Ideologia e Dominação Social Organizado pela Professora de Filosofia Fabiana Souza de Oliveira Bessegatto – Agosto de 2009.
Ideias, ideias, ideias. Estamos sempre tendo, recebendo, repetindo, reproduzindo ideias. Seja nas ruas, na escola, nos bares ou em casa. Seja trabalhando, estudando ou nos divertindo, conversando, lendo ou assistindo a um filme. Às vezes percebemos que algumas ideias tomam vida própria e passam a nos dominar. Na maioria das vezes, porém, elas nos conduzem sem que tenhamos consciência disso. Mal sabemos o imenso poder que elas têm sobre nós quando estamos desatentos ou quando pensamos que pensamos.
Na verdade, pensamos aquilo que os outros querem que pensemos. A publicidade se utiliza maravilhosamente desse princípio: “uma mentira dita cem vezes acaba virando verdade”. Mas nem tudo está perdido. Com consciência crítica, todos nós podemos elaborar nossas próprias concepções, sem passividade, sem a escravidão aos desejos externos. A mesma ideia que prende pode nos libertar-nos das prisões ideológicas. Afinal, “todos os homens são filósofos”, como dizia Gramsci.
Ideologia A palavra ideologia pode assumir diversos significados. Criada pelo filósofo francês Destutt de Tracy (1754-1836), queria dizer ciência das ideias, compreendendo o estudo da origem e do desenvolvimento das ideias. Posteriormente, o termo passou a significar as ideias próprias de certos grupos sociais e políticos. Assim é que se fala em ideologia liberal, ideologia de esquerda, ideologia burguesa, etc.
Por influência do pensamento de Karl Marx, a palavra ideologia tornou-se largamente utilizada na filosofia e nas ciências humanas de nossa época com um significado mais específico. Designa os sistemas de ideias que elaboram uma “compreensão da realidade” para ocultar ou dissimular o domínio de um grupo social sobre outro.
Nesse sentido, a ideologia tem funções como a de preservar a dominação de classes apresentando uma explicação apaziguadora para as diferenças sociais. Seu objetivo é evitar um conflito aberto entre opressores e oprimidos. A ideologia é, portanto, uma forma de consciência da realidade, mas uma consciência parcial, ilusória e enganadora que se baseia na criação de conceitos e preconceitos como instrumentos de dominação.
Segundo Marilena Chauí, podemos resumir a noção de ideologia nos seguintes traços gerais:
Anterioridade: a ideologia funciona como um conjunto de ideias, normas e valores destinados a fixar e prescrever, de antemão, os modos de pensar, sentir e agir das pessoas. Em razão de sua anterioridade, a ideologia predetermina o pensamento e a ação, desprezando a história e a prática na qual cada pessoa se insere, vive e produz.
Generalização: a ideologia tem com finalidade produzir um consenso coletivo, um senso comum (aceitação geral) em torno de certas teses e valores. Com isso, generaliza para toda a sociedade aquilo que corresponde aos interesses específicos dos grupos ou classes dominantes. O “bem de alguns” é difundido como se fosse o “bem comum”. Além disso, a generalização visa ocultar a origem dos interesses sociais específicos que nascem da divisão da sociedade em classes.
Lacuna: a ideologia desenvolve-se sobre uma lógica construída na base de lacunas, de omissões, de silêncios e de saltos. Uma lógica montada para ocultar em vez de revelar, falsear em vez de esclarecer, esconder em vez de descobrir. A eficiência de uma ideologia depende de sua capacidade para ocultar sua origem, sua lacuna e sua finalidade. Suas “verdades” devem parecer naturais, plenamente justificadas, válidas para todos os homens e para todo o sempre.
Vejamos um exemplo de utilização de um conceito ideológico: querer é poder.
Não há dúvidas de que, para exercer poder, toda pessoa deve antes querer fazê-lo. Mas basta apenas querer para se poder? Muitas pessoas consideradas otimistas afirmam que para se vencer na vida e ganhar dinheiro é preciso muita força de vontade, trabalho e garra. No entanto, se essa fórmula trouxe bons resultados para algumas pessoas, não se pode deduzir que ela dará certo para todas. Na sociedade dividida em classes, para cada um que vence há necessariamente muitos derrotados. O sucesso de uns depende do fracasso de outros.
A generalização da afirmativa “querer é poder” oculta o peso enorme das desigualdades sociais que separam os homens em termos de alimentação, educação, trabalho e capital. Enquanto uns lutam a vida inteira para sobreviver, outros, por herança, já nascem em “berço de ouro”. A ideologia do “querer é poder” costuma ser utilizada para explicar as desigualdades entre homens, passando longe da problemática da opressão social. Considerando o fato de que a maioria das pessoas nascidas pobres não consegue prosperar na vida, tal ideologia aponta como causa do fracasso dessas pessoas a ausência de garra, de força de vontade, de querer. Assim, pretende convencer os fracassados de que eles são os únicos culpados pelo próprio fracasso.
O que essa ideologia não explica é como um homem do povo pode desenvolver um querer, um projeto de prosperidade, se, desde a infância, está condenado à subnutrição, à falta de escola, à moradia precária, ao desamparo educacional e dos serviços de saúde e à ausência de perspectiva no trabalho.
A realidade histórico-social exerce grande influência sobre a vida e a vontade das pessoas. Assim, o problema da força de vontade não é uma simples questão da qualidade subjetiva, algo inato, dos indivíduos. A vontade é motivada ou bloqueada também pelo meio e as circunstâncias em que vivem as pessoas.
Exercício: Discuta quais são os valores ideológicos dominantes da sociedade em que você vive a respeito de temas como: casamento, trabalhador, desemprego, fome e violência.
BIBLIOGRAFIA: • COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia – ser, saber e fazer. Editora Saraiva.