Resenha: Capítulo 2 Lugar da História na sociedade africana Segundo os autores “o homem é um animal histórico” (p.23), e como todos os agentes/produtores de história, o homem africano também o é, no sentido em que produz provas sobre práticas e representações sociais, que são bem visíveis até hoje, seja pela medicina, seja por regras de comportamento, seja pela religiosidade. Existe então uma padronização comportamental, e um modelo de pensar e agir, um modelo de vida. Para os africanos, existe uma percepção do tempo e da sua própria história, sendo assim, neste sentido, podemos entender este pr ocesso como sendo de consciência de sua historicidade e de suas ações, que são singulares ao restante do globo. Os africanos possuem esta consciência, sobretudo, de serem agentes de uma história, e assim, eles compreendem este mesmo tempo como sendo social e histórico. Existe um lugar específico que o tempo mítico carrega. Alguns costumes e crenças são baseados em mitos, e que passam a ser intemporais e sua dimensão, e totalmente histórico-sociais. O costume é justificado pelo mito, a vida dos povos é marcada por acontecimentos reais, mas que desde um passado imemorial, se fazia presente o mito. Existe outra concepção e percepção da vida, morte, e da eternidade, que é bem distinta dos países tecnicamente desenvolvidos desenvolvidos (HAMA; KIKI ZERBO), “o tempo africano tradicional engloba e integra a eternidade em todos os sentidos” (p.24). (p.24) . Este tempo não é linear: o passado pode se integrar ao presente, e o presente ao futuro, e este diálogo é bem complexo. Ele dá sentido a toda uma sociedade. Como exemplo, ilustram o caso do patriarca ruandês, Mazimpaka Yuhi II, que teve um sonho em que chegavam homens de tez clara em seu território, e que o mesmo e seu exército se armaram, pois os homens eram desconhecidos e podiam ser ameaças. Antes de lançar-se contra estes homens, o patriarca os abastece com bananas maduras. Esta história movimentou o imaginário coletivo ruandês, que é um povo aguerrido, mas que
durante o século XIX, não se mostrou combativo, frente aos “alemães de tez clara”, do Tratado de Berlim. O tempo, neste sentido ficou suspenso, e as ações do presente foram justificadas por um passado. A memória histórica de certo grupo perpassa uma concepção particular e um tempo mítico. Esta concepção mítica pode fazer de um patriarca, o suporte do tempo social. A soberania do líder está absolutamente ligada ao imaginário, e a concepção coletiva. “O chefe é o sustentáculo do tempo coletivo” (p.25). Se um rei morre, há uma ruptura das atividades e da ordem social: ele é a expressão máxima das práticas de um povo, se o patriarca morre, até mesmo o tempo social pode ser modificado. Apenas o advento de um novo líder pode recriar este tempo social. A materialização e simbolização de um objeto podem ser compreendidas a partir das vivências deste patriarca. Seus objetos de uso podem ser simbolizados, como por exemplo, o caso dos Sonianke. A prata é a representação desta dinastia. Existem nesta sociedade, práticas e rituais mágicos em que correntes de prata são utilizadas. Pouco antes de o patriarca morrer, ele regurgita de seu ventre uma corrente de prata, e seu sucessor a engole pela outra extremidade. Neste sentido, o poder é passado ao que engole a corrente. Notamos então a importância do tempo mítico e do tempo social. O mito é a origem de toda a história humana: sempre existe uma lenda que trata da origem, ou mesmo uma história sacralizada. Pode ser que o mito reapareça sob forma positiva, ou pelo contrário, negativas, como f oi a experiência com Hitler na tentativa de eleger uma “raça pura”. Durante séculos, o africano sofreu uma imposição alienante que o domesticou. Mesmo no caso de africanos que viviam longe da costa, longe do contexto de tráfico de escravos, estes sentiam em sua alma o trauma da escravidão e do massacre de negros. Na história pré-colonial, eles pensavam estar fazendo uma história limitada, mediana, tudo isto devido a este efeito
alienante do colonizador que os aferiu um pensamento de “ser -objeto”, logo, sua história não seria relevante. Segundo o imaginário europeu, algumas regiões africanas seriam “anárquicas”, e por isso, fáceis de dominar. Foi sob este contexto de expansão europeia, que os colonizadores tiveram grandes dificuldades. O africano leva consigo o conceito de liberdade bastante latente. Existe um apego à iniciativa, um repúdio à alienação, e a liberdade é central. O africano tem consciência de sua importância como agentes históricos, mas ainda uma consciência remota em relação ao que realmente é. Existem figuras essenciais que podem ser percebidas como agentes importantes em todo o processo histórico, como é o caso dos griots, que são os contadores de história. Os autores enfatizam o griot, pois são sociedades em que há predominância de história oral. Existe também o papel central dos patriarcas, ou mesmo das mulheres. Estas últimas são tidas como protagonistas na evolução da história. Apesar de haver uma valorização da mesma, existe o problema da sexualização, por viverem em sociedades patriarcais tradicionais. Existe um sentimento de “fazer história”, mesmo que seja em menor escala. Os mitos que envolvem patriarcas são modos de compreender a historia. Os vestígios deixados pelo tempo, seja pelo ferro, ou mesmo pela prata, como é o caso dos Soniankes, compreendem toda uma lógica de se de se criar história. Muitos se questionam se podemos entender o tempo africano como um tempo histórico. Estes debates ocorrem a nível acadêmico, e emerge devido a esta dinamicidade temporal africana. A concepção de tempo em Áf rica marca um desenvolvimento econômico e social autônomo. “Mesmo sob a forma de contos e lendas, ou de resquícios de mitos, trata-se de um esforço para racionalizar o desenvolvimento social” (p.34). Em se tratando de como escrever a história, ou como calcular o tempo, existe um problema. Os africanos que dominam a escrita deixam de ser possíveis agentes de mudança quando não contam a história africana – história
de seus antepassados – e se alienam (p.35), se fechando em prol de um “progresso”, que não chega neste sentido às várias Áfricas.
Bibliografia: KI-ZERBO, J. (org.). História Geral da África: I. Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática/Unesco, 1982. Capítulo 2