| ESPECIAL NARCISISMO | EU E EU MESMO ANO XIII No 307
O Ã Ç A N N I T S A R C O R P o d u t r a x x i e d e d a a a s i u n a a c m a A o r h a m m i t t l ud ic a a l p a r a a ú de e p re j u e v v í a s d s e o i s p é a n s a M o . t a n m m e i i t m s a e t r a u t o s se c o m p o m ud a r e
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SENTIDOS Proteínas Proteínas que nos fazem enxergar como osinsetos
carta da editora editora O jogo de esconde-esconde
U
ma vez ou outra quase todo mundo deixa para mais tarde aquilo que deve ser feito (e quem jamais se aventura por p or algumas postergações pode estar num outro extremo, inflexível e obcecado pelo controle). O que pode ser preocupante não são os adiamentos eventuais, mas quando esse comportamento se torna um hábito. Em um estudo sobre o tema, o economista Piers Steel, da Universidade de Calgary, nos Estados Unidos, constatou que dois em cada 10 adultos rotineiramente postergam atividades que sabem conscientemente que seria melhor que enfrentassem de uma vez por todas. Segundo resultados da análise feita por Steel, a procrastinação afeta de 80% a 95% dos estudantes universitários, cujo equilíbrio entre horários acadêmicos e busca por distrações como “festas na república” nem sempre é fácil de ser administrado. Procrastinar, no entanto, não significa deliberadamente programar o que é menos crucial para momentos futuros. O termo é mais adequado quando uma pessoa deixa de seguir essa lógica e acaba adiando as tarefas t arefas de maior importância ou urgência. Ou seja, s eja, se o simples pensamento sobre o trabalho de amanhã provoca um arrepio no pescoço ou a compulsão de fazer algo mais trivial, você provavelmente estará procrastinando. Como mostram textos desta edição digital de Mente e Cérebro, o problema é que adiamento cobra seu preço: acarreta perda financeira, prejudica relacionamentos e a carreira profissional. “A procrastinação mina o bem-estar em ampla escala, aumentando sentimentos de angústia e prejudicando a autoestima”, observa o psicólogo Timothy A. Pychyl, diretor do Grupo de Pesquisa de Procrastinação da Universidade Carleton, em Ottawa. É uma espécie de jogo de esconde-esconde com o tempo, na tentativa de driblar situações pouco prazerosas, dificilmente inevitáveis. Para fugir dessa armadilha, alguns pesquisadores sugerem medidas práticas, como simplesmente interromper o ciclo, fazendo o que chamam de “dar a partida”: simplesmente começar a fazer o que motiva tanta fuga. Psicólogos afirmam também que se os adiamentos são constantes vale a pena avaliar se aquela atividade condiz com o que a pessoa quer de sua vida, pois pode ser um sinal de que algo mais amplo precisa ser revisto. E agora, nada de deixar para depois: boa leitura!
GLÁUCIA LEAL, LEAL, editora-chefe
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sumário | agosto 2018 responsabilidade idade 22 A responsabil doss ge do gene ness
Cientistas acreditam que o hábito de adiar tarefas é o avesso da impulsividade e ensinam maneiras de lidar com essa característica
27 Só se for agora! A forma como percebemos o tempo pode colocá-lo tanto a favor como contra nossos objetivos; quando a data-limite data-limite parece mais próxima, o compromisso com o prazo é maior 08 Aprendendo
a pe pens nsa ar
Desde os primeiros meses de vida as crianças aprendem a comparar características e conseguem se lembrar do que viram e ouviram
especial
16 capa Essa man aniia de deixa xarr parra ama pa amanh nhã.. ã....
A procra procrasti stina nação ção freque frequente nte aumen aumenta ta os níveis níveis de estres estresse se e prejud prejudica ica a autoe autoesti stima, ma, contr contribu ibuii para para o desco desconfo nforto rto emocio emocional nal e compro compromet metee o bem-es bem-estar tar até nos nos mome moment ntos os de laze lazerr
Narcisismo
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Eu e eu mesmo 38 Quem, eu? 42 Sinal de perigo
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30 Enxaqueca
é coisa séria!
Durante as crises, cada batida do coração, que normalmente não seria sentida, dói como uma martelada; martelada; odores e imagens podem desencadear o problema
Presidente: Edimilson Cardial Diretoria: Carolina Martinez, Marcio Cardial e Rita Martinez Editora-chefe: Gláucia Leal Editora de arte: Sheila Martinez Colaboradores: Maria Stella Valli e Ricardo Jensen (revisão) Tratamento de imagem: Paulo Cesar Salgado Produção gráfica: Sidney Luiz dos Santos PUBLICIDADE Gerente: Almir Lopes
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46 Olhos de gente,
olhos de bicho
Nosso sistema visual tem proteínas proteínas sensíveis à luz que agem de forma similar ao dos insetos para se locomover e se desviar de obstáculos
seções 3 CART CARTA DA EDITOR EDITORA A 6 CINEMA A fest festaa
50 LIVRO LANÇAMENTO Transexualidade – O corpo entre o sujeito e a ciência
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cinema A FESTA. 71 min – Reino Unido. Direção e roteiro: Sally Potter. Elenco: Kristin Scott Thomas, Timothy Spall, Patricia Clarkson, Bruno Ganz.
Estranhos convidados conhecidos As cenas em preto e branco, em clima intimista, revelam a presença de aspectos psíquicos dos personagens e conflitos que entram como “penetras” na comemoração
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penas quatro ambientes: sala, cozinha, banheiro e uma pequena área externa. É por esses espaços que circulam os personagens do longa-metragem A festa, dirigido por Sally Potter. O clima teatral e intimista do filme em preto e branco, passado na Inglaterra, comporta desde as primeiras cenas uma leve tensão e sugere a quem assiste a impressão de que os personagens poderiam estar em cima de um palco, a poucos metros de seu rosto. A primeira cena já convida o espectador a se tornar expectador, quando Janet, a protagonista, transtornada, aponta uma arma diretamente para a câmera que representa um recém-chegado (neste momento ainda desconhecido). Mas, para entender A trama sugere que segredos o que ocorreu, é preciso acompanhar o que veio podem vir à tona a qualquer antes. Na cozinha, Janet, a dona da casa, prepara momento, levando a situações receitas para recepcionar seus convidados. A procaóticas, descontroladas; por trás posta é comemorar sua nomeação para o cargo das aproximações aparentemente de ministra da saúde. Na sala ao lado, porém, seu contidas, “arrumadas”, “óbvias” marido, Bill, um intelectual que abriu mão de váprevalece a tensão rias conquistas na carreira acadêmica para apoiar a mulher (como será enfatizado ao longo da trama), permanece apático, sentado, com olhar perdido, levantando-se de sua cadeira apenas para trocar o disco que roda num antigo aparelho de som. Como seria de se esperar, cada um dos convidados para a pequena reunião tem seus próprios segredos, que alimentam subtramas do filme e que aos poucos vêm à 6
tona por vezes com toques de sátira, humor e sadismo: uma doença terminal, impermanência, ciúmes, inveja, raiva, medo de assumir responsabilidades, histórias antigas de afetos silenciados, mágoas não resolvidas e memórias distorcidas. Como pano de fundo, o filme apresenta a alusão a ideais e atuação política, mas coloca ênfase nas relações e conflitos particulares (não por acaso é uma festa para poucos). Como acontece na vida real, é a esfera da intimidade que determina movimentos mais amplos, influenciando encontros e movimentações sociais. Ao passo que a trama se desenrola, a forma contida que impera nas interações cede lugar à ação mais intensa e à catarse. Como assinala Sigmund Freud, em parceria com Josef Breuer, em Estudos sobre a histeria (1893-1895), no processo catártico o sujeito consegue, por meio da fala, exteriorizar afetos patogênicos, que transitam entre a emoção e a razão. Esta relação remete a uma série de outros dualismos, como passividade e atividade; natureza e cultura; corpo e consciência; subjetividade e objetividade; valores e fatos; impulsividade e controle. Do lado da razão está o direito de expressão diretamente implicado no universo público, nas decisões mais importantes e relevantes em relação à produtividade e ao reconhecimento publico. Do lado das emoções, parece prevalecer o espaço mais marginal, reservado ao afeto, ao desejo e também ao conflito. É nessa área que o filme vislumbra a impossibilidade de contenção, os segredos podem vir à tona a qualquer momento, levando a situações caóticas, descontroladas. Por trás das aproximações contidas, “arrumadas”, “óbvias”, há a pulsão sexual não restrita a questões estritamente sexuais, mas ampliada para outros campos da vida, incluindo agressividade e instinto de preservação. Em A festa, aspectos psíquicos nem sempre reconhecidos entram disfarçados ou claramente como “penetras” e tomam contam do evento: dançam entre os personagens e convidam quem assiste a participar. Mesmo quem está ausente se faz presente. 7
desenvolvimento infantil
Aprendendo
a pensar
Pesquisadores que estudam a capacidade intelectual das crianças antes de seu primeiro aniversário sabem que desde muito cedo os pequenos aprendem a comparar características e conseguem se lembrar do que viram e ouviram
desenvolvimento infantil
A
inda que os bebês quase não falem antes de 1 ano, estudos mostram que eles já pensam, têm capacidade de memorização e conseguem fazer comparações que os ajudam a organizar suas experiências – preparando-se para acumular outras. Com isso, organizam o ambiente em que vivem. “A quantidade de novas impressões adquiridas pelo recém-nascido são incontáveis e surgem o tempo todo, ameaçando sobrecarregar seu cérebro, daí a urgência dessa organização”, explica Sabina Pauen, professora de psicologia do desenvolvimento da Universidade de Heidelberg, na Alemanha. “Para dar certa ordem a esse volume de informações o bebê separa tudo em categorias, como se as distribuísse em gavetas em seu intelecto”, explica. Assim, a criança não precisa reaprender todas as características daquilo que surge em sua vida, mas pode transferir sua experiência com determinado objeto para outros ainda desconhecidos. Ao ver um caminhão, por exemplo, o aproxima mentalmente de um ônibus. Também é comum que no momento em que os pequenos criam a categoria cadeira, por exemplo, passem a reconhecer imediatamente o mesmo objeto, ainda que com cor e forma diferente, em sua casa – mas que ainda assim é um “lugar para sentar”. Como a categorização ocorre na fase em que os pequenos desenvolvem 9
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a capacidade óptica de forma plena, a hipótese mais provável é que se orientem, em especial, pela aparência do que veem. Nesse caso, provavelmente conseguiriam agrupar primeiro o que tem aparência similar e que, ao mesmo tempo, fosse bastante diverso de outros objetos – ou seja, classes como gatos, cachorros, cadeiras ou mesas, identificadas de forma básica. Em contraposição, categorias globais como animais, móveis ou veículos motores seriam mais complicadas de organizar, pois incluem objetos de aparência muito diversa. “Nossas experiências, porém, chegaram ao resultado opos-
As barreiras dos símbolos Um passo importante no desenvolvimento mental infantil é passar a pensar simbolicamente – algo que envolve, além da memória, habilidades de raciocínio e observação. Dada a complexidade desse processo, as crianças pequenas tendem a “misturar” objetos reais e seus símbolos logo que percebem que uma coisa pode representar outra. “A capacidade de criar e operar uma grande variedade de representações é o que mais distingue os humanos de outras criaturas. Essa habilidade nos permite transmitir informações de uma geração a outra, o que torna possível a cultura, e adquirir repertório sobre certos assuntos sem ter experiência direta com elas”, afirma a psicóloga Judy S. DeLoache, doutora em desenvolvimento infantil, professora das universidades de Virgínia e Illinois. Ela exemplifica: “Temos conhecimento dos dinossauros apesar de jamais termos visto um de verdade; por causa desse papel fundamental da simbolização, talvez nenhum aspecto do desenvolvimento humano seja mais importante do que a compreensão dos símbolos”. O primeiro tipo de objeto simbólico que os bebês dominam é a figura, embora os intrigue.
O problema deriva da dualidade inerente a todos os objetos simbólicos: eles são reais e, ao mesmo tempo, representações de outra coisa. Para compreendê-los, o observador tem de perceber essa ambiguidade; mentalmente precisa codificar o objeto e estabelecer relação entre ele e o que representa. Judy alerta para o fato de que numa sociedade como a nossa, tão rica em imagens, a maioria das crianças tem acesso diário a álbuns de família e livros ilustrados. Dessas interações, aprendem de que modo as figuras diferem dos objetos e passam a reconhecer o material iconográfico como fontes de contemplação – e não de interação. Não obstante, sua natureza exige vários anos para ser completamente compreendida. O pesquisador John H. Flavell, da Universidade Stanford, descobriu, por exemplo, que até os 4 anos muitas delas pensam que virar de cabeça para baixo uma tigela com uma figura de pipoca faz a pipoca cair do recipiente. Ou seja: cabe aos pequenos superar barreiras para desenvolver uma concepção madura sobre a representação, um desafio cada vez maior, em uma cultura tão visual e rica em estímulos quanto a nossa. 10
desenvolvimento infantil
to: categorias globais são diferenciadas antes de básicas”, afirma Sabina. Segundo ela, não é apenas a semelhança externa que determina a divisão em categorias, pois crianças de 11 meses conseguem distinguir tão bem os modelos de animais e móveis aparentemente muito semelhantes como aqueles que apresentam todas as diferenças naturais entre as duas classes de objetos. “Bebês com mais idade, portanto, constroem novas categorias não apenas por meio de uma abstração visual, já que, do contrário, teriam categorizado melhor os modelos mais fáceis de diferenciar”, afirma. Algo, porém, intrigava a pesquisadora: afinal, o que guia a categorização? Os conhecimentos e as experiências prévias teriam algum papel aqui? Nesse caso, animais apresentados aos pequenos voluntários em fases iniciais dos tesPor volta do sétimo mês, tes deveriam fazê-los se os pequenos mostram lembrar de bichos de verpreferência por pessoas dade. A favor de tal suposição existe o fato de que próximas e reconhecem as que crescem em coma mãe até em fotos panhia de um gato ou um cachorro são capazes de distinguir esses animais aos 9 meses, enquanto aquelas sem essa experiência não conseguem executar tal tarefa nem mesmo aos 11. Independentemente do que orienta o bebê para a categorização, é necessário que ele consiga imaginar as coisas de alguma forma, o que os psicólogos denominam “formação de representação metais estáveis” (uma ideia persistente e com consistência a respeito de algo). Quem convive com crianças pequenas percebe, a todo o momento, que muito antes de dominar as palavras e construir frases elas já se recordam concretamente de objetos e pessoas e estru11
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turam tal lembrança em pensamento. Por volta do sétimo mês, por exemplo, surge o medo de gente desconhecida: muitos já não vão para o colo daqueles que não conhecem, como faziam antes, preferindo claramente os mais próximos. Isso significa que já conseguem diferenciar os conhecidos dos estranhos e já reconhecem a mãe até em fotos, identificam as pessoas pela aparência e recorrem a experiências para interpretar o que veem. Isso, porém, não explica como os bebês constroem categorias globais. O que faz com que bebês sejam capazes de distinguir seres vivos de coisas inanimadas? Aqui a teoria da evolução nos dá uma dica. Animais e humanos podem significar perigo ou solicitude à criança indefesa. Por isso, é aconselhável observar seres vivos com maior atenção que objetos – e para tanto é necessário primeiro saber diferenciá-los. Nesse caso, provavelmente, são ativados comportamentos de percepção natos. Por isso, recém-nascidos se interessam especialmente por rostos e preferem observá-los a outras coisas com padrões de complexidade semelhante. Esse interesse próprio dos be12
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bês por movimentos em se po de visão também os aj a perceber logo a diferenç entre seres vivos e coisas. Dessa maneira, já nos primeiros meses de vida eles aprendem que nem tudo consegue se movimentar sozinho. Chutar o móbile
Vários estudos têm demons do que a capacidade de ap zagem já se inicia no período fetal. A memória, uma das funções cognitivas fundamentais, desenvolve-se, desde antes do nascimento, de forma quantitativa e qualitativa, paralelamente à maturação cerebral. Segundo a psicóloga Flavia Heloísa dos Santos, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Assis, o recém-nascido é predisposto a registrar e recordar importantes sinais biológicos, como expressões faciais e a fala. Recém-nascidos expostos às mães por apenas algumas horas olham mais profundamente para a face dela que para a de estranhos. A autora cita uma série de pesquisas feitas com bebês, nas quais foi usado o paradigma de resposta do chute de um móbile em movimento, o que demonstra que os sistemas de explícito e implícito da memória de longo prazo se desenvolvem no mesmo espaço de tempo – e não sequencialmente. A memória explícita, de caráter consciente e intencional, armazena fatos, nomes e eventos, já a implícita relaciona-se aos hábitos e habilidades adquiridos. O tempo médio de retenção, quando a informação é repetida várias vezes (como no caso do movimento do móbile), se 13
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expande com a idade. “Aos 2 meses dura cerca de 2 dias, aos 9 aumenta abrupta e progressivamente; e, com 1 ano e meio alcança 13 semanas”, afirma a neuropsicóloga clínica Mônica Carolina Miranda, doutora em ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil da instituição. Ela lembra que a retenção mnêmica de eventos também mostra padrão específico. Por exemplo: aos 3 meses, o bebê já guarda informações sobre lugares onde ocorreram determinados acontecimentos, aos 6, incorpora algumas informações de ordem temporal dos fatos. “As experiências de vida no período neonatal, como as sensações relacionadas à O neuropsicólogo Alexander fome, ativam vias neurais R. Luriaenfatiza que específicas com a respeca atenção voluntária não tiva associação límbica, é de origem biológica, modulando o humor e a emoção”, ressalta. São esmas sim um ato social ses padrões rudimentares de atividade neural que fornecerão a base do desenvolvimento psicológico da criança, permitindo entender de que forma os bebês acumulam experiências iniciais e como isso afetará seu comportamento mais tarde. Outro processo cognitivo, de extrema importância, é o desenvolvimento da atenção. O neuropsicólogo Alexander R. Luria (1902-1977), especialista em psicologia do desenvolvimento, enfatizou que a atenção, principalmente a voluntária, não é de origem biológica – mas um ato social. A concentração da criança nos primeiros meses de vida é mais elementar, involuntária, já que é atraída pelos estímulos que lhe são biologicamente significativos. No final do primeiro ano de vida, quando a mãe, 14
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ou outro adulto próximo, nomeia um objeto e o aponta, a atenção do bebê é atraída para ele – e isso se dá por meio da comunicação social, palavras ou gestos, estágio fundamental no desenvolvimento infantil, base do comportamento direcional, organizado. “Podemos pensar que o desenvolvimento cognitivo da criança não é, portanto, um processo contínuo e homogêneo; depende da interação entre os múltiplos fatores de crescimento das áreas cerebrais, do grau de mielinização de suas estruturas, de sua evolução pré-natal, bem como das possibilidades que o cérebro imaturo tem de reorganizar seus padrões de respostas e conexões por meio de novas experiências ou mesmo após lesões neurais”, observa a neuropsicóloga Maria Elisa Prado, especializada em desenvolvimento infantil. “Há um refinado sincronismo entre como o cérebro se desenvolve e o que modela seu crescimento e maturação. É evidente que desde a primeira infância a estrutura e as conexões neurais são esculpidas por numerosas influências ambientais. Como centro do pensamento, das emoções, dos planos de ação e da autorregulação da mente e do corpo, o cérebro passa por um longo processo de crescimento – que de fato dura a vida inteira. Esse desenvolvimento é mais intenso nos primeiros anos (bastante acelerado no decorrer da infância até a fase da adolescência e de adulto jovem). Isso quer dizer que as experiências precoces têm impacto profundo sobre o potencial subsequente da cada pessoa. 15
capa • procrastinação
Essa mania
de deixar para
amanhã... A procrastinação costuma provocar desconfortos emocionais como aumento do estresse, culpa, perda de produtividade e sentimento de vergonha pelo não cumprimento dos compromissos e responsabilidades. Mas podemos aprender a lidar com essa característica
capa • procrastinação
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e um lado, uma lista de tarefas a serem cumpridas. Do outro, os prazos que ficam a cada hora mais curtos. No meio, aquela “enrolação” que aparece em forma de dificuldade enorme de concentração, navegação absolutamente improdutiva nas redes sociais, sensação de torpor ou agitação. Ou seja: nada que contribua para a realização das atividades com as quais nos comprometemos. E à medida que o tempo passa o desconforto emocional aumenta, marcado pela impressão de que jogamos fora um tempo precioso, que não foi usado de forma produtiva para o trabalho ou estudo no momento adequado. E pior: Muitas vezes, quando as nem de maneira realmente coisas não ocorrem como prazerosa para o lazer ou o esperamos, tendemos a adotar descanso. Essa espécie de atitudes que confirmam a armadilha da qual pouca “falta de sorte” e entramos, gente está imune atende sem perceber, num círculo de pelo nome de procrastinarepetições; compreender esse ção, um vocábulo que vem processo é fundamental para do latim, procrastinatus (pro
interromper o movimento
significa “à frente” e nus
crasti-
é relativo a “amanhã”).
“Esse é um dos grandes problemas da atualidade, em especial entre os mais jovens”, diz o psicólogo Tim Pychlyl, pesquisador da Universidade de Carleton, no Canadá, que estuda o fenômeno há mais de duas décadas. Segundo ele, a procrastinação pode ser prejudicial para a saúde mental, com o aumento do estresse, da sensação de culpa e sentimento de vergonha pelo não cumprimento dos compromissos e responsabilidades. Na opinião de Pychlyl, a forma como a 17
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pessoa com esse comportamento percebe o tempo deve ser considerada (leia artigo na pág. 22 ), mas a questão tem outras facetas, já que estamos falando da decisão de não fazer algo mesmo se sabendo que a longo prazo isso será pior. “Estamos falando de falta de organização e emocional, da capacidade de controlar impulsos e, em última instância, da dificuldade de cuidar de si mesmo.” Um estudo recente desenvolvido por pesquisadores da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, demonstrou que pessoas que acreditavam dominar as adversidades e ter alguma possibilidade de escolha, por mais desagradável que fosse a tarefa a ser cumprida, eram mais propensas a insistir em sua realização. Essa conclusão se alinha com as de outros estudos, segundo os quais temos maiores chances de persistir na realização de um trabalho quando sentimos que é uma escolha a sua realização. Ou seja: pode não 18
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ser agradável preparar uma apresentação, mas desejamos nos sair bem entre nossos colegas e não fazer uma boa exposição trará consequências negativas.
Mudança de hábito Psicólogos cognitivos argumentam que colocar no papel nossas metas, de preferência com detalhes, pode ser muito útil. A técnica consiste em especificar também quais as possíveis dificuldades que a pessoa poderá enfrentar até chegar a seu objetivo e as estratégias que podem ser usadas em cada caso. Com isso, as dificuldades são antecipadas junto com as soluções, o que, para muitas pessoas, ajuda a diminuir o nível de ansiedade. “Identificar comportamentos específicos, decidir quando realizá-los e, depois, insistir em repeti-los costuma ser bastante eficaz”, diz a psicóloga e pesquisadora Phillippa Lally, da Universidade College London. Um estudo coordenado por ela mostrou que formar um novo hábito pode levar de 18 até 254 dias, dependendo do comprometimento da pessoa, do grau de motivação, das condições externas e da dificuldade de incorporação do novo comportamento. “Claro que em algum momento vamos nos sentir tentados a desistir, mas, se tivermos planos previamente traçados, teremos menos oportunidade de sabotar as boas intenções”, observa. Segundo a pesquisadora, se a proposta é ter uma dieta mais saudável, com mais frutas e vegetais no cardápio, por exemplo, é útil definir em que momento do dia vamos comer as porções: talvez uma em cada refeição principal, outra no lanche da tarde, a última após o jantar. Também é preciso definir em que ocasião o alimento será comprado, preparado e até transportado, caso as refeições não sejam feitas em casa. Detalhes, com certeza – mas, quando se trata de cuidar de si mesmo, eles podem fazer toda a diferença. 19
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Um dos grandes inimigos da realização dos objetivos no tempo desejado está no pensamento mágico, uma forma primitiva de raciocínio: segundo essa lógica, algo que fazemos, elucubramos ou apenas queremos tem a capacidade de influir no mundo concreto, como que por encanto, ainda que não exista nenhuma relação efetiva entre o que tomamos por causa e por efeito. O psiquiatra Derek Bolton definiu esse funcionamento como “a expressão de fenômenos reais por causas irreais”. Embora essa maneira de pensar seja típica da infância, muitos cultivam na vida adulta a ideia equivocada de que alPara Bauman, é tentadora gum fator externo nos trará a possibilidade de “escolher” a realização de um propóentre a aparente profusão sito, sem que tenhamos de de opções que o mundo fazer algo específico para atual nos oferece, mas a sua concretização – o que maioria delas nos distancia nos acomoda e afasta da de nossos conflitos, realização do objetivo. impedindo que os enfrentemos O fato é que, na contramão das tão almejadas soluções prontas, empenhar-se em realizar o que queremos exige comprometimento e esforço. Mas, seguindo a lógica do imediatismo, cultivamos a ilusão de que tudo deve ser fácil, múltiplo, sem perdas. Assim, focar um único objetivo que exija esforço costuma ser considerado entediante, exageradamente sofrido. É como se diante da falta de espaço psíquico para suportar a espera da recompensa buscássemos gratificações menores, ainda que de fato não nos satisfaçam. “Embora seja tentadora a possibilidade de ‘escolher’ entre a aparente profusão de opções que o mundo atual nos oferece, o problema é 20
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que a maioria delas leva a lugares distantes da raiz dos nossos conflitos e aflições, impedindo que os enfrentemos”, afirmou o sociólogo Zygmunt Bauman em entrevista a Mente e Cérebro, dois anos antes de sua morte, em 2017. “Felizmente, muitos estudos já comprovam que podemos aprimorar o autocontrole com a prática”, diz o doutor em psicologia Mark Muraven, professor da Universidade do Estado de Nova York, em Albany. Ele compara o processo para aumentar a força de vontade ao do fortalecimento dos músculos (leia texto na pág. 22) . A dificuldade para Pessoas que se irritam a realização de uma meta, quando tentam modificar porém, pode não ser tão seu jeito de agir têm óbvia e guiada apenas pela vontade imediata. Procesmenos chances de obter sos e crenças inconscientes, sucesso, observa O dos quais sequer nos damos psicólogo B. J.Fogg, da conta, podem estar por trás Universidade Stanford do que denominamos “incapacidades”. Nesses casos, a ajuda de um psicanalista costuma ser essencial. Durante a análise, vêm à tona questões latentes, que subjazem ao que parece mais imediato e acessível à compreensão. E mesmo a dificuldade em realizar aquilo a que a pessoa se propôs pode ganhar sentidos que ajudam a entender a dinâmica psíquica. “Se você se torna impaciente e irritado quando tenta modificar seu jeito de agir, tem poucas chances de ter sucesso. Mas, se encara a situação com calma e de maneira mais flexível, é provável que tenha maior abertura para descobrir os caminhos que conduzem aonde quer chegar”, afirma o psicólogo B. J. Fogg, pesquisador da Universidade Stanford. 21
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A responsabilidade
dos genes Cientistas acreditam que o hábito de adiar tarefas pode ser uma espécie de subproduto de uma outra característica considerada oposta, a impulsividade. Mas o fato de essas características estarem no DNA não serve como desculpa para se acomodar
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ecentemente, um grupo de cientistas da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, constatou que a tendência a adiar obrigações que assumimos está associada à genética. O pesquisador Daniel Gustavson argumenta que procrastinação e impulsividade são traços geneticamente ligados e provavelmente resultantes de origens evolutivas semelhantes. Ter atitudes impulsivas pode ter ajudado nossos antepassados a agir de forma rápida, garantindo recompensas imediatas e a sobrevivência, em tempos tão incertos. Em tempos mais recentes da história humana, em que há muitas metas a serem atingidas, podemos nos dar ao luxo de adiar algumas delas. Os estudiosos americanos “acompanharam” 181 pares de gêmeos idênticos
Mãos à obra! ALGUMAS TÉCNICAS TESTADAS POR PSICÓLOGOS COM GRUPOS DE VOLUNTÁRIOS SÃO BASTANTE ÚTEIS NA HORA DE REALIZAR TAREFAS NECESSÁRIAS
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RESPIRE. O uso de técnicas de meditação mindfulness (ou atenção plena), na qual
a pessoa se senta em uma posição confortável, com a coluna reta, e se concentra no ar que entra e sai de suas narinas por alguns minutos é muito eficiente para acalmar os pensamentos e organizar prioridades. A proposta é não fazer julgamentos, apenas observar a dinâmica da própria mente. O exercício, de simples execução, ajuda a pessoa a estabelecer a própria meta. Nos últimos anos, na Universidade de Buckingham, na Inglaterra, a técnica da consciência (ou atenção) plena tem sido adotada com êxito para ajudar estudantes e professores a combater a procrastinação.
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(que apresentam compatibilidade de 100% dos genes) e DIVIDA A TAREFA. Uma das razões 166 duplas de gêmeos frade adiarmos o que devemos fazer é que as metas a que nos propomos são em geral ternos (que compartilham grandes e vagas, o que as torna intimadoras e apenas 50% de seus genes). desagradáveis. Assim, em vez de se propor a escrever uma monografia de uma única vez, comece por focar Foi avaliada a habilidade de uma parte específica do trabalho, um capítulo, talvez. todos eles de estabelecer e Na Universidade de Warwick fazem parte do currículo manter objetivos, bem como as aulas que ensinam aos estudantes técnicas de mapeamento mental, com objetivo de ajudá-los a sua propensão à impulsiencontrar formas de dividir tarefas difíceis, seguindo vidade de procrastinação. os passos necessários para completar seus projetos. Considerando a similaridade de comportamentos entre aqueles com carga genética mais compatível, os cientistas concluíram que as duas características sofrem influência genética. E mais: há indícios de que haja uma “sobreposição genética” entre procrastinação e impulsividade. Isso significa que os traços não se manifestam sozinhos: a procrastinação seria, assim, um subproduto da evolução da impulsividade.
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NÃO SE CASTIGUE. Adiou, perdeu o prazo? Entregou um trabalho
mais fraco do que o que você gostaria? Sim, é ruim, mas não adianta se atormentar. A pesquisa sobre o tema desenvolvida na Universidade de Carleton, no Canadá, por Tim Pychlyl, confirma que os estudantes que reconhecem o erro, sem ser duros demais consigo mesmos por procrastinar, tendem a não repeti-lo em sua próxima tarefa. Ou seja: o autocastigo não enfraquece o comportamento indesejável, pelo contrário. Parece que se a pessoa já “pagou” pelo seu erro pode cometê-lo novamente.
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Os genes, porém, não servem de desculpa para o adiamento de tarefas. Após um longo levantamento sobre formas de lidar com o problema, a doutora em psicologia Fuschia Sirois, professora da Universidade de Sheffield, sistematizou algumas maneiras que comprovadamente podem ser aliadas na luta contra o adiamento de tarefas (veja
PENSE NO “EU DO FUTURO”. Em uma experiência
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bastante replicada, um grupo de voluntários vê uma imagem de seu próprio rosto envelhecido eletronicamente. Após essa experiência, as pessoas são questionadas sobre suas prioridades e muitos falam sobre o desejo de reservar mais dinheiro para a aposentadoria, por exemplo, pois passaram a sentir um laço mais forte com seu “eu futuro”. Em uma situação mais corriqueira, quando é necessário entregar um trabalho às 9h, por exemplo, é possível imaginar-se tentando terminálo desesperadamente na madrugada. Isso pode ajudar a começar a tarefa mais cedo.
nas próximas páginas) .
O psicólogo canadense Tim Pychlyl ressalta que a procrastinação é mais comum em pessoas propensas ao perfeccionismo, que se sentem pressionadas pela opinião alheia e temem o fracasso. Parece contraditório, mas nesse caso o adiamento de tarefas pode aparecer como uma forma de defesa. Duvidando da própria
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- COMEMORE! Busque recompensas ao término de suas tarefas diárias após terminar o que tinha que ser feito. Permita-se ter momentos de diversão, como conversar com os amigos ou assistir a uma série, com a consciência de que tudo o que você tinha que fazer já está pronto. Alguns educadores já utilizam métodos com os alunos para poder vencer a procrastinação e conseguir mais atenção durante a aula. É o caso do “tempo conquistado (TC)”, que pode ser utilizado para atividades lúdicas quando a tarefa foi realizada antes do prazo.
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capacidade, elas deixam para fazer a atividade na última hora e, caso não consigam realizá-la a contento, podem “acalmar” a si mesmas com a desculpa de que poderiam ter obtido sucesso se tivessem se dedicado mais. É como se ficassem sempre com a possibilidade de “um dia conseguir” caso se empenhem com maior afinco. O problema é que essa possibilidade permanece suspensa e o que predomina é a angústia, associada ao estresse, à ansiedade e à decepção consigo mesmo. Nos casos em que a pessoa se coloca com frequência em armadilhas que sabotam seu potencial, to que traz fortes de desconfortos emocionais e psíquicos para seu cotidiano, o comportamento pode ser identificado como um sintoma, um sinal de que algo maior não vai bem. “Não raro, a procrastinação reflete um problema existencial mais profundo, como a dificuldade de se identificar com as próprias escolhas e, nesses casos, costuma ser muito produtivo tratar essa situação em psicoterapia”, diz o psicólogo.
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Só se for
agora!
A percepção do tempo pode colocá-lo tanto a favor como contra nossos objetivos. Em situações em que a data-limite parece fazer parte do presente – este ano em vez do próximo, por exemplo – tendemos nos comprometer mais com os prazos
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O
que torna algumas tarefas mais difíceis de completar do que outras? A verdade é que o tempo efetivo atribuído para determinada atividade importa menos do que a forma como a mente percebe o limite para sua conclusão. Quando um prazo parece fazer parte do presente, por exemplo, da semana em que estamos, somos mais propensos a iniciá-la mais rapidamente. Em um experimento recente, pesquisadores pediram a 100 estudantes de graduação que realizassem, no prazo de cinco dias, uma tarefa que envolvia coleta de informações. Para alguns voluntários, o trabalho hipotético começaria em 24 ou 25 de Nosso cérebro tende abril (e entregariam até o fim do a dividir o tempo em categorias, considerando o mês), enquanto para outros tefinal do mês ou da semana; ria início em 26 ou 27 (devendo ficar pronto, portanto, no início uma forma de driblar esse de maio). Embora os grupos tifuncionamento é criar um vessem o mesmo prazo para a calendário que considere tarefa, os alunos com a data fiapenas os dias corridos nal de entrega no início de maio estavam menos dispostos a começar imediatamente, segundo artigo sobre o experimento publicado no Journal of Consumer Research . Outro estudo com 295 agricultores na Índia aponta resultado similar. Os trabalhadores aprenderam numa palestra sobre finanças que poderiam ganhar benefícios monetários se abrissem uma conta bancária e guardassem certa quantia durante seis meses. O prazo final de um grupo seria dezembro; o do outro, janeiro. Os voluntários do primeiro foram mais propensos a abrir a conta imediatamente e a cumprir a meta de poupan28
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ça pelo período estipulado. Os pesquisadores acreditam que o simples fato de a data acordada ser no ano em vigência fez diferença para os voluntários. Os resultados ilustram como o cérebro divide o tempo em categorias. Por exemplo, com o limite no final de um mês ou o início de um novo ano. Ou seja, pensar nos prazos de forma diferente pode favorecer a motivação para iniciar uma tarefa que tem sido adiada. É possível, por exemplo, considerar que a pessoa tem apenas três semanas para entregar o trabalho com a data final para o mês seguinte. Outro jeito de “enganar” o cérebro é criar um calendário que não considere os meses, apenas os dias corridos. Alguns neurocientistas sugerem também dividir uma tarefa em passos graduais, cada uma com seus próprios prazos – o que soará mais imediato. Podemos pensar que o desafio de um estudante seja entregar uma monografia até dezembro. A cada mês ele terá de ter etapas cumpridas, evitando assim a procrastinação e o atraso. 29
dor
Durante as crises, cada batida do coração, que normalmente não seria sentida, dói como uma martelada; odores e imagens podem desencadear o problema
Enxaqueca é coisa séria!
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alvez seja o seu caso, e provavelmente é o de alguém que você conhece: 10% da população experimenta um tipo específico de dor de cabeça que deixa as outras no chinelo. É estupidamente forte (considerada bem pior do que as dores do parto por boa parte das mães acometidas, como eu), em geral de um lado só da cabeça, como se ela estivesse sendo martelada ritmicamente por dentro, acompanhada de enjoo e fotofobia, e real30
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mente debilitante: nessas horas, o melhor lugar do mundo é um quarto escuro e silencioso. Para agravar a situação, os “enxaquecosos” ainda têm de lidar com a incompreensão dos donos de cérebros “normais”, que acham que dor de cabeça excruciante é frescura. Existem remédios, mas uma grande ajuda vem de reconhecer os estímulos específicos que disparam as crises. Embora períodos de estresse intenso aumentem o risco, cada pessoa com tendência à enxaqueca tem seus próprios gatilhos: para algumas, são odores, como perfumes; para outras, certos alimentos, exercício físico intenso, ou alterações hormonais do ciclo menstrual; para várias, luzes fortes. No meu caso, monitores de computador ou televisão com o contraste elevado ou mesmo roupas escuras listradas de branco são tão perturbadores que me causam enjoo. Ler ao sol? Jamais. Tenho óculos escuros espalhados em casa, no trabalho e nos dois carros da família, para ter certeza de que sempre haverá um à mão. Embora a enxaqueca seja resultado de um distúrbio no cérebro, provavelmente de fundo genético, a dor em si não vem do sistema cerebral, mas das meninges que o envolvem, em geral inflamadas durante a crise. Nessas horas, os neurônios que recebem sinais das meninges parecem ficar tão sensíveis que interpretam como dor até as pulsações normais das artérias do cérebro que encostam nelas. Resultado: cada bati31
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da do coração, que normalmente não seria sentida, dói como uma martelada. E mais: esses mesmos neurônios que captam os sinais das meninges também recebem informações dos olhos sobre a luz ambiente, vindas de células ganglionares da retina que são sensíveis não a estímulos visuais específicos, mas à intensidade da luminosidade difusa. Devido à convergência de sinais, quanto mais forte a luz, mais forte o cérebro interpreta ser a dor que vem das meninges – donde a fotofobia exacerbada durante a crise de enxaqueca, quando até a luz ambiente dói, fato quase incompreensível para quem não sofre esse tipo de desconforto. Neurologistas e neurocientistas trabalham lado a lado para entender a fonte da dor, a predisposição às crises, a sensibilidade aos gatilhos. Já se sabe, por exemplo, que a aura que em alguns casos prenuncia a crise cerca de meia hora antes de a dor se instalar resulta de uma onda de atividade elétrica alterada que se espalha lentamente pelo córtex cerebral, fazendo com que pontos cintilantes tomem conta de parte do que se vê, mesmo de olhos fechados. A aura pode ser uma grande aliada, pois garante à pessoa tempo de tomar medicação que evite a dor. Por que a aura prenuncia a dor, contudo, ainda não se sabe. Outro mistério em aberto é que – como alguns enxaquecosos descobrem por acaso durante suas crises de enjoo – vomitar pode dar alívio imediato. Se você sofre de enxaqueca, ou acha que esse é o seu caso, é fundamental recorrer a um neurologista para descobrir a melhor maneira de evitar mais crises. 32
especial • narcisismo
Eu e EU mesmo O narcisismo é um aspecto importante para a constituição psíquica, como ensinou Sigmund Freud, há mais de um século; em excesso, porém, tem características patológicas. O que muitas vezes é deixado de lado é o aspecto saudável dessa característica, relacionado à capacidade de liderar, tomar iniciativas e cuidar de si próprio
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ão é de hoje que o narcisismo tem má reputação. A depreciação dessa característica remonta pelo menos à antiga mitologia grega. Uma das narrativas desse velho mundo conta que o belo caçador Narciso (que, sem dúvida, ficaria bem satisfeito com sua atual fama) observou seu próprio reflexo na água e se apaixonou profundamente. O rapaz ficou tão impressionado com a imagem de si mesmo que morreu olhando para ela. Para a psicanálise, trata-se de um aspecto fundamental para a constituição do sujeito. Um tanto de amor por si é necessário para confirmar e sustentar a autoestima, mas o exagero é sinal de fixação numa identificação vivida na infância. A ilusão de que o mundo gira ao nosso redor é decisiva durante a infância, mas para o desenvolvimento saudável é necessário que se dissipe, conforme enfrentamos frustrações e descobrimos que não ser o centro do universo tem suas vantagens. Afinal, ser “tudo” para alguém (como acreditamos, ainda bem pequenos, ser para nossa mãe) é um fardo pesado demais para qualquer um. Alguns, no entanto, se iludem com o fascínio do papel e passam sua vida almejando o modelo inatingível de perfeição. 35
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É compreensível que, de forma exacerbada, a característica seja associada à patologia – embora na última versão do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, o DSM-5, lançada recentemente, o narcisismo tenha deixado a categoria de “distúrbio”. Alguns críticos dessa versão do manual sugerem que, apesar dos evidentes prejuízos que uma atitude marcada pelo narcisismo possa trazer, não interessa à poderosa indústria farmacêutica ressaltar essa questão, já que não há indicação de “remédio” para seu tratamento e, ao mesmo tempo, nossa sociedade incentiva todas as formas de autogratificação, ainda que isso não traga verdadeiro bem-estar.
Alguns acreditam que merecem tratamento especial ou que foram injustiçados, quando não obtêm o que desejam; enfrentar o trânsito congestionado ou fila, por exemplo, pode ser encarado como uma agressão Na edição anterior do DSM, o transtorno de personalidade narcisista era definido por sentimento excessivo de autoimportância, fantasias irreais de sucesso e intensa inveja, muitas vezes disfarçada, das realizações alheias. Pessoas com o distúrbio também tendem a acreditar que merecem tratamento especial ou que foram injustiçadas, quando não obtêm tudo aquilo que desejam. Há casos em que enfrentar o trânsito congestionado ou uma fila atrás de alguém que consideram menos importante, por exemplo, pode causar enorme mau 36
especial narcisismo
Certas atitudes parecem revelar a certeza do próprio valor, mas o que sustenta essa conduta é, na verdade, uma enorme fragilidade emocional, resultante da dor de não ter sido amado e valorizado
OS AUTORES SCOTT O. LILIENFELD é psicólogo, professor de psicologia da Universidade de Emory. HAL ARKOWITZ é psicólogo, professor associado de psicologia da Universidade do Arizona.
humor, como se fosse uma agressão ser exposto a esse tipo de desconforto. De fato, a compreensão contemporânea do narcisismo, mesmo entre leigos, raramente é amena. Faça um teste: digite em sites de busca as palavras “narcisistas são”. Certamente aparecerão termos pejorativos, como “egoístas”, “imaturos”, “superficiais” e “egoístas” para completar a frase. Apesar dessas características provavelmente serem indesejáveis, recentemente, o psicólogo Jean M. Twenge e seus colegas da Universidade de San Diego apontaram que o “grau” de narcisismo de universitários americanos subia vertiginosamente nas últimas décadas. Faz sentido se pensarmos que nossa cultura incentiva o individualismo e o culto ao “eu” e ao “meu”. É certo que pelo menos em parte a má fama do narcisismo seja merecida. No entanto, alguns pesquisadores apontam outras nuances sobre essa característica. Embora em excesso esse aspecto torne o convívio difícil, quando bem dosados, o amor-próprio e a autoestima são fundamentais para a busca de experiências saudáveis e a validação delas, o cuidado consigo mesmo e até para o exercício de atividades que exijam iniciativas de liderança e criatividade. 37
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Quem, EU? Cientistas têm se empenhado em quantificar a influência dos traços narcísicos na personalidade e descobrir de que forma essa característica se expressa nas atitudes cotidianas das pessoas 38
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lguns psicólogos conceituam o narcisismo como um egocentrismo exagerado. É evidente que todos podemos ser mais ou menos focados em nós mesmos em algumas situações, mas, para a pessoa extremamente voltada para si própria, torna-se difícil colocar-se no lugar do outro de forma empática. Com isso, as trocas afetivas ficam cada vez mais escassas, concorrendo para o empobrecimento do mundo subjetivo. Na tentativa de medir o “grau” de narcisismo, pesquisadores utilizam em laboratório o Inventário de Personalidade Narcisista . Ao responder a esse questionário, os participantes devem escolher uma entre duas declarações, como “Prefiro me misturar com a multidão” ou “Gosto de ser o centro das atenções”. Ou optar entre: “Não sou melhor ou pior que a maioria das pessoas” e “Acho que sou uma pessoa especial”. A pontuação revela a intensidade dos traços narcísicos na personalidade.
A análise de monólogos gravados mostrou que estudantes considerados narcisistas utilizaram significativamente mais vezes a palavra “eu” e menos o termo “nós”, em comparação com outros voluntários Alguns itens do teste refletem a constatação inspirada no mito grego do jovem Narciso, que fica tão obcecado pela própria aparência refletida no lago que termina por ser tragado pelas águas: narcisistas têm enorme preocupação com a própria aparência. O psicólogo Simine Vazire, coordenador de um grupo de pesquisa na Universidade de Washington, afirma que essas pessoas tendem a usar roupas caras e a gastar bastante tempo pensando em si mesmas, além de sentirem 39
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intenso prazer ao falar de si mesmas, focando os mais variados aspectos da própria vida. E isso se mostra até na escolha das palavras: em 1988, os psicólogos Robert Raskin, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Robert Shaw, da Universidade de Yale, descobriram por meio de monólogos gravados que estudantes considerados narcisistas utilizaram significativamente mais vezes a palavra “eu” e menos o termo “nós”, em comparação com outros voluntários. Cada vez mais, as evidências sugerem, no entanto, que – reconhecido ou não pela psiquiatria – o transtorno de personalidade narcisista resulta de uma mistura de elementos. O que salta aos olhos costuma ser a autossuficiência e a certeza do próprio valor, mas o que sustenta essa atitude é, na verdade, uma enorme fragilidade emocional, resultante da dolorosa marca psíquica de não ter sido suficientemente amado e valorizado na infância. É possível pensar que esse investimento exacerbado em si mesmo e no próprio universo, e mesmo o egoísmo, tenham a função de compensar a baixa autoestima. A forma como a personalidade narcísica se apresenta também varia. Líderes terríveis como Benito Mussolini, Adolf Hitler e Saddam Hussein (e até candidatos de direita no Brasil), venerados por seus seguidores, poderiam ser considerados narcisistas “pretensiosos”, extravagantes e prepotentes. Outro tipo de narcisista, menos óbvio, mas não menos devotado à própria imagem, é definido por cientistas como “vulnerável”. Em geral, são pessoas frágeis e reservadas, mas muito voltadas apenas aos próprios interesses, como alguns dos (apenas aparentemente) modestos personagens retratados por Woody Allen em seus filmes. (S.O.L e H.A) 40
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Sinal de PERIGO A opinião excessivamente positiva a respeito das próprias habilidades prejudica o senso crítico e favorece decisões precipitadas e comportamentos impulsivos, o que pode levar a pessoa a se colocar em situações desconfortáveis ou até mesmo perigosas 42
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ão raro, pessoas com traços narcísicos marcantes se colocam em situações que prejudicam a si próprias. Os resultados de um estudo desenvolvido pelo psicólogo W. Keith Campbell e seus colegas, da Universidade da Geórgia, mostraram que o narcisismo está vinculado à tomada de decisões muitas vezes precipitada – como ao apostar em projetos pessoais de maneira imprudente, baseadas na supervalorização das próprias capacidades. Em outro trabalho, os pesquisadores relacionam a característica à infidelidade e à impulsividade. Pessoas muito voltadas para si mesmas também podem ser propensas à agressão, especialmente após receberem insultos.
Líderes excessivamente voltados para si próprios podem inibir seguidores potenciais e nem mesmo notar que provocam essa reação; muitos tendem a se perceber como ótimos profissionais, embora outras pessoas não os julguem tão bem Um estudo conduzido pelos psicólogos Brad J. Bushman, da Universidade Estadual de Ohio, e Roy F. Baumeister, da Universidade Estadual da Flórida, indicou que pessoas consideradas narcisistas têm grande probabilidade de agir de forma vingativa e intempestiva contra quem acreditam que as ofendeu. Os cientistas pediram a um “falso” participante (na verdade, um pesquisador disfarçado) que criticasse textos escritos por estudantes universitários previamente reconhecidos como indivíduos com traços fortemente narcisistas. As críticas aos trabalhos foram recebidas pelo grupo como grande ofensa pessoal, uma ameaça ao próprio ego, como se a pessoa tivesse sido profundamente atacada e desvalorizada. 43
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O psicólogo Paul Nestor, professor da Universidade de Massachusetts, em Boston, ressaltou que pessoas com características intensas do transtorno de personalidade narcisista têm forte risco de passar por situações de violência, colocar-se em dificuldade financeira pela falta de habilidade de dimensionar riscos e desenvolver transtorno de personalidade antissocial. Todos esses desdobramentos estão relacionados a atos irresponsáveis e, em casos extremos, à prática criminosa. O outro lado Comportamentos autodestrutivos também podem decorrer do desespero de pessoas narcisistas que deixam de ter seu potencial reconhecido pelos outros. Em um estudo, uma equipe liderada pelo psicólogo Aaron L. Pincus, da Universidade do Estado da Pensilvânia, relacionou características do narcisismo patológico com tentativas de suicídio. Dados recentes indicam que egocêntricos podem se tornar especialmente vulneráveis, correndo mais risco de machucar a si mesmos, às vezes de maneira inconsciente. Os pensamentos suicidas e, eventualmente, a automutilação poderiam parecer contraditórios para alguém que se valoriza tanto, mas são bastante compreensíveis nesse contexto se levarmos em conta que na base desses sintomas está uma enorme fragilidade psíquica. Por outro lado, uma pesquisa conduzida pela psicóloga Amy B. Brunell, da Universidade do Estado de Ohio, em Newark, apontou que pessoas com característica narcísica rapidamen-
te emergem como líderes em discussões de grupo e nas redes sociais, apresentando maior probabilidade de alcançar posições de destaque, por sua atitude carismática, propostas eficazes e criativas. O problema, nesse caso, é que, dependen44
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do do grupo, líderes excessivamente voltados para si próprios podem inibir seguidores potenciais – e nem mesmo notar que provocam essa reação. O psicólogo Timothy A. Judge e seus colaboradores, da Universidade da Flórida, demonstraram que estudantes de um programa de gestão considerados narcisistas tendiam a se perceber como ótimos líderes, embora outras pessoas não os julgassem tão bem. As vantagens de ser voltado aos próprios interesses, porém, se estendem além da liderança. Um estudo desenvolvido e publicado pelo psicólogo Peter D. Harms e seus colegas da Universidade de Nebraska-Lincoln mostrou que pessoas consideradas narcisistas costumam se destacar em entrevistas de emprego simuladas, geralmente devido à habilidade de se autopromover. Esses resultados estão de acordo com outra pesquisa feita por pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia, segundo a qual pessoas que se destacam como celebridades costumam ter elevado grau de narcisismo, em comparação à população em geral. Considerar esses resultados pode nos levar a pensar que, apesar de a admirável capacidade de autopromoção de narcisistas pretensiosos poder ser incômoda para os que os rodeiam, é possível aprender com essa característica. Sustentar-se no centro do universo realmente pode ser cansativo demais, mas permanecer no controle da própria vida, sem a obrigação de brilhar em tempo integral, pode trazer muita satisfação. (S.O.L e H.A) 45
PARA SABER MAIS The handbook of narcissism and narcissistic personality disorder: theoretical Approaches, empirical findings, and treatments. Editado por W. Keith Campbell e Joshua D. Miller. John Wiley & Sons, 2011.
sentidos
, e t n e g e d s o h l O o h b i c e d s o o l h
ve is í s n e s s a n í te te m p ro l a u is v a m te i m i la r s Nosso s is a m r fo e d m à l uz q ue age o ve r m o c lo e s ra s pa ao dos i nse to tác u los s b o e d r ia v s e se de
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sentidos
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uitos seres vivos podem se orientar por direções e localizações geográficas ao perceber os sensores do campo magnético da Terra – uma força invisível para nós, mas capaz de fazer as agulhas da bússola apontarem para o norte. Ao longo da evolução, alguns animais migratórios como pássaros, baleias e tartarugas marinhas desenvolveram o sentido magnético para ajudá-los a percorrer longas distâncias. De fato, nos últimos anos, cientistas têm mostrado constantemente novos exemplos dessa percepção em diversas espécies, como moscas, galinhas, ratos-toupeira, lagostas, moluscos, tubarões, raias, trutas, morcegos, borboletas, vacas, baratas e, recentemente, raposas. Tubarões, por Podemos não ter consciência do exemplo, dispõem efeito dos campos magnéticos em de células detectonossa visão, mas prestar atenção ras de eletricidade ao que ocorre nos organismos localizadas ao longo do seu corpo, usamais simples que o dos humanos das para identificar traz revelações surpreendentes flutuações no campo magnético da Terra. Outros animais podem contar com um mineral magnético chamado magnetita, encontrado no nariz dos salmões e das trutas e nos bicos dos pombos. Já a maioria das aves se beneficia de um mecanismo que, associado à luz, atua sobre as proteínas dos olhos. Os pássaros são capazes de perceber campos magnéticos visualmente, por meio de padrões luminosos que se sobrepõem à visão comum. Agora alguns cientistas estão interessados em saber se os seres humanos também podem ter senso magnético. O neurobiólogo Steven M. Reppert e seus colegas, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts em 47
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Como o cérebro traça rotas Depois de andar por uma região desconhecida da cidade, você certamente consegue retornar ao metrô, ao carro ou a outro ponto de partida. Isso ocorre graças a uma área do cérebro chamada córtex entorrinal, região recentemente associada pelos cientistas ao senso de direção. De acordo com pesquisadores da Universidade College de Londres, variações dos sinais nessa região podem ajudar a explicar por que algumas pessoas se orientam no espaço melhor do que outras. Descobertas nessa área garantiram ao neurocientista John O’Keefe o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2014. Ele descobriu as “células de localização” no hipocampo, região associada com a memória. Esses neurônios são ativados quando nos movemos para áreas específicas, então se agrupam e formam um mapa do ambiente. O’Keefe apoiou sua pesquisa em estudos anteriores de Edvard Moser e May-Britt Moser, do Instituto Kavli de Sistemas de Neurociência, na Noruega, que identificaram “células de rede” no córtex entorrinal, uma região vizinha do hipocampo. Considerados o sistema GPS do cérebro, esses neurônios podem nos informar onde estamos em relação ao ponto de partida. O terceiro tipo, as células de orientação (encontradas também na região entorrinal), dispara quando deparamos com pontos de referência – “em relação à montanha”, por exemplo. Em conjunto, esses neurônios especializados parecem nos permitir a locomoção pelo espaço, precisamente em ambientes não bem conhecidos – alguns grupos de células estão envolvidos na orientação, enquanto outros, na construção da rota para chegar a determinado ponto. Até a conclusão desse estudo, pouco se sabia sobre como e onde esses sinais de localização no espaço eram gerados no cérebro.
Worcester, descobriram recentemente que o olho humano carrega uma proteína sensível à luz que pode funcionar de forma similar ao receptor magnético das moscas. Segundo Reppert, podemos simplesmente não estar conscientes do efeito dos campos magnéticos em nossa visão. No entanto, prestar atenção ao que ocorre nos organismos mais simples que o dos humanos pode trazer revelações surpreendentes. Já sabemos, por exemplo, que, assim como acontece com muitos animais, a retina envia muito mais sinais ao cérebro das pessoas do que se supunha há duas décadas. A maioria das informações viaja através do tálamo ao córtex visual e, em seguida, para as regiões que executam o processamento consciente. No entanto, algumas informações se desviam para o núcleo supraquiasmático, o relógio biológico do corpo, permitindo, por exemplo, que pessoas cegas tenham habilidades inconscientes para navegar entre obstáculos, sem esbarrar neles, mantendo os ritmos circadianos saudáveis. 48
livros | lançamentos Transexualidade – O corpo entre o sujeito e a ciência. Marco Antonio Coutinho Jorge e Natália Pereira Travassos. Zahar, 2018. 149 págs. Impresso: R$ 49,00. E-book R$ 34,90. https://zahar.com.br/livro/ transexualidade
Transexualidade, nem glamourosa nem banal Autores tratam da condição trans pelo olhar da psicanálise sem cair nas armadilhas fáceis de abordar o tema pela via da patologização ou do olhar simplista, como se essa vivência fosse fácil ou corriqueira
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os últimos anos, o tema da transexualidade tem ganhado espaço na mídia e também no meio acadêmico. Possivelmente, profissionais da área da saúde mental passaram a ouvir em seus consultórios ou nos serviços públicos alusões diretas ou indiretas mais frequentemente a questões de gêneros, ainda que esse não seja seu campo preferencial de atendimento. Apesar da presença do assunto, a forma banalizada como o tema é muitas vezes tratado, na televisão ou nos círculos sociais, parece ignorar o sofrimento inerente à situação de transição vivida não apenas pelo próprio sujeito, mas também por aqueles que o rodeiam e são implicados por todas as intervenções mé“Para cada sujeito o dicas (muitas delas irreversíveis). No livro que está em jogo é uma
constelação simbólica única, exclusiva, impossível de ser repertoriada como um fato psíquico geral”
Transexualidade – O corpo entre o sujeito e a ciência, os autores Marco Antonio Couti-
nho Jorge e Natália Pereira Travassos abordam a questão de forma direta e objetiva, trazendo o olhar psicanalítico, sem cair
livros | lançamentos
na armadilha fácil da patologização, nem da “Como Freud revelou, simplificação da condição trans. não há inscrição Os autores, entretanto, não se restringem da diferença sexual à clínica, mas levam em conta a transexualidano inconsciente. de como um fenômeno social complexo, que Assim no campo pode ser compreendido com base no referendo simbólico, no qual cial freudiano. Para a psicanálise, a experiência o sujeito é transexual – aliás, assim como qualquer outra representado e – deve ser olhada como singular, o que torna do qual ele é efeito, impossível sua apreensão a partir da generaa diferença sexual lização, por mais sofisticada que seja. “Isso não encontra uma porque para cada sujeito o que está em jogo distinção como é uma constelação simbólica única, exclusiva, aquela exposta pelas genitálias impossível de ser repertoriada como um fato ou pelo real do corpo” psíquico geral”, ressaltam os autores. Para discutir o tema, Coutinho Jorge, psiquiatra e psicanalista, professor do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de janeiro (Uerj), e Travassos, psicanalista, mestre pela Uerj e membro do Corpo Freudiano Seção Rio de Janeiro,apresentam uma breve história da sexualidade tanto no campo da medicina, quanto psicanalítico, além de ressaltar implicações, nem sempre confortáveis, das expressões da sexualidade na cultura. Ressaltando aspectos da diferenciação sexual e de gênero, essenciais para o aprofundamento no tema, os psicanalistas propõem discussões relevantes e pouco exploradas do ponto de vista psicanalítico, como a violência e a fragilidade a que a população trans costuma ser exposta, bem como a relação entre homofobia e transexualidade. São questionados, por exemplo, os equívocos e preconceitos dos próprios profissionais e a rapidez da medicina ao atender às demandas de adequação corporal dos transexuais. Nesse sentido, Travassos e Coutinho Jorge enfatizam a necessidade de maior precisão, delicadeza e cuidado nas avaliações dos casos de transexualidade, sobretudo na infância. 47