1 GROSSMANN, Judith. Com a palavra, o escritor [abr. 1995]. Transcrição por Henrique Julio Vieira. Salvador: [s.n], 2014. 2 fitas k7 (129 min). Depoimento ao projeto Com a palavra, o escritor - Fundação Casa de Jorge Amado. Sinto que preciso olhá-los longamente, pois nada existe de mais importante na minha vida do que vocês, que conseguiram chegar até aqui e que também aqui me trouxeram. Vou ter que ter muita paciência comigo com igo mesma, pois estou es tou aqui aq ui para contar a minha história. Uma situação que q ue pode ser deveras embaraçosa, mas para falar a verdade estou muito alegre e vou começar pelo fim. O meu mais recente trabalho publicado o foi no Caderno de Letras, número 10, do Departamento de Letras Anglo-germânicas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos meus berços esplêndidos. Eu tenho vários, uma coleção. Então vou começar falando sobre este trabalho, porque se houver alguma lacuna na minha fala, ou nessa história que vou contar aqui, pois se trata de uma história, esse trabalho vai suprir. É uma espécie de – vou vou usar uma palavra que é também uma herança (aliás, tudo que eu disser) – a a palavra é manifesto. O nome do trabalho é o seguinte, Conservatório da Palavra: Exhibit do laboratório de um conto . Então são umas 26 laudas datilografadas naquela máquina Olivetti frontal, que eu quero comprar umas seis, porque, se ela quebrar, eu fico completamente desnorteada. E metade do trabalho é o laboratório. Aí eu me inscrevo numa tradição que é bem conhecida de vocês e que não vou me ocupar de descrever aqui, uma vez que aqui o nome a ser pronunciado hoje vai realmente ser o meu. Ontem, tudo bem. Amanhã... Mas hoje vamos deixar algumas coisas de lado. Então metade do trabalho é esse laboratório. O nome do conto é O pelotão de fuzilamento , o que imediatamente recorda uma certa vertente da história da pintura. Então esse conto, O pelotão de fuzilamento, é uma amostra exemplar do meu estilo, e eu procuro descrever no laboratório como o conto foi criado, inclusive as circunstâncias, porque nós, escritores, não temos o corpo fechado, nós temos o corpo vazado. Não podemos fechar o corpo. Essa é a grande dificuldade. Nós somos atingidos por todos os lados, e isto não é um drama fictício, isto é um drama dra ma real. Então esse conto foi escrito no verão de 1994, quando eu estava no Rio de Janeiro, e todos sabem qual é a atmosfera atual do Rio de Janeiro. Se bem que, para mim, o Rio de Janeiro será sempre a década dos 50 e 60. O meu sítio arqueológico. Também tenho vários. Então eu vou em visita ao meu sítio arqueológico: Ipanema, Vieira Souto, Barão da Torre, lá também existe a Rua Joana Angélica, que vem da Lagoa e dá na Praça da Paz, General Osório, Gomes Carneiro, Arpoador, Leme, Copacabana, águas férteis... Centro da cidade. Então, estava eu no Rio de Janeiro e o massacre que ocorre, aquele que tomba, a vítima que é também o algoz. Esse é um dos motivos do conto. Agora, como todo texto meu, já à esta altura do meu percurso, ele tem uma espécie de inconsciente histórico e geográfico. Mas não se trata daquele inconsciente histórico do século XIX. Eu me desapeguei totalmente disso. É uma coisa light. Ah! Essa coisa de falar em várias línguas também eu vou explicar durante a minha fala. Eu realmente preciso disso. É uma coisa light, clean, é uma coisa leve, uma coisa porosa, como se tudo fosse Natal. As maiores tragédias são narradas como se fossem Natal. Na tal. Isso I sso faz parte p arte da minha maneira. Então o conto Pelotão de Fuzilamento eu Fuzilamento reúne os fuzilamentos diários nas ruas do Rio de Janeiro – eu sobrevivi, como estão vendo – e e a execução da família real russa: Nicolau II, czarina Alexandra, Olga, Tatiana, Mari, Anastásia, Alexei. Porque esta história me foi trazida de lá. Aliás eu também fui trazida de lá. Eu fui trazida dentro de uma barriga, consegui nascer no Brasil. Nascida no Brasil, sou eu, Judith Grossmann. Em Campos dos Goytacazes, dos quais tenho o sangue. Goy-ta-cá. Essas apropriações são assim uma coisa... Com 3 anos já estava tudo pronto. Então eu me apropriei desse sangue. Os índios mais ferozes do Brasil [risos]. Nem mais, nem menos. Agora eu consegui,
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2 segundo os testemunhos gerais - inclusive dos meninos, porque eu era uma perfeita gracinha – misturar a cor, o caldo da cana-de-açucar que, também não sou diabética, corre nas minhas veias. Goytacá, russa, italiana, um pouco chinesa, japonesa, carioca, baiana, campista, norte-americana. E é verdade, isto não é uma ficção. Então o conto consegue misturar o Rio de Janeiro, a execução da família real russa, que é uma história que... certo... uma coisa de pele. Na infância, eu era a princesa Anastásia, um dos meus nomes possíveis. Uma reencarnação. E eu assumi isso. Com três anos, eu assumia tudo. Tudo que eles me diziam. Eu era de uma candidez inacreditável. Realmente... Quando o meu pai se sentou para fazer uma lista de nome, dos quais escolheu o meu, Anastásia, aquela que ressucita, era o primeiro da lista. Eu não consegui recuperar todos, mas recuperei alguns. E esses nomes também. Eu me chamo Anastásia, Jurema, que quer dizer bebida enfeitiçada. Jurema Grossmann me parece admirável. Notável hibridismo. Haver perdido esse nome... Eu chorava. Depois eu compreendi que eu não havia perdido. Eu me chamo Anastásia Grossmann, eu me chamo Jurema Grossmann, Julieta, que era de Romeu, Julieta Grossmann e, finalmente, Judith, donzela de Orleans, Joana. Aí ele escolheu Judith, o critério foi porque eu havia nascido em Julho, 04 de julho – existe uma piada familiar a respeito disso – , e porque eu deveria ter as iniciais do pai, J e G, Joseph Grossmann, Judith Grossmann. Então neste conto, Pelotão de fuzilamento, voltando... Aparece – e como eu consegui fazer isso é o dever de casa, vocês terão que vê-lo. Eu ia trazer, mas... manias de professora, né? Conservo o meu jeito. Aliás, tenho muitas saudades. Bem então o conto é isto Está neste número 10 do Caderno de Letras. E ao ponto em que eu cheguei, voltando eu encontraria na base este conto. E ele está então no fim. E eu espero que o Instituto de Letras consiga botar a revista na biblioteca para que possa então ser lido. Uma outra coisa que publiquei recentemente, mas esta foi escrita por ocasião da Oficina Amorosa, em 1991, o conto As tranças de Charlienne , que recebeu um tratamento muito digno da A Tarde Cultural - e considerar uma edição de arte dentro de um jornal pelas pessoas que leram o conto - e que agora vai ser republicado pela Revista Miscelânea, da Universidade de Assis, UNESP. Então eu quis trazer este ponto de chegada, porque o material – é muito difícil administrar este material – ... Eu considero este momento aqui – não que haja alguma coisa desordenada – em que se possa criar um ponto arquimédico, organizar melhor as coisas. Agora voltando para Campos, aos 3 anos de idade – não se trata de contar a minha história, mas de falar sobre este esponçal, sobre núpcias. Eu e a Literatura – eu já era alfabetizada, já sabia fazer todas as contas. Eu já havia resolvido a minha vida, e até hoje eu obedeço as ordens da infanta Judith. O que ela determinou, isto é também uma verdade até às vezes dolorosa, porque o que aquela criança assumiu, isso me espanta. Realmente. Então com 3 anos de idade eu já sabia que queria descobrir o mundo dos livros. Fiquei verdadeiramente fascinada. Não queria mais nada na vida. Isto se chama vocação. Poderia ser para fazer o quanto atrás, não faltariam oportunidades. Ninguém me obrigou a nada. Poderia bordar incassavelmente... É lindo, seria tão lindo quanto. E outra coisa que eu resolvi aos 3 anos de idade é que eu teria uma profissão. Eu não sei daonde surgiu tudo isso. Eu iria ser médica, porque esta coisa da Literatura era o meu esposo. Então isso teria que ser salvaguardado, a minha liberdade teria que ser mantida. Isso não poderia ser atingido por nada. Seria uma coisa menor. É claro que há posições diferentes, admissíveis e até mais universais e mais generalizadas. Mas aquela criança tinha uma ideia de que isso deveria ser uma coisa à parte. Então eu cedo resolvi que teria uma profissão e que esta profissão teria a seguinte função: comunicar-me com o mundo e sobreviver de maneira autônoma, independente. Vieram seis famílias da Rússia. Pelo que eu via, eu queria ser uma mulher independente. Eu acho que a coisa foi
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3 um pouco por aí... É uma história muito feliz, muito alegre, cheia de comemorações, cheia de novehoras e de fidalguias. Indescritível. Se eu vivesse duzentos anos, esse poderia ser o meu tempo. A minha melhor retratista era a minha mãe, porque a minha mãe é uma pessoa muito irônica. Meu pai não. Joseph Grossmann, o desbordamento. E isso eu herdei também. Mas a minha mãe era uma pessoa extremamente irônica, silenciosa. Está fechada nessa ideia do silêncio. É uma coisa muito bonita. Dear sweet, the lovest mother. Ela dizia assim, "com minha filha – era eu, havia outras – , tudo vira núpcias". Isto foi uma coisa que eu gravei para sempre. E outra, era muito irônica, realmente, eu era apelidada de "Napoleão de todos os frontes", e ela deu esse apelido. Realmente eu corria de um lado para outro nessas seis famílias, apresentando meus manifestos, meus comunicados, seja lá o que for. Então minha vida estava resolvida. Eu fui para o Jardim da Infância, que a gente chamava de Kindergarden. E depois fui para o Externato Calomeni, as Irmãs Calomeni, às quais eu rendo a minha homenagem e nas quais penso diariamente e devoto todo o meu amor. Depois fui estudar no Liceu de Humanidades de Campos, onde fui colega da pessoa a quem é dedicado este conto no Caderno de Letras, que é o filósofo, escritor e amigo José Américo Mota Pessanha, falecido, infelizmente, no dia 05 de maio de 1993.
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Depois a minha família se mudou para o Rio e eu me formei, me tornei licenciada e bacharel em Letras Anglo-Germânicas pela Faculdade de Letras da Universidade do Brasil. E descrever esse mundo... O mundo de Alceu Amoroso Lima, Jorge de Lima, Aila Gomes, Melissa Hull, Regina Pinto, Sousa da Silveira, Sidnei, Inezinha, Amelinha, isso aí são uns 400 volumes. É no volume 400. Eu não posso contar isso, realmente. E eu sai da faculdade e comecei a colaborar logo no Jornal do Brasil, neste marco da cultura brasileira que é o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, onde me encontrei com Reinaldo Jardim, Mário Faustino, Oliveira Bastos, Ferreira Gullar, José Lino Grünewald, Silveira Pedrosa, e também no Globo. Então não parei mais. A partir desta época até hoje, eu tenho colaborado nas melhores publicações brasileiras. A colaboração não é mais intensa porque este senhor ou esta senhora, a Literatura, ela é muito impeditiva. De uma variedade maior. Mas o fato a lista das publicações em que eu colabora é a melhor e a mais vasta possível com a intensidade também possível. Também colaboro e colaborei em revistas estrangeiras e sou atualmente um nome bastante conhecido como escritora nos Estados Unidos, onde a minha obra é estudada no meio acadêmico. A mesma coisa, com menor intensidade, é verdade, poderia-se dizer da Alemanha. No exterior, são os dois países onde eu sou mais conhecida, Estados Unidos e Alemanha. Depois dessa estréia, digamos assim, houve um certo interregno e aí eu fui cuidar um pouco da minha vida particular, casamento, prole, fiz a pós-graduação na Universidade de Chicago, que é outro mundo, onde me encontrei com Saul Bellow, Elder Olson e Richard Stern, outro dos meus sítios arqueológicos. Eu devo dizer que eu tenho uma grande ligação com norte-américa, mas é uma ligação de um tipo muito especial. Em mim vigora um certo grão, por mais estranho que pareça, do puritanismo norte-americano. Eu tenho isso, eu nem sei daonde vem. Porque há certas coisas que são muito enigmáticas para mim também. Então eu me vejo no May Flower, chegando com os pilgrim fathers, o faroeste, o cinema... Tudo isso me encanta. E eu não devo esconder isso. A região dos Grandes Lagos é um dos meus sítios arqueológicos. Eu tenho essa mania de Arqueologia. Eu construo o sítio (eu faço tudo!) e depois eu escavo. Eu tenho que viver isso com o meu corpo. Não adianta ele reclamar, eu digo, ele aguenta, você aguenta, você tem que aguentar. Na Universidade de Chicago, além de ter feito os cursos, eu escrevi um livro que se chama The dialogues of Plato and other fictions , este original está comigo. Eu ainda não o doeei. Espero falar ainda sobre os acervos e também o por que desta pressa, mas é uma pressa visceral, estrutural, que vem de uma menina que aos 3 anos já achava que podia ser o último dia. Uma coisa mais ou menos assim, muito entranhada. Esse livro publiquei na Revista Chicago Review , um conto meu, chamei muita atenção nessa parte de criação. E eu queria mesmo
4 mudar de língua, mas essa coisa de mudar de língua nada tem a ver com o poder da língua inglesa, era uma ideia, então eu nasceria novamente. Essa coisa de Anastásia, a que ressucita, que depois seria Renata, esse nome já eu me dei. Então deste livro o professor visitante era um escritor e disse "Eu gostaria de ler mais páginas e páginas e páginas". E o conto que ele leua The lost of the beloved (A perda do amado). O amor é realmente a energia máxima. Energia concreta, não é? Então o conto era esse. Esse livro contém A noite estrelada, referida ao famoso quadro e tem aquela ligação que eu apresentei inicialmente com o meu estilo. Quando eu terminar aqui, vocês verão que eu estou construindo o templo com pedras lavradas e que no final se entenderá a sua lógica. Que nenhuma destas partes pode ser destacada sem prejuízo do conjunto, de modo que eu terei que tomar o meu tempo. Esse conto é uma amostra exemplar do meu estilo (sinto-me levada a dizer que não quero dizer que o meu estilo seja exemplar). Tem essa coisa do inconsciente histórico, dessa maneira leve, é a História das Artes. Não tenho o menor jeito, não tenho a menor vocação, mas eu gostaria de ser um pintor flamengo ou holandês, um retrastista, para pintar todas estas faces que estão aqui diante de mim, sem excluir nenhuma. Eu sou encantada pelo rosto humano. Então esse meu conto tem esse inconsciente histórico que vem através da pintura, por esse pintor pelo qual eu me apaixonei inteiramente, não apenas pela obra, mas pelo homem. Não penso que isso seja uma ficção, é um amor mesmo. Uma coisa terrível, com todas aquelas vibrações amorosas, inclusive corporais – devo lhes dizer, uma vez que não pretendo esconder-lhes nada. Então eu escrevi esse conto, e é um conto incestuoso, porque a família é um núcleo fechado. Lá nos Estados Unidos me encontrei com os Grossmann de lá, e quando eu vi aquele reflexo, aquele mesmo sorriso giocondesco, aquelas faces, realmente foi difícil segurar. Aí eu escrevi esse conto sobre esse apaixonamento, terrível, e as pessoas gostam. É preciso penetrar no segredo. Esse conto é realmente estimadíssimo, amadíssimo. E eu lhes mentiria se lhes dissesse que não conheço o segredo desse conto, é o que vibra embaixo. Além disso, eu estava muito doente, gravemente enferma. Eu voltei à vida, voltei ao Brasil. Não queria voltar. Queria mudar de língua, porque aí eu nasceria de novo. Mas tudo estava escrito, e eu voltei. Havia deixado uma filha no Brasil, também por isso. Voltei e olhei o Rio de Janeiro. Não era mais a mesma coisa. Alguns haviam se mudado, outros haviam morrido. Brasília, Ditadura... O Rio de repente perdeu a graça, naquela época, mas sempre mantive o meu pé no Rio. Então o Rio havia virado sítio arqueológico, eu deveria partir. Então eu abri o mapa, aquele mesmo que eu usei no curso primário. Então eu olhei a Bahia, lá estava a Bahia. Mas foi assim mesmo. Então eu fui trazida para a Bahia pela mão – mão é uma coisa muito importante, eu tenho feitiche dela. Mão para mim é tudo – , pela mão luminosa, do Doutor Thales de Azevedo, com Th, porque no mundo tudo é anagrama. Para falar do Doutor Thales, o Professor Thales, seria necessário um dia inteiro, um mês inteiro, um ano inteiro. Eu quero resumir e dizer-lhes o seguinte: ter sido trazida pela mão do Doutor Thales para a Bahia é uma honra que haverá de me sobreviver. É claro que depois fiz os concursos normais, para que haja transparência. Fiz até dois concursos. Fui aprovadíssima. Mas me parece que não fui aprovada apenas no concurso, eu fui acolhida. Amor, coisa de luz e maravilha. Bem, a minha história aqui na Bahia é mais ou menos conhecida. Quando eu cheguei à Bahia eu havia publicado um livro (já ia me esquecendo até dos livros). O livro foi publicado no Rio (isso é bem sintomático) em 1959, chamava-se Linhagem de Rocinante: 35 poemas . É claro que esse nome sempre aparece errado, mas é isso mesmo, Linhagem de Rocinante, a carnavalização da carnavalização. Apenas que à época eu era totalmente inocente dentro do meu projeto literário. Eu não conhecia muito bem a literatura brasileira, porque era aquela coisa de a literatura russa. Tudo era literatura russa. Turgueniev, Lermontov, Dostoiévski, Tolstói, Gorki, Purchkin. Pronto, isso era um cotidiano simples. E depois me veio a Inglaterra, com essa coisa de Anglo-germânicas, a literatura de língua inglesa e norte-américa. (Norte-américa também é uma herança. Sul-de-América
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5 e Norte-América, maravilhoso). Então a literatura brasileira era aquela estante da Jackson (é lógico que eu tinha... não vou pronunciar o nome... mas já sabe fala a estante da Jackson já sabe o quê que é). Havia o Tesouro da Juventude e aquela estante. E eu tinha uma admiração por ele e pelo romântico. Os meus predecessores brasileiros. Porque também tenho os meus predecessores ingleses, os meus predecessores russos, os meus predecessores norte-americanos, os meus predecessores franceses, os meus predecessores da Península Ibérica. Eu tinha uma admiração enorme. Eu lia, relia, conhecia aquilo tudo. Sempre estava com aquele livro. Meu maior medo era que meus irmãos rasgassem, porque eu tinha um irmão que ele tinha mania de (naturalmente que é uma linguagem), eu ficava com medo de que ele rasgasse, ele rasgava. Ele rasgou aquele dicionário Leroy, justamente a página que eu mais adorava, eu não sei como ele descobriu. É uma página que nessa edição não tem mais, (eu já procurei) nesta página perdida havia um rei e tinha um servo, e tinha assim "palavra de rei não volta atrás", aquilo me fascinava. Rasgou também o Tesouro da Juventude. Mas essa estante ele respeitou, talvez tenha respeitado o autor mais do que eu mesma. Aí eu lia e relia. Agora eu vou começar a falar algumas coisas que são necessárias. Era um mundo que já não era o meu e eu queria escrever diferente daquilo. Aquele construtivismo me asfixiava um pouco, é claro que não era uma coisa muito consciente que eu pudesse colocar em palavras (já vamos chegar de novo ao ponto). Então era o autor principal e também o grande autor romântico também me fascinava, aquela coisa da natureza, aquilo me interessava muito, aquelas descrições da natureza, aqueles lugares sagrados, amaldiçoados (O Tronco de Ipê, baixo, Ah...). Isso era um bálsamo. Eu li aqueles dois volumes de trás pra frente de frente pra trás, eu adorava aquilo. Eu vou falar, ah, eu já vou começar a dizer os nomes, eu não vou fazer como Lúcio Cardoso que dizia "não, eu não gosto de nada". Eu adorava tudo. Eu apenas não tinha um estudo sistemático. E eu já sabia que eu teria que escrever de uma maneira diversa, porque aquilo me abaloava um pouco, aquele já não era mais o meu mundo. E por maior que fosse a minha sintonia de amor, a minha admiração. Porque eu tenho essa coisa dos predecessores, eu amo. Pra mim uma foto, senão uma mexa de cabelo. Qualquer coisa. Ressucitar. Anastásia, aquela que ressucita. Eu gostaria de ressucitar todos esses mundos. E considero uma benção hoje que eu não haja seguido a profissão médica, porque o mínimo que eu quereria fazer seria ressucitar os mortos. Mas aí seria o mínimo. E aliás eu faço isso, mesmo sem ser médica, mas já uma coisa menos absorvente do que essa coisa concreta de querer ressucitar o morto. Eu ia querer competir. Voltando á Linhagem de Rocinante, antes um pouco é preciso falar sobre um livro rasgado. Na minha adolescência eu rasguei um livro, eu não posso dizer que eu me arrependo, pois esse livro é o mais importante de todos. É o livro que eu reescrevo. Ele foi rasgado e agora minha tarefa agora é apenas reescrever. Ele tinha vários títulos, mas um dos títulos era Escuro Azul : “os dois amantes estavam engolfados pelo escuro azul”. E até a minha irmã que... essa coisa da literatura, é uma coisa discutível... ela admirava esse poema. Esse livro rasgado eu escrevi, mas aí depois eu fiquei com esse livro na mão e me perguntei o quê que eu vou fazer com esse livro, que é a pergunta que eu ainda me faço ainda hoje. No entanto, eu não rasgo mais nada. Foi a única coisa que eu rasguei. O resto eu preservo. E tanto me afligiu isso que eu resolvi me libertar. Era um livro de poemas (eu me lembro de alguns), um se chamava Rochedo, havia esse Escuro Azul e havia um Autorretrato. Eu me parecia com uma menina muito peralta, que às vezes eu podia ser, e se eu quiser eu ainda posso escavar mais. Então esse é outro sítio arqueológico. Escuro Azul . E eu com aquele livro na mão não sabia o que fazer, fiquei muito aflita, aquilo me pesava, quer saber de uma coisa, vou rasgar. Aí rasguei e me senti tão livre. Era um pássaro, achava que ia cantar e começar outro livro. Mas esse livro é muito importante. E pronto, minha tarefa daí por diante seria reescrever este livro.
6 Agora voltando a Linhagem de Rocinante, que foi publicado em 1959 pela Livraria São José, no Rio de Janeiro, é um livro que eu reeditaria hoje com toda tranquilidade. É um livro que eu considero atual e até pós-atual. É um livro que já havendo havido aquela coisa do Concretismo, com a qual eu estava muito em contato no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Os paulistas, me apresentados por José Lino Grünewald, representante autorizado. Então eu quis reestabelecer o projeto básico, porque todo livro tem um projeto básico, e todo autor (ah, isso é uma coisa muito interessante) tem direito ao seu próprio projeto. Então o projeto do livro era reestabelecer o discurso. Outra coisa que está presente no livro é o seguinte: Na minha infância, antes de entrar no sistema escolar (uma expressão que já diz tudo), eu falava uma língua que agora estou me ocupando de recuperar neste livro que estou escrevendo e sobre o qual pretendo falar. E essa língua era constituída de dezenas de línguas, se ouvia uma palavra russa, romena, alemã, francesa, inglesa (uma quantidade enorme, sobretudo porque os bens eram importados. Havia essa mania na família. Mas é uma coisa muito simpática. É uma coisa leve. Uma cambraia inglesa, roupas bordadas, aqueles narcisos, aqueles pavões, isso é um mundo natural, então eu incorporei). Além disso eu tive babás, e na geografia linguística, na área linguística do Rio de Janeiro, há sobrevivência dos arcaísmos à época. Então elas falavam uma língua portuguesa que eu estou me ocupando agora de recuperar e o léxico também. Minha principal babá (houve muitas), a mais amada, pela qual eu fui extremamente amada (esse aconchego), se chamava Erondina, dearest . Porque tudo no mundo é anagrama. E Erondina vinha de uma localidade chamada Saturnino Braga, e uma das maiores tragédias da minha vida foi quando ela foi embora. Ela me contava histórias dentro dessa língua portuguesa num outro estágio, e eu então, quando escrevi Linhagem de Rocinante, sobre uma forte influência dos estudos linguísticos na Faculdade de Filosofia, já mencionada, da Universidade do Brasil, eu incorporei aqueles estudos filológicos. Tudo aquilo que eu estudei com Mattoso Câmara e com Sousa da Silveira. Houve até uma época que eu fiquei tão influenciada, por causa desse corpo vazado, que eu queria me dedicar aos estudos linguísticos. Me parecia que conhecer a etimologia de uma palavra era como ter uma chave que me abriria tantas portas, e aquilo me fascinou e eu escrevi esse livro. Isso pode ser estudado, isso pode ser observado nesse livro. E com toda tranquilidade eu republicaria hoje, eu tenho uma grande vontade disso. Só que isso não é uma prioridade (devo tornar isso claro), porque há outras tarefas. Então minha vida, que é bastante complicada, por ser a vida de um escritor, me leva a estabelecer diariamente prioridades e às vezes são dolorosas. O que há de dor nisso. O que há de alegria nisso vale qualquer dor. Mas o que há de dor nisso não pode ser ocultado. Eu sou uma artista da palavra. O pintor ele pode talvez escamotear alguma coisa, tanto que o meu amado e idolatrado cortou a orelha, como um gesto, é um exhibit. Bem, então quando eu vim para a Bahia, eu comecei a escrever dois livros simultaneamente. Um deles é O meio da pedra: nonas estórias genéticas. Nona, a hora nona, a nona sinfonia. Genética, origem. Eu queria unir essas duas pontas. O livro é isso mesmo. Mas nesse livro, eu fico um pouco sentida e até, às vezes eu ser muito e vai ser, irritada. Mas isso demora pouco. Eu tenho essa espécie de axioma que eu uso: não declare a guerra, pelo até menos que termine a manhã. E aí quando a manhã termina eu já entrei em mais de duzentas festas, já me esqueci totalmente. Mas se eu declarar a guerra, aí a coisa se torna realmente grave. Mas houve poucas ocasiões em que eu realmente declarei uma guerra que vai ser uma guerra sem armistício, e ainda pretendo falar disso hoje. Voltando a esse livro, O meio da pedra: nonas estórias genéticas, eu fico muito sentida (usando uma palavra bem eufemística) quando deturpam o título de um livro meu, sobretudo na mídia. Eu não sou o ser que haja nascido para a mídia. Não tem problema, eu posso até fazer, mas não tenho vocação. O que eu penso sobre as relações de um artista com a mídia eu ja disse tudo num CD chamado O maestro, que foi magnificamente publicado pela Revista Exu, número 26, o tratamento verrdadeiramente real. O conto, e eu considero uma das minhas peças de resistência, tem como tema uma entrevista. Alguns terão lido (pelo menos eu tenho essa esperança, porque é um dos meus nomes, Esperança Grossmann). Então o maestro (eu me inspirei no maestro que deu um concerto no
7 Pelourinho, todo mundo sabe quem é), eu entro em êxtase quando eu vejo um maestro regendo, não precisa nem a música, bastaria que ele regissse. Então o maestro vai dar um concerto, ele já é regente da sinfônica, está tremendamente apaixonado pela sua última esposa, ele tem uma filhinha que ele idolatra. Então ele vai dar um entrevista, Chega então o repórter rapidinho, eu gosto quando fala assim, "take your time, darling", conquistou... Aí o maestro está vendo naquel prancheta que ele está escrevendo os nomes da história da música errado, que não fez pesquisa nenhuma, que o maestro tem que ser professor dele. É isso que eu penso dessas coisas, dessas improvisações, mas o conto é light , e logo começa uma rivalidade. FITA 1 LADO B É uma coisa que a forma está muito em evidência. É uma coisa que eu não herdei de nenhum predecessor meu brasileiro. Ninguém pense isso. Em A noite estrelada, claro que já há essa presença, um ato de exorcisação de um predecessor. É ele está. Mas na Linhagem e O meio da Pedra é uma coisa muito minha. Essa coisa da forma em evidência, que depois começou a me incomodar, e muito. E é uma coisa muito ainda do vocábulo, uma coisa semântica. Uma das partes de A Noite Estrelada se chama semantaxe. O que de importante eu poderia dizer mais sobre O Meio da Pedra: Nonas Estórias Genéticas seria o seguinte: o livro estabelece uma articulação com a pintura. É sempre este extase diante desta arte, desta arte silenciosa, que é uma coisa que vem lá da mãe silêncio, a pintura, não fala, nem trisca. Completamente em êxtase. O sequestro do mundo. Tácito. Maravilha. Entao este livro tem essa articulação, sobretudo com a pintura daquele da Noite Estrelada e daquele da Monalisa, e a pença de resistência desse livro, que eu com toda tranquilidade eu lanç..., ou como se diz agora, relançaria hoje O Reporto à Leonardo. Isso interessa muito a nós, mulheres, porque é o modelo falando àquele que a sequestrou para o quadro. Então é uma amostra exemplar do meu estilo, que tem esse inconsciente histórico e também muito geográfico. Então o modelo fala da composição da obra da pintura do quadro e de como ela foi honerada. Uma aluna da segunda turma do Mestrado de outro curso que não o meu, porque jamais tomei estas iniciativas, e ademais me sentiria extramente constrangida de tomá-las, meus alunos sabem disso. Eu tinha pacientes, e os meus pacientes eram os escritores da literatura brasileira, aqueles que eu escohia e alguns que, nobless obligation, arranhavam a porta da granja. Mas existe uma diferença. Então esta aluna, que hoje é professora da casa, Professora Fátima Brito, escreveu um trabalho admirável sobre o Reporto à Leonardo, que evidentemente está num daqueles envelopes pardos e que mereceria ser publicado, está aqui nossa editora, pela Revista Estudos . Porque é importante a intimidade, eu acredito que seja isto importante, é o elemento do conhecimento, a convivência. Vimos aí a apresentação da Professora Antônia Herrera, de Antonia, totalmente informada por esta convivência, uma fina sintonia de Judith Grossmann e Antonia Herrera. Então eu acho importante isso. Eu convivi no sítio arqueológico de Ipanema com o grande romancista e a grande romancista, meus predecessores. E fomos ambos, ambas, amicíssimos do grande romancista, que aliás aparece na última página de Outros Trópicos: “Lúcio tinha os olhos úmidos”. Lúcio, amigo comum das duas. Ainda vou escrever um livro sobre o grande romancista, a grande romancista, Judith Grossmann e o filósofo José Américo Mota Pessanha, também amigo comum das duas, apenas que ele foi meu amigo de infância, conterrâneo, colega no Solar do Barão da Lagoa Dourada, alunos ambos de José Hypolito Drevet de Vasconcelos, nosso professor, com seus olhos verdes, seus cabelos loiros e seus ternos elegantíssimos, que nos fazia desfilar no Salão Nobre batalhas, conquistas, Napoleões, Bismarckis, Guerras dos Paraguais, Duques de Caxias. Então existe quarteto sobre o qual eu ainda quero falar num livro. O quarteto: o grande romancista, a grande romancista, meus predecessores, Judith Grossmann e o filósofo.
8 Bem, então voltando ao Meio da Pedra, eu já me perdi um pouco, porque eu estava pensando em José Hypolito, ontem eu estava muito mal, e fiz um pequeno break , e esta noite eu sonhei com ele, José Hypolito Drevet de Vasconcelos. A gente era tratada assim por duquesa, a duquesa Judith Grossmann, a condessa Mária do Carmo Pandolfo, que todos conhecem aqui, a arquiduquesa Clarinda Bello, o príncipe José Américo Mota Pessanha, o duque... Tudo isso é verdade. Bem, então esta noite eu sonhei com o professor, ele estava no Salão Nobre, onde dava aula, no fundo ele corrigia provas - o sonho foi assim, lindo - aí eu chegava, e a sala me pareceu um pouco abafada, um pouco às escuras, e ainda sem entrar eu tinha a ideia de abrir um pouco mais as portas para que o ar pudesse penetrar a sala. Então eu disse Vou entrar, vou falar com ele , mas depois me veio a pergunta, O que vou dizer a ele? Aí eu acordei, e acordei muito bem, considerando que eu estava muito mal, e agora eu já sei o que eu vou dizer ao professor, eu vou dizer que tudo está muito bem e que todas as promessas que fizemos, tanto eu como José Américo, foram cumpridas. Bem, então voltando para estes dois livros. O meio da pedra , não é uma pedra no meio, mas o meio da pedra, o que está dentro. O ponto principal é esse, a articulação com a pintura, o trabalho de Mária de Fátima Brito, que eu adoraria ver publicado. Ah! A recepção da obra, já ia me esquecendo, estou um pouco vaidosa. Foi muito bem recebido, estrondosamente recebido, eu agora estou me lembrando, todo o material mencionado aqui está acessível no Arquivo Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, na Rua São Clemente, no Rio de Janeiro, outro sítio arqueológico. Eu ia lá passear com meu namorado Rui de Andrade Lima Rocha. Namorei bastante. E agora estão lá. Então este livro, a recepção foi um clamor. Eu chegava no Rio, porque sempre o verão e o inverno eu passava no Rio, ia ver a minha mãe na Rua Gomes Carneiro, esquina com a Vieira Souto, que ninguém é de ferro, quase no Arpoador, são dez anos de Arpoador, eu era da cor daquela cadeira, uma obssessão. Então ele foi assim, plugou. Samuel Rawet, naquela época existia Correio da Manhã, começou a escrever sobre este livro. Escreveu também no Suplemento do Jornal do Brasil, e fez a seguinte afirmação – e tudo isso documentado, evidentemente -, O Meio da Pedra tinha uma importância tão grande quanto o aparecimento da primeira obra da minha predecessora, e também quantitativamente dou-me por satisfeita com tal parâmetro. Mas quero desde já aproveitar o ensejo para dizer que a minha obra é totalmente diversa. Judith, o desbordamento. Judith, o amor. Não é aquela coisa mais da angústia, da controvérsia. Não é aquilo. Então como parâmetro um parâmetro quantitativo eu preciso dizer. Eu até agradeço a Samuel Rawet, mas quanto à natureza da obra, não se pode repetir obra, são naturezas totalmente diferentes, na medida em que aquela obra não tem, ou tem, o menor inconsciente histórico e geográfico, eu não queria pronunciar esta palavra, mas é a palavra mais rápida, esse engajamento de uma maneira muito especial e singular que existe em minha obra, isso já seria um traço diferencial. É claro que existem analogias, mas se deve trabalhar muito com um traço diferencial para que haja uma obra nova. Então, toda vez que se vai cuidar da minha obra na ausência de um aparelho teórico ou crítico novo, então se recorre ao mesmo aparelho. Isso não pode dar certo. Os professores entendem isso muito bem, que algumas obras são relegadas, porque não existe ainda um aparelho teórico. Então Todorov tem razão, estudar as obras menores é muito mais fácil, pois já está tudo pronto. Até hoje eu não sei muito bem o que ele quis dizer com isso. Ou melhor, sei, sei muito bem. Depois vem A noite estrelada; estórias do ínterim, onde já existe uma presença da literatura brasileira e é quando começa a haver uma certa exorcização de um predecessor, é uma coisa que ainda tem essa mimesis em relativo a esse predecessor, e até consciente às vezes. E nesse livro está o conto A noite estrelada, este livro obteve o Prêmio Ficção 1986 em Brasília, e lá encontrei com minha predecessora novamente, que recebia – foi muito interessante, isso é um livro que eu vou escrever, uma biografia ficcional, percebem? Não vai ser aquela da pesquisa aquela vai até me
9 ajudar, essa aí é completa. Então lá encontrei com minha predecessora toda de preto, com seus verdes olhos de piscina, e aí teve esse negócio muito interessante, uma no elevador, "como você é doce...", essa aí é ontológica. Eu tinha essa coisa do Goytacá e da cana, e eu exalo um pouco às vezes, em alguns momentos privilegiados, esta doçura, e lá eu exalava. É uma coisa também discreta. Peraí, tudo bem, já estou assim? É um streap-tease da minha alma. E houve também uma cena interessante com o Lindolf Bell - isso fica para os quartetos de Bethoven – então foi publicado, é um livro também que eu reeditaria também muito bem publicado com a capa do quadro, um livro riquíssimo. Eu recorro a ele. O último conto, Geraldo Belga , aquele que na Bélgica é brasileiro, e no Brasil é belga. Como Judith, que no Rio é baiana, e na Bahia, é carioca, até certo ponto. Aí... Aí é uma lexia narrativa né? Às vezes eu gosto, eu adoro. Um livro todo só aí, o leitor ia adorar, porque seria um livro transparente, aí, tome aí, tome aqui , e agora eu estou escrevendo assim, sem o aí, é lógico, mas é por aí. Eu estou escrevendo muito gracinha, todo mundo vai adorar, é de uma transparência, agora o livro é um enigma para mim, aí eu é que não vou entender. Então eu estava me tornando uma virtuosa do conto, já estava fácil demais, eu desovava conto. Tudo era conto, conto. Ah! Eu escrevo poesia também, nunca parei. Eu amo. Eu vou dizer um conto, posso? Esse poema é assim um verdadeiro suco. É um poema curtinho. Eu só vou dizê-lo porque ele tem haver alguma coisa com o dia de hoje, que representa assim, no sentido bom, uma interrupção na minha vida, como uma cesura, uma fermata na música, vou ver se consigo. O poema se chama A música, em prosa. Se, pela metade do dia nos sentamos e algo nos afasta, logo, o macio pirê se desaquece e as finas fatias de maça se oxidam. Assim, para o seu menor ato o homem necessita não de fazer o tempo correr, mas de fazê-lo parar. E é justamente isso que está acontecendo hoje. Bem, aí eu me passei para o romance. Outros Trópicos Romance. A palavra "romance" está integrada no título. Isso é muito importante, em todos os meus livros a palavra "romance" está integrada no título. É uma coisa que eu inventei. Vai ser muito importante quando eu falar do Clarior Romance. Bem Outros Trópicos é um romance em que um homem se apaixona por outro homem, mas é aquela coisa platônica, da contemplação dos corpos, da paixão da alma, da ascese, da coisa ascensional. Claro que na base vigora um intensíssimo vulcão sexual e erótico, e as pessoas perguntam chocadas com a liberdade que sou obrigada a conceder para lhes dizer alguma coisa que tenha alguma importância. Então as pessoas perguntam, mas eles não transaram? Não sei, escondidos de mim, talvez. Atrás do livro. Mas pelo que eu sei, não. Mas eu vi também que elas queriam esta cena, que nem os filmes estão colocando. Filadélfia não colocou, o que foi uma decisão muito acertada. Então é a partir do homem que faz a opção pela acumulação monetária. Ah! Essa coisa do dinheiro. Existe uma poética do dinheiro. Isso precisa ser estudado, porque isso são fluxos de energia – aliás, está na moda estudar isso. Por exemplo, a Bovary se suicida porque ela não sabe lidar com o dinheiro. Ela se endivida, e depois o pacto se torna excessivo, porque ela começa a pedir dinheiro. E isso vai ser codificado de uma outra maneira como se ela fosse uma outra coisa. E aí há uma frase notável do amante, “não há nennhum gesto mais desenraizador do amor do que um pedido de dinheiro”. Saint Flaubert. Santo. Santo. Santo. É uma paixão, realmente. Qualquer paixão é válida, qualquer paixão pode ser vivida. Poderia ser outro. Às vezes eu me dou um dia de feriado e lavo um copo, então eu ponho para secar ao sol. Isso já é um extase. Como vocês vão me comparar à minha predecessora, com as suas depressões, as suas lágrimas. Lágrimas ipanemenses vistas por Vicente Barreto diante de José Américo. Mas não, eu despejei sorrisos. Outros Trópicos é a história desse apaixonamento.
10 Então existe o Simon F., que é um burguês, que tem essa veleidade artística. Ah! Esse lado da veleidade dos irmãos Goncourt. Então você tem veleidade. Você é aquele que menos entende da paixão que avassala um artista, você nada sabe disso. Mais saberia a governanta do que aquele que tem veleidades expantidas. Então o Simon F se apaixona por alguma coisa que ele não conhece, que é Maier. Maier é um intelectual judeu convertido, agora eu sou uma projeção dos dois, eu tenho esse lado mais mátrio, nem luto, não é preciso lutar, mas é um ladozinho assim, uma coisa, uma sombra, não é? Então o Maier vai comprar um apartamento, dizem alguns que é um romance imobiliário. Antes fosse, porque a Suarez Imóveis ia querer... [risos]. Patrocínio da Suarez, quem sabe? Conto com a sua ajuda. Ah, um romance imobiliário... Ah, esse livro, realmente... Há esse apaixonamento. Uma vez eu vi na TV um programinha aí, porque agora não tem mais essa necessidade, tudo ficava atrazmente silencioso, eu era mais jovem. Agora não. O silêncio era um néctar, uma ambrosia, e eu ficava atrazmente silenciosa. Então um cantorzinho dizia o seguinte sobre as suas fãs, mais uma coisa exemplar, eu escrevi, tá lá nos meus cadernos, working-copy, eu tenho essa necessidade, porque é a língua que eu falava na infância. Ah! Ficou um buraco né? Quando eu entrei no sistema escolar, eu tive que falar uma outra língua, que parecia totalmente estropiada sem aqueles broquês, aquelas lantejoulas. O buraco ficou pra trás. Bem, então Outros Trópicos é a paixão entre esses dois homens, esse Maier é muito importante, porque ele vai aparecer numa outra obra. Minha obra é um conjunto. Como um tempo. - [fala de outra pessoa: Atrás do tempo perdido]. Atrás do caminho, obrigada. Então o cantor disse o seguinte, “elas pensam que a gente abre a boca” – parecia Maiakóvski dizendo, porque Maiakovski dizia "pensam que basta abrir o biquinho a cantar como um rouxinol, mas ao contrário, temos que andar milhas na neve" – , elas pensam que a gente abre a boca e canta, mas acontece que a gente sente e o que a gente canta, isso elas não sabem. Ele estava desesparado. E sabe qual era o programa? Silvio Santos. Honra ao mérito. Então é isso que é o Simon F. Ele se sente atraído pela diferença. Você sabe que a diferença é atraente. Certo? Mas isso pode ser uma coisa inconsequente. Você ama aquela diferença. O grande romancista. A grande romancista se sentia atraída pelo grande romancista, mas ela lá, com as suas lavandas, sua prole, chocolate suíço. e o grande romancista se acabando em álcool e anfetamina. Entendeu? Então o Simon F. Fica muito atraído, chega a ser patético o grau de atração que ele sente pelo oposto, o Maier, o outsider, o intelectual que mora naquele tugúrio, - que aliás ele vende para ele, cheio de infiltrações – e ele se apaixona, e o livro é a percepção – eu queria realmente que a Suarez patrocinasse -. É o que Picasso dizia, e alguém ia visitá-lo e ameaçava sair, ele dizia, o que você tem a fazer de mais importante do que ficar comigo? Então o que a Suarez teria de mais importante? Então esse livro é isso. Mas não tem essa no meu livro de Maier era mulher, não ele era homem. Porque o amor entre duas criaturas nada tem haver... Um velho pode amar uma criança, há contos belíssimos sobre esse desencontro temporal. Então, o amor, o amor... E Simon F. ama Maier, mas isso não é transformado em funções, ele fica um pouco perdido. porque o Simon F. É muito mulherengo, justamente por esta carência, ele ele é um acumulador e ele tem veleidades artísticas e ele gostaria de ser um músico. Ele fica doente, inclusive, porque ele não tem acesso a ele próprio, ele não sabe de onde vem a falta. Esta coisa de estar excluído da linguagem é muito grave, a maior doença. Temos que ser compassivos, porque o maior castigo é estar fora da linguagem, não ter acesso a si mesmo. Quer dizer, ninguém tem total acesso a si mesmo, mas o artista é um privilegiado, um dos grandes, porque tem que haver alguma coisa em termos existenciais. Ele tem esse acesso, e o outro, que está privado deste aprofundamento. Tudo isso é muito cruel, mas é um livro leve, faz parte do meu estilo não trucidar o leitor, eu quero que a minha obra seja como um copo de água fresca que alguém sedento bebe em pleno deserto. Eu quero que a minha obra seja como uma cadeira de balanço que alguém exausto senta. É isso que eu quero da minha obra. Bem, então este é Outros Trópicos. Um estudante, José Niraldo, que hoje, todos os meus pupilos estão bem, esse está em Alagoas, ele resolveu escrever uma tese, eu não poderia pribi-lo, mas foi
11 uma iniciativa totalmente dele. Então ele coloca esta hierarquia, meu predecessor, minha predecessora e eu, nesta ordem. E já assim a tese está na Coleção Judith Grossmann, da Biblioteca do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia. Não está no Arquivo-Museu, está aqui. Existem ainda outros acervos. Falando em tese, sobre um conto de A Noite Estrelada foi escrita uma tese. Isso para mim faz sentido, porque a forma está em evidencia, a coisa da semântica, do vocábulo, do incesto. É uma espécie de luxúria, da ação da palavra, uma coisa erótica, libidinosa, uma coisa da qual eu teria que me devorar fatalmente. Então existe esta tese da Ester Gomes de Oliveira, está no Arquivo-Museu, feita na PUC São Paulo com a professora-orientadora, ah, eu não me lembro bem, não sei o nome da orientadora, também não li a tese, porque comecei a ter problemas, economizar a visão, apenas escrever e ler o mínimo possível, o médico diz que não, mas uma ideia minha, que eu comecei a praticar. Então Outros Trópicos existe o trabalho de Niraldo, que também pode ser feito um excerto e publicado em algum lugar. É um trabalho muito competentete e desgasta, o que neste trabalho é uma qualidade. Bem, este Maier, este outsider , este forasteiro que somos todos nós, não apenas Maier, ele vai voltar daqui a pouco. Depois deste livro eu escrevi Cantos Delitusos Romance, cujo projeto é avançar o século XIX, avançar no projeto realista-naturalista. A vida interior, a voz interior de uma personagem, de uma personagem enigmática, que a editora, sem que eu jamais usasse esse nome, decodificou como uma prostituta, mas eu não sei, eu não acredito que ela seja isso. É uma coisa inclassificada, ela é um pouco médica, é um pouco também isso que a editora achou que ela era, sem eu jamais pronunciasse a palavra. Ela é muitas coisas, não é? Eu vou fazer uma análise do livro, ela tem nome de flor, Amarilis, porque procuro sempre nomes que não tenham sido muito utilizados. Esse livro teve o APCA, Prêmio Ficção 85 da Associação Paulista de Críticos de Arte. Eu, aqui, não fui receber o prêmio, porque achava que aplicar uma prova, pois o meu cotidiano é muito mais importante. Aí mandaram pelo Correio, eu sempre estou ausente, eu sou uma grande ausente, uma grande ausência, mas eu me lembro lá no sexto andar na Casa Grande e Senzala, eu sempre precisei de muito espaço, onde eu nadava como um peixinho recém-egresso do aquário, é uma coisa orgânica, eu me lembro lá na mesa, todo mundo espantado, porque – eu não sei se se lembram - houve alguém até que disse, quero ir com você . Mas eu não fui, e me mandaram pelo correio. E para mim foi realmente uma coisa muito importante. E depois Cantos Delituosos, cantos, a ideia de reunir a poesia com a prosa. Agora aviso aos navegantes, não é um livro da escola realista-naturalista, trata-se de demonstrar, caso se queira demonstrar alguma coisa seria péssimo, uma obra de ficção não quer demonstrar nada, mas aqui – dado ao adiantado da hora terei que falar – trata-se de explorar, aprofundar, o mundo interior de uma mulher que tem alguma coisa de mim, alguma coisa de todos vocês, porque todos nós somos príncipes, contemos tesouros, e eu com meu notável dom para a intimidade, preciso escavar qualquer lugar, estes tesouros, às vezes até me canso, este dom que eu tenho para intimidade, e que infelizmente está sendo cada vez menos possível praticar. Atualmente eu sou a menina do shopping, menininha do shopping, eu sou o signo mais indecifrada, isso é o retrato no jornal, e já começa, quem é? Eu moro no shopping desde 90, um recreiozinho. E aí todas as lexias domésticas. Se eu falto um dia hoje, “você sumiu”. Se eu chego atrasada, estamos preocupadas. Quer dizer, tudo vira uma família. “Vamos vê-la amanhã pela TV”. Eu digo, não, mas não vai ser retransmitida. “Estava morrendo de saudade”. Isto é uma verdade absoluta vivida cotidianamente. Então Cantos teve esta trajetória de ter o número 15 da revista Estudos dedicado para que os trabalhos exemplares das professoras Antônia Herrera, Lígia Telles e demais componentes. O trabalho de Lígia... Está a venda na Livraria Civilização Brasileira. Estou sempre preocupada com Álvaro, “vendeu? Está dando prejuízo?” Aquela modéstia, aquela fidalguia. (Antônia Herrera: Evelina, falta Evelina). Eu falei, claro que falei. Antônia Herrera - repetindo -, Evelina Hoisel, adicionando, Tânia Carvalhal e Lígia Guimarães Telles.
12 Bem, este trabalho foi publicado como resultado da Oficina Amorosa em 1991 e quando me tornei Professora Emérita da Universidade Federal da Bahia, por iniciativa generosa do Professor Cid Seixas, que, enquanto eu viver, jamais acabarei de agradecer. Bem, gratidão... A gratidão não é apenas uma das maiores virtudes, mas a própria virtude. Então depois, agora que vem a grande... É, mas eu vou contar rápido, vai ser por advinha, o Brasil todo sabe, mas aqui, diante deste senhor, eu vou adotar um procedimento discreto. Depois destes dois livros, eu escrevi dois romances, um por iniciativa, quer dizer, uma coisa que eu... Eu agora vou escrever o Clarior Romance, o Clarior Romance, meu Deus... É aquele momento que a gente diz meu Deus! É um dilúvio de luz, é a descoberta do amor, o Clarior... Eu vou contar a fórmula do livro né, porque eu já entrei bem várias vezes contando o livro, e também isso tem que ser dito né, essa objetividade assim da minha faixa etária. Agora sou uma mulher de negócios, mesmo sem a pasta etc. Então o Clarior é um dilúvio de luz, ele tem uma epígrafe, “Mais Luz!”. Ele é o bem amado da espécie. Evidente que eu aproveitei da minha experiência pessoal e até mesmo do que isso tem de inquietante, certo? É aquela coisa do Pequeno Príncipe, aquilo é lindo, aquilo é fundamental. Eu tenho esse livro, está lá no Museu, porque o Museu já é uma extensão do meu corpo. A dedicatória é o seguinte, O Pequeno Príncipe é uma grande presença, vai lá consultar. O Pequeno Príncipe diz aquele negócio, você é responsável pelo que você cativa, isso é uma verdade, isso é um peso também, vocês já pensaram? Você cativa. O Clarior cativa, é uma coisa que ele exala, mas ele próprio ainda não conseguiu sentir o amor. Uma coisa de aah... Isso é uma falta, isso é uma falta terrível. Você tem que ter tido abalos sísmicos, eu não estou falando em eróticos não. É além, transcende.E ele ainda não viu isso. Então ele já um velho e amadíssimo. Ele é o contrário do Anjo Exterminador, ele é o contrário daquilo que Paulo diz na Bíblia – já corrigi a Bíblia. Paulo diz o seguinte: “ porque eu não faço bem o que quero, mas faço mal o que não quero”. Mas o Clarior é diferente, ele só faz o bem. Ele é objeto de amor. Ah! O Clarior... Clarior Romance. É um livro enorme, eu o escrevi em condições extramamente adversas. Doente – claro, isso é um galardão escrever doente -, mas a minha doença é sempre muito saudável. Condições adversas de iluminação. (risos). Um quarto no escuro. Mas o Clarior... (risos). Tive problemas com a minha vista, isso é verdade, não é nenhum drama. É incrível o preço, e eu tive aquele livre enorme, o Clarior Romance. E aí ele chega ao amor. Mas onde ele vai descobrir o amor e na infância. Ele se lembra. É assim que ele chega ao amor. É uma coisa também conceitual, mas não é abstrata. O livro é um enigma, advinha. Eu escrevo – é uma parte -, vamos ver se eu entendo. Mesmo quando o leitor acha que é o texto mais transparente, aí eu acho que é o mais misterioso. Então, o Clarior se lembra. Claro que eu aproveitei, aproveitei tudo. Tudo aqui é aproveitado, um apendice, aproveito tudo. E o Clarior se lembra da casa da infãncia, uma casa na Rua Sacramento, porque tudo no mundo é anagrama, e depois passou a ser Rua Doutor Lacerda Sobrinho. José Américo ia a Campos, aí chorava diante da casa, ele chorava, aí não era eu. Existem cartas, estão no Museu. Toda essa coisa do quarteto, o grande romancista, a grande romancista, Judith e o filósofo está documentada no Arquivo da Fundação, correspondências. Bem, e o Clarior lembra da casa, eu me lembrei dos cheiros, a sinestesia das luzes, do quintal daquele éden, meu Deus... Tinha uma coisa de você ficar afásico, meu Deus... O abalo, o Etna, o vesúvio, erupções vulcânicas, mas é tudo muito leve, assim numa calma... Também tem esse lado, esse lado sombrio, acho que nós já esgotamos... Eu quero ser um copo d'água, uma cadeira de balanço, eu quero trazer consumação, conforto, o livro tem o direito de levar o mundo ao desespero. Essa frase me parece perfeita para mim. Então o Clarior se lembra – sou eu, simulada -, ah! Outra coisa sobre o Clarior, ficaram fascinados com esse inédito. Uma editora de grande porte de São Paulo me escreveu... Então no final, meu livro é inimitável. Eu vejo hoje... [corte 46:20]
13 E o Clarior é assim mesmo, ele vai se lembrando das babás, das luzes, daqueles cheiros deliciosos, daquele ar puro dquele jardim daquele quintal, daquele éden. Tudo que existia era um milagre absoluto. Então isso lembrou o fim da tarde a babá lhe dava banho, comida, tudo muito ritualístico, os horários, toda aquela maravilha. Meu Deus. E o pai, à noite, antes que ele fosse dormir, já de pijama, maravilhoso, para que ele se sentisse mais confortável, e o sono lhe viesse mais rapidamente, o pai lavava-lhe os pés quando ele tirava os sapatos. Quer dizer, eu escrevi, não é? Agora a coisa já soa estou lindo. Já é muita coisa. Eu posso falar o que eu quiser. Eu sempre admirei os escritores – e isso me diferencia da minha predecessora – que fala com grande competência sobre a sua obra. Por isso sou professora de Letras. Eu tenho o saber do professor e o saber do poeta, isso é uma coisa muito invejada, inveja também é uma coisa erótica dentro de nós, não é? Um fluxo. E este é o final do Clarior. É claro que tem uma liturgia da igreja católica de lavar pés, termina com uma palavra sobre a morte. Ele não quer morrer, ele daria tudo por um minuto vivo, aquela coisa da vida... ele se lembra, pó, mas pó apaixonado, pó, mas pó enamorado. Termina com uma paródia de Quevedo, sobre a morte, ele não quer morrer, ele daria tudo por um minuto vivo, aquela coisa da vida. Ele diz que ele vai ser pó, mas pó enamorado. Aí então tem uma paródia, ele diz que ele vai ser pó, mas pó apaixonado. Inclusive a sonoridade... Maravilhoso! E como o leitor, também compreendo que um escritor de renome ficou fascinado por aquele inédito. Não se plagia inédito, é apropriação indébita, tá bom? E foi numa editora de grande porte em São Paulo, mas o meu livro é inimitável. Suponhamos que, à vista de Clarior Romance, se tenha uma boa ideia, como na televisão, de escrever o romance não Clarior, capiche?. E o pior é que toda aquela perversão deste escritor medíocre levou ao exibicionismo, e o último texto conta sobre a inveja que ele tem de um professor de Letras, do qual ele rouba um manuscrito e imita, mas não o matou. Então eu fui a um advogado para impetrar uma ação judicial. O nome do advogado é Alberto Venâncio, Edifício Cândido Mendes, Rua da Assembléia. Porque eu tenho essa ideia dos pilgrim fathers de que eu quero um tribunal. Eu quero ser ouvida. Eu desejo uma sentença, no centro um tribunal. Eu me recordo que havia no centro da ilha um tribunal. Canto VII, poema V da Invenção de Orfeu, dever de casa. Eu verifiquei antes de vir para cá, porque eu sabia que eu ia repetir aqui. Ainda não tinha certeza, mas eu sabia. No centro, um tribunal. Eu me recordo que no centro da ilha havia um tribunal. Então esse advogado, Doutor Alberto Venâncio, que pertence à Academia Brasileira de Letras, e eu lá, toda lá, toda essa argumentação, são cartas. Tudo isso vai ficar lá no Museu. E já coloquei nesse Conservatório da Palavra, tem tudo isso assim, sugerido. Aí eu começo a relatar o meu caso, e ele diz o seguinte, “Eu sou padrinho do reú”. Disse-lhe eu, “Se o senhor fora médico, seria recusa de atendimento”. Eu sai de lá já estava convidada para o depósito. Ah! Foram dois originais, esse e Crimes do Cotidiano , que eu escrevi engatilhada, aí eu não posso contar mais, porque já vai se tornar um excesso, aliás já se tornou. E Crimes não são crimes do sangue, são crimes do cotidiano, crimes da retaliação, isso que a gente exerce sem faca, crimes da linguagem – Ah! Eu voltei a isso. Então eu digo, ai que dor!, e alguém diz, é assim mesmo. É claro que há o outro lado, Esqueça. Eu trabalho com essas lexias, é um livro finíssimo. Eu acho que o título sugeriu, Crimes do Cotidiano . É muito provocativo. Então os dois foram depositados com um dossiê em que eu conto tudo, eu comprovo. Mas agora eu mudei de ideia. Agora eu quero publicar Clario Romance ontem, porque não tenho medo de doar? O dossiê vai ficar. Napoleão modificava as batalhas, as táticas e tal. Eu tenho uma grande admiração por Napoleão, por batalha, por várias razões. É a coisa da logística, a tática, não exatamente a guerra. Poderia não haver a guerra. Eu quero publicar Clarior Romance ontem – sabe para quê? - para abrir os caminhos da literatura brasileira, porque isso eu posso fazer, eu sei que isso eu posso fazer. Outras coisas, se eu vou ser, ocupar aquele lugar, isso eu não posso prometer. Pode ser até que aconteça. Mas é um plano mais modesto, uma primeira batalha. Abrir os caminhos. Isso eu posso assumir. Eu quero publicar o Clarior Romance ontem, aliás no ano que vem, pois existem
14 prioridades. E Crimes do Cotidiano eu quero publicar anteontem. O Clarior vai ser o último. Crimes é assim, ele começa lá no pátio, eu sou o Maier, Maier doutor, porque agora eu vou explicar
aquilo que o cantor não pode explicar às suas fãs, que ele sente. Ele está desesperado, porque elas pensam que ele abre o biquinho e canta, mas aquele sofrer... Ah!... Então eu estou lá no pátio dando aula de literatura dramática, claro eu sou Maier. Aliás, eu sou todos eles. E aí vem um aluno, atraído por aquele imã no final da aula – ah! Que saudade. Realmente, que saudade! – e em cima da mesa, acho que foi isso que excitou lá o romance Clarior . Eu vou ficar calada, não vou falar não. E ele quer o lápis, aquele Faber amarelo, da borrachinha amarelo, não tem essas? E o semestre ia diminuindo e o lápis ia diminuindo. Acho que era por causa do calendário, e o aluno não poderia saber isso, aquele valor simbólico, inestimável, tudo é feitiche na vida do artista. É uma coisa terrível, é difícil. É muito difícil o corpo aguentar tudo isso. Então o aluno vem, e vocês sabem que eu sempre tive uma relação amorosa com meus estudantes, e aí começamos a conversar, então são casos de amor. Naquela perspectiva platônica né? Na base, um vulcão – eu tento descrever i que eu estou escrevendo agora -, mas no topo, o espírito. Então o aluno vem, começa a conversar comigo, e sem querer ele vê aquele lápis, cujo valor é inestimável, ele não poderia jamais saber e inocentemente leva o lápis. São os crimes do cotidiano. E quando eu me vejo sem o lápis, é como se a terra tremesse, o mundo desmoronasse e eu houvesse perdido a minha alma. E a esse aluno que levou o lápis eu devo ter escrito. Veja como a coisa... E aí o livro começa assim, quando o aluno rouba o lápis, ele não rouba o lápis, ele leva, e o Clarior está muito preocupado com o semestre, com a sua família, com a universidade, o seu trabalho pode ser feito à noite em casa, o trabalho para ser feito durante o dia aqui, a sua vida afetiva. Crimes é um livro muito interessante, porque o Maier é um artista, está produzindo uma obra, mas não é aquela chatura de falar no "meu livro que eu estou escrevendo". Não é isso, é um trabalho. O leitor tem que advinhar, porque quando ele termina o trabalho o livro está pronto. Ele faz um casamento errado, como muitas vezes acontece, e a mulher é uma muher belíssima, - eu vou descrever o tom da pele -, assim como o cobre, não é, comparada ao metal, não produz um som bom – creio, não é - tem os cabelos ruivos. Ela atrapalha a vida dele, porque ela é totalmente indolente,ociosa. Ela não entende essa coisa da literatura, essa loucura. Aí ela fica grávida e ela já tem um projeto bem caveiroso de fugir do hospital, e tem aquela maletinha do que todo mundo aqui conhece, e ela coloca tudo que ela tem direito, as joias, tudo que ele deu. Eu acho assim... Tudo através dele, essa personagem, não sou eu. Poderia contar mil anedotas sobre isso, mas prometo não contar. Então ela já leva para o hospital. Isso é uma coisa muito moderna que as mães estão... Meu livros são muito... Eu sou um ser moderno, pós-moderno. Os outdoors me fazem companhia. Eu gosto do shopping, eu gosto de tudo. Sou um pouco gulosa, né? Então ela já vai com esse plano, mas ninguém vai me dar. Ela vai para a maternidade, ela dá a luz à Icaterine?, vulgo Icate, e ela foge do hospital e fica com a criança. Então ele tem o trabalho, a sobrevivência, o ensino, Icaterina, duas cidades, o Rio e a Bahia, mas aí ele pretende não se casar nunca mais. Mas aí ele se apaixona por Lívia, uma mulher erudita, livresca, ambiciosa, adúltera – tudo que você quis -, mas ele está loucamente apaixonado, é o amor, c'est le amour. Aí tudo muda, não é? Ele se casa e Icaterina é o retrato da mãe. É assim o cônjuge vai embora e deixa o seu representante autorizado. Aproveitei tudo, até as vísceras. Icaterina é uma déspota doméstica, ela tem o pai no cabresto. Ele é obrigado a descrever tudo que ele ganha com ela. Mas ele tem que repetir né? Aquela coisa freudiana, de repetir o erro. Ele se casa com Lívia, ele quer um outro filho, desesperadamente, porque sempre se quer um filho da pessoa que se ama. Isso sou eu Não há como lutar, isso é inelutável. E aí Lívia fica grávida, e há capítulos... Ah! O romantismo de Lívia, ela não usa com Maier, ela usa externamente. Tem um capítulo O amor de um rapaz , que é sobre o adultério. Ela é uma Bovary, uma pré-bovary. Os encontros, o elã, a loucura, esse é o penúltimo capítulo. E outra coisa é o estudo da sexualidade de Maier, que é o estudo da sexualidade do artista. Eu tenho muito essa coisa nietzschiana, de que na sexualidade a criatura penetra no mais fundo do seu ser. Isso é uma verdade incontrolável. Ele tem a sexualidade do artista, uma coisa que pode ser
15 muito intensa, mas que tem períodos de latência, e isso é provocado pela própria criação da obra. Mas a Lívia não é o ser adequado para compreender isso. O último capítulo é o aniversário da criança, Juán (com acento no a). Juan já tem a sua vida toda planejada, ele vai ser um escultor e já vai construir uma família modelar, já sabe o núumero de filhos. Tudo isso com 5 anos. Adora o pai, venera, idolatra a palma do pai na mão dele. Isso ocupa boa parte do capítulo final. E aí o menino faz anos, é uma festa. O menino tem natalício e onomástico, dois aniversários, como os reis de Espanha, por isso le se chama Juán, e a criança flagra a mãe no terraço com o outro, e ele viu o incêndio, ele viu o amor. A mãe tem o vestido branco – José Américo me condenaria -, um broche vermelho, uma luz rubra. E aí ele se faz ver. É uma coisa muito Hemingway, o amazing new. E a mãe vê, eles descem e a criança fica no poder. Eu agora estou no poder. Ele devolve a mãe ao pai sem falar nada com o pai. E aí os três vão viajar, é lindo, Maier com aquela sua sexualidade controvertida, mesmo assim agora tudo está bem. E o final é em Petrópolis, eles vão visitar o Museu Imperial, com as pantufas maravilhosas, e aí eles voltam, está fazendo muito frio, e Juán começa a choramingar. Aí o pai, ele é um pai desvelado, essa coisa da paternidade, e ele vai até o quarto do filho e leva-o para o quarto, dele, coloca o menino entre os dois. E a última frase do livro é a seguinte, pronunciada pelo menino, E então, eu gosto . Já é uma coisa do gozo mesmo, como sugestão. Então eu mudei um pouco meu projeto, eu quero publicar meus livros, eu quero entregar meus livros a quem é de direito. Alguns leitores já nasceram, mas outros com toda certeza nascerão. E essa ideia me vem de alguns escritores brasileiros que por um extra ou pela circunstância leram esses originais. Um deles me disse, Myriam até conhece, me disse o seguinte numa conferência numa conferência no Copacaba Palace, do PEN, na vista de Antônio Vilaça, tem uma dimensão maior do que a obra da Clarice Lispector , como parâmetro quantitativo, aceito desvanecido . Isso ele repete pela tarde, mas tem que ser. Eu agora quero publicar meus livros e entregar, eu não me pertenço, eu não posso sonegar, como diz... eu não vou dizer o nome porque... Não posso sonegar, e eu tenho uma ideia, uma boa ideia que me entrou na cabeça, e agora ontem eu quero publicar o Clarior Romance e Crimes do Cotidiano Romance. Aí eu vinha para a Bahia para transferir o arquivo, porque parece muito importante isso, por todas as razões que já expliquei aqui. Aí no dia de São Sebastião no Rio de Janeiro, em fevereiro, me telefonam da Vitae que eu havia recebido a bolsa Vitae. Entre 239 candidatos fui eu uma das escolhidas para área de Literatura com o projeto denominado Nascida no Brasil Romance, e cumpri com essa bolsa. Então não pude em 93 transferir o arquivo, fiquei aqui, inteiramente entregue a este trabalho, Nascida no Brasil Romance. Aí tudo mudou, teve uma tempestade nos meus projetos, abreviadamente, Nascida no Brasil é uma de nós, mulheres fragmentadas que não conseguimos reunir amor, casamento, trabalho, eu parti disso, é uma coisa simples. Nascida no Brasil porque ela é levada para fora do Brasil e depois ela vem buscar o seu sítio arqueológico, ela se chama Cândida Luz. Vem para o Brasil e vai constituir uma família, mas a família começa toda ao contrário, primeira ela adota duas crianças, uma criança lhe é dada e aí a pessoa some e ela fica com a criança nos braços, e a segunda criança ela praticamente leva para casa. “Come my boy”, ela fala em inglês, ele próprio se dá o apelido de Maboy, por causa dessa frase inicial, “Come my boy”. Aí é o paraíso, realmente essa convivência dos corpos, a sinestesia, as fraldas, meu lado maternal inóspito, uma gravidez terna. Aí primeiro tem esse núcleo, a casa, a vida com as crianças, é o éden, é o paraíso recriado. Depois vem o grande amor da vida de Cândida, Manfredo, um anagrama, porque tudo no mundo é anagrama, Grossmann Manfredo, Manfriend, amigo do homem, que é a ideia básica livro. E eles se amam ternamente, mas com separação de sexualidade, porque Manfredo, como grande romancista, grande filósofo, jogava em outro time, e Cândida em outro. Mas todo amor é vivível, do contrário não é amor. Então ela procura uma saída, e ela é também uma escritora, mas não aparece toda só, essa coisa tediosa de escrever um livro, não, ela tem um trabalho que ela sonha que ela vai fazer, um quarto. Então ela já vai começar o livro ternosa. Então Manfried, Cândida Luz, as duas crianças tinham muitos anos, e toda essa ternura, tem que ser uma família o casamento. Como
16 resolver isso? Então é um casamento com separação de sexualidades. Mas tudo já está resolvido antes, o que eu acho bonito nesta minha invenção é que tudo está resolvido. Quando se chega ao casamento, não existe mais nenhum problema, toda a construção já está. E o eros de Cândida Luz é viajeiro, então ela vem à Bahia, e a Bahia é uma atmosfera, uma cor, eu voltei àquele negócio o escuro azul, é uma coisa impressionista, da luz. Esse Eros é vivido na Bahia, em dois capítulos. E o eros do Manfredo também, ele vem à Bahia, só que a Bahia de Manfredo é vermelha e a de Cãndida Luz é azul. Ah! Coincidência, as duas cores de amor. É um conto de fadas, essa busca, que nós, Cândida Luz é cada uma de nós, procurando essa integração, o trabalho do artista, que é um trabalho, e que trabalho!, ter uma família, o amor, e a coisa é encaminhada assim. Então o último capítulo é o casamento, um capítulo enorme, uma festa que dura desde o amanhecer à queima de fogos, realmente um conto de fadas, mas não achem que haja qualquer barulhência, pelo contrário, quero um livro leve, como se tudo fosse Natal, quem sabe Páscoa, eu adoro calendário, quer ver? Natal, ano novo, lavagem do bonfim. Foi o dia que eu cheguei à Bahia, no dia da lavagem do Bonfim por mera coincidência, mas não existe isso. Eu toda chegando no dia da lavagem, eu pensei quê isso? Lavagem? Me senti neófita no meio da maior lavagem nesse verão enorme. Poderia voar... Cheguei. Festa do Rio Vermelho, Páscoa, Corpus Christi, (eu vou devagar), São João, Nossa Senhora Aparecida, Independência, Proclamação da República, Natal, eu viveria para sempre. Bem, então agora resta publicar Nascida no Brasil Romance, e já ia eu cuidar disso quando sou abalrroada pelo livro que estou escrevendo agora, cujo título não posso dizer, não por sonegação. Eu virei aqui, com os meus dedos. Vocês me farão perguntas, será tão delicioso, que poderei desmaiar, será quase obsceno. Então esse livro é sobre o amor, ouve-se o som da Habanera de Carmen de Bizet na voz de Maria Callas, acontece. Recusar aos ditames deste livro. Aconteceu... Dura pouco a estação do amor, mas acontece todos os dias. Então escrevi esse livro, eu vou dizer alguma coisa, porque esse livro é para vocês, é sobre o feminino, falado por uma mulher, não é por Freud e Lacan não (risos). O feminino falado por uma mulher que sou eu, não a minha predecessora, com aquela inapetência. Comer quando não se está com fome, por elegância, lavanda. Não, não tenho isso não. Então esse livro é sobre o amor, um incêndio, Etna, Vesúvio, um corpo incendiado, todas nós sabemos o que é isto. Então a mulher falada por uma mulher, é uma erupção vulcânica. E um manual de qualquer coisa aí pode ser comparado a esse livro, eu ensino, eu me ensino, tá certo, o corpo, o prazer, o gozo feminino. Sempre se chega nisso. Então esse livro é sobre essa erupção vulcânica. É um livro rápido, tem a pureza de uma tragédia grega. Eu escrevi num mês, no shopping Barra, porque o corpo às vezes sabe... (podem pedir bis que eu gosto), o corpo às vezes não aguenta. Eu não aguentava mais de tanta claustrofobia, mas eu não me sinto sozinha, eu queria dizer isto a vocês, me sinto tão acompanhada, tenho a necessidade de interromper quando a vida me convida. Então aquele dia, aquela pausa, aquele dia, aquelas toillets, então lavar um copo, vestir uma roupa. Ah! Tudo isso. Aí eu volto recuperada e posso recomeçar tudo de novo. Eu escrevi esse livro naquela mesa à esquerda, em frente do Bar do [?], existe a marca da minha caneta numa depressão da mesa, foi irresístivel, era uma colegial, desenharia corações, flechas. Totalmente enamorada, eu escrevi em um mês. Então o livro é esse, um encontro, capítulo 2, erupção vulcânica, etna, vesúvio, 3, A Declaração, ah! Esse é lindo, esse tem uma pureza... Que são páginas e páginas e páginas, e só nas últimas páginas são as declarações. Aí tem uns ecos do meu predecessor, quando eu vi já estava, aí eu deixei, eu deixei, eu vou deixar. O capítulo 4 é o objeto, é uma adolescente, é uma Morte em Veneza assim sutilizada, não se fala nunca que o protagonista, o homem, se chama Victor, que se trata daquilo, mas é, e você coloca um adolescente, que é um sobrinho. É tudo por sugestão, é tudo mallarmaico, não se noimeia nada. O professor está de quatro por Sérgio. Agora não pense que a protagonista, que sou eu, eu me permiti, e no Quarteto eu também vou me permitir, que a narradora e a autora estejam misturadas, é uma licença. Ah! Porque era necessário. Eu iria fazer uma citação do meu predecessor, “ porque tudo que eu falo é porque é sério preciso”. Evelina Hoisel, dedicado a você. “Porque tudo que eu falo é sério preciso , porque ele se dá conta de que ”
17 está falando demais. Ele é de uma loquacidade, declaradamente feminino, esse tipo de incontinência desse personagem é mais uma coisa da femina. Acontece que esse adolescente é a criatura mais bela do universo, nem Tadzio nem [?]. Aí a protagonista se apaixona pelo adolescente também, aí fica o Victor, ela e o adolescente no meio. Aí eu realizo um dos meus maiores sonhos da minha vida que é realizar uma cura, o adolescente adoece, ele não quer mais falar. A situação mudou, mas é tudo muito delicado, isso aí são véus e véus e véus... E aí a coisa se resolve porque o adolescente sai de baixo, ele volta para São Paulo, o adolescente é de São Paulo. E o quinto capítulo são as núpcias no Hotel Meridiano, no Rio Vermelho, e aí eu não posso dizer o que acontece lá. Todo mundo sabe o que acontece quando um homem e uma mulher estão no mesmo ambiente, no tálamo, acontece, mas eu não me ocupo de narrar isso. Eu narro outras coisas. Que coisas são essas? Eu virei aqui, trarei o livro, vocês a verão, me farão perguntas. Então esse ano é isso, eu pretendo publicar Nascida no Brasil Romance e este cujo título não posso dizer, no qual fica claríssimo qual é o meu verdadeiro predecessor. Uma advinha? Não são esses... E no ano que vem, já é um plano russo, soviético, União Soviética. Anastásia, executada aos 17 anos, nascida em 1901, executada em 1918. Anastásia. Inventei uma históra a partir daquilo que eles disseram, que eu era Anastásia, que eu havia deixado meu nome escrito numa vidraça com o diamante do meu anel. Anastásia. Ah! Isso para uma menina, realmente... Nem a Daniela Mercury consegueria cantar... (risos). É demais. Quem sabe a Maria Callas? E assim, no ano que vem, pretendo publicar nesta ordem, que ninguém me negue isso, porque passaria de sonegadora à negada, Crimes do Cotidiano Romance e Clarior Romance, e pretendo escrever O Quarteto, para contar a verdadeira história do grande romancista, da grande romancista, a minha história e a história do filósofo. A verdadeira história. Por enquanto, aquela história é outra história. E como era tempo de páscoa, lembrem-se que Anastásia significa ressureição, tiveram mais uma vez a ressureição. Anastásia!