FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Introdução ao Direito I Dr. Aroso Linhares
Eduardo Figueiredo Ano Letivo 2013/2014
BIBLIOGRAFIA BIBLIOGRAFIA UTILIZADA: BRONZE, Fernando BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , reimpressão da 2ª edição, Coimbra Editora, 2010 NEVES, NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , coletânea de múltiplos textos, Biblioteca da FDUC LINHARES, LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , 2009 JUSTO, JUSTO, A. Santos , Introdução ao Estudo do Direito , 3ª edição, Coimbra editora, 2006
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INTRODUÇÃO AO TEMA
1. Índole da Introdução do Direito: O Direito surge como fundamento e critério de muitos dos nossos comportamentos, já que a licitude/ilicitude e a validade/invalidade de muitas das nossas ações dependem do Direito e da regulação da experiência social por ele feita. O Direito é, antes de mais, um DEVER SER, determinando a validade dos comportamentos socialmente relevantes.
2. O Direito Direito enquanto enquanto «Quid «Quid Ius» e «Quis «Quis Iuris» Iuris» O Direito normativamente perspectivado, pode ser considerado de dois modos diferentes: O Direito como «critério de solução» em questões de Direito, ou de «Quid Iuris». O Direito visto como resposta a problemas juridicamente relevantes. Deste modo, é visto como pressuposto e não é interrogado. O Direito Direito interrogado e questionado questionado com um problema problema do Direito, Direito, ou de «Quis Ius», sobre o qual qual é importante refletir. Isto porque o direito se constrói à medida que se realiza.
A atitude do jurista perante o Direito deve ser uma de duas distintas: A) Atitude técnico-profissional: O jurista pretende conhecer as leis para as aplicar a um caso concreto, sem qualquer compromisso maior com o direito, tendo uma ação puramente técnica, atendendo-se aos meios sem se problematizar os fins. Falamos de um Direito «dado» ao jurista. B) Atitude criticamente comprometida: O Direito enquanto uma tarefa que toca o jurista, que procura, ao questioná-lo, a sua intenção prático-normativa. O jurista deve procurar compreender a especificidade do Direito e dos seus problemas, não esquecendo as questões éticas que ajudam à determinação do que é “bom”, isto é, do que é um “dever ser”. O entendimento das situações concretas, com as quais se depara o jurista, só será global quando este compreender o sentido das exigências particulares ao direito. Assim, compreende-se o pensamento jurídico como prático-normativo e, consecutivamente, como axiológico. 3. Perspectiva possíveis perante o Direito:
Perspectiva epistemológica, sociológica, filosófica O sociólogo não está comprometido com o objeto que estuda e, como tal, é heterónimo ao objeto que pretende analisar. Deste modo, este perspectiva o direito como um facto social a analisar sob esta perspectiva. O filósofo faz uma reflexão meramente metanormativa acerca do sentido do Direito. No entanto, esta análise não passa de um «critica-reflexão», que não envolve a realização histórico-concreta do Direito. O epistemólogo, preocupado em descrever o Direito nos seus quadros e conceitos, observa o Direito como uma mera ciência. A sua análise é redutora e pode levar a uma «ciência do Direito sem direito».
Perspectiva Normativa (Interna) Perspectiva o Direito como «conteúdo» a conhecer e compreender “internamente”, enquanto ponto de partida pra a resolução de problemas de «Quid Iuris». Recusa a distinção entre os problemas de Direito e os problemas do Direito que, cada vez mais, se entrelaçam, exigindo um interpenetração por parte do jurista nos seus “territórios”. Procura-se Procura -se uma perspectiva interna do Direito, distinta da que se verificou no século XIX, e num contexto de multiplicação das perspectivas de compreensão do Direito.
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INTRODUÇÃO AO TEMA
1. Índole da Introdução do Direito: O Direito surge como fundamento e critério de muitos dos nossos comportamentos, já que a licitude/ilicitude e a validade/invalidade de muitas das nossas ações dependem do Direito e da regulação da experiência social por ele feita. O Direito é, antes de mais, um DEVER SER, determinando a validade dos comportamentos socialmente relevantes.
2. O Direito Direito enquanto enquanto «Quid «Quid Ius» e «Quis «Quis Iuris» Iuris» O Direito normativamente perspectivado, pode ser considerado de dois modos diferentes: O Direito como «critério de solução» em questões de Direito, ou de «Quid Iuris». O Direito visto como resposta a problemas juridicamente relevantes. Deste modo, é visto como pressuposto e não é interrogado. O Direito Direito interrogado e questionado questionado com um problema problema do Direito, Direito, ou de «Quis Ius», sobre o qual qual é importante refletir. Isto porque o direito se constrói à medida que se realiza.
A atitude do jurista perante o Direito deve ser uma de duas distintas: A) Atitude técnico-profissional: O jurista pretende conhecer as leis para as aplicar a um caso concreto, sem qualquer compromisso maior com o direito, tendo uma ação puramente técnica, atendendo-se aos meios sem se problematizar os fins. Falamos de um Direito «dado» ao jurista. B) Atitude criticamente comprometida: O Direito enquanto uma tarefa que toca o jurista, que procura, ao questioná-lo, a sua intenção prático-normativa. O jurista deve procurar compreender a especificidade do Direito e dos seus problemas, não esquecendo as questões éticas que ajudam à determinação do que é “bom”, isto é, do que é um “dever ser”. O entendimento das situações concretas, com as quais se depara o jurista, só será global quando este compreender o sentido das exigências particulares ao direito. Assim, compreende-se o pensamento jurídico como prático-normativo e, consecutivamente, como axiológico. 3. Perspectiva possíveis perante o Direito:
Perspectiva epistemológica, sociológica, filosófica O sociólogo não está comprometido com o objeto que estuda e, como tal, é heterónimo ao objeto que pretende analisar. Deste modo, este perspectiva o direito como um facto social a analisar sob esta perspectiva. O filósofo faz uma reflexão meramente metanormativa acerca do sentido do Direito. No entanto, esta análise não passa de um «critica-reflexão», que não envolve a realização histórico-concreta do Direito. O epistemólogo, preocupado em descrever o Direito nos seus quadros e conceitos, observa o Direito como uma mera ciência. A sua análise é redutora e pode levar a uma «ciência do Direito sem direito».
Perspectiva Normativa (Interna) Perspectiva o Direito como «conteúdo» a conhecer e compreender “internamente”, enquanto ponto de partida pra a resolução de problemas de «Quid Iuris». Recusa a distinção entre os problemas de Direito e os problemas do Direito que, cada vez mais, se entrelaçam, exigindo um interpenetração por parte do jurista nos seus “territórios”. Procura-se Procura -se uma perspectiva interna do Direito, distinta da que se verificou no século XIX, e num contexto de multiplicação das perspectivas de compreensão do Direito.
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CAPITULO I O S ENTIDO GER A L DO « PRO JE CTO HUM A NO»DO D IREITO
1 – A EXPERIÊNCIA IMEDIATA DA CONTROVÉRSIA CONCRETA TRADUZIDA NUMA ABORDAGEM PERFUNCTÓRIA DO SEU CONTEXTO-CORRELATO COMUNICACIONAL: A RECONSTRUÇÃO ANALÍTICA DA ORDEM JURÍDICA. 1.1 – A CONTROVÉRSIA COMO PROBLEMA PRÁTICO MERGULHADO NO MUNDO. “Sendo nós muitos (…) e sendo o mundo um só, estamos compelidos a repartir esse mundo do nosso encontr o. o. E, sendo assim, o outro aparece sempre como meio ou obstáculo (…) de acesso a cada um ao mundo, pelo que todos somos afinal mediadores da fruição do mundo por parte de todos.”. (BRONZE, Lições de Introdução ao Direito, pg. 33) Partindo deste pressuposto, é necessário que as relações sociais sejam reguladas pelo direito que define as responsabilidades, os direitos e deveres de cada um dos intervenientes. O direito reporta-se ás relações que desenvolvemos em sociedade, sendo que surge, desde logo, o problema da delimitação e compossibilitação dessas relações no “horizonte do mundo que pretendemos compartilhar”. Deste modo, surgimos perante o direito sob a forma do nosso “eu social”, já que o nosso “eu [puramente] pessoal” não é abrangido no seu domínio. É por causa destes conflitos que surgem socialmente que se pode falar da existência de controvérsias juridicamente relevantes – – as únicas nas quais se verifica a intromissão do Direito. Reconhecem-se vários elementos da controvérsia juridicamente relevante:
A situação histórico-concreta partilhada: Desde logo é uma controvérsia que envolve dois sujeitos diferentes que partilham a mesma realidade social, isto é, a mesma situação históricoconcreta [O mesmo contexto, se pretendermos]. No entanto são dois sujeitos que, perante a controvérsia, surgem em posições diferentes. O contexto- ordem: é uma controvérsia que assume um mesmo horizonte integrante de fundamentos e de critérios estabilizados num mesmo sistema. [Se quisermos, umas mesma ordem jurídica que será mobilizada para responder à questão em causa] Os sujeitos na sua autonomia- diferença: A existência, já supramencionada, de dois sujeitos em posições diferentes perante a controvérsia e perante a mesma situação históricoconcreta, assumida num mesmo horizonte de fundamentos e critérios. A exigência de um “tratamento” desta diferença: Direito que surge como resposta esta controvérsia. Esta resposta não se pode limitar a confrontar “afirmações possíveis da subjetividadesubjetividade autonomia”.
A controvérsia é, indubitavelmente, um litígio que o Direito tenta t enta resolver através da convocação de um terceiro imparcial (feição objetiva), mas sempre sujeito a esse contexto-ordem (feição subjetiva). É um terceiro que surge como julgador (e que não é parte da controvérsia!) e que, ao pressupor esse mesmo contexto-ordem, anula a possibilidade de um decisionismo arbitrário.
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1.2- A PRESSUPOSIÇÃO DE UMA ORDEM E A ANALÍTICA QUE LHE CORRESPONDE 1.2.1- UMA TECTÓNICA DETERMINADA POR TRÊS GRANDES LINHAS ESTRUTURANTES Surge, desde logo, uma questão de partida: “(…) porque razão carecerá o Homem de uma ordem?” 1 A resposta a esta questão baseia-se na necessidade de existência de regras que sejam susceptiveis de ordenar as relações que cada um de nós cria com o outro. Há um conjunto de regras, à partida, eticamente valiosas que constituem esta mesma ordem que visa a projeção [se quisermos, inserção] do particular no geral, ou do singular no comunitário. No entanto, “isso não impede que se postulem regras de carácter meramente formal, donde possam resultar ordens que tenderemos a qualificar como eticamente desvaliosas”.2 [ Veja-se o caso das ordens dos “gulags” estalinistas ou da ordem “nazi”] Assim, ao nível do direito fala-se de uma ordem jurídica, porque esta envolve o Direito como “cosmos”, surgindo como uma criação cultural dotada de racionalidade. A ordem que o Direito constitui é a ordem da juridicidade. Mas “como é que somos atingidos prática e normativamente pela ordem jurídica?” 3 Para responder a esta questão em particular, termos de descrever as várias linhas estruturais da ordem jurídica, na sua estrutura, funções, notas caracterizadoras e efeitos.
B
C
A Α ) ORDO PARTIUM AD PARTES (Relações das partes para com as partes)
Esta linha, que vigorou em toda a época pré-moderna (quando ainda só existia esta linha), reporta-se a relações juridicamente relevantes que estabelecemos uns com os outros na veste de sujeitos de direito privado, em que todos pretendemos atuar na nossa autonomia para realizar interesses. Existe um autêntico equilíbrio paritário [relação de paridade], isto é, nada estabelece uma prioridade subordinadora entre as partes parificadas. A ordem jurídica define as nossas autonomias, delimitando-as, permitindo a realização dos nossos interesses, tutelando-os. A sociedade não é sujeito desta relação. Esta linha integra, desde logo, os ramos do Direito Privado, como o Direito Civil (Direito das obrigações, das coisas, da família, das sucessões) e o Direito Comercial. Quanto aos valores que a esta linha se associam destacam-se: a Liberdade Individual (centrada em cada um de nós); a Liberdade Relativa (as autonomias que se encontram, que se relacionam e se relativizam mutuamente) e a Igualdade (Todos podem realizar os seus interesses). Quanto à intenção à justiça 4 que nela se manifesta, podemos distinguir dois tipos de justiça defendidos por esta ordem:
Justiça de Troca ou Comutativa: «Troca de bens feita pela livre vontade», associado a um ganho e a uma perda, e a uma dinâmica de participação. [Exemplo paradigmático do Contrato Privado]
1
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 38 BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 40 3 BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 41 2
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Justiça enquanto “medida do Homem para o Homem”; “O modo como vemos a nossa situação relativa por mediação de certos valores ou exigências em referência aos quais nos auto- compreendemos e, por isso, procuramos projetar na ordem comunitária.” - BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 43
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Justiça Corretiva: Pretensão de repor o “equilíbrio perturbado”, procurando tornar o lesado indemne. [Exemplo da Responsabilidade Civil]
B ) ORDO PARTIUM AD TOTUM (Relações das partes para com o Todo) Esta linha, que surge com o Estado de Direito Pós- Revolucionário 5, baseia-se no pressuposto de que a sociedade pode exigir prestações a sujeitos privados, mas não arbitrariamente. Desde logo parte do princípio que os indivíduos são também socii , sendo que esta linha se resume às relações que cada um estabelece com a sociedade tomada no seu todo. Na verdade, a sociedade não surge como sujeito das relações que estabelecemos com ela [surge como ente público]. Esta tem valores e interesses a garantir e, caso interfiramos com esses bens e valores que esta procura preservar, esta tem o direito de nos pedir responsabilidades. Assim, a sociedade surge em primeiro plano. No entanto, os indivíduos também exigem á sociedade condições para afirmar a sua autonomia. Cada individuo surge na forma das suas “distintas «máscaras» de sujeito comunitário”6. Os ramos do Direito que estão incluídos nesta linha são: O Direito Constitucional, o Direito Penal, o Direito Fiscal e o Direito Militar. [Todos eles regulamentadores das exigências que a sociedade nos dirige; mas não visam menos institucionalizar, legitimar e limitar o poder.] Os valores a ela associados traduzem-se, principalmente, na salvaguarda da nossa autonomia, sempre que for posta em causa a liberdade individual e a responsabilidade social. Nesta linha, o Direito desempenha importantes funções de tutela e garantia:
Justiça Geral: Aquilo que, em nome de todos, se pode exigir a cada um e aquilo que cada um pode exigir ao Todo. Justiça Protetiva: O Direito é chamado a institucionalizar formalmente, a limitar e controlar o poder, garantindo a situação dos particulares que com ele se confrontam.
C ) ORDO TOTIUS AD PARTES (Relações de todo com as Partes) Esta linha, que surge com o aparecimento do Estado Providência 7, vê a sociedade como uma entidade atuante, dinâmica, que tem um programa estratégico que quer ativar para atingir os objetivos a que se propõe. Esses objetivos podem ser-nos favoráveis, ou visar o benefício da sociedade. A sociedade vai fazer atuar o seu programa, mas nos termos em que o Direito permita. Os ramos do Direito associados a esta linha são: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito de Previdência Social, Direito Público da Economia, Direito do Ambiente. (Ramos do Direito Público) Esta linha tutela a liberdade pessoal comunitariamente radicada e a solidariedade. [por vezes, é necessária uma atuação de desigualdade para que, no fim, se atinja a igualdade – ex: Impostos] Nesta linha, defendem-se dois tipos de justiça:
Justiça Distributiva: Parte de uma atuação de recolha e redistribuição dos meios por parte do Estado para corrigir problemas e desigualdades. Justiça Corretiva [no sentido tomado na 1ª linha]
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Forma de Estado que surgiu no séc. XIX, que se baseia na garantia das compossibilidades das liberdades – “Estado sem Fins”. 6 LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 4 7
Forma de Estado que surge no séc. XX e reconhece direitos e deveres , intervindo no círculo social, prestando bens e serviços aos cidadãos através de fins e estratégias por ele assumidas.
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EXCURSO: A distinção entre Direito Público e Direito Privado. Direito Público: (Direito Constitucional, Administrativo, Penal, Fiscal, Processual, Internacional Público)
Organização e atividade do Estado e outros entes públicos menores (autarquias regionais e locais) Relações dos entes públicos entre si no exercício dos poderes que lhes competem. Relações dos entes públicos, enquanto revestidos de poder da autoridade ( publica potestas ), com os particulares.
Direito Privado: (Direito Civil, Comercial e Internacional Privado)
Relações entre particulares Relações entre particulares e Entes Públicos, quando estes não intervenham revestidos do se imperium/ poder de autoridade.
1.2.1- AS FUNÇÕES PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA DA ORDEM JURÍDICA 1.2.1.1 - A FUNÇÃO PRIMÁRIA OU PRESCRITIVA É uma ordem que prescreve critérios para a nossa ação, exigindo-nos modelos de comportamento. Nesta função, o Direito surge como instrumento de mediação social para resolver problemas jurídicos decorrentes da vivência no «meio em que decorre a existência humana». Desde logo, surge o Direito como:
Princípio de Ação – O Direito tem, desde logo, uma tarefa imediata de orientação dos nossos comportamentos, fornecendo-nos modelos de «dever ser», criando definições para o que justo/injusto, bom/mau, entre outros. Tem, assim, esta função orientadora de comportamentos, prescrevendo modelos de ação/ comportamento. [Em suma, define os nossos direitos e deveres e valora os nossos comportamentos como lícitos/ilícitos] Critério de Sanção – O Direito procura, simultaneamente, estabelecer um conjunto de consequências para as relações sociais que disciplina. Porque é necessário um «Critério de Sanção»?
Se a ordem jurídica se ficasse pelo seu princípio de ação, determinando quais os direitos e deveres de cada um, isso “não passaria de um apelo à consciência de cada um. E estaríamos então diante de pura ordem moral.”8. Surge, assim, um confronto moralidade (ética) / direito (juridicidade). A moralidade tem de ser vista num plano interno, variando dos valores e princípios [à partida, morais] de cada um. Já o Direito trata de problemas objetivados no plano social (plano externo). Há, assim, uma intersubjectividade ou bilateralidade atributiva dos problemas jurídicos, que se traduz em dois tipos de conexão pertinentes:
A conexão exterioridade/ ponto de vista externo.
Do ponto de vista moral, devemos cumprir com os nossos deveres pelo facto de termos consciência da moralidade neles presente, aderindo, na totalidade, ao critério da moral. O móbil da nossa ação deve ser o sentimento de puro dever. Os problemas morais colocam-se, assim, só e apenas diante da nossa consciência. No caso do Direito, os motivos de um individuo ou a sua consciência são desvalorizados, já que este trata de ações materiais. Assim, para o direito, tem de haver uma exteriorização das intenções e da «consciência». [Um individuo pode achar que matar outro é correto – o que o condena do ponto de vista
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BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 61
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moral -, no entanto, para o Direito este só se torna um problema juridicamente relevante se se materializar a ação, ou seja, se matar efetivamente].
A conexão intersubjetividade /exigibilidade / executabilidade.
A intersubjetividade caracteriza-se pelo facto de « A moral determina que se faça, mas ao destinatário do comando cabe fazer ou não; ao passo que o Direito se caracteriza porque ordena e ao mesmo tempo assegura a outrem o poder de exigir que se cumpra.». Assim, para além de «ordenar», o direito exige certo comportamento por parte de um sujeito jurídico – exigibilidade-, com vista ao cumprimento efetivo da ação ou obrigação que um individuo deve tomar – executabilidade. Assim, a intersubjetividade ou bilateralidade atributiva baseia-se na ideia de que a “moral é um ato unilateral (o pobre não pode exigir a esmola; quando a dá, o esmoler cumpre apenas uma obrigação que a sua consciência lhe impõe), ao passo que, no quadro do direito, a relação que se estabelece é bilateral.” 9. Para além desta nota distintiva capital que é a intersubjetividade do Direito, surge ainda a ideia de comparabilidade ou tercialidade exigida pela controvérsia jurídica. Relativamente a esta nota, partimos do princípio que todos os indivíduos são iguais em direitos e deveres e, como tal, podem ser comparados a outros sujeitos. As responsabilidade de um sujeito são limitadas/ correlativas de certos direitos, já que a esfera jurídica dos outros, acaba sempre por limitar a minha própria esfera jurídica. Deste modo, o juiz deve dar resposta à controvérsia jurídica sempre em nome do Direito, procurando um «padrão de comparabilidade das partes». A institucionalização normativa dos meios capazes de garantir a eficácia social que o nexo intersubjetividade/ exigibilidade/ executabilidade impõem determina: o problema da sanção. As sanções podem ser positivas (função promocional do Direito) e negativas (função repressiva do Direito). As sanções positivas procuram “ «potenciar as efetivas possibilidades de realização da intersubjetividade social» ” 10, e as negativas surgem como “«restrições e proibições que acrescentam à negatividade do ilícito a sua própria negatividade real»”11.
Tipos de Sanções: (Negativas) Sanções reconstrutivas: Reconstituição in natura/ em espécie: Não recorre a um bem novo, relativamente ao danificado. Trata-se de uma reparação. (Art. 1341º C.C.) Execução Especifica: Traduz-se no cumprimento de uma prestação que a norma violada impõe. (Art. 1185º C.C. » Art. 827º C.C) Indemnizações específicas: Reposição da situação com um bem que, não sendo o que foi danificado, permite desempenhar a mesma função. (Tem de ser igual ao destruído). Sanções Compensatórias: Estabelecem uma situação que, embora diferente da violada, é comparativamente equivalente. Modalidades de Ineficácia: Inexistência Jurídica: O ato não produz quaisquer efeitos como se não tivesse sido celebrado (Art. 1628º/c )
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BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 65 LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 10 11 LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 10 10
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Invalidade Jurídica (nulidade e anulabilidade): O ato existe materialmente, mas não produz quaisquer efeitos porque sofre de algum vício. A nulidade é um modo de invalidade jurídica porque se entende que há, na violação da lei, a violação de um interesse público que é insanável, não produzindo quaisquer efeitos. (Art. 286º CC) Já a anulabilidade é um modo de invalidade jurídica, devido ao facto de estarem em causa interesses particulares, mas suscetível de ser sanada com o decurso do tempo. (Art. 287º CC) Ineficácia em sentido estrito: Os atos existem, não havendo problemas de validade, mas não produzem parte ou todos os seus efeitos porque viola a lei ou é submetido a certas circunstâncias. (Art. 270º CC) Penas e medidas de segurança: Sanções punitivas (civis, criminais, ordenacionais, disciplinares) (Art. 2034º CC) Sanções preventivas: Evitam a continuação da violação das normas. (Art. 781º CC) A especificidade do ónus: Não é, em rigor, uma sanção, mas consiste na necessidade que impende sobre certa pessoa de adotar certo comportamento para obter/manter certa vantagem. (Art. 342º CC) Estrutura Lógica da Norma: Entende-se a existência de uma articulação hipotético- condicional: Se…
Então…
Se.. : Há uma determinada hipótese ou previsão de que, se ocorreram cetos acontecimentos na realidade … Então… : Surge uma estatuição ou injunção que determina que a “resposta do Direito” será esta…
O problema da coação Nem todas as sanções negativas exigem o recurso à força, isto é, à coação(declaração de nulidade/anulabilidade de um negócio jurídico). Há, no entanto, sanções que são coativas, como penas de prisão, ou execução de bens. O direito mobiliza vários meios sancionatórios. É preciso é que não se confunda sanção com coação, sendo que só a primeira é predicativa do Direito. O carácter sancionatório do direito implica a existência de uma autoridade – tribunais. Surge uma certa relação entre o direito e o poder, sendo que “um poder é tanto mais eficaz, quanto menos usar a força e quanto mais recorrer a uma adequada argumentação para ser societariamente reconhecido como legítimo.”12 Em suma, a coação é apenas um dos meios-instrumento do Direito, entre muitos outros, para a efetivação da normatividade jurídica. Não se deve, no entanto, caracterizar o direito por estas notas de coercitividade (efetivação de aplicação de uma sanção coativa) ou de coercibilidade (possibilidade de aplicação de uma sanção coativa).
1.2.1.2 - A FUNÇÃO SECUNDÁRIA OU ORGANIZATÓRIA Esta função da ordem jurídica traduz-se numa tarefa institucional que resolve problemas da projeção jurídica na realidade. Tudo isto, porque a ordem jurídica tende à desorganização, já que o seu criador é o ser humano que procura vencer a anomia e a anarquia- que é, também, motivo para a necessidade de disciplina e estabilização desta ordem jurídica. Surge, assim, esta função secundária ou organizatória, no âmbito da qual a ordem jurídica se volta para si própria numa atitude de Auto descrição e Auto constituição, de modo a se auto organizar e subsistir.
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BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 74
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Surge a ideia de “procura de uma unidade sistemática”13 da ordem jurídica. Para tal, é necessário um conjunto de normas cuja função é evitar antinomias (entre normas; normas – princípios; entre princípios), garantindo a unidade e a coerência interna da ordem jurídica. Há três tipos de problemas possíveis: (1) A concorrência sincrónica dos critérios primários Traduz-se na existência de duas normas antónimas sobre a mesma matéria, isto é, do “confronto entre as soluções respostas prescritas”. Este problema pode ser resolvido por dois critérios-regras: (1.1)
Lex superiori derrogar legi inferiori : Fala-se um critério da hierarquia, em que uma “lei superior
derroga lei hierarquicamente inferior”. (1.2)
Lex specialis derrogar legi generali : Fala-se de um critério da especialidade, em que “lei especial
derroga lei geral”. É claro que, muitos destes conflitos, só podem ser tratados consoante o caso concreto, sendo que a esta procura de unidade passar a ser reflexivamente traduzível apenas num plano metodológico. (2) A concorrência no espaço Desde logo alerta para os casos em que se conexionam várias ordens jurídicas nacionais. Surge a questão das normas de Direito Internacional Privado como critérios secundários. (3) A concorrência/convergência diacrónica dos critérios: o «problema» da aplicação das leis no tempo Trata-se do problema ligado a certas situações jurídicas que ocorreram num determinado momento e que se veem confrontados com alterações posteriores no ordenamento jurídico. Estas alterações derivam do facto de certas situações terem de ser reguladas por um regime diferente. (Ex: Autonomização do Direito Comercial do Direito Civil.) Surge, igualmente, um momento de desenvolvimento constitutivo baseado em normas para resolver o problema da criação do Direito e do início /cessação da vigência das leis. Baseia-se também na existência de casos novos, cujas respostas não estão pré-determinadas. Há vários exemplos: (a) O problema das fontes do Direito A Lei surge como principal fonte do Direito Português; A importância dos assentes do Supremo Tribunal de Justiça; Usos e equidade. [Análise dos arts. 1 a 4 do C.C.] (b) Os critérios/cânones da doutrina que tematizam o problema (c) As normas legais que enfrentam o problema do começo e das cessação da vigência das leis: [Ver artigos 5 e 7 do C.C.] (C1) Vacatio Legis – O tempo que decorre entre os momentos de publicação e da entrada em vigor da norma legal. (C2) Caducidade – Pode resultar da cláusula expressa do legislador, contida na própria lei, de que esta só se manterá em vigor durante determinado prazo ou enquanto durar certa situação, podendo resultar no desaparecimento dos pressupostos da aplicação da lei.
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LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 11
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(C3) Revogação – Resulta de uma nova manifestação da vontade do legislador, contrária à anterior. A lei deixa de vigorar por efeito de uma lei posterior, que tem valor hierárquico igual ou superior, dando origem à lei revogatória. (C3.1) Revogação Expressa (Nova lei declara que revoga uma nova lei anterior) e Revogação Tácita (Resulta da incompatibilidade entre as normas da nova lei e as da lei anterior). (C3.2) Revogação Global (Revoga totalmente um ramo do direito/ instituto jurídico) e Revogação Específica (Revoga um diploma ou específicos artigos deste diploma.) (C3.3) Revogação Total (Todas as disposições da lei são atingidas – ab-rogação) e Revogação Parcial (Quando só algumas disposições da lei anterior são revogadas pela nova – derrogação) Alude-se ainda há existência de normas obsoletas e caducas – normas que estão em vigor, mas que efetivamente perderam a sua vigência -, surgindo como normas só formalmente vigentes. Podemos ainda aludir a um momento de realização orgânica. No fundo, este momento baseia-se na criação formal de órgãos aos quais são atribuídos poderes e competências, criando, ainda, uma hierarquia entre estes órgãos. O direito surgindo como meio de organização e estruturação do poder político, conferindo-lhe legitimidade, mas limitando-o simultaneamente.
Por fim, torna-se pertinente a referência a um momento da determinação- realização procedimental que está intimamente ligado ao anterior, correspondendo a uma autonomização de regras de processo. Este momento “institucionaliza um percurso (…) de tomada de decisão e o modus que este deverá assumir”.14 Tem de se ter em conta o confronto entre condições normativas substantivas – que são asseguradas por fundamentos e critérios materiais do ordenamento jurídico - e a especificidade dos cânones e esquemas de juízo. [Ver exemplo na página 13 dos Sumários Desenvolvidos do Dr. Aroso Linhares]
EXCURSO: HART E TEUBNER E AS REGRAS SECUNDÁRIAS Na sua obra “The Concept of Law” (1961), Hart identifica três planos analíticos de um sistema jurídico: (1) A regra de reconhecimento – Esta é uma regra que, uma vez aceite, combate a incerteza que pode resultar da convocação das regras primárias. Desde logo, identifica autoritariamente quais são os critérios de comportamento-ação que devem ser validamente reconhecidos como jurídicos e dotados de autoridade-potestas [Isto é, regula o que é o Direito e o que é apenas inerente à ordem social] Por outro lado, hierarquiza e unifica estes critérios de comportamento. É esta regra de reconhecimento que unifica as normas primárias, outrora desconexas, introduzindo a ideia de sistema jurídico. (2) As regras de mudança-transformação – Permitem a introdução de novas regras primárias e a eliminação de antigas, definindo quem o deve fazer e como. Só, assim, se poderá entender estas regras como exercício da autonomia privada. (3) As regras de decisão-julgamento – Combatem a ineficácia das regras primárias, dando poder a certos indivíduos para julgar, respondendo autoritariamente ao problema de saber se uma regra foi ou não violada. Para mais, determinam o processo a seguir, dando origem à ideia de «tribunais», «jurisdição» e «sentença». Assim, Hart reconhece várias vantagens às regras secundárias: certeza e confiabilidade, flexibilidade, eficácia, tornando eficazes as regras primárias. Já Teubner, defende que as regras secundárias nos “permitem passar de uma fase de direito socialmente difuso” para um “direito parcialmente autónomo”. 14
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 13
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2 – DIFICULDADES E PERGUNTAS Desde logo, surge uma grande questão condutora: Porque é que a analítica até agora ensaiada se mostra insuficiente (nos planos normativo e objetivo) se quisermos compreender o projeto-procura que prático-culturalmente distingue o Direito? 2.1. Desde logo, identificamos à ordem de Direito um certo projeto/ sentido que lhe é fundamental, sendo óbvio que o Direito está inserido num plano cultural e concreto – com um determinado sentido. O Direito não pode surgir como um “mero regulador socialmente contingente”15, disponível para assumir quaisquer intenções ou finalidades. Se o Direito se submetesse à economia, à política ou até à ética, perderia a sua autonomia. O Direito não pode ser visto como um mero instrumento de “institucionalização de uma ordem social – e(ou) de uma ordem que possa responder ao problema da «indeterminação» ou «inespecialização» da espécie humana.”16 Algumas correntes do pensamento jurídico, como o positivismo estrito e o moderno positivismo sociológico consideram que esta é a única função do Direito. No entanto, se tal fosse considerado eramos obrigados a “reconhecer muitos e inconfundíveis direitos que mais nada teriam em comum senão a partilha do mundo e de ordenação de intersubjetividades.” 17 No entanto, nem todas estas institucionalizações/ordens são ordens que se podem dizer de Direito. Para a existência de uma ordem de direito não basta a existência de normas primárias e secundárias, satisfazendo as necessidades de certeza, flexibilidade ou eficácia. Uma ordem de direito pressupõe a existência de um conjunto de valores e princípios básicos e fundamentais que têm de ser respeitados! 2.2. Desde logo, podemos apontar uma quantidade de ordens (com estruturas, sanções, normas primárias e secundárias, etc…) que surgem como “eficazes”. Pode-se falar de um conjunto de “experiênciaslimite” ou de um conjunto de ordens onde se funde o jurídico e o social, o formal e o informal, o privado e o público, etc… e que representam o “pluralismo” dos nossos dias e uma certa “face oculta” da normatividade socialmente vigente. (a) Às ordens das máfias e do gang. (b) As sociedades secretas e as organizações clandestinas. (c) À nova “lex mercatoria” (uma certa «ordem» das relações comerciais internacionais) (d) À ordem regulativa de organizações terroristas (e) Às exper iencias macroscópicas de uma ordem estadual totalitária (estalinismo, nazismo, etc…) (f) Um certo sistema de controlo e disciplina que operam em instituições, organizações e grupos. (g) A experiências de regulação coletivamente negociada. (ordens das convenções, acordos e pactos.) (h) Às situações institucionais dos direitos dos privados (criadas pela dinâmica de autodeterminação e de participação dos sujeitos jurídicos privados). (i) À ordem da economia da informação. No entanto, devemos também atentar noutras ordens normativas- que concorrem com ordem jurídica estadual- e que não podem ser vistas como verdadeiras ordens de direito, apesar da sua estrutura e organização interna de interesses e identidade comunitária. (j) À ordem prático-normativa das favelas. (k) Às práticas e critérios das minorias rácicas, étnicas, sexuais, religiosas e culturais na sua interação com as maiorias. (l) Às práticas consuetudinárias das pequenas comunidades (Indígenas, Rio de Honor, etc…)
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LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 21 LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 21 e 22 17 LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 22 16
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(m) À normatividade criada pelos «novos movimentos sociais» e identidades coletivas (ecologia, feminismo, minorias sexuais, etc…) Todas estas «ordens», mais ou menos evidentemente criadas, são ordens normativamente reguladas, com critérios primários, secundários, sanções, julgadores, etc… (que lhe conferem eficácia e a organizam). No entanto, nunca se poderão referir como sendo ordens de Direito, pois faltam-lhe os elementos constitutivos de uma «verdadeira» ordem de Direito. 2.3. Reconhece-se ao Direito, uma insuficiência objetiva, procurando-se critérios ou sinais que a manifestem. Esta traduz-se na ideia de falta de uma nota caracterizadora que distinga as ordem sociais de forma a distinguir quais são as de direito. “A natureza de ordem, no sentido analisado de «ordenamento» global e unitário, não é exclusiva do ordenamento jurídico e daí a necessidade de outra especificação (…) para o individualizar, já que o “de direito” não vai, na verdade, logicamente implicado no simples conceito de ordem ou de ordenamento social. A ordem jurídica seria o «ordenamento estadual».”18 Esta passagem do Dr. Castanheira Neves alerta-nos para uma questão pertinente: Mas a estadualidade não pode surgir como essa nota caracterizadora? A nota da estadualidade é importante, m as não é suficiente. O Direito é uma ordem normativa e o Estado uma instituição política. É claro que o Estado pode criar em boa medida o Direito que está à vontade para se servir do estado para atuar através da organização do poder. No entanto, Direito e Estado não se identificam ( historicamente – já que o Direito é muito mais antigo que o conceito de Estado; intencional-materialmente – o Estado procura a realização de valores especificamente políticos e o Direito justifica-se pelos valores especificamente jurídicos que intende; extensivamente – Nem todo o Direito deriva do Estado (Costume, Direito Internacional); formalmente – O Direito é constituído por princípios normativos e o Estado por um sistema programático.). Nem todo o Direito é estadual. O Direito estadual é aquele que é “cri ado ou reconhecido ou tutelado (garantido coativamente) pelo Estado.”19 O Direito privado tem, no entanto, uma origem extra-estadual. Atente-se igualmente no Direito Consuetudinário, em parte do Direito Internacional ou no Direito Eclesiástico, cuja existência não depende do reconhecimento pelo Estado da sua validade jurídica. A coação estadual não define o Direito já que o direito não utiliza exclusivamente a “coação organizada institucionalmente pelo Estado” 20. Conclui-se que o Estado não fundamenta o Direito e que o conceito de Estado de Direito passa pela existência de um estado fundamentado, regulado, legitimado e limitado pelo Direito. 2.4. Reconhecemos, ainda, uma insuficiência normativa, que recusa a solução de um nominalismo ou pluralismo acríticos que consideram que direito são “todas as situações institucionais de partilha do mundo (…) que fosse socialmente eficazes” 21. Se não fosse tomada em conta esta insuficiência teríamos de considerar que toda a ordem estruturalmente ordenada fosse uma ordem de Direito. Se apenas se tivessem em conta esses “termos meramente formais o ordem jurídica seria compatível com uma intenção e um conteúdo de valor negativo, ética e axiologicamente insustentável, uma ordem para o crime e criminosa (…)” 22 O Direito só pode ser pensado com uma carga axiológica positiva e uma intencionalidade materialmente axiológica que o justifique como direito. Uma ordem de Direito é uma ordem marcada pela nota da estadualidade e de juridicidadevalidade (autónoma do poder político) que juridicize o Estado, conferindo-lhe uma validade material, já que o direito é o seu legitimador e limitador. Intenção regulativamente antecipante e constitutiva ► Para uma ordem jurídica cumprir a sua função de critério prático-normativo da vida social é necessário que lhe estejam associadas um conjunto de 18
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , pág. 59
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NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , pág. 65 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , pág. 69 21 LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 25 22 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , pág. 73 20
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intenções, sentidos e valorações que garantam a dimensão prático-comunitária, que sustenta a sua vigência e existência. É o conteúdo normativo da ordem jurídica que regula a ação social de acordo com valores próprios e fundamentais. Fala-se de um “projeto autónomo do direito”, que visa a sua vigência válida numa comunidade pelo fato de estar fundamentada em valor es e princípios e não apenas numa “eficácia” ou num núcleo gerador de autoridade-potestas.
Intenção materialmente imanente de qualquer direito histórico ►► Para mais, nenhuma ordem jurídica se fecha no conteúdo já constituído, admitindo-se um contínuo constituindo. Isto é, o Direito está em constante evolução e mudança. Assim, o direito realiza-se historicamente, não apenas no presente-passado, mas fundamentalmente no presente em ato e no presente futuro – antevendo, projetando, dominando possíveis situações. “Esta natureza e função do direito implica, na sua essência, um dinamismo historicamente constituindo impulsionado por uma intenção normativa materialmente ordenadora(…)”23. Intenção axiologicamente fundante ►►►24 O Direito não fica compreendido se visto como ordem instituída e instituinte, ou partindo da ideia de cumprimento de uma intenção normativa, já que este procura, fundamentalmente, a instituição de uma ordem, antes de mais, de validade que justifica o seu carácter. Mesmo que se entenda a ordem jurídica como um “mero facto social”, esta tem sempre duas finalidades fundamentais que são a segurança e a paz – que são os valores que conferem á ordem jurídica a sua validade social. O Direito, como verdadeiro Direito, não pode surgir apenas como um facto; tem de se revestir de validade. Apresentam-se três razões: A própria intenção normativa implica uma pretensão de validade que justifique a existência de “normas” [que têm de ser válidas e nunca arbitrárias] Para mais, a nossa cultura tem sempre entendido o direito, como um direito válido. Desde os gregos que há um esforço histórico para realizar certos valores fundamentais na existência comunitária. Este tem de manifestar na vida social algo axiologicamente fundado. Era absurdo não associar o direito a uma intenção social normativamente válida e a um compromisso material com certas intenções e objetivos axiológicos susceptiveis de fundarem a sua validade. Fala-se de uma intenção de justiça. A nota de obrigatoriedade normativa do Direito exige este fundamento axiológico de validade. Um Direito que não pretendesse surgir como obrigatório não podia ser mais que ineficaz. A obrigatoriedade não tem sentido sem um fundamento axiológico, sem uma validade normativa em sentido próprio.
Concluímos, assim, que o direito tem de ter uma dimensão axiológico-normativa. De modo algum, podemos procurar entender o direito apenas a nível formal, sendo importante considerar o seu compromisso material. Surge a ideia de princípio normativo, associada a essa intenção normativa do direito, que considera o direito no seu verdadeiro sentido jurídico.
23 24
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , pág. 78 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , pág. 78 a 89
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CAPITULO II A EXPE RIÊNCIA DO SENTIDO ESPEC IFICO DO DIREITO RECONSTITUIDA NUM DIÁLOG O CRÍTICO COM O PO SITIVISMO N ORMA TIVISTA DO SÉCUL O XIX O U OS DESA FIOS E POSSIBIL IDADES DE UMA REPRESEN TAÇÃ O PÓS-POSITIVISTA
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O GRANDE ARCO PRÉ-MODERNO 1.1- Descoberta e Autonomização do Direito
Para se compreender a ordem jurídica e o Direito, não podemos pensar numa situação hoc sensu, sem considerar a história e a prática que herdamos do passado. Há qe olhar para o passado para compreender a nossa situação atual, de forma a responder ás perguntas que se nos colocam, já que os paradigmas herdados demonstram ser insuficientes na formulação de uma resposta para esses problemas. Facilmente se concluiu que o Direito é uma instância de validade e crítica dos comportamentos sociais. Para o compreendermos nesses termos teremos de caraterizar o seu “principio normativo”, fundamentando a sua validade referindo valores e princípios que a integram e constituem. Surgem duas perguntas pertinentes:
(a) Porque é que o nosso tempo exige procura dessa normatividade? (b) Qual o conteúdo dessa normatividade? Só poderemos compreender o hoje, se dialogarmos com abertura com o “ontem”, já que é neste último que encontramos um termo de comparação. Esta pergunta pode ser formulada doutra forma: Que herança recebemos e porque é que ela já não nos serve? E esta pergunta deve-se ao fato do horizonte histórico ser indispensável para uma adequada compreensão dos problemas práticos com que nos confrontamos, em virtude da radical historicidade que eles apresentam. O referente histórico da nossa situação podia ser procurado no séc. XIX, durante a época do positivismo. Porém, convém recuar mais no tempo para podermos compreender na íntegra a nossa ordem jurídica e o Direito, já que classicamente, nunca se pensou o Direito como fez o positivismo. Nas épocas anteriores ao positivismo, o direito era uma normatividade sistematicamente ordenada e socialmente vinculante, que brotava de múltiplas fontes: a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudência. O Direito não era um dado, mas sim uma normatividade muito complexa que os juristas iam constituindo à medida que a realizavam. [“O Direito era então, portanto, um problema prático em contínuo (e complexo) processo de realização”25] Assim, o Direito só se manifestava para a resolução de problemas concretos, integrando o domínio da filosofia prática (sobre o bem e o justo) e não o da pura afirmação da voluntas política (como no legalismo). Direito e ética confundiam-se, já que o direito refletia os valores culturais da comunidade em causa. Para mais, até ao positivismo, o ius naturalis era o referente último do pensamento jurídico e o direito constituía-se para além das fontes que positivamente o objetivaram. Esta época pré-positivista é aquilo a que chamamos “O GRANDE ARCO PRÉ-MODERNO”, onde se destaca um direito que se descobre e autonomiza sucessivamente: Como sentido e como especulação filosófica.* Como prática jurisprudencial.* Como domínio cultural universitariamente reconstituído e comunicado. *
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BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 311 *Cada característica aqui apresentada está explicada no sublinhado acima. Eduardo Figueiredo
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1.2- As três fases da época pré-positivista 1.2.1- A Polis Grega A própria pólis grega era entendida como uma comunidade de valores. Estes valores, p rovinham do Direito Natural e, como tal, eram considerados “pressupostos, definitivos e perfeitos”. Esta comunidade de valores só pode ser levada a cabo pelos seus membros, que são um conjunto de cidadãos vistos como “animais políticos” que participam na vida comunitária e na afirmação destes valores enquanto entidades adhistóricas, imutáveis, universais, etc…
1.2.2-A Civitas Romana Na época clássica romana, o direito radicava na prudência das situações concretas, tornando-se muito relevante o papel da iurisprudentia que criou, desde logo, várias exigências axiológicas densificadoras da communitas. [ex: bona fides, o animus, etc…] O pensamento jurídico romano era um pensamento centrado na comparação de casos análogos, sendo um dos maiores exemplos de direito jurisprudencial existente. As fontes legais eram muito escassas, mas tal não surgia como problemas desde que os juristas dessem o “ ius à civitas. E entendia-se que o ius (…) [como] “in sola prudentium interptretatione consistit ”, pois os juristas romanos (…) defendiam que não constituiam o Direito, mas que apenas o revelavam.”26. Este direito era, tal como na polis grega, um direito natural imutável, adhistórico, universal, surgindo como comum a todos os indivíduos e experiências.
1.2.3- A Respublica Christiana Medieval Na época medieval, o direito era ainda uma iuris-prudentia, mas agora radicada numa hermenêutica de textos das autoridades religiosas e laicas. Destacam-se o Corpus Iuris Civilis e o Corpus Iuris Canonici (que com os estatutos senhoriais e o costume constituíam as fontes do direito medieval). E a hermenêutica – interpretação – desses textos era orientada pelo método escolástico. O pensamento escolástico era uma dialética problemática que cria um problema, prevê hipóteses de resposta com base em textos a favor e contra, para chegar a uma conclusão. Na interpretação das obras, destaca-se a escola dos glosadores (séc. XII) que introduz um pensamento hermenêutico filológico-gramatical e a escola dos comentadores que introduz um pensamento mais construtivista e dialético. Estes textos eram “o direito em si mesmo” e eram usados para a resolução dos casos práticos. No entanto, o Direito medieval via o Direito ara além destes textos. O texto era apenas uma manifestação de algo que estava para além dele: dos valores fundamentais da filosofia prática de então. Eram esses princípios que identificavam a dimensão autenticamente constitutiva do direito medieval. Mas a «instauração» da Respublica Christiana acrescenta uma vertente divina à ideia de valores naturais, já que estes passam a ser uma criação da vontade e da razão divina. A fundamentação divina está presente na evolução do pensamento jurídico. O direito natural foi sempre pensado na scientia que a ele se dirigia (…), numa dupla 1.3intenção: uma intenção filosófica, que compreende o direito de forma absoluta pela explicação dos seus fundamentos oncológicos; uma intenção normativa, que tem na primeira o seu fundamento regulativo, e se traduz numa determinação de normatividade válida por si mesma. Esta normatividade procurava objetivar-se e constituir como “cânone regulativo” um critério de validade. Desta forma, o Direito e o pensamento jurídico deixam de ser maioritariamente práticos, utilizando-se na realização de problemas concretos, para se tornarem um pensamento e um direito cada vez mais teorético e com uma dimensão material, graças fundamentalmente à atividade jurisprudencial que lhe está associada. 26
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 313
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Para o jusnaturalismo pré-moderno, o direito natural era um “direito absoluto” já que o “direito positivo” era um direito inserido numa contingência histórico-social e política, surgindo como elemento básico de um sistema normativo hierárquico e integrado, que teria no “direito natural” o seu fundamento normativamente constitutivo e regulativo. A este direito positivo cabia apenas uma função variável de determinação e concretização. 1.4A visão pré-moderna do direito assenta na universalidade de valores imutáveis (ordem natural – visão jusnaturalista) e na visão acentuadamente jurisprudencial do Direito, já que este se manifesta à medida que responde às várias controvérsias. A vertente prática e teórica do Direito fundem-se para resolver as controvérsias concretas que surgem comunitariamente, tornando o juiz o grande protagonista.
2- OS FATORES DETERMINANTES DO LEGALISMO E DO NORMATIVISMO POSITIVOSTAS RECONSTITUIDOS NO CONTEXTO PRÁTICO-CULTURAL DO PENSAMENTO MODERNOILUMINISTA. (SÉC. XVII – XIX) 2.1- Um fator antropológico. Surge uma nova conceção do Homem, acentuando-se a autonomia humana, já que o individuo surge, agora, como sujeito individual de interesses e vontades. Esta mudança na conceção do individuo deve-se ao desenvolvimento da razão, nomeadamente comos progressos científicos, e à exaltação da Liberdade enquanto medida de exercício da vontade. Esta transformação da comceção do homem dá lugar ao individualismo. A questão é: como é que o Homem livre se integra numa comunidade? A resposta encontra-se no contratualismo. 27 (a) A passagem da comunidade – Entendida no “Grande Arco pré-moderno” como uma comunidade de valores imutáveis, universais e definitivos (portanto, era uma comunidade dada como integrante da ordem natural na qual o Homem se insere como homo institucionalis – é exterior à sua vontade) - à sociedade – Construída prático- culturalmente pelo Homem, enquanto socii , graças à sua vontade própria. O Homem começou a ver a sua relação com o outro, enquanto sujeito individual como interesses, razão, etc… (b) A substituição da ideia de um homem desvinculado com a criação da societas – dá-se a construção de uma nova conceção de individuo para responder ao problema das relações humanas em sociedade. Assim, este individuo do “Estado de Natureza” ganha certas características próprias, como interesses, liberdade e razão. Cada uma destas dimensões – Interesses (1), Liberdade-voluntas (2) e razão-ratio (2), desempenha papéis distintos: Surge um Homem de interesses emancipados. O problema da sociabilidade humana pode (1) ser tratado partindo do chamado “estado de natureza” em que o Homem surge desv inculado. No entanto, há que se libertar deste “estado de natureza” através da concertação da sua vontade com as vontades dos outros sujeitos. Isto só é possível através de um pacto social que crie vínculos entre os sujeitos, conjugando as suas vontades livres num plano de igualdade, para originar uma verdadeira sociedade. (Teorias de Locke, Rousseau, Grócio…) Atentemos no exemplo da lição de Hobbes: Hobbes tem uma visão muito pessimista do Homem e considera que este é um ser egoísta com o direito de se apropriar de tudo o que satisfaça as suas necessidades. Assim, criar-se-ia uma “guerra de todos contra todos” [Axioma Antropológico]. É necessária uma sociedade com autoridade que impeça estas tendências naturais de egoísmo que põe em causa a ordem e a segurança – Estado Leviathan.
27
A ver mais à frente.
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Existem outras teorias como a de Bentham, ou o funcionalismo pragmático (que procura caraterizar o homem nesse seu “estado de natureza”).
(2) A autonomia da voluntas e da ratio: Este sistema de pensamento radica no fundamento último da autonomia humana. O homem volta-se para si próprio, sendo a razão e a liberdade os fundamentos últimos das suas ações. “A autonomia humana num domínio especulativo é razão, no domínio prático é liberdade”28. Este homem de liberdade é, em último termo, um homem de razão, que é o fundamento de tudo o que faz. Esta ideia traduz-se, mais tarde, numa visão individualista dos problemas e das relações sociais e políticas. É nestes termos que o individualismo se torna a expressão político-social da liberdade moderno- iluminista. (3) A secularização e o secularismo: Á parte deste fator antropológico, podemos falar de um fator religioso – a secularização. Esta traduz-se “no reconhecimento da autonomia específica do mundo (…) e do homem nele em termos de aquilo que o homem é e faz nesse mundo ser imediatamente imputável à sua liberdade e compreendido como sua responsabilidade.” 29. Isto é, o homem a ver-se como sujeito responsável por si mesmo e livre perante Deus, mas reconhecendo um conjunto de valores essenciais. Esta admite que a criação das sociedades é uma obra também humana, deixando de se considerar o direito como meramente “sacral”. O Direito autonomiza-se da teologia e antropologia ocupa o lugar deixado pela religião – secularismo. Mas se secularização se distingue de secularismo e não o implica necessariamente, a verdade é que a concorrência dos outros fatores levou a que o referente prático do Direito se tornasse político, com a institucionalização do Estado.
2.2- Surgem um conjunto de condições sociológicas que concorrem para a estatização do Direito. Desde logo, destaca-se a emancipação e exclusividade da afirmação dos interesses individuais. Desde logo, emancipação de interesses de índole económica que provocou o aparecimento do capitalismo. A mente capitalista é uma mente dirigida para a satisfação dos interesses próprio, que se expandiu a todas as atividades económicas, culturais, políticas, etc… Surge, assim, a economia como ciência autónoma que introduz a ideia de Homem compreendido socialmente como homo aeconomicus. Agora, o Homem surge na totalidade da sua autonomia, liberdade e direitos e os referentes práticos deixam de ser o “bem” e o “mal”, para passarem a ser o “meu” e o “teu” [referentes económicos]. “É assim que a societas, já não a polis ou a civitas, se tornou o campo e objeto principal do político – que à sociedade ético-religiosapolítica viria a suceder a sociedade económica dos nossos dias, pela mediação da sociedade política moderna.”30. 2.3- Surge, por fim, um fator cultural do racionalismo moderno- iluminista que, conjugado com um certo empirismo e com a experiência prática, cria uma nova ciência, que surge como base do intelectualismo cientista do séc. XIX. Esta traz um novo tipo de racionalidade própria da expressão cultural de autonomia humana, que vê o mundo e o Homem como explicáveis com toda a objetividade, já que podem ser analisadas as leis naturais que os regem como toda a objetividade e detalhe. A razão moderna basta-se a si própria, sendo a “legisladora” da sua própria ordem. Fala-se de uma razão autista já que esta partiu de si mesma para se fundamentar dando origem a um racionalismo próprio. Este fator divide-se em três planos:
A pressuposição axiomática A construção hipotético – explicativa (o método indutivo vinculado à comprovação empírica) A desimplicação lógico-formal (a consciência lógico-dedutiva).
28
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , PARTE III, pág 4 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , PARTE III, pág 5 30 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , PARTE III, pág 16 29
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Associado a este aparecimento de uma nova conceção de ciência, está o declínio da racionalidade prático-prudencial como a retórica e a dialética.
2.4- O aparecimento de uma razão axiomático-sistemática e explicativo-dedutiva dá origem ao aparecimento de um jusracionalismo moderno-iluminista que se traduz em sucessivos modelos jurídicos elaborados com fundamento em valores, fundando o jurídico numa autónoma e especifica racionalidade. Rompeu-se com o entendimento do jusnaturalismo clássico, distinguindo “direito natural” e “direito positivo”, distinguindo -os como “direito ideal” e “direito real”. Só este último era verdadeiramente direito. Ao “direito real” faltava a sua positivação. Alimentou-se, assim, a codificação, procurou-se um poder político realizador deste jusracionalismo e recuperou-se no legalismo uma unidade superadora do dualismo acima referido. Assim, a juridicidade surge como normatividade sistematicamente explicitante de um auto-projecto humano. 2.4.1- Surgem várias classificações possíveis: (a) Jusracionalismo «existencial» ou «empírico» de Hobbes: Existe um direito de todos sobre todas as coisas e as leis naturais. Supera-se a “guerra de todos contra todos” através da criação do Estado Leviathan. Define um sentido pragmático-instrumental da lei. (b) Jusracionalismo Comum: Alimentado por uma construção racional nuclearmente apriorística, sincronizada com as exigências do seu tempo. Surgem dois tipos de direito: (b.1) Direito racionalmente natural: O Direito natural (“Direito que a razão conhece” – universal e imutável, com legitimidade material) determina exigências a aplicar ao conteúdo do direito positivo/voluntário. Defendido por Grócio, Pufendorf, Thomasius e Wolf. (b.2) Direito racional ou Direito formalmente racional: A razão apenas intervém formalmente, impondo exigências estruturais à composição da vontade legislativa e ao texto em que esta se exprime. É assim, um direito só com exigências formais, que visa a universalização, ignorando o conteúdo. Defendido por Rousseau – defende leis com generalidade, abstração – e Kant – acrescenta uma nota de formalidade em sentido estrito. 2.4.2- Assim, a «natureza humana» assumida na sua evidência ético-em pírica traz consigo a possibilidade de se encontrar nesta um traço decisivo que se constrói e reconstrói racionalmente. O Homem moderno surge como um homem de antíteses: afirma a sua autonomia na razão e na experiência, contrapondo-se ele próprio à natureza. Contrapõe, ainda, o necessário e o contingente. Ora, o homem moderno-iluminista, entende-se essencialmente como um homem livre. Pelo que, considerava que o mais natural é que todos os homens, enquanto seres livres, elaborem um modelo de construção da sociedade, que assente num acordo dessas liberdades que traduza num vínculo mútuo das realidades mas para afirmação dessas liberdades. Esse acordo era um contrato social. O contrato social identificava uma vinculação das liberdades, por afirmação das próprias liberdades. E foi assim de Thomasius a Rousseau. Só Kant é que se propõe a procurar compreender os princípios desta filosofia prática numa autonomia ideal-regulativa ao ponto de reconhecer que o abandono do Estado Natural é já um dever ético. 2.4.3- Podemos concluir que o direito na sua conceção normativista é um sistema autónomo de normas com uma realidade e um modo de existência racional-abstratos. Este existe, independentemente da sua realização concreta. O Direito só pode ser cumprido positivamente numa legislação – um código. Os códigos jusracionalistas não se limitam a ordenar, especificar ou melhorar um direito já vigente, mas surgem como um direito novo para a «planificação global da sociedade». Destacam-se o Código Prussiano e o Código civil Austríaco.
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2.5- O modelo de organização societária que o homem moderno lançou foi o do contrato social, pensando a sociedade como se todos fizessem parte de um contrato. Sendo todos os homens livres, este naturalmente tinha de assentar num acordo de liberdades que se traduz no vínculo mútuo das liberdades. O contrato social vincula as liberdades, afirmando-as com o objetivo de gerir interesses e resolver o problema da convivência social. Assim, o contrato social radica na autonomia do Homem. O homem moderno-iluminista afirma a sua liberdade racional realizando os seus interesses. Era necessária uma ordem, já que o mais natural é cada um afirmar interesses divergentes dos outros. Procurase criar uma sociedade partindo do zero. De certa forma, este Homem nega a sociedade, já que esta parte de si mesmo, já que só o individuo tem sentido. A ideia de contrato prende-se na afirmação que daí decorre da liberdade e igualdade dos contraentes. O status civilis surge como um status adventitius. (isto é, que vem depois, que não é natural, que é acidental.) A sociedade surge como um mero artefacto e surge um novo Estado. Este novo Estado é produto da vontade racionalizada em termos contratuais, já que só assim a vida social ganharia interesses. A sociedade moderna surge como revolucionária, pois satisfaz os interesses e objetivos do homem moderno e rompe com as ordens pressupostas anteriormente. Mas que novo poder seria este? Não seria certamente o do Leviathan de Hobbes. Primeiramente, na experiencia do direito racionalmente natural defendia-se um Estado de despotismo esclarecido. Mais tarde, com Locke e Rousseau, exigiu-se uma rutura radical e revolucionária que traria o poder do Estado demoliberal, que exigisse liberdade e igualdade. A origem do direito é, portanto, este contrato social. O direito é aquele que o contrato social determinar, surgindo como estatuto de coordenação das liberdades de todos e de cada um e as regras de convivência que o definem são leis. Não é pensável o direito fora das leis, pois não há regras de convivência fora do contrato destinado a constitui-las. Estas regras visavam, como vimos, garantir e coordenar as liberdades para cada um assegurar os seus interesses. 2.6- Nesta época, o direito era necessariamente, um direito-lei. Surge assim o legalismo que identifica o direito com a lei. Esta lei tinha de ser a constitutivo das liberdades e interesses e só podia ser criada pelo poder legislativo- “vontade geral”, representado a vontade da maioria. Assim, surge uma nova conceção de lei como expressão de um poder legislativo de vontade legítima que só se constitui na sua juridicidade quando o seu texto assimilar a estrutura racional de uma norma. Esta racionalidade resulta da: (1) Articulação hipotético-condicional (se Então) (2) Da universalidade racional das suas formulações (2.1) Generalidade (Leis iguais para todos, terminando com a diferenciação social) (2.2) Abstração (ao irrevelarem a individualidade e a especificidade de situações para poderem aplicar-se lógico-dedutivamente) (2.3) Formalidade em Sentido estrito (ao limitarem-se em definir as regras do jogo da atuação dos interesses sem nele se envolverem). (3) Do fundamento imanente que o sistema das normas lhe proporciona. (os princípios, normas e conceitos não estão ordenados por uma estrutura hierarquizante.) “A politização do direito através da sua estatização legalista foi a primeira expressão moderna do esvaziamento axiológico-material do direito a favor de uma perspetivação tão-só formal.”31 Dois Contrapontos paralelos:
31
A volonté génerale de Rousseau, traduzida na verdadeira universalização da vontade de todos, já que é inconfundível com as vontades empíricas e reais determinadas por interesses privados (vontade particular, vontade de todos [aqui, da maioria]). A lei surge como «expressão0 da vontade geral», atingindo uma nova forma de associação.
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito , PARTE III, pág 21
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A liberdade de Kant, inconfundível com o arbítrio e a contingência material deste. Exige que cada individuo, ao agir em termos morais, regule a sua ação pelo Dever. Cria um imperativo categórico que distingue arbítrio (exercício da vontade geral) e liberdade (condição que permite a compossibilidade dos diversos arbítrios. O direito a estabelecer condições para tornar possível esta relação entre arbítrios). = «Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio…»
2.7- Surgem duas condições epistemológicas para a consumação do iluminismo no positivismo jurídico do séc. XIX: 2.7.1- Era necessário que a racionalidade se inserisse na evolução e na mudança e torna-se o real histórico racional. A razão deixava de se identificar com o universal abstrato: ela própria era a história. A historicidade era mais racional do que real pois tinha apriori garantido o êxito no seu sistema. Assim, era necessária uma historicidade que acentuasse o real, vendo nele prius de uma tentativa de compreensão racional só a posteriori. O historicismo mais relevante foi o da Escola Clássica, cujo adversário começou por ser o estatismo legalista. Esta considerava que o direito não era um produto de uma vontade racionalizada em termos abstrato-universais, mas uma cultura em geral sedimentada ao longo dos tempos. Estamos perante um direito pré-suposto que o jurista pesquisava e explicava. Traz consigo uma certa ideia de ciência, na projeção de um sistema dogmaticamente estruturado. Foi a formalidade que triunfou em Savigny, já que esta era necessária para garantir a cientificidade. Criou uma teoria da interpretação da lei – A interpretação visava conhecer o “critério legal da sua verdade”32. Em suma, pressupunham, assim, um direito dado nas leis, criadas para depois se aplicarem, e distinguiam um elemento político (elemento material que vincula o direito à vida geral da comunidade-povo) e um elemento técnico (que determina um autêntica ciência do direito). 2.7.2- O cientismo traduz-se na redução de toda a validade cultural ao esquema das disciplinas empíricoanalíticas. Para este, a ciência é o domínio da experiência de um objeto. Não admira, que o pensamento jurídico pretendesse constituir o direito como uma ciência empírico-analítica. Por duas razões: (a) A época do advento das ciências correspondeu a um apagamento da credibilidade da especulação metafísica. A única objetividade é a das ciências empíricas ou seja, a objetividade teorética. (b) Dá-se a distinção ciência/política. O pensamento jurídico limita-se a conhecer o direito, já que é a política que tem a tarefa de o criar. Surge uma espécie de dualismo metodológico: se a tarefa do juiz é resolver questões de quid iuris, o pensamento jurídico surge como seu auxiliar na interpretação e aplicação das leis que foram criadas pelo poder legislativo. Assim, de um lado temos a técnica (interpretação e aplicação da lei) e do outro a teoria da ciência do direito. Afirma-se, deste modo, a intenção prática do direito e a intenção teorética do discurso decisório. Em suma, o cientismo positivista vem hipertrofiar os discursos e os tipos de racionalidade que vimos. O direito converte-se num objeto do pensamento jurídico (ou deste enquanto ciência do direito).
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BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 348
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3- O POSITIVISMO LEGALISTA CARATERIZADORAS.
RECONHECIDO
NAS
SUAS
COORDENADAS
O positivismo jurídico introduziu uma fratura no modo com o direito era tradicionalmente compreendido, rompendo com a ideia de que este radicava numa filosofia prática. Apesar da pluralidade de fatores responsáveis pela sua génese, o que é certo é que o positivismo se apresenta como um pensamento simples que reduz a juridicidade à mera legalidade, ao identificar o direito com a lei e fazendo depender a juridicidade de um mero “test of pedigree”, isto é, da prescrição das normas legais por instâncias politicamente legitimadas. Há certas coordenadas caracterizadoras do positivismo jurídico que explicitam o positivismo legalista.
3.1- Coordenada político-institucional: O Estado-de-Direito de legalidade e os princípios da separação-divisão dos poderes, da legalidade e da independência judicial. O positivismo radicou na compreensão do estado como um Estado moderno de contratualismo individualista, ou estado representativo demo-liberal. É este Estado que vai dar origem a um Estado-deDireito de legalidade formal. Este tipo de Estado pretendia dar uma dimensão jurídica a um problema politicosocial – o resultante do encontro das liberdades. Isto é, este Estado visou dominar juridicamente o poder: o Estado-de-Direito de legalidade formal foi a tentativa histórico-cultural de solucionar juridicamente o problema do poder. Este Estado-de-Direito de legalidade formal é estruturado por três princípios:
Princípio da Separação dos Poderes: Autonomizado, primeiro por Montesquieu e Locke, no seu sentido negativo, isto é, estritamente político. A única via suscetivel de garantir a defesa da liberdade numa sociedade com vários estratos sociais seria a da moderação do poder. Uma vez repartidos, os poderes controlar-se-iam reciprocamente - «checks and balances». Montesquieu utilizou a sua perspicácia ao defender que cada poder seria entregue a um estrato social: O poder executivo é confiado ao monarca; o poder legislativo deve competir a duas câmaras que reflitam as diferenças de nascimento (Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns); o poder judicial surge como um poder nulo, porque para a criação do Direito, só interessa a Lei. O Juiz é a «mera boca que pronuncia a lei», trazendo-a para o caso concreto e aplicandoa. O poder era, assim, exercido pelos vários titulares que o fiscalizavam, limitavam e moderavam. No entanto, o sentido deste princípio foi-se alterando, com a afirmação de um «poder principal». O poder legislativo, tona-se o «supreme power», porque era na assembleia representativa que se ouvia a expressão possível da voz da “volonté genérale”. Os demais poderes deixaram de se afirmar como político-socialmente autónomos e passaram a ter o seu quadro de atuação definido por este poder supremo: eram as leis do poder legislativo que prescreviam o modo de atuar do poder executivo e do poder judicial. Dá-se, assim, a transmutação do normativismo moderno-iluminista (lei como mero enquadrante da ação concreta) em positivismo legalista (lei como critérios imediatos da ação concreta, ditados pelo poder legislativo). Com Kant e Rousseau, surge uma outra conceção da separação dos poderes – torna-se um «corolários institucional», livre de qualquer consideração pragmática – em que o poder legislativo é o encarregue pela criação do direito; o poder executivo surge como fundamental para aplicar e executar a lei (com limites, é certo!); e o poder judicial surge autónomo, não recebendo instruções ou comandos do poder legislativo, trazendo a voz da vontade geral para o caso concreto.
Princípio da Legalidade: A lei é entendida como estatuto geral, abstrato e formal da prática política e da ação concreta, estando na base de toda a vida de relação. Há, assim, exigências de supremacia ou prevalência da lei, já que os poderes executivo e judicial têm de agir cumprindo o prescrito pela lei, já que está é um autêntico fundamento destes poderes; e a reserva de lei, que afirma a lei como «imperativonorma» constitutivo da juridicidade enquanto tradução de uma conceção representativa de legitimidade (os poderes só têm legitimidade se agirem de acordo com a lei) e do «duplo postulado do legalismo (traduzido na ideia de que «A lei é todo o direito… e toda e qualquer lei é direito… Não há direito fora da lei.»). Este princípio traduz, também, uma concertação do normativismo e do legalismo. («Não há leis que não sejam
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normas nem normas jurídicas que não sejam leis…»/«O direito é um sistema de normas gerais e abstratas prescrito pela vontade legisladora enquanto “vontade geral coletiva do povo”»).
Independência judicial: Traduzia-se na mera obediência do juiz à lei. Mas estas normas legais eram «critérios normativos» racionalmente universais e não imposições de decisão, visando-se que o juiz não recebesse ordens de ninguém aquando da decisão de casos concretos. Reinventa-se a imagem do juiz que ao ser a mera boca que pronuncia a lei» se liberta da sujeição de poderes, porque surge como independente e neutro, garantindo que as prescrições da vontade geral se cumpram em cada caso sem restrições na sua universalidade racional. O julgador deve proferir uma sentença, dizendo o que é de Direito em cada caso, de forma neutra e impessoal, resolvendo o problema. Só pressuposto a normatividade este está em condições para se libertar da contingência e do arbítrio.
O Paradigma da Aplicação: (a) O direito-lei pré-determinado: O Direito existe em normas gerais e abstratas, sem interferência do mundo dos casos concretos. O julgador deve, assim, abstrair-se do problema que o ocupa e interpretar a norma em abstrato, garantindo a sua inteligibilidade racional e a juridicidade que resulta da sua universalidade. (b) Exigência de reconduzir os casos a fatos empíricos desarticulados . Fatos extes que o juiz irá organizar consoante a relevância e as exigências de articulação que hipótese da norma lhe oferece (confronto: normas/fatos) (c) Realizar o esquema lógico-dedutivo do silogismo subsuntivo a garantir a relação entre o geral e o particular sem implicações normativas.
PREMISSA MAIOR H C PROPOSIÇÃO NORMATIVA RECONHECIDA NA SUA ESTRUTURA
PREMISSA MENOR P H SUBSUNÇÃO PROPRIAMENTE DITA
CONCLUSÃO P C P: Problema concreto
Programa condicional: à hipótese H («se») corresponde a consequência (-solução) jurídica C («então»). O Problema P (determinado e comprovado na sua factualidade empírica) é um exemplo do género H – isto é, corresponde à previsão realizada pelas normas em causa. Para o problema P vigora a solução tipificada C.
C: Consequência jurídica
H: Hipótese
3.2- Coordenada estritamente jurídica: as duas dimensões imprescindíveis da lei. (a) A lei enquanto imperativo ou formale legis – comando, prescrição ou estatuição normativa, quem tem a sua «fonte na vontade do povo» e no poder soberano que a representa, e que como tal se impõe (e nos vincula) (b) A lei enquanto norma racionalmente universal – geral, abstrata e formal, mas também permanente ou estável (diríamos, imutável), entenda-se, «subtraída à contingência e mutabilidade do individual histórico-concreto, à relatividade histórico-concreta». As leis seriam válidas se pudessem dizer-se racionais, isto é, se fossem gerais, abstratas, formais e imutáveis. A racionalidade (formal) e a validade coincidiam. Podemos ainda referir a importância da normatividade constitucional e da organização da legalidade, como resposta à pretensão de unidade e completude.
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3.3- Coordenada axiológico-jurídica: a racionalidade da lei a consubstanciar as exigências normativas da juridicidade. (a) Generalidade: A fundar-se já na igualdade, excluindo o arbítrio e os privilégios e consumando uma exigência de igualdade. A lei é igual para todos, já que todos são iguais à face da lei. Há uma igualdade no plano dos sujeitos. (b) Abstração: Assimila o comum racionalmente parificador, sendo fundamental para a existência de uma previsão e de estabilidade. Surge uma igualdade no plano das situações. ~ (c) Formalidade: Define o quadro normativo das possibilidades de atuação dos sujeitos sem impor fins, permitindo a cada um a prossecução dos seus fins e a realização dos seus arbítrios. A lei afirma, deste modo, a pureza jurídica da sua intencionalidade enquanto norma, desempenhando uma função político-socialmente estatuária de garantia. (d) Permanência enquanto condição de segurança: Acrescentada no século XIX, traz dois sentidos de segurança: através do direito e do direito. Privilegia o liberalismo individualista, isto é, saber com o que se pode contar para não correr riscos - «segurança através do direito». Surge uma conexão entre a previsibilidade e esta segurança através do direito: É um direito dotado de estabilidade que conduz à ideia de segurança. A axiologia do positivismo tem um carácter meramente formal e, com efeito, é indiferente o conteúdo das leis, desde que estas sejam gerais, abstratas e formais e garantissem a igualdade visada. O positivismo foi um pensamento formal, até nos valores que defendeu.
3.4- Coordenada funcional: a especificidade de um pensamento jurídico formalista. Verifica-se uma cisão intencional entre um direito-objeto pressuposto – cuja criação ou constituição está entregue a um poder estadual (legislativo) – e o pensamento jurídico (intencionalmente teorético e juridicamente autónomo – cria-se um “ciência do Direito”, através da sua análise puramente teórica.) que se lhe dirige. Antes desta rutura, aberta pelo objetivismo historicista, todos os degraus do pensamento jurídico (não esquecendo a filosofia prática ou iuris naturalis scientia) eram orientados por intenções prático-normativas, partilhadas por ambos no projeto-procura do direito. [Pode dizer-se que ambos visavam a realização do justo concreto.] De certa forma dá-se a distinção entre a criação (que cabe ao órgão legislativo) e aplicação (que cabe ao órgão judicial) do direito. Há um confronto entre a contingência prático-material e político-ideológica que sustenta o processo de criação do direito e a pureza formalmente jurídica do processo cognitivo e da ciência do direito que o torna possível. Não admira que o cientismo se tenha projetado nesta problemática, já que o direito também pretendia ser ciência, com um objeto de estudo. O jurista devia conhecer o direito-objeto que lhe era dado por vários órgãos. No entanto, para o jurista pouco lhe interessava o conteúdo do direito, desde que este fosse formalmente válido. A neutralidade perante o concreto conteúdo do objeto era justificada por uma determinante politicoideológica (que reconduzia exclusivamente o direito-legalidade à “vontade geral”) e por outra de carácter cultural (que rompia com a radicação do direito na filosofia prática). O jurista do positivismo legalista deparava-se epistemologicamente, assim, com os temas de uma ciência do direito preocupada em sistematizar conceitualmente a fragmentária matéria jurídica. 3.5- Coordenada epistemológico-metodológica: a assimilação exegética dos sentidos e a sua tradução em estruturas conceitual-sistemáticas. Porquê Epistemológica? Porque a Ciência do Direito visava uma pura construção conceitual feita a partir de elementos do sistema jurídico. Porquê Metodológica? Porque o Direito era por este pensamento reduzido à mera legalidade pré-escrita, aplicando-se apenas formalmente, através da única racionalidade conhecida: a lógico-dedutiva. O pensamento jurídico positivista era um método para orientar o conhecimento exegético-dogmático da lei: o que importava era apreender o significado da lei enquanto proposição textual. O direito-lei era um objeto Eduardo Figueiredo
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que o jurista tinha de conhecer, empenhando-se na conceitualização do material recolhiso, em termos consonantes com o cientismo do seu tempo. Para tal o jurista tinha de mobilizar as regras da hermenêutica filológica tradicional. Deste modo, o juíz tinha de conhecer e interpretar a lei, visando extrair o sentido semanticamente comunicado pela norma-texto. E se o conteúdo das normas-textos era puramente contingente, o espírito do tempo exigia que se criassem estruturas invariantes. Em suma, o objetivo do jurista era o de mencionar o conteúdo histórico-concretamente contingente (logo, variável) das normas e situações práticas, sintetizando-o em conceitos, isto é, em invariantes categorias formais com uma pluralidade de conteúdos.
4- UMA PRIMEIRA ABORDAGEM DO UNIVERSO PÓS-POSITIVISTA CONCENTRADA NUMA EXPERIMENTAÇÃO ANTROPOLÓGICA E NO MODO COMO ESTA CORRESPONDE A UMA COMPREENSÃO (HOJE PLAUSÍVEL) DO SENTIDO ESPECÍFICO DO DIREITO (OU MAIS RIGOROSAMENTE, À PRÉ-DETERMINAÇÃO FUNDAMENTANTE DE UMA TAL COMPREENSÃO, CONSIDERADA NO SEU MOMENTO REGULATIVO). 4.1- O processo de superação do positivismo legalista – um diagnóstico de crise concentrado e simplificado em seis sintomas exemplares. 4.1.1- A crítica metodológica O juízo jurisdicional concreto (que resolve questões práticas) é irredutível ao esquema silogísticosubsuntivo exigido pelo paradigma da aplicação, gerando-se críticas ao positivismo que denunciavam o absurdo de querer transformar uma prática real num exercício lógico dedutivo. Como tal, é necessária uma alternativa, isto é, outra racionalidade. Surge a problematização da cisão interpretação (em abstrato) / aplicação (em concreto), conduzida pela autonomização progressiva de uma interpretação normativo-teleológica. O Método Jurídico do séc. XIX reconhece os problemas que pressupunha como resolvidos: a construção do caso; a procura do critério normativo; confronto da relevância do caso com a relevância da norma. Surgiu a consciência de que o método utilizado não era suficiente e adequado, surgindo a necessidade de se criar um novo método, não baseado na interpretação abstrata e a aplicação em concreto – a juridicidade deve deixar de se identificar com a legalidade racionalmente reconstruída em abstrato. Dá-se o isolamento progressivo de um Método pré-determinado e as resistências da realidade, traduzidas no êxito de uma ciência do direito dogmática assumida pelo positivismo normativista e que dependia da autonomização de um direito puramente pensado. 4.1.2- A exigência de superar o normativismo como ciência formalista e abrir portas ao discurso finalista (teleológico). Falamos de uma superação no plano do direito (para que a este deixe de importar apenas a forma na relação entre os arbítrios.) e no plano do pensamento jurídico (para que deixe de ser uma ciência jurídica de normas-textos). Destacamos a classificação de Kantorowicz, que defende: Um pensamento jurídico formalista a partir de uma estrutura dogmática auto-subsistente (sistemas de conceitos), procurando um sentido para a fórmula dada. (Defende o direito como sistema formalmente autónomo) O pensamento jurídico também finalista, partindo de um sentido da realidade material dos fins, exigências e valores, procurando um sentido material para a solução encontrada, assumindo a conexão direito/realidade social. Se o direito é uma dimensão da realidade social não pode ser pensado num universo abstrato e isolado. Este deve ser compreendido como uma dimensão da prática social, surgindo ao serviço dos interesses, expetativas e fins manifestados na realidade social. (O direito pensado como uma dimensão da realidade social, inevitavelmente comprometida com fins.) = Começa a surgir uma visão finalista em detrimento da antiga visão formalista.
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Há vários caminhos que o teleologismo pode percorrer:
Um primeiro caminho a atender exclusivamente a fins e a exigir novos quadros para a institucionalização da sociedade.
Necessidades subjetivas Interesses relativamente aos objetos que as satisfazem Escassez de objetos Fins-objetivos Equivalência dos fins Necessidade de decisões que hierarquizem os fins Racionalidade instrumental-estratégica Societas.
O segundo a atender a fins e valores, partindo de uma compreensão do direito baseada numa validade comunitária. (regresso da communitas)
Convicções-projetos Compromissos práticos O outro como sujeito num mundo prático de comunicação Valores Tarefas Responsabilidades Vínculos integrantes Hierarquização dos fins Racionalidade prática sujeito/sujeito Communitas Deste modo, importa distinguir: Fins : são necessidades subjetivas consideradas a partir do sujeito individual. (O fim do direito é a satisfação das necessidades -> a legislação intervém para determinar esses fins, determinando o grau dos interesses e a necessidade da sua satisfação) =Hierarquização das necessidades. SOCIETAS [Não esquecer que o outro surge como limitação para a satisfação das necessidades] 33
Interesses: exprime esta relação entre as necessidades e os recursos disponíveis (sempre escassos para a satisfação da necessidade de todos no mesmo grau) No entanto, não podemos ficar por uma mera ordem de fins. A validade, enquanto exigências axiológicas, é o plano que confere ao Direito a sua identidade.
Valores: convicções, exigências e compromissos partilhados pelos membros de uma comunidade. Os valores como vínculos, que permitem a hierarquização dos fins. COMMUNITAS 4.1.3- A necessidade da distinção direito/lei, em dois planos distintos. (1) A experiência, assumida na realização concreta do Direito, dos limites normativos da lei, acompanhada pela recompreensão do direito jurisprudencial. (2) A especificação dos elementos constitutivos de uma normatividade jurídica diferente de lex: o reconhecimento dos direitos fundamentais como prioridade jurídica para garantir a validade jurídica da lei e o reconhecimento dos princípios normativos que transcendem a lei e que, como tal, a lei tem de respeitar e cumprir. A atenção prioritária que a crítica ao legalismo positivista concedeu ao problema das lacunas que surgiram como múltiplas.
4.1.4- As novas exigências do princípio da igualdade Começa a criticar-se a pressuposição da igualdade do cidadão perante a lei que derivava da racionalidade reconhecida às normas, nomeadamente da sua generalidade, e a necessidade de se considerar tal igualdade e o seu sentido abstraindo da solução materialmente contingente consagrada pela voluntas legislativa. Surge uma igualdade perante o direito, graças à distinção das perspetivas político ideológica – igualdade como compromisso do Estado Social- e axiológico-jurídica – a igualdade realizada no processo judicial enquanto correção das injustiças, concebendo a igualdade como um intenção normativa que a própr ia lei é chamada a cumprir. Em suma, o problema da igualdade, não é apenas um problema da igualdade formal, é também uma desigualdade substantiva, que deve ser resolvida através da resolução das diferenças, tratando diferentemente o que é diferente.
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Uma acentuação exclusiva dos fins leva a conceção instrumental do Direito e ao fim da sua autonomia.
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4.1.5- As transformações político-institucionais reconhecidas em dois núcleos temáticos possíveis. 4.1.5.1- A reinvenção do princípio da separação dos poderes No antigo estado demoliberal, há um poder legislativo exclusivo das assembleias que deviam criar normas gerais, abstratas e formais., já que só nesse parlamento se podia encontrar a manifestação de uma vontade geral; o poder executivo de governação conduzia o sistema político; o poder judicial estava entregue aos tribunais Porém, esta rígida separação dos poderes vai ser alterada ao longo do séc. XIX: Não tem de haver uma rígida separação orgânica, mas apenas uma compartimentação normativamente justificada das funções, isto é, uma complementaridade de funções, não comprometendo o núcleo essencial da diferença que separa a tarefa de programação legislativa da tarefa de realização do direito em concreto- função judicial. Deste modo, o juiz deixa de ser a mera boca que pronuncia a lei para passar a ser um terceiro imparcial que resolve a controvérsia jurídica com base no direito e na sua interpretação. O poder legislativo, para além de estendido a assembleias legislativas regionais e ao governo, deixa de ser puramente legislativo, já que a lei deixa de ser meramente formal, surgindo uma autêntica dimensão material à lei. 4.1.5.2- O ciclo do Estado-Providência (Welfare-State) Após a II Guerra Mundial surge uma nova conceção do Homem (Homo socialis) e uma nova conceção de legalidade que acompanham a nova função do Estado, que passa a intervir na realidade social através de políticas de intervencionismo, por exigências de solidariedade e redução de carências. Assim, surge uma tarfe do Estado de correção de desigualdades no jogo dos arbítrios – justiça distributiva – através de prestações sociais. O Direito Lei passa a surgir como um instrumento para levar a cabo as políticas públicas. A intervenção estadual é determinada por uma planificação seletiva de fins, diferente da estrutura condicional (seentão), surgindo um programa final: (1) Definem-se os objetivos a atingir (isto é, os fins que o Estado vai assumir e que determina toda a construção legislativa.) (2) Um programa que estabeleça uma série de meios que considera adequados para prosseguir esses fins no seio da realidade social. Esses devem ser desenvolvidos pela Administração e até pelo poder judicial. É necessária a superação do conceito de lei-norma, sendo que o Estado Providência vai pôr em causa a formalidade das leis, a sua generalidade, abstração e permanência. A prossecução dos fins do Estado exige a adoção, por vezes, de leis-plano e leis-medida. A lei-plano com uma intenção transformadora: especifica um «programa final», levando a sério os limites de estabilização tático-estrategicamente desejáveis, mostrando-se capaz de escolher alternativas para condicionar os comportamentos dos seus destinatários. A lei-medida ou lei-providência como resposta à agonia do pós I Guerra. A lei-medida é um comando imperativo que nasce de uma situação real e concreta de necessidade, podendo surgir como um enunciado particular (titularidade) imputado a um contexto de oportunidade estratégico-social; como uma resposta direta a um situação concreta («generalidade da situação concreta» - dirige-se a todos os indivíduos nessa situação concreta.); e que joga em pleno o jogo da mutabilidade e da relatividade histórica, surgindo como opção temporária/provisória. Estas leis têm como limites vinculantes o principio da separação dos poderes e o princípio da igualdade.
No entanto, é inevitável que o Estado Providência entre em crise, desde logo porque a sua eficácia era puramente ideológica, não se materializando. Porém, este abriu portas à recompreensão da legalidade e à reprocessualização sistémica.
4.1.6- As transformações culturais 4.1.6.1- Uma nova conceção de ciência Surge uma ciência que se descobre a si própria como prática e vinculada historicamente às opções de uma comunidade investigadora, com uma rutura e mudança de paradigma, superando-se o monismo cientista da razão moderna, sugerindo uma pluralidade de racionalidades.
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4.1.6.2- Uma nova conceção do Homem Homo socialis da racionalidade estratégica que, graças, à crise do Estado Providência, se transforma em homo economicus. Homo ludens entregue a m relativismo consumado. Homo humanus da compaixão e responsabilidade infinitas assumido pela ética da alteridade. O sujeito prático-hermenêutico finito que se compromete com a transfinitude dos valores comunitários.
4.2- Os processos de superação do homo juridicus e do formalismo ateleológico concentrados no [exemplo do direito privado. 4.2.1- O princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada surge como condição normativa de possibilidade do direito privado, ou seja, surge como a regra dentro destas relações de paridade entre os sujeitos. As relações jurídico-privadas devem, assim, garantir a autodeterminação destes sujeitos jurídicos. Estes sujeitos estão também vinculados por uma responsabilidade pela constituição e composição das relações em que participa. [Esta conceção conduzirá a um “principio transpositivo do direito privado” 34. A compreensão individualista deste compromisso/exigência deve-se à compreensão do sujeito como categoria universal, indiferente ás determinações que o individualizam e diferenciam, aos acontecimentos que constroem a sua identidade, aos seus fins, entre outros. [individualismo abstrato] Porém, este sujeito também se carateriza pela sua autonomia-liberdade. Procura-se um equilíbrio SUUM/COMMUNE, que se cumpre paradoxalmente hipertrofiando o pólo do SUUM. Supera-se esta compreensão individualista: Superação determinada pelas exigências de um projeto de institucionalização da societas – Estado Providência e os fins voltados para o interesse comum que este exige. Superação experimentada pela fragmentação da sociedade em grupos com expetativas e objetivos conflituantes e distintas interpretações do interesse comum. Surge um novo individualismo: não o do cidadão da vontade legislativa universal racional mas o do homem de interesses egoístas e pragmático. A superação comprometida pelo regresso da comunidade e o horizonte de validade que esta exige.
O Exemplo dos Contratos: O princípio da liberdade contratual como especificação normativa: Os negócios jurídicos são atos de vontade juridicamente relevantes, com resultados jurídicos desencadeados por declarações de vontade. Os contratos são negócios jurídicos bilaterais, constituídos por duas ou mais declarações de vontade, que tendem à produção de um resultado jurídico comum, ainda que com um significado distinto entre as partes. [Ter ainda em conta as definições de contratos unilaterais e bilaterais imperfeitos]. O principio da liberdade contratual mereceu uma objetivação no art. 405º do C.C. – do principio da autonomia da vontade privada. A materialização deste princípio permite-nos levar a sério a exigência de reconstituir o domínio de relevância do contrato enquanto “núcleo de conformação bilateral-interativo”, que só a commune nos ajuda a entender, superando-se a relação de tensão entre a autonomia e o princípio da liberdade contratual. ► As restrições às chamadas liberdade de contratar e liberdade de modelação do conteúdo do contrato, para controlar as exigência reais do acordo. (ART. 405º C.C.) → Destaca-se a importância dos contratos normativos, que constroem em termos gerais e abstratos uma disciplina imperativa comum e parificadora, à qual se vão submeter as futuras relações contratuais. São contratos normativos as convenções coletivas de trabalho, por exemplo, que vinculam todos os trabalhadores que nelas se enquadrem. → Contratos de adesão ou por adesão: contratos em que uma das partes formula prévia e unilateralmente as cláusulas negociais e a outra parte aceita essas condições. Quase sempre têm a ver com o fornecimento massificado de bens e serviços. → Cláusulas Contratuais ou Condições Negociais Gerais: predeterminações normativas gerais e abstratas de conteúdos contratuais, uniformizando uma multiplicidade de contratações futuras. → Contratos de seguro: à custa de uma remuneração, se cumpre a transferência do risco de um evento futuro e incerto de uma pessoa para outra. São, por vezes, de celebração obrigatória e quase sempre surgem como contratos de adesão.
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LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , pág. 64
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► A exigência de submeter a formação do contrato – nas fases negociaria e decisória – e a execução deste (enquanto exercício dos direitos e cumprimento das obrigações que dele derivam) ao princípio da boa-fé. Esta exigência traduz-se num imperativo de agir de modo honesto, diligente e leal, prestando todas as informações exigíveis e, atendendo as circunstancias, corresponder às expetativas de confiança. Assim, estas exigências projetam-se na recompreensão- enriquecimento da relação obrigacional complexa e numa progressiva convocação da prioridade metódica do caso concreto. [Ver Art. 227º Do C.C. : critério da responsabilidade pela culpa na formação dos contratos ou culpa in contrahendo – uma responsabilidade que se impõe mesmo que o contrato não tenha sido concluído.] ► A concordância prática entre as exigências dos princípios da força vinculativa e da estabilidade do contrato [pontualidade, irretractabilidade, irrevogabilidade dos vínculos e intangibilidade do conteúdo], materializadas na fórmula pacta sunt servanda – “Os pactos são para cumprir”, e as exigências do principio da imprevisão – Claúsula rebus sic standibus [ART. 437º C.C.], que visa garantir que “quando o contrato tenha sido concluído como um autêntico acordo livre, as partes podem, num dado momento ulterior, vir a encontrar-se numa situação concreta que transforme o cumprimento estritamente literal do negociado em algo de profundamente injusto para cada uma delas”35. Esta ajuda a que se admita a resolução ou modificação, por força de um critério objetivo, do contrato. [Cláusulas de Hardship: contratos internacionais ou de elevado valor – insuscetiveis de serem alteradas.] ´ ► A relevância jurídica que as auto-vinculações têm, mesmo sem a existência de uma declaração expressa ou tácita da vontade, sugerindo o universo das relações jurídico-contratuais fáticas. ► Dá-se, assim, uma superação objetivista do dogma da vontade, centrado na vontade real do declarante. Esta superação deve-se, em grande parte, ao principio da declaração e ao critério da impressão do destinatário, que se traduzem numa superação prática marcada por exigências de confiança, participação e num principio de auto-responsabilidade.
4.2.2- O problema do abuso do direito Direito Objetivo: Pode definir-se como o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a conduta humana na sua vivência em sociedade. Direito Subjetivo: Poder ou faculdade, reconhecida a uma pessoa pela ordem jurídica, de exigir a outra um comportamento positivo ou negativo. O problema do abuso do direito é um problema de abuso de direitos subjetivos, isto é, comportamentos que, embora respeitem a estrutura formalmente definidora desse direito, se impõem como jurídica, social e eticamente abusivos. Como tal, estes comportamentos devem ser sancionados, ferindo o ato concreto de invalidade ou impondo ao autor a exigência de pagar uma indemnização pelos danos causados. [O Exemplo do direito de propriedade] É necessário um critério dogmático autónomo para assimilar a especificidade deste problema e ultrapassar a antinomia entre direito subjetivo e exercício abusivo. Este critéio pode ser objetivado, por exemplo, no art. 334º do C.C.. E, assim, se assiste a uma reinvenção do princípio da autonomia privada: uma autonomia que, embora seja reconhecida, tem de manifestar o sentido normativo e metodológico assumido pelo pensamento jurídico: O reconhecimento de princípios e compromissos normativos materiais (de um jus vigente). A exigência de uma ponderação ou apreciação jurídica em concreto e historicamente situada.
4.2.3- O recurso a conceitos indeterminados e a cláusulas gerais. A linguagem mobilizada pelas normas sofre de indeterminações significativas, que a analítica da linguagem nos ensina a reconhecer. São estas indeterminações: As ambiguidades que afetam a intensão das expressões. As vaguidades, que dizem respeito às extensões dos objetos referidos enquanto dúvidas relativamente a fenómenos conhecidos.
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BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 408-409
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Vaguidades provocadas pelas constantes mutações das situações e dos contextos práticos e pela alteração ou novidade de problemas.
Um conceito indeterminado é aquele cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos. (Engisch) Cláusulas gerais – Quando a fórmula ou enunciado não permite obter uma resposta determinativa que culmine numa decanta-se categorial, remetendo-nos antes para um fundamento normativo de apreciação. É ainda de destacar a importância decisiva destes recursos de formulação enquanto correspondem a uma exigência de materialização do discurso jurídico e a uma acentuação decisiva da importância do caso concreto e da situação de realização.
4.3- O reconhecimento axiológico da pessoa enquanto compreensão-experimentação da validade jurídica. Este tema visa especificar a vocação integradora (no seu sentido comunitário) que o direito assume, reconhecendo a especificidade do polo da COMMUNE e o modo de vida que esta nos incita a prosseguir e que deverá ser inter-relacionada com outras identidades coletivas e outros horizontes de integração, sejam eles sociais ou comunitários. Assim, o direito surge como um autêntico projeto de procura prático-culturalm ente situado: A procura de um homo humanus autónomo e responsável, com um equilíbrio dialético. Um equilíbrio que os vários ciclos históricos e contextos compreendem, estabilizam e institucionalizam em termos bem diferentes.
É, assim, necessária, a revelação da especificidade da normatividade jurídica no seu momento regulativo e na pré-determinação deste sentido – a consciência jurídica geral.
4.3.1- A «consciência jurídica geral» Traduz a projeção normativa de um valor, sendo o seu conteúdo material determinado pela densidade do referente normativo em causa, marcada por uma nota de historicidade. Deriva dos novos valores que a experiência prática vai exigindo e da compreensão do Homem como um ser ético e dignificado como pessoa. (Algo que nos parece hoje evidente.) Importa, assim, abordar a consciência jurídica geral enquanto objetivação do princípio normativo do direito (enquanto exigência que procura o homo humanus da autonomia e da responsabilidade.). Por outras palavras: “a síntese de todos os valores e fundamentos que nessa comunidade dão sentido ao direito como direito.” (CASTANHEIRA NEVES). Há três objetivações desta síntese axiológico-jurídica:36 4.3.1.1- Primeiro Nível Codeterminação contextual de uma espécie de consensus omnium. É uma dada realidade histórica e social, através das suas intenções normativas e culturais (sejam elas valores, princípios éticos, exigências mor ais, etc… que informam o ethos de uma dada comunidade num certo tempo) que informa a normatividade jurídica, sendo estes elementos axiológicos assimilados por esta. Isto significa, a procura de «padrões de ação ou modelos de comportamento inter-relaciona l (…) e que permite ajuizar dessas ações e desses comportamentos como válidos, corretos, exigíveis, razoáveis ou aceitáveis (…) [e com base num] costume ético-social da mesma comunidade» 37. Olhemos, por exemplo para a questão dos «bons costumes», enquanto experiências de uma tipicidade social eticamente aprovada, que continua e constitutivamente se vão submetendo a uma assimilação- transformação jurídica: Uma assimilação que lhe confere um sentido normativamente autónomo e que é protagonizada por comunidades de juristas. Importa reconhecer o confronto entre uma sociedade tendencialmente integrada e estabilizada (que apaga a diferença entre ideológico e axiológico) e de uma sociedade plural e conflituante (na qual esta distinção se torna vulnerável e indispensável, sob pena de termos que renunciar à autonomia intencional do jurídico. [EXCURSO: Perante revoluções, deverá o direito cair na sua totalidade, ou deverão preservar-se marcas de continuidade?]
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Sobre o primeiro e segundo nível, ler páginas 475-489 do livro do Dr. Pinto Bronze, a título de complementar as abordagens aqui feitas. 37
NEVES, Castanheira, Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais , Coimbra 1993, pág. 280 e seguintes. Eduardo Figueiredo
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4.3.1.2- Segundo Nível A determinação do sentido do direito pelos princípios fundamentais. O sentido do direito só poderá ser determinado por princípios fundamentais, como o princípio da independência judicial, da defesa, do contraditório, de pacta sunt servanda, da fides, da censura do abuso do direito, entre outros. Acrescem ainda as exigências normativas de certas instituições, como o casamento e a família, a nação, etc... Muitos destes valores e princípios obtiveram consagração nas declarações dos direitos do homem e nas constituições nacionais. “Mas seria um erro pensar que esses mesmos valores e princípios juridicamente fundamentais, que ao direito indefectivelmente importam, se reduzem aos dessa forma reconhecidos ou que só mediante esse reconhecimento poderão ser juridicamente relevantes. Até porque a última expressão da juridicidade não pode, desde logo, identificar-se com a legalidade constitucional.” 38. 4.3.1.3- Terceiro Nível O princípio normativo do direito enquanto normatividade radicalmente fundamentante. A pessoa e a sua dialética. O direito só pode ser especificado como verdadeiro direito quando considera a pessoa como aquisição axiológica. Há que fazer uma distinção necessária entre sujeito como entidade antropológica e pessoa como aquisição axiológica. [Exemplos: Escravos]
O Homem-sujeito é uma entidade antropológica. Este é sujeito enquanto é um originarium, isto é, o homem-sujeito é um homem-autor, ou seja, aquele que pode falar e agir em nome próprio, assumindo-se como um eu, perante si próprio na ipseidade e perante os outros na identidade. Este é um ser-com-outros, sendo esta uma condição de existência, empírica, ontológica, que se traduzem depois nas dimensões constitutivamente irredutíveis da existência autónoma e da existência comunitária do homem. O Homem enquanto pessoa “é (…) o sentido que o homem reciprocamente se dá no quadro da intersubjetividade (…) que é mediatamente constituída pela participação de cada um na comunidade, mas que é também imediatamente constitutiva da sua pessoalidade (…).” 39. O esforço de pessoalização do homem deu importantes passos na época moderna, acentuando a universalmente racional liberdade que se auto-predicava. À pessoa reconhece-se, na sua intersubjetividade comunitária, uma dignidade de todo independente da pertença a um sexo, raça, grupo, etc… vendose a pessoa como objeto indisponível e não como objeto manipulável. A pessoalidade pressupõe, assim, o reconhecimento de uma autonomia ética, comunitariamente integrada e normativo juridicamente relevante. Por outro lado, há que entender a pessoa como um elemento cuja comunidade surge como uma dimensão constitutiva. A pessoa pressupõe em espaço de autoafirmação (SUUM) e uma esfera de integração (COMMUNE).
► Pólo do SUUM (eu pessoal, proprium) Está assimilado num princípio de igualdade, acompanhado da garantia normativa de uma reserva de possibilidades de autodeterminação a todos os indivíduos. Este princípio da igualdade traduz-se na igualdade entre sujeitos-pessoas e no todo comunitário. → Implicação axiológico-normativa negativa (um modo negativo de determinar limites ou proibições dirigidas aos outros e à comunidade como um todo.) Visa garantir o respeito pela dignidade humana, exigindo-se a garantia de autonomia dos indivíduos, reconhecida, aqui, em termos negativos e até passivos. («a dignidade como um valor, indisponível para o poder e prepotência dos outros»). [NEMINEM LAEDERE – COEXISTÊNCIA] → Implicação axiológico-normativa positiva (Dividia em duas dimensões fundamentais a considerar:) O espaço de reserva jurídica da pessoa: os direitos subjetivos e os direitos do o homem/fundamentais. [REFLEXÃO: Direitos e Princípios: Qual a sua relação?] As possibilidades de realização da pessoa ao mobilizar dinamicamente os seus direitos o subjetivos e fundamentais, traduzidos em dois compromissos práticos: O princípio da autonomia De tal modo, que a autodeterminação se projete e O princípio da participação desenvolva na concorrência constitutiva justificada pelo principio da participação. Que concorrência constitutiva? A dos contratos e formas de associação anteriormente analisada. Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais , Coimbra 1993, pág. 282 [PACTA SUNT SERVANDA – CONVIVÊNCIA]
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BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito , pág. 490
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►POLO DO COMMUNE (Assimilado num princípio suprapositivo de responsabilidade) Análise da comunidade enquanto: o
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Condição Vital: é na comunidade que se afirmam as carências e relações de interesses; é onde se verifica a mediação positiva dos outros (respostas da complementaridade e colaboração); e é lá que se encontram os meios técnicos e culturais de que carecemos para vencer as necessidades e usufruir da civilidade. [Comunidade como Societas] Condição Existencial: é a comunidade que se afirma como o nosso mundo de afirmação e pressuposição, orientando e influenciando a nossa atuação e comunicação. Condição Ontológica: É o principal meio de realização pessoal, permitindo ultrapassar-se a negatividade do eu individual.
→ Implicação axiológico-normativa negativa (um modo negativo que se cumpre constituindo limites às exigências comunitárias. Que limites são estes? Limites que hipertrofiam a responsabilidade.) 40 Princípio do mínimo: limites dos limites no plano material. o Princípio da formalização: limites dos limites no plano da institucionalização formal. o → Implicação axiológico-normativa positiva (Três modalidades da responsabilidade jurídica) 41 Responsabilidade perante condições gerais da existência comunitária o Responsabilidade de preservação – princípio da corresponsabilidade (sentido estrito) [HONESTE VIVERE] Responsabilidade de contribuição traduzida no princípio da solidariedade [SUUM CUIQUE TRIBUERE] o
o
Responsabilidade por reciprocidade – comutativa em geral e contratual em particular. [EXECUTIO JUSTI] Responsabilidade pelo equilíbrio da integração (pelo danos, prejuízo) [HOMINIS AD HOMINEM PROPORTIO]
4.3.2- A identidade do projeto do direito compreendida a partir das exigências da dialética SUUM/COMMUNE.
FIM
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Estas matérias constituem apenas referências a desenvolver em Introdução ao Direito II. Estas matérias constituem apenas referências a desenvolver em Introdução ao Direito II.
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