'.
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ TRADiÇÃO
J
E PODER NO BRASIL
Stefania Capone
TRADUÇÃO
Procópio"Abreu.
u
---..•-
."\
<
,
I
Copyright
o Stefan!a Caponl!:,2004
SUMÁRIO
TITULO ORIGINAL
la qu~le de I'A/rique dom Je candombli.
Pouvoir ef tradiaon
0y ã~é~it(Parls: Karthala, 1999). Prefácio
7
Palias e Contra Capa
Convenções de escrita CAPA E PROIElO
GRÁfiCO
Introdução
Conlra Capa
9
G
FOTOGRAfIAS
PRIMEIRA PARTE - AS METAMORFOSES DE EXU
5lelan!a Capone
o mcnsageiro
dos deuscs: Exu nos cultos afro-brasileiros
53
FOTO DACON'T1l.ACAPA
Exu da porteira do l1êIfá Mongé Gibanaué
"
SEGUNDA PARTE - A PRÁTICA RITUAL
A busca da África no Candomblé: tradição e poder no 8rasll. 5teri'lnlaCapone. Riode Janeiro: Contra Capa UvrariaI Pi'llJas,2004. 376p.;16x23cm ISBN: 85-86011-85-1 (Contra Capa) 85-347.0376-0 (Palias)
Os espíritos das trevas: EXlIe Pombagira na umbanda
11I
O cOfltimwm
religioso
121
,v
A reorganização do espaço sagrado
v
O poder contcstado
ISS
177
Indui bibliografia, glossário c rndiec reminivo.
TERCEIRA PARTE - A CONSTRUÇÃO
DA TRADiÇÃO
2004
Todos os direitos desta l!:diçãoreservados 11
v,
EXlIC os antropólogos
VII
Em busca das origens. perdidas
VIII
Qual África? Qual tradição?
217
Contra Capa livraria Uda.
Rua de Santana, 198 - loja [ Centro 20230-261 I Rio de Janeiro _ RI Tel Fax (55 21) 2512.340212511.4764 www.contracapa.com.br Palias Editora e Distribuidora ltda. <:[email protected]> Rua Frederico de Albuquerque, 56 [ Higien6polis
Conclusão
29S
327
Referências bibliográficas Glossário
358
21050-840 I Riode Janeiro - RJ Tel Fax (55 21) 2270.0186 www.pallaseditora.com.br
2SS
fndice remissivo
365
337
89
"
PREFÁCIO
No imaginário encantadora,
ocidental,
o Çrasil é a encarnação
rnoniJ com a l1;;ltureza. Salvador, há muito, é atenuam,
do mito da terra selvagem e
povoada de gente simples e hospitaleira,
as cores se misturam,
que sabe viver em har-
cidade em que os contrastes
ti
as crenças se entrelaçam.
se
Mas Salvador tam-
bém é a Roma africana, em que as tradições religiosas trazidas pelos antigos eSCfJ\"OSsouberam se preservar Cl'nl ~ç~lCll1dL11l1tlk 5t".1 "bl1,1 tl'rf')',
no sonho
(' se tr':lI1slllilir d;} mancir.J tllilis "fiel". :\ Ra!lia,
11.1':;:11 que Çl111l.'t'IHr,1
t'1l1 qtlt'
ft'in,ltll
de pureza africana,
ctn ...• i l' idc.l! ,k ,1fn,",l:lid,hil'. h'llh'll
,I l\lt'.'li\',l~t'tl\
l' ,I h.1I11l"1l1,1.clld','I,1
na busca de raízes que anima as
1'1\"'l,>":.1
COIlVl.'fS
casas de culto mais tradicionais. Mas é outro o Brasil abordado 'aqui, um Brasil em que mil adaptações regra - seja ela lei ou modelo a ser respeitado çao de uma ortodoxia de candomblé
impüe,
tornando
espalhados
perigoso, de múltiplas armadilhas.
pioneiro
estud(l]" o candomblé nagô a encarnação Dantas analisou nacional
pela antropologia
de 'Beatriz Góis Dantas,
porta.vozes
na linha
ilustres
l'
obras
vendaval,
do candomblé (sobretudo
que, após sua hrilhante
que teve no meio acadêmico "ignorado"
nagô dito tradicional. estrangeiros)
pe.
Assim, ain-
que se propõem
a
(lll1csmo tipo de aniÍlise, inscre-
ilustres
que fizeram
do candomblé
da construção
da identidade
africana no Brilsil.
os anos 1930, época-chave
e do nascimento.
religiosa.
foi habilmente
O~
são levados a reprmluzlr desses predecessores da tradição
qUl',
religio-
de que nada de novo pode ser dito sobre esse
o efeito de um verdadeiro
da hoje os jovens pesquistldores vendo-se
de~
é um empreendimento
Há muitos predecessores
so. E hiÍ muito se tem o sentimento
los antropólogos
c se
às vezes perfeitas
apenas uma das múltiplas formas desse fenômeno
campo, talvez um dos mais explorados O trabalho
domina
de
de cristalizar essa religião.
alguma, 'escrever sobre o candomblé
veremos, apresentam
brasileiro
elegantes,
à
a instaura.
os milhares
pelo país. A multiplicidade
caducas as sistematizações
mais, que gostariam
impossível
ou de uma linha comum que uniformize
centros
Sem dúvida
- tornam
cios estudos
afro-brasileiros.
análise, as coisas mudassem
Seria possível
pensar
para sempre. Infelizmente,
~
7
não foi isso o que ocorreu, como o prova toda ulTla literatura científica que continua a afirmar uma "pureza" c que valoriza o monopólio dc um segmento dos cultos que pretende ser o único garante da preservaçào da verdadeira tradiçào africana. Da mesma forma, muitos pesquisadores que estudam os cultos afro-brasileiros dilos tradicionais colaboram com instituições como o Instituto Nadonal da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (INTECAR), cujo papel no movimento de unificação e ;)té de purificaçào dos cultos é incontestável, ou participam dos congressos afro-brasileiros que, hoje como ontem, conjugam os discursos científicos com o que Édison Carneiro qualificou, nos anos 1950, de "cspet;:iculo do negro". Na Bahia como no resto do Brasil, nagô (ou inrubá, se preferirem) é, ma!s do que nunca, sinônimo de "africano", bem como o qualificativo obrigatório do que está ligado à rcafirmação das raízes africanas da identidade negra brasileira. Foi por isso que se impôs a necessidade de falar do passado e sobretudo do presente; ainda que correndo o risco de assumir uma posição "politicamente incorretà'" numa época em que a mistura de gêneros - trabalho antropológico e implic?çãO religiosa - é tendência generalizada. Espero que esta obra sirva para afi nar a compreensão de um universo de difícil abordagem e para mostrar como essa tradição, que se quer eterna e imutável, é, na realidade, reinventada, dia após dia.
~
Um livro sempre é o result;)do de uma obra coletiva. Na verdade, este trabalho"não poderia ter sido feito sem o apoio de certas pessoas, às quais dcsejo expressar aqui toda a minha gratidào. Entre os muitos colegas e amigos que têm acompanhado meu trabalho, gostaria de agradecer o apoio dejacques . Galinier, Michka Sachnine, Antoinette MOlinié, Raymond jamous, MarieHélcne Dclamare e Antonio Carlos de Souza Lima. Gostaria também de expressar meu reconhecimento ao Laboratório de Etnologia e de Sociologia Comparativa da Universidade de Paris X-Nanterre e ao Centre National de la Recherchc Scicnlifique (CNRS), que me acolheram c me deram os meios de prosseguir meu trabalho na França. Serei sempre devedora dos iniciados de candomblé e dos médiuns de umbanda que partilharam comigo seus conhecimentos e que me presenteartll1lcom suas histórias, especialmente Alvinho de Omolu e todos os membros do !lê !fá Mongé Gibanauê do Rio de Janeiro.
CONVENÇÕES
DE ESCRITA
ALGUMAS NOÇÕES DE FONÉTICA IORUBÁ E PORTUGUESA
o ioruhfl, ainda
utilizado nos rituais do candomblé nagô, é uma lingua tonal. Um tom é uma mudança de altura do som da voz, com fins morfológicos e semânticos. Todas as vogais têm um tom. Os tons baixos são indicados por um acento grave, os tons médios não são grafados c os tons altos são designados por um acento agudo. Eis os casos específicos em que a pronúncia é diferente do português: vogais e = ê, como ç = c, como o = Ô, como ç = o, como
em padê em mel em pôr em bola
consoantes g = sempre firme, como em gato h = sempre aspirado, como em hábito i = di, como em adjetivo. r> = kp (dupla oclusão simultânea) s = sempre surdo (não hfl "s" com som de "z", sonoro) ~= x, como em Exu W
=
II
A, vogal nasalada "çn" é próxima do som "ã" em português. Além disso. toda vog
I.'
li B
A BUSCA DA ÂFRICA NO CANDOMBl£
9
1\"
., seu correspondente
no Brasil. Esse procedimento,
ção dos termos tradicional,
iorubás nos escritos
muito difundida
gt'lTI africana.
que pode parecer
lógica, é na realidade
derivar de uma-preocupação
pleno de sentido.
antropológicos
atualmente,
sobre o candomblé
quer, na verdade,
A opção por me ater à ortografia
uma construção
religiosa
tipicamente
ressaltar
brasileira.
possuam mente"
ioruh5. será mantida
correspondência
quando
!Janto apresentarão
a ortografia
textos etnológicos.
Mantive,
se deve à
Assim, utilizarei
africana.
da língua portuguesa, em contrapartida,
candomblé que não
Em face das dificuldades nos escritos etnológicos
aliados a alguns neologismos (para "virar"). 'ao leitor pela abundância
para a relativização
de noções
Não as utilizarei, ou (ilho-de-sal/tu,
lermos vernaculares
já validados
todavia,
pertencentes
estão compilados
como "receber
(um espí-
do emprego
de aspas,
como "tradição", ao tratar
"pureza"
de noções
como
ao jargão do candomblé.
no glossário
ine(pos-
situado
c "degenação
Todos os
iorubá
c
iurubú
já bem disseminada
nos
de termos
como fim c akal1, os quais ainda não foram aportuguesados. As palavras
que designam
letra.inicial
maiúscula
las quando
se referirem
quando
divindades tratados
ou espíritos
à forma coletiva.
Por exemplo:
iamís. A única exceção é Eglll1S, para designar que se n::fere aos e.~píritos de mortos. Essa escolha . alcançada
os mesmos
termos
realidades
A mesm;J preocupação
de uma maior legibilidade
em itálico seguintes.
ocorrência
a primeira
A traduçao
de termos
dos termos
usados
transe suscita algumas dificuldades. te na literatura terminologia
especializada utilizada
guagclllcrudita
"cair no santo",
"incorporar-se"
10
"incorporar" Quando
ou "baixar".
e em redondo a entrada
empregada
- nem sempre
(transe mediúnico). em "queda no santo"
de orixá. Dessa forma,
"virar" (se transformar
ou uma divindade), por um espírito).
no candomblé,
é sinônimo
diferentes.
na divindade),
usualmen-
relativos
ou "estado
de
pode
(um espírito (possuído
ele pode "virar",
à noção de possessâo
A BUSCA
à
na lin-
um iniciado
(um espírito) ou "estar incorporado"
Os vocábulos
em
Na umbanda,
"receber"
se trata do deus ou do espírito,
as
corresponde
O termo transe só é empregado
pelos médiuns.
fala.se em "incorporação";
e egul/s,
dificilmente
muito
para indicar
De fato, a expressão
ou nos textos umbandistas
S
coletivos,
me levou a, em geral, grafar
vernacularcs
pelos médiuns
- "ser possuído"
Exu, os exus; Jamí, as
com a clareza,
designam
com a
e em letras minúscu-
os ancestrais
foi lTlotivada pela preocupação
quando
serão grafadas
individualmente
DA ÁFRICA
NO
são,
CANDOMBLE CONVENÇÕES
de
no fim desta obra.
"politica-
Os tcrmos
a ortografia
suir, ser/estar possuído), rito)" ou "manifestar-se"
nerescência".
pelos médiuns.
optei por termos
Por fim, peço desculpas
em português,
ou sejam utilizadas
à tradição
muito pouco utilizados
rentes à tradução,
necessário
as formas
se tTatlll" de palavras
na língua portuguesa
como sin.lís de pertl'ncimento
dito
antes de tudo, como
plurais de termos Como arixeis, iamís e eSIl/1S, que são correntes ll1a~ inexistentes em iorubá. ;\ ortografia
portanto,
sua ori-
da língua portuguesa
inversa, que é a deste livro; situar o candomblé,
intenção
apenas
A utiliza-
DE ESCRITA
11
INTRODUÇÃO
Este livro decorre
de um longo percurso
pessoal.
Desde minha
primeira
gem ao Brasil, em 1983, para pesquisas bibliográficas sobre o candomblé, tas questões em
começaram
a tomar forma em minha
Ill
SlI;]
presentes
no universo
religioso
apenas
viamui-
mente. Por que os estudos,
em um •• das modalidades
afro~brasileiro'?
de culto
Por que os discursos
_ de
pessoas ligadas ao candomblé, mas também de pesquisadores que escreviam sobre esse assunto - insistiam a apilrente
uniformidade
nos rituais repartição
tanto na "pureza" dos cultos? Impressionava-me
dos centros
ou nos nomes do universo
das divindades
de genealogia
campo
religioso afro.brasileiro. élS
-, em contraste
religioso entre cultos "puros"
linhas sobre
de culto - apesar de algumas
religiosa,
origens pareciam
mais ou menos As diferenças
atravessar
tuição. mente.
Os dois discursos,
Em um primeiro l'ractiçao angola,
e estruturar
parecia ser um os guardiões
11
contribuir
de sua consti-
rccobriam-se
estranha-
de uma tractiçao outra, a para questionar
o que me
os iorubás (ou nagôs) seriam
da "pureza" religiosa, e os bantos os "donos do lúdico" (cf. Bastíde minha
do Rio de Janeiro,
defesa da dissertação estava animada
uma visão original do mundo,
expressão
I f\ utilil.~ção do termo "~fro.br~sileiro" 110conjunto
apresenta
do Glmpa religioso afro-brasileiro,
que n,10 se reconhecem
problcm~s
no Museu
de ter colhido
de candomblt
que os médiuns
religioso que vai do pólo considerado
menos
epi~lI;moJógic()s. pois encontramos,
cultos corno o kardccislllO e a umbanda
como cultos de origem arTlcana, mas que estâo intimamente
african
de mestrado,
com a esperança
da modalidade
1ll0dalid.Kles de cullo (ul1lhailda "africana", omolocà,
wlltillllUl/l
o
nativo
o discurso dos pesquisadores,
prior; dos estudos afro-brasileiros:
1960). Assim, durante Nacional
pelo discurso
aos mecanismos
tempo, achei que a apresentação poderia
conforme
reais, que hierarquizavanl
o nativo e o antropológico,
por éxcmplo,
com a constante
c "impuros",
instituídas
sem que fossem objeto de. uma reflexão quanto
diferenças
"branGln, ligados
:IS
canLiolnblê) qUl' reivindíc~rn urna herança
circulam
de uma lTlodalidade
iJ outra,
em um
menos atricano (kardccisl1lo) àquele cOnsider,ldo
nagà). Apesar dos prnbkma~
a qtlC pode I(.var a utilil.açiio desw termo,
CSL:olhiseguir o uso consagrado na literatura sobre o candomble e os demais cultos ditos afro_ Ilr
estudada:
nação2 angola. Dois anos antes, havia encontrado,
ambicioso
e inteligente
pai-de.santo
José Rodrigues
fundar um terreiro na Zona oeste do Rio de]anciro. estudo das danças de possessão POllCO
a pouco revelaram
Longe de qualquer deixei-me
preocupação
que a simples possibilidade interessante
surpresa quando,
cum aqul'.le trabalho,
,I "pureza"
dessa visão de mundo,
teórica que Rodrigues
que a legitimidade
tinham
pareciam
tos clássicos dedicados
desse discurso.
Eu achava
constituiria
a autoridade
ao candomblé,
dos textos (por exemplo,
Quem afirmava
se conesse uni-
Não estava eu,
elo pai-ele.'-santo? Estava habituada
descrições
da visão' do mundo
a ler, nos tex-
de um universo
relatada
nunca
religioso
tradição, a dos nagôs. , e sublinhavam ções, as bantas em particular.
a ausência
contribuir
é dividido
O conceito
banto!
Meu .desejo
foi desencorajado
sua ~ignjfica~'30 étnica
originária
()
l(;rlno IlnSbc ulilizado pelos tOIl do Daolllc (.nua I Henin) para desigllaros
em seu país. Segundo Cornevin derivado de
i1JnSOfIll,
(citJdo por Ccccaldi
isto é, piolhentos,
inimigos iorub
lOrubás e dos f 011 do Daomé sempre
em
for
escravidão, está na base do modelo ;e;e-ll'-ISti, durante
;c;r
de
Abor-
àquilo que, por definição, africanas?
que não só me dedicara
Ullla Vl'Z
tradicional
(o banto),
dor, pátria do "verdadeiro" pelos quais se constituía lurava os discursos
tanto
Beatriz Góis Dantas, dessas categorias:
nativos
publicado
partindo
mostrava-se
uma categoria
depois em
IOrubás que moram
sincrelízadas.
/lagu.
(ou d;êdié) designa
par
candomblé
da Bahia. 1\ palavra
fortemente
marC
um dos grupos
seus
As mitologia~ do.s
Essa mistura.
muito tempo considerado
preexistente
predominante
fon do Daomé,
era dupla,
de um culto considerado
menos
e não em Salva-
Tinha, então, de rever os mecanismos
entre os cultos nagôs e bantos
quanto
científicos.
em 1988, marcou
da análise do
xClIISâ
O trabalho
nascida do encontro
que estru-
inovador
ele
o início de uma relativização de Sergipe, questionava
parecia ser, até ali, uma evid.ência: o nagô, como sinônimo
o que.'
de pureza africana.
do discurso de certos pratican-
tes, que justificavam a hegemonia deles, com o discurso dos pesquisadores, L'ks próprios fortemenle.' ligados a esse mesmo segmento religioso. A relativização afro-brasileiro
das categorias
de poder inscritas po tem consciência
Isso é justamente
delicado:
do dos mecanismos der que estruturam
o que torna
um trabalho
que penetra
sem entrar
de seus colegas,
indispensável,
do campo das relações nesse cam-
capital de seu objeto e ele que é
dessa questão
isto é, alguns
do culto. Parecia-me
discussão
todo pesquisador
de que o poder é o ponto
parte de seu público,
constitutivas
ver, uma necessária
nesse universo.
desse tipo p,nticulannente
membros
- e das oposições
a meu
- implicava,
em conflito
bem como
entretanto,
com
com alguns
dedicar~me
ao estu-
de construção da tradição, assim como às relações de po~ o campo religioso afro-brasileiro.
oi
O c
angola
foi mUHopouco
CMneiro (1964, 1936-7), que Confirmam dll
1979: 17Hl. essa palavra seria um insulto
WIlIS(!/III,
audácia
o fizera no Rio de Janeiro
candomblé"'. a oposição
De fato, como
era fruto de uma "degenerescência",
Além disso, minha
ao esludo
como também
capaz de pôr em ques-
afro-brasilciro4•
congo,
hoje urna
PJra lima discuss30
e leria sido utilizada pelos daomeanos
transformou_se
houves-
jeje, angola. e recobre
SlgJlificaç,'io mais política (no sentido mais amplo ,ti termo) que teológica. lllal.~,1pnlfuJldJd,l (!l'sse concei to. ver Costa l.i mJ (f') 76). I
na-
sincero
de imediato.
em nações; nagô, ketu, efon. ijexá. nagõ-vodum,
de nação perdeu
os
a uma
nJS demais
sugeria que talvez também
do candomblé
para os estudos afro~brasileiros
lO candomblé caboclo.
no estudo
de tradição
dar legitimidade
do campo de pesquisa
difícil des~nvolvt.::r uma análise
E eis que, com minha tradição'inédita, se algo interessante
Na
identificar
terreiros em que a pesquisa fora feita. Todos os autores faziam referência
que não deveria ser muito explorado, interna
em
era questionada.
Bastide 1958), era impossível
l
uma
Qual não foi minha
essa vi.~ão de mundo?
injustificadas.
da
religiosCl transmitida
para os estudos afro.hrasi/eiros.
legitimando
Essas questões.me
maioria
reaJ~1ente inédito.
de uma tradição
dava um domínio tào a organização
de uma perda das tradições
simbólico
de registrar essa visão de mundo
pessoas também
_o
com ele, que
um nativo de Angola, então falecido.
singularidade
de
primeiro
'na defesa de tese, todas as críticas dos examinadores
na própria
verso? Quantas
Meu interesse
de uma construção
como a herança
por seu próprio pai-de-santo, contribuição
quanto
um
da Costa que. acabava
a longas discussões
todo um universo
tomar pela fascinação
Costa me apresentava
centraram
- levou-me
em Sepetiba,
Com cxceçào dos estudos clássicos de Édison
a inferioridade
mítico-ritual
angolil: a de Giselc Binon.Cossard
das bantas. existem apenas (1970) e a de Ordep Trindade
Scua (197H). Enquanto a primt'Hil abandonou a illltropologiil para se torll
Gisele Rinon-Cossard
tenha dedicado
sua tese de doutorado
terreiro situado 110subúrbio do Rio dej
à
e muito
('onhecido
no
(Capam:
]996), que questionilvam
os gUIl,
1979).
analisado.
ilfra-brasileiros.
sua legitimidade.
coso como os de lJ
de a um
da GOInéia, era baiilno
Apesar de seus "pecados"
ele é citado em vários estudos
de origem antropológi.
(1936.7), l.
t1edicado ao candomblé
ilngola (Serr
sempre foi um poderoso
centro de legitimaçao
el11um terreiro
de Salvador.
A Bahia
nos escritos sobre o candomblé.
14 A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBLÉ
tNTRODUÇÀO
15
.t,
"PUROS" E "DEGENERADOS"
De fato, uma das características mais mar~antes dos estudos sobre o candomblé ê a espantosa concentração das pesquisas etnográficas em três terreiros de nação nagô (iorubá), transformados, assim, na encarnação da tradição africana no Brasil. São eles o Engenho Velho ou Casa Branca, considerado o primeiro terreiro de candomblé fundado no país, o Gantois e o Axé Opô Afonjá, ambos oriundos do Engenho Velho. Outras cidades brasileiras, como Recife, São Luís do Maranhão e Porto Alegre, foram eleitas, respectivamente, centros tradicionais de Irés outras modalidades de cultos afro-brasileiros: o xnngú, o (mnl)(Jr de mina l' o batuque. As grandes cidades do Sudeste (lUa de Janeiro e São Paulo) sempre foram consideradas as pátrias da macumba, culto "degenerado" por excelência, oriundo da mistura de tradições africanas, na maioria bantas, com cultos indígenas e o espiritismo europeu". Rai~l1undo Nina Rodrigues, precursor dos estudos afro-brasileiros, critica. va a opinião, demonstrada por estudos lingüísticos e prevalecente em sua época, de 'uma supremacia banta entre os negros brasileiros. Com efeito, a língua portuguesa falada no Brasil é muito influenciada pclo quimbundo e, cm menor ~rau, por outras línguas bantas. No intuito de criticar essa predominância, Nina Rodrigues substituiu o método baseado na análise lingüística por outro baseado na observação dos fatos religiosos, comparando.os com os dados de que d{spunha sobre os povos africanos. Ora, no fim do século XIX, acabava-se de dcSc9brir a organização social e religiosa dos iorubás, bem como sua grande complexidade. Os bantos, em compensação, caracterizavam-se por urna mitologia considerada inferior. Assim, apesar da organização social do reino do Congo, comparável fl organização dos iorubás, a inferioridade dos bantos era poslulada em obras como A ('vuiuçâu relisiusa Jl(IS diversas raças 111lt1Il11lClS, de Letourneau, puhlicada em 1892 e citada como referência 110Sescritos de Nina Rodrigues. Em seu est'udo sobre os africanos no Hrasil, no início do século XX, Nina Rodrigues afirmou de maneira clara a supremacia dos iorubás (os nagõs da Hahia), que ele considerava a verdadeira "aristocracia" entre os negros trazi.
~1~\S.1 distribuiç,'of:cográfica entrc cultos africanos "puros" e cultos "dcgcnerados" nunca levou em cont., ôIpresença, registtüd:l desde o fim do século XIX, de um grande(7ontingellte de pai.\c mlk .••• de-santu de candomblé na cidade do Rio de Janeiro. rdra uma análise detalhada dessa quest:lo. vcr c.'pnm' (1996).
16
li SUSCA DA ÁFRICA NO CANDOM8l(
dos para o Brasil, baseando-se nas pesquisas do coronel Ellis e do missionário Bowcn, ambas realizadas no fim do século XIX. Da mesma forma, declarava tcr inutilmente buscado, junto aos negros da Bahia, idéias religiosas pertencentes aos bantas. Na realidade, ele havia concentrado suas pesquisas no terreiro do (jantais, que foi criado em 1896 (Nina Hodrigues 1906: 239), em decorrência
dl' uma ciS;lO do Engenho Velho. Seu informante c principal guia no universo dos cultos afro-brasileiros era Martiniano Eliseu do Bonfim, figura histórica do candomblé nagã. que, posteriormente, seria um dos fundadores do Axé Opô Afonjá, minimizando qualquer outra contribuição cultural de origem africana em rctilç50 à cultura c à religião dos descendentes dos iorubás. No rastro de Nina Rodrigues, a oposição entre uma "tradição pura" dos nagõs e a "fraqueza" mítico-ritual dos bantos se impôs em estudos ulteriores. Apesar das provas da existência na Bahia de terreiros tão antigos quanto o Engenho Velho1, a superioridade religiosa dos nagôs, produto de sua suposta superioridade racial (cf. Nina Rodrigues ]906; Ramos 1937: 201), continuou sendo afirmada pela maioria dos autores que estudaram O candomblé baiano, privilegiando assim uma tradição cultural entre outras. Foi preciso esperar a obra de Édisoll Carneiro (.1936.7) sobre o candomblé banto no fim dos anos 1930, pilra que um pesquisador se interessasse por outra modalidade de culto. Publicado pela primeira vez em 1937, esse trabalho, todavia, só confirmou a inferioridade banta e, por conseguinte, a superioridade nagô. A diferença, inicialmente afirmada no âmbito religioso, logo se traduziu em oposição regional entre o Nordeste (princip;]lmente a Bahia), que exaltava sua herançil cultural por mdo da valorizaçào dos negros nagôs "superiores", c o Sudeste, que, embo. ra já fôsse no início do século XIX o centro do poder administrativo e econô' mico do país, era desprovido de uma tradição cultural de igual valorl;. O olhar dos intelectuais sobre os outros cultos está condicionado por essa oposição. I\ssim, "pesar da existênci ••do modelo jeje.nagô no inicio do século XX no Rio de Janeiro, como mostram as obras de João do Rio (1904) c Roberto
'Hei\ (1989) rcvela a presença na cidade de Salvador, no Inicio do si-culo XIX, de outros terreiro .••de dllercntes tradições religiosas. F.ssa afirmaç:lO se baseia na anâlise dos processos Criminais leliltivos ,h perscguiç6es rl."Jigiosasdesse perio(lo. Em 194-1,I.ui.••Viana Filho, ao falar da exi~t~lI_ cia de vários candombli-s hantos, cuja fundaçlio era anterior às pesquis..1Sde Nina Rodrigues. csCt{'veuque "era de admirar que tivessem passado despercdJidos a um estudioso da intl'ligi-ncta dn ilustre nlestrc" I 1906: 2(9). " Dant ••.••(I9HH) analisa de modo brilhante o p.1pel puramente IlOlitlco da utilil.açAo da cultura popular pelas elllescolllo delTI('nlo distintivo das cSjll'clfiddades locais l' rCf:ionais, em rcspmta ao d('.•• lm-amento do centro d(' poder do Nordeste "Ma o Sudeste nm anos 1930.
INTRODUÇÃO
17
."
Moura (1983), esse modelo
nunca
foi levado em consideração
que, desde Arthur Ramos, preferiram
Ver nos terreiros
pelos autores
da Bahia o modelo
etno~
gráfico do candomblé "tradicional", c nos terreiros do Rio o modelo etnográfico dos cultos "degenerados" ou "degradados". Roger Basticle (1960) é o autor que afirma de modo mais claro a oposição entre essas duas formas de religiosidade. tradicional,
representaria
banto, ao contrário, drar a "patologia
a realização
acarretaria
a degradação
polícia, instrumento
dado que questione
a supr~rnacia
sutil" da religião
negros
nagôs, sendo a predominância posteriores.
Uma polarização
- associada,
os estudos dedicados Salvador, rdomar
africana
O candomblé
nos
à degradação
perdidos.
do Sul o espírito comunitário defesa desses interesses,
representada
tos, são mais importantes
tornam-se
De fato, segundo
dito tradicional,
o espa-
Hastidc, o imi~
não pode recriar nas cidades do candomblé
pelos partidos
de processos
para
da civilizaçao
espirituais mágicos"
a magia se transforma
políticos
Culto religimo
brasileiro,
nascido do encontro
e (lo espiriti~mo
de AlIa0 Kardec.
materiais
m,KUlTlbil, ll1il~ é rcinlerpretilda veis U
(sobretudo
recupera
graçils ao "embrallquecimcnto" como a sllpres~iio do sacrifício
de origem
boa p,nte
dos aspectos
dos
nas metrópoles
do Sudeste, essa mesma magia muda de sinal e, em
em que o controle
meio de "exploração
do grupo desapareceu,
desavergonhada
(: 317). Em com-
reduz-se a um simples
da credulidade
das classes baixas"
(:
414).
A oposição
° candomblé
entre
herdeira
afl'O-braslleiro.
nagô, expressão
das magias européia
Mas essa oposição
modalidades
um dos fundamentos
da lógica interna
NJ Vl'rdade, nos cultos afro-brasileiros,
ajudaram
em favor de seus protegidos
elas representam,
como
Prltchard
1937), um instrumento
de controle
(os iniciados
entre essas categorias
o discurligada
ou fiéis). As
em contradição zande
político e de legitimação.
com o (EvansAssim, o
africano (os ataques de feitiça-
como o sinal de uma oposiçao ontológica
"pura" e ufna magia "degenerada",
por meio das
que elas têm de
no caso clássico do sistema
que era parte de um discurso político tipicamente ria) é interpretado
apenas
a construir
na capacidade
aCllsa~..ões de magia e de feitiçaria não estão, portanto, religioso:
existe nas
a magia está intrinsecamente
é crer também
e
religioso
Ela não expressava
aos cultos, reinterpretada
que historicamente
â religíào, pois crer nas divindades o universo
religiao,
divide o campo
entre magia e rcligiào realmente
de cultos affO-brasileiros?
oposições (magialreligião) so di1 antropologia?
manipuli1r
da "verdadeira"
e africana,
sem o reconhecimento
eram e ainda sao extremamente
entre uma religião de que as fronteiras
fluidas!\).
A CONSTRUÇÃO
DE UM MODELO
t1,1
menos
IDEAL DE ORTODOXIA
dá
(Bastide 1960: 302). No
de "fonte de conflitos
A umbanda
A
pcnsaçao,
um contexto
aos membros"
e a
e pelos sindica-
e em que o trabalho
dos rituaisafricanbs
desse
na autoridade
que estes impõem
inter-
A convergência ções harmoniosas
entre as pesquisas freqüentemente
culto nagô, que encontra ,lmeríndio~
soluça0
c na disciplina
dos anos, a construção
'J
a "força integradora"
encontram
nagõ. Ele se
em que os interesses
que os interesses
que a utilização
a cidade de
as cidades do Sudeste,
e urbanização,
que anima o mundo
por uma mentalidade
_e
da tradi.
de uma Gestalt africana,
em busca de trabalho
à
dos cultos africanos
nagõ, tendo por centro de propagaçao
estão irremediavelmente
dedicados
nagô), expressão
em que os valores mais importantes
grante vindo do Nordeste
candomblé
nagô confirmada
entre os estudos
(evidentemente
assim, o pólo ordenador
ço de urna modernidade
cios
que aumenta
sacerdotes
difer~llles
monopólio
em um elemento
"visto que todos os problemas
a macumba,
religiosa dos nagôs. A "filo-
cio candomblé
aos processos de industrialização
mais resultado
um
e à magia, deixando
urna expressão cara a l3astidc. Em compensação,
deixa "contaminar
ao engen-
jurídicos e os registros de
permanecem
se instalou
como a macumba, ao candomblé
representa,
submetidas africana
das crenças africanas,
O culto
Bastidc, no l'olaoto, nunca realizou
como os processos
estudos
çao africana.
comunitária.
da repressão ao "baixo espiritismo"
sofia e a metafísica
umbanda')
nagô, culto
de pesquisa sonre a macumha no Sudeste. Suas afirmaçües
se bas('iam em fontes secundárias, de lado qualquer
de uma utopia
social" da macumba.
vl'rdadciro trabalho
A seu ver, o candomblé
nos e de perigos" culto,
banto),
hernm;n
da
apresentá.
dos praticantes
feitas pelos antropólogos produzidas
de um modelo seu público
e as sistematiza-
por eles permitiram,
ideal de ortodoxia,
no meio tanto dos pesquisadores
dos cultos. Com efeito, a distância
do, que deveria estar na base do trabalho
entre observador
do antropólogo,
ao longo
identificado
com o quanto
e observa~
dificilmente
se man-
de animai~ ou do longo período
Ul' inicí
(Hrown
19f1S), de onde
se '" Veremos que a existência de acusações e~~a hipótese (cf. Landes 1947).
de feitiçaria
nos terreiros
ditos tradicionais
só faz confirmar
18 A BUSCA DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ INTRODUÇÃO
19
'i
i
i
I
tém quando se trata dos cultos afro-brasileiros. estudaram
o candomblé
contraindo
se engajou,
A maioria dos antropólogos
dos chefes dos terreiros ditos tradicionais
pelo discurso dos antropólogos
Opô Afonjá de Salvador e casada com Deoscóredes M. dos Santos, alto dignitá.
de uma forma ou de outra, nesse culto,
uma espécie de aliança com seu "objeto"",
hegemônico
que rio do culto nagô, foi a primeira
Por isso, o discurso
analisar o candomblé
da Bahia é legitimado
que, há quase um século, vêm limitando
milhares de outros. Com efeito, segundo o recenseamento J .144 terreiros
apenas
Baiana
do Culto
seus
aliança entre o antropólogo
na cidade de Salvador (tanto
angola ou de candomblé
de caboclo quanto
(FEBACAB),
terreiros
haveria
Gantois;
Édison Carneiro
no Engenho
Todos são terreiros do o primeiro implicou
também
quisador asll
UX
originários
de vínculos
muito especiais entre o pes-
do Gantois (Landes 1947: 83). Da mesma forma, Édison Carneiro era ogã
do Axé Opô Afonjá, terreiro ao qual também outros
antropólogos
anos '1950, o vaivém
estavam ligados Roger Bastide e
o título de Ojll Oba, assim como muitos
que receberam
e iniciados
se tornou
cargos rituais
nesse terreiro.
ainda mais efetiva quando,
para e da África, que nunca se interrompeu
mente após a Abolição da Escravidão, ganhou
A aliança
mensageiro
que desempenhou
mento
outorgados
sentaram um importante elemento válido para us demais cultos.
na construção
1970, o exemplo
membros
do culto. Essa antropóloga
cumba conforme o caso, como o candomblé
I
estando
I
degradação
como ele mesmo
"tradicionais"
progressivo poluído,
autêntico
da "aliança"
argentina,
no fim
entre antropólogos
iniciada
heterogeneidade.
idiossincrasia
no terreiro
II
VoJl.1remos ,1eS.~ilquestão
na parte da introdução a homens
dedicilda ao trabalho
banto,
ideal. Este é o resultado
da identidade,
ea
de um
por meio do deslocamento
que sempre define o outro como o degenerado, Mas essa oposição é realmente
o
vivida como tal na
É possível distinguir
nitidamente
os
O que significa culto "autêntico"?
E
dos cultos afro-brasileiros,
constatamos
uma
do campo religiosolJ• Cada terreiro possui sua pró-
ritual, fruto da tradição de que faz parte, mas também da
do chefe do culto. Na realidade,
a identidade
religiosa é cons-
negociada entre os atores sociais. As diferenças entre os cultos são, bem menos claras do que pretendem
rcligiües afro-brasileiras.
antropólogos
e adeptos
Por isso, a oposição entre umbanda
das
e quimbanda,
e
de Axé "Utilizo
Jl O IJSâ é um eargu ritual reservado jlfoteton:s do grupo de culto.
da oposição
Ao observar hoje o panorama
tantemente
de um modelo de tradição,
ou à ma-
em rclação a quê: à África, à Bahia, ao nagô?
portanto,
mais acabado
de construção
o não-autêntico.
pria especificidade
repre-
se opõe à umbanda
nagô se opõe ao candomblé
em relação a uma africanidade
processo contínuo
extrema
os outros cultos
o segundo termo da oposição sempre marcado pela inferioridade
completa-
Foi Juana Elbein dos Santos, discípula de Bastide, quem encarnou, dos anos
i
prática ritual dos cultos afro-brasileiros?
o prestígio que decorria dos títulos e marcas de reconhecipelos iorubás aos chefes dos terreiros
° candomblé
teiras. Nos estudos afro-brasileiros,
cultos "puros" dos cultos "degenerados"?
novo impulso graças às viagens
dos dois lados do oceano,
sem levar em consideração
ao mesmo universo religioso e que ajudam a definir suas fron-
a partir dos
de Picrre Verger entre o Brasil e o país iorubá (Nigéria e Benin). O papel de definiu, e sobretudo
mas dificilmente
essenciais para a verdadeira
DO CAMPO RELIGIOSO
NJ:o se pode falar do candomblé que pertencem
em Salvador. Essa concentração
c seu objeto de estudo. Assim, Nina Rodrigues e Ramos se tornaram
entre cientistas
A CONSTITUiÇÃO
no
Velho ou Casa Branca, considera-
fundado
Picrre Verger, que havia recebido
e os cultos, sempre existente
Velho; Roger Rastide, Picrre Verger,
do Engenho
o estahelecimento
ativo e inicia-
E. dos Santos 1977a: 18). A
terreiros nagôs).
E. dos Santos, entre outros, no Axé Opô Afonjá.
terreiro de candomblé
O.
de
de candomblé
Nina Rodrigues e Arthur Ramos, nos anos 1930, fizeram suas pesquisas Vivaldo da Costa Lima ejuana
metodológica
isto é, como participante
assumida, passou a ser assim uma das condições compreensão da cultura estudada.
de setembro de 1997,
Afro-brasileiro
"desde dentro",
do, a fim de evitar qualquer deriva etnocêntrica
estudos, com raras exceções, aos três mesmos terreiros nagôs, embora existam realiz
a teorizar a necessidade
de cilmpo.
que não enlr,II11 em trallse e que atuilm como
aqui a noção de cilmpo religioso desenvolvida
coniunto
das modalidades
brasileiro.
Estocse constrói
por PiCHe Rounjieu
(1971), para tratar o
de culto que fazem parte de um mesmo universo em reJil~.ão a outros universos
as 19rejils I'cl1teco5tais. de acordo com vinculos de inclusão ou cxclusão. uma \'1.~{lO tI,H re1J\.ões l:'ntrl:' JS diferentes
religioso dito afro~
religiosos, tais como a Igreja Calóllca e A figura 4 (pág. 99l dá
inslàm:ía.~ reli,lliosas. Utilíl,
"J1lertiruo religioso", limiladtl às diversas modalidJdes de cultos afro-brasileirm os mesmos servir;os, rivillizam entre 51na busca de fiéis e clientes.
,1noç{l.Ode
que, da oferccer
20 A BUSCA DA ÂFRICA NO CANDOMBLÉ
INTRODUÇÀO
21
.-
.. isto é, entre o âmbito da religião e o da magia negra, afirmada, por exemplo, nos escritos de Bastide (1971), foi reconhecida simples categoria
de acusação
culto no mercado
religioso. David Hess (1992) afirma,
um
entre umbanda
COllti/llllllU
duas formas opostas quirnbanda
visando
por vários autores
delimitar
e quimbanda,
de magia (branca
e umbanda
representam
e negra).
unificado
e coerente
sincrético"
metodológica
(umbanda,
dos do candomblé,
de
rado, autêntico
a Unidade
nessa cida-
perl'encer
Em sua análise da formação da umbanda, la a existência umbanda
de um contilllwln
e o kardecismo
cia popular da continuidade, o kardecismo"
religioso
mais ortodoxo.
Ferreira Camargo
também
entre
"africanas"
Segundo
senão da identidade
as formas
praticante
adota as religiões de origem africana, que começam atualmente
e
"a mais
dades de cultos é defendida
afi~mam
se definirá
que nenhum
terreiro
degenerado,
como dito
de
corrompido.
de um colltinuuln ligando as diferentes
por Inger Sj0rslev (1989), que reinterpreta
dc Bastide sobre a pureza e a degradação a:>tropológico".
Segundo
devidas
à degradação
conlTário, domblé
cOl1tillUwn
mo
observáveis
- "o jogo com elementos
de uma realidade
isso é a condição
c umbanda
dos cultos como um exemplo
Sj0rslev, as mudanças
lidades de cultos afro-brasileiros
a sofrer forte
assim, a formação do
de clas-
sempre
sempre OCorre na direção do pólo mais valorizado,
A mesma idéia da existência
aos cultos espí-
em cidades como Salvador e Recife, parte considerável da populaçao
influência do kardecismo, esboçando-se,
uma
entre cultos "puros"
as mesmas categorias
mais puro. Assim, ninguém forma
suas próprias conforme
neste
da
religiosa, entre a umbanda
096l: ]4). Esse conlinlluln não estaria limitado
uma oposição
utilizam
da mesma
da an-
de alto e baixo, puro e degene-
se dirá como tal, isto é, misturado,
A auto-identificação caso o candomblé.
elaboram
Não é preciso dizer que os médiuns
de quimbanda, 15
ele, haveria uma "consciên-
ritas do sul do país, estendendo-se igualmente às regiões que guardam forte influência das culturas provenientes da África": [ ... J
postu-
Ao demarcar
os antropólogos
ao culto considerado
/Ifnbafldol1/blé
dt'o
ou do kardecismo
o campo dos cultos afro-brasileiros
e corrompido.
que seu objeto.
entre o discurso
como nas ciências sociais, os inicia-
baseada nas categorias
e cultos "degenerados", sificação
Boycr-Araujo
mina (' candomblé)
da umbanda
Eles ordenam
lógica de hierarquização,
que se
a coincidência
e o das reHgiães afro-brasileiras:
classificações.
(: 151). Da mesma
que sublinha
tropologia
de
Hes5, macumba,
mina de Belém, Véroniquc
dos cultos afro-brasileiros
de
assim, a eXistência
Segundo
um sistema
(1993(/: 19) escolheu uma abordagem
profunda
modalidades
as quais não seriam a expressão
articula em torno do que chama um "dinamismo forma, em sua obra sobre o culto
diferentes
Maggie (1989) sublinhou
Yvonne
como uma
representariam,
de "mHo
nas novas moda-
ou formas"
que deve permanecer
prévia para a continuação
modalias teorias
_ não são
imutável:
do ritual"
"Ao
(: 106). Can-
então, duas formas intermediárias
do mes~
CO/llillll/llJll(,.
estudado, que parece mais funcional, nas áreas urbanas, do que as tradicio_ nais práticas sudanesas e bantas (: 92).
A presença brasileiros
de idéias de origem espírita entre os praticantes
considerados
77), que sublinha tradicionais
ortodoxos
influência
é afirmada
crescente
por Alcjandro
da umbanda
mesmo
de Salvador. Pode-se dizer que as modalidades
sileiros observáveis tm desse contiJlllllfll.
no Brasil constituem As diferenças
ados que por uma oposição terreiros considerados tismo14.
diferentes
são instituídas
real nas práticas
dos cultos afroFrígério
mais
de cultos afro-bra-
combinações
dos c1emen-
mais pelo discurso
rituais.
(1989:
nos terreiros
Na verdade,
dos inicimesmo
mais puros não estão ao abrigo das influências
os
do espiei-
1105,tanto espiritualmente não irá para o inferno;
Il'adicionais,
afirmou:
"No candomblé
05 elV(Jou (/lIi7.ilas, proibiçôes,
não são Coisa5 boas para
você se atrasa espiritualmente.
você nào
par,l sel um orix;j" (citado por C05ta 1.lma 19M4). E_~sasnuçoe5 de elevação c5piritual e de evolução são oriundas do diScurso do espiriti51l1O kardeci5ta, demonstrando terreiro5 mai5 tradicionais.
sua importânCia
mesmo nos
"O 1I11lblllUlomblé éoutra categoria de acusação, como no caso da químbanda. Ele indica um tcrreiro de candomblé que é misturado, isto é, que apresenta forte influência umbandi5ta. O termo é
a macumba dos mai5
(,11'9,
de C5plritos, em época5 difcrente5 f ... lnão ul11l'spírito quah.llIer, Inas um espírito que 5eja ele\"~\lJo.
freqüentemente
de 1994, MãeStelJa do Axé Opõ Afoniá, terreiro nagô comjderado
Mas se você rompe com as re5trições, 5ua alma
aquele
consegue evoluir" (1994: 46). Da mesma forma, Olga de Alaketu, outra célebre m,'ie.de-santo ll
utilizado
,,,A mesma continuidade "Em um,l entrevista
como materi,llmente.
caso não cumpra
no Rio deJaneiro
no Itio deJaneíro
cidade de Salvador, embora o tcrmo
flJlldolllb/C7.Ciros
IIhlCIIlllbriros,
para contestar
foi obscn-.ada pdoViaj.ln!e
a legitimidade
nos anos 1930. Ele notou a ausência
de referências
Ihc tivesse parecido similar ao candomblé
de5igllana
de outrelTI.
e escritor francês Benjamin Perc!, que descreV"l:u
os priltic,lIlte_~ da macum1Ja cOllforrne
aquelc5 que seguem a "lei de angola"
a es_~cculto na
da Uahia. Segundo
(citado por Gonçalves
l'érct,
da Silva 1992: 40).
22 A BUSCA DA ÁFR.ICA NO CANDOMBLÉ
INTRODUÇÃO
23
.•••• A MEDIAÇÃO
DE EXU
Essa continuidade é bem expressa pela figura de Exu, o mensageiro divino, mestre da magia e grande manipulador do destino. Deus central na organjza. ção do candomblé, pois é por seu intermédio que se dá a comunicaçào entre os deuses c os homens,
está igualmente
presente em todas as outras modalidades
de cultos afro-brasileiros. Exu parece, então, servir de "pivô entre os sistemas religiosos" entre
(Boycr-Araujo
o religioso
J 993a). Na verdade. ele encama
c o mágico:
indispensável
o ponto de contato
à realização
de qualquer
ritual
religioso no candomblé, é também o manipuJador das (orças méÍgicas em favor de seu protegido.
Durante muito tempo negado, pois sua presença era a prova
de uma possível deriva para a prática proibida da magia c da feitiçaria, Exu foi objeto de uma dissimulação cultos. Na verdade,
foi reprimido
ilícito da medicina,
a uma acusação
preço a legitimidade
da "verdadeira"
de feitiçaria
dos terreiros,
religião africana
pelos missionários,
proibia
todo indício
c, paralelamente,
afirmar
a
com a prática
aos que praticavam
de Exu, identificado
dos rituais passava
dos cultos
a lei brasileira
para afirmar a pureza e a legitimidade
a maioria
dos
forte pelas forças
identificando.os
(em oposição
Além disso, era preciso negar a presença fazer quando
como a maioria
mais ou menos
a prática da magia. Era preciso, pois, "esconder"
que desse margem qualquer
de forma
Ao lado do exercício
expressamente
ligada ao processo de legitimação
até os anos 1970, o candomblé,
afro.brasilCiros, policiais.
estratégica
a magia).
com o diabo
do culto. Mas o que
necessariamente
pela mediação
de Exu? Os antropólogos
que defenderam
de culto (a nagô) se limitaram cos e de sua cosmogonia, os "trabalhos
mágicos"
a tradicionalidade
de certa Illodalidade
ao estudo e à divulgaç:io
evitando
abordar
de seus rituais públi-
os aspectos _ os rituais privados
para os clientes - que deviam ser escondidos
dos. Como afirma com justiça Reginaldo
Prandi (1991), a religião é a fonte de
legitimação
da magia. E é pela magia que o candomblé
a sociedade
não religiosa à qual oferece seus serviços. A importância
terreiro é, portanto, do por um grande ça" do pai-de.santo
proporcional número C
Apesar disso, contudo,
tece suas relações com
a seu sucesso no mercado
de clientes c de fiJhos.de.santo
por sua capacidade sua legitimação
e
e nega.
de manipular
de um
religioso, atraídos
pei •• "for-
os poderes
Se realiza graças à própria
marca.
mágicos.
negação do
AlVINHO OE OMUlU
24 A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBlt INTRODUÇÃO
25
••
que está na base de seu sucesso; um terreiro magia!17
tradicional
aos cultos "degenerados"
macumba,
a umbanda.
to do infortúnio,
ligado às dificuldades
e industrial
dernidade
particularmente
encontram
da vida cotidiana
na figura de Exu um símbolo
eÚte. É uma sociedade
ais que nunca
poderão
ser satisfeitas.
No contexto
da magia, o senhor
influir na vida cotidiana.
ambígua,
banto,
de ascensão
médiuns
do Sudeste
da umbanda
pela mo-
Exu cncarna
a mobilidade,
o
em função de soci-
que não pOderão
Exu representa,
então,
c uma realida-
reduzidas. torna.se
transforma-se
significa
Contudo,
a sorte.
objetivos
social são muito
domblé
os médiuns
corporavam
na umbanda:
dida. Na verdade,
o caboclo
Exu é o
esforços para preservar
dos exus e das pombagiras muitos
outros
espíritos
Ele passa a ser brasileiro!
ENTRE OS CULTOS
A relação entre o Exu africano e o - torna-se
sao do candomblé umbanda
"branca"
fundamentalmente
EXli
brasileiro - os múltiplos
era valorizada
problemas.
desencarnados,
"coisa de negros",
domblé
mudou
mentar
com a participação
consideravelmente.
o candomblé,
a enorme
O candomblé de brancos
As condl~-ües estabelecidas aos rituais religiosos,
vê seu prestígio c, sobretudo,
por Mauss (1950) para a definiçâo
isto é, às condições
" O lermo
priÍtica ritual do candomblé .. Iodo "tralJalho" um lempo e nUIll espaço determinados, privados.
africana"19.
26
(ebó)
claramente
social au-
são todas identificâveis
na
para um iniciado ou um cliente é realizado em separados
no can-
como um
(os espíritos)
que in-
encontram
reinterpretaclo
Jaci!. difun-
como sendo o
mais tradicionais,
Em contrapartida,
da umbanda
de
fOCllS
ritual extremamente
apesar
dos
a perSistência
ao candomblé
levanta
Na verdade,
os exus de umbanda
são considerados
cuja possessão
entra em conflito
direto com a inter-
de qualquer
possessão
pelos eSllns, as almas dos mortos.
dos eguns polui espiritualmente.
Assim, os exus de umbanda,
sao considerados
negativos
"médium",
utilizado
na umbanda
das cerimôniClS públicas. São atos
em oposiçiio ,lOS prolJlcrn,ls espirituais:
resolver ().~
amor. Irilbalho,
A BUSCA 011 ÃrRICA
di.
NO CANDOMBLÉ
e no kardecismo,
sublinha
- mais que a fíddldildc
e prejudi-
a especifiCidade
'9
A [llae-de-santo organiza
DIga de Alakelu,
de um dos terreiros
todos os anos uma festa para seu caboclo]undíMiI do terreiro
nagôs mais trildicionais do Engenho
publicada
em um dos jornais de Salvador. Apesar dessa presença inconteslável,
muito difundida
aceita pelos que se reconhecem
com um grande quadro
são
os ancestrais
entre os médiuns,
- os Baba Eguns -venerados
nação, que pertence ao dIscurso dos médiuns, candomblé: o Exu-egum do Exu-orixá.
INTRODUÇliO
de dissimulaç.'io
do Exu de umbanda
no pólo mais "africanizado"
de Salvador,
Velho pelo Patrimônio
(191:13).um;'! falo desse terreiro tradicional
«, A denominaçào,
pela grande
(Lopes dos Santos 1984). Da mesma
liistórico
objeto. como o Exu ligado à magia, da mesma estratégia I(igicos (cf. Teles dos Santos 1995).
da
ideill ao grupo de culto
expressa pelo lermo filho-de-sanlo. Na realidilde, essa fidelidade é sempre questionada molJilidade dos médiuns entre i1Sdiferentes nações de candomblé.
do can-
de inte1cctuais
secrcl()~. que niio fazem parte tio culto religioso e que lêm por objetivo
problel11ilS clll1sidl'rado_~ materiais, nhl'iro, saúdl'
indígena
<.:ondiçJo do adepto do culto - sua mediunidade
a ser
dos rituais miÍgicos, em oposição
em que silo realizados,
as "entidades"
até nos terreiros
forma. um dia após a decisão de tombamento
17
Iniciar.se
de lurnar-Sl~ "africano"!
difu-
que continuava
a partir dessa década a imagem
crescente
A
exus e pombagiras
se considerarmos
do Sudeste. Ao passo que até os anos 1970 a perante
afro-brasileiro.
e os exus. Os caboclos
.no contexto do candomblé "ortodoxo", ciais à vida do filho-de-santol().
ainda mais complexa
nas metrópoles
uma maneira
na passagem
de
impor-
uma via de acesso ao candomblé,
graças à realidade
a "pureza
uma
a passagem
de grande
um nível superior.
consigo
- espírito
da terra" - é venerado
possível
para se adap-
médiuns
os caboclos
um lugar no candomblé
"dono
e São Paulo),
um fenômeno
do campo religioso
às origens,
trazem
no
oferecendo-lhe
nesse processo de busca de uma África pensada
legitimação, mente
constitui
para atingir
um retorno
dição no candomblé
da umbanda
por muitos
Hoje, ser iniciado
religioso.
uma reorganização
é considerada
renovado.
de umbanda,
(Rio de Janeiro
ao candomblé
tância que determina
A proximidade A CIRCULAÇÃO
maior -no mercado
Nas metrópoles
a
ao tratamen-
por seu intermédio, portanto,
de manobra
umbanda
entre um ideal irrealizável
do destino:
margem
uma espécie de preparação
estruturada
dos cultos afro-brasileiros,
O Exu africano,
tar a uma nova realidade.
cir-
social e peso cultural
eleva o status de um médium1H
trazidas
poderoso.
atingir, os quais criam necessidades
de em que as possibilidades
que lhe dão visibilidade
em um contexto
que propõe aos indivíduos
uma solução possível para o conflito dono
sua função limitada
difícil. As contradições
brasileira é uma sociedade
Ora, a sociedade uma pequena
o candomblé
o trickste" cujas armas são a esperteza,
herói ambíguo,
então,
com Bastidc (1960: 447), o lugar privile-
giado de expressão da magia branca, estando urbano
a magia permanece,
ou "sincréticos":
Esta se tornará,
a
candomblé
Nos escritos da maioria dos antropólogos, cunscrita
não deve praticar
do candomblé.
na !lha de ltaparica para diferenciar
de um caboclo
fOI
o caboclo tem sido
nos escritos anlropocomo Exu-cgum
niio é
Para estes, os Eguns
(Bahia). Utilizo essa denoml. o EXlI da umbanda
daquele
do
27
•
Logo, se por um lado os chefes dos terreiros para se impor umbanda
no mercado
acarreta
religioso,
uma situação
precisam
por outro
de conflito
do terreiro
impõe uma separação
caso possua um), ou reinterpreta se tornam,
des africanas),
esses espíritos
pois, os "escravos"
inscrevendo-se
que permitem
a adaptação
de um modelo
ideal à complexidade
da
prática ritual.
é, então, dupla: ou o chefe
"africanizando-os".
pelos
afirme que
gicas que visam resolver doras
e os interesses
encontramos
o conflito
imediatos
sistêma
umbandista
mesma
forma, a reinterpretação
tégia paralela
J
Pombagira
médiuns. discurso
Encontramos
entre exigências
dos adeptos,
A ÁFRICA NO BRASIL
de uma ortoc!oxia
ai a mesma
aposição
cotidiana astúcia,
metrópoles.
utilizando a esperteza
Os complexos zadas e imóveis,
os mesmos
umbómda
arranjos
revela uma estra-
na umbanda
que se excluem
correspondem descrita
como os porta-vozes
como no candomblé,
ção de um ideal de pureza definido negra na umbanda
conforme
duas "ortodoxias" ligados ao processo
modelos
de legitimação
que realidades,
devem
Além disso, os
aprender
do candomblé
desde o fim dos anos 1970. A~ no mercado a conviver
determinados religioso.
(Birman
Ambas,
com os múltiplos
e
ritual
dos "afri-
afro-brasilei-
dos pesquisadores
que mostravam em função
uma origem
dos "elementos a esta socieda-
a ela, já que tiveram a África como origem"
1980: 3).
Assim, a busca desses africanismos ria dos antropólogos Rodrigues
dos negros brasileiros se torna
constitui
que estudaram
(1900) as sobrevivências
a abordagem
principal da maio-
os cultos afro-brasileiros. africanas confirmam
Se para Nina
o caráter primitivo
(apesar de uma diferenciação
interna
com Bastide (1960) a fidelidade
um sinal positivo
negra" marca a fidelidade
de coesão social c cultural.
às origens e, portanto,
entre ne-
A "memória
a pureza do culto em questão.
Em compensação,
a traição às origens, causada pela perda dessa memória os cultos "degenerados"
;\ fidelidade a própria
1l'vados em conta.
gera problemas
Na tradição,
passado no presente,
nunca é mccânica.
como também
Inscrever-se
Tendem a constituir
entre o que é tradicional
ção significa,
portanto,
çõcs políticas
das tradições:
1\ afirmação
antropólogos
mas
que têm ele ser
uma permanência pelo primeiro.
do
Essa causa-
em uma tradição é não apenas
As tradiçõcs,
na realidadc,
um sistema de referências e o que não é. Inscrever-se
marCar uma diferença,
sempre sao que estabelenuma tradi-
sendo preciso interrogar
as fun.
elas não são simples sistemas de idéias ou de con-
modelos
da tradição, como
do segundo
transformá-Ia.
ce distinções
ceitos, e sim verdadeiros
como "tradicionais",
epistemológicos
vemos habitualmente
uma pré-formação
coie-
ou "degradados".
ao passado define os cultos "puros"
idéia de tradiçâo
e
a um passado
th/a, caraclerizaria
discriminatórias.
da
-, a atcnçào
como fatos sociais que pertencem
na verdade são externos
repeti-la, menta
Desde o início dos estudos o sublinha
os cultos fáram analisados
que não podem ser explicados
inferior
na busca incansável
várias vezes para os traços culturais Na verdade,
lidade, todavia,
oficiais visam à reprodu-
ideais, historicamente
dos terreiros
cristali-
nem um candomblê
dos anos 1930 ou a africanização
constituem
ritual indi-
a caso; o embranqueci
por meio da luta contra todo tipo de sincretismo,
a
teriam desejado.
os discursos
se voltou
africano
ritual: nunca existiu uma
por seus teólogos, da tradição
protetores:
suas origens
nome da disciplina
gros mais ou menos inferiores),
da vida
religiosas
mutuamente.
à realidade
ritual
de Exu.
na prática
não são nem construções
nem entidades
Na umbanda,
do candomblé
o
à realidade
as dificuldades
características
dos
entre
da religião e a prática
que seus espíritos
do destino,
da ortodoxia
ideal como aquela
mais aspirações
no Da
que vimos em ação na reinterpretação
enconlra
nos cultos afro-brasileiros.
de, porque
a reintegração
superam
instrumentos
e a manipulação
ideais dificilmente
"puro africano"
menta"
Os médiuns
que os cultos afro-brasileiros
modelos
e conserva-
que vêem no poder de Exu uma forma de adaptação
social das grandes
ideoló-
ideal aos reais interesses
de reafricanização,
ros - c o prõprio africana.
negada e desnaturada.
existente
processo
canismos"
como a "escra-
doutrinárias
no candomblé
o
dos exus de umbanda,
é uma criaçào
reformulações
acarretando
dos espíritos
oficial que visa ao "embranqueci
de seus adeptos,
constantes
da figura de Exu, originalmente
de adaptaçao
de
eXliS
das divinda-
na lógica ritual do candomblé.
tipicamente braSileira, ela pode ser reinterpretada e legitimada va" de uma divindade, isto é, como um Exu africano. Nos escritos umbandistas,
Os
dos aeixás (os servidores
dessa maneira
Assim, ainda que a maioria dos médiuns
cultura
arranjos
da orto~
isto é, não aceita a possessão
espacial,
de
em seu terreiro, mas a tolera fora deste (na casa ou no terreiro do médium,
umbanda
GIm
iniciados
dos médiuns
entre estes e os detentores
doxia do grupo de culto. A resposta a esse paradoxo
CXliS
de muitos
a iniciaçâo
de interação
no entanto,
algo intencional.
social.
quase sempre foi interpretada
As pessoas das terreiros
pelos
"tradicionais"
28 A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
INTRODUÇÃO
29
!
••
afirmam sua fidelidade à tradição porque seriam conservadoras, porque teriam
A REORGANIZAÇÃO RITUAL
guardado os vínculos que as aproximam das origens. Essa afirmação é apresentada como um fato dado ou como um traço universal da psicologia humana,
Essa atitude
sem outras explicações.
não seria uin patrimônio
Liana Trindade,
apenas
cas dessa divindade
a prova da sobrevivência
ca": "Os indivíduos
vão encontrar
comum.
Esse traço universal,
No caso do candomblé,
tornando-se, africanas
ele seria distintivo
assim, o sinal de uma superioridade
nos escritos dos primeiros que Mau!ice
simbólico
fixado
reconstituição
característico
pesquisadores,
1970b), com hase no conceito
como
diante
da cultura
das outras
nagô,
culturas
cultural'
que teriam perdido suas raízes para sempre.
A idéia de um tradicionalismo
noção,
contudo,
foi desenvolvida
de memória
Halbwachs
(1925)
em um espaço
coletiva
associa
material,
implica
uma visão de cultura
de Émile Durkheim.
à construção
no candomblé.
18), a própria
Mas,
cuja presença,
de vários intelectuais
ligados
candomblé
nagô, os quais fazem dessa rememo ração de uma arkhé original
verdadeiro
instrumento
lise dos estudos afro-brasileiros
do que, na sociedade
encontrados
brasileira,
do africano e do indígena
nos terreiros
foi considerado,
uma lógica operatória
ficação. Assim, a estrutura
que ocupa no contexto.
rogêneo,
(e não-brasileiros),
por eles dessa tradição. A responsabilidade ais com o intuito
de controlar
melhor
uma manipulação,
dos "puros"
é uma invenção
é também
um instrumento
sobre os "degenerados",
fonte de legitimação
os discursos dos iniciados c dos antropólogos
político
o produto
de
(Maggie 1989) dos cientis-
dos cultos (os nagôs). A África - ao menos
no Brasil- torna-se, então,
dos intelectu-
os cultos, essa relação de "dominação"
de uma espécie de evangelização
tas por um segmento
feita
que tiveram foi muito bem analisa-
não ocorre em sentido único. Na realidade, que legitima a hegemonia
isto é, na reconstrução
coincidem
sua imagem
dos cultos, em que
na busca de uma Áfri-
ca reinventada.
da umbanda
"africana
pura", fonte de legitimação
uma vez que serão os múltiplos açi\o entre
° ideal
e
ti
do pensamento
liS~Hos arranjos atravessa
INTRODUÇÀO
entre
não
a posição paticipam
contam
menos
serão a um só tempo símbolo 1985) e elemento durante
hete-
a passa-
Serão, assim, objeto de reinterpa.'ser rcassimiladas
o plano
ideológico
na estrutura - a ortodoxia
- c o plano da prática ritual se perpetua,
arranjos
rituais que constituirão
a difícil medi-
realidade.
Assim, se a principal nuidade
hcterogenea
(Trindade
para que possam
A separação
e solu-
cada elemento
muda conforme
cujas origens
portanto,
ao candomblé.
do candomblé.
de signi-
rede de mediações
de uma pureza originária
religiosa
religio-
e da socie-
pelos crentes.
na umbanda
taÇ"ão, de uma reafricanização,
do mundo
de proveniência simbólico,
atribuídas
sinal da degenerescência
prcocupaçao africano religioso
à umbanda
de. vários autores
na umbanda,
rituais que permitem
lodo o campo
!\frica sobreviveu
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÊ
Os clementos
atualmente
de outro
que os sistemas
sociais. Dessa maneira,
de "bricolage"
oriundo
isto é, como sistemas
pois sua significação
às raízes africanas
gem do médium
os traços originais
fala das relações que ligam os adeptos
As figuras de Exu e da Pombagira,
científi-
brasileiros
portanto,
de uma complexa
absoluto,
de um vasto processo que as significações
Birman sugere
mítico-ritual
das contradições
vê nos
negra coletiva, como queria Bastide, e sim em uma produção
não encontram
Parece-me,
Mas o que
e como ele age segundo
como códigos de estruturaçâo
social, por intermédio
ções simbólicas
da África, a qual tcm
afro-brasileiros.
não é redescobrir
dade que esta o ativos na mente de seus adeptos,
tcm valor autônomo,
- a reprodu-
com a problemática
mítico-ritual
social
1985: 159).
e sim ver como um símbolo
específi~a.
de Exu 'o nicho
do comportamento
(Trindade
sobre os cultos
em uma estrutura
sos devem ser analisados
de fidelidade
culturais
da por Beatriz Góis Dantas (1988). Se a tradição
30
se inscreve
Assim,
vê nas característi-
africanas
e a dinâmica ortodoxo]"
nesse. contexto
contexto
A aná-
por convenção,
nas práticas religiosas.
dos estudos
no Exu de umbanda,
em uma
ca dos intelectuais
construída
ligada às sobrevi-
a ser questionada.
a ambigüidade
africanos
suas raízes originais
que essas sobrevivências memória
começou
de Patrícia Birman (1980), por exemplo,
- como nos indigenismos
representativo
a maioria
sobre a umbanda.
da África em uma religião "bran-
nas concepções
Estamos de novo confrontados animado
ao sistema
A partir de Yvonne Maggie (1977), a noção de tradição,
ção direta
ao um
político.
vências africanas nos cultos afro-brasileiros, africanismos
a
idéia de memória
do tipo superorgânico,
nos dias de hoje, ainda se dá nos escritos
Bastide,
em alguns estudos
a figura de Exu na umbanda,
lem relação ao discurso
parece mais importante
de um espaço
segundo
africanos,
Essa
está presente
que analisou
que concebe
divergente
nagô, presente
por Bastide (1960 c
permitiria,
de um espaço e uma metafísica
nota com razão Pascal Boyer (1990:
coletiva
do candomblé
também
a formação
afro-brasileiro.
'.'embranquccida"
é demonstrar
a conti-
a nossa será, ao contrário, do
cOlltil1llllnJ
Ao mesmo
religioso
tcmpo
('111
graças à pr<'ttica cotidiana
anaque que a dos
31
médiuns e dos clientes dos centros de umbanda, o processo de adaptação dos adeptos oriundos da umbanda e iniciados no candomblé guardou vínculos com O contexto religioso de origem. Os aspectos que foram conservados _ e furiosamente defendidos e reafirmados - são os que evocam mais diretamente lima crítica do sistema hierárquico que funda a organização ritual do candomblé. O que está em jogo não é, portanto, a sobrevivência de uma herança africana, mas sim a força operatória desses símbolos - os exus e as pombagiras - e sua importância na interpretação da vivência dos médiuns. Embora, sem dúvida alguma, atue como elemento de adaptação à realidade caótica da sociedade urbana brasileira, oferecendo os recursos simbólicos necessários à resolução dos conflitos, Exu é também o protetor, o "compadre" do indivíduo, o mediador dos conflitos sociais entre diferentes posições hierárquicas, entre pais-de-santo e iniciados, entre homens c mulheres. Por intermédio do discurso de Exu, e de seu correspondente feminino Pombagira, os podere:sreligioso, social c sexual são constantemente questionados. A fala dos espíritos permite uma crítica direta das relações de poder existent:.s no grupo de culto ou no grupo familiar. Os iniciados, que devem obediência a seu iniciador, podem assim cull'ivar para si um espaço de liberdade e rebelião. Na verdade, aquele que fala (o médium) não é responsável pelo que é dito, pois a possessão implica oficialmente a perda total da consciência. Todo juízo crítico se torna, portanto, legítimo, pois é um espírito que o emite. O único meio de re~gir a essas críticas é contestar a presença efetiva do espírito e acusar o médium de simular a possessãoZl• Essa crítica, porém, não se limita à estrutura dos cultos. A figura da Pombagira se torna, com freqüência, o pivõ de dramas conjugais, quando as relações entre os sexos são diretamente questionadas. Graças à f<1lado espírito, as mulheres-médiuns Contestam a supremacia dos homens e chegam a impor suas próprias condições e a renegociar sua posição subalterna. /\. persistência desses espíritos na passagem da umbanda ao candomblé demarca igualmente a concorrência do médium com seu pai-de-santo. Com efeito, este afirma seu "poder" no mercado religioso graças à capacidade que tem de manipular as forças mágicas em favor de seus clientes. A prática da adivinhação pelos búzios é, então, o único meio de que dispõe para resolver os
-'.
Vimo~ como M. acusaçl"lesde feitiçaria - bem como as de simulação _ filzcm p<'lrteda lógica huerna 4loscultos afro-brasileiros, Elastém papel central na reprodução do modelo ideal. A prática . d.u fof()ca~({Uxkll-lfe-Ju/lluJ tamhém constitui um instrumento de controle polilico muito imporI,mle nos terreiros. Os conflitos sempre são l.'anatl7..adospor e~sacrítica incessante de ludo o que ~c OPÕCo10 modelo dominante dil tradiçc'io.
I,
32
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANOOMBlt
problemas que afligem os clientes e os iniciados. Em contrapartida, a possessão por um Exu ou por uma Pombagira põe o cliente em contato direto com o sobrenatural, sendo o próprio espírito quem oferece a solução do problema. A prática muito difundida das consultas dos médiuns possuídos por esses espíritos passa a ser, então, um meio de ascensão social, pois ter muitos clientes garante a independência econômica.
OS INTELECTUAIS E A TRADIÇÃO
Vimos como os escritos de intelectuais - médicos, SOCiólogose antropólogos - relativos aos cultos afro-brasileiros têm influência direta no obieto que estudam. Essa reformulação do campo religioso pelo discurso dos antropólogos se torna evidente no estudo da figura de Exu. Como explicar o fato de Exu, desde o início do século XX até os anos 1950, tcr sido identificado com o diabo (de acordo com as informações dos iniciados), e a partir de Carneiro (1950), Bastide (1958) e sobretudojuana E. dos Santos (1977a e b), ter se torna. do o mediador, o grandf comunicador, o transportador da força divina (axé)? Como explicar essa mudança semântica fundada em uma tradição "pura africana" que repentinamente encontra eco nas afirmações dos terreiros ditos tradicionais? As informações recolhidas.com os últimos escravos e relatadas nas obras de Nina Rodrigues no fim do século XIX ~ào mais "tradicionais" que as informações dos babalawo (adivinhos) africanos que fundamentam a anãlise de Juana E. dos Santos cem anos depois? Por que os últimos africanos, ex-escravos, teriam escondido a importância fundamental de Exu no universo do candomblé, fazendo com que esta fosse enfatizada apenas um século mais tarde? Não seria pelo fato de que a figura de Exu estava associada à magia c, por isso, era negada pelo discurso das elites do culto (Martiniano do Bonfim, Mãe Aninha, .Mãe Senhora etc.) em busca de legitimação, bem como pclos antropólogos ligados a seus terreiros? A aliança entre os intelectuais e as elites do candomblé logra disfarçar a legitimação de um segmento do mercado religioso por um discurso científico graças ~s sistematizações pretcnsarnente "neutras" e "objetivas" fcitas pelos antropologos. Assim, Juana E. dos Santos, expressão suprema dessa alianç'a, tornou possíveis, baseando-se em suas pesquisas na África, a "purificação" e a aceitaçào de Exu pelos próprios adeptos do culto. Exu pôde, então, ocupar
INTRODUÇÃO
33
novamente lugar central na lógica interna dos cultos, levando-nos o que realmente significa uma tradição. De fato, o que é dito aos antropólogos
a perguntar
infortúnios
sempre está de acordo com a ideolo-
gifl subjacente ao discurso daquele que fala, conforme sua própria estratégia de adaptação
e legitimação
social. Não existe objetividade
científica
existe um discurso objetivo por parte do sujeito (os informantes). quecido"
presença se tornou coerente com as palavras dos informantes de uma tradição intelectuais
africana. A importância
é, aliás, confirmada
° vínculo
Além disso, quando
da aliança entre os terreiros
íntimo com a tradição africana. de umbanda,
reafricanização,
tal como evidenciado
rio, o contato
com toda uma literatura
especializada
intelectualizar-se. iorubás
buscam incessantemente
do culto, hoje perdidos, que poderiam reconstituir
tOl1os os
sobre a Áfri-
de uma tradição perdida. A reafricanização
la como um exerCÍcio de "bricolage", em que cada elemento
se reve-
é cuidadosamente
na literatura científica. Os iniciados, de certo modo, transmutam.
se em pesquisadores cultura.
que tentam
reconstruir,
parece-me
pedaço por pedaço,
a própria
A busca contínua
de informações
importante
sobre os cultos africanos
e a retomada
na África, que n.o início do século XX já exerciam
função de legitimação no meio elos cultos afro-brasileiros,
tornam-
se hoje a expressão dessa procura de uma pureza africana.
Ao longo de uma entrevista,
Pombagira,
o médium
organiza
não deÍxa muito espaço ao indivíduo,
a fim de melhor apreender
possuídos
o papel central
por Exu e pela
desempenhado
por
do modelo
a persistência
desses
seu relato existencial,
, ij
I
oriundo
de um passado imutável
tram,
assim, despossuídos
tos políticos. Na entrevista,
e imposto aos adeptos. Os iniciados
de suas vidas material
e espiritual:
se mos-
são atuados
fl.1omento, descritos como atores sociais ou sujeiem contrapartida,
Saada (1991) chama uma "experiência ria, a reinterprl'lação
pois o culto parece ser sempre
do inforlúnio
revela-se com força o que Favret.
específica do tempo": como na feitiçapela mediuniclade
constitui
uma reorga-
nização do tempo - tanto pessoal (ou biográfico)
quanto
apresentado
possuem diante das dificul-
como o único aliado que os médiuns
social. O espírito é
dades cotidianas. Minha preocupação "o privilégio dialogarem
principal era escapar do que Goody (1979) considera
da totalização".
Deixei, então,
entre si c, paralelamente,
Quis, dessa maneira,
linha dominante
formal perfeita que me tentara
dições entre os diferentes
portante
projetos políticos
por um sujeito coletivo indefinido:
têm a mesma
ocupa no grupo consideraqo
ou se é considerado
e
pertencente
constante
à tradi-
(um "banto").
entre o médium e seus companheiros
mas em nenhum
niclade (e da proximidade
o povo de santo. É im-
Esta será muito diferente se aquele que fala
ou um filho-de-santo,
o deslizamento
ritos racionais,
de meus
os autores dos enuncia-
que nem todos esses enunciados
pois a posição que cada informante
pai-de-santo
rais quanto
no passado e parecia ser a
Eu não queria apagar as contra-
discursos e os diferentes
veiculada.
constan-
Era preciso escapar da il~lsão
Tratava-se, pois, de não fazer desaparecer
lembrar, no entanto,
significação,
cultural.
nos estudos afro.brasileiros.
dos, substituindo-os
intcrpretaçao.
explicitar o processo de criação e reformulação
tes que está na base de toda construção de uma coer~ncia
as vozes de meus informantes
com meu olhar e minha
çJo africana (um "nagõ") ou aos cultos sincréticos
de vida dos médiuns
na
como ator social e, ao mesmo tempo, propõe uma
Tanto o diálogo contínuo Escolhi utilizar as histórias
para entender
todavia,
modifica a informação
DOS MÉDIUNS
dos
imagem da sociedade em que vive. A maioria dos escritos sobre o candomblé,
Ulll
o DISCURSO
constante
sobrenaturais
que cria para a manutenção
indispensável
seu vivido: ele se apresenta
informantes. das viagens de "estudos"
de agentes
espíritos no candomblé.
no Brasil
uma pureza afri-
cana. Assim, os livros - sobretudo a vasta literatura antropológica
pesquisado
O processo ele
que trata das religiões
sucesso dos cursos de língua e civilização
que os iniciados do candomblé
ca - se tornam depositários
na
por Prandi (1991), implica, ao contrá-
africanas c afro-brasileiras. Africanizar-se significa, portanto,
de ortodoxia,
A reinterpretação
como sinal da intrusão
pelos deuses l', em nenhum presente
é preciso en tender que
não significa ser ou querer ser negro, africano.
clementos
e os
equivale a certificar o pró-
"africanizar-se"
O enorme
sua
e a reconstrução
se analisa o processo de reafricanização,
rein terpretação dos exU.'ie das pombagiras
demonstra
quando
pelo valor dado.fl presença de um antropólogo
em um lerreiro. Ser estudado por um pesquisador prio tradicionaHsmo,
pois não
cotidianos
vida do médium, apesar dos problemas
O Exu "es-
parte do século XX pôde ser "lembrado"
na primeira
esses espíritos na eXistência de seus médiuns.
sobrenatu-
entre o eu e o outro podem chocar espí-
outro país que não o Brasil o tema da rnediu-
entre homens
e espíritos) seria tratado
de forma tão
34 A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
INTRODUÇÃO
35
I I
.
~,.J1atural em novelas de televisão como Mandala, Carmem ou A viagem. No Brasil, os espíritos habitam os homens e com os homens! Meu objetivo não é, portanto, menos ainda, demonstrá-la.
pôr em dúvida a eXistência dos espíritos ou,
O problema da racionalidade
dos espíritos na vida cotidiana
europeu.
O mais importante
não é, assim, demonstrar
porém
enlender
ganhos
eXistenCiais - como o lugar do encontro,
Como rt'inlerpretam
o v.ivido - com seus infortúnios indolor,
possui o iniciado,
de identidade
ílO
mas o iniciado
a seus protetores
J"einterpretar os elementos
t
externo.
uma pluralidade
nova localização de elementos
de vozes: a identidade
espirituais,
a relação Íntima que liga
bem como a capacidade
que têm de
do pensamento originários
simbólico,
a qual oferece uma
de outros contextos
religiosos utili-
zados em projetos cuja natureza é política, só poderia ser analisada dos discursos dos próprios médiuns. relações que ligam o médium
por meio
a seus aliados espirituais
Bírman (J 980) define como o "capital simbólico"
~slã() ligadas à vida cotidiana
_ o
dos mêdiuns _ também
em um contexto socioeconômico
extremamente
em primeiro lugar, pela filiação religiosa à matriz, o llê Há Mongé
com o objetivo de confirmar o tratamento
ritual da figura de Exu estudada na
nação efon. As visitas aos centros de umbanda
tinham
por intuito entender
melhor como se relacionam médiuns e espíritos (exus e pombagiras) e como se adaptam a um novo contexto religioso, durante a passagem dos médiuns umbanda ao candomblé.
da
A "NAÇÃO" EFON
Várias razões me levaram a escolher a nação efon. Inicialmente, grande desenvolvimento
Janeiro e em São Paulo. Outros pesquisadores da Silva 1992) sublinharam do candomblé
a importância
lralar do "triángulo
opt;ul'Í
de uma mesma
por uma visão cumulativa
e multipla
dIferentes punlos de vista: o do marido, InteIro do drama conjugal.
() da mulher
místico"
reali{lade,
na segunda fazendo
l' o de sua I'ombagira,
parte,
dialogar
protagonisla
rada a mais "tradicional". construída.
DA ÂFRICA
NO
o.~ por
CANDOMBLÉ
de culto conside-
Vimos como essa noção de tradição é histórica e Assim, enquanto
a tradicionalidade
da nação efon
foi afirmada na cidade do Rio de"janeiro, a matriz de Salvador hoje está fechada c praticamente abandonada. A segunda razão que motivou
minha escolha é que existe, no seio dessa (Alvinho de Omolu) quanto uma estra-
tégia de adaptação às novas contingências, de médiuns
provenientes
reorganização Pombagira.
A BUSCA
(Prandi 1990, 1991; Gonçalves
em São Paulo. Além disso, a nação efon se inscreve, ao lado das
vão de Ogunjá) c por seu filho-de-santo Lewis em OI filhos ./r Sallcilrz (1961 l. Quando
no Rio de
dessa nação no processo de difusão
nações ketu e ijexá, no grupo das nações nagôs, modalidade politicamente
o fato de ela
no Sudeste, principalmente
naçao, tanto uma oposição entre a ortodoxia defendida pelo fundador (Cristó-
;" 1'.1rarespeitar essa pluralidadl;' de vozes, recorri a uma técnica próxima daquela utilizada por Oscar
36
pesquisa, têm
A escolha dos terreiros foi
assim que, nos
que estão à sua disposiçào nos diferentes contextos
religiosos. A sutil articulação
As complexas
de terreiros de candomblé.
de Alvinho de Omolu (Álvaro Pinto de Almeida), de nação eíon. Os
ter conhecido
Em outras palavras, meu objetivo era evidenciar
qUE'
de melhorar a própria sorte.
mesmo tempo em que o
e nao como um despojamento
em favor de um agente possuidor
relatos dos entrevistados, encontramos se define aqui pela multiplicidadell. os médiuns
brasi-
como Maria de Oxalá ou João de OxóssL A possessa o
funciona como um multiplicador da identidade
quanto para a
seu deus: faz*se referência ao deus manifesta-
do como o Oxalá de Maria ou o Oxóssi de Joao, iniciado é identificado
concentração
Gibanauê,
I
sem grandes possibilidades
Os bairros de periferia do Rio de Janeiro, onde fiz minha grande
determinada,
pessoal e íntimo do iniciado com seu afixá é fecí*
proco. O orixá (ou o espírito, na umbanda)
dos subúrbios das metrópoles
demais terreiros visitados - de nação jeje, ketu ou angola - foram escolhidos
nao pode existir sem o outro, o que vale tanto para o candomblé
também possui metaforicamente
l
entre o
Os dois lados - homem e espírito - fazem parte de uma única realidade: um O engajamento
social para indivíduos
ou seus \'
mundo dos hO?1enS e o das potências espirituais.
umbanda.
de grande parte dos habitantes
leiras. Afirmar seus vínculos com os espíritos é, portanto, um meio de ascensão
é tão racional
o erro dos "nativos",
nem sempre
econômica
as
aos olhos dos médiuns quanto qualquer relação de causa e efeito aos olhos de um
Tornar-se médium é muitas vezes uma das raras opções dispo-
níveis em uma economia informal, a única que pode garantir a sobrevivência
do discurso dos mé~
diuns surge apenas quando entram em cena locutores que não compartilham mesmas crenças. A int~rvenção
difícil. Defender esses espíritos significa também defender os próprios meios de subsistência.
estrutural
da umbanda.
determinada
do culto, está centrado
Essa reorganização
pela chegada no culto
O drama ritual, que conduz
a uma
nas figuras de Exu e da
interna do culto é comum a outras tradições,
INTRODUÇÃO
37
•
.!
•
FIGURA
1 - A FAMíllA-DE.SANTO
EFON
"
•I
.!
AS RAíZES
DA ÁRVORE
SAGRADA
DE IROCO,
NO
TERREIRO
00
PANTANAL
inclusive à nação ketu, mas, salvo algumas exceções, os entrevistados fazem parte da mesma família religiosa, ainda que se tenham filiado sucessivamente a outras nações de candomblé (cf. Figura 1). As nações efon e ijexá são muitas vezes confundidas. De acordo com a atual mãe-de.santo do terreiro do Pantanal, fundado por Cristóvão de Ogunjá, no Rio, essas duas nações seriam praticamente as mesmas. A diferença residiria no culto prestado à divindade padroeira da nação efoo: Oloque ou Oloroquê. A existência de um culto a essa divindade, muito pouco conhecida, foi notada por João do Rio e retomada por Arthur Ramos (1934: 53). Apresença em Salvador de negros africanos do grupo efã (efon, efan e fon são, em geral, utilizados como sinônimos na literatura especializada) foi assinalada por Ra. mos (1937: 186), Querino (1938: 31) e Freyre (1933: 390). Segundo Ramos
(1937: 202), os efan seriam negros vindos do Daomé central (grupo jeje ou ion), chamados "caras queimadas" em razão de uma marca tribal no rosto. Diga Guidolle Cacciatore (1977), em seu dicionário dos cultos airo.brasileiros, retoma a definição de Ramos e inclui os efan no grupo fon. Também nota a presença no Rio de Janeiro do terreiro eian de Cristóvão, mas Gisele BinonCossard (1970), em sua lista dos terreiros da Baixada Fluminense do Rio, identifica a casa de Cristóvão como sendo da nação ijexá.
A BUSCA DA ÂFRICA NO
CANDOMBLÉ
-____
o
iniciaçao filiação por obrigaçao
A Crislóvão de Ogunjá (t)
I Sandra de Oxum
Q Sandra de lemanjá
B Alvinho de Omolu
) Baiana de Omolu
R Teresinha de Oxum
C Maria de Xangô
l Fernando de Ogun (t)
S Horácio de Logunedé
D Baiano de Xangô
M Gamo de Oxum
T Marê de Oxumarê
E Edi de Omolu
N Francisco de lemanjá
U Cláudio de E.xu
F Ana de Oxum
O Waldemar de Oxossi
V Miriam de Omolu
P Maria Auxilíadora de
W Conceição de Exu
G Rmi de Oxumarê H jovino de Obaluaiê
Xangõ
Y Marcos de lamã
Em seu dicionário iorubá-inglês, Abraham (1958: 301) fala dos cfon de Ekiti, da província de Ondo (Horin Division). Os cfon trazem marcas tribais, em que "as linhas são tantas e tão próximas umas das outras, que formam uma mancha escura em cada uma das faces". A palavra efçm pode ser pronunciada em iorubá efull ou efafl,!conformc as variantes regionais. Vimos como, no Brasil, esses dois termos fazem referência ao mesmo culto. A origem ekiti, isto é, iocubá, da nação efon se torna ainda mais provável, ao considerarmos o culto da divindade incubá Oloroquê: ele é o deus principal
INTRODUÇÃO
39
,
.•,
~
~f ~
',,-"'~. '.-
*' "
de um dos bairros da cidade africana de Ilemesho, no reino de Ishan (Apter 1995: 389). O mesmo ocorre em um dos bairros "estrangeiros"
da cidade (de origem
de adivinhação,
ou seja, a descoberta
de sua divindade
É normal-
protetora.
iyagba) do reino vizinho de Aycdc, sempre em território ekiti. Ora, os iyagba (ou
mente aí que ocorre o primeiro contato com o terreiro. A partir desse momen-
yàgbà) foram aliados dos ekiti, ao lado dos ije~a e dos akoko, na guerra que opôs
to, o indivíduo
os ekiti-parapo
"filho" de Xangô
a Oyó e Ibadan até 1886 (Abraham 1958). Essa aliança também
fundamentais
poderia explicar a confusão feita no Brasil entre nação efon e nação ijexáZJ•
encontra seu lugar no universo simbólico do candomblé. ou de Iansã, gosta de tal ou tal coisa, reproduz
da personalidade
dos outros filhos do mesmo deus. O pesquisa~
dor deixa de ser assim um desconhecido: rado, cujo sentido é dado pelos deuses.
o TRABALHO
DE PESQUISA DE CAMPO OU OS ANTROPÓLOGOS
A etapa seguinte,
E A CRENÇA
cerimônia Estudar uma religião de possessão, estruturada ca, evidentemente, prometer-se?
sérios problemas
por rituais de iniciação,
de metodologia.
impli-
Até onde é preciso com-
Como guardar um mínimo de distância quando o objeto de estu-
do implica uma transformação
total, a inscrição em uma nova ordem, a mu-
-.,em seus domínios começa a crença? Essas questões afro-brasileiros, permanecendo
para melhor entendê-la?
estão na base de todo trabalho
mas, apesar de sua importância, limitadas à experiência
escritos antropológicos
os
para seus prota-
que estudaram
~m modo ou de outro, no culto religioso
24
-
o candomblé
conseqüência
ções da pesquisa de campo e do método antropológico, Para conhecer,
se implicou,
de
lógica das condi~
i\ história
da nação don
a saber, a observação
nesse universo coincide com a sessão
no Brasil está apresentada
" A atitude diante do objeto é muito diferente antropólogos
que trilbalhou
hipótese
sempre guardaram de umil prOximidade
pesquisador,
os ativos com seu axél6,
lll.
o culto estudado.
Esse engajamento,
urna dimensão estética muito quanto os pesquisadores.
do
prossegue
tanto
os médiuns
que representa
públiCiI que anuncia
facilmente
o terreiro.
recrutado nessa
Jtravés de um longo processo de aprendizado. a diferentes
níveis de engaj
sucedem a prep
a entrada
definitiva
marc
em relação ao culto e às
uor; (cerimônia
(fixação das enl'rgias das divindades
a cilbeça do iniciado),
stotllS
il reciusiio pelo período
dedicad
de iniciaçào
no grupo de culto na condiçào
e a
de novo
iniciado. Todos esse.~rituais podem ser cumpridos em um longo período ou entlio se:concentrarem 110periodo de reclusão que está ligado li iniciação. 1" ()
"té éa for~-asagrad
Ul11iltradição considerada
40
a iniciJçào
divind
a identificaçao
a homens que n,10 en-
do terreiro, pessoa de um
de sexo masculino será, portanto,
à cabeça, /JiJ UI"í: "venC'rar a cabeça"). o assentamento
ue uma
J uma ordem hierárq uica l1ifícil de
o protetor
e depOSitários
atr
real, con-
Para os homens, existe um
de ogã, outorgado
Assim, se a maioria dos
impedl1ldo
se
terreiro. I:: o que acontece com a maioria dos antropó-
vários rituaIs que correspondem
uma im
importante,
a uma observação participante
social gerJll11ente superior, que ajuda material e financeiramente Um antropólogo
cerimónia
veicularia
indispensável
que tenham de se submeter completamente
a
da umbanda
seu po.der religioso. Pouco a pouco, o pesquisador
aceitar: trata-se do título honorífico
certa distânciil em rclaçâo il seu objeto. Petcr rry (19~4) levantou excessiva
à autoridade do pai~de-santo ou da mãe-de-
logos que estudam, ou que estudaram, o candomblé.
illtM individual
"afncano"
na
à iniciação ou a outros ritu(lis que marcam a filiação reli-
giosa a um determinado
a
cultural
engajou-se
"tradicionais"
grau atingido
torna, assim, abiã (novi~
engaja na vida ritual do terreiro freqüentado. Faz oferendas às divindades, participa dos rituais, ajuda os iniciados em suas tarefas rituais.
nesses cuHm. aqueles que estudaram
ao passo que o candomblé
bem corno possuiria oriundos da umbanda
conforme
com os cultos cbnsiderados
hcrançil cultural ilfricana, como o candomblé, umbanda
no capítulo
O se antropólogo
sador já se submeteu parcialmente
" Na verdade, ~l
no culto _ e marca a
potencial à iniciação (feitura de salltoY'. Nesse estágio, o pesqui~
tram ern tr;mse. O ogã representa
é preciso, de certo modo, entrar para valer nos
cultos. O primeiro passo do antropólogo
ço), candidato
do candomblé.
a primeira
cargo ritual ad hoc que lhes permite marcar sua filiação ao grupo de culto sem
em um terreiro não deixa de ter conseqüências.
A maioria dos antropólogos
participante.
Quando
de iniciação - nível mínimo de engajamento
duz freqüentemente
são explicitadas,
do pesquisador.
a lavagem dos colares sagrados, representa
de pleno direito no terreiro. Trata~se do primeiro
escala hierárquica
de campo sobre os cultos raramente
existencial
"entrar"
a pesquisa e onde
são fonte de prestígio e de legitimação
.",;.gonistas,o engajamento .•..
Onde termina
ele participa de um mundo estrutu-
santo. Ele (ou ela) "olhou" seu destino; ele (ou ela) preparou os colares, tornou~
'~dança no corpo e no espírito? Deve-se ficar "de fora", olhar sem entregar-se, ou deve-se, a fim de penetrar nos segredos de uma religião iniciática,
entrada
Ele é
os traços
religiosa que se arribui Ul1lil origem
real ou mitica. ligada a ul1la ("aS,lde culto
il matriz de tod~s
do terreiro.
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ tNTRODUÇÃO
41
*
27
categoria mente
Ser escolhido
.
dos deuses,
como ogã é um sinal de distinção,
por intermédio
de seus iniciados
tempo, nada melhor que um doutor, representar o grupo de culto!
um professor,
pois emana direta-
em transe.
Ao mesmo
um homem
letrado
para
de filiação do antropólogo afirmavam mulheres
(as equedes2R), ele não constitui
para as mulheres
do sexo feminino
Nina Rodrigues e Manuel aos "estados alterados
rente à natureza
feminina,
ao candomblé.
Querino,
de consciência",
parecem
direta do sagrado.
claramente
como
maior das
em transe, as mulheres
por um antropólogo
iniciado
no can-
domblé é o de José Flávio Pessoa de Barros, que escreve ter sido iniciado deJaneiro
por Iyá Nitinha
Velho. Ele é também
de Oxum,
portador
1993). Outros pesquisadores mais tenham
são iniciados palavra
ou usam títulos rituais, embora
sobre suas experiências
do pesquisador
ao universo
breves notas de pé de página ou em referências das de orgulho, oficializado
que indicam
ra estudada. O antropólogo co do culto.
do .autor
Esse pertencimento
pois implicaria,
estudado
ja-
religiosas.
Na
é revelado
em
rápidas, às vezes não desprovi-
o pertcncimento
pelo titulo recebido.
cial à voz do antropólogo,
no Rio
de Tia Massi do Engenho
de um título ligado ao culto de Ossain (Barros
escrito qualquer
verdade, o pertencimento
filha-de-santo
inc-
ao transe? Seja como
ogãs entrarem
O único caso relatado
Tratar-se-ia,
uma cspécie de fraqueza
que levaria mais facilmente
da experiência
modo
de uma inclinação
for, ainda que não seja raro ver supostos mais próximas
o principal
ao grupo
outorga
de culto,
autoridade
Ípso facto, o conhecimento
espe-
da cultu-
passa a ser, então, uma espécie de intelectual
orgâni--:
do xangô do Recife, defendeu
de compromissos
mais privados, permanecer entanto,
procurando
sobre o candomblé
direto no culto parece ser um
em Salvador. Outros pesquisadores,
dos estudos
como Sérgio Ferretti em
Vimos que Nina Rodrigues e Arthur Ramos foram escoJhidm
como ugãs no Gantois (Landes 1947:
RJ), tdisOll Carneiro no Axé Opô Moniá (: 43), e Don;lld Pierson nu terreiro de Oguni
Roger Bilstíde foi escolhido
cumo ogã no Axé Opô Afonjá, da mesmil formil que
Vi\';lldo d;l COSlil Lima (0/)(1 Odufin), Marco Aurelio Luz (O.ui 0;11 Oba) e Pierre Verger (Ojll
(110).
Júlm Brilga foi iniciado comu UnI/li MuXbd no Axé Opô Aganju de Balbino Daniel de Paula, rilhude.salllo
de Mãe Senhora.
Trindade
Serra encarna
estudado.
Apõs lcr sido escolhido
fez suas primeiras 2"
ilnlí~il mãe-de-santo
o ('xemplo
pesquisas
mais evidente
do Axé Opô Afuni
de filiar-se ao grupo de culto
como ogã no terreiro angola Tanuriiunçara
(Serra 197H), é hoje ogã no Engenho
de Mãe Bebê, onde
Velho (Serra 1995).
A ('quer/e é ul11a mulher consagrada a uma divindade, lllas que n.:io e/llra em lranse. Ela cuida dos iniciados em transe e está presente em toda cerimônia ritual.
42 A BUSCA DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ
do pesquisador
a um terreiro, a fim
rituais e de tabus que certamente
iriam inter-
mais esotéricos ou com a assistência
o observador
não têm essa opinião:
vcl a participação
escapar ao domínio
aos ritos
do babalurisha c
argumentam
qL!-ea não-filiação
Qual é, pois,
Ô
caminho
Ribeiro, ou se tornar cultos?
a ser seguido para empreender
um iniciado
para apreender,
Sem dúvida alguma, o antropólogo em sociedades
iniciáticas.
for, tem a pretensão de possessao.
conhecimentos,
Esse problema
As implicações
com as religiões
analisados.
Para aprofundar
nos segredos
participa
seus co-
iniciáticos,
mas esses
ser revelal10s. Falar, descre-
é ainda mais nítido em uma sociedade pais e mães-de-santo,
como a brasileira,
em
são, cada vez mais, pessoas que estuda-
os textos antropológicos. da realidade
para o pesquisador
para fazer pesquisas
seja de que universidade bem como sobre
deve penetrar
ram c que léem com interesse
dos
para o encontro
uma vez adquiridos, não podem equivale, então, a uma traição.
que os iniciados,
a realidade
sobre o grupo estudado,
são ainda menos
o antropólogo
frutuosas?
como gostaria
de dentro,
curso especial,
de formar o pesquisador
pesquisador,
ver a iniciação,
torna impossí~
pesquisas
não está preparado
Nenhum
E os efeitos da pesquisa
nhecimentos,
no
em muitos rituais restritos apenas aos iniciados.
I', preciso se limitar a um papel de "confidente-simpatizante",
o próprio
o mesmo
René Ribeiro, especialista
ao mesmo tempo à sua altura" (Ribeiro 1952: 6). Vários autores,
cotidiana
O texto, e mais ainda o
dos cultos afro~brasileiros.
são difíceis de gerir: há cois
escrever, outras que não. Mas não é apenas a lógica ritual que impõe um silêncio dificilmente
Z;
baianos.
a não-filiação
ferir com a discussao dos assuntos
texto etnográfico, Esse engajamento
e Ren~ Ribeiro no Recife, não compartilham
punto de vista da maioria dos pesquisadores de "desligar-se
Não acontece o mesmo com as mulheres. Embora exista um título honorífico semelhante
São Luís do Maranhão
pesquisador sagrado.
violado:
a disciplina
Em sua
AqUÍIlc1S
Lecture, conferência
em março de 1959, Evans~Pritch
a dos antropólogos
do século XVIII, o "processo e a fé deveriam
tJmhém
as experiências proferida
analisou
sociais, diante
foi, na maior parte do tempo,
ciências sociais se desenvolveram as crenças
da antropologiJ
deixe no plano do não-dito
no convento
a atitude
de Hawkesyard,
da crença e da prática
abertamente
de desencantamento
e em
religiosas.
hostil. Na verdade,
do mundo",
como fenômenos
demais do
dos sociólogos,
ao longo do que se considera,
ser analisadas
faz com que o
próximas
as
a partir do fim segundo
o qual
sociais. Era preciso
INTRODUÇÃO
43
demonstrar a função social que exerciam. Areligião era, poís, simples ilusão, o
incorporado
produto
linhagem,
outra
de um estado
ordem
imaturo
de realidade
definitivamente Essa atitude
com a ciência.
se perpetuou
até os dias de hoje. Estudar
entre grupos,
sos. A religião "borda a sociedade,
reduzir uma realidade sua especificidade?
não engendra
O horizonte
e não por outra ordem
de realidade
te da especificidade
é reforçado
lraria sérios problemas
para justificar
experimenta "científico"
contudo,
apaga a possibilidade que analisa
o sistema
ficando
Como
candomblé, científica"
de confiança
e de autori~
franca rejeição no meio
as brevíssimas
referencias
nos textos dos antropólogos
de compreensão? de parentesco
quando
A participação
Por que o trabalho de uma sociedade
a multiplicidade
ao que
o antropólogo
minha
de um antropólogo
tinham,
e que é
diferente
impediu-me,
2"
Com exceção dos autores pós-modernos acadêmico
nortc~americanos,
é tào forte que o~ relatos da experiência
a resistência il subjetividade
de campo, com seus problemas
emocionais, são objeto de obras biográficas ou mesmo de ficções, permitindo di~tilnciil entre () vl\'ido e os ('scrito~ cientifit:os.
44
no meio afetivos
e
assim guardar clara
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
também
fizeram
manter
estudado.
ditos profissionais, (:105).
a ter estudado
o
"para fins de pesquisa
é a de ]uana E. dos Santos e de
completamente
com a cullura
estu-
ao universo
abertamente
iniciado
tive de me implicar no culto "para fins de
É inútil sublinhar
de mestrado
claramente
a habilidade o pesquisador
sobre o candomblé
meu engajamento
para o pesquisados pais e mães~ que se interessa angola kJssanje,
com o terreiro
estudado
e
de dar uma imagem mais precisa da visão de mundo
que eles
da que é passada habitualmente.
todavia,
um dos lim:tes evidentes uma distância,
Mas elas me levaram
sobre o papel desempenhado
INTRODUÇÃO
a
são via
dos estudiosos"
não há outra possibilidade
como a outros antropólogos
verso religioso,
se torna
o transe extático:
antropólogos
atrair para sua esfera de influência
esperança
que
dessa forma seu pertencimento
Na verdade,
dor que estuda o candomblé.
em 1991, assinalei
parJ
de As religiões a(riCClntlsno Brasil (1960), Bastide escreve
Como todo pesquisador,
CI11
quanto
do que se imagina,
como ogã, mas apenas
reivindicando
científica".
o
de subjetivação
mais problemática
estudado. Mas nenhum etnólogo, tenha ele se declarado ou não, falou de sua experiência do transe. pesquisa
de analisar
já que "a raciona-
experimenta
à esfera da vida privada
Roger Bastide, que chegam a se identificar
no objeto estudado determinada,
os processos
(Ramos 1939a: 70). Outra atitude
saída
uma saída de si mesmo,
dos textos antropológicos
restritos
pelo culto. Em meu trabalho
Como ser
é produ-
de qualquer
a dificuldade
bem mais numerosos
aceita ser iniciado
sum",
com uma
para ser observada
de Eus, ainda
à margem
dada. Na introdução
é olhado
se torna problemático, tanto
que
Essa desconfiança
vivida, pois se ele constitui
E se já é difícil interpretar
infelizmente
o antropólogo
em transe,
Assim, Arthur Ramos, um dos mais importantes
entre a
interlocutor.
desses cultos, ou seja, a possessão. tempo?
quando
de seu objeto ou a condenação
lidade de base entra cm curto-circuito,
ele regra mantidos
que crêem o
que fale mais diretamen-
ainda mais complexa
ao mesmo
e que entrou
então o lugar desse sujeito universal
de~santo torna-se
de fato o fundamento e "místico"
aqueles
a compre-
pela relação que liga o pro-
a alcançar
proximidade
transe como experiência
"africanus
acadêmico.
A questão,
lo da excessiva dt' si mesmo?
compreendem
é dado pela própria crença
de legitimação,
no culto, presentes
de possessão,
análise das situações em que o mesmo etnógrafo
mais ainda no estudo das religiões
chegando
engajamento individual C'studam o candomblé2'.
por essa proximidade,
"Esses casos, aparentemente
seu primeiro
dade diante do texto etnográfico, E isso já é suficiente
a outra, sem deixar
religiosa?
do sobrenatural,
as religiôes
ser interpretada."
Nossa necessidade
quando
à outra ordem de realidade
da experiência
Explorar a experiência
dessa
da experi-
tem por objetivo
de explicação
ao meio acadêmico,
deixar o espaço necessário
de possessão,
os indivíduos
(cf. Segato 1992). Esse paradoxo
do objeto e sua interpretação
duto dessa relativização
estuda
a esse mesmo sistema por meio da adoção em um clã ou em uma não é invalidado
José Jorge de Carvalho (1993: 105) examina
um paradoxo?
cns~o de uma crença nativa que nos é estranha,
essência
econômica,
na organização dos cultos religio-
afirmar que o ato de relativizar
fazem de modo absoluto.
uma
O fenôme-
Ela é um fato social total. Mas o que resta, então,
de relativização
"-/:um paradoxo
ser
sexos, faixas etárias, classes sociais. In-
atrás de si o que é, com mais clareza, axiomálica
uma crença,
social, à ordem
as rcl.H.:ôes que unem
Póde-se realmente
a
mistura de suspeita e desdém por outros cientistas?
à organização
conl~st<.lvellllcntc, tudo isso é mensurável mesma sociedade.
parecia
sem cessar, a algo exterior a ela própria. reduzido
políticos
ência religiosa?
A fé religiosa
inconciliável
será, então,
aos equilíbrios
social que devia ser reduzido
para ser compreendido.
religião, significa rcduzi.la, no religioso
da evolução
Esse engajamento,
antes de mim, relativizar do trabalho.
que hoje considero
indispensável,
sobretudo
questões
a propor
pelos antropólogos
esse uni-
As críticas recebidas
me
do objeto
incontornáveis
d i;lIl te dos cultos. O interesse
45
constante
por parte dos chefes de terreiro por uma aliança com o pesquisador
- ao lhe oferecer um título honorífico parte de urna estratégia de afirmação no complexo ro estudado conhecer
ou ao cuidar de suas divindades do poder religioso, mas também
meio dos cultos afro-brasileiros. em 1991 era, na verdade,
uma maneira
político,
com o terrei-
de o pai-de-santo
se fazer
e se afirmar entre seus pares.
do terreiro,
desfazendo
larde, ao retomar
o vínculo
minhas
antropológico
todos os meus esforços visaram separar o engajamento
do. Mas apesar de meu "não-engajamento", era uma deles, 'pois tivera minhas mente, experimentara
de poder, afastei-me
com o grupo de culto. Alguns anos mais
pesquisas,
de qualquer
a lutas internas
com o grupo de culto estuda-
aos olhos de meus informantes,
divindades
fixadas (asswtadas) c, principal-
o transe dos deuses. E, como dizem os iniciados,
do se entra no candomblé,
não se sai nunca mais". Minha presença
família religiosa,dacilitada
por minha
amizade
que iniciou a maioria de meus informantes),
eu
"quan-
no seio da
com seu chefe (o pai-de-santo
estava, pois, legitimada
pelo con~
tato que eu tinha tido com o sagrado. Na visão deles, cu era, de todo modo, uma "iniciada"! Todas as informações
que me foram dadas eram oferecidas
Sempre guardei uma distância conflitos,
quiSaS que ressaltavam
Em razão do aspecto
a oposição
da "ortodoxia"
do que se imagina.
tomar
Minhas
polêmico
espécie de "fio de Ariadne",
que me servirá de ponto
para dar densidade Os discursos
etnográfica
considerados
o papel provocador
tentei permanecer
para que se adaptassem
que considerava ria africana.
Dessa maneira,
diante das posições diferentes
pelos
é possível -
de uns e outros.
afro-brasileiros; cia humana interna
46
percurso
extremamente
bastante
é fruto de um longo percurso
difícil, mas que também
rica. As questões
foi uma experiên-
que dele decorrem
aos cultos e sobre o papel da antropologia
nos cultos
- sobre a lógica
- constituem
o principal
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
envolvente,
no Brasil a marca caracte-
"permeabilidade"
externas.
deus da África ocidental, encontra
às influências
no seio dos cultos considerados
em relação à "verdadeira"
mais" degene-
tradição africana que o
espaço para existir e para se transformar
- o que constitui
um de seus
traços característicos.
O símbolo de Exu, figura em movimento
constante,
tinua a se transmutar
em novas formas: os exus de umbanda,
os exus-eguns,
caráter
Após terem negado os defensores
e mulheres
conas
Exu, e mesmo sua agora o
oficial, essa tentação
por
em um mundo em que caela terreiro é completamen-
dos demais,
africana
éI
no Brasil (os nagôs) descobrem
desse deus. Essa prescrição
impossível
te inuependente divindade
por muito tempo o culto
da tradição
"incontornável"
lima ortodoxia
à
o deus dos iorubás e elos fon (em seu aspecto de Legba),
tornada
não consegue espírito
deve, portanto,
controlar
brasileiro adaptar-se
a reapropriaçao
graças à umbanda. aos interesses
que vivem com seus espíritos,
dessa
Na práticJ
dos atores rituais,
que partilham
suas preocu-
paçôes com eles, que são invaçlidos em sua vida cotidiana
por essas potências
sobrenaturais.
dificilmente
Veremos
como esse lllodelo
duzívcl em uma realidade aqui, portanto,
ISso
das artes mágicas e da selvage-
o culto de Exu se tornou
Na re
homens
I\.anjlise que apresento
aos valores da sociedade
do diabólico,
nos gru-
africana.
África em razao de sua grande
fitual, a ortodoxia
EXU OU O FIO DE ARIADNE
da tradição
a fidelidade
possessão,
de Omolu)
a sexualidade
no Brasi I, justamente
dos cultos bantos que perderam
filhos-depes-
(âmbito de Exu): a maio-
o monopólio
melhor
Exu a encarnação
vezes Em pri-
rística cios cultos "sincréticos",
pombagiras.
possuídos
neutra - tanto quanto
nos
com um paradoxo - foi atenuada
avatares
umas das outras.
de Exu na África - a imprevisibilidade.
pos de culto que sempre reivindicaram ocorreu
constante'
cultos, demasiadas
e independentes
meiro lugar, estamos confrontados desenfreada,
de referência
argumentações.
entre os diferentes
separadas
ria das caraclerísticas
do traba-
Ele será, assim, uma
em torno de Exu e de seus múltiplos
os vínculos
entidades
desse universo.
às minhas
"ortodoxos"
a evidenciar
intenções
de minhas
entre um pai+de+santo (Alvinho
e boa parte de seus filhos-de-santo
exus e pelas pombagiras,
posição
com clareza a todos os entrevistados,
santo ou pais e mães-de-santo.
outro.
bem clara da lógica em ação no seio dos terrei+
que são muito mais freqüentes foram explicitadas
a uma antropó-
na carne o que era se tornar
ros ou da família religiosa (pare1ltesco-rle-santo), evitando
ddensor
e intérprete
rados" ou mais "degradados"
loga que, antes de tudo, experimentara
sempre
análise. Escolhi a figura de Exu como fio condutor
lho e corno acompanhador
ajudarão
Por razões pessoais, ligadas sobretudo
trahalho
Meu engajamento
objeto de minha
- faz
produto
invençao,
implan~adas
Construção,
foi elaborada
repro-
revcla.se o
e não necessae, evidentemen-
pelas elites de um certo segmento
(nagô) que essa imagem "tradicional"
INTRODUÇÀO
do que se imagina,
da tradição.
pois é graças aos escritos dos antropólogos
te, graças às estratégias domblé
muito mais complexa
de um processo de construção
riamente
de ortodoxia,
do can-
ao longo dos anos.
47
Por meio do movimento uma modalidade
de reafricanização
e da circulação de médiuns de
de culto a outra, Exu nos ajudará
a esclarecer
a dinâmica
interna aos cuitos, fundada em estratégias de poder e legitimação. adquirem,
assim, caráter "político":
torna a questão principal
a África e suas múltiplas
As tradições
encarnações
se
nesse universo religioso.
DO USO DO TERMO "AfRO-BRASILEIRO"
NoS primeiras existentes
páginas
desta introdução,
alertei o leitor para os prohlemas
na l,ltilização do termo "afro-brasileiro".
conjunto
do campo rl'iigioso afro-brasileiro,
umbanda
"branca",
que não se reconhecem
eslão, .na verdade,
intimamente
"africa-na", omolocô,
candomblé)
como o candomblé
que reivindicam depositários
de culto (umbanuLI
a herança
africana.
Além
de uma tradição africana,
nagõ, não .são mais, e isso há muito tempo, o apanágio dos
de africanos. Na verdade,
da Bahia encontramos na" está, portanto, possível
ou a
como cuitos de origem africana,
ligados às modalidades
disso, até os cultos que se consideram ciescendentes
Vimos de que modo, no
cultos como o kardecismo
iniciados brancos ou até nisseis. A identidade
completamente
ser branco,
dissociada
por ter sido
iniciado em um terreiro tido como tradicional. f\frica-'Iegílimadora, vem se tornando adequado? A simples
a totalidade
noção de uso comum,
científico
e popular. Ela nasce no momento
de resistência.
associado
Mas qual seria o termo
mais
utilização
dos termos
específicos
que identificam
c
(simbólica e ritu
cada culto a relaçao de
modalidades
a expressão "cultos de possessão"
dos cultos e evidenciar a experiência
de culto. para abar-
central desses fenômenos
passamos para o contexto
l1Iollte
48
mais amplo dos cultos afro.arncricanos.
nos cultos ditos afro-cubanos,
à iniciação.
Pode.se, portanto,
a experiência
ser iniciado
sem jamais ter sido possuído pelas divindades.
Em Cuba,
do transe não é
na santería ou no pll/O Em outros termos, é pos-
A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBLÉ
completamente
naturalizada
humanos.
brasileiros come-
sobre a natureza da sociedade e sobre seus componentes
"Afro-brasileiro"
nascimento
se refere, pois, a esse encontro
de culturas que dá
à própria idéia de nação brasileira.
Esse termo, tradicionalmente
utilizado para designar a adaptação
turas africanas no Brasil e sua mistura com as culturas indígenas tornou-se
nos discursos
de entrada dos negros na nação
brasileira, na Abolição da Escravidão, quando os intelectuais çam a se interrogar
ra, embora raramente utilizado pelos próprios iniciados, ele não o é mais quando
necessária
sível ser iniciado na santería e ser, ao mesmo tempo, um baba/ao (um adivinho), que não pode, nem deve, entrar em transe.
berço ideal c único de uma religião que, nos dias de hoje, um símbolo
G1BANAUÊ
No Brasil, durante muito tempo, tudo o que diz respeito a "afro.brasileiro"
está evidentemente
religiosos: o transe. Mas se esse termo pode ser válido para a realidade brasilei-
por exemplo,
IlÊ lFÁ MONGÉ
se tornou
Outros pesquisadores «11"
NO
à idéia de ullla
(umband
DO CABOCLO
"africa_
de toda origem étnica real: é
louro de olhos azuis e dizer-se "africano",
O-"termo "afro-brasileiro"
A CABANA
mesmo nos terreiros mais tradicionais
hoje um referente "étnico".
das cul-
e européias,
Seguindo o exemplo norte-americano,
os "afro-brasileiros" são os descendentes que se identificam como tais).
dos escravos africanos
(ou aqueles
A questão é complexa e necessita de um debate com outros pesquisadores que trabalham encontremos
em contextos
novos caminhos,
próximos
(Cuba, Haiti etc.), para que, juntos,
uma nova terminologia
que dê conta dessas
realidades religiosas. Peço ao leitor, então, que tenha em mente essas observa-
INTRODUÇÃO
49
.'" çõcs ao ler "afro-brasileiro" ou "afro-americano". De minha parte, tentarei questionar a referência constante à África como origem única e exclusiva desses cultos. Enfatizarei, em contrapartida, o processo de construção cultural que deu nascimento percorrem
a esses cultos, e que está ligado aos desafios políticos
o conjunto
do universo
religioso
que
dito afro-brasileiro.
PRIMEIRA PARTE AS METAMORFOSES
DE EXU
.'
, f"
.'
~ l
"
j
I
50
~ A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBlÊ
'\
í
_ CAPíTULO I
o MENSAGEIRO
DOS DEUSES: EXU NOS CULTOS AFRO-BRASILEIROS
A figura de Exu' apresenta mente alcançada
nos cultos afro-brasileiros
por outras divindades.
EXli é o mais humano
uma complexidade
Representação
mente mau. Embora o papel ritual dessa divindade maneira
original em território
na do candomblé, cretização
acentuada
reduzida servem
referência
Assim, os mitos perdidos tos dos africanislas. Definir, portanto, no serve de medida volta às origens.
dito tradicional
a "mulher
essa divindade
de Exu", no Brasil. O diálogo
considero
parte
obriga a introduzir
redescobertos
portuguesa
nos tex-
para os defensores
sobre a existência
constante
africa~ de uma
f.:?u
de
femi-
da figura da Pombagira, entre cultos brasileiros
e
as figuras do Ê~u-~l~gb~ra dos iorubás e de
fon Legba, a fim de entender a figura de Exu no Brasil.
integrante
fi Nigéria,
t:::
e seu papel ritual em um contexto indispensável
Da mesma forma, a discussão
) LJtiliJ:arei a ortografia
iarubã.
sobre a África,
ao Benin
no Brasil são freqüentemente
de comparação
seu correspondente articula atualmente
e dessin-
panteão
dos cultos na busca de uma pureza original.
ninos na África é peça central do processo de legitimação cultos africanos
E~uno
nos escritos antropológicos
do candomblé
aos membros
de
inter-
desde suas origens
de reafricanização
definir o papel de
disponíveis
no universo de modelo
tenha sido modelado
à África, presente
pelo atual movimento
no Brasil, torna necessário
De fato, as informações
bom, nem completa-
brasileiro pela criação e pela organização
a constante
e particulannente
do t1ickster2,
emblemática
dos deuses, nem completamente
rara-
melhor como se constitui
do termo iorubã Esli ilO triltar L1essa divíndJde
de unia construção
religiosa
tipicamcnte
e se
no J3rilsil. pois a
brasilcJr<1. O emprego
de
termos iorubás nos escritos <1lltropológicos sobre o c<1ndomblê dito tr<1dicionill, mUlto difundido nos diJS de hOle, pretende sublinhar sua origem africana. !
Mac l.imcoU transtónna de monstros, homem. fildJmentc
I
mundo
o !Jura0
mítico na criação ordenada
vaidoso,
dos tempos
da Terra c/ou [... l aquele
fraudulento,
insultuosamenlc manboso
e um desastrado
erótico,
insaCiavelmente
para com amigos c inimigos;
que, com freqüência,
que
atuais; ele é o exterminador
da luz do diil, do fogo, da água e de tudo que favorece
É t<1mbém um travesso
pelos cantos do planeta; (!{ick('tt~, 1965: 327).
"O criador
° lJem-csl
urn incansável
do
exabcviajantl'
é vítimil dils lmlpriils artirnanllils."
~
S3
.
.
"'
o TRICKSTER
AFRICANO: É~ÚE LEGBA NA ÁFRICA
entre Ê~ue Satã se consolidou
A identificação
redigidos pelos missionários, fi. figura do E~u-flçgb~ra dos iorubás, chamado
ce papel múltiplo, rico em contradições doxaP. Ele é o grande comunicador, mens,
° restaurador
e, com freqüência,
o intermediário
da ordem do mundo,
do acaso no destino dos homens, verso, ao introduzir
Legba pelos fon do Benin, exerpara-
conhece
mas, ao mesmo tempo, como senhor
a desordem e a possibilidade
conformistas
de mudança.
também a assimilação
~:~ll c Legba ao diabo cristão. Essa identificação,
modifi-
fi. assimilação
oposiç.'io
das figuras de
corno o grande falo que as
caracteriza, está presente desde os primeiros escritos sobre as religiões da África ocidental. Assim,.segundo
o abade Bouche,
E~ú-çl~gb~ra encarnaria
o espírito do
mal, "o Béelphégor dos moabitas, o Príapo dos latinos, Deus lllrpitlldillis, como
I... J
diz Orígenl's. excremento,
De rl'sto, não lhe é dado o nome de éclwLI, que quer dizer
lixo?" (lR85:
120-1). Da mesma forma, o reverendo
nativo da Nigéria c convertido
ao cristianismo,
demoníacas da mitologia judaico-cristã, autor de todo mal"(1957: 28).
Johnson,
E.su
foi muito forte: "Todo negro que
dicionário
cesso de cristianização,
associado à noção de ao vi, o infortúnio.
o
No pro-
Legba se torna, assim, a fonte de todos os males: "Entre
os feitiços ruins, o Legba ou Aovi está na primeira fila. É ele o autor de todas as brigils, de todos os acidentes, das guerras, das calamidades
públicas. Ele busca
tão-somente prejudicar os homens, e é preciso acalmá-lo sacrificios e presentes" (Kiti 1926: 8).
o tempo todo com
aqui
equivalentes. maioria
(J
E5u-f.Jçgbçra
dos iorubás
O lugar deles no sistema
positivo identificável
dos autores
fon é considerado
lhes atribui
as mesmas
pelos informantes
características,
uma divindade
para fil7.Cro mal" (£lli5 1894: 64-5; Thompson j
figura menos
assustadora
I.cgba é considerado tabus sexuais.
menos
na intensa
negativa
que
,lIividade
correspondentes
essa escolha. no entanto,
não age diretamente
no mundo,
mas recorre a intermediários.
Segundo
missionários
na relação que liga o deus da adivinhação
E~ú-Legba. O sistema adivinhatório introduzido
pelos
Ifá (ou Fa no Benin) a
de Há, de origem árabe, foi provavelmente
no país iorubá pelos haussás, povo islamizado do norte da Nigéria.
A partir dos primeiros os fon) se espalhou
anos do século XVIII, o sistema de !fá (tornado
no Daomé, ao ser introduzido
1938: 49-50). Nesse sistema, o deus da adivinhação, (Olódumare
ou Olórun
rio Dennet identificava
t~ucom
Fa entre
pelos comerciantes
iorubás
porta-voz
do
para os iorubás e Mawu-Lisa para os
fon), está associado ao trickster divino. A relação foi interpretada
pelos missio-_
opostos. Assim, o padre missioná-
o princípio
negativo
Trevas", em oposição ao princípio do bem, encarnado Revelação" (1910: 95).
do universo,
"o ser das
por Ifá, "o ser da Luz c da
Na realidade, a relaçâo entre Ifá-Fa e t.~u-Legba é muito mais complexa.
Ela
nâo se reduz à mera oposição entre dois princípios: o bem e o mal, a ordem e a Vários mitos evidenciam
supremo, c E~u está encarregado homens
ao mundo
• E..!:l, Idowu,
(193B), em que
10<10 Wcscott
se espalhou
A oposi-
buscada
a relação de interdependência
existente
na terra de Olórlln, o deus
da transmissão
das súplicas e das oferendas dos
dos deuses. Essa trindade,
como a define Bascom (1969a:
o Lcgba
Supremo
(1962: 336), a
sexual de I.egba c em sua transgressão
E$u verossimilmente
c
Aliás, a
é, portanto,
E~u,"sempre pronto de E~u,em oposição
pela obra de Maupoil
do mal e do intortúnio.
Seja como for, o culto de
onde e55,1dIVindade
54
E$u reside
Aparentemente,
1984: 20). Essa diabolização
de Lcgba, não é confirmada
a encarnação
difl.:r('n~-
me parece jmtificar
espécie de Deus
Olódumare,
ção entre o bem e o mal, a ordem e a desordem,
sua
o Deus hebraico-cristào.
COlll
iorubá,
desordem.
c o Lcgha dos fao figuras milicas
de adivinhaçâo
E~u(ou
implica, com toda evidência,
entre os dois deuses, na qual lfá é o representante .' Considerarei
Legba por
de iorubá traduz
do panteão
deus supremo
de "Satã, o maligno,
de E~u ao mal' absoluto
nários como uma luta entre dois princípios Legba é freqüentemente
a traduzir
suprema
(Maupoil
atribui a ele as características
chamando
o mais importante
principio
il Ulll
Ora, a divindade
talvez devida aos aspectos
das efígies dessas divindades,
dos missionários
Sátáni) por diabo, "o supremo poder do mal" (Abraham 1958: 166)~.
otiUSllS,
mais impressionantes
de iorubá do bispo Crowther
o erro e o dano. Da mesma forma no
palavras de francês se acha obrigado
1938: 76). Atualmente,
Personificação
quem seu destino graças às práticas mágicas que controla, Seu caráter irascível, violento e esperto, todavia, determinou
algumas
Assim, no dicionário
do mal", o infortúnio,
diabo, da mesma forma que traduz Bokonõ lo adivinhoJ por charlatão" (Maupoil
do uni-
Ê~u faz com que os homens
E~ué o "deus
D,lOmé, onde a influência
entre os deuses e os ho-
desfaz as abordagens
do desafio, da vontade e da irreverência,
abertamente
(1852),
como norma nos dicionários
dos
da Nig-êria ao Daomê,
NO CANDOMBLE.
vê na figura de Ê$U "o inspetor-geral" ioruhá:
o
"Ele certamente
em que é considerado
do homelll.
EOl um plano geral, seria milis verdadeiro
MENSAGEIRO
DOS DEUSES
de ülódúmare
(QlQrunl,
nilo ê o Diabo que conhecemos
Testamento,
lri, 110qllal ê um dos ministros sua fc ,i prova" (1 %2: HO).
tomou o nome de Legoa (M
A BUSCA DA ÁFRICA
entretanto,
do panteão
um poder externo
maligno,
oposto
ao ideal divino
traçar um paralelo
de Deus e tem a tarefa de tcntar a sinceridade
com
o deus
em nosso
(l
Satã do
do homem
NlJJ'u
de salvação UI'fI)
de
e colocar
55
118), garante e protege os homens no cumprimento indivíduo antes do nascimento.
t~u "trabalha"
do destino, atribuído a cada
senhor da magia porque conhece o poder da transformação.
Iingua dos deuses na língua dos homens e castiga todos aqueles que não cum. prem os sacrifícios ordenados pensação,
recompensa
ga aqueles que perturbam O papel diabólico
Mas Legba e E.$utambém são os mestres do paradoxo: reordenam
deuses. Em com-
aqueles que realizam escrupulosamente
prescritos. Assume, portanto,
sancionada
por !fá, tanto homens quanto
provocando
os sacrifícios
deuses, é para garantir
a ordem do universo (Abimbola 1976a: 186).
destes, alimentados
Ikú (a morte) criou o ser humano. humanidade:
pelos sacrifícios
cendente.
forçados então a expiar seus erros e a invocar a proteçâo divina. É ele quem põe em movimento
acordo com as palavras de um adivinho
Yangi se revela, assim, o primogênito
da
é ao mesmo tempo o Pai.anccstral (o E~u-Àgbà) e o primeiro des-
Vários mitos relativos ao nascimento
de E~u se contradizem
velho ou como um menino maroto. Essa aparente contradição,
o
mútua-
todavia, expri-
me o paradoxo como possibilidade cognitiva do universo. Assim, um dos nomes
s-istema de Ifá, ao estabelecer o vínculo necessário entre os homens e os deuses. Dl'
de
mente, descrevendo-o como o primogênito ou como o caçula, como um homem
Os iorubás e o~ fon dizem que E~u.Legba é a "cólera dos deuses". Ele é o executante de Ifá-Fa, seu "comandante-chefe".
Assim
do universo, é ~
laterito, personifica a primeira forma criada, oriunda da mesma lama com que
está em estreita relação com a ordem
a sobrevivência
o primogênito
caçula, o filho mais jovem. Sob sua forma de E.$uYangi, a pedra vermelha
por Ifá. Se I~~u-Legbaengana os homens para forçá. los a ofender os
dos homens,
o mundo
o caos, iludem para revelar, mentem para afirmar a verdade.
t.$u, ao mesmo tempo em que é considerado
o papel de "oficial de polícia imparcial", que casti-
de E~u também
o grande chefe dos feiticeiros (Herskovits 1938: 257). Legba é o
tornando.se
para QIQrun c para !fá: traduz a
rituais de E.$ué Táíwo (tQ-aiyé-;wó), o "provador do mundo", dado pelos iorubás
relatadas por Maupoil: "Fa é como
ao primeiro dos gêmeos que nasce. Ora, este nunca é o primogênito;
ao contrá-
um iuiz: não se pode ser a um só tempo juiz e carrasco, isso não se vê em lugar
rio, é considerado
algum. A agbmlllkwe, que é um aspecto de Legba, é a cólera de Fa. Cada um dos
os iorubás o jovem deve sempre preceder um mais velho para "abrir-lhe o cami~
no seio do casal de gêmeos7 o irmão caçula. Na verdade, entre
aspectos de l.cgba é uma cólera. E o grande Legba é a cólera de Deus" (1938: 83).
nho", ao passo que o mais velho é chamado o explorador (Wescott 1962: 341).
No corpo humano,
A identificação
Legba reside no umbigo (/U111), de onde insufla a cólera. É por
isso que no Benin é chamado
fUJllda/l,
"o agitador do umbigo",
ou
11011leshlga/l,
"chefe da cólera", "pois a cólera vem do ventre como a alegria, a dor, apieda. de" (Le Hérissé 1911: 138). t.$u-Legba é, portanto, "agente
provocador".
a um só tempo
"oficial de polícia",
Sem ele, a comunicação
entre os homens
teria sido perdida para sempre. A mesma ordem, instaurada ria sobreviver
sem a intervenção
Tradutor, mensageiro,
"diabólica"
mediador,
"carrasco"
e
elas indicam claramente
e os deuses
chamado
por Ifá, não pode-
a preparar
oferenda lhes era feita. Legba que
Certo dia, um homem
pediu a Legba que lhe explicasse como havia preparado
chamado
Assim, F.sué
A 59
Ele faz o reto entortar
pOder~.
entre os iorubás,
por ISSO,extremamente
como llamalOr
pengosos.
"Idowu
o
segredo de seu gbo. Awé foi, assim, o primeiro homem a saber preparar um gbo,
9
(1962: 85) fixa em duzentos
de transformação
(Verger
parte da África, seres dotados
O nascImento
deles implica
.C.(~~~lexos ntualS que permItem a sociahzação dos recém-nascidos. 1.11\\10e o segundo, !<ççhindé, "aquele que está antes-atras".
Awé
pago, revelou-lhe
(lbéji) são considerados
para essa capaCidade
'
[le fazo torto endireitar
(' glande
seu encantamento
e Legba, após ter sido convenientemente
t~uapela
A 59 çbi d(i) ,Irt'
/ ~s gêmeos
levava ao mercado. Quando a serpente mordia alguém, Legba lá estava, pronto
com a serpente,
dessa divindade.
EI~b9, isto é, o senhor, o regulador do çb9, a oferenda ritual, ou .fJ~ru,
"Um dos ori'ki (divisa) que caracterizam 1999:143):
os glJU\ Naquela
que ele criara por magia, no caminho
para salvá-lo em troca de pagamento.
o caráter inaprecnsível
Não
e a diferença entre
o Senhor do E;"ru,isto é, a obrigação religiosa (carregoq). O mito de O.$çtuá, ligado
F,~u.l.egba é também o senhor da magia.
época, os deuses estavam famintos, pois nenhuma então, colocar serpentes,
várias formas, cada uma delas nomeada em função de suas características. se conhece o número exatoR dessas formas, mas a quantidade
de t~u-Legba.
Um mito fon conta como Legba foi o primeiro decidiu,
com os gêmeos evidencia a natureza paradoxal de Esu.
Mestre do paradoxo, t~u é igualmente mestre da multiplicidade, 'assumindo
os diferentes
nomes de
E~u,mas
a realização
O primogênito
entre os iorubâs o número
- como seu duplo 400 -simboliza
a multiplicidade,
isto é, uma grande quantidade
O t~rn:o .lOrub~ ~liI corresponde
ao termo cnrreSu. A noção de Carresa não diz respeito
de
se chama ZOO
indeterminada apenas
à~
CeTllnOnlaS religiosas, pois carreSo é também a carga negativa resultante de um "trabalho "_ co" ( I .) d magl _ c lU .. C que eve ser neutralizada pelo abandono em um lugar determinado (encruzilhada \ Scgulldu
Herskuvits.
56
Og&11
define
assim como
para os daomeanos os seus equivalentes
"todas as categorias anti-sociais"
de curas específicas
ou
mato. beJra de rio, praia). Cutregu ê igualmente lima obrigaçào ritual recebida em berança pessoa que deve CUIdar da divindade de um membro familiar falecido.
(1938: 256).
A BUSCA DA ÁFRtCA NO CANDOMBLÉ
o
MENSAGEIRO
por um~
DOS DEUSES
57
I
ao sistema de Ifá, conta como E~u conseguiu pés de Olódumare
c como se tornou
transportar
todas as oferendas
Óií~~-çb9, o transportador
das ofcrendaslO.
Nesse mito, E~ú é o único a poder atravessar as portas do mundo ser ouvido
por Olódumarc.
simbolizada
Por intermédio
pelo l;h9, a oferenda,
da restituição
Da mesma forma, o poder de reorganização viajantes
e os primeiros
dessas duas divindades.
missionários
do restante pitoresca
atributo,
que é enorme
eróticos,
culto de Legba e a feitiçaria
E.$u é igualmente
responsá-
e por toda relação sexual ilícita. No
Ellis estabeleceu
um interessante
paralelo
entre o
da-Idade Média:
Na parte ocidental da Costa dos Escravos, os sonhos eróticos sao atribuídos a Elegba, que, sob seu aspecto masculino ou feminino, tem relações sexuais com os homens e as mulheres enquanto dormem e, dessa maneira, exerce as funções dos íncubos e dos súcubos da Europa medieval (Ellis 1894: 67) Il.
o lado "obsceno"
que morou em Ui dá dc 1743
c exagerado
I.cgba, como £$Ú, está estreitamente
de terra,
(o destino
dó corpo" (citado por Verger 1957: 133). Ou ainda essa descrição
individual)
e do "Legba pessoal".
Legba pessoal deve ser destruído,
O culto do falo é exibido com despudor. Vê-se por toda pilrte o horrível
fon, durante
instrumento
to, a porta do mundo
que Liber inventou para servir às abomináveis manobras de sua
paixão: nas casas, nas ruas, nas praças públicas. É encontrado
O mesmo
isolado; os
ocorre
com Bani-aiyé,
o ritual de iniciação.
agitam-no com ostentação e apontam-no
também
acompanha
o atributo de Elegbara, personificação
Quando
se Legha não acompanhar
representação
o indivíduo
vezes sublinhados
seu
o defun. 1980: 126).
do E.$u existencial
moldada de Bará1J,
até a morte. por um monte de barro ou de laterito verme-
lho (na forma de Yangi) de forma vagamente
demônio (Bouche 1885: 121).
morre,
pois, dizem os
E.$u, sob sua forma individualizada
O E.$ueXistencial é representado
do
um homem
da morte ficará para sempre aberta (Pelton
durante
para as jovens, no meio das dan-
e ao fim da vida de
pela revelação do "fa parcial"
assim como seu fa (destino),
a morte uma porta é fechada;
falóforos, às vezes, carregam-no com grande pompa; em certas procissões, ças e dos risos de uma população sem pudor. Os negros são bem inspirados
ligado ao começo
Todo rito de passagem é marcado
cada indivíduo.
em relação à proporção
de t~u.-:r;:I~gbçra feita pelo abade Bouche:
quando fazem desse instrumento
de realizaçãoll.
pelo adultério
fim do século XIX, o coronel
está ligado, nas
a 1765, descreve Legba como "um deus Príapo, feito grosseiramente com seu principal
como possibilidade
vel pelos sonhos
que têm. Os antigos
ressaltaram
Pruneau de Pommcgorge,
vitais
força criadora,
na terra.
do universo sexuado
sempre
dos deuses e a
das energias
E~u re-stabelece a harmonia
figuras de E~u e de Legba, ao caráter fortemente
aos
humana,
os olhos e a boca por
por búzios, e o alto da cabeça cheio de pregos simbolizando
o fato de que ele não pode "carregar peso", ou seja, que não está submetido A relação de 1~$u..Legbacom a sexualidade te de um falo desproporcional, sempre é representado
corno mostram
não se limita ao símbolo as estatuetas
com um boné, cuja longa ponta
bros, ou com os cabelos penteados
eviden-
com sua efígie. E$u lhe cai sobre os om-
em uma longa trança, às vezes esculpída
nenhuma
das obrigações
a que se sujeitam
Legba são estas, claramente cachimbo
caracterizadas
na boca. A associação
os homens.
por atributos
As representações sexuais: enorme
a de
falo ou
de Ê.$ue de Legba com todos os lugares ligados
em
forma de falo (Wescott 1962: 348). Na maioria das vezes, E$u assobia ou chupa o polegar. Segundo Wescott (: 347), assobiar é tabu nos recintos em razão de seu simbolismo
do palácio real
sexual. O mesmo é válido para a ação de chupar
polegar. E~u.também traz nas costas várias cabaças de gargalo comprido,
" Apesar da relação existente
o
descnt
chama-
A conotação
entanto.
e d
especialmente
essa divindade
fudamentada.
dar filhos a seus iniciados.
ao opor falo procriador
d
talmúdica
/\ análise dejo
c falo simbolizando
e da Cahala, encontramos
dos dois sexos. Estes teriam relaçôes sexuais, como íncuhos e sucubos,
sexual de E~u, todavia, não está diretamente a potencialidade,
parcce-me
'" Nos texto.s do Apocalipse,
para pênis (: 347).
ção. Seu falo representa
da fertilidade
Na Verdade, todos os deuses deveriam
das cabaças do poder (àdú irán), bem como segura na mão um porrete chamado 9SQ, termo eufêmico
l'ntre o culto de E$ú e a restaura,)io (cf. Verger 1957). isso não caracteriza
ligada à reprodu-
a energia transbordante,
dando origem a uma categoria espeCial de diabos que participam está na origem da demonologia
o sexo como
a crença em diabos
com os seres humanos,
da natureza humana.
dos séculos XVI e XVII. e encontra
no
a potencialidade.
sua expressão
Tal crença do Ma/leu.>
Malefl((/(I/IIl.
"No estudo de Nadcl (1942: 194) sobre o reino Nupe. no norte da Nigéria, o termo bam deSigna os eSCTa\'os libertos, "'juana
E. dos Santos dá a versão completa (1977a: 139-161)
58
desse mito em iorubá, com sua tradução em portugues.
A BUSCA DA ÂFRICA NO CANDOMBLÉ
o
servidores,
mensageiros
ou soldados,
ligados às propriedades
i'Jadellraduz
l'llrll-sllip como cliCllt-sllip. O rei dos Nupe era chamado
possibilidade
de uma origem nupe de
MENSAGEIRO
DOS DEUSES
E~u,como
de seu ~enhor
"Etsu" (: 194). Até hoje, a
paw $ãngó ou Oya. nào foi consider
59
às trocas e às transações
(praça do mercado,
encruzilhadas,
porta das casas)
Pierre Verger (1957: 127), por sua vez, fala tanto de iniciados e sacerdotes
mostra, com clareza, que eles ocupam posição de mediador. Os fon têm vários
consagrados
I,cgba, ligados aos diferentes lugares de encontro entre o indivíduo e o grupo. Há
vestem saia de palha violeta, chapéu enfeitado com vários objetos, igualmente
o
violeta, e numerosos
(o rei do portal), pequeno
ASiJOIllIXOS/l
Legba individual
de barro situado no
a Ê~u quanto de iniciados consagrados
a Lcgba, os legbasi. Estes
colares de búzios a tiracolo. Os legbasi também
portal da casa, o Axi-Legba ou Legba do mercado, o To-Legba, Legba de uma aldeia
pam de cerimónias
ou de uma aglomeração de casas, c o Hu-Legba, que defende o portal do templo de cada divindade (Maupoil 1938: 82).
Dançam com um enorme falo de madeira dissimulado
Os Legba pessoais são representados idade c o sexo dos indivíduos:
por símbolos que variam conforme
a
tram à assistência,
destinadas levantando-o
um espanta-moscas
taças de barro cozido para rapazes c mulheres;
a outras divindades, e simulando
partici-
como Sapata e HeviossolS. sob a saia, o qual mos-
o ato sexual. Outros têm na mão
violeta que dissimula um bastão em forma de falo.
Festivais an uais em honra de E$u são organizados
em Oyó (Wcscott 1962:
montes de terra da altura de um pé, em forma de tronco de cone e protegido por
344) e em Ilé-Oluji (Idowu 1962: 84), durante os quais as mulheres consagra-
um abrigo de folhas de palmeira ou de palha (apatam), para os donos da casa ou
das a t~u desfilam em procissão. Trazem diferentes insígnlas, das quais as mais
os chefes da linhagem.
difundidas
res, dependem
Os Legba das crianças, assim como os Legba das mulhe-
do dono da casa (LI."Hérissé 1911: 138). De fato, não pode haver
mais de um Legba principal por casa. O mesmo ocorre com E~u iorubá: quando um homem
constrói
urna nova casa, não pode instalar nela seu E~u pessoal
antes da morte de seu pai e da destruição apressar o fim do patriarca As encruzilhadas
(Parrinder
do E~u do defunto,
sob pena de
1950: 82).
chamados
encontradas
f:.~ilrita (E~u da encruzilhada).
na beira das estradas são chamadas
do mercado, a E,'lii.Qjà (Pemberton ,.~~ A literatura,
no entanto,
As represenlações
de Ê$U
E$li-(Jnà (E~üdo caminho)
eJ
1975: 20). Um altar dedicado a Legba ou a E~u
Parrinder
não se entende
organizados
por
(1950: 82) negam sua existência,
Legba. Herskovits (1938: 229) e
Da mesma forma, Pemberton pela
e!CI?lOSO,
"sacerdotisa
ao culto de Legba, contra-
"sumo sacerdote de Legba" (: 307). LI."
Hérissé (1911: 100) fala de "Vodun Legbanon",
o sacerdote que encarna
(1975: 22) cita cantos dedicados
quI.: I.:ssa discus.são sobre a existência
gramle illl]lortãncíil o prelexto
Legba.
a Ê$Uentoados
de t~u do mais alto grau", e Bascom (1969b: 79),
lembra os s
"VerClllos
e femininas
e uma mulher por um
(1984: 24), entre os iorubás egbado essas duas está-
mítica de t~u, chamada
Agbêru (aquela que recebe os
de um corpo silcerdntal
dedicado
com a tradição
de E~u.
Legba também
il
contas
teria representação
feminina,
segundo
Herskovits
(1938:
222), que cita a descrição feita por Richard Burton em 1864: "Legba é dos dois sexos, mas raramente assustadores
feminino.
que os masculinos; (l
Deste último tipo vi alguns e são ainda mais os seios se projetam
como metades de salsi-
resto vai de acordo". Herskovits (: 225), como Maupoil (1938:
83-2), notou, ao lado da figura central de Legba nos allares que lhe são dedicados, a presença de estatuetas representando
as mulheres de Legba.
í':~u-Legba, seja ele masculino ou feminino, habita, portanto, todos os lugares em que mundos separados entram em contato. Ele passa de um a outro, faz com que se comuniquem. de encontro,
Os lugares sobre os quais reina E~u-Legba são lugares
de mediação, de troca, e estão, como todo lugar de transição e de
interseção,
carregados
de tensão e perigo. O mercado é a representação
por
excelência
desse perigo, o lugar em que as transações entre os homens podem
engendrar
conflito e desarmonia.
ção, pode metamorfosear
" Sapata
F.~uildquirl.:
eo
Só E~u-Legba, com seu poder de transform~-
o conflito em harmonia.
nome fon do deus iorubá ~anp9nná.
Este
e considerado
pelos Elemoso (iniciados
no
culto de F.~u)o chefe de todos os [suo Ê~u teria, Cllt;\O,il mesma m,k quc Sapata, o deus da \.aríolil,
no discurso do candombl(o nagô, o qual recusa a iniciação no Cllllo de Exu soh
de que da n1io está em conformidade
um homem
t~u, em geral, ê simbolizado
E~u-I;.lçgbá e sua mulher. Abimbola (1976a: 36) também
fala de uma mulher
ao passo que Aguessy (1992: 95).
após ter afirmado a ausência de sacerdotes devotados diz-se ao citar um discurso de AkpowenJ,
tuas representariam
chas alclllàs e
quanto à existência de um culto e
E~ue
casal. Segundo Thompson
seus
também existe em cada praça de mercado nas aldeias iorubás e fon. de um corpo sacerdotal
representando
sacrifícios), e Abraham (1958: 167) afirma a existência de imagens masculinas
também são lugares de culto de E~u e Legba. Montes de
terra molhados de dendê ou cobertos de inhame ou noz-de-cola constituem santuários,
são pares de estatuetas
com os cabelos em crista. Na verdade,
Ógún e ~àng()(cnrrespondcndo
africana.
d('struiÇão.
ao Heviosso fon), todos ilssociados entre os lOrubãs ao poder ele
ao calor e à corvcnnclha
(rcmberton
]<)75: 26).
60 A BUSCA
DA ÁFf
CANDOMBLÉ
o
MENSAGEIRO OOS DEUSES
61
madame que tem uma cobertura na Vieira Souto está tremendamente
Deus de múltiplos rostos e múltiplas origens, E~u-Legba também exerce a verdadeira
crítica do poder c dos poderosos.
Ele é a única divindade
insa.
tisfcita. Se ela tem forças suficientes para jogar tudo para o alto e recomeçar
que pode
fazê-lo, ao introduzir a liberdade em um sistema fechado e prefixado. Por sua
uma nova vida, ela buscará o acesso à mudança, e Exu te dá o princípio da
falta de respeito,
mudança,
Legba encarna
sua irreverência
e sua contestação
das regras sociais,
na tradição africana o que Georges Balandier
1985; 66) chama "a lógica do político".
Na verdade,
E$U-
da evolução.
(citado por Motta, Durante
a maioria dos mitos relati-
muito tempo
lico, Exu é considerado
identificado
com o diabo no sincretismo
hoje elemento
indispensável
afro~cató~
ao bom funcionamento
vos a E~u.-Legbasão mitos de inversão da ordem sociaP~. Assim, E~utem duplo papel: por um lado, é o transgressor das regras, o contestatário da ordem esta-
do culto. Nada se faz sem ele. Seu papel de intermediário
entre os homens
helecida; por outro, representa
(o deus da adivinhação)
no candomblé,
explorar
as possibilidades
o símholo
inerentes
da mudança
nCSSil
mesma ordem,
ao slatw quo. Como aíirma Joan Wescolt
(1962: 345), seu papel é duplo e paradoxal, que faz de E$u~Legba a mais humana
tanto social quanto
anti~social,
o
do diloglln1H
figura do babalaô
A MULTIPLICIDADE
DAS FIGURAS RITUAIS DE EXU NO BRASIL
no candomblé
(adivinho,
brasileiro,
suas características
a figura de Exu parece ter conservado
africanas.
Hoje, qualquer
bre o papel de Exu no culto, responderá dos orixás. Outra característica, que Exu é o primogênito ao aproximá-lo
dos homens,
Iansã, pai-de-santo
com segurança
igualmente
do universo,
conhecida
o primeiro
diferencia~o
ketu, evidencia
iniciado,
a maioria
ao ser interrogado de todos os iniciados,
pelos pais ou mães-de~santo,
atividades
rituais, sempre dependentes
das demais
divindades. estreito
Marcos
(>,
os "caminhos"
plenamente,
da vida. Assim, para que cada indivíduo
ais. Exu representa
ainda o princípio
de mudança
como define Palmira de Iansã, mãe.de-santo
é de
tem Exu". isto
possa realizar-se
de EXlI com oferendas
ritu.
na vida de um indivíduo
ketu, o "prinCÍpio
l9
to
das grandes porteira
varia de terreiro
terreiros
do Rio de Janeiro,
compadre, é enterrado
as cerimônias
públicas,
na entrada
ou escondido
do atrás
saudar
que recebe as oferendas
os rituais privados.
para terreiro,
A "qualidade"lll
do fundador
antes
do Exu da
e de nação para nação. Na maioria
o Exu que está "assentado"
dos
no portal corresponde
do terreiro.
aos udils (destinos) do sistema de Ifá. Os udjl.~são considerados
na
256 respostas, conservou 18
você pode ser lava-
ser memorizadas
pelo adivinho.
Essa forma de adivinhaçào
se.
em Cuba, mas não no Brasil.
Rastide c Verger (1981) chamam-no
'" Rcpresentaçào
mcridilollgun.
Na verdade,
material da força sagrada da divindade.
cerâmica ou madeira, contendo ingredientes.
(195H); Aguessy (1992); Vergec (1957).
A BUSCA DA Â~RICA NO CANDOMBLÉ
as quais devem
fazem rderênCla
os filhos de /fá e podem representar
o termo diloglln é a abreviação
da
palavra iorubá lI1érilldflllôSÚII, que Significa "dezesseis".
III
62
da casa, aquele que afasta as influên-
Corrente iJ qual são presas oito metades de caroços de dendê e cuias combinações
Aquela lavadeira não tem problema com Exu, porque ela estiÍ bem. Agora a
Cf. I Jc.or.~knvits(193M); Herskovits e Ilerskovits
o assell-
ou,
deira na Rocinha e estar cantando, com aqueles filhinhos todos barrigudinhos.
1"
em que está colocado
tem seu Exu guardião
festas ou durante
ao Exu existencial
as
antes de chegar no espaço sagrado.
Cada terreiro também
coisa assim, da mudança, da rcvolução. Não adianta você cstar na cobertura infeliz, enquanto
consideravelmente
há pelo menos dois Exus. Perto da porta construção
Exu, chamado
sala em que se desenrolam
o Exu da porteira
terra. Quando as coisas não estão bem, então Exu provoca em você aquela da Vieira Souto e estar tremendamente
O segundo
ser
do oráculo divino.
da porta. Toda pessoa que entra em um terreiro deve obrigatoriamente
de revolução":
Exu é o princípio de revolução. Ele é o responsável para o seu caminho
o que facilita da consulta
brasileiros
há sempre uma pequena
A predo-
quase total da
de Ifá) no Brasil. Os búzios podem
do Exu "da porteira" ..Ele é o guardião
barracâo,
entre os homens
é o senhor do destino, pois "abre ou fecha os caminhos",
precisa atrair para si a benevolência
de entrada
cias negativas.
fato que,
c Exu: "Assim como o católico tem Adão e Eva, o fiel do candomblé Exu também
so-
que ele é o mensageiro
dos seres procriados,
bem esse vínculo
de
sacerdote
graças
pelo "jogo
com o consultante.
marca o desaparecimento
"jogados"
Em todos os terreiros No candomblé
pt:lo opdé\7, em proveito da adivinhaçilo
dos búzios", por meio do qual Exu fala diretamente minância
de todas as divindades.
se tornou ainda mais importante
i1IJ(llld()Jlo da adívíllhação
<10
e Há
o
constituída
de recipientes
em barro cozido,
uma pedra (uw) que simboliza a cabeça tio iniCiado e vários outros
Chamam.se "qualidades" os diferentes avatares de uma divindade que simbolizam os vínculos 4ue esta malllém cum os dcmais orixás. Cada um dos orix,is tem um número diferente de qualidades
MENSAGEIRO
DOS DEUSES
63
Em geral, o assento de Exu é formado por um monte de tabatinga, sc podc dar uma modelagem
antropomorfa,
olhos. Outra maneira de prepará-lo "tratada"
com ervas e ingredientes
ao qual
FIGURA 2-~ AS FUNÇÕES DE EXU
com búzios no lugar da boca e dos
consiste em colocar na tabatinga,
mundo
sempre
uma ferramen-
específicos a cada qualidade,
ta de sete pontas ou um tridente. Ao lado do assento, encontramos
espiritual
l' Exu do orixá ou Exu-escravo (permite a comunicação com O.'i deuses)
estatuetas de
I
ferro com um grande falo e chifres, cabaças com um longo pescoço, búzios e
Exu-orixá
facas. O assento está sempre cercado de velas acesas e regado com dendêl1. Este óleo está intimamente ligado à figura de"Exu, que também EXll Elepo, "Exu, o senhor do azeite-de-dendê (epu)". Encarnação
da multiplicidade,
Exu se desdobra
I Exu-Bará ou Exu existencial (permíte a comunicação com O.'i homens)
recebe o nome de
.lmundo
em Exu-orixá (ou vudum,
material
COIllUfazt'1I1ti ucslão de chamá-lo vários illfoflllanlcs) c em Exu do urixá, chamado também
Exu-escravo. Este resulta de urna individualização
da força sagrada
de Exu. Cada orixá tem, pois, seu Exu, que é considerado um servidor ou "escravo". Ele "trabalha"
para o orixá a que está ligado, transportando
as oferendas (cbó) do
mundo material para o mundo espiritual. Sem Exu, os orixás nunca conheceriam as necessidades
de seus fiéis e, por conseguinte,
não poderiam ajudá.los. Distin-
de Exu-orixá e as de Exu-escravo é algo delicado e dá lugar a
guir as qualidades
discussões complexas sobre a natureza desses espíritos. Às vezes, o Exu do orixá é identificado
com o Exu-Bará, o Exu pessoal, que está ligado ao destino indivi-
dual e que acompanha
o iniciado até a morte. Um dos momentos
mais im.
portan tes do processo de iniciação é a revcJação do odti pessoal do noviço (seu destino) e a fabricação de seu Exu existencial. todavia,
representar
Esses dois tipos de Exu parecem,
duas formas de individualização
distintas
da energia do
Ex~-orixá: o Exu do orixá ou Exu-escravo seria a individualização
do Exu-ocixá
em-relação ao mundo dos deuses, ao passo que o Exu~Bará ou Exu existencial, sua individualização
em relação ao mundo dos homens
A maioria dos terreiros de candomblé
(cf. Figura 2).
abriga várias estatuetas
tam os Exus eXistenciais dos filhos-de-santo.
que represen-
Modeladas na tabatinga
em forma
de cabeça, com búzios ou pregos, são colocadas ao lado do Exu guardião na "casa de
EXli",
recebem
situada na entrada oferendas
do terreiro. Simbolizam
de dendê e cachaça.
senhor da magia, da manipulação especificidade
e do domínio
Mas Exu também
e da transformação.
necessário "fixar" vários Exus destinados
a existência
a trabalhos
que controlam.
do iniciado e
é, como vimos, o
Em todos os terreiros, é mágicos em função de sua
Assim, se quisermos
prejudicar
alguém, escolheremos
[)cndê deriva do quimhundo (I.ody 1992: Z).
riclUJr:m
c deSigna
o ôlco extraído
da palmeira
[/aeis
.'(llil/eCIISis
procurarmos
proteção e bem-estar, o Exu será Odara,
que em iorubá significa "bom", ou Onan, aquele que "abre os caminhos". prática, contudo,
Na
Exu sempre pode agir para o bem ou p;:Hao mal, independen-
temente ele sua especialização. Ainda que, em teoria, o Exu do orixá deva ser colocado ao lado do assento da divindade
para quem o indivíduo
foi iniciado, e o Bará ou Exu existencial,
na casa dc Exu na cntrada do terreiro, na maioria dos casos essas duas funções da mesma divindade delimitado.
se confundem
A dificuldade
aparece claramente
e seu espaço de ação nem sempre está bem
de apreender
a verdadeira
natureza dessa divindade
na definição do t,xu-escravol! proposta por Claude Lépine,
que pode até se confundir
com uma das manifestações
do Exu-orixá:
"l...] cada
i)rj.~tllcm o seu próprio Ê.~iique é seu criado e que tem um nome específico; este t~ú,às vczcs, pode se manifestar. no lugar do àri~c1,e a mãc-de-santo capaz de distingui-los,
NLCS.'iC'
assim como não deve confundir
impura e deveria ser CUIdadosamente Exu é definido
de\"e ser com uma
evitada. A pluralidade
de papéis caracte-
urna percepção singular dessa figura mitica. Assim,
mais por suas funções que por sua natureza divina. Para alguns
nem seria um verdadeiro
intermediário
entre os homens
é evidcntemente
"escrilvo"
orix
L
E,qj
caso, a possessJo pelo Exu cio orix
rísliGI de Exu determinou autores,
este
do E,çii geral: LallÍ, /elLÍ ou outra" (1978: 264).
manifestação
~~O lermo 'T
um EXli perigoso como Buruku, que em iorubá significa
"mau". Se, ao contrário,
~eu "escr,l\-o.'.
1ll,1Ilcha \'<:rgonhosa
orixá, e sim "um servidor dos orixás e um
e os deuses"~.l. O número das "qualidades"
hef,1I1ça da época colonial. No Rrasil. o tf"balho
manu"l
Assim, se Exu "trabalhd" <1ur"nte muito
tempo
de
para o
GHregnu
,1
(la C'su"vid:io
" Cf, C"rnell'O (1 '.J4t): 6H); Lé'pine (1978: 259).
64 A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o
MENSAGEIRO
DOS
DEUSES
65
'.
ASSENTO 00
ASSENTO DE EXU IElú
EXU DA PORTEIRA,. EM ARGILA E DE TRAÇOS ANTROPOMÓRFICOS
Exu expressa, portanto, seu caráter inaprcensível. Exu deveria ter vinte e uma, mas, estando ligado à multiplicidade, esse número em geral é muito maior e varia conforme os terreiros considerados. O único denominador comum é o número sete, particularmente ligado à magia: "Dizem na Bahia que existem vinte e um E$ii; outros falam de sete, ou de vinte e uma vezes vinte e um, mas ele é a um s6 tempo múltiplo e uno" (Verger 1957: 131). Cada uma de suas qualidades possui um nome ritual que indica sua função. Assim, embora £Xu Agba, Exu Yangi, Exu Agbo e Elegbara remetam à criação do primeiro ser na terra c estejam ligados ao processo de muIUplicação e expansão, a lista desses nomes rituais muda de um terreiro para outro, O que sempre torna muito difícil a generalização das informações acerca dos rituais do candomblé. Exu tem papel central no processo de individualização do novo iniciado. Algumas de suas qualidades estão, na verdade, ligadas aos momentos cruciais da iniciação. Exu Jelú, símbolo do crescimento e da multiplicação dos seres vivos, está ligado ao processo de criação do novo ser: o iniciado que renasce para nova vida. EXlI Jelú é o senhor do waj; (ou e1u), pigmento azul-escuro extraído da anileira-verdadeira e utilizado nas pinturas rituais aplicadas no
crânio do iniciado, após ter tido os cabelos completamente raspados. Essa operação também está sob a proteção de Exu, neste caso, EXllIdosu. Da mesma forma, a incisão praticada no alto do crânio, para permitir a fixação do vínculo com o orixá "dono da cabeça", e a preparação do OXII, cone colocado sobre esse corte ritual, são duas operações ligadas à ação de Exu. O oxu simboliza, assim, a pedra de lat'erito vermelho, a primeira de todas as criaturas, o Exu Yangi, "0 primogênito do universo". Em sua qualidade de ellllgbárijo, de boca coletiva, Exu é invocado em outro momento do ritual de iniciação: a "abertura da fala". Esse ritual visa permitir a manifestação do novo orixá, "fixado" no corpo do iniciado, no "Dia do Nome", cerimônia pública durante a qual o orixá revela o nome ritual de seu "filho" e o novo iniciado é oficialmente admitido como membro do grupo de culto. A última etapa desse processo de individualização é marcada pela obtenção do EXll Barã. A cabaça que o representa contém 21 búzios que simbolizam os elementos do destino escolhido antes de vir ao mundo. Dezesseis búzios constituem o diJOgllll, o oráculo; quatro outros representam o oráculo dito de Exu, que é consultado para problemas ligados à vida cotidiana ou para confirmar uma
.' t -. 1 I
66
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBlt
o
MENSAGEIRO
OOS DEUSES
67
resposta divina; o último
búzio simboliza
EXli
Oxetuá,
o primogênito
do uni-
verso.
ta d
por exemplo,
166). Na realidade, a possessão por grande peso que dolorosamente A POSSESSÃO NEGADA
e sim de verdadeira EXli
diferença
de natureza"
(:
seria percebida a um só tempo como "um
se arrasta" e, "por influência cristã", uma "puni.
ção divina" (: 166). Como prova, apresenta
o caso de Sofia, iniciada com o nome
rit ual de Gikete no terreiro de Ciriáco, citado por Carneiro. A iniciação no culto Nas obras dedicadas ao candomblé,
assim como naquelas relativas aos cultos a
t$U e Legba na África, as informações
de EXli seria, entâo, um "erro" do pai-de-santo
angola:
no culto de Exu são
O babalaô pode às vezes enganar-se ao consultar a sorte; a verdade é que isso
Nina Rodrigues, em 1900, afirmaou que
só raramente acontece. Conheci apenas um caso controverso, o de uma filha
Exu, Rará ou Elegbara era um orixá como os demais e possuía seus próprios
de Exu; era, porém, a filha que se sentia descontente com seu "santo", e
fortemente
contraditórias.
iniciados24,
Enquanto
sobre a iniciação
Édison Carneiro, em 1948, relatou a dificuldade
de aceitar o culto
pretendia ser filha de Ogum; o babalorixá que a tinha fcito não cessava, ao
afro-católico.
No
contrário, de afirmar que S... era .mesmo filha de Exu. Em todo caso, à primei-
caso de uma pessoa cujo "dono da cabeça" era Exu, a iniciação teria sido feita a O,gum, outro orixá considerado seu "irmão";
Trata-se de erro muito grave, pois a verdadeiro arixá, a que pertence a cava-
de uma divindade
identificada
com o diabo no sincretismo
ra vista, não se pode jamais ter certeza de que o babalaô não se enganou.
~;f,mbora não seja exatamente um orixá, Exu pode manifestar-se como um
lo, não deixaria efetivamente de manifestar seu descontentamento, vendo os
orixá. Neste caso, porém, não se diz que a pessoa é filha de Exu, mas que tem
sacrifícios, os alimentos irem para outro que não e!l'; para vingar-se, lançaria
um cl/m:~u de Exu, uma obrigação para com ele, por toda a vida. Esse carrego
doenças, azares, contra o cavalo.em questão: justamente porque S... se sentia
se entrega a Ôgunj,i, um Ógún que mora com Óxóce e Êxu e se alimenta de
doente é que acreditava que tinha sido "feita errado" (Bastide 19SB: 48-9).
comida crua, para que
lli10 (ome collta
da pessoa. Se, apesar. disso, se manifes-
tar, Êxu pode dançar no candomblé, mas não em meio aos demais orixás. Isto aconteceu, certa vez, no candomblé do Tumbajunçara
Essa mesma história é relatada por Pierre Vergcr, que atribui a recusa de
(Ciriáco), no
aceitar Exu como "dono da cabeça" à influência
Uêlru a filha dançava roçando-se no chão, com os cabelos despenteados e os
de seu sincretismo
com o
vestidos sujos. A manifestação tem, parco.', caráter de provação. Este caso do
diabo: Umil delas [das filhas de ExuJfaleceu recenlemente na Bahia. Foi iniciada por
candomhlé de Ciriáco é o único de que tenho notícia acerca do <1parecimen-
volta de 1936 (', como o sincretjsmo de f.?il com o Diabo não deixa de dar-lhe
to de i~xunos candomblés da Bahia (Carneiro 1948: 70). z.~
um aspecto desagradável, murmurava-se que haviam pregado uma peça nessa pessoa. Foi assentado E.~úe não 0SWJ, o verdadeiro senhor de sua
Roger Baslidc, em seu estudo sobre o candomblé uefinição
ue C
nunca,
da Bahia, retomou embora
essa
cabeça, ou, mais exatamente, um E?[/ servidor de
por vezes tenha
filhos" (1958: 37). Para Bastide, a possessão por Exu seria completamente
distin-
~ um Orüa ou santo como os outros,
No templnou
que tem sua confraria
especial
terreiro do Gantois, o primeiro dia da grande festa é de(lícado a
c seus adoradores.
f.su"
que o acompanhava,
que lhe são consagradas. Isso teve como conseqüência o afastamento de Ogll/7,
""Esu
()SlIIl,
ê quem teria sido assentado, fazendo-se as obrigações para E.~iIcom as folhas
que desde essa época queixava-se de ter sido negligenciado e acabou
matando aquela a quem reivindicava para ele (1957: 132).
(Nina Rodri.l:Ul:s
190(): 25) l'
Carneiro cJndolllblé
aprc~enla
ao lado de nomes Maromba,
lima lista de "qualidades"
nagõ considerado
de Exu cllJtuad,ls no Engenho
iorubois corno Ekcçae laJteraçao
de Akcssan) c Lona, os nomes de [Javena'
BMabó, Tibirlri, Tiriri, Chefe CUnha e Maioral, ljue hoje são considerados
cultos "menos puros" rJo canuomblé deb"tc ~obrc.l construção
angola (' da umbanda.
Essa constatação
o mal-estar
Velho. o terreiro de
o mais antigo de Salvador, onde fez suas pesquisas. Ali encontramos ligados ao~
ê importante
para o
de lima imagem de pureza no meio dos lerreiros nagôs.
de Sofia diante de sua divindade
do muito mais pela desaprovação
diabo, que por uma real ambivalência questionada
quando
parece, portanto,
pública, ligada à identificação
ser motivade Exu com o
da iniciada. Essa ambivalência,
aliás, é
Verger conta que Sofia tinha em casa muitos Exus, os
qUJis, sem dúvida alguma, con~iderava seus protetores:
68 A BUSCA DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ
o
MENSAGEIRO
DOS DEUSES
69
Em sua casa havia inúmeros E$tI. No fundo de seu jardim, em uma casinha,
da minha
havia
pasmódicos
Um
ferro em forma de tridente, assentamento
dc E$ú baba bllya e uma
corrente de ferro, de E$li Sete Facadas. Eles estavam na companhia f;/çgúçm c de E.~ilMlIimnbi/lllO.
de E$ú
última viagem à Bahia, cuja dança não passava de movimentos ou de furor sagrado, o rosto endurecido
de convencional"
Atrás da porta da casa -alojava-se E$iI Pnvel1(/.
(1958: 165-6). E ainda,
"r ...] a possessão
essa possessão:
Debaixo da porta de entrada estava E$/i Vira (um E$1t feminino) c, no chão da
seu frenesi, quisermos
que, não sendo assentado, passeava por aqui e por ali, bem como de E$/i
entre o êxtase divino e a possessão
Tl/mallqllill/lO
e de E$iI Ligeirilll1o. Esse último levava um arco. Ela mesma era
seu caráter
Essa equação
feita para £$tI Mavambo, que era de Angola26 (:132),
patológico,
Exu foi reafirmada
ulteriormente
I:: improvável
que alguém que não aceitasse publicamente
ambivalência,
seu orixá pres-
tão grande de Exus. Na realidade,
diz Verger (1981: 79), deriva mais de pressões sociais - o sincre-
tismo católico de Exu com o diabo - que de uma real recusa da iniciada, ao "erro" de seu pai-de-santo. consagradas
não à "degradação"
domblé
africana
"extremamente
reduzido"
de Mar Grande;júlia,
do candomblé
tradicionais,
sofrimento
que
cita, entre
(J
da Língua de Vaca, chamada
ü
Exu
958: 165). Trata-se
ligados
a uma suposta
pai-de-santo
outro iniciado
ortodoxia
de Exu pertencente
nagô
ao terreiro
do Bate-Folha, de nação angola. Segundo
assim como a de Sofia, seria caracterizada extremo:
demonstrar
"Ainda vi um no candomblé
de
africana,
no culto a Ogum,
essa campanha
considerado
(1993: 95). Parece, portanto,
Vimos que a primeira dos Jntropólogos de Salvador. criticado
evidente
seu irmão
contr,l(litório.
do
tr,H.1ição
pessoa iniciada
no culto de Exu citada nos escritos
foi Sofia de Exu Mavambu, Manoel
do terreiro angola Tumba]unçara
Ciriáco dos Santos, foi cxtremamente
seu terreiro de Salvador para o Rio de janeiro,
em Vila r dos Teles, na llaixêlda Huminense. por Ricardo Querino
vê nessa mudança
Gomes,
para. o Rio o resultado
ligadas ao sincretismo
Exu como demônio,
filho-dc-santo
afro-católico:
vcl a vivência
estabe-
Marcos de lansJ., que foi de Manoel
Círiáco
de uma transgressao
"f ...1
como o diabo. Então, quando
a simbologia
dos das
católica
ele tirou esse Exu na
Isso tornou
insustentâ-
dele em Salvador, e ele veio para o Rio de janeiro".
Na realidade, a substitUiÇão de Exu por OguI1I decorre da ;H.JJptação a uma realidade
exlerna ao culto,. determinada
pelo sincretismo
afro-calólico;
"[.,,1 em VIrtude da as.sociação quc
os rnIS.sion
para o terreiro, os ncgr(l~
Ikze~s~lc
da n,lção "elu diziam agtu no Brasil; Exu não tem filhos porque nãolel11 dirlCilode se manifestar cln pnsoa
linguagem
da "verdadeira"
Bahia, ficou 'Ciriáco raspou o diabo num ser humano'. por Baslídc (195R; 2H3, nota 10(,), sem que cle tivesse notado seu aspecto
n"
Assim é
inicia então
que aquele que "fixa" Exu na
não pode ser oriundo
Seu pai-de-sant'o,
convenções botou
". Es~a cit
ao demônio. repressiva,
por ter "feito" (fixado) o diabo na cabeça de Sofia. No fim dos anos
lecendo-se Santos,
por ocasião
tradicio-
1977a: 134). A afirmação
africana!
iniciado
de Bernardino,
de
"Com efeito, nos 'terreiros'
Exu, associando-o
para contornar
Glbeça de um filho-de-santo
violência
e
possessão
do sincretismo
U. E. dos Santos
o sistema nagô, combatendo
seus sacerdotes
Bastide, sua
por grande
no culto de li
procuraram
1940, Ciriáco transferiu
Bastide cita igualmente Bernardino,
todos
buscando
Assim, se
o antropólo-
terreiro"
dos cultos bantos,
se
(Bastide 1958: 38).
isto n,10 é mais resultado
E. dos Santos é atenuada
-
por seu colaborador,
que a tradição e
destruidora
go Marco Aurélio Luz: "Os padres católicos e pastores protestantes
de filhos e filhas de Exu, Maria, do can-
Biyi, e o irmão de Pulcheria do Gantois
possessão,
quando,
dcjuana
ligada a orixás por
que fazem os católicos
e a não-iniciação
por outros autores.
nais, E,HI não deve se manifestar" categórica
sua violência
ortodoxia
co, e sim uma marca de tradicionalidade:
congelar
A verdadeira
nos cultos bantos.
de Exu seria um "erro" exclusivo
ros considerados (ketu e ijexá).
com o diabo".
de Exu parece estar ligada ao peso do sincretismo
da tradição
Por isso, o próprio Bastide se contradiz número
devido
No Brasil, poucas pessoas lhe são abertamente
"por causa desse suposto sincretismo
causa dessa escamoteação
a iniciação
essa
da dos outros
à diferença
demoníaca"27
entre uma suposta
Exu n50 é Ilada desejávl'l, tasse um cultó privado a uma quantidade
anormal,
assemelha-se
es-
de malda.
para insistir na reprovação
de Exu se diferencia
casa, E$li fI/tato. Além disso, ela ainda podia dispor de E$/i Tíbiriri Come Foso,
uma comparação,
numa expressão
algullla dessa .seita" (Il. M. dos Santo.s 1')(,2: (0). O .ltltor fa:>;rekrl'nciJ
cSI~atég~
hoje o rcpresenl,lllle
aqui a UIJ\;I
A 8USCA DA ÁFRICA NO CANDOM8LÉ
ao COntrário da macumba,
categoricamente
que, no candombk.
GlIluotnbk n
o
MENSAGEIRO
DOS
DEUSES
F.\u
na quallHOVOCil crises de possessào ~ e considerJdn
llln" l'[llidalll' dCllllll1íaca. A~.siln, Clll SlJ,l l)r~ncupilo;;i(J til' [l]lor, scm lluanç,ls,
da tradição nagô: o
70
,1l1m m,IIS tarue, Baslide (1975) afirma\'a
nunca se incorpora,
tl ulltll
"jlUnl" d(l
da In,Kumba, atcllud ,I t.'llonll~ cOl1Jplt.'xid,ll1c IlrCst.'llte!lel
71
o primeiro
iniciado no culto de Exu na cidade do Rio de]aneiro
de Lalú, no terreiro fora iniciJdo
jeje de Tata Fomotinho
no terreiro
(Antônio
da Terra Vermelha
foi DjaJmil
Pinto). Esse pai-d(>santo
em Cachoeira
de São Félix, no
coração da tradição jeje da Oahia. Este caso é muito interessante,
pois ofjcial~
um Exu significava
contradição
e a prática ritual. Na verdade,
fortíssima
ambiva!ência
proposto
guém no culto de Exu, é preciso ter adquirido
informantes
do candomblê
ralar
após sua iniciação
respeito
"involuntária",
em seguida uma
do Rio de Janeiro. Todos os meus
e admiração
e todos admitiram
que,
nagô e a tentação
pois é ele um deus perigoso; porciona
ficou muito mais fácil iniciar um Exu no
candomblé.
pela tradição
bem-estar
Alvinho
mas
recolhidos
ao modelo
ideal
de "fazer" um Exu. Para iniciar al-
ao mesmo tempo,
e prosperidade
de Omolu,
desejada,
os testemunhos
entre o desejo de obedecer
se uma qualidade
de Exu: Exu Lalú. Djalma de Lalú se tornou
o axé". Essa
mostra bem a tensão qüe existe entre uma ortodoxia
de difícil aplicação, revelam
"sujar a faca", isto é, "contaminar
mente o iniciado era um "filho" de Oxóssi, mas, no Dia do Nome, manifestoudas figuras mais conhecidas
os conhecimentos contudo,
necessários,
"fazer" um Exu pro-
ao terreiro.
de nação efon, explica como se inicia um "filho"
A existência
d~ um verdadeiro
preconceito
conlra
a iniciação
no culto de
dessa divindade
iniciado
Para nós falermos o EXll-orixá, ele não pode ser raspado na casa de Exu, de
em
é raspado
fora, é armada uma choupana
com folhas de dendezeiro,
para
poder raspar aÍ. Mas antes de raspar, nós já assentamos toda a parte do Exu¥
Na época, era difícil raspar Exu. A pessoa pode ficar maluca, a pessoa pode
Rará. f~difícil raspar Exu purque é preciso saber os caminhos pelos quais ele
ter p~oblemas mais sérios e o pior é encontrar alguém que saiba cuidar. .. e ter
vai passar (os odus aos quais ele está associado}, as obrigações em determina-
coraJ~elll de fazer, nê? Tanto é queJo.1o da Goméia, que foi o pai-de-santo de
dos locais. Não é a mesma coisa que a gente dá para o Exu da rua, aquele bife,
angQla qlH.' tinha mais saber, n.1o teve a coragem de fazer Exu na minha
farofa ... o orixá não come nada disso! As coisas dele não são despachadas na
cabeça. Eu o conheci quando tinha 12 anos de idade .. ele sabia que cu tinha problemas por causa de Exu.
encruzilhada,
Na r~alidade,
Jo.1o (ou Joãozinho)
da Goméia
iniciou,
uma filha de Exu. De fato, a lista dos nomes
iniciado?
de Joãozinho
no terreiro
Cossard{1970: tamente
338), apresenta
angola urna iniciação
normal,
o mesmo
da Goméia,
apresenlada
não ocorre
mãe-de-santo
do Pantanal
dos Santos, afirma categoricamente mas no de Ogum Mcjé". No entanto fílho-de-santo Cristóv;lo
Alvinho
ele Ogunjá,
Mas se
nas demiJis nações de candomblé. objeto de pesquisa.
e neta de seu fundador,
Nessa explicação delimitar
Cristóvão
demais
e um Exu-orixá,
to
iniciou
teria participado
um filho
das ao candomblé
embora
de reorganização
declarasse
que
dos exus da umbanda,
é a capacidade
Lopes
e
se revela a constante
uma das características
justificar os mínimos
de Exu. Seu pai-de-santo,
dessa iniciaç~o,
do domínio
Maria
do Ilê Irá Mongé Gibanauê
do pai-de-santo
que pode inscrever-se
Na verdade,
como veremos
nas fronteiras
religioso,
argumentações.
cada detalhe
(ligado
ao sincretismo
escuro,
considerado
é discutido
rituais do Exu¥orixá.
com o diabo), uma variaçao
"irrnâo-de-.~.1nto" de M,ulil de Xilil"Ó
(\Olllblé, o Rr.lIJl.Odecuito
,., •
éeslruturado
,.".".,'d' "ml,',n """ '.
representa 1'0. C, 'I.' I,
I., (lV,IO.
N
o
C0l110 UIl1IJarCIl'''' •..o ,"1"""0'" A' ,ol'çõ
d I '-,., "'-,. ~ '"-" es c parcll csco que na Figura 1. na páginil :~9.
u'"-
UIll'llJ a tn,110tlJ. do~ entrevistados
est,lo represent,1das
72 A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
iniciação,
o
ou
esforço
e é objeto de apresentaram
Primeiramente,
no
ao branco,
vermelho
do preto), ao branco
e preto
(ou azul-
total, como "símbolo de Há" e, por isso,
todos os outros orixás ("todas as cores").
Enlretanto,
Cill}-
criticar
ir do clássico preto e vermelho
de paz", ou ainda a todas as cores, pois "Exu é um enviado ," Ele é. portJllto,
adiante,
das pessoas liga-
dissecar,
Todos os meus informantes
às cores rituais, que podem
de
da africanidadc.
mais impressionantes
que têm de analisar,
visão das características
que diz respeito
preocupação
uma categoria inferior
detalhes do ritual. Desse modo, em um constante
do universo
longas c elaboradas sua própria
pai-de-santo
locais, menos na encruzilha-
os espaços entre um Exu "da rua", considerado
c próxima
algo comple-
que "no efon não se inicia no culto de Exu,
de Omolu,
de CristóvâolN,
dos
por Giscle Binon-
no culto de [xu é considerada
caso da naçiio efon, que escolhi como meu principal de Xangô,
rituais
uma filha de Exu, chamada]irakinan.
é tudo levado para determinados
da, que Exu-orixá não aceita nada na encruzilhada.
antes de sua morte
em 1971, ao menos
nos terreiros
de
Exu:
Exu é relatada p'or Cláudio de Exu, um "filho" 1967, com quinze anos de idade:
~-
"fJzer"
quando
se discutem
todos concordam
MENSAGEIRO
DOS DEUSES
as planlas utilizadas durante
o processo de
que;:ls folhas de Exu sao folhas "quentes":
a urtiga,
73
ala e atarê (pimenta-da~costa],
JS pimentas
trc as folhas dedicadas
a cclnsaçüo e a arrebenta-cavalo2?
a Exu encontramos
também
En.
a Cannabis sativa, chamada
à tabatinga
qualidade
do Exu "fixado".
pode trazer nas mãos, durante
cerimônia
pública, folhas de pereSllll (Dracaella (ragulls Gawl), que estão ligadas
ao processo de iniciação. transe.
Exu também Segundo
Vimos que Hoger Bastide (1958: 166) define a possessao manik5\'ação
patológica
lTlelltos cspasmódicos. apresentada possessões
ES.'iel1ão
cerimônia
de Olga de Alaketu,
significativamente
no Ilê Oiá Otum,
foi-I1O.'ipossível observar
que, apesar de caracterizar~se
diferenciava
uma
por uma atitude
das possessões
por outros
o
por movi-
o caso da de.'icri~';io de u mÜ.possessão
(>
a
de Exu como um~
do transe ritual, com uma dança ritmada
por A. M. Correa: "Numa
uma filha-de:santo
conforme
Barros (1993: 109), essa folha chamaria
por Exu
terreiro
de
não se
orixás" (1976:
5]).
Na noite de 23 de abril de 1994, assisti a uma festa dedicada a Ogum, Oxóssi e Exu, no I1ê de Omolu e Oxum, em São João de Meriti, no Rio de Janeiro. terreiro ketll é considerado
um dos mais tradicionais
(/x(> Alaketu e ao axé do llê Ogllnjá
do Rio de Janeiro,
terreiro é Marcos de Exu. Foi iniciado
por um filllO~de-santo
A cerimônia
para Ogum, Oxóssi e EXll começou
de cinco cantigas que lhe eram dedicadas,
que ser;l analisado
adiante.
Durante
eram muito mais violentos,
embora
e a dança para
a cerimônia,
da mesma divindade.
repentinamente
a Exu,
e com o ritual do despacho,
os orixás, o "filho" de Oxóssi, para o qual fora organizada Marcos, o "filho" de EXll, entrou
do
suas obrigaçues
com uma invocação
o xirê, isto é, as invocaç6es
e111transe, bem como vários outros "fllhos"
ao
desse
de Aderman
Engenho Velho e em seguida se filiou a esse terreiro, realizando (cerimônias rituais) com a ialorixá Meninazinha de Oxum.l". composta
Esse
ligado
de Salvador. Um dos filhos-d(>santo
entrou
não fossem espasmódicos,
com grandes
suor era o tempo
todo enxugado
enérgicos,
e muito
girando
sagrados
de Exu. Tinha o peito coberto
fez uma pausa, o possuído
como se mergulhasse
coberto
lcmivel. Assim, temos a folha c
(o cavalo simboliza
classificaçao li'
({/I1$(Ir<1Q
n iniciado),
das espéCies vegelais no candomblé,
l'rr.:Clsar constantemente
a genealogia
para o leitor, mas sua importância escolha.
Jegltnna sua presença
IIrms
E.), urticante
como a Urliga.
os possuídos
a "pureza"
no terreiro, igualmel1\c
iustifica plenamente
tradicional,
Velho, a casa.mãe
ritual, com
marrom
paramentados
com
era Exu. Trazia um boné todo
de uma cabaça fixada no alto. Tinha de búzios, e uma saia colorida
verde, azul, branco,
laranja),
trançada
COtn motivos
decorJdos
cortada
Cln
(verme-
gomos arredon-
cabaças,
simbolizando
ombro
esquerdo,
direito,
uma cabaça. Nos braço~, várias pulseiras
usava
como
Logunedé
presas pe-
empunhadura.
de ferro brilllJnte
ALrás de Exu, saíram
no
no ombro e, em uma
lança de aço polido com um círculo na ponta,
que ele
Ogum,
Oxóssi,
IcmJniá.
a dançar com muita energia.
Quando
a música
e Oxaguiã.
O Exu de Marcos começou ao contrário
dos demais
orixás, que ficavam
para o outro com um ar de domínio
Odara,
estJvam
os ado irall, o poder de EXil. Trazia a tiracolo,
um lasuidibá, colar de chifre preto, e, pendurada
das maos, uma pequena
de
caíam outros gomos de palha
com búzios. Na cintura,
quenas
mais amplos invocação
e superioridade
imóveis,
ia de um lado
quase provocador.
da dança de Ogum, os movimentos
que os do "irmao".
a Exu, e ele começou
passos. Diante dos tambores
da tradição
ombros
minha
e a "tr
no axé do Engenho
(ojâ), amarrado
com dificuldade.
reapareceram
orixás. O primeiro
Sobre os gomos de pano colorido
com um sorriso
cf. Barros (1993).
para as pessoas do candomblé
emitiu um assobio fraco, sinal da
Os aSas entoaram
a dançar
em círculo
Embora eram niti-
então
o canto
com pequenos
(IrrclJcllta-
etc. Para uma analise do sistema de
religiosa dos iniciado~ pode parecer um pouco cansativo
N
fato de l\!arcos de Exu ter sido iniciado
74
(Jrltmpha
c(!l/IiSo-lIill;lllélJl-{Ji!lle
sua natureZil
a música dos
d"dos, que recobria outra saia ele gaze violeta sobre uma anágua engomada renda branca.
damente Os nomes populares das folhas utilizadas nus rituais para Exu exprim~m diretamente
Quando
que devia respirar
de palha, decorado
lho, preto, amarelo,
e
a cabeça com um
no ar.
de búzios, com a ponta
vesLido Ulll corpete
muito e seu
e se jogou no chão elll sautiaçao
Depois de uma interrupção, de seus respectivos
a possessão
eram amplos
por um pano comprido
a(?ertado,
l'J.ssou di,lIltc dü m~'k-de-santo
roupas
Ele levantava
sobre si mesmo.
presença
energia,
Oxóssi, Ogum,
durante
dorsais. Transpirava
pelo recinto.
com freqüência
às cosLas e tão estreitamente
acontece
pela equede. Os movimentos
espalhar~se
sua dança fosse muito próxima lO
que encarnaVam
movimentos
tambores
parava,
mais
pareciam
ar de desafio,
Em seguida
em transe. Seus movimentos
dos possuídos
de Ogum, dançava
uma dessas
de desafio,
que os movimentos
Xangô e Oxalá. Com o rosto duro, como também
no culto de diamba. Pode ser misturada
do assento,
enérgicos
sagrados,
nos lábios.
e depois os jogou bruscamente
Em seguida,
°
nagõ,
marolo
Exu começou
parou e começou Levantou
canto começou.
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o
uma dança com Ogum e Iemanjá.
A equede lhe veio enxugar
MENSAGEIRO DOS OEUSES
até os
para trás, com força.
ria sobre seu corpo, pois ele não economizava
de Mãe Mellin;lzin!la
a girar sobre si mesmo
os braços bem abertos
esforços,
O suor escor-
nem energia.
o rosto, mas Exu afastou-J:
Um novo ele que~
75
ria dançar. Começou
a girar de novo, batendo
só. O rosto estava tomado nos rostos dos iniciados Exu continuou
por uma expressão
as mãos ou apontando
testa, ora para a nuca. Mais outro canto, laterais, girando
e
dançou
EXlI
Nada parece ser patológico
ou demoníaco
Exu dos outros orixâs, sobretudo p~rticularmente
maroto,
malicioso,
l~_nte normal no contexto nc;m "furor sagrado". tr~nse qualquer
se vê
amplos, esperto.
mítico-ritual
terreiro,
chamada
de festas. dendf.
cio candomblé.
- com
e também
o
Não é nem "selvageria"
em uma encruzilhada
próxima
a seu caráter patológico.
elll
ingredientes
O.ritual
do despacho de Exu ou pl/dê é celebrado pesquisadores
eSI?,aço sagrado, observa
(1948: 69), em português
no sentido de "expulsar".
ar", "mandar".
Exu é o mensageiro,
e os deuses, e, portanto, cerá no terreiro.
é o enviado
Na verdade,
marcado; a reunião
situadas nas proximidades
A oferenda
a Exu é
do terreiro e consiste
L.) que guarda
um pouco
um pouco
do sangue
C'
dos cxés.lZ do animal
a Exu antes do início do ritual. Ao lado das folhas de mamona
Os
começar
a cerimônia
pública.
terreiro,
e as sete oferendas
pelo bom desenrolar
é
dos
pipoca, os quatro padês, ovos, acaçá,11, sal, mel e dendê,
° protetor
é o guardião,
O Exu invocado
feitas a ele têm por objetivo
sao para do
atrai-lo para que vele
da festa.
O ritual mais complexo
do padê foi minuciosamente
descrito por luana
E.
dos Santos (1977(/: 187-195)33. Trata-se, segundo ela, de um ritual extremamente
entre o homem
que previne os orixás da festa que aconte-
o dicionário
inglês-iorubá
de Abraham
(1958) dá
'I
(lI) ibi ipàdê, lugar do encontro:
muito complexa,
os espíritos
reiro, e o dcspacho, que consiste em oferendas
dos ancestrais
também
" Os ('xés s~o a~ partes do animal ofertadas asas.
do ter-
A BUSCA
DA ÁFRICA
CANDOMBLÉ
sacrificado
carregadas
em folhas de
de forçil divina
Essas partes são
(Ini).
raho, o coração. os pu]môes. o es6fago e os testículos. E. dllS Santos e seu l1lilrido Ikoscórel1es
M. dos Santos,
(/,wg/)<Í
(il1l0 dignitário
do culto a
no Axê Opô Afoniá
e um ritual privado eso1cne, cio qual só participam pessoils que pertencem àquele terreiro ou algum excepcional.
sohrenaturais rela(ão
l~ uma cerimônia
das entidadcs
harmoniosa
o
MENSAGEtRO
DOS DEUSES
potencialmente
perigosa,
a serem evocadas e o seu propósito
com elas, buscando,
f;lVDrecimento e proteçâo"
NO
envoivido
ao orixiÍ e, eln ~eral, colocildas dIante de seu assento. São eias: a cabeça, as patas, as
visitante
que tiveram vários
76
gelatmosa,
Ohilluiliê) no Axé Opô AfonjiÍ, assim definem esse ritual: "O Padê praticado
de água e farofa a EXll. Nem todos
realizam o primeiro ritual. Só os muito antigos, têm a obrigação de rodar a cuia.
li
".Iuana
chamada
fundadores
Bolinho de farinha de milho com água e sal, de consistência hilll,\T1eiril.
b) realização de uma reunião' , c) festa" . O pad- e In . d'Ica, dos orixás com seus "filhos".
rodl/r (/ cuia, em que se invocam
CUl1l1lllllÚS
diferente:
a água na qual
Exu do
o sentido de "envi-
necessário
com um ingrediente
0
quatro
fósforos ~ uma vela acesa. Tudo então está pronto
como
a
pública,
um charuto,
o termo despachar nem sempre
o intermediário
Há dois tipos de padê: uma cerimônia
os terreiros fundadores,
com o diabo. Entretanto,
O termo tem também
para pàdê ou ipàdê:
ele afastar
antes de toda cerimônia
deixados antes de toda festa pública.
nesse ritual uma maneira
em razão de sua identificação
Carneiro
empregado
viram
preparado
(Ricil1w
"/all/U/Ui
utilizados:
sacrificado
em
abandona
ou no pé da árvore sagrada gameleim
em todo ritual de purificação.
aos quais foram acrescentados
pr,imciros
até o momento
Em vez de um único prato de farofa, são preparados
sete encruzilhadas
em uma folha de
DESPACHO OU PADt
de Exu: farofa com
mel, cachaça e água. Ao lado do copo de água é colocada
ckixada
a sala
moringa
lIloraccl/).
o despacho,
foi cozidJ a canjica, utilizada
de Exu entre os outros orixás retira do
a comida
a água do lado de fora. Depois,
pratos com farofa, em cada um deles misturada dendê,
pela sídagã.
no barracão,
um copo - ou uma
A dagã dança então em volta dos dois recipientes,
um pouco diferente.
é completa-
reunidos
água e um prato contendo
Na Ilação don,
mais velhas do
os nagôs, celebra o ritual, assistida pelos filhos-de-santo
da sala, são colocados
(Fiws i/ofiar;a Martius,
da divindade,
do possuído
dagã entre
que pega o copo e sai jogando
dele, são seus
a natureza
do padê, uma das filhas-de-santo
são entoadas
No centro
(qllmtil1ha)
comida
energia, comunicação,
A performance
Aliás, a presença
suspeita quanto
de prazer. Oxum veio em transe se retirou do
nessa descrição. O que diferencia
que expressam
Na forma simplificada Várias cantigas
o dedo ora para a
de Ogum, que é o mais próximo
sua função e sua energia. Exu é movimento, menino
em um pé
de modo lascivo, com
com um sorriso malicioso
então dançar com ele. Com o fim da dança, o iniciado esp
movimcntos
e pulando
em transe. Outro canto (Elegbara Vodum) foi entoado.
a girar, esfregando
movimentos
os punhos
de prazer, como raramente
por meio de oferendas,
tendo em vista os poderes
de estabelecer con~eguir
e manter
ou recuperar
uma seu
(Santos e Santos 1971: 112).
77
;
iI
pois lami Oxorongá representa uma potência temível. O ritmo se acelera e as oferendas são prontamente levadas para fora do terreiro. Exu Agbo, o Exu guardião do terreiro do Axé Opô Afonjá, é invocado e, com ele, os outros orixás. Uma sacerdotisa de Ogum rega o chão com água, para tornar propícia lami Oxorongtí l' prl'J>arara passagelll dil iall1orú, que s:1irapidilllll'llte uu t"erreirocom o acaçá, a oferenda para lamí. Quando volta, todos se levantam e cantam para a
INGREDIENTES
PARA O PAol
DE EXU
perigoso, pois evoca potências temíveis: os essas, ancestrais fundadores do terreiro, e as ia11lls, ancestrais femininos. O padê acontece antes de toda cerimônia pública (as festas dedicadas aos orixás) em que é sacrifkado um animal de quatro patas e antes do ritual funerário do axexê, sempre no pôr-da-sol. No Axé Opô Afonjá, as invocações são realizadas pelo asogbâ, o sacerdote supremo do culto a ObaJuaiê, e as oferendas, preparadas pela iamorô e pela dagã. Os outros membros do terreiro participam das cantigas, deitados no chão em posição dabalé (saudação iorubá) ou sentados em pequenos tamboretes. No centro da sala, coloca-se a cabaça contendo a água, a farofa, o dendê, a cachaça e o acaçá. A passagem para a porta do terreiro é deixada livre para que a iamorõ, e só ela, possa sair do espaço sagrado. O ritual começa com a invocação a Exu Jnã, para que proteja o terreiro e venha exercer ali suas funções. Por três vezes, a iamorô mistura a água, a farofa e o del1dê na cabaça e sai para levar a oferenda ao pé de uma árvore sagrada. Em seguida, cháma-se Exu Odara para que entregue a oferenda a Baba àri~à, "símbolo coletivo de todos os ancestrais masculinos" U. E.dos Santos 1977a). A água e a cachaça (afim) são misturadas e levadas para fora do terreiro. Pede-se, então, a todos os Eguns (os ancestrais masculinos) c aos essas que aceitem a oferenda transportada por Exu.
boa conclusão do ritual. EXlI,sob seus aspectos de lnã (o fogo), de Ojisc (o mensJgciro) c de Agbo (o guardiflO), inslaura, portanto, a comunicação entre os ancestrais masculinos In::.Egulls), os fUlldauores do culto (os essas) e as iamís. O (Iltimo termo designa colelivamcnte os ancestrais fcmininos, as m5cs míticas, mas, na realidade, significa "nossas mães" c, em sua variante asba ou iylÍ asba, "nossas mães velhas", simbolizando todos os orixás femininos. f)urante muito tempo consideradas a representação das forças negativas Iigad'ls ii fdtiçaria, as iamís foram associadas às potências destruidoras e antisociais. Na verdadc, as iamís e
O momento culminante do ritual é atingido Com a invocação a lamí Oxorongá, O princípio do poder feminino. Esse é o momento mais perigoso, U
78
li f1USCA DA ÁFRICA NO CANDOMBlr
o
Ih árvort,>S dedicadas
M[NSACEIRO
DOS
i1s iramis-dciyt'
OEUSf.S
s30 a arillal/.
a nkoko c a "J'
79
f
das famis que, segundo uma divindade
Marianno
chamada
marê (o deus supremo)
Carneiro
da Cunha
Odu, hoje esquedda,
(1984), bz referência
que teria recebido sempre pronta
passo que seu companheiro
Obarixá
astucioso.
de seu poder, Olodumarê
Obarixá,
Como Odu abusou oferecendo-lhe
(ou Orixalá)
assim o controle
De forma semelhante,
cujo contato
de Olodu-
o poder sobre os demais orixás, simbolizado
saro. Odu (ou Iamí) estava sempre encolerizada,
pelo pãs.
para atacar, ao
era paciente,
refletido
retirou-o
Vimos também
a
Exu, recolhido
Nitori
do mundo.
são velhos.
masculinos,
Odu, todavia,
não sabia
Agbv / v wô }9,~9dã (u)mi
s(i) abç
(lIa
sogra.
o controle
c o domínio
são consideradas a menstruação.
deles, apanágio
dos
Gcledé,
da ordem sociap6, que não pode instaurar-se
sem
pubianos
inteira.
do poder anti-social
das feiticeiras.
outorgado
Assim, o mito da passagem
impotentes,
penis. Esse vínculo Cunha
(1978: 250) conta
um poder maléfico tendo
Todas as mulheres
pois as iamÍs as controlam, elo controle
de Odu (Iamí) a Obarixá (Orixalá) simboliza, social das mulheres para os homens.
os homens
O culto
às mulheres, relações
dos Eguns
enroscados
entre Exu {' lamí é reafirmado
por Marianno
escreve que, do lado de fora da casa de um grande
Carneiro
o da
de Exu". Ele também
sacerdote
de Ifá em Lagos,
csta~am colocados os assentos de Obaluaiê ("divindade quente, laml Oxorongá o assento de Exu e, a seu lado, o de Iamp7.
das
todos. Mãe de pêlos armou a armadilha"
Oxorongá
também
é evocada.
Na Nigéria,
A intervenção
a parte do padê em que lamí
de Exu Agbo seria, então,
festival das máscaras geledé é destinado
O
muito ligada a
ete faz
guar, mimar";
referÊ.ncia às partes íntimas
drJ quer dizer "amolecer
seus mistérios;
um
o poder perigoso de IampK. a acalmar a cólera de
lamP'l, o que é expresso pelo próprio termo geledé: ge significa "acalmar,
ajés, deixariam
sexuais com eles ou roubando-lhes
(1984: 14), que define as iamÍs como as "bisavós
o festival anual
em nós. Mãe que armou a armadilha,
como }'angi, e é como tal que se apela a ele durante
em que Exu teria
as quais, tornadas
durante
na terra iorubá, diz: "Mãe cuja vagina amedronta
meio de neutralizar iorubá
a IamÍ Oxorongá
Da mesma forma, Agbo é o nome de um dos mais antigos aspectos de Exu,
com clareza, a pass.:lgem do poder
uma história
pimenta na vagina de sua
(Cunha 1984: 3).
alterando-lhes
da sociedade
a/wl1.
olha derramarem
seu Ora, uma das invocações
ajés em potencial,
J. Hoch-Smith
a falar com a voz
inclusive Odu, que assim teria perdido
a sociedade
visa à manutenção
de
Odu
da. Obarixá teria então roubado a roupa dos Eguns e começado
Os Eguns representam
de
(a)b{:' o gbo idi ano /9 ka dodu.
irUI1
J\glJo [Exu] que, calmamente,
homens,
vermelha,
Um dos uriqllí (invocações)
e de "sua sogra", logo, de uma mulher velha:
como usar as roupas rituais dos Eguns e falar como eles, com voz rouca e profundeles, assustando todos os presentes, poder (Cunha 1984: 2-3)".
das iamís é a pimenta
Os pêlos da vagina de sua sogra pendem em torno de suas nádegas porque
dela e deu a
outro mito conta como, no início dos tempos,
estava à frente dos Eguns, os ancestrais
interdito
em Retu por Verger (1957: 145), trata significativamente
Exu, da pimenta
e
que o principal
as priva de seus poderes maléficos.
com cuidado
Drcwal 1983: 3). O culto às Geledé foi praticado fim do século XIX. Édison Carneiro (Olllonike) organizava,
da mulher,
apazi-
a seus poderes e a
e gentileza"
(Drcwal c
na Bahia provavelmente
até o
(1948) afirma que Maria Júlia rigueiredo
no dia 8 dc.dezembro,
no bairro da Boa Viagem (Salvador),
lJ
),
sempre tonge: dc SL1<1S aldcias. Durante cssc período, têm
108-12) apresenta
a mesma
hi.~tória,
mas alterna
o nome
COLllO nola o autor,
de Odu
com, ~)s d~ laml c de Od_ua. A transformação do nome Qdu em Odua foi duramente criticada por Vergl:r (19H2b), em rilzao da confusão com Oduduil (ou Odual Cigu,' m.,. . ,. . , u l lca mascu lna entre os JOru b ilS, . 1~
Na Afric,a, há sociedades
secretas
dedicadas
Cultl,l tOl pl:rpetuado na Ilha de Itaparica . . vcstldos Lom ro.upas colorJdas e hordadas pOIS o Contato l: comiderado mortal Só O F... . Hum c um inquLsldor sobrenatural que prillcipalnH;nte o das lnulheres. 11Segundo
Nadei, as mulheres
ao culto
Cl
'
•••
0
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
identificada
lllcntos
entre
n
com a org
das ajês com E.xu, o senhor
graças à intervenção
de
F.Xll
pelo mesmo
comercial
d
título
das mulheres
que a
ê de
167-9). É, m
do lllcrc
e F,xu é confirmado
l
c (ksi~nada
nupe. "Toda a orgamzação
de !fá, ligado <10Odu Osa Meji. Ele conta
humano
por um íl,1II (hisIÓri
e de !amí Oxorong
encontrou
seu lugar no corpo
que o lJUseram sob a protl.'ção
de Ira
Mapo (Rego 19HO). .'" Segundo
os nrewal
(1983: 3), () fl'stival das Gdedés
de Kl'tu c rapidamente hrilsilciros
que tr
80
certo modo
\-'I.'Z,a associação
(
h.h.. ' a CIScomerCiantes
pelas mulheres
I. O vínculo
F ' 'I> S ou .gunguns). No Brasil esse (Bahia, Ao '. d . ' ' . serClllln\OCa os,osEgunsseapresentam que os cobrem pO! completo. Ninguém pode tocá-lo, os h ' omcllS podem tornar-se oiÍ!.s, sacerdotes do culto vem , .. contro aro comportamento de seus descendentes .,
nupl.' (norte d
dos F:"un
aquela que est<Í à frente das feiticl.'lfas
rl.'spollsável
o
MENSAGEtRO
se difundiu
n
entre os outros grupos iorubás eos grupos de inl1uênci
e CUbilrl0S.
DOS DEUSES
81
.. um festival de máscaras
geledé. Omonike
Silva (Obá Tossi), ialorixá do Engenho no Brasil. Quando
era filha-de-santo
esta morreu, sucedeu-a iorubás4U•
à frente do culto. Omonike
Uma parte das máscaras
rituais outras
no Museu Geográfico e Histórico da mesma cidade. Quanto C
gra~'as <1influência
dos cursos de língua e cultura
iorubás,
FIGURA
3 - REPARTiÇÃO
DOS CULTOS
AFRO-BRASILEIROS
também
alusão ao poder político
no terreiro do Axé Opô Afonjá de Salvador;
conservada
da
Velho, o primeiro terreIro ketu fundado
trazia o título de Ialodê Erelu, os dois termos fazendo e social das mulheres
de Marcelina
gekdé
está
se encontram
ao culto às Gelcdé,
cios l'.~rritos c1eJuana E. dos Santos todos os iniciados
no candomblé
l'
que
encontrei conhecem o papclc as características míticas de lamí Oxorongá. O VÍnculo de Iamí Oxorongá
com o poder sexual feminino
vindade em relaçao de complementaridade sexual masculina.
também
mantém
com Exu, símbolo
essa di-
da potência
DE PORTO ALEGRE AO MARANHÃO
No Brasil, Exu está presente Janeiro quanto
tanto
de Porto Alegre, no Rio Grande
de Salvador
ou do Rio de
(cf. Figura 3). No batuque
do Sul, Exu é conhecido
Roger Bastide, que fez pesquisas apresenta
no G.mdomhlé
em outros cultos de origem africana sobre o batuque
sob o nome de Barã.
no inÍCio dos anos
1950,
uma lista de 27 terreiros de Porto Alegre, dos quais ao menos cinco
eram dedicados
a Bará (1960; 290). Ele também
1936, citada por A. Ramos (l939a),
retoma
uma reportagem
em que se -descreve um despacho
uma mulher possuída por essa divindade.
No batuque,
portanto,
a iniciaçao
culto de Bará é aceita; esse deus nao é identificado
com o diabo:
filhos e pude ver dançar uma de suas filhas durante 1952, 199),
uma cerimônia"
No xangô de Recife, Exu apresenta domblé:
ele é senhor
das encruzilhadas
primeiro
a ser venerado.
as mesmas
no
"Bará tem (Bastide Zonas de maior concentração
características
e mensageiro
Todos os terreiros
de
feito por
que no can.
dos orixás. É sempre
de Recife têm
1 mina, tambor de mina, tambor da mata 2 xangô, catimbó, jurema 3 candomblé
o
ou vários Exus
Um
4 candomblé, ." );J!ndê i: o título d;Jdo à rl'presentante
das mulhere.\, solJretudo aquelas quI.: vendem
mulheres"
umbanda
no mercado.
junto do jJalâcio do rei e do coJl5ellJ(). Segundo Vergl'r, a própria Jalodi' "arbitra as dcsavenças surgelllefltre
macumba,
5 baluque
(1965: 148). Em contrapartida,
mulheres na socjedade secreta Ogboni. illStiluição socie{lal!e jOnlb,i.
o titulo Erl'lu
c dado
à representante
religiosa e polílica de grande importância
que das na
82 A BUSCA DA ÁFRICA
NO
CAJ\JOOM8LÉ
o
MENSAGEIRO
DOS DEUSES
83
assentados. Segundo um dos informantes de Renê Ribeiro, seu assento é prepa. fado com a terra de um formigueiro, da qual se forma um monte acrescentando dendê, folhas de urtiga c búzios. Em seguida, despeja-se um gal.o sacrificado.
O autor nota também
sobre J••~ll com os iniciados, a d.cspclto das constantes os Informantes
em particular
o quanto
é difícil obter informações
sobre suas características
rdcrencias à divindade
de Ribeiro, no xangô a possessão
maç.lo que nJo deixa de surpreender
sobre isso o sangue de e funções,
em suas conversas.
Segundo
de Exu não seria aceita
o autor, pois estaria "em contraste
qu(' sucede n~ Bahia c em outras partes do Novo Mundo"
afirc'om o
(Ribeiro 1952: 80)~1.
Nos JtUJIS centros de xangô, os exus são divididos entre "batizados" e "pagãos". Os exus, "batizados" podem manifestar-se ao lad o d os afixas, ". enq.uanto os. "pagãos", incontroláveis, são venerados nos terreiros dejurema. Esse ~Itu.al, proximo IIldJgenas,
do catimbó do Nordeste,
chegando
a confundirem-se
~ muito
influenciado
com a umbanda,
pelos rituais
Os nomes
dos eXlIS
"pagãos", como Zé Pelintra, Tr
. Já
nos terreiros de xangô de Laranjeiras (Sergipe), EXll é identificado com o diabo, Com o mal ~ é até chamado "O Inimigo" -, C se opoe - a I_cb ara. (Elegbá " • Elegbara), o qual "faz o Bem e o Mal" (Dantas 1988". 102) ,ua S presença deve '
EXUS 'COMENDO'
durante
a cerimônia,
~uas dJ.vtndades são consideradas antagônicas; nos terreiros nagôs, diz-se que Lebara expulsa Exu", pois Exu é o diabo e qu > "L b .. _ . " e e ara l' santo que presta atenÇ"IO
terreiro.
Lebará recebe igualmente
no quarto
entrada
pois, s~r.cuidadosamente
evitada
nos terreiros
dos orixás. Ambos exercem
pera ~~sfestas públicas,
considerados
papel protetor
faz-se à meia-noite
ao lado do Lebará do quarto
urna encruzilh
Para manter
A~
contra os males. Na vés~
o ritual chamado
acaça e depositado
tradicionais42,
"levar o ebá". Um
dos orixás e outro, deixado
em
a paz na casa e para que nada de mal aconteça
sua parte. Exu também "encarregadas
todavia, de entrar
da autora:
r'ode-sc, c\'i(1entcmentc, ,1 Bahia.
"d . respeita o como Rene Ribeiro v", ",' d f" d cnaauscnCla a go CI11 ace os outros culJos de o " .f . deduzir disso a fre ... . _. ngcm a rlcana. qucnClil da posscssao por l'.xu em outras regiões, como
" A 0po.siç;10 entre um culto "puro", o nagô, e um culto "de 'en " '. do C
84
o primeiro
ou seja, recebem
recebe uma oferenda,
do terreiro e jogam na rua, dizendo:
palavras, direito
mel no umbral da porta de entrada
em oferenda
são pronunciadas [no terreiroj"
suas oferendas,
"A identificação
No tambor
pois, uma entidade o que vai gerar alguaqui a atitude
de reti-
no xangô de Recife, mas com um comportamen-
de mina de São Luís do Maranhão,
ritual. o culto de Exu ou de Legba
oferece a mesma estratégia
de escamoteação
Nos terreiros
nagô, ligados ao mais antigo
Nagô, canta-se
não escapa à análise
manifestas,
o papel de Exu no conjunto
de tradição
pois Exu "não tem o
(xubá),
(: 104). Essa dissimulação
ao nível ritual" (: 102). Encontramos
to que visa escamotear
Lebará tem
Duas iniciadas,
sagrada até a porta de
de E-xu com o Diabo tornou-o,
cência que Ribeiro assinalava
do
sacrificado
"Exu bá, Exu bá, guia, guia". Essas
furtivamente
pelo menos ao nível das expressões
animal
mas escondido.
de servi. lo", trazem um pouco de comida
mas dissimulações .
também
e, sempre que os orixás "comem",
proscrita,
"J~muitointeressantcnotarcomoump"quisado, possessãodeExuulllpOlltodistinlivodoxan",
despeja-se
DEPOIS DOS SACRIFíCIOS
vista em ação no xangô de Sergipe.
o embarabô antes de toda cerimônia,
entre eles, a Casa de
a fim de invocar
as divin~
dadcs (Santos e Santos Neto 1989: 41). Ora, Embarabô é um dos nomes dados a
SõA BUSCA
DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o
MENSAGEIRO
DOS DEUSES
85
Exu no culto nagô e a um canto-invocação que lhe é dedicado. Durante os
bem Legba, mas que não queria lhe dizer nada mais a seu respeito.
preparativos
ção" do culto a Legba, todavia,
das cerimônias
públicas
na Casa de Nagô, sempre antes da mcia-
~o~te, é realizado um ritual secreto, reservado aos chefes e às pessoas mais
"uma senhora
IntlITIas do terreiro. O ritual inclui invocações
ao terreiro,
"a Exu e aos guardiães"
reiro, "para que fechem os caminhos
contra maus elementos
turbadores,
ao terreiro
e dêem força c proteção
do ter-
ou espíritos
per-
e a todos os seus freqüenta-
dores" (: 42). Ainda que os autores não o digam de maneira descrição é muito próxima do relato do padê nagõ.
explícita,
essa
1947, Nunes Pereira assinalava, Legba. Quaren'ta
a ausência
de um culto a
anos mais tarde, Sergio Ferretli (1986; 123) explica essa au-
sência pela identificação consideram
com certa surpresa,
de Legba com Satã. Segundo
ele, as iniciadas
da casa
Legba um deus mau, pois teria sido por causa dele que as funda-
doras do culto foram vendidas
como escravas.
carta que o rei do Daorné, Adandozan João de Portugal (Cascudo de 1804, o rei daomeano
faz referência enviou
Adonzan
e que a fundadora
ao príncipe
D.
do deus Legba. Ora, se é verdade que
foram vendidos
como escravos
pelo rei
da Casa das Minas fazia parte desse grupo,
afirma Vcrger (1956), a proibição
teria provocado
assinala
muitos
Essa mesma
aborrecimentos.
história
das j\!finas que teve um problema
os nomes de seus informantes - que salienta ainda mais as reticências expressas quando se trata dessa divindade:
sempre
por uma das iniciadas
da Casa de
deve-se mais a acusações
de feitiçaria
resultante
com
dessas práticas
do suposto perseguidor
Legua Boji, considerado
da fundadora
o mal, e que é muito solicitado coisas perdidas.
para o tratamento
Como recompensa
a um iniciado
iniciado,
comê ou peji [altar]. Assim ele [Legbal bebe água, mas fora da casa e não
todos os presentes,
recebe oferenda de alimentos.
Soubemos também que nos dias de festas,
(Costa 1948: 59).
antes de se ,iniciarem os toques, canta-se na varanda um cântico para Legba
A identificação
esse encantado
possuído
exibe um humor
que o consideram
nas zonas rurais do Estado afirma que Legba é identium espírito
que faz tanto
o
de doenças e para
por seus serviços,
pede álcool,
por ele, de modo que o espírito
possa beber através do corpo de seu "cavalo".
Ferretti
(mágico)
do culto a Legba na Casa das Minas
sob a direção de Melville Herskovits,
cedo, antes do início das cerimônias. É o despacho, que é feito com água do
encantJdo
da Casa
(o rei Adonzan)H.
bem quanto
que há mais ele um cântico com esta finalidade, mas as filhas não gostam de
não tivesse iniciadas,
apenas uma mulher
Octávio da Costa (1948), que fez suas pesquisas
se afastar. E como um esconjuro, para que ele não se manifeste. Parece-nos
tradi-
de Legba com o diabo.
e à repressao
que a uma revolta contra o deus protetor
encontrar
considerado
por causa de um trabalho
que a negação
que deve ser ofertado
saber que costuma-se colocar água para ele na porta da casa,
por Legba
Conhece-se
Legba." Parece, portanto,
fiGldo com o el/cantado
em fornecer
me foi contada
ele. Legba nao tem filhas [iniciadas].
certas atitudes
rituais que estão ligadas ao
o que
no culto: "É por causa disso que se canta no início para
estava sempre presente
do terreiro
na cidade,
A partir daí, a possessão
D. Sinhá, hoje falecida, negava a identificaçao
do Maranhão
- ele, de hábito, tão atento
teria feito um trabalh?
muito conhecido
Para ela, Legba era um espírito corno os outros e, embora
como
sagrados ligado
até os anos 1920, de casos de possessão
Nagô, terreiro muito ligado à Casa das Minas e igualmente cional.
A "proibiFerretti cita
no terreiro.
do culto a Lcgba estaria assim justificada.
culto a Legba, mas o faz de tal maneira
Conseguimos
aqui à
1954; 509). Nessa carta, datada de 20 de novembro
da família real de Abomey
no entanto,
(ou Adonzan),
se diz protegido
membros
rerretti,
Fcrretti
a existência,
por Legba na Casa das Minas. Nessa época, alguém
leria sido proibida
negado pelas iniciadas. Já em
existido.
idosa", filha de um antigo tocador de tambores
que afirmava
mágico com Legba contra um personagem
Na Casa das Minas, de origem jcje (fon), no pólo oposto da tradição africana em São Luís, o culto a Legba é categoricamente
não parece ter sempre
Quando
está encarnado
alegre c é tratado
um "malandro
num
com afeição por
safo e bem humorado"
entre Legua Boji c Legba não é aceita na Casa das Minas (5.
1986). Em outros e sua predileção
terreiros,
no entanto,
por bebidas alcoólicas
o comportamento
rude do
e brigas fazem com que seja
rcvelá.los e evitam respostas sobre este assunto (5. Fcrrctti 1986: 123). A mesma 265), quando,
reticência
em falar de Legba foi assinalada
por ocasião de sua viagem
por llastide
a São Luís, Mae Andresa,
santo da Casa das Minas, hoje falecida, reVelou-lhe,
"sorrindo",
(1960:
"Vcrcmos
mãe-de-
que as implicações
cxtrem;'l importância africanos"
que conhecia
c "misturados,
a preocu]Jilção
86 A BUSCA DA AJRI(.\
tJQ
CANDOMBLÉ
o
MENSAGEIRO
das acusaçõcs
na organização
de feJliçaria ("trabalhar
do lado esquerdo"]
interna dos cultos afro.brasíleiros
degenerados".
divididos
são de
entre "puros.
Um tcrreiro puro nao podc praticar a magia negra. Daí
de apagar loda ligaçiio com o scnhor da magia. F.XII011l.egha
DOS DEUSES
87
associado
santo de um terreiro resultado vodum
muito
Ferrctti (1993: 207) cita Pai)orge
conhecido
da fusão de duas divindades
Itaei, pai-de-
daomcanas:
em razão da "repulsa"
Minas, em que Poliboji é um dos voduns propende
inspirada (divindades)
dessa explica-
mais rcspeitadosH.
no ritual do tambor de mina de Codó (Estado do Maranhão), é aberta pelas cantigas dedicadas
a Averckcte (ou Vcrc-
na mina-nagô
marca a passagem'da
- o ritual da Casa de Nagô -, durante
parte dedicada
às divindades
africanas
No rtiual do tambor masculino voduns
da "família" um vodum
(ou Heviosso).
de sua família:
equivalente
a Exu nos cultos nagôs, substituindo
mensageiro
dos voduns"
'
e guia para os
fazem, portanto,
o papel
Legba, que não é aceito como
que a "ausência"
Casa das Minas nada mais é que o resultado tear uma divindade incômoda.
com
de Legba no ritual da
de uma estratégia
A umbanda
nasceu oficialmente
cia de um grupo de kardecistas mo, difundido
NA UMBANDA
conhecido
de rl'!igiiío, ciência Seu método
não explicado
que visa escamo-
astral.
das mensagens
recebi-
como "científico":
Kardec, ao falar de um efeito (o
dedutivo,
chegava a sua causa (a existcncia
que consistia
durante
mais completo
Foram, portanto,
de "Codificador",
Rivail, mais
consistia em um amálgama
na codificação
das mesas girantes),
corpus
o
do espiritis-
a escrita em estado de transe.
aos espíri10s evocados
vo era estabelecer
Dénizart
sessões de psicografia,
por um método
questões
mundo
e filosofia, baseado
durante
se apresentava
fenômeno
chamado
nos anos 1930, da dissidên-
com a "ortodoxia"
pejo nome de AlIan Kardec. Sua doutrina
das dos espíritos
mente
no Rio de janeiro, decepcionados
no Brasil graças à obra de Léon Hippolyte
dos espíritos)
é um vodum
(5. Ferretti ] 986: ] 26)45. Mas seja ele idenlificado
Legua Boji ou com Averekete, parece-me
:;.
"Os toquens
às
"que abre
Ele é um toquem (loken ou
jovem que exerce as funções de mensageiro
"mais velhos"
que
à parte dedicada
de mina, da Casa das Minas, Avcrekete de Quevioço
Da mes-
a pausa
entidades caboclas, a primeira cantiga sempre se dirige a Averekete, as portas ao caboclo" (M. Ferretti 1993).
tokJllIelli),
Ela
tambor
chamado
quete), em vez de Exu, como ocorre nos outros cultos afro-brasileiros. ma forma,
OS EspíRITOS DAS TREVAS: EXU E POMBAGIRA
por Legba na Casa das
para a existência de uma relação entre Legba (Exu) e Averekete, pois
tia mala, a cerimônia
11
Bafá (Exu), ou Legba, e o
Poliboji, daí o nome Legua Doji. A autora parece duvidar
ção, principalmente
CAPíTULO
em São Luís, que vê em Legua Boji o
em propor
metodica-
as sessões espíritas.
Seu objeti-
possível de conhecimentos
os próprios
espíritos
sobre o
que ditaram
a Kardec,
o livro por meio do qual o saber deles seria trans-
mi tido: O /iv/o dos espíritos (1 tiS 7) I, Outros livros foram escritos com o intuito de reforçar a doutrina confrontando-a
com o cristianismo,
como O livro dos médium
kardecista
(1861) e O
sel/w seSlll1do () espiritismo (l864f Graças à difusão
deles, a doutrina
conheceu
por suas pretensoes
no Brasil sucesso inesperado,
tíficas, mas também nova teoria penetração
pela intluência
que chegava da cultura
determinado
exercida sobre a cultura brasileira
EVQI1-
espírita cien-
por toda
da França, Com efeito, no início do século XIX, a
francesa no Brasil era considerável.
Com a chegada
em
\808 da corte de D,João VI, rei de Portugal, exilado após a invasão da península ibérica pelas tropas napolcünicas, tuiria no Rio de Janeiro, f r<1l1cesespermitiria
uma importante
colônia
francesa se consti-
capital do país. Um fluxo de migrantes
a difusão das correntes
pós-revolucionárias
entre elas a teoria do magnetismo" animal de Mesmcr, considerado cursores ., É preciso ressaltar a importânCia ~orno o Engenho
da linha defendida
por {'ssa caS<:I,que encarna,
Velho, o Gantois e o Ax~ Opô Afonjá em Salvador, a tradíção
~, (~Ito aos olhos dos membros
em São Luís,
e a ortodoxia
do
dos outros terreiros, assim como aos olhos dos antropólogos
. Nao sabe.rnos se a relação entre Exu (Lcgba) c Avcrekete ê aceita na Casa das Minas
de K
que huscava mente
afastar-se
primitivas.
seduziu a burguesia
das priÍticas das classes populares,
e viajantes
de pensamento, um dos pre: brasileira,
julgadas demasiada-
O culto aos santos e o recurso às práticas mágicas africanas
ainda "maiS
que es:e c o vodum de O. Maria Celeste Santos, que está à frente da casa de culto (5. F~rrctti 1986: 121). Essa mesma rela',ão cntre Exu L b A .' . - cg ac vcreketcfoísugcridaporNuncsPcreira11979:79J. Octavlo da Costa (1941:\: 79) e Rogcr Bastide (1958: Z03-4).
, Para umJ dl1;\lise do procC'sso de nascimenlo e difusão da doulrina Fr
espírila de A\lan Kardec lU
88 A 8USCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
89
,
:.o~alll.c.nt~,osubsl'it.uídos, nos meios intelectuais Clcntlflca
: o mcsmcrismo
A.SSi~, a doutrina
c burgueses, por uma doutrina
(Aubréc c Laplantinc
kardecista encontrou
1990: 108).
terreno
•
(Cam;lTgo 1961: 5). Além disso, formulou ao ressaltar o papel desempenhado A partir do fim dos anos
fértil para sua propagação,
q.llC, a dlferenç" do que se crê. não foi o meio urbano do sul do país, e sim a Cidade "africa 1 "d S. S I < I a c ao a vador. De fato, a primeira reunião ligada abertamente aos ensinamentos de Kardec foi realizada nessa cidade em ] 7 de selem-
começou
l~rO.d.e,1865, ~rganizada
Espírita Nossa Senhora
por Teles de Menezes,
ksplnll~1l10. l~m 1,866, ele traduziu sob
0,
Nessa época, a teoria cio kardcciSlllo
,I
POlilrJ%;iV,1
da luta pela aholição
Em 1M73, Teles conseguiu
E
movimento
recuperou
o universo
cos e ClentlflCOS. A atenção
difundinclo.se se concentrou,
e filosofia, ao contrário religiOSo predominava.
Federação
espíritas Espírita
no mesmo
a Sociedade
3no,
de Esl d
cando.o
.lIOS
no lHo esteve Iigado;1s idêi,lS
principalmente então,
nos meios políti-
no reconhecimento
da corrente
no Rio de Janeiro
foram constituídos, Brasileira,
mas legitimada
A difusão do l'spiritismo
a obra integral
contudo,
diabólicos
Ilíl Illílcumha do kardecismo.
aceitar o que, na ma. corno os sacrifícios
(os exus). Assim, a umbanda
dos antigos cuHos de origem africana,
mais incômodos.
Para entender
brevemente
o processo
purifi.
como essa interpre-
de formação
dos cultos
no Sul do Brasil.
de em
As informaçôes
relativas
dt,
nial, confirmam
a predominância
à necessidade
graçJs a seu discurso
Em 1900, as federações
brasileiro
Xavier, mais conhecido
suas principais
•
cc1facterísticas
!\.farques Pereira, chamado Gerais. declarou cafflllc/flS,
espíritas graças
aos cultos africanos da cultura
de "Peregrino
não ter podido
as "festas ou sortilégios.que mais variados"
cas religiosas
dos escravos
da América",
a época colo. Em 1728, Nuno
em viagem
por Minas
a noite por causa dos
fazem esses negros, que costumam a manter
(Marques
é um termo de origelll banlal
CII/II/1(I"
no Brasil, durante de origem banta.
fech~r o olho durante
niz.ar em suas terras, e que continuam
em quase todos os estados do Rrasil, mas SOmente nos anos
1.930 .0 espi~itismo
aqui, a fim de obterem
orgarespos.
Pereira 1939: 124). para designar
o conjunto
no Brasil no século XVIII. Os escravos
das práti. da região de
íl
{leio nome de CI,',co X . [. aVlcr. ~stt' científica para sublinhar a impor. i
d.CI~~U ~c I~do as idéias de experimentação tancla
simbólico
tação se fez, é preciso analisar
t.1S .105 assuntos
adquiriu
presentes
"evoluídos"
dos
que considera.
de seu
até fundarem,
em atenção
no kardecismo
foi fulgurante.
hanclsco
Candido
no Estado
à selvageria própria aos cultos africanos,
de seus aspectos
africanos
não podiam,
o
em Niterói,
insatisfeitos,
ílfricanas e indígenas
por espíritos
então O Centro
baiana em que o aspecto
unificação do movimento e de definição do verdadeiro conteúdo da doutrina kardecista a comul1lcaçao . - d' lreta COm os espíritos permitia aos , . . . Além disso ", medluns CXercer a medicina, sem ter habilitação legal, prática duramente reprimida nos candomblés, "científico".
Iigava.se
fundou
umb.mda1.
DO CALUNDU À MACUMBA
Em 1875, a livraria Garnier publicou Allan Kardec. Vários grupos
a criação,
no Rio de Janeiro,
sta.tll~de ciência
est.avam presentes
c
das classes burguesas,
tão cuidadosa-
do Rio em 1938. A maioria
de kardecistas
e mais eficazes que os espíritos
ou a possessào
oficial encorajou
no centro
mais poderosos
de anirnais
Familiar do
a funcionar
vam os espíritos
cumba,
tempo, o espiritismo
e abolicionistas,
1884, a primeira
ele infllll:..'IKiar
instalando.se
desse grupo era composta
do espiritismo
Zélio de Moraes
da Piedade'começou
obter status sOcial legal para aquela que chama.
espírita
~spJrJtas. 'm um primeiro
rl'puhl~can:~
a ponto
d
membros
kardecista.
I
da Terra.
fetichistJS,
de culto de uma nova religião chamada
do Rio de Janeiro, jfl
ligados às práticas
pela ortodoxia
centro
pelo Brasil na evolução
do espiritismo,
1920, um grupo de dissidentes
elementos
Espírita Brasileira (antiga Sociedade
F~'ipirilismo). O reconhecimento
r"
h.li,mos,
evitadas
primeiro
Oriundos
va "sua religião", a Sociedade do primeiro
do Grupo Familiar do
de O livro dos cJpíritos, publicadas
passagens
tllulo de Flfoso{ia Espiritualista.
fundador
mente
a recuperar
uma teoria nacional
do princípio
~ondiç5o
"cármico-evolucionista"
e da prática
da caridade
única de salvação. A difusão de suas obras foi enorme.
livros que escreveu, a maioriJ ultrapassou
amplamente
como
Dos trczentos
os cem mil exemplares
90 A BUSCA DA ÃFRICA NO CANDOMBll
!
o rdalo
por Diana I\rown (19H5) o mito fundador
, EmAIl~ola.sc~ul1do espíritos
de Zélio de Moraes. quc Ic\'" fi criaç~o de Ullla nova religião,
da rcvclaç~o da lllis~o
cnnsidcrat!n
justiceiros
M. L. R. de Areia (1974), OSClIllllUlus s.'o os cspiritos dos anccstrais, e curadores.
transmiRHlçt')C'S c dI" mutações
F.m outros
termos,
li-
da umbanda. almas dI" mortos
liRadas aos ciclos das possessões
em geral
If.
que,
e das reencarnaçOes,
adquiriram
a força que caraC"tcriz..' os espíritos.
OS [sriRITOS
DAS TREVAS
91
• >
Minas Gerais executavam de Tundá,
a qual, segundo
candomblés
também
c xangós hoje conhecidos.
pratic<1ntc dos cultos africanos~. tambores
sagrados
Calunga-ngombe,
banta,
o rei do mundo
reinava
inferior,
sinônimo
quais tatâ-suerreiru,
de
Estado do Espírito Santo, parece inscrever-se
elC. (Bastide 1960: 285).
que falavam da mor-
de D. João Nery, bispo do
diretamente
nessa mesma heran.
No início do século, esse culto já era bem difundido
cerca de oito miHniciados.
Seu caráter de seita esotérica
Nery: "A nosso ver, a cabula se assemelha
ao espiritismo
tados à capacidade Ide compreensão) africana (citaéio por Nina Rodrigues 1906: 256)6. Os adeptos
da cabula
eram chamados
na região, com
foi assinalado
por D.
e à maçonaria,
adap.
ou a oulros
do mesmo
As informações o paralelo
(iniciados);
sob a direção do cmba"rla (o chefe do culto) para cerimônias
culto também
nível"
Esse espírito,
cada um dos presentes espíritos
reuniam.se
dos ancestrais
chamadas
espiritismo"
/Ilesas.
nome
e vestidos
de branco.
o
cll1l1bUlUJ.
Durante
Todos os presentes
o ritual, secreto.
permaneciam
os iniciados
vam Calunga (o mar), Tatá (um espírito benéfico "que se encarna e assim os dirige mais de perto em suas necessidades Baculo (os ancestrais). era possuído
transe místico,
Os cantos
eram
pelos espíritos.
ritmados
temporais
invoca.
com palmas,
enquanto
O objetivo do ritual era a aquisição,
de um ou vários espíritos
africano
da macumba
(novas corruptelas
cruzado"
o termo mawmha foi utilizado
o "santo"
"por influência
que lá se manifestava. linha de cambinda
Moçambique,
branca,
Umbanda,
o
Assim, ou li.
linha de
C0l110
para designar coletivamente
o termo cafllllrlU na época colonial.
a se interessar
todos os cultos de Arthur
R;:1I110S,
um
pcJaÚTadiçõCS bantas, assim definiu a macumba:
influência da
sob a
novas formas c se misturando
mediante certa cerimônia. Entra no mato com uma veta apagada e volta com
com crenças e costumes mágicos c religiosos existentes nessa nova terra. (...J
a vel
No Brasil,
na
Bahia (Hamos 1939b: 92); .
• l.dura de Mello c SOU7~1 (l9R6; 263-6) reveJa a grande importância doscalundus na vida colonial, por intermédio dos processos de feifiçalla fellOs pela Inquisiç;1o no Hrasil. Cita o caso da escrava TOlllasia, que di?Ja possuir feltlço~ chamados calundus, a sauer, a.\ ah113Sde seus pais falecidos que falavam por sua hoca. Em Angola, Calunga.ngombcê igualmenleo rcspons.ivel pelo juil.Oapós a morte, com a runiç~o ou rccompcnSi'l que se segue (Ribas 195M: 37). A puniçâoconsisle em deixa~ asalmas prisioneiras. amarradas por cordas. Calunga significa igualmente "mal. oceano Veremos como a figura de Calung •.•.na condição de repreSentõlnte da morte. foi Conservada na umbanda. ~Essa carla paSlural foi igualmcnlecllada por Arthur Ramos (1934; 116.211 e Roser Rasllde (1960:
do
que levavam
linha gege, linha massuruman
de musulmi), ~oniolo,
médiuns
das cerimônias
f\ M
Uma vez tomado o santé, trata-se de obter o seu espírito familiar protetor,
a
como faziam os
(Ramos 1934: 133). Com efeito, na região do Rio de Janeiro,
origem africana, dos primeiros
ao tatá dos
dava conselhos
disputa, exatamente
eram chamados
de Angola, linha de Omolocô,
o
protetores:
nos iniciados,
(os baclI/us) em Angola.
e
pelo
101). O termo pai corresponde
e resolvia qualquer
nha de mina, Hebolo, Cassange,
nos indivíduos e espirituais")
(1939b:
uma vez in,corporado
de linha ou nação, conforme
massurumim
por um assistente,
e sim
que lá atuava 2S anos antes, segundo
(Ramos 1937: 229). Participavam
era ajudado
cambullu. A reunião do culto
familiar". Como escreveu Arthur Ramos em 1939: "No templo
a crença de seus seguidores" bantos.
do Rio de Janeiro evidenciam
não por um santo ou uma divindade,
de H011or3to esse espírito é pai Joaquim,
havia "linha
cmbanda
sobre a macumba
se chamava embanda e seu assistente,
por um "espírito
As rl-uniàcs, cnjims, acontl'Ciam no meio da noite no camullcite, o templo. O embanda descalços
disponíveis
que existe entre esse culto e a cabula do Espírito Santo: o chefe do
Os iniciados
camanás
tallÍ rumpe-serra, latá rompe-punte
dos
sobre esses espíritospersonificação
tatá flor de canlllgo,
era axira e a possessão, determinada
ça banta.
"
nome do seu protetor. Há diversos nomes desses espíritos protetores, entre os
aos
pela percussão
direta com os espíritos,
Na mitologia
ou dança
semelhante
era, então,
Calul1dureiro
A cabula, descrita em 1901 numa carta pastoral
n
Acontundá
O ritual era caracteriz.ldo
e pela comunicação
pela boca dos possuídos. ancestrais tes.
urna dança chamada
Luiz Mott (1986: 138), era muito
A utilização origem
africana
do termo se mantém
maCIfIIlba
como sinônimo
até hoje no Rio de Janeiro,
dos cultos religiosos onde perdeu,
de
na "lin-
l
N•
; Nessa Cl'oca, nào era porque se conferia à macumb.l um lado mágico que ela era comider.1da uma rdi~i;1o n!io tradicional. não puramente africana. Foi com os escritos de RogN Rastide que essc \'ínculo se transforTnou em marca de "degradação".
UI3-S).
92 A BUSCA DA ÁFRICA NO CANOOMBl£
os
[sriRlTOS
DAS TREVAS
93
1\.
guagem de 5an1'o"6, a conotação negativa que a acompanhava. designa, portanto, todo adepto do candomblé. Na macumba,
Macumbeiro
° sucesso"
(1960: 100). A religiosidade
não se preocupava
a relação entre culto religioso c magia estava marcada
IIpC.la he~al,1~~ africana
nas
(ba~ta) quanto. por fortes raízes na tradição
tanto
problemas
mágica de
com a salvação eterna, e sim com a resoluçao
A rel
sobrevivido
diabos,
ao lado de crenças mágicas c demoníacas
parte do tempo,
Inquisição
além-mar.
no Brasil colonial,
eram confundidas
de origem européia.
na repressão
levada
Nil
a cabo pela
Laura de Mello e Souza, em seu estudo sobre a feitiçaria
evidencia
Diabo, pr;ítíGIS mágicas,
a grande
feitiçarias
interpenetração
dessas práticas:
eram llluilil.S vczc.s vhtos
díabas
L'
lllas também
diabinhos
fossem divindades
mércio" com esses diabinhos
e inofensivas. quase humanos
dos colonos,
cncontrada
servia aos seres humanos;
ses, suas raízes se perdiam na noite dos tempos, na tradição popular européia.
diabinhos,
Aqui, entroncando-se
niaL Esse diabo, que fazia tanto bem quanto
mal, protetor
contrava
nas crenças
em outras culturas, ganharam
novas cores. As bolsas crenças
sintetizadores,
as duas grandes soluções da magia e da feitiçaria coloniais
com facilidade
A macumba ças dos escravos A enormc
na época colonial
cesso de tradução popular, contínua
portugueses
haviam
por uma abordagem
trazido
extremamente
de todas as espécies de bens e vantagens
c os representantes
de Deus. Gilberto
uma religiosidade
popular
Illas com a Virgem
l'
marcada
pro-
A religião
consigo
para o Brasil,
utilitarista.
A demanda
materiais
entre os fiéis e os santos, como se fosse um contrato
fundava
a relação
passado entre os homens
Freyre (1933) mostrou pela proximidade
a persistência
e familiaridade
a suas divindades
não er
ou espíritos.
religião africana é "essencialmente
Como
utilitária
de
continua
africanos,
nasce, portanto,
a influência
indígena
da influência
c
tlJJl
1I1Jglil negra. nJ linguagem cultus Jfro.brJsilciros. '/ O vinculo
entre
a cultura
termo pejoralivo
c designa qualquer
de santo faz referência negra
e as crenças
JOS iníci.ldos
europlolas
sobre
"O processo ue barbarização do negro c do índio {o inilugurildo Mundo da demonologia medieval" (llurbon 1988: :UJ.
Enquanto
pessoa que se entregue ou a qualquer o diabo COll1
rito maroto
e "padrinho", dos escravos
enafrica- \,
do encontro
entre as cren-
e a magia de origem ibérica.
mágicas,
° Livro de São Ciprial/o,
é
lo,na verda-
no Brasil.
mas prestativo,
esp0cic de diabinho
nas macumbas
reinterpretado
como espí-
f~míliar da lr~di\ ..'"toiblorica,
do Rio, sob a influência
das crenças
e~piritas 50bre os mortos. O mensagl.'iro
SI.'
multiplica, em todos os cultos, em vJrios Exus, com nomes
e funçàes os mais diversos. Muitas vezes associam-no a Ob'Ul1e a Oxócc como seu camarada inseparável; no Rio de]aneiro, além de apresentar-se com a sua
da
múltipla personalidade,
os crentes o fundiram a outra divindade,
Omolú,
criando o Exu Caveira, com o encargo de proteger os cemitérios, especial(Carneiro 1964: 134).
na lingua
As macumbas
a praticas de
ilpilixonado
foi () mesmo
a deportação
úe varios
toda a época colo-
dessa magia nos cultos afro-brasileiros:
a ser um dos mais vendidos
cOllH.:ça J. se multiplicar
na qual conta ape-
de ~a.nl~ C a gíria falada pelos fiéis dos cultos afro.urasiJeiros.
C0I11UI11I11,I({1II1!JCI/()
no sl'culo
no Brasil. ç,xistem hoje várias edições desse livro, que
mente o de Irajá [subúrbio do Rio de]aneiro] " _l.mguagem
durante
A partir do início do século XX, o Exu africano,
da que ligava o escravo
e pragmática,
seu correspondente
do Rio de Janeiro
de, a obra mais reeditada
extre-
afirma Bastide, a filosofia
persistiu
difusao de um resumo de fórmulas
emblemática
os santos, objetos de culto Íntimo e pessoal. Essa relação
do fiel com seu santo de devoção africano
as raízes do grande
cultural que dá origem aos cultos afro-brasileiros9.
que os colonos
caracterizava-se
que encontramos
apenas
nos ligadas a Exu.
(l9H6: 273).
( justamente
diabos familiares,
da colô-
na vida cotidi-
tr
como se que o "co-
era ilicito, os habitantes
sl'guinll',
os patuás que se usavam no pescoço e sintetizavam
contrapartida:
Ainda que soubessem
de invocá~los a cada dificuldade
<111<1. 1\1~ n ~~cu[oXV, o diabo
africanas, ameríndias c européias, foram, ao lado dos calundus igualmente
94
sua própria
de, faziam parte do dia-a-dia. Tinham chegado à colônia com os portugue-
de mandinga,
dos inúmeros
com os diabos. Nos séculos XVI e XVII,
pOVOarilITIa vida cotidiana
domésticas
nia nJo deixavam
com na! tlralidil-
d
cotidianos.
origem lbenca. Durante a epoca colomal, as prálicas religiosas africanas haviam maior
popular européia,
pelns
no I-laiti.
para o Novo
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANOOMBlÉ
candomblé
luidos"
05
desenfreada.
exerciam
fascinação
das classes burguesas,
EspíRITOS
recuperaram
baiano havi
sua sexualidade macumbas
do Rio também
DAS TREVAS
aspectos do Exu africano
escondido
e reprimido,
Com seus exus identificados até.sobre os membros que sempre constituíram
que o
notadamente
com o diabo,
considerados a clientela
as
mais "evodos cultos
95
,O!
i)(ro-brasileiros. Na verdade, no Rio de]anei d r d' , .,' ro o Im o seculo XIX o satanismo Ja er~ largamente difundido, como mostram as reportagens de João do H' publicadas pela primeira vez em 1904 O I" d H ,o, . IVro e uysmans, publicado em 1890, causara grande sensação no Brasil: descrevia detalhadamentc '.
adep7~:S;~
negras ~ estabelecia a hipótese de que os espíritas, os ocultistas e os confrana dos Rosa-CruzlO teriam sido mesm '" . o sem conSClcnCla disso, praticantes do satanismo. Na realidade a prática das . f' } missas negras parece ter sido arte mente II1tluenciada pela leitura das obras dos ocultista E t " h .. I . < S. _11 re os satamstas aVia mh: ccfuais c políticos brasileiros célebres no fim cio séc I ~IX " Eduardo de Cam . U o como , ..., pos,'11- amJlcar Figueiredo e Te' , '" Fstava' ' lxelra vverneck (Hio 1904: 115) . aberta a via para a transformação de Fxu em "c' -'t d ' , . sptn o as trevas". •
I
mentc
O espiritismo
símbolo
kardecista,
do mito do cadinho
sobre o processo
recuperou
da nação brasileira
que se encarnam
e na evolução
e da comunicação
nos médiuns.
comunicação
não supõe o apagamento
ao contrário,
controlar,
sagens dos espíritos,
nos anos 1930. Do espiritis.
a crença na reencarnação
assim como na prática da caridade espíritos
uma religião nacional,
racial e cultural que estava na origem dos debates
de formação
mo a umbanda
fazia-se da umbanda
Mas enquanto da consciência
dos pontos de vista emocional,
na umbanda
cármica,
direta com os "guias", os
o transe pretende
no kardecismo do médium,
essa
'l
que deve,
\
lógico e ético, as men.
ser inconsciente,
devendo
I
o espírito
assumir por completo
Outra característica a importância grada,
UMBANDA E QUIMBANDA
concedida
Em todos
à formação
os centros
dedica~-àSl;~~~tização incorpora e reinterpreta as crenças européias conror . _ africana do mundo, Se houve assimilação do d' b ,_ me uma VIsao foi, portanto por' t '. la o Cnstao pela cultura negra, , In crmedlO das noções africanas ' uma figura ~mbígua, em uma entidade mágica, como oq~;uoa~:i::~for:aram em nasceu, aSSItTI, da tentativa de recu erar a f ' ,_ ,o. umbanda venerados na macumba P orça e a eflClencla dos espíritos .. , . ' ao mesmo tempo em que apagava, ao mcnos no '. curso ofiCiai da mtelligel1tsia umbandist ,. I _ dls. e incul ta. a, os "mcu os com uma Africa atrasada
publicados
do espiritismo de umbanda acontcceu no i{io 19 uas preocupações m alorcs ' , ' em animaram os dehate ' "dc,~africanizada" . s: criar uma umbanda '' ' que encontrana suas raízes nas antigas tradições do Ext. 1110.0!lentc e do Oriente Me'dl' . b ,Ie. D, em ranquecer" e pu T Suas origens bárbaras e demoníacas (Brown 1985: 11),r~~~~::a~mba~~a ~c UI1l(lnOV(l religião que reinterp t se legItimar re asse o mundo simbólico af b 'I' forme 05 valores do . " ( ro. rasl elro conmmantes da Soclcdade "branca" , Ao "f' , a flcalllzar" parcial-
do kardecismo
de umbanda
da doutrina,
umbandistas
e publicam
há uma biblioteca
Camargo volumes
--2.r~~~ _~~l?r ao livro
como "modelo
para a ação" (: 147).
uma espécie de cuntil1uwn
é sa.
\
com as obras ,(
(1961: 41) afirma que, no fim sobre a umbanda
haviam
exclusivamente
sido
às obras
dezenas de livros todos os anos. Como o kardecismo,
a ~!2.1banda 9á
Esses pontos comuns
na umbanda
pelo estudo da literatura
no Brasil. Hoje, várias editoras se dedicam
como fonte de conhecimento
à umbanda
e ao kardecismo
permitem
entre as duas religiões, conforme
da por cada centro de culto. Esse continuum vai também tal da umbanda
"10 DPrilTIciro congresso
de seu "cavalo".
do médium
dos anos 1960, mais de quatrocentos
1 A Illélcumba
"i
o controle
que marca a influência
(suas formas mais africanizadas,
blé (cf, figura 4). Com efeito, a umbanda
,,'
e sobretudo a formação
de
a posição defendi-
do pólo menos ociden-
como o omolocô)
ao cançiom-
oferece um amplo leque de diferenças
"f>.
internas,
que inclui tanto os centros
cistas quanto
à umbanda
mais ligados à "mesa branca"
africana, ainda chamada
umbanda
dos karde.
popular]],
Apesar
JJ
da grande
diferenciação
todos os centros sete linhas,
int,erna, é possível
de culto de umbanda:
de cada linha
os elementos
comuns
uma divisão dos espíritos venerados
cada uma delas comandada
uma divisão
definir
em falanges
a em
por um orixá ou um santo católico; ou legiões,
compostas
e
de espíritos
desencarnados. '"Aconfraria dos Ro~a-Cru2 I ' fun(j~d ,a n~ França no fimdo sénllo XIX eiras, dedICa-seao estudo da cab I d .'. , por um grupo de homens dc ',_ a a e as UCI1C1as ocult N B 'j c multo difundIda no Suldo país 1 _ as, o raSl, a doutrina dos Rosa-Cruz _ ,50 )rc!udo nosCJrculosli 'ad ' ' mac-de-santo de umbanda em São P , g os a umbanda, Urnainformante aulo, falou-meda rnan " ' marcada por várias etapas e pelo eSI d eira como se entra nessa confraria "f" " osofICo-rcligiosos" (Hosa-Cruz li o dos _, textos sa"rados d'o ocultlsmo. Os grupos ditos' . _ - ou teosOlla)se aproxi d '' c~rillerPSCUdOCIClllífíco l' pelavaloriz ._ d' mam ° espiritismo kardecist,lpor seu .açao o eSludo,do ri]cionale dos livros. I
Segundo
A. de Alva (s/d.: 84), um dos autores umbandistas
ram em sistematizar
li
1>'
a doutrina
da umbanda,
que se esforça-
essas linhas seriam as seguintes:
A federação EspíritaUmbandista, fundada em 19S2por Tancredoda Silva Pinto, no Rio de Janeiro, é a principal tentativa de aproximaçào da umbanda dos cultos de origem africana, considerados tradicionais. Essafederação,como veremos no capítulo Vlll, está na origem do movimento de reafricanizaçaono RiodeJaneiro.
96 A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOM8LF.
os
EspíRITOS
DAS TREVAS
97
,
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l•
J
FIGURA 4 - O CAMPO
I
ri".C"'~'I!
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umbolnd.>
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\ I: : ,
J
relações de indu~o relações de exclmão construção das identidades religiosas por contraste
DE MADUREIRA
linha de Oxalá, linha de Jemanjá, linha do Oriente (na tradição banta) ou de Ogum (na tradição nagô), linha de Oxóssi, linha de Xangô, linha de Ogum (na tradição banta) ou de Oxum (na tradição nagô), linha africana ou Bnha de São Cipriano (na tradição banta) ou de Obaluaiê, Omolu ou das Almas (na tradição nagõ).
Como no espiritismo kardecista, as sessões de umbanda visam facilitar o processo de evolução dos espíritos. Mas, ao passo que no kardecismo esse processo está ligado à doutrinação dos espíritos graças à ação consciente dos médiuns, na umbanda a evolução deles só pode se realizaf'pelo "trabalho" medillllico, ou seja, pela "caridade" praticada pelos próprios cspíritos uma vez incorporados cm seus médiuns. A intervenção direta dos espíritos na vida dos homens, ajudando.os a resolveras problemas, torna-se, portanto, o único meio de evoluir: é preciso "trabalhar" para progredir. Os espíritos que trabalham na umbanda estão divididos em quatro grupos: os caboclos, espíritos dos índios; os pretos-velhos, espíritos dos escravos; os exus e as crianças12• Os orixás, à frente das linhas, não se manifestam, deixando o trabalho de caridade para os I: I'Jra uma análise dos estereótipos dos espíritos da umbanda. cf. Montero (l985).
98
. c~ndombl'"
onoolocO f~,ndDn~
1 q"",ll ••lUd~
,
L
CASA DE UMBANDA
Ilriunl'
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J
AFRO.BRASILEIRO
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br
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RElIGIOSO
A BUSCA OA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
espíritos investidos por sua força ou vibração. Através dos médiuns, esses espíritos devem dar consultas aos seres humanos que precisam de sua ajuda. Exu é o único orixá que sobreviveu ao processo de adaptação da tradição religiosa africana. Como no candomblé, ocupa lugar importante na organização do espaço de um centro de umbanda: seu altar está sempre situado na entrada; nos centros mais africanizados, faz-se antes do início da sessão o despacho de EXll, com as invocações (po"to.~c(lutados) e as oferendas de comida sagrada. Uma das características da passagem gradual da umbanda para o kardecismo é o desaparecimento do altar de Exu e da cerimônia do despacho. Exu passa a ser, assim, o h'Uardiãoda herança africana na umbanda. Mas nela F..xutambém é objeto de uma complexa reinterprctaçáo, em que africanidade é sinônimo de inferioridadc. Com efeito, Exu está incorporado à construção religiosa umbandista como espírito inferior, "não evoluído", ao contrário dos caboclos ou dos pretos-velhos, "entidades de luz". Os exus da umbanda são muito próximos dos seres humanos, encarnações das almas que ainda devem completar seu processo de evolução cármica: ."Aos espíritos não evoluídos lhes é dada do Altíssimo a condiçi'io de permanecl;rcm ora na terra como seres encarnados. ora como espíritos scm luz, que transitam nos vários planos inferiores do
os
ESprRlTOS DAS TREVAS
99
I -o
Mundo Astral Inferior, até que consigam reajustar o perfeito. equilíbrio que os conduzirá futuramente à perfeição, através dos sofrimentos que os rcdimirão
Lutar contra
a quimbanda
ro", "ignorante",
"diabólico",
de suas culpas" (Fontanellc
mal, é preciso,
evoluídos";
s/d.: 26). Os cxus são, portanto,
devem ser doutrinados
Se trabalharem
e dobrar.se
para o bem, aceitando
pouco se transformarão
125). Até o término desse processo a ser "espíritos das trevas", Se é verdade que a umbanda da assimilação
do discurso
classes inferiorcs".(Birman esse discurso, intermédio
da quimbanda.
uma trabalha
cármica,
todavia,
1985:
continuarão
dominante,
implicando
uma "domesticação
tempo
passiva das.regras
acarreta
da sociedade
extremamente
a
por
da umbanda: ambígua
os dois cultos são tidos como inimigos
veis, mas, na realidade, vivem em simbiose. definida pelas seguintes características:
a oposição
se
a outra se dedica ao mal e à
a "caridade",
ocupa posição
das
dominante,
De fato, a quimbanda
perante
a
irreconciliápoderia
que encarna
luz,-;k
domesticar
No entanto,
Os primeiros
conhecimento,
lógica da evolução batizado
o símbolo
Já
da herança
Os exus se dividem, são os "marginais"
que aceita sua submissão,
presentes
na soci-
umbandista,
os exus
assim, em exu~agãos
e exus
da evolução
são "educados"
e praticam quanto
o
de classes, por intermé-
da espiritualidade,
do caminho
os exus batizados
espiritual
o
afro-brasileira,
Exu. A via da salvação umbandista
para fazer parte do cosmos
são tão poderosos
"bárba.
Para eliminar
das relações de dominação
afastados
tica da magia negra. mal porque
"africano".
da posição do negro na estrutura na umbanda
ser "batizados".
batizados.
em uma palavra,
as forças da escuridão:
passa pela aceitação edade global.
à vida urbana pelo viés
então,
dio da reprodução devem
propõe uma adaptação
para o bem, pratica
Em princípio,
de evolução
espirito
pouco a
(Trindade
Esta seria, assim, a contrapartida
magia negra. A quimbanda umbanda.
aos pretos~velhos,
de luz", em caboclos
1980), ela ao mesmo
a não.aceitação
"não
às regras do cosmos umbandista.
submeter-se
em "entidades
espíritos
é lutar contra a marca de um passado
a caridade.
privados
e dedicados
de
à prá-
no bem, aceitam
Podem
a
obrar contra
o
os exus pagãos. Exu, mas apenas o Exu
passa a ser, assim, um dos componentes
da
noção de pessoa na umbanda: Todo homem tem um Eu superior e um Eu inferior; assim, na atual Umbanda
ser
todo médium tem um espírito familiar, seu protetor ou caboclo; mas também tem um Exu familiar que o protege e o defende; é esse ser inferior, essa
recorre à magia negra;
alma pagã, esse ser animal
usa uma técnica específica para obter efeitos mágicos particularmente tem eficiência mágica superior à umbanda e ao kardecismo.
fortes'
transmutando-o '
transmutar
que o homem
tem que educar e purificar
em corpo luminoso do espírito, ou, como diz São Paulo,
o homem animal, filho da Terra, em homem espiritual,
filho
adotivo de Deus (Magno 1952: 24).
F, evidente sua associação umbanda
pratiquem
ambivalência qUimban~a
que nenhum
centro
se dirá centro
de quimbanda
com a magia negra, ainda que praticamente rituais
de quimbanda
seria devida à necessidade que obrigam
sos~ os qUlmbandeiros.
sessões
especiais.
de desfazer os trabalhos
os umbandistas
A quimbanda,
durante
a apelar para espíritos
na verdade,
em razão de
todos os centros
de Essa
maléficos
da
mais podero-
é mais uma categoria
de acu-\
saçao que um culto completamente oposto à umbanda. Ser da quimbanda si . ~ o,'f,'ca ser " maIS' a f'IIcano, "" atrasado", "não civilizado", equação evidenciada g por um dos "teólogos" da umbanda: Quimbanda,
baixo espiritismo ou magia negra, religião afro.brasileira, prati-
cada pelos negros no Brasil [...] A Quimbanda
continua
de manter as antigas tradições dos seus descendentes a Umbanda
procura, pelo contrário,
incivilizado
das suas práticas, devendo-se
africanos, ao passo que
afastar completamente
esse sentido
f
Q__
\
à influência do homem branco
cujo grau de instrução já não as admite (Fontanelle
100
no firme propósito
1952: 77).
'
t-
',J
Ao contrário, que subordina as ordens
os exus da quimbanda
os exus às "entidades
dos caboclos
não aceitam
ou dos pretos-velhos,
sessões de quimbanda,
não se submetem
Os exus da quimbanda
se insurgem,
reflete a ordem da sociedade les femininos,
as Pombagiras,
incomensuravelmente
quimbanda
é o símbolo
passo que a umbanda
de seus médiuns aos espíritos
ignorantes, (1972), a
de sua revolta, ao
Na realidade,
nos esforços de sistematização
as
quimbanda
e
dos teólogos
da
umbanda
são opostas
umhanda.
Na prática ritual, a relação de simbiose entre as duas sempre foi mais
ou lllcnos marcadíl
apenas
que
criticarem
Para Luz e Lapassade
da resistên,cia das classes oprimidas, a repressão.
nas
como seus corresponden-
aos marginais,
mais poderosos.
sob
são donos de si mesmos.
contra a ordem umbandista
oferecendo,
a possibilidade
encarnaria
eies trabalham
ou ainda do orixá Ogum;
a ninguém,
portanto,
brasileira,
relações de classes: o poder pertence porém
a relação de dominação
de luz". Na umbanda,
de acordo com centros
mais ou menos africanizados.
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
os
EspíRITOS
DAS TREVAS
~
101
, j
I
ij'
q...
~'r'
A quimbanda se apresenta, portanto, como a herdeira da velha macumba, Como o pólo mais africanizado da umbanda, nesse cont;,wwn religioso que liga o kardccismo às religiões afro-brasileiras nas grandes cidades do Brasil.
ci
Apesar dos esforços dos teóricos da umbanda, têncía da macumba,
, nada " ','
, J
I
na continuidade
mais é do que a macumba
distas e integrada
de suas práticas
em uma teoria mais geral da evolução.
Nos estereótipos
representado equilíbrio
pelo preto-velho,
Em contrapartida,
e a rebelião
a persis.
"Quimbanda
critérios
o esformorais,
I. tI
•I
o negro "fundamen-
o escravo que aceita com rcsig-
Fontanelle dos escravos
mau" é
que ameaçam
o
ressalta a relação entre o vindos
da África contra
nasceu no Brasil com a chegada da escravid:io, quando
antigos colonizadores
t, !
dos umban.
Ela representa
segundo
os negros marginais
social e a ordem do universo.
nascimento da quimbanda seus senhores:
mágicas:
o negro "fundamentalmente
pelos cxus da quimbanda,
A quimbanda
o mundo
presentes no universo umbandista,
bom" é encarnado
naçi'o sua condição.
garante
vista através do olho moralizador
ço de um pensamento que quer ordenar sociais c religiosos" (Orti? 1988: 146) lJ.
talmente
a quimbanda
I iI
os
portugueses trouxeram de suas colônias na África os
escravos negros. Estes tra7Jam no coração a ferida, o ódio, o rancor contra os homens de raça branca que os haviam subjugado,
e assim tentaram,
por
todos os meios, obrar contra seus senhores com a ajuda de entidades demo. níacas (1952: 74).
Os cxus são, pois, os escravos que n;'io aceitam seu desUno, que se revoltam contra os senhores, bandista,
que os matam com o veneno e a feitiçaria. No Cosmos um-
são depreciados,
trevas d •• ignorância,
situados
fora do mundo
mas, ao mesmo
que essa posição marginal
tempo,
dos espíritos
valorizados
lhes dá. São poderosos
evoluídos,
nas
em razão do poder
por serem impuros.
Aocontráriodeautorescomo Dmargo (1961), Ortit(1988) e Birmo1n(1980), qucvéem no diSCurso umbandist.l a afirmaçAo da~ relaçôes de domlnaç.lio pre:;erHes na sociedade global. ".:Iraautorcs, como Lute Llpa~sade (1972) e Yvonne Magglc (1977), o universo umbandista também apresenta uma In\'ersao ritual das regrasdo1sociedade. Lu? c Llpas\..1dcanalls
11
LOJA DE PRODUTOS
102
DE 'MACUMBA'
EM MADURElRA
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ 0\
r\l'IRllO\
nA\ TRr.VA\
""
103
o POVO
o de Exu Veludo e de Exu dos Rios (: i7). Esses exus superiores sempr~ t~abalh~m
DOS EXUS
Na literatura umbandista, os cxus são interpretados de diferentes maneiras, de
bem aJ.udando com sua força mágica os orixás em sua mISsao, aSSIm para o , _' O xus infecomo são assistidos pelos exus inferiores, que estao a seu servIço. s e
acordo com o fato de o autor ser mais ou menos próximo do pólo africanizado
dores se tornam assim "espíritos que, tendo se desviado do caminho do Bem [...]
do culto. Assim, Matta e Silva, que é ligado à umbanda
os miseráveis do
Já
Molina, ligado ao
pólo mais africanizado
(citado por Ortiz 1988: 91).
da umbanda,
tão, o Anjo caído'. Autores mais ligados à umbanda identificação
e o demonstram
utilizando
"espíritos dcsencarnados".
"africana" não aceitam essa
cizadas.
ditória à teoria kardecista, que, vimos, foi revelada aos homens Afirmar que o primeiro
dos querubins
equivale, então, a afirmar que os querubins'não estariam dependentes
do mundo
pelos próprios
exus. Sua passa~em da
à primeira das
material:
a dos Espíritos
,,
a ordém dos Espíritos bons e a ordem dos
i
pelos espíritos?
e o Mal. O diabo, Satã ou Exu, torna-se, portanto, e oportuna,
que, após a' morte, tornaram-se
pertencem
fora do mundo
invalidaria,
porta0.
que um Espírito puro
"As almas dos que desaparecem devido a uma morte natural tornam-se
lógica e aceitável,
dos suicidas ou assassinados tornam-se 'ara-ouroum' ou Leba (é o termo dahomeano para o candomblé, cXll-or;xâ,
o termo exu.egll11l serve, então, para dlstmgUlr os espmtos do
divindade
que guarda suas características
Mas voltemos
africanas.
à oposição entre exus superiores
e exus inferiores,
O próprio Deus criou o Bem
também
se reflete na divisão do trabalho
uma criação divina, "neces-
oriundos
das classes sociais priVilegiadas são dispensados
justa, boa e perfeita"
egum, as
para Exu-Elegba) ou ExU"I.> (1945: 133). Na passagem dess~s ~spír~tos da u~banda
possa ainda estar ligado à matéria. Mas como contestar a obra de Kardec, se esta
sária, indispensável
é feita ulterior-
um assassinato ou o suicídio. A crença na transformação das almas dos SUICidasem
de AlIan Kardec, que desconsidera diretamente
outra distinção
espíritos negativos é bem conhecida dos negros da Bahia, como relata Rog~Ar Bast::e:
fonte de degenerescência.
Exu o diabo bíblico, o primeiro dos querubins,
lhe foi transmitida
da umbanda,
e os exus-orixás. Os primeiros f oram " encarna do.s" ,
vida material para o plano espiritual sempre é marcada por uma morte .v~olenta,
são Espíritos puros, pois ainda
Espíritos impuros. Só os da primeira ordem escapam à lei da evolução cármica. to, a classificação
isto é, seres humanos
já que provoca distúrbios
devem, pois, ser expulsas, exor-
Ora, se-
material,
o universo,
puros, à qual estão subordinadas Considerar
No pólo mais africanizado
que nao POSSUlos seres
em seu culto específico, e os eguns, almas desen.
Essas almas perturbadoras
mente entre os exus.eguns
trouxe o Mal 'para o mundo
gundo o O livro dus Espíritos, de Kardec, os querubins três ordens que povoam
pela
seus fiéis pelo terror. De fato, essa idéia é contra-
recuper~ a
morto) ligada ao candOl~ble, em :ue eXIS-
contato pode ser ruim para o homem,
importante
espíritos.
exus-cgutlS, Isto e,
Em outros termos, a teoria umbandi,sta
anos mas se "manifesta"
c::adas,'CUjO
Assim,
seria apenas uma história absurda inventada
(: 50)H.
interna do panteao u~ba~-
tem dois tipos de egum: o Eguro, ancestral divinizado, h
segundo A. de Alva, a gênese do Mal, causada pela rebelião do "mais belo e mais dos querubins",
na organização
noç50 de egum (alma desencarnada,
Exu com o diabo cris-
a mesma lógica kardecista.
de Exu é salvaguardada
dista. Os exus inferiores, espíritos diabólicos, são chamados
físicos e espirituais.
Igreja católica para dominar
..
damental
sal" (s/d.a: 7), o intermediário entre os homens e os deuses, dos quais faz parte, ainda que seja considerado um "afixá menor". identificam
passaram a pertencer aos espíritos diabólicos"
qu Nessa oposição entre exus superiores e exus inferiores, a ambig~idade fun-
define Exu como o "agente mágico univer~
De modo geral, os autores umhandistas
-',_
ando encarnados,
vê nos exus
"espíritos refratários ao progresso espiritual [que] representam espaço sagrado umbandista"
te
"branca",
espirituaL
a qual
Os exus considerados dos trabalhos
mais
(Alva
s/d.: 20). 14
Alva utiliza com habilidade distinção
interna
os argumentos
à categoria umbandista
kardecistas
A maneira como o autor retira qualquer caráter demoníaco Satã é um querubím,
para operar uma
verdadclTos
dos exus, que se dividem então em
de Satã me parece muito interessante.
logo a expressão da perfeição divina. São o.>outros, o.>ex~s sub~lt~rnos.
espíritos dIabólicos.
Mas o diaho continua
sendo uma figura amblgua.
os
Ele e a outra
face de Deus. seu lado negativo.
exus superiores e exus inferiores. Exu-Rei, o chefe de todos os exus, divide-se, por sua vez, em três pessoas: Lúcifer, Béelzebuth e Aschtaroth. diretamente
Lúcifer comanda
Exu Marabõ e Exu Mangueira; Béelzebuth é o chefe de Exu Tranca-
I'
Essa identiflcilção durante
dos suicidas com os espíritos dlilbólicos
nunC,l podem
reencarnar.
Eles se transformam
árvores como rnorcegos ou borboletas"
Ruas e de Exu Tiriri; Aschtaroth, também chamado Exu-Rei das Sete~Encruzilhadas,
104
1)0-
ção lia sllicidio pelo cristIanismo
Q.) EspíRITOS A BUSCA DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ
também
suas pe.>quisas entre os iorubás da Nigéria: "Suicidas.
DAS TREVAS
em cspiritos
foi assinaladil
por Basco.~.
assim como as pessoas cruelS,
diabóhco.> ~ po~sa~
na copa das
(19691J: 76). Isso mostra o peso da InfluenCia da condena-
nas crenças africanas.
'$
105
vis, que são efetuados por seus subordinados. São estes que realizam os ataques mágicos contra um indivíduo, as demandas. O exu inferior se identifica com a alma de uma pessoa que teve uma vida moralmente desregrada: ladra0, assassino, malandro ou prostituta. Pode igualmente ser um exu pagão ou obsessor que, além de ter vivido de modo amoral. revolta-se contra a realidade da própria morte. Com efeito, esses espíritos, em geral chamados qllillmbas, não aceitam o fato de estarem mortos e não se submetem à lógica da evolução. São pagãos.porque nem têm nome, ao contrário dos exus "traçados", os exus batizados que já evoluíram e se tornaram chefes de falange dos outros exus ou então passaram à categoria superior de pretowlho ou caboclo (Costa 1980: 103). É atribuído'aos exus superiores, chefes de falanges e legiões comportamento idêntico ao das classes superiores. Eisa descrição de um deles feita por um autor umbandista: "Fala pausadamente com delicadeza extrema. Possui porte ereto e elegante; prefere sempre os mais finos charutos c, como bebida, usa os melhores vinhos e bebidas. O seu verdadeiro curiador, porém, é o absinto. Fala e escreve corretamente o francês" (em Ortiz 1988: lS9). Já os exus de nível inferior são descritos pelo mesmo autor (orno negros horrendos, "cuja pele do rosto é carcomida por pústulas de varíola".
Encontramos aqui a valorização da cultura francesa como marca da evolução, tanto dos homens quanto dos espíritos, em oposição à desvalorização dos cultos africanos, símbolo de ignorância e de atraso material e espiritual. Essa relação entre finez., e "afranccsamento" ainda está presente no imaginário dos médiuns. Assisti a uma cerimônia dedicada a Exu Barabô (provável corruptela de Marabô, um dos exus conhecidos no candomblé) em Duque de Caxias, baixada fluminense do Estado do Rio de]aneiro, em que Exu encarnava perfeitamente o ideal de polidez dos cxus superiores. Segundo O médium, "seu" Barabõ teria vivido na França no tempo de Luís XV e sido complet<:lmente dependente do absinto. Embora difícil de encontrar, o absinto continua sendo a bebida preferida de seu Exul6• A cerimônia foi numa terça-feira, 26 de abril de 1994, por volta das dez horas da noite. 2-quintal da casa, transformado em terreiro para o culto exclu'.0 absinlo foi prOibidO na França em 1915. ConUnu., sendo produ tido em POrtugal, país onde o médium trabalha com frcqüencla e de onde trouxe essa bebida para seu Exu. O vínculo entre uma bebida que pertence a um universo maldi lo na França e sua rcinserç:lo no unlvcrsodiabólko dos exus n:io me parece apenas uma pura colncldencla. Vejo nisso a marca de uma possível reescrita IIh:rária dos cuilos de arisem africana.
106
~
A BUSCA
DA ÁFRICA NO
~ ;.
" MANIFESTAÇÃO DE OXUM NO Il£ IFÁ MONGÉ GIBANAU£
sivo de Exu, estava cheio de gente. Diante da casa de [xu, tinham erigido um altar sobre o qual colocaram velas acesas, uma garrafa de Martini branco, champanhe rosé, taças e charutos: Um pouco mais adiante estavam os atabaques consagrados. Logo começaram as invocações a Exu, acompanhadas do som dos tambores e de cantos. De repente, o médium entrou em transe, animado pelos movünentos característicos da possessão pelos exus: arco dorsal, oscilação do corpo com os braços rígidos e rosto contraído. Após rápida mudança de roupas, Barabô entrou no quintal com calma e elegância extremas. Em uma das mãos segurava uma bengala de madeira escura; na outra, uma taça de cristal. Uma capa negra enfeitada de palhetas prateadas lhe cobria os ombros. Barabô pôs-se a dançar distribuindo Martini à assistência. Em seguida, mandou parar os atabaques e, sem deixar de olhar para um lado e outro do quintal, iniciou um longo discurso, em um português muito elegante, para explicar O principal objetivo da cerimônia: a resolução de problemas econômicos ou amorosos dos presentes. No fim, concluiu, sempre com extrema fineza, que, se tivesse podido escolher, jamais teria aceitado "viver" no Brasil ("no país de vocês"), pois "o melhor perfume não é o perfume francês, mas o perfume da terra francesa" onde viveu durante outras encarnações. Barabô
CANDOMBL( OS EspfRlTOS
DAS TREVAS
~
107
conservou essa atitude altiva c refinada durante a noite inteira. Sentado feito um rei em uma grande diuns possuídos
cadeira,
assistiu
pela Pombagira.
aos transes
sucessivos
Com a mesma indolência,
escutou
das pessoas que lá estavam e que haviam, até a madrugada, temente a vez, para lhe confiar seus problemas. Nesse exemplo,
podemos
ver que a influência
A Pombagira,
de vários mé-
cularmente
cada uma
aguardado
que representa
pacien-
rio, a Pombagira
da cultura
francesa
não se
das classes dominantes.
racterizam
pelos estereótipos
sua posição de submissão c9ndiçl!~al. estereótipo trabalhar.
No entanto,
enquanto
os cxus superiores
na estrutura
social: são sempre
a expressão
do malandro,
marginal
que prefere viver de expedientes
Esse exu parece ser a representaçao
existiu_ no Recife, 10sé Pelintra,
de um personagem
célebre bandido
(s/d.: 123).
em todo trabalho
do
em vez de
recolhida os homens
UI11
Outros
Sete-Calungas,
onde cuidam dos "trabalhos"
Calunga-pequena,
mais pesados sob a responsabilidade
Caveira. É considerado
ra, chamado
também]oão
transformou
de deus da varíola no candomblé
o "secretârio"
de Exu Cavei-
em dono dos cemitérios.
Embora Exu seja, em relação aos "espíritos ao mundo
das trevas, guarda uma dualidade,
0. lado negativo
de Exu seria, segundo
nll1J: J Pombagira.
fontanelle
f: o
Omo]u
sua representação
a define como "o diabo bíblico
Klepoth"
de-
morava na Freguesia do Ó. Ela se revol.
da Encruzilhada,
ligado
Cruzeiro
Há também
"cruzadas"
do Cemitério,
das Pombagiras
Rosa~Caveira
(s/d.:
meio das pérolas pretas e vermelhas,
:
~
das Pombagiras
são chamadas
Meninas
ou Pombagira
nos cemitérios
Ciga-
Pombagiras
que, à diferença
das
Pombagira trazem,
(Molina
recebem
s/d.b:
brancas, acordo
com o nível de refinamento vermelhas,
do espírito),
e preto (mais o
rosas vermelhas
brancas e vermelhas,
charutos
c
17).
(sem-
pre bem abertas, nunca em botão), bebidas como a cachaça e o champanhe acordo
no
de Exu, pérolas brancas
as cores vermelho
de descrever),
do
das Almas. As oferendas
e seus colares sagrados
características
têm em comum
no caso que acabamos
das
recebem suas oferendas
em chifre. ou em osso de defunto
Todas as Pornbagiras branco,
(cemitério),
Rasas, do Cemité-
da-Linha das Almas são chamadas
para elas sao depositadas uma caveira esculpida
Existe
"virgens".
femi-
104), que tomou
a "família"
de lixo e, por essa razão, também
são pombagiras
As Pombagiras
das Sete Sepulturas
as quais, com freqüência,
(1985: 10]).
e perigosos.
outra da Figueira, da Calunga
da Porteira, da Sepultura,
perto dos depósitos precedentes,
a forma de um bode com seios de mulher, e apresenta todas as características do bode do Sabâ. Por sua vez A de Alva d f d _ ,. ,que e en e o polo mais africanizado da umbanda contesta o nome de I'omb' f' , agua, pre enndo a ele, a pretexto de exatidão, o de Bomo-Gira (s/d . 121) Est b 1 '_ . .. . a e ecc, aSSIm, VJn~ culo direto entre o Exu feminino e o Bombonjira dos candomblés ba t J t dE' , nos, q. e uIva en c o ",-xuloruba, ao sublinhar dessa maneira sua origem africana.
é invocada
além disso, é a "mulher
a mae dela. Acabou na prostituição"
da Lixeira; ou ainda a "família"
um lado negativo e outro positivo.
alguns autores,
°
maS também
Eis uma dcscriçao desse espírito,
é associada aos lugares marginais
nas e a das Marias Mulamqo,
chefe da
de luz", um ser negativo,
também
rio, da Praia, e assim por diante.
de Omolu, que se
está ligado à decomposição dos corpos c, portanto, à própria morte. linha das Almas c dirige grande quantidade de exus17.
da prostituta,
Illasculina.-Ela, portanto,
A Pombagira,
"A Pombagira
que exploravam
A Pombagira
S;lO as ele um mulato de terno de linho branco, sapatos brancos e chapéu-panarn5: chamado
o estereótipo
uma espécie de bode
tou com a situação da mãe dela. Matou quatro homens e castrou um deles. Matou
nas crônicas policiais dos anos
estão ligados ao cemitério,
encarna
de magia amorosa.
por Trindade:
Para Alva, ao contrá-
freqüência,
sete exus", ou seja, não é mulher de ninguém.
que realmente
parti-
da magia negra
(s/d.: 140). Também está encar~
seus inimigos.
ela mulher que se rebela contra a dominação
de uma
ela é a "entidade
pelos abusos cometi.dos em seu nome pelos
expiatório
1930 (Ribeiro 1957). As estatuetas com sua imagem, colocadas no altar umbandista exus inferiores
contra
que fazem dela, com demasiada
Em geral, a Pombagira
de uma cullura clilista, os cxus inferiores expressam
Assim, os exus boêmios, como Zé Pelintra, sao encarnações
das feiticeiras
não é responsável
médiuns1H
se ca-
é o Exu das mulheres,
por excelência,
a maldade em figura de mulher"
reg
límita à burguesia brasileira, e toca todo o universo simbólico afTo+brasileiro como símbolo
espírito negativo
ligado à feitiçaria. Para Fontanelle,
ou cigarros,
(de velas
brancas e pretas ou todas pretas (de
com o nível de "luz" do espírito).
l' lam.'i
é outra divindade africana que continu d . a a ser venera a na umbanda, sem tcr sido I tamente desligada de seu papel original Co t.. comp etodo trabalho realizado no cemitério a~ Ja;oJ:u: a sepra ra.Jnha dos mortos e é "saudada" em en1rada dos cemitérios. ' e xu orteua e de Ogum Mejé, que preside a
'" o médium africanizado
108
de Exu ou da Pombagira nãu se chama "cavalo", e sim "bUrro'., fato que marca "il1~1"
mais a inferioridade
desses espíritos. Evidentemente.
essa expressão
não é aceita no pólo
millS
da umbanda.
S;A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
os
EspíRITOS
DAS TREVAS
-"'l
109
Essas oferendas, chamadas
despachos
como no candomblé,
em geral são
fcitas à meia-noite, em uma sexta-feira, dia dos exus na umbanda.
FEITiÇARIA EUROPÉIA E FEITiÇARIA AFRICANA
Caso se trate
de uma Pombagira "traçada" com a linha das Almas, o dia do despacho será a
A Pombagira
segunda-feira,
a essa entidade
dia das almas dos mortos.
Como vimos, o lugar do despacho
varia de acordo com o tipo de Pombagira e o tipo de trabalho Segundo os autores umbandistas,
cada Pombagira
que esta efetua.
foi encontrada
I~io de Janeiro, conlra
parece ter uma especializa-
parece ser uma criação puramente O Jornal, de 12 de outubro
os centros
carioca. A primeira
por Arthur Ramos (l939a:
de 1938. Durante
ditos de "baixo espiritismo",
uma operação
acusados de exercer de modo
ção. Na realidade, todas recebem tanto pedidos de cura de uma doença ou de
ilícito a medicina
ajuda para resolver um problema (financeiro
no bairro de Ramos, no subúrbio do Rio de Janeiro. Entre os objetos apreendi-
ou amoroso) quanto
solicitaçOes
(o curandeirismo),
referência
221) em um jornal do
a polícia invadiu um centro de macumba
para alaques mágicos dirigidos contra uma pessoa a quem se quer mal. Os seres
dos, havia uma tabela das tarifas praticadas,
humanos
lho" para Exu ou Pombagira,
sao os únicos responsáveis
pombagiras,
pelo mau comportamento
pois estes são "elementos
interesseiros
dos exus e das
que, ao receberem
A Pombagira
um
presente, estão s~mpre prontos a atender ao pedinte, seja c1e para fazer o bem
1930. Segundo
como também o mal" (Molina s/d.a: 6-7).
dos candomblés
Como para os exus, as pombagiras
se dividem
em espíritos
superiores
e
inferiores. Assim, se Maria Mulambo parece ocupar a posição mais baixa entre as pombagiras,
Maria Padilha é considerada
geral, identificada com estereótipos
cês, bebe champanhe,
a mais refinada.
fala fran-
usa piteiras. As Marias Padilhas "são pessoas que vive-
ram nesta Terra como nobres, como princesas e rainhas, vivendo, desta forma,
e cinco mil a consulta
já estava presente
na macumba
sete mil-réis o "traba-
com esse espírito. do Rio de Janeiro
a maioria dos autores, seria a reinterprctação bantos,
divindade
que um deus masculino
correspondente
teria se transformado
ao Exu iorubá.
em símbolo
Vimos como, na África, E~u-Legba também tem representações Vimos igualmente feminino,
como, ao menos nos candomblés
o Exu Vira, sempre existiu (Cf. Vcrger 1957: 132). Hoje, todavia,
estereótipo
da mulher
perigosa,
da feiticeira,
parece ser produto taneamente
a várias tradições. Vejamos alguns pontos cantados211
mais pe-
consagradas
à Pombagira)
ou homossexuais,
adotam
comportamento
que só se encarnam sexualmente
dor. A entrada em transe sempre é marcada por gargalhadas;
de símbolos, que fazem referencia simul-
relatados por].
A mulher de Lúcifer.
se
lornam lascivos, os olhares, impudicos, a linguagem, obscena. É a dramatização
Ela é mulher de sete maridos,
do poder sexual feminino,
Ela é mulher de sete maridos,
do lado feiticeiro escondido
(invocações
Ribeiro:
Pombagíra é a muié de sete Exu,
em
provoca-
os movimentos
de um "bricolage"
o
ligado à figura da Pomba gira,
Rainha-
Em geral, os médiuns possuídos pelas pombagiras,
femininas.
bantos, o culto a um Exu
pria Grécia" (Molina s/d.b: 17)19. Da mesma maneira que a Pombagira
mulheres
Mas por
do poder sexual
em diversos países do mundo, como no Egito, Itália, França e mesmo na pródas-Sete-Encruzilhadas, Maria Padilha não aceita fazer os "trabalhos sados": deixa-os para suas subordinadas.
nos anos
do Bombonjira
feminino-! Quais são as origens da figura da Pombagira?
Também é, em
associados às classes dominantes:
custando
em cada mulher.
Não mexa com ela, Pombagira é perigo. Quando o galo canta, Os mortos se levantam, 1.
Segundo
Alva (s/d.: 124), Maria PadHha teria feito parle da "dinastia
enGHnaçâo, das-Almas
teria sido um francês, de um perigoso
declarar sua fé na "superioridade" Mar.~elhcsa, tanto quanto o querido
~
e, em outra
Sido uma francesa chilrnada Marie I'adi (Marie l'adu ou Maric Padillc). Tranca-Huastambém
afirma ser a reencarnaçâo
110
das CleõpJtras"
um médico que praticava feiticeiro
abortos.
O mesmo
autor
francês da Idade MédiiL Tudo isso o leva a
fr,lnccsa; "Adoro a França, os franceses Hino Nadonalbrasilciro" (: 142).
A BUSCA
c, em especial.
DA ÁFRICA NO
a
'fi
Os espíritos dos rxus c das l'ombagiras dC.wnhos
CANDOMBlt
OS EspíRITOS
(pOII/1I1
rlscadus),
DAS TREVAS
podem ser invocados
qu~ scrv~m de "a~sinatura"
pelos cantos (POlltoS cilntados)
da entidade
llU
por
(cf. Figura S)
~
111
As aves arrevoam,
FIGURA 5 - PONTOS RISCADOS DAS POMBAGIRAS.
Salve Pombagira Que é mulher da rua, Viva! Aleluia! Viva! Aleluia! Pombagira é amansador De burro brabo Amansai o meu marido Com seiscentos mil diabos. Pombagira ganhou Uma garrafa de marafo Levou pra capela
ponto de Pombagira Cigana
ponto de Maria Mulambo
ponto de Maria Padilha do Cruzeiro do Cemitério
ponto de Pombagira das Almas
ponto de Maria Padilha
Pro padre benzê Perguntou pro sacristão Se na batina do padre Temdendê, Tem dendê, tem dendê. Na família de Pombagira Só se mete quem puder Ela é Maria Padilha Mulherde
Lúcifer (s/d.; 76).
A Pornbagira é perigosa. Não é de ninguém, prostituta.
f: ela quem domina
diabos"), vive nos cemitérios
o marido
é uma mulher das ruas, uma
pela feitiçaria
("com seiscentos
e reina sobre as trevas. Recebe a oferenda
dos exus, a cachaça, que Jeva à igreja "para ser abençoada são simbólica
entre o Bem e o Mal é evidente:
ponto de Pombagira da Calunga
mil típica
pelo padre". A inver.
o sacerdote
benze o licor do
diabo e, debaixo da batina, ele guarda dendê, que, como vimos, é a principal oferenda a EXli. Essa relação entre a Pombagira e a feitiçaria foi desenvolvida ras que, à sua maneira,
pesquisaram
Meyer (1993) na península
por duas auto-
a origem da figura de Maria Padilha: Marlysc
ponto de Pombagira
ibérica, e Monique Augras (1989) na Áfricall.
Menina
21
112
A rigura da Pombagira, Mcycr(1993).
"'"
aliâs, foi muito pouco analisada.
Cf. Contins
ponto de Pombagira Rainha
ponto de Pombagira da Praia
(1983), Augras (1989) e
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
os
EspíRITOS
DAS TREVAS
""
113
,
•
/
~ .
,.' Marlyse Meyer parte dos dados apresentados por Laura de Mello e Souza (1986: 235) em sua preciosa análise da feitiçaria durante o período colonial do Brasil.Ela relata uma oração do século XVIIdedicada a uma certa Maria Padilha invocada ao lado de Lúcifer, Satã e Barrabás. As orações para Maria Padilha: naquela época Como nos dias de hoje, têm objetivo essencialmente amoroso; visam fazer dobrar a vontade de outra pessoa em seu favor ou em favor de outro alguém, bem como faVorecer uma "amizade ilícita" entre um homem e uma mulher. Maria Padilha parece, então, encontrar sua origem em um personagem dos poemas épicos chamados romal1ces vicjas, publicados na Castilha no Ronl(lIlccro sencml. Entre os romances que tratam da história da Espanha c,sl;ío ciclo de Dom Pedr~ I de Castilha (1334-1368), vulgo o Cruel, assim chamado por ter matado boa parte de sua família, de seus amigos e de seus aliados. Estava soh a influência de uma mala Inujer, uma mulher má, a bela e vingadora Maria Z2 de Padilla ; por amor a ela, abandonara a esposa legítima, Dona Blanca de Hourbon, a qual logo depois mandara assassinar. O rei estava enfeitiçado por Maria de Padilla, que o dominava por completo. A primeira compilaçào de romances vh'jos foi preparada pelo editor Marlin Nucio, provavelmente em 1547, para os soldados espanhóis que se achavam em Flandres. Essa compilação conheceu três novas edições, entre elas uma fcita em Lisboa em 1581, contendo vários poemas épicos em que Maria Padilha (tradução portuguesa de María de Padilla) era apresentada sob uma luz desfavorável. Menos de um século mais tarde. Maria Padilha era invocada no Brasil nas práticas de magia negra, ao lado da tríade demoníaca (Barrabás, Satã c Lúcifer) conhecida desde o século XVI. Em muitas das orações, conservadas nas atas dos processos da Inquisição em Lisboa, Maria Padilha, apresentada como a mulher de Lúcifer, já é a encarnação da feiticeira que se dedica à magia amorosa. Na descrição feita por uma mulher acusada de feitiçaria, levada do Brasil para ser julgada na metrópole, Maria Padilha se metamorfoseia em espírito, em um vulto, que lhe aparece sempre que ela a invoca (Mcyer 1993: 16). Em 1843, Prospcr Mérimée escreveu uma história de Dom Pedro I, publicada pela Rcvucdcs DClIx MOlldcs em 1847. O personagem de María de Padilla, transformada em feiticeira, é retomado em seu célebre romance Cannem. A protagonista da história pratica a magia amo;osa cantando as fórmulas que "invocam María de Padilla, a amante de Don Pedro, que foi, dizem, a Bari Cril1isn, a
II o espanhol/lllrim"
114
lem a mt;sma pronunl"la que o I'onuguês
;• I
1
,t
• 1
, "
grande rainha dos ciganos" (Mériméc 1845: 60). A Carmem que canta. para figura M arl"a l'adilha é descrita como "uma beleza estranha e selvagem, uma h . que espantava primeiro, mas de quem não se podia esquecer. Seus oi os, principalmente, tinham uma expressão a um só tempo voluptuosa e s~lvagem que, era depois, nunca mais encontrei , em nen h um o Ih ar h u mano" (.'."25) Esse olhar ~ ." a prova do poder pelo qual ela levava os homens à perdição. Era uma. bo~tma_, c'ra" ull1a"f el"\'IC I , Ulna' ","rva ••. do diabo" , uma "filha do diabo" (: 25). Adlabollzaçao de María de Padilla e de seus adeptos estava confirmada. Em 26 de dezembro de lR41 Gaetano Donizetti encenou no teatro La Scala, em Milão, uma ópera intitL:lada Maria Par/i/h/, que foi representada ao menos uma vez no Rio de Janciro, em 7 de dezembro de 1856 (Meyer 1993: 155). O mito de Maria Padilh~ parece atravessar, portanto, seiscentos anos de história. . O vinculo de Maria Padilha com os ciganos, tal como estabeleCido por Mérimée, está igualmente presente no imaginário ligado, no Brasil, a Maria Padilha e suas colegas, as Pombagiras. Entre estas se encontra, de fato, o grupo das ciganas dotadas de fortes poderes mágicos. Com efeito, durante todo o período colonial, os ciganos receberam o mesmo castigo que as pessoas acusadas de feitiçaria: o exílio de Portugal' para o Brasil, tcrra onde deveriam purgar seus pecados. Concentraram-se, então, principalmente em Salvador e no Rio de Janciro, onde viviam nos bairros pobres habitados pelos negros. Como sugere "tvle}'er,pode-se imaginar a existência de contatos e trocas de práticas mágicas entre as duas culturas (1993: 88). Maria Padilha também é o símbolo poderoso ele uma feminilidade desregrada encontrada nos meios tanto literários quanto populares. A identifi~aç~~ contemporânea entre a Pombagira e a figura da prostituta reflete a relaçao, la existente no século XVII, entre a feiticeira e a "mulher da vida". As mulheres sozinhas ou que trabalhavam para viver eram quase sempre consideradas prostitutas. Da mesma forma, no Brasil colonial, eram sistematicamente acusadas ele prostituição as mulheres que vendiam filtros de amor, ensinavam orações para conseguir homens e prescreviam beberagens e banhos de ervas: "magia sexual e prostituição pareciam andar sempre juntas" (Souza 1986: 241). Vimos, assim, como a Pombagira é constantemente associada à magia sexual. Seu poder decorre de sua capacidade de manipular a potência sexual de homens e mulheres. A origem nobre de Maria Padilha foi conservada no imaginário umbandista, que dela faz uma rainha, um Exu superior, a mulher de I.úcifer; é refinada, bebe champanhe, fuma cigarros finos e fala francês.
pmlifJ/f1.
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBl~
os
[SPíRITOS
DAS TREVAS
"l
115
Moniquc Augras segue caminho inverso, já que pesquisa a origem da Pombagira na ;\frica. Vê nos orixás femininos, chamados coletivamente iyaSbá, a revivescência autora
da figura mítica de Iarní Oxorongá
levanta
é monopólio
a hipótese
de que a Pombagira
das iamís, pois, assim
C0l110 ela, Ialllí
algum; ela fala aHo, como os homens;
(3 feiticeira
n50 está submissa
Essa
a homem
ela se basta; ela mata o marido após ter
Seu terrível poder é individualizado
sido fccundnda.
iorubá).
expressa o poder que, na Âfrica.
em cada deusa do can-
N,mã. ligada à morte, ao início e ao fim das coisas; Obá, chefe da
domblé:
socit'd,u.k' sl..'crcla das Illulheres; OXlIlll, a grande feiticeira, que possui o poder
,
dn fecundidade; Ccmitcrios.
Icmanjá,
a mãe castradora;
lansã, a rainha
dos Eguns e dos
Todas as deusas que "usam espada" e que, portanto,
l'1l('arnalll um pouco da força e do poder de lamí. Na umbanda, de Iemanjá
(que acabou encarnando
Pomb"gira
p"rece
ter concentrado
o estereótipo
da mãe assexuada)
todo o potencial
iorubá, a ponto de se tornar a cnlidáde
são guerreiras,
é por edulcoração
subversivo
que a
da feiticeira
mais sensual e mais agressiva dos terrei.
ros brasileiros. Segundo
Augras, o próprio nome desse espírito, que considera
deus banlO Bombonjira,
derivado
do
seria revelador de sua ambigüidade:
N50 p,lrcce ter dúvidas que o nome de l'ombagira resultá' de um processo de dissimulação
que primciro transforma Uombonjira em Hombagira. depois,
cm Pombagira, recuperando português.
assim palavras que possam fazer sentido em
Pois a "gira", palavra de origem bantu (lIji/a/l1jira,
nho" [... 1), remetida ao portugués.\irar, umbanda.
E "pomba",
"rumo, Cilmi-
é, como sabemos, a roda ritual da
por sua vez, além de ave, designa também órgãos
genitais, masculino no Nordeste e feminino no Sul. Até no nome aparecem a ambigüidade e a rderéncia sexuais (1989: 25-6). Mas se a Pombagira procriação,
está ligada à sexualidade,
já que utiliza a sexualidade
esta não está a serviço da
apenas para seu benefício.
Ela é a nega- \
ção da mãe de família. O fato de ser a mulher de sete exus expressa, na verdade, poder
sexual transbordante
e não submissão.
todos os atributos
menos recomendáveis:
posição
("ela é prostituta")
marginal
com sua independência, sujeição das mulheres.
o equilíbrio
Além disso, a Pombagira
REPRESENTAÇÃO DOS EXUS CICANOS
Sua representação
sensualidade,
também
constitui
vaidade.
é freqüentemente
associada
\
de Sua
sua força: ela ameaça,
entre os sexos, cuja ocorrência
correr das feridas de seus inimigos. Além da conotação
116
sedução,
é dotada
ao sangue,
evidentemente
implica
a
que deve guerreira,
I;: A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBlt
os
ESprRITOS
DAS TREVAS
~
117
essa relaç.'io parece afirmar que o verdadeiro
poder das mulheres
reside no
sangue2.1. A Pombagira também está associada à morte e ao cemitério, marginal por excelência, bem como simboliza degradação, a escuridão e a morte. A Pombagira parece, portanto,
a sujeira, a contaminação,
nascida do imaginário
povoado de espíritos, diabos e feiticeiras. Sua identificação "africano".
- com o aparecimento
desaparecida do movimento
domblé -, começou a ser conhecida Mas a hipótese levantada
religioso popular, desse imaginário
Além disso, não se pode considerar
uma origem africana real desse espírito. lamÍ Oxorongá, divindade praticamente
a
com o diabo africa-
no faz parte na realidade de um processo de reinterpretação em um contexto
lugar
seriamente
nos terrei~os de can-
pela maioria de seus fiéis.
por Augras não deixa de ser extremamente
in-
teressante pelo fato de exprimir, corno veremos, a m.esma via de [einterpretação seguida pelos inidados em seu esforço de reafricanização dos espíritos, ao passarem da umbanda ratura umbandista:
para o candomblé.
Essa via lógica já foi anunciada
na lite-
"Todo médium do sexo feminino tem uma Pombagira a seu
lado, que atua de acordo com o Orixá Pai c Mãe do 1;i1hode Fé, onde desempenha a função de intermediária (Molina s/d.e: 17).
com idêntica
forma de qualquer
Estamos, pois, em presença de um espírito da umbanda exu-servidor
do orixá, na melhor tradição "africana".
de espírito, alma desencarnada, no. A contradição
a divindade
I'
118
Vimos Como lilmí Supostilmenlc
controla
atenuada
ilS mulher('s
outro Exu"
transformado
em
A Pomba gira aqui passa
intermediária
com a ortodoxia do candomblé,
pelas almas dos mortos, encontra-se desses espíritos.
do panteão
africa-
que não permite a possessão
e a porta, aberta à africanização
por Intermédio
de
SU
menstruações.
f;; A BUSCA
PARTE
com efeito, era uma
no Brasil quando, há cerca de vinte anos de reafricanização
SEGUNDA
DA ÂFRICA NO
CANDOM8lÉ
A PRÁTICA RITUAL
CAPíTULO
,,/
o CONTlNUUM
RELIGIOSO
As figuras de Exu C da Pombagira, a intensa
circulação
dades dos cultos afro-brasileiros. rados trildicionais), cultos afro-brasileiros Classificar
entre puro e degenerado forme os aspectos
í
,
I"
!
quimhanda), gociadas,
de uma série de definições o que constitui
pelos
pelos mem-
importante
entre
levar em a oposição
deslocamento
Na verdade,
con.
o campo
desses cultos não é a for.
a fluidez constatt1da
categorias
em que as combinações
tem sua contrapartida
goria bem definida
que ordenam
o cotidiano
mais um modelo ideal que uma realidade
as diferentes
terreiros qualificados
I
utilizados
religiosa é sempre renegociada
será, pois, objeto de um constante
"mist~2"ada"'_
linhas diferentes.
ou de umbanda.
utilizados
É, portan.to, extremamente
ma "pura" - que representa entre
uns dos
do culto levados em consideração.
afro.brasileiro,
uma forma
separados
de quem classifica e do que é classificado:
Apesar da existência
brasileiro
nitidamente
aos sistemas
a identidade
interlocutores.
conta a posição estrutural
religioso
reinterpretação.
pois os sistemas de classificação
bros do culto. Na realidade,
bem
modali-
que os dif<:rcnlcs
um centro de culto, seja ele de candomblé correspondem
ilustram
(e nos outros cultos conside-
de umb.lIlc!ll. Vimos
não estão na realidade
nem sempre
o~ diferentes
No c~ndomblé
elTl espírito
é sempre muito problemático, antropólogos
feminino,
rituais entre as diferentes
o EXlI africano é objeto de uma complexa
a fim dL' 1l1l'lamorfuscar-sL' oulros.
seu correspondente
de símbolo:; e práticas
(candomblé, potenciais
na rcinterpretação
de traçados, "misturados". de espíritos,
chamados
-, e sim
no campo
macumba,
são constantemente
rene-
dos deuses e espiritos
Na umbanda,
nos
existe uma cate-
urixás cruzadus, resultante
Assim, um caboclo ou um preto-velho
afro-
umbanda,
de duas
podem ser "cruzados"
E.~sacirculaçao dos espfritos e dos homens não é característica apenas das cidades do Sudeste (o pólo "degcner ••do"); ela é igualmente constatada nas cidades consideradas tradicionais.lnfelizmcnte, a atençAo da maioria dos pesquisadorcs foi kvada para os cultos e os terreiros "puros", deixando de lado tudo o quc n:lo correspondia ao modelo ortodoxo. Minha expericncia de quatro Ineses (julho.outubro de 1991) em $lo I.uls do Maranhlio, cidade considerada um dos centros tradicionais das religiões afro-brasileiras, e minha estada em Salvador (de dezembro de 1983 a outubro de 191:14), me levaram a pensar quea realidade ritual mais difundida nunca é aquela que far.referência ,lO modelo "puro", mas que sempre hã lnlerpenetraçlio de diferenles prálicas rituais. O e~tudo das formas "misturadas" resta a ser feito.
~: -s
121
com um exu e assumir as características do primeiro durante ,, d d scgun o urante o resto do ano (Maggic ]977: 23).
sel's
d
meses e as o
Os membros dos terreiros, sejam de candomblé ou de umband I' percc - I a, em uma . I~çao )CITI clari! da imbricação das práticas rituais. Tod.J.via ainda maIOria dos t " . ' que a crrelros seja lugar de encontro de diferentes experiências religiosas, o misturado" será .. •
/I
•
•
. .
sempre o outro, o vlzlOho ou o concorrente. Ninguém
se'.dlfJ de um terreiro "cruzado'" . a ident"f1 Icaçao - sempre se fará em direção ao paIo comlderado mais tradicional É a o poslçao ''entre o modelo ideal de pureza: .qll~esta na.b.asc ~o processo de construção da ortodoxia c recusa tlal ticr ,
llllslur,l,
•
(' tl pratlGl
ntUül
cllle
.
J
"r '.
.
q
q
, " . .' " m.lnl est ' lt .' . mc V" .'. ~ C ClI o, o que constItuI, a u cr, ti pnllClpaJ qucstao presente nos cultos afro-brasileiros.
Essas crônicas, única
fonte
reunidas
de informação
transmitida
nos terreiros.
de que dispomos,
e a sobrevivência
rial ligado às crenças sim, escreveu e5t;l num
vistas. Enquanto
católico,
comum
grandes
'/I"
~~eSl~c~lJ.llZ
lo
--r'ICO
t
e !logra
do candomblé
tradicional
da l1l
l:ncontram-se
as primeiras
informações
e nos do RI'o
,orno
d
e~
sobre os cultos de origem africana
RIO de J,lI1eiro na série de CrÔniGIS escritas em 1900 J)e!o I'ornal' t ] _ p. I J\ll ' < IS a oao au o x:rto Coelho Barreto, mais conhecido pl'lo psc u d"unimo J-oao do Rio.
saneamento prefeito demolição viviam
da cidade.
principalmente
tão era delimitada metros quadrados. nida Presidente
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANOOMBLE
foram iniciadas,
ti-
de Itaúna
tinham
e pelo
cem mil
com a construção
da ave-
mais tarde. recriado
uma rede de relações
so-
nos morros em volta do porto. O declínio
devido à concorrência econômica
das colônias
france.
do café (principalmente
de São Paulo e de Minas Gerais) haviam determi-
do Rio de Janeiro,
que contava
mil em 1870, vindos
para o Sul do país. Assim,
119.141 escravos
em 1844, tinha
da Âfrica ou de Salvador.
no Rio provenientes
1983). A deterioração
RELIGIOSO
africana
Âfrica", A zona em ques-
importància
1876,25.711 cscravos chegaram
CONTlNUUM
de origem
a
do Rio, onde
no bairro da Saúde e em
nado a venda maciça de escravos e seu deslocamento
do Brasil.(Moura
Cruz e do
sobretudo
Todas essas ruas foram destruídas
e a crescente
para o
acarretando
uma área de aproximadamente
escravos
muito
a "Pequena
Vargas cerca de três décadas
do açúcar no Nordeste,
mais de trezentos
em 1886. De
infecciosa
uma série de reformas
Eusébio, a rua Visconde
e representava
nos estados do Rio de Janeiro, a província
doença
A população
da cidade,
do
trechos da estrada de ferro
e de dois morros no centro
libertos.
pela rua Senador
Era ali que os antigos
o
I)?-
escravos
esquina,
o governo
foram inaugurados
obras urbanas
ciais baseadas nos terreiros, instalados da cultura
durante
Em 1902, sob a dircção do médico Oswaldo
no centro
do Mangue,
sas das Antilhas,
122
transformações
volta da praça Onze, no que foi chamado
110
1 Jtoger llJstidl' (1%0: 28S) afirma que a influênci~ das naçõ d d Janeiro leria sido forle até ~ primei", d"" d d: es e c
sao positi-
de febre amarela,
maciça de bairros inteiros
de
mate-
a gente que
época na região do Rio, motivou
nha se concentrado
canal
urbanos
diários, imagina
da cidade aos subúrbios
Pereira Passos, grandes
da
onde alguns matemáticos
Campos Sales (1898-1902). Os primeiros
naquela
centros
ao ideal de progresso
a cidade pulula de religiões. Basta parar em qualquer
interrogar" (Rio 1904: 17), O Rio de Janeiro conhecera
no
pelos cultos de
no início do século XX. As-
em seu prefácio: "Ao ler os grandes
país essencialmente
oral
entre "a trepidação
dos grandes
'predominantes
1889 a 1891, uma grande cpidemia
O Rio c1eJandro scmpre foi um importante centro de candombl' d identificação e, apesar e sua . . com o pala degenerado dos cultos afro~brasjJeiros. Na literatu-
pelo contraste
no coração
positivistas
da tradição
dessa obra, ninguém
uma miríade de cultos e religiões, que se opunham
que ligaria o centro
o candomblé
com exceção
em Salvador, interessava-se
origem africana, João do Rio foi atraído vida moderna"
As religiões no Rio, são a
Na época da publicação
Brasil, à exceçao de Nina Rodrigues
presidente RIO DE JANEIRO, UMA HISTÓRIA DOS CULTOS
em 1904 no livro intitulado
das condições
Entre 1872 e
do Norte e do Nordeste de vida na Bahia havia
'-'l
123
igualmente provocado um fluxo migratório muito importante de escravos li. bl'rtos de Salvador para o IHa dejaneiro, para tentar a sorte na nova capital do país. No fim do século XIX, já havia uma forte colônia baiana no Rio dejanei. TO.
Segundo Moura (: 58), os baianos, que se dislinguiam dos outros negros pelo fato de constituírem uma verdadeira elite no seio do povo, eram principalmente nag-õs. Haviam se instalado no bairro mais barato da cidade, no qual, longe da concorrêncla dos imigrados europeus, os negros tinham mais possi. bilidadcs de trabalho. Com a Abolição da Escravidão em 18MM, que provocara n fim da nrgani7.aç50 dos escravos afriGlnos em JlJÇC)CS, o grupo hiliano afiro mau sua liderança na comunidade negra do Rio dcjaneiro, organizando.se em lorno dos terreiros ,de candomblé.
, 1
I
I
Com o saneamento da cidade, contudo, os africanos e seus descendentes, pressionados pelo aumento dos aluguéis no centro da cidade, tiveram de se dl's/ocar fJ.H<1 o subúrbio, seguindo a linha do trem. Assim é que foram fundadas as casas de candomblé das zonas periféricas. A demolição dos bairros insalubres em que os africanos estavam concentrados atendia a uma preocupação predominante na época. Como diz Nina Rodrigues, uma "trilogia nefasta" arruinava o Brasil: um clima "intertropical nocivo ao branco", um negro que "não se civili. za" e um português "rotineiro e retrógrado". Com a política de saneamento, a cidade se livrava ao mesmo tempo das doenças causadas pelo clima e cios "ne. gros selvagens", empurrados para as margens de uma urbe enfim civilizada. Entre os pais e as mães-de.santo que residiam no centro da cidade havia grandes figuras do culto ainda hoje evocadas pela tradição oral. Eram africanos célebres, alguns vindos diretamente da África, outros da Bahia. i\lo início do século, o mais conhecido era João Alagbá, filho de Omolu. Sua casa era um dos lugares de l'ncontro mais importantes da comunidade baiana. Tia Ciata (Hilária Batista de A/meida), iniciada no culto da divindade Oxum, era a mãe pequenal de joão Alagbá. Foi, em seu tempo, a sacerdotisa mais conhecida do Hio de janeiro. Seu nome também está associado ao nascimento do samba "no quintal dos terreiros de candomblé" (Sodré 1979). Tia Ciata foi iniciada por Bamboxé (Hodolfo ""'fartinsde Andrade), figura muito conhecida no candomblé da !lahia. Contam que ele teria vindo da África Com Marcelina da Silva, a ialurixá Ohá Tossi, do terreiro do Engenho Velho em Salvador. Roberto Moura confirma o
',\
111,1,'11,'lfll(,lIlIl: /.:('/.,('1<:' "Jlequena
a ;uSI.~lcnte dlrela do pai.de.santo Il\~(''' l'ln loruhá,
ou da mllc.dc.sanlo,
É lamhem
chamada
id
ASSENTOS NA CASA DE OGUM E OX6SS1
~ , ,,
,,,
!
I í,.
, I
. la bá e Bamboxé. Segundo ele, o terreiro em vínculo entre o terrelfO de Joao A g . _ d andomblé nagô, do qual ue Tia Ciata era iá kekerê perpetuava a tradlçao o C q f d d res (Moura 1983: 65). Bamboxé fora u,m dos u~d~ ~a cidade do Rio dcjaneiro Cipriano Abedé (ou Na mesma epoca, resl la . ". F' e'redo também do Enge. ... d por Manaju la Igu I , Agbedé), outro africano Jnlcm o . títulos de babalaó, adivinho, e de nho Velho. Ele era filho de Ogum e trazia ~s tro dos africanos que residiam . . 1 das folhas Baba Samm, ou /m/Jafosamym, sen lar: do João do Rio, conhecido . .' c'o do seculo XX, cra, segun no Rio de janeIro no 1111 I . _ d I'cia já quc a como um grande feiticciro, o que lhe valiaãPt~rsedgUal,ÇnOaegSia a:c: o ~urandei.. torizava a pr Ica , Constituição brasllclra nao au . b' chamado Tio Sani Adio . O i 'inário da Nigéria, Eaba Samm, tam em , nsmo, rg , ., foi companheiro dc Bamboxe (O Silva 1988: 29), parece ser o Oba 5ama que 5 I 1985) . , d r ara o Rio de janeiro (Augras e ao os . durante a viagem de Sah a o P, J a uim Vieira da Silva. Considerado Filho de Xangô, seu nome portugues era °f: os ao lado de Aninha, afirma um dos maiores conhecedores dos cultos, a flcan: . Afon'á em Salvador. . V (1981' 30) fundou o terreuo do Axe Opa I Plcrre erger o ntual .' d'o pa d'e, Obá Saniá é venerado nesse terreiro sob o Hoje, durante nome de Essa Oburo.
124
~ " BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o
CONTlNUUM
RELIGIOSO
"'-'l
125
Na Pequena
África, viviam vários "feiticeiros",
Tia Oni e Torquato Tenerê, procurados mais variados
problemas.
janeiro.
Na verdade,
a oposição
mais de uma escolha
por vasta clientela,
Seus novos terreiros
nagô e os cultos de origem banta,
para a resolução
oscilavam
presentes
que de uma diferença
Como sublinha
Roberto
tempo
e candomblé
Moura:
origens
distintas.
também
sai da casa dos baianos na Saúde e Praça Onze, embora
importante
na fundação
marcado 90).
apelidado
Benzinho,
(Verger 1981: 32), era também do célebre Martiniano Benzinho,
nascido
Júlia Maria de Andrade, "fielmente"
as tradições
América
na periferia do Rio de janeiro: desfruta
de grande
da Bahia, rival direto
na Nigéria,
Maria Oganlá
(:32). Verger, contudo,
Regina de Souza, apelidada
fama nos candomblés
foi outra grande
ficava no número
tóvao. Era conhecida
no
nao
que ainda hoje vive em Raiz da Serra, Regina Bamboxé.
Ela
do Rio, nos quais é "considerada
grande feiticeira e grande conhecedora dos odus [configurações tica adivinhatóriaj" (O. Silva 1988: 21).
terreiro
recebera
Ele teve um filho com
e duas de suas filhas mantiveram
em Salvador
uma outra filha do adivinho,
agressividade
Vergcr, o pai de Felisberto
de Souza Gomes.
filha de Bamboxé, africanas
no Rio de ja-
seu nome em Sowser.
adivinhos
por volta de 1833 em Abeokutá,
Brasil o nome de Eduardo
menciona
um dos últimos
carioca "
uma luta que se
em razão de sua freqüente
Eliseu do Bonfim. Segundo
sacerdotisa
pelo título ritual (()iê) de Oganlá,
f
!
c)
d W' d Omolu e Oxum, . nomc e e e• .• . S pals. e maes_ d e-san t o do c,ndomblé ketu da Bahia, , Na mesma epoca, vano .., En enho Velho, provenientes dos terreiros considerados tradlC~:al;~gc::doO °a tr:dição oral, o .. Alaketu estabeleceram-sc no . o Gantols ou o, . f. d Gaiakú Rozenda _ . d . - .e'e no Rio de laneno 010 e primciro terreno e naçao J 1 SOb _ e ficava na rua América, ao uma africana chegada ao ~hasJl por VOldtade 8a "família" jeje existente no Rio d rto Podc-se aflrmar, contu o, que .. lado o po. . . d Tat~ Fomotinho (Antônio Pinto), o qual imclOu, tem suas r
!
culto de Exu nesta cidadc. TJta }:omotinho, rciro de Terra Vermelha,
Oganlá pequena
iniciou
as cantigas
rituais
uma única mulher,
nos terreiros
no bairro de São Crisoutorgado
Filinha
consagrados
de Oxum,
do terreiro do Axé Opô Afonjá no Rio, fundado
à mulher
na casa de Maria Oganlá em 1925, durante onde abriu um terreiro com o mesmo (Augras c Santos 1985: S 1).
por Aninha
atingiu
nome
126
"'
fOI 1~ICI~dO n~.t~ra tra Iça0
dos Síln tos), que, transferido
Maria a mãe
(Eugênia
do Brasil, morou
1IC (I\ anoe
...
c)
.mil (
de Salvador nos anos 1940,. fundo~ ,~eu ter.rei.ro,
ch,m,dn Tumh, JWlç"a, na Baixada fluminense, em Vil" dos lelcs'dclfla~n ." ta1cccu em 1"66' Vindo do terreiro do Bate-Folha de Salvador, dlflglI o pe o ~ ango• Ia" João Lessengue se cstabe eceu no p(li-de-santo Bernardino de naçao d •
!Co em 193H no bairro do Catumbi. Por volta de 1940, comprou o terreno .~ I atual Batc~Folha do Rio, Após sua morte, em 1970 ,sua so b rinha Mameto Mabe]l, "filha" de Omolu,
substituiu-o
à frente do terreiro.
do que fundara
l~;~:l;
em Salvador
' Os Il:rrelro~ do Ri~ são aV
a cidade do Rio de Janeiro.
busca de novos espaços para estabelecer
hoje falecido,
de São Félix, no coraçao
uma de suas longas estadas no Rio,
A partir do fim dos anos 1940, uma onda de migração Nordeste
a Oxalá.
que se tornaria
Ana dos Santos). Esta, uma das mais célebres mães-de-santo
em Cachoeira
'll'jl'claBJhia. , A naçao
"7
que comanda
I
ligadas à prá-
do início do século XX, cujo
49 da rua São Luís Gonzaga,
.
de
as concepções
do candomblé
neiro foi Felisberto América Souza, que havia anglicizado Ironicamente
cultos
"[ ...] a macumba
de superioridade nagô e de grupos de elite tenham desenrola surda entre macumba e candomblé"(1983: Outro personagem
no Rio de
parece resultar
real entre
~:g::~~
Linhas de tre~ ligatvam eeSI.saa d chamada Baixada Fluminense, ao centro o. Rio O movlmen o, . qu um fluxo . .'. d éculo XX transformou-se, aSSim, em tro para a perifena no iniCIO OS, . d J .ro Uma nova b . ais marginais do RIO e anel . direto do Nordeste para os auros fi _ E t do da Bahia4. Entre os l~santo chegou, enlao, do s a geração de paIs e maes-( {". d cimeiros a serem . ... havia o axé de MesqUIta, um os p terreHos maIS Importantes, .. I te na rua Bento Ribeiro, .. S.tuíldo ongm3 men < abertos na Baixada Hummense, I • . H. sse terreiro ketu é . que fora se lllstalar. oJe, e tomou o nomc do bairro em ' . t). iciada no culto . . h (Maria Arlete do Nascul1en o , In dirigido por Mal' MC11lnlll a d .-, Em 1971 o ' D' uma das fundadoras o axc. ,, de Oxum por sua avo, Dona aVI.na, . . b' d' 5a-o Matcuss sob o .J de Menti no alrro e, , tl'rrciro SL: .estabeleceu em Sao oao , da cidade, em tor.no da baía de Guanabara.
dos
entre o candomblé
havia muito
entre macumba
"política"
Como Tia Dada, Tia Inês,
proveniente
Muitos pais e mães-de-santo,
seus cultos, instalaram-se
A BUSCA DA ÁFRICA
do
dllla origem que. seja fOllte de k~ítimação.1979 ' Foi ali que Munique Augras realtzou, em
d andomblé em relação à sua filiação, real ou a~a~~sou, para São Pauto, essa busca constante de e 19RO, as pesquisas
]Jara seu livro O dupio r
li
em 1IJe/
na periferia
NO CANDOMBLÉ
o
CONTlNUUM
REllGtOSO
~
127
o
mais célebre
Joãozinho
pai.de~santo
da nação
de Janeiro em 1946, foi o primeiro comunicação
para aumentar
Goméia foi iniciado mônimo
angola
é, sem dúvida
alguma,
da Goméia Qoão Alves Torres Filho). Emigrado da Bahia para o Rio a utilizar sistematicamente
seu prestígio
por Jubiabá,
e sua autoridade.
pai-de-santo
imortalizado
de Jorge Amado, e que era de candomblé
de angola"
(Binon-Cossard
os meios de Joãozinho
da
no romance
ho-
de caboclo "com um pouco
1970: 278). Jovem e carismático,
colaborou
com
Édison Carneiro em seu estudo dos cultos de origem banta, o que favoreceu sua paulatina
afirmação do candomblé
co ortodoxa" (candomblé candomblé "puro". Joãozinho'
da Goméia
onde rapidamente suas entrevistas convidado
decidiu,
se tornou
Baixada Fluminense,
de Salvador, mas sua origem religiosa "pou-
de caboclo) o manteve então,
fora do círculo restrito do
estabelecer-se
muito conhecido
no Rio de Janeiro,
após fundar
foram publicadas
a interpretar
em vários jornais. Excelente dançarino,
no Rio de Janeiro, tendo participado,
durante
Ao morrer, Joãozinho Segundo
suas próprias
1970) e retomadas inteiro. Cristóvão
impressionante
de
declarações,
publicadas
no jornal O Pasquim
(nl! 56,
na obra de Ziegler7, teria iniciado 4.777 pessoas no Brasil
de Ogunjá (Cristóvão Lopes dos Santos) foi o fundador
lia efon no Rio de]aneiro,
quais fundaram
de candomblé.
por ele mesmo ou pelos que eram dele afilhados.
da famÍ~
onde chegou em fins dos anos 1940. Foi iniciado no
cargo ritual de axogmnf' pejos fundadores Uosé Firmino
foi
vários anos, do desfile das esco-
da Goméia deixou uma quantidade
iniciados
mado em se~ car~o ritual d~ axo:~~i.stÓ:ãO i:havia aberto outra casa de culto direção do Ile Axc Oloroque, ma de llê Ogum Anauegi Belé Salvador com o nome no bairro de Albarana, em ~ d t entre os quais Waldomiro Jonü (jndc iniciou vários filhos e fJlhas- e~san o, , " ". . uiria com ele para o Rio de JaneHo, de Xango (Baiano), que seg d' ntos" com Matilde de ' 1947 Cristóvão teve alguns "desenten lme . . Jagu:'
DeCid;u, então: ~:C::i: :e:~~~r::r:
ro. Um pequeno gruI . Sudeste, a fim de fundar n~vo:errelf~;:9 tÓ:âO comp~:~:~::~ea~~
::u~u:~eo
a~:~::~~:ueai:éP:~:a:~~oc~:!:;:~ B' d Fluminense. Em 1951, Cris:~x:u: Eça de Queiroz, e conhecido
de Caxias, na periferia do Rio de Janeiro.
pe nodme l. d o, mesmo ano plantou a árvore dedicada ao deus e, em Emo1,; c mala _ lroco O ., o de OloquelO, a divindade padroeira da naçao efon. terseu pc, cavou o poç ,. d 'm 1955 e designado com ' h' do hoje só fOI m3ugura o e rciro, tal como e con eCl, ~ naue i Belé romã. Até orne que o terreiro de Albarana: lle Ogum A g o mesmo n d palha reiro funcionou em uma pequena cabana e terra e . esseEano; ;5~r a filha de Cristóvão, Mãe Lindinha (Arlinda Lopes dos Santos), m hada, da própria filha Maria José, juntou-se ao pa.i Fia _ haVIa Sido
do primeiro terreiro efon, Tio Firmino
dos Santos) c Maria do Violão
(Maria Bcrnarda da Paixão), os
um terreiro no bairro do Engenho
Velho de Brotas, em Salva-
dor, sob o nome de !lê Axé Oloroquê,
Segundo Maria José Lopes dos Santos
(Maria de Xangô), neta de CristÓvão,
Tio Firmino e Maria do Violão teriam
sido trazidos da África como escravos, no mesmo navio que Mãe Milu, a mãe pequena
por ~a;:~::i:a:~~~:::::::~o tertreridro~~: :i~~li~:~~:::~i:~~;:aéd~ev1i~I:: d 1908 Cinco anos maIS a , e ,d agosto e . l . ..~' do terreiro' ao morrer, em 1935 , foi substituída por MatIl e se tornou a la onxa , N' ca Cristóvão já fora confirde Jagum (Matilde Muniz Nasciment01' b~:a :~~ci~avam no mesmo nível da
na
de rádio e
as danças dos orixás no palco do teatro João Caetano,
las de samba durante o carnaval. Seu nome se tornou sinônimo filhos-de-santo,
seu terreiro
em Duque de Caxias. Participou de programas
1983 em Salvador. O terreiro de Oloroque,~ seg undo,. a tradição oral '10recolhida ' ~ lrncnte foi fundado ha maIS de um secu9
do terreiro. Esta faleceu, com mais de cem anos, em 19 de outubro
, Jean Zicglcr dedicou um capilulo inteiro de seu livro Os vivos co lIIorte(I97S) no terrciro de João da Gomêia.
de
aos rituais funerários
. . • . nstituídJ ao longo de uma entrevista (6 de abril de 19'N) co.m " A histoTla d" nJç,IO efon fOI reco •. A JS de cJndomblé sempre estao . d Pantanal no 10. s pesso MJria de Xangô, no terrclro o _'. .. (tradiçàes religiosu). Na verdade, preocupJdJ.s elU demonstrar o quão antigos sao seus ílXC.\ , . r mais se e tradicional. , quanto I1lJis se e an 19O, . d __ n- noção dono lroco habita J ilrvore -) - d sconsldcra OSlrmao,> .• " '''lrococOloqul'(ouOloroque sao euse _ 'tuado a seu pé. Ambos são . I I" . M) e Oloque reSIde no poço SI xal1lddm imltlC(l (FICUS r li wrw '.. '._ d . ção de Xangõ e seus colares . OI que e conSlderado o Irm,lO e CTla a.",Gclados ao deus Xangu. o ... d < para Xangô. marrom e branco. c queles usados pelos ]/lICla o~ , . sagrados são da mesma c.or qll a h " A 'I eita relação entre froco c Oloroquê é confirmada . . h do"oleaodamontan a. c, r E tambem (" ama _. d esses d.OISOrl.x~< na condição de cultos dominanbl . I a .lllportanCla a" por Apler (199.')), quc Sll 111la I _ d [
• O
flXO,'{Ulll
confiado
128
é aquele que sacrifica
os animais
a um ogá, título honorífico
ofertados
dado a homens
às divindades.
Ê um cargo cerimonial
que não são possuídas
pejos deuses.
"
•
1957:326).
~ A BUSCA
DA ÁFRICA NO
CANDOMBLÉ
O (ONTlNUUM
RELIGIOSO
~
129
• ,, do terreiro de nação jeje do Bogum". Mãe Lindinha se tornaria a mãe pequena do terreiro do Pantanal. Sua filha Maria José foi iniciada no culto de Xangõ pelo avô em 1954, aos oito anos de idade. Sete anos mais tarde, recebeu o cargo de futura ialorixá das m3:os de Cristóvão, meses depois da iniciação
como herdeira.
de Maria de Xangô, aconteceu
ação de Alvinho de Omolu (Alvinho que mais têm contribuído lar, em São Paulo.
que a escolheu
para a difusão do candomblé
a cerimônia
!
1
Três
de inici.
um dos pais.de-santo
Pinto de Almeida),
f
, .t
'no Sudeste, em particu-
"' (
~ !/"
Em 1970, após a morte de MatiJde de]agum, Cristóvão
assumiu a direção do terreiro de Salvador,
(re o !lia c Salvador. Matilde de ]agum, Cristóvào
ialorixá do lIê Axé Oloroquê,
Na sua ausência,
era a responsável
continuou
dividindo
ArUnda de Oxóssi,
pelas atividades
filha-de-santo
a direção
de Ogum (Crispiniana
Maria de Xangô, que no início da década ausência
Depois de um periodo
conhecido
dos primeirO!i filhos-de-santo em seu tl'rreiro em Albarana Xangô,
voltou rapidamente
o qual O terreiro
pelo nome de Waldomiro
(Salvador).
iniciado
quando
Como Alvinho
Em 1995,
de Xangô,
foi um
este ainda cstava
de Omolu
em São Paulo no fim dos anos
para o Rio de janeiro,
ficou
Até 1994, ficou em Pindamo-
todos os me~e~ para o Rio dejaneiro. no terreiro do Pantanal.
de Cristóvào,
Baiano abriu um terreiro
ASSENTO DE OGUM XOROQU£
após uma
Com ele, pouco antes de sua morte.
fechado, ela se tornou a nova ialorixá do Pantanal.
Baiano, também
ao Rio de Janeiro,
de luto de sete anos, durante
nhangaba (São Paulo), viajando passou a residir definitivamente
ê objeto
de 1970 partiu para São Paulo
Com o avô, voltou
de 17 anos, para reconciliar-se
na do
de Assis), até
] 993, quando esta morreu. Hoje, o terreiro está fechado e seu controle de disputa entre os filhos-de-santo de Cristóvãou.
após um desentendimento
de
na casa do Oloroquê,
de 1985, no Rio de Janeiro,
lerreiro de Salvador passou para Crispina
I
en-
do terreiro em Salvador.
a iniciar novos filhos-de-santo
Bahia. Ao falecer em 23 de setembro
seu tempo
onde hoje se encontra
" S" "IStO é "Juntou.sc "trocou as agua, , . d Mãe Menininha do ao terreHO c cerimônia de celebração de seus " do -se ao IIgan águas" novamente,
sas mudanças
de filiação religiosa,
vasla familia.de-santo
à família religiosa do CantoislJ• Ficou ligado . 993 da Cantais durante 16 anos. Em 1 , ano . .. d iniciaçãol4 "trocou as cmquenta anos e '1\ l' e _ terreiro de Rcgina Bamboxe '. Iar causab d ds Baiano nã~ é I~ais conside~:do
cfon por seus antigos
mnaos-de-santo
mem
ro
a
.
e Maria de 1960, mas seu terreiro,
[('scnta a tradiç.1loou a naçao, é uma das estratégias mais A "troca das águas~, em qu(' a água rep ,. oou entre terreiros distintos. Aosc pôr d laÇÕCs('mum mesmo terrclr eficazes de renegociaçao as re. I I I do corta os laços de submissao com seu . I d utro pal.de-santo, o n c a . sob a prolcç.1l0 nust ca e o d"f d"d no meio dos cultos afro.brasileiros, Visa . A áfca extremamente I un 1 a lerrl'iro de ongem. pr I , I em mais IJUraque a precedente. " ,.. sa. s('mpre sc busca uma ar g , legitimar a ongem re 1&10 . "d 1933 Estadatan:loéconflrmada •• Gonçal\.cs da Silva (1992) afirma que Baiano foi IniCIa o c~ I ~ de santo . , . m r Alvinho de Omolu, seus um o - . ncm por Manade Xango, nc po d Sa' d oAxéOloloquê tcrreiro-m.1ledanaç.1lo d terreiro e va or, ' "Em 1989, Baianocomprou o terreno o . d f "li "e-santo carioca, pois Maria de . d ma crise no meio a aml a..•..• dono Essa aqUlslç.1l0desenca ecu 11 I ,. lo do terreno havia muitos anos. oc.aç:lo com o propr e r Xangô c o Pantanal estavam em neg I Jr (fá Mongé Gibanauê dois outros foram I. Com exccçlo do terreiro de Alvinho de Omolu'd: d: Rio de Janeiro: o de ~,uzia de Oxum, em abertos por filhos.de-santo de Cristóvão no Esta
1,1
na cidade de Duque de Caxias (Parque Fluminense).
Por volta de 1970, Baiano
"A iniclaçâo de um membro da prÓpria iamilia nuclear é proibida no candombl!. £ por CSSi1 raUlo que a filha deCrlstóv:lo follníciada por uma mlc-de.sanlode um lerreiroamigo. Essa proiblçlo, contudo, limítõl-sc âs rclaçOcs de filiaç:lo ou matrlmoniõlls. Um pai-de.santo pode, portanto, iniciar sua nela sem quebrar as regras rituais. 'J
Prandl (199u; 22J apresenta um.J genealogia um p?uco diferente para o terreiro de Oloroquê. a 1 :;'...1 .O".,..\.u n~? ~tonhr~adl pda a: ..al mJ~-êe-Soi.r.:o d.l cua ~ P.i.:".':.a:".l: ~~~ ;;OI'): .1.:-.__.:-.-: ~ ','=.':' .• "".;.:-~-~
~
::~""a~
o CONrtNUUM
RELIGIOSO
~
131
I
Alvinho de Omolu (Álvaro Pinto de Almeida), filho-de-santo
de Cristóvào
de Ogunjá do terreiro do Pantanal, foi o primeiro branco iniciado no Pantanal c um dos primeiros
filhos-de-santo
de Cristóvão no Rio de Janeiro. Conta ter
A umbanda No capítulo
precedente,
vimos de que modo a umbanda
nasceu no Rio de
" nos anos 1930 , bem como a preocupação de purificar o culto dos eleJancHo mentos mais próximos da tradição iniciática e sacrificial do candomb1e. A I
sido muito discriminado
em razão da cor de sua pele, pois se dizia na época que
"um branco não tinha santo".
Em 1954, iniciar um branco não era tão fre-
língua portuguesa tomou o lugar da língua africana, a iniciação foi simplif~cada
qüente como nos dias de hoje. Alvinho deveria ter sido iniciado no culto do
e quase eliminada,
deus Logunedé, mas esta divindade,
candomblé,
da" na cabeça de um branco17•
"cheia de encantos",
não podia ser "fixa-
Ele foi iniciado no culto de Omolu (Azauã), que
e os sacrifícios de animais foram condenados.
reduzido e as "entidades"
que se encarnavam
ram de ser os orixás, para se tornarem os caboclos, os pretos-velhos,
decidiu possuir o jovem noviço, então com quinze anos. Alvinho passou mui-
os cxus e pombagiras
tos anos ao lado de seu pai-de-santo,
conselhos aos homens. Em 1939, Zélia de Moraes fundou
participando
de todas as atividades
ais. Em 1960, afastou-se do terreiro do Pantanal. Omolu iniciou seus primeiros sado e sempre
iaôs (filhos-de-santo),
com a ajuda de Cristóvão.
familiares e de trabalho",
em um terreiro improvi-
Um ano mais tarde, "por razões
decidiu instalar-se em Sào Paulo, onde permaneceu
até 1972 e se tornou tão célebre quanto Joãozinho Alvinho chegou a São Paulo convidad~ santo de Tata Fomotinho,
ritu-
Foi no Rio que Alvinho de
da Goméia.
a
criadas no Recife em 1934 e em Salvador em
o problema da discriminação
contra os cultos, levada a o reconhecimento
dos ilegítimos. Assim, a umbanda "branca", criada pelo grupo de Zélio de Moraes,
importante
de filhos-de-
que logo se tornaria
na TV Tupi um programa dedicado aos cultos afro-brasileiros: durou até 1968. Em 1972, voltou para o
onde abriu um terreiro
no bairro de Santa Luzia (Baixada
Em se!:,'Uida,após um curto período no bairro de Olaria, fundou o
terreiro Ilê Ifá Mongé Gibanauê, no subúrbio de Engenheiro trema periferia do Rio de Janeiro. Alvinho de Omolu iniciou centenas de filhos-de-santo
buscava na purificação de seus elementos negativos, ligados àll~rige~ af~~cana, \ uma Icgitimaçao que poderia separá-la claramente dos cultos
muito conhecida
paulistal8• Em 1962, Alvinho de Omolu foi convida-
Quando os búzios caeml9• O programa Fluminense).
a primeira federação de umbanda,
e de quem Alvinho fora ~ pai peqlleno. Tnstalou-se no
meira geraçào de pais e mães-de-santo
Rio d.e Janeiro,
bem como
do Brasil (UEUB)lO.Seguiu o exemplo das federa-
ções dos cultos afro-brasileiros 1937, para enfrentar
Pedreira, na ex~
nos estados do Rio
?\
isto é, para dar seus
social, em decorrência de distinguirem os cultos legítimos dos cultos considera-
.~anto. Durante os anos passados em São Paulo, Alvinho iniciou toda uma pri-
do a apresentar
União Espírita de Umbanda
para "trabalhar",
do
filho-de-
terreiro de Décio e começou a iniciar uma quantidade
no mundo do candomblé
que "baixavam"
cabo por fortíssima repressão policial. Queriam, portanto,
por Décio de Obaluaiê,
~ :antea~
nos medlUns delxa-
Foi a partir do pós-Guerra que a umbanda
iI1fenores .
'
adquiriu caráter nacional, com
o fim da repressão aos cultos característica do Estado Novo (1937-1945), sob a ditadura
de Vargas. Durante esses anos, os franco-maçons,
umbandistas
os kardecistas,
os
e os iniciados dos cultos afro-brasileiros em geral foram submeti-
dos i\ jurisdição do Departamento
de Entorpecentes
c de fraudes da Polícia do
Rio de Janeiro. Esta seção cuidava de todos os problemas relativos às drogas, ao abuso de álcool, ao jogo ilegal e à prostituição.
Os terreiros tinham de solicitar
à polícia uma inscriçao especial para funcionar estavam, portanto,
em liberdade.
Suas práticas
associadas a atividades marginais e desviantes.
de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais, bem como na cidade de Brasília. ~"As federações dos cultos afro"brasileiros com a sociedade, i\"ü\'il I,l.;uaçu, e o de Décio de Oxalufã, cm Manilha Clrlo~d('Oxurn,o{kl)on;IJuremad('Oxumcod('Joséd('Ot o (.rrelro de Alberto de Omolu.
(Niterói). .
"FiXarum
•
.
A GlhcÇ
<
Em Brasília, são (rês: o de Alberto I ," N r d la ualc. o .sta o deSao Paulo, hei
devclll garantir
somente
projl:to normalizador,
nos momentos
é vi~1O pelos antiumbandlstas íllstltuiç6cs
co~ toda hherdade.
intervindo
de real1zar um
cm face das múltiplas diversidades existentes em um ml:smo culto. éassi~ da umbanda
dJdc de relaç6t:s tem, ao nivel das federaçõcs, sua contrapartida:
'" O titulo do programa se refere à prática ;tdivinhatória do cando 11' . d.. m) e que repousa na mtcrpretação
a negociação:
do culto. Na verdade,
de crise declarada. A impossIbIlidade
e-'lJlicitilda por Zelia Seiblilz: "}:sta potencialidade
'" A ('55('rcspeito. cf. Prandi (1990).
132
têm como função principal
que cada terreiro possa realizar "sua" umbanda
como mt:diadoras
d d"" d " . " " orça C5~a IVln ade no Irllclado. com seu iniciado.
e da umbanda
P
são arrastadas
para abrir espaço para a dl\'crSIcondenadas
como mais um sinal do desregramento
para o continuo
a um sisifismo, que
da umbanda.
rcinicío de um projeto de unificação
la\lllll:m a siluaç50 de acusaç50 em que são atirados seus partiCipantes.'
aquelas
que expressa
(191:)5: 131 l.
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o
CONT!NUUM
RELIGIOSO
~
133
~_<
A partir dos anos 1950, várias outras federaçôes no JUo. Três delas reuniam
de umbanda
os centros que se reconheciam
como o de Zélia de Moraes ou a Tenda Mirim de Benjamim centros. não aceitavam
~a ~e u.mbanda de orientação ~ao Esplcita Umbandista, og~ se tornou o porta.voz ra~l~al~cntl'
As três outras federações africana.
fundada
,
,
nem qual-
defendiam
uma for-
A mais importante
delas foi a Federada Silva Pinto, que
da umbanda
Ele defendia
relvlncl~cassc suas origens nas tradições
"
Esse~
em 1952 por Tancredo
dos praticantes
grande popularidade.
branca
Figueiredo.
o uso de ata baques, os sacrifícios de animais,
quer mistura com o candomblé.
"africana",
uma umbanda
africanas.
Tratava-se,
A oposição
foram criadas
na umbanda
alcançando
"popular"
que
pois, do primei+
ceu muito terreiros
de candomblé religioso
cUl1tilllwm
candomblé, como
a cabula.
.Os an~s 1940e 1950 marcaram também o surgimento de programas de rádio dedicados a umbanda O prim . . d . . eIra, cna o em 1947, chamava-se Meludias de terreiros e tll1~1apor objetivo divulgar o culto. Teve enorme sucesso: de quinze minutos semanais em . ] 947 ' passou a d uas h aras, d uas vezes por semana, em J 969. A.partl.r dos anos 1960, algumas ~~les II1clUlf ~ma referência
explícita
federações
redefiniram
seus nomes
às formas mais africanas
to! o caso t1a I-ederação Espírita de Umbanda
para
de culto, como
e das Seitas Afro-brasileiras.
Com
omolocô,
Tancredo
"africana".
da Silva Pinto
Nessa época, vários médiuns
cOllti11l1ll1ll
religioso, passando
filiar-se ao candomblé razão do considerável
angola. número
des de culto consideradas
A circulação
dos médiuns
Reginaldo
em face da umbanda
Paulo durante
os últimos
O candomblé
em
para outras modalidanagô.
cultos parece ser um dos traços
Prandi (1991) analisou
e sua importante
difusão na cidade de São
dos grandes centros urbanos
de 1960, no Estado de São Paulo, eXistia um único a casa de Seu Bobó, fundada a se difundir
vários pais-de-santo
a valorização
até os anos 1970, parecia
era tido apenas como uma origem longínqua
candomblé,
do Sudeste.
da umbanda:
terreiro
antes
que se dizia de
em 1958, em Santos. O candomblé
em São Paulo a partir dos anos 1960, com a chegada de Salvador 'e do Rio de Janeiro,
1970, de acordo com Concone são que esta havia realizado
A ohri~;]ção de um centro de culto registrar se .. hrasileirm: em 1971', na Bah. _ - ;a poliCIa cessou em diferenlcs datas nos estauos , la. mas em SilO LUIS do Maranhão a pessoal ue Sér~io Ferrelli. penas em 1988. Comunicaçào
ao longo
para em seguida
está quase desaparecido
anos. De fato, a umbanda,
fadada a ser a religião mais importante
~l ~I
desse culto
já transitavam
ao omolocê,
como o candomblé
entre os diferentes
desse universo.
do candomblé
anos 1950
e o
AO CANDOMBLÉ
característicos
12
entre a umbanda
como uma espécie de umbanda
Hoje, o omolocê
à década anterior. Assim, o candomblé
tlcas de esquerda. Sob a ditadura, os centros de umbanda passaram da' 'd' e ,.. jUflS Iça0 po JCI
até as
sua origem nos cultos bantos,
de umbanda
mais prestigiosas,
nos
XIX, um
do kardecismo
de iniciados que passaram
I~tluencla
polí~
permane+
(cf. Figura 4). Esse contimwm
da umbanda
começou
posições
africano"
foi o chefe carismático
e que se apresentava
o advento da . ditadura militar em 1964 '.... a umbanda p"rd"u.... seu ' cara'l er margl.' na!. Com efeito, por ter numerosos militares entre seus membros a Ulnba d sbf.d ' na : e _ e~e ~CIOU a proteção do governo militar, que a utilizou pa.ra combater a da Igreja católica, a qual, desde os anos ]950, adotara
mais "brancas"
o qual reivindica
/I
Assim, toma forma, o fim do século
dos cultos afro-brasileiros
surgido no Rio de]aneiro
DA UMBANDA
os terreiro~
no Rio desde
que vai das formas
chamado
que reivindicava
tendo
e um modelo
se revela ainda pela criação de um culto intermediário
desse
seus laços com os cultos afro-brasileiros,
"branco"
presentes
formas mais "africanas"
ro n~ovlJn('nlo de volta às origens no meio dos cultos do Rio de Janeiro. fancredo da Silva Pinto p bl' " u lCOU mUitos 1Jvros em que apresentou a umbanda como parte da herança africana A umbanda portanto . " , começou a se organIzar em torno de dois pólos opostos: um formado pela umbanda "bran~ ca", influenciada pelo kardecisrno e pelo d"s",'o d..<.: cflar urna Imagem . . . • ••.. ••.. SOCIalmente respeltavcI e , logo , nao - a f'ncana, e o outro, pela umbanda "africana" de umbanda se distribuído ao longo desse continuum, que ia de uma forma branca a uma forma africana.
entre um modelo
forte no meio dos cultos afro-brasileiros.
aumentando
de
nos anos
e Negrão (1985: 48), mais de 1000% em relação repetia, em relação à umbanda,
em comparação
com o espiritismo
a expan-
kardecista
nos
.
Nos anos 1950, contavam-se
1.869 associações
São Paulo, entre elas 1.023 umhandistas, anos 1970,8.685
associações registradas,
religiosas espíritas regularmente
485 kardecistas
registradas
e apenas uma de candomblê.
das quais 7.627 (87,8%) umhandistas,
Já
em nos
202 kardecistas
c 856 de candomblé.
134
"'"
A BUSCA
DA ÁFRICA NO
CANDOMBlÊ
o
CONTlNUUM
RELIGIOSO
~
13S
)-
Segundo
Prandi e Gonçalves
(1989: 226), teria havido
duas modalidades
de difusão do candomblé
em São Paulo: uma ligada ao processo
de iniciação
dos adeptos
que. em momentos
buscaram
da umbanda
ajuda dos pais c mãcs-de.santo
reputados como os mais "poderosos"; dos no candomblé
de crise religiosa,
de candomblé
que chegavam
c a outra decorrente
do Nordeste
ções de vida. Roger Bastide apresentou dos ritos e dos deuses":
do fluxo de inicia.
em busca de melhores
três casos do que chamou
Em São Paulo, tivemos conhecimento
a
da Bahia e do Rio de Janeiro,
I
condi-
"a migração
de, pelo menos, três tentativas; a pri-
meira por um babalor;xá do scrlão baiano, vindo duas veZes, mas que não encontrou
nem mesmo uma ocupação remuneradora
por um hahniurixá de Alagoas, que desembarcou de objetos de culto (uma verdadeira compatriotas,
mas n:io conseguiu
mudança
para viver; a segunda,
com grandes malas cheias I
de seu Xangõ) e encontrou
l
instalar sua seita; depois de um ano de
I
estada teve de partir; por fim, a terceira pelo bnhaiorixá da Bahia que tivera tanto êxito no Rio e queria constituir
I
uma espécie de sucursal de seu can-
ASSENTO DE XANGO
domblé numa cidade em que já se encontrava uma dúzia de seus antigos fiéis, onde fora, aliás, chamado
pelos paulistas durante suas lutas contra Vargas,
para celebrar sessões de magia negra. Mas o terreiro que fundou evolui mais
.1 ' ~'
para o espiritismo de Umbanda do que permanece fiel às normas puramente africanas (1960: 301).21
A importância
li I
pcnhado
o sucesso
da iniciação
levou a uma circulação Salvador
progressiva considerável
dos adeptos de umbanda
no candomblé
de pais c mães-de-santo
entre
e a cidade de São Paulo. Alvinho
das figuras mais representativas
desse processo
São Paulo. A naçào cfon se afirmou modalidades
de Omolu,
de culto, como o rito angola propagado
do candomblé
por Joãozinho
LIB;'I5lidl' 5l' rl'fl'fl' IlI'Sla pa~s..lJ:l'm .10 pai-dl'-santo 1(111dl' J.lnciul l.hdl'~ dl'll'rrciro
bai,Jno)ollo1.lnho
no inicio dos"all()S 1950. Mesmo sem (JCtliX'N'dI' tio Ilrasil. Encontramo~.
di.\Curso ..los partidários
oe~sa5 pouca51lnhas
dos cultos "purosH profere
contra
(i'xilo fill;'lncelro). a prállca da magia negra, a cOlllaminaç.lo IIorm.1S Hruraml'nlcafricana5".
1 36
do "modelo puro do culto" (: 82)0 . _ d domblé Mas quais são as verdadeiras causas da dlfusao o can
em
da Goméia, ketu (nagô),
r ,
cu lias: o lnlere~se
pelo cspirlli.uno
lo? Por que tantos adeptos da umbanda decidira~n se conv~rtcr?e an ola _, ao S ndo I'randi (1991), o candomblé - nago (e[on e ketu) g egu . ,. "ao com o obJ'etivo de "preservar - PIão era mais uma re 191 chegar em Sao au o, n" I' '-0 étnica e sim uma religião univero patrimõnio cultural negro, uma re Ig~a da ~cle da origem c da extração
do quI' o mall'rlõll
I'mites
da Goméii'l. que SI' inSlalou de Haslide, um resumo
em São Pau-
sal, aberta a todos, independent:7en~~h: ~~r muito ~endo transformado em social. Na realidade, o candom e VI . rg'ãoquena .. lembra Vivaldo da Costa Lima, a re I I uma rehg130 para todos. Como. " oca de Carneiro e de . , d Nina Rodrigues era a dos afncanos, e que na cp "oI epoca e nos anos 1970 uma religião popular, sem li Ramos era a dos negros, tornou-se, ,
no
pure?..1, foi um dos mais célebres
os demais
da Silva (1992: 80), que também
o Rio e
em detrirnell to das demais
em razão, principalmente, de suas semelhanças com o modelo considerado mais puro e, por conseguinte, mais prestigioso.
por Alvinh~ de Omolu e po~s~ves
. (Baiano) foram subhn~1ad~s por oG~ fÇn à busca das raízes, vale dizer, à busca atribui a importante dlfusao do nto e o
da nação e(on, foi uma
de difusão
rapidamente
d blé de São Paulo e o papel descOlda naçao efon n~ can i~:ão.de.santo Waldonliro de Xangõ
e o n.lo-rcspeilo
de
I
étnicos
c sociais bem definidos"; . . certeza se poderá afirmar que o ca ndomblé atual da Bahia _ mesmo .0. casas maiS. orto d oxas c "africanas" _ está a cada dia iniciando pessoas de nas
I Icom
£;A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBl(
o
CONTINUUM
RElIGIOSO
~
137
f
"
outras classes, brancos da Bahia, e mesmo estrangeiros sem qualquer compromisso étnico ou cultural com os padrões dominantes (1977: 61)."
Essa transformação base da construção
do candomblé
é igualmente
da oposição entre cultos "puros" e "degenerados".
de. uma fidelidade às tradições puramente
africanas. A verdadeira
de um patrimônio
Bastide
religião é,
étnico. Mas Bastide
não podi
a
nos cultos do Sudeste o sinal da perda
POIS,aquela que se funda na manutenção
Aliás,
tinha sido aceito no terreiro do Axé Opô
i\follla. Foi levado, então, a postular
a existência
de dois tipos diferentes
de
conduzido
a se identificar
filho de portugueses,
com uma origem africana que não está necessaria-
iniciado em terreiro nagô, reivindicará
mo cultural" de negros submetidos
eles se afncalllzam
A
às regras de uma sociedade de classes. No
contato com os brancos (sobretudo imigrados pobres), os negros perdem facilmente suas r
Existiriam,
portanto,
nao só dois
sem hesitação sua das diferenças
raciais em uma religião universal, e sim a afirmação de uma identidade positivamente,
independentemente
Com efeito, o pertencimento
ao candomblé
"puro africano"
seus processos de descolonização,
interessado
nos países da África ocidental,
com os quais já mantinha
comerciais,
se torna, a
f: nessa
na cena política e econômica
O Brasil estava extremamente
çôes
mas onde as importações
nesses novos mercados,
ultrapassavam
as exportado Senegal,
Lêopold Sêdar Senghor, e da assinatura do primeiro acordo comercial senegalo.
canos não lusófonos25• Essa mudança de atitude em relação à África tambêm determina
~udança.
mulação
brancos que dele partICipam podem afirmar , com Bastide ,ncanus "ai sum " Dois tipos de brancos, portanto, e dois tipos de negros: por que então passar de uma religião nacional-
a umbanda
brasileiro envia uma missão comercial
global da política nacional
importantes
a seis
que inaugura a política comercial com os países afri-
perante
expressar uma origem cultural comum, no estabelecimento
uma refor-
as religiões afro-brasileiras,
elas se tornam
um dos trunfos
de relações diplomáticas
Ao mais
com os países da
- para uma re "" 19lilOque, apesar de h
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
Alé os anos} exterior virada lllostra
950, o Brasil, que fazia parte da comunidade
com a politlca dl;cisiva.
Hdaçôes
rjclll;lao negra. F.de origem negra porquc veio trazido pelos africanos. O branco aderiu ••dotou s' teulJem.j ... IQuelTIseguraedcmarcaot .. i' " e . crntor o somos nos, os pobres, principalmente os negm, , em )(Ha eXIstam brilncos inseridos no t "" . . ' . can, om" e qu(' sClam maIs crentes m
I;;
J:'.m 1965, o governo
países da África ocidental
~. A ess(' respeito, as palavras (te Mãe Stclla, ialorixá do teueiro do Axé O - Ar , a 'uanj'- d . ,_. po onJa, ('conSIderada g... la as tr,adlçoes do candomb1c baiano, são bem significativas: "O candomblé não é uma
138
relações
largamente
de negros' . os nago's , que lmpoem " suas tradiçôes aos brancos, e os bantos, que são,
sobretudo
ü ano de 1964 é o ano da visita ao Brasil do presidente
(1984) - mas também dois tipos diferentes
OIcho cultural em que a tradição africana (o "patrimônio
agindo
riquíssimas
brasileiro.
Assim, o candomblé "puro africano" pode continuar a se afirmar como
época
internacionaL
dif~rentes '. - a "aristocraci'a" (o SlIleecualS ' t I t ' brancos) ligada aos nagôs c a "plcbe" ligada aos bantos, corno afirma Peter Fry
tipos de brancos qualitativamente
cultural,
da origem real de cada um.
partir dos anos 1960, fonte de prestígio na sociedade brasileira. de maneira efetiva e independente
o produto de um "mulatis-
da Goméia. Todo novo iniciado é, assim,
origem iorubá. O que está em jogo aqui não é uma dissolução
cultural" dos cultos
com sua "metafísica"
sempre se faz
mente ligada à sua própria origem familiar ou racial: dessa maneira, um branco
que os países africanos empreendem
a "lei afrIcana"
de sua cor de pele ou de sua
profunda com uma origem e uma
de suas raízes africanas, afirmou~se em São Paulo em detri-
mento da nação angola de Joãozinho
re!Jglao de negros. Os brancos que entram em contato são levados a aceitar "naturalmente"
'.~'.
maior proximidade
afro~brasileiros nas grandes cidades do Sudeste e a mestiçagem resultante de uma forte imigração européia (.. 417) . O candomblé da Ba h'la IOI'd' eSlgna d o uma . ._
macumba, de origem hanta, seria, em contrapartida,
,)
uma identificação
em relação a uma pureza africana ideal, e como a nação efoo, ao reivindicar uma
conotada
brancos, assim como haveria dois tipos diferentes de negros, Para isso, estabeleceu uma relação entre a "degradação
um, independentemente
tradiçâo africanas? Vimos como a filiação religiosa a uma família de candomblé
em religião universal
(1960) viu na dissolução da etnicidade
sua abertura a qualquer extração social, propunha
nos candomblés
colonial
portuguesa.
Uma publicação
Exteriores
do Departamento
do BraSIl, dedicada
utilizariam mercadorias
o
ao primeiro
de Cultura
CONTlNUUM
periodicamcnte
REllGIOSO
Ar rica
sua política
I' Informação
do Ministério
da bem-sucedida
c trazendo
uma das
missão de comércio
decidIU em caráter dcfi mtivo que as embarcaçõcs
os portos da costa oeste africana
1Jrasilci ras p
alinhava
Festival de Artes Negr
hem os efeitos dessa nova po1itica: "Após o retorno
il A[rica, e!TIjunho de 1965, () governo
luso-brasileira,
A missão de 1965 na África OCIdental provocou
produtos
brasileiras
na rota para o Mediterrâneo,
levando
p
~
139
É assim que o candomblé
África ocidental.
origem supostamente
pura c tradicional.
te ver, nas cerimônias autoridades
públicas
civis e militares
como o carnaval
e o samba,
(principalmente
mento
da contracultura,
época
ela afirt;;;ção
Paralelamente, resultant~ continua
em resposta
os 'negros brasileiros
permitem
a formação
a ser pouco numerosa. se tornam,
então,
canotada,
O candomblé
ao autoritarismo de negros, conseguem
da "brasilidade",
nas agências folclóricas
de turismo de
do movi-
da ditadura
militar. É a
homossexuais
e mulheres.
ter acesso aos estudos e a mobilidade
componentes
culturais
univer-
social dele
ligados ao candomblé
de uma identidade
pouco a pouco,
positivamente
uma visibilidade
Nazaré), sem dúvida
alguma
social em do Gantois
a mais célebre sacerdotisa
da
Bahia, a primeira a ser conhecida nacionalmente, inclusive fora dos limites do Z culto ;, Era muito comum vê-Ia na televisão ou em revistas. Cantores e poetas lhe prestavam de sua iniciação
homenagem. a canção
Em 1972, Dorival Caymmi "Oração a Mãe Menininha",
no Vcloso,_ Gal Costa e Maria Bethânia, Essa canção
conheceu
os filmes de Nélson mundo
extraordinário
dos orixás na cultura
nacional.
da obrigação
na polícia, decisão que pôs um ponto
para o jubileu
interpretada
todos três filhos-de-santo sucesso. Os romances
Pereira dos Santos
anos 1970, no abandono
compôs
já haviam
DO DISCURSO RELIGIOSO
por Caetado Gantois,
a passagem da umbanda ao candomblé sem.pre é d f la --- '. . - ,. )c10 direto dos orixás se expressa, e orrr justificada por uma neceSSIdade,. o .aI to determinado da vida do 1:t . ou pelo infortulllo. Em um momen geral, pe a (oença , b 'I' da umbanda não é mais suficiente . -. "ção no quadro sim o leo médium, Slla lIl~CII . . " desencadeia. A solução , d 'nar as dificuldades existenClals e a cnse se . . para 01111 .b ada então em um universo conSiderado mais ara os novos problemas e usc, , 1 o ~odcroso: o candomblé. A iniciação, portanto, sempre ~ ~ensada co.mo ~ g " 'd" epcn dente das escolhas individuais: as dlvll1dadcs se lmpoern im:vltavel, 111
No discurso
dos
t!,l~l_flS!
. t bre a vontade dos homens. dlretamen e so . . .. de código nos cultos afroF se tipo de explicação constltUI lima espeCle .,,5,. ..' toda iniciação em um culto, sem distinção de origem ou brasI1e1l"C)s,e comum a d d' nidade se faz constantemente nesse rrau de pureza. A descoberta a me lU .' gquadro de crise existencial, em que quanto mals. o médium for..'retICente, _ mais .a 'd d do apelo divino será afirma d a. A acel"ação da propna m1SS30 CSPIveraCl a e t deuses Por '. I' lcan ada após longo períódo de luta interior con ra os . fltua e a ç b d o candomblé? Por que reviver a mesma crise, q e então passar da um an a a < , • li , vez por ,.. causa dos orixás , quando desta
já se aceitou a aliança com os espmtos
de Jorge Amado e
começado
O movimento da inscrição
A "C1ENTlfICIDADE"
nacionais,
1970 a difusão
que jamais tivera. É a época de Mãe Menininha
nacional
(Maria Escolástica
as
.. . te desde os anos 1930. Ser iniciado no cancultos afro~brasilelfos, eXlsten . It I' de "coisa de domblé erdeu sua conotação negativa de atraso SOCIale cu ma: , em fonte de prestigiO. negros eppo b re 5" o candomblé se transformou
dos
de uma classe média negra, que no entanto Os símbolos
adquire,
de candomblé,
que deixa de ser sinônimo
nos anos
do nível de escolarização
"africano" ámbito
"africano",
corrcspondc
dos movimentos
O crescimento
a ser proposto
como uma das atrações
do negro
c atraso cultural,
tradicionais
sua
é freqüen-
lado a Jado com os representantes
se torna um dos símbolos
e começa
a Bahiatursa)
A essa nova imagem ignorância
sitários.
dos terreiros
brasileiras
africanos.Z6 O candomblé
govt'rnos
nagô da Bahia vê valorizada
Nessa época, por exemplo,
a introduzir
culminou,
dos terreiros
final no longo período
o
no fim dos
de candomblé
de repressão
de umbanda? Nos discursos
dos médiuns,
o aspecto inelutável
pela crença em um poder superior, religioso e mágiCO,. I.igado ao candomble. é mais forte pode resolver os problemas
aos
.. , _ . d r ado da lnIoaçaO e up ~~
preeminên~ia
é afirmada
sobretudo
e~:~
com mais faCIlidade que a umbanda. quando
se trata de enfrentar
~s. at~ques
, como um me'd' lU m de umbanda analisou a "guerra_ "rnlstlca que místicos, EIS õe uma mãe-de-santo de umbanda a um adepto de candomble: Mas ela tarn-
0}s rt'lações
(om'os representanles
do pelo emhaixador
dos governos africanos esobreludo
o papel cenlral desempenha_
da Nigéria eslão ligados ao processo dc Teilfricanização que será analisado
terccira parte desle livro, A mudança
~-?Iitica
exterior brasileira determinou
(ultm.1l, (Otn a criação de (entros de pesq~i.'ia esjT~mrnçêã difusào (ivrlizaçào iOTUbás em Salvador, em São Paulo e no Rio de Janeiro. " M,'\c Menininha
era bi.'ineta de Mari.:l Jülia da Conceição
Engcnho VelllO, cOllsiderado de .1gmto (Ir: 1<)~6.
140
na
uma nova política
de cursos de língua
N
e
o~, ' 'zo . Vai cutucar o diabo com vara ';curta, Sabendo que ela. bem e uma ve Ih a sem lUl , b d ao tem força. Ele é candomblezeiro, malS forte que ela. Ela vai e de um an a, n 91 432)ZIl cutucar o diabo com vara curta" (citado por Brumana e Martinez 19: .
do
o Illais antigo tern:oíro de Salvador, Nasceu cm 1894 l' morreu em R
.. ....., almcntl' estabelecida em relaçào ao " Ess
i).' A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
O CONTlNUUM
RELIGIOSO
~
141
Mas a iniciação sobretudo,
dos médiuns
uma maneira
de umbanda
de acumular
no candomblé
prestígio,
mãe-de-santo kctu Dina de Iansã, oriunda blé em 1971:
é também,
como mostra
da umbanda
e
o discurso
c iniciada
da
no candom-
[.
Uma pessoa umbandista que vai a um barracão de candomblé não deve participar da roda, porque não passou por determinadas
coisas. O candomblé nós
dá um statm diferente do povo de umbanda: você é iaó, novinha de santo, mas se você chegou a um barracão de candomblé você tem um valor. Por exemplo,
I
• L
cu sou ialorixá e se entrar num barracão de candomblé, o couro [os ata baques]
i
pára, para fazer uma louvação da minha entrada. Se chegar uma zeladora de
I
umbanda, ela pode ter setenta anos, mas já não acontece nada disso! É o reconhecimento médiuns de umbanda melhorem
do status de seus iniciados
público a se iniciarem
sua posição
no candomblé,
no mercado
religioso,
Herskovits
com que
uma vez que isso lhes abre as
portas de uma carreira religiosa que teria sido impossível te sua estada na Bahia, Melville].
que leva muitos
o que faz também na umbanda.
(1942: 21-3) notou
Duran.
que uma das
é permitir que o iniciado satisfaça sua aspiração a uma posição de prestígio e melhore seu status social, em ligação com principais
funções do candomblé
seu status religioso. Com efeito, a economia nunca
busca simplesmente
prestígio a um só tempo pessoal e coletivo: seu grupo de culto. A afirmação acumulação mento leiros.
dos iniciados
A valorização
do Sudestel9•
mais satisfatória
.,
nitidamente
modalidades
contra
l')
142
dos símbolos
no candomblé
movi-
1960 derrubou
as
da religião dos negros, a relação se
ligados à africanidade.
no discurso dos iniciados.
esse culto ainda eram muito
Essa mudança
Palmira de Jansã, mãe. deviveu muito
mal a
em 1957, época em que os preconceitos fortes, especialmente
Sobre.1 dinâmica de afirmação dos novos lideres de candomblé
""
da
era até os anos 1950 uma opção
santo ketu ligada ao Axé Opô Afonjá do Rio de Janeiro, pressão da iniciação
e o de
dos cultos afro-brasi-
a partir do fim dos anos
diante do caráter primitivo
inverte com a redescoberta é percebida
de um
por intermédio
Ela está na origem do constante
no seio das diferentes
do candomblé
religiosa
na troca,
aos cultos "puros" de Salvador, tanto quanto
barreiras entre os cultos. Assim, se a umbanda
..•
fundada
o do pai ou da màe*de-santo
de uma liderança
de prestígio é comum
aos cultos "degenerados"
dos candomblés,
o lucro, mas, acima de tudo, a afirmação
para uma mulher
ASSENTO DE OBAlUAI£
no Sudeste, cf. Caponc (1996).
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o
CONTlNUUM
RELIGIOSO
'$
143 '.
! branca de família portuguesa' "Vint " " . ('ese t eanosatrasoca d I Você era uma pessoa aliJ"ada d' n om) e era um tabu. c uma sociedade por t, ainda pior, ao candomblé. No candombl' ~ _ per, cncer ao espiritismo e, , ", voee nao podIa nem f 1 blc era coisa ... coisa de negro '7 E . a ar, o candam,oe. ra cOisa de ateu, que matava . me livre, aquela coisa toda A I' que faZia, Deus . . que a COlsa do dcrnonio!". A partir do fim dos anos 1960 contudo I" pouco a pouco. O candombl' o c Ima cultural do país muda e começa a ocupar Juga I gioso, beneficiando se d . r centra no mercado reli. . e Importante difusão no ais . . aos programas de rád" E _ P, graças prmclpalmente 10. ssa mudança e expl" d ). seguinte modo: Ica a por I almlra de lansã do
r
o
A
I
f
I
organizados
em um discurso "científico".
cada em um contexto bém a legitimação e supersticiosos"
I
como
magia e ao universo do moàerno
são aplicáveis
tífico pelos intelectuais
as explicações
e racional.
"científicas"
relativas
à
que os valores do munc lhe permitem
É essa afirmação
considerada
participa
e Orliz 1976), esses mesmos suposta
Se, pelo
dominante,
em que a
original
dessa tradição.
em que as tradições
tição", à umbanda,
que conjuga fé c cientificidade,
estavam sob
a urna redescoberta
tradição
se liga a essa busca dos componentes
de uma cientificidade tanto, a passagem Os programas
implícita
do candomblé
do candom-
mas também
° sinal
da fé e da "supers-
para chegar a uma reafrica-
e de sua africanidade, científicos
no pensamento
teológico
da religião.
A busca
os cursos de lín-
iorubás sao sinais da mesma busca de racionalização e dos conhecimentos
em que a
africano anima, por-
da umbanda ao candomblé. de rádio, a procura de textos etnográficos,
dos "fundamentos"
a uma
Passa-se, pois, de uma religião
de origem africana, nização,
social (Montero
a redescoberta
estão ligadas não apenas à tradição,
cientificidadc
torna-se
do candomblé.
dos valores da sociedade valores reorganizam
insubsti-
valor positivo,
na busca das raízes africanas
escola e o saber sa.o os canais normais de ascensão e legitimação blé: as raízes culturais
ser aceita
de um discurso cien-
do culto que impõe o livro como instrumento
tuível de formação religiosa. Hoje, essa cientificidade umbandista,
ligados à religião.
do culto,
Procura-se
urna
razão para cada gesto ritual: Eu gostaria de saber como é que o africano inventou isso. O princípio. Porque eu não fil. teologia, não fiz faculdade, nào tenho nada. Então, como é que começou? O que é que de entendia de biologia para dedicar um igbin (caramujo) a um Oxalá? Será que ele ficou observando [animais] copulavam, hermafrodita.
I
ambos reproduziam?
que quando os dois
[Oxalá é um arixá considerado
Como ele pode saber tanta coisa? Então, para entender
o
sis~ema, a pessoa quer saber para onde vai, por que eu tenho que pingar três
No,.; anos 1990, havia no Rio de Janeiro a m.arumba (termo genérico que faz referen~j~~:O~~. 14 programas
de rádio semanais
dedicados
la, a todos oSCultosafro.brasilciros),
dos
à
pingos de água no chão, por que é que eu uso dendê, por que é que eu uso
uais
mel, por que isso, por que aquilo. Então, talvez nos livros, a gente encontre
per";llntas ligadas fi "ortodoxia" do cu1t nteesses programas, o publico podia telefonar q, ver I d' . o: com Treqiiénc' e azer . (.a Clras dIKUSsõe.~ teológicas. O pap I d la, essas COnVersas se transformavam Sudeste aiudi! não foi e~lud>do e os prOgramas de rádio na purificaç'o I em _ " . <. d OScutosno
uma resposta aos porquês:\I li
"'"
mas tam-
não é mais "coisa de ignorantes
aos valores da umbanda
moderna
livro, o umbandista
A moda dos program as d era 'do10 sobre o candomblé é de compreensão dos "fu d" paralela a uma vontade n amentos do culto Os i .. d l~' os livros que falam do cando bl' B .' moa os começam a procurar , ) m e no rasll e aqueles e ' tado -que tratam dos culto f' - m numero muito limis a ncanos, traduzidos e ~ . assim, fonte de conhecim. t m portugues: o livro se torna . eo os sagrados, ao lado da ex . ~. .. ' VImos como a umband pefleTICla relIgiosa direta. '. a se estrutura à medida ;. . escntos dos Intelectuais do culto. . que c sistematizada nos Ela resulta do bncolagc de vários I '" e en1entos
144
o candomblé:
mística deve ser expli.
a compreensão
místico dos espíritos demonstram
por uma sociedade
gua c civilização
Dura'
desse discurso. A umbanda
objeto de reinterpretação
I
apenas ao candomblé.
que permita
I
O candomblé começou realmente a mudar por volta abriu às pessoas. Apesar da revolução da d't d de 1970, porque se gente começou a falar m ' ,la ura, cu acho que de repente a aiS, as pessoas começara . candomblé" m a assumir, (eu sou de ,.. porque as pessoas antes não assumiam E " -ralar em candomblé Nó . ntao começou a se . . s começamos a trocar mais [noss '., ,tamhém os programas de rádi 30 E' . as expCTlcnClasj c o . U, por exemplo fIZp t d anos do programa de Z'" B "t P ,ar e urante alguns ... ellls e, rograma C lt IAf rádio Rio dc Janeiro qua t 'd' u ura ro-Brasileiro, tanto na n o na ra 10 Roquete Pinto, c nós faláva . Começamo.~ a falar sobre odil. F . . mos mUIto, . 01 ai que as pessoas c existia alguma coisa chamada I' M . omeçaram a escutar que u(' 11. as de onde veio is ? P domblé comcçou a ir t b'. so. arque no canam em mUita gente essa t r:nais de cultura ... a pró . t _' gen e que tem um pouco prla ransformaçao social até do B . que passaram a freqüent ras]1 e das pessoas ar as casas de candomblé 1 r~r o que é o candomblé. ,e as começaram a procu-
selscon.sagrados
A experiência
de racionalidade
A BUSCA
DA ÁFRICA NO
CANDOM8lÉ
o
Entrevista
CONTlNUUM
cOl11l'al1l1ira de lansã, nação ketu.
RELIGIOSO
~
145
o candomblé
passa a ser o lugar de uma procura incessante
dos porquês da
vida. Os iniciados não se satisfazem mais com a mera experiência a comunhão
com os deuses: eles querem compreender,
ritual a expressão de urna racionalidade
procuram em cada gesto
que os supera. Essa mudança de atitude
diante do sagrado causa uma profunda
revolução
na maneira
cultos. Passa-se assim de uma cultura em que a fala é portadora da, e em que os conhecimentos
são aprendidos
de aderir aos da força sagra-
ao longo dos anos passados no
grupo de culto, a uma cultura baseada em um conjunto seu universo religioso, produzidas
mística, com
pelos antropólogos,
de sistematizações
de
mas também pelos che.
fcs dos cultos. Os iniciados no candomblé se dedicam ao estudo de sua própria cultura.l2, à procura do "verdadeiro" candomblé, pois o estudo passa a fazer parte integrante
da cárreira religiosa.
Além disso, na ausência de qualquer de referência em matéria de ortodoxia,
instituição
centralizadora
que sirva
certos iniciados acabam por desejar a
criação de centros de formação para os futuros chdes de terreiros. É o caso de Ornato da Silva, babalorixá e autor de vários livros dedicados
ao candomblé,
que propôs a criação de um "Centro de Estudos Específicos para Formação de Sacerdotes da Religião Afro-brasileira" no qu,11 seriam ensinadas
(Silva 1988: lO), "em nível acadêmico",
as seguintes matérias:
sal, Geografia do Brasil e Universal, noções das línguas portuguesa, cologia Aplicada, Arqueologia,
"História do Brasil e Univer-
noções das múltiplas
. 110 que d.z. "Bom , fulano precisa fazer determlainda temos aquele pedaclO I . . nado trabalho mas não tem como paga.r" Então , a gente sempre tira um
francesa e inglesa, problema
ético.moral,
Psisocio~
, lto de nós para dar a quem precisa, entendeu? Mas, quem nasceu pouqulO. . f m determinado dentro do candomblé não tem esse tipo de COisa:pra azer u
Hoje,
. e. X, pra acender uma vela é outro X, e nós já não .. serviço
Estatística, Música, Dança, Escultura e Culiná-
jurídicas, noções de botânica
c taxinomia
problema vegetal."
esse desejo ardente de legitimação por meio de um discurso religioso "científico" é partilhado pela maioria dos inJciados no candomblé.
PRESTíGIO
a simplicidade e a austeridade dos ~nifofrm~s ~:c~erimônias de candomblé b da Assim embora o carater estlvo da um an . d ' utilidade do trabalho umbandista, é justamente esse seja confronta o c~m _a b e os médiuns. Em contrapartida, o custo excessivo luxo que age como Ima so r . , 'd' e vêm I ' 'tua1 dc candomblé é dificilmente aceito pelos me tuns qu . de qua qucr fl nsiderável para candldada umbanda. A iniciação representa uma despesa ~~. _ do candomblé dá e em Teral, têm poucos recursos. A comerCla lzaçao . tos qu , g d ... dos oriundos da umbanda. lugar a críticas muito freqüentes por parte os lmoa b d .. d o e no's , que viemos_ da um an a, O candomhlé está muito comerclaltza .
línguas africanas,
ria, problemas brasileiros, problemas econômico-financeiros, lógico, implicações
d ão social graças ao reco~ tudo científico" da religião) e, quase sempre, e asce~s ... ação no can~ . 'bl" do ~tatHs de filho-de-santo. ASSIm, se a lDICl nhecllnento pu !Co . 'd d uma pressão divina, . tTcada como uma necessl a e, domblé era sempre JUs 1 I ".' da a doença para marcar o seu hoje ela é abertamente procurada: O afixa man , vão l)focurar o santo ' . eralmente as pessoas so filho, que é bem cetICo, porque g _ 't beleza tdo culpor necessidadc, por doença. Ultim~mente, estao vendo mUI a d t "33 to} e a gente quer se tornar a ep o '. d rte dos candidatos à iniciaÉ precisamente essa beleza que ~tr~l gra~ e pa I J do estético: o luxo e a .. verdade, {)candomblé se opoe a umbanda pe o a <,:ao.Na mblé contrastam violentamente com criatividade das roupas usadas no cando b s vestidos pelos médiuns
essa espécie de Toda pessoa familiarizada com o cao domblé conhece ...,_ oUateh em que quanto mais se gasta, mais se adquire prestIgIO. Alias, a ta~ ~riticad~ comercialização do candomblé eslã na origem de uma vasta econ; . ao M crca d~o o mia paralela: basta Ir a de Madurcira.'S, verdadeiro supermerca
E HIERARQUIA
da macumba, A passagem da umbanda
ao candomblé
ência ("ele é mais poderoso"),
'~Eu IIH'sma estive freqüêntemente V
)
é, portanto,
de aprofundamento
ellvolvida
me pediam expressamente
em longas referências
Arriea, como a de Vcrgcr (1957), que só foi traduzida bihlioteca, centro de pesquisa, universldilde_era se sabia mais quelll efa o pesquisador e quem
146
"'"
14
sinônimo
dos conhecimentos
discussôes
(o "esII
EntreVIsta
com Alvinho
I"
F.ntre\"lsta com nina
sobre ilS "coisas d.l África".
de obras raras dedicadas
para o português
para se dar conta disso.
de maior efici-
aos cultos n.1
Muitas vezes, não
A BUSCA DA ÁFR1C!, NO CANDOMBLÊ
d
R" deJanciro
é um mercado
coberto.
de
"O Mercadão de Madurcira, localizado .~a z~~: ::li:c;n~~o Nele se p~de encontrar tudo o que é três andares. recentemente reconstrui o a. .' .s lata 05 sacrificios. infe1i7.mentc, necessário il um ritual de candomblé: ervas, objetos ou am.mal I hra~il~iros. n:io hiÍ estudos aprofundados sobre a economIa paralela ligada aos cultos afro" .
em 1999. Toda indic.lção_
recebida com grande interesse. era o informante.
de Omolu, naçào dono 1 ação \..:etu ue ama, n, .
o
CONTlNUUM
RELIGIOSO
~
147
Apesar de seu lado oneroso,
ou talvez justamente
por ISSO,muitos
dos
médiuns da umbanda e de seus clientes não escondem a fascinação que sentem pelo mundo do candomblé.
I
diuns incorporam inkiados
Tudo concorre
para isso: se na umbanda
se transformam
em deuses poderosos
o trovão e os
ventos e cuja simples presença na terra é objeto de veneração
coletiva. Para
de candomblé
seja coroada
de sucesso, é preciso que a
cOll1hln
dos deuses, decoração
significa, portanto,
à capacidade
acumular
de brilhar nas cerimônias
as forças místicas. A entrada no candomblé
também
se tôrna, assim, uma espécie de preparação um'''caminho
para o candomblé,
den"tro do candomblé,
abre as portas para uma
para o candomblé:
uma iniciação,
prestígio, e dominar
E a umbanda "A umbanda
tem que ter tido uma vivência
Aos olhos dos médiuns de umbanda,
o candomblé
em que o respeito pela hierarquia
dentro
da umbanda.
tica. Na rl'alídade, encontramos mente compar<ível à organização estóÍ o pai ou a mãe-de-santo
do candomblé.
de umbanda,
Vários auto-
como uma religião democrá-
nela uma organização
hierárquica,
mas dificil-
À frente do centro de culto
figura carismática
que centraliza
o
exercício cio poder no seio do grupo religioso. O segundo lugar na hierilrquia é ocupado
peJo pai pcqueno
ou a mãe pequena,
assistente
direto do chefe do
terreiro. A samba e o cambOlw, conforme sejam mulher ou homem, são médiuns, auxiliares do pai pequeno, pelos espíritos, tomando traduzindo
cuja função é ajudar os outros médiuns possuídos
nota dos trabalhos mâgicos ditados pelas entidades ou
para os clientes a língua ritual falada pelos caboclos ou eXl/S.
A umbanda,
entretanto,
quia cios médiuns conforme
distingue_se do candomblé
pela ausência de hierar-
o tempo de iniciação, cuja ocorrência
'" Entrevülil com l)il1.1de lansã, nação ketu. Esse vínculo direto entre umbanda semrre
nos dois sentidos. É possível, por exemplo, uma filha-de-sanlo
estrutura
e candomblé
de candomblé,
da umbanda, decidir abrir UIl1 centro de umbanda em sua terra nata! porque simpks". Com o tempo. ela {}transformará em terreiro de candomblé.
148
INGREDIENTES
no
NECESSÁRIOS
AOS RITUAIS DE CANDOMBLÉ
À VENDA NO MERCADÃO DE MADUREIRA
é um culto muito mais
deve ser aprendido.
res, como Prandi (] 991: 59), definiram a umbanda
é
porque você, para viver bem
Facilita no entendimento das pessoas, no modo de a pessoa se conduzir barracão de candomblé, na hierarquia":i6.
autoritário,
do
da refeição oferecida opere uma fascina~
carreira religiosa que não é acessivel a um médium de umbanda.
'\
os
que controlam
que uma cerimônia
..
os mé-
espíritos cuja missão é praticar a caridade, no candomblé
o
. proxlmo " s do pólo africano são os Os centros de umbanda maIS , . .' - c h ama do I', Feitura como no candomble. únicos a ter um ritual de mIclaçao, .. . Os outros recorrem ao "b a t'ISmo" , em que o chefe do culto~.'reconhece a .legItlml.. _ dade do trabalho espiritual do médium. A pouca importancla dada a lOIClaç;o
candomblé,
determina
uma série de conflitos potenciais no seio da hierarqU!~. Na ve~da e,
.. - preCisa . d o pai-de-santo para incorporar seus esplCltos, pOISnaso medlum nao ._ d' nidade quem tem a coroa pra trabalhar, la ceu com eles: "Quem tem a me lU, ., . ando cabelo na
espiritual,
mas a relação de subord.inação
pode ser questionada
a qualquer momento,
dade37•
diferenças
E se existem
ao p~l-de-sant~
pois não fOI est~ que~ hx~u a enh
entre os médiuns,
elas nao estao ligadas ao
ocorre
proveniente isso
c
"mais .<1
. f lar da iniciação Com efeito, durante No candomblé, utiliza-se a expr.essão feitura de sa~to para a ova vida ao n;viço, que ficará para esse período, o iniciador (o paI-de-santo) deve ar uma n
I;;A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÊ
o
CONTlNUUM
RELIGIOSO
~
149
princípio de senioridade,
mas ao nível de desenvolvimento
um. Há o "novo no santo", que começa a aprender
espiritual de cada
o trabalho
"médium firmado", que já passou pelo ritual de "consolidação" tos, isto é, de fixação de suas energias em representações
religioso; o
de seus espíri.
materiais
e o "mé-
iniciação (principio de senioridade). portanto,
sível, por exemplo, ser considerado por complexos
lipos de médium se acrescentam
guia, no entanto,
um ritual de iniciação no terreiro: o "médium
tenha havido ou não
feito", isto é, que foi iniciado, e
o "médium que nasceu feito", isto é, que está pronto, desde o nascimento, receber seus espíritos (Maggie 1977). A recusa da filiação religiosa na umbanda
para
do grupo. Um médium precisa da mediação
do pai ou da mãe-de.santo
"mais jovem" que uma criança iniciada no
rituais de saudação e polidez. A observância
para
não é o único meio de ascensão social; há também o mérito.
após ter recebido o decá (cerimônia que simboliza a aquisição de sua indepenpode abrir um novo terreiro, que permane-
cerá ligado ao terreiro de origem. Mas a ascensão também se faz pela obtenção de cargos rituais. Assim, para um mesmo tempo de iniciação,
proteger-se dois ataques mágicos de seus pares. Sua posição de superioridade
santo deverá respeito c submissão
hierárquica
iniciada com ele), se este tiver recebido do pai-de-santo
pode, no entanto,
ser garantida
pela potência
Assim, como afirmam Brumana e Martinez:
liA topologia
de seus espíritos.
relacional do terrei-
tribuição
a seu irmão de iniciação
desses cargos rituais e a transmissão
disso constituem
movem-se
num eixo vertical ao qual se recorre para proteger-se
veiculados
no eixo horizontal
sua autoridade sobre os iniciados. A diferenciação interna entre os filhos-de-santo
O compromisso
entre independência
religiosa e necessária
constante
submissão
a
é a base do equilíbrio, perpetua-
alguém mais poderoso, a fim de proteger-se, mente questionado,
dos perigos
da umband
negociação pela fala dos espíritosJ9,
nos rituais da umbanda
é legitimada
Na verdade, toda modificação
pela intervenção
que ditam suas doutrinas (suas características
diuns que possuem. Durante os rituais, apresentam-se papel que têm no panteão umbandista
e contam
rituais) aos mê.
Essa relativa independência
sua vida. Além disso, é pelo
do médiulll de umbanda
A organização
interna
diminui
se é
~, Essa rede.fin.jçãO conlínUJ da.' rela~ões de suhmissão está presente no conjunto
pelo tempo de
do
os ataques con-
Os fuxicas desempenham na, como a intervenção
no candomblé
um papel de reorganização
dos espíritos na umbanda.
Funcionam
inter-
como mecanis-
das relações de poder no seio d"o
servirão para delimitar legitimidade as acusações
as fronteiras
externas
do grupo de culto: contestar
de outro permite afirmar a própria legitimidade. internas
visando
questionam
a pessoas que ocupam
a organização
a
Em contrapartida,
posições
hierárquicas
do terreiro.
do chefe do culto do campo religiosu
ilfro~brJSlle~r~. Veremos com,o a fdlaç:io religiosa é constantemente questionada no candomblé, por Il1lermcdlO da (local/as IlSlIrlS, isto é, a passagem de um grupo de cullo a outro "1\ esse n:speito veraan<ÍlisedeM • ' (1977 d . , " , 'ag,l;le ) eumad{"/II{//ufaemurnterreirodeumhJndJ Os at,l.q~es.mlsllcos vls,av.am a uma redeHniçào das posições hierárquicas no grupo dl: culto, Essa analise e um dos ranSSlmos estudos dedicados ao conflito nos cultos afro-brasileiros.
150
instituições
Em um terreiro de candomblé,
ticidade do transe41•
distintas "feBo" por inlermédio
de
grupo. Assim, as acusações contra pessoas que fazem parte de outro terreiro
quando
Sempre Iig,lc!o J seu orixá. Esse orixá pessoJI é, portanto, e il suomlsstio do miciado a este deve ser total.
definir como uma das verdadeiras
os {ilxicos.de-santo.
mo de redução elas tensàes e de reorganização
de todo terreiro de candomblé
fundada em uma hierarquia religiosa mais rígida, determinada
é fonte importante
são quase sempre resolvidos
de da origem religiosa da pessoa visada, à prática da magia negra e até à auten-
pelo nome, explicam o
disCllr.~Odeles que os detalhes que fazem parte das regras do culto são continuamente renegociados.
passa ao candomblé.
candomblé:
resultante
para o chefe do culto rcíorçar e manter
no seio do grupo de cu~to. Os conflitos
graças ao que se poderia
um cargo ritual. A dis-
tra um inimigo nunca são ~lir~tos e as acusações podem se referir à legitimida-
dos espíritos, São eles
e especificidades
conflitos
a maneira maisdicaz
um filho-de-
(pessoa que foi
de conhecimentos
ro reproduz a topologia geral do culto: proteção, submissão, castigos e favores da relação entre pares" (1991: 154).
estrita da hierar.
De iaâ, novo iniciado, torna-se ebome, ao fim de sete anos de iniciação. Este, dência em relação ao pai-de-santo).
amplifica o potencial conflituoso
É pos-
ventre da mãe41l• A posição que cada um ocupa na hierarquia religiosa é marcada
dium pronto", que domina bem a possessão e conhece bem os rituais. A esses dois outros, conforme
Todo novo membro de um terreiro ocupa,
uma posição inferior àquela dos iniciados que o precederam.
." No candomblé, considerado
se Ullla mulher
iniciado
no mesmo
santo, pois "renasceram" Il
se submete
a um ritual de iniciação,
seu filho será
nível que a mãe, Além disso, scriio considerados
irm,los-de-
juntos.
A primeiriJ coisa que imlJressiona constantl:
grávida
o pesquisador
nos terreiros
de candomblé
de falar dos outros, de acusá-los para melhor afirmar a legitImidade
é essa mam:Hil
da posiçao ocupada
por aquele que fala.
õ;A BUSCA
DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ
O CONTlNUUM
RELIGIOSO
~
151
Assim, o candomblé oferece ao médium de umbanda um espaço onde ele pode sentir o "gosto do poder" (Prandi
1991: 88), o qual está ligado à ascensão
na hiCfJrquia religiosa c à acumulação de prestígio que disso decorre. A capade dominar as forças místicas lhe permite o acesso à mani.
cidade do iniciado
pulaçào mágica do mundo pelo feitiço, o trabalho funçào da posição que o médium mentos
que ele acumulou,
espíritos.
Duvidar
ocupa na hierarquia
mas também
da legitimidade
de sua aliança com as entidades seu poder místico. No candomblé,
de um médium,
Com o fuxico-de~santo
hierarquizada
reproduzam
as desigualdades
mo tempo a possibilidade ores hierárquicos.
A raridade,
u reinar sober;:ma . afro-brasileiros,
a veracidade
assim, a questionar à demanda
da sociedade
eles dão a seus adeptos
entre e nos terreiros
revela a dificuldade
ao mes-
a seus superide uma
puro) em que a harmonia
de pensar
a sociedade
I
das referências
é a expressão
na maioria dos estudos
uma sociedade hierarquizada e o candomblé de, como observa Roberto Da Matta:
alta~
os cultos afro-brasileiros
nos escritos sobre o candomblé,
presente
umban.
brasileira,
os conf1ilos que os opõem
de um espaço (o candomblé Essa atitude,
(semelhante
dessa sociedade,
às relações de poder e aos conflitos visão romântica
contestando
Todavia, embora
de exprimir
religiosa c dos conheci-
corrcsponde,
a lógica interna
e estratificada.
é
de sua relação com seus deuses Ou
espirituais,
dista), o grupo de culto reproduz mente
mágico. Essa manipulação
deve
sobre os cultos brasileira
como um produto
Como
dessa socieda-
Na verdade, é mais fácil dizer que o Br,1Silfoi formado por um triiingulo de raças, o que nos traz ao mito da democracia racial, do que aceitar que se trata de um.:! sociedade hierarquizada
que se instala através de gradaçàes e que,
cX(ttâmcnte por isso, pode admitir, entre o branco superior e o negro pobre e inferior, toda uma série de critérios de classificação (1979: 46-47). Para Gilberto se a origem
Freyre, inspirador
desta resulta
indígen
I 152
11
do mito fundador
do encontro contribuições
brasileira,
(a branca,
a negra e a
de cada uma se fundem
prior; todo antagonismo
põe em cena o encontro
da sociedade
de três "raças" ou conflito
harmoniosa_
social. A imagem
das raças Como uma aculturação
do har-
': Um.1das r.uisslmasobras a lralardcss.ls questões na umbanda ~a de Maggic (1977). O candomblé conlinUil sendo, na m.lioria dos escritos antropológicos, um c.spaço de harmonia, representação dlrcta da Irildu;ão, em que todo conflito deve ser atenuado.
17 A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBl(
ASSENTOS
o
CONTlNUUM
RElIGIOSO
NA CASA DE OXALÁ
~
153
.' moniosa de seus universos simbólicos, em que toda relação de poder deve ser
CAPíTULO IV
escondida e a ausência de conflito se torna a marca da democracia4J. Negar a existência estes se mantenham
de conflitos
nos cultos afro.brasileiros
faz com que
em um imobilismo que os distingue nitidamente
A REORGANIZAÇÃO
da soci-
DO ESPAÇO SAGRADO
edade global, bem como os apresenta como entidades cult,urais desprovidas de histórias c, portanto,
de estratégias políticas, mas a importância
Durante a passagem dos médiuns da umbanda
da noção de
cia dos "espíritos das trevas" umbandistas
prestígio e o recurso aos fuxicas ou aos ataques místicos nas relações de poder
para o candomblé,
a permanên-
- os exus e as pombagiras -levanta
sérios problemas no plano ritual. Na verdade, esses espíritos são considerados
no interior dos cultos revelam uma realidade bem mais complexa.
.eguns, isto é, espíritos dos mortos. Ora, todo contato com os mortos deve ser acompanhado
de uma série de ações rituais que lhes neutralizem o poder nega-
tivo e a inevitável poluiçao, Ser possuído pelo espírito de um defunto só pode, porlanto,
ter conseqúências
nefastas: a doença, a loucura ou mesmo a morte.
Na ilha de ilaparica, no meio da baía de Todos os Santos, foi preservado
o
culto aos Egunguns (ou Eguns), no qual os espíritos dos ancestrais se manifestam durante cerimônias
rituais. Nesse culto de origem iorubá, o cuidado extre-
mo que se tem em separar bem o espaço dos vivos do espaço dos ancestrais mostra os perigos causados pelo contato com a morte. Durante as cerimônias, os sacerdotes (ojês) usam varas compridas para afastar dos espectadores os Eguns que dançam,
pois um contato
fortuito
com as roupas de um deles poderia
causar uma doença ou até a morte da pessoa tocada. Essa distância necessária entre o mundo dos mortos e o mundo dos vivos é mais perceptível consideramos
ainda, se
a qualidade das relações que os homens mantem com os Eguns.
Assim, ao contrário do orixá, que possui o corpo de seu iniciado para entrar em contato
com
O
grupo de culto, o Egum não possui, mas antes se "manifesta".
---
Aquele que dança c fala com voz gutural, completamente
-
---
recoberto por roupas
que o escondem da assistencia, não é um homem possuído, e sim a materialização do espírito do ancestral, sua manifestação.
O contato íntimo com a morte, acar-
retado pela possessão, suscitaria riscos que homem algum poderia enfrentar'. Como, pois, aceitar que um iniciado no candomblé seja possuído pelo espírito de um morto, por um egum?2Como
um iniciado, que foi preparado
Em 1986, assisti a um ritual runerário pela morte de um oiê na T1hade ltapariciI. Durante o ritual,
.1:\
que durou três noites, os participantes reflexào sobre a realid~~e latino-~m.erlcana
presentadas
muito tempo marcada
como condições antagonlCas, em torno das quais se ordenaria
e das i~Stituições
(cf, Buarque de Holanda
M~tta Introduz uma lógica relacional, dOIS lermos opostos. transforma
fol durante
por opOSições,
se manircstavam.
a histôria dos homens
1936,. Em vez dessa lôgica de oposições,
Assim, a dicotomia
de Dumoot e mediações
(1992) entre Indivíduo
Roberto Da
e totalidade
tinham
extremo cuidado em ficar afastados dos Eguns que
do espírito do ddunto
mortalha hranca - na porta do terreiro desencadeou (' muitas entraram
na qual um ,terceIro termo sempre permite a ligação entre
em um jogo de ambigüidades
A aparição impre\.ista
u ('spíntu,
se
1
(Da Matta 1981; 1979).
Uso
CSf/1H
ancestral
em transe. A calma voltou com a intervenção
restahelecendo (com minúscula)
a necessâria separação
- um homem
recoherto
por uma
uma crise de terror entre as mulheres presentes. rápida dos Oi{~5,que expulsaram
enlre mortos e vivos.
p;ua deSignar o espírito de um morto que não tem o Jwtm de um
coletivo, como o Egum de ltaparica.
O que torna as coisas ainda mais complexas
é que
i
154
~
A BUSCA DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ
I
~
155
1
'1
I
ritualmente para receber uma divindade scnça da morte?
'
pode s d . . e clxar contam mar pela pre-
ano após a iniciação, trançados
que J
Na verdade, os espíritos de umbanda
são considerados
almas d
. H apos sua passagem" (a morte), voltam à terra no corpo
dos
~fficam~~ -do
eum' . _ me lUOS para _ P[J~ :ua 1TI1SSao e ,assim transpor as diferentes etapas do processo de evoluça0 espIrItual. Os espJritos - pretos-velhos caboclos . . '} cxus e pOmbagtr3s ean It am sua Vida na terra, a morte, as razões dos comportamentos -.23m Estã t . que os caracten. . 0, por anta, !Jgados à vida, como estão ligados à mort. . UnJvcrsos em comunicação. A contamina ã . . e. poem os dOIS é "linc1 . ç o potencial dos V1VOS pelos mortos , a mais grave quando se trata dos cxus e das pomba . _. . lados, como vimos, a um universo de deboche amoralidag~ras, que.s~o aSSlffil"espíritos das trevas", ligados a tud ,'. e e perdIçao. São os extremamente perigoso. o o que e marginal e cujo contato pode ser
I
•
contato
com os espíritos
depende
completamente
(ou,
na forma contraída ,
156
,
I,
mágicas.
Essa difjculd<:lde
ua lOruba. Na verdade, em iorub
esse primeiro
ainda mais sua dependência
ciador.
O noVo iniciado
também
é considerado
pois é permeável
a qualquer
os contra-eguns)
que lhe são dispensados
um e~pirito de umbanda, equilíbrio
espiritual
pouco evoluídos,
influência
causada
pelo uso do mesmo
certos informantes),
na magia ofensiva,
com do
se trata de espíritos
para designar
e os Eguns, ancestrais
complexas
quanto
umbandista.
são assimilados
gozam de certa cv2!.uÇão cs~tual. mais se aproximam,
no universo
cujo contato distinção c~nhccido
os quiumbas
Os quiumbas,
é proibido
obsessores
(a loucura),
portanto,
da categoria
ou
são aqueles
já
que
dos eguns perigosos
no candomblé.
sutil é feita por Celinho por seu Exu. Segundo
à categoria
menos evolu-
são espíritos doenças
de exus-
etlwstos, São inferiores aos exus, que
umbandista,
fato eguns, pois viveram e morreram, tes, "pois pertencem
angola, não se trataria
transmitindo-lhes
ao suicídio, e são chamados
sobretudo
não deixe de incomodar
em que qlliwllba indica o espírito
que se ligam aos seres humanos
aos
Essa assimilação
no candomblé,
divinizados,
Na verdade,
à verda-
(ou Exu.vodum,
ainda que a possível confu-
utilizados
pai-de-santo
o Exu do
Exu-Bará etc.) - e
do Exu.orixá
os exus de umbanda
dos mortos
cguns, mas de exus-quiumbas,
candomblé,
termo
de nossos i~J!lantes,
alguns. Para Albino de Oxumaré,
A mesma
O contato
dos mortos, em seu aspecto mais perigoso.
pela maioria
ído do panteão
vulnerável, rituais (como
nocivo à manutençâo
quando
está na origem de discussões
desses espíritos. Para distingui-los
são entre os eguns, espíritos
e impuros,
a fim de protegê-lo.
principalmente
a ele,
em transes
em relação a seu ini-
- com todas as suas funções rituais (Exu-escravo,
é partilhada
absoluta
e entra
daí os cuidados
um egum, seria, portanto,
do iniciado,
ano, o iniciado
extremamente
negativa,
do
como os exus ou as pombagiras.
cguns, os espíritos
levando-os
(os fios de palha para protegê-lo
deve obediência
que marcam
deira natureza
eé~lil)
Durante
de seu pai-de-santo:
incontroláveis
como o chamam
I'Stillglill
dos mortos).
em sua casa ou no terreiro,
os cxus da umbanda
o mesmo termo tambêm designa os ossos usad .. resulta da perda no Arasj! dos lons da líng . os ~m vanas operações
os contra-eguns
trabalha
A confusâo
A oposição entre a persistência dos espíritos da umb. d ortodoxia, que nega todo c I I an a e o modelo ideal de on a o com os mortos . acompanham o processo de' .. _ ' c expressa nos rituais que JnlClaçao no candomblé O . primeiramente a adivinhação _ 1"1 d ,. . paI-de-santo pratica a el ura os bUZIOS Ih . d' correto, as etapas a serem se"d . .. _ -, que e 10 !Ca, de modo . gm as na InlClaçao d . umbanda, são realizados rituais de purifica ão . o nOVIço. Se este vem da e o acompanham. As oferendas ditas "de lim ç ez:"fl:: afa,star os espíritos que tirar qualquer influência d p (5 de ltmpeza) servem para os eguns (os mortos) T espiritualidade _ do noviço A . ' PUfI Icando a cabeça - sede da . sSlm, para afastar um Exu d b se um cbó e sacrifica-se um g I ( . e um anda, preparaa o ou uma galinha no c d O espírito de umbanda deve 1, ' asa e uma Pombagira). . ' en ao, conslderar.se sat' f 't . dlllll1, que adquire assim a proteçã d . , IS el o e afastar-se do méo eseuoflxa Comef 't d' ,. nascer, tem um orixá protetor es ' . d ,. elO, ca a indiViduo, ao . . ' peCIe e an la da guarda inICiação no candomblé seu "d d que se torna, durante a , ano a cabeça" Na b espírito que em geral POSSUI" o -d' _' um anda, entretanto, é o me lum e nao ., Mas o que acontece quando " . o afixa ao qual ele está ligado, os esplTltos não que d' Em certos terreiros, a possessão I rem elxar seus médiuns? pc os cxus e pelas pombagiras só é aceita um
se retiram
nos braços do novo iniciado
freqüentemente
candomblé DO EXU-ORIXÁ AO EXU-EGUM
quando
que são amarrados
de Barabô,
pai-de-santo
ele, os exus de umbanda
mas ocupam
um plano superior
dos exus", o que, todavia,
de
são de ao des~
não significa
uma
identificação com o Exu-orixá: É completamente diferente, O Exu-orixá é uma força da natureza, como os demais orixás. O orixá Exu é um orixá africano e deve ser cultuado como tal, niHJ Vil mos misturar as coisas. As entidades exu não entram nesse panteão,
~ A BUSCA DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ
A REORGANIZAÇÃO
00
ESPAÇO SAGRADO
'"
157
Ij)I
elas n.;o entram nesse departamento
... A entidade exu
n.;o le m ,.19açã o nc-
Mas se os médiuns oriundos da umbanda precisam dos pais-de-santo de . candomblé, estes também precisam dos médiuns. Na verdade, a umbanda re~ presenta um verdadeiro reservatôrio de futuros filhos-dc.santo e de clientes potenciais para o candomblé. Iniciar no candomblé uma mãe-de~santo de umbanda significa estender sua esfera de influência a todo o grupo de culto - e
I1tu,lma com o afixá, ou melhor, ela tem uma relação porque, para que uma entidade possa vir c emprestar caridade c cuidar das pessoas, dentro de uma casa de candomblé, ela tem que vir determinada por um orixá, ela tem que vir como mensageiro daquel c afixa, .. n ã o pode f'Icar completamente aberta, fazer
I
.1
o que bem entende!
evidentemente à clientela - da nova iniciada. Na vasta família-de-santo don ligada a Alvinho de Omolu muitos iniciados vêm da umbanda. Esse pai-de-santo encama a carreira religiosa típica no Sudeste do Brasil. Alvinho tomou consciência de sua medi unidade aos seis anos, quando, após uma crise, foi levado para um centro de mesa branca (kardecismo), onde lhe disseram que seu problema não tinha a ver com aquele culto. Conduziram-no, então, a um centro de umbanda, no qual começou a ser possuído pelo caboclo Sete Flechas. Nessa época, Alvinho não conhecia nada do candomblê. Um dia, quando estava assistindo com amigos a uma cerimônia em um terreiro de candomblé, caiu repentinamente em transe. Estavam no terreiro de Djalma de Lalú, o mais célebre iniciado de Exu do Rio de Janeiro. Conforme a tradição, era ali, portanto, onde sua divindade se manifestara pela primeira vez, que ele deveria ser iniciado, mas sua família, que considerava o candomblé uma "coisa do diabo", veio com a polícia tirálo à força do terreiro. Mais tarde, com quinze anos, Alvinho encontrou Cristóvão de Ogunjá, o fundador do terreiro do Pantanal, e sua iniciação pôde,
Nos discursos dos méd'luns. os exus c as pombagiras de umbanda estão . portanto, . Identificados com os eguns • (u,"o contato v',mos , dev c ser CUI'd il( Iosa-' <, lllCnl'C eVItado
. .
de seus mcdlllns,
no
candomblé.
Para Ilodrr contOmuar a se manl 'f estar no corpo b SlI meler a autori-
iniciados no candomblé • te"m, co I"ao, d c se
dade superior do arixá, "dono da cabeça" do iniciado).
A SEPARAÇÃO DOS ESPAÇOS
A chegada no. candomblé dos médiuns oriundos da• umband'u, c om seus exus e suas pombagJras, determina uma reorganização interna que permite a integração desses elementos ao modelo ideal dc ortodoxia . No cap", u Io prece d ente, . novos . analIscl as razões que levam um médium de umbanda a se ,'n,'c,' ar no can d om. ble. Aquele que "recebe" Exu ou Pombagira, contudo, tem uma razão suplementa~ para ~azê-Io, pois ligar-se apenas espiritualmente a essc cspÍrito pode ~e.rmUIto peClg~so.Marcos de Jansã explica assim a necessidade da iniciação: j'.nquanto vocc não é feito, por ele ter uma ligação muito grande com a vida e com a morte, Exu tem um acesso muito fácil ao scu corpo . ..' . ' a sua corrente :an~U1~e~, a. sua m~nt~. Você não tcm governador nenhum na sua cabeça, OCCnao e fCitO,cntao fica uma coisa aberta, uma casa abandonada, e Exu pode fazer realmente aquilo que ele quiser!" . . para um mé. ., Portanto se c. neccssano dIUm de umbanda submeter seu Exu à autoridade de um orixá a fim dc que na~a de mau possa lhe acontecer, ele tem igualmente de aceitar a autoridade do pai-de-santo que, pela iniciação, faz "nascer" o seu orixá pessoal4.
j .,. fl' ,••• ~
l'
OI
enfim, acontecer. Alvinho conta assim sua passagem da umbanda ao candomblé e a reorganização do que se poderia chamar ."seu patrimõnio espiritual" (cf. Quadro 1): Antes da minha iniciação, eu recebia Exu, mas, ao fazer o meu santo, o Exu foi embora, não veio mais na minha cabeça. O único espírito de umbanda que ficou, depois de todos essesanos de iniciação, foi o caboclo. os outros ... Agora,se na minha cabeça Exu nao veio mais, é o que digo sempre aos meus filhos-
o conflito
Veremm, nocallilulo v, como eM.'suhmlssa,o sempre rcnegoclada pOISé . em tor d pOlllba!ilrasquc ocorrc a maioria dos conflilos no interior do grupo culto. A obcd~~ ~s exu~ ~da~ sanloc aléa sulJmissaocç
de
158
""
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMSl(
entre a experiência do pai-de-santo e a de seus iniciados é revc~ lador da distância que existe entre o modelo ideal de ortodoxia e sua necessária adaptação na prática ritual. A tensão que disso resulta, contudo, não é uma mera conseqüência da predominância atual do candomblé sobre a umbanda. Ao contrário, é possível reler a his.tória da nação efon como a busca constante de um equilíbrio estrutural, sempre ameaçado internamente, entre o modelo.
A REORGANIZAÇÃO
DO
ESPAÇO SAGRADO
~
159
.' QUADRO
1 - PATRIMÓNIO
Candomblé
ESPIRITUAL
DO
Umbanda
MtOIUM
Passagem
da Umbanda
ao Candomblé Agente sobrenatural
Posseuão
afixá "dono da cabeça"
"ortodoxa"
adjuntó
Agente sobrenatural
Possessão
afixá "dono
rara
da cabeça" criticada
segundo
segundo
rara
afixá
"ortodoxa"
crê
"ortodoxa"
crianças exu
criticada
exu e pombagira
Possessão
afixá "dono da cabeça"
"ortodoxa"
segundo
rara
afixá
afixá crê
Agente
sobrenatural
"ortodoxa"
crê
"ortodoxa"
exu c
aceita
",~ f
pombagira rcafticanizados
o
cabodo
tolerada
cabodo
"ortodoxa"
caboclo
aceita
cgum
proibida
preto.vclho
"ortodoxa"
preto-velho
rara
de uma ortodoxia impossível de ser atingida e a obrigação de buscar mediações simbólicas para se adaptar a esse modelo'\ Vimos como o terreiro do Pantanal se estruturou, no início dos anos 1950, em torno de uma parte da família de Cristóvão de Ogunjá. Sua filha, Mãe Lindinha, tornou-se a iá kekerê do terreiro, assistente direta do pai-de-santo. Ela havia sido iniciada pela prestigiosa mãe-de-santo baiana Mãe Runhô, do antigo terreiro jeje do Bogum. "Hecebia" o caboclo Capangueiro, que se manifestava desde a época em que vivia na Bahia. Maria de Xangô, sua filha, atual ialorixá do Pantanal, justifica essa possessão como uma herança familiar, pois sua JVÔ (mãe, portanto, de Mãe Undinha) participava das sessões de mesa
• ES\J lemâo é comum a lodos m teueitos, até
m mais tradicionais.
CABOCLO
SETE FLECHAS
DE AlVtNHO
DE OMOlU
branca (ritual kardecista) na Sessão de caridade da Bahia, e sua bisavó foi pre- /1' sidcntc da mesa branca de Ogum de Lei, outro centro kardecista. Embora nessa época o caboclo já estivesse presente em quase toda parte na Bahia e na ma,ioria das casas de candomblé, Cristóvão não aceitou que sua filha fosse possUlda por tal espírito. Quando isso acontecia, era forçada a sair do barracão e ficar fora do espaço sagrado, ao ar livre. Alvinho de Omolu confirma a aversão de seu pai-de.santo pelo caboclo. Quando o jovem Alvinho "recebia" Sete-Flechas, o único espírito de umbanda que continuou a se manifestar após sua iniciação, era obrigado a sair imediatamente do barracão e a ficar no quintal do terreiro até o fim de sua possessão. A presença do caboclo no espaço sagrado do terreiro, e principalmente no barracão em que acontece a maioria das cerimônias religiosas, representava, aos olhos de Cristóvão de Ogunjá, verdadeira contaminação espiritual. Com o tempo, no entanto, Cristóvão foi obrigado a aceitar a possessão pelos caboclos e leve de se submeter à força deles. O que sua neta Maria de Xangô justifica por esta causa própria a toda conversão de médium: a doença. Cristóvão teria sido curado de grave doença pela ação dos caboclos de sua mulher, que nunca o seguira para o lHo dejaneiro, e dos de sua filha, Lindinha .
"
,
i 160
~ A BUSCA
DA ÁFRICA NO
CANDOMBl~ A R£ORGANIZAÇÃO
DO
ESPAÇO
SAGRADO
~
161 '
..
Mas se não gostava de "fazer" um Exu, Cristóvão gostava menos ainda dos
Segundo Maria de Xangô, todavia, essa cura mística não teria sido a única razão de sua mudança de comportamento:
exus que provinham
"Cristóvão entendeu que tinha que evoluir,
da umbanda. Maria de Xangô, que o sucedeu, conta como
que o caboclo fazia parte [da vida espiritual], que a maioria dos filhos~de.santo
foi possuída pela primeira vez por.Pombagira
vinha da umbanda e recebia caboclos. Então, ele aderiu, entendeu".
iniciação. Tal Pombagira não seria nem uma herançall, nem a conseqüência
A cura mís.
tica, prova da realidade dos espíritos, legitima assim a adaptação
da prática
.!
ritual às novas condições do mercado religioso. Após essa cura, foi construída
uma experiência
no Pantanal
a "aldeia do caboclo",
uma
Essa possessão improvisada de-santo
do mato", preservando a separação dos espaços simbólicos: o de dentro, espaço
comportamento
dos orixás, c o de fora, espaço das divindades
£ldjulllâ
No
umbanda.
Na verdade, Cristóvão
"sujar a navalha", isto é, a contaminar
seu afastamento,
to célebre no Rio de Janeiro, Tata Pomotinho,
de Maria de Xangô, possuiu.a
durante
a cerimônia
mãe-de-santo
f
Cristóvão
como
pois é justamente
realidade, a freqüentação ~lvin~o
para São Paulo (onde se une a Décio de Obaluaiê,
Fomotlllho
a humilhação
desafio direto à autoridade aceitou
de seus 14 anos de iniciação, de ver sua Oxum rejeitada, é
de seu pai-de-santo. os caboclos c não os cxus? Por que os
primeiros puderam ser integrados ao modelo de ortodoxia terra?
A resposta de Maria de Xangô, hoje depositária da ortodoxia eíon, é categó-
inici
rica: "Dentro da nossa nação, não vemos o caboclo dessa forma. Ele é um índio
a existên-
vivo, como os índios da Amazônia. Ele mora em aldeias habitadas
passageiro que explica a nova aliança.
des vivas". Se os caboclos são "entidades pois, perfeitamente A rla\'.alJ.l~ é u~ada. par.a a .~asp.agelll ritual da cabeça, para a incisão do crânio do iniciado as eSlilrlflcaçoes rituais. Eo slmbolo da inicíaç
~on_talo, e da in~uência
jeje que resultou
e para
daí, deriva a "troca de águas"
mudança na aflllaçao a uma famllia religiosa - de uma parte de seus filh d 'E' ovin .. . . . os- e-san o. ocaso J . . o_ dc Obalualc, 100clado na nação cfon ,naçao e quo passou d etermmando ' )C1C, ilfJllaçao de sua própria famIHa-dc-santo a essa mesma nação.
P'" ,
162
~
-',
aceitável, contanto
por entida.
vivas", isso significa que não podem
fazer parte da categoria dos eguns, pois nunca morreram.
h
e os segundos não?
Os caboclos não são eguns como "osexus, com sua história e sua passagem na
Na
e a partida de
e de quem Alvinho havia sido o pai pequeno) traduzem
cia de um "desentendimento"
Ulll
Mas por que Cristóvão
apa.
essa presença que legitima uma
de outro terreiro (o de Pomotinho)
ao Rio pouco
e sua futura sucessora. A posses-
quando Maria de Xangô conheceu
rente, e muito importante,
coincide com sua partida
do Pantanal. A separação é, portanto, resultado de um conflito de
poder, no seio do terreiro, entre o pai-de-santo
são por Pombagira só um ano após a cerimônia
iniciação que, de outro modo, poderia ser criticada corno não ortodoxa.
e
ele só admitia e só louvava o orixá que
tempo antes da morte do avô, par'a reconciliar-se com ele e assumir o cargo de
mui-
O ~ato de insistir na presença de Cristóvão, apesar de seu desacordo
para
como expli-
receber segundo santo, ele não aceitava. Para
de Lalú, o mais conhecido dos filhos de Exu nessa cidade7. Alvinho, entretanto, a iniciação,
orixá. Oxum,
organizada
para São Paulo, onde abriu seu próprio terreiro. Ela só retornou
da nação jeje, que iniciara Djalma
em seu relato que, durante
um ano antes por outro
pelo segundo
i\ possessão de Maria de Xangô por Pombagira
a
ainda que tem-
Ele se aproxima então de outro pai-de.santo
a possessão
ele raspou e que era o dono da cabeça do iaô".
o axé6. A iniciação do primeiro filho de
Exu por Alvinho de Omolu marca, portanto, porário, de seu pai.de-santo.
pouco ortodoxo:
santo e receber Exu, e também
não aceitava "fazer" um Exu: um noviço dizia que "fazer" um Exu equivalia
e sua neta, que havia sido desencadeado
ele, era um santo só, era fundamental,
iniciado no culto de Ogum Mejé, deus duplo,
metade Ogum, metade Exu. Cristóvão
"africana".
por Pombagira reforça o conflito entre o pai-
ca a própria Maria de Xangô: "Cristóvão não aceitava cu ter cargo de mãe.de-
ritual não tocou na figura de Exu, nem nos exus de
filho de Exu era invariavelmente
de
ela seria a escrava de Oxum, isto é,
seus 14 anos de iniciação. Cristóvão não aceitou essa "inovação",
Pantanal, todos os anos, no fim do mês de junho ou no início de julho, organi. la-se uma festa para o caboclo. Mas essa adaptação
na umbanda;
o Exu servidor desse orixá,. seu segundo santo, e seria, portanto,
cabana situada no perímetro do terreiro, ao ar livre, "pois os caboclos gostam perigosas e dos espíritos.
precedente
em 1969, quinze anos após sua
A possessão deles
que se respeite a separação
(>,
entre os
espaços simbólicos.
_ a d
~ Com cXleção do "dono e a
divindades
quc Maria de Xangô hcrdou
1 A BUSCA DA MRICA NO CANDOMBLÉ
da cabeça"
e do ad;IIIIlÕ,
ou espíriLos quc podem scr herdados
A REORGANIZAÇÃO
o orixá que o acompanha,
de um membro
existem
outras
da família. Ê o caso do caboclo
de sua mãc.
DO ESPAÇO SAGRADO
""
163
Na realidade, o caboclo foi objeto do mesmo tratamento nos escritos dos antropólogos candomblé:
um apagamento
reiros ditos tradicionais.
reservado a Exu
mais ligados a uma visão "nagocêntrica" estratégico
para não questionar
do
a pureza dos ter-
O próprio Bastide afirmava que os candomblés
cionais recusavam qualquer
interferência
to da presença
na maioria
do caboclo
com as religiões indígenas, dos terreiros
tradi-
a despei-
nagôs. A seus olhos, o
caboclo era apenas um dos aspectos de Oxóssi, deus da caça e do mat09. Embora Donald Pierson tenha declarado que "as seitas mais ortodoxas escapam
à influência
invalidar
o discurso
indígena"
(1942: 305), as informações
oficial sobre a tradição
pela maioria dos antropólogos,
africana
como sublinha]océlio
não
que poderiam
foram negligenciadas Teles dos Santos (1992).
Uma das raras exceções é Frigerio (1989: 22), que nota a presença dos caboclos até no Axé Opô Afonjá, terreiro considerado são venerados confirmada
privadamente,
o berço da tradição
fora das cerimônias
nagô, onde
públicas. Essa informação
é
por Claude Lépinc, que relata a presença do caboclo nos terreiros
ketus (nagôs). São as próprias palavras da mãe-de-santo
do Axé Opô Afonjá de
Salvador que revelam a estratégia adotada, a qual vimos em açao no Pantanal e encontraremos
novamente
OFERENDAS
PARA A FESTA ANUAL
DO CABOCLO
ao tratar dos exus e das pombagiras:
Se uma filha minha tem um caboclo, o que vou fazer? Não vou matá-lo, .. a so Iuçao - fi.tual para o problema da . . d'v'lsa-o do espaço constItuI Essa mesma 1 .b' _ d possessao- pe Ios exu s-eguns . No discurso de Alvinho de Omolu, . ..a prol Iça0 1 . a po~sessão por esses espíritos em se~ terreiro é nov~~cnte JustifIcada pc a In-
nao é?" 1... 1Então, a filha faz o àri$à em São Gonçalo foAxé Opô Afonjáj c vai assentar seu caboclo em outro lugar. A iyá kékçré doÀ$~ não quer caboclos na sua casa, mas acredita piamente na existência destas entidades (Lépine 1975; 79).
tervenção
Na realidade, na maior parte do tempo, o espírito não-ortodoxo não em outro terreiro, o que submeteria outra que não a de sua mãe-de-santo,
a filha-de-santo
é "fixado"
a uma autoridade
não! Eu tenho muitos filhos que t~
\
umbanda na casa deles. vou. la,
Esta
respeito, porque merecem, m as na minha casa , não! Na minha casa, ao pisar
o culto a seu arixá no terreiro em que foi iniciada, ao passo
o portão; Exu [de umbanda] não passa. Eu tentei fazer uma festa de EX~[de
que aquele prestado a seu espírito (caboclo ou cxu) será limitado a seu espaço doméstico.
umbanda] e me dei mal: a casa [construída para Exu] pegou fogo. Nao se
prestará, portanto,
e sim na própria casa da iniciada.
mística que marca os limites da ortodOXia. . rece ber Exu [de umbandaJ. Na casa D t da minha casa eu não aceito en ro , . ., minha deles, [os meus filhos de santoj fazem aqUIlOque eles qUiserem, na ,
sabe como e. que fo'I, na-o tinha vela , não tinha nada, era luz natural, e a choupana pegou fogo. E aí, nunca mais!
~ Poderídl11os imaginar
que a grande
difuSão do culio desse orixâ no BraSil, contrariamente
Ãfrica. onde seu culto é muito limitado. poderia estar relacionada discursos
ortodoxos.
Segundo
Ordep Tríndade
repetia; "Oxóssi é um índio, meu filho"(199S; nação ketu. e o caboclo permite a reinlerpretaç~o ontem, pelos defensores da tradiçào afncana.
164
ao apagamento
Serra, Mãe Meninínha 23). Essa proximidade
à
do caboclo nos
do Gantois
sempre
lhe
entre OxõsSí, padroeiro
da
deste no universo africano. criticada, hoje como
. . - en Ire o ideal de ortodoxia e a realidade vivida .pelos ASSim, a 0poslçao médiuns sempre é resolvida no plano místico. Os caboclos são aceitos e reinterpretados
nos limites da ortodoxia,
pois provam seu poder com u~a c~ra
. miraculosa; os exus" ao contrário confirmam ser - nesse caso, por . um mceof dia misterioso -, ingovernáveis e perigosos. Por isso devem ser deixados ora
.., A BUSCA DA ÁFRtCA NO CANDOMBl~
A REORGANIZAÇÃO
DO ESPAÇO SAGRADO
~
165
,"
do espaço sagrado, no território indistinto e temível povoado pelos espíritos sem dono.
A REAFRICANIZAÇÃO DOS EspíRITOS
Ora, uma das características principais da divindade Exu, na África ou no candomblé brasileiro, é seu papel de mensageiro. É ele quem faz a comunicação entre o mundo dos deuses e o.mundo dos homens. Afirmar, portanto, que o espírito de umbanda é precisamente o escravo do orixá corresponde a legitimálo perante as tentativas
de rechaçá-lo para além dos limites da ortodoxia.
disso, o falo de a Pombagira, Se os exus~eguns, os espíritos que seguem os médiuns na passagem da umbanda
de intérprete
para o candomblé,
importância
não podem encontrar
candomblé, então como continuar ideal, isto é, africanizando-os. O primeiro argumento
do
ao modelo
de umbanda
de ilegítima
é a não-existência
a
de exus
na África, Quando se fala de Pombagira, trata-se, na verdade, de um
Exu banto, Bombonjira, Exu feminino
espírito masculino que teria sido metamorfoseado
ou Exua. Também existem
em
dois outros nomes para designar
Pombagira: Leba, que vem do fon Legba, e Lebará, derivado do iorubá Elegbara, um dos nomes de Exu na Nigéria. A questão da origem africana dos espíritos anima sem cessar os discursos dm médiuns.
Assim, Dina de Iansã, mãe-de-santo
quase trinta anos na umbanda, identifica Fogo, como sendo "escrava" de seu orixá:
ketu, com experiência
sua Pombagira,
de
Maria Padilha do
em um espaço sagrado em princípio
verdade, no candomblé, pressando-se portanto,
reservado
exclusivamente
do terreiro (a divindade
litados a interpretar caso da Pombagira
ao contrário,
superior ao pode-
sem a mediação de Lebará ]iraloná, foi reafricanizado
espíritos que deveriam desaparecer
blé? E por que continuam
Padilha, que dá o nome de Lcbará ]iraloná. Na verdade, ela não é uma
direta-
o que é justo e o que não é. E é essa
não poderia impor sua vontade durante as cerimônias tima, pois o espírito de umbanda
habi-
com o grupo. No
é ela quem transmite
de se expressar que torna o espírito de umbanda
roso orixá do candomblé:
Elcs precisam,
os especialistas
a fala dos deuses, para poder comunicar "africanizada",
Na \
as possessões, ex-
da prática adivinhatória.
ritual do pai ou da mãe-de-santo,
mente as vontades do orixá, determinando capacidade
da mãe-de-santo).
os orixá.s rarame.!1te falam durante
apenas por intermédio
da mediação
"africanizar"
Exu é o mensageiro do orixá. Eu, sendo de Iansã, a escrava de lansã é Maria
o papel
de Iansã") traduz ainda mais sua
aos orixás. ~:a Pombagira (ou o Pombogira) qucm estabelece o comportamento ritual do orixá mais importante
usado por aqueles que qualificam
possessão pelos exus e pombagiras femininos
seu lugar no modelo "ortodoxo"
a cultuá~los? Conformando-os
uma vez tornada africana, desempenhar
("ela é o mensageiro
divino
Além
rituaislO•
a lansã de Dina Sua fala é legi-
(cf. Quadro 2). Mas como
com a iniciação no candom-
a se manifestar?
A resposta a essas questões deve ser buscada na relaçao do pai ou da mae-
Pomba, mas um Pombogira. Ela se chama Maria Padilha do Fogo c traz os
de-santo com o mundo espiritual. Questiona-se
~ados de Iansã pra dentro do barrado, as coisas que Iansã aceita, a~sas que Iansã não aceita. Tudo é transmitido por ela!
aqui a eficácia dos rituais ditos
"de limpeza" (ebós de limpeza) que eles efetuam. Na verdade, não é o iniciador quem "dá" os orixás ao médium: ele é apenas um mediador
entre um "dom" (a
medi unidade) e seu portador (o médium). Seu papel é instaurar o vínculo entre O discurso de Dina de lansã mais uma vez evidencia a distância que existe entre o modelo ideal da ortodoxia existem exus femininos
e sua necessária adaptação.
na África, a Pombagira só pode ser "um Pombogira",
rcferindo~sC', dessa maneira, ao deus banto Bombonjira. Padilha do Fogo está demasiadamente transforma
em Lebará]iraloná,
o cxu de umbanda metamorfoseia
ligado ao universo umbandista,
ele se
adquirida.
e suas divindades,
tornando-o
operante.
Como pode, então, um pai-de-santo expulsar espíritos que há tempos acompanham
os candidatos
à iniciação
no candomblé?
Delimitando
espaços,
tendo por papel cuidar do orixá e, ao mesmo tempo, respeitar a existência espíritos,
ainda que estes sejam rechaçados
e
dos
nos limites do espaço sagrado.
Se
deve ser relegado fora dos limites do espaço sagrado, ele se
em escravo do orixá, dono da cabeça do iniciado,
assim, o mensageiro orixá.
166
Se o nome de Maria
que marca assim sua africanidade
o indivíduo
Assim, se não
e torna-se
de Iansã, aquele que expressa os desejos e as vontades
d~
lU
No candomblé "ortodoxo", o papel de mensageiro da divindade é desempenhado pelo crê, o espírito de criança que acompanha cada orixá. Mas a possessão pelo erê não é sistemática e seu discurso, cheio de expressões infantis, nào tem a mesma força que o dos exus e das pombagiras africanizados.
$A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
A REORGANIZAÇÃO
DO
ESPAÇO SAGRADO
;(!
167
QUADRO
2 - REAFRICANlZAÇÃO
DOS
i,
EXUS
l Candomblé
Umbanda
passagem da Umbanda ao Candomblé
Exu-orixá
Exu-egum
(divindade)
(espírito desencarnado)
/"" Exu-Bará fxu-escravo
/
exus
"
i
,r i
(do espírito desencarnado a avatar do orixá Exu)
pombagiras
Torodê de Ogum, filho-de-santo de Joãozinho da G " . sentantcs do candomblé rcafr' 'd omcla, hOJe um dos reprelCamza o e um dos pri ' curso.~ sobre J prática da adivinh _ , melros a ter organizado os , _ açao no RIO deJaneiro defende .. Eu nao sei a que fazer para im d' ~ ' essa opmlao: pe Ir a possessao por espírito de umbanda O medIUlTI e para receber, ele pode receoer arixá com d . de umbanda N. _ a po e receber espírito ess d'f, , <. ao velO razao para dizer que eles são inferiores. Não entendo a I crençaentreegumeorix' "' , lá na Bahia e em r.' a, la que tambem existe a sociedade dos Eguns tapanca, que não passa de uma forma de transe! '.
,
,!' ;,
Exu-escravo do orixá
""
1,
I
J
. A última afirmação é ainda malS'. IOteressante p . felt'a habitualmente entre _ ar questionar a oposição , ,possessao pelos orixás e manifesta ã d ' ' qual esta na origem de tad d' ç o os Eguns, a o Iscurso "ortodoxo" S ltaparica se organizasse em tom d . . e o culto aos Eguns de o o transe ntual ~ o que é f pelos interessados _ não s b ' t' . . Irmemente negado . ,u SlS ma maIS nenhum b ' I' , IOserção dos espíritos de umba d . o stacu o ntual a completa n a no Universo africano d d maneira ainda mais explícita Fe d o can omblé. De . ' rnan es Portugal outr domble reafricanizado e' ' o representante do canorgamzador de cursos de I' . .no Rio de Janeiro assimila a c t. IIlgua c C1vl!lzação iorubás E ' a egona dos exus de umba d ' 'guns-anccstrais, que seriam t n a a categoria dos b ' ,por anta, os ancestrais dos 'd' em. E faz uma distinção entre os . . me lUns que os rece~ exus-eguns que eham 'k tra IJaJham para o bem e b ' a aye uru, eguns que M ' os egll1lS Ilntkll, que seriam maléfic as nem todos os informantes estã d os. entre Eguns c orixás a qual o e acordo com essa aproximação , , no caso de Torodê d O f . uma experiência comum d t '. e gum, ar-sC-la por mcio de o ranse, E a Identificação do Exu de umb d
an a com
A ESTÁTUA
00
FERRAMENTA
EXU DE UMBANDA DE EXU USADA
AO LADO
DA
NO CANDOMBLÉ
i
.; I, o Exu-escravo, médiuns.
o servidor
blé. O tratamento
a que será submetido
A assimilação
das entidades
assim, a reafricanização mente
do orixá, que parece predominar
Assim, o mesmo Exu terá um nome na umbanda
de um universo
Pombagira
de umbanda
dos espíritos
com os "santos"
de umbanda
que se reivindica
africano.
se metamorfoseiam
ritual escolhida. (orixás) permite,
que não provêm Dessa maneira,
forçosa. o Exu e a
em escravos das divindades
canas, e a relação que liga o escravo (ou guardião)
dos
e outro no candom.
é função da modalidade
(espíritos)
no discurso
,
afri-
do orixá a seu dono (o deus
africano) determinará sua essência: Não existe uma única Maria Padilha, não existe uma única Maria Mulambo. Por exemplo, as Marias Mulambos que são guardiãs lescravas] de Oxum têm uma característica muito diferente, por exemplo, das Marias Mulambos que são guardiãs de Iemanjá, As guardiãs de Oxum são mais ricas, lelas têm um jeito] diferente de falar, mais comportadas,
digamos assim. As de lemanjá
são, digamos, de um nível mais baixo, Por exemplo, a Cigana é uma entidade
i, 168
$." A BUSCA DA MRICA NO CANDOMBLÉ
A REORGANIZAÇÀO
DO
ESPAÇO SAGRADO
~
169
,i
f l"
I: ••••.
1
Ii~re, então pode vir numa pessoa que seja de Oxalá ou de Oxum numa que
POMBAGIRA,
LEBA
ou IAMí7
seja de Iansã ou de Iemanjá. A minha tem uma ligação muito forte com Oxalá e com Oxum. É por isso que as cores dela são o branco e o dourado.
11
Essa relativa submissão dos espíritos de umbanda ao oeixá que é o dono da cabeça do médium nem se '. . . mpre e aceita pelos esplrHos em questão. Com efeito no discurso dos médiuns qu" b " ' _ . . . e rece em os exus e as pombagiras de umbanda e sao Iniciados no candombl' . . e, sempre transparece um conflito latente entre os espmtos - os escravos - e seus donos. Assim, ao falar de sua Pombagira (Maria Mu~a.mbo), Maria Auxiliadora de Xangô, de nação jeje, sublinha a rebelião dos CSPlfltos contra os orixás e seu poder:
f
!
Para que um Exu (ou uma Pombagira) de umbanda deve ser submetido universo
africano.
possa se tornar "africano",
a uma série de rituais que marcam sua inscrição em um O primeiro desses rituais é a cerimônia
que fixa a energia do espírito em uma representação do. Lembremos
que, na umbanda,
eles são considerados
do assentamento,
material ligada ao inicia-
os exus e as pombagiras
não são "fixados":
energias livres dotadas de uma independência
mente grande em relação a seus médiuns.
relativa-
Em geral, o espírito será representa-
do por uma estátua de mulher extremamente
sedutora e bem pouco vestida se
for Pombagira (com suas variantes Cigana ou Maria Padilha, a mais rica), ou de
Ela [a PomoagiraJ falou que Xangô era Xangô e ela, ela. Que ela não se metia
um homem
n~s ~oisas dele, mas ele não tinha direito de se meter nas coisas dela. Que ela
São essas estátuas, adequadamente
nao la admitir, não ia aceitar. Se ele gostasse de se vestir de preto e vermelho
assentos do candomblé. Uma segunda operação de fixação da energia dos exus ou das pombagiras
ela não ia interferir. Mas que ela não ia admitir que ele não deixasse o pret~ d~la.' era a cor que ela gostava e tinha que respeitar. Que ela respeitava os dlfeltos dele c que ele tinha que respeitar os seus. Abusada, não é?
inquietante
com pé,s de cabra e traços diabólicos,
no quadro do ritual "africano"
permite a reinterpretação
então recebem um nome africano e são considerados, vos dos orixás. Devem ser, portanto,
Essas palavras, que são oficialmente
as do espírito e não as da iniciada
revelam a ambival~nci.a ~m face dessa dependência.
O desentendimento
ao uso ~a~ cores fltU~IS Implica, assim, o questionamento
quant~
das relações de po-
der, defInidas pela remterpretação da posição ocupada pelos espíritos em sua passagem a outro universo simbólico em que os donos sa-o . - S . os Oflxas. e no discurso de Sandra de Oxum a escolha das cores (branco e dourado) é determi-
regras rituais do candomblé. são moldadas ingredientes
comuns
de, portanto, a cor negra, proibida no candomblé gosa, Como uma das características de ExulZ.
do arixá. Ele defen-
por ser extremamente
peri.
desses espíritos, que
na nação", isto é, conforme as argila13 com a qual
o Exu ligado a cada iniciado. Vários (Exua ou Leba), sacrifica-se uma
incorporando-se
gue e os exés (as partes do corpo do animal consideradas
propnas escolhas, independentemente
em seguida o sa~-
sagradas) à argila. Para
mata.se um galo. Cada estatueta assim preparada tem suas
próprias características
que a distinguem
das outras. Vimos que os elementos
são os búzios para figurar os olhos e a boca, e os pregos fincados no
alto do crânio, pois, diz a tradição, "Exu não tem cabeça para suportar cargas". Uma vez assentado,
o
EXli
é considerado
No caso dos iniciados no candomblé em o próprio
africano. e que já possu-
oriundos da umbanda
terreiro, a estátua do Exu de umbanda
é colocada ao lado do
assento do Exu-escravo. Assim, muitas vezes são encontradas
no mesmo espa-
ço (a casa de Exu), mas separadas por uma divisória, as duas representações mesmo espírito: a "africana" e a umbandista. II Il
170
Entrevista com Sandra de Oxum, nação dono No capitulo s . t oposição enl~~~~~C~~~:r::~:~:d:~ :SSd oposição entreespirito eorixá na realidade mascara uma , m que as mesmas relações de pode . hierarqUIa do candomblê. silo questionadas. r, nas quaIs se baseia a
os
a essa argila, como o sangue dos animais sacrifica-
dos e ervas especiais. Se for um Exu feminino
um Exu masculino,
na umbanda
de pleno direito, escra-
Para isso, é usada a tabatinga,
galinha durante a preparação da tabatinga,
nada . - da ,. pela relação da Pombagira Cigana com Oxalá e Oxum , os do' Isonxas m~dl~m, nas palavras de Maria Auxiliadora é o espírito que reivindica suas das características
"assentados
as cabe.ças representando são misturados
no caso de Exu.
preparadas, que substituem
II
Na nação don, o assento de F.xu ê fabricado
sobretudo
com argila, enquanto
são usadas de preferência ferramentas
em forma de tridente, correspondendo
Exu determinado.
prontas nas lojas especializadas
Estas são vendidas
do
No terreiro de Fernando de Ogum, em outras nações cada uma delas a um
em cultos afro.brasileiro~.
~ A BUSCA
DA ÁFRICA NO
CANDOMBL~
A REORGANIZAÇÃO
DO
ESPAÇO SAGRADO
~
171
tou no salão de seu terreiro vestido com uma suntuosa da qual usava o ojá (faixa larga de pano apertada
roupa vermelha,
por cima
no peito) e os dois ataka1lS
(faixas de pano amarradas
nos ombros e que se cruzam no peito abaixo do ojá),
elementos
da roupa
espírito
característicos de umbanda
Essa "mistura" sa da separação
às divindades é firmemente
dos orixás, assimilando
dessa maneira
o
africanas.
criticada
por Celinho
de Barabô, em sua defe~
dos espaços de culto:
Eu canso de dizer: o trabalho que eu desenvolvo com Exu não afeta o orixá em ;)specto algum. Porque mesmo cu sendo iniciado no candomblé, mesmo eu sendo um zelador de santo de candomblé, o meu trabalho de Exu é à parte. No momento em que eu estou louvando a Exu, não se mexe em íb,í lassento do orixá], não se cuida de santo, é um trabalho de Exu, sem misturar com orixá. É que muitos Exus se colocam como Exus-orixás, como orixás, até nas vestimentas.
E essas Pombagiras que viram Maria Padilha, Maria Mulambo,
bota viii, bota atak'lI1, pano-da-costa ... isso nunca aconteceu com o meu Exu!
REPRESENTAÇÃO DA POMBAGIRA
Cclinho
DE UMBANDA MARIA
DE FERNANDO
REPRESENTAÇÃO
MULAMBO
DA MESMA
REAFRICANIZADA
DE OGUM
SOB
LEBA
POMBAGIRA
O NOME
de Barabô, por sua vez, faz nitidamente
lado, um terreiro inteiramente
dedicado
que fez a fortuna
DANDASIN
de seu médium,
ro de candomblé periferia construção
guardava
Mulambo e O ass.ento em argila que representava com o nome de]mda Leba Dandasinl4. .
Na nação efoo, o Exu de umbanda
a estátua
de sua Maria
seu lado africano,
é fixado exclusivamente
entre, de um (Barabô),
DE lINDA'
se trata dos orixás. No entanto,
da naçao efon, a mesma pequena
a distinçao
ao culto do Exu de umbanda
batizado
em um terreiro
~~dependente, isto é, durante a abertura de um novo terreiro. Nos casos dos llhos~de~santo de Alvinho de Omolu como Fernando de O _ . _ ' gum, o mesmo espio to pode, eotao, manifestar-se em duas linhas diferentes: de um lado a de umb d e, do outro, a de "nação" (d d _ ' an a e cao omble), na qual será africanizado. Assim durante uma festa dedicada à sua Maria Mulambo Fernando de O ' , gum se apresen-
e, do outro, o terreiro de candomblé, (' isso me parece muito significativo,
de seu médium.
ram, determinando uma Pombagira,
a Barabô coincide,
de essa africanização
como se fosse um orixá1S•
da prostituta,
com o espaço
da mulher
do espírito vindo da umbanda.
conduzir
à iniciação
Identificar-se
(a feitura) de
com tal espírito,
perdida por excelência,
na imagem que se tem desse espírito. De estigma,
são por Pombagira
se tornou
hoje sinônimo
de "chique
re~
revela uma mu-
dança fundamental
e bonito",
a possescomo diz
Maré de Oxumaré: Na umbanda,
a Pombagira vinha para mostrar o erro das moças, das mulhe.
res. Hoje em dia, a gente não vê mais isso, o que naquela época se pronunciava e falava .. [a mulher possuída por Pombagiral
A coexistência dos dois nomes é com . '. um a malOna dos iniciado M" d O a Ciganinha da Estrada apresenta-a b . s. lflam e molu, que recebe , 50 o nome afncano de Ak I' . O Baiana do Malandro, filha-dc-santo de Alvinho de o orem In. a mesma forma, dc Exus,cujo elemento masculino Jeba . Omolu, mostrou-me em seu terreiro um casal e o elemento feminino Jebaraí ~ da ;,a,erbaa ~cpres(':taçãoafricana do Exu-Caveirade umbanda, , , Om agira Mana Padilha.
todavia,
Na maioria dos casos, esses dois espaços se mistu-
urna necessária africanização
Às vezes, acontece prcsentação
se o terrei-
estiver afastado no espaço (Piabetá, distrito de Magé, extrema"
do Rio), o terreiro dedicado
doméstico
no qual
era tida como mulher
I~
172
""
A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBL~
" Vári{)~informantes assinalaram a iniciação de Pombagira na nação angola como o "dono da cabcça" do Illcdiul1l.lnfelizlllcnlc, sel1lpreque tentei entrar cm contato com um desses iniciados, os rastros se apagavam e o encontro se revelava impossível.
A REORGANIZAÇÃO
DO
ESPAÇO
SAGRADO
-:;l
173
vagabunda, na época era assim, o preconceito era grande e o povo dizia:
espírito no contexto
do universo africano. Afirmar que a Pombagira
"Perdeu a virgindade, nossa senhora!" Agora não, agora é chique e bonito!
tos em comum com lamí Oxorongá,
mesmo mantendo
_ s~ser
possuído por Pombagira
perdeu hoje sua conotação
nao Significa que se possa iniciar abertamente
um médium
espírito sem entrar em conflito com o ideal de ortodoxia.
negativa,
Como, então, iniciar
isto é, um Exu feminino,
u~ mêdi~m no culto de uma Pombagira,
se ele não
eXiste na Africa? Encontrando
um equivalente
feminino
verso africano do candomblé:
lamí Oxorongá,
a grande feiticeira invocada
lado de Exu no ritual do padê16• Essa identificação, pU~istas do c~ndomblé, UniVersos simbólicos
fundamenta-se
da umbanda
isso
no culto desse
do Exu-orixá no uniao
que faz tremer a maioria dos
em uma minuciosa
e do candomblé.
comparação
dos
Elas têm em comum
o
dos cultos sincréticos,
portanto, legítima. Por conseguinte,
para reinterpretá.lo
ao menos em teoria, pode-se "fazer" um Exu feminino
de-santo efon, mas que se tornou jeje após a afiliação de seu pai-de-santo n
uma qualidade
iniciaçao, que poderia indignar os "depositários perfeitamente
feminina
das duas entidades
e os espíritos. Evidentemente,
não é partidário
10das são feiticeiras, a causa de Iamí. Então, talvez, o povo confunda isso. Mas não de distinguir
Brasil, e IamÍ Oxorongá é África".
bem os dois universos simbólicos
confirmada']. Para subtrair os espíritos umbandistas
BrasIl e a Africa -, ao mesmo tempo em que se buscam as possíveis semelhanças
vel poluiçao,
entre elementos
candomblé
de proveniência
diferente,
anima os discursos de Alvinho de
elas são diferentes,
Exu. Sua legitimidade
é, dessa
do âmbito da morte e de sua inevitá-
eles devem ser transformados de uma das múltiplas
torna possível a reinterpretação
em algo diferente.
A existência
funções de Exu - o Exu-escravo
dos exus e das pomba giras de umbanda
O espírito desencarnado
no
do orixá-
iamís são aquelas que cultuam tudo o que é estragado, aquelas coisas po-
africano, dono da cabeça do iniciado ou, ainda, como no caso de Waldemar de
dres. Mas nem toda Iamí se submete a certas coisas como a Pombagira, que
Oxássi, metamorfoseado
fala que ela vem para fazer a vida da pessoa se depravar. A parte do feitiço
a iniciaçao no candomblé. e sim
ovos, principalmente os ovos podres, isso tudo é aquilo de que elas mais gostam. Dá coisa fresca e elas não aceitam!
plo da reafricanização
expressa a aproximação
ao orixá
em um dos diferentes avatares de Exu, o que permite
O que está aqui em jogo não é o respeito por uma ortodoxia preestabelecida,
das aos pés dos orixás, por três dias as iamís comem aquelas coisas podres: os
Eis novamente
se vê, assim, submetido
em
termos "africanos".
me plasticidade
de um modelo ideal segundo uma lógica "africana". dos exus e das pombagiras
desses fenômenos
ranjos e adaptações
de umbanda
O exem-
mostra a enor-
religiosos, cuja prática ritual é feita de ar-
constantes.
entre Pombagira e lamí Oxorongá
::mUlada p~r ~onique.~u~ras (1989). Se a Pombagira parece conservar algus caractenstlCas da feltlCelCa africana , isso não constituO, uma pe rmanencla ." de traços africanos no universo umbandista, mas antes uma legitimação desse
11
Dur
manteve
Cf. C
1)0A BUSCA nA ÂFRICA NO CANDOMBLÉ
Conceição
"que isso não era possível,
a qualidade
Apõs ter compreendido que já lhe haviam
de seu Exu, da afirmou
pois lamí seria uma das qualidades
na origem das freqüentes
santo, expressas
por meio da afiliação
DO
sobre sua iniciação.
de Nanã
Buruku".
das ações rituais ocupa lugar central na vida dos iniciados
está igualmente
A REORGANIZAÇÃO
de Oxóssi no culto de Iam i
de Exu, inici
um discurso muito ambíguo
seu íOlciJ.dor jã me havia revelado sobre a legitimidade
174
de
Logo, Waldcmar
Eu acho que há até alguma coisa muito semelhante lentre elas], porque as
talvez venha a igualar... As iamís comem todas aquelas coisas que são coloca-
Ih
possa
uma qualidade
de lamí com Pombagira:
do orixá africano
en-
maneira,
_o
Omolu:
da identificação
existentes
para que o pai-de-santo
Exu, islo é, um F.xu-orixá c não um Exu-egum de umbanda. pois lamí é uma qualidade
~ me~ma preocupação
é, mesmo assim,
lógica, se levamos em conta as correspondências
l~as não chegam a identificar uma com a outra: "Toda mulher é ajé, feiticeira: tem nada a ver, porque Pombagira é umbanda,
do orixá Exu. Essa
da tradição",
iniciar alguém no culto de lamí, esta deve ser considerada
a proximidade
a essa
F.le iniciou um rapaz no culto de Exu Akessan e uma
no de lamí, considerada
tre as divindades
pados com a pureza africana, reconhecem
"dege-
como se fosse uma lamí. É o caso de Waldemar de Oxóssi, iniciado na família-
dO,mí.nio, atestado, da magia negra e uma relação com tudo o que é marginal. ketu e outro ogã, ambos muito preocu-
do contexto
em uma ótica africana e,
Marclo e Antonivaldo,
um pai-de-santo
c
separados os dois uni-
versos de origem, equivale a subtrair o espírito de umbanda nerado"
tem pon.
ESPAÇO
SAGRADO
refoT111ulações das alianças
por obrigaçiio (cerimônia
que dito
A discussão
no Glndomblé,
cntre médiuns
c
e pais-de-
ritual).
~
175
CAPíTULO V
o PODER CONTESTADO Ao explicar a aliança que une os homens constantemente
aos exus e às pombagiras,
os médiuns
ressaltam dois fatores em seus relatos: de um lado. a ajuda que
lhes é fornecida pelos espíritos protetores no plano material e no processo de ascensão social; do outro, o poder e a segurança fornecidos pelos espíritos em caso de cOrlflilo com a hierarquia ser mediadores
religiosa.
Os cxus c as pombagiras
que facilitam o êxito dos médiuns,
questionando
revelam perpetua-
mente, ao menos no discurso, o poder daqueles que ocupam posições hierárquicas superiores. acompanha
Mas, apesar da rebelião declarada contra a autoridade
a maioria de seus relatos,
ordem estrutural
05
médiuns não contestam
que
realmente
a
da sociedade brasileira; usam antes a lógica em açãq no seio
desta. Como Roberto Da Matta (1983) demonstrou,
a sociedade brasileira se
articula em torno de múltiplas mediações entre os diferentes níveis da hierarquia .social, verdadeira "poderoso"
sociedade relacional em que a intervenção
de alguém
pode resolver qualquer problema e as relações são mais importan-
tes que as capacidades
individuais.
Seguindo a mesma lógica relacional, a pro-
teção dos espíritos transforma em realidade o que os médiuns nunca poderiam obter exclusivamente por seus esforços. Com efeito, raramente a ascensão social é considerada resultado
do trabalho.
sorte, à intervenção
O brasileiro não fica rico trabalhando,
de um padrinho
(ou madrinha),
alguém que o ajuda a avançar. A intervenção mudou
no Brasil o simples e sim graças à
de um padroeiro
.sua vida sempre é lembrada na história de vida do médium.
encarna
com perfeição esse mediador
ou de
miraculosa de um mediador que
ideal: ele é o "compadre"
O Exu
ao qual o
médium deve seu sucesso. Sua presença ao lado do médium é, portanto,
indis-
pensável a seu êxitol. O espírito convive, como um sujeito por inteiro, com seu médium,
influindo
diretamente
em sua vida. Assim, os exus e as pombagiras
são o âmago de toda uma série de d~amas,'tanto questionam
I
o
apadrinhamento
parentesco.
ê vivido no Brasil como um verdadeiro
O padrinho
representa
I
pessoais quanto rituais, que
as relações de poder no seio da hierarquia.
relacional
uma ajuda constante
nos momentoscriticos.
prolongamento
da estrutura
de
na vida social do afilhado, um mediador,
Ter padrinhos
(ou madrinhas)
equivale a ter
que facilita o sucesso na vida cotidiana.
'-'I
177
o CONfLITO
COM A HIERARQUIA
ridade litúrgica.
No caso de Celinho,
dos na umbanda
A passagem da umbanda para o candomblé é caracterizada, na maior parte do tempo, pela difícil acomodaçiío
a uma nova realidade
tos dos cxus e das pombagiras
não encontram
afirmar
como médium
reconhecido,
nhecimento
ritual, em que os espíripatrimônio
de espíri-
tos protetores, pode se transformar em guerra mística cntre um pai-de-santo ou uma mãe-de-santo que "não aceita" e os espíritos do novo filho-de-santo. O candidato
à iniciação no candomblé
aos quinze
passa, então, de um terreiro a outro, até
de Barabô, que no momento
médium de umbanda, sua conversão:
de sua iniciação
com terreiro e clientela,
já
Cfa
anterior
à
no candomblé
relata a negociaçào
iniciado cando
A intervenção
11<1
quiser, isso não afeta em nada" ... E assim se fez, um ano depois, ele voltou.
nesse Exu. Assim, Celinho
ber seus espíritos durante
de Barabô não teve que sofrer as humilha-
o primeiro
vindos da umbanda, ano após a iniciação
já era na época um médium confirmado. ção do pai-de.santo",
ficar com o lerreiro,
às regras hierárquicas
cargo como um dom de nascimento
178
Jovino
embo-
é legitimada
Reivindicar
é, para o novo iniciado,
acarretando
da
está rece-
então você não é mais quisto dentro
do deus que, após ter possuído
é o sinal de sua desaprovação ideal de ortodoxia.
Mas também,
que desa~ia a estrutura quando
hierárquica
enfrenta
ao qual, apesar desse conflito,
o "filho",
casti-
diante de um comportam~ne sobretudo,
abertamente
permanecerá
sanclO.
do terreiro: o jovem a autoridade
de
ligado ao longo de
rituais) de sua mão"2. de Omolu,
pai-de-santo
de \'Valdemar
de Oxóssi, resolveu
assim o
J
"
essa consulta com essa Maria Padilha.
todas. Um belo dia essa Maria Padilha me chamou, ela disse assim mesmo:
,
"Sinhá ]ovino, cu hoje vou fazer uma coisa e depois nós vamos conversar". Ela preparou
um fogareiro de brasa, eu vi, isso cu vi, e tenho
provas de
pessoas que viram comigo. Aí essa Maria Padilha fez aquele fogareiro, ela
esse
t pelos sacrlficlos de animais e as oferendas de alimentoS rituaiS que os deuses se ôIlimcntam. rccuper:ando a ener~ia la axé) ~asta ao proteger m "filhos". Seos iniciados n:'io nutrirem seuorixá. este ficará "fraco" demais para aludá. los a ••fastar as innuêncllls negatlv,as.
'Os ofixás dependem dos cuidados dos "filhos" para "comer".
na parte
~ DA
pai.de-santo,
Muitos clientes, ganhava jÓia, ganhava carro, ganhava dinheiro, essas coisas
a perda de seu poder e de sua auto-
A BUSCA
mar-
Eu ia muito visitá-lo, ele morava até perto de minha casa. Eu ia toda segun-
uma estratégia
que o teria situado
do terreiro,
o ibá lo assento
Oxóssi bater em mim ... e o santo me deu
da.feira lá, dia em que Waldemardava
por um dom autor.
o cargo de pai-de-santo.
botou
problema:
pois
em casa de
para o candomblé,
em um
crise na famlha.de-san-
a expulsá.lo
"Jovino
ele falou 'você está virando
"faz" o pai-de-santo,
cuidados
deste, que fixam em sete anos o tempo
eficaz, a fim de evitar o período de subordinação inferior da escala hierárquica,
I
de recc.
no candomblé,
que se transformou
da umbanda
para abrir um terreiro independente,
gado pelos deuses no nascimento:
proibidos
I:
Graças à fama, pôde, "com a autoriza.
Essa passagem sem ruptura
ra em oposição mínimo
reco-
Essa pos-
sua carreira religiosa Jlor causa de seu Oxossi, "que só aceita comer (receber os
mostra bem o poder que o representante
ções vividas pela maioria dos médiuns
candomblé.
iniciado
de candom-
que a umbanda
de Omolu,
dos orixás:
sobrenatural
um comportamento
seu iniciador,
e mais poderosa
Jovino
E ele mandou
to que desafia o modelo
"Claro que o senhor tem toda a liberdade para vir na hora que o senhor
superior
Mana Padllha
no candomblé.
uma verdadeira
você está aprontando,
ga-o violentamente
sem incorporar, tudo Isso, e se realmente ele voltaria sem nenhum problema ...
blé e o espírito de seu futuro iniciado
um Ieco.
uma ximba na frente de todo mundo!"
colocasse as condições postas pelo candomblé, o tempo que ele deveria ficar
nhece
no barracão,
Pombagira,
pela Pombaglf3
já estava iniciado
desencadeou
seu iniciador,
do axé Ido terreiro]'.
de pleno acordo com tudo o que ia ser feito, mas que ele [o pai-de.santo]
de uma religião considerada
o que representou
por um espírito que não deveria ter se manifest~~o
assim a desaprovação
divindade]
sar com cle. E não fez nenhum tipo de exigência. Ele disse que aceitava e era
jeje, que foi possuído
no candomblé,
to e conduziu
bendo
respeito que marca as relações entre o pai-de-santo
os anos passa-
da realidade
anos de idade, quando
sessão inesperada,
Mesmo o meu pai.de-sanlo aceitando essa coisa, o meu Exu preferiu conver-
o enorme
foram levados em consideração,
implícito
de Oxóssi, pai-de-santo
encontrar aquele que aceite seu Exu ou sua Pombagira c ntio coloque em dúvida sua aliança com os espíritos. Cclinho
da iniciação,
da aliança entre o médiu~ e seus espíritos. . parte d o tempo, o reconhecimento da Mas é preciso notar que, na maIOr , .. dos resulta de um legilimidade dos espíritos e de sua aliança com os IOtCla . . ÉocasodeWaldemar longo processo pontuado por connltos com a h' lerarqUla.. . .
mais seu lugar. A luta para se
com seu próprio
no momento
AFRrCA NO CANDOMBL(
l I
o
PODE.R CONTlSTAOO
'-'l
179
vestia essas roupas pretas e vermelhas, ela tirou a calça dele, sentou em cima
ços de culto diferentes
do fogareiro c mandou me chamar, assim mesmo. Aí disse: "Você está vendo
terreiro
isso Seu jovino?".
monopólio
E o fogo estava ali e ela mandava
abanar. Aí ela disse:
"Olha, se algum dia você ver o Waldemar comigo de novo, cu não sei, porque aqui cu estou indo me embora, porque ele está fazendo muita coisa
conotação
errada e eu não estou gostando, mas como você não acredita, eu estou te
está intimamente do médium.
rais para garantir
levantou daquilo, ela ficou em posição assim de curva, levantou a .~aiaC
clt' lam,l,
mandou
aceitar
0í ela sentou,
conversou, conversou, conversou, e disse: "Agora
rode pegar nas nádegas do meu filho para ver se estão queimadas". estavam queimadas, ela foi embora, deu adeus, se despediu, nenhuma marca de queimado.
entre
iniciador
Ele precisa, então,
lllJc-dc-santo
Não
hierárquica
de ascensão
para si o
então,
uma
do candomblé
social e ao êxito econômico de aliados sobrenatu-
Foi a razão que levou, por exemplo,
Paim ira
da nação "etu, ligada ao Axé Opô Afonjá do Rio, a
por Pombagira
de Edi de Iemanjá,
santo: Ela foi mãe pequena de umbanda
e não tinha
assume,
dispor freqüentemente
a sobrevivência.
a possessão
e iniciado
já que a crítica da estrutura
ligada ao processo
provando isto". Após isso ela mandou um rapaz que estava lá tirar gelo e
(ou um
garantir
com o sagrado.
possível
econômica,
água gelada da geladeira e botar num balde, c eu estou olhando. Quando ela
estou olhando.
para os cxus - a fim de que possam
da mediação
Todo conflito
que pegasse aquela água gelada e jogasse em cima. Jogaram e cu
- o terreiro p~ra os orixás e o espaço doméstico
independente)
uma de suas filhas-de-
uns oito anos. Ela foi feita de [emanjá
numa casa de angola, mas antes dos sete meses de santo, a Pombagira Mulambo virou porque não tinha sido assentada. Esta Pombagira foi sempre quem deu consulta, sempre quem deu dinheiro, sempre quem sustentava ela, a ela c aos
Nessa história cxtraordinária,
embora o pai-de-santo
o poder do espírito de seu filho-de-santo, midade ao afirmar a ruptura dos erros cometidos
Pombagira queria ir embora, eu dizia não, porquc ela tinha ainda quatro
da aliança entre o espírito e seu médium,
por causa
fi lhos menores quando o marido morreu e precisava sustentar os filhos ...e
de seu inicia-
ficou com um salário mínimo do INPS... então, eu nao vou, como dizer, tirar
a posição de autoridade duvidando
da veracidade
quem deve garantir ou iniciados.
constituem,
por sua simples
presença,
de um terreiro que detém o monopólio a mediação
entre as divindades
A concorrência
desleal
é, pois, um ataque meio de comunicação
exercida
direto
pelos espíritos
à superioridade
tato direto
com o espírito,
isto é, falar com ele e receber
os espíritos
mais procurados mais rápido"J.
o~ exus e as pombagiras
significa,
çao; dar prova de tolerância canizados,
para aumentar
portanto,
submeter-se
para com esses espíritos, o número
de iniciados
o con-
consultas,
tar o espírito
tanto
gais, doenças
ou dificuldades
As consultas
os
possuída
Entrevista
"'"
Edi dá
constituem
de ordem material
a fonte de renda da maioria
que se iniciam no candomblé,
uma contradição
quanto
por brigas conju-
profissionais.
com o ideal de ortodoxia
dos médiuns
oriun-
ainda que, na verdade, exista aí
do candomblé4.
Os médiuns
iegiti-
aceitar
a uma dupla obriga-
estrategicamente
do terreiro,
e delimitar
• Dcvc"se levar em conta também
reafri-
das camadas
espa-
da economia instâncias
com Sêrgío de Oxalá, nação dono
sistência
180
de Leba Mulambo
Todas as terças.feiras,
das quatro horas da tarde até as três horas da ma-
por questões
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o
o fato de que a maioria dos mêdiuns
mais pobres da população. paralela,
os l'X'IS ('as pombagiras 1
da Figueira, foi, portanto,
(de candomblé)
assim, escrava' de Iemanjá.
ficando
dos da umbanda
e resolvem
Maria Mulambo
nhã. Recebe uma média de quinze a vinte clientes por sessão, que vêm consul-
à
de candomblé,
de Edi de Iemanjá,
e recebeu o nome de "nação"
que fala. Os exus são
pois "são venais
Para os pais e mães-de-santo
cujo
seus conselhos,
A Pombagira [eafricanizada
Baraji, tornando-sc,
pelos búzios.
em geral preferem
(o pai-de-santo)
pelos clientes,
_ clientes
dos exus e das
com os orixás é a adivinhação
de renda para o terreiro,
ao oráculo em que é um homem
É ele
do pai-de-santo,
fonte principal
problemas
fonte de sustento!
um desafio
do sagrado.
e os indivíduos
Os clientes, consulta
de sua
Maria Padilha de fato estava ali, mas agora se foi para sempre.
O Exu e a Pombagira
principal
filhos dela. Então não era justo que eu proibisse. Tanto que sempre que a
sua legiti-
por este. Ele questiona
direto ao pai-de-santo
pombagiras
a realidade e
ele {}faz para logo contestar
do, mais célebre c mais rico que o iniciador, possessão.
reconheça
que vive de pequenos
trabalhos
do sagrado. Ter um espírito poderoso
PODER CONTESTADO
c do comércio
permite que entrem em concorrência,
e, às vezes, a construir
em questão
F.les fazem parte do grande contingente
equivale,
ambulante.
são oriundos
de trabalhadores A aliança com
no mercado religioso, com as outras portanto,
a garantir
os meios de sub-
a própria fortuna.
"'l
181
FIGURA
6 - AS VIAS ASCENDENTES NA MESMA
DE AFILIAÇÃO
mam essa utilização
RElIGIOSA
como é preconizada
FAMfLIA-DE-SANTO
umbanda,
dos espíritos pela necessidade pela umbanda,
faz-se o juramento
de praticar a caridade, tal
pois, dizem eles, "quando
se entra na
de nunca fechar a porta aos necessitados"s_
Nos terreiros em que o chefe já "recebe" um exu ou uma pombagira,
os "
novos iniciados são incitados a entrar em transe com esse espírito, o que nem todos aceitam bem. No caso de Sandra de lemanjá, iniciada por Abrão de Oxum, filho-de.santo
de Waldemar
de Oxóssi, esse constrangimento
drama que levou a uma reestruturação
provocou
um
das relações entre o iniciador e a iniciada.
No terreiro U~ Abrão de Oxum, eram muito frcqü~ntcs as c~rirnônias durante as quais os filhos-dc-santo
eram possuídos por Exu ou Pombagira. Sete meses
após sua iniciação, Sandra foi submetida
a um ritual para deixar "passar" (ma-
nifestar-se) os exus, com a permissão de seu orixá. Como os outros iniciados do terreiro, ela incorporou
dois exus, um masculino
e um feminino.
Todas as
terças-feiras, ela devia estar presente no terreiro, "pronta para receber os exus para que os clientes pudessem consultá-los". se desencadeou procurar jovino I I I
no parentesco
I
I
iniciação (decá) no terreiro de jovino,
;
I
J
por obrigação,
(Abrão
jovino de Omolu já se tornara seu avô-de-
santo, pois Abrão de Oxóssi tinha realizado sua cerimônia
I
religioso, pois
(Waldemar de Oxóssi) de seu pai-de-santo
de Oxum). Nessa época, entretanto,
I
----
de Omolu, seu bi'savô-de.santo
havia iniciado o pai-de-santo
I
Essa obrigação de entrar em tran.
a crise que opôs Sandra de lemanjá a seu iniciador. Ela resolveu
tornando-se,
dos sete anos de
assim, seu filho-de-santo
isto é, por afiliação religiosa"'.
jovino propôs a Sandra que ela ficasse sob sua proteção espiritual, filiandose a seu terreiro. Dessa maneira, Sandra de Iemanjá resolveu o conflito com seu iniciador --~-_.
iniciaçào filiaçào por obrigação
A Cristóvào de Ogunjá (t) B Alvinho de Omolu C Maria de Xangô D Baiano de Xangô E Ellete de lemanjá F Edi de Omoru G Ana de Oxum H Jovino de Obaluaiê
Horácio de logunedê WaJdemar de OX05si K Gamo de Oxum l Abrão de Oxum M Sandra de lemanjá N Vera de Ogum O Conceiçào de Exu
nível hierárquico
sua irmã-de-santo.
,
DA ÁFRICA
NO
para a iniciada
de se
ocupado por ele na família-de-santo.
É graças a essa mobili-
Entrevista.com Edi de Omolu, nação efon. Na época de n05sa pesquisa, ele recebia o equivalente a dez dólares por cada consulta com sua Pombagira, sem Iimjte de tempo. Na mesma época, a Vovó Cambind
.
,
~ A BUSCA
A obrigação
pela passagem de Sandra para o mesmo
S
.
182
tornando.se
submeter ao iniciador foi neutralizada
o
CANDOMBl~ ,:"t
POOf.R CONTESTADO
~
183
I
dade ascendente no seio da mesma família-de-santo que a ordem hierárquica é negada e que as relações de poder são rencgociadas no candomblé7.
qual os médiuns
A afiliação a um novo pai.de-santo, na mesma família-de-santo ou entre nações diferentes, é, pois, um meio eficaz de negociação. Os erros sempre são recuperáveis, sem que instância alguma ponha um ponto final nas negocia-
filhos.
ções: o adepto simplesmente
lentamente
se limita, ~ortanto, gem tambcm
à passagem
no capítulo
A circulação
de uma modalidade
pode ser feita no interior
de poder entre iniciador analisadas
troca de mediador.
c iniciado, precedente,
dos médiuns
não
de culto a outra; essa passa-
da mesma família-de.santo. como as categorias
estão em constante
religiosas
características:
de Exu caem, têm acidentes no candomblé,
A primeira
caracterizada
manifestação
do espírito
por uma extrema brutalidade.
de Oxum foi possuída
ou se ferem parece ser uma de suas
diz-se que Exu gosta de deixar sua marca nos
por Maria Mulambo
para marcar
sua chegada8•
em geral é
(Exu ou Pombagira)
Assim, a primeira vez que Terezinha da Calunga,
esta a esbofeteou
Maria Auxiliadora
de Xangô
vio-
traz as
As relações
cicatrizes de sua aliança com Maria Mulambo: A minha Maria Mulambo, quando viveu nessa terra, foi mulher de malan-
que foram
dro. Ela diz que era mulher de marginal, para ela qualquer negócio é negó.
reorganização.
cio. No início, logo assim que ela começou a dar em mim, ela me cortava. Tenho os braços todos marcados lmostra as cicatrizesj. Tá vendo os talhos? Ela nunca me explicou por que é que ela me cortava. Um dia, a gente estava
A FALA DOS EspíRITOS
na casa de Exu e lá tinha um caco de vidro no chão. Ela [a Pombagiral o pegou e botou as minhas mãos para trás. Quando ela foi embora, que eu
A despeito oferecem
da mudança de si mesmos,
considerável ser iniciado
da imagem
no culto de Exu, ou incorporar
egulls, ainda é, nos dias de hoje, sinônimo sempre qualquer
está cercada co~tato
que os cultos afro-brasileiros
uma outra mulher do terreiro falou: "Um dia que ela estiver aí, eu vou
de perigo e poder. A aliança Com Exu
conversar com ela1" Não sei o que elas discursaram, não sei o que ela pediu,
de um halo de marginalidade.
com Exu, reflete-se
lhos" de Exu ou de seus médiuns
soltei os braços que estavam para trás, eu estava toda lavada de sangue. Aí
os exus-
na percepção
de umbanda.
Esse perigo,
inerente
a
o que a outra prometeu, só sci o que a minha irmã [de santo) falou pra mim:
que os outros têm dos "fi-
"Nunca mais ela vai cortar você!" Graças a Deus, nunca mais ela se esquen-
Ser ligado a Exu significa ocupar
um espaço perigoso entre o bem e o mal, que os outros mantêm
cuidadosa me _
te à di~tâncja, assim como significa ter uma "cabeça quente", quem e conveniente manter prudência.
um ori ajú, co:
_
Na .reaIi~adc,
o que parece caracterizar
melhor
s~o I~Ult~ diretos e francos, o que freqüentemente h~e~arqUlca do terreiro. Vidos por fuxicas.
em que os conflitos,
Como as pombagiras ~cm trazer inscritas
os leva a infringir
malandro
definida
a ordem
não aceita o
de forma geral, são resol-
Ele não tem medo de desencadear
grupo de culto, pois sua natureza quente, . delxa uma brecha para a transgressão.
um conflito pelo "dono
no seio do da cab
" eça ,
184
portanto,
ESs.l.estra.tég~a é muito comum. Seis dos médiuns entrevistados as dlvergenClas com seus iniciadores (cf Fj"'ura 6) Vf, -, . . '... eromque re crcncla ao mesmo tIpO de estratégia na mina de Belêm.
A 8USCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBLÉ
ser mulher Os espíritos
a estabelecer
e obterá
pertinência, de dominação
à vontade
mulher
Ser mulher
de
que aceita qualassinalam,
com o espírito,
relação
pois o espírito, mesmo feminino, sobre um médium
do espírito que o médium
que é dominanão sofrerá mais
riqueza, força e poder.
de umbanda
candomblé,
pois, em seus relatos, a passagem do ~cu" ao "outro"' é constanle.
cntradill'm
transc. o médium só está presente fisicamente, portanto,
dc-
através do castigo físico: aceitar
~ É sempre muito difícil analisar as histórias de vida dos médium
presente.
também
dos exus e das pombagiras
urna relação de dependência
masculino
do. É por ter-se dobrado violência
que apanha,
com os seres humanos
em que o sexo não tem qualquer o modelo
seus médiuns
na carne as marcas dessa marginalidade.
sua aliança
este equivale
tinham resolvido dessa . B .. maneira oyer-Araulo (1993a: 195 6) f az
~
são esposas de marginais,
no Brasil significa
quer coisa de seu homem.
reproduz
Marca espiritual, portanto, mas que também se traduz fisicamente. Na verdade, em todos os relatos dos "filhos" de Exu ou de seus -d_ , me IUns provementes da umbanda, encontramos um elemento constante- o Ex _. . u-onxa ou os exuseguns (cxus e pornbagiras) gostam de marcar seu "cavalo" A f -'-d d . aCi I a e com a 7
superficial, era talhinho fundo, de você olhar e ver aquela carne branquinha.
os filhos de Exu é que eles
Um filho de Exu não mede as palavras,
C~dlgO em vigor no candomblé,
tou assim. Mas no início ela cortava mesmo, cortava fundo. Não era talhinho
é a Pombag/ra
Maria Mulambo
e dos miciados
no
No momento
da
o que age nele é o espírito. No caso
quem dá uma bofetada
em Terezinha
de
Oxum. para marcar seu "cavalo" e afirmar sua presença.
o
PODER CONTESTADO
;$
185
Outra constante dos relatos dos médiuns possuídos pelos exus e pelas pom. bagiras no candomblé
é a relação de proteção que ligaria o pai-de-santo
espíritos de seus filhos-de-santo.
a legitimidade
,
diuns, e provam, por isso, Sua realidade. reafirmam sua autoridade
de loda conversão no candomblé:
ajudam os iniciadores
Assim, em de seus mé-
Embora devam limitar-se ao espaço
graças a este elemento
a cura mística~. A rdação
que liga o iniciado ao iniciador é assim derrubada;
que está na base dc subordinação
se o iniciado precisa do pJi-
dc-sanlo para qualquer mediação ritual com as divindades, pende dos espíritos de seu filho-de-santo
.,
o poder dos espíritos
do poder de seus iniciados.
todos os relatos, os exus e as pombagiras doméstico,
\'
Nesses relatos, o chefe do terreiro aparece
sendo forçado a aceitar esses espíritos, pois reconhecer equivale a reconhecer
aos
o pai.de-santo
de-
para sua proteção. Em outros termos,
uma divida liga o "pai" ao "filho" por meio da afirmação espíritos.
do poder desses
Aquele que não reconhece o poder dos espíritos desencadeia
um conflito.
Ora, embora no candomblé um filho de EXlIpossa atacar a hierarquia
do terrei-
ro de maneira discreta, este não é o caso do médium oriundo da umbanda. iniciado no culto de Exu, em razão do papel desempenhado
Um
por esse orixá no
plano místico e do medo da feitiçaria que ele suscita, não precisa do que se pode chamar o discurso paralelo do candomblé:
os fuxicos-de-santo.
Ele não
participa dessa dinâmica comum a todos os iniciados em um terreiro de can. dombJé, a quaj consiste em uma submissão aparente à estrutura em sua crítica ;lar meio de um conjunto
hierárquica
de acusações organizadas
e
nesse dis-
curso paralelo. Ao contrário, os iniciados que "recebem" os exus e as pombagiras de umbanda, .quando não estão possuídos por seus espíritos (quando estão de cara limpa), nunca ousariam atacar diretamente
apoiarem na suposta inconsciência
a hierarquia
do terreiro. Ao se
do médium durante a possessão, recorrem
à fala dos espiritos, únicos responsáveis pelo que é dito. A crítica se torna legítima, pois é um espírito que a profere e não o iniciado. Para impedir esses ataques, o pai-de-santo contestado médium de s'mulação1o•
deve, então, desacreditar
A história de Sandra de Oxum é um bom exemplo época de sua iniciação
• Como no caso de Cristôvào esses cspír,tos.
no candomblé,
de Ogunjá,
que
o espírito acusando o dessa estratégia.
ela já incorporava
e forçado
a aceitar os cahoclos
I,' Ê (J caso dCJovino de Omolu, que responde ao desafio de seu filho-de-santo, pondo
186
emdúvid
•••• ver ••cidade de sua aliança
Na
uma Pombagira
após a cura feita por Waldemar
ASSENTO
de OXÔSSi,
VÊ.SE
com a Pomb ••gira.
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o
PODlR
CONTE.STADO
DE POMBAGIRA
A ESTÁTUA
MACULADA
EM UM TERREIRO COM
o
SANGUE
DE CANDOM~lÉ. DOS
SACRJFIClOS
~
187
Cigana, uma húngara chamada Vadinha Ratzá De : na umbanda, ela decidiu ser iniciada por Gam' d POOIS de lo.nga expenencla B' d X ~ o e XUffi, fllho~de-santo de alano e ango, mas, "vista a dificuldade dos eíon de ace'l E ". , I ar a possessao por Xli ,nmgucrn cuidou de seu "lado umbanda" d P , . . ' e sua ombagtra Durante o pTlrnetro ano, Sandra se submeteu à regra segundo a qual é pro,'b,'d " um Ex I . o lllcorporar u, mas ogo a CIgana voltou a se manifestar pois "el h ' b Sandr _ ' a uena tra alhar" a entao se afastou do terreiro de seu iniciador e se I'untou ao d AI ' h" de Omolu E I' e vm o . m seu re ato, o posslvel conflito com o ai d presença de sua Pombagira, é resolvido pc1a interve~ç~o e;anto causa~~ pela ção dos orixa", de S d ' UT3ntc a adIvmha, an ra que pedira .d 'A
•
espaço dos orixás, monopólio
do pai-de-santo,
e o dos espíritos, no qual a
relação entre o médium e suas entidades é direta. A Pombagira não precisa de mediação do pai-de-santo vindica
e, portanto,
sua independência
não lhe deve obediência.
A Cigana rei-
até em face do orixá, "dono da cabeça" de sua
médium, ao qual no entanto deveria se submeter, pois é sua "escrava": "Quem bate cabeça para o pai-de~santo é ela lSandra]. Ela é louca por ele, é grata a ele,
"1
J
da médium. Sandra ressa;ta, assim, a :g~~~:~a;~s~~:::Sa;;paí~~ti;:r:~
e,sPí~it~s
mente de sua Cigana, reconhecida até por seus orix' ,n~C,lpa aceitam por que um p."' d _. as. Logo, se os onxas os , - e-santo nao fana igual? Segundo Sandra, Alvinho de Omolu teria aceitado s . meira contato. Ele teria até infringido a proibi ão d ua Clga~a desde o prieguns em seu terreiro, para receber melhor esse ~s íri: poss~ssao pelos exusreconhecia pois teria falad I p o, CUIaforça e eficácia , < o ongamente com ele depois d .. cabra em sua honra O e ter saCrifIcado uma . comportamento excepcio Id . portanto, o poder do espírito. na o pai-de-santo legitima,
sua Oxum é grata a ele, ela gosta do caboclo dele, mas que ele [o pai~de-santo] goste de mim, não, ele nunca gostou de mim ... ele engole ... mas eu gosto dele!" Eis que surge o conflito: pai-de-santo,
pois "ele é importante
não aceita o espírito,
apenas o
para seu cavalo", a Pombagira me contou
o drama ritual de que foi pivô no terreiro de Alvinho. Durante a cerimônia que marcava seus sete anos de iniciação, Sandra, que se encontrava iniciações
(roncó),
no quarto das
começou ~ passar mal, sinal da manifestação
iminente
da
Cigana. Segundo o relato do espírit'?, Alvinho estava ocupado fazendo sacrifícios aos Eguns (ancestrais), na parte externa do terreiro. Sandra foi levada para o barracão onde a equede tentou em vão chamar seu orixá, Oxum. Mas o orixá não se manifestou, Dona Cigana,
No dia seguinte após nossa primeira entrevis sultas com sua Cigana em ta, Sandra estava dando con, ' seu apartamento. Convidouesplfito e até aceitou que a t . me para conhecera seu en revIsta fosse grav d Q casa, já eram dez horas da noite S d a a. uando cheguei em sua recebendo, um após o out l~ an ra estava em transe desde a manhã, ro, os c ICntes que uma d flh lhia no salão. Ao fim de q t ~ e suas I as-de-santo acouase res horas de es I de branco, com um lenço d d . pera, e a me recebeu, toda vestida oura o na cmtura e p nos pés. Nos cabelos u d equenos tamancos brancos , ma gran c rosa vermelha d 1-' cigana. Usava grandes brincos d e p astIco lhe dava ares de e argola nas orelhas v - . pulseiras e anéis. A Po b . anos colares dourados, fi agIra se apresentou com ". h " como a "mulher de L"f d' o a ram a das CIganas" e UCIcr e e maIS de vinte ma'd " quem falava, mas seu espírito" Do C' fI os . Nao era mais Sandra . . na Igana. DepOIS de longa digressão sobre a natureza . _ sobre sua relação Com seu" I" _. de Sua rnIssao no mundo e cava o , o espmto chegou 'Ide-santo e sua médium A f I . na re açao entre o pai, ' o a ar a respeito de E " eXistiria", a Pombagira Do C' . xu, sem o qual o orixá não na Igana dIsse que ess I seriam contrárias às convic _ d' as pa aVras provavelmente çoes o paI-de-santo mas '" I deve obedecer a ele não eur" f ,que e e a [Sandra] quem , . ,rea umando assim a distânCia que existe entre o
o pai-de-santo
tolera. Apesar da preocupação constante do espírito em evitar o conflito com o
"pois não era ele quem estava ali". Ela estava possuída por
e foi entào que o conflito estourou,
Alvinho de Omolu não
admitiu a presença de um exu~egum em seu terreiro e o expulso.u rapidamente. A Pombagira
teria declarado, naquele momento,
que nunca mais voltaria ao
terreiro, "pois não ia onde não era aceita". O espírito concluiu . afirmando
que, durante
reiro, também
sua manif~stação,
seu discurso
outros iniciados, presentes no ter-
teriam sido possuídos por exus-eguns.
Uns quinze anos mais tarde, o conflito entre o pai-de-santo
e o espírito
(Dona Cigana) ainda permanece sem solução. Sandra, embora ferida pelo não reconhecimento pai-de-santo,
de seu poder místico, não tem como desafiar a autoridade
do
pois é ele quem toma conta de seus orixás e com ótimos resulta-
J
188
""
A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBLÉ
dos,
t, pois,
seu espírito que atacará. O médium não é responsável pelo que faz
ou diz o espírito. Assim, "receber" um Exu parece atender a uma dupla necessidade: melhorar espírito,
o status social, constituindo
e questionar
o controle
religiosa. Na passagem da umbanda
para si uma clientela ligada ao
do grupo de culto e o peso da hierarquia
para o candomblé,
os papéis desempenhados
por Exu e Pombagira passam, todavia, por urna inversão de valor. Na umbanda, a pr{ltica dominante
continua
a ser o exercício da caridade c o trabalho
(as
sessões de consultas com os espíritos) visa à evolução do espíri~o e à sua doutri-
O PODER CONTESTADO
"l
1 89
1 ,.
nação. No candomblé,
os exus e as pombagiras
dão consultas
e ganham
di-
nheiro para seus médiuns, na casa ou no terreiro deles. De um espírito animado pela necessidade de evoluir, e que para fazer isso paga com seu trabalho na terra, passa-se a um espírito livre de qualquer doutrinação, dinação e que assegura a vida material de seu médium evolução, o outro é pago por seus serviços.
Il.
de qualquer subor. Um "paga" por sua
OS PROTETORES DAS MULHERES
o
uso político dos exus e das pombagiras,
com as instâncias hierárquicas
que vimos em ação nos conflitos
superiores (os pais ou mães.de.santo
"ortodo-
xos"), é mais evidente ainda quando o conflito opõe uma médium a seu marido ou companheiro.
Os espíritos - e sobretudo as pombagiras _ tornam-se, entao,
os pivôs de uma reorganização profunda das relações de poder no seio do casal: o aliado invisível outorga sua proteção e poder a seu "cavalo" diante de um homem que raramente dispõe das mesmas mediações sobrenaturais. o homem seja aceito, deverá submeter-se à autoridade
Para que
do espírito protetor
ALTAR
de
sua mulher, estabelecendo, na maior parte do tempo, um verdadeiro pacto com o ser invisível. Esse pacto sempre é resultado de um longo processo que visa ao reconhe-
suas uniões.
t
DE POMBAGIRA
COM
SUA BEBIDA
quase sempre a mulher
E SEUS
CIGARROS
o chefe de uma família composta
de
filhm. de pais diferentes; é ela quem trabalha duro para garantir a sobrevivên~
cimento e à aceitação do poder místico da mulher. O homem, ao ser dobrado
cia de todos. Sua relação com o homem é condicionada
pela força dos espíritos, é forçado a negociar sua relação com a mulher-mé.
deste: o homem deve ser trabalhador
dium, de quem o espírito é o principal dono. Aceitar a supremacia
sidades da mulher e da família. Quando ele não se dobra a esse ideal, a mulher
protetor é condição sille qua 11011para qualquer dium. Reconhecer seu "patrimônio
do espírito
relação com uma mulher mé.
espiritual" significa reconhecer
Assim, a aliança com o espírito se torna o lugar de uma redefinição
chega a se separar do companheiro.
seu poder. do papel
Ora, na difícil situação socioeconômica não conseguindo
da sociedade brasileira, na prática cotidiana esse modelo se revela muito afas~
do grupo familiar. Em contrapartida,
tado da realidade, ao menos da realidade das classes populares, em que a mu-
tanto na umbanda quanto no candomblé,
selll de fato assumirem
da família. Os homens vão e vêm
suas responsabilidades
perante os filhos nascidos d~
vivida pelas classes menos favore-
cidas da sociedade brasileira, são os homens
feminino. Na verdade, se a família patriarcal constitui o modelo ideal no seio
lher, em geral, é o verdadeiro sustentáculo
pelo comportamento
e generoso, e tem de fazer frente às neces~
que parecem ser os mais frágeis,
se afirmar como responsáveis
e de acumulação
pela sobrevivência
material
o acesso das mulheres à carreira religiosa, constitui um meio de ascensão social
de prestígio que só pode questionar
seio do casal. Nos relatos dos médiuns,
encontramos,
as relações de poder no de modo constante,
o
tema da difícil aliança entre o espírito e o médium, vivida como uma verdadeiII
o~ ,1d('pfo~ {lo candomblé
estahelecem
uma distinção clara entre vida e.~pirituill c vida mater;ill.
A prinleíril ê dominiu exclusivo dos orixas. ao passo que a segunda telll a ver com os exus e as pomhagiril~. Como os problemas encontrados
na vida cotidiana
da existência, a solUÇa0 para eles será buscada na intervenção como os caboclos ou os pretos-vcl hos).
190
"'"
estão ligados ao lado material
dos cxus (ou de outros espiritos,
A BUSCA DA ÂFRICA
ra relação de forças. A conversão é o resultado da vitória dos espíritos sobre os seres humanos, espiritual
NO
CANDOMBLÉ
mas o médium,
embora se submeta
à vontade
dos espíritos,
também impõe essa vontade aos que o cercam: o homem deve aceitar a missão
o
de sua mulher, sob pena de provocar a cólera das entidades
PODER CONTESTADO
espiri.
;'J
191
tUJ.is. Aceitar os aliados da mulher desta: através dos espíritos
e de suas palavras,
Assim, embora
mística
levar pontos. Mas o Malandro virou no hospital, não deixou dar ponto e me
a mulher
o papel
trouxe pra casa. Ele fechou a minha cabeça, não levei ponto nenhum!
pode inverter
a possessão
Malandro
aja como um espaço de "transformação
onde, seja qual for o sexo atribuído
duz o papel dominante dominado
aceitar a superioridade
em que a priori está confinada.
de submissão ca sexual",
é também
feminino
masculino (Boyer.Araújo
exus - e principalmente da no cotidiano
diante de um médium
que reproduz
oposta
a vontade
à autoridade
enfrentar
sempre
a violência
é vivida como
uma aliança
ou a traição dos homens.
de Baiana de Omolu
que a protege,
mesmo
contra
São, portanto,
Madureira
(Rio dejaneiro)
é simbólica
entendeu
viviaos
leva a uma
nada. Ele ficou tranqüilo do carnaval até a festa dele. Na festa, ele
disse que veio "com o seu bicho de quatro e de dois"12 e ninguém entendia nada. Quando a festa acabou, de manhã, ele levou o meu marido. Morreu,
I
~
levou cinco Iiros, o rapaz! Eu ainda levei ele para o hospital, botei ele no táxi,
a sua vontade.
Exu
mesmo. Cobrou e ele morreu nas mãos do Malandro ... ele morreu duas vezes,
às mulheres
os espíritos
da existência
porque foi Malandro quem matou ele e quem entrou pra matá.lo foi outro
que
malandro, quem deu os tiros e matou. Ele veio pra cobrar c cobrou muito bem!
de seus Ao me contar
dessa aliança com um espírito Baiana é uma mulher
jovial. É vendedora
sorriso largo e comportamento
dele em agosto, todo mundo falou que ele virou tão bonito, que ninguém
com os
protetor,
que permite
inlervêm diretamente nos momentos mais perigosos "cavalos", para protegê-los e punir os culpados. J\ história
o papel
enrolei ele num lençol, mas lá ele morreu. O Malandro não ia deixar ele vivo
Na maioriá dos relatos, a relação entre a mulher e seu espírito ou Pombagira,
ambulante
e é, há muito tempo, representante
negra de
no subúrbio
sua história,
violência
de
cuidara
dessa corporação.
e dos maus-tratos.
a yida dos comerciantes
Baiana tem um Exu corno espírito
tudo para ficar com seu homem,
marginalidade. agosto,
do boêmio
brasileiro
ligado
ao mundo
da
Esse Exu gosta muito de pagode e cerveja, e todos os anos, em
Baiana organiza
urna grande
cerveja para os convidados. revela-se
precioso
enfrenta
sozinha
quando
festa em sua honra,
Esse espírito,
por sua natureza
seu "cavalo" se encontra
a polícia ou um assaltante,
Assim, em Ullla disputa, ela consegue dominar sença de seu espírito que lhe dá esse poder.
com pagode e muita marginal
em perigo.
e temível, a seu lado.
os outros "pelo olhar":
é a pre~
gos. Assim, o desejo completamente ponsável na cabeça discutiu
legítimo
transferido
"mulher
seu "cavalo"
de vingança,
começou
de malandro",
a
que faz que
e o vinga de seus inimi~
que ela poderia
para ~ Malandro,
que se tornou
ter nutrido, o verdadeiro
foi res-
de seu companheiro.
matou esse homem
que não respeitava
dela, a parte mais sagrada
com o homem,
quando
e a Baiana aliada de um espírito poderoso,
feita contra
pela morte violenta
O Malandro
explicou~lhe
a mulher,
que batera
do corpo de um iniciado
Malandro
qual devia ser sua conduta
mas, por ter
lJ.
na defesa de seu "cavalo" 11
o homem
1110, eTa meio viciado, muito levado e gostava de bater. Malandro vinha falar
Il
que ele vai levar, Glusanuo-ll1e
A maioria dos rituais realizados durante
a morte. Os cabelos são raspados (' um entalhe
possa se fixar no corpo do iniciado. É proibido
local 11,1C,I!JC\-,l de \1111illlriildo (lIdo;w), pois clil é ron~id('rada a gTilvidade - material
o
PODER
CONTESTADO
c espiritual-
etc.) ou "de
o animal "de quatro e duas patas" simboliza
a iniciaçào dizem respeito ao corpo e. mais especialmen.
ê feito 110alto do crânio (fcm). para que a divindade
perdoou. Eu perdia muito sangue e fui no hospital de Marechal Hermes para
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBl~
galos etc). No caso presente,
te, à cabeça. COllsidcrada o lugar onde reside a divindade.
conversava com ele, para fazê.lo parar. Mas ele nada. Quando foi no cama: vai, elC' pegou uma pedra e abriu o meu adoxu rcabeça]. F.aí o Mill;mdro não
I;;-
nl1rante as ("('rimllnjas, são sacrHicauos animais "de quatro patas" (cabras. carneiros duas patas" (galinhas.
Eu morei com um rapaz durante anos, um rapaz que não gostava de traba.
192
duas Baianas: a Baiana apaixonada,
não pode aceitar a violência
Baiana nunca
seu Exu está sempre
Baiana conta até que ponto os espíritos intervêm da seguinte 11l
,
completamente
que pune aqueles que lhe fazem mal. Era como se
houvesse
encarnação
de tudo o que ele lhe fizera passar, ela
dele até a morte. Mas a voz'mudou
falar do poder do Malandro,
prote.
com o qual vivera quinze anos, apesar da
A despeito
com a polícia e os fiscais que infernizam
tor, o Malandro,
Ba~ana estava com a voz triste. Tinha sofrido
muito com a morte do companheiro,
P~.r isso, volta e meia tem problemas ambulantes.
O Malandro me pegou, fechou a barra-
ca, fechou as caixas de mercadorias e me levou pra casa. Quando foi na festa
das mulheres
masculina,
sangue começou a coar novamcnte.
repro.
- inverte a posiçao'submissa
na fala dos espíritos,
homens. A autoridade espiritual, redefinição dos papéis no casal.
este sempre
1993a; 108), a aliança das mulheres
com as pornbagiras
e impõe,
ao espírito,
da mar-
O
ainda abriu a barraca Ide camelô] c, com o peso da barraca, o
do ato cometido
~agr.lda. Podemo,
pelo companheiro
ils~il11entender
de Baiana.
~
193
negado
a autoridade
do espírito
foi punido.
Uma vez eliminado
o rival
o
posto de polícia na favela, depois ao posto médico, onde o médico não desco-
espírito se torna o verdadeiro marido de seu "cavalo". Está a seu lado sem~re
briu nenhuma
que ela precisa de ajuda, é seu protetor c seu apoio econômico: "Malandro é o meu marido .I A rnull,er rec Iama: 'Quero comprar um sapato, eu não tenho roupa, eu quero comprar isso, eu quero comprar aquilo' ... e o marido dá. Então
apesar do terror que sentia da magia negra e do espiritismo, centro de umbanda,
é ele quem me dá tudo, é ele quem não me deixa faltar nada".
havia sido tratada (desenvolvida).
A oposição
entre
Illulher, não trabalha, por excelência Os homens sancionado
um marido pertence
que não cumpre
a um mundo
mas que exerce as funções
devem se dobrar à vontade com rigorl4•
de marginais
de marido,
I
seus deveres
_ bate na
pois todo desafio
não
Segundo a mãe, ela sofria de epilepsia ou de
"doença dos nervos"17. Aos 11 anos, Rosilene foi possuída, pela primeira vez, por Maria Mulambo. mas nervosos. A Mulambo,
causada por seus proble-
após'ter possuído Rosilene, disse à mãe que se ela
não se decidisse a lhe "dar" a filha, esta ficaria doente para o resto da vida. A mãe
as esposas por outras mulheres. Na verda
4
de, os problemas conjugais são uma das principais razões que levam os clientes a cons~ltar uma P~mbagira. Este espírito, identificado se, ('ntao,
levou-a a um
no qual enfim seu orixá,
Mas Rosilene ficou doente, pois sua mediunidade
Estava paralisada na cama por uma febre reumática,
será
Mas, se o~ espíritos punem os homens quando são violentos, eles também intervêm quando estes abandonam
"cruzado com a quimbanda",
Oxum, manifestou-se.
_ e o Exu, marginal
está assim estabelecida.
dos espíritos,
marca de violência. Mas Rosilene não parava de chorar. A mãe,
harmonioso.
com a prostituta,
torna-
Se a mulher, principalmen-
te aquela que possui protetores místicos, não deve submeter-se à autoridade homem, este, caso não queira sofrer graves conseqüências, a mediaçào dos espíritos.
do
é forçado a aceitar
cedeu, pois Rosilene ficou paralítica um ano inteiro. Quando ficou boa, começou a dar consultas com sua Pombagira, na casa da mãe. O espírito foi pouco a pouco tendo controle absoluto sobre a jovem e as pessoas à sua volta: quando a mãe de Rosilene queria fazer -alguma coisa, devia, primeiro,
falar com o
espírito; durante a noite, ela ouvia Mulambo e Rosilene discutirem.
O espírito
fizera um pacto com a mãe de Rosilene: ou ele tornava o controle total da vida de Rosilenc, ou esta continuaria
sofrendo.
Quando Rosilene fez 16 anos, Mulambo disse à mãe que a jovem se casaria,
A história de Hosilene1S c de sua aliança com a Pombagira Maria Mulambo
mas que ela era contra o casamento.
Queria que Rosilene vivesse apenas em
da Figueira, como ela mesma me confiou, é a ilustração disso: aos sete anos de
concubinato,
idade, Hosilene vivia na favela de Manguinhos
mae de Rosilene não estava de acordo. Caiu de joelhos diante do espírito e
(subúrbio do Rio de Janeiro)
que nunca se casasse e não perdesse seu nome de solteira. Mas a
com a mãe, viúva, e seis irmãos pequenos1f,. Na favela, havia muitos crentes'
suplicou,
chorando,
assim como adeptos da umbanda ou do candomblé
Mulambo
deixar que a filha se casasse.
- os macumbeiros.
Todos o~
dias, ela ia buscar comida em uma horta. Certo dia, perto dali, escondido um porão, ela encontrou um embrulho
amarrado.
em
dinheiro: primeiro uma moeda, depois outra, enfim Era uma macumba
Rosílcne perdeu o controle e começou q~e tivesse sido estuprada,
(um trabalho
de magia negra)
a chorar, sem poder parar. Pensara~
pois diziam que um homem estava abusando
crJanças da favela, atraind0 as 4
com balas ou dinheiro.
Foi então
das
levada ao
"O lemorda intcrvcnção dos espíritos é um elemenlo ., sempre Iatente na SOCiedade brilsilclra. O I)roblcma
de dissuasão muito cfíc~z ....001'" v. '" . ',,ua 10cnCla, das mulh", ' . j" " '- c.>cspancal <15nao esta limilildo C~1ll0 SI:poderia pe~sar. âs c1asscs populares; está prcsente em todas as camadas sociais. O grand~ numero dI,; dclcgilclas de mulheres mostra a gr.widade do problema
"Os nomes das médiuns que se seguem. '" Sele (s~o. sclenianças l'omiJaglra
194
forilm modificados no total) é ull1número
para preservar mágico,
scu anO~imato
sempre
associado
nas hislórias
às histórias
de vida
Nessa época, Rosilene trabalhava dinheiro
a
em uma fábrica e era a única a trazer
para casa. Seu futuro marido era filho de um espanhol
rico, proprie-
seis outros apartamentos
no Rio de]aneiro.
Rosilene havia encontrado
na porta da igreja da favela, onde ele viera assistir a um casamento.
o rapaz A mãe de
Rosilene desejava que eles se casassem o mais rápido possível, antes que a filha "se perdesse". Dezenove dias antes da data fixada para o casamento,
o pai do
rapaz morreu
e, agora,
repentinamente
.. Mulambo
nao queria
O
casamento
Rosilenc também nao queria, a despeito dos pedidos reiterados do noivo. Acabou, no entanto,
aceitando,
mas sob certas condições: nao iria morar no "palá-
cio" da sogra para ser empregada
dela e queria o apartamento
que o pai do
de EXlI ou de
I;; DA ÁFRICA
Acabou por convencer
tário de uma casa grande, "como um castelo", no bairro de Bonsucesso, e de
" Sohre a imporlanCia
A 8USCA
nao lhe impor tal vergonha.
NO CANDOM8LÉ
o
PODER CONTESTADO
desta noção entre as classes populares
no !lrasil, cf. Duarte
(1986)
"l
195
rapaz lhe havia prometido em Bonsucesso. Na véspera do casamento, incorporou
Mulambo
em Rosilene e disse ao noivo: "Escuta, vou te fazer uma proposta.
Foi então que desmaiou e incorporou Mulambo, Esta proibiu a mãe de Rosilene de deixar a médium
presente intervir, pois Rosilene estava pagando
Eu deixo ela se casar, mas você vai deixar minha 'filha' vir aqui [na casa da
da vida", e que ela acabaria, "como todas as outras mulheres",
mãe] dar consultas toda semana."
prostituta
juramento
A Mulambo lhe pediu, então, para fazer um
com ela no pé de uma cachoeira, lugar consagrado
a Oxum, o orixá
de Rosilene. Ele o fez, mas só deixou Rosilene dar consultas do casamento. A crise estourou quando
logo após o nascimento,
duas vezes depois
prazer" de sua condição.
A Pombagira
na pele de uma
pediu a prova do
fogo'9, para mostrar que não ua deficiente física: era Rosilene quem continuaria a ser, depois que fosse embora. Então dançou em um círculo de fogo, Antes de sair, Mulambo disse à mãe de Rosilene que tudo aquilo era culpa do casamento,
muito difícil, do primeiro filho,
o marido de Rosilenc lhe proibiu categoricamente
"tirando
"o preço
de freqüentar
ter-
e que ela era de fato a única dona de Rosilene. Depois disso, a mãe disse ao marido de Rosilene: "Escute, Manuel, você tirou minha filha da minha casa, ela
reiros. Rosilene caiu doente e ficou paralítica durante quatro meses. Mulambo
que me dava tudo ..Você sabia que ela praticava o espiritismo.
castigava o casal, por ter.rompido
deixar a minha filha voltar lá!". Ele recusou o pedido e Ro~i1ene continuou
o pacto. Foi, então, um período de miséria, de
"fome negra", segundo as próprias palavras de Rosilene. O marido perdeu tudo o que possuía: o carro, todas as propriedades, trara um homem paralisadas.
dilapidadas
mais novo. Rosilene não andava
Era a mãe quem lhe trazia comida, para ela e para o filho. negro, de cabelos alisados, que queria lhe vender quadros.
não estava interessada,
mas acabou convencida
"alto e negro, de dentes imaculados",
deiro objetivo era "possuí-Ia". ro, mas ninguém fundo.
Ela
a olhá-los mais de perto. O
disse-lhe, então, que seu verda-
Rosilene começou a chorar e a gritar por socor-
a ouvia. O filho ficou de repente mergulhado
Ela perdeu a noção do tempo,
sem
a cada dia. Tinham parado
de ter relações sexuais dois meses depois do casamento.
Rosilene pensava que
cra cm razão de sua origem modesta ou de sua "pele escura", c se sentia inferior.
quando tocaram à porta.
Um dia, Rosilene estava sozinha no apartamento, Era um homem homem,
pela mãe, que encon-
mais, as pernas estavam
andar. As relações entre os cônjuges se envenenavam
Você tem que
em sono pro-
as horas passavam ... e o homem
não
Conta que só houve urna exceção e que foi justamente grávida novamente.
dessa vez que ela ficou
O marido não desejava aquele filho: pedira a ela que abor-
tasse, c ela recusara. O primeiro filho tinha então um ano e meio c Manuel trabalhava
à noite, corno chofer de táxi. Certa noite, Rosilene adormeceu
com
as mãos juntas; no dia seguinte, não pôde separá-Ias. A dor era tão grande que Rosilenc chamava a morte chorando. mento, tendo recuperado
De repente, levantou-se
e saiu do aparta-
o uso das pernas, e correu chorando
pela rua, deses-
co~seguia passar da porta, pois Rosilene pedia socorro a todos os seus espíritos.
perada. Pessoas de um terreiro de umbanda
De repente,
contra a dor, mas ela tinha medo de entrar no terreiro. Acabou aceitando
e,
quando
as
ela ouviu o rádio do vizinho
seis horas. O homem
anunciar
a hora: eram exatamente
a olhou e lhe disse: "Tchau e até logo". Ele acabara de jr
a mãe-de-santo,
a chamaram
para lhe dar algo
possuída pelo caboclo Sete Estrelas, colocou-lhe
embora quando a mãe de Rosilene chegou. Só havia onze degraus até a porta de
mãos na cabeça, Mulambo
entrada
passou fogo nos braços de seu médium para mostrar sua força. Declarou que se
e mesmo assim ela não vira ninguém
mãe foi falar com uma vizinha mo"I~. Foram, então, consultar
que conhecia uma médium
descer. Rosilene desmaiou
e a
pessoas ligadas ao "espiritis~ de nome Ilka, que morava
do
passavam
conVIdavam-na
Pombagira. IIka lhe examinou
no caminho,
pra cama",
sinal explícito
as mãos e lhe perguntou
na vida. Rosilene, esgotada, respondeu
"todos
da aproximação quantos homens
°
196
cachaça para beber e
após o transe e não voltou mais no terreiro. Alguns dias mais tarde, Rosilene sonhou que Sete Estrelas a chamava.
Diri.
que
giu-sc entâo ao terreiro, onde o caboclo a esperava. Entrou em transe e deu
da
consultas com sua Pombagir~ a noite inteira. Quando voltou para casa, Rosilene
tinha
que tinha apenas um, o marido Manuel.
é utilizado aqui como sinônimo de umhar,d. . . , a, pOIS no espmtismo ~u I'ombagira. Esse lermo, como de macumba para os cultos afro-brasileiros linguagem popular, tudo o que tem a ver com os espiritos.
,. Espiritismo
os homens
Logo reclamou
Rosilene não cuidasse dela, sua vida iria de mal a pior. Mas Rosilene partiu
outro lado da avenida Brasil, na favela Nova Brasília. Rosilene se arrastou até lã, pOIS as pern~s não lhe obedeciam;
incorporou.
sentiu-se mcIhor do que nunca. Um problema, contudo, permanecia: o marido. Um dia, pessoas da família dele vieram à sua casa para humilhá-Ia, ,,' A prova do fogo é normalmentc
nao se recebe Fxu pode indicar .na ' ,
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
pedida quando
s~o. COnsiStl' em entrar CI11contato
afirmando
exi.~tc uma dúvida sobre a veracidade
com o f~go ou elTl engolir coisas quentes,
da posses-
selll no entanto
se
quell11ar.
o
PODER CONTESTADO
~
197
•
que, graças a eles, ela tinha saído da favela, desencadeando o drama. Mulambo possuiu Rosilcne e chamou o marido para lhe falar. Disse-lhe que se não deixasse a mulher se dedicar à sua missão espiritual, ela, Mulambo, ia separá-los. O marido aceitou deixá-Ia "trabalhar", mas apenas no terreiro de Dona Alice, onde fora chamada pelo caboclo Sete Estrelas. Rosilene então começou a freqüentar esse terreiro, exceto nos dias em que o marido voltava cedo para casa. Mas o comportamento deste tinha algo de estranho, pois continuava não se interessando sexualmente pela esposa. RosiIene conhecera Luís, um pai-de-santo de candomblé do bairro de Rocha Miranda, na casa de quem ela havia realizado a primeira cerimônia para seus orixás. Foi ele quem lhe revelou que o marido levava "vida dupla". Rosilene, que estava grávida de seu segundo filho, pediu a Mulambo para ajudá-Ia a preparar um trabalho mágico, que ela colocou debaixo da cama do casal. Certa noite, Rosilenc estava na casa da irmã, que alugara um apartamento no mesmo edifício, quando o marido voltou. Ela já o encontrou na cama, dormindo. Estava escovando os dentes no banheiro quando a escova lhe escapou das mãos e caiu no chão, ao lado do cesto de roupas. Ela empurrou o cesto c, atrás, descobriu uma revista pornográfica. Ao segurá-Ia, algo escorreu do papel: o marido acabara de se masturbar sobre a revista. Para Rosilene, foi corno se tivesse recebido uma bofetada: Minha filha, foi uma decepção! Eudava gritos, gritos. Meu cabelo era comprido ... cu tirei o cabelo todo ... Arrancava, arrancava. Fiquei um ano, sem dormir, tomando conta dele, pra não fazer aquilo. Porque amava ... Aí eu falei,se cu tenho santo, seexiste Oxum e Mulambo, eu nunca mais vou largar o espiritismo! Mas me desgosta desse homem. Euquero ter um homem, mas nunca deixarei o espiritismo. Passeo que passar! A mãe de Rosilene foi à casa da sogra de sua filha para lhe explicar o que eslava acontecendo e quais eram os riscos de Rosilenc perder o bebê. juntas, foram a uma cartomante, que lhes revelou que Rosilene também corria risco de vida. Durante a noite, RosiJene começou a perder muito sangue. Arrastou-se até o apartamento da irmã, que a levou ao hospital. O marido, embora estivesse em casa, não levantou um dedo. Quando a mãe de Rosilene foi falar Com o genro, este lhe contou enfim a razão de todos aqueles dramas: quando "procurava" a mulher, ela sempre estava na macumba (em um terreiro). Rosilene, ao sair do hospital, implorou ao marido que a deixasse voltar para a favela com o filho. Não pedia nada, apenas as pobres coisas que trouxera
198
~
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOM8ll
,I
,
I ~
consigo .quando se casaram. Mas a mãe de Rosilcne não estava de acordo. . e o filho, . d eCI'd.d e â-Io "em Rosilene voltou então a viver com o mando 1 a a p g b I .OS flagrante delito". O marido continuava preferindo se mastur ar a ter Teaço sexuais com ela. Pouco a pouco, Rosilene foi se dando conta de que gostava de seu "santo" (sua missão espiritual) mais que de seu marido. O casal se mudou para Vila da Penha, outro bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. Foi ali que Rosilene conheceu uma mulher, Ondina, que ensinaria a Mulambo o que era "o valor do dinheiro". Na verdade! esta trabalhava muito no terreiro de Dona Alice, mas não aceitava ser paga c o dinheiro ficava então para o terreiro. Por causa de uma desavença, Mulambo quis deixar o terreiro c começou a dar consullas em uma saleta do novo apartamento de Rosilene. I:oi a partir dai que Rosilene adquiriu sua independência econômica, o que ela define como "a felicidade de sua vida". Antes de morrer de câncer, a mãe de Rosilene confiou a filha ao espírito Mulambo, que prometeu cuidar dela. Mulambo então reveIou a seu "cavalo" que os tempos difíceis ainda não tinham acabado. Disse-lhe ._ que ela ia perder o apartamento e que seria operada do coração (Rosilene )a sofreu três intervenções cirúrgicas). Quando o apartamento foi a leilão, Rosilen.e não se desesperou, pois já possuía o terreno, dado por um cliente, onde depOiS construiria seu terreiro. Com a ajuda do espírito, a vida material de Rosilene mudou completamente. Mulambo lhe proporcionou o"dinheiro necessário para construir uma bcl~ casa, comprar um carro e tudo o que ela podia desejar. Era independente: "Nunca mais tive marido para me dizer o que eu devia fazer!" Na realidade, este continuava vivendo com ela, mas agora era ele quem dependia economicamente da mulher e de seu espírito. Como estava começando a tratar malas clientes e os filhos-de-santo de sua mulher, esta decidiu se separar dele, o que encheu de alegria Mulambo, que nunca aceitara dividi-Ia com o marido. Mulambo "pagou o advogado", evidentemente com Odinheiro que lhe davam os c1ienteslll• Rosilene não teve de fazer esforço algum; tudo lhe foi "fácil, pois seu espírito enfim assumira o controle de sua vida. Depois que o marido foi embora, Rosilene nunca mais se apaixonou. Teve Iigaçôes com homens mais jovens, mas sem se comprometer. Livre da dependência amorosa dos homens, recebeu tudo de seu espírito: casa, bem-estar sexual, bem-estar econômico, a aposentadoria como costureira, pois exercera :o' l.elllhrelllosque o espírito scmpre é p<'ns.,docomo um suieito quea~c diret.:\mentc na vida de scu ~('av.:\ln~.
o rOO[R
E ele.
c nlln Itoslkne,
CONTESTADO
quem &:mh" eHe dlnhc!ro.
pois é clt' quem dâ "s cnnsult:Js.
~
199
,,
a profissão durante
algum tempo, e também um seguro de saúde. Na época de
minha pesquisa, Mulambo estava pagando a construção de uma casa para o filho de Rosilcnc. Todo o grupo familiar vivia graças à ajuda de Mulambo. Na história
de Rosilene, encontramos
características
comuns
a todos os
relatos dos médiuns e, antes de tudo, um forte componente
sexual, que serve de
fio condutor
O primeiro contato
à ação dos espíritos sobre os seres humanos.
de Rosilene com a magia negra é interpretado inicialmente como um estupro. Quando
Mulambo
ram, de espiritual
quer obrigar Rosilene a respeitar o pacto que elas concluÍo assédio passa a ser sexual: o homem
"alto c negro" que
j.
tenta entrar em seu apartamento Mulambo,
para "possuí~la" é um dos companheiros
de
um Exu. Além disso, o fato de o marido de Rosilene não querer ter
relações sexuais com ela é revelador do lado exclusivo da relação que une o médium
a seu espírito.
Uma vez aceito o pacto com o espírito, o sexo deixa de ser problema, mas se a mulher pode fazer amor com um homem, não pode se casar com ele. dos espíritos prejudica o bom relacionamento tamente
a ciúme
do casal, já que a mulher supos-
é submissa ao marido:
Mulambo me disse que é muito ciumenta, que eu posso sair com homens, que não tem problema. Mas deixar um homem entrar na minha vida, se meter nos meus assuntos, isso Mulambo não vai deixar! Homem não me falta. Tenho um homem, mas ~ão posso me casar com ele; morar junto sim, casar nunca!
l ••
IJ
a
espírito não pode aceitar a intrusão
de um marido na relação com seu
médium,
que deve ser exclusiva. A única autoridade
submeter
é a do espírito - masculino ou feminino,
companheiro
e senhor. A autoridade
a que a mulher deve se
pouco importa -, seu único
do espírito não se dobra diante da autori-
dade do marido: se este aC'eitar se submeter à vontade do protetor de sua mulher, poderá preservar sua relação com ela; caso se obstine forçado a abandonar
o lar. Rosilene, por exemplo,
aceitar a preeminência da dificuldade
a segundo o bem-estar
do espírito sobre o esposo, e seu sofrimento
elemento
econômico,
constante
nos relatos dos médiuns é a oposição entre
proporcionado
200
$.'
NO
MERCADÃO
DE MAOUREIRA
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
pelos espíritos, e a relativa e precária
ligada ao casamento.
mento de Rosilene com o "estrangeiro" DE POMBAGIRA
De fato, essa ascensão social (o casa-
rico) implica a aceitação da autoridade
do marido, que não aceita a aliança da mulher com o espírito.
o
nasceu daí,
de aceitar a aliança com seu protetor.
situação econômica
ESTÁTUA
a desafiá-lo, será
levou muito tempo para
POOER CONTESTADO
a
marido rico
.;Jl
201
•
J•
p~rderá então todos os seus bens e ficará dependente
da mulher e de seu prote~
não aceitava seu amor por um garoto. Não raro é virgem e adota um comporta-
tor místico. Os papéis de produção são assim invertidos. Na realidade, na maioria dos relatos, constatamos
forte ambivalência
recusa do casamento. rá pela submissão definitiva.
os espíritos para expressar sua
do marido ao espírito de sua mulher
não queriam filhos e Maria Padilha os abandonava
com o~ amantes.
dos espaços de liberda-
real para as mulheres oriundas das classes menos favorecidas, rápida ascensão social e econômica
requeira necessariamente,
uma divisão dos espaços. Assim, Rosilene abandona
teve de trabalhar
econômica
seus encantos.
ainda que essa
homem
como vimos,
para "trabalhar"
nunca
em
ficavam sensíveis a
quis forçá-la a ter relações sexuais com ele. Desesperada,
as mulheres,
Rosilene ficou completa-
e que sua missão na terra era proteger
"pois elas são mais sinceras, e são totalmente
Explicou-me
enganadas
as
não riem de modo grosseiro e falam com calma. Chegou até a se desculpar por ler usado o termo safada, que de todo modo não é o mais chulo para designar uma mulher à-toa. Ela de fato diferia das demais pombagiras. Era moderada tanto em atos quanto em palavras. Controlava
TRIÂNGULO
pelos
também que existiam duas espécies de pombagira:
que gostam de levar as mulheres à perdição e as que, como ela, não fazem isso,
É seu espírito
sozinho - Maria Mulambo da Figueira - quem lhe oferece tudo o que ela sempre desejou.
o
lutou com
que sentia dos homens. Declarou-me que não gosta-
va deles, pois "eram todos mentirosos", homens".
do marido e de todos os outros homens.
em uma boate, onde todos os homens
de rua,
Para sobreviver,
Certo dia, quando tinha apenas 11 anos e ainda era virgem, um
ro o ódio e a desconfiança
está ligado a um
a outro, mas ao espaço doméstico ou a um espaço sagrado
Graças ao livre exercício de sua medi unidade,
para ficar
Pombagira Menina viveu, então, como uma menina
esse homem, que a matou. Durante nossa conversa, Pombagira Menina expressou de modo bem cla-
o terreiro de Dona Alice,
"não conhece o valor do dinheiro",
casa e abrir o próprio terreiro. O êxito econômico
mente independente
Mas os homens
ou por sua partida
uma independência
viva,
filha da Pombagira Maria Padilha, a qual tinha muitos homens e muitos filhos.
em um campo de futebol onde hoje recebe suas oferendas.
O ponto central, todavia, é a negociação constante
espaço pertencente independente.
em sua honra, a Pombagira Menina dos Campos
Verdes de Edna de Omolu me contou sua história. Tinha sido, quando
A guerra mística que decorre dessa situação só se resolve~
de da mulher. A carreira religiosa representa
onde sua Mulambo
Durante uma cerimônia
à passagem do status de
ção a seu papel. A maioria das crises são concomitantes moça ao de mulher casada, manifestando~se
mento edificante.
das mulheres casadas em rela-
MíSTICO ,
,
também
as mulheres,
de acordo com uma concepção
claramente
os homens e moralizante
da vida: Eu cuido, vejo onde está o erro e conserto. Aqueles que estão errados, eu
Concluir verdadeiro
um pacto com o espírito protetor méllage à trais, em que o homem
prerrogativas
de sua mulher
pode levar a um
castigo. Se um homem foi embora com outra, eu trago de volta. Mas tem
é forçado a negociar o papel e as
mulheres que são, desculpe a expressão, safadas, que quando cu boto direi-
de marido. É a esse preço que o casal pode levar uma vida tran-
tinho; aí quem bota homem no caminho delas, é elas mesmas. Elas acham
qüila. Obviamente, nunca estarão sós; terão que ter em conta o espírito, figura central de um verdadeiro triângulo místico. Em vez do estereótipo da prostituta
ou da cigana encarnado
pela Pomba-
gira, a Pombagira Menina oferece a imagem de uma pré-adolescente21 defendendo-se
II
202
durante uma tentativa de estupro, ou assassinada
não, querem mais ... aí, o meu castigo ... eu esfrio elas todas e não conseguem
i
ficar mais com homem nenhum.
morta,
pelo pai que
A falange das i'ombagiras Meninas ê formada por meninas entre dez e doze anos. As Pombagiras Meninas seriam ligadas ao grupo dos e:ms-mirins, espécie de garotos endiabrados, extremamente perigosos e temidos até pelos demais cxus. Recorre-sede preferênCia a eles para qualquer trabalho de magia negra. .
~
tantos, como se diz, homens bananas, aos pés delas, e elas acham que não dá
/I. BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
I ,
Nas palavras do espírito, novamente ção dos exus e das pombagiras.
aparece o aspecto sexual da interven-
Os homens - mas também as mulheres - devem
aceitar a mediação dos espíritos para se beneficiarem
de uma vida sentimental
e sexual harmoniosa.
a vida sexual deles será
Se recusarem
essa mediação,
afetada.
o
PODER CONTESTADO
-$
203
A história
de Edna de Omolu
respeito, simbólica. a outro.
Edna foi possuída
pela primeira
vez quando
mãe: "Que nada! É espírito, espírito é espírito ... sua vida é outra coisa! Num
tinha
vinte e sete anos.
casa não, fica aí em casa ... porque sua vida é boa, a gente dá tudo pra você ..." Aí eu falei: "Mas mamãe, eu tô com 27 anos, eu não vou casar, depois a
e Edoa herdara seus "santos"21. Iniciou sua carreira religiosa reali-
senhora morre, como é que eu vou ficar ... sozinha?" Aí, foi quando cu fui
zando
oferendas
centro
de umbanda,
nem umbanda
nem candomblé,
para os orixás da avó. Em seguida, onde realizou
uma primeira
mais africanizada"),
c daí ao candomblé
não aceitava o ritual angola, adotou para cla11.
tecia comigo. Uma mãe-de-santo quando eu tava inconsciente,
a freqüentar
um
pro terreiro, nê, comecei a desenvolver
(fazer camarim) e
passou ao omolocô
eficaz
Foi um pouco antes do casamento Pombagira
Menina,
'
meu casamento
desmaiada. Ninguém entendia o que acone , um d"la,
durante o dia inteiro. A família estava aterrorizada; seus membros, ela era a única médium. _ Um~ das primeiras
coisas que Tranca-Ruas
nao devl~ se casar e prometeu,
buscando
possuía
caso ficasse solteira,
a Pombagira ficou tão junto comigo, que cu ... muitas
coisa fora do comum! Na mesma
o que lhe era
Edna em casa, às vezes
é preciso dizer que, entre
noite,
Pombagira
dar-lhe
é que ela
possuiu
- uma mensagem
podia se casar, pois ela, a Pombagira Ruas tampouco
que era tarde demais, meu cavalo!"
tudo o que desejas-
Edna e deixou destinada
Menina,
que ele tinha
As primeiras
não gostava de homens,
de ter sabido antes. Sou uma Menina
possessões
com Murilo
a seu "cavalo":
estava de acordo com aquele casamento.
"Não quero saber desse casamento.
disse a seu médium
pela
deu uma briga, meu marido brigou com o meu pai, queria
agora era seu marido seu Exu. Tranca~Ruas
a ser possuída
do drama conjugal:
muita coisa! Eu me sentia estranha ... me sentia grande. Me sentia assim uma ..
fui parar no terreiro dela, e Tranca.Ruas apare-
Ed~~ não sabia muito bem o que fazer e começou
se poria no centro
matar ele, que o pai não queria que casasse ... gente! Isso tudo, aconteceu
ceu e me disse qual era a missão dele na terra. Falou também que um dia eu ia ter que ser iniciada.
necessaTlO para "tratar"
que Edna começou
que rapidamente
coisas cu não me lembro ... Que eu num queria casar, enfim, aquelas coisas ...
sua mediunidade
me disse que eu era médium
aí que desceu. E,
("uma
No dia do casamento, e que lhe revelou
[a mediunidade),
com seis meses, eu me casei.
angola. Mas como seu afixá
o ritual efoo, o único que se mostrou
O primeiro espírito que incorporou aos 27 anos, foi o Exu Tranca-Ruas: Ele me deixava sem consciéncia,
passou
cerimônia
em seguida o bori (ritual para a cabeça). Da umbanda, umbanda
agora, gente, o que é que eu faço? Fui falar com a minha mãe, né? Aí minha
singular
mas a avó era ligada ao
A família não praticava espiritismo,
é, a esse
que passa de um culto
e de seu relacionamento
Ela é o típico exemplo da médium
~ que
Edna não e Tranca-
Murilo lhe respondeu O espírito
replicou:
e você não pode tocar no
foram muito violentas:
Ela me batia nas paredes, batia pra lá, pra cá, ela querendo
queimar meu
se. Pode na ter homens, mas não devia se casar com eles. Edna naquel " ., . ' a epoca, la estava 1100va de Murilo, seu atual marido, e tudo ia muito bem com ela:
cabelo todo, que eu tinha cabelo comprido, queimar meu cabelo todo, que-
estu.dava,
gritava, gritava!
~azia .pequenos
bordados
ou cozinhava,
o que lhe rendia
algum
nh~l~o, ate o dia em que decidiu se casar. Foi o fim de sua tranqüilidade; esplfltos começaram a intervir em sua vida:
mandou
esse recado pra mim. Mandou
A noite de núpcias foi a primeira de uma longa série de crises, com o espírito comeguindo
a querer descer, e desceu mes~o c
ataques
esse recado pra mim .. eu disse e
Murilo
~ A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBLl
impedir
fizeram
o jovem casal de levar uma vida normal.
com que procurassem
quem conta a experiência
Começou Quando um médium não desenvolv .. sua medlUnldade ou falece, uma pessoa da família podo h crdear seus "santos" e dc\.c tã .• "T t "d ' ,cn o, mantcr seu compromisso com as entidades espirituais ra a-se aqUi c uma progres~.v f. . . do culto. I a a ncanlzaçilo, do pôlo menos tradicional ao pólo mais africano U
204
minha roupa! Eu via aquele fogaréu em cima de mim ... e eu
os
Já tinha resolvido, na casa tava tudo pronto, tudo pronto. Então eu falei eu vou casar. Aí eles fos espíritosl começaram
ria queimar
di~
quando
a mediação
Os repetidos
de uma mãe-de.santo.
É
nestes termos;
que, na primeira noite que casamos, ela tomou o banho dela e, foi meia-noite e quinze, ela estava desmaiada. Teve um desmaio e
aquilo rendeu, foi durando.
Quando foi assim de manhã, um negócio de
quatro ou cinco horas, ela voltou em si outra vez, mas a gente conversando
o
PODER
CONTESTADO
-"l
205
com ela, ela tornou a desmaiar. E assim foram três anos, sempre desmaiando.
Ele nao aceitava. Quando ela descia, botava a saia na cabeça lrisos]. Ele não
Eu saía pra trabalhar de manhã e quando chegava em casa encontrava
gostava. Então, aí, discutiam
daquele jeito, desmaiada. Eu chegava e levava pro Pronto-Socorro eu levava no terreiro. Lá eu fazia um trabalhinho
ela
os dois, lá dentro.
Discutiam
os dois ... e ela
dizia que não gostava dele, porque ele ia acabar me levando, que ia rasgar
e, de lá,
aquela roupa toda, ia acabar me deixando
pra ela, aí de repente ela
nua dentro do terreiro ...
melhorava. E aquilo foi daquele jeito. Chegou ao ponto de ela ficar, assim, desmemoriada.
Uma guerra
Assim, mais ou menos uns três anos, a memória dela fugiu.
Então o dia que ela recobrou a memória,
ela não sabia nem que estava
espírito,
casada. O nosso filho tava assim cam dois anos já e ela não sabia. "O que é casada", E ela: "Não sei se eu tô, não sei de nada, vocês não me falaram
e cu, porque um homem,
nada!" Era essa Pombagira Menina que fazia tudo isso com ela. Ela queria
companheira
nos separar, porque ela [Pombagira] era virgem, então ela não -aceitava o coisa em casa, trabalhando,
da vida de Edna opunha
com o espiritismo
o homem
ao
fez com que Murilo com-
A gente brigava muito, a Pombagira
um rapaz casado de novo, que não lem a sua
... aquilo pra mim (oi uma barra! Os próprios irmãos cicia disse-
ram pra mim que, se (asse com c\es, largavam a casa e iam embora. Mas é que
.,
nosso casamento. Isto durou três anos. Quando não estava fazendo alguma
!
eu conhecia um pouco do assunto, que a minha tia tinha um terreiro lá em
ela estava desmaiada ou estava no Pronto-So-
Saracuruna há muitos anos, eu vivi com ela um bocado de anos, lá em Sara-
carro. A criança ficava com ela assim mesmo, não tinha com quem ficar, né?
curuna e depois em Caxias ... Eu vinha do espiritismo, então cu sabia mais ou
Quando ela ia pro Pronto-Socorro,
menos o que é que era. Foi aí que eu segurei entao o que eu tentava contor-
tinha uma vizinha ao lado que apanha-
va. Então, chegou ao ponto de às vezes ela desmaiar, cu apanhava saía carregando, Pronto-Socorro,
botava no carro, era um sufoco. Aí quando era pra casa da mãe-de-santo.
ela aqui,
nar. ..
não era pro
Isso aí foi terrível!
Murilo respeitar
o comportamento
da Pombagira
visava impedir,
ou pelo menos dificultar,
de família, ela "não sabia disso". Seu espírito normal, como ela mesma conta:
não a deixava
levar uma vida
foi forçado tudo
Começou
as relações sexuais entre os esposos. Assim, ainda que Edna fosse casada e mãe
sempre
(auxiliar)
C{{ml)ollo
para a Pombagira
Edna, desesperada, mãc-de-santo consultar
começou
ajuda com outra pessoa, pois sua
dizia que tudo aquílo era mentira.
outra mãe.de-santo,
para "acalmar"
a procurar
que cumpriu
Edna e o marido sete "mesas"
por ano, ou seja, sete anos, ao fim dos quais ela deixaria vida em tranqüilidade. a se submeter
Durante esse período, à vontade
da aliança
A BUSCA
DA ÁFRICA
CANOOMBlÉ
bem. Murilo
e dirige os cantos rituais de invocação
está implicado
nas cerimônias
com o espírito.
uma tensão entre
é
dos
religiosas
em
que já existia
os cônjuges
já era
mar, porque eu fui muito castigado por ela, mas já fui ajudado um bocado por ela ... ela ajudou assim, em termos da vivência em casa, abriu meus cami-
a
nhos, meu trabalho. Graças a ela, eu passei a confiar mais na minha mulher, porque cu era muito ciumento.
como relata
NO
forçada
Murilo
das cerimônias
difícil antes, pois MUTilo tinha ciúmes doentios:
Ela não podia conversar com ninguém.
Até
com outra mulher, eu tinha um ciúme terrível, eu era doente. Mesmo antes do casamento,
I):
e a lhe oferecer Hoje,
Pombagira Menina sempre ajuda a gente. Eu, por exemplo, não posso recla-
Murilo foi pouco a pouco apren-
da Pombag-ira, não sem conflitos,
familiar
A relação
uma
os esposos viverem
de atabaques
Todo o grupo
antes muito
místico.
da organização
revela-se
foram então
(oferendas),
e encarregado
honra da Pombagira Menina. Entretanto, nos relatos dos cônjuges,
um ritual em uma encruzilhada
a Pomba gira. Esta havia pedido
de seu poder
ele devia
de sua mulher.
de sua mulher. Ele cuida para que tudo transcorra
espíritos.
imóvel, fica mole ... Então ele é o anjo de guarda, ele fica aí, toma conta o tempo todo ...
espiritual
dos rituais para Pombagira
símbolo
de umbanda
é o chefe dos tocadores
para ninguém tocar a gente, desmaia a gente ... e a gente fica
um pacto com a Pombagira:
a ver com o trabalho
da preparação
uma rosa vermelha,
Porque o
[XU,
então a çoncluir
o que tivesse
a participar
Por causa da Pombagira, eu ficava desmaiada a noite inteira, até de manhã ..
dendo Edna:
pelo controle
preendesse a crise: F.un50
que é? Onde cu tô? O que é que aconteceu comigo?" Aí, cu disse "Você está
206
surda
Illas uma certa intimidade
o
PODER CONTESTADO
quando
eu comecei a falar em ficar noivo, começou
essa
;$
207
desconfiança
braba ... Pra mim, tudo quanto era homem que se aproximava
dela já estava querendo
aquela gargalhada ... Quando chegou lá na casa da mulher [a amante], ela
tomar ela de mim! Mas isso já era da própria
estava ardendo em febre! Aí, ele voltou, né? com os olhos arregalados, com
Pombagira, que ela não aceitava que a gente casasse. Mas, depois de ter feito
aquele medo ... Aí eu falei assim: "O que é que houve?" Aí, ele falou: "Você não
um pacto com a Pombagira, aí que acalmou tudo. Acabou o ciúme, não tem
sabe o que é que aconteceu, vou te contar ... você sabe que eu fui a tal lugar
mais ciúme. Edna não gostava das minhas crises de ciúme, a gente tinha
assim, assim ... tinha uma mulher lá me esperando, tá? Aí, cheguei lá, mas a sua
problemas seríssimos. Ela chegou ao ponto de querer ir pra casa da mãe dela,
Pombagira estava atrás de mim, e dava aquelas gargalhadas, aquelas garga-
de se separar ... foi um problema
lhadas, gargalhadas, que eu fiquei louquinho,
sério. Mas aí a Pombagira
conseguiu
me
louquinho,
eu tive que voltar
acalmar! Hoje, se a Edna me diz que vai num lugar, não tem problema, confio
pra casa". Aí eu falei: "Bem feito pra você"! frisos1 Aí, a partir dessa época, ele
neles [os espíritosJ. Ninguém
ficou mais calmo ... A minha Pombagira não fica parada, ela corre atrás!
melhor do que eles pra tomar conta dela, eles
vêem tudo. Falam que Exu é perigoso, que mata ... nada disso, ele não mata ninguém, não faz mal a ninguém. É a gente que é mau e que damos muita coisa pra ele complicar a vida dos outros!
A Pombagira Resolve
Menina
o problema
resolve o problema
o
ciúme
de Murilo
espír~~.o de sua mulher. meio .dos homens,
era uma das pri~cipais
razões
Ele achava que a Pombagira
em atitudes
provocantes
Paralelamente, a guerra mística que opunha para este, em perturbações no plano sexual:
de suas brigas
gostava
demais
(saia levantada,
pernas
o espírito
e o homem
com o
É também
é, portanto,
do ciúme
de sua infidelidade:
o espírito
protetor
garantia
da fidelidade
à mostra).
perigosa
vinda de outros homens.Ao
lidade do marido, A maioria
A Pombagira me deixava nervoso, fazia eu brigar com a Edna, que não me
sexos: relações
queria na cama. Era sempre um sacrifício. A gente brigava muito por causa
travada
d!~so! A Pombagira me castigava deste jeito: a gente tava na cama c, dc repente,
a ausência
n~,m estalo, a gente perdia a "concentração"
inadequação
e, pronto, acabava. Mas depois a
gClltc descobriu que era ela quem fazia aquilo. Aí o jeito foi aceitar.
relações
assegurando
MUTIlo nao era muito
a guardiã
fiel à mulher.
do casamento,
Ela [a PombagiraJ
mas também
um relacionamento
Com o tempo,
impedindo
as traições
me avisa logo quando
a Pombagira
do marido,
tá pra acontecer
difícil, pois se impôs como
na relação dos homens
pra que que você vai... ah, eu vou a tal lugar assim, assim ... ", mas não disse
bretudo
em seu trabalho)
que ia encontrar
da médium
claro, porque ele tinha medo de me dizer.
disse que encontrou,
ele
O espírito
dando gargalhadas, gargalhadas, gargalhadas ... e ele ficou desesperado, deses-
espaços
perado, passava outra esquina, aí aquela mulher se apresentava
cujo garante
DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
não pode ter a história
o marido prefere se masturbar de sua missão espiritual.
de
a ausên.
a ter relações sexuais O fim do drama,
que têm valor de exemplo:
no
no caso de
o
com o espírito, e garante
no caso de Edna, Murilo aceita e
que o ajuda no plano material
o casamento.
(so.
Nos dois casos, o sofrimento
é aceita. passa a ser então um aliado da mulher
de liberdade.
O homem
não deve transpor
ê o espírito. Interrogada
~ A 8USCA
sinal de uma
A mulher
c das pessoas à sua volta cessa assim que a aliança com o protetor
sobrenatural
assim na primeira esquina, uma mulher [a Pomba~iral pra ele e dava
é considerado
se, antes de tudo, não tiver aceito a
e a perder todos os bens materiais;
o pacto concluído
com ninguém,
os
Rosilene, o marido não respeita o pacto com o espírito, o que o leva a se separar da mulher respeita
ele chegou, lá perto de onde ele ia, na casa da tal mulher
- sempre
nas duas histórias,
marcado com uma mulher ... Ele disse: "Ah, você num vai, você tá doente ...
Mas quando
208
é diferente
infideentre
Edna e Murilo. Da mesma forma, na história de Rosilene de Mulambo, cia de vida sexual normalentanto,
tava
das relações
liga-a a seu espírito, como mostrou
com ela - é o sinal explícito
Aí, ele [meu maridoJ tinha um encontro
influência
qualquer
o sexo - e principalmente
com os espíritos.
com o marido
como relata Edna:
buzina no meu ouvido ... que uma vez eu tava operada, tava operada, até na casa da minha mãe-de-santo.
gira em torno Na verdade,
de vida sexual "normal"
qualquer
coisa,
de qualquer impede
sexual, ciúme e traição são o lugar da guerra
e os homens.
relação que, prioritariamente, ~rob~emas sexuais, portanto,
que
assim a paz do casal.
sexuais, potência
normais
maneira
de seu poder místico.
pois a protege mesmo tempo,
dos relatos dos médiuns
sexuais
no casamento.
da mesma
pela afirmação
de sua esposa,
entre os espíritos
da mulher
de Murilo
do grupo familiar. Para Murilo, ela é a melhor
de ficar no se traduzia,
a protetora
excessivo
PODER CONTESTADO
sobre o conflito
na negociação os limites
de seus
desse espaço,
que a opusera ao marido
;;J
209
I•
! I
,•!
"
\
J •
de seu "cavalo", Pomba gira respondeu: "Hoje lá melhor entre a gente, mas eu tenho que cuidar do que é meu, para ficar sempre bonita e maravilhosa. Isso tudo leia mostra o corpo de seu 'cavalo'] é meu ... ele (Murilo] não pode passar
"
•t
daqui!" Tanto na história de Edna quanto
•
to c o marido revela uma forte ambivalência
,~ 1•
festam para mostrar
~
dono.
:~I
sexual,
violenta
seu desacordo.
seu "cavalo",
O interesse
Nos dois relatos, a Pombagira
castigando-o
dos espíritos
também
como no caso de Rosilene,
possui de
até que elc aceite o verdadeiro
se expressa
soh a forma
de assédio
que recehe a visita de um homem
negro e
ou no de Edna, em que é visitada por seu Exu (Tranca .
alto que quer "possuí.la",
,I •:
da mulher em relação a seu papel
de esposa. É sempre pouco tempo antes do casamento que os espíritos se manimaneira
..
na de Rosilene, o conflito entre o espíri.
Ruas), que toma o lugar do marido: E.usou vidente, eu vcjo muita coisa, inclusive eu mandei o pai.de.santo
tirar
muito disso, porque eu ficava com muito medo, não queria ficar nessa casa ... Eu via mesmo aquela pessoa, aí ele (Tranca-Ruas] entrava
por dentro
de
casa ... e eu tinha tanto medo. Eu estava no quarto e ele ficava do lado de fora, só entrava quando meu marido saía ... Tranca.Ruas é um padre, por isso que ele conversa muito bem ... ele ê bem desenvolvido ... Ele conversa muito
t
bem, ele traz urna batina, toqo de preto, com um chapéu vermelho ... Alto,
.
••
'
forte. com a cabeleira pretinha ... muito bonito ele ... Mas ele não me deixava
J'
vcr o rosto, todas as vezes que eu olhava assim pra ver, ele virava o rosto ... Ele
j,
foi padre c mataram ele na porta da igreja porque tcve um acidente com uma
',~'
"
•.
mulhcr dentro da igreja, mas não foi culpa dele ... falaram que ele tinha violentado
a mulher e então mataram cle na porta da igrcja dele, enforcado
na porta da igreja ... Mas ele já entrava aqui, ia lá para a minha cama quando era soltcira, ele subia as escadas e descia, todo mundo via elc ...
"
A cama de Edna, portanto, casamento
aceitar as condições
IIII1II A ÁRVORE DE IROCa NO 111 IFÁ MONG~ GIBANAUt:
210
não praticar nenhum permitiriam
decodificar
pelos espíritos o universo
culto afro~brasilciro,
e estabelecer
dos cultos.
antes e depois do
dos espíritos
I'ODlR CONl(STAOO
lhe permitiu
ele tem de
de Rosilene,
não possuía os instrumentos
um pacto duradouro
. '
por
que lhe
a preeminência
o conhecimento
entender
;,""
um pacto com eles.
O marido
o drama. De fato, ele não reconhece
do, bem como estabelecer
o
pelos espíritos,
c se separa da mu.1her. Em contrapartida,
tcm do mundo
$o A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBl~
impostas
Para isso, é crucial conhecer
espíritos
era habitada
com Murilo. Para que possa exercer seu papel de marido,
que Murilo
o que estava lhe acontecen-
com o protetor
de sua mulher.
~
°ó
dos
211
1•
Na realidade, o conflito entre a mulher e o homem sempre se articula em torno da manutenção
de um espaço feminino
tica do culto e ao desenvolvimento
Pombagira
ligado à prá-
de independência,
manter
de seu capital simbólico. A mulher alcança
controla
diretamente
a potência
seu papel no casal, deve submeter-se
sexual do homem
que, se quer
ao espírito e a tudo o que ele
representa:
uma mulher perdida, que fala alto e usa palavras grosseiras, que ri
posição superior àquela do marido, que não se beneficia das mesmas alianças
de maneira
obscena; em suma, o oposto da imagem de uma mulher virtuosa.
com o sobrenatural.
A aliança com a Pombagira não acarreta a submissão da mulher a um modelo
Este deverá, portanto,
submeter-se
à mediação de sua mu-
lher para todo contato com o sagrado. A aceitação daqueles que Boyer-Araújo (1993a) chama os "companheiros bom funcionamento
invisíveis" se torna, então, indispensável
da relação entre homens e mulheres.
significa aceitar o poder que a mulher detém e, portanto,
dominante
ao
Aceitá-los também
e sim a afirmação de um espaço de liberdade e poder femininols.
O caráter estratégico da possessão das mulheres por Pombagira é evidente
sua posição excepcio-
nal: ela não é uma mulher como as outras, já que possui protetores turais.
masculino,
que é exclusivamente
para a maioria dos atores rituais. Assim, os homens que praticam o candomblé
sobrena-
ou a umbanda
acusam as mulheres de explorarem
a credulidade
dos maridos:
Eu acho que tem determinadas mulheres que se aproveitam desse negócio de A mulher,' apoiada ~arido
por seus espíritos,
confronta-se
abertamente
com o
Pomba gira. Dizem que estão com Pombagira para aproveitar c botar cornos
e, em muitos casos, afirma sua capacidade de superá-lo no plano econô.
mico ou mesmo sentimental. acumulação
A elevação de seu status social, determinada
no marido. Eu acho que não tem nada a ver: o marido é o marido e o santo
pela
é o santo. Você não pode se aproveitar do santo para fazer aquilo que você
de um capital simbólico que faz da mulher um ser sagrado, justifi-
ca q~ase sempre a rejeiçào do homem
e a afirmação
da independência
quiscr.Zh
da
mulher: ela não precisa mais da proteção de um homem, pois é protegida pelos espíritos.
Uma vez aceita sua aliança
com eles, a mulher
Mas ter consciência
se torna a figura
central do casal. Como no caso de Edna, o marido ocupa posição secundária (cambOllU, auxiliar, ou ogã) no seio do grupo religioso centrado
O estereótipo
Seus,.poderes estão ligados a atributos
femininos
- a sedução, a sensualidade,
brasileira: ela é a prostituta,
define de maneira complementar mata os filhos, usa os homens serviço da reprodução:
a mulher
aos homens. Pombagira abandona
lidade que não se define em relação ao homem
a
domi-
o marido, não está a
mas uma sexua-
e a seu prazer. Ao contrário,
Márcia Confins (1983) analisou um caso juridico em que uma mulher possuida por Pombagira mata um homem. Nos diferentes testemunhos aparece a oposição entre os homens, impotentes e fracos, e as ~1Urheres,poderosas e corajosas, mas o poder dessas mulheres. aliadas dos espiritos, sempre é pengoso, podendo levar a oposição homem-mulher a conseqüências extremas. No quadro simbólico definido por Pombagira, não_hã espaço para homens fortes. São sempre as mulheres que ocupam as posições predominantes.
A 1'0mbagira é um espírito que sô possui as mulheres e os homossexuais. Ahás, seria totalmente possível estender essa análise ao casal homossexual, pois neste o espírito parece desempenhar o mesmo papel na definição das relações de poder que é observado no casal heterossexual. 1" Entrevista com Sérgio de Oxalá. Ouvi as mesmas palavras várias vezes, sempre proferidas por homens ou por mulheres que tinham uma relação muito ambivalente com esse espírito . '.1
.
'
212
à posição de
o papel ideal da mulherz~.
O principal campo de ação da Pombagira é a sexualidade,
li
a mulher pode passar de dominada
da vida, e não se
para seu prazer. Sua sexualidade
ela nega, portanto,
espirituais,
tanto na vida profissional quanto no âmbito familiar.
socialmente.
AssiII!, a imagem da Pombagira é a própria negação do modelo feminino na sociedade
dominante,
não impede os hoa seu poder. Graças a
fundamental.
vaid~.çle - que se tornam perigosos, pois não são mais controlados nante
seus protetores
em sua mulher.
da Pombagira repousa sobre uma ambigüidade
do uso político das pombagiras
mens de acreditar na sua existência e de se submeterem
!);' A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBLÉ
o
PODER CONTESTADO
;$
213
TERCEIRA PARTE A CONSTRUÇÃO
DA TRADiÇÃO
I I I
I t
t I
I1
I
CAPíTULO VI EXU E OS ANTROPÓLOGOS
Vimos de que maneira
Exu continua
presente
no candomblé
com a maioria de
suas características africanas. Essas características, no entanto, não foram sublinhadas
com a mesma intensidade
nos estudos
deram ao longo do século XX. Ao contrário, rcinterpretação
do
de negociação sociedade
EXli
de. umbanda
Dessa maneira,
"verdadeira"
tradição
adaptação
essa variaçâo
em curso na sociedade e à religião
"negra",
das religiões segmentos
africanas,
1
em estabelecer
que provaria
à cultura
entre a África e o a um passado a forma original
de ao menos
um dos
nagô.
das significações oposições
em funçâo
como uma ilha sem
da fidelidade
o candomblé
de
dos antropó-
associado
em reconstruir
a tradicionalidade
com as supostas
foram dedicados
desses pesquisado-
dadas à figura de Exu
entre cultos
ao candomblé
dos cultos afro-brasileiros.
feitos nos três terreiros
puros e cultos
, r\ únic
da nação ketu, considerados
é a lese de Claudc
no candomblê
nagô, que é apenas uma das
Além disso, todos esses estudos
Velho, o Gantois e o Axé Opô Afonjá1•
TrindadeSerra
media-
Com efeito, desde o fim do século XIX, quase todos os estudos
sobre o candomblé
psicológicos
EXli
religiosa da
ligá-la às mudanças
o vínculo
seria a manutenção
Assim, esforçaram-se
com uma evolução
que não se relaciona
Illodalidades
sem no entanto
em relação ao imaginário
ao fazer uma leitura crítica dos trabalhos
res, deparamo-nos
Engenho
no tempo,
dos cultos afro-brasileiros:
degenerados.
tinha deles. Os trabalhos
quase sempre viam o candomblé
imutável.
No entanto,
da construção
dos cultos de origem africana,
brasileira
Preocupados
cujo único objetivo
que se queria
central
da
identificado
da figura de Exu está ligado às estratégias
brasileira
Brasil, os pesquisadores história,
negado,
EXli
ligado à prática da magia, a um
pelos membros
que a sociedade
logos registram
processo
africana. semântico
escolhidas
da percepção
ter sido objeto, como na
dos cultos e os valores dominantes
e os deuses, elemento
O deslizamento
que se suce-
atual, de intenso
passa-se de um
com o diabo cristão e perigosamente dor entre os homens
parecem
no candomblé
entre os valores africanos
brasileira.
afro-brasileiros
os mais tradicionais:
Como veremos,
a diferença
Lépine (1978) sobre o SiSICl1l
ketu da Bahia, desenvolvida
(1978} foi o ::mico a se interessar porurn
foram o de
dos tipos
no terreiro de Olga de Alilkctu. Ordep
terreiro angola em Salvador, depois da obra
~
217
, perc~pç,'iO do papel de Exu é um dos principais desafios na luta travada entre terrclros no meio dos cultos afro-brasileiros. . A adaplação constante das categorias religiosas mostra uma capacidade de se lDt~grar aos valores da sociedade abrangente,
que faz do candomblé
paradIgma do culto "africano puro", mesmo quando ele manipula para negar seus aspectos menos apresentáveis. res e os m~mhros dos terreiros considerados
a tradição
A aliança entre os pesquisado-
mais tradicionais
a ex.pressao da resistência de uma cultura africana,
não é, portanto
como gostariam
Ba~(~dl'ou !uana E. dos Santos, e sim o resultado de uma estratégia, pratICa polltica de acomodação l
brasileira
..
perante os valores dominantes
No~sa análise das modificações
nagú o
Roge; de uma
da sociedade
da imagem de Exu nos trabalhos
dos pesqUIsadores - sejam eles médicos ou antropólogos -em função do context~ social e cultural no qual elas aparecem, visa demonstrar
o caráter de constru-
çao, no plano político, de uma tradição africana em busca de legitimidade.
novos mercados para suas mercadorias, diretamcnte
COMO
imediatamente
reconhecida
reconheceram, consagrando
nt~o para a..i~bc~dadc, 1\ abolição do tráfico de escravos para o Brasil, em 1850, f~l conse:~encla
das pressões exercidas pela Inglaterra, que decretara a proibi-
çao do trafICO em 25 de março de 1807. O Congresso de Viena de 1815 h ' lT d ' aVia ra 'I lCa o essa decisão, assinada pelo reI' de Portugal, proibindo o tráfico de ~scrav05 provenientes
de todos os portos da costa africana situados ao norte do
j'.quador. Mas, ao contrário
da indústria
inglesa nascente,
que buscava criar
(1937). Hoje. outras modalidades
de culto começam
a ser cstudad
cilndomblê dccaboc!o (Teles dos Santos 1992), embora ainda não tenha sido realizado :5, CQ~~O CX,lUstlVOde outras tradições que não a dos nagôs. m cs u o I Rlsério (I9RH: 161) fala de ullla "eficácia rcssocializadora" na prática religiosa dos na I" d a urna gr,lnde capacid,lde de tecer vinculos políticos que permitiram 'o • f" g05, a la a d'l d . ' "nagoseanmarcomo mo c () omlnJnlc no mercado religioso. Cita os trabalhos de Hawick (1972) e de G (19,76), m quais criticam a visâo tradicional do nc,'ro como v'l' 'd . cnovesc d <:> J lma passiva a escraVidão Fs . OISaulores defendem o ponto de vista segundo o qual, mesmo na sociedade mais to ta .. ". - ses ()prJJm~l~s sempn' encontram margens de mano!Jra para desenvolver estraté 'ia_~de SObr~~;:~~c~s tanto flslca qUJnlo cultural. Silveira (19RR. 1R6) " g _ la nagô o sinal {It- uma prática polítICa de ad~ptaçãtamb~m;e na .pr~do.mlnâncIJ do c,lndomblé Jdaptar e de escamotear os elementos .. , o c nao e rCSlstenClil, Essa capaCidade de se maIs Incomodos do culto (o' I d' E . negra) não paa'cc ser muito diferente das estratégias de legitimaçã:~~~iuC:da: ~o~~:::~la
P;I~
21B
A BUSCA
DA ÂFRICA
NO
CANDOMBLÉ
dos negociantes
de terras brasileiros dificultaram
de es-
a aplica-
a Bahia, conhe-
ceu várias rebeliões de escravos que começaram a minar o sistema escravagista-1• Foi preciso esperar 1850 e a lei Eusébio de Queirós para que o tráfico de escra. vos com a África fosse definitivamente
abolido, e 1871 para que a primeira lei
a favor dos escravos fosse promulgada:
a lei do Ventre Livre, a qual concedia a
liberdade
a todo filho de cscrava nascido
após essa data. O debate
seria pouco a pouco alimentado
de terras do Sudeste - notadamente
sobre a
pelos interesses
res vindos da Europa. A aboliçao marcaria o declínio político e econômico grandes
proprietários
de terras do Nordeste,
irremediavelmente
modo de produção escravagista, e acarretaria a emergência deiros do Sudeste. A abolição da escravidão, no entanto, da República, em 15 de novembro
Essas grandes mudanças
do poder dos fazensó seria decretada
naturalistas literatura
e evolucionistas.
humanos:
o
Era a época da difusão de teorias sobre as desino Brasil ao lado das idéias positivistas,
A partir da segunda
metade
à interpretaçao
do século XIX, a
a sofrer a força da influência
modelos europeus, como a história natural e a antropologia, necessários
antes da
foram seguidas, no meio das elites intelectuais,
e a cultura brasileiras começaram
instrumentos
em
de 1889.
por um debate sobre a realidade brasileira e seus componentes branco, o negro e o indígena.
dos
ligados ao
maio de 1888, com a Lei Áurea, um dos últimos atos da Monarquia proclamação
dos
da regiao de Sao Paulo -, que
o governo a fim de facilitar o fluxo de imigração de trabalhado-
da natureza
entre raça e cultura no Brasil~, Em 1838, o imperador
que forneciam
tropical
de os
e das relações
D. Pedro II criou o Insti.
tuto Histórico e Geográfico, que tinha por missão repensar a história brasileira
1
Sobre as rebeliões
na Bahia, cf. Verger (1968: 329-53) e Reis (1986; 1988 e 1992).
• Em relação ao debate sobre a influencia trópicos,
cf. Ventura
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
~
a
e inglês
e, pouco depois, assinaram um tratado
ção desse primeiro tratado. De 1807 a 1835, o Brasil, sobretudo
gualdades raciais, que se impuseram de Édison Carneiro
que exigia como precondição
a abolição do tráfico. Mas as resistências
cravos e dos grandes proprietários
pressionavam
Os estudos afro-brasileiros nasceram exatamente no m t _, , '. . omen o em que o negro cx-cscravo.- fOIadmitIdo no seio da comunidade nacional, após longo cami-
pela Inglaterra,
enfim, a Independência
:"
em 7 de setembro de 1822, não foi
total abolição do tráfico de cscravos. Em 1825, os governos português
proprietários
OBJETO DE CIÊNCIA
brasileira, que dependia
do trabalho escravo, tinha todo intcrcsse cm prosseguir o tráfico
negreiro com a África. A Independência do Brasil, proclamada
abolição da escravidão
o NEGRO
a economia
do meio e das raças no desenvolvimento
(1991). Para o debate
da cultura
sobre raça c nação no Brasil, cf. Schwarcz
nos
(1993) e
~
219
com o intuito de consolidar o Estado nacional. Em 1840, o naturalista bávaro
então o que Ventura (1991: 38) chama um auto-exotismo,
Carl Fricderich von Martius ganhou o concurso de melhor projeto historiográ.
"periférico"
percebe a realidade que o cerca como exótica. Como produto
fico dedicado ao Brasil. Segundo ele, a missão do Brasil era realizar a mistura de
idealização
da Europa e de sua civilização,
raças, sob a tutela atenta do Estado: acabava de nascer o mito da democracia
reafirmar
racial. O debate sobre a necessidade da mestiçagem acarretou a questão da degenerescência
inevitável
do povo brasileiro,
obrigado
a misturar
nau central na construção
de uma identidade
gem do modo de produção
escravagista
estudar tudo o que havia contribuído do-se de lado a valorização
nacional
ao liberalismo.
c na passa-
Tornou-se
necessário
para a especificidade
do indígena,
característica
tico, em proveito da análise da cultura necessidade foi Sílvio Romero:
da cultura popular,
negro"
foi promulgada
ligado à libertação
própria sobrevivência
dos escravos, o qual ameaçava
que não queria trabalhar, um alcoólatra, em suma, um elemento no Brasil. Raymundo
defendeu
trp da África somente para estudar uma língua c coligir uns mitos, nós que
da Bahia (1900), após afirmar "a incapacidade
temos o material em casa, que temos a África em nossas cozinhas, como a
para as elevadas abstrações do monoteísmo",
América em nossas selvas, c a Europa em nossos salões, nada havemos produ-
representa
zicto neste sentido! É uma desgraça. [...] O negro não é só uma máquina
tar no entanto
econômica; ele é antes de tudo, e malgrado sua ignorância, um objeto de ciê.nda (1888: 10-1).
negros mais boçais e ignorantes
Assim, a antropologia
algum, na sua opinião,
~O Essl/i SUf l'illéSl/litétles
faces JIlI/IlaiIiCS,
de Gobincau,
Brasil. Gobineau,
que passou, na qualidade
leira, profetizava
a decadéncia
das ra.ças nãO-brancas. podena ~erivando
desta. Ocorre
do povo brasileiro: "Não se vá acredi-
que estas práticas limitem e circunscrevam da nossa população.
antrop~loglcas
mas com O inconveniente
foram adotadas
0. debate
entre
no interior
de rebaixar
levado
" I'arece-me
discutido
no
deriva
na corte brasi-
à dissolução
de raças. A inaptidão
,
só li mestiçagem
as superiores.
que negavam da Sociedade
Etnológica
fundada
interessante
do grego
Célia
a existência
inferior não impedi.a de modo
de negros mais "evoluídos"
quantoâ
comum questões
de Paris e à
desse auto-exotismo.
que o negro, como bem evidencia
(1987)
no processo
de visão".
ao lado de entre as raças
dedica
seu estudo
de formação
CriaçãO da ideologia
à interpretação
do negro
a qual ocupa lugar central
a se interessar
pelo negro. também
imigrado.
lo à margem
A inferioridade
do processo
J-1aiti" (Homero
a sua substituição,
do negro e sua inaptidão
de constituição
citado por Azevedo
familiar
no imaginário
Analisa a importância
de nação. E lembra que i{omero, embora tenha sido o primeiro era favorável
a palavra exotismo
era mais
ao
Romero.
do Estado nacional.
do branqueamento,
Na verdade, Ora, nada
de um projeto branco
em Paris em lM59.
pensar no paradoxo
C'xotikrls, isto é, "fora do campo
brasileiro
Azevedo
brasileiras
O conceilo
uma origem
foi uma das principais
de Antropologia,
aos
por Romero, segundo a qual o negro era superior ao indígena, mas
intelectual
por Buffon, cujas idéias sobre a degenerescéncia e [Joligenistas
da Sociedade
da mistura
pela educação:
pelos poligenistas,
monogenistas
do secufo XIX, tendo
de dois grupos
da França, uma temporada
ser corrigida
a sua influência
[...] na Bahia todas aS"
outros que o eram menos. Nina Rodrigues retomou a hierarquia
do negro.
em 1854, foi muito
como conseqüênCia
não podia
foi levado a seus limites extremos
da mestiçagem
as raças h.u~anas. formaçao
da civilização
à Cj~ilizaÇão
elevar as raças mfenorcs,
de degenerescência
de ministro
o perigo que o negro
ligadas à. antropologia
a "barbarlzação"
publicado
psíquica das raças inferiores sublinha
classes, mesmo a dita superior, estão aptas a se tomarem negras" (: 185-6).
para se pensar o
das teorias européias
Médi-
na época: o negro
da nação. Assim, em o AIli11lismo fetichista dos negros
para os demais componentes
estabelecida
no que chama
dominantes
inferior e sua presença na sociedade brasileira representava
O fato de o negro ser indubitavelmente
a influência
perigos07•
Nina Rodrigues foi o pioneiro.
as teorias evolucionistas,
um perigo para o conjunto
Brasil: o outro não é mais exterior à nação, ele é parte integrante
um marginal
Foi nesse clima cultural e político que os primeiros estudos" africanistas" se desenvolveram
indispensável
e a
das elites bran-
român-
era culturalmente
(198R) analisa
no imaginário
do movimento
essa
ao "perigo
a civilização
do negro: era um vagabundo,
nossos trabalhos ao estudo das línguas e das religiões africanas. Quando
sobre as elites haitianas,
e civilizadora
do Estado nacional. As rebeliões da primeira metade do
vemos homens como Bleek refugiarem-se dezenas e dezenas de anos no cen-
(1974). Hurbon
de raças
cas. Tudo indicava a inferioridade
co -legista,
e ao evolucionismo
da mistura
a abolição da escravidão, em 1888, o imaginário
século XIX haviam deixado marcas profundas
É uma vergonha para a ciência do Brasil que nada tenhamos consagrado de
Skidmorc
só pode
deixan~
a sublinhar
da
brasileiro
nacional,
negra. O primeiro
passa a ser elemento
resultado
ligado ao negro já passara da servidão necessária
tOf-
brasileira
o intelectual
•
Quando
raças que não
ocupavam o mesmo nível na escala evolutivas. Assim, a questão étnica se
,.
a inferioridade
inferioresfi
em que o intelectual
no dcsenvolvimento intelectual
no âmbito
brasileiro
econômico,
para se civilizar deviam,
do Estado nacional:
das elites
desse imaginário
pelo
pois, mant(>-
"O Brasil não é, não deve ser, o
1987: 70).
J 220
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
I
lXU l OS ANTROPÓLOGOS
':;I
221
,. inferior ao branco, ele próprio dividido entre a raça ariana, mais propensa ao progresso, e outras "raças", como a raça latina, que mostravam claros sinais de decadências. Assim, em seu estudo sobre os africanos no Brasil, que teve urna primeira edição incompleta em 1906, afirmou a supremacia dos negros iorubás (os nagõs da Bahia), verdadeira aristocracia dos negros trazidos para o Brasil. Isso o conduziu, como mostra Dantas (1984), a desenvolver no Brasil um dis. curso que conferia ao negro recentemente liberto uma nova inferioridade, desta vez em nome da ciência. Com efeito, apesar do evidente interesse demonstrado por Nina Rodrigues peja cultura dos negros africanos da Bahia, e a despeito de algumas análises de grande sensibilidade sociológica'J, seus estudos eram animados por um projeto normativo que' visava regrar as relações entre as raças. Na obra dedicada à relação entre as raças humanas e o Código Penal no Brasil, publicada em 1894 e, portanto, anterior a seus estudos sobre a religião afro.brasileira, ele propôs que a legislação penal brasileira fosse dividida em códigos diferentes, que seriam adaptados às "condições raciais e climáticas" de cada uma das regiões brasileiras, pois cada raça apresentava um grau de evolução diferente. Propôs igualmente que o negro e o índio, bem como o mestiço, tivessem responsabili. dade civil limitada, como ocorre para os loucos e as criançaslO. A concepção de um negro refratário à civilização foi atenuada, em 1906, pela afirmação de uma "escala hierárquica de cultura e aperfeiçoamento" en. tre os povos africanos que haviam sido trf.zidos para o Brasil. Não era a realidade ou não da inferioridade social dos negros que estava sendo questionada, já
~ A Inferioridadc relativa dos povosdc origcm lallna, como o português, cxplicava a Inferioridadc do povo brasileiro:"O scrvilismo do negro, a preguiça do índio co gênio autoritário c tacanho do português produziram uma naç.1oInformc. sem qualidadcs fecundas c originais" (Romcrocifado porVenlura1991:49). • E.Isum trecho do
194). t ••
222
Essa ldéiil da nao-rcsponsabllldadc dos "selvagens" foi aplicada pelo Estado brasilciroaos índios, quc ainda nao são tratados Integralmcnte como cidad:ios. Ourantc multo tcmpo submctidos à tutela da Fundaç3.o Nacional do fndlo (FlJNAI],organismo governamental exprcssamcnte criado fl
e;.
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOM8lf
I I
I
,I
1 i DANÇA DE lOGUNEDf
que a incapacidade que tinham de se adaptar à civilização era ."orgâ~ica e morfológica", e sim o grau de inferioridade que a presença d~S ~fncanos mdu. zia, pela mestiçagem, ao processo de formação do povo brasilelro._ Ora, os nossos cstudos demonstram que, ao contrário do que se supoe ge.ralmente, os escravos ncgros introduzidos no Brasilnão pertenciam exclus.•~amente aos povos africanos mais degradados, brutais ou selva~cns. AqU.lm. truduziu o tráfico poucos negros dos mais adiantados c, mais do qu~ ISSO, mcstiçoscamitas convertidos ao islamismoc provcnientes de estados afncanos bárbaros sim, porém dos mais adiantados (Nina Rodrigucs 1906: 268-9). Esses africanos menos bárbaros que os outros eram os nagô~, :ue em sua maioria viviam em Salvador. De verdadeira religião de Estado na Afnca, o cu!t~ deles tinha sido reduzido, no imaginário das elites brasileiras, a simpl:s pratl. cas de feitiçaria, "sem proteção nas leis, condenadas pela religião dO~lnante e pelo desprezo, muitas vezes apenas aparente, é verdade, das classes IOfluentes quc apesar de tudo, as temem" (: 238.9). 'Nina Rodrigues se ergueu, portanto, contra os abusos perpctrados pela; t ridades na repressão aos cultos afro-brasileiros. Com efeito, o Artigo 15 au o •. . . d . da do Código Penaf de 1890 conde~ava a pratica do cspmtlStno, a magia C
EXU E
os
ANTROPÓlOGOS
""
223
I feitiçaria, da mesma forma que o exercício ilegal da medicina
Nina Rodrigues acusava, assim, o ~oniunto
(curandeirismo)
e a cartomancia,
isto é, tudo o que era usado "para fascinar e subjugar a credu-
lidade pública".
Essa regulamentação_
que visava aos fetichistas
vam a magia e a feitiçaria estava ausente ainda vigorava a escravidão. tornou clara quando dãos brasileirosl J.
A inquietude
como demonstram violentos, considerava
de deixar o culto jeje~nagôl3livre de qualquer suspeita de
suscitada pelo negro "feiticeiro"
feito suas pesquisas no terreiro do Gantois, que acabava de ser criado em decor.
a repressão
se
policial - muito
é fato novo neste autor. Nina Rodrigues havia
rência de uma cisão do Engenho
teórica, com os demais cida~
Velho, considerado
o primeiro
terreiro de
,
candomblé.
I
central na afirmação da tradiciona1i?ade do candomblé nagôl4. Adivinho (babalaô)
forte na época,
e ilegais", levados a cabo contra o culto jeje-nagô, que ele
u~a verdadeira
Essa preocupação
prática de feitiçaria, entretanto,
os trechos de jornais por ele citados ~ e o recurso a "atos
arbitrários
mais evoluída que seus negros, já que, como eles, acreditava na feitiçaria.
que pratica-
do Código Penal de 1830, quando
este teve acesso à igualdade,
Nina Rodrigues denunciou
da sociedade brasileira de não Ser
•
;
religião:
Seu informante, e principal guia no universo dos cultos afro-brasilei-
ros, era Martiniano
Eliseu do Bonfim, figura histórica que desempenhou
papel
muito respeitado na comunidade negra baiana, foi o intérprete do universo afrobrasileiro para Nina Rodrigues e co-autor da teoria da superioridade
nagô.
De O animismo fetichista dos negros da Bahia a Os africanos no Brasil, redigido
Como o demonstrou todo o estudo aqui feito, corroborado pelos realizados na África, trata-se, no caso do culto jeje-nagô, de uma verdadeira religião em
em 1906, a inquietude
de Nina Rodrigues diante da repressão aos cultos ocupa
que o período puramente fetichista está quase transposto, tocando às raízes
pouco a pouco lugar central em sua obra. Assim, se no começo do século XX ele
do franco politeísmo. Os nossos candomblés, as práticas religiosas dos nossos
reconhece
negros podem, pois, ser capitulados de um erro, do ponto de vista teológico,
péis de feiticeiro, adivinho, .
e como tais reclamar a conversão dos seus adeptos. Absolutamente elas não são um crime, e não justificam as agressões brutais da polícia, de que são vítimas (1906: 246).
~
a coexistência,
de feitiçaria, quanto
que haviam coloniza-
do o Brasil, a origem do que ele definia como "um estado rudimentar jurídico",
cujo pretexto
cabalísticas" supunha
era um "estúpido
terror
do feitiço
do senso
e das práticas
a mesma responsabilidade
de seus clientes,
social, e portanto
que eram freqüentemente
oriundos
penal, dos feiticeiros e das classes superiores12.
dos pa.
jeje-nagô e as práticas
relegadas à categoria dos cultos menos puros. Além disso, en-
no primeiro livro ele discute a crença no feitiço, que torna o feiticeiro pelas classes superiores, no segundo fala da feitiçaria apenas
para criticar a repressão que se abate sobre os terreiros que praticam a "verdadeira" religião1s. Na época, EXli, divindade pelos" África-Baianos".
(: 247). Afirmava também que uma feitiçaria tão bem organizada
(o pai-de-santo),
sacerdote, médico e sábio, alguns anos mais tarde
traça uma nítida fronteira entre a religião do candomblé
muito procurado Nina Rodrigues via na herança das raças inferiores,
em um mesmo indivíduo
ligada ao feitiço, era identificado
com o diabo
No começo do século XX, Nina Rodrigues escreveu
que essa confusão era "o produto de urna influência
do ensino católico" e que
Exu era um orixá como os outros, com sua confraria e seus adoradores
(1900:
40). Alguns anos mais tarde, porém, Exu se tornaria, a seus olhos, a encarnação do mal (1906: 228), o senhor da magia negra, devendo, portanto, " A constituição Só aqueles precisava Rcpúbl1ca,
de 1823 estipulava
que a liberdade
que a praticavam
podiam
que todas as outras
religiões
foi promulgado
mais. distingUir
um decreto
os Cidadãos conforme
religIão do Estado.
Foi preciso,
então,
usufruir
religiosa de direitos
eram apenas outorgando
outros
Maggie
espl.fllLsrno realIdade
entre.
(1')92)
&;-
de discriminação da feitiçaria
O Artigo
16 da
1l
designar
não era mais
foi criação
o sincretismo,
antcrior
sinônimo
a ser
~R90 e 1945. Ela evidencia
a crença,
partilhada
de um ser humano da Inquisição,
de feitiçaria
por juíze~ e acusados, receber
um espírito
perseguidores
e na
a fim de
e perseguidos
existiu
de culto tradicional.
nação que trouxesse
,I
Nina Rodrigues e simhôlico, por alguns
à chegada
tamhêm baiana
com base nas pesquisas
dos escravos
jeje-nagô
Na realidade,
se afirmou,
nenhum
do coronel
da África, cntre as crenças nns estudos
terreiro
Ellis para
religiosas
dos
afro-brasileiros,
como
se define como jejc-nagô
e nunca
esse nome.
no próximo
faz distinção
capitulo,
quando
entre feitiço material
chamado
de seus discípulos.
na sociedade sociedade
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
de Nina Rodrigues,
HlTubas e dos fon (jejc). A expressão
entre cultos p
Essa denominação
•• Seu papel sera analisado
os praticantes
contra
produzir malefícios. Como no caso dos processos pnrtilhavam a mesma visão de mundo.
224
elementos
e a prática
cristã
ser negado.
cristã.
religiosa: o Estado não podia A religião
criminais
e na possibilidade
no Império.
religiosas.
25 processos
do enfeltJçamento
analisa
à religião
Em ] !HI,), com a proclamação
a plena liberdade
rellglOsoslcgítimos e ilegítimos: o exercÍl"io
políticos
toleradas.
suas convicções encontrar
no Brasil era n:strita
"coisa feitn ou preparada" Ele nota, em contrapartida,
e a presença,
entre
tratarei
da construção
da tradição
e direto (utiiiz.ação de veneno)
os clientes
(1900: 87}. Essa distinção a enorme dos feiticeiros,
difusão
nagô.
e feitiço indireto foi retomada
da pratica
de membros
do feitiço da melhor
d
EXU E OS ANTROPÔLOGOS
~
225
Nina Rodrigues morreu em 1906 em Paris, e durante quase vinte anos seus
que a Bahia era uma região de predominância
sudanesa.
estudos sobre as contribuições culturais dos negros não tiveram continuadores,
nagôs na cidade de Salvador
salvo uma única exceção: Manuel Querino, ele mesmo negro e ligado ao terrei-
notadamente
ro nagô do Gantois. Em 1916, Querino apresentou,
banta ainda era muito forte, apesar de sua "deterioração",
no V Congresso Brasileiro
estava, assim, reafirmada.
no Rio de]aneiro,
dos
ao contrário, a presença de religiões de origem
sincretismo
que foi publicada em 1938, após a sua morte, graças a Arthur Ramos. Republi-
mos 1934: 100). Ainda que não queira contradizer
cano, liberal e abolicionista,
de modo bem claro que já não existiam "no Brasil os cultos africanos puros de
Querino se dedicou a pesquisas ao lado dos veo Gantois, para assim reconstruir
os rituais
origem", Se na Bahia ainda subsistiam
dos elementos
De acordo com as indicações de seus informantes,
Querino distingue dois
iorubá significa' sacrifício, é colocado em uma encruzilhada. pagar uma promessa,
Satisfaz a objctiw
realizar um bom negócio
ou
do sincretismo"
alguns candomblés
meira vez uma distinção
cas mágicas leriam pouco a pouco se dividido
etc."
não era possível parar "a
culto propriamente
isoladamete,
estava intimamente
afastar um inimigo, ao qual também pode trazer algum dano moral. O feitiço, estima, tirar o uso da razão, entregar a vítima ao vício da embriaguez
4
pela pri-
nítida entre prática religiosa c prática mágica. Na
a religião primitiva
ao contrário,
a quem se
nos quais "a tradi
Em seu texto de 1934 sobre O negro brasileiro, Ramos estabeleceu verdade, enquanto
(Ra~
(: 168).
não podia .ser concebida
tem por objetivo "causar a morte, aleijar, aborrecer
originais
seu mestre, Ramos enuncia
ção gêge-nagô" seria mais ou menos bem conservada, avalanche
tipos de ato mágico (despacho): positivo (ebó) ou negativo (feitiço). O ebó, que em vos tão diversos quanto
o reconhecimento
devida a um extremo
de Geografia, uma monografia sobre a raça africana e seus costumes na Bahia,
lhos africanos que freqüentavam ligados ao candomblé.
que dificultava
A supremacia
No Sul do país, e
entre "as que competiam
dito e as que depois viriam a constituir
ao
a feitiçaria", com o
(Querino 1938: 54). Querino retoma também a oposição entre feitiço direto e
babalaô e o pai-de-santo
feitiço indireto proposta por Nina Rodrigues. E, como este, também Exu como inimigo do homem.
gião afro~brasilcira escapa assim da repressão policial: os pais-dcwsanto ou mãesw
identifica
de-santo
Foi preciso esperar a década de 1930 para que Arthur Ramos retomasse obra de Nina Rodrigues, atualizando-a.
canalítica divindades
pela lei das participações
do animismo
de Lévy-Bruhl; a perspectiva
é aplicada ao estudo do sincretismo
c às correspondências
de psi-
entre
africanas e santos católicos. Sob a direção de Arthur Ramos, médi-
co legista do Instituto Nina Rodrigues da Bahia, as obras do mestre são reeditadas e os estudos afro-brasileiros
suscitam novo interesse. Ramos faz também
suas
reprimidos
e feitiços indiretos
ou simbólicos,
as religiões afro-brasileiras,
sempre tem causa sobrenatural.
O curandeirismo
sor voluntário,
encontrado
16
religiosas bantas,
as afirmações de Nina Rodrigues, que declarava
rastro de influência banta na Bahia
A única referência
16,
não ter
o que explica pejo fato de
a um culto banto na obra de Nina Rodrigues é a transcriçao
de uma carta de
João Correia Neryem que descreve o ritual da cabula (Nina Rodrigues 1906: 255.60). O autor, no entanto, não sublinha a origem banta desse culto.
226
""
o curandeiro
consciente
A BUSCA DA ÁFRICA
NO
CANDOMBLÉ
erroneamente:
e responsável
é um indivíduo
virtudes sobrenaturais
Em 1934, Ramos se dedica ao estudo das contribuições
(: 207).
gêge-nagô"
Ramos busca defender
ao afirmar que a doença, para o homem primitivo,
dos ogãs, com
mas sem questionar
"feitiço de procedência
que as acusa de práticas antiwsociais e de charlatanismo,
se submetido,
ra (Ramos 1934: 70).
de que faz parte o enfeitiçamento
(: 208), que serve para afastar entidades negativas como Exu. Diante de uma lei
"para fins de pesquisa científica", à cerimônia
de Olivciw
por práticas de feitiçaria ou pelo
por lei.
Classifica entre estes o ebó ou despacho,
pesquisas no terreiro do Gantois, ao qual está ligado, tendo
seu amigo e professor da faculdade de medicina da Bahia, Hosannah
(: 61). A reli-
Arthur Ramos retoma também a distinção entre feitiços diretos ou materiais
tanismo, com o qual é confundido
de confirmação
ao feiticeiro e ao curandeiro
não são responsáveis
exercício ilegal da medicina,
A noção de raça, a partir dali ultrapas-
sada, cede lugar à noção de cultura; o esquema interpretativo Tylor é substituído
a
tradicionais
se opondo
ligada à magia e
na passagem da África ao Brasil as práti-
inculto,
é fenômeno distinto do charla
4
"[O charlatão] é um transgres-
de um código de classe, ao passo que avatar do feiticeiro negro, crente nas
de suas práticas" (: 215). Para ele, as crenças dos negros
não eram caso de polícia, mas antes uma questão de cultura: com o tempo e os efeitos da aculturação,
os descendentes
dos africanos abandonariam
natural-
mente suas práticas negativas17•
17
R;.mos dedica o fim de seu estudo problema
viam na aculturação
EXU E.
os
de 1937 sobre as culturas
da acu!turaç<ío. Faz sua a definição
ANTROPÓLOGOS
wdosm
lenômenos
formulada
"resultantes
negras nas Américas
à análise
por Redficld, Linton e Herskovits,
do contato, direto econtínuo,
do que
dos grupos de
~
227
No sincretismo
afro-católico,
ca. Hamos, contudo,
sublinha
essa figura: se os "afro.baianos" temem, eles "respeitam.no
Exu correspondia pela primeira identificam
(ambivalência),
ao diabo, entidade
maléfi-
vez uma ambivalência
perante
Exu com o diabo dos católicos e o fazendo dele objeto de culto" (1934:
45). Em 1943, em Introdução à antropologia brasileira, o reconhecimento ambivalência
dessa
leva Ramos a afirmar que "para seus fiéis, Exu não é maléfico"
(1943: 341). Exu lentamente
retomaria
seu lugar no universo dos cultos.
A descoberta
do selvagem leva à eScrita de textos tão importantes
quanto
MacUlwíma, de Mário de Andrade; e Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade. Para este, o bom selvagem mítico se metamorfoseia gem devorador
de brancos, tornando
antropofágica,
produto
Os modernistas
da ingestão de elementos
se transformam
forço antropológico
o Brasil a encarnação
de proveniências
em "turistas eruditos",
para se aproximarem
em um selva-
de uma civilização diversas.
em um verdadeiro
es18
das demais realidades brasileiras
•
Em reação à Semana de Arte Moderna de 1922, Gilberto Freyre redige seu Manifesto tradicionalista (1926), no qual valoriza a "força da tradição",
o
RENASCIMENTO
DOS ESTUDOS AFRO-BRASilEIROS
popular",
a "arte culinária brasileira", todos elementos
à passagem do poder político e econômico as elites urbanas do Sudeste. A burguesia
assiste
das elites agrárias do Nordeste para paulista, ligada à produção
cafeeira,
que sc..tornara
a principal
fonte de riqueza do país, torna-se a encarnação
modernidade.
Nessa época, toma forma o que Werneck Sodré (1974: 50) cha-
ma os_dois Brasis: um Brasil cosmopolita,
concentrado
a Europa e que é receptivo a suas influênci.as, e um Brasi!"autêntico", interior, em que as antigas raízes teriam conservado Os anos 1920 foram claramente tenentismo,
do início do processo
comercialização
marcados
ligado ao
a pureza original.
por mudanças.
de urbanização
à ideologia do Brasil-cadinho.
e da
da arte popular, com a difusão do disco e do rádio, que fizeram
Esta ideologia logo se torna o mito fundador
dó
Estado brasileiro moderno e a fonte de outro mito fundador: a democracia racial. Aluno de Franz Boas, Freyre substitui a noção de cultura pela noção de raça, contesta a tese da inferioridade ma importância
da contribuição
berto Freyrc, no entanto, raças e culturas
Foi a época do
e industrialização,
ção da sociedade brasileira com base no encontro das três raças, o qual dá origem
da
no litoral, que olha para
o
Em 1933, publica Casa.grallde & Senzala, análise da forma-
Brasil tradicional. O período que vai de 1910 a 1930, data do fim da República oligárquica,
o "gosto
que caracterizariam
do negro no plano racial e afirma a extre-
deste à criação da sociedade brasileira. Gil-
não exalta a pureza africana,
pois é a mistura
das
que, a seus olhos, fez o Brasil nascer. Mas, como sublinha
Dantas (1988: 160), além desta idéia de mistura, há também a oposição entre passado e presente, em que o passado é idealizado na noção de tradiçào e em que o presente é visto como uma forma de decadência
e deterioração
das for-
do samba, produto da cultura negra, um dos símbolos da cultura brasileira. Em
ITI
1922, em São Paulo, o grupo de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti
penhado
papel central na formação da cultura brasileira, ela agora é elemento
dei Picchia organizou
negativo,
"capaz de corromper
momento,
a Semana de Arte Moderna.
o pensamento
dista da cultura guardas européias
modernista
negro-ameríndia, que acabavam
Embora, em um primeiro
brasileiro tenha partilhado
a visão passa-
logo passou a sofrer a influência de descobrir
das van-
a arte e a cultura dos "primiti-
vos". Assim, o exotismo voltou ao Brasil por intermédio do Outro, veiculada pelas descrições etnográficas gicas de Frobenius e Lévy~Bruhl.
da percepção européia
e interpretações
antropoló-
puras e autênticas do passado. Assim, ainda que essa mistura tenha desem-
Tradição contra modernidade, símbolo da cultura "degenerada" o modernismo
de culturas diferentes
com as mudanças
nos padrões originais culturais
de um ou ambos os grupos" (Ramos 1937; 244). O estudo do sincretismo religioso, portanto, tornava.se extremaml'nte importante na an;ili, d r . d d . c o enoml'no e a aptaçao, pelo qual duas culturas secombulavam em um mosaico cultural forma mais difUndida da acultura _ Novo Mundo (: 246). ' çao negra no
lhães. Roquette-l'into,
DA ÁFRJCA NO
CANDOMBLÉ
sendo a última percebida como das novas elites
irremediavelmente
a influência
dos etnógrafos
rural. que vê
ameaçada
19.
no movimento
modernista.
alimentaram
Couto de Maga-
a "imaginação
literária
macunaimica'. ,.) Dantas (19M3)
desenvolve
negros tradicionais
~ A BUSCA
portanto,
Von de~ Steinen e Koch-Grunberg
EXU E 05 ANTROPÓLOGOS
essa idéia, ao analisar a eleição da "pureza
do Nordeste, como urna marca distintiva
ser o lugar de reatualização
228
cultu~
da burguesia urbana do Sudeste. Ao passo que
está ligado à afirmação política e econômica
sua posição hegemônica
conseqüentes
do produto
urbanas, as teses de Freyre são a expressão do poder aristocrático
" Risério (199t) sublinha indivíduos
e degenerar a autenticidade
ral", pois é também o sinal da ruptura com um passado puro.
nagõ' .. encilrnada
pelos
local e regional: o Nordeste passa a
da herança africana. A obra de Freyre foi criticada, desde sua publica-
~
229
É também a época de forte repressão às minorias. Em São Paulo, o uso da
I
t
I
I
,
I, j
!
!:
RITUAL DAS SAUDAÇOES NA ABERTURA DO XIR~
Os anos 1930 são um período de grandes transformações tanto culturais quanto políticas na sociedade brasileira. O Partido Comunista tinha sido fundado e o sindicalismo se mostrava muito ativo nos grandes centros urbanos do Sudeste. Desde 1935, as insurreições (populares e militares) se repetiam e a repressão policial era muito forte. O Brasil viveria, dali em diante, em um estado de sítio permanente. Em 1937, o presidente Getúlio Vargas promulgou nova Constituição, baseada na Constituição fascista, c proclamou o Estado Novo. O Congresso foi dissolvido, o estado de emergência declarado e as organizações populares e sindicais controladas por um Estado forte e autoritário. A ditadura de Vargas duraria até 194520•
ç30, pejo caráter regional (nordestino c pernambucano) de seus dados, entre outros, por Ramos em 19:H c Donald !'Ierson em 1947. Na realidade, a generalizaç",o do modelo nordestino era a resposta ã generalizaçaodo modelo paulista, buscada pelos modernistas. 1" Entre 1930 e 1950, a disparidade entre as zonas urbanas c as mnas rurais aumentou consideravelmente. A desigualdade do desenvolvimento entre as regiôcs de migraçao se torna flagrante: os fluxos de imigraç:lo Interna £ao a expressa0 de uma polari7.aç:lo entre as regiOCsmenos desenvol. vidas, que se tornam reserva de mão-de-ohra barata, c as reglOcs produtoras da riqueza nadonal. A oposlç30 entre o Nordeste c o Sudeste parece perpetuar a antiga oposlçao entre colônia e metrópole(Wcmed:Sodré 1974).
230
'"
A BUSCA OA ÁFRICA NO CANOOMBll
r'
língua italiana é proibido; nas escolas do Rio Grande do Sul, estado de forte imigração estrangeira, as inspeções se tornam rotineiras para impedir o uso de línguas estrangeiras; por toda parte, espalha~se o anti-semitismo. paralej~mente, uma forte repressão policial atinge os terreiros, acusados de serem nmhos de propaganda comunista21, É nesse contexto que uma nova onda de estudos afro.jJrasileiros se desenvolve no Brasil. Discípulo de Nina Rodrigues, Arthur Ramos adotou uma abordagem médica e psicológica que não estava muito afastada da posição de seu mestre, buscando demonstrar a possibilidade da superação da mentalidade pré~lógica dos negros, graças à educação e ao "contato com uma forma religiosa mais evoluída", o catolicismo (Ramos 1934). A criação do Serviço de Higiene Mental do Rio de janeiro e as pesquisas feitas nos terreiros locais (as macumbas) atendiam
I
a essa necessidade. O mesmo tipo de abordagem presidiu à fundação do Serviço de Higiene Mental do Recife, sob a direção d.o médico psiquiatra Ulysses Pernambuco, ou~ lm discípulo de Nina Rodrigues. Assim, como nota Dantas (1988: 173), em nome da psicologia, os intelectuais tentavam libertar os cultos do controle policial para submetê.los a um controle científico. A primeira preocupação das equipes de médicos psiquiatras que se debruçavam sobre o problema dos cultos era analisar as causas de certas "formas de delírio religioso" ligadas à possessão ritual, considerada nessa época fenômeno psicopatol6gico. Com efeito, o Serviço de Higiene Mental era uma divisão da assistência aos psicopatas de Pernambuco. Seu fundador e seus discípulos (~onçalves Fernandes, René Ribeiro, Waldemar Valente, entre outros), todos médicos psiquiatras, pesquisavam, além dos fatores biológicos, os fatores sociais que produziam tal comportamento patológico. A inscrição nos registros desse serviço permitia que as casas de xangô de Recife obtivessem licença na polícia e pudessem, assim, funcionar tranqüilamente. A colaboração dos pais-de~santo foi, portanto, total, pois dela dependia a legitimação de seus centros como lugares onde se praticava a religião africana pura22•
Dantas (1984) sublinha a Importância, durante esse período, das relações entre os cultos afrobrasileiros e os Intelectuais de esquerda. Multas deles, procurados pela políCia, como ~dlson Carneiro, são obrigados a see.sconder em 193R. Carneiro enconlra refUgio no terreiro do Axé Opó Manjá (D. M. dos Santos 1962). Vários autores fazem referência à repres~o aos cultos, como Gonçalves (1937), Ramos (1934), landes (1947) e Ribeiro (19SZ). ~ No próximo capitulo, analisarei as cstratégiasde aflrmaç.liodos lideres dos cultos, por intermCdio do uso da noç30 de pureza. Para um aprofundamento da análise desse período histórico. cf. Dantas (1988).
}I
EXU E. OS ANTROPÓLOGOS
~
231
f
Segundo a teoria de Freyre, a normalização zação da tradição, negativo.
em oposição
considerado
degenerado
Como ocorreu na Bahia, os centros tidos por não ortodoxos
ram a ser a encarnação
de práticas
negadas nos terreiros tradicionais çalves (1937) estabeleceu dicionais
dos cultos passava pela valori-
ao modernismo,
praticavam
os pais-de-santo exploravam
de feitiçaria
a religião, pois detinham
a credulidade
passa-
popular. Os primeiros
ebós (trabalhos
tra-
Contudo
como é natural, um culto tenebroso,
não agiam contra a socieda-
a ordem nem os valores dominantes;
rio, eram marginais
que deviam ser reprimidos
para distinguir
Nesse contexto, principal
interesse
os outros, ao contrá-
nia do despacho,
gião nagô sobre as outras modalidades ro se interessa pelo candomblé nalidade: o sincretismo
nele é muito mais forte que entre os "jeje-nagôs",
te para a adesão completa
às influências
do negro banto ao chamado
(Carneiro 1936-7: 235), que a degradação maneira mais flagrante. entre bantos
ro, que a acompanhou
pois
da
reservatório
e nagôs puros também
se
preocu-
Ao contrário
1
de Carneiro, que fez suas pesquisas no Engenho Velho e que
contra uma preciosa informante de-santo de Menininha
no terreiro do Gantois: Zezé de Iansã, filha-
do Gantois e esposa de Manuel (Amor), oga do mesmo
terreiro, a quem paga pelas informações trapaceiro
(: 300). E, segundo as informações
revela uma concepção
do passado
(Landes 1947: 159).
Em um artigo de 1940, Landes define Exu como "uma criatura de espírito
nos anos 1930 ele seria usado exclusivamente
A referência a um tempo em que os africanos praticavam
nos anos 1930 e, sobre-
políticos de legitimação presentes nos cultos.
cia de magia nos cultos nagôs: ainda que nestes se praticasse outrora o feitiço, de caboclo (: 86).
no can-
retomada e que se tornou, apesar das repetidas
era muito ligado ao terreiro do, Axé Opô Afonjá de Aninha, Ruth Landes en-
dos cultos. É dessa forma que Carneiro afirma a ausênnos candomblés
contestável
do matriarcado
de informações sobre a vida do candomblé
tudo, sobre os mecanismos
•
degenerados
por Édison Carnei-
críticas, um novo sinal da pureza dos nagôs), é, apesar de tudo, um incrível
baixo espiritismo"23 se exprime
quanto à predominância
domblé (teoria posteriormente
espécie de pon-
da pureza original
no universo dos candomblés
em suas visitas aos terreiros. Seu trabalho,
por causa das generalizações
E é no can-
externas.
articula em torno da relação entre magia e religião, uma das principais pações na normalização
University. Ela foi introduzida
da reli-
sua não tradicio-
domblé de caboclo, "último degrau na escala dos candomblés,
Essa diferenciação
De fato, seu
da hegemonia
de culto. No fim dos anos 1930, Carnei-
os bantos seriam muito mais permeáveis
por Ruth
Landes, que fez suas pesquisas na Bahia, entre 1938 e 1939, para a Columbia
é emblemática.
banto, apenas para confirmar
para que não lhes possa fazer mal (: 144)25.
Essa negação do culto a Exu nos terreiros nagõs é questionada
os cultos puros dos cultos degenerados.
a obra de Édison Carneiro
que intimida as camadas baixas da popu.
pode dispor, a seu talante, da vida dos homens", e afastam Exu graças à cerimô-
em nome da pureza africana.
parece residir no reconhecimento
diabólica (: 169).
bantos: "Há mesmo
lação" (: 145)24. Os demais cultos se limitam ao respeito devido "àquele que
A separação entre sacerdote e feiticeiro, que vimos em Ramos, tornou-se então primordial
mágicos) em que Exu exerce sua influência
a ação negativa de Exu se limita aos candomblés
quem sustente o caráter benfazejo de Exu, Os feiticeiros, porém, rendem-lhe,
esse saber, faziam o mal e
de, não ameaçavam
se analisa a figura de Exu, a qual
encarna as forças inimigas do homem. Carneiro dá uma lista de despachos ou
o saber africano, ao passo que
que não detinham
dos
dos demais.
O mesmo processo se repete quando
que eram constantemente
entre lícito c ilícito: os pais-de-santo
é como uma outra marca da "pureza" de um segmento
cultos perante a "degenerescência"
dos nagôs. Ao opor magia e religião, Gon-
a fronteira
não ortodoxos,
que as reprimem,
e
envolvida
em magia negra [mas] indispensável de uma sacerdotisa,
à prática do culto"
acrescenta:
"Exu é real-
a feitiçaria na Bahia
muito seletiva: se a tradicionalidade
dos
nagôs se legitima no passado, a negação desse mesmo passado, pelo escamoteamenta
estratégico
das práticas mágicas como reação aos valores dominantes
~, Vimos como assimilação primitiva bantos),
o "baixo espiritismo" POPUJ.lr. Definira
Na perseguido
candomblê
pela lei, pois era sinônimo
de exploração
de caboclo como ligado ao baiXO espiritismo
feila conlra ele. Assim, a "pureza" do culto nagô era reafirmada d()shanto~.
da credulidade
legitimava
a repre_~são
em relação ã "degenerescência"
l,'
principais
corrcspondeà
significaçào
cerimônia
dessa cerimônia,
mágicas
clientes dos feiticeiros
uma diferenciação
o sim bolo de uma
africanos,
ã mentalidade
se limita ã~ classes inferiores hierárquica
mas também entre seus clientes, que encontraremos que passa do necessário
com os ancestrais, de que Exu éo mediador,
em Hastide (cf. Fry 1984).
afastamento
de uma pot~ncia
faz parte da reinterpretação
e de legitimação
da
entre os cultos (nagôs e
do padê, analisada no primeiro capítulo. O deslizamenlb
rituais ~egundo f:'stratégias de afirmação
232
a busca de práticas
a crença na feitiçaria
baiana. E, aqui, estabelece-se
O despacho encontro
considerava
dos negros. Para Carneiro,
população l'
Nina Rodrigues
das classes superiores,
de
nociva ao
dos elementos
que variam ao longo do tempo
l;;A BUSCA DA ÁFRICA
NO
CANDOMBLÉ
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
~
233
mente mais útil que os deuses, pois faz as coisas e não tem vaidades. pune as pessoas com moléstia qualquer
momento
no seu posto nas encruzilhadas.
mas todos são encarados existência
ou perda de dinheiro.
Há diferentes
deste modo ambivalente"(:
de Exus femininos,
sua informante
Está pronto
tipos de Exu,
300). Ela fala inclusive
ligados a lansã, que era justamente
de pelo menos sete dos mais 'brabos',
única exceção entre os antropólogos
da que
Iansã tem uma 'qua~
todos fêmeas"
(: 301). Enfjm,
de sua época, Landes sugere que o fato de
negar que recorrem à feitiçaria seria, na realidade, uma estratégia de legitimaçào ulili7.ada pelos terreiros tradicionais: As màes dos r~nomados templos fetichistas negam que utilizem Exu, indicando que se consideram acima de interesses mesquinhos,
que reunisse babalorixás ou delegados das principais seitas chamadas africa. nas existentes no Brasil. Mas tão forte era o sentimento
Os intelectuais
param
obteve
Aninha, sos afro-brasileiros.
O primeiro,
tivo de Ulysscs Pernambuco
ocorrido
no Recife em 1934, nasceu do incen.
e de Gilberto
Freyre, após o grande
sucesso que
este obtevc em 1933 com sua obra Casa-grande & Senzala. A popularidade Freyre favoreceu
a participação
ram, graças ao trabalho vários babalorixás Pernambuco
idéia de organizar
intelectuais,
de Ulysses Pernambuco
e ialorixás
proferida
de numerosos
aos quais se junta.
no Serviço de Higiene Médica,
do Recife. Em uma conferência
em 1944, em Maceió, Freyre explica
um congresso
sobre Ulysses como
lhe veio a
afro-brasileiro: de docu-
encontramos
Aninha, entender
estudos
em seu livro, a contribuiç:l.o
candomblê.
Sua obra nunca
lnformaçlio.
c sim um cxcmplo
rcveladorda especifico
presentes
permanênda
foi considerada de ~lorn
de um esquema
dos cultos afro.braslleiros.
(lara analisar a estratégia de legitimaçao rccdlt
pelos antropólogos etnográfico"
interpretativo
Dantas
~natural"
brasileiros
aos
das mulheres
no
tou no congresso,
e-
de
Carneiro
do Axé Opô Afonjá, obriglllório
pelo candomblé.
pela primeira
na Bahia,
dos cultos.
Carneiro
e de
de todos os
assim descreve
vez pouco antes da data do conque se mostrava
inteligente
favorável
que acompanhava
ao
e com~
que lia os nossos estudos e amava a nossa obra"
a importância
Rio, pareceu
!lO
dessa aliílnça entre chefes do culto e intc.
bem como organizou
ritual do candomblé,
para os congressistas
que apresen-
uma grande
Vivaldo da Cos~a Lima evoca, com razão, o carãter "É bom que se evoquem
quando
uma mãe-de.santo
esses fatos, cinqüenta tradicionalista
uma festa em seu terreiro,
que ela considerou
de
anos depois de
e rigorosa
fora do calendário
festa
tático
não hesitou
ritual,
para uma
(e o Xangô da casa decerto confirmou!)
necessá-
válido" (: 59).
ligado à predomlnânda a relomar
dos nagôs em rclaçao aos demais
de um segmento o texto
cultos.
de l~ln<.les.
Este texto.só
roi
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBlt
i~
r ,. • ,.
(Costa Uma 1977), o que me parcce
(1988) foi a primeira
! . .')
uma fonte séria de
:: FreYTe parece subentendera legllim
no meio
uso politlcoda
dos cultos
que fa7. pane do discurso
antropológica
234
mãe.de~santo
Iccluais. Redigiu um ensaio sobre a cozinha
ocorridos,
de landes
seguidas
afro-brasileiro
e chefes
que na época aCílbara dc voltar de longa estada
de imcdiato
ria a um propósito de informações
foram
(Oliveira c Costa Lima 1987: 59).
finalidade numero
Herskovits,
e de prlltos rituais, após um
na época informante
uma mulher
os nossos propósitos,
em organizar
:.. }\pcsar do grande
intelectuais
de Aninha,
que havia encontrado
preendia
Melvillej.
dos conferencistas
gresso: "[ ... 1 em vez de uma simples mãe~de-santo Congresso,
Roqucttc~
negras no Brasil, partici~
o segundo congresso
que se interessavam
sua participação:
e de estudo panorâmico de assuntos afro-brasileiros. como o
organizou
que associava
Eliscu do Bonfim,
em seu terreiro.
A princípio, pensei em realizar não um congresso principalmente mentaçàoviva
de
e o americano
pelo estudo das culturas
de pratos "afro.brasileiros"
a colaboração
antropólogos
na época (Ramos,
sagradas do xangô.
modelo
a obsequiar os deuses, que sào identificados com os grandes santos católicos.!!' dos congres.
mais conhecidos
As intcrvenções
uma refeiç5.o composta recital de músicas no mesmo
Visto que a
pela organização
a se interessar
do congresso.
Martiniano
foram marcados
brasileiros
Pinto, Mário de Andrade, Édison Carneiro) que começava
Igreja C.,tólica estigmatiz.a FN\:u como diabólico, as sílcerdotisas s5.ocompelidas
Mas os anos 1930 também
de ortodoxia da parte
de alguns chefes de seita que verifiquei ser impossível o conclave irnaginado21•
Em 1937, Carneiro
mílS todas conhecem
as fórmulas a usar e sem dúvida recorrem a ele particularmente.
que se realizou, mas um congresso de 'seitas' ou 'religiões' de origem africana,
o orixá de
nagô: "Todo deus parece ter um ou mais E.xus.lacaios,
fazem os serviços mais pesados por ele; a deusa guerreira drilha'
Jamais
a servir a
que estrutura
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
oposição
afro-brasileiro~. dos membros
o campo
dos estudos
enlre puroe F.u mesma
do culto,
degenerado
mostrei
transforma-se
afro-brasi\dro5
(upune
como
(orno estratêgia
ae
essa categorizaç.1.o
em uma calegorl7.aç.'iO 1996).
-"l
235
A organização personalidade
do congresso
da Bahia foi difícil, pois nele faltava uma
de renome nacional,
mo assim, foi um sucesso graças à presença dos chefes dos terreiros, conferiu à reunião 'um alto grau de autenticidade' aceitação popular" (: 28). Martiniano
do Bonfim foi escolhido
se,tornou em seguida o presidente,
das Seitas Afro.brasileiras, que originalmente
da qual Carneiro
se chamou
Conselho
honorário Apresentou
igualmente
honorário,
Africano da Bahia, tinha
tinha entre seus membros
gues, e Arthur Ramos, que nele foi admitido colaboraram
na afirmação
de pureza e tradicionalidade, conjunto
da sociedade.
Bahia, após a organização do, suficientemente,
do primeiro Congresso Afro. histórica na Faculdade de
jeje.nagô
processos de aculturação,
observadores,
as pesquisas
antropológicas
na Bahia.
assim como sua mulher, nos estudos sobre os
considerava
os descendentes
dos africanos nas Amé-
ricas um campo privilegiado para o estudo tanto das interpenetrações civilizações quanto das transformações
culturais daí resultantes.
entre as
Em sua con-
Pierson311, todas as outras pesquisas tinham
por meta
cas e das crenças religiosas dos "afro-baianos".
como
Nina RodriEsses
como sinônimo
sido dedicadas à análise das práti-
Ele propôs assim um programa de pesquisas que levasse em consideração todos os elementos mais completa importância
da vida dos "afro-baianos",
possível, de sua "civilização"
a fim de fazer uma descrição, a
(Herskovits 1942: 94). Insistiu na
do registro das variações no estudo da religião e na necessidade de
estudar os terreiros menos conhecidos,
pois os mais importantes
sido descritos (: 98). Afirmou, além disso, a normalidade
já haviam
do fenômeno
da pos-
legítimo pelo
sessão, produto de um processo psicológico que definia como um reflexo con-
do Estado da
dicionado.ll.
do congresso, Carneiro escreveu: "Como têm provanotadamente
Rodrigues e Arthur Ramos, c os Congressos Afro-brasileiros
que então orientavam
um dos pioneiros,
ferência, ressaltou o fato de que, à exceção dos estudos de Freyre e de Donald
honorário.
dirigido ao governador
os mais argutos
Herskovits, que participara
da União
(: 152). Ao lado
o único que podia ser considerado
No memorando
J.
A União,
vários intelectuais,
como membro
do modelo
pais objetivos Herskovits,
a, como escreve Carneiro
Aydano de Couto Ferraz, Álvaro Dória, então diretor do Instituto intelectuais
dos ,cU!tos29.
era o secretário-geral.
a polícia na direção das seitas africanas"
dos pais e mães-de-santo,
e aquele
uma conferên~
de reafricanização
obter a liberdade religiosa para os negros, propondo-se a Ramos, "substituir
do congresso,
africana que acabava de introdu-
exemplo
Em 1942, Mclville
brasileiro no Recife em 1934, deu uma conferência
Filosofia da Universidade da Bahia. Trata-se de uma primeira análise dos princi.
mais relações com os antropólogos.
zir no Axé Opô Afonjá, e primeiro
"o que
uma ampla
dos cultos afro-brasileiros
cia sobre Os Ministros de Xangô, instituição Martiniano
e lhe garantiu
presidente
pois era na época a figura mais respeitada que mantinha
DA MAGIA E DA RELIGIÃO
como Frcyre fora para o do Recife21l.Mes~
Nina
Herskovits sublinhou
sas sobre as contribuições nhuma
ainda a necessidade
de serem feitas pesqui-
bantas à cultura negra baiana, ao afirmar que "ne-
exclusiva se justificava na análise das proveniências":
já realizados, tanto
Difícil é aceitar a resposta usualmente dada - que a mitologia e a organização
no Recife (1934) quanto na Bahia (1937), nada há, dentro das seitas africanas,
social dos povos bantos, sendo "mais fracas", "menos elaboradas" e "menos
que atente contra a moral ou contra a ordem pública" (Ramos 1939a: 199-200).
adiantadas" do que as dos sudaneses, suas tradições cederam em face dos
Os antropólogos por conseguinte,
modos de vida c crenças destes últimos, mais estreitamente unificadas c de
passaram a ser, assim, os garantes da africanidadc de sua legitimidade.
dos cultos e
melhor funcionamento.
lU
Jl<
Em .umJ entrevista
dada ao Viáriu de Pemmnbllcu,
Batua, o mesmo Freyre insinuava 19~~:.2M).Na. realid:de,
que este não teria "seriedade
o que estava em jogo na confrontaçao
tradICIOnal, ligado a purez.a da herança de Freyre, tornou-se ideologia connitos 2',
236
pouco antes da reaJizaçao
então sinônimo
cultural
africana.
científica"
do congresso
da
(Oliveira e Costa Lima,
Recife e Hahia era a hegemonia
do
A Bahia, como fora Recife nos escritos
de "boa terra", de pátria da democracia
racial, com base na
nacional preconizada não existem, cantada
pelo Estado Novo. Essa rnilificação de um espaço em que os nos romances de jor"n Am,do ó o I., ,. d. f. _ .. . 0', •• el 1/1{) IV a a Irmaçao da tradlClonalldade baiana como expressão da verdadeira alma brasileira. Voltarei a essa instituiçilo no próximo capítulo.
l;;A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBL~
Donald
Pierson
Dentro da área do Canga acham-se algumas das
morou na Bahia de 1935 a 1937, a fim de estudar
Brasil, o qual se tornara, após o livro de Freyre publicado
as relações inter-raCiais
em 1933, exemplo de democracia
O livro de Picrson, Negroes in Bmzi/: a stlldy orracc eOlltact at Ba1lia, foi publicado Unidos
em 1942. Durante
estudar de que maneira
sua estada de 193B a 1939, Ruth J.andes tambem
raças diversas poderiam
nos Estados
teve por objetivo
coexistir (Landes 1947; 5).
." Renê Ribeiro (19M2: 24) afirma que o grupo do Recife ligado a Ulysses Pernambuco influenciado
por Herskovits e por sua afirmação da normalidade
a cxpre~.~ão de um comportamento
pSicopatológico.
foi muito
do traose, atê enlao considerado
Isso mudaria
encarar os cultos de possessão, retirando-os em definitivo toda a primeira fase dos estudos afro-brasileiros.
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
no
racial.
da influência
para sempre
a maneira
de
médIca que caracterizara
~
237
mais complexas culturas da África; e nenhuma indicação existe de que tives. S<'lllsido collStr~ídas com um material tão fraco que, por si mesmas, houvessem de curvar-se ante o contato (Herskovits 1942: 99-100).
com os sistemas da África Ocidental
Mas Herskovits não devia fazer muitos êmulos. Na verdade, o único estudo dedicado
ao assunto
época, que publicou demonstrava
foi o de Luís Viana Filho, pesquisador
que os bantos tinham
vel entre a população
já reconhecido
em 1944 um ensaio sobre a escravidão importância
numérica
c cultural considerá-
negra da Bahia - fato decerto indiscutível,
Gilberto Freyre reconheceu
na
na Bahia. Neste, como o próprio
em seu prefácio à obra de Viana ~ mas que isso não
bastava para vencer a superioridade
dos sudaneses'z.
Segundo
Freyre, o banto
seria "gente mais doce e acornodatícia"
que osudanês,
"consciente
como nenhum
dos valores de sua cultura r, por isso mesmo, um senlimento
mais insubmisso
e mais cheio de
de dignidade africana e mesmo humana, que fazdclc o castelhano
ou o catalão da África negra" (Freyre 1944: 8). O sudanês _ e portanto representaria o "elemento aristocrático" da população de iniciativa c resistência entre os outros negros.H. Em 1944, Roger Bastide, que chegara cadeira
de sOclologia da Universidade
Slrauss, empreendeu primeiro
encontro
que publicou ('//1 prelo
('
com o mundo dos candomblés
profundamente
a
livre por Lévi-
urna viag~m} de mais ou menos um mês, ao Nordeste.
branco (1945). Incentivado
que marcaria
ao Brasil em 1938 para ocupar
de São Paulo, deixada
parece ter fascinado
um livro sobre sua curta experiência:
f
o nagô _
escrava da Bahia, exemplo
Esse
o autor,
Imagem do Nordeste místico
por Hastide, Pierre Verger, outro francês
os estudos afro-brasileiros,
chegou
à Bahia em 5
de agosto de 1946, e nela ficou até sua morte, em f~vereiro de 199614.
/'""
'\
.,. . '
" :-.JCS~Jépoca, os povos africanos estavam divididos incluíam O~ ioruhás e os fon, c os banias. " Vll1lOS C0ll10 essa valorização esludos ilfro-hrasikiros,
dos sudaneses
tornando-se
das repúblicas
,lutor o qUIlombo
dos Palmares,
19()6: H9). Ora, o termo quilombo, (ausencia
cuia origem
seria banta,
que designa
"'
que
c!esde o início
dos
~,
As,im, em 1906, NIna
da resi.stência
negra à escravidão
em razão da aus<:ncia se fossem sudanesl's
as aldeias de negros marrons,
1977). Os bant05, porlanlo.
de um culto organizado)
" () papl'l desl'rnpenhado por Vwg<'r na conslrução all.1lí~Jtlo no prõximo capítulo.
238
postulada
os sudaneses.
e
no Hrasil, sendo para ele, úníca exceção para esse
falo que seria inexplicâvel
e Significa "uniilo" (Caccialorc
sua infertoridade
eram os campeões
dos negros marrons
a Oil11illSnu de oul ras divi odades". (quimhundoj
é infatigavelmente
familias;
pouco iI pouco umil espécie de dogma.
Rodrigues escreveu que 05 negros sudaneses
os fundadores
I:m duas grandes
ê de origem
sô são reconhecidos
em relação am sudaneses da tradição
de "culto
de
(Nina Rodrigues
(cf. Capone
nos culloS afro-brasileiros
banta por 2000). será FESTA DAS AGUAS DE OXALÁ
A BUSCA
DA ÁFRICA NO
CANDOMBLÉ
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
~
239
Em 1948, Édison Carneiro
pubJicou
uma obra que se tornaria
clássica/
Candomblés da Bahia, baseada nas pesquisas que fizera no terreiro nagô do Engenho tratava
Velho. Pela primeira dos terreiros
Para isso, contudo, tornou-se
de embaixador
encontrou
pela necessidade
uma invocação
era objeto de uma interpretação
vam Exu para prejudicar Exu era o "compadre", pois fora atestado
1948: 69).
Nos candomblés
o mensageiro.
invoca-
nagôs/ ao contrário,
Sua presença
era legítima,
'/cientificamente"
que lá não se praticava a magia, a qual limitada aos terreiros bantosJs. Em outros termos, uma vez estabele-
O reconhecimento
da presença
pouco a pouco se generalizou orientação
de Herskovits,
brasileiros
do Recife, em que afirmou
vários Exus assentados.
desenvolveu
Exu nagôs
Renê Ribeiro, sob a
em 1952 uma análise dos cultos afroque todos os terreiros
mostravam
na conversação
tinham
um ou
de toda hora dos fiéis do cul-
muita reticência
quando
E u magia ofensiva e curandeirismo
estavam ligados de modo indissolúvel:
não f:l;r do papel de Exu no ritual significava, portanto, toda acusação
querer se proteger de
de prática da feitiçaria ou do exercício abusIVO ~a medIeI::,
ambos proibidos
pela lei brasileira36, Embora a presença de E~u n~o fo~se m _ s
smo nos terreiros mais tradicionais, estes se distmgUlam os nao nega a me, _, ssuídos por Exu, um tndicionaís pelo fato de que seus membros nao eram po . em ' I A ação de Exu porem, permaneceu sinal de degenerescência dos cu tos. neg " . . outro plano: não se devia ser possuído por um arixa que trazla em SI a marca do diabo~7. Im edidos pelos informantes,
d que evitavam CUidadosamen.te .tu o o que
pudess~ dar margem a acusações de feitiçaria, os antropólogos análises aos aspectos mais" apresentáveis"
dos cultos:
..
limitaram
suas
.
Lidando com um sistema constituído de elementos de rehgloslda~e (~a.rmo-
Mas em razão de Exu ser um Usanto difícil de levar",
de todos e presente
to", os informantes
científicos,
de Exu nos terreiros "tradicionais"
nos escritos dos etnólogos,
se'la, estar a averiguar as práticas de curandei-
d
errônea, pois sua assimila-
cida a legitimidade dos terreiros pelos estudos e congressos pôde se tornar essa nova entidade, nem boa, nem má.
"conhecido
que
negativa e
pelo fato de que os "feiticeiros"
suas vítimas. o protetor,
OU
rislUo e de magia ofensiva (: 67).
se
feita a Exu para que exercesse sua função
ção ao diabo cristão fora determinada
permanecia
de afastar uma divindade
dos mortais junto aos deuses (Carneiro
Exu, portanto,
quando
seu lugar no ritual dos nagôs.
teve de mudar de sinal. Assim, o ritual do despacho,
sempre fora justificado diabólica,
vez, o culto a EXli, sempre negado
"sudaneses",
um "procura d ar d e ebá" -
eram questionados
sobre suas características e funções (Ribeiro 1952: 56), notadamente tratava de evocar os rituais mágicos no culto:
quando
se
nia, solidariedade etc.) e atributos de magia (dissensões inte~n~s, Jndlvl~ualismo e disputas políticas), os intelectuais vão fixar-se no religIOSO., ~o ntual dee pu. bl'lCO, no coletivo, naquilo que.constituiria, por assim dizer, a atlvidade . . I 'nquanto omitem o ritual privado, o individual e o maglCo, qu pa co, c "d ,. integram as atividades dos bastidores. Essa ruptura entre as atIvlda es ma,gi. co-religiosas interdependentes
de bastidores e de palco é fruto d~ tent.atlva
. I' 1"lectuais de "limpar" certos terreiros dos aspectos ._ tidos como ~Itapeosln~ negativos, torná-los legais, mas termina por constituir-se numa vlsao romantizada do dominado (Dantas 1984: 1] 1).
A milgia está de tal modo ligada aos sacrifícios e oferendas, por exemplo, que poucos sacerdotes permitem a estranhos estarem presentes a mais de uma das etapas dos rituais que dirigem em certas ocasiões. Freqüentemente, quando o investigador aborda os detalhes dessas cerimônias, esquivam-se os sacerdotes hábil e polidamente
às suas perguntas, ou então, se maior interesse foi de-
monstrado pelas práticas mágicas, acusam-no em tom de brincadeira de ser
'. C. d. o Penal de 1985 para queas referências explícitas ao exercício da magia ,~ l-OIprecIso esperaro o ,Ig .. O . ... busivo da medicina, o charlatanismo e o curanfossem suprimidas da lei braSileira. exeruclO a . ". 1992.47-8) . . 5 r perseguidos como dehtos (Magg\l;~ , . dcirismo, todaVia, :on~lnud,mH' 'k "1' Eduardo Octávio da Costa sublinhou igualmente o _I' E 1948 soh a dlreçao c ers ov , . ld m , .. de tudo o que podia ligar os terreiros à prática da feitiçaria no ntua os apagamento estrateglco _ . d M honde como vimos na primeira parte, o culto a terreiros
'5
Aquestâo
da rcvalOri7...açâoda figura de Exu está presenteeOl
todos os eScritos de Carneiro, Ele, pOI
exemplo,
dedica um artigo a Exu - "Um orixá calUniado"
maldade"
desse orixá, Em 1964, estabelece
uma diferença
macumhas do Rio e de São Paulo, que teriam preservado ligado am mortos e aos cemitérios (Carneiro 1964; U4).
(1950) _ em que reafirma entre o Exu do candomblé
"ortodoxos"
Exu continua .. ~.
de Sao r.~ISe:br::a~asa~'uas
a ser negado; M m São l.uis consideram
c~sas 'ortodoxas'
afirmaram
que, em sua
.mônias ridículas. também suas ceTl ,
afirmaram
a "não c o das
o caráter fálico das danças e o teriam
~~~:a~~:~~~as:~::S~:~:atidcar magia n""g,r~'"I~~:~~:e~~~ ~~~~: ;~:.:;: .. " contraasdanças eseusgcul ,~'... posICionou.. d
::::r~~~::~:~;r~: . calram em
cerimônias
desuso para evitar críticas do público" (Octávio da Costa 194~: 106-7).
240
.,. A BUSCA DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ
EXU E
os
ANTROPÓLOGOS
~
241
J'
,.\
I
Os anos 1950 marcaram importante
mudança
na perspectiva
dos estudos
afro-brasileiros. Nessa década, a África nao parecia ter a importância lógica do passado. O que importava era a reconstrução
epistemo-
da história do negro no
Brasil, na passagem da escravidão a uma sociedade de classes. Começava assim uma fase sociológica dos estudos do negro no Brasil. O Brasil havia mudado profundamente important~
sob apressa0 desenvolvimentista
da atividade econômica,
estrangeiro, o que causara igualmente
apenas
o mito da democracia
outro
nome para designar
racial no Brasil, mostrando um sistema
embora sob outra forma, 'o paternalismo'"
igualmente
do
do país provocara
graças à abertura ao capital
uma forte dependência
política. O papel
crítico em rc1ação aos cultos afro-brasileiros. sobre a macumba (1973a).
a irrealidade
e uma macumba
"degradada",
desse paraíso
não teve o mesmo olhar
Em 1953, publicou
um estudo
em Estudos afro-brasiLeiros
de São Paulo, que foi reeditado
Nesse artigo, Bastide c.oisifica a oposição
"autêntico"
que ela era
discriminatório,
(Mario 1994: 30)39.
Entret
presidente Juscelino Kubitschek. O esforço de modernizaçao um aumento
desmistificar
entre um candomblé
nagô
em razão da pobreza mitológica
dos
da cultura nacional seria analisado pelos intelectuais brasileiros de outra manei-
h
ra, tornando-se
a degradação
um elemento capaz de ajudar a transformar
vista socioeconômico (ISEU) elaborou,
o país do ponto de
(OrUz 1985). O Instituto Superior de Estudos Brasileiros
durante
esses anos, uma ideologia nacionalista
em que eram
dos bantos,
reafirmadas
constantement.e
tornam~se com Bastide "cartesianamente" Mas é principalmente
por seus predecessores,
reais.
em ~uas obras de 1958 e 1960 que Bastide, de volta
centrais as noções de cultura popular e cultura alienada. Nessa busca de uma
à França, dá forma a essa idealização de um candomblé
identidade nJcionaJ que pudesse distinguir o Brasil do resto do mundo, o concei-
tornara adepto do deus Xangô, ligado ao terreiro do Axé Opô Afonjá de Mãe
to de democracia racial, nascido nos anos 1930, teve papel decisivo: passou-se de
Senhora, que também era a mãe-de-santo
uma visão pessimista da realidade nacional, que marcara o debaté cultural entre
vários autores, entre eles Monteiro
os séculos XIX e XX, a uma exaltação da sociedade brasileira, produto harmonioso de três raças, e exemplo para os demais países.
dificilmente
Nesse contexto,
em 1951, a
cujo Dl'partamento
lJ.NESCO,
era dirigido por Arthur Ramos, comandou
de Estudos Sociais
uma série de estudos com o intuito
de analisar o modelo "harmonioso"
das relações raciais no Brasil. Os resulta-
dos foram bem diferentes, conforme
a localização regional das pesquisas; por
exemplo,
René Ribeiro, que analisou
deFendeu o mito fundador
o papel da religião nas relações raciais,
da democracia
racial no Recife, ao contrário
esco1<1sociológica de Sao Paulo, que denunciou
seu papel de controle
Assim nasceu a polarização cntre um Nordeste (notadamente
com Florestan
Fernandes
social.
Bahia e Recife),
terra da democracia racial, e um Sudeste, espaço dos conflitos racismo escondido dos brancoslll• Bastide, que estudou
da
de classe e do
são separáveis
e o adepto
na obra de Bastide. Assim, da mesma forma que do candomblé,
por outro, ao valorizar
Bastide acaba trocando
ainda mais o segmento
nagô dos
cultos, cujo modelo passou a ser o Axé Opô Afonjá. Em O calldomblé
da Bahia: rito l1agô, ele reafirma a oposição entre dois tipos
de culto, ligados a dois tipos de magia: a branca e a negra. Se a primeira "tende a t~mar a forma de amuletos e talismãs", a segunda "tende a tomar a forma do culto de Exu" (Bastide 1958: 164). Mas, citando Édison Carneiro nha que esse uso diabólico de Exu estava limitado chefes religiosos especializam-se Exu que se tornam
(1937), subli-
ao candomblé
muitas vezes na fabricação
seus servidores zelosos, obedecendo-lhes
banto: "Seus
de estatuetas
de
cegamente;
sob
saem à noite do pcji e vão por toda parte espalhar
suas ordens,
as relações raciais entre
Ele se
de Pierre Vergel. E, como sublinham
(1978) e rry (1984), o intelectual
Verger, seu amigo e guia no universo um l'lnm.:l'ntrlsll1o
puro e autêntico.
desgraça
e
morte" (Bastide 1958: 164-5).
negros e brancos em São Paulo, advertiu Alfred Métraux, na época membro do Departamento
de Ciências Sociais da
UNESCO,
de que ele seria "obrigado
a
'" Renê Ribeiro (1982) cri\ic;ltodas c a existcncia
I" As
PC.~qUi5J~foram c~nduZidJ5
RlO ~.eJaneiro
por I.UlZAguiarda
por I h;l~es de ~zcvedo Unl_v,~rslty. cU.lo estudo terra da lIalllil.
em São Paulo por florcstJn
fernandes.e
Costa Pinto (1953), no Recife por René Ribeiro (1956), na Bahia
(1953) e Wagley, Harris e Zimmerman mostrou
Roger Basfide (1955), no
a existência
(1952), pesquisadores
de um "indicador
de antagonismo
da Columbia racial"
na "boa
do preconceito
br,lsi1cira
de cristianismo
ideologia
racial
(Ribeiro dominam
fixada,
discriminação"
que visam demonstrar
de segregação
formação racial
"a aderência
luso-brasileira"
social:
a ilusão da democracia
"Atriuuimos
social e cultural
e de formas a formas
culturais
e il valores
de preconceito
luso-
il ausênClil
de discriminação
estâ, pois, na base do racismo,
racial
à modalidade
do brasileiro
ostensivas
é a causa das "explosões
(:13). A perda da tradiçâo
existIr no Nordeste,
242
e à particular
19HZ: 13). E acrescenta: na cultura
as análises
de cor na mobilidade
diversos
dos que
ou tentativas
e o racismo
de
raci;)\" de
não pode
pois é a terra da tradiçâo.
l):A BUSCA
DA ÁFRICA NO CANDOMBLÊ
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
~
243
Contrariamente, os candomblés vam a praticar a magia evitavam •
I
"tradicional.' d. E
. t
.
o e nagós q ' ue se reCUsacon un Ir xu com o di b f
J
15
ve d d' d '. a o. Entre eles, porta0_ r a crra essa diVindade caluni d " (. Nestes, a possessão por Exu era muito Iimit d d a a . 165). 3 tornou uma espécie de punição divina ('166 ) a e de nat~reza diferente: ela se candomblé banto. . , sen o mUlto mais freqüente no to, encontramos
dão. Exu foi usado pelos negros em sua luta contra os brancos, enquanto
J
"a fisionomia
Essa negação da possessão por Exu obedecia . nala a negação do culto de Ex d d' a mesma lógica que determiU, es e o flm do sécuI XIX cionais"; não entrar em opo . _ o , nos terreiros "tradislçao com os valores d . brasileira. Assim, liberava-se E d ommantcs da sociedade Xu c sua marca negativa b de lado lima possessão que poderia t '. ,em ora fosse deixada er era Exu, pois, q'ue era fixad b SIdo Interpretada como diabólica. Não o na ca eça de seu "filho" aspecto mais apresentável [ss d ' mas Ogum, deus de . a mu ança de atitud t ainda _quando Bast'ide analisa a f _ d E e se orna mais evidente unçao e 'xu na t d' "deus da ordem" aquele que" b ra Iça0 africana: ele era o , a rc as portas cntre d' do real" (: 183) "0 que q d' _ os lVersos compartimentos , uer Izer que e ele, e Soment I princípio da dialética e da l.nter . _ e e e, quem representa o comumcaçao" (- 185) S . está em toda parte tanto n r h ' . . eu papel e central: "Exu , ,a In a que vai dos orixás aos mortais vai dos mortais aos orixás" (: 186)40. ,quanto na que Mas é em As [_.F.' re Igroes a,flcanas no Brasil (196 . naturaliza a oposição entre os ~ O) que Bastlde, ao falar de Exu, nagos (ou ketu) . bantos, que praticam a magia: ' que praticam a religião, e os Os Ketu conselVaram fielmente a imagem african . falando pejos búzios em no d ., '. a do Exu Intermediário, . me os oflxas, dlvmdade da orienta mais malicioso que mau e d ' çao, garoto , emal,s, protetor de seu "p "E ção, nas "nações" banto onde . I . ovo. 'm compensa_ , a mito agIa de Ex a magia sempre ocupou lugar d d t ti nao era conhecida c onde e es aque, ao contrário de outras "n _ " esse elemento demoníaco vais f açoes, e lrmando cada vez mais acabando . far na macumba carioca (: 350). 'por tnun-
patrono da feitiçaria e, dessa forma, seu caráter sinistro, como o dissemos, se acentuou
em detrimento
"'Em seu pruneiro . livro dedicado ao cand
bl. . om e, Bastlde já h . aprese~tan,do_o como "a forma indiVidualizada de Há" "aVIapostulado a onipresença de Exu, alma COStnlC,1 que encontramos em cada ho e a fragmentação da energia vital" da mcm e cm cada orixá (1945: 134), '
244
O deus fanfarrão
tornou-se o deus cruel que mata, envenena, enlouquece. Porém essa crueldade tinha um sentido único, mostrando-se Exu, em compensação, aos seus fiéis negros, corno o salvador e o amigo indulgente. proclamação
A abolição da escravatura, a
da igualdade jurídica entre todos os brasileiros deveriam parar
esse movimento
para o diabólico, pois que a oposição de castas cessara; con-
tudo as perseguições policiais contra as seitas religiosas africanas, assim como as lutas entre os partidos políticos, agiram no sentido da acentuação
da
tendência colonial; o ebá sacrifício é ainda hoje o ebó magia da época servil; a galinha preta que se lhe sacrificava e que se jogava no mato deserto é agora colocada, cheia de tabaco, de milho torrado e de outros ingredientes
no
caminho daqueles a quem se quer prejudicar (: 349-50). Pareceria Exu durante
lógico inferir que esse papel de protetor a escravidão,
cultos bantos, bantos,
se tornar
pois os nagõs "não praticavam
sempre
poderiam
deveria
considerados
ter encarnado
dos negros, exercido
uma característica a magia ofensiva".
mais complacentes,
exclusiva
Mas como os
mais fracos que os nagôs,
O uso que faziam de Exu e do ebó deveria então se limitar à maldade negra, de que o Exu nagô era "naturalmente" Exu, o caráter ambivalente associado
de toda divindade
aos nagôs, e o Mal, monopólio
Bastide, fortemente
influenciado
cismo, traçou uma nítida fronteira discurso
nativo
desprovido.
iorubá se polarizou
entre o Bem,
dos bantos.
por Max Weber em sua análise do mistientre religião e magia, ambas presentes
como simples categorias
de acusaçã0
banto (ou macumba),
de um dos fundamentos
e à magia
Assim, no caso de
41,
tanto
fora do grupo de culto. Com Bastide, a oposição entre candomblé a expressão
por dos
os valores da nobre luta dos negros contra a opressão?
mo de religião, e candomblé A associação de Exu ao diabo d ._ os cnstaos teria sid h do colonial, encontrada nas perse . _ o uma erança do períogUIÇoes policiais co t . Todos esses traços e muitos dos m.' n ra as seltas: I os que os C'xpri mas alguns se desenvolveram ma' mem passaram para o Brasil, lS que outros. Primeiro, por causa da escravi.
do seu caráter de mensageiro.
sinônimo
da lógica interna
dentro
no
quanto
nagô, sinôni-
de magia, que era
aos cultos e que fora
•• Um excmplo do uso dcssas categorias de acusação no interior do grupo de culto é esta citação de Ruth Landes a respeito de um conflito de poder entre duas sacerdotisas do Gantoís, dando lugar a acusações de feitiçaria: "[...) me disseram que a substituta imediata de Menininha [mãe-de-santo do Gantoisl, Dona Laura, praticava a magia negra, por mais contrário que isto fosse ao código sacerdotal. Mas também se dizia que Dona Laura fazia questão de contrariar os deuses de Menininha, que considerava uma rival, e não era possível contê-la; na vcrdade, afirmava-se que ela era muito conhecida e tinha inúmeros clientes" (Landcs 1947: 203).
l;;A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBL~
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
~
245
reproduzida por Carneiro como tal, foi reinterpretada à luz da oposição entre magia e religião decorrente do discurso antropológico. Ourkheim (1912) distinguira magia e religião de forma não absoluta, permanccenç:io seus limites fundamentalmente indefinidos. Da mesma forma, Hubert e Mauss (1902), embora tivessem tentado traçar uma fronteira entre uma religião, caracterizada pelo sacrifício e associada a atividades públicas e solenes, e uma magia, definida pelo malefício e ligada a atividades privadas e secretas, foram obrigados a reconhecer que essa fronteira continuava sendo pouco nítida e que muitas práticas não podiam se ligar exclusivamente a um ou outro desses pólos. Ora, no candomblé, a magiil está intrinsecamente ligada ~ religião, pois crer nas divindades implica crer em suas capacidades de manipular o universo em favor do protegido. A oposição entre magia e religião, constitutiva do discurso antropológico, oferecia um quadro teórico às acusações de feitiçaria, até então usadas como instrumento político e servindo para definir a identidade rClisiosa no meio dos cultos afro-brasileiros. Bastidc e outros depois dele interpretam o que era parte de um discurso político tipicamente africano (as acusações de feitiçaria) como prova da existência de ullla diferenciaçào nitida entre os que praticavam a religião (os nagõs) e aqueles que recorriam à feitiçaria (os bantos)4z. Em 1970, em seu ensaio sobre "Imigração c metamorfose de um deus", Rastide reafirmou essa oposição entre o Exu positivo dos nagôs, "intermediário obrigatório entre os homens e os deuses", e o Exu negativo, divindade maléfica, dos bantos. Mas foi na macumba que a fusão entre Exu e o diabo se t'ornou total (' que "o dualismo entre o Bem e o Mal triunfou" (Hastide 1970(/; 223). 1\ mesma oposição, que servia para delimitar as fronteiras entre o C.1I1domblé nagõ e o candomblé banto ou o de caboclo, permitia agora traçar os limites enlre o candomblé, lugar da tradição, e a macumba, lugar da desagregação causadn pela modernidade: "Exu é um dos raríssimos deuses africanos cujo nome foi conservado na macumba, muito desagregada, de São Paulo. Por quê? Porque, em São Paulo, a macumba deixou de ser uma religião para se tornar uma forma de magia; é que o macumbeiro é o feiticeiro. que faz magia negra, e para isso se serve da potência de Exu" (:223).
~l"Importância SAfOA DE SANTO DE UM IAO DE lOCUNEot
246
s:-
A BUSCA DA ÂFRlCA NO CANDOMBll
da diferenciaçâo entre magia e religi:lo determinou a pcrpeluaç:lo des~ opoSição no~ e,\tudosafro.brasilelros (cf. Trindade 1985: 25-63), mas certas práticas nos rituais considera. dos religiosos tornam dUicil manter essa dlstlnç:io. Horton mostrou de que maneira. no "pensamento tradicional africano., os aspectos mágico. religiosos s:io indissociáveis uns dos outros (Honon 1967).
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
~
247
, I
t., "
•
< ,
~.
o
dualismo
preconizado
:x
por Nina Rodrigues no
~ntr~ o Bem, associado a Oxalá, e o Mal, associado a E~:~et~:n~~o:~~ls: uaI~smo entre um Exu social e um Exu anti-social, tornando-se da diferenciação interna aos cultos afro-brasileiros.
um dos P
iVr:os
Os anos 1960, portanto,
foram marcados por grandes mudanças
política (' cultural brasileira. Os artistas participaram
danças, com uma produção teatral muito ligada à problemática
na vida
dessas mu-
social (Nelson
Rodrigues e Dias Gomes) e um cinema engajado (o Cinema Novo de Glauber Rocha). Em 1964, instaurou.se que suspendia
DO EXU BRASilEIRO AO EXU AFRICANO
ativamente
a ditadura militar pelo Ato Institucional
todas as garantias constitucionais,
n&l1,
Os anos que se seguiram
foram de repressão e luta armada, mas também do milagre brasileiro, com um A partir do fim dos anos 1950 , os trabalhos sobre o negro no Brasil s d' 'd' ~mentreumac t ' el~l. , orren e sociológica, ligada à Escola de São Pa I 43 analisava as relações raciais no B 'I u o , a qual Centro de Estud'os Afro-orientais ;:~~h~au;a Corrente culturaIista, ligada ao f d d ( EAO),que começara a desenvolver , un a o em 1959 e depend t d U . da de Federal da Bahia (UFBA)I en e a mversimais ativo centro d '_ ogo se tornou, segundo um de seus diretores, "o V. e formaçao de africanistas no Brasil" (Oliveira 1976' 115) unos que, nos anos 1960 o ' . , ' processo de descolonização da África desperta ra o Interesse do governo brasileiro na criação de novos mercados A ' portanto, era propícia para sublinha . epoca, r o que ao menos uma parte do B '1 h conservado do legado cultural f' raSl avia vcira explica assim o desenvoIVi~ncatno; a he,rança iorubá. Waldir Freitas Olien o, a partu dessa década d d parativos sobre a cultura negra: ' os estu os Com"estudos africanistas"
Esse centro
.
"-
Partia-se do princípio da impossibilidade de obter-se uma co d~ i~np~rtância cultural do negro brasileiro sem o conheci=:;:~::~
crescimento
econômico
impressionante.
Em 1968, surgiu o Tropicalismo,
,
inspiração
no Modernismo
cultura brasileira por intermédio Andrade. A reapropriação
para operar uma revisão crítica da
das metáforas antropofágicas
de elementos
da cultura popular, iniciada no Nor~
deste nos anos 1930, tornou-se mais pregnante, ela, o candomblé
- ocupando
Pai também
de Oswald de
com a cultura negra - c, com
lugar central na produção artÍstica.Js.
a época da contracultura,
que escolheu
símbolo da rebelião contra o conformismo
a macumba
como
e a repressão exercida pela ditadu-
ra, O livro O segredo da macumba, de Marco Aurélio Luz e de Georgcs Lapassade marcou época nesse campo: "É preciso parar com o culto à África, às 'origens africanas', com essa devoção africanista. Devemos, ao contrário, marcar a rup~ (1972:
a especificidade,
a originalidade
do
XIV).
A macumba passou a ser então o lugar de expressão das aspirações libcrtárias.
ongbl~~ISdessa cultura tão viva e presente entre nós, Eatravés de um prog~;mC: am ICIOSO e ousado foram dI' . " e ogo, enviados à Africa às expensas da U ' sldadc da Bahia, Pierre Verger e V' Id ' ' nIver~ Iva o da Costa Lima (Oliveira 1976: 115), Evidentemente "essa cultura t-' , , ao VIva e tao prese t " Vcrger e Lima foram enviados ao B' , .,. n e ,era a cultura nagô. enIO e a Nlgena como 't quisadores depois delesH. ' mUlas outros pes-
Ela contava a história da "luta pela libertação dos desejos políticos e sociais", encarnada
na quimbanda,
converteram
e de sua repressão, na umbanda. Exu e Pombagira se
em "símbolos de uma proposta libertária" (: XVI), A quimbanda
dei-
xou de ser a encarnação do Mal, tornando-se um "projeto de libertação sexual", em que o sexo livre, a bissexualidade homossexuais
e heterossexuais"
e a "dramatização
podiam desabrochar (:
de todos os desejos XXI).
Para eles, "A ma-
cumba [era] rejeitada por todas as instituições pois [era) uma contra-instituição uma contracultura 4l
H
Desde as pesquisas encomendadas pela UNFSCO ". relações raciais se desenvolveram em Sã P -I' no l.nlclo dos anos 1950, os estudos sobre as (1965). É importante assinalar tamb
248
I
mento - Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto eJosé Carlos Capinamencontraram
negro brasileiro"
ex;ta
, , I,
to na música popular quanto no cinema e no teatro. Os fundadores desse movi-
tura com a África, afirmar e demonstrar
_
tan-
"africanistas"
" l"'a Bahia, o candomblé Waldeloír
a desenvolver inspirou
os estudos
comparativos,
em uma espécie de \'olta às
expressão
CaYll1mi canta o mundo
110(;ão d~ cultura
artistas como Carybé, Mario Cravo JUnior, Calazans
Rego, Emmanuel
Amado s~o a melhor Dori\'al
os
hrasileiros
e
(: XXI),
origens. Moreno,
na
nas quais se expressa [va] uma contra-sociedade"
popular
Neto, Tati
Araujo e Manoel Bonfim (Silva 1983). Os romances
dessa lnnuéncia dos terreiros
cultural
na literatura
"tradicionais"
brasileira.
de Jorge
f., na musica,
da Bahia. Para uma discussão
e de sua ligação com a idéia de tradição,
da
ver Ortiz (19~S).
$OA BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOM6ll
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
~
249
,
.o
Exu da macumba,
o mais insubmisso
de todos os deuses, encarnaria
dignitário
do culto nagô, cria uma metodologia
assim o desejo de liberdade da sociedade brasileira4~. Essa nova interpretação
candomblé
de Exu, em clara oposição à corrente de estudos africanistas, exemplo, nos escritos póstumos de Bastide:
são etnocêntrica
está presente,
por
"desde dentro",
o que permitiria
(Santos 1977a: 18). Desse modo, ser a um só tempo antropólo-
Nos planos social e político,
a época era propícia
cultos, a qual na verdade não se interrompeu
nado descobrir uma via onde o desejo de uma sociedade "outra", impossível
blé nagô, principalmente
rualmcnte, pudesse de qualquer modo se expressar, se não num discurso coe-
Velho, do Gaotois
ren~ee construtivo, pelo menos em gritos inarticulados, em gestos sem signifi-
cultura
caça0, em s~ma, em puro desencadeamento de selvageria (Bastide 1975: 224).
equivale,
baiana.
de modo
na figura de Exu, comum ao candomblé
(mOdernidade),
nar Exu, encarnação los com a tradição:
a persistência
do mal na umbanda,
Um primeiro significado de
qo tradicional
reli-
(tradição)
em razão dos três terreiros tradicionais
c do Axé Opô Afonjá, tornou-se
Ser iniciado
a um atestado
a cortar os víncu-
pode ser inferido: ele é o que resta de negro,
equivalia,
e
e ainda
Além disso, em 15 de janeiro 'de do Estado da Bahia, aprovou
o de-
os terreiros baianos da obrigação de serem inscritos
Juana E. dos Santos, em Os Nagô e a morte (1977a), derável no meio dos cultos afro-brasileiros do candomblé
que teve sucesso coosi.
até se tornar uma espécie de bíblia
nagô, analisa o papel de Exu por meio da "tradição africana" dos
E~u,como
prefere escrever, de acordo com a ortografia
iorubá) se tornou "a entidade mais importante 171), "o princípio
dinâmico
e de expansão",
mico, não só de todos os seres sobrenaturais,
melhor se integrar na sociedade de classes (Ortiz 1988: 134).
existe" (: 130). Nessa concepção,
do sistema Nagô" (Santos 1977a:
de comunicação
de afro-brasileiro, de tradicional na moderna sociedade bras.,!.eira. EI. . ,Immara mal reduz-se, portanto, a desfazer-se dos antigos valores afro-brasileiros, para
.~xu, "única divindade que conserva ainda traços de seu passado negro" (: 133), deve ser submetido às entidades de luz umbandistas a f.Im d e que seu poder de rebelião seja controlado.
de tradição
nos registros da polícia. O último estigma acabava de cair!41\
nagôs. Com ela, Exu (ou EXli
dos
do Engenho
sinônimo
em um desses três terreiros
de tradicionalidade.
creto nll 25.059, liberando
e à
no meio urbano. Elimi-
equivale, portanto,
a essa valorização
desde os anos 1930. O candom-
1976, Roberto Figueira Santos, governador . E~tre os alunos de Bastide, foi Renato Ortiz quem reproduziu
com-
preensão da cultura estudada
de ser realizada politicamente, pois não estrutUrada e não pensada concei-
mais fIel a visão que seu mestre tinha de Exu. Ele vê nas "sobrevivências
o
de uma vi-
47•
Mas a macumba, [...J ao privilegiar Exu, embora transformando a significação
umbanda
em analisar
go e iniciado se torne uma das c'ondições essenciais para uma verdadeira
~e Deus intermediário em anjo da rebelião, permitia à revolta do subproleta-
giosas", por exemplo,
que consiste
desfazer a armadilha
Exu está estreitamente
"elemento
como também
dinâ-
de tudo o que
ligado à noção de axé, que Bastide
definia como uma energia vital, uma espécie de
49
mal1a
Juana E. dos Santos
.
I
.
Mas é]uana
tivamente
Elbein dos Santos, outra aluna de Rastide, quem muda defini-
a imagem de Exu nos estudos afro-brasileiros
e também
veremos
no meio dos cultos. Antropóloga argentina iniciada no terreiro d~ Axé O : Mo .. d S I d po nJa c a va or (Bahia), c casada com Deoscóredes M. dos Santos, alto
.,
Marco interesse
Aurélio
os aspectos mento
Luz. como
por uma cultura
do sistema cultural
cultural
oposição
iniciático"
"revitalizam A fundação
250
$.' A BUSCA DA ÁFRICA
NO
CANDOMBL~
,., Carneiro
o processo
negro-brasileiro,
civi1l7.atório
da Embratursa
sua força sagrada
maléficas",
a definição
de axéde Maupoil,
popular"
baiano,
mágicas
sagrados dotados
correspondentE'
em que
(1988) . (Orriz 1985).
a Bahiatursa.
da casa de candomblé, "seu poder,
(1971: 35) o traduziu
por "fundaçóes
a?s "objetos
o
demarca
1989) .
(l:<.é (ou ag') Significa
Veda Pessoa de Castro e também
por Giacomini
da cultura
mágicos
"brasileiro",
nas comunidades-terreiros
de seu correspondente
l.egba (o F.xu fon) efetua o transporte
EXU E OS ANTROPÓLOGOS
africana
(Bacelar
mantém
de uma opçao por um desenvolvi-
bem analisada
"os alicerces
porém
negra deve focalizar
de Luz de um discurso
foi muito
com fins turísticos
o axécomo
[do orixá]".
influências
de quem
negro",
Verger (1957: 38), a palavra
Zicglcr (1977), o I/xé corresponde 77) retoma
a partir mesmo da tradição
e principalmente
do candomblé
Segundo
dele, segue esse caminho,
a época de uma "mercantilizaçâo
(1948: 135) definiu
de existir".
mágica"
depois
Declara assim que "uma antropologia
(Luz 19M3: 19). A passagem
•~ Os anos 1970 são também
contra
outros
ao "culto da África", à reivindicaçao
a comercialização ••. Yv~nne Maggie (1992: 237), ao deKrever o debate que opunha na época os umbandistas aos teoflCOS da contracultura lembra q . .. d . '. . . ' ue, no inICIO os anos 1970, a companhia inglesa do Livin IheatrevJSJtavaosterreirosnasfavelasdoHioaf d'" .. . g rituais dos terreir" . . . Im c aproximar a expencnCla com drogas dos . _ os . Essa IdentifICação de E.xu com o elemento revolucionário do universo religIOSO amda tem Vigência Raul I od (19 . . . " y MZ:1i,14),porexemplo,deflneExucomo"osinalda reslstencla" "o germe do q'l b " I' Ulom o cultural ou ainda "o mais ativo libertador da história e da cu tUfa geral do homem africano no Hrasil".
muitos
de resistência.
a sua raz.ão seu potencial
da casa-de-culto".
de força especifica".
iorubá do ye: "princípio até as divindades
.
por "força ou poder Segundo
Bastide (1958: imaterial,
força
{Mau pai I, 1938: 334).
~
251
dor do ebó, agora limitado ao sacrifício religioso, controla Oprocesso de restituição da força vital, o à$ç': "O sacrificio em toda a sua vasta gama de propósitos c de modalidades, restituindo e redistribuindo à$ç', é o único meio de conservar a harmonia entre os diversos componentes do sistema, entre os dois planos da existência, e de garantir a continuação da mesma" (: 161). Todo rastro do ebó maléfico foi definiti.vamente apagado: na tradição nagô, Exu só faz O bem e está no centro do sistema religioso~l. Juana E. dos Santos, portanto, retoma e amplia a interpretação de Exu como grande comunicador entre os diferentes compartimentos do universo (Bastide 1958). Para ela, Exu não pode ser classificado em nenhuma categoria: "É um princípio e, como o à$~ que ele representa c transporta, participa forçosamente de tudo" (Santos 1977a: 131). Por conseguinte, interpretar a cerimônia do padê como uma maneira de conjurar a presença nefasta de Exu está em contradição com a função' do Exu "guardião e garantia única do bom andamento de toda atividade ritual" (: 198)S2. Essa interpretação do papel de Exu causou uma polêmica particularmente virulenta entre Picrre Verger eJuana E. dos Santos. Em 1982, Verger contestou a probidade científica de Juana E. dos Santos, acusando.a de ter manipulado
AlVINHO DE OMOLU NA FESTA PELOS SEUS CINQOENTA ANOS DE INICIAÇÃO
eleva essa noção ao elemento central do culto' "O" . litúrgica que por sua vez o r"al' . a~~Impulsiona a prática , ,... Imenta pondo tod . (Santos 1977a: 38) É Ex .' o o sistema em movimento" " . u quem poe em movimento a f . da qual se estabelece a relação I . ~ orça do a~~, por meio da ." en re o mye (o mund t e o (mm (o mundo sobrenatural h' o errestre e a humanidade) e seus abltantes) O ' pio e força" "pod d . _ . (1$~Se torna assim "princí, cr e reahzaçao". Ele também é "comunidades-terreiros I J A ' _ a base da perpetuação das .... transmlssao de à$e t' . liturgia implica a continua _ d • . . a raves da miciação e da çao e uma pratica na ab - d estruturas e da hist6r,'a" d 'd ,sorçao e uma ordem, de , eVlf o grupo (' te ' ') Como é E !felIO como uma totalidade" (. 46) xu quem transmite o àse ele as . . entidade mais importante do c d .. ~ ~ sa a ser, de pleno direito, a so an omblc nago . Por ser o ~1~bQ, o transporta-
.VI
252
I~~a "força m.iglca" CSlêlria partlcularment li d IItcratura afro-brasllelra o axf no'm I e ga a ao sangue dos animais sacrificados Na ,. ,a mente é IdenUfl d . o )/ctos que encarnam essa força ca o com uma força mágica ou com os Encontramos es.sarclaçlloent .,~ d . rec.AUClIJc!na obra dcAb' boi c a/r, traduzido cuma "encanto de comando" Im a (19760: 187), em que Exu é dotado ordem, um comando"(Abraham 1958' 71) O . Com efeito, em lorubá, "ir significa "uma . . termo também está •assoclad o •• ~ .dó' I la d e autoridade.
,t
Em MClSCl7.illl;"(lrtllr Orl/llmila l'ullllj'stns (lr1m1igrll ruitll (Ir Arrim, publicado elll I.agos (Nigérial, il~ré traduzido por ~comando~: ~Aréplicadcssccomando (Adu iSilbi-isurt') é F.xuOdara~ (Orunmila 19R6: 3(1).f.ainda, falando da criaçao do mundo, Olódumare (o criador) "criou a Terra com {comando)"./lg" equivale as~lm a um "instrumento de comando~ (Orunmlla 1985: 8). Para Juana E..do~ Sal\tos, o fiH' c o "principIo que torna possivel o processo vital" (1977b: 30). f.ssa \'Is:l.o de Exu fez suce~so nas literaturas afro.americana e afro.brasileira. E.ncontramos a Identificaçao de F.xucom o (ur em Thompson (1984: S.}9), Edward e Mason (1985) e Mason (1'J'J2). Os dois últimosautore5 estão ligados ao processo de reahicanização nos E~tados Unidos. No Brasil, praticamente todas as pesquisas efetuadas depoiS de Santos repetem fielmente sua interpretaçllo do ax~,tendo criado o que Motta (1994: 175) chama a "teologia do ilSç'". A te. interprelaçao de Exu por luana 'E.dos santos também teve grande innuência sobre os autores ioruhâ~. remi F.uba (1989) se haseia em um texto deJuana K e [)coscóredes M. dos5antos (1971) para Interpretar F.xu nao só como memageiro dos deuses, mas também como uma divindade ligaoa ao destino. A relação entre F.xue axé, dcflnld ••como "o poder de comando dos deuses, ou o poder da 'palavra'" (Euba 1989: 24),.é Igualmente sublinhada por esse autor: HMal~que um 't:nCilnto de comando', como Ahimhola sugere, Àsr é a força vital da eficácia, o poder evocado para fcaIi7.•1r algo. i~u é nao sô o 'guardião do À~ç' mas também ~eu 'executor divino', distribuidordo fatidico c fatal poder contido em $Cu'Ado.iran', 'a cabaça que contém o poder que se auto.
"s~
SI
1!
, "
.\l
propaga" (: 24.25). Eua critica da ,'elha concepçllo do despacho, recorrente na llteratura afro.brasilelra, impõe a rclnterpretaç~odo padê como um encontro, conforme a traduçlloda palavra lorubá. Assim. para iu~IUil..'aras
1;; A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBlt
EXU E OS ANTROPÓlOGOS
~
253
,
seus dados com o intuito de edificar sistemas "de uma lógi'ca impe'
bem . . acolhidos,
I
't
cave mUI o internaciot
diga.sc de passagem,
nos congressos
científicos
naiS, mas que, examinados com cuidado são um tecl'do de sup " d ' oSlçoes e e lpoteses inteligentemente apresentadas não tendo nad
h' . d
•. os NagO.lor.ubas
e correndo
' o risco de contaminar
a a ver com a cultura as tradiçÕes transmitidas
oralrncn~c,
ainda conservadas
Com
em ] 966, Verger havia publicado na Nigéria um artigo (reeditado
C[~ltOJ
nos meios não.eruditos"
(Vergcr 1982b: 10).
no Brasil em 1992) em que identificava o axé com uma forma na'o a t ' f d • n ropomorlCa c tClsmo, fazendo referência ao culto do Sé ser s upremo para os anagas do ~ao~e. A Identificação de Exu com o axé, proposta por]uana E. dos Santos eqUlvaiJa, portanto, a pensar Exu como uma espécie de de ' de end' us supremo, do qual p la,a propagação do axé. A resposta de Juana E. dos San tos (1982) não foi menos violenta, acusando Ver d " . . ger e ser apenas a expressão residual do colonralismo" . •
•
I
Na realida~e, essas acusações parecem expressar tão-somente
a luta que
trava~ entre SI os pesquisadores-iniciados, para que apenas eles sejam reco~ nheCidos como autoridade em matéria de tradição africana.
CAPíTULO VII EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS Falar de uma tradição
africana
"pura"
maior parte do tempo postulado sempre são bem definidos.
como algo dado, mas cujos contornos
como gostariam
nem
Ser tradicional
alguns, ou então
significa guardar rcintcrpretá-Ia
uma
diante
novas situações, segundo uma lógica que reafirma as marcas distintivas tradição? Hobsbawm
e Ranger ressaltaram a construção
As tradições "inventadas"
construindo
da repetição quase que obrigatória" o caráter político
continuidade
dessa
presente em toda tradição. "seu próprio passa.do através
(1983: 10). Esses autores também
dessas tradições, o qual costuma
histórica quanto uma identidade
Mas que circunstâncias Isso acontece,
\
de
seriam a resposta a ~ovas situações sob "a forma de
referências a situações anteriores", nham
na
O que é, enfim, uma tradição? Para que serve? Por
que as pessoas seriam conservadoras? pureza original,
incita a refletir sobre um objeto
subli-
atestar tanto uma
1
cultural e social,
fazem com que se busque restabelecer
na maior parte do tempo, quando
ideal perdido em face das mudanças determinadas
j
a tradição?
a tradição é vista como um pelo avanço da modernidade.
Como indicam Hobsbawm e Ranger, "não é necessário recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos ainda se conservam"
(: 16). A perda da tradição
seria, assim, o motor dessa busca das origens, cujo objetivo é sempre a reconstrução de um estado originaL O movimento qüencia
se torna um instrumento
1
pelo grupo que reivindica hierarquizada.
sua tradicionalidade
sua tradicionalidade
fatos ditos tradicionais" um comportamento mos, a tradição
dos outros, aqueles que não têm
para d.esignar "uma propriedade
exclusiva de que seriam dotados os
(Lenclud 1987: 113), isto é, uma qualidade
ligado à perpetuação
se torna uma propriedade
trata-se de famílias tradicionais
inerente
da tradição (tradicionalismo).
ao tradicional
c não
Na verdade, como vere~
inata, algo que passa pelo sangue; como na nobreza,
de tandomblê
que trariam consigo essa tradicionalidade.
idade indica, a meu ver, a essência tradicional
grupo. Sobre a noção de tradição,
254
no seio de uma sociedade
em sujeito de sua própria história: afirmar
equivale a se distinguir
Uso o termo tradicionalidade
a tradicional
a posição ocupada
Quem possui uma tradição possui um passado, uma continui-
dade histórica que o metamorfoseia
I
em direção ao passado com fre-
político para legitimar
ver tambêm
de uma prática, mas também
Assim. de um
Habadzan (1982) e Hoycr (19l:1l:1).
~ A BUSCA
DA ÁFRICA
NO
CANDOMBll
~
255
I
mais identidade definida. Construir Sua r' . tradição _ passa a ser assim . P opna representação do passado - a um melO de negociar a 'nidade em questão (Urton 1993: 110). poslçao ocupada na comuA constante preocupação com a tradi ão nã '. . animado pela busca das raíz d ç o se lImIta ao dISCurSO nativo, es e uma cultura originalI t ' discurso da antropologia A' d' _ ' e a ambcm organiza o . . SSlffi, tra IÇa0 c modernid d Interpretadas pejos antrop '1 . a e quase sempre foram o ogos como dOIS tipos d . d de mentalidade bem diferent d e SOCle ade, ou dois tipos , es uma a outra2 AI' d' "tradicional" em antropologO "f .' em ISSO, o emprego do termo la 50 az consolidar um d I('ctual organizado e t ' . qua co de refeTeocia intem orno de uma sene de oposi . dança, sociedade trado I. çoes entre tradIção e muIClOna e SOCiedade mod Lenclud (1987) a pertinên' d . ema. Ora, como mostra Gérard , C1a esse sistema de . .problemática. Na realid d °POslçoes bmarias é muito a e, a mudança sem r t' tradicionais. Assim, falar de tr d. _. . p e es a presente nos fatos ditos a Iça0 Implica referir-s' . passado na qual ela se funda ' _ e a mIstura de presente e , a arrumaçao constantc . operada pelo presente com o b'.' e Inconsciente do passado , o letrvo de canse de, o que há de inconsciente e . _ rvar esse passado: "Na realidam uma tradlçao C' q I" elo prescnte que procura' ue e a e precisamente a obra para SIuma caução no d " Dessa maneira é a trad' _ passa o (Pouillon 1974: 159) . _ ' Iça0 - ou o que está no ceot . . tradIçao nagô pura _ q t'. ro de nossa discussão, a ue es a em Jogo em um afirma sua natureza tradicional . segmento dos cultos, o qual como um Instrumento }'. suas diferenças e Suas riv l"d d po ItlCOpara expressar a I a es no campo reli. b gos, que fazem dessa categoria t' glOSO, em Como os antropólo. na Iva uma categoria r. asslm para a cristalização d 'd ana ItlCa, contribuindo c um I cal supremo de africa .d d de que maneira os antropólogos B . m a c. Veremos, aliás, ~ ,no rasJ1 talvez mais tem considerado tradicio '. que em outros lugares , nals com mUlta fre ü~ . f ~ ' bem pertinentemente qu _ _ q cnCla enomenes "que eles sae nao estao de acordo com u .. que eles sabem igualmente não . t. " m oflglOal, um original eXIS lf (Lenclud 1987: 113).
Não se pode pensar a tradição como um simples reservatório elementos
de idéias ou
culturais: ela é, antes de tudo, um modelo de interação social. E, por
isso, torna-se
um dos principais
instrumentos
de construção
por meio da seleção de um número determinado
da identidade,
de características
que ajudam
a estabelecer as fronteiras entre nós e os outros. O caráter interacionai ção e seu uso estratégico contribuem
A
na afirmação da identidade
para marcar sua especificidade
da tradi-
do grupo que a reclama
como algo que não é dado, mas
continuamente
reinventado,
tanto, analisarei
a tradição nagô de acordo com a posição de que ela é, como
sempre investido
todas as outras tradições, interacional,
por novas significações.
construída
Por-
e política.
°
A MEMÓRIA
,o
DA TRADIÇÃO
Vimos como a evolução da imagem de Exu e de seu papel no culto acompanha a construção
de uma identidade
ligada ao candomblé
nagô que é marcada por
I
uma tradição
e uma pureza opostas à mistura e à degradação
demais modalidades curso, retomado
de culto (as bantas e o candomblé
nas teorias dos antropólogos,
presentes
de caboclo). Esse dis .
reproduz as mesmas categorias
que o discurso nativo e visa legitimar uma posição hegemônica oposições,
como puro versus degenerado.
nas
Vimos igualmente
por meio de
de que maneira
na oposição entre magia e religião, durante muito tempo um dos fundamentos \ da teoria antropológica, estão presentes o discurso nativo (as acusações de feitiçaria), o discurso normativo dos antropólogos
do Estado (a repressão aos cultos) c o discurso
(a sistematização
dos cultos). Essa oposição
encontra
sua
expressão mais acabada nas obras de Roger Bastide. Ao estabeleccr uma classificação das religiões africanas no Brasil, Bastide faz a oposição entre religião e magia equivaler à oposição entre tradição e modernidade. O candomblé
A antrnpologi,]
esteve durante
muito te
°
conlmuidade
com o passado. A passagem de uma
transplantado. Em meio às bananeiras, às buganvílias, às álVorcs frutíferas, às figueiras gigantes que trazem em seus ramos os véus esvoaçantes dos orixás, ou à beira das praias de coqueiros, entre a areia dourada, com suas cabanas
la Igu.almente vaga que faz referênCia a uma
naSCimento de uma cultura moderna em qu a outra e marcada pela perda da tradição" p"1 das b _ ,epessoas" tl •.... o ,so pressao de circunstâncias extraonf __ na ura mente tradicionalistas" são forç _ d(ls gcra~'ôes Jlas_~adas (!loy" 1990) marras, a aba ndonar seu apego "natur~ I" ; a . " "s crenças
256
~
O candomblé é mais que uma seita mística, é um verdadeiro pedaço da Âfrica
com a urRência de recolher as tradiçõe~:u~;::. face da. difusão d.a ~odernidade, confrontada (cllado por 1'.Hoyer ]9')0- 113) . • lS em VIas de c"tlnçao. Como Icmb G II . ,essa 0poslrao entre t d. _ ra e ner , mO.dcrnidade em geral ê idenlifir~d~ ra Iça0 e modernidade nunca foi sim", I _ •." "cornum lip d .e rlca: re atrvlzado, e a tradição identificada Como Urna idoé. e.pensamento racional, que só raramente é
de deuses, suas habitações, o lugar coberto onde à noite os atabaques com seus toques chamam as divindades ancestrais, com sua confusão de mulheres, de moças, de homens que trabalham, que cozinham, que oferecem às
$:o A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
EM BUSCA DAS ORIGENS
.
nagô encarna um mundo ideal em que nao existem conflitos
. e os valores africanos originais são fielmente conservados: l
1
PERDIDAS
;$
257
para cortar, com galo-
mãos sábias dos velhos suas cabeleiras encarapinhadas
padas de crianças seminuas sob o olhar atento das mães enfeitadas com seus colares litúrgicos, o candomblé
evoca bem essa África reproduzida
brasileiro, de novo norescendo. Comportamentos so formam aqui uma única unidade harmoniosa São esses os três comportamentos cultos sincréticos. tui, portanto,
O candomblé,
paix
que opõem
e funcional.
podem
e na disciplina
encontram
que esses impõem
portanto,
desavergonhada
I
de modo a não desaparecer,
dos outros membros" solução
(: 317)3. Da
que no candomblé
da credulidade
de
na autoridade
entre os membros"
econômico",
I
(: 313). Assim,
Hastide, está muito mais ligado à noção de prestígio
lucro. A "exploração decorre,
suas
reCOrrer à magia, esta terá uma função
mesma forma para o "comportamento segundo
submete
de seu grupo, como o erotis-
controlado
"visto que todos os problemas
dos sacerdotes
aos
de nagô, consti-
do grupo: "Tudo o que pode separar os indiví-
a avareza, encontra-se
se os terreiros "tradicionais"
os cultos tradicionais
pois o indivíduo
tentar a desorganização
mas a poder associar-se com os impulsos integração,
(Bastide 1960: 312-3).
que para Bastidc é sinônimo
um todo coerente
no solo
sexual, econômico e religio-
nagõ,
que à noção de
das classes baixas" (: 414)
"I
da perda dos valores africanos:
t preciso reconhecer que o advento da economia capitalista, com a aspiração de lucro, introduziu-se
também na macumba,
xangôs, com o filo de comercialização.
em certos candomblés
ou
Mas não devemos julgar as seitas
tradicionais a partir dessas caricaturas mais recentes. Para começar, os sacerdotes que dirigem essas "macumbas
para turistas" são "sacerdotes
não fei-
tos", isto é, não sofreram os longos processos de iniciação e não conhecem os "segredos" das religiões africanas a não ser por Informações indiretas, sempre incompletas (: 317)4
~ Vimo~ d{' qu{' mant'ira
o uso da magia também
terreiros ditos tradicionais. vaç30d{'
Ruth Landes, em 1938, ressalta ainda malsa
magia inlegrativa
euma
noticias
pelos
negros
a busca do prestfglo
258
também
"degradados".
A autora. "tradicional"
so-
de templo.
noticiar
éde grande
no candomblé
md{'.dc-5anto
chefes
preferindo
que fez suas pesquisas cuidava dos doentes
publicavam
na distlnç:io
o.s fomals
noticias
da Bahia
rcllgiososdas
em razão da diferenCiação
nagô e a simples
de acusaçllo
busca do lucro
no Gantois que vinham
nos
entre uma
dos cultos: "' ... J lembrei-me
os espetáculos
Interesse
como categoria
por I.and{'s (1947: 203). Esta obser.
falta de fundamento
que v.irlas vezes por semana
cariocas,
senão raramenle,
• O texto de Landes
relatado
magia negra, ligada à desagregaçlo
dos jornais do Rio de)ant'iro, praticada
{'Slava pr{'scnte
como no Caso do Gantois
nl0
que estabelece
de M:ie Menininha,
A BUSCA
divulgavam
tais
mães" (: 204) .
na macumba
vé-Ia, somente
também
sobre a magia negra
escreve
"at~o
DA ÁFRICA
NO
entre
e nos cuHos ponto
que essa A ÁRVORE
{'m que
CANDOMBlt
EM BUSCA
DAS ORIGENS
PERDIDAS
DE tROCO
00
t
PANTANAL
"l
259
Assim, a introdução
da economia
ção dos cultos afro-brasileiros.
entre infra~estrutura c superestrutura, "degradados",
capitalista teria desencadeado
Bascando.sc
a degrada-
na temática marxista das relações
Bastide opõe cultos "tradicionais"
na passagem de um mundo de solidariedade
um mundo em que os valores africanos não encontram
e cultos
e de comunhão
para
mais seu lugar. O descen-
dente de africano sob o "efeito desagrcgador da grande cidade" (: 407), que o leva a se incorporar
em uma sociedade de classes, pertence
rentes, se não opostos", leira c o do conjunto
o dos candomblés
da comunidade
e superestruturas
res que secretam as estruturas;
reorganização
ao contrária,
à medida que ele ocupa uma posisão essas estruturas
acarreta a perda dos valores tradicionais ao passo que o Ifespirítismo
que vão modifi~
veiculados pelas "re-
de umbanda"
é o reflexo da
do que resta da "África nativa", mas "em novas bases, de acordo
com os novos sentimentos cidades industrializadas, coletiva estruturada,
dos negros proletarizados"
"a macumba,
embora permanecendo
passa a ser magia. O macumbeiro (:"412). Enquanto
o candomblé,
em grupo, se individualiza"
no parasitismo
de solidariedade
social, na exploração
lhe pudessem pagar" (1947: 169). Tal comportamento usado por Menininha
desavergonhada
tradicionais.
interessada
que uma caracteristica
apenas em dinheiro.
de candomblé
especifica
de cabOClo, econômico"
dos cultos menos
dessa oposiÇão, descrevendo
Sabina como
ao passo que defende a boa fé das "mães" do
paulista, escrito em 1953, Bastide trata esse culto de maneira
Embora saliente seu caráter degradado, vê na ação "perversa" do branco, que introduziu
"clcmentoseróticos c o candomblé de manutençâo
t
1í
. os 16 anos em que morou no Brasil, Bastide só teve uma , , preciso ressaltar que, a despeito d .~ '''n' que fez ao Nordeste, durante as " f b .1 iros nas curtas Vlug... experiência direta dos cultos a IO- rasl e .]. ] .s Em O candombk tln Bn!Jin (1958: . I te com os espeoa Istas ocal . quais trabalhou prinClpa men , H s.l se limitaram a nove meses, dos esquisas pessoais no ra I 268) ele próprio admite que suas p 'secutivos (de 1944 a 1951). Com ' . . B h. dispersos em sete anos COIl quais cinco no maXlmo na a la, I b .,,-va a se dedicar exclusivamente a seu . 'dadcdeSãol'auooo r •• efeito, seu contrato com a umver~l. alares: "[.. ,1 o resultado équc eu podia bem conhecer um trabalho de pesquisa duranteasfcnasesc .. ,dia conhecer as cerimômas que se . , de [enas. Mas n o po candomblé durante os tres meses . . f' .• " ('"itadO por Cardoso 1987: 72). Essa m que nao haVIa efla~ "desenrolavam durante os meses e . . om uma colaboraçâo intensa com . amente redUZida se conluga c experiênCia de campo extrem 'd m' publicaçâo em comum, durante .d stariadeterconcretlza ocomu .. h. Picrre Verger, a qual Bastl ego . .. I dos terreiros tradicionaIS da "a la V cuja posiçao O[ICla em um muito tempo recusada por erger, " A. fi 'n'"ia de Verger parece evidente nes.sa . . "lei do segredo. In u . (o Axé Opô Manjá) o obngava a _ .. B I'd Em carta datada de março de 1951, versao religiosa de as I c. idealização do culto nago e na con m~ de trabalho pedindo-lhe para da à Bahia e seu progra u , Bastide anuncia a Verger sua chega. ]d .]ulho a agosto de 1951). No programa, . - d. poria de mUlto tempo e ", . preparar a visita, pOiS nao IS lar no candomblé de S. Gonzalo ,IStO e, . f . "mandar preparar meu co _ indica como primeira tare a. . . ~ .,niciaçâo). Em seguida, propoe-se ' I ' o pnmelIo passo para" no Axé Opó Monjá (preparar o co ~r.e ,. h '. m um certo Vidal, provavelmente um . . sobre a pratica adlvlO atona co a recolher mformaçoes A
.' r.fi seu artigo sobre a macumba diferente.
da
teria recebido aprovação divina, pois "todos
Apesar disso, !.andes aceita a realidade
uma simuladora, Gantois.
a
por ordem dos deuses" (: 170). Essa mesma cobiça
para atacar uma mãe-de~santo
de acusação
é visto
e de comunhão,
5abina, acusada de só busear o lucro pessoal (: 177). A crítica desse "comportamento é, assim, mais uma categoria
sobre a tradição" (: 520).
degrada-se, e de religião
ou ao menos certo tipo de candomblé,
os clientes e noviças devem pagar adiantado, era o argumento
dominar
(: 408).
se torna, então, uma figura "isolada, sinistra"
como meio de controle social, instrumento "resulta
(: 407)5. Nas grandes
que já não é retida por uma memória
Mas, ao passar da forma coletiva à forma individual,
macumba
j
•
da outra banda do Oceano, são esses os valo~
ção nas estruturas da sociedade nacional, car os valores tradicionais" (: 515). A macumba
"Á me-
são invertidas:
de africano pode cavar um nicho para aí fazer florescer
os valores religiosos importados
ligiões africanas",
"dife-
brasileira. Em cada um desses dois mun~
dos, as relações entre infra~estruturas dida que o descendente
a dois mundos,
que recriam a África na terra brasi-
f menta das tendências imorais, d 1.ldade das classes baixas ou no a rouxa Cfe ti . t "(.414) 'f .. temente o assassma o. . desde o estupro, ate, requen , d b). (nagô) comunidade soli. . -o entre um can om e , Valendo-se dessa opOS1ça b t s de onde ela tiraria suas ba (e com ela os cultos an o dária, e uma macum, ') fricanos Bastide constrói uma d d agregação dos va ores a , origens), lugar a es .. )' _ se interroga sobre as relações . t netração das C1VI lzaçoes e teoria sobre a m erpe . . I s religiosos. Leva em conta a t turas SOCiaiSe os va ore existentes entre as es [li d t(mento do conceito de aculI xpressão que prefere em e I , .. I mudança cu tura - e '1. "embora respeite aldeIa, s "seitas afro-brasI clras , luraç50 (: 524) - em açao na \" da tradicionalidade do can~ literatura antropo oglCa, tornada lugar-comum na .f' ndo do candomblé _ mas so-, B rde portanto ident1 lCa o mu domblé nago. as I , ' I de os valores e as represen. bl' t d'cional como o ugar on mente o candom e ra 1 ., Em compensação, na macum. d . fi as estruturas SOCIaIS. , tações coletIvas omma . d d s valores "tradicionaIS" . ,. do sul do BrasIl, a per a o ba e nas seitas smcretlcas .. 1 T 1 degradação também se expri~ 1 - d solidariedade ongma. a acarreta a disso uçao a . . 'd' uanto nos candomblés mais . - entre grupo e mdlvl liO. enq me em uma oposIçao . d 'ndo culturalmente "o con. ' predomma etermma tradicionals e o grupo que ,.' ' f' "na macumba, e principal- o do mistICIsmo a flcano , teúdo como a expressa d plexos individuais tende a pre~ mente na macumba paulista, "a parte os com
e sádicos" na macumba,
a causa dessa degradação.
Na realidade, a macumba
eram, na origem, "centros de ligação, de SOlidariedade, de comunhão dos valores africanos" (Bastidc 11)73a: 243).
e, também,
membro do mesmo terreiro (Morin 1994),
260
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
-$
261
Bastide acaba assim estabelecendo
uma espécie de lei segundo a qual, sem-
pre que o controle do grupo se relaxa, o misticismo
passa da expressão dos
tensões e choques: o choque de valores, bem como as exigências, no entanto
modelos coletivos à expressão da experiência individual das mudanças sociais,
contraditórias, das duas sociedades" (: 517). Bastide usara essa noção em 1958, para tornar operante sua interpretação
causando
da "filosofia do cosmos" que organizaria o culto nagô (1958: 255). Para associar
modificaçôes
psicanalíticas,
no transe: "Ou, se preferirmos
o [transe] do candomblé
das normas coletivas, enquanto triunfo do 'si'" (: 522).7 O candomblé
empregar
expressões
é ainda o triunfo do 'superego',
isto é,
o das seitas sincréticas ou improvisadas
é o
da sociedade de classes, ao passo que o espiritismo,
de Lévy-Bruhl às classificações primitivas de Durkheim
Mauss, ele precisava postular a existência parando
tradicional é uma sociedade fechada, que não sofreria muito
o "efeito desagrcgador"
a lei de participação
e delimitando
os conceitos:
de um "pensamento
o princípio
cortante",
e se.
de corte passa a ser, assim,
"um
e o princípio do simbolis-
oriundo das novas condições de vida no Sul do país, faria do transe místico "um
mo" (: 262). Ora, em sua tese de 1960, o princípio de corte não se limita à organização
canal de ascensão social ou uma expressão simbólica da luta de classes" (: 533).
da "metafísica
Os terreiros tradicionais são, portanto,
mantém com a sociedade dominànte.
"comunidades
axiológicas" que repro-
duzem os valores religiosos e as normas de conduta
ligadas a eles. É sobre a
manutenção
dos valores religiosos, ou sobre o que Bastide chama a "restaura-
ção" da civilização africana, que se constrói a diferenciação ideologia: os fatos de aculturação
entre sagrado c
favorecem a distorção dos valores sagrados
em ideologias, isto é, a ligação desses valores "aos interesses diferenciais
dos
grupos" (: 553).
sutil" do candomblé.
ção instintiva
ou automática,
blé tradicional, como nicho comunitário, cultural perante a sociedade dominante:
torna-se o símbolo do enquistamento "[ ...] quanto
mundos,
"uma espécie de rea-
um ato de defesa contra tudo quanto
sem sentir suas contradições,
tradicionais"
ligadas ao candomblé,
de cor são mínimos", características
parece ser monopólio
"em comunidades
pudesse
de viver em dois das "famílias
onde os preconceitos
ao passo que, no Sudeste, a luta de classes, a degradação
do pensamento
Graças ao princípio
mais a inte-graçãO é do
Torna-se, portanto,
perturbar a paz do espírito" (1960: 529). Mas essa capacidade
dos cultos e o racismo impedem
Se o espiritismo encarna o que Bastide define como ideologia, o candom-
Ele se aplica também às relações que este
"seitas" afro-brasileiras,
a manutenção
do que deveria ser uma das
africano9•
de corte, Bastide postula uma diferença estabelecida
interna
nas
pelas respostas que elas dão em face das
tipo comunitário, ou, se se prefere, quando se processa num certo cnquistamento
mudanças
social ou cultural, menos profundo é o sincretismo"
entre o rigor intelectual, na base da construção de uma teoria da interpenetração
(: 391). Isso, contudo,
impede a integração social dos membros dessas comunidades
não
axiológicas, pois
o princípio de corte8 permite que vivam "em dois mundos diferentes e evitem
externas. É evidente que se trata aí do produto de um compromisso
das civilizações, e o engajamento por seus predecessores,
pessoal em uma valorização,
de uma modalidade
escritos passa a ser sinônimo
de candomblé.
já legitimada
de culto, o nagõ, que em seus Assim, embora em 1958 Bastide
não exclua o peso dos interesses dos grupos ou "famílias dominantes" ESSiloposição
entre candomhlé
e seitas sincrétícas
(enlre elas, a macumba
umlJand~"} se reflete na própria essência das experiências :crs~narltlades
no c.andombléconsiste
Impoem ao inconsCIente de lllstintosdesenfreados",
e disciplinam
em um conjunto
místicas. Assim, a multiplicidade de "personalidades no espiritismo
transforma
vag~s conceitos,
"no interior dos quais cada peSSoa pode pôr tudo quanto
para finalmente
seus desejos, seus sonhos, das potências
• Bastide aceita aqui a existcncia
de uma democracia
racial brasíleira
sobrenaturais
no candomblé
o lugar onde sobrevive um mundo sem conflitos, irremediavelmente
de expressão das tensões ou dos desejos
trializada brasileira",
por "principio
nagõ, Maria Isaura Pereira Queiroz de ruptura"
(Bastide 1958: 262).
NO CANDOMBLÉ
na Bahia, para cuja critica
em sua análise das relações raciais em São Paulo. Acidade de Salvador passa a ser
do Sudeste.
perdido na sociedade
Para uma crilica dessa teoria, ainda muito presente
na literatura
indus"afro-
ver a análise das relações raciais em Salvador de Macelar (1989).
'" Ao falar do candomblé
nagô, ele escreve: "Mesmo se é por toda parte conservadora,
. é coisa morta; evolui com o meio social, com as transformações novos rituais para responder famílias dominantes"
às novas necessidades
a religião não
de lugares ou de dinastias,
da população,
ou a interesses
forma
diversos das
(Bastlde 19S8: 2S0).
S?A BUSCA DA ÁFRICA
como
em um caos
ele contnbuira
francesa "pr;ucipedecollpllre"
apresentado
os deuses em
Para.evllarCOnfus<'lo, manteremos aqui a tradução usada na edição brasileira de 1971 do texto de Bastlde sobre as religiões africanas no Brasil.
262
é definitivamente
(Bastide 1960;
~ Na reedição brasileira do texto de Bastide sobre o candomblé expressão
de
cultos em gera1lO, em 1960 o candomblé
que se
quer, isto é, onde ela
também está presente
sobre os
de
suas ilusões ou seu ressentimento"
mai,S tradICional, pois os deuses são sempre o instrumento individuais.
traduz~
socializadas
este ultimo, em vez de o deixar dissolver-se
ao passo que a mulliplicidade
522). Ora, essa personalização
c o "espiritismo
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
~
263
• uma ilha sem história e sem tensões, exemplo supremo de um mundo comuni~ tãrio destruído pela sociedade capitalista. A teoria do enquistamento parece reproduzir o mito do paraíso perdido. Na realidade, as mudanças tação a novas contingências, "seitas", consideradas
religiosas, acarretadas pela necessidade estão presentes
a uma realidade
no candomblé
sincréticas: "As mudanças
religiosos são [.. ,] apenas fenômenos 'repercussão'
cultural
que não é de natureza
que podem afetar os sistemas em relação
reJigiosa. São fatos de 'volta'
ou de
ou de 'reação em cadeia' numa Gestalr' (Bastidc 1969b: 9). É, pois,
seguindo uma lógica interna que as mutações religiosas se instalam, sempre no interior
de uma certa Gesta!t, "dada pelo estado anterior
ssivo da memória, Isso não impede a peneprogre , gens da tradição não são d pois todas as lma tração do presente no passa o, m o presente (Halbwachs rcativadas, somente aque Ias qu e são coerentes co
de adap-
como nas outras
de adaptação e de reequilíbrio
. causas do desaparecimento
do sagrado"
(: 12).
1925: 401). I ção das lem b rança s "reavivadas" em outra oposiBastide traduz essa se e ~ It sincréticos. Estes optam pela d blé nago dos cu os ção que distingue o can om ,. d h ça ancestral o que se acha em " . t em ehmmar a eran depuração, que conS1S e 'd d rna tudo aquilo que choque om a sOCleda e mo e , , d. demasiada contra lçao c _ I d barbárie'" o candomble d - o demasiadamente bruta a , mediante uma fecor aça ,. _ t mará "necessariamente a 'd ta pela punftcaçao, que o nagô, em contrapartl a,op d dentes à verdadeira tradição ara além das formas eca forma de um regresso, p . O' 468) A sim foi para resistir às influen~ , " "(Bastlde 196, ,s , original, a fonte pnmeua . 't africanas se fortificaram "numa ' d dos brancos que as sel as " das sutIS do mun o I h rdados de seus fundadores : . tenaz e resoluta, aos va ores e lealdade, tanto mais d " t no à África" que se traduz ' F azchamou e rc ar , A esta [rcsistênCl~~COduett~d::ras seitas tradicionais numa federação e, por ela, os fatos pela umao . n hão de seitas "sincretizadas", Assiste-se atualmente a um mOVIa eXCOll1un d 'ficação dos can d om bl'es, em reação contra o aviltamento da J
Para Bastide, as palavras mutação e mudança
estão em contradição
com a pró-
pria idéia de religião, pois, a seu ver, toda religião se quer comemorativa
de
lima origem sempre atualizada pejos ritos. Assim, onde existe tradição, ele prefere falar de emergência presente,
em vez de mutação, Como se cada mutação já estivesse
sob forma latente,
no "núcleo
arcaico do sagrado".
emergência tem como função dissimular as descontinuidades continuidade (: 12).
Essa noção de
sob urna idéia de
Para justificar a emergência de novos elementos que preexistiriam da religião tradicional,
A memória deve estar inscrita em um determinado social, .pois "as lembranças 110
coletivas
seio de urna coletividade
portanto,
no Novo Mundo
formação
subseqüente
Bastide vê o espaço corno o análogo
de novos centros
similar ao das
pode ser apenas temporária,
mnemônicos
na memória
no cérebro"
os laços rompidos
da
(Bastide
coletiva, a reconstituição
do
com a cultura de origem,
Trata-se, pois, de preencher
os vazios deixados pelo desenraizamento
escravidão
do segredo" na base da hierarquia
c pela "estrutura
para a
"A transplantação
de fato coloca um problema
1970b: 85)". Se tudo é conservado
passado é possível, recriando-se
coletiva,
ancestrais tiverem sido prescrva~
coletiva do que é o cérebro para os fisiologistas:
dos africanos
a inter~relações
(1971: 525). A memória
lesües cerebrais; e, é claro, já que a amnésia
mcn to e PUrl macumba, bem como a um apra tu n d ame nto da fé religiosa de seus membros (: 238-9),
espaço e ligada a um grupo
são sempre articuladas
organizada"
só pode se ativar se as instituições
das. Na esteira de Halbwachs, memória
na Gestalt
Bastide usa a noção de memória coletiva de Halbwachs.
que foi a
do candomblé,
a à África desde sempre presente no candomblé, é Esse movimento de volt , t d'ção "pura" que deve ser .' bólica que real, de uma ra I uma rcativaçao, mais Sim .d d e faz sentir de modo mais ur, 1 b silciro A neceSSI a e s rcconstrulda em so o ra . d . o e da participação de brancos 'd'd s efeitos nefastos o tunsm . gente, a me I a que o d ma,'s nítido entre os terrel~ bl' um fosso ca a vez V 1 e mulato~ ~o c~~~om elca :: "buscam tanto a estética quanto a religião": ros "tradICIonaIs e aque es q .. pensado por uma tendência Esse movimento desagregador fOi,porem, com , . ual assumem papel preponderante os novos mClOSde comumop~s~a~~:~alccimento
264
Roberto Motta (1994: 175) lembra que Arthur Ramos introduziu. ao menos desde 1934, a noção de lllCOl15ciente coletivo africano. Essa noção, que de "inconsciente" sera transformada em "mcmôria", domina lodos os estudos subseqüentes sobre os cultos afro-brasileiros,
"'"
A BUSCA
DA ÁFRICA
NO CANDOMBLÉ
das raízes na África, alímentadas pelo vaivém, entre
caça, N'" de homens mercadorias e idéias. Deparamo~nos, POlS, o Brasil e a 19cna" _ " b a com dois impu Isos: um no sentido de uma "amcricanizaçao que a range - d o can d o mblé caboclo ou do transe selvagem, rande expansao , ~ contraponr d à
::;:d:~:
g IJ
A
, , . de buscar a reafricamzaçao e 'ga o . tro dmgldo no sen ,'do , Co~sciência da parte dos afro-americanos de sua intrínseca condl~
ção de afro-americanos (Bastide 1973a: xv).
EM BUSCA DAS ORIGENS
PERDtDAS
~
265
A viagem "iniciática" à África ganha cada vez mais importância nesse processo de reforço das raízes, até conduzir a uma reafricanização a qualquer preço, por meio dos cursos de língua e civilização lorubás ou dos cursos sobre a prática adivinhatória.
DO BRASIL A UMA ÁFRICA MíTICA
As primeiras viagens dos descendentes de africanos entre o Brasil c a África remontam à segunda metade do século XIX, qu,mdo o movimento de volta aos países da costa ocidental africana começa a se intensificar entre os escravos libertos. Esse movimento, que começara com a repressão das rebeliões do co. meço do século XIX na Bahia e a expulsão dos rebeldes condenados, logo assumiu aos olhos dos membros do candomblé o caráter de uma viagem simbólica para a terra das origens, Ir à África significava entrar em contato com as fontes do conhecimento religioso, da tradiçiio despedaçada pela escravidão. Em 1868, uma importante colônia brasileira já estava presente em terra nigeriana. Os escravos libertos, chamados "os brasileiros" na África, concentravam-se em Lagos, onde formavam uma verdadeira comunidade que se distinguia da sociedade local pela fé católica, pela maneira de vestir e pela repro. dução do folclore brasileiro. Eram - e se sentiam - diferentes dos africanos, pois se consideravam os agentes do progresso c da civilização em uma África ainda mergulhada na barbárie, terra ingrata e abandonada por Deus. O Brasil, em contrapartida, era uma terra paradisíaca, onde os homens eram felizes, os senhores benevolentes e a natureza generosa. De tragédia coletiva a escravidão se metamorfoseara em mito civilizador (Cunha 1985: 145). Essa comunidade, cujas dimensões variam conforme os autores'l, tornouse a referência para os escravos libertos que voltavam para a África, e principalmente para Lagos (Nigéria). Paradoxalmente, a partir da última década do século XIX, essa comunidade, que havia feito do catolicismo o símbolo de sua
,: Verger (1961:1:634) fala de 2.630 pasS
266
identidade, torna.se o motor de uma volta às raízes da cultura iorubá. Com a adoção de nomes e roupas tradicionais e seu interesse pelas tradições e a história iorubás, os "brasileiros", considerados estrangeiros em terra africana, abrem caminho para o que Cunha (: 13) chama um "metatradicionalismo", marcan. do a emergência do conceito de nação na Nigéria. Paralelamente, no Brasil, a viagem à África feita pelos descendentes dos escravos se transforma, notadamente na tradição oral dos cultos, em viagem "iniciática" que apaga as marcas infames da escravidão. Assim, se para os "brasileiros" residentes em Lagos a escravidão se transforma em mito civilizador, a viagem para a terra de origem passa a ser, para os membros do candomblé, uma fonte de prestígio, graças ao contato direto com as raízes que transforma o antigo escravo, ou seu descendente, em verdadeiro "africano". Várias histórias foram guardadas a respeito do vaivém dos personagens mais famosos do candomblé baiano entre o Brasil e a África. Boa parte do prestígio deles parece provir diretamente do fato de terem feito essa viagem, a qual denota um ganho de tradicionalidade. Essas histórias são os mitos fundadores da pureza e da tradição nagôs. A primeira dessas viagens milicas tcri.a sido efetuada pela fundadora do terreiro do Engenho Velho, Iyá Nassõ. As versões a respeito dessa viagem divergem de um autor para outro13• O terreiro, que, segundo Carneiro, teria sido fundado em 1830 por três africanas (Iyá Adêtá, Iyá Kalá e Iyá Nassõ), deu origem aos dois outros terreiros considerados berços da tradição nagô: o Gantois e o Axé Opô Afonjá. Segundo Verger (1981: 28), os nomes das fundadoras, "originárias de Ketu"H, seriam Iyalussô Danadana, que teria voltado à África
Conservarei as diferentes ortografias utilizadas pelos autores para os nomes das fundadoras dos primeiros terreiros baianos {ver, por exemplo, a diferença de ortografia entre Costa IJm ••e Vergerl. Guardarei, todavia, a ortografia lorubã stmrdard para os termos nesta língua. 1. Vivaldo da Costa Uma (1977) contestou o fato de as fundadoras do Engenho Velho poderem ser origlnãrias de Ketu, cidade iorubá .que faz parte da atual Republica do Benin. Iyâ Nass6 é na verdade um O}~(titulo honorIrico) exclusivo da corte de Oy6 que designa a mulher encarregada. do culto de Xang6, divindade da dinastia real dos Aláirfin, os reis de Oy6. Aquele que usasse esse titulo não seria, portanto, originário de Ketu, mas da cidade de Oy6. Da mesma forma, a existência das três fundadoras parece duvidosa, POiSIyã Akalã seria na realidade um dos títulos honorificas de Iyã Nassô. Com efeito, o on1:i (divisa) da fundadora do Engenho Velho era lyú. Nassô Oytí AkaM MaXb6 Oludlllnari (Costa Lima 1977: 19R), sendo Àkirlâ (ou Àkill,itmigb6I, em iorubtí, o pAssaro (grolllld IlOmbill,.l1tldM) ligado ao culto de lamí Oxorongtí (Abraham 1958). Quanto a Adtlif, trata-se de um título, aparentemente masculino, utilizado, por exemplo, pelo Kakanró (chefe doexhcito) deJabata Oohnson 1957: 75). Costa Lima sublinha como essa suposta origem kctu do primeiro terreiro de candomblé resulta "da problemática da supremacia lorubã nagó l\
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANOOM8l~
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
~
267
,
para lá morrer, e lyanassô Akalá ou Iyanassô Oká, que era assistida por "um certo Babá Assiká".
Iyanassõ teria feito a viagem a Kctu em companhia de Marcelina da Silva (Obá Tossi), sua £ilha espiritual ou sua primaIs.
Iyanassô,
ou, segundo
outras versões, sua filha biológica
Obá Tossi c sua filha Magdalcna
teriam passado sete
anos em Ketu, onde a filha de Obá Tossi teria tido três filhos; a caçula, Claudia na, .'
é a mãe de Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora, de quem Verger foi filho espiritual
(: 29). Em seguida. elas teriam retornado
das de um africano. entào a segunda
Rodolfo Martins
mãe.dc-santo
de Andrade
do Engenho
à Bahia, acompanha-
(Bamboxé).
Obá Tossi foi
Velho após a morte de Iyanassô
e
iniciou Aninha, fundadora do Axé Opô Afonjá. Rastide retoma a versão de Carneiro, mas cita apenas Iyá Nassô. Sublinha que "o que {Carneiro] não diz, e que para nós é importante,
é que Iyá Nassõ, se
possuía alguma relação com a Hahia, já que sua mãe foi escrava antes de retornar para a África c aí exercer o sacerdócio, livre, acompanhada um candomblé, também dúvida substituir
justamente
o de Engenho
vinda "livremente" para aperfeiçoar
nos segredos
nasceu na Nigéria c veio para a Hahia,
por um wassa (que é um título sacerdotal),
do culto",
da África, tcria voltado
seus conhecimentos, tendo
retornado
mais tarde a seu país, "sem
iniciar-se
mero sagrado
Bastide escreva, entre parênteses,
dos iorubás,
mais profundamente
ao Brasil ao fim de sete anos, para
Iyá Nassô, após sua morte, corno mãe-de-santo
Ora, embora
a fim de fundar
Velho"l" (1960: 232). Obá Tossi, ela
ele não sublinha
do Engenho
que o número
o caráter
Velho.
sete é o nú-
mítico dessa viagem
África. De fato, nas duas versões, a de Verger e a de Hastide. existem
à
vários
H
cstõ1bcledmento do padra.o Ideal dos terrcirosde candombléd
110
H
,
~
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I~(, ",,
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•
ASSENTO DE lOGUN£D,£
268
I
1\
'~O termo WIl.u(I, que nAo foi encontrado em nenhum textO sobre a fundação do Engenho Vdho. aparentemente se refere ao termo nonnsi, que em iorubã designa o sermão muçulmano(aroo-wcltlsi l: o ptegôidor muçulmano}. A penetraç3.o do islã no reino de Oyó, e na maior parte do pais lombA durante as guerras do século XIX, está na origem da presença na Bahia, até a primeira metade do ~écul0 XX. dos negros malês (do iombA, imiJIe, "muçulmano").
s:A BUSCA DA ÁFRICA NO CANOOMBlt
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
~
269
I
problemas no que diZ.r~speito à afirmação da antigüidade
do terreiro do Enge-
n~o ~elho, a qual legitima, em virtude do princípio de senioridade, nenCla do candomblé
nagô (ketu). A versão de Verger deixa um vazio de sete
anosAentre a fundação do terreiro e a volta'de sua fundadora as tres fundadoras
a preemi-
eram escravas alforriadas,
ao BrasiL Para ele,
membros da confraria de Nossa
Senhora da Boa Morte. A viagem à África teria, portanto, ra, Iyá Nassô, da mancha da escravidão e legitimado
purificado a fundado-
a "pureza" da família de
Senhora, cuja mãe teria nascido em solo africano, mais precisamente
em Ketu
bros do culto a uma busca incessante perdidos.
de conhecimentos
O mesmo caráter de mito fundador
temporariamente
impregna
outra história,
a da
viagem, na mesma época, de Marcos Teodoro Pimentel, fundador do primeiro terreiro dos Eguns (ancestrais) na ilha de Itaparica (Bahia). Ele e o pai, Marcos "o velho", teriam partido para a África, de onde trouxeram Olokotun,
o assento do Egum
"o mais antigo ancestral, pai de todo o povo nagô" (Luz 1993: 86).
Aqui também a viagem à África legitima a preeminência
no culto daquele que
berço da.tradiç~o segundo Verger. Por sua vez, a versão de Bastide (1960: 232;
a cumpre A terceira viagem à África, que também aparece como mito fundador, é a de
faz de Iya Nasso uma africana "livre", nascida na Nigéria, cuja mãe foi escrava
Martiniano
no Brasil ante~ de voltar à África para "aí exercer o sacerdócio".
figura legendária
do primeiro candomblé
do Brasil é duplamente
legitimada,
A fundadora
pois nasceu na
l9•
Eliseu do Bonfim, informante do candomblé
baiano21l•
e colaborador
de Nina Rodrigues e
Seu pai, da etnia iorubá dos egba,
teria sido trazido como escravo para o Brasil em 1820, tendo sido liberto em
terra dos a~cestrais e é filha de uma sacerdotisa do culto: ela encarna, portanto,
1842, e sua mãe em 1855 (Oliveira e Costa Lima 1987: 50). Martiniano
a verdadelfa tradição africana. Obá Tossi, também vinda "livre" da Áf ' , _ rIca, retornou a sua terra de origem em busca de conhecimentos, antes de se tornar a nova mãe-de-santo do Engenho Velho.
por volta de 1859. Em 1875, foi com o pai pela primeira vez à Nigéria, tendo
Ora, essa ~egunda versão é ainda mais problemática
que a primeira,
pois
sug~re_uma 0)r lgem desse terreiro muito mais antiga que aquela fornecida pela 7
tradlçao oral . E como imaginar que a filha espiritual santo do Brasil tivesse precisado retornar
em Lagos até 1886, Essa primeira viagem deu a Martiniano
Bonfim muito prestígio entre os membros do candomblé, tornou um babalaô (adivinho) título honorífico
,muito procurado
da primeira
mãe-de-
filhos de uma família que venera os ancestrais
seus co-
51), A tradiçao oral indic-a que ele teria aprendido
no Brasil parece estar construído
sobre
ancestrais primeiramente
foram muito ligados. Em 1921, Aninha
tempo, o locus de um saber incompleto,
e, ao mesmo
segundo
l1V.
de volta à África dos ex-escravos
começa após as rebeliões
do começo
seculo ~l~, O fato de a mãe de Iyá Nassô tcr sido escrava no Brasil c, uma vcz liberta, paril a Afflc.a, onde sua filha terl
para em seguida senão impossível,
voltar
d
tcr vOlt3d:
ao Br
a datação
tradicional
1"
o
da funda_
~ A BUSCA DA ÂFRICA NO CANDOMBLÉ
do candomblé,
fundou
com Aninha,
sempre
(Eugênia Ana dos Santos), que fora
existem duas fontes principais
o qual uma coisa quanto
falta, o contato,
çao d~ terre~ro, Vcrg~r (,1981: 29) cita um artigo de um jornal dc 1855 que mencionaria o terreiro de lya Nasso, Illas a unlca alusão qu, . f.r d. . . e el a IZ respeito a um candomblé que ficava "no I I chamado EngenhoVclho" nomequ d ' ., oca .' e eSlgna um bamomteiro dc Salvador, de onde o terreiro da Casa Branca, tambem chamado IyJ O 'A • A' '. '" Ar" ml xe Ifl1 Intl1l:, retira o seu nome mais conhecido lilS, por que uma africana "livre" f1h d" . " . ' I a e uma escraV
270
do culto aos
desde as origens, o qual leva os mem,~ No universo
~mos que o movimento
os fundamentos
Ora, os dois terreiros, o de Marcos Teodoro Pimentel em Itaparica e o do
slmbohco
no homem
(Oliveira e Costa Lima 1987:
Pimentel, que foi, como vimos, o fundador do culto dos Eguns em ltaparica (: 69). Axé Opô Afonjá de Salvador, que Martiniano
imprimiu
(Verger 1981: 32)21. Usava o
com seu pai, Tio Eliseu (Araojé), e depois durante sua
a. pro:~la ongem do culto. A Africa se torna, assim, o lugar do apagamento que a escravidão
se
estada na África. Teria inclusive sido considerado um mestre por Marcos Teodoro
a au~ên~ia d~ um saber comple,to sobre a procura dos segredos que caracteriza da mancha
do
e ele rapidamente
de Ojelade, título ligado ao culto dos Eguns e nome dado aos
à África para "aperfeiçoar
nhecimentos", ela que fora iniciada por uma sacerdotisa africana "livre" 1 própria filha de uma sacerdotisa do culto aos orixás na África?18 ' ,e a Esse mito fundador do candomblé
permanecido
nasceu
Encontramos
mais é antiga,
real ou imaginário,
referências
com a terra mítica
a Martiniano
tuais Iig
como
de prestígio:
mais é poderosa,
o prindpio e a origem
Carneiro,
antropólogos
Ruth L
de lll
vl
Oliveira
e Costa
Lima (1987: 52) sublinham
na Nigéria, onde comprava
do candomblé,
a arte da adiVinhação a ocasião
EM BUSCA DAS ORIGENS
seus conhecimentos
e sua iniciação
de
como das
para em se~;uld
antes de se torn
Je "aprofundar
PERDIDAS
comercial
Bastide (1971: 233), por sua vez, justifica as viagens
Lu? (1993: 86), ligado ao Axé Opô Afonjá, escreve que a primeira
Martiniano
Aydano
trabalhou
o aspecto
coral e panos.da-Costa,
ou IOtelec.
Pierson,
Couto Ferraz, Arthur Ramos cJorge Amado. ,I Verger (1981) escrcveque, durante o período em que morou em Lagos, Martiniano aprendiz
ou, na
africana.
do Bonfim nos escritos de muitos Édison
de senioridade, africana
a Lagos "para
da Bahia". Da mesma
viagcm
a Lagos foi para
sacerdotal
11
~
271
iniciada por Obá Tossi e se afastara do En enho Vel ". filha deJosé Theodório Pimentel (Balé Xa~ ~ ho, m.JCIOu em Itaparica Pimentel,
a terceira mãe-de-santo
do Axé
o~~ ~~ sc~_t;~elfO),
0:'3. .
Ondina
Ele estava às voltas com as mesmas a
Valéria
11). Aninha, usufruindo do prestígio e dos M. dos Santos 1962: fundou em ] 910 o terreiro do Axé O ô Af eDO CClffientos de Martiniano, daxal122, Senhora d O ( P _ oOla, que ela confiava à iamorô e à ossi e xum segunda mac-de-santo d . longas estadas no Rio de Jan' 23 A esse terreIro), durante suas eno . o voltar em definitivo . nha retomou sua colab _ para a BahIa, Anioraçao com Martiniano o IJ ' . seu tcrreiro da "instituiçâo af . "d " gua evou a Introdução em O I" Tlcana os Obas de Xangõ lvro de Ruth Landes oferece um retrato d' . te vivo, em que encontramo f' . a vIda dos cultos extremamen_ , 5 as 19uras maIs conh 'd d cional da Bahia. A autora eCI as o candomblé tradi. . ' que morou em Salvador em 1938 aSSimilado perfeitamente ai" . c 1939, parece ter oglca mterna dos cultos b n.C?sfuxicas, poderoso instrum t d . _' em como embasamento en o e comumcaçao d estes costumam ser um . d . . no can omble. De fato, , meIO e .adqumf privilégios ligados a ti vem tanto as estratégias ind",v"d "d m status; sefI uals e poder qu t '. çQes. A maioria das informações vei 1 d 1 an o a CIrculaçao de informacanismos do SOS'iip [em _ ] cu a as pe a tradição oral resulta dos "mcaçao nas estruturas I'f portanto, ser analisadas como" t po I lCas dos terreiros" c devem, ms rumentos da "id I . veira e Costa Lima 1987' 154) E co agia do prestígio" (Oli, . m torno dos fuxicas d' ~. no mundo do candombl' ' e ImportanCIa extrema e, 05 grupos de interesses f poder. Os fuxicas parecem ser t se eo rentam e afirmam seu , por anta um verd d . . SO.social (Paine 1967). ' a eITO catailsador do proces-
lucro, dirigidas
contra o tradicional
tação de feiticeiro
acusações
de magia negra e de busca de
candomblé
do Gantois.
A respeito da repu-
que pesava sobre ele, Landes escreveu:
Os aficionados
dos templos supunham
que tivesse exercido a magia para
oi
I
o
Aninha durante o longo período em que servira no templo dela, magia de que ela precisava, mas que os seus votos sacerdotais não lhe permitiam fazer. Ele lhe era na verdade indispensãvel,
Evidentemente palmente
Ruth Landes encontrou Martiniano uando . . considerado "uma instituição n B h' q este tmha Oltenta anos. Era a a la, e na verdade em tod B ." estudado" as tradições tribais de o o rasIl, por ter seus antepassados da sclv [ "" nas escolas missionárias" (I a d 19 a e aprendldo] Inglês - n es 67: 28) D d 1938, o velho Martiniano não fr .. . es e a morte de Aninha, em . equentava mais o t. . . tradição estava perdida e que' _ s ereeIros, pOIS Julgava que a os Jovens nao queriam mais conhecer a verdade.
a autora ouviu essas acusações em outros terreiros, e princi-
no Gantois,
onde fazia suas pesquisas.
fuxicas que visam contestar procurou
descobrir
companhia
se Martiniano
que na época era associado durante
a adivinhação,
gunta eu respondi
2'
Sobre os per iodos que Aninh . i\ passou no RIO deJane' o terreiro de mesmo nome no R" r lro e a rivalidade 10, c. apone (1996).
c
A BUSCA
ao culto
entre o terreiro
DA ÁFRICA
a E
'
xu e a
da R"h" •• Ia e
NO CANDOMBLÉ
praticava
ou não a magia.
que fora instruída
dos
Mas Ruth Landes Foi até ele em
para pedir um despacho,
à prática da magia negra, Martiniano
exigiu uma grande soma de dinheiro:
aceitou,
mas,
"À primeira
per-
(: 239). Ruth Landes guar-
dou dele a imagem de um "velho feiticeiro acuado". Nunca mais o encontrou14. Nos anos 1930, as viagens à África, que de mitos fundadores simples cultos
mecanismos
de legitimação,
afro-brasileiros, (Bastide
legitimamente
prestígio,
assim adquirido,
inovações
'4
as normas
Na realidade,
1\
de sucessão,
desse grupo que alteraram
estudo detalhado"ls
Esse comportamento
que retirou
logrado assumir o controle
ali seguido até então. Aliás, a influência está a merecer
a ser, para os membros
policial
do grupo de culto onde
embora
contra.acu1turativa
pouco "tradicional"
africana,
aos cultos afro-brasileiros
desse personagem
lembra o de Menininha
do Gantois
(cf. nota 4, p. 2S8).
suas práticas ameríndio
desencadeada
estejam
longe
e espiritualista"
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
de orlodoxas (Ribeiro
afluência e acusem-na
de 5e refugiar
entre
para uma terra
tradicionais,
que em conseqüênCia
em 1937livera
e concomitante
de acusação
o deslocamento
que pode ser a África ou a Bahia dos terreiros
o maior prestigio
o ritual
(Ribeiro 1978: 108).
Ribeiro para a cidade do Recife: "Certa sacerdotisa,
sincretismo
uma série de
consideravelmente
a prática da magia ou a busca de lucro são usadas como categorias
forçada
ao ritual
disso lhe permitiu
introduziu
terreiros ou membros de um mesmo terreiro em conflito. Não é só a viagem à Álrica que é fonte de prestigio, mas sobretudo
dcs~a estada
dos
seu status. Foi esse o caso, no
o poder no seio de seu terreiro: "De volta, tendo pelo
contrariando
nas práticas
se tornaram
tal viagem "para aí se submeter
1971; 233). O prestígio
pretender
fora iniciado,
continuam
um meio de melhorar
Recife, de Pai Adão, que empreendeu
sublinha ligados
Elas são um exemplo
dos adversários.
de graça; mas, agora, só pagando"
mítica ligada à tradição ,~ A Ífl/lwrô e a o.ui (/aSfIIl são os dois . , . _ . maIs a tos carg h" . cenmonza do padê. os lerarqUlcos
a legitimidade
de uma cabeleireira
de iniciação" , Ainda que Ruth Landes nem sem re este'a c . e feito dessas informações b P, ~ onsclente do uso político que , em como da log1ca de ac que as sustenta, seu texto é revel d d usaçao entre os terreiros a ar e uma tradi Ib que nem sempre corresponde à realidade. çao ree a orada e purificada
mais do que qualquer ogã, e o êxito de
Aninha cresceu com esta assodação. Ela era a sacerdotisa, ele o feiticeiro (: 233).
como
da repressão
na Bahia, derivou
de fiéis ao reabrir
seu centro,
seus rivais do Recife de largo
1952: 106).
~
273
Mas a viagem "iniciática" à África não significava querer se t mente "af . " ornar novancano , pois, como indica Gilberto Freyre (citado por Lody 1979) ao falar de Pai Adb ' . ao, os mem ros do candomblé que viajavam para a África mantl~ham sua identidade de brasileiros: "Ele próprio me disse, certa vez ter se sentldo sempre eotr f. •. ' e a ncanos - sua permanencI.a na Af.nca f.OI. d e a Igum ._ t~mpo e nao borboleteantcmcnte turística _ um estranho. Um saudoso do BraSIl" (: 14).
saudações Contudo
de um rei, endereçada
sua mãe-de-santo
adq~Jnr c~nhcclmentos,
pensando
Brasil. As viagens eram, e continuam
minha
mãe da Bahia" (: 158)27.
que Verger trouxe da África para
baiana foi uma carta do Aláàfin de Oyá dirigida a ela, com o
título de Iyá Nasá, que, como vimos, era o oye da mulher encarregada
do culto
a Xangô no palácio real de Oyá, na Nigéria, mas também o nome da fundadora do Engenho Velho. Deoscóredes M. dos Santos, filho de Senhora, lembra desse acontecimento
~s~im, aque~es que empreendiam
à Senhora,
a maior marca de reconhecimento
essas viagens visavam fundamentalmente
com estas palavras:
Em agosto de 1952, chegou da África Pierre Verger, trazendo um xeré e um
no prestígio que daí resultaria na volta ao
Edun Ará Xangô, que lhe foram confiados na Nigéria por Onã Mogbá [sacer-
sendo, formidáveis instrumentos
dote de Xangôj, por ordem do Obá Adeniran Adeyemi, Alafin Oió, para
políticos.
serem entregues a Maria Bibiana do Espírito Santo, Senhora, acompanhados de uma carta dando a ela o título de Iyanassô, confirmado no barracão do PIERREVERGER OU "0 PAPEL DE MENSAGEIRO"
Opô Afonjá, em 9 de agosto de 1953, com a presença de todos os filhos da casa, comissões de vários terreiros, intelectuais, amigos da seita, escritores,
A figura mais emblemática
desse movimento
que buscou estabelecer
vínculos
jornalistas etc. Este fato marca o reillÍcio das antigas relações entre a África e
~ntr(' o B~asil e a Áf,ri~a foi sem dÚVida Pierre Verger. Ele chegou ao Brasil em 94~, apos longo penplo, na América Latina. Em São Paulo, encontrou llastlde~ que I~e recomendou
ir à Bahia para reencontrar
conheCIa por Ia ter trabalhado
como fotógrafo. Verger chegou a Salvador em 5
de ~gosto. de 1946. Apaixonou-se partlu26.
pela cidade e por seus cultos religiosos
. Ve.rger procurou, pela comparação
da mãc-de*santo
do
Axe Opo_Afon.já, Senhora de Oxum, que sucedera Aninha, falecida em 1938, r Verger nao se Interessava muito pelo trabalho de antropo'!o .d .. , go, urante as sucessivas ~Iagens à Atrica, tomava notas apenas para "cumprir seu papel de
_
o valor
soes na Nigéria. Em uma delas, obteve uma carta do rei de Oshogbó
ridade, pois era mãe-de-santo
dc algumas
bugigangas
deira" tradição dos nagôs: "Senhora,
abolindo
distinção,
a fundadora
l'
tornou-se
para Se-
aos O;iXáS, d:
para Senhora,
dessa família de terreiros de
1"
por meu intermédio,
O xeré e o edu ara, trazidos
da Nigéria,
à sua função de chefe de um terreiro era a responsável
são atributos
mortes
rei dessa cidade,
rituais,
ruja dinastia
daquela
está ligada ao
divindade
no Brasil e
de cobre e seixos de rio provenientes do deus Xangô,
real deOyô.
é ressaltada
do altar
EM BUSCA DAS ORIGENS
PERDIDAS
de Oxum,
o sino ritual estava ligado
com a ortografia
do rei de Oyó.
de Xangõ que, segundo
em seguida,
em arixá.
a tradição
O culto a Xangó
oral, teria sido é, portanto,
o
A eSlreita relação entre Aláàfin (o rei de Oyá) e lyá Nasó
pela obrigação,
entre as quais a de iyá Nasô Oohnsan
to-
respectivamente
a Senhora
a Xangó, pois Iyá Nasá (de acordo
no palácio
o descendente
transformado,
da dinastia
de Xangô)
dedicado
por esse culto
O Aláàfin de Oyó é considerado
(a sacerdotisa
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
pulseiras
e a pedra ligada a seu culto. O títulp de Iyá Nassô, outorgado
culto ao ancestral Verger(l994).
saber que existia um culto fervoroso
de OXllm" (Verger 1982a: 258).
o terceiro
274
o tempo passado graças a esta
Em seu livro de fotos de 19~2, Verger escreve: "O Ataojá de Oshogbô, enviou
divinas e de uma carta de
de Pierre Verger entre B .1 ÁI. . ras! e fica, cf. Metrauxe
espiritualmente
culto de Oxum, ficou fdizem
1'l
Sobre o itinerário
era Xangô.
e
iorubá)
10
de um terreiro cujo orixá protetor
Além disso, com esse título, Senhora se tornava a sucessora legítima da "verda-
nhora. Ele o relata a Métraux, em carta datada de 27 de janeiro de 1953' "Volt' SCISseiXOSdo rio Oshun,
direto do deus Xangô
a Senhora, foi essencial para que ela reforçasse sua auto-
(Métraux
Em 1952, chegou em Porto Novo (Benin), de onde partiu para breves incUf-
o~tem. da Nigéria rico de algumas novas fórmulas de saudações
simbólico dessa missiva, que o descendente
na África29 endereçava
entre a África e a Bahia, faze~ sobressair
mensagelto" c poder assim "contar a África" aos amigos baianos Verger 1994: 62).
seita na África2R (O. M. Santos 1962).
e não }
ampliadas, mantendo Mãe Senhora um intercâm-
bio permanente de presentes e mensagens com reis e outras personalidades da
a África, a qual já
maiS
a fl,delJdAadedos negros baianos à África. Filho espiritual
a Bahia, posteriormente
Roger
na morte do rei, de proceder 1957; Ahraham
a uma série de
195M: 19).
"l
275
sua bisavó, torna-se então a filha, não mais espiritual e sim biológica, de Iyá Nassõ, fundadora do candomblé nagô (kctu) na Bahia e membro de uma linhagem real: "Assim, é Senhora, por direito de sangue, parente de príncipes e reis africanos, que com ela se correspondem
e enviam.lhe
sagração de Senhora se viu confirmada
seu terreiro, que lhe prestaram homenagem nas, contribuíram
presentes" (: 20). A con-
pelos numerosos
intelectuais
e que, valorizando
ligados a
as raízes africa.
para a valorização de uma Bahia tradicional (: 26)31.
Em 1965, Senhora foi eleita "Mãe preta do ano" durante cerimônia solene qw.: aconteceu
no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Em 1966, o governo
do Senegal a condecorou atividade
constante
com a ordem dos Cavaleiros do Mêrito "por sua
em favor da conservação
da cultura africana"
(Santos e
Santos 1970: 161). Seu enterro, em 22 de fevereiro de 1967, mobilizou
multi-
dões. Deoscóredes dos Santos (Mestre Didi), seu filho, não compareceu
à ceri-
mônia, pois, como outros antes dele, tinha partido para a África em companhia da mulher, Juana Elbein dos Santos, e de Picrre Verger. Verger passou muitos anos entre o Brasil e a África, onde em 1953 foi iniciado no culto de Ifá e se tornou babalaô, sob o nome ritual de Fatumbi: "Há me pôs de volta no mundo". OGANS DO IL~ IFÁ MONGÉ GIBANAUÊ
informações
195~, foi fundado candomblé da ~ n naçao Keto, na Bahia, todos ori . '. ho Velho!" (Verger 1981: 30)" gmanos da Banoquinha
Com suas idas c vindas, veiculou um fluxo de 32
que ligam simbolicamente
a terra brasileira à terra africana
o Centro de Estudos Afro.orientais
das pesquisas de Verger. Os antropólogos, [Enge-
(CE.AO)
então, substituíram
•
Em
em decorrência os iniciados dos
cultos nas viagens à África: eles também partiam em busca dos "segredos" dos
A.consagraçãO de Senhora foi Com 1 seus CInqüenta anos de iniciaçã peta durante a festa de celebração de um ' o para Oxum e numero impressionante de er . m novembro de 1958, quando
cultos africanos. Em 1959, ano do 4º Colóquio
de S~o Paulo, bem como repres:nt:~~e:l:ades
dade da Bahia, ocupada durante dois anos pelo nigeriano Ebbenezer Latunde
I
~aianas, mas também do Rio e
Kubitschek e do ministro da Educaç~ ~resldente da República Juscelino Seljan, jornalista e "am,"ga d . ao partICiparam das comemorações'" Z o terreIrO" . ora nação Ketu", acrescentando que" h' apresentou Senhora como a "dama da rel!gi~samente
em suas mãos, send:
u:an~a
~a. cultura
nagô está guardada
propna história de Sua família" ( "I qd a hlstona do candomblé no Brasil é rec Cl a o por D M d a onstruçào da genealogia de M- S '. os Santos 1962: 20) N ae enhora M . . a , arcelma da Silva (Ob a- TJOSSl), " Estavam Au'u presen~es, entre outros, Jorge e Zélia g sto, Carybe, Vasconcelos M . Amado, Antônio Olinto .. Magno fcz um discurso em ala, Glauber Rocha, Vivaldo da C ' ~ano Cravo, Jenner nome do presidente Kubitschek. osta LIma. Pascoal Carlos
Lashcbikan, com o intuito de, ao transportar
.u Demcóredes
dos Santos apresenta
criar
a África para o Brasil, "purificar"
uma longa lista de intelectuais
ligados ti casa do Axé Opô Afonja durante
o ureinado"
e artistas,
baianos
ou n
de sua mãe. Pierre Verger recebeu o título
de Oju Oba {OS olhos do Rei), ligado ao culto de Xangô " Quando começou, Vcrger não linha vocação alguma para o trabalho
antropológiCO.
como ele
própria declara: "Eu fazia aquela pesquisa para mim mesmo e para meus amigos da Bahia. A idéIa de publicaras Instituto
resultados para um público mais extenso não tinha me ocorrido. Foi Monod que me
a redigi-Ia"
(Vergel 1982u; 257). Théodore
Francês da África Negra (lfAN), convidara
Monod.
que nos anos 1950 foi diretor
do
Verger a preparar um estudo sobre os cultos no
Brasil e na África, publicado em 1957. Verger integrou o Centre National de la Rcehe{Che $cientifique (CNRSl em 1962 e foi, de 1963 a 1966, researcll assoei,lte do lnstitute Universidade
276
da Bahia, decidiu-se
uma cadeira de ensino de língua iorubá na Faculdade de Filosofia da Universi-
obrigou lo
Luso.brasileiro
of African Studies
da
de lbad
~ A BUSCA DA • AFRJCA NO CANDOMBLÉ
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
"l 277
,.
I
os cultos como' d' V In Ica erger em sua correspondência outubro de 1960: I
com Métraux
d I
I' d e
título se espalhou e
Temos na Un'
{Vem"da d e da Bahia um curso de iorubá dado I M Ebbenezer L h b"k . . ,pe o estre as e 1 an, nativo da Nlgeria, especialmente vindo para esse fim h c amado pelo Magn 'f R' ' • . I ICO Cltor. Estamos na sexta aula, e há uma b I fi cnCla de descendente d . . e a a u. . s e mgenanos para reaprender a falar uma Ií amda sabiam cantar ~ d ngua que . o o o Gotha da Seita Afro-brasileira lá está pr t Mas quantas 'I esen e. co eras em perspectiva para o Senhor Melville] He k "t Senhora Franccs sua . rs aVI s e a , esposa, quando souberem que o campo de ex criênc' enculturcsca (ellcultllresque) que era essa b 'd d' . _ P la "d ". oa (I a e c aSSIm tao ferozmente amaged a:retraux e Verger 1994: 294}H.
Oyó, calcavam
na maioria dos reinos iorubás que, na época do império
sua organização
político. militar naquela
pole: "O A~ípa é um título tomado
exercida
de
pela metró-
de àyá para satisfazer um chefe
emprestado
I
guerreiro que possui tantos méritos quanto
àtun
e àsi, e no entanto
não logrou tornar-se um deles" (: 133). O A~pa (cuja pronúncia em iorubá equivale à transcrição era, portanto, quarto
um título honorífico,
na hierarquia,
e não hereditário,
Srnith (1969: 74) menciona
um chefe de guerra que teria sido nomeado
Ele devia representar
os interesses
escolhido é chamado
do Qba (rei) do Benin (um grande
Ora, esse oríki faz referência a um título hon T . . país iorubá. Asípa N . OH !Co mUIto dIfundido em . , ... a ongem, era o título de um dos sete memb '_ Mesl, o conselho formado pelas linhagen _ . . ros do QYQ, s nao reais dOffilOant d 'd d Oyo. Johnson (1957. 72) . es a CI a e de . , que escreveu uma história assim O definiu: "Ele executa as tarefas dos .. mo~umental de Oyó, aquele que distribui todo e mais jovens. Ele e chamado ~Oiuwá~, qualquer presente ofertado ao YI'. n,'á-M'eSl. , " M as o
do oríki dificilmente
li
278
"'"
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
a dinastia que governou
de OlófÍogull,
"guerreiro")
Lagos, usando o título de Ológun
ou de Eleko. Além disso,
Chid
j. B.
,
Akinyele (citado por Costa Lima 1966: 31), em sua Historia de Ibadall, cita A~ípa Kakall{õ
(título do chefe dos exércitos)
muito comuns to durante
que, em sua fundação alude também
refém nas mãos dos ibadan em 1886 (1957: 379 e 551). Abraham
(1958: 176) cita igualmente
o A~ípa de Owu a respeito
egba. Assim, o oríki apresentado em qualquer
por D. M. dos Santos podia ser facilmente
é traduzível
parece fazer referência
por causa da ausência
à guerra: ogun). Se fosse um título hereditário,
reais nessa cidade.
mília de candomblé
Parece, portanto,
os elementos
menos
M. dos Santos, "purificado"
fala apenas de cinco
que o mito fundador
dessa fa-
dos reinos iorubás com
tradicionais.
diante do rei de Ketu era o de Obá TossP\
Deoscóredes
teria sido
não reais dos QYQ.Mcsi) e não à cidade de
resulta de um bricolage da história
de eliminar
en-
(o resto
dos tons, mas Borogun
Ketu .. Além disso, em sua HistórÉa de Ketu (1956), Parrinder linhagens
Na verdade,
o oríki
bisavó de Senhora,
mãe de
de qualquer
marca de origem pouco
tradicional.
~. Com a diferença
que o CUIIgo se transforma
EM BUSCA DAS ORIGENS
PERDIDAS
,,
das guerras tribais dos
reino iorubá como a divisa de um chefe militar
ligado à cidade de Oyó (as linhagens
recitado
no início do século
a um A~ípa chefe de exérci.
a guerra que opôs os ibadan aos ijqa em 1869, e de um outro A~ípa
dos ekitiparapos,
tendido
como um dos nomes ou títulos militares
em Ibadan, localidade
XIX, era um campo rnílitar.]ohnson
o intuito n Verger explica desla forma a desaprovação do casal H . mensageiro: "l-Ierskovits, o grande patrã d N h erskovlts em relação a seu trabalho de o e ort western Univ't . gostava de mim. Fui para ele um (erriv I d ersl yem Evanston, Illinois, não I . e esmancha-prazeres pois B ., " e e arcas, 'campos' de predileção P' , ' o rasl e a Afriea eram para ra nc es exercer suas olJserv Õ termos) os fenômenos de cncultu"ç' d aç cs sobre (empreguemos seus o ou c aculturaçd transportados alhures ... e cometi O' . ao c povos em seu lugar de orig'm , ('rro Imperdoavcl de d .. ar notiCIas de uns aos outros!" (: 294).
ao Benin atual): "O homem
A~ípa tanto na tradição de Lagos quanto na de Benin" (: 74).
O A~ípa teria fundado (contração
governa.
a cidade era apenas um campo
reino a leste do país iorubá que não corresponde Du.rante os anos 1960, os pesquisadores do CEAO foram em sua m" " . .d ' 310fla Para a Af fica OCI entaJ. Foi o caso em 1967 de D ' recebeu uma bolsa da UNf~CO ": .'. eoscoredes M. dos Santos, que observações uma visão m '. ' om o obJetiVO de adquirir, através das suas , aIS exata e profunda do processo de ev I tu ração do negro brasileiro . o uçao e acul1976: 116). Deoscóredes d • e~senClalmente no campo das religiões" (Oliveira os antas e sua mulher a antro ólo aJ Santos, iniciada por Senhora em 1964 (5 ' P g uana E. dos antas 19770- 15) P t" Daomé (atual Bcnin) a fl"m d ""t. ., ar lfam para o , (' VISI ar o rei de Ket "conhecido por todos co ~ . u, em companhia de Verger, mo Babalao Fatumbl e amigo do Rei (S t 1 35). Apresentado ao rei V _ an os 962: "" d . por erger, Deoscoredes recitou seu oríki isto e" a d IVlsa e sua linhagem f. . ' , enth. a Hcana: A~lpa Boroglln Elesé Kan Gongôô. Teria sido ao recon eCldo como descendente da família A' , " pais famílias fundadoras do reino de Ketu" (: 36). ~Ipa, uma das sete princi-
Axipa)
portuguesa
de um chefe de guerra, o
após o Balógun (Lord in war), o Qtun e o àsi Balógun.
dor de Lagos no início do século XVII, quando militar.
por pouco
aqui em Gcmgüô (cf. nota 15, p. 267)_
'-'I
279
I'
' .Três anos mais tarde "em 1970 Deoscoredes M d S d' . os antas retornou à Nigéria iOI confirmado em seu c argo e Oale Xangô ( h f templo principal de üyó . C e e do culto de Xangô) no . ' cenmoma organ iz d Ablmbola e Aderibingbe. De volta O 'I a a para ele pelos professores , d ao TaSI, tornouvse o" . rea I lza as por [Senhora) p CDn tmuador das obras
dos com o que Gonçalves
afro-brasileira"
membros
C
A
(Santos
•
ara a preservação e
1962).
.
o engrandecimento
da cultura
Mais reccotem cn t e h ouve as viagens i 1 atual mãe-de-santo do Axé Opô Af . _ ' gua mente prestigiosas, da quarta e conhecida pelo nome ai . oOJa, Mãe Stella (Stella de Azevedo Sant ) ncano de Odckayodé (li _. os mas também de Olga de Alaketu (OI F . OXOSSI faz chegar a alegria") ga lia real de Ketu" (Costa Lima 1977' 2 TanClsca Regis), "descendente da famí~ ' ' 8) e de Oba ' (O ". ram albino Daniel de Paul) d o terreiro do Axé Opô A b ganIU (cuJo terreiro.m-" a rece eu o nome ritual africano de Gboba nl ~e e ~ Axe Opô Afonjá), que 1981). ,?raças ao apoio de Pierre Ver gu e, o reI desce na terra" (Verger er Braga (1988: 20), iniciado como O gM e de outros antropólogos, como Júlio na ogba ncss t . santo de Senhora, o Axé O ~ A ., e erreIro, e também filho.d . po ganJu se tornou d e llalS da Bahia . um os terreiros mais trad' lClO,
pelas obras eruditas",
chama
as atestações
de competência
como no cas~ de Pai Idérito de Oxalufã
Verger (1981: 31), Segundo
Gonçalves
viagens
à Nigéria _ e em menor
turismo
do Rio de Janeiro
tornou
/I
do candomblé.
outorgadas
legitimado
(1992: 243), a crescente
medida
por
demanda
de
ao Benin - fez com que empresas
e de São Paulo organizassem
de
viagens destinadas
Como no tempo de Martiniano
aos
, I
do Bonfim, Lagos se
)
a Meca dos cultos afro-brasileiros.
J
A, mesma lógica que • considera . . a via ,'. prestigIO no meio dos cultos m . gem a Afnca um meio de aumentar o ais que de adq .. torna central no movimento d f . . umr conhecimentos perdidos se . . e rea ncalllzaçâ d ' mcentlVa vários pais e mães d o o candomblé de São Paulo - e.santo a empr d < e Eles partem, então, em busca d een er a peregrinação à terra mítica e cargos ho 'f . confrades quando voltarem ao Ora '1':non ICOS que os distinguirão dos O '. _ SI . SeiO entre out XOSSI, Ideri to de Oxalufã Walt. d' TOS, os casos de Abdias de . ' cr eOgum L' SIlva 1992, . 234) . e eo de Logunedé (G onça Ives da Com ess as VIagens, . os terreiros reafrican' candomblé braSileiro, mesmo o' .. lzados de São Paulo se separam do d' mais tradICIOnal' d' Iretos com a cultura de orige . ' ,a me Ida que criam vínculos (Sandra Medeiros) que, em 198~f' 'I~ o caso do terreiro de Sandra de Xangô J . ., I lOU-se ao bab I ~ . qua c.nou um rito ketu reafricanizado: "Te a ao ~l~eriano Epega, com o todo tipO de sincretismo ou desenv I' ntando elImmar de suas práticas culto dos orixás e tomando c o VImento considerado não adequado orno modelo des ao mente, esses sacerdotes têm 'r . . te o que se pratica na África atu I econstltuído' a _ a transformações que decorrem de s' naçao queto, desconsiderando as Os efeitos da volta de " ua Instalação no Brasil" (: 89). sses sacerdotes"'" honoríficos, mas tambe'm a pureza" africana isto é os t't I _ o reconheci me " I U os pologos, refietem-se diretamente no su nto de sua legitimidade pelos antrocesso de seus terreiros, em geral honra-
280
OS OBÁS DE XANGÔ:
As modificações
UM PRIMEIRO CASO DE REAFRICANIZAÇÃO
rituais que
são uma das conseqüências
África em busca
da tradição
tensões
perdida.
com os terreiros-mãe,
tradição,
afinal, respeitar
dicionais"
e perpetuar?
ou a que é buscada
jogo aqui é a própria
que, partindo terreiro
Essas inovações
legitimidade
da mediação
africana
do Engenho
do Axé Opô Afonjá. Foi justamente
de Aninha,
dos iniciados
África em terra brasileira. Foi durante o 211 Congresso fosse oficialmente que o mesmo
," neoscórcdes
no
vez, modi-
de títulos hono-
do terreiro do Axé Opô
da África por Martiniano do terreiro.
do Bonfim, Suas inúmeras
um tal prestígio que ele se tornou,
no culto quanto Afro-brasileiro,
dos eruditos,
o intérprete
em 1937, antes
mesmo
da que
posta em prática no Axé Opô Afonjá (Costa Lima 1966: 6)35,
Martiniano
do Bonfim revelou
a existência,
dos Santos (1962: 12) data de 1935 a entronização
que não é coeIente apresentada
padroeira
a fundadora
viagens à Nigéria lhe teriam proporcionado tanto
cristaliza-se
dos Obás de Xangô. Trata-se de
do culto, detentores
teria sido,trazida
mais próximo
religioso comum
este que, pela primeira
ríficos, ligados ao culto de Xangô, divindade
aos olhos
graças aos antropólo-
pelo Gantois,
nele a instituição
um grupo de o/óye, isto é, de dignjtários
"tra-
O que está em
dos grandes terreiros da Bahia.
pura" se constrói,
Velho e passando
ficou seu ritual ao introduzir
colaborador
à
de criar
pelos terreiros
em terras africanas?
que vão à África, em torno de um tronco
Afanjá. Essa instituição
introdu.
dessas viagens
não deixam
A que é transmitida
diretamente
Vimos como a "tradição gos e aos viajantes
"reafricanizados"
mais evidentes
que nem sempre as aceitam de bom grado. Qual
com as transformações
por Martiniano
no Congresso
S;A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOM8l~
pais e mães-de-santo
OS
zero nos terreiros
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
dessa instituição,
neste terreiro,
da
dos Obás no Axé Opô Afonjá, o implantadas
após a comunjcaçao
de 1937.
~
281
instituição
Essa polarizaçào
africana dos Obás ou Ministros de Xangô. Ele relatou a tradição
oral iorubá relativa à morte e à divinização
de Xangõ, terceiro Aláàfin (rei) de
Oyó: Xangô era o poderoso senhor
de um grande reino, mas dois de seus
vassalos, Timi e Gbonka, ameaçavam
seu poder. Diante disso, Xangô tentou
fazer com que se matassem um ao outro, mas ambos saíram ilesos de todas as
entre direita (ç,tun) e esquerda (ósi) é encontrada
nização religiosa e política dos iorubás
nomes dos Obás da direita são Obá Abiodum, Obá Aré, Obá Arelu, Obá Telá, " Obá Odofim e Obá Cacanfó; os da esquerda se chamam Obá Onanxocum, nomes são encontrados
enforcando-se
publicado
de violência inau-
di~a se abat~u então sobre a cidade de Oyá, seguida de trovões, relâmpagos ralOS:('ra o sJnal de que Xangô se tornara uma divindade.
e
Seu culto foi instituí.
do na cidade e o relâmpago passou a ser o símbolo de Xangô. formaram
um conselho
em Historia dos iorubás, do reverendo SamuclJohnson,
pela primeira vez em 1921 na Nigéria. Costa Lima (1966) retraça a
origem de cada um desses termos, os quais formam um conjunto títulos honoríficos
(oye) que reproduzem
de nomes e
no Brasil a história de Oyó. Assim,
Abiodun é o nome do 29];1 Aláàfin de Oyó, que reinou de 1789 a 1796; Aré e
. ~egundo a v~rsão de Martiniano do Bonfim (1950) retomada por Verger, os Ministros de Xangô, os MangbasJ7,
Obá
Areçá, Obá Elerim, Obá Onicoí, Obá Olugbom e Obá Xorum (: 7)3". Todos esses
provas. Xangô então fugiu do palácio com uma de suas mulheres, Iansã (Oyá), em uma árvore na florestaJ6• Uma tempestade
na orga.
No terreiro do Axé Opô Afonjá, os
31l•
encarregado
de
Cacanfó, juntos, fazem referência ao chefe dos exércitos, Are-Onàn-Kakanfó40; Arolu seria um título dos Ogboni41; Telá designa um membro da linhagem
real
manter seu culto, "organizado com os doze ministros que, na terra, o haviam
de Oyó; Odofim seria, como Aro, um título dos ibolo, que viviam em uma das
a~ompanhado,
províncias
seis do lado direito, seis do lado esquerdo".
dIante de uma instituição africana reproduzida nistros, antigos reis, príncipes e governantes bravura de Sil1lgõ, não permitiram
Estaríamos, assim,
fielmente na Bahia: "Esses mi.
dos territórios conquistados
que se extinguisse a lembrança
pela
do herói na
do império de Oyó; Onanxocum
deriva de QnQn-l~okun,
"três pais" do rei, escolhido no ramo da linhagem
um dos
real de onde o novo rei era
oriundo; Aresa (ou Areça) era o chefe de Iresa, parte da província metropolitana de Oyá (~kún àsi), assim como Onicoí era o chefe de Ikoyi e Olugbom,
de
memória das gerações. É por esse motivo que, num terreiro da Bahia, consagra-
19bon; Elcrim designa o chefe da cidade de Erin. O último dos Obás de esquer.
do a $àngiJ Afonia, doze ogan, protetores do templo, têm o título de ministros de Sànsõ" (Vergcr 1957: 326).
da é Oba Xorum, cujo nome faz referência ao Ba~Qrun, o chefe do QYÇJ-Mesi,o
A lista que foi apresentada por Martiniano
no Congresso de 1937 era dife.
conselho
de Oyó. Espécie de primeiro-ministro,
ligado às linhagens
dominantes
tinha grande poder e estava
da cidade. Exercia funções rituais e políticas
rente da que se conhece hoje. Segundo Vivaldo da Costa Lima (1966: 34), ele mesmo Obá de Xangó do Axé Opô Afonjá, a modificaçào dos nomes dos Ministros de Xangô teria acontecido porque Martiniano dores a apresentar uma comunicação
fora "instado pelos organiza.
J~
Por exemplo,
os três principais
administrativas
[no congresso)" e só depois teria elabora-
(da esquerda)_
do a repartição dos Obás em dois grupos, os da direita e os da esquerda.
pill
essa. versão do ~ito,
retomada
adeptos
tenam
e literárias em seguida
iorubás
(como a peça
em divindade
e seus
negado sua morte por enforcamento
(1957,; 326) a~resenta
o~tra vl'rsáo, segundo
para em segu.lda assumir sua natureza dare7.a sua origem evemerista. \7
em várias obras teatrais
teria sido transformado
divina.
(Oba K050' "O rei n"o '" "nfo ") V . . ••... ~ rcou. erger a qual Xangô teria misteriosamente desaparecido, Seja como
for, o mito de Xangô
evidencia
com
da transcnçao em português M/lIIgba) são os sacerdotes de Xangô na Nigéria Sn("m, d V (19B!3 " .... u , egun o erge~ .. 8), os responsáveis pelo bom andamento do culto e guardiães do axê" e á entrariam em transe. ' n o
282
"'
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
de Oyá, que executavam
tarefas
e ósi- iw~fà real), o olókrln
oficial do rei), bem como várias sacerdotisas,
elas Iyá Nasó.
A presença
1957; 325), fOI durante ,,, Costa
Otun
de dois ministros
Onlkoyi,
da esquerda
organização
militar
dos textos iorubás
•• Sociedade
na liderança
secreta,
os q;ha_ Foi muito destruída
Abraham
por um jovem chefe promissor
de lhe suceder
com um nome
podem
Nina [~odri!,'lIes (citado por Verger ser usados
brasileiros.
separadamente,
ocupavam
pois se
cargos específicos
nota queililr~, usado com àgõrõ, ê o "primeiro
na
título acabou
casa" (1958: 63).
ligada ao culto da terra e à administração
por guerras. Os Ogboni
para os
pelo termo
que, como herdeiro de um grande chefe guerreiro,
de uma grande
mais importante
que começa
para os antropólogos
da corte do Alâàfin de Oyô, "onde
do império".
Obá Tela e Olugba,
Eko, Kaba Nfo e Ossi Onrkoyi,
em al!,'lIêm que, como escreveu
anos o tradutor
a altos dignitários
Aressa, Onanxokun,
Onanxokun,
Lima (1966: 29) escreve. que esses dois termos
refeririam
guardas
Abiodun,
Aré, Otuo Onikoyi,
iorubá ÇJtull (direita) surpreende
ostentado
O termo iorubá M(mSbà, ou Mallsba, como o transcreveu Martiniano, transforma-se no A 'O ' 1If" Oh' , xe po onJa, em _ a (que significa "rei" em iorubá). Os Mçj/lShà (cuja pronúncia em iorubá ê próxima
do palácio
çmà-iwç(rl, Ç,tllll- iwç[à (da direita)
à morte do rei (o Alâàfin), como o ilrçmu (o herdeiro
A lista de Ronfim (1950) era diferente: da esquerda.
de Duro L~dlpo; Oba Ko 50), Xangô
eram
do rei) e o Baba iya;i (o "irmão"
para os da direita; .'" Segundo
chefes dos eunucos
importantissimas,
Este era executado
(o escudeiro
entre lO
e rituais
na nova Oyó, a partir
eram intermediários
entreo
da justiça,
muito
importante
de 1835, que na antiga Qy(J-Mcsi (conselho
entre
(àyó.ilé).
dos chefes) e os
do paláCIO reai.
EM BUSCA DAS ORIGENS PE.RDIDAS
~
283
muito importantes;
era ele quem confirmava
a escolha do"no;o Alá' f
ap.rcsc~ta\'aao rei, caso a conduta deste não fosse satisfatória ov::~ e quem galO, smal da obrigação de suicidar-se. Tratava-se portanto d'e d c papa~
Im
I por antes cargos no império de Oyón,
'
,um
os mais
Está claro, ,portanto, que os títulos dados na lista de Mart,.n,.a I de um b' I d . no resu tam riCO age a história iorubá, como Vivaldo da Costa I ima já s . H N verdade, todos os títulos dos Ohás de Xangô 1• ugenu . a J h cs ao recenseados na obra d o nson (1957). escrita antes de 1887, reeditada em ]921 e . e texto de referência sobre a h. IÓ' . que constltUla o 15 na lOrubá estudado n I rios na Nigéria A influA I d . as esca as dos missioná. cne a as estadas nlgcrianas de M t .. mais que certa' "As leituras d M t' ar Imano, POrtilntO, é além do vasto :corpo de trad,e - ar In,iano em Lagos sobre as tradições iorubás, Ç ao ora com que sem d' 'd . que lhe permitiram recriar com Aninha os títulos dO~vO'ba.sedfa~liarizara, é [Axé O . Ar .á] as e Sao Gonçalo po onl ,evocando os nomes e os oiês de" '. da~nação iorubá" (Costa Lima 1966: 8.9). rClS,pnnclpes e governantes' I
I
"
Na política dos terreiros, o orgulho de Aninha por essa tradição ressuscitada mostra a importância
uma vez que ela permite alegar a l
Engenho
Velho, Precisava
l
então, distinguir-se
da casa.mãe,
bem como do ou0211
tro terreiro oriundo dessa casa, o Gantois, por uma maior tradicionalidade. Congresso
Afro.brasileiro
lecer essa diferença,
d;c 1937 foi, assim, uma ocasião perfeita para estabe-
com a bênção dos intelectuais
O caráter político da instituição Poderíamos Como "Aninha
escolheu
comportamento
do terreiro e sua fonte primeira
os seus Obás entre ogãs e 'amigos
lhidos entre os Ogãs mais esclarecidos,
masculino. de prestígio:
da Casa'. pessoas cujo
global de Salvador".s
Os primeiros
esco-
de mais alta posição no grupo. estáveis e bem relacionados
na
(Costa Lima 1966: 9).
Obás de Xangô foram escolhidos
como Miguel Santana
pu-
Obás foram, dessa maneira,
em seus negócios e profissões, conceituados
sociedade
à análise.
ela apreciava e cuja posição social e prestígio decorrente
dessem se refletir no Terreiro. Os primeiros
baiana",
presente~ •.
dos Obás de Xangô fica evidente
definir os Obás como a elite dos ogãs. título honorífico
estes, são os protetores
c prósperos Os Obás de Xangõ, fruto da reconstrução de u çar- a origem iorubá (nago') d . m passado destinado a refar. esse terrelfo passara fundadora, o sinal de sua proximidade co' t m a ser para Aninha, sua . m a erra das origen sua maiOr tradicionaIidade co d I s e, portanto, de , mo ec arou a Donald P' ,I' puramente nagõ, como o Engenho V Ih M lerson: Mmha seita é parte da tradição aI. . e o. as eu tenho ressuscitado grande Incana que mesmo o E h • têm uma cerimônia para os do ... ngen o "dho tinha esquecido. Eles ze ministros de Xan "' Nã I (Oliveira e Costa Lima 1987: 53). go. o. Mas cu tenho!"
dessa instituição,
pureza nagô. Aninha fundou seu lerreiro, o Axé Opô Afonjá após uma cisão do
na comunidade
(Obá Aré), que era ogã do Engenho
"afro-
Velho, ou
Jacinto Souza (Obá Odofim) (D. M. dos Santos 1988: 13). Um e outro se tornaram, respectivamente,
vice-presidente
e tesoureiro
da Sociedade
Cruz Santa Opô Afonjá, sociedade civil que representava junto às autoridades
Beneficente
a comunidade
religiosa
.
•• A maioria dos autores que criticam a valori7.aç:l0 do modelo nagõ atribui à aç3.o consciente ., Johnson fala do lítulo Osoorun o u Ib a O sorun ("o senhor qu estabcltte uma nítida dlstinç:loentte esse titulo e .. " e ex~ula o Orun"). FJe. entretanto. senhor)" (1957: 71). £ estranho que t:lo alto I ~ de tCl. O AI,ur.n ê Oba (um rei). eleê Iba (um e!>querda. que nao tem as mcsmu ,>rc ti I tu o lenha sido relegado;lo úllimo dos Ob,ís de ",. • oga vaHitu
p
Intelectuais
a imllO~içao de um modelo de purel.:l que serviria para controlar
{Dantas 198R).l'arcce blé baiano,
necessário. todavia. sublinhar a habilidade
notadamente
dos
melhor os cultos
política dos líderesdocandom.
aqueles ligados ao terreiro em quesiao. que conseguiram
impor sua
versão da tradlç:io aos intelectuais. Costa Uma também sublinha a capacidade Aninha c Martiniano: "Nessas duas liguras singulares hem se poderiam identificar
política de al clássicas
categorias \veberlanas da legltlmaç:lo do poder. no caso. do podei tcocrfltlco exercido pelOS p3iS e mães dos tcuelros
da Bahia; eram eles pessoas que conheciam
{O\lveira e Costa Uma 1987: 46). •• O primeiro a ter sublinhado o papel fundamental
suas origens élnicas e culturais"
dos og3.s na proteç50 dos terreiros em face da
o
repress:lo dos cultos afro.brasileiros
senador e de um chefe político entre OSO&asdos teueiros. SlIvclra revela inclusiVe a c:xislcncia, nas confrarias
católicas dos descendentes
pro.:.OTes, ~memhros
"'
A BUSCA DA ÁFRICA NO
CANDOMBll
puramente
de africanos do inicio do s&:ulo XIX. de uma categoria de
honolificos",
escolhidos entre os brancos. fJe acrescenta
"tudo indica que o título de prOletor,
13
quando
candomblés
foram fundados
os primeiros
fal.em parte de um vasto projeto politlcoque estruturado
284
foi Nina Rodrigues (19()O), que assinalou a presença de um
EM BUSCA
e mais cnrall.ado
DAS ORIGENS
r[RDIDAS
existente
nas Irm
que
foi aproveitado
nagãs" (19811; 183). Esses aliados brancos
faldocandomblé
nagõ ~um novo modelo. melhor
na sociedade local~ (: 186).
"l
285
, I
Com a morte de Aninha, em 1938, abriu~se um "período de tensões criado pelas disputas mais ou menos ostensivas no plano da sucessão sacerdotal terreiro" (Costa Lima 1966: 10). Senhora, nova mãe-de-santo, des para impor sua autoridade, lugares na hierarquia
do
teve dificulda-
pois, havia muito tempo, a maior parte dos
religiosa do terreiro era ocupada por ebômis (iniciadas há
mais de sete anos), teoricamente
todas igualmente
candidatas
à sucessão de
Aninha, corno Ondina Pimentel, que foi a terceira mãe-de-santo Afonjá. Senhora tinha menos de quarenta
anos quando
fosse uma das mais antigas filhas-de-santo de idade. Ela mantinha
bém efeitos sobre a instituição
embora
do terreiro, iniciada aos oito anos
laços religiosos estreitos com Aninha,
(Obá Tossi) fora a mãe-de-santo
do Axé Opô
foi escolhida,
pois Sua bisavó
de Aninha. Essa escolha difícil produziu
tam-
dos Obás de Xangô: "Daí o fato de alguns Obás,
antigos ogãs da Casa e a ela ligados por laços de amizade Íntima ou de parentesco, se terem afastado gradualmente
ou de uma vez do Axé, precisamente
para
não aceitarem a supremacia ritual e total de uma nova ialorixá de forte personalidade como Senhora de Oxum" (: 11). Como os Obás eram membros vitalícios, o afastamento mas, Senhora decidiu então lhes dar substitutos
deles causava proble-
e também
lhes modificar
nos religiOSO-ritual e socioeconômico, , "( 23)" do terreHO: .
_' 't' l"á que acreditaIh Obás foi uma inovaçao macei ave, ] O que para os ve os r ara Senhora apenas vam na real origem africana dessa tradição, mostrou se p t dos Obás rd oder o recrutamen o um instrumento político para canso I ar seu p . t t s da Bahia (mas ' t e Icc tuais mais impor an e e de seus substitutos entre os In . -048 't' ue ela legitimasse sua poslça . também entre alguns estrangeiros) perml lU q ,,' África V'mos como a chegada de Pierre Verger e suas segUIdas viagens a re rc:entaram
Dessa maneira,
de doze membros
trinta e seis, Foi graças a essa mudança
que Senhora
poder no terreiro, isto é, no seio de uma instituição verdadeiro
instrumento
originais,
da direita a
afirmar seu
que concebia
como um
político: "os primeiros Otuns foram ainda 'amigos da
Casa', alguns Ogãs do terreiro, todos ainda do 'tempo da finada Aninha',
mas
que eram também amigos da [naval ialorixá ou a ela favoráveis durante a fase de estabilização sucessória do terreiro" (; 12). As tensões criadas davam lugar a fuxicas em que se falava o tempo todo com saudade da "ortodoxia dos 'velhos tempos"46. A escolha dos novos Obás se concentrou,
portanto,
que pertenciam
nos amigos do terreiro - e "seus visitantes eventuais"
gradativamente
compromisso
vem se transformando,
••.Vimos como qualquer modificação
religioso: "O corpo dos Obás, então, de um corpo auxiliar da Casa nos pla-
ritual, ainda que vise a uma purificação da tradição. sempre é
pretexto para uma nova negociação das relações de poder no seio do grupo religioso,
286
"'
_,
às classes superiores, mas que nem sempre estavam ligados ao
culto por um verdadeiro
A BUSCA
DA ÂFRICA
NO CANDOMBLÉ
de Verger lhe deram tal prestígio
que: m~lt:~~~~~
doo~~:a tradicional família da nação Ketu" (Santos 1962: 16)", v~mos a~:;: o um d d Senhora repercutiu em todo o terreiro, prehguran como o po er e , t d na qual típõco do que Hobsbawm e Ranger (1983) chamam tradição mven _ a a, . ." a hlstona
sempre e' e xplorada com o intuito de consolidar
a coesao do grupo e
legitimar suas ações.
o
passou-se
conseguiu
apoio para Senhora. Os títulos african,Os que ela
depois de sua morte, seu filho escreveu, em sua história do terredlro , o "to devi. 'd o terreiro , "como era e dHei , Af "que Senhora se tornara 'I la onxa
H
e um da esquerda.
um formidável
re~eheu por intermédio
número. Cada um dos Obás, que já estavam divididos entre os de direita e os de esquerda, ganhou um Otun Obá e um Ossi Obá, isto é, um substituto
num suporte apenas socioeconômico
.t ai de confirmaçâo dos Obás foi modificado para se Costa Uma (1966) sublinha que mesmo onu rt'cularoqucdizia respeitoã mediunidade, adaptar ao estatuto dos novos membros do grupo, e e~ pa ~ r cumprir suas funçôes, Esse risco não Ob' - deve possuir sob pena de nao po e faculdade que o a nao , Ob',' s,'do "scolhidos nas classes sociais que S h is "os novoS as em ... existia aos olhos de en ora, po f' d possessão religiosa verificados nos . ulturals com os enomenos e possuem poucuscompromlssosc mo ser um Obá de Xangô (ele é Ossi Odofim) não impede candomblés" (: 25). O fato de ele mes _., d Ih' de sua mãe.de.santo: "UltImamente, ,d' t ente os cnteTlOS e esco u 'Costa Lima de critICar Iscre am , s a lalorixá que eventualmente os tem os próprios Obás iá confirmados apresentam seus amIgo ,
'd ostos va"os da Roça" (: 25). , escolhi o para os p <> • b e O Axé Opô Afonja, encontramos . figuramnosescntosso r... 'R Assim,enlreos mcmbrosculos nomes M d Santos 1962: 24); Carybé (Otun A I) confirmado em 1959 {D, ' os Jorge Amado (Otun TOu , , ' h' d d 1950, que lá faleceu em 1997; Vivaldo , t que reSidia na Ba la es e , Onanxocum), pmtor argen mo d' I de pesquisa no CEAO;MunizSodre , f or na UFRA e ex, ne ar ... ... da Costa Uma (OSSIOdofl~), ~ro ess ica ão na UFRJ/R],confirmado em seu cargo em 1977 (Obá Areça), professor de clenclas da comun ~ I d O' Obá i"ualmente ligado ao culto de M- Stella (, 24) O tltu o e lU ,<> pela atual mãe-de-santo, ae ,. . 'I' , o de Obá Pierre Vergcr recebeu um, .. " ude ueo porta os mesmos pnvl eglOsque . Xango, outorga aq q 'd rda o antropólogo Marco Aurélio Luz, da mesma forma que seu substituto e esque V' trolou a lista dos Obás na Nigéria, mas , (1966) screvequePlerre ergercon •• Vivaldo da Costa Lima e , . . d m mito brasileiro que apresenta 05 - 'd V, sse respeito e a transcnçao eu a úmca referenCla e crger a e , • (1999' 326) Bastide ao'falar de Marliniano doze Mongbã como os defensores da causa?e xa~eg:u tod~ sua a'utorida~e, que era grande:para e de suas viagens na África, escreve que ele emp g d blé de Opô Manjá f . esmo para reformar o can om impedir a degeneração dos cultos a ncanos~ e.m "'I" que vira uu acrrditavu1Juwr d51u ' I't' - s que não eXistiam no "raSI m para dar-lhe certas ms I Ulçoe . a de Ver cr de 21 de dezembro de África" (1960: 233) (grifo meu). E, em nota, CIta uma cart g , ~~S3, para afirmar a heterogeneidade
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
extrema dos títulos ligados aos doze Obas,
.;;J
287
!~I A recriação de uma tradição baseada em dados hist~ricos sempre é a re sentada, principalmente no caso dos Obás d X P e ango, como a reatualização de um passado, de uma tradição original momentaneamente perdida'" N I. dade c f. H . a rea lorno a !fma orton (1967; 86) até um m b d . . ,em ro e uma comunidade das
ao terreiro que estão estudando por vínculos religiosos, têm à disposição infor-
A
mações que lhes são necessárias, mas que não podem usar se quiserem manter boas relações com seus informantes, Devem respeitar um código de comporta-
I
maIS tradICionalistas molda como lhe convém a . - d " Vlsao e mundo que herdou no mo~ento em que a aplica à vida cotidiana conforme seus interesses" E ' adaptaçao, contudo d. . ssa à. .' eve permanecer escondida sob a aparência da fidelidade s ~ngens. ASSim, a modificação ritual trazida por Senhora (os Obá Ot OSSI)se tornou uma "c I _, s lin e 1966' 13) omp emcntaçao logica da nova associação" (Costa Lima . , encontrando a mudança sua legit" 'd d I'. . Iml a e na reproduçao de uma oglCa ntual que é "originalmente" nagô51.
mento que os obriga a ocultar todos os acontecimentos Na realidade,
e qualquer
~I~a, ~b~d.ecem ~ fms claramente
candomblés2• indivíduo,
As estratégias políticas no universo do candomblé durant . ram lt d '. e mUlto tempo fogos ocu ta a.s,pnnClpalmente por causa da relação existente entre os antropólo. e os errelros. Com efeito, os antropólogos, na maior parte do tempo ligados
Tal prestígio depende do status social, econômico
ulro ("aso de invenção de tradições reside na política dos a '. quais, a jlilrfir do fim do século XIX ' dmlnJslradorcs ingleses na África,os transformando costumes fi '. ' comc.ç~ram a cnar tradições africanas par,) os africanos CXIVCISem prCScnçocs rígidas (Ra • na criação da !lOç<1ode ~lcligjaD ,"d.. I f' ngcr 1984). Esse processo se traduziu ••.• lClona a ncana" pensad . em que se acentuavam os rituais de'" '..d' a como algo Imemorial e imutável, ••on!nUl ade c cslabilidad O ., '. começarilm iI recolher informa _. e. 5 mlSSIOnarlOS anglicanos çoes a respeito das idéias reli 'i d . criação deles com a sociedade Irad"' I g asas os afncanos para entender a IClOna ,o que levou a uma bu d crenças locais c a religião cristã i1u" d b sei! e corres. pondcnciasentreas , ra a so retudo na trad à d H'b DcsS
" Essa dificuldade de penS
e político do
da posição herdada ou adquirida que ele ocupa na hierarquia
do
faz com que uma família.de-santo
"tradicional"
reforce seu
poder, ou até funde nova tradição.'i3. Mas, para se dizer superior, é preciso demonstrar a inferioridade do outro: comp diZ Balandier (1967), não há poder sem dessimetria nas relações sociais. A construção de uma "tradição africana pura", encarnada
por certos terreiros, torna-se assim a marca de uma diferença - um
ganho de tradicionalidade
e, portanto, de prestígio -diante
As viagens à África e as modificações portanto,
um poderoso instrumento
dos demais terreiros.
que elas acarretam
no ritual são,
de prestígio para os indivíduos
e para os
terreiros em questão. Essas viagens seriam motivadas por uma perda da tradição no lugar de partida (o Brasil) que forçaria os membros mais preocupados
com a
pureza perdida a buscá-la na terra d~ origem (a África), bem como uma das razões fundamentais e incompleta
,,,o
que se interesse pelos cultos afro-
culto. A acumulação de prestígio (que resulta, por exemplo, de uma legitimação
políticos, tanto dentro quanto fora do gr~po
c ~u to. consolidar o poder do chefe no seio do terreiro ou o do terreiro e maIS comumente, de sua família.de.santo) sobre os outros. ( ,
pesquisador
brasileiros sabe bem disso, o poder e o prestígio estão no centro do universo do
pelos antropólogos) ~ssa reinterpretação no quadro da lógica ritual- que sustenta, como diria Bashde, uma Gesta/t claramente africana _ visa sublinhar u . .. d~ de elementos (por exemplo, a polarização entre otun e m c~nJunto lImItadistintivas da tradição africana. Ora com. . ~SSI)Como marcas , o Vimos, as movaçoes no ritual s~ntad~s obrigator~amente como uma redescoberta de parte da tradição ~sap~:~
que possam desmitificar
a visão romântica de um candomblé tradicional em que reina a harmonia.
dessa perda seria a "estrutura do segredo", ou seja, a difícil
transmissão
dosS4• O mais importante
_" lierskoyils
(1942; 21-23) chamou
candomblé Matus
é permitir,
Iipo se limitam
a atençâo
a um só tempo,
social. Mas nunca
-~, A importâncla
dos iniciadores
foi feito ~ estudo político
à umbanda,
de um desejo de prestígio dos terreiros
Durante
um encontro
de um terreiro
lançou
um apelo aos pesquisadores
E tem mais terreiros
queto,
de jeie, de qualquer
(Costa
candomblés uma metáfora
espacial
Sobre a utilização
outra
a omissão
ketu, localizados na Cidade
as análises
do desse
'nação"
de angola
seria causada
dá conta da invisibilidade
des5a "estrutura
mato" e situada
um membro
pela "proximidade"
na Cidade Alta de Salvador, e pelo "afastamento"
Baixa, cercada de "muito
o ritual de sua
na Bahia do que de
Lima 191:14;41). Segundo
dos pesquisadore5
no meio d05
em 1981, um participante
para que estudassem
poiS "não há livros sobre o angola.
de caboclo
funçóe5 do
c a melhoria
pode ser bem percebida
das nações de candomblé
nação,
de caboclo,
de candomblé;
no
que não goza da mesma di5Crição por parte dos antropólogos.
des5a aliança entre terreiro5 e antropólogos angola
para os inicia-
para o fato de que uma das principais
a satisfação
cultos afro-brasileiros.
candomblé
So
dos conhecimentos
na iniciação, que marca a entrada do indivíduo
do dos
dos candomblés
"longe do centro"
(: 59). Assim,
das nações não tradicionais.
do segredo" como novo sinal de tradicionalidade,
cf. Capone
(1998).
288
l;A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
EM BUSCA DAS ORIGENS PERDIDAS
~
289
~ .'.
grupo de culto, não são, contudo, as competências ou os conhecimentos rituais transmitidos, e sim a formalização do contato com as entidades espirituais conforme as regras de um modelo ideal de ortodoxia tornado normativo. Com efeito, o caráter obrigatório da iniciação parece ter a mesma função que as viagens à África: ela é fonte de legitimação e prestígio mais que descoberta de um corpus de conhecimentos. Estes são adquiridos, à medida que os anos passam, durante um longo processo que depende da boa vontade do iniciador. a saber, submetido à lei do segredo, não é, portanto, dispensado na mesma medida para todos os iniciados: ele também é instrumento de poder nos terreiros. A ausência de iniciação, aliás, não implica necessariamente a ignorância de um savoir.(aire ritual: é o caso dos pais e mães-de-santo de umbanda que, uma vez iniciados no candomblé, imediatamente retomam a posição de comando em seus terreiros. Como escreve Costa Lima sobre eles, assim como a respeito daqueles que não terminaram o período de sete anos e não obtiveram
1
o decá: Não há, na ideologia desses pais e mães, nada que possa colocar os seus grupos na categoria de seitas que divergissem essencial ou parcialmente do sistema religioso de que pretendem participar. O contrário é o que acontece pois esses líderes procuram, com o zelo igual ao dos convertidos fervorosos, manter os padrões rituais que escolheram como normativos e cumprir os 1J0stuladosessenciais da doutrina (1977: 137).
°
Se conhecimento do culto não é condição necessária à iniciação, não mais que o cumprimento de todas as etapas da hierarquia, para que serve, então, a iniciação? Para adquirir uma autoridade, que distingue aqueles que sabem daqueles que não sabem (Boyer 1990: 20). Se os conhecimentos não são partilhados, então apenas o segredo pode criar diferenças55• A experiência da iniciação confere status de veracidade às palavras e aos atos do iniciado; a simples mediunidade não basta para isso. A necessidade da iniciação encontra sua formalização em uma espécie de teologia do axé: "A transmissão do àg~'através da iniciação e da liturgia implica a continuação de uma prática, a absorção de uma ordem, de estruturas e da história e devir do grupo ('terreiro') como uma totalidade" (Santos 1977a: 46). a axé (ou à~~,de
"Se a iniciação dá autoridade à fala do Iniciado, o que Boyer (1990: 60) define como um "di5curso FESTA 00
OlUBAlt
PARA OMOlU
50b medida", imaginamo5 mullo bem de que autoridade se beneficia a fala d05 antropólogos iniciados, os quais conjugam ciência e religião
290
&:
A BUSCA DA ÁfRICA NO CANDOMBl~
EM BUSCA OAS ORIGENS PEROIDAS
'-'l
291
.
acordo com a ortografia.iorubá africanidade
usada por Juana E. dos Santos para demarcar
do Axé Opô Afonjá, onde fez parte de suas pesquisas)
do diretamente
é transmiti~
"das mãos e do hálito dos mais antigos". A fala, então, torna-se
central, já que "ultrapassa
seu conteúdo
de àg, isto é, um elemento
to condutor
a
semântico condutor
racional para ser instrumende poder e realização"
Os conhecimentos só têm valor porque são Vividos na experiência serem incorporados de modo ativo. Se é a fala que veicula o axé, base de toda a construção
(: 46).
ritual, ao
religiosa do candom-
blé, ao menos a partir da obra de]. E. dos Santos (1977a), o único meio de ter acesso aos conhecimentos três terreiros
rituais é buscá-los onde o axé está concentrado:
"t~adicionais"
os fundadores
da Bahia ou diretamente
na boca da atual mãe-de-santo
Mãe SteIla, e vira simples objeto de curiosidade, so feito em São Paulo, em 1987:
nos
na África, como fizeram
dos cultos. Mas essa mesma África que legitimou
sofre uma metamorfose
. ' . ui na Bahia e com Pierre Verger compramos u~ quando vim de fenas, f .' t' que Pierre Verger viesse a . d v ltei guardei comigo a e Paxoro, e quan o eu o d t ao Olufó rei de Ué, centro , levamos o Pa xaró e presen e , Nigéria c juntos nos de cult~ de Oxalufã, de Oxalá, o velho (Cunha 1984: 11).
a tradição nagô
, .stir apenas no B[aSl,'I encarnada nos zeladores da A Africa, cota0, parece eXI . t ólogos. O debate sobre o . h f s de terreiros ou an rop . . tradição, sejam eles c e e _ d tual movimento de reafncanl. "t d.ção esta no centro oa berço da "verdadena Ta I . d África em terra africana c a mediação zação, dividido entre a busca dm..'la a. de língua c civilização fi para o BraSil (os cursos dos africanos que a trouxera ., 'I. dessa África mítica, bem como . 'o aqUi e o monopo 10 _ iorubás). O que esta em )og f mar sua fidelidade à tradiçao. o direito de explorar seus fundamento.5 para a Ir
do Axé Opô Afonjá,
como se pode ver neste discur-
As raízes existem mas já estão tão velhas! [...1 Eu estive na África duas vezes, fui em Lagos e Benin, mas não essa coisa de buscar raízes porque eu sou .descendente de africanos mas não africanista; então eu acho isso fanatismo, sair buscar raízes, não tem por que buscar raizes, pode ir até lá para ver se tem um lugar ainda que funcione as coisas pra aprender, que é bom aprender, mas as raízes estão conosco, nós somos galhos das raízes. Se as raízes morrem, os galhos não resistem. Então nossas raízes estão aqui. É moda [ir à África1, também (citado por Gonçalves da Silva 1992: 247) . .Assim, são os que não têm raízes que partem para buscá-Ias em outra partena África ou na Bahia (a África encarnada importa.
nos terreiros
tradicionais),
Na verdade, de acordo com o que di.zem os representantes
Afonjá, para entender "verdadeira" tradicionais
pouco
do Axé Opô
de verdade a "África", é preciso olhar o Brasil, onde a
tradição africana se conservou. - é que pode, hoje, restituir
Como nesta descrição de Marianno canização ao avesso:
Só o Brasil- o dos terreiros nagôs a tradição
Carneiro
perdida
da Cunha,
pelos africanos.
que relata uma reafri-
[...}quando eu cheguei em Ué, em 1974, ninguém conhecia mais o Paxoró [cajado ritual de Oxalufã]. "Ah!" O rei me diz- "muito bem, existia, meu pai falava, que de fato Oxalufã tem um emblema chamado Paxoró, que é assim, assim, assim. Mas não sabemos mais como fazer." "Issonão tem importância, vou voltar para o Brasil de férias e vou lhe trazer um Paxoró". E, de fato,
292
S;A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBL~
EM BUSCA DAS ORIGENS
PERDIDAS
-$
293
CAPíTULO VIII QUAL ÁFRICA? QUAL TRADiÇÃO?
Viagens à África, cursos de língua e civilizaçao iarubás, luta contra o sincretismo, reapropriação
da técnica esquecida da adivinhação
berta de um "complexo
pelos odils, redesco-
cultural de base" que unifica a5 diferentes experiências
rdigiosas de origem africana são múltiplas respostas para uma mesma questão; CO]110
reconstruir
os vínculos rompidos
assim afirmar sua tradicionalidade? nização acontece
principalmente
ção, muito difundidos
com uma cultura africana original ('
Se, no Sudeste, o movimento
tanto no Rio quanto
debate sobre o sincretismo
no candomblé
em São Paulo, no Nordeste,
que predomina
definitivo
do
como culto religioso, o espírito que animara os primeiros congres-
sos afro-brasileiros
nos anos 1930 ressurge mesmo fora das fronteiras brasilei-
ras. Em 1981, a 1ª Conferência (COl\ITOC)
é o
na luta pela supre-
macia que opõe os terreiros entre si. A partir do fim dos anos 1970, e com o reconhecimento candomblé
de reafrica-
nos cursos de língua iorubá e de adivinha-
foi organizada
Mundial sobre a Tradição e a Cultura dos Orixás
em llê-Ifé, na Nigéria. Segundo o Boletim do Instituto
Nacional da Tradição e Cultura Afro-brasileira desses encontros,
a
COMTOC
(1!'õ'TEC;\B),
um dos organizadores
reuniu os chefes religiosos da África, da América
do Norte, da América do Sul e de Caraíbas em torno de um mesmo objetivo: unificar
a tradição
dos orixás por meio da "luta contra
religião africana no mundo"
a fragmentação
Em face desse novo interesse pelas religiões negras, os antropólogos cobrem a velha fórmula dos congressos m.'ira simbólica "antropólogos,
afro-brasileiros
que reuniam
de ma(Motta
no Recife o 3!.lCongresso Afro-brasileiro. C:OMTOC,
Nabuco organizou
Em 1983, foi realizada em Salvador a
que teve, entre seus participantes,
o rei de Ejibo, cidade iorubá asso-
ciada ao culto de Oxaguiã. Segund? Luz, essa visita constituiu marcante
na continuidade
redes~
artistas, líderes negros e pais-de-santo"
1985). De 20 a 24 de setembro de 1982, a FundaçãoJoaquim 2ª
da
(Gonçalves da Silva 1992; 241).
tra~satlântica
"um momento
dos valores da tradiçao dos orixás nas
Américas" (1993: 84). Em 1986, em razão de divergências
internas,
foram orga-
nizadas duas versões da 3~ COMTOC, uma em Ilê-Ifé (Nigéria), outra em Nova Iorque. Em 1990, foi a vez de São Paulo.
~
295
,
,
Paralelamente, essa eferves'"cenCla, que reune . pe "d cultos em um mesmo pr " I sqUlsa ores e chefes dos ale o, encontra um canal d nos cursos de língua iorub' '. e expressa0 bem particular a que se multiplicam no S d ê um trunfo para se tornar "africano". ti este: aprender a língua
o haussá, escrito em caracteres árabes pelos negros muçulmis" ainda que etc reconheça so dos missionários,
o abastardamento
é para logo voltar "à importância,
gua nagô ou iorubana
dar a língua
No início do século XX
" , N"ma Ro d ngues (1906' 129) di' , . ressaltava o papel de a O pe o loruba (o nagô) t da Bahia. Ele criticava o fato d B' , eo Te a população escrava , ' e, no rasil, as hnguas b t as unicas a merecer a atenção d I' ". ao as serem consideradas os mgUIstas, e acrescent predominava no Norte e no S I d' ava que, se o quimbundo u O paIS, era o nagô (i b ') Bahia. As contribuições li "'. cru a que prevalecia na ngUlStIcas do iorubá no e t claramente identificáve' ". ' n anta, nem sempre são IS, e o propno Nina Rodri totalmente na memória do d d gues reconheceu que confiar s escen entes de escravo d" erros nos planos cultural e II"n ""' I' s po la as vezes induzir a
língua veicular desempenh
gUls ICO:
Tão conhecido é o fato da importância da lín u . chegado mesmo ao exagero Q d g a naga na Bahia que se tem . uan o em J 899 estivera . dor] os missionários catô)" . m nesta Cidade [SalvaICOS que percornam o Brasil . para a catequese africana f I angananda donativos , oram e es aconselhado d'" , de cor da cidade em língua . O _ s a lIIglr-se a população naga. sermao pregado n" . de janeiro teve compI t . a Igreja da Se no dia 4 e o insucesso, reunindo apenas aI . um erro supor que entre n'. guns CUriOSOS. f... ] era os se mantivesse na po I . nagô tão pura que Ih . . pu açao cnoula uma'língua e permitIsse entender o m" '. língua antes se servem de' Isslonano; os que falam a . um patVls, abastardado do " [mguas africanas (: 132)1. portugues e de outras
nagô, que, "conforme
era a língua latina do Sudão, "a mais importante
guincano
(gás, tshi, jeje e nagô) (divisão de Hovelacque)"
110). Em 1933, Guilherme
Dias Gomes e Édison Carneiro
aprender
o nagô com Martiniano
cês, inglês
r!
1959, o SQColóquio
296
1936-7: a
desde então.
(CEAO)
tos afro-brasileiros
de
da Universidade
Federal da Bahia, a qual foi ocupada por Ebbenezer Latunde Lashebikan, fessor vindo especialmente
Em
deu origem a uma cadeira de ensino
iorubá na Bahia, no Centro de Estudos Afro-orientais
pro-
da Nigéria. Como previsto, todo o Gotha dos cul-
assistiu ao curso. Em dezembro
dantes de iorubá obtiveram
de 1964, os pri meiros estu-
o diploma c, a partir de 1965, um ensino regular foi
ministrado pelos professores do eMO (Oliveira 1976: 115). Paralelamente, esse Centro, que começara a colaborar com o Ministério das Relações Exteriores
na qualidade
vinda ao Brasil de estudantes República dos Camarões,
de assessor para a África, promoveu
Cultural
aos quais concedeu
bolsas para seus estudos univer-
e estimular
volvimento elos estudos afro-brasilei.ros (: 117). Esse acordo facilitou a vinda ao Hrasil de vários nigerianos, do Departamento
pelos iniciados problema
que pagariam
a minha
visita como professor
1976b: 619). A importância
no candomblé
lingüístico:
de
o desen-
como estudan-
Foi o caso, em 1976, de Olabiyi Babalola Vai, "docente
de Línguas Africanas e Literatura da Universidade
Bahia" (Abimbola
a Univer-
de Salvador, para criar um Programa
entre o Brasil e os países africanos,
tes ou como professores,
a
do Senegal, de Gana, do Benin, da Nigéria e da
sitários. Em 1974, foi assinado um acordo entre o governo brasileiro,
de 1fé, que
de língua iorubá na
dada aos cursos de língua iorubá
é a resposta ao que Abimbola definiu como um
"É uma situação dolorosa para muitos devotos dos orixás
qualquer
S-' A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
(Carneiro
haviam começado
do Bonfim e a ajuda do Guia prático em {ral/-
Luso-brasileiro
estava no Brasil durante
t~rmlnologia operacional, especifica das ceri~~ f~lada ~~treos candomblés não passa de uma sistema lexical de diferentes línguas atric amas religIOsas e rituais [... J, c apoiada em um (1981: 65) anas que foram faladas no Brasil dur'nt" '- a escravidão."
do
iorubá ou nagô, língua mais.difundida na costa ocidental da África, da
Cooperação
, A ling~ista Veda Pessoa de Castro revela situaç
de estu-
Martiniano
do grupo egbê ou
Sociedade das Missões Africanas de Lyon (: 113). Aprender a língua das origens é um sonho que perdura
í
da lín.
a suprema-
a necessidade
do babalaô
Bonfim",
sidade Federal da Bahia e a prefeitura Mesmo assim, isso não impediu o autor dessas' Martiniano do Bonfim seu . '. lInhas, que colaborava com , pnnClpal mformaot d da língua iorubá' "Ela' e, e ressaltar a superioridade . POSSUI, mesmo entre nós u . - . . eu suponho não ter tido nenhuma . ,ma certa felçao hteraria que outra hngua africana no Brasil, salvo talvez
reafirmou
a expressão
pelo fracas-
ao predomínio
no BrasiI", e disso deduzir, por conseguinte,
cia dos povos que a falam (: 133). Trinta anos mais tarde, Édison Carneiro DA LíNGUA IORUBÁ NO BRASIL
(: 132). Assim,
do nagô, demonstrado
QUAL ÁFRICA? QUAL TRADiÇÃO?
preço para adquirir a habilidade
lingüística
necessária
;(l
297
par~ ~ma compreensão de seu próprio repertório" (: 634). A Universidade de !fé deCIdiU então eov. f ." lar pro essores de IOruba que eram ligados ao CEAO.O objetivo era dar competên' I' .,.. , Cla mgUlstlca aos miciados no candomblé, a fim de ue pudessem entend . .f. q er a slgm lCaçao de seus textos sagrados. Mas os iniciados no culto do '. . , s afixas no Brasil trnham ficado muito tempo separados de seus correspondentes r ... ' africanos' . . um pro bl ema espaCial. se acrescentava ao problema l~gUlStICO. Ablmbola sugeriu então facilitar, mediante ações privadas ou úbhcas, estadas regulares q . . p ue permitissem aos iniciados da América e d a A"f fica . , t l.'n rarem em contato uns Com os outros (: 635)2. Em I ~77, a Universidade de São Paulo (USI')e o Centro de Estudos Africanos orgamzaram o primeiro curso de língua e cultura iorubás em Sa- P 1 O ' o au o, no epartamento de Ciências Sociais. Durante dez anos ma,.s de . I ' , seIscentos a unos, na maIOrIa pais e mães-de-santo de candomble" f. O ' Izcram esse curso s estudantes nigerianos encarregados das aulas não d . emoraram a perceber que os alunos estavam mais interessados nos "segredos" do culto I" gua' "Co t que na !n. ' . m ~ empo, aprender a língua passou para segundo plano e para o pflmelrO Vela o ensino dos mias 't' e fitos das dlvmdades .. iorubanas" (P d' Gonçalves 1989: 235)3, ran 1 e
para o público
brasileiro.
base do aprendizado "sagradas",
Passou-se assim da antiga transmissão
no candomblé,
para o estudo de um conjunto
escritas, em sua maioria,
Vagner Gonçalves,
por antropólogos
que participou
entre os iniciados
à tradição brasileira do seguinte modo: No curso, descobre-se com grande entusiasmo informações
consideradas
de obras
brancos.
dos curSOS da USP, descreve
causado por essa nova fonte de conhecimentos
descortinam
oral, que era a
o choque
mais ligados
a existência de livros que
muitas vezes tabu no interior dos
terreiros, A possibilidade de aulas e contatos com africanos, além de fornecer os rudimentos
do iorubá (que podem ser utilizados na tradução de canUgas
e numes dos orixás), permite relativizar questões que até entao se apresentavam como dogmáticas ou mesmo descaracterizar um conhecimento
tido até
J
Concomitantemente ao ensino oficial d' b" . . o 10ru a, os mesmos estudantes nJgenanos começaram a dar cursos sobre o culto aos orixás. Para isso baseavam-se nas obras dos africanistas, que traduziam do ingl' . ' es - remaneJando.os_
então como "seguro". Vi em muitos dos meus amigos de curso, principalmente aqueles mais velhos no santo, um olhar de decepção com relação à distância que havia entre o culto brasileiro aos orixás (ao menos da forma como era praticado em seus terreiros, mesclado com outras nações, como a angula, ou tributários de influências católicas) e aquele praticado na África, segundo as descrições dos nigerianos, aulas prevendo a impossibilidade
Estes alunos logo abandonavam
de compatibilizar os ensinamentos
as
recebi-
dos no terreiro com aqueles das lições na sala de aula.Já os mais novos, ou aqueles que de certa maneira discordavam como o sincretismo,
de algumas práticas brasileiras
puderam, a partir deste curso, redefinir alguns de seus
conceitos religiosos e legitimá-Ias também "via acadêmica" (Gonçalves da l
Durante sua breve estada de quatro semanas na Bahia em 19 . nhado por Olabi}'i Babalola Vai c p'c V . .', 76, Wandc Ablmbola foi acampa_ I rre crger, e aSSistIU a cerimônia d f olapini do culto dos Eguns de Dcosc' d M d reon mnaçao do título de ore cs . os Santos (Mestre DídiJ I I .. belll, pois for.1 a pessoa "que em 1968 ' o qUi! e c )a conhecia orquestrou a condecoração d O"d" B Bahia sob as instruções do Govc,no d N" '. • C I I como aaJe ~ango da •••• u a Igena' (. 620) V' "t . Axé Opô Aganjú, de Balbino Daniel de P , " '. rSI ou, com os amigos, o terreiro aua, quereceheucnormea", d d p. atividades" (: 622" '" . . . u a e lerre Verger em suas .. ssa a lança entre InICIado c es . d AbimboJa escreve que, nesse terreiro •• p gUIsa ar parece ter sido frutuosa, pois , o canto e a dança do qual part- . O e cu) er
'.d.",
<
-
.10 fato de nào se buscar uma verdadeira competência lin 'üística e . que por isso mesmo deve conhecer os "se rcd "d g sIm o contato com um a[ricano~ "contra-aculturativa" desde o seu inir,. Agb. °b" o culto, parece ter marcado essa experiência ...o. Im o a escreve a respeito d . J avesso il que [oi submetido Labesl .1.: .. o smgu ar aprendizado ao 11 ano pnmelro professor de iorubá d B h' " estudioso da língua iorubâ": "M' , b.' ' a a la, e conhecido ••s .a CSI an Ignorava pror d orixá, uma vez que na Nigéria ele se co .d ,_ un amente os procedimentos do _ _ nSI crava um cnstao Portanto q d h nao consegUIa compreender as P'" . . . uan o c egou ao Brasil, dsoas as quaiS ele fora . d rapidamcrlte, e ac.abou aprendendo . b ,. envIa o para educar. Mas se adaptou estudantes formados ,m .u _ ~als so re osonxas enquanto ensinava a língua iorubá a seus , • a malOIIapnob b' -.' . _. a a onxas e ralorlxas" (AlJimbol •• 1976b: 634-5).
298
SiA
BUSCA DA ÁFRICA NO
CANDOMBLÉ
Silva 1992: 237-8). Oulro exemplo
da maneira
como foi sentida essa contradição
ção brasileira e a tradição africana é o de Márcio Pereira, pai-de-santo
,
entre a tradiketu do Rio
de Janeiro: "Muita coisa que você bota na África, bota aqui no Brasil e o próprio orixá não aceita. Eu acho que já se acostumou
com aquilo. Depois de quatrocen-
tos anos aqui no Brasil, será que ele já não aprendeu Apesar dessas dúvidas
legítimas,
participar
a falar brasileiro?"
dos cursos de língua e civiliza-
ção iorubás, bem como dos cursos paralelos sobre os segredos do culto, tornouse sinônimo
de cultura
pais-de-santo
eram, em sua maioria, analfabetos
os jovens iniciados
e aperfeiçoamento
A divisão clássica entre pesquisador
preciso
fazer verdadeiras
ÁFRICA?
sacerdotal.
QUAL TRADiÇÃO?
pesquisas
Os antigos
ou sem grande instrução;
são cultos, .fazem estudos universitários
línguas.
QUAL
na carreira
e iniciado
para conhecer
e conhecem
hoje, várias
aos poucos se atenua:
a religião
é
e poder beber a
~
299
:1 "verdadeira"
África nas fontes bibliográficas.
Assim, noS terreiros mais africa-
como o de Sandra de Xangô em São Paulo, essa identificação entre iniciação c pesquisa se torna evidente. Gonçalves da Siva nos explica que,
nizados,
nesse terreiro, pratica-se adeptos, (cifaj.
a começar us:ivamos
largamente
muito valorizada
fricanizados,
J1, .,
"intelectualizado", têm formação
pois todos os seus
universitária:
as fontes escritas ctnográficas
como forma de aumentar
c a pesquisa
o conhecimento
era
religioso e funda-
como o de Sandra de Xangô c de Gilberto de Exu, ou em cstabe.
Iccimcnlos
criados cspcciahnenle
Associação da Casa da Cultura "aspectos
para esse fim. É o caso, em São Paulo, da Aíro.brasilcira
(ACACAB), que tem por objetivo
,
promover
i
Apoio ao Culto c à TradiçãO lorubás no Brasil
".
Barelli, ex-aluno
da cultura negra e de sua identidade",
da
onde lecionou
ACACAI\,
e o da Fundação
(FUNACULn'),
mitologia
fundada
l
de
I
por Aulio
dos orixás durante
anos. A FUNACULn' também oferece aoS alunos uma biblioteca
~,
"(No ter-
mentar certas práticas rituais" (1992: 14)'4, Os cursoS paralelos se desenvolvem pouco a pouco nos terreiros mais rea.
" "
um candomblé
pela mãe-de-santo,
especializada
I
em
}
história, rcligi30 c cultura dos iorubás. O caso mais interessante talvez seja o do Centro Cultural
1
dado em São Paulo pelo nigeriano Sikiru Saiam i. Nascido em Abeokuta (Nigéria),
wa
Odudu
•
seis
,
,
•
fun-
'
ele chegou ao Brasil em 1982; em 1990 (conforme das em seu livro), fazia doutorado
I • I ,. "
,',-
Cultural
cursos de língua iorubã, além de um curso inti.
Oduduwa
organizava
publicava
Na introdução Salami declara
~.'
ebó, feitiço e magia", ílustrados
brasileiros
com filmes, e a Editora
livros sobre o tema, escritos por brasileiros de seu livro, dedicado
que não se considera
missão "reencontrar
',.
de São
ensinava a língua e a cultura iorubás. O Centro
Oduduwa
.' ~ .t,'
apresenta-
Paulo, na qual, paralelamente, tulado "adivinhação,
~...
as informações
em ciências sociais na Universidade
iorubás":
e nigerianos.
dos orixás africanos,
um simples pesquisador,
a cultura dos africanos
est50 entre os principais
à mitologia
pois tem por
"A fê c o interesse
motivOS que me levaram
dos
a escrever uma
série de livros a respeito dos orixás" (1990: 18). Foi a forte demanda
no merca-
• Saber onde encontrar ess. fonte!>e como consellul-Ias é, atualmente, o novo segredo da rcllgi!O. ror exemplo, o og:iSérgiOde Oxalá, de um terreiro ketu, perguntou-me com Insistência onde podia encontr ••r um exemplar de NU/UI .mbrt rlw'lurlu~ {)rixâ.~ e VQ{/um (19571, de !'iene Verger, que só follradulido para o português em 1999, paril tirar xerox. Quando lembrei a c1equeo texlO era em franch, respondeu.me que Iria ~scvirar" para uaduzl.lo. A maioria dos meus in{ormantesestav,) muilo interessada por todalitcralUra que pudesse lhes dar infonnaçOcs complemcntarcs sobre a ASSENTO 00
300
~
CABOCLO
África c sobre o culto
a05
orixás na Nigéria.
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBll
QUAL
ÁfRICA?
QUAL
TRADIÇÃO?
301
do religioso, essa sede de novos conhecimentos Sucesso dos cursos e da editora.
sobre os cultos, que fez o
discurso de encerramento, importância
o embaixador
de tais iniciativas
da Nigéria Olajide Alo sublinhou
para o desenvolvimento
a
das relações entre a
África e o Brasil. Em 1977, a Sociedade Teológica lorubá de Cultura Afro-brasileira contraESTUDAR OS OOÚS OU A REAFRICANIZAÇÃO
NO RIO DE JANEIRO
tou como professor de iorubá outro jovem nigeriano, Joseph Olatundi Aridemi Osho, aluno da Escola de Engenharia
O primeiro curso de cultura afro-brasih~ira foi organizado
no Rio de Janeiro,
Janeiro. Essa experiência
da Universidade
do Estado do Rio de
durou até o início de 1979, data em que ele começou
em 1976, pelo babalorixá carioca Ornato José da Silva, autor de livros sobre os
a dar cursos no Centro de Estudos e de Pesquisas de Cultura Torubá, dirigido
fundamentos
por Fernandes Portugal.
Benjamin
do culto aos orixás, e teve a colaboração
do jovem nigeriano
Durojaiye Ainde Kayodé Komolafe (Benji Kayodé), estudante
de
medicina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UER)). Kayodé se apresentava como um awo5 que acabara de chegar da Nigéria. Esse "primeiro curso de base para a formação dos seminaristas afro-brasileiros" (CWII),
foi dado na Congregação
Espiritualista
nos cultos
Umbandista
do Brasil
da Silva Pint06 e associada
na época dirigida por Tancredo
à assim
chamada Sociedade Instituto Sanatório Espiritual do Brasil. O primeiro grupo
No prefácio que redigiu em 1983 ao Diciolláriu Eduardo Fonseca (1983), Austregésilode
de
yorubá (Ilagô)-português,
Athayde, então presidente da Academia
Brasileira de Letras, apresenta o autor da obra como um pioneiro, como o primeiro a ter aberto uma "rota turística" para a África, "a fim de que os brasileiros pudessem se aproximar de seus ancestrais", e criado um verdadeiro "marketing" da cultura negra. Em 2 de janeiro de 1977, Fernandes Portugal fundou o Centro de Estudos e
de alunos, todos iniciados no culto, tinha em suas fileiras dois personagens
de Pesquisas Afro-brasileiras, que se tornaria em seguida o Centro de Estudos e
que trabalharam
de Pesquisas da Cultura lorubá. Esse centro tinha um projeto ambicioso, que já
muito na difusão desse tipo de curso no Rio de Janeiro, Ruth
Moreira da Silva e José Beniste, ao lado de Ornato José da Silva (coordenador
fora o do eMo, na Bahia: pôr em contato os iniciados nos cultos e os pesquisado-
do curso da
res em ciências sociais especialistas do estudo da cultura afro-brasileira.
Tata Martinho Mendes Ferreira (presidente
CEUB),
da
CEVE)
e Geral-
do de Freitas Assumpção (secretário da CEVB).Benji Kayodé dava, paralelamen-
esse fim, eram dadas conferências
te, um curso de iorubá na sede do Afoxé Filhos de GandhF, experiência que não durou muito tempo.
dade Estácio de Sá. Cursos de iorubá foram ministrados
Também em 1976 foi fundada
no centro do Rio,
público sempre era composto
a Sociedade Teológica Iorubá de Cultura
nhecimentos
Afro.brasileira, dirigida por Eduardo Fonseca Jr. No prefácio de seu Diciollário
que "os antigos" não haviam transmitido dispunham
cias Políticas e Economia e Expansão do Continente
Africano, professor de
Teologia e Cultura Afro.negra [... J, africanólogo" .Jornalista de formação, Fonseca organizou, em 1976, a
li!.
Semana da Cultura Afro-brasileira,
realizada de
9 a 11 de novembro no auditório da Associação Brasileira de Imprensa.
Em seu
no próprio centro, cujo
por iniciados que buscavam aprofundar
da cultura iorubá. Queixavam-se
yorubá (Iwgõ)-português
(1983), ele próprio se define como "professor de Ciên-
Com
nos terreiros, nas associações e na universi. seus co-
de que eram forçados a isso por-
às novas gerações todo o saber de que
e de que, por causa disso, era preciso ir buscar os conhecimentos
perdidos em outro lugar. Benji Kayodé participou
do centro como professor de iorubá em março de
1977. Como os outros nigerianos que o seguiram, ele se apresentava alto iniciado
no culto da Nigéria e evidentemente
alunos, ávidos de flll1damel1tos,
como um
suscitava o interesse
ou seja, dos conhecimentos
dos
rituais. Vimos que,
em Sao Paulo, cursos específicos tinham por tema os verdadeiros fundamentos 5
Iniciado
no c~lto de Há: NOsadivinhos
tem segredos 6
f ... 1 ou
Vimos, no terceiro
SImplesmente
capítulo,
como Tancredo
, era també_m o chefe do culto omOlocô, A Assoclaçao Cultural
de Há são mais comumente ou mistériosN
awo, segredos
Rccreativa
chamadas (Bascom
da Silva Pinto promoveu
mistura
Filhos de Gandhi
de umbanda
babalaô
a umbanda
'"
"africana".
e de rituais do candomblé
do Rio de)ancíro
foi fundada
de 195.1 c ~ecJarada de interesse publico em 10 de outubro de 1968 pelo decreto Seu pflmclro presidente foi o agã La Pazdo Axe Opô Monlá do Rio deJaneiro.
302
ou 'pai que
1969a: 81). Ele
angola.
em 12 de outubro municipal
A BUSCA DA ÁFRICA NO
nU685.
do culto africano.
Uma das práticas rituais que haviam
Brasil era a adivinhação adivinhatório
pelos odii.s, isto é, as configurações
de Há. Os ] 6 odus principais,
no
na base do sistema
formam 256 combinações
possí-
veis, ligadas, cada uma delas, a uma história (itan) do corpus de conhecimentos de Ifá. O objetivo da adivinhação,
CANDOMBlt
sido esquecidas
QUAL
ÁFRICA'
QUAL
TRADiÇÃO?
portanto,
é, por meio da identificação
doodll.
;$
303
e do
itall
sacrifícios
correspondente
a cada situação particular
que devem cump
rcstrc c o mundo
.
flC
' revelar aos homens os a harmoo' la entre o mundo ter~
para restaurar
sobrenaturaIS,
Os primeiros cursos sobre a adivinhação com . aprendizado do corpus de co h . o Sistema de Ifá incluíam o . n eClmentos das histórias d If' combinou com o estudo da r A' _ e a, que cota0 se logua. cnaçao desses cu 1 xou de provocar conflito . r50S para elos nao deis com os orgamzadores do .. Fernandes Portugal po I _ S cursos oflClais de língua. r exemp o, nao demorou a que t. . dos professores nigcrianos' "H . h' S lonar a legitimidade . oJe a uma corrente q . f ' dente, que parte desses oi" _. til' a IfJna, c ale é proccgCrJanos nao era Iniciada Ec . Cfam muçulmanos, e nada sabia [d '. am anglicanos, alguns . . .' m o culto dos onxás] O _ ' InlCl(lram algumas pessoas" O 'd . . certo (' que eles . u, am a a respeito do d' , que eraITI os antigos alunos d s ISClpulos dos africanos, " os cursos organizados em . A~guns brasileiras não esclarecid d I seu estabeleCImento: os, es umbrados conv . ,ergem a essas pessoas Ios africanos} e tcndem a cal ocar cm d'uVlda todo o se o seu acervo cultural em baixa f d ' . u passado histórico, todo , azen o cntlCas suces 'v b b leiras, dizendo que nada sabe AI SI as a a alorixás brasi. m. gumas pessoas Clt' • fazer obrigações com (,5S f . " ., e salré'lm das casas para es a ncanos. A colabora ão des Portugal e BenJ'j Kayod' t . ç entre o centro de Fernanc ena acabado em d ~. mentos. ecorrenCla desses desentendiI
Em 14 de janeiro de 1978 h ouve a cenrnonia . ~ d ro curso de adivinhação african' e encerramento do primeia, assim como a conr . Ira (filho de Tfá) pelo professor B .. K Hmaçao do titulo de amo . eo]! ayode e pelo bab I . R' A Iabl Ajagunna também t d '. a ao tehard Vinka . ' es u ante mgenano d F I RIO de Janeiro. Tornar-se omo [Fá (aw c k . a acu dade de Medicina do . I' o ,a an) eqUivale a ti' confirmação da "mão de Orunm'I'" (If' '. cr rece )ldo a primeira _ I a a), pomeno grau n . . çao do novo babalaô o sace d o processo de Inicia, r ate que pratica a a t d" Fernandes Portugal que I' r C a lvmhatória. Segundo a passou por essa etapa e didato recebe o colar e a r ' ' nesse momento que o cana lança de Ifa as estátua Ogum, o assento de OrunmiJá (If') , d ' s sagradas de Oxóssi e de a c o Exu que o a h como o livro dos orlils e o dos (' compan a, Oseturá, bem ewo os mterditos rituais). J
Em A linguagem correta dos arisa (1978), Kayodé cita 14 alunos que participaram dessa cerimônia
final; entre eles, o ogã dos Filhos de Gandhi,
Caetano
Pereira de Souza, que recebeu o nome ritual (orunko Ifá) de Odusina, Nilton
Vianna
Reis, mais conhecido
nome de lfasaiyo. Torodê foi iniciado Goméia.
em 1957, aos 14 anos de idade,
blé _ dando obrigação conhecida
trocado
o
por Joãozinho
Vimos como, no fim dos anos 1950, este mudou
ção de origem -"tinha
e José
como Torodê de Ogum, que recebeu
da
seu axé, sua tradi4
as águas", como se diz no jargão do candom
com Mãe Menininha
do Rrasil, representante
do Gantois,
do candomblé
efeito, Torodê de Ogum revive essa passagem
a mãe-de-santo
mais
nagô tradicional.
Com
da tradição
angola
à tradição
dita mais pura dos nagôs como uma perda de pureza: "Isso em 1958 ou 1960, não me lembro exatamente.
Daí ele passou para ketu, mas não deixava de ter
determinadas
festividades
dentro
ca da feitura
[iniciação}.
E.ntão se tornou
Alguns, aqueles que gostavam
do ritual de angola, por exemplo, um terreiro
A partir desse momento,
Torodê foi à Nigéria, "para ver a
dirigiu-se periodicamente
"Depois de ter feito obrigação
lã, desvinculei
a independer,
o meu pai-de-santo
mesmo
porque
na práti. de nação.
do angola, ele fazia, outros que eram ketu, ele
fazia". Em 1974, após a morte de seu iniciador, coisa de perto".
mesclado
de pai-de-santo
à África:
no BrasiL Passei
faleceu e eu já tinha
casa
aberta, já tinha toda a minha equipe formada de ogãs, as equedes. Eu não vou
•
I
I
I
<
ficar a vida toda dependendo de pai.de-santol" Para entender a importância dessas palavras,
é preciso levar em conta a
obrigação
que é imposta aos iniciados de completar
cerimônia
dos 21 anos de iniciação.
anos de iniciação. domblé
Teoricamente,
o ciclo das iniciações
pela
Em 1974, Torodê tinha apenas dezessete
ainda estava submetido
e deveria ter tido um pai ou mãe-de-santo
à hierarquia
em substituição
do can.
a seu inici-
ador falecido. Referir-se a uma tradição mais pura - a tradição africana - permi. tiu que ele afirmasse
sua indepen~ência
e sua supremacia
sobre os sacerdotes
que tinham ficado ligados à prática "misturada" brasileira. EITI 1977, Torodê organizou cursos de língua iorubá e de mitologia
dos
orixás em seu terreiro, o Ilê Axé Ogum Torodê, no bairro do Méier, no Rio de • o~ udli.~ tilmbém são chilmados de cilm' " modo T Inhos pelos quais "v'" .. POSI IVOou negativo, suas arõe' 'oh em os onxas, influenciando dv. ~ .• ~ re os homens O . ' ';va.se atIvas que se deve alimentare tornar _. . s o{/us são considerados entidades qua1.sos mais "vclhos~ são consid""d pro:IClas pelos silcrificios. Seriam o.s filhos de 11,' d ... ososmals"PQd ". ' os a corrente dcadivinhilçãoho' d . crosos . Osodus"respondem" P I ' le esaparecld
Janeiro.
Os cursos eram dados por Benjamin
Kayodé e Richard
Inká Alabi
N
304
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
Ajagunna.
Torodê participava
sistema de conhecimentos
deles como aluno. Dava-se mais importância
ao
de lfá, ào método adivinha tório, e especialmente
ao
estudo dos odils.
QUAL ÁFRICA? QUAL TRADiÇÃO?
~
305
Torodc de Ogum exprime assim a dificuldad . nos de se adaptarem ao . d' e encontrada por vários alu. enSino os africanos'
absurdos no Brasil, não podia entender
baiano, Santo Antônio, que era português.
Nessa época . o nosso grupo era composto . d 1 dessas 14 pesso ~. c 4 pessoas, mas a maioria as n, o entendia, nao aprendia :i f . . • nenhum deles fi f" • n o OI aprovcltavcl quase . . . . cs prr cnram ficar no mêtodo do Brasil o m . t d d j buzlos por intuição Eu . ' e o o c ogar . nunca admiti isso. Porque se existe um método vamos aprender c v ' . . amos executar dentro daquela mecânica li não fi adlvlIlhando, para você adivinh •. . (ar ar, voce pode logar com palito de fósforo
fontes, por outro, reconhece
romQroçodcmllhoou~ij50!
dilha: "Ir à África é muito relativo.
'
Capadócia,
O ensino da língua e da cultura nigeriana'e em estudos antro ló.
iorubás re Ousav . p a em textos da literatura
Como essas obras não estava~o tr:~~O~'d:als como Sixtccn C:0Wrics, de Bascom. difícil para os iniciados' s para o portugues e eram de acesso , os Jovens estudantes n' . delas, modo pelo qual fora Igenanos traduziam trechos rn pouco a pouco divulgad T~ d" qüências desses cursos no rnct.o d as. oro e fala das canseo candomblé: cHouve um choque devid o aos costumes afro-brasileiros estarem sincretil.ados om os santos da Igreja Católica Qu . desvincular essa situaç:io os mais.r d.an.do los afncanosl tentaram cortar, era lansã e que Ogum cr~ São) a IC~IS, que achavam que Santa Bárbara orge, nao se conformaram . I". j Eu a cava h d
a ver ade. um babalaõ n!'lopoderia ser possuido elo . candornl.llé(exceto seog3sou cquedes) s1 tod p s onds, ao passo que os iniciados no a Iradiç.1o cubana, na qual o cullo a If, os possu£dos por suasdivindadcs. Emoora, .M!gundo . I . o preservado as mulh I I In o:ldas nos segredos de !fá .. _' eres es e :Im proibidas de serem ,os cursos de lorode rC'Cebiam Cuba, onde encontramos multos babai . tania mulheres quanto homens. Em aos, a mcdJunldade li' . ç o nos orlxb '= as mulheres s6 pad n o econdlçlio indispensável à InIcia. em receber:l "kof••", pr ImelrO . nlve'1de . ' iniclaç"'o a !fá.
,0,
306
morreu em 1971, eu tive uma curiosidade incrível de pro-
curar a matriz na África. Se, por um lado, Torodê afirma a importância
t preciso
nada.
jovens nigerianos A vantagem
direto com as
Pode-se ir lá, mas se ficar na capital não vai
entrar em contato com os antigos". E ainda, ao falar dos
que davam os cursos no Brasil c que foram seus iniciadores: é que eles conheciam
a língua (inglesa e iorubá]. Eu já tinha
I... l Minha
e com os meus conhecimentos
rituais organizamos tudo.
santo Gisele [Binon-Cossardj
me dizia: "Escute, não se iluda com os africa~
irmã-de-
nos. São sô garotos, são jovens e não conhecem os ritos. O pai, a mãe, os avôs deles, estes sabiam". Mas isso não é importante. conhecemos
Pelo menos, graças a eles,
a língua ... Na verdade, muitos deles nem conheciam o processo
de iniciação. Eles assistiram a isso tudo aqui, no Brasil. O fim dos anos 1970 assistiu a uma evolução AciIna de tudo, eles se revelaram santes do que se havia imaginado: res africanos
do ponto
que faziam os cursos não estavam
Os organizadores
Em 1980,José
crcscente
achavam
conhecimentos,
de programas
Pinto. Ele começou
1970 na rádio
pelos kardccistas,
Umbanda
em SlIa casa. Em 1980, já freqüentava
em Coelho
Espírita Pai !crútlimo1CJ,
QUAL
fundamentos. o Programa
sua carreira
em
com o programa
o Axé Opô Afonjá do Rio de
da Rocha, onde recebeu o título de ogã em 1983. Foi nessa
mesma época que começou
lU
fundada
pelo aprendi-
o que se traduziu
de rádio, inaugurou
Cultural Afro-braSileiro na rádio Roquettc Rio de Janeiro,
que os professo-
interessados
de um saber secreto,
de informações,
Beniste, animador
menos interes.
já estava claro que os iniciados
verdadeiramente
zado da língua, e sim pelo aprendizado por uma demanda
nos cursos de língua iorubá.
de vista. comercial
eram muito caros. Na realidade,
a organizar
centro
cursoS com Richard Ajagunna
de umbanda
situado
na zona norte
na Tenda do Rio de
A respeito desse cenlrO de umbanda, O. J. da Silva (1988: 28) Informa que seu fundador, Pai Jerônimo. foi iniciado no espiritismo aos 12 anos de' Idade, passou em seguida :10culto da "linha
SA BUSCA OA ÁFRICA NO CANDOMBl(
desse contato
que partir em busca da pureza perdida é uma arma~
muitos livros. Então fizemos juntos um trabalho interessante. Eles traduziam,
Janeiro, •• N
Ou São Jorge, que era Jorge da
sírio, c foi para o.cxército romano. Foi por isso que, quando o
meu pai-de-santo
encontrar em 1978 Ti . ção para se tornar babalao' d '. . ,orode prosseguIU sua inicia,proce endo as cenmôn' . O resto do grupo se dispersou A ' las anuais com os africanos. s Kayodé o título de babalaô "p. pOd nove a.no~ de estudos, Torodê recebeu de , ara ar continUidade ao trabalh " . 1984, Torodê começou cnt" . o . A partir de <10 a enSlllar ele mesm ' . !fá, assim como a cultura e o ril I. b' o a pratIca adivinhatória de ua IOru as em seu próp' t . seguinte, organizou um ou do' ' no errelro. A cada ano IS grupos de estudo c cinqüenta pessoas. Tratava-se em I ' .. ' ompostos de quarenta ou ção africana, mas segundo o' ,g~ra..: de 1~lclados interessados pela tradi. . ' propno lorode, ser iniciado n:deCISIVOpara ser aceito no "', ao era um fator curso, pOiS é posslvel Scr sac d d ' iniciado no culto dos orixás"'J. er ate e Jfa sem ser Apóssuaconfirmaçi!ocomoumolfá
por que Ogum teria que ser, para o
AFRICA?
QUAL
TRAOIÇÃ01
~
307
Janeiro.
Em um primeiro
Silva, aluna na seminaristas
CF.UIl,
teve a colaboração
em 1976, do "primeiro
nos cultos afro.brasiJeiros".
um curso no Instituto (li.:Estudos
momento,
l.'
Brasil-Nigéria.
Segundo as informações
curso básico para a formação
Esta também
organizou,
Havia também
de Pesquisas da Cultura
Iorubá
de Fernandes
de Ruth Moreira
11,
caram um dicionário
AntOniO Martins, Zezinho
Fo~o.tinho,
de Fernandes
que foi iniciado
da linhagem
iniciação,
A lbl~
de aprendizado
pelo babalorixá
muito tempo
de Madureira.
(lfá) com a chegada
dos estudantes
africanos.
Custa dos Escravos, de Maupoil).
Mas ele sentia a necessidade
t~. ~niciou-se, então, com o babaJaô cubano ~IVIa no Rio ~e Janeiro
durante
t1~1~a cu.m.p~ld~ somente dende).
Na opinião
quando
de Fernandes
anos 1990, só havia dois babalaôs Zamo~a e Alberto Chiamarelli Onmla (nome
de
"confirmados"
Filho, iniciados
pelo qual se chama
Ifá em Cuba).
dando o curso em sua própria casa. Distribuído meses, o ensino cursos por ano.
passou a ser concentrado
no Rio de Janeiro: Desde]
inicialmente
Mas essas mudanças
A proliferação
de ir adian-
no começo
em Cuba, segundo
introduzida.
africanos é sempre mais difundido
usadas no Hoje em no meio do
das roupas rituais em
certos" que lá teria en.
.-Imitas vezes dão lugar a críticas, pois a tradição em conflito com a tradição afro-brasileira.
A UNIDADE NA DIVERSIDADE
ou sobre o ritual levanta um problema:
zado a falar em nome da tradição? apenas
por serem africanos,
parte da comunidade instâncias
dos
dos iniciados
(INTECAR),
Brasil para ensinar
deles em cursos quem está autorinigerianos
que,
e a esperança
de grande
não pode passar despercebida
de outras
no meio dos cultos afro-brasileiros.
há um artigo deJuana
bro de 1990, no qual a antropóloga
ao longo de dois
o interesse
S~6 de Siwajll, jornal do Instituto
tura Afro-Brasileira
vem
A presença dos estudantes
focalizam
que lutam pela supremacia
No número
Rafaél
a regIa de
994, Adilson
dos cursos de língua iorubá e a transformação
sobre a adivinhação
Ifá (ou awo fakan), o primeiro
e Adilson Martins,
ebômi (iniciado
Ficou amigo
se recebe a "mão de ikin" (os caroços de
Portugal
e a capacidade
habitualmente
Torodê de Ogum também justifica a mudança
africana entra inevitavelmente
Rafaél Zamora Dias (Ifá Siyi), que
01110
de Eduardo
pelo
a maior parte do ano. Na época da pesquisa,
a iniciação
I1Ivel.da IOIClaçao de babalaô,
saias com anágua engomada,
por roupas africanas foi oulra modificação
razão de suas viagens à.África e dos "conhecimentos contrado.
de Benp Kayode e de outros nigerianos, e juntos empreenderam um trabalho de pesquisa bibliográfica (seu livro preferido sobre o assunto e' A . . geo11lallcla fia (fIlllga
a adivinhação
de cada iniciado, o babalorixá pode proclamá-lo
das grandes
candomblé.
Tata
a se interessar
De fato, ele foi inicia-
na Rahia. Em seu terreiro, rcafricani-
anuais: conforme
dia, o uso de panos e turbantes
Bahia). Adilson aprendeu
começou
e sim cerimônias
candomblé,
possuiu uma loja de utensílios
Adilson
muito conhecido
Fernandes
com mais de sete anos de iniciação) antes mesmo do fim desse período. A subs-
com Amor, um velho ferreiro muito conhe-
e que durante
culto d.~ Orun~i1á
publi-
é dado por Adilson
iniciado
são dois dos
do Rio de Janeiro.
zado após suas viagens à África, não há mais a obrigação ao fim dos sete anos de
em 1968 no culto de Oxalá pelo pai-de. ele mesmo
jeje de S. Félix (Cachoeira,
no Mercadão
de Ij~xá, pai-de-sanlo
tituição adivinhatória
Portugal (Babaláwo Sàngótola)
rcafricanizado
do, em 1970, na nação ijexá, por Zezito de Oxum, filho-de-santo
sobre a língua iorubá, como material para os
o O:ICIOde ferreiro de candomblé sagrados
nigerianos,
do candomblé
Portugal define seu terreiro como "ijexá reafricanizado",
,
Portugal.
de nomes rituais. Michael Kayodé redigiu também
da Boa Viagem,
cido e respeitado,
com Beniste,
í
Portugal, em 1990 c 1991, Michacl
!)~sdc1990, um curso sobre a prática santo
dos
representantes
cursos na sede do Centro
K
Torodê de Ogum e Fernandes
da
Nacional
da Tradição e Cul.
Elbein dos Santos, de outu-
se insurge contra os africanos que vêm ao
a tradição africana:
Existe uma grande parte da população negra da Bahia, brasileiros que [...]
em dois dias, em um total de seis
fazem da Âfrica Negra e dos africanos paradigmas idealizados dt' conhecimentos, de sabedoria, de poderes extraordinários. [...] Isso faz com que, sem discri-
'1
d
308
'N..
o
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBL£
minação nenhuma, qualquer estudante da Nigéria, de Benin ou de qualquer
I
!f
outra região [da África ocidental] seja transformado em ídolo reverenciado, fonte de valores e conhecimentos comunidade.
j
QUAL
ÁFRICA? QUAL
que permitirão valorizar suas posições na
Abrem suas casas e seus bolsos - geralmente em dólares ~ para
TRADiÇÃO?
~
309
esses "entendidos", duvidando de suas próprias heranças e ensinamento, este último aqui transmitido de geração em geração.
. todavia, não se restnnge
rinCÍ ia inaugural histórico-social e cultural, a um p p I"d de e das forças cós, . t't inte da ancestra I a mas engloba a energia mlstlca .~ons I ~ . de restituição de axé do aiyé micas que regem o universo na mteraçao dmamICa
r... ] Não serão esses "novos
entendidos" africanos que aportaram na última década às nossas plagas pro-
A
dutos eles mesmos de uma outra experiência histórica colonialista e de repressões culturais, que poderão interferir em nossa tradição, apontando, corrigindo, publicando livros leigos, realizando "jogos" oraculares mirabolantes, inventando conhecimentos. Anossa tradição se realizou e continua se recriando a partir de princípios inaugurais, mas com uma dinâmica própria, participando dialeticamente do tecido social brasileiro (Siwaju 199] -2).
d l"m" (Luz1992b: 67)" e do anw, deste mundo e o a e .. _ no lano religioso, do arkhé, espéO axé se torna, então, a matenahz.açao, ,; plexo básico civilizatório" , . d ado na ongem do com cie de nuc1eo arcaICO O sagr ,. d" "dade da cultura negra. Ora, no d' plexo baslCo IZ um africano. Mas quem IZcom . d t "buição de diferentes etnias. ' 1 1 aI naSCida a con fi Brasil, esta e uma cu tura p ur, . I" d s por um pacto semântico, que . . ~ d' ada uma estanam I£a a As conlrtbulçocs cC I "o aos outros segmentos d"" polemlCas em re aça < "deve elaborar as contra IÇOCSe ,. d contato e rela. 'r de sua identidade estrateglas e da sociedade, cflando a parti , . . tabelecer uma "ação descoçôes" (Santos e Santos 1993b: 42). E preCISO,POIS:e~tiza[ O complexo pacto selonizadora", cujo objetivo é "recompor e consCle " , . e continuidade" (: 42). mântico, sua memona I d _ dcscolonizadora? Trata-se ' tão ao se fa ar e açao Mas o que esta em ques . d d o fim dos anos 1970 anima o do sincretismo, que es e bl aqui do pro ema . 13 A teoria da máscara se tornou d da comUnIdade negra . debate das vanguar as . lares do catolicismo para f . fingiram aceitar os va predominante: os a ncanos , . d B t"de que em razão do princípio I . I Eateona e aSI , escapar à repressao co ama. d f 'cano como incompatíveis e . ndo ocidental e o mun o a fi do corte, via o mu . do africano foi preservado, o . t m E ali onde o mun incapazes de se mlS urare . . s uma simples justaposição contato com o mundo ocidental determmou apena. menor nas comunidades A
Singular visão de uma África que a um só tempo reconhece \ uns (os antropólogos
l
candomblé
a autoridade
de
que fizeram suas pesquisas na África e os membros
do
tradicional) e questiona a legitimidade
dos aos cursos): "Acontece que mal enxergam
de outros (os africanos liga-
nossos irmãos brasileiros que a
África Negra sofreu um terrível processo de colonização, de dcsestruturação seus mais significativos valores tradicionais" (Síwaju 1991-2). Mas nem por isso Juana Elbein dos Santos contesta de resistência
e continuidade",
autenticadas
mesma e seus predecessores efetuaram quais são.essas ilhas de resistência. legitimação
nais. Paradoxalmente,
a eXistência de "ilhas
pelas diversas viagens que ela
à África. A questão,
portanto,
é saber
A África não pode ser o instrumento
de qualquer um; ela deve continuar
pólogos e dos membros
de
das famílias-de-santo
sendo monopólio
de
dos antro-
ligados aos terreiros tradicio-
os organizadores dos cursos do Rio de]aneiro
sustentam
o mesmo tipo de discurso. Depois de terem sido formados pejos africanos, Contestam a legitimidade daqueles que os legitimaram
em suas posições. A reafri-
canização não deve, pois, passar mais pela África, ela não é mais um retorno às raízes africanas: ela passa pela busca dos "princípios
inaugurais"
da religião,
que, "no nível religioso, equivalem ao axé e, no nível filosófico, ao arkhé". A noção de arkhé foi amplamente
utilizada nos trabalhos
de Muniz Sodré,
Juana E. dos Santos e Deoscóredes M. dos Santos. De acordo com o casal Santos, arkhé significa tanto "princípio-começo.origern"
quanto "princípio-poder-co_
mando"; "O sentido arkhé não deve ser entendido
apenas como algo que apon-
ta a anterioridade
e a antigüidade.
O conceito de arkhé, nas comunidades
ciáticas, envolve a idéia de princípio inaugural, constitutivo, experiência" 'l
Luz é o respomável
nacional
dos Santos, c o responsável
pelo Conselho nacional
Consultor
pela Comissão
de elementos
do INTF.CAII, cujo coordenador_geral Juana
culturai~. O sincr~t~sm:'n~::~~:~~le
esses nichos comunitários
peito aos terreiros tradlClOn~Is, em .qu~: :aí decorrente t vada. O movimento de dessmcre Izaça
sáo repre-
'l
é D. M.
E. dos Santos,
daí visa eliminar todos
_ eral da SECNEB,criada em Salvador em 1974. Estas duas que é ao mesmo tempo a coordenadora g . N f de 1993 o endereço da EdItora .. a el central no debate sobre a tradição. o Im , institUições tem p p . .. nal do INfECAB,também era o endereço da sede da SECNEB. Arcmbepe Ltda., que publica S/WQjU, jor . _ religião de negros, em razão da - 's ser definido como uma Embora o caodomble nao possa mal . . 1m otco candomblé dito tradiciob n culto elesedefine(pnnClpa e presença de numerosos rancos o, . t opólogos brancos, como Marco t I d cultura negra. ASSIm, an r na 1) como a expressa0 cco ra a .. .. o no culto crigem-se em representantes Aurélio LU2.ou]uana E. dos Santos, graças a sua lnlclaçã . dos negros brasileiros
310
perante a sociedade domi-
I t rreiros tradicionais da Bahia. sentados pe os e . d ocidental não podem se mistuAf,"rmar que o mundo afncano e o mun o d" s .' . . ealidade do smcretIsmo, ao fi enos no que IZ re rar equivale a afirmar ~ .Irr . ureza do mundo africano foi preser-
recriado r de toda a
de Ciência e Cultura,
•
:~~:ec~B:~i~se s;;6bO~1;~9~0;:;i~':n~:que
ini~
(Santos e Santos 1993b: 46). Para Marco Aurélio LUZI2,fia arkhé,
•
e com eles se identificam.
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
QUAL
ÁFRICA?
QUAL
TRADiÇÃO?
"3
3"
~ 1 J
I
"
'V
•
• I:)
t't':
rl.. ~ •••,..••~~, ~
i'~
,,;),~L...r
te"'\
t--!." l~ '.
05 elementos de origem católica que não têm mais ra7...10de existir, pois o contexto histórico hoje é muito diferente do que existia há décadas, como defende O. M. dos Santos:
}
liberdade de culto no Brasil. Chegou a hora em que todos os responsáveis
I
pelos terreiros das diversas nações existentes no Brasil devem se pronunciar c
,
decidir de uma vez por todas acabar com esse "sincretismo" que os católicos dizem que existe nos cultos afro-brasileiros (Siwaju 1991-2).
"
,}:'
I
,.
.. /
i~:"" !~t.
, •
_I
_
r"f•••
l
j
t
MANIFESTAÇÃO DO LOGUNEDÉ O,
312
ALVINHO OE DMOLO
Basta, portanto, retirar a máscara p.ml que se revele, como que por milagre, a África primordial em toda a sua pureza. À frente desse movimento de dessin. cretização encontramos a ialorixá do Axé Opô Afonjá, Mãe StelJa, que empreendeu urna verdadeira cruzada contra o sincretismo durante a 21 Conferência Mundial sobre a Tradição e a Cultura dos Orixás, organizada em Salvador em 1983: "Poderíamos chamá-Ia da nova líder espiritual da religião afro-brasileira, quando ela [não teve] medo das conseqüências que poderiam advir depois de seu pronunciamento frio, porém duro e oportuno, de que a religião afro não tcm nada a ver com a religião católica" (Silva 1988: 27). Não por acaso essa declaração foi feita durante a primeira COMTOC no Brasil. Com efeito, o movimento de dessincrctização é oriundo da Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil (SECNEB), fundada em 1974 pelo casal Santos, que estava também entre os organizadores das primeiras C01.... ITOC. Foi neste círculo que se definiu uma nova interpretação antropológica das religiões afro-brasileiras, a qual reverberou intensamente nos terreiros. Os diretores da SECNEB, que gozavam de grande prestígio nos meios religiosos afro-americanos em geral e mantinham boas relações com as autoridades políticas e os sacerdotes tradicionais da Nigéria, organizaram um movimento visando não só constituir uma espécie de internacional dos ritos da tradição dos orixás, como também estruturar uma organização "ecumênica" dos cultos afro-brasileiros. Ora, o projeto da SECNEB atendia a uma mudança na percepção da cultura negra, causada pela explosão pan-africanista dos anos 1970 que, no Brasil, assumiu a forma da valorização da cultura afro. "Afro" se aplicou, então, ao negro que tomou consciência de suas origens e de sua própria identidade cultural, e cultura negra, afro, tornou-se assim o estandarte do movimento negro brasileiro, que passou de um discurso integracionista, em que o negro queria
~ A BUSCA DA MRlCA NO CANDOMBll
QUAL ÁfRICA?
QUAL TRADIÇÃO?
~
I I
Estamos em uma democracia e temos uma Constituiç:io que garante a nossa
313
ser aceito como igual - discurso dominante nos anos 1930 _ a um discurso radical, em que o negro afirma sua diferença
14.
Mas, para ser porta-voz desse movimento
oriundo
do pan~africanismo}
era
preciso postular uma unidade de base do mundo negro que incluísse não só os diferentes povos africanos, mas também os negros da diáspora. Um exemplo dessa mudança
de perspectiva
é dado por Marco Aurélio Luz em Cultura negra
e ideologia do recalque (1983), ao sublinhar negra" por intermédio preocupação
a unidade
do que chama a "religião
do culto comum a um Deus supremo.
é demonstrar
que existe uma continuidade
na e a religião afro-brasileira.
entre a religião africaa
"vocação" que elas têm de atualizar sua origem africana no Brasil e de "dar continuidade
ao processo civilizatório
pode se encarnar nas comunidades
negro-africano".
Ora, e5sa vocação só
religiosas que preservaram
estrito "os sistemas simbólicos e rituais que elas herdaram", tradicionais
do candomblé
do modo mais
isto é, os terreiros
nagô da Bahia. Os outros terreiros, por sua vez,
quanto mais próximos estão dos tradicionais, ma religioso de origem se mantém, saltos ou lacunas, e, portanto,
"mais a complexidade
apresentando
maior integridade
do sistee poucos
estando ausentes variáveis simbólicas e rituais
cxógenas ao contexto origina!" (Luz 1983: 31). Assim, os terreiros nagôs tradicionais são, por excelência, os centros em que se exprime essa nova cultura de resistência, os símbolos da construção buscada pelo movimento negro15.
I
de uma identidade
afro, ativamente
salientar
o caráter de resistência
dessa
implantar
instituições
paralelas" (: 132). Logo, se o negro pode jogar polItica-
mente com o sistema, o sincretismo,
que sempre constituiu
busca da pureza do culto, deve necessariamente
um problema
çao" (Santos 1977b: 23). Como o negro no Brasil é evidentemente
um mestiço, fruto de diferentes
contatos culturais, acaba-se buscando os elementos comuns aos diferentes cul. tos religiosos de origem africana, "a analogia de seus conteúdos estruturais bási~ cos comuns e a continuidade elementos
- com saltos e vazios - de um sistema que inovou
essenciais de uma herança mística ancestral" (: 24). Nessa ótica, os
sincretismos
são apenas "mecanismos
continuidade
ao serviço das variáveis", expressões da
e da expansão do uprocesso civilizatório negro".
Ora, onde se concentra
esse processo? Na religião, que desempenha
"papel histórico" na criação dos grupos comunitários "centros
organizadores
de resistência
cultural".
um
que se constituem
Sentimos
como
ecoar a teoria de
Bastide (1960: 542-3), segundo a qual só existem duas reações possíveis à ex~ ploração de uma "raça" por outra: a rebelião ou a aceitação. No primeiro caso, a resistência se cristalizaria quase sempre em torno dos sacerdotes africanos; no segundo, haVeria uma aceitação, ao menos aparente, da cristianização.
O negro volta a ser então o protagonista
de sua própria história, capaz de
criar estratégias que lhe permitam "atuar nos interstícios do sistema". A convcr. são ao catolicismo, longe de ser uma simples cobertura para os negros submetidos à escravidão, é vista como um meio estratégico de jogar Com as ambigüidades do sistema: "A cultura negro-brasileira
emergia tanto de formas originárias
quanto dos vazios suscitados pelos limites da ordem ideológica vigente" (Sodré
na
mudar de rosto: ele se torna,
então, uma "resposta dialética de um longo processo de resistência-acomoda-
Sua principal
Luz classifica as religiões negras conforme
1988: 124). Ou, a'inda/ para melhor
suposta adaptação: "A originalidade negra consiste em ter vivido uma est~tura dupla16, em ter jogado com as ambigüidades do poder e, assim, ter p~d.ldo
Mas
aqui essa resistência estava limitada ao "suicídio, aborto, viver como quilombolas assassinatos dos senhores ou revoltas armadas das 'nações''',
ou seja, à
etapa' que precede a necessária adaptação à sociedade brasileira, da qual um dos produtos será o candomblé.
Bastide vê o "espiritismo
terreiros tradicionais da Bahia, lugares de harmonia
de umbanda"
- e não os
e não de conflito político -
como a religião que poderia, um dia, tornar.se messiânica. Ora, Juana E. dos Santos (1977b) faz de Bastide o garante da missão hege-
.• roi a pilftir do fim d05 an05 1970 que o movimento
negro começou
a defender
etnocentrismo negro. Na Bahia, a iúentidade negra cada vez mais passa bra5i1eira, inscrita n05 terreiros do candomblé lradicional. I~
Em artigo muito Iradicionai5
intell'55antc,
co movimento
esse movimento
Harreto (191:19: 104) 5ublínha
negro, a rcligiàoafro-bra5i1eira
ul11ficar "a elnia"; desempenha d05lJranco5;
permite
a aliança
negro, a qual se lama fonle de prestígio é importante
papel revolucionário
existente
a idéia de um
pela cultura
afro.
entre os terrciros
mônica dos chefes do culto tradicional. Bastide teria reconhecido, dade intelectual"
lei do amadurecimento",
fundamental
por várias razõc5: ela contribui
ao opor seU5 próprios
I~
fOlltC5 de inspiraç<~o para os projetos
polilicos
ES5a e5trutura formou
dupla lembra claramente
Santo5 na Sorbonne.
do movimento
do candomblé
QUAL
ÁFRICA?
QUAL
TRADIÇÃO?
do corte caro a Bastide. É prcci50 dizer que este
no Bra5il e que foi também
É 50bre 5ua teoria da separação
nas "ilha5 de resi5tência"
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
o princípio
toda uma geraç~o de intelectuais
repoU5a. ao lado da vocação
"'
a toda religião iniciática, condenava-o
para
valores aos da relígiào
nl.'j.\fO.
314
que "a
para os chefes de culto. Para
ao negro reatar com seu pa55ado, uma vez que soube prc.~crvar seus mit05 e
seus hcrói5; c uma das principais
por "honesti-
e, apesar de tudo o que escreveu sobre o candomblé,
tradicional,
hcgem.ônica
elltreo
mundo
que a afirmação
de um certo segmento
o orientador africano
deJuana
c o mundo
E..d05
OCIdental.
do processo de des5incretização do candomblé
nagõ.
~
315
a ser apenas um profano, bem como a da visão negra do mundo
(: 26).
r apenas uma simples introdução
à
Baslidc teria também definido existencial" e a "expressão do etl
a verdadeira ne ritu . d . g de como a "afirmação a comumdade negra" Ora que ela se encarna pois é d . , e na relrglao , mais po ereso transmissor d I dessa negritude ou negrismo brasileiro" (: 26) Os v I os va ores ~s~enCiaiS negritude teriam sobrevivido a todo ti d . _ a ores essenCiaiS dessa po e pressao graças ao "d'aI't' cesso de resistência-acomodação" qu d ' I e ICO proou seja, àquilo que ]uan E d S e eu .n~scimento aos diferentes cultos, a . os antas definiU como a "d . continuidade" (, 26) M' esconhnuidade na . . esmo o Sincretismo se t resistência, PO!s veicula, em sua diversidad ,orna, entao, uma forma de negra I'. e, a UnIdade de base da comunidade lOS
lia
I
••
-
•
I
INTECAB, essa identidade tínua e dinâmica
Nessas palavras,
inaugurais
seguimos os rastros de um debate que nasceu no círculo
nuidade
na continuidade"
encontra
.diversidade".
Candomblé
O INTF.cAB é dirigido por um Conse/ho ReI..' . IglOSONaCIonal fo d pertencentes às diferentes nações (nag" . . ' rma o por 22 sacerdotes dca/to nlvel . o, ,ele, congo angola t ) ancestr
316
decorrentes
das estratégias
mentos
entre candomblé
do mesmo "complexo
c umbanda
cultos incorporaram:
são, então,
apenas
de "resistência-acomodação",
de continuidade
para o candomblé,
um colóquio
Sociedades
organizado
e Culturas
qual retomou
assim como instrudas variáveis
variáveis heterogêneas
provenientes
foi desenvolvida
em 1970, najamaica,
Afro-americanas
que os
que deram origem a um "sincre-
outros complexos culturais para a umbanda. Essa idéia de continuidade na descontinuidade durante
na
simples variantes,
cultural de base". A diferença
se reduz à mera diferença
variáveis homogêneas
de
por Bastide
pelo Comitê sobre as
do Social Sciellce ResearcJJ Council,
a noção de "continuidade
descontínua"
no
ou de "descontinuidade
contínua" de G. Gurvitch: Mas G. Gurvitch limitava-se a notar a existência de um duplo movimento dialético cntre a continuidade
c a descontinuidade;
gostaríamos aqui de ir
além e de ver se o exemplo dos afIO-americanos não nos permitiria descobrir um modelo explicativo (e não apenas descritivo) dessa interpenetração continuidade
nas rupturas, bem corno da descontinuidade
de pura manutenção
bem como seu caráter de construção
III
21
da
no que se preten-
do passado (Bastide 1996b: 77). ideológica dessa continuidade21
cultural
22,
Bastide afirma a existência
de
As últimas citações foram extraidas dos folhetos de propaganda do [NTECAB. ~Pode de lato acontecer l... ] de a 'continuidade' não existir realmente, de ser uma simples ideologia, ou da classe branca (para melhor se separar da classe das pessoas de cor) ou da classe negra (para melhor afirmar sua originalidade), fatos, seja, ao contrãrio,
iI desconHnuidade
embora o que exista, por baixo, no domínio
- a ruptura pura e simples com a tradição.
todo caso, em lodos os momentos de ruptura c por toda parte onde a descontinuidade fatos, uma ideologia de compensação,
valorizando
o enraizamento
mente" (Bastide 1996(1: 78). 12 "Assim, as ideologias que querem manifestar a continuidade de hoje à cultura do aho-africano cultura
do afro~amcricano
t;. A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
nos escritos de Muniz
eco na divisa do INTECAR:lia unidade
e umbanda
Embora não deixe de salientar a dimensão No fim da vidil, Roger Bastide modificou sensivelment __ lamento cultura/. Assim, ao fa/arda" . d e sua poslçao quanto à noçào de enquis. . saCIe adedos ncgros" " . SOCiedade recolocando_a na dia/ctie ' ,escreveu: So se pode entender essa . a comunIdade negra ve . preCisamente, chegamos à conclusão d _. r.HIJ comumdade não-negra. mais e que nao eXIste no fund I ' processo continuo de adap",'o "ult Id o cu tura afro-americana mas um _, '- ura osnegrosàs . . . ' polltlca do Novo Mundo" (Bastidc 1970b: 68) VICISSitudes da vida social, econõmica e
con-
negro"w.
Sodré (1988), Luz (1992b, 1993) e Santos e Santos (1970 e 1993), A "desconti.
A
11
como renovação
do processo civilizatório
da SECNEB(cf. Santos 1977b; Luz 1983) e foi formalizado
tismo ~ntertribal" Eis propostos os fundamentos do fut Tradição e Cultura Afro-b '1' ( uro dISCurso do Instituto Nacional da _; _-o rasl eira /NTECAB),fundado em ] 987' , . sao mterna da comunidade f b '" apos uma dlvla ro- raSI clra durante a COMTO d 19 o casal Santos será membro f d d O c c 86, do qual un a oro INTECABl8se a sentação de diversas tradições continuado d presenta como "a reprenos no Novo Mundo" e ' ,ras o legado dos ancestrais africa, reune os terreiros afro b '1. seu intermédio pôr arde - raSI eiraS que procuram, por .. ' m em um campo (o religioso) qu mstancias superioresl9 Seu ob' t. , " e nunca conheceu . Je IVOe preservar e expa d' I dos ancestrais africanos que co t't' n Ir o egado espiritual , ns I UI o amago de nossa'd t'd d existência" bem com f I cn I a e e de nossa , o azer reconhecer o "dir.t "d ' ma:is significativo contingente I' el o a I entidade própria do popu aCIOnaI do Brasil" d "ponto fundamental para a pI rb _, ' sen o esse direito o ena 1 eraçao Integral do povo brasileiro". Para o
se baseia na tradição, "entendida
dos princípios
QUAL ÁFRICA? QUAL TRADiÇÃO?
dos
[...1
no passado, surge, paralela-
que 1ig
de outrora só fazem ressaltar os cortes e as descontinuidades
é uma construç:io,
£01
explode nos
não uma 'seqüência',
uma 'continuação',
'-'l
(a
e essa
317
"conservas culturais" no Nordeste brasileiro que impõem a continuidade cultural como resposta à descontinuidade social. É nessas ilhas de resistência que a "verdadeira negritude" encontra sua expressão: uma ncgritude que nao tem mais a ver com uma ideologia política, e se torna uma "afirmação existencial". ~:a iniciação religiosa nessas conservas culturais, esses pedaços de África transplantados no Brasil, que encarna a verdadeira negritude: a palavra, então, é dada aos membros dos terreiros tradicionais2J, cuja missão é reatar os vínculos com O"processo civilizatório negro". Para encontrar esse processo civilizatório, comum aos diferentes cultos que reivindicam uma origem africana, é preciso, portanto, que as religiões menos puras, como a umbanda, reafricanizem-se, tomando como modelo as religiões mais puras, ou seja, o candomblé nagõ: Os cultos de umbanda professam um profundo e verdadeiro respeito pelos terreirosque pcrperuam os cultos tradicionais.Apesardas diferençaslitúrgicas, das variantes e dos elementos vindos de outros sistemasculturais, fundamen_ talmente, por sua estrurura e sua forma de vida, os cultos de umbanda participam ederivam diretamente do legado africano. Assimo entendem os dirigentes mais esclarecidos da Federação de Umbanda que tentam mantcr bons contatos com os cultos tradicionais e se esforçam em estabelecer uma liturgia umbandlsta unificada rcforçando os elementos de tradição africana que ela contém (Santos e Santos 1970: 162.3).
,
,
Os autores fazem referência aqui a Tata Tancredo da Silva Pinto como o chefe espiritual da umbanda que teve a "consciência da necessidade de unificar num organismo central os cultos afro.brasileiros" (: 162.3). Ora, Tancrcdo da Silva Pinto era o presidente da CEUB, a primeira instituição a organizar Cursos de língua c cultura iorubás no Rio de Janeiro. Ele reconhecia a suprema. cia nagõ, mas afirmava que os crentes bantos eram capazes de compensar a deficiência inicial, determinada pela perda de suas tradições, pela "aplicação estudiosa" (Doyer 1996). Tata Tancredo e~a também o chefe do culto omolocõ (segundo Francisco DaImir, de origem Iuanda-kiOko), apresentado como uma construç.'lo chega mesmo até a traiç.!io, fazendo assim melhor sobressair, para os afrlcanistas, o elemento de dC'scontinuldade que essas Ideologias revelam quanto mais querem escondê-lo)" (Baslide 1996n: 85). lJ
"S6 um sacerdote do cuUo e ocupando lugar elevado na hierarquia podIa nos dar a obra que eu desejava que acontecesse, o que mostra a importância que dou à obra de DcoSc6r~es M. dos Santos, Wt'.H A(riCQfl SaaM Arl Qnd Rltl/al i" RrQzil, 1967, e de sua esposa, }uana ~:Ibein dos Santos, Os Nngõ ta morte, 1972, ou aos escritos em que eles colaboraram, como Em Bar" Laro.v!"
FESTA DOS CABOClOS
(Baslide 1996a: 19).
318
e;. A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOM8l~
QUAL
ÁFRICA? QUAL
TRADiÇÃO?
~
319
forma de umbanda
"africana",
Nacional do
desde sua fundação
INTECAB
ção da tradição cultura
afro-brasileira:
afro-brasileiras
político-religiosos,
Dalmir,
que faz parte do Conselho
em 1987, salienta o caráter de constru-
"Recriada e reelaborada
no Brasil, a religião e a
são fruto de trocas culturais,
político-culturais
e estritamente
de verdadeiros políticos
Para se reforçarem, sincretismo
os cultos mais afastados do "complexo
devem se aproximar
entre umbanda
religiões irmas, pertencentes no Brasil"(l993: expressão
processo
uma falsa solução
da mestiçagem,
para os afro-brasileiros,
Mas quais são os pontos comuns
ciVilizatório
o sincretismo
aos ancestrais
de
é apenas
entre
a
1988: 138-9).
como
"religiões
Mas esse segrc do e,vazio , ele ~ãO existe, a não ser por sua função de redis-
ir-
que seja em direção à forma
trib~:~l~,:~a~~~, 00segredo oagó,0'0 há_oadaaserditodque po::ar:~:~:;.:~:
que formariam
esse complexo
negro? O culto às forças cósmicas
base do processo civilizatório
Luz
negro-africano
com o catolicismo
contanto
e com a estrutura do segr~do: 'caso do allô [awa] na d é institucionalIzado - como e o Quando o segre o ,_ o é o próprio processo iniciático, constituído cultura negra - a comumcaça . _' radualm conjunto de atos ritualisticos, através dos quais se t~amm~te g , por u I n 'o dos tempos, conteúdos secretos. A tensão e mantida VlV~e~ mente, ao o g , "do segredo exibida tanto através de SinaiS 'ruro graças a aparcllcla , d to o o g " , I. _ pública (por exemplo, as t através de ntua lzaçao de ritos secretos quan ~, ' ' , as dos orixás ou dos ancestrais (Sodré "festas" de terreiro) das VICISSitudesmltlC
do
umbandomblé,
e por isso deve ser denunciado
mãs" se torna inteiramente desejável... m~is próxima das origens africanasJ24
particular)
cultural de base",
procura se reforçar através da cosmogonia
ao mesmo
106), Assim, se o sincretismo
da ideologia
inkice, vodum),
denominado
•
(Dalmir
das formas mais puras. A respeito
e candomblé,
afirma: "Desse modo, a umbanda
acertos
entre lideranças
e dirigentes das 'nações' ketu, nagô, gege, angola congo, luanda-kioko" 1992: 186).
como a umbanda,
. \" ,m as "ã hipótese de um espaço . . , a "linearidade irreverSlve ;, " dmg1do para um 'b.J' d de isto é de retorno simbohco . rte operações de reverSl I I a, ' curvo, que compo . busca constante da verdade, - d arência que repousana na Essa noçao e ap, . J E dos Santos dá atenção confunde-se com a noção de axé (ã qual, Vlmos, uana .
Consultor
(egum,
preto-velho,
fundamento de toda religião afro-brasileira, muntu para os bantos (Dalmir 1992: 183).
caboclo),
cultural de
d.' m. mistério daí a sua força. O segredo nao eXiste para, epOls. ' conteúdo (Iingüistico) , de informaçao. - O segr edoeuma ma 1d 'a um re UZlr ,_ de redistribuição de axé, de existência e vigor das regras ca de comumcaçao, em serem "reveladas", 'smico Elas circulam como tal, como nua, s d. o logo co . , d ue deve ser porque dispensam a hipótese ~e que a Verdade eXiste e e q
O
(orixá, baculo, assim como o
ou seja, o axé para os nagôs e o
A
O núcleo da cultura negra não é mais apenas o ethos, próprio às comunidades-terreiros, te" atualizada damentalmente
mas também
e sobretudo
nas comunidades distinta
das aparências",
" A posição diante do sincretismo o casal Santos.
' ( lano religioso) com a de arkllé (no da noçao de axe no p d "vazio"25 As, . )ortanto um terceiro termo: o segre () , , plano filosófico) mcluI, 1 '", btrai às tentativas purando Sodré o arkl1é se torna o vazIO que se su _ Sim, segu, S t 1993b) Para conhecer o arkIJe, ente r;t(ionais de apreensão" (Santos e an os , . < 111 ,<,. .' "'ugurais do processo civilizatório negro, é preciso retomar os pnnClplOs 1l1u. A identificação
a cultura negra é, segundo Sodré
que faz referência
não a um espaço
,
parece ter sido uma das razões da divisão no terreiro de onde
De fato, Mãe Stella, lalorixá do Axê Opô Manjá
primeira a se opor ao sincretismo,
trazida à luz (: 142-3).
transcenden_
religiosas (Luz 1992a: 68). Essa cultura é fun-
da cultura ocidental;
(1988: 136), uma "cultura
provém
seu eidos, "sua dimensão
condenando
dido, mesmo em terreiros "tradiCionais",
de Salvador,
oculto ao caboclo, que era extremamente
como culto não-africano,
foi a difun-
Sua posiçào foi contestada
por
outros terreiros e pelo r"1"ECAB, que defende o culto ao caboclo, pois ele representa o "dono da terra de nosso Brasil" (Siwaju 199}_2), Segundo Ordep Trindade Serra (1995: 63-4), que visivelmente toma o partido de Mãe Stella, se esta não está de acordo com a linha política do INfECAB,ê porque seus "irmãos de fé" (o casal Santos) propõem uma organlzaçào a autoridade
dos iorubas, O autor conclui afirmando
não tem unanimidade
dos cultos de origem africana sob
que a "produç.:lo ideológica" do casal Santos
entre os nagõs da Bahia, "nem mesmo oos terreiros que eles consideram
os mais representativos da tradiçao pura" (: 63.4). Evidentemente, sobre os cultos afro-brasileiros.
320
J
esta em jogo aqui a liderança
•
" e ua\ uer conhecimento mistico que ê transmitido parece estar ,~ Pascal Royer afirma que todo q q ., ' I J E .Iguns casos a transmissão dos d em importanCla ou vazIo... m centrado em um segr.e o ou s 'd.,do "m cada etapa é que os segredos ' d f 'damente Oqueaapren ... segredos pode ser adiada In e In!, . " lasso" (1990: 95), O segredo , f ndamentais serão dadas no proxllno I essenciais, as expllcaçoes u : d d t dição não é portanto, causada pela , . 'e de gaiola vazlil. A per a a ra , . seria, aSSim, uma especl 1987). o.p ia "vazio" do segredo que esta na base fi macalValho( ,eopr r estrutura do segredo, com~a, r .. "ois c1ealimentaa circulaçào de a.té, NAo há segredo . da tradição (o "processo clvlllzaton,o,~e,gIO l, P b ' _ 11'erárquica são os ÚniCOSmeios de entrar algum a ser revelado: o processo imClatlco e a su mlssao 1 em contato com a verdadeira cultura negra,
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO
CANDOMBl~
QUAL ÁFRICA? QUAL TRADiÇÃO?
~
321
(
(~
contato com aqueles que guardaram
e preservaram
te, o axé. Ora, são os chefes das comunidades do poder de realização (Santos 1977b). Por conseguinte,
seu princípio transcenden-
religiosas os receptáculos
do axé2("
se a religião é a expressão da negritude, do arkhé negro, os
depositários do axé passam a ser, a justo título, os representantes
legítimos dessa
negritude. Dessa maneira, os altos inicia~os do culto, pouco importa se negros ou brancos (como Juana E. dos Santos e Luz), transformam-se
em líderes da
Portanto,
falar iorubá é necessário
para ser ouvido pela divindade.
via, se nos terreiros brasileiros a importância
de Exu nunca é posta em dúvida,
este não é o caso nos meios reafricanizados,
nos quais ele parece ser objeto de
uma nova diabolização,
como no livro do professor Dopamu,
invisível do homem (1990), publicado
Exu, o inimigo
pela Editora Oduduwa.
Essa pequena
editora, fundada por um nigeriano que foi professor de iorubá na Universidade de São Paulo, tem por objetivo declarado
a difusão da "verdadeira"
nova luta política dos negros. A iniciação religiosa, que permite a acumulação
africana. O autor, "nascido e residente na Nigéria", é responsável
de (Ixé, patrimônio
mento de religião na Universidade
dos antigos terreiros tradicionais da Bahia, apaga, portanto,
as diferenças de cor ou de classe. Tudo é questão de conhecimento ra t~adiçã~: "Q,uanto mais o conhecimento
da verdadei-
do dogma e da liturgia é profundo,
O dogma! Eis pela primeira vez evocada a doutrina ortodoxia pronta-para-impor
grão africana
estabelecida e fixada a lNTECAH,
das religiões".
O livro, recomendado
das religiões afro-brasileiras,
a
procura esta-
natureza de Exu "à luz da tradição africana":
A controvérsia a respeito des.seser decorre, principalmente, da ignorância por impossibilidade de acesso ao conhecimento
que os cultos afro-brasileiros, em razão da Iiber~a-
de e da dinâmica que têm, pareciam ignorar. Os mentores do
tradição
pelo departa-
de Borin (Nigéria), no qual ensina a "reli-
e o estudo comparado
todos os adeptos ou simpatizantes belecer a verdadeira
maIS o axe se desenvolve e a tradição se preserva" (Santos e Santos 1970).
Toda-
autêntico das tradições africa-
nas. É necessário o conhecimento das origens para que nossa prática e nosso
portanto,
pregam o respeito ao dogma para desenvolver o axé, base do processo civilizatório
discurso sejam coerentes e bem fundamentados.
negro. Resta, assim, determinar qual tradição deve ser preservada.
seiva nutridora (Dopamu 1990, contracapa).
É das raízes que deve vir a
Doparou quer, pois, levar o leitor a refletir sobre a real natureza desse deus EXU ENTRE REAfRICANIZAÇÃO
E UNifiCAÇÃO
por meio de um estudo comparativo
DOS CULTOS
entre o Exu da religião tradicional
e o diabo das tradições cristã.e muçulmana. ~m bom exe~plo
da multiplicidade
de tradições é oferecido uma vez mais por
timidade
da tradução,
pelo termo Exu: "Esse procedimento
da hlstona dos cultos afro-brasileiros, transformaram-no
que Exu é o inimigo invisível, o inimigo espiritual do homem"
em elemento central da metafísica africana. O movimento principalmente
grande número
de reafricanização,
nos cursos de língua, busca restabelecer uma verdadeira comuni-
uma entidade
a legi-
na Bíblia e no Alcorão (na Nigéria), da palavra diabo
l..xu ..c~~oVimos, esse deus conheceu uma série de modificações que, ao longo de entidade demoníaca
iorubá
Pretende assim demonstrar
levou-me
a descobrir,
de autores iorubás contemporâneos nem totalmente
boa, nem totalmente
inevitavelmente, (: 11). Apesar do
que definem
Exu corno
má, Dopamu
cação entre homens e deuses, na qual Exu, na condição de mensageiro, tem papel
encarnação
central. Segundo um iniciado no candomblé,
cupação primordial"
(: 34). Assim, se uma das características
ser o conhecimento,
este é, segundo ele, sempre mal dirigido; e se Exu recebe
aprendizado
da língua tem conseqüências
ele próprio
importantes
aluno de iorubá
sobre a prática do cu;to:
"Quando conheci Torodê, ele me ensinou odki para aproximar-me exemplo, se estou preocupado,
o
de Exu. Por
se tenho um problema que quero resolver, sem
sacrifício de animais, sem nada, posso ir na frente do assento de Exu e conversar com ele. Posso, enfim, fazer com que ele me ouça."
sacrifícios,
do Mal: "defini-lo aqui, como completamente
vê nele a
é unicamente
para manter
os homens
U
322
~
tradicional,
depositários
Essa demonstração
a qualquer
preço leva Dopamu
DA ÁFRICA NO
essência
negativa
jovens praticantes
do axé, a
CANDOMBLÉ
a cometer
por parte de um autor lorubá. Por exemplo.
(' um conselheiro.
A BUSCA
perpetua-
uma série de erros, dificilmente Exu adara
é, segundo
QUAL
ÁFRICA?
QUAL
é muito criticada
atualmente
da religião tradicional Qualguercoisa
TRADiÇÃO?
ele, "outro
de ser mau" (: 98). Ora, o termo odám significa
em iorubá tudo o que é bom, belo e pOSitivo. Ê preciso notar que o fato de atribuir
Lembremos que, àsesignifica "comando " autoridade" ,'-"Ala'a' t.,.
c as divindades
a
mente sob seu controlé •
epíteto usado para descrever Exu e suas qualidades
torna-se IO~ICOatnbUlr aos altos dignitários vanguarda natural" da cultura negra.
de Exu continua
7
compreensíveis
U;
mau, é nossa preo-
a Exu uma
na Nigéria. Assim, no jornal da associação
iorubá, lê-se: "Exu Odara é um multiplicador
que alguém deseja fa2er (ser humano
ou lrunmale),
dos
de idelas seja boa ou
~
323
, •
Evidentemente,
essa visão negativa de Exu tinha de se opor àquela valoriza-
da nos trabalhos de Bastide (1958) e de]uana não se deve subestimar
a influência
tos dos cultos afro-brasileiros. de-santo,
que não possuem
das religiões
E. dos Santos (1977a). Na realidade,
dos escritos dos antropólogos
Exu.se tome o mais solicitado nas dinâmicas religiosas. Talvez aí esteja a razão
pais e mães-
por que seu culto foi e ainda é até hoje combatido pelas forças da repressão
São raros os iniciados, especialmente O mais lido e o mais respeitado
e no plano natural, é lógico que o orixá
sobre os adep.
algumas cópias dos livros mais conhecidos
afro. brasileiras.
Em uma civilização onde a expansão da vida é o valor maior, tanto no plano individual quanto no comunitário
acerca
é, sem dúvida
colonial escravista, ou neocolonial genocida da política de branqueamento, que procuram desvirtuar o seu significado próprio, tentando estereotipá-lo
alguma, o de Juana E. dos Santos, Os Nagô e a morte, pois "ele expressa a tradição
como "diabo" ou coisas que tais, a fim de justificarem.se dizendo estar ata.
do Axé Opô Afonjá", como afirmaram
cando "o mal" (Luz 1993: 71).
muitos de meus informantes28•
então, aceitar essa visão de um Exu identificado
com o diabo, fruto da "verdadei-
ra" tradição,africana, quando Exu constitui o núcleo, o elemento da construção religiosa dos terreiros tradicionais? De fato, Exu é não apenas o transportador 1977a: 161), como também
o propagador
INTECAB, como Vimos, representa os princípios
inaugurais
fosear-se em símbolo Rufino:
Como,
dos sacrifícios,
os teóricos do
no plano religioso, do arkhé,
da cultura negra. Assim, Exu pode inclusive metamorde uma "cultura
negro-brasileira",
Ora, existe tal repressão missionários")
o .ç.lçbÇl (Santos
doaxé, que, segundo
o correspondente,
dinamizador
como a definiu Joel
porque
compreenderam
os agentes
menta o sistema religioso e cosmogônico mos, por ser a única divindade constitui
presente em todas as modalidades
um eixo de comunicação
que movi-
negro" (: 96). Além disso, como vi. de culto, Exu
entre as religiões afro-brasileiras.
As religiões
menos puras têm de apelar para as "religiões irmãs", mais próximas deira tradição
africana,
para que possam
corrigir
da verda-
os erros decorrentes
do
As seitas afro-brasileiras, especialmente o candomblé jeje-nagô, por conservarem relativamente
Nogueira,
inteiras uma visão de mundo e uma teogonÍa africanas,
dramaticamente,
negra busca,
construir. Ela se essencializa, por exemplo, em Exu _ o que
- tudo assimila, o que tudo comunga,
o multiforme,
o amoral, o que abre
"'caminhos, o mensageiro entre deuses e homens (1989: 69).
coordenador
to de Exu: Nas encruzilhadas,
do
INTECAB
no Estado de Minas Gerais, escreve a respei-
como em qualquer outro espaço, a oferenda exige a
convocação do agente dinamizador de todas as relações e da natureza que é Exu- que, mais uma vez, repetimos, não tem na d a a ver com o "tcape a " ou o "diabo" ou qualquer ser mítico "representante
~Exu símbolo múltiplo da cultura negra, mas também tência à "repressão neocolonial":
324
("os padres
sincretismo. Assim, em um artigo dedicado às oferendas nos cultos, Tateto Nelson Mateus
ocupam o primeiro plano dessa imagem que a inteligência
!lO
dessa repressão
o papel central de Exu, "entidade
Exu símbolo de resis.
do mal". A invocação de
Exu é necessária, porque ele, Exu, é o transportador
de tudo, das homena.
gcns ou dos pedidos (Siwaju1991-2).
ruim,devesersancionadapor ExuOdara.Elefaza análisecríticade tudo oque sedeseiafazer;por exemplo.se alguémquer cometerum crime,ExuOdaraanalisaráas possíveisconseqüênciasde tal ato. Apósa análise,a decisãoseráentão sancionada por ExuOdara.Porissoo argumento de que ExuOdaralevoualguéma cometeralgumacrueldadenão é convincenteno queconcerne ao conhecimento espiritual iocubá.Esú é só um analista" (Orunmila 1986:30). Váriosauloreschamamaatençãoparaa influênciada literaturaantropológicasobrea reafricani7..ação dos cultos afro-braSIleiros(Ramos1934; Ribeiro1952;Leacocke Leacock1972;Dantas 1988; GonçalvesdaSilva1992).Bastideescreveu;"Eleslêemos livrosque seescrevemsobreelesepode haver:nfluência.dos mesmossobresuascrençasou religiões,principalmentena medidaem que :ss~s livroscoteramos falosbrasileiroscom os falosafricanos,pois, na impossibilidadede ir à Af~lCa. comose faziaoutrora,o .zeladorde hojeestudaa Áfricaatravésdoslivrosparareformarsua .propria religião"'(1973a:168).Essasituaç~oé ainda maisevidente nosdiasde hoje em razãoda grande circulaçãode paise mães-de-santonos meiosacadêmicos. '
Ora, o autor, que, a julgar por seu título (Tateto), deve fazer parte de um terreiro de origem banta (ou de uma forma africanizada sem restrições a vfsão de Exu legitimada
de umbanda),
pelas pesquisas deJuana
adota
E. dos Santos:
"É sabido que cada Orixá (ou Vodum, ou Bakulo, ou Inkice) representa e é patrono de uma força cósmica, força sagrada da natureza. Assim, Exu [...] é patrono das forças que dinamizam
todas as relações, patrono da comunicação"
(5iwaju 1991-2).
Por meio do INTECAB, e de seu esforço de unificação dos cultos, defende-se uma versão da tradição africana, que deve ser tomada como exemplo pelas outras reli. giões afro.brasileiras homogeneização
para que possam se beneficiar, ao preço de uma improvável
dos cultos, da legit~mação da África reconstruída no Brasil.
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO
CANDOMBl~
QUAL ÁFRICA?
QUAL TRADiÇÃO?
'"
325
1. ~. "o
CONCLUSÃO
Voltemos
às questões
afro-brasileiros.
que pontuaram
nossa viagem
Quais são os mecanismos
ção? Quais as relações de poder que estruturam leiro? Parece doravantc
impossível
uma ou outra das modalidades cionalidade"
e "degenerescência",
da tradi-
apor um rótulo de tradicionalidadc como vimos, permanece
consideradas
completamente
como
05
é reinterpretada
sobre
entre "tradi-
constante,
mesmo
mais puras. Assim, uma instituição
Obás de Xangô do Axé Opô Afonjá, torna-
se o símbolo de urna tradição redescoberta, os tradicionalistas,
dos cultos
o campo religioso afro-brasi-
de culto, quando o deslizamento
nas nações de candomblé inventada,
ao universo
que agem na construção
c sua modificação,
inaceitável para
- e legitimada - segundo uma lógica africa-
na. É em nome de uma maior proximidade
com uma África mítica que um
segmento do culto reivindica sua hegemonia sobre os outros. E são os antropólogos que, ao reconhecer
a tradicionalidade
de uma família religiosa, legitimam
sua posição. Graças ao domínio que têm tanto do saber ritual quanto
do saber
acadêmico, eles de certo modo são os guardiães dos cultos e os garantes da ortodoxia, mediadores
únicos entre estes e a sociedadel.
f: definitivamente
impossível, portanto,
considerar o candomblé
uma reali-
dade bem definida que distinguiria com nitidez aqueles que praticam a religião africana daqueles que se deixam contaminar durante muito tempo foi apresentado
pelas influências
externas. O que
como uma entidade monolítica,
de onde
surgiria a própria essência de um passado imutável, revela-se uma nebulosa em perpétuo movimento. doxia decorrente
Com efeito, apesar da elaboração de um modelo de orto-
da aliança entre um segmento
do culto e os antropólogos,
a
análise da prática ritual mostra uma realidade bem diferente, na qual o modelo ideal de ortodoxia
entra em conflito com os múltiplos
dos com o objetivo de se conformar
Passamos assim de uma visão essencialista virncnto
arranjos rituais pratica-
a esse mesmo modelo. da cultura, dominante
no mü~
de volta às raízes da tradição, para outra em que a cultura é pens.ada
como sendo sempre reinventada,
, A esse respeito, recomendo
recriada,
recomposta
em torno
de novas
a leitura do artigo de Tabor (1976).
~
327
L ,
significações.
Eis o paradoxo
ros: o que é apresentado bem definidas
e bem delimitadas
esbarra na constante identidade
a que chega nossa análise dos cultos afro-brasilei~
pelos antropólogos
como realidades
(os cultos tradicionais
c os cultos sincréticos)
negOciação, pelos terreiros e membros
religiosa. As diferenças
parecem ser instituídas
dos cultos, de sua pelos discursos
que unificaria comum
aparentemente
dos
todos os cultos afro-brasileiros.
parece evidente,
cultos afro-brasileiros,
sobretudo
Ora, se a existência
no que chamo
ela na realidade
os teóricos de uma "unidade
na diversidade".
ximidade
maior com a África é, mais do que nunca,
nas mãos daqueles
minações
outras. Por isso, a análise das redes de comunicação
ligadas a um discurso diferenças
político (no sentido
em termo de pureza
mercado religioso. Toda mudança, ticamente
de ~ma degenerescência,
ma de transformações
que elas implicam
_ estão
mais amplo do termo), em que as
têm por função
confirmar
uma posição
no
toda mutação religiosa, não resulta sistemae deve ser novamente
situada em um siste-
no seio de uma mesma Gesta/t, para retomar
caro a Bastide. Exu, o "construtor em movimento"
hierarquizantes
de pontes",
a encarnação
um termo realida-
de: suas múltiplas metamorfoses revelam como, na prática ritual, as categorias religiosas estão em perpétua negociação. A análise da figura de Exu no conjunto bem diferente
dos cultos dá a estes uma imagem
daquela que os estudos afro-brasileiros
lugar de um mundo
em que reina a harmonia,
nem deve encontrar
lugar, descobre-se
e estratégias
sugerir: no não pode
que uniam
os antropólogos
dessc tipo. Assim, se um modelo
aos cultos proibiam
de tradição
foi privilegiado
outros, não é apenas por causa dos intelectuais, membros
do candomblé;
cujas capacidades
souberam
muito bem manipulá-las
Sodré: "Na Bahia, os descendentes
em relação aos
como afirma Dantas (1988); os
de escravos, donos de terreiro,
ainda hoje
faz letra, o negro faz treta'. Treta significa estratagema,
'O branco
E é essa capacidade nucleo
da tradição cultural
(' da experiência
infame da escravidão,
glf, mas sim deixar emergir a base comum
328
"'
nos
a mudande um
de base", ao qual é preciso voltar
como se, pela eliminação _
rências Mundiais
não é mais
das marcas do passado
brasileiro
de continental.
uma pro-
um instrumento
político
de uma tradição
sobre as
brasileiros,
é evidente,
revela um alcance
Hoje, no Brasil, o movimento
que procura perpetuar
ao se referir à terra das origens
Ilê-Ifé, berço mítico dos iorubás), e a outra,
uma supremacia
historicamente
ça entre chefes religiosos e antropólogos. Em 1990, a 4a Conferência Mundial ocasionado
instaurada
foi organizada
dos terreiros mais reafricanizados.
que o mal-estar
pela preeminência
de reafricanização,
pela alian-
em São Paulo pelos
Com efeito, é ncssa cidade dos terreiros
da Bahia é mais
que se baseia na aliança
religiosa e
política com os iorubás, esconde, na verdade, o desejo de legitimação grupos de culto considerados
novos convertidos
no universo
de certos
da tradição afro-
Assim, a cidade de São Paulo, vista como a pátria da umbanda
cntão desprovida pretende
que
das Confe-
sobre a Tradição e a Cultura dos Orixás está dividido em duas
(ou seja, o país iorubá e, sobretudo,
brasileira.
do que
Reivindicar
da tradição africana na Nigéria,
uma, que reivindica sua legitimidade
represcntantes
de uma base religioso dos
entre os iniciados
e os representantes
no contexto
poderia ser qualificado
de qualquer
atestado de autenticidade
e até
e de tradicionalismo, a 5a Confe-
ser hoje o novo berço da tradição. Por isso é que, durante
rência Mundial
sobre a Tradição e a Cultura dos Orixás, realizada em São Fran.
cisco em agosto de 1997, um representante de São Paulo, fortalecido ças, reivindicou
de reafricanização
o papel de defensor
da tradição
africana
no
aberta aos terreiros de Salvador.
Essa mesma oposição é encontrada
nos Estados Unidos entre uma tradição
ligada à terra africana e outra modelada
no seio da diáspora, em que os adeptos
da religião dos orixás criticam as "traições" a partir dos anos 1960 e em conseqüência de cubanos
do movimento
por suas sucessivas viagens à Nigéria e por suas alian-
publicamente
Brasil, em oposição
permite a emergência
ipso facto, a pureza do passado. Assim, o problema
purifj~Jr~se do sincretismo, c~lomal
atuar
política que é posta em ação para transformar A manipulação
arcaico, de um "complexo
para reencontrar,
aqui,
para chegar a seus fins. Como explica Muniz
astuCla ou habilidade na luta. Significa, para o negro brasileiro, interstícios das relações sociais" (1988: 169-70). ç~ em continuidade.
já
as análises
políticas eu quis evidenciar
cuja importância
forte. O movimento
um universo baseado em manipulações
políticas, um universo que por muito tempo ficou inexplorado,
que os vínculos
co~e.ntam:
costumavam
em que a mudança
que lutam pela preeminência
norte-americanos,
correntes;
do "pensamento
(Bastide 1970c), torna-se, então, o avatar típico-dessa
cubanos,
COlltinIlum
aparece muito mais misturada
gostariam
atores dos cultos, mais que por uma opOSição [cal nas práticas rituais. As denofel igiosas - e as oposições
o
dos santeros2 cubanos. da migração
Com efeito,
de um grande número
que fugiam da revolução castrista, os cultos afro-cubanos
começa-
uma África pura pudesse sur~
° processo
ciVilizatório
negro _
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
, Adeptos da mll/eria, culto afro-cubano
CONCLUSÃO
muito próximo
do candomblê.
.;g
329
ram a se espalhar por todo o território americano. As migrações sucessivas de
tica religiosa elementos
porto-riquenhos,
fon, do vodu haitiano e da egiptologia.
adeptos do espiritismo, e a chegada de nigerianos (iorubás),
de todas as espécies, oriundos da religião de origem
as bases de um
A partir dos anos 1970, alguns afro-americanos partiram para a redescoberta
movimento de reafricanização que parece reproduzir os mesmos desafios ocorridos no Brasil.
das religiões de origem africana, mas, segundo Brandon, nem sempre foram
que praticavam a "religião tradicional africana", estabeleceram
Os estudos clássicos sobre as culturas negras do Novo Mundo durante
bem acolhidos pelos cubanos, que teriam considerado
que, para ser iniciado
na santería, era preciso ser latino. Na realidade, os afro-americanos
não podiam
muito tempo fizeram dos Estados Unidos o típico exemplo de país em que os
aceitar a submissão ritual a brancos3, ainda que fossem os altos dignitários de
mecanismos
uma religião africana. A difícil situação racial nos Estados Unidos esteve, por-
de aculturação
teriam apagado os traços originais das culturas
negras. Os Estados Unidos, entretanto,
são atualmente
um dos laboratórios reli-
giosos mais interessantes das Américas. A reinterpretação ça cultural de ~)figem afro~cubana, à luz do movimento
incessante da heran-
de volta às raízes africa-
nas, permitiu a difusão dos cultos de origem africana em terra americana.
Essa
tanto, na origem da fusão da santería cubana cotn as idéias do nacionalismo negro. O culto orisha-voodoo I1:asceudesse encontro
e do desejo de reviver as
raízes culturais africanas por meio da purificação dos cultos afro-americapos de toda influência católica. O fundador desse movimento,
Walter King, rebati-
renovação se apóia no encontro de uma religião, que se quer ancestral, com as
zado Oba Adefunmi
tecnologias mais avançadas, como mostram os numerosos sites dedicados aos
recebeu o título de "Rei dos iorubás da América", f~ndou em 1970, perto de
cultos afro-americanos
na Internet
brasileira, embora Cuba continue
(cf. Capone,
1999a). Como no exemplo
Beaufort, na Carolina
a ser a referência em matéria de tradição
para os adeptos americanos da santería, "a crítica do sincretismo
afro-católico
VilIage. Seus habitantes e
a busca de uma pureza dos cultos levam um número cada vez maior de novos
Nos Estados Unidos, encontramos
recorrentemente
vado no Brasil, que sempre vai do culto considerado identificado
com a "verdadeira
o movimento,
iden-
menos africano àquele
tradição africana". Assim, os adeptos porto~
do Sul, uma aldeia de iniciados,
O orisha-voodoo,
é apenas um dos aspectos desse grande movi-
contudo,
como o Awo Study Center de Detroit ou o Yoruba Theological
Archministry
do Brooklyn,
em que o estudo da língua iorubá se mistura à
prática da religião. Esse movimento das raízes africanas, livrando-as
concentra
seus esforços na revitalização
ao mesmo tempo de toda influência
a fim de se aproximarem
sallteros, cuja tradição é oriunda historicamente
cubana. Como na passagem da umbanda
ao candomblé
gem do espiritismo à santería é considerada çoar seu trabalho espiritual, assimilando
pela santería
no Brasil, essa passa.
pelos iniciados o meio de aperfei-
dessa maneira a doutrina
espírita ao
mal~estar na comunidade
africanas com os santos católicos. Essa purificação guir uma carreira religiosa que gradualmente
observado no Brasil e que, aqui e lá, passa pelo aprendizado língua sagrada, laissez-passer
principalmente
sob a influência da santerÍa cubana - que se difundiu
no bairro do Bronx, em Nova Iorque (Brandon 1993). Não se
tratava de um simples movimento
pela preservação de uma tradição africana,
O Yoruba Theological
simbólico para o mundo
Archministry
da verdadeira
de uma identidade
nos Estados Unidos uma nova religião, chamada santerismo - variante do espi-
dos
das divindades
obriga os iniciados
os aproxima
dição. Trata-se do mesmo processo de construção
cristã, o
"tradicional"
do encontro
primeiro nível da carreira religiosa. Foi assim que, nos anos 1960, apareceu ritismo porto~riquenho
Oyotunji
mento de volta às raízes africanas que deu origem a um número considerável
que só podia criar um profundo
encarnado
chamada
vive~ de acordo com o modo de vida e as tradições
riquenhos do espiritismo não hesitam em conjugar diferentes práticas rituais, do ideal de africanidade
em país iorubá, onde
Egungun, as máscaras dos ancestrais.
de centros, obser-
por sua iniciação
religiosas dos iorubás, como o casamento polígamo e os festivais dedicados aos
iniciados a olhar para uma África mítica que, em Cuba ou nos Estados Unidos, assim como no Brasil, torna~se o símbolo de um processo de construção titário.
I e legitimado
a se~ tra~
africana
da língua iorubá,
da tradição africana.
teve papel pioneiro
na organização
dos cursos de iorubá nos Estados Unidos. Com efeito, com a difusão das religiões afro-americanas
fora dos bairros latinos (de maioria cubana
e porto-
tal como conservada nos países de forte cultura negra (como Cuba), mas antes de um processo de revitalização cubana, considerada
das raízes africanas. Com base na santerÍa
a expressão da tradição iorubá, foram integrados na prá-
1
As primeiras
ondas de imigração cubana
brancos, entre os quais praticantes
330
~
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
CONCLUSÃO
nos Estados Unidos se constituíram
de uma maioria de
da .~a"tería e de outras religiões afro-cubanas.
.:;;
331
,
riquenha)
e o engajamento
cada vez mais importante
Os cultos afro~americanos, assim, pouco a pouco assumem um novo cará-
dos afro-americanos
mas também dos americanos brancos, o problema lingüístico se tornou inevi~
ter, principalmente
távcl. Nos centros de santería, o ensino religioso tradicionalmente
um a outro (umbanda,
espanhol
é dado em
ou em /ucwní (nome dado em Cuba aos iorubás), que já é bem dife.
omolocô, candomblé,
no Brasil; espiritismo,
nos Estados Unidos) faz com que se considerem
santería,
esses cultos
rente da língua iorubá. Entre os objetivos do Yoruba Theological Archministry
não como realidades distintas, e sim como elementos de um continuunl religio-
estão purificar a língua de tudo o que nela evocar a dolorosa experiência
so, em que cada um deles se constrói em relação ao outro, na busca incessante
da
escravidão e "purificar os conceitos religiosos" para reafirmar a herança africana e apagar os santos católicos, a água benta, as peregrinações, os sinais de uma cultura colonizada. provida de preocupações reinterpretaçãp
científicas,
ou seja, todos
Essa operação de purificação não é des~ que se exprimem
por uma verdadeira
do sistema religioso em busca de uma lógica que, como no
Brasil, teria sido temporariamente Encontramos,
~ -..
orisha-voodoo,
nos Estados Unidos, uma vez que a passagem contínua de
perdida (Edwards e Mason 1985).
de uma verdadeira legitimação. A análise dos cultos afro-americanos
culdade de pensara "misturado", pClos membros dos cultos e por certos antropó~ 10gos4. No campo religioso afro~brasÜeiro, o candomblé mente
pois, a mesma oposição entre uma valorização da identidade
como continuunl religioso, entretan~
to, não parece ainda ser objeto de um verdadeiro consenso, em razão da difi-
considerado
umbanda,
representativo
ainda é freqüente-
de uma pureza africana, em oposição
à
cuja dupla filiação espírita e africana permite pensar a mudança
religio~a iorubá, eleita como o modelo da tradição, e a perpetuação da tradição
ritual e o sincretismo.
religiosa ligada à diáspora. A 51. Conferência Mundial sobre a tradição e a Cultu.
celebração
ra dos Orixás pôs em cena as cisões no interior desse movimento,
nais, continua a ser o modelo de pureza e tradição africanas, do qual os antropó.
prefigurando
No Brasil, assim como nos fóruns internacionais,
de um candomblé
baiano, identificado
a
com os terreiros tradicio-
a criação de um nctwork religioso, mas também político, entre a África, identificada
Iogas baianos
com o país iorubá, e certos grupos religiosos oriundos da diáspora. Assistimos
preferirem) é sinônimo de ~'africano" e continua sendo o termo mais usado para
agora ao confronto
qualificar tudo o que tem a ver com a afirmação das raízes africanas de uma
entre os novos convertidos, os negros americanos, que pro-
curam construir para si uma nova identidade africana, e os iniciados nos cultos afro-cubanos, que defendem sua própria idéia de tradição. Essa oposição tampouco é desprovida de desafios políticos e tensões raciais, que se articulam, como no Brasil, em torno do monopólio da verdadeira tradição. As reivindicações tentativas
do estatuto de Wor/d Re/igion para o culto dos orixás e as
de unificação
dos diferentes
cultos afro-americanos
(candomblé,
ur.nbanda, santería ou vodu, para citar apenas os mais conhecidos)
A aná~
lise das redes que unem os iniciados brasileiros, cubanos e norte~americanos seus correspondentes
identidade negra brasileira'. Mas ser nagá não significa necessariamente
ser negro: a identidade religiosa
afro~brasileira, como vimos, não é exclusiva dos negros, pois inclui todos aqueles que se reconhecem
no universo religioso afro~brasileiro, assim como seus-
grupos de culto. O pertenci menta à religião "negra" não passa pela cor: qualquer um, mesmo branco, pode reivindicar sua essência "negra" e a herança de uma
sob a tutela
iorubá não conseguem esconder os desafios políticos que as sustentam.
(mas não só eles) seriam os porta~vozes. Nagô (ou iorubá, se
a
africanos em país iorubá faz parte doravante da atualidade
tradição africana, como o fez Roger Bastide. O candomblé e os cultos afro-brasi. leiros em geral pretendem
ser u,niversais, no sentido de que constituem
um
conjunto de crenças partilhado por negros e brancos, e até por nisseis, como em São Paulo. Todos se reconhecem nos cultos como "africanos", pois o
lOCU5
de
de todo estudo relativo à evolução dos cultos de origem africana no continente
legitimação continua a ser uma África mítica. A noção de pureza está ligada não
americano.
à noção de raça, e sim a uma origem cultural que valoriza os grupos de culto ditos
Mas as transformações
destes também
decorrem da busca inces~
sante de uma legitimação que só os trabalhos dos antropólogos ofcr~cer: AS. rei~i~dicações aparencla
clentlÍlca
Esse problema,
~e uma supremacia
graças a fronteira
parecem poder
religiosa e política
móvel entre pesquisador
ganham
e iniciado.
manifesto no Brasil há alguns anos, ganha atualmente,
tradicionais.
mais ser patrimônio
~ DA ÂfRICA
NO
de africanos.
• Ver a esse respeito o texto deJames Clifford (1988). l Basta abrir um jornal de Salvador para se dar conta da banalização linguagem
A BUSCA
exclusivo dos descendentes
com a
propagação do movimento de volta às raízes de uma ponta à outra do conti~ nente americano, uma dimensão bem diferente.
332
Essa origem cultural é buscada na África, uma África que legitima
tanto brancos quanto negros no mercado religioso, uma África que não parece
CANDOMBLt
CONCLUSÃO
de todas essas 'noçôes na
diária.
~
333
Além disso, considerar que 05 cultos afro-brasileiros
formam um connl111um
antropólogos
conceitos que lhes são familiares, já que oriundos
religioso real faz com que se deva encarar o estudo do que é misturado. Existe, de fato, todo um universo que nunca foi analisado, já que não é considerado um objeto de estudo suficientemente nobre: é o caso do omolacá ou mesmo do
universo, e dos quais se reapropriam
um~a~domblé,
dúvidas quanto
essa mistura de umbanda
pC~lfenas das grandes cidades brasileiras.
e de candomblé
tão presente
Esse estudo, contudo,
nas
é necessário,
PO~S. se os cultos de possessão constituem um sistema de transformações, a analIse de suas diferentes formas e também das formas misturadas se torna incontornável6•
As diferenças rituais poderiam,
variações na montagem
de elementos
portanto,
religiosos oriundos
tos. Dessa man~ira, em vez de uma uniformização uma .tradiçãO legitimada pelos intelectuais,
da antropologia,
de sistemas distin~
seria possível salvaguardar
Essa dificuldade de pensar o "misturado"
a enor.
transformação.
obriga a refletir sobre os próprios
a qual, com excessiva freqüência,
tradição lugar central normativo.
como
dos cultos sob a direção de
me nqucza oferecida por práticas rituais em constante fundamentos
ser analisadas
concedeu
O campo afro-brasileiro leva a questionar
u~a. série de noções e de práticas que estão na base dessa disciplina.
à
toda
Assim, a
à pregnância
de nossa disciplina:
Junta os dIscursos
esparsos
dos informantes
nas quais tudo encontra
apagadas para dar vida a fascinantes Mas esse trabalho
de polimento
nobres, oper~do por antropólogos ~ das armadilhas
em unidades
notavelmente
seu lugar e todas as contradições
são
antropólogo.
legitima o discurso do Outro. Se o informante de graças ao interesse que o antropólogo
das manipulações o que seus
Informantes ~uscam: uma releitura "científica" que, ao organizar os fragmentos de um. UnIverso africano, legitime suas reivindicaço-es de uma pureza que . nunca eXistiu. No caso exemplar dos cultos afro-brasileiros, estamos assistindo, a. uma queda-de.braço r~hglOso e os antropólogos,
epistemológica
entre os detentores
que são no momento
çao dos grupos sociais estudados7•
Os iniciados
locais do saber
e autorida-
tem por ele, o antropólogo
também
universos tradicionais,
bastiões do autêntico
e da relação harmoniosa
entre o homem
últimos
e o universo.
Essa questão se torna ainda mais complexa porque, no universo dos cultos afro-brasileiros,
a legitimidade
o jogo incessante
mentado,
e dos
todos em busca de uma fala que seja poderosa,
já que
por excelência,
ritual que sustenta As discussões
e imaginária.
Mesmo a iniciação, instân-
não parece bastar: a origem religiosa ou o a iniciação
bizantinas
podem
ser contestados
nos terreiros
de fazer as coisas, em que sempre se encontra
tirá a diferenciação
Vimos
de seus iniciadores
por uma África imaginada
procedimento
iniciador),
daquele que fala sempre é questionada.
entre os discursos dos iniciados,
cia de legitimação
maneira
só faz confirmar
ganha em legitimidade
científica ao "descobrir"
de materiais
nem sempre conscientes
público do
como o antropólogo
ganha em autoridade
quer momento.
que seu objeto lhes prepara,
mais importantes
não se escreve mais sobre um Outro afastado no tempo e
O Outro legitima o discurso do antropólogo,
metafísicas africanas. muito brutos, muito pouco
utilizadas nos dias
no espaço, e sim para um Outro que é, antes de tudo, o principal
legitimada
estruturadas,
de noções ainda amplamente
de hoje na antropologia religiosa. O caso afro-brasileiro também revela uma das mudanças
~a tentaça~,
que
ou entre magia e
religião, cujo trânsito entre o discurso nativo e o discurso sábio só pode lançar
espíritos que os habitam,
metodológico
de seu próprio
no plano científico:
é o caso, por exemplo, da oposição entre puro e degenerado,
analise d~ construção da tradição africana no Brasil se revela exemplar em face cada vez mais forte, de um certo idealismo
uma vez legitimados
c a crítica da legitimidade
um detalhe que permi-
de um iniciado (c, é claro, de seu
só fazem mostrar a extrema dificuldade no qual a própria idéia de ortodoxia
a qual.
sobre a "verdadeira"
de um campo muito frag-
constitui
a fala dos espíritos (ou dos deuses) pode ser questionada,
um paradoxo.
Mesmo
graças às acusações de
simulação. Negar a legitimidade de um pesquisador também é muito fácil, já que ele está
a nova instância de legitima.
preso entre duas opções: não divulgar certas partes de seu trabalho que poderiam
encontram
ser desagradáveis
no discurso
dos
(não tradu?i-Io, não torná.lo
ou assumir o risco de ver irremediavelmente
conhecido deterioradas
do público "nativo") suas relações privile-. I
giadas com os informantes. • O umbandomblê costuma ser reduzido a uma forma de umbanda con<,.d-,"d '. , ' ~ •..'" a por certos autores uma categona mcluslva do campo religioso afro-brasileiro. Nào ê o caso do Sudest lermos"m b""" e,emqueos , acum a e espIritIsmo", conforme o caso, fazem referência, na linguagem po ular ao c~nJunto dos cultos afro.brasileiros, Assim, as formas intermediárias do wlltilllUlm rc1~ios~ 7 contm,uam a ser reduzidas ao pólo de referência considerado o domínio da criaçào sillcrélica Confem a esse respeito Buchholtzer (1993) e Urton (1993), .
334
!>-
A BUSCA DA ÂFRICA NO
CANDOMBLÉ
to" de sc reapropriar tinha
do trabalho do antropólogo.
longas discussões
sobre a tradicionalidade cu ter me interessado
CONCLUSÃO
Ora, não se deve subestimar
com Alvinho
de Omolu,
a capacidade
do "objc- i
Sempre que voltava ao Brasil, \ meu principal
informantc,
da nação efon. Na realidade, para ele, o simples fato de por seu grupo de culto já implicava
a tradicionalidade
'$
335
j)..
li.
I deste, escondida
até que eu, uma antropóloga
"francesa"8, viesse a descobri-la.
REFERÊNCIAS
Meus protestos c meus esforços para explicar que toda tradição era construída constantemente
reinvcntada
de nada adiantaram:
BIBLIOGRÁFICAS
c
o fato de eu haver lançado
meu olhar sobre a nação efon só podia ser a prova de sua tradicionalidade. O caso afro-brasileiro
é igualmente
um bom exemplo
da maneira
como o
antropólogo
aborda seu campo. Na maioria das vezes, o jovem pesquisador
introduzido
no universo que quer estudar por outro antropólogo
1976). No caso do candomblé trahalhar
nos três terreiros
baiano, ele é levado quase obrigatoriamente
considerados
detentores
da tradição
mos como eles atraíram várias gerações de antropólogos, maneira
ou outra,
antropólogos
a esses grupos
cresceram
de candomblé.
religiosos.
nesse universo,
Logo, antropólogos
meiról vez nesse universo.
que conhecem
mas também
às relações
inscreverem em uma tradição tradições e as perpetuam. Iniciaçao
a tarefa daquele
samente
com seus predecessores: os antropólogos
participante,
fascinação
muralha fundezas"
O pesquisador
em um jogo de espelhos
contra
essa vertigem
(Marin
que estruturam dos mecanismos
se torna iniciado verdadeiramente
do abismo,
tanto o discurso nativo quanto que permitiram
cana, bem como dos discursos a uma real compreensão
ao se
legitimam
essas
pelo objeto de estu-
a construção que o sustentam,
das mudanças
e o iniciado perturbador.
contra essa "antropologia
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~
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se confundem?
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e das religiões
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concept
ABRAIIAM,
que entra pela pri~
ligadas não só ao engajamento
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AGUESSY,Honorat e como infor~
de uma boa preparaçao
são múltiplas,
dos
ativos.
se trata dos cultos afro-americanos
iniciáticas em geral. As armadilhas religioso,
muito bem o universo
são membros
AIIIMBOLA,Wande (1973)
até casos em que
poder ser visto como pesquisador
Daí a necessidade
de campo, quando
Vi-
pois suas mães eram fílhas~de-santo
marite só faz tornar ainda mais complexa trabalho
a
africana.
todos ligados, de uma
Encontramos
cultos, mas que deles com muita freqüência -"'Ofato de um antropólogo
é
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Barâ-ajyé:
representação
barracão:
do Exu existencial
salão das cerimônias
do iniciado.
no terreiro.
(011 Bombogira): um dos nomes de Exu nos terreiros bantos. cerimônia dedicada à cabeça e que precede a iniciação. Do iorubá bQ
Rombol1jira
A
bod:
nbiâ: noviço, candidato à iniciação no candomblé. acaçá: oferenda preparada com bolo de milho branco enrolado hananeira. ar/juntá:
Tem o poder
de acalmar
segundo orixá protetor
whj ir
ver
{{ssel/fllmel/to:
C
(l poder de EXll.
OJW.
(/.I".I"Cl1to:
correspondente
cerimônia
em pássaro durante a noite e bebe o sangue
um "trabaiho
de asseI/lar
na umbanda.
material da força sagrada da divindade,
faixas de pano amarradas
nos ombros que compõem
1l1l'O:segredo, mistério. Um awo também é um alto dignitário ao culto de Ifá.
e na
"curhll1dc": trabalho
constituída
de recipien~
vários ingredientes,
entre
cavalo:
as vestes do orixá.
sílnto. Do iorubá ?g': "ordem,
comando,
iniciado
e na
feminino é samba.
também
possuído
em determinado após o falecimento
trançados,
infantis
usada no candomblé
sua "evo.
aos seres humanos. ou um espírito.
amarrados
com os espíritos
mesa brcmca.
devem realizar para cumprir
concedidas
por uma divindade
do contato
é chamada
chamado
que os espíritos
crial1ças: espíritos
também
ao ser abandonada
ritual recebida em hcrança
cllia: meia-cabaça
nos braços do novo iniciado
dos mortos
para
(eS1lI1s).
na umbanda. como recipiente
ritual. A cerimônia
do dcaí
"entrega .da cuia", pois é essa cabaça que simboliza a emanci-
pação quc o iniciado obtém de seu iniciador.
à mesma família-de-
autoridade".
kardecista,
espiritual
fios de palha
protegê-lo
nxé também é uma tradição religiosa que teria uma origem real ou mítica, ligada a a matriz de todos os que pertencem
Seu correspondente
e que ê neutralizada
umJ obrigação
lução", sob a forma de consultas
culltm-cgilllS:
da religião iorubá, ligado
de caboclo
da família.
(entro de /Ilesa: centro
nxé: força sagrada, que pode ser inscrita nas pessoas iniciadas ou em obj'etos rituais. Um
um terreiro considerado
mágico"
de um membro material
no candomblé
IrJdicinn,lis.
"oceano").
(mltlllga-grwJ(le:
lugar. É igualmente
o santo.
tes de barro cozido, de cerâmica ou de madeir
axeú: ritual funerário
presente
(m.,.eS(J: carga, peso. Noção ligada a despacho. Designa a carga negativa que resulta de
il Exu nos terreiros !Jantas.
eles uma pedra (otá) que simboliza a cabeça do iniciado. a(akal/:
cemitêrio
CU/lIl1gt/:
() sal/lo:
representação
indígena,
CllIlI/JOIIO: assistente do pai pClJllclw.na umbandJ.
fixar il força sagrada do orix.í em sua representação cabeça do iniciado.
asseI/lar
espírito
111,li(lI"i:l d(IS terreiros da lI<1hia con.sitleradns
natllral.
divindade
"venerar
em uma folha de
perigosa!>.
ca!Joclo:
simbolizando
njé: feiticeira, do inrubá àjé. Transforma-se de suas vítimas. All/l'aiiÍ:
muito
de um indivíduo.
de pescoço comprido
iniciado no candomblé;
IIdoXII:
uiyé: mundo
as energias
or[:
a cabeça".
"Rodar a cuia" é outra expressão
que
designa o podê. prática ilícita da medicina.
cural/deirismo:
no candomblé.
.~acrificador dm animais ofertados a um oSã.
(lXOSIIIII:
às divindades.
Cargo cerimonial
confiado
D das!!:
cargo rilual ligado ao ritual do padê. Ela é assistida pela sidaStl (ou ossi dagd, do
iorubá osi: "esquerda").
B baba
decâ (receber
kekeré: ver pai pequeI/o.
ba!Ja/(/ô, baba/alVO: b(/b(/híwu
iniciado,
adivinho,
sacerdote
de Há, orixá da adivinhação.
!Jaba/arixá: chefe de um terreiro de candomblé. Do iorubá 1}(/lJalúàri~à(vaba vava/osíllliyill
Do iorubá,
(bab(/ Ilí (/wu: "pai do segredo").
ou bClba/assailll:
/li
o): cerimônia
a pai-de-santo.
àri~à: "pai da divindade").
sacerdote especialista
das folhas, elementos
animais
e oferendas
igualmente indispensá_
e torna
o
terreiro.
demallda: lutas, ataques mágicos entre pessoas do mesmo terreiro de umbanda. des{Jnc/w: ritual dedicado
Termo correspondente
que marca o fim dos sete anos de iniciação
agora ebôlIli, apto para abrir seu próprio
a Exu, antes de toda cerimônia de alimentos.
Também
chamado
os restos das oferendas que são abandonadas
religiosa, com sacrifício padê. Esse termo
de
designa
no mato ou nas beiradas
de um rio.
veis a todo ritual de candomblé.
358
"'
A BUSCA DA ÁFRICA NO
CANDOMBL~
GLOSSÁRIO
359
di/ogl/H;
método de adivinhação
com búzios que substituiu,
no Brasil, a adiv'inhação
Exu "pagão": Exu de umbanda "batizado"
com o apdê. Também chamado jogo dos búzios. saudação ritual para, os orixás que é feita prosternando-se
l/oba/é:
que ainda não foi doutrinado
e que se tornará
Exu
.
no chão.
F grupo de espíritos que,. na umhanda,
E
"fàhmge":
ebó: oferenda
família-de-santo:
ou sacrifício de animais para os orixás. Exu é o transportador
do eM
cbômi: iniciado há sete anos. Segunda etapa hierárquica espírito de um morto. Seu contato
fari: entalhe
também
sob a influência contato
encosto:
B,'{lÍltglÍfI.
obsessor,
um qllillmba,
ferramenta:
Trata-se de uma possessão menos profunda,
em que o indivíduo
no candomblé.
ferro forjado que simboliza
nos
aSSf'I1tos
uma determinada
"qualidade"
durante
fofocas. Instrumento
de controle político muito importante
ros. Os conflitos são canalizados nesses comentários
os iorubás. O termo çlf'gb~a(que também pode ser
tudo o que se opõe ao modelo dominante
contraído em f;'lfsbâ) significa "aquele que tem a força, o poder (agbára)". "evo/uçâo": no kardecismo e na umbanda,
na terlni.
nos terrei-
paralelos, críticas incessantes de
deles. Essa evolução,
mento do mundo material, faz.se graças à doutrinação "caridade".
isto é, o desliga-
dos espíritos e à prática da
G game/eira:
árvore sagrada que ê a morada do deus fraco (FiClls doliaria
geledé: máscaras simbolizando
ext's: partes do animal sacrificado carregadas da força divina, o {/xé. São depositadas
espíritos que se encarnam
guias:
Martills,
rnoracea).
o poder ancestral feminino. nos médiuns de umbanda.
"I
diante do asseI/to da divindade. deus mediador, mensageiro e intérprete
mítico-rituais. EXII-8nrá:
EXII "da porleira": Exu-eg/llll:
Exu de umbanda,
ia/arixá;
do iniciado.
espírito desencarnado.
Termo usado pelos médiuns
para diferenciá.lo
que
ialllí:
do Exu-orixá.
iorubá. Termo usado para distingui-lo
das demais
Detém o poder ancestral feminino
S?-
iamorô;
A BUSCA DA ÂFRICA NO CANDOMBLÉ
a màe-
e domina as artes mági-
às vezes com a feiticeira, a ajé.
chefe das mães ancestrais iorubás, detentoras das artes da feitiçaria. É invocada
na cerimônia do paàê, em sua qualidade de ancestral feminino. cargo ritual ligado ao padê.
iaô: iniciado no candomblé.
360
Termo correspondente
Do iocubá iyá/óóri$à (iyá ní ori$à: "mãe da divindade").
ancestral feminino.
lamíOxorDllgá:
"
chefe de um terreiro de candomblé.
cas. Por isso, é confundida
do orixá.
do panteão
sacerdotisa,
de-santo.
do terreiro.
ao candomblé,
Exu "servidor"
divindade funções de Exu.
EXII-orixá;
iá kekerê: ver mãe pequena.
ligado à vida individual
Exu guardião
p.:lssam da umbanda EXII-escravo;
dos orixás. Divide-se em múltiplas figuras
Do iorubá E~il.
!!.xu existencial,
.i
de tradição.
noção que organiza o mundo dos espíritos
em função da maior ou menor "evolução"
EXJI:
;,
segredo religioso. Tudo o que contém axé.
(uxico-de-sallto:
o padê.
nome dado ao iniciado ou à iniciada no candomblé,
nologia do parentesco religioso. Marca a filiação de um iniciador e de um terreiro. (lIIUlmncllto:
de- um terreiro invocado
~~u entre
{il/1O ou {i/ha-de-sanlo;
fala como uma
como tal.
t~l-flÇgbçm: nome dado a
"faz" o orixá do novi-
o vinculo entre este e seu dono da cabeça, que assim passa a ser
de Exu. Também pode ser usada nos aS,~entos de Ogum, de Oxóssi ou de Ossaim.
em transe.
fundador
de J(/nto) ou a um novo orixá
feitura ou feitura de sal/to: iniciação ({azer o sal/to: "iniciar um noviço para seu orixá").
eré: esp"írito de criança ligado ao orixá "dono da cabeça" do iniciado
essa: ancestral
a um novo iniciado (feitum
a iniciação. ofcrtado a Exu.
seu orixá.
que pode deixar um ser
cargo ritual exclusivo das mulheres que não entram em transe. Auxiliar dos
crtança e se comporta
e azeite.de-dendê
do aos rituais da iniciação. Da mesma forma, o iniciador ço, estabelecendo
(pajela1lça amazônica).
dos cultos indígenas
com um espírito
filhos-de-santo
mas tece
no corpo do iniciado. Dessa maneira, alguém é "feito" uma vez que foi submeti-
huma-no doente ou louco, e mesmo levá-lo ao suicídio. n/llede:
no alto do crânio raspado durante
"ftJ7.cr": dar nascimcnto
Baba Egu",.
espírito ligado à natureza (rios, mar ou mato). Termo usado no Maranhão,
encanlado:
praticado
(aro(a: mistura de farinha de mandioca
pode ser nocivo ao indivíduo.
ERungun ou Egum: ancestral venerado na Ilha de Itaparica (Bahia). Do iorubá Chamado
terreiro,
religioso.
do iau. Do iocubá çgb(m mí:
meu irmão mais velho ou minha irmã mais velha. l'XII"':
na mesma "linha".
a um único
gencalogias complexas entre os diferentes terreiros de um mesmo axé. Parentesco
Ato mágico positivo.
(ç/~b9).
"trabalham"
grupo de culto. Não se restringe
Do iorubá iyàwó: "esposa". Ao contrário
do termo gené-
GLOSSÂRIO
'"
361
rico "filho-de-santo", um ebJIIIÉ ou de um
marca a posição
hierárquica
do iniciado,
inferior
àquela
de
arixá
espírito
cflIzado:
da umbanda
que tem a ver a um só tempo
com duas "linhas"
us(/..
diferentes. divindades
inkicc:
bantas,
correspondentes
aos orixás iorubás. arUI1l:
história
itall:
do corpus de !fá. ligada aos (~(!lis.
mundo
sobrenatural;
atá: pedra que simboliza cone colocado
UX{l:
composto jo:-;o de blÍzios: prática de adivinhação
com a ajuda de conchas. Também chamado
diloglll1.
animais o
l la,'{uirlihâ:
colar ritual de Omolu e de Oxumarê,
i.,,/Ja: nome dado às pombagiras reafricanizadas. Lcsba: nome de Exu nos terreiros jeje.
de chifre preto. Também
grupo de espíritos
na umbanda,
de ervas e ossos misturados sacrificados.
Um iniciado
que pode reunir várias "falanges".
/lu/e peqllm(/; lIIesa bfl/llca:
e chefe do terreiro.
Termo correspondente
assistente direta do chefe do terreiro. ver cCl/tro dc mesa.
Também
p(I(lc: ritual propiciatório
para Exu, quando
a ialorixá.
chamada
interna
do candomblé.
possui hoje um significado
O conceito
mais político
perdeu
que teológico.
sua conotação São "nações"
étnica
de candom-
blé: ketu, ijexá, jeje, cfon, angola, congo, caboclo. /UlSú: nome dado no Brasil aos escravos iorubás. O termo se tornou sinônimo
chefe do terreiro.
do chefe do terreiro.
pUlltu
e
rituais a uma divindade.
m/li: configuração
da prática
Cerimônias
desenho
também
como "assinatura"
oii':: títulos
o conjunto
faixa úe pano que cobre o peito do iniciado
upe/ê:: corrente
de ífá.
em transe.
dá uma combinação oriquí: invocação
de dcndê.
míticas.
a natureza
diferentes
Intermediário
da entidade.
banto.
que têm o poder de chamar as cerimônias
pois a combinação
específica
o espírito
os
rituais. Servem dos diferen-
manifestado.
dos cultos afro-brasileiros. africanos
ou seja, o nome ânfora
na umbanda.
q/lilllllbl1s:
espíritos
"não
provocam
doenças
que exprimem
individual
os vinculas
é conhecida
que ela
por seu nome
de sua "qualidade". ao lado dos assentu.'i.
com água, coiocada evoluídos",
ou mesmo
obsessores.
São nocivos
aos seres hum.:mos
e
a morte.
Refere-se à raspagem
ao ritual de iniciação.
ritual do crànio
do iniciado. quarlo
de iniciaçào
em um terreiro.
da divindade
T
entre o Deus supremo,
Olorum,
tabatiIlS(/:
argíla usada
para preparar
os (Isselltos.
tcneim: indica tanto o local do culto quanto
362
baba kekeri:.
da umbanda.
de sinais cabalísticos
avatilrCS de uma divindade,
pequena
rollkú:
profunda
Do iorubá oríki (divisa).
urixá: divindade venerada no candomblé. e os homens.
e' no candomblé
com os demais orixás. A divindade
específico,
Cada queda
de sinais que remete a um odli.
ou divisa de um orixá. Exprime
c suas características
de caroços
a babalarixâ.
chamado
com giz no chão durante
dos crentes
raspur u santo: submeter-se oito metades
(neste
R
do culto dos Eguns.
à qual são amarradas
Também
para os espíritos
dos ant}gos escravos
Cjllartilllw:
dos homens que não entram em transe. Protetor do terreiro. rituais no candomblé; do iorubá oye.
ojê: sacerdote
Termo correspondente
(flechas, cruz, círculos etc.) identifica
espírito
mantém
Ogl/: cargo ritual exclusivo
ujlÍ;
composto
São reproduzidos
povo-dc-salllo:
para o orixá que o iniciado
ligada ao sistema
cantada
espíritos.
tes elementos
religiosa.
adivinhalória,
na umbanda
invocação
Clmtaâu:
os ancestrais
Q
o oferendas
então arloxu: "aque1c que recebeu
de candomblé
identificado com alguns terreiros baianos da nação ketu.
deve efetuar ao longo de sua carreira
dos
ver familia-de-sant~.
Exu feminino
"qllalidades":
o1Jrisaç{lo:
f:
a iniciação.
como o sangue
podem ser invocados
iniciador,
Preto-Velhu:
tradicional.
durante
ingredientes,
Do iorubá piulr:: "encontro".
assistente
POllliJasim;
iá kekeri:.
rodar a wia).
pai-/ie-santo:
N divisão
será chamado
pai peque/lO:
(lOlltu riscaâo:
"UI/P/O":
a outros
no assento.
no crânio
OXII".
parelltesco-de-sa/lto:
iniciadora
colocada
praticado
p
cham
M mâ('-de-S{/IIto:
ç>rlm.
sobre o corte ritual
caso, será chamado linha:
'do iorubá
a cabeça do iniciado,
a comunidade
dos iniciados
ligada a
~ A BUSCA DA ÁFRICA NO
CANDOMBLÉ
GLOSSÁRIO
363
este. Termo genérico, pode às vezes substituir o nome particular do local do culto em questão (por exemplo, o terreiro do Engenho Velho). Sinônimos:
íNDICE
REMISSIVO
ilê (casa em
iorubã), abassá (nações bantas) e sejá arrtlll (nação jeje). terreiro traçado: terreiro "misturado", rituais (candomblé "trabal1lO":
no qual se praticam
simultaneamente
vãrios
A
e umbanda; xangô e jurema etc.).
ato mágico-ritual com fins positivos ou negativos. Também chamado ebó.
trocar as ágltas: mudat de nação de culto. Passa-se, assim, de um axé (tradição religiosa) a outro, afiliando-se a outro terreiro e colocando-se outro pai-de-santo
sob a proteção mística de
ou de outra mãe-de-santo.
aculturação
152, 227, 237, 261-2, 278,
- pelos livros 34,97,
adivinhação
- pelas conchas
(I(ioXIl
asselltamento
159, 192-3
afiliação religiosa
182-3
africanismo,s, busca dos - 29 africanidade,
266,271,280,293,327,330,
teologia do - 253, 291
333
axexê
movimento
de volta à - 265, 270
problemática
da - 31
viagem "iniciática" à afro-brasileiro,
relativização do termo -
axogul1l
128-9
AZEVI'.DO,
Thales de 242
I
B babalaô, babalawo
ajé 79-80,174
33, 63, 69, 125, 225,
227,271,277,280,297,302,304,306,
10
308
Aláàfin 267, 275, 282-4 DE OMOLU
babalusal1iyill
8,37,39,46,72-3,130_
['acu/o
125
92-3, 320
2,136,147,159,161-2,165,174,182,
Bamboxé
188-9,252,312,335
bantos 13, 15-7, 47, 70, 93,108,11],135,
AJ\L\Do,Jorge
128, 140, 236, 249, 271,
287 Anago
124-6, 131, 269
138,232-3,237-8,240,243-5,247,261, 318,320
254
degenerescência
ANDRADE, Mário de 228-9, 235
8ASTIDE,
Roger
dos ~ 15, 232
13-15,18,20.22-3,26,29_
ANDRADE, Oswald de 228-9, 249
30, 33, 42, 45, 63, 68, 69-71, 74, 82,
Aninha
86,88,92-4,105,122,136,138,164,
33, 125-6,233,235,269,271-2,
274,281,284-6 antropólogos
engajados nos cultos
218,233,238,242.5,247,250_1,253, 20-
l, 251, 271, 277, 288-9, 291, 311, 336 apatam
A BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBl~
•
78
266-7, 274
48-50
I);-
305,310-1,322.2,324 - e arklié 310-1,321,324
-mítica
364
I
axé 33,41,73,77,79,179,251-4,291-2,
ideal de - 7, 21, 256, 330
África
AlVINHO
I
awu 321
x
Akan
i
41, 70, 171
Averekete 88
xirê: ordem ritual das invocações e das danças para os orixás, durante as cerimônias .públicas.
à~~251-3,291-2,322 A~lpa 278-9
160, 163
arljulItó
I
arklié 30,310-1,321-2,324
32,63,156,180,304
- pelos odils 295, 303-4
vodwn: divindade nos cultos de origem fon, como o tambor de mina de São Luís do Maranhão. '
144-5
- por transmissão oral 299
- com o opelê 63, 304
V
aprendizado
330
60
257-8, 260.5, 269-71, 273-4, 287-8, 311,315-8,324,328,333 - e o trabalho de campo
14, 261
~
365
- e Pierre VF.RGF.R238, 243, 261, 269, 274 inOuência
da teoria marxista
noção de emergência noç[lo
260
religiosa
de memória
cabula
26<1
coletiva
29-30,
264
27, 161, 164
entre
degradados oposição
puros
e cultos
18, 29, 260
de corte
261
262.)
da interpenetração
das civili-
teoria
do enqúlstamento
cultural
nagô
18,
243,245,257_8 batuque
92
"caridade",
In,
204, 217,
,;".como
religião
universal
137-9
das pesquisas
Hombonjira
108, 111, 117,
166
13-4.217.8 14,316,320 20, 128, 2]8. 232, 247,
-don 14.37-40,72-3.77,128.9,131, 136-7, 139, 147, 159, 162-3, 170-2, 175, 180, 183, 188, 204, 335-6
BONFIM,M.utiniano
Eliseu do
33, 225,
235-6,271,281.2,296_7
branqueamento,
ideologia
Brasil colonial
do -
221
94, 115
Brasil-cadinho,
hierarquia história 132 - ijexá
ideologia
do -
152.
229
religiosa
no -
150.2. 181-
no -
Inquisiç1ío religião
94
122-
14,37-8,40,
70, 309
- jeje 14,37-8,72,86,
no -
HUFfON 220
- kelu
14,17,122.224-5,232.
c caboclo
]4,27.49,88,98-101,
106, 121,
133, 148, 156, 159-65, 186, 189-90, 197-8,265,300,319_20 culto aos -s
70. 74,82,
127,
estratêgl,l
de apagamento
- na umbanda
27,98-9.
267, 269-70, 277, 280, 289, 301, 305, 320 lado estético - nagó-vodum
320
do -
]47
164
101, 156
141-2,148,271,289 raridade
CtIm'SQ
das pesquisas
266,295,301,
34,82, 140, 145. 168, 266,
318,331
57, 68
"
- em Salvador
297-8
C"RYUt.249,276,287
- em São Paulo 295, 298-302
catimbó
- no Rio de janeiro
83-4
C'\VMMI,Dorival
0.• \0 248,277-8.287.297-8.303
D
Ciri5co
dagli, sidagfl
68.9. 71, 127
complexo
civilizador
Conferências
arric,mo.
I'er j. E.
M. A. Luz, M. Sodré sobre a Tradição e a Cultura (cm.nnc.)
295, -313, 316,
329 Afro-Brasileiro 235-6, 281.2, 285
152,154.177
D"'NTAS,Heatrlz Góis
7, 15. '17, 30. 84,
222.229,231,234,241,285,324,328 deai 151.183,291 racial,
229,236.7,
- de Recife 236.7,295
mito da -
152. 220.
242.3, 263
dessincrclização,
mo\'imento
de - 53.
311,313,3]5
de Espiritismo
de Umb.1nda
dUOSllll,
ver adivinhaçao
pelas conchas.
jogo dos búzios religioso
contracultura.
13.22-3,31.97,102,
ditadura
militar
134, 140,249
doença
movimento
da - 140,249-
50
causa sobrenatural
da - 69. 155, 157,
195,227
COSTALIM•••.Vivaldo
da
14. 20, 23. 42.
137,234-6,248,253.267,269,271.2,
Cmrro Ft".RR"'Z, A)'dano do crianças
77-8
D•••M••• n••• , Roberto
democracia
Congresso
295, 302-9
140, 249
Cm,TA PINTO,Luiz Aguiar da 26, 139,
de adivinhação
304, 308
278,293,295-9,301-3,305,307,309,
276, 279-89, 291
14
o - como fonte de prestígio do _
cursos
121, 134-5, 329, 333-4
14,37.8,62.
125, 223-
- de iorubá
l(mtilllllflll
136-7,142.147-8.164,181,2]7,244,
brasileira
4,241
8, 15, 17,20. 33. 42, 65,
96
- jejc-nagó 236,324
94
11],227
- na Constituição 100-1.
na cultura
89, 106, 108
68.9,76,81,95,128,137,218.231_3,
- da Bahia
]27, 130, 160.
influência
da -
curalldeirismo
249
76
francesa,
235-6, 240, 243, 247, 251, 267, 269,
C(ln~rcsso
308,316
no - 92, 94
popular
C"'IlNFJRU,Édison
dos Orixás
do - no Rio de janeiro
] 62, ] 70, 175, 179, 183,225,289,297,
feitiçaria
do - 13. 23
prática da - 90,97.8,
dos Santos,
4, 186, 189,264
borí 41,204
cultura
271.297
sobre o _
257,260,289 15,38,72,128,307
cuia, rodar a -
popular
148,158,183,189 13-5, 20, 37, 42, 45, 68, 70,
- de caboclo
Exu no - 82 HINON,COSS"'RO, Giscle
13, 15, 19.
121, 150,256,
C"rIN"'M, José Carlos
72,127-8,135-7,139,
nagô
religioso afro-brasileiro
hierarquização
92
candomblé
- congo
16, 82, 83
BomboJ.:ira,
108-9
2. oceano
37.9, 72, 128, 132,
159-61,182,186
327,334
concentração
do candomblé
CRISTOVÃO OI-:OGU:-lIÁ
77
21,27,31,33,48,99,
289,299,302,305,316,320
262,264, 3J I, 316 valorização
campo
Ctl/unS"
- angola
7.,lçOes 261, 263
canjica
91-4
Calunga-ngombe
entre grupo c indivíduo
principio ll'mia
cultos
14-5,237-8,232
162
92-3, 135. 226
calundu
1. cemllério
oposição
366
- no candomblé - no Pantanal
98,160,
167
-c
conversão
141,147.161
dom de nascimento.
medi unidade
como
- 149, 167, 178 242 236, 265. 271
DOMJo'\o VI 89 DOM PF.UllOI de Castilha
114
DOM PWRO II 219
sobre o - banto
$li. BUSCA DA ÁFRICA NO CANDOMBl(
fNDICE REMISSIVO
-"l
367
,
DÓll.1A, Álvaro
236
- dono do paradoxo
57
- -Bará 59,64-5,67,73,157,168
- e !fã 5S
DUIII(HEI"l, Émile 30,247,263
- "compadre"
- e a sexualidade
54, 58
E
- ç(çbQ 57
dança de -
- J;:lçgbçra 54, 58
- da porteira
- el~ru 57
desafio à hierarquia
245, 253, 301 286, 309
- e o mercado
efon 14,37-40,72-3,77,128-9,131,136-
- feminino
- dono da magia
53,61,70,111
- -egum
de -
- -escravo
- mediador
56, 59
folhas sagradas de -
189,271,298,
- mensageiro 27, 78-80, 105, 155, 157,
189,271,320 espírito de morto
evolução 27, 105, 155-8,
160,163,168 polução
espiritual 80,155,331
embambô
85
do -
27, 155
evolucionismo,
medo do -
186
248
da -
219
espírito
despacho
98, 121, 141, 156-7,
159,161,167-8,170,173,175
- Malandro
~ "guia"
-s-mirins
97, 149
- quimbandeiro
100
essa 78-9, 125 de legitimação os iorubás 57, 66
altar de - 60
- Bará-aiyé 59 56
218
53, 60
H
233, 240 162-3
HF.RSI'OVIT.\ Melville].
73, 105, 156-7, 168, 65-6, 72
76, 99
] 92
26, 53
- de Edna de Omolu
família-de-santo
39,131,159,
192-3 204-212 194-202
f"ri
90, 265
- de umbanda
- "pagão"
84, 101, 106
- superior
104.6, 108, 115
feitiço
84, 104, 110, 204-5,
211
133, 3]8
33, 157, 217, 240
63-4
A 8USCA DA ÁFRICA NO CANDOMSl~
Ibéji 57 20
identidade
97, 134
54,92,152,174,222,224_7,232,
301
- cultural
139, 255, 313
- nacional
brasileira
7, 220, 242
negociação
da -
121
feitura de santo, ver iniciação
- religiosa
como
fonte
FEnN.\NLJIõS, Florestan
142
ferramenta 84, 108
78-82, ] 17-8,174-5,267
iamuru 78-9,272 iau 132,142, ]5], ]63, 246
193
Federação
iamí 78-80, 117, 174 Iamí Oxorongá
-, Espírita Umbandista
106
162, 175,
179, 182-4,288-9
- dos cultos afro-brasileiros
202
Exu no candomblé
34-5
Fa 55-6, 59 106
do -. 100, 189-90
- Zé Pelintra
de vida
- de Baiana de Omolu
- de Rosilene de Mulambo
104.5,108
- Tranca-Ruas
56-7,60-2,87,142,
227,235,237-8,240-1,278,289 histórias
de -
30, 264-5
F
- obsessor
altar de -
HALBWi\CHS, Maurice
- -orixá 27,64-5,
121-2
de -
249
68-76
84, 101, 106
para - Barabô
- inferior
Gil., Gilberto
GOMES,Dias 249, 297
para -
- trickster
31, 104
cerimônia
77, ]29
244, 323-4
"qualidades"
108
doutrinação
- de umbanda
24, 33, 47,
173-5, 184
- "cruzado"
debate sobre a abolição
"'
27-9, 31, 89, 99, 110,
104
- "branca"
218-9,221,245
gcIedé 81-2
GOI\INEAU, conde de 220
- no Pantanal
- boêmio
abolição da ~ 20, 49, 90, 124,
73-4
ao diabo
- no despacho
altar de - 99
57
Escola de 5ão Paulo
- carrasco
evolucionistas
gamclejra
69-71, 84-5, 95, 217, 225, 228, 240, iniciaçao
exés 77, 171
- "batizado"
~i, ver carrego
- -Àgbá
104
286
168-9, 171, 175
- no pa.dê 78
- "africana"
erê 160, 167
E~uentre
teorias
Exu na umbanda
42, 75, 189, 305-6
estratégias
97,99-100,
157,250
enfeitiça menta,
escravidão,
cármica
64-5,157,
- identificado
220
Egungun
equede
56
- -Yangi 57,59,66-7,81
culto aos -s 80, ISS egll/1l
168,175,184,188-9
- -Qn~ 60
fuxicas 32, 151-52, 154, 184, 186, 272-3,
G
47
105, 117, 155, 157, 168,
177-90
27, 47, 105, 156-7, 165-6,
- intérprctc
54-6, 69
44, 144, 271, 302-3, 307,
320
24, 26, 64, 225
- identificado
com o diabo
fundamento
25, 63-4, 66
180, 183, 188, 204, 335-6
. - ancestral
368
60
38, 94, 152, 229, 232,
234-8,274
71, 74-6, 240
7,139,147,159,162-3,170-2,175, Egum 27,78-80,
FIlEYRE, Gilberto
cores rituais de - 73
ebá 26,57,64,84,156-7,226-7,233,241,
ebô/1Ii
251,331
32, 63, 177, 240
242
64,169,171
filiação religiosa
37,41,
Há 131, 139, 150,
183 Fon
14, 38, 53-6, 59-61, 86, 225, 238,
íNDICE REMISSIVO
de prestigio
- e E~u 55-6, 63 - no Brasil 304
,
- no Daomé, ver Fa
'-'l
369
,
- na Nigéria
55
Ketu (cidade)
sistema de - 55-6, 63, 304 lkú
81, 267, 269~70, 278-9
KUIlITSC.HF.I(, Juscelino
M
- nos Estados
macumba
57
lIê !fá Mongé
128.3e
Gibanauê
Ilê Ogum Anauegi iniciação
L 25, 49
Belê Iomã
292
18,28,40-1,48,59,64,67,73,
133,141,
LANJ)F.s,Ruth
147, 149-51, 156, 158, 193,
] 1li, 322, 335-6
15, 19,20,42,231,233_4,
237, 24S, 258, 271-3 LebariÍ
- agbwlIlkwe
295, 309-1 J, :H6-7,320,322,
324-
5
altar de -
55,226, 277, 295~9, 301,
303,307-8,323,331
53-4, 56, 251
iorubás
13-4,16-7,20,47,53-7,222,225,
56
- feminino - lwwiall
38,129,210,259
lY"N"ssó
267, 269-70, 275-6
de auvi 54
Mawu-Lisa
Hu- -
60 61
Jeje 14, .U-8, 72, 86,127,130,160,162, 170, 175, 179, 183,225,289,297,308, 316 15,72,128,132,136,
conchas,
sileira
ver adivinhação
pelas
238 na Constituição
bra-
267, 279, 283
kardecismo
18,89.90,
simulação 104
13,22-3,27,48,90-1,97_
100, 102, 134-5, 141, 159 federações mesa branca
espíritas
90
illCllI/1É
sobre os cultos
324
272
19,24,32,35,59,79,87,92, 186,223-5,227,
da possessão
supremacia
"'"
177
ao filho-de-santo
com o espírito
os
189
42, 71, 101-2,249,
251,271,287,295,310_1,314,
316-7,
320, 322, 325
97,159-61
de Oxum
mercado
22,83,
24, 30, 225,
249 16-7, 20, 29,
33,42,68,92,123-4,137,221-6,231,
131, 140, 164,
sobre a -
220
242,274,278
233,236,238,
248,271,283,2H5:296
dos cultos
232, 316
o Obá Tossi 82,124,269.70,272,277,279, 286
88, 93
Obás de Xangô
mistura
272, 281, 284-6, 288,
327
- das raças
220-1, 229
obrigação
16,23,84,121,302,334
modernismo,
semana
do -
228.9
220
MOH,\ES, Zélia
movimento
8, 14,333
21-2, 24, 27.8, 32.3,
debate
MtTIlAUX,Alfred
dos -
NIN,\ ROJ)RI(;UE.\Raymundo
normalização
religioso
-
232,261
74
do Gantois
de
91, 133~4
de reafricanizaçã.o
- em São Paulo - na Bahia
A 8USCA DA ÁFRICA NO CANDOMBLÉ
tradicionalidadc
97, 156, 179,
ver Bastide c Halbwachs
coletiva,
14
do termo
dos - 16-8,222,225,227,
NETO, Torquato
memória
monogenismo Aurélio
com
nagôs
232,267,318
280, 295, 329
293
- no Rio de Janeiro
370
141, 149~50, 152,
de vida do -
- dos cultos 32, 186
de candomblé
160,167,170,178,185-6,188_90
mina
332
Luz, Marco
relações
190, 192, 209
história
mestiçagem,
232-4,241,245,247,257
Kakanfó
211 das
nagô, significado
142, 144, 162, 181, 218, 301, 328, ~33 250
94,109,111-2,114_5,
KARDFC., Allan
209,
320
"naçao"
233,273,305
224
livros, influência
202, 211
N
220
27,31-2,35-6,
Menininha
religiosa
homens 1IIIIIItu
26, 247, 263
Mcninazinha
219
feitiçaria
K
54
87-8
lógica de acusaçao
83-4
39,72,128-31,160-3,
201 dos tabus sexuais
Living Thcatre
dílogun
papel de esposa
55
relação
U.VI,STRAUSS, Claude liberdade
139,168,305
jurema
Lei Áurea
185, 193
H12, 219, 221, 266, 270
- por oposiçao
To- - 60
Legua Boji
jogo dos búzios,
médium
56
transgressão
JO.\()Z1NHO DA GOM~.rA
M..\u.~s,Marcel
56
Icgbas;
das -
32, 192, 194,201,
lH2
61
- llOmesill.'{aJ/
ambivalência - e espíritos
renegociaçao dos-
314
212
de -
Maria de Xangô
56
320, 323, 329-32 242
mulher
194, 247, 260
MM
238,253.4,267,269,279,283-4,301, !roco
129, 160
rebelião
60-1
- e a noção -eogbo
Mãe Runhô
330
313,314
o - e o candomblé
malês 269
Axi- - 60
lorubâ (língua)
23,94,
Unidos
negro
mulheres
334 macumbeiro
malandro,
84-5, 166
Lcgba entre os fon
]20, 325
INTFü\1l
movimento
196, 243.5, 247, 249-50, 258, 260.2,
Lagos SO,253, 266-7, 271, 279, 281, 284,
129
252, 251i, 261, 273, 289, 291, 304-6, illkice
16,18-9,21-3,26,71,83,91,
93-6,102-3,111,121-2,126,138,194,
!lê Axé Oloroquê
I~F.H
242,276
íNDICE REMISSIVO
57, 305, 309
afiliação
por -
175, 183
63-4,73,126,144,295,302_5
ogã
20,41.2,45,75,128,
174,212,
226,233,273,285-6,301-2,305_7
oiê 80, 155 Olga de Alaketu Olódumarc
97, 295
religiosa
orlil
Oloque,
23, 27, 74, 217, 280
58, 253
Oloroquê
38.9, 129-30
~
371
Ql(lrun
55-6
omoJocô
PIMENTEL, Marcos Teodoro
13, 48, 93, 97, 135, 294, 302,
30B, 31B, 333-4
Pombagira
opelê, ver !fá, adivinhação
orixá
26-8, 31-2, 34, 37, 53, 101,
- Cigana
cores rituais da -
179,189,225,299,320
- "cruzada"
"qualidades" Olmz, Renato
- c
do -
63
249-51 ortodoxia
109, 170
109
7,28,31,37,46.7,
70-1, 73,
88-9,91,118,122,144,146,163,165,
- inferior
67
Oyô 40,61,267,269,275,
278-80, 282~4
império de - 279, 283-4 Oyotunji
Village
109
PADllLA,
Maria de 114-5
Pai Adão
109,202-3,
pala monte
parentesco
religioso,
- ccmtmlus ver família-de~san-
- riscadus
conjugais
32, 36,
ao candomblé
27,32,141,145,159-60,166,168,178, 189,330 - Como fonte de prestígio
146
possessao
nJllcú
- como reflexo condicionado
231 237
- no candomblé
163, 167.8, 287 97
372
e;.
santcría
A BUSCA
237
DA ÁFRICA NO
9,291,298-9,301,305-6,308-9,320,
330
324-5, 328, 333 M. dos
21, 70, 77,
CANDOM8L~
- como comunidade
231,250,253,272,275-81,285,287,
- do Axé Opô Manjá
298,310-1,313,317-8,320-2
70,77-79,82,88,125-6,
S,\NT()S, )uana E. dos 20-1, 33, 45, 58, 71,
97, 166 da -
]62-3, 165, 167, 172-3, 178-
261,267,270-3,275,277,280-2,284-
329-33
-como fenômeno psicopatológico
normalidade
228
3,235,237,240.1,249,251-2,25H,
5A;-"Tm,Deoscóredes
- na umbanda
86-8 HS-6
terreiro 127-31, 133, 135-6, 139, 148, ISO,
148
santerismo
- no kardecismo
42, 164,271
16, fl3, 85, 88
]57,159,
167.8, 180, 192,213,244,334
PIF.lt~ON, Donald
83, 88
tenentismu
249
189
samba
16B, 303-4, 308-9
40, 44, 150, 155-6, 161, 165,
PERNAMBUCO, Ulysses 231,234,237
tambor da mata tambor de mina
EXlI na Casa de Nagô
249, 276
s
111,113
PAU.I.A, Balbino Daniel de 42, 280, 298 123, 126
T
80, 183, 186-8, 197-8, 217-8, 225, 231-
99, 111
Pequena
África
ROCIIA,Glauher
22, 138, 280, 287, 292,
EXll na Casa das Minas
RUMERO, Sílvio 220-2
110
PO\{TUGAJ., Fernandes da umbanda
108,231,237,240,
242-3, 273, 324
puntos de Exu e de Pom bagira 314
to
passagem
108,'112,117-8
RIIll.:mo, René 43,84-5,
ROI1RI{;UES, Nelson
- superior
48
pan-africanismo
257,273,285
112
124, 2H7, 310, 315, 317,
313,320
repressão aos cultos 133,141,223-5,231,
205-7, 209
109-10,112
Muniz
320-1, 328 Stel1a de Oxóssi
rebeliões de escravos, I'er malês
110, 112
SODRt,
137,226-8,230-2,235-
- Maria Padilha
205-6, 208
273-4
17-8, 20, 38, 42, 45, 82,
6,242,264,271,324
110, 169-70, 172-
pivô dos dramas
f
luta contra o - 28, 2HO, 295
<)2-3,111,122,
origem ibérica da 76-8,81,86,125,174,233,253,272
262,273,295,299,311,313,315-7,
06, 157
R,\~t(ls, Arthur
208
110
a-
61. 68-71, 73. 225-8, 232,
320, 325, 32H, 330, 333
origem africana da -
padê
]
raspar o santo, ver iniciação
oferendas
p
qllilllllvas
3, 181, 185, 194.5,202
- Menina
331
,
3Hl sincretismo
101
R
- Maria Mulambo 283
2:1 1
SII.\',\1'INI(),Talll':reUOda ~7, 13-.!.5, 302,
115,173,194,202,212 famílias de -s
UX11
109, 112,
158, 162,
- do Recife 231
100-2, 121, 19S,
- dll Hio de J.lJll'iro
- e as mulheres
173, 190-213
'1..
272,274-5,286
Serviço de Higiene Mental
238
- t:omo GILegoria de at:llsaç;10 22-3, 100
- guardiã do casamento
uye 267,275,
21-23,96,
F.xu na -
modelo ideal de-
166,174,179,181,291
quimbanda
115,117,197,201,
167,175,235,286,322,327,335 19,156,158-9,163,
dos Palmare~
I.
321
165, 173
38,42,226
quilombo, Z,Jl)
da prostituta
do - 264, 28!}, 321
- "vazio"
150-1,270
separaçao dos espaços rituais
203,206,209,212-3
estereôtipo
}
Senhora de Oxum
feitiç
él
-easexualidade
10,2, 104, 106, 145, 242,
de scnioridade
Qm,RI;-';o,Manuel
109, 170-1, 186
f
311,313,317
estrutura
lU2, 106, 121, 160, 183, 320
Q
155-6, 158, 163.4, 167, 169-70, 173, 121
princípio
SFCNF.f1
segredo
preto-velho
]74, 177, 180, 183, 189,
249
23,36,64,97,133,141,147,150,
de - 142,148, 152,
lYl,289
220
167,169,171,
331,333
- cruzado
271
108.9, 111, 113, 118, 121. ISS, 158,
oríki 57,267,269,278-9 orisha~voodoo
poligenismo
preslígio, acumulaçâo
axiológíca
13H, 142, 164,
18 L 217, 231, 233, 235-6, 243, 250-1.
77-8, BO,82, 2]8, 250-1, 253-4, 277-8,
261,267,269,271-2,274,277,280-8,
292, 309-11, 315.8, 321-2, 324-5
292,302,307,313,320,324,327
íNDICE REMISSIVO
262
16-7,21-2,42,
~
373
•
1 •
- do Engenho 68,74,
Velho
16-7,20,27.42,
H2, H8, 124-5, 127, 140,217,
"troca
das águas"
tropicalismo
VI,IN,\FII.IJU,Luis 17,238
131,150,183
vodu
249
22S, 233, 240, 251, 267, 269-70, 272,
16-7,20,42,68,70,88,
l!~ll,\
127, 131, 140,217,225-6,2.13,245,
umbanúa
251. 258, 267, 273, 281,285 - do Pantanal
40,47-8,68,83-4,91,96-101,
31:l,72, 129-32, 159-60,
162-4,259 - traç,lÚo
121
H8
57,87,
Waldomiro WEHElI,
21i-30, 32-4,
na -
112, 155-6
261, ~64-5, 266-7, 270-
2,275,281,285-9,293,295,299,305,
"entidades
309,311,317,320-5,327-34,336
evolução social 29,
Max
de Xangô
129-30, 137
245
1H5-6, 189,
de luz"
da - 15,47,225,238,
:no,
história políticas
- invenlaúa
229, 250 da -
29
linhas 3HL
321
- como UNE.~r:{)
tradícionalidade
37,,71,217,236,251,
255,267,
284-5, 289, 295, 327, 335-6
92,97, 107-fl, 110, 151, ISS, 157, 159,
Uniao
23, 320, 334
categoria
de acusação
23
242,248,278 das Seitas Afro-brasileiras
VAl.l:NTE,Waldemar VAI!G,\S,Getúlio
236
231 B3. 136,230
168,183,185,188,197,237,265,282
V~.I.mo, Caetano
terminologia
usada
Ventre Livre, lei do
para a entrada
em -. 10-1
TRINIl,\m:-Sl'IlI!A,Ordrp
18,
v
34, 255, 329
10,20,41-2,45-6,48,74,76,89,
pelos
148, ISO, 186
de - 97-8
umb,lOdomblé
15,243,255-6,289,
tradicionalismo
na -
da - no Rio de Janeiro
89,97,133-5
255, 287
perda da -
99-101, 250
de - 97, 106
hierarquia
327, ]34 - <: ll1od<:rniJadc
96, 100, 108,
espirituc:d na - 98, 101, 156-
falanges
construção
]02,106,150,152
das trevas"
7, 189
257
médiuns
]5,42,164,217,
V~RGER,
140,249 219
Piem... 20,42,61'3,69-70,80+2,86,
111, 125-G, ] 29, 146,219,238,243,248, 251,253-4,261,266-7,269-71,274_5, 277-8,280,282,
"'
15, 84-5
90
13, 26, 48, 1()4, 1.13-4
demanda
249-51,254-7,
- como modelo de interação
374
Chico
13, 48, 97, 104, 134-5.
- "branca"
74, 88, 99, 125, 131, 145,
"cntidades
:~20
XAVIER,
302,320
152,171,217-8,227,229,232,247,
transe
242
66
118, 121.2, 133, 135-6, 138, 141-2,
- "africana"
152, 198
li, 13-4, 17,20.1,
37,47,71,
funçôes
\Vaji
Charlcy
291, 30H, 317-8, 320, 325, 329, 332-4 168, ]05-6, ]09
mágico
tradiç:i.o
10,),
- de Sergipe, nagô e toré
W.~GlEY,
1~1, 194, 1%, 213, 218, 249-50, 2H9,
Toroclê de Ogum trabalho
- de Recife 82,85,231
144-S, 146-8, ISO, 152, 155-6, ISS-9. 163,166-7,169,172,178,
'Iü O'\TA 124-5 IoqUl'1II
H;, 21-21, 26-9, .11-2, 36-7,
16,83,92,235,258
Exu no - 84
w
248,287
x xangô
64, 8H, 320, 325
l/lJdlllll
u
275-6,281,284-5 ~ do Gantois
331-2
A BUSCA
237, 293, 298, 301
DA ÂFRICA NO CANDOMBLÉ
íNDICE REMISSIVO
~
375