicos deverá, por um lado, dominar as técnicas de prospecção geotécnica actualmente disponíveis e, por
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
outro, possuir o conhecimento do funcionamento das obras que irão ser implantadas no local. Nas notas que se seguem fazem-se algumas considerações relativas às técnicas de prospecção mecânica mais utilizadas para fins de engenharia civil e dão-se algumas indicações quanto à colheita de amostras para ensaios geotécnicos. 6.2 TÉCNICAS DE PROSPECÇÃO PROSPECÇÃO MECÂNICA Chama-se prospecção mecânica pelo facto de na sua execução serem utilizados meios mecânicos. Pode incluir a realização de sondagens, poços, galerias, valas e trincheiras. Cada uma destas operações de prospecção tem as suas características próprias que definem a sua melhor aplicabilidade em dado problema. A razão da realização de trabalhos de prospecção mecânica é, em linhas gerais, a necessidade de penetrar nos maciços para esclarecer determinadas características, função, como é óbvio, do tipo de problema em causa. São várias as razões que conduzem à realização desses trabalhos. Citar-se-ão algumas a título exemplificativo. A determinação da possança e atitude dos estratos de uma formação sedimentar, da profundidade de alteração de um maciço eruptivo, da possança de depósitos de cobertura (aluviões, aterros, depósito de vertente, etc.) sobre determinado firme (“bed-rock”), das características da fracturação de um maciço e do seu regime hidrogeológico, a localização de contactos, falhas, filões ou outros elementos estruturais, a colheita de amostras para a realização de ensaios de laboratório, a observação de superfícies de deslizamento, a detecção de zonas de subsidência, a determinação “in situ” de certas características dos maciços tais como permeabilidade, injectabilidade, resistência e deformabilidade, a execução do tratamento de terrenos, a observação do interior de maciços com endoscópios, máquinas fotográficas e câmaras de televisão e a determinação do seu estado de tensão, são alguns dos problemas que justificam a realização de trabalhos de prospecção mecânica. 6.2.1 Sondagens Sob esta designação incluem-se os furos abertos com trado, as sondagens de penetração e as sondagens de furação. Os trados podem ser accionados manual ou mecanicamente e permitem a colheita de amostras remexidas. Utilizam-se com frequência, por exemplo, em estudos geotécnicos para estradas e de manchas de empréstimo para obras de terra. Os trados manuais (Figura 6.1) são geralmente usados até profundidades de cerca de 6 metros e em solos pouco consistentes. Os furos assim abertos podem requerer ou não tubagem de revestimento. O uso de trados accionados mecanicamente (Figura 6.2) é sobretudo vantajoso em terreno com seixo ou quando haja necessidade de realizar grande número de furos. Os furos realizados com trados
6.2
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
mecânicos podem atingir profundidades que ultrapassam os 30 metros.
Figura 6.1 - Trados manuais
Figura 6.2 - Trado mecânico montado sobre um camião
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
As sondagens de penetração utilizam-se para avaliação em profundidade das características de resistência de maciços terrosos e não permitem extracção de amostras. Atendendo à sua finalidade, far-se-á referência pormenorizada no capítulo referente aos ensaios “in situ” da disciplina de Mecânica dos Solos. As sondagens de furação permitem a extracção de material do terreno e podem ser de percussão ou rotação consoante o processo pelo qual se consegue o avanço. Na sondagem de percussão a ferramenta de furação avança por percussão (sondagem destrutiva) e na sondagem de rotação a ferramenta de furação avança por rotação (pode ser destrutiva ou com recuperação contínua de amostra). A ferramenta de percussão é, em geral, um trépano (Figura 6.3) suspenso de um cabo que vai desagregando o terreno conseguindo assim avançar. A limpeza do furo faz-se com uma limpadeira. Em regra, para facilitar o trabalho vai-se introduzindo água no furo e, para manter as suas paredes, utiliza-se tubagem de revestimento, ou eventualmente lamas bentoníticas, quando o terreno é brando. A sonda de percussão pode ser accionada manual ou mecanicamente. A sonda manual é geralmente usada para abrir furos verticais com diâmetros máximos de cerca de 20 cm e profundidades até cerca de 20 metros. Para furos mais profundos, os quais podem atingir valores da ordem de grandeza da centena de metros (embora para estas profundidades os rendimentos de furação já são relativamente baixos), deverão utilizar-se sondas mecânicas.
Figura 6.3 - Trépanos: a) - recto; b) - bisel; c) - cruz.
As sondagens de percussão são habitualmente utilizadas em solos ou rochas brandas, raramente ultrapassando comprimentos da ordem das poucas dezenas de metros. Nos furos abertos nestas formações podem colher-se amostras com um amostrador adequado, mas deve ter-se presente que o terreno sofre uma certa perturbação, obtendo-se amostras piores do que as conseguidas por meio de poços, valas ou galerias. As sondagens de percussão são também utilizadas na furação de rochas duras, sendo nestes casos
6.4
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
o seu avanço relativamente lento. É frequente a utilização de furação destrutiva na pesquisa e captação de água subterrâneas e na execução de furos para tratamentos por injecções de cimento de fundações em maciços rochosos, apesar de neste caso ser também frequente a utilização de sondagens de rotação tipo “rotary” ou “circulação inversa” de avanço muito mais rápido (Figura 6.4).
Figura 6.4 - Ferramenta para furação em maciços rochosos; percutiva: (a), (b) e (c); rotativa (d) e (e) .
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
A evolução tecnológica permite que actualmente existam equipamentos para a realização deste tipo de sondagens destrutivas em que é possível, através de instrumentação de captura, registo e tratamento informático, obter diagrafias instantâneas de parâmetros de furação que podem ser correlacionados com as características geotécnicas das formações. Os principais parâmetros de furação que objecto de registo e tratamento são: VA - velocidade instantânea de avanço; VR - velocidade de rotação da broca; PO - pressão sobre a coluna de varas; PI - pressão do fluido de circulação; BR - binário de rotação; VO - percussão reflectida; GP - ganho ou perda do fluido de circulação; e a partir destes podem ser definidos índices que informam sobre as variações das características geotécnicas do maciço, como por exemplo (PI)2 relativo à permeabilidade, (PO)/(VA) relativo á resistência do material à perfuração, (BR)x(VR)/(VA) ou (BR)x(VR)xt relativos à dureza ou consistência do terreno (t = tempo para furar 5 mm). Nas sondagens de rotação com recuperação contínua de amostra a ferramenta de furação é uma coroa (Figura 6.5), vulgarmente de metais duros (por exemplo tungsténio) ou com diamantes (nestas, conforme os tipos e finalidade, variam a densidade de diamantes impregnados e a sua granulometria de acordo com o tipo de terreno a furar). Para rochas menos duras, como calcários, ou para solos duros, consegue-se um bom avanço com uma coroa de prismas de tungsténio enquanto para rochas duras, como quartzitos e até granitos sãos, mesmo com coroas diamantadas, o desgaste é muito grande e o avanço lento.
6.6
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.5 - Coroas para sondagens de rotação.
A ferramenta de furação vai no extremo das varas que são hastes metálicas que se ligam umas às outras e que permitem no seu interior a circulação de fluídos cuja finalidade é simultaneamente arrefecer as peças de furação e trazer à superfície os respectivos detritos. Em trabalhos de geotecnia o fluído de circulação é, geralmente, água.
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.6 - Vara e amostrador de parede dupla para furação em maciços rochosos
As sondagens de rotação permitem amostragem contínua com elevada percentagem de recuperação em terreno rochoso de boa qualidade a razoável. Para se obterem boas amostras deve utilizar-se amostrador de parede dupla, no qual o tubo que retém a amostra está desligado do movimento de rotação da coroa, o que minimiza os efeitos por desgaste devido à rotação e a fracturação das amostras (Figura 6.7). Para formações de fraca qualidade podem ainda ser utilizados amostradores triplos, assim designados por terem uma terceira parede que é uma camisa interior que acondiciona a amostra.
6.8
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.7 - Esquema dos amostradores com indicação da circulação de água: (a) - simples; (b) – duplo.
Os comprimentos mais comuns dos amostradores são 2 m e 3 m utilizando-se comprimentos maiores, por exemplo, em sondagens de prospecção de petróleo. Os diâmetros das coroas são normalizados, de acordo com o indicado nos quadros seguintes.
AMOSTRADORES DA SÉRIE EUROPEIA Referência
AMOSTRADORES DA SÉRIE AMERICANA
Diâmetros
Diâmetro nominal
Furo
Amostra
mm
mm
mm
45
46
24
55
56
34
65
66
75
Diâmetros Referência
Furo
Amostra
mm
in
mm
in
EX
38
1 1/2
22
7/8
38
AX
49
1 15/16
29
1 1/8
76
48
BX
60
2 3/8
41
1 5/8
85
86
58
NX
76
3
54
2 1/8
100
101
72
2 3/4 x 3 7/8
98
3 7/8
68
2 11/16
115
116
86
4 x 5 1/2
140
5 1/2
100
3 15/16
130
131
101
6 x 7 3/4
197
7 3/4
151
5 15/16
145
146
116
O diâmetro escolhido para a furação deve ter em consideração o estado de alteração e fracturação ou
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.9
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
o tipo de terreno. Para terrenos rochosos muito alterados ou muito fracturados e para solos duros torna-se necessário utilizar diâmetros superiores a 76 mm (NX) para se conseguir obter amostra de qualidade. A percentagem de recuperação de amostra é função do diâmetro do furo e da perícia do respectivo operador (que, entre outras coisas, se faz sentir na velocidade de rotação, pressão da coroa, quantidade de água usada na furação, etc.). Em granitos de aspecto são, embora fracturados, por exemplo, conseguem-se recuperações totais mesmo para diâmetros de furação de 38 mm (EX). Em furos muito compridos, a furação com bom rendimento exige que se vá procedendo, á medida que o furo avança, à redução progressiva dos diâmetros respectivos. Para se obter amostragem contínua em terrenos menos bons, como por exemplo rochas alteradas, e amostragem total de terrenos rijos e sãos com fracturas preenchidas por materiais brandos ou com zonas de esmagamento, torna-se necessário recorrer a uma técnica de amostragem integral. Só assim se poderá esperar que os materiais dessas zonas mais brandas serão amostrados de forma a evidenciar-se a sua posição relativa ao longo do furo e a sua natureza e atitude. Nos processos correntes de furação por rotação não é possível, em geral, obter amostra dessas zonas, que são muitas vezes as mais importantes dos maciços, por condicionarem o seu comportamento mecânico. A técnica de amostragem integral desenvolvida no LNEC, associada a sondagens de rotação, consiste em esquema no seguinte (Figura 6.8): na primeira fase procede-se à furação de um trecho de 2 a 3 m (b) com coroa de pequeno diâmetro (38 mm ou inferior); na segunda fase, coloca-se um varão metálico de diâmetro inferior no interior do furo realizado (c) e procede-se à introdução de uma calda de presa rápida (d) ou resina de forma a soldar o varão ao maciço rochoso e a permitir a penetração da calda em fracturas ou zonas esmagadas do trecho em questão; na terceira fase, após presa da calda, procede-se à reperfuração com coroa de maior diâmetro de forma a que a vara introduzida fique centrada neste furo (e). A amostra que se obtém (f) é, em princípio, uma amostra integral, isto é, representativa de todos os tipos de terreno perfurados ainda que estes sejam de má qualidade (caso de zonas de alteração, enchimentos de falhas, filões fragmentados, etc.), e orientada (permitindo determinar a atitude das descontinuidades que nela ocorrem).
6.10
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.8 - Técnica da amostragem integral (LNEC).
A utilização da amostragem integral reveste-se de limitações para certos tipos de terrenos e especialmente quando os furos são inclinados. Uma das dificuldades que ocorrem com frequência regista-se em terrenos de forte anisotropia, principalmente quando a furação é inclinada em relação à superfície de descontinuidade que lhe confere essa anisotropia. Tal dificuldade resulta da descentragem do furo interior pelo que, quando da reperfuração, o varão de fixação é com frequência atingido, não sendo possível retirar amostra de boa qualidade. A sua grande vantagem resulta de permitir colher amostras orientadas e estudar outras características geométricas e físicas de fracturação, fundamental para a definição da compartimentação do maciço em profundidade; em certos casos, permite ainda amostrar zonas de preenchimento de fracturas, ou de esmagamento do maciço rochoso ou, ainda, de litologia mais branda, que são aquelas zonas que em regra se revestem do maior interesse geotécnico. As sondagens à rotação com recuperação contínua de amostra são utilizadas especialmente em maciços rochosos podendo também ser utilizadas em solos. Em maciços constituídos por intercalações de solos e rochas a formação preponderante define o tipo de sondagem a realizar e os diâmetros mais convenientes. Podem atingir profundidades de centenas e até milhares de metros (prospecção de águas, de petróleo e mineira). Nos trabalhos de Engenharia Civil não se necessita com muita frequência de atingir profundidades superiores à centena de metros. Casos há, no entanto, como no estudo de grandes centrais subterrâneas, túneis profundos ou barragens de grande altura, em que aquela profundidade é bastante ultrapassada.
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.11
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
À medida que é maior a profundidade a atingir com a sondagem, mais se corre o risco, especialmente no caso de sondagens inclinadas, de haver desvio apreciável da orientação inicialmente prevista. Torna-se, assim, necessário confirmar a inclinação, de preferência a diversas profundidades, mas pelo menos no fim do furo. Com essa finalidade existem clinómetros no mercado, embora ainda se utilize com o mesmo fim um sistema um pouco elementar que consiste em introduzir no furo um frasco transparente com ácido fluorídrico que, numa dada posição e ao fim de algum tempo, marca a parede do frasco permitindo a medição da orientação do furo. A utilização de sondagens é particularmente recomendada nos casos em que a profundidade de investigação é grande (em regra, superior à dezena de metros) ou quando a natureza do terreno torna muito demorada qualquer outra operação de prospecção. Têm o inconveniente de não permitir a observação local, a menos que se recorra a micro-câmaras de filmar, pelo que se não forem bem executadas poderão estabelecer grande confusão e dificultar a sua interpretação. Por essa razão é de grande utilidade a consulta de todos os elementos de furação como velocidades de avanço, percentagens de recuperação do material atravessado, aparecimento de níveis de água ou perdas de água e outras observações, em regra de posse das firmas encarregadas dos trabalhos. As sondagens de rotação têm ainda a vantagem de permitirem, utilizando-se técnicas adequadas, obter amostras orientadas e de poderem, em princípio, ter qualquer inclinação o que é em certos casos de grande utilidade, como por exemplo quando se suspeita da existência de qualquer acidente tectónico vertical ou sub-vertical onde a realização de sondagens inclinadas é particularmente recomendada, ou quando a estrutura geológica do local é caracterizada por descontinuidades aproximadamente verticais. Refere-se, finalmente, o seu interesse no estudo hidrogeológico de terrenos, por permitirem a introdução de piezómetros e a realização de ensaios de bombeamento de água ou de injecção, bem como meio para permitirem a realização de ensaios de caracterização mecânica (por ex.: deformabilidade com o dilatómetro), determinação do estado de tensão (defórmetro), caracterização geofísica (tomografias) e outros ensaios “in situ”. 6.2.2 Poços Os poços apresentam a grande vantagem de permitirem o acesso directo a determinada formação tornando possível a sua observação e a colheita de amostras intactas ou remexidas. As suas limitações são, em linhas gerais, a impossibilidade de ultrapassar relativamente pequenas profundidades (da ordem das duas dezenas de metros) em condições de segurança e rentabilidade e de ser muito difícil, se não impossível, o seu avanço abaixo do nível freático, especialmente em terrenos brandos. São de grande utilidade, por exemplo, em problemas que envolvem escorregamentos, por permitirem pesquisar directamente a superfície de escorregamento, em problemas em que se pretende determinar a profundidade de um firme rochoso que se suspeite
6.12
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
se encontre a pouca profundidade, no reconhecimento de formações com características de solos, em que o avanço é, em regra, satisfatório e quando se pretende colher amostras remexidas em quantidade apreciável (da ordem das dezenas de quilos), ou realizar ensaios “in situ”. É conveniente chamar aqui a atenção para as normas de segurança no trabalho, em especial no que se refere à entivação ou à renovação do ar em poços profundos quando estes são abertos com homens a trabalhar no seu interior. As firmas de prospecção utilizam na maior parte dos casos aros de ferro que colocam, geralmente, de metro a metro, a travar a entivação de tábuas de madeira para evitarem a queda de material das paredes. A entivação em poços abertos em solo deverá ser sempre exigida para profundidades superiores a 3 metros. Os poços de prospecção são, geralmente, elípticos, com dimensões de 1,80 m (eixo maior) por 0,80 m (eixo menor). São também utilizados poços quadrados, rectangulares, ou circulares mas com menor frequência. Para poços até 4 ou 5 m de profundidade, em solos brandos, utilizam-se frequentemente abre-valas que permitem a realização do trabalho em boas condições de segurança e rendimentos muito bons. Para profundidades maiores, a escavação dos terrenos é feita manualmente com enxadas ou picaretas, utilizando-se martelos pneumáticos em casos de terrenos muito rijos. Os poços são especialmente utilizados em solos ou rochas brandas para pequenas profundidades de prospecção. 6.2.3 Galerias Do mesmo modo que os poços, as galerias permitem o acesso ao interior dos maciços e a sua observação directa. Utilizam-se correntemente no estudo de taludes (solos ou rochas) de maciços de encontro e fundação de barragens e de túneis. Oferecem a vantagem de poderem ser inclinadas, de poderem facilmente mudar de direcção, de poderem ser utilizadas posteriormente como obras de drenagem dos maciços e permitirem a realização de ensaios no seu interior. A sua escavação reveste-se das mesmas dificuldades e cuidados que os poços, mas, em geral, a remoção dos materiais é muito mais fácil. Em rochas, o revestimento só se faz em zonas em que se suspeite de instabilidade como zonas de descompressão, esmagamento ou grande alteração (Figura 6.9).
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.13
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.9 - Galeria de reconhecimento com entivação de madeira no atravessamento de uma falha.
A sua grande utilização em problemas de fundações rochosas de barragens ou de pontes de grandes dimensões, casos em que a sua abertura é conseguida com recurso a ferramenta pneumática e explosivos, resulta da necessidade de observação local das formações do interior dos maciços e de permitir a realização de ensaios mecânicos ‘in situ’ envolvendo grandes volumes de maciço. As dimensões mais correntes são cerca de 1,80 m de altura por 1,20 m de largura para galerias com profundidades até poucas dezenas de metros. Com o aumento da profundidade, aumentam em regra as dimensões para ser possível a instalação de equipamento de remoção e arejamento adequados. Nas zonas onde se prevê a realização de ensaios “in situ” procede-se em regra à abertura de câmaras pelo alargamento da galeria para dimensões frequentemente de 2 m x 2 m. Dada, normalmente, a necessidade de atravessar as zonas conturbadas dos maciços rochosos e de penetrar significativamente nos maciços de boa qualidade e com razoável cobertura, é frequente as galerias de prospecção atingirem dezenas de metro de comprimento.
6.14
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
6.2.4 Valas e Trincheiras Referem-se finalmente as valas e trincheiras como mais um tipo de trabalhos de prospecção que permite a observação local das formações. As valas são utilizadas em solos ou rochas muito brandas para pequenas profundidades, em regra não ultrapassando os dois metros. São frequentes, por exemplo, em locais de barragem e canais, nas zonas onde se pretende observar o maciço rochoso são, sob cobertura de pequena espessura. São trabalhos expeditos que não exigem especialização e que, em certos problemas, podem fornecer óptimas informações. São frequentemente utilizadas associadas a outros tipos de trabalhos de prospecção, em especial galerias. A sua abertura em formações brandas pode ser manual ou à custa de abre-valas, enquanto para maciços de melhor qualidade haverá que recorrer à utilização de explosivos e de meios mecânicos bastante potentes. 6.3 REGISTOS Em relação a cada operação de prospecção é necessário registar-se um certo número de informações que se mostram indispensáveis. As firmas e entidades especializadas utilizam, normalmente, impressos estudados com essa finalidade, sob a forma de gráficos. Além das informações de ordem geral como a identificação do trabalho, o nome da firma ou entidade executante e da firma ou entidade interessada, a localização, orientação e referência numérica de cada sondagem, poço, galeria ou vala, a cota da boca de cada furo, as datas de início e conclusão dos trabalhos, os diâmetros de furação (ou dimensões de furação), figuram as informações geotécnicas, como a descrição dos terrenos atravessados e respectivas profundidades, a indicação de contactos, diaclases, falhas, superfícies de escorregamento ou outras observações idênticas, indicações de níveis aquíferos e de perdas de água, a localização em profundidade das amostras colhidas e suas referências, e a indicação das zonas onde foram realizados ensaios ‘in situ’. Como observação devem ainda figurar todas as indicações que o sondador tenha referido nas partes diárias tais como velocidades de avanço, quedas bruscas do material de furação, etc.. Estas informações são utilizadas na elaboração de diagramas dos trabalhos de prospecção onde, em regra, figuram, além de uma legenda gráfica, os resultados de ensaios de penetração e de ensaios de permeabilidade e percentagens de recuperação. Na Figura 6.10 o diagrama um relativo a uma sondagem realizada à rotação com recuperação contínua de amostra.
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.15
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.10 - Diagrama de sondagem realizada à rotação com recuperação contínua de amostra.
6.16
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
6.4 COLHEITA DE AMOSTRAS Com raras excepções, os trabalhos de prospecção mecânica são acompanhados da colheita de amostras que permitem a observação e identificação das formações atravessadas e a realização de ensaios físicos em laboratórios. A frequência e tipo de amostragem são, evidentemente, função do problema em causa e, no caso das sondagens de furação, do tipo de furação. Quando de percussão, como regra geral, poderá dizer-se que pelo menos se deve colher uma amostra sempre que haja mudança de terreno e, quando tal não se verifique, deve limitar-se a cerca de dois metros o espaçamento máximo entre amostras. O acondicionamento das amostras obtidas deve fazer-se, logo após a furação de acordo com as indicações que figuram na especificação do LNEC E 218 relativa a colheita de amostras de terrenos. Designa-se por amostra intacta (ou indeformada) toda a amostra de terreno obtida de modo a que se pode considerar subsistindo nela todas as características que se verificam “in situ”, exceptuando-se naturalmente o estado de tensão. Em regra, a extracção de uma amostra intacta exige cuidados especiais que deverão estender-se à sua protecção e transporte para o laboratório. Para solos coerentes, como argilas, os amostradores mais simples usados em furos de sondagem consistem, em esquema, num tubo aberto numa das extremidades e fechado na outra, onde existe uma válvula que permite a saída do ar quanto a amostra entra no tubo, dependendo a escolha do amostrador mais adequado da resistência do terreno à sua penetração. Na Figura 6.11 estão representados esquematicamente dois tipos de amostrador de amostras intactas de solos coerentes que podem ser utilizados no fundo de furos efectuados com sonda, ligando-os à extremidade das varas. Quando o acesso à amostra é directo (caso de poços, galerias, valas ou simples escavações) o amostrador é, em regra, ainda mais simples, consistindo num cilindro de paredes finas que se crava no terreno, em regra, por processo dinâmico. No entanto, nestas condições, como consequência da perturbação que resulta desta cravação, torna-se bastante difícil obter uma boa amostra ainda que a operação se revista de cuidados e o operador seja experimentado. Assim, há tendência para se utilizar cada vez mais amostradores que penetram no terreno por pressão, como é o caso do amostrador de Osterberg (Figura 6.12), o que conduz a uma cravação muito mais suave e, consequentemente, à obtenção de amostras menos deformadas
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.17
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.11 - Amostradores de cravação para solos: (a) amostrador composto de parede espessa (solos argilosos duros); (b) amostrador Shelby de parede delgada (solos argilosos moles).
No caso de formações onde ocorrem camadas alternadas de solos com consistência mole e com consistência dura deverá preferencialmente utilizar-se um amostrador do tipo Pitcher em que a penetração é realizada por pressão transmitida através de uma mola e em que o atravessamento de formações mais resistentes é feita com o auxílio de corte com coroa rotativa (Figura 6.13). No caso de solos duros a rijos a utilização dum amostrador do tipo Denison (Figura 6.14), também com cabeças cortantes independentes com avanço combinado com penetração no maciço por rotação, deve permitir a obtenção de amostragem adequada. Sempre que as amostras intactas se destinem a ensaios de determinação de resistência convém que os amostradores tenham dimensões tais que permitam a extracção das amostras com dimensões adequadas aos ensaios.
6.18
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.12 - Amostrador para solos com penetração por pressão contínua (Osterberg).
Figura 6.13 - Amostrador Pitcher para solos com penetração por pressão e/ou rotação.
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.19
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 6.14 - Amostrador com retentor de amostra (Denison).
Por vezes, e ainda nos casos de acesso directo, a amostra intacta é obtida cortando-se com a espátula um bloco de terreno que se parafina imediatamente para se manter o teor em água e de onde se poderão, em laboratório, extrair vários provetes de ensaio. É de toda a vantagem que os próprios amostradores constituam o invólucro da amostra até ela ser ensaiada para se evitar o mais possível perturbações.
6.20
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Em solos incoerentes é mais difícil obter amostras intactas, em especial abaixo do nível freático, pelo que sempre que possível deverão realizar-se ensaios “in situ” para caracterizar o material. Os amostradores para solos incoerentes são, em geral, providos de válvula retentora na extremidade para impedir a saída do material amostrado (Figura 6.14). Pela sua natureza é muito mais simples obter uma amostra intacta de rocha do que de solo. Do mesmo modo que para solos coerentes, pode obter-se uma amostra intacta de rocha quer utilizando um amostrador, geralmente integrado numa sonda de rotação, quer cortando um bloco de rocha (quando o acesso é directo) de onde se poderão, se necessário, extrair provetes para ensaio. Os amostradores utilizados, como se referiu já, estão providos de coroas de metais duros ou diamantes e os cuidados na extracção das amostras são os referidos para as sondagens de rotação. Como resumo da situação, no que se refere a amostradores para colheita de amostras intactas em solos, apresenta-se os critérios referidos na norma DIN 4021 “Amostragem de solos”. Quanto à qualidade das amostras, são consideradas 5 classes: 1. Amostras que não sofrem distorções nem alterações de volume e que, portanto, apresentam compressibilidade e características de corte inalteradas (amostra intacta propriamente dita). 2. Amostras em que o teor de humidade e a compacidade não sofreram alteração mas que foram distorcidas e em que, portanto, as características de resistência foram alteradas. 3. Amostras em que a composição granulométrica e o teor de humidade não sofreram alterações, mas em que a densidade foi alterada. 4. Amostras em que a composição granulométrica foi respeitada mas em que o teor de humidade e a densidade sofreram alteração. 5. Amostras em que até a composição granulométrica sofreu alteração, por via de perda de partículas finas ou por esmagamento de partículas grosseiras. Designa-se por amostra remexida toda a amostra de terreno que não mantém todas as características que não se verificam “in situ”. Em princípio, as amostras das classes 2, 3, 4 e 5 atrás mencionadas pertencem a esta categoria. À medida que determinada escavação ou furação progride, os operadores vão retirando periodicamente material para observação, de preferência, pelo técnico responsável pela prospecção. Convém que esse material, embora remexido, seja preservado das intempéries e devidamente referenciado. A melhor maneira de o preservar é utilizar caixas de plástico, que poderão facilmente evitar a perda de água da amostra, caixas de madeira, ou mesmo sacos. Estes são muitas vezes utilizados quando as amostras se destinam a determinados tipos de observação e ensaios, como é o caso de amostras para classificação geológica, para análise granulométrica, ensaios de compactação, etc.
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.21
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
No caso de sondagens, por vezes, os próprios detritos e lamas de sondagens, embora não sejam representativas, dão uma razoável informação da constituição e natureza das formações. Nos quadros 1, 2 e 3, a seguir apresentados, são dadas indicações gerais para a colheita de diversos tipos de terreno, acima e abaixo do nível freático, acerca dos equipamentos de sondagens e amostragem mais adequados. Os símbolos adoptados são os seguintes:
Equipamento de sondagem:
rot. 1 - amostrador simples rot. 2 - amostrador de parede dupla rot. 3 - amostrador de parede dupla com prelonga
Amostradores:
p1
- percussão com tubo; cortante com bisel interior
p2
- idem com bisel exterior
tr
- “grab”
Ab 1 - amostrador aberto de parede fina com válvula Ab 2 - idem de parede grossa Emb 1 - amostrador de êmbolo estacionário e parede fina Emb 2 - idem de parede grossa Ret
6.22
- amostrador com dispositivo de retenção na boca
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.23
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
6.24
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ANEXOS
ACETATOS
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.25
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
6.26
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.27
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
6.28
PROSPECÇÃO MECÂNICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
PROSPECÇÃO MECÂNICA
6.29
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
7. ENSAIOS IN SITU
7.1 INTRODUÇÃO É frequente acompanhar os trabalhos de prospecção mecânica com a execução de ensaios realizados “in situ” para caracterização dos maciços, uns efectuados praticamente em simultâneo com aqueles e outros posteriormente à sua realização. Alguns ensaios realizam-se quase de forma sistemática, como é o caso dos ensaios de penetração dinâmica ou estática, associados em regra a sondagens realizadas em maciços terrosos; outros, como os ensaios de permeabilidade, de deformabilidade ou de determinação de estado de tensão, realizam-se apenas quando os trabalhos de prospecção visam esclarecer especificamente estas características, como nos casos, por exemplo, de fundações de barragens, de cavidades subterrâneas, etc. Faz-se neste texto referência aos ensaios ‘in situ’ associados aos trabalhos de prospecção que vulgarmente se realizam com a finalidade de completar o zonamento geotécnico do maciço interessado por determinada obra. Conforme já referido em capítulos anteriores, o zonamento dum maciço deverá ter em atenção o funcionamento da obra em análise e o tipo de terreno onde aquela se insere. Os parâmetros geotécnicos mais correntemente objecto de estudo através dos ensaios “in situ” são os relativos à caracterização da permeabilidade, da deformabilidade, de resistências e do estado de tensão “in situ”. 7.2 ENSAIOS DE PERMEABILIDADE 7.2.1 Ensaios de Permeabilidade em Solos O ensaio que está mais vulgarizado na determinação da permeabilidade “in situ” de formações terrosas é o ensaio designado por Lefranc, realizado em furos de sondagem e no decorrer da realização destas, embora em certas situações o ensaio de bombeamento em poços dê informações com muito interesse.
ENSAIOS IN SITU
7.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
O ensaio Lefranc é feito normalmente a diversas profundidades. Consiste em introduzir ou bombear água numa cavidade de forma fixa, esta situada a uma determinada profundidade do terreno em relação ao qual se pretende conhecer a permeabilidade. Este ensaio pode ser feito com carga hidráulica constante ou variável.
Figura 7.1 - Ensaio de permeabilidade do tipo Lefranc com carga constante.
7.2
ENSAIOS IN SITU
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
No ensaio com carga hidráulica constante introduz-se (Figura 7.1a) ou bombeia-se (Figura 7.1b) um caudal constante na cavidade de forma a verificar-se a estabilização do nível aquífero na sondagem. A interpretação dos ensaios baseia-se em certas hipóteses simplificativas, nomeadamente, que o escoamento é laminar (campo de aplicação da lei de Darcy), que o meio é isotrópico e homogéneo e que o regime de escoamento é permanente. Nestas condições, o caudal Q é proporcional à permeabilidade, caracterizada pelo coeficiente k , e à carga hidráulica h : Q
em que
C é
=
k .C .h
um coeficiente característico da forma da cavidade.
A carga hidráulica é dada pela altura de água no furo acima do nível freático (a carga é considerada nula antes do ensaio). A posição do nível freático, no entanto, nem sempre é de fácil determinação o que dificulta a obtenção razoavelmente correcta do coeficiente de permeabilidade. Para minimizar os erros no cálculo do coeficiente de permeabilidade é conveniente que se possa garantir com boa aproximação a forma da cavidade, preferencialmente cilíndrica, quer utilizando tubagem crepinada no trecho a ensaiar que simultaneamente mantém estáveis as paredes do furo e permite o afluxo de água ao maciço sem grandes perdas de carga, quer previamente introduzindo seixo grosso no trecho final do furo levantando depois a tubagem na altura respectiva. Com frequência o trecho de ensaio tem comprimento entre 0,5 e 1 m. Na Figura 7.1 apresentam-se algumas expressões para a determinação do valor de
C .
No caso da
cavidade cilíndrica, sempre que a relação L/D (comprimento/diâmetro) do trecho ensaiado é superior a 2, aceita-se como razoável o valor do coeficiente C determinado pela fórmula simplificada: C
=
2π L 2 L ln D
No ensaio com carga hidráulica variável introduz-se ou bombeia-se um dado volume de água na cavidade e registam-se as variações de nível piezométrico no furo de sondagem ao longo do tempo. Este tipo de ensaio é, em geral, realizado em solos pouco permeáveis (k <10-4 cm/s). Na Figura 7.2 representa-se, em esquema, o dispositivo de Brillant com o qual é possível fazer a determinação do coeficiente de permeabilidade quando a carga h é variável ao longo do tempo t e apresenta-se a fórmula teórica geralmente utilizada para a determinação do coeficiente de permeabilidade quando se realizam este tipo de ensaios em furos de sondagem cuja área transversal é representada porS . Em termos comparativos, é de referir que os ensaios realizados com carga hidráulica constante são de realização trabalhosa mas dão resultados fáceis de interpretar. Os ensaios com carga variável são de realização muito simples mas a interpretação dos resultados não é, em regra, fácil.
ENSAIOS IN SITU
7.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Uma das dificuldades na interpretação dos resultados dos ensaios Lefranc resulta de que, em regra, não se determina separadamente o coeficiente de permeabilidade vertical e horizontal, já que, quer no caso de cavidade cilíndrica, quer no caso de cavidade esférica, o coeficiente de permeabilidade que se determina é um coeficiente misto, afectado pela permeabilidade vertical e horizontal. Esta circunstância tem tanto mais importância quanto menos isotrópico e homogéneo for o terreno onde se pretende determinar a permeabilidade.
Figura 7.2 - Ensaio de permeabilidade do tipo Lefranc (dispositivo de Brillant) com carga variável.
7.4
ENSAIOS IN SITU
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
7.2.2 Ensaios de Permeabilidade em Maciços Rochosos Do ponto de vista hidráulico, o escoamento num maciço rochoso difere em geral bastante do que é observado num meio poroso. Tal deve-se essencialmente à forma e dimensões dos vazios por onde circula a água, poros num caso, descontinuidades (fissuras) no outro. O grau de abertura destas descontinuidades e a carga geram escoamentos por vezes com velocidades elevadas. O escoamento pode tornar-se turbulento, o que invalida a aplicação da lei de Darcy. Por outro lado as hipóteses, correntes no caso de meios porosos, da homogeneidade e da isotropia da permeabilidade não são admissíveis em maciços rochosos. Na prática, estas condições particulares dos maciços rochosos deveriam obrigar a que os ensaios fossem realizados de forma a caracterizar a permeabilidade nas várias direcções do espaço (ensaios tridimensionais). Infelizmente não é fácil a execução deste tipo de ensaios, pelo que se aceita não mais do que estimar os valores médios e aproximados da permeabilidade através de métodos empíricos baseados em ensaios tais como o ensaio Lugeon1. A validade dos resultados obtidos deve ser considerada relativa e depende grandemente da seriedade e dos cuidados colocados durante a execução dos trabalhos. O ensaio Lugeon consiste na injecção (radial) de água sob pressão num certo trecho de um furo de sondagem e na medição da quantidade de água que entra no maciço rochoso durante um certo tempo, a uma dada pressão de injecção, depois de estabelecido um regime de escoamento permanente. A realização do ensaio em vários degraus de pressão, crescentes e decrescentes (vulgarmente com sequência do tipo P1, P2 = 2P1, P3 = 2P2, P2, P1), permite traçar curvas caudal versus pressão ( Q-P)
que dão informação quanto ao regime de percolação do maciço e quanto ao estado e
tipo de fracturação nas vizinhanças do trecho ensaiado. A tendência para normalização levou a que, em regra, o ensaio Lugeon seja realizado nas mesmas condições, independentemente do tipo e dimensão das obras que vão ser fundadas no maciço respectivo. Apareceu assim a unidade Lugeon que corresponde ao valor médio da absorção de 1 litro por minuto e por metro de furo, para um patamar de injecção com a duração de 10 minutos em que a pressão de injecção da água se mantém estabilizada no valor de 1 MPa. A 1 unidade Lugeon corresponde um valor de k entre 1x10-5 e 2x10-5 cm/s para sondagens de diâmetros entre 5 e 10 cm. A experiência mostrou que para valores de coeficiente de absorção inferiores a uma unidade Lugeon é impossível injectar qualquer calda de cimento, pelo que foi considerado que um maciço rochoso é “impermeável” sempre que a permeabilidade é inferior a 1 Lugeon.
1
O ensaio referido é vulgarmente realizado em furos de sondagem em maciços rochosos e tem a designação de ensaio
Lugeon em homenagem ao geólogo suíço Maurice Lugeon que o desenvolveu, no início do século XX, para responder aos problemas postos pela construção das primeiras barragens de certa importância.
ENSAIOS IN SITU
7.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Em regra, estes ensaios vão sendo realizados à medida que o furo vai prosseguindo, em trechos de comprimento variável conforme a permeabilidade do maciço e a capacidade da bomba de injecção, mas mais vulgarmente em trechos com 5 m ou 3 m de comprimento. Neste caso, o limite inferior do trecho é o fundo do furo, no momento do ensaio, e o limite superior definido pela posição de um obturador de couro ou borracha (Figura 7.3a) que tem por missão impedir que a água injectada no furo se escape entre o obturador e a parede respectiva. Convém que o obturador seja suficientemente comprido (entre 0,5 e 1 m) de forma a garantir uma boa vedação do troço do furo. Quando o ensaio é realizado num trecho intermédio do furo de sondagem utiliza-se um obturador duplo (Figura 7.3b), ou em casos especiais um obturador quádruplo (Figura 7.3c), que define os limites superior e inferior do trecho a ensaiar.
A pressão de injecção de água é lida, em regra, num manómetro colocado à superfície, junto à boca do furo, e a quantidade de água absorvida é lida num contador vulgar ou, na sua falta, medida pela descida de nível num reservatório de secção conhecida. Calculadas as absorções em litros por minuto e por metro para cada patamar de pressões utilizado no ensaio, depois de proceder à respectiva correcção resultante das leituras das pressões se fazerem junto à boca do furo2, traçam-se gráficos
2
Para que as pressões utilizadas na elaboração dos gráficos sejam da ordem de grandeza das que solicitam o maciço na zona do ensaio, torna-se necessário fazer, em boa parte dos casos (nomeadamente em furos profundos em que o nível freático está bastante abaixo da superfície do terreno), uma correcção que é constituída por duas parcelas uma das quais, aditiva, corresponde à pressão resultante da coluna de água entre a boca do furo (onde está instalado o manómetro) e o
7.6
ENSAIOS IN SITU
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
de “pressão” versus “absorção” (Q-P) que permitem avaliar o regime de escoamento que se instalou no maciço como consequência das características físicas e dimensões das descontinuidades interessadas.
Figura 7.3 - Ensaio Lugeon: a) - obturador simples; b) – obturador duplo, c) – obturador quádruplo.
Desde que os ensaios tenham sido correctamente realizados, a informação obtida é de grande utilidade na definição do regime hidrogeológico do maciço e da sua fracturação, e no projecto dos trabalhos de impermeabilização dos maciços, quando considerados necessários. Feitas as correcções, os valores que se obtêm permitem, por um lado, ajuizar das características de permeabilidade do maciço e, consequentemente, necessidade de tratamento de impermeabilização e, por outro, como se referiu, dar informações no que respeita ao regime de escoamento instalado. Quando se verifica proporcionalmente entre os caudais e as pressões está-se na presença de um escoamento laminar (regido pela lei de Darcy ( v
=
k .i
) que, no caso de maciços rochosos, é
característico de descontinuidades pouco abertas ou preenchidas por materiais granulares. É o caso da Figura 7.4a onde se representa esquematicamente o resultado de um ensaio em que as descontinuidades ou não tinham enchimento ou o enchimento não foi sensível à percolação durante o ensaio.
nível freático e a outra, subtractiva, corresponde às perdas de carga através da canalização utilizada (diâmetro, rugosidade, caudal, etc.)
ENSAIOS IN SITU
7.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Casos há, no entanto, em que a injecção da água sob pressão conduz quer a colmatação progressiva das descontinuidades por arrastamento de material (Figura 7.4b) e outros em que o aumento de pressão provoca arrastamento dos materiais de enchimento e, consequentemente, lavagem das descontinuidades (Figura 7.4c).
Figura 7.4 - Curvas típicas obtidas através de ensaios Lugeon.
Quando não há proporcionalidade na curva
Q-P
está-se, em princípio, em presença de um
escoamento turbulento, que é regido pela lei de Chezy quando os gradientes são proporcionais ao quadrado das velocidades ( v
=
k i
) e a curva obtida é do tipo da representada na Figura 7.4d. No
entanto, este resultado pode dever-se apenas à abertura elástica da fractura como consequência em certos casos da elevada pressão de injecção. Neste caso, há, em regra, quando se diminui a pressão, um retorno de água absorvida pelo maciço que se reflecte numa contra-pressão. A mudança de curvatura, como a representada na Figura 7.4e, correspondente à situação de um incremento brusco do caudal a partir de determinada pressão, será representativo do fenómeno de fracturação hidráulica. Este fenómeno designa-se usualmente por “claquage ” e está associado à criação de novas superfícies de descontinuidade geradas pelo incremento das pressões de injecção.
7.8
ENSAIOS IN SITU
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Dadas as características de percolação num maciço rochoso fracturado, facilmente se compreende que, muito mais do que no caso de ensaios de permeabilidade em maciços terrosos, a orientação adequada dos furos de sondagem onde são realizados os ensaios é indispensável para que os ensaios sejam de facto representativos. Erroneamente verifica-se, por vezes, que se pretende que ensaios de absorção de água realizados em furos de sondagem com a mesma inclinação da fracturação preponderante sejam informativos quanto à permeabilidade desse maciço. 7.3 ENSAIOS DE DEFORMABILIDADE Para maciços terrosos os ensaios mais correntes são os ensaios de placa que se realizam, em regra, em galerias ou em poços e que consistem na aplicação de uma força a uma placa rígida da área estabelecida como mais conveniente, em função do tipo de solo e de natureza do problema. Este ensaio é com mais frequência realizado com vista à definição dos assentamentos que determinada formação vai sofrer em função das cargas a que vai ser submetida e utiliza-se em problema de fundações de edifícios, estradas, etc.. O módulo de deformabilidade do terreno pode obter-se a partir da seguinte fórmula: E
em que P é a pressão de ensaio,
υ o
2
P(1 υ ) −
=
2r δ
coeficiente de Poisson, r o raio da placa e
δ o
assentamento
verificado para a pressão P. Para maciços rochosos, idêntico ensaio pode ser realizado, sendo os deslocamentos observados, em princípio, menores. Dado que a área de contacto no ensaio é, em regra, pequena e que há vantagem em determinar a deformabilidade dos maciços rochosos não só com solicitações de maior grandeza como também envolvendo volumes mais significativos para ter em conta a influência das heterogeneidades e descontinuidades, recorre-se com frequência à realização de ensaios em galerias e em poços onde as pressões são aplicadas nas paredes de um dos lados com recurso a macacos hidráulicos, servindo as paredes opostas como elemento de reacção do sistema de aplicação das cargas (Figura 7.5 e Figura 7.6).
ENSAIOS IN SITU
7.9
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 7.5 - Ensaio de deformabilidade em maciços rochosos. Exemplo de dispositivo para ensaio de placa com carga aplicada nas paredes de galeria.
Figura 7.6 - Ensaio de deformabilidade em maciços rochosos. Esquema para ensaio de placa com carga aplicada na base e tecto de galeria.
Naturalmente quanto maior for a área de contacto da placa que transmite as pressões ao maciço rochoso, maior será o volume de terreno envolvido no ensaio e mais representativos do comportamento deformacional serão os resultados obtidos. No tipo de dispositivos representados na Figura 7.5 e Figura 7.6 as áreas das placas de carga raramente ultrapassam valores na ordem de 1 m 2. Um outro método para a determinação da deformabilidade dos maciços rochosos baseia-se na medição dos deslocamentos relativos das faces duma fenda aberta no maciço rochoso por meio dum disco diamantado de 1 m de diâmetro, sujeita a uma pressão uniforme aplicada por um macaco de
7.10
ENSAIOS IN SITU
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
paredes finas3, deformáveis e de grande área, contendo no seu interior quatro defórmetros com extensómetros eléctricos de resistência, que medem a variação de abertura da fenda (Figura 7.7). Estes macacos podem ser colocados em fendas abertas lado a lado (Figura 7.8) e ensaiados simultaneamente ou separadamente, permitindo interessar volumes suficientemente grandes para que sejam representativos do maciço rochoso. Em qualquer dos ensaios atrás referidos para maciços rochosos é necessário aceder aos locais de ensaio (normalmente galerias ou poços) e proceder à preparação das superfícies onde irão ser aplicadas as cargas de forma a minimizar os erros que possam resultar da concentração de tensões como consequência de irregularidades das superfícies. Esses trabalhos de preparação e de execução do ensaio propriamente dito são demorados e caros pelo que só se justificam em face de projecto de obras importantes depois de bem definidas as características geotécnicas das diversas zonas do maciço interessado pelas obras. Daí que se tenha desenvolvido métodos que tiram partido dos furos de sondagem realizados normalmente em qualquer campanha de prospecção de maciços.
Figura 7.7 - Macaco plano de grande área e localização dos defórmetros.
3
LFJ – Large Flat Jack
ENSAIOS IN SITU
7.11
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 7.8 - Associação de três macacos planos.
Um desses métodos utiliza o dilatómetro BHD desenvolvido pelo LNEC (Figura 7.9) que permite realizar ensaios de deformabilidade em furos de sondagem cujo diâmetro pertença ao intervalo 75 a 81 m. Na sua essência, o dilatómetro é constituído por uma camisa de cilíndrica de borracha, que se adapta ao furo de sondagem e carrega as paredes na região cuja deformabilidade interessa apreciar, e por um sistema eléctrico de medição de deformações, este último influenciado por palpadores fixos na camisa e em contacto com a parede do furo. A camisa envolve um cilíndrico metálico, muito rígido, ao qual se fixa pelas extremidades, e é no interior deste cilindro que se situa o sistema eléctrico de medição.
7.12
ENSAIOS IN SITU
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 7.9 - Dilatómetro BHD desenvolvido pelo LNEC.
Introduzindo água, sob pressão conhecida, no espaço limitado pelas superfícies exterior do cilindro e interior da camisa, provoca-se a deformação do maciço rochoso, na zona circundante. Assim, o dilatómetro, depois de introduzido num furo de sondagem a determinada profundidade, aplica nas respectivas paredes uma pressão radial P tendo na sua zona média 8 transdutores que permitem medir as correspondentes variações de diâmetro em 4 direcções fazendo entre si ângulos de 45º. A posição dos palpadores permite que as medições correspondam, com bastante rigor, a um estado plano de deformação. O emprego do ensaio dilatométrico generalizou-se graças à sua aplicabilidade mesmo em locais de acesso difícil a outros tipos de ensaio como, por exemplo, pontos a grandes profundidades, locais subjacentes a leitos de rio, etc.. Verifica-se, contudo, que os valores dos resultados obtidos com ensaios efectuados com o dilatómetro são em regra inferiores aos alcançados com outros métodos. Tal constatação levou a que se considerasse o resultado do ensaio com o dilatómetro como um índice de qualidade, designando-se por o valor obtido como módulos dilatométrico, o qual é correlacionável com o módulo de deformabilidade obtido por outros métodos.
ENSAIOS IN SITU
7.13
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Uma das vantagens da utilização do dilatómetro reside no facto de os ensaios poderem ser efectuados quando da execução das sondagens de prospecção realizadas com outras finalidades, o que permite, na fase de caracterização geotécnica do maciço adequada ao anteprojecto das estruturas, realizar um zonamento em termos de módulos de deformabilidade. Mais tarde, em fase de projecto, será possível então estudar com mais pormenor as características geológicas de certas zonas identificadas como críticas. 7.4 ENSAIOS DE DESLIZAMENTO Na Figura 7.10 e Figura 7.11 representam-se dois esquemas de montagem para ensaios “in situ” de deslizamento de diaclases ou de corte em rocha, os quais podem ser realizados em cavidades subterrâneas ou a céu aberto. Como facilmente se depreende são ensaios bastante dispendiosos e que só são justificáveis em casos de obras muito especiais, tais como grandes barragens ou obras subterrâneas, e em que seja importante o conhecimento das características de resistência ao corte ou deslizamento das descontinuidades ou dos maciços rochosos. A condução do ensaio é similar à descrita no capítulo relativo à resistência ao deslizamento das descontinuidades.
Figura 7.10 - Esquema de ensaio de deslizamento: a1) vista em corte; a2) planta.
7.14
ENSAIOS IN SITU
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 7.11 - Esquemas de ensaio de deslizamento ou corte com forças aplicadas por ancoragens.
7.5 ENSAIOS PARA DETERMINAÇÃO DO ESTADO DE TENSÃO Os métodos disponíveis para a determinação das tensões em maciços rochosos baseiam-se na libertação de tensões, quer por meio da abertura de rasgos, quer por sobrecarotagem da zona de medição. A primeira das metodologias referida utiliza um macaco plano de pequena área (SFJ) e de pequena espessura, construído em chapa de aço ou cobre, que permite a aplicação de uma pressão uniforme nas paredes de um rasgo aberto no maciço rochoso por um disco de serra diamantado. Os rasgos podem ser abertos em paredes de túneis, de galerias ou de poços que previamente terão de ser escavados, o que constitui uma forte condicionante para a realização deste tipo de ensaio. A técnica do método SFJ pode ser sucintamente descrita da seguinte forma: i)
colocam-se numa superfície a estudar, depois de previamente aplanada, pares de bases de medida entre as quais se medem as distâncias;
ii) com serra de disco diamantado abre-se um rasgo entre as bases, libertando-se assim a tensão normal existente no plano do rasgo. Como consequência varia a distância entre as bases de medida; iii) introduz-se um macaco plano de forma apropriada que preenche o rasgo e introduz-se óleo sob pressão no macaco, medindo-se a distância entre bases até que se obtenha a posição inicial; iv) a pressão introduzida no macaco para se obter o retorno à posição inicial é a tensão normal existente na faceta correspondente ao rasgo aberto.
ENSAIOS IN SITU
7.15
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 7.12 - Determinação do estado de tensão “in situ” com macacos planos de pequena área (SFJ): a) SFJ com diversas dimensões; b) esquema com roseta de rasgos e pontos de medição.
A execução de três ensaios do tipo descrito com rasgos formando uma roseta permite a determinação do estado de tensão no ponto do plano em causa. Normalmente utilizam-se quatro rasgos em roseta a 45º, o que permite por meio do ensaio superabundante uma verificação dos resultados obtidos. Se o estudo do plano referido se repetir em mais dois planos com orientação diferente do primeiro poderse-á determinar o estado de tensão completo no ponto considerado. Das metodologias que recorrem à sobrecarotagem há a referir o ensaio STT desenvolvido pelo LNEC que utiliza um defórmetro tridimensional. Este é um dispositivo formado por um cilíndrico plástico com extensómetros eléctricos de resistência embebidos que permite a completa determinação do estado de tensão inicial ou induzido, num maciço rochoso, através de medições efectuadas em furos de sondagem. A técnica do método STT consiste essencialmente em: i)
abertura de um furo de sondagem de grande diâmetro (não inferior a 75 mm) até à proximidade do ponto no qual se quer determinar o estado de tensão;
ii) abertura de um furo de sondagem de pequeno diâmetro (37 mm) com um comprimento de 80 cm, a partir do fundo do furo da sondagem anterior; iii) colagem à parede do furo de pequeno diâmetro do extensómetro tridimensional convenientemente orientado; iv) leitura inicial dos extensómetros eléctricos contidos no STT;
7.16
ENSAIOS IN SITU
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
v) sobrecarotagem do tarolo contendo o STT até uma profundidade que garanta o alívio total das tensões a que está submetido (40 cm abaixo do ponto de medida); vi) leitura final dos extensómetros contidos no STT; vii) cálculo do estado de tensão com base na diferença de leituras referidas em iv) e vi).
Figura 7.13 - Determinação do estado de tensão “in situ” pela técnica do defórmetro tridimensional (STT).
a)
b) Figura 7.14 - Ensaio STT: a) defórmetro antes de colocado no furo; b) exemplares após sobrecarotagem.
Em conclusão refira-se os ensaios para determinação do estado de tensão só normalmente se justificam em casos de obras especiais (túneis, cavernas subterrâneas) em que o estado de tensão possa ter grande influência no comportamento, dimensionamento e custo da obra.
ENSAIOS IN SITU
7.17
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
8. PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.1 INTRODUÇÃO A Geofísica é uma ciência que aplica os princípios da Física ao estudo da Terra. Na sua forma aplicada, tem por objectivo investigar, a uma escala relativamente pequena, certas propriedades e aspectos da crusta terrestre que embora não visíveis podem ocorrer, como sejam por exemplo falhas geológicas, sinclinais e anticlinais, a topografia do firme rochoso sob uma camada aluvionar, zonas mineralizadas, depósitos de argila e de areia, etc.. A investigação destas ocorrências tem interesse, como se sabe, na resolução de problemas práticos como a prospecção de petróleos, a localização de zonas favoráveis à circulação de águas subterrâneas, a prospecção mineira e, particularmente para nós, no que respeita à implantação de obras de engenharia civil. Existem diversos métodos de prospecção geofísica, mas aqui referir-se-ão apenas ao método da resistividade eléctrica, os métodos sísmicos, de refracção, directo e de reflexão, e o método do radar por serem os métodos que têm fornecido melhores resultados na resolução de problemas de engenharia civil. Em casos especiais ou menos correntes, os métodos magnético e gravimétrico, que não são aqui tratados dada a sua utilização muito esporádica, têm dado uma importante contribuição na resolução de problemas. 8.2 MÉTODO DA RESISTIVIDADE ELÉCTRICA 8.2.1 Generalidades O método da resistividade eléctrica baseia-se no facto de, em geral, terrenos diferentes apresentam resistividades eléctricas também diferentes. O desenvolvimento deste método processa-se a partir do estudo do campo eléctrico de potenciais, criado artificialmente pela injecção no terreno duma corrente eléctrica, e relacionando-o depois com as características geológicas do local. Esse estudo tem por finalidade a determinação da resistividade eléctrica dos terrenos interessados pela prospecção, num ponto ou em vários pontos da superfície do terreno, e o conhecimento da sua repartição segundo a profundidade.
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Reportando-nos, apenas, ao esquema da prospecção se efectuar à superfície livre do terreno, vejamos como se alcançam aquelas finalidades. Suponhamos então que se injecta uma corrente eléctrica de intensidade Ι num ponto A da superfície dum terreno homogéneo e isótropo de resistividade eléctrica ρ . As superfícies equipotenciais são hemi-esferas centradas em A (Figura 8.1).
Figura 8.1
Aplicando a lei de Ohm ao elemento EFGH, limitado pelas hemi-esferas de raios r e r+dr tem-se: − dv = ρ
dr I ds
para toda a hemi-esfera, será: − dv = ρ
dr 2
2π r
[1]
I
[2]
que, por integração dará: − V =
ρ I 2π r
+ V 0
[3]
Como se supõe que o potencial V se anula para r = ∞ , resulta que V 0 = 0. A expressão [3] poder-se-á apresentar então da seguinte forma: V M
ρ = 2π r
8.2
I
[4]
ou
V M
=
ρ I 2π r
[5]
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
que exprime, portanto, o valor do potencial num ponto qualquer M da superfície do terreno de resistividade eléctrica ρ , situado à distância r do ponto A onde se injectou a corrente Ι . Este dispositivo, para a determinação do potencial à superfície do terreno a partir da injecção duma corrente eléctrica num ponto é relativamente pouco utilizado na prática. Em geral, emprega-se um dispositivo de medição formado por quatro eléctrodos (Figura 8.2), destinando-se dois deles (A e B ) à injecção da corrente eléctrica no terreno, e os outros dois (M e N ) à recepção ou medição de diferenças de potencial criadas pela injecção da corrente eléctrica. Existindo dois eléctrodos de emissão de corrente a forma das linhas equipotenciais é mais complicada. No entanto, elas mantêm-se aproximadamente semi-esféricas nas vizinhanças dos eléctrodos. As linhas de corrente sofrem também uma deformação. Na Figura 8.3 apresenta-se o aspecto que tomam as linhas equipotenciais e de corrente, num meio semi-indefinido, homogéneo e isótropo, criadas pela injecção de corrente eléctrica entre dois eléctrodos A e B .
Figura 8.2 - Esquema representativo das partes componentes de um sistema de prospecção geoeléctrica.
No terreno natural, dado que se encontram normalmente heterogeneidades e anisotropias, a distribuição das linhas de corrente, ou melhor, do campo eléctrico, é a maior parte das vezes diferente. Deverá, pois, ter-se presente, quando se faz a aplicação do método geoeléctrico e a interpretação dos elementos recolhidos, quais as possíveis distorções do campo eléctrico provocadas pela existência dessas heterogeneidades ou anisotropias no terreno, tais como seja a estratificação e suas inclinações, a xistosidade, ocorrência de falhas ou de outros acidentes geológicos, etc.. Conforme adiante se verá, nos trabalhos mais correntes em engenharia civil empregam-se dois tipos de dispositivos de medição. Num deles, os quatro eléctrodos mantêm-se alinhados e simetricamente dispostos em relação ao centro do dispositivo de medida pela ordem AMNB (Figura 8.2); no outro fazem-se deslocar os eléctrodos de potencial segundo perfis exteriores ao alinhamento AB mas a ele paralelos (Figura 8.4).
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.3 - Representação num corte vertical e em planta do campo eléctrico gerado no terreno pelo fluxo de uma corrente eléctrica a partir da superfície.
Para um dispositivo de medição de quatro eléctrodos a expressão que permite calcular a resistividade eléctrica num hemi-espaço homogéneo e isotrópico tem a forma deduzida a partir da Figura 8.4: ρ =
1 AM
−
1 AN
−
[6]
∆V
2π 1 BM
+
1
I
BN
em que: ρ - é a resistividade eléctrica do meio expressa em ohm.metro. ∆V - é a diferença de potencial medida entre M e N e expressa em milivoltes.
- é a intensidade da corrente eléctrica que circula no terreno sendo expressa em miliamperes.
I
8.4
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
2π - é uma constante correspondente ao hemi-espaço (4π para o espaço completo) AM , AN , BM e BN - são as distâncias entre os eléctrodos, expressas em metros.
É óbvio que um dispositivo de medida como o descrito, pode ser aplicado à superfície dum meio qualquer homogéneo ou não. Neste último caso, porém, ao aplicar-se a expressão [6] não se determina, evidentemente, uma resistividade verdadeira ρ , mas sim uma resistividade aparente ρ a com as mesmas dimensões daquela. Por ser este o caso corrente, determinam-se as resistividades eléctricas dos terrenos prospectados a partir da expressão deduzida na Figura 8.4:
ρ a = k
∆V
[7]
I
em que k (expresso em metros) depende apenas das configurações geométricas do dispositivo de medição e do meio onde ele se insere. V M
=
ρ I 1 1 − r 4π r A B
V N
=
1 ρ I 1 ' − ' 4π r A r B
1 ρ I 1 1 1 − − ' + ' 4π r r r r A B A B
∆V = V M − V N =
1
1 k
=
r A
−
1
−
r B
1 '
r A
+
1 '
r B
∆ V ρ = 4π k I
Figura 8.4
Quer então dizer, que a resistividade aparente de um meio heterogéneo é igual à resistividade de um
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
meio homogéneo no qual se aplicou, por hipótese, o mesmo dispositivo de medição e se mediram os mesmos valores de ∆V e de I que tinham sido observados naquele primeiro meio. Para um meio homogéneo e isótropo o valor da resistividade eléctrica aparente ρ a determinado a partir da expressão [7] coincide, portanto, com o valor da resistividade eléctrica real desse meio. Compreende-se, assim, que a resistividade aparente não é uma característica intrínseca dos materiais. Tem contudo algum significado, embora relativo, quando se comparam diversos valores obtidos numa determinada área. Quando se faz a interpretação de resultados em que este método tenha sido aplicado, é necessário ter sempre presente que a resistividade eléctrica aparente é proporcional à resistividade eléctrica real do volume de terreno compreendido entre os eléctrodos de potencial, M e N . As rochas e minerais apresentam resistividades eléctricas que variam entre largos limites, conforme se pode constatar no tabela do Quadro I. Este facto é uma indicação do grande poder de resolução dos métodos baseados na resistividade eléctrica.
Quadro I TIPO DE MATERIAL OU MEIO GEOLÓGICO Ar Água do mar Água superficial Água subterrânea Areias e cascalhos secos Areias e cascalhos saturados com água doce Areias e cascalhos saturados com água salgada Conglomerados Argilas Margas Calcários Mármores Grés e quartzitos Grés argiloso Lavas Tufos vulcânicos Basaltos Xistos grafitosos Xistos argilosos ou alterados Xistos sãos Gneisse e granito alterados Gneisse e granito sãos
8.6
RESISTIVIDADE ELÉCTRICA (Ω m ) ∞
0,2 10 - 30 50 - 100 1000 - 10000 50 - 500 0.5 - 5 10 - 10000 2 - 20 20 - 100 300 - 10000 100 - 10000 300 - 10000 50 - 300 300 - 10000 20 - 100 100 - 10000 0,5 - 5 100 - 300 300 - 3000 100 - 1000 1000 - 10000
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
8.2.2 Dispositivos correntes de quatro eléctrodos Os dispositivos geométricos de medição com quatro eléctrodos, mais correntemente empregados entre nós são os dispositivos simétricos Wenner e Schlumberger (Figura 8.5). O dispositivo Wenner é caracterizado por se manter a igualdade de espaçamento entre os quatro eléctrodos, isto é: AM = MN = NB = AB /3 = a
Figura 8.5 - Configurações tetra-electródicas mais comuns: a) Wenner; b) Schlumberger.
A expressão [7] passa então a ter a seguinte forma, para os quatro eléctrodos colocados à superfície do terreno:
ρ a = 2.π .a
∆V I
[8]
O dispositivo Schlumberger caracteriza-se por satisfazer a relação AB > 5MN, calculando-se a resistividade aparente a partir da expressão: 2 ∆V AB π − MN ρ a = 4 MN I
[9]
É corrente dispôr-se de uma série de valores da constante geométrica k dados por: k =
AB 2 π − MN MN 4
[10]
tabelados para diferentes valores de AB e de MN . Isto é especialmente útil quando se efectuam
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
sondagens geoeléctricas. Com ambos os dispositivos mencionados pode-se realizar uma prospecção vertical (sondagens geoeléctricas), interessando diferentes profundidades, ou uma prospecção horizontal (perfis e rectângulo de resistividades aparentes), feita a profundidade praticamente constante. 8.2.3 Sondagens geoeléctricas Realiza-se uma sondagem geoeléctrica fazendo determinações de resistividades aparentes com vários comprimentos da linha AB de emissão da corrente eléctrica, mantendo fixo o centro do dispositivo de medida (Figura 8.6). Em seguida, traça-se um diagrama, geralmente em escalas bilogarítmas, colocando-se os valores de ρ a em ordenadas e os valores de AB /2 em abcissas. É sobre este diagrama que se faz a interpretação das medições realizadas.
Figura 8.6 - Sondagem geoeléctrica.
A interpretação destes diagramas poderá ser feita comparando-os com curvas teóricas calculadas por via matemática ou por meio de ensaios em modelo reduzido. Existem, por exemplo, colecções de curvas teóricas de sondagens eléctricas referentes a meios estratificados com superfícies de separação paralelas entre si e à superfície livre do terreno e sem limites laterais1. De referir que os diagramas de sondagens geoeléctricas apresentam também, e muitas vezes, perturbações que podem ser devidas a efeitos laterais, em zonas onde a estrutura tectónica se afasta 1
Compagnie Géneral de Géophysique.
8.8
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
da geometria de estratos planos e paralelos à superfície do terreno para a qual foram calculados os ábacos das curvas padrão. Como orientação geral, em princípio, serão de esperar menores perturbações no diagrama de sondagens geoeléctricas quando se dispõe a linha de emissão paralelamente ao eixo das estruturas. Por vezes a execução de sondagens geoeléctricas cruzadas pode esclarecer o que se passa. No entanto, o mais prudente será, caso a importância da questão o justifique, obter informação complementar por outra via, e depois orientar a linha de emissão da corrente eléctrica em conformidade com a direcção, o desenvolvimento lateral e inclinação das estruturas tectónicas. Actualmente, com o desenvolvimento das técnicas de cálculo automático, a interpretação foi grandemente simplificada, embora para geometrias especiais seja útil por vezes recorrer a estudos em modelo reduzido. Para quem interpreta os diagramas de sondagens é importante conhecer os trabalhos efectuados sobre o modelo reduzido, tendo em vista o estudo das influências nos diagramas de sondagens geoeléctricas, de filões electricamente resistentes ou condutores ou ainda da disposição de outros acidentes (inclinação dos estratos, falhas, etc.). Verifica-se então, que apesar de toda a evolução havida, continua a ser necessário possuir um modelo geoeléctrico inicial das estruturas geológicas em profundidade, em particular o número de camadas de que eventualmente o terreno é constituído e as respectivas resistividades e espessuras. Neste sentido, no caso de ter sido feita na zona de prospecção uma sondagem mecânica, é de toda a utilidade ser efectuada junto dela uma sondagem geoeléctrica a fim de se aferir a interpretação das curvas geoeléctricas de campo. Em relação aos dois dispositivos de medição antes referidos, não existe consenso generalizado sobre qual apresenta mais vantagens para a realização das sondagens geoeléctricas. O dispositivo Schlumberger apresenta maior facilidade de operação em campo, basicamente porque os eléctrodos de potencial se mantêm fixos ou são movimentados muito poucas vezes durante a execução da sondagem (Figura 8.7), donde resulta uma apreciável economia no material, esforço e tempo de trabalho. Além disso, quando se mantêm fixos os eléctrodos de potencial serão bastante atenuados ou mantêm-se constantes os efeitos causados por heterogeneidades de superfície, tornando possível distinguir o efeito devido a uma heterogeneidade superficial ou a uma variação de resistividade em profundidade. A estas vantagens os utilizadores do dispositivo Wenner contrapõem, para iguais comprimentos de linha de emissão e intensidade de corrente, uma maior resolução e profundidade de investigação do que a obtida com o dispositivo Schlumberger.
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.9
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.7 – Representação das sequências de leituras efectuadas numa sondagem eléctrica utilizando os dispositivos Schlumberger e Wenner.
8.2.4 Perfis e rectângulos de resistividades aparentes Realiza-se um perfil de resistividades AB fazendo determinações de resistividades aparentes com um dispositivo de medida de geometria constante, seja de Wenner ou Schlumberger, e que se faz deslocar ao longo dum alinhamento determinado (Figura 8.8). Deste modo a profundidade de investigação pode ser considerada constante ao longo do perfil.
Figura 8.8 – Perfil de resistividades aparentes
8.10
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Designa-se por rectângulo de resistividade um dispositivo geométrico caracterizado por se fazer deslocar os eléctrodos de potencial M e N ao longo de perfis paralelos ao alinhamento AB dos eléctrodos de corrente, que se mantêm fixos, e num comprimento de um terço de AB . O conjunto destes perfis desenha um rectângulo (Figura 8.9), onde o campo eléctrico, num meio homogéneo e isótropo, é praticamente constante. Para a realização de uma prospecção segundo uma configuração geométrica deste tipo apenas tem interesse empregar o dispositivo Schlumberger. A distância MN é geralmente pequena, variando entre /50 a AB /25, permitindo a realização de grande número de medições sem movimentação dos AB eléctrodos de corrente.
Figura 8.9 - Representação esquemática de um trabalho de prospecção geoeléctrica utilizando o rectângulo de resistividades.
Em virtude de se manter constante a distância AB da linha de emissão da corrente eléctrica, nestes dispositivos, faz-se uma prospecção praticamente a profundidade constante. Mas a escolha desta profundidade de investigação tem de basear-se em elementos recolhidos em sondagens mecânicas que porventura tenham sido efectuadas na zona a prospectar ou nas sondagens geoeléctricas realizadas previamente. A utilização do dispositivo rectângulo de resistividades será aconselhável em casos em se pretende identificar a estrutura tectónica do firme rochoso situado a uma certa profundidade sob uma cobertura de terreno. Para que as observações venham o menos possível influenciadas pelo material que constitui essa cobertura convirá empregar um dispositivo de grande linha de emissão de corrente, da ordem de dez vezes superior à espessura da cobertura (por ex.: para uma cobertura do firme rochoso da ordem das duas dezenas de metros convirá empregar um dispositivo com linha de emissão de corrente da ordem das duas centenas de metros). Se na zona a prospectar ocorrerem afloramentos,
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.11
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
então deverá empregar-se, em geral, o dispositivo do perfil de resistividades. A interpretação da sequência de valores de resistividades aparentes obtidos na realização de perfis ou rectângulos de resistividades aparentes limita-se, normalmente, a uma comparação desses valores, uns em relação aos outros. Por isso, tal interpretação tem apenas carácter qualitativo. Sempre que possível deverá fazer-se uma medição paramétrica de resistividade eléctrica especialmente nas zonas que apresentam os mais baixos valores dessa grandeza. Deste modo, poder-se-á correlacionar esses valores com o estado físico dos terrenos, o que é uma boa indicação para o estabelecimento das hipóteses sobre o estado de alteração das rochas evidenciado pelas observações registadas nas cartas de resistividades aparentes. 8.2.5 Cartas de resistividades aparentes As cartas de resistividades aparentes são traçadas a partir das observações obtidas com perfis e rectângulos de resistividades aparentes. Para traçar uma carta de resistividades aparentes procedese do modo a seguir indicado. Numa planta à escala adequada consoante o problema a estudar (1:200, 1:500 ou 1:1.000 por exemplo) implantam-se os valores de resistividades aparentes obtidos segundo os perfis realizados, estabelece-se o escalonamento de valores segundo uma lei aritmética, geométrica ou logarítmica e, em seguida, definem-se linhas de igual resistividade (isoresistividade), que constituem as fronteiras do escalonamento escolhido. O traçado destas linhas de isoresistividade deve iniciar-se nas zonas onde ou existem já informações de observação directa, ou se revelam bem definidos alinhamentos estruturais. Por vezes, há que escolher um outro escalonamento de valores de resistividades aparentes para que se evidencie a estrutura tectónica da área prospectada. A interpretação duma carta de resistividades aparentes depende pois, fundamentalmente, do conhecimento das características gerais da geologia da zona em estudo e de experiência pessoal. É indispensável explicar o significado geofísico e geológico de cada conjunto de valores de resistividade aparente e quais as relações prováveis entre eles. Em geral, os elementos fornecidos por uma carta de resistividades aparentes representam, de facto, as características geológicas existentes até à profundidade investigada. O que é necessário esclarecer ou confirmar é o significado de cada um dos elementos revelados, perante o problema que se pretende resolver. Na resolução de problemas de engenharia civil, a técnica de prospecção baseada no traçado de cartas de resistividades aparentes tem-se revelado de extrema utilidade pois permite delinear, com boa aproximação, a estrutura tectónica da zona prospectada. Definida esta, como já se salientou, a implantação de sondagens geoeléctricas e posteriormente de outros tipos de prospecção, por exemplo perfis de refracção sísmica ou sondagens mecânicas, pode ser feita com melhor
8.12
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
objectividade. Como exemplo do que se acaba de dizer, podem referir-se os estudos realizados para a construção do porto de Sines2, em que para tal era necessário dispor de uma quantidade considerável de materiais rochosos, na ordem dos 10 milhões de metros cúbicos, nomeadamente blocos. A selecção da pedreira para exploração dum tal volume de material com a qualidade adequada envolveu uma pesquisa inicial na zona, tendo-se concluído que só as formações ígneas do maciço de Sines eram satisfatórias para a instalação duma pedreira. A partir do reconhecimento geológico de superfície deste maciço, foi decidido estudar a formação de gabrodiorito no maciço de Chãos (Figura 8.10), considerada como a zona mais favorável. O estudo iniciou-se por uma campanha de prospecção geofísica consistindo na realização de perfis de resistividade eléctrica com o objectivo da elaboração da carta de resistividades da área, e com a realização de sondagens geoeléctricas e perfis sísmicos de refracção. Para a realização dos perfis de resistividade, foram utilizados valores de AB=180 m e MN=6 m na realização de perfis afastados de 30 m, cobrindo uma área de cerca de 1 km2. A interpretação dos resultados (Fig. 11) permitiu evidenciar três zonas: uma central com baixos valores da resistividade aparente (< 80 ohm.m) e duas laterais com valores bastante superiores. Sondagens geoeléctricas vieram mostrar que na sub-zona central os valores da baixa resistividade chegavam a atingir profundidades na ordem dos 50 m, enquanto nas sub-zonas laterais atingiam 6 a 15 m de profundidade. O programa de prospecção que se seguiu, incluindo perfis de refracção sísmica e sondagens mecânicas, foi conduzido por forma a clarificar desde logo o significado destas variações de resistividade.
2
consultar Memória nº 512, LNEC.
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.13
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.10 – Carta geológica da área de Sines
Figura 8.11 – Carta de resistividades aparentes da área da pedreira
8.14
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
8.3 MÉTODOs SÍSMICOS 8.3.1 Generalidades São três os métodos sísmicos que nos interessa referir. Eles individualizam-se de acordo com o tipo de onda elástica ou sísmica cuja velocidade de propagação se pretende determinar. Assim teremos o método sísmico de reflexão , o da refracção e o directo , consoante o tipo de onda elástica observado. Qualquer destes métodos utiliza o facto de formações geológicas diferentes apresentarem, em geral, diferentes velocidades de propagação de ondas elásticas. Estas ondas podem ser originadas pela detonação de um explosivo, pela queda de um grave, pela acção de um vibrador electrodinâmico, etc.. As velocidades de propagação são calculadas a partir da determinação do tempo de percurso entre vários pontos cuja localização é bem conhecida, podendo esse percurso ser seguido directamente, por refracção ou por reflexão. O método sísmico directo toma muitas vezes a designação de método microssísmico . Isso porque, para se avaliar a velocidade duma onda que se propaga directamente da origem ao ponto de recepção, antes da chegada de ondas refractadas e reflectidas, a distância entre aqueles pontos terá de ser da ordem de alguns metros apenas sendo o tempo de percurso de onda da ordem dos microssegundos. Por este motivo será suficiente empregar uma quantidade mínima de explosivo (uma cápsula eléctrica, por exemplo) ou a queda de uma pequena massa para se originar uma onda elástica de pequena amplitude, O método de reflexão sísmica tem sido empregue sobretudo na prospecção de grandes profundidades, da ordem das várias centenas e milhares de metros; porém, dispõe-se hoje já de técnicas que permitem a sua aplicação na prospecção de pequenas profundidades, na ordem das dezenas de metros. Está neste caso a técnica da reflexão sísmica-contínua utilizada na prospecção de fundos de estuários, empregando como fonte de energia sísmica, por exemplo, impulsos acústicos ou descargas eléctricas entre diversos eléctrodos, a uma frequência determinada. Em trabalhos de engenharia civil, o método sísmico de refracção tem sido o de utilização mais frequente. Aplica-se em várias situações quando interessa prospectar profundidades da ordem das dezenas de metros. O fundamento dos métodos sísmicos referidos baseia-se na teoria da elasticidade e, portanto, nas relações entre tensões e deformações, na fase elástica. Se a tensão aplicada num meio elástico deixa instantaneamente de actuar a deformação unitária ou extensão por ela originada propaga-se nesse meio como uma onda elástica. Num meio sólido semi-indefinido, homogéneo e isotrópico, propagam-se diversos tipos de ondas elásticas, volumétricas, quando se propagam no interior do meio considerado, e superficiais, quando se propagam à superfície desse meio. Assim, podem ocorrer:
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.15
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Ondas volumétricas de dilatação , longitudinais ou ondas P , quando o movimento das partículas do meio se processa na mesma direcção de propagação da onda elástica (Figura 8.12). A sua velocidade V P , deduzida da teoria da elasticidade é dada pela expressão:
V P
=
(1 − υ ) δ (1 + υ )(1 − 2υ ) E
[11]
em que: V P – a velocidade de propagação longitudinal (m/s); E - o módulo de Young ou de elasticidade (Pa)
δ - a massa específica (kg/m3) υ - o coeficiente de Poisson
Como se observa por esta expressão a velocidade de propagação longitudinal de uma onda elástica está intimamente ligada às características mecânicas e por isso a sua determinação apresenta um grande interesse sob o ponto de vista da classificação mecânica dos terrenos.
Figura 8.12 - Ondas volumétricas longitudinais (V P) e transversais (V S ). Ondas superficiais de Raleigh ( R) e de Love ( L).
Ondas volumétricas de corte , transversais ou ondas S , caracterizadas pelo facto das partículas do meio se movimentarem numa direcção transversal ou ortogonal à direcção de propagação
8.16
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
da onda elástica (Figura 8.13). A sua velocidade V S é dada pela seguinte expressão:
V S
=
E
1
δ 2(1 + υ )
=
G
[12]
δ
sendo G o módulo de elasticidade transversal. As velocidades transversais são menores que as velocidades longitudinais, variando a relação entre elas de acordo com a natureza dos materiais.
Ondas Rayleigh , que são ondas superficiais, em que as partículas descrevem elipses num plano vertical que contém a direcção de propagação da onda. À superfície o movimento das partículas faz-se em sentido contrário ao da onda. A velocidade V R das ondas de Rayleigh é aproximadamente igual a 0,9V S.
Ondas de Love , que são também ondas superficiais mas diferem das ondas de Rayleigh pelo facto das partículas oscilarem transversalmente à direcção de propagação da onda e num plano paralelo à superfície. As ondas de Love são, pois, ondas transversais. Estas ondas podem ser observadas quando a velocidade no estrato superior é menor que no estrato inferior.
As ondas volumétricas apresentam um espectro de frequências que vão de aproximadamente de 15 Hz até 100 Hz; as ondas de superfície têm frequências inferiores, cerca de 15 Hz. No Quadro II apresentam-se valores de velocidade de ondas P e S para alguns tipos de materiais.
Quadro II MATERIAL Ar gua Areia Calcários Granitos
VELOCIDADES (m/s) V P
330 1450 300 – 800 3500 – 6500 4600 - 7000
V S
100 – 500 1800 – 3800 2500 - 5000
Geralmente as rochas ígneas e cristalinas apresentam maiores velocidades de propagação do que as rochas sedimentares. Estas velocidades tendem a aumentar com a profundidade. Nos meios estratificados é frequente observar-se anisotropia nas velocidades sísmicas: na direcção paralela ao estrato é geralmente maior, da ordem dos 10 a 15%, do que na direcção transversal. As leis de propagação dos impulsos sísmicos, originados por explosões, pela queda de um grave, ou
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.17
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
pela acção de um vibrador, são ainda deficientemente conhecidas. Porém, no que se refere à aplicação dos métodos sísmicos à resolução de problemas de engenharia civil em que é relativamente pequena a tensão que é necessário aplicar ao terreno para nele induzir uma onda elástica, pode-se aplicar em primeira aproximação a teoria radial. Convém no entanto ter presente que, normalmente, só a partir de certa distância do ponto onde se aplicou a tensão de deformação se inicia a propagação duma onda elástica. Antes dessa zona, não se verifica proporcionalidade entre as tensões e as deformações existentes no terreno, isto é, a zona perturbada deixou de ser elástica. A proximidade da origem das ondas elásticas poderá ter grande importância, principalmente quando das aplicações do método microssísmico. 8.3.2 Método da refracção sísmica 8.3.2.1 Princípios do método
A base do método da refracção sísmica está na extensão da lei de Descartes-Shell da Óptica às ondas sísmicas longitudinais. Na Figura 8.13 mostra o esquema de prospecção com este método.
Figura 8.13 - Modo de funcionamento dum esquema de prospecção sísmica pelo método da refracção.
Considerando duas formações homogéneas contíguas separadas por uma superfície plana e paralela à superfície plana da formação superior (Figura 8.14) e se as ondas sísmicas tiverem nesta formação uma velocidade de propagação V 1 e na formação inferior uma velocidade V 2 tal que V 2 > V 1, poderá observar-se o fenómeno da refracção sísmica.
8.18
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.14 - Método da refracção sísmica: 2 estratos com o superior de espessura constante.
Provocando uma perturbação num ponto S à superfície do primeiro terreno, originar-se-á um trem de ondas esféricas. Como na Óptica, pode-se considerar que os raios são normais às superfícies da frente de onda. Aplicando-se então a lei de Decartes tem-se: V 1 V 2
em que
i1
=
sen i1
[13]
sen i2
e i2 são os ângulos de incidência e de refracção do raio sísmico. O raio SA com o ângulo
crítico de incidência sofre uma refracção de modo que é i2 =90º e segue ao longo da fronteira entre os dois terrenos. Obviamente, isto apenas é possível se for V > V , conforme se admitiu aliás. 2
1
Desta forma cada ponto da superfície de separação dos dois meios é fonte duma onda e dele emerge, por exemplo, o raio sísmico BG que fazendo o ângulo i com a interface, alcança o geofone G c
colocado na superfície livre. Se o geofone
G
está colocado nas proximidades do ponto S de detonação (que se considera por
simplificação colocado à superfície) a primeira deflexão (Kick) do galvanómetro será devida à chegada de uma onda elástica directa propagando-se segundo
SG
. Passado algum tempo será
observada uma segunda deflexão correspondente à chegada de uma onda refractada ou reflectida. Porém, se SG é suficientemente grande "a primeira chegada", isto é, a primeira deflexão do
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.19
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
galvanómetro, corresponderá à onda que seguiu o percurso SABG porque no trajecto AB a velocidade de propagação é
V 2
, maior que
, e por esse percurso suficientemente longo para que a onda
V 1
refractada chegue ao geofone primeiro do que a onda directa, que se propaga com a velocidade V . 1
O tempo do percurso da onda directa é dado por: t =
x
[14]
V 1
Para as condições geométricas definidas, a representação gráfica desta equação com as variáveis x em abcissas e t em ordenadas é uma recta passando pela origem e de inclinação 1/ V1 (Figura 8.14). A esta representação gráfica dá-se o nome de dromocrónica . Como sen i = V 1 / V 2 , a equação que exprime o tempo de percurso ao longo do trajecto SABG poderá c
ser expressa por: t =
x
− 2h1. tan ic
2 h1
+
V 2
V 1 cos ic
ou seja t =
x V 2
+ 2h1
1
−
V 1 cos ic
tan ic
cos ic x = 2h1 + V V 2 1
V 2
Atendendo a que 2
cos ic = 1 − sen ic =
V 2
− V 12
V 2
virá então: t =
x V 2
2h1 V 2 − V 1 2
+
2
[15]
V 1V 2
que é também uma recta mas de inclinação
1/V 2
e cuja ordenada na origem é representada pelo
segundo termo da equação [15]. Igualando os tempos de percurso dados pelas equações [14] e [15] obtém-se o valor da abcissa = xc
que corresponde ao ponto de cruzamento das duas rectas de inclinação
1/ V1
e
x
1/ V 2,
representando as leis de propagação das ondas refractas no meio situado à profundidade h . Para 1
além desta distância x as ondas refractadas são as que chegam primeiro aos geofones. c
8.20
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
É fácil mostrar que xc
= 2h1
V 2
+ V 1
V 2
− V 1
[16]
Portanto, a partir do traçado de dromocrónicas é possível calcular as velocidades de propagação de ondas elásticas nos diversos terrenos e tanto a expressão [15] como a expressão [16] permitirão calcular a profundidade a que se encontra a segunda formação de velocidadeV > V . 2
Para o caso de três estratos com velocidades V , 1
SABG
ao longo da primeira interface e
SCDEFG
V 2
e
(
V 3 V 3
>V 2 >V 1)
1
haverá dois raios refractados:
ao longo da segunda (Figura 8.15). Como se viu
anteriormente, para percursos muito curtos, as primeiras chegadas correspondem às ondas directas. Para distâncias maiores chegarão primeiro as ondas que seguem o trajecto SABG e para distâncias ainda maiores, entre a explosão e os geofones, chegarão primeiro as ondas que se propagam segundo o trajecto SCDEFG. A dromocrónica neste caso é composta por três rectas de inclinações 1/ V , 1/ V e 1/ V , interceptando1
2
3
se nos pontos de abcissas x e x' . A profundidade h do primeiro estrato pode ser calculada a partir da c
1
expressão [16] e a espessura do segundo estrato pode ser calculada a partir da expressão [17], cuja demonstração é apresentada no Quadro III
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.21
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.15 - Método da refracção sísmica: 3 estratos com os 2 superiores de espessura constante.
'
x (V 3
− V 2 ) =
2h1 V 1
V 2
2
V 3
− V 12 − V 3
2
V 2
− V 12 + 2h2
2
V 3
− V 22
[17]
Quadro III
8.22
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Estas relações são extensivas a qualquer número de estratos, paralelos à superfície livre do terreno, desde que a velocidade de propagação em cada estrato seja superior à do estrato anterior. Em geral haverá tantos segmentos rectos na dromocrónica quantos forem os estratos. Contudo, se um estrato não é suficientemente espesso ou não apresenta um contraste de velocidades suficientemente grande em relação ao estrato anterior pode não desenhar-se na dromocrónica o segmento que lhe corresponderá. Isto será, evidentemente, uma causa de erro na determinação das profundidades dos estratos inferiores. Tais estratos finos podem, no entanto, ser, por vezes, detectados a partir do registo das segundas chegadas (Figura 8.16).
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.23
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.16 - A dromocrónica das "primeiras chegadas" pode não acusar um estrato fino
Se a velocidade cresce com a profundidade mas apenas linearmente, como acontece muitas vezes, a dromocrónica será definida por uma linha curva de concavidade voltada para o eixo das abcissas. Mas se o estrato tem uma velocidade inferior ao estrato superior não haverá refracção porque, Figura 8.14, i será sempre menor que i . Não se propagará então energia ao longo desse estrato e portanto 2
1
não aparecerá na dromocrónica qualquer ponto ou segmento que lhe corresponda. Da interpretação desta dromocrónica resultará uma maior profundidade para o estrato de maior velocidade que se lhe segue (Figura 8.17). A aplicação do método de refracção nestes casos requer um conhecimento, ao menos genérico, da geologia do local e da espessura desse estrato de baixa velocidade. Esta espessura poderá ser conhecida através duma sondagem mecânica ou pela aplicação do método geofísico da resistividade eléctrica (sondagem geoeléctrica). Quanto à determinação da velocidade das ondas que nele se propagam poder-se-á empregar uma das técnicas adiante descritas no item referente à microssísmica, que permitem medições das velocidades de propagação das ondas directas ao longo dum furo ou entre pontos desse furo e outros pontos localizados à superfície nas imediações do furo.
8.24
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.17 – a) Sequência estratigráfica com inclusão de um estrato com menor velocidade de propagação duma onda sísmica; b) Interpretação derivada da aplicação da sísmica de refração.
Para o caso da superfície de separação de dois estratos ser inclinada em relação à superfície livre do terreno (Figura 8.18) é fácil mostrar que o tempo correspondente ao percurso de uma onda pelo trajecto ascendente S A B G, originada em S é calculado pela expressão: 1
1
1
1
t =
2 Z 1 cos ic V 1
+
x V 1
sen(ic
− θ )
[18]
Figura 8.18 - Método da refracção sísmica: 2 estratos com o superior de espessura variável.
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.25
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
e para o trajecto descendente S A B G, a partir duma origem em S , será dado por: 2
2
t =
2
2
2 Z 2 cos ic
+
V 1
x V 1
sen(ic
+ θ )
[19]
A dromocrónica correspondente aos raios directos tem a inclinação 1/ V quer tenham origem na 1
detonação
S 1
ou
. Porém, os segmentos correspondentes ao raio refracto ascendente têm uma
S 2
inclinação sen(i -θ )/ V , enquanto o correspondente ao raio refracto descendente tem uma inclinação c
1
de sen(i +θ )/ V . c
1
O valor recíproco da primeira destas inclinações é a velocidade aparente ascendente V u
=
:
V u
V 1
sen (ic − θ )
[20]
enquanto o valor recíproco da segunda daquelas inclinações é a velocidade aparente descendente V
d
V d
=
V 1
sen (ic + θ )
[21]
Resolvendo o sistema formado pelas equações [20] e [21], obtém-se a expressão que permite determinar o valor da inclinação θ da interface: θ =
V 1 −1 V 1 sen − sen −1 1 2 V d V u
[22]
bem como o valor do ângulo de incidência crítico: ic
=
1 V V sen −1 1 + sen −1 1 V u V d 2
[23]
As profundidades Ζ 1 e Ζ 2 são obtidas a partir das expressões [18] e [19] substituindo nelas
ic
e
θ calculados pelas expressões [22] e [23] e o tempo t e a distância x pelos valores correspondentes às
intercepções dos segmentos das dromocrónicas respectivas.
8.26
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
O valor da velocidade verdadeira do estrato inferior será dado pela expressão: 2 cosθ V 2 = 1 1 + V u
V d
[24]
Para pequenas inclinações da interface pode considerar-se a expressão simplificada: V 2
=
2V uV d V u
+ V d
[25]
Este tratamento pode aplicar-se também ao caso em que existem mais do que dois estratos de superfície de separação inclinadas em relação à superfície livre do terreno. Não interessa estar aqui a pormenorizar um maior número de casos, recomendando-se para estudo complementar o livro de Heiland "Geophysical Exploration" . Nas referências anteriores consideraram-se unicamente os valores relativos das velocidades das ondas longitudinais. Numa prospecção sísmica pelo método da refracção podem também empregarse geofones particularmente sensíveis às ondas transversais, de maneira análoga à técnica tradicional com utilização de geofones especialmente sensíveis às ondas longitudinais. Poderão assim determinar-se os dois tipos de ondas volumétricas e, consequentemente, certas propriedades mecânicas do meio, o que é quase sempre de grande interesse nos problemas de engenharia civil. Na Figura 8.19 apresenta-se uma correlação aproximada entre diversos tipos de terrenos e relações entre velocidades de ondas longitudinais (V ) e de ondas transversais (V ) para diversos valores de P
S
ondas longitudinais (V ). P
Figura 8.19 - Relações, aproximadas, entre diversas formações geológicas e os valores das velocidades de propagação das ondas longitudinais (V P ) e transversais (V S ).
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.27
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Observando-se altos valores de V e valores da relação V / V da ordem de √3, deve estar-se na P
P
S
presença de rocha sã.
Valores baixos de V e valores da relação V / V da ordem de √3, corresponderão provavelmente P
P
S
a areias mais ou menos grosseiras.
Existindo baixos valores de
, mas altos valores da relação
V P
, deverá ocorrer material
V P / V S
argiloso normalmente acima do nível freático.
Ocorrendo velocidades longitudinais V P com valores da ordem dos 1500 m/s e altos valores da relação V / V , isso poderá significar a existência de argilas brandas abaixo do nível freático. P
S
8.3.2.2 Aplicação do método da refracção sísmica
Este método aplica-se normalmente com os objectivos de se conhecer em profundidade as características geológicas correlacionáveis com as velocidades de propagação das ondas elásticas (zonas e espessuras de alteração, possança de estratos, etc.) e as características mecânicas das diversas formações interessadas pela prospecção. Para se alcançar estes objectivos é corrente colocarem-se os geofones alinhados sobre uma superfície livre do terreno, do leito dum rio, duma galeria, etc., e fazer-se rebentar uma carga de explosivo num pequeno furo colocado numa das extremidades do perfil de geofones. Mostra a experiência que o comprimento deste perfil deve ser cerca de quatro vezes a profundidade até onde se pretende investigar. Evidentemente que o dispositivo de observação deve ser disposto de forma que as medições não sejam afectadas por efeitos laterais observáveis à superfície. Para se conseguir a caracterização mecânica das formações, por exemplo, através do módulo de elasticidade dinâmica, torna-se necessário conhecer as velocidades das ondas longitudinais e transversais. Para isso convirá empregar geofones especialmente construídos para receberem ou as ondas longitudinais ou as ondas transversais, de preferência a procurar obter-se nos sismogramas tradicionais as chegadas correspondentes às ondas transversais. No respeitante à caracterização das formações com vista a definir a sua ripabilidade é costume determinar apenas as velocidades das ondas longitudinais, o que é evidentemente um informação limitada. Neste caso, estabelece-se uma correlação empírica entre velocidades de propagação longitudinal e capacidades de ripagem de diversos equipamentos tipo "ripper". A título exemplificativo, apresenta-se na Figura 8.20 uma carta de ripabilidades para um "ripper" D9G da Catterpillar. Evidentemente que os limites nela indicados não podem ser rigidamente aplicados visto a ripabilidade depender não só da velocidade sísmica, que, efectivamente, integra diversos parâmetros que caracterizam os terrenos, como por exemplo o seu diaclasamento, mas depender também da
8.28
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
espessura, natureza e sucessão dos materiais. Em suma, o método da refracção sísmica é aplicável na resolução de um grande número de problemas da engenharia civil, pelo que é bastante frequente a sua utilização, sendo referir diversas aplicações, tais como:
avaliação do volume de terras em manchas de empréstimo para barragens;
estudo de locais de pedreiras;
avaliação das condições de escavabilidade dos terrenos para inserção de obras, tais como canais, estradas e vias férreas; avaliação das características mecânicas das fundações de estruturas.
Figura 8.20 - Carta de ripabilidades para "ripper" D9G (PERFOMANCE (PERFOMANCE HANDBOOK HANDBOOK - Edition 2)
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.29
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
8.3.3 Método da reflexão sísmica 8.3.3.1 Aspectos gerais
A aplicação deste método na resolução de problemas de engenharia civil é relativamente recente. O seu grande desenvolvimento resultou das necessidades ligadas aos trabalhos de prospecção petrolífera, onde alcançam profundidades da ordem do quilómetro. No caso das obras de engenharia civil é raro ultrapassar-se a centena de metros de profundidade. Ultimamente a técnica designada por reflexão sísmica contínua tem tido grande aplicação na prospecção de zonas de implantação de obras de engenharia civil, particularmente no mar, junto à costa, em estuários de rios e em albufeiras. A prospecção através de perfis de reflexão sísmica contínua em meio aquático consiste na geração e emissão de energia sob a forma de impulsos acústicos, próximo da superfície, e na recepção, sob a forma de sinais eléctricos, de parte dessa energia que é reflectida em profundidade, em interfaces entre meios cujas propriedades acústicas apresentam suficiente contraste entre si (Figura 8.21).
Figura 8.21 - Esquema simplificado do princípio do método de reflexão reflexão sísmica, em meio aquático.
Os impulsos acústicos, com frequências de pico que podem variar desde os 10 HZ a cerca de 20 kHz, consoante os tipos de fontes de energia e transdutores usados, são emitidos de uma forma praticamente contínua, isto é, em intervalos de tempo muito pequenos, por exemplo 0,25 segundos, sendo também feito de igual modo contínuo, a recepção dos sinais. Nestas circunstâncias, do ponto de vista teórico, o método permite a obtenção de secções contínuas de sinais, sobre as quais é possível visualizar e delinear reflexões, as quais poderão evidenciar estruturas geológicas sub-
8.30
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
superficiais. Enquanto na Figura 8.21 se mostra, em esquema simplificado, o princípio do método, na Figura 8.22 apresenta-se o dispositivo normalmente usado na prospecção por reflexão sísmica. Os impulsos acústicos são gerados a partir de fontes de energia ou transdutores apropriados e para recepção são utilizados hidrofones.
Figura 8.22 – Dispositivo utilizado na prospecção por reflexão sísmica, em meio aquático.
Para a execução de um perfil, o transdutor (emissor de impulsos) e o cabo de hidrofones (conjunto de receptores) são colocados na água e rebocados ao longo do perfil por um barco ou por uma plataforma flutuante. Os impulsos emitidos propagam-se e reflectem-se em primeiro lugar na interface água-terreno (no fundo do rio ou oceano) e subsequentemente nas sucessivas interfaces subjacentes. A energia captada pelo conjunto dos hidrofones inclui para além da energia reflectida nas várias interfaces existentes, vários outros tipos de energia que dificultam o tratamento da informação e interpretação dos resultados, como a energia eventualmente refractada, energia difractada, energia reflectida múltipla (Figura 8.23) e também a resultante de perturbações à superfície como a ondulação, correntes, etc.. 8.3.3.2 Fundamentos e factores factores intervenientes no processo processo
A reflexão da energia acústica ocorre em várias interfaces, devido ao facto, já anteriormente referido, de meios atravessados possuírem características diferentes, nomeadamente nos seus valores relativos aos parâmetros massa volúmica e velocidade de propagação das ondas de compressão (ondas P). Estes dois parâmetros servem de base à definição do conceito de impedância acústica de um meio, a qual é definida como o produto da velocidade de propagação das ondas P pela massa
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.31
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
volúmica desse meio. Numa interface entre dois meios, quanto maior for o contraste relativamente às suas impedâncias acústicas, maior será a quantidade de energia reflectida, e consequentemente maior expressão terá nos sinais captados à superfície, essencialmente em termos de amplitude. Considerando incidências normais a uma interface, pode-se definir o parâmetro designado por coeficiente de reflexão ou reflectividade R , função dos valores da massa volúmica e da velocidade ou reflectividade R de propagação V P P dos dois meios envolvidos, que exprime a relação de amplitude de uma onda reflectida relativamente à amplitude de uma onda incidente: R
=
ρ 2V 2 − ρ 1V 1 ρ 2V 2 + ρ 1V 1 P
P
P
P
[26]
No Quadro IV são apresentados os valores típicos do coeficiente de reflexão entre vários tipos de meios. Da análise desse quadro verifica-se o seguinte:
com excepção das interfaces interfaces entre entre os meios “água-ar ”, em geral os maiores água-ar ” ou “ar-água ”, coeficientes de reflexão atingem-se em interfaces entre os meios “água-rocha ”, “água-areia ”, ”, e água-rocha ”, consolidados-rocha ”; entre “sedimentos pouco consolidados-rocha ”;
os valores mínimos verificam-se verificam -se entre meios de sedimentos pouco consolidados, como por exemplo em “lodo-argila ” ou “argila-areia ”; ”; a probabilidade de se obterem à superfície reflexões de interfaces “sedimentos pouco consolidados-rocha ” é maior do que para interfaces entre sedimentos do tipo “lodo-argila ” ou “argila-areia ”, ”, uma vez que os primeiros tipos de interfaces normalmente apresentam maiores coeficientes de reflexão; as interfaces do tipo “água-lodo ” ou mesmo “água-argila ” apresentam coeficientes de reflexão mais baixos do que as do tipo “água-areia ”, ”, permitindo deste modo, que mais energia seja transmitida aos meios subjacentes e que, de um modo relativo, a penetração da energia emitida à superfície possa atingir maiores profundidades.
8.32
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Quadro IV – Valores típicos do coeficiente de reflexão entre vários meios TIPOS DE INTERFACES
COEFICIENTE DE REFLEXÃO - R
Água - Ar
-1
Água – Lodo
0,05 – 0,1
Água – Argila/Silte
0,1 – 0,2
Água – Areia
0,3 – 0,4
Água – Calcário
0,5
Lodo – Argila/Silte
0,1
Argila – Areia
0,1
Areia – Calcário
0,2
Argila – Calcário
0,3
Areia – Granito
0,4
Quando se recorre à reflexão sísmica em meio aquático, e principalmente em situações em que os fundos sejam pouco profundos, as reflexões múltiplas na interface “água-terreno ”, ”, podem aparecer, havendo mesmo situações em que praticamente impossibilitam a interpretação dos registos. São nomeadamente de referir os casos em que múltiplas coincidem com reflexões simples originadas noutras interfaces, ou quando, pela sua quantidade ao longo da secção, dificultam grandemente a distinção entre os diferentes tipos de reflexão. Geralmente nos registos, as reflexões múltiplas mais simples são reconhecidas por se apresentarem igualmente espaçadas entre si. Importa ainda referir que para uma correcta interpretação dos registos, é fundamental distinguir as reflexões simples ou primárias, provenientes de verdadeiros reflectores (interfaces), das reflexões múltiplas geradas adicionalmente (Figura 8.23).
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.33
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.23 – Representação esquemática de alguns tipos de reflexões múltiplas.
Para além do contraste entre impedâncias dos meios, outra característica que influencia o grau de qualidade das imagens, e consequentemente dos resultados obtidos, é a resolução da própria imagem. A resolução caracteriza-se pela capacidade de separar interfaces ou objectos que estejam próximos, ou seja, refere-se à distância mínima entre interfaces de camadas adjacentes que podem ser visualmente discriminadas na imagem produzida no equipamento. A resolução está directamente relacionada com a frequência e com a duração do impulso, os quais dependem do tipo de equipamento e do tipo de fonte de energia. Fontes de energia que emitem impulsos de alta frequência têm maior capacidade de detectar camadas pouco espessas. Na Figura 8.24 representa-se, esquematicamente, a capacidade de vários tipos de fontes de energia, em termos de profundidade de penetração e resolução, em função da gama de frequências emitidas. Pode-se observar que sistemas emitindo impulsos com frequências no intervalo 1-10 kHz conseguem, em teoria, uma resolução de cerca de 15 cm, enquanto que os sistemas que emitem, por exemplo, em frequências de 400 ou 500 Hz têm uma resolução de cerca de 1,5 a 3 metros, dependendo do tipo de fonte.
8.34
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.24 – Profundidades de penetração e resolução de várias fontes de energia com diferentes frequências de impulsos (Datasonics, Inc. - 1992).
Os sistemas de maior resolução, com emissão de impulsos com frequências superiores a 1 kHz, em geral têm uma penetração bastante mais limitada, em termos de profundidade atingida, quando comparados aos de mais baixa resolução. Deste modo, a discretização de camadas pouco espessas está assim dependente do tipo de fonte de energia usada. Além disso, para se obter reflectores provenientes de maiores profundidades terá de ser usado um equipamento que emita impulsos de menor frequência, o que inevitavelmente se traduzirá numa redução do nível de resolução do conjunto da imagem, de acordo com a representação gráfica da Figura 8.24. Embora, como se referiu, a prospecção sísmica pelo método da reflexão tenha grandes potencialidades, verifica-se que existem ainda grandes limitações à sua utilização, inerente aos métodos de prospecção indirecta, associados aos riscos elevados de interpretações incorrectas dos elementos colhidos. No entanto, reconhece-se, que em associação com outros métodos de prospecção, pode desempenhar um importante papel nos trabalhos de reconhecimento dos maciços interessados pelas obras de engenharia civil. 8.3.4 Método sísmico directo Este método é caracterizado, quando comparado com os métodos sísmicos atrás descritos, pelas pequenas distâncias existentes entre a fonte emissora e os diversos pontos de observação, daí ser corrente designar-se também como método microssísmico. As ondas elásticas são originadas pela detonação de uma carga explosiva muito pequena (por ex., uma cápsula eléctrica), pela queda de um pequeno corpo, ou pela aplicação de fontes vibratórias de pequena intensidade e/ou de frequência ultra-sónica.
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.35
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Com esta técnica pretende-se estudar pequenos volumes de maciço, seja com o objectivo de permitir o seu zonamento, ou de localizar zonas de terreno em processos de rotura ou, ainda, para determinar as suas características elásticas dinâmicas. Uma das formas mais correntes da aplicação prática deste método, já referida no capítulo dedicado à classificação de terrenos, consiste na avaliação, em laboratório, das propriedades físicas mecânicas de amostras intactas de rocha recolhidas com os tradicionais meios de prospecção mecânica. A comparação entre características exibidas por essas amostras e as exibidas pelo maciço donde foram retiradas pode fornecer uma ajuda preciosa na caracterização deste último. A medição das velocidades poderá ser realizada ao longo dum furo de sondagem, dando os resultados origem ao que é designado por diagrafia sónica (ver Figura 8.25). Na condução da prospecção sísmica recorrendo a método sísmico directo é, no entanto, mais frequente a realização de leques sísmicos, que podem ser estabelecidos entre furos, ou entre furos e a superfície natural do terreno ou qualquer outra superfície acessível, como seja o caso duma galeria de reconhecimento geológico. Na Figura 8.26 mostram-se vários esquemas de aplicação deste método, anotando-se que existem dispositivos que permitem não só o registo das velocidades das ondas longitudinais mas também das ondas transversais. Os ensaios sísmicos entre furos (cross-hole method ) consistem em colocar a fonte de energia sísmica a profundidades sucessivas num determinado furo, e receber as ondas sísmicas assim geradas, em diversos receptores colocados ao longo de um furo adjacente.
8.36
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.25 – Representação dos resultados da interpretação duma diagrafia sónica realizada num furo de sondagem e correlação com outros parâmetros geotécnicos.
Os ensaios sísmicos entre furos e a superfície consistem em colocar igualmente a fonte de energia sísmica a profundidades sucessivas num determinado furo de sondagem, e receber as ondas geradas ao longo de um alinhamento de receptores colocados na superfície (up-hole method ), geralmente na vizinhança do furo. Também poderá proceder-se de forma inversa, com a fonte emissora de energia sísmica à superfície e dispondo os receptores ao longo do furo de sondagem (down-hole method ). Esta multiplicidade de posições da fonte sísmica e dos receptores, tem como objectivo produzir uma elevada densidade espacial e uma cobertura angular de raios sísmicos o bastante completa, na secção ou secções em estudo.
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.37
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.26 – Método sísmico directo: representações esquemáticas para realização de diagrafias e leques sísmicos.
8.38
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Os leques sísmicos, especialmente os leques entre furos, apresentam, relativamente aos métodos sísmicos da refracção e da reflexão de superfície, e dependendo da aplicação em causa, algumas vantagens tais como:
redução da influência perturbadora dos terrenos de cobertura;
diminuição do trajecto das ondas sísmicas para uma mesma área de investigação;
as primeiras ondas chegadas ao receptores são normalmente as ondas directas, correspondentes aos raios sísmicos rectilíneos; eventual detecção de camadas de baixa velocidade, subjacentes a camadas de velocidade superior.
Nos ensaios de leques sísmicos, há que ter em conta que a hipótese de que as primeiras ondas chegadas aos receptores correspondem aos trajectos rectilíneos (directos) é tanto menos realista quanto maiores forem as distâncias entre as fontes sísmicas e os receptores e/ou quanto maiores forem os contrastes de velocidade no(s) meio(s) atravessados pelas ondas, situações em que aumenta a probabilidade das primeiras ondas chegadas aos receptores serem refractadas e não directas. A interpretação dos resultados dos leques sísmicos, quer entre furos, quer entre furos e a superfície, é normalmente efectuada através da tomografia sísmica de velocidades. Com esta técnica de tratamento da informação, é possível proceder à representação gráfica através de linhas de isovelocidade de propagação das ondas, segundo as secções ou perfis correspondentes aos planos dos leques. Este modelo de interpretação das velocidades é um elemento complementar de grande interesse nas situações em que se pretende proceder ao zonamento dos maciços de fundação. Na Figura 8.27 representa-se, a título de exemplo, a interpretação de dois tipos leques sísmicos em que foi utilizada a técnica do “cross hole ”, realizados por ocasião dum trabalho de reconhecimento geológico e caracterização geotécnica do maciço rochoso de fundação duma barragem no rio Ceira. No leque entre dois furos foi utilizada uma bateria de hidrofones colocada num dos furos, enquanto no leque realizado entre o furo e a superfície foram utilizados geofones colocados à superfície. Os resultados das tomografias sísmicas foram então um dos elementos utilizados, conjuntamente com um vasto leque de informações obtidas por outros processos de caracterização geotécnica, para proceder ao zonamento do maciço de fundação da barragem.
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.39
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 8.27 – Representação de leques sísmicos com indicação das posições da fonte emissora e do local de recepção (hidrofones) e respectiva interpretação através de tomografias com a representação das isolinhas de velocidades de propagação das ondas directas.
8.40
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
8.4 MÉTODO Do radar A aplicação do radar no campo do reconhecimento geológico é bastante recente mas tem tido grandes desenvolvimentos que lhe auspiciam um campo de aplicação promissor. O radar é um aparelho portátil (Figura 8.28) operando com frequências muito elevadas (50 MHz a 2,5 GHz) e que é utilizado em terra duma forma análoga à utilizada na obtenção de perfis sísmicos pelo método da reflexão. Uma antena emite ondas electromagnéticas e recebe sinais reflectidos que são transformados em imagens semi-contínuas à medida que a antena é deslocada sobre a superfície do terreno.
Figura 8.28 – Identificação de fenómenos de dissolução (ver setas) no seio de margas gresosas no contacto ou a uma pequena distância da parede revestida duma obra de saneamento (catálogo da CGG)
O radar pode ser utilizado com êxito na detecção de estruturas geológicas ocultas por coberturas pouco espessas de terreno, dum pavimento ou de paredes em contacto com o terreno e podem permitir a localização de vazios naturais, de zonas onde ocorreram colapsos ou de canalizações enterradas, de fracturas, estratificações, falhas, etc.. Em todas as aplicações, os materiais condutivos, nomeadamente solos argilosos e água salgada, tendem a absorver o sinal emitido pelo radar limitando a profundidade de investigação. A máxima profundidade de pesquisa está correlacionada com a resistividade dos solos de cobertura, indicandose no Quadro IV a ordem de grandeza dessas profundidades.
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
8.41
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Quadro IV – Profundidades de pesquisa pelo método do radar Resistividade
Profundidade máxima de
(ohm.m)
investigação (m)
2000
30
1000
15
500
8
250
4
125
2,5
Além das limitações referidas quanto à profundidade de pesquisa, o método baseado nas medições com o radar tem as limitações comuns aos métodos de prospecção geofísica, pelo que, para determinações absolutas, deve recorrer-se à observação directa das formações através dos métodos de prospecção mecânica e à caracterização por ensaios.
8.42
PROSPECÇÃO GEOFÍSICA
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
9. RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
No Vocabulário sobre prospecção de terrenos que constitui a especificação do LNEC E-219 vem definido reconhecimento como "Exame preliminar do terreno e das condições locais para determinado fim". Com efeito, não se deve iniciar o estudo geológico e geotécnico de qualquer maciço interessado por obras de engenharia civil, sem proceder ao seu reconhecimento. No capítulo inicial desta disciplina houve já oportunidade de fazer algumas referências em relação ao tema, voltando agora a tratá-lo, com um pouco mais de pormenor, como a primeira fase do estudo geológico e geotécnico de qualquer empreendimento. O reconhecimento deve iniciar-se sempre pela análise da informação existente relativamente à região em estudo, nomeadamente no que se refere a elementos de natureza topográfica , geológica , sismológica e geotécnica .
Em regiões com razoável índice de desenvolvimento existe, em regra, informação de muito valor em relação àqueles aspectos. O estudo dessa informação permite com frequência fazer a análise da história geológica da zona e a previsão da sua evolução geomorfológica, em consequência das obras que se pretende construir. Em certos casos, a análise dos elementos disponíveis poderá permitir informar correctamente o projecto das obras, levando à dispensa de trabalhos complementares. Para o território português, divulga-se, em apêndice a este capítulo, a lista das organizações que, de uma forma sistemática, procedem à colheita de informação ou à sua divulgação, incluindo-se também aí os elementos produzidos por cada uma delas. Para além daqueles organismos há ainda a salientar a existência de outras entidades, tais como as Comissões de Coordenação das Regiões de Portugal e as Câmaras Municipais, que frequentes vezes dispõem de elementos informativos de muito interesse. Em relação aos elementos topográficos , listados no Anexo 1, as entidades que, no geral, podem disponibilizar elementos de maior interesse corrente para as obras de engenharia são o IGP (Instituto Geográfico Português) e o IGeoE (Instituto Geográfico do Exército). Em relação ao IGeoE são de destacar, cobrindo a totalidade do País, as cartas militares à escala 1:25.000, com curvas de nível equidistantes de 10 metros, obtidas a partir da foto-restituição de fotografia aérea. Nestas cartas é apresentado um conjunto de informação de elevadíssimo interesse
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.1
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
(consultar extracto de carta representado na Figura 9.1), essencial nas fases iniciais de projecto de grandes obras lineares (vias de comunicação, túneis canais, etc.) ou extensivas (complexos citadinos, albufeiras, localização de pedreiras ou materiais de empréstimo, etc.), tal como a rede hidrográfica, afloramentos rochosos, tipo de vegetação, rede viária existente, etc.. Parte desta informação também pode ser fornecida, pela mesma entidade, em modo digital e por temas: curvas de nível, rede viária, rede hidrográfica, toponímia, etc.. Da parte do IGP, há a destacar a cartografia à escala 1:10.000 (disponível para a península de Lisboa e para Sagres, estando em curso o projecto da cobertura total do país), a cobertura aérea fotográfica sistemática à escala 1:15.000 e a cartografia por ortofotomapas à escala 1:10.000 da quase totalidade do País. Em relação aos elementos geológicos (ver Anexo 2), considera-se de elevado interesse referir as cartas geológicas à escala 1:50.000 do Instituto Nacional de Engenharia Tecnologia e Inovação (INETI), que cobrem cerca de 2/3 do continente. Estas cartas, cujas curvas de nível aparecem também representadas com equidistâncias de 10 metros, são acompanhadas duma notícia explicativa e incluem as informações de carácter geológico (definição das litologias, séries estratigráficas, cortes interpretativos, localização de acidentes tectónicos, de afloramentos rochosos, etc.) de elevadíssimo interesse para a grande maioria dos projectos de dimensão razoável. Da mesma entidade, com elevado interesse e como alternativa para as zonas não cobertas pelas cartas à escala 1:50.000, embora possuindo uma informação substancialmente mais reduzida, há a referir as cartas à escala 1:200.000, com cobertura parcial do continente, e à escala 1:500.000, com cobertura total do continente. No Anexo 3 são referidas as principais entidades que podem facultar informações de carácter geotécnico com elevado interesse. Uma referência especial é devida ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), que possui um vasto repertório de documentos de muita utilidade, publicados na forma de memórias, especificações e normas. Os elementos topográficos e geológicos acima citados caracterizam-se por serem os elementos cartográficos de maior escala que, duma forma genérica, cobrem a totalidade ou quase totalidade do país. Em qualquer projecto, deve procurar-se aprofundar a pesquisa em relação aos elementos existentes, pois verifica-se haver bastantes regiões para as quais existem estudos de muito maior pormenor.
9.2
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 9.1 – Extracto de carta topográfica na escala 1:25000 (IGeoE).
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.3
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Em paralelo com a obtenção das cartas topográficas e dos elementos geológicos já existentes, deve procurar-se obter as fotografias aéreas da região na escala mais adequada possível (consultar Anexo 1). Trata-se de técnica que foi utilizada pela primeira vez para interpretação geológica, de forma intensiva, por holandeses, em 1935, em estudos realizados na Nova Guiné. Em regra, recorre-se às fotografias já existentes, dado que a realização de voos especiais torna muito cara a informação que as fotografias virão a dar. Para grandes obras, contudo, justifica-se recorrer a voos especiais que permitem a obtenção de fotos em regra a escalas mais convenientes (1:8.000, 1:5.000 e mesmo menores) e em condições de melhor visibilidade. É o caso das fotografias obtidas com sol razante, tiradas de preferência ao nascer do sol, cujo contraste muito facilita a sua interpretação geológica. Modernamente recorre-se com frequência à interpretação fotogeológica de fotografias aéreas coloridas que permitem a obtenção ainda de número mais elevado de informações e maior rigor nas interpretações. Esta é pois uma técnica que oferece grandes possibilidades e que continua a ser alvo de investigações e consequentes aperfeiçoamentos. É o caso de fotografias de infravermelhos que começam a ser utilizados com sucesso, por exemplo no domínio de Mecânica dos Solos, para detectar pequenas diferenças de teor em água em solos argilosos. Do estudo cuidado de fotografias aéreas que, em zonas de carência de mapas topográficos de pormenor, constituem ainda excelente meio de orientação, sobretudo em zonas pouco povoadas, podem obter-se informações de vários tipos, das quais se destacam pela sua importância geotécnica: -
a distribuição dos vários tipos de rocha, solos e vegetação;
-
aspectos estruturais dos maciços, tais como orientação de estratos, da xistosidade e de outros tipos de lineações tipos (Figura 9.2);
-
aspectos geomorfológicos com relevo para zonas de antigos escorregamentos e de erosão:
-
características de drenagem da zona, em regra em correspondência com os aspectos estruturais dos maciços mais importantes;
-
características de humidade dos terrenos.
Apesar da alta qualidade das informações que podem prestar, os estudos fotogeológicos nunca dispensam um reconhecimento no terreno; em certos casos, contudo, a informação obtida reduz substancialmente as tarefas de reconhecimento directo. Após a recolha e análise dos elementos existentes e da interpretação das fotografias aéreas de uma dada região, há que proceder ao reconhecimento de campo abrangendo sempre maior área do que a directamente interessada pelo empreendimento, de modo a permitir fazer uma ideia correcta das características geológicas regionais.
9.4
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 9.2 - Fotografia aérea duma área com arenitos pouco inclinados e esboço pondo em evidência lineações.
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.5
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
A finalidade do reconhecimento é, em grande parte dos casos, a elaboração de cartografia geológica
9.6
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
a escala adequada ao tipo e dimensão das obras. De um modo geral, em problemas de geotecnia, nunca se utiliza escala inferior a 1:25.000 sendo frequente o uso de cartografia a escalas 1:1.000 e 1:500 e até maior (ver Quadro I). Na elaboração destas cartas haverá que utilizar as ferramentas tradicionais de levantamento (bússola, martelo, etc.) e, com frequência, que proceder à limpeza de vegetação e de depósitos que mascaram completamente as características das formações que se pretende estudar. Em trabalhos de grande importância, como certas zonas de fundação de barragens de betão, procede-se por vezes ao saneamento da formação, isto é, à remoção total da vegetação, dos depósitos de vertente e da camada de alteração das formações que ocorrem no local de fundações. Após estes trabalhos, o uso de fotografia terrestre pode prestar informações de grande valor. Aliás, muitas vezes, é difícil substituir a riqueza de informação de fotografias de boa qualidade por mapas ou esboços ainda que muito pormenorizados. Mas o reconhecimento não comporta apenas a definição dos aspectos geomorfológicos , litológicos e estruturais . É igualmente importante definir, se possível, as características hidrogeológicas dos maciços e da actividade sísmica da região. No que se refere à hidrogeologia , nem sempre é fácil obter informações com interesse antes de se proceder à realização de trabalhos de prospecção. Contudo, em zonas povoadas é, em regra, possível fazer uma análise muito satisfatória das características hidrogeológicas das formações presentes, a partir do cadastro cuidado de poços e de outras captações existentes, fazendo notar a época do ano em que são realizadas as observações, tais como níveis aquíferos, caudais, artesianos, etc. Atendendo às necessidades cada vez maiores de água de boa qualidade, em consequências do desenvolvimento demográfico das regiões, e à dificuldade de obtenção permanente de grandes quantidades de águas subterrâneas, o estudo cuidadoso das possibilidades hidrogeológicas das formações reveste-se de importância crescente. Outro aspecto de grande relevo na consideração da estabilidade de obras de engenharia, ou até de maciços naturais, cuja movimentação venha a pôr em perigo vidas ou bens, é o da caracterização da actividade sísmica de uma dada região. Em relação às estruturas de edifícios e pontes, de acordo com o respectivo Regulamento de Segurança (RSAEEP), para efeitos da quantificação da acção dos sismos considera-se o país dividido em quatro zonas, que, por ordem decrescente de sismicidade, são designadas por A, B, C e D. A delimitação das zonas para o continente pode ver-se na Figura 9.3; as ilhas do arquipélago dos Açores são incluídas na zona A, com excepção das Flores e do Corvo que, tal como as do arquipélago da Madeira são incluídas na zona D. A influência da sismicidade é traduzida por um coeficiente de sismicidade, α, cujos valores são indicados no Quadro II. Como o valor da acção sísmica a considerar no dimensionamento daqueles
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.7
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
tipos de estruturas se pode considerar proporcional ao coeficiente α resulta que estruturas idênticas com condições similares de fundação situadas nas regiões de risco sísmico mais elevado, sobretudo localizadas no sul do país e nalgumas das ilhas do arquipélago dos Açores, deverão ser dimensionadas por forma a suportarem uma acção sísmica com um valor cerca de três vezes superior ao das estruturas que se localizam na região de menor risco sísmico.
Figura 9.3 – Zonamento sísmico de Portugal Continental (RSAEEP).
9.8
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Quadro II – Valores do coeficiente de sismicidade α Zona sísmica
α
A
1,0
B
0,7
C
0,5
D
0,3
O zonamento anterior foi estabelecido a partir de estudos de sismicidade recentes, tendo-se para tal analisado a informação disponível relativa ao passado histórico no que respeita a actividade sísmica registada no país (a título de exemplo, na Figura 9.4 representa-se as isossistas dos sismos de 1909/04/23). Para o dimensionamento de determinado tipo de obras, nomeadamente o caso das barragens ou das grandes obras subterrâneas, considera-se que o historial existente relativo ao conjunto dos registos sísmicos não permite elaborar para a globalidade do país cartas de risco sísmico com o pormenor desejável, já que muitas das análises realizadas se baseiam em informações históricas, sobretudo no que se refere aos estragos provocados pelos sismos de grande intensidade. Refira-se que, por exemplo, mesmo na zona D, a zona mais estável do ponto de vista da actividade sísmica, há indícios de actividade apreciável nas proximidades de grandes acidentes tectónicos como é o caso da falha de Vilariça, em Trás-os-Montes (Figura 9.5), que não aparece evidenciada no zonamento do RSAEEP. Assim, em certos tipos de obra é necessário levar mais longe possível este tipo de análise, procurando caracterizar bem a região respectiva, em termos de actividade recente. A procura de falhas activas, por exemplo, é neste caso tarefa essencial. Uma análise desse tipo foi feita há alguns anos para a região afectada por uma hipotética construção duma grande obra subterrânea, a norte de Peniche, cujas formações são essencialmente arenitos brandos e argilitos do Jurássico e do Cretáceo, bastante perturbados tectonicamente, com evidências de falhas de grandes dimensões, isto é, muito intensas e com caixas de falha atingindo espessuras superiores a 1 m. Dado não ter sido possível detectar qualquer deformação nas formações quaternárias sobrejacentes àquelas, foi-se levado a concluir pela ausência de actividade daquelas falhas, o que seria um factor decisivo para validar a escolha final do local para a implantação da referida obra subterrânea.
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.9
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 9.4 – Isossistas do sismo de 23 de Abril de 1909.
Após a consideração de todos os aspectos atrás referidos e a elaboração de documentação baseada no reconhecimento, segue-se, para a generalidade das obras, a elaboração de um programa de prospecção geotécnica que, por razões de eficiência e economia, se deve iniciar por uma prospecção geofísica à qual se seguirá campanha de prospecção mecânica adequada à natureza das formações e ao tipo de obras.
9.10
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Figura 9.5 – Carta neotectónica de Portugal Continental (Cabral e Ribeiro, 1988).
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.11
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
9.12
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ANEXOS
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.13
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
9.14
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ANEXO 9.1 - ELEMENTOS TOPOGRÁFICOS
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.15
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
9.16
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
A.9.1 – ELEMENTOS TOPOGRÁFICOS1 A.9.1.1 - INTRODUÇÃO A principal base de informação para qualquer estudo geológico ou geotécnico de uma dada área de terreno é a sua topografia. A fiabilidade resultante da cartografia geológica ou geotécnica depende em primeiro lugar do grau de precisão da topografia de base e, obviamente, dos próprios levantamentos geológico-geotécnicos. A título de exemplo refere-se que as cartas geológicas elaboradas a maior escala, que cobrem quase integralmente o país, encontram-se publicadas à escala 1:50.000 e basearam-se em cartas topográficas editadas à escala 1:25.000. As diferentes características das formações geológicas, nomeadamente as suas propriedades mecânicas, associadas aos diferentes tipos e padrões de descontinuidades que as compartimentam, conduzem a fenómenos de erosão diferencial, de que resultam em grande medida as formas de relevo das áreas de reconhecimento (talvegues, linhas de cumeada, cristas topográficas, linhas de escarpa,...). O conjunto de informação topográfica que habitualmente serve de suporte aos estudos de geologia e geotecnia é constituída essencialmente por:
Cartas topográficas
Fotografias aéreas e de satélite
Ortofotomapas
A.9.1.2 - CARTAS TOPOGRÁFICAS Uma carta topográfica é uma representação gráfica da superfície da Terra, ou parte dela, desenhada num plano e em determinada escala. A escala da carta corresponde à redução das dimensões reais a que foram sujeitos os pormenores, mantendo as distâncias relativas entre eles. Os pormenores naturais e artificiais do terreno são representados por símbolos, linhas e cores. As formas de relevo são evidenciadas por curvas de nível, que representam linhas imaginárias sobre o terreno, ao longo das quais a cota é constante. A cota representa a distância medida na vertical entre um dado ponto e o plano de referência constituído pelo nível médio da água do mar. A equidistância natural é a distância vertical entre duas curvas de nível consecutivas. De cinco em cinco curvas é representada uma curva mestra através de traço mais grosso e com indicação da cota. A título de exemplo, referese que nas cartas topográficas militares editadas à escala 1:25.000 a diferença em cota de duas linhas de nível contíguas é de 10 metros. A forma das curvas de nível e o seu afastamento relativo dá-
1
Texto compilado por Fernando Ferreira, engenheiro geólogo.
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.17
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
nos indicação da forma do terreno. A finalidade de uma carta topográfica é permitir que se visualize uma área da superfície da Terra com os seus pormenores convenientemente localizados. O ideal seria que dentro da área representada todos os pormenores aparecessem na carta na sua verdadeira proporção, posição e forma. Todavia, isto não é possível, porque muitos não são importantes e outros seriam irreconhecíveis, quer por não terem representação gráfica na escala usada quer por terem uma forma incaracterística. Desta forma, os produtores das cartas são forçados a usar símbolos, designados por sinais convencionais, a fim de representar os pormenores da superfície terrestre, quer naturais quer artificiais. Tanto quanto possível, os símbolos utilizados assemelham-se aos acidentes quando vistos em planta. Para tornar mais fácil a identificação dos pormenores sobre a carta, dando-lhes uma aparência e um contraste mais naturais, os sinais convencionais são de diferentes cores, cada uma delas correspondendo a pormenores de determinada natureza. As cores habitualmente empregues, bem como o seu significado, são as seguintes: Preto – aterros, escavações, construções, toponímia, caminhos de ferro, outros caminhos e divisões administrativas. Azul – Cursos de água, linhas de água, lagos, regiões pantanosas, arrozais, e linhas de alta tensão. Castanho – Curvas de nível, vértices geodésicos, pontos cotados. Vermelho – Estradas principais, nomes dos vértices geodésicos e pormenores especiais em alvenaria. Outras cores – podem ser utilizadas ocasionalmente para mostrarem algo de especial mas como regra geral deverão ser indicadas na legenda da informação marginal.
Em princípio todos os pormenores do terreno são reduzidos à escala da carta, no entanto, em virtude das pequenas dimensões reais de alguns, a sua representação tornar-se-ia irreconhecível, o que exige o exagero das dimensões de alguns símbolos, que, por essa razão, se denominam sinais convencionais. Sempre que possível, este exagero é feito de tal maneira que o centro do símbolo coincida com o centro do pormenor a representar. Além das redes geográficas, que utilizam sistemas coordenados em latitude e longitude, as cartas topográficas apresentam uma quadrícula formada por dois conjuntos de linhas rectas paralelas e equidistantes entre si, intersectando-se segundo ângulos rectos, dando origem a uma malha de quadrados que permitem com relativa simplicidade obter as coordenadas de um determinado ponto. Para a origem do referencial cartesiano podem adoptar-se dois pontos:
9.18
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
em Melriça (próximo de Vila de Rei) que divide o território nacional em 4 quadrantes (excluindo os Açores e a Madeira) e com as coordenadas M=0km e P=0km (Meridiano; Paralelo):
ao largo de Sagres, que considera o território nacional no quadrante NE, com coordenadas M=-200km e P=-300km em relação a Melriça.
O estudo das formas do terreno a partir da interpretação visual das curvas de nível é suficiente para muitos fins, mas quando é necessário analisar com maior rigor a morfologia do terreno é habitual a construção de perfis, que não é mais do que um corte do terreno por um plano vertical, ao longo de uma linha traçada na carta segundo uma dada direcção. O método mais generalizado para definir uma direcção é o que utiliza um ângulo azimutal. Este é definido como um ângulo horizontal, medido no sentido do movimento dos ponteiros do relógio a partir de uma linha de referência, considerando-se o seu vértice como centro do círculo azimutal. Designa-se por azimute geográfico verdadeiro, ou simplesmente azimute, quando medido a partir da direcção do Norte Geográfico. O azimute magnético, medido com recurso a uma bússola, por exemplo, refere-se à direcção do Norte Magnético, enquanto o azimute cartográfico ou rumo é medido em relação à direcção do Norte Cartográfico. O diagrama de declinação apresentado na maior parte das cartas topográficas permite converter um tipo de azimute noutro. Os ângulos medidos nesse diagrama designam-se por declinação magnética quando formado pelas direcções dos Nortes Geográfico e Magnético e convergência de meridianos quando formado pelas direcções dos Nortes Geográfico e Cartográfico. A variação anual da declinação magnética é geralmente indicada sob o diagrama de declinação. A partir dela é possível calcular a declinação magnética actual e converter para azimute cartográfico o azimute magnético medido com uma bússola, permitindo, assim, a sua representação numa carta topográfica. As cartas topográficas têm a vantagem de serem baratas, fornecerem uma imagem tridimensional relativamente precisa e permitirem a construção de perfis em qualquer direcção. Contudo, em regiões de relevo pouco acidentado, algo monótono, é imprescindível o recurso a elementos cadastrais para referenciação das observações efectuadas directamente no terreno.
A.9.1.3 - FOTOGRAFIAS AÉREAS E DE SATÉLITE Os geólogos utilizam com bastante frequência fotografias aéreas e, menos habitualmente, imagens de satélite para identificar aspectos geológicos directamente correlacionáveis com as formas de relevo.
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.19
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
As fotografias aéreas classificam-se segundo a inclinação do eixo óptico da objectiva no momento da tomada de vistas em duas grandes categorias: fotografias verticais e oblíquas. Podem, ainda, ser coloridas ou a preto e branco. As fotografias verticais são as mais utilizadas em estudos geológicos por reproduzirem fielmente o terreno, permitindo a leitura de pormenores planimétricos; nomeadamente a medida de dimensões e distâncias e alturas. A foto-interpretação de fotografias com recurso a meios ópticos que permitam obter uma imagem tridimensional designa-se por estereoscopia. Chama-se par estéreo a qualquer conjunto de duas fotografias, parcialmente sobrepostas, que permitam a visão estereoscópica. As fotografias aéreas verticais permitem, com o auxílio dessa técnica, uma boa apreciação do relevo e um melhor conhecimento dos pormenores planimétricos. Ao evidenciarem os mais pequenos detalhes, as fotografias aéreas, permitem uma referenciação bastante precisa da informação geológica obtida no decurso dos reconhecimentos de campo. Através de equipamento adequado, é possível obter uma imagem tridimensional com um exagero vertical do relevo que salienta as formas do terreno, as quais, em maior ou menor grau, se encontram relacionadas com as características geológicas. A título de exemplo, refere-se que a natureza geológica e estrutural das formações ocorrentes numa dada região condiciona sobremaneira o padrão da rede hídrica local, em particular pela erodibilidade diferencial que essas formações possam evidenciar e em consequência permitirem o maior ou menor encaixe das linhas de água. Zonas de subsidência, escorregamentos e/ou desmoronamentos de encostas, cones de dejecção de linhas de água, meandros de rios, alinhamentos associados a acidentes tectónicos, etc., são outros exemplos da utilidade das fotografias aéreas para a actividade do geólogo. Em zonas com intenso coberto vegetal a utilização das fotografias aéreas torna-se, contudo, bastante limitada. Invariavelmente, a informação obtida com a análise da fotografia aérea terá de ser transposta para uma carta topográfica.
A.9.1.4 - ORTOFOTOMAPAS Os ortofotomapas são reproduções de fotografias sobre as quais se traçou uma quadrícula, uma legenda ou informação marginal e se acrescentou a toponímia. Apesar de a identificação dos pormenores se processar como se de uma simples fotografia aérea se tratasse, a existência da quadrícula, de uma escala bem definida e, em casos particulares, a representação das curvas de nível, permitem que os ortofotomapas sejam utilizados com fiabilidade semelhante a uma carta topográfica.
9.20
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
A sobreposição das curvas de nível nos ortofotomapas requere, contudo, um trabalho moroso de restituição fotogramétrica, com recurso a levantamentos topográficos de campo, de forma a eliminar a obliquidade inerente à própria fotografia. Os ortofotomapas permitem num mesmo suporte informativo concentrar as vantagens das cartas topográficas e das fotografias aéreas e, assim, minimizar as respectivas desvantagens. Como base de apoio ao reconhecimento geológico e geotécnico de superfície, são da maior utilidade.
A.9.1.5 - FONTES DE INFORMAÇÃO Em Portugal existem alguns organismos responsáveis pela produção e divulgação da informação de natureza topográfica, sob a sua mais variada forma, dos quais se destacam o Instituto Geográfico Português (IGP) e o Instituto Geográfico do Exército (IGeoE).
Instituto Geográfico Português (IGP) É o organismo público responsável pela satisfação das necessidades fundamentais do País em matéria de informação geográfica oficial de base para utilizações civis. O IGP desenvolve a sua actividade em três grandes domínios: Cartografia, Cadastro e Geodesia. No domínio da Cartografia, o IGP: -
produz e mantém as principais coberturas nacionais oficiais a escalas pequenas e médias
-
tem em curso um projecto que visa a cobertura integral do País com cartografia à escala 1:10.000.
-
produz e mantém coberturas fotográficas e ortofotográficas integrais do País a escala médias e grandes.
No domínio do Cadastro, o IGP é responsável: -
pela conservação do cadastro geométrico da propriedade rústica
-
pela cobertura do País com um novo cadastro predial, abrangendo quer as áreas rústicas quer as urbanas.
O IGP pode fornecer informação cartográfica em suporte analógico ou digital, em formato correntes, das seguintes séries Cartográficas:
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.21
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Cartografia de traço: -
Cartas na escala 1:10.000 (Continente, Açores, Madeira)
-
Cartas na escala 1:50.000 (Continente, Açores, Madeira)
-
Carta na escala 1:100.000 (Continente)
-
Cartas na escala 1:200.000 (Continente, Açores. Madeira)
-
Carta na escala 1:500.000 (Continente)
-
Carta Administrativa na escala 1.600.000 (Continente)
-
Carta Hipsométrica na escala 1:600.000 (Continente)
-
Cartas na escala 1: 1.000.000 (Continente)
-
Carta na escala 1:2.500.000
Ortofotocartografia: -
Ortofotocartografia 1:10.000 (Continente)
-
Ortofotocartografia 1:1.000
-
Ortofotocartografia 1:2.000
-
Ortofotocartografia 1:5.000
Imagem de satélite: -
Carta-imagem 1:100.000
-
Carta-imagem 1:600.000
Fotografia aérea: -
Fotografia aérea (a preto e branco ou a cores) às escalas 1:5.000 e 1:8.000, para elaboração de cartografia e ortofotocartografia em escalas grandes;
-
Fotografia aérea (a preto e branco ou a cores) à escala 1:15.000 (cobertura sistemática);
-
Fotografia aérea a cores à escala 1:33.000, para elaboração de cartografia e ortofotocartografia na escala 1:10.000.
Instituto Geográfico do Exército (IGeoE) Este organismo encontra-se na dependência do Ministério da Defesa Nacional e tem desenvolvido extensa actividade no domínio da cartografia. Das várias cartas topográfica publicadas é, sem dúvida, a Carta Militar de Portugal na escala 1:25.000 a mais divulgada e utilizada pela comunidade em geral.
9.22
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Outras cartas são de utilização restrita a fins militares e não se encontram acessíveis. Na compilação que a seguir se apresenta referem-se os produtos disponibilizados por esse organismo.
Cartografia em papel •
Carta do Concelho de Lisboa - Série M983 (Esc. 1/10.000)
•
Carta Militar de Portugal - Série M888 (Esc. 1/25.000)
•
Carta Militar de Portugal (Açores) - Série M889 (Esc. 1/25.000)
•
Carta Militar de Portugal (Madeira) - Série P821 (Esc. 1/25.000)
•
Carta Militar de Portugal - Série M782 (Esc. 1/50.000), apenas parcialmente acessível ao público.
Informação digital: nos formatos vectorial, raster ou ascii, podem ser disponibilizados vários temas: altimetria, hidrografia, rede viária, etc,.
Outros organismos Nesta secção inserem-se informações sobre a actividade fotográfica e cartográfica (base temática) da responsabilidade doutras entidades.
Estado Maior da Força Aérea •
fotografia aérea a escalas média e grande (cobertura parcial)
Direcção Geral das Florestas •
•
fotografia aérea e fotointerpretação à escala 1:15000 (cobertura total) Perímetros Florestais com levantamento topográfico à escala 1:5.000 e 1:10.000 (cobertura parcial)
Direcção Geral de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente •
Carta de solos e Carta de capacidade de uso do solo, à escala 1:50.000 (cobertura parcial)
•
Carta Agrícola e Florestal de Portugal, à escala 1:25.000 (cobertura parcial)
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.23
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
Direcção Geral do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Urbano •
Levantamentos Aerofotagramétricos efectuados para fins urbanísticos, às escalas 1:1.000, 1:2.000 e 1:8.000 (cobertura das zonas urbanas e suburbanas das sedes dos concelhos continentais, de algumas povoações, faixa litoral, áreas protegidas, principais rios e certas vias de comunicação)
Direcção Geral do Ambiente •
Atlas Nacional do: Ambiente Físico (escala 1:1.000.000) Ambiente Biológico (escala 1:1.000.000) Ambiente Biofísico (escala 1:1.000.000) Ambiente Humano (escala 1:1.000.000) Ambiente Protegido (escala 1:1.000.000) Ambiente Degradado ou a Recuperar (escala 1:1.000.000) Ambiente na Região Autónoma da Madeira (várias escalas)
Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) •
Cartas Geográficas dos antigos territórios ultramarinos portugueses, a diversas escalas
Instituto Hidrográfico da Marinha •
9.24
Cobertura cartográfica das costas, portos e Zona Económica Exclusiva, a diversas escalas
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ANEXO 9.2 - ELEMENTOS GEOLÓGICOS
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.25
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
CARTA GEOLÓGICA DE PORTUGAL CONTINENTAL
9.26
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.27
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
PORTUGAL CONTINENTAL PRINCIPAIS FORMAÇÕES – ESBOÇO
9.28
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.29
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ELEMENTOS GEOLÓGICOS
Fontes de informação
Instituto Nacional de Geologia e Tecnologia e Inovação (INETI) http://www.ineti.pt/produtos_e_serviços
9.30
Catálogo das Publicações Cartas Geológicas a diversas escalas Comunicações Memórias Relatórios de entidades e empresas de prospecção geológica, geotécnica e geohidrológica.
Sociedade Geológica de Portugal. Centro de Estudos de Geologia. Faculdade de Ciências. Rua Escola Politécnica - Lisboa.
Boletim da SGP
Departamento de Geologia. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade de Coimbra.
Memórias e Notícias
Departamento de Geologia. Faculdade de Ciências. Universidade de Lisboa.
Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico
Centro de Estudos de Geologia. Faculdade de Ciências. Universidade de Lisboa.
Vocabulário de termos geológicos (editados os volumes correspondentes apenas a algumas letras; os restantes em preparação)
Departamento de Geologia. Faculdade de Ciências. Universidade do Porto.
Anais da Faculdade de Ciências do Porto
Departamento de Geologia e Geotecnia. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade Nova de Lisboa.
Ciências da Terra
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ANEXO 9.3 - ELEMENTOS GEOTÉCNICOS
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.31
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ELEMENTOS GEOTÉCNICOS
Fontes de informação
Instituto Nacional de Geologia e Tecnologia e Inovação (INETI)
Relatórios de entidades e empresas de prospecção
http://www.ineti.pt/produtos_e_serviços Memórias do LNEC (só alguns números dizem respeito a Geotecnia)
Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Av. do Brasil, 101 1799 - Lisboa Codex
Especificações (só alguns números dizem respeito a Geotecnia) Vocabulários Vocabulário de Estradas e Aeródromos Termos de tectónica mais utilizados em Engenharia Civil Termos de Petrografia mais utilizados em Engenharia Civil Relatórios internos
Sociedade Portuguesa de Geotecnia LNEC Av. do Brasil, 101 1799 Lisboa Codex
Câmara Municipal do Porto
9.32
GEOTECNIA Revista quadrimestral
CARTA GEOTÉCNICA DO PORTO Memória, Cartas de Factores e Cartas de Síntese
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
ANEXO 9.4 - ELEMENTOS DIVERSOS (Acetatos)
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.33
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
9.34
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.35
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
9.36
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO
9.37
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
9.38
RECONHECIMENTO GEOLÓGICO