CAPÍTULO
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Infecção pelo HIV e síndrome da imunodeficiência adquirida Rodrigo Antônio Brandão Neto / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) começou a ser reconhecida no início da década de 1980 nos EUA, devido à ocorrência de casos de infecção por Pneumocysts jiroveci (antgamente denominado de Pneumocysts carinii) e por ocorrência de sarcoma de Kaposi em homossexuais previamente saudáveis. Subsequentemente, a doença pas-
O genoma do HIV contém genes para 3 proteínas estruturais básicas e no mínimo 5 outras proteínas regulatórias (que incluem glicoproteínas de membrana). A maior diversidade genétca, que dificulta a elaboração de vacinas, é observada no envelope do HIV que sofre mutação con tnuamente.
sou a ser reconhecida entre usuários de drogas intravenosas e em pacientes que receberam transfusões sanguíneas. O perfil epidemiológico de transmissão da doença relacionava-se ao contato sexual e às hemotransfusões, o que propiciou sua rápida disseminação em várias partes do mundo. O HIV-1 (Human Immunodeficiency Virus type 1) foi identficado em 1983 e apontado como agente e tológico da doença que hoje acomete milhões de pessoas em todo o planeta.
2. Etologia O vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi isolado em 1983 por 2 grupos independentes de pesquisadores, quase simultaneamente, nos EUA e na França. Além do clássico HIV-1, descoberto naquele ano, outro grupo de retrovírus foi descrito na África, e denominado HIV-2. Os tpos são semelhantes, embora haja alguma diversificação genétca nas glicoproteínas de membrana. O HIV pertence à subfamília lentvírus dos retrovírus humanos. Apresenta replicação intracelular dependente de uma enzima-chave, a transcriptase reversa, que permite que o genoma viral – consttuído por RNA – seja transcrito em DNA, a fim de integrar o genoma celular. Uma vez integrado ao material gené tco da célula, o DNA pró-viral é transcrito e traduzido em proteínas virais que, em últma análise, srcinam novas par culas virais infectantes.
Figura 1 - Estrutura morfológica do HIV
O envelope viral é formado pelas proteínas de membrana do hospedeiro, junto às proteínas do vírus nela inseridas (gp 41 e gp 120). A matriz entre o envelope e o core viral é formada, predominantemente, pela proteína p17. O core
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INFECTOLOGIA contém o RNA do vírus, além da proteína p7, da integrase e da transcriptase reversa. As maiores proteínas estruturais do core são a p24 e a p6.
3. Patogênese O HIV infecta, primeiramente, as células que expressam o angeno CD4, ao qual o vírus se une. Uma vez dentro da célula, o vírus pode se replicar, levando-a à morte, ou integrar o seu genoma ao da célula hospedeira e permanecer latente por um período variável. Outros receptores também são usados, embora sejam menos importantes. As principais células infectadas são os linfócitos CD4+, que podem sofrer uma diminuição quan ttatva progressiva ao longo da doença, bem como perder sua função reguladora do sistema imune. Outras células infectadas pelo HIV são os linfócitos B e os macrófagos. Os linfócitos B são afetados tanto diretamente pela infecção quanto pelos efeitos indiretos sobre a função dos linfócitos CD4+, o que pode levar à hipergamaglobulinemia policlonal e à diminuição da resposta a novos an genos. Os macrófagos atuam como reservatório s para o HIV e servem para disseminá-lo para outros órgãos. Portanto, a imunode ficiência relacionada à infecção pelo HIV é mista, já que acomete tanto componentes do sistema imune celular quanto humoral.
4. Epidemiologia acordode com o programa em que HIV/AIDS çãoDe Mundial Saúde, es tma-se cerca da de Organiza33,7 milhões de pessoas estejam infectadas pelo HIV em todo o mundo (2009). A prevalência global de pessoas vivendo com HIV está estável desde 2000, no entanto o número total de casos aumentou em consequência do número de novas infecções anuais e da elevação de sobrevida relacionada aos efeitos bené ficos do acesso mais amplo à terapia antrretroviral (TARV) de alta potência. O número de novas infecções anuais caiu de 3 milhões, em 2001, para 2,6 milhões, em 2009. Apesar de estáveis, os números globais relacionados à epidemia ainda são considerados inaceitáveis. O contnente africano é o mais afetado, em especial, em sua porção subsaariana. Essa região abrigou, em 2009, em torno de 67% de todas as pessoas vivendo com HIV no mundo, e 72% dos óbitos relacionados à AIDS. As maiores prevalências são registradas na África Meridional, onde alguns países apresentam prevalências de infecção por HIV situadas na faixa entre 15 e 28% da população geral. Cerca de 1/3 das pessoas infectadas por HIV na América La tna reside no Brasil, onde a epidemia se mantém estável devido à polítca pública de saúde com enfoque simultâneo em acesso universal a métodos de prevenção e a recursos de tratamento. A prevalência nacional de infecção por HIV em adultos mantém-se em torno de 0,5% desde 2000. Os principais ganhos resultantes do progra-
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ma de acesso universal à terapia an trretroviral foram a redução da mortalidade relacionada à AIDS pela metade e a redução da transmissão ver tcal de 16% (1997) para menos de 4% (2002). Inicialmente concentrada entre homens que fazem sexo com homens (HSH), a epidemia no Brasil estendeu-se para usuários de drogas injetáveis e, a seguir, para a população geral, com destaque para o crescente número e proporção de mulheres infectadas. O acometmento de mulheres deve-se, sobretudo, ao comportamento de seus parceiros masculinos, que se tornam infectados por relações hetero ou homossexuais desprotegidas, ou por uso de material injetável não estéril para consumo de drogas. Alguns fatores que contribuem para a vulnerabilidade das mulheres à AIDS são: desigualdade nas relações de poder, maior dificuldade de negociação das mulheres quanto ao uso de preservatvo, violência doméstca e sexual, discriminação e preconceito relacionados à etnia e orientação sexual. Além da falta de informação de uma parcela dessas mulheres sobre o risco de infecção pelo HIV. Apesar de estável na população geral, a prevalência de infecção por HIV tem aumentado em segmentos sociais de baixa renda e baixa instrução, caracterizando a pauperização da epidemia, in tmamente relacionada ao acesso precário à informação e a métodos de prevenção. A prevalência entre usuários de drogas injetáveis diminuiu em algumas cidades, o que se relaciona a programas específicos de redução de danos. Além disso, o per fil do uso de drogas ilícitas vem se modi ficando no Brasil ao longo dos anos, com redução do uso intravenoso dessas substâncias e aumento do uso de drogas inalatórias – sobretudo o crack – mais baratas e de obtenção mais fácil. Existe, no entanto, vulnerabilidade aumentada entre mulheres usuárias de drogas, em virtude da prá tca frequente de sexo remunerado ou em troca de drogas, na maior parte das vezes, desprotegido.
5. Dados recentes da epidemia de AIDS no Brasil Os dados do Bole tm Epidemiológico AIDS/DST 2010 mostram que, de 1980 a junho de 2010 , foram registrados 592.914 casos de AIDS no Brasil, com mais de 200.000 óbitos em decorrência da doença no período. Em relação à infecção pelo HIV, a estmatva é que existam 630.000 pessoas infectadas. A prevalência da infecção na faixa etária de 15 a 49 anos foi de 0,6% em 2010. Nas populações vulneráveis, as prevalências são mais elevadas e destacam-se aquelas entre usuários de drogas ilícitas (5,9%), homens que fazem sexo com homens (10,5%) e mulheres pro fissionais do sexo (5,1%).
A - Panorama regional Dos casos de AIDS acumulados de 1980 até junho de 2010, a região Sudeste é a que tem o maior percentual
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA (58%) do total de notficações. O Sul concentra 19,5% dos casos, o Nordeste, 12,5%, o Centro-Oeste, 5,7%, e o Norte, 4,2%. A região Sul segue a tendência de estabiliz ação do país, porém em patamares elevados: para cada 100.000 habitantes, em 2000, foram registrados 26,3 novos casos. Em 2009, a taxa passou para 32,4. No Sudeste, há queda da incidência: de 24,4 em 2000 para 20,4 em 2009. No Centro-Oeste, essa queda apresenta-se a par tr de 2003. Ocorreram 21,3 casos para cada 100.000 habitantes em 2003 e 18 em 200 9. Há discreto aumento da taxa de incidência no Nordeste e mais acentuado no Norte. No Nordeste, a taxa subiu de 6,9 para 13,9 (2000 a 2009), e de 6,8 para 20,1 no Norte.
B - Faixa etária Em crianças abaixo de 5 anos, em ambos os sexos, observa-se uma queda constante no número de casos de AIDS a par tr de 1996. Isso é re flexo das ações de prevenção e de controle da transmissão ver tcal do HIV, que começaram a ser imple mentadas de forma mais efe tva a partr da 2ª metade da década de 1990. Nessa faixa etária, a taxa de incidência caiu de 5,5, por 100.000 habitantes, em 1996, para 2,5, em 2007. As taxas de incidência nessa faixa da população caem nas regiões Sudeste (de 8,8 para 3,3), Sul (de 10,9 para 5,7) e Centro-Oeste (de 4 para 2,3). Há crescimento no Norte (de 0,9 para 2,9) e no Nordeste (de 0,9 para 2). Entre os jovens de 13 a 19 anos, considerando o período de 1982 a 2009, o número de casos vem crescendo desde o início da epidemia, enquanto o número de óbitos se mantém estável desde 2000. Na faixa etária de 20 a 24 anos, percebe-se tendência de crescimento no número de casos e de leve decréscimo no número de óbitos a par tr de 1999. A maioria dos casos de AIDS ainda está na faixa de 25 a 49 anos. Entre 1980 e 2007, observa-se que, do total de casos identficados em homens, 78% estão na faixa etária de 25 a 49 anos. Para as mulheres, essa proporção corresponde a 71%. Em ambos os sexos, observa-se aumento percentual de casos de AIDS na faixa etária de mais de 50 anos. A análise da série histórica da epidemia mostra que a taxa de incidência nessa idade dobrou entre 1996 e 2006: passou dos 7,5 casos (por 100.000 habitantes) para 15,7. Dos 47.437 casos notficados desde o início da epidemia em pessoas com idade acima dos 50 anos, 29.393 (62%) foram registrados de 2001 a junho de 2008. Desse úl tmo grupo, 37% são mulheres e 63% homens.
C - Sexo De 1980 a junho de 2009, foram iden tficados 385.818 (65,1%) casos em pacientes do sexo masculino e 207.080 (34,9%) no sexo feminino. A razão de sexo no Brasil diminui ao longo da série histórica: em 1986, eram 15 casos
no sexo masculino para 1 no sexo feminino. Em 2005, já havia 15 casos entre homens para 10 entre mulheres. É importante ressalt ar que, na faixa etária de 13 a 19 anos, há uma clara inversão na razão de sexo a par tr de 1998. Essa aproximação na razão de sexo re flete a feminização da epidemia.
D - Via de exposição Analisando o acúmulo dos casos de AIDS no tficados em indivíduos de 13 anos e com maior prevalência no sexo masculino, a maioria destes (63,6%) relaciona-se à categoria de exposição sexual, distribuídos entre heterossexual (31,2%), homossexual (20,6%) e bissexual (11,8%), e, na categoria de exposição sanguínea, o uso de drogas injetáveis pode ser observado em 17,6% dos casos. No sexo feminino, os casos da doença estão relacionados majoritariamente (91,2%) à categoria de exposição heterossexual.
E - Mortalidade O total de óbitos declarados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), no período de 1980 a 2009, tendo como causa básica a AIDS, foi de 229.222, sendo a maioria deles (65,1%) concentrada na Região Sudeste. O coe ficiente de mortalidade por AIDS, padronizado em 2009, foi de 6,2 óbitos por 100.000 habitantes, com tendência de diminuição desse coeficiente desde 1997 até 2004, ano em que o coeficiente se estabilizou. De acordo com o sexo, constata-se que, no ano de 2009, o coe ficiente de mortalidade no sexo masculino 2 vezes maior que no sexo feminino, com valores de 8,2 efoi4,2 por 100.000 habitantes, respec t vamente.
6. Infecção aguda pelo vírus HIV A síndrome relacionada à infecção aguda por HIV foi descrita pela 1ª vez em 1984, como um quadro semelhante à mononucleose infecciosa. Durante essa fase da infecção, a carga viral atnge níveis muito elevados, em virtude da intensa replicação viral, além de disseminação do vírus por todo o organismo. Tal fase é considerada o momento de maior infectvidade no curso da doença, pois o indivíduo não sabe do diagnóstco e apresenta grande quantdade de parculas virais no sangue e nas secreções genitais, o que torna muito importante o diagnós tco precoce, a fim de interromper a cadeia de transmissão.
A - Quadro clínico e alterações laboratoriais
Os sintomas iniciam-se depois de alguns dias ou semanas (4 dias a 3 meses, com média entre 2 e 4 semanas) após a aquisição do vírus. Essas manifestações podem durar de alguns dias até cerca de 10 semanas; em média, têm duração de menos de 14 dias. O quadro clínico é caracterizado por uma ampla combinação de sinais e sintomas inespecíficos, conforme descrito na Tabela 1. A minoria dos pacientes (16%) apresenta um quadro mono-like clássico.
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INFECTOLOGIA Tabela 1 - Sinais e sintomas no HIV agudo Achados
Incidência(%)
Febre
96
Polimicroadenopata
74
Faringite
70
Fadiga Rash c
70 utâneo
70
Mialgiaouartralgia
54
Cefaleia
32
Diarreia Náuseas vômitos e
32 27
Hepatoesplenomegalia Perda de peso Placasemorofaringe Sintomasneurológicos
14 13 12 12
A febre costuma ser baixa, mas em 30% dos pacientes pode ir além de 39°C. A linfadenopatia surge na 2ª semana da doença, acometendo, mais comumente, as regiões cervical, axilar e inguinal, e apresenta resolução espontânea na maioria dos casos, podendo associar-se à esplenomegalia. O rash cutâneo caracteriza-se por um exantema morbiliforme ou maculopapular, em geral acometendo o tronco, podendo envolver extremidades, inclusive, palma das mãos e plantas dos pés. Observa-se, na histopatologia, um infiltrado mononuclear nos vasos da derme superficial principalmente, de células CD4+, e vasculite linfocítica focal. Outras manifestações dermatológicas podem acontecer mais raramente, como alopecia, lesões vesicopustulares, descamação da palma das mãos e sola dos pés, urticária difusa, e ulcerações mucocutâneas envolvendo, particularmente, a cavidade oral e a genitália externa. A meningite asséptca é a manifestação neurológica mais comum da doença e, laboratorialmente, caracteriza-se por uma pleocitose linfocítca, com evolução autolimitada. Várias outras manifestações neurológicas podem surgir, como cefaleia retro-orbitária, neuropata periférica, mielopata, radiculopata, síndrome de Guillain-Barré, retenção urinária e paralisia facial periférica. São raras as descrições de déficits neurológicos permanentes. Podem ocorrer, durante essa fase da doença, algumas infecções oportunís tcas, como candidíase esofágica e pneumocistose, devido à imunodepressão que pode ocorrer de maneira transitória. Logo em seguida, há recuperação imune espontânea. Em laboratório, podem-se encontrar leucopenia transitória, linfopenia ou linfocitose apica e trombocitopenia (45%). Pode haver aumento das enzimas hepá tcas e outras manifestaçõ es inespecí ficas. A contagem de linfócitos CD4+ apresenta-se baixa, podendo, porém, permanecer em níveis normais. A contagem de linfócitos CD8+ eleva-se, havendo uma inversão da relação
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CD4+/CD8+. Após a resolução do quadro agudo, há um aumento do número de linfócitos CD4 sem que, no entanto, sejam recuperados os níveis pré-infecção, na maioria dos indivíduos. Atualmente, sabe-se que o patamar de linfócitos T CD4 e a carga viral do HIV ob tdos no momento após resolução da fase aguda, denominado set-point, tem importância prognós tca na velocidade de progressão para a imunode ficiência.
B - Diagnóstco diferencial A síndrome retroviral aguda deve entrar, sempre, no diagnóstco diferencial de febre prolongada sem causa aparente, meningite asséptca e síndromes mononucleose-símile, principalmente em indivíduos com fatores de risco aparentes. Além disso, deve-se ressaltar que indivíduos que já apresentam diagnóstco sorológico do HIV e um quadro sugestvo de síndrome retroviral aguda devem ser questonados sobre o uso correto da TARV, pela possibilidade de elevação rápida da carga viral por falta de medicação, mimetzando um quadro agudo.
C - Diagnóstco Durante a infecção aguda, que consttui o momento mais precoce da infecção, os testes sorológicos habituais não são úteis para diagnóstco, visto que se baseiam na detecção de antcorpos contra o HIV, que ainda não estão presentes nessa fase. O diagnóstco deve, portanto, utlizar-se de técnicas capazes de detectar ácidos nucleicos ou an genos do vírus circulante. A técnica para o diagnóstco de infecção aguda por HIV (antes da soroconversão) é o PCR para detecção do RNA viral, cuja sensibilidade varia entre 95 e 98%. Habitualmente, são usados métodos quanttatvos, que estabelecem os níveis plasmátcos de RNA do HIV. Nessa fase, são comuns altos níveis de viremia. É importante observar que de 2 a 9% das pessoas sem HIV podem apresentar resultado falso positvo em virtude da alta sensibilidade do método (com uma especificidade mais baixa); contudo, quase sempre com baixos tulos de RNA-HIV negatvo (<10.000 cópias). Nessa situação, é importante analisar o valor preditvo positvo pré-teste de acordo com os fatores de risco apresentados pelo indivíduo em questão. A detecção do angeno p24 do HIV no plasma é um método alternatvo para o diagnóstco de infecção aguda, especialmente na ausência de outros recursos. Trata-se de uma técnica de custo mais baixo, mais u tlizada nos países em desenvolvimento. Tem sensibilidade inferior ao PCR (em torno de 90%) e especificidade de 100%, o que possibilita seu uso também como 2º método, em caso de suspeita de PCR falso positvo. Se não há disponibilidade para nenhum dos 2 exames citados, deve-se repetr a sorologia após 1, 3, e 6 meses.
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D - Tratamento Ainda há controvérsia se deve ou não tratar a infecção aguda pelo HIV. De fato, os estudos atualmente disponíveis não permitem concluir se os benefcios em longo prazo justficam o tratamento nessa fase da infecção pelo HIV. Por isso, a recomendação oficial do Ministério da Saúde (2008), até o momento, é não indicar a terapia antrretroviral nessa fase da infecção. Por outro lado, alguns autores recomendam tratar, sobretudo, os pacientes com sintomas. Na prátca, os casos devem ser individualizados.
7. Diagnóstco e definição de AIDS conforme o Ministério da Saúde do Brasil O Ministério da Saúde do Brasil traz recomendações específicas para o diagnóstco da infecção por HIV (Figura 2). São utlizados testes sorológicos baseados na detecção de antcorpos específicos contra o vírus. Os testes imunoenzimátcos (ELISA) são usados para triagem, na Etapa I. Para a Etapa II ou complementar, podem ser usados imunoblot, imunofluorescência indireta (IFI) ou western blot.
Figura 2 - Diagnóstco sorológico laboratorial da infecção por HIV, 2009. Fonte: Ministério da Saúde
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INFECTOLOGIA
Figura 3 - Diagnóstco sorológico rápido da infecção por HIV em situações especiais, 2009. Fonte: Ministério da Saúde
Sempre que uma amostra for considerada posi tva, o indivíduo deverá ser convocado para a coleta de uma 2ª amostra, em que toda a sequência deve ser repetda, para que sejam evitados diagnóstcos equivocados, em virtude da troca de amostra ou erro laboratorial. Os casos de notficação compulsória são aqueles que se enquadram nos critérios de definição de AIDS, de acordo com o Ministério da Saúde. É considerado caso de AIDS, para fins de vigilância epidemiológica, todo indivíduo com 13 anos ou mais que apresenta evidência laboratorial da infecção pelo HIV (sorologia ou métodos que pesquisam o ácido nucleico), em que seja diagnostcada imunodeficiência (pelo menos 1 doença indicatva de AIDS e/ou contagem de linfócitos T CD4+ abaixo de 350 células/mm3), independente da presença de outras causas de imunodeficiência.
- Candidíase de traqueia, brônquios ou pulmões;
Como evidência de imunodeficiência, é necessária uma contagem de linfócitos T CD4+ menor do que 350 células/ mm3 e/ou o diagnóstco de, pelo menos, 1 das doenças indicatvas de AIDS (Tabela 2).
- Qualquer micobacteriose disseminada em outros órgãos que não sejam o pulmão, pele ou linfonodos cervicais/hilares (exceto tuberculose ou hanseníase);
Tabela 2 - Doenças indicatvas de AIDS (Ministério da Saúde do Brasil)
- Citomegalovirose em qualquer outro local que não seja fgado, baço e linfonodos (como a retnite por citomegalovírus – CMV); - Criptosporidiose extrapulmonar; - Criptosporidiose intestnal crônica (período superior a 1 mês); - Herpes-simples mucocutâneo, por um período superior a 1 mês; - Histoplasmose disseminada (localizada em quaisquer órgãos que não exclusivamente pulmão ou linfonodos cervicais/hilares); - Isosporidiose intestnal crônica (período superior a 1 mês); - Linfoma primário do cérebro; - Pneumonia por Pneumocysts jiroveci;
- Reatvação de doença de Chagas (meningoencefalite e/ou miocardite);
- Câncer cervical invasivo;
- Sepse recorrente por bactérias do gêneroSalmonella (não tfoide);
- Candidíase de esôfago;
- Toxoplasmose cerebral.
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8. Sinais e sintomas da infecção crônica pelo HIV Após a resolução do quadro agudo relacionado à infecção primária pelo HIV, o indivíduo infectado ingressa em um período de estabilidade clínica, no qual permanece com níveis de linfócitos T CD4 e RNA-HIV mais ou menos estáveis. Esse período dura, em média, de 8 a 10 anos, até iniciar a progressão para a imunodeficiência. Nesse momento, ocorre aumento progressivo da carga viral, com consequente depleção paulatna linfócitos T CD4,em atémanifestações que a disfunção imunológica se de instale e culmine clínicas. Inicialmente, surgem manifestações indicatvas de imunodepressão. A doença avançada caracteriza-se pela contagem de CD4 <200 e pelo desenvolvimento de infecções oportunistas, determinadas neoplasias, síndrome consumptva e complicações neurológicas, consideradas definidoras de AIDS.
A principal complicação clínica que leva o paciente com HIV/AIDS ao hospital é a síndrome respiratória. Mais de 80% dos pacientes infectados pelo HIV apresentam complicação pulmonar no decorrer da doença. Por sua vez, quase 90% desses pacientes, nos países subdesenvolvidos, têm diarreia em algum momento da vida, o que também os leva a procurar auxílio médico. Manifestações neurológicas e psiquiátricas acontecem entre 40 e 70% desse grupo. Além das complicações pulmonares, neurológicas e gastrintestnais, outras afecções, embora menos frequentes, fazem com que o paciente procure um médico. Podem-se incluir, entre elas, quadros metabólicos, renais, complicações relacionadas ao uso de medicamentos, alterações dermatológicas, entre outras (Tabela 4). Tabela 4 - Achados indicatvos de imunossupressão no paciente com infecção pelo HIV - Candidíase oral, esofágica, vaginal recorrente, de traqueia, de brônquios ou de pulmões; - Leucoplasia pilosa oral; - Herpes-zóster (antes dos 60 anos); - Infecções recorrentes do trato respiratório (pneumonia, sinusite); - Criptococose extrapulmonar; - Criptosporidíase com diarreia persistente, por mais de 1 mês; - Doença por CMV de um órgão que não seja ofgado, o baço ou os linfonodos; - Histoplasmose extrapulmonar ou disseminada; - Infecção pelo vírus herpes-simples, com acometmento mucocutâneo, por mais de 1 mês, ou visceral de qualquer duração; - Isosporíase com diarreia persistente, por mais de 1 mês; - Leucoencefalopata multfocal progressiva; - Linfoma primário do SNC; - Micobacteriose não tuberculosa disseminada; - Pneumonia por Pneumocysts jiroveci;
Figura 4 - História natural da infecção por HIV
Alguns sinais e sintomas gerais são frequentes e, muitas vezes, podem levantar a hipótese de infecção pelo HIV (Tabela 3). Tabela 3 - Manifestações gerais em pacientes com infecção pelo HIV - Perda de peso >10% do peso corporal; - Diarreia crônica sem etologia definida, com duração de mais de 1 mês; - Febre (intermitente ou constante), sem t eologia definida, por mais de 1 mês; - Linfadenopata (≥1cm, 2 ou mais sítos extrainguinais, por ≥1 mês); - Dermatte persistente; - Anemia (hematócrito <30% em homens, <25% em mulheres); - Linfopenia (<1.000 células/mm3).
- Reatvação da doença de Chagas (miocardite e ou meningoencefalite); - Sarcoma de Kaposi; - Sepse recorrente porSalmonella (não tfoide); - Toxoplasmose cerebral; - Tuberculose extrapulmonar ou disseminada; - Carcinoma invasivo de cérvix; - Carcinoma anorretal invasivo; - Paracoccidioidomicose disseminada.
Em relação a pacientes não tratados, a sobrevida média após a queda da contagem de CD4 para menos de 200 é de 3,7 anos; a contagem mediana de células CD4 no momento da 1ª complicação definidora de AIDS é de 60 a 70 células/ mm3, e a sobrevida mediana após uma complicação de finidora de AIDS é de 1,3 ano.
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INFECTOLOGIA No entanto, após a introdução de terapia antrretroviral de alta potência (HAART) em 1996, as taxas de mortalidade e de admissão hospitalar diminuíram signi ficatvamente, incluindo as visitas a pronto-socorros e salas de emergência. Estudos nos EUA verificaram que as taxas de hospitalização se reduziram em 3 vezes de 1995 a 1997, assim como também reduziu o número de infecções oportunistas e morte nesses pacientes. Resultados semelhantes foram encontrados na Europa e no Brasil.
A Tabela 5 traz a classificação das doenças neurológicas relacionadas ao HIV em processos atribuídos diretamente ao próprio vírus e processos relacionados a infecções oportunistas. Tabela 5 - Infecções do SNC mais frequentes no paciente com HIV/AIDS Relacionadas ao HIV - Meningite asséptca; - Encefalite relacionada ao HIV; - Mielopatas vacuolares;
9. Contagem de CD4 e correlação com infecções oportunistas Há uma correlação entre a contagem de linfócitos CD4+ e determinadas infecções oportunistas, conforme descrito na Figura 5.
- Miopatas; - Outras: neuropatas, polineuropatas desmielinizantes, mononeuropata multplex. Oportunistas ou relacionadas à imunossupressão - Toxoplasmose; - Criptococose; - Neurotuberculose; - Meningites virais e bacterianas; - Linfoma primário do SNC e neurossífilis.
A - Meningite asséptca
O acometimento neurológico sintomático acontece em cerca de 40 a 60% dos indivíduos infectados pelo HIV em algum momento da doença, e o sistema nervoso é um importante sítio de morbimortalidade. Em cerca de 10 a 20% dos casos, a manifestação inicial do HIV/AIDS
Pode ocorrer com a infecção aguda pelo HIV, podendo persistr subclínica na fase latente da infecção. Ocorre em 50 a 90% dos pacientes na soroconversão. Quanto ao paciente com o diagnóstco prévio de infecção pelo vírus HIV, geralmente não existem sintomas, e o liquor (LCR) alterado é apenas um achado. Está anormal em mais de 30% dos pacientes HIV positvo. O quadro clínico caracteriza-se por febre (95%), cefaleia (32%), fotofobia, náuseas e vômitos (29%). Rigidez de nuca pode estar presente, assim como letargia. Quando existe comprometmento encefálico, há quadros de delirium, confusão, alteração da memória e julgamento, agitação e irritabilidade. Convulsões e alucinações podem estar presentes. Na soroconversão, acompanhando o quadro de meningite, já descrito anteriormente, podem ocorrer faringite (70%), artralgia (54%), diarreia (32%), hepatoesplenomegalia (14%) e neuropata (6%). O diagnós tco diferencial inclui outras meningites virais (enteroviroses, Epstein-Barr, CMV etc.). O achado mais frequente no liquor é pleocitose discreta (<100 células/ mm3), predomínio de linfócitos, proteinorraquia discretamente elevada (com menos de 100mg/dL) e glicorraquia
é uma complicação neurológica, acontecendo tanto por ação direta do vírus como por infecções oportunistas consequentes da disfunção da imunidade. Estudos consecutivos de séries de necrópsias identificaram a presença de comprometimento do sistema nervoso central em 80 a 90% dos casos de pacientes portadores do vírus HIV. Antes do início da terapia HAART, mais de 1/3 dos pacientes apresentava sintomas neurológicos por ação direta do HIV.
normal. Os exames de imagem não ajudam no diagnóstco. A maneira de obter o diagnóstco definitvo e de certeza seria com a cultura do vírus no LCR, procedimento dispendioso e não disponível na prátca rotneira. Pacientes com meningite asséptca inexplicável e sorologia negatva para HIV podem estar em fase de soroconversão, portanto a sorologia deve ser repetda 2 a 3 meses depois. O achado do vírus HIV no sangue por prátcas de biologia molecular, como
Figura 5 - Contagem de CD4 e infecções oportunistas
10. Manifestações neurológicas
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INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA PCR (Polimerase Chain Reacton), pressupõe o diagnóstco de HIV agudo nesses casos. O tratamento é sintomátco, e, em cerca de 1 a 2 semanas, remitem os sintomas relacionados à síndrome retroviral aguda.
B - Encefalopata pelo HIV – complexo demência – AIDS
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Caracteriza-se por um transtorno cogni tvo difuso, com lenta progressão, culminando com um quadro demencial. Acontece em 15 a 20% dos pacientes, especialmente com contagem de CD4 <200 células/mm 3. O quadro clínico caracteriza-se por uma tríade de alterações: cognitva, motora e comportamental, iniciando-se com déficit de concentração, memória, descoordenação motora, ataxia, evoluindo para demência global. O diagnós tco é de exclusão. Devem-se descartar outras doenças oportunistas e distúrbios metabólicos (hipotreoidismo, de ficiência de vitamina B12, outros). Em geral, o paciente tem doença avançada, e a média da contagem de CD4 é de 61 células/mm 3. O liquor pode ser normal em 30 a 50% dos casos. A celularidade está aumentada em 5 a 10% dos casos. O exame radiológico mais importante é a ressonância nuclear magné tca do crânio, que mostra uma atrofia cerebral não especí fica, edema na substância branca e gânglios basais, sem captação de contraste. O tratamento é feito com esquemas antrretrovirais contendo zidovudina (AZT); a dose deste pode ser maior nesses casos.
C - Leucoencefalopata multfocal progressiva (LEMP) Trata-se da infecção oportunista causada pelo poliomavírus conhecido como vírus JC, adquirido por meio do contato prévio na infância e na adolescência, permanecendo latente em oligodendrócitos e astrócitos no SNC. Com a imunodepressão, ocorrem a reativação e a replicação do vírus em oligodendrócitos, com posterior desmielinização. A LEMP ocorre preferencialmente nos pacientes em estágios avançados da doença (CD4 <100 células/mm 3) e em até 4% dos pacientes HIV positvo. Os sinais e sintomas neurológicos apresentam-se de forma insidiosa e protraída, com evolução progressiva. Os pacientes podem apresentar-se com déficits cognitvos, hemiparesia, ataxia, hemianopsia, afasia, déficits sensitvos e alteração do nível de consciência. A TC de crânio pode evidenciar hipoatenuação em substância branca profunda, mas com baixa sensibilidade. A RNM é mais sensível que a TC de crânio para evidenciar alterações em substância branca. Os achados na RNM evidenciam focos de desmielinização múltplos (alguns coalescentes), sem captação de contraste ou efeito de massa, localizados preferencialmente nas regiões parietal e occipital, tronco encefálico e cerebelo (Figura 6).
Figura 6 - Achado de ressonância sugestvo de LEMP: desmielinização, sem captação de contraste em região parieto-occipital
O exame do LCR é, geralmente, normal, ou mostra alterações inespecíficas, entretanto, por meio da técnica de PCR, pode-se isolar o DNA do vírus JC no liquor. A não detecção do DNA viral por meio do PCR no LCR não exclui o diagnóstco, sendo necessária uma biópsia da lesão para definição diagnóstca. A biópsia revela astrócitos gigantes com núcleos pleomórficos hipercromátcos, alteração de oligodendrócitos com núcleos grandes contendo inclusões virais e desmielinização. O tratamento deve basear-se na melhora do estado imunológico por meio do uso de HAART. Agentes com ação específica contra o vírus JC estão sendo estudados, mas ainda com resultados insatsfatórios.
D - Neurotoxoplasmose Trata-se da principal causa de lesão com efeito de massa no SNC em indivíduos acometdos, representando cerca de 50 a 70% desses casos. Acontece em 3 a 10% dos pacientes com AIDS nos Estados Unidos e em 25 a 50% na Europa e na África. Nos últmos anos, a frequência de neurotoxoplasmose tem diminuído pelo uso dos esquemas HAART e a profilaxia contra Pneumocysts jiroveci com trimetoprim-sulfametoxazol. O quadro clínico costuma ser subagudo, com duração de 2 a 3 semanas. Os sinais e os sintomas mais frequentes são alterações sensoriais (50 a 90%), hemiparesia e outros sinais focais (60%), cefaleia (50%), convulsões (30%), acidentes cerebrovasculares (30%) e sinais de irritação meníngea (menos de 10%). Febre é uma queixa comum, e podem estar presentes confusão e coma. A toxoplasmose costuma acontecer com contagem de CD4 baixa (<100 células/mm 3 em 80% dos pacientes), e a sorologia para Toxoplasma gondiié positva em 84% dos pacientes e negatva em 5 a 15% dos casos. Maiores tulos de antcorpos IgG para Toxoplasma no soro são preditvos da doença, porém não definitvos.
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INFECTOLOGIA que a lesão é única, deve-se solicitar biópsia estereotáx ica da lesão. Tabela 6 - Síndrome clínica e principais causas no paciente com HIV/AIDS Lesões neurológicas focais - Neurotoxoplasmose; - Linfoma primário de SNC; - Outras menos comuns: tuberculoma, criptococoma, LEMP (evolução crônica); - Evento vascular: AVC/AIT. Meningites/meningoencefalites - Neurotuberculose; - Neurocriptococose; Figura 7 - Neurotoxoplasmose: múltplas imagens com captação de contraste em T1
- Meningite bacteriana (pneumococo, hemó filos, meningococo e Listeria); - Meningite viral.
Os exames de imagem do SNC são essenciais (Figura 7). A tomografia computadorizada de crânio, classicamente, mostra múltplas lesões hipodensas com reforço anelar de contraste (1 a 2cm de tamanho), envolvendo, preferencialmente, os gânglios da base, junção da substância branca e cinzenta. O edema perilesional é comum, reforçando o efeito de massa da lesão. A RNM é mais sensível que a tomografia, mas só deverá ser feita se o exame tomográ fico for inconclusivo. O liquor é normal em 20 a 30%, podendo apresentar proteína menor que 150mg/dL, e não é mandatória a sua coleta quando formulada essa hipótese diag-
A 1ª opção de tratamento é o esquema com sulfadiazina (100mg/kg de peso/dia: 4 a 6g) dividido em 4 doses, associado à pirimetamina (dose de ataque de 100 a 200mg no 1º dia; manutenção de 50 a 75mg/dia) e ácido folínico (10 a 15mg/dia). A duração do tratamento é de 4 a 8 semanas. Quanto aos pacientes alérgicos ou intolerantes às sulfas, pode-se substtuir a sulfadiazina por clindamicina (2,4 a 4,8g/dia divididos em 4 doses), mantendo a pirimetamina e o ácido folínico. O uso de cortcosteroides é controverso e pode masca-
nóstcapor pelos achados A tem detecção de DNA de T. gondii técnicas de descritos. PCR no LCR alta especi ficidade para doença atva em SNC e pode ser uma ferramenta ú tl para o diagnóstco diferencial em casos duvidosos. A biópsia cerebral fornece o diagnóstco definitvo; entretanto, na maioria das vezes, não é necessária. E o diagnóstco diferencial inclui todas as doenças que causam déficit neurológico focal (lesões com efeito de massa no SNC) (Tabela 6). As principais causas de lesões com efeito de massa do SNC são: - Toxoplasmose: de 50 a 70%; - Linfoma primário do SNC: de 20 a 30%; - Leucoencefalopata mul tfocal progressiva: de 10 a 20%; - Outras mais raras:sarcoma de Kaposi, tuberculose, doença de Chagas, infecções por fungos e herpes-vírus.
rar sintomas de outras doenças com efeito de massa, como linfoma, mas deve ser considerado em caso de edema significatvo e lesões com efeito de massa importante. A dexametasona (4mg/dose, 6/6h) é o cortcoide indicado. Após o tratamento por 4 a 8 semanas, recomenda-se manter profilaxia secundária, já que a taxa de recorrência sem ela chega a 60%, e com uso de profilaxia secundária é de 20%. O principal esquema usado é a sulfadiazina (2 a 4g/ dia) associada à pirimetamina (25mg/dia) e ao ácido folínico (10 a 15mg/dia). Outros esquemas alternatvos são clindamicina (1,2 a 2,4g/dia), pirimetamina (25 a 50mg/dia) e ácido folínico (10 a 15mg/dia), ou a dapsona (100mg/dia) com pirimetamina (25 a 50mg/dia) e ácido folínico (10 a 15mg/dia). A evolução esperada é uma melhora progressiva, com mais de 85% de resposta ao tratamento após 14 dias. Um controle tomográfico é recomendado após 10 a 14 dias de tratamento. Caso não haja uma boa resposta ao tratamen-
O tratamento deve ser iniciado empiricamente em todos os casos, exceto em pacientes com lesões gigantes que precisam de descompressão externa e biópsia, indivíduos com lesões sugestvas de linfoma na tomogra fia (T1 SPECT ou com emissão de pósitrons FDG-PET), e em pacientes com lesão única e sorologia negatva para T. gondii. Pacientes com lesão única à tomogra fia devem ser submetdos à RMN. Habitualmente, esta deve mostr ar lesões múltplas, sugerindo toxoplasmose. Se a RMN con firma
to, deve-se solicitar uma biópsia cerebral.
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E - Linfoma primário do sistema nervoso central É a mais frequente neoplasia no SNC em pacientes com HIV/AIDS. Das lesões predominantemente focais do SNC, corresponde a 20 a 30% dos casos (anteriormente, era de 15%). Tem uma frequência de 3% ao considerar todas as doenças do SNC. Tal neoplasia está associada à infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV).
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA O quadro clínico é subagudo (evolução de 2 a 8 semanas) e caracteriza-se por ausência de febre e de rebaixamento do nível de consciência, podendo evoluir com disfunção mental global (em 60% dos casos). Convulsões ocorrem em 15% dos casos. O diagnóstco é sugerido pela tomogra fia ou RMN de crânio (Figuras 7 e 8). Os principais achados são lesões periventriculares, em qualquer localização do SNC, com cerca de 2 a 6cm de tamanho, hipodensas, com captação importante de contraste. A lesão é habitualmente sólida e irregular, com efeito de massa e/ou edema importante. Lesões com paredes espessas são mais frequentes no linfoma primário do SNC do que na neurotoxoplasmose. A biópsia é necessária ao diagnóstco. É importante lembrar que a LEMP costuma evoluir mais lentamente (várias semanas), não causa confusão ou rebaixamento, e os exames de imagem (RMN, TC) mostram múltplas lesões em substância branca, próximas ao córtex, sem efeito de massa e sem captação signi ficatva de contraste. Em casos selecionados, pode-se pesquisar o vírus JC por PCR no liquor (sensibilidade de 75% e especificidade de 95%), confirmando a LEMP.
Figura 8 - Linfoma do SNC: imagem única, periventricular
Figura 9 - Linfoma do SNC: lesão irregular periventricular sugestva de linfoma do SNC
O liquor não costuma ser útl para o diagnóstco de linfoma e é contraindicado em caso de hipertensão intracraniana. Os principais achados são normalidade em 30 a 50% dos casos; proteína variável, de 10 a 150mg/dL; celularidade de 0 a 100 células/mm3, com predomínio de mononucleares. A citologia oncótca é positva em menos de 5% dos casos, e alguns trabalhos especulam a possibilidade de diagnóstco utlizando PCR do DNA do EBV, mas ainda não se sabe ao certo a sensibilidade e a especi ficidade do método, embora sejam promissoras. Sempre se deve suspeitar de linfoma em pacientes com tva para T.Ogondii sorologia e falha tratamento empírico da nega toxoplasmose. prognós tco no é ruim; sem tratamento a sobrevida é de 1 a 2 meses e, com radioterapia de SNC, de 4 a 6 meses.
F - Meningite criptocócica O Cryptococcus neoformans é o principal agente oportunista causador de meningite entre indivíduos com AIDS e costuma ocorrer entre aqueles com contagem de CD4 menor que 100 células/mm3. Antes da introdução dos esquemas HAART e do uso de an tfúngicos na profilaxia, a incidência de meningite criptocócica era de 5 a 8%; recentemente, a incidência tem diminuído. O quadro clínico costuma ser subagudo, com febre e cefaleia (75% dos pacientes). A rigidez de nuca é vista em menos de 1/3 dos casos. Alterações sensoriais, de pares cranianos, alterações visuais e convulsões aparecem em 15 a 20% dos casos. Sintomas focais aparecem em náuseas, menos devômitos 5% dosepacientes, outros achados podem ser mal-estar.eTais pacientes podem apresentar lesões extraneurais em até 20 a 60% dos casos, com envolvimento de órgãos como pulmão, fgado, baço, medula óssea, gânglios, além de fungemia. Os sintomas podem ser muito su ts (cefaleia leve, febre baixa), e o resultado do liquor pode ser muito pouco alterado, por isso o médico deve adotar baixo limiar para indicar a coleta do liquor e sempre se deve pesquisar o fungo (mesmo com liquor pouco alterado), com a tnta da China, pesquisa do angeno criptocócico e cultura. O diagnóstco é confirmado pelo liquor e pode mostrar aumento da pressão (maior que 200mm/H2O em 60% dos casos), proteínas normais ou aumentadas (30 a 150mg/dL), glicose normal ou diminuída e número de células normal ou aumentado (0 a 100/mm3 linfomononucleares). A pesquisa do fungo no liquor pela tnta da China é posi tva em 70 a 94% dos casos, e a cultura para C. neoformans é positva em 95 a 100%. O angeno criptocócico no liquor é positvo em, pratcamente, todos os pacientes (mais de 95%). A cultura posi tva e o angeno elevado determinam o diagnóstco definitvo. Tomografia cerebral e RNM estão habitualmente normais, podendo apenas sugerir aumento da pressão intracraniana, dilatação ventricular ou obstrução; ao contraste, pode ser visto um realce das meninges. O tratamento de escolha é com a anfotericina B, associada ou não a 5-flucitosina. O
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INFECTOLOGIA esquema sugerido é com a dose IV de 0,7 a 1mg/kg/dia de anfotericina B e de 100mg/kg/dia, VO, de flucitosina, durante 14 dias – fase de indução (Tabela 7). O controle do tratamento é feito com estudo de liquor no final da fase de indução do tratamento para determinar se LCR está estéril, ou seja, cultura negatva (ocorre em 60 a 90% dos pacientes). Caso o liquor não esteja estéril, a fase de indução deve ser prolongada. Após a fase de indução, espera-se que o liquor esteja estéril (60 a 90% dos pacientes), e, nesse momento, pode-se con tnuar o tratamento com fluconazol (400mg/dia) por mais 6 a 8 semanas. Após aaté 2ªque fase,haja recomenda-se manter o fluconazol, 200mg/dia, adequada recons ttuição imune com o tratamento do HIV. Ao fim de 8 a 10 semanas, os pacientes devem receber profilaxia secundária com fluconazol, 100 a 200mg/dia, ou anfotericina B, 1mg/kg, 1x/semana. Tabela 7 - Tratamento da meningite criptocócica Esquema
Medicações e doses
Anfotericina B:0,7 a Padrão 1mg/kg/dia durante 2 (mais semanas seguidas de estudado) fluconazol oral por mais 8 semanas*.
Efeitos adversos Anfotericina:calafrios, febre,flebite, anemia, acidose tubular renal, hipocalemia; fluconazol: náusea, rash, hepatotoxicidade.
Anfotericina B:0,7mg/ kg/dia associado à fluoBoa opção**
Fluocitocina:toxicidade citocina 25mg/kg/dose de 6/6 horas durante 2 medular,rash, hepatotoxicidade, náusea, semanas; seguidos de vômitos. fluconazol oral por mais 8 semanas*.
Opção***
Semelhantes à anfoteAnfotericina lipossomal: ricina B, embora muito de 3 a 6mg/kg/dia. menos comuns.
Opção***
Semelhantes à anfoteAnfotericina em emulricina-B, embora, muito são lipídica: 5mg/kg/dia. menos comuns.
* Trocar por fluconazol apenas em caso de boa resposta. ** Esquema limitado por 2 razões: pouca disponibilidade da fluocitocina e pela toxicidade medular; a vantagem é a mais rápida esterilização do liquor. *** Preparações especiais de anfotericina – vantagens: menor toxicidade renal, mais bem tolerada e possibilidade de usar doses maiores; desvantagem: custo muito alto.
O prognóstco não é bom e está relacionado aos níveis de hipertensão intracraniana desenvolvidos pelo paciente. Outros fatores de prognóstco ruim são baixa celularidade, especialmente menor que 20 células/mm3 (quanto menor, pior a evolução do paciente), hiponatremia, TC de crânio anormal, doença fúngica disseminada, altos tulos de angeno criptocócico no LCR (tulos maiores que 1/1.024) e meningite recorrente.
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G - Neurotuberculose Acontece em menos de 5% dos pacientes com doença no SNC, de acordo com dados da literatura americana, podendo manifestar-se como lesão expansiva (raramente) ou meningite subaguda ou crônica. Nos EUA, o risco de neurotuberculose é 235 vezes maior para pacientes portadores do vírus HIV, com uma mortalidade de 43%. No Brasil, a incidência dessa meningite é muito maior. O quadro clínico é caracterizado por febre, cefaleia, alteração progressiva do nível de consciência e comprometmento de pares cranianos (especialmente III, IV, VI e VII pares). Convulsões também podem acontecer. As manifestações são similares às dos pacientes sem a doença pelo vírus HIV, exceto pelos achados de lesão com efeito de massa, mais comuns nos imunocomprometdos, que, no entanto, não é frequente. Hidrocefalia é uma complicação frequente da meningite tuberculosa, muitas vezes sendo necessária a derivação ventriculoperitoneal (DVP). O diagnóstco é realizado pelo liquor e pode mostrar celularidade aumentada (pode variar de 5 a 2.000 células/ mm3), proteinorraquia elevada (até 40% dos casos pode chegar a 500mg/dL), embora raramente possa ser normal. Outras alterações liquóricas são glicorraquia diminuída (média de 4 a 40mg/dL) e pesquisa de BAAR raramente positva. A cultura permite o diagnóstco definitvo, entretanto leva de semanas a meses. Dois exames no liquor podem ajudar: a pesquisa da micobactéria por PCR (PCR-MTB) e a dosagem da enzima adenosina deaminase (encontra-se aumentada), se disponíveis. Tomografia de crânio é normal, exceto nos raros casos de tuberculoma. A RNM mostra lesões intracerebrais sem efeito de massa em 50 a 70% dos casos. O raio x de tórax apresenta imagens sugestvas de tuberculose em até metade dos pacientes, e o PPD é reator em 20 a 30% dos casos. O diagnóstco diferencial principal é feito com meningite por C. neoformans. Já o tratamento é feito com esquema reformulado em 2009, de acordo com o Ministério da Saúde do Brasil: rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol nos 2 primeiros meses e, nos últmos 7 meses, apenas rifampicina e isoniazida, totalizando 9 meses. Todas são administradas por via oral, 1x/dia, e as doses são: - Rifampicina: 10mg/kg/dia; máximo de 600mg/dia; - Isoniazida: 10mg/kg de peso; máximo de 300mg/dia; - Pirazinamida: 35mg/kg de peso; máximo de 1.600mg/ dia; - Etambutol: 25mg/kg de peso; máximo de 1.100mg/ dia. O cortcoide é recomendado pelo Center for Disease Control (guidelines 2003). A prednisona é usada na dose de 1 a 2mg/kg/dia e contnuada por 6 a 8 semanas. Em geral, deve-se associar vitamina B6 (piridoxina), 50mg/dia, para evitar neurotoxicidade periférica induzida pela isoniazida.
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA
H - Meningite bacteriana
Talvez o mais frequente seja o vírus herpes. O quadro clínico da encefalite herpétca é de febre baixa, letargia, confusão, convulsões e déficits motores. Achado sugestvo é de alteração comportamental, chamando atenção nesse tpo de encefalite. O diagnóstco definitvo é obtdo apenas por biópsia, exame não utlizado como rotna. O PCR-HSV no líquido cerebrospinal tem uma sensibilidade de 98% na 1ª semana da doença. O liquor apresenta celularidade aumentada com predomínio linfocitário, proteinorraquia aumentada e glicose normal. A presença de hemácias é um achado relacionado à doença. Na tomografia, pode-se, eventualmente, observar I - Neurossífilis edema e hemorragia focal, usualmente na região temporal Pessoas com HIV/AIDS têm um curso alterado da evolumédia e na região inferior dos lobos frontais, achados vistos ção da sífilis, embora essa não seja, realmente, uma infeccom mais frequência na RNM de crânio. ção oportunista. O acometmento do SNC é mais frequente O tratamento deve ser iniciado, precocemente, na susnesse grupo de indivíduos, e a neurossífilis acontece em peita de meningite por HSV, utlizando-se aciclovir, 10mg/ 0,5% dos pacientes com HIV. Apresenta-se principalmente kg/dose, 8/8h, por 10 a 14 dias (alterna tva para casos de sob a forma meníngea ou meningovascular. HSV resistentes: foscarnete, 40mg/kg/dose de 8/8 horas, O quadro clínico depende do comprometmento meníngeo ou encefálico. Quando existe predomínio do comprome- por 14 dias). tmento meníngeo, os principais sintomas sãocefaleia, febre, K - Meningoencefalite por CMV fotofobia, sinais de irritação meníngea. No comprome tmento encefálico, apresentam-se sinais localizatórios: dé ficit de É encontrada, frequentemente, em necrópsia. Os achapares cranianos, convulsões, déficit motor, alterações da lin- dos incluem delirium e confusão (90% dos casos), apata e guagem, confusão e rebaixamento do nível de consciência. sinais neurológicos focais (50 a 60% dos casos). Outras forO diagnóstco é feito pelo liquor, e os principais achados mas de apresentação são a encefalite difusa micronodular, 3 são celularidade aumentada (5 a 100 células/mm ), com que é a 1ª forma de apresentação da doença, e a ventriculopredomínio de mononucleares, proteinorraquia de 45 a encefalite. A 1ª tem evolução subaguda de, mais ou menos, 200mg/dL e VDRL positvo (sensibilidade de 65% e especi3 semanas. Aparecem transtornos hidroeletrolítcos como ficidade de 100%). hiponatremia em 54% dos casos, hipercalemia em 23%, A tomografia pode mostrar captação do contraste nas hiposmolalidade em 38%, tpicamente. O liquor geralmenmeninges, infartos e atro fia cortcal. O VDRL no sangue te é normal. A RNM mostra hipercaptação das meninges, apresenta 5 a 10% de falsos negatvos, principalmente em imagens focais “em anel” e lesões invasivas com efeito de fases avançadas da doença, como tabes dorsalis ou paralisia massa. geral. Em pacientes com AVCs ou AIT, deve ser descartada A ventriculoencefalite tem uma evolução subaguda de neurossífilis. aproximadamente 2 semanas. O quadro clínico apresenta O tratamento da neurossífilis é realizado com penicililetargia, desorientação, paralisia de pares cranianos e nisna cristalina e está indicado a pacientes com VDRL positvo tagmo. Há o antecedente de retnite por CMV em mais de no liquor. O tratamento de indivíduos com VDRL negatvo e 50% dos casos. O liquor apresenta um aumento da celularialterações sugestvas no liquor é controverso, já que 30% dade e das proteínas, com uma glicose baixa. A RNM mosdaqueles com HIV podem apresentar alterações de proteítra um crescimento importante dos ventrículos com realce nas e celularidade sem evidência de neurossí filis. A dose de periventricular. penicilina cristalina é de 3 a 4 milhões de unidades, de 4/4h, O tratamento é feito com ganciclovir, 5mg/kg/dose, de durante 14 dias. Nenhum tratamento alternatvo à penicili12/12h, por 3 a 6 semanas, ou foscarnete. na é considerado adequado a pacientes infectados pelo HIV. Pode ocorrer com qualquer nível de CD4, todavia pacientes com CD4 >200 células/mm 3 têm risco de até 50 vezes maior que a população geral; esse risco é ainda maior quando a contagem de CD4 está menor do que 200 células/ mm3 (o risco chega a ser 400 vezes maior). A incidência de meningite por Listeria é 65 a 145 vezes maior que na população em geral. As manifestações, diagnóstco e tratamento são semelhantes aos do paciente imunocompetente.
J - Meningoencefalite viral Os principais agentes etológicos são vírus herpes-simples 1 e 2 (HSV-1 e HSV-2), vírus varicela-zóster, CMV, EBV, vírus da caxumba e enterovírus. A frequência dessa infecção em pacientes com AIDS não é conhecida. Os quadros virais do SNC podem ser meníngeos (geralmente, benignos e autolimitados) ou com predomínio de encefalite, que normalmente são graves e podem causar sérias sequelas.
L - Mielopatas
A manifestação medular mais comum em pacientes com HIV/AIDS é a mielopata vacuolar, que faz parte do complexo demência relacionada à AIDS. Tem início subagudo, gradual, indolor e progressiva ataxia com espas tcidade. Logo após, surgem incontnência fecal e vesical. Os sintomas sensitvos são frustros, em comparação com os distúrbios motores, exceto se há neuropa ta periférica concomitante. Ao exame, não há nível neurológico
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INFECTOLOGIA (nem sensitvo nem motor), distnguindo da mielite transversa, e há, frequentemente, exacerbação de reflexos (inclusive Babinski). O tratamento do vírus HIV (HAART) pode melhorar a sintomatologia em alguns pacientes. As infecções pelos vírus linfotrópico T humano tpo 1 (HTLV-1) e tpo 2 (HTLV-2) podem causar um quadro semelhante à mielopata vacuolar e coexistr. O diagnóstco da infecção do HTLV é sugerido pela ausência de sintomas do SNC e confirmado por sorologia no sangue e no liquor (IgG). As técnicas de reação em cadeia da polimerase (PCR) estão evoluindo rapidamente e podem tornar-se o padrão-ouro tca não ajuda em um futuroda próximo. magné a diferenciar mielopaAtressonância a vacuolar, mas pode ser bastante ú tl no diagnóstco de mielopatas segmentares (mielite transversa, compressão neoplásica e associada ao CMV). Estas últmas (mielite pelo herpes-vírus, herpes-zóster, CMV, linfoma intradural ou epidural) costumam manifestar quadro agudo com nível neurológico sensi tvo bem definido.
M - Neuropatas periféricas A polineuropata sensitva distal pode variar de hiperestesia a grave distúrbio doloroso incapacitante. Pode ter início com parestesias em extremidades, evoluir com queimação em botas e luvas, podendo ascender para sítos proximais. Há 2 grandes etologias: 1 - Associada ao HIV. 2 - Relacionada a drogas antrretrovirais: zalcitabina, didanosina e estavudina.
HIV e contagem de CD4 aumentada. Entretanto, as apresentações apicas têm importância maior na doença avançada, motvo pelo qual métodos diagnóstcos, como estudo de escarro, broncoscopia e imagens radiológicas, como tomografia computadorizada, RNM e estudos de medicina nuclear com gálio são cada vez mais u tlizados. Além disso, as infecções pulmonares têm uma alta morbimortalidade entre os pacientes com HIV. O diagnóstco diferencial inclui infecções virais, bacterianas e fúngicas, além de neoplasias (Tabela 8). Achados da história, do exame fsico e de exames complementares indicatvos da etologia da doença pulmonar são descritos na Tabela 9. Tabela 8 - Causas de comprometmento pulmonar no paciente com HIV/AIDS Grupos
Etologias
Fungos
Pneumocysts jiroveci*, H. capsulatum, C. neoformans, Candida sp.
Bactérias
Pneumococo*, hemófilos*, P. aeruginosa, Legionella*, Nocardia.
Micobactérias M. tuberculosis*, M. avium, M. kansasii. Virais
CMV, herpes-simples e adenovírus.
Neoplasias
Linfoma e sarcoma de Kaposi.
Pneumonite
Pneumonite interstcial linfoide, medicamentos, idiopátco.
Protozoário
Toxoplasma gondii.
* Causas mais frequentes.
A diferença fi entre as 2semelhantes. causas é di fcil; os achados eletroneuromiográ cos são O dado com maior utlidade é a relação temporal entre o início da terapia antrretroviral e o surgimento dos sintomas. O tratamento é feito, nas 2 situações, com gabapentna, novos antconvulsivantes, tricíclicos e analgésicos. Obviamente, os antrretrovirais relacionados devem ser suspensos. A polirradiculopata sensitvo-motora grave é causada pelo CMV. O quadro clínico inicial é de dor, fraqueza e perda sensorial nas raízes lombossacras. Há progressão durante poucos dias, em caráter ascendente, podendo afetar raízes torácicas e cervicais. O liquor, caracteris tcamente, mostra pleocitose, com predomínio de polimorfonucleares e confirmado pela pesquisa do DNA do CMV (PCR-CMV). A doença pode ser fatal, e o tratamento deve ser imediato, a fim de tentar impedir a progressão da doença.
Tabela 9 - Achados que sugerem a etologia da doença pulmonar Variáveis
Etologia provável - Pneumonia bacteriana;
Frequência
- Pneumocistose; - Tuberculose.
Doença pulmonar prévia: - Pneumonia bacteriana; aumenta a chance de ela re- - Pneumocistose; correr - Pneumonia fúngica. - Inespecífico; Aumento de desidrogenase - Classicamente, ocorre na pneulátca mocistose; - Pode ocorrer em outras doenças. - Pneumonia bacteriana; - Tuberculose;
11.Houve Complicações pulmonares modificação no espectro de complicações pulmonares na era HAART. Vários estudos relatam o aumento de pneumonia adquirida na comunidade e hospitalar, e uma diminuição da PCP em pacientes em uso de esquemas antrretrovirais. Mais de 80% dos pacientes com AIDS desenvolvem doenças pulmonares. A história clínica, o exame fsico e o raio x de tórax ajudam a estabelecer o diagnóstco nos pacientes
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Presença de derrame pleural - CMV; - Linfoma não Hodgkin; - Sarcoma de Kaposi. - Cryptococcus neoformans; Presença de lesões cutâneas
- Sarcoma de Kaposi; - Raro: tuberculose.
Acometmento de retna
- Toxoplasma gondii; - CMV.
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA
Variáveis Acometmento do SNC Hepatoesplenomegalia, linfadenopata ou infiltração de medula óssea
Etologia provável - Toxoplasma gondii; - Cryptococcus neoformans. - Tuberculose e micobactérias apicas; - H. capsulatum; - Linfoma não Hodgkin.
A - Exames complementares a) Radiografia de tórax e toracocentese O raio x é o exame inicial em pacientes com queixas respiratórias, e os detalhes encontrados em cada doença estão descritos na Tabela 2. É importante lembrar que, quanto menor o número de linfócitos CD4, maior a porcentagem de pacientes que se apresentam com achados radiológicos difusos e apicos. Muitas séries de pacientes publicadas são americanas e europeias, com incidência de tuberculose menor que a do Brasil. Portanto, todo paciente com queixa respiratória e alteração radiológica no pronto-socorro deve ter, como diagnóstco diferencial, a tuberculose. A tuberculose impõe outro desafio: a diversidade de manifestações radiológicas. Pode haver infiltrado em lobos superiores, com ou sem cavitação; consolidação em campos pulmonares inferiores simulando pneumonia bacteriana; infiltrado interstcial ou miliar; derrame pleural e mesmo adenopata hilar/mediastnal. Essas manifestações apicas são mais comuns em pacientes com CD4 <200 células/mm3. Como regra geral, caso a radiografia mostre um derrame pleural puncionável, deve-se proceder à toracocentese. A análise do líquido pleural mais comumente é um exsudato; predomina-se PMN, o diagnóstco mais provável é de pneumonia bacteriana. Com predomínio de linfócitos, deve-se pedir dosagem da adenosina deaminase (tuberculose), citologia oncótca (linfoma) e culturas para micobactérias e fungos. Quando hemorrágico, pode sugerir sarcoma de Kaposi. b) Escarro O escarro tem maior utlidade no diagnóstco de tuberculose e pneumocistose. A pesquisa de BAAR (Bacilos Álcool-Ácido-Resistentes) deve ser feita em 3 dias consecutvos; se não há expectoração, deve-se induzir ao escarro. Tradicionalmente, acreditava-se que a pesquisa de BAAR no escarro tnha baixa sensibilidade em pacientes com AIDS, entretanto estudos recentes têm contestado isso. Em 2 grandes séries, a sensibilidade foi de 50 a 60%. Uma pesquisa positva deve indicar tuberculose, até que análises por PCR ou a cultura de finam se o germe é o M. tuberculosis. Sabe-se que outras micobactérias podem colonizar as vias aéreas de pacientes com AIDS. O Pneumocysts também pode ser isolado no escarro, por coloração com o azul de toluidina ou, mais recentemente, pela pesquisa do germe por imuno fluorescência (fluorescent antbody testng).
Caso o paciente tenha tosse seca, o escarro deve ser induzido. Em uma série com 992 pneumonias por Pneumocysts, 800 pacientes (80%) tveram o diagnóstco efetuado pelo escarro; o restante necessitou de broncoscopia. Estudos com imunofluorescência do escarro têm conseguido o diagnóstco em 95% dos pacientes com pneumocistose. Pesquisas tentando avaliar o papel de novas sondas de PCR para diagnóstco da pneumocistose estão em andamento. Os resultados iniciais são bastante promissores. A experiência do escarro para diagnóstco de outros germes ainda é muito precária, mas pode ser útl para aspergilose, histoplasmose, M. kansasii e estrongiloidíase. c) Contagem de CD4 A relação entre a contagem de CD4 e doenças mais prováveis é descrita na Tabela 11. Tabela 10 - Achados radiológicos nas doenças pulmonares do paciente com HIV/AIDS Etologias
Distribuição
Radiologia
Outros achados
Focal: 71% Difusa: 29%
Lobar: 54% Cavitação: 1% Interstcial: Derrame pleural: 17% 7% Nodular: 10%
2º - Tuberculose >400 Miliar: zero CD4/mm3
Cavitário: Derrame pleural: 63% 3% Não cavitário: Adenopata: zero 33%
3º - Tuberculose 200 a 399 CD4/ mm3
Miliar: 6%
Cavitário: Derrame pleural: 44% 11% Não cavitário: Adenopata: 14% 44%
4º - Tuberculose <200 Miliar: 9% CD4/mm3
Cavitário: Derrame pleural: 29% 11% Não cavitário: Adenopata: 20% 58%
5º - Pneumocysts jiroveci
Bilateral: 95% Difuso: 48%
InterstcialBolhas: 7% -misto: 88% “Vidro despoliAlveolar: 12% do”: 4%
6º - C. neoformans
Difuso: 76%
Interstcial-misto: 76% Alveolar: 19% Nodular: 5%
Bilateral: até 71%
Interstcial: 33 Derrame pleural: a 82% 11 a 33%
Unilateral: até 29% Normal: até 33%
Alveolar: 18 a 11% Cavitação: 0 a 22% Nodular: 0 a Adenopata: 0 11% a 11%
Normal: 23% Bilateral: 58%
Derrame pleural: Interstcial: 7% 53% Pneumotórax: Nodular: 16% 2%
1º - Bactérias
7º - CMV
8º - Toxoplasma gondii
Cavitação: 11% Adenopata: 11% Derrame pleural: 5%
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INFECTOLOGIA Etologias
Distribuição
Radiologia
Outros achados
9º - Sarcoma de Kaposi
Normal: 3% bilateral: 96% Difuso: 2/3 Inferiores: 92%
Nódulos: 78% Linhas B de Espessamento Kerley: 71% de paredes Derrame pleural: brônquic as com 53% ou sem coalesAdenopata: 16% cência: 95%
10º - Linfoma não Hodgkin
Normal: 3%
Nódulos: 40% Massa: 24% Lobar: 40% Retcular: 24%
Cavitação: 3% Derrame pleural: 44% Adenopata: 21%
Tabela 11 - Contagem de CD4 e etologias mais prováveis do quadro pulmonar Contagem de CD4
Doenças pulmonares mais prováveis
- Pneumonia bacteriana; Qualquer - Tuberculose pulmonar; contagem de - Pneumonite interstcial inespecífica; CD4 - Linfoma não Hodgkin. - Pneumocysts jiroveci; 3 <200/mm - Cryptococcus neoformans. - Pneumonia devido a P. aeruginosa e S. aureus; <100/mm3 - Toxoplasma gondii; - Sarcoma de Kaposi. - ComplexoM. avium (geralmente, com doença disseminada); - H. capsulatum (geralmente, com doença 3 <50/mm
disseminada); - Aspergillus fumigatus; - CMV (geralmente, com doença disseminada).
d) Tomografia de tórax A TC de tórax é mais sensível que a radiografia para detectar e definir as característcas das lesões pulmonares. Todavia, na maioria das vezes, não é necessária. Algumas situações em que a TC de tórax pode ser útl são: - Suspeita de pneumocistose ou radiogra fia que apresenta alterações duvidosas ou discretas. - Radiografia mostrando nódulos pulmonares; nessa situação, a tomografia pode ajudar no diagnóstco: Nódulos >1cm: sugerem que sejam neoplásicos; Nódulos <1cm com distribuição centrolobular: sugerem que sejam infecciosos (especialmente, Pseudomonas; eventualmente, Staphylococcus); Predominância de nódulos <1cm associados à adenopata mediastnal (com baixa atenuação): sugerem micobactérias (algumas vezes, fungos); Nódulos >1cm associados a espessamento peribroncovascular: sugerem sarcoma de Kaposi. • •
•
•
e) Hemoculturas e sorologias Pacientes febris, com manifestações pulmonares ou infiltrados radiológicos devem ter colhidos 2 pares de hemo-
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culturas, não só para bactérias, mas também para fungos e micobactérias. É importante não esquecer de especi ficar ao laboratório as suspeitas, já que vários germes demoram semanas para crescer em meios de cultura. Quatro principais testes sorológicos são úteis e, dependendo do contexto clínico, sobretudo em pacientes crí tcos, podem ser solicitados: 1 - Pesquisa do angeno urinário do pneumococo: tem boa sensibilidade e excelente especificidade. Da mesma forma que para legionela, o exame é simples, com resultado em até 30 minutos. 2 - Pesquisa do angeno urinário da Legionella pneumophila sorotpo 1: a sensibilidade em pneumonia grave pode chegar a 86%. 3 - Pesquisa do angeno criptocócico no sangue: hoje, com novas técnicas de detecção do an geno, virtualmente todos os pacientes com pneumonia criptocócica têm a pesquisa do angeno positva, sendo mais útl para descartar a doença. 4 - Pesquisa do angeno do H. capsulatum: é sensível para histoplasmose disseminada e pode ser medido em urina, sangue, lavado broncoalveolar (LBA) e líquido pleural. Um teste positvo dentro de um contexto clínico compavel sugere o diagnóstco. O teste pode ser negatvo em doença leve ou localizada. f) Broncoscopia A broncoscopia é um dos exames mais importantes em doenças pulmonares associadas à AIDS. Regra geral, a broncoscopia com LBA deve ser indicada em pacientes com doença grave (necessitam de um rápido diagnóstco), suspeita de sarcoma de Kaposi pulmonar, pacientes que não tveram o diagnóstco feito por exames menos invasivos e aqueles que não respondem à terapêutca inicial. A broncoscopia com LBA é, virtualmente, o melhor método de diagnóstco de pneumonia porPneumocysts. Quando negatva, pratcamente descarta a doença, e a biópsia transbrônquica contribui muito pouco para o diagnós tco. É bastante útl em doença criptocócica pulmonar; um estudo com 33 casos mostrou um rendimento diagnóstco de 82%. Adicionalmente, pode-se pesquisar o an geno desse germe no LBA, propiciando o diagnóstco em mais de 90% dos pacientes. O LBA também pode diagnostcar histoplasmose e toxoplasmose pulmonar. Em algumas situações, a biópsia transbrônquica aumenta o rendimento diagnóstco do LBA (tuberculose) ou é necessária para confirmar o diagnóstco (invasão tecidual do germe), em aspergilose, pneumonia por CMV e linfoma não como Hodgkin.
B - Pneumonia bacteriana Após o início da terapia HAART, a pneumonia bacteriana é considerada a principal complicação pulmonar nos pacientes portadores do vírus HIV. Pode ocorrer em qualquer estágio da doença, tem prevalência cerca de 5 a 6 vezes maior que na população geral e a taxa de bacteremia ou sepse é
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA aumentada em até 100 vezes, em relação aos pacientes sem o vírus. A mortalidade também é maior nesse grupo. Os agentes etológicos mais frequentes são Streptococcus pneumoniae (35 a 70%), Haemophilus influenzae (3 a 40%), Pseudomonas aeruginosa (3 a 10%, com mortalidade de 33%), E. coli (6 a 7%), outros agentes Gram negatvos (7 a 9%). Pacientes com HIV têm risco até 42 vezes maior de infecção por Legionella pneumophila, e pacientes com CD4 menor que 200 células/mm 3 têm maior chance de apresentar doença invasiva pelo pneumococo. O quadro clínico caracteriza-se por febre, calafrios, tosse e expectoração amarelo-esverdeada, que é o quadro clássico da doença. Dor pleurítca e dispneia também podem ocorrer e não são incomuns. Alteração da ausculta pulmonar acontece na maioria dos pacientes com pneumonia bacteriana. O quadro é semelhante ao de pacientes não portadores do vírus. Dessa maneira, portanto, pode ir desde quadros mais leves, até pneumonia com insuficiência respiratória. Pode não haver leucocitose, porém deve ser procurado desvio à esquerda. Até 85% dos pacientes soropositvos para o vírus HIV, com pneumonia pneumocócica, têm hemoculturas positvas, o que indica a realização desse exame a todos os avaliados com a suspeita de pneumonia. A radiografia de tórax normalmente apresenta alterações semelhantes ao imunocompetente: infiltrados focais, segmentares ou lobares (Figura 10). O tratamento é o mesmo que o indicado para pneumonia bacteriana de comunidade em pacientes não HIV. A prevalência de resistência bacteriana do S. pneumoniae é
contnua sendo a doença mais comum definidora de AIDS, como diagnóstco ou no curso da infecção. Estudos prospectvos brasileiros da década de 1980 mostraram que a pneumonia por P. jiroveci (PCP) correspondia a cerca de 24 a 36% dos casos de pneumonia em pacientes HIV posi tvo. Em geral, esse tpo de pneumonia teve uma diminuição na frequência e passou de 36,3% na Era pré-HAART para 17,6% atualmente. O quadro clínico habitualmente consiste em tosse seca, febre, dispneia progressiva e, peculiarmente, dispneia aos esforços, além de taquipneia. Trata-se de um caso de evolução mais arrastada que a bacteriana, com duração de vários dias. A ausculta pode estar anormal em mais da metade dos pacientes. Pode haver evolução para insu ficiência respiratória em 5 a 30% dos casos, e a infecção é geralmente vista em indivíduos com CD4 <200/mm3, com média de 79/mm 3. A radiografia de tórax é normal em 5 a 10% dos casos. Imagens de infiltrado retcular heterogêneo, difuso, bilateral e simétrico são os achados clássicos e mais comuns (Figuras 10, 11 e 12). Menos frequentemente, acham-se infiltrado unilateral ou focal, condensações ou pneumotórax. Quanto a pacientes que usam pentamidina aerossolizada, a pneumocistose pode ser apical, simulando tuberculose. A gasometria arterial demonstra redução dos níveis de PO 2 para menos de 70mmHg em cerca de 80% dos pacientes. A pesquisa do P. jiroveci no escarro induzido tem uma sensibilidade de 77% e um valor preditvo negatvo de 64%. No LBA, a sensibilidade relatada é de 85 a 89% e, na biópsia transbrônquica, de 88 a 97%, porém raramente se acha o Pneumocysts jiroveci na biópsia transbrônquica caso não
semelhante à da população em geral. A resposta geralmente está dentro das primeiras 48 a 72 horas. Se a resposta não for satsfatória nesse período de tempo, deverão ser investgados diagnóstcos como pneumonia por P. jirovecie tuberculose pulmonar.
o seja no LBA. A pro filaxia no momento do diagnóstco não afasta a doença, já que uma boa parte dos pacientes que evoluem com PCP está em uso dela.
Figura 11 - Pneumocistose: infiltrado interstcial bilateral
Figura 10 - Pneumonia bacteriana
A mortalidade é aumentada em até 4 vezes. Deve-se lembrar de vacinar para pneumococo todos os pacientes com HIV.
C - Pneumonia por Pneumocysts jiroveci
Figura 12 - Pneumocistose: aspecto tomográfico
A incidência e a mortalidade dessa infecção caíram notoriamente após a insttuição do esquema HAART. Entretanto,
O tratamento de escolha é trimetoprim-sulfametoxazol (15 a 20mg/kg/dia do componente trimetoprim, divididos
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INFECTOLOGIA em 3 a 4 doses) durante 14 a 21 dias. Quase metade dos pacientes apresenta efeitos adversos a essa droga, que incluem febre, rash cutâneo, adinamia, pancitopenia (diminuída pela administração concomitante de ácido folínico), hepatte, nefrite e aumento de bilirrubinas. Pacientes com grave alergia à sulfa, intolerância inaceitável ou que não respondem ao tratamento (esperar por 5 a 10 dias antes de mudar o tratamento) podem receber medicações alternatvas. As principais são: - Pentamidina: é a melhor alterna tva para casos graves. A dose é de 3 a 4mg/kg/dia, durante 14 a 21 dias; diluir bem a droga (250 a 500mL de soro glicosado e infundir em 1 hora). Causa efeitos colaterais em até 50% dos pacientes, como hipo ou hiperglicemia, febre, rash cutâneo, neutropenia, aumento de enzimas hepátcas, hipercalemia ou hipocalcemia. Outros efeitos adversos são nefrotoxicidade (início mais tardio), anemia, plaquetopenia, pancreatte (algumas vezes fatal) ou arritmias. Casos leves a moderados também podem receber (durante 14 a 21 dias); - Clindamicina (600mg/dose de 6/6h) associada à primaquina (15mg/dia da base): pode causar intolerância do TGI e diarreia (colite pseudomembranosa). A primaquina pode levar à hemólise em pacientes com deficiência da G6PD; - Trimetoprim (15mg/kg/dia, dividido em 3 doses) e dapsona (100mg/dia): esta últma pode levar à hemólise em pacientes com deficiência de G6PD e metemoglobinemia; -
Atovaquona (750mg/dose de 8/8h): medicação de alto custo, com taxas de falência de até 15 a 30%. Os efeitos adversos são rash cutâneo, anemia, neutropenia e aumento de enzimas hepátcas.
Cortcoides são indicados aos casos com a PO 2 <70mmHg ou gradiente alveoloarterial >35mmHg. O cortcoide diminui o processo inflamatório, a chance de intubação e a chance de fibrose pulmonar sequelar. A prednisona é iniciada na dose de 40mg, de 12/12h, por 5 dias; 40mg, 1x/ dia, do 6º ao 10º dia; e, finalmente, 20mg/dia, até o final do tratamento do 14º ao 21º dia. A profilaxia secundária deve ser feita com trimetoprim/ sulfametoxazol, 400/80mg; 2 comprimidos, 3 vezes por semana, ou 1 comprimido, prescrita 1x/dia. Pode-se, também, fazer profilaxia primária: dapsona, 100mg/dose, VO, ao dia, ou pentamidina aerossol, 300mg a cada mês, via Respigard II (inalatória). A profilaxia, primária ou secundária, pode ser suspensa aos pacientes em uso de esquema HAART e CD4 maior que 200 células/mm3 mantdo por 3 meses. Entre pacientes com CD4 muito baixo e doença avançada, principalmente, pode acontecer a falha da pro filaxia. O risco de PCP sem pro filaxia é de 60 a 70% por ano para aqueles com história prévia de PCP, e de 40 a 50% ao ano para pacientes com CD4 menor que 100 células/mm 3. A profilaxia reduz em 9 vezes o risco da doença e a taxa de mortalidade é menor entre os que a desenvolvem.
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Tabela 12 - Tratamento da PCP grave* Medicação*
Dosep arenteral
Efeitosa dversos
15 a 20mg/kg/dia do componente trimetoprim (ou 75 Trimetoprima 100mg/kg/dia do -sulfametoxazol sulfametoxazol), divididos em 3 a 4 doses.
Febre, rash cutâneo, adinamia, pancitopenia (diminuída pela administração concomitante de ácido folínico), hepatte, nefrite e aumento de bilirrubinas. Até 50% dos pacientes: hipo ou hiperglicemia, febre, rash cutâneo, neu-
Pentamidina
3 a 4mg/kg/dia; diluir bem a droga (250 a 500mL se soro glicosado e infundir em 1 hora).
Clindamicina-primaquina
Clindamicina: 600mg/dose, de 6/6 a 8/8 horas: primaquina**: 30mg, VO, 1x/dia.
Trimetrexato***
tropenia, aumento de enzimas hepátcas, hipercalemia ou hipocalcemia, nefrotoxicidade (início mais tardio), anemia, plaquetopenia, pancreatte (às vezes fatal) ou arritmias. Clindamicina: intolerância do TGI e colite pseudomembranosa. Primaquina: anemia hemolítca na deficiência de G6PD.
45mg/m2 ; o ácido folínico deve ser Pancitopenia, rash prescrito na dose cutâneo e aumento de de 20mg/m2/dia, enzimas hepátcas. dividido em 3 a 4
doses. * Está indicado associar cortcoide na PCP grave (Tabela 4). A escolha é pela prednisona (oral); se não for possível, pode-se usar a metlprednisolona (intravenosa). ** Primaquina: só existe a preparação oral. *** Deve ser associado ao ácido folínico para diminuir a toxicidade medular (20mg/m2/dia dividido em 3 a 4 doses). Tabela 13 - Cortcosteroides no tratamento da PCP Medicação
Apresentação
Dose e duração
Prednisona Oral
1º ao 5º dia: 40mg, de 12/12 horas; 6º ao 10º dia: 40mg, 1x/dia; 11º ao 21º dia: 20mg, 1x/dia
Metlprednisolona*
1º ao 5º dia: 30 a 40mg, de 12 em 12 horas; 6º ao 10º dia: 30 a 40mg, 1x/dia*
Intravenosa*
* A escolha é por prednisona; quando não for possível, iniciar com metlprednisolona intravenosa, mas trocar para prednisona assim que possível.
D - Tuberculose pulmonar A tuberculose geralmente ocorre antes que o paciente tenha doença definidora de AIDS estabelecida e, portanto, pode acontecer com qualquer contagem de células CD4. Nos EUA, cerca de 4 a 5% dos pacientes com AIDS têm tuberculose alguma vez na vida, e, em países como a Itália,
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA a incidência chega a ser de 11%. No Brasil, a tuberculose é a 2ª infecção oportunista mais prevalente e tem um risco 170 vezes maior que na população em geral, sendo apenas menos comum que candidíase. Nos EUA, esse risco é de 200 a 500 vezes mais elevado que na população em geral. Sabe-se que a tuberculose acelera o curso da infecção pelo HIV. O quadro clínico é muito variável e depende de maior ou menor grau de imunossupressão. Na doença precoce, com CD4 maior que 400/mm3, os sintomas mais comuns são tosse, expectoração, perda de peso, sudorese, febre e sinais de doença cavitária em lobos superiores. O PPD chega a ser positvo em 80% dos casos. Na doença avançada, com CD4 <400/mm3, de 1 a 2/3 dos pacientes têm comprometmento extrapulmonar associado, principalmente gânglios e medula óssea, com quadro clínico variável, manifestando febre em quase todos os casos. Tosse, perda de peso, sudorese noturna, linfonodomegalia, hepatoesplenomegalia e descoramento de mucosas ocorrem variavelmente com o síto de envolvimento. O PPD é positvo em menos de 25% dos casos. A radiografia de tórax pode mostrar o achado pico de doença cavitária e apical, até infiltrado retculonodular difuso, que é mais comumente encontrado (Figura 13). O padrão miliar também pode ser encontrado (Figura 14). Pode-se deparar, também, com adenopata hilar, assim como derrame pleural. O diagnóstco etológico é sugerido pelo isolamento do BAAR no escarro, entretanto é posi tvo em apenas 40 a 50% dos pacientes. A positvidade no LBA é de 50 a 60% e significatvamente aumentada com a biópsia transbrônquica. A cultura de M. tuberculosis no escarro é positva em 80 a 90% e fornece o diagnóstco definitvo. Diferentemente de outras micobactérias, que tendem a não envolver pulmão, o M. tuberculosis, na maioria dos casos, atnge esse órgão. Pesquisas e culturas de outros fluidos, nos quais há suspeita de concomitância de infecção, devem ser feitas. Hemoculturas para micobactérias, em meio tpo Bactec®, são rápidas e sensíveis e podem vir positvas em 25 a 50% dos pacientes.
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Figura 14 - Tuberculose miliar no paciente com HIV e CD4 <200 células/mm3
O tratamento foi modificado pelo Ministério da Saúde em 2009 e é associado à piridoxina. Os primeiros 2 meses são com rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol, seguidos de mais 4 meses com rifampicina e isoniazida.
E - Outras causas Virais: herpes-simples, vírus varicela, parainfluenza, Vírus Sincicial Respiratório (VSR), influenza A e B, CMV (frequentemente encontrado em achados de necrópsia no pulmão, porém sem valor patogênico na maioria dos casos); - Fungos: Cryptococcus neoformans (o síto de entrada é o pulmão, e a pneumonia é descrita), Histoplasma capsulatum (comum em locais endêmicos para esse fungo), Aspergillus sp (pacientes com AIDS e neutropenia associada); - Micobactérias não tuberculosas: complexo Mycobacterium avium, M. kansasii (dificilmente, têm envolvimento pulmonar); - Sarcoma de Kaposi: geralmente, está relacionado a lesões mucocutâneas. Pode apresentar-se com tosse, broncoespasmos e dispneia. A radiogra fia de tórax pode mostrar nódulos grosseiros, mal de finidos, disseminados pelos pulmões, com densidades lineares grosseiras para-hilares. Derrame pleural é comum, ocorrendo em cerca de 50% dos casos, e broncoscopia, em geral, fornece o diagnóstco, evidenciando lesões endobrônquicas violáceas picas; - Linfoma não Hodgkin: o acometmento torácico é raro (10% dos linfomas), mas quando ocorre produz derra-
me pleural em 50% dos pacientes, adenopata hilar e/ ou mediastnal em 25% e outros in filtrados interstciais retculonodulares ou consolidação alveolar em 25%.
12. Complicações do trato gastrintestnal e hepátcas Figura 13 - Tuberculose pulmonar no paciente com HIV e CD4 >350 células/mm3
As complicações digestvas são frequentes em pacientes com o vírus HIV. Em geral, pessoas com CD4 >500/mm 3
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INFECTOLOGIA apresentam quadros gastrintestnais semelhantes aos de pacientes não HIV. Com a queda da imunidade celular, as infecções oportunistas aparecem. Dessa maneira, o nível de CD4 tem uma relação direta com o risco de complicações digestvas. Os principais motvos que levam o paciente a procurar o pronto-socorro são, em ordem de frequência, odinofagia, disfagia, diarreia, dor abdominal e sangramento intestnal.
A - Esôfago Um terço dos pacientes com HIV/AIDS apresenta sintomas relacionados a quadros esofágicos. Candidíase esofágica é a principal causa de disfagia no paciente HIV e ocorre em 42 a 79% em algum momento da doença. Os principais sintomas são disfagia e odinofagia. É importante lembrar que, em 30 a 50% dos pacientes, não há lesões orais sugestvas de candidíase. Com o quadro clínico suges tvo, deve-se iniciar, empiricamente, fluconazol (100 a 200mg/dia) ou itraconazol (200 a 400mg/dia) durante 14 dias. Pacientes que não respondem ao tratamento empírico devem ser submetdos à Endoscopia Digestva Alta (EDA), que pode mostrar grandes placas branco-amareladas, podendo acometer a totalidade do esôfago, e no “raspado” das lesões são vistas leveduras e pseudo-hifas (Figuras 15 e 16). As falhas terapêutcas podem dever-se a outro germe causando esofagite (CMV, herpes-vírus, úlceras a osas) ou espécies de cândida resistentes.
inferior do esôfago. O diagnóstco definitvo é feito por biópsia da lesão, a qual é necessária para iniciar o tratamento, na maioria dos casos. Eventualmente, pode ser necessário o tratamento empírico. A esofagite por CMV esteve presente no anatomopatológico da maioria dos pacientes com falência ao tratamento empírico com antfúngico por odinofagia. O tratamento é feito com ganciclovir (10mg/kg/dia, dividido em 2 doses), durante 2 a 3 semanas, com uma eficácia de 75%. Casos resistentes ao ganciclovir podem responder ao foscarnete. A esofagite por herpes-simples assemelha-se à esofagite por Candida, e dela se deve suspeitar quando não há melhora após tratamento para candidíase esofágica. Corresponde a 5 a 10% das disfagias. Houve diminuição significatva dessa doença após a introdução do esquema HAART. O diagnóstco é feito por EDA e mostra úlceras erosivas superficiais pequenas e coalescentes, e o diagnós tco definitvo, mediante biópsia das lesões. Em geral, ocorre na doença muito avançada, com CD4 baixo. O tratamento é feito com aciclovir VO (200 a 400mg/dose, 5x/dia) ou IV (5mg/kg/ dose, de 8/8 horas) durante 10 a 14 dias. Da mesma forma, pode-se usar o valaciclovir (1g VO, 3x/dia) durante 7 dias. Além das causas infecciosas, os pacientes com HIV/AIDS podem ter ulcerações inespecíficas do esôfago. Correspondem por 10 a 30% das causas de disfagia no paciente, podendo chegar a 50%. O diagnóstco é sugerido pela falência da terapêutca de odinofagia/disfagia com o fluconazol. A EDA pode mostrar lesões ulcerosas grandes, bem delimitadas, e a pesquisa de Candida, herpes e CMV é negatva. O tratamento é feito realizando prednisona, 40mg/dia, por 7 a 14 dias, com diminuição de 10mg por semana, com um total de 4 semanas de tratamento. E talidomida 200mg/dia, por 14 dias, parece ter boa taxa de cura.
B - Estômago As alterações no estômago manifestam-se por sintomas como náuseas, vômitos, plenitude pós-prandial, hematêmese e melena. Dentre as principais causas de acome tmento gástrico estão o sarcoma de Kaposi, linfoma, gastrite por CMV e secundária a medicamentos como AZT, DDL, ritonavir, saquinavir, foscarnete, cotrimoxazol,fluconazol, macrolídeos e ant-inflamatórios.
C - Intestno Figura 15 - Esofagite por Candida: placas brancas, recobrindo a mucosa esofágica, muito sugestvas de infecção por Candida (monilíase).tAcobiópsia com pesquisa e cultura para fungos confirma o diagnós
A esofagite por CMV ocorre em 8 a 13% dos pacientes com AIDS e representa 45% das úlceras esofágicas. O quadro clínico é semelhante ao da esofagite por Candida. Pode ocorrer febre, assim como lesões em retna (sugerindo CMV como causa da esofagite). O diagnóstco é confirmado por EDA: lesões erosivas ou úlcera única grande (>10cm 2 de superfcie), superficial, localizada principalmente no terço
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A diarreia acontece em 30 a 60% dos pacientes portadores do vírus HIV em países desenvolvidos e em até 90% em países subdesenvolvidos. Costuma-se dividir em 3 semanas o limite entre diarreia aguda (<3 semanas) e diarreia crônica (>3 semanas). Nos úl tmos anos, com o uso ro tneiro de profilaxias e esquema HAART, a frequência tem diminuído, principalmente as enterites bacterianas. A diarreia aguda assemelha-se à de pacientes imunocompetentes e pode acometer pacientes com qualquer contagem de CD4, e os principais germes são Salmonella spp, Shigella spp, Campylobacter jejuni, Yersinia enteroco-
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA litca, Clostridium difficile, rotavírus, adenovírus, coronavírus. Partcularmente, entre pacientes com HIV/AIDS, a diarreia aguda pode dever-se a doenças neoplásicas (Kaposi e linfoma) ou medicamentos (Tabela 14). A investgação diagnóstca deve ser feita a todo paciente com sintomas por mais de 5 dias e deve incluir protoparasitológico de fezes com pesquisa de agentes como Microsporidium, Isospora e Cryptosporidium, coleta de coproculturas e hemoculturas em caso de febre, pesquisa da toxina do Clostridium difficile em caso de história de exposição prévia a antbiótcos. Endoscopia com aspirado duodenal, se os exames previamente citados forem nega tvos, e retossigmoidoscopia, se a investgação inicial for inconclusiva ou sangramento intestnal estver presente. Tabela 14 - Causas de diarreia aguda e crônica no paciente HIV Diarreia aguda (incidência) - Campylobacter jejuni 4 a 15%; - C. difficile 3 a 15%; - Vírus entéricos 4 a 15%; - E. coli 10 a 20%; - Salmonelose 5 a 15%; - Idiopátca 25 a 40%; - Shigelose 2%. Diarreia crônica (incidência) - Criptosporídio 20%; - CMV 20%; - Microsporidíase 20%; - Isosporíase 10 a 12%; - ComplexoM. avium 10% (EUA); - Amebíase e giardíase 1 a 5%; - Idiopátca e pelo próprio HIV 20 a 30%.
a) Diarreia aguda Nas diarreias agudas os pacientes podem ter sintomas leves a moderados (vômitos, dor abdominal, diarreia aquosa e febre baixa) ou sintomas mais graves (febre alta, diarreia com sangue, dor abdominal intensa, bacteremia, vômitos e desidratação). Em geral, em casos moderados a graves, devem-se colher pesquisa de sangue e leucócitos nasfezes, coproculturas, hemoculturas e outros exames de acordo com a história ou exame fsico (exemplo: pesquisa da toxina deC. difficile, se usou antbiótcos nos últmos 28 dias). Logo após a coleta de exames gerais (hemograma, eletrólitos) e culturas, em casos moderados a graves, deve-se iniciar antbiotcoterapia com ciprofloxacino VO (500mg/ dose, de 12/12h) ou IV (400mg/dose, de 12/12h). Após o resultado das culturas, deve-se reavaliar a antbiotcoterapia. Algumas partcularidades são: - Salmonelose: tem uma frequência 100 vezes maior que na população geral. Diferente do quadro em imunocompetentes, pode cursar, frequentemente,
com bacteremia. O paciente com HIV/AIDS é partcularmente sensível à infecção por esse germe, e a antbiotcoterapia deve ser mantda por 10 a 14 dias (diferente dos outros germes, que precisam de 5 a 7 dias). Se houver bacteremia (hemocultura com crescimento de Salmonella – não tfoide), alguns autores recomendam o uso de cipro floxacino (500mg/dose VO, de 12/12h) durante meses, apesar de não se de finir, com precisão, o tempo necessário de uso. A taxa de recorrência de bacteremia por Salmonella é muito alta após o tratamento padrão de 10 a 14 dias; -
Campylobacter jejuni : corresponde a 4 a com 14% adas causas de diarreia aguda e está relacionado in-
gestão de frango mal cozido em 50% dos casos. Pode complicar com síndrome hemolítco-urêmica, artrite reatva e síndrome de Guillain-Barré. Uma alternatva a ciprofloxacino (durante 5 a 7 dias) é a eritromicina (500mg/dose, de 6/6h, por 5 a 7 dias); - Clostridium difficile: responsável por 3% das diarreias agudas, relaciona-se ao uso prévio de antbiótcos, especialmente cefalosporinas, clindamicina e ampicilina. Pode cursar com casos leves à colite grave e megacólon tóxico. O diagnóstco é confirmado pela pesquisa da toxina A do Clostridium nas fezes. Nesse tpo de diarreia, além de suspender (se possível) os antbiótcos que o paciente usa, deve-se prescrever metronidazol, 250 a 500mg/dose, de 8/8h, durante 7 dias. b) Diarreia crônica A diarreia é considerada crônica quando dura mais de 3 semanas. As etologias dependem da contagem de CD4: 3 - Maior que 200 células/mm : medicações, síndrome do intestno irritável, doença inflamatória intestnal, giardíase e parasitas (estrongiloides, por exemplo); 3 - Menor que 200 células/mm : microsporídio, Cryptosporidium parvum, Isospora belli, CMV, complexoMycobacterium avium e M. tuberculosis . Outras causas de diarreia crônica são histoplasmose e linfoma. Em geral, o manejo diagnóstco inicia-se com a coleta de exames gerais (hemograma, eletrólitos), protoparasitológico de fezes (giardíase, estrongiloidíase, amebíase), coprocultura, um mínimo de 2 pesquisas de ovos e parasitas com coloração especial – acid-fast stain (criptosporídio, Isospora e Cyclospora), pesquisa de microsporídio (tricromo com magnificação de 1.000 vezes), pesquisa de hemácias e leucócitos nas fezes e pesquisa da toxina do Clostridium. Algumas vezes, pode ser necessária retossigmoidoscopia em pacientes graves, em especial com colite hemorrágica (CMV) ou quando os métodos menos invasivos não renderam um diagnóstco. A criptosporidíase acontece em 20% dos pacientes com enterite crônica, geralmente com contagem de CD4 <150 células/mm3. No Brasil, é a 2ª causa de diarreia crônica entre os pacientes com AIDS, perdendo apenas para diarreia por Giardia lamblia. Caracteriza-se por evacuações diarrei-
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INFECTOLOGIA cas de grande volume, dor abdominal, emagrecimento importante, anorexia, má absorção e flatulência. Não ocorre febre, e a diarreia é não inflamatória, podendo ser intermitente por meses ou anos. O diagnóstco é feito pela pesquisa nas fezes dos oocistos do germe. Deve-se tentar encontrar o agente para diagnós tco diferencial com as outras causas de diarreia crônica, já que o quadro clínico é pratcamente idêntco. O tratamento é, na maioria das vezes, de suporte, e os pacientes podem chegar ao pronto-socorro hipotensos ou mesmo em choque. A terapêutca específica é pouco eficaz. O melhor resultado é ttuição imune). Pocom o tratamento vírus HIV (recons dem-se prescrever do paromomicina e azitromicina, mas com resposta pouco satsfatória. Uma complicação desse germe é a colangite. A microsporidíase corresponde a 15 a 30% dos pacientes com enterite crônica. Acontece na doença avançada, geralmente com CD4 menor que 100/mm3. Os agentes da criptosporidíase são o Enterocytozoon bieneusi e a Septata intestnalis. Trata-se de infecção proveniente de água ou comida. O quadro clínico é de diarreia crônica não inflamatória, e o diagnóstco é obtdo por microscopia eletrônica e coloração tricrômica. Teste defluorescência é um bom método de rastreamento. O tratamento é feito com albendazol (400 a 800mg/dia), durante 3 ou mais semanas, em especial nas infecções por Septata intestnalis que corresponde à minoria dos casos. Podem ser utlizados adjuvantes antdiarreicos, como loperamida e difenoxilato. A isosporíase corresponde a 10 a 12% dos agentes que causam diarreia crônica no paciente com AIDS nos países subdesenvolvidos, não sendo tão comum nos EUA (1,5%). Em geral, o CD4 é menor que 100/mm 3. O diagnóstco é feito pela pesquisa do germe (oocistos) nas fezes, e o tratamento é realizado com cotrimoxazol (800/1.600mg/dose, de 12/12h), durante 2 a 4 semanas. Alguns preconizam tratar indefinidamente até haver reconsttuição imunológica. A enterite por CMV tem uma prevalência de 15 a 40%. Pode manifestar-se como enterite, colite, megacólon tóxico, abdome agudo ou úlcera retal solitária, sendo a colite a manifestação mais frequente. O quadro clínico caracteriza-se por diarreia aquosa ou sanguinolenta, perda de peso com febre. Dor abdominal é possível, assim como náuseas e vômitos. O diagnóstco é feito com retossigmoidoscopia com biópsia retal. Múltplas biópsias são recomendadas. O tratamento é feito com ganciclovir (10mg/dia, dividido em 2 doses), durante 14 a 21 dias. A enterite por complexoM. avium causa 10% das enterites crônicas nos EUA, principalmente em pacientes com CD4 menor que 50/mm3. No Brasil, a frequência desse tpo de micobacteriose é menor, sendo o Mycobacterium tuberculosis mais comum como causa de diarreia crônica que MAC, porém a frequência não é estmada. Além da diarreia, os pacientes podem manifestar doença sistêmica, como hepatomegalia, esplenomegalia e pancitopenia. O diagnóstco é difcil e deve-se solicitar hemocultura e biópsia,
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já que a cultura de micobactérias nas fezes pode representar infecção ou colonização. A TC de abdome pode mostrar hepatoesplenomegalia, adenomegalias e espessamento do intestno delgado. O tratamento é feito com claritromicina (500mg/dose de, 12/12h) e etambutol (15mg/kg/dia, ao máximo de 1.000mg/dia) por, no mínimo, 1 ano. Pode-se associar uma 3ª droga, a rifabutna (300mg/dia) ou usar azitromicina (500mg/dia) no lugar da claritromicina. A diarreia relacionada ao uso de medicamentos deve sempre entrar no diagnóstco diferencial. E a diarreia leve a moderada pode ocorrer em 14 a 52% dos pacientes em uso do nelfinavir, ritonavir (em 13% dos pacientes), amprenavir, saquinavir.
D - Complicações pancreátcas A incidência anual de pancreatte aguda nos EUA é estmada em 170 casos por milhão de pessoas. Nos pacientes HIV positvo, a pancreatte é 35 a 800 vezes mais comum e pode ocorrer por vários motvos: medicamentos lesivos ao pâncreas, infecções oportunistas, abuso de álcool elico ou por toxicidade direta sobre as células acinares do pâncreas pelo HIV. O risco aumenta conforme aprogressão da doença. As principais causas de pancreatte relacionadas aos medicamentos estão descritas na Tabela 15. Deve-se lembrar que as causas de pancreatte em pacientes imunocompetentes também são importantes entre pacientes com HIV/ AIDS, como uso de etanol, cálculos biliares, hipertrigliceridemia, hipercalcemia, trauma e pós-operatório. tte Tabela 15 - Causas medicamentosas de pancrea
Causas bem definidas - Didanosina (ddI); - Pentamidina; - Antmoniais pentavalentes; - Sulfonamidas; - Cortcosteroides; - Cotrimoxazol. Causa provável - Zalcitabina (ddC). Causas possíveis - Isoniazida; - Rifampicina; - Eritromicina; - Lamivudina em crianças; - Paramicina.
O quadro clínico de pancreatte é semelhante ao visto no imunocompetente. Os principais achados são dor abdominal, náusea, vômitos e febre. Diarreia, anemia, leucopenia e hipoalbuminemia também podem ocorrer. A mortalidade parece ser maior entre os imunocomprometdos. O diagnóstco diferencial deve ser feito com colangite, úlcera péptca e obstrução intestnal, principalmente. Aumen-
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA to de amilase e lipase sugerem o diagnóstco e devem ser complementados com ultrassonografia e TC de abdome. O tratamento é de suporte, e devem-se suspender quaisquer medicações suspeitas. Qualquer infecção associada deve ser prontamente tratada.
E - Hepátca e biliar Ao avaliar o paciente HIV com insu ficiência hepátca, hepatte ou evidências de hepatopata crônica, deve-se sempre avaliar também a possibilidade de coinfecção entre o vírus HIV e os vírus da hepa tte B (HVB) e hepatte C (HVC). Sabe-se que a prevalência dessas hepattes nesses indivíduos é muito maior do que na população geral. Outro fato bem estabelecido é que o paciente coinfectado por HVC e HIV tem progressão mais rápida da doença hepátca, com evolução mais acelerada para cirrose. O risco, por sua vez, de a infecção pelo HVB se tornar crônica é de 23%, contra cerca de <5% na população geral. Outras causas possíveis de lesão hepátca são álcool elico, medicações hepatotóxicas e doenças oportunistas. Assim, doenças sistêmicas como histoplasmose, tuberculose, micobacterioses sistêmicas, CMV e linfoma não Hodgkin podem causar aumento de enzimas hepátcas, mas raramente cursam com insuficiência hepátca. Estenose de papila, colestase e colangite esclerosante podem ser complicações em pacientes com AIDS, causando febre, icterícia, aumento de enzimas canaliculares e dor no hipocôndrio direito. Os germes mais frequentes são criptosporídio, microsporídio e CMV.
13. Complicações hematológicas As complicações hematológicas nos pacientes infectados com o HIV podem apresentar-se em qualquer estágio da doença, entretanto são mais frequentes nas fases avançadas. Múltplos fatores estão envolvidos na causa das citopenias entre essas pessoas. Estudos têm mostrado que o próprio vírus interage com as linhas celulares hematopoétcas, resultando em anemia, trombocitopenia e leucopenia comuns na primoinfecção e na fase tardia. Infecções oportunistas, neoplasias e medicamentos são outras causas de complicações hematológicas.
A - Anemia A anemia é um achado comum na infecção pelo HIV, principalmente nos pacientes com AIDS já estabelecida, mas também pode acontecer durante a primoinfecção. Pode associar-se à neutropenia, trombocitopenia e linfocitose ou linfopenia. Os valores da hemoglobina após a infecção aguda tendem a retornar ao normal, permanecendo estáveis dessa maneira durante o período de latência. No momento do diagnóstco que define AIDS, a anemia está presente na maioria dos casos. Um estudo com mais de 30.000 pacientes mostrou que, em infectados com o vírus HIV, 3,2% apresentavam hemo-
globina <10g/dL, e, entre aqueles com diagnóstco clínico de AIDS (doença definidora), a anemia estava presente em 36,9% dos casos. Em outros estudos, relata-se anemia em até 85% dos pacientes com AIDS. Outros trabalhos demonstraram que ela compreende um marcador prognóstco de progressão da doença e de mortalidade, independente do CD4 e da carga viral. As causas de anemia são muitas. A anemia de doença crônica é o tpo mais comum no paciente HIV e está relacionada a uma queda da resposta fisiológica à eritropoetna. É uma anemia de evolução crônica e, nos exames laboratoriais, veem-se células vermelhas normocrômicas, normocítcas, retculócitos para o nível de anemia, diminuição do ferro sérico ebaixos da capacidade de ligação do ferro e um aumento da ferritna e dos depósitos de ferro na medula óssea. Outras causas de anemia são a ferropriva, secundária a sangramento intestnal causado por quadros relacionados a doenças oportunistas, ou neoplasias, como linfoma e sarcoma de Kaposi. Essas doenças apresentam-se como um quadro de hemorragia digestva alta ou baixa, dependendo da localização da lesão e da intensidade do sangramento. Raramente, aparecem sangramentos intensos por esses tpos de lesões. Nos exames laboratoriais, encontram-se células vermelhas microcítcas, normocrômicas, com baixos níveis de ferro sérico, aumento na capacidade de ligação do ferro, diminuição da ferritna e dos depósitos de ferro na medula óssea. A anemia grave pode ser um indicador da coexistência de de doença oportunista. várias séries deà casos, a presença hematócrito <26%Em está relacionada coexistência de infecção oportunista, geralmente, infecções pelo complexo M. avium. Tabela 16 - Causas de anemia no paciente com AIDS - Anemia de doença crônica: infecção pelo HIV, infecções oportunistas, neoplasias; - Anemia ferropriva: sangramento TGI (linfoma, carcinoma, sarcoma de Kaposi, enterite por CMV, lesões esofágicas, outras); - Anemia por infiltração de medula óssea: micobactérias não tuberculosas, tuberculose, CMV, histoplasmose, criptococose, linfoma; - Anemia medicamentosa: hemólise (dapsona, primaquina), megaloblástca (AZT), mielossupressão (ganciclovir, foscarnete, sulfonamidas, trimetoprim, aciclovir, pirimetamina, pentamidina, interferon); - Anemia por deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico; - Aplasia pura de células vermelhas: parvovírus B19; - Anemia por hemólise mediada por an tcorpos.
Em necrópsias realizadas nos pacientes com anemia grave demonstrou-se, por meio de um estudo, que 16% deles apresentavam infecção por parvovírus B19. Tal infecção caracteriza-se por anemia crônica, retculopenia, presença de pronormoblastos gigantes na medula óssea, baixos níveis ou ausência de antcorpos IgG e IgM contra parvovírus
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INFECTOLOGIA B19 e presença de altos níveis de DNA do parvovírus B19 no sangue. A anemia induzida por drogas é uma complicação frequente nos pacientes em uso de an trretrovirais e de outras medicações. A zidovudina (AZT) tem mostrado, in vitro, que suprime diretamente a formação de colônias eritroides, de uma maneira dose-dependente, evoluindo com uma macrocitose semanas após o início da terapia. Anemia por hemólise induzida por deficiência da G6PD é comum com medicamentos oxidantes, como dapsona e primaquina, e menos frequente com medicamentos como isoniazida, sul-
plaquetas em 38.000 células/mm3. Estudos têm mostrado que a contagem de plaquetas aumenta em cerca de 3 vezes, em 2/3 dos pacientes, em 12 semanas após a implementação da terapia HAART. O tratamento com imunoglobulina tem um custo muito alto, e a resposta é transitória, devendo ser reservada a casos de sangramento grave (associado à transfusão de plaquetas e cortcosteroides). A prednisona pode ser u tlizada em dose de 1 a 2mg/kg/dia, diminuindo progressivamente após a normalização da contagem de plaquetas, sendo o principal problema a ausência de resposta duradoura. Rara-
fonamidas trimetoprim. Anemia por mielossupressão causada pore ganciclovir, foscarnete, flucitosina, sulfonami-é das, trimetoprim, pirimetamina, pentamidina, interferon-alfa e medicamentos antneoplásicos. Anemia hemolítca autoimune e aplasia de células vermelhas autoimune são raras e, geralmente, cursam com teste de Coombs positvo e sinais de hemólise. Podem ocorrer em pacientes que receberam múltplas transfusões sanguíneas. O tratamento depende da causa. Assim, anemia pelo próprio vírus pode ser revertda com o início do esquema HAART, o qual pode incluir AZT em doses menores. Anemia por zidovudina pode melhorar com a diminuição da dose ou a interrupção do seu uso, além de eritropoe tna (especialmente se a dosagem sérica é menor que 500mU/mL). No tratamento de anemia secundária, infecção por parvovírus B19, o uso de imunoglobulina tem mostrado uma boa resposta. As indicações de hemotransfusão na emergência con tnuam as mesmas do paciente soronegatvo para o vírus.
mente é indicada esplenectomia. Trombó tca (PTT) tem sido A Púrpura Trombocitopênica mais frequentemente diagnos tcada e apresenta-se com febre, alterações neurológicas, insu ficiência renal, anemia hemolí tca tco é sugerido microangiopátca e trombocitopenia. O diagnós pelos achados anteriores (sobretudo com tre culocitose, queda da haptoglobina e esquizócitos), e o diagnós tco diferencial tco-urêmica, coagulação intraé obtdo com síndrome hemolí vascular disseminada, sepse, hiperesplenismo e síndrome de Evans. O tratamento deve ser indicado imediatamente e deve tcoides. ser feito com plasmaférese e cor
B - Trombocitopenias As trombocitopenias ocorrem em aproximadamente 11% dos pacientes infectados, tanto em fases precoces da doença quanto nas mais tardias (contagem de CD4 baixa). As principais causas de plaquetopenia são destruição imunomediada e defeito na produção das plaquetas relacionado ao HIV. Outros mecanismos, como hiperesplenismo por doença hepátca, ou infiltração da medula óssea por infecções oportunistas, neoplasias, ou medicamentos mielotóxicos, também estão envolvidos. Coinfecção com o vírus da hepatte C deve ser investgada. A Púrpura Trombocitopênica Idiopátca (PTI) ocorre na fase inicial da doença e pode ter uma remissão espontânea em até 20% em seu transcurso. Em até 10% dos pacientes com trombocitopenia, pode ter havido associação à anemia hemolítca autoimune (síndrome de Evans). Na PTI, pode não ser necessário início de tratamento, exceto em caso de sangramento atvo ou contagem muito baixa de plaquetas. Se for possível, recomenda-se suspender medicações potencialmente causadoras de plaquetopenia (antneoplásicos, interferon-alfa, antbiótcos beta-lactâmicos, heparina, entre outros). O início de terapia HAART tem mostrado sucesso, principalmente com esquemas contendo zidovudina, a qual está relacionada ao aumento médio da contagem de
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C - Neutropenia A neutropenia acontece em até 50% dos pacientes, principalmente na fase avançada da doença. Está relacionada à ação direta do próprio vírus na granulopoese, por an tcorpos antneutrófilo, ou por medicamentos como zidovudina, ganciclovir ou aciclovir. menos frequente por medicamentos como 3TC, ddI, d4T,Éfoscarnete, ribavirina, fluorocitosina, anfotericina, sulfonamidas, pirimetamina, pentamidina, antneoplásicos ou interferon-alfa. O risco relatado de infecções é variável, aumentado em pacientes com menos de 500 neutró filos/mm3, e principalmente quando os neutró filos são menores que 100/mm3 ocorrendo, sobretudo, durante a quimioterapia (linfoma, Kaposi ou outros). O tratamento, frequentemente, é de suporte, com suspensão de medicações potencialmente envolvidas. Em alguns pacientes, sobretudo em quimioterapia, pode ser necessário o uso de fatores estmuladores hematopoétcos. O principal temor é o potencial aumento de replicação do vírus HIV.
14. Manifestações renais e eletrolítcas Pode ocorrer Insuficiência Renal Aguda (IRA), e as causas mais frequentes são perdas de fluidos (vômitos, desidratação, diarreia, sangramentos) e uso de drogas nefrotóxicas (dezenas de medicações, semelhantes nos pacientes imunocompetentes). Outras condições, como infecções oportunistas do parênquima renal (CMV, fungos, micobactérias), invasão por linfoma, amiloidose, glomerulonefrite associada à hepatte B ou C, síndrome hemolítco-urêmica e nefropata por Ig-A são diagnóstcos diferenciais de nefrite interstcial ou IRA no paciente com HIV/AIDS.
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA A hiponatremia acontece em 40% dos hospitalizados, habitualmente com euvolemia ou hipovolemia. Na grande maioria dos casos, a hiponatremia apenas re flete doença avançada e associa-se a maior morbimortalidade. Doenças pulmonares (tuberculose, pneumocistose etc.), do sistema nervoso central (criptococo, tuberculose, toxoplasmose etc.) e linfoma podem cursar com secreção inapropriada de ADH. Um diagnóstco que sempre se deve suspeitar em relação a pacientes HIV/AIDS com hiponatremia (sobretudo se associada à hipotensão, dor abdominal, hipercalemia, hipoglicemia) é a insuficiência adrenal (ocorre em menos de
pacientes com insuficiência renal avançada ou sinais/sintomas urêmicos. Regimes imunossupressores não foram adequadamente estudados e têm o risco óbvio de piorar o sistema imune.
8% dos pacientes). A adrenal é a glândula endócrina mais frequentemente acometda. Cerca de 50% dos casos devem-se ao CMV. Outras causas são micobactérias, fungos, sarcoma de Kaposi ou uso de medicamentos (cetoconazol). Muitos casos de infecção adrenal não causam deficiência hormonal (precisa haver destruição de mais de 90% das glândulas) e são achados de necrópsia. O diagnóstco pode ser confirmado com o teste da cortrosina (250mcg IV), indicando a inabilidade do cortsol em aumentar acima de 20mcg/dL após 60 minutos. O tratamento é semelhante a outras condições. Alterações eletrolítcas variadas podem ser causadas por medicamentos, que sempre devem ser pesquisados. Exemplos incluem: - Anfotericina B: insuficiência renal, hipocalemia, hipomagnesemia e acidose tubular renal; - Foscarnete: redução do cálcio iônico e insuficiência
de pericárdio (20%), apesar de este últmo quase sempre ocorrer juntamente com lesão de miocárdio. O endocárdio é raramente acometdo. Com a disseminação do uso do esquema HAART, maior longevidade dos pacientes com AIDS e os potenciais efeitos colaterais dos coquetéis, sobretudo dislipidemia, obesidade, entre outros, espera-se um aumento de doenças aterosclerótcas na próxima década. Miocardite e pericardite em pacientes com HIV/AIDS são, mais comumente, causados por: - Vírus HIV: controverso; mais frequentemente parece causar uma destruição imunomediada das fibras do miocárdio, podendo levar à insuficiência cardíaca; - Infecções oportunistas: os agentes mais frequentes são fungos e vírus; outros germes são o toxoplasma e bactérias. Em nosso meio, a tuberculose sempre faz parte do diagnóstco diferencial; - Neoplasias: linfoma e sarcoma de Kaposi;
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renal; Aciclovir, cotrimoxazol, indinavir: obstrução tubular com insuficiência renal. Os pacientes devem estar sempre bem hidratados antes de utlizarem tais medicamentos.
15. Manifestações cardíacas Clinicamente, são ocorrências raras (<5% dos pacientes), embora, em achados de necrópsia, haja acometmento cardíaco em até 25 a 75% dos pacientes. O acometmento mais frequente é o do miocárdio (90% das vezes), seguido
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Causas semelhantes ao imunocompetente: enterovírus, protozoários (Chagas), álcool, nutricional, doenças infiltratvas etc.
Os pacientes podem manifestar dispneia, dor torácica, febre, tosse, ortopneia, edema de membros inferiores, se- Nefropata associada ao HIV melhante ao paciente imunocompetente com ICC. O diagnóstco é sugerido por eletrocardiograma e radioA prevalência da doença é maior entre usuários de drografia de tórax (cardiomegalia, congestão). O ecocardiogragas, homossexuais, bissexuais e negros. O quadro patolóma confirma alterações em pericárdio (derrame) e miocárgico característco é uma glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF). O achado inicial é de proteinúria. Os pacientes dio (fração de ejeção, acinesia/hipocinesia). O aumento de com HIV têm algumas par tcularidades que os diferenciam troponinas pode indicar infarto ou apenas miocardite, e o de outros pacientes com GESF sem o HIV: do BNP (Brain Natriuretc Peptdes) indica disfunção ventriAusência de significatva hipertensão; cular esquerda. Frequência bem menor de edema periférico e anasarca; Não se sabe o valor da biópsia endomiocárdica, mas, em casos selecionados, pode-se indicá-la. O tratamento é de Desenvolvimento de insuficiência renal dialítca suporte, e, quando possível, deve-se tratar a causa de base. bem mais precoce (tanto quanto 4 a 16 semanas). • • •
O diagnóstco é sugerido por uma dosagem de proteinúria de 24 horas, ultrassonografia mostrando rins de tamanhos normais ou aumentados (mesmo em fase avançada) e exclusão de outras causas (pielonefrite, uropata obstrutva), e é confirmado por biópsia renal. O tratamento é feito com a recons ttuição imune (HAART), Inibidores da Enzima Conversora da Angiotensina (IECA) e cortcosteroides. Hemodiálise deve ser indicada a
16. Manifestações oalmológicas Manifestações oalmológicas acometem 40 a 90% dos pacientes com HIV/AIDS; entretanto, com o tratamento antrretroviral, a incidência tem diminuído. A manifestação oalmológica mais frequente é a doença de retna microvascular, que acomete até 50% dos pacientes e acontece com pequenas hemorragias retnianas e
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INFECTOLOGIA infiltrados algodonosos, na maioria assintomá tcos, exceto quando envolvem a fóvea (causando borramento visual). O fundo de olho mostra pontos brancos, especialmente nos vasos posteriores da retna (vasos grandes). As lesões representam áreas de isquemia, complexos imunes e, algumas vezes, infecção da retna pelo HIV. O diagnóstco diferencial é obtdo com fases iniciais da re tnite por CMV, e não é necessário tratamento específico. A retnite por CMV, a mais comum infecção oportunista que ameaça a visão, ocorre em indivíduos com contagem de CD4 <50mm3 e inicia-se com borramento ou diminuição da acuidade visual ou defeitos em campos visuais. As manifestações são bilaterais, mas assimétricas (afetam mais um olho que o outro). O fundo de olho pode mostrar exsudatos retnianos, branco-amarelados, comumente associados a hemorragias, em áreas adjacentes a grandes vasos. O fenômeno ocorre devido à infecção das células da re tna pelo vírus, causando necrose, edema e corpúsculos de inclusão intracitoplasmátcos. O diagnóstco diferencial inclui doença da retna microvascular, hemorragia retniana, granulomas coroidais, síndrome da necrose re tniana aguda, retnite por Toxoplasma gondii ou por sífilis. A hipótese diagnóstca é feita pelo fundo de olho e deve ser con firmada por um oalmologista experiente e PCR para o vírus no sangue (DNA-CMV). Durante o tratamento, talvez por cicatrização das lesões oculares, pode haver descolamento de retna, da mesma forma que a reconsttuição imune com o esquema HAART (quando este consegue um aumento da contagem de CD4 >100 células/mm3, a manutenção da terapia para CMV pode ser suspensa). Retnite por Toxoplasma gondii é rara, em comparação com CMV, mas pode complicar-se em até 20% dos pacientes com toxoplasmose do SNC. Diferentemente do imunocompetente (em que a toxoplasmose do SNC é uma rea tvação de infecção latente), no paciente com AIDS, ela se deve à disseminação de uma toxoplasmose sistêmica. O fundo de olho pode mostrar lesões re tnianas, necrotzantes, multfocais e bilaterais. Em relação ao CMV, a toxoplasmose ocular costuma causar mais lesão vítrea e uveíte anterior e menor incidência de hemorragia. O tratamento é o mesmo para a toxoplasmose do SNC (quase todos os casos ocorrem juntamente com o acometmento do SNC). A síndrome de necrose retniana aguda é rara, bilateral e caracteristcamente associada à infecção no paciente portador de AIDS. Causada pelos vírus varicela-zóster ou herpes-simples, caracteriza-se por lesão re tniana periférica, disseminada, pálida ou acinzentada. Duas partcularidades apontam para essa e tologia: costuma causar dor ocular, ceratte ou irite; os pacientes podem ter apresentado recentemente zóster trigeminal ou herpes labial, ou pode haver evidência de atual meningoencefalite viral. O tratamento é feito com aciclovir IV (10mg/kg, dose de 8/8h), mas o prognóstco ocular é ruim, podendo evoluir com descolamento de retna e cegueira.
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Tabela 17 - Tratamento da retnite por CMV Medicamentos
Doses e observações - Indução com 5mg/kg/dose IV, de 12/12 horas, por 14 dias; a manutenção é feita com 5 a 6mg/ kg/dose, 1x/dia, 5x/semana; - Mais tradicional tratamento para o CMV;
Ganciclovir
- Pode causar citopenias, febre (48%), intolerância do TGI (náusea, vômitos, dor abdominal: 19 a 48%), rash (10%), outros mais raros (confusão, convulsões, transtornos psiquiátricos); - Até 30% dos pacientes não toleram a medicação, sobretudo por causa de neutropenia grave (piorada pelo uso de AZT). - Indução com 900mg/dose, VO, de 12/12 horas, por 14 a 21 dias; manutenção de 900mg, 1x/dia;
Valganciclovir
- Efeitos colaterais semelhantes ao ganciclovir IV; - Estudos recentes mostraram a segurança e a eficácia do valganciclovir no tratamento da re tnite por CMV. - Necessita de implante cirúrgico que libera contnuamente a droga no globo ocular; deve ser trocado a cada 6 a 8 meses; - Normalmente, necessita do valganciclovir concomitante, para prevenir infecção no olho contralateral e sistêmica pelo CMV;
Ganciclovir - Pode complicar com endoalmite e sangramento intraocular vítreo; fi
- Um estudomostrou a segurança a eprogressão cácia do valganciclovir com menor chancee de da retnite; - Outro estudo mostrou a fiecácia da associação do valganciclovir com o dispositvo intraocular. - Indução de 90mg/kg/dose IV de 12/12 horas, durante 14 dias; manutenção de 90 a 120mg/kg IV, 1x/dia. Como alternatva, a indução pode ser feita com 60mg/kg/dose de 8/8 horas); - Estudos mostram eficácia semelhante ao ganciclovir; Foscarnete - Pode causar: nefrotoxicidade (30%), cefaleia e fadiga (100%), náusea (80%), febre (25%), distúrbios eletrolítcos (cálcio, magnésio, fósforo, potássio), arritmias, convulsão; - Efeitos colaterais são diminuídos com hidratação vigorosa antes da administração da droga e evitando concomitantes drogas nefrotóxicas. Cidofovir
- Não foi comparado com ganciclovir em estudos randomizados; - Indução de 5mg/kg IV, 2x/semana; manutenção de 5mg/kg, de 2/2 semanas.
Outras possíveis alterações oculares encontradas no paciente com HIV/AIDS são: - Retnite sifilítca: apesar da ausência de achados oculares característcos, a maioria dos pacientes manifesta
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA lesões cutâneas ou do sistema nervoso central concomitante. Além disso, os marcadores séricos de sí filis são fortemente positvos. Responde bem à penicilina IV; - Micobactérias não tuberculosas e M. tuberculosis: podem acometer o olho, causando infiltrados em coroide. Raramente, causam perda ocular, e o tratamento é o mesmo para a infecção em outros sítos; - Neuropata óptca (com papilite): pode ser causada pelo CMV e levar à cegueira. Outras causas são vírus herpes, herpes-zóster e sífilis. O prognóstco é ruim, mesmo com o tratamento da infecção de base; -
Meningite criptocócica: pode complicar-se aracnoidite, causando compressão retrobulbar com do nervo óptco, podendo levar à cegueira; - Uveíte anterior: deve-se à sí filis ou vírus varicela-zóster e, raramente, toxoplasmose; - Ceratte: causada por vírus herpes-simples e varicela-zóster, raramente, porMicrosporidium.
17. Manifestações cutâneas e reu matológicas O herpes-zóster tem uma frequência 25 vezes maior entre pacientes com HIV/AIDS que entre a população-controle, e tem boa resposta terapêutca. Entretanto, ele pode ser disseminado, acometer múltplos dermátomos e envolver os olhos, necessitando de terapia intravenosa (Figura 16). Pode acometer a região anorretal, sendo a principal suspeita nessa situação. O tratamento clássico é feito com aciclovir (800mg/ dose VO, 5x/dia, durante 7 dias em casos limitados a um dermátomo). Medicações também eficazes são valaciclovir (500mg/dose, VO, de 8/8h) ou fanciclovir (500mg/dose, VO, de 8/8h). Deve-se lembrar que, em casos graves, disseminados ou com acometmento ocular e/ou visceral, a preferência é pelo aciclovir IV (10mg/kg/dose, de 8/8h) ou foscarnete IV (40mg/kg/dose, de 8/8h), durante 7 a 10 dias.
Da mesma forma que o zóster, a infecção pelo vírus herpes-simples pode manifestar-se de forma mais grave; inicia-se com vesículas dolorosas que podem disseminar-se local ou sistemicamente. Apesar da ausência de evidências em pacientes com AIDS, recomenda-se o tratamento. As medicações são as mesmas para o herpes-zóster, porém em menor dosagem (aciclovir: 400mg/dose, 5x/dia; valaciclovir: 500mg/dose, de 12/12h, ou fanciclovir: 500mg/dose, de 12/12h). A escabiose pode ser mais contagiosa, com lesões hiperceratótcas, crostosas e, muitas vezes, de di fcil tratamento. Recomenda-se tratamento tópico associado a ivermectna (200mcg/kg, VO) em 2 doses, com intervalo de 2 semanas. Tabela 18 - Manifestações reumatológicas em pacientes HIV/AIDS Etologias
Característcas - São comuns na soroconversão e resolvem-se espontaneamente;
Artralgias
- A síndrome artcular dolorosa caracteriza-se por episódios de fortes dores artculares, pouco responsivas a ant-inflamatórios e opioides. Não se sabe a causa e pode ser muito incapacitante; - A maioria é tratada com ant-inflamatórios.
Miopatas
- Quadro indistnguível de polimiosite com aumento de CPK, eletromioneurografia sugestva e biópsia muscular com necrose, provavelmente por uma reação autoimune à infecção do vírus em células musculares. O tratamento é controverso, mas deve-se indicar o esquema HAART com ou sem cortcosteroides (pesar risco-benefcio); - Miopata induzida pelo AZT: pode causar mialgia, fraqueza, aumento de CPK. Responde bem à suspensão do medicamento.
Síndrome de Reiter
- Acomete 10% dos pacientes HIV. É semelhante ao imunocompetente, entretanto o tratamento com metotrexato ou azatoprina pode levar a graves infecções oportunistas. O tratamento com ant-inflamatórios tem pouca resposta. - Xeroalmia, xerostomia, teste de Schirmer positvo e biópsia que mostra glândulas salivares destruídas por linfócitos são caracterís tcos;
Síndrome de - Diferente da síndrome clássica autoimune, quando associada ao HIV, costuma acometer Sjögren mais homens, não ocorre com outras doenças autoimunes, e os marcadores sorológicos são negatvos (ant-SS-A/RO e ant-SS-B/La). O tratamento é sintomátco. - Acomete fases tardias da infecção pelo HIV e não há nenhum outro de doença reumatológica associada (por isso,sinal chamada de associada ao HIV); tcular, es- Causa artrite grave, mono ou pauciar pecialmente joelhos e tornozelos, e dura de 1 a Artropata associada ao 6 meses. Todos os marcadores sorológicos são HIV negatvos (FAN, FR, SM, RNP, outros);
Figura 16 - Herpes-zóster
- O líquido artcular é não inflamatório (eventualmente, leve sinovite), e o tratamento, com ant-inflamatórios e injeções intra-artculares de cortcoides.
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INFECTOLOGIA A angiomatose bacilar (Bartonella quintana e B. henselae) pode cursar com pápulas vermelhas, vasculares e friáveis, muitas vezes dolorosas, associadas à bacteremia e envolvimento visceral. Pode haver lesão única ou lesões múltplas; podem ser papulares, nodulares, formar placas ou mesmo pólipos. O quadro sistêmico pode ser oligossintomátco ou cursar com febre, calafrios, hepatoesplenomegalia e linfadenopata. Raramente, pode causar endocardite, infiltrar a medula óssea ou o sistema nervoso central. Pode haver confusão com sarcoma de Kaposi. O diagnóstco diferencial, em casos duvidosos, pode ser obtdo com biópsia das lesões, coloração com HE, ou com coloração específica (Warthin-Starry). A angiomatose é tratada com eritromicina (250 a 500mg/dose VO, de 6/6h) ou doxiciclina (100mg/dose VO, de 12/12h), por um mínimo de 4 a 6 semanas (eventualmente, 3 a 4 meses). Em casos graves, pode-se associar rifampicina. O sarcoma de Kaposi é causado pelo herpes-vírus tpo 8 (HHV8) e sua incidência teve grande redução com o uso da terapia antrretroviral (HAART). As lesões cutâneas podem surgir em qualquer localização e acometer mucosas e, caracteristcamente, são vermelho-violáceas com halo equimótco. Em doença avançada, as lesões podem tornar-se nodulares, confluentes, formando placas, especialmente nas pernas. Pode acometer vísceras, especialmente nos tratos respiratório (traqueia e pulmões) e gastrintes tnal, podendo levar a sangramentos. Doenças sistêmicas podem cursar com lesões cutâneas: criptococose, histoplasmose e tuberculose. A foliculite eosinoflica apresenta-se com múltplas lesões papulares, eritematosas, urtcariformes e são, caracteristcamente, muito pruriginosas. Envolvem cabeça, pescoço, parte superior dos braços, tórax e dorso (a maioria das lesões ocorre nas regiões acima dos mamilos). O tratamento é feito com an t-histamínicos, e há boa resposta com fototerapia ultravioleta. Outras lesões cutâneas são causadas por dermatte seborreica, psoríase, síndrome de Reiter, dermatte atópica e vasculites. Reações medicamentosas são especialmente comuns entre pacientes com HIV/AIDS e serão descritas a seguir. Manifestações reumatológicas são frequentes, e queixas musculoesquelétcas podem ocorrer em 33 a 75% dos pacientes.
18. Tratamento específico do HIV A abordagem clínica da infecção pelo HIV e de suas complicações é bastante complexa. Com o advento da terapia antrretroviral de alta potência, as manifestações clínicas decorrentes da imunodepressão tornaram-se menos frequentes, e houve melhora substancial do prognóstco e da qualidade de vida dos indivíduos que vivem com esse vírus. Todavia, a resistência viral, a toxicidade das drogas e a necessidade de elevada adesão ao tratamento con tnuam a ser importantes barreiras ao sucesso prolongado da terapia. Por conseguinte, é fundamental a avaliação cuidadosa
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dos riscos e benefcios da terapia antrretroviral no momento de sua indicação. Evidências recentes demonstram que pessoas com menor nível de instrução formal e Usuários de Drogas Injetáveis (UDI) têm tendência a menor sobrevida, uma vez iniciada a terapia. Uma assistência de ótma qualidade ao paciente com HIV/AIDS requer aplicação cotdiana de princípios de cuidado primário, medicina de família e abordagem de doenças crônicas. O conhecimento básico sobre múltplas especialidades para o manejo adequado das complicações frequentemente associadas à infecção pelo HIV é fundamental, além da atualização connua sobre a terapia antorretroviral. Recomenda-se, portanto, que tratamento seja, sempre que possível, conduzido por um médico experiente no manejo de pacientes infectados pelo HIV, de preferência integrado em equipe multdisciplinar. O principal objetvo da terapia antrretroviral é, por meio da inibição da replicação viral, retardar a progressão da imunodeficiência e restaurar, tanto quanto possível, a imunidade, aumentando o tempo e a qualidade de vida da pessoa que vive com HIV ou AIDS. A evolução natural da doença caracteriza-se por intensa e connua replicação viral em diversos compartmentos celulares e anatômicos, que resulta, principalmente, na destruição e disfunção de linfócitos T que expressam o an geno de membrana CD4 (linfócitos T-CD4+) e de outras células do sistema imune. A depleção progressiva dos linfócitos T-CD4+ leva à imunodeficiência, que, em sua forma mais grave, manifesta-se pelo surgimento de infecções oportunistas e neoplasias que caracterizam a AIDS. Assim, a supressão máxima e connua da replicação viral é desejável para reduzir ou reverter o dano imunológico.
A - Quando iniciar o tratamento antrretroviral Definir o melhor momento para iniciar o tratamento antrretroviral é uma das mais importantes decisões no acompanhamento do indivíduo que vive com HIV. Os conhecimentos atuais sobre a imunopatogênese da infecção e a existência de reservatórios virais anatômicos e celulares indicam que a erradicação do HIV ainda não é possível. Por outro lado, estma-se que 10 a 20% dos pacientes que iniciam o tratamento não conseguem suprimir a viremia de forma satsfatória após alguns meses de terapia (falha virológica primária), e cerca de 20 a 50% dos que apresentam boa resposta inicial manifestam falha virológica após 1 ano de tratamento (falha virológica secundária), sendo a taxa de resposta virológica a tratamentos subsequentes progressivamente menor. A terapia antrretroviral não é uma emergência e não deve ser iniciada antes que as devidas avaliações clínicas e laboratoriais sejam realizadas para determinar o grau de imunodeficiência existente e o risco de progressão. O benefcio da terapia antrretroviral de alta potência já foi claramente demonstrado em pacientes com doença sintomátca avançada e naqueles que, apesar de assintomátcos, apresentam imunodeficiência acentuada (conta-
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA gem de linfócitos T-CD4+ abaixo de 350 células/mm 3). Para os assintomátcos e com contagem de linfócitos T-CD4+ acima de 500 células/mm3, os benefcios parecem insuficientes para contrabalançar os potenciais efeitos adversos e o risco de falha terapêutca, que levam à piora na qualidade de vida, entretanto, a indicação deve ser individualizada em algumas situações. A últma revisão do Ministério da Saúde brasileiro, publicada em 2010, levou em consideração a recomendação da OMS de dezembro de 2009, com aumento no valor mínimo de CD4+ para início de terapia an trretroviral em algumas situações. Esta tendência está relacionada com a conclusão de grandes trabalhos observacionais recentes (NA-ACCORD, SMART e CIPRAHT001) que evidenciam maior morbimortalidade em pacientes que demoram mais para começar esta terapia. Em síntese, o início da terapia é recomendado para: - Pacientes com manifestações clínicas associadas ao HIV, independente da contagem de linfócitos T-CD4+ e da carga viral plasmátca, sejam as doenças oportunistas clássicas, sejam os sintomas potencialmente relacionados à infecção pelo HIV: candidíase oral, púrpura trombocitopênica idiopátca, alterações cognitvas (mesmo menores) e tuberculose atva; - Para aqueles com contagem de linfócitos T-CD4+ abaixo de 350 células/mm 3, independente da presença de sintomas ou da magnitude da carga viral; - Gestantes, independente do valor da contagem de linfócitos T-CD4+; -
Pacientes com CD4 entre 350 e 500 células/mm 3, quando em conjunto com as seguintes situações: coinfecção com hepatte B, quando houver indicação de tratamento da hepatte B; coinfecção com hepatte C quando houver indicação de tratamento deste tpo de hepatte; idade igual ou superior a 55 anos; nefropata pelo HIV confirmada; doença cardiovascular com risco acima de 20%, segundo o escore de Framingham; neoplasias, incluindo as não definidoras de AIDS; carga viral do HIV superior a 100.000 cópias.
É importante lembrar que, além da terapia antrretroviral, a quimioprofilaxia para infecções oportunistas, como pneumocistose e toxoplasmose, deve ser indicada sempre que a contagem de linfócitos T-CD4+ estver próxima ou inferior a 200 células/mm3 ou quando houver condição clínica sugestva de imunodeficiência associada ao HIV. Para todos os indivíduos assintomá tcos, a indicação de tratamento deve considerar a evolução dos parâmetros imunológicos (contagem de linfócitos T-CD4+) e virológicos (carga viral) e de outras caracterís tcas do paciente (mo tvação, capacidade de adesão, comorbidades). Caso não se inicie o tratamento, as avaliações devem ser realizadas em intervalos mais curtos (no mínimo, 3 vezes ao ano) para ser insttuído tratamento logo que ocorra a piora imunológica (queda significatva da contagem de linfócitos T-CD4+, isto é, maior que 25%) e, idealmente, antes que ocorram
manifestações clínicas. Quando não é possível o acompanhamento frequente da contagem de linfócitos T-CD4+, é recomendado o início do tratamento. Além disso, quanto mais próxima de 350 células/mm 3 estver a contagem de linfócitos T-CD4+, especialmente se associada à carga viral plasmátca elevada (mais de 100.000 cópias/mm 3), maior será o risco de progressão. Nesse contexto de risco, deve-se iniciar a terapia antrretroviral. Como a contagem de linfócitos T-CD4+ é o principal marcador prognóstco de evolução da infecção pelo HIV, não há necessidade de sucessivas avaliações da carga viral plasmátca para aqueles que não iniciaram o tratamento (indivíduos com contagens de TCD4+ muito elevadas). Esse exame deve ser reservado para o momento em que se considera o início da terapia, para auxiliar na decisão quando a contagem de T-CD4+ estver entre 350 e 500 células/mm3 e, caso a terapia seja iniciada, como parâmetro basal. A carga viral plasmátca não deve, em circunstância alguma, ser verificada antes de 4 semanas após a resolução de qualquer infecção intercorrente ou vacinação. A terapia não deve ser iniciada até que os obje tvos e a necessidade de adesão ao tratamento sejam entendidos e aceitos pelo paciente. Dentre os fatores que podem levar à baixa adesão estão a ocorrência de efeitos colaterais, esquemas com posologias incompaveis com as atvidades diárias do paciente, número elevado de comprimidos, necessidade de restrição alimentar, falta de compreensão da prescrição e falta de informação sobre as consequências da má adesão. Saliente-se que a existência de programas de adesão nos serviços, incluindo atvidades na própria comunidade e domicílio, é partcularmente importante para populações com menor potencial para uma boa adesão ao tratamento. A Tabela 19 define os critérios para início da terapia em pacientes infectados pelo HIV. Tabela 19 - Recomendações para início de terapia antrretroviral Recomendação Assintomátcos e CD4+ >500 células/ mm3
Comentários
Não tratar
Coinfecção com hepa tte B ou C, com necessidade de tratamento; neoplasias; Assintomátcos com Considerar trata- carga viral >100.000 cóCD4+ entre 350 e ta pelo HIV; mento pias; nefropa 500 células/mm3 doenças cardiovasculares com risco aumentado, idade >55 anos. Assintomátcos com CD4 <350 células/ Tratar mm3 e pacientes sintomátcos
filaxia Iniciar quimiopro para infecções oportunistas: pneumonia por P. jiroveci (carinii) quando 3 CD4 <200 células/mm e toxoplasmose quando 3 CD4 <100 células/mm .
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INFECTOLOGIA B - Esquemas antrretrovirais A terapia inicial sempre deve incluir 3 drogas: 2 Inibidores da Transcriptase Reversa análogos de Nucleosídeo (ITRN) associados a um Inibidor de Transcriptase Reversa Não análogo de Nucleosídeo (ITRNN) ou a um Inibidor da Protease (IP). Esquemas duplos (apenas com 2 ITRN) não são mais aceitáveis. Tabela 20 - Terapia inicial do HIV Droga(s) inicial(is)
Esquema
Dois inibidores da transcriptase reversa nucleoPreferencial (2 sídeo (ITRN) + 1 ITRN + 1 ITRinibidor da transNN) criptase reversa não nucleosídeo (ITRNN)
Alternatvo (2 ITRN + 1 IP/r)
Opção(ões)
ITRN - DidanoITRN sina (ddI - Zidovudina EC) + (AZT) + lamivudilamivudina na (3TC) (3TC) - Tenofovir + lamivudina (3TC) ITRNN - Efavirenz
ITRNN - Nevirapina
ITRN - DidanoITRN sina (ddI - Zidovudina EC) + lamivudiDois inibidores da (AZT) + lamivudina na (3TC) transcriptase re- Tenofovir versa nucleosídeo (3TC) + lamivu(ITRN) + inibidor de protease com ritonavir
dina (3TC) Inibidor de Inibidor de protease protease com ritonavir - Atazana-Lopinavir/ vir/ritonavir ritonavir
Tabela 21 - Terapia antrretroviral inicial Grupo farmacológico
1ª escolha/custo diário (em US$)
2ITRN
AZT+3TC(1,305)
ITRNN
EFZ (0,456)
IP
LPV/r(2,740)
2ª escolha/custo diário (em US$) ddl EC + 3TC (2,196) ou TDF + 3tC (4,456) NVP (0,790) ATV/r(6,102)
Quanto à opção entre esquemas triplos para indivíduos que nunca receberam tratamento, um ITRNN contnua a ser recomendado preferencialmente como a 3ª droga a ser associada a 2 ITRN, independentemente da contagem de linfócitos T-CD4+. Embora não existam dados na literatura que permitam definir a melhor estratégia em longo prazo, em vários estudos comparatvos envolvendo pacientes que nunca receberam tratamento, as taxas de sucesso virológico e imunológico nos grupos que usaram esquemas contendo ITRNN foram, na maioria, equivalentes às ob tdas nos grupos que usaram esquemas contendo IP.
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Cumpre ressaltar que esquemas contendo ITRNN são, em geral, de posologia mais simples, o que, provavelmente, facilita a adesão ao tratamento. Ademais, eventos adversos, partcularmente metabólicos, como dislipidemias e resistência à insulina, parecem menos frequentes com o uso de esquemas contendo ITRNN em relação à maioria dos IPs. Pelo exposto, o MS opta por sugerir esquemas com ITRNN como 1ª opção e esquemas com IP preferencialmente com o reforço farmacológico do ritonavir como alternatva para o início de terapia antrretroviral em pacientes que nunca receberam tratamento. A decisão do médico deve considerar o potencial de adesão, o número de comprimidos diários, a toxicidade imediata e em longo prazo; e outros fatores, como comorbidades e uso concomitante de outros medicamentos. A associação zidovudina/lamivudina (AZT/3TC) foi considerada a dupla de análogos de nucleosídeos de 1ª escolha para compor o esquema triplo inicial. O per fil favorável de toxicidade de ambos ITRN, a facilidade de adesão à combinação e a larga experiência com ela justficam tal opção. Nos casos de intolerância ao AZT, os ITRNs didanosina (ddI) ou tenofovir (TDF) passaram a ser as alternatvas para substtuição desse antrretroviral, sempre combinados com a lamivudina. A estavudina (d4T) passou a ser a últma opção para substtuir o AZT. A dupla ddI/d4T está proscrita, devido ao maior potencial de toxicidade. Quanto aos ITRNNs, o efavirenz (EFZ) contnua a ser preferencial à nevirapina (NVP), exceto em gestantes, devido à elevada potência, comprovada eficácia em longo prazo e ao menor risco de efeitos adversos sérios. A NVP está associada a risco elevado de hepatotoxicidade em mulheres com contagem de linfócitos T-CD4+ de 250 células/mm 3 e em homens com T-CD4+ de 400 células/mm 3. Seu uso nestas situações deve ser evitado. Dentro do grupo de IP, o lopinavir (LPV) potencializado com ritonavir (LPV/r) foi considerado opção preferencial. O atazanavir potencializado com ritonavir aparece como alternatva baseada na tendência mundial e em estudos que apontam para menor risco de falha e de mutações de resistência com esquemas iniciais que incluem IP/r quando comparados àqueles que incluem IP sem potencialização, incluindo estudo comparatvo com o próprio medicamento (ATV/rversus ATV). O LPV/r foi mantdo como IP preferencial devido à sua alta potência e longa durabilidade dos esquemas que o incluem; e o ATV/r é uma alternatva pela facilidade posológica e baixa toxicidade. A opção entre essas 2 associações deve considerar as prioridades do paciente. O uso de ATV não potencializado pelo RTV deve ser evitado, em virtude das claras evidências de superioridade da potencialização de IP (IP boosted ). A opção d e ATV sem ritonavir deve ser considerada apenas em alguns indivíduos que não toleram RTV, mesmo na dose baixa de 100mg/dia.
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA O indinavir (IDV), com ou sem RTV como adjuvante farmacológico, contnua não sendo recomendado para início de tratamento devido à alta toxicidade, embora seja possível sua manutenção para pacientes com boa tolerância e adesão, além de adequada resposta terapêutca, que não desejam modificação de seu esquema. As drogas que compõem o esquema an trretroviral escolhido devem ser iniciadas ao mesmo tempo e em doses completas. O aumento progressivo ou escalonado de doses pode ser feito apenas para a NVP, para diminuir a possibilidade de ocorrência de efeitos adversos, iniciando-se com 1 comprimido ao dia, durante de 1 comprimido a cada 12h.14 dias, seguido da dose plena No que se refere às interações medicamentosas, é importante que o paciente seja questonado sobre o uso concomitante de outros medicamentos (prescritos ou não, inclusive fitoterápicos e substâncias usadas em terapias complementares) e orientado sobre os riscos de toxicidade ou de perda de eficácia dos medicamentos antrretrovirais, quando pertnente.
C - Avaliação da resposta ao tratamento A avaliação da resposta ao tratamento tem, como parâmetros, a redução da carga viral e o aumento (ou, pelo menos, a interrupção da queda) do número de linfócitos T-CD4+. Embora um dos principais obje tvos da terapia antrretroviral seja a obtenção de carga viral indetectável dentro de um período de 6 meses (abaixo de 50, 80 ou 400 cópias/mL, como dependendo do posi método deve-se tvo laboratorial), considerar resultado uma grande redução nos seus valores (maior que 1 log ou 90% da carga viral inicial nas primeiras 4 a 6 semanas; ou maior que 2 log ou 99%, após 12 a 16 semanas). O impacto inicial da terapia antrretroviral sobre a carga viral tem relação direta com a carga viral pré-tratamento, o grau de imunodeficiência, a potência do esquema e o grau de adesão e a tolerância do paciente às drogas. Assim, a situação individual do paciente pré-terapia deve ser considerada ao se estabelecer o período de 6 meses como máximo para atngir níveis indetectáveis da carga viral. Atualmente, com a disponibilidade de novos IP (darunavir, tpranavir) e de outras classes de ARV (inibidores de fusão, de entrada e de integrase), a carga viral indetectável deve ser o objetvo do tratamento mesmo para pacientes com história de falhas terapêu tcas prévias e que tenham utlizado diversos medicamentos antrretrovirais. Somente nas situações em que novos esquemas de resgate não estejam disponíveis é possível modificar os objetvos da TARV, tornando-o o principal esquema adequado para manter as estabilidades clínica e imunológica. Com o tratamento, a recuperação da contagem dos linfócitos T-CD4+ geralmente ocorre de modo mais lento que a redução da carga viral, porém é esperada a interrupção da perda de tais células com o início de terapia an trretroviral eficaz.
19. Complicações relacionadas a drogas antrretrovirais A terapia de alta potência (HAART) apresenta alta eficácia para supressão da replicação viral e tem reduzido a morbimortalidade dos pacientes. Mas, pelo uso prolongado desse esquema, a toxicidade secundária tem ganhado grande importância na prátca médica e na literatura (Tabela 22). Tabela 22 - Principais toxicidades dos an trretrovirais Medicamento
Reações adversas
AZT - Zidovudina
Anemia, granulocitopenia, náusea, vômitos, cefaleia, acidose láctca, insônia, anorexia, mialgia, hiperpigmentação.
d4T - Estavudina
Neuropata periférica, acidose láctca grave, pancreatte.
3TC - Lami- Cefaleia, neuropata, fadiga, vômitos, diarreia e vudina acidose láctca. ddI - Didanosina
Neuropata periférica, pancreatte, diarreia, cefaleia, vômitos. Aumento de enzimas hepá tcas e acidose láctca.
Abacavir
Rash cutâneo, reação de hipersensibilidade, cefaleia e vômitos.
Indinavir
Nefroliase, aumento de bilirrubina indireta, diarreia, hiperglicemia e vômitos.
Nelfinavir
Diarreia, vômitos, hiperglicemia.
Saquinavir
Diarreia, dor abdominal, vômitos, hiperglicemia e cefaleia.
Ritonavir
Parestesia perioral, aumento de enzimas hepá tcas, diarreia, vômitos, hiperglicemia e aumento de triglicérides.
Amprenavir
Vômitos, diarreia,rash cutâneo, hiperglicemia e aumento de triglicérides.
Lopinavir-ritonavir
Hiperglicemia, aumento de triglicérides e de enzimas hepátcas.
Efavirenz
Insônia, pesadelos, tontura, tnido e rash cutâneo.
Nevirapina
Rash cutâneo, toxicidade hepátca.
Delavirdina Rash cutâneo e cefaleia.
Entre as complicações mais importantes estão a toxicidade mitocondrial, reações de hipersensibilidade, a síndrome lipodistrófica e os efeitos específicos dos diferentes medicamentos. O uso prolongado dos inibidores da transcriptase reversa análogos nucleosídeos, e os não nucleosídeos estão relacionados à toxicidade mitocondrial, resultante da inibição da gama-polimerase responsável pela síntese do DNA mitocondrial, levando a uma alteração da síntese de enzimas mitocondriais que geram adenosina-trifosfato (ATP) por fosforilação oxidatva. Os quadros relacionados à toxicidade mitocondrial são miopata relacionada ao uso de zidovudina; neuropata associada ao uso de d4T, ddI e ddC; estea-
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INFECTOLOGIA tose hepátca e acidose láctca com o uso de ddI, d4T, AZT (que é a mais grave dessas complicações). A miopata secundária à toxicidade mitocondrial tem uma taxa de incidência de 17%, manifestando-se com fadiga, mialgia e perda de massa muscular proximal. Há um aumento da CPK e pode agravar-se com uso associado de cortcoides, estatnas e fibratos. O tratamento consiste na interrupção do medicamento. A lipodistrofia periférica acontece com todos os ITRNs e, principalmente, com d4T. Já a pancreatte pode acontecer com o ddI. Neuropata periférica acontece em 10 a 30% dos pacien-
As reações de hipersensibilidade a medicamentos entre os pacientes com HIV/AIDS é 100 vezes mais comum que na população geral. Uma série de casos mostrou que a hipersensibilidade a drogas complicou em 3 a 20% as prescrições de antrretrovirais. Todos os ITRNNs, o abacavir e o amprenavir são os ARVs envolvidos com quadros de hipersensibilidade. As principais manifestações são lesões cutâneas detpo eritematosas, maculopapulares, pruriginosas erash associadas ou não à febre. Tais sintomas aparecem entre 1 e 3 semanas após o início dos esquemas ARV, com 1 ou mais dos medicamentos já citados. Outros sintomas, como artralgias, cãibras
tes em uso de ITRNs. Ocorretdegeneração axonal, ecom os papacientes apresentam neuropa a periférica dolorosa, restesias e diminuição da força e dos re flexos. A isoniazida pode potencializar os sintomas, e o tratamento é feito com a suspensão do medicamento e o uso de antdepressivos tricíclicos ou gabapentna. O comprometmento hepátco manifesta-se por hepatomegalia, náusea, ascite, edema e encefalopata em casos graves. Ocorrem aumento das enzimas hepátcas, acidose metabólica e ânion-gap aumentado. Quase todos os ITRNs estão envolvidos (exceto o abacavir e o 3TC), e pode ser agravado pelo uso concomitante de azoles, rifampicina, inibidores de protease e ITRNNs. A acidose láctca tem sido relatada em até 21% dos pacientes tratados com ITRNs, entretanto costumam ser assintomátcos. A acidose lác tca sintomátca é menos comum, com incidência de 1,7 a 25,2 casos por 1.000 pacientes por ano de tratamento. Apenas uma pequena minoria dos pacientes desenvolve a forma mais grave de acidose, que tem uma mortalidade de 33%, podendo chegar a 57%. Demonstrou-se, também, que o lactato >10mmol/L foi a única variável estatstcamente significatva relacionada à mortalidade. Estavudina (d4T) e didanosina (ddI) são os principais ITRNs relacionados a esse quadro. O abacavir e o tenofovir, por terem uma baixa afinidade pela polimerase alfa do DNA mitocondrial, não estão associados a tal complicação. As manifestações clínicas podem iniciar-se desde o 1º mês de uso do medicamento até 20 meses depois do início. Náuseas, vômitos, dispneia, dor abdominal, perda de peso importante e neuropata são as mais frequentes. Pode ocorrer tosse, assim como evidência de lipodistrofia, o que parece ser comum. O diagnóstco é sugerido pelo quadro clínico, e a dosagem do lactato arterial está elevada (além de aumento das transaminases). O tratamento é de suporte com controle de hidratação e dos distúrbios ácido-básicos, e suporte ventlatório quando necessário. É necessária a suspensão de todos os ARV e de outros possíveis medicamentos que possam interagir. A administração de cofatores essenciais, como tamina, riboflavina, L-carnitna, vitamina C e antoxidantes, pode ser considerada, devido à falta de terapia específica e ao pobre prognóstco do quadro. Todavia, a eficácia de tais medicamentos não tem sido determinada.
ou febre podem preceder as lesões dermatológicas, o que acontece principalmente com o usodo abacavir. O diagnóstco das reações de hipersensibilidade baseia-se no critério clínico e pode ser dificultado por infecções, neoplasias, reconsttuição imune, uso de medicamentos diferentes dos ARV. Cerca de 50% das reações de hipersensibilidade são resolvidos espontaneamente, mesmo sem suspender a terapia ARV. Entretanto, os ARVs devem ser suspensos se há comprometmento de mucosas, lesões bolhosas ou esfoliatvas, comprometmento hepátco, febre >39°C e prurido intenso. O suporte é feito com anttérmicos e antpruriginosos. Os cortcoides têm demonstrado pouco valor no controle desses casos. Com o uso clínico de ARV, as reações alérgicas podem ser temporárias, não sendo necessária a suspensão do medicamento, e em poucos casos são graves. Síndrome de Stevens-Johnson, necrólise epidérmica tóxica, nefrite interstcial aguda e pneumonite interstcial aguda ocorrem em menos de 0,5% dos pacientes em uso de ARV. A síndrome de lipodistrofia é caracterizada pela perda de gordura periférica e acúmulo de gordura central. Tem uma prevalência após 12 a 18 meses de terapia, em média de 50%, podendo chegar a 83% em algumas séries. Pode ser causada pelo uso dos inibidores de protease, e, atualmente, sabe-se, também, que os ITRNs podem desencadear essa complicação. Alterações metabólicas associadas são hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia, resistência periférica a insulina e diabetes mellitus tpo II. A dislipidemia está relacionada à ocorrência de doença cardiovascular em cerca de 70% dos pacientes, e a osteopenia com necrose avascular é outra complicação frequente. Lipoatrofia também está associada à acidose lác tca leve e disfunção hepátca. Tais alterações metabólicas são vistas com o uso de inibidores de protease. Os fatores de risco
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para lipodistrofia são baixo peso ao início do tratamento antrretroviral, pepdio C elevado, níveis elevados de triglicerídeos após 1 ano de uso dos ARVs, tempo de duração do esquema HAART, uso de ritonavir-saquinavir e de d4T. O diagnóstco é obtdo pelas característcas clínicas de acúmulo de gordura central no abdome, mamas, região toracocervical e atrofia periférica de pernas, face, braços e glúteos. As alterações metabólicas citadas também ajudam no diagnóstco.
INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA
20. Síndrome de reconsttuição imune Tal síndrome pode ocorrer entre pacientes com AIDS, que iniciam terapia antrretroviral (HAART) e que melhoram a a tvidade do sistema imunológico. Além disso, é possível que aconteça após dias a semanas, sem um notável aumento da contagem de CD4. As manifestações são variadas e incluem patógenos oportunistas previamente não diagnostcados, que passam a ser destruídos pelo sistema imunológico. Dessa forma, pacientes com contagem de CD4 inicial
Tabela 24 - Esquema vacinal para adolescentes≥13 anos e adultos infectados com HIV Vacina
Esquema
Haemophilus - 2 doses, com intervalo de 2 meses, aos influenzae tpo B menores de 19 anos não vacinados. Pneumocócica 23-valente
- 2 doses com intervalo de 5 anos, independentemente da idade.
Hepatte B
- 4 doses, aos 0, 1 , 2, 6 a 12 meses, com o dobro da dose.
Febre amarela
- Avaliar risco/benefcio individual conforme situação imunológica e epidemiológica da
3
menor que 50 células/mm , por exemplo, podem apresentar linfadenopata secundária a micobacterioses não tuberculosas, ou apresentam manifestações pulmonares devido à criptococose. Várias outras condições clínicas podem surgir. Doenças oportunistas previamente tratadas podem voltar a manifestar sintomas. Assim, indivíduos com prévia retnite por CMV podem voltar a ter sintomas oculares por destruição do vírus, ou cefaleia e rigidez de nuca, devido à destruição do Cryptococcus.
21. Vacinação
Influenza
região. - Aplicar anualmente, de acordo com as indicações do Ministério da Saúde.
Hepatte A
- Aplicar 2 doses com intervalo de 6 meses nos portadores de vírus de hepa tte B ou C ou nos hepatopatas crônicos.
Dupla adulto
- Naqueles sem documentação de imunização prévia, aplicar 3 doses com intervalo de 2 meses, e a seguir, reforço a cada 10 anos. Naqueles com esquema básico de 3 doses completo, apenas reforços a cada 10 anos.
Crianças, adolescentes e adultos infectados por HIV, sem alterações imunológicas e sinais ou sintomas clínicos indicatvos de imunodeficiência, podem receber todas as vacinas do calendário nacional, devendo fazê-lo o mais precocemente possível. À medida que aumenta a imunode-
22. Profilaxia da transmissão vertcal
pressão, aumenta, também, o risco da aplicação de vacinas de agentes vivos, bem como a possibilidade de resposta imunológica insuficiente ou inadequada. Sempre que possível, deve-se adiar a administração de vacinas em pacientes sintomá tcos ou com imunodeficiência laboratorial grave até que um grau sa tsfatório de reconstrução imune seja obtdo com o uso de terapia an trretroviral, a fim de melhorar a resposta vacinal e reduzir o risco de complicações pós-vacinais.
HIV para níveis entre zero e 2%, por meio de intervenções tvas, como o uso de antrretrovirais combinados (propreven movendo a queda da carga viral materna para menos que 1.000 cópias/mL ao final da gestação), o parto por cirurgia cesariana eletva, o uso de quimioprofilaxia com o AZT na parturiente e no recém-nascido, e a não amamentação. Todas as gestantes infectadas pelo HIV devem receber terapia antrretroviral para prevenção de transmissão materno-fetal do vírus. O objetvo da terapia é a carga viral indetectável no momento do parto. A terapia deve ser mantda após o parto – quando a paciente já tem indicação de tratamento de acordo com parâmetros clínicos e imunológicos – ou suspensa, quando a indicação de terapia é somente a prevenção de transmissão ver tcal. Desta forma, mulheres HIV positvo assintomátcas, com CD4 >350 – isto é, sem indicação de tratamento – devem receber terapia antrretroviral após a 14ª semana de gestação, a fim de evitar as potenciais toxicidades decorrentes da exposição a TARV ainda no período embrionário. De acordo com as recomendações de manejo de TARV em gestantes, publicada pelo Ministério da Saúde em 2010, mesmo para situações de profilaxia deve ser utlizado esquema com 3 drogas. Está, portanto, contraindicada a monoterapia com AZT durante a gestação. Gestantes sem tratamento prévio, que apresentem CD4 <350 e/ou estejam sintomátcas, devem receber terapia antrretroviral com 3 drogas imediatamente, independente da idade gestacional. O esquema pre-
Tabela 23 - Parâmetros imunológicos para tomada de decisão em imunizações com vacinas de bactérias ou vírus vivos em pacientes HIV positvo com mais de 13 anos Contagem de LT-CD4 + em células/mm3 >350 (≥20%)
Recomendação para o uso de vacinas com agentes vivos Indicaruso Avaliar parâmetros clínicos e risco epi-
200 a 350 (15 a 19%) demiológico para a tomada de decisão <200(<15%) Nãovacinar
Algumas vacinas estão especialmente recomendadas para o paciente infectado pelo HIV, para prevenção de certas infecções cuja incidência é maior nessa população, por fatores ligados à imunodepressão – caso da doença invasiva por pneumococo – ou por vias de transmissão superponíveis – caso da hepa tte B.
A taxa de transmissão vertcal do HIV, sem qualquer intervenção, situa-se em torno de 25,5%. No entanto, diversos estudos demonstram a redução da transmissão ver tcal do
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INFECTOLOGIA
ferencial é AZT + lamivudina + lopinavir/ritonavir, ou ainda AZT + lamivudina e nevirapina (esta úl tma desde que o CD4 não seja maior que 250, dado risco de hepatotoxicidade). As pacientes já em tratamento no momento do diagnóstco de gravidez devem manter o esquema antrretroviral em uso, exceto se fazem uso de efavirenz ou da associação estavudina (d4T) + didanosina (ddI), absolutamente contraindicados na gestação. Tenofovir no 1º trimestre da gestação também está contraindicado, e caso a paciente faça uso desta medicação, ao engravidar, deve modificá-la. O esquema de TARV deve ser mantdo durante toda a
Já a amamentação está contraindicada em qualquer situação, por aumentar o risco de transmissão, mesmo que todas as fases da pro filaxia tenham sido realizadas de maneira adequada.
gestação, a fim de obter carga viral indetectável no momento do parto. Caso esse obje tvo seja atngido, a indicação da via de parto pode ser obstétrica. Contudo, no Brasil, tem sido mantda a preferência por parto cirúrgico nas pacientes infectadas por HIV, independente da carga viral. Durante o trabalho de parto ou a internação para cesariana eletva, a gestante deve receber AZT por via intravenosa, em uma dose de 2mg/kg na 1ª hora, seguida de 1mg/kg/hora em infusão con nua, até o clampeamento do cordão umbilical. O recém-nascido deve receber AZT por via oral a par tr da 2ª hora de vida, na dose de 2mg/kg a cada 6 horas, durante 42 dias (6 semanas). Deve ser encaminhado a serviço especializado, para diagnóstco da infecção por HIV, se for o caso.
contnuidade a sangue, ou líquidos contaminados por sangue, ou material potencialmente infeccioso (liquor, líquido amniótco). Para exposições a outros materiais (urina, por exemplo), a terapia não é recomendada. A terapia deve ser iniciada o mais cedo possível (preferencialmente, em 1 a 2 horas; provavelmente, não é efetva se iniciada após 72 horas). Os pacientes cujo material é a fonte suspeita da contaminação, caso não sejam sabidamente HIV positvo, devem ser testados para HIV com consentmento informado. A terapia pode ser interrompida se os testes forem negatvos, a menos que exista uma forte suspeita de doença aguda por HIV. Quando indicada a profilaxia, as drogas preferenciais são zidovudina (AZT) + lamivudina (3TC) + lopinavir/ritonavir ou efavirenz (quando há indicação de 3 drogas).
23. Profilaxia pós-exposição no acidente com material biológico O uso de antrretrovirais depende da situação da fonte e da gravidade do acidente e está recomendado para lesões percutâneas (ferimento por agulha), ou exposição prolongada e excessiva das mucosas ou da pele com soluções de
Figura 17 - Profilaxia antrretroviral após exposição ocupacional a material biológico com risco**** para transmissão do HIV
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INFECÇ ÃO PELO H IV E SÍND ROMEDA IM UNODEFIC IÊNCI A ADQUIRIDA
24. Resumo Quadro-resumo Epidemiologia
Mudança na faixa etária (aumento em idosos) e gênero da infecção (aumento em mulheres) e tendência à pauperização da epidemia.
Estrutura viral
Principais glicoproteínas virais.
Diagnóstco clínico
Principais doenças definidoras independente da disponibilidade de CD4.
Complicações neuroló-
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Neurotoxoplasmose, neurotuberculo-
gicas (mais comuns na se, neurocriptococose, linfoma SNC. sequência) Complicações pulmonares
Pneumocistose, tuberculose pulmonar, micobacterioses apicas, infecções fúngicas pulmonares.
Outras complicações marcantes
Pele (herpes-zóster principalmente).
Indicações de terapia antrretroviral
Mudança na terapia com aumento do valor de CD4+ para início de tratamento associado a algumas situações.
Terapia antrretroviral
Principais efeitos colaterais, número mínimo de drogas para tratamento, esquemas iniciais preconizados.
Profilaxia
Durante a gestação, periparto e após parto. Com acidentesperfurocortantes.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
2
Pneumonia adquirida na comunidade Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Daniela Di Dea Bergamasco Ralcyon F. A. Teixeira / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução e epidemiologia O termo “pneumonia” caracteriza um processo in flamatório pulmonar decorrente de infecção das vias aéreas inferiores por bactérias, vírus, fungos ou micobactérias, ou, ainda, mais raramente, de causas não infecciosas. A Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC), ou pneumonia comunitária, é considerada a pneumonia aguda, infecciosa, que acomete o indivíduo fora do ambiente hospitalar ou que é detectada até 48 horas após a admissão. A maioria dos estudos de PAC no Brasil é dirigida à etologia e ao tratamento, sendo as estastcas oficiais uma importante fonte de informações sobre a sua ocorrência. Em 2010, ocorreram 760.702 internações por pneumonia no Brasil, conforme o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, correspondendo à 1ª causa de internação por doença, isto é, re trando-se as causas obstétricas (partos). Essas internações tveram maior predomínio no sexo masculino e maior ocorrência nos meses de maio a julho. As doenças do aparelho respiratório consttuem a 4ª causa de óbitos no Brasil, e, dentre essas, a pneumonia é a 2ª mais frequente, com 35.903 mortes em 2005, 8,4% delas em menores de 5 anos e 61% nos com mais de 70 anos. O coeficiente de mortalidade específica por pneumonia, que tnha uma tendência ascendente no período entre 2001 e
2004, diminuiu para níveis abaixo de 20/100.000 habitantes no ano de 2005, últmo dado disponível do Ministério da Saúde quanto às estastcas de mortalidade. O coeficiente de mortalidade por pneumonia difere conforme a faixa etária. Nos úl tmos 5 anos, a taxa de mortalidade por pneumonia tem aumentado de forma relevante nas faixas etárias acima de 70 anos, alcançando níveis acima de 500/100.000 habitantes nos pacientes com mais
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de 80 anos. Os menores coe ficientes estão nas faixas etárias entre 5 e 49 anos (menos de 10/100.000 habitantes), e que, entre os menores de 5 anos, o coe ficiente se mantém em torno de 17/100.000 habitantes com leve tendência à queda. Esses dados são semelhantes aos de outros países da América Latna, como o Chile. Representa, portanto, um importante problema de saúde pública no país.
- Pontos relevantes •
•
•
•
As internações por pneumonia tveram, em 2007, maior predomínio do sexo masculino e maior ocorrência nos meses de março a julho; A taxa de internações por pneumonia vem diminuindo desde a últma década; A taxa de mortalidade hospitalar mostra uma tendência ascendente, o que aponta para diversas hipóteses, como a internação de casos mais graves de pneumonia e o envelhecimento da população; O coeficiente de mortalidade por pneumonia varia conforme a faixa etária e tem aumentado na últma década em pacientes com idade acima de 70 anos, sendo semelhante ao de outros países da América Latna.
Nos Estados Unidos, a PAC é a 6ª causa de mortalidade geral na população e a principal causa de mortalidade por doenças infecciosas. Estmam-se mais de 5 milhões de casos ao ano, com cerca de 1,1 milhão de internações. Representa um problema partcularmente importante em pacientes idosos, com mais de 900.000 casos anuais em pessoas acima de 65 anos de idade. Estma-se uma mortalidade associada à PAC de menos de 1% em casos ambulatoriais, 12% em casos que necessitam de internação e de até 40% nos que necessitam de UTI.
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
A incidência de PAC é crescente no mundo e, em parte, se deve a alguns fatores: - Envelhecimento da população, sendo os idosos mais susceveis à infecção; - Aumento da sobrevida de pacientes com comorbidades graves: DPOC, doenças cerebrovasculares, doença cardiovascular, neoplasias, diabetes, insuficiência renal, doença hepátca, entre outras.
Tabela 1 - Micro-organismos causadores de PACs Grupo
Agentes
Bactérias aeróbias Gram positvas
- Streptococcus pneumoniae; - Staphylococcus aureus; - Streptococcus pyogenes. - Mycoplasma pneumoniae;
Bactérias apicas
- Chlamydophila pneumoniae; - Legionella pneumophila.
É importante que cada hospital, cidade ou estado conheça o seu perfil local, tanto etológico quanto de resistência. Recomendações feitas a outros contnentes podem não ser aplicadas ao Brasil. Há uma grande diferença na gravidade e na evolução das PACs, o que dificulta a decisão de internar ou tratar ambulatorialmente o paciente. Para auxiliar nessa decisão, foram desenvolvidos escores de prognóstco e gravidade, como o PORT (PSI), que serão utlizados ao longo deste capítulo.
- Haemophilus influenzae; Bactérias aeróbias
- Klebsiella pneumoniae;
Gram negatvas
- Pseudomonas aeruginosa; - Moraxella catarrhalis. - Bacteroides spp;
Bactérias anaeróbias (aspiração)
Streptococcus pneumoniae, o pneumococo é o agente mais frequentemente isolado, consttuindo a principal causa de pneumonia comunitária em todas as faixas etárias, exceto em neonatos; - Estudos demonstraram que, em pacientes nos quais não se consegue descobrir a etologia pelos métodos habituais de investgação (escarro e culturas), uma investgação adicional (PCR, biópsia) mostra que o pneumococo também é o agente mais comum. -
A frequência de agentes apicos é bastante variável entre os estudos. Em geral, estão envolvidos em 1/3 dos casos de PAC. A frequência de outros agentes depende da idade, dos métodos diagnóstcos usados, das característcas clínicas de base dos pacientes e de variações sazonais e geográ ficas. Dados de estudos em adultos com PAC internados ou tratados ambulatorialmente mostram que os agentes e tológicos mais frequentes, de forma geral, são: - Streptococcus pneumoniae: 16 a 40%; -
Vírus respiratórios: 7 a 10%; - Mycoplasma pneumoniae: 6 a 18%; -
Chlamydophila pneumoniae (antga Chlamydia pneumoniae): 6 a 16%;
-
Haemophilus influenzae: 4%;
-
Legionella pneumophila: 4%;
-
Agentes mais raros: bacilos Gram negatvos (2%), Staphylococcus aureus (1%), Pseudomonas aeruginosa (<1%).
- Peptostreptococcusspp; - Prevotellaspp. - Influenza A ou B;
2. Etologia Infelizmente, de acordo com os métodos diagnós tcos empregados, em até 50% dos pacientes com PAC, não se consegue identficar o agente causador da pneumonia. Dos vários estudos disponíveis, incluindo estudos brasileiros, pode-se concluir que:
- Fusobacterium spp;
- Vírus Sincicial Respiratório (VSR);
Vírus respiratórios
- Parainfluenza 1, 2 ou 3; - Adenovírus.
Apesar de o pneumococo ser o agente mais prevalente, independente da doença de base, e de a frequência de apicos e vírus ser extremamente variável, algumas condições predisponentes se associam a agentes específicos e serão discutdas a seguir. Tabela 2 - Patógenos mais comuns em pneumonia adquirida na comunidade, em ordem decrescente PAC ambulatorial (leve) - S. pneumoniae; - M. pneumoniae; - C. pneumoniae; - Vírus respiratórios; - H. influenzae. Internados (não em UTI) - S. pneumoniae; - M. pneumoniae; - C. pneumoniae; - Vírus respiratórios; - H. influenzae; - Legionella sp. Internados em UTI (grave) - S. pneumoniae; - Bacilos Gram negatvos; - H. influenzae; - Legionella sp; - S. aureus. * PAC: Pneumonia Adquirida na Comunidade; UTI: Unidade de Terapia Intensiva.
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IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA A - Pneumonia por bacilos Gram negatvos e Pseudomonas aeruginosa Os Bacilos Gram Negatvos (BGN) raramente causam PAC em indivíduos previamente hígidos. Algumas característcas epidemiológicas dos pacientes podem aumentar a chance de a PAC ser causada por BGN. Um estudo espanhol prospectvo, recentemente publicado, incluiu 559 pacientes com diagnóstco de PAC. Destes, um agente microbiano foi encontrado em 309 pacientes (55%). BGN foram encontrados em 60 pacientes (19% dos germes isolados e 11% do total de pacientes). Os principais resultados foram: - Frequência dos diferentes BGNs: Pseudomonas (65%), E. coli (20%), Klebsiella (7%). Tabela 3 - Risco de pneumonia por BGN e Pseudomonas Avaliar o risco ou a possibilidade de PAC devido aos BGNs e a Pseudomonas
Risco de infecção por BGNs entéricos
- Usar os escores da PORT (PSI); pacientes com escores PORT (PSI) III, IV e V têm risco aumentado de PAC devido a BGN (sobretudo, pacientes com PORT IV e V); - Usar dados epidemiológicos que aumentam a chance de PAC devido aos BGNs. - Residentes em casa de repouso, doença cardiopulmonar de base, múltplas comorbidades médicas, terapia antmicrobiana recente. - Doença pulmonar parenquimatosa (bronquiectasia e fibrose);
Risco de infecção por Pseudomonas
- Uso de cortcosteroide (>10mg de prednisona ao dia) por longo tempo;
-
A aspiração foi mais nos anos); pacientes muito idosos (10% contra 5%frequente no grupo <80 - Os agentes apicos foram pouco comuns entre os muito idosos: total de 2% (contra 15% entre aqueles com menos de 80 anos); - Mais complicações intra-hospitalares: 32% entre os muito idosos contra 26% entre <80 anos; - Maior mortalidade global: 15% entre os muito idosos vezes 6% entre <80 anos. - Fatores associados a pior prognóstco no paciente muito idoso: Agente Gram negatvo isolado (RR = 20,27); Choque (RR = 10,69); Insuficiência renal (RR = 5,83); Confusão na chegada ao hospital (RR = 3,69); Insuficiência respiratória (RR = 3,50). • • • • •
- Antbiótco de amplo espectro por mais de 7 dias no últmo mês;
D - Pneumococo resistente à penicilina
- Desnutrição grave.
Recentemente (2008), o FDA aumentou os pontos de corte para sensibilidade de Streptococcus pneumoniae das amostras respiratórias, conforme a Tabela 4.
B - Pneumonia em idosos insttucionalizados Um estudo recente, realizado na Inglaterra, investgou o agente etológico de PAC em pacientes moradores de casa de repouso. Tal estudo, prospectvo, foi feito com 437 pacientes admitdos no hospital, e eram 40 os tais moradores. As conclusões foram: - Esses moradores tveram menor incidência de tosse e dor pleurítca, em comparação aos demais pacientes; - Apresentaram maior taxa de confusão mental, pior estado funcional, doença mais grave e maior mortalidade; - Os agentes não diferiram significat vamente, em comparação aos que não residiam em casa de repouso; - Por isso, os moradores, não obrigatoriamente, precisam de antbiótco de rotna para cobrir Gram negatvos; devem-se aplicar os escores de risco PORT e tratar conforme a classificação.
C - Pneumonia em pacientes muito idosos (>80 anos) Acredita-se que idade avançada não seja um fator independente para má evolução de PAC. Entretanto, os idosos
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têm mais comorbidades, estado geral mais comprome tdo e, em geral, apresentam maiores taxas de complicaçõese óbito. Um estudo recente, prospectvo, avaliou 1.474 pacientes internados com PAC. Do total, 305 (21%) tnham idade acima de 80 anos (chamados muito idosos), e 1.169 (79%) tnham idade menor que 80 anos (média de 60 anos). Os principais resultados foram: - Pacientes muito idosos tveram mais comorbidades: DPOC, demência e IC; - O pneumococo foi o agente maisfrequentemente isolado, independente da idade (23% em ambos os grupos);
Tabela 4 - CIMs de Streptococcus pneumoniae para penicilina Concentração Inibitória Mínima (CIM) (mcg/mL) Sensível (S) Intermediário (I) Resistente (R) Atualizado (2008) Anterior
≤2 ≤0,06
4 0,12a1
≥8 ≥2
Observação: para meningites, dada a dificuldade de os antbiótcos penetrarem na barreira hematoencefálica, o ponto de corte para sensibilidade permanece ≤0,06mcg/mL.
Assim, apesar de a resistência do pneumococo à penicilina ser um fenômeno mundial, as taxas de resistência se encontram estáveis ou em decréscimo nos úl tmos anos. Além disso, as evidências mostram sucesso terapêutco no tratamento de pneumonia por pneumococo com doses de penicilina que não seriam su ficientes para tratar meningites. Talvez o que tenha importância clínica seja o pneumococo de alta resistência, partcularmente quando a CIM é >8mcg/mL. Nesses casos, as falhas terapêu tcas podem ocorrer, o que, no Brasil, es tma-se ser menor que 5% das cepas isoladas.
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
Os indivíduos de maior risco de PAC por pneumococo resistente à penicilina são aqueles que apresentam: - Idade superior a 65 anos (RR = 3,8); - Idade inferior a 2 anos; - Terapia com beta-lactâmico nos últmos 3 meses; - Alcoolismo (RR = 5,2); - Uso de beta-lactâmico nos úl tmos 3 meses (RR = 2,8); - Múltplas comorbidades; - Doenças ou terapias imunossupressoras. É importante reiterar que, quanto à pneumonia, o pneumococo resistente tem pouca importância clínica no Brasil, ao menos nesse momento. Por outro lado, há aumento na resistência aos macrolídeos segundo dados da literatura americana; no país, essa resistência aos macrolídeos também parece estável.
E - Pneumococo resistente a macrolídeos Recentemente, tem havido grande preocupação com o pneumococo resistente aos macrolídeos, haja vista, nos últmos anos, todos os consensos terem preconizado essa classe antmicrobiana como 1ª opção no tratamento de PAC em pacientes jovens e sem comorbidades. Um estudo coordenado pelo CDC (Centers for Disease Control and Preventon – EUA) investgou 15.481 casos isolados de infecções pneumocócicas em 8 estados dos Estados Unidos, entre 1995 e 1999. Os autores mostraram que a resistência a macrolídeos passou de 10,6% em 1995 para 20,4% em 1999. Dados recentes do Programa de Vigilância Antmicrobiana do Brasil e América Latna (SENTRY) mostraram que a resistência do pneumococo aos macrolídeos no Brasil tem permanecido estável (Tabela 5). Tabela 5 - Resistência do pneumococo brasileiro aos macrolídeos Resistência (1997)
Resistência (2001)
Eritromicina
12,9%
11,5%
Azitromicina
11,5%
8,6%
Claritromicina
12,5%
10,8%
F - Agentes etológicos mais frequentes em pacientes PORT I e II A grande maioria dos estudos em PAC refere-se a pacientes que foram internados e que, geralmente, são mais graves e com mais comorbidades. Um estudo publicado recentemente buscou saber quais são os agentes mais frequentes em pacientes com pneumonia atendidos em centros ambulatoriais (PORT I e II). e estudo foram: - Os micro-organismos mais comuns ness 1 - Pneumococo: 20%. 2 - Associação de 2 micro-organismos: 16,3%. 3 - Mycoplasma: 13,5%.
4 - Vírus influenza A: 7,1%. 5 - C. pneumoniae: 5,3%. Tabela 6 - Resistência do pneumococo na América La tna e no Brasil, de acordo com os pontos de corte anteriores Dados mais recentes (SENTRY, 2004) do pneumococo brasileiro, com 497 amostras - Resistência à amoxicilina: 1,2%; - Alta resistência à penicilina (MIC >2g/mL): 4,6%; - Resistência a macrolídeos: 8,6% a 11,5%; floxacino e gatflo- Resistência a quinolonas respiratórias (levo
xacino): zero; - Resistência à tetraciclina: 19,5%; - Resistência ao cotrimoxazol: 50,3%.
Estma-se que após a popularização das quinolonas de últma geração (principalmente o levofloxacino) para tratamento de pneumonias adquiridas na comunidade deva ter ocorrido uma mudança no perfil de resistência do quadro apresentado anteriormente. Este fato está ainda associado ao uso indiscriminado, dada diminuição no preço de mercado desta classe de medicamentos e ao seu uso também para infecções respiratórias altas, que poderiam ser tratadas com outras classes de drogas. Não há, no entanto, trabalhos de âmbito nacional de taxa de resistência específica a esta classe nos últmos 5 anos. Dados americanos mostram, hoje, uma taxa de resistência que chega a quase 80% de em Streptococcus algumas populações quando analisados a sensibilidade pneumoniae e o levofloxacino na dose habitual de 500mg/dia. Esse fato também motvou o aumento de dose (para 750mg/dia ou ate 1.000mg/dia em alguns trabalhos) ou ainda escolha de outras quinolonas respiratórias ainda mais potentes (como o moxifloxacino e gemifloxacino) para tratamento destas infecções naquele país.
G - Resumo dos fatores associados a patógenos específicos -
Haemophilus influenzae: maior risco em pacientes
com DPOC e tabagistas; Apicos: após o pneumococo, os apicos parecem ser os agentes bacterianos mais prevalentes; - Gram negatvos (E. coli, Klebsiella): uso recente de antbiótco, idosos insttucionalizados, múltplas comorbidades e doença cardiopulmonar; - Pseudomonas aeruginosa: fibrose cístca, bronquiectasias, uso de antbiótco de amplo espectro por mais de 7 dias no últmo mês e terapia com cortcoide (mais de 10mg/dia); - Pneumococo resistente: idade superior a 65 anos ou menor que 2 anos, uso de beta-lactâmico nos úl tmos -
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INFECTOLOGIA 3 meses, alcoolismo, múltplas comorbidades e doenças imunossupressoras; -
Anaeróbios: alcoolismo, doenças neurológicas, distúrbios da deglutção, rebaixamento do nível de consciência, convulsão, dentes em péssimo estado.
H - Condições de base e risco de agentes específicos -
Alcoolismo: anaeróbios, pneumococo resistente à penicilina, BGN e tuberculose;
Tabagismo/DPOC: Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis; - Dentes em péssimo estado: anaeróbios e bacilos Gram negatvos; - Moradores de casa de repouso: bacilos Gram nega tvos, anaeróbios; - Bronquiectasias e fibrose cístca: Pseudomonas; - Obstrução brônquica: anaeróbios; - Uso recente de an tbiótco de amplo espectro: Pseudomonas, bacilos Gram negatvos e pneumococo resistente à penicilina. -
3. Diagnóstco de pneumonia A pneumonia deve fazer parte do diagnóstco diferencial em todos os pacientes que procuram o pronto-socorro referindo tosse (82%), febre (78%), expectoração, dor torácica e dispneia (40 a 90%). Infelizmente, nem os achados da história nem os do exame fsico conseguem boa acurácia no diagnóstco da doença, o que signi fica que mesmo um exame fsico normal não exclui pneumonia com certeza (Tabela 7). Tabela 7 - História e examefsico no diagnóstco de PAC - Dados baseados em revisão sistemátca: avaliar o papel da história e do examefsico no diagnóstco de PAC; - Não houve boa correlação entre examinadores quanto aos achados do examefsico. Conclusões: - Não há dados individuais ou em conjunto que possam con firmar ou descartar, com boa acurácia, PAC; - A ausência de alterações em sinais vitais e de quaisquer anormalidades ao exame físico reduz, significativamente, a probabilidade de PAC, de forma que os pacientes não têm indicação de radiografia de tórax.
A forma de manifestação mais comum é semelhante à do quadro de infecção de vias aéreas superiores com persistência de febre e tosse. A manifestação conhecida como pneumonia pneumocócica clássica consiste em quadro abrupto de febre, dor torácica e escarro com laivos de sangue, que é bastante rara atualmente.
40
Em idosos, imunocomprometdos ou com doença de base grave, deve-se sempre pensar em pneumonia, e recomenda-se uma indicação mais liberal da radiogra fia de tórax PA e perfil. Os sinais e sintomas nos idosos podem ser suts, surgindo, apenas, sonolência, confusão, anorexia, quedas ou descompensação de alguma doença de base; muitas vezes, não apresenta febre ou mesmo tosse. Pacientes com suspeita de pneumonia devem ser submetdos à radiografia de tórax, que pode não só ser útl para confirmar uma consolidação parenquimatosa e afastar outras causas para os importantes: sintomas do presenças paciente, mas também fornecer informações de cavitação, derrame pleural, número de lobos acome tdos, além de ajudar na avaliação de pacientes que não melhoram após 3 ou 4 dias de antbiotcoterapia. É interessante ressaltar que o diagnós tco de PAC é confirmado pela radiografia de tórax, embora a sensibilidade não seja de 100%. A tomografia é mais sensível, mas não deve ser indicada apenas para diagnostcar pneumonia em pacientes com radiografia de tórax normal. Recomenda-se que indivíduos com queixas respiratórias e radiografia normal, especialmente neutropênicos, indivíduos muito desidratados, com história e exame fsico muito sugestvos de infecção pulmonar, sejam submetdos a uma nova radiografia em 24 a 48 horas ou a uma tomogra fia de tórax. Por outro lado, nem todo in filtrado pulmonar se deve à pneumonia; deve-se sempre ficar atento aos diagnóstcos diferenciais, que incluem: -
Mais frequentes: traqueobronquite, sinusite, tromboembolia pulmonar, edema pulmonar cardiogênico e não cardiogênico, câncer de pulmão, tuberculose e bronquiectasias;
-
Menos frequentes: pericardite, dor muscular, vasculite, linfangite carcinomatosa, bronquiolite obliterante (BOOP), pneumonite por hipersensibilidade, corpo estranho, aspiração química, doenças ocupacionais, pneumonia eosinoflica, lúpus, hemorragia alveolar, hantavírus, sarcoidose, pneumonite por radiação, proteinose alveolar, síndrome torácica aguda e anormalidades pulmonares congênitas.
A - Avaliação adicional do paciente com PAC É importante ressaltar que nem todos os pacientes com PAC necessitam de exames complementares adicionais, além da radiografia de tórax PA e perfil (indicada a todas as situações) e da oximetria de pulso (se estver disponível, para avaliar presença de hipoxemia). Por isso, todos os consensos recomendam a aplicação de um algoritmo inicial nos pacientes com PAC confirmada à radiografia (Figura 1).
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
Severity Index) ou PORT escore, foi desenvolvida em um grande estudo com 14.199 pacientes, e validada, prospectvamente, em 38.039. Por meio de análises multvariadas, os indivíduos foram divididos em 5 categorias: I a V, de acordo com o sistema de escores. Tal escala, descrita nas Tabelas 8 e 9, tem algumas vantagens: - Ajuda a determinar o local de tratamento do paciente: em casa, breve estada no pronto-socorro ou hospitalar; - Est ma a taxa de mortalidade em 30 dias; - Ajuda a definir a escolha terapêut ca. A principal limitação desse escore é a complexidade em relação aos outros, já que avalia 20 itens, sendo alguns exames laboratoriais. Tabela 8 - Escores de prognóstco (escores PORT (PSI)) para PAC Característcas
Pontos
Idade homem
Nº anos
Idademulher
Nºanos 10 -
Residenteemcasaderepouso
Nºanos+10
Comorbidades Câncer1
+ 30
Doença hepátca2
+ 20
Insuficiência cardíaca congestva3
+ 10
Doença cerebrovascular4
+ 10
Insuficiência renal5
+ 10 Exame fsico
Estado mental alterado6
+ 20
Frequência respiratória >30/minuto
Figura 1 - Avaliação inicial de pacientes com PAC
PAsistólica<90mmHg
+20
Temperatura<35°Cou>40°C
+15
Pulso >125/minuto
10 + Laboratórios e radiografia
B - Estratficação de risco da PAC Pessoas com PAC têm mortalidade variável, de menos de 1% a mais de 30%. Por isso, é importante estratficar o risco de cada paciente para decidir o manejo inicial: tratamento ambulatorial, observação nas primeiras horas e terapia sequencial ambulatorial, hospitalização em UTI ou não, terapia antmicrobiana. Alguns fatores relacionados ao paciente ou à bactéria podem estar associados a um maior risco de óbito, como alcoolismo, aspiração, bacteremia, derrame pleural, diabetes mellitus, doença neurológica, estado mental alterado, agente Gram negatvo ou estafilococo, hiperglicemia, hipoalbuminemia, hiponatremia, hipotensão, hipotermia ou hipertermia, hipoxemia, idade avançada, imunossupressão, insuficiência cardíaca congestva, insuficiência hepátca, insuficiência renal, leucopenia, malignidade, taquipneia. Esses são apenas alguns fatores, o que torna di fcil, em um determinado paciente, estmar o risco de morbidade e mortalidade. Uma excelente ferramenta, o PSI (Pneumonia
+20
<7,35 pH
30 +
Ureia >30mg/dL
20 +
Sódio <130mEq/L
20 +
Glicemia>250mg/dL
+10
Hematócrito <30%
10 +
PaO2 <60mmHg ou saturação O2 Derramepleural<90%
+ 10 +10
1 - Câncer atvo ou diagnostcado no últmo ano (exceto câncer basocelular ou escamoso de pele). 2 - Quadro clínico, laboratorial ou histológico de cirrose ou hepa tte crônica atva. 3 - Diagnóstco clínico, radiográfico, ecocardiográfico ou ventriculografia. 4 - Diagnóstco clínico (tanto de AIT quanto AVC) ou por exames de imagem (TC ou RMN). 5 - Insuficiência renal prévia (pela história ou pelo prontuário). 6 - Confusão ou coma que teve início com a pneumonia (não pode ser crônica).
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INFECTOLOGIA Tabela 9 - Escores PORT (PSI) e mortalidade Escala de risco
PORT I
PORT II
Pontos
Morta- Local de lidade tratamento
Ambulatorial.
Paciente ambulatorial, previamente hígido, sem ATB nos últmos 3 meses.
0,6 0,7%a
Ambulatorial.
Paciente ambulatorial, porém com comorbidades ou ATB nos últmos 3 meses.
Breve estada no pronto-socorro e alta hospitalar, caso se encontre estável.
Paciente com comorbidades ou ATB nos últmos 3 meses e/ou algum critério de risco, sem critérios para PAC severa.
Ausência de 0,1 a preditores 0,4% de gravidade
<71 pontos
Observação
PORT III
71 a 90 pontos
0,9 a 2,8%
PORT IV
91 a 130 pontos
8,2 a 9,3%
Internado.
Pacientes com critério de internação, sem necessidade de UTI.
PORT V
>130 pontos
27 a 31,1%
Internado (considerar UTI).
Pacientes com critério de internação e necessidade de UTI.
Os escores PORT (PSI) podem não ser aplicáveis a pacientes com pneumonia aspiratva. Habitualmente, existe uma condição de base que predispõe à aspiração: sequela de AVC, doença neurológica, alcoolismo e rebaixamento do nível de consciência. Especialmente quando algum desses fatores se associa a grave doença periodontal, escarro pútrido, pneumonia grave, instabilidade hemodinâmica ou imagem de abscesso à radiografia, deve-se associar uma medicação antanaeróbica: clindamicina ou amoxicilina-clavulanato (casos leves), ampicilina-sulbactam ou metronidazol. Outras situações precisam ser lembradas, pois não estão incluídas escores PORT e devem levar o médico a considerarnos a internação dos(PSI) pacientes para o tratamento, devido ao risco de não adesão à antbiotcoterapia prescrita ou a maior taxa de complicações: - Usuários de drogas ilícitas; - Etlistas; - Deficiência mental; - Pacientes com graves problemas sociais; - Pacientes com doenças neuromusculares.
42
Segundo as recomendações da BTS (2004), outros critérios objetvos, mais simples que o PORT (PSI) e validados, com boa correlação clínica, podem ser u tlizados, como o CURB-65 (Confusion, Urea, Respiratory rate, Blood pressure, 65 anos) e o CRB-65 (sem a ureia) (Figuras 2 e 3). Variáveis independentemente associadas à maior mortalidade: - Albumina <3g/dL: RR = 4,7 (IC 95%: 2,5 a 8,7); - Idade ≥65 anos: RR = 3,5 (IC 95%: 1,6 a 8); - Temperatura <37°C:RR = 1,9 (IC 95%: 1 a 3,6); - CURB ≥2: RR = 5,2 (IC 95%: 2,7 a 10,3).
Figura 2 - Critérios da BTS 2004 para estratficação de PAC – CURB65 e CRB-65
4. Exames complementares -
Pacientes PORT I: •
Não há, em geral, necessidade de coleta de qualquer exame. O últmo guideline do IDSA-ATS (2007) recomenda investgar a etologia da pneumonia mesmo nesses pacientes, com tratamento ambulatorial, dada a importância epidemiológica de certos agentes como Legionella, que pode causar surtos. Os exames para tal investgação seriam hemoculturas e amostra de escarro para coloração de Gram e cultura. Entretanto, essa coleta é opcional nesse grupo.
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
Pacientes PORT II-V: Inicialmente, recomenda-se: Colher sódio, potássio, ureia, creatnina, glicemia, hemograma; Aferir a saturação de oxigênio (oximetria de pulso); deve-se colher gasometria arterial em caso de hipoxemia (saturação de oxigênio <90%), insu ficiência respiratória ou na suspeita de hipercapnia no paciente com DPOC. Não há evidência para indicar gasometria de rotna em todos os pacientes; Não existe evidência para colher enzimas hepátcas
gicos ou a pacientes com PAC grave sem definição etológica com os exames anteriores.
-
•
•
•
•
•
•
•
tgação Tabela 10 - Exames complementares indicados para a inves etológica da pneumonia adquirida na comunidade
Angeno Lavado Bacteriosurinário para broncoalHemo- copia e Evidência pneumoco- veolar ou Outros cultura cultura de co e Legio- aspirado escarro nella sp traqueal Aspirado se
Admissão
rotneiramente; a relação custo-benefcio dessa indicação no Brasil não é justficável, diante dos escassos recursos financeiros; Pacientes com fatores de risco ou achados clínico-radiológicos apicos devem ser submetdos à sorologia para o HIV (após esclarecimento e consentmento). Recomenda-se, também, a coleta a todos os pacientes com PAC de 15 a 54 anos com necessidade de internação. Não há evidência para colher, de rotna, a sorologia para o HIV em todos os pacientes; Outros exames podem ser solicitados, de acordo com a história e o exame fsico; Após os exames iniciais, pacientes classi ficados como PORT II não necessitam de exames adicionais; não há evidência para a coleta rotneira de escarro ou hemoculturas, exceto em estudos epidemioló-
em UTI PAC grave
gicos; tais indivíduos serão tratados ambulatorialmente. Quanto a pacientes PORT III, IV e V, devem ser solicitados:
* Não realizar em caso de falha de tratamento ambulatorial.
* Duas amostras para hemoculturas: a posi tvidade da hemocultura é de 5 a 14%. O agente mais frequentemente isolado é o pneumococo. A hemocultura é opcional nos pacientes com critério de internação em geral, mas deve ser colhida nos casos de PAC grave e nas situações descritas na Tabela 10; * Gram e cultura do escarro: a taxa de recuperação do agente por esse método depende da qualidade de todo o processo, da coleta ao processamento. Sua coleta está indicada apenas se o laboratório local for confiável; caso contrário, o resultado pode confundir a conduta clínica; * Pesquisa do angeno do pneumococo na urina, se disponível no hospital; * Pesquisa na urina do an geno da Legionella pneumophila sorotpo 1 (sensibilidade = 65% e especi ficidade = 95%) se disponível no hospital; * Sorologias para apicos (C. pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e outras espécies de Legionella) não são indicadas rotneiramente. Podem ser extremamente úteis em estudos epidemioló-
Sim
Sim
Sim
Sim
realizada intubação traqueal
Abuso do uso de álcool
Sim
Sim
Sim
Falha de tratamento clínico
Sim
Sim
Não
Sim*
-
Doença estrutural
Não
Sim
Sim
Não
-
Infiltrado cavitário
Sim
Sim
Não
Não
BAAR
Derrame pleural
Sim
Sim
Não
Não
Toracocentese
-
A - Outros exames ocasionalmente necessários (mas não rotneiros) Broncoscopia com lavado broncoalveolar: em imunocompetentes, isto é, na maioria dos pacientes com PAC, não é necessária. Tem maior utlidade em pacientes internados que não responderam à terapêutca empírica inicial e naqueles com necessidade de intubação orotraqueal e admissão em UTI; - Toracocentese diagnós tca: todos os pacientes com PAC que se apresentem com derrame pleural passível de punção (isto é, com mais de 10mm de espessura no decúbito lateral) devem ser submetdos à toracocentese. É importante ressaltar a inexistência de estudos apontando que o uso rotneiro da ultrassonografia está -
associado à redução de complicações, de modo que não recomendada sua utlização antes da toracocentese. Após a coleta do líquido pleural, devem-se solicitar: Sangue: desidrogenase láctca, proteínas totais e frações e glicemia; Líquido pleural: desidrogenase láctca, proteínas totais e frações, glicose, celularidade total e diferencial, Gram, cultura para aeróbios e anaeróbios e pH. Na suspeita de tuberculose, podem-se acrescentar •
•
43
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA pesquisa de BAAR, cultura para micobactérias e dosagem da adenosina deaminase (ADA). Em caso de suspeita de infecção fúngica, podem-se solicitar pesquisa direta e cultura para fungos.
Figura 3 - Abordagem do derrame pleural em PAC -
PCR (reação em cadeia da polimerase): não deve ser usada como rotna, em virtude do custo e das dificuldades técnicas. É mais útl para pesquisa de agentes mais raros e apicos. Há sondas de PCR disponíveis para vários agentes, entre eles, pneumococo, Legionella, Mycoplasma, C. pneumoniae, micobactérias, vírus e fungos;
-
Pesquisa de BAAR e cultura de micobactérias: não devem ser solicitados de ro tna. Obviamente, sua indicação deve ser feita em pacientes com quadros clínico e radiográfico sugestvos de tuberculose; - Pesquisa de Pneumocysts jiroveci: sua indicação deve ser feita a pacientes com fatores de risco e quadro clínico-radiológico sugestvos de pneumocistose. - Ultrassonografia de tórax: deve ser solicitada em situações especiais:
44
• •
-
Quando se suspeita de derrame pleural loculado; Para guiar a toracocentese quando não foi possível conseguir a punção inicialmente.
Tomografia de tórax: tem maiores sensibilidade e especi ficidade que a radiografia de tórax para a avaliação de doenças pulmonares e pleurais. Contudo, é um método caro, não amplamente disponível, além de fazer uso de radiação e, eventualmente, contraste. Deve ser restrita a situações par tculares, que incluem: Avaliação de derrames pleurais complicados ou outras complicações da pneumonia; Quadro clínico ou radiológico apico: suspeita de neoplasia, abscesso, cavitações, infecções fúngicas, corpo estranho, outros; •
•
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
•
Avaliação da presença de infiltrado pulmonar, em indivíduos com quadro clínico exuberante e radiografia persistentemente normal.
B - Categorias que refletem o grau de certeza da etologia da PAC Mesmo com todos os exames complementares disponíveis, uma grande parte dos pacientes com PAC permanece sem o diagnóstco etológico. A classificação para exemplificar o grau de certeza da etologia de PAC é descrita a seguir. t
t
fi
t
a) Diagnós co e ológico de ni vo - Agente microbiano isolado de sítos estéreis: sangue, líquido pleural ou do tecido pulmonar; - Agente microbiano identficado no escarro e que não costuma colonizar indivíduos normais: M. tuberculosis, Legionella spp, H. capsulatum e alguns vírus (influenza, sincicial, parainfluenza, adenovírus e coronavírus da SARS); - Angeno urinário posit vo para Legionella. b) Diagnóstco etológico provável com presença de síndrome clínica compavel - Detecção (cultura ou Gram) de um patógeno causador de pneumonia (S. aureus, S. pneumoniae, H. influenzae, M. catarrhalis, P. aeruginosa) no escarro purulento ou por técnicas broncoscópicas, em moderada a grande quantdade. No lavado broncoalveolar: ≥104/ UFC; no lavado protegido com escova: ≥103/UFC; - Aumento ≥4x os tulos de an tcorpos para um agente causador de pneumonia (colhido ao diagnóstco e na convalescença – após 2 semanas); - Angeno positvo para S. pneumoniae na urina em adultos.
C - Gram e cultura do escarro A coleta de escarro para pacientes ambulatoriais é de valor questonável e, exceto em situações especiais (estudo epidemiológico, análise do perfil de sensibilidade, suspeita de tuberculose, suspeita de agente resistente), tem indicação opcional. Pacientes com indicação de internação devem colher uma amostra adequada de escarro para a pesquisa direta e culturas. Apesar do grande debate acerca do valor do escarro em termos de sensibilidade, especificidade e impacto na condução do o escarro tem grande importância epidemiológica, nacaso, vigilância do per fil de resistência e na posterior avaliação da adequação do antbiótco. As maiores limitações do escarro são: - Pacientes sem expectoração; - Pacientes com rebaixamento do nível de consciência; - Orientação inadequada quanto à coleta; - Interpretação equivocada do resultado; - Resultado do Gram sujeito à variação interobservador;
-
Contaminação das vias aéreas e grande variação dos resultados nos estudos, em termos de sensibilidade e especificidade.
São recomendações para a coleta e a interpretação do escarro no pronto-socorro: - Tentar obter uma amostra antes da administração do antbiótco; - Colher uma amostra das vias aéreas inferiores: solicitar para o paciente tossir “profundamente”. Amostras de saliva não são úteis; - A amostra deve, imediatamente, ser transportada ao laboratório; este, por sua vez, deve processá-la prontamente; - A porção purulenta do escarro é aquela que deve ser processada; - A amostra é valorizada quando, ao microscópio de pequeno aumento, se visualizam >25 células polimorfonucleares (PMN) e <10 células epiteliais escamosas. Para Legionella e micobactérias, essa avaliação da qualidade do escarro não tem valor e não deve influenciar o resultado do exame; - Além da contagem de PMN e de células epiteliais, o escarro tem maior valor se há um agente predominante ao Gram; - Semear em meio de cultura: habitualmente, há crescimento de flora mista; - O maior valor do escarro é quando há uma correlação entre o achado do Gram (isto é, o agente predominante) e o agente que cresceu na cultura. Infelizmente, mesmo em situações ideais (como em estudos prospectvos), o escarro adiciona pouco valor à condução do caso. Em um estudo publicado em 2004, com 1.669 pacientes que tveram o diagnóstco de PAC, só se conseguiu colher escarro de 983 pacientes (59%); destes, apenas as amostras de 532 (31,2%) foram consideradas de boa qualidade. Dessas amostras, em apenas 240 delas (14% dos pacientes) houve um germe predominante no escarro. Isso traduz a dificuldade na coleta e na interpretação dos achados do escarro em pessoas com PAC.
D - Pesquisa do angeno do pneumococo na urina Estudos recentes avaliaram o valor da pesquisa na urina de angenos do pneumococo (ELISA ou imunocromatografia). A grande vantagem desse exame é a rapidez do resultado (15 minutos), já que infecções graves por pneumococo, habitualmente, são confirmadas por culturas (sangue ou líquido pleural), que são demoradas e têm baixa sensibilidade. Um estudo recente comparou o resultado da pesquisa do angeno pneumocócico em 107 pacientes com pneumococo isolado em hemocultura com 106 pacientes com infecções documentadas por não serem pneumocócicas. Os resultados foram: - Sensibilidade = 82% (IC 95%: 74 a 89);
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INFECTOLOGIA -
Especificidade = 97% (IC 95%: 92 a 99); Resultado do exame em 15 minutos.
Há vários outros estudos que confirmam a acurácia da pesquisa urinária do angeno do pneumococo para o diagnóstco rápido de infecções graves por tal bactéria. Por isso, é muito recomendada a pacientes internados com PAC. Três observações não podem ser esquecidas: 1 - O teste tem menor utlidade para crianças (pode ser positvo em crianças colonizadas). 2 - O teste pode levar semanas para tornar-se negatvo após uma infecção pneumocócica: por isso, em relação a indivíduos com PAC recente (geralmente, nas últmas 6 semanas), o teste perde a validade. 3 - Não é indicado de rotna em PACs que serão tratadas em ambulatório.
E - Pesquisa na urina do angeno da Legionella Assim como para o pneumococo, há um teste (ELISA) que detecta, na urina, o angeno da Legionella pneumophila sorotpo 1. A sensibilidade média dos estudos varia de 69 a 72%; entretanto, para PAC grave, a sensibilidade aumenta para 88 a 100%. Sabe-se que, nas PACs graves, a Legionella é um agente importante e deve sempre ser tratada empiricamente. Por isso, é bastante recomendada a pesquisa do angeno 1 da Legionella na urina a todos os pacientes com PAC grave. Também é indicado a todos os hospitais que admitem pacientes com PAC, que devam ter esse método de diagnóstco disponível.
adenovírus, rinovírus, coronavírus, metapneumovírus e bocavírus.
5. Estratficação de risco e terapia antmicrobiana inicial Julgamos muito importante seguir as recomendações dos consensos, pois a adesão às suas orientações associa-se ao melhor prognóstco para o paciente, é capaz de reduzir os custos, pode evitar internações desnecessárias e o uso indiscriminado de antbiótcos de amplo espectro. Entretanto, algumas vezes,conforme temos deasusar o bomtsenso e individualizar a conduta, caracterís cas especiais de alguns pacientes. Além disso, em algumas situações, os escores podem falhar. A seguir estão as recomendações de an tbiotcoterapia específica para cada agente etológico (Tabelas 11 e 12), e segundo o escore de PORT (Tabela 13). Tabela 11 - Agentes específicos e terapia preferencial Agente
Amoxicilina, beta-lactâmicos em geral.
Pneumococo resistente à penicilina.
Cefalosporinas de 3ª geração (ceriaxona, cefotaxima),fluoroquinolona respiratória.
Apicos (Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae e Legionella pneumophila).
Macrolídeos e doxiciclina.
Haemophilus influenzae.
Cefalosporinas de 2ª (axetlcefuroxima) e 3ª gerações (ceriaxona, cefotaxima),fluoroquinolona respiratória amoxicilina-clavulanato, ampicilina-sulbactam.
Enterobactérias (BGN não Pseudomonas).
Cefalosporinas de 3ª (ceriaxona, cefotaxima) ou 4ª (cefepima) gerações, fluoroquinolona respiratória.
Pseudomonas aeruginosa.
Beta-lactâmicos antpseudomonas (ceazidima, cefepima, piperacilina-tazobactam, imipeném, meropeném), aminoglicosídeos (amicacina), ciprofloxacino.
F - Sorologias As sorologias devem ser colhidas na vigência do diagnóstco de PAC e repe tdas após 15 dias. As reações sorológicas não alteram o manejo terapêu tco de pessoas com PAC, mas podem ser bastante úteis em estudos epidemiológicos (considera-se posi tvo um aumento maior que 4 vezes nos tulos de an tcorpos da fase aguda para a convalescença). As principais sorologias disponíveis são: - Mycoplasma pneumoniae; - C. pneumoniae, C. psi aci, Coxiella burneti; - Legionella spp.
G - Diagnóstco de vírus Para o diagnóstco etológico das PACs por vírus, existem disponíveis métodos que pesquisam an genos, como a imuno fluorescência indireta, e métodos moleculares, que iden tficam material gené tco dos vírus. Em geral, são realizados em amostras colhidas da naso e da orofaringe (swab, aspirado e lavado), mas em pacientes intubados podem também ser realizados em lavado broncoalveolar. Estão disponíveis testes para o diagnóstco de infecções por influenza A (incluindo a cepa pandêmica H1N1-2009) e B; parain fluenza 1, 2, 3 e 4; vírus respiratório sincicial,
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Antbiótco
Pneumococo sensível à penicilina.
Clindamicina, amoxicilina, amoAnaeróbios.
xicilina-clavulanato, ampicilina-sulbactam, metronidazol.
Oxacilina, amoxicilina-clavulanato, cefalosporinas de 2ª geração Staphylococcus aureus oxaci(axetlcefuroxima). Atenção: lino-sensível. cefalosporinas de 3ª geração não têm atvidade. Staphylococcus aureus oxaci- Vancomicina, teicoplanina, linelino-resistente. zolida.
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
Tabela 12 - Antbiotcoterapia de acordo com o germe H. influenzae
- Sensível a: · Azitromicina; · Cefuroxima; · Cefalosporina de 3ª geração; · Quinolonas respiratórias; · Amoxicilina-clavulanato. - Resistência de 10% a: · Tetraciclinas; · Claritromicina; · Amoxicilina.
Pneumonia comunitária PORT III-IV-V (cuidado com pacientes de risco para Pseudomonas e anaeróbios) - Haemophilus influenzae de 3 a 10%; - Gram negatvo até 15%; - Da mesma forma, em grande parte dos pacientes, não se acha uma etologia (pode chegar a 50%); - Pacientes com pneumonia comunitária em estado grave têm uma tvos (pode chegar a 22%). incidência aumentada de Gram nega Pneumonia comunitária PORT III-IV-V – Com aspiração - Flora mista: pneumococo, hemófilos, estafilococo e bacilos
Agentes apicos
- Sensíveis a: · Tetraciclina; · Doxiciclina; · Macrolídeos; · Quinolonas respiratórias (gatfloxacino, levofloxacino e moxifloxacino).
Gram negatvos. Raramente, anaeróbios; - Deve-se associar clindamicina ou metronidazol para cobrir anaeróbios apenas em situações especiais. Tabela 14 - Escores PORT (PSI) e tratamento Escala de risco
Local de tratamento
Observação
Antbiótco sugerido
PORT I
1ª opção: macrolídeo (azitromicina ou claritromicina Paciente ambulaou eritromicina). torial, previamenAlternatva: doxiAmbulatorial. te hígido, sem ciclina. ATB nos últmos 3 Observação: consimeses. derar uso de beta-lactâmico sozinho (amoxicilina).
- Dependendo do padrão de sensibilidade local, pode ser sensível a: · Ceazidima.
PORT II
Paciente ambulatorial, porém com Ambulatorial. comorbidades ou ATB nos últmos 3 meses.
1ª opção: fluoroquinolona respiratória ou beta-lactâmico + macrolídeo.
- Raramente, pode ser necessária a polimixina B (em agentes multrresistentes).
Breve estada no pronto-socorro e PORT III alta hospitalar, caso se encontre estável.
Paciente com comorbidades ou ATB nos últmos 3 meses e/ou algum critério de risco, sem critérios para PAC severa.
1ª opção: fluoroquinolona respiratória ou beta-lactâmico + macrolídeo.
Bacilos Gram negatvos - Normalmente, são sensíveis a: · Cefalosporinas de 3ª geração; · Quinolonas respiratórias. Pseudomonas aeruginosa
- Sensível a: · Cefepima; · Imipeném; · Meropeném; · Piperacilina/tazobactam (em monoterapia ou em associação a ciprofloxacino ou amicacina).
- Resistente a: · Ceriaxona. Tabela 13 - Escores PORT (PSI) e agentes mais frequentes Pneumonia comunitária PORT I e II - Devem-se cobrir agentes apicos e pneumococo; - Em mais de 50% dos pacientes, não se encontra uma teologia; - Pneumococo é o principal agente; - Chlamydophila pneumoniae em até 17% e micoplasma em até
PORT IV Internado.
37% dos pacientes. Pneumonia comunitária PORT III-IV-V (cuidado com pacientes de risco para Pseudomonas e anaeróbios)
Pacientes com critério de internação, sem necessidade de UTI.
- Pneumococo é o mais frequente (de 20 a 60%); - Agente apico: pode chegar a 20%. Deve-se notar que um agente apico também pode causar pneumonia grave e fatal, sobretudo Legionella; - É possível haver 2 agentes: usualmente, 1 deles é um patógeno apico (pode chegar a 25%);
PORT V
Internado (considerar UTI).
Pacientes com critério de internação e necessidade de UTI.
1ª opção: fluoroquinolona respiratória ou beta-lactâmico +beta-lactâmico macrolídeo ou+ quinolona. 1ª opção: beta-lactâmico de amplo espectro + (azitromicina ou fluoroquinolona respiratória).
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INFECTOLOGIA
Figura 4 - Antbiotcoterapia empírica inicial conforme estratficação por nível de gravidade
- Observações: -
-
Macrolídeos – principais opções e doses: • • • •
Azitromicina, 500mg VO ou IV, 1x/dia; Claritromicina, 500mg VO ou IV, de 12/12h; Eritromicina, 500mg VO, de 6/6h; Em alguns países, também se coloca, como opção aos macrolídeos, a doxiciclina; no Brasil, essa recomendação não pode ser feita em razão da grande resistência do pneumococo às tetraciclinas.
Os beta-lactâmicos preferenciais para pacientes com possibilidade de terapia ambulatorial são aqueles disponíveis por VO: Axetlcefuroxima, 500mg a 1g VO, de 12/12h; Amoxicilina, 500mg a 1g VO, de 8/8h; Amoxicilina-clavulanato, 500mg a 1g VO, de 8/8h. • • •
-
Os beta-lactâmicos preferenciais para pacientes internados (sem UTI) são: Ceriaxona, 1g IV, de 12/12h; Cefotaxima, 1g IV, de 8/8h; Ampicilina, 2g IV, de 6/6h. • •
-
As fluoroquinolonas respiratórias são aquelas com espectro contra Streptococcus pneumoniae. As principais opções atualmente utlizadas e doses são: Levofloxacino, 750mg VO ou IV, 1x/dia. Observação: anteriormente, utlizava-se a dose de 500mg/ dia desse antbiótco. Deve-se lembrar que a dose recomendada, nos mais novos guidelines, é sempre de 750mg/dia;
•
-
•
• •
•
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• • •
fl
Moxi Gemifloxacino, oxacino, 400mg 320mg VO, VO, 1x/dia; 1x/dia. É a mais nova quinolona sistêmica no mercado, e há dados provando que tenha maior potência contra pneumococo; Gatfloxacino – atenção: essa era uma das drogas possíveis nos consensos até 2004. Devido a alterações glicêmicas graves induzidas pela medicação, foi retrada dos mercados americano e brasileiro desde 2006.
Os beta-lactâmicos preferenciais para pacientes internados (sem UTI) são drogas com maior espectro contra Gram negatvos, além de cobertura contra pneumococo: Ceriaxona, 1g IV, de 12/12h; Cefotaxima, 1g IV, de 8/8h; Ampicilina-sulbactam, 3g IV, de 6/6h.
Comorbidades de importância clínica: doenças hepátca, renal, cardíaca ou pulmonar crônica, diabetes mellitus, alcoolismo, neoplasia, asplenia, doenças ou terapias imunossupressoras, uso de an tbiótcos nos últmos 3 meses; - Risco de infecção por Pseudomonas: quanto a pacientes PORT III, IV e V, deve-se estar atento àqueles com esse risco. É importante lembrar que tais indiví-
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
duos não são especificados nos escores PORT (PSI) e necessitam de uma avaliação complementar, prescrevendo um antbiótco específico para Pseudomonas; - Para pacientes com risco de infecção por Pseudomonas aeruginosa, recomendam-se: Beta-lactâmicos com ação antpseudomonas: cefepima ou piperacilina-tazobactam ou meropeném ou imipeném associado a: * (Ciprofloxacino ou levofloxacino) ou (aminoglicosídeo + azitromicina) ou (fluoroquinolona antpneumocócica + aminoglicosídeo).
-
Alterações marcantes no exame fsico – considerar internação: frequência respiratória >30irpm, pressão arterial sistólica <90mmHg, pulso >125bpm, alteração do nível de consciência, temperatura <35°C ou >40°C;
-
Alterações importantes nos exames complementares – considerar internação: leucócitos <4.000/mm3 ou >30.000/mm3, PaO2 <60mmHg, hematócrito <30%, coagulopata, acidose metabólica, radiografia com acometmento de vários lobos, derrame pleural ou cavitação;
•
Considerar, ainda, para pacientes com Staphylococcus aureus metcilino-resistentes, adicionar vancomicina ou teicoplanina ou linezolida. Lembrar que as infecções comunitárias por S. aureus oxacilino ou metcilino-resistentes são um problema recentemente detectado nos EUA e ainda muito raro no Brasil; - É importante ressaltar que o oseltamivir ou zanamivir são antvirais que podem ser u tlizados para o tratamento de pneumonia grave, em pacientes com infecção por vírus influenza, não sendo recomendado seu uso a pacientes com infecções não complicadas; - Outras considerações recentes trazidas pelo novo consenso de pneumonia foram: acrescentar o ertapeném como um dos antbiótcos beta-lactâmicos indicados para o tratamento de pacientes hospitalizados com fatores de risco para infecção por Gram negatvos (outros, que não sejam Pseudomonas); já a telitromicina, antbiótco de nova classe de drogas (os quetolídeos), ainda não foi considerada indicação para tratamento usual da pneumonia domiciliar. -
Importante: Todas essas recomendações são para an tbiotcoterapia empírica, baseada nos fatores de gravidade e de risco para patógenos específicos. Sempre que o agente causador da pneumonia for isolado, a antbiotcoterapia inicial deverá ser reavaliada, e podem ser necessárias modificações, como a retrada, a adição ou a substtuição de drogas.
A - Local de tratamento: ambulatorial x internado Trata-se de uma das decisões mais importantes e de grande impacto, sobre o sucesso terapêutco e custos assistenciais. Estma-se que internar um paciente com pneumonia aumenta em mais de 20 vezes o custo da terapêu tca.
-
Pacientes com problemas sociais – considerar internação: moradores de rua, usuários de drogas ilícitas, etlistas.
b) Usar outros critérios objetvos mais simples que o PORT (PSI) e validados, com boa correlação clínica: CURB65 e de CRB-65 Este tópico é muito importante para o sistema público de saúde. Recentemente, vários autores têm demonstrado que há uma excessiva internação de pacientes com PAC, muitas vezes desnecessária. -
O Consenso Britânico considera que 2 das variáveis do CURB-65 positvas representam indicação de internação hospitalar. O escore simplificado sem uremia pode ser utlizado para pacientes vistos na atenção primária, ou que já apresentem alteração prévia de função renal.
B - Antbiotcoterapia empírica em pacientes com risco para Pseudomonas De todos os fatores de risco para PAC por Pseudomonas, os mais importantes são pacientes portadores de bronquiectasias, fibrose cístca, internação nos últmos 7 dias ou uso de antbiótco de amplo espectro por mais de 7 dias nos últmos 30 dias. O consenso da ATS também coloca, como fator de risco para Pseudomonas, o uso de >10mg/dia de prednisona (ou dose equivalente de outro cor tcoide). A antbiotcoterapia empírica em pacientes com PACs graves e risco de Pseudomonas foi descrita anteriormente e está resumida na Tabela 15. Tabela 15 - PAC grave e risco para Pseudomonas Fatores de risco*
São linhas gerais que podem ajudar: a) Usar o escore PORT (PSI)
- Bronquiectasias;
Internar pacientes PORT IV e V; manter, brevemente no pronto-socorro, pacientes PORT III;
- Uso de antbiótco de amplo espectro por mais de 7 dias nos últmos 30 dias;
-
Presença de comorbidades – pode-se considerar internação: DPOC, bronquiectasia, diabetes mellitus, IC, câncer, insuficiência renal, desnutrição, e tlismo, doença neurológica;
- Fibrose cístca;
- Internação recente (últmos 7 dias); - Uso de cortcoide (>10mg/dia de prednisona ou equivalente) cronicamente; -Neutropênicos (<1.000/mm3).
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INFECTOLOGIA Antmicrobianos** - Cefepima + ciprofloxacino***; - Ceazidima + ciprofloxacino***; - Imipeném + ciprofloxacino***; - Meropeném + ciprofloxacino***; - Piperacilina + tazobactam+ ciprofloxacino***;
Tabela 16 - Pneumonite aspiratva x pneumonia aspiratva Característcas Mecanismo.
Pneumonite aspiratva
Aspiração do conteú- Aspiração de conteúdo orodo gástrico estéril. faríngeo contaminado. Proliferação bacteriana com destruição do parênquima pulmonar.
Fisiopato- Lesão pulmonar agulogia. da química.
- Amicacina + antbiótco antpseudomonas**** + macrolídeo; - Aztreonam + levofloxacino (dose de 750mg/dia). * Alguns autores recomendam acrescentar: transplantados em uso de imunossupressores, pacientes em uso de aza toprina, ciclofosfamida, ciclosporina ou outros quimioterápicos. ** A pacientes com PAC grave, deve sempre ser prescrito um antbiótco com cobertura para Legionella. *** O ciprofloxacino, nessa situação, deve ser prescrito em altas doses: 400mg IV (de 12/12 ou 8/8 horas). **** Ce azidima, cefepima, imipeném, meropeném ou piperacilina-tazobactam.
C - Antbiotcoterapia empírica em pacientes com aspiração orotraqueal A aspiração orotraqueal ocorre quando bactérias da orofaringe chegam às vias aéreas distais, levando à infecção do parênquima pulmonar. A pneumonia aspiratva é mais frequente em idosos, e dados recentes têm apontado um crescimento substancial do número de casos de PAC aspiratva. Em um estudo realizado nos EUA, foram avaliados dados de 273.143 pneumonias de 1991 a 1998. A incidência de pneumonia aspiratva aumentou em 93,5%, progressivamente, ano a ano.
Bacteriologia.
Pneumonia aspiratva
Mais frequentes: pneumococo, hemófilos, estafilococo e bacilos Gram
Inicialmente estéril; pode evoluir com
infecção sobreposta. negatvos, eventualmente anaeróbios. Fatores Rebaixamento do predisponível de consciência. nentes.
Disfagia e/ou dismotlidade gástrica.
Qualquer idade; Idade dos usualmente, adultos pacientes. jovens.
Maioria idosa.
Apresentação pica.
-
Adulto que apresenta um rebaixamento e evolui com sintomas respiratórios e infiltrados pulmonares; varia de quadros leves a quadros muito graves.
Idoso, acamado, com sequela neurológica, insttucionalizado, com disfagia, que passa a apresentar queixas respiratórias e infiltração pulmonar, geralmente durante dias.
Nem sempre há necessidade de prescrever um an tbiótco antanaeróbio específico. Na maioria das circunstâncias, a terapia antmicrobiana deve cobrir os agentes aeróbios; os anaeróbios morrem por consequência.
Vale lembrar que há diferenças entre pneumonite química aspiratva de pneumonia bacteriana aspiratva.
Tabela 17 - Tratamento de pneumonite e pneumonia aspira tva Situaçãoclínica
Recomendação
Na pneumonite química, há aspiração pulmonar de conteúdo gástrico, ocasionando uma resposta in flamatória. Pode acontecer após crises convulsivas, intubação orotraqueal ou vômitos. O quadro clínico é de início rápido com tosse, dispneia, hipoxemia, broncoespasmo, taquipneia, muitas vezes necessitando de suporte ven tlatório. Em geral, não implica, obrigatoriamente, antbiotcoterapia; aguardam-se de 24 a 48 horas. A persistência ou a piora dos sintomas implica o diagnóstco presuntvo de pneumonia aspiratva bacteriana.
Pneumonite aspiratva química.
- Suporte clínico e aguardar 24 a 48 horas; caso os sintomas persistam ou piorem, tratar como pneumonia aspiratva.
Na pneumonia aspiratva bacteriana, bactérias da orofaringe chegam às vias aéreas distais, causando pneumonia. Os pacientes com maior risco para pneumonia aspiratva são: moradores de casa de repouso, portadores de doenças neurológicas sequelares (AVC, demência, doenças neuromusculares), etlistas, pessoas com dentes em estado precário, presença de sonda nasoentérica, intubação orotraqueal com vômitos, entre outras.
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Pneumonia aspi- Beta-lactâmico + macrolídeo; ratva em pacien- Quinolona com espectro antpneumocótes sem fatores de cico**. risco*. Pneumonia aspi- Beta-lactâmico*** ou quinolona com ratva em pacienespectro antpneumocócico** associado tes com fatores de ou não a Clindamicina. risco*. * Fatores de risco para infecção atva por anaeróbios: dentes em estado muito precário de conservação, escarro pútrido, evidência de pneumonia necrotzante, imagem de abscesso à radiografia (nível líquido) e aspiração em alcoolistas. ** Levofloxacino, moxifloxacino ou gemifloxacino. *** Em caso de beta-lactâmico com cobertura contra anaeróbios (ampicilina-sulbactam, piperacilina-tazobactam), não há necessidade de associar antanaerobicida específico.
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
D - Indicação de terapia intensiva em pneumonia grave Os pacientes com pneumonia grave são aqueles com o escore PORT (PSI) IV ou V com mortalidade prevista de, respectvamente, 8 e 31%. Muitos deles têm indicação de internação em unidade de tratamento intensivo. Há uma sugestão, baseada em recomendações da Britsh Thoracic Society (BTS), de usar escores para de finir pacientes com risco aumentado de óbito. Com a presença de 2 ou mais dos critérios a seguir, o risco de morte é aumentado em 21 vezes: Frequência respiratória ≥30irpm; - Pressão arterial sistólica <90mmHg ou diastólica ≤60mmHg; - Confusão mental de início recente. Da mesma forma, os britânicos classificam PAC grave de acordo com critérios maiores e menores; a presença de 2 critérios principais ou 1 principal associado a 1 adicional caracteriza PAC grave. Critérios principais (CURB – Confusion, Urea, Respiratory rate, Blood pressure): Confusão de início recente; Frequência respiratória ≥30irpm; Ureia >60mg/dL; Pressão arterial sistólica <90mmHg ou diastólica <60mmHg. • • • •
-
• • • • •
• • •
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-
•
Critérios adicionais: Envolvimento de 2 ou mais lobos; PaO2 <60mmHg ou saturação O2 <92%; Usar os critérios definidos por Ewig, divididos em maiores e menores (conhecidos como critérios da ATS modificados). Indicação de UTI/PAC grave: 1 critério maior ou 2 critérios menores. Maiores de Ewig: * Choque séptco; * Necessidade de ventlação mecânica. Menores de Ewig: * Envolvimento de 2 ou mais lobos; * Pressão arterial sistólica <90mmHg; * PaO2/FiO2 <250mmHg. • • •
•
•
O Consenso da ATS e IDSA em 2007 propõe combinar as variáveis de gravidade de indicação de internação em UTI com as variáveis do Consenso Britânico. Nessa proposta, são mantdos as estruturas e os critérios maiores e menores do consenso da ATS, com as variáveis do Consenso Britânico acrescentando hipotermia, plaquetopenia e leucopenia: - Critérios maiores: Choque séptco; Necessidade de ventlação mecânica. - Critérios menores: Envolvimento de 2 ou mais lobos pulmonares; • •
•
Pressão arterial sistólica <90mmHg; PaO2/FiO2 <250mmHg; Confusão de início recente; Frequência respiratória ≥30/irpm; Ureia >60mg/dL; Pressão sistólica <90mmHg ou diastólica <60mmHg (critério mais aceito: hipotensão requerendo reposição agressiva); Leucopenia <4.000 células/mm3; Plaquetopenia <100.000 células/mm3; Hipotermia (temperatura <36°C).
A presença de 1 critério maior ou 3 menores representa indicação de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Um estudo recente comparou os critérios de gravidade e de internação em UTI sugeridos pela American Thoracic Society (ATS), dos escores PORT (PSI) e dos critérios da Sociedade Britânica (BTS); os principais resultados foram: - Nenhum dos escores se mostrou su ficientemente adequado na avaliação da necessidade de UTI; o valor preditvo de quaisquer das regras ainda é inadequado.
6. Princípios gerais do tratamento e complicações Não se deve retardar o início da an tbiotcoterapia. Um estudo mostrou que seu retardo em mais de 8 horas da chegada ao hospital aumentou a mortalidade avaliada em 30 dias. Recentemente, foi demonstrado que o ideal é iniciar a an tbiotcoterapia em até 4 horas da chegada ao pronto-socorro. Nesse estudo, o uso de an tbiótco nas primeiras 4 horas da chegada a esse local, em comparação com o início após 4 horas, esteve associado a: - Menor mortalidade intra-hospitalar: 6,8 x 7,4%; RR = 0,85 (IC 95%: 0,74 a 0,98); - Menor mortalidade em 30 dias: 11,6 x 12,7%; RR = 0,85 (IC 95%: 0,76 a 0,95); - O novo consenso da ATS e IDSA recomenda iniciar a antbiotcoterapia ainda na unidade de emergência. - Duração da terapêu tca antmicrobiana: A tendência atual é iniciar a antbiotcoterapia precocemente, em doses altas e mantê-la por período mais curto; Paciente ambulatorial: 7 dias. O consenso da ATS e IDSA considera tempo mínimo de 5 dias com paciente afebril e estável por, pelo menos, 48 a 72 horas; Paciente internado: de 7 a 14 dias; Legionella e Pseudomonas podem necessitar de 14 a 21 dias. •
•
• •
A resposta esperada é uma melhora clínica progressiva. Em 24 a 72 horas, há crescente melhora geral e recuperação. Entretanto, os pacientes podem não evoluir bem por vários fatores (Tabela 18):
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INFECTOLOGIA Relacionados à bactéria: resistência ao antbiótco, germe não bacteriano (vírus, fungo, micobactéria). As 3 maiores possibilidades bacterianas resistentes são: pneumococo de alta resistência, Pseudomonas e estafilococo oxacilino-resistente. Mais raramente, pode ser devido a germes não usuais; - Relacionados ao antbiótco: erro na seleção da droga, dose inadequada, não adesão; - Relacionados ao paciente: corpo estranho ou obstrução, imunidade deprimida, complicação pulmonar como enfisema, abscesso pulmonar, infecção metastá-
tca como endocardite, pericardite, abscesso hepátco,
esplênico, pioartrite, meningite, outras. Pode, também, haver complicação de uma doença preexistente ou surgir outro evento junto com a pneumonia (paciente pode desenvolver TEP, IAM, AVC, insu ficiência renal, insuficiência cardíaca ou SARA); - Diagnóstco incorreto: IC, TEP, vasculite, hemorragia e outros já citados; - Relacionados a complicações da pneumonia: abscesso, derrame pleural, empiema, entre outros. Com esses dados, surgem algumas situações: - Melhora importante do estado geral no 3º ou no 4º dia. Sem contraindicação, deve-se passar para via oral e programar alta; - Paciente que não melhora e contnua com os mesmos sintomas no 3º ou no 4º dia; - Paciente que apresenta piora nas primeiras 48 horas. Tabela 18 - Pacientes que não melhoram no 3º ou no 4º dia ou que pioram nas primeiras 48 horas – possibilidades diagnóstcas - Bactéria resistente: pneumococo de alta resistência, estafilococo resistente ou Pseudomonas; - O germe não é uma bactéria: pode ser vírus, fungos, micobactérias, pneumocistose, Nocardia, outros; - O diagnóstco não é pneumonia: pode ser IC, TEP, IAM ou outros; - Há complicação da pneumonia: empiema, endocardite, pericardite, abscesso hepátco ou esplênico, meningite, pioartrite, outros;
avaliar se o diagnóstco é mesmo de pneumonia. Deve-se lembrar que o Brasil apresenta alta incidência de tuberculose e ficar atento à AIDS com patologia pulmonar, como pneumocistose. Alguns estudos têm mostrado que a broncoscopia pode ser útl em virtude de: - Rendimento diagnóstco de até 40%; - Possibilidade de identficar agentes como Legionella, anaeróbios, micobactérias, pneumocistose e fungos; tco que não seja - Possibilidade de se obter um diagnós pneumonia, como corpo estranho, obstrução, neoplasia. Quanto a pacientes que iniciaram antbiotcoterapia intravenosa, pode ser realizada a troca por an tbiotcoterapia para via oral, caso apresentem critérios de estabilidade clínica. São considerados tais critérios: - Temperatura ≤37,8°C; - FC ≤100bpm; - FR ≤24irpm; - PAS ≥90mmHg; - SaO ≤90% ou PaO ≤60mmHg; 2 2 - Capacidade de alimentar-se por via oral; - Estado mental normal.
7. Importância em seguir protocolos Vários estudos têm demonstrado a importância da padronização e da implementação de condutas padronizadas. tma análise, isso beneficia a qualidade do atendimenEm to eúlo prognós tco do paciente. Em 2 estudos, um com quase 4.500 pacientes e outro com um banco de dados com quase 13.000, os autores mostram que terapia de acordo com os guidelines reduziu a mortalidade, em comparação a uma terapia não recomendada por esses guidelines.
8. Alguns tópicos importantes que não podem ser esquecidos
- A pneumonia leva à disfunção de órgãos, mesmo com antbió tco adequado: insuficiência renal, coagulopata, choque, SDRA.
Uso de antbiótco antes de 4 horas da chegada ao pronto-socorro diminui a mortalidade; - Não seguir os consensos acarreta aumento dos custos e a mortalidade; - Colher hemoculturas em pacientes internados está associado à redução da mortalidade; - Não mais classificar em pneumonia a pica x pneumo-
Como regra geral, não se deve mudar o esquema an tbiótco nas primeiras 72 horas, exceto em pacientes graves que contnuam a piorar e que não seja por fatores do hospedeiro (exemplo: AVC, IAM, outros). Ao mudar o esquema antbiótco, colher materiais para culturas (sangue, urina, líquido pleural), pesquisar Legionella, focos de infecção a distância (TC de tórax pode ser útl), avaliar disponibilidade de lavado broncoalveolar e re-
nia pica. Nem pelo quadro clínico nem pelo radiológico, pode-se discriminar o agente causador. Entretanto, o termo agente apico pode ser usado para denominar Legionella, Chlamydophila pneumoniae e micoplasma; - Os estudos demonstram que os agentes a picos são causas frequentes de pneumonia comunitária; quanto mais se procura, maior é a incidência. Além disso, podem estar presentes concomitantemente com outros patógenos, e alguns estudos indicam que tal associa-
- A pneumonia descompensa uma doença de base, ou uma intercorrência clínica faz o paciente piorar: DPOC, IAM, AVC, TEP, outros;
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-
PNEUMONIA ADQUIRI DA N A COMUNIDADE
ção está relacionada a pior prognóstco. Agentes apicos podem causar pneumonia grave e, inclusive, fatal. Nos pacientes com pneumonia grave, fatal, os agentes mais frequentes são pneumococo e Legionella; - Alguns pacientes que procuram o pronto-socorro podem ter indicação de vacinação, eo médico emergencista já deve encaminhá-lo à unidade de saúde (Tabela 19); -
Radiografia de tórax está indicada a todos os pacientes com pneumonia; - A antbiotcoterapia deve ser adequada conforme grupo de risco e gravidade do paciente. -
10. Resumo Quadro-resumo
Uma meta-análise de 2004 avaliou todos os estudos disponíveis acerca do valor da vacina an tpneumocócica: a redução de doença invasiva pneumocócica foi de aproximadamente 65% quando comparada aos não
Epidemiologia
- Atenção para sazonalidade (inverno), mortalidade (idosos), envelhecimento da população e gênero (homens mais que emmulheres).
vacinados, entretanto não conseguiram mostrar redução na incidência de pneumonia.
Etologia
- Micro-organismos mais comuns (sequência da Tabela 1).
Resistência do pneumococo
- Principalmente fatores que aumentam risco de resistência a penicilinas e macrolídeos.
Tabela 19 - Vacinação para prevenção de PAC Pneumococo - Cápsula de 23 soro tpos de pneumococo; - Boa relação custo-efetvidade; - Proteção em mais de 75% dos pacientes. Principais indicações - Indivíduos com mais de 65 anos; - Indivíduos com doenças crônicas: ICC, DPOC, diabetes, IRC, alcoolismo, hepatopata, esplenectomizados, asplenia funcional, fstula liquórica; - Imunossupressão: HIV, leucemia, linfoma, mieloma, uso de drogas imunossupressoras, inclusive uso de cor tcoide em longo prazo.
Categorização de - Quais germes e em quais situações são mais micro-organiscomuns? mos Categorização do - Escala de risco. paciente Definição do local de tratamento
- Indicações de internação.
Antmicrobianos - Baseado na categorização prévia com avade acordo com liação de tpo de paciente e micro-organisriscos mo mais comum na situação.
- Número de doses (não aplicar uma 2ª dose com intervalo menor que 5 anos): · Dose única em indivíduos com mais de 65 anos; · Pacientes que receberam a vacina antes dos 65 anos podem receber uma 2ª dose quando ultrapassarem esta idade; · Uma 2ª dose pode ser dada após 5 anos da 1ª dose em imunossuprimidos, asplênicos e em pacientes com HIV, IRC, doenças linfoproliferatvas. Influenza (vacina inatvada)
- Indicações semelhantes às do pneumococo; - Outras indicações: presidiários, funcionários da saúde e ins ttucionalizados; - Vacinação anual.
9. Conclusões -
tcoterapia precoce, ainda no serviço de emerA antbiodiminui gência, a mortalidade e é indicada a todos os pacientes com critérios para internação hospitalar; - Hemoculturas estão indicadas a todos os pacientes com critérios para internação hospitalar; - A classificação em pneumoniapica ou apica é imprótco etológico; pria e não consegue direcionar o diagnós - Escores como o PSI e o CURB-65 auxiliam na decisão de internação do paciente;
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
3
Infecção hospitalar Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Daniela Di Dea Bergamasco Ralcyon F. A. Teixeira / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução Como o próprio nome indica, a Infecção Hospitalar (IH) é aquela que ocorre em pacientes internados, e o critério de tempo mais utlizado, nas diferentes definições, é o de 48h após a admissão (porém, algumas publicações consideram como 72 horas após admissão). Hoje, tem-se adotado
maior mortalidade nas UTIs. Asexceções são infecções de ef rida cirúrgica e infecções urinárias, que não serão abordadas.
2. Pneumonia hospitalar A - Etologia
cada vez mais o termo Infecção Relacionada à Assistência à Saúde (IRAS) em vez de IH, na tentatva de exprimir a noção de que as infecções nosocomiais são fruto de múl tplos fatores relacionados aos cuidados oferecidos ao paciente, assim como das alterações imunológicas e quebras de barreira inerentes aos indivíduos que adoecem e necessitam de cuidados hospitalares, e o surgimento de outros espaços de assistência à saúde, cada vez mais utlizados, como o de clínicas de diálise, hospital-dia e clínicas de reabilitação. A UTI faz parte de um grupo de unidades em que a IH ocorre com maior frequência. Nelas, os pacientes são frequentemente submetdos ao uso de sondas, drenos e cateteres nos mais variados sítos e, por vezes, por tempo prolongado. Essa invasão de espaços habitualmente estéreis e a consequente perda das barreiras mecânicasfisiológicas de
A pneumonia hospitalar, ou nosocomial, uma das 3 mais frequentes infecções adquiridas no hospital, é a mais comum em UTIs nos hospitais europeus e a 2ª, em hospitais americanos, sendo responsável pela maior mortalidade associada à infecção nosocomial. No Brasil, há poucos dados nacionais e multcêntricos, mas se sabe que essa é, também, uma das principais IHs nas UTIs. Sua incidência depende da idade do paciente, da ins ttuição e do país avaliado, com dados americanos relatando 5/1.000 pacientes internados com idade inferior a 35 anos e 15/1.000 pacientes internados com idade acima de 65 anos. Mais de 80% é representado por Pneumonias Associadas à Ventlação mecânica (PAV), com risco cumulatvo de 1% por dia de ven tlação mecânica. Um estudo brasileiro, entretanto, mostrou relação com ventlação mecânica
proteção trazem, como complicação, a incidência aumentada de infecção. A attude evidente a ser tomada, portanto, é a da prevenção. Para a realização dosprocedimentos, devem sempre ser seguidos os protocolos recomendados pela Cottuimissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) da ins ção, retrar corpos estranhos o mais rápido possível e estar atento a sinais de infecção. As infecções que abordaremos neste capítulo são as mais prevalentes e/ou associadas a
em cerca de 50% dos casos. A mortalidade por pneumonia hospitalar, mais especificamente associada à ventlação mecânica, está em torno de 30 a 50%. Aumentam, ainda, o tempo de internação hospitalar em 7 a 10 dias e os custos assistenciais. Até pela sua importância, trataremos aqui, fundamentalmente, de PAV. Em geral, a pneumonia hospitalar é de finida como pneumonia ocorrida após 48h de internação hospitalar ou
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entre pacientes submetdos à intubação orotraqueal. É fundamental a divisão entre pneumonia hospitalar de início precoce ou tardio. Embora haja alguma controvérsia com relação ao tempo para caracterizar cada condição, em geral, consideram-se os critérios da American Toracic Society (ATS), que indicam 5 dias da internação hospitalar como o limite. A pneumonia hospitalar de início precoce ( ≤4 dias) comumente resulta da aspiração de germes como S. pneumoniae, H. influenzae e S. Aureus oxacilino-sensível, associando-se à intubação orotraqueal prévia e rebaixamento do nível de consciência (2 maiores fatores de risco). Já a pneumonia hospitalar de início tardio (após 5 dias de admissão) geralmente decorre da aspiração de conteúdo gástrico ou orofaríngeo contendo patógenos hospitalares potencialmente resistentes; apenas esta está associada a um aumento da mortalidade atribuída. Os principais agentes etológicos da pneumonia hospitalar variam conforme os diferentes estudos e ins ttuições, mas os 2 principais agentes etológicos são a Pseudomonas aeruginosa e o Staphylococcus aureus oxacilino-resistente; logo após, destacam-seKlebsiella pneumoniaee E. coli (enterobactérias), além deAcinetobacter spp e Staphylococcus coagulase-negatvo. Tais agentes podem ou não ser multrresistentes, de acordo com a epidemiologia do hospital avaliado.
B - Fisiopatologia e medidas profilátcas A aspiração é a principal rota pela qual as bactérias invadem as vias aéreas inferiores e causam PAV. É necessário que os patógenos alcancem o trato respiratório inferior e sejam capazes de vencer os mecanismos de defesa do sistema respiratório, que incluem os mecânicos, como o reflexo de tosse; os humorais, como os antcorpos, e celulares. A cânula endotraqueal mantém as pregas vocais abertas, facilitando a aspiração por meio de outros dispositvos e equipamentos utlizados no ambiente hospitalar. A redução da tosse efetva, por sedação ou mesmo paralisia, também pode contribuir para o processo. Uma vez aspiradas, as secreções se mantêm em volta do cuff orotraqueal e, caso ocorram mudanças na pressão do cuff, sua deformidade subsequente pode fazer que o material aspirado siga rumo à via aérea. Manter a pressão do cuff maior que 25cm de água (e menor que 30cm de água para evitar lesão traqueal) é eficiente em prevenir aspiração. Outras medidas associadas à redução de PAV são evitar intubação ou reintubação com uso de ventlação não invasiva, elevação do decúbito e medidas habituais de controle de infecção, como lavagem de mãos e vigilância microbiológica.
A pneumonia hospitalar é associada a fatores de risco, que podem ser divididos em modi ficáveis ou não modificáveis. Dentre estes, têm-se idade, gravidade do paciente, Doença Pulmonar Obstrutva Crônica (DPOC), doenças neurológicas, traumas e cirurgias. Outro ponto fundamental é que procedimentos invasivos que envolvam manipulação das vias aéreas devem ser evitados sempre que possível, pois predispõem ao desenvolvimento de pneumonia. Essa é uma recomendação do Consenso Brasileiro de Pneumonia Nosocomial.
C - Quadro clínico e estratégias diagnóstcas O diagnóstco de pneumonia associada à ventlação mecânica inclui o surgimento de um novo in filtrado pulmonar observado na radiografia de tórax, persistente, sem outra causa aparente, e associado à secreção pulmonar purulenta, bem como ao aparecimento de febre e leucocitose, e, embora não seja consensual, alteração das trocas gasosas. O Consenso Brasileiro de Pneumonia Nosocomial sugere que o diagnóstco se baseie no aparecimento de in filtrado pulmonar novo ou progressivo, observado na radiografia de tórax, associado à presença de sinais e alterações laboratoriais, que incluem: -
-
Febre definida por temperatura >38°C; 3
Leucocitose (>10.000/mm ) ou leucopenia (<4.000/ mm3); Secreção traqueal purulenta.
A acurácia desses critérios, avaliada em estudos com necrópsia, depende do número de critérios utilizados. A utilização dos 3 critérios associados ao quadro radiológico tem sensibilidade inferior a 50%, enquanto a utilização de apenas 1 dos critérios leva à redução da especificidade para menos de 35%. Quanto a pacientes críticos internados em UTI, os sinais clínicos indicados anteriormente identificam a pronta necessidade de início de antibioticoterapia ampla e avaliações microbiológicas para excluir outras possíveis fontes de infecção e identificar o patógeno causador. Essa abordagem pode proporcionar modificações posteriores da terapêutica, no sentido de ampliação (em caso de resistência) ou restrição antibiótica (descalonamento). Outra forma de avaliar esses pacientes é por meio do Escore Clínico de Infecção Pulmonar (Clinical Pulmonary Infecton Score ou CPIS), em que os achados (o Gram e culturas do aspirado traqueal) presentes no momento da suspeita diagnós tca são pontuados, com um total de, no máximo, 12 pontos (0 a 12). A Tabela a seguir, adaptada do
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INFECTOLOGIA Consenso Brasileiro de Pneumonia Nosocomial, sumariza os critérios CIPS. Tabela 1 - Escore clínico de infecção pulmonar Temperatura (°C) - ≥36,5 e ≤38,4 = 0 ponto; - ≥38,5 e ≤38,9 = 1 ponto; - ≥39 ou ≤36 = 2 pontos. Leucometria sanguínea (por mm3) - ≥4.000 e ≤11.000 = 0 ponto; - <4.000 ou >11.000 = 1 ponto + bastões≥500 = 1 ponto. Secreção traqueal (0 a 4 +, cada aspiração total/dia) - <14+ = 0 ponto; - ≥14+ = 1 ponto + secreção purulenta = + 1 ponto. Índice de oxigenação: PaO2/FiO2mmHg - >240 ou SDRA = 0 ponto; - ≤240 e ausência de SDRA = 2 pontos. Radiografia de tórax - Sem infiltrado = 0 ponto; - Infiltrado difuso = 1 ponto; - Infiltrado localizado = 2 pontos. Cultura semiquanttatva do aspirado traqueal (0 -1 -2 ou 3+) - Cultura de bactéria patogênica≤1+ ou sem crescimento = 0 ponto; - Cultura de bactéria patogênica >1+ = 1 ponto + mesma bactéria identficada ao Gram >1+ = +1 ponto.
Pacientes com CPIS superior a 6 apresentam alta probabilidade de PAV, com sensibilidade e especificidade de, respectivamente, 93 e 100%. Entretanto, em outros estudos, o CPIS obteve sensibilidade de 72 a 77% e especificidade de 42 a 85%, em comparação a outros métodos, obtendo acurácia semelhante ao uso dos 3 critérios clínicos. Entretanto, tal critério não é absoluto; há estudos que demonstram variabilidade interobservador, e a melhor forma de diagnóstico clínico da PAV permanece controversa. Também não há consenso da literatura quanto à melhor forma de pesquisa microbiológica pulmonar nesses pacientes. Em pessoas com PAV, ocorre bacteremia detectada por hemocultura em 10 a 20% dos casos, com probabilidade de isolamento do mesmo agente etiológico no lavado broncoalveolar de 26%, com valor preditivo positivo de 73%. Em 27% dos casos, pode-se identificar um foco extrapulmonar para a bacteremia. Recomenda-se a coleta padronizada de 2 amostras de hemocultura, preferencialmente no
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pico febril, em locais diferentes de punção, com volume mínimo de 10mL por amostra. Os pacientes com derrame pleural significativo podem, ainda, ser submetidos à toracocentese diagnóstica. A abordagem para diagnóstco e tológico deve incluir a coleta de culturas de secreções respiratórias. Essas culturas não têm valor diagnóstco na ausência de sinais clínicos e radiológicos, e amostras não devem ser coletadas sem suspeita clínico-radiológica de PAV. Para a otmização do valor diagnóstco das culturas (hemoculturas e culturas de secreções respiratórias), estas devem ser coletadas antes do início da administração de antmicrobianos. As culturas de secreções respiratórias quanttatvas apresentam maior especificidade e devem ser usadas, preferencialmente. Assim, deve-se coletar cultura quanttatva de aspirado traqueal (ASPT) e de escovado protegido ou lavado broncoalveolar (LBA). Em geral, os aspirados traqueobrônquicos têm capacidade de recuperação de patógenos semelhantes ao lavado e escovado, contudo com uma tendência à menor especificidade. O LBA e o escovado protegido têm eficácia similar, e as 3 técnicas exibem uma taxa de falso positvo e falso negatvo em torno de 10 a 30%. De forma geral, os pontos de corte de contagem de colônias, a partr dos quais se deve valorizar o patógeno como causador de infecção, ou seja, que diferenciam colonização de infecção, são: 5 6 - ASPT ≥10 a 10 UFC/mL; -
LBA ≥104UFC/mL;
-
Escovado protegido ≥103UFC/mL.
Recomendam-se, para a avaliação do paciente com PAV: -
-
Suspeita clínica – presença de: •
Febre;
•
Leucocitose;
•
Infiltrado novo ou piora de um in filtrado preexistente;
•
Aumento da quantdade de secreção traqueal.
Conduta: •
•
•
Obter 2 amostras de hemoculturas; Cultura quanttatva de secreção respiratória por 1 dos métodos descritos; Iniciar terapêutca empírica ampla no momento da suspeita clínica e antes dos resultados das culturas.
Critérios Nacionais de 2009, segundo a ANVISA, para o diagnóstco de PAV:
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Figura 1 - Critérios para o diagnós tco de PAV
D - Tratamento A opção pelo início do tratamento an tmicrobiano não deve aguardar os resultados de cultura, baseando-se nos dados clínico-laboratoriais e radiológicos. Algumas regras podem ser seguidas quanto à terapêu tca das pneumonias nosocomiais. Primeirament e, a terapêu tca antbiótca inicial deve ser empírica e adaptada aos padrões locais de resistência microbiana. O conhecimento da epidemiologia microbiana local e seus padrões de susce tbilidade são cruciais na
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INFECTOLOGIA escolha clínica dos an tbió tcos. A duração do tratamento deve ser a mínima possível, e, avaliada caso a caso, com o objetvo de reduzir a pressão sele tva dos micro-organismos. Um regime de 14 dias de tratamento é recomendado pela maioria dos autores, embora já existam dados na literatura que respaldem tempo mais curto de tratamento, de 8 dias, desde que a pneumonia não seja causada por bacilos Gram nega tvos não fermentadores da glicose (Pseudomonas spp , Acinetobacter spp , Stenotrophomonas maltophilia). Não é indicado início do tratamento quando: - Há explicação alternatva para o in filtrado pulmonar, em partcular, doenças não infecciosas, como embolia ou infarto pulmonar, atelectasia, edema pulmonar e insuficiência cardíaca; - O paciente não apresenta sintomas e sinais, mas teve “manipulação” do trato respiratório, intubação ou traqueostomia, independentemente da dificuldade ou complexidade do procedimento. Não há indicação para profilaxia antmicrobiana; - O paciente tem bacterioscópico ou cultura de material respiratório positvo, independentemente da contagem de colônias, na ausência de manifestações clínicas.
Figura 2 - Tratamento
Podem ser feitas as seguintes recomendações: a) Pacientes com PAV de início precoce sem fatores de risco São aqueles com menos de 5 dias de internação hospitalar, sem uso de antbiotcoterapia nos últmos 15 dias e outros fatores de risco. Os principais agentes causadores são patógenos da comunidade (S. aureus, S. pneumoniae,
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H. influenzae) e Gram negatvos não resistentes como E. coli, K. pneumoniae e Proteus spp, que podem ser tratados com cefalosporinas de 3ª ou 4ª geração ou fluoroquinolonas respiratórias. b) Pacientes com PAV tardia e sem fatores de risco Deve ser considerada a possibilidade de micro-organismos resistentes, especialmente em pacientes com uso prévio de antbiótcos de largo espectro e tempo de ventlação mecânica maior que 7 dias. Nesses indivíduos, os agentes a serem considerados são P. aeruginosa, S. aureus metcilino-resistente (MRSA) e Enterobacteriaceae com possibilidade de resistência e Acinetobacter spp, em alguns hospitais. Embora seu benefcio não tenha sido provado em estudos randomizados, pode ser utlizada a associação de aminoglicosídeo e cefalosporina de 4ª geração, quinolona ou carbapenêmicos, objetvando a terapia combinada contra Pseudomonas. Podem-se, ainda, u tlizar cefalosporinas de 4ª geração, piperacilina-tazobactam ou carbapenêmicos não associados a aminoglicosídeos. Vancomicina ou teicoplanina, linezolida ou outra terapêutca an t-MRSA, devem ser adicionadas em caso de suspeita clínica de infecção por esses agentes (por exemplo, pacientes com uso prévio de antbió tcos de amplo espectro) ou em pacientes com instabilidade hemodi nâmica. Em outros, tal cobertura pode não ser necessária. c) Pacientes com PAV tardia e fatores de risco Pacientes internados em hospitais de grande porte, com altas taxas de consumo de an tmicrobianos e de resistência bacteriana, além de pacientes com internação prolongada em UTI, uso recente de antbiótcos e com infecções graves, são considerados como de risco para infecção por agentes resistentes. Nesse contexto, os agentes mais frequentes passam a ser Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Enterobacteriaceae multrresistentes, além de MRSA e outros mais raros, como Stenotrophomonas maltophilia. O tratamento deve incluir antmicrobianos de espectro mais amplo, como carbapenêmicos associados à vancomicina, teicoplanina ou linezolida. De acordo com o hospital, pode ser necessário o uso de polimixina B. Essas orientações gerais do tratamento da pneumonia hospitalar devem ser adaptadas à realidade local de cada serviço. A atualização regular nos dados das comissões de infecção hospitalar, no que diz respeito à incidência de patógenos e seus padrões de resistência, é manda tória. Ao mesmo tempo, devem ser ins ttuídas campanhas ins ttucionais de esclarecimento em relação às medidas de controle de infecção, e é absolutamente vital o reconhecimento da importância dessas medidas pelos pro fissionais que trabalham em UTIs.
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Figura 3 - Pneumonia relacionada à assistência à saúde (inclui PAV) Tabela 2 - Tratamento empírico guiado pelo risco de patógenos potencialmente resistentes Antbiotcoterapia para pneumonia relacionada à assistência à saúde (inclui PAV) Momento do diagnóstco clínico-radiológico
SemusopréviodeATM Estável
Piora hemodinâmica e/ou respiratória
ComusopréviodeATM* Estável
Piora hemodinâmica e/ ou respiratória
Ceriaxona ou le- Ceazidima* ou cefepima* Precoce (<5 dias de ventlação me- vofloxacino ou mo- ou piperacilina-tazobactam racilina-tazobactam Cefepima* ou pipe- ou Cecarbapeném* azidima* ou cefepima* cânica) + MRSA xifloxacino + MRSA Ceazidima ou ceCeazidima* ou ceTardio (>5 dias de ventlação meCeazidima* ou cefepima* Ceazidima ou cefepima fepima ou piperacifepima* ou carbapecânica) ou carbapeném* + MRSA ou carbapeném + MRSA lina-tazobactam ném* + MRSA? * Discutr, caso a caso, associação a amicacina; * MRSA: cobertura para S. aureus resistente à oxacilina (vancomicina ou teicoplanina ou linezolida); * Observação: se houver suspeita de aspiração, considerar com clindamicina ou metronidazol se o esquema prescrito não contempla anaeróbios.
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INFECTOLOGIA Tabela 3 - Resumo dos fatores de risco que propiciam a infecção bacteriana e os respectvos antbiótcos com melhores resultados Grupo 1 Fatores de risco Cirurgia abdominal, aspiração
Germes principais mais organismos específicos do fator risco
craniano, ficibetes, insudiaência renal
- Candidíase Antbiótcos principais mais cobertura adicional específica
Anaeróbios
Clindamicina, ampicilina-sulbactam, metronidazol ou piperacilina-tazobactam
Staphylococcus aureus
Vancomicina ou teicoplanina ou linezolida até de finir se MRSA
Coma, trauma
Cortcoides em Legionella altas doses
Macrolídeo ou fluoroquinolona respiratória
Permanência prolongada em UTI, cortcoiPseudomonas aedes, antbióTratar como grupo 2 ruginosa tcos, doença pulmonar prévia Grupo 2 Fatores de risco
Germes principais
infecções fúngicas que podem apresentar evolução grave, com as quais o intensivista deve estar familiarizado.
Antbiótcos
Havendo fatores de risco para anaeróbios e LegioPseudomonas ae- (Imipeném ou meropeném nella, acresou piperacilina-tazobactam) ruginosa/Acinecentar antbió± amicacina* ou ciprofloxatobacter sp tco específico cino mais amicacina* (macrolídeo ou fluoroquinolonas)
Dentre as infecções fúngicas oportunistas, a candidíase tem sido a mais documentada como causadora de infecções hospitalares. Atualmente, as espécies do gênero Candida aparecem em 4º lugar entre os agentes causadores de Infecções da Corrente Sanguínea (ICS), em pacientes hospitalizados nos EUA e no Brasil (segundo estudo multcêntrico recente), representando cerca de 15% das infecções hospitalares em geral e 72% das de e tologia fúngica. Tais dados epidemiológicos, bem como a alta letalidade atribuída às infecções sistêmicas por Candida sp, tornam clara a necessidade de o intensivista estar especialmente familiarizado com patogênese, quadro clínico e tratamento dessas infecções. Espécies de Candida fazem parte, frequentemente, da flora normal da orofaringe, do trato gastrintestnal e do trato genital feminino, podendo invadir tecidos em caso de alterações nas defesas do hospedeiro. Dentre as espécies de maior relevância clínica, destacam-se C. albicans, C. parapsilosis, C. tropicalis, C. glabrata, C. krusei, C. guilliermondii e C. lusitaniae. As infecções por Candida mais frequentes, em geral, são as superficiais de orofaringe e genital. Nos internados em UTI, a forma clínica de maior relevância é candidemia, que pode gerar endocardite, infecção renal e de SNC. A pneumonia por Candida spp é um evento extremamente raro, mesmo em hospedeiros imunossuprimidos. Candidíase mucocutânea é também observada, ocasionalmente, em lactentes ou em crianças com defeitos de imunidade celular. A seguir, estão as principais manifestações da candidíase.
Pacientes internados em unidades de terapia intensiva apresentam aumento progressivo na incidência de infecções por fungos. Nessa população, frequentemente se observam condições que comprometem as defesas normais
a) Oral A candidíase oral, relatvamente comum, pode ser assintomátca ou cursar com dor de garganta, queimação e dificuldade em alimentar-se. Sua forma mais comum é a pseudomembranosa, com múltplas placas brancas aderidas às gengivas, à língua, ao palato e a outros locais da cavidade oral. Essas lesões podem ser facilmente removidas e apresentam base eritematosa. O diagnóstco é obtdo pela cultura das lesões ou pela visualização do brotamento das leveduras com pseudo-hifas ao microscópio óptco. A candidíase oral é associada, frequentemente, à infecção por HIV, diabetes e outras afecções que podem cursar
do hospedeiro, aumentando a chance de infecções fúngicas oportunistas. Dentre as condições propícias para o surgimento destas últmas, incluem-se: mecanismos de quebra de barreira, como o uso de cateteres e de sondas; defeitos da imunidade humoral e celular, como nos pacientes com neoplasias, transplantados, AIDS, uso de cortcosteroides; antbiotcoterapia de amplo espectro; cirurgias de grande porte; diabetes; insuficiência renal; desnutrição alcoolismo e uso de drogas. Nesta seção, serão abordadas as principais
com imunossupressão, além do uso de cortcoides sistêmicos ou inalatórios sem higiene oral adequada. O tratamento sugerido é feito com bochechos com nistatna, 4 mL, 5x/dia. Caso não haja resposta ou o quadro seja extenso: - Fluconazol, 100mg/dia, por 7 a 14 dias; - Itraconazol, 200mg/dia, por 7 a 14 dias; - Observação: o cetoconazol VO deve ser evitado, em razão do alto risco de hepatotoxicidade.
Se MRSA for conVancomicina ou teicoplanisiderado imporna ou linezolida tante no hospital
-
* Em dose única diária (20mg/kg).
3. Infecções fúngicas
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b) Esofágica As infecções do trato gastrintestnal, geralmente, ocorrem em indivíduos submetdos a cirurgias abdominais longas e uso prolongado de antbiótcos ou imunossuprimidos. A esofagite por Candida caracteriza-se por erosões e ulcerações em qualquer porção do esôfago, acompanhadas de placas muito semelhantes às descritas para candidíase oral. Entre 20 e 50% dos pacientes são assintomátcos, enquanto outros se apresentam com odinofagia, disfagia, dor epigástrica, dor retroesternal, náuseas e vômitos. É comum a associação à candidíase oral. O diagnóstco definitvo é obtdo
taquicardia e taquipneia, além de, algumas vezes, calafrios e hipotensão (sepse clínica). A candidíase disseminada crônica, ou candidíase hepatoesplênica, caracteriza-se pelo aparecimento ou persistência de febre no paciente em recuperação da neutropenia. As manifestações clínicas e laboratoriais mais comuns são dor nos quadrantes superiores do abdome, náuseas e aumento progressivo da fosfatase alcalina. Além de fgado e baço, os rins também são acometdos, com formação de múltplos abscessos. As hemoculturas, em geral, são negatvas, e o diagnóstco depende da biópsia. Embora seja pouco frequente, deve-se suspeitar de en-
por demonstração de biópsia, Candidae nas ulceraçõespreferencial ou invasão tecidual verificada na o tratamento é feito com fluconazol, 200mg VO ou IV, no 1º dia, seguido de 100mg/dia, por 14 dias, caso o paciente não apresente contraindicação ao seu uso.
docardite Candida em pacientescom comcirurgias cateter cardíacas central por tempopor prolongado e naqueles recentes. A válvula aórtca é acometda com maior frequência, e as manifestações clínicas são similares às presentes em endocardites bacterianas, exceto pelo fato de as vegetações na infecção fúngica tenderem a ser maiores e se associarem a episódios embólicos em artérias de médio calibre. Sempre que houver diagnóstco de candidemia, está indicado o ecocardiograma para excluir endocardite, mesmo na ausência de sopro. A tromboflebite séptca, ou seja, o envolvimento infeccioso por Candida de veias centrais pode ocorrer como complicação de alimentação parenteral prolongada. Tais pacientes apresentam febre, abscessos de partes moles e hemoculturas positvas, apesar da remoção do cateter. Os pacientes com candidemia devem ser tratados mesmo quando estão assintomátcos, pois podem ocorrer complicações como endoalmite, endocardite ou outras formas graves. Se possível, os cateteres venosos centrais devem ser removidos, e o tratamento, iniciado imediatamente. As opções para o tratamento são: - Fluconazol, 800mg no 1º dia e após 400mg/dia (6mg/kg); - Anfotericina B deoxicolato, 0,7mg/kg/dia, ou suas formulações lipídicas.
c) Candidemia A candidemia – infecção da corrente sanguínea por Candida spp demonstrada por hemocultura – é costumeiramente associada à sepse e apresenta alta mortalidade atribuída (40%). Pode se manifestar apenas por febre ou, ainda, calafrios, mialgia e, eventualmente, rash cutâneo e endoalmite. Lesões cutâneas, decorrentes de embolização séptca, ocorrem em até 10% dos casos e são mais frequentes nas infecções por Candida tropicalis. Têm distribuição difusa e apresentam-se como micropápulas avermelhadas, ou pequenas pápulas violáceas de base hiperemiada. Ocasionalmente, pode haver lesões maiores. A endoalmite é uma complicação conhecida entre os pacientes, e as lesões são identficadas em exame de fundo de olho de rotna, na maioria dos casos, não havendo sintomas relacionados. Na ausência de tratamento especí fico, pode haver envolvimento renal, osteoartcular, hepatoesplênico, endoalmite, endocardite, meningite, pneumonia e evolução para hipotensão, perda de função renal e insu ficiência de múltplos órgãos, como em um quadro séptco bacteriano. Deve-se atentar para essa possibilidade diagnós tca em indivíduos com fatores de risco para infecção porCandida e má evolução em face da terapêutca antbacteriana. Entre os pacientes hospitalizados, os principais fatores de risco associados à ocorrência de candidemia são: - Internação prolongada e/ou em UTI; - Antbiot coterapia prolongada e de amplo espectro; - Cirurgia de grande porte, principalmente abdominal; - Insuficiência renal; -
Presença de Cateter Venoso Central (CVC); Uso de cortcoides; - Uso de nutrição parenteral; - Uso de bloqueadores H2; - Colonização de múl tplos sítos por Candida spp; - Neutropenia. -
Pacientes com infecção por C. tropicalis, C. albicans ou C. parapsilosis podem ser tratados com quaisquer das 2 medicações, porém, deve-se dar preferência ao uso da anfotericina B para C. krusei e C. glabrata, já que estas podem ser resistentes ao fluconazol. Alguns autores preferem o uso de anfotericina B em pacientes neutropênicos, pela ação fungicida da droga. O alto custo da anfotericina lipossomal mudou o padrão de tratamento das candidemias em 2010. Assim, o uso de outros antfúngicos mais potentes tem sido popularizado devido à melhora do custo e orientação em guidelines internacionais. Por isso, para candidemias refratárias ao tratamento com fluconazol, estão indicadas as seguintes drogas:
d) Equinocandinas Nova classe de antfúngicos, com bom espectro e recente diminuição no custo pelo aumento de opções. - Caspofungina: 70mg no 1º dia, seguidos de 50mg/dia Em pacientes neutropênicos, pode ocorre a forma aguda ou crônica. No 1º caso, há o aparecimento abrupto de febre, nos subsequentes;
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INFECTOLOGIA Anidulafungina: 200mg IV no 1º dia, seguidos por 100mg/dia nos subsequentes; - Micafungina (lançada no Brasil em dezembro de 2010): 100mg/dia, sem necessidade de dose aumentada no 1º dia. -
e) Azólicos mais recentes Mesma classe que os azólicos anteriores (fluconazol, cetoconazol), mas com mudança na estrutura e, por conseguinte, no espectro de ação. No Brasil há 2 drogas liberadas para o uso: - Voriconazol: 3mg/kg IV a cada 12 horas para candidemia refratária; - Posaconazol (lançado no Brasil em 2010): 400mg VO a cada 12 horas (sem apresentação intravenosa). Necessita de aumento de dose se não for administrado com alimentos.
-
Anfotericina B, 0,5mg/kg/dia, em dose única (alguns autores recomendam curso de até 7 dias).
A irrigação vesical com anfotericina B, na maioria dos casos, melhora transitoriamente a candidúria, mas não deve ser indicada rotneiramente. As equinocandinas citadas atngem baixas concentrações urinárias, portanto não consttuem boas opções terapêutcas da candidúria.
A terapia deve ser contnuada por 14 dias, a par tr da últma hemocultura positva e o desaparecimento de sinais de infecção. f) Urinária (candidúria) Pode haver colonização do trato urinário nos pacientes em uso de antbiótcos, em diabétcos ou naqueles com sondas vesicais. Quando há apenas colonização, os pacientes são assintomátcos, não há leucocitúria e, portanto, não há necessidade de tratamento. Normalmente, com a remoção do cateter, a descontnuação dos antbiótcos e o controle do diabetes, há resolução candidúria, ésem de tratamento. Entretanto,dageralmente difcilnecessidade a distnção entre colonização e infecção do trato urinário baixo. A quantficação de colônias na urocultura não tem poder discriminatório suficiente entre infecção e colonização, e a decisão terapêutca deve basear-se em critérios clínicos e epidemiológicos. A pielonefrite por Candida geralmente ocorre entre portadores de diabetes ou outra doença de base, ou com história de procedimento cirúrgico recente das vias urinárias. O envolvimento renal é mais frequente na candidíase disseminada hematogênica, com formação de abscessos. O diagnóstco do envolvimento renal em candidíase disseminada depende do isolamento do fungo em urocultura e hemocultura, porém a confirmação do envolvimento renal depende da biópsia renal. O objetvo do tratamento é erradicar sinais e sintomas associados à infecção urinária e diminuir o risco de infecção ascendente ou disseminada. Pacientes com candidúria assintomátca, ou seja, sem sintomas clínicos, sem leucocitúria e urocultura com menos de 10.000UFC/mL, não devem ser tratados, exceto se neutropênicos, transplantados ou em pré-operatório de cirurgia urológica. E aqueles com candidúria sintomátca devem ter, se possível, sonda vesical re trada. As seguintes opções terapêutcas são possíveis: - Fluconazol, 200mg/dia, por 7 a 14 dias;
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Figura 4 - Diagnóstco e tratamento de candidúria
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4. Infecções relacionadas a cateteres venosos Os cateteres vasculares, em especial os localizados em veias centrais (CVC), apresentam potencial para várias complicações e devem ter critérios rigorosos de indicação. As complicações infecciosas destacam-se por estarem entre as causas mais importantes de infecção de srcem nosocomial, aumentando em 2 a 3 vezes a mortalidade dos pacientes que a apresentam, em decorrência do prolongamento do tempo da internação hospitalar. Portanto, deve ser implantada uma polítca rigorosa de indicação de infecção. inserção, cuidados na manutenção e vigilância de sinais de Os achados clínicos de infecção de CVC são inespecíficos e não confiáveis para o diagnóstco. Deve-se suspeitar de infecção em pacientes com febre sem outra causa, principalmente em caso de secreção purulenta ou eritema na proximidade do cateter. Não há unanimidade na literatura com relação às de finições das complicações infecciosas relacionadas ao cateter. Por isso, serão utlizadas as definições do Centers for Disease Control and Preventon (CDC), dos EUA: - Colonização do cateter: refere-se ao crescimento de 15 ou mais UFC em cultura semiquanttatva ou de 1.000 ou mais UFC em cultura quan ttatva de um segmento distal do cateter, sem sintomatologia associada e com hemoculturas negatvas; - Infecção do ponto de inserção ou do ós to do cateter: presença de eritema, hipersensibilidade, área endurada ou purulenta em uma extensão menor que 2cm da pele em torno do cateter; - Infecção do túnel subcutâneo: presença de eritema, enduração, sensibilidade aumentada nos tecidos subjacentes ao cateter e a mais de 2cm do orifcio de saída de cateter tunelizado; - Infecção da bolsa subcutânea: presença de eritema e/ ou necrose da pele sobre o reservatório de um cateter totalmente implantável, ou exsudato purulento na bolsa subcutânea contendo o reservatório (Figura 5). -
Infecção sistêmica ou sepse relacionada ao cateter: Sinais de infecção (febre, calafrios ou hipotensão) associados a: * Uma ou mais hemoculturas (HMC) periféricas positvas na ausência de outro síto infeccioso; * Isolamento do mesmo organismo de segmento •
distal do cateter, por meio de cultura semiquanttatva ou quanttatva, e do sangue (veia periférica) em um paciente com sintomatologia de sepse e nenhuma outra fonte evidente de infecção; * Isolamento do mesmo organismo em HMC, colhida através do cateter e em HMC periférica, desde que haja o “tempo diferencial de positvação”. Esse termo significa que a HMC colhida pelo cateterficou positva, pelo menos, 2 horas antes da periférica;
* Cultura quanttatva com relação de, pelo menos, 5 UFC de micro-organismos para 1 UFC do mesmo micro-organismo, entre sangue colhido por CVC e periférico; * Sepse relacionada ao fluido de infusão: isolamento no fluido infundido do agente associado ao quadro séptco, também isolado na HMC. Importante: No caso de isolamento na HMC de patógenos que, comumente, colonizam a pele, como estafilococos coagulase-negatvos e que podem ser contaminantes, são necessárias, pelo menos, 2 amostras de HMC periférica positvas, para definir a sepse ou infecção de corrente sanguínea relacionada ao cateter.
Figura 5 - Infecção na bolsa subcutânea de cateter do tpo Port
A - Patogênese A patogênese das infecções relacionadas aos cateteres é multfatorial e complexa. Existem 3 mecanismos fisiopatológicos principais que tornariam possíveis aos micro-organismos atngirem e colonizarem o cateter: - Colonização da pele, posteriormente dohub e, finalmente, extraluminal do CVC, com bactérias tangindo a corrente sanguínea. Esse é o principal mecanismo de infecção relacionado aos CVCs de curta permanência (intracath, duplo-lúmen, cateter de Shilley para diálise); - Colonização intraluminal do cateter com posterior infecção sanguínea. Esse é o principal mecanismo de infecção relacionada aos CVCs de longa permanência -
(Administração permcath, porth-a-cath); de soluções parenterais contaminadas (rara).
B - Epidemiologia A incidência de sepse relacionada ao cateter é variável e depende de diversos fatores: - Tipo de acesso: os acessos periféricos têm uma incidência extremamente reduzida de complicações in-
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INFECTOLOGIA fecciosas (1 em 500 cateteres), provavelmente devido à menor colonização cutânea do local de acesso. Os acessos por dissecção apresentam a maior incidência entre os acessos vasculares, sendo ú tl evitar a dissecção venosa sempre que possível. Os acessos venosos centrais são responsáveis por 90% dos casos de infecção relacionada ao cateter; - Unidade hospitalar: as unidades de terapia intensiva e imunossuprimidos apresentam as maiores taxas de infecção; - Tamanho do hospital: os hospitais de pequeno porte têm índice de complicação relacionada aomenor cateter quando comparadosinfecciosa aos de maior porte e aos universitários; - Local de acesso: a incidência de infecção é 2,7 vezes maior para os cateteres com acesso jugular em comparação ao acesso subclávio. O acesso femoral é o de maior risco de infecção em adultos; - Duração do cateterismo: de modo geral, a incidência de infecção relacionada ao cateter é muito baixa até o 4º dia de uso do CVC e muito maior a partr do 7º dia de uso; - Experiência do grupo de inserção e manutenção: muitos dos cateteres são contaminados no momento de inserção ou no manuseio a seguir, devido à falha nas medidas de antssepsia, essenciais na implantação e nos cuidados com o cateter; - Tipo de curatvo: os cura tvos oclusivos que retêm umidade aumentam a incidência de infecção relacionada ao cateter.
C - Microbiologia Nas infecções relacionadas a cateteres, a epidemiologia também é variável, de acordo com o país e o hospital estudados. De forma geral, dados brasileiros apontam que, aproximadamente, 50% das infecções da corrente sanguínea, relacionadas a cateteres, são ocasionados por Staphylococcus coagulase-negatvos e Staphylococcus aureus. No Brasil, o 3º agente são os bacilos Gram negatvos. Como já descrito, as espécies do gênero Candida aparecem como 4º agente nos EUA e também no Brasil. A presença de bacilos Gram nega tvos deve suscitar a suspeita de infecções a distância com bacteremia secundária, como pneumonias ou infecções intra-abdominais. Além disso, deve ser pesquisada a contaminação dos fluidos, como nos sistemas estagnados de monitorização hemodinâmica ou outras substâncias intravenosas.
D - Diagnóstco As manifestações clínicas da infecção relacionada aos cateteres podem ser específicas, nos casos de infecção do local de inserção, ou inespecí ficas, na infecção de corrente sanguínea. Neste caso, faz-se a suspeita diagnós tca a partr da presença de febre, calafrios ou hipotensão, em paciente
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com cateter vascular e sem outras causas aparentes para tais manifestações. A partr disso, devem ser coletadas, ao menos, 2 HMC periféricas, além de 1 de cada via do cateter, caso seja desejável mantê-lo; entretanto, o cateter deve, preferencialmente, ser retrado, e sua ponta (extremidade distal, intravascular), enviada para cultura com os resultados das culturas, pode-se caracterizar a sepse relacionada ao cateter de acordo com as definições do CDC, para definir a antbiotcoterapia e a conduta em relação ao cateter. a) Culturas do cateter As culturas do cateter devem ser realizadas com quan tda magnitude de proliferação do micro-organismo. As culturas qualitatvas têm altos índices de falsa posi tvidade e devem ser desestmuladas. O método mais comumente utlizado é a cultura de um segmento distal do cateter, de aproximadamente 5cm (intravascular), após o rolamento desse segmento em placa de ágar-sangue (técnica de Maki). Considera-se positvo o crescimento de 15 ou mais UFC. O método quanttatvo (menos utlizado, devido à maior complexidade laboratorial, porém de maior sensibilidade) consiste em cultvar, em meio líquido, o material obtdo por meio da lavagem e da imersão de um segmento do cateter. O crescimento de 1.000 ou mais UFC caracteriza a colonização ou a infecção relacionada ao cateter, dependendo de outros dados clínicos e laboratoriais. Tal método tem a vantagem de identficar agentes das superfcies externas e internas do cateter. ficação
b) Hemoculturas A HMC qualitatva colhida em 2 a 3 amostras de 10mL, em locais diferentes, faz parte da rotna para a identficação dos patógenos comuns nos quadros de sepse. Na tenta tva de fazer o diagnóstco de infecção relacionada ao cateter, sem ter de retrá-lo, surgiram os métodos de HMC quanttatvas para comparar a magnitude da proliferação microbiológica no sangue do cateter e no da periferia. O isolamento de 5 vezes ou mais colônias do sangue colhido do cateter central em relação ao de punção periférica caracteriza o cateter como provável fonte da infecção da corrente sanguínea. Quando se dispõe apenas de métodos semiquan ttatvos de HMC (a maioria dos hospitais), pode-se u tlizar o critério do tempo diferencial de positvação, representado pelo intervalo decorrido entre a posi tvação de uma amostra obtda do CVC e outra colhida simultaneamente de um síto periférico. Parte-se do pressuposto de que, se o cateter é a fonte da bacteremia, a quan tdade de bactérias presente em sua luz supera, em muito, a contda no sangue periférico, de modo que haverá crescimento bacteriano mais precoce na HMC obtda do dispositvo. Os estudos validaram um tempo de 120 minutos como corte ideal, o que significa que, se a HMC colhida do CVC se tornar positva mais de 2 horas antes da positvação da amostra periférica, a fonte da bacteremia provavelmente estará no cateter. O diagnós-
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tco de infecção relacionada ao fluido requer a cultura do
líquido de infusão. A cultura deve ser, de preferência, quanttatva, e o isolamento de 10 ou mais UFC/mL indica uma proliferação bacteriana significatva.
E - Tratamento O tratamento das infecções relacionadas ao cateter depende do agente causador, dotpo de infecção e do tpo de cateter (curta ou longa permanência). Sempre que há infecção do sí to de inserção do cateter, este deve ser removido e um novo inserido, caso seja necessário, em outro local. Em pacientes que tveram seu CVC de curta permanência retrado, com cultura da ponta posi tva, mas com HMC negatvas e sem sinais de infecção, recomenda-se apenas observar sua evolução. Caso haja sintomas de infecção, deve-se tratar por 7 dias com antbiótco intravenoso. Em pacientes com HMC positvas, deve-se tratar a bacteremia. Em cateteres de longa permanência, pode-se observar a evolução sem remoção inicial do cateter, nos casos de ICS por Staphylococcus coagulase-negatvos, desde que seja administrado antbiótco sistêmico. Pode ser considerada a lock therapy (aplicação de antbiótco no lúmen do cateter). Nos casos de infecção por S. aureus, pode-se proceder à mesma conduta, desde que se descarte endocardite bacteriana com ecocardiograma. Quando se opta pela manutenção do cateter, em pacienfcil ou coagulopata, a vigilância do quadro tes comdeve acesso clínico serdimuito rigorosa. Se o paciente persis tr febril e apresentar repetdas HMC positvas após o início da antbiotcoterapia ou sinais de piora clínica, como sepse grave ou choque, o cateter deverá serremovido imediatamente. Nos casos de infecção por bacilos Gram negatvos, recomenda-se a retrada do cateter, além da antbiotcoterapia. E, nos casos de infecções por Candida, tanto os cateteres de longa quanto os de curta permanência devem ser retrados. Na escolha da antbiotcoterapia empírica, enquanto se aguardam as culturas, deve-se lembrar a epidemiologia dessa afecção. Na maioria das vezes, a abordagem inicial visa à cobertura do Staphylococcus (coagulase-negatvo e S. aureus), optando-se, geralmente, por vancomicina ou teicoplanina. De acordo com a epidemiologia local, pode ser necessária cobertura empírica contra Gram negatvos, apesar de não serem os mais frequentes.
A seguir, o tratamento sugerido para infecções não complicadas: - Staphylococcus coagulase-negatvo: deve ser descartada contaminação, o cateter central removido e a antbiotcoterapia, introduzida por 5 a 7 dias. Porém, se for decidido manter o cateter, pode-se tentar antbiotcoterapia sistêmica por 10 a 14 dias e terapia intracateter por 10 a 14 dias (lock therapy) a fim de tentar a sua preservação;
S. aureus: remover o cateter e manter an tbiotcoterapia por, no mínimo, 14 dias. A presença de HMC positva para S. aureus torna obrigatória a realização de ecocardiograma transesofágico para afastar endocardite; - Bacilos Gram negatvos: remover cateter e manter antbiotcoterapia por 10 a 14 dias; tfúngicos por, - Candida: remover o cateter e tratar com an pelo menos, 14 dias a par tr da últma HMC positva. -
Algumas complicações infecciosas podem exigir tratamento cirúrgico, como a trombo flebite séptca, além da endocardite e da osteomielite. Em infecções complicadas: - Caso a infecção seja do túnel, iniciar antbiotcoterapia por 10 a 14 dias; - Caso haja trombose sép tca ou endocardite, a antbiotcoterapia deve ser mantda por 4 a 6 semanas; - Se houver osteomielite, por 6 a 8 semanas. Embora não haja unanimidade, podem-se fazer as seguintes recomendações gerais para a prevenção de infecção de cateteres: - Cateter venoso periférico: trocar a cada 48 a 72h para diminuir risco de flebite. Remover em 24h cateteres inseridos em emergências. Remover em caso de sinais de flebite; - Cateter arterial: remover em 5 a 7 dias; - Cateter venoso central: não trocar ro tneiramente. Trocar síto de inserção em caso de infecção local. Barreira máxima estéril (paramentação cirúrgica) e antssepsia local para inserção; - Utlizar: sistemas fechados de infusão; - Sistemas de infusão: trocar a cada 72h; - Sangue: hemoderivados e soluções parenterais: equipos próprios e de uso único; - Reduzir: o número de conexões; - Usar: álcool 70% para desinfecção das conexões antes e depois de infundir soluções.
F - Curatvos O síto de inserção do cateter deve ter um curatvo não oclusivo, sem poder de retenção de umidade. Tal cura tvo deve ser trocado quando se torna úmido ou sujo, e quando é necessário inspecionar o local de acesso. Na troca de tvo, deve-se evitar mudança no local de penetração do cura disposi tvo. Além disso, há indicação de troca ro tneira do curatvo (gaze a cada 24h, transparente a cada 5 a 7 dias).
G - Antmicrobianos tópicos Tal medida, apesar de atraente, não se revelou adequada na maioria dos estudos, provavelmente por selecionar alguns germes ou cepas. Nunca se devem aplicar pomadas de antbiótcos na inserção do cateter.
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INFECTOLOGIA H - Recomendações para a troca de cateter com fio-guia Deve ser realizada apenas em pacientes sem sinais locais de infecção – devido ao seu mau funcionamento – ou com suspeita de infecção relacionada ao cateter, especialmente em pacientes com acesso difcil. Caso os exames mostrem proliferação bacteriana significatva, deve ser removido.
5. Tópicos importantes -
A pneumonia nosocomial é a 2ª causa de IH nos EUA e
a 1ª em relação à mortalidade; - As pneumonias nosocomiais podem ser divididas em precoces e tardias, com mudança dos agentes causais e do esquema terapêutco; - Em pacientes com pneumonia associada à ven t lação mecânica tardia, recomenda-se o uso de esquema com 1 ou mais drogas an tpseudomonas; - Em pacientes com pneumonia nosocomial grave, é necessária cobertura contra Staphylococcus metcilino-resistentes; - A candidíase pode apresentar-se como infecção em múltplos sítos; - A candidemia deve ser sempre tratada, mesmo em pacientes assintomátcos; - Pacientes com cultura de ponta de cateter posi tva sem bacteremia e sem sinais infecciosos podem ser manejados apenas com observação clínica; - Pacientes com suspeita e/ou sintomas de infecção de cateter devem realizar antbiotcoterapia empírica; - Pacientes com bacteremia devem ter seu tratamento ajustado para o agente causador; - Pacientes com S. aureus positvo em HMC têm indicação formal de ecocardiograma transesofágico.
6. Resumo Quadro-resumo Definição de IRAS (infecção relacionada à assistência à saúde)
- Critérios definidores de IRAS (tempo).
- Germes mais comuns; - Diagnóstco clínico; - Métodos para diagnóstco: CPIS (Clinical Pulmonary Infecton Score); Pneumonia hospitalar
- Pontos de corte para cada contagem de colônias (aspirado, lavado e escovado broncoalveolar); - Tratamento de acordo com fatores de risco (uso prévio de antbiótcos, hospitalização maior que 5 dias, doença imunossupressora, perfil de resistência do hospital).
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- Fatores de risco para candidemia; Infecção fúngica
- Antfúngicos mais recentes para uso na candidemia refratária; - Medidas para erradicação de candidúria. - Diferenças entre colonização e infecção de cateter;
- Micro-organismos mais comuns causadores Infecção relacio- deste tpo de infecção; nada a cateteres - Diagnóstco (cultura de cateter, HMC) e riscos para endocardite; - Tratamento direcionado a Gram positvos e de acordo com culturas.
CAPÍTULO
4 1. Introdução A Endocardite Infecciosa (EI) é uma infecção da superfcie endotelial do coração. As valvas cardíacas são as es-
truturas mais comumente afetadas, no entanto a infecção pode também ocorrer em um defeito septal, cordoalhas tendíneas e endocárdio mural.
Endocardite infecciosa Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Daniela Di Dea Bergamasco Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
A EI é causada, em geral, por cocos Gram posi tvos. Os usuários de drogas IV e pacientes com sepse associada a cateter correm maior risco de apresentar doença estafilocócica. As e tologias por fungos e bactérias Gram nega tvas são menos comuns e, em geral, acontecem em indivíduos com próteses valvares e em uso de cateteres venosos centrais. Uma valva de ficiente, ou previamente lesionada,
Várias espécies de bactérias, fungos, micobactérias, sias, clamídias e micoplasma levam à endocardite; rické contudo estreptococos, estafilococos, enterococos e alguns cocobacilos Gram negatvos são as principais causas. A EI aguda é aquela que se apresenta com comprometmento importante do estado geral e evolui em dias ou semanas para destruição valvar e infecção tromboembólica. É tpicamente causada, mas não exclusivamente, pelo Staphylococcus aureus. A endocardite subaguda é a forma de endocardite que evolui, ao longo de semanas a meses, com menor grau de comprometmento do estado geral e com menor frequência evolui com embolizações. Pode ser causada por Streptococcus viridans, enterococos, estafilococos coagulase-negatvos e cocobacilos Gram negatvos.
é o foco habitual de infecção na endocardite bacteriana subaguda. A endocardite à esquerda (valvas mitral e/ou aór tca) ocorre, mais comumente, em indivíduos com valvopa ta prévia. Procedimentos odontológicos e bacteremia oriunda de focos distantes de infecção são fontes frequentes de semeadura, enquanto a manipulação do trato gastrintestnal (GI) ou geniturinário (GU) são causas menos comuns. A endocardite à direita, envolvendo as valvas tricúspide e/ou pulmonar, é mais comum entre usuários de drogas parenterais e portadores de cateteres vasculares. A endocardite em próteses valvares pode ocorrer logo após a cirurgia ou tardiamente, com diferença entre o agente causador mais comum. As infecções precoces (no 1º ano após a cirurgia) são causadas, habitualmente, por S. aureus , S. epidermidis , bacilos Gram nega tvos, espécies
2. Epidemiologia
de Candida e outros agentes geralmente associados à ora nosocomial. É preciso pensar em endocardite sempre que um paciente apresenta bacteremia persistente após cirurgia valvar. A endocardite tardia (ou seja, que surge, pelo menos, 1 ano após a cirurgia) é, em geral, causada por micro-organismos semelhantes aos encontrados nas valvas na tvas. Os agentes mais prevalentes nas EI são apontados na Tabela 1:
fl
Nos últmos anos, a epidemiologia da EI vem mudando, em virtude da alteração nos fatores predisponentes, do aumento da longevidade da população e do aumento da incidência de casos hospitalares. Dados americanos e ingleses estmam a ocorrência de 1,7 caso/100.000 indivíduos/ano, sendo menos frequente em crianças, com mais de 50% das ocorrências em maiores de 50 anos.
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INFECTOLOGIA Tabela 1 - Frequência relatva dos diversos micro-organismos causadores de endocardite valvar natva (%) Micro-organismos
Idade <2 meses
2 meses a 1 ano
>1 a 16 anos
16 a 60 anos
Estreptococos
1
7a10
30a33
45a65
S. aureus
20a24
10a15
15a20
30a40
Estafilococos coagulase-negatvos
30a35
30a35
Enterococos
5a10
10a15
Bacilos Gram negatvos
10a15
2a4
Fungos
5a10
10a15
HACEK* e cultura negatvos
7a3
7a3
Dieroides
5a7
2a5
2a3
Polimicrobiano
2a4
4a7
3a7
10a12
4a8
8a12 4a7 1 8a3
25a30
14a17 5
1a3 10 a3
30a45
3a5
5a8 4a10
>60 anos
1a2 5
<1 1a2
<1 1a3
* Grupo HACEK – Haemophilus spp, Ac tnobacillus spp, Cardiobacterium hominis, Eikenella spp e Kingella spp.
Atualmente, o prolapso de valva mitral – cuja prevalência é de cerca de 3% da população –, con figura-se como o fator predisponente mais comum de EI de valva natva em países desenvolvidos, sob a forma de insu ficiência (com regurgitação) ou estenose (espessamento dos folhetos valvares). Entretanto, deve-se lembrar que essa não é a condição associada a maior risco de EI por si só; a presença de prótese valvar (biológica ou mecânica) é o principal fator de risco para essa infecção. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a valvopata por doença reumátca permanece como a condição subjacente mais comum nos casos de EI, porém esse perfil vem mudando lentamente, em virtude na ocorrência cada vez menos frequente dessa condição em nosso meio. A endocardite em próteses valvares representa de 7 a 25% dos casos de EI nos países desenvolvidos. As próteses mecânicas apresentam maior risco de infecção nos primeiros 3 meses após a cirurgia, e o risco de infecção em próteses biológicas se iguala ao das mecânicas em 5 anos. Os casos que acontecem nos primeiros 2 meses depois da cirurgia são chamados de EI de valva protétca precoce e são adquiridos no hospital. Os que ocorrem após 12 meses da cirurgia são chamados de EI de valva protétca tardios e são adquiridos na comunidade. Já os que acontecem entre 2 e 12 meses apósa cirurgia podem ter sido adquiridos no hospital ou ser causados por micro-organismos de comunidade.
68
A endocardite nosocomial pode representar, em algumas séries, até 29% dos casos atendidos em hospitais terciários. Os fatores de risco são: venosos; - Uso de cateteres intra - Procedimentos gastrintestnais; - Procedimentos geniturinários; - Infecção de ferida cirúrgica. Tabela 2 - Principais agentes de EI e seus fatores de risco mais frequentes Organismo Staphylococcus aureus. Staphylococcus coagulase negatvo. Streptococcus viridans. Streptococcus bovis.
Históriaclínica UDIV (usuários de drogas intravenosas)/cateteres IV. Angiografia/hemodiálise/UDIV. Tratamento dental/higiene oral precária. Neoplasias gastrintestnais/pacientes idosos.
Tratamento dental/infecção do trato respiratório/UDIV. Próteses valvares/UDIV/imunossuprimidos/caFungos. teteres IV longa permanência. Enterococcus Inserção de cateteres urinários/neoplasias gassp. trintestnais/inserção ou retrada de DIU. Áreas endêmicas/consumo de leite contaminaBrucella sp. do/contato com animais infectados. Trabalhadores de fazendas/exposição a roedoCoxiella bruneres doméstcos/consumo de leite cru/valvuloti (febre Q). pata prévia/área endêmica. Bartonellasp. Desabrigados/alcoolismo/exposição a gatos. Usualmente em surtos/insttuições/valvas proLegionella sp. tétcas/pneumonia. Chlamydiasp . Pneumonia. HACEK.
3. Quadro clínico O quadro clínico é influenciado pelo micro-organismo causador. Pode ser agudo (até 14 dias), com manifestações crítcas; ou subagudo, com fadiga, perda ponderal e febre baixa, doenças por imunocomplexos (nefrite, artralgias) e êmbolos (infartos renais, esplênicos e cerebrais, petéquias, nódulos de Osler, lesões de Janeway). O intervalo entre a bacteremia e o início dos sintomas é menor do que 2 semanas em mais de 80% dos pacientes com EI de valva natva. Nos casos de prótese valvar, o período de incubação pode ser mais prolongado (até 5 meses). Os sinais e sintomas mais frequentes são: a) Febre (80 a 90%) Pode estar ausente em pacientes idosos, com IC, IRC, comorbidade grave e infecção por estafilococos coagulase-negatvos.
ANATOMIA FISI OLOGIA RENAL ENDOCE ARD ITE INFE CCIOSA
A - Hemoculturas
b) Sopros cardíacos (80 a 85%) Podem não ser audíveis em pacientes com endocardite de valvas tricúspide e pulmonar. Na endocardite por S. aureus, os sopros são audíveis, inicialmente, em apenas 30 a 45% dos pacientes e, tardiamente, em 75 a 85% dos pacientes. Sopros novos ou mudança de sopros prévios são relatvamente incomuns na EI subaguda e mais prevalentes na EI aguda e de valva proté tca. c) Esplenomegalia (15 a 50%) Mais comum na EI subaguda de duração mais prolongada. d) Manifestações periféricas (fenômenos embólicos) -
Petéquias (10 a 40%);
-
Hemorragias subungueais (5 a 15%);
-
Nódulos de Osler (7 a 10%): lesões de até 10mm, normalmente nas polpas digitais das mãos e dos pés, geralmente decorrente de vasculite por deposição de imunocomplexos;
-
Manchas de Janeway (6 a 10%): pequenas máculas ou pápulas hemorrágicas e indolores, secundárias à embolização séptca;
-
Manchas de Roth (4 a 10%): lesões retnianas.
São positvas em, ao menos, 70 a 75% dos pacientes. No entanto, a sensibilidade diagnóstca pode ser reduzida se o paciente tomou antbiótcos nas 2 semanas que antecederam a coleta. Casos de cultura negatva também podem ocorrer em endocardites por agentes de difcil crescimento, como o grupo HACEK e Brucella spp. Nas EI pelos agentes mais comuns (estafilococos, estreptococos, enterococos) e sem uso de antbiótcos, a positvidade chega a 95%. Três amostras de sangue devem ser colhidas antes de iniciar a terapia empírica.
B - Ecocardiograma Trata-se de um exame solicitado, rotneiramente, para estabelecer o diagnóstco de EI. O ecocardiograma transtorácico (TT) geralmente evidencia lesões de mais de 2mm de diâmetro e, de maneira geral, é posi tvo em 60 a 70% dos pacientes. Um ecocardiograma TT normal não descarta a possibilidade de EI. Da mesma forma, achados falsos positvos são possíveis em indivíduos com degeneração valvar mixomatosa, rotura da cordoalha tendinosa e mixomas atriais. No entanto, a ecocardiografia é empregada nos critérios de Duke para diagnóstco de endocardite. A ecocardiografia transesofágica é a técnica mais sensível, com positvidade de até 90%, sendo a técnica recomendada pela American Heart Associaton na alta suspeita de EI.
e) Manifestações musculoesquelétcas Artralgias, mialgias e artrite. Tabela 3 - Principais manifestações da endocardite Manifestações Febre Calafriosesudorese
Frequência 90%a 80 40a75%
Anorexia,fraquezaeperdadepeso
25a50%
Mialgiaseartralgias
15a30%
Dor lombar
15% a7
Sopro cardíaco
80 85% a
Novo sopro ou piora de sopro existente
10 a 40%
Embolia arterial
20 50% a
Esplenomegalia Baqueteamentodigital
15 50% a
Figura 1 - Indicação de ecocardiografia
10a20%
Manifestaçõesneurológicas
20a40%
Petéquias
40% a10
4. Diagnóstco O critério diagnóstco mais confiável consiste na detecção de bacteremia em um paciente com quadro clínico compavel.
C - Exames gerais Há alteração do hemograma na maioria das vezes, com anemia proporcional ao tempo de evolução da doença. Plaquetopenia e leucocitose podem ser encontradas. Níveis elevados de proteína C reatva e aumento do VHS são comuns, porém inespecíficos. O sedimento urinário também está frequentemente alterado, com proteinúria e hematúria discretas, pelo depósito renal de imunocomplexos.
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INFECTOLOGIA D - Critérios de Duke para diagnós tco Tabela 4 - Critérios de Duke modificados Critérios maiores
- Diagnóstco alternatvo sólido; t- Resolução do quadro com 4 dias ou menos de an biotcoterapia; Rejeitada - Nenhuma evidência de EI na cirurgia ou necrópsia com antbiotcoterapia por 4 dias ou menos; - Não preenche critérios para EI possível.
1 - Microbiológicos. - Micro-organismospicos isolados de 2 hemoculturas separadas: E - Exames subsidiários Streptococcus viridans, S. bovis ou enterococos HACEK,Staphylococcus aureusadquiridos na comunidade sem umfoco primário; - Hemoculturas persistentemente posi tvas, definidas pela recupeTabela 6 - Principais exames subsidiários ração de um micro-organismo consistente com EI de hemoculturas Quando a EI acomete câmaras direitas, separadas por mais de 12 horas ou 3 ou mais hemoculturas, com a Radiografia de tórax pode revelar infiltrado pulmonar corres1ª e a últma separadas por mais de 1 hora; pondente à embolização séptca. - C. Isolamento por cultura de Coxiellaburneti ou antcorpos antfaInespecífico, pode apresentar bloqueio se 1 IgG comtulos >1:800. Eletrocardiograma atrioventricular relacionado à presença 2 - Evidência de envolvimento endocárdico: de abscessos. - Ecocardiograma: massa intracardíaca oscilante, na valva ou nas esFundamental no diagnóstco de EI; fortruturas de suporte, ou no caminho do jato regurgitante, ou em manece dados anatômicos e funcionais. A terial implantado, na ausência de uma explicação anatômica alternamodalidade transesofágica apresenta tva, abscesso perianular, deiscência parcial nova de prótese valvar; Ecocardiograma sensibilidade maior na detecção de ve- Nova regurgitação valvar (alteração de murmúrio ou sopro não getações, principalmente na presença de é considerada suficiente). prótese valvar. Critérios menores Hemograma, hemoculturas, provas de 1 - Febre ≥38°C. atvidade inflamatória (VHS, PCR), fator 2 - Lesão cardíaca predisponente ou uso dedrogas injetáveis. Exames laboratoriais reumatoide, urina I (avaliação do sedi3 - Fenômenos vasculares (embolia sép tca, infartos pulmonares, mento urinário, pesquisa de hematúria). lesões de Janeway, hemorragias conjun tvas, aneurisma micó tco e Deve ser de rotna. Permite avaliar sinais sangramento intracraniano). Fundoscopia periféricos da EI (manchas de Roth). 4 - Fenômenos imunológicos (presença de fator reumatoide, gloTomografia de merulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth). 5 - Achados microbiológicos que não preenchem critério maior ou crânio evidência sorológica de micro-organismo consistente com EI.
O diagnóstco de EI definitva é definido pelo achado histopatológico de vegetação ou abscesso intracardíaco, ou pelo critério clínico: 2 critérios maiores ou 1 maior + 3 menores, ou 5 menores. O diagnóstco é considerado provável quando há 1 critério maior e 1 menor, ou 3 menores. O diagnóstco de EI é excluído quando outra causa confirmada explica a síndrome inicialmente atribuída à endocardite. A síndrome, normalmente, é resolvida com an tbiótcos em, no máximo, 4 dias. Não há critérios patológicos após ≤4 dias de antbiotcoterapia.
Provável
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Indicada na pesquisa de aneurismas miAngiografia cerebral cótcos, que, apesar do nome, são bacterianos.
5. Complicações A - Cardíacas
Critério patológico: Micro-organismos demonstrados por cultura ou tco ou análise histológica de vegetação, êmbolo sép
As complicações cardíacas associadas à EI aumentam sua morbimortalidade; algumas delas são indicatvas de tratamento cirúrgico. Insuficiência cardíaca, em geral, ocorre por dano valvar pela infecção, principalmente em valva mitral, mas também pode ocorrer nos raros casos de infarto agudo do miocárdio causados por embolização de fragmentos das vegetações para as coronárias. Outras complicações possíveis são abscessos perivalvares e miocárdicos (que podem levar a bloqueios de ramo fasciculares e atrioventriculares), pericardite e hemopericárdio (por ruptura de
abscesso cardíaco confirmadoatpor demonstrando endocardite va. análise histológica
aneurisma micótco de seio de Valsalva).
Critério clínico: Usando definições específicas: - 2 critérios maiores; - 1 critério maior e 3 menores; - 5 critérios menores.
B - Neurológicas
Tabela 5 - Critérios modificados da Duke University para o diagnóstco
Definitva
Realizada quando existe comprometmento neurológico por embolização.
Usando definições específicas: - 1 critério maior e 1 menor; - 3 critérios menores.
As complicações neurológicas ocorrem em até 40% dos pacientes com EI, principalmente nos quadros causados por S. aureus. Pacientes com déficits motores, febre e doença valvar subjacente devem ter a EI como possível diagnós tco diferencial. A frequência dos fenômenos embólicos diminui consideravelmente com a introdução do tratamento tan biótco.
ANATOMIA FISI OLOGIA RENAL ENDOCE ARD ITE INFE CCIOSA
Os aneurismas micótcos são causados por embolização séptca para os vasa vasorum arteriais e ocorrem, em especial, nas ramificações das artérias. O quadro clínico é variável: alguns podem apresentar-se com cefaleia premonitória, enquanto, em outros, a manifestação inicial é o sangramento em SNC. TC de crânio ou ressonância magnétca de encéfalo são técnicas bastante sensíveis para a detecção de hemorragia em SNC, no entanto o exame de escolha para detectar aneurismas micótcos é a angiografia cerebral. Para a obtenção de imagens equivalentes, porém menos invasivas, podem ser usadas as técnicas de angiotomografia ou angiorressonância de crânio.
C - Embolia séptca A embolização séptca é a complicação mais frequente da EI e, geralmente, envolve baço, fgado, rins e as artérias ilíacas e mesentéricas. Abscesso esplênico pode ser causa de febre prolongada e provocar irritação diafragmátca, e a TC de abdome é o exame de escolha para o diagnós tco de lesões esplênicas.
D - Febre prolongada A febre associada à EI, frequentemente, resolve-se em 2 a 3 dias após o início do tratamento antmicrobiano e desaparece em 90% dos pacientes até o 14º dia de tratamento. As causas mais comuns de febre prolongada são abscessos perivalvares e miocárdico, infecção por embolização, hipersensibilidade a drogas ou infecções nosocomiais.
6. Tratamento O tratamento da endocardite bacteriana de valvas natvas exige altas doses de an tmicrobianos durante períodos prolongados. Na suspeita clínica, deve ser sempre iniciada terapia antmicrobiana empírica, guiada pela apresentação clínica e fatores de risco do paciente, que, depois, pode ser modificada com os resultados das hemoculturas.
A - Endocardite bacteriana aguda O patógeno mais provável para a EI de válvula natva, adquirida na comunidade é o S. aureus. O esquema terapêutco de escolha para esse agente é oxacilina associada a um aminoglicosídeo para obtenção de efeito sinérgico, habitualmente a gentamicina. A terapia pode, então, ser modificada com base nos resultados das culturas e dos antbiogramas.
B - Endocardite bacteriana subaguda É causada, mais frequentemente, por estreptococos ou enterococos. A terapia baseia-se em penicilina associada a um aminoglicosídeo. Como o obje tvo da inclusão dos aminoglicosídeos ao esquema é a obtenção de efeito sinérgico com o beta-lactâmico, deve ser usado apenas nas primeiras 2 semanas de tratamento, como monitorização da função
renal. Apesar de haver comprovação de que o uso dessas drogas em dose única diária diminui a sua nefrotoxicidade, devendo, portanto, ser preferido, essa posologia não está validada especificamente para endocardite. A bacteremia e a endocardite por Streptococcus bovis estão associadas à doença gastrintestnal baixa, inclusive neoplasias. E a endocardite por Enterococcus também pode estar associada à patologia intestnal baixa. Tabela 7 - Terapia antbiótca empírica de acordo com a situação clínica Quadro clínico Endocardite aguda em valva natva.
Agentes prováveis S. aureus.
Endocardite em usuário de drogas S. aureus. IV.
Tratamento preferencial inicial Oxacilina 2g IV 4/4h + gentamicina 1mg/kg/dia. Oxacilina 2g IV 4/4h + gentamicina 1mg/kg/dia.
Endocardite subaguda em valva natva.
(Penicilina G cristalina Streptococcus 4 milhões UI IV 4/4h ou bovis ou viridans ampicilina 2g IV 4/4h) + ou enterococos. gentamicina 1mg/kg/dia.
Endocardite aguda ou subaguda com embolização séptca.
S. aureus, estreptococos.
Oxacilina 2g IV 4/4h + penicilina G cristalina 4 milhões UI IV 4/4h + gentamicina 1mg/kg/dia.
S. aureus ou estafilococos Vancomicina 1g IV Endocardite em coagulase12/12h + gentamicina prótese valvar (<1 t ano). -nega vos; risco de resistência à +1mg/kg/dia cefepima. + rifampicina oxacilina, BGN.
Com o isolamento do agente, é possível ajustar o tratamento: a) Streptococcus viridans A penicilina G (2 milhões de unidades IV 4/4h durante 4 semanas) normalmente é efetva. Os aminoglicosídeos devem ser associados durante as 2 semanas iniciais, mas deve-se evitar seu uso prolongado em pacientes idosos e naqueles com predisposição à nefrotoxicidade ou à ototoxicidade. Outras opções são ceriaxona (4 semanas) ou vancomicina (alérgicos à penicilina, 4 semanas). O tempo de tratamento deve ser mais prolongado em pacientes com complicações. b) S. pneumoniae e estreptococos beta-hemolítcos do grupo A Penicilina G (2 a 4 milhões de unidades IV 4/4h durante 4 a 6 semanas). Outras opções são ceriaxona (4 semanas) ou vancomicina (alérgicos ou resistência à penicilina, 4 semanas). A associação de aminoglicosídeo nas primeiras 2 semanas também é válida. c) Enterococcus spp Causam de 10 a 20% dos casos de EI. A ampicilina associada a um aminoglicosídeo é efetva para cepas susce-
71
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA veis e deve ser prescrita como 1ª escolha. Para pacientes
alérgicos à penicilina ou infectados por cepas resistentes, a ampicilina deve ser substtuída pela vancomicina. Os níveis desta e de aminoglicosídeos devem ser monitorizados (duração 4 a 6 semanas). d) S. aureus Oxacilina (2g IV 4/4h durante 4 a 6 semanas). Um aminoglicosídeo pode ser acrescentado durante os primeiros 3 a 5 dias de tratamento. O prognóstco é melhor em usuários de drogas intravenosas jovens com endocardite à direita, para fi
os quais 4poderia serPacientes su cientemais o tratamento com oxacilina durante semanas. velhos com infecção da valva aórtca apresentam uma elevada taxa de mortalidade e, com frequência, precisam de intervenção cirúrgica. Para a EI causada por S. aureus resistente à oxacilina, o fármaco preferido é a vancomicina. Conduta: - Metcilino-sensíveis em valvas na tvas: oxacilina (4 a 6 semanas) + gentamicina (3 a 5 dias) ou cefazolina (4 a 6 semanas) + gentamicina (3 a 5 dias) ou vancomicina (4 a 6 semanas); - Metcilino-resistentes (MRSA) em valvas natvas: vancomicina (4 a 6 semanas); - Metcilino-sensíveis em valvas protétcas: oxacilina (6 a 8 semanas) + gentamicina (2 semanas) + rifampicina (6 a 8 semanas); - Metcilino-resistentes (MRSA) em valvas proté tcas: vancomicina (6 a 8 semanas) + gentamicina (2 semanas) + rifampicina (6 a 8 semanas). e) S. epidermidis É uma causa cada vez mais comum de EI, sobretudo após cirurgia cardíaca. Esses micro-organismos são, com frequência, resistentes à oxacilina, às penicilinas semissintétcas e às cefalosporinas. Enquanto se aguardam os resultados do antbiograma, o tratamento empírico preconizado consiste em vancomicina (1g IV 12/12h) + rifampicina (300mg VO 8/8h durante, pelo menos, 6 a 8 semanas) + gentamicina (1mg/kg IV dia durante as primeiras 2 semanas de tratamento). Como a detecção de resistência aos beta-lactâmicos nos estafilococos coagulase-negatvos é potencialmente difcil, a prescrição de beta-lactâmicos para infecções graves causadas por estafilococos coagulase-negatvos é motvo de controvérsia. f) HACEK Trata-se de um acrônimo para um grupo de bactérias Gram negatvas, de crescimento lento em meios de cultura (Haemophilus, Ac tnobacillus, Cardiobacterium, Eikenella e espécies de Kingella), que têm preferência por infectar valvas cardíacas. O tratamento de escolha consiste em ampicilina + aminoglicosídeo. A conduta padrão consiste em 4 semanas de associação medicamentosa: ce riaxona (4 semanas) ou ampicilina + gentamicina (4 semanas).
72
g) Outros agentes menos comuns Estes agentes habitualmente não são isolados em hemoculturas, sendo necessária u tlização de métodos sorológicos para o diagnóstco. - Brucella sp: doxiciclina + rifampicina ou sulfametoxazol-trimetoprim por 3 meses; - C. burne: doxiciclina + hidroxicloroquina (>18 meses); - Bartonella sp: beta-lactâmicos ou doxiciclina + aminoglicosídeos (>6 semanas); - Chlamydia sp: doxiciclina ou quinolonas de 4ª geração (duração não conhecida); - Mycoplasma sp: doxiciclina ou quinolonas de 4ª geração (>12 semanas tratamento); - Legionella sp: macrolídeos + rifampicina; quinolonas de 4ª geração (>6 meses tratamento).
C - Resumo das doses dos an tbiótcos usados Penicilina G cristalina: 4 milhões de unidades IV, a cada 4h; - Ampicilina: 2g IV, a cada 4h; - Ceriaxona: 1g IV, a 12/12h; - Oxacilina: 2g IV, a cada 4h; - Gentamicina: 1 a 1,5mg/kg IV, a cada 8h (máximo 240mg/dia); - Vancomicina: 500mg IV, a cada 6h; - Rifampicina: 300mg VO, a cada 8h. -
D - Indicações para a cirurgia Insuficiência cardíaca moderada a grave por disfunção valvar; - Deiscência parcial instável de valva protétca; - Bacteremia persistente, apesar da terapêut ca; - Endocardite por S. aureus em valva protétca com complicações intracardíacas; - Febre persistente, não explicada (>10 dias) em endocardite de valvas protétcas com hemoculturas negatvas; - Endocardite fúngica: é refratária à terapia clínica e exige cirurgia. -
E - Possíveis indicações cirúrgicas -
Extensão perivalvar da infecção; Endocardite por S. aureus refratária; Grande vegetação (>10mm) móvel com risco de embolia; - Febre persistente, não explicada (por, aproximadamente, 10 dias) em endocardite de valva na tva com hemoculturas negatvas; - Endocardite refratária ou recidivante por germes altamente resistentes (enterococo ou Gram nega tvos); -
ANATOMIA FISI OLOGIA RENAL ENDOCE ARD ITE INFE CCIOSA
-
A intervenção cirúrgica também pode ser necessária quando a endocardite de valva própria é complicada por êmbolos sistêmicos recorrentes, aneurisma micótco, defeitos de condução persistentes, rotura da cordoalha tendinosa ou do músculo papilar. A cirurgia não deve ser adiada em se tratando de pacientes cujas condições clínicas estão piorando.
7. Profilaxia A profilaxia não é uma recomendação universal para tpo de Heart qualquer afecção valvartou procedimento sivo. A American Associa on de recomenda que ainvaprofilaxia da EI seja prescrita para os pacientes de alto risco para endocardite (com próteses valvares cardíacas ou outras próteses intravasculares como shunts sistêmicos pulmonares, história pregressa de EI ou cardiopa ta cianótca complexa) ou de risco moderado (com outras cardiopatas congênitas, valvopata reumátca ou outras disfunções valvares adquiridas, miocardiopata hipertrófica ou prolapso de valva mitral com regurgitação valvar ou espessamento de folhetos). Mesmo nesses casos, a necessidade de profilaxia depende do procedimento. As novas recomendações do guideline de profilaxia para endocardite de 2007 atestam que apenas um pequeno número de casos de endocardite pode ser prevenido por pro filaxia, ao contrário de bacteremias que cursam com maior risco de desenvolver endocardite. Até a revisão das recomendações de pro filaxia para endocardite, os procedimentos odontológicos que jus tficavam a profilaxia incluíam extrações dentárias, procedimentos periodontais ou endodontais e limpeza dos dentes pelo dentsta. Alguns procedimentos odontológicos, como o tratamento de cáries, não consttuem indicação de profilaxia. As recomendações atuais sugerem profilaxia apenas em procedimentos com manipulação de tecido gengival ou da região periapical dos dentes ou com perfuração de mucosa e apenas em pacientes de alto risco. Os procedimentos do trato gastrintestnal que justficavam a profilaxia incluem escleroterapia esofágica, dilatação de estenose esofágica e colangiografia retrógrada endoscópica com obstrução biliar. Para a ecocardiogra fia transesofágica ou a endoscopia de rotna (com ou sem biópsia), a profilaxia era considerada opcional para os pacientes de alto risco. A profilaxia não é preconizada para a intubação endotraqueal de ro tna. Também não se recomenda a
profilaxia para procedimentos do trato geniturinário. Para procedimentos respiratórios, como a broncoscopia com broncoscópio flexível (com ou sem biópsia), a pro filaxia é opcional para os pacientes de alto risco apenas. A profilaxia não é preconizada para cesariana e é opcional para pacientes de alto risco. No caso de parto vaginal, cateterismo cardíaco, implantação de marca-passo ou incisão ou biópsia de pele cirurgicamente escovada, também não está recomendada a profilaxia de EI.
Deve-se observar que as recomendações mais recentes não incluem antbiótcos pós-procedimento. A profilaxia ainda indicada a pacientes nos procedimentos especificados deve ser realizada apenas naqueles de alto risco, que são: - Valva protétca ou material protétco em valva; - Endocardite prévia; - Cardiopat as congênitas nas seguintes condições: Cardiopata congênita cianótca; Após reparo com material proté tco, nos primeiros 6 meses após o procedimento; • •
•
•
Pacientes que receberam reparos com defeitos no local ou adjacentes a local com material protétco; Pacientes submetdos a transplante cardíaco que desenvolveram valvopata posterior.
A - Esquemas para procedimentos odontológicos, orais, do trato respiratório ou esofágicos Importante: Devem ser administrados em dose única, 30 a 60 minutos antes do procedimento.
Profilaxia-padrão: amoxicilina, 2g VO, antes do procedimento; - Incapacidade de ingerir a medicação: ampicilina, 2g IM ou IV, antes do procedimento, ou cefazolina, 1g IV, antes do procedimento; -
-
Alergia à penicilina: VO, 1h2g antes do procedimento, ouclindamicina, cefalexina ou600mg cefadroxila, VO, 1h antes do procedimento, ou claritromicina ou azitromicina, 500mg VO, 1h antes do procedimento.
B - Esquemas para procedimentos gastrintestnais e geniturinários A profilaxia para procedimentos gastrintestnais e geniturinários não é mais recomendada, mas, como essa modificação é recente (2007), citamos as recomendações do guideline anterior: - Amoxicilina, 2g VO, 1h antes do procedimento, ou ampicilina, 2g IM ou IV, 30 minutos antes do procedimento; - Ampicilina, 2g IM ou IV + gentamicina, 1,5mg/kg (máx. 120mg), 30 minutos antes do procedimento; - Vancomicina, 1g IV + gentamicina, 1,5mg/kg (máx. 120mg), de tal forma que se complete nos 30 minutos antes do procedimento.
C - Resumo das profilaxias a) Profilaxia – antga recomendação - Condições cardíacas associadas a risco de endocardite – profilaxia recomendada: Alto risco: prótese valvar, endocardite prévia, cardiopata congênita complexa cianótca (transposi•
73
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA
•
ção dos grandes vasos, tetralogia de Fallot; ventrículos únicos); Risco moderado: demais cardiopatas congênitas, valvopata reumátca, cardiomiopata hipertrófica, prolapso de valva mitral com regurgitação e/ou folheto espessado.
Procedimentos invasivos associados à bacteremia: profilaxia recomendada; - Procedimentos dentários com lesão de mucosa; - Trato respiratório:amigdalectomia, cirurgia envolvendo mucosa; broncoscopia com aparelho rígido; - Trato gastrintestnal: escleroterapia de varizes esofagianas, dilatação de esôfago, colangiogra fia endoscópica retrógrada com obstrução biliar, cirurgia do trato biliar, cirurgia envolvendo mucosa intes tnal; - Trato geniturinário:cirurgia prostá tca, cistoscopia, dilatação uretral. -
b) Profilaxia de endocardite – úl tmo consenso AHA/IDSA (Circulaton, 2007) -
Indicação de profilaxia: restrita – situações de maior probabilidade de evolução desfavorável: Prótese valvar; Endocardite prévia; Cardiopatas congênitas cianótcas não corrigidas; Cardiopatas congênitas totalmente corrigidas com material protétco (primeiros 6 meses após a cirurgia); •
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Cardiopatas congênitas parcialmente corrigidas com defeito residual no local ou próximo a material protétco; Transplante cardíaco que desenvolve defeito valvar.
Procedimentos Procedimentos odontológicos com manipulação de gengiva; Procedimentos invasivos e cirurgias do trato respiratório; Cirurgias de pele e partes moles infectadas. •
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•
Não há mais recomendação de profilaxia em outras cardiopatas e em procedimentos e cirurgias do trato gastrintestnal e geniturinário.
8. Resumo Quadro-resumo - Condições e germes principais com diferenças entre valvas D (tricúspide/pulmonar) e valvas Epidemiologia E (mitral/aórtca); - Principais fatores de risco (prolapso/ prótese valvar) e relação com procedimentos. Quadro clínico
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- Diferença clínica de endocardite aguda e subaguda.
Diagnóstco
- Hemoculturas (condições para coleta e número de amostras); - Ecocardiograma (diferença de sensibilidade entre transtorácico e transesofágico). - Diferença de tratamento na endocardite aguda/subaguda;
Tratamento
- Tratamento presuntvo por localização ou específico guiado por hemocultura; - Indicações cirúrgicas.
Profilaxia
- Mudanças nas indicações relacionadas a procedimentos mais invasivos e pacientes com
maior risco. - A endocardite permanece como um diagnós tco difcil, poucas vezes considerada uma hipótese diagnóstca possível. Proceder com os exames complementares é uma boa recomendação; - A incidência de EI está aumentando, sobretudo em grupos especiais de doentes com infecções nosocomiais, cateter central (hemodiálise, quimioterapia, agentes vasoatvos, UTI), idosos, valvas protétcas, usuários de drogas injetáveis etc.; - A antbiotcoterapia empírica deve ser realizada o mais precocemente possível. No entanto, realizá-la antes de coletar hemoculturas é um grande erro, uma vez que cerca de 90 a 95% delas têm resultados positvos, o que é de extrema importância para otmizar a conduta terapêutca. As causas de doentes com culturas persistentemente negatvas podem ser: · Uso prévio de an tbiótcos; · EI por agentes “fas tdiosos” (grupo HACEK, por exemplo). - As novas recomendações de profilaxia restringem seu uso apenas a pacientes de alto risco submetdos a determinados procedimentos orais, respiratórios e esofágicos, e não mais àqueles a serem submetdos a procedimentos gastrintestnais e geniturinários.
CAPÍTULO
5
Meningite e outras infecções do SNC Rodrigo Antônio Brandão Neto / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Definição
3. Apresentação clínica
As meninges são membranas de tecido conjun tvo que revestem o sistema nervoso central, a fim de lhe conferir proteção mecânica e barreira fsico-química. De fora para dentro, compreendem a dura-máter, a aracnoide e a pia-máter. A meningite é uma doença inflamatória das leptomeninges, que acomete esses envoltórios e o espaço subaracnóideo, que contém o LCR. O processo é craniospinal, comprometendo o sistema ventricular, o canal vertebral, as cisternas da base do crânio e pode acometer os nervos cranianos. Os principais agentes das meningites são as bactérias e os vírus, mas podem ainda ser ocasionadas por parasitas e fungos. As encefalites, por sua vez, são infecções agudas do parênquima nervoso que determinam febre, cefaleia, confusão mental, rebaixamento do nível de consciência, sinais de acometmento focal cerebral (déficits motores, afasia, assimetria de reflexos, alterações da coordenação etc.) e crises convulsivas parciais ou generalizadas. São causadas, principalmente, por infecções virais.
Deve-se pensar em meningite sempre que um paciente apresenta febre e manifestações neurológicas, sobretudo se existe uma história pregressa de outra molésta infecciosa ou de traumatsmo cranioencefálico (TCE). O prognóstco depende do intervalo entre o aparecimento da enfermidade e a insttuição da terapia antmicrobiana.
2. Fisiopatologia Em situações propícias, os agentes de infecção ou colonizantes das vias aéreas invadem a mucosa respiratória e, por via hematogênica, alcançam as meninges, onde se multplicam e estmulam um processo inflamatório. Além disso, as infecções do trato respiratório superior, otte aguda (ou mastoidite) ou pneumonia podem acompanhar ou anteceder o quadro clínico. Em crianças, o tte, sinusite, pneumonia e celulite periorbitária são situações predisponentes.
A manifestação clínica usual é o início agudo de febre, cefaleia holocraniana, rigidez de nuca e vômitos. Em geral, a doença progride de maneira rápida. Ocasionalmente, o início é menos agudo, com sinais meníngeos presentes por alguns dias ou 1 semana. A tríade de febre, rigidez de nuca e alteração de estado mental, que é a manifestação clássica da meningite bacteriana, acontece em apenas 60% dos casos. Os pacientes podem apresentar 3 síndromes clínicas associadas à meningite, das quais, pelo menos, 2 estão presentes na instalação dos sintomas.
A - Síndrome toxêmica Caracteriza-se por queda importante do estado geral, febre alta e, eventualmente, quadro confusional. Ocasionalmente, é observada dissociação entre o pulso (que se mantém próximo aos níveis basais) e a temperatura, a qual costuma apresentar valores elevados. A febre, sintoma de maior sensibilidade diagnóstca, está presente em cerca de 95% dos casos na maioria das séries. Alteração do estado mental em algumas séries chega a ocorrer em 75% dos casos, mas com porcentagem menor em séries recentes.
B - Síndrome de irritação meníngea Pacientes com meningite apresentam rigidez de nuca, sinal de Kernig, sinal de Brudzinski e desconforto lombar. A
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INFECTOLOGIA rigidez de nuca pode ser notada ao tentar aflexão atva ou passiva do pescoço e, na maioria das séries,acontece em cerca de 80 a 85% dos pacientes. O sinal de Brudzinski refere-se ao paciente em decúbito dorsal. Háflexão espontânea das extremidades inferiores quando se efetua aflexão passiva do pescoço. O sinal de Kernig refere-se à incapacidade ou àrelutância em realizar a extensão dos joelhos quando o quadril é flexionado 90° em relação ao abdome; a perna tambémdeve formar ângulo de cerca de 90° em relação à coxa. Uma vez obtda essa posição, o examinador apoia uma das mãos atrás do calcanhar do doente, elevando lentamente seu pé. Ao mesmo tempo, apoia a outra mão sobre o joelho do paciente, abaixando-o também lentamente e conseguindo estender a sua perna. O sinal é considerado positvo quando, ao ocorrer o estramento, o doente flete ligeiramente o joelho contralateral. Este é considerado o sinal de irritação meníngea que acontece mais precocemente. Meningismo sem meningite pode acontecer nos abscessos retrofaríngeos, laringite ou adenite cervical grave, artrite ou osteomielite em vértebras cervicais, pneumonia no lobo superior, hemorragia subaracnoide, tétano e pielonefrite, entre outros.
C - Síndrome de hipertensão intracraniana (HIC) Os pacientes apresentam cefaleia, náuseas e vômitos. A clássica referência a vômitos em jato é pouco frequente, porém náuseas são comuns e, muitas vezes, sem vômitos associados. Os indivíduos ainda apresentam di ficuldades de drenagem do líquido cerebrospinal do espaço subaracnóideo para o compartmento venoso sanguíneo, com hipertensão considerada do tpo comunicante; são pacientes que apresentam risco comparatvamente menor de complicações associadas à punção lombar.
4. Etologia A - Meningites bacterianas A meningite piogênica é uma infecção aguda por bactérias que provocam resposta imune composta por células polimorfonucleares no liquor. As infecções meníngeas podem ter srcem hematogênica ou por con tguidade de processos infecciosos das estruturas cranianas (ouvidos, garganta e adjacentes, seios da face, ossos cranianos). O processo inflamatório nas meningites bacterianas é supuratvo e leva ao espessamento das meninges. Tal invasão atrai polimorfonucleares ao longo de paredes vasculares e bainha de nervos cranianos. Em alguns casos, na evolução, ocorre obstrução dos espaços subaracnoidianos por material fibrinopurulento que podem levar à obstrução da circulação liquórica. O processo infeccioso pode, ainda, levar a edema cerebral, e os pacientes apresentam um quadro inflamatório, com sinais e sintomas de irritação meníngea. A meningite bacteriana aguda é uma emergência clínica, com alto índice de mortalidade caso não seja tratada.
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A mortalidade depende do tpo de bactéria e do grupo de idade. Durante os primeiros 3 meses de vida, os agentes mais comuns são os relacionadosao trato genital feminino, adquiridos no canal de parto, ou por via ascendente após aruptura de membranas. Destaca-se, entre as bactérias Gram nega tvas, a Escherichia coli e, entre as Gram positvas, o Streptococcus agalactae. Outra etologia possível em recém-nascidos é a meningite porListeria monocytogenes. Nos recémfico, -nascidos e nos menores de 3 meses, o quadro é inespecí sobrepondo-se ao de uma infecção qualquer com febre ou hipotermia, ou depressão do sensório, à manipulação, hipotonia, vômitos, alteraçõesirritabilidade do sono, icterícia, sucção débil etc. Neste grupo, só eventualmente há sinais que apontam para o comprometmento do SNC, como sinais meníngeos, convulsões e abaulamento de fontanela. Entre 3 meses e 5 anos, o agente etológico mais comum de meningite era o Haemophilus influenzae tpo B. Atualmente, sua incidência tem caído, devido à introdução da vacina ant-hemófilo tpo B no calendário vacinal. Os agentes estão se tornando parecidos com os das crianças de maior idade. Nos menores de 2 anos, faixa em que a meningite é mais frequente, os sinais meníngeos clássicos costumam estar ausentes mesmo com meningite franca. Após os 5 anos, o agente etológico mais comum de meningite bacteriana é o meningococo. O S. pneumoniae e a N. meningitdis provocam a maioria dos casos de meningite bacteriana em adultos. O pneumococo é mais comum após os 50 anos no Brasil, faixa etária em que voltam a ocorrer casos de meningite por Listeria monocytogenes. Lesões petequiais, purpúricas ou equimó tcas são extremamente sugestvas de infecção meningocócica. O choque pode ocorrer nesses pacientes em consequência de sepse ou insuficiência suprarrenal em razão de infarto hemorrágico das suprarrenais (síndrome de Waterhouse-Friderichsen). Raramente, ocorrem tais lesões na meningite causada por S. pneumoniae ou H. influenzae. Alteração de nervos cranianos acontece em 5 a 10% dos adultos, crises convulsivas em 20 a 30% dos pacientes, e sinais focais, em 25% dos adultos. A etologia pneumocócica é sugerida quando a meningite acompanha ou é precedida de infecção pulmonar, o tte ou sinusite. As infecções por H. influenzae são acompanhadas por infecções de vias aéreas superiores ou o ttes. Nos pacientes imunossuprimidos, deve ser considerada a possibilidade de Listeria monocytogenes. Nos portadores de abscessos cerebrais, doenças proliferatvas, colagenoses, metástases cerebrais, processos infecciosos ou tumorais dos ossos do crânio, também pode haver infecções por Listeria monocytogenes, Acinetobacter e Pseudomonas. Em geral, a mortalidade é maior para S. pneumoniae (19%) do que para N. meningitdis (13%) ou H. influenzae (3%). No entanto, a mortalidade da meningite por S. pneumoniae é muito menor em crianças com menos de 5 anos (3%) do que em adultos com mais de 60 anos (31%).
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Em situações específicas, como epidemias, intervenções neurocirúrgicas, traumas ou imunodepressão, pode haver outros agentes etológicos envolvidos, com característcas clínicas e laboratoriais par tculares. Tabela 1 - Agentes mais prováveis de meningite bacteriana por faixa etária
Situação
Agente - S. agalactae;
Idade <1 mês
- E. coli; - Listeriasp. - S. agalactae; - E. coli;
De 1 a 23 meses
- Listeriasp.; - S. pneumoniae; - N. meningitdis; - H. influenzae.
De 2 a 50 anos
- S. pneumoniae; - N. meningitdis. - S. pneumoniae;
>50 anos
Tais etologias específicas tendem a produzir quadros mais graves, sequelantes e com evolução possível para óbito. A meningoencefalite herpétca é muito comum em adultos jovens e aparece em uma fase de reatvação da infecção latente. Sua localização mais frequente é a região retro-orbitária (lobos frontal e temporal), o que pode ser evidenciado em EEG (eletroencefalograma) e RNM (Ressonância Nuclear Magnétca). Sem tratamento, tem rápida evolução para gravidade, com alteração comportamental, rebaixamento progressivo do nível de consciência, até coma e óbito. Essa etologia acomete, principalmente, pacientes imunodeprimidos, embora muitas vezes não seja detectada imunodeficiência. Nos pacientes com AIDS na fase avançada, pode haver infecção maciça, sem reação inflamatória importante. O quadro clínico é progressivo e inclui manifestações das 3 síndromes das meningites agudas (com manifestações menos intensas que aquelas observadas nas meningites bacterianas agudas), acompanhadas de convulsões, alteração de memória e alterações de comportamento. Os pacientes apresentam piora progressiva dos sinais focais e atngem a máxima gravidade em 2 a 3 semanas.
- N. meningitdis; - Listeriasp.
B - Meningites virais As meningites virais, em geral, são causadas por enterovírus (Echovirus ou coxsackie tpos A e B). As característcas quimiocitológicas e a ausência de bactérias no liquor tornam a etologia presumivelmente viral, entretanto em apenas 10 a 20% dos casos o agente é identficado.
Tais meningites, habitualmente, são autolimitadas e de curso benigno. Os sintomas da meningite viral são os mesmos da meningite bacteriana, porém mais leves. Em boa parte dos casos, notam-se apenas 3 ou 4 sintomas, como cefaleia, prostração, letargia ou irritabilidade, febre, meningismo, náusea e vômitos. A manifestação mais comum é a cefaleia, que pode ser resistente a analgesia, devido a paucidade e menor intensidade dos sintomas. O diagnóstco ocorre com atraso de alguns dias, e o quadro é autolimitado, com duração de até 2 semanas. O estado geral é menos comprometdo que nas meningites bacterianas, sem sinais de sepse, choque ou coagulação intravascular disseminada (CIVD). A evolução é favorável na maioria dos casos apenas com tratamento de suporte. Apesar do bom prognóstco, cerca de 10% dos pacientes apresentam complicações como convulsões, sinais focais, letargia e até coma, contudo a grande maioria apresenta encefalite concomitante. Outras etologias possíveis são caxumba, sarampo, rubéola, Epstein-Barr, adenovírus, raiva, HSV-1 (encefalite herpétca); VZV (varicela-zóster) e CMV (encefalites em imunodeprimidos); e o grupo dos flavivírus e togavírus (também referidos como arbovírus). Os arbovírus provocam encefalites epidêmicas e são transmi tdos por picada de inseto.
C - Meningites crônicas As meningites crônicas podem ter apresentação indolente, com sintomas semelhantes aos da meningite aguda ou com alteração da atvidade intelectual, com ou sem febre. As causas mais comuns de meningite crônica são tuberculose, doença criptocócica, neoplasia e sarcoidose. A neurotuberculose merece atenção especial, e os pacientes podem apresentar diferentes síndromes clínicas. A doença ocorre pela disseminação hematogênica do bacilo e pelo processo inflamatório granulomatoso que ocorre, predominantemente, na base do cérebro. Formam-se tubérculos, que são focos de necrose caseosa, cercados de células epitelioides e camada linfocitária e espessamento meníngeo com fibrose, que pode evoluir com obstrução liquórica e, eventualmente, manifestações de hipertensão craniana. Os doentes podem apresentar vasculite, comprometmento de nervos cranianos na base do crânio (mais frequentemente o VI, e menos o IV, o VII e o VIII), hidrocefalia e focos de encefalite, com aparecimento de sinais de envolvimento do parênquima cerebral. Nos estágios iniciais da infecção do sistema nervoso, o quadro clínico é semelhante ao das meningites bacterianas inespecíficas, porém, posteriormente, aparecem sintomas e sinais de encefalite, e os pacientes podem evoluir para coma. A meningite criptocócica, por sua vez, é relatvamente comum em pacientes imunodeprimidos e acontece em 5 a 10% dos pacientes com AIDS, porém, normalmente, como manifestação tardia. A apresentação é mais su tl que a meningite bacteriana. Pode ocorrer, ainda, em imunocompetentes, em que produz intensa inflamação meníngea, com hipertensão intracraniana e grande incidência de sequela visual. Papiledema, convulsões e hemiparesia acontecem
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INFECTOLOGIA em 10 a 15% dos casos. Indivíduos com meningite criptocócica apresentam febre em pouco mais da metade dos casos; há cefaleia em mais de 70% dos casos e sinais meníngeos em 25 a 30% dos pacientes. Tabela 2 - Característcas sugestvas de meningite viral inespecí fica Vírus
Criançaseadultosjovens
Coxsackie
Quadro precedido de sintomas gastrintes tnais ou de VAS.
Echovirus.
Estado geral preservado.
Outros enterovírus Adenovírus
Irritação meníngea branda. Exantema.
Tabela 3 - Fatores sugestvos de agentes etológicos de meningite bacteriana Agente
Característcas - Adulto jovem;
Neisseria meningitdis (meningococo)
- Início abrupto; - Evolução rápida; - Petéquias –rash purpúrico; - Instabilidade hemodinâmica. - Idade avançada;
Streptococcus pneumoniae (pneumococo)
- Presença de otte ou sinusite; - Presença de pneumonia; - Imunodepressão: HIV e esplenectomizados; - TCE/fratura de base de crânio.
Bacilos Gram negatvos
- Recém-nascido ou idade avançada E. ( coli); - Otte externa maligna (Pseudomonas); - TCE/trauma penetrante; - Derivações liquóricas (DVE/DVP); - PO de Neurocirurgia. - TCE/trauma penetrante;
Staphylococcus aureus
- Derivações liquóricas (DVE/DVP); - PO de neurocirurgia; - Celulite de face/periorbitária.
Listeria monocytogenes
- Extremos de idade: RN e >50 anos.
5. Complicações e prognóstco Possíveis complicações incluem abscesso cerebral, coleção subdural, cerebrite, ventriculite, hipertensão intracraniana (edema vasogênico ou citotóxico, inflamação, hidrocefalia), hidrocefalia comunicante e não comunicante, trombose de seios venosos, hemorragia subaracnoide, vasculite, arterite necrosante, trombose venosa, infarto cerebral e mielite transversa. Hemiparesia e convulsões focais sugerem abscessos ou isquemia cerebral. Podem ocorrer sequelas, como dé ficits motores e cognitvos, retardo neuropsicomotor, atraso de linguagem, distúrbios de comportamento, déficits de pares cranianos, hidrocefalia e convulsões. Em 10% das crianças, há perda
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de audição neurossensorial persistente. Lesão neurológica residual permanece em até 10 a 20% de todos os pacientes que se recuperam.
6. Diagnóstco Todo paciente com suspeita de meningite deve ser submetdo à punção liquórica se não há contraindicação. A punção lombar imediata é contraindicada na suspeita de hipertensão intracraniana (paralisia de nervos abducente e oculomotor, hipertensão, bradicardia, irregularidade respiratória ou apneia, decortcação e descerebração, estupor e coma ou papiledema), instabilidade hemodinâmica grave ou infecção da pele no local da punção. Trombocitopenia é uma contraindicação relatva entre 10.000 e 70.000 e absoluta se <10.000/mm3. Nesses casos, é iniciada a terapia antmicrobiana empírica, e a punção é feita quando possível. Alguns fatores podem sugerir contraindicação de punção liquórica; na presença desta, é recomendável tomografia computadorizada antes da punção, para maior segurança em relação ao risco de herniação. Entre eles, destacam-se idade superior a 60 anos, rebaixamento do nível de consciência, paralisia facial, disartria e alterações de linguagem, imunodepressão, doenças prévias do SNC, convulsão na últma semana, alteração de campo visual, sinal focal motor e papiledema. A ausência de todos esses fatores tem um valor preditvo negatvo de 97% para contraindicação de punção, e a TC pode ser dispensada. Nos casos de indicação de TC, a terapia antmicrobiana não deve ser adiada diante da suspeita de meningite. Outras situações que exigem exame de imagem, habitualmente após o início da terapia, são os sinais de complicação de meningite. As indicações de tomografia ou ressonância magnétca incluem sinais focais (déficits neurológicos focais) e de hipertensão intracraniana (papiledema) e coma, desenvolvidos na vigência de antbiotcoterapia adequada; ausência de resposta ao tratamento antmicrobiano; suspeita de encefalite herpétca (lesões parenquimatosas temporais ou fronto-orbitais); suspeita de foco parameníngeo, tumores e hemorragias. O diagnóstco laboratorial das meningites é obtdo com os seguintes exames:
A - Exame do liquor -
Exame do liquor deve diferencial incluir contagem de células (inclusive uma(LCR): contagem de leucócitos), coloração de Gram, cultura aeróbia e quimiocitológico e outros exames específicos de acordo com a suspeita clínica envolvendo o paciente; - Pleocitose linfocítca com culturas negatvas: poderia estar associada a meningoencefalite viral, infecção parameníngea, doença neoplásica, hemorragia subaracnoide, traumatsmo e meningite bacteriana
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL MENINGITE E OUTRAS INFECÇ ÕES DO NC S
parcialmente tratada. Pleocitose neutro flica é, em geral, encontrada na meningite bacteriana, mas também pode ser encontrada na fase inicial da meningite viral. Na fase inicial da meningite bacteriana, também pode não haver pleocitose. Achados no liquor sugestvos de meningite bacteriana incluem glicose <45mg/dL, proteína elevada (não quanttatva) e leucócitos >1.000/ mm3. O nível liquórico de proteína está comumente elevado, e o nível de glicose, diminuído na meningite bacteriana e nas meningites tuberculosa e fúngica; -
Bacterioscópico direto do LCR (coloração pelo método de Gram): no exame bacterioscópico do liquor, pode-se demonstrar o agente infeccioso em 60 a 90% dos casos. O Gram sugere a e tologia antes da disponibilidade do resultado da cultura: S. pneumoniae é visualizado como diplococos Gram posi tvos, H. in fluenzae como cocobacilos Gram negatvos, N. meningi tdis como diplococos Gram negatvos, Listeria monocytogenes como bacilos Gram posi tvos delicados e enterobactérias como bacilos Gram nega tvos grosseiros. O Cryptococcus pode ser corado pelo método de tnta da China;
- Na meningite tuberculosa: deve-se realizar pesquisa de BAAR no liquor. O Gram do liquor, nesses casos é, em geral, negatvo. Culturas de grandes volumes de liquor podem ser positvas. O PCR (reação de cadeia de polimerase) no liquor é importante para diagnos tcar
-
meningite por tuberculose; Culturas de LCR: isolamento e identficação bioquímica e sorológica do agente. Devem ser feitas antes da antbiotcoterapia e ainda são o padrão-ouro para a identficação dos patógenos. Pode-se pensar em meningite crônica por fungos ou micobactérias se as culturas iniciais para bactérias são negatvas;
-
Testes rápidos para a detecção de angenos bacterianos: podem ser usados em conjunto com o Gram e cultura para o diagnóstco;
-
Prova de aglutnação pelo látex: pesquisa de angenos no LCR; é um método rápido, que pode ser feito na vigência de antbiotcoterapia;
-
Contraimunoeletroforese: pesquisa de angenos no LCR e soro. A detecção de angenos polissacarídicos capsulares é possível para S. pneumoniae, H. influenzae tpo B, N. meningitdis (grupos A e C) e estreptococos do grupo B. Como podem ser ob tdos resultados falsos positvos e falsos negatvos, tais exames não devem ser a única base para a seleção da terapia an tmicrobiana inicial. Por outro lado, a detecção de polissacarídico capsular de Cryptococcus neoformans no LCR pelo método de aglu tnação no látex é específica e sensível quando positva em uma diluição >1:4.
Tabela 4 - Característca do liquor nas meningites Meningite
Liquor
Células
Tipo de células
Proteína Normal ou aumentada
Glicose
Viral
5-500
Linfócitos
Normal
Bacteriana
Milhares
Neutrófilos Aumentada
Baixa
Tuberculosa
Centenas
Linfócitos
Aumentada
Muito baixa
Fungos
1-100
Linfócitos
Aumentada
Cistcercose 1-100
Linfócitos/ eosinófilos
Aumentada
Normal
Meningoencefalite herpétca
5-500
Linfócitos
Normal ou aumentada
Normal
Meningoencefalite por toxoplasmose
Normal ou discretamente alterado
Linfócitos
Normal
Normal
Valores normais – punção lombar
Até 4
Normal ou baixa
-
<40
2/3 da glicemia
B - Hemocultura e cultura do material de lesões cutâneas A hemocultura tem sensibilidade considerável na meningite pneumocócica de srcem hematogênica (com foco pneumônico inicial) e na meningite meningocócica com meningococcemia. Sempre deve ser colhida, especialmente em pacientes com contraindicação de punção liquórica, na tentatva de identficar o agente etológico. Na meningococcemia, as lesões purpúricas cutâneas apresentam grande quantdade de bactérias em sua intmidade. Assim, um raspado da lesão analisado por coloração de Gram pode ser ú tl ao diagnóstco etológico.
C - Exames específicos Alguns exames especí ficos devem ser considerados dependendo do agente etológico de que se suspeita. A Tabela a seguir sumariza os principais exames, dependendo da etologia suspeitada. Tabela 5 - Exames complementares segundo hipótese teológica Infecção Examesindicados Meningites bacterianas agudas
LCR; TC/RM não têm indicação, exceto nas meningites de evolução desfavorável (arrastada, com piora do estado geral durante o tratamento, com sinais de localização, com piora da consciência).
Meningites virais agudas
LCR; TC/RM indicadas apenas em circunstâncias específicas.
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INFECTOLOGIA Infecção Meningoencefalite herpétca
Neurotuberculose
Examesindicados RMN mostra lesões do lobo temporal (necrose); EEG: atvidade periódica; LCR após exame de imagem (se necessário); PCR posi tvo para HSV-1 (1ª semana); antcorpos específicos (geralmente, IgG) a partr da 2ª semana (diagnóstco de certeza). TC/RM podem sugerir granulomas, espessamento meníngeo, calcificações, hidrocefalia, sofrimento vascular localizado; LCR: meningoencefalite com neutrófilos, proteína elevada (moderada), glicose moderadamente diminuída, lactato aumentado, ADA aumentada, PCR positva para micobactérias, identficação do agente (rara); também a dosagem de interferon-gama aumentada sugere o diagnóstco.
TC/RM: granulomas, espessamento meníngeo, calcificações (raras), hidrocefalia; LCR: meningoencefalite com neutrófilos, proteína elevada (moderada), glicose moderadamente diminuída, Neuromicoses possibilidade de o paciente apresentar, como única alteração, aumento da pressão liquórica, possibilidade de o ADA estar aumentado, presença de leveduras ou angenos (cripto), presença de antcorpos (difcil, mas significatva). TC/RM: cistos (com ou sem escólex) íntegros, em degeneração (granulomas) ou calcificados; possibilidade de ser normal na fase inicial; possibilidade de LCR mostrar uma meningite crôNeurocistcernica, apenas com alterações inespecíficas ou cose tco mesmo normalde (raro), obtenção do fidiagnós pela pesquisa antcorpos especí cos. Possibilidade de o liquor apresentar aumento de eosinófilos.
7. Tratamento
de 6/6h para adultos) ao dia por 2 a 4 dias, com a 1ª dose junto com antbiotcoterapia empírica.
B - Terapia antmicrobiana inicial Na suspeita de meningite bacteriana, devem-se prescrever altas doses de agentes an tmicrobianos por via parenteral. Quando a causa da meningite não é evidente, tais agentes devem ser escolhidos com base no quadro clínico e no resultado do Gram do LCR. Se não são visualizados micro-organismos na coloração de Gram, é prudente prescrever uma cefalosporina de 3ª geração (ceriaxona, 2g IV, de 12/12h, ou cefotaxima, 2g IV, de 4/4h) enquanto se esperam os resultados das culturas. Deve-se pensar em espécies de Listeria quando os adultos são imunocomprometdos e têm mais de 50 anos, e a terapia pode incluir ampicilina. Após neurocirurgias, TCE ou traumatsmo raquimedular, é indicada uma cobertura de amplo espectro com vancomicina e ceazidima. E os esquemas empíricos de antbiótcos devem ser modificados assim que são conhecidos os resultados das culturas e dos antbiogramas. As Tabelas a seguir sugerem a terapia empírica para tratamento de meningites. Tabela 6 - Tratamento medicamentoso de escolha conforme faixa etária e agente etológico mais provável Agentes
Esquema
Idade
mais prováveis
de escolha
De 3 meses a 18 anos
Meningococo, pneumococo, H. influenzae
Ceriaxona (ou cefotaxima)
Meropeném ou cloranfenicol
Acrescentar vancomicina em áreas com >2% de pneumococos altamente resistentes
De 18 a 50 anos
Pneumococos, meningococos, H. influenzae
Ceriaxona (ou cefotaxima)
Meropeném ou cloranfenicol
Acrescentar vancomicina em áreas com >2% de pneumococos altamente resistentes
Esquema alternatvo
A - Medidas de suporte Dentre as medidas de suporte, estão a manutenção do equilíbrio hidroeletrolítco, a manutenção da permeabilidade das vias aéreas e o suporte hemodinâmico. O uso de glicocortcoides como medida complementar no tratamento da meningite em adultos é mo tvo de controvérsia, porém com cada vez mais evidência de uso. Os cortcosteroides (dexametasona) em crianças são indicados às meningites por H. influenzae ou S. pneumoniae (associado à antbiotcoterapia, 30 minutos antes de cada dose, por 3 dias). O uso de cortcoides diminui a sequela auditva em crianças com meningites por H. influenzae. Na meningite meningocócica, há controvérsia quanto aos cor tcosteroides, mas, em geral, se opta por u tlizá-los. Alguns autores os recomendam apenas em caso de doença grave, com escore de Glasgow ≤11. A Infectous Disease Society of America recomenda, entretanto, dexametasona a todos os pacientes, na dose de 0,15mg/kg a cada 6h, até a dose máxima de 40mg (10mg IV
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Comentários
Acrescentar vancomicina em áreas com >2%
>50 anos
Pneumococos, Listeria, bacilos Gram negatvos
AmpiciliAmpicilina na + + fluoroceriaxoquinolona na
de pneumococos altamente resistentes; para tratar Listeria em pacientes alérgicos à penicilina, usar trimetoprima-sulfametoxazol
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL MENINGITE E OUTRAS INFECÇ ÕES DO NC S
Tabela 7 - Tratamento medicamentoso de acordo com a circunstância clínica dos pacientes Circunstânciacl ínica Adultos sem fator de risco
Trauma cranioencefálico, pós-neurocirurgia ou válvula de derivação
Fístula liquórica
E tologia habitual
Antbiotcoterapia inicial
Ceriaxona, de - Pneumococo >80% 1 a 2g IV, a cada dos casos; 12h, por 10 a 14 - Meningococo. dias. - Staphylococcus aureus ou coagulase negatvo; - Pseudomonas aeruginosa; - Acinetobacter baumannii.
Vancomicina, de 1 a 2g IV, a cada 12h, e ceazidima, 2g, a cada 8h, por 10 a 14 dias.
- Pneumococo.
Ceriaxona, de 1 a 2g IV, a cada 12h, por 10 a 14 dias.
C - Terapia para infecções específicas Para S. pneumoniae, é apropriado prescrever penicilina G cristalina (300.000UI/kg/dia, máximo de 24.000.000UI/ dia), dividida em doses, de 4/4h por 10 a 14 dias, quando o micro-organismo isolado é francamente suscevel à penicilina. Como a resistência de pneumococos a penicilina em nosso meio é frequente, a sensibilidade deve ser plena e demonstrada em antbiograma por método dilucional, uma vez que os testes por disco-difusão podem subestmar a resistência desse agente. São considerados sensíveis à penicilina os isolados com Concentração Inibitória Mínina (CIM) menor que 0,1mcg/mL. Cepas com sensibilidade intermediária, isto é, com CIM entre 0,1 e 1mcg/mL, devem ser tratadas com cefalosporina de 3ª geração: ce riaxona ou cefotaxima. Meningites por pneumococos com CIM maior que 2mcg/mL são consideradas penicilina-resistentes e, em virtude do alto valor de CIM, não é recomendada a terapia com cefalosporina isoladamente, situação em que deve ser associada a vancomicina à cefalosporina de 3ª geração. No caso de infecção por N. meningitdis, a penicilina G cristalina (300.000UI/kg/ dia, com uma dose máxima de 24.000.000UI/dia, dividida em 6 doses) deve ser man tda durante, pelo menos, 5 dias após o paciente tornar-se afebril. Os pacientes alérgicos à penicilina podem tratados com ceriaxona (2g IV, de 12/12h) ou cefotaxima (2g IV, de 4/4h), mas vale lembrar que pode haver alergia à cefalosporina em 1 a 4% dos alérgicos à penicilina. Os pacientes com meningite meningocócica devem ser colocados em isolamento respiratório durante as primeiras 24h de tratamento com antbiótcos adequados. H. influenzae é uma causa rara de meningite em adultos. Cefotaxima ou ceriaxona são eficazes como terapia inicial. O cloranfenicol é a alternatva preferida para os indivíduos alérgicos à penicilina e às cefalosporinas. E a ampicilina (2g IV, de 4/4h) é o agente preferido para cepas sem beta-
-lactamase. O tratamento deve ser mantdo durante 10 dias ou mais. S. aureus, causa rara de meningite, é acompanhada de elevada taxa de mortalidade, apesar do tratamento. A meningite por essa bactéria pode ser causada por bacteremia estafilocócica grave, extensão direta de um foco parameníngeo, um procedimento neurocirúrgico ou TCE. A princípio, deve-se prescrever oxacilina (2g IV, de 4/4h). As cefalosporinas de 1ª geração não devem ser prescritas porque não penetram no LCR. A vancomicina é o fármaco preferido aos pacientes alérgicos à penicilina – quando é provável a fi
resistência oxacilinarecomendações ou esta é con rmada ma. As maisàrecentes para opor usoan detbiogravancomicina indicam a individualização da dose pelo peso e de acordo com a gravidade da infecção. A dose preconizada para infecções graves, como a meningite, é de 30mg/kg de peso corporal na 1ª dose, seguida de 15mg/kg a par tr da 2ª dose, de 12 em 12 horas. Após a 4ª dose, deve ser iniciada a coleta da dosagem sérica de vancomicina (vancocinemia) de vale, isto é, imediatamente antes da próxima dose. Mesmo no vale, a concentração deve ser mantda na faixa terapêutca, ou seja, entre 15 e 20mcg/mL. Em virtude da baixa penetração liquórica da vancomicina, é preferível que o nível sérico seja man tdo próximo a 20. A rifampicina seria benéfica nos casos de meningite por S. aureus oxacilino-resistente que não respondem à vancomicina como terapia isolada, sobretudo em portadores de dispositvos invasivos, como válvulas e cateteres de derivação que não possam ser removidos. A meningite por Staphylococcus epidermidis (e por outros estafilococos coagulase-negatvos) é, em geral, secundária a uma derivação ventricular infectada. A vancomicina é o agente antmicrobiano preferido. Habitualmente, não é possível erradicar a infecção sem a re trada da derivação infectada. A meningite por bacilos Gram negatvos acomete recém-nascidos, idosos e pacientes debilitados. Em recém-nascidos, o principal agente é E. coli, adquirida na passagem pelo canal de parto, ou por via ascendente quando ocorre rotura prematura de membranas, especialmente quando resulta em corioamnionite. As cefalosporinas de 3ª geração, como cefotaxima ou ceriaxona, estão indicadas para os patógenos susceveis. Já em adultos, relaciona-se com TCE e procedimentos neurocirúrgicos, Nesses casos, o agente mais importante é Pseudomonas aeruginosa. A ceazidima (2g IV, de 8/8h) tem sido u tlizada efetvamente para a meningite por P. aeruginosa, entretanto com crescente resistência desse agente. Para as cepas resistentes às cefalosporinas de 3ª geração, estão disponíveis as de 4ª geração (cefepima) e, entre os carbapenêmicos, o meropeném, que tem melhor penetração liquórica e menor potencial de desencadear estados convulsivos. Listeria monocytogenes é uma causa de meningite em adultos imunossuprimidos, idosos e recém-nascidos. O tratamento consiste em ampicilina, 2g IV, de 4/4h, pelo me-
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INFECTOLOGIA nos, 3 a 4 semanas. Trimetoprima-sulfametoxazol (TMP, 5mg/kg IV, de 6/6h) é uma alternatva ao paciente alérgico à penicilina. A Tabela 8 sumariza o tratamento específico das meningites bacterianas. Tabela 8 - Tratamento específico das meningites bacterianas Agentes
Duração
Antbiótcos
Penicilina cristalina N. meningitdis
7 dias Ampicilina
Doses 250 a 400.000u/kg/ dia até dose de
Intervalos
4/4h
24.000.000u/ dia 200 a 400mg/ kg/dia até dose 6/6h de 12g ao dia 80 a 100mg/ kg/dia até dose 12/12h de 4g ao dia 250 a 400.000u/kg/ dia até dose de 4/4h 24.000.000u/ dia 2gIV 12/12h 200mg/kg/dia até dose de 12g 8/8h ao dia 40 a 60mg/kg/ dia até 2 a 4g 12/12h
Na meningoencefalite tuberculosa, deve ser associado cor tcosteroide ao esquema ant-TB: prednisona oral (1 a 2mg/kg/dia) por 4 semanas ou dexametasona intravenosa nos casos graves (0,3 a 0,4mg/kg/dia), por 4 a 8 semanas, com redução gradual da dose nas 4 semanas subsequentes. R = Rifampicina; H = Isoniazida; Z = Pirazinamida; E = Etambutol. Fonte: Ministério da Saúde
O uso de cortcosteroides está partcularmente indicado a: - Pacientes com HIC; - Paralisia de pares cranianos ou outras evidências de espessamento de meninges basilares, como hidroce-
falia; Sinais de aracnoidite, como quadros de algia torácica ou lombossacral, ou em exames de neuroimagem.
Casos suspeitos de encefalite herpétca devem ser tratados com aciclovir. Vale lembrar que, na presença de forte Ceriaxona suspeita clínica, o resultado negatvo do PCR para herpes no liquor não exclui o diagnóstco, uma vez que o método Penicilina não atnge 100% de sensibilidade. A dose recomendada é cristalina (se de 10mg/kg IV, a cada 8 horas, por 14 a 21 dias. O uso por Pneumo10 a 14 sensibilidade 21 dias é defendido pela maioria dos autores, pois diminui o coco dias comprovada por MIC) ou risco de recorrência da infecção. Deve-se ter cuidado em receriaxona lação à função renal. Além do tratamento específico, deve-se tratar o edema cerebral com cortcosteroides (dexameOxacilina tasona, 12 ou 16mg/dia), que diminuem a reação inflamaStaphylotória do parênquima cerebral. O uso de antconvulsivantes 21 dias coccus (fenitoína por via parenteral, iniciada com dose de ataque Vancomicina de 15 a 20mg/kg e, a seguir, dose de manutenção de 100mg ao dia a cada 8h) é recomendado pela literatura. 80 a 100mg/ Entero14 a 21 O tratamento das meningites virais inespecíficas é apeCeriaxona kg/dia até dose 12/12h bactérias dias nas sintomátco. Nos casos em que a resposta in flamatória de 4g ao dia é intensa e/ou o processo é arrastado, ou que exista hiperNa suspeita de meningite tuberculosa, devem ser usados tensão intracraniana, alguns autores consideram o uso de isoniazida (20mg/kg/dia), rifampicina (20mg/kg/dia), pirazi- cortcosteroides. namida (35mg/kg/dia) e etambutol (25mg/kg/dia), até que O tratamento da meningite criptocócica pode apresenela tenha sido adequadamente afastada. Quase todos os tar dificuldades e tem alta taxa de recidiva, sobretudo no agentes anttuberculosos atngem bons níveis no LCR. contexto de imunodepressão por HIV. O tratamento inicia-se, em geral, com anfotericina B, seguida de uma fase de Tabela 9 - Tratamento de meningoencefalite tuberculosa para consolidação com fluconazol, por um tempo mínimo de 10 adolescentes e adultos semanas, até que haja 3 culturas negatvas de liquor obtdo Faixa de Unidades/ por punção semanal. Os triazólicos, como fluconazol, são Regime Fármacos Meses peso dose úteis, ainda, para a prevenção de recidiva. Haemophilus sp.
2RHZE Fase intensiva
7 a 10 dias
20 a RHZE 150/75/400/275 53kg comprimido em 36 a dose fixa combi- 50kg nada >50kg 20 a 35kg
7RH RH Fase de 300/200 ou manuten150/100 cápsula ção
36 a 50kg >50kg
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2 comprimidos 3 comprimidos 4 comprimidos 1 cápsula 300/200 1 cápsula 300/00 + 1 cápsula 150/100 2 cápsulas 300/200
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D - Controle de tratamento Nos maiores de 2 meses com meningite por Haemophilus, pneumococo ou meningococo e com melhora clínica evidente, não é necessário o exame de controle do liquor. Uma nova punção lombar é indicada com 48 a 72h de tratamento nos seguintes casos: (1) menores de 2 meses; (2) casos de meningite por Gram negatvo ou por bactérias resistentes em qualquer idade; (3) casos com etologia definida, mas sem resposta clínica ao tratamento. Neste exame-controle, a persistência de bactérias ao Gram ou na cultura indica a mudança do tratamento.
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL MENINGITE E OUTRAS INFECÇ ÕES DO NC S
8. Quimioprofilaxia das meningites bacterianas A - Meningite meningocócica A quimioprofilaxia é indicada para contactantes que compartlham o mesmo domicílio do doente; no caso de domicílios coletvos, para aqueles que ficam em local próximo ou no mesmo alojamento; e para aqueles que tveram contato prolongado com o caso-índice em ambiente fechado. Também é indicada para profissionais de saúde
- A paralisia de pares cranianos é uma manifestação frequente na neurotuberculose; - O tratamento da tuberculose de SNC implica tempo de tratamento mínimo de 9 meses e associação de cor tcoide por tempo prolongado. Dentre as principais complicações, hidrocefalia é uma das mais comuns e graves. IA G O L O T C E F N I
que tenham partcipado de manobras de reanimação cardiorrespiratória ou aspiração de secreções sem proteção em pacientes com menos de 24h de tratamento específico. Recomenda-se rifampicina, 600mg VO, de 12/12h, durante 2 dias, ou ciprofloxacino, 500mg VO, em dose única (este últmo ainda não é padronizado pelo MS, portanto pode não ser aceito nas respostas das provas).
B - Meningite causada por H. influenzae A quimioprofilaxia é indicada para os contatos intradomiciliares, inclusive adultos, somente nas situações em que, além do caso-índice, há, na mesma residência, outra criança com idade inferior a 4 anos. O mesmo critério é adotado, no caso de domicílios coletvos, para aqueles que compartlham o mesmo alojamento. Em casos de creche ou pré-escola, onde haja comunicantes íntmos do caso-índice com idade inferior a 2 anos e diante da ocorrência de um 2º caso confirmado, indica-se a profilaxia para todos os contatos íntmos, inclusive adultos. Recomenda-se rifampicina, 20mg/kg, até a dose máxima de 600mg/dia, durante 4 dias.
9. Resumo Quadro-resumo - Os pacientes com meningite bacteriana podem apresentar quadro de síndrome infecciosa, irritação meníngea ou hipertensão intracraniana; - A meningite bacteriana é uma emergência médica, e o tratamento com antbiótco deve ser iniciado assim que se suspeita do diagnóstco, antes mesmo da punção lombar, se necessário; insttuição precoce de antbiótco tem impacto em morbidade e mortalidade; - A punção liquórica pode ser feita sem maiores riscos na susficas, peita de meningite, exceto em poucas condições especí como em manifestações focais; - O uso de dexametasona é associado ao tratamento com melhora do prognóstco na meningite bacteriana, mas é controverso, apesar de recomendado pela maioria dos autores na etologia tuberculosa; a dose recomendada para adultos é de 10mg de dexametasona de 6/6h por 4 dias seguidos; tco; - O tratamento das meningites virais é sintomá
- A RNM e o PCR para herpes-vírus são importantes para o diagnóstco da meningoencefalite herpétca;
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
6
Sepse Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Daniela Di Dea Bergamasco Ralcyon F. A. Teixeira / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução
lária, por exemplo). Veem-se muitas pessoas utlizando bacteremia e calafrios como sinônimos, mas isso não é correto.
A - Bacteremia
B - Síndrome da resposta inflamatória sistêmica
A bacteremia é definida pela presença de bactérias viáveis na corrente sanguínea. Muitas vezes, é preferível o termo infecção da corrente sanguínea ao termo bacteremia, já que aquele exprime a noção de infecção sanguínea e engloba a possibilidade de etologia por outros agentes, como fungos (fungemias). Com frequência há bactérias no sangue, de forma transitória e, geralmente, controlada pelo sistema imune. As fontes dessas bacteremias são, na maioria das vezes, a flora bacteriana normal da cavidade oral, do trato gastrintes tnal, das vias aéreas superiores previamente colonizadas e do trato genitourinário. Essas bacteremias silenciosas podem evoluir para sepse franca ou podem srcinar, concomitante ou secundariamente, infecções localizadas, como meningite, pneumonia, pielonefrite, osteomielite, celulite, peritonite e endocardite. A febre é o sinal mais prevalente de bacteremia e só está ausente no início, em um pequeno número de casos. A hipotermia, em vez de febre, pode ocorrer principalmente em extremos de idade: recém-nascidos e lactentes com menos de 3 meses, além de idosos. Durante ou após a bacteremia, podem surgir calafrios. As bacteremias podem ser primárias, quando não se define outro foco que as tenha srcinado, ou secundárias a outros focos, como pneumonias e outras infecções. Vale chamar a atenção para o fato de que nem todo quadro de calafrios é uma bacteremia. Reações a drogas, quadros alérgicos e outras doenças infecciosas que não causadas por bactérias podem ser causas de calafrios (ma-
A síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) é definida por liberação de mediadores inflamatórios e atvação de células do sistema imunológico de forma sistêmica,
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consequente a uma variedade de agressões ao organismo, infecciosas ou não infecciosas. São exemplos de agressões que desencadeiam a SIRS: queimaduras extensas, pancreatte aguda, trauma com esmagamento de membro e diversas infecções. Sua existência é definida pela presença de 2 ou mais dos achados da Tabela a seguir. Tabela 1 - Achados relacionados à SIRS - Temperatura >38°C ou <36°C; - FC >90bpm (não confundir com o conceito de taquicardia, que é de FC >100bpm); - FR >20irpm ou PaCO2 <32mmHg ou necessidade de ventlação mecânica; - Leucócitos >12.000 células/mm3 ou <4.000 células/mm3, ou filos. presença de >10% de formas imaturas de neutró
C - Sepse A síndrome conhecida hoje como sepse teve diversas denominações ao longo do tempo, até que, em consenso do American College of Chest Physicians e Society of Critcal Care Medicine, em 1991, foram estabelecidos os termos SIRS, sepse, sepse grave e choque sép tco utlizados até hoje. A sepse é de finida como a SIRS que decorre de um processo infeccioso confirmado ou suspeito de qualquer sí to, não sendo necessária hemocultura posi tva para confirmá-
ANATOMIA E FISI OLOGIA RE NAL SEPSE
-la. A invasão por micro-organismos é responsável por gerar uma reação sistêmica cuja intensidade é variável, determinada pelo componente gené tco do organismo infectado e pela virulência do agente. Essa reação se expressa, fenotpicamente, por meio da reação imune, da liberação de mediadores in flamatórios e an t-in flamatórios, da expressão de receptores de membranas e de outros mecanismos. A sepse é uma disfunção da expressão gênica, com up-regulaton dos genes pró-inflamatórios. Como resultado, têm-se a atvação de células imunes, a liberação de subs-
com repercussões no sistema nervoso central, disfunção renal e hepátca e CIVD. Alguns casos têm evolução insidiosa, outros são agudos e fulminantes. A intensidade e a velocidade de progressão da infecção dependem de par tcularidades do paciente (idade, estado imunitário, estado nutricional, doenças associadas) e do agente agressor (virulência, tamanho do inóculo, tropismo tssular, sensibilidade antmicrobiana). Nos pacientes imunocomprometdos, neutropênicos ou hospitalizados e submetdos a procedimentos invasivos/ de risco, aumenta a chance de sepse por Gram nega tvos
tâncias, como inflamatórios e ant-inflradicais amatótnas e integrinas), rios, fatores demediadores aderência (selec livres de O2 (ROS) e óxido nítrico (NO), e as alterações da hemostasia (atvação da coagulação e da fibrinólise). Há ainda a atvação do eixo neuroendócrino, que libera hormônios e aminas vasoatvas. Atualmente, deve-se evitar o termo septcemia, já que estava relacionado a uma sepse por bactérias, e se sabe que outros patógenos podem causar sepse.
(E. coli spp, Klebsiella spp, Enterobacter spp, t,aPseudomonas Serra spp, Acinetobacter spp) por Staphylococcus aureus, S. epidermidis e fungos.
D - Sepse grave A sepse grave caracteriza-se pela presença dos critérios de sepse associada à hipoperfusão ou à disfunção de, pelo menos, 1 órgão. Tabela 2 - Critérios de disfunção orgânica Sistema
Manifestação
Cardio- PAS <90mmHg ou PAM <70mmHg, ou queda de vascular 40mmHg na PAS basal. Renal
IRA ou débito urinário menor que 0,5mL/kg/hora.
Pulmonar
Hipoxemia, PaO2/FiO2 <300.
Gastrin- Disfunção hepátca (bilirrubina total >4mg/dL ou testnal aumento de transaminases) ou íleo paralí tco. SNC
Deterioração aguda do estado mental delirium, ( confusão).
Coagulopata: plaquetas <100.000 células/mm3 ou HemaRNI >1,5 ou TTPa >60s ou coagulação intravascular tológico disseminada (CIVD). Metabólica
pH <7,3 e ácido lá tco 1,5x maior que o limite superior da normalidade.
E - Choque séptco O choque séptco é definido pela presença de sepse grave associada à hipoperfusão ou hipotensão arterial refratárias à reposição volêmica adequada e que, por conseguinte, necessitam de abordagem com drogas vasoa tvas. Trata-se da associação do quadro infeccioso e inflamatório grave com os distúrbios hemodinâmicos característcos do choque. Frequentemente cursa com SDRA (Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo) ou pulmão de choque e, nos casos não revertdos, com disfunção de múltplos órgãos, uma combinação de disfunção cardiorrespiratória
F - Meningococcemia aguda A meningococcemia consttui quadro séptco grave e que pode levar à morte em poucas horas. É uma infecção sistêmica pelo meningococo, que pode apresentar-se isoladamente ou associada à meningite meningocócica. A infecção inicia-se com um pródromo febril inespecí fico, com manifestações de vias aéreas superiores; progride rapidamente para toxemia, febre alta, prostração intensa, deterioração do estado geral, rash cutâneo macular, petequial ou purpúrico, mialgia e artralgia. O exantema decorre de vasculites por lesão endotelial, que podem evoluir para trombose dos vasos acome tdos e necrose dos territórios correspondentes. Frequentemente, ocorre isquemia de extremidades,aguda. e outras complicações são insu ficiência renal e respiratória O choque é precoce e grave e, quando não tratado em seus estágios iniciais, rapidamente evolui para choque refratário. Em análise histopatológica, o exame de um fragmento de pele no local da formação da púrpura da meningococcemia revela vasos superficiais com trombos hialinos de fibrina, decorrente de CIVD. Esse fenômeno se repete em vários órgãos. As adrenais podem sofrer necrose hemorrágica, que se manifesta por insuficiência adrenocortcal aguda (síndrome de Waterhouse-Friderichsen). A meningococcemia aguda fulminante ocorre em 10% dos casos e leva a óbito em poucas horas. O exame do LCR muitas vezes é normal, pela rapidez da evolução do quadro. A progressão para meningococcemia parece estar mais relacionada ao hospedeiro do que à bactéria (por exemplo, pessoas com deficiência do complemento são mais susceveis). A mortalidade é alta (até 20%), e, além disso, o quadro pode deixar sequelas (retardo mental e psicomotor quando acomete crianças pequenas, dé ficit motor, epilepsia, necrose de extremidades).
2. Manifestações clínicas O choque séptco é classificado como um choque distributvo, assim como o choque anafilátco e o neurogênico, sendo caracterizado na sua fase inicial por Resistência
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INFECTOLOGIA Vascular Sistêmica (RVS) diminuída e Débito Cardíaco (DC) normal ou aumentado. Apesar de o DC poder estar elevado, sempre ocorre algum grau de depressão miocárdica, e, em fases avançadas, o choque sép tco pode mimetzar um choque cardiogênico. Assim, em uma fase precoce, os quadros sép tcos podem apresentar-se com sinais de circulação hiperdinâmica, que, progressivamente, são subs ttuídos pelos sinais de choque. Nessa 1ª fase, notam-se taquicardia e taquipneia, pulsos amplos (pressão divergente, queda da PA diastólica por vasodilatação periférica e aumento da sistólica aumento débito cardíaco), de enchimentopor capilar aindadopreservado, pele e tempo extremidades podendo se apresentar quentes e manutenção da diurese. Essa fase pode não ocorrer ou ser muito curta, sobretudo se o paciente está desidratado ou tem comprome tmento cardíaco primário. A 2ª fase, ou choque sép tco clássico, é, portanto, caracterizada pelos sinais de colapso vascular, com hipovolemia relatva (pela vasodilatação) e absoluta (pela alteração da microcirculação com perda de líquido intravascular), baixo débito cardíaco, aumento da acidose e hipoperfusão periférica. O tempo de enchimento capilar é prolongado (>3 segundos), por isso as extremidades são frias e há cianose periférica. Além disso, o paciente ainda pode apresentar pulsos finos, oligúria, agitação ou letargia e obnubilação (encefalopata metabólica e hipoperfusão cerebral). -
Disfunção orgânica múltpla
A sepse é a principal causa de óbito em pacientes em terapia intensiva, e a mortalidade decorre, principalmente, da disfunção orgânica múltpla (MODS – Multple Organ Dysfuncton Syndrome). A MODS é um processo connuo, e sua gênese é multfatorial, podendo envolver infecção não controlada, gravidade da SIRS, imunoparalisia, hipóxia tecidual, coagulopata na microcirculação, atvação endotelial, alteração da apoptose, quebra da barreira do trato digestório e do sistema monocí tco-fagocitário. Considera-se MODS quando se têm mais de 2 órgãos acome tdos (mais de 2 disfunções instaladas). Uma vez estabelecida a infecção e de flagrada essa cascata de alterações, o agente etológico deixa de ser necessário para a perpetuação do choque e a evolução para MODS. A seguir, exemplos de órgãos e sistemas mais acome tdos na sepse: Microcirculação: há descontrole da sua autorregu•
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lação, com presença de estase sanguínea e formação de microtrombos, levando à diminuição de capilares funcionantes e dificultando a extração de O2 pelas células. Como consequência, ocorrem vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar com grande perda de líquido proteico para o interscio; Coração: apesar de o DC estar aumentado no início, ocorre depressão miocárdica, que se apresenta pior nos pacientes com disfunção prévia;
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Aparelho respiratório: frequentemente acometdo na sepse grave e no choque séptco. Ocorrem edema interstcial e alveolar, e a presença de polimorfonucleares aumenta o dano tecidual, causando distúrbios ventlatórios, lesão pulmonar aguda e SDRA; Rins: quase sempre são comprometdos quando há alteração circulatória significatva devido à sepse. Podem ocorrer oligúria e elevação das excretas nitrogenadas; Aparelho digestvo: ocorrem diminuição regional do fluxo sanguíneo, diminuição da mo tlidade intestnal e alterações da microbiota local. Todas essas
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alterações dificultam a nutrição dos pacientes e podem levar, ainda, à translocação bacteriana; Fígado: a hiperbilirrubinemia e a colestase são mais comuns que a lesão hepatocelular na sepse; Sistema nervoso: encefalopata e neuropata periférica do doente crítco são as principais alterações; Coagulação: ocorre exacerbação da coagulação, com comprometmento dos sistemas de antcoagulação e fibrinólise, levando à trombose na microcirculação. Por outro lado, podem ocorrer plaquetopenia e aumento do tempo de tromboplastna atvado (TTPa), levando a fenômenos hemorrágicos; Outros: o sistema endócrino pode ser comprometdo com hiperglicemia do estresse, insuficiência adrenal e disfunções do eixo hipotálamo-hipófise, além do sistema imune, com diminuição da síntese de imunoglobulinas e alterações da resposta linfocitária.
3. Diagnóstco etológico Embora a recuperação do agente e tológico não seja condição sine qua non para o diagnóstco de sepse, é de suma importância para a adequação da antbiotcoterapia inicial. Portanto, além do diagnóstco do quadro séptco, fundamentalmente clínico e baseado nos achados já descritos, é importante a investgação dos possíveis focos de infecção: pneumonia, o tte, sinusite, mastoidite, faringoamigdalite, infecção urinária, abscessos super ficiais ou intra-abdominais, peritonite, flebite, artrite séptca ou osteomielite, cateteres infectados, celulite, meningite, enterocolite etc. Exames úteis na busca de focos de infecção são o raio x de tórax, USG de abdome, urina I e urocultura, e o exame do liquor (bioquímica, bacteriológico, cultura, látex). A punção lombar está contraindicada se há plaquetopenia grave, choque ainda não compensado, via aérea instável ou sinais de hipertensão intracraniana. As hemoculturas são importantes para o diagnós tco e devem ser colhidas prontamente, antes do início de qualquer antmicrobiano, no entanto vale lembrar que sua coleta não deve atrasar o início do antmicrobiano. Os resultados da cultura e do antbiograma podem orientar quanto a eventuais modificações no tratamento adotado inicialmen-
ANATOMIA E FISI OLOGIA RE NAL SEPSE
te. As hemoculturas apresentam 2 limitações importantes: o resultado final demora, em média, de 2 a 3 dias, e tem uma sensibilidade em torno de 50 a 75% (com amostra única). Por isso, podem ser úteis resultados preliminares com identficação das característcas das bactérias à coloração de Gram. Culturas de outros materiais, como urina, liquor, aspirado de abscessos, punções de lesões cutâneas bolhosas ou purpúricas também podem ser de grande ajuda. As principais causas de hemocultura nega tva em paciente com quadros sugestvos de sepse são uso prévio de an tbiótcos, síndrome inflamatória não infecciosa, sepse não bacterêmica ou sem bacteremia connua, técnicas inadequadas de coleta, conservação, transporte e semeadura, e sepse por vírus, anaeróbios, fungos ou outros agentes. Para algumas bactérias encapsuladas, como S. pneumoniae, H. influenzae B, N. meningitdis e Streptococcus agalactae, técnicas de identficação etológica rápida, por meio de aglutnação com látex ou contraimunoeletroforese, podem ser úteis, entretanto a sensibilidade de tais testes é baixa, e sua utlidade clínica, restrita (com exceção das situações em que o Gram não iden tficou o agente nos exames de liquor nas meningites). Nos casos suspeitos, hemograma e leucograma seriados são parte da investgação laboratorial inicial. São achados frequentes, nesses exames, leucocitose com desvio à esquerda, neutrofilia e plaquetopenia, sendo, quanto mais intensa a leucocitose (acima de 15.000 leucócitos), maior a fi
possibilidadesão deobacteremia e sepse. aMais especí que a leucocitose desvio à esquerda, neutro filia, cos as granulações tóxicas e a vacuolização dos neutrófilos. A ocorrência de neutropenia indica mau prognóstco nos casos graves. Podem ocorrer anemia progressiva, por hemólise causada por endotoxinas, e plaquetopenia por CIVD associada. Provas de fase aguda, como proteína C reatva, pró-calcitonina e VHS, são muito sensíveis, mas inespecíficas; são mais úteis para afastar a presença de infecção do que para indicá-la. Exames gerais devem ser frequentes para monitorizar a repercussão sistêmica da infecção, como gasometria arterial, lactato, avaliação da função renal e hepátca e provas de coagulação.
4. Tratamento O tratamento atual deve seguir as recomendações do Surviving Sepsis Campaign, protocolo mundial de tratamento de sepse que tem direcionado as condutas. O tratamento do quadro sép tco tem, como objetvos, debelar o síto de infecção e proporcionar condições satsfatórias para a manutenção do metabolismo celular, que depende, basicamente, de oferta adequada de O 2 e substratos energétcos. Para adequada oferta tecidual de O 2, é necessário corrigir os distúrbios hemodinâmicos (débito cardíaco, pressão arterial, resistência vascular periférica) e manter o conteúdo de O2 arterial satsfatório.
Atualmente, estabelecem-se, em muitos serviços de emergência, ainda no pronto-socorro, protocolos para identficação da sepse e início precoce desse tpo de tratamento. São chamados bundles, termo que em inglês quer dizer pacote de medidas para tratamento precoce. O tratamento deve ser rápido no início, em que se obtêm melhores prognóstcos, com redução na morbimortalidade (ideal nas primeiras 6 horas). Alguns aspectos do tratamento de suporte são: - Pressão Venosa Central (PVC) entre 8 e 12cm de H O 2 em pacientes sem ventlação mecânica; -
Pressão Arterial≥Média (PAM) ≥65mmHg; Débito urinário 0,5mL/kg/hora; - Saturação venosa central acima de 70%; - Manutenção das taxas de hemoglobina em torno de 7g/dL por meio de transfusões (ou 10g/dL, se cardiopata moderada ou grave); - Suporte ventlatório: manter a saturação arterial de O 2 acima de 95%, usando a menor fração inspirada de O2 possível, à custa da PEEP ideal (pacientes em ventlação mecânica); - Correção das alterações hemodinâmicas com administração de volume, preferencialmente cristaloides (o uso de coloides é controverso), além de drogas vasoatvas quando necessário (noradrenalina ou dopamina). Na disfunção miocárdica, pode ser benéfica a associação de dobutamina; -Manutenção do aporte energé t co adequado, por -
meio de nutrição enteral ou até parenteral, caso a via oral não seja possível; Controle da glicemia, devido às disfunções endócrinas; - Tratamento especí fico baseado na fisiopatologia da doença: para alguns pacientes, indica-se o uso da proteína C atvada (drotrecogina alfa); - Alguns pacientes necessitam de terapia adjuvante com cortcoides, devido à insuficiência adrenal associada. -
- Terapêutca antmicrobiana A terapia antmicrobiana adequada e precoce reduz a mortalidade do paciente séptco. Quanto àqueles com quadro compavel com sepse, uma cobertura empírica deve ser imediatamente iniciada, tão logo sejam colhidas as hemoculturas. Nessa situação, a escolha do an tbiótco baseia-se nos prováveis micro-organismos do síto infeccioso em questão e se o paciente é proveniente da comunidade ou se trata de sepse intra-hospitalar. Por exemplo, em sepses secundárias a infecções do trato urinário comunitárias, inicia-se antbiotcoterapia dirigida para bactérias Gram negatvas, em que se pode u tlizar ceftriaxona (cefalosporina de 3ª geração) ou ciprofloxacino IV. Na presença de focos de infecção associados à presença de estafilococos (abscessos na pele ou dentes, piodermites), a oxacilina é acrescentada ao esquema de an tmicrobianos. A vancomicina é indicada quando há suspeita de infecção por
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INFECTOLOGIA pneumococo resistente à penicilina, ou esta filococos resistentes à oxacilina. Nos casos em que o síto infeccioso é desconhecido, inicia-se abordagem ampla, com antbiótcos dirigidos contra Gram negatvos, Gram positvos e anaeróbios. Se a infecção é de srcem hospitalar, há indicação de cefalosporina de 3ª geração (ceazidima ou ceriaxona ou cefotaxima – desde que a flora hospitalar seja sensível a estes antbiótcos) ou de 4ª geração (cefepima). Se há indícios clínicos a favor da e tologia estafilocócica, o acréscimo de vancomicina pode ser necessário. Em infecções hospitala-
portador de doença ou condição imunossupressora não HIV (portadores de neoplasias, por exemplo). d) FOI associada ao HIV: temperatura >38,3°C, em várias ocasiões em um período de 4 semanas em paciente domiciliar, ou 3 dias em pacientes internados, ainda sem diagnóstco após 3 dias de investgação.
res ou nos quadros séptcos em pacientes que já estavam em uso de antbiótcos, torna-se importante considerar dados epidemiológicos fornecidos pela comissão de infecção hospitalar sobre as bactérias mais frequentes naquela situação clínica e seu padrão de resistência/sensibilidade aos antmicrobianos no serviço. Quando Pseudomonas spp é uma etologia provável, pode ser usada ceazidima ou outra droga ant-Pseudomonas. Alternatvas em infecções hospitalares graves, com suspeita de agentes resistentes, são o imipeném/meropeném e a piperacilina-tazobactam associados ou não à vancomicina ou teicoplanina. A resistência an tmicrobiana tem partcularidades importantes em diferentes hospitais, e estas devem ser consideradas no planejamento da antbiotcoterapia empírica e, de preferência, com acompanhamento conjunto com o infectologista. Deve-se lembrar que a presença de coleções e absces-
os grupos de doenças que mais levam à FOI clássica são: a) Infecções (30 a 50%): tuberculose extrapulmonar (causa mais comum no Brasil), síndrome de mononucleose prolongada (EBV, CMV e HIV), abscessos intra-abdominais, enterobacteriose septcêmica prolongada, osteomielite, endocardite infecciosa, meningite por criptococos e brucelose. b) Doenças inflamatórias não infecciosas (10 a 30%): artrite reumatoide, arterite de células gigantes, LES, doença de Stll do adulto, sarcoidose e doença de Crohn. c) Neoplasias (10 a 30%): doença de Hodgkin, linfoma não Hodgkin, leucemias, carcinoma de células renais, hepatocarcinoma e carcinoma de cólon. d) Idosos: as causas mais comuns são arterite de células gigantes, tuberculose e câncer de cólon.
sos cirúrgica, da anfitcada biotde coterapia. E a requer escolhaabordagem empírica inicial podealém ser modi acordo com a resposta sistêmica do hospedeiro, à medida que se tornam disponíveis os resultados do Gram e das culturas.
A avaliação é feita caso a caso, e a investgação da causa deve ser guiada pelas hipóteses mais prováveis e pelos achados clínicos. A posi tvidade dos exames é baixa, e vários protocolos já foram desenvolvidos na tentatva de uniformizar a conduta, porém não existe algoritmo universalmente aceito. Aqui, são colocados apenas os principais exames que devem ser lembrados diante de um caso de FOI. Deve-se lembrar, portanto, que não é possível traçar um plano de investgação laboratorial comum a todos os pacientes.
5. Febre de srcem indeterminada A - Introdução Na maioria dos pacientes que apresentam febre que dura de 1 a 2 semanas, o diagnóstco é logo estabelecido ou o processo desaparece espontaneamente. Em contrapartda, febres de duração maior que esse período são de diagnóstco mais difcil, apesar da realização de exames complementares habituais, e são consideradas Febres de Origem Indeterminada (FOI). a) FOI clássica: temperaturas maiores que 38,3°C, em várias ocasiões com duração de mais de 3 semanas e que permanecem sem diagnóstco mesmo após 3 dias de internação hospitalar, ou 1 semana de investgação ambulatorial “inteligente e invasiva”. b) FOI nosocomial: temperatura maior que 38,3°C, em várias ocasiões em paciente hospitalizado sem processo febril na ocasião da internação, e ainda sem diagnós tco após 3 dias de investgação. c) FOI associada à imunossupressão: FOI no indivíduo
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B - Causas da FOI clássica As frequências relatvas de doenças que levam à FOI variam de acordo com os seguintes fatores: região geográfica, idade do paciente, tpo de hospital, entre outros. Em geral,
C - Conduta na FOI clássica
a) Exames não invasivos - Hemograma, urina 1, VHS, PCR, raio x de tórax, hemoculturas e urocultura: consttuem rotna básica inicial da investgação; - Sorologias para HIV, toxoplasmose, CMV e mononucleose devem ser solicitadas em alguns casos. A sorologia para HIV está se tornando obrigatória nos casos de FOI; - Invest gação para doenças autoimunes (FAN, FR, complemento); - USG de abdome, TC de crânio e de abdome e ecocardiograma. b) Exames invasivos - Endoscopia digestva alta, colonoscopia e broncoscopia; - Mielograma, biópsias hepá tcas, de medula óssea e de outros sítos menos comuns (pele, pleura, artéria temporal etc.);
ANATOMIA E FISI OLOGIA RE NAL SEPSE
-
Laparotomia exploradora: um dos exames diagnós tcos finais vem sendo menos usado devido à evolução dos métodos de imagem. Quando realizada, deve seguir rígidos protocolos de execução com biópsia hepá tca, de epíploon, de gânglios mesentéricos e gordura retroperitoneal, de osso ilíaco e cultura de líquidos livres.
A obtenção do diagnóstco baseia-se, sobretudo, na anamnese detalhada e no exame fsico completo, cuidadoso e repetdo frequentemente em busca de novos achados. A antbiotcoterapia empírica não é recomendada ro tneiramente, a menos que existam sinais clínicos (neutropenia, imunossupressão, queda do estado geral, sepse) que justfiquem seu uso. O prognóstco da FOI é definido pela causa do processo febril e pelas doenças de base do paciente. Logo, idosos e portadores de doença maligna tendem a apresentar pior prognóstco.
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6. Resumo Quadro-resumo Definições
- SIRS, bacteremia, sepse, sepse grave e choque séptco. - Fases do quadro séptco (1ª fase – precoce, 2ª fase – choque clássico);
Quadro clínico
- Definição de MODS e sua importância na sepse; - TRL: importância no diagnóstco.
Diagnóstco
- Hemoculturas (prós e contras). - Medidas precoces de tratamento S( urviving Sepsis Campaign);
Tratamento
Febre de srcem indeterminada
fico, relacionado - Antmicrobianos: foco-especí ao tpo de paciente (comunidade ou hospitalar).
- Definição; - Tipos de FOI; - Principais causas de FOI clássica.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
7
Doenças sexualmente transmissíveis Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ralcyon F. A. Teixeira Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Sífilis adquirida A - Introdução e definições Trata-se de uma doença infecciosa, de transmissão sexual e, eventualmente, transplacentária (representando, na criança, a síndrome da sífilis congênita). A doença caracteriza-se por longos períodos de silêncio clínico e pela capacidade de atngir múltplos sistemas orgânicos. Além disso, apresenta evolução crônica, sujeita a surtos de agudização e períodos de latência.
B - Etologia O agente etológico é o Treponema pallidum, espiroqueta de transmissão predominantemente sexual ou maternofetal, podendo produzir, respectvamente, a forma adquirida ou congênita da doença. Sua transmissão sexual acontece por contato direto com lesões abertas e fluidos genitais. As transfusões de sangue contaminado também são via de aquisição da doença. O treponema é capaz de penetrar na pele e mucosas íntegras, porém a penetração é facilitada quando há solução de con tnuidade na pele ou mucosa. Após alcançar tecidos subcutâneos em relações sexuais, devido às microabrasões que ocorrem no ato, a infecção é iniciada com resposta local que resulta na formação de uma lesão ulcerada considerada a forma primária da sí filis: o cancro duro. Em quase todos os casos novos, a doença é adquirida por via sexual, e, após a manifestação inicial genital, a doença pode tornar-se sistêmica, com o aparecimento da sífilis secundária e de outras complicações.
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Figura 1 - Espiroqueta vista à microscopia
C - Classificação segundo o Ministério da Saúde Sífilis adquirida recente (com menos de 1 ano de evolução): primária, secundária ou latente recente (até 1 ano da infecção inicial); - Sífilis adquirida tardia (com mais de 1 ano de evolução): latente tardia e terciária; - Sífilis congênita recente (casos diagnos tcados até o 2º ano de vida); - Sífilis congênita tardia (casos diagnostcados após o 2º ano de vida). -
D - Achados clínicos a) Sífilis primária Aparece no ponto de inoculação do treponema, após período de incubação médio de 10 a 21 dias, e caracteriza-se por uma lesão ulcerada, rósea, de fundo limpo, sem fenômenos inflamatórios, bordas infiltradas e duras. Geralmente é única, indolor ou pouco dolorosa, mesmo quando manipulada. Por serem indolores, os cancros localizados fora do alcance da visão do doente podem passar despercebidos. Há possibilidade de ocorrerem em sítos extragenitais, com as mesmas característcas, exceto por evolução crônica, pre-
ANATOMIA E FISI OLOGIA RENAL DOEN ÇAS SEXUA LME NTE TRANSM ISSÍVEIS sença frequente de dor (principalmente, o cancro perianal) e com tamanho geralmente maior. As localizações extragenitais mais importantes são a anal, a retal com ou sem proctte, a oral e a mamária. É acompanhada de adenopata satélite, que é caracterizada pela presença de linfadenomegalia regional não supuratva, móvel, indolor e múl tpla. Tal adenopata não é acompanhada de fenômenos inflamatórios na pele suprajacente aos linfonodos acometdos. As lesões, também denominadas cancro duro, tendem à cura espontânea mesmo sem tratamento, e não costumam
Os doentes apresentam, ainda, micropoliadenopata generalizada, não inflamatória e indolor, acompanhando as lesões cutâneas e mucosas. A doença cursa com manifestações inespecíficas, como cefaleia, mal-estar, artralgias por vezes proeminentes e, raramente, febre. Lesões viscerais acontecem em cerca de 2% dos pacientes com sífilis secundária, com comprometmento gástrico simulando linfoma com infiltração extensa; hepattes, principalmente com colestase; síndrome nefró tca, principalmente na forma de nefrite membranosa e glomerulonefrite por imunocomplexos, todas tendendo à transitoriedade.
deixar cicatrizes.
Ainda pode haver miosite, neurite de n. ves tbulococlear e anormalidades oculares, como uveíte e coriorretnite.
Figura 2 - Lesão de sífilis primária em pênis (cancro duro)
b) Sífilis secundária Caracteristcamente, aparece de 6 a 8 semanas após o surgimento do cancro duro. As lesões representam reação dos tecidos à presença do treponema, veiculado por via linfátca e hematogênica. São, ainda, usualmente acompanhadas de micropoliadenopata generalizada, e, ocasionalmente, há artralgias, febre baixa, cefaleia e adinamia. É raro haver comprometmentos hepátco e ocular, como uveíte. As lesões, também denominadas roséolas, são caracterizadas pela presença de máculas eritematosas, ovaladas ou arredondadas, isoladas e/ou con fluentes, levemente descamatvas, que acometem todo o tegumento, incluindo as regiões palmoplantares (roséola sifilítca ou siflides papulosas), localização altamente sugestva do diagnóstco. As lesões mucosas podem ocorrer na cavidade oral, especialmente na língua e face interna dos lábios. São ricas em treponemas e muito contagiosas. Nas mucosas, podem ocorrer, ainda, lesões elevadas em platô e de superfcie lisa (placas mucosas). Nas regiões perianais, extremamente úmidas, as lesões sofrem maceração de sua super fcie, com formação de pápulas hipertróficas, que são ricas em treponemas e ocorrem, principalmente, em regiões de dobras ou atrito. Os pacientes podem, também, apresentar alopecia mais evidente no couro cabeludo e nas porções distais de sobrancelhas, a chamada alopecia “em clareira”.
Figura 3 - Lesões dérmicas causadas pela sífilis secundária
c) Sífilis latente (recente e tardia) É a forma da sí filis adquirida em que não se observam sinais e sintomas clínicos, portanto tem o seu diagnós tco obtdo por meio de testes sorológicos. Sua duração é variável, e seu curso pode ser interrompido por sinais e sintomas da forma secundária ou terciária. d) Sífilis terciária Surge após períodos extremamente variados de latência e pode ocorrer em até 25 a 40% dos pacientes. Clinicamente, o quadro dermatológico caracteriza-se por lesões
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INFECTOLOGIA nodulares, nódulo-ulceradas e gomas, que podem ocorrer em pele, ossos e órgãos internos, e correspondem histologicamente a granulomas. Quando ocorrem nas mucosas, as lesões podem produzir alterações na língua, cons ttuindo a glossite interstcial crônica, e provocar perfurações no palato e destruição do septo nasal cartlaginoso e de áreas ósseas adjacentes. As lesões ainda podem apresentar-se serpiginosas, o que vem se tornando raro, com o advento da penicilina. A sífilis cardiovascular apresenta incidência de 10%, e suas principais manifestações são insuficiência aórtca e aneurismas de aorta torácica e abdominal, que raramente evoluem com dissecção e estenose do ósto da coronária, resultando em quadros de angina. O aparecimento é tpicamente insidioso, ocorrendo de 15 a 30 anos após a infecção inicial do paciente. A neurossí filis representa uma incidência de 8%, podendo ser assintomá tca ou apresentar quadros de meningite sifilítca aguda, encefalomalácia com afasias e hemiplegias, tabes dorsalis e demência paralí tca. A neurossí filis precoce não apresenta sinais de doença, e o diagnós tco baseia-se no liquor com pleocitose e VDRL posi tvo. Os pacientes podem apresentar meningite sintomá tca com sintomas clássicos de irritação meníngea, podendo, ainda, cursar com lesões isquêmicas em coluna vertebral. Outra forma de acometmento é a sí filis neurovascular, com aparecimento de arterite e que pode apresentar-se como AVC isquêmico. Pacientes com formas tardias de neurossífilis podem apresentar-se com quadro demencial progressivo associado ao aparecimento de paresias, disartria, tremores e, em alguns casos, com as pupilas de Argyl-Robertson, mais comuns na tabes dorsalis. A tabes dorsalis é uma doença com acome tmento do corno posterior da medula espinhal, assim como as raízes dorsais. Ocorre, em média, após 20 anos da infecção inicial, embora alguns casos aconteçam em poucos anos. Os indivíduos apresentam quadro de ataxia e dores lancinantes de curta duração. As pupilas de Argyl-Robertson não respondem à luz, são pequenas, contraem-se normalmente, apresentam dilatação parcial com colírios midriá tcos e não se dilatam com es mulos dolorosos. Tais pacientes apresentam, ainda, diminuição de re flexos nos membros inferiores e alteração de sensações vibratórias e da propriocepção. e) Goma sifilítca Lesões nodulares que sofrem processo de degeneração e correspondem à reação de hipersensibilidade ao treponema, não sendo infectantes, portanto. Possuem 5 fases: infiltração, amolecimento, supuração, ulceração e cicatrização. A Figura 4 representa um caso de sífilis tardia com goma sifilítca.
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Figura 4 - Lesões causadas por sífilis tardia com goma sifilítca
E - Exames complementares Na sífilis primária: - Exame de campo escuro ou pesquisa direta: tal exame, que exige técnica específica de coleta para microscopia em campo escuro, é indicado para material de lesão ulcerada suspeita. Pode ser positvo em material das placas mucosas da fase secundária. A sensibilidade é de 70 a 95%; - Pesquisa direta com material corado: pode ser realizada a impregnação pela prata de Fontana e coloração pelo Giemsa. Essa pesquisa pode aumentar a sensibilidade do exame em campo escuro. Provas sorológicas: a) Testes antgênicos não treponêmicos - Provas de floculação (VDRL) Os testes não treponêmicos baseiam-se na presença de reatvidade do soro a um angeno cardiolipina-lecitna. O teste mensura antcorpos IgG e IgM. O VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) e a reação de Wasserman, ou sua variante RPR (Rapid Plasm Reagin), são exames qualitatvos
ANATOMIA E FISI OLOGIA RENAL DOEN ÇAS SEXUA LME NTE TRANSM ISSÍVEIS e quanttatvos, importantes para o diagnóstco e o seguimento pós-terapêutco, devendo ser solicitados na suspeita do diagnóstco de sífilis. Podem ser u tlizados em quaisquer de suas fases, para todos os portadores de DST e na ro tna do pré-natal. O VDRL torna-se reatvo a partr da 2ª semana após o aparecimento do cancro (sífilis primária) e, via de regra, está mais elevado na fase secundária da doença. Os tulos começam a diminuir a partr do 1º ano de evolução da doença. Insttuído o tratamento correto, uma queda para 1/4 dos valores iniciais é esperada em 6 meses, e a maioria dos casos apresenta negatvação entre 9 e 12 meses, podendo permanecer, ainda, com tulos baixos por longos períodos de tempo, ou até por toda a vida. Assim, tulos baixos podem significar doença recente ou muito antga, tratada ou não. A anamnese, o exame fsico e a repetção periódica dos testes não treponêmicos (2 tulos baixos em intervalo de 30 dias excluem sífilis recente), ou a realização de provas de sorologia treponêmica qualitatvas, ajudam a esclarecer dúvidas. As provas treponêmicas, se negatvas, excluem sífilis em atvidade; se positvas, a dúvida pode permanecer, sendo recomendável repetr o tratamento. Pacientes com 3 dosagens de tulos sucessivamente baixos (≤1/8), sem qualquer indício de reinfecção, apresentam, provavelmente, “memória” sorológica. O paciente pode receber alta, e a ele deve ser avisado que, por muito tempo, ou, até por toda a vida, apresentará sorologia não treponêmica reatva.
Os testes treponêmicos, feitos por imuno fluorescência, como o FTA-ABS (Fluorescent Treponema Antgen Absorvent) ou o MHA-TP (micro-hemaglutnação para Treponema pallidum), são qualitatvos e importantes para a confirmação da infecção. Em geral, tornam-se reatvos a partr do 15º dia da infecção. Os antcorpos treponêmicos tendem a permanecer no soro por período de tempo maior que os não treponêmicos ou lipídicos e têm diminuição de tulos em resposta à terapia, muito mais lenta. Não servem, portanto, para o acompanhamento. Podem ocorrer resultados falsos positvos em algumas situações, como hanseníase,
- Provas de fixação de complemento (Wasserman) Possuem as mesmas característcas do VDRL. Reações falsas positvas podem ocorrer nas seguintes situações: Infecções virais e vacinações; Hanseníase; Malária; Leishmaniose visceral; Tripanossomíase; Doenças autoimunes (lúpus eritematoso, dermatomiosite etc.).
Todos os pacientes portadores do HIV, com VDRL e FTA-ABS positvos em sangue têm indicação de punção liquórica, já que existe risco de evolução para sí filis terciária com um aumento de 19 vezes em relação à população em geral.
malária, sistêmico.mononucleose, leptospirose e lúpus eritematoso
F - Diagnóstco de neurossífilis O 1º passo é determinar se o paciente apresenta ou não sífilis, que pode ser con firmada por meio da presença de testes não treponêmicos e treponêmicos positvos, que ocorrem, virtualmente, em todos os casos de neurossí filis recente, mas podem ser negatvos em tabes dorsalis e outras formas tardias. O diagnóstco pode ser confirmado com a punção liquórica e o VDRL no liquor, que é considerado o teste padrão-ouro, embora seja um exame ainda imperfeito, pois não é muito sensível e pode apresentar falsos posi tvos em pacientes com sangramento durante a punção. Já o FTA-ABS é muito sensível, porém pouco especí fico, e deve ser usado como exame confirmatório.
• •
G - Diagnóstco diferencial
• • • •
Reações falsas positvas no liquor podem ocorrer em: Neurotuberculose; Hemangiomas meníngeos; Tumores cerebrais. • • •
b) Testes treponêmicos TPI (prova de imobilização do treponema); • •
• •
•
RPCF (prova de fixação de complemento com proteína de Reiter); FTA-ABS; MHA-TP (micro-hemaglutnação): apresenta sensibilidade semelhante ao FTA-ABS e é de execução tecnicamente mais simples; ELISA (teste imunoenzimátco).
a) Sífilis primária - Lesões de herpes simples genital; - Cancro mole; - Lesões iniciais do linfogranuloma venéreo; - Donovanose; - Leishmaniose tegumentar americana; - Síndrome de Behçet. b) Sífilis secundária - Exantemas por drogas e por infecções virais (rubéola e sarampo); - Pitríase rósea de Gilbert; - Formas de psoríase e líquen plano; - Linfomas; - Hanseníase; - Sarcoidose; - Líquen plano oral; - Leucoplasias;
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INFECTOLOGIA -
Condiloma acuminado; Alopecia areata/tricotlomania.
H - Tratamento a) Sífilis recente - Primária: penicilina benzat na, 2,4 milhões UI, IM profunda, em dose única; - Secundária e latente recente: penicilina benza tna, 2,4 milhões UI, IM profunda (2 ou 3 doses, com intervalo de 1 semana entre elas, 1 em cada glúteo). Nos casos de alergia à penicilina, os esquemas alternatvos recomendados são: - Doxiciclina: 100mg VO, 12/12h, por 15 dias; - Tetraciclina: 500mg VO, 6/6h, por 15 dias; - Eritromicina: 500mg VO, 6/6h, por 15 dias; - Ce riaxona: 250mg, IM/dia, por 10 dias. b) Sífilis tardia (latente tardia, cutânea e cardiovascular) Penicilina benzatna 7,2 milhões UI, IM profunda, administrada em 3 doses de 2,4 milhões UI por semana. Nos casos de alergia à penicilina: - Doxiciclina: 100mg VO, 12/12h, por 4 semanas; - Tetraciclina: 500mg VO, 6/6h, por 4 semanas; - Eritromicina: 500mg VO, 6/6h, por 4 semanas. c) Neurossífilis -
Penicilina cristalina aquosa: 12 a 24 milhões UI IV, dividida em 4/4h, por 14 a 21 dias. A razão para não utlizar penicilina benzatna nesta situação é que não existe passagem de barreira hematoencefálica para penicilina benzatna; - Alternatva – 2ª escolha: ceriaxona, 2g IV, 12/12h dia, por 14 a 21 dias (risco de falha em até 23%, com retorno de VDRL tardiamente).
-
Deve-se acrescentar que, após a dose terapêutca inicial, em alguns casos pode surgir a reação febril de Jarisch-Herxheimer, com exacerbação das lesões cutâneas, geralmente exigindo apenas cuidados sintomátcos; há involução espontânea em 12 a 48h. Não se justfica a interrupção do esquema terapêu tco. Essa reação não significa hipersensibilidade à droga, entretanto todo paciente com sífilis, submetdo a tratamento com penicilina, deve ser alertado quanto à possibilidade de desenvolver tal reação.
2. Cancro mole A - Introdução e definições Esta é uma doença sexualmente transmissível, com contágio exclusivo por essa via. Apresenta evolução aguda e é mais frequente nas regiões tropicais, com alta infec tvidade e baixa patogenicidade. Sua ocorrência é maior no sexo masculino, a uma proporção de 10 a 20 casos masculinos para 1 feminino. A doença ainda é denominada cancroide, cancro venéreo e cancro de Ducrey, e é conhecida, popularmente, por “cavalo”. O período de incubação é, geralmente, de 3 a 5 dias, e pode estender-se por até 2 semanas.
B - Etologia Doença produzida por bacilo Gram negatvo denominado Haemophilus ducreyi.
C - Achados clínicos
O tratamento em gestantes segue os critérios de tratamento de acordo com o tempo de infecção. No entanto, algumas diferenças devem ser citadas: - O tratamento preferencial é com penicilina benzatna (a dose dependerá do tempo de duração, se é recente ou tardia); - Nos casos de alergia à penicilina, deve ser tentada a
Apresenta período de incubação curto, que varia de 3 a 5 dias, surgindo, posteriormente, lesão ulcerada de base mole, rasa, com bordas irregulares, envolta por halo eritematoso vivo e recoberta por exsudato necrótco-purulento. As lesões são dolorosas, geralmente múltplas, com apresentação em número, formas e tamanhos variados, devido à sua característca de autoinoculação. A borda é irregular, apresentando contornos eritematoedematosos e fundo irregular recoberto por exsudato necrótco, amarelado, com odor fétdo que, removido, revela tecido de granulação com sangramento fácil. Nos homens, as lesões localizam-se, principalmente, junto ao frênulo, sulco balanoprepucial, glande e face inter-
dessensibilização, e caso não seja possível, há indicação de uso de estearato de eritromicina (nunca estolato de eritromicina). No entanto, neste caso não há passagem placentária da droga e o recém-nascido é considerado e tratado como sífilis congênita; - Caso o tratamento seja realizado no úl t mo mês da gestação (últmas 4 semanas antes do parto), também considera-se o recém-nascido como sí filis congênita;
na do prepúcio. Nas mulheres, acomete, preferencialmente, a região do fórnice vaginal e pequenos e grandes lábios. Em 30 a 50% dos casos, ocorre enfartamento ganglionar regional, formando o chamado “bubão”; 2/3 destes evoluem com flutuação e fistulização, com drenagem de material purulento, caracteristcamente através de um único orifcio. São unilaterais na maioria dos casos. Suas lesões não evoluem para cura espontânea e geralmente deixam pequena cicatriz após a cura.
d) Gestantes
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Opções: ceriaxona, 250mg, IM, dose única; eritromicina, 500mg, VO, 6/6 horas, por 15 dias; doxiciclina, 100mg, VO, 12/12 horas, por 10 dias.
3. Uretrite gonocócica Figura 5 - Lesões genitais de cancro mole
A - Introdução e definições Trata-se de uma doença infectocontagiosa, pandêmica, transmitda por relação sexual, sendo excepcional a contaminação acidental. Em alguns casos, pode ser transmi tda por sexo oral, srcinando faringite gonocócica.
B - Etologia
Figura 6 - Enfartamento ganglionar e fistulização relacionada ao cancro mole
D - Diagnóstco diferencial Cancro duro; - Linfogranuloma venéreo; - Donovanose; - Herpes genital infectado; - Leishmaniose tegumentar americana; - Paracoccidioidomicose; - Cancro misto de Rollet (cancro mole e duro). -
E - Exames complementares Pesquisa direta: coleta do pus da lesão com realização de coloração de Gram, o que revela a presença de bacilos Gram negatvos, dispostos em fila indiana ou formando paliçadas no interior de polimorfonucleares, habitualmente aparecendo em cadeias paralelas e acompanhados de cocos Gram positvos (fenômeno de satelitsmo); - Cultura: de difcil realização, mas é o exame diagnóstco mais sensível; - Biópsia: não recomendada de ro tna, pois a histologia não é conclusiva. -
F - Tratamento -
Cuidados locais: lavagem frequente com água e sabão; Escolha: azitromicina, 1g, dose única; ou cipro floxacino, 500mg, VO, 12/12 horas, por 3 dias (contraindicado para gestantes, nutrizes e menores de 12 anos);
O agente é a Neisseria gonorrhoeae, que se apresenta como cocos Gram negatvos, reniformes e agrupados 2 a 2, com as faces côncavas adjacentes. Caracteristcamente, são intracelulares, contudo podem ter suas característcas morfotntoriais alteradas nos processos crônicos ou após uso de antmicrobianos. O período de incubação é variável, em média, de 3 a 10 dias. A Neisseria gonorrhoeae pode, também, ser encontrada no epitélio da orofaringe e canal anal, em razão do comportamento sexual dos hospedeiros.
C - Achados clínicos Os sinais e os sintomas iniciais traduzem-se por prurido intrauretral, disúria, eritema e edema do meato uretral, seguido de fluxo uretral mucoso que, rapidamente, torna-se mucopurulento, de cor amarelo-esverdeada, com eliminação de secreção de forma abundante e espontânea ou à mais leve pressão. Caso a infecção atnja a uretra posterior, o quadro clínico pode estar acompanhado de urgência miccional e polaciúria. Nas mulheres, o quadro não apresenta a exuberância clínica como nos homens e é composto por disúria, urgência urinária e, menos frequentemente, secreção amarelada. Nesse grupo, ocorrem, com maior frequência, uretrites pouco sintomátcas e, por esse mo tvo, semanas após a uretrite pode haver casos de artrite gonocócica. As principais complicações nos homens são traduzidas por balanopostte, partcularmente em indivíduos com excesso de prepúcio, que se apresentam com grande edema, intenso eritema e grande quantdade de secreção purulenta; ré; cowpelitrites, por infecção nos canais e glândulas de Li rites; prostatte; epididimite e, raramente, estenose de uretra (habitualmente, após múltplos episódios de uretrite). Nas mulheres, as principais complicações são bartolinite, salpingite, gravidez tubária, esterilidade e doença inflamatória pélvica. As pacientes podem, ainda, apresentar peri-hepatte, que é a denominada síndrome de Fitz-Hugh-Curts. A Figura 7 mostra o corrimento pico na uretrite gonocócica quando se realiza a expressão peniana:
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INFECTOLOGIA Ciprofloxacina: 500mg VO, dose única (cautela ao utlizar a droga em jovens); há relatos de resistência importante da Neisseria gonorrhoeae a esta droga em vários países do mundo nos úl tmos anos, desde 2007 até 2010. Por este mo tvo, seu uso tem sido desaconselhado para tratamento de gonorreia; - Ofloxacino: 300mg VO, 2x/dia, por 7 dias; - Eritromicina: 500mg VO, 6/6 horas, durante 7 dias. -
A abordagem sindrômica de pacientes com corrimento uretral, causado por uretrite não gonocócica ou gonocóci-
Figura 7 - Corrimento pico na uretrite gonocóccica
D - Exames complementares Pesquisa direta por exame bacterioscópico com material corado pelo Gram e cultura em meio de Thayer-Mar tn modificado (exame de escolha).
E - Diagnóstco diferencial Uretrites não gonocócicas de diferentes e tologias, a exemplo de: -
Bacteriana Chlamydia trachomats; Ureaplasma urealytcum; Haemophilus vaginalis; Estafilococos; Estreptococos; Enterococos. •
ca, possibilidade da realização de bacterioscopia.depende Caso nãodaseja possível, tanto uretrite não gonocócica quanto gonorreia devem ser tratadas. Se a bacterioscopia apresenta diplococos Gram negatvos, trata-se clamídia e gonorreia; caso diplococos Gram negatvos estejam ausentes, trata-se apenas clamídia.
4. Linfogranuloma venéreo A - Introdução Trata-se de uma doença sexualmente transmissível com contágio exclusivo por essa via, de distribuição mundial e de etologia bacteriana.
B - Etologia Tem, como agente etológico, a Chlamydia trachomats,
• •
tnta das outras espéespécie sorológicaOs e biologicamente dis cies de clamídias. sorotpos responsáveis são o L1, L2 e L3.
• • •
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Parasitária Trichomonas vaginalis. •
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Viral Herpes-vírus.
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Fúngica Candida albicans.
•
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Metabólica Diabetes. •
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Traumátca Pelo hábito comum de expressão da glande para evidenciar secreção (“ordenha”). •
F - Tratamento A principal medicação u tlizada para o tratamento de gonorreia é a ceriaxona, na dose de 250mg em dose única. São opções possíveis, ainda: - Cefixima: 400mg VO, dose única;
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C - Achados clínicos O linfogranuloma venéreo é, eminentemente, uma doença do tecido linfátco, uma vez que a infecção genital provoca linfangite e linfadenite supuratva, com eventual disseminação do processo inflamatório para o tecido adjacente. Os linfonodos acometdos aumentam de volume com formação de abscessos necrosantes que, por sua vez, coalescem, rompem-se e formam fstulas que drenam grande quantdade de material purulento. Como consequência, fibroses e cicatrizes se superpõem, com aparecimento de isquemia, ulceração e, em casos avançados, linfedema. De maneira geral, seu curso clínico pode ser dividido em 3 estágios. a) Estágio primário O período de incubação é variável, em geral de 3 a 30 dias, e ocorre a chamada lesão de inoculação. Nos homens, a lesão primária localiza-se, com maior frequência, na glande, no frênulo, no prepúcio ou no escroto. Nas mulheres, o local mais frequentemente acometdo é a parede posterior da vagina e o cérvix. A lesão primária é indolor, transitória e, muitas vezes, impercepvel, podendo apresentar-se como pápula, ul-
ANATOMIA E FISI OLOGIA RENAL DOEN ÇAS SEXUA LME NTE TRANSM ISSÍVEIS ceração superficial ou erosão, ou, ainda, como uma lesão herpetforme, que em geral involui rapidamente sem deixar cicatriz, frequentemente não sendo notada pelo paciente nem pelo médico. b) Estágio secundário – síndrome inguinal Cerca de 2 a 6 semanas após o surgimento da lesão primária ocorre disseminação linfátca, com aparecimento de linfadenite inguinal, que se desenvolve em pacientes do sexo masculino. O acometmento ganglionar é usualmente unilateral. Nas mulheres, por sua vez, a drenagem linfátca do terço superior da vaginalocalizados e cérvix uterino se artérias faz primordialmente para linfonodos entre as ilíacas; o terço médio vaginal drena para linfonodos localizados entre a artéria ilíaca interna e o reto; o terço inferior drena para linfonodos pélvicos e inguinais; e a genitália externa drena para linfonodos inguinais. Os gânglios acometdos são firmes, dolorosos, móveis e rapidamente se aderem à pele, configurando o chamado bulbão inguinal. A pele torna-se eritematoedematosa, descamatva, seguida por ruptura dos linfonodos em 1/3 dos casos. Quando a ruptura ocorre, esta se faz por meio de vários pontos de drenagem de secreção purulenta, conferindo ao bulbão o aspecto de uma escumadeira. Manifestações sistêmicas inespecíficas podem acontecer, como febre, mal-estar, anorexia, cefaleia, artralgias, emagrecimento, sudorese noturna e hepatoesplenomegalia. Também podem acontecer manifestações dermatológicas, incluindo eritema nodoso, eritema polimorfo, urtcária e exantema maculopapular.
neais e linfedema da genitália externa, que pode exibir o aspecto de elefanase (estomene).
D - Exames complementares Na maioria dos casos, o diagnóstco é clínico, e não é necessária a confirmação laboratorial. Os exames complementares incluem: - Exame direto do esfregaço, com coloração de Giemsa; - Imunofluorescência direta; - Sorologia para Chlamydia trachomats por imuno fluo-
rescência indireta; Cultura em meios de McCoy e Hela-229 com material obtdo pela aspiração do linfonodo, sendo baixa a positvidade.
E - Diagnóstco diferencial Deve ser obtdo com outras causas de úlceras genitais, com ou sem linfadenopata inguinal, como cancroide, sífilis primária, herpes genital e donovanose. Doença da arranhadura do gato e infecções bacterianas associadas à linfangite também devem ser ressaltadas no diagnóstco diferencial.
F - Tratamento Escolha: doxiciclina, 100mg, a cada 12 horas, por 21 dias; - Opção: eritromicina (estearato), 500mg VO, 6/6h, por -
21 dias.
5. Donovanose A - Introdução Esta é uma doença de evolução progressiva e crônica, de localização genital, ocasionando lesões granulomatosas e destrutvas. Os mecanismos de transmissão são pouco conhecidos, e a contagiosidade é baixa. O período de incubação é de 30 dias a 6 meses. É pouco frequente, sendo mais comum em climas tropicais e subtropicais.
B - Etologia Figura 8 - Estágio secundário do linfogranuloma venéreo
c) Estágio terciário – síndrome anogenital Também chamada fase de sequelas, com grandes variações que, em geral, são resultados de lesões progressivas, hipertróficas e necrótcas. Ocorre, principalmente, com as mulheres, uma vez que a drenagem linfá tca se faz, preferencialmente, para o retroperitônio. Caracteriza-se por proctte leve com muco, sangue e pus nas fezes, acompanhada de tenesmo, febre, emagrecimento e dor, evoluindo com fibrose e estenose retal, fstulas reto e anovaginais, compressão vesical, abscessos perito-
Causada por Klebsiella granulomats (anteriormente, denominada Calymmatobacterium granulomats), bactéria Gram negatva, que se cora com maior intensidade nas extremidades do que no centro. Nas lesões, tais micro-organismos são encontrados no interior de macrófagos, sob a forma de pequenos corpos ovais denominados corpúsculos de Donovan. São corados com relatva facilidade pelos métodos de Giemsa, Leishman e Wright.
C - Achados clínicos O período de incubação varia de 3 dias a 6 meses. A doença inicia-se por lesão nodular, única ou múltpla, de loca-
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INFECTOLOGIA lização subcutânea, que evolui produzindo ulceração bem definida, com fundo granulomatoso, de crescimento lento e que sangra com muita facilidade. A par tr deste ponto, as manifestações clínicas estão diretamente ligadas às respostas tssulares do hospedeiro, srcinando formas localizadas ou extensas e, até mesmo, lesões viscerais por disseminação hematogênica. Comumente, as formas ulcerosas são as de maior dimensão, com secreção abundante e de crescimento por expansão, por meio de autoinoculação. As ulcerações podem progredir para as formas ulcerovegetantes, em que ocorre
mente, oriundo de parte do material des tnado para exame histopatológico. Caso o material seja proveniente da lesão suspeita, sua coleta deve ser realizada em área de lesão livre de infecção secundária e com granulação atva. O exame histopatológico é indicado para casos duvidosos e para afastar malignidade. Para a visualização dos corpúsculos de Donovan, tanto no esfregaço como no material de biópsia, são necessárias colorações específicas, como de Giemsa (corpúsculos coram-se de maneira bipolar, de forma mais intensa na periferia do que no centro); coloração pela prata (em que estes se coram em negro) ou com azul de toluidina
abundante tecidopor deserem granulação fundo da de lesão. As lesões vegetantes, quaseno desprovidas secreção, são, habitualmente, pequenas e bem delimitadas. As manifestações com linfedema acontecem, quase sempre, após formas ulceratvas, que promovem alterações linfátcas obstrutvas que determinam fenômenos de estase. São encontradas, principalmente, na genitália feminina, e são excepcionais em pacientes do sexo masculino. As localizações extragenitais podem ocorrer dependendo das prátcas sexuais do paciente ou por extensão do foco inicial por autoinoculação. Há relatos de localizações nas gengivas, axilas, parede abdominal etc. As formas sistêmicas são encontradas, em geral, em áreas endêmicas, tendo sido descritas manifestações ósseas, artculares, hepátcas, esplênicas, pulmonares e outras. A Figura 9 mostra lesões picas de donovanose, com quadro de destruição importante de tecidos e formação de granuloma.
(para microscopia eletrônica).
F - Tratamento -
Escolha: doxiciclina 100mg, VO, 12/12 horas. Opções: •
•
•
•
•
Azitromicina: 1g, VO, 1x/semana; Ciprofloxacino: 750mg, VO, 12/12h; Eritromicina (estearato): 500mg, VO, 6/6h; Sulfametoxazol-trimetoprim: 800/160mg, VO, 12/12h; Tempo de tratamento para todas as opções: até a cura clínica, por, no mínimo, 3 semanas.
6. Herpes genital A - Introdução tdo, predominantemente, pelo contato sexual É transmi (inclusive orogenital), com período de incubação de 3 a 14 dias, no caso de primoinfecção sintomátca; a transmissão pode acontecer, também, pelo contato direto com lesões ou objetos contaminados. É necessária presença de solução de contnuidade, pois o vírus não atravessa pele ou mucosas íntegras.
Figura 9 - Lesões picas de donovanose
D - Diagnóstco diferencial Cancro mole na sua forma fagedênica; Algumas formas de sífilis secundária; - Condiloma acuminado nas suas formas gigantes e de localização vulvar; - Carcinoma espinocelular do genital; -
-
Leishmaniose tegumentar americana; Paracoccidioidomicose; Úlcera fagedênica tropical.
E - Exames complementares O diagnóstco é estabelecido por meio da demonstração dos corpúsculos de Donovan em esfregaço de material proveniente da lesão suspeita ou cortes tssulares. O material para o exame de esfregaço deve ser, preferencial-
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B - Etologia Vírus herpes-simples (HSV), tpos 1 e 2 (sendo o 1 mais comumente relacionado a herpes labial e o 2 a herpes genital) pertencem à família Herpes viridae.
C - Quadro clínico Pode ser assintomátco. Na fase prodrômica, ocorrem aumento de sensibilidade, formigamento, mialgias, ardência ou prurido antecedendo o aparecimento das lesões. Localiza-se, nos homens, mais frequentemente na glande e no prepúcio; nas mulheres, nos pequenos lábios, clitóris, grandes lábios, fúrcula e colo do útero. As lesões iniciais são pápulas eritematosas de 2 a 3mm, seguidas de vesículas agrupadas com conteúdo claro ou citrino, que se rompem, srcinando exulcerações, posteriormente recobertas por crostas sero-hemátcas. Adenopata inguinal dolorosa bilateral pode ocorrer em 50% dos casos. Ocasionalmente, secreção uretral clara e até ardência miccional podem estar
ANATOMIA E FISI OLOGIA RENAL DOEN ÇAS SEXUA LME NTE TRANSM ISSÍVEIS presentes, consequentes de lesões intrauretrais. Além disso, é possível aparecer sintomas gerais, como febre e mal-estar. Ao final da infecção, mesmo assintomátca, o HSV ascende pelos nervos periféricos sensoriais, penetra nos núcleos das células ganglionares e ali permanece em estado de latência. As infecções podem ser recorrentes, e 60 a 90% dos pacientes apresentam novos episódios nos primeiros 12 meses, por reatvação dos vírus. A recorrência das lesões pode associar-se a episódios de febre, exposição à radiação ultravioleta, traumatsmos, menstruação, estresse fsico ou emocional, antbiotcoterapia prolongada e imunodeficiência. O quadro clínico das recorrências é menos intenso que o da primoinfecção e é precedido de pródromos característcos, como aumento de sensibilidade no local, prurido, “queimação”, mialgias e “fisgadas” em pernas, quadris e região anogenital.
E - Diagnóstco diferencial Deve ser feito com cancro mole, sífilis, linfogranuloma venéreo, donovanose e ulcerações traumátcas.
F - Tratamento Vários medicamentos foram utlizados para o tratamento das infecções herpétcas, mas nenhum deles provou ser completamente eficaz na erradicação do vírus. Não existe tratamento que proporcione cura definitva. Pode-se valer de tratamento sintomátco com limpeza da lesão, uso de analgésicos e ant-inflamatórios no herpes genital. No 1º episódio, podem ser u tlizados: - Aciclovir: 400mg VO, 8/8 horas, por 7 a 10 dias; ou 200mg, VO, 4/4 horas, por 7 a 10 dias; - Valaciclovir: 1g VO, 12/12 horas, por 7 a 10 dias; - Fanciclovir: 250mg VO, 8/8 horas, por 7 a 10 dias. Nas recorrências de herpes genital, o tratamento deve ser iniciado, de preferência, com o aparecimento dos primeiros pródromos. - Aciclovir: 400mg VO, 8/8 horas, por 5 dias; ou 200mg VO, 4/4 horas, por 5 dias; - Valaciclovir: 500mg VO, 12/12 horas, por 5 dias; - Fanciclovir: 125mg VO, 12/12 horas, por 5 dias. Tabela 1 - Úlceras genitais: exames complementares Lesão limpa - Micológico direto; - Biópsia. Lesão purulenta - Esfregaço com coloração Gram; - Limpeza da lesão e provocação de irritação química; - Exame direto para campo escuro;
Figura 10 - Vesículaspicas em lesão peniana por herpes-vírus
D - Exames complementares O diagnóstco, na maioria das vezes, pode ser realizado unicamente com a inspeção. Os procedimentos complementares que podem ser realizados incluem: - Citodiagnóstco: o citodiagnóstco de Tzanck pode ser útl. Sua positvidade é refletda pela multnucleação e balonização celulares. A utlização da coloração pelo Papanicolaou permite a observação de inclusões citopátcas virais; Biópsia: não indicada ro tneiramente, permite realizar, com maior segurança, o diagnóstco por meio da identficação dos corpúsculos de inclusão; - Cultura: o isolamento do vírus em cultura de tecido é a técnica mais especí fica para a detecção da infecção herpétca. A sensibilidade varia de acordo com o estágio da lesão, sendo progressivamente menor em lesões vesiculosas, pustulosas, ulceradas e crostosas. -
- Raspagem de fundo da lesão para pesquisar C. granulomats e células de inclusão viral.
7. Abordagem sindrômica das doenças sexualmente transmissíveis O Ministério da Saúde propõe que as DSTs sejam abordadas de maneira sindrômica, isto é, na impossibilidade de diagnóstco etológico imediato, o paciente receba tratamento empírico de acordo com a síndrome clínica, para que não seja perdida a oportunidade de tratamento de sua afecção e haja interrupção da cadeia de transmissão. O tratamento imediato das DSTs tem importância epidemiológica não somente na transmissão delas próprias, mas também na transmissão do HIV. A infecção genital atva facilita tanto a transmissão quanto a aquisição do vírus por via sexual. O paciente infectado pelo HIV apresenta maior quantdade de parculas virais em seus fluidos genitais quando tem uma infecção genital a tva, em virtude da maior replicação viral e de microssangramentos provocados pela coinfecção, o que facilita a transmissão do vírus.
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INFECTOLOGIA O paciente HIV negatvo com DST tem maior predisposição a adquirir o HIV por via sexual se exposto, seja pela solução de contnuidade mucosa ocasionada pela infecção, seja porque suas células imunológicas do trato genital, a tvadas pela presença de DST atva, são mais susceveis à invasão por esse vírus. A seguir, os algoritmos recomendados pelo Ministério da Saúde para a abordagem sindrômica das DSTs:
Figura 11 - Abordagem sindrômica das úlceras genitais
Figura 12 - Abordagem sindrômica dos corrimentos uretrais
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Figura 13 - Abordagem sindrômica dos corrimentos vaginais
8. Resumo Quadro-resumo - Sífilis adquirida recente (primária, secundária, latente recente); Classificação
- Sífilis adquirida tardia (latente tardia, terciária); - Sífilis congênita recente; - Sífilis congênita tardia.
Sífilis
Clínica
- Primária: aspecto da lesão; - Secundária: tpos de lesões e tempo para aparecimento; - Terciária:lesões cardíacas e neurológicas.
Diagnóstco
- Primária: campo escuro, VDRL (causas de falso positvo), FTA ABS (diferença em relação ao VDRL); - Neurossífilis: LCR. filis; - Diferença no tratamento entre recente, tardia e neurossí
Tratamento
- Reação de Jarisch-Herxheimer; - Tratamento em gestantes.
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INFECTOLOGIA Quadro-resumo Clínica e etologia Cancro mole
- Agente etológico (Haemophilus ducreyi); - Período de incubação e característcas das lesões.
Diagnóstco
tvos em fila em conjunto com cocos Gram positvos - Coleta de pus com Gram (bacilos Gram nega – satelitzação).
Tratamento
- Tratamento de escolha em adultos e diferença para gestantes. - Agente etológico;
Uretrite gonocóccica
Linfogranuloma venéreo
Donovanose
Clínica e etologia
- Síndrome de Fitz-Hugh-Curts. Diagnóstco
- Cultura em meio de Thayer-Martn.
Tratamento
floxacino. - Atenção à resistência crescente a tratamento com cipro - Sorotpos de Chlamydia trachomats causadores (L1, L2, L3);
Etologia e clínica
- Estágios da doença (primário, secundário (ou síndrome inguinal), terciário (ou síndrome anogenital).
Diagnóstco
- Eminentemente clínico.
Tratamento
- Doxiciclina como 1ª escolha.
Etologia e clínica Tratamento
Herpes genital
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- Característcas principais (prurido + corrimento);
Etologia e clínica
- Mudança do nome do agente etológico (atual: Klebsiella granulomats); - Tempo de incubação e quadro clínico geral. - Doxiciclina como 1ª escolha. - Fase prodrômica; - Característcas de recorrência em 60 a 90%.
Diagnóstco
- Biópsia e cultura.
Tratamento
- Pouca eficácia dos antvirais existentes.
CAPÍTULO
8
Neutropenia febril Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Daniela Di Dea Bergamasco Ralcyon F. A. Teixeira / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução Os recentes avanços diagnóstcos e terapêutcos relacionados às neoplasias malignas têm proporcionado maior sobrevida aos pacientes acometdos por essas afecções. Por outro lado, esse contexto resulta, muitas vezes, nas mais diversas complicações para esses pacientes, seja pela evolução da própria doença, seja por efeitos indesejados consequentes do tratamento. Uma das mais relevantes condições advindas de modo adverso dos tratamentos onco-hematológicos é a neutropenia febril. Entre 10 e 50% dos pacientes com neutropenia – definida como contagem de leucócitos inferior a 500 células/mm 3 de sangue periférico – decorrente da quimioterapia para tumores sólidos desenvolvem febre em algum dos ciclos terapêutcos. A proporção entre aqueles em tratamento para doenças malignas hematológicas é ainda maior, podendo chegar a 80%. De todos os episódios febris associados à neutropenia, somente 20 a 30% relacionam-se a infecções que poderão ser documentadas. No entanto, por peculiaridades desse tpo de imunossupressão, a dis tnção de quais pacientes de fato apresentam um processo infeccioso atvo, que pode progredir rapidamente para gravidade e óbito, não é uma tarefa simples. Ao longo dos anos, os estudos cien ficos demonstraram de maneira irrefutável que os melhores resultados são obtdos para pacientes que recebem antbiótcos de amplo espectro rapidamente após a apresentação da febre associada à neutropenia. No sentdo de padronizar a conduta para a insttuição da terapia empírica nesses indivíduos, com base nas evidências cienficas disponíveis e objetvando os melhores desfechos, a Infectous Diseases Society of America (IDSA) publicou, em 1997, diretrizes prátcas para o uso de agentes antmicrobianos em pacientes neutropê-
nicos com câncer. O documento passa por revisões periódicas, e a últma edição, publicada em fevereiro de 2011, trouxe modificações substanciais em relação à versão anterior, de 2002, sobretudo no que diz respeito à estruturação de critérios para a estratficação de risco desses pacientes, que tem se demonstrado essencial para a definição da estratégia profilátca e terapêutca de maneira racional e com a melhor relação risco-benefcio possível.
2. Causas A maioria das outras causas de neutropenia não implica riscos tão sérios de infecção e de mortalidade, em comparação com os pacientes submetdos à quimioterapia. A neutropenia pode ocorrer por 4 mecanismos: 1 - Diminuição da produção. 2 - Granulopoese ineficaz. 3 - Desvio para o endotélio vascular. 4 - Destruição periférica dos neutrófilos. Dentre as causas adquiridas, a neutropenia pode ocorrer após quadros infecciosos, devido à redistribuição e/ou destruição dos neutrófilos. Medicações como clozapina, tonamidas (usadas para tratar hipertreoidismo) e sulfassalazina também se associam a esses quadros; o mecanismo parece ser a destruição imunomediada dos neutrófilos. Doenças autoimunes, como o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e a síndrome de Felty (artrite reumatoide associada a esplenomegalia, adenomegalia e granulocitopenia), também são associadas à neutropenia. Ainda devem ser citadas, como causas de neutropenia, as congênitas, como a síndrome Chediak-Higashi (albinismo parcial e infecções recorrentes) ou a síndrome de Shwachman-Diamond-Oski (insuficiência pancreátca, disfunção medular e anormalida-
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INFECTOLOGIA des esquelétcas como disostose metafisária), e a neutropenia cíclica, que ocorre em intervalos geralmente de 21 dias e se associa a infecções de cavidade oral. Os pacientes com neutropenia benigna crônica ou hiperesplenismo, algumas vezes, passam vários meses com contagem de neutrófilos abaixo de 200/mm3 e permanecem livres de infecção. A neutropenia autoimune sem outras citopenias, que acontece no LES, também não tem indicação de tratamento. A maioria das neutropenias ocasionadas por medicações normalmente é revertda com a descontnuação do uso e, na maioria das vezes, é leve, exceto se acontece aplasia medular secundária. Um grupo de doenças que causam neutropenia são as doenças da medula óssea, como anemia aplásica, mielodisplasia, leucemias e aplasia pura da série branca, que implicam prognóstco semelhante ao dos pacientes com neutropenia secundária à quimioterapia para neoplasia maligna. Pacientes com contagem de neutró filos abaixo de 500/ mm3 e aplasia de medula óssea ou leucemia apresentam risco de infecção e evolução letal semelhante àqueles com neutropenia febril secundária à quimioterapia, e devem ser abordados de forma semelhante, em termos de antbiotcoterapia.
(resistentes à oxacilina) e só ter resposta à terapia contendo vancomicina, teicoplanina ou linezolida; porém, ainda com base nas informações epidemiológicas no contexto da neutropenia febril, não se recomenda sua cobertura nos esquemas antbiótcos iniciais, exceto se certos critérios são preenchidos, conforme será discutdo adiante. No Brasil, as infecções relacionadas ao cuidado com a saúde exibem predomínio de Gram negatvos, apesar do recente aumento importante de Staphylococcus coagulase-negatvos. Os agentes etológicos específicos causadores de infecção em neutropênicos, entretanto, apresentam grandes variações conforme a insttuição. Por isso, é necessário verificar a prevalência e os perfis de resistência microbiana de cada insttuição, a fim de adequar o esquema antbiótco inicial.
4. Manifestações clínicas
A febre é definida como temperatura oral maior que 38,3°C, axilar maior que 37,8°C ou persistência da temperatura oral entre 38 e 38,3°C por mais de 1 hora. Neutropenia,
A principal manifestação de infecção no paciente neutropênico é, obviamente, a febre. A presença de sintomas associados e, em especial, de sinais ao exame fsico é bem menor que em outros hospedeiros, pois ocorre diminuição marcante na resposta inflamatória gerada pelos neutrófilos. O exame fsico desses pacientes deve ser detalhado, com foco nos sítos de infecção frequentes e acessíveis: pele, cavidade oral, pulmão, períneo e região perianal, sítos de inserção de cateteres, fundo de olho, entre outros. O toque retal não é recomendado, em razão do risco de translocação bacteriana. Observa-se, ainda, que sinais como dor
filos menor que 500/ por vez, é aque contagem de 3neutró mm3sua ou menor 1.000/mm , com previsão de queda nos dias seguintes. Entretanto, algumas considerações prátcas devem ser realizadas. Caso o paciente não tenha hemograma para a confirmação da neutropenia, ou a previsão de demora para resultados desse exame seja maior que 30 minutos, o indivíduo deverá ser considerado neutropênico se estver entre o 10º e o 20º dia após a administração de quimioterapia, já que a maioria dos esquemas quimioterápicos utlizados atualmente leva à neutropenia com duração de 2 a 3 semanas. Caso ela não seja con firmada, pode ser reconsiderado o uso de antbiótcos. Durante as décadas de 1960 e 1970, os estudos demonstravam que a maioria dos casos de infecção era causada por bacilos Gram negatvos, mas, desde a década de 1980, tais números vêm mudando, e, atualmente, a prevalência de Gram positvos atnge de 60 a 70% dos casos em alguns serviços de Hematologia e Oncologia. Entretanto, alguns serviços apresentam, novamente, incidência crescente de infecção por agentes Gram negatvos desde o fim da década de 1990. Os Gram negatvos, incluindo Pseudomonas aeruginosa, são os principais agentes associados à mortalidade nos neutropênicos febris, portanto a terapia antbiótca empírica inicial deve ser primordialmente dirigida contra esse tpo de bactéria. Dependendo do serviço, os Gram positvos podem ser mais prevalentes e metcilino-resistentes
ee considerados vermelhidão, como mesmopossível discretos, devem ser valorizados celulite ou erisipela, assim como meningites podem ocorrer sem pleocitose e infecção do trato urinário pode acontecer sem leucocitúria. O estudo de Sickes demonstrou que, em pacientes com ITU e contagem de neutró filos inferior a 100/mm 3, apenas 44% apresentavam disúria e 11% piúria, enquanto indivíduos imunocompetentes apresentam essas manifestações em, respectvamente, 85 e 97% dos casos. Outro estudo, em pacientes com pneumonia e também com menos de 100 neutrófilos, demonstrou que apenas 8% apresentavam expectoração purulenta, achado presente em 84% dos imunocompetentes. Apesar da investgação adequada, de 30 a 50% dos pacientes ficam sem definição do foco infeccioso. Hoje, sabe-se que pelo menos metade dos pacientes tem infecção oculta, e cerca de 30% apresentam bacteremia (infecção da corrente sanguínea). Outros estudos demonstram, ainda, que em pacientes com neutropenia febril e radiografia de tórax normal, quando realizada tomogra fia de tórax com cortes finos, cerca de 40% deles apresentam in filtrado pneumônico. Os sítos anatômicos primários de infecção, frequentemente, incluem o trato gastrintestnal, em que o dano quimioterápico nas mucosas comumente ocasiona infecções por organismos oportunistas, mas o sí to mais identficado de infecções ainda é o sistema respiratório.
3. Definições e epidemiologia
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ANATOMIA NE EUTRO FIS IOLOGI A REN AL PENIA FEBRIL
5. Investgação diagnóstca Os exames complementares são solicitados tanto para a definição de focos infecciosos como para a classi ficação da gravidade desses pacientes. A classificação do risco consttui uma importante arma para o manejo clínico e modi fica a conduta, verificando a necessidade de: - Antbiotcoterapia parenteral e internação hospitalar ou; - Manejo ambulatorial com monitorização frequente ou; - Internação em hospital-dia. Dentre os exames complementar es iniciais, incluem-se hemograma, dosagem de eletrólitos, avaliação de funções renal e hepátca e culturas colhidas antes da administração de an tbió tcos: hemoculturas (periférica e de cateter venoso central, caso presente), urocultura, coprocultura na presença de diarreia e cultura de qualquer outro sí to suspeito de envolvimento na infecção; a radiografia de tórax deve ser solicitada mesmo em pacientes sem sintomas respiratórios. Tomografias de cortes finos de pulmão e de seios da face devem ser realizadas na inves tgação subsequente de paciente com neutropenia prolongada (superior a 7 dias) e/ou grave (neutró filos <100 células/mm 3) e persistência da febre a despeito de an tbio tcoterapia de amplo espectro. Os exames de controle são hemograma (realizado diariamente), 2 hemoculturas periféricas (que devem ser colhidas, preferencialmente, durante a ascensão da temperatura, no momento dos pródromos, como calafrios), função renal com eletrólitos e hepátca pelo menos a cada 3 dias. Outros exames complementares podem ser necessários, dependendo da situação clínica e da evolução do paciente. Alguns achados de exame fsico sugerem investgação complementar específica: - Ulcerações em cavidade oral:Gram, cultura, pesquisa ficos; de herpes-vírus e fungos e biópsia em casos especí - Disfagia, odinofagia e queimação retroesternal: endoscopia com pesquisa de herpes-vírus e citomegalovírus e pesquisa de fungos; - Dor facial, celulite periorbital e descarga nasal: culturas, TC de seios paranasais e, em caso de celulite periorbital, também TC de órbitas; - Dor abdominal: TC de abdome, fosfatase alcalina, bilirrubinas, aminotransferases, amilase e lipase; - Dor perirretal: inspeção perirretal (se possível, evitar toque retal), considerar TC pélvica; Diarreia: coprocultura, pesquisa de toxina para Clostridium difficile nas fezes e protoparasitológico de fezes; - Presença de acessos venosos: culturas de secreção dos acessos e cultura de ponta de cateter; - Infiltrados pulmonares: pesquisa de an geno urinário para Legionella, TC de tórax para definir melhor os infiltrados e lavado broncoalveolar em pacientes sem melhora imediata com terapia empírica; -
Infecções cutâneas: aspirado, culturas e biópsia de acordo com o quadro; em caso de lesões vesiculares, pesquisa de varicela e herpes-vírus; - Sintomas urinários: urina I e urocultura; - Sintomas neurológicos: TC ou RM de encéfalo e punção lombar após TC. -
A - Investgação de infecções fúngicas invasivas A maior parte dos episódios febris relacionados à neutropenia tem etologia bacteriana. Entretanto, a probabilidade de infecção fúngica invasiva aumenta com o tempo de neutropenia, especialmente após 1 semana de an tbiotcoterapia empírica de amplo espectro. Apesar da ocorrência relatvamente comum de infecções mucocutâneas superficiais pelas diversas espécies deCandida em vigência de imunossupressão, as infecções profundas e/ou viscerais por esse gênero de leveduras são menos frequentes. Por outro lado, a presença de mucosite induzida por quimioterápicos é um fator de risco para candidemia, uma vez que há quebra da barreira mucosa do trato gastrintes tnal, facilitando a infecção invasiva. Nesse contexto, pode ser indicada uma endoscopia digestva alta, que em condições habituais não aumenta o risco de bacteremia e, portanto, é contraindicada apenas se há plaquetopenia grave. O envolvimento da mucosa pode ser confirmado pelas característcas específicas visualizadas durante o exame e pela possibilidade de realização de biópsias, que auxiliam ainda no diagnós tco diferencial de outras causas de esofagite, como infecção por HSV e CMV. uso de cateter venoso central tambémaumenta o risco deOcandidemia de fonte exógena. As espécies do gênero Candida podem ser isoladas nos meios de cultura empregados usualmente em hemoculturas para bactérias aeróbias. Porém, na suspeita dessa etologia, a coleta de hemoculturas em balões especí ficos para fungos pode aumentar a sensibilidade para a recuperação de Candida não albicans, como C. glabrata e C. krusei. Indivíduos que usam fluconazol profilatcamente podem ter incidência aumentada de candidemia por essas e outras espécies, enquanto os portadores de cateter vascular de longa permanência estão predispostos a infecções de corrente sanguínea por C. parapsilosis. A identficação específica da levedura é essencial, uma vez que as diversas espécies de Candida exibem padrões diferentes de sensibilidade aos antfúngicos. As infecções fúngicas de maior morbidade em neutropênicos são causadas por fungos filamentosos. A mortalidade dos pacientes diagnostcados com infecções dessa natureza é de 70 a 90% ao ano. Os sítos mais comuns são os pulmões e os seios da face, especialmente depois da 2ª semana de neutropenia. Os agentes mais frequentes são do gênero Aspergillus, responsáveis por cerca de 90% dos casos de acometmento pulmonar, a maior parte na sua forma angioinvasiva, e até 80% dos casos de envolvimento dos seios paranasais, na forma invasiva aguda. Podem ocorrer, com menor incidência, zigomicoses e infecções por Fusarium sp.
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INFECTOLOGIA Desse modo, a investgação de Aspergilose Invasiva (AI) é mandatória em neutropênicos febris, sobretudo naqueles que persistem com febre depois de 4 a 7 dias de uso de agentes antbacterianos de amplo espectro, e para os quais se espera tempo de neutropenia superior a 10 dias. No que diz respeito à investgação diagnóstca, a Tomografia Computadorizada (TC) tem um papel fundamental para o diagnóstco das infecções fúngicas pulmonares e sinusais nesses pacientes. Não só é capaz de demonstrar alterações que não são detectadas pela radiografia simples, como também é superior a esse método para de finir o pa-
rus (CMV), denotando infecção pregressa. É conhecida a característca desse vírus de manter-se latente nos tecidos do indivíduo após a infecção primária, o que explica sua capacidade de reatvação na vigência de imunossupressão, inclusive de neutropenia. Entre os pacientes neutropênicos, os receptores de Transplante de Células-Tronco Hematopoétcas (TCTH) são os de maior risco para doença grave por citomegalovírus. Nesses indivíduos, a infecção pode manifestar-se a partr de infecção primária – quando um receptor IgG-negatvo recebe o enxerto de um doador IgG-positvo – ou, mais fre-
drão distribuição a extensão de dascomplicações. lesões, além de ter maiorde acurácia para aeconstatação As principais alterações tomográficas encontradas nas pneumonias por fungos filamentosos em pacientes neutropênicos são nódulos e/ou massas, consolidações e opacidades “em vidro fosco”. Os nódulos podem estar associados a um halo com atenuação “em vidro fosco” (sinal do halo) e frequentemente apresentam áreas de escavação (sinal do ar crescente). No estudo histológico, o nódulo observado corresponde a uma área central de necrose, enquanto o halo traduz área de edema e hemorragia ao seu redor. Tais alterações decorrem histopatologicamente da invasão de vasos pulmonares de pequeno e médio calibre pelo fungo, com subsequente trombose e necrose isquêmica do parênquima pulmonar. Em conjunto, esses achados à TC, em um paciente neutropênico, têm alto valor predi tvo positvo para o diagnóstco de pneumonia por fungo filamentoso, e a confirmação por biópsia deve ser ponderada mediante os riscos inerentes ao procedimento. Já em relação às sinusites fúngicas associadas à neutropenia, as principais manifestações tomográficas são o espessamento da mucosa de revestmento e a presença de conteúdo hiperatenuante ou com densidade de partes moles na cavidade nasal e nos seios paranasais acome tdos. Frequentemente há invasão intracraniana ou intraorbital das lesões, sendo observadas áreas de erosão e destruição óssea das paredes dos seios paranasais e extensão do acometmento para estas regiões. O achado mais precoce na TC, porém não específico, é a presença de extenso espessamento unilateral da mucosa da cavidade nasal. Pelo menos 3 marcadores séricos de infecção fúngica invasiva têm sido extensamente estudados com o obje tvo de se tornarem ferramentas para avaliar de indicação de terapia antfúngica para neutropênicos febris: o DNA do Aspergillus detectado por PCR em tempo real, e 2 an ge-
quentemente, por usualmente reatvação de infecção latente. O início da replicação viral é assintomá tco, porém, se não for insttuída terapia antviral específica, será comum o desenvolvimento de manifestações clínicas, que podem variar de um quadro febril inespecífico a infecções disseminadas graves. Entre os sítos de acometmento visceral, o pulmão e o trato gastrintes tnal são os mais frequentes. Ademais, a infecção atva por CMV pode retardar a pega medular e aumentar a incidência de doença do enxerto contra o hospedeiro. Para monitorar a replicação do CMV, têm sido u tlizadas técnicas para detecção de angenos ou do DNA do vírus na corrente sanguínea. A antgenemia identfica células polimorfonucleares do sangue periférico que expressam o angeno pp65 do CMV, por meio de imuno fluorescência. A técnica é quanttatva e fortemente correlacionada às manifestações clínicas, de modo que tem alto valor preditvo de infecção atva e progressão para doença, além de permi tr a monitoração da resposta terapêutca. Por outro lado, o uso desse exame é restrito na presença de neutropenia importante (abaixo de 500 células/mm 3), pois, nessas circunstâncias, a sensibilidade do teste fica comprometda. Recentemente, a PCR em tempo real para CMV mostrou-se igualmente útl para a constatação de infecção atva. A técnica é bem mais sensível do que a an tgenemia e, por ser realizada no plasma, não depende da contagem de neutrófilos. Por outro lado, tal sensibilidade requer uma avaliação cuidadosa do significado clínico de resultados com baixa carga viral que, por vezes, podem não estar associados a manifestações clínicas relevantes.
nos da parede celular dos fungos, detectáveis por ensaios sorológicos – a β-(1,3)-D glucana e a galactomanana, sendo que esta últma já conta com um corpo mais robusto de evidências cienficas e já está disponível comercialmente em nosso meio.
B - Monitorização de infecção por citomegalovírus De modo geral, a maior parte da população adulta apresenta sorologia positva para IgG contra citomegaloví-
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C - Investgação de infecções por vírus respiratórios A epidemiologia das infecções por vírus respiratórios em pacientes neutropênicos é semelhante àquela observada na comunidade como um todo. Os agentes virais mais frequentes de infecção do trato respiratório são influenza A (incluindo a cepa pandêmica H1N1-2009) e B, parainfluenza 1 a 4, vírus sincicial respiratório e adenovírus. Outros grupos têm adquirido importância na últma década, como coronavírus, enterovírus, rinovírus e metapneumovírus humano. Em virtude da alta incidência dessas infecções virais, especialmente nos meses mais frios do ano, todos os pacientes neutropênicos com sintomatologia respiratória alta ou
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baixa – incluindo congestão nasal, coriza, dor em orofaringe, tosse e, principalmente, dispneia – devem ser investgados para as etologias citadas. É relevante mencionar que, nessa população, os sintomas sistêmicos clássicos, como febre, mialgia e fadiga, podem estar ausentes. A imunossupressão aumenta a probabilidade de acometmento das vias aéreas inferiores, levando a quadros de pneumonite, que podem se tornar graves e levar a óbito por insu ficiência respiratória, o que justfica a investgação e o tratamento precoces. Os indivíduos sob maior risco de desenvolver doença
Para a cepa pandêmica do vírus influenza A H1N1 (2009), a imunofluorescência demonstrou baixa sensibilidade, insuficiente para o diagnóstco de uma nova cepa viral em um momento de pandemia. Dessa forma, é recomendado o uso da PCR, que se tornou o padrão-ouro para detectar e identficar a variante, logo apresenta sensibilidade e especificidade de 100%. Já estão disponíveis comercialmente tecnologias baseadas em PCR multplex para diagnóstco simultâneo de múltplos vírus respiratórios, com sensibilidade superior à detecção antgênica. Os estudos têm demonstrado utlidade
grave são os de TCTH. Aviral literatura uma incidência dereceptores infecção respiratória de 3,5 mostra a 29% entre esses pacientes, com evolução variável, influenciada por condições como a presença de linfopenia, a intensidade da imunossupressão e o tpo de transplante – mieloablatvo ou não mieloablatvo. A progressão para infecção de vias aéreas distais ocorre em torno de 35% dos casos, independente do vírus envolvido. Foram iden tficados alguns fatores de risco para pneumonite viral, como a leucemia como doença de base, idade superior a 65 anos, neutropenia e/ou linfopenia graves. Além da morbidade da doença viral por si, sua ocorrência pode predispor à pneumonia bacteriana e à aspergilose invasiva. As infecções respiratórias virais caracterizam-se por quadros clínicos superponíveis, de modo que não é possível distnguir o agente causador apenas a par tr da sintomatologia. Mesmo os casos que se manifestam com pneumonite em geral determinam alterações radiológicas inespecí ficas, como infiltrado interstcial difuso ou condensação alveolar na radiografia. Na TC, os achados mais comuns são nódulos centrolobulares mal-definidos, opacidades com atenuação “de vidro fosco”, consolidações segmentares e padrão de “pavimentação em mosaico”, isto é, opacidades “em vidro fosco” associadas a septos interlobulares espessados. Entretanto, o diagnóstco e tológico é fundamental, pois para alguns desses vírus existe terapia an tviral eficaz, como o influenza. As amostras clínicas das vias aéreas que se revelaram mais úteis para o diagnóstco da etologia viral são o aspirado e o lavado nasofaríngeo. Nesses espécimes, podem ser realizados isolamento viral em cultura de células – método pouco utlizado por sua dificuldade técnica e tempo prolongado para disponibilização do resultado –, detecção de angenos virais por meio de imuno fluorescência direta e amplificação de DNA viral por PCR. As 2 últmas técnicas apresentam alta sensibilidade, especialmente na pesquisa de angenos, e oferecem a vantagem da rapidez e da possibilidade de serem realizadas em uma base capaz de identficar múltplos agentes em um só ensaio. A imunofluorescência direta para todos os vírus incluídos no painel, exceto os adenovírus, tem sensibilidade superior a 90%. Para os adenovírus, a sensibilidade é mais baixa, e apenas os métodos moleculares, de custo ainda muito elevado, podem suprir essa falha.
tco precoce em imunossuprimidos, quando para o diagnós os sintomas ainda são leves e a carga viral na mucosa nasofaríngea é baixa, no sentdo de prevenir a doença grave.
6. Classificação do episódio Após a avaliação inicial e a obtenção dos resultados das culturas iniciais, depois de 48 a 72h, o episódio de neutropenia febril é classificado em: - Febre de Origem Indeterminada (FOI): as culturas são negatvas, e nenhum foco infeccioso clínico é identficado. Cerca de metade dos episódios é classi ficada como FOI. Aqui estão incluídos desde casos de infecção oculta até casos de febre não infecciosa, relacionada à doença de base ou à infusão de medicações ou hemoderivados; - Infecção Clinicamente Documentada (ICD): estão incluídas as pneumonias e as infecções do trato urinário ou gastrintestnal, sem confirmação microbiológica; - Infecção Microbiologicamente Documentada (IMD): incluídas as infecções com recuperação de um agente etológico. As mais frequentes são as infecções primárias da corrente sanguínea, em até 30% dos casos.
7. Estratficação de risco Diante de um paciente que apresenta febre durante o período de neutropenia pós-quimioterapia, a classificação do risco de complicações infecciosas graves em baixo ou alto permite que o clínico defina aspectos fundamentais da terapia indicada, como o espectro dos agentes an tmicrobianos escolhidos, o tempo e o local de tratamento – em regime ambulatorial ou em internação. Ademais, esse mesmo nível de risco será fundamental para a de finição das profilaxias necessárias para os próximos ciclos terapêutcos potencialmente indutores de neutropenia. Consideram-se como de alto risco os indivíduos que apresentam ou para os quais se espera neutropenia grave (leucócitos <100 células/mm3) e prolongada (>7 dias), e/ou aqueles que evidenciem quaisquer das seguintes manifestações indicatvas de gravidade clínica: sinais de instabilidade hemodinâmica; sintomatologia respiratória, sobretudo se associada a hipoxemia ou in filtrado de surgimento recente em imagem pulmonar; alterações de nível de consci-
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INFECTOLOGIA ência ou outros sinais neurológicos; dor abdominal de início recente; presença de mucosite que dificulte a deglutção ou provoque diarreia importante; sinais de infecção relacionada a cateter venoso central; alterações laboratoriais que revelem disfunção hepátca ou renal. Tais pacientes devem ser tratados precocemente em regime de internação com antbiotcoterapia intravenosa e de amplo espectro. Somente podem ser considerados de baixo risco os pacientes que provavelmente terão a neutropenia resolvida em menos de 7 dias e que não apresentem nenhuma das condições mórbidas enumeradas anteriormente. Esses são elegíveis para terapia drogas por via oral, desdeambulatorial que possam e, sereventualmente, reavaliados prontamente perante modificações do quadro clínico. As infecções pregressas do paciente devem ser consideradas para definir o espectro e a via de administração dos agentes antmicrobianos. Tais característcas são encontradas mais frequentemente – mas não de modo exclusivo – em indivíduos que recebem quimioterapia citotóxica para neoplasias sólidas. Mais recentemente, os critérios já descritos têm sido associados a uma escala obje tva de risco desenvolvida pela Multna tonal Associa ton for Suppor tve Care in Cancer (MASCC), que atribui pesos a determinados aspectos clínicos e laboratoriais, com base em um estudo prospec tvo multcêntrico internaci onal com mais de 1.300 pacientes apresentando neutropenia febril, e classi fica em baixo risco os indivíduos que a tngem pontuação superior a 21 (Tabela 1). Tabela 1 - Critérios de MASCC Característca
Pontos
Comprometmento do estado geral ausente ou leve*
5
Comprometmento do estado geral moderado*
3
Ausênciadehipotensão(PAS>90mmHg)
5
Ausência de doença pulmonar obstru tvacrônica
4
Tumor sólido ou doença maligna hematológica sem infecção fúngica pregressa
4
Ausência de desidratação com indicação de reposição parenteral Pacientenãointernado Idadeinferiora60anos
3 3
2
* As pontuações não são cumulatvas.
São, ainda, fatores associados a menor risco de complicações: 3 - Neutrófilos ≥100/mm ; 3 - Monócitos ≥100/mm ; - Radiografia de tórax normal; - Resultados normais, ou próximos do normal, de funções hepátca e renal; - Neutropenia com duração menor que 7 dias; - Expectatva de resolução de neutropenia em menos de 10 dias; - Ausência de infecção de cateter venoso;
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Evidência precoce de recuperação da medula óssea; Malignidade em remissão; - Pico febril <39°C; - Ausência de alterações neurológicas ou mentais; - Ausência de comprome tmento do estado geral; - Ausência de dor abdominal; - Ausência de comorbidades. -
8. Tratamento Embora os estudos sejam importantes para iden tficar fatores e característcas gerais de risco, cada paciente merece atenção especial para determinar o melhor programa de tratamento. De forma geral, pacientes de baixo e alto risco podem ser abordados de maneira individualizada.
A - Pacientes de baixo risco Um estudo demonstrou segurança no tratamento de pacientes neutropênicos febris de baixo risco com terapia inicial utlizando antbiótcos por via oral. Nesse estudo, a terapia oral com ciprofloxacino e amoxicilina-clavulanato foi comparada com a terapia intravenosa convencional, e não foi constatada inferioridade da primeira. Deve-se ressaltar que o estudo foi realizado em ambiente hospitalar e que ainda não há validação para pacientes conduzidos em ambiente ambulatorial. Ainda assim, é possível prescrever terapia por via oral a neutropênicos de baixo risco, assintomátcos, com neutrófilos acima de 500/mm3 e que não apresentem contraindicações a tal tratamento (náuseas, vômitos ou mucosite), desde que haja estrutura apropriada de seguimento, podendo ou não ser precedida por período mínimo de 72h de antbiotcoterapia intravenosa hospitalar ou em hospital-dia. Nesse caso, recomenda-se a combinação de ciprofloxacino, 500mg, a cada 12h, com amoxicilina-clavulanato, 1,5g ao dia, embora quinolonas de úl tma geração provavelmente também sejam eficazes. É fundamental ainda que o paciente tenha acesso rápido ao serviço médico para eventuais intercorrências ou complicações e nível sociocultural aceitável, garantndo, assim, segurança e adesão ao tratamento. O tratamento com antbiótco parenteral em hospital-dia é cada vez mais utlizado, apresentando redução de custos ao hospital.
B - Pacientes de alto risco A IDSA recomenda que o intervalo máximo entre a avaliação inicial do paciente e o início da an tbiotcoterapia empírica seja de 30 minutos. No caso de dúvidas quanto à presença de neutropenia ou febre, a administração imediata de antbiotcoterapia empírica é a conduta com menor risco de complicação e maior bene fcio para o paciente, devendo ser mantda até que a adequada observação clínica e os resultados dos exames laboratoriais esclareçam o diagnóstco.
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A terapia empírica inicial deve conter um an tbiótco ou a combinação de antbiótcos com boa atvidade contra bacilos Gram negatvos e Pseudomonas. No tratamento de neutropênicos febris, não há diferença em impacto na sobrevida nem em resistência bacteriana entre monoterapia ou associação de antbiótcos. Por outro lado, efeitos adversos estão mais associados à terapia com 2 ou mais antbiótcos. Estudos prospectvos demonstraram que o tempo para a melhora clínica dos neutropênicos febris tratados varia de 2 a 7 dias (mediana de 5 dias); portanto, devem-se aguardar, no mínimo, 72 horas antes de associar novos antbiótcos ao esquema inicial, a menos que haja deterioração clínica evidente ou identficação de agente não sensível ao esquema utlizado. A falha com a terapia inicial ocorre em cerca de 20 a 40% dos pacientes, com manutenção da febre. Nesses casos, dependendo das condições clínicas do paciente, da duração da neutropenia e do resultado das culturas ob tdas, outros antbiótcos podem ser necessários, e sua escolha deve sempre basear-se na frequência dos agentes e no seu perfil de sensibilidade aos antmicrobianos encontrados localmente. Para terapia inicial, podem ser utilizadas as seguintes drogas: cefalosporina de 4ª geração (cefepima), piperacilina-tazobactam ou carbapenêmico (imipeném ou meropeném), dependendo da padronização de cada instituição, baseada no perfil local de resistência de Gram negativos. A associação de vancomicina ou outro an tmicrobiano atvo contra Gram positvos à terapia inicial (teicoplanina, linezolida), embora não diminua a duração da neutropenia ou mortalidade geral nos neutropênicos febris, de acordo com os estudos randomizados, pode melhorar o prognóstco de pacientes com fatores de risco para infecções por Gram positvos, especialmente em insttuições com alta prevalência resistência de Gram posi tvos. Alguns fatores justficam o uso de droga com esse tpo de atvidade na terapia empírica inicial. Tabela 2 - Indicações de adição de an tmicrobiano atvo contra Gram positvos à terapia empírica inicial - Instabilidade hemodinâmica ou outra evidência de sepse grave; - Pneumonia documentada radiograficamente;
- Hemocultura positva para bactéria Gram positva, antes que esteja disponível a identficação final e o teste de sensibilidade; - Suspeita clínica ou evidência de infecção relacionada a cateter; - Infecção de pele e partes moles em qualquer local; - Colonização prévia documentada por MRSA, VRE ou PRSP*; - Mucosite grave, setver sido usada uma quinolona para profilaxia antmicrobiana, e a droga escolhida para terapia inicial seja ceazidima (risco aumentado de bacteremia porStreptococcus resistentes).
* Staphylococcus aureus metcilino-resistente, Enterococcus vancomicina-resistente, Streptococcus pneumoniae penicilino-resistente.
O paciente deve ser seguido com reavaliações frequentes, nas quais precisam ser repetdos o exame fsico, a história clínica e os exames complementares necessários. Se os critérios para a introdução de droga atva contra Gram positvos citados na Tabela 2 aparecem posteriormente, está indicada a associação. A monitorização de efeitos adversos do tratamento também é de grande importância. Caso o foco infeccioso seja identficado, o regime de antbiótcos deve ser readequado. A adequação do esquema terapêutco implica ampliar, se necessário, a cobertura antmicrobiana para os patógenos do foco, entretanto a manutenção da cobertura de amplo espectro para Gram negatvos deve considerada. A antbiotcoterapia deve ser reavaliada objetvamente, sempre que se têm achados novos, ou empiricamente, a tr do 3º dia de internação. Essa avaliacada 24 horas a parna ção está detalhada Tabela 3. Durante a avaliação do paciente que persiste febril, apesar da terapêutca adequada, alguns fatores associados à persistência de febre devem ser considerados, como febre causada pelo uso de an tbiótcos, foco infeccioso fechado e presença de cateter central. Para pacientes de alto risco com febre persistente ou recorrente após 4 a 7 dias de an tbiotcoterapia e para os quais se espera duração da neutropenia maior que 7 dias, a investgação e a terapia empírica para infecções fúngicas invasivas está indicada. A droga de escolha é a anfotericina B, habitualmente em sua formulação lipossomal. Outras drogas, como os novos azólicos e as equinocandinas, podem ser alternatvas, sempre considerando as infecções prévias do paciente e os medicamentos que utlizou como profilaxia.
Tabela 3 - Reavaliação objetva e empírica da antbiotcoterapia 3º
4º
Sem foco
- Manter ATB por, no mínimo, 5 dias afebril, retrar antbiótco caso culturas negatvas e neutrófilo >500/mm3 por, no mínimo, 2 dias consecutvos.
Com foco
- Ampliar ATB, de acordo com antbiograma; - Manter ATB por tempo adequado para tratamento do foco.
Afebril
5º
Manter ATB até completar 5 dias - Manter ATB por, no mínimo, afebril, contados a partr do 2º dia 5 dias afebril e neutrófilo consecutvo com neutrófilo >500/ >500/mm3 por, no mínimo, 2 mm3. dias consecutvos.
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INFECTOLOGIA 3º
4º
Sem foco
- Se instável, introduzir carbapenêmico; - Se estável, aguardar 24 horas e, se persistr febril, introduzir carbapenêmico; - Radiografia de tórax, rever culturas; - Caso neutropenia >5 dias, considerar infecção fúngica.
Com foco
- Ampliar ATB, de acordo com antbiograma; - Manter ATB por tempo adequado para tratamento do foco.
Febril
5º
- Introduzir 3 a 5mg/kg de anfotericina B lipossomal ou Caso ainda não esteja u tlizando, 1mg/kg/dia de anfotericina introduzir vancomicina; B deoxicolato; Analisar causas da falha terapêu- Analisar causas da falha teratca, radiografia de tórax, considepêutca, considerar pesquisa rar infecção fúngica e pesquisa de de foco fechado, contatar foco fechado*. hematologista ou infectologista.
* Pesquisar foco fechado com TC de seios da face e de pulmão.
Figura 1 - Tratamento
C - Uso de fatores estmuladores de colônias de granulócitos
Há 2 fatores estmuladores de colônias de granulócitos: o G-CSF e o C-GSFM. Este estmula, também, colônias de macrófagos. O granulokine ou G-CSF é umfator hematopoiétco específico da linhagem de granulócitos. Seu efeito primário é transformar as unidades formadoras de colônias de granulócitos em leucócitos polimorfonucleares diferenciados. O uso do G-CSF tem o efeito teórico de diminuir episódios de neutropenia, com a possibilidade de diminuir episódios
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de neutropenia febril e desfechos clínicosrelevantes que podem ocorrer nesses pacientes. O clínicas uso dessa medicação pode ser realizado em 3 circunstâncias diferentes: 1 - Profilaxia primária: antes da quimioterapia, em pacientes com alto risco de neutropenia febril. 2 - Profilaxia secundária. 3 - Tratamento dos pacientes com neutropenia febril. A evidência para o uso em profilaxia primária parece ser mais concreta que para o tratamento da neutropenia
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febril. De qualquer forma, uma meta-análise publicada em 2005 demonstrou que o G-CSF foi associado à diminuição do tempo de hospitalizações e do tempo para recuperação do número de neutrófilos. Ocorreu efeito no limite da significância estastca quanto à mortalidade relacionada com infecção, entretanto não houve diferença na mortalidade geral. As diretrizes da IDSA e da ASCO (American Society of Clinical Oncology) não recomendam o G-CSF para o tratamento dos pacientes com neutropenia febril, em razão do alto custo somado ao pequeno benefcio que parecem ter. Ainda assim, grande parte dos hematologistas e oncologistas o utliza normalmente na dose de 300U/dia (5U/kg/dia), até revertda a neutropenia, com o argumento de que a reversão precoce desta favoreceria a aplicação, sem atraso, do próximo ciclo de quimioterapia, permitndo um benefcio secundário. Em situações específicas, como neutropenia em paciente com anemia aplás tca grave e infecção, é possível benefcio com a medicação.
10. Resumo Quadro-resumo Definições/ - Definição de febre e neutropenia; epidemio- Principais bactérias causadoras. logia Quadro clínico
- Hemoculturas; Exames
Causas
A incidência de infecções aumenta, substancialmente, quando a contagem de neutró filos cai para menos 500 células/mm3, com 16 a 20% dos pacientes apresentando bacteremia espontânea quando os neutrófilos estão abaixo de 100 células/mm 3; - Febre é temperatura oral maior que 38,3°C, axilar
- Exames de imagem e sangue de acordo focados no local suspeito de infecção. - Diminuição da produção; - Granulopoese ineficaz; - Desvio para endotélio vascular; - Destruição periférica de neutrófilos.
Critérios - Baixo risco; de risco (critérios de - Alto risco. MASCC) - Baixo risco: terapia VO é possível (amoxicilina-clavulanato e ciprofloxacino);
9. Conclusões -
- Tentar identficar foco baseado na clínica para tratamento direcionado.
Tratamento
- Alto risco: cobertura inicial sempre de Gram negatvo hospitalar, com associação ou não de cobertura para Gram positvo hospitalar; - Quadro de reavaliação objetva da antbiotcoterapia.
maior que 37,8°C, ou persistência entre 38 e 38,3°C por mais de 1 hora; 3 - Neutropenia é a contagem de neutró filos <500/mm ou entre 500 e 1.000/mm3 com tendência a queda; - Os critérios de MASCC são úteis para de finir risco do paciente e podem ajudar na decisão de usar an tbiotcoterapia ambulatorial precoce; - Os exames complementares são solicitados tanto para a definição de focos infecciosos como para a classi ficação da gravidade desses pacientes; - São considerados exames iniciais: hemograma, função renal com eletrólitos, função hepátca, culturas e radiografia de tórax; - A IDSA recomenda que o intervalo máximo entre a internação do paciente e o início da antbiotcoterapia empírica seja de 30 minutos; -
A empírica inicial deve conter um antbiótco outerapia combinação de an tbiótcos com boa atvidade contra Pseudomonas; geralmente, é recomendada monoterapia com cefepima; - Existem critérios que indicam a necessidade de incluir vancomicina no esquema empírico inicial, como instabilidade hemodinâmica, cateter central, mucosite etc.; - O paciente deve ser reavaliado, e a antbiotcoterapia, ajustada, conforme achados.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
9
Tuberculose Rodrigo Antônio Brandão Neto / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Epidemiologia Cerca de 1/3 da população mundial está infectada pelo Mycobacterium tuberculosis. Em todo o mundo, es tmam-se cerca de 9 milhões de novos casos de tuberculose (TB) por ano, com 3 milhões de óbitos. O M. tuberculosis mata mais do que qualquer outro agente infeccioso isolado, sendo responsável por até 25% das mortes nos países em desenvolvimento. Tais países contribuem com 95% dos casos e 98% das mortes mundiais por TB, e a população economicamente atva é acometda em 75% dos casos. O Brasil ocupa o 19º lugar entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de TB no mundo. Por ano, são notficados aproximadamente 71.000 casos novos, porém em torno de 94.000 são es tmados pela OMS. Ocorrem cerca de 4.800 mortes por ano em decorrência da doença. Com o surgimento da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), no final da década de 1970, observa-se, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento, um crescente número de casos notficados de TB em pessoas infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). A associação dessas enfermidades consttui um sério problema de saúde pública, podendo levar ao aumento da morbidade e mortalidade pela TB em muitos países. De acordo com dados do Ministério da Saúde, a taxa de incidência de TB em 1990 era de 51,8 casos por 100.000 habitantes. Até 2006, houve uma queda de aproximadamente 26%, com incidência de 38,7 casos por 100.000 habitantes para aquele ano. A taxa con tnua em queda, ainda que menos expressiva, de modo que o número de casos novos notficados em 2010, ainda sujeito à revisão, resultou em incidência de 37,2 casos por 100.000 habitantes. A taxa de mortalidade específica por TB em 1990 foi de 3,6 óbitos por 100.000 habitantes, com queda em torno de 32% até
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2006, resultando em uma taxa de 2,6 óbitos por 100.000 habitantes naquele ano. Essa taxa permanece estável, com 2,5 mortes por TB a cada 100.000 habitantes em 2010. A meta nacional para 2015 é a redução de 50% em relação a 1990, tanto na incidência quanto na mortalidade. As metas internacionais estabelecidas pela OMS e pactuadas pelo governo brasileiro são de detectar 70% dos casos de TB estmados e curá-los em 85%. O surgimento da multrresistência, com necessidade de terapêutca combinada de longa duração, e a coinfecção com o HIV têm cons ttuído fatores agravantes da disseminação mundial da doença na atualidade. Nos pacientes imunodeprimidos, o tratamento pode ser prolongado, o que favorece o surgimento de cepas multrresistentes. A mortalidade em 2 anos é de 70 a 80% em portadores dessas cepas.
2. Fisiopatologia A TB é uma doença infecciosa crônica causada por micobactérias de replicação lenta, do complexo Mycobacterium tuberculosis. Trata-se de bacilos pequenos, não esporulados, aeróbios, que possuem uma parede celular rica em lipídios. As característcas fsico-químicas dessa parede fazem com que a bactéria seja corada por fucsina na técnica de Ziehl-Neelsen, o que a define como Bacilo Álcool-Ácido-Resistente (BAAR). Seu crescimento é lento, com tempo de duplicação em torno de 18 horas, formando colônias em cultura ao redor de 30 dias. Locais com tensão elevada de O2, os alvéolos pulmonares – sobretudo aqueles presentes nos ápices dos pulmões – são mais propícios à proliferação do M. tuberculosis. A transmissão se dá por meio da inalação de aerossóis contendo o bacilo proveniente das secreções da via respira-
ANATOMIA E FISI OLO GIA RE NAL TUBERCU LOSE tória de indivíduos bacilíferos. As parculas inspiradas atravessam as barreiras mecânicas existentes nas vias aéreas superiores e se instalam nos alvéolos. A alteração do clearance mucociliar do receptor é fundamental na patogênese da doença. Há um processo in flamatório local inespecífico do qual partcipam células polimorfonucleares e macrófagos não atvados. Os macrófagos fagocitam os bacilos, processam seus angenos e apresentam epítopos para linfócitos T CD4+ específicos, os quais secretam citocinas quimiotáxicas e atvadoras de macrófagos. Estes se diferenciam em células epitelioides, e organizam-se em uma estrutura
3. Apresentação clínica
caracterís da resposta granulomatosa. estão bemtca formados, a infecção é contda.Se os granulomas A capacidade de conter a mul tplicação do bacilo e impedir que a infecção progrida para doença envolve a integridade do sistema imune celular. A célula responsável pela resposta imune efetva é o macrófago, entretanto sua funcionalidade depende da interação com os linfócitos T CD4+. As citocinas produzidas e liberadas pelos linfócitos T CD4+ – sobretudo IFN-gama, IL-2 e TNF-alfa – promovem a atvação e a diferenciação dos macrófagos e a migração de células específicas, tais como monócitos e linfócitos. Além disso, garantem a formação e a manutenção da estrutura do granuloma, cujo microambiente é dinâmico, com constante renovação das células ali presentes. Desse modo, condições que inter firam quanttatvamente ou qualitatvamente na imunidade celular con figuram fatores de risco para o desenvolvimento de TB. Entre elas destacam-se a infecção por HIV/AIDS e outras condições de imunossupressão, como transplante de órgão sólido; idade inferior a 5 anos ou superior a 60 anos; desnutrição; alcoolismo; diabetes mellitus e doenças autoimunes, especialmente aquelas em tratamento com cor tcosteroides. O período de incubação da infecção, desde a inalação da bactéria até a formação do granuloma, é de 6 a 14 semanas. Nesse momento, já é possível observar positvidade nas provas de hipersensibilidade tardia, como a reação intradérmica à tuberculina (PPD). Por via linfá tca, os macrófagos com bacilos fagocitados vão para os linfonodos hilares, srcinando o complexo primário ou complexo de Gohn. O termo “nódulo de Gohn” faz referência à observação radiológica do complexo de Gohn calcificado. No período que vai da inalação do bacilo à formação de uma resposta imune celular específica, o bacilo circula por via hematogênica por todo o corpo, inclusive pelo parênquima pulmonar. Essa disseminação justfica a possibilidade de manifestação das formas miliares e extrapulmonares localizadas da doença. Durante a fase do complexo primário, a maioria dos indivíduos infectados é assintomátca, principalmente os adultos. As crianças podem apresentar tosse e febre. Os linfonodos hilares podem aumentar a ponto de provocar obstrução dos brônquios, causando atelectasia. Outros sintomas que podem surgir são eritema nodoso e ceratoconjuntvite flictenular, ambos fenômenos imunomediados, que ocorrem na época da viragem tuberculínica.
lução teveque início complexo primário, ainda do nosprocesso primeirosque 2 anos se no seguem à aquisição da infecção. Localiza-se mais frequentemente na porção superior do lobo inferior ou na porção inferior do lobo médio à direita. O quadro clínico corresponde a uma pneumonia clássica, com febre e tosse produ tva, podendo raramente evoluir para insuficiência respiratória aguda. A pleurite tuberculosa ocorre quando o processo se desenvolve numa região justapleural, com inflamação secundária da pleura e derrame pleural, que se resolve espontaneamente na maioria dos casos. O quadro clínico é de dor pleurítca aguda, com tosse e febre alta, e pode ser observada mais frequentemente em crianças e adultos jovens. A doença disseminada é representada pela TB miliar primária. É mais comum em recém-nascidos e crianças com imunode ficiências, que não conseguem conter os focos a distância, formados durante a fase de disseminação hematogênica. Na TB miliar primária, é muito comum o comprome tmento do SNC (neurotuberculose e meningite tuberculosa). O doente desenvolve insuficiência dos múltplos órgãos afetados, febre, insuficiência respiratória aguda e pode ter evolução fatal.
A - Tuberculose primária O complexo primário de Gohn pode evoluir para cura espontânea, doença circunscrita ou doença disseminada. A cura ocorre na grande maioria dos casos, e o complexo primário calcifica-se e perde a capacidade de rea tvação. A doença localizada manifesta-se por TB pulmonar primária ou pleurite tuberculosa. A TB pulmonar progressiva primária, ou pneumonia tuberculosa primária, decorre da evo-
B - Tuberculose secundária ou de rea tvação Anos após a infecção inicial, os bacilos viáveis presentes no complexo primário podem voltar a se mul tplicar e induzir doença. O processo é denominado reatvação e geralmente srcina um quadro de febre vesper tna, tosse produtva ou não, queda do estado geral e perda de peso. A reatvação é mais comum em indivíduos com algum tpo de imunodepressão, desnutrição, alcoolismo, na gravidez e em doentes com outras afecções pulmonares subjacentes, como DPOC e câncer de pulmão. A ausculta pulmonar, no início, é de diminuição dos murmúrios vesiculares, principalmente nos ápices, que pode progredir para ausculta de sopro anfórico, produzido pela presença de cavidade. Admite-se que a maioria dos casos de TB secundária deve-se à reatvação de bacilos latentes, resultante de uma falha localizada da resposta imune no microambiente dos granulomas do complexo primário. A resposta imune adaptatva específica ao M. tuberculosis desencadeia reação inflamatória à infecção, levando à formação de focos de necrose caseosa importante. Se esse síto de inflamação e necrose comunica-se com um brônquio, o material necró-
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INFECTOLOGIA tco é drenado pelas vias aéreas, formando uma cavidade.
As cavidades são repletas de bacilos, e o doente com essa forma de TB é a principal fonte de transmissão da doença. Podem ocorrer lesões das paredes de vasos sanguíneos próximos às cavidades, produzindo hemoptse. Sem tratamento, TB por reatvação pode evoluir das seguintes maneiras: - TB avançada: os bacilos disseminam-se por via broncogênica para outras áreas do pulmão afetado, para o pulmão contralateral, o que pode produzir cavidades bilaterais. Pode ocorrer espessamento da pleura, sem derrame pleural concomitante seca). Em imunodeprimidos com reatvação(pleurisia de focos infecciosos pulmonares, não é frequente a formação de cavernas, pois a disfunção da imunidade celular leva à resposta inflamatória ineficiente; - TB miliar secundária: pode estar associada à disseminação hematogênica de TB pulmonar secundária ou por reatvação simultânea de vários focos latentes, formados na fase inicial de disseminação hematogênica. Os locais preferencialmente acometdos são o fgado, o baço e os ossos.
C - Tuberculose extrapulmonar O acometmento de outros órgãos, além dos pulmões, pode acontecer tanto na infecção primária quanto na reatvação da TB. A principal forma de manifestação é a TB pleural, seguida pela TB ganglionar. a) Neurotuberculose É a forma mais grave de TB, mas representa somente uma pequena proporção dos casos de TB extrapulmonar, efeito principalmente da alta cobertura de vacinação com BCG em crianças com menos de 5 anos. Os pacientes apresentam quadro clínico de meningite ou meningoencefalite, caracterizado pela ocorrência de irritação meníngea e sintomas de hipertensão intracraniana com febre, rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski presentes, náuseas, vômitos e cefaleia. A meningite tuberculosa evolui de maneira mais lenta em relação à bacteriana e cursa com envolvimento de pares cranianos, embora seja di fcil a diferenciação entre os casos de meningite bacteriana e tuberculosa, pelos achados clínicos isoladamente. O diagnóstco pode ser realizado por punção liquórica, que evidencia liquor com pleocitose e predomínio de linfomononucleares – embora possa haver um número maior de neutrófilos na fase inicial da doença –, proteína muito elevada e glicose baixa (<50% da sérica). A bacterioscopia por método de Gram é negatva, a pesquisa de BAAR pode ser positva e a cultura, embora seja mais sensível que a baciloscopia, permite o isolamento do bacilo em apenas 15% dos casos. Testes indiretos, assim como a dosagem de ADA no liquor, apresentam sensibilidade entre 60 e 100% e especificidade de 84 a 99%, mas, também, problemas para reco-
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mendação de uso de ro tna. A pesquisa por PCR apresenta bons resultados. A tomografia de crânio pode conter achados como hidrocefalia, edema cerebral, espessamento da meninge basal e indícios de pequenos infartos parenquimatosos. Outra forma de manifestação da neurotuberculose é o tuberculoma intracraniano, isto é, uma meningoencefalite com formação de lesão expansiva encefálica. Esse diagnóstco requer exame de imagem, como tomografia computadorizada ou ressonância magnétca. b) Outros órgãos ou tecidos Gânglios, rins, ossos, órgãos genitais e glândulas suprarrenais podem ser envolvidos. A TB é a principal causa de insuficiência adrenal (síndrome de Addison) no mundo, segundo algumas fontes, embora, em países desenvolvidos, já tenha sido superada pela adrenalite autoimune. No Brasil, também se deve considerar a paracoccidioidomicose como uma das principais causas infecciosas de insuficiência adrenal, ao lado da TB. A TB ganglionar, uma das formas mais comuns, pode ter seu diagnóstco realizado por biópsia ou por punção aspiratva da massa ganglionar, indicada especialmente a linfonodos amolecidos em vias de supuração, quando o rendimento da baciloscopia é alto, semelhante ao da biópsia. A lesão apresenta-se como um granuloma, geralmente com necrose caseosa e infiltrado histocitário de células multnucleadas. O achado de BAAR na lesão é importante para a conclusão do diagnóstco. O material deve ser enviado para baciloscopia e cultura para micobactérias.
4. Procura de casos TB sem tratamento, como aqueles que nunca se submeteram à quimioterapia anttuberculosa ou a fizeram por menos de 30 dias. Denomina-se caso de TB todo indivíduo com diagnóstco confirmado por baciloscopia ou cultura. Caso novo diz respeito a pacientes com 30 dias. A procura de casos é um conceito programá tco que compreende tanto os métodos diagnóstcos como as ações de saúde pública para operacionalizá-los, envolvendo os serviços e a comunidade. Tais ações estão voltadas para os grupos com maior probabilidade de apresentar a doença: sintomátcos respiratórios (pessoas com tosse e expectoração por 3 semanas ou mais), contactantes de casos de TB, suspeitos radiológicos e pessoas com doença ou condição social que predisponham à TB. Os contatos, definidos como toda pessoa, parente ou não, que coabita com um doente de TB, consttuem um grupo para que se recomenda uma attude de busca atva. Os locais ideais para organizar a procura de casos são os serviços de saúde, públicos ou privados, com busca tava de sintomátcos respiratórios. Nas áreas onde as ações já estão organizadas, a visita domiciliar periódica do agente de saúde deve incluir a detecção de casos entre sintomá tcos respiratórios e contatos, principalmente de casos bacilíferos e crian-
ANATOMIA E FISI OLO GIA RE NAL TUBERCU LOSE ças. Deve-se ter atenção especial com populações de maior risco de adoecer, representadas, sobretudo, por residentes em comunidades fechadas, como presídios, ins ttuições psiquiátricas, abrigos e asilos. Nesses ambientes, jus tfica-se a busca atva periódica de casos. Indivíduos alcoolistas, usuários de drogas, moradores de rua, trabalhadores de saúde, imunodeprimidos por uso de medicamentos ou por doenças imunossupressoras também são prioridade. Em infectados por HIV, principalmente na fase avançada de imunodepressão (contagem de linfócitos T CD4 inferior a 200 células/mm3 ou linfócitos inferiores a 1.000 células/ 3
mm deve-se suspeitar de TB presença de qualquer sintoma),respiratório e quadros denafebre de srcem indeterminada. A justficatva para tal conduta deve-se à alta frequência de manifestações apicas de TB e à ocorrência de outras doenças respiratórias causadas por agentes oportunistas.
A - Definições Pacientes com suspeita de TB bacilífera: apresentam tosse produtva por período igual ou superior a 3 semanas (sintomátco respiratório); - Critérios de gravidade: hemoptse importante (mais que 1 copo), insuficiência respiratória, hipotensão, desidratação ou outro sintoma considerado pelo médico como indicatvo de observação ou internação hospitalar; - Exame de imagem torácico suges tvo de TB: infiltrados nos lobos superiores, principalmente em caso de cavidade; infiltrados nodulares, estrias e retrações -
comprometendo os lobos superiores e segmentos superiores dos lobos inferiores; - Falência do tratamento: persistência de posi t vidade do escarro ao final do tratamento. Aqueles que, no início do tratamento, são fortemente positvos (baciloscopia ++ ou +++) e mantêm essa situação até o 4º mês de tratamento, ou com positvidade inicial, seguida de negatvação e nova positvidade por 2 meses consecutvos a partr do 4º mês de tratamento, são, também, classificados como casos de falência; - Retratamento: tratamento prescrito para o doente já tratado por 30 dias ou mais, que venha a necessitar de novo tratamento por falência, recidiva da doença ou retorno após o abandono do tratamento; - Resistência primária: ocorre entre os pacientes não submetdos a tratamento específico prévio. Os principais fatores de risco para resistência primária são: Procedência de áreas de alto risco de resistência primária; Profissionais de saúde e comunicantes de pacientes com TB multrresistente (resistência transmitda). •
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Resistência adquirida: acontece entre os pacientes submetdos a tratamento específico prévio; - TB multrresistente: formalmente, é a ocorrência de resistência às 2 drogas consideradas fundamentais no -
tratamento, a isoniazida e a rifampicina, associadas ou não a outras drogas. Os principais fatores para o seu desenvolvimento são abandono e irregularidades no tratamento e prescrição incorreta do esquema terapêutco; - Comunicante de tuberculose: todas as pessoas, familiares ou não, que residam com indivíduo com TB pulmonar bacilífera (comunicante intradomiciliar) ou as que convivem com este em ambientes de trabalho, presídios, asilos etc. (comunicante s extradomi ciliares); -
Pacientes comgrande alto risco especiais com riscodedetuberculose: TB atva, emsituações especial entre: portadores de infecção por HIV/AIDS; história de TB tratada previamente sem adesão ao tratamento anttuberculoso prescrito; usuários de drogas ilícitas; alcoolistas; pacientes com insu ficiência renal crônica em diálise; gastrectomizados; diabétcos; em uso de terapia imunossupressora; - TB crônica: ocorre com pacientes que já receberam, no mínimo, 2 tratamentos prévios de maneira regular ou irregular, sem a negatvação do exame do escarro. Os motvos para a não obtenção da cura podem ser atribuídos à multrresistência, irregularidade no uso dos medicamentos, má absorção das drogas, associação incorreta de drogas ou outros.
B - Diagnóstco O diagnóstco da TB, além da avaliação clínica, deve fundamentar-se nos métodos a seguir. a) Baciloscopia Método fundamental tanto para o diagnóstco como para o controle do tratamento. Não é aceitável, exceto para crianças, o diagnóstco de TB pulmonar sem a inves tgação pela baciloscopia de escarro. O método de coloração específico adotado no Brasil e com custo mais barato é o de Ziehl-Neelsen, mas também podem ser u tlizados o meio de Kinyoun (uma variante do ZN, com a exclusão de etapa de aquecimento) e a coloração fluorescente com auramina, contudo pouco contribuem em termos de sensibilidade. A sensibilidade da baciloscopia é de mais de 80% na 1ª amostra, com aumento de 12% com a 2ª amostra e 45% com a 3ª. A baciloscopia direta permite descobrir as fontes mais importantes de infecção, os casos bacilíferos. Recomenda-se a colheita de ao menos 2 amostras de escarro. Deve-se solicitar aos pacientes que apresentem: - Tosse e expectoração há 3 semanas ou mais; - Alterações radiológicas pulmonares sugest vas; - Pacientes infecção por HIV com qualquer afecção pulmonar. b) Cultura para micobactéria Há vários meios de cultura disponíveis para as micobactérias. O mais utlizado no Brasil, aprovado pela Organiza-
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INFECTOLOGIA ção Mundial da Saúde, é o de Löwenstein-Jensen. A cultura é indicada para: - Casos suspeitos de TB pulmonar, com exame direto persistentemente negatvo; - Diagnóstco de formas extrapulmonares (meningoencefálica, renal, pleural, óssea ou ganglionar); - Casos de suspeita de resistência micobacteriana às drogas, seguida do teste de sensibilidade. c) Radiológico - Suspeitas radiológicas de TB pulmonar com baciloscopia direta negatva: deve-se afastar ainda, a possibilidade de outras doenças, recomendando-se, a cultura para micobactéria; - Diferenciação de formas de TB de apresentação a pica; - Diagnóstco de outras pneumopat as no paciente portador de HIV/AIDS ou de outras situações de imunossupressão; - Em pacientes com baciloscopia posi t va, tem a função principal de excluir doença pulmonar associada, que necessite de tratamento concomitante, além de possibilitar avaliação da evolução radiológica dos pacientes, sobretudo aqueles que não responderem à quimioterapia. As manifestações radiológicas da TB variam conforme a apresentação: -
Tuberculose primária É mais comum em crianças. A radiografia pode ser normal, embora possa haver pequenos nódulos periféricos, mas não visualizados. Comumente, apresenta-se como consolidação parenquimatosa com opacidade homogênea do pulmão, algumas vezes com broncograma aéreo, simulando uma pneumonia bacteriana. O aumento de linfonodos é uma das manifestações radiológicas mais frequentes na TB primária. Acomete entre 83 e 96% das crianças, e sua frequência diminui entre os adultos, variando entre 10 e 43%. É, tpicamente, hilar, paratraqueal direito e, mais raramente, subcarinal, ou na região aortopulmonar. Usualmente, associa-se à consolidação parenquimatosa ou atelectasia. Esta ocorre entre 9 e 30% dos pacientes. O padrão é miliar ou micronodular, e consiste em pequenas opacidades isoladas, com diâmetro de 2 a 10mm, geralmente uniforme em tamanho e com distribuição homogeneamente disseminada. O padrão clássico de 2 a 3mm torna-se visível somente após 2 a 6 semanas. Tuberculose pós-primária Forma mais comum entre adultos e adolescentes; 85% dos casos têm apresentação pulmonar. Tal localização é a mais comum, mesmo entre portadores de imunode ficiências, como a coinfecção TB/HIV. Nessas situações, a forma pulmonar ocorre em 60 a 70% dos casos. Os achados mais frequentes são opacidades heterogêneas e cavidades que, -
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em nosso meio, surgem em 40 a 45% dos casos, provavelmente em decorrência do diagnóstco tardio. O padrão retculonodular representa a disseminação broncogênica da TB a partr de uma cavidade ou de um linfonodo fistulizado, que determina a implantação de bacilos em outras localizações dos pulmões. Opacidades circulares, bem de finidas, de 2 a 30mm de diâmetro, são denominadas tuberculomas. A presença de calcificações e de nódulos satélites auxilia o diagnóstco diferencial, já que a maioria é menor que 3cm, embora tenham sido descritas lesões maiores do que 5cm. d) Tomografia de tórax Método de imagem caro e indicado somente a situações nas quais a radiografia de tórax não contribui para o diagnóstco de doença, devido a alterações parenquimatosas mínimas ou por não permitr distnguir lesões antgas fibrótcas das lesões característcas de disseminação broncogênica. Os pacientes com TB miliar apresentam micronódulos, habitualmente menores do que 6mm, distribuídos difusa e aleatoriamente. Também podem existr nódulos maiores do que 6mm e pequenas cavidades. e) Prova tuberculínica (PPD) Método auxiliar que, quando positvo, isoladamente, não é suficiente para o diagnóstco da doença. Consiste em teste de hipersensibilidade tardia à inoculação intradérmica de angeno de M. tuberculosis. A leitura da prova tuberculínica é realizada de 72 a 96 horas após a aplicação, medindo-se o maior diâmetro da área de endurecimento palpável. fi
O0resultado é classi cado como: não infectado pelo M. a 4mm – não reator: indivíduo tuberculosis ou com hipersensibilidade reduzida; - 5 a 9mm – reator fraco: indivíduo vacinado com BCG ou infectado pelo M. tuberculosis ou por outras micobactérias; - Maior que 10mm – reator forte: indivíduo infectado pelo M. tuberculosis, que pode estar doente ou não. -
Algumas circunstâncias podem interferir no resultado das provas tuberculínicas, como: - Portadores de doenças imunodepressoras: sarcoidose, AIDS, neoplasias de cabeça e pescoço, doenças linfoproliferatvas, outras neoplasias; - Situações com imunodepressão transitória: vacinação com vírus vivos, gravidez, tratamentos com cor tcosteroides e drogas imunodepressoras, crianças com menos de 2 meses, idade acima de 65 anos. Considerando a alta prevalência de TB no Brasil, o teste de PPD não deve ser u tlizado para indicar tratamento de tuberculose, como ocorre em países onde a prevalência é baixa. Portanto a avaliação deste teste depende de clínica associada ou contato prévio sabido para a decisão de pro filaxia ou terapêutca associada. Todos os indivíduos infectados por HIV devem ser submetdos à prova tuberculínica. Nesses casos, considera-se
ANATOMIA E FISI OLO GIA RE NAL TUBERCU LOSE reator aquele que apresenta endurecimento de 5mm ou mais, e não reator, com endurecimento entre 0 e 4mm. Pacientes com HIV ou AIDS, inicialmente não reatores, devem ter sua prova tuberculínica repetda, após melhora clínica com o uso de antrretrovirais. f) Histopatológico Útl na investgação das formas extrapulmonares. A lesão apresenta-se como um granuloma, geralmente com necrose de caseificação e infiltrado histocitário de células multnucleadas. Como essa apresentação ocorre em outras doenças, o achado de BAAR na lesão é fundamental para o diagnóstco de TB. g) Outros métodos de diagnóstco Complementares aos métodos convencionais. - Hemocultura: em pacientes HIV positvo ou com AIDS, em que haja suspeita de doença disseminada; - Cultura com detecção da produção de CO: utliza a 2 produção de gás carbônico pelo bacilo em crescimento, para a detecção de sua presença nos meios de cultura. Permite, também, a realização de teste de sensibilidade a drogas em um tempo mais curto que o habitual; em pacientes com suspei- Lavado broncoalveolar (LBA): tvo, as opções são o LBA e o ta de TB com escarro nega escarro induzido (usando salina a 3%). O escarro induzido fcio, e a pesquisa apresenta melhor relação custo-bene de PCR em escarro induzido em pacientes com baciloscopia negatva confirma o diagnóstco em vários casos. Alguns estudos demonstraram a utlidade da broncoscopia no diagnóstco da TB, nas formas negatvas na baciloscopia, com rendimento que varia de 11 a 96%. Dentre os procedimentos associados à broncoscopia, lavado brônquico, LBA, escovado brônquico, biópsia brônquica, biópsia transbrônquica e punção aspiratva com agulha, o de melhor relação custo-benefcio é o LBA. Este pode aumentar, ainda, a possibilidade de diagnóstco de TB miliar, com confirmação diagnóstca em 83% dos casos. U tlizando-se o lavado brônquico e a biópsia transbrônquica também em pacientes com broncoscopia com envolvimento ganglionar hilar e mediastnal, faz-se o diagnóstco em até 87% dos casos; também é útl para o diagnóstco da TB endobrônquica. As principais indicações da broncoscopia com LBA são: - Baciloscopia com escarro induzido nega t va; - Suspeita de outra doença pulmonar que não tuberculose; -
t Doença monar; com acome mento difuso do parênquima pulSuspeita de TB endobrônquica; - Pacientes imunodeprimidos, principalmente HIV. -
C - Classificação dos doentes a) Tuberculose pulmonar positva - 2 baciloscopias diretas posi tvas;
-
1 baciloscopia direta positva e cultura positva; 1 baciloscopia direta positva e imagem radiológica sugestva de TB.
Em doentes adultos, com sintomatologia crônica e baciloscopias negatvas, deve-se afastar a possibilidade de doença pulmonar obstrutva crônica, câncer de pulmão, micoses pulmonares, outras pneumopatas crônicas e infecção por HIV ou AIDS. b) Tuberculose extrapulmonar A TB pode, ainda, expressar-se por formas disseminadas como a miliar ou extrapulmonar (classi ficada segundo as localizações: pleural, ganglionar periférica, osteoartcular, geniturinária, meningoencefálica e assim por diante). A TB pleural e a ganglionar são as mais comuns.
D - Diagnóstco na criança e no adolescente As manifestações clínicas podem ser diversas. O dado que chama atenção, na maioria dos casos, é febre, habitualmente moderada, persistente por mais de 15 dias e frequentemente vespertna. São comuns irritabilidade, tosse, perda de peso, sudorese noturna, às vezes profusa; hemoptse é rara. Frequentemente, há suspeita de TB em casos de pneumonia que não apresentam melhora com an tmicrobianos para germes comuns. Predomina a localização pulmonar sobre as demais formas de TB. Os achados radiográficos mais sugestvos da TB pulmonar são adenomegalias hilares e/ou paratraqueais, mediastno aumentado de volume, pneumonias com qualquer aspecto radiológico, de evolução lenta, associadas a adenomegalias mediastnais, ou que cavitam durante a evolução; infiltrado nodular difuso (padrão major). Sempre deve ser estabelecido o diagnóstco diferencial com TB em crianças que vêm sendo tratadas com an tbiótcos para germes comuns sem apresentar melhora após 2 semanas. A história de contágio com adulto tuberculoso, bacilífero ou não, deve ser valorizada, principalmente entre crianças até a idade escolar. O teste tuberculínico (PPD) pode ser interpretado como sugestvo de infecção por M. tuberculosis quando superior a 10mm em crianças não vacinadas ou vacinadas há mais de 2 anos, ou superior a 15mm em crianças vacinadas há menos de 2 anos. Em crianças de até 5 anos, internadas para investgação de TB, pode-se tentar a cultura para M. tuberculosis em amostra de lavado gástrico, que, em serviços ambulatoriais, não é recomendado. Exame de escarro (baciloscopia e cultura), em geral, só é possível a par tr dos 5 ou 6 anos. Dependendo do quadro clínico-radiológico apresentado pela criança, podem ser necessários outros métodos diagnóstcos, como broncoscopia, punções e, até mesmo, biópsia pulmonar por toracotomia, para exame bacteriológico e histopatológico. Algumas localizações extrapulmonares da TB são mais frequentes na infância, como gânglios periféricos, pleura,
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INFECTOLOGIA ossos e meninges. As TBs do aparelho digestvo (peritoneal e intestnal), pericárdio, geniturinária e cutânea são mais raras. A TB ganglionar periférica acomete, com frequência, as cadeias cervicais e é, em geral, unilateral, com adenomegalias de evolução lenta, superior a 3 semanas. Os gânglios têm consistência endurecida e podem fistulizar (escrofuloderma). É comum a suspeita de TB em casos de adenomegalia que não responderam ao uso de an tbiótcos. A meningoencefalite tuberculosa costuma cursar com fase prodrômica de 1 a 8 semanas, quase sempre com febre, irritabilidade, paralisia de pares cranianos, e pode evoluir com sinais clínicos de hipertensão intracraniana, como vômitos, letargia e rigidez de nuca. O liquor é claro, com glicose baixa e predomínio de mononucleares. O PPD pode ser não reator, pois a forma é anérgica. A forma osteoartcular mais encontrada é na coluna vertebral, consttuindo o mal de Po . Cursa com dor no segmento atngido e posição antálgica nas lesões cervicais e torácicas, paraplegias e gibosidade.
5. Tratamento A TB é uma doença grave, porém curável em, pratcamente, 100% dos casos novos. A associação medicamentosa adequada, doses corretas, uso por tempo suficiente com supervisão da tomada dos medicamentos são os meios para evitar a persistência bacteriana e o desenvolvimento de resistência às drogas, assegurando, assim, a cura do paciente. O tratamento dos bacilíferos é a a tvidade prioritária de controle da TB,fontes uma vez que permite anular, rapidamente, as maiores de infecção. O tratamento para caso suspeito de TB sem comprovação bacteriológica deve ser iniciado após tentatva de tratamento específico para pneumonia, com antbiótco de largo espectro, sem melhora dos sintomas. Uma vez iniciado, o tratamento não deve ser interrompido, salvo após uma rigorosa revisão clínica e laboratorial que determine mudanças de diagnós tco.
A - Regimes de tratamento O tratamento é desenvolvido sob regime ambulatorial, preferencialmente supervisionado, com pelo menos 3 observações semanais da tomada dos medicamentos nos primeiros 2 meses, e 1 observação semanal até o seu final. A hospitalização é admitda nas seguintes situações: - Meningoencefalite; - Indicações cirúrgicas em decorrência da TB; -
Complicações graves da TB; Intolerância medicamentosa incontrolável em tratamento ambulatorial; - Intercorrências clínicas e/ou cirúrgicas graves; - Estado geral que não permita tratamento em ambulatório; - Em casos sociais, como ausência de residência fixa ou grupos com maior possibilidade de abandono, especialmente se for um caso de retratamento ou falência. -
118
B - Esquemas de tratamento Após 40 anos de uso do tradicional esquema tríplice de tratamento, as recomendações de tratamento de TB propostas pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose/Ministério da Saúde, sofreram modificações recentes, conforme nota técnica publicada em agosto de 2009. Tais mudanças são aplicáveis a adolescentes e adultos, isto é, indivíduos com diagnóstco de TB com idade maior ou igual a 10 anos. Para crianças até 10 anos, contnuará sendo preconizado o tratamento antgo com 3 drogas. A 1ª mudança consiste na introdução do etambutol como 4º na fase intensiva tratamento primeiros meses)fármaco do esquema básico e temde como jus tficatva(2 a constatação do aumento da resistência primária à isoniazida (de 4,4 para 6%) e a resistência primária à isoniazida associada à rifampicina (de 1,1 para 1,4%). Apenas 4 países no mundo ainda t-u lizavam somente 3 drogas para tratamento de tuberculose, e o Brasil era um deles. A 2ª mudança consiste em introduzir a apresentação em comprimidos com dose fixa combinada dos 4 fármacos (4 em 1) para a fase intensiva do tratamento, o que aumenta a adesão ao tratamento que, quando não é adequada, representa a principal causa de falha no tratamento. Os comprimidos são formulados com doses reduzidas de isoniazida, pirazinamida e etambutol em relação àstlizadas u anteriormente. A dose reduzida destes fármacos diminui os efeitos colaterais (principalmente hepatotóxicos) dos medicamentos e ao mesmo tempo não aumenta o risco de resistência, dada a associação de 4 e não 3 medicamentos. A seguir, são reproduzidas as recomendações atuais do Ministério da Saúde para o tratamento de TB, modi ficadas conforme a “Nota técnica sobre as mudanças no tratamento da TB no Brasil para adultos e adolescentes” de 2009. a) Esquema básico para adultos e adolescentes (2RHZE/4RH) R (rifampicina) – H (isoniazida) – Z (pirazinamida) – E (etambutol) -
Indicações: Casos novos de todas as formas de TB pulmonar e extrapulmonar (exceto meningoencefalite) infectados ou não pelo HIV; Retratamento: recidiva (independentemente do tempo decorrido do 1º episódio) ou retorno após abandono com doença atva. Preconiza-se a solicitação de cultura, identficação e teste de sensibilidade em todos os casos de retratamento. •
•
Tabela 1 - Tratamento básico Faixa de Regime Fármacos peso 20 a 35kg RHZE, 2RHZE, 150/75/400/275, fase comprimido em 36 a 50kg intendose fixa combisiva nada >50kg
Unidades/ dose
Meses
2 comprimidos 3 comprimidos 4 comprimidos
2
ANATOMIA E FISI OLO GIA RE NAL TUBERCU LOSE
Regime
4RH, fases de manutenção
Fármacos
RH, 300/200mg ou 150/100mg, cápsula ou comprimido
Faixa de peso
Unidades/ dose
20 a 35kg
1 cápsula 300/200
1 cápsula 300/200mg 36 a 50kg + 1 cápsula 150/100mg >50kg
Meses
4
2 cápsulas 300/200
Regime
7RH, fases de manutenção
Fármacos
RH, 300/200 ou 150/100mg, cápsula ou comprimido
Fonte: Ministério da Saúde, 2010 – Manual de recomendações para controle de tuberculose.
Recomenda-se a solicitação de cultura, iden tficação e Teste de Sensibilidade (TS) para todos os casos com baciloscopia positva ao final do 2º mês de tratamento. De acordo com o resultado do TS, será iden tficada a possível resistência aos fármacos, e a mudança do esquema será avaliada na unidade de referência. Até o retorno e a avaliação do TS, deverá ser mantdo o esquema inicial. b) Esquema para meningoencefalite para adultos e adolescentes (2RHZE/7RH) Tabela 2 - Tratamento para adultos e adolescentes com meningoencefalite Regime
Fármacos
RHZE, 2RHZE, fase intensiva
Faixa de peso
Unidades/ dose
20 a 35kg
2 comprimidos
150/75/400/275mg, 36 a 3 comprimicomprimidos em 50kg dos dose fixa 4 comprimicombinada >50kg dos
Meses
trresistentes Tabela 3 - Tratamento em caso de bacilos mul Regime Fármaco Faixdapees(okg) Até20kg 21 35kg a Estreptomicina, frasco, 1g 36a50kg >50 Até20kg 21a35kg Etambutol, comprimido, 400mg 36a50kg >50 Até20kg Levofloxacino, compri21a35kg 2S5ELZT, fase intenmido, 250 e 500mg ou siva, 1ª etapa 36a50kg frasco, 500mg >50 Até20kg 21a35kg Pirazinamida, comprimido, 500mg 36a50kg >50 Até20kg 21 35kg a Terizidona, cápsula, 250mg 36 50kg a >50
Unidades/ dose
20 a 35kg
1 cápsula 300/200
36 a 50kg
1 cápsula 300/200 + 1 cápsula 150/100
>50kg
2 cápsulas 300/200
Meses
7
Fonte: Ministério da Saúde, 2010 – Manual de recomendações para controle de tuberculose.
Na meningoencefalite tuberculosa, deve ser associado cortcosteroide ao esquema ant-TB: prednisona oral (1 a 2mg/kg/dia) por 4 semanas ou dexametasona IV nos casos graves (0,3 a 0,4mg/kg /dia), por 4 a 8 semanas, com redução gradual da dose nas 4 semanas subsequentes. c) Esquema para multirresistência (S5ELZT/4S3ELZT/ 12ELT) S (estreptomicina) – E (etambutol) – L (levofloxacino) – Z (pirazinamida) – T (terizidona). -
2
Faixa de peso
Indicação: •
Resistência à RH, resistência à RH e outro(s) fármaco(s) de 1ª linha, falência ao esquema básico ou na impossibilidade do uso do esquema básico por intolerânci a a 2 ou mais fármacos. Dose 15a20mg/kg/dia 500mg/dia 750a1.000mg/dia 1.000mg/dia 20a25mg/kg/dia 400a800mg/dia 800a1.200mg/dia 1.200mg/dia 7,5a10mg/kg/dia 250a500mg/dia 500a750mg/dia 750mg/dia 35mg/kg/dia 1.000mg/dia 1.500mg/dia 1.500mg/dia 15a20mg/kg/dia 500mg/dia 750mg/dia 750a1.000mg/dia
Meses
2
119
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA Regime
Fármaco
Faixdapees(okg)
Dose
Até20kg Estreptomicina, frasco, 1g
Etambutol, comprimido, 400mg
4S3ELZT, fase inten- Levofloxacino, comprisiva, 2ª etapa
mido, e 500mg ou frasco,250 500mg
Pirazinamida, comprimido, 500mg
Terizidona, cápsula, 250mg
Etambutol, comprimido, 400mg
12ELT, fase de manutenção
Levofloxacino, comprimido, 250 e 500mg ou frasco, 500mg
Meses
15a20mg/kg/dia
21 35kg a
500mg/dia
36a50kg >50 Até20kg 21a35kg 36a50kg >50 Até20kg 21a35kg 36a50kg >50 Até20kg 21a35kg 36a50kg >50 Até20kg 21 35kg a 36 50kg a >50 Até20kg
750a1.000mg/dia 1.000mg/dia 20a25mg/kg/dia 400a800mg/dia 800a1.200mg/dia 1.200mg/dia 7,5a10mg/kg/dia 250a500mg/dia 500a750mg/dia 750mg/dia 35mg/kg/dia 1.000mg/dia 1.500mg/dia 1.500mg/dia 15a20mg/kg/dia 500mg/dia 750mg/dia 250a1.000mg/dia 20a25mg/kg/dia
21a35kg 36a50kg >50 Até20kg 21a35kg 36a50kg
400a800mg/dia 800a1.200mg/dia 1.200mg/dia 7,5a10mg/kg/dia 250a500mg/dia 500a750mg/dia
4
12
>50 750mg/dia Até20kg 15a20mg/kg/dia 21 35kg a 500mg/dia 36 50kg a 750mg/dia >50 750a1.000mg/dia Fonte: Ministério da Saúde, 2010 – Manual de recomendações para controle de tuberculose. Terizidona, cápsula, 250mg
d) Esquemas especiais para adultos e adolescentes - Doença hepátca prévia Doença hepátca (porém sem cirrose) estável ou instável + exames basais (antes do início do tratamento) mostrando: ALT (TGP) >3 vezes Limite Superior Normal (LSN) = 2RHE/7RH; ALT (TGP) ≤3 vezes LSN = 2RHZE/4RH. Cirrose hepátca = RE + (levo floxacino ou moxifloxacino ou ofloxacino ou cicloserina) 12 a 18 meses. - Doença hepátca crônica estabelecida: •
• •
•
•
ALT (TGP) ≤3 vezes LSN e sem evidências clínicas de doença = 2RHZE/4RH (mesmo que sejam portadores de vírus da hepatte ou tenham antecedentes de hepatte aguda ou hábitos alcoólicos excessivos), acompanhar com exames laboratoriais periódicos; ALT >3 vezes LSN e com evidências clínicas de doença = 2RHES/6HE ou 2HRE/6HE ou 2HSE/10HE ou 3SEO/9EO (neste esquema, ofloxacino pode ser substtuído pelo levofloxacino).
120
• •
Hepatotoxicidade após início do tratamento; ALT >5 vezes LSN (com ou sem icterícia) ou icterícia (com ou sem aumento de ALT) ou sintomas hepá tcos: suspender o esquema e inves tgar abuso de álcool, doença biliar ou uso de outras drogas hepatotóxicas.
Reintroduzir os fármacos quando ALT <2 vezes LSN: reiniciar RHZ um a um. Primeiro R (com ou sem E); 3 a 7 dias depois solicitar exames; se não houver aumento, reintroduzir H; se não houver aumento de ALT 1 semana após H, reiniciar Z. Nos casos de intolerância moderada a grave, hepatotoxicidade ou hipersensibilidade, mantém-se a recomendação de reintrodução fármaco por fármaco, para a avaliação da necessidade de substtuição do fármaco. Em casos graves e até que se detecte a causa da anormalidade ou em casos em que as enzimas e/ou bilirrubinas não se normalizam após 4 semanas sem tratamento = 3SEO/9EO (neste esquema, ofloxacino pode ser substtuído pelo levofloxacino), acrescido ou não de H.
ANATOMIA E FISI OLO GIA RE NAL TUBERCU LOSE Intolerância a um fármaco: - Rifampicina (2HZES/10HE); - Isoniazida (2RZES/7RE); - Pirazinamida (2RHE/4RH); - Etambutol (2RHZ/4RH). - Polirresistência (R ou H + outro fármaco): Esquemas individualizados de acordo com o TS. •
6. Efeitos colaterais A - Isoniazida – Hidrazida (H) Trata-se de uma droga geralmente bem tolerada, cujos efeitos adversos podem ocorrer em até 5,4% das pessoas. Os efeitos adversos mais importantes são a toxicidade hepátca e a hepatte potencialmente fatal. A frequência de hepatte associada à isoniazida é, primariamente, uma função da idade, sendo diretamente associada à idade avançada. Outros fatores que predispõem ao dano hepátco associado à isoniazida incluem o abuso de álcool, uso de drogas ilícitas e história de doença hepátca prévia. A elevação assintomátca das transaminases pode ocorrer em até mais de 20% dos pacientes durante os primeiros 2 meses de tratamento, com o retorno aos valores normais com o prosseguimento da terapêu tca. Outras reações adversas atribuídas à isoniazida incluem toxicidade ao sistema nervoso: a neuropata periférica é a mais comum, sendo relacionada à dose e, provavelmente, causada por aumento da excreção da piridoxina (vitamina B6). Encefalopata tóxica, neurite óptca, ataxia cerebelar e psicoses são sintomas neurológicos menos frequentes. Reações de hipersensibilidade são encontradas casualmente, manifestando-se por febre, prurido e erupção cutânea, podendo ainda ser incriminada como causa de uma reação semelhante a lúpus. Artralgia e distúrbios hematológicos (anemia e agranulocitose) também são descritos. Além disso, monitorizar a hepatotoxicidade e proceder conforme já descrito nos esquemas especiais para esta situação.
B - Rifampicina (R) É administrada em dose única, preferencialmente 1 hora antes ou 2 horas após a alimentação para evitar interferência na absorção da droga. Sua excreção é predominantemente hepátca. Os eventos adversos relacionados a ela podem ser divididos em 3 categorias: - Interações medicamentosas: a rifampicina é um dos maiores indutores das enzimas hepá tcas responsáveis pelo metabolismo e eventual depuração de muitos compostos biologicamente atvos (endógenos e exógenos). A implicação disso é que uma série de drogas deve ser monitorizada para prevenir complicações quando associadas à rifampicina: antcoagulantes orais (dicumarínicos), agentes cardiovasculares (quinidina,
propafenona, beta-bloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio e digoxina), contraceptvos orais e glicocortcoides, antconvulsivantes (fenitoína, haloperidol, benzodiazepínicos), hipoglicemiantes orais (sulfonilureia), ciclosporina, antfúngicos (cetoconazol e fluconazol), cloranfenicol, teofilina e dapsona; - Toxicidade direta:relaciona-se ao trato gastrintestnal e ao fgado. Distúrbios gastrintestnais incluem anorexia, náusea, vômitos, dor abdominal e diarreia. Em geral, essa toxicidade é controlada se a medicação é tomada com as refeições ou logo depois. A rifampicina pode transitórios transaminases determinar hepátcas eaumentos bilirrubinas séricas. O das aumento das bilirrubinas acima de 3 a 5 vezes o valor normal implica a suspensão da droga, podendo-se retomar após a normalização do exame. A reintrodução da droga pode ocorrer com monitorização frequente, e, em caso de retorno da hiperbilirrubinemia, a rifampicina deve ser suspensa. Monitorizar a hepatotoxicidade e proceder conforme já descrito nos esquemas especiais para esta situação. A combinação da rifampicina com a isoniazida não leva a um importante aumento da toxicidade hepátca; - Toxicidade imunomediada: pode envolver órgãos-alvo limitados e variar de manifestações cutâneas leves, como eritema, urtcária e conjuntvite, a uma forma potencialmente fatal de púrpura trombocitopênica; hemólise autoimune; nefrite interstcial. As reações imunomediadas são mais frequentes com o uso intermitente da rifampicina, como é feito no tratamento da hanseníase, ou quando ela é interrompida e novamente reintroduzida. Em qualquer caso de toxicidade imunomediada, é mais prudente a suspensão da rifampicina, o que é obrigatório aos casos mais graves.
C - Pirazinamida (Z) Utlizada na quimioterapia anttuberculosa de curta duração, geralmente não representa toxicidade hepátca adicional. Inibe a secreção tubular de ácido úrico e pode causar hiperuricemia sérica. Embora a ocorrência de gota clássica não seja frequente, poliartralgia é um efeito colateral comum, em cerca de 40% dos pacientes que estão recebendo a droga. A poliartralgia, usualmente, responde bem a ant-inflamatórios ou alopurinol e não requer a suspensão da droga. Outros efeitos colaterais incluem intolerância gastrintestnal e quadros alérgicos cutâneos.
D - Etambutol (E) Nas doses habituais, os eventos adversos são incomuns. Em doses aumentadas, a reação adversa mais frequente é uma neuropata retrobulbar, manifestada por diminuição da acuidade visual. Embora essa neurite óp tca seja incomum com o uso das doses habituais, a doença o almológica preexistente pode predispor à toxicidade do etambutol.
121
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA A neurite óptca é reversível após semanas a meses da suspensão da droga, e o uso deste durante a gravidez é, genericamente, considerado seguro. Não é recomendado para o tratamento de rotna da TB em crianças, apenas aceitável em situações de multdroga-resistência. Outras reações adversas descritas em pacientes com etambutol incluem anafilaxia, exantemas, disfunção hepátca, discrasias sanguíneas, nefrite inters tcial e neuropata periférica. Entretanto, como ele é raramente administrado isoladamente, tais eventos podem não estar relacionados à droga em todos os casos.
7. Situações especiais A - Doença hepátca prévia Deve-se proceder conforme já descrito nos esquemas especiais para adultos e adolescentes.
B - Gravidez Deve ser tratada com o esquema básico, com associação de piridoxina, em virtude do risco aumentado de neuropata periférica. Caso a mãe, no período do parto, seja bacilífera, deve ser adotado o isolamento respiratório, e o recém-nascido não deve ficar em contato com ela, até que a baciloscopia se torne negatva. Não há contraindicação ao uso do leite materno. O esquema básico não induz maior número de partos prematuros, abortamentos, teratogenicidade ou natmortalidade. Após o nascimento, caso a mãe esteja em tratamento por menos de 3 meses ou seja bacilífera, a criança deve receber a quimioprofilaxia com isoniazida por 3 meses. Após esse período, deve-se realizar PPD na criança, e, se positvo, deve-se prolongar a quimioprofilaxia por mais 3 meses e investgar a possibilidade de doença atva. Se negatvo, deve-se interromper a isoniazida e aplicar o BCG.
C - Doença renal crônica Os pacientes com função renal alterada devem ser tratados com o esquema básico com ajuste das doses. Já aqueles em regime crônico de hemodiálise devem receber as doses dos medicamentos logo após a diálise. A recente nota técnica não traz informações específicas quanto aos esquemas preconizados para pacientes renais crônicos.
D - Outras situações Os pacientes portadores de diabetes mellitus , idosos e aqueles com forma disseminada da doença não relacionada à imunode ficiência devem receber o esquema básico. Deve-se ressaltar que os efeitos colaterais podem ser mais frequentes nesses grupos de doentes, e a monitorização de tais efeitos deve ser mais constante que nos outros pacientes.
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E - Imunodeficiências não associadas ao HIV Os pacientes em uso prolongado de cortcosteroides e outros imunossupressores devem ser tratados com o esquema básico, podendo-se optar por um prolongamento (de até 9 meses) deste. A quimioprofilaxia para TB baseada no PPD pode estar indicada antes do início da imunossupressão, como no caso do uso de antcorpos monoclonais ant-TNF-alfa (infliximabe).
F - Coinfecção tuberculose-HIV Os pacientes coinfectadosTB. porM. tuberculosis e HIV têm grande risco de desenvolver Desta forma, recomenda-se para aqueles com PPD positvo (>5mm), após afastada TB atva, a quimioprofilaxia com isoniazida por um período de 6 meses. Além disso, permanece a recomendação de oferecer a testagem ant-HIV para todos os pacientes com TB. Apesar de ser considerada uma doença oportunista, frequentemente resultando de rea tvação endógena, a ocorrência de TB com padrão clínico-radiológico pico (acometmento apical), não caracteriza, necessariamente, comprometmento significatvo da imunidade ou falha da terapia antrretroviral. Já quadros incomuns e graves de TB (meningoencefalite, TB miliar) associam-se, habitualmente, a quadros de baixa contagem de linfócitos T CD4+. Deve-se ressaltar que, independentemente da situação imunológica inicial, o adoecimento por TB com frequência promove elevação da carga viral e redução concomitante da contagem de células T-CD4+ em pacientes HIV posi tvos. Atenção especial deve ser dada ao tratamento da TB em doentes HIV positvos que fazem uso de esquema antrretroviral incluindo um Inibidor de Protease (IP) e/ou nevirapina. Tais drogas têm interação com a rifampicina, gerando grande risco de toxicidade e diminuição da efe tvidade (diminuição do nível sérico) do an trretroviral. A rifampicina pode ser u tlizada, concomitantemente, com esquemas que contenham Inibidores da Transcriptase Reversa análogos de Nucleosídeos (ITRN) associados a efavirenz (ITRNN). A recente nota técnica traz uma nova possibilidade de tratamento da coinfecção HIV/TB: para os casos que necessitam de terapia antrretroviral, incompavel com o uso da rifampicina, a rifabutna estará disponível para a composição do esquema básico e para a meningoencefalite, no lugar da rifampicina. O uso de esquemas antrretrovirais com apenas 2 drogas está proscrito, em razão de sua inferioridade na redução da carga viral do HIV, além da possibilidade de induzir rápida resistência viral. É importante considerar que a adesão adequada aos esquemas tuberculostátcos e antrretrovirais concomitantemente é um grande desafio para o paciente, devido à elevada quantdade de comprimidos a serem tomados por dia e à ocorrência de efeitos colaterais. Portanto, deve-se considerar, sempre que possível, a possibilidade de postergar o início do tratamento an trretroviral em pacientes com coinfecção HIV-tuberculose, partcular-
ANATOMIA E FISI OLO GIA RE NAL TUBERCU LOSE mente naqueles com quadros de imunode ficiência menos graves, do ponto de vista clínico-laboratorial. Pacientes com TB atva infectados pelo HIV devem seguir estas recomendações: - Indivíduos que nunca receberam tratamento para HIV devem receber esquemas habituais de TB (esquema básico), conforme indicação, e ter TARV iniciada com esquema compavel com uso de RMP (2 ITRN + efavirenz). Nesse caso, aconselha-se aguardar estabilização do quadro clínico de TB para introdução de TARV, até, no máximo, 30 dias. Nas situações em que o efavirenz for contraindicado em pacientes que nunca receberam TARV, por exemplo, na gravidez, pode-se optar por esquemas contendo nevirapina ou IP, e subs ttuir a rifampicina por rifabutna. Recomenda-se contagem de linfócitos T CD4 e carga viral HIV de 30 a 60 dias após início do tratamento de TB, para avaliar indicação de TARV, conforme recomendações para o tratamento do HIV em adultos; - Pacientes já em uso de TARV na ocasião do diagnóstco de TB devem receber esquemas habituais de TB conforme indicação e ter TARV modificada para esquema compavel com uso de rifampicina (2 ITRN + efavirenz). Em caso de contraindicações ao esquema ARV compavel, ou resistência ao efavirenz, deve ser mantdo o esquema ARV em uso e introduzido esquema para TB com rifabutna em substtuição à rifampicina.
G - Tuberculose multrresistente Os pacientes que não se curam após tratamento com os esquemas padronizados, em geral, portadores de bacilos resistentes a mais de 2 drogas, incluindo Rifampicina (R) e Hidrazida (H), consttuem um grupo de doentes classi ficados como portadores de TB mul trresistente (TBMR). Deve-se dar atenção especial a pacientes com risco do desenvolvimento de TBMR, par tcularmente aqueles coinfectados pelo HIV, com tratamento prévio, regular ou irregular e os pacientes com risco de abandono. As drogas disponíveis para tal situação (2ª linha) são mais caras, com maior toxicidade e menos efetvas. Desta forma, esses pacientes devem ser tratados por uma equipe mul tprofissional treinada para esse fim, sob controle estrito e com incentvos frequentes para adesão ao tratamento. Os princípios no tratamento da TB multrresistente são: -
Colher história prévia de tratamento e drogas empregadas, bem como o tempo e as doses, investgar se realmente o paciente tomou as drogas prescritas. Se houve abandono ou irregularidade no tratamento, as razões devem ser conhecidas para que seja considerada a possibilidade de resistência; - Realizar testes de sensibilidade; - Avaliar possibilidade de conduta cirúrgica para a retrada de lesões pulmonares a tvas;
-
Utlizar o esquema para multrresistência nas situações descritas anteriormente, enquanto aguarda o teste de sensibilidade.
8. Seguimento Realização mensal da baciloscopia de controle, sendo indispensáveis as do 2º, 4º e 6º meses; - Acompanhamentos clínico e radiológico periódicos, visando à identficação de reações adversas às medicações e acompanhamento da evolução das lesões pul-
-
monares da doença; Controle pós-cura: a maioria dos casos curados não necessita de controle após o término do tratamento. Alguns casos especiais justficam 1 ou mais controles após o final do tratamento: pacientes portadores de HIV/AIDS e outras condições de imunodeficiências; os que permaneceram com graves sequelas anatômicas ou funcionais; e os que tveram graves efeitos adversos durante toda a evolução da terapia, sem comprovação bacteriológica da cura.
9. Prevenção A - Controle dos contatos Todos os comunicantes dos doentes de TB, prioritariamente dos pacientes bacilíferos, devem comparecer à unidade de saúde para exame. Quando sintomátco respiratório, aplica-se a rotna prevista para o diagnós tco de TB. Quanto àqueles sem sintomatologia respiratória, deve ser feito raio x de tórax. Após serem examinados e não sendo constatada tuberculose-doença, devem-se orientá-los a procurar a unidade de saúde, em caso de aparecimento de sintomatologia respiratória.
B - Vacinação BCG A BCG exerce notável proteção contra as manifestações graves da primoinfecção, como as disseminações hematogênicas e a meningoencefalite, mas não evita a infecção tuberculosa. A imunidade se mantém por 10 a 15 anos. Além disso, a vacina não protege os indivíduos já infectados pelo M. tuberculosis , motvo pelo qual, nos países com elevada prevalência de infecção tuberculosa, como o Brasil, as crianças devem ser vacinadas o quanto antes, após o nascimento. No país, a BCG é indicada, principalmente, para as crianças de 0 a 4 anos, além de ser obrigatória para menores de 1 ano. A aplicação é rigorosamente intradérmica, no braço direito, na altura da inserção inferior do músculo deltoide, em caso de primo-vacinação, e 1 a 2cm acima, na revacinação. Pode ser simultaneamente aplicada com outras vacinas, mesmo com as de vírus vivos.
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INFECTOLOGIA a) Recomendam-se vacinar -
Os recém-nascidos, sempre que possível, na maternidade, desde que tenham peso igual ou superior a 2kg e sem intercorrências clínicas;
Importante: Os recém-nascidos contactantes de tuberculosos bacilíferos farão previamente a quimioprofilaxia. -
Os recém-nascidos filhos de mães com AIDS; Crianças soropositvas para HIV, desde que sejam tuberculino-negatvas e não apresentem os sintomas
dessa síndrome; Contatos de doentes com hanseníase: aplicação de 2 doses da vacina BCG a todos os contatos intradomiciliares dos casos de hanseníase independente da forma clínica, com intervalo de 6 meses, após a realização do exame dermatoneurológico; - Profissionais de serviços de saúde: são vacinados desde que sejam PPD negatvos; - Conscritos do serviço militar: recomenda-se que se vacinem os não reatores à tuberculina; - População indígena: vacinar com BCG toda a população que não apresenta cicatriz vacinal. -
Recomenda-se a 2ª dose a todas as crianças em idade escolar (de 6 a 14 anos), preferencialmente aos 10 anos (independentemente de haver ou não cicatriz vacinal). O Programa Nacional de Imunizações não recomenda revacinar a população indígena. Importante: Sempre que há indicação de vacinação BCG a adultos, aconselha-se o teste de detecção do HIV.
b) Contraindicações - Relatvas (nesses casos, a vacinação é adiada até a resolução das situações apontadas): Recém-nascidos com peso inferior a 2kg; Afecções dermatológicas no local da vacinação ou generalizadas; Uso de imunodepressores. • •
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Absolutas: HIV positvo adultos (independente dos sintomas) e crianças sintomátcas; Imunodeficiência congênita. •
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desaparecendo espontaneamente, sem necessidade de tratamento medicamentoso ou drenagem. As complicações dessa vacina, aplicada por via intradérmica, são pouco frequentes. A maior parte resulta de técnica imperfeita, como aplicação profunda (subcutânea), inoculação de dose excessiva ou contaminação. As complicações mais comuns são abscessos no local da aplicação, úlcera de tamanho exagerado e gânglios flutuantes e fistulizados. O tratamento dessas complicações é feito com isoniazida, 10mg/kg (até, no máximo, 400mg), diariamente, até a regressão da lesão, o que acontece, em geral, em torno de 45 dias. Outras complicações, como lúpus vulgar (forma de TB cutânea) e osteomielite, são raras, não havendo registro de ocorrência no Brasil. Lesões generalizadas, ainda mais raras, são, em geral, associadas à de ficiência imunológica.
C - Quimioprofilaxia da tuberculose A isoniazida é a droga de eleição para a quimioprofilaxia, na dosagem de 10mg/kg de peso, com total máximo de 300mg diariamente, durante 6 meses. É a droga com menos efeitos colaterais e a de menor custo. A quimiopro filaxia deve ser dirigida aos grupos de alto risco de TB, especialmente os coinfectados pelo HIV e pelo M. tuberculosis. -
Indicações Recém-nascidos coabitantes de foco tuberculoso atvo. A isoniazida é administrada por 3 meses; após esse período, realiza-se a prova tuberculínica. Se a criança for reatora à quimiopro filaxia, deve ser mantda por mais 3 meses; se não reatora, interrompe-se o uso e vacina-se com BCG; Crianças <15 anos sem sinais de TB atva, comunicantes de tuberculosos bacilíferos: não vacinadas com BCG e com PPD >10mm ou vacinadas com BCG e com PPD >15mm; Indivíduos com viragem tuberculínica recente (até 12 meses), isto é, que tveram um aumento na resposta tuberculínica de, no mínimo, 10mm; População indígena: quanto a esse grupo, a quimioprofilaxia é indicada a todo contato de tuberculoso bacilífero, com PPD >10mm, independentemente da idade e do estado vacinal; Imunodeprimidos por uso de drogas ou por doenças imunodepressoras, contatos intradomiciliares de tuberculosos, sob criteriosa decisão médica; Reatores fortes à tuberculina sem sinais de TB a tva, mas com condições clínicas associadas a alto risco de desenvolvê-la, como alcoolismo, diabetes mellitus insulino-dependente, nefropatas graves, sarcoidose, linfomas, pacientes em uso prolongado de cortcosteroides, pacientes submetdos à quimioterapia antneoplásica, pacientes submetdos a tratamento com imunodepressores, portadores de imagens radiográficas compaveis com TB inatva sem história de quimioterapia prévia; •
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c) Evolução da lesão vacinal,eventos adversos e conduta A vacina BCG não provoca reações gerais, como febre ou mal-estar. Normalmente, nos menores de 1 ano, grupo prioritário, a reação local da vacina é de evolução lenta e benigna, e varia de pessoa para pessoa. Não se deve usar qualquer medicamento nem cobrir a úlcera resultante da lesão de evolução normal, apenas mantê-la limpa, com água e sabão. O infarto ganglionar axilar, não supurado, pode ocorrer durante a evolução normal da lesão vacinal,
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ANATOMIA E FISI OLO GIA RE NAL TUBERCU LOSE
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Coinfectados HIV e M. tuberculosis: esse grupo deve ser submetdo à prova tuberculínica, sendo 5mm, em vez de 10mm, o limite da reação ao PPD para considerar uma pessoa infectada pelo M. tuberculosis. Aqueles com PPD reator devem receber quimioprofilaxia, tendo sido afastada a possibilidade de TB atva. Não é recomendada a quimioprofilaxia de indivíduos HIV positvos com PPD negatvo (0 a 4mm), independente da contagem de CD4+. Nesses casos, deve-se repetr o PPD a cada 12 meses. Observações adicionais para coinfectados HIV-tuberculose; O ser sempre na avaliação inicialPPD do deve paciente HIV posirealizado tvo, independentemente do seu estado clínico ou laboratorial (contagem de células CD4+ e carga viral), e ser repetdo anualmente nos indivíduos não reatores. Quanto aos pacientes não reatores e em uso de terapia antrretroviral, recomenda-se o teste a cada 6 meses no 1º ano de tratamento, devido à possibilidade de restauração da resposta tuberculínica; A quimioprofilaxia com isoniazida (INH) reduz o risco de adoecimento a partr da reatvação endógena do bacilo, mas não protege contra exposição exógena após a sua suspensão. Portanto, em situações de possível reexposição ao bacilo da TB, o paciente deve ser reavaliado quanto à necessidade de prolongamento da quimioprofilaxia; Em pacientes com imunodeficiência moderada/
Esquema Isoniazida, VO, 5 a 10mg/kg/dia (dose máxima: 300mg/dia), por 6 meses consecutvos. Indivíduos HIV positvo, contatos de pacientes bacilíferos com TB resistente, devem ser monitorizados durante o uso da isoniazida, devido ao maior risco de falha dessa profilaxia. Não se recomenda esquema alternatvo de profilaxia com rifampicina + pirazinamida, em razão da maior taxa de efeitos hepatotóxicos.
10. Resumo Quadro-resumo Fisiopatologia
Formação de cavitações e dispersão de bacilos.
Não apenas se tuberculose atva, mas as mais Apresentações frequentes na ordem pulmonar, pleural, ganclínicas glionar, SNC principalmente. Tratamento
Causas de falha terapêutca, motvo da últma grande mudança no esquema, motvo da diminuição das doses do esquema atual.
Drogas do tratamento
Interações medicamentosas, efeitos colaterais das 4 principais drogas (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol).
Quimioprofilaxia
Diferenças na população em geral e imunocomprometdos. Função do PPD na profilaxia.
grave reação ao PPD >10mm, invest gar, ecuidadosamente, TB atvasugere-se (pulmonar ou •
extrapulmonar) antes de iniciar a quimiopro filaxia; Recomenda-se suspender imediatamente a quimioprofilaxia diante do surgimento de qualquer sinal de TB atva, monitorizá-la nos casos de hepatotoxicidade e administrá-la com cuidado nos alcoólicos.
A Tabela a seguir, adaptada do Consenso Brasileiro, sumariza as recomendações a esses pacientes. Tabela 4 - Quimioprofilaxia para tuberculose em pacientes HIV positvos Indicações Indivíduos sem sinais ou sem sintomas suges tvos de TB em atvidade: - Com radiografia de tórax normal e: 1 - Reação à prova tuberculínica≥5mm. 2 - Resultado Contatos intradomiciliares ou insttucionais de TB 3 da prova tuberculínica não reatora ou bacilífera. com enduração entre 0 e 4mm, com registro documental de ter sido reator ao PPD e não submetdo a tratamento ou quimioprofilaxia na ocasião. - Com radiografia de tórax anormal: presença de cicatriz radiológica de TB sem tratamento anterior (afastada possibilidade de TB fias anterioatva por meio de exames de escarro e de radiogra res), independentemente do resultado da prova tuberculínica (PPD).
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IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
10
Hanseníase Carolina Barbieri / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução A hanseníase é uma doença infectocontagiosa de evolução lenta, causada pelo Mycobacterium leprae (bacilo de Hansen), capaz de determinar incapacidades permanentes e es tgmatzantes se não tratada precocemente. Apenas 6 países no mundo – incluindo o Brasil – não atngiram a meta estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para erradicar a doença até 2005, de prevalência até 1 caso para 10.000 habitantes (Figura 1). Nacionalmente, a doença contnua a ser um problema de saúde pública, com prevalência variável nas diferentes regiões brasileiras, onde são caracterizadas desde áreas não endêmicas, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, até hiperendêmicas, como as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Figura 1 - Taxas de prevalência da hanseníase no mundo, em janeiro de 2011. Fonte: OMS
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ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HANSENÍASE
O Brasil é o país com maior taxa de incidência ao ano e é responsável por cerca de 90% dos casos no con tnente americano. A hanseníase apresenta tendência decrescente, esta tstcamente significatva no tempo para as séries temporais de coeficientes de detecção. Entretanto, no período de 1990 a 2008, esse coeficiente oscilou entre 20/100.000 habitantes em 1990 e 29,4/100.000 habitantes em 2003. Em 2008, alcançou o valor de 20,56/100.000 habitantes, o que é classi ficado como “muito alto”, de acordo com os parâmetros internacionais estabelecidos para o controle de transmissão (Figura 2). IA G O L O T C E F N I
Figura 2 - Taxas de detecção de novos casos de hanseníase no mundo, em janeiro de 2009. Fonte: OMS
As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentam as mais elevadas taxas de detecção de novos casos do país (Figura 3). Concentram mais de 50% dos casos detectados, apesar de representarem pouco mais de 17% da população brasileira. A distribuição territorial é bastante heterogênea, sendo iden tficados clusters de transmissão (Figura 3).
Figura 3 - Coeficiente de detecção de hanseníase na população geral por regiões, Brasil, 1990-2008. Fonte: Ministério da Saúde; Sinan/ SVS-MS (base disponibilizada em 17.07.2009)
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INFECTOLOGIA propagou-se para os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Maranhão, Bahia, Pará e São Paulo e, nofinal do século XVII, tornou-se endêmica em todo o país. Um século depois, houve o incentvo do governo à construção de leprosários (foram construídos 101 hospitais-colônia no Brasil). A prátca de isolamento compulsório foi abolida oficialmente no país em 1962. Em 1970, o Brasil extnguiu o uso do termo “lepra” e o substtuiu por “hanseníase” ou Mal de Hansen (MH), conforme a Lei nº 9.010, de 29.06.1985. Em 1986, ocorreu a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que determinou a transformação dos leprosários em Hospitais Gerais ou Centros de Pesquisa. Porém, ainda hoje, existem ao redor de 30 hospitais-colônia, onde residem antgos pacientes com seus familiares. A Lei nº 11.520, de 18.09.2007, dá direito à pensão especial vitalícia no valor de R$750,00 mensais para pessoas atngidas pela hanseníase e que foram obrigadas a se isolarem ou se internarem nos hospitais-colônia pelo Governo Federal até 31.12.1986. Figura 4 - Clusters de casos novos de hanseníase, ordenados segundo o coeficiente de detecção no período de 2005 a 2007, Brasil. Fonte: ministério da Saúde; Penna, MLF – MS, 2008
O estado de Mato Grosso apresentou, em 2009, o coeficiente de detecção de casos novos mais elevado do país (89,48/100.000 habitantes), seguido, nesta ordem, dos estados de Tocantns (88,54/100.000), Rondônia (69,49/100.000), Maranhão (61,99/100.000), Pará (55,70/100.000) e Goiás, onde foi registrado o valor de 43,55/100.000 habitantes.
3. Agente etológico O Mycobacterium leprae é um bacilo de 1,5 a 8 mícrons de comprimento por 0,2 a 0,5 mícron de largura, com forma de bastonete reto ou levemente encurvado, encontrado isolado ou em aglomerados (“globias”) unidos por uma matriz proteica chamada gleia. O bacilo multplica-se lentamente (ao redor de 11 a 16 dias) e a temperatura mais propícia para o seu crescimento é de, aproximadamente, 30°C. É um parasita intracelular obrigatório, instalando-se nos
macrófagos e nas células de Schwann, pele e pelo sistema nervoso periférico.e tem Não predileção é cul tvávelpela em laboratório; é um Bacilo Álcool-Ácido-Resistente (BAAR), pois retém a fucsina básica pela parede celular, corando-se A palavra “lepra” vem do latm lepros, que significa ato em vermelho pela técnica de Ziehl-Neelsen. de sujar ou poluir. Compreende uma doença srcinária da Foi identficado em animais selvagens como tatu, maÍndia e da China, que avançou para a Europa com as campacaco e chimpanzé, porém o homem ainda é considerado nhas do exército romano. o único reservatório, ou seja, a única fonte de infecção. A A Igreja assumiu a responsabilidade do controle da dotransmissão ocorre a partr do contato (ín tmo e prolongaença conforme seus dogmas, considerando-a cas tgo de do) de indivíduo bacilífero não tratado, que tem como porta Deus; uma punição divina aos pecadores e impuros. Cléride entrada e fonte de transmissão as vias aéreas superiores, gos avaliavam as lesões de pele, e a pessoa considerada “lena maioria dos casos. Os hansenomas ou lesões ulceradas prosa” era excluída da sociedade e, a par tr de então, obride pacientes bacilíferos podem transmitr o bacilo, todavia gada a viver longe do convívio da comunidade, proibida de sua importância é incerta. beber e de tomar banho nas fontes de água pública, entrar O bacilo apresenta alta infectvidade e baixa patogeniem igrejas etc. cidade. Havendo a infecção, o período de incubação é lonO aumento dos casos levou à construção de leprosários go, variando de 2 a 7 anos (média de 5 anos), e o tempo (atngindo ao redor de 19.000 casos por toda a Europa), e de transmissibilidade no paciente bacilífero compreende o auge da perseguição aos leprosos ocorreu do século XI ao do início da doença até a 1ª dose de rifampicina, capaz de XIV, quando mais de 50% foram mortos em praça pública eliminar os bacilos viáveis das vias aéreas superiores em na França. 99,9%. O risco de adoecer depende de fatores ambientais, Em 1873, quando ainda se acreditava que a doença era do grau de exposição ao bacilo (nível endêmico da região, fruto da punição de Deus, o cien tsta norueguês Gerhard condições socioeconômicas e de saúde, aglomerados etc.) Henrik Armauer Hansen identficou o Mycobacterium lee de fatores genétcos que conduzirão à destruição ou à prae e o associou à doença. multplicação do bacilo pelo sistema imunológico do hospeNo Brasil, os primeiros relatos foram registrados em 1600, deiro determinando, respectvamente, resistência ou susna cidade do Rio de Janeiro, em portugueses. A hanseníase cetbilidade à infecção pelo M. leprae.
2. Histórico
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ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HANSENÍASE
4. Imunopatogenia e fatores genétcos Após a infecção pelo M. leprae, a maioria da população (de 80 a 90%) evolui para cura espontânea. Essa resistência inata ao bacilo vem sendo relacionada ao gene NRAMP1 (Natural Resistance Associated Macrophage Protein), localizado no cromossomo 2, que regula a atuação do macrófago a parasitas intracelulares. O macrófago tem papel importante na hanseníase por ser o habitat do bacilo, por atvar as células T e por destruí-lo (nos casos dos paucibacilares). A reação de destruição ou multplicação do bacilo no indivíduo infectado, assim
Quando predomina a resposta pelo linfócito T- helper 1 (Th1), ocorre a produção de IL2 e IFN γ , que induzem à resposta imune celular com ativação dos macrófagos contra o bacilo, levando à forma paucibacilar ou cura. Quando predomina a resposta T- helper 2 (Th2), são produzidos IL4, IL5, IL6 e IL10 que inativam o macrófago, o que propicia a multiplicação do bacilo (forma multibacilar) e estimula a imunidade humoral. Há proliferação de linfócitos B e produção de anticorpos específicos contra o antígeno da parede celular do M. leprae , o glicolipídio fenólico 1 (PGL-1). Apesar da produção de anticorpos
como forma clínicaexpresso da doença, nismoaimunológico geneétdeterminada camente. pelo meca-
anti-PGL-1, resposta humoral é pouco eficaz para a eliminação doabacilo.
Figura 5 - Padrão de resposta na hanseníase
5. Classificação O Brasil adotou, inicialmente, a classificação de Madrid, proposta por Rabello em 1953, que introduziu o conceito de polaridade da doença e leva em conta o quadro clínico, a baciloscopia (esfregaço de raspado de lesões suspeitas ou da linfa obtda do lóbulo de orelha, joelho ou cotovelo, corados pela técnica de Ziehl-Neelsen) e a reação de Mitsuda. Esta consiste em um teste que avalia a hipersensibilidade tardia celular com a aplicação intradérmica de um angeno do Mycobacterium leprae, a lepromina, e leitura em 3 a 4 semanas: se o teste é positvo, sugere resposta celular presente; se negatvo, resposta celular ausente. Rabello classificou 2 polos estáveis e opostos: a Hanseníase Tuberculoide
(HT) – polo imune positvo – e a Hanseníase Virchowiana (HV) ou lepromatosa (HL) – polo imune negatvo; e 2 polos instáveis: a Hanseníase Indeterminada (HI) e a Hanseníase Dimorfa (HD) ou Borderline (HB), que se direcionam para 1 dosEm polos anteriores, a evolução da doença. 1966, Ripley econforme Jopling sugerem outra classificação, que inclui a HI como forma inicial da doença e outras 5 formas clínico-imunológicas representadas na Figura 6. Apesar de completa, essa classificação se mostrou demorada e de difcil realização na prátca clínica, retardando o início da terapêutca. Isso fez que, em 1988, a OMS sugerisse a Classificação Operacional com apenas 2 formas, paucibacilar e multbacilar, conforme a baciloscopia.
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IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA níase Tuberculoide Dimorfa; HDD: Hanseníase Dimorfa-Dimorfa; HDV: Hanseníase Dimorfa-Virchowiana; e HVV: Hanseníase Virchowiana-Virchowiana
Atualmente, como a OMS, o Ministério da Saúde do Brasil preconiza a Classi ficação Operacional para fins de definição imediata de esquema terapêu tco. São classi ficados como paucibacilares os indivíduos com baciloscopia negatva e até 5 lesões e/ou somente 1 tronco nervoso acome tdo, e multbacilares aqueles com mais de 5 lesões e/ou mais de 1 tronco nervoso acome tdo e/ou baciloscopia posi tva. Isto é, a baciloscopia posi tva classi fica o pa-
Figura 6 - Classificação dos tpos de hanseníase, segundo Ripley e Joplin. HTT: Hanseníase Tuberculoide-Tuberculoide; HTD: Hanse-
ciente como multbacilar, independentemente do número de lesões. A Tabela 1 resume as característcas clínico-bacteriológicas com as classi ficações de Ripley-Jopling e a operacional da OMS.
Tabela 1 - Característcas clínico-bacteriológicas com as classificações de Ripley-Jopling e a operacional da OMS Clínica
Baciloscopia
Ripley-Jopling
Áreas de hipo ou anestesia, parestesias, manchas hipocrômicas e/ou eritêmato-hipocrôNegatva micas, com ou sem diminuição da sudorese e rarefação de pelos
Indeterminada(HI)
Placas eritematosas, eritêmato-hipocrômicas, bem definidas, hipo ou anestésicas, comproNegatva metmento de nervo
Tuberculoide(HT)
Classificação operacional vigente para rede básica
Paucibacilar Até 5 lesões de pele e/ou apenas 1 tronco nervoso acometdo
Lesões pré-foveolares (eritematosas planas com o centro claro). Lesões foveolares (eritematopigmentares, de tonalidade ferruginosa Positva ou negatva Dimorfa (HD) ou pardacenta). Apresenta alterações de sensibilidade Eritema e infiltração difusa, placas eritematosas infiltradas e de bordas mal definidas, tubérculos e nódulos, madarose, lesões das mucosas, com alteração de sensibilidade
Positva
6. Diagnóstco O diagnóstco insttuído pela OMS e preconizado pelo MS do Brasil de fine hanseníase a presença de 1 ou mais dos seguintes achados: Lesão(ões) de pele com alteração de sensibilidade; Acometmento de nervo(s) com espessamento neural; - Baciloscopia positva. -
Diante de uma suspeita de hanseníase, deve-se realizar uma anamnese completa, com história clínica e epidemiológica e avaliação dermatoneurológica detalhadas. As lesões da hanseníase têm alteração de sensibilidade tátl, térmica e/ou dolorosa. A pesquisa da sensibilidade deve ser feita em toda lesão suspeita, orientando o paciente sobre o exame e solicitando-o para que feche os olhos e compare a área acometda com a área sã. A sensibilidade tá tl pode
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Multbacilar Mais que 5 lesões de pele e/ou mais de 1 tronco nervoso acometdo
Virchowiana(HV)
ser avaliada com algodão seco, a térmica com tubo de vidro com água fria e quente ou algodão embebido em éter (para a fria), e a dolorosa com ponta de agulha estéril ou com monofilamento de náilon (estesiômetro). A doença evolui com processo inflamatório dos nervos periféricos (neurites), por lesão direta do bacilo e/ou por dano secundário decorrente da resposta imunológica do hospedeiro. São acometdas fibras sensitvas (tátl, térmica e dolorosa); motoras, que podem levar à paresia, paralisia, perda de força e atrofia muscular, incapacidades e deformidades; e autonômicas com perda da sudorese (anidrose). A neurite pode ser aguda, de evolução abrupta, caracterizada por dor (neuralgia), hipersensibilidade à palpação, edema e espessamento do nervo; ou crônica, de evolução insidiosa, que cursa com alteração sensitva, espessamento, paresia e perda da força muscular. A forma crônica pode manifestar-se ou não com dor (neurite silenciosa).
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HANSENÍASE
Os principais troncos neurais acometdos são: na face, o trigêmeo e o facial; nos membros superiores, o ulnar e o mediano; nos membros inferiores, o fibular comum e o tbial posterior. A avaliação neurológica consiste em: - Inspeção de olhos, nariz, membros superiores e inferiores; - Palpação dos nervos periféricos; - Avaliação da força muscular; - Avaliação da sensibilidade ocular e cutânea (já descrita); - Teste da pilocarpina (para iden tficar áreas de anidrose) e da histamina.
7. Tratamento A hanseníase é uma doença curável e o tratamento adotado pela OMS e preconizado pelo MS do Brasil é a poliquimioterapia (PQT), fornecida gratuitamente no país e que consiste na associação de, pelo menos, 2 drogas (incluindo uma bactericida – a rifampicina), que visa ao efeito mais rápido e eficaz, e evita resistência bacteriana. A PQT mata o bacilo tornando-o inviável, evita a evolução da doença, prevenindo as incapacidades e deformidades causadas por ela, levando à cura. O bacilo morto é
incapaz de infectar outras pessoas, rompendo a cadeia demiológica da doença. Assim sendo, logo no início do epitratamento, a transmissão da doença é interrompida, e, sendo Uma descrição mais detalhada da avaliação neurológica realizado de forma completa e correta, garante a cura da pode ser encontrada em manuais do MS. doença. O exame complementar de importância diagnós tca é a baO esquema terapêutco é administrado ambulatorialciloscopia com pesquisa de BAAR (técnica de Ziehl-Neelsen). O mente, com doses diárias autoadministradas em domicílio teste de Mitsuda auxilia na classi ficação antga e não tem valor diagnóstco. A biópsia da lesão (na qual podem ser encontra- e doses mensais supervisionadas na UBS, diferindo confordos macrófagos carregados de bacilos, chamados células de me a classificação do paciente em paucibacilar ou multbaVirchow) e a biópsia do nervo podem ser usadas nos casos de cilar, como descrito nas Tabelas 3 e 4. dúvida, para esclarecimento diagnós tco. Outros exames (sorologia ant-PGL-1, imuno-histoquímica e PCR) são usados uni- Tabela 3 - Esquemas ambulatoriais de tratamento de hanseníase em adultos camente em pesquisa com poucatulidade na prátca clínica. Paucibacilar (por 6 meses)* O diagnóstco diferencial inclui doenças que levam a alDose mensal Dose diária terações neurológicas e de pele (descritas na Tabela 2). É imMedicamento supervisionada autoadministrada portante ressaltar que, dentre as doenças dermatológicas, a hanseníase é a única que leva à alteração da sensibilidade. Dapsona 100mg 100mg Tabela 2 - Afecções neurológicas e da pele que podem ser diagnós-
Rifampicina
tcos diferenciais de MH
Doenças dermatológicas
Medicamento
- Pitríase versicolor;
600mg Multbacilar (por 12 meses)**
-
Dose mensal supervisionada
Dose diária autoadministrada 100mg
- Eczemátde (pitríase alba ou dartro volante);
Dapsona
100mg
- Eczema seborreico;
Rifampicina
600mg
-
- Tinha corporis;
Clofazimina
300mg
50mg
- Vitligo;
* Cura com 6 doses mensais supervisionadas de rifampicina em até 9 meses. ** Cura com 12 doses mensais supervisionadas de rifampicina em até 18 meses.
- Nevos; - Hipocromias cicatriciais; - Psoríase; - Farmacodermias; - Paracoccidioidomicose;
Tabela 4 - Esquemas ambulatoriais de tratamento da hanseníase em crianças de até 14 anos
- LES;
Paucibacilar (por 6 meses)*
- Sífilis;
Medicamento
- TB cutânea; - Leishmaniose. Doenças neurológicas
Dapsona
- Síndrome do túnel do carpo; - Neuralgia parestésica; - Neuropata alcoólica; - Neuropata diabétca; - Lesões por Esforços Repettvos (LER).
Rifampicina
Idade
Dose mensal
Dose diária
supervisionada autoadministrada De 0 a 5 25mg 25mg anos De 6 a De 50 a 100mg 14 anos
De 50 a 100mg
De 0 a 5 De 150 a 300mg anos
-
De 6 a De 300 a 450mg 14 anos
-
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IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA Multbacilar (por 12 meses)** Medicamento
Dapsona
Rifampicina
Clofazimina
Idade
Dose mensal Dose supervisionada autoadministrada
De 0 a 5 25mg anos De 6 a De 50 a 100mg 14 anos
25mg/dia 50 a 100mg/dia
De 0 a 5 De 150 a 300mg anos
-
De 6 a De 300 a 450mg 14 anos
-
De 0 a 5 100mg anos
100mg/sem
De 6 a De 150 a 200mg 14 anos
150mg/sem
* Cura com 6 doses mensais supervisionadas de rifampicina em até 9 meses. ** Cura com 12 doses mensais supervisionadas de rifampicina em até 18 meses.
Para pacientes paucibacilares, com lesão única e sem envolvimento de tronco nervoso, pode ser realizado o esquema ROM: Rifampicina, 600mg, Ofloxacino, 400mg, e Minociclina, 100mg em doses únicas supervisionadas; recomendado apenas para uso em centros de referência. Além do tratamento medicamentoso, devem ser abordados a prevenção e o tratamento das incapacidades e deformidades (com orientação de autocuidado, tpo de calçado, fisioterapia motora etc.).
8. Estados reacionais Os estados reacionais são reações do sistema imunológico do paciente ao M. leprae. Trata-se de um processo inflamatório agudo ou subagudo, que pode ocorrer antes (abrindo o quadro), durante ou depois do fim do tratamento com a PQT. Podem ser desencadeados por vacinação, gestação/puerpério, infecções, medicamentos (iodeto de potássio, antconcepcional oral) e estresse fsico e/ou emocional, e é a principal causa de incapacidades e deformidades fsicas. Os estados reacionais são classificados em 2 tpos: reação tpo 1 ou Reação Reversa (RR) e reação tpo 2 ou Eritema Nodoso Hansênico (ENH). A reação tpo 1 ou RR ocorre nos pacientes paucibacilares (frequência de 8 a 33%), por um processo in flamatório desencadeado por hipersensibilidade tardia mediada por células. Inicia-se, usualmente, nos primeiros 6 meses de tratamento com a PQT e se caracteriza por reagudizações de lesões preexistentes com novo aspecto eritematoinfiltratvo (erisipeliforme) e aparecimento abrupto de neurites (dor aguda e espontânea) sem sintomas sistêmicos. Podem ocorrer edema de mãos e pés e surgimento agudo de mão em garra ou pé caído. O tratamento de escolha é o cortcoide, sendo preconizada prednisona, de 1 a 2mg/kg/dia, até a
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melhora clínica ou a regressão do quadro com redução de 5 a 10mg a cada 1 a 2 semanas até a suspensão. Outros medicamentos de 2ª linha podem ser usados, como ciclosporina e AINEs, e pode ser necessária a cirurgia descompressiva nos casos de abscesso de nervo. A reação tpo 2 ou ENH ocorre em pacientes multbacilares (frequência ao redor de 30%, podendo chegar a 50%), cujo mecanismo imunológico desencadeante são a formação e a deposição de imunocomplexos. Pode ocorrer como 1ª manifestação da doença, durante ou após o tratamento e se caracteriza por lesões novas com distribuição simétrica com aspecto nódulospústula, eritematosos podem evoluir paradevesícula, bolhas,dolorosos úlceras e que necrose. Além do quadro dermatológico, também aparecem neurite aguda e sintomas sistêmicos como febre, astenia, mialgia, náuseas e artralgia, com acome tmento de outros órgãos: edema de extremidade, iridociclite, epistaxe, orquite e linfadenite. A droga de eleição é a talidomida, na dose de 100 a 400mg/dia, até a regressão do quadro (medicamento contraindicado para mulheres grávidas, por seu efeito teratogênico). Deve ser associada à prednisona nas mesmas doses mencionadas, em caso de comprometmento neural, irite/iridociclite, orquiepididimite, mãos e pés reacionais, nefrite, eritema nodoso necrosante e vasculite (fenômeno de Lúcio). A presença do estado reacional não altera a conduta terapêutca com a PQT, ou seja: deve-se iniciar o tratamento do estado reacional já descrito e iniciar a PQT no caso de o estado reacional ter aberto o quadro de hanseníase, manter a PQT se o estado reacional surgir durante o tratamento, e não reiniciar a PQT se o estado reacional aparecer após o tratamento adequado. É importante diferenciar o estado reacional de um quadro de recidiva da hanseníase, conforme descrito na Tabela 5. No caso de recidiva, deve-se iniciar o tratamento com a PQT. Tabela 5 - Diferenças entre reação reversa e recidiva Reaçãoreversa
Recidiva
Normalmente, muito depois do Geralmente, durante a quitérmino da quimioterapia, acima mioterapia ou dentro de 6 de 1 ano de intervalo de tratameses após o tratamento mento Apresenta início súbito e inesperado
Apresenta início lento e insidioso
Pode vir acompanhada de febre e mal-estar
Em geral, não há sintomatologia geral
Lesões antgas tornam-se eritematosas, brilhantes, infiltradas
Lesões antgas podem apresentar bordas eritematosas
Em geral, há várias lesões novas
Há poucas lesões novas
Pode haver ulceração das lesões
Ulceração é rara
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HANSENÍASE
Reaçãoreversa Há regressão com descamação
Recidiva Não há descamação
Pode acometer vários tronPode acometer um único nervo, cos nervosos rapidamente, e as alterações motoras ocorrem com dor, alteração da sensimuito lentamente bilidade e função motora Excelente resposta à cortcoterapia
11. Resumo
Não responde bem à cortcoterapia
9. Prevenção e vigilância epidemiológica A hanseníase é uma doença de notficação compulsória em todo o território nacional. As principais medidas de controle são diagnós tco e tratamento precoces, e o controle dos contatos íntmos, interrompendo o ciclo de transmissão da doença. Deve ser realizada a busca atva de todos os contatos intradomiciliares que tenham residido ou residem com o caso-índice nos últmos 5 anos. A realização de BCG para contatos intradomiciliares teve mudanças indicadas pelo Ministério da Saúde em 2009. Após a avaliação dermatoneurológica detalhada para exclusão da doença, os contatos devem receber doses de BCG conforme a Tabela 6:
Quadro-resumo Epidemiologia
Regiões brasileiras com maior incidência de hanseníase.
Agente etológico
Tempo de incubação entre infecção e doença.
Classificação
Tipos de hanseníase de acordo com a imunidade e classificação pelo número de lesões (paucibacilar ou multbacilar). Regiões do corpo indicadas para coleta do
t
Diagnós co
exame zado. diagnóstco e tpo de exame reali-
Tratamento
Diferença entre tratamento para paucibacilares e multbacilares.
Tipos de estados reacionais, causas de Estados reacionais cada tpo e tratamento indicado, diferenciando de recidiva de doença.
Tabela 6 - Doses de BCG para os contatos intradomiciliares Avaliação da cicatriz vacinal
Conduta
Semcicatriz
Administrar1dose
Com 1 cicatriz de BCG
Administrar 1 dose
Com 2 cicatrizes de BCG
Não prescrever nenhuma dose
Com diagnóstco e tratamento rápidos e e ficazes, além da vacinação dos contatos íntmos (com BCG), é possível um controle epidemiológico visando atngir a meta de menos de 1 caso para cada 10.000, fazendo que a hanseníase deixe de ser um problema de saúde pública no país.
10. Hanseníase e gravidez As alterações hormonais da gravidez causam diminuição da imunidade celular, fundamental na defesa contra o Mycobacterium leprae. Portanto, é comum que os primeiros sinais de hanseníase, em uma pessoa já infectada, apareçam durante a gravidez e puerpério, quando também podem ocorrer os estados reacionais e os episódios de recidivas. A gestação nas mulheres portadoras de hanseníase tende a apresentar poucas complicações, exceto pela anemia, comum em doenças crônicas. A gravidez e o aleitamento materno não contraindicam a administração dos esquemas de tratamento poliquimioterápico da hanseníase que são seguros tanto para a mãe como para a criança. Algumas drogas são excretadas pelo leite, mas não causam efeitos adversos. Os recém-nascidos, porém, podem apresentar a pele hiperpigmentada pela clofazimina, ocorrendo a regressão gradual da pigmentação, após a parada da PQT.
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IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
11
Paracoccidioidomicose Rodrigo Antônio Brandão Neto / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução A paracoccidioidomicose (PCM), também conhecida como blastomicose sul-americana, é uma micose sistêmica causada por Paracoccidioides brasiliensis , um fungo dimór fico, isto é, de morfologia variável de acordo com a temperatura externa. Em temperatura ambiente (em torno de 25°C), desenvolve-se na forma filamentosa ou miceliana, caracteriz ada pela presença de hifas verdadeiras. À temperatura do corpo humano (próxima a 37°C), apresenta-se em forma de levedura, sua apresentação unicelular parasitária. Sua morfologia caracterís tca – com multbrotamentos que lhe conferem o aspecto de “roda de leme” – permite a iden tficação da forma leveduriforme em amostras clínicas (secreção, escarro, tecido). Está presente na natureza, no solo, em matéria orgânica vegetal e em alguns animais, como os tatus.
Figura 1 - Paracoccidiodes brasiliensis (levedura)
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A PCM é uma doença insidiosa, que pode comprometer pulmões, sistema retculoendotelial (fgado, baço, medula óssea, linfonodos), adrenais e tegumento. Acomete, usualmente, pacientes imunocompetentes. No adulto, a forma clínica predominante é a crônica, mas, quando acomete crianças ou adolescentes, apresenta-se na forma aguda ou subaguda. Quando não diagnostcada e tratada oportunamente, pode levar a formas disseminadas graves e letais.
2. Epidemiologia O fungo está presente, principalmente, na América Latna (Brasil, Colômbia, Venezuela, Argentna e México), em
locais de clima úmido/temperado, com rios e florestas. No Brasil, a prevalência de PCM é maior em populações de áreas rurais, em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. O isolamento de P. brasiliensis diretamente do solo é muito difcil, e é frequente a infecção de tatus de áreas endêmicas. A aquisição acontece por via respiratória: inalação de conídios (esporos assexuados), produzidos pela forma miceliana de P. brasiliensis. No hospedeiro, os conídios se desenvolvem e srcinam a forma de levedura, e esta é responsável pela doença. De acordo com dados de inquéritos epidemiológicos realizados com paracoccidioidina no Brasil, na Venezuela, na Colômbia e na Argentna, acredita-se que em torno de 50% dos habitantes de zonas endêmicas tenham sido expostos ao agente dessa micose. Felizmente, apenas uma proporção muito pequena de indivíduos expostos a P. brasiliensis desenvolve alguma manifestação clínica da doença. A faixa etária mais acometda situa-se entre 30 e 50 anos, e mais de 90% dos casos são do sexo masculino. O principal fator de risco para a aquisição da infecção são as
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL PARACOCCIDIOIDOMICOSE profissões ou atvidades relacionadas ao manejo do solo contaminado pelo fungo. Em todas as casuís tcas, observa-se que a grande maioria dos pacientes exerceu a tvidade agrícola nas 2 primeiras décadas de vida, época em que, provavelmente, adquiriu a infecção, embora as manifestações clínicas tenham surgido muitos anos depois. A maioria desses pacientes, quando procura atenção médica, já saiu da área endêmica e reside em centros urbanos onde exercem outras atvidades, não ligadas ao trato do solo. Tabagismo e alcoolismo estão frequentemente associados à micose. Visto que a PCM não é uma doença de no tficação compulsória, não há dados precisos sobre sua incidência no Brasil. Acredita-se que sua incidência em zonas endêmicas varie de 3 a 4 novos casos/milhão até 1 a 3 novos casos por 100.000/habitantes ao ano.
3. Fisiopatologia O fungo está na natureza na forma saproftca (micélio), que produz esporos assexuados denominados conídios, que, por sua vez, cons ttuem as formas infectantes. Estes se desprendem das hifas e são carregados pelo ar, de maneira que podem ser inalados por hospedeiros susce veis. Excepcionalmente, pode haver inoculação cutânea direta por meio de um traumatsmo, gerando lesão localizada. Uma vez inalados, os conídios se alojam nos alvéolos e pequenas vias aéreas, germinam e permitem a proliferação do fungo. Na forma de levedura, desencadeiam um procesfico, seguido da inflamação so inflfiamatório local inespecí especí ca granulomatosa (complexo primário, em semelhança à tuberculose), que acontece simultaneamente à disseminação do fungo para outros tecidos por via hematogênica. Após a exposição ao fungo, a maioria das pessoas passa por uma infecção subclínica assintomátca. O intervalo entre a infecção e o surgimento da doença crônica pode durar mais de 20 anos. Fatores como desnutrição, alcoolismo e tabagismo reduzem as defesas naturais ao fungo, aumentando as chances de doença por reatvação do complexo primário. Infere-se que o estrogênio dificulte o crescimento do fungo na forma de levedura, o que explicaria o fato de a prevalência de doença em homens ser muito maior do que em mulheres. Nas formas agudas, a doença se desenvolve logo após a aquisição do fungo, por inabilidade do hospedeiro em desencadear uma resposta imune específica efetva, capaz de conter a disseminação do agente, no momento da primoinfecção. Nas formas agudas da doença, a imunidade celular está muito deprimida, e há abundância de an tcorpos. Na forma crônica, há boa imunidade celular e poucos antcorpos. A resposta histopatológica clássica à forma crônica da infecção é o granuloma fúngico. Os granulomas podem ser pauciparasitados (pobres em fungos) ou mul tparasitados. Estes últmos apresentam áreas de necrose e estão presen-
tes em indivíduos que não apresentam boa resposta celular. Os eosinófilos são abundantes, sendo elementos celulares comuns nesta infecção fúngica.
4. Classificação e apresentação clínica A classificação mais aceita das formas clínicas de PCM é a de Medellin, proposta em 1986, que relaciona aspectos clínicos com a história natural da doença. Tabela 1 - Formas de apresentação da doença - PCM infecção; - PCM doença: · Forma aguda/subaguda; · Forma crônica; · Unifocal; · Mul tfocal. - Forma residual ou sequelar.
A PCM infecção é a forma latente, isto é, apresentada pelo indivíduo que adquiriu a infecção pelo P. brasiliensis, formou o complexo primário e permanece assintomá tco. Pode ser diagnostcada apenas pela paracoccidioidina positva. A PCM doença abrange as formas sintomátcas, classificadas de acordo com aspectos clínicos e com o momento de apresentação em relação à aquisição da infecção (aguda/subaguda ou crônica).
Figura 2 - Formas clínicas de paracoccidioidomicose
A - Forma aguda/subaguda (juvenil) Esta apresentação clínica é responsável por 3 a 5% dos casos da doença, com predomínio em crianças e adolescen-
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INFECTOLOGIA tes, mas pode, eventualmente, acometer indivíduos até os 35 anos. Ocorre proporcionalmente em ambos os sexos, acomete o sistema retculoendotelial (baço, fgado, medula óssea e linfonodos) e decorre da incapacidade do sistema imune de conter os múltplos focos de infecção que ocorrem durante a fungemia inicial. A PCM juvenil é classificada em moderada e grave, de acordo com o grau de acometmento e a disfunção dos órgãos envolvidos. Os sintomas incluem febre, queda do estado geral, linfadenopata extensa, pouco acometmento pulmonar, fi
tmento pancitopenia porAacome óssea insu ciência adrenal. linfadenopa ta da da medula PCM aguda oue juvenil é vista em gânglios superficiais (cervical posterior/anterior, submandibular) e profundos (gânglios abdominais, que podem comprimir a veia cava inferior e vias biliares simulando linfomas). O acometmento dos gânglios mesentéricos provoca uma síndrome de má absorção, causando enteropata exsudatva. A linfadenopata maciça no hilo hepátco pode comprimir as vias biliares, causando icterícia com predomínio de bilirrubina direta (padrão colestátco). O acometmento ósseo é possível (ossos longos, costelas, crânio), e o diagnóstco diferencial, nesses casos, é feito com a tuberculose óssea.
B - Forma crônica Tal apresentação clínica responde por mais de 90% dos pacientes e acontece, principalmente, em adultos entre os 30 etvação os 60 do anos, a maioria do sexoe masculino. Decorre da rea complexo primário acomete, em especial, pulmões e mucosas. A forma crônica é classificada em unifocal ou mul tfocal, de acordo com a quantdade de sítos envolvidos. Clinicamente, o comprometmento pulmonar da PCM caracteriza-se por uma dissociação clínico-radiológica: a anamnese revela uma história crônica de tosse e pigarro, existem poucos achados ao exame fsico, e a radiografia de tórax é muito característca, evidenciando extenso comprometmento dos pulmões com infiltrado retculonodular com fibrose. O acometmento pulmonar concentra-se em seu terço médio, o que confere ao infiltrado a denominação “em asa de borboleta”. Há, também, a forma pseudotumoral, que estabelece diagnóstco diferencial com neoplasias. As lesões cutâneas que, frequentemente, acompanham o quadro pulmonar, podem ser ulceradas, verrucosas ou nodulares e concentram-se mais em face e em membros. A estomatte moriforme (lesões em mucosa oral semelhantes a amoras) é comum, e lesões em pregas vocais causam rouquidão. Pode haver lesões nas adrenais bilateralmente, que levam, progressivamente, ao quadro de insuficiência adrenocortcal primária (síndrome de Addison). A PCM é uma das principais causas de insuficiência adrenal no Brasil. Outros locais de possível reatvação do foco infeccioso são o SNC (cérebro e meninges),fgado, baço, medula óssea e linfonodos.
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As principais complicações da doença são as sequelas pulmonares (fibrose pulmonar, cor pulmonale), microstomia, síndrome de má absorção e síndrome de Addison.
5. Diagnóstco A - Exames inespecíficos Hemograma: eosinofilia na forma aguda/subaguda; pouco alterado na forma crônica; - Raio x de tórax: comprometmento ret culonodular -
do terço médio dos pulmões, com aspecto “em asa de borboleta”. Observam-se traves fibrosas que se estendem do hilo pulmonar para a periferia; - TC de abdome: gânglios aumentados e hepatoesplenomegalia, na forma aguda. Espessamento de parede intestnal difusa (forma aguda) ou localizada em íleo terminal/válvula ileocecal (crônica); - Provas de atvidade inflamatória (VHS, proteína C reatva): elevadas na forma aguda, pouco alteradas na forma crônica; - Eletroforese de proteínas: hipergamaglobulinemia na forma aguda.
B - Exames específicos O P. brasiliensis, em sua forma parasitária, é leveduriforme e apresenta múltplos brotamentos, facilitando o diagnóstco. O diagnóstco histopatológico pode ser obtdo com alto grau de con fiança. Na biópsia, é importante a caracterização do granuloma: bem formado, com poucos fungos viáveis, indica boa resposta do hospedeiro, enquanto um granuloma frouxo indica resposta ruim e doença mais grave. O diagnóstco definitvo requer o crescimento em cultura de pus, sangue ou espécime histológico. As provas sorológicas específicas têm importância não apenas para auxiliar o diagnóstco, mas, partcularmente, para permitr a avaliação da resposta do paciente ao tratamento. Atualmente, estão disponíveis em diferentes serviços de referência os métodos de Imunodifusão Dupla (ID), contraimunoeletroforese (CIE), imunofluorescência indireta (IFI), ensaio imunoenzimátco (ELISA) e imunoblot (IB). Utlizando-se de técnicas padronizadas e an genos adequados, esses testes apresentam sensibilidade entre 85 e 100%. São altamente específicos, exceto ELISA. O tulo de antcorpos específicos ant-P. brasiliensis tem correlação com a gravidade das formas clínicas, sendo mais elevada na forma aguda/subaguda da doença. Nas formas crônicas unifocais em mucosa, a sorologia pode estar negatva e, na forma crônica pulmonar ou multfocal, tem grande valor para seguimento e controle de tratamento. Já os testes cutâneos servem, unicamente, para fins epidemiológicos. a) Materiais para identficação do agente - Escarro; - Raspado da lesão cutânea ou mucosa;
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL PARACOCCIDIOIDOMICOSE Coleta de material purulento; Biópsia; - Isolamento do agente no sangue (possível na fase aguda da doença). -
b) Métodos para identficação do agente - Exame direto (identficação da forma de levedura): coloração de PAS ou Groco; - Cultura: forma miceliana ou leveduriforme, dependendo da temperatura de incubação; - Reações sorológicas: ID, CIE, IFI, ELISA e IB – valor diagnóstco (formas agudas) e controle de tratamento (formas crônicas).
6. Diagnóstco diferencial Lesões orais: tuberculose, neoplasias; Lesões cutâneas: histoplasmose, esporotricose, leishmaniose cutânea, cromomicose, tuberculose; - Lesões pulmonares: histoplasmose, tuberculose; - Lesões abdominais: linfoma, compressões extrínsecas (tumores).
medular, expressa por pancitopenia no sangue periférico que, entretanto, não é frequente nas doses utlizadas para PCM. Já a nefrotoxicidade associada à anfotericina B, especialmente em sua apresentação convencional (deoxicolato), é frequente e deve ser monitorizada durante todo o tratamento. Classicamente, apresenta-se com elevação de creatnina e hipocalemia, e tem melhor evolução com hidratação vigorosa antes e depois da infusão da droga, e reposição frequente de potássio. As formulações lipídicas de anfotericina podem ser alternatvas, e relacionam-se à menor toxicidade renal. Tabela 2 - Tratamento ambulatorial para formas leves e moderadas de paracoccidioidomicose Medicamento
-
7. Tratamento O tratamento depende da forma clínica e da gravidade do paciente. O Consenso da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (2006) tsugere o itraconazol comoleves a opção terapêutca permiem ria o controle das formas e moderadas daque doença menor período de tempo. Entretanto, considerando que o medicamento não está disponível na rede pública da maioria dos estados, a combinação sulfametoxazol-trimetoprima é a alternatva mais usada na terapêu tca ambulatorial dos pacientes com PCM. Os pacientes com formas graves de PCM, com perda de peso >10%, associada à dificuldade de deglutção e comprometmento do estado geral, insuficiência respiratória, sinais ou sintomas neurológicos ou evidências de comprometmento de adrenais, além das formas sistêmicas da PCM juvenil, devem preferencialmente ser tratados em regime de internação hospitalar, e receber anfotericina B (1mg/kg/ dia) ou a combinação sulfametoxazol-trimetoprima (2 ampolas de 400 + 80mg a cada 8h) por via IV. O tratamento intravenoso precisa ser mantdo até que o paciente apresente melhora clínica e tenha condições de receber os an tfúngicos por via oral. A duração do tratamento relaciona-se à gravidade da doença e ao tpo de droga utlizada. Usualmente, o tratamento é de longa duração, afim de permitr o controle das manifestações clínicas da micose e evitar as recaídas. Assim como os demais azólicos, a principal toxicidade do itraconazol é hepátca, que habitualmente se manifesta por elevação das transaminases. O uso prolongado de sulfametoxazol-trimetoprima pode resultar em disfunção
Itraconazol
Dose Adultos 200mg/dia, logo após uma das refeições principais (almoço ou jantar), em uma única tomada.
Trimetoprima: 160 a 240mg, Sulfametoxasulfametoxazol/trimetozol 800mg a prima 1.200mg, VO 12/12h.
Crianças
Duração do tratamento
Com <30kg - 6 a 9 meses e >5 anos, 5 nas formas a 10mg/kg/ leves; dia, ajustar a dose não - 12 a 18 meses nas formas abrindo a moderadas. cápsula. Trimeto- 12 meses nas prima, 8 a formas leves; 10mg/kg, sulfameto- 18 a 24 meses, xazol, 40 a nas formas 50mg/kg, moderadas. VO 12/12h.
8. Pontos importantes Ocorre em pacientes usualmente imunocompetentes; Provoca lesões pulmonares crônicas e mucocutâneas envolvendo cavidade oral, face, laringe, orelhas e nariz; - O diagnóstco definitvo é feito por cultura de pus, sangue ou espécime histológico; - A sorologia por imunodifusão é posi tva em 95% dos casos. -
9. Resumo Quadro-resumo Locais de maior prevalência no mundo, faixa Epidemiologia etária mais comum, locais do corpo mais frequentes. Fisiopatologia
Mecanismo de transmissão e diferença na evo-
Classificação
lução da doença no imunodeprimido. Formas agudasversus formas crônicas.
Diagnóstco
Provas sorológicas; exame direto; culturas.
Tratamento
Tempo de tratamento indefinido.
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IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
12
Doença de Chagas Rodrigo Antônio Brandão Neto / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Epidemiologia
Tabela 1 - Principais formas de transmissão do T. cruzi
A doença de Chagas, causada pelo Trypanossoma cruzi, primitvamente uma enzoota, passou a ser considerada uma antropozoonose, a partr da domiciliação dos vetores, deslocados de seus habitats silvestres srcinais, pela ação do homem sobre o ambiente. Trata-se de uma doença crônica, cujas manifestações tardias só aparecem 20 a 30 anos
Forma de transmissão
Período de incubação
Vetorial (inseto hematófago, a mais importante epidemiologicamente, porém controlada no Brasil)
4 a 15 dias
após a infecção aguda. Os vetores da doença são insetos triatomíneos, e a espécie mais importante é o Triatoma infestans, conhecido como barbeiro. Este é um inseto domiciliado que habita, preferencialmente, as casas de pau a pique e com telhado de palha. Tem hábitos noturnos e, durante o dia, esconde-se nas frestas. O vetor barbeiro é um hemimetábolo, isto é, a partr do ovo, o inseto já é um adulto em miniatura.
Perinatal(aleitamentomaterno)
Sangue e hemoderivados (transfusão san30 a 40 dias ou guínea, acidentes de laboratório, transplantes de órgãos) mais Durante a gestaVertcal ção ou parto Via oral (ingestão de fezes do barbeiro contendo T. cruzi, há necessidade de uma quantdade muito grande de parasitas para ocorrência de infecção por essa forma; adquiriu maior importância epidemiológica no Brasil após o controle da transmissão vetorial, e comporta-se como fonte de surtos de doença aguda)
-
3 a 22 dias
Acidental (pelo contato da pele ferida ou de Até, aproximadamucosas com material contaminado) mente, 20 dias
Figura 1 - Barbeiro
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A área endêmica ou, mais precisamente, com risco de transmissão vetorial da doença de Chagas no país, conhecida no final dos anos 1970, incluía 18 estados com mais de 2.200 municípios. Ações sistematzadas de controle químico foram insttuídas a partr de 1975 e mantdas em caráter regular desde então, levaram a uma expressiva redução da presença de T. infestans intradomiciliar e, simultaneamente, da transmissão do Trypanossoma cruzi ao homem. Hoje, o perfil epidemiológico da doença apresenta um novo cenário com a ocorrência de casos e surtos na Amazônia Legal, por transmissão oral, vetorial (domiciliar sem colonização e extradomiciliar) e casos isolados em outros estados.
ANATOMIADOEN E FISIOLOGIA RENAL ÇA DE CHAGAS Desta forma, no Brasil, atualmente predominam os casos crônicos de doença de Chagas decorrentes de infecções adquiridas no passado por via vetorial, com aproximadamente 3 milhões de indivíduos infectados. No entanto, nos úl tmos anos, a ocorrência de Doença de Chagas Aguda (DCA) tem sido observada em diferentes estados (Bahia, Ceará, Piauí, Santa Catarina, São Paulo), com maior frequência de casos e surtos registrados em alguns estados da Região da Amazônia Legal (Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Amapá, Pará, Tocantns). Em partcular, a transmissão oral tem sido registrada em episódios cole tvos que pressupõem fatores causais comuns. Surtos de DCA relacionados à ingestão de alimentos contaminados (caldo de cana, açaí, bacaba, outros) e casos isolados por transmissão vetorial vêm ocorrendo nos estados do Pará, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Paraná e Santa Catarina. No período de 1997 a 2008, ocorreram no Brasil 696 casos de doença de Chagas aguda por transmissão oral e vetorial; destes, 617 (90%) ocorreram na Amazônia Legal, sendo 79,4% no Pará.
Figura 2 - Casos de doença de Chagas aguda – Brasil, Grandes Regiões e Unidades Federadas, 2005 a 2009 (MS, Brasil)
2. Fisiopatologia
Figura 3 - Ciclo de vida do Trypanossoma cruzi
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INFECTOLOGIA cardíacas contendo grande quantdade de parasitas (formas amastgotas de T. cruzi) e edema provocando dissociação das fibras musculares. A miocardite chagásica aguda é uma pancardite, em que há o comprome tmento de todos os folhetos: pericárdio, endocárdio e miocárdio. Quando uma célula parasitada é destruída, é liberada grande quantdade de angenos que se ligam a células não infectadas. Estas são reconhecidas pelos linfócitos T CD8+ como parasitadas e são destruídas. A resposta imune humoral nessa fase da doença pode ser avaliada pela presença de an tcorpos lítcos (molécula DAF-like, capaz de inatvar complemento),
Figura 4 - Formas do Trypanossoma cruzi
O T. cruzi pode apresentar-se em várias formas evolutvas: amastgota, epimastgota e tripomastgota. O barbeiro infectado pica o homem suscevel e, imediatamente após o repasto, deposita fezes repletas de parasitas na proximidade do orifcio da picada. Ao se coçar, o homem inocula em sua pele, com solução de contnuidade, as formas tripomastgotas que estavam no intestno do barbeiro. Quando uma pessoa é picada na proximidade dos olhos, o T. cruzi pode invadir o organismo por meio das mucosas conjuntvas. O parasita tem predileção por células do sistema fagocítco-monocitário e células musculoesquelé tcas ou cardíacas. Contudo, qualquer tpo celular pode ser parasitado. Essas formas tripomastgotas são fagocitadas, mas conseguem escapar do lisossoma e não são destruídas, permanecem no citoplasma e assumem a forma amas tgota. Esta sofre muitas divisões (cada protozoário gera 540 formas amastgotas, que srcinarão novas formas tripomastgotas sanguíneas). A célula parasitada, então, se rompe, liberando formas tripomastgotas que infectarão outras células. O T. cruzi cai na circulação e se dissemina por todo o organismo. As tripomastgotas circulantes, se sugadas pelo inseto em novo repasto, tornam-se epimastgotas, multplicam-se no organismo do barbeiro e passam para a forma tripomastgota metacíclica, podendo ser inoculadas em outro ser humano. O inseto se infecta ao sugar o sangue de um homem infectado ou de um reservatório natural. A primoinfecção por T. cruzi pode ser assintomátca (a maioria) ou sintomátca. A maioria dos casos agudos sintomátcos de doença de Chagas ocorre em crianças, nas quais a infecção pode ser grave. A resposta imune desencadeada geralmente resolve a doença aguda. Algumas pessoas desenvolvem doença crônica vários anos depois. As células musculares cardíacas infectadas são alvo do sistema imune, o que leva a uma miocardite aguda. Na miocardite chagásica aguda, observam-se fibras musculares
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queEntre indicaasparasi smo presente. fasestaguda e crônica, há um período intermediário, em que há progressão inaparente da doença. O termo latência não é apropriado, uma vez que o T. cruzi não entra em latência. Em algumas pessoas, observa-se uma fase crônica da doença de Chagas, com lesões em plexos nervosos autonômicos, cardíacos ou do tubo diges tvo. Há 2 hipóteses para elas: autoimunidade e lesões mediadas pela presença do parasita. Na miocardite chagásica crônica, a fibrose é abundante, pois as células miocárdicas destruídas são gradatvamente substtuídas por colágeno; há fibras cardíacas com sinais de hipertrofia, causando ICC; não se observam ninhos de parasitas (estes são vistos em apenas 30% dos casos de miocardites chagásicas crônicas); pode ocorrer, também, aneurisma de ponta do ventrículo esquerdo (aneurisma vortcilar) por adelgaçamento da parede ventricular. As complicações gastrintestnais da forma crônica da doença de Chagas são o megacólon e o megaesôfago, que resultam de lesão dos plexos nervosos autonômicos intramurais e mioentéricos.
3. Apresentação clínica
Figura 5 - Sinal de Romaña
ANATOMIADOEN E FISIOLOGIA RENAL ÇA DE CHAGAS
Figura 6 - Chagoma de inoculação na mão
A doença aguda, mais comum em crianças, faz parte do diagnóstco diferencial das síndromes mono-like: febre, adenomegalia, hepatoesplenomegalia, linfocitose apica, mal-estar, exantema, artralgia, podendo exibir formas mais graves, com miocardite e/ou meningoencefalite. Tais manifestações de doença aguda surgem, aproximadamente, entre o 7º e o 10º dias, podendo ocorrer até 40 dias após a picada do barbeiro. Em caso de transmissão transfusional, o período de incubação é mais curto. Chagoma de inoculação (Figura 6) é o nome dado à lesão inflamatória com edema e eritema no local da picada. Tal edema decorre de uma reação de hipersensibilidade local e demora 1 semana para resolver-se. Adenomegalia local acompanha o edema. O local preferencial é a face (pálpebras). Quando periorbitário, com possível invasão do parasita por meio da conjuntva, provocando edema bipalpebral unilateral, é chamado sinal de Romaña (Figura 5). A doença aguda tem duração de até 2 meses e regride espontaneamente. O paciente sai da fase aguda e entra na fase crônica da doença de Chagas. A fase aguda é caracterizada por grande quantdade de parasitas nos tecidos e por parasitemia intensa. A resposta imune celular reduz de forma relevante a parasitemia, levando o paciente à fase crônica. O início da fase crônica corresponde à forma indeterminada da doença de Chagas, em que a patologia está progredindo, mas a grande maioria dos pacientes é assintomátca. Apenas 30 a 40% evoluem para as formas tardias. As lesões da doença de Chagas localizam-se em fibras musculares e fibras nervosas. A forma cardíaca inicia-se com manifestações de Insu ficiência Cardíaca Congestva (ICC) e distúrbios de condução (extrassístoles, taquicardia, arritmias). O ECG característco de Chagas apresenta bradicardia, taquicardias paroxístcas, extrassistolia polifocal, bloqueios de ramo direito e bloqueio divisional anterossuperior esquerdo. Os pacientes podem evoluir para um BAVT, com parada cardíaca e morte súbita que ocorre em cerca de 40% dos pacientes com ICC secundária à doença de Chagas. O coração aumenta, principalmente à custa do ventrículo esquerdo. O miocárdio torna-se delgado, levando ao aneurisma de ponta que pode romper e causar morte súbita. A forma digestva manifesta-se como megaesôfago e megacólon. O paciente com megaesôfago refere disfagia
lentamente progressiva e sensação de “empachamento” pós-prandial, devido ao esvaziamento gástrico demorado. O megacólon manifesta-se com obstpação progressiva que se torna refratária ao uso de laxantes. Complicações frequentes são infecções a par tr de bactérias intestnais (Gram negatvas). O aumento do número e da sobrevida de indivíduos imunossuprimidos tem acarretado maior importância clínica das formas de rea tvação da doença de Chagas. Em pacientes infectados por HIV com imunodepressão avançada, previamente infectados pelo T. cruzi, o principal síto de reatvação é o SNC, apresentando-se como meningoencefalite. Os exames de imagem (TC ou RNM) exibem
lesões focais expansivas com impregnação pelo contraste e edema perilesional, que fazem diagnóstco diferencial com a neurotoxoplasmose. O liquor habitualmente evidencia uma meningite linfomonocitária, e exibe tripomastgotas que podem facilmente ser visualizadas por microscopia óptca, em virtude de seu padrão flagelar de movimentação. A resposta ao tratamento é precária e a mortalidade é alta nesses pacientes. Quanto às imunossupressões de outras etologias, merecem destaque os transplantados de órgão sólido. Entre eles, o contexto mais importante é o do transplante cardíaco, uma vez que a infecção do tecido miocárdico do enxerto ocorre com razoável frequência e, dependendo do grau de imunossupressão e das drogas u tlizadas para este fim, pode cursar com miocardite aguda grave, e graus variáveis de insuficiência cardíaca. Ademais, em transplantados de coração por miocardiopata chagásica, a reagudização da doença entra no diagnóstco diferencial de rejeição. O diagnóstco é feito por identficação do parasita no sangue periférico por métodos diretos, acompanhado de biópsia endomiocárdica exibindo ninhos de amastgotas associados à reação inflamatória com agressão à fibra muscular. Outro tpo de reatvação que merece ser citado em transplante de órgão sólido é o eritema nodoso, mais frequente em transplantados cardíacos e renais. Apresenta-se clinicamente com as manifestações clássicas de paniculite e vasculite subcutânea – com nodulações palpáveis, sinais inflamatórios intensos e dor – que são confirmadas por biópsia, que evidencia, ainda, formas amas tgotas do T. cruzi no interior de macrófagos do infiltrado inflamatório. As provas imuno-histoquímicas aumentam a sensibilidade para detecção do agente na biópsia, e os métodos de pesquisa direta no sangue periférico podem estar positvos.
4. Diagnóstco A - Formas clínicas a) Fase aguda -
Pesquisa direta – gold-standard: exame direto do sangue periférico, biópsia de linfonodo;
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INFECTOLOGIA Xenodiagnóstco (barbeiros vivos): exame pouco utlizado, mas de grande especificidade. O inseto alimenta-se do sangue do paciente, com iden tficação posterior do tripanossomo no trato gastrintestnal do inseto. O xenodiagnóstco pode ser positvo, mais raramente, em pacientes crônicos; ficos para o parasita: - Hemocultura em meios especí pode ser positva, mais raramente, em pacientes crônicos; - Sorologia (IgM). -
b) Fase crônica Sorologia (IgG): ELISA, imunofluorescência indireta, hemaglu tnação, imunoblot, fixação do complemento com métodos adequados, a sensibilidade e a especi ficidade são superiores a 90%. Técnicas de PCR conseguem detectar casos em que a sorologia é negatva.
B - Exames complementares Hemograma completo: leucopenia ou leucocitose discreta, com desvio à esquerda, associada à linfocitose, bem como eventual anemia hipocrômica e velocidade de hemossedimentação (VHS) moderadamente aumentada. Em casos graves podem ocorrer plaquetopenia e leucopenia moderadas; - Urinálise (EAS): usado para avaliação relat va da função renal; é ú tl para verificar a ocorrência de sangramento pelas vias urinárias; - Provas de função hepátca: são importantes marcado-
verificação
do acometmento hepátco, espe-
res para cialmente em casos de DCA por transmissão oral. As aminotransferases (AST e ALT) frequentemente aparecem elevadas. Bilirrubinas (totais e frações) também podem estar alteradas, com ou sem icterícia visível. O Tempo de Protrombina (TAP ou TP) prolongado sugere dano hepátco; - Radiografia de tórax: é comum o aumento global da área cardíaca de pequena ou moderada intensidade, evoluindo para um grande aumento (cardiomegalia) na dependência do grau da Cardiopata Chagásica Crônica (CCC). Nos casos agudos, a cardiomegalia pode ser decorrente da miocardite ou derrame pericárdico. Os campos pleuropulmonares geralmente estão limpos, podendo ocorrer derrame pleural em casos de insu ficiência cardíaca congestva; - Eletrocardiografia: o eletrocardiograma frequentemente se mantém normal por muitos anos durante o período de forma indeterminada. A cardiopata chagásica crônica envolve a presença de distúrbios do ritmo cardíaco (extrassístoles ventriculares, fibrilação atrial e outras) e/ou distúrbios de condução (bloqueio completo do ramo direito, bloqueios divisionais do ramo esquerdo, bloqueios atrioventriculares) e as alterações da repolarização ventricular, presentes em aproximadamente 50% dos pacientes.
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5. Tratamento A erradicação de T. cruzi é feita com drogas como benznidazol e nifurtmox. O 1º é usado na fase aguda na tentatva de eliminar a parasitemia. Há muita polêmica em relação ao tratamento com antparasitários na doença crônica. As formas cardíaca e digestva não têm tratamento cura tvo, apenas acompanhamento para controle das complicações. O tratamento etológico tem como objetvos: curar a infecção, prevenir lesões orgânicas ou a evolução delas e diminuir a possibilidade de transmissão do T. cruzi. O benznidazol é apresentado na forma de comprimidos de 100mg e deve ser usado em 2 ou 3 tomadas diárias, por VO, durante 60 dias. A dose varia de acordo com a idade e o peso do paciente: Tabela 2 - Doses de benznidazol Adultos
5mg/kg/dia
Crianças
5 a 10mg/kg/dia
Lactentes
10mg/kg/dia
O nifurtmox pode ser encontrado em comprimidos de 120mg e, de forma semelhante ao outro medicamento (benznidazol), deve ser usado em 2 ou 3 tomadas diárias, por VO, durante 60 a 90 dias. A dose indicada também está relacionada à idade e peso do paciente: Tabela 3 - Doses de nifurtmox Adultos
8 a 10mg/kg/dia
Crianças
15mg/kg/dia
6. Transmissão vertcal De acordo com o Consenso Brasileiro em doença de Chagas (Secretaria de Vigilância em Saúde – Ministério da Saúde – 2005), são considerados casos suspeitos de doença de Chagas por transmissão vertcal todas as crianças nascidas de mães com sorologia posi tva para T. cruzi. A taxa de transmissão vertcal é de cerca de 1% no Brasil, e 60 a 90% das crianças infectadas são assintomátcas. Para a confirmação de caso, é necessário identficar os parasitas no sangue do recém-nascido e/ou an tcorpos de srcem não materna (após 6 a 9 meses de idade), desde que sejam excluídos outros mecanismos de transmissão. A confirmação sorológica do diagnóstco em crianças assintomátcas deve ser feita entre 6 e 9 meses de idade; antes disso, ainda há presença, no soro da criança, de IgG materna transmitda passivamente durante a gestação. Quando há manifestação clínica, as síndromes mais frequentes são meningoencefalite e miocardite, que, em geral, se apresentam precocemente após o nascimento. Nestas, está indicada a pesquisa direta do parasita no sangue, visto que as provas sorológicas podem ser falsamente posi tvas (antcorpos maternos). O tratamento específico está indicado a crianças sintomátcas com parasitológico direto positvo no sangue, e crianças assintomátcas com sorologia
ANATOMIADOEN E FISIOLOGIA RENAL ÇA DE CHAGAS positva após os 9 meses. A infecção congênita é uma forma aguda da doença de Chagas, portanto, de no tficação compulsória.
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Figura 7 - Investgação de transmissão vertcal de doença de Chagas
7. Resumo Quadro-resumo - Formas de transmissão: vetorial, sangue e derivados, congênita, perinatal, VO; - Ciclo de vida; - Fases da doença: aguda e crônica; - Formas clínicas: indeterminada,cardíaca e digestva; - Diagnóstco: diferença da fase aguda e da fase crônica; - Tratamento: resolução apenas em fase aguda; - Transmissão congênita:importância do tratamento precoce e indicação de tratamento.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
13 1. Etologia A dengue é uma doença infecciosa febril aguda de etologia viral e endêmica em regiões tropicais, na maior parte das vezes, de curso benigno. No entanto, pode evoluir com complicações e produzir formas graves, classicamente denominadas Febre Hemorrágica da Dengue (FHD) e Síndrome do Choque da Dengue (SCD). O agente etológico da dengue é um arbovírus da família Flaviviridae. Existem 4 sorotpos virais: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4, cada um apresentando diversas cepas com propriedades antgênicas distntas. A infecção promove imunidade permanente sorotpo-específica e imunidade cruzada temporária para os demais sorotpos. No Brasil, entre 1982 e 2010, ocorria a circulação apenas dos sorotpos 1 a 3; entretanto, em julho de 2010 foi registrado o 1º caso autóctone, após 28 anos, de DENV-4 em Boa Vista RR, e desde então a circulação desse soro tpo tem sido documentada de maneira regular no território nacional. Nos anos de 2010 e 2011, o maior número de casos deveu-se a DENV-1, porém houve circulação importante também de DENV-2 e DENV-4. Não há diferenças clínicas ou prognóstcas entre as doenças provocadas por cada sorotpo; por outro lado, como a infecção produz imunidade sorotpo-específica, a presença de vários soro tpos numa determinada área aumenta a chance de de infecção sequencial, que sabidamente aumenta o risco evolução para as formas graves da dengue. A reintrodução de um novo sorotpo também eleva o risco de epidemia, uma vez que encontra a maior parte da população susce vel.
2. Transmissão A transmissão da dengue concentra-se nos trópicos, na área compreendida entre 35° lattude norte e 35° lattude
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Dengue Carolina dos Santos Lázari / Durval Alex G. e Costa
sul, que corresponde à distribuição ambiental do Aedes aegypt, o principal mosquito vetor. O ciclo de transmissão do vírus da dengue é antroponótco, isto é, a transmissão acontece de um ser humano a outro através do vetor, sem a necessidade de um reservatório não humano silvestre envolvido. Há descrição de transmissão Enzoótca entre espécies de primatas não humanos na África e na Ásia; no entanto, tais hospedeiros não têm importância epidemiológica em relação à infecção humana e ao surgimento de epidemias, visto que o ciclo antroponótco é suficiente para manter a circulação viral. Ao contrário, as epidemias de dengue têm-se tornado mais frequentes e amplas no meio urbano e estão in tmamente relacionadas à expansão das cidades, cujo crescimento desordenado e a aglomeração de pessoas favorecem os hábitos peridomiciliares do Aedes aegypt. Em 1º lugar, o crescimento desordenado favorece a proliferação do vetor, visto que o Aedes é extremamente adaptável ao ambiente urbano e tem grande capacidade de reprodução em criadouros artficiais, isto é, em todo tpo de vasilhame que retenha água limpa e parada. Assim, há alta densidade vetorial nas áreas em que os padrões prediais (lajes e calhas que represam água, caixas d’água expostas), o acúmulo de lixo (por exemplo, garrafas, latas e pneus) e a falta de vigilância governamental efetva, propiciam condições adequadas para a reprodução do mosquito. O Aedes tem uma vida média de 1 a 4 semanas, durante a qual permanece abrigado em ambientes domiciliares próximos ao criadouro de srcem, com hábito diurno e voos curtos (até 800m). Dessa forma, habitualmente, um mesmo mosquito pica vários indivíduos no mesmo domicílio e nas suas imediações, onde, geralmente, está presente o foco de procriação. Quando a fêmea do mosquito se alimenta de sangue de um indivíduo em fase virêmica, torna-se in-
ANATOMIA E FISI OLOGIADENGUE RENAL fectada, e então se inicia um período de multplicação viral no vetor, chamado período de incubação extrínseca. Após esse período, com duração média de 1 a 2 semanas, todos os repastos subsequentes têm potencial para a transmissão do vírus, e ocorrem várias vezes ao dia, até o fim da vida do mosquito infectado. Isso implica dizer que as aglomerações e as movimentações humanas estão relacionadas à disseminação da infecção, pois tende a haver casos agrupados em uma mesma residência ou vizinhança, e a migração de um indivíduo infectado pode resultar em introdução do vírus em outra área, onde haja condições ambientais adequadas, presença do vetor e hospedeiros humanos susce veis.
Figura 1 - Aedes aegypt
Em áreas tropicais, a transmissão acontece durante todo o ano, com aumento do número de casos nos meses chuvosos, em que há maior número de criadouros propícios; as altas taxas de umidade prolongam a vida média do mosquito, e as altas temperaturas encurtam o período de incubação extrínseca.
3. Epidemiologia De acordo com dados da OMS, mais de 2,5 milhões de pessoas estão expostos ao risco de dengue nas regiões tropicais onde acontece a transmissão. Es tma-se que ocorram cerca de 100 milhões de casos de dengue clássica e, aproximadamente, 500.000 casos de FHD ao ano.
Figura 2 - Áreas de risco de transmissão de dengue de acordo com ton (EUA), 2011 o Centers for Disease Control and Preven
As áreas endêmicas para dengue, caracteristcamente, apresentam circulação de mais de 1 soro tpo viral, entre os 4 existentes. Tal característca favorece a ocorrência de casos graves, incluindo a FHD. Isso se explica pelo fato de a infecção primária produzir imunidade sorotpo-específica, o que não impede a ocorrência de infecção por outro soro tpo em uma exposição subsequente. Assim, a ampli ficação da resposta inflamatória durante o 2º episódio de dengue, em virtude da presença de imunidade de memória produzida pelo episódio anterior, exacerba os mecanismos fisiopatológicos da doença, o que culmina com manifestações clínicas mais graves. Portanto, em áreas endêmicas onde há circulação de mais de 1 sorotpo viral e um grande número de indivíduos com história de infecção pregressa, a probabilidade de reinfecção é maior, especialmente nos momentos epidêmicos, em que há hipercirculação viral, geralmente do sorotpo de introdução mais recente. Dessa forma, ocorre um aumento epidêmico de casos de FHD, podendo tornar-se endêmica em tal população. A exposição precoce de crianças à infecção pelo vírus da dengue nas áreas endêmicas também está relacionada com a ocorrência de casos graves, visto que o mecanismo de amplificação da resposta inflamatória pode ocorrer em função da presença de an tcorpos maternos transmitdos passivamente. Essa característca é mais comumente observada em populações que enfrentam um 2º momento epidêmico, pois o aumento de circulação viral depara com um grande número de mulheres em idade reprodutva que apresentam antcorpos circulantes produzidos em uma infecção pregressa e, portanto, de crianças que os adquirem por via transplacentária ou aleitamento. Ou ainda, crianças que, a despeito da pouca idade, já foram expostas à infecção em epidemia anterior. Dessa maneira, a ocorrência de grande número de casos graves em crianças é um indicador de endemicidade da região para a dengue e de circulação viral epidêmica em dado momento. De acordo com dados recentes da Organização Pan-Americana de Saúde, houve 833.313 casos de dengue nas Américas até julho de 2011, dos quais 10.730 evoluíram para dengue com complicações, com 473 óbitos. A maior concentração de casos está no cone sul, que contribuiu com 750.283 (90%) casos de dengue, sendo 8.199 casos de FHD e 372 óbitos. Vale ressaltar a possível subnotficação. O Brasil, maior país em território e população do cone sul, foi também o maior responsável por tal estastca, contribuindo com mais de 85% dos casos no tficados nas Américas em 2011. O país vem apresentando um número crescente de casos de dengue a partr de 1990. Os primeiros registros de aumento do número de casos ocorreram em 1991 e 1998, e a epidemia que obteve maiores proporções ocorreu em 2002, cujo número de casos no tficados ultrapassou a marca de 800.000, com destaque para o estado do Rio de Janeiro. Nessa ocasião, foi registrado pela 1ª vez o aumento do
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INFECTOLOGIA número de casos de FHD, que ultrapassou 2.500, provavelmente pela ocorrência de episódios secundários em indivíduos que já haviam sido expostos aos surtos anteriores em 1991 e 1998. Em 2008, foi registrada mais uma epidemia de grandes proporções, com número de casos superior a 700.000. Nesse ano, novamente o estado do Rio de Janeiro teve destaque, com grande concentração de casos graves entre crianças. Segundo dados do Ministério da Saúde brasilei-
ro, em 2008 foram notficados 787.726 casos suspeitos de dengue, sendo destes 4.137 casos con firmados de FHD, com 223 óbitos. O estado do Rio de Janeiro contribuiu com 32% (255.818) dos casos no tficados no território nacional, o que representou, ainda, 43% (1.797) dos casos de FHD e 25% (57) dos óbitos. Números semelhantes haviam sido registrados previamente apenas na epidemia de 2002, em que ocorreram 1.831 casos de FHD e 91 óbitos por dengue no estado do Rio de Janeiro.
Figura 3 - Casos notficados de dengue por ano, Brasil, 1990 a 2009. Fonte: Ministério da Saúde
Até 2 de julho de 2011, 715.666 casos de dengue em todo o país haviam sido notficados. Este número representa uma diminuição de 18% em relação ao mesmo período de 2010, entretanto ainda em patamares muito elevados. É importante ressaltar que dados do 1º semestre representam quase a totalidade das ocorrências de cada ano, visto que a maior parte das infecções acontece nos meses chuvosos, com pico de transmissão em abril. Por outro lado, pode haver outros períodos epidêmicos, que incluem os meses de setembro a dezembro na região Sul e Sudeste, e os meses de junho a agosto nas regiões Norte e Nordeste. Até essa data, foram registrados 8.102 casos graves de
lizmente, as estastcas sobre a doença são altamente oscilantes no país, em parte pelos ganhos obtdos com as medidas de controle. Habitualmente se segue um momento de menor concentração de esforços e recursos nos programas de combate à dengue, motvada pela redução momentânea do número de casos. Os dados de redução em 2011 devem ser avaliados conjuntamente com os de 2010, em que se observou, até 3 de julho, incremento de 158,7% em relação ao mesmo período de 2009. Tamanho descontrole deve-se aos motvos mencionados e também à reintrodução do DENV-4 na população de maioria suscevel a este sorotpo.
dengue. Estes dados representam uma redução de 45% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando foram registrados 14.685 casos graves. Houve ainda queda de 44% nas mortes registradas no período (310 mortes, enquanto em 2010 houve 544 no mesmo período). Apesar da tendência de diminuição do número de casos registrada em 2011, não é possível a firmar que a transmissão de dengue no Brasil esteja sob controle. Ao contrário, ainda é necessária grande diminuição nesse número. Infe-
4. Fisiopatogenia
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Após a picada por um mosquito infectado, o vírus se replica em linfonodos regionais por 2 a 3 dias e, a seguir, dissemina-se por via hematogênica para vários tecidos, onde infecta macrófagos, monócitos e, em menor escala, linfócitos T e B. A resposta imune inata ocorre, inicialmente, por a tvação de células dendrítcas por meio de padrões moleculares
ANATOMIA E FISI OLOGIADENGUE RENAL associados a patógenos (PAMPs), e estas desempenham o papel de célula apresentadora de an geno para linfócitos T-helper, propiciando a transição de resposta inata para adaptatva específica, e o gatlho para a atvação dos mecanismos imunes efetores, com grande número de citocinas envolvidas. A resposta in flamatória sistêmica, com liberação de IL-8, TNF-alfa e óxido nítrico, resulta em lesão endotelial difusa, com desestabilização das estruturas juncionais intercelulares e consequente aumento da permeabilidade vascular, que permite o extravasamento de plasma, com consequente formação de derrames cavitários e hipoalbuminemia. Além disso, a liberação de fatores a tvadores de plaquetas, juntamente com a exposição de moléculas de adesão no endotélio lesado, es tmula a agregação plaquetária e seu sequestro periférico, o que culmina com a plaquetopenia. Tais alterações, em úl tma análise, resultam nos fenômenos hemorrágicos e nas alterações circulatórias que podem levar ao choque, presente nas formas mais graves da dengue. Quando ocorre infecção sequencial por sorotpo distnto, a presença da imunidade de memória produzida no episódio anterior, baseada em linfócitos T CD4 e CD8, permite a transição imediata para resposta adaptatva específica e a amplificação dos mecanismos inflamatórios. Além disso, a presença de antcorpos heterólogos parece aumentar a captação viral e sua replicação em células que expressam receptores específicos. Dessa forma, as lesões imunome-
A elevação dos tulos de antcorpos neutralizantes ao longo da infecção resulta em inatvação viral e possibilita a reversão das lesões e a remissão das manifestações clínicas.
5. Quadro clínico e classificação Na infecção pelo vírus da dengue, ocorre viremia, em média de 2 a 3 dias após a aquisição da infecção. Depois de um período de incubação de 4 a 7 dias, estabelecem-se as manifestações clínicas, em geral por volta do 4º dia, inicialmente com febre e, a seguir, com os demais sintomas. As formas oligossintomátcas inespecíficas são muito frequentes. A forma clínica mais comum, denominada dengue clássica, é benigna e autolimitada, e caracteriza-se por febre, cefaleia (sobretudo retro-ocular), mialgia frequentemente lombar, artralgia de grandes artculações, exantema macular, náuseas e vômitos. Para fins de vigilância epidemiológica, deve-se considerar caso suspeito de dengue um indivíduo que apresente febre com evolução de 2 a 7 dias, associada a, pelo menos, 2 dos sintomas relacionados, em área e momento epidemiológico compaveis com dengue. Todavia, nem sempre a evolução é benigna. Existem sinais considerados de alerta, que devem ser observados como indicadores de possível evolução desfavorável. A presença de manifestações hemorrágicas, entre elas petéquias, gengivorragia, epistaxe, hematêmese, melena e metrorragia, associadas às manifestações de dengue clássica, con figuram caso suspeito de FHD. Os fenômenos hemorrágicos tendem a aparecer por volta do 7º dia, no final do período
tfica a ocorrência de madiadas são exacerbadas, que jus nifestações clínicas maisograves no 2º episódio da doença. No entanto, existem relatos de FHD na primoinfecção, provavelmente relacionada a fatores gené tcos do hospedeiro e à virulência da cepa envolvida. A liberação maciça de citocinas durante a resposta inflamatória sistêmica resulta no mal-estar e na fadiga picos da doença. A presença de in filtrado inflamatório muscular e a infecção de células da medula óssea explicam a mialgia e dores musculoesquelétcas frequentemente relatadas. A invasão da medula óssea relaciona-se, ainda, às citopenias evidentes em sangue periférico, em virtude da inibição da hematopoese. Histopatologicamente, o exantema presente na dengue caracteriza-se por vasculite desencadeada pela presença do vírus, além de vasodilatação imunomediada. Há, ainda, certo grau de tropismo viral pelo fgado, situação em que
virêmico e no início da fase inflamatória, geralmente após a defervescência (declínio da febre).
acontece necrose hepatocelular com elevação de transaminases, num quadro de hepatte médio-zonal semelhante ao provocado pela febre amarela, em menores proporções. Podem ocorrer manifestações neurológicas, geralmente relacionadas a alterações metabólicas e perfusionais presentes nos quadros graves, ou ainda, hemorragias intracranianas. No entanto, há relatos que documentam a presença do vírus no sistema nervoso central, provocando o quadro de encefalite.
observação do paciente, visto que existem casos de dengue complicados que não se enquadram nos critérios de FHD e, ainda assim, podem evoluir de forma desfavorável, inclusive para óbito. Os critérios diagnóstcos para a con firmação de FHD são: - Febre de até 7 dias; - Plaquetopenia <100.000; - Presença de manifestação hemorrágica: prova do laço positva e/ou sangramento de qualquer natureza;
Tabela 1 - Sinais de alerta na dengue - Dor abdominal intensa e connua; hepatomegalia dolorosa; vômitos persistentes; - Hipotensão arterial ou postural; pressão diferencial <20mmHg (PA convergente); - Hemorragias importantes (hematêmese e/ou melena); - Extremidades frias, cianose; pulso rápido e fino; hipotermia; - Agitação e/ou letargia; diminuição da diurese; - Aumento repentno do hematócrito; - Desconforto respiratório.
A confirmação diagnóstca de FHD baseia-se em critérios estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde. Essa classificação tem fins epidemiológicos e não deve limitar a
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INFECTOLOGIA -
Sinal de extravasamento de plasma: aumento de 20% do hematócrito em relação ao inicial ou queda de 20% após expansão com cristaloide, e/ou derrame cavitário.
Os 4 critérios devem estar presentes para o diagnóstco de FHD. As manifestações hemorrágicas menores podem ocorrer na dengue clássica sem, no entanto, representar um quadro de FHD. Existem 4 graus de gravidade da FHD, e sua forma mais grave (grau IV) é denominada SCD. Tabela 2 - Classificação de gravidade da febre hemorrágica da dengue Grau I
Prova do laço positva como única manifestação hemorrágica.
Grau II
Prova do laço positva + hemorragias leves (petéquia, epistaxe, gengivorragia).
Hemorragias graves e/ou sinais de evolução para Grau III choque (pulso fino e rápido, hipotensão ou PA convergente). Grau IV SCD (choque com PA e pulso indetectáveis).
A prova do laço deve ser realizada obrigatoriamente em todos os pacientes com suspeita de dengue durante o exame fsico. Em algumas situações pode ser a única manifestação hemorrágica de casos complicados ou de FHD, podendo representar a presença de plaquetopenia ou de fragilidade capilar. É realizada da seguinte forma: - Desenhar um quadrado de 2,5cm de lado (ou uma área ao redor do polegar) no antebraço da pessoa e verificar a PA (deitada ou sentada); - Calcular o valor médio: (PAS+PAD dividido por 2); - Insuflar novamente o manguito até o valor médio e manter por 5 minutos (em crianças, 3 minutos) ou até o aparecimento das petéquias; - Contar o número de petéquias no quadrado. A prova
Figura 4 - Fisiopatogenia e classificação da dengue
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será positva se houver mais de 20 petéquias em adultos e mais de 10 em crianças. As principais característcas clínicas da FHD/SCD são os fenômenos hemorrágicos e o choque hipovolêmico causado pelo aumento da permeabilidade vascular e extravasamento de plasma. Os sintomas iniciais são indis tnguíveis daqueles da dengue clássica, contudo ofim da fase virêmica é marcado por sinais de hipoperfusão como cianose, sudorese, pele e extremidades frias, e irritabilidade. Em casos de evolução favorável, os sinais vitais permanecem estáveis, porém, em casos graves, constatam-se pulso rápido efino, hipotensão postural e PA convergente, o que pode evoluirpara PA e pulso indetectáveis, indicando choque estabelecido. À medida que as plaquetas diminuem, surgem petéquias e equimoses espontâneas, assim como sangramentos de mucosas. Ocorre hemoconcentração consequente da perda de plasma para o 3º espaço, re fletda por aumento do hematócrito e hipoalbuminemia. Derrames pleurais podem ser detectados em até 80% dos casos, seja no raio x de tórax em decúbito lateral com raios horizontais, seja por meio de ultrassonografia, que apresenta maior sensibilidade. Podem ocorrer derrames intra-abdominais, de ascite a efusões subcapsulares em fgado e baço. O extravasamento de líquido na membrana alveolocapilar pode resultar em Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA). Além da hipovolemia, pode ocorrer disfunção miocárdica relacionada à atvação inflamatória sistêmica, o que contribui para o estabelecimento de choque. As hipoperfusões tco – e renal resultam periférica – com produção de ácido lác em acidose metabólica e disfunção de múl tplos órgãos, em pacientes não tratados ou tratados tardiamente. Caso o paciente receba suporte volêmico adequado precocemente, a vasculopata tende a resolver-se de forma espontânea em 2 a 3 dias, e o quadro é revertdo sem sequelas.
ANATOMIA E FISI OLOGIADENGUE RENAL
6. Avaliação laboratorial e diagnóstco
7. Tratamento
O hemograma deve ser solicitado a todos os indivíduos com suspeita de dengue, especialmente crianças, idosos, gestantes e pacientes com comorbidades. Apesar de inespecíficas, a presença de leucopenia e plaquetopenia corrobora a hipótese diagnóstca. Além disso, o acompanhamento do hematócrito permite detectar hemoconcentração que, além de contribuir para o diagnós tco, é importante fator preditor de evolução para formas graves, e parâmetro para indicação de modalidade da hidratação – oral ou pa-
Como não há terapia an tviral específica, o tratamento da dengue consiste, basicamente, em medicamentos para o alívio dos sintomas, além de hidratação vigorosa e precoce para repor a volemia perdida por extravasamento capilar e sangramentos, de forma a impedir a evolução para choque. A modalidade e o volume de hidratação devem seguir critérios de estratficação de risco, com base em parâmetros como hematócrito, plaquetas, presença de manifestações hemorrágicas e/ou sinais de alerta. Pacientes com suspeita de dengue que apresentem he-
renteral do volume ser administrado. A tcontagem plaquetas– etambém temaimportância prognós ca, a fim de de determinar o risco de hemorragias graves e como critério diagnóstco de FHD. Ambos são parâmetros importantes na escolha do ambiente em que o paciente deve ser tratado: ambulatorial, observação, internação ou UTI. A dosagem de albumina pode ser útl para determinar a presença de extravasamento de plasma, situação em que acontece a hipoalbuminemia. As transaminases elevam-se de discreta a moderadamente, o que, juntamente com a ausência de hiperbilirrubinemia, é importante para o diagnóstco diferencial com febre amarela em pacientes que tenham histórico epidemiológico compavel com ambas as entdades. Em casos mais graves, que apresentem sinais clínicos sugestvos de hipovolemia e hipoperfusão periférica, a função renal – ureia e creatnina – e a gasometria venosa devem
mograma sem alterações significatvas, prova do laço negatva e ausência de manifestações hemorrágicas espontâneas ou quaisquer dos sinais de alerta, podem ser tratados em ambulatório e hidratados por via oral. Para adultos, o volume recomendado é 60 a 80mL/kg/dia, 1/3 de solução salina e o restante com outros líquidos. Para crianças, o volume e a composição devem ser calculados de acordo com a faixa etária e o peso. A hidratação deve ser mantda até o desaparecimento da febre, quando o paciente deve retornar para reavaliação, por tratar-se do momento em que, geralmente, surgem os sinais de FHD. O paciente deve ser orientado a retornar imediatamente ao serviço de saúde, caso apareça algum sinal de alerta. Devem ser prescritos analgésicos e an ttérmicos, além de antemétcos aos que apresentam náuseas e vômitos, desde que estes não comprometam a hidratação oral. Estão contraindicados os salicilatos e demais an t-inflamatórios não esteroidais, por sua interferência na agregação plaquetária, o que pode predispor a sangramentos. Pode ser necessária a prescrição de ant-histamínicos a pacientes que apresentam exantema pruriginoso. Pessoas com prova do laço positva e/ou manifestações hemorrágicas sem repercussão hemodinâmica devem ser submetdas à coleta imediata de hemograma, recebendo hidratação oral até o resultado, que deve ser obtdo o mais brevemente possível. Caso apresentem alterações pouco significatvas do hemograma, podem ser tratadas ambulatorialmente com todas as recomendações do grupo anterior, porém com maior aporte hídrico – 80mL/kg/dia – e orientação de retorno em 24 horas para reavaliação. No entanto, se há alterações importantes de hemograma, como hematócrito >42% em crianças, 44% em mulheres e 50% em homens, e/ou plaquetopenia <50.000, o paciente deve ser mantdo em leito de observação e receber hidratação parenteral com solução salina isotônica, em um volume de 80mL/kg/dia, 1/3 nas primeiras 4 a 6 horas. Após a hidratação, o hemograma deve ser reavaliado, e o paciente pode ser liberado para o domicílio, caso haja reversão da hemoconcentração (queda de, pelo menos, 10% do hematócrito), com orientação de hidratação oral vigorosa e retorno para reavaliação em 24 horas. Se não houver melhora dos parâmetros e se surgirem sinais de alarme ou plaquetopenia <20.000, deve-se proceder à internação e manter a hidratação parenteral. A coleta de sorologia é obrigatória a todos os pacientes com indicação de internação.
ser solicitadas para identficação de insuficiência renal pré-renal, acidose metabólica e hiperlactatemia. O diagnóstco específico é obtdo com técnicas de biologia molecular e de sorologia. Nos primeiros 2 dias de infecção, correspondentes ao período de viremia, a confirmação diagnóstca é possível apenas por detecção do RNA viral no sangue através de PCR (Polimerase Chain Reacton), visto que ainda não há tulos detectáveis de antcorpos específicos circulantes. A partr do 3º dia, está presente no soro um angeno viral não estrutural 1 (NS1), cuja detecção confirma o diagnóstco e tem boa correlação com os métodos sorológicos. A coleta de amostra para sorologia deve ser feita a partr do 7º dia – para detecção de imunoglobulinas de classe IgM específicas contra o vírus da dengue por ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) ou imunofluorescência indireta – momento em que a tnge sensibilidade superior a 95%. Em períodos não epidêmicos, a sorologia deve ser realizada em todos os casos suspeitos de dengue. Em situação de epidemia, pode ser feito diagnós tco clínico-epidemiológico de acordo com as orientações dos órgãos governamentais da região. Ainda assim, é obrigatória a confirmação sorológica em casos graves. A sorologia deve ser sempre solicitada em gestantes – para diagnóstco diferencial com rubéola – bem como crianças, idosos e indivíduos com comorbidades, devido ao seu maior potencial de evolução grave.
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INFECTOLOGIA O paciente que apresenta, já na 1ª avaliação, ou na reavaliação após 24 horas de tratamento ambulatorial, manifestações hemorrágicas de maior monta e/ou sinais de hipoperfusão e choque, ou qualquer sinal de alerta, deve ser prontamente internado, com início imediato de hidratação parenteral vigorosa. Devem ser colhidos hemograma, perfil bioquímico completo, gasometria e deve ser realizada investgação de derrames cavitários com radiogra fia de tórax e USG de abdome. A coleta de sorologia específica é obrigatória. O hematócrito deve ser monitorizado a cada 4 horas – para reavaliação do volume de infusão – e as plaquetas, a cada 12 horas. Devem ser monitorizados, ainda, volume de diurese e densidade urinária.
Em caso de sinais de instabilidade hemodinâmica, as reavaliações devem ser ainda mais frequentes, de preferência em leito de unidade crí tca. Em casos não responsivos à hidratação com solução cristaloide – sem melhora hemodinâmica ou com hematócrito em ascensão – está indicada a administração de expansores plasmátcos coloides, ou até mesmo hemotransfusão em caso de hemorragia que esteja contribuindo para a hipovolemia. Além disso, deve-se avaliar a indicação de transfusão de concentrado de plaquetas e plasma fresco como tratamento de coagulopa ta, e atentar para a possibilidade de componente cardiogênico no choque, especialmente em situação de hiper-hidratação. Pode ser necessária a correção de acidose metabólica e distúrbios eletrolítcos.
Figura 5 - Suspeita de dengue
Passado o período crítco, com a resolução da vasculopata e o restabelecimento da permeabilidade vascular normal, inicia-se a reabsorção do plasma anteriormente extravasado. Nesse momento, a velocidade de hidratação deve ser reduzida, e a monitorização hemodinâmica man tda, pois o processo pode resultar em hipervolemia, com possível insuficiência cardíaca congestva e edema pulmonar, especialmente em pacientes com comorbidades. Uma vez indicada a internação, alguns critérios devem ser observados para a alta com segurança como ausência de
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febre por 24 horas sem terapia anttérmica, melhora visível do quadro clínico, hematócrito normal e estável por 24 horas, plaquetas em elevação, derrames cavitários em reabsorção e estabilização hemodinâmica por, pelo menos, 48 horas.
8. Prevenção Existem testes em humanos com bom resultado para uma vacina para dengue, com previsão de uso até 2014. No entanto, até o momento não existem vacinas disponíveis.
ANATOMIA E FISI OLOGIADENGUE RENAL As intervenções de prevenção da doença estão intmamente relacionadas com o controle do vetor, com medidas ambientais e individuais. O controle do vetor baseia-se, principalmente, em medidas ambientais que impeçam a oviposição e a proliferação do mosquito. São de grande importância os programas governamentais de levantamento de infestação por Aedes aegypt que, por meio de vistoria por amostragem dos imóveis de uma determinada área – para a iden tficação de criadouros potenciais e pesquisa larvária – calcula a densidade vetorial da área estudada, o que fornece um parâmetro razoável para o risco de transmissão de dengue. Esses
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dados são utlizados para planejamento dos programas de controle do vetor – tanto para extnção de criadouros e larvas quanto contra o mosquito adulto –, bem como avaliação de eficácia após sua implantação. Devem ser mantdos programas educacionais constantes voltados para a população, que estmulem a adoção de medidas de controle ambiental por todo cidadão em sua residência. Como vimos, a transmissão acontece, na maioria das vezes, no peridomicílio, e os criadouros ar tficiais doméstcos são de grande importância epidemiológica. Hábitos inadequados de condicionamento de objetos, disposição de lixo e entulhos e, até mesmo, projetos ornamentais, têm impacto sobre a formação de focos de infestação e devem ser desestmulados. Em situação de epidemia, devem ser reavaliados e intensificados os programas de controle e educação. A rede pública deve estar preparada para atender à demanda, oferecer métodos diagnóstcos rápidos e insttuir terapia precoce secundária de morbimortalidade. A no tfipara caçãoaéprevenção essencial para a agilidade e a eficácia do sistema de vigilância epidemiológica.
9. Resumo Quadro-resumo - Arbovírus da famíliaFlaviviridae; Etologia
- Quatro sorotpos virais: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. - Fatores que facilitam a transmissão (aglomeração, chuvas, polítcas econômicas);
Transmissão
- Sazonalidade da epidemia (períodos chuvosos do ano); - Perímetro de atuação do mosquito (próximo, favorecendo piora em aglomerações).
- Fatores que aumentam a gravidade da infecção (infecções prévias por outros sorotpos, aglomeração). - Razões para infecção ser pior se já se teve ouFisiopatogenia tro sorotpo prévio. Epidemiologia
- Sinais de alerta; Clínica
- Classificação de gravidade; - Prova do laço e suafinalidade.
Diagnóstco
- Momento correto da realização da sorologia; - Medidas de controle de casos graves.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
14
Icterícias febris Rodrigo Antônio Brandão Neto / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Febre amarela A - Agente etológico
mica da doença e transmitem o vírus quando picam outros indivíduos susceveis. A transmissão epidêmica acontece quando uma pessoa infectada viaja para uma área infestada por vetores durante a fase de viremia.
O vírus da febre amarela, um arbovírus da família Flaviviridae, é esférico, com 25 a 40nm de diâmetro, consttuído por um envelope lipídico densamente recoberto por projeções de do envelope e de membrana. interior doglicoproteínas envelope, abriga-se um nucleocapsídeo consNo ttuído por um envoltório proteico (proteínas do capsídeo) em torno de uma molécula simples de RNA de fita única. O vírus é instável no meio ambiente e sensível a calor, radiação ultravioleta, desinfetantes – incluindo álcool e iodeto – e pH ácido.
Figura 2 - Áreas de risco de transmissão de febre amarela de acordo com a Organização Mundial de Saúde, 2007 (em verde)
Aproximadamente, 200.000 casos de febre amarela ocorrem anualmente no mundo, 90% deles na África. Nesse contnente, a doença ocorre de maneira endêmica, cujo número flutuante de casos varia em função de frequentes epidemias e surtos menores. Existe intensa transmissão no meio urbano, onde há uma alta densidade de mosquitos Figura 1 - Vírus da febre amarela
B - Epidemiologia e transmissão O vírus da febre amarela circula de maneira endêmica na África Subsaariana e nas Américas Central e do Sul. No entanto, existe risco potencial de transmissão e epidemias em áreas em que haja ecossistema de característcas semelhantes, vetores e indivíduos susce veis. Os mosquitos se infectam ao picarem indivíduos que estejam na fase virê-
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vetores em proximidade com grandes populações de indivíduos não imunizados, dada a cobertura vacinal inadequada. Desta maneira, os principais vetores são o Aedes aegypt no ciclo antroponótco urbano e outras espécies de Aedes no ciclo silvestre. A frequência e a magnitude variáveis das epidemias, nos últmos anos, refletem as variações cíclicas na circulação viral e na imunidade de hospedeiros humanos, adquirida na epidemia mais recente ou em programas globais de imunização.
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS Nas Américas, a transmissão é predominantemente silvestre, com evolução em surtos. Assim, os vetores de maior importância são os de habitat silvícola, em especial os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, e o ciclo viral depende de populações susce veis de hospedeiros primatas não humanos, entre os quais o vírus se propaga de maneira enzoótca, seguindo a movimentação dos animais e os bolsões de suscetbilidade. Neste ciclo, o homem é hospedeiro incidental, e os casos são registrados entre não imunes que adentram regiões de transmissão e se expõem ao ambiente silvestre, em a tvidades profissionais rurais e
No período de 1980 a 1997, foram registrados, no Brasil, 342 casos de febre amarela silvestre, dos quais 201 foram a óbito, evidenciando uma taxa média de letalidade de 58,8%. O final da década de 1990 vivenciou um marcante aumento do número de casos, concomitante à expansão das áreas de risco de transmissão. Houve surtos de FAS em 1993, 1999/2000 e 2003. No período de 1999 a 2003, a Febre Amarela Silvestre (FAS) apresentou-se de forma não usual no Brasil. Ocorreram surtos em humanos e epizootas em primatas não humanos além das fronteiras das áreas delimitadas como fi
fl
orestais, viagens recreatvas ouenzoó incursões militares. Quando aumenta a transmissão viral tca, frequentemente segue-se a mortandade entre grupos de primatas não humanos – as epizootas –, o que aumenta o risco de exposição incidental e o número de casos entre humanos. Os casos concentram-se entre janeiro e março, meses chuvosos que favorecem a proliferação do vetor. O surto silvestre de maior proporção no contnente americano desde a década de 1950 ocorreu no Peru, em 1995. O últmo surto de febre amarela urbana registrado nas Américas ocorreu em 1954, em Trinidad. No entanto, a expansão das áreas urbanas e sua reinfestação pelo Aedes aegypt, associadas à baixa cobertura vacinal, chamam a atenção para a possibilidade de reurbanização da doença, com surgimento de novas epidemias, especialmente em cidades conguas a áreas florestais onde ocorra circulação natural do vírus. O Brasil ocupa o 3º lugar em número de casos de febre amarela notficados nas Américas, após Peru e Bolívia. Após as grandes campanhas de erradicação e prevenção empreendidas no início do século XX, a doença no país restringe-se ao ambiente silvestre. A últma grande epidemia urbana ocorreu em 1929, na cidade do Rio de Janeiro, e os 3 úl tmos casos de febre amarela urbana foram registrados em 1942, em Sena Madureira, no Acre. Em estudos epidemiológicos anteriores à década de 1970, foram delimitadas 3 áreas epidemiológicas distntas: - Enzoótca ou endêmica: correspondente à área onde o vírus amarílico pode circular permanentemente entre a população de vetores silvestres; o homem é infectado de forma acidental, resultando em casos esporádicos entre indivíduos não imunes que entram em contato com o ciclo natural, que podem apresentar picos cíclicos. Abrangia, inicialmente, os estados das regiões Centro-Oeste e Norte e a parte pré-amazônica do Maranhão; Epizoótca ou de transição: diz respeito às áreas onde há incursão esporádica da circulação viral, podendo ocorrer casos e/ou surtos em humanos, geralmente precedidos por mortandade de primatas não humanos (epizoota); - Indene: área em que não há circulação do vírus amarílico, incluindo os estados das regiões Nordeste, Sudeste e Sul. -
tca. endêmica e epizoó Seguiu-se, portanto, rede nição das áreas de risco, com expansão das áreasuma de transição em direção ao Leste e ao Sul do país. Além disso, surgiram as chamadas áreas indenes de risco potencial, isto é, áreas conguas às de transição, com ecossistemas semelhantes às áreas onde ocorre a circulação do vírus, em que há hospedeiros susceveis e mosquito vetor, porém em que não foram registrados epizootas ou casos humanos até o momento – compreendendo municípios do sul de Minas Gerais e da Bahia, e a região Centro-Oeste do Espírito Santo.
Figura 3 - Áreas de risco de transmissão de febre amarela, após a redefinição ocorrida em 2003 – Ministério da Saúde, Brasil
De acordo com dados recentes do Ministério da Saúde do Brasil, em 2008, ocorreram 46 casos con firmados de FAS, dos quais 25 evoluíram para óbito, configurando letalidade de 54,3%. A grande maioria dos casos teve provável local de infecção em estados da região Centro-Oeste (71%), com destaque para Goiás e Mato Grosso do Sul, em que ocorreram 16 (34,7%) e 9 (19,5%) casos, respectvamente. Todos tveram exposição a ambiente silvestre, e mais de 80% não apresentavam vacinação comprovada. Nos anos de 2008 e 2009, novamente surgiram casos de febre amarela fora das áreas consideradas de risco a partr de 2003, o que mo tvou nova redelimitação. Desta vez, deixam de existr a classificação em áreas mencionadas, e o território nacional passa a ser dividido apenas em “área com recomendação de vacina contra febre amarela” e
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INFECTOLOGIA “área sem recomendação de vacina contra febre amarela”. Tal mudança, além de expandir as áreas em que é indicada a vacinação, teve por objetvo a simplificação visual (utlizando mapa de apenas 2 cores) e prá tca das medidas de vigilância epidemiológica da febre amarela.
11 evoluíram para óbito, e a letalidade foi de 39%. Nenhum dos indivíduos acometdos era vacinado e todos desenvolviam atvidades em ambiente silvestre, de mata ou em área rural no momento da infecção. No estado do Paraná, foram registradas epizootas suspeitas, entretanto, apenas no município de Ribeirão Claro, divisa com São Paulo, foi possível documentar e con firmar a causa por febre amarela. Não foram notficados casos humanos suspeitos ou confirmados para FA no estado nesse período. Posteriormente, outros 3 casos humanos foram confirmados em regiões consideradas endêmicas para a febre amarela, Mato Grosso. sendo um no estado de Minas Gerais e 2 no Com o encerramento da ESPIN em 2009, o mapa de áreas onde há indicação de vacinação foi reconfigurado, e atualmente apresenta-se como na Figura 5.
Figura 4 - Mapa de áreas com e sem recomendação de vacina contra febre amarela (2007)
Nesta extensa área geográfica considerada de risco para FAS (representada em verde), a vacinação contra a doença é adotada na ro tna para toda a população residente, a partr de 9 meses de vida. Nessa área, recomenda-se manter elevadas as taxas de cobertura vacinal, intensificando a vigilância de epizootas de primatas como alerta de risco. Eventualmente, sem periodicidade definida, o vírus da febre amarela emerge em novos espaços geográficos e pode invadir áreas onde não tem sido documentado durante anos, caracterizando assim uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Nacional (ESPIN) de febre amarela. A recente expansão da área de ocorrência de FAS, registrada entre 2008 e 2009, ocorreu no Rio Grande do Sul e atngiu áreas que extrapolaram aquelas classificadas como de risco, situação que passou a ser caracterizada como uma ESPIN. Ainda nesse período, em fevereiro de 2009, foi registrada nova ESPIN de febre amarela no estado de São Paulo, em áreas classificadas como indenes, portanto, sem recomendação de vacina à população até então. Na ESPIN do Rio Grande do Sul, o 1º caso humano confirmado
aconteceu em dezembro de 2008, e o últmo, em abril de 2009. Foram confirmados 20 casos de FAS, dos quais 9 evoluíram para óbito (letalidade 45%). Todos os casos confirmados eram não vacinados contra a febre amarela e tveram, como local provável de infecção, ambientes silvestres, de mata ou na zona rural. A ESPIN de São Paulo ocorreu de fevereiro a abril de 2009, com 28 casos confirmados, distribuídos em 5 municípios da região sul do estado. Do total de casos confirmados,
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Figura 5 - Mapa de áreas com e sem recomendação de vacina contra febre amarela (2009)
C - Patogênese Após sua inoculação, por meio da picada do mosquito, o vírus da febre amarela replica-se, inicialmente, em linfonodos regionais, e, a seguir, dissemina-se rapidamente por via hematogênica para macrófagos residentes, sobretudo células de Kupfer no fgado, seguidos de disseminação ainda mais ampla para hepatócitos, pulmões, rins, glândulas suprarrenais, baço e medula óssea. As alterações patológicas são mais pronunciadas no fgado e nos rins, entretanto as manifestações hemorrágicas são encontradas em superfcies mucosas, pele e em vários outros órgãos. O principal órgão-alvo do vírus é o fgado, e seu acometmento é a fonte das manifestações clínicas mais importan-
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS tes. O dano hepatocelular caracteriza-se por uma hepatte médio-zonal, que, geralmente, poupa as camadas de células dispostas em torno da veia centrolobular e dos espaços-porta. Ocorre intensa necrose lobular, em média 60% dos hepatócitos, porém a arquitetura retcular é preservada. O mecanismo de morte celular predominante é a indução de apoptose, com infiltrado inflamatório limitado, e reparação sem formação de fibrose. Nos demais órgãos, destacam-se insuficiência renal aguda de componentes pré-renal (hipovolemia e miocardite) e renal, com necrose tubular aguda por invasão viral do
veis crescentes de bilirrubina direta, podendo ultrapassar 10mg/dL. Enzimas canaliculares, como fosfatase alcalina, estão levemente aumentadas. Nesse período, surgem os antcorpos específicos e desaparece a viremia. Por fim, o quadro pode culminar em hipotensão, acidose metabólica e choque, corroborados pela depressão cardíaca por miocardite viral, associada à necrose tubular aguda e insuficiência renal oligúrica. Frequentemente ocorre maior elevação de TGO em relação à TGP em consequência do dano miocárdico. Enzimas específicas da fibra muscular cardíaca, como CPK-MB e troponina, podem estar altera-
parênquima; hemorragias digestvas a lesões erosivas e petequiais na mucosa do relacionadas trato gastrintes tnal, sobretudo gástrica (expressa por hematêmese); fenômenos hemorrágicos difusos consequentes da produção diminuída de fatores da coagulação em virtude da insu ficiência hepátca, somada a outros fatores como plaquetopenia, coagulação intravascular e disfunção endotelial e de adesão plaquetária. Todos esses fenômenos parecem relacionados tanto ao efeito citopátco direto do vírus quanto a mecanismos imunomediados. A produção de antcorpos neutralizantes inicia-se na 1ª semana de doença e é responsável pelo clareamento viral, além de conferir imunidade protetora duradoura em pacientes que conseguem se recuperar.
das. A IRA é re etúl datma, por elevação de creatnos nina,casos uremia albuminúria. Esta sempre presente gra-e ves, consttui uma importante característca para o diagnóstco diferencial com hepa ttes virais por vírus hepatotrópicos clássicos. Nos estágios avançados, podem surgir manifestações neurológicas, como confusão mental, convulsões e coma. Todavia, estas provêm, na maioria das vezes, do estado de falência multssistêmica, com alterações hemorrágicas, perfusionais e metabólicas em SNC, e não de uma encefalite viral propriamente dita. A análise do liquor revela hiperproteinorraquia sem alteração de celularidade, o que reflete edema cerebral e encefalopata, sem infecção viral direta de células do SNC e meningoencefalite. O óbito, usualmente, acontece de 7 a 10 dias após o estabelecimento do quadro ictérico. Pacientes que sobrevivem ao período crítco da infecção estão sujeitos a complicações bacterianas, como pneumonia e sepse, para as quais o médico deve estar atento. Quanto aos que se recuperam, o restabelecimento das funções orgânicas é completo, e não há relato de hepatte crônica pelo vírus da febre amarela.
fl
D - Manifestações clínicas e laboratoriais tca em até com A febre amarela podetser 50% dos casos. Quando sintomá ca, assintomá pode apresentar-se um amplo espectro de síndromes clínicas, que varia de um quadro inespecífico, autolimitado com sintomas gripais, a um quadro hemorrágico grave de alta letalidade, fatal em mais de 50% dos casos. Após um período de incubação de 3 a 6 dias, inicia-se, subitamente, um quadro de febre, cefaleia e mialgia, com poucos achados de exame fsico, como hiperemia conjuntval e facial, e dissociação pulso-temperatura (sinal de Faget – temperatura elevada e pulso diminuído). Essa fase prodrômica coincide com o período inicial de viremia, geralmente é acompanhada de leucopenia, e elevação moderada de transaminases, precedendo o estabelecimento da icterícia. Tal período tem duração média de 2 dias, e seu término pode significar a resolução da infecção na maioria dos casos. Em, aproximadamente, 15%, a remissão transitória é seguida por recidiva da febre, dessa vez acompanhada de intensas cefaleia e mialgia, náuseas, vômitos, dor abdominal e sonolência. Estabelecem-se astenia e prostração progressivas, com evolução para hepatte ictérica e manifestações hemorrágicas, com destaque para hematêmese, epistaxe, gengivorragia e hemorragias cutâneas petequiais e purpúricas. A hepatte é demonstrada por importante elevação de transaminases, proporcional à gravidade do quadro, frequentemente com níveis superiores a 2.000mg/dL, além de ní-
E - Diagnóstco Nos primeiros dias após a aquisição da infecção, que correspondem à fase de viremia, o diagnóstco etológico só é possível por meio de técnicas de detecção e isolamento virais, a partr de amostras de sangue e/ou tecidos. No entanto, tais técnicas são de uso limitado na prá tca clínica em situações de surto, em virtude de sua complexidade e custo, especialmente nos países em desenvolvimento que abrangem as áreas de ocorrência da febre amarela. É importante ressaltar que a biópsia hepátca não está indicada para o seu diagnóstco precoce, visto que a diástase hemorrágica pode acarretar sangramento fatal durante o procedimento invasivo. Na maioria dos casos, o diagnós tco baseia-se em métodos sorológicos, dentre os quais se destacam as técnicas de captura de IgM em ensaios imunoenzimátcos (ELISA), embora a imunofluorescência indireta possa ser utlizada. Os ensaios por metodologia ELISA têm, aproximadamente, 95% de sensibilidade quando colhidos entre 7 e 10 dias após o início dos sintomas, períodos em que as imunoglobulinas de classe IgM estão presentes no soro em tulos máximos.
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INFECTOLOGIA F - Tratamento Pacientes com suspeita ou diagnóstco confirmado de febre amarela devem ser hospitalizados em unidades de terapia intensiva, em virtude da gravidade potencial da doença. No período de viremia, o paciente deve estar protegido de picadas de mosquito, para evitar a transmissão antroponótca (de pessoa a pessoa através do vetor), sobretudo em áreas onde a transmissão urbana está erradicada. Não há terapia antviral específica disponível, e nenhuma medida individualizada de suporte foi avaliada. Recomendam-se medidas gerais de suporte clínico para pacientes crítcos, como: - Suplementação de oxigênio; - Reposição hidroeletrolítca; - Vasopressores e inotrópicos, de acordo com indicação individualizada. Podem ser utlizados inibidores de bomba de prótons e bloqueadores histamínicos H2 na prevenção de hemorragia digestva. E ainda, deve ser evitada a administração de sedatvos e drogas com metabolização hepátca, e as doses devem ser ajustadas de acordo com a função renal. Alterações de consciência sugestvas de encefalopata devem ser investgadas para causas metabólicas tratáveis, como hipoglicemia e acidose. Hemotransfusões de plasma fresco podem ser realizadas como reposição de fatores da coagulação no tratamento dos fenômenos hemorrágicos.
G - Prevenção A febre amarela é uma doença imunoprevenível. A vacina contém o vírus amarílico vivo atenuado, e todas as formulações disponíveis atualmente derivam da cepa 17D, desenvolvida a partr de 1937. A vacinação é altamente eficaz, com soroconversão acima de 95% após dose única. Em torno de 90% dos vacinados desenvolvem an tcorpos neutralizantes 10 dias após a aplicação, e 99% os desenvolvem em 30 dias. Recomenda-se revacinação a cada 10 anos para aqueles que permanecem em áreas de risco. A imunização contra febre amarela está indicada a todos os habitantes de área de transmissão, a par tr de 1 ano. Em áreas de alto risco, podem ser considerados 9 meses de vida. Indica-se, ainda, para viajantes a áreas endêmicas e deve ser administrada pelo menos 10 dias antes de adentrada a região. Os efeitos adversos comuns, como febre baixa, cefaleia e mialgia, estão relacionados à viremia que ocorre 3 a 7 dias após a vacina, com duração de 1 a 3 dias. A viremia desaparece tão logo se inicia a produção de antcorpos neutralizantes. Os efeitos adversos graves incluem reações de hipersensibilidade – em indivíduos alérgicos a ovo, visto que o vírus vacinal é produzido em culturas de células de embrião de galinha –, doença neurotrópica e doença viscerotrópica.
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A doença neurotrópica tem incidência em torno de 1 caso por 150.000 a 250.000 e consiste em um quadro de encefalite pelo vírus vacinal. Manifesta-se por febre, cefaleia e sinais neurológicos focais, e caracteriza-se por alterações de LCR. Podem ocorrer sinais de mielite e polirradiculoneurite. É mais comum em crianças, e a maioria dos indivíduos recupera-se sem sequelas. A doença viscerotrópica simula o quadro clínico da febre amarela, com intensa replicação viral e resposta in flamatória sistêmica, e pode evoluir para insu ficiência de múltplos órgãos e óbito. Ocorre em uma incidência de 1 caso por 200.000 doses. Acuja idade avançadapode é fator de risco para essea 300.000 efeito adverso, incidência chegar a1 caso por 40.000 a 50.000 para indivíduos vacinados pela 1ª vez após os 60 anos. A vacina está contraindicada a indivíduos imunodeprimidos, pelo risco de reversão da virulência do vírus vacinal, e desenvolvimento de doença. Pacientes infectados por HIV assintomátcos e com contagens de LT CD4 acima de 350 podem ser vacinados com segurança, desde que tenham indicação precisa de imunização. A vacinação está absolutamente contraindicada a pacientes com contagem de LT CD4 inferior a 200 e pode ser considerada com cautela na faixa entre 200 e 350, avaliado o risco-bene fcio. Usuários crônicos de cortcosteroides e transplantados em uso de imunossupressores também podem apresentar risco aumentado de efeitos adversos graves. Não há estudos que embasem a segurança da vacina contra febre amarela na gestação e, portanto, não está recomendada, exceto em casos de alssimo risco, em que não seja possível evitar a exposição.
2. Malária
Figura 6 - Mosquito Anopheles sp
A - Epidemiologia A malária humana é uma doença parasitária que tem como agentes etológicos protozoários do gênero Plasmodium (Plasmodium vivax, P. falciparum, P. malariae, P. ovale), e é transmitda ao homem pela picada da fêmea de mosquitos do gênero Anopheles, inseto antropoflico domiciliado.
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS Trata-se da principal doença parasitária existente, em especial nos países em desenvolvimento. Sua situação atual no mundo ainda é alarmante: de 200 a 300 milhões de casos/ano, que resultam em 1 a 2 milhões de mortes/ano. Em 2008, ocorreram mundialmente 247 milhões de casos. Na América Latna, o maior número de casos é verificado na Amazônia Brasileira. A malária é endêmica na Amazônia Legal, com média de 500.000 casos por ano. Cerca de 99,8% da transmissão da doença concentram-se nessa região, composta pelos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantns, com 807 municípios. No período de 2000 a 2002, houve redução na no tficação de casos. No entanto, essa queda não foi mantda, e, no período de 2003 a 2005, observou-se crescimento no registro da doença. Porém, em 2006 e 2007, houve uma reversão de tal tendência de crescimento; segundo o Programa Nacional de Controle da Malária (PNCM), houve uma queda expressiva no número de casos nestes anos. Em 2005, foram no tficados 607.827 casos e, em 2007, 457.659 casos, o que representa menos 150.168 pessoas doentes, uma redução de 24,7%.
Figura 7 - Áreas de risco de transmissão de malária em 2010
Figura 8 - Mapa de risco de malária por município de infecção, Amazônica Legal, 2007. Baixo risco: IPA <10; médio risco IPA 10 a 49; alto risco IPA ≥50. Fonte: Ministério da Saúde, 2010
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INFECTOLOGIA
Figura 9 - Número de casos de malária, Amazônia Legal, 1999 a 2007
Figura 10 - Registro mensal de casos de malária – Amazônia Legal 2004 a 2010
O conhecimento das áreas de risco de transmissão da malária é fundamental para a suspeita diagnóstca. Diante de um quadro clínico sugestvo da doença, deve-se sempre questonar se o paciente esteve em área endêmica até 2 semanas antes do início das manifestações, assim como qualquer quadro febril em paciente que regressa de área de transmissão deve suscitar a hipótese diagnóstca de malária.
B - Fisiopatologia
Figura 11 - Ciclo evolutvo do Plasmodium
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ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS O Plasmodium é um parasita estenoxeno (encontrado em poucos hospedeiros). Há mais de 100 espécies na natureza, mas apenas 4 são importantes, do ponto de vista médico: 1 - Plasmodium falciparum: causador da febre terçã maligna, associado a formas mais graves com 30% de mortalidade quando não tratada. 2 - Plasmodium vivax: causador da febre terçã benigna. 3 - Plasmodium malariae: casos raros no Brasil, não registrado em 2007. 4 - Plasmodium ovale: existente apenas na África. Os plasmódios apresentam 2 fases evolutvas: uma sexuada e outra assexuada. Na malária, o ciclo sexuado do plasmódio acontece no mosquito (hospedeiro definitvo), e o assexuado, no homem (hospedeiro intermediário). a) Ciclo do Plasmodium no hospedeiro intermediário O mosquito inocula esporozoítos no hospedeiro que caem na corrente sanguínea e chegam ao fgado, onde se transformam em trofozoítos e, depois, em esquizontes teciduais; estes últmos, por conseguinte, se rompem, liberando merozoítos. O número de merozoítos liberados por cada esquizonte tecidual varia conforme a espécie de Plasmodium (P. falciparum: 40.000 merozoítos por esquizonte, número que justfica a maior gravidade deste parasita; P. vivax: 15.000 merozoítos por esquizonte). Os merozoítos invadem as hemácias: enquanto o P. falciparum invade todas as hemácias, e o P. vivaxinvade apenas as hemácias jovens (retculócitos). Dentro das hemácias, os merozoítos amadurecem e transformam-se em esquizontes sanguíneos. Os esquizontes sanguíneos causam hemólise, liberando novos merozoítos, que infectarão outras hemácias. O número de merozoítos liberados por cada hemácia rompida também varia de acordo com as espécies de Plasmodium (P. falciparum: 32 merozoítos por hemácia; P. vivax: 24 merozoítos por hemácia). Na malária por P. falciparum, considera-se parasitsmo importante quando há mais de 2% de hemácias parasitadas (10.000/mm3). O esporozoíto penetra na célula através do complexo apical. Transforma-se em trofozoíto, que sofre múl tplas divisões, transformando-se em esquizonte. O esquizonte rompe-se, liberando merozoítos, que podem voltar a ser trofozoítos ou transformar-se em gametócitos. b) Ciclo do Plasmodium no hospedeiro definitvo O esquizonte sanguíneo também srcina gametóci tos os que são sugados pelo mosquito que, por sua vez, se reinfecta e pode infectar outras pessoas. Os gametócitos transformam-se em gametas masculinos e femininos (ainda no hospedeiro intermediário), que se fundem para formar um zigoto (já no hospedeiro definitvo, após o repasto). Este sofre divisões meiótcas formando o oocisto, que srcina vários esporozoítos.
Quando se trata um paciente com malária, é preciso considerar a importância da eliminação dos gametócitos no tratamento. O ciclo eritrocítco do P. falciparum ocorre, principalmente, nos capilares da circulação esplênica. Quando se encontram esquizontes sanguíneos no sangue periférico de um paciente com malária por P. falciparum, o caso deve ser considerado de muita gravidade, pois tal achado decorre da abundância de parasitas no sangue. Na infecção por P. vivax, o esquizonte tecidual também srcina hipnozoítos. Nesse caso, se os hipnozoítos não são destruídos, meses após a doença inicial, essas formas saem tcos da latência e iniciam novos ciclos eritrocí (recidiva da malária). Deve-se lembrar que as drogas que matam os merozoítos e promovem uma cura clínica não matam hipnozoítos. Assim, não causam erradicação total do parasita. O Plasmodium é capaz de escapar da resposta imune porque tem variações de forma durante o seu ciclo. A resposta imune é feita por meio de antcorpos protetores, linfócitos T citotóxicos e citocinas. A pesquisa de vacinas visa encontrar um an geno comum nas diversas fases do ciclo, que leve à produção de antcorpos protetores. Vale ressaltar que os linfócitos T citotóxicos (CD4 e CD8) combatem apenas os parasitas que estão infectando os hepatócitos. As citocinas têm um papel muito importante na malária (IFN-gama, IL-2, TNF, IL-6, IL-l), pois as formas graves da doença dependem da partcipação do sistema imune. Quanto maior o nível de TNF do paciente, pior o prognóstco.
C - Apresentação clínica O período de incubação da malária varia de acordo com a espécie de plasmódio, de 8 a 12 dias para P. falciparum, 13 a 17 para P. vivax e 28 a 30 dias para P. malariae. Uma fase sintomátca inicial, caracterizada por mal-estar, cefaleia, cansaço e mialgia, geralmente precede a clássica febre da malária. Os sintomas prodrômicos duram cerca de 3 dias, antes do aparecimento da febre pica. O ataque paroxístco inicia-se com calafrio que dura de 15 minutos a 1 hora, seguido de uma fase febril, com temperatura corpórea podendo atngir 41°C ou mais. Após um período de 2 a 6 horas, ocorre defervescência da febre, e o paciente apresenta sudorese profusa e fraqueza intensa. Após a fase inicial, a febre assume um caráter intermitente, dependente do tempo de duração dos ciclos eritrocítcos de cada espécie de plasmódio: 48 horas para P. falciparum e P. vivax (malária terçã) e 72 horas para P. malariae (malária quartã). Entretanto, a constatação dessa regularidade é pouco comum nos dias atuais, em decorrência de: tratamento precoce realizado ainda na fase de assincronismo das esquizogonias sanguíneas; infecção por populações distntas de plasmódios; infecção em primoinfectados por retardo da resposta imune específica. É importante ressaltar que pacientes que residem em áreas endêmicas, habitualmente, apresentam vários episódios de malária, o que pode resultar em quadros clínicos
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INFECTOLOGIA oligossintomátcos, em virtude da imunidade an tcórpica parcial conferida pelos episódios anteriores, o que pode dificultar ou retardar o diagnóstco. As característcas das principais manifestações clínicas da malária são: a) Febre Durante a febre, pode haver artralgia, náusea, vômitos, diarreia, tontura, tosse, dispneia, dor abdominal, dor muscular, dor lombar, palidez, icterícia, hipoglicemia e anemia grave (1% dos casos). A crise dura um tempo variável e melhora após o acometmento de uma sudorese profusa e cessação progressiva do mal-estar. Entre as crises, o paciente sente leve fadiga, mas o estado geral é man tdo. Cerca de 1/5 dos casos é afebril no início. A febre na malária, muitas vezes, pode ser característca, observando-se a sequência calafrio-febre-sudorese. No início da malária, a febre é irregular (1 a 2 episódios por dia), pois ainda não houve sincronismo dos ciclos parasitários. Depois de 1 semana, o sincronismo pode aparecer, e a febre se torna mais regular. Na malária por P. vivax, geralmente, observam-se picos febris a cada 48h (febre terçã). Na malária por P. falciparum, a febre costuma ser irregular (2 episódios por dia), mas a febre terçã pode ser observada em pacientes com poucos parasitas e pré-imunes. Por fim, na malária por P. malariae, os picos febris ocorrem a cada 72h (febre quartã). b) Anemia A anemia é uma manifestação importante na malária e decorre da hemólise, subdividida em: - Hemólise das hemácias parasitadas: destruídas no baço ou dentro dos capilares; - Hemólise das hemácias não parasitadas: destruídas pelo sistema imune por meio de angenos parasitários que se ligam às hemácias não parasitadas. Ocorrem o reconhecimento pelo sistema imune e a posterior destruição no baço. c) Hipotensão A hipotensão na malária decorre da perda real de volume, por meio da sudorese intensa e da diarreia. O resultado final é uma hipotensão arterial que pode chegar ao colapso cardiocirculatório. d) Cefaleia e astenia A ocorrência de cefaleia é muito frequente nos pacientes com malária, acompanhando a crise palúdica, enquanto astenia é comum após o fim desta. e) Icterícia A icterícia na malária decorre de 2 formas: - Icterícia pós-tratamento: em pacientes que já foram tratados com quinino, há uma hemólise maciça que leva à icterícia com predomínio de bilirrubina indireta e hemoglobinúria;
160
-
Icterícia de srcem hepá tca: ocorre quando capilares sanguíneos hepátcos estão comprometdos, sendo mais comum na malária por P. falciparum. A hepatoesplenomegalia decorre da hiperplasia e hipertro fia do sistema fagocítco-monocitário e é mais comum na malária por P. malariae. A hepatomegalia é frequente já na 1ª semana, enquanto a esplenomegalia acontece mais tardiamente.
A maioria das complicações da malária decorre da obstrução do leito capilar. São 2 os principais mecanismos envolvidos nessa obstrução: - O parasita produz angenos que se expressam na superfcie da hemácia (knobs) e a tornam muito aderentes ao endotélio vascular e a outras hemácias; - A hemácia infectada fica deformada e rígida, assumindo formas bizarras. As principais complicações da malária por P. falciparum incidem sobre rins, pulmões, SNC, fgado, coagulação e sistema digestvo: - IRA: por necrose tubular aguda, é uma complicação frequente da malária por P. falciparum; - SARA e insu ficiência respiratória aguda: também são possíveis, e a administração inadvertda de solução cristaloide (soro fisiológico ou glicosado) nesses pacientes pode levar a edema agudo de pulmão; - Coagulação intravascular disseminada (CIVD): com consumo de vários fatores de coagulação (V, VII, IX e X), o que é seguido de um estado de incoagulabilidade sanguínea. A plaquetopenia pode estar associada; - Malária cerebral: foram observados macrófagos no SNC produzindo TNF; os capilares cerebrais estão infestados de hemácias infectadas que aderem à parede dos vasos através dos knobs, causando compactação de hemácias. É uma complicação grave, caracterizada por coma ou rebaixamento dos níveis de consciência (pelo edema cerebral). Outros sintomas da malária cerebral incluem cefaleia, náusea, vômitos, tremores, estrabismo, confusão, delírio, disartria, paresias, hemiparesias, alterações de comportamento, cegueira, convulsões, uremia e hipoglicemia. No edema cerebral da malária, a administração de cor tcoides é contraindicada (ao contrário das outras causas de edema cerebral), pois prolonga o coma. O tratamento consiste na hidratação do paciente; -
Sequelas: são raramente entre elas, graves, disfunção renal com oligúria ourelatadas, anúria, nas formas ruptura traumátca do baço e anemia grave com ICC.
Tabela 1 - Manifestações clínicas e laboratoriais da malária grave e complicada, causada pela infecção por P. falciparum Sintomas e sinais - Prostração; - Alteração da consciência;
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS
Sintomas e sinais - Dispneia ou hiperventlação; - Convulsões; - Hipotensão arterial ou choque; - Edema pulmonar ao raio x de tórax; - Hemorragias; - Icterícia; - Hemoglobinúria; - Hiperpirexia (>41°C); - Oligúria. Alterações laboratoriais - Anemia grave; - Hipoglicemia; - Acidose metabólica; - Insuficiência renal; - Hiperlatemia; - Hiperparasitemia.
D - Diagnóstco O diagnóstco da malária baseia-se na pesquisa direta do parasita no sangue periférico. Para isso, utliza-se a gota espessa. Sua técnica baseia-se na visualização do parasita por meio da microscopia ó tca, após coloração com corante vital (azul de metleno e Giemsa), permitndo a diferenciação específica a partr da análise da sua morfologia e pelos estágios de desenvolvimento dos parasitos encontrados no sangue periférico. A determinação da densidade parasitária, útl para a avaliação prognóstca, deve ser realizada em todos os pacientes com malária, em especial nos portadores de P. falciparum. Pode ser realizada, ainda, pesquisa do parasita em creme leucocitário, resultante de ultracentrifugação de amostra de sangue total, o que aumenta a sensibilidade da pesquisa. No teste de QBC, a ultracentrifugação é realizada em tubo capilar envolvido em corante laranja de acridina, que cora o parasita e o torna visível em luz de fluorescência, com sensibilidade ainda maior que os demais testes. A imunofluorescência indireta, ELISA e PCR são mais úteis em inquéritos epidemiológicos e pesquisas. Na ocasião do diagnóstco e no acompanhamento do paciente, devem ser colhidos exames gerais para avaliação de gravidade, por evidência de grau de comprometmento de cada órgão. Achados laboratoriais especí ficos incluem: normocítco-normocrômica e - Hemograma: anemia progressiva. A anemia se dá por aumento da destruição e redução da produção de eritrócitos. No leucograma, a leucopenia é o achado mais comum. Também são comuns linfocitose e monocitose. A doença não causa eosinofilia. Leucocitose é rara, assim como os desvios para a esquerda, e deve-se sempre considerar a hipótese de sepse bacteriana associada. Plaquetopenia é um achado frequente, e há recuperação rápida com o tratamento;
Transaminases: alteram-se pouco, mesmo nas formas graves; - Bilirrubina indireta: pode estar aumentada pela hemólise; - Ureia e creatnina: estão habitualmente normais; exceto em casos graves, com choque e hipoperfusão; - Hipoglicemia e acidose látca: ocorrem nas formas hiperparassistêmicas, devido ao maior consumo metabólico das hemácias parasitadas; - Liquor: diminuição da glicose na análise do LCR pode ocorrer na malária cerebral. -
E - Tratamento O tratamento da malária visa à interrupção da esquizogonia sanguínea, responsável pela patogenia e pelas manifestações clínicas da infecção. Entretanto, pela diversidade do seu ciclo biológico, é também obje tvo da terapêutca proporcionar a erradicação de formas latentes do parasito no ciclo tecidual (hipnozoítas) da espécie P. vivax, evitando, assim, as recaídas. Além disso, a abordagem terapêutca de pacientes residentes em áreas endêmicas deve visar à redução de fontes de infecção, pelo uso de drogas que eliminam as formas sexuadas dos parasitos (gametócitos). Assim, o tratamento de malária por P. falciparum deve incluir um esquizontcida sanguíneo de ação rápida – para controle das manifestações clínicas e prevenção de formas graves – associado a um esquizontcida sanguíneo de ação lenta – para ação sobre os parasitas em eritrócitos sequestrados na microcirculação periférica, que podem atuar como fonte de recrudescência. Desde 2006, o Ministério da Saúde brasileiro preconiza o tratamento de todos os casos de malária por P. falciparum com esquemas contendo derivados de artemisina, visto que estes são os mais potentes esquizon tcidas na redução rápida da parasitemia. Para as formas não complicadas, recomenda-se a combinação fixa de arteméter com lumefantrina (apresentação contendo ambos os fármacos em um mesmo comprimido – Coartem®) via oral por 3 dias. Tabela 2 - Tratamento das infecções por Plasmodium falciparum com a combinação fixa de arteméter + lumefantrina em 3 dias Número de comprimidos Idade/peso
1ºdia
2ºdia
3ºdia
Manhã Noite Manhã Noite Manhã Noite 6 meses a 2 anos 5 a 14kg
111111
3 a 8 anos 15 a 24kg
222222
9 a 14 anos 25 a 34kg
333333
≥15 anos ≥35kg
444444
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INFECTOLOGIA A escolha do melhor tratamento exige a classi ficação das formas de acometmento pelo P. falciparum. Na Tabela 3 estão resumidos os critérios para a forma grave da malária por tal parasita. Tabela 3 - Definições das manifestações de malária grave por Plasmodium falciparum Apresentaçãoclínica
Critério
Malária cerebral
Índice de Glasgow <11, com parasitemia por P. falciparum na exclusão de outras causas de encefalopata
Anemia grave
Hb <5g/dL ou hematócrito <15% na presença de parasitemia >10.000/mL
Desconforto respiratório
Edema pulmonar ou síndrome de desconforto respiratório
Insuficiência renal
Débito urinário <400mL em 24 horas ou creatnina >3mg/dL
Hipoglicemia
Glicemia< 40mg/dL
Colapso circulatório
Pressão arterial sistólica <70mmHg
Alterações de coagu- Sangramento espontâneo ou evidências lação de CIVD Alterações de nível de consciência com Em indivíduos não imunizados, deve ser prostração, icterícia, tratado como malária grave vômitos intratáveis e parasitemia ≥2%
Tabela 5 - Esquemas recomendados para o tratamento da malária grave e complicada pelo Plasmodium falciparum em todas as faixas etárias Artesunato*
Clindamicina
2,4mg/kg (dose de ataque) por 20mg/kg/dia, IV, diluída em IV, seguida de 1,2mg/kg admisolução glicosada a 5% (1,5mL/ nistrados após 12 a 24 horas kg de peso), infundida gota a de dose de ataque. Em seguigota em 1 hora, dividida em 3 da, manter uma dose diária de doses/dia, durante 7 dias. Se o 1,2mg/kg durante 6 dias. Se o paciente estver em condições paciente estver em condições de deglutr, a dose diária pode de deglutr, a dose diária pode ser administrada em comprimi- ser administrada em comprimidos, por VO. dos, por VO. Não indicado para gestantes no 1º trimestre ou Arteméter
Clindamicina
3,2mg/kg (dose de ataque) por via IM. Após 24 horas, aplicar 1,6mg/kg/dia, durante mais 4 dias (totalizando 5 dias de tratamento). Se o paciente estver em condições de deglutr, a dose diária pode ser administrada em comprimidos, por VO.
20mg/kg/dia, IV, diluída em solução glicosada a 5% (1,5mL/ kg de peso), infundida gota a gota em 1 hora, durante 7 dias. Se o paciente estver em condições de deglutr, a dose diária pode ser administrada em comprimidos, por VO.
Não indicado para gestantes no 1º trimestre ou Quinina
Tabela 4 - Manejo do paciente com malária e sinais de alerta para malária grave - Condições que indicam gravidade da doença e necessidade de hospitalização do paciente com malária: · Crianças menores de 1 ano; · Idosos com mais de 70 anos; · Todas as gestantes; · Pacientes imunodeprimidos. - Pacientes com qualquer um dos sinais de perigo para malária grave: · Hiperpirexia (temperatura >41°C); · Convulsão; · Hiperparasitemia (>200.000/mm3); · Vômitos repe tdos; · Oligúria; · Dispneia; · Anemia intensiva; · Icterícia; · Hemorragias; · Hipotensão arterial.
O tratamento de formas graves deve basear-se em um derivado de artemisina de apresentação parenteral: artesunato ou arteméter. Como esquizontcida de ação lenta, preconiza-se clindamicina por 7 dias. Em pacientes que permanecem ou retornam à área endêmica, recomenda-se uma dose única de primaquina, para a erradicação dos gametócitos.
162
Clindamicina
Administrar quinina IV, na dose de 20mg/kg de dicloridrato de quinina (dose de ataque), diluída em 10mL/kg de solução glicosada a 5% (máximo de 500mL de SG 5%), por infusão intravenosa durante 4 horas. Após 8 horas do início da administração da dose 20mg/kg/dia, IV, diluída em de ataque, administrar uma solução glicosada a 5% (1,5mL/ dose da manutenção de quinina kg de peso), infundida gota a de 10mg de sal/kg, diluídos em gota em 1 hora, durante 7 dias. 10mL de SG 5%/kg, por infusão Se o paciente estver em conIV (máximo de 500mL de SG 5%), dições de deglutr, a dose diádurante 4 horas. Essa dose de ria pode ser administrada em manutenção deve ser repetda comprimidos, por VO. a cada 8 horas, contadas a partr do início da infusão anterior, até que o paciente possa deglutr; a partr desse momento, devem-se administrar comprimidos de quinina na dose de 10mg de sal/ kg a cada 8 horas, até completar um tratamento de 7 dias.
* Esquema indicado para gestantes de 1º trimestre e crianças menores de 6 meses.
Já a malária por P. vivax deve incluir um esquizontcida sanguíneo – habitualmente, cloroquina ou me floquina – seguido de um esquizontcida tecidual, isto é, capaz de er-
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS radicar as formas latentes hepátcas (hipnozoítos) que são a fonte de recrudescência nessa espécie. Para tal fim, a droga recomendada é a primaquina, que também é gametocitocida. Tabela 6 - Tratamento das infecções pelo P. vivax ou P. ovale com cloroquina em 3 dias e primaquina em 14 dias (esquema longo) Número de comprimidos por medicamento por dia 1dºia Idade/peso 6 a 11 meses 5 a 9kg 1 a 3 anos 10 a 14kg 4 a 8 anos 15 a 24kg
2dºia
Cloroquina
Primaquina infantl
1/2 1
3dºia
Cloroquina
Primaquina infantl
1/2
1/4
1
11
4a1ºo4dºias
Cloroquina
Primaquina infantl
Primaquina infantl
1/2
1/4
1/2
1/4
1/2
1/2
1/2
1/2
1/2
1
1
1
1
1
Cloroquina
Primaquina adulto
Cloroquina
Primaquina adulto
Cloroquina
Primaquina adulto
Primaquina adulto
9 a 11 anos 25 a 34kg
2
1/2
2
1/2
2
1/2
1/2
12 a 14 anos 35 a 49kg
3
1
2
1
2
1
1/2
≥15 anos ≥50kg
41
3
1
3
1
1
Idade/peso
Cloroquina: comprimidos de 150mg; primaquina infantl: comprimidos de 5mg e primaquina adulto: comprimidos de 15mg. Tabela 7 - Tratamento das infecções pelo P. malariae para todas as idades e das infecções por P. vivax ou P. ovale em gestantes e crianças com menos de 6 meses, com cloroquina em 3 dias Número de comprimidos por dia Idade/peso <6 meses 1 a 4kg 6 a 11 meses 5 a 9kg 1 a 3 anos 10 a 14kg 4 a 8 anos 15 a 24kg 9 a 11 anos 25 a 34kg 12 a 14 anos 35 a 49kg ≥15 anos ≥50kg
d1iºa
Cloroquina d2iºa
d3iºa
1/4
1/4
1/4
1/2
1/4
1/4
1
1/2
1/2
1
1
1
2
2
2
2
2
2
4
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3
necessário acompanhar o paciente após o tratamento, pois acura, cura pois clínica e mesmo o desaparecimento total dos parasitasÉ do sangue não signi ficam, necessariamente, uma verdadeira podem ocorrer recrudescência ou recaída sem que o indivíduo tenha voltado para a área de transmissão. Nos casos de malária falciparum, tal acompanhamento deve ser semanal e pode variar de 28 a 42 dias, dependendo da meia-vida de eliminação da droga u tlizada para o tratamento. No caso da malária vivax, o acompanhamento deve ser mensal e, se possível, por 6 a 12 meses.
F - Princípios do controle e da prevenção Os principais focos do controle da transmissão da malária são o diagnóstco, o tratamento precoce dos doentes e o combate ao mosquito, a fim de eliminar os focos de proliferação. As estratégias de prevenção enfocam:
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INFECTOLOGIA Mosquito: proteção mecânica (uso de telas antmosquitos em janelas e portas, mosquiteiros sobre o leito (podendo ser impregnados com permetrina), uso de mangas e calças compridas), proteção química (uso de repelentes) e destruição de criadouros de águas paradas peridomiciliares; - Homem infectado: tratamento precoce dos doentes e busca atva de assintomátcos e oligossintomátcos na área endêmica; - Homem suscevel: a quimioprofilaxia (QPX) da malária está recomendada apenas para habitantes de áreas não -
endêmicas eventualmente, necessitem para áreas que, de transmissão da doença, ondedeslocar-se permanecerão por longo período (militares, missionários, pro fissionais de saúde etc.). Só deverá ser indicada quando o tempo de permanência em área de transmissão – especialmente em região longínqua de difcil acesso a diagnóstco e tratamento de malária – for superior ao período de incubação da doença. No Brasil, onde a malária tem baixa incidência e há predomínio deP. vivax em toda a área endêmica, deve-se lembrar que a fiecácia da profilaxia para essa espécie dePlasmodium é baixa. Assim, pela ampla distribuição da rede de diagnós tco e tratamento para malária, não se indica a QPX para viajantes em território nacional. Pode ser considerada para viajantes que permanecerão por longo período em local isolado, com análise de cada caso, sobretudo quando o risco de doença grave e/ou morte por maláriaP. falciparum é superior ao risco de eventos adversos graves relacionados às drogas utlizadas. Quando indicada, a QPX é feita em dose única semanal, iniciada 2 semanas antes da viagem para a área endêmica e mantda até 4 semanas após a volta. A mefloquina é a droga de escolha, na dose de 1cp (250mg) por semana. Existem, ainda, esquemas com doxiciclina, cloroquina, e a combinação atovaquona/proguanil. Viajantes em uso de QPX devem realizar pesquisa de hematozoário em sangue periférico (gota espessa) ao término da profilaxia, mesmo que estejam assintomátcos e, a qualquer tempo, caso apresentem quaisquer sintomas de doença.
Situações de risco elevado de transmissão de malária Época do ano
Viagem próxima ao início ou término da estação chuvosa.
Alttude do destno
Destnos de até 1.000m de al ttude.
Acesso ao sistema de saúde
No destno distante em mais de 24 horas.
Apresentam risco elevado de doença grave - Indivíduos de áreas onde a malária não é endêmica; - Crianças menores de 5 anos de idade; - Gestantes; - Idosos; - Esplenectomizados; - Pessoas vivendo com HIV/SIDA; - Neoplasias em tratamento; - Transplantados. Proteção contra picadas de insetos - Informação sobre o horário de maior atvidade de mosquitos vetores de malária, do pôr do sol ao amanhecer; - Uso de roupas claras e com manga longa, durantetavidades de exposição elevada; - Uso de medidas de barreira, tais como telas nas portas e janelas, ar condicionado e uso de mosqueteiro impregnado com piretroides; - Uso de repelente à base de DEET (N-N-die tlmetatoluamida) que deve ser aplicado nas áreas expostas da pele seguindo a orientação do fabricante. Em crianças menores de 2 anos de idade não é recomendado o uso de repelente sem orientação médica. Para crianças entre 2 e 12 anos, usar concentrações até 10% de DEET, no máximo 3x/dia, evitando-se o uso prolongado.
3. Leptospirose A - Introdução e epidemiologia
Tabela 8 - Aspectos importantes da transmissão e evolução da malária Situações de risco elevado de transmissão de malária Itnerário da viagem
Destno que inclua o local com níveis elevados de transmissão de malária e/ou transmissão em perímetro urbano.
Objetvo da viagem
Viajantes que realizam atvidades do pôr do sol ao amanhecer.
Condições de acomodação
Dormir ao ar livre, em acompanhamentos, barcos ou habitações precárias sem proteção contra mosquitos.
Figura 12 - Leptospira interrogans
Duração da viagem
Período da viagem maior que o período de incubação da doença, ou seja, permanecer no local tempo maior que o período mínimo de incubação da doença (7 dias).
A leptospirose é uma zoonose aguda febril, de distribuição mundial, que acomete, principalmente, adultos jovens e crianças. É causada pela espiroqueta Gram nega tva Lep-
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ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS tospira interrogans, transmitda por contato direto ou indireto com urina de um animal infectado. A manifestação da doença varia muito, e a maioria é representada por quadros assintomátcos de evolução benigna. Em 5 a 10% dos casos, ocorre a síndrome de Weill, manifestação grave da leptospirose que resulta em icterícia, manifestações hemorrágicas e insuficiência renal. A visualização da leptospira, geralmente, é feita em microscopia de campo escuro ou contraste de fases. E a coloração pela prata permite a visualização em microscopia ótca comum. A incidênciaem darazão leptospirose aumentaindireta muito nas épocas de enchentes, da transmissão através da água contaminada com urina de ratos infectados. Em São Paulo, os sorotpos de leptospira mais frequentemente encontrados são Icterohaemorrhagiae, Copenhagi, gripotifosa e pomona. Cerca de 70% dos casos graves de leptospirose são causados pelo sorotipo de leptospira Icterohaemorrhagiae . O Raus norvegicus (rato de esgoto) é o principal portador sadio desse soro tpo e elimina o agente na urina.
B - Fisiopatologia As leptospiras são um grupo de patógenos extracelulares que apresentam estrutura com dupla membrana e característcas tanto de micro-organismos Gram posi tvos como de Gram negatvos. Os fatores de virulência ainda não são completamente conhecidos, mas sabe-se que a bacté-
e, algumas vezes, por efeito tóxico direto das leptospiras, com quadro de nefrite interstcial e necrose tubular causando insuficiência renal; - Musculatura: as alterações incluem formação de vacúolos citoplasmátcos e miosite. A leptospira se liga a um receptor específico na célula endotelial, provocando lesão endotelial (capilarite) que, associada ao consumo de plaquetas, é responsável pela diástase hemorrágica. Há acometmento de células musculares estriadas, com quadro de miosite aguda, sendo o achado característco do exame histopatológico a degeneração cérea de Zenker.
C - Apresentação clínica O período de incubação varia de 2 a 26 dias, sendo, em média, de 10 dias. A leptospirose tem início abrupto, cursantcêmica na do, primariamente, com uma fase aguda ou sep 1ª semana, seguida de uma fase imune caracterizada pela produção de antcorpos e excreção de leptospira na urina. A grande maioria dos casos de leptospirose é assintomátca ou oligossintomátca, semelhante a um quadro gripal. A leptospirose sintomátca pode ser ictérica ou não ictérica (85% dos casos sintomátcos). Dentre as formas ictéricas, há os casos de leptospirose grave (síndrome de Weill) e os casos brandos de leptospirose ictérica benigna (não Weill). Dentre as formas de leptospirose não ictéricas, incluem-se diversas manifestações, como meningite, quadros gripais intensos sem icterícia e conjuntvites.
ria expressa lipopolissacarídeos de membrana A forma benigna acomete 60 a 70% dos casos e apreàqueles envolvidos com a virulência de Gramsemelhantes nega tvos e senta 2 fases: seus mecanismos de indução de sepse. - Fase bacterêmica: manifesta-se com febre, calafrios, A bactéria penetra por lesões de contnuidade na pele, mialgias, cefaleia, dor retro-orbitária intensa e semecom portas de entrada, mas também por pele e mucosas lhante à dengue, fotofobia, mialgias (região lombar em íntegras (se o tempo de exposição for prolongado), e atnge musculatura paravertebral especificamente, panturria circulação, proliferando-se. lhas e/ou coxas), dor abdominal que se assemelha à A transmissão da leptospirose pode acontecer de 2 formas: pancreatte e colecistte, sufusões hemorrágicas ou, - Direta: contato com urina de ratos, carcaça de animais raramente, com um rash cutâneo de curta duração etc. É responsável por pequeno número de casos; (menos de 24 horas) que pode ser macular ou purpúrico. Esses sintomas ocorrem em 75 a 100% dos pacien- Indireta: por meio do ambiente (solo, água) contamites, 25 a 35% apresentam tosse produtva associada e, nado com urina de rato (nas enchentes). É responsável cerca de 50%, náuseas, vômitos e diarreia. pelas epidemias de leptospirose. Após a infecção, a leptospira a tnge a corrente sanguínea, disseminando-se por múltplos órgãos e tecidos, incluindo: - Fígado: causa disfunção hepatocelular com diminuição da síntese de fatores de coagulação, albumina e diminuição da esterificação do colesterol. A icterícia que o paciente apresenta é, principalmente, à custa de bilirrubina direta. O exame histopatológico do fgado na leptospirose evidencia necrose hepatocelular. Observa-se colestase devido à lesão dos hepatócitos e dos canalículos biliares; - Rins: a leptospira pode induzir danos tubulares por meio da formação de imunocomplexos, por hipoxemia
Sintomas menos frequentes são artralgias, dor de garganta e dor abdominal. Cerca de 5 a 10% dos pacientes evoluem com icterícia, associada ou não à insuficiência renal aguda, plaquetopenia (menos que 100.000 plaquetas/ mm3), alterações hemorrágicas e insuficiência respiratória por hemorragia alveolar. Quase todos os pacientes apresentam mialgias severas, principalmente em região de panturrilhas e região lombar, indicando possível tropismo da leptospira, e a maioria apresenta elevações de enzima muscular, podendo, eventualmente, evoluir com rabdomiólise. Também é frequente cefaleia com fotofobia. O exame fsico pode apresentar hepatoesplenomegalia, mas é inespecífico na maioria dos casos. A presença de su-
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INFECTOLOGIA fusões hemorrágicas conjuntvais sugere o diagnóstco de leptospirose. Hipersensibilidade muscular, linfadenopata, hiperemia de orofaringe e estertoração pulmonar podem ocorrer em 7 a 40% dos casos. Outras manifestações oculares incluem dor e hipersensibilidade da musculatura ocular extrínseca, uveíte anterior que pode evoluir com cegueira, coriorretnite, neurite ótca e papiledema. - Fase imune: após 5 a 7 dias com o paciente em fase bacterêmica, a febre diminui, e o paciente apresenta melhora clínica progressiva, que pode ser definitva ou 1 a 3 dias após a 2ª fase da doença. Os doentes podem apresentar meningite assép tca, com cefaleia intensa, vômitos, sinais de irritação meníngea e uveíte, com duração de 1 a 3 semanas. Na fase inicial, há mul tplicação do agente no sangue, em média, de 1 a 2 semanas após o contato. Essa fase inicial é seguida de um período em que há o comprome tmento localizado de órgãos específicos, em que o agente desaparece da corrente sanguínea, localizando-se no fgado e nos rins. A eliminação de parasitas na urina fica mais intensa, ao mesmo tempo em que surgem antcorpos. O acometmento hepátco cursa com alterações da arquitetura hepátca, que se expressa com icterícia e colestase. Nos rins, a necrose tubular aguda é a manifestação mais característca. A lesão do SNC ocorre em mais de 80% dos pacientes, nos quais se observa um liquor com característcas de meningite viral, com aumento dos linfócitos. A miosite é frequente, e, nos pulmões, podem ocorrer pneumonite inters tcial e hemorragias. Apesar de a doença ser classicamente descrita como bifásica, menos de 50% dos pacientes apresentam as 2 fases. A síndrome de Weill é definida por alteração de função hepátca e renal; uma forma de doença grave que acontece na fase imune e acomete de 10 a 15% dos pacientes. Estes mantêm febre alta após a fase aguda e, posteriormente, insuficiências hepátca, renal, pneumonite hemorrágica, arritmias cardíacas e colapso hemodinâmico. A icterícia pica resulta da injúria vascular na ausência de necrose hepatocelular. Os níveis de bilirrubina elevam-se habitualmente a níveis maiores do que 20mg/dL, chegando ao seu pico após o 7º dia de evolução em 85% dos pacientes. Entre os pacientes ictéricos, 25% desenvolvem hepatoesplenomegalia. Com a progressão da doença com isquemia hepátca intensa, os níveis de bilirrubina sobem a níveis maiores do que 80mg/dL, acompanhadas de elevações modestas da fosfatase alcalina e aumento de transaminases. Raramente, passam de 200mg/dL. Na maioria das vezes, a insu ficiência renal aguda acontece com aparecimento rápido de uremia, mas em grande parte das vezes sem oligúria. Na fase aguda, os níveis de ureia e creatnina raramente ultrapassam 100mg/dL e 2mg/dL, respec tvamente, porém aumentam rapidamente durante a 2ª fase da doença, evo-
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luindo para necessidade de diálise. Plaquetopenia ocorre mesmo na ausência de CIVD e acompanha a disfunção renal progressiva. Manifestações pulmonares ocorrem entre 20 e 70% dos casos e variam desde formas benignas, em que os pacientes se recuperam sem sequelas, até complicações que podem ser fatais. Pneumonite hemorrágica severa e síndrome de angústa respiratória podem manifestar-se, mesmo na ausência de insuficiências renal e hepátca. E sintomas como hemoptse franca são possíveis mesmo na fase aguda, juntamente comInsu tosse. ficiência cardíaca é rara. Nas formas leves, alterações eletrocardiográficas são comuns. Arritmias cardíacas, como fibrilação e fluer atrial, acontecem, principalmente, nas formas severas. Bloqueios atrioventriculares e alterações do segmento ST sugerem pericardite e normalizam-se posteriormente, durante a evolução, em quase todos os pacientes. Deve-se acrescentar que as manifestações clínicas podem depender do soro tpo da leptospira. A mortalidade pela síndrome de Weill é considerável (de 6 a 13% dos casos), sendo maior em pacientes com aparecimento rápido de uremia, em especial, se oligúria es tver associada.
D - Diagnóstco O diagnóstco da leptospirose baseia-se em dados epidemiológicos (contato com lixo, enchentes, roedores), clínicos e laboratoriais. Os exames inespecíficos podem apresentar as seguintes alterações: a) Diagnóstcos laboratoriais - Hemograma: leucocitose baixa com desvio à esquerda, neutrofilia e agranulocitose, diferenciam a leptospirose das hepattes por vírus; plaquetopenia é vista nas formas graves; - TGO e TGP: discretamente aumentadas diferenciam a leptospirose da febre amarela (enzimas muito aumentadas). As enzimas canaliculares (FA, gama-GT) estão aumentadas pela colestase; hiperbilirrubinemia à custa, predominantemente, de bilirrubina direta; - Ureia e creatna: elevadas, mesmo na ausência de sintomas; geralmente, a elevação de creatnina é acompanhada de hipocalemia, mesmo em situações de IRA estabelecida; - Urina I: proteinúria; - CPK: muito aumentada pela miosite; - LCR: predomínio linfocí tco. b) Diagnóstco por imagem - Radiografia de tórax: é indicada aos casos mais graves para avaliação de hemorragia alveolar. A alteração mais comum é o in filtrado alveolar, localizado nas bases ou na periferia pulmonar, com padrão similar a outras doenças pulmonares hemorrágicas com in filtrado
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS alveolar esparso e que pode evoluir com conglomeração dos infiltrados; - Tomografia computadorizada: pode apresentar infiltrado em vidro fosco. Congestão pulmonar secundária à miocardite pode ser visualizada em alguns casos. O lavado broncoalveolar realiza o diagnóstco precoce de hemorragia alveolar. A Tabela 9 sumariza as alterações laboratoriais inespecíficas que os pacientes com leptospirose podem apresentar. Tabela 9 - Achados laboratoriais mais frequentes na leptospirose Exame VHS
Achadoslaboratoriais - Aumentada.
- Leucopenia ou leucocitose leve; Hemograma completo - Plaquetopenia (<100.000/mm3, geralmente). ALT (TGP) / AST (TGO)
- Valores acima do normal.
Bilirrubina total e frações
- Valores aumentados.
Fosfatase alcalina
- Valores normais ou um pouco acima da normalidade.
Ureia e creatnina
- Elevadas nas formas graves.
Creatninofosfoquinase - Valores quase sempre aumentados. (CPK) Urina tpo I
- Proteinúria, piúria, hematúria.
c) Diagnóstco laboratorial específico tco laboratorial específico pode ser obtdo diagnós em Ovários materiais do doente (sangue, liquor, urina, biópsia renal ou hepátca), pela demonstração do agente ou pela sorologia. - Microscopia de campo escuro: visibilização do agente. Pode ser realizado na urina ou sangue, na 1ª semana de doença, quando os antcorpos ainda não estão presentes para detecção sorológica; - Imunofluorescência ou coloração pela prata (Fontana-Tribondeau): métodos de baixa sensibilidade; - Cultura em meio Fletcher: pode ser feita por inoculação de material (sangue, LCR, macerado de tecidos) em cobaia. Após 5 dias da inoculação, o animal é sacrificado, e o sangue semeado no meio de cultura Fletcher. Também são realizados em meio EMJ e Stuart; - Sorologia: técnica mais empregada para diagnós tco laboratorial. Devem-se colher 2 amostras em um inter-
valo de 10 a 15 dias e observar aumento nos tulos de antcorpos de pelo menos 4 vezes. Há 2 tpos de sorologia: Sorologia gênero-específica: identfica leptospira de uma forma geral. U tliza imunofluorescência, fixação do complemento, hemaglutnação, ELISA etc. Detecta antcorpos contra leptospira já na 1ª fase da doença e fornece o diagnós tco mais precocemente que a reação de soro-aglu tnação microscópica. O •
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teste de ELISA-IGM e IgA tem alta sensibilidade e especificidade, e deve ser realizado em até 2 semanas após o início dos sintomas; Sorologia sorogrupo-específica: a soro-aglutnação microscópica é o método de preferência e o mais recomendado pela Organização Mundial de Saúde.
O soro do paciente é diluído em 1:50 e adicionado ao mesmo volume de angeno de cada sorogrupo (23 tubos). Posteriormente, é feita a observação em campo escuro para verificar se houve reação e com qual angeno (no sotvo, há o desaparecimento das leptospiras e a rogrupo formaçãoposi de grupos por aglutnação). Uma reação de soro-aglutnação é positva nas diluições iguais ou superiores a 1:100. Deve-se lembrar que a sorologia negatva antes do 7º dia da doença não descarta leptospirose. Dentre as técnicas sorológicas de diagnós tco, o teste de aglutnação microscópica (MAT) é considerado o padrão-ouro. O critério para sua positvidade é o aumento em 4 vezes dos tulos iniciais ou a conversão da soronega tvidade para tulos de 1/100 ou maiores. O avanço recente mais importante no diagnóstco da leptospirose foi o desenvolvimento de novas técnicas sorológicas, como os novos ensaios ELISA, que conseguem estabelecer o diagnóstco precocemente, começando a apresentar positvidade no 5º dia após o aparecimento dos sintomas. Um estudo demonstrou que tal ensaio foi superior ao MAT (sensibilidade de 93%, contra 76% do MAT) e
especificidade comparável (respectvamente, 94 e 97%). Deve-se lembrar, ainda, que o Center of Disease Control and Preventon (CDC) recomenda o imunoensaio com sensibilidades de 27, 84 e quase 100%, respec tvamente, nos tempos 3, 7 a 9 e 12 dias. As técnicas de biologia molecular como PCR, apesar de serem promissoras, ainda não são amplamente disponíveis para o diagnóstco da leptospirose. Tabela 10 - Técnicas diagnóstcas disponíveis para leptospirose Técnicas Detecção do parasito ou de angeno Isolamento da leptospira
Diagnóstco sorológico
Observações - Microscopia de campo escuro; - Imunofluorescência; - Radioimunoensaio; - ELISA. - Uma ou 2 gotas de sangue inoculadas em 10mL de meio semissólido (meio de Fletcher). As culturas são incubadas a 28 a 30°C por até 13 semanas, com leitura semanal. - Antcorpos são detectados no sangue a partr de 5 a 7 dias, depois do início dos sintomas. Teste de aglutnação microscópica (microaglutnação), fixação de complemento, ELISA.
Diagnóstco - Reação em cadeia de polimerase (PCR). molecular
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INFECTOLOGIA E - Diagnóstco diferencial Na fase inicial, a leptospirose faz diagnóstco diferencial com doenças febris com cefaleia e comprome tmento intenso do estado geral: dengue, malária, febre tfoide e septcemias. Na fase de localização, o diagnós tco diferencial depende da manifestação principal: meningites por vírus, hepattes, icterícias graves (hepattes graves, febre amarela, malária grave).
F - Tratamento Os pacientes acometdos por quadros leves e anictéricos podem ser tratados apenas com sintomátcos. Quanto aos que já se apresentam na fase de localização em órgãos específicos, não se beneficiariam do tratamento antbacteriano, pois a maioria dos casos é autolimitada, e os pacientes apresentam melhora espontânea. No entanto, estudos mais recentes têm demonstrado benefcio da antbiotcoterapia, mesmo em momentos mais tardios da doença. O uso de antbiótcos é, portanto, recomendado, apesar de o assunto permanecer controverso, pois não há evidência suficiente para fazer recomendações quanto ao uso de antbiótcos em tais pacientes. O emprego de doxiciclina (100mg, 2x/dia, por 7 dias) foi sugerido nas formas anictéricas com redução da gravidade e da duração dos sintomas em 2 dias, além da diminuição do aparecimento de leptospiras em culturas de urina. A penicilina é a droga de escolha para formas graves e apresenta, como benefcios, diminuição dos dias de febre, recuperação mais rápida da função renal e diminuição do tempo de internação hospitalar. Outro estudo demonstrou que seu uso em pacientes evoluindo com insu ficiência renal não alterou a evolução. Os seguintes esquemas podem ser utlizados: 1ª escolha: penicilina cristalina, 2 milhões UI IV, 6/6h, por 7 a 10 dias. Esquemas alternatvos: - Ampicilina: 500mg a 1g, 6/6h, por 7 a 10 dias; - Amoxicilina: 500mg, 8/8h, por 7 a 10 dias; - Doxiciclina: 100mg, 12/12h, por 7 dias; - Tetraciclina: 500mg, 6/6h, por 7 a 10 dias. Os pacientes que evoluem com desconforto respiratório devido à hemorragia alveolar devem receber suporte ventlatório não invasivo, com pressão posi tva (máscara de CPAP), ou invasivo, por intermédio da intubação orotraqueal. A ventlação mecânica deve garantr altos níveis de pressão expiratória final positva (PEEP) (>15cm H2O) associado a baixo volume corrente (±6mL/kg). Um trabalho prospectvo randomizado em pacientes com leptospirose e Síndrome da Angústa Respiratória Aguda (SARA) demonstrou superioridade da estratégia ventlatória protetora com baixos volumes correntes e PEEP alto, contudo a amostra desse trabalho é pequena para conclu-
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sões. Outras medidas terapêutcas são correção dos distúrbios hidroeletrolítcos com expansão volêmica e, na vigência de insuficiência renal, indicação de diálise, obtendo-se bons resultados com a diálise peritoneal. A expansão volêmica nesses pacientes é controversa, pois, embora possam evoluir com sepse e instabilidade hemodinâmica com déficit volêmico importante, por outro lado, apresentam dano endotelial vascular, vasodilatação com extravasamento de fluidos e, com facilidade, apresentam congestão pulmonar e quadros de edema agudo de pulmão. A conduta mais apropriada, provavelmente, requer a indicação de diálise; contudo, a reposição de fluidos deve serprecoce individualizada, visando recuperar a perfusão adequada dos órgãos.
G - Princípios do controle São medidas profilátcas a serem tomadas: - Saneamento básico (escoamento de águas); - Proteção individual (botas, luvas, óculos); - Quimioprofilaxia: para pessoas expostas a ambiente contaminado, pode ser indicada doxiciclina.
4. Hepattes virais Dentre os principais diagnóstcos diferenciais das icterícias febris, estão as hepattes virais.
5. Febre tfoide A - Epidemiologia A febre tfoide é uma doença invasiva e sep tcêmica, em virtude da capacidade do agente causal, a bactéria Salmonella typhi, de transpor as barreiras linfátcas do trato gastrintestnal. A doença é transmitda somente a partr das fezes do homem, através de água e alimentos contaminados; S. typhi não é encontrada em animais. A doença prevalece, endemicamente, em alguns lugares e em surtos epidêmicos. As espécies de Salmonella são muito resistentes às adversidades do meio (sobrevivem a temperaturas baixas, podendo ser transmitdas, também, por alimentos congelados). Sempre há relação entre febre tfoide e problemas de saneamento básico e higiene. Observa-se uma alta prevalência entre motoristas de caminhões, por provável ingestão O deperíodo alimentos de contaminados. incubação é de 1 a 3 semanas (média de 12 dias), sendo definido como o período desde a ingestão da bactéria até o surgimento da febre.
B - Fisiopatologia A Salmonella invade o hospedeiro (por macropinocitose) e, a partr do interscio, pode invadir outras células. As bactérias atravessam a barreira gástrica e invadem o
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS intestno delgado. O germe resiste à digestão, penetra na parede intestnal e prolifera-se nas placas de Peyer. No início do quadro, observa-se hipertrofia importante das placas de Peyer, em que se observam macrófagos grandes com citoplasma vacuolizado. Cortes tratados com corantes específicos revelam salmonelas no interior desses macrófagos. Com a evolução do quadro, as placas de Peyer tornam-se tão hipertrofiadas que se insinuam para a luz intestnal, o que pode levar à isquemia da mucosa, provocando ulcerações e fazendo que o germe se estenda aos linfonodos mesentéricos. Quandomesentéricos, a Salmonella oé acúmulo fagocitada macrófagos nos linfonodos de por macrófagos infectados e a atvação de órgãos linfoides levam à hiperplasia destes. As bactérias multplicam-se nos nódulos linfátcos mesentéricos e, por meio da circulação linfá tca (ducto torácico), ganham a corrente sanguínea (hemocultura posi tva na 1ª semana), podendo instalar-se em outros órgãos ( fgado, medula óssea, baço, rins, SNC). Nesses locais, permanecem, até que, devido à produção de antcorpos contra angenos O e H (reação de Widal positva), a fagocitose condiciona a eliminação do germe (hemocultura negatva após a 13ª semana). Em seguida, o germe localiza-se na vesícula biliar (colecistte), onde permanece por longos períodos após a doença (portadores permanentes), com eliminação intermitente de bactérias pelas fezes e pela urina.
C - Apresentação clínica O quadro clínico dura, aproximadamente, 4 semanas. A hepatomegalia é frequente, e a esplenomegalia aparece em 70% dos casos. Adenomegalia é menos comum. A febre é um achado muito frequente e importante nos casos de febre tfoide. O quadro febril inicia-se quando a bactéria penetra a corrente sanguínea. No período prodrômico, observam-se febre ascendente e connua, mialgia, cefaleia, astenia e mal-estar. Roséola fica é o exantema de tronco muito raro, que pode aparecer no período prodrômico da doença. - 1ª a 3ª semanas:a febre torna-se estável, alta e se mantém. Os sintomas inespecíficos ficam mais intensos, e tem início o estado fico (queda do nível de consciência). Há alteração do hábito intestnal (obstpação nos adultos e diarreia nas crianças). Nofinal da 3ª semana, o paciente, que estava obstpado, apresenta uma diarreia profusa esverdeada (“em sopa de ervilhas”); - 4ª semana: período de convalescência com regressão dos sintomas. Alguns pacientes apresentam queda de cabelos. Cerca de 5 a 10% dos doentes podem apresentar uma recaída da febre após a 4ª semana. Com o uso de antbiótcos, a prevalência de recaídas tornou-se mais frequente. Acredita-se que, com o uso da antbiotcoterapia, talvez não haja desenvolvimento adequado do sistema imune, levando à persistência de algumas bactérias viáveis, as quais provocariam as recaídas.
Complicações podem surgir, mais frequentemente, no da 3ª semana, quando o doente já está melhorando do quadro geral. Pode haver dor abdominal de início súbito, taquicardia, febre alta e até choque. As principais complicações são enterorragia, com ou sem perfuração intestnal, seguida de peritonite. A perfuração intestnal é causada pela hiperplasia das placas de Peyer, que podem gerar isquemia da mucosa com ulceração e até perfuração. Outras complicações menos frequentes são broncopneumonia, meningoencefalite, artrite séptca e osteomielite (mais comum em anemia falciforme). fim
D - Diagnóstco a) Exames inespecíficos Hemograma: nas 2ª e 3ª semanas, revela anemia (normo/normo ou hipo/normo), leucopenia com predomínio de neutrófilos, desvio à esquerda e aneosinofilia, e plaquetas normais ou levemente reduzidas. Na 1ª semana, podem ser observados leucocitose e aumento do Hb/Ht por hemoconcentração; - Ureia e creatnina: podem estar aumentadas por insuficiência renal aguda e até necrose tubular aguda; - Bilirrubinas: geralmente estão normais, sendo a icterícia um achado raro na febre tfoide (quando ocorre, deve-se a uma colestase transinfecciosa). -
b) Exames específicos -
Reação de Widal: teste de hemaglutnação que detecta as hemaglutninas de S. typhi (detecção de ant-O). Pouco usado atualmente; - Positvidade da hemocultura: ocorre na 1ª e na 2ª semanas, com sensibilidade de 90% na 1ª semana; - Posi tvidade da coprocultura: entre a 2ª e a 5ª semanas; - Urocultura: a reação pode ser posit va entre a 2ª e a 3ª semanas; - Sorologias: ant-O e ant -H (tulos maiores do que 1/160). O indivíduo vacinado apresenta ant-H, mas não tem ant-O em tulos significatvos (>1/160). As reações anamnésicas (contra outras espécies de Salmonella) provocam apenas elevação do an t-H. A partr do 10º dia, pode-se detectar an t-O, que desaparece em torno do 30º dia da doença. Ant-H: surge no fim da 2ª semana e apresenta tulos ascendentes até o 30º dia, quando começam a declinar, persis tndo durante meses. Podem ocorrer até 11,5% de resultados falsos positvos em indivíduos com alterações imunológicas anteriores, o que obriga uma interpretação cautelosa; - Mielocultura: positva durante todo o período da doença. Apresenta sensibilidade de 90%, mesmo quando as hemoculturas são negatvas e após o uso prévio de antbiótco – padrão-ouro.
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IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA G - Princípios de controle
E - Diagnóstco diferencial Leptospirose: a icterícia aparece em 5% dos pacientes com leptospirose, e a maioria deles apresenta apenas febre, mal-estar, mialgia e cefaleia (quadro muito semelhante à febre tfoide no início). Além disso, as formas de contágio da febre tfoide e da leptospirose envolvem aspectos semelhantes (saneamento básico deficiente), de forma que o diagnóstco diferencial deve ser feito com cuidado; - Dengue: cefaleia, mialgia, mal-estar, febre, pequena hepatoesplenomegalia são achados comuns na dengue e na febre tfoide; - Sepse: por bactérias Gram nega tvas. -
F - Tratamento O tratamento inicia-se com reposição hídrica e de eletrólitos para a correção das perdas. A terapia de reidratação pode ser oral (1L de água; 20g de glicose; 3,5g de NaCl; 2,5g de NaHCO3 e 1,5g de KCl) ou parenteral. O tpo de terapia de reidratação e a velocidade de infusão venosa dependem da gravidade do quadro. O tratamento com antmicrobianos melhora o quadro clínico e reduz a transmissibilidade. O an tmicrobiano de escolha é o ciprofloxacino. Como alternatvas, podem ser utlizados ceriaxona, tetraciclina, cloranfenicol, cotrimoxazol (crianças) e outros (ampicilina).
6. Resumo
a) Prevenção ambiental - Saneamento básico; - Lavagem das mãos; - Higiene no preparo dos alimentos; - Desinfecção da água com hipoclorito de sódio a 2,5%. b) Quimioprofilaxia - Imunização atva: as vacinas subcutâneas disponíveis têm baixa eficácia de soroconversão (70%), fornecem imunidade por pouco tempo e apresentam vários efeitos colaterais (febre, dor local). A vacina oral está disponível no Brasil, sua eficácia é muito boa, e a vacina é bem tolerada; - Tratamento do portador crônico assintomátco: o portador crônico é aquele com coprocultura positva durante mais de 1 ano. É o responsável pela contaminação do ambiente e de outras pessoas. Cerca de 1% das pessoas se torna portador crônico após a resolução da doença. Sabe-se que tal risco está associado ao sexo (mais comum em mulheres) e à colecistte calculosa (a presença de cálculos na vesícula predispõe à instalação e à multplicação de Salmonella typhi na vesícula). O portador crônico deve ser tratado com ampicilina. Em alguns casos, a única forma de eliminar tal estado é a colecistectomia.
Quadro-resumo Epidemiologia Patogênese
- Tipo de vírus; - Áreas de risco no Brasil (redelimitação recente das áreas). - Principal órgão alvo f ( gado). - Mecanismo causador das lesões hepátcas;
Febre amarela
Clínica
- Período de incubação até fase prodrômica; - Principais complicações.
Diagnóstco
- Data ideal para realização da sorologia (7 a 10 dias após).
Tratamento
- Suporte para hidratação/reposição eletrólitos.
Profilaxia
- Característcas da vacina (vírus vivo, a cada 10 anos, a par tr de 9 meses para áreas endêmicas).
Epidemiologia
- Espécies mais comuns dePlasmodium no Brasil.
Fisiopatologia
- Ciclo evolutvo do Plasmodium no hospedeiro definitvo (homem) e no intermediário (mosquito); - Hipnozoítos: importância na recidiva da doença e qualPlasmodium o produz. - Tempos de incubação de cada;
Malária
Clínica
- Intervalo de picos febris de cada; - Tipos de icterícia na malária; - Complicações principais.
Diagnóstco Tratamento
170
- Importância da gota espessa e do QBC. - Hipnozoítos: importância de seu tratamento; - Diferença no tratamento deP. vivaxe P. falciparum.
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL ICTERÍCI AS FEBRIS
Quadro-resumo Epidemiologia e fisiopatologia
- Agente etológico e período de incubação; - Formas de transmissão. - Tempo de incubação;
Leptospirose
Clínica
- Formas clínicas (assintomátca, oligossintomátca, ictérica – benigna ou grave, sintomá tca não ictérica); IA G O L O T C E F N I
- Fases da forma benigna (septcemica/imune). Diagnóstco
- Principais característcas laboratoriais; - Período ideal para realizar sorologia.
Tratamento
- 1ª escolha de tratamento e medidas de suporte em casos graves.
Epidemiologia
- Agente etológico e período de incubação. - Ciclo de infecção (ênfase em angenos O e H e em motvos para existência de portadores permanentes).
Fisiopatologia Clínica
- Diferenças entre clínica nas primeiras 3 semanas e na 4ª semana.
Diagnóstco
- Positvidade de hemoculturas (maior na 1ª semana) e de coproculturas (entre a 2ª e a 5ª semanas);
Febre tfoide
- Mielocultura como padrão-ouro para diagnós tco. Tratamento
- Durante a doença; - Portador crônico assintomátco.
171
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
15
Hepattes virais Carolina dos Santos Lázari / Durval Alex G. e Costa
1. Introdução
A - Patogênese
O termo “hepatte” refere-se à inflamação do parênquima hepátco, caracterizada por infiltrado inflamatório local, que provoca lesão tecidual, com necrose hepatocelular. Pode ser provocada por diversos agentes infecciosos, seja com acometmento exclusivo do fgado, seja como parte de uma infecção sistêmica. Neste capítulo, são discutdas as hepattes virais, isto é, causadas por vírus que apresentam tropismo específico pelo fgado (hepatotrópicos), tornando esse órgão o alvo central do acome tmento da doença. Os principais agentes dessa categoria são chamados vírus hepatotrópicos A, B, C, D e E. As hepattes virais apresentam característcas epidemiológicas, clínicas e laboratoriais semelhantes, porém com importantes partcularidades. São de distribuição universal, e a magnitude dos diferentes tpos varia de região para região. No Brasil, também há grande variação regional na prevalência de cada hepatte. Sua grande importância está no número de indivíduos atngidos, na possibilidade de complicações das formas agudas e na morbimortalidade relacionada à cronificação.
A aquisição do vírus ocorre por ingestão de parculas virais infectantes, presentes em água ou alimentos contaminados, ou, até mesmo, contato direto ou compartlhamento de fômites com o indivíduo doente. Uma vez ingeridas, as par culas virais invadem a mucosa do trato gastrintestnal e ganham a circulação portal,
2. Hepatte A
iniciando o 1º período de viremia. A seguir, atngem o fgado, onde iniciam o processo de replicação viral no interior dos hepatócitos, levando à intensa necrose hepatocelular. A presença do vírus e a lesão tssular levam à inflamação local – refletda pelo infiltrado inflamatório linfomonocitário – com repercussão sistêmica, que resulta nos sintomas prodrômicos da doença. À medida que aumenta o número de hepatócitos acometdos por edema e necrose – o que se traduz pela elevação de transaminases – ocorre a desorganização das lâminas celulares que compõem a arquitetura hepátca, com consequente colestase – refletda pela elevação de bilirrubinas e enzimas canaliculares. Se o grau de lesão hepátca é tal que a massa de hepatócitos remanescentes é insuficiente para o cumprimento das funções metabólicas do fgado, surgem os sinais de insu ficiência hepátca aguda: coagulopata resultante do déficit
O Vírus da Hepatte A (VHA) é um picornavírus, cujo material genétco é consttuído por uma molécula de RNA de fita simples. É desprovido de envelope, estrutura que habitualmente se relaciona com a variabilidade gené tca e antgênica do vírus. Dessa forma, há apenas 1 soro tpo, o que permite que a primoinfecção (imunização natural) e a vacinação (imunização artficial) confiram imunidade protetora permanente diante de novas exposições.
de produção de fatores plasmá tcos de coagulação; e encefalopata consequente da incapacidade do fgado de processar os produtos nitrogenados oriundos do metabolismo, que permanecem circulantes e terminam por se tornarem neurotóxicos. A replicação viral nos hepatócitos permite que novas parculas infectantes sejam liberadas na bile e ganhem novamente a luz intestnal, por onde são eliminadas com as fezes, tornando o indivíduo infectado fonte de novas infecções.
172
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HEPATITES VIRAIS Com o estabelecimento da resposta imune específica contra o VHA são produzidos antcorpos neutralizantes protetores. Assim, interrompe-se a viremia e, a seguir, a replicação viral no fgado, com resolução completa da lesão tecidual. Não há cronificação da infecção por VHA nem relatos de sequela hepátca permanente após a infecção aguda.
B - Epidemiologia Como dito, a principal via de transmissão do VHA é a fecal-oral, por contato inter-humano ou por meio de água e alimentos contaminados. A grande quan tdade de vírus presente nas fezes dos indivíduos infectados contribui para a transmissão, visto que o VHA é bastante estável no meio ambiente. O indivíduo infectado apresenta eliminação fecal de parculas virais de 2 semanas antes a 2 semanas após o surgimento da icterícia, com diminuição progressiva. Durante todo esse período, é fonte de transmissão para novas infecções. Logo, a disseminação da doença está relacionada com a infraestrutura de saneamento básico e os aspectos ligados às condições de higiene. Em regiões com estrutura de saneamento precária as pessoas são expostas ao VHA em faixas etárias menores, apresentando formas subclínicas ou anictéricas que ocorrem, mais frequentemente, nas crianças em idade pré-escolar. Em tais populações, surtos são menos comuns, em virtude da exposição precoce, com infecção inaparente, que resulta em imunidade protetora permanente. Em populações com melhores condições de saneamento, o momento da primoinfecção há maior proporção de casos sintomátcos. é mais tardio e A suscetbilidade é universal, exceto para os pacientes previamente imunizados (vacinação ou infecção pregressa). Contatos domiciliares e insttucionais de pacientes infectados têm risco aumentado de aquisição da infecção, dada a possibilidade de transmissão inter-humana ou contágio em fonte comum. Na maioria dos casos, a doença é autolimitada e de caráter benigno, e a insuficiência hepátca aguda grave acontece em menos de 1% dos casos. Esse percentual é maior em indivíduos com mais de 65 anos. Via de regra, os mais velhos apresentam doença sintomátca e de resolução mais lenta. De acordo com os dados do estudo de base populacional das infecções por vírus das hepattes A, B e C nas capitais do Brasil, em andamento desde 2005 sob financiamento do Ministério da Saúde e com resultados divulgados anualmente, a prevalência da exposição à infecção pelo VHA (IgG positva), referente ao conjunto das capitais do Brasil, foi de 39,5%. O percentual de expostos ao VHA na faixa etária de 5 a 9 anos foi de 27,0% e de 44,1% para o grupo de 10 a 19 anos. Os resultados indicam associação inversa entre o nível socioeconômico e a prevalência de ant-VHA total, bem como a redução das prevalências nas faixas etárias de crianças e adolescentes, implicando um aumento do número de indivíduos susceveis à doença.
C - Formas clínicas As manifestações clínicas da hepatte A dependem da idade de aquisição da infecção. Quanto menor a idade, menor a probabilidade do desenvolvimento de formas sintomátcas. Em crianças menores de 6 anos, menos de 10% dos infectados desenvolvem a forma ictérica. Quando sintomátcas, as crianças tendem a apresentar sintomas inespecíficos, que nem sempre levam ao diagnóstco de hepatte aguda. À medida que avança a idade, aumenta a probabilidade de manifestações clínicas da doença. Cerca de 76 a 97% dos adultos são sintomátcos; destes, de 40 a 70% desenvolvem icterícia. A insuficiência hepátca aguda, ou hepatte fulminante, acontece em menos de 1% dos casos de hepatte A. É mais frequente em adultos, com risco bastante aumentado acima dos 65 anos. Pratcamente inexiste entre crianças, em que a lesão hepátca é mais branda e são raras as formas ictéricas. De acordo com a Associação Americana para o Estudo de Doenças Hepátcas (AASLD), define-se insuficiência hepátca aguda o surgimento de sinais de falência hepá tca funcional, representada por coagulopata (INR >1,5) e encefalopata, em pacientes com doença hepátca aguda de menos de 26 semanas de evolução, que não apresente cirrose hepátca preexistente. A hepatte A responde por cerca de 4% das etologias de insuficiência hepátca aguda. Em indivíduos sintomátcos, a hepatte A manifesta-se, inicialmente, por uma fase prodrômica, em que ocorrem febre, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, mialgia e mal-estar. Essa fase dura alguns dias e pode ser seguida da resolução do quadro ou do surgimento de icterícia que é acompanhada por colúria, acolia fecal, dor no hipocôndrio direito e hepatomegalia. Habitualmente, no início da fase ictérica, desaparecem os sintomas consttucionais da fase prodrômica. A fase de convalescência da hepa tte A é marcada por regressão gradual da icterícia. A intolerância alimentar e a fadiga podem durar meses para se resolverem completamente. Até 10% dos indivíduos apresentam recorrência da icterícia e oscilação das transaminases por até 6 meses após a infecção aguda.
D - Diagnóstco A alteração laboratorial mais importante da hepatte A aguda é a elevação de transaminases, que, em geral, estão maiores que 3 vezes o limite superior da normalidade, podendo atngir marcas tão altas quanto 5.000. Apesar de a sua alteração estar diretamente relacionada com a lesão hepatocelular, o nível de elevação não é fator prognós tco e não faz parte dos critérios de definição de hepatte fulminante ou de indicação de transplante hepátco. Concomitantemente, eleva-se a bilirrubina total à custa da fração direta. Esta tem maior importância prognós tca,
173
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA pois reflete diretamente a desorganização da arquitetura hepátca resultante da necrose e pode agravar o dano neurológico. Está incluída nos critérios de King’s College para indicação de transplante na insu ficiência hepátca aguda. O fator mais importante na determinação de gravidade da hepatte aguda é o tempo de protrombina. Sinais de coagulopata, com atvidade de protrombina inferior a 40% e/ou INR superior a 1,5 re fletem disfunção hepátca importante. O paciente deve ser internado para monitorização do coagulograma, bem como de sinais de encefalopata (inclusive os mais precoces, detectados por testes psicomé-
consciência – devem ser transferidos a um serviço de referência de transplante hepátco, pois, caso preencham os critérios estabelecidos para indicação de transplante, são incluídos em lista como prioridade.
tricos e edema cerebral em em exames de imagem). O fatorde V também deve ser solicitado pacientes com alteração coagulograma, pois é um critério isolado de indicação de transplante hepátco em pacientes com encefalopata, de acordo com os critérios de Clichy. O hemograma pode apresentar alterações inespecíficas, como leucopenia ou leucocitose com linfocitose e presença de linfócitos apicos em alguns casos. O diagnóstco específico de hepatte A é feito por testes sorológicos, habitualmente imunoenzimátcos, que se baseiam na detecção de antcorpos específicos contra o VHA. O 1º antcorpo a ser produzido é da classe IgM, que já pode ser detectado de 5 a 10 dias antes do surgimento da icterícia, sendo, portanto, marcador de infecção aguda. A seguir, inicia-se a produção de IgG, que permanece ao longo da vida como memória imunológica protetora. A IgM desaparece ao final da fase aguda, com duração máxima de 6 meses. Isto é, a presença de IgG+ isoladamente signi fica infecção pregressa por VHA.
- Sem ingestão de acetaminofeno: · TPT >100s ou INR >6,5 (independente do grau de encefalopa ta).
Tabela 1 - Hepatte A: interpretação dos resultados sorológicos Ant-VHA total
Ant-VHA IgM
(+)
(+)
InfecçãorecentepeloVHA.
(+)
(-)
InfecçãopassadapeloVHA.
(-)
(-)
Ausência de contato com o VHA, não imune.
Interpretação
E - Tratamento Não há tratamento antviral específico para hepatte A. Recomendam-se suporte clínico e medicações sintomá tcas, principalmente hidratação oral e antemétcos. A dieta deve ser leve e com baixo teor lipídico, e o paciente deve er s orientado a não ingerir bebida alcoólica em nenhuma quan tdade, a fim de evitar um novo fator de lesão hepátca. A internação é recomendável quando o paciente apresenta sinais de lesão hepátca grave, como altos níveis de bilirrubinas, alargamento do coagulograma e alteração de estado mental. Na ausência desses sinais, é necessária somente quando o indivíduo é muito sintomá tco, especialmente se apresenta vômitos intensos que dificultem a ingesta hídrica. Pacientes com qualquer sinal de evolução para insu ficiência hepátca aguda – INR >1,5 e alteração do nível de
174
Tabela 2 - Critérios de indicação de transplante na insuficiência hepátca aguda - critérios do King’s College Hospital - Indivíduos que ingeriram acetaminofeno: · pH do sangue arterial <7,3 (independente do grau de encefalopata); · TPT >100s ou INR >6,5 e concentração de crea tnina sérica >3,4mg/dL em pacientes com encefalopatas III ou IV.
- Ou 3 das seguintes variáveis: · Idade <10 ou >40 anos; · Causas: hepatte A ou B, halotano, reações farmacológicas idiossincrásicas; · Duração da icterícia >7 dias antes do início da encefalopa ta; · TPT >50s, INR >3,5; · Concentração sérica de bilirrubina >17,5mg/dL. Tabela 3 - Critérios de Clichy - Se há encefalopata, independente do grau, indicado transplante se fator V: · Inferior a 30% em maiores de 30 anos; · Inferior a 20% em menores de 30 anos.
F - Prevenção A prevenção da hepatte A é feita, essencialmente, por medidas básicas de higiene e, principalmente, ao evitar ingestão de água não tratada e alimentos potencialmente contaminados. Os indivíduos devem separar seus utensílios em domicílio e aumentar os cuidados de higiene em sanitários, em virtude da eliminação fecal do vírus. Pacientes internados devem ser mantdos em isolamento de contato para evitar a disseminação inter-humana do vírus entre os demais internos. A hepatte A é uma doença imunoprevenível. A vacina disponível de vírus inatvado deve ser administrada a crianças com idade superior a 12 meses, em 2 doses, com intervalo de 6 meses. É indicada, ainda, para adultos em situação de risco, como profissionais de saúde, pro fissionais que lidam com lixo e águas contaminadas, viajantes a áreas endêmicas, homens que fazem sexo com homens. A vacina ainda não está disponível no calendário básico do Programa Nacional de Imunizações. Na rede pública, é distribuída nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), para algumas indicações específicas. Para as demais indicações, o paciente deve ser orientado a procurar um serviço privado. Tabela 4 - Indicações de vacina de hepa tte A nos CRIEs - Portadores de hepatopatas crônicas (qualquer etologia); - Coagulopatas e hemoglobinopatas;
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HEPATITES VIRAIS
- Crianças menores de 13 anos com HIV/AIDS; - Doenças de depósito efibrose cístca; - Trissomias; - Imunodepressão terapêutca ou por doença imunodepressora; - Candidatos a transplante e transplantados de órgão sólido ou medula óssea; doadores (cadastrados em programas de transplantes).
3. Hepatte B O Vírus da Hepatte B (VHB) pertence à família hepadnavírus e possui morfologia esférica, envolta por um envelope lipoproteico, que, por sua vez, envolve um nucleocapsídeo icosaédrico dentro do qual está o material gené tco composto por DNA. Na corrente sanguínea do indivíduo infectado, é encontrado tanto na forma de parculas virais íntegras infectantes quanto na forma de parculas não infectantes esféricas ou tubulares compostas por proteínas de superfcie de seu envelope, desprovidas de material genétco. A presença destas últmas tem importância diagnóstca.
A - Patogênese A aquisição do VHB ocorre por via parenteral, contato com sangue e outros fluidos de indivíduos infectados, de maneira horizontal ou vertcal. Uma vez na corrente sanguínea, as parculas infectantes ganham os hepatócitos, onde integram seu DNA ao genoma celular, e iniciam sua replicação intracelular, que libera novas par culas infectantes no microambiente hepátco e na corrente sanguínea, além de parculas não infectantes antgênicas, de papel crucial no desenvolvimento da resposta imune do hospedeiro. A lesão hepátca na hepatte B aguda é bastante semelhante à descrita para a hepatte A. A necrose hepatocelular ocorre tanto pela presença e replicação quanto por mecanismos imunomediados de citotoxicidade desencadeada pelas células do infiltrado linfomonocitário presente no fgado. Portanto, quanto maiores a amplitude e a especificidade da resposta imune arquitetada pelo hospedeiro, maior a magnitude das manifestações clínicas na fase aguda. Esses indivíduos apresentam, por conseguinte, maior probabilidade de clareamento viral e cura ao fim da fase aguda. Os incapazes de gerar resposta imune efetva no decorrer da fase aguda apresentam formas oligo ou assintomátcas, porém, com maior frequência, evoluem para a cronificação da infecção. No fgado infectado, o angeno do capsídeo viral (core) – HBcAg – está presente nos hepatócitos e pode, inclusive, ser visualizado por técnicas de imuno-histoquímica. Esse angeno não é liberado na corrente sanguínea, no entanto estmula a produção de antcorpos específicos – ant-HBc IgM e IgG – que podem ser detectados no soro do indivíduo. O angeno detectável em sangue periférico, queflre ete a presença do VHB, é o an geno de superfcie presente no en-
velope – HBsAg. Sua detecção indica presença do vírus. Está sempre presente na fase aguda e permanece posi tvo nos indivíduos que não debelam a infecção e se tornam crônicos. Há um 2º angeno que pode estar presente no sangue periférico: o HBeAg, uma proteína não estrutural que flre ete replicação viral. Está presente na fase aguda até o encerramento da replicação e, na fase crônica, quando há infecçãotva a replicante. As imunoglobulinas de classe IgM direcionadas contra angenos do core viral (an t-HBc IgM) são as de produção mais precoce, portanto são marcadores de infecção aguda, podendo, eventualmente, surgir em reagudizações durant
te a fase crônica. A seguir, inicia-se a produção dedo anindiví-HBc IgG, que permanece positvo durante toda a vida duo, como um marcador de contato pregresso com o vírus. A interrupção da replicação viral ao final da fase aguda ou durante a fase crônica é marcada pela produção do antcorpo ant-HBe. Com o encerramento da replicação, caso o indivíduo consiga obter uma resposta imune eficaz contra o VHB, ocorre o clareamento viral, com desaparecimento do an geno de superfcie HBsAg e surgimento de antcorpos ant-HBs, considerados, em últma análise, marcadores de cura da infecção. Sua persistência confere imunidade protetora a novas infecções por VHB. É, também, o an tcorpo produzido mediante a vacinação ant-VHB e, portanto, responsável pela imunização atva artficial do indivíduo. Tabela 5 - Hepatte B aguda: significado dos marcadores sorológicos Marcador
Significado
HbsAg
É o 1º marcador a aparecer no curso da infecção pelo VHB. Na hepatte aguda, cai para níveis indetectáveis em até 24 semanas.
Ant-HBc IgM
É marcador de infecção recente, encontrado no soro até 32 semanas após a infecção.
Ant-HBc IgG
É marcador de longa duração, presente nas infecções agudas e crônicas. Representa contato prévio com o vírus.
HbeAg
É marcador de replicação viral. Sua posi tvidade indica alta infecciosidade.
Ant-HBe
Surge após o desaparecimento do HbeAg, indica o fim da fase replicatva.
Ant-HBs
É o único antcorpo que confere imunidade ao VHB. Está presente no soro após o desaparecimento do HbsAg, sendo indicador de cura e imunidade. Está presente isoladamente em pessoas vacinadas.
Tabela 6 - Hepatte B crônica: signi ficado dos marcadores sorológicos Marcador
Significado
HBsAg
Sua presença por mais de 24 semanas indica hepatte crônica.
HBeAg
Na infecção crônica, está presente enquanto ocorre replicação viral.
Ant-HBe
Sua presença sugere redução ou ausência de replicação viral, exceto nas cepas com mutação précore (não produtoras da proteína “e”).
175
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA De maneira semelhante às outras hepa ttes, as infecções causadas pelo VHB são habitualmente anictéricas. Apenas 30% dos indivíduos apresentam a forma ictérica da doença, reconhecida clinicamente. Cerca de 5 a 10% dos indivíduos adultos infectados cronificam. Caso a infecção se dê por transmissão vertcal, o risco de cronificação dos recém-nascidos de gestantes com evidências de replicação viral (HBeAg reagente e/ou VHB DNA >104) é de cerca de 70 a 90% e entre 10 e 40% nos casos sem evidências de replicação do vírus. Cerca de 70 a 90% das infecções ocorridas em menores de 5 anos cronificam, e 20 a 25% dos casos crôni-
Figura 1 - Curso sorológico da hepa tte B aguda
Figura 2 - Curso sorológico pico da infecção crônica pelo VHB
B - Epidemiologia Estma-se que mais de 2 bilhões de pessoas no mundo estão infectados pelo VHB e que cerca de 360 milhões sofrem de infecção crônica por esse agente. A endemicidade da infecção é considerada alta nas partes do mundo onde, pelo menos, 8% da população são HBsAg posi tvo. Nessas áreas, 70 a 90% da população geralmente apresentam evidências sorológicas de infecção prévia pelo VHB. A transmissão do VHB ocorre por via parenteral e, sobretudo, pela via sexual, sendo considerada uma doença sexualmente transmissível. A transmissão vertcal (materno-infantl) também é causa frequente de disseminação do vírus. O período de transmissibilidade inicia-se de 2 a 3 semanas antes dos primeiros sintomas e dura enquanto está presente o HBsAg, ou seja, é permanente nos portadores crônicos. A suscetbilidade à infecção pelo VHB é universal, exceto para os previamente imunizados (infecção pregressa ou vacinação). São considerados em maior risco de aquisição de VHB os indivíduos sexualmente atvos adeptos de prátcas desprotegidas, profissionais de saúde, recém-nascidos de mães HBsAg positvo e contatos sexuais e domiciliares não imunizados de portadores crônicos de VHB.
176
cos com de replicação viral evoluem para doença hepá tcaevidências avançada (cirrose e hepatocarcinoma). A mortalidade varia de acordo com a endemicidade da região, visto que se relaciona com as complicações da hepatte crônica e a incidência de hepatocarcinoma. No Brasil, os estudos realizados a par tr da década de 1990 indicam mudanças na endemicidade da infecção pelo vírus B. Isso se deve, provavelmente, à ins ttuição da vacinação universal contra hepatte B para menores de 1 ano, em 1998, e a posterior ampliação desta para menores de 20 anos, a partr de 2001. Essa tendência vem sendo confirmada, mais recentemente, pelo estudo de base populacional das infecções por vírus das hepattes A, B e C nas capitais do Brasil. Os resultados sugerem ocorrência de baixa endemicidade (menor que 1%) da infecção pelo vírus da hepatte B no conjunto das capitais de cada macrorregião e do Distrito Federal. A soroprevalência do marcador de exposição ao VHB (ant-HBc total), referente ao conjunto das capitais do Brasil, foi de 7,4%. O percentual de expostos ao VHB na faixa etária de 10 a 19 anos foi de 1,1% e de 11,6% para o grupo de 20 a 69 anos. Para todas as regiões, veri ficou-se um aumento da positvidade do ant-HBc total com a idade. Em relação ao sexo, os homens apresentaram maior probabilidade de exposição ao VHB em todas as regiões e no Distrito Federal, exceto na região Norte. À exceção do Sudeste, nas demais regiões observou-se uma maior oportunidade de exposição ao VHB para indivíduos com piores condições socioeconômicas. A transmissão sexual foi relevante nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul, sendo que, nesta últma, a transmissão sanguínea também se destacou. Para o marcador HBsAg, a prevalência global foi de 0,37, sendo de 0,055% na faixa etária de 10 a 19 anos e de 0,6% para os grupos de 20 a 69 anos.
C - Formas clínicas A forma aguda da hepatte B é bastante semelhante à descrita para a hepatte A. Em geral, os sintomas prodrômicos não são tão expressivos, e o quadro se resolve em torno de 20 a 30 dias após seu início. A nega tvação do HBsAg deve ocorrer em até 6 meses após o diagnóstco da infecção aguda; caso contrário, o indivíduo se torna um portador crônico do VHB. A hepatte B crônica ocorre em 5 a 10% dos indivíduos que adquirem a infecção na idade adulta e é de finida pela
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HEPATITES VIRAIS persistência do HBsAg por mais de 6 meses após a aquisição do vírus, associada à evidência de replicação viral – HBeAg positvo e/ou VHB-DNA positvo (por técnicas de biologia molecular – PCR) – e sinais de a tvidade inflamatória hepátca (elevação de transaminases e/ou atvidade necroinflamatória demonstrada por biópsia hepátca). A forma crônica é assintomátca na maioria dos casos, e as manifestações clínicas surgem apenas em fases avançadas da doença, como consequência da cirrose hepátca, que se desenvolve em 20 a 25% dos doentes. Nesse momento, podem ocorrer ascite, varizes esofágicas, fenômenos hemorrágicos e encefalopata, consequentes da disfunção hepátca progressiva. Um indivíduo pode permanecer cronicamente infectado pelo VHB, porém sem replicação viral ou a tvidade inflamatória hepátca. Nesse caso, o HBeAg desaparece, e, em seu lugar, surge o ant-HBe, marcador de fim da replicação. O VHB-DNA não é detectável em sangue periférico. As transaminases são normais, demonstrando ausência de in flamação hepátca. Esse indivíduo é classi ficado como portador crônico inatvo. Um portador crônico inatvo pode voltar a apresentar hepatte crônica. Para isso, o vírus desenvolve uma mutação que lhe capacita replicar-se, mesmo na presença de ant-HBe – denominada mutação pré-core, por localizar-se na região que antecede a região codi ficadora do angeno do core no genoma viral. O an t-HBe persiste positvo, porém o VHB-DNA volta a ser detectável, e, a seguir, elevam-se novamente as transaminases. A retomada da replicação pode resultar em uma agudização da hepatte crônica, com icterícia e outros sinais semelhantes aos presentes na fase aguda, e até mesmo ascite e encefalopata, dependendo do grau de lesão hepátca preexistente. Esse período de agudização é chamado flare. A hepatte fulminante ocorre em cerca de 1% das infecções agudas, o que representa até 12% das e tologias de insuficiência hepátca aguda. Em geral, ocorre em até 8 semanas após o início dos sintomas. Os critérios diagnóstcos são os mesmos relatados para a hepatte A.
D - Diagnóstco As alterações laboratoriais inespecíficas presentes na hepatte B aguda são indistnguíveis das descritas para a hepatte A. Na fase crônica, ocorrem oscilação de transaminases e alteração progressiva de coagulograma e albumina, à medida que evolui a disfunção hepátca após o estabelecimento da cirrose. Pacientes cirrótcos com esplenomegalia podem apresentar plaquetopenia e até pancitopenia, por hiperesplenismo. O diagnóstco específico de hepatte B baseia-se na detecção sérica dos angenos e antcorpos relacionados ao VHB, conforme já descrito. A Tabela a seguir traz as possíveis combinações de marcadores e seu significado diagnóstco.
Tabela 7 - Marcadores de infecção por VHB Perfil Hepatte B aguda
HB- Ant-HBc sAg IgM
Ant-HBc IgG
HBeAg
Ant-HBe
Ant-HBs
+
-
-
+
+
+/-
Cura
-
-
+
-
+/-
+
Hepatte B crônica
+
-
+
+
-
-
Portador inatvo
+
-
+
-
+
-
Vacinação
-
-
-
-
-
+
E - Tratamento Assim como na hepatte A, na hepatte B aguda é recomendado apenas suporte clínico e sintomá tco. A introdução de antvirais nessa fase é indicada apenas na hepa tte fulminante, situação em que o paciente deve ser transferido para um serviço de referência em transplante hepá tco e pode ser considerada a terapia antviral com lamivudina ou tenofovir. A indicação de transplante prioritário obedece aos mesmos critérios descritos para a hepa tte A (King’s College ou Clichy). Na hepatte B crônica, o principal obje tvo do tratamento é reduzir o risco de progressão da doença hepátca e de seus desfechos primários, especificamente cirrose, hepatocarcinoma e, consequentemente, óbito. Sua indicação depende da intensidade da replicação viral – refletda pela detecção quanttatva do VHB-DNA – e da a tvidade necroinflamatória evidenciada pela elevação de transaminases e/ ou biópsia hepátca. O resultado ideal desejado após a terapia é a perda sustentada do HBsAg, com ou sem soroconversão para tan -HBs. Isso está associado à completa remissão datvidade a da hepatte crônica. Tal resultado di ficilmente é obtdo, e outros desfechos devem ser perseguidos em pacientes HBeAg reagentes e HBeAg não reagentes. Nos pacientes HBeAg reagentes, a soroconversão para ant-HBe é um desfecho sa tsfatório, por estar tco. Nos HBeAg reagentes que associado a um melhor prognós não obtêm soroconversão e nos HBeAg não reagentes, a manutenção da supressão do VHB-DNA é a desejável. A dosagem de transaminases (ALT e AST) deve ser realizada para orientação do seguimento e para decisão terapêutca: quando a ALT e/ou a AST estverem normais, estará indicado o seu monitoramento a cada 3 meses. Por outro lado, quando alteradas, indicam a necessidade de iniciar o tratamento. Em pacientes que apresentem o HBeAg reagente, a carga viral (VHB-DNA) não é critério de de finição para início de tratamento, pois há alta probabilidade de o resultado do exame ser superior a 105 cópias/mL ou >2.000UI/mL, sendo desnecessário, portanto, realizá-lo neste momento. Em pacientes HBeAg reagente não cirrótcos, a biópsia é facultatva, devendo, entretanto, ser recomendada a pacientes maiores de 40 anos, principalmente do sexo masculino, independente das aminotransferases.
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INFECTOLOGIA As drogas disponíveis em nosso meio para o tratamento da hepa tte B crônica são moduladores imunológicos – interferon-alfa – e antvirais análogos de nucleosídeo ou nucleo deo: lamivudina, adefovir, telbivudina, entecavir e tenofovir. A escolha das drogas obedece a critérios específicos e deve ser feita para cada paciente. Tabela 8 - Critérios de indicação de terapia em indivíduos nunca tratados, com HBeAg reagente, não cirró tcos - Pacientes que apresentem transaminases alteradas, independentemente de outros critérios; - Pacientes com biópsias queapresentem atvidade inflamatória e fibrose ≥A2 e/ou ≥F2, independentemente das transaminases.
Figura 3 - Indivíduos nunca tratados, com HBeAg reagente, não cirró tcos. Fonte: Ministério da Saúde
Tabela 9 - Critérios de indicação de terapia em indivíduos nunca tratados, com HBeAg não reagente, não cirrótcos Transaminasesnormais Transaminasesalteradas VHB-DNA ≥103 (ou ≥200UI/mL e <104 cópias/mL ou <2.000UI/mL e VHB-DNA ≥104 cópias/mL ou ≥2.000UI/mL, independentemente biópsia demonstrando atvidade inflamatória e/ou fibrose ≥A2 e/ou da biópsia hepátca. ≥ F2; ou VHB-DNA ≥104 cópias/mL, independentemente da biópsia hepátca.
Figura 4 - Indivíduos nunca tratados, com HBeAg não reagente, não cirrótcos
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ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HEPATITES VIRAIS Tabela 10 - Critérios de indicação de terapia em indivíduos nunca tratados, cirrótcos, com HBeAg reagente ou não reagente, não cirrótcos I
ficação Pacientes HBeAg reagentes têm indicação de tratamento, independentemente das transaminases, VHB-DNA ou classi de Child-Pugh.
II
Pacientes com cirrose Child-Pugh B e C têm indicação de tratamento, independentemente da condição do HBeAg, da carga viral e das transaminases.
III
Pacientes HBeAg não reagentes, com cirrose Child-Pugh A têm indicação de tratamento quando as transaminasestverem es alteradas e/ou VHB-DNA≥103 cópias/mL (200Ul/mL).
Figura 5 - Indivíduos nunca tratados, cirrótcos, com HBeAg reagente ou não reagente
Pacientes cirrótcos devem receber, ainda, medidas para controle das manifestações da disfunção hepátca, como: - Restrição de sódio e diurét cos, para manejo da ascite; - Dieta rica em aminoácidos rami ficados e com restrição de aminoácidos aromá t cos, além de lactulona para es mulo do trânsito intestnal, para evitar encefalopata hepátca; - Propranolol e escleroterapia endoscópica, para pro filaxia de hemorragia digestva alta por varizes de esôfago; - Monitorização para peritonite bacteriana espontânea e pro filaxia ant biótca em casos selecionados; - Monitorização com exames de imagem e alfa-fetoproteína para carcinoma hepatocelular.
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INFECTOLOGIA Os cirrótcos devem, ainda, ser avaliados para possível inclusão em lista de transplante hepátco. No Brasil, a inclusão em lista obedece a critérios mínimos, estabelecidos e publicados em Portaria do Ministério da Saúde de maio de 2002. Tabela 11 - Critérios de inclusão em lista de transplante hepátco - Cirrose hepátca Child-Pugh A, desde que tenham apresentado 1 das seguintes complicações: · Hemorragia digestva alta, secundária à hipertensão portal, em 2 ou mais episódios que tenham requerido transfusão de sangue; · Síndrome hepatopulmonar com manifestações clínicas;
A transmissão da hepatte B de mãe para filho ocorre em cerca de 90% dos casos em que a gestante é HBsAg e HBeAg reagentes, e em 10% dos casos em que é apenas HBsAg reagente. Embora exista documentação de infecção intraútero, o momento principal da contaminação da criança é o parto, vaginal ou cirúrgico. Assim, a imunização do recém-nascido de mãe positva para HBsAg, precocemente após o parto, tem impacto na transmissão vertcal e confere proteção em, pratcamente, 100% dos casos quando administrada nas primeiras 12 a 24 horas de vida. A vacinação isolada nas primeiras 12 horas após o nascimento é altafi
· Encefalopata portossistêmica. - Cirrose hepátca Child-Pugh B ou C, independente de complicações; - Carcinoma hepatocelular restrito aofgado, com nódulo único de até 5cm, ou com até 3 nódulos de 3cm cada. O estadiamento por mapeamento ósseo e tomografia de tórax é obrigatório; - Forte suspeita de doença maligna, sem massa tumoral identficada, com alfa-fetoproteína acima de 250ng/mL, ou acima de 100ng/mL com aumento progressivo em 3 dosagens séricas consecutvas.
A distribuição de fgado de doadores falecidos passou a seguir um critério de gravidade a par tr de 30 de junho de 2006, segundo Portaria do Ministério da Saúde, publicada em 29 de maio do mesmo ano. O critério adotado é o MELD (Model for End-stage Liver Disease), que possibilita a avaliação prognóstca em 3 meses e u tliza, em seu cálculo, parâmetros laboratoriais (bilirrubina, creatnina e INR). Para inclusão em lista, o MELD mínimo é 6.
F - Prevenção A prevenção da transmissão de VHB está ligada a medidas que evitam a exposição parenteral ao vírus. Dentre as quais, destacam-se controle de bancos de sangue, esterilização de instrumental, redução de danos em usuários de drogas intravenosas, proteção individual de pro fissionais de saúde e proteção sexual por meio do uso de preserva tvos. A hepatte B é, também, imunoprevenível. Encontra-se disponível a vacina de an geno S recombinante, que estmula a produção isolada de ant-HBs, capaz de produzir imunidade protetora e duradoura. Sua e ficácia está acima de 95% após 3 doses. Tal vacina faz parte do calendário básico de vacinação brasileiro, com a 1ª dose feita ainda na maternidade e mais 2 doses com 1 e 6 meses de idade. Está disponível gratuitamente na rede pública até os 19 anos e em qualquer faixa etária para indicações específicas, como comunicantes domiciliares de portadores do VHB; portadores de hepatte C e outras hepatopatas crônicas; portadores de neoplasias e transplantados de órgão sólido ou medula óssea; politransfundidos (hemofilia, hemoglobinopatas) e usuários de hemodiálise; portadores de HIV (sintomá tcos e assintomátcos); expostos a risco ocupacional e acidente com material biológico, entre outras.
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mente e caz da transmissão ver do VHB; é possível quenaa prevenção adição de imunoglobulina contfical ra uma pequena proteção adicional. De acordo com o Manual dos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Ministério da Saúde – 2006), a imunoglobulina humana ant-hepatte B (HBIg) deve ser feita preferencialmente nas primeiras 12 a 24 horas de vida para recém-nascidos de qualquer peso ou idade gestacional, filhos de mãe HBsAg reagente. A dose da imunoglobulina é 0,5mL IM no músculo vasto lateral, e a vacina (HB) deve ser feita, simultaneamente, na dose de 0,5mL, IM no músculo vasto lateral do outro membro. O aleitamento materno não é contraindicado para filhos de mãe HBsAg reagente, se eles tverem recebido imunoprofilaxia adequada.
4. Hepatte C A hepatte C é uma in flamação hepátca, na maior parte das vezes, crônica, de e tologia infecciosa viral e transmissão parenteral. O Vírus da Hepatte C (VHC) é um vírus RNA da família Flaviviridae, envelopado, com tropismo por hepatócitos. Seu genoma é consttuído por uma fita única de RNA de, aproximadamente, 9.600 bases de nucleodeos de comprimento. O VHC apresenta intensa variabilidade genétca, o que resultou em sua atual classificação em 6 genótpos distntos. Além disso, a população viral de um mesmo indivíduo infectado por um único genó tpo é formada por grupos genotpicamente distntos, que consttuem as quasiespecies. Tal característca é essencial para a cronificação da infecção, pois permite ao vírus evadir dos mecanismos imunológicos do hospedeiro.
A - Patogênese A infecção pelo VHC é de aquisição parenteral e, por via hematogênica, o vírus alcança o fgado, onde inicia a replicação no hepatócito, desencadeando lesão celular/tecidual e inflamação hepátca. Apesar do efeito citopátco direto do vírus e de sua interação com o sistema imunológico do hospedeiro, ambos determinantes de lesão hepatocelular, a magnitude de necrose de hepatócitos durante a infecção primária raramente determina um quadro clínico de hepatte aguda, como descrito para as hepattes A e B. Pra tcamente inexiste he-
ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HEPATITES VIRAIS patte fulminante. Em geral, o diagnóstco é estabelecido na fase crônica. Vários mecanismos têm sido associados à persistência da infecção crônica pelo VHC, relacionados à capacidade do vírus em inibir uma resposta imune e ficaz do hospedeiro, que seja capaz de induzir o clareamento viral ainda no decorrer da infecção aguda. A imunidade humoral contra o VHC é detectável no soro entre 7 e 31 semanas após a infecção. No entanto, os an tcorpos produzidos são direcionados, principalmente, ao envelope do vírus, que apresenta alta variabilidade gené tca e antgênica. Isso implica incapacidade da imunidade humoral específica de desenvolver antcorpos neutralizantes contra todas as quasiespécies da população viral do indivíduo infectado. Em relação à imunidade celular, o VHC caracteriza-se por uma baixa antgenicidade. Essas característcas, em conjunto, possibilitam que o vírus “escape” ao sistema imune, favorecendo a cronificação da infecção. A lesão tecidual connua gerada pela atvidade inflamatória persistente na infecção crônica desencadeia mecanismos de reparação baseados em fibrose. A expansão da fibrose hepátca, sobretudo nos espaços-porta, determina a morbidade da doença, em virtude da disfunção hepá tca progressiva e do estabelecimento de hipertensão portal.
B - Epidemiologia A hepatte C apresenta alta prevalência e grande morbidade associada, que a tornam problema de saúde pública mundial. A estmatva mais recente da OMS é de uma prevalência global de 3%, o que representa mais de 170 milhões de pessoas infectadas. Em países desenvolvidos, a prevalência é semelhante à global e, em países em desenvolvimento, pode chegar a 10%. Para o ant-VHC, o resultado global da prevalência segundo o estudo de base populacional das infecções por vírus das hepattes A, B e C nas capitais do Brasil foi de 1,38%. O percentual de expostos ao VHC na faixa etária de 10 a 19 anos foi de 0,75% e de 1,56% para o grupo de 20 a 69 anos. Assim, constatou-se que a endemicidade da infecção pelo VHC é baixa, diferentemente dos parâmetros da OMS, que considera o país como de intermediária endemicidade. Outras informações relevantes apontadas pelo inquérito dizem respeito à maior posi tvidade para o ant-VHC associada a situações de extrema pobreza e ao aumento da idade. Demonstrou-se, ainda, que o uso de drogas injetáveis e inaladas e o uso de seringa de vidro em algum momento da vida foram associados à infecção pelo VHC. A infecção pelo VHC tem grande tendência à croni ficação, em razão de fatores relacionados ao vírus e ao hospedeiro. A maioria das infecções agudas é assintomátca, e acima de 70% evoluem para cronicidade. Dentre os fatores de risco associados à evolução crônica, destacam-se grande quantdade de parculas virais no inóculo da transmissão, genótpo viral 1, coinfecção com VHB, modo de transmissão transfusional ou vertcal, extremos de idade e estado de saúde debilitado no momento da aquisição do vírus.
A transmissão do VHC é parenteral, sobretudo pelo contato com sangue contaminado. Como se trata de um vírus de descrição recente (final da década de 1980), com métodos diagnóstcos disponíveis apenas a partr do início dos anos 1990, houve grande disseminação por hemotransfusões, hemodiálise, uso de instrumental não esterilizado, compartlhamento de agulhas e seringas em serviços de saúde e campanhas de vacinação em massa. Atualmente, no Brasil, com o controle adequado nessas situações, a transmissão tem-se limitado a usuários de drogas intravenosas e exposição percutânea (consultórios odontológicos, podólogos, manicures etc., que não obedecem às percennormas de biossegurança). É importante ressaltar que, em tual significatvo de casos (cerca de 50%), não é possível identficar a via de infecção. Os acidentes com material biológico em profissionais de saúde são fontes potenciais de transmissão, porém a incidência de transmissão por essa via tem pouca importância epidemiológica. A transmissão sexual é pouco frequente, com menos de 3% em parceiros estáveis. Ocorre, em especial, entre pessoas com múltplos parceiros e prátca sexual de risco (sem uso de preservatvo), e a coexistência de alguma DST, inclusive o HIV, facilita essa transmissão. A transmissão vertcal é rara em comparação à hepa tte B. Entretanto, já se demonstrou que gestantes com carga viral do VHC elevada ou coinfectadas pelo HIV apresentam maior risco de transmissão da doença para os recém-nascidos. A transmissão acontece em 2 a 4% das mães negatvas para HIV e pode chegar a 17% nas coinfectadas. Dos pacientes cronicamente infectados, cerca de 20% evoluem para cirrose hepátca, em média após 20 a 30 anos de infecção. Esta velocidade de evolução para cirrose aumenta bastante em coinfectados com HIV ou hepatte B. Dos que evoluem para cirrose, 1 a 4% ao ano recebem diagnóstco de carcinoma hepatocelular (CHC). Há relatos esporádicos de CHC em indivíduos infectados pelo VHC não cirrótcos.
C - Diagnóstco O diagnóstco de hepatte C geralmente é obtdo na fase crônica, acidentalmente em candidatos à doação de sangue ou indivíduos em que se detecta elevação de transaminases em exames de rotna ou de investgação de outras patologias. Em casos mais raros, o diagnóstco é estabelecido durante investgação etológica de ascite de surgimento recente. A sorologia identfica apenas os antcorpos totais contra o vírus e não dis tngue IgM de IgG. Assim, não é possível discernir entre infecção crônica e contato pregresso com cura (que representa uma minoria dos casos). Assim, todos os indivíduos com sorologia positva para VHC devem ser submetdos à pesquisa de RNA viral em sangue periférico por técnicas de biologia molecular (habitualmente, PCR), para confirmação da infecção crônica. Confirmada a infecção, deve ser realizada avaliação clínico-laboratorial do grau de hepatopata crônica. Nos
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INFECTOLOGIA consensos mais recentes, a biópsia hepátca tem sido recomendada para todos os portadores crônicos de VHC, para determinação da magnitude da atvidade necroinflamatória no tecido hepátco, que tem importância prognós tca e na indicação de tratamento. A biópsia hepátca estadia a lesão hepátca, com base na intensidade da fibrose e do desarranjo arquitetural do fgado; e, ainda, da atvidade necroinflamatória portal/septal, periportal/perisseptal e parenquimatosa. São avaliados, também, marcadores etológicos e presença de depósitos, como esteatose e depósito de ferro. A classificação histolóttes crônicas mais u tlizada, e adotada pelo Migica de hepa nistério da Saúde para diretrizes oficiais de tratamento, é a da Sociedade Brasileira de Patologia, que avalia os aspectos citados e lhes atribui escores que vão de 0 a 4, sendo que o 4 representa o pior estágio evolu tvo. Outras classificações utlizadas são METAVIR e ISHAAK. Caso não seja indicado tratamento, a biópsia deve ser repetda a cada 3 a 5 anos para seguimento da evolução da lesão hepátca.
D - Tratamento Os principais critérios histopatológicos para a indicação de tratamento da hepatte C crônica são a intensidade da fibrose e o grau de desarranjo arquitetural do fgado. O tratamento está indicado se esse aspecto recebe pontuação ≥2, de acordo com a classi ficação da SBP, o que significa presença de septos fibrosos entre os espaços-porta.
No que diz respeito à atvidade inflamatória, o aspecto de maior importância prognóstca em relação à progressão para fibrose é a inflamação periportal/perisseptal, com presença de necrose em saca-bocado e agressão à placa limitante do lóbulo hepátco. Quando esta obtém graduação ≥2, pode-se considerar tratamento de pacientes que apresentem fibrose ainda em estadio 1. O tratamento disponível baseia-se na combinação de interferon-alfa, um modulador imunológico, com ribavirina, um an tviral. Devem ser administrados conjuntamente a pacientes que preencham critérios histopatol ógicos, por um período de 24 (genó tpos 2 e 3) a 48 semanas (genótpo 1). Existe uma apresentação de interferon-alfa conjugado a uma molécula de polie tlenoglicol (PEG), denominada interferon peguilado (Peg-IFN). Essa manipulação molecular determina modificações no perfil farmacocinétco da droga, com possibilidade de que seja administrada somente uma vez a cada semana, e melhor resposta terapêu tca. A despeito de sua superioridade, essa droga está disponível na rede pública apenas para o genótpo 1 e para coinfectados pelo HIV, por questões de custo. O objetvo do tratamento é a resposta virológica sustentada, isto é, VHC-RNA negatvo ao final do tratamento e 24 semanas após sua suspensão. A carga viral deve ser quantficada na 4ª e na 12ª semanas de tratamento (respectvamente, resposta virológica rápida e resposta virológica precoce), pois apresentam bons valores preditvos para a resposta sustentada.
Figura 6 - Tratamento da hepatte crônica C em pacientes portadores do genótpo 1 do HCV
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ANATOMIA E FISIOLOGIA RENAL HEPATITES VIRAIS
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Figura 7 - Tratamento de paciente com genótpo 2 e 3 e fatores preditores de má resposta
O interferon pode induzir efeitos adversos hematológicos (leucopenia e plaquetopenia), metabólicos (hiperglicemia), autoimunes (treoidite, artrite) e psiquiátricos (depressão, psicose), que devem ser monitorizados durante o tratamento. O principal efeito colateral da ribavirina é a anemia, seguida por toxicidade renal. Todos esses efeitos são mais habituais em cirrótcos, o que, algumas vezes, impossibilita o tratamento de tais indivíduos. Ainda recentemente, novas drogas surgiram como esperança para pacientes com genótpo 1 (que respondem pior ao tratamento) ou a falhasterapêutcas pós-tratamento com interferon peguilado e ribavirina. Foi licenciado no Brasil, em julho de 2011, um novo medicamento para o tratamento de hepatte C – o boceprevir. Trata-se de um inibidor da serina-protease NS3-NS4A do VHC – enzima essencialna fase pós-tradicional da replicação viral. Embora adroga tenha demonstrado grande potência para a interrupção da replicação do VHC, o desenvolvimento de resistência é precoce caso seja usada isoladamente. Desse modo, os estudos de fase 2 e 3 foram feitos com a droga em associação com a atual terapia padrão, baseada em interferon-alfa 2a ou 2b peguilado (Peg-IFN) e ribavirina. Os resultados desses estudos demonstraram superioridade estatstcamente significatva da terapia tríplice contendo boceprevir, tanto para tratamento inicial quanto para retratamento. A proporção de resposta
virológica sustentada obtda com a associação de boceprevir foi pratcamente o dobro dos insatsfatórios 40% atngidos anteriormente com Peg-IFN e ribavirina para o genó tpo 1. Todas as considerações feitas para a hepatte B crônica em relação ao manejo da cirrose hepátca e às indicações de transplante hepátco são válidas também para a hepatte C.
E - Prevenção As medidas de prevenção de exposição listadas para a hepatte B são também válidas para a hepatte C, sobretudo o controle de bancos de sangue e a esterilização de instrumental. A via sexual é menos importante na hepatte C. Casais estáveis sorodiscordantes devem ser orientados quanto ao uso de preserva tvo de maneira opcional. A proteção sexual é mais relevante em indivíduos com múltplos parceiros e para relação sexual entre homens. tco é obtO tratamento com interferon quando o diagnós do na fase aguda – situação mais frequente em acidentes com material biológico – pode ser indicado para prevenir a cronificação. É recomendado a todos os pacientes assintomá tcos com PCR positvo na 3ª semana após a exposição, e para os sintomátcos com PCR positvo 12 semanas após a exposição. Não há imunoprofilaxia de hepatte C nem forma de prevenir a transmissão vertcal.
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INFECTOLOGIA 5. Hepattes D e E A hepatte D, causada pelo Vírus da Hepatte Delta (VHD), pode apresentar-se como infecção assintomátca, sintomátca ou até com formas graves. O VHD é um vírus defectvo, satélite do VHB, dependente do HBsAg para replicação. A infecção delta crônica é a principal causa de cirrose hepátca em crianças e adultos jovens em áreas endêmicas da Itália, Inglaterra e na região amazônica do Brasil. Devido à sua dependência funcional em relação ao VHB, o vírus delta tem mecanismos de transmissão idêntcos a ele. A transmissão ver tcal pode ocorrer e depende
da replicação do VHB. Os portadores crônic os ina tvos são reservatórios importantes para a disseminação do vírus da hepatte delta em áreas de alta endemicidade de infecção pelo VHB. O Vírus da Hepatte E (VHE) é de transmissão fecal-oral, que favorece a disseminação da infecção nos países em desenvolvimento, onde a contaminação dos reservatórios de água mantém a cadeia de transmissão da doença. A transmissão interpessoal não é comum. Em alguns casos, não são identficados os fatores de risco. A doença é autolimitada e pode apresentar formas clínicas graves, especialmente em gestantes.
6. Resumo Quadro-resumo Vírus
Característcadovírus
Transmissão
Croni
fica
Tratamento
A
RNA Picornaviridae
Fecal oral (2 semanas Não (e raramente Cuidados com hidratação, antes do início até 2 causa sequelas sem medidas específicas semanas após) hepátcas)
B
DNA Hepadnaviridae
Parenteral, horizontal (sexual), vertcal (transmissão materno-fetal)
C
RNA Flaviviridae 6 genótpos diferentes
Parenteral (sangue, Sim (>70%). tatuagens, alicates de Raro hepatte unha). Sexual (1%) fulminante
Sim (10% casos). Maioria evolui para cura
Prevenção Vacina (2 doses) indicada se IgG negatvo ou para crianças a partr de 1 ano na rede privada
Indicado para hepatte fulminante, hepatte crônica em algumas situações. Feito com Vacina (3 doses) IFN peguilado ou inibidores análogos nucleosídeos IFN peguilado + RBV a depender da lesão hepátca. Genó-
Sem vacina específica
tpo e carga viral determinam
tempo de tratamento
D
Defectvo, dependente de Mesma da hepatteB Sim VHB para replicação
Sem vacina específica. Tratamento em conjunto com O bloqueio de HBV a hepatte B com vacina impede sua transmissão
E
Estruturalmente similar ao Fecaloral calicivírus
Cuidadoscomhidratação
184
Não
Semvacinaespecí
fica
CAPÍTULO
16 1. Leishmaniose visceral
Hepatoesplenomegalias crônicas Rodrigo Antônio Brandão Neto / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
A - Epidemiologia A Leishmaniose Visceral (LV), ou calazar, é uma doença sistêmica, fatal se não tratada, causada pela Leishmania chagasi (complexo L. donovanii), um parasita intracelular. Trata-se de uma doença endêmica no Brasil (Nordeste e Centro-Oeste e Norte-Nordeste de Minas Gerais) que ocorre em todos os contnentes, exceto Oceania. É bastante di-
Figura 1 - Mosquito-palha (vetor da leishmaniose)
Figura 2 - Leishmania chagasi
fundida pelo mundo (calazar indiano, calazar mediterrâneo, calazar africano e calazar americano) e manifesta-se com partcularidades em cada região. Quanto à LV nas Américas, 98% dos casos concentram-se no Brasil, principalmente nos estados do Ceará (destaque para a cidade de Sobral), Piauí e Bahia (destaque para a cidade de Jacobina). A partr de 1994, passou a ocorrer na região metropolitana de Belo Horizonte e de diversas cidades do Sudeste; no estado de São Paulo, o 1º caso humano de transmissão autóctone ocorreu em 1999, no município de Araçatuba, e desde então a doença vem-se expandindo territorialmente, desde o Oeste Paulista, rumo ao leste e ao sul do estado. O mesmo acontece nos morros do Rio de Janeiro. A leishmaniose é uma zoonose, pois se trata de uma doença de animais que eventualmente atnge o homem. O vetor da doença, no Brasil, é um mosquito flebotomíneo da espécie Lutzomyia longipalpis (mosquito-palha), que habita regiões secas e é responsável pela transmissão entre homem infectado e homem são, e entre cães infectados e homem são. O mosquito é domiciliado. As vias de transmissão podem ser vetorial (natural) e outras esporádicas, como transfusão e acidentes de laboratório, as quais são pouco importantes em relação à transmissão pelo mosquito. Em países do Mediterrâneo (Portugal, Espanha, Itália, França), é elevada a frequência da coinfecção LV/HIV, e nessa cir-
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INFECTOLOGIA cunstância ocorre uma forma alternatva de infecção primária, decorrente da inoculação intravenosa de Leishmania sp, por meio do compartlhamento de agulhas e seringas, entre usuários de drogas injetáveis (transmissão inter-humana). O cão é o principal reservatório urbano da doença. O Lutzomyia, quando pica o cão e o homem, transfere a este formas flageladas do protozoário (promastgotas), que perdem o flagelo e passam a multplicar-se no sistema retculoendotelial, sobretudo no fgado, no baço, na medula óssea e nos linfonodos. O período de incubação é longo e muito variável (de 10 dias a 3 anos), mas, em média, varia de 3 a 6 meses. Cerca de 80% dos casos ocorrem em crianças com menos de 10 anos.
B - Fisiopatologia A LV é causada por leishmanias do complexo donovanii. Mosquitos da espécie Lutzomyia inoculam as formas promastgotas da Leishmania na epiderme e na derme profunda. O ciclo do parasita nesses mosquitos dura de 3 a 5 dias. Gp63 e LPG são proteínas do parasita envolvidas na penetração da célula. O protozoário apresenta 2 formas evolu tvas: promastgota (forma flagelada e móvel presente no mosquito, infectante) e amastgota (forma imóvel presente no homem). As Leishmanias parasitam apenas macrófagos. A Leishmania não causa liberação de citocinas (como IL-12), de forma que os macrófagos não são atvados e ficam repletos de formas amastgotas. O macrófago repleto de parasitas rompe-se, liberando as formas amastgotas, que infectam outras células. O acúmulo dos macrófagos infectados em baço e fgado gera a hepatoesplenomegalia. E a hiperplasia dos macrófagos na medula óssea compromete a produção das outras células, causando pancitopenia. São, primordialmente, 2 os fatores importantes na resposta ao parasita: o tpo de resposta predominante do linfócito T CD4 (Th1 ou Th2) e a resposta do macrófago ao esmulo pelo IFN-gama (o IFN-gama funciona atvando os macrófagos e fazendo que estes não sejam permissivos à infecção por Leishmania). Havendo predomínio de resposta Th1, há produção de IFN-gama e IL-2, que a tvam macrófagos e contêm a doença. Em caso de predomínio de Th2, há produção de IL-4, IL-5 e IL-10, com progressão da doença.
C - Apresentação clínica A LV é definida como uma doença espectral. A incompetência em responder adequadamente ao protozoário leva ao quadro visceralizado, demonstrada pela reação de Montenegro negatva. O quadro clínico é dividido em 3 fases: período inicial, fase de estado e fase final. O período inicial corresponde à fase de aparecimento dos sintomas e é seguido pela fase de estado, em que já está estabelecido o quadro clínico clássico da doença. Em geral, o quadro inicia-se com febre irregular, não muito alta (38,5°C), e tem períodos de acalmia por algumas semanas. Observam-se, também, diarreia e dor abdominal. Tosse
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seca e irritante pode decorrer de pneumonite interstcial. O paciente apresenta emagrecimento e palidez cutânea. Hepatomegalia, 3 a 4cm da linha hemiclavicular (LHC) direita, é um achado frequente. A esplenomegalia pode chegar a ser muito exuberante (baço ultrapassando a linha média em direção à fossa ilíaca direita). Geralmente, a consistência do baço é amolecida, mas pode ser dura em caso de fibrose (quadros mais crônicos). Dor esplênica à palpação pode indicar periesplenite (inflamação da cápsula esplênica), e dor esplênica aguda é suges tva de infarto esplênico. Não há grande adenomegalia, mas a micropoliadenopa ta generalizada não dolorosa é comum. Observam-se sinais(side desnutrição: pele seca, pelos quebradiços e cílios longos nal de Pialuga). Em geral, tais pacientes já são desnutridos de base, mas esse quadro se agrava pela perda intestnal de proteínas. O paciente com leishmaniose visceral é um imunodeprimido e está sujeito a infecções secundárias, principalmente por tuberculose, bactérias capsuladas Streptococcus ( pneumoniae e Haemophilus influenzae) e bactérias Gram negatvas. A infecção secundária é a principal causa de morte nestes pacientes. Outra importante causa é a hemorragia, devido à plaquetopenia e a deficiências de fatores de coagulação (desvio da produção proteica para imunoglobulinas leva à hipoalbuminemia e deficiência dos fatores de coagulação). A icterícia na LV pode acontecer quando o comprometmento do parênquima hepátco é importante. Observa-se aumento das enzimas hepátcas e das bilirrubinas, mas não é uma manifestação muito comum. Existem formas oligossintomátcas e afebris de difcil diagnóstco, que podem evoluir para cura espontânea ou para formas sintomátcas. Deve-se considerar a hipótese da doença em todo indivíduo com grande esplenomegalia (em área endêmica, quanto maior o baço, maior a chance de calazar) e nos pacientes com quadros graves, toxemia, anemia ou pancitopenia, hepatoesplenomegalia, hemorragias, infecções graves, vômitos, diarreia, tosse, instabilidade respiratória e hemodinâmica sem uma causa óbvia (pode ser necessário iniciar o tratamento antes do diagnóstco confirmado). A presença de cães infectados ou doentes nas redondezas (cão emagrecendo, perdendo pelos, unhas grandes e deformadas, sangramentos) reforça a suspeita. São achados histopatológicos frequentes na leishmaniose visceral: - Hepatomegalia: a arquitetura hepá tca está preservada. As células de Küpffer estão aumentadas quanto ao tamanho e contêm muitos parasitas na forma amastgota. Não se observava necrose de hepatócitos. Excepcionalmente, pode haver fibrose intralobular difusa, padrão conhecido como cirrose de Rogers. Com o tratamento, tal fibrose pode regredir; - Esplenomegalia: intensa hipertrofia e hiperplasia do sistema fagocítco-monocitário. O baço tem consistência amolecida;
AN ATOMIA EGALIAS FIS IOLOGI A REN AL HEPA TOESPLEN OME CRÔNICAS Pneumonia interstcial: pode evoluir para focos de fibrose septal. Não se encontram formas amastgotas; - Nefrite interstcial: leva à insuficiência renal aguda por hiperplasia e hipertrofia das células mesangiais do glomérulo. A IRA é pouco frequente, mas possível, decorrente de depósito de imunocomplexos. -
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Cultura: meio NNN. Identficação de formas promastgotas.
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Imunológico: Sorologia: ELISA, imunofluorescência indireta (1:40 na forma clássica; sensibilidade e especi ficidade de 90%). Tem pouco valor diagnóstco em áreas endêmicas; Reação de Montenegro: é a prova de hipersensibilidade tardia. Em geral, é negatva nos doentes de LV. Nas pessoas infectadas por Leishmania, mas sem a •
Tabela 1 - Critérios de gravidade de leishmaniose visceral - Idade <6 meses ou >65 anos;
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- Desnutrição grave; - Comorbidades. - Sinais de alerta: · Icterícia; · Fenômenos hemorrágicos; · Edema generalizado; · Sinais de sepse.
doença, essa reação é positva,não e não há hipergamaglobulinemia. Isoladamente, serve para diagnostcar a doença.
E - Diagnóstcos diferenciais
a) Exames gerais - Hemograma: anemia, leucopenia, neutropenia e eosinopenia, plaquetopenia (por hiperesplenismo e ocupação da medula óssea). As alterações hematológicas são proporcionais à gravidade do caso; - EFP (eletroforese de proteínas séricas): hipoalbuminemia, hipergamaglobulinemia policlonal (inversão da relação albumina-gamaglobulina); tva e VHS: elevados na maioria dos casos; - Proteína C rea
Salmonelose septcêmica prolongada (enterobacteriose septcêmica prolongada): ocorre em pacientes esquistossomótcos, quando o Schistossoma mansoni é colonizado por enterobactérias (como Salmonella ou outras). O verme está nos ramos da veia porta e, de tempos em tempos, libera bactérias para a corrente sanguínea, levando a picos febris. O quadro é muito parecido com o calazar, pois há hepatoesplenomegalia (pela esquistossomose) e febre (pela sep tcemia); - Brucelose: compreende uma doença de animais que, eventualmente, atnge o homem, causando hepatoesplenomegalia febril;
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D - Diagnóstco
Transaminases e bilirrubinas: normais ou com aumento leve a moderado. Raramente, há insu ficiência hepátca; - Urina I: proteinúria e hematúria discretas; - Ureia/creatnina: podem elevar-se com o comprometmento renal; - Hemocultura: para afastar infecções associadas, sobretudo nos neutropênicos febris. b) Exames específicos - Parasitológico: exame direto, corado pelo Giemsa, de preferência sem aspirado de medula óssea; - Mielograma e mielocultura:pesquisa direta de formas amastgotas em aspirado de medula óssea, visualizadas no interior de macrófagos, entremeados a ninhos de plasmócitos. Cultvo em meio específico NNN para identficação de formas promastgotas da Leishmania (sensibilidade de 55 a 90%). Preferir punção de crista ilíaca; Punção e aspiração hepátca ou esplênica: se não há plaquetopenia <40.000/mm3 nem coagulopata. Pode revelar o parasita no sistema retculoendotelial (sensibilidade entre 75 e 80%); - Ordem de abundância dos parasitas: baço >medula óssea >fgado >linfonodos >sangue periférico. Como a biópsia esplênica é um procedimento de risco, utliza-se, mais frequentemente, a biópsia de medula óssea; -
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Malária: apenas os quadros crônicos e arrastados (malária malariae); - Neoplasias: linfomas; - Outros: esquistossomose hepatoesplênica, toxoplasmose tfoídica, leucemia, histoplasmose, colagenoses, tuberculose miliar, toxocaríase, endocardite subaguda, glicogenoses, hepatte crônica com cirrose, talassemias. Casos anômalos e resistentes ao tratamento podem estar associados à AIDS.
F - Tratamento a) Medidas gerais de suporte apenas de casos graves, instáveis e - Internação neutropênicos febris; - Suporte nutricional adequado; - Tratamento das infecções associadas, inclusive adotando os conceitos de abordagem do neutropênico febril; - Correção da anemia nos casos graves (habitualmente, a anemia melhora rapidamente com o tratamento específico). b) Tratamento específico - Antmoniais pentavalentes: glucantme A (ant moniato de n-metl-glucamina, ampolas de 5mL; cada mL contém 85mg de antmoniato) na dose, 20mg de
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INFECTOLOGIA antmoniato/kg/dia. A droga é administrada por via intramuscular profunda, em caso de plaquetas acima de 50.000/mm3. Pode ser feita intravenosa, em dose única diária em infusão lenta. O tratamento dura 20 dias. Para evitar efeitos da lise parasitária maciça, pode-se usar metade da dose na 1ª aplicação. Trata-se de uma droga cardiotóxica, nefrotóxica e hepatotóxica, e a droga de escolha no Brasil, em casos sem critérios de gravidade; - Anfotericina B: na dose de 1mg/kg/dia. A dose acumulada deve ser de 30 a 50mg/kg. Nefrotóxica, cardiotóxica e hepatotóxica. É a droga leishmanicida potente disponível comercialmente, atuando nasmais formas promastgotas e amastgotas, tanto in vitro quanto in vivo. Está indicada como 1ª escolha em pacientes com sinais de gravidade – idade inferior a 6 meses ou superior a 65 anos, desnutrição grave, comorbidades, incluindo infecções bacterianas ou uma das seguintes manifestações clínicas: icterícia, fenômenos hemorrágicos (exceto epistaxe), edema generalizado, sinais de toxemia (letargia, má perfusão, cianose, taquicardia ou bradicardia, hipoventlação ou hiperventlação e instabilidade hemodinâmica). Pode ser utlizada anfotericina lipossomal, pois os lipossomas são fagocitados pelos macrófagos, facilitando a ação intracelular, em que se encontra o parasita. - Pentamidina (diamina aromátca): na dose de 2 a 4mg/kg/dia em dose única diária ou em dias alternados por 40 doses. Essa é uma droga pancreatotóxica, hipotensora, nefrotóxica e cardiotóxica, e não se sabe seu mecanismo exato de ação; - Tratamentos experimentais : paromomicina, em associação a glucantme + alopurinol, dapsona, sulfametoxazol + trimetoprim, cetoconazol, itraconazol. Tabela 2 - Recomendações específicas para leishmaniose visceral grave - Internação (sempre); - Droga de escolha: anfotericina B – de preferência, lipossomal; - Antbiotcoprofilaxia com ceriaxona, em caso de neutrófilos <500, e em pacientes com menos de 2 meses de vida; - Suporte hemoterápico: concentrado de hemácias e plaquetas, plasma fresco.
G - Controle de cura -
A cura após o tratamento é sempre presuntva, pois não se pode ter certeza de que todos os parasitas tenham sido eliminados; - Os critérios de cura são essencialmente clínicos. O desaparecimento da febre acontece por volta do 2º ao 5º dias de medicação específica, e a redução do volume do baço e do fgado pode ser verificada nas primeiras semanas. Os parâmetros hematológicos melhoram a partr da 2ª semana. A normalização das proteínas
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séricas se dá de forma lenta e pode levar meses. O retorno do apette, a melhora do estado geral e o ganho ponderal são evidentes desde o início do tratamento. Nessa situação, o controle parasitológico ao término do tratamento é dispensável; - Ao final do tratamento, a presença de eosinó filos no sangue periférico é um índice de bom prognóstco. O paciente tratado deve ser acompanhado durante 12 meses. Ao final desse período, se permanecer estável, será considerado clinicamente curado; - A esplenectomia nunca deve ser realizada; -
Durante o processo de cura, podem surgir lesões cutâneas ricas em parasitas, referidas como dermatose pós-calazar. Não é frequente no Brasil, mas na Índia, relacionada à leishmaniose por Leishmania donovanii.
H - Controle sanitário Inquérito sorológico dos cães da área afetada e sacri fcio dos cães acometdos; - Borrifação com piretroide das áreas com cães infectados; - Vigilância e tratamento precoce de todos os casos humanos e alerta permanente à população quanto aos sinais da doença; - Programas de reciclagem de pro fissionais de saúde sobre o diagnóstco e o tratamento da doença; - Ainda não há vacina eficaz. -
2. Esquistossomose A - Epidemiologia A esquistossomose é uma doença parasitária causada pelo helminto Schistossoma mansoni e transmitda por moluscos planorbídeos. Trata-se de caramujos do gênero Biomphalaria, e as principais espécies são a B. glabrata (mais importante) e a B. tenagophila (presente no Vale do Ribeira, no estado de São Paulo), que atuam como hospedeiros intermediários do parasita. Cerca de 5% da população brasileira são infectados por S. mansoni, somando cerca de 5.200.000 pacientes atualmente. Na região Norte, observou-se um aumento da mortalidade por esquistossomose, provavelmente decorrente da migração de pessoas infectadas de áreas endêmicas. O aumento do número de pessoas portadoras nessa região pode levar a maior número de novos casos, devido à presença de fontes de infecção (indivíduos infectados portadores). Na região Sudeste, houve diminuição da mortalidade por esquistossomose, por provável redução da migração de áreas endêmicas recentemente. Na década de 1960, foram identficados roedores infectados (Nectomys e Holochilus) que poderiam ser fontes secundárias de infecção. As formas graves são raras, mesmo nas zonas endêmicas. As formas graves da esquistossomose são as formas hepatoesplênicas e as formas pulmonares e renais graves.
AN ATOMIA EGALIAS FIS IOLOGI A REN AL HEPA TOESPLEN OME CRÔNICAS Nos pacientes com imunodeficiência grave, ocorre óbito na esquistossomose aguda.
Figura 3 - Schistossoma mansoni: na foto, o maisfino é a fêmea, e o mais grosso, o macho
B - Fisiopatologia
Após penetrar a pele, as larvas caem na circulação e são levadas aos pulmões, onde pode ocorrer uma pneumonite eosinoflica. As formas (esquistossômulos) amadurecem nos pulmões, transformando-se em vermes adultos, que depois atngem a circulação portal. Os vermes adultos instalam-se na veia porta e, quando acasalam, migram para o plexo hemorroidário para a deposição dos ovos. Uma parte destes atravessa o endotélio vascular, submucosa e mucosa, caindo na luz intestnal, para ser eliminada com as fezes. Alguns ovos ficam retdos na parede, enquanto outros voltam para o fgado. Os ovos são as causas mais importantes de lesão no hospedeiro, pois desencadeiam reação in flamatória crônica granulomatosa, que no fgado é reparada por fibrose. Quando surgem os granulomas e a hipersensibilidade tardia, a resposta predominante é Th2, com IL-4 (aumento da produção de IgE) e IL-5 (eosino filia). Os ovos de esquistossoma podem ser vistos nas criptas intestnais, em vasos logo abaixo da submucosa; dentro desses vasos podem ser observados vermes. No fgado, há granulomas no espaço porta, com ovos em seu interior. Observa-se fibrose intensa, que progride provocando aumento da pressão portal e desvio do fluxo para a circulação pelo sistema cava. Nas formas pulmonares, há granulomas nos septos alveolocapilares, gerando hipertensão pulmonar.
C - Apresentação clínica a) Fase aguda
Figura 4 - Ciclo da esquistossomose
Em locais onde há caramujos do gênero Biomphalaria, a deposição de fezes de indivíduos infectados leva à contaminação do ambiente com ovos de Schistossoma. Em contato com a água, os ovos liberam larvas móveis ciliadas denominadas miracídios, que penetram os caramujos e os tornam infectados. No hospedeiro intermediário, ocorre a transformação em outro estágio larvário, denominado cercária, que são liberadas pelo caramujo e permanecem livres no ambiente aquátco. Atraídas pela temperatura, as cercárias penetram atvamente a pele humana. No local da penetração do parasita, ocorre uma reação com prurido, eritema e edema. Esse fenômeno decorre de uma reação de hipersensibilidade ao parasita, de que partcipa, atvamente, a IgE. Há atvação policlonal dos linfócitos B com formação de imunocomplexos na fase aguda da doença, causando artralgias, febre e até lesão renal com glomerulonefrite. Nessa fase da doença, a resposta predominante é Th1, com IFN-gama e IL-2.
As manifestações da esquistossomose aguda são vistas em pacientes em contato com o verme pela 1ª vez. A dermatte cercariana, no local da penetração do verme, cursa com edema, eritema e prurido, e decorre de uma reação alérgica de hipersensibilidade imediata mediada por IgE. Outra manifestação aguda é a pneumonite inters tcial eosinoflica, que se manifesta com tosse e broncoespasmo, e ocorre na passagem do verme pelos pulmões. O quadro pico de esquistossomose aguda surge entre 30 e 40 dias após o contato com água contaminada pelos caramujos infectados. O paciente apresenta febre, diarreia e tosse seca de instalação súbita. Podem ocorrer alterações do SNC e hepatoesplenomegalia, que regridem após a resolução da fase aguda. As manifestações clínicas dessa fase decorrem da reação imune contra as larvas. A fase aguda raramente é fatal, é autolimitada e, muitas vezes, oligossintomátca. A esquistossomose aguda é muito expostos comum em moradores de áreas endêmicas, frequentemente à infecção. Apenas a manifestação cutânea (dermatte cercariana) costuma ser mais intensa em reinfecções, pelo aparecimento de sensibilização por exposição anterior. b) Formas crônicas - Forma intestnal: nessa forma, o quadro clínico se restringe aos sintomas intestnais. Está presente em 85% dos casos. O paciente apresenta diarreia irregular, às
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INFECTOLOGIA vezes com cólicas, decorrentes dos ovos na mucosa intestnal. Na forma intestnal, os ovos chegam ao fgado, mas em pequena quan tdade; - Forma hepatointestnal: na circulação hepá tca, os ovos impactam no espaço pré-sinusoidal, levando à formação de granulomas e fibrose, que dificultam o fluxo portal. Há hepatomegalia com predomínio do lobo esquerdo. A arquitetura dos hepatócitos está preservada; - Forma hepatoesplênica: divide-se em forma sem hipertensão portal e com hipertensão portal. Na forma hepatoesplênica hipertensão portal, a esplenomegalia tende a sem regredir com o tratamento, pois o esmulo antgênico desaparece; na forma hepatoesplênica com hipertensão portal, surge circulação colateral srcinando varizes de esôfago, fundos gástrico e intestnal. Enquanto o paciente não apresenta sangramento ou ascite, é denominado compensado; se há 1 dos 2, denomina-se descompensado. A ascite ainda é um evento tardio, o que se jus tfica pelo fato de a hipertensão portal ser pré-sinusoidal. A esplenomegalia é muito importante nesses pacientes. Com o tratamento pode haver redução da hepatoesplenomegalia. Em pacientes pré-púberes esquistossomótcos com essa forma grave da doença, pode haver dé ficit de crescimento ponderoestatural e desenvolvimento dos caracteres sexuais, que podem normalizar-se após a esplenectomia. A função hepátca no paciente esquistossomó tco é perfeitamente preservada e desenvolve insuficiência hepátca nas seguintes condições: - Presença de sangramento: no fgado, 70% do suprimento normal sanguíneo dos hepatócitos são feitos pela veia porta e 30% pela artéria hepátca. No esquistossomótco, o fluxo inverte-se, com proliferação da artéria hepátca para cobrir a de ficiência da veia porta (arterialização do fgado). Na ocorrência de sangramento importante com repercussão hemodinâmica, as necessidades não são supridas, e há necrose hepátca, o que pode culminar em insu ficiência hepátca subsequente;
Figura 5 - Hepatoesplenomegalia
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Alcoolismo: causa dano hepatocelular precoce quando associado à esquistossomose; Hepatte B: os pacientes esquistossomó tcos com a forma hepatoesplênica têm defeitos imunológicos específicos que dificultam o clareamento do VHB, favorecendo o surgimento de hepatte crônica. Postula-se que haja mecanismo semelhante para o VHC. São necessárias 2 condições para um paciente esquistossomótco desenvolver ascite: aumento da pressão hidrostátca (hipertensão portal) e diminuição da pressão coloidosmótca, por insuficiência tca (pós-sangramento), desnutrição (hipoalhepá buminemia) ou proteinúria (glomerulopata da esquistossomose); Forma pulmonar: decorre da chegada dos ovos aos pulmões pela artéria pulmonar. Os ovos atngem a artéria pulmonar por meio das vias colaterais: veia porta – veias esofágicas – veia ázigo – veia cava superior – coração direito – artéria pulmonar. A forma pulmonar da esquistossomose é mais frequente quando já está instalada a hipertensão portal e as vias colaterais estão abertas. Formam-se granulomas no pulmão ao redor dos ovos, o que causa hipertensão pulmonar. O paciente pode apresentar dispneia, estase jugular e cor pulmonale. Há sobrecarga das câmaras direitas, e o raio x de tórax revela abaulamento do tronco da artéria pulmonar; Forma renal: é secundária ao depósito de imunocomplexos, o que srcina glomerulonefrite mesangioproliferatva, membranoproliferatva ou glomeruloesclerose focal. As manifestações variam desde albuminúria até síndrome nefrótca franca. As formas renais da esquistossomose estão frequentemente associadas às formas hepatoesplênicas, pois há abundância de angenos (muitos vermes) que persistem por longo tempo; Doenças associadas: doenças associadas à esquistossomose de importância clínica são a enterobacteriose septcêmica prolongada e o linfoma misto (mais comum em mulheres com mais de 40 anos).
D - Diagnóstco a) Fase aguda O hemograma na fase aguda revela grande leucocitose com eosinofilia importante (de 70 a 80% de eosinó filos). O exame de fezes pode ser negatvo (os ovos ainda estão atravessando a parede intestnal). O diagnóstco da esquistossomose aguda é feito pelo encontro de ovos nas fezes e/ou pela reação imunológica com esquistossomina combinada com dados epidemiológicos. A reação é de hipersensibilidade imediata (leitura em 15 minutos). A sorologia apresenta sensibilidade de cerca de 90%. A pesquisa de ovos pelo método de Kato-Katz em 6 amostras de fezes também apresenta sensibilidade alta, semelhante à biópsia de válvula retal.
AN ATOMIA EGALIAS FIS IOLOGI A REN AL HEPA TOESPLEN OME CRÔNICAS b) Formas crônicas -
Exames inespecíficos: •
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tumores e com a síndrome de Budd-Chiari (trombose das veias supra-hepátcas, onde ocorre fibrose pós-sinusoidal).
Hemograma: pancitopenia (pelo hiperesplenismo); outros exames estarão alterados, de acordo com o sistema comprometdo.
Exames específicos: •
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PPF (protoparasitológico de fezes): pesquisa de ovos (método de Kato-Katz); Biópsia retal (exame incômodo e com sensibilidade semelhante a múltplos exames protoparasitológicos – 6 amostras).
E - Diagnóstco diferencial Os principais diagnóstcos diferenciais são feitos com
F - Tratamento O tratamento é feito com oxamniquina ou praziquantel, em dose única. O controle de cura é feito com PPFs seriados após 40 dias do tratamento.
G - Princípios de controle Saneamento básico urbano-rural; Tratamento dos infectados com oxamniquina/praziquantel; - Combate aos planorbídeos (moluscicidas, engenharia sanitária, controle biológico); - Educação sanitária: a conduta é tratar todos os pacientes, mesmo de áreas endêmicas. -
3. Resumo Quadro-resumo Epidemiologia e fisiopatologia
- Agente etológico, vetor, reservatório natural e reservatório urbano; - Motvo para evolução da doença (relacionado à resposta Th1). - Fases da doença (inicial, de estado e final);
Clínica Leishmaniose visceral
- Achados mais frequentes (hepatomegalia, esplenomegalia, pneumonia interstcial e nefrite interstcial); - Critérios de gravidade. - Mielograma/biópsia de medula;
Diagnóstco
- Sorologia (pouco valor em áreas endêmicas); - Reação de Montenegro (importância na LV).
Esquistossomose
Tratamento
- Antmoniais pentavalentes ou anfotericina B ou pentamidina.
Epidemiologia e fisiopatologia
- Agente etológico, vetor;
Clínica
- Ciclo evolutvo. - Fase aguda (derma tte cercariana, pneumonite inters tcial eosinoflica); - Formas crônicas (intestnal, hepatointestnal, hepatomegalia).
Diagnóstco
- Fase crônica: biópsia retal e Kato-Katz.
Tratamento
- Oxamniquina ou praziquantel, dose única.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
17
Síndrome da mononucleose infecciosa Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução
3. Virologia e fisiopatologia
A síndrome da mononucleose infecciosa é uma doença aguda, em geral de curso benigno e autolimitado, frequente em adolescentes e adultos jovens. É causada pelo vírus Epstein-Barr (EBV) e adquirida por meio de contato ín tmo com indivíduos infectados.
A infecção por EBV é adquirida precocemente na vida, de modo que, em países industrializados, acima de 90% da população apresentam marcadores sorológicos posi tvos para essa infecção. Em todas as populações estudadas foram encontradas evidências da circulação desse vírus, e nenhum estudo demonstrou predileção por um dos sexos. A soroprevalência é maior e mais precoce em classes socioeconômicas menos favorecidas. Em populações nas quais a aquisição da infecção ocorre depois da 1ª década de vida, a forma sintomátca é mais comum. A doença é mais frequente, portanto, em adolescentes de classes socioeconômicas mais elevadas em países industrializados. Estudos americanos demonstram incidência de mononucleose infecciosa em torno de 45 por 100.000 habitantes por ano, com concentração da maior parte dos
O EBV, ou HHV-4, pertence à família dos herpesvírus e, como os demais membros dessa família, tem seu genoma consttuído por uma molécula de DNA de dupla fita, contdo em um nucleocapsídeo icosaédrico, circundado por um envelope lipoproteico. A infecção primária pelo EBV resulta da exposição a secreções orais de indivíduos soropositvos, por meio do beijo, do compartlhamento de comida e utensílios e de outras formas de contato íntmo. A aquisição do vírus por essa via permite a invasão das células epiteliais orofaríngeas, onde se inicia a 1ª fase de replicação a tva do vírus, seguida por infecção dos linfócitos B, seu alvo principal. A infecção dos linfócitos B desencadeia uma intensa resposta celular citotóxica T-mediada, o que explica o surgimento de linfócitos apicos em sangue periférico característco da primoinfecção por EBV. Tal resposta consegue eliminar a grande maioria das células infectadas, entretanto uma pequena porção delas permanece viável, servindo de reservatório em que o vírus persiste latente por toda a vida do indivíduo. Essa capacidade de latência ao longo de toda a vida do hospedeiro é uma característca comum a todos os vírus da família Herpesviridae. A infecção latente passa por períodos de reatvação,
casos na faixa etária entre 15 e 24 anos. Não há sazonalidade definida. A maioria das infecções é contraída por contato ín tmo de indivíduos susceveis com portadores assintomátcos que eliminam o vírus na saliva. Entre adolescentes e adultos jovens, a forma mais comum de contágio é o beijo. A transmissão em ambiente familiar também é comum, pelo compartlhamento de alimentos e utensílios. Pode ocorrer transmissão via hemotransfusão.
em que o vírus volta a se replicar a tvamente. Embora seja assintomátca, a fase de reatvação tem importância epidemiológica, uma vez que a replicação viral é su ficiente para que haja eliminação de par culas infectantes na saliva, a ponto de o portador são tornar-se fonte de transmissão. As reatvações ocorrem em pessoas saudáveis, mas são mais frequentes e intensas em imunodeprimidos. Os linfócitos B infectados entram num estado de proliferação connua denominado transformação ou imortali-
2. Epidemiologia
192
E FISIOLOGIA RENAL SÍNDROM E ANATOMIA DA MONONU CLEOSE INFECC IOSA
zação, uma vez que essas células são capazes de se multplicarem indefinidamente, aumentando rapidamente a população de células que contêm o genoma do EBV integrado a seu DNA. Na presença de imunidade íntegra, os clones infectados são prontamente eliminados da corrente sanguínea. Por outro lado, situações variadas de imunodepressão podem permitr a sobrevivência dessas células e induzir a doenças linfoproliferatvas. Mesmo quando não há uma causa iden tficável de imunossupressão, as propriedades do EBV sobre o ciclo celular, em interação com fatores genétcos e ambientais, podem acarretar malignização, o que explica a capacidade oncogênica desse vírus mesmo em hospedeiro imunocompetentes.
4. Manifestações clínicas A infecção pelo EBV induz a uma ampla variedade de manifestações clínicas em seres humanos. A doença aguda que classicamente acompanha a primoinfecção é caracterizada clinicamente por febre, dor de garganta e linfadenopata; sorologicamente por surgimento transitório de antcorpos heterófilos, e a seguir antcorpos específicos ant-EBV; e hematologicamente por linfocitose consttuída, em parte, por linfócitos apicos. O quadro clínico está relacionado à idade da aquisição da infecção. Em crianças, a infecção primária raramente é sintomátca, no entanto, quando ocorrem manifestações, é mais frequente a presença de rash cutâneo, neutropenia e pneumonite do que em pessoas mais velhas. Em adolescentes, a frequência de síndrome maior. Por outro lado, não é comum esse diagnóstclínica co eméadultos e idosos, devido à imunidade prévia; quando ocorre, entretanto, os sinais e sintomas são bastante semelhantes aos encontrados em adolescentes. O período de incubação varia entre 30 e 50 dias, desde a aquisição do vírus até o surgimento dos sintomas. A maioria dos casos manifesta-se pela tríade clássica com febre, dor de garganta e linfadenopata, que podem aparecer subitamente, mas frequentemente é precedida em vários dias por sintomas prodrômicos como sudorese, calafrios, inapetência e mal-estar. São relatados, ainda, cefaleia, mialgia e desconforto abdominal. Ao exame fsico, a febre está presente em mais de 90% dos casos de mononucleose, e ocorre preferencialmente à tarde. O exantema cutâneo é caracterís tco, geralmente macular, mas está presente em apenas 5% dos pacientes. A administração de amoxicilina ou ampicilina induz ao surgimento de um rash maculopapular pruriginoso em 90 a 100% das vezes, simulando um quadro alérgico, porém persiste mesmo após a suspensão do medicamento. Pode ocorrer edema periorbital. O aumento das tonsilas palatnas (amígdalas) é bastante frequente, acompanhado por hiperemia da orofaringe e, em 1/3 dos casos, por exsudato faringoamigdaliano característco. Eventualmente, pode haver petéquias na transição entre o palato duro e o palato mole.
A linfadenopata cervical – geralmente simétrica – está presente em 80 a 90% dos casos. Com a mesma frequência ocorrem linfadenomegalias posteriores e submandibulares, podendo aparecer gânglios aumentados também nas axilas e regiões inguinais. Os nódulos são móveis, fibroelástcos, levemente dolorosos à palpação. Habitualmente, não são encontradas alterações do exame cardiopulmonar. O exame abdominal pode detectar hepatomegalia em 10 a 15% dos casos, ocasionalmente acompanhada por icterícia. A esplenomegalia é encontrada em metade dos casos, atngindo tamanho máximo na 2ª semana de sintomas, com regressão espontânea nos próximos 7 a 10 dias. São raros os sinais e sintomas de envolvimento neurológico. A maior parte dos casos de mononucleoses evolui com resolução espontânea depois de um período entre 2 e 3 semanas. A dor de garganta atnge sua máxima intensidade do 3º ao 5º dia, e a seguir melhora gradualmente até desaparecer por volta do 10º dia. A febre pode persis tr por 10 a 14 dias. O sintoma que leva mais tempo para ceder é a prostração. Mesmo após a resolução de todos os outros sintomas, o paciente pode ter mal-estar por muito tempo, quando alterna períodos assintomátcos com momentos de fadiga. Tabela 1 - Manifestações da mononucleose infecciosa induzida por EBV Clínicas - Febre; - Dor de garganta; - Linfadenopata. Hematológicas - Mais de 50% de células mononucleares; - Mais de 10% de linfócitos apicos. Sorológicas - Surgimento transitório de antcorpos heterófilos; - Surgimento e persistência de antcorpos ant-EBV específicos. Tabela 2 - Sintomas da mononucleose infecciosa Sintoma Dor de garganta
Porcentagem 82
Mal-estar
57
Cefaleia
51
Inapetência Mialgia
21 20
Calafrios
16
Náusea
12
Desconfortoabdominal
9
Tosse
5
Vômitos
5
Artralgias
2
193
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INFECTOLOGIA Tabela 3 - Sinais da mononucleose infecciosa Sinal
Porcentagem
Linfadenopata
94
Faringite
84
Febre
76
Esplenomegalia
52
Hepatomegalia Enantema palatal
12 11
Icterícia
9
Exantema
10
5. Complicações
discretas, compaveis com meningite linfomonocitária. A contagem de células não excede 200/mm 3, a hiperproteinorraquia é leve e a glicorraquia é normal. Além da capacidade oncogênica amplamente documentada do EBV, tem sido descrita sua atuação como fator desencadeante de fenômenos imunológicos que evoluem com doenças autoimunes. As en tdades relacionadas à infecção crônica pelo EBV estão enumeradas na Tabela 4. Tabela 4 - Doenças crônicas relacionadas ao EBV Doenças neoplásicas - Linfo-histocitose hemofagocítca associada ao EBV; - Doença linfoproliferatva pós-transplante; - Linfoma de Burki;
A anemia hemolítca autoimune ocorre de 0,5 a 3% dos - Linfoma de Hodgkin; casos de mononucleose infecciosa. São detectadas crio- Carcinoma nasofaríngeo; globulinas da classe IgM em cerca de 75% dos pacientes. - Linfoma T e NK nasal; A hemólise torna-se clinicamente aparente por volta da 2ª - Granulomatose linfomatoide; ou 3ª semana de doença e pode persistr por um período - Linfoma de efusão primária relacionado ao EBV; de 1 a 2 meses. A plaquetopenia leve é comum na mononucleose, podendo acometer até 50% dos pacientes sem - Linfoma primário do SNC. complicações. A plaquetopenia grave é rara, mas já foram Doenças autoimunes relatados casos que cursaram com hemorragias fatais. O - Lúpus eritematoso sistêmico; mecanismo parece ser destruição periférica imunomedia- Artrite reumatoide; da, o que explica a melhora com uso de cor tcosteroides; - Esclerose múltpla. por outro lado, em casos cortcorrefratários, a esplenectomia pode estar indicada. A neutropenia também aparece com Tabela 5 - Doenças malignas associadas ao EBV frequência, na ausência de complicações e, geralmente, é leve Doença
e limitada, embora casos bacterianas tenham sidoesporádicos descritos. de pneumonia e sepse A ruptura esplênica é uma complicação rara, porém muito grave da mononucleose. Justfica-se pelo grande infiltrado linfomonocitário em todos os compartmentos do baço, provocando rápido aumento do órgão, o que predispõe à ruptura. O pico de incidência ocorre na 2ª semana de doença. Apesar de sua raridade, esse evento sempre deve ser suspeitado quando ocorre dor abdominal importante no contexto da mononucleose, especialmente se acompanhada por queda do hematócrito e sinais de instabilidade hemodinâmica. Indivíduos com diagnóstco de mononucleose devem ser orientados a evitar atvidades esportvas por pelo menos 1 mês, pois o trauma abdominal pode precipitar a ruptura esplênica. O EBV pode provocar uma encefalite no momento da infecção aguda, o que ocorre em menos de 1% dos casos. As alterações hematológicas picas podem estar ausentes, e os antcorpos específicos podem surgir de modo mais tardio, o que dificulta o diagnóstco. O quadro neurológico se estabelece de maneira abrupta, pode ser grave e progressivo, mas em acima de 85% dos casos evolui com resolução completa sem sequelas. A síndrome mais comum é relacionada à cerebelite – com incoordenação, alterações de equilíbrio e marcha, ataxia – porém, sinais de meningoencefalite, com cefaleia e alterações do nível de consciência também estão presentes. As alterações liquóricas são
194
maligna Doença linfopro liferatva
Associação
População em
ao EBV
risco
Cofatores
90%
Transplantados Imunossupressão
Linfoma primário do SNC
100%
AIDS com CD4 muito baixo
Linfoma de Hodgkin
~50%
Crianças (países pobres) Desconhecidos Adultos (países ocidentais)
100% (indife Carcinoma renciado Chineses (Sul) nasofaríngeo 30 a 100% (escamoso) Linfoma de Burki
>90% (endêmicos) ~20%
Crianças africanas HIV positvo
(esporádicos) (independente ~40% (HIV) do CD4)
Imunossupressão
Predisposição genétca Fatores de dieta Translocações gênicas Malária
6. Diagnóstco A - Achados hematológicos O principal achado no hemograma é a linfocitose absoluta e relatva, encontrada em 70% dos casos. O pico ocorre
E FISIOLOGIA RENAL SÍNDROM E ANATOMIA DA MONONU CLEOSE INFECC IOSA
entre a 2ª e a 3ª semana de doença e, nessa fase, os linfócitos e monócitos chegam a representar 60 a 70% da contagem global de leucócitos. A presença de linfócitos apicos é característca da mononucleose infecciosa, podendo chegar a 30% do número de linfócitos, porém não são patognomônicos da doença, uma vez que podem ser encontrados em outras infecções, como CMV, HIV, rubéola, toxoplasmose, hepattes virais agudas, entre outras. Pode ser encontrada neutropenia absoluta e relatva em 60 a 90% dos casos, geralmente leve e autolimitada. A plaquetopenia também é comum, podendo estar presente em até 50% dos pacientes, porém contagens muito baixas de plaquetas com risco de sangramento espontâneo são raras.
B - Diagnóstco sorológico
ver benefcios para os pacientes tratados especificamente, quando comparados àqueles que receberam apenas terapia sintomátca. Da mesma forma, não devem ser administrados cortcosteroides rotneiramente para o tratamento da mononucleose infecciosa. Além de os estudos não terem demonstrado benefcio, a imunossupressão resultante pode predispor a complicações viscerais da doença e, teoricamente, aumentar o risco de desenvolvimento futuro de doenças malignas relacionadas ao EBV. Os cor tcoides são recomendados apenas em casos com obstrução de vias aéreas superiores pelo aumento de volume das amígdalas, e nas complicações hematológicas imunomediadas, como a anemia hemolítca e a púrpura trombocitopênica idiopátca. O uso para pacientes que cursam com prostração prolongada pode obter algum resultado, mas é controverso.
Apesar da descrição de antcorpos heterófilos (Paul-Bunnel), estes são transitórios e inespecíficos, e o diagnóstco de mononucleose infecciosa deve ser feito por meio de ensaios sorológicos específicos para o EBV. Durante a infecção, são formados antcorpos específicos contra proteínas estruturais (VCAs), contra proteínas não estruturais expressas durante a replicação viral (EAs) e contra proteínas nucleares expressas durante a infecção latente (EBNAs). O diagnóstco de infecção aguda é firmado na presença de IgM ant-VCA. A IgG específica surge em seguida e permanece positva como marcador de infecção latente por toda a vida.
C - Outras alterações laboratoriais As enzimas hepátcas estão alteradas em quase todos os casos de mononucleose infecciosa. A elevação é leve, geralmente 2 a 3 vezes o limite superior da normalidade. Pode haver elevação de bilirrubinas, porém a icterícia ocorre em menos de 5% dos casos. As alterações são máximas na 2ª semana de doença e regridem gradualmente ao longo da 3ª e da 4ª.
7. Tratamento O tratamento da mononucleose infecciosa consiste em suporte clínico e medicação sintomátca, uma vez que 95% dos pacientes se recuperam sem a necessidade de qualquer intervenção específica. Deve ser recomendada a diminuição das atvidades cotdianas conforme a tolerância do indivíduo, uma vez que a prostração e a fadiga podem ser bastante limitantes. O uso de analgésicos comuns é necessário na maior parte das vezes, e os ant-inflamatórios não esteroidais podem ser úteis para o alívio da dor de garganta. Exercícios fsicos, sobretudo os de contato e de impacto, devem ser restritos na presença de esplenomegalia, para prevenir a ruptura traumátca do baço, predisposta pelo aumento do órgão. Apesar de existrem medicamentos antvirais com ação in vitro contra o EBV (como aciclovir, ganciclovir e foscarnete), não estão recomendados no contexto da infecção aguda, pois existem estudos que demonstraram não ha-
195
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
Citomegalovírus
18 1. Introdução O citomegalovírus (CMV) é um herpes-vírus que infecta humanos, causando uma grande variedade de apresentações clínicas. A infecção é muito comum, apesar de ter prevalência variável nas diversas partes do globo: de 60 a 70% da população americana, até 100% em algumas regiões da África. As manifestações da infecção por CMV são intmamente relacionadas com o estado imunológico do hospedeiro. Em adultos jovens imunocompetentes, é sintomátca apenas no momento da primoinfecção, que geralmente cursa com uma síndrome clínica muito semelhante à mononucleose infecciosa, sendo por essa razão incluída no diagnóstco diferencial das síndromes conhecidas como “mono-like”. Essa forma clínica costuma ser benigna e autolimitada, porém, como todos os integrantes da família Herpesviridae, o CMV permanece latente após a infecção aguda, o que persiste pelo resto da vida do hospedeiro. Por outro lado, em indivíduos com imunossupressão, seja relacionada à infecção por HIV, seja relacionada a Transplante de Órgãos Sólidos (TOS) ou de Células-Tronco Hematopoétcas (TCTH), a infecção por CMV pode rea tvar e produzir graves manifestações viscerais, que acometem virtualmente qualquer órgão, principalmente medula óssea, pulmões, esôfago, colón, re tna e SNC, de maneira isolada ou em associação, ou ainda de maneira disseminada. Em transplantados, a infecção por CMV é uma das doenças oportunistas mais comuns e cursa com grande morbidade e mortalidade, além de interferir na rejeição do enxerto no TOS, na pega medular e na doença do enxerto versus hospedeiro no TCHT. Neste últmo, a pneumonite por CMV é a condição potencialmente fatal mais comum do período pós-transplante. Já em pacientes com AIDS, a coriorretnite
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Carolina dos Santos Lázari
por CMV é a doença oportunista mais ameaçadora para a visão, mesmo depois da introdução da terapia antrretroviral de alta potência (HAART) na prátca médica. Outra forma clínica muito importante é a infecção congênita por CMV, produzida por transmissão vertcal, que ocorre principalmente quando a mãe adquire a infecção aguda durante a gestação, mas também pode ocorrer, raramente, durante a infecção latente. Quanto mais precoce a idade gestacional da transmissão, mais graves as manifestações no feto que, quando sobrevive, pode ter sequelas graves, sobretudo oculares e no SNC.
2. Infecção aguda A manifestação clínica pica da infecção aguda por CMV é muito similar à produzida pela mononucleose infecciosa relacionada ao vírus Epstein-Barr (EBV) e consiste em febre, linfadenopata e linfocitose relatva. Enquanto o EBV é responsável por cerca de 80% das síndromes com essas característcas, o CMV responde pela maior parte dos 20% restantes. No diagnóstco diferencial, apesar da semelhança clínica, alguns sinais podem ser úteis. A faringotonsilite exsudatva é muito mais frequente e expressiva na infecção por EBV quando comparada ao quadro agudo por CMV. O mesmo pode ser dito em relação à dimensão do aumento dos linfonodos e do baço. Entretanto, a febre e os sintomas consttucionais, como a fadiga, tendem a ser mais intensos e prolongados na infecção por CMV, produzindo maior limitação ao paciente. É importante ressaltar que os antcorpos heterófilos presentes na mononucleose não são positvos na infecção aguda do CMV. Da mesma forma que na mononucleose relacionada ao EBV, o sinal hematológico característco da infecção primá-
ANATOMIA ECITOMEGALOVÍRUS FISI OLOGIA RENAL ria por CMV é a linfocitose rela tva, que pode superar 50% dos leucócitos totais. Desses, mais de 10% podem ser representados por linfócitos apicos. A elevação de enzimas hepátcas é frequente e mais proeminente na infecção por CMV. O modo de transmissão é semelhante, através do contato íntmo entre infectado e suscevel, especialmente pelo beijo. Pode ocorrer transmissão por transfusão de sangue, em virtude da passagem de leucócitos infectados, porém em menor escala. Algumas complicações podem decorrer da infecção aguda por CMV, mesmo em indivíduos imunocompetentes. Dentre elas podemos citar: - Pneumonite interstcial, que no imunocompetente é rara, geralmente leve e tem remissão espontânea sem tratamento específico; - Hepatte, que é comum na infecção aguda, sendo leve e assintomátca, entretanto, em uma pequena parcela dos pacientes, pode ser moderada, com hepatomegalia dolorosa e vômitos, acompanhada de grande proporção de linfócitos apicos e infiltrado hepátco mononuclear granulomatoso; - Complicações neurológicas, como meningoencefalite e polirradiculoneurite, cuja associação a CMV pode ser comprovada pela presença do DNA do vírus no liquor, detectado por PCR; - Miocardite, com alterações eletrocardiográficas de repolarização; - Complicações hematológicas, como anemia hemolí t ca e púrpura trombocitopênica.
3. Infecção por CMV em pacientes com AIDS Mais de 90% dos indivíduos infectados pelo HIV são também coinfectados pelo CMV. Sabe-se que a imunodeficiência avançada relacionada ao HIV resulta em defeitos da imunidade celular específica para alguns agentes, entre eles o CMV, de modo que pacientes com contagem de linfócitos T CD4 inferior a 100 células/mm 3 têm risco significatvamente aumentado de desenvolver doença grave por esse vírus. O CMV é a causa viral de doença oportunista mais comum em pacientes com AIDS. Entretanto, sua incidência diminuiu em mais de 80% na era HAART, uma vez que o vírus em geral se manifesta clinicamente em indivíduos gravemente imunodeprimidos. A principal apresentação clínica é a coriorretnite, que em geral acomete com CD4 menor que 50 células/mm 3. A infecção por CMV envolve todas as camadas da retna e cursa com destruição progressiva, que resulta em cegueira entre 4 e 6 meses. O diagnós tco é essencialmente clínico, baseado no aspecto da retna à fundoscopia, que evidencia in filtrados algodonosos entremeados por áreas de hemorragia. O tratamento consiste em ganciclovir intravenoso em doses de ataque seguidas
de manutenção. Existe a possibilidade de tratamento com valganciclovir por via oral associado a implante intraocular de dispositvo impregnado por ganciclovir, com menor disponibilidade em nosso meio.
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Figura 1 - Coriorretnite por CMV
Em pacientes com AIDS, a principal manifestação neurológica da infecção por CMV é a polirradiculopa ta. A síndrome manifesta-se por fraqueza muscular flácida nos membros inferiores, progressiva, ascendente, associada à perda dos reflexos profundos e, finalmente, do controle esfincteriano vesical e anal. Na análise histopatológica, as raízes nervosas da cauda equina apresentam infiltrado linfomonocitário com destruição axonal, e inclusões citopátcas virais nas células de Schwann. O estudo do liquor mostra hipercelularidade mononuclear, com aumento discreto de proteínas e glicorraquia normal ou levemente diminuída, além de poder exibir positvidade da pesquisa do DNA do CMV por PCR. Com menor frequência, pode ocorrer meningoencefalite. O tratamento com ganciclovir pode melhorar a paresia e os sinais de encefalite, entretanto os resultados são pobres, dada a baixa penetração da droga por meio da barreira hematoliquórica (1/3 da concentração plasmátca). No trato gastrintestnal, o síto mais frequentemente acometdo é o esôfago. Os pacientes apresentam dor retroesternal e disfagia, e a endoscopia evidencia úlceras rasas por toda a extensão do esôfago. O diagnóstco definitvo é feito pela demonstração de inclusões virais citopátcas no tecido obtdo por biópsia da úlcera. As mesmas úlceras podem ocorrer no cólon, con figurando uma colite, cujas manifestações clínicas são diarreia profusa aquosa e, eventualmente, sanguinolenta. Dor e distensão abdominal são comuns. Do mesmo modo, o diagnóstco é confirmado por biópsia. Outras apresentações gastrintestnais incluem pancreatte, colecistte e colangite.
4. Infecção por CMV em pacientes transplantados Após TOS e TCTH, as terapias imunossupressoras predis-
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INFECTOLOGIA põem a doenças graves por CMV. Em cadatpo de transplante as manifestações são diferentes, e a ocorrência e a gravidade dependem do grau de imunossupressão. Em geral, em pacientes transplantados de medula óssea, especialmente nos primeiros 120 dias que se seguem ao transplante, a gravidade da doença é muito maior do que em transplantados de órgão sólido. Por outro lado, alguns imunossupressores comumente usados em TOS estão associados a um risco específico ainda maior de doença por CMV, como o OKT3 (antcorpo monoclonal ant-CD3) e o MMF (micofenolato de mofetla).
polimorfonucleares do sangue periférico que expressam o angeno pp65 do CMV, por meio de imuno fluorescência. A técnica é quanttatva e fortemente correlacionada às manifestações clínicas, de modo que tem alto valor preditvo de infecção atva e progressão para doença, além de permi tr a monitoração da resposta terapêutca. Por outro lado, o uso desse exame é restrito na presença de neutropenia importante (abaixo de 500 células/mm 3), pois, nessas circunstâncias, a sensibilidade do teste fica comprometda. Recentemente, a PCR em tempo real para CMV mostrou-se igualmente útl para a constatação de infecção atva. A
Na maior parte das vezes, a doença por CMVpregressa. em transtvação plantados resulta de rea de infecção Eventualmente, pode se tratar de infecção aguda, que pode ser contraída a partr do próprio órgão transplantado ou por meio de transfusão de sangue, o que mais recentemente pode ser evitado com o uso de hemoderivados filtrados para leucócitos. Quando é realizado um transplante a partr de um doado soropositvo para CMV (D+), para um receptor soronegatvo (R-), ocorre transmissão da infecção em cerca de 70 a 80% dos casos. Habitualmente, está recomendada a terapia antviral a esses receptores. No que diz respeito ao TCTH, a pneumonite interstcial é a apresentação mais frequente e de evolução invariavelmente grave e, sem intervenção, comum nos primeiros 120 dias após o procedimento. Clinicamente, cursa com febre e sintomas respiratórios de estabelecimento abrupto, como tosse seca e dispneia com hipoxemia. Os exames radiológicos classicamente evidenciam infiltrados de padrão interstcial, mas pode haver nódulos. A gravidade da doença refere-se não somente a seu potencial de evoluir para insuficiência respiratória – com necessidade de ven tlação mecânica –, mas também aumentar o risco de Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH ou, do inglês, GVHD) e retardar a pega medular. A resposta ao tratamento com antviral não é satsfatória e a mortalidade é alta. Com base na grande morbimortalidade associada à doença por CMV no contexto de TCHT, o uso de pro filaxia tem impacto na sobrevida desses pacientes. Entretanto, a insttuição de profilaxia universal esbarra nas toxicidades inerentes ao ganciclovir e seus precursores, inclusive a mielotoxicidade. Nos últmos anos, a literatura cienfica demonstrou que a monitorização da replicação viral em sangue periférico, seguida da insttuição de terapia ao 1º sinal de infecção atva, antes do surgimento dos sintomas, é igualmente eficaz. Essa estratégia, conhecida como tratamento preemptvo ou direcionado, evita o uso desnecessário de droga antviral, minimiza as toxicidades e permite que o momento inicial da replicação estmule a reconsttuição da imunidade específica contra o CMV, o que é importante para prevenir as formas graves da doença. Para monitorar a replicação do CMV, têm sido u tlizadas técnicas para detecção de angenos ou do DNA do vírus na corrente sanguínea. A an tgenemia identfica células
tgenemia e, por ser retécnica é bem maisnão sensível que da a an alizada no plasma, depende contagem de neutró filos. Por outro lado, tal sensibilidade requer uma avaliação cuidadosa do significado clínico de resultados com baixa carga viral que, por vezes, podem não estar associados a manifestações clínicas relevantes. Assim, em imunossuprimidos, a ciné tca viral é mais importante que um resultado isolado para a decisão de início de terapia, isto é, a evidência de aumento da replicação por elevação da carga viral em exames seriados corrobora a hipótese de infecção em t a vidade. A infecção por CMV também é muito comum em transplantados de fgado. Nessa população, vírus é uma importante causa de hepatte, especialmente relacionada à infecção primária, logo sua incidência é maior em transplantes com doador soropositvo e sua frequência e morbidade são mais importantes nas primeiras 14 semanas após a cirurgia. Todos os casos manifestam-se com febre prolongada e elevação de transaminases e bilirrubinas. A progressão da doença pode levar à insu ficiência do enxerto com indicação de retransplante. O diagnóstco e o tratamento da hepa tte por CMV em transplantados hepátcos podem ser difceis, uma vez sua distnção da rejeição do enxerto só é possível por meio de biópsia. Tal diferenciação é fundamental, na medida em que o manejo da rejeição exige o aumento da imunossupressão, enquanto o tratamento da doença por CMV, além do antviral específico, pode implicar a diminuição das doses de imunossupressores. Vale ressaltar que, nesses pacientes, a própria infecção atva por CMV aumenta o risco de rejeição, além de predispor a outras infecções oportunistas, como a aspergilose invasiva. Assim como no TCTH, a estratégia de tratamento preemptvo da infecção por CMV é também usada. A profilaxia é recomendada em contextos de alto risco, como D+/R- e uso de terapia com antcorpos monoclonais antlinfócitos. Em comparação aos demais TOS, a morbidade do CMV em transplantados renais é menor, de modo que a maior preocupação se refere ao subgrupo D+/R-, contexto em que a doença habitualmente é mais grave. Nesses pacientes, a doença se manifesta em geral com a síndrome inespecífica relacionada ao CMV, definida como febre por mais de 48 horas, com mal-estar e diminuição do número de neutrófilos em exames seriados por 3 dias consecu tvos, acompanhados de evidência de infecção atva pelo vírus (PCR
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ANATOMIA ECITOMEGALOVÍRUS FISI OLOGIA RENAL ou antgenemia). Podem ocorrer, ainda, mialgia, artralgia, hepatoesplenomegalia e linfocitose com atpias. Embora a hepatte sintomátca seja rara nesses pacientes, é frequente algum grau de elevação de enzimas hepátcas. A pneumonite é igualmente incomum.
5. Infecção congênita
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A incidência de transmissão intrauterina de CMV varia entre 0,5 e 22% de todos os nascidos vivos. Embora a infecção perinatal seja mais frequente, essa via de transmissão – que habitualmente decorre da aquisição infecção primária pela mãe durante a gestação – resulta em quadros mais graves para o Recém-Nascido (RN). O risco existe em qualquer fase da gestação, contudo é maior na 1ª metade. O melhor recurso para confirmar a infecção congênita é a demonstração da presença do vírus na urina do RN ainda na 1ª semana de vida, uma vez que a presença de IgM é sugestva, porém não definitva. O quadro clínico clássico inclui icterícia, hepatoesplenomegalia, exantema petequial e envolvimento de múltplos órgãos. No SNC, podem estar presentes microcefalia, dé ficit motor, coriorretnite e calcificações encefálicas. Podem ocorrer convulsões precocemente no período neonatal. As sequelas neurológicas são frequentes e incluem dé ficit cognitvo e retardo do desenvolvimento neuropsicomotor. Não são descritas malformações de vísceras. Já os bebês que adquirem a infecção no período perinatal, seja no canal de parto, seja no aleitamento, não apresentam a doença visceral relacionada às inclusões citomegálicas, mas podem apresentar uma síndrome semelhante à mononucleose em adultos, embora não evidencie todos os comemoratvos clássicos. Casos de déficit auditvo e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor são possivelmente decorrentes da infecção perinatal por CMV foram relatados na literatura.
6. Tratamento Três drogas antvirais têm atvidade demonstrada contra o CMV: o ganciclovir, o foscarnete e o cidofovir, nessa ordem de escolha. Existe, ainda, o valganciclovir, um precursor consttuído por uma molécula de ganciclovir ligada a uma valina, o que lhe confere biodisponibilidade oral muito maior. Na mucosa intestnal, ocorre clivagem da molécula, re trando o aminoácido e liberando o ganciclovir para a corrente sanguínea. É utlizado para profilaxia e terapia de manutenção em casos selecionados. A principal toxicidade do ganciclovir é medular, podendo induzir a pancitopenia com o uso prolongado, especialmente em pacientes predispostos, como transplantados de medula óssea e portadores de HIV.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
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Toxoplasmose Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução A toxoplasmose é uma doença sistêmica causada pelo protozoário Toxoplasma gondii. Apesar de a infecção por esse parasita ser altamente prevalente em todo o mundo, a incidência de manifestações clínicas é baixa, e habitualmente ocorrem no momento da infecção aguda, com caráter benigno e autolimitado. Por outro lado, a doença pode ser grave em indivíduos imunodeprimidos e em crianças que adquirem a infecção por transmissão materno-fetal.
2. Etologia e transmissão O T. gondii é um protozoário coccídeo que parasita felídeos como hospedeiro definitvo, mas pode causar infecção em humanos, que desempenham o papel de hospedeiros intermediários. As formas evolutvas mais importantes no ciclo do parasita são os oocistos, os taquizoítos e os bradizoítos. Os oocistos são as formas de resistências eliminadas no ambiente pelos felinos juntamente com as fezes, podendo ser ingeridos pelo homem. Os taquizoítos são as formas capazes de se multplicar rapidamente por reprodução assexuada no ser humano, presentes na infecção atva, seja na corrente sanguínea durante a infecção primária, seja nos tecidos, na doença de reatvação. Já os bradizoítos se reproduzem lentamente no interior de cistos teciduais. Sua importância reside no fato de servirem como fonte de infecção para homem, quando ingeridos na carne crua ou mal-cozida de animais infectados – sobretudo porcos e carneiros. Além disso, também podem estar presentes em tecidos humanos – principalmente músculos, retna e SNC –, formando cistos que podem dar srcem à doença por reatvação.
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Figura 1 - Ciclo de vida do Toxoplasma gondii. Fonte: CDC-EUA
3. Em imunocom petentes Na maior parte dos casos, a toxoplasmose se manifesta com linfadenopata cervical sem outros sintomas associados. Embora a cadeia cervical seja a mais frequentemente acometda, linfonodos de qualquer região anatômica podem estar aumentados. À palpação, têm dimensão de até 3cm, habitualmente não são dolorosos, têm consistência fibroelástca e sem flutuação. Eventualmente, podem ser discretamente dolorosos. Outros sintomas frequentes são: febre, mal-estar, sudorese noturna, mialgia, dor de garganta, exantema maculopapular e hepatoesplenomegalia. Esse quadro clínico, juntamente com a possibilidade de haver linfócitos apicos em
ANATOMIA E FISI OLOGIA RENAL TOXOPLASMOSE sangue periférico, torna a toxoplasmose um dos diagnós tcos diferenciais da síndrome mono-like. Em geral, a atpia linfocitária ocorre em menor proporção nessa doença do que na mononucleose infecciosa e na infecção aguda por CMV. Estma-se que a toxoplasmose cause de 3 a 7% das linfadenomegalias agudas. Na Tabela 1 estão enumerados os seus principais diagnóstcos diferenciais. As etologias não infecciosas, assim como a tuberculose, tendem a ter curso de subagudo a crônico. Tabela 1 - Diagnóstco diferencial das linfadenomegalias - Mononucleose infecciosa – EBV; - Infecção aguda por CMV; - Toxoplasmose aguda; - Infecção aguda por herpes-vírustpo 6; - Síndrome da arranhadura do gato; - Tuberculose; - Tularemia; - Linfoma de Hodgkin; - Linfoma não Hodgkin; - Leucemia; - Sarcoidose; - Carcinoma metastátco.
No indivíduo imunocompetente, a toxoplasmose costuma ter curso benigno e autolimitado. Os sintomas agudos desaparecem em algumas semanas, embora a linfadenopata possa persistr por meses. Raramente, podem ocorrer complicações na fase aguda, como miocardite, pneumonite, hepatte ou encefalite. Apesar de ser mais frequente como doença de reatvação, a coriorretnite pode ocorrer ainda durante a fase aguda, como consequência da infecção primária. A miocardite por toxoplasma decorrente da infecção aguda é rara, e pode ocorrer como manifestação isolada ou como parte de um quadro disseminado. Os sintomas incluem arritmias, pericardite e, nos casos mais graves, insuficiência cardíaca.
4. Em imunossuprimidos Ao contrário do comumente observado em imunocompetentes, a toxoplasmose em indivíduos imunodeprimidos, seja por infecção aguda ou por rea tvação, pode gerar quadros graves e potencialmente fatais. Essa situação pode ocorrer em transplantados de órgãos sólidos, de células-tronco hematopoétcas, em pacientes com AIDS, e usuários de terapia imunossupressora, como cortcosteroide, moduladores ou antcorpos monoclonais ant-TNF. Na população com comprometmento da imunidade, a toxoplasmose pode se manifestar de diversos modos, desde febre de srcem indeterminada até quadros graves com envolvimento orgânico. Nesse contexto, destacam-se
a encefalite, a pneumonite e a miocardite. A doença disseminada com envolvimento de múltplos órgãos é rara. A mortalidade aproxima-se de 100% se não for ins ttuída terapia adequada. Em transplantados de órgão sólido, é mais frequente que a doença derive de infecção primária transmi tda pelo próprio órgão transplantado, no contexto de doador positvo e receptor negatvo (D+/R-). Já em transplantados de células-troncos hematopoétcas e em pacientes com AIDS, a srcem mais usual da doença é a rea tvação de cistos teciduais relacionados à infecção pregressa adquirida por vias habituais. As formas clínicas preferenciais são variáveis conforme o tpo de imunossupressão envolvida. Dentre os Transplantes de Órgão Sólido (TOS), destacam-se o cardíaco e o renal como fator de risco para toxoplasmose. No transplantado de coração, a apresentação clínica mais frequente é a miocardite, que ocorre nos casos D+/R-. O processo pode simular a rejeição do enxerto, situação na qual – dada a possibilidade de atraso da soroconversão em indivíduos imunodeprimidos, dificultando o diagnóstco sorológico – a con firmação pode depender de biópsia endomiocárdica. Já no transplantado de fgado, embora seja mais rara, a doença habitualmente é mais grave, podendo ter srcem na infecção primária a par tr do enxerto ou na reatvação de infecção pregressa. O 1º sintoma, em geral, é a febre, mas frequentemente o quadro evolui para pneumonite, meningoencefalite e até envolvimento de múl tplos órgãos, e o óbito é o desfecho mais comum. O uso ro tneiro de sulfametoxazol/trimetoprim (SMX/TMP) para a profilaxia de pneumocistose pode prevenir o desenvolvimento de toxoplasmose aguda do contexto de TOS. A incidência de toxoplasmose seguindo o Transplante de Células-Tronco Hematopoétcas (TCTH) é mais baixa em relação ao TOS. O número relatvamente baixo de casos se deve, provavelmente, ao uso de profilaxia com SMX/TMP na maioria dos centros. A apresentação clínica mais comum é febre acompanhada por pneumonite e/ou meningoencefalite. Podem ocorrer casos de doença disseminada, situação em que o óbito é muito frequente. A rea tvação de toxoplasmose tende a ocorrer nos primeiros 6 meses após o transplante, especialmente nos primeiros 30 a 90 dias, contudo, deve ser considerada no diagnóstco diferencial de Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH) de estabelecimento tardio, isto é, depois de 6 meses a partr do transplante. Pode haver coriorre tnite nesses pacientes, seja por reatvação de uma lesão ocular prévia, seja compondo a doença disseminada.
5. Em paciente com AIDS A toxoplasmose relacionada à imunodepressão avançada em pacientes com AIDS ocorre por reatvação e acomete principalmente o SNC e a retna. Existem alguns relatos de pneumonite na literatura. A neurotoxoplasmose é a apresentação mais frequente e consiste na principal causa de lesão expansiva do SNC e de síndrome neurológica deficitária
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INFECTOLOGIA focal nesses indivíduos. Entretanto, sua incidência tem caído substancialmente com o advento da terapia an trretroviral de alta potência e da ins ttuição universal de pro filaxia com SMX/TMP para indivíduos com contagem de LT CD4 abaixo de 100 células/mm3. Os sintomas da neurotoxoplasmose, usualmente, têm evolução subaguda. Embora o quadro possa se apresentar de formas variadas, a hemiparesia, acompanhada ou não por disartria, é o sinal inicial mais comum. Algumas situações podem acarretar estabelecimento abrupto, com convulsões e rebaixamento do nível de consciência, em geral
al. O exame de fundo de olho exibe uma ou múltplas lesões necrosantes, que podem ser uni ou bilaterais. É frequente a associação de vitreíte. Em mais de 60% dos casos, a lesão ocular está associada à lesão concomitante de SNC. O diagnóstco baseia-se nas característcas fundoscópicas e na resposta ao tratamento de prova.
decorrentes de hipertensão intracraniana – consequente do efeito de massa exercido pelas lesões e pelo edema perilesional – ou de hemorragia. Outros sinais clínicos, correspondentes à topografia anatômica encefálica acometda, incluem alterações comportamentais, paralisias relacionadas a pares cranianos, alterações sensitvas, síndromes cerebelares, meningismo e distúrbios do movimento (síndromes extrapiramidais). O diagnóstco é sugerido por exames de imagem (TC ou RM com contraste) que exibem lesões expansivas de SNC, com efeito de massa, habitualmente múl tplas e localizadas na região dos núcleos da base, com edema perilesional e reforço anelar de contraste.
fecta rettorno na dede indivíduos Brasil, causa aem 80% das imunocompetentes. uveítes posteriores. No As lesões oculares podem resultar de infecção congênita ou adquirida, e a coriorre tnite pode se manifestar tanto na fase aguda da doença, quanto por reatvação de lesões latentes. A transmissão materno-fetal tende a produzir lesões mais graves, bilaterais e com envolvimento da mácula. Por outro lado, lesões que ocorrem durante a infecção aguda em adultos geralmente são unilaterais e periféricas, habitualmente poupando a mácula. Os principais sintomas são embaçamento visual, escotomas, dor ocular, fotofobia e epífora. A progressão da doença pode acarretar déficit visual irreversível e glaucoma. Mesmo após a insttuição do tratamento, é comum que a visão não seja recuperada completamente. O diagnóstco é clínico, por meio do exame oalmológico, que visualiza as lesões re tnianas característcas com intensa vitreíte associada.
6. Toxoplasmose ocular no imunocompetente O T. gondii é o patógeno que mais frequentemente in-
Figura 2 - Toxoplasmose cerebral em imagem de RNM. Fonte: Chong-Han et al., AJR, 2003
A coriorretnite por Toxoplasma é relatvamente incomum em pacientes com AIDS. As manifestações clínicas principais são a dor ocular e a diminuição da acuidade visu-
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Figura 3 - (A) Lesão cicatricial de toxoplasmose ocular, pica de infecção congênita e (B) lesão atva de toxoplasmose ocular (seta), associada a lesões cicatriciais
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7. Toxoplasmose congênita A incidência e a gravidade da toxoplasmose congênita dependem da idade gestacional em que a mulher adquire a infecção primária. A chance de transmissão é maior quando a mãe adquire a infecção no 3º trimestre, contudo, as consequências para o feto são mais graves quando a transmissão ocorre no 1º e no 2º trimestres. Felizmente, o tratamento da gestante com espiramicina reduz o risco de transmissão em até 60%. Por outro lado, 85% das crianças infectadas vertcalmente manifestam alguma forma da doença, se não receberem tratamento. A doença por transmissão materno-fetal pode, portanto, se apresentar das seguintes maneiras: - Doença fetal caracterizada por malformações compaveis com toxoplasmose, detectadas por ultrassonografia, e/ou PCR positvo para T. gondii no líquido amniótco; - Doença neonatal; - Doença leve ou grave que ocorre nos primeiros meses de vida; - Sequela ou recidiva de uma lesão na infância ou adolescência; - Doença subclínica.
tratar de toxoplasmose aguda. A presença de IgG isoladamente refere-se à infecção pregressa. Atualmente, a maior dificuldade na interpretação da sorologia da toxoplasmose é o aumento da sensibilidade, de uma forma geral, dos testes para a detecção de IgM. Assim, os antcorpos IgM, que antes eram encontrados por um período não maior que 6 meses, traduzindo sempre uma infecção aguda, hoje são detectados muitas vezes por mais de 8 a 12 meses a par tr do início da infecção, o que pode trazer dúvidas sobre o tempo de infecção. A definição do diagnóstco e a estmatva no momento da infecção têm
grande importância para gestantes e para indivíduos muito sintomátcos, pois têm impacto na decisão terapêutca. Com o objetvo de correlacionar o diagnóstco de toxoplasmose com o provável período da infecção, existe um exame sorológico complementar, o teste de avidez de IgG, que quantfica a porcentagem de avidez dos an tcorpos IgG específicos contra o toxoplasma. O ensaio baseia-se no fato bem documentado de que imunoglobulinas de produção recente são menos específicas aos epítopos do agente contra os quais são direcionadas e, portanto, formam complexos angeno-antcorpo menos estáveis, o que reflete baixa avidez. Na fase aguda, definida como um período de 1 a 3 Tabela 2 - Frequência de transmissão materno-fetal de toxoplas- meses após o início da infecção, são detectados geralmente antcorpos de baixa avidez, traduzidos por percentuais mose de acordo com a idade gestacional sempre menores que 30%. Após 3 meses do início da inIdadegestacional Frequência fecção os níveis de avidez ficam geralmente acima de 60%. 1º trimestre 10 25% a 2º trimestre 3º trimestre
30 54% a 60 65% a
O diagnóstco da toxoplasmose é essencialmente feito por sorologia. O teste sorológico é ú tl para o diagnóstco da infecção aguda ou, então, para saber se o indivíduo já teve
No entanto, em porcentagens de avidez maiores que 30% e menores que 60%, não há elementos para concluir se a toxoplasmose ocorreu há menos ou há mais de 3 meses. Em imunossuprimidos, como portadores de AIDS, transplantados e pessoas em quimioterapia, ou em indivíduos que tveram uma reatvação de lesões oculares causadas pelo toxoplasma, as reações sorológicas para toxoplasmose não fornecem nenhum subsídio diagnós tco. Apenas confirmam a presença de uma infecção pregressa – se houver positvidade da IgG – o que torna possível a hipótese de reatvação. A PCR para T. gondii tem alta sensibilidade, porém sua especificidade para doença em atvidade não é usual. Já foi demonstrada alta especificidade da PCR tanto no sangue quanto no liquor para o diagnós tco de neurotoxoplasmose em atvidade. A sensibilidade é alta, principalmente no LCR,
a infecção provocada pelo T. gondii no passado. Por outro lado, tem pouca utlidade para controle de tratamento. Na suspeita de toxoplasmose aguda, devem ser pesquisados antcorpos das classes IgG e IgM. Quando a reação para IgG é negatva e o teste de IgM, posi tvo, o exame deve ser repetdo dentro de 7 dias para confirmar a soroconversão de IgG (infecção aguda). Se isso não ocorrer, é provável que o resultado anterior tenha sido falso posi tvo. Se a reação for positva para IgG e IgM, existe a possibilidade de se
quando as amostras sãocomprovaram colhidas antesque da portadores ins ttuição de de tratamento. Os estudos HIV com outras doenças oportunistas do SNC, ou assintomátcos não apresentam PCR para toxoplasma posi tvo no sangue ou no liquor, mesmo quando têm IgG positva. Outros contextos clínicos nos quais a PCR é útl são: em imunodeprimidos, quando pode estar positva no sangue, ou no lavado broncoalveolar em casos de pneumonite, porém a sensibilidade é mais baixa; e no contexto da trans-
As manifestações clínicas da toxoplasmose congênita são variáveis. Nas formas graves, pode ocorrer coriorretnite, estrabismo, cegueira, epilepsia, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, anemia, icterícia, púrpura trombocitopênica, encefalite, pneumonite, microcefalia, calcificações cerebrais, hidrocefalia, entre outros. É possível não haver sequelas, mas muitas vezes estas são iden tficadas muitos anos após o nascimento.
8. Diagnóstco
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INFECTOLOGIA missão materno-fetal, em que deve ser realizada no líquido amniótco ou no sangue de cordão para con firmação da infecção congênita. A amniocentese é preferencial, visto que é um procedimento de menor risco que a cordocentese.
9. Tratamento A toxoplasmose aguda, na maior parte das vezes, é benigna e autolimitada, e dispensa tratamento especí fico. O tratamento estará indicado em pacientes muito sintomátcos, com linfadenomegalias muito volumosas e/ou dolorosas, ou outros sintomas que comprometam o estado geral. Nas situações especiais, como evidência de doença visceral, coriorretnite, imunodepressão e gestação, a terapia com drogas atvas contra o toxoplasma é sempre recomendada. Tabela 3 - Esquemas terapêutcos para toxoplasmose Esquema
Droga Sulfadiazina +
Pirimetamina +
Ataque com 75 a 100mg VO 1x/dia de 1 a 3 dias; a seguir 25 a 50mg
Ácido folínico
15mg VO 1x/dia
Clindamicina +
600mg VO ou IV 6/6h
Pirimetamina +
Ataque com 75 a 100mg 1x/dia de 1 a 3 dias; a seguir 25 a 50mg
Ácido folínico
15mg 1x/dia
SMX/TMP
5 a 20mg/kg dia de TMP, VO ou IV, divididos em 2 a 4x/dia
Pirimetamina +
Ataque com 75 a 100mg 1x/dia de 1 a 3 dias; a seguir 25 a 50mg
Escolha
Alternatva para alergia ou outros efeitos adversos com sulfa
Alternatva
Alternatvas valida- Ácido folínico + das para neuroto- Atovaquona ou xoplasmose Claritromicina ou
Escolha para gestantes
Dose 1.000mg (<60kg) a 1.500mg (>60kg) VO 6/6h
15mg VO 1x/dia 1500mg VO 12/12h 500mg VO 12/12h
Azitromicina ou
900 a 1.200mg VO 1x/dia
Dapsona ou
100mg VO 1x/dia
Espiramicina
1g VO 8/8h
Na neurotoxoplasmose, o tratamento de prova é autorizado, uma vez que a infecção tem alta prevalência em todo o mundo e esta é a etologia mais frequente das lesões expansivas de SNC no contexto da AIDS. Em geral, realiza-se um exame de imagem para controle após 2 semanas de tratamento. Se houver regressão evidente das lesões, o
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esquema é mantdo por 4 a 6 semanas; caso não haja resposta satsfatória, outras etologias devem ser investgadas e, possivelmente, o diagnóstco será confirmado apenas por meio de biópsia estereotáxica. O uso de cortcosteroides sistêmicos (dexametasona) é indicado para lesões com edema muito importante, cujo efeito de massa determina distorções da anatomia encefálica e ou sinais de hipertensão intracraniana. Para toxoplasmose ocular, além das drogas específicas por 4 a 6 semanas, é comum o uso de formulações tópicas oálmicas de cortcosteroides para redução da resposta inflamatória local, especialmente a vitreíte. O uso de cortcosteroides sistêmicos é recomendado quando há envolvimento da mácula, do disco óptco ou do feixe maculopapular. Para mulheres que adquirem a infecção primária durante a gestação, a espiramicina é a droga de escolha para a prevenção da transmissão materno-fetal. Entretanto, como essa droga não atravessa adequadamente a barreira placentária, quando há evidências de que a infecção fetal já ocorreu, o esquema preferencial passa a ser sulfadiazina + pirimetamina + ácido folínico. A pirimetamina não deve ser iniciada antes da 14ª semana de gestação em virtude de seu potencial teratogênico. Caso a aquisição da infecção tenha ocorrido no 2º ou 3º trimestre, esse esquema pode também ser considerado, dada as altas taxas de transmissão e o menor risco de efeitos adversos sobre o feto. Quaisquer dos esquemas, uma vez iniciados, devem ser mantdos até o final da gestação.
CAPÍTULO
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Imunizações e terapia pós-exposição
1. Mordedura de seres humanos eanimais A - Conduta geral Coleta de material para cultura de qualquer ferimento moderado a grave ou visivelmente infectado; - Lavagem do ferimento com soro fisiológico e desbridamento de tecidos desvitalizados; -
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Daniela Di Dea Bergamasco Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
B - Feridas por mordeduras humanas São mais propensas à infecção e a outras complicações que as outras feridas e compõem a flora normal da cavidade oral humana: Streptococcus viridans, estafilococos, espécies de bacteroides, espécies de Corynebacterium, peptoestreptococcus e Eikenella corrodens.
Radiografia do local: quando há suspeita de fratura, de presença de corpo estranho, de penetração de um osso ou artculação, ou quando existe infecção próxima a um osso ou ar tculação; - Antbiot coprofilaxia (de 3 a 5 dias): ferimentos que ocorreram há menos de 8 horas e de gravidade moderada a intensa, especialmente se envolve esmagamento ou apresenta edema; ferimentos que poderiam envolver o osso ou a artculação, ou estão adjacentes a uma prótese artcular; ferimentos nas mãos; mordeduras de gato; ferimentos perfurantes e ferimentos em pessoas cujas condições subjacentes predispõem a infecção mais grave; - Antbiot coterapia deve ser prescrita para os ferimentos francamente infectados, ou aqueles com evolução maior que 8 horas (já considerados infectados). A duração dos antbiótcos terapêutcos é de 1 a 2 semanas
C - Feridas por mordeduras animais
para infecções restritas à pele e tecido celular subcutâneo, ou prolongada (de 4 a 6 semanas) nos casos que evoluem para osteomielite. Feridas infectadas, geralmente, exigem terapia parenteral; - Ferimentos infectados e ferimentos com mais de 24 horas não devem ser fechados; - Avaliação de necessidade de internação, de acordo com a gravidade da lesão e do paciente; - Realização de pro filaxia para tétano e raiva.
tbiotcoterapia de lesões infectadas, pode-se Paraessa a anmesma utlizar droga no caso de infecções menos graves, ou ampicilina-sulbactam IV nos casos mais graves.
-
A flora oral normal de cães inclui estreptococos, esta filococos e Pasteurella multocida. As mordeduras de cães representam 80% das mordeduras animais, mas apenas 20% se tornam infectadas. A flora oral normal dos gatos inclui Pasteurella multocida e S. aureus, e, quanto às mordeduras destes últmos, são infectados mais de 80%.
D - Antbiotcoterapia e profilaxia Devem conter espectro contra Pasteurella multocida (presente na saliva de cães e de gatos), Staphylococcus aureus e anaeróbios. De modo geral, a amoxicilina-clavulanato (500mg/125mg VO 8/8h, por 3 a 5 dias) é efe tva como profilaxia para ferimentos não infectados de mordeduras humanas e de animais, e deve ser prescrita rotneiramente. Pode ser dispensada nos casos de mordeduras super ficiais causadas por cães.
2. Tétano acidental A - Epidemiologia O tétano é uma doença de notficação compulsória, mas não é contagiosa, portanto não é transmi tda diretamente
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INFECTOLOGIA de um indivíduo a outro. É uma toxi-infecção grave causada pela toxina do bacilo tetânico (Clostridium tetani), transmitda pela introdução do agente no organismo por meio de uma solução de con tnuidade (ferimento), geralmente do tpo perfurante, contaminada com terra, poeira, fezes de animais ou humanas. Queimaduras podem ser a porta de entrada, devido à desvitalização dos tecidos, assim como mordeduras de animais peçonhentos. A presença de tecidos necrosados favorece o desenvolvimento do agente anaeróbio. A distribuição anual da doença não apresenta variação sazonal pica. Apesar da incidência universal, o tétano é rela tva-
mente mais comum em países subdesenvolvidos, com baixa cobertura vacinal, ocorrendo, indistntamente, em áreas urbanas e rurais. Sua ocorrência está relacionada com as atvidades profissionais ou de lazer, mas é possível que todos os indivíduos não vacinados sejam afetados.
B - Quadro clínico O período de incubação varia de 2 a 21 dias, geralmente em torno de 10 dias. Quanto menor o tempo de incubação, maior a gravidade. A falta de ferimento sugestvo de porta de entrada não afasta a suspeita, pois nem sempre se detecta a porta de entrada do bacilo. Clinicamente, o tétano acidental manifesta-se por hipertonia mantda dos músculos masseteres (trismo e riso sardônico) e dos músculos do pescoço (rigidez de nuca), ocasionando dificuldade de deglutção (disfagia), que pode chegar à contratura muscular generalizada (opistótono); rigidez muscular progressiva, atngindo os músculos retos abdominais (abdome em tábua) e o diafragma, levando à insuficiência respiratória; e crises de contraturas, em geral desencadeadas por esmulos luminosos, sonoros ou manipulação do doente. As principais complicações são paradas respiratórias e/ ou cardíacas, disfunção respiratória, infecções secundárias, disautonomia, crise hipertensiva, taquicardia, fratura de vértebras, hemorragia intracraniana, edema cerebral, flebite e embolia pulmonar.
C - Diagnóstco A doença é causada pelo Clostridium tetani, bacilo Gram positvo, anaeróbio, produtor de exotoxinas, sendo a tetanospasmina a responsável pelo quadro clínico. Os reservatórios naturais do bacilo são o trato intes tnal do homem e dos animais, solos cul tvados, pele e/ou qualquer instrumento perfurocortante com poeira ou terra. O diagnóstco é clínico-epidemiológico, não dependendo de confirmação laboratorial. O exame de liquor é normal, e a eletroneuromiografia, inespecífica. Em geral, existe grande elevação de CPK em virtude da lesão muscular, em níveis muito superiores à maioria das outras doenças que cursam com tal alteração laboratorial.
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O diagnóstco diferencial deve ser realizado com trismo e tetania por outras causas, como raiva, hipercalcemia ou histeria, envenenamento por estricnina e AVC de ponte.
D - Tratamento Internação hospitalar, nas formas mais graves; a internação deve ser feita preferencialmente em unidades de terapia intensiva; - Sedat vos (benzodiazepínicos) e miorrelaxantes; pode ser necessária curarização nos casos em que os espasmos musculares persistem após atngida a dose máxima de benzodiazepínicos (10mg/kg/dia); drogas curarizantes mais utlizadas: pancurônio e antracúrio; - Desbridamento e limpeza dos focos suspeitos; - Imunoglobulina humana anttetânica (IGHAT) – 4.000UI pó, via IM, sendo 1.000UI em cada grupo muscular vasto (3 grupos) e 1.000UI em distribuição perilesional no foco suspeito após desbridamento; – penicilina cristalina IV, - Ant bio t coterapia 200.000UI/kg/dia, 4/4 horas (9 a 12 milhões de UI/ dia), durante 7 a 10 dias, ou metronidazol, 500mg IV, 8/8 ou 6/6 horas; - Cuidados para manutenção da via respiratória livre (a traqueostomia é indicada na ocorrência de apneia por espasmos prolongados, retenção de secreção ou período de incubação superior a 48 horas – essencial no controle dos espasmos generalizados, uma vez que a -
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presença do tubo nasasvias aéreas superiores funciona comoorotraqueal esmulo para contraturas); Vacinar sistematcamente o paciente na admissão e no momento da alta hospitalar – em grupo muscular diferente da aplicação da IGHAT.
E - Profilaxia do tétano em caso de ferimentos Imunização atva (vacinação) e passiva (soro an ttetânico e imunoglobulina). O soro é indicado conforme descrito na Tabela 1. A imunoglobulina é indicada na profilaxia sempre que já foi usado soro an ttetânico previamente ou se reação alérgica descrita ao iniciar administração do soro anttetânico; - Todo ferimento suspeito deve ser lavado com água e sabão, além de serem removidos o tecido necrosado e corpos estranhos; -
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Penicilina benzatna não é e caz na pro laxia do tétano acidental.
F - Vacinação Crianças e adultos, com atenção especial aos da 3ª idade e/ou pessoas portadoras de úlceras de pernas crônicas, mal perfurante plantar decorrente de hanseníase e os trabalhadores de risco, como agricultores e operários da construção civil.
IMUNIZAÇÕES E TER APIA Ó P S-EXPOSI ÇÃO Tabela 1 - Esquema de profilaxia do tétano História de imunização Ferimento leve não com o contaminado toxoide tetânico - Toxoide tetânico: · Se criança menor de 7 anos, aplicar DPT, completando 3 doses, com intervalos de 2 Menos de 3 doses ou ignorado
Todos os outros ferimentos, inclusive punctórios - Toxoide tetânico: · Se criança menor de 7 anos, aplicar DPT, completando 3 doses, com intervalo de 2 meses; · Se tver 7 anos ou mais,
meses; aplicar TT3ou dT, com· Se tver 7 anos pletando doses, com ou mais, aplicar intervalo de 2 meses. Toxoide Tetânico + (TT) ou dupla - Soro anttetânico (SAT) ou adulto (dT), comimunoglobulina anttetâpletando 3 doses, nica (IGHAT); com intervalo de - Administrar 5.000UI de 2 meses; SAT, IM, após teste de · Não aplicar o soro sensibilidade, ou usar anttetânico. 250UI de IGHAT, IM. - Só aplicar TT se tverem decorrido mais de 10 anos da últma dose da vacina; - Não aplicar o soro anttetânico.
- Só aplicar TT se tverem decorrido mais de 5 anos da últma dose da vacina; - Não aplicar o soro anttetânico.
dade da mordedura, arranhadura ou lambedura de animais infectados, proximidade de troncos nervosos e quantdade de parculas virais inoculadas. A doença pode ser transmitda já no período prodrômico, que dura poucos dias e se manifesta com sintomas inespecíficos como cefaleia, mal-estar geral, febre, náusea e dor de garganta. Podem ocorrer hiperestesia e parestesia de nervos periféricos, no local da mordedura. A infecção progride, surgindo manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, delírios, espasmos musculares involuntários generalizados e/ou convulsões, disfagia, hiperacusia e fotofobia. Há espasmo dos músculos da laringe, faringe e língua, causando sialorreia intensa. Os espasmos musculares evoluem para quadro de paralisia, levando a alterações cardiorrespiratórias, retenção urinária e obstpação intestnal. O paciente se mantém consciente, com períodos de alucinações, até a instalação do quadro comatoso e a evolução para óbito. O período de evolução do quadro clínico, instalados os sinais e sintomas até o óbito, varia de 5 a 7 dias.
C - Diagnóstco
A doença é causada pelo vírus da raiva humana, do gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae. Alguns dos reservatórios conhecidos são o cão, o gato, o morcego, a raposa, o coiote, o gato-do-mato, o guaxinim e o macaco. A raiva em roedores silvestres e lagomorfos (como esquilos, ratos, camundongos, coelhos, lebres) é incomum. Esquema vacinal de rotna: vacina DTP no 2º, no 4º e no A suspeita é clínica e epidemiológica, e a con firmação, 6º meses de vida, com reforço aos 15 meses e entre 4 e 6 laboratorial, realizada pós-morte, em fragmentos de céanos. Posteriormente, os reforços são feitos a cada 10 anos com a vacina dT. rebro por meio das técnicas de imuno fluorescência direta (IFD) e inoculação em camundongos de 21 dias. In vivo, pode-se realizar IFD da amostra de saliva (esfregaço), im3. Raiva pressão de córnea (extremamente doloroso para o pacienA - Epidemiologia te), raspado de mucosa lingual, tecido bulbar de folículos A raiva é uma molésta infecciosa aguda causada por um pilosos e biópsia de pele da nuca. Um diagnóstco negatvo vírus que se propaga no sistema nervoso central, passa para por essas técnicas não é definitvo, e é feita a baixa sensibias glândulas salivares, onde também se replica, sendo elimi- lidade desses testes. Os principais diagnóstcos diferenciais nado na saliva das pessoas ou dos animais infectados. Todos são outras encefalites e quadros psiquiátricos. os animais de homeotérmicos são susceveis à infecção, admitndo-se que a doença se desenvolve em 3 ciclos inter-rela- D - Tratamento cionados: ciclo silvestre (raposas, morcegos, macacos), ciclo O tratamento é de suporte. Não existe um tratamento rural (bovinos) e ciclo urbano (homem, cães, gatos). A trans- específico eficaz, e a doença é letal em quase 100% dos tdo na samissão da raiva se dá pela inoculação do vírus con casos. O paciente deve ser mantdo em isolamento, em 3 ou mais doses
liva animal infectado, principalmente pela mordedura e, maisdo raramente, pela arranhadura e lambedura de mucosas. Os casos suspeitos da doença são de notficação compulsória imediata. A letalidade é de, pratcamente, 100%.
B - Quadro clínico O período de incubação é extremamente variável, com uma média de 45 dias, no homem, e de 10 dias a 2 meses, no cão. Está intrinsecamente ligado à localização e à gravi-
quarto com pouca luminosidade e silencioso. As equipes médica, de enfermagem e de higiene e limpeza devem estar devidamente capacitadas para lidar com o paciente e o seu ambiente. Recomenda-se o uso de equipamentos de proteção individual. No ano de 2009, foi divulgado o 1º caso de cura no Brasil (apenas o 3º caso de cura no mundo), u tlizando uma substância chamada biopterina além do an tviral amantadina. Após 11 meses de internação o paciente teve alta hospitalar, no entanto ainda com várias sequelas
207
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA neurológicas. Este é apenas o 1º passo para o tratamento de no Brasil por vários anos), vacina produzida em cultura de uma doença extremamente grave, e com alta mortalidade. células diploides humanas ( Human Diploid Cell Vaccine – HDCV), vacina puri ficada produzida em culturas de células E - Profilaxia da raiva humana após mordeduras Vero (Purified Vero Cell Vaccine – PVCV), vacina puri ficada A conduta deve ser de acordo com a gravidade da exproduzida em cultura de células de embrião de galinha posição: (Puri fied Chick-Embryo Cell Vaccine – PCEV), vacina purificada produzida em embrião de pato ( Puri fied Duck Ema) Acidentes leves bryo Vaccine – PDEV), além de outras. Arranhaduras, lambedura de pele, mordedura única e Todas as vacinas antrrábicas não apresentam vírus visuperficial em tronco ou membros, com exceção das mãos. vos. As vacinas de cultvo celular possuem menos efeitos b) Acidentes graves colaterais, com menor risco de complicações, e, por isso, Arranhadura profunda por gato, lambedura de mucosas, são preferidas. Ainda assim, devido ao seu custo, o Ministémordedura na cabeça, no pescoço ou nas mãos, ou morde- rio da Saúde prefere usar esquemas iniciais com a Fuenzaliduras múltplas e/ou profundas em qualquer parte do corpo. da & Palácios, e reservar as de cul tvo celular para quadros Após contato indireto (como manipulação de utensílios alérgicos a Fuenzalida. contaminados, coleiras etc.), não se faz profilaxia antrrábiA profilaxia antrrábica pós-exposição está indicada nas ca, apenas lavagem com água e sabão das superfcies exsituações descritas na Tabela 2. Deve ser feita limpeza cuipostas. Nas agressões por morcegos, deve-se proceder à dadosa e vigorosa da região acometda com água e sabão. soro-vacinação, salvo nos casos em que o paciente relate Sempre que possível, deve-se evitar a sutura do ferimento. tratamento anterior. A imunização passiva é feita com imunoglobulina heteróF - Conduta para mordedura de animais clinica- loga produzida em equídeos hiperimunizados com vírus mente saudáveis ou suspeitos (cães e gatos), rábico. É administrada de uma só vez. A imunoglobulina animais silvestres e morcegos humana antrrábica (HRIG), produzida a partr de plasma de doadores previamente imunizados, é uma alterna tva ao As vacinas antrrábicas de uso humano são: vacina Fuensoro antrrábico. zalida & Palácios modificada (era a usada ro tneiramente Tabela 2 - Esquema para profilaxia da raiva humana com vacina de cultvo celular Agentes e situações possíveis
Tipo de exposição
Contato indireto Acidentes leves - Ferimentos superficiais, pouco extensos, geralmente únicos, em tronco e membros (exceto mãos e polpas digitais e
- Cão ou gato raivoso, desaparecido ou morto; Cão ou gato sem suspeita de Cão ou gato clinicamente suspeito - Animais silvestres (inclusive os raiva no momento da agressão de raiva no momento da agressão domiciliados); - Animais doméstcos de interesse econômico ou de produção. - Lavar com água e sabão; - Não tratar.
- Lavar com água e sabão; - Observar o animal durante 10 dias após a exposição; - Se o animal permanecer sadio
planta dos pés); pono período de observação, dem acontecer em encerrar o caso; decorrência de mor- - Se o animal morrer, desaparededuras ou arranhacer ou se tornar raivoso, admiduras causadas por nistrar 5 doses de vacina (dias unha ou dente; 0, 3, 7, 14 e 28). - Lambedura de pele com lesões superficiais.
208
- Lavar com água e sabão; - Não tratar.
- Lavar com água e sabão; - Não tratar.
- Lavar com água e sabão; - Iniciar esquema profilátco com 2 doses, uma no dia 0 e outra no dia 3; - Observar o animal durante 10 dias após a exposição; - Lavar com água e sabão; - Se a suspeita de raiva for descarta- - Iniciar imediatamente o esquema da após o 10º dia de observação, profilátco com 5 doses de vacina suspender o esquema profilátco e administradas nos dias 0, 3, 7, 14 encerrar o caso; e 28. - Se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso, completar o esquema até 5 doses. Aplicar 1 dose entre o 7º e o 10º dias e uma dose nos dias 14 e 28.
IMUNIZAÇÕES E TER APIA Ó P S-EXPOSI ÇÃO
Agentes e situações possíveis
Tipo de exposição
Acidentes graves - Ferimentos na cabeça, face, pescoço, mãos, polpas digitais
- Cão ou gato raivoso, desaparecido ou morto; Cão ou gato sem suspeita de Cão ou gato clinicamente suspeito - Animais silvestres (inclusive os raiva no momento da agressão de raiva no momento da agressão domiciliados); - Animais doméstcos de interesse econômico ou de produção. - Lavar com água e sabão; - Observar o animal durante 10 dias após exposição 1, 2; - Iniciar esquema profilátco com
e/ou planta do pé; 2 doses uma no dia 0 e outra - Ferimentos profunno dia 3; dos, múltplos ou ex- - Se o animal permanecer sadio tensos, em qualquer no período de observação, região do corpo; encerrar o caso; - Lambedura de mu- Se o animal morrer, desapacosas; recer ou se tornar raivoso, - Lambedura de pele dar contnuidade ao esquema onde já existe lesão profilátco, administrando o grave; soro 3, 4 e completando o - Ferimento profundo esquema até 5 doses. Aplicar 1 causado por unha de dose entre o 7º e o 10º dias e 1 animal. dose nos dias 14 e 28.
- Lavar com água e sabão; - Iniciar o esquema profilátco com soro 3 e 5 doses de vacina nos dias - Lavar com água e sabão; 0, 3, 7, 14 e 28; - Iniciar imediatamente o esquema - Observar o animal durante 10 dias profilátco com soro, 3 e 5 doses após a exposição; de vacina administradas nos dias 0, - Se a suspeita de raiva for descarta3, 7, 14 e 28. da após o 10º dia de observação, fi suspender o esquema pro látco e encerrar o caso.
4. Imunizações rotneiras recomendadas para adultos (vacinas) Tabela 3 - Calendário de vacinação do adulto e do idoso – recomendações da Associação Brasileira de Imunizações (SBIm), 2011 Vacinas
Esquemas
Comentários
Uma ou 2 doses (com intervalo mínimo de 30 dias) para homens e mulheres até 49 Tríplice viral (saanos, de acordo com histórico Contraindicada para imunodeprimidos e rampo, caxumvacinal, de forma que todos gestantes. ba e rubéola) recebam no mínimo 2 doses na vida. Dose única para homens e mulheres com mais de 49 anos. - Hepatte A: 2 doses, com intervalo de 6 meses após a 1ª (esquema 0 a 6 meses);
Hepattes A, B ou A e B
- Hepatte B: 3 doses – a 2ª 1 mês depois da 1ª e a 3ª 6 meses após a 1ª (esquema 0-1-6 meses); - Hepattes A e B: 3 doses – a 2ª 1 mês depois da 1ª e a 3ª 6 meses após a 1ª (esquema 0-1-6 meses). A vacinação combinada contra as hepattes A e B é uma opção e pode substtuir a vacinação isolada contra as hepattes A e B.
- A vacinação combinada contra as hepattes A e B é uma opção e pode substtuir a vacinação isolada contra as hepattes A e B; - Esquemas especiais de vacinação contra a hepatte B: a) para imunodeprimidos e renais crônicos: dose dobrada (2mL0-1-2-7 = 40mcg) em 4 aplicações (esquema meses). b) para imunocompetentes com alto risco de exposição: dose normal (1mL = 20mcg), em 4 aplicações (esquema 0-1-2-7 meses) com intervalos de 1 mês entre a 1ª e a 2ª, e a 2ª e a 3ª, e de 6 meses entre a 3ª e a 4ª.
Disponibilização das vacinas Postos públicos de Clínicas privadas vacinação de imunização
Sim
Sim
Não
Sim
Sim,até24anos*
Não
Sim
Sim
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IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA Disponibilização das vacinas Vacinas
HPV
Esquemas
Comentários
- A vacina HPV deve ser indicada para a prevenção de infecções por papilomavírus. Duas vacinas estão disponíveis no - A vacinação de mulheres mais velhas Brasil: uma vacina contendo contra o HPV é considerada segura e os tpos 6, 11, 16, 18 de HPV eficaz por órgãos regulatórios de alcom esquemas de intervalos guns países do mundo. A melhor época de 0-2-6 meses, indicada para meninas, meninos e jovens de 9 a 26 anos de idade, e outra vacina contendo os tpos 16 e 18 de HPV com esquemas de intervalos de 0-1-6 meses para meninas e mulheres de 10 a 25 anos de idade.
Vacinas contra dieria, tétano e coqueluche
Varicela (catapora)
Pneumocócica 23-valente
- Indicada apenas para adultos sem história anterior de varicela. Contraindicada para imunodeprimidos e gestantes.
- Duas doses com intervalo de 2 meses entre elas.
- Dose única.
Clínicas privadas de imunização
Não
Sim
dT Sim
dT Não
dTpa
dTpa
Não
Sim
Não
Sim
Sim, para grupos de risco
Sim
Sim, para grupos de risco**
Sim
Não
Sim
para vacinar é a adolescência, critério médico, mulheres commas, maisade 25 ou 26 anos, mesmo que previamente infectadas, podem ser vacinadas.
- Com esquema de vacinação básico completo: reforço com - O uso da vacina dTpa está especialmendTpa (tríplice bacteriana acete indicado para adultos que convivem lular do tpo adulto); ou cuidam de lactentes menores de - Com esquema de vacinação 1 ano, visto serem uns dos principais básica incompleto (que tetransmissores de Bordetella pertussis nha recebido menos de 3 dopara esse grupo; ses do componente tetânico - Deve-se considerar fortemente a indidurante a vida): completar o cação da vacina dTpa para idosos; esquema de 3 doses, aplicando uma dose de dTpa (tríplice - Uma dose de vacina dTpa é recomendada, mesmo nos indivíduos que reacelular do tpo adulto) e 1 ou ceberam a vacina dupla bacteriana do 2 doses de dT (dupla bacteriatpo adulto (dT) há 2 ou mais anos. na do tpo adulto) no esquema 0-2-6 meses.
Influenza( gripe) -Doseúnicaanual.
Postos públicos de vacinação
- Recomendada para maiores de 60 anos de idade e pessoas com doenças crônicas (cardiopatas, pneumopatas, diabétcos asplênicos etc.) e outras condições consideradas de risco para a doença pneumocócica. - Ainda que baixaem a incidência doença meningocócica pacientesda adultos,
Meningocócica conjugada
210
- Uma dose, mesmo para aqueles vacinados na infância ou há mais de 5 anos.
recomenda-se a vacinação, quando possível ou em casos de surtos ou viagens de risco. A vacina meningocócica conjugada quadrivalente t ( pos A, C, W135 e Y) deve ser considerada opção para a imunização de adolescentes e adultos.
IMUNIZAÇÕES E TER APIA Ó P S-EXPOSI ÇÃO
Disponibilização das vacinas Vacinas
Febre amarela
Esquemas
Comentários
Postos públicos de vacinação
- Indicada para habitantes de áreas endêmicas de febre amarela e para as pessoas que vão viajar ou se mudar para essas regiões, assim como para - Uma dose a cada 10 anos, atender as exigências sanitárias de para quem viver em ou vai determinadas viagens internacionais; se deslocar para áreas endê- - Vacina contraindicada para imunodemicas. primidos e gestantes, exceto quando os riscos de adquirir a doença superam os riscos potencias da vacinação; - Vacinar pelo menos 10 dias antes da viagem.
Clínicas privadas de imunização
Não
Sim
* Nos estados da região Norte, a vacina contra hepatte B está disponível para pessoas de até 39 anos de idade. ** A vacina contra o pneumococo é aplicada durante a Campanha Nacional de Vacinação do Idoso, nos indivíduos que convivem em insttuições fechadas, tais como casas geriátricas, hospitais, asilos e casos de repouso, com apenas um reforço 5 anos após a dose inicial.
5. Profilaxias pós-exposição
* Recém-nascidos prematuros, com 28 ou mais semanas de gestação, cuja mãe nunca teve varicela; * Recém-nascidos prematuros, com menos de 28 semanas de gestação (ou com menos de 1.000g ao nascimento), independentemente de história materna de varicela.
A - Varicela a) Vacina - Para controle de surto em ambiente hospitalar, nos comunicantes susceveis imunocompetentes maiores de 1 ano de idade, até 120 horas após o contágio; - Dose única.
B - Hepatte B Imunoglobulina humana ant-hepatte B (HBIg), em dose única IM, para indivíduos susce veis: -
tte B; b) Imunoglobulina Prevenção da infecção perinatal pelo vírus da hepa - Vítmas não imunizadas de acidentes com material bioló125UI a cada 10kg, dose mínima de 125UI, máxima de gico positvo ou fortemente suspeito de infecção por VHB; 625UI. - Comunicantes sexuais de casos agudos de hepa t te B; - Quando 1 de cada das 3 condições a seguir acontecerem: - Vítmas de abuso sexual; Comunicante suscevel, isto é: - Imunodeprimidos após exposição de risco, mesmo * Imunocompetentes e imunodeprimidos sem hisque previamente vacinados; tória bem definida da doença e/ou de vacinação - Sempre iniciar paralelamente a vacinação contra heanterior; patte B. * Imunossupressão celular grave, independentemente de história anterior. C - Hepatte C Que tenha havido contato significatvo com o vírus Não existe vacina ou imunoglobulina efetva. varicela-zóster, isto é: Recomendada realização de PCR 3 semanas depois da * Contato domiciliar connuo: permanência com o exposição: se positvo, indicada prevenção da cronificação doente durante, pelo menos, 1 hora em ambiente por meio do uso de interferon-alfa por 12 semanas. fechado; * Contato hospitalar: pessoas internadas no mes6. Resumo mo quarto do doente ou que tenham man tdo •
•
•
com ele contato direto prolongado de, pelo menos, 1 hora. Que o suscevel seja pessoa com risco especial de varicela grave, isto é: * Crianças ou adultos imunodeprimidos; * Grávidas; * Recém-nascidos de mães nas quais a varicela apareceu nos últmos 5 dias de gestação ou até 48 horas depois do parto;
Quadro-resumo Clínica Tétano Diagnóstco acidental Tratamento
- Trismo, riso sardônico e rigidez muscular; - Complicações. - Clínico-epidemiológico, sem sorologias. - Imunoglobulina no desbridamento do foco; - Antbiotcoterapia.
211
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA Quadro-resumo Profilaxia - Indicações de vacina, soro ou imunoglobulina, de tétano acordo com a característca do ferimento. - Período de incubação; Clínica
Raiva
- Fatores que determinam a evolução da doença (localização e gravidade da lesão).
- Clínico-epidemiológico; Diagnóstco - IFD em fragmentos do cérebro (baixa sensibilidade). Tratamento
- Pouca eficácia e alta mortalidade; - Antvirais.
- Atenção aotpo de animal causador; Profilaxia raiva pós- - Importância do local da mordedura; -exposi- - Tipos de vacinas disponíveis; ção - Indicação do uso de soro an trrábico. ficas); Outras - Varicela (até 120 horas, situações especí profit Hepa te B (indicações); laxias pós-expo- Hepatte C (controverso). sição
212
CAPÍTULO
21
Acidentes por animais peçonhentos
1. Introdução
locomovem-se vagarosamente; as não venenosas são mais rápidas e locomovem-se com agilidade. A cascavel não ataca antes de ser provocada e anuncia sua presença com o chocalho existente na cauda. A coral vive entocada, tem hábitos noturnos e não é tão agressiva; são muito raros os acidentes com essa cobra. Já as jararacas são mais agressivas, reagem prontamente e não fazem barulho, sendo grande o número de acidentes por essa espécie (botrópico). Cerca de
Os envenenamentos atvos por animais são causados por picadas ou mordeduras. Animais peçonhentos são aqueles que apresentam glândulas secretoras e uma estrutura anatômica específica para a inoculação do veneno. Dentre os mais importantes na prátca clínica, pela frequência e importância dos acidentes, estão as serpentes, as aranhas e osOs escorpiões. acidentes por animais peçonhentos são mais comuns do que se imagina. A incidência anual mundial de acidentes ofdicos gira em torno de 5.000.000 de casos ao ano. No Brasil, são registrados cerca de 25.000 acidentes o fdicos anuais e de 5 a 12.000 acidentes aracnídeos anuais. Tais acidentes ocorrem, predominantemente, nas zonas rurais, e a letalidade depende da serpente envolvida; em casos tratados, a letalidade média é de 0,5 a 2%. Porém, é de supor que as estastcas estejam além da realidade, já que uma boa parte dos acidentes acontece em áreas distantes de atendimento médico. Os acidentes com serpentes e escorpiões costumam acontecer com maior frequência nos meses de calor, enquanto os acidentes com aranhas costumam acontecer mais habitualmente nos meses de inverno. O sexo masculino é afetado em 70% dos casos; a faixa etária mais comumente atngida tem entre 15 e 50 anos, e mais de 70% dos casos envolvem membros inferiores. O centro de referência nacional para acidentes por animais peçonhentos é o Insttuto Butantan, em São Paulo.
Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ralcyon F. A. Teixeira Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
90% dos acidentes no tficados são botrópicos. As serpentes venenosas são mais frequentes em campos, cerrados e plantações abandonadas, e menos frequentes em matas. Todas têm hábitos noturnos e ficam em esconderijos durante o dia. No momento da picada, a parte posterior do corpo das cobras permanece imóvel, como ponto de apoio, elevando-se apenas o terço anterior do seu comprimento, a uma altura capaz de atngir habitualmente apenas abaixo dos joelhos dos indivíduos. Diferencia-se uma serpente peçonhenta de outra não peçonhenta pela identficação de algumas característcas morfológicas de sua cabeça e seu corpo: fosseta lacrimal e afilamento abrupto da cauda. Representa exceção à regra a coral verdadeira, que não apresenta fosseta lacrimal, entretanto é peçonhenta. Os principais acidentes por serpentes no Brasil são: - Botrópico: jararaca (mais frequente); - Crotálico: cascavel (mais grave); -
Por Lachesis: surucucu; Por Micrurus: coral verdadeira.
2. Acidentes por serpentes No Brasil, existem cerca de 300 serpentes diferentes, das quais cerca de 50 são consideradas peçonhentas. As glândulas dessas serpentes armazenam veneno suficiente para mais de 1 picada. As serpentes venenosas, em geral,
Figura 1 - Fosseta lacrimal ou loreal apontada pela seta
213
INFECTOLOGIA
Figura 2 - Distribuição geográ fica das serpentes brasileiras Tabela 1 - Mecanismo de ação dos venenos ofdicos Veneno
Botrópico
Laquétco
Crotálico
Elapídico
Atvidade
Efeitol ocal
Efeitos istêmico
- Proteolítca; - Necrose - Coagulante; tecidual; - Hemorrá- Lesão engica. dotelial.
- Liberação de mediadores inflamatórios e substâncias vasoatvas; - Atvação da coagulação; - Lesão endotelial.
- Proteolítca; - Coagulante; - Necrose - Hemorrátecidual; gica; - Lesão en- Neurotódotelial. xica.
- Liberação de mediadores inflamatórios e substâncias vasoatvas; - Atvação da coagulação; - Lesão endotelial; - Estmulação vagal.
- Neurotóxica; - Ausente. - Miotóxica; - Coagulante.
- Bloqueio neuromuscular; - Rabdomiólise; - Atvação da coagulação.
- Neurotóxica.
- Bloqueio neuromuscular.
- Ausente.
A atvidade proteolítca é causada por frações enzimátcas do veneno, com mecanismo de ação complexo. Essas enzimas podem agir diretamente sobre diferentes substratos, causando lesão tecidual, ou por ação direta de mediadores moleculare s e celulares do processo in flamatório. Ao exame fsico, a ví tma de um acidente botrópico apresenta um processo in flamatório local intenso, dor e hemorragia variável. A picada, em geral, apresenta-se como 2 lesões pun tformes, embora, ocasionalmente, possa ocorrer apenas 1 lesão. Dor e edema progridem rapidamente, com intensidade da dor proporcional à intensidade do edema. Equimoses próximas à área de drenagem linfátca local podem ser observadas. Após algumas horas, podem aparecer lesões bolhosas, devido à ação in flamatória do veneno. Podem-se observar abscesso, necrose tecidual e processos infecciosos secundários, como erisipela e celulite. Muitas vezes, também podem aparecer germes Gram negatvos. A evolução para síndrome compar tmental, limitação de movimentos e até amputação do membro podem ocorrer. A medida do TC (Tempo de Coagulação) é um dado importante em relação à gravidade do quadro. O paciente pode apresentar, como complicações sistêmicas, gengivorragia, hematúria, hemop tse, hematêmese e sangramentos cavitários. A presença de hipotensão e choque define caso grave, que pode ser secundário à hemorragia e sequestro de líquidos, além da ação de mediadores inflamatórios. Insuficiência renal aguda é rara e parece ser causada por necrose tubular aguda; quando presente ocorre precocemente. E as principais causas de óbito são sepse, hemorragias, IRA e choque. Tabela 2 - Acidente botrópico: sinais e sintomas Precoces (até - Dor, edema, calor e rubor no local da picada; 6 horas após o - Aumento do TC; acidente) - Hemorragias e choques, nos casos graves. Tardios (6 a - Bolhas, equimoses, necrose, oligúria e anúria 12 horas após (insuficiência renal aguda). acidente)
A - Acidente botrópico A jararaca é responsável por mais de 90% dos acidentes, e seu veneno possui atvidade proteolítca ou inflamatória, coagulante e hemorrágica. É a mais comum do gênero botrópico, que possui cerca de 20 espécies. As atvidades coagulante e hemorrágica são interdependentes. O veneno atva vários fatores da coagulação, ocorrendo formação de fibrina e consumo dos fatores de coagulação, que evolui, progressivamente, para incoagulabilidade sanguínea. Também aparecem trombos na microvasculatura com CIVD, hipóxia e piora do edema e sofrimento tecidual. O veneno também tem hemorragias, que são metaloproteinases presentes no veneno. Essas enzimas destroem as células endoteliais vasculares, provocando hemorragias.
214
Figura 3 - Acidente botrópico, com sangramento no local da picada com edema associado
ACIDEN TES PO R ANIM AIS P EÇONHENTOS
bral, oalmoplegia, anisocoria). O quadro pode progredir para insuficiência respiratória aguda, secundária à paralisia das musculaturas diafragmátca e intercostal. Ocorre mioglobinúria, secundária à destruição de fibras musculares provocada por frações do veneno, o que pode causar insuficiência renal aguda por necrose tubular. Os efeitos coagulante e proteolítco são semelhantes aos descritos para a jararaca.
D - Acidente por Micrurus ou elapídico O veneno da coral verdadeira apresenta atvidade neurotóxica, bloqueando o receptor de acetlcolina na placa motora (bloqueio pós-sináptco, enquanto o veneno crotálico causa um bloqueio pré-sináptco), com ptose palpebral, sendo o 1º sinal de neurotoxicidade. Raramente, pode haver diminuição de força muscular generalizada. Não ocorrem alterações locais importantes.
Figura 4 - Edema, eritema, equimose e bolhas também são comuns neste tpo de acidente
B - Acidente por Lachesis A surucucu produz um veneno com atvidades proteolítca, coagulante, hemorrágica e neurotóxica. Esta últma se caracteriza por uma exacerbação colinérgica ou parassimpátca, com bradicardia, diarreia, cólica abdominal, náuseas, vômitos e hipotensão. As atvidades proteolítca, coagulante e hemorrágica são semelhantes às descritas para a jararaca, e as complicações locais incluem dor e edema local, que podem progredir para todo o membro. É, também, semelhante ao acidente botrópico.
C - Acidente crotálico Os acidentes por cascavel costumam ser os mais graves, responsáveis, segundo algumas estastcas, por quase metade das mortes por acidentes com serpentes no Brasil. Outras estastcas chegam a apontar sua responsabilidade em mais de 60% das mortes. Os efeitos locais são discretos e podem ocorrer edema leve e parestesias. O veneno crotálico possui atvidades proteolítca, coagulante, neurotóxica e miotóxica. A atvidade neurotóxica desse veneno é causada pela interrupção da liberação de acetlcolina na placa motora com paralisia muscular. A vítma de acidente por cascavel apresenta fácies neurotóxica ou miastênica (ptose palpe-
Figura 5 - Ptose palpebral causada por acidente elapídico ou crotálico
A fácies miastênica pode ocorrer no acidente elapídico ou no crotálico: caracteriza-se por ptose palpebral, o almoplegia e paralisia dos músculos da face.
E - Tratamento dos acidentes por serpentes O soro antofdico deve ser diluído em soro glicosado ou fisiológico (1 ampola de soro an tofdico em 50mL de SG 5% ou SF). Deve-se associar um ant-histamínico e/ou cortcoide para evitar reação alérgica ao soro (imunoglobulina de cavalo). A quantdade de ampolas deve ser adequada à intensidade das manifestações clínicas.
215
IA G O L O T C E F N I
INFECTOLOGIA Tabela 3 - Soro antofdico e quadro clínico Acidente por botrópico (jararaca) - Sempre recebe soro antofdico: · Quadro leve:4 ampolas; · Quadro moderado: 8 ampolas; · Quadro grave:12 ampolas. Acidente por crotálico (cascavel) - Quadros moderados e graves são tratados com soro an tofdico, com quantdade maior de ampolas: · Quadro leve:5 ampolas; · Quadro moderado:10 ampolas; · Quadro grave:20 ampolas. Acidente por Lachesis (surucucu) ouMicrurus (coral verdadeira) - Apenas quadros graves são tratados: · Lachesis (quadro grave):de 10 a 20 ampolas; · Micrurus (quadro grave): 10 ampolas.
Além do tratamento específico, é muito importante o tratamento de suporte com hidratação adequada. Em pacientes que evoluem com insu ficiência renal, pode ser necessária diálise. Em caso de abscesso, são necessários antbiótcos com cobertura de Gram nega tvos e anaeróbios. Quando há síndrome compartmental, fasciotomia pode ser necessária, e profilaxia de tétano deve ser realizada em todos os indivíduos.
3. Acidentes por aranhas Todas as aranhas produzem veneno na região das quelíceras e, em sua maioria, são inofensivas para humanos. As aranhas peçonhentas geralmente não constroem teias e vivem escondidas em móveis abandonados, roupas, calçados, madeira, cachos de banana, entre outros locais. As do gênero Loxosceles são pacíficas e picam geralmente ao serem apertadas contra o corpo, em roupas ou calçados, enquanto as Phoneutrias são muito agressivas. Já as caranguejeiras são conhecidas por atngirem grandes dimensões; porém, na maioria dos casos, apresentam um tpo de veneno de baixa toxicidade.
colina, provocando manifestações clínicas de exacerbação do sistema nervoso simpátco e parassimpátco (principalmente em crianças). Em geral, o quadro é de dor local intensa (até 24h) e edema. O tratamento envolve a administração de soro antaracnídeo para crianças com sintomas autonômicos graves e infiltração de anestésico local sem vasoconstritor no local da picada.
C - Lactrodectus Também denominadas viúvas-negras, causam alterações terminais sensitvas, com dor importante no local da picada. Ocorre, ainda, ação sobre o sistema nervoso autônomo com liberação de mediadores, podendo haver contratura facial e trismo, retenção urinária, hipertensão arterial, taquicardia ou bradicardia. A Tabela 4 sumariza o tratamento dos pacientes com acidente aracnídeo. Tabela 4 - Tratamento: araneísmo Intensidade do acidente/ aranha
Phoneutria
t ví e sercom grave em alguns casos. Os pacientesNadevem sermas tratados 5 ampolas de soro ant aracnídeo. ocorrência de hemólise, a vítma deve receber 10 ampolas de soro antaracnídeo, cortcosteroides e hidratação IV generosa.
B - Phoneutria A aranha armadeira produz um veneno com a tvidade neurotóxica, o qual causa a liberação de adrenalina e ace tl-
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Moderado
Grave
- Observação por 6h; - Internação - Internação - Alívio da dor com adminiscom adminiscom dipirona tração de soro tração de soro e pomadas antaracnídico, antaracnídico, ou infiltrações de 2 a 4 ampo- de 5 a 10 amlocais com lidocaína.
las IV.
polas IV.
- Soro anta- Soro antaracnídico, 5 racnídico, 10 - Acompanhaampolas IV, e/ ampolas IV, e/ mento por ou prednisona, ou prednisona, Loxosceles 72h e trata1mg/kg por dia 1mg/kg por dia mento sinto- em crianças e em crianças e mátco. 40mg/dia em 40mg/dia em adultos, por 5 adultos, por 5 dias. dias.
A - Loxosceles A aranha-marrom produz veneno com atvidades proteolítca e hemolítca. O quadro clínico é de dor discreta no local da picada. Ocorre trombose da microcirculação, com isquemia local que pode evoluir com necrose tecidual e dor intensa. Anemia hemolítca pode ocorrer em até 10% das
Leve
Latrodectus
- Analgésicos; - Analgésicos; - Sedatvos - Sedatvos - Analgésicos; (benzodiazepí- (benzodiazepí- Gluconato de nicos); nicos); cálcio. - Soro antla- Soro antlatrotrodétco, 1 détco, 1 a 2 ampola IM*. ampolas IM*.
* A melhora ocorre em cerca de 30 minutos após a administração do soro antlatrodétco.
4. Acidentes causados por escorpiões Todos os escorpiões produzem veneno, que pode ser inoculado por meio do abdome pelo ferrão. Os escorpiões costumam esconder-se em lugares escuros e frescos, como sob pedaços de madeira, telhas e pedras, picando apenas quando molestados.
ACIDEN TES PO R ANIM AIS P EÇONHENTOS
Ao exame fsico, pode-se observar apenas dor importante no local da picada. Crianças podem apresentar quadros de exacerbação autonômica semelhantes aos descritos para picadas de Phoneutria. Esses casos podem ter evolução, decorrente da intoxicação adrenérgica generalizada, para insuficiência cardíaca de alto débito e edema agudo de pulmão. A conduta consiste na in filtração com anestésico local sem vasoconstritor e, nos casos graves, deve-se utlizar soro antescorpiônico, principalmente em crianças <7 anos ou idosos com sintomas de intoxicação pelo veneno escorpiônico: vômitos, manifestações pulmonares e/ou
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cardíacos pressóricos. casos considerados moderados, são necessárias de 2 a 3Em ampolas por via intravenosa e, em casos graves, de 4 a 6 ampolas intravenosas.
5. Acidentes causados por insetos A - Himenópteros (abelhas, vespas, marimbondos etc.) Várias frações do veneno são semelhantes nos vários himenópteros, por isso uma pessoa alérgica à picada de um inseto pode ter reação a outro. O quadro clínico é de dor local e edema, mas pode haver quadros graves (por exemplo, quando há mais de 100 picadas de abelhas). O tratamento consiste no uso de analgésicos, ant-histamínicos e ant-inflamatórios. Cortcosteroides intravenoso podem ser usados nos acidentes graves.
B - Lepidópteros (taturanas) As taturanas são larvas de mariposa que podem causar queimaduras na pele. O principal sintoma é a dor local, e o tratamento é feito com compressas geladas, analgésicos e infiltração com anestésico local. Há uma espécie de taturana (lonômia) cujo veneno é fibrinolítco, podendo causar hemorragia generalizada, com insuficiência renal aguda e óbito em alguns casos.
6. Resumo Quadro-resumo - A incidência anual mundial de acidentes ofdicos gira em torno de 5 milhões de casos ao ano; - A letalidade depende da serpente envolvida, mas, em casos tratados, a letalidade média é de 0,5 a 2%; - O acidente ofdico mais comum é o botrópico. Os pacientes apresentam ação inflamatória local importante, podendo evoluir com amputação, coagulação intravascular disseminada e IRA; - O acidente crotálico é o que apresenta maior letalidade, com manifestações, principalmente, neuromusculares; - Há 3 subtpos de aracnídeos que podem causar complicações em humanos:Loxosceles, Lactrodectus e Phoneutria; - Todos os escorpiões produzem veneno, que pode ser inoculado através do abdome pelo ferrão.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
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Parasitoses intestnais Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Daniela Di Dea Bergamasco Ralcyon F. A. Teixeira / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Epidemiologia As parasitoses intestnais são muito prevalentes nas regiões com más condições de higiene, sem saneamento ou sem instalações sanitárias e coleta de lixo adequadas, ou ainda, onde são baixos os níveis de renda, de educação da população e da qualidade dos serviços de saúde. A repercussão e a gravidade das parasitoses dependem do paciente (idade, nutrição, hábitos de vida, imunocompetência, doenças associadas) e da carga parasitária. Além disso, são igualmente importantes o mecanismo da lesão e o grau de espoliação que o parasita provoca. As parasitoses intestnais podem ser divididas em 2 grandes grupos: protozooses e helminases.
2. Protozooses intestnais mais frequentes Giardia lamblia (giardíase); Entamoeba hystolitca (amebíase); - Balantdium coli (balantdíase), o maior protozoário que infecta o homem; - Cryptosporidium parvum e hominis (criptosporidiose), Isospora belli e microsporidiose: geralmente, causam doença em imunossuprimidos, principalmente portadores de AIDS. -
3. Helminases intestnais As helminases intestnais podem ser divididas para fins didátcos em:
A - Com ciclo pulmonar obrigatório -
Ascaris lumbricoides (ascaridíase): a maior e mais disseminada;
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Strongyloides stercoralis (estrongiloidíase); Ancylostoma duodenale (ancilostomíase); - Necator americanus (necatoríase); - Schistossoma mansoni (esquistossomose). -
B - Sem ciclo pulmonar obrigatório Enterobius vermicularis (enterobíase); Trichuris trichiura (tricuríase); - Taenia solium (carne de porco) e saginata (carne bovina = teníase); - Diphyllobothrium latum (tênia do peixe, cuja incidência vem aumentando devido ao recrudescimento do consumo de peixe cru. As larvas encontram-se nos músculos dos peixes de água doce, e a transmissão ao homem ocorre quando é ingerida carne mal cozida ou crua. A sintomatologia é escassa, contudo podem ocorrer sinais clínicos decorrentes da anemia); - Hymenolepis nana (himenolepíase). -
4. Principais vias de transmissão das parasitoses Em relação à transmissão das parasitoses intestnais, as principais vias são: - Contaminação de alimentos e água por cistos ou ovos do parasita, eliminados nas fezes dos portadores, destacando-se, neste caso, a contaminação dos vegetais crus (giardíase, amebíase, ancilostomíase/necatoríase, tricuríase, himenolepíase); - Penetração da pele pelo contato direto com solo contaminado (estrongiloidíase, necatoríase, ancilostomíase) ou contato com águas infestadas por larvas (esquis-
PARASITO SES IN TESTINAIS tossomose); ingestão de ovos por contaminação de mãos (levar as mãos à boca) ou fômites, manipulação de alimentos (enterobíase, tricuríase); - Transmissão sexual (amebíase, giardíase, oxiuríase e estrongiloidíase).
5. Apresentação clínica Algumas manifestações são comuns às diversas parasitoses e, dependendo dos contextos clínico e epidemiológico, justficam a pesquisa desta hipótese diagnóstca: anorefi
xia, culdade de ganhar peso, irritabilidade, dor abdominal, di náuseas e vômitos, problemas do sono, diarreia (fezes amolecidas) intermitente e obstpação intestnal. Manchas de pele e ranger de dentes são popularmente considerados indícios de parasitoses, mas não existe comprovação cienfica dessa relação. Em toda criança desnutrida deve-se pesquisar a possibilidade de parasitose associada. O grau de acometmento do organismo depende de vários fatores, como agente, suscetbilidade do hospedeiro, meio ambiente, hábitos, costumes e patologias associadas. As enteroparasitoses, habitualmente, não determinam manifestações clínicas específicas, mas podem manifestar-se por quadros que variam entre discretos e excepcionalmente graves e letais. Entretanto, alguns sinais e sintomas podem sugerir o diagnóstco de determinadas enteroparasitoses, entre eles: - Mudança do hábito intestnal (diarreia ou obstpação intermitentes): a diarreia é frequente nas infecções por protozoários (giardíase e amebíase), na tricocefalíase e na estrongiloidíase. Pode apresentar-se líquida ou acompanhada de cólica abdominal e tenesmo, como na colite amebiana; - Alteração do apette, náusea, vômito, flatulência e/ ou dor abdominal: sem característca específica, podendo estar presente em qualquer parasitose intestnal. Na estrongiloidíase, a dor abdominal pode assumir característca em queimação de localização epigástrica (pode simular uma úlcera), em associação à diarreia ou disenteria crônica; - Desnutrição e perda de peso: em geral devido à intensidade e cronicidade da infecção e ao agravamento do estado nutricional prévio; - Anemia: associada principalmente à ancilostomíase e à tricocefalíase; - Manifestações pulmonares: a passagem das larvas de áscaris, ancilóstomos, estrongiloides ou esquistossomos pelos pulmões pode determinar a síndrome de Löeffler, que corresponde a quadro transitório de tosse seca, broncoespasmo e febre, associado à eosinofilia e à alteração radiográ fica dos pulmões (infiltrado pulmonar migratório, pois pode mudar de localização). Na esquistossomose, pode ser encontrada uma forma vasculopulmonar, geralmente associada à variedade hepatoesplênica da doença, caracterizada por cor
pulmonale – tosse seca, dispneia, dor precordial, arritmias e escarros sanguinolentos; - Hepato e/ou esplenomegalia: na esquistossomose, a hepatoesplenomegalia pode ser encontrada na forma aguda, mas, predominantemente, em uma das principais formas crônicas da doença, a hepatoesplênica. A hepatomegalia pode ocorrer na presença de abscesso hepátco por amebíase ou hepatomegalia associada à dor no hipocôndrio direito nas infecções intensas e repetdas pela ascaridíase; - Manifestações cutâneas e subcutâneas de hipersen sibilidade: urtcária e edema alérgico, no caso da ascaridíase, ou dermatte cercariana; - Prolapso retal: associado à tricuríase, especialmente nas parasitoses crônicas e em organismos desnutridos; - Prurido anal e vulvar: característ co da enterobíase, associado, também, à dificuldade para dormir, agitação e irritabilidade; - Presença de sangue nas fezes: associada à ancilostomíase, tricocefalíase maciça, estrongiloidíase, esquistossomose, amebíase, dientamebíase (Dientamoeba fragilis) e balantdíase; - Síndrome de má absorção: especialmente nos casos de estrongiloidíase, giardíase e ancilostomíase; - Obstrução intestnal: encontrada nas situações de infestação maciça pelo Ascaris lumbricoides com cólica abdominal, distensão abdominal e vômitos biliosos; - Cistcercose causada pela T. solium: pode levar a manifestações neurológicas, como hidrocefalia e convulsões.
6. Diagnóstco Em vista do predomínio do multparasitsmo e da ausência de quadro clínico peculiar, não é suficiente para o diagnóstco a identficação de espécime espontaneamente eliminado ou a presença de determinado sintoma, sendo essencial a pesquisa de parasitas por meio do exame de fezes. No exame protoparasitológico de fezes devem ser u tlizados diferentes métodos. Para protozoários, sobretudo para giardíase e amebíase, a chance de posi tvidade aumenta quando são colhidas amostras múl tplas (3 a 6) em um intervalo de 10 dias. Para os helmintos, um único parasitológico de fezes bem feito é su ficiente. O uso prévio de laxantes aumenta a chance de encontrar cistos de protozoários. Ainda assim, o protoparasitológico de fezes pode não detectar, com eficiência, todas as parasitoses intestnais, sendo necessária, em certas situações, a realização de métodos diagnóstcos complementares, como: - Tamisação das fezes para a pesquisa de proglotes de tênia; - Uso de fita gomada transparente ou swab anal para pesquisa de oxiúros;
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INFECTOLOGIA Biópsia de válvula retal para a pesquisa de ovos de esquistossoma; - Biópsia duodenal, análise direta e coloração das fezes e do muco duodenal pela hematoxilina férrica e/ ou pelo lugol do muco duodenal para o diagnóstco de giardíase; - Análise direta, após coloração das fezes e do raspado retal pela hematoxilina férrica e/ou pelo lugol para a pesquisa de amebíase; - Intradermorreação e determinação de ant corpos séricos para o diagnóstco de esquistossomose, amebíase -
-
e giardíase; Pesquisa nas fezes de oocistos de criptosporídio e de Isospora por meio da coloração pela safranina e azul de metleno.
Outros exames complementares úteis incluem o hemograma, em face da anemia e possível eosino filia associada, que pode ser acentuada nos casos de estrongiloidíase; raio x de tórax nos pacientes com manifestações pulmonares; raio x ou ultrassom de abdome nos casos de obstrução intestnal parcial ou total.
7. Tratamento e manifestações especí ficas Atualmente, para a quimioterapia das parasitoses intestnais, dispõe-se de medicamentos de amplo espectro, alta
eficácia e efeitos colaterais mínimos. Alguns princípios da terapêutca das parasitoses devem ser observados: - Segurança do correto diagnóst co do parasit smo; - Preferência das drogas polivalentes para as situações de poliparasitsmo; - Escolha da droga e posologia adequadas; - Repetção de tratamento após 2 a 3 semanas, para as helminases com estágio larvário; - Prioridade do tratamento das parasitoses que ocasionam maiores complicações em relação a outras parasitoses intestnais, nas crianças multparasitadas (por exemplo, na ascaridíase); - Realização de exame de controle após o tratamento, pois a presença de múltplos ovos de helmintos no exame de fezes pode dificultar a visualização de cistos e/ ou formas infectantes dos protozoários; - Opção pelo tratamento inicial do parasita com maior capacidade de disseminação, como o Strongyloides
casos, deve-se evitar que doenças concomitantes, eventualmente mais graves, tenham o diagnóstco e o tratamento perigosamente protelados, atribuindo-se a queixa clínica apenas à parasitose intes tnal diagnostcada. Alguns tratamentos específicos são listados a seguir:
A - Helminases a) Ancilostomíase Os pacientes, geralmente, apresentam prurido no local de penetração do parasita e evoluem, posteriormente, com dor abdominal, diarreia e anemia ferropriva, que pode ser severa. O diagnóstco é realizado pelo exame protoparasitológico de fezes (PPF). As 2 drogas de escolha são o mebendazol e o albendazol. b) Ascaridíase Associada a várias síndromes clínicas, suas principais complicações são a obstrução intestnal e, mais raramente, a obstrução biliar. Os achados mais frequentes são dor abdominal (ocorre em 98% dos pacientes) e diarreia. O diagnóstco é realizado por meio do PPF, e as drogas de escolha são o albendazol, o levamisol e o pamoato de pirantel, além do mebendazol. Em casos de obstrução intestnal, a piperazina pode ser utlizada associada a óleo mineral. - Mebendazol: crianças com peso >10kg: 100mg, 2x/dia, 3 dias; crianças com peso <10kg: utlizar 10mg/kg. Os efeitos colaterais são pouco frequentes, e, ocasionalmente, podem ocorrer dor abdominal e diarreia. Esse tratamento é bastante eficaz em infestações múltplas; - Albendazol: 400mg/dia, dose única; os efeitos colaterais são semelhantes aos do mebendazol. Pode ser administrado somente para crianças >2 anos; - Pamoato de pirantel: 500mg a 1g para adultos, e 11mg/kg para crianças, em dose única; - Levamisol: 150mg dose única para adultos e 80mg dose única para crianças; - Piperazina: 100mg/kg/dia, até a dose máxima de 3,5g. Pode ser usada em dose única de ataque em casos de suboclusão intestnal. c) Enterobíase Apresenta-se como quadro de prurido perianal de predomínio noturno. Caso o parasita migre, podem ocorrer t
stercoralis, em indivíduos que necessitam de terapêutca com imunossupressores; - Ênfase na necessidade de adoção de medidas pro filátcas; - Tratamento das complicações; - Quando não é possível a detecção do parasita no exame de fezes e há forte suspeita clínica e epidemiológica, pode-se optar pelo teste terapêutco, observando-se a evolução da sintomatologia. Entretanto, nestes
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apendicitepor e salpingite crônica. diagnós pode ser realizado meio do exame de Oswab anal. co Mebendazol e albendazol são usados nas mesmas doses descritas no item anterior, e também há a opção de pamoato de pirvínio 10mg/kg, dose única (pode ser usada na gestação). d) Estrongiloidíase Dor abdominal, principalmente na região epigástrica, e diarreia com presença de muco, são característcas marcantes da doença. Pode ocorrer invasão maciça de outros
PARASITO SES IN TESTINAIS órgãos, como pulmão, principalmente associada ao uso de cortcosteroides. Embora o diagnóstco possa ser estabelecido por meio do PPF na maioria dos casos, a análise do conteúdo duodenal (realizada pelo método de Boermann e, mais recentemente, pelo método de placa de ágar) é a maneira mais confiável de realizá-lo. O tratamento pode ser realizado com tabendazol, ivermectna, albendazol e cambendazol. Tratamento habitual - Tiabendazol: dose única ou 25mg/kg, 2x/dia, durante 2 dias; dose máxima de 3g. Deve ser repetdo entre 10 e 15 dias após o 1º tratamento; - Ivermectna: 200mcg/kg/dia por 1 dia; - Albendazol: 400mg/dia por 3 dias consecu t vos; - Cambendazol: dose de 5mg/kg, em dose única. Observação: em caso de hiperinfecção, os dias de tratamento podem sofrer alteração, conforme gravidade e avaliação clínica. e) Teníase e cistcercose A maioria dos pacientes é assintomá tca, embora possam ocorrer dor abdominal e diarreia. O diagnós tco pode ser realizado por meio da recuperação das progló tdes da tênia nas fezes, e através do PPF. - Praziquantel: de 20 a 25mg/kg/dia, máximo 600mg, dose única, ingerida durante as refeições do dia; - Niclosamida: adultos 2g/dose única e crianças 1g/ dose única. A cistcercose é uma doença diversa da teníase que, embora tenha seu agente e tológico pertencente ao mesmo gênero (Taenia solium), tem mecanismos de transmissão e manifestações clínicas próprias. Sua principal complicação é a neurocistcercose, que pode cursar com manifestações epileptformes, lesões focais, achados de hipertensão intracraniana e lesões em medula espinal. No diagnóstco da neurocistcercose, o liquor revela pleocitose linfocítca ou eosinoflica, com hipoglicorraquia e hiperproteinorraquia. O tratamento consiste em cirurgia para lesões intracranianas sintomátcas e terapia medicamentosa adjuvante. As drogas de escolha são praziquantel e albendazol. Cortcosteroides (dexametasona, de 12 a 16mg, ou prednisona, de 30 a 40mg) devem ser usados concomitantemente à terapia antepiléptca. - Praziquantel: de 50 a 60mg/kg, distribuídas em doses de 8/8 horas por 14 dias; - Albendazol: 15mg/kg/dia ou 400mg divididos em 2 doses diárias. f) Himenolepíase Os pacientes podem apresentar dor abdominal, anorexia e diarreia, o diagnóstco é estabelecido com PPF, a medicação de escolha é o praziquantel, e a 2ª opção é a niclosamida.
Niclosamida: crianças >8 anos: 1g/dia, 6 dias; crianças <8 anos: 0,5g/dia, 6 dias; - Mebendazol: 200mg, 2x/dia, por 4 dias; - Albendazol: 400mg/dia, por 3 dias; repe tr entre 2 e 3 semanas após o 1º tratamento; - Praziquantel: 10mg/kg ao dia, dose única, repetda em 10 dias. -
g) Tricocefalíase ou tricuríase - Pacientes apresentam diarreia sanguinolenta, anemia ferropriva e prolapso retal. O diagnós tco é realizado -
por meio do PPF; Mebendazol e albendazol, u tlizados nas mesmas doses descritas no item ascaridíase, são as drogas de escolha.
h) Toxocaríase A larva migrans, ao penetrar na circulação, pode carregar para sítos distantes as reações granulomatosas eosinoflicas. Os pacientes podem apresentar eosinofilia importante, mal-estar, prurido e hepatomegalia. Sí tos distantes podem ser atngidos, resultando em manifestações pulmonares, oculares, miocardite, encefalite, entre outras. O diagnóstco definitvo é estabelecido com a detecção da larva em tecido biopsiado. Sorologias pelo método ELISA também podem ser úteis. A medicação de escolha é a dietlcarbamazina, mas também podem ser utlizados albendazol e mebendazol. - Dietlcarbamazina: dose de 2mg/kg, VO, 3x/dia, por 10 dias.
B - Protozooses a) Amebíase Mais de 90% dos pacientes são assintomáticos, porém podem apresentar quadro de diarreia com fezes sanguinolentas, dor abdominal, febre e perda de peso em até 50% dos casos sintomáticos. Os pacientes podem apresentar, ainda, quadro de diarreia crônica e manifestações extraintestinais com abscesso hepático e sintomas pulmonares. O diagnóstico pode ser realizado pelo PPF ou sorologias. - Metronidazol: 35 a 50mg/kg/dia, 3x/dia, por 5 a 10 dias; - Tinidazol: 50mg/kg/dia, por 3 dias, dose máxima de 2g. b) Giardíase O quadro clínico tem espectro variado, desde pacientes assintomátcos ou com sintomas dispéptcos leves, diarreia aguda aquosa, mal-estar e dor abdominal, até quadros de diarreia crônica, perda de peso e déficit ponderoestatural. A giardíase crônica pode estar associada a quadros de imunodeficiências. O diagnóstco é, usualmente, feito pelo PPF, mas podem ser necessários sorologia e aspirado do conteúdo duodenal.
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INFECTOLOGIA -
Metronidazol: 15 a 20mg/kg/dia, 2x/dia, por 5 dias;
-
Tinidazol: 50mg/kg/dia, por 3 dias, dose máxima de 2g;
-
Furazolidona: 6mg/kg/dia, máximo de 400mg/dia, 3 a 10 dias;
-
Secnidazol: 2g ou 50mg/kg, dose única; Albendazol: 400mg/dia por 5 dias;
-
Nitazoxanida: 500mg 2x/dia por 3 dias.
Tabela 1 - Sumário do tratamento das principais parasitoses Agente Ancilostomíase
Tratamento de escolha - Mebendazol.
Alternatva - Albendazol; - Pamoato de pirantel.
Ascaridíase*
- Albendazol (eficaz em quase 100% dos casos).
Amebíase**
- Metronidazol; - Tinidazol.
- Emetna.
Cistcercose
-Albendazol.
-Praziquantel.
Enterobíase
- Albendazol; - Mebendazol.
- Pamoato de pirantel.
Estrongiloidíase
- Ivermectna; - Tiabendazol.
- Albendazol; - Cambendazol.
Giardíase
- Metronidazol; - Albendazol.
- Tinidazol; - Furazolidona.
- Levamisol; - Pamoato de pirantel; - Mebendazol.
- Niclosamida; Teníase
-Praziquantel.
Albendazol; -- Mebendazol.
Himenolepíase
- Praziquantel.
- Niclosamida.
Toxocaríase
- Dietlcarbamazina; - Albendazol.
- Mebendazol.
* Piperazina e óleo mineral em pacientes com obstrução intestnal.
** Alguns autores recomendam iodoquinol e paromicina para erradicar cistos. Observação: não se recomenda tratar Iodamoeba bütschlii, Entamoeba coli, Endolimax nana, Chilomastx mesnili Trichomonas hominis. ,
8. Princípios do controle A e ficácia do tratamento depende, também, de alguns princípios gerais. Mais importante que tratar é instaurar um programa de educação preventvo que vise atngir o indivíduo e a população na qual se insere, a fim de evitar nova contaminação. Como a dispersão se faz por meio do ambiente, solo, alimentos e mãos contaminados com fezes, do ponto de vista cole tvo, as principais medidas são o saneamento ambiental e urbano. As ações mais importantes são a disponibilização de água tratada e encanada, instalações sanitárias ligadas a esgoto ou fossa séptca fechada, coleta de lixo e vigilância no preparo dos alimentos. O combate à
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desnutrição é essencial, uma vez que crianças bem nutridas raramente apresentam repercussões significatvas devido a parasitoses intestnais. Em comunidades com alta prevalência de parasitas, são importantes programas de tratamento em massa, combate de focos ou vetores. Dentre as estratégias de promoção e educação para a saúde, incluem-se cuidados higiênicos como: - Filtragem ou fervura da água utlizada; - Destno apropriado de dejetos; - Cuidados em relação à área (areia, chão de terra) onde brincam crianças; -
tca adequada por meio da lavagem e coHigiene zimentodieté dos alimentos. As verduras devem ser lavadas em água corrente, cozidas ou utlizadas após o mergulho em soluções cloradas ou iodadas; - Manutenção dos alimentos longe de insetos; - Combate aos insetos caseiros, como baratas e moscas; - Es mulo ao uso de calçados; - Orientação dos manipuladores de alimentos e pro fissionais de creches quanto aos cuidados necessários para a prevenção das parasitoses, principalmente sobre a lavagem das mãos após a troca de fraldas e uso do banheiro; - Cuidados com criações domés tcas de porcos; - Higiene pessoal correta (corte frequente de unhas, lavagens das mãos antes das refeições e após a defecação).
Outro aspecto importante é a utlização de terapia medicamentosa periódica e concomitante nos contactantes, objetvando reduzir as fontes humanas de infecção, como em escolas, creches e famílias. A melhoria das condições gerais de vida da população, como o acesso à saúde, ao saneamento básico e à água potável, é uma condição básica para a resolução do problema das parasitoses intestnais.
9. Cólera A - Epidemiologia Apesar de não ser uma parasitose propriamente dita, trata-se de uma infecção intestnal aguda contagiosa causada pela enterotoxina do Vibrio cholerae. Ocorre através da ingestão de água ou alimentos contaminados por fezes ou vômitos do doente ou portador. O principal reservatório natural é o homem, e foram envolvidos frutos do mar (moluscos crus) em estudos recentes. Recentemente, voltou a ser surto de infecção nos países da África.
B - Quadro clínico Após um período de incubação variável (de algumas horas a 5 dias), observam-se diarreia volumosa, com ou sem vômitos, dor abdominal, desidratação e hipocalcemia (cãibras), podendo evoluir para acidose metabólica, colapso circulatório, choque e insuficiência renal. Na criança, essas alterações podem conduzir a coma, convulsões e hipoglice-
PARASITO SES IN TESTINAIS mia. Pode, contudo, apresentar-se assintomátca. A principal complicação é a desidratação, e a doença é transmissível enquanto há vibriões nas fezes (cerca de 20 dias).
C - Diagnóstco É clínico-epidemiológico e laboratorial (cultura de fezes). O diagnóstco diferencial é feito com outros quadros diarreicos.
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D - Tratamento -
Formas leves e moderadas: hidratação oral; Formas graves: hidratação intravenosa e an tbiótcos (sulfametoxazol-trimetoprim para crianças menores de 8 anos; tetraciclina oral para adultos).
Deve-se fazer a notficação compulsória dos casos confirmados.
10. Conclusões As parasitoses intestnais são mais prevalentes nas regiões sem saneamento; - O exame protoparasitológico de fezes vale-se de diversos métodos para a detecção dos parasitas; - Pacientes com ancilostomíase podem ter anemia significatva; - A ascaridíase está associada a muitas síndromes clínicas, mas sua principal complicação é a obstrução intestnal; - A estrongiloidíase pode apresentar invasão maciça de -
órgãos adjacentes, principalmente dos pulmões, e gerar doença disseminada em imunossuprimidos.
11. Resumo Quadro-resumo Protozooses Helminases Vias de transmissão
Clínica
Diagnóstco
Tratamento
- Protozoários mais frequentes. - Helmintos com ciclo pulmonar obrigatório; - Helmintos sem ciclo pulmonar. - Alimentos e água; - Penetração pele (pelo solo e água); - Transmissão sexual. - Principais alterações (mudanças no hábito intestnal, alteração de apette, anemia); - Passagem pulmonar obrigatória (síndrome de Löeffler). - Exame de fezes: diferença de sensibilidade entre exame de fezes para helmintos e protozoários. - Uso de drogas polivalentes para infecção por múltplos germes; - Quadro de tratamento exposto. - Agente etológico;
Cólera
- Tempo de incubação; - Principais complicações.
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INFECTOLOGIA
CAPÍTULO
23
Principais antmicrobianos Rodrigo Antônio Brandão Neto / Ralcyon F. A. Teixeira Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Antbiótcos Os antbiótcos podem ser divididos em um grande número de classes, conforme a Tabela a seguir: Tabela 1 - Classificação dos antbiótcos Naturais
Penicilina V e penicilina G (benzilpenicilina): cristalina, procaína; e benza tna.
Semissintétcas
Oxacilina e metcilina.
Penicilinas Aminopenicilinas
Ampicilina e amoxicilina.
Carboxipenicilinas Carbenicilina e tcarcilina. Ureidopenicilinas
Piperacilina.
Carbapenêmicos
Imipeném, meropeném e ertapeném.
Monobactâmicos
Aztreonam.
Beta-lactâmicos
Ácido clavulânico (amoxicilina). Inibidores da beta-lactamase
Sulbactam (ampicilina). Tazobactam (piperacilina).
Cefalosporinas
1ª geração
Cefalexina, cefadroxila, cefalotna, cefazolina.
2ª geração
Cefoxitna, cefuroxima, cefaclor.
3ª geração
Cefotaxima, ceriaxona.
3ª geração
Ceazidima (antpseudomonas).
4ª geração
Cefepima.
Aminoglicosídeos
Estreptomicina, neomicina, amicacina, gentamicina, tobramicina.
Macrolídeos
Eritromicina, claritromicina, azitromicina, roxitromicina.
Lincosamidas
Lincomicina, clindamicina.
Quinolonas
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1ª geração
Ácido nalidíxico.
2ª geração
Norfloxacino.
3ª geração
Ciprofloxacina, ofloxacina.
Respiratórias
Levofloxacina, gatfloxacina, moxifloxacina, gemifloxacina.
PRINCI PAIS NTIM A ICROBIAN OS
Derivados da sulfa Sulfametoxazol, sulfadiazina. Glicopepdios
Vancomicina, teicoplanina.
Cloranfenicol tanCloranfenicol etanfenicol. fenicol Tetraciclinas
Tetraciclina e doxiciclina.
Glicilciclinas
Tigeciclina.
Derivados imidazólicos
Metronidazol.
Polimixinas
Colistna, polimixina B.
Oxazolidinonas Derivados das estreptograminas
Linezolida.
Lipopepdio
Daptomicina.
IA G O L O T C E F N I
Quinupristna, dalfopristna.
A - Beta-lactâmicos Os beta-lactâmicos incluem penicilinas (naturais e semissintétcas), cefalosporinas (de 1ª a 4ª geração), carbapenêmicos, monobactâmicos e associações a inibidores da beta-lactamase. A principal característca do grupo é a presença do grupamento químico heterocíclico aze tdinona, denominado anel beta-lactâmico. Todos os antbiótcos beta-lactâmicos agem interferindo na síntese da parede bacteriana e são, em geral, bactericidas. A resistência aos beta-lactâmicos pode ser resultado de alterações no alvo do agente (proteínas ligadoras de penicilina), degradação antmicrobiana pelas beta-lactamases ou redução da permeabilidade da membrana bacteriana externa. a) Penicilinas Naturais A benzilpenicilina G tem 3 apresentações: cristalina, procaína e benzatna. Indicações e posologia -
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O espectro de ação inclui bactérias Gram posi tvas não produtoras de penicilinase (estreptococos, corinebactérias), cocos Gram negatvos (Neisseria meningitdis), bactérias anaeróbias (exceto Bacteroides fragilis) e espiroquetas. * Cristalina (sódica/potássica): administrada por via parenteral (IV) e com meia-vida de 30 minutos a 2 horas. O intervalo de administração de 4 horas entre as doses deve ser respeitado, uma vez que o nível sérico diminui, consideravelmente, após esse período. Está indicada ao tratamento de meningite por Neisseria meningitdis e Streptococcus pneumoniae, dieria, sífilis (forma neurológica), infecções por anaeróbios (exceto Bacteroides fragilis), leptospirose (Leptospira interrogans), actnomicose (Actnomyces israelii) e infecções estreptocócicas (incluindo erisipela, endocardites e pneumonias). Em infecção pneumocócica invasiva
com hemocultura positva, deve-se verificar o perfil de sensibilidade doStreptococcus pneumoniae, pois existem algumas cepas com alta resistência. A associação a aminoglicosídeos pode ser bené fica em endocardites. Dose habitual: de 6.000.000 a 24.000.000UI/dia, divididos 4/4h, com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca; * Procaína: usada intramuscular, com meia-vida prolongada e nível sérico moderado, u tlizando-se o intervalo de 12 horas entre as aplicações (penicilina de depósito). A concentração sérica máxima é alcançada em 1 a 3 horas após a administração. É indicada ao tratamento das infecções de menor gravidade, como faringoamigdalite estreptocócica, erisipela e gonorreia. Dose habitual: 400.000UI IM a cada 12h, com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca; * Benzatna: é uma penicilina de depósito, com meia-vida maior e nível sérico menor do que a forma procaína, mantendo nível sérico por quase 1 mês. A concentração sérica máxima é obtda 8 horas após a administração (exclusivamente, intramuscular). É indicada, principalmente, para profilaxia da febre reumátca (a cada 21 dias) e para tratar faringoamigdalite estreptocócica e sífilis (exceto a forma neurológica). Dose habitual: 1.200.000UI (esquemas variados), com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca; * V: é capaz de resistr ao pH ácido do estômago e pode ser administrada por via oral. A meia-vida da droga é de 60 minutos, com eliminação predominantemente renal e baixa concentração liquórica. As indicações são semelhantes às da penicilina procaína, servindo, também, como alternatva para profilaxia de febre reumátca. Dose habitual: de 20 a 40mg/kg/dia, divididos em 4/4 a 6/6h, com ajuste necessário para insu ficiências renal e hepátca.
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INFECTOLOGIA -
Semissintétcas (resistentes a penicilinases) Oxacilina: pertencente à família das isoxazolilpenicilinas, não apresenta atvidade contra anaeróbios. Sua meia-vida é de 30 a 60 minutos, e sua eliminação é renal. A principal característca da droga é a resistência à ação das penicilinases produzidas por Staphylococcus aureus. A administração deve ser feita em intervalos de 4 horas. As indicações clínicas limitam-se ao tratamento de infecções ocasionadas por Staphylococcus aureus sensíveis à oxacilina, como celulite, furunculose, endocardite, pneumo-
concentrações séricas 2 vezes maiores. A meia-vida é de 1 hora, e a concentração da droga no liquor é muito variável em pacientes com meningite, não sendo indicada para tal. Sua única apresentação é oral. Apresenta atvidade contra Salmonella typhi e é menos atva contra Shigella spp. Em comparação com a ampicilina, apresenta maior ação contra infecções por Haemophilus. As indicações terapêutcas incluem o tratamento do Helicobacter pylori (droga adjuvante) e da doença de Lyme. Dose habitual: de 1,5 a 3g/dia, dividida em 8/8h, com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca.
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nias e osteomielite.aureus Apesarresistentes do aumento de cepas de Staphylococcus à oxacilina, principalmente em ambiente hospitalar, contnua a ser a droga de escolha para cepas sensíveis, independentemente da gravidade da doença. Dose habitual: de 100 a 200mg/kg/dia, de 4/4h. Um trabalho recente com pacientes adultos demonstrou que doses menores que 4g/dia implicam piora de prognóstco. O ajuste de dose é necessário para insuficiências renal e hepátca; Metcilina: droga do mesmo grupo, porém não utlizada rotneiramente; Aminopenicilinas; Ampicilina: apresenta estabilidade tanto para utlização oral quanto parenteral. Sua meia-vida é de 50 a 60 minutos, com eliminações renal e hepátca. Há grande concentração na bile, e a passagem para o liquor se situa em torno baixa). de 5 a Ainda 10% daassim, concentração sérica (considerada pode ser utlizada em meningites. É eficaz contra bactérias aeróbias Gram positvas (Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus viridans, Enterococcus faecalis, Listeria monocytogenes), anaeróbias Gram positvas (Clostridium spp, Peptostreptococcus spp e Actnomyces israelii), determinadas aeróbias Gram negatvas (Escherichia coli, Proteus mirabilis, Haemophilus influenzae, Salmonella typhi e não typhi, Neisseria meningitdis) e anaeróbias Gram negatvas (Bacteroides spp, exceto Bacteroides fragilis, Fusobacterium spp). Em comparação com outras penicilinas, apresenta maior t a vidade contra Haemophilus influenzae, Enterococcus faecalise Salmonella spp e menor atvidade contraStreptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitdis, Neisseria gonorrhoeaee Clostridium. É indicada para o tratamento de infecções de vias aéreas superiores (sinusite, otte, faringoamigdalite), infecções pulmonares, infecções urinárias, salmoneloses e meningites porListeria monocytogenese Streptococcus agalactae. Dose habitual: de 2 a 4g/dia, de 6/6h, oral, e de 100 a 200mg/kg/dia IV, com ajuste necessário para insuficiências renal e hepátca; Amoxicilina: semelhante à ampicilina, mas com absorção oral mais efetva, levando à permanência de
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Carboxipenicilinas São derivados carboxílicos da penicilina G, destacando-se, principalmente, pela atvidade contra Pseudomonas aeruginosa. Há sinergismo de ação com aminoglicosídeos. Carbenicilina: disponível em apresentação intravenosa. Em meninges inflamadas, há concentração de 30 a 50% da concentração sérica. O espectro inclui cocos Gram positvos e Gram negatvos, porém com menor eficácia que as aminopenicilinas. A atvidade contra Pseudomonas aeruginosa, Proteus indol-positvo e cepas de Enterobacter, Acinetobacter, Serrata e Bacteroides fragilis jus tfica a sua utlização como opção em infecções hospitalares por tais agentes. Dose habitual: de 200 a 800mg/kg/dia, dividida em 4/4h, com ajuste necessário para insu ficiências renal e hepátca; -
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Ticarcilina: tem propriedades semelhantes à carbenicilina, entretanto possui atvidade contra Pseudomonas aeruginosa 2 vezes maior do que a droga precursora. Não apresenta atvidade sobre Enterococcus, Klebsiella spp e Serrata spp. Dose habitual: de 400 a 600mg/kg/dia, com dose divida a cada 4 ou 6 horas, com ajuste necessário para insu ficiências renal e hepátca.
Ureidopenicilinas Piperacilina: derivado semissintétco piperazínico da ampicilina, apresenta maior atvidade antmicrobiana do que a carbenicilina sobre as enterobactérias e Pseudomonas aeruginosa. A droga é administrada por via intravenosa, e a penetração liquórica é insuficiente, com eliminação renal da droga. As indicações incluem infecções por Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella spp e Proteus indol-positvo. Dose habitual: de 200 a 300mg/kg/dia, de 4/4h a 6/6h. É necessário ajuste para insu ficiências renal e hepátca. •
b) Carbapenêmicos São os antbiótcos de espectro mais abrangente, com estrutura química semelhante à penicilina e substtuição no anel tazolidínico do ácido 6-aminopenicilânico do enxofre por carbono, com presença de dupla ligação.
PRINCI PAIS NTIM A ICROBIAN OS -
Imipeném: foi sintetzado a partr da tenamicina, combinada com a cilastatna, responsável pela diminuição da eliminação renal. Portanto, a formulação inclui a combinação imipeném/cilastatna. Sua ação bactericida resulta da inibição da síntese da parede celular, apresenta grande estabilidade na presença de beta-lactamases e, por conseguinte, amplo espectro. O espectro de ação inclui bactérias Gram nega tvas, anaeróbios (exceto Clostridium difficile), cocos Gram positvos (exceto Staphylococcus aureus metcilino-resistente e enterococo) eNocardia spp. A meia-vida
da droga écom de meninges 1 hora, e ainconcentração liquórica em pacientes flamadas se situa em torno de 10 a 40%. A administração deve ser realizada por via intravenosa. Na prátca clínica, o imipeném deve ser reservado a infecções hospitalares graves por bactérias Gram negatvas multrresistentes. A capacidade de induzir beta-lactamases em bacilos Gram negatvos contra outros antmicrobianos reitera a necessidade do uso controlado da droga. Os efeitos adversos incluem náuseas, e podem ocorrer convulsões, principalmente se o paciente apresenta lesão estrutural de SNC; - Meropeném: de estrutura química e espectro an tmicrobiano semelhantes ao imipeném. A meia-vida da droga situa-se em torno de 1 hora, com eliminação renal e boa concentração liquórica. Em relação ao espectro de ação, em comparação ao imipeném, possui maior atvidade contra bacilos Gram negatvos (enterobactérias e Pseudomonas aeruginosa) e menor eficácia contra cocos Gram posi tvos. A administração da droga é intravenosa, e a dose habitual é de 3 a 6g/ dia, dividida em 6/6h. É necessário ajuste de dose para função renal. É utlizado como opção ao imipeném, devido ao menor risco de convulsões; - Ertapeném: é um carbapenêmico de espectro menor que os outros, pois não tem ação sobre Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter spp. É indicado para o tratamento de infecções em pacientes complicados, além de permitr o uso em hospital-dia ou domiciliar por poder ser utlizado 1x/dia por via IV ou IM. A dose é de 1g/dia, com ajuste necessário para insuficiência renal. c) Monobactâmicos - Aztreonam: é o principal representante . Seu espectro é exclusivo contra bactérias Gram negatvas aeróbias, incluindo P. aeruginosa. Compreende um composto derivado do ácido 3-amino-monobactâmico. A meia-vida da droga é de cerca de 2 horas, e a sua administração é IV. A penetração liquórica aumenta de 1 para 40% em meninges inflamadas. A medicação apresenta, por meio do ácido sulfônico no anel monocíclico beta-lactâmico, uma propriedade bactericida específica. Indicada para tratamento de infecção por bacilos Gram nega tvos, especialmente enterobactérias ePseudomonas aeruginosa, a medicação pode ser útl aos pacientes alérgicos
à penicilina, pois não há nenhuma reatvidade cruzada evidente nesses pacientes, consttuindo uma boa alternatva aos aminoglicosídeos, devido ao menor número de efeitos adversos. A dose habitual é de 3 a 8g/dia, dividida em 8/8h ou 6/6h, sendo necessário ajustar dose para insuficiências renal e hepátca. d) Inibidores de beta-lactamase Apresentam atvidade antbacteriana mínima, mas são potentes. Além disso, são associados às penicilinas para obter espectro antmicrobiano mais amplo (incluindo anaeróbios) e atuam melhor nas enzimas codificadas por plasmídeos, apresentando pouca atvidade contra Pseudomonas aeruginosa, diversas enterobactérias,Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus aureusmetcilino-resistente. - Ácido clavulânico + amoxicilina: atua nas beta-lactamases produzidas por Staphylococcus aureus, Haemophilus in fluenzae e bactérias anaeróbias. As infecções respiratórias altas (sinusite, otte, amigdalite) e infecções de cavidade oral com etologia anaeróbia consttuem as principais indicações clínicas. A dose é de 1,5g amoxicilina/dia dividida em 8/8h, sendo necessário ajuste pelas funções renal e hepátca (caso o paciente tenha insuficiência renal concomitante); - Sulbactam + ampicilina: possui perfil semelhante ao ácido clavulânico, contudo apresenta, também, ação bactericida contra Acinetobacter baumannii resistente às cefalosporinas e às quinolonas. A droga é administrada por via parenteral (IM ou IV), alcançando concentração sérica máxima em 15 a 30 minutos. No liquor, na presença de meninges inflamadas, há passagem de cerca de 30% da concentração sérica. A principal indicação está relacionada a infecções nosocomiais por Acinetobacter baumannii. Usado na dose de 2 a 6g/ dia de ampicilina associada a 1 a 3g/dia de sulbactam (6/6h), necessitando de ajuste para as funções renal e hepátca (em caso de insuficiência renal); - Tazobactam + piperacilina:sua principal indicação clínica é o tratamento de Pseudomonas aeruginosa e de enterobactérias multrresistentes em ambiente hospitalar. A dose é de 12g/dia de piperacilina + 1,5g/dia de tazobactam (8/8h), com ajuste necessário para as funções renal e hepátca (caso haja insu ficiência renal). e) Cefalosporinas Fazem parte do grupo dos beta-lactâmicos, pois sua estrutura química compreende esse núcleo no anel cefêmico. Apresentam grande semelhança de mecanismo de ação, espectro e efeitos adversos. Não devem ser usadas em endocardites estafilocócicas (baixa penetração na vegetação) e não são efetvas contra Enterococcus ou S. aureus oxacilino-resistentes. Esse grupo de antbiótcos age por meio da inibição da síntese da parede celular bacteriana, com ação bactericida. A excreção da droga é predominantemente renal. São divididas em 4 gerações, discutdas a seguir.
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INFECTOLOGIA Primeira geração As cefalosporinas de 1ª geração apresentam atvidade contra diversas bactérias aeróbias Gram posi tvas e Gram negatvas, agentes de infecções comunitárias. Tais drogas não ultrapassam a barreira hematoliquórica, mesmo em meninges inflamadas. São indicadas para o tratamento das infecções por Staphylococcus aureus metcilino-sensível (abscessos cutâneos, foliculite, celulite), determinados estreptococos (erisipela), e alguns bacilos Gram nega tvos entéricos (Escherichia coli, Klebsiella spp e Proteus mirabilis). Dentre as bactérias Gram positvas, as cefalosporinas -
(de todas as gerações) não apresentam a tvidade contra Staphylococcus aureus me tcilino-resistente, Enterococcus, cepas de pneumococo totalmente resistente à penicilina e Listeria monocytogenes. São utlizadas, habitualmente, na antbiotcoprofilaxia cirúrgica. Podem ser usadas durante a gestação. Cefalexina: está disponível em apresentação oral, com meia-vida em torno de 75 minutos e índice de ligação às proteínas plasmátcas em torno de 10%. A dose é de 2 a 4g/dia dividida em 6/6h, com ajuste necessário para a função renal; Cefadroxila: é usado por VO, na dose de 1 a 2g/dia, dividida em 12/12h; Cefalotna: tem apresentação parenteral, com meia-vida em torno de 40 minutos e índice de ligação às proteínas plasmátcas de 70%. O perfil de sensibilidade e indicações é semelhante ao da ce-
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falexina, a cefalo para infecções tgraves oureservando-se não disponibilidade dotna trato gastrintes nal para administração da droga oral. A dose é de 4 a 12g/dia, dividida em 6/6h, sendo necessário o ajuste para insuficiência renal; Cefazolina: na apresentação parenteral, tem meia-vida em torno de 110 minutos e índice de ligação às proteínas plasmátcas de, aproximadamente, 80%. É utlizada na dose de 3 a 6g/dia, dividida em 8/8h, e é necessário ajuste para a função renal.
Segunda geração As cefalosporinas de 2ª geração apresentam maior ação contra as cefalosporinases (beta-lactamases). Apresentam ação, também, contra bactérias anaeróbias Gram positvas (semelhante à cefalosporina de 1ª geração), cocos Gram negatvos, Haemophilus e enterobactérias. Alguns representantes possuem ação contra Bacteroides fragilis. Já Pseudomonas aeruginosa não é sensível ao uso das cefalosporinas de 2ª geração. Cefoxitna: deve ser administrada por via intravenosa, apresenta índice de ligação às proteínas plasmátcas em torno de 65%, e não há concentração adequada no liquor. Ocorre, entretanto, perda da atvidade contra Gram positvos, se comparada às cefalosporinas de 1ª geração. Com relação aos Gram negatvos, há ampliação do espectro com a -
fi écardíaca. u tlizadaApara e dosepro é delaxia 2,25dea cirurgia 4,5g/dia,neurológica dividida em 8/8h IV, IM e 0,25 a 1g/dia, dividida em12/12h VO, com ajuste necessário para a função renal; Cefaclor: tem, como principal indicação, o tratamento de infecções em que as cefalosporinas de 1ª geração são hidrolisadas, como H. influenzae. Tem apresentação oral com dose de 0,75 a 1,5g/dia, dividida em 12/12h, sem necessidade de ajuste de dose para insuficiência renal.
Terceira geração As cefalosporinas de 3ª geração caracterizam-se por melhor atvidade contra bacilos Gram negatvos, aumento da meia-vida da droga, permitndo posologias mais cômodas, maior resistência à ação das beta-lactamases e concentrações liquóricas adequadas para o tratamento de meningites bacterianas. Podem ser divididas em com e sem atvidade antpseudomonas. Cefotaxima: foi desenvolvida para uso parenteral, com meia-vida de 1,5 hora e índice de ligação às proteínas plasmátcas em torno de 30 a 51%. A concentração liquórica, em presença de meninges inflamadas, corresponde de 7 a 20% da concentração sérica, considerada adequada para o tratamento de meningites e abscessos cerebrais. A droga apresenta boa atvidade contra diversos Gram positvos e Gram negatvos, exceto Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Serrata spp. Destaca-se a atvidade contra enterobactérias, porém a sensibilidade do Staphylococcus aureus é inferior à cefalosporina de 1ª geração. As principais indicações da droga incluem o tratamento de Haemophilus spp produtores de beta-lactamase, meningites em neonatos (droga de escolha) e em adultos (Neisseria -
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inclusão de determinados gêneros, como Haemophilus spp. A bactéria anaeróbia Bacteroides fragilis também é sensível à cefoxi tna. Trata-se de uma droga frequentemente utlizada para profilaxia de infecções em procedimentos cirúrgicos gastrintestnais. A dose utlizada é de 3 a 6g/dia, dividida em 8/8h, com ajuste necessário para função renal; Cefuroxima: é uma cefalosporina de 2ª geração, com ação contra Haemophilus influenzae e E. coli resistentes às cefalosporinas de 1ª geração. Há apresentação oral. Na apresentação intravenosa,
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meningitdis, Streptococcus pneumoniae). No tratamento das peritonites bacterianas espontâneas, o uso da cefotaxima apresenta bons resultados, e a medicação é considerada o tratamento de escolha. A dose é de 3 a 6g/dia, dividida em 8/8h e dose máxima de 12g/dia, com ajuste necessário para insuficiência renal; Ceriaxona: apresenta formulações intramuscular e intravenosa. A meia-vida é de 7 a 8 horas. A pe-
PRINCI PAIS NTIM A ICROBIAN OS netração liquórica, em presença de meninges inflamadas, situa-se em torno de 17% da concentração sérica, considerada efetva para o tratamento. O espectro de ação inclui patógenos Gram posi tvos e Gram negatvos, não apresentando atvidade contra anaeróbios, Pseudomonas aeruginosa, Legionella spp, Chlamydia spp, Mycoplasma spp e Listeria monocytogenes. O uso do ceriaxona não está indicado para Staphylococcus metcilino-resistentes ou pneumococos com elevado nível de resistência à penicilina. O ceriaxona apresenta atvidade inferior às cefalosporinas de 1ª geração nas infecções por bactérias Gram positvas. Por outro lado, observa-se melhor atvidade contra bacilos Gram negatvos, como Escherichia coli, Klebsiella spp, Proteus mirabilis, Salmonella spp, Shigella spp, Enterobacter spp, Morganella spp e Proteus indol-positvo. Outras bactérias dos gêneros Yersinia, Eikenella, Pasteurella, Haemophilus e Moraxella também apresentam sensibilidade. As principais indicações clínicas incluem meningoencefalites bacterianas (pneumococo, meningococo, Haemophilus e bacilos Gram negatvos), abscessos cerebrais em todas as faixas etárias e pneumonias comunitárias. Infecções sistêmicas graves por bacilos Gram negatvos também consttuem indicações para o uso de ceriaxona. A dose é de 2 a 4g/dia, dividida em 12/12h, e a dose de 4g/dia é reservada para o tratamento de meningites, sendo necessário ajuste para insuficiência hepátca. -
Terceira geração com ação antpseudomonas Ceazidima: destaca-se das demais cefalosporinas de 3ª geração pela atvidade antpseudomonas. A droga é administrada por via parenteral, e a concentração liquórica situa-se em torno de 25% (considerada baixa), decaindo com a diminuição da inflamação meníngea. O espectro de ação engloba, principalmente, enterobactérias, Haemophilus spp e Pseudomonas aeruginosa. Apresenta atvidade contra cocos Gram positvos inferior às cefalosporinas de 1ª geração, com destaque para a baixa atvidade contra pneumococo, sem justficatvas para terapêutcas empíricas nas quais há a remota possibilidade de etologia pneumocócica. A ceazidima deve ser reservada para infecções nosocomiais por Pseudomonas aeruginosa, como pneumonias, pielonefrites, meningoencefalites, osteomielites. Deve-se observar o perfil de sensibilidade na insttuição, uma vez que o surgimento de cepas resistentes é bastante comum em nosso meio. A dose é de 4 a 6g/dia, dividida em 8/8h, com ajuste necessário para a função renal. •
Quarta geração As cefalosporinas de 4ª geração foram desenvolvidas com o intuito de conservar a boa atuação contra bacilos -
Gram negatvos (incluindo a P. aeruginosa) e ampliar o espectro na tentatva de recuperação da a tvidade contra bactérias Gram positvas, em especial o Staphylococcus. Cefepima: pode ser utlizada por via intravenosa ou intramuscular. No 1º caso, a meia-vida sérica é de 2 horas. O espectro de ação para bacilos Gram negatvos é semelhante ao da ceazidima, mantendo a atvidade contra Pseudomonas aeruginosa. Em relação aos Gram positvos, possui atvidade contra o Staphylococcus aureus metcilino-sensível e alguns estreptococos, incluindo o pneumococo e excetuando os enterococos. As principais indicações estão relacionadas às infecções hospitalares graves (pneumonias, meningites etc.) por bacilos Gram negatvos sensíveis, sem etologia determinada ou como antmicrobiano inicial no paciente neutropênico febril. A dose é de 2 a 4g/dia, dividida em 12/12h, com ajuste necessário para a função renal. •
B - Aminoglicosídeos Os aminoglicosídeos são bactericidas e bacteriostátcos que alteram a síntese proteica bacteriana e não são atvos contra anaeróbios nem adequados para o tratamento de abscessos. Agem por meio de ligação à subunidade 30S ribossomal, determinando a formação de proteínas anômalas (efeito bacteriostátco). Além disso, determinam alterações da parede celular, resultando em efeito bactericida direto e partcipando como adjuvante na terapia combinada comAbeta-lactâmicos ouapresenta glicopepdios. classe de drogas pequena absorção oral. A distribuição ocorre de forma satsfatória nos líquidos cavitários (pleura, pericárdio, peritônio e líquido sinovial), parênquima pulmonar e vias urinárias (concentração, muitas vezes, superior à concentração sérica). A penetração liquórica, por outro lado, é considerada ineficaz, mesmo em meninges inflamadas. A excreção é, predominantemente, renal. Os aminoglicosídeos são, em geral, indicados ao tratamento de enterobactérias, bacilos Gram nega tvos (observar padrão de sensibilidade) e terapêu tca combinada no tratamento de endocardites ou outras infecções graves por cocos Gram positvos. Os efeitos adversos incluem nefrotoxicidade e ototoxicidade, principalmente afetando a função vestbular. Podem causar bloqueio neuromuscular e miopatas em pessoas com miastenia ou em uso de bloqueadores neuromusculares. Deve-se ter atenção à função renal durante o uso. Normalmente, a insu ficiência renal associada a aminoglicosídeos aparece após 1 semana de uso da medicação e é não oligúrica. Existem 3 mecanismos conhecidos de resistência bacteriana aos aminoglicosídeos: alteração dos sítos de ligação no ribossomo, alteração na permeabilidade e modi ficação enzimátca da droga. O desenvolvimento de resistência durante o tratamento é raro. - Estreptomicina: é administrada intramuscular ou intravenosa. As indicações para seu uso incluem o trata-
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INFECTOLOGIA mento da tuberculose (casos resistentes às drogas de 1ª escolha ou intolerância), brucelose, peste e tularemia. Utliza-se, também, associada à penicilina ou ampicilina, para o tratamento de infecções graves por enterococos. A dose habitual é de 15mg/kg/dia, em dose única IV ou IM, com ajuste necessário para insuficiência renal; - Neomicina: é utlizada, principalmente, para o tratamento da encefalopata hepátca. Apresenta menor nefrotoxicidade, e a dose é de 2 a 8g, dividida em 4 doses; - Amicacina: apresenta meia-vida de 2 horas e índice de ligação às proteínas plasmátcas em torno de 10%. As indicações clínicas incluem infecções graves por enterobactérias, bacilos Gram negatvos. A dose habitual é de 15mg/kg/dia IV, dividida em 12/12h ou em dose única, com ajuste necessário para insuficiência renal; - Gentamicina: apresenta meia-vida de 2 horas e pode ser usada por via tópica, intramuscular e intravenosa. As indicações são semelhantes às do uso da amicacina. Pode ser u tlizada como terapia adjuvante (efeito sinérgico) no tratamento de endocardites por cocos Gram positvos. A dose habitual é de 3 a 6mg/kg/dia IV ou IM dividida em 8/8 ou 12/12h, sendo necessário ajuste para função renal; - Tobramicina: apresenta meia-vida em torno de 2 horas. A apresentação da droga pode ser intravenosa ou intramuscular. O espectro de ação é semelhante à gentamicina, todavia apresenta melhor atvidade contra Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter spp e Escherichia coli. A dose habitual é de 3 a 5mg/kg/dia (IV ou IM), dividida em 8/8h, ou dose única, sendo necessário ajuste para função renal.
C - Macrolídeos Os macrolídeos atuam na inibição da síntese proteica, impedindo a fixação do RNA transportador ao ribossomo e bloqueando a disponibilidade de aminoácidos. Podem apresentar atvidade bactericida ou bacteriostátca. Os efeitos adversos incluem náuseas, diarreia, dor abdominal, dispepsia e tonturas. Um estudo recente com eritromicina achou associação desta ao prolongamento do intervalo QT e arritmias cardíacas. - Eritromicina: há 4 formas de apresentação farmacológica da droga, sem disponibilidade do modo parenteral no Brasil. A formulação oral inclui base, estearato, e tlsuccinato e estolato (uso proibitvo da últma na gestação). A eritromicina não ultrapassa a barreira hematoliquórica, e, mesmo em casos de meninges inflamadas, é inadequada a concentração liquórica. A eliminação da droga é predominantemente hepátca e renal. Os agentes susceveis incluem bactérias aeróbias Gram positvas (Staphylococcus metcilino-sensível, estreptococos, corinebactérias, Listeria monocytogenes), cocos Gram negatvos (gonococo e meningococo),
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espiroquetas (Treponema spp e Leptospira spp), actnomicetos, rickésias, Chlamydia trachomats, Mycoplasma pneumoniae, Legionella pneumophila, micobactérias (espécies não tuberculosis) e alguns anaeróbios. Os bacilos Gram negatvos são naturalmente resistentes à eritromicina. Ocorre resistência cruzada com outros macrolídeos e lincosamidas. A eritromicina pode substtuir a penicilina, em pacientes com antecedente de hipersensibilidade à droga, e consttui droga de 1ª escolha em casos de di eria, coqueluche, eritrasma e acne. Da mesma forma, é droga de escolha nas “pneumoniasLegionella apicas”, provocadas por Mycoplasma pneumoniae, pneumophila e Chlamydia pneumoniae, assim como nas uretrites ocasionadas por Chlamydia trachomats e Ureaplasma urealytcum. A dose habitual é de 1 a 2g/dia, dividida de 6/6 horas, com ajuste necessário para função renal; - Claritromicina: macrolídeo semissintét co derivado da eritromicina, apresenta atvidade contra estreptococos (incluindo o pneumococo) e esta filococos cerca de 4 vezes maior do que a eritromicina. Também apresenta atvidade contra Haemophilus influenzae, Haemophilus ducreyi, Mycobacterium leprae, Mycobacterium avium-intracellulare e Toxoplasma gondii. As indicações clínicas principais incluem faringites, amigdalites, ottes e sinusites purulentas. As pneumonias bacterianas, como as causadas por pneumococo Chlamydia pneumoniae, Legionella pneumophila e Mycoplasma pneumoniae, apresentam boa resposta clínica. Quadros de infecção por Mycobacterium avium-intracellulare devem receber esquemas terapêutcos com a inclusão de claritromicina. A dose habitual é de 1 a 2g/dia, dividida de 12/12h, com necessidade de ajuste para funções renal e hepátca (se houver insu ficiência renal); - Azitromicina: macrolídeo, também derivado da eritromicina, apresenta melhor atvidade contra bactérias Gram negatvas, porém tem menor eficácia contra cocos e bacilos Gram positvos. Bacilos Gram negatvos como Klebsiella, Proteus, Citrobacter, Enterobacter, Serrata e Pseudomonas são, naturalmente, resistentes à ação da azitromicina, que pode ser utlizada para o tratamento de infecções respiratórias agudas (o ttes, sinusites, pneumonias), uretrites e cervicites ocasionadas pela Chlamydia trachomats, cancro mole (H. ducreyi) e doença de Lyme (Borrelia burgdorferi). A dose habitual em infecções leves é de 500mg no 1º dia e, nos dias 2 a 5, de 250mg. Quanto a pacientes com infecções mais graves, especificamente pneumonia comunitária, a dose é de 1g/dia IV ou VO, sendo necessário o ajuste para função renal; - Roxitromicina: a apresentação da droga é via oral. As indicações incluem infecções respiratórias altas e baixas (faringite, otte, sinusite, amigdalite e bronquite), uretrites não gonocócicas e piodermites. A dose ha-
PRINCI PAIS NTIM A ICROBIAN OS bitual é de 300mg/dia, dividida de 12/12h ou 1x/dia, sendo necessário ajuste para as funções renal e hepátca (se houver insu ficiência renal).
D - Lincosamidas (lincomicina/clindamicina) As lincosamidas são medicações com algumas similaridades com os macrolídeos. Atualmente, a clindamicina é a única medicação utlizada da classe e atua inibindo a síntese proteica, por intermédio da ligação com a subunidade 50S ribossomal (efeito bacteriostátco). Apresenta espectro de ação contra, basicamente, bactérias aeróbias Gram positvas e bactérias anaeróbias. A meia-vida da droga é de aproximadamente 2,5 a 3 horas, com índice de ligação proteica de 84%, excreção renal e penetração liquórica ineficiente, mesmo em meninges in flamadas. As indicações clínicas incluem infecções comunitárias por Staphylococcus aureus (celulite, furunculose etc.), infecções de cavidade oral, osteomielite, infecções por bactérias anaeróbias (exceto Clostridium difficile) e alternatva ao tratamento de toxoplasmose e pneumocistose. Existe na apresentação oral e intravenosa. A dose habitual é de 600 a 2.700mg/dia, dividida em 6/6h ou 8/8h, com ajuste necessário apenas na insuficiência renal grave. Os efeitos colaterais incluem anorexia, náuseas, vômitos e diarreia, estando associada à colite pseudomembranosa.
E - Quinolonas São derivadas do composto quinoleína, substância presente em vários alcaloides e drogas an tmaláricas sintétcas. Apresentam ação bactericida, agindo por inibição da DNA-girase. As quinolonas podem levar a náuseas, vômitos, dispepsia e outros efeitos gastrintestnais. Também é descrito aumento de transaminases. a) Primeira geração - Ácido nalidíxico: possui ação bactericida contra bactérias Gram negatvas, entretanto não tem atvidade contra Pseudomonas aeruginosa. A concentração em vias urinárias é elevada, contrastando com a reduzida concentração tssular. A apresentação da droga é oral, a concentração liquórica da droga é baixa, sendo inadequada para o tratamento de meningoencefalites. A principal indicação é o tratamento de infecções urinárias baixas por enterobactérias do trato urinário. Com o surgimento de novas quinolonas, trata-se de uma droga pouco utlizada na prátca médica. A dose é de 2 a 4g/dia, com dose dividida em 6/6h, sendo necessário ajuste para funções renal e hepá tca. b) Segunda geração A introdução do grupamento piperazina ligado ao carbono 7 proporciona atvidade contra Pseudomonas aeruginosa, o que não acontece na 1ª geração. - Norfloxacino: é disponibilizada somente para uso oral, apresentando baixa taxa de absorção e, consequente-
mente, nível sérico insuficiente para infecções sistêmicas. Entretanto, apresenta excelente concentração em vias urinárias, justficando seu uso em infecções urinárias baixas. A excreção da droga é renal, com espectro de ação incluindo grande parte dos bacilos Gram negatvos entéricos (Escherichia coli, Klebsiellaspp, Salmonella spp, Shigella spp, Proteus spp, Enterobacter spp, Yersiniaspp, Morganellaspp e Citrobacterspp), Haemophilus spp, Neisseria spp e Pseudomonas spp. As indicações clínicas incluem infecções urinárias baixas, profilaxia de infecções urinárias recidivantes, prosta ttes nas quais o agente etNeisseria ológico seja a Escherichia coli ée uretrite/cervicite por gonorrhoeae. A dose de 800mg/dia, dividida em 12/12 horas, necessitando de ajuste para as funções renal e hepátca. c) Terceira geração As quinolonas de 3ª geração diferenciam-se pela ação terapêutca sistêmica e ampliação do espectro de ação para estafilococos. A administração da droga pode ser feita por via oral ou parenteral, e a eliminação é predominantemente renal. - Ciprofloxacino: pode ser u tlizada no tratamento de infecções por enterobactérias, estafilococos, Neisseria spp e Pseudomonas aeruginosa. Deve-se, obrigatoriamente, atentar ao perfil de sensibilidade dos patógenos na insttuição. As principais indicações incluem infecções urinárias altas e baixas, salmoneloses (incluindo febre tfoide), shigeloses, osteomielites, infecções das vias biliares e respiratórias (Haemophilus e enterobactérias). Deve-se ressaltar que o cipro floxacino não apresenta atvidade adequada contra estreptococos, em especial Streptococcus pneumoniae (assim sendo, não se recomenda o tratamento de pneumonias adquiridas na comunidade). A dose é de 500 a 1.500mg/ dia, dividida em 12/12h (VO) ou 400 a 1.600mg/dia, dividida em 12/12h ou 8/8h (IV), sendo necessário ajuste para as funções renal e hepátca; - Ofloxacino: não apresenta boa atvidade contra Pseudomonas aeruginosa e demonstra menor eficácia para bacilos entéricos se comparada à da ciprofloxacina. No entanto, apresenta melhor espectro de ação para patógenos responsáveis por quadros respiratórios e excelente atvidade contra Mycobacterium tuberculosis. A droga é disponível em apresentação oral e parenteral, com biodisponibilidade superior ao ciprofloxacino. Há boa penetração liquórica, mesmo na ausência de inflamação meníngea, com níveis entre 50 e 60% da concentração sérica. As indicações clínicas são similares às da cipro floxacina, devendo-se ressaltar comparatvamente a menor resposta microbiológica e pouca atvidade contra Pseudomonas aeruginosa. Todavia, há boa resposta em uretrites e cervicites por clamídias. Deve ser reservada para o tratamento de cepas de Mycobacterium tuberculosis resistentes aos esque-
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INFECTOLOGIA mas habituais. A dose é de 400 a 800mg/dia, dividida em 12/12h (VO/IV), com ajuste necessário para as funções renal e hepátca. d) Quinolonas respiratórias - Levofloxacino: a meia-vida da droga situa-se entre 6 e 8 horas, com apresentação da droga tanto oral como intravenosa, com eliminação predominantemente renal. A concentração liquórica, em torno de 16% da concentração sérica, é insuficiente para o tratamento de meningites bacterianas. O espectro de ação inclui patógenos Gram positvos (Streptococcus pneumoniae, Streptococcus pyogenes, Staphylococcus aureuse Enterococcus faecalis), Gram negatvos (Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis, Escherichia coli, Salmonella spp, Shigella spp, Yersinia enterocolitca) e agentes como Legionella pneumophila, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia spp. O levofloxacino está indicado, preferencialmente, nas infecções respiratórias (alta e baixa), uma vez que a concentração tecidual, principalmente nas primeiras 24 horas, é considerada bastante sa tsfatória, além da sensibilidade da maioria dos patógenos. Outras indicações incluem infecções do trato urinário, gastrintestnal e partes moles. A dose é de 500mg/dia em dose única, VO ou IV, com ajuste necessário para as funções renal e hepátca; alguns autores recomendam dose de 750mg/dia para pneumonias; - Gatfloxacino: apresenta amplo espectro de ação contra diversos patógenos Gram positvos, Gram negatvos (aeróbios e anaeróbios) e agentes a picos. As indicações incluem pneumonias comunitárias, exacerbações de bronquite crônica, sinusite aguda, infecções de pele, infecções do trato urinário (não complicadas), pielonefrite e infecções gonocócicas não complicadas. A dose é de 400mg/dia em dose única IV ou VO, com ajuste necessário para as funções renal e hepá tca. Estudos recentes demonstraram aumento de efeitos adversos cardiovasculares e metabólicos, por isso foi retrada do mercado; - Moxifloxacino: tem espectro semelhante ao do ga tfloxacino, e suas apresentações são VO e IV, com dose de 400mg/dia em dose única, com ajuste necessário para as funções renal e hepátca; - Gemifloxacino: espectro semelhante ao do levo floxacino, porém com ação antpneumocócica até 30 vezes mais potente in vitro.
F - Derivados da sulfa São inibidores da síntese do ácido fólico, por meio da inibição da atvidade da enzima diidropteroato-sintetase, com diminuição da síntese do ácido diidrofólico. Os principais agentes utlizados na prátca médica são a sulfadiazina e a associação do sulfametoxazol a uma diaminopirimidina, o trimetoprim (SMX-TMP). - Sulfametoxazol: na maioria das infecções, usam-se
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800mg de SMX com 160mg TMP a cada 12 horas (IV ou IM), para pneumocistose, 75 a 100mg/kg dia de SMX e 15 a 20mg/kg/dia de TMP, com a dose dividida a cada 6 horas ou 8 horas por 21 dias. É necessário ajuste para as funções renal e hepá tca. O espectro de ação engloba cocos Gram positvos (sensibilidade variável), fungos como Pneumocysts jirovecii, protozoários como Isospora belli, micobactérias como Mycobacterium kansasii, Mycobacterium marinum e Mycobacterium scrofulaceum e espécies como Nocardia asteroides. O SMX-TMP é a medicação de escolha para pneumocistose, isosporíase e nocardiose. Habitualmente, é utlizado para infecções urinárias (baixas) não complicadas por agentes sensíveis, donovanose, legionelose, salmonelose, doença de Whipple (terapia combinada), alternatva para toxoplasmose e infecções por Stenotrophomonas maltophilia. Os efeitos adversos incluem reações gastrintestnais, como náuseas e vômitos, e também são descritas anemia aplástca, anemia hemolítca e megaloblástca. Podem ocorrer reações cutâneas com dermatte esfoliatva, Stevens-Johnson e necrólise epidêmica tóxica, principalmente em idosos, mas são raras; - Sulfadiazina: apresenta propriedades semelhantes às do sulfametoxazol e é utlizada, prioritariamente, no tratamento de paracoccidioidomicose e toxoplasmose, em doses e esquemas variados.
G - Glicopepdios Os glicopepdios são agentes bactericidas, que atuam inibindo a síntese e o agrupamento do peptdoglicano da parede celular e alterando a permeabilidade da membrana citoplasmátca e a síntese do RNA. Dentre as principais drogas da classe de glicopepdios, destacam-se a vancomicina e a teicoplanina. - Vancomicina: as principais indicações clínicas envolvem infecções por agentes e tológicos, como o Staphylococcus aureus metcilino-resistente, Enterococcus resistente à ampicilina, pneumococo resistente à penicilina, Clostridium difficile (colite induzida por uso de antmicrobianos) e Staphylococcus epidermidis (principalmente, em pacientes com dispositvos intravasculares, próteses e imunossuprimidos). A associação a aminoglicosídeos (gentamicina/estreptomicina) no tratamento de infecções por Enterococcus é utlizada para o tratamento em casos graves. A administração da vancomicina é realizada via intravenosa, reservando-se a via oral, exclusivamente, aos casos de colite por C. difficile. Atravessa a barreira hematoencefálica somente em meninges inflamadas. A dose habitual é de 15mg/kg/dia (habitualmente 2g/dia), dividida em habitualmente 12/12h, necessitando de ajuste para função renal, de preferência com a dosagem de vancomicina sérica. Pode causar ototoxicidade e reações cutâneas e, em casos extremos, evoluir com a síndro-
PRINCI PAIS NTIM A ICROBIAN OS me do homem vermelho, caracterizada por prurido e exantema eritematoso. Nefrite interstcial e necrose tubular aguda podem ocorrer, assim como reações de anafilaxia e quadros reversíveis de neutropenia. A dosagem sérica em pacientes com insu ficiência renal é necessária, e a medicação em associação à rifampicina e aminoglicosídeos pode ser sinérgica contra alguns Gram positvos. Discute-se cada vez mais a correção da dose para obesos desta droga; - Teicoplanina: o mecanismo de ação, o espectro e a eliminação são semelhantes aos da vancomicina. Possui
Os efeitos adversos incluem aplasia de medula óssea, acometmento clínico raro podendo ocorrer a cada 60.000 pacientes. Como atravessa a placenta e é encontrada no leite, seu uso deve ser evitado em gestantes e lactantes. Recém-nascidos prematuros podem desenvolver síndrome cinzenta com distensão abdominal e cianose. São descritos náuseas, vômitos, diarreia, glossite e neurite óp tca. Recomenda-se hemograma completo com tratamento prolongado, para checar o desenvolvimento de citopenias.
meia-vida mais longa, e pode-se são utlizar dose únicaàsdiária intramuscular. As indicações semelhantes da vancomicina, com possibilidade de administração ambulatorial por ser dose única diária em apresentações intravenosa e intramuscular, e alternatva terapêutca para reações de hipersensibilidade à vancomicina. Não há passagem da droga pela barreira hematoencefálica, mesmo em meninges inflamadas. A dose habitual é de 400 a 800mg/dia em dose única IM ou IV, e não são necessários ajustes para a função renal ou hepá tca.
As tetraciclinas são antmicrobianos caracterizados pela presença do anel tetracíclico em sua estrutura molecular e apresentam ação bacteriostátca, pois agem inibindo a síntese proteica bacteriana. Ligam-se, de maneira reversível, à porção 30S do ribossomo, bloqueando a ligação do RNA transportador, impedindo a síntese proteica. As principais são a tetraciclina, a oxitetraciclina (ação curta) e a doxiciclina (ação longa). Na prátca clínica, utlizam-se, no nosso meio, a tetraciclina e a doxiciclina, respec tvamente, tetraciclinas de ação curta e longa, que serão discutdas conjuntamente. O espectro de ação inclui diversas bactérias aeróbias e anaeróbias, porém o surgimento de resistência e toxicidade determinou muitas restrições com relação às indicações clínicas, consttuindo alternatva terapêutca para muitas infecções. As indicações incluem doença de Lyme (Borrelia burgdorferi), brucelose (terapia combinada), granuloma inguinal (Calymmatobacterium granulomats), infecções por
H - Cloranfenicol/tanfenicol O antmicrobiano mais barato no mercado apresenta ação bacteriostátca, sendo atvo contra Gram negatvos e Gram positvos, incluindo anaeróbios. Sua ação acontece pela inibição da síntese proteica através da ligação à subunidade 50S ribossomal, levando à inibição da ação da peptdiltransferase e impossibilidade de formação do pepdio. O espectro de ação inclui bactérias Gram posi tvas aeróbias,
como estreptococos (pneumococo, Enterococcus, grupo viridans), Staphylococcus aureus (metcilino-sensível) e Staphylococcus epidermidis, Listeria monocytogenes e Corynebacterium diphteriae. Bactérias Gram negatvas, como Haemophilus influenzae, salmonelas, Shigella spp, Escherichia coli, Proteus mirabilis, Citrobacter spp e Klebsiella spp também apresentam sensibilidade. O cloranfenicol possui atvidade contra anaeróbios, como clostrídios e Bacteroides fragilis e outros patógenos, como clamídias, micoplasma, rickésia e bartonelas. Alguns micro-organismos, comoPseudomonas aeruginosa, Serrata marcescens, Providencia spp e Proteus regeri são, naturalmente, resistentes, enquanto algumas enterobactérias, Haemophilus, estreptococos, estafilococos e Bacteroides fragilisdesenvolvem resistência secundária à droga. A utlização do cloranfenicol é restrita a determinadas situações específicas, como abscesso cerebral (excelente penetração liquórica e atvidade contra anaeróbios), salmonelose e meningite por hemó filos em crianças. É e ficaz no tratamento de rickesioses (febre Q, febre maculosa, tfo epidêmico), bartoneloses e infecções por anaeróbios como Bacteroides fragilis (apendicite, pelviperitonite, aborto séptco, perfuração de vísceras, abscessos). A dose habitual é de 50 a 100mg/kg/dia, dividida em 6/6h, com ajuste necessário para as funções renal e hepá tca VO ou IV.
I - Tetraciclinas (tetraciclina e doxiciclina)
Chlamydia trachomats (linfogranuloma venéreo, tracoma), Chlamydia pneumoniae (pneumonias), Helicobacter pylori, molésta inflamatória pélvica aguda, rickesioses, espiroquetas (leptospirose e sífilis) e cólera. A dose habitual é de 1 a 2g/dia, dividida em 6/6h VO, para as tetraciclinas. A doxiciclina é usada em dose de 200mg/dia, dividida em 12/12 horas, sendo necessário ajuste para as funções renal e hepátca. Os efeitos adversos gastrintestnais são comuns com dispepsia, náuseas, vômitos. É possível pancrea tte, assim como retardo no desenvolvimento ósseo de crianças. Pode interferir na ação renal do hormônio antdiurétco.
J - Derivados imidazólicos O principal deles é o metronidazol, derivado do 5-nitroimidazólico, cujo mecanismo de ação é a inibição da replicação do DNA. É atvo contra a maioria dos anaeróbios Gram negatvos, incluindo Bacteroides e muitas espécies de Clostridium. Também é atvo contra vários protozoários e parasitas, incluindo Trichomonas vaginalis, Giardia lamblia e Entamoeba hystolitca. As indicações clínicas incluem perfuração intestnal, peritonites e pelviperitonites, apendicite perfurada, aborto séptco, abscessos (hepátco, cerebral etc.) e colite pseudomembranosa. O metronidazol também pode ser utlizado no tratamento combinado da úlcera por Helicobacter pylori e é o tratamento preferido para colite pseudomembranosa.
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INFECTOLOGIA A dose habitual é: - Giardia: 750mg/dia (8/8h); - E. hystolitca: 1,5 a 2g/dia (8/8h); - Anaeróbios: 1,5 a 2g/dia (8/8h ou 12/12h), IV ou VO. A dose deve ser ajustada para insu ficiência renal grave e insuficiência hepátca. Os efeitos colaterais mais comuns são náuseas, vômitos, gosto metálico, neuropatas (raras) e efeito “antabuse”. É o único antbiótco que não pode ser administrado com álcool. Também não pode ser administrado junto com ritonavir (contém álcool na dissolução) ou dissul firam quando em associação com álcool. E ainda, interage com varfarina e não deve ser usado na gravidez e na lactação. O tnidazol é outro agente imidazólico mais potente que o metronidazol contraTrichomonas vaginalis.
K - Polimixinas As polimixinas são an tmicrobianos polipepdios com mecanismo de ação distnto dos demais antmicrobianos utlizados atualmente. Dessa forma, a possibilidade de resistência cruzada com outros antmicrobianos é muito remota, permitndo que as polimixinas sejam atvas contra muitas espécies de bactérias multrresistentes. As polimixinas interagem com a molécula de polissacarídeo da membrana externa das bactérias Gram negatvas, retrando cálcio e magnésio, necessários para a estabilidade da molécula de polissacarídeo. Esse processo é independente da entrada do antmicrobiano na célula bacteriana e resulta em aumento de permeabilidade da membrana com rápida perda de conteúdo celular e morte da bactéria. - Colistna: é o principal agente do grupo, sendo um derivado da polimixina E. Apresenta pouca a tvidade antmicrobiana, mas, no organismo humano, é hidrolisada liberando a polimixina E, que é a tva. O espectro inclui quase todos os bacilos Gram negatvos aeróbios, incluindo Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella spp, Enterobacter spp, Salmonella spp, Shigella spp e outros. Está voltando a ser muito usada para o tratamento de bactérias Gram negatvas multrresistentes, todavia possui atvidade contra Proteus spp, Providencia spp e Serrata spp. A medicação apresenta efeitos colaterais, sendo o principal nefrotoxicidade, mas pode levar, ainda, a bloqueio neuromuscular, neurotoxicidade e alteração da coloração da pele (cor cinzenta). Pode ser administrada por via intravenosa ou intramuscular. A dose habitual é de 2,5mg/kg/dia, em 2com doses (máximo: 300mg/dia, em médiadividida 200mg/dia), ajuste de dose necessário para a função renal (1 milhão de unidades = 33,3mg); - Polimixina B: tem o mesmo espectro da colistna.
L - Oxazolidinonas As oxazolidinonas compreendem uma nova classe de drogas lançada no mercado brasileiro em 2000, como op-
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ção aos glicopepdios para tratamento de cocos Gram positvos resistentes à vancomicina. O único representante dessa classe é a linezolida. - Linezolida: age por intermédio da inibição da síntese proteica, por fixar-se na subunidade 50S do ribossomo. É bacteriostátca contra a maioria dos micro-organismos sensíveis, e o espectro de ação abrange Staphylococcus aureus (mesmo resistentes a metcilina), estafilococos coagulase-negatvo, Streptococcus pneumoniae, Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis. Não há ação contra a maioria dos patógenos Gram netvos. A administração pode ser VO ou IV, e a dose ga habitual é de 1.200mg/dia, dividida de 12/12h.
M - Estreptograminas As estreptograminas incluem a combinação quinupristna e dalfopristna e são dos grupos B e A. A medicação
realiza a inibição da síntese proteica por meio de ação sobre o ribossomo e são bacteriostátcas isoladamente. In vitro, a associação é sinérgica e bactericida. O espectro de ação dessa associação inclui Enterococcus faecium, Staphylococcus spp, Streptococcus pneumoniae, portanto, infecções por cocos Gram positvos. É importante salientar que não possui boa atvidade contra Enterococcus faecalis. É considerada uma alternatva terapêutca contra infecções por agentes sensíveis em pacientes com intolerância a outras drogas, ou por agentes resistentes a glicopepdios e penicilinas. Seu uso é IV, e a dose habitual, de 22,5mg/kg/ dia, dividida de 8/8h.
2. Antfúngicos A - Azóis A família dos azóis pode ser dividida em 2 grupos: os imidazóis (clotrimazol, cetoconazol, miconazol) e os triazóis (fluconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazol). Atuam, primariamente, inibindo a enzima lanosterol 14-alfa-dimetlase, que é citocromo P-450-dependente e necessária para a conversão do lanosterol em ergosterol. Este úl tmo é um componente essencial da membrana celular dos fungos, de modo que ocorre aumento de permeabilidade da membrana celular fúngica, resultando em lise e morte celular. a) Imidazóis Os imidazóis têm atvidade contra leveduras e dermatófitos e são efetvos contra Candida albicans, embora não sejam atvos contra outras espécies de Candida. O cetoconazol apresenta, também, atvidade contra Malassezia furfur, Pityrosporum orbiculare e Paracoccidiodes brasiliensis. Clotrimazol Os pacientes com essa medicação devem ter função hepátca monitorizada no início e durante o tratamento, pois -
PRINCI PAIS NTIM A ICROBIAN OS existem relatos de hepatotoxicidade. Efeitos gastrintestnais leves também podem ocorrer, e o uso da medicação tópica pode causar prurido, queimação ou irritação local. As doses utlizadas são: Candidíase orofaríngea: 10mg VO, 5x/dia, por 14 dias; Candidíase cutânea, pitríase versicolor, tnea pedis, tnea cruris e tnea corporis: creme, loção ou solução a 1%, aplicar 2x/dia, durante 2 semanas, no mínimo.
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Miconazol A formulação tópica é utlizada para tnea pedis, tnea cruris, tnea corporis, pi tríase versicolor e candidíase cutânea. Deve ser aplicada 2x/dia, com melhora dos sintomas em torno de 2 dias após o início do tratamento que, no entanto, deve ser mantdo por um mínimo de 2 semanas. A dose para o tratamento IV varia de 200 a 1.200mg por infusão até 3x/dia, chegando a uma dose total diária de até 3.600mg, a depender da severidade da infecção e da suscetbilidade do micro-organismo causador. O tempo de tratamento varia de 2 a 20 semanas, e pode ser necessário um novo tratamento por recidiva ou reinfecção. -
Cetoconazol O creme a 2% é indicado no tratamento de tnea pedis, tnea cruris, tnea corporis, pitríase versicolor, dermatte seborreica, candidíase cutânea, e deve ser aplicado 1x/dia nas áreas afetadas. O tratamento dura 2 semanas, à exceção da tnea pedis, que deve ser tratada por 6 semanas. O xampu a 2% pode ser u tlizado no tratamento da caspa e deve ser aplicado 2 vezes por semana, durante 4 semanas. O tratamento via oral está indicado em candidíase mucocutânea crônica, candidúria, candidíase oral, blastomicose, histoplasmose, cromomicose e paracoccidioidomicose. A documentação da infecção fúngica deve ser feita antes do início do tratamento. A dose inicial é de 200mg, 1x/dia, e o tratamento deve ter duração de 1 a 2 semanas para candidíase e de, no mínimo, 6 meses para as outras micoses. Pacientes com candidíase mucocutânea podem necessitar de tratamento de manutenção. O cetoconazol não deve ser u tlizado para meningites fúngicas, pois tem baixa penetração no SNC. Efeitos adversos incluem náuseas, vômitos e diarreia. Além disso, há relatos de hepatotoxicidade, e testes de função hepátca devem ser solicitados no início e a cada 3 meses de tratamento, e o tratamento prolongado em homens pode levar ao desenvolvimento de ginecomasta. -
b) Triazóis Fluconazol Está indicado em caso de candidíase vaginal, esofágica e infecções sistêmicas por cândida, e também está aprovado para uso em meningite criptocócica. Encontra-se disponível em formulação oral e intravenosa, atngindo até 90% de biodisponibilidade quando administrado por via oral. As doses utlizadas são: -
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Candidíase vaginal: 150mg VO, dose única; Candidíase orofaríngea: dose de ataque de 200mg, seguida de dose diária de 100mg por, pelo menos, 2 semanas; Candidíase esofágica: dose de ataque de 200mg, seguida de dose diária de 100mg por 2 a 3 semanas, no mínimo, ou 2 semanas após a resolução dos sintomas. A critério clínico, podem ser u tlizadas doses de até 400mg/dia; Infecção urinária e peritonite por Candida: a dose utlizada é de 50 a 200mg/dia; Infecções sistêmicas por Candida: a dose e a duração ideal do tratamento não estão bem estabelecidas. No entanto, a dose de 400 a 800mg tem sido utlizada em estudos não comparatvos; Meningite criptocócica: 400mg no 1º dia, seguidos por 200 a 400mg diários, por 10 a 12 semanas após a negatvação da cultura do liquor (mas lembrar que o ataque deve ser feito com anfotericina); Profilaxia em transplante de medula óssea: 400mg/dia, contnuar até 7 dias após a 1ª contagem de neutrófilos >1.000.
Os efeitos adversos são, principalmente, gastrintestnais, incluindo náusea, dor abdominal, vômitos e diarreia. Também podem ocorre alterações de função hepá tca. Itraconazol Apresenta atvidade in vitro contra os seguintes micro-organismos: Candida albicans, Aspergillus fumigatus, Aspergillus flavus, Histoplasma capsulatum, Histoplasma duboisii, Cryptococcus neoformans e Blastomyces dermatdis. Tem atvidade variável contra Sporothrix schenkii, fungos do grupo Trycophiton, Candida krusei e outras espécies de Candida. Está indicado em candidíase, aspergilose, blastomicose, tnea unguium e histoplasmose. A dose utlizada no tratamento de aspergilose, histoplasmose, blastomicose e como terapia empírica para neutropenia febril é de 200mg IV em 1 hora, de 12/12 horas por 4 dias, seguida de 1 dose diária de 200mg até o final do tratamento. O tempo total da terapia antfúngica (venosa + oral) deve ser de, no mínimo, 3 meses, utlizando parâmetros laboratoriais e clínicos de resolução. A formulação intravenosa não deve ser u tlizada em pacientes com clearance de creatnina menor do que 30mL/min. Está associado a raros casos de hepatotoxicidade fulminante, inclusive pacientes sem comorbidades ou disfunção hepátca prévia. A função hepátca deve ser monitorizada antes do início do tratamento e durante todo o período de uso da droga. Outros efeitos relatados são náuseas, vômitos, diarreia, rash cutâneo, tonturas e cefaleia. No Brasil, só se apresenta como formulação em cápsulas, com grandes problemas de absorção intes tnal. -
Voriconazol Apresenta ação fungicida para a maior parte das espécies de Aspergillus, incluindo A. terreus. É a droga de esco-
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INFECTOLOGIA lha para o tratamento inicial de aspergilose invasiva após estudo randomizado publicado em 2002, em que mostrou superioridade de resposta e redução de mortalidade em relação ao deoxicolato de anfotericina B. Também é agente de 1ª escolha para infecções por S. apyospermum. É atvo contra todas as espécies de Candida e eficaz em candidíase esofágica, inclusive em doença refratária ao uso de fluconazol. Possui excelente atvidade in vitro contra Cryptococcus neoformans, sendo também atvo contra Fusarium, Paecylomices, Bipolaria, Alternaria, Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatdis, Coccidioides immits, Trichosporon asahii e Sacharomyces cerevisiae. Pode ser administrado via oral ou intravenosa, com disponibilidade de até 95% quando utlizado em jejum. Deve ser utlizada uma dose de ataque de 6mg/kg (VO ou IV) seguida de doses de 4mg/kg a cada 12 horas. Não deve ser administrado intravenoso a pacientes com clearance de creatnina menor que 50mL/min. A dose de manutenção oral é de 200mg/dose para pacientes com mais de 40kg e de 100mg para pacientes adultos com menos de 40kg. Em indivíduos com insuficiência hepátca de grau leve a moderado, a dose inicial deve ser a mesma, e a dose de manutenção reduzida à metade. Não existem estudos que demonstrem a segurança do voriconazol em pacientes com insuficiência hepátca severa. O efeito colateral mais comum é uma alteração ocular chamada fotopsia, que ocorre em até 30% dos pacientes. Rash cutâneo é o 2º efeito mais comum, geralmente de característca maculopapular. No entanto, já foram descritas reações severas, como síndrome de Stevens-Johnson e epidermólise tóxica. Todos os azóis causam hepatotoxicidade. Contudo, o voriconazol parece estar associado a um risco maior. A hepatotoxicidade pode manifestar-se, mais comumente, por elevação das transaminases, mas alguns pacientes manifestaram, primariamente, elevação de fosfatase alcalina. A função hepátca deve ser monitorizada antes do início do tratamento, nas primeiras 2 semanas, e a cada 2 ou 4 semanas depois. Elevações assintomátcas de transaminases são comuns e podem ser monitorizadas. Posaconazol Recentemente aprovado para uso no Brasil, entrou em comercialização no 2º semestre de 2010. É um azólico mais recente, assim como o voriconazol, mas com a vantagem de não ter correção para função renal e não tem hepatotoxicidade tão descrita quanto o voriconazol. Tem como indicações: Aspergilose invasiva em doentes com doença refratária à anfotericina B ou a itraconazol ou em doentes com intolerância a estes medicamentos; -
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Fusariose em doentes com doença refratária à anfotericina B ou em doentes com intolerância a anfotericina B; Cromoblastomicose e micetoma em doentes com doença refratária a itraconazol ou em doentes com intolerância a itraconazol;
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Coccidioidomicose em doentes com doença refratária a anfotericina B, o itraconazol ou ofluconazol, ou em doentes com intolerância a estes medicamentos; Candidíase orofaríngea: como terapêu tca de 1ª linha em doentes com doença grave ou imunodeprimidos, nos quais se espera uma fraca resposta a uma terapêutca tópica.
Existe apenas apresentação oral deste medicamento, o que dificulta o uso nas situações em que não há boa absorção no trato gastrintestnal. Por este motvo, sua dose precisa ser corrigida caso não seja administrado com alimentos, com necessidade de aumento da dose. A dose recomendada é de 400mg VO 12/12h para infecções fúngicas invasivas (ou 200mg 5x/dia se não administrado com alimentos); para candidíase esofagiana 200mg 1x/ dia no 1º dia e após 100mg por dia. Por últmo, sendo usado como profilaxia para doenças fúngicas invasivas 200mg 3x/ dia.
B - Anfotericina B A anfotericina B compreende um agente antfúngico de amplo espectro, cuja ação se baseia na afinidade da droga por esteróis, principalmente o ergosterol, levando a alterações na síntese da parede celular do fungo. Apresenta atvidade contra uma grande variedade de fungos, entre eles Candida spp, Aspergillus spp, Histoplasma capsulatum, Cryptococcus neoformans, Sporothrix schenkii, Coccidioides immits e Blastomyces dermatdis. O uso das formulações lipídicas tem sido indicado, preferencialmente, no caso de: - Pacientes com insu ficiência renal ou que desenvolveram insuficiência renal após o uso da anfotericina B convencional (creatnina >2,5 ou 3 vezes o valor de base); - Efeitos severos durante a infusão (resistentes à pré-medicação com cortcoides ou antemétcos); - Ausência de melhora ou progressão da doença após >500mg de dose cumulatva de anfotericina B; - A anfotericina B lipossomal é aprovada pelo FDA como terapia empírica para pacientes neutropênicos com febre persistente, apesar de terapia antmicrobiana ampla. A dose usual da anfotericina B para micoses sistêmicas é de 0,5 a 1,0mg/kg/dia em dose única (de preferência não ultrapassar a dose de 50mg/dia), administrada em infusão lenta (de 2 a 6 horas). Doses maiores são u tlizadas no tratamento de mucormicose e meningite por Coccidioides. A dose das formulações associadas a lipídios varia entre 3 e 5mg/kg de dose diária. A anfotericina B lipossomal tem dose variável de acordo com a indicação: - Tratamento empírico:3mg/kg/dia;
PRINCI PAIS NTIM A ICROBIAN OS Infecção sistêmica por Aspergillus, Candida ou Cryptococcus: de 3 a 5mg/kg/dia; - Meningite criptocócica em pacientes HIV posi tvos: 6mg/kg/dia. -
Os efeitos adversos mais comuns incluem febre, rash, náusea, vômitos e calafrios. A anfotericina B lipossomal possui menor toxicidade relacionada à infusão do que as outras formulações. No ano de 2010, a anfotericina, apresentação deoxicolato, deixou de ser fabricada no Brasil, restando apenas as apresentações têm um custo muito superior,lipídicas. o que difiEstas cultaapresentações o seu uso, e favoreceu a disseminação de azólicos mais novos (voriconazol e posaconazol) e ainda equinocandinas. No entanto, para algumas doenças como a neurocriptococose, o tratamento ideal ainda se mantém com anfotericina.
C - Flucitosina A 5- flucitosina, após reação de desanimação formando o 5-fluorouracil, depois de entrar pela parede celular do fungo, interfere na síntese do DNA atuando como fungistátco ou fungicida, dependendo do micro-organismo envolvido. Apresenta uma alta taxa de resistência secundária, o que limita seu uso como monoterapia, está indicada no tratamento de infecções graves por cepas susce veis de Candida ou Cryptococcus, em combinação com a anfotericina B, e pode ser utlizada isoladamente no tratamento de cromomicose e em candidíase localizada, em que as drogas de escolha (os azóis) estejam contraindicadas. No entanto, mesmo nesses casos, o surgimento de resistência pode ocorrer, e a evolução clínica deve ser cuidadosamente observada. A dose utlizada varia entre 50 e 150mg/kg/dia VO (em média, 100mg/kg/dia) em 4 doses, com intervalo de 6 horas. Os níveis séricos da droga devem ser monitorizados em pacientes que recebem mais de 75mg/kg/dia por período prolongado, em crianças e pacientes com insu ficiência renal, sendo a concentração sérica ideal de 40 a 60mcg/mL. Se a dosagem do nível sérico não for disponível, o ajuste para insuficiência renal poderá basear-se no clearance de creatnina: - >50mL/min: sem alteração; - 20 a 50mL/min: 1/2 da dose usual (25mg/kg, 12/12h); - <20mL/min: 1/4 da dose (25mg/kg, 1x/dia); -
Hemodiálise: 1/2 da dose usual como suplemento pós-diálise; - Diálise peritoneal connua: 500mg a 1g, a cada 24 horas. Não é necessário ajuste da dose no caso de insuficiência hepátca. Deve ser solicitado hemograma completo no início do tratamento, e este repe tdo de 2 a 3 vezes por semana, caso os níveis séricos da flucitosina não possam ser
monitorizados, pois a toxicidade hematológica é um indício precoce de superdosagem. Efeitos colaterais são principalmente hematológicos e podem ocorrer anemia, trombocitopenia e até agranulocitose. Outros efeitos observados são rash, prurido, fotossensibilidade, ataxia, vertgem, alterações auditvas, alteração de enzimas hepátcas, insuficiência hepátca, confusão mental, alucinações, convulsões, hipoglicemia, hipocalemia, reações alérgicas.
D - Caspofungina A caspofungina pertence ao grupo das equinocandinas, drogas que inibem a síntese da beta-1, 3-glucan, que é um importante complexo responsável por formar a parede celular dos fungos. O componente principal da anidulafungina, o 1º dos antfúngicos dessa classe, foi descoberto em 1974, e o principal componente do caspofungina foi, por sua vez, descoberto em 1989. Outros componentes da classe foram descobertos posteriormente. As equinocandinas inibem a síntese do beta-(1,3)-D-glicano na parede celular de alguns fungos, levando à lise e morte celular. Essas medicações interferem na síntese de UDP-glucosiltransferase, responsável por produzir cadeias que formam grande parte da parede celular de espécies como Candida e Aspergillus, com menor atvidade contra outras espécies de fungos. A caspofungina é a tva contra Pneumocysts jiroveci (P. carinii), mas não foi desenvolvida para essa indicação. O espectro an tfúngico dessa classe é restrito a Candida e Aspergillus, são fungicidas in vitro e in vivo contra quase todas as espécies de Candida e fungistá tco contra os fungos Aspergillus. A concentração inibitória mínima necessária para os agentes dessa classe é bem menor em comparação com a anfotericina e o fluconazol em todas as espécies de Candida, exceto para C. parapsilosis e C. guilliermondi , em que existe igualdade de valores. No caso do Aspergillus, a inibição de crescimento ocorre com concentrações muito pequenas, menor em comparação com outros an tfúngicos. A medicação não é absorvida por via oral. A dose de ataque da caspofungina é de 70mg IV em 1 hora, seguida de uma dose diária de 50mg. A infusão pode ser administrada mais lentamente no caso de alguma reação adversa. As equinocandinas têm baixa toxicidade em comparação com outros antfúngicos. Reações à infusão, como febre, calafrios e flushing acontecem em menos de 1% dos pacientes e podem ser minimizados reduzindo a velocidade de administração. A função hepátca deve ser monitorizada antes do início do tratamento, nas primeiras 2 semanas e a cada 2 ou 4 semanas depois. Recentemente, outras equinocandinas entraram no mercado brasileiro, que são a anidulafungina e a micafungina. Em geral, tem o mesmo espectro de ação que a caspofungina, com pequenas partcularidades entre si.
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INFECTOLOGIA Tabela 2 - Classes de antfúngicos e seus representantes Classe
Subclasse
Antfúngico - Cotrimazol;
Imidazóis
- Cetoconazol.
** Alguns autores recomendam iodoquinol e paromicina para erradicar cistos. *** Em malária grave, é recomendado o uso de artesunato intravenoso.
- Voriconazol; - Posaconazol.
Flucitosina
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Anfotericina
- Anfotericina B deoxicolato; - Anfotericina B lipossomal.
flucitosina.
- Caspofungina; - Anidulafungina; - Micafungina.
3. Antparasitários A Tabela a seguir sumariza o tratamento das principais parasitoses. Tabela 3 - Tratamento das principais parasitoses Agente Ancilostomíase
Tratamento de escolha
Alterna tva
- Mebendazol.
- Albendazol; - Pamoato de pirantel.
- Albendazol (eficaz em quase 100% dos
- Levamisol; - Pamoato de pirantel;
casos). - Metronidazol; - Tinidazol.
- Mebendazol.
Cistcercose
-Albendazol.
- Praziquantel.
Enterobíase
- Albendazol; - Mebendazol.
- Pamoato de pirantel.
Esquistossomose
- Praziquantel.
- Oxamniquina.
Estrongiloidíase
- Ivermectna; - Tiabendazol.
- Albendazol; - Cambendazol.
Tricuríase
-Albendazol.
-Mebendazol.
Giardíase
- Metronidazol; - Albendazol.
- Tinidazol; - Furazolidona.
Teníase
- Praziquantel.
- Niclosamida; - Albendazol; - Mebendazol.
Himenolepsíase
- Praziquantel.
- Niclosamida.
Toxocaríase
- Dietlcarbamazina; - Albendazol.
- Mebendazol.
Malária por P. falciparum***
- Mefloquina.
- Quinino e doxiciclina.
Ascaridíase* Amebíase**
Malária por P. - Cloroquina e primavivax e ovale quina.
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- Anfotericina B e pentamidina.
tnal.
- Itraconazol;
Equinocandinas
Alterna tva
* Piperazina e óleo mineral em pacientes com obstrução intes-
- Fluconazol; Triazóis
Tratamento de escolha
- Antmoniais pentavaLeishmaniose lentes.
- Miconazol;
Azóis
Agente
Malária por - Quinino e doxiciclina infecção mista ou clindamicina.
- Emetna.
-
A - Albendazol A medicação leva à degeneração seletva dos microtúbulos citoplasmátcos do intestno e tegumento dos parasitas, e é utlizada no tratamento de helminases intestnais incluindo ascaridíase, ancilostomose, teníase, hidatdose, estrongiloidíase, cistcercose e tricuríase. A maioria das helminases intestnais é tratada com 400mg VO, em dose única, e a neurocistcercose é tratada com dose de 15mg/ kg/dia ou 400mg, dividida em 2 tomadas diárias.
B - Tiabendazol O tabendazol age por meio de inibição mitocondrial específica, sendo indicado para tratamento da estrongiloidíase e larva migrans. A dose é de 50mg/kg/dia, até dose máxima de 3g, por 2 a 5 dias. Em caso de larva migrans visceral, deve-se manter tratamento por 7 dias.
C - Pamoato de pirantel O pamoato de pirantel age por meio do bloqueio neuromuscular do parasita e é indicado para tratamento da enterobíase, ascaridíase e ancilostomíase. A posologia usual é de 500mg a 1g em adultos ou de 11mg/kg em crianças, em dose única.
D - Ivermectna A ivermectna age aumentando a permeabilidade da membrana celular a íons cloreto, levando à hiperpolarização de células musculares e nervosas, e à morte do parasita. É indicada para tratamento da oncocercose, filariose, estrongiloidíase e escabiose. A dose é de 0,15mg/kg no tratamento da oncocercose e de 0,2 a 0,4mg/kg nos outros casos em dose única VO.
E - Levamisol Medicação com ação imunomoduladora, impedindo crescimento celular em células específicas, o levamisol é indicado para tratamento da ascaridíase e pode ser usado no tratamento de ancilostomíase e estrongiloidíase. Além disso, é utlizado em dose única de 80 ou 150mg VO (em crianças, 80mg).
F - Mebendazol O mebendazol age bloqueando a captura de glicose e nutrientes pelos parasitas e é indicada para tratamento da
PRINCI PAIS NTIM A ICROBIAN OS ascaridíase, ancilostomíase, oxiuríase, tricuríase, hidatdose e larva migrans. A dose recomendada é de 100mg, de 12/12 horas, por 2 dias.
G - Artemisina Agente antmalárico que se liga com o ferro do pigmento do Plasmodium e produz radicais livres que dani ficam as proteínas do parasita, é indicado para o tratamento do Plasmodium falciparum resistente à cloroquina no paciente com malária grave. A adição de artesunato por 3 dias está associada à diminuição de falhas terapêu tcas, como demonstrado em meta-análise recente. Deve ser usada em combinação com doxiciclina ou clindamicina, pois, caso contrário, recidivas são comuns.
H - Oxamniquina A oxamniquina age por alterações no tegumento do parasita após 4 a 8 dias de tratamento e diminui a deposição de ovos pelo Schistossoma. É indicada para o tratamento da esquistossomose, e a dose recomendada é de 12 a 15mg/ kg, em dose única.
I - Antmônios pentavalentes: antmoniato de metlglucamina e estbogluconato de sódio São usados para o tratamento da leishmaniose. O modo de ação não é conhecido, mas se concentra no sistema retculoendotelial, e parece afetar o metabolismo do parasita. A dose é de 20mg/kg/dia em leishmaniose visceral, e 15 a 20mg/kg em leishmanioses cutâneas e cutâneo-mucosas, uso intravenoso por 15 dias ou 2 vezes por semana, por 5 semanas. Deve-se usar em bolus lento, ou diluir em SG a 5% e administrar em 20 minutos. O es tbogluconato de sódio não é disponível no país.
J - Cambendazol Com ação semelhante ao tabendazol, o cambendazol é usado para o tratamento da estrongiloidíase. A medicação é usada em dose única, 5mg/kg.
K - Dietlcarbamazina Medicação derivada da piperazina, usada para tratamento de toxocaríase,filariose e oncocercose, em dose de 2mg/ kg VO, 3x/dia, por 10 dias como tratamento da toxocaríase.
L - Emetna Agente alcaloide com ação emetzante e propriedades tóxicas a alguns micro-organismos, como a Entamoeba hystolitca. A dose é de 1mg/kg/dia com dose máxima de 60mg/dia, divididos em 2 doses IM ao dia, por 5 dias.
M - Furazolidona A medicação inibe uma série de reações enzimá tcas. É utlizada, principalmente, para o tratamento da giardíase,
mas também amebíase, tricomoníase e, eventualmente, salmoneloses e shigeloses. Adultos: 400mg/dia; maiores de 5 anos: entre 100 e 200mg/dia. Tais doses são em 4 tomadas de 1 mês a 5 anos, entre 32 e 100mg/dia.
N - Mefloquina A mefloquina possui ação semelhante à do quinino, utlizada para o tratamento do Plasmodium falciparum em dose de 1.000mg/dia ou 25mg/kg, em dose única.
O - Niclosamida A niclosamida age por alteração da oxidação fosforilatva e atvação do ATP mitocondrial com ação parasi tcida. É indicada para o tratamento da teníase e da himenolepíase, em dose única de 2g VO e, na himenolepíase, uso por 7 dias.
P - Piperazina A piperazina age impedindo a ação da acetlcolina, levando a bloqueio neuromuscular no parasita. A posologia para ascaridíase é de 75mg/kg por 2 dias, repetndo a dose em 2 semanas. Na oxiuríase, a dose é de 65mg/kg/dia, por 7 dias. Sua principal indicação é na oclusão intestnal por bolos de áscaris, devendo-se administrar óleo mineral ou outro laxatvo 2 horas antes.
Q - Pirimetamina A pirimetamina age inibindo a diidrofolato-redutase, resultando em diminuição da síntese do ácido fólico. É indicada para tratar toxoplasmose, pneumocistose e isosporíase. Na toxoplasmose cerebral em pacientes com AIDS, a dose de ataque é de 200mg e, posteriormente, 50 a 75mg diários por 14 a 21 dias; após 3 a 8 semanas, pode-se tentar reduzir a dose para 25mg/dia. Associa-se à sulfadiazina, 2 a 6g/dia, divididos em 4 doses diárias.
R - Praziquantel O praziquantel age aumentando a permeabilidade ao cálcio nos esquistossomos, levando a fortes contrações musculares e paralisia da musculatura do parasita. É indicada para tratar esquistossomose, teníase, cis tcercose e himenolepsíase. Na esquistossomose, a dose é de 40 a 75mg/kg/dia, dividida de 12/12 horas, por 1 dia. Na teníase, 5 a 10mg/ kg, dose única (máximo de 600mg) e, na cis tcercose, 50 a 60mg/kg, dividida de 8/8 horas, por 14 dias. Podem-se usar cortcosteroides nos primeiros dias, para diminuir a reação inflamatória.
S - Primaquina A primaquina age rompendo a mitocôndria e liga-se ao DNA dos plasmódios. Serve para o tratamento de Plasmodium vivax e Plasmodium ovale, na dose de 0,25mg/dia, por 14 dias.
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INFECTOLOGIA T - Quinino
C - Fanciclovir
O quinino age diminuindo a captura de oxigênio e o metabolismo de carboidratos, e é indicado ao tratamento do Plasmodium falciparum resistente à cloroquina. A dose de ataque é de 20mg/kg e, depois, 10mg/kg, de 8/8 horas na malária grave. Diante melhora do quadro clínico, pode-se passar para o uso oral. A medicação deve ser diluída em solução glicosada e infundida lentamente. O uso oral se dá por meio do sulfato de quinino, 650mg, de 8/8 horas, por 3 a 10 dias, associando-se à clindamicina (900mg, a cada 8 horas) ou a doxiciclina (200mg/dia).
O fanciclovir é um agente oral atvo contra VZV, HSV e EBV que inibe a HSVG-2 polimerase. É indicado para o tratamento de herpes-zóster agudo e para os episódios iniciais ou recorrentes de infecção por HSV genital. Sua e ficácia para outras infecções herpétcas não foi bem estabelecida. São esquemas posológicos: - Herpes-simples: 250mg VO, a cada 8 horas, por 5 a 7 dias; - Herpes-zóster: 500mg, a cada 8 horas, por 7 dias.
U - Tinidazol Agente citotóxico que causa dano ao DNA, o tnidazol é utlizado para o tratamento de giardíase, amebíase e tricomoníase. Os esquemas posológicos são: - Amebíase: 50 a 60mg/kg/dia, por 3 a 5 dias; - Giardíase: 30 a 50mg/kg/dia em dose máxima de 2g/ dia em dose única.
4. Antvirais Os agentes antvirais suprimem a replicação viral; a restrição ou eliminação viral exige uma resposta imunológica intacta do hospedeiro.
A - Aciclovir O aciclovir inibe a síntese de DNA e replicação viral por compe tção com a desoxiguanosina trifosfato. É a tvo contra o vírus herpes-simples (HSV) e o vírus varicela-zóster (VZV), mas não tem efeito nos herpes-vírus latentes. É indicado para o tratamento do herpes genital primário e recorrente, da estomatte herpétca grave e da encefalite por herpes-simples. Não há um consenso sobre a terapia an tviral das infecções não complicadas por VZV nos adultos normais, entretanto pneumonites por varicela-zóster disseminado e herpes-zóster oálmico são indicações para terapia com aciclovir. Pode ainda ser utlizado em infecções por citomegalovírus. Os esquemas posológicos são: - Herpes-simples: 200mg, 5x/dia, por 10 dias; - Herpes-zóster: 800mg, 5x/dia, por 10 dias; - Encefalite herpétca: 10mg/kg IV, a cada 8 horas, por 10 a 14 dias; - Zóster grave em paciente imunodeprimido: 10 a 12mg/kg, a cada 8 horas, por 7 a 14 dias.
B - Amantadina e rimantadina Bloqueiam uma etapa inicial na replicação do vírus influenza A e podem ser u tlizadas pelos pacientes que correm alto risco de complicações (imunocomprometdos, ido-
sos e aqueles com doença pulmonar ou cardíaca) quando têm influenza. A dose é de 100mg VO, a cada 12 horas, ou 200mg/dia.
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D - Foscarnete O foscarnete é um inibidor compettvo de muitas das polimerases do RNA/DNA viral, indicado para re tnite por CMV nos pacientes com AIDS. Esse agente é uma alternatva aos pacientes imunocomprometdos com infecções por CMV, nos quais a terapia com ganciclovir não é efe tva, ou que não podem tolerá-lo. Também pode ser ú tl aos pacientes com infecções graves decorrentes de VZV ou HSV resistentes ao aciclovir e CMV resistente ao ganciclovir. Nefrotoxicidade ocorre em até 30% dos pacientes tratados com foscarnete. A dose utlizada é de 60mg/kg, a cada 8 horas, por 14 a 21 dias. Realizar a infusão em 1 hora.
E - Ganciclovir O ganciclovir age inibindo a síntese do DNA viral, sendo consideravelmente mais atvo que o aciclovir contra CMV EBV. Sua capacidade para inibir HSV e VZVda é equivalente àe do aciclovir. É indicado para o tratamento re tnite por CMV nos pacientes imunocomprometdos e pode ser útl na terapia de outras doenças por CMV. A dose é de 2,5 a 5mg/ kg, a cada 8 horas, por 14 a 21 dias.
F - Valaciclovir A medicação é convertda pelo fgado em aciclovir e usada por via oral e com as mesmas indicações deste. São esquemas posológicos: - Herpes genital e herpes-simples: 1g, a cada 12 horas, por 7 dias; - Herpes-zóster: 1g, a cada 8 horas, por 7 dias.
G - Oseltamivir Agente relatvamente recente, inibidor da neuramidase dos vírus, indicado para tratamento de gripe ou de influenza em adultos, eficaz se há menos de 2 dias de sintomas. A dose é de 75mg, 2x/dia, durante 5 dias.
CAPÍTULO
24
Infecção pelo vírus influenza A (H1N1) Ralcyon F. A. Teixeira / Durval Alex G. e Costa / Carolina dos Santos Lázari
1. Introdução Em 17 de abril de 2009, nos Estados Unidos, foram relatados 2 casos de um novo vírus influenza A em crianças. Simultaneamente, no México, foi descrito um surto de infecção respiratória em humanos. Identficou-se um novo vírus influenza A (H1N1), parcialmente derivado dos vírus influenza A que circula nos porcos e an tgenicamente distnto dos vírus influenza A humanos (H1N1) que circulam desde 1977. Poucos dias após a descrição dos 2 primeiros casos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou a disseminação global do vírus como um evento de saúde pública de preocupação internacional. Em 2 meses, detectou-se o vírus circulando nos 5 contnentes, alcançando nível 6 da OMS, ou seja, o status de uma pandemia, globalmente conhecida como gripe suína. O novo vírus influenza A (H1N1), dotado de propriedades moleculares dos vírus influenza humano, suíno e aviário, é resultante de alterações antgênicas frequentes (dri antgênico) e do rearranjo de segmentos gênicos provenientes de cepas dos 3 tpos de hospedeiros (shi antgênico), que são a base virológica da epidemia sazonal. Está relacionado a uma pandemia atual por não ser detectada imunidade prévia a esse vírus no homem, por ser capaz de causar doença no homem e por demonstrar transmissão eficiente entre humanos. De abril a agosto de 2009, foram relatados 162.380 casos confirmados laboratorialmente de influenza A (H1N1) e 1.154 óbitos no mundo. Esses casos representam uma subestmação dos casos totais no mundo, uma vez que muitos países adotam a estratégia do diagnós tco clínico, priorizando os testes laboratoriais para pacientes com formas graves da doença ou para grupos de alto risco. O novo vírus influenza A (H1N1) tornou-se dominante nos Estados
Unidos, Inglaterra, África do Sul, Nova Zelândia, Austrália, Chile, Argentna e Brasil após a pandemia. A emergência de uma séria epidemia global de srcem animal aponta para uma necessidade crí tca de um conhecimento mais aprofundado das viroses zoonótcas, incluindo estudos in vivo de patogênese em animais, estudos epidemiológicos, genétcos e imunológicos.
2. Histórico As primeiras suspeitas de infecção pelo vírus influenza ocorreram por volta do século V a.C. por Hipócrates, relatando casos de uma doença respiratória que em algumas semanas matou muitas pessoas e depois desapareceu. Antes de 1918, a influenza em humanos já era bem conhecida, mas nunca havia sido descrita nos suínos. Nesse ano, houve uma pandemia de influenza humana A (H1N1) – gripe espanhola – responsável por 50 milhões de mortes. Simultaneamente, foi identficada, nos porcos, uma forma clínica semelhante à humana. A adaptação viral a uma nova espécie de hospedeiro é um processo complexo, envolvendo adaptação a novos receptores de superfcie celular, alterações nos tropismos celulares na imunidade inata e nos mecanismos de transmissão. O vírus influenza A (H1N1) ultrapassou essas barreiras e emergiu em 1918 de uma fonte aviária simultaneamente no homem e nos suínos. O vírus influenza A (H1N1), assim denominado pelos angenos hemaglutnina e neuraminidase, desapareceu abruptamente dos humanos em 1957 e foi subs ttuído por um novo vírus influenza A (H2N2). Seu desaparecimento naquele ano se deveu, provavelmente, a 2 razões: níveis elevados de imunidade homóloga e imunidade heteróloga da nova cepa H2N2, o que foi suficiente para eliminar o vírus. Em abril de 2009, nos Estados Unidos, no final da estação comumente afetada pela influenza usual, foram iden-
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INFECTOLOGIA tficados os primeiros casos de gripe suína. O Centers for Disease Control and Preventon (CDC) confirmou que esses casos foram causados por um vírus suíno gene tcamente
modificado, capaz de infectar o homem. Embora não se sabe se tal fato confere imunidade cruzada, esse novo vírus tem 3 segmentos de genes em comum com a influenza humana A sazonal (H1N1) e 3 segmentos em comum com a influenza A (H3N2).
3. Patogênese e transmissão Os vírus influenza são compostos de RNA de hélice única, da família dos ortomixovírus e subdividem-se em 3 tpos: A, B e C, de acordo com sua diversidade an tgênica. Os vírus podem sofrer mutações (transformações em sua estrutura), e os tpos A e B causam maior morbidade (doença) e mortalidade (mortes) que o tpo C. Geralmente, as epidemias e pandemias (epidemia em vários países) estão associadas ao vírus influenza A. As principais característcas do processo de transmissão da influenza são: - Alta transmissibilidade, principalmente em relação à influenza A; - Maior gravidade entre os idosos, as crianças, as gestantes, os imunodeprimidos, os cardiopatas e os pneumopatas; - Rápida variação antgênica do vírus influenza A, o que favorece a rápida reposição do estoque de susce veis na população; -
Apresentação como zoonose entre aves selvagens e doméstcas, suínos, focas e equinos que, desse modo, também se consttuem em reservatórios dos vírus.
A patogênese da infecção humana pelo novo vírus influenza A (H1N1) compreende 2 eventos:
O dano celular primário ou citotóxico direto pela ação viral, por exemplo, causando injúria direta no epitélio respiratório; - A liberação de citocinas e mediadores inflamatórios secundários à infecção viral. -
A individualidade do hospedeiro quanto à magnitude da resposta inflamatória e dos mecanismos de defesa citotóxicos resulta em quadro clínico e gravidade variáveis. Em alguns subgrupos de pacientes com formas mais graves da doença, detectam-se coinfecção com outros vírus e infecção bacteriana secundária, o que resulta em altas taxas de morbimortalidade. O quadro clínico espectral depende da interação entre fatores do agente infectante (vírus) e a resposta do hospedeiro (homem). A detecção precoce do caso e o tratamento específico de subgrupos de maior risco podem resultar na redução da gravidade dos sintomas e na parada da progressão da doença que pode culminar com resposta inflamatória sistêmica e disfunção orgânica. A transmissão de pessoa para pessoa pode ocorrer facilmente, pela inalação de goculas eliminadas pela tosse
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ou espirros das pessoas infectadas, ou pelo contato com superfcies contaminadas com os vírus da influenza e, em seguida, toque nos olhos, nariz ou boca. O potencial para a transmissão via trato gastrintestnal e mucosa conjuntval não é conhecido. O período de incubação varia de 1 a 7 dias, em média de 1 a 4 dias. O período de transmissão começa 24 horas antes do início dos sintomas e se estende até 7 dias após. Em crianças, a transmissão pode durar até 14 dias após o início dos sintomas. Em indivíduos imunodeprimidos, pode haver a eliminação mais prolongada do vírus por até meses.
4. Quadro clínico Apesar de a doença ter quadro benigno autolimitado na grande maioria dos casos, tem-se observado uma maior proporção de pacientes evoluindo com intenso acometmento pulmonar com insu ficiência respiratória de evolução rápida. Clinicamente, na maioria dos casos, em torno de 90% dos relatos, a doença caracteriza-se pela instalação abrupta de febre alta, geralmente acima de 38°C, seguida de mialgia, dor de garganta, artralgias, prostração, dor de cabeça e tosse seca. Podem estar presentes diarreia, vômitos e fadiga. A febre é o sintoma mais frequente e dura em torno de 3 dias. Com a sua progressão, os sintomas respiratórios tornam-se mais evidentes e mantêm-se, em geral, por 3 a 4 dias após o desaparecimento da febre. Não se dispõe de informações suficientes contemplando o quadro clínico diversificado da infecção pelo novo vírus influenza A (H1N1). Entre pessoas infectadas, síndromes clínicas variam de sintomas respiratórios leves a pneumonia e insuficiência respiratória em sua forma mais grave, a síndrome do desconforto respiratório agudo. Os relatos da literatura demonstram mortalidade e complicações semelhantes às que ocorrem em pacientes com influenza sazonal, dentre elas: - Exacerbação de condição crônica de base; - Sinusite, otte, bronquiolite, asma; - Pneumonia, injúria pulmonar aguda, insu ficiência respiratória; - Miocardite, pericardite; - Miosite, rabdomiólise; - Encefalite, convulsões, mal epiléptco; - Resposta inflamatória sistêmica; -
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Insu Sepse;ciência renal; - Disfunção multorgânica; - Morte. -
Grupos de alto risco para complicações Crianças <5 anos; Adultos com idade ≥65 anos; - Gestantes; -
INFE CÇÃO PELO VÍRU SINFLUENZA A(H1 N1 ) Obesos; Imunossuprimidos (infecção pelo HIV, transplantes, medicamentos – imunossupressores); - Adultos e crianças portadores de doenças crônicas como diabetes, cardiopatas, pneumopatas, hepatopatas, doenças neuromusculares, hematológicas e metabólicas; - Profissionais da saúde e cuidadores de insttuições de cuidados aos pacientes crônicos. -
5. Diagnóstco laboratorial do novo vírus influenza A (H1N1) O teste laboratorial recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a detecção qualita tva do novo vírus da influenza A (H1N1), também conhecido como vírus da gripe suína, é a reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR). As amostras clínicas que devem ser coletadas para o teste são swabs combinados de nasofaringe e orofaringe. Pacientes intubados devem ser subme tdos à coleta de aspirado nasotraqueal. O princípio do teste inclui o emprego de um painel de oligonucleodeos (primers) e sondas marcadas ( probes) para a detecção e a caracterização do vírus da gripe suína, por meio da amplificação dos fragmentos de genes específicos pela técnica da rRT-PCR. Esse painel influenza foi desenhado para a detecção concomitante de: - Vírus influenza A universal humano; - Vírus influenza A suínos; - Vírus específico H1N1 suíno da influenza A. Resumidamente, tem-se que, após o processo de extração do RNA da amostra clínica, os fragmentos específicos do RNA do vírus da influenza A (proteína da matriz – universal) e de regiões dos genes da influenza A suína (b-nucleocapsídeo e c-hemaglutnina H1) são amplificados por meio da técnica da PCR em tempo real, no equipamento termociclador ABIPrism7500. Os resultados são interpretados por meio dos dados de fluorescência emitdos pela sonda TaqMan (marcada com o fluoróforo FAM) e são coletados ao longo dos 45 ciclos da reação, indicando a detecção dos genes em questão. Concomitantemente, é amplificado um controle interno da reação (RNA da RNAse-P) para avaliar a qualidade da amostra empregada e, assim, validar o teste. Os resultados do teste são interpretados da seguinte forma: - Se somente o alvo do gene da proteína da matriz universal do vírus influenza A (a) for detectado, indicará a presença do vírus da influenza A sazonal (gripe comum); - Se ambos os alvos (a) e (b) forem detectados, isso indicará a presença de um vírus, de srcem suína, da influenza A, porém não pertencente ao tpo H1N1;
Se os 3 alvos (a), (b) e (c) forem detectados, isso indicará a presença do vírus dainfluenza A suína H1N1 pandêmico. Atualmente, dados demonstram sensibilidade de 99,3% e especificidade de 92,3% da reação em cadeia da polimerase em tempo real para detecção de infecção pelo novo vírus influenza A (H1N1) comparada com a cultura. São recomendações para a realização do exame diagnóstco: - Pacientes que requerem hospitalização; - Pacientes de alto risco para doença grave (já citados); - Pacientes em protocolos individualizados de cuidado – -
de acordo com o julgamento clínico.
6. Tratamento e quimioprofilaxia antviral O novo vírus influenza A (H1N1) é suscevel tanto ao oseltamivir quanto ao zanamivir, mas é a 1ª medicação de escolha para tratamento e pro filaxia. O julgamento clínico é um fator importante na decisão do tratamento. Após a pandemia de 2009, casos descritos de resistência ao oseltamivir foram descritos em todo mundo, com aumento em regiões específicas (por exemplo, na Argen tna). Além do oseltamivir, o zanamivir, por se tratar ainda de droga nova, não é recomendado para uso na maioria dos países do mundo. Pacientes com suspeita de infecção pelo novo vírus influenza A (H1N1), que se apresentam com quadro febril não complicado, não requerem tratamento, a menos que façam parte dos grupos de alto risco para complicações. O tratamento é recomendado para: - Todos os pacientes hospitalizados com infecção suspeita, provável ou confirmada pelo novo vírus influenza A (H1N1); - Pacientes de alto risco para complicações da infl uenza. Se o paciente não faz parte do grupo de alto risco ou não está hospitalizado, os pro fissionais de saúde devem usar o julgamento clínico para guiar decisões de tratamento. Muitos pacientes infectados com o novo vírus influenza A (H1N1) apresentam uma forma autolimitada da doença, sem benefcio significatvo do tratamento específico antviral. Assim, esforços a fim de realizar o exame diagnóstco e estabelecer quimioprofilaxia e tratamento devem ser direcionados primariamente para pacientes hospitalizados ou de alto risco para complicações. Se a decisão for o tratamento especí fico, este deverá ser iniciado o mais rápido possível, pois está demonstrado maior benefcio do tratamento quando insttuído dentro de 48 horas do início dos sintomas. Entretanto, alguns estudos demonstram que, entre pacientes hospitalizados, o oseltamivir reduz a mortalidade mesmo se iniciado após 48 horas da apresentação dos sintomas. O tratamento antviral deve ser mantdo por 5 dias. Em áreas que contnuam a apresentar atvidade da influenza sazonal, especialmente aquelas nas quais há circulação de vírus resistentes ao oseltamivir, recomenda-se o zanamivir ou da combinação entre oselta-
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INFECTOLOGIA mivir e rimantadina ou amantadina para tratamento ou quimioprofilaxia de pacientes com provável influenza sazonal. Tabela 1 - Medicação antviral recomendada na profilaxia e no tratamento da infecção pela nova influenza A (H1N1) Oseltamivir
Tratamento
Adultos 15kg ou menos Crian-
16 a 23kg
Quimioprofilaxia
75mg cápsula de 12/12h por 5 dias
75mg cápsula, 1x/ dia por 10 dias
60mg por dia em 2 doses
30mg, 1x/dia por 10 dias
90mg por dia em 2
45mg, 1x/dia por
ças doses ≥12 120mg por dia em 2 24 a 40kg meses doses
10 dias 60mg, 1x/dia por 10 dias
150mg por dia em 2 doses
75mg, 1x/dia por 10 dias
>40kg
Tabela 2 - Recomendações do tratamento an tviral com oseltamivir em crianças menores de 1 ano Idade <3meses
Tratamento recomendado por 5 dias 12mg,2x/dia
3a5meses
20mg,2x/dia
6a11meses
25mg,2x/dia
Tabela 3 - Recomendações de quimioprofilaxia antiviral com oseltamivir em crianças menores de 1 ano Idade <3 meses 3a5meses 6a11meses
Quimioprofilaxia recomendada por 10 dias Não recomendada, exceto em situação julgada crítca 20mg1x/dia 25mg1x/dia
Em pacientes com clearance de creatnina entre 10 e 30mL/min, é recomendado que a dose seja reduzida para uma cápsula de 75mg de 1x/dia, durante 5 dias. Não existem recomendações disponíveis para pacientes submetdos à hemodiálise de ro tna e à diálise peritoneal connua. Sugere-se dose extra de 75mg após cada sessão de diálise. Pacientes com insuficiência hepátca não necessitam de correção de dose. A duração da quimioprofilaxia é de 10 dias após a últma exposição conhecida ao vírus. A indicação da quimioprofilaxia pós-exposição baseia-se na ocorrência de um contato próximo com uma pessoa que é caso con firmado, provável ou suspeito. O período de transmissão pode ocorrer de 24e horas antes até 7 dias após o início dos sintomas. Crianças imunossuprimidos têm o potencial de transmissão por um período mais longo, embora haja poucos dados definitvos quanto a essa questão. A quimiopro filaxia deve ser considerada nos seguintes casos: - Pacientes dos grupos de alto risco que apresentarem contato próximo com casos con firmados, suspeitos ou prováveis;
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Profissionais de saúde ou cuidadores que apresentarem contato próximo sem proteção adequada com casos confirmados, suspeitos ou prováveis; - Outras situações devem ser analisadas individualmente. -
O oseltamivir é uma medicação segura, dotada de poucos efeitos adversos. Pacientes em seu uso apresentam maior incidência de náuseas e vômitos, além de serem descritos casos de delírio e eventos neuropsiquiátricos. Produtos e apresentações -
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Tami u®,suspensão Roche – cápsulas de 75mg (caixa com 10)ree pó para oral (frasco com 30g) que, após consttuição com 52mL de água, deve ter 12mg/mL – validade após reconsttuição em temperatura ambiente 10 dias, sob refrigeração 17 dias; - Oseltamivir, Farmanguinhos – cápsulas de 75mg.
7. Indicações de internação hospitalar Deve ser considerada internação quando pacientes que apresentam quadro clínico for caracterizado por disfunção orgânica aguda relacionada ao quadro gripal e pacientes de alto risco para complicações com infecção suspeita, provável ou confirmada. Está indicada internação em terapia intensiva para pacientes que apresentem as seguintes complicações: - Instabilidade hemodinâmica; - Sinais e sintomas de insu ficiência respiratória; -
Extenso comprometmento pulmonar ao exame radiológico; - Hipoxemia, com necessidade de suplementação de oxigênio acima de 3L/min para manter saturação arterial de oxigênio acima de 90%; - Relação PO /FiO abaixo de 300, caracterizando a lesão 2 2 pulmonar aguda; - Necessidade de atendimento fisioterápico connuo; - Alterações laboratoriais como elevação significatva de desidrogenase láctca (DHL) e creatnofosfoquinase (CPK), alteração da função renal e alteração do nível de consciência. Os principais grupos de risco para maior gravidade são portadores de doenças crônico-degeneratvas, como diabetes, insuficiência renal crônica, pneumopatas crônicas prévias, doença cardiovascular e doença hepátca crônica; imunodeprimidos como neoplasias ou quimioterapia nos últmos 3 meses, transplante de órgãos sólidos ou de medula óssea e infecção pelo HIV/AIDS; crianças e idosos; gestantes e obesos.
A - Antbiotcoterapia Em caso de pacientes com extenso comprome tmento pulmonar, principalmente na presença de áreas de condensação, deve-se suspeitar da infecção bacteriana sobreposta.
INFE CÇÃO PELO VÍRU SINFLUENZA A(H1 N1 ) Os agentes bacterianos de pneumonia mais prevalentes são o Streptococcus pneumoniae, o Staphylococcus aureus e o Haemophilus influenzae, sendo considerado ceriaxona na dose de 1g IV a cada 12 horas, o an tmicrobiano de escolha nos casos comunitários. Deve-se considerar a hipótese de outros agentes que podem causar quadro respiratório agudo grave, como a Legionella pneumophila e o Mycoplasma pneumoniae, assim a associação de um macrolídeo deve ser avaliada. Em subgrupos especiais como pacientes internados há mais que 72 horas, portadores de imunossupressão e colonizados como os pacientes com bronquiectasias e portadores de fibrose cístca, deve-se seguir um protocolo individualizado.
B - Prevenção A principal medida para prevenir a gripe é a Higiene das Mãos (HM). Se uma pessoa tver tocado uma super fcie que contenha saliva de pessoa infectada e levar as mãos à boca ou olhos poderá se infectar. A HM pode ser realizada com água e sabonete ou com álcool gel a 70%. O paciente deve cobrir sempre o nariz e a boca quando espirrar ou tossir, para evitar a transmissão a outras pessoas. E, sempre que possível, devem-se evitar aglomerações ou locais pouco arejados. Além de tudo isso, manter uma boa alimentação e hábitos saudáveis. Essas orientações são as mesmas para todos ostpos de gripe e não apenas à influenza A (H1N1) e servem ainda para orientar pacientes que estão com quadro gripal e que necessitam de isolamento domiciliar.
A partr do final de 2009, uma vacina de uso nasal foi desenvolvida para controle desta gripe pandêmica, realizada inicialmente nos Estados Unidos. Esta vacina foi mo tvo de muita controvérsia, já que a incidência de efeitos colaterais foi bastante disseminada, com associação principalmente de quadros neurológicos como síndrome de Guillain-Barré. No Brasil, a vacina contra H1N1 foi realizada no 1º semestre de 2010, com apresentação diferente da americana. Sua apresentação foi intramuscular, produzida pelo Insttuto Butantan e em parte importada da França. Poucos casos de quadros neurológicos foram descritos (ao contrário dos EUA). No ano de 2011, o Ministério da Saúde disponibilizou a vacina para os seguintes grupos populacionais, considerados de maior risco para desenvolver a síndrome respiratória aguda grave relacionada à influenza: - Pessoas com 60 anos ou mais; - Trabalhadores de saúde das unidades que fazem atendimento para influenza; - Povos indígenas; - Gestantes; - Crianças de 6 meses a menores de 2 anos.
C - Cuidados com pacientes suspeitos ou confirmados de influenza A (H1N1) Profissionais de saúde devem utlizar os seguintes equipamentos de proteção individual: - Máscara cirúrgica quando o pro fissional da área da saúde atuar a uma distância inferior a 1m do paciente suspeito ou con firmado de infecção pelo vírus da influenza, em procedimentos que não há geração de aerossóis; - Avental de manga longa e luvas de procedimento em que há risco de respingos de sangue, fluidos corpóreos, secreções e excreções; - Máscara N95, óculos de proteção e gorro descartável em procedimentos com risco de geração de aerossóis, como a intubação traqueal, a aspiração nasofaríngea e nasotraqueal, a broncoscopia e autópsias ou a coleta de amostras respiratórias. Para todos os casos suspeitos e con firmados, deve-se fornecer e orientar o uso da máscara cirúrgica ao paciente.
8. Resumo Quadro-resumo - Alta transmissibilidade; Característcas da transmissão
- Maior gravidade em populações específicas; - Variação antgênica; - Apresentação também como zoonose.
Eventos de ação do vírus Clínica Diagnóstco Tratamento
- Dano celular direto; - Liberação de citocinas e mediadores. - Exacerbação de condições clínicas de base; - Principais complicações. - Reação de cadeia de polimerase para vírus H1N1. - Principais medicamentos; - Indicações de tratamento.
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