© Via Lettera Editora e Livraria Ltda. 1* edigào: maio de 2011
CIP-BRASIL. CATALOGACÁO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ L762 O livro negro da psicopatologia contemp orànea / Alfredo Jerusalinsky Jerusalinsky e Silvia Fendrik (orgs.). - Sào Paulo : Via Lettera, 2011. 280p. Apéndice Inclui bibliografia bibliografia ISBN 978-85-7636-103-9 1. Psicopatologia. 2. Psicanàlise. 3. Psiquiatría. I. Jerusalinsky, Alfredo. II. II. Fendrik, Silvia. 11-2406.
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2011
In t r o d u < j á o i i m u m u u n í i i i i i i i i i i t u ni k i i i i ii i ii m u i iit i i i i i t ii i k i i i ii ii t ii i ii ii mii ti i un j imi i ii i i t i i ii i i ii i i ti ii i ii i i m i i t i
Silvia. Fendrik e Alfredo Jérusalinsky
O Livro Negro da Psicopatologia obedece ao efeito de perplexidade ante os furiosos ata ques á psicanálise, cada vez mais coléricos e cada vez mais infundados, cuja expressao mais recente se encama em um compendio de mais de oitocentas páginas também intitulado O Livro Negro. Referimo-nos, claro, ao Livro Negro da Psicanálise. No entanto, contra o que seu título possa sugerir, este nosso Livro Negro nao foi conce bido com o um contra-ataqu e em espelho a essas denú ncias frenéticas feitas á psicanálise em nóme do positivismo científico ou cientificista. Responder contra-atacando foi urna enorme tentagao - á qual tivemos de resistir -, já que muitos d os argu mentos u tilizados pa ra refu tar a psicanálise - duragao extensa- dos tratamentos, n ao resolugáo ¡mediata d os síntomas, volta ao passado, intelectualizagao, puro palavreado, submissao cega aos mitos fundantes e sobretudo m uito cara - tém desde sem pre sido objeto de colocagoes e questionam entos valiosos e lúcidos, por parte de psicanalistas de distintas correntes, comegando pelo próprio Freud. Nen hum psicanalista que tenha seguido - e entendido - Freud e Lacan defende hoje a psicanálise com o se se tratasse de tuna seita, urna religiao, urna prática inefável e/ou um discurso de certezas irrefutáveis contra a racionalidade do espirito científico. Ninguém pode acusar a psicanálise de falta de reflexáo "autocrítica". Aqueles que contribuíram para fazer com que este livro existisse concordam que o ponto crucial nao está na denuncia da impunidade com que se a acusa de men tirosa, mu ito cara, sugestionadora, inoperante etc. E interessante record ar aqui o ensaio de Oscar W ilde - Em Defesa da M entira - no qual se poe em evidencia o bom servigo que a fantasía presta á verdade e o engano que comete quando apenas se considera verdadeira a "pu ra realidade". Considerando o fato de que toda ideología necessita de u m inimigo pa ra se afirmar em "n ovos principios", e em "novas p rom essas" - os ataques á psicanálise nao sao urna excegao a esta regrá d a política selvagem - , temos levado em conta a possibilidade de res ponder indignadamente as acusagSes, mostrando suas virtudes ou boa fé... mas a descar. tamos. Acreditamos que os leitores merecem outra coisa, que se chama, em primeiro lugar, uma rigorosa crítica epistemológica. E por isso que nao optamos por urna informagao encobridora com o fim de propagandear as "bondades" da psicanálise contra as "maldades" das neurociéncias ou das terapias cómportamentais a servigo da massifkagao do sujeito. Lamentavelmente, aqueles que defendem a medicalizagao para suprimir os conflitos, ou que propiciam os exertícios com portamentais de reeducagáo, langaram-se em um a série de ataques inconsistentes na avidez de conquistar um público desejoso de respostas para os problemas cotidianos no casal, na familia, no trabalho, na escola ou em seu próprio mundo interno. Uma guerra marketeira que busca destruir um inimigo ao qual atribuí, como cor
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responde à lógica d as guerras fundam entalistas, lodo tipo de atrocidades, mas que descorihece, no fundo, a lógica de seus fundam entos. Em nosso Livro Negro, nao optamos pelo caminho da difamagào. Por isso, pareceu-nos crucial analisar e oferece r os resultad os de urna análise crítica e rigoro sa do DSM-1V, a última contribuito da psiquiatría contemporánea. E nessa diregao que mostramos os erros e as co n tra d ice s que se revelam p or detrás de suas inumeráveis classificagoes. Elas abordaram o ámbito da psiquiatría para se torn ar mo eda de uso corrente ñas escolas, nos hospitais, nos tribunais, ñas familias, receitas com as quais se pretendem resolver nossas vidas, salvandoas dos charlatòes e mod ernos curand eiros cham ados psicanalistas, ao quais continua expos to um público de supostos consum idores ignorantes e submissos. Quem hoje nao conhece um TDA, um TGD, um TOC? Quem está isento de sofrer um transtorno alimentar, de sono, urna adigáo, um transtorno de comportamento sexual? A ligeireza (e imprecisáo) com que as pessoas sao transformadas em anormais é diretamente proporcional á velocidade com que a psicofarmacologia e a psiquiatría contemporánea expandiram seu mercado. Nao deixa de ser surpreendente que o que foi apresentado como avango na capacidade de curar tenha levado a ampliar em urna progressáo geométrica a quantidade de "doentes mentáis". N o entanto, este livro nao foi concebido como urna somatória de denu ncias à ideologia disfarcada de ciencia que psicologizou e med icalizou a vida cotidiana. Tampouco é urna de clara do de guerra. Nossa meta é mais ambiciosa. O que exigimos sao fun da m en tales - nao ataques nem defesas nem contra-ataque s - dos profissionais ou leigos que utilizam c ada vez mais as siglas numeradas para classificar como desviados das normas nossos comportamentos "inesp erado s". Será que nao se transform aram as siglas em urna verdadeira adigáo? O curioso é que, contrariamente a essa, suposigào de ignorancia em um público do qual de um modo mal-intencionado a psicanálise se aproveitaria, esta Continua se empenhando em levar o sujeito a reconhecer seu pròprio saber inconsciente acerca do que o atinge. O inconsciente nao é o nao-consciente, nao é urna característica negativa, sao pensamentos que estáo estruturad os co mo urna linguagem que deve ser decifrada. É por isso que esse saber náo se cunha em categorías nosográficas. E é também por isso que na pràtica psi canalitica nào se trata de impor u m determinado vocabulário psicopatológico pa ra orientar a deman da ou a diregao da cura. Inversamente, a psiquiatría contemporánea se autoconferiu a missáo de divulgar "novas nom enclaturas" - as quais os meios •e difusáo aderem fervorosamente -, gerando um p anóptico de títulos diagnósticos que quase sempre repo rtam ao caráter neuroquímico da afeegáo. Por exemplo, temos o M an ual M erck de lnform agüo M éd ica par a o Lar, um manual que vem sendo editado há 103 anos. Em sua Segáo 7, dedicada aos "Transtomos Mentáis", ' considera que a similitude entre as categorías diagnósticas do DSM-IV (1994) e o C1D-10 (Classificalo Internacional de Doenga, décima revisáo, modificado clínica) implica que "o diagnóstico das doen gas men táis específicas está sendo feito de urna forma mais consistente e padronizada em todo o mundo". Isso somado aos avangos nos métodos (especialmente as novas técnicas por imagem) "levaram a urna maior precisao no diagnóstico" (refere-se ao diagnóstico psiquiátrico). Apesar de podernos celebrar a precisao com que as novas
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técnicas por imagens (ecografías, TC, RM, PET etc.) e os novos estudos genéticos permitem diferenciar a incidencia de determinad os transtorno s neurológicos e constitucionais em algumas afeegóes mentáis, nào é obvio que todas estas respondam ao mesmo modelo de determinagao. Em outras palavras, se, por exem plo, na Sindrome d e Rett a determinagào da desintegragào evolutiva do psiquismo obedece a urna primazia d a orde m genètica, isso nào autoriza per se urna generalizado das causas genéticas para todas as afeegóes mentáis. No entanto, é necessàrio assinalar que ñas novas categorías diagnósticas do DSM-IV, tais como Depressáo (TD), Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), Transtorno de Déficit de Atengao e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Bipolar (TB), Transtorno de Ansiedade, nao há esta correspondencia com anomalías registradas em estudos de imagens ou genéticos. Por sua vez, no que se refere aos T ranstom os Globais do D esenvolvimen to (TGD) e aos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) - entre eles, o Espectro Au tista e a Síndrome de Asp er ger -, devemos observar pelo menos tres questoes decisivas. A primeira é a estranhamente grande quantidade e variedade de criangas que, sob a enorm e heterogeneidade dos indicad ores a tualmente p ropostos, é incluida em tais afeegóes. Urna recente publicagáo da revista Época (Sao Paulo, Brasil), em seu artigo de capa dedicad o ao autismo, afirma que há dois milhóes de criangas autistas no Brasil, o que equivalerla aproximadamente a um autista para cada vinte e cinco criangas. Sob todos os aspectos, trata-se de um absurdo clínico e social. A segunda questao é que em urna grande proporgao dessas afeegóes nao há registro genético nem de imagem que revelem indicadores patognomonicos do transforno. A terceira questao é que na maioria desses casos está claramente demonstrada a de cisiva incidencia do tratamento específico do psiquismo no grau de recuperagáo e/ou na velocidade de deterioragáo nos qu adros evolutivos. Em todas as categorías diagnósticas utilizadas no M anual M erck (que de um modo geral coincidem com as do DSM-IV), há uma separata destinada ao tratamento (em algumas "diagnóstico e tratamen to", em outras "progn òstico e tratamen to", e em outras apenas "tratamento"). Encontramos ai com regularidade que se prescrevem tratamentos farmaco lógicos mais alguma intervèngào psicoterapèutica geralmente especificada como "terapia do comp ortamento'e/ou cognitiva". O curioso é que também se recomendam terapias tais como hipnoterapia, narcoanálise, ervas, assessoramento (?), relaxamento, terapia de exposigao, terapia cognitiva, de apoio, conversar com um médico no qual se tenha confianga e um a variedade de "solugóes alternativas". Ao mesm o temp o, adverte-nos sobre o risco de recorrer a "terapias prolongadas e custosas que podem ser perigosas". Teríamos direito de supor que se refere a psicanálise, considerando que é a única terapia que nào se reco men da e que se apresenta em suas páginas introdutórias como uma "psicoterapia antiga"? Com efeito, em seu Capítulo 104 intitulado "Sex ualida de", no qual o manual inclui as categorías: Homossexualidade, Atividade Sexual frequente com diversos parceiros, Identidade de gènero (aqui se fala de "transtomo" por identidade de gènero e transexualismo). Parafilías (Fetichismo, Fetichismo travestido, Pedofilia, Exibicionismo, Voyeurismo, M aso quismo e Sadismo), nao figura o item "tratam ento ". Esta omissáo, que tam bém cometem na Sindrome de Miinchausen, seria devida a nào existirem registros de ima gem nem genéticos,
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nem eficácia das terapias cognitivas ou comportamentais, nem tampouco psicofármacos aplicáveis a esses qua d ros? Esta é a contribuido dos Merck Research Laboratories à aproximagào entre o lar e o DSM-IV. Como costuma acontecer, a literatura se adiantou um par de décadas ao DSM-IV sem considerar o singular fenómeno - bastante anterior - de Júlio Verne com suas novelas "cie ntífico-preditivas". Nao é casual que as primeiras preocupagòes da ficgao científica girem em torno de dramas protagonizados por robos humanoides, que nao se satisfazem simplesmente com um p ensam ento que ap enas consiste num coquetel de memo ria e selegao de respostas, que exigem a devolugao d e algo que na verd ade nu nca tiveram: sentimientos, prazer, sexualidade, dúvidas, curiosidade, relado com os outros, desejos, expectativas, desejando inclusive a morte. Robos indignados-entristecidos-raivosos reclamam aquilo que nao lhes foi dado: a condido humana. Os primeiros cinquenta anos da ficgao científica foram assim:ios robos nos invejavam po rque se viam limitados a sem pre dar as mesm as respo stas estereotipadas. O parad igma da época , o conto O homem bicentenàrio de Isaac Asimov, nos mostra que o ideal dos robos éramo s nós, os h umanos. Eram eles que queriam se parece r conosco. No entanto, ñas últimas décadas, produziu-se urna curiosa inversao: caímos na
tentaxáailíUM5-paje££mi^xQgLele^ Efetivamente a tecnociéncia contemporànea difundiu a ideia de que é possívél aceder à felicidade por urna via simplificada: memoria abreviada e selegao simples de respos tas rápidas. Oferecem-se entao diversos artificios para o ensaio desta finalidade: livros de autoajuda para situagoes específicas (para encontrar as devidas respostas é necessàrio, certamente, formular as perguntas específicas de modo a que correspondam a esse deter minado livro), cirurgias plásticas para m ante r contentes os espelhos virtuais, listas de com portamientos adequad os para asse gura r a qualidade ótima de qualquer conduta e, acima de tudo, urna boa batería farmacológica para empurrar nossa subjetividade em urna diregao prc-programada. A cibernética neuroquímica terá assim reduzido nossa vida psíquica a respostas "adequadas", que curiosamente coincidem com as que oferecem os livros de au toajuda, ou qualquer lista de comportamentos positivos, ás quais se somam as indicagoes - sempre atualizadas - de qualquer terapia compo rtamental. Os robos nao p recisam se preocu par, já que hoje em d ia parecem s er eles os que encar nara o ideal: sem desejos, sem envelhecimento, sem falhas, com automatismos garantidos para cada situagao específica, sem vacilagáo, tudo positivado em um pensamento "positi vo". No entanto, devemo s sublinhar que, enquanto aqueles robos dos anos 1930 representavam em sua rebeliáo os ideáis de um modernism o rom àntico, os atuais "transtom os" - sob suas formas toxicomaníacas, bulímicas, anoréxicas, de padroes sociais de sucesso ou de quimiopsiquiatria - repres entam a obediencia recoberta po r um falso man to de liberdade, pròpria de urna pós-m odern idade cínica, porqu é nela o verd adeiro d eriva do sucesso e nao o contràrio. Enquanto a cibernética eletrónica procura engenhosamente capacitar seus robos para responder a questoes cada vez m ais aleatorias, e até para form ular perguntas, nós hum anos somos levados a urna "padronizagáo" do controle da "mente". Amparados em padroes diagnósticos cada vez m ais ampios - depre ssào, TOC, Asp erger etc. - , incluem -se os mais
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heterogéneos conjuntos de síntomas justificando deste modo a utilizalo dos mesmos psicofármacos. Nào obstante, o ideal de um pensamento simplificado (memòria reduzida + selegào de respostas corretas) provocou efeitos de resistencia radical: os toxicòmanos, em vez de aceitar respostas-padrào, criam seu pròprio m un do alucinatório, os anoréxicos se negam a engolir os fast-fo od, os hackers atacam as máquinas tentando dem onstrar que sao mais inteligentes do que elas. Todos aqueles que aparentemente recusam qüaiquer relagao com o outro, paradoxalmente, formam grupos que mantém uma surpreendente solidariedade interna, enquanto, na tentativa de os devolver à Ordem (padrao), as terapias cognitivas continuam elaborando listas de de sordens e d e selegào de respostas corretas para condicionarm os u ma obediencia exitosa. Em um mundo em que o sujeito se desvanece ao redor da promessa de ter respos tas para tudo, curiosamente surgem e proliferam as "patologías" que consistem em ser "n ad a", u m ou um a "n ad a" que lhes devolva a possibilidade de desejar "algo". Acontece que o modelo prop osto atualm ente su bstituí o saber pela informagao, a falta pela completude, a busca pela resposta "já", a singularidade da diferenga pela repetigào do idèntico, o enigma do passado e do futuro pela pretensa certeza garantida do presente. O ideal seria que adaptássem os nossa exp eriencia àquilo que com toda a propriedade po deria se chamar: Homo Autom aticusl Apesar das tantas vezes que se quis estender-lhe um certificado de disfungào, a psica nálise é um m orto que go za d e bo a saúde. E, como o trabalho do psicanalista nào é apenas atender pacientes, mas também tratar de entender e questionar os efeitos dos discursos sobre nossas vidas, surgem a necessidade e o interesse - nào som ente profissionai - de um livro como este, feito com as contribuigoes de quem aceitou o desafio de uma "análise do discurso" do DSM, evitando respostas "em espelho" desde a soberba ou a ignorancia. Há entre eles psicanalistas e psiquiatras de reconhecida e extensa trajetória, assim como pesquisadores de carreiras brilhantes que, sem serem psicanalistas, apostam e se compromctem a resistir ao pesadelo dos transtom os generalizados de com portamento. A insistente referencia ao sujeito que se de staca na m aioria dos artigos deste livro nào pretende reivindicar sua substancia, sua "transcendencia" ou sua imanència ao modo de um humanismo filosófico que roga pela alma e pelo espirito, denunciando a ciencia que o opera, o fragmenta e o classifica, reduzindo-o a siglas ou cifras estatísticas. O risco de falar de sing ularidade do sujeito em oposigào à massificagáo é cair em urna idolatria do sujeito, e seu corolário, o desfiar de pregagòes q ueixosas para reivindicar em u m jargáo psicanalitico a alma (do sujeito) que a tecnologia pretende eliminar. O risco existe, quando se ataca o DSM como se fosse um a em presa satánica - ou um saco de gatos - e nao um discurso efi caz. Dai a difícil tarefa de analisar este discurso para encontrar, a partir de sua eficácia, as falhas e falácias de seus argu men tos e os ideáis - padroe s - nos quais se sustentam. Por isso é que o apelo ao sujeito - "con tra sua destruigáo" - nao deve ser mal-entendido como u m arrazoado hum ano. O sujeito nào é o individuo frente ao homem ou, mais recentemente, à mu lher-massa. O sujeito nao ocupa o centro do universo, simplesmente porque nao há um universo nem u m centro, mas u ma abertura central a partir da qual as palavras e as coisas se determinam p ara cada um de um m odo diferente. Essa é a singularidade do "sujeito".
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Depois de Freud, a equipe psicanalitica faz sua propaganda em um estilo que a palavra charlatanismo explica muito bem os psicanalistas em conjunto querem que se saiba que estâo ai para o bem de todos/ mesmo que saibam que devem estar atentos a nào se dirigir demasiadamente rápidos para o bem da singularidade, para o bem desse de quem tratam, porque sabem perfeitamente que nâo é querendo o bem das pessoas que se o alcança, e que a maior parte do tempo é exatamente o contràrio. (Lacan, "Meu ensino") .....
E a necessària imp ossibilidade d e dizer que é justamente o efeito da psicanálise com o discurso e de medir seus efeitos terapéuticos, o que cai muito bem a seus detratores, que desse modo se arrogam a pensar que, apesar das críticas ferozes, é o que faz que a psicaná lise continue existindo, inclusive como "charlatanice". "... em suas explicaçôes ad usum do público se reconhece a charlatanice. Ao se olhar bem para a historia, nenhum a charlatanice resistiu tanto, o que deve responder a algo que a psicanálise reserva para si, que constituí justamente sua dignidade" (Ibidem). Fala-se "m al" da psicanálise - quando se diz o que nâo "é " e se denunciam suas men tiras ou mitos. Nâo é simples para ninguém - muitas vezes nem sequer para um psicanalis ta expedente - entender que a verdad e de um sujeito p0.d£-SË£iahuJacâ.0-nu mentira para outro, inclusive para o pròprio "eu"! Em seus esforços por transmitir o real, o indizível, o impossível, os próprios psicanalistas nâo deixam de falar "m al" da psicanálise - charlata nice. Delà nâo se pode falar "bem", já que nâo constituí estritamente "um saber" em que a verdade se op5e à mentirax orno acontece nos outros cam pos do conhecimento científico ou lógico-filosófico. N o entanto, respo nde ao espirito científico da psicanálise haver d escoberto que a verdade só pode ser dita como uma ficçâo, mas isto nâo é o que entendem os detrato res, já que ignoram a diferença entre a ficçâo-verdade, a verdade-ficçâo e o "pu ro co nto". A consigna que reuniu neste livro diversas trajetórias clínicas é analisar as consequéncias de urna pràtica que considera os sinais "objetivos" como dados inequívocos em contraste com a decifracâo e a escuta cuja chave e código se encontram no pròprio paciente e nâo ñas siglas ou ñas listas de indicadores de um manual. Resta apenas esperar que a for ça da inercia da destruiçâo do sujeito que se pratica na vida contemporánea se detenha ao menos ante quem ainda se permite formu lar dúvidas e sustentar perguntas.
In Tempo Em 28 de julho de 2010, a agencia de noticias Reuter deu a conhecer a resposta que o Royal London College of Psychiatrics endereçara ao grupo de psiquiatras que, nos EUA, está encarregado de revisar e corrigir o DSM-IV para a ediçâo do DSM-V (prevista para 2013, embora provavelmente seja antecipada para 2012). Esta resposta foi originada por uma consulta na quai o grupo norte-americano solicita de seus colegas británicos opiniôes e rectnnendaçôes surgidas da aplicaçâo do DSM-IV desde 1992 (ano de sua publicaçâo) até a atualidade. Nela, os psiquiatras ingleses manifestam que a aplicaçâo do DSM-IV tem p rodu zido ao meno^três epidemias falsas? 1) o Transtorno Bipolar; 2) o Transtorno de Déficit de Atençâo e Hiperatividade; e 3) o Autismo InfantiL,
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O DSM-IV e a pràtica psiquiátrica A ùltima versào do Diagnostic and Statistical M anual o f Mental D isorders (DSM-IV) cons tituí urna ferramenta eficaz para os psiquiatras de cuja utilidade ninguém pode duvidar. A partir desta afirmagáo, é possível se perguntar em que consiste, para que e para quem? Em primeiro lugar serve para pod er estabelecer claramente, quando um psiquiatra re cebe em tratamento um paciente, onde este pode ser situado no mapa classificatòrio. E isto fica simples mesmo quando a decisào é tomada segundo o critèrio com que nesse momento o psiquiatra vai classificar, mesmo quando, e com frequència ocorre, outro psiquiatra ou mesmo em outro momento, seja possível escolher outra divisào do M anual para esse pa ciente. O que é praticamente certo é que vai encontrar um lugar no mapa, quando nào tiver a possibilidade de propor outra alternativa para ser acrescentada à lista.1 Em segundo lugar, é um excelente auxiliar para a tarefa estatistica. Sua utilidade é indubitàvel. Em terceiro, sua tarefa terapèutica é simplificada porque, ao saber a que divisáo co rres ponde o paciente, poder-se-á deduzir com bastante precisao o tratamento correspondente, seja psicoterapèutico, farmacológico ou misto, que certamente terá de escolher recorrendo a séus conhecimentos, à bibliografia correspondente, ao vade-mecum e à sua experiència. Mas a divisáo, submarino fundido ou fragata avariada, facilita seu trabalho. Em quarto, sua posigáo de médico possuidor de um conhecimento e de elementos para a agào fica resguardada. Os paradigmas da psiquiatría e suas crises A partir destas observagòes, algumas dúvidas sao necessariamente introduzidas no campo mesmo do fazer psiquiátrico que nào podem ser separadas da historia do sistema classificatòrio. O DSM assume plena vigencia a partir de 198 0.2 Até entáo com o se virava m os psiquiatras?
1. É o caso, como veremos adiante, da proposta da felicidade como u m transtom o afetivo maior por parte de Richard E Bentall. 2. Na realidade, o D S M - I surgiu em 1952, mas nao foi aceito como nomenclatura oficial dos EUA, em 1968 foi publicado o D S M - I I , adotado pela Associagáo de Psiquiatria Americana, mas logo
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Parece-me proveitoso remeter-me a um texto cuja apariçâo em castelhano data do ano 2000: Ensaio sobre os Paradigmas da Psiquiatría M oderna de G eorges Lantéri-Laura. Nele se estabelece, partindo do conceito de paradigma na historia das ciencias de T. S. Kuhn e perm ilindo-se, com as ressalvas pertinentes, transportá-lo para a historia da psiquiatría, o ordenamento desta em très períodos dominados por sua vez por très paradigmas diferen tes. E importante destaca r o que considera com o paradigm a e a noçâo de "crise" do mesmo. O p aradigm a seria "o conjunto de con hecimentos transmitidos que constituí a ciencia no r mal enquanto desempenha bem seu papel e que serve de referencia fundamental e eficaz para todos os saberes e para todas as questôes que se colocam em seu seio" e acrescenta quanto às "crises" "que o paradigma desaparece e a crise nâo se resolve até que um novo parad igma venha a ocup ar o lugar do antigo e prestar novos serviços, que seu predecessor nào conseguiu assegurar" (Lantéri-Laura, 2000, p. 47). Com este instrumento, o au tor da ta o com eço da psiquiatría em 1792. Para isso, situa o que considera um aspecto imp ortante da origem da patología mental, pressupond o uma "representaçâo social da loucura" e "a adequaçâo à medicina de uma parte desta representaçâo" (idem, p. 17) e tende a duas questôes: em primeiro lugar suplantar outras explicaçôes (religiosas, sobrenaturais, míticas etc.) e, em segundo, tratar de dar conta da totalidade da loucura. A parte da loucura que é cooptada pela medicina vai se definir de acordo com o paradigma que, em cada época e lugar, domine sua descriçâo, organizaçâo e classificaçâo. O que implica a suposiçào de q ue a concepçâo social da loucura a preceda. H á culturas sem med icina da mente, m as quase todas as culturas contêm sua representaçâo da loucura, Lantéri-Laura refere-se à psiquiatría, tal como fica definida e organizada na cultura ocidental. Com a noçâo de "crise", podemos desfazer qualquer ideia de continuidade ou substituiçâo natu ral de um p arad igm a por ou tro e revela que nâo se trata de que um pa radig m a seja refutado nem que o seguinte tenha sido dem onstrado, m as que se deixou de usar de fato, e o seguinte, sem que se saiba com o nem po r que foi entroniza do,3 estabeleceu-se de fato. O paradigma está destinado necessariamente, na medida em que à disciplina em questáo sejam colocadas a com plexidade de seus assuntos e a apariçâo de novos problemas, a entrar em crise e desaparecer. Como a psiquiatría nâo é uma ciencia, e se pretende sé-lo está longe de conseguir, é possível com preend é-la ligada ao desenvolvimento de ou tras disciplinas heterogéneas en tre si nas quais vai se basear, m as p or sua ve z vai lhe trazer mais interroga çôes do que soluçôes. Provavelmente estas contribuiçôes da cu ltura vâo prod uzir as müdan ças que levam às crises e a um novo parad igma. Por ser um a concep çâo histórica, vamos nos encontrar com continuidade junto a esta descontinuidade. O primeiro p arad igm a da p siquiatría vai dom inar d esde fins do século XVIII até a metade do XIX com a ideia, arraigada nas tradiçôes francesas, alemas, italianas e inglesas, de que seu campo está organizado por uma afecçâo única que fundamentalmente Pinel, mas
em 1980, com a publicado do D S M - 1 I I , tom ou-se um suplemento da Cl D -9 - Classifi cagao I nt ernacional de Doengas em sua versáo anterior à que vigora na atualidade. 3. Certamente, poder-se-ia saber, mas apenas retroativamente.
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tamb ém ou tros autores, champú "alienagáo m ental". Este período, ao qual o autor restringe seu tempo de dominio, estende-se entre 1793 e 1854, quando se finda com o su rgimento do artigo de J.-P. Falret (1864), intitulado "D a nao-existencia da m ono man ía". O se pm do , denominado por T.antéri-Laura de "as doengas men táis", rompendo com a ideia de doenga ou afecgao única e renunciando a constituir uma extralcrritorialidade com relagao á medicina, passa a se inscrev cr de fato e de direito dentro déla. E o tempo em que se d esenvolvem a ex travag ante describa o das doengas mentáis feitas pelos alienistas e a organizagáo dos grandes quadros classificatórios. Considera seu termo no ano 1926, momento em que, no Congresso realizado em Genebra c em Lausane, Bleuler expóe seu conceito sobre o grupo das esquizofrenias. O terceiro, chamado de grandes "estruturas psicopatológicas", surge pela influen cia de várias disciplinas próprias dessa época como a Gestallíheorie de Koelher e Koofka, a neurobiologia de Goldstein, a fenomenologia, os formalistas russos, o estudo dos mitos na antropología do século XX, a semiología e a lingüística, as matemáticas e a psicanáli se. Recupera-se certa unidade perdida pela dispersao das descrigóes das variadas doengas mentáis em um número restrito de estruturas. Termo que pouco depois deveria assumir um lugar destacado no que se chamou ciencias humanas, especialmente com a lingüística e a an tropología. PropSe como data de encerramen to o momento da m orte de Henri Ey em 1977. Lantéri-Laura sustenta que, ao haver terminado este terceiro paradigma, ou seja, com a entrada em u ma nova crise, aínda nao se po de definir um n ovo qu e o substitua. Nos últimos anos do terceiro paradigma, desenvolveram-se novos psicofármacos, fato que passou a ter progressivamente maior importancia, e imediatamente comegaram a ter um pred ominio notável os estudos sobre as neurociéncias e a genética. A psiquiatría nos últimos anos foi-se apoiaxtdo cada vez mais neste tripé: psicofarmacologia, neurociéncias e genética, podénd o-se questionar se estes desenvolvimentos p ermitiriam definir um nov o paradigma psiquiátrico dominante desta época. Considero que é uma presungáo que nao deve ser descartada. No terceiro paradigma, a influencia da psicanálise foi enorm e, a ponto de a apro ximagao entre am bas as disciplinas pode r ser m arcad a claramente. Inclusive, forjou-se, sem pa recer forgada, a expressáo "ps iquiatría psicana lítica",4 suposta síntese, ou melhor dizendo, sincretismo, que pode se sustentar sobre a base de conseguir uma coincidencia ñas nogoes de estrutura e de estruturas psicopatológicas. Junto á crise do paradigma psiquiátrico e da própria psicanálise, pos-se em evidencia que aquele sintagma era um oxímoro. Há uma correlagáo entre para digm a e tratamento. Para a doenga única correspo nde / um "tratamento moral da loucura" e formas jurídicas específicas de se ocupar do alienado. Par a as doengas mentáis, ao implicar a e ntrada de pleno direito da psiquiatría na medicina,
4. Foram inclusive escritos livros com este título.
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patológicas, vai si* ihir uma invorsíiona relagao entre psicopatologia e psiquiatría, passando a |>riiriL*ira a prevalecer sobre a secunda da mesma forma que a medicina é organizada pela í¡siopalolo¡;¡a. Isso leva a cel ias formas particulares do tratamento que pareciam conli’atli/.i*r a singularidade tía psicanálise e, ao mesmo tempo, tornar a tragar o tratamento moral, aiv ira sob a denominagáo de psicoterapias. Com o surgimento das primeiras drogas dem uní nadas "anlipsicó ticas" nao entra em crise o paradigm a, mas com o aparecimento de múltiplos tipos de psicofármacos a questao muda.5 O tratamento neste paradigma poderia ser considerado psicopatológico como se isso implicasse ocupar-se das causas e dos meca nismos di' adoecer. Nao deixemos de lado que, para isso, a psicanálise Ihe deu a letra. Essa contundente diferenga de "estruturas" também teve consequéncias jurídicas. A crise deste terceiro par adig m a arrasta a psiquiatría, mas també m a sua sócia, a psicanálise. Crise que leva, entre o utras questóes, a sepa rar ou a vpltar a separa r os trilhos da psiquiatría dos da psicanálise, cujo paradigma entrará simultáneamente em crise com os últimos sem inários de Lac an e os posteriores trabalhos de alguns de seus discípulos. Lantéri-Laura assinala os elementos dispares que intervieram ñas crises dos tres primeiro s paradig ma s que, ainda que muitos, quero des tacar uns poucos. No final do primeiro e no inicio do segundo, influenciam tanto elementos intrínsecos que tém a ver com a complexidade que se colocava no campo, quanto extrínsecos, tais como o dominio do prestigio social da medicina. Na passagem do segundo para o terceiro, podem-se tomar ambos os critérios, as dificuldades intrínsecas e o aparecimento além da psiquiatría da influencia, por seu próprio prestigio social, de ou tras disciplinas. Enquanto ao final do terceiro, além dos elementos que já foram citados, é possível considerar-se a recuperagao do termo loucura como um elemento importante na crise do paradigma. Quando Lacan introduz a polaridade "loucura ou deficiencia mental") nos últi mos seminários, já estamos em um dominio que questiona a supremacía da ideia de estru turas psicopatológicas.6 Considero, entáo, que, a partir da crise do terceiro paradigma e pelos desenvolvimentos de muitas questoes e questionamentos produzidos por movimentos culturáis do último quarto do século passado e do comego deste, encontramo-nos com uma separagao importante entre a psiquiatría e a psicanálise, que liberadas uma da outra, abrem possibilidades de conformar cada uma suas novas orientagóes. A psiquiatría talvez possa entrar mais plenamente na medicina e abandonar certa posigao limite. Poderao as neurociéncias, os psicofármacos e a genética dar base para a constituigao de um novo paradigma? Aqui nos encontramos com vários problemas. Se estes novos desenvolvimentos científicos trazem as bases para um novo paradigma da psiquiatría, seria o DSM-IV sua expres-
5. O primeiro antipsicótico que se introduz no m ercado, a clorpromazina, é de 1952. Nesse mes mo ano surge o D S M - I . É um a coincidènda , mas h a alguma rela?ao entre a importància crescente dos tratamentos psicofarmacológicos e o sistema classificatòrio dos sucessivos D S M s . 6. Em 1977, ano da morte de Henri Ey, evento a partir do qual Lantéri-Laura data o final deste terceiro paradigma, Lacan apresenta seu ùltimo seminàrio intitulado "L'insu que sait de l'une bévue que s'aile a mourre", onde formula està polaridade.
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sâo classificatòria? A pràtica da clínica psiquiátrica atual, fundamentalmente centrada nas psicoterapias e na administraçâo de psicofármacos é congruente com este;; desenvolvimentos e respond e à classificaçâo do DSM-IV? Para trabalhar estas perguntas seria necessàrio vermos de perto tanto o que aconte ce nas práticas clínicas como nas concepçôes que engendraram o sistema classificatòrio norte-americano que se tornou universal.7 A psicofarmacologia moderna permitiu à psiquiatría contar com uma gama bastante ampia de recursos para o exercícío de sua pràtica, caso se entenda por ísto o controle de sín tomas dos transtomos mentais. Ao contar com uni sistema classificatòrio suficiente como o DSM, o arsenal farmacológico tem bastante especificidade e permite um uso congruen te com os supostos utilizados para esta classificaçâo. Como a grande maioria dos síntomas é conside rada _trartótomos_de_co^ o efeito dos fármaco s sobre a mesm a e certa apreciaçâo bastante desenvolvida de seus mo dos de atuar perm item um a lógica de sua utilizaçâô. Como os transtomos estáo descritos de tal modo que nâo seguem uma sequéncia clàssica da descriçâo de d oenças nem se agrupam pela causalidade, o tratamento é sobre as condutas descritas e nâo sobre as causas das doenças. Na realidade, nâo há doenças, mas transtomos de comportamento. Criterios para o estabelecimento do DSM-IV Quais sâo os critérios classificatórios do DSM-ÍV ? Uma classificaçâo é um processo que permite agrupar e definir critérios para a inclusáo ou exclusáo de um grupo. Há diversos critérios para este processo. Uma classificaçâo se faz a partir da eleiçâo de algum ou alguns critérios e, se for útil, mantém uma homogeneidade entre aqueles e os elementos classifica tórios que a compoe. Na psiquiatría, cada paradigma estabeleceu suas próprias classificaçôes. Ao se tratar da ideia de d oença ú nica, um criterio classificatòrio nâo possui dem asiado sentido apesar de existirem alguns esboços quando se incluem diversas formas de mono manías. No dominio do segund o paradigm a que determinou a entrada de pieno direito da psiquiatría na medicina, desenvolveram-se muitas classificaçôes, sendo as mais importan tes as diversas ediçôes da classificaçâo de Kraepelin. Sua intençâo foi seguir os critérios da medicina d o século XIX. e come ço do XX. C om o se tratava d e doenças, p odiam basear-se na etiología, no desvio da norma fisiològica ou cultural ou na apresentaçâo de síntomas. No caso do terceiro paradigma, o fundamental foi considerar a psicopatologia estrutural que permitiu estabelecer os très grandes grupos: neuroses, perversóes e psicoses. Em contrapartida, o DSM-IV nào considera a existencia de doenças, m as de transtornos e nào utiliza um critèrio causal. É uma classificaçâo empírica tanto categòrica quanto dimensional.8 Esta última é tomada inicialmente para dar conta de transtomos em que a dimensao do desenvolvimento desempenh a um papel fundamental. Por sua vez, ao consi
7. Universal significa para o ámbito de influencia dos EUA como nos induz a pensar a globalizagao. f 8 ? " C - a t e n ca jk ¡p lic a que as entidades nosológicas sao qualitativamente diferentes. Em con trapartida, as "dimensionais" consideram um a linha continua entre do enjas ou síntomas. Aínda que, como assínala María Magdalena Confieras, para Pearlman as doengas se dáo em um continuo e as categorías sao construyes do observador.
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derar a dimensao categórica, o DSM-IV é politético, sendo as categorías heterogéneas e seus limites pouco claros. Com outros parámetros para a classificaçâo, por exemplo ao considerar cinco eixos sobre os quais se organiza, seu sistema é multiaxial. Mas o que me pa rece importante considerar para esta observaçâo é que ele constituí u in manua l classificatòrio, como afirma M. M. Contreras (2004), que deixa de lado todo cri tèrio nosológico em favor d o estatístico, cujo objetivo é conseguir a ma ior flexibilidade sem considerar as d iferenças das orientaçôes teóricas dos profissionais. Vejamos de perto o que coloca o pròprio DSM-1V. Ele diz que seus objetivos sao clínicos, de investigaçâo e educacionais. Para quem? Para os clínicos e pesquisadores de diferentes orientaçôes e passa a nomear a quem se dirige: pesquisadores biológicos, psicodinámicos, cognitivos, comportamentais, interpessoais e familiares. E os usuários sao os psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terape utas ocupacionais, de reabilitaçâo, conselheiros e outros mu itos profissionais da saúde. A psicanálise e o DSM-IV Como psicanalistas, isto nos produz um grande alivio, já que ficamos excluidos daqueles a quem se dirige este manual. N ada temos a ver com ele. Neste sentido, a psiquiatría oficial se separa explícitamente da psicanálise. Já nâo aparece essa aproximaçâo que havíamos assinalado em relaçâo ao terceiro paradigma da psiquiatría, fica distante da época em que se podia falar de uma "psiquiatría psicanalitica" ou de noçôes semelhantes. Parece-me que nesse sentido é que o terceiro paradigma caiu ou, pelo menos, está em crise. Definiti vamente o manual de classificaçâo psiquiátrico nada tem a ver com os psicanalistas. Nós psicanalistas podemos nos desprender tranquilamente da psiquiatría. Nossos propósitos sáo outros, nossos objetivos diferem. Por outro lado, considera-se como um instrumento necessàrio para esfiidos estatísticos sobre Saúde Pública. O que é um objetivo importante do manual e, por sua forma de orgamzaçao, com os critérios utilizados para organizá-lo, é um instrumento eficaz que se tornou além de tudo necessàrio. Deste modo, passou a ser imprescindível para a pràtica estatística em Saúde Pública, elemento que o distancia ainda mais da psicanálise.9 Diz também que sua construçâo está baseada na observaçâo empírica. Ou seja, supostamente, nenhuma teoria é posta em jogo. Nâo é nosológico, é estatístico e empírico e para que nâo restem dúvidas exp ressa que nâo tem a pretensao de explicar as patologías ou delimitar urna teoria ou corrente. Seu surgimento é a necessidade de confeccionar uma classificaçâo consensual. Entre quem? Pa ra quem? N âo imp orta quem sejam, ficam excluidos os psicanalistas. A psicanálise nâo tem nenhuma necessidade de ser consensual para nenhuma classificaçâo. Seus pressupostos, suas necessidades sâo de outra natureza.
9. Considero que, a partir da psicanálise, é possível dizer mu ito sobre a Saúde Pública, mas de forma alguma no terreno no qual o D SM - I V éimpo rtante: a servido das estatísticas.
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O manual é ferramenta de diagnóstico, segundo diz, mas também de estati'stica, permitindo descrever o paciente em cinco eixos para "contar com um panorama geral de di ferentes ám bitos de funciona m en to" .10 E urna frase imp ortante , define muito bem o que o manual pretende, especialmente em tres palavras: "geral", "ámbitos" e "funcionamento". E o mais distante que se pode pensar com relagao à psicanálise, já que nela nao há nada da ordem "geral", é um discurso do singular. Muito menos pode-se falar de "ámbitos" e o "funcion am ento" nada m ais c que um termo para indicar a conduta, ou seja, o behavio rismo sobre o qual a psicanálise nada mais tem a dizer. Em suma, tres palavras alheias à psicanálise que a excluem do DSM. É interessante o mo do com o o m anual m aneja certos termos. Na Internet, encontra-se um glossàrio. Ai podemos 1er, por exem plo, a p alavra "psicose " e, portanto, em que sentido é tomada. Haveria urna definigao estrita segundo a qual o que define a psicose "sao ideias delirantes ou alucinantes preeminentes", "na ausencia de consciencia sobre sua natureza patológica". No manual nao existe a neurose nem a perversao e nao se coloca nenhum termo que se oponha ou se diferencie da psicose. No final, fiel a seus objetivos, a psicose se define por certos aspectos de comportamento. Manifesta que há, além disso, urna definigao menos restritiva que incluiría "a lu ci n a re s significativas que o individuo aceita como exp e riencias alucinatórias" e urna tèrceira mais ampia que aceita outros sintomas positivos de esquizofrenia tais como "fala desorganizada", "comportamento desorganizado ou catatò nico" e afirma que há perda dos limites do égo ou alteradlo da verificagáo da realidade. Com o se ve apela para um criterio de psicose com base em certos observáveis ou aín da na fala do paciente sem pa ssar seu limite explícito e o que ocorre c om a consciencia, com o ego oü com a realidade. Nào podemos dizer entáo que o manual se afasta de seus objetivos e de seus criterios "empíricos", "objetivos", "comportamentais" para aderir ao que pretende deixar de lado, ou seja, certas concepgoes, ideologías e me smo teorías? Mas, de algum a forma, o ma nual escapa disso; já que afirma que no DSM-IV se assinalam diferentes aspectos da definigao de psicose. Deveria dizé-lo em termos d o manu al e, entao, seria assim: assinalam-se diferentes "aspectos gerais dos ámbitos de funcionamento". É certo que se podem inscrever diversos individuos como um núme ro a mais neste compartimento, mas o que se quer dizer com isso? Podemos vé-lo em "funcionamento". Por exemplo, para diagnosticar um paciente como esquizofrénico sao necessários dois ou mais dos seguintes sintomas característi cos: 1) ideias delirantes; 2) alucinagoes; 3) linguagem desorganizada; 4) comportamentos catatonicos ou gravemente desorganizados; 5) sintomas negativos: empobrecimiento afetivo, alogia, abulia. A estes sintomas característicos se somam outras condigSes que nào sào características, mas que ajudam o diagnóstico ou seu descarte. Ve-se perfeitamente que o propósito do manual se man tém imperturbável: nenhum a referencia a urna hipótese, a um a concepgao d a psicose, a urna teoria.
D SM - I V . Capítulo sobre os objetivos. Pode-se encontrar na Internet ou em qualquer das 10. ediçoes estabelecidas.
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N<>l'ni.ililo, di' lorinii ,il¡;iim;i, é possivcl se considerar nào haver teoria. Ao se tratar ili* empírico n.iii ln'i lugar |>;iia ilùviilas di' que haja uma teoria que se chama empirismo. I i > iim.i foni v| ><;.ni, si' proferir urna filosofia, e certam ente é necessà rio teo riza r para susIn il.ir .ilj-i >.si il n i1o i'in pirico (.■ali'in di,sso es tabe lec er urna escala de valores. Sem teoria nem cst.il.i ilr Vii lores imo é possivc l a con stru çâo de tal corpo . A prò pria ide ia de co nstru ir um h i. il ili.ij mió ,s iici) implica necessariamente uma teoria ou um grupo délas e uma escala iIr v;ili n'es, inclusivi: alguns preconceitos, mesmo cjue se pretenda com a melhor disposiçâo ......
lll'S|ll'l'lllll'l' SI' lIl'Il'S.
Isti) é digno de nota na classificaçâo dos transtornos sexuais. Diz-se que se definem os trnnstornos da identidade sexual pela identificaçâo com o sexo oposto e outros critérios menores e nâo por escolha de objeto. Mas ai já está implícito que há um sexo definido, perlence-se a um e há o outro e deve-se identificar com um e nao com outro, caso contràrio se trata de um "transto m o". N âo temos n ada a objetar quanto á isso, a partir do empirismo, da anatomia ou da genética, mas a psicanálise fica excluida, nada permite decidir, a partir da psicanálise, que alguém pertença a determinado sexo antes de sua declaraçâo de sexo. Como a psicanálise poderia considerar isso um transtorno? De forma alguma. . A ironia do Dr. Bentall De um modo que poderia ser considerado irónico, um psiquiatra de lingua inglesa, Richard P. Bentall (1992, 18, p. 94-98), da Universidade de Liverpool, lançou urna proposta muito interessante que, a meu parecer, questiona toda estrutura classificatòria deste ma nual. Publicado em 1992, no Jo urn al o f M ed ic al Ethics, sob o título "A proposai to classify happiness as a psychiatric disorder", esta curiosa proposta lançaria, ao ser tomada com seriedade (e nâo há porque nao ser assim), um polémico debate sobre o manual. Diz no abstract que o propósito é que a felicidade seja classificada como u m tran stom o psiquiátrico e incluida ñas próx imas ed içôes do m anu al diagnóstico e classificatòrio sob um novo n ome: é estatisticamente anormal, consiste em um discreto conjunto de síntomas, está associada com um nivel de anormalidades cognitivas e provavelmente reflita um funcionamento anormal do sistema nervoso central. Uma possível objeçâo é que nâo se considera um valor negativo, mas constituí uma objeçâo científicamente irrelevante. A felicidade seria um es tado neurofisiológico de desinibiçâo. Afirma que há certa relaçâo entre felicidade e mania. É provável que se encontre certo disturbio do sistema nervoso central. E indubitável que se possa induzir a felicidade estimulando centros subcorticais. Encontraram-se com certa frequêneia relaçôes entre a felicidade, a obesidade e a ingestao de àlcool. Conféré alguma desvantagem biológica. Implica um a m á adap taçâo à realidade. P5e em jogo determinados centros nervosos que afetam o sistema nervoso central. Apresenta síntomas específicos e se relaciona com anormalidades cognitivas. O autor assinala uma consequéncia ao ser aceita a sua proposta: que os psiquiatras tentem algum tratamento para a felicidade. As referencias bibliográficas consultadas pelo autor sao relevantes e numerosas, cita 32 trabalhos, todos em lingua inglesa e de imp ortantes revistas científicas. O artigo segue estritamente padróes científicos com um impecável raciocinio que vai desfiando os argum entos pa ra afirmar a pertinen cia e a necessidade de incluir este transtor no afetivo maior na classificaçâo psiquiátrica, no DSM.
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Mas a ironia que contém a existencia me sm a do trabalho, especialmente pela form a de organizar sua arg umentaçâo que considero impecável, é que discute a pertinência mesma das classificaçôes psiquiátricas ou, pelo menos, coloca dificuldades muito sérias para esta tarefa realizada desta forma, supostamente sem considerar nenhuma teoria e baseada ex clusivamente na observaçâo empírica. Richard Bentall coloca ao discutir a provâvel objeçâo de que a felicidade ou, como prop ôe nome á-la, ma jor affective disorder, pleasan t type, nâo é um valor negativo. Mas, a partir das concepçô es que con íu ír am o DSM, nâo se pod e, sem se contradizer, contrapor seus valores se supostamente nâo se considerou nenhum valor. Em contrapartida, a psicanálise nâo pode deixar de considerar os valores que, ao menos, sejam tratados no que se considera o Ideal do ego, os ideáis da pessoa, inclusive o superego sem os quais nâo se pode pleitear nenhum trabalho de anâlisë. Conclusâo. O DSM-IV como expressâo da crise do terceiro paradigma Como conclusâo, é possível afirmar que o DSM-IV responde nào a um novo paradig ma instaurado em psiquiatría depois do firn do das estaturas psicopatológicas, mas a um momento de crise dele. A psiquiatría de hoje parece tender a se ligar em très niveis do desenvolvimento científico atual: as neurociências como tronco fundamental, a genética e a consequència tecnològica de ambas> a psicofarmacologia. Mas, mesmo que se tivesse estabelecido um novo paradigm a, nào se construíram elementos diagnósticos e classificatórios cùerentes com essas disciplinas. Quero dizer que, ao se con stru irán de acordo com esse suposto nov o paradigma, deveríamos nos deparar com a consideraçâo dos mecanismos neuronais, neurotransmissores e genéticos, assim como com os efeitos psicofarmacológicos no comporta mento e com os elementos do sistema nervoso centrai para fundar uma nova nosologia com intençôes de ser científica ou de se inscrever nas cièncias biológicas. Nâo é o caso do DSM-IV que corresponde, entâo, a m eu critèrio, a um m omen to de crise do terceiro parad igma. Provavelmente seja por isso que nâo se arvora a se apoiar aparentemente em nenhu ma teoria, mas termina submetendo-se ante um empirismo radical. E também, como dizem os propósitos e fundamentos sobre os quais se apoia, está construido a serviço da estatistica. As consequências disso deveriam ser avahadas. O que pode acontecer em populaçôes em que uma porcentagem alta de seus habitantes sofre destes ou daqueles trans tornos que, por sua vez, por se codificarem no manual precisam ser medicados? E, como sabemo s, os efeitos colaterais sáo num erosos e bastante prejudiciais para a vida cotidiana dessas pessoas, e os conhecimentos sobre esses medicamentos, por mais avançados que estejam, acarretam uma gama desconhecida de mecanismos cujas consequências sâo incalculáveis. Mas é esta questáo dos efeitos colaterais o que mais pode nos preocupar, já que sabemos sobre os efeitos ou sobre os chamados "danos colaterais" de certas medidas govern amen tais, das guerras, d os totalitarismos, das invasóes preventivas, das leis de exceçâo e, por que nâo acrescentar, das classificaçôes, dos diagnósticos médicos, especialmente psiquiátricos, que permitem discriminar e se convertem inevitavelmente em instrumentos par a d estacar defeitos, inclusive utilizarem-se co mo injúrias. Aos psicanalistas, interessa-nos e nos confrontamos com os aparelhos da chamada saúde pública, das estatísticas, dos diagnósticos e das classificaçôes, porque acabamos
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sendo testemunhas das consequéncias subjetivas, porque somos parte dessas populares, porque nada do que acontece no mundo pode nos ser alheio pela especificidade de nossa pràtica e por participar de urna comun idade. Esta crise do terceiro paradigm a que descreve Lantéri-Laura na qual estamos imersos levou a psiquiatría e a psicanálise a tomarem caminhos divergentes. Separarlo necessària depois de um período em que a convivencia táo próxima entre ambas as disciplinas teve consequéncias infelizes. A psicanálise está agora mais livre para escolher seus caminhos, seus conceitos, sua p ràtica, sua existencia independente das práticas "p si" (psicologia, psi quiatría, psicodina mica etc.). Po r sua vez, a psiquiatría, liberada da influencia psicanalitica, pode ser plenamente urna especialidade da medicina, con struir seus fundamentos biológi cos e se nutrir de elementos sociológicos, cognitivos, psicológicos etc. Esta se p a ra lo pode ser cotidianamen te percebida ao se lerem os interesses, os modos de tratamento, os conceitos com que urna e outra disciplina trabalham. Por sua vez, essa se pararlo permite urna colaborado mùtua muito melhor, já que se abre a possibilidade para have r alguma, sem a necessidade d e se confundir, se m isturar, se imiscuir urna na outra. Isto permite efetuar um elogio ao DSM-IV. E suficiente que nào se considere a si mes mo como a verdade ou possuidor da verdade, nem tampouco pode sé-lo a psicanálise, e que se situé claramente neste lugar de ser um instrumento da época da crise do terceiro paradigma. Ao nào se fazer urna apología da falta de teoria, ao nào tomar consciencia de que basear-se no empirismo, no comportamento, no observável, nos dados da sociologia, de que colocar-se a servido da estatística é tomar partido, entao o DSM-IV é um instrumento sumamente valioso para os fins para os quais foi construido. O que facilitará para que nós psicanalistas nos ocupemos de nossa pràtica ética do inconsciente sem estabelecer nenhum sincretismo com a psiquiatría. Referencias bibliográficas A m e r i c a n P s y c h i a t r i c A s s o c i a t i o n .
DSM-IV. Manual Diagnóstico y Estadístico de los Trastornos Menta -1
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