SAUDE MENTAL INFANTIL
INÊS MENDE
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25 HORAS
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Objetivos ……………………………………………………………………………………………………………………………….………………….3 Conteúdos programáticos ……………………………………………………………..………………………………………………………….3 Introdução …………………………………………………………………………………………………………..…………………………………….4 1. Fundamentos de saúde mental………………………………………….………………………………………………………………….5 1.1.Definição…………………………………………………………………………………………………………………………………..…...5 1.2.Conceitos básicos de saúde mental………………………………………………………………………….……………………..8 2. Perspectivas preventivas em saúde mental…………………………………………………………………………….…………..11 2.1.Normal e patológico……………………………………………………………………………………………………………………..11 2.2.Modelo preventivo - fatores de equilíbrio e de risco…………………………………………………………………….14 2.3.Crises de desenvolvimento e crises acidentais…………………….…………………………….………………………….17 3. Saúde mental na família………………………………………………………………………………….………………………………..…20 3.1.Criança e família……………………………………………………………………………………….……………..……………………20 3.2.Importância da abordagem familiar………………………………………………………….…………………………………..25 3.3.Objectivos da perspetiva familiar…………………………………………………………….…………………………………...26 4. Criança vulnerável e em risco………………………………………………………………………..…………………………………….30 4.1.Desenvolvimento e vulnerabilidade……………………………….………………………….……………………………….…30 4.2.Algumas situações de risco……………………………………………………………………….…………………………………..32 Conclusão ……………………………………………………………………………………………………….……………………………………….39 Referencias Bibliograficas ……………………………………………………………………………………………………………………….40
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Objetivos: Objetivos gerais
Identificar os conceitos básicos de saúde mental infantil. Desenvolver ações adequadas à promoção da saúde mental infantil.
Objetivos específicos
O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, as características da saúde mental. O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, as medidas preventivas para a saúde mental. O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, as diferenças entre as crises desenvolvimentais e crises acidentais. O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, a importância da família para a saúde mental da criança. O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, os fatores de risco para a vulnerabilidade da saúde mental da criança.
Conteúdos Programáticos:
Fundamentos de saúde mental o Definição o Conceitos básicos de saúde mental Perspetivas preventivas em saúde mental o Normal e patológico o Modelo preventivo - fatores de equilíbrio e de risco o Crises de desenvolvimento e crises acidentais Saúde mental na família o Criança e família o Importância da abordagem familiar o Objetivos da perspetiva familiar Criança vulnerável e em risco o Desenvolvimento e vulnerabilidade o Algumas situações de risco - Carência afetiva materna - Criança prematura - Criança hospitalizada - Criança de família desmembrada - Síndroma da criança negligenciada e batida - Criança psicossomática
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Introdução A promoção da saúde mental tornou-se crucial para qualquer sociedade sendo considerada um sinal de qualidade de vida, levando a um olhar mais atento de todos os profissionais que trabalham nesta área. Do ponto de vista da saúde mental infantil, a compreensão das etapas de desenvolvimento do ciclo vital é fundamental, é nela que se estrutura o psiquismo e se constituem os recursos essenciais numa perspetiva de evolução. Dentro deste âmbito é necessário percebermos que se tornaram comuns os problemas infantis de foro psiquiátrico, que um número significativo destes problemas podem ter um mau prognóstico e que muitas das perturbações da idade adulta têm as suas raízes em fatores de risco da infância. Uma intervenção inicial na promoção de competências que visem aumentar o bem-estar pode ter efeitos preventivos importantes, como é o caso do aumento da auto-estima e da diminuição do comportamento anti-social. O campo da psicopatologia desenvolvimental clarificou de que forma os aspetos do comportamento normativo, tais como as relações com o grupo ou a auto-estima podem estar ligados à propensão para problemas posteriores, como, por exemplo a depressão e o comportamento anti-social. Os problemas com as relações interpessoais entre iguais, parece aumentar o risco de ocorrência de perturbações na infância e no início da adolescência. Outros fatores de extrema importância são os fatores de risco familiar. As crianças cujos progenitores sofrem de problemas de saúde física ou mental têm sido foco de considerável atenção. Vários estudos de crianças cujos pais sofrem de perturbação afetiva demonstram a importância das intervenções na família. Os mecanismos psicossociais por meio dos quais o distúrbio nos pais influencia o desenvolvimento das crianças parecem ser, principalmente, a discórdia familiar e a interferência com as funções parentais. A maior possibilidade que as crianças com problemas de conduta e perturbações emocionais (especialmente as que foram diagnosticadas numa idade precoce) têm de mudar o seu comportamento, reside principalmente na melhoria dos fatores circunstâncias familiares, nas relações positivas de grupos de pares e nas boas experiências escolares. À laia de exemplo, as crianças agressivas provocam, muitas vezes, retaliações e provocações nos outros, o que incrementa e amplia o desenvolvimento dos seus problemas anti-sociais, tendo igualmente a probabilidade de serem rejeitadas pelos pares que são menos agressivos. Estas crianças cometem desde cedo, erros e distorções no que são as perceções face às atitudes do outro, assumindo, com frequência, uma intenção agressiva onde ela não existe. Por serem rejeitadas, as crianças que têm este tipo de características tendem a tornar-se amigas. O que reforça ainda mais o aumento do risco de desenvolvimento do comportamento antisocial, e agrava os seus problemas de conduta. Considerando as intervenções, o alvo deverá ser não só a criança mas também o meio envolvente, os pais, os professores e as escolas onde as crianças passam a maior parte do tempo. Como observadores mais próximos da saúde e do bem-estar da criança, os pais devem atender às suas próprias dúvidas e intuições. Se por algum motivo o aspecto do seu desenvolvimento, seja ele motor cognitivo, emocional ou comportamental os preocupa, deverão pedir ajuda. Para concluir, o que salientamos ao longo de todo este processo de análise, é a importância da Saúde Mental como uma prioridade educativa e uma perspectiva de intervenção multimodal como prevenção, referente aos vários contextos onde a criança se insere, desta forma promover-se-á também factores de resiliência e saúde mental dos, professores e pais. 4 / 40
1. Fundamentos de Saúde Mental 1.1. Definição A Organização Mundial de Saúde entende a saúde como "um estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou dor". Nesta definição, a "saúde mental" é entendida como um aspeto vinculado ao bem-estar, à qualidade de vida, à capacidade de amar, trabalhar e de se relacionar com os outros.
Ao defini-la nesta perspetiva positiva, a OMS convida a pensar na saúde mental “muito para além” das doenças e das deficiências mentais.
Medicamente, a Doença Mental pode ser entendida como uma variação mórbida do normal, variação esta capaz de produzir prejuízo na performance global da pessoa (social, ocupacional, familiar e pessoal) e/ou das pessoas com quem convive.
O conceito de saúde mental deve envolver o homem no seu todo biopsicossocial, o contexto social em que está inserido assim como a fase de desenvolvimento em que se encontra.
Neste sentido, podemos considerar a saúde mental como um equilíbrio dinâmico que resulta da interação do indivíduo com os seus vários ecossistemas: O seu meio interno e externo; as suas características orgânicas e os seus antecedentes pessoais e familiares.
Numa abordagem à influência de fatores sociais na saúde mental, foi referido que a saúde mental deixou de ser a ausência de doença, problemas mentais e psíquicos, mas sim a perceção e consciência dos mesmos, e a possibilidade pessoal e/ou coletiva de os solucionar, de os modificar, de intervir sobre eles.
Problemas de saúde mental mais frequentes:
Ansiedade 5 / 40
Mal-estar psicológico ou stress continuado
Depressão
Dependência de álcool e outras drogas
Perturbações psicóticas, como a esquizofrenia
Atraso mental
Demências
As pessoas afetadas por problemas de saúde mental são muitas vezes incompreendidas, estigmatizadas, excluídas ou marginalizadas, devido a falsos conceitos, que importa esclarecer e desmistificar, tais como:
As doenças mentais são fruto da imaginação;
As doenças mentais não têm cura;
As pessoas com problemas mentais são pouco inteligentes, preguiçosas, imprevisíveis ou perigosas.
Estes mitos, a par do estigma e da discriminação associados à doença mental, fazem com que muitas pessoas tenham vergonha e medo de procurar apoio ou tratamento, ou não queiram reconhecer os primeiros sinais ou sintomas de doença.
O tratamento deverá ser sempre procurado, uma vez que a recuperação é tanto mais eficaz quanto precoce for o tratamento. Mesmo nas doenças mais graves é possível controlar e reduzir os sintomas e, através de medidas de reabilitação, desenvolver capacidades e melhorar a qualidade de vida.
Ao longo da vida, todos nós podemos ser afetados por problemas de saúde mental, de maior ou menor gravidade.
Algumas fases, como a entrada na escola, a adolescência, a menopausa e o envelhecimento, ou acontecimentos e dificuldades, tais como a perda de familiar próximo, o divórcio, o desemprego, a reforma e a pobreza podem ser causa de perturbações da saúde mental. Fatores genéticos, infeciosos ou traumáticos podem também estar na origem de doenças mentais graves.
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Apesar de se tratar de áreas distintas, alguns problemas relacionados com a saúde mental têm sido tradicionalmente vinculados de forma automática à deficiência, resultando num reforço da exclusão que costuma acompanhar ambas condições.
Quando alguns problemas de saúde mental tais como o autismo, a esquizofrenia, a depressão ou as diferentes variantes do atraso mental são abordados exclusivamente a partir de uma perspetiva médico-assistencialista, tendem a ser reforçadas as dinâmicas de segregação e de dependência da pessoa, em detrimento das suas possibilidades de desenvolvimento e do exercício da sua condição de pessoa.
A abordagem do desenvolvimento inclusivo no âmbito da saúde mental procura alternativas que protejam os direitos humanos, sociais e económicos das pessoas com problemas de saúde mental ou deficiência intelectual, fortalecendo a sua capacidade de auto-cuidado e autonomia pessoal para uma vida independente.
Os indivíduos afetados por problemas de saúde mental são cidadãos de pleno direito. Não deverão ser excluídos do resto da sociedade, mas antes apoiados no sentido da sua plena integração na família, na escola, nos locais de trabalho e na comunidade.
A escola deverá promover a integração das crianças com este tipo de perturbações no ensino regular.
Deverão ser criadas mais oportunidades no mundo do trabalho para as pessoas portadoras de doença mental.
O envolvimento das famílias nos cuidados e na reabilitação destas pessoas é reconhecido como fator chave no sucesso do tratamento.
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1.2. Conceitos básicos de saúde mental A promoção da saúde mental tornou-se crucial para qualquer sociedade sendo considerada um sinal de qualidade de vida, levando a um olhar mais atento de todos os profissionais que trabalham nesta área.
Do ponto de vista da saúde mental infantil, a compreensão das etapas de desenvolvimento do ciclo vital é fundamental, é nela que se estrutura o psiquismo e se constituem os recursos essenciais numa perspetiva de evolução.
Dentro deste âmbito é necessário percebermos que se tornaram comuns os problemas infantis de foro psiquiátrico, que um número significativo destes problemas podem ter um mau prognóstico e que muitas das perturbações da idade adulta têm as suas raízes em fatores de risco da infância.
Uma intervenção inicial na promoção de competências que visem aumentar o bem-estar pode ter efeitos preventivos importantes, como é o caso do aumento da auto-estima e da diminuição do comportamento antisocial.
O campo da psicopatologia desenvolvimental clarificou de que forma os aspetos do comportamento normativo, tais como as relações com o grupo ou a auto-estima podem estar ligados à propensão para problemas posteriores, como, por exemplo a depressão e o comportamento anti-social.
Outros fatores de extrema importância são os fatores de risco familiar. As crianças cujos progenitores sofrem de problemas de saúde física ou mental têm sido foco de considerável atenção. Vários estudos de crianças cujos pais sofrem de perturbação afetiva demonstram a importância das intervenções na família.
Os mecanismos psicossociais por meio dos quais o distúrbio nos pais influencia o desenvolvimento das crianças parecem ser, principalmente, a discórdia familiar e a interferência com as funções parentais.
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A maior possibilidade que as crianças com problemas de conduta e perturbações emocionais (especialmente as que foram diagnosticadas numa idade precoce) têm de mudar o seu comportamento, reside principalmente na melhoria dos fatores circunstâncias familiares, nas relações positivas de grupos de pares e nas boas experiências escolares.
À laia de exemplo, as crianças agressivas provocam, muitas vezes, retaliações e provocações nos outros, o que incrementa e amplia o desenvolvimento dos seus problemas anti-sociais, tendo igualmente a probabilidade de serem rejeitadas pelos pares que são menos agressivos.
Estas crianças cometem desde cedo, erros e distorções no que são as perceções face às atitudes do outro, assumindo, com frequência, uma intenção agressiva onde ela não existe.
Por serem rejeitadas, as crianças que têm este tipo de características tendem a tornar-se amigas. O que reforça ainda mais o aumento do risco de desenvolvimento do comportamento anti-social, e agrava os seus problemas de conduta.
Considerando as intervenções, o alvo deverá ser não só a criança mas também o meio envolvente, os pais, os professores e as escolas onde as crianças passam a maior parte do tempo.
Como observadores mais próximos da saúde e do bem-estar da criança, os pais devem atender às suas próprias dúvidas e intuições. Se por algum motivo o aspeto do seu desenvolvimento, seja ele motor cognitivo, emocional ou comportamental os preocupa, deverão pedir ajuda.
A nível institucional, as políticas de saúde têm evoluído no sentido de reforçar a importância da Saúde Mental como uma prioridade educativa e uma perspetiva de intervenção multimodal como prevenção, referente aos vários contextos onde a criança se insere.
O Conselho Nacional de Saúde Mental entende que deve ser adotada uma Política Integrada de promoção da saúde mental da infância e da adolescência, traduzida num Plano de intervenção faseado e que congregue os
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diferentes domínios de atuação e respetivos agentes e estruturas responsáveis, junto da população infantil e juvenil.
O Conselho Nacional de Saúde Mental aprova, ainda, nos termos do Artigo 3° n° 1 do Decreto-lei n° 35/99, de 5 de Fevereiro, as seguintes Recomendações:
Seja reconhecida a necessidade de disponibilizar cuidados de saúde mental às crianças e jovens;
Seja garantida ás crianças e jovens em situação de maior vulnerabilidade psicossocial a prioridade no acesso aos cuidados de saúde mental;
Seja assegurada que a vertente da saúde mental integre o projeto de vida destas crianças e jovens;
Seja assegurada uma intervenção integrada através da criação de uma plataforma transitória que abranja as áreas da Saúde, Segurança Social e Justiça;
Seja promovido um plano de formação de em saúde mental, dirigido a todos os agentes educativos e sociais que atuam junto das crianças e jovens alvo de medidas de proteção e medidas tutelares educativas;
Seja criada uma rede de serviços de saúde mental e psiquiatria infantil, e da adolescência, devidamente apetrechados, em ordem a facilitar o acesso aos cuidados de saúde e garantir o apoio às famílias e estruturas de intervenção;
Seja criada uma unidade residencial de acolhimento para crianças e jovens que necessitem de acompanhamento de saúde mental;
Seja designada a entidade responsável pela criação de condições jurídicas, técnicas, orgânicas e funcionais que possibilitem a implementação das presentes recomendações.
Seja constituída uma comissão permanente de acompanhamento, composta por representantes dos ministérios envolvidos, destinada a monitorizar e avaliar o cumprimento das recomendações propostas.
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2. Perspetivas Preventivas em Saúde Mental 2.1. Normal e patológico A delimitação entre o normal e o patológico é, por vezes, extremamente difícil de estabelecer. Esta delimitação baseia-se geralmente em critérios estatísticos, considerando-se normal o comportamento mais frequente e concordante com os valores estabelecidos e aceites em determinada sociedade.
A avaliação de normalidade ou patologia tem pois de ter em conta três aspetos fundamentais:
Fase de desenvolvimento em que se encontra a pessoa
O local e a cultura
A época e a circunstância histórica em que ela se situa
Em saúde mental da infância e da adolescência é por vezes difícil traçar uma fronteira entre o normal e o patológico. Por si só um sintoma não implica necessariamente a existência de psicopatologia (diversos sintomas podem aparecer ao longo do desenvolvimento normal de uma criança, sendo geralmente transitórios e sem evolução patológica).
Por outro lado, o mesmo sintoma pode estar presente nos mais variados quadros psicopatológicos. Os sintomas adquirem significado no contexto sócio-familiar e no momento evolutivo da criança.
Deste modo, na presença de um ambiente familiar tolerante e tranquilizador, existe uma maior probabilidade de os sintomas diminuírem e até desaparecerem. Já num meio intolerante, agressivo ou angustiante, as perturbações que a criança apresenta podem perdurar e afetar o seu desenvolvimento.
Sabe-se muitas vezes que pais impacientes ou ansiosos concentram a sua atenção num dado acontecimento ou sintoma, dando-lhe uma importância excessiva, fortalecendo-o, até se tornar um problema, sem que na maioria 11 / 40
das vezes os pais tenham a noção deste seu papel. Os seus esforços para combater determinada situação problemática acabam por criar um estado de tensão na criança, reforçando o sintoma.
Apresentamos de seguida alguns indicadores que nos ajudam a efetuar a distinção entre normal e patológico. Sintomas Normais (inerentes ao desenvolvimento) Surgem no decurso de conflitos inevitáveis e necessários ao desenvolvimento psicológico da criança. Características:
Transitórios.
Pouco intensos.
Restritos a uma área da vida da criança.
Sem repercussão sobre o desenvolvimento.
A criança fala neles com facilidade.
Sem disfunção familiar evidente.
Sintomas Patológicos
Características:
Intensos e frequentes.
Persistem ao longo do desenvolvimento.
Causam grave restrição em diferentes áreas da vida da criança.
Repercussão no desenvolvimento psicológico normal.
Meio envolvente patológico.
Desadequados em relação à idade.
Associação de múltiplos sintomas.
Sinais de alerta para referenciação
Na primeira infância:
Dificuldades na relação mãe-bebé. 12 / 40
Dificuldade do bebé em se auto-regular e mostrar interesse no mundo.
Dificuldade do bebé em envolver-se na relação com o outro e em estabelecer relações diferenciadas.
Ausência de reciprocidade interativa e de capacidade de iniciar interação. Perturbações alimentares graves com cruzamento de percentis e sem causa orgânica aparente. Insónia grave.
Na idade escolar:
Dificuldades de aprendizagem sem défice cognitivo e na ausência de fatores pedagógicos adversos.
Recusa escolar.
Hiperatividade / agitação (excessiva ou para além da idade normal).
Ansiedade, preocupações ou medos excessivos.
Dificuldades em adormecer, pesadelos muito frequentes.
Agressividade, violência, oposição persistentes, birras inexplicáveis e desadequadas para a idade.
Dificuldades na socialização, com isolamento ou relacionamento desadequado com pares ou adultos.
Somatizações múltiplas ou persistentes.
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2.2. Modelo preventivo - fatores de equilíbrio e de risco Classicamente, a psiquiatria preventiva remetia-se a um conjunto de estratégias que visavam atuar sobre as crianças e os jovens no sentido de evitar o aparecimento de doenças quando atingissem a idade adulta. Neste sentido, psiquiatria preventiva significava saúde mental infantil e juvenil.
Os avanços nos domínios da genética e da fisiopatologia, da clínica e do tratamento das doenças mentais vieram fazer alterar esse panorama e focar a prevenção, para além dessas áreas, no domínio das doenças mentais dos idosos e das doenças mentais crónicas.
As diretrizes da OMS apontam para uma abordagem dos problemas de saúde mental na infância a partir da perspetiva da compreensão, da intervenção e da elaboração de políticas públicas para enfrentar a questão.
Portanto, planear intervenções visando a saúde mental da criança e do adolescente, incrementando e potencializando serviços de atendimento nesta área, analisar a complexidade das situações adversas e de risco, identificando o seu reflexo nas trajetórias de desenvolvimento (individual, familiar, escolar, social e comunitária), são estratégias fundamentais tanto no âmbito de prevenção dos problemas como de intervenção.
Fatores de risco O conceito de “Criança em risco” refere-se a todas aquelas crianças que devido à presença de alterações biológicas menos acentuadas, sociais e psicológicas, podem vir a atualizar ou a agravar situações que comprometem o seu desenvolvimento.
Existem duas categorias principais de ‘risco’:
No risco biológico incluem-se crianças com antecedentes pessoais e familiares ‘suspeitos’ e que podem indicar futuros défices.
A segunda categoria de risco, denominada de risco ambiental, é aquela em que se incluem as crianças em cuja história pessoal e familiar vamos encontrar ambientes familiares alterados ou problemas sociais graves que podem estruturar défices sobretudo de natureza psicológica. 14 / 40
No que diz respeito aos fatores de risco, o desenvolvimento da criança pode ser afectado por um conjunto de causas de carácter limitativo que originam situações desfavoráveis ao mesmo.
Os fatores de risco que são “todas as condições existenciais na criança ou no seu meio ambiente que envolvem um risco de morbilidade superior à que se observa na população em geral através dos inquéritos epidemiológicos”. O risco é, deste modo, o resultado da interação dos vários fatores vivenciados pela criança.
Por isso, é fundamental o reconhecimento dos sinais de risco, já que só assim será possível prevenir e tratar os problemas que eventualmente possam surgir.
Passamos agora a uma síntese dos principais fatores de risco, os quais podem ser agrupados em três categorias:
Fatores centrados na criança;
Fatores decorrentes da configuração familiar;
Fatores socioambientais.
As crianças em situação de risco vivenciam desigualdades sociais, daí que a Sociedade não pode alhear-se destas questões. A mesma deverá consciencializar a família e os pais para a importância da sua função no desenvolvimento e crescimento da criança.
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Importa desenvolver as competências individuais e sociais da criança, realçando nela os seus pontos fortes e capacitando-a com resiliência. A resiliência é um termo emprestado da física que, adaptado à realidade humana, diz respeito à capacidade de resistência perante obstáculos e problemas.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) identificou, em estudos recentes, fatores que contribuem para aumentar a resiliência tais como o facto de a criança possuir um vínculo forte com um membro adulto da família, o facto de a criança ser alvo de níveis elevados de cuidados parentais e de possuir uma forte relação afectiva com os pais.
Fatores de proteção Passamos agora a sintetizar os principais aspetos que favorecem a proteção, os quais podem ser:
Individuais
Familiares
Extra-familiares
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Os fatores de proteção modificam a reação à situação que apresenta o risco, ao reduzir o efeito do risco e as reações negativas em cadeia”. Os fatores de proteção contribuem assim para a diminuição do risco e resultam sobretudo da conjugação eficaz dos suportes familiar e social.
Acreditamos que a prevenção relativamente aos riscos passa sobretudo pela educação. Educar a criança num ambiente seguro, no qual ela se sinta protegida diminuirá a probabilidade de comportamentos e situações de risco.
2.3. Crises de desenvolvimento e crises acidentais A origem etimológica da palavra crise, vem do grego e significa decidir e ocorre quando os indivíduos enfrentam obstáculos aos objetivos considerados relevantes, obstáculos esses que parecem ser intransponíveis pela utilização dos métodos comuns de resolução de problemas.
Um conceito fundamental é a noção de crise, sendo crise toda a situação de mudança a nível biológico, psicológico ou social, que exige da pessoa ou do grupo um esforço suplementar para manter o equilíbrio. Daqui resulta um aumento de vulnerabilidade pelo que a crise é um aumento de risco, podendo a pessoa evoluir para uma perturbação a nível afetivo ou cognitivo quando os seus recursos pessoais estão diminuídos ou quando a qualidade ou intensidade do stresse são exagerados para a capacidade de adaptação e de reação da pessoa.
A crise corresponde pois a momentos na vida de um indivíduo ou de uma família que são caraterizados por uma rutura brusca na sua homeostase psíquica, há perda (ou mudança) de elementos estabilizadores habituais, com desequilíbrio dos métodos de adaptação familiares. Essas crises podem ser identificadas com base em critérios externos, o que permite determinar populações em risco, a intervenção cirúrgica, o diagnóstico de doença grave, a doença ou a morte de um progenitor, etc.
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A originalidade desta noção na formulação do pensamento preventivo resulta de quatro dados essenciais:
1. Um grande número de crises pode ser previsto, podendo, por conseguinte, tentar-se uma intervenção preventiva, 2. Durante a crise a pessoa está particularmente recetiva ao auxílio psicológico pelo que a crise é um momento privilegiado de intervenções terapêuticas, as intervenções em crise; 3. A evolução da crise não depende apenas da natureza do stresse ou da situação nem da personalidade ou da experiência biopsicossocial individual, mas fundamentalmente de um processo dinâmico no próprio momento da crise, isto é, do jogo entre forças endógenas e exógenas, nomeadamente as intervenções e apoios externos; 4. A saída favorável de uma crise acompanha-se de um novo equilíbrio e do esforço da personalidade.
Existem, fundamentalmente, dois tipos de crise: as crises de desenvolvimento como a puberdade, a gravidez, a involução e as crises acidentais como a morte de um familiar, a doença física própria ou de um familiar, a necessidade de uma intervenção cirúrgica, a reação à migração, ao desemprego, aos desastres, aos incêndios, à guerra ou, ainda, ao nascimento do primeiro filho, ao nascimento de um filho diminuído física e mentalmente ou um filho prematuro. A atitude preventiva na gravidez refere-se, por um lado, aos aspetos psicológicos da gravidez e, por outro, à deteção precoce e intervenção nas situações de risco através da elaboração cuidada das histórias familiar, obstétrica, anterior e da gravidez atual, que faz parte das rotinas obstétricas. O apoio psicológico à grávida e à puérpera é particularmente importante nos casos das mulheres que não conseguem fazer face a estas tarefas adaptativas, nomeadamente à função materna, fator essencial para a sua saúde mental como para a saúde mental do filho. A atitude preventiva durante gravidez refere-se, essencialmente, a: 1. Higiene na gravidez; 2. Educação da grávida: informação, preparação para o parto e para a maternidade, motivação para o parto hospitalar e para a amamentação; 3. A informação e o aconselhamento genético, quando necessário: hereditariedade carregada, existência de doenças metabólicas noutros filhos, idade avançada da mulher, consanguinidade, etc.; 4. Informação e motivação para o planeamento familiar. Para além dos casos de risco psicológico, merecem um particular apoio as mães solteiras e separadas, as mães neuróticas ou psicóticas, bem como as mães de outros filhos com doenças graves ou incapacitantes. 18 / 40
A involução é outro exemplo de crise de desenvolvimento. Nesta fase o risco é maior: quando, por um lado, não existem interesses e atividades extraprofissionais que possam prolongar-se para além da aposentação (as pessoas mais indiferenciadas tornam-se mais vulneráveis do que as que exercem atividades); por outro lado, quando existe uma somação de fatores de risco, frequente nestas idades, como por exemplo, as dificuldades económicas resultantes de uma reforma insuficiente, a viuvez, uma doença física ou uma perturbação sensorial (surdez ou cegueira).
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3. Saúde Mental na Família 3.1. Criança e família Muitas vezes a família influi de maneira indireta nas relações das crianças com os seus companheiros: através do lugar que escolhem para morar, suas reações diante do comportamento social da criança, os valores que possui a respeito da importância que tem para a criança essas relações, o grau de controlo que pensa que deve ter sobre a vida dos filhos ou sua conceção de como acha que devem ser estruturadas essas amizades. A criança ao nascer entra num mundo socialmente dado, organizado (mas não acabado), e seu modo de fazer parte deste cenário é através dos grupos sociais, onde participa e ao mesmo tempo preparam-se para níveis mais amplos de participação na produção econômica, na produção da cultura, nos partidos políticos. Nesse sentido, este artigo objetiva analisar e refletir sobre as relações sociais da criança com a família. O tema é relevante, pois vem contemplar as necessidades vividas pelos educadores da contemporaneidade.
As relações sociais Segundo Arón (1994), a família é um grupo primário. Secundário são os grupos de trabalho, estudo, instituições. Em todos eles, encontramos um lugar, um papel, uma forma de estar, que por sua vez constitui a nossa maneira de ser. Nesse espaço desempenhamos o nosso papel, segundo nossa história e as marcas que trazemos connosco. Durante a nossa infância, num grupo primário tivemos um espaço que ocupamos como o único papel possível. Se examinarmos o nosso grupo familiar observaremos como cada irmão tem seu papel dentro do grupo e como nós também desempenhamos o nosso. Há o que sempre aguenta as situações difíceis, outros que se deixam levar por reações emocionais, outros que ajudam a conter o ódio, outro que faz mediação, outro que está sempre em divergência, outro que prefere fazer que esteja ausente, que não lhe diz respeito, outro que assume o denunciar permanente. Estes papéis se mantêm ao longo da vida. Quando não suficientemente pensados, elaborados conscientemente, educados, cristalizam-se, assumindo uma forma estereotipada, onde a repetição mecânica do mesmo papel acontece. Para Arón (1994), o lar, primeiro contexto social da criança é considerado como a matriz social em que são aprendidos os primeiros comportamentos interpessoais. A família é vista como a maior agência de socialização em nossa sociedade e constitui para a criança o primeiro ambiente significado. Nessa perspetiva, os pais e os irmãos constituem modelos muitos poderosos e significativos para criança. A influência que a vida familiar exerce sobre as crianças não se restringe apenas a lhe oferecer modelos de comportamento, já que ela também conforma sua conduta social através das diversas práticas de disciplina. O estilo familiar, os padrões de punição, 20 / 40
o sistema de crença e os valores são elementos que tem impacto importante no desenvolvimento das habilidades sociais. Inúmeros trabalhos que relacionam estilos familiares a características no comportamento social de crianças sugerem que as famílias hostis e restritivas têm crianças que tendem ao isolamento social, à dependência e a reduzida habilidade para resolver problemas interpessoais. No outro extremo, as superprotetoras e restritivas tendem a ter crianças inibidas, dependentes, com baixa auto-afirmação e tímidas. O campo de terapia familiar descreve diferentes dimensões da vida familiar que se relacionam com comportamentos interpessoais funcionais ou disfuncionais. Por exemplo, os tópicos que com mais frequência se relacionam com uma interação familiar saudável têm a ver com o adequado uso de poder, a presença de uma união conjugável estável e coesa, a intimidade nos relacionamentos, a capacidade de diálogo, a autonomia de uma adequada comunicação. Nas famílias funcionais ou “saudáveis”, os membros tendem a favorecer o contato entre si, suas interações são afetuosas, abertas, empáticas e de confiança. Em contrapartida, os membros das famílias disfuncionais geralmente se mostram defensivos, distantes e hostis. As características que se descrevem as famílias funcionais correspondem à descrição de contextos que fomentam o desenvolvimento de uma adequada autoestima nas crianças; dá-se o oposto nas famílias disfuncionais, cujas características se assemelham as que são descritas para os contextos que contribuem para desenvolver uma baixa auto-estima. Falar de identidade ou auto-estima é falar de respeito por si e pelo outro, é ir mergulhando aos poucos, e ir desvelando e desvelando, para ver o que tem “dentro”, no “fundo”, por trás de tantas “capas”, até chegar ao ponto do desmanche. Quem são, de verdade, essas pessoas que estão sendo construídas/destruídas nesses ambientes? Que lógica moral preside suas ações? Quais os seus códigos de convívio, de valores, de cultura? É necessário saber o que a criança quer dizer com suas atitudes “violentas”, é preciso ouvi-lo, buscar o significado do “seu mundo”, saber das suas expectativas e da sua falta de expectativas, diante da vida; é preciso examinar suas representações, entender como elas se forma; é preciso buscar os vários processos que fazem o indivíduo agir sob a influência de fatores socioeconômicos e culturais. O estudo da criança contextualizada possibilita que se perceba que, entre os seus recursos e os de seu meio, instala-se uma dinâmica de determinações recíprocas: a cada idade estabelece um tipo particular de interações entre o sujeito e o ambiente. E que vários fatores são determinantes para o seu desenvolvimento que são eles: fatores afetivos emocionais – existe uma grande influência dos fatores afetivos emocionais na vida do ser humano. Não resta dúvida de que todos nós estamos sujeitos a perturbações emocionais no decorrer de nossas vidas. As relações entre pais e filhos podem ser apontadas como uma das causas de maiores ou menores dificuldades da criança, tanto na escola, como na sociedade em geral. Segundo Fichtner citado por Scoz (1990, p. 61) a família é o primeiro vínculo afetivo e social da criança e a “matriz dos pré-requisitos necessários para a aprendizagem e adaptação escolar”. Quanto aos fatores culturais ou sociais, são fatores que estão ligados a perspetiva da sociedade em que estão inseridos a família e a escola. Incluem, além da questão das oportunidades, o da formação da ideologia nas classes sociais. Algumas crianças ao iniciarem as aprendizagens não tiveram nenhum contato com os objetos da cultura, não tiveram acesso a lápis, livros, não foram incentivados por seus pais a manusear esses objetos. Muitos sofrem falta de estimulação e de motivação para aprender qualquer coisa. Esses fatores são responsáveis pela sequência fixa que se verifica entre os estágios de desenvolvimento, todavia, não garantem uma homogeneidade no seu tempo de duração. Podem ter seus 21 / 40
efeitos transformados pelas circunstâncias sociais nas quais se insere cada existência se é mesmo por deliberações voluntárias do sujeito. Segundo Galvão, O biológico vai progressivamente, cedendo espaço de determinação ao social. A influência do meio social torna-se mais decisiva na aquisição de condutas superiores, como a inteligência simbólica. É a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evolução. O amadurecimento do sistema nervoso não garante o desenvolvimento de habilidades intelectuais mais complexas para que se desenvolvam, precisam interagir com ‘alimento cultural’, ou seja, linguagem e conhecimento. (GALVÃO, 1995, p. 40) Portanto não dá para definir o desenvolvimento da inteligência, pois depende das condições oferecidas pelo meio. No que tange aos fatores familiares, nossa sociedade, caracterizada por situações de injustiças e desigualdades, cria famílias que lutam com mil dificuldades para sobreviver. Esses problemas atingem as crianças, que enfrentam inúmeras dificuldades para aprender. Compreender essas dificuldades é o ponto de partida do trabalho do professor. Os problemas podem estar ligados à estrutura familiar, ao número de irmãos e a posição do aluno entre eles e ao tipo de educação dispensada pela família. Quanto à estrutura familiar, nem todos os alunos pertencem à família com o pai e mãe, com recursos suficientes para uma vida digna. Normalmente, verificam-se situações diversas: os pais estão separados e o aluno vive com um deles; o aluno é órfão; o aluno vive num lar desunido ou o aluno vive com algum parente. Muitas vezes, essas situações trazem obstáculos à aprendizagem, não oferecem a criança um mínimo de recursos materiais, de carinho, compreensão, amor. Um lar em que todos os esforços são despendidos para uma sobrevivência difícil, gera tensões e conflitos para a criança, jogada entre duas realidades diferentes: de um lado, a família sem recursos; de outro, a escola que exige ordem e organização. Pode-se dizer que a escola não está adaptada à realidade da maioria de seus alunos que por isso mesmo, não aprendem o que lhes é ensinado. As primeiras experiências educacionais da criança geralmente são proporcionadas pela família. Após o nascimento, a criança começa a sofrer influências familiares que, aos poucos vão modelando seu comportamento. A maior parte das influências que os pais exercem sobre os filhos é inconsciente. Alguns não têm consciência de que seus comportamentos, sua maneira de ser e de falar, de olhar para outros, de cumprimentar as pessoas, tem enorme influência sobre o desenvolvimento do filho. O que é ensinado inconscientemente, sem a intenção de ensinar, normalmente permanece por mais tempo. Embora você tenha esquecido muito das matérias que aprendeu na escola, certamente se lembra de muita coisa a respeito de seus professores, de como agiam, de sua maneira de tratar os alunos.
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Os sentimentos que os pais têm em relação a criança, durante os anos anteriores a escola, são de fundamental importância para o desenvolvimento posterior da criança e para sua aprendizagem escolar. Tudo isto contribuirá de forma significativa para que a criança desenvolva o conceito de si própria, o de mundo e de seu lugar no mesmo. Se a criança se julga capaz de aprender, aprenderá muito mais do que a que acha que é incapaz. Parte da influência dos pais provém da maneira como eles encaram a aprendizagem escolar. Por exemplo, se os pais estimulam seus filhos oportunizando o contato com materiais pedagógicos à criança terá mais facilidade quando chegar à escola, haja vista que foi incentivado positivamente através de atitudes e valores que passaram aos filhos sem a intenção de ensinar. A família tem um papel central no desenvolvimento das pessoas, ela garante não só a sobrevivência física, mas também porque dentro dela que se realizam as aprendizagens básicas que serão necessárias para o desenvolvimento autônomo dentro da sociedade. Através de diferentes mecanismos, a família vai moldando as características do indivíduo durante o tempo que permanece sob sua custódia. Alguns autores afirmam que a família não tem o poder absoluto e indefinido sobre a criança, nem os pais poderão “talhar” em seus filhos as características cognitivas, sociais e de personalidade que desejem, nem os traços que caracterizarão ao longo de seu desenvolvimento dever-se-ão exclusivamente as experiências vividas no interior da família. Porque certas características podem estar parcialmente definidas quando a criança nasce, ou então porque outros contextos socializadores (escola, colegas) influem sobre ela de forma paralela a ação dos pais; e também porque a família encontra-se sob a influência de um conjunto de fatores que condicionam e determinam seu funcionamento (situação socioeconômica dos pais, conjuntura política e econômica de sociedade em geral, etc.). A família é um contexto de socialização relevante para a criança, já que durante muitos anos é o único e o principal meio no qual cresce, e age como chave ou filtro que seleciona a abertura da criança a outros contextos, pois são os pais é que decidem o momento de enviar a criança à creche; como também oportunizam os primeiros contatos sociais da criança com as pessoas alheias à família, e que posteriormente escolherão o tipo de escola que seus filhos frequentarão. Ao contrário do que tem ocorrido com outras figuras do meio familiar (pai, irmãos), a figura da mãe tem sempre estado presente na investigação evolutiva da criança, embora sua análise tenha mudado com o passar do tempo. Ressalta-se a importância da figura materna no estabelecimento dos vínculos de apego e suas repercussões sobre o desenvolvimento emocional da mesma. Outras investigações falam da influência da mãe sobre o desenvolvimento cognitivo, destacando uma série de dimensões relevantes: estimulação verbal e material, sensibilidade às necessidades e demandas da criança. Sob o ponto de vista da criança, a mãe e o pai não são objetos sociais permutáveis, na medida em que as experiências que lhe proporciona cada um deles são diferentes. Quando a mãe pega a criança seja para cuidar dela em algum aspeto físico, no caso do pai, uma grande percentagem do tempo que passa com seu filho é usada em atividades de jogo. Além disso, o padrão de jogo no qual os pais se envolvem com seus filhos é diferente dos das mães; estas tendem a desenvolver jogos verbais, enquanto os pais dão preferência a jogos de atividades físicas.
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Outro ponto que merece relevância ao analisarmos a família e a criança é a chegada de um irmão mais novo, é difícil compreender até que ponto a sua chegada acaba afetando cada membro em particular e as relações que se estabelecem entre eles. Uma das experiências que muitas crianças enfrentam em idade pré-escolar é o nascimento de um novo irmão. Este acontecimento significa para elas uma mudança no que até este momento constitua sua vida, para ela o mais relevante seja a mudança que ocorre no padrão de interações que mantinham com os adultos significativos, sobretudo com a mãe. As interações mãe-filho antes e depois do nascimento de um irmão encontram-se consistentemente um padrão de mudança muito claro: tendem a aumentar os afrontamentos entre mãe e a criança e diminuir o tempo que passam juntos ou concentrando em um tema de interesse comum. Haja vista que a presença do bebê limita a disponibilidade da mãe para interagir com seu filho mais velho. Isto constitui um acontecimento que indiretamente afeta as relações pai-filho, na medida em que ganha maior relevância, os pais podem ver-se impedidos a envolver-se mais no cuidado e na interação com o primogênito. A criança não permanece alheia a estas novas circunstâncias e manifesta todo um repertório de condutas; tornam-se presentes ou acentuam-se (distúrbios do sono, da alimentação, aumento dos medos, regressões na linguagem ou no controle esfincteriano, estados de tristeza ou mau humor, manias, caprichos, maiores desejos de independência ou, ao contrario, de dependência, etc.). Muitos destes problemas irão se amenizando nos meses seguintes à medida que a criança vá se habituando as novas circunstâncias. A influência dos pais sobre as relações iniciais entre irmãos também é notável. Os pais fazem referências às preferências, desejos e necessidades do bebê, que transmite a criança a ideia de que o mesmo é uma pessoa com sentimentos próprios, incentivando os a participarem e colaborarem nas tarefas de cuidado com o bebê, promovendo uma relação afetuosa entre irmãos. Outro determinante que afeta as reações entre irmãos refere-se às variáveis de status. Bem como ao sexo dos irmãos, a ordem de nascimento, ao número de irmãos e a diferença de idade entre eles. São pares de irmãos do mesmo sexo que tendem a envolver-se com maior frequência com interações calorosas e na imitação mútua de comportamento, onde o irmão mais novo da dupla que tende a imitar o mais velho. Percebe então que o espaçamento entre eles tem um papel muito importante na interação positiva. As características de personalidade são o resultado do conjunto de experiências pelas quais os indivíduos passam ao longo de sua vida. A experiência com os irmãos é somente uma delas e a ordem no nascimento tem certo efeito, embora talvez não seja o determinante fundamental.
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3.2. Importância da abordagem familiar A criança As crianças interagem a maior parte do tempo com os pais, porém, existem outras pessoas que desempenham um importante papel no desenvolvimento global da mesma, como: os professores, a família, os irmãos, os colegas, entre outros. Para além disto, há que ter em conta as mudanças que ocorrem no contexto da vida da criança e que podem produzir fortes influências no seu desenvolvimento. Por exemplo: as mudanças temporárias (como a visita de familiares, de amigos ou vizinhos a casa; a ida dos pais para o trabalho) as mudanças mais duradouras (como o nascimento de um bebé, a separação dos pais).
O modelo ecológico O modelo ecológico do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner (1996) inclui uma nova forma de olhar as propriedades da pessoa em desenvolvimento. Assim, considera: a pessoa; o processo; o tempo e o contexto. Esta nova abordagem ressalta a importância de se considerarem as características do indivíduo em desenvolvimento, bem como as suas convicções, o nível de atividade, o temperamento, as suas metas e as suas motivações. Por outro lado, para se desenvolver o nível intelectual, emocional e social da criança é necessário que esta tenha uma participação ativa e que interaja com pessoas, objetos e símbolos no ambiente onde se insere. O processo de interação da criança com os outros, associado aos vários ambientes onde vive e aos eventos históricos influenciam o desenvolvimento desta. O sistema familiar é um sistema aberto e dinâmico, que muda com o passar do tempo (modificações ao nível do número de membros e até no processo de desenvolvimento). Cada membro do sistema familiar passa por uma série de papéis de acordo com a idade, sexo e inter-relações, dentro e fora da família. De acordo com a teoria ecológica dos sistemas de Bronfenbrenner, o ambiente é dividido em níveis: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema. O microsistema refere-se a padrões e atividades de interação entre o indivíduo e o seu meio. O mesosistema engloba relações entre microsistema, como o lar, a escola, a vizinhança, a creche, etc. e que favorecem o desenvolvimento da criança. O exosistema diz respeito aos cenários sociais próximos que afetam as experiências dos indivíduos. Por exemplo, as relações formais como o local de trabalho dos pais, os serviços de saúde e bem estar da comunidade, a rede social da família. O macrosistema consiste nos valores, leis, costumes e recursos de uma determinada cultura.
A família A família desempenha um papel de extrema importância no desenvolvimento da criança, uma vez que é através desta que se constroem pessoas adultas com uma determinada auto-estima e onde estas aprendem a enfrentar desafios e a assumir responsabilidades. Esta deve assegurar a sobrevivência dos filhos, o seu crescimento saudável e sua socialização dentro dos comportamentos básicos de comunicação. 25 / 40
Deve acarinhar e estimular as crianças no sentido de transformá-las em seres humanos com capacidade para se relacionar competentemente com o seu meio físico e social, assim como para responder às exigências necessárias à sua adaptação ao mundo. As famílias de hoje carecem de tempo para conviver e para comunicar. Encontrar tempo para ouvir e para falar, significa deixar de lado muitas outras coisas que nos interessam muito, mas que não são tão importantes. Por vezes, a falta de assunto associada stress do dia a dia aumentam o distanciamento entre os membros da família. A verdade é que os pais devem fazer um esforço no sentido de fomentar o diálogo e consequentemente os laços familiares, até porque, existe sempre algo para dizer: uma aventura no seu trabalho, uma tarefa doméstica, um programa na rádio, o futebol, etc. As crianças também deverão participar e enriquecer os restantes membros da família com as suas aventuras e peripécias. Aprender a dialogar em família é algo acessível a todos. As crianças aprendem continuamente através dos seus pais, não só o que estes lhes contam, mas também, sobretudo, pelo que vêem neles, como atuam, como respondem perante os problemas. Em definitivo, as crianças observam e copiam o proceder dos seus pais perante a vida. A verdadeira educação nos valores transmite-se, passa dos pais para os seus filhos desde o dia do nascimento até ao final da vida. A família é a instituição mais privilegiada da educação, pois é no seu meio natural que o homem nasce e existe e onde se desperta como pessoa. Exerce enorme influência quer na integração escolar quer no desenvolvimento dos filhos. Em conclusão, penso que é de extrema importância o conhecimento da influência que os sistemas familiares têm sobre o desenvolvimento e comportamento das crianças e dos jovens da nossa sociedade.
3.3. Objetivos da perspetiva familiar A família é o primeiro contato de socialização que a criança tem por transmitir desde o nascimento as primeiras influências, como padrões de comportamento, linguagens, cultura, crenças, maneiras de agir e pensar, de se expressar, e em se relacionar como sujeito individual e coletivo entre outros que apresentam à criança a realidade em que vivem e como a percebem na sociedade que estão inseridas. Assim, crianças e adolescentes têm o direito a uma família, cujos vínculos devem ser protegidos pela sociedade e pelo Estado. A atitude de educar é uma ação exigente e desafiadora, mas também prazerosa e gratificante, que envolve as instituições sociais em que as crianças estão envolvidas. Assim, considerando que a criança aprende o tempo todo, nas diversas instâncias que a vida lhe apresenta, compreendemos que a família exerce papel fundamental no processo de construção de conhecimentos significativos e de socialização da criança. As relações da instituição familiar são fatores importantes no desenvolvimento do indivíduo. Contudo, a inserção da criança no ambiente escolar, o relacionamento com os professores e funcionários da instituição escolar, bem como o relacionamento e o convívio com outras crianças e o acesso às práticas escolares, voltados para o desenvolvimento das diversas áreas do conhecimento, também se constituem num fator determinante para o desenvolvimento integral da criança. 26 / 40
Pilar Lacasa (p.405 e 406) escreve em seu artigo, presente no livro Desenvolvimento psicológico e educação. Psicologia da educação escolar, volume 2: Pode se pensar então que a escola e a família podem ser entendidas como contextos educacionais do desenvolvimento... Dessa perspetiva, tanto o contexto familiar como o da escola são constituídos por pessoas que desempenham um determinado papel e que, além disso, utilizam instrumentos que cumprem determinadas funções. Neste sentido, a participação dos pais na educação formal dos filhos deve ser constante e consciente. A vida familiar e a vida escolar devem ser simultâneas e complementares. É preciso que a escola esteja em perfeita sintonia com a família, pois a escola é uma instituição que deve complementar a formação educacional da criança. Essas duas instituições devem se organizar na tentativa de alcançar o objetivo maior, que é a formação integral da criança. A parceria entre família e escola gera benefício em relação, não só ao processo ensino/aprendizagem, mas também na troca de informações acerca do sujeito, no desenvolvimento da criança na escola e em casa. Essa interrelação possibilita compreender a atuação da criança, tanto em casa como na escola, suas condutas e as relações que estabelece com os adultos no seio familiar. Tanto a família quanto a escola têm o objetivo de educar o sujeito, desde sua mais tenra idade. Portanto, é preciso que ambas mantenham uma relação de proximidade, para que juntas alcancem seus objetivos. Nérici (1972, p. 189), ”[...] poucos são os pais que acompanham a educação de seus filhos, prestigiando e entrando em contato com a escola, a fim de colaborar com ela na tarefa em que ambas devem ser responsáveis [...]”. O processo de ensino-aprendizagem inicia-se muito antes da criança ingressar na escola. É por meio das vivências e experiências adquiridas no convívio com pai, mãe, irmão, ambiente onde está inserida, que irá desenvolver suas características sociais, morais e éticas. Isso corresponde dizer que a família é indispensável à aprendizagem da criança. À escola, cabe o papel de desenvolver nas crianças suas capacidades físicas, mentais e afetivas, ajudando as na formação de seu caráter, para que se tornem seres éticos, autônomos e atuantes na sociedade. É nessa etapa que a criança começa a ter um aprendizado mais relevante em seu desenvolvimento cognitivo. Portanto, tanto as famílias como a escola exercem papéis importantes e complementares no processo ensinoaprendizagem da criança. Assim, torna-se relevante que haja parceria entre ambas, para que as crianças se desenvolvam e alcancem um aprendizado significativo, estando aptas para atuarem em sociedade. Vale lembrar que a família é essencial na formação do sujeito, pois é nela que acontece o desenvolvimento das primeiras habilidades e ensinamentos, considerando que é por meio da educação familiar que este, desde bem pequeno, aprende a respeitar os outros e a conviver com regras. O mundo que cerca as crianças influencia no seu jeito de ser, de se comportar e de agir diante dos problemas que a vida apresenta.
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De acordo com Kaloustian (1998, p. 12), É a família que propicia os aportes afetivos e, sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal. É em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade. Desta maneira, o grupo no qual a criança está inserida exerce um papel importante no seu desenvolvimento e este processo inicia-se muito antes do ingresso da criança na instituição escolar. São pelas vivências adquiridas no convívio familiar dentre outras relações que essa aprendizagem vai crescendo, gradativamente, e sistematiza-se no ambiente escolar, que vem para reforçar esses valores primeiros, acrescentando, mas não assumindo para si o papel inicial da família. O ambiente em que as crianças convivem pode influenciar no seu aprendizado de uma forma negativa ou positiva. Elas, em geral, são observadoras e gostam de imitar os adultos. Então, começam a observar o que encontram ao seu redor, formando o seu conhecimento de mundo. Neste contexto, a família, sendo responsável pela socialização da criança, transmite conhecimentos de caráter educativo, que são hábitos e saberes desenvolvidos na própria família e que são importantes para sua formação integral. De acordo com Szymanski (2009, p. 24); O ambiente familiar é propício para inúmeras atividades que envolvem a criança numa ação intencional, numa situação de trocas intersubjetivas que vão se tornando mais complexas ou envolvendo mais intencionalidades, numa perspetiva temporal. As informações que são transmitidas para as crianças vão desenvolvendo a sua identidade no convívio familiar e suas habilidades cognitivas e sociais, ajudando a formar a sua personalidade. Portanto, a família não é só um conjunto de relações entre seus membros, mas sim um conjunto de papéis socialmente definidos. A instrução do sujeito em sua identificação, individualidade e autonomia é de responsabilidade da família. Isso acontece quando a criança está inserida em uma família que lhe dedica atenção e carinho, mostrando-lhe o verdadeiro mundo, ou seja, instruindo- a para as coisas e fatos que estão acontecendo, de maneira que ela compreenda o que está em sua volta, pois é assim que a criança vai construindo sua história. O contexto familiar do qual a criança se origina pode contribuir para sua formação. Algumas crianças podem apresentar mau comportamento, baixa autoestima, enquanto que aquelas que têm as famílias atentas ao seu desenvolvimento tendem a se sentir mais seguras, motivadas e com vontade de aprender. A família também precisa criar momentos para orientar as crianças, sobre assuntos relacionados à violência, às drogas, à sexualidade e outros desafios presentes em nosso cotidiano. A ela também cabe à missão de ensinar noções de solidariedade e que compartilhar faz parte da convivência que temos com o outro no nosso dia a dia.
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É na família que a criança deve encontrar refúgio para acalmar suas aflições e dúvidas em relação ao seu desenvolvimento como pessoa. Os adultos responsáveis pela criança precisam comprometer-se com o futuro dela, dando-lhe uma educação sadia, transmitindo afeto, de maneira que ela tenha uma família segura. Educar requer da família muita dedicação, sendo um trabalho contínuo, pois exige observação atenta, o que corresponde ao acompanhamento, mesmo de longe, intervindo em determinadas situações que se fizerem necessárias. Em suma, a família deve ter papel ativo na vida educacional da criança, interagindo com um meio disciplinado, favorável a um processo que ensine aspetos positivos de comportamento, construindo o amor próprio, que é o ingrediente principal para a criança desenvolver a autoconfiança e prosseguir em suas conquistas futuras.
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4. Criança vulnerável e em risco A Convenção sobre os Direitos da Criança é um ideal aceite universalmente em prol dos interesses e da proteção das crianças. O desafio que se coloca, a todos os países que, como Portugal ratificaram a Convenção é passar da aceitação universal à sua aplicação universal. Apesar dos progressos alcançados nas últimas décadas no domínio da saúde, da educação e da proteção social e jurídica das crianças, persistem ainda na nossa sociedade frequentes e preocupantes violações dos mais elementares direitos das crianças. A omissão ou a insuficiência de ações para os promover deve, naturalmente, inquietar, questionar, responsabilizar e motivar todos os que podem e devem contribuir para que o direito de ser criança se cumpra no tempo de o ser, com dignidade, alegria e amor.
4.1. Desenvolvimento e vulnerabilidade Caracterização de Grupos Particularmente Vulneráveis
A nível etário As investigações levadas a cabo nos últimos anos, nomeadamente na área do desenvolvimento infantil, vieram mostrar que as crianças nas primeiras idades, mesmo o recém-nascido é já um ser “altamente organizado e competente” capaz de participar em interações complexas com o seu envolvimento.
Durante o primeiro ano de vida a criança apresenta já padrões de atividade motora voluntária muito estruturada e a sua competência social desenvolve-se igualmente desde muito cedo. Estas competências precoces para participar em processos de interação social complexos, inclusive a criança com deficiência ou em situação de risco biológico ou envolvimental, vão permitir-lhe organizar as suas experiências.
O reconhecimento destas premissas permitem uma melhor compreensão da forma como se processa o desenvolvimento infantil, nomeadamente nos três primeiros anos de vida e fortalecer a opinião da sua importância no ulterior desenvolvimento das suas capacidades. 30 / 40
Assim, pode-se considerar que os primeiros anos de vida constituem um período particularmente vulnerável ao desenvolvimento humano dependendo muito o seu sucesso das condições que lhe são oferecidas.
A nível biológico Presença no grupo familiar de crianças com risco estabelecido, inclusive crianças com deficiência, crianças com doenças crónicas , crianças ou mães com problemas de saúde pós parto e crianças prematuras cumulativamente com omissões confirmadas no acompanhamento médico, durante a gravidez, no parto e ou no acompanhamento médico regular.
A nível sociofamiliar Famílias funcionalmente deficitárias, mães ou pais adolescentes, psicologicamente imaturos, pais toxicodependentes, presença de doenças mentais.
Famílias expostas a elevados fatores de stress pela presença no grupo familiar de, perturbações mentais doenças crónicas, como a SIDA, pessoas com deficiências ou com comportamentos desviantes, tais como o alcoolismo, a toxicodependência, prostituição e cadastrados.
Famílias isoladas com fraca inserção em redes sociais de apoio, desligadas do passado, afastadas das gerações anteriores e da sua terra de origem, desenraizadas da sua cultura, tais como famílias imigrantes, famílias estigmatizadas com falta de suporte social, especialmente quando monoparentais.
Famílias numerosas com baixos rendimentos, baixos níveis de instrução, condições habitacionais precárias, com a presença de abandono escolar precoce ou trabalho infantil. A criança por definição e pelas várias vulnerabilidades associadas ao “SER” criança está exposta a riscos acrescidos. Assim, o conceito lato de “Criança em risco” abrange um vasto leque de situações que se torna necessário delimitar em função da atuação preventiva no âmbito da Ação Social.
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Em grandes linhas três características fundamentais definem os momentos iniciais da existência humana:
a incapacidade de sobreviver pelos seus próprios meios;
a necessidade de estabelecer vínculos sociais com a figura materna;
o modo organizado de interações com o envolvimento de forma a assimilar os objetos ou dados do conhecimento e de se acomodar a eles.
O grupo familiar constitui o primeiro contexto responsável pela “supervivência” da criança, através da satisfação das necessidades primárias, físicas (alimentação, abrigo e proteção contra o perigo) e sócio emocionais (interação, afeto, atenção, estimulação, aceitação e jogo).
Deste ponto de vista a definição do conceito de “risco” deve considerar a heterogeneidade destas necessidades físicas e psicológicas nas diferentes idades da criança (estádios de desenvolvimento) e da capacidade dos vários contextos de desenvolvimento (família, escola, comunidade) de satisfazer essas mesmas necessidades.
Partindo desta premissa pode considerar-se “criança em risco “ a criança que pelas suas características biológicas e ou pelas características da sua família está sujeita a elevadas probabilidades de vir a sofrer de omissões e privações que comprometam a satisfação das suas necessidades básicas de natureza material ou afetiva.
A UNESCO, na Declaração de Salamanca definiu o conceito de alto risco como “a presença de características ou condições da própria criança ou do meio no qual cresce e se desenvolve, as quais implicam uma alta possibilidade de produzir efeitos negativos sobre o seu processo de crescimento e desenvolvimento, até ao ponto de determinar um atraso de maior ou menor amplitude”.
Com efeito, torna-se difícil definir fronteiras muito nítidas entre criança em risco ou criança maltratada na medida em que o risco se situa exatamente na fronteira entre a forte probabilidade de vir a acontecer e o acontecer. Ora como os maus tratos resultam de processos dinâmicos e contínuos nem sempre é possível determinar com exatidão onde acaba um e começa o outro.
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4.2.
Algumas situações de risco
T.Tjossem, (2) no quadro de programas de intervenção precoce, definiu como “alto risco” três tipos de categorias as quais, por razões diferentes, apresentam necessidades de apoio precoce, de forma a assegurar o seu normal desenvolvimento, prevenir maiores défices ou recuperar os já perdidos:
crianças em risco estabelecido - trata-se de crianças que precocemente apresentam um desenvolvimento atípico, relacionado com deficiências ou doenças claramente identificadas;
criança em risco biológico - trata-se de crianças com grande possibilidade de virem apresentar alterações ou atrasos no seu desenvolvimento, em virtude de possíveis lesões de tipo biológico (condições pré e peri-natais, parto prematuro, complicações durante a gravidez);
crianças em risco envolvimental - trata-se de crianças em situação de privação sócio-cultural ou afetiva (pobreza, marginalidade, falta de cuidados primários).
Estas categorias estão presentes de modo quase equivalente noutros estudos analisados. Assim, Leitão (3), estabelece igualmente três categorias de crianças em risco:
crianças em situação de privação sociocultural;
crianças em situação de risco biológico;
crianças com diferentes tipos e graus de deficiência
Igualmente estudos realizados por Turner (4), no âmbito de programas de apoio social, evidenciam três categorias de situações principais associadas a situações de risco que na sua génese, embora com terminologia diferente, se aproximam dos já referidos:
famílias de riscos múltiplos com falta de suportes sociais;
crianças biologicamente deficitárias, com frequência prematuras e ou com deficiência;
contactos deficitários pais/bebés no período posterior ao nascimento, muitas vezes consequência dessa mesma deficiência.
Os fatores de risco de cada uma das três categorias identificadas não são mutuamente exclusivas podendo ocorrer em interação e cumulativamente umas como outras. Com efeito, o conhecimento atual dos fatores de 33 / 40
risco demonstram não existir uma causa única, nem ser possível estabelecer uma relação de causa e efeito, verificando-se que os graves problemas resultam da acumulação de diferentes fatores.
Nesta perspetiva, a etiologia de risco terá sempre que ser problematizada num quadro referencial interativo, no qual as condições socioeconómicas e culturais da família, as características biológicas da criança e as características da personalidade dos pais, atuam de uma forma dinâmica e recíproca. Com efeito, uma situação de risco biológico, prematuridade por exemplo, associada a uma situação de grande privação de cuidados potência as possibilidades de risco, enquanto que a mesma situação num quadro familiar estimulante diminui drasticamente essas probabilidades.
Os riscos envolvimentais e os riscos de tipo biológico ocorrem frequentemente associados, funcionando ora uns ora outros como fatores precipitantes de situações graves.
O modelo intercetivo ou multifatorial analisa as situações de risco a partir de uma matriz de fatores socioculturais, psicológicos e biológicos que atuam como um todo organizado. A perceção de risco aparece assim, como a expressão da interação dos vários fatores, o que significa que não é simplesmente a soma desses fatores que determinam a situação, mas sim o seu efeito multiplicador que pode desencadear no conjunto, uma situação de “ alto risco” ou mesmo de “maus tratos”.
Nesta perspetiva, torna-se necessário conhecer e identificar os fatores de risco presentes em cada situação e analisar as suas relações e os seus efeitos.
No que respeita aos fatores de risco de natureza social interessa diferenciar entre dois níveis de variáveis: macro-social e micro-social.
A nível macro-social os fatores deverão ser interpretados como fatores facilitadores de risco e não como fatores etiológicos exclusivos, sendo de destacar:
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o A pobreza afeta dramaticamente as crianças de tal forma, que as crianças de famílias pobres irão suportar, com enormes probabilidades, ao longo dos respetivos ciclos de vida, pesados estigmas condicionantes de ultrapassar as condições de pobreza. A privação dos recursos elementares à satisfação das necessidades básicas como a má nutrição, a falta de higiene, as más condições habitacionais e as suas consequências, na saúde, no desempenho escolar e na inserção social, constitui um fator de reprodução social da pobreza que atinge uma significativa faixa da população portuguesa. o A desadequação entre as capacidades e necessidades da família nuclear e a organização da vida e do trabalho constitui um dos fatores determinantes da vulnerabilidade da família, concretamente no domínio sócio-afetivo, o que tem contribuído para que um grupo crescente de crianças sofra de privação afetiva por não existir entre ela e os pais uma relação suficientemente estimulante e intensa. Especialmente no meio urbano, o trabalho dos pais, os longos horários semanais associados a deslocações longas, a insuficiente infraestrutura de apoio social associada a insuficientes redes de ajuda familiar e vizinhança têm contribuído para que a família venha perdendo capacidade para socializar adequadamente as crianças e proporcionar-lhes um espaço emocional estimulante e reparador
A nível micro-social, destacam-se os fatores de risco que têm sido identificados como mais significativos. o O Stress social - o número e tipo de situações que geram tensão psíquica é considerado como um fator de risco pela diminuição do autocontrole, da auto-estima e do aumento da frustração precipitantes de conflito. O stress social pode ter origem em conflitos/crises pontuais - divórcios, separações, lutos, desemprego, doença - ou ser de natureza estrutural associado a elevados níveis de privação material ou a fortes tensões psíquicas como a presença de doenças crónicas ou deficiência. o Famílias funcionalmente deficitárias - por incapacidade para assumir adequadamente as funções parentais por falta de maturidade, desorganização estrutural ou déficit na capacidade empática constitui um fator perturbador do desenvolvimento físico e emocional da criança.
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A precocidade no casamento e na gravidez, a maternidade fora do casamento, o elevado número de filhos muito próximos uns dos outros podem criar situações de risco se não tiverem redes sociais de suporte. o Suporte social - a falta de suporte social às famílias em situação de privação seja, de natureza material, psicológica ou social é considerado por vários autores como um dos fatores responsável pela eclosão de crises graves que poderiam ser prevenidas. o Estilos de vida - algumas condutas desviantes associadas ao consumo de drogas, ao alcoolismo, à prostituição e à mendicidade têm sido também evidenciadas como fatores de alto risco, que deverá ser sempre analisado num quadro psicossocial. o Fatores culturais - as famílias consideradas culturalmente mais vulneráveis estão normalmente associadas a padrões educativos demasiadamente rígidos, partindo do princípio de que as crianças, para superar as dificuldades da vida devem ser endurecidas. Assim, privilegiam a disciplina como um fim, recorrendo, com frequência ao castigo corporal e por vezes à violência. o Fatores de risco centrados na criança - vários estudos têm procurado conhecer as características particulares de algumas crianças que determinam ou favorecem a eclosão de problemas graves de negligência e maus tratos.
A constatação de maus tratos (especialmente físicos) dirigidos a uma criança em particular, quando os restantes irmãos não apresentam qualquer problema grave tem determinado o interesse de vários investigadores. Com efeito, as causas que originam essas situações de maus tratos têm sido objeto de pesquisas com o objetivo de identificar as características particulares de vulnerabilidade dessas crianças, evidenciando-se as seguintes.
Previamente ao nascimento - existem situações que aumentam significativamente as probabilidades de rejeição da criança evidenciando-se, entre outras, a gravidez não desejada, designadamente, fruto de relações extra conjugais, mães solteiras e ou adolescentes, nascimentos posteriores à separação dos pais.
A partir do nascimento - há um grupo de crianças consideradas como “atípicas” que aparecem frequentemente entre os casos de maus tratos.
De uma maneira geral as crianças que ao nascer necessitam de cuidados médicos especiais, como os prematuros, obrigam a uma separação mais ou menos prolongada dos pais, que pode provocar
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bloqueios no processo de vinculação afetiva que se estabelece nos primeiros momentos depois do nascimento, especialmente entre a mãe e o filho.
As crianças que pelas suas características físicas, designadamente as crianças com deficiência físicas ou mentais provocam um choque emocionalmente muito forte e frustrações violentas face às expectativas dos pais que caso não sejam superadas conduzem, com frequência, ao desinvestimento afetivo e à desatenção severa.
As crianças com doenças frequentes ou crónicas que continuamente requerem assistência médica e que necessitam de cuidados redobrados constituem uma fonte de stress suplementar.
As crianças chamadas “ difíceis” constituem um grupo especialmente vulnerável às condutas de violência. Alguns autores evidenciam que a criança objeto de abuso físico apresentam disfunções de conduta associados a uma componente afetiva de tipo negativa. São crianças hiperativas, menos sociáveis na interação com os adultos, irritáveis, difíceis de controlar e consolar quando choram, com problemas de pautas de alimentação e ritmos de sono.
No entanto, Ochotorena (6) chama a atenção para o facto dos estudos realizados com base neste tipo de informação serem retrospetivos e que por conseguinte, avaliam as características da criança depois da ocorrência do mau trato. Assim é impossível determinar qual a relação causa-efeito, não se podendo deduzir que o mau trato se produziu por a criança ser especialmente “difícil”, nem que a criança “é difícil” pelo tipo de relação que tem vindo a estabelecer com os seus pais.
EXEMPLOS:
- Carência afetiva materna A carência afetiva é uma situação de falta de cuidados, de proteção, de atenção e de apego que sofre ou tenha sofrido uma criança por parte da sua mãe ou familiares durante os primeiros anos de vida. Essa carência afetiva pode ser devido à multidão de circunstâncias como o abandono, o maltrato ou a outras situações familiares menos traumáticas, mas que deixam a criança negligenciada no plano afetivo e relacional. Ao longo dos primeiros meses e anos, o bebé precisa de carícias, abraços, beijos e palavras carinhosas que estimulem o seu crescimento e amadurecimento cerebral. Sem este calor afetivo, sem esse apego maternofilial, o desenvolvimento neuronal não se completa adequadamente. Sabemos que não é suficiente alimentar
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ao bebê para que cresça saudável. Há que transmitir-lhe afeto e carinho, fazer-lhe sentir que é amado para que se desenvolva adequadamente não apenas no plano afetivo, mas também físico e mental. Na sociedade atual em que vivemos, imersos numa atividade frenética e com horários de trabalho pouco adequados para a conciliação familiar, são muitas as crianças que vivem com falta de afeto, de carinho e das relações afetivas necessárias para o seu correto desenvolvimento.
- Criança prematura O nascimento do bebé pré-termo configura-se em uma situação de "crise psicológica" na família, a qual passa a enfrentar uma situação imprevisível geradora de sentimento de impotência e de stress, especialmente na mãe. A prematuridade do bebé requer a internamento, fator este que interfere negativamente no estabelecimento do vínculo mãe-bebê (Kennell & Klaus, 1993; Klaus & Kennell, 1982).
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Conclusão Percebe-se, que a desassistência de crianças e adolescentes no campo da saúde mental tem sido também sustentada por uma posição equivocada de destiná-las ao mesmo tratamento de adultos, desconsiderando-se a especificidade desta clínica, e delegando o tratamento de crianças às escolas “especiais”, que geralmente consideram qualquer aspeto de loucura em crianças como um retardo, uma deficiência (FERREIRA, 2004). Dessa forma, faz-se necessário refletir sobre o lugar destinado à criança no campo da saúde mental, assim como a articulação entre os diversos setores sociais responsáveis pelos seus cuidados (judiciário, educação, saúde, assistência social), em um esforço coletivo para que algo se construa. Para tal, é preciso reconhecer que não há campo discursivo específico que agrega em si todas as respostas sobre um determinado problema; daí a necessidade de um trabalho articulado em rede, pautado por uma ética da não-potência (COUTO, 1996) que sustente a incompletude como traço comum entre os dispositivos da rede, reconhecendo que sempre haverá o que não se sabe ainda, portanto nenhum desses segmentos são capazes, sozinhos, de lidar com as questões referentes à criança e o adolescente. Isso parece fundamental para que avanços sejam realmente efetivados na assistência à criança e ao adolescente no campo da saúde mental.
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ARÓN, Ana Maria e MILICIC, Neva. (Trad. de Jonas Pereira dos Santos). Viver com os outros – Programa de desenvolvimento de habilidades sociais. Editoril Psy II. 1994. COUTO, Luiz Flávio S. (1996) Por Uma Ética Da Não-Potência, 1996. FERREIRA, Tânia. (2004) Sob o manto da deficiência. IN: FERREIRA, Tânia (org). A criança e a saúde mental - Enlaces entre a clínica e a política. Belo Horizonte: Autêntica, p.1322. GALVÃO, Isabel. Henri Wallon: Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis-RJ: Vozes, 1995. Relatório Mundial da Saúde 2001. Saúde Mental: Nova Compreensão, Nova Esperança. Ed. Ministério da Saúde, 2001. SCOZ, Beatriz Judith Lima ... [et. al.]. Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. WEILL, Pierre. A criança o lar e a escola: Guia prático de relações humanas e psicologia para pais e professores. 9 ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 1979.
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