MANUAL DE APOIO
Curso/Unidade:
Formador/a:
Acompanhamento de crianças - desenvolvimento infantil
Inês Mendes
Código da Unidade (se aplicável):
Carga horária:
3239
25 horas
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ÍNDICE Objetivos do curso …………………………………..………………………………….……. 3 Conteúdos Programáticos………………….……………………………….………….…… 3 1. Psicologia e conceito do desenvolvimento da criança - definição.................. 4 2. Psicologia e Pedagogia.................................................................................... 8 3. Desenvolvimento, crescimento e maturação da criança ...............................13 4. Fatores condicionantes do desenvolvimento infantil.....................................16 5. Fases do desenvolvimento infantil ................................................................19 6. Desenvolvimento físico e psicomotor.............................................................24 7. Desenvolvimento cognitivo - a teoria de Jean Piaget....................................33 8. Desenvolvimento da linguagem ....................................................................36 9. Desenvolvimento sócio-afectivo....................................................................42 9.1.Interacção mãe/filho .....................................................................................42 9.2.Entrada no grupo ..........................................................................................47 9.3.Criança e o adulto .........................................................................................51 Bibliografia………………………………….………………………………..…………………55
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OBJETIVOS Objetivo Geral:
Identificar os fatores de relacionamento empático e afetivo, correlacionando-os com as várias fases do desenvolvimento infantil.
Objetivos Específicos:
O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, os conceitos de desenvolvimento infantil.
O formando deve ser capaz de caracterizar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, os conceitos de pedagogia e psicologia.
O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, o processo de crescimento e maturação da criança.
O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, as fases do desenvolvimento infantil.
O formando deve ser capaz de reconhecer, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, os fatores condicionantes de desenvolvimento.
O formando deve ser capaz de identificar, sem recurso ao manual de apoio em 10 minutos, o desenvolvimento biopsicossocial da criança.
Conteúdos programáticos:
Psicologia e conceito do desenvolvimento da criança - definição Psicologia e pedagogia Desenvolvimento, crescimento e maturação da criança Fatores condicionantes do desenvolvimento infantil Fases do desenvolvimento infantil Desenvolvimento físico e psicomotor Desenvolvimento cognitivo - a teoria de Jean Piaget Desenvolvimento da linguagem Desenvolvimento sócio-afectivo o Interação mãe/filho o Entrada no grupo o Criança e o adulto
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1. Psicologia e conceito do desenvolvimento da criança – definição
Psicologia é a ciência que estuda o pensamento, tentando através de processos múltiplos compreender o modo como o ser humano se individualiza. Considera-se uma ciência um conjunto de conhecimentos que se autonomiza dos outros porque responde aos seguintes requisitos (condições): a) Tem um objeto de estudo devidamente circunscrito (demarcado): estuda de um modo específico o ser humano em todas as suas manifestações comportamentais, individuais e sociais, recorrendo, para tal, ao auxílio indispensável de outras ciências: Biologia, Sociologia, Medicina, etc.… b) Tem um conjunto de métodos próprios, isto é, de processos fundamentais que permitem explicar e compreender os fenómenos que se relacionam com o seu objeto de estudo. c) Tem um objetivo, essencialmente o de encontrar as regras ou leis que permitem relacionar os factos entre si e, portanto prever os comportamentos. d) Tem uma linguagem própria, ou seja, um conjunto de termos criados expressamente para a ciência psicológica, ou então, a nível das palavras de uso corrente (comportamento, cultura, instinto, atitude, etc.). A psicologia do desenvolvimento ao longo de toda a vida visa “a descrição, explicação e otimização dos processos de desenvolvimento ao longo de toda a vida, da conceção até à morte. Para uma melhor compreensão do desenvolvimento humano, o seu estudo deve ser assumido numa perspetiva interdisciplinar. Compreender as mudanças contínuas do ser humano operadas ao longo da vida e descobrir as razões dessas mudanças tem constituído um desafio para a Psicologia, nomeadamente para os psicólogos do desenvolvimento. Por desenvolvimento entende-se o conjunto de mudanças contínuas no ser humano ao longo da sua existência. O conceito de desenvolvimento pressupõe assim uma sequência de alterações graduais que levam a uma maior complexidade no interior de um sistema ou organismo. Na evolução por que passa
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cada indivíduo desenham-se estádios que seguem uma ordem praticamente imutável, mas o tempo de permanência em cada um deles varia conforme o indivíduo. A psicologia do desenvolvimento é uma área especializada da Psicologia que só amadureceu no século XIX. Até à contemporaneidade, era impossível o aparecimento desta área de investigação, devido aos estereótipos que se mantinham acerca do conceito de criança e da pouca importância que lhe era concedida. Uns tinham uma visão negativa da infância, encarando a criança como uma espécie de selvagem quase sem humanidade, incluindo-a na mesma categoria em que mantinham os primitivos e os deficientes mentais. Outros consideravam que as crianças tinham uma mente como a dos adultos, sendo a única diferença entre ambos o crescimento e não o desenvolvimento; constituindo a criança como um adulto em miniatura. Desta forma, o estatuto próprio da criança não era reconhecido, o que tinha reflexos negativos na educação familiar e escolar que lhe exigiam condutas muito próximas das do adulto, sem que ela pudesse comportar-se da forma pretendida. As grandes mudanças quanto ao modo de encarar a criança deve-se à teoria evolucionista de Darwin, estilhaçadora da fronteira intransponível entre animal e ser humano, abre caminho a uma nova perspetiva em psicologia genericamente apelidada de organicismo.
Os psicólogos que defendem o modelo organicista assumem uma perspetivainteracionista, em que consideram que o desenvolvimento é um processo dinâmico em que fatoresmaturacionais, genéticos e da experiência externa se combinam no decorrer dos diferentes estádios por que o indivíduo passa ao longo da vida. O modelo organicista realça o carácter adaptativo do processo de desenvolvimento, uma vez que considera que ao progredir na sequência dos estádios, o organismo dispõe de mecanismos psicológicos diferentes e qualitativamente superiores de intervenção no meio. Essas intervenções, por sua vez, contribuem para reorganizar os mecanismos psicológicos, fazendo com que o indivíduo fique melhor apetrechado para ajustar adequadamente os comportamentos às
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exigências do meio. Nesta ótica, o desenvolvimento na infância está relacionado com o desenvolvimento ao longo do resto do ciclo de vida, o desenvolvimento não termina na adolescência. Atualmente, a maior parte dos estudiosos da área concorda que o desenvolvimento decorre ao longo de toda a vida do ser humano. O campo do desenvolvimento da criança diz respeito ao estudo científico dos modos como as crianças mudam, assim como dos modos como permanecem na mesma, desde a conceção até à adolescência. Existem dois tipos de mudanças desenvolvimentais: quantitativa e qualitativa:
Mudança quantitativa é uma mudança no número ou quantidade, tal como na altura, peso, vocabulário ou frequência de comunicação.
Mudança qualitativa é uma mudança no tipo, estrutura ou organização, tal como a mudança que ocorre numa criança, de não-verbal para ser capaz de compreender palavras e de comunicar verbalmente.
Apesar destas mudanças, a maioria das crianças revela uma continuidade subjacente ou consistência ao nível da personalidade e do comportamento. Por exemplo, cerca de 10 a 15% das crianças são tímidas e outras 10 a 15% são muito sociáveis. Quais das características da criança têm mais tendência a persistir? Quais têm probabilidade de mudar, e porquê? Estas são algumas das questões a que o estudo do desenvolvimento da criança procura responder. Apesar dos processos físicos e psicológicos do desenvolvimento serem os mesmos para todas as crianças normais, o seu resultado é diferente – tal como os adultos são diferentes entre si.
Na realidade, o desenvolvimento humano é um processo de crescimento e mudança a nível físico, do comportamento, cognitivo e emocional ao longo da vida. Em cada fase surgem características específicas. As linhas orientadoras de desenvolvimento aplicam-se a grande parte das crianças em cada fase de
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desenvolvimento. No entanto, cada criança é um indivíduo e pode atingir estas fases de desenvolvimento mais cedo ou mais tarde do que outras crianças da mesma idade, sem se falar, propriamente, de problemáticas.
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2.
Psicologia e Pedagogia
O modo como explicamos o desenvolvimento depende do modo como vemos a natureza dos seres humanos. Há uma variedade de teorias sobre o porquê do comportamento das crianças. Uma teoria é um conjunto de conceitos relacionados, que procura organizar e explicar dados, a informação recolhida através da investigação. As teorias predizem também os dados que poderão ser obtidos sob determinadas condições, servindo assim como geradoras de, hipóteses – explicações ou predições que podem ser testadas na investigação. As teorias são dinâmicas: modificam-se para incorporar novas descobertas. Por vezes, a investigação apoia uma hipótese e a teoria na qual se baseou. As teorias ajudam, pois, os cientistas a atingir os objetivos descritos anteriormente – descrever, explicar, predizer e modificar o comportamento. Nenhuma teoria sobre o desenvolvimento humano é aceite universalmente e nenhuma explica todas as facetas do desenvolvimento. Investigadores diferentes olham para o desenvolvimento da criança, segundo perspetivas diferentes. Por isso, para avaliar e interpretar a investigação, é importante saber qual a perspetiva teórica em que se baseia.
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Principais correntes pedagógicas:
Sigmund Freud: teoria psicossexual
Freud acreditava que a personalidade forma-se nos primeiros anos de vida, quando as crianças lidam com os conflitos entre os seus impulsos biológicos inatos, ligados às pulsões e às exigências da sociedade.
Considerou que estes conflitos ocorrem numa sequência invariante de fases baseadas na maturação (amadurecimento) do desenvolvimento psicossexual, no qual a gratificação se desloca de uma zona do corpo para outra – da zona oral para zona anal e depois para a zona genital.
Em cada fase o comportamento, que é a fonte principal de gratificação, muda – da alimentação para a eliminação e, eventualmente, para a atividade sexual.
A teoria de Freud constituiu uma contribuição histórica. Freud fez-nos tomar consciência dos pensamentos e emoções inconscientes, da ambivalência das relações precoces pai-filho e da presença, a partir do nascimento, de pulsões sexuais.
O seu método psicanalítico influenciou muito a psicoterapia atual. Contudo, a teoria de Freud inscrevese na história e na sociedade da época.
ErikErikson: teoria psicossocial
Erikson, um psicanalista alemão, fez parte do círculo restrito de Freud em Viena.
A sua larga experiência pessoal e profissional levou-o a modificar e alargar a teoria freudiana, dando importância às influências da sociedade no desenvolvimento da personalidade.
Enquanto Freud sustentava (apoiava) que as experiências da infância precoce formavam de um modo permanente a personalidade, Erikson defendia que o desenvolvimento do ego ocorre ao longo da vida e, é influenciado social e culturalmente.
Na teoria de Erikson o processo de desenvolvimento ocorre em 8 estádios ao longo do ciclo de vida, cada um dos quais desenvolve-se em torno de uma crise específica ou ponto de viragem e em que o indivíduo é confrontado com o desafio de alcançar um equilíbrio saudável entre características alternativas positivas e negativas.
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Jean Baker Miller: teoria relacional
A psiquiatra criticou, inicialmente, as teorias psicanalíticas clássicas pela sua orientação masculina, falhando, assim, na explicação do desenvolvimento das mulheres. Ela e as suas colegas acreditavam que tais teorias nem sequer descreviam com rigor o que ocorria nos homens.
Um problema-chave para Miller, e outros psicanalistas atuais, é o de saber se o desenvolvimento saudável assenta mais no desenvolvimento do self (do “eu”) ou nas relações com outras pessoas.
De acordo com a teoria relacional de Miller o crescimento da personalidade ocorre no seio das relações, ocorre dentro de ligações emocionais e não separado delas.
O conceito de self começa na interação dinâmica com o outro. O bebé identifica-se com a primeira pessoa que cuida dela, não por aquilo que ela é mas por aquilo que essa pessoa faz. O bebé responde às emoções das outras pessoas, fica confortável quando os outros estão confortáveis e atua para construir relações íntimas.
Durante os primeiros anos de vida e na pré-escola, tanto rapazes como raparigas, em vez de se esforçarem ao máximo pela autonomia e desenvolvimento do self, continuam a atribuir uma importância máxima às ligações íntimas.
Contudo, durante o período escolar, ocorre uma divisão entre o desenvolvimento do sexo masculino e feminino quando, nas raparigas, é encorajado o interesse pelas relações, pela família e pelos aspectos emocionais, ao passo que os rapazes são orientados para a competição e para a realização pessoal. Esta oposição acentua-se durante a adolescência e ávida adulta, em prejuízo quer dos homens quer das mulheres.
Comportamentalismo
O comportamentalismo é uma teoria que descreve o comportamento observado como uma resposta previsível a uma dada experiência.
Embora a biologia coloque limites ao que as pessoas fazem, os comportamentalistas acham o meio ambiente muito mais influente.
Defendem que os seres humanos reagem da mesma maneira que os animais face a condições ou aspectos do meio ambiente que achem desagradáveis, dolorosos ou ameaçadores.
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A teoria da aprendizagem social
A teoria da aprendizagem social sustenta que as crianças aprendem comportamentos sociais pela observação e imitação de modelos (normalmente os pais).
Contrariamente ao comportamentalismo, a teoria da aprendizagem social considera o indivíduo ativo.
Enquanto que os comportamentalistas encaram o ambiente como moldando a criança, os teóricos da aprendizagem social acreditam que a criança também age sobre o ambiente.
Na teoria da aprendizagem social, a observação e a imitação de modelos são de particular importância.
As crianças adquirem novas capacidades através da aprendizagem por observação – olhando os outros. Demonstram a sua aprendizagem mesmo quando o modelo não está presente.
Para estes teóricos a imitação é o elemento mais importante mo modo como a criança aprende a língua, lida com a agressão, desenvolve um sentido moral e aprende comportamentos adequados ao género.
A criança avança na sua própria aprendizagem social escolhendo os modelos a imitar. Os pais nem sempre são a sua escolha.
A criança pode escolher outro adulto (professor, uma personalidade da televisão, uma figura do desporto ou um traficante de drogas).
As crianças tendem a imitar as pessoas de estatutos elevados e cujas personalidades são parecidas com as suas. O comportamento específico que as crianças imitam depende do que elas percebem como valorizado na sua cultura.
A teoria cognitiva dos estádios de Piaget
Piaget via a criança como um ser ativo, em crescimento, com os seus próprios impulsos internos e padrões de desenvolvimento. Acreditava que a base do comportamento inteligente é uma capacidade inata para se adaptar ao ambiente. Via toda a criança normal como sendo construtor do seu próprio mundo.
O desenvolvimento para Piaget acontecia numa série de estádios qualitativamente diferentes. Em cada estádio a criança aprende uma nova forma de operar – de pensar de responder ao ambiente.
As observações cuidadosas de Piaget trouxeram uma riqueza de informação. Quem, por exemplo, teria pensado que, até cerca dos 7 anos, as crianças não compreendem que uma bola de argila, que foi transformada numa “salsicha” à sua frente, ainda contém a mesma quantidade de barro? Ou que um bebé possa pensar que uma pessoa, que saiu do seu campo de visão, deixe de existir?
Piaget mostrou-nos que a mente da criança não é uma miniatura da mente do adulto. Compreendendo como as crianças pensam, torna-se mais fácil, para os pais e educadores/responsáveis, ensiná-las.
Contudo, Piaget falou principalmente da criança “média” e deu pouca importância às diferenças
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individuais. Disse pouco acerca do desenvolvimento emocional ou do modo como a educação e a motivação afetavam a realização.
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3. Desenvolvimento, crescimento e maturação da criança
A primeira infância parece ser o período mais rico do desenvolvimento, não deixando, contudo de ser igualmente crítico. É, por isso, essencial compreender que a maturação e o desenvolvimento da criança pressupõem um processo contínuo e avassalador de mudanças. O desenvolvimento parece, assim, consistir num processo no qual a criança, enquanto ser multidimensional (biológica, cognitiva, social e emocionalmente), interage em ambientes variados, que incluem os pais (com as suas características biológicas, cognitivas, sociais e emocionais) e outras figuras complementares de ligação, bem como pares, escola, cultura, etc. Parece que os efeitos a longo prazo das experiências da primeira infância são, em certa medida, reversíveis. Contudo as bases estão lançadas e tendem a manter-se razoavelmente estáveis. As privações sofridas neste período, sobretudo ao nível cognitivo, não parecem ser facilmente compensadas em fases subsequentes, podendo mesmo ter efeitos adversos no desenvolvimento futuro. É neste sentido que se assume que tanto o desenvolvimento como o comportamento da criança decorrem com base nas experiências de sucesso ou insucesso que o ser humano conhece. Bons cuidados maternais na primeira infância, cuidados que permitam o desenvolvimento de rotinas profundas e íntimas de comunicação, parecem produzir bons efeitos na criança em desenvolvimento. A falta deste tipo de cuidados produz efeitos adversos, mas que são reversíveis, por muito difícil que o processo possa ser.
O papel desempenhado pelos pais assume-se de crucial e incontornável importância, sobretudo no que respeita à estimulação das capacidades de processamento de informação e acompanhamento/ envolvimento nas brincadeiras e tentativas iniciadas pela criança. Os adultos que acompanham a criança, quando se envolvem com ela, consolidam as atividades e
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facilitam a sua compreensão. É através desta intervenção que muitas vezes se ensinam ou promovem comportamentos, competências, conhecimentos e valores relativos à cultura, fundamentais a um desenvolvimento harmonioso, relações sociais amistosas, aquisições linguísticas importantes… O desenvolvimento ao longo da infância é, sobretudo, marcado por um progressivo desenvolvimento físico, gradual crescimento em termos de altura e peso, especialmente nos três primeiros anos de vida. É ainda um período em que o ser humano tem a oportunidade de se desenvolver psicologicamente, abrangendo graduais mudanças de comportamento, construindo, desta forma, as bases da sua personalidade A qualidade dos cuidados prestados parece desencadear efeitos a longo prazo no tipo de indivíduo em que o bebé se irá converter. Os bebés parecem influenciar, também, as suas próprias vidas ao moldarem o ambiente no qual se desenvolvem, sendo também eles afetados pela forma como a maternidade é vivenciada (ou a paternidade), como lhes são prestados os cuidados e a forma como são acolhidos após o nascimento. Pode com isto dizer-se que o comportamento, após o nascimento, parece ser fortemente influenciado pelas práticas e expectativas culturais. O desenvolvimento remete para a capacidade progressiva do ser humano em realizar tarefas cada vez mais complexas = interação entre fatores biológicos, culturais e sociais em que está inserido. Durante a primeira infância as crianças saudáveis crescem e desenvolvem-se em todas as áreas: física, mental e emocionalmente e apresentam-se como protagonistas de um complexo processo de crescimento (aumento de peso e estatura) que acompanha o desenvolvimento (amadurecimento das funções biológicas). Ganham controlo muscular, equilíbrio e coordenação óculo-manual (aprendizagem que necessita de árdua aprendizagem), os quais possibilitam a aquisição de habilidades motoras básicas, tais como andar com maior equilíbrio, correr, “chutar” ou atirar uma bola. Desenvolvem-se ao seu próprio ritmo, acompanhadas por um desenvolvimento gradual da visão e controlo do intestino e da bexiga (pelo menos durante o dia). Os gestos, movimentos e posturas
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corporais são por isso portadoras, nos primeiros anos, de grande significação para todos aqueles que interagem com a criança. É sobre essas bases do desenvolvimento que se vai construir o espantoso ser humano que se caracteriza pelo seu comportamento individual, inteligência, emotividade e capacidade criativa. Na verdade, o desenvolvimento não parece processar-se em áreas ou sistemas independentes, mas de maneira global e interdependente. Fatores de ordem social e cultural são determinantes, por exemplo, para o alcance de maturidade emocional e intelectual. As (inter) ações com pessoas ou objetos fortalecem e exercitam as sinapses (conexões cerebrais) que serão utilizadas o resto da vida. Deste modo, as experiências, positivas ou negativas, pelas quais as crianças passam influenciam o modo como o cérebro se irá programar na idade adulta. Independentemente de todas as crianças atravessarem este processo, o ritmo de desenvolvimento varia. Apesar de progredirem, normalmente, através da mesma sequência geral de desenvolvimento, há um leque muito alargado de diferenças individuais normais. Na verdade, cada criança, sendo uma criança como as outras crianças, não deixa, por esse motivo, de ser única em muitos aspectos. As diferenças e mudanças reveladas pelas crianças parecem estar associadas à maturação do corpo e do cérebro, espelhando, assim, uma manifestação natural e geneticamente estabelecida de mutações físicas e padrões de comportamento, incluindo a propensão para o alcance e domínio de novas capacidades ou, por outro lado, para manifestar comportamentos- problema.
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4. Fatores condicionantes do desenvolvimento infantil
Para que o desenvolvimento da criança percorra todas as áreas fundamentais e promova o alcance de ações progressivamente mais complexas, a mulher (enquanto gestante) deve procurar proceder a uma série de comportamentos fundamentais quepermitam o bom desenvolvimento intrauterino. Após o nascimento, a criança deve ser acompanhada por um pediatra, ter o cartão de vacinas atualizado, ver as suas necessidades nutricionais e de sono satisfeitas, sentir- se segura e amada dentro do núcleo familiar e dispor de várias oportunidades de interação social em ambientes construtivos, estimulantes e seguros. O acompanhamento médico adequado e a prevenção de situações de doença frequente (ou compreensão face a doenças crónicas, por exemplo) parecem contribuir, conjuntamente com outras condições, para o bom desenvolvimento da criança, enquanto estruturas positivas de apoio. Efetivamente, o desenvolvimento da criança parece ocorrer através da satisfação das necessidades básicas de saúde e higiene, do envolvimento afetivo, da convivência intensa e da exposição contínua ao mundo do adulto. O envolvimento do bebé em trocas internacionais significativas permite concretizar uma das necessidades primárias da criança: o apego ou vinculação.
Uma vinculação segura depende de um grau ótimo de estimulação interativa, de um parceiro previsível, comunicativo e que transmita segurança. Daí que se assuma que a fala materna carinhosa, o contacto físico próximo, o colo e a amamentação natural, por exemplo, produzem (muito provavelmente) efeitos surpreendentes no desenvolvimento. Por outro lado, a baixa qualidade nas relações estabelecidas com os pais, caracterizadas como comportamentos hostis, punitivos, autoritários, inconsistentes e a fraca afeição e atenção parecem estar estreitamente associados ao aparecimento de problemas na criança ao nível do desenvolvimento psicológico. Assim sendo, é legítimo dizer que «a criança que experiencia as principais figuras adultas como
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emocionalmente acessíveis e como fontes de segurança construirá uma representação de si positiva, instalando-se a vontade de explorar e de interagir com o mundo». É sob o ângulo destes fundamentos que se defende o papel fundamental da mãe, do pai, da restante família e de outras figuras de referência, na vida e no desenvolvimento da criança. A mãe, em especial, sempre surgiu como figura central no mundo da criança. Contudo, em poucas décadas, o pai começou também a marcar o seu lugar envolvendo-se e participando ativamente na educação e cuidados prestados à criança. Devido à crescente participação da figura masculina, muitos estudos foram feitos. Tais estudos defendem que os pais que estão disponíveis e próximos dos seus filhos enriquecem a autoimagem destes, e também sugerem que o envolvimento do pai contribui para um apoio familiar mais estável à criança. Desta forma, o envolvimento do pai traduz-se num fator positivo no desenvolvimento da criança. O papel do pai é ainda mais importante na medida em que ajuda a temperar a intensidade do relacionamento mãe-filho, tornando-se simultaneamente num transmissor de papéis sexuais definidos. Os avós contribuem, igualmente, para um crescimento saudável. Dão um sentido de continuidade aos pais, um laço vital. Por outro lado, as crianças parecem estar mais dispostas a obedecer e ouvir os avós. Também os irmãos e outros membros da família possibilitam a construção da estrutura básica a partir da qual se desenvolve a personalidade da criança, favorecendo o bom desenvolvimento da criança durante os primeiros anos de vida. A partir da altura em que a criança ingressa num contexto de acolhimento (creche, por exemplo), os educadores (e auxiliares ou amas) passam, igualmente, a ser figuras de referência com grande responsabilidade aos níveis da educação e prestação de cuidados de saúde, higiene e segurança. O bom serviço prestado e a empatia estabelecida entre técnicos e pais farão toda a diferença. Estes adultos passam, assim, a ser modelos a imitar e pessoas em quem se espera que a criança confie.
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Sobretudo o educador, deve assumir o seu papel de grande responsabilidade no crescimento da criança, enquanto ser humano, discernindo a fronteira complexa que existe entre a intervenção (que vai ao encontro das necessidades e desejos da criança) e a invasão (que vai ao encontro das determinações do adulto). Em suma, tudo aquilo que é promovido visando o bem-estar da criança assume-se como um fator favorável ao desenvolvimento. Sempre que surgirem obstáculos ou crises, cabe aos adultos auxiliar a criança na descoberta das suas potencialidades e competências, a fim de que se construam os alicerces pessoais de defesa, resiliência e autonomia, fundamentais ao aparecimento da autoconfiança e da auto-motivação.
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5. Fases do desenvolvimento infantil
Principais estádios de desenvolvimentos DOS 0 AOS 6 MESES
A aprendizagem faz-se sobretudo através dos sentidos;
Vocaliza espontaneamente, sobretudo quando está em relação:
A partir dos 4 meses, começa a imitar alguns sons que ouve à sua volta;
Por volta do 6º mês, compreende algumas palavras familiares (o nome dele, "mamã", "papá"...), virando a cabeça quando o chamam.
DOS 06 AOS 12 MESES
A aprendizagem faz-se sobretudo através dos sentidos, principalmente através da boca;
Desenvolvimento da noção de permanência do objeto, ou seja, a noção de que uma coisa continua a existir mesmo que não a consiga ver;
Vocalizações: Os gestos acompanham as suas primeiras "conversas", exprimindo com o corpo aquilo que quer ou sente (por ex., abre e fecha as mãos quando quer uma coisa); Alguns dos seus sons parecem-se progressivamente com palavras, tais como "mamã" ou "papá" e ao longo dos próximos meses o bebé vai tentar imitar os sons familiares, embora inicialmente sem significado;
A partir dos 8 meses: desenvolvimento do palrar, acrescentando novos sons ao seu vocabulário. Os sons das suas vocalizações começam a acompanhar as modulações da conversa dos adultos - utiliza "mamã" e "papá" com significado;
Nesta fase, o bebé gosta que os objetos sejam nomeados e começa a reconhecer palavras familiares como "papa", "mamã", "adeus", sendo progressivamente capaz de associar ações a determinadas palavras (por ex., "chau-chau" - acenar);
A partir dos 10 meses, a noção de causa-efeito encontra-se já bem desenvolvida: o bebé sabe exatamente o que vai acontecer quando bate num determinado objeto (produz som) ou quando deixa cair um brinquedo (o pai ou a mãe apanha-o). Começa também a relacionar os objetos com o seu fim (por ex.,
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coloca o telefone junto ao ouvido);
Progressiva melhoria da capacidade de atenção e concentração: consegue manter-se concentrado durante períodos de tempo cada vez mais longos;
A primeira palavra poderá surgir por volta dos 10 meses;
DE 01 AOS 02 ANOS
Maior desenvolvimento da memória, através da repetição das atividades - permite-lhe antecipar os acontecimentos e retomar uma atividade momentaneamente interrompida, à qual dedica um maior tempo de concentração.
Da mesma forma, através da sua rotina diária, o bebé desenvolve um entendimento das sequências de acontecimentos que constituem os seus dias e dos seus pais;
Exibe maior curiosidade: gosta de explorar o que o rodeia;
Compreende ordens simples, inicialmente acompanhadas de gestos e, a partir dos 15 meses, sem necessidade de recorrer aos gestos;
Embora possa estar ainda limitada a uma palavra de cada vez, a linguagem do bebé começa a adquirir tons de voz diferentes para transmitir significados diferentes. Progressivamente, irá sendo capaz de combinar palavras soltas em frases de 2 palavras;
É capaz de acompanhar pedidos simples, como por ex. "dá-me a caneca";
As experiências físicas que vai fazendo ajudam a desenvolver as capacidades cognitivas. Por exemplo, por volta dos 20 meses:
Sabe que um martelo de brincar serve para bater e já o deve utilizar;
Consegue estabelecer a relação entre um carrinho de brincar e o carro da família;
Entre os 20 e os 24 meses é também capaz de brincar ao faz-de-conta (por ex., finge que deita chá de um bule para uma chávena, põe açúcar e bebe - recorda uma sequência de acontecimentos e faz de conta que os realiza como parte de um jogo). A capacidade de fazer este tipo de jogos indica que está a começar a compreender a diferença entre o que é real e o que não é;
DOS 02 AOS 03 ANOS
Fase de grande curiosidade, sendo muito frequente a pergunta "Porquê?";
À medida que se desenvolvem as suas competências linguísticas, a criança começa a exprimir-se de outras formas, que não apenas a exploração física - trata-se de juntar as competências físicas e de
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linguagem (por ex., quando faço isto, acontece aquilo), o que ajuda ao seu desenvolvimento cognitivo;
É capaz de produzir regularmente frases de 3 e 4 palavras. A partir dos 32 meses, é já capaz de conversar com um adulto usando frases curtas e de continuar a falar sobre um assunto por um breve período;
Desenvolvimento da consciência de si: a criança pode referir-se a si própria como "eu" e pode conseguir descrever-se por frases simples, como "tenho fome";
A memória e a capacidade de concentração aumentaram (a criança é capaz de voltar a uma atividade que tinha interrompido, mantendo-se concentrada nela por períodos de tempo mais longos);
A criança está a começar a formar imagens mentais das coisas, o que a leva à compreensão dos conceitos - progressivamente, e com a ajuda dos pais, vai sendo capaz de compreender conceitos como dentro e fora, cima e baixo;
Por volta dos 32 meses, começa a apreender o conceito de sequências numéricas simples e de diferentes categorias (por ex., é capaz de contar até 10 e de formar grupos de objetos - 10 animais de plástico podem ser 2 vacas, 5 porcos e 3 cavalos);
DOS 03 AOS 04 ANOS
Compreende a maior parte do que ouve e o seu discurso é compreensível para os adultos;
Utiliza bastante a imaginação: início dos jogos de faz-de-conta e dos jogos de papéis;
Compreende o conceito de "dois";
Sabe o nome, o sexo e a idade;
Repete sequências de 3 algarismos;
Começa a ter noção das relações de causa-e-efeito;
É bastante curiosa e inquiridora;
DOS 04 AOS 05 ANOS
Adquiriu já um vocabulário alargado, constituído por 1500 a 2000 palavras; manifesta um grande interesse pela linguagem, falando incessantemente;
Compreende ordens com frases na negativa;
Articula bem consoantes e vogais e constrói frases bem estruturadas;
Exibe uma curiosidade insaciável, fazendo inúmeras perguntas;
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Compreende as diferenças entre a fantasia e a realidade;
Compreende conceitos de número e de espaço: "mais", "menos", "maior", "dentro", "debaixo", "atrás";
Começa a compreender que os desenhos e símbolos podem representar objetos reais;
Começa a reconhecer padrões entre os objetos: objetos redondos, objetos macios, animais...
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DOS 05 AOS 06 ANOS
Fala fluentemente, utilizando corretamente o plural, os pronomes e os tempos verbais;
Grande interesse pelas palavras e a linguagem;
Pode gaguejar se estiver muito cansada ou nervosa;
Segue instruções e aceita supervisão;
Conhece as cores, os números, etc.; pode identificar e distinguir euros e cêntimos;
Capacidade para memorizar histórias e repeti-las;
É capaz de agrupar e ordenar objetos tendo em conta o tamanho (do mais pequeno ao maior);
Começa a entender os conceitos de "antes" e "depois", "em cima" e "em baixo", etc., bem como conceitos de tempo: "ontem", "hoje", "amanhã";
DOS 06 AOS 07 ANOS
Tem uma noção mais clara das diferenças de sexo, sendo curiosa a este nível: curiosidade pelo corpo do sexo oposto, brincar aos médicos, às casinhas, etc.;
Começa a ter memórias contínuas e mais organizadas;
Desenvolvimento das capacidades de raciocínio;
Passagem de uma aprendizagem através da observação e da experiência para uma aprendizagem através da linguagem e da lógica;
A maioria das crianças aprende a ler e a escrever nesta idade.
DOS 07 AOS 08 ANOS
Está menos interessada nas questões sexuais;
Está disponível para a aprendizagem. Utiliza um pensamento reflexivo; os pensamentos podem basearse na lógica; consegue resolver problemas de maior complexidade; Boa capacidade de atenção e concentração;
Gosta de colecionarobjetos e fala acerca dos seus desejos e projetos, textos e desenhos;
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Baseia-se mais na realidade.
DOS 08 AOS 09 ANOS
O seu pensamento está mais organizado e lógico;
Preocupa-se em perceber a razão das coisas que a rodeiam;
Sobrestima frequentemente as suas capacidades, com consequente frustração em caso de insucesso;
Procura mais informação acerca da gravidez e do nascimento; pode questionar o papel do pai;
DOS 09 AOS 10 ANOS
Manifesta preferência por trabalhos e tarefas mais complexas;
Tem interesses definidos e uma grande curiosidade; procura e memoriza factos; emprega um raciocínio e pensamento abstratos;
As diferenças individuais tornam-se mais marcadas;
Gosta de ler, escrever e de utilizar livros e referências;
DOS 10 AOS 11 ANOS
Está alerta e bastante segura de si;
Gosta de ler;
Tem muitos interesses de curta duração
Desenvolvimento Social
É bastante seletiva nas suas relações: pode ter um(a) melhor amigo(a).
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6.
Desenvolvimento físico e psicomotor
Evolução da postura e da descoberta do corpo
O olhar Por volta da sexta semana o bebé torna-se capaz de fixar visualmente os olhos de outra pessoa. O que leva o adulto a ter a certeza que o bebé está realmente a olhar para ele. É nesta altura que muitas/os mães/pais sentem pela primeira vez, ou pelo menos mais completamente do que antes, que o seu bebé é um ser totalmente capaz de uma ligação afetiva próxima e que ambos estão totalmente envolvidos nessa relação. É nesta altura que o comportamento do adulto muda substancialmente. No final do terceiro mês o sistema visual-motor atinge a maturidade. O bebé pode seguir a/o mãe/pai com o olhar quando esta se afasta. A rede de comunicação alarga- se muito para lá dos 20 cm. No fim do terceiro mês o bebé é tão capaz como um adulto de mover os olhos rapidamente para seguir um objeto ou manter um olhar fixo; e é igualmente capaz de adaptar os olhos para focar um objeto. Perto dos seis meses de vida, o namoro do bebé com o rosto, a voz o tato é parcialmente substituído por um interesse por objetos que quer apanhar. Isto é possível entre a coordenação entre as mãosolhar do bebé, que atingiu a maturidade. Agora, comportamentos diferentes começam a manifestar-se. E a relação estabelece outros padrões interativos.
Posição da cabeça Há três posições: Posição central, posição periférica, perda de contacto visual. Nestas três posições o bebé tem uma experiência sensorial (visual) e motora (posição da cabeça)
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distinta em relação à/o mãe/pai. Estes sinais imitidos pelo bebé são interpretados de diferente maneira pela/o mãe/pai. Alguns movimentos da cabeça dos bebés parecem pertencer a padrões de aproximação enquanto outros de afastamento.
Expressões faciais Os bebés conseguem produzir um elevado número de expressões faciais: esperteza, ironia, rejeição, etc. O bebé não sente o que o adulto sente ao fazer estas expressões mas a sua presença não deixa de ser provocatória.
O sorriso
Durante, as primeiras semanas: Sorrisos durante o sono e durante o período de sonolência. Quase nunca se vêem quando o bebé está acordado e com os olhos abertos. Parecem não ter nada aver com o mundo exterior (sorrisos endógenos ou reflexos).
Entre as seis semanas e os três meses: O sorriso torna-se exógeno, solicitado por acontecimentos exteriores. Ao tornar-se exógeno o sorriso torna-se social. Não muda a sua morfologia mas sim o que provoca.
Por volta do terceiro mês: Torna-se um comportamento instrumental. O bebé pode agora produzir um sorriso para obter de alguém uma reação, tal como um outro sorriso da/o mãe/pai ou uma palavra dela/e.
Aos 4 meses: Expressões mais complexas emergem, por exemplo o sorriso com um ligeiro franzir da testa. Em resumo. O sorriso começa por ser uma atividade reflexa, torna-se uma resposta social e evolui para um comportamento instrumental até um comportamento suficientemente coordenado, a ponto de coordenar várias expressões faciais. Ao contrário do sorriso o riso não está presente desde o nascimento. Aparece entre o 4º e o 6º mês é desencadeado por estímulos tácteis entre os 7º e 9º mês por incidentes auditivos e entre o 10º e 12º mês por incidentes visuais. Muito cedo o riso também se torna um comportamento instrumental.
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A primeira coisa que a criança deve aprender é que tem um corpo e que este é diferente do da sua mãe e do seu pai. Um corpo que é formado por partes e que cada uma destas partes tem funções determinadas. A identificação das partes do corpo, a educação dos sentidos e a melhoria do tónus muscular denomina-se educação do esquema corporal. Este esquema corporal e a sua posterior orientação com a lateralidade, assim como os primeiros passos nas coordenações, é vivido pela criança em três âmbitos: o seu próprio corpo, o corpo dos outros e o mundo dos objetos. A primeira relação que a criança terá com um adulto será através da mãe. Por meio de carícias, o bebé relaciona-se com outra pessoa e aprenderá que ele é um corpo diferente dos outros. Acariciar o bebé não é só uma demonstração de carinho, é também o primeiro passo para a educação motora do bebé. Logo que a criança se senta sem cair e domina a pinça dos seus dedos, o mundo dos objetos é uma fascinação: qualquer objeto vistoso é para ela um possível brinquedo. A intervenção do adulto será decisiva na escolha dos brinquedos, já que entre todos devem reunir as seguintes características: serem de cores diferentes, de diferentes materiais, de texturas diversas, de diversos volumes e formas, que se possam manipular e que alguns produzam sons. Se observarmos o desenho que uma criança faz de si própria dar-nos-emos conta, por exemplo, que desenha uma cabeça com os olhos e a boca e uns grandes pés que saem da própria cabeça; isto significa que a criança ainda não reconhece todas as partes do corpo.
Evolução da ideia, do espaço e do tempo A consciência e o domínio do espaço levam muito tempo a desenvolver-se. No período sensório– motor, os bebés aprendem gradualmente a seguir os objetos visualmente, assim como a estender as mãos para eles e a agarrá-los. Nos 8 primeiros meses de vida, o bebé tem apenas consciência dos objetos que consegue ver; se uma bola, com que tinha estado a brincar, rola e desaparece do seu campo visual, deixa de existir para ele. Não a procura, volta-se, antes, para outra coisa que esteja dentro do seu campo visual.
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Entre os 8 e os 12 meses, os bebés aprendem a mover o corpo, de forma a poderem procurar coisas fora do seu campo de visão imediato, e aprendem a manipular os objetos no espaço, de forma a poderem vê-los de ângulos diferentes. Entre os 12 e os 18 meses, a criança que começa a andar aprende que não apenas os seus braços e as suas pernas mas ela própria está localizada no espaço. Estuda também a forma como os objetos mudam de posição em relação uns aos outros; por exemplo: quando deixa cair do berço o seu coelho de peluche, observa a sua queda. Gosta também de abrir a mão da mãe ou do pai e de “descobrir” lá qualquer coisa que viu um deles esconder. Para o fim do período sensório-motor, as crianças entre os 18 e os 24 meses já desenvolveram a capacidade de representar o espaço mentalmente. Por exemplo: uma criança que começa a andar consegue descobrir um carrinho que rolou para debaixo do sofá e saiu pelo outro lado. As relações de proximidade – a curta distância a que as coisas estão no espaço – e de separação – a distância a que estão entre si – são fundamentais para a compreensão que a criança tem do espaço. As crianças de 3 e 4 anos, no período pré-operatório, estão a explorar ativamente essas relações quando separam as coisas e voltam a encaixá-las e quando ordenam e reordenam as coisas no espaço. Estão também a aprender a descrever onde estão as coisas, as distâncias entre elas e a direção em que se deslocam, embora nem sempre os seus juízos sejam corretos, de acordo com os padrões dos adultos. Piaget descobriu, por exemplo, que os juízos de proximidade e separação próprios das crianças no período pré-operatório são influenciados pela presença ou ausência de barreiras. Uma criança pode dizer que a mesa de areia está perto da porta, até que alguém constrói entre as duas uma grande casa com estruturas de madeira; nessa altura, acha que a mesa de areia e a porta estão afastadas, embora a distância real entre elas não se tenha alterado. As crianças em idade pré-escolar confundem, também, distância com esforço – acham, por exemplo, que subir a um escorrega implica uma distância maior do que descê-lo.
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As crianças de 3 e 4 anos estão a começar a trabalhar com a noção de delimitação do espaço. Piaget descobriu que conseguem fazer a discriminação entre objetos com buracos e objetos sem buracos, assim como entre um anel de cordel com qualquer coisa lá dentro e um anel de cordel com qualquer coisa cá fora. Constroem também as suas próprias delimitações e usam expressões como “lá dentro” e “cá fora” para falar delas. Enquanto as crianças de 3 e 4 anos têm dificuldade em fazer uma linha reta no espaço, quer desenhando-a com um lápis, quer alinhando objetos, as crianças que, estando no período préoperatório, têm mais idade (5-7 anos), são capazes de a fazer seguindo os rebordos de uma mesa ou por tentativa e erro. Tentam também medir realmente as distâncias, usando um método primitivo, como o esticar as mãos. A ordem espacial começa, também, para elas, ater sentido. Dando-lhes uma série de objetos ordenados em linha ou em círculo, conseguem reproduzir a mesma ordem, por tentativa e erro, com outra série de objetos. Quando chegam à fase das operações concretas (8-11 anos), as crianças conseguem com êxito lidar com muitas relações espaciais. Neste período, as crianças mais novas são capazes de interpretar e representar os aspectos projetivos e geométricos do espaço. Sabem conservar o comprimento e a distância, isto é: apercebem-se de que o comprimento de um objeto é independente da sua posição no espaço e que a distância entre os dois objetos não é afetada pelas barreiras que se colocam entre eles. Conseguem dispor objetos em linha reta alinhando-os pelo último objeto e sabem servirse de uma unidade padrão para medir o comprimento. No período das operações concretas, as crianças que têm mais idade são capazes de aplicar as medidas e um sistema coordenado de duas ou três dimensões, sabem conservar o volume e a área e conseguem, com um notável grau de exatidão, representar perspetivas espaciais alternativas, assim como o ângulo, o paralelismo e a distância. No período das operações formais, as crianças são capazes de fazer tudo o que se disse e ainda compreender e lidar com abstrações geométricas, tais como a ideia de extensão infinita e a divisibilidade de uma linha ou figura no espaço.
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As crianças em idade pré-escolar não são capazes de separar cronologicamente o tempo. Para uma criança as coisas existem só neste momento. Por volta dos 3 anos, as crianças começam a encarar o tempo como um contínuo, a perceber que existe o antes e o depois. Quando a criança percebe que o tempo é contínuo é capaz de recuar no tempo e reconstruir acontecimentos e experiências. As crianças ao descreverem acontecimentos passados, por palavras:
Reforçam a sua capacidade de perceber e lidar com a continuidade do tempo;
Começam a pensar nos acontecimentos passados por ordem sequencial;
Aprendem as palavras que os adultos utilizam para representar o tempo.
As crianças pequenas não se apercebem do tempo da mesma forma que os adultos. As unidades convencionais de tempo que os adultos usam para medir o tempo pouco significado têm para a maior parte das crianças em idade pré-escolar. As crianças desta faixa etária não têm uma visão «objetiva» do tempo. Compreendem a passagem do tempo em termos do próprio sentir, de forma subjetiva. Os adultos também encaram o tempo de forma subjetiva, no entanto, comparam de facto os acontecimentos subjetivos com medidas objetivas. Para as crianças o tempo «voa» ou «arrasta-se» pois falta-lhes a compreensão da dimensão objetiva do tempo.
Lateralidade Por volta dos 2 anos, a criança mostra ter preferência por um lado ou outro, e isto é indicativo de uma orientação do corpo no espaço que posteriormente será objeto de desenvolvimento e estruturação: trata-se da lateralidade do corpo. A lateralidade é a capacidade que a criança tem para realizar tarefas motoras dando preferência a um lado do corpo sobre o outro. É, afinal, a orientação no espaço deste corpo que antes reconheceu topograficamente.
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Esta evolução é dada pela própria maturação do organismo. Se observarmos bem, aos 2 anos a criança costuma utilizar indistintamente uma ou outra das mãos para pegar, enquanto aos 6 anos a maior parte fá-lo com o seu lado dominante. Este processo de preferência por uma parte dá-se em todo o corpo: um braço utiliza-se mais que outro, do mesmo modo que um olho e um pé. Um teste muito simples que pode informar os educadores da maturidade da lateralidade da criança é o seguinte:
Para observar a lateralidade da mão, senta-se a criança no chão com as pernas abertas e em frente dela coloca-se uma bola mais pequena que a de ténis e diz-se que agarre. É importante assinalar que quando o adulto coloca a bola diante da criança o deve fazer com as duas mãos, para que ela não imite por assimetria a ação do adulto. Repete-se a operação umas cinco vezes e assim observaremos se o faz sempre com a mesma mão ou não.
Para observar a lateralidade do pé, coloca-se uma bola de plástico no chão e diz-se à criança que lhe dê um pontapé, seguindo-se o mesmo processo de anotação que no caso anterior. E para indagar a preferência do olho da criança, faz-se com que olhe para dentro de um tubo de cartão, como se tratasse de um binóculo. O facto de que a lateralidade se desenvolva naturalmente não quer dizer que os adultos não tenham de intervir, já que podem facilitar a correta estruturação da lateralidade mediante jogos, e evitar eventuais desajustes, como os de uma criança que manifeste preferências diferentes segundo a zona do corpo que se observe. Um inadequado processo de lateralidade pode traduzir-se em lentidão motora e em dificuldade por parte da criança para seguir certas aprendizagens escolares, como a leitura e a escrita, já que são atividades orientadas da esquerda para a direita. A família nunca deve forçar a criança a utilizar uma das mãos em detrimento da outra. Os adultos terão de jogar com as crianças jogos que lhes tornem possível a diferenciação entre a sua parte dominante e a não dominante, como por exemplo:
Em crianças de 2 anos, pô-las-emos sentadas no chão e jogaremos à bola empurrando-a pelo chão, primeiro com uma das mãos e depois com a outra.
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Isto deve-se fazer no início sem mencionar sequer que uma das mãos chama esquerda e a outra direita, já que aprender o nome dos lados é um processo mais na lateralidade, mas não é o único.
Em crianças de 3/4 anos, brincaremos a atirar diferentes objetos, primeiro com a mão e com um pé de um lado e depois do outro.
Em crianças de 5/6 anos faremos o mesmo, mas atirando a bola ou lançando-a ao ar e apanhando-a.
À medida que a lateralidade da criança se vai orientando, devem iniciar-se os processos de coordenação motora, que são os que facilitam que corra, salte, rode e ande de gatas, e os de coordenação olho-mão e olho-pé, que possibilitarão que adquira maior pontaria nos seus lançamentos.
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7.
Desenvolvimento cognitivo - a teoria de Jean Piaget
O trabalho inicial de Jean Piaget com os primeiros testes de QI, convenceu-o de que tais testes estandardizados (reduzidos a um só tipo) deixam escapar muito do que é especial e importante acerca dos processos de pensamento da criança. Para analisar estes processos, Piaget observou, desde a infância, os seus próprios filhos assim como outras crianças. O pensamento da criança, conclui o autor, é qualitativamente diferente (diferente na forma) do pensamento adulto. Enquanto alguns investigadores mediam diferenças individuais na quantidade de inteligência que os adultos e as crianças têm, Piaget propôs sequências universais de desenvolvimento cognitivo ao longo da infância e da adolescência.
Estádio sensório - motor - (0 - 2 anos)
Inteligência prática, baseada nas sensações e nos movimentos (o mundo que existe para o bebé é apenas aquele que ele vê, ouve ou sente e sobre o qual age);
Antes dos 8 meses: é como se o mundo não fosse constituído por objetos, mas sim por uma sucessão de imagens, sem ligação entre si, em que as coisas deixam de existir quando deixam de ser percecionadas;
A partir dos 8 meses: adquire a noção de permanência do objeto (existem objetos independentemente de os estar a percecionar);
Progressivamente, vai sendo capaz de agir intencionalmente, de modo cada vez mais coordenado, para obter o fim pretendido (ex.: obter um objeto), utilizando, para tal, não só a ação do próprio corpo,
como fazia anteriormente, mas também outros objetos;
No final deste estádio: surge a capacidade de representação mental e de simbolização (representação mentalmente não só a permanência do objeto, mas também as relações que se estabelecem entre os objetos); a inteligência centrada na ação dá lugar ao pensamento (representação mental) - o pensamento é ação interiorizada.
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Estádio pré-operatório - (2-7 anos)
Função simbólica: capacidade de representação mental e simbolização;
Egocentrismo intelectual: a criança acha que o mundo foi criado para si e não é capaz de perceber o ponto de vista do outro (acha que os outros pensam e sentem da mesma forma que ela);
Animismo: o egocentrismo estende-se aos objetos e outros seres vivos, aos quais a criança atribui intenções, pensamentos, emoções e comportamentos próprios do ser humano;
Pensamento mágico: a realidade é aquilo que a criança sonha e deseja, e dá explicações com base na sua imaginação, sem ter em consideração questões de lógica;
Interessa-se essencialmente por resultados práticos;
A sua perceção imediata é encarada como verdade absoluta, sem perceber que podem existir outros pontos de vista: privilegia as suas perceçõessubjetivas, desprezando as relações objetivas. Não percebe as diferenças entre as mudanças entre as mudanças reais e aparentes e, portanto, responde com base na aparência, acreditando que é o real. Ex.: são apresentados à criança dois corpos iguais com a mesma quantidade de água. À sua frente, verte-se a água de um copo deles para um copo, alto e fino. A criança afirma que agora este copo alto e fino tem mais água do que o outro. Não compreende que a quantidade de água permanece a mesma, independentemente do recipiente em que é colocada. Ou seja, responde com base na aparência (como o segundo copo parece maior, porque é mais alto, a criança pensa
que tem mais água);
O pensamento é pré-operatório - a criança não consegue efetuar operações mentais. No exemplo acima, não percebeu que, durante a passagem da água do primeiro copo de água para o segundo (alto e fino), houve algo que não mudou: a quantidade de água permaneceu sempre a mesma. Também não tem consciência de que as transformações na aparência da água (passagem de um copo baixo para um copo alto) são reversíveis (pode logo a seguir deitar a água do copo alto e fino para o copo mais baixo).
Estádio das operações concretas (7-11/12 anos)
Pensamento lógico: tem capacidades para realizar operações mentais, pois compreende que existem ações reversíveis (percebe que é possível transformar o estado de um objeto, sem que todo o objeto mude, e depois reverter esta transformação, voltando ao estado inicial);
Compreende a existência de conceitos - características que não variam em função das mudanças dos objetos, mas que existem para além deles e podem ser aplicados a muitas outras situações para além daquela associação que foi primeiramente apresentada (contrariamente ao que sucedia no estádio anterior). Se a situação referida no exemplo acima fosse apresentada a uma criança neste estádio, ela já
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seria capaz de perceber que a quantidade de água é uma característica que não varia conforme o copo em que é colocada;
Já não se baseia na perceção imediata e começa a compreender a existência de características que se conservam, independentemente da sua aparência: adquire assim a noção de conservação da matéria sólida (ou substância), mais tarde da líquida (exemplo acima referido da conservação da qualidade de água), depois do peso e, por fim, do volume;
A existência de conceitos vai permitindo compreender a relação parte-todo, fazer classificações (agrupar objetos segundo determinada característica comum, abstraindo-se das suas diferenças), seriações (ordenar objetos segundo uma característica que tem diferentes graus; abstrai-se das
semelhanças) e perceber a conservação do número (implica coordenar a classificação e a seriação).
Estádio das operações formais (12-16 anos)
Consegue realizar não só operações concretas mas também operações formais. Ex.: Problema. Três pessoas A, B e C estão sentadas num banco de jardim. Quantas hipóteses existem relativamente à ordem em que estão sentadas?
Neste estádio, já é possível resolver este problema usando o pensamento abstrato (operação formal): consegue-se colocar mentalmente todas as hipóteses. No estádio operatório-concreto, a criança não conseguia abstrair: só seria capaz de resolver este problema se tivesse três pessoas sentadas num banco e se pudesse posicioná-las em todas as sequências possíveis. Resposta ao problema: seis hipóteses - ABC, ACB, BAC, CAB e CBA;
Pensamento abstrato: é capaz de se desprender do real e raciocinar sem se apoiar em factos, ou seja, não precisa de operacionalizar e movimentar toda a realidade para chegar a conclusões;
Raciocínio hipotético-dedutivo: coloca hipóteses, formulando mentalmente todo o conjunto de explicações possíveis;
Percebe que existem múltiplas formas de perspetivar a realidade e que a sua perceção é apenas uma dentro de um conjunto de possibilidades;
É capaz de pensar sobre o próprio pensamento e sobre os pensamentos das outras pessoas e, portanto, percebe que, face a uma mesma situação, diferentes pessoas têm diferentes pontos de vista.
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8. Desenvolvimento da linguagem Os seres humanos não têm de falar para comunicar, mas não há dúvida de que as palavras clarificam muito melhor a transmissão de informações e pensamentos. Nos primeiros anos de vida, a linguagem corporal desempenha um papel mais importante. Não é só o rosto que revela emoções, são também os gestos. Podemos abrir os braços por nos sentirmos alegres ou tristes. Talvez nem sequer percebamos que lemos muitos destes sinais. Mas toda a gente sabe ler os sinais mais elaborados, como as expressões faciais, os abraços e os beijos. As crianças começam a fazer estes sinais nas primeiras semanas de vida, embora não se apercebam disso. Começam a usar sinais para comunicar intenções cerca dos 7 ou 8 meses. Um bebé que chora e deixa de o fazer quando um adulto chega está a mostrar que tem presente um sinal comunicativo com que chama a atenção de outra pessoa e a que esta responde. Nós os adultos atribuímos intenções de comunicação às expressões dos bebés, mesmo que estes sejam muito pequenos. A importância deste facto é que facilita as interações entre crianças e adultos. A ação constante de interpretação que os adultos fazem das expressões das crianças permite que a interação continue e que a criança tenha acesso aos significados. A crescente capacidade da criança para utilizar a linguagem, um sistema de comunicação baseado em palavras e gramática, é um elemento crucial no desenvolvimento cognitivo. A partir do momento em que conhece as palavras, ela pode utilizá-las para representar objetos e ações. Ela pode refletir acerca das pessoas, locais e objetos; pode comunicar as suas necessidades, sentimentos e ideias para exercer controlo sobre a sua própria vida. O crescimento da linguagem ilustra a interação entre todos os aspectos do desenvolvimento: físico, cognitivo, emocional e social. À medida que as estruturas físicas, necessárias à produção de sons, sofrem maturação, e que as conexões neuronais, necessárias à associação de sons e de significados
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se tornam ativadas, a interação social com os adultos inicia os bebés na natureza comunicativa do discurso. Vamos agora descrever a sequência típica do desenvolvimento da linguagem, assim como algumas características do discurso nos primeiros tempos de vida, o modo como os bebés adquirem a linguagem e progridem na sua utilização e como os pais e outras figuras parentais ajudam as crianças pequenas a prepararem-se para a literacia, isto é a capacidade de leitura e escrita.
Etapas na aquisição da linguagem O choro, é a única forma de comunicação do recém-nascido. Para um desconhecido todos os sons que o bebé produz parecem idênticos, mas os pais do bebé, geralmente distinguem o choro de fome do choro de dor. Diferentes tonalidades, padrões e intensidades sinalizam fome, sono ou raiva. Entre as 6 semanas e os 3 meses de vida, os bebés começam a produzir sons quando estão contentes. O arrulhar inclui a produção de guinchos, murmúrios e sons vocálicos como “ahhh”. Entre os 3 e os 6 meses, os bebés começam a brincar com os sons da fala, ajustando os sons que ouvem das pessoas à sua volta. O tagarelar – repetindo sequências de consoante-vogal como “mama- ma-ma” – ocorre repentinamente entre os 6 e os 10 meses, e geralmente é confundido com a primeira palavra do bebé. O tagarelar não é uma verdadeira linguagem, na medida em que não comporta significado para o bebé, embora se torne mais parecida com as palavras.
O desenvolvimento da linguagem prossegue com imitação acidental de sons da linguagem que os bebés ouvem e depois reproduzem esses sons. Cerca dos 9 10 meses de vida, os bebés imitam deliberadamente sons sem os compreenderem. A partir do momento em que possuem um repertório de sons, associam-nos em padrões que soam como a linguagem, mas que parecem não ter qualquer significado. Aos 9 meses, o António aponta para um objeto, por vezes, produzindo um ruído para mostrar que
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deseja esse objeto. Entre os 9 e os 12 meses ele aprendeu alguns gestos sociais convencionais: acenar adeus, abanar com a cabeça para significar sim, abanar com a cabeça para significar não. Por volta dos 13 meses, ele usa gestos representacionais mais elaborados; por exemplo, é capaz de levar uma chávena vazia à boca ou levantar os braços para mostrar que quer ser pegado ao colo. Gestos simbólicos, tais como soprar para significar “quente”, geralmente emergem na mesma altura em que os bebés pronunciam as suas primeiras palavras; estes gestos revelam que as crianças compreendem que os objetos e as ideias têm nomes e que os símbolos podem referir-se a objetos, acontecimentos, desejos e circunstâncias específicas do quotidiano. Os gestos surgem geralmente antes de a criança ter um vocabulário de 25 palavras e diminuem quando a criança aprende a palavra correspondente à ideia que está a gesticular, podendo dizê-la, em vez de recorrer ao gesto. Em geral, os bebés começam pelos nomes. Entre os mais vulgares contam-se o nome que a criança dá à pessoa que cuida dela e a palavra que usa para se referir a gatos, cães, chávena ou biberão e comida. Umas vezes, estas palavras aproximam-se das verdadeiras; outras vezes, não conseguem distinguir-se. Muitas crianças usam os sons que os animais fazem para se referirem a eles; seja qual for a linguagem que uma criança ouça à sua volta, um cão será sempre “au-au” e comida será sempre qualquer coisa como “papa”. Não tente corrigi-la. Isto é mesmo assim, e a criança aprenderá as palavras certas a seu tempo. Para já, do que ela mais precisa é de estímulo e de reações às suas atitudes. Precisa saber que você a entende. Por isso, diga: “Sim, é um cão” ou “Papa, é o jantar”. Isto permite continuar a conversa, e a criança sente-se recompensada quando você lhe mostra que a percebeu e lhe diz a palavra certa. Esta reação é perfeita e incentiva o bebé a desenvolver as suas aptidões recém-descobertas. Em média, o bebé pronuncia a primeira palavra algures entre os 10 e os 14 meses, iniciando o discurso linguístico – expressão verbal que transmite um significado. De entre em pouco, o bebé irá usar muitas palavras e irá mostrar alguma compreensão de gramática, de pronúncia, de entoação
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e de ritmo. Com 2 anos a criança pronuncia mais de 200 palavras. Assim que as crianças começam a usar as palavras em quantidade, aprendem 30 a 50 novas palavras por mês. No entanto, poucas aprendem a um ritmo constante. Podem pronunciar 10 novas palavras numa manhã e depois não aprenderem nenhuma durante uma semana ou mais. Segue-se um período de progresso rápido, seguido de outra pausa. As crianças escolhem as primeiras palavras escutando a sílaba tónica, e é por isso que muitas chamam “fante” ao elefante e “rafa” à girafa. Uma palavra como esta que exprime uma ideia completa denomina-se holofrase. Mas embora diga “fante”, a criança pode estar à espera que você pronuncie a palavra corretamente. Quase todas as crianças percebem muitas mais palavras do que sabem dizer e conseguem obedecer a instruções precisas, apesar de dizerem poucas palavras. Outras dizem uma palavra quase ao mesmo tempo que sabem o que ela significa. A variação na rapidez com que as crianças aprendem novas palavras e a nitidez da sua primeira fala advém da sua capacidade de articular as palavras com clareza. Com cerca de 13 meses, as crianças olham para os objetos a que os pais dão nome. Por outro lado, os adultos tendem a olhar para aquilo de que estão a falar. Por isso, é que as crianças começam a olhar para aquilo em que você se concentra e assumem que os sons que você faz se referem ao que elas vêem. Tal como as primeiras “palavras” são de facto sinais, também as primeiras frases são combinações de sinais e de palavras. Ao apontar para um cão, a criança diz “au-au”. O que ela está a querer dizer é muito claro: “Olhem, está ali um cão!” Se estender as mãos e disser a palavra “bolacha”, isso significa “Dá-me uma bolacha”. A criança também pode usar palavras como se fossem frases, apesar de dizer uma palavra de cada vez. Por exemplo, pode dizer “carro” e, depois ter repetido a palavra, “vai”. A maioria das crianças domina cerca de 200 palavras antes de começar a falar por frases, o que
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acontece cerca dos 21 meses. É mais importante o número de palavras do que a idade. Assim que o processo está em marcha, avança rapidamente. Não é raro que uma criança use 100 novas frases de duas palavras num mês. As combinações que ela faz exprimem posse (“casaco mamã”), ação (“carro vai”), localização (“cadeira ali”), pedidos (“dar bolacha”), nome e ênfase (“aquela casa”) e fazem perguntas (“o que é isto?”). a isto chama-se discurso telegráfico – forma primitiva de frase que consiste apenas em algumas palavras essenciais, como a maioria dos telegramas.
Muitas vezes, a ordem das palavras é utilizada para indicar qual é o sujeito e o complemento numa frase, e as crianças que aprendem a falar seguem uma ordem rígida das palavras para exprimir significado. Assim, dizem por exemplo, “mamã empurra carro”, realçando que “mamã” é o sujeito, e “empurra carro” para sublinharem que o carro é o objeto a empurrar. Estudos realizados revelam que as crianças de todo o mundo aprendem a gramática das suas línguas pela mesma ordem. Entre os 20 e os 30 meses, as crianças adquirem os fundamentos da sintaxe – as regras para juntar frases na sua língua. Começam por utilizar artigos (o/a, um/uma), preposições (no/na, em), conjunções (e, mas), plurais, terminações de verbos, tempo passado dos verbos e a forma do verbo se. Por volta dos 3 anos, o discurso é fluente, mais extenso e complexo, apesar das crianças muitas vezes omitirem partes do discurso, elas conseguem manter o seu significado. Por volta dos 5 ou 6 anos, as crianças falam através de frases mais longas e mais complicadas. Entre os 6 e os 7 anos, as crianças começam a falar através de frases compostas e complexas e usam o discurso completo. Aos 6 anos, a criança entende em média mais de 14000 palavras, tendo aprendido em média 9 palavras novas por dia, desde o ano e meio de idade. Aparentemente as crianças conseguem isto por mapeamento rápido, o que lhes permite absorver o significado de uma nova palavra após a terem ouvido apenas uma ou duas vezes numa conversa. Tendo como base o contexto, as crianças parecem elaborar uma hipótese rápida acerca do significado da palavra e armazená-la na memória.
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À medida que as crianças adquirem o domínio das palavras, das orações e da gramática, tornam-se mais competentes na comunicação. Apesar de as crianças falarem fluentemente, de forma compreensível e gramaticalmente aceitável, ainda têm muito que aprender acerca da linguagem.
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9.
Desenvolvimento sócio-afectivo
9.1. Interacção mãe/filho
Importância da vinculação A vinculação é uma ligação emocional recíproca e duradoura entre o bebé e a figura parental, em que cada um contribui para a qualidade da relação. A vinculação tem um valor adaptativo para o bebé, assegurando-lhe que as suas necessidades psicossociais e físicas são satisfeitas. Praticamente qualquer atividade levada a cabo pelo bebé, que provoque uma resposta de um adulto poderá ser um comportamento de procura de vinculação: chupar, chorar, sorrir, abraçar e olhar para a figura parental. Logo na oitava semana de vida, os bebés dirigem alguns desses comportamentos mais à mãe do que a outra pessoa. Estas aproximações são bem-sucedidas quando a mãe responde calorosamente, expressa contentamento e oferece ao bebé contacto físico frequente e liberdade para explorar. Ainsworth descreveu quatro estádios, em parte sobrepostos, do comportamento de vinculação durante o primeiro ano de vida:
Antes dos 2 meses, os bebés respondem indiscriminadamente a qualquer pessoa.
Entre as 8 e as 12 semanas, os bebés choram, sorriem, balbuciam mais para a mãe do que para outra pessoa, mas continuam a responder aos outros.
Aos 6 a 7 meses, os bebés demonstram uma vinculação à mãe bem definida. O medo de estranhos poderá surgir entre os 6 e os 8 meses.
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Entretanto, os bebés desenvolvem uma vinculação com uma ou mais figuras familiares, como sejam o pai e os irmãos. Esta sequência parece ser comum nas sociedades ocidentais, mas não se aplica necessariamente a bebés de culturas nas quais se verifica a existência de várias figuras parentais desde o nascimento. Tanto as mães como os bebés contribuem para a segurança da vinculação através da sua personalidade e comportamento, e através do modo como respondem um ao outro. A segurança da vinculação desenvolve-se a partir da confiança; a insegurança da vinculação reflete desconfiança. Os bebés com uma vinculação segura aprenderam a confiar não apenas nas figuras parentais, mas também na sua capacidade de obter aquilo que necessitam. Portanto, os bebés que rabujam e choram e cujas mães respondem sossegando-os, tendem a ter uma vinculação segura. Muitos estudos revelam que as mães de bebés com uma vinculação segura tendem a ser sensíveis e responsivas. No entanto, a sensibilidade não é o único fator importante. Igualmente importantes são os aspectos da atividade maternal como a interação mútua, a estimulação, uma atitude positiva, calor humano e aceitação e apoio emocional. Quanto mais segura for a vinculação da criança ao adulto que dela cuida, mais fácil parece ser para a criança, por fim, se tornar independente desse adulto e desenvolver boas relações com os outros. A relação entre a vinculação e as características observadas anos mais tarde sublinha a continuidade do desenvolvimento e inter- relação entre o desenvolvimento emocional, cognitivo e físico. As crianças pequenas com uma vinculação segura são mais sociáveis com os pares e com adultos não familiares do que as crianças inseguras. Entre os 18 e os 24 meses, têm interações mais positivas com os pares e as suas abordagens amigáveis têm mais probabilidade de serem aceites.
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Dos 3 aos 5 anos, as crianças seguras são mais curiosas e têm mais tendência para formar relações de amizade próximas. Interagem mais positivamente com os pais, com as educadoras no jardim-de-infância e com os pares e são capazes de resolver conflitos. São também mais independentes, procurando a ajuda dos professores apenas quando dela necessitam. No período pré-escolar atendem a ter uma nova autoimagem mais positiva. Estas vantagens continuam no período escolar e na adolescência.
Relações precoces mãe/filho Como e quando se desenvolve a intimidade especial entre as mães e os seus bebés? Em 1976, dois investigadores concluíram que se a mãe e o bebé são separados durante as primeiras horas a seguir ao parto, a ligação mãe/bebé – os sentimentos da mãe de proximidade e proteção em relação ao recém-nascido – pode não se desenvolver normalmente. No entanto, investigação mais recente não confirmou a existência de um período crítico para a ligação mãe/bebé e os defensores da ideia original modificaram, mais tarde, a sua posição afirmando que o contacto imediatamente após o parto não é essencial para uma forte ligação mãe/criança. Algumas mães parecem conseguir uma ligação mais forte com os bebés depois de um contacto precoce mais alargado, tal como é conseguido em hospitais que oferecem uma antecâmara ou quando o parto é em casa; mas não têm sido demonstrados resultados a longo prazo. Este resultado tem atenuado a preocupação e a culpa por vezes sentida por pais adotivos e pais que tiveram de ser separados dos seus filhos a seguir ao nascimento.
Os pais tal como as mães formam ligações íntimas com os seus bebés pouco depois do nascimento. Pais pela primeira vez, orgulhosos, admiram e pegam nos seus bebés. Os bebés contribuem simplesmente fazendo coisas que os bebés normalmente fazem: abrindo os olhos,
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apertando os dedos do pai ou mexendo-se nos seus braços. A ligação entre pais e bebé ajuda-os a reconhecer as necessidades deste último. Uma forma importante de os recém-nascidos exprimirem a sua individualidade e a sua imprevisibilidade é através dos padrões de sono e vigília e de atividade quando acordados. Um modo importante de os pais expressarem o seu amor pelo bebé é a sua responsividade a estes padrões. Os bebés têm um relógio interno que regula os seus ciclos diários de comer, dormir, e eliminação e, talvez mesmo, os seus humores. Estes ciclos periódicos de vigília, sono e atividade que governam o estado de alerta da criança parecem ser inatos. Todos os recém-nascidos vivem os mesmos estados de alerta mas o ciclo de cada bebé é diferente e varia de dia para dia. Em geral, os bebés recém-nascidos dormem cerca de 16 horas por dia, mas um pode só dormir 11 horas enquanto outro dorme 21 horas. Os recém-nascidos têm cerca de 6 a 8 períodos de sono que variam entre períodos calmos e ativos. O sono ativo é, provavelmente, o equivalente ao sono do movimento rápido dos olhos que, nos adultos, está associado ao sonho. Por volta dos 3 meses, os bebés tornam-se mais despertos ao fim da tarde e ao princípio da noite e começam a dormir pela noite dentro. Aos 6 meses, mais de metade do sono dos bebés ocorre durante a noite. Desde o nascimento, os bebés comportam-se de maneira diferente quando acordados. Alguns bebés põem a língua de fora repetidamente, outros fazem movimentos de sucção rítmicos. Alguns bebés sorriem frequentemente, outros raramente. Alguns recém-nascidos são mais ativos do que outros. Estes níveis de atividade refletem diferenças temperamentais, que continuam durante a infância e, frequentemente, ao longo da vida. O quanto o bebé dorme ou rabuja, e não tanto o quanto o bebé chora, pode ser indicador de temperamento. À medida que os bebés se tornam mais despertos, alertas e ativos, o seu padrão comportamental individual provoca respostas diversas por parte das figuras que lhes
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prestam cuidados. Os adultos reagem de maneira muito diferente a um bebé tranquilo e a um bebé excitável; a um bebé a quem podem facilmente acalmar e a outro que é frequentemente inconsolável; a um bebé que está frequentemente acordado e alerta a outro que parece alheado do que o rodeia. Os bebés, por sua vez, respondem à forma como são tratados. Esta influência bidirecional pode ter efeitos duradouros no tipo de pessoa em que o bebé se tornará. Assim, desde o princípio, as crianças influenciam as suas próprias vidas ao moldarem o ambiente no qual se desenvolvem.
Processo de separação/individualização A ansiedade de separação e ansiedade face a estranhos tendiam a ser consideradas marcos emocionais e cognitivos, refletindo a vinculação à mãe. Contudo, a investigação sugere que apesar da ansiedade face a estranhos e a ansiedade da separação serem relativamente típicas, não são universais. Se o bebé chora quando a figura parental se vai embora ou quando alguém desconhecido se aproxima, esta reação pode dizer mais acerca do temperamento do bebé ou das circunstâncias de vida do que da segurança da vinculação. O momento em que vão para a Creche ou Jardim-de-infância é o primeiro distanciamento ou separação da presença permanente da mãe. Trata-se de um facto importante não só para a criança como para a mãe e as dificuldades que nestes casos são apresentadas dependem, sobretudo, do clima que os pais tenham criado. Quando a criança reage com ansiedade, agarra-se à sua mãe e chora no momento em que tenta deixá-la, como se lhe estivessem a arrancar uma parte de si mesmo, é preciso esperar uma melhor oportunidade e prepará-la adequadamente. No entanto, a criança segura e confiante, que foi habituada a sair com os seus pais, não apresenta nenhuma dificuldade e aceita como natural esta separação temporal.
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Em muitas ocasiões, a grande maioria dos problemas que as crianças apresentam são consequência de questões não resolvidas por parte dos pais. Assim, algumas mães não têm consciência de que são elas que se agarram aos seus filhos, embora aparentemente dêem impressão de que desejam levá-los para o jardim-de-infância. As lágrimas e os gritos da criança surgem como resposta à ansiedade que percebe na sua mãe. Também se podem dar situações de sinal contrário, como as das mães que desejam que os seus filhos se tornem mais velhos antes da devida altura, o que pode provocar neles ansiedade ao terem a perceção de uma certa rejeição. As crianças têm grande consciência das atitudes da mãe para com elas e podem entendê-las perfeitamente, sem necessidade de palavras. Antes dos 6 meses, os bebés raramente reagem negativamente face a estranhos, geralmente fazem-no pelos 8 a 9 meses, e cada vez mais nos restantes meses do primeiro ano de vida. Por isso, é preciso entendê-las e adiantar-se, com tato, às suas reações, evitando tudo aquilo que possa produzir ansiedade ou temor. Contudo, mesmo nessa altura, um bebé pode reagir positivamente a uma pessoa desconhecida, sobretudo se a mãe falar de um modo positivo sobre esta ou se a pessoa aguardar um pouco e só depois abordar o bebé de modo gradual e suave através da brincadeira. Quando a criança nunca esteve num lugar separado da sua mãe e na presença de pessoas, até à altura, desconhecidas, convém pouco a pouco, visitar com ela o lugar, levando-a esporadicamente antes de começar a frequentá-lo de forma regular. Quanto mais familiarizada se encontra uma criança com as pessoas e os lugares com os quais entra em contacto, mais segura se sente e mais livremente pode desfrutar, explorando o ambiente que a rodeia. A estabilidade dos cuidados substitutos também é importante, de modo a que as crianças possam estabelecer ligações emocionais precoces com as pessoas que cuidam deles.
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9.2. Entrada no grupo
Começo do grupo As crianças gostam de estar juntas e são tolerantesumas para as outras. Podem dizer algumas palavras, oferecer e tirar os brinquedos, mas raramente se zangam. Mesmo que uma criança bata noutra, pouco depois começam a brincar. Pouco depois dos 2 anos, na sua maioria, as crianças começam a interagir e a brincar umas com as outras. Podem, por exemplo, reunir-se num canto da casa ou junto à lareira a brincar em grupo. Além disso, as conversas são simples e, muitas vezes, as crianças fazem exatamente a mesma coisa.
São agora menos tolerantesumas para as outras. Podem não partilhar o que lhes pertence e, se lhes tirarem um brinquedo, protestam. Podem bater, dar pontapés e morder umas nas outras. Deste modo, a prendem a interagir e a provocar reações. Quando as crianças começam a interagir, mostram poucas preferências por este ou aquele companheiro. Gostam apenas de brincar juntas e, mais tarde, com alguém. A pouco e pouco, criam-se amizades. Estas podem ser de pouca duração. Embora algumas crianças pareçam inseparáveis durante semanas e até meses, na maior parte dos casos as amizades vão e vêm rapidamente. No infantário, as crianças entre os 2 e os 3 anos brincam muitas vezes em grupos grandes e gostam de se juntar a outras e fazer o mesmo que elas. Mais tarde, quando os papéis nos jogos de simulação são mais definidos, o grupo escolhe. As crianças menos populares podem ser excluídas.
Relações entre crianças Quanto ao desenvolvimento dos sentimentos ou relações afetivas, surgem os sentimentos de simpatias ou antipatias, relacionadas à socialização das ações. Tais sentimentos originam-se de juízos pautados em valores mútuos entre os indivíduos e prevalecem mesmo na ausência
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do indivíduo. Como regra geral, o sentimento de simpatia surge a partir de relações, as quais as pessoas correspondem aos interesses da criança e a valorize e, o sentimento de antipatia, ao contrário, surge quando as pessoas a desvalorizam. As crianças fazem amigos tal como os adultos. Se são eficientes, aproximam-se dos estranhos com toda a abertura; as que são menos hábeis rondam a brincadeira até que alguém vá ao seu encontro. Na fase em que se formam grupos de crianças em torno de uma atividade, a entrada num grupo é relativamente simples. Mais tarde, isto torna-se mais fácil. Quando todos estão envolvidos em determinadas atividades, um corpo estranho perturba. Quando as crianças desempenham vários papéis, qualquer outra que entre no jogo tem de conseguir um papel que seja aceitável para as outras. As crianças menos populares podem ser excluídas. Estudos realizados neste domínio permitem concluir que as crianças populares são:
Amigáveis. As crianças gostam daquelas que as arrastam para uma brincadeira.
Extrovertidas. As crianças sociáveis são mais populares do que as tímidas; as crianças que falam sempre e que nunca ouvem não são populares.
Brilhantes. A inteligência ajuda a criança a compreender rapidamente qualquer coisa e explicar os pormenores às outras.
Hábeis. Os talentos específicos são sempre admirados.
Atraentes. Quanto mais imponente é o físico de uma criança, mais ela é admirada pelos seus pares.
Outros fatores que importam são:
A situação familiar. As crianças mais novas são mais populares do que as que nasceram primeiro.
O tamanho. Ser das mais altas é popular; ser muito alto não é. As crianças gordas são menos populares.
O nome. Um nome apreciado é importante, sobretudo para os rapazes.
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Cooperação e a autonomia A independência dá confiança e autoestima às crianças. “Eu posso” soa melhor do que “eu não posso”, sobretudo quando mais alguém pode. Há momentos em que todas as crianças procuram a dependência que é apanágio dos bebés, em geral quando a pessoa que cuida delas está ocupada, ou quando elas estão aborrecidas e infelizes, mas as crianças quase sempre agarram a independência quando esta lhes é oferecida.
Para ser independente, uma criança tem de saber cuidar de si própria nos aspectos básicos: comer, vestir-se, servir-se da casa de banho e lavar-se. Mais importante ainda, tem de conseguir motivar-se para a ação, seja qual for a tarefa. Uma criança que sabe vestir as calças, mas só o faz quando lho dizem, continua a depender de si. Se você permitir que este tipo de dependência impregne todos os atos da criança, a vida dela longe de si será difícil. Nem os professores nem as outras crianças têm tempo para organizar todos os atos dela. Entrar na escola significa que uma criança tem de passar a maior parte do dia sem as interações a dois a que está habituada em casa. Se ela tem de se repartir alegremente entre a casa e a escola, tem de conseguir inserir-se num grupo maior e ser capaz de continuar uma atividade quando não é o centro das atenções. Deve ter a competência necessária apara pedir o que precisa, confiança pessoal para tentar qualquer coisa mesmo que seja difícil e ego para enfrentar as críticas. A nível prático, tem de conseguir trabalhar sozinha, concentrar-se escutar, compreender e manter-se sentada durante longos períodos. Uma criança comporta-se melhor em todas estas frentes, sobretudo se foi encorajada a ser independente. A independência assenta na segurança. Uma criança emocionalmente segura sabe que os pais e os educadores estão sempre prontos a ajudá-la, mas também que voltarão se se ausentarem. A segurança consiste essencialmente em saber que, faça a criança o que fizer, o
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afeto não está em questão. Os pais amam-na por aquilo que ela é. Faz parte da independência de uma criança que se sabe vestir, ir à casa de banho sozinha e vestir o casaco e calçar os sapatos na escola. Se não o fizer, os amigos olharão para ela como se fosse um bebé. O facto de ela saber vestir-se reduz o trabalho da mãe, da educadora e do pessoal auxiliar. As crianças não percebem a diferença que existe entre trabalho e brincadeira; o que lhes interessa é saber se uma tarefa é divertida. Tal como os trabalhos escolares, as atividades de ajuda devem ter uma estrutura e um objetivo. Estimulam a criança a fazer planos. “Ajudar” envolve uma sequência de atividades que começam pelo princípio e se encaminham para um determinado fim.
9.3. Criança e o adulto
Da família à creche, ao jardim-de-infância, à escola A criança convive, cresce e comunica com a família; a ela cabe, em primeiro lugar, a função educativa (um direito e um dever). A família é um elemento ativo que desempenha funções e tem responsabilidades distintas das que competem às instituições educativas. Os juízos e os atos que têm lugar no seio da família não devem criar diferenças significativas nem demarcar-se excessivamente em relação aos parâmetros sociais vigentes; gerar-se-ia uma duplicidade e controvérsia prejudiciais nos critérios educacionais básicos. A influência exercida pelo núcleo familiar condiciona, facilita e pode mesmo alterar o desenvolvimento da criança. No seio da família verifica-se a primeira aprendizagem dos valores essenciais e travam-se relações afetivas indispensáveis no amadurecimento global do indivíduo. O objetivo comum da família e da instituição educativa é conseguir a formação integral e harmoniosa da criança. Ao longo das diferentes fases do processo educativo, estas duas
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formas de intervir trouxeram referências coerentes e suficiente mente abertas à integração na cultura e na sociedade. Ambas devem orientar-se na mesma direção, de forma a garantir a estabilidade e o equilíbrio, fatores indispensáveis a uma formação correta. Como consequência, pode afirmar-se que a educação compete ao mesmo tempo a pais e educadores. Há, portanto, necessidade de uma estreita colaboração, que se reflita em ações conjuntas e coordenadas. A assistência às crianças nos seus primeiros anos de vida fora do âmbito familiar está ligada às mudanças de hábitos de vida da sociedade, como consequência da revolução industrial. O conceito de assistência educativa intencional é mais recente. Há, contudo, uma oposição de critérios na opinião da sociedade em relação às instituições responsáveis pelas primeiras fases do sistema educativo. Os centros que recebem as crianças dos 3 meses aos 5 anos satisfazem, em primeiro lugar, as necessidades fundamentais, de forma a permitirem o correto desenvolvimento do indivíduo, pois parte-se do princípio que, até à fase compreendida entre os 6 e os 12 anos, os modelos de aquisição e aprendizagem variam muito. Este falso raciocínio deriva da diminuta importância que há já muito tempo a sociedade atribui a esta fase da vida. Os pais devem mostrar-se sensíveis a estes problemas, que originam diferentes pedagogias, nem sempre as mais adequadas. As reformas dos sistemas de ensino, levadas a cabo recentemente em diversos países, valorizam o período compreendido entre os 3 meses e os 6 anos, considerando-o parte integrante da estrutura educativa na sua globalidade. As reformas dos sistemas de ensino, levadas a cabo recentemente em diversos países, valorizam o período compreendido entre os 3 meses e os 6 anos, considerando-o parte integrante da estrutura educativa na sua globalidade. Embora continue a ser uma fase não obrigatória, o facto de se definirem quer os ensinamentos e as competências próprias deste período quer as características académicas e profissionais dos educadores e dos centros implicados nesta tarefa reforça a nível social e importância da educação durante os primeiros anos de vida da criança.
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Na perspetiva da socialização é fundamental que qualquer instituição de crianças em idade infantil seja capaz de:
Ensinar a conviver coletivamente com crianças da mesma idade;
Ensinar a conviver com adultos, que não sejam pais ou familiares e que tenham autoridade sobre a criança;
Ensinar a adaptar-se ao grupo, separando-os do ambiente familiar e aceitando a sua própria identidade. As propostas específicas da escola infantil apresentam formas de integrar a criança. É indubitável que a escola prepara o homem e a mulher para a sociedade, por isso a sua tarefa é especificamente social, sem esquecer que não é o único fator responsável dentro da comunidade educativa. A atuação da escola infantil tem de respeitar as necessidades fundamentais das crianças, sem alterar a realidade quando procura formas de progredir na aquisição de conhecimentos. Deve exercitar-se a opinião das crianças com atividadescoletivas e ao mesmo tempo desencadeando situações em que cada indivíduo tenha de agir por si. Nas diferentes fases de desenvolvimento verificam-se várias aquisições simultâneas do ponto de vista orgânico, psicomotores, linguístico, conceptual, afetivo de maneira a que cada pessoa, de acordo com o seu próprio meio, vai progredindo como indivíduo e membro da sociedade. Um programa adequado em termos de desenvolvimento implica interações positivas entre os adultos e as crianças. As interações adequadas em termos de desenvolvimento são baseadas no conhecimento que o adulto tem das crianças; nas expectativas do comportamento adequado à idade; na consciência que os adultos devem ter da existência de diferenças individuais entre as crianças. Resumindo, os adultos são sempre responsáveis por todas as crianças a seu cargo e planeiam a sua progressiva independência à medida que elas vão adquirindo competências. Os adultos devem vigiar e prestar atenção constante e de perto a cada criança com idade
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inferior a 3 anos. Devem estar perto para pegar nos bebés quando estes acordam, segurar uma criança de 1 ano que está a trepar antes que ela caia, estar consciente de cada movimento de uma criança de 2 anos e estarem suficientemente perto para oferecer outro brinquedo quando uma criança de 2 anos tem dificuldades em partilhar. Os adultos devem ser sempre responsáveis pelas crianças entre os 3 e os 5 anos, num meio suficientemente aberto que permita tal responsabilização. As crianças com idade superior a 5 anos podem, numa base individual, ser julgadas suficientemente maduras para deixar a sala de aula e fazer um recado dentro do edifício. Isto só deve acontecer com a autorização e conhecimento específico do adulto. As crianças em todos os centros para a pequena infância devem ser protegidas de adultos ou crianças mais velhas, cujo acesso ao edifício não é autorizado pela família ou pessoa de guarda. Os pais devem ser visitantes bem-vindos, mas devem ser tomadas providências para limitar o acesso aos edifícios. Deve haver cuidadosa e aturada supervisão das zonas de jogo ao ar livre, e ordens que exijam que os adultos que fazem uma visita passem pela secretaria antes de entrar nas áreas das crianças. Uma constante vigilância por parte do adulto é necessária com crianças entre os 0 e os 8 anos. Não deve ser dada a responsabilidade às crianças de se protegerem dos adultos.
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Fachada, Maria Odete, Psicologia das relações interpessoais, Edições Sílabo, 2010
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