Universidade de Brasília – UnB Instituto de Ciências Humanas Departamento de História Disciplina: Metodologia da História Professora: leonora !icari da Costa Brito "lunos: "da Dias Pinto #itenti *eraldo Helcius Dunice Cavalcante %/ & -$$-
T
– –
$%&%%'() +,&%-,).
rovador es, Donzel as, Cavalei ros e Castelo s no Sertão Baiano
(Segundo as canções de Elomar Figueira Mello)
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SUMÁRIO
%0 "P1234"567 D7 7B847 D P29UI2"
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(0 9U"D17 113CI"<
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APRESENTAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA
O
s o>?etos desta pes@uisa sAo algumas canes do compositor >aiano lomar igueira Mello E7 #ioleiroF G%+', ECantiga de "migoF G%+.- E7 1apto da 8oana do 4arugoF G%+., e E*a>rielaF G%+,(0 4ais canes despertaram
interesse especialmente por conterem elementos claramente medievais o @ue troue alguns @uestionamentos acerca de como ecos do imaginJrio europeuKmedieval contri>uíram para compor a cultura sertane?oKnordestina como tais representaes foram reatualiLadas reformuladas tornandoKse parte de um conteto diferente do europeu medievo e principalmente de @ue maneira lomar utiliLa esses elementos para falar de seu tempo de seus pro>lemas de seus sonos0 7 mNsico consegue com maestria recriar o trovador Gi>Orico medieval mesclando Qs suas trovas as percepes de seu próprio mundo falando da seca da po>reLa como tam>Om das >eleLas de sua terra de seus anseios de sua eperiência vivida @ue traL em seu E>o?oF tanto a memória da mNsica eclesiJstica do inJrio cristAo como das tiranas e parceladas % apreciadas ainda @uando menino alOm das diversas outras influências musicais @ue rece>eu ao longo de sua vida tendo sempre como eio norteador de suas composies a temJtica EsertaneLaF0 lomar nasceu em #itória da Con@uista em -% de setem>ro de %+(.0 m>ora tendo nascido em #itória da Con@uista passou toda a sua infRncia em 2Ao 8oa@uim cidade menor com carJter mais rural0 2eus primeiros contatos musicais foram com a mNsica eclesiJstica do inJrio cristAo do culto >atista evangOlico religiAo de sua mAe @ue influenciou >astante o compositorS de se ainda deiar de levar em conta a grande influência católica @ue rece>eu especialmente por parte de sua avó paterna0 Contudo ainda criana tam>Om coneceu e passou a apreciar a mNsica dos cantadores violeiros %
*êneros de cantoria lomar utiliLa em muitas de suas composies o dialeto sertaneLo modo como ele designa o falar de sua terra0 -
-
da regiAo os menestrOis errantes especificamente !O Trau !O *uelê e !O 2errad cu?os temas e estrutura de seus repertórios se afastavam dos da mNsica eclesiJsticaS estes menestrOis utiliLavam instrumentos malvistos na Opoca como a viola o violAo e a sanfona0 Compunam parcelas e tiranas e alOm disso o tema de suas composies eram fre@Ventemente as narrativas Opicas0 oi ainda menino @ue lomar aprendeu os primeiros acordes de violAo elegendoKo desde esse tempo como o seu instrumento0 m %+); lomar mudouKse para 2alvador para cursar o científico com um intervalo em %+)' @uando voltou Q sua cidade natal para servir o eOrcito este período foi importante em sua formaAo musical pois ao voltar Q #itória da Con@uista longe de o>rigaes com os estudos pde esta>elecer um contato maior com a mNsica nacional ur>ana a seresta o sam>a e o tango0 Concluiu o curso científico em %+).0
astante as novelas de cavalaria as @uais dedicava oras de leituraS foi com essa mesma idade @ue comeou suas composies literJrias e musicais0 m %+)+ na cidade de 2alvador ingressou no curso de "r@uitetura da Universidade ederal da Baia concluindoKo em %+';0 3essa Opoca tam>Om fre@Ventou durante um curto espao de tempo a scola de MNsica desta mesma universidade0 "ssim @ue se formou lomar voltou para o sertAo com o plano de se firmar na profissAo atingindo certa esta>ilidade econmica para entAo poder dedicarKse totalmente Q mNsica0 Por conseguinte sua produAo musical só comeou a realmente se epandir na dOcada de .$ @uando passou a compor mais deiando o tra>alo como ar@uiteto um pouco de lado0 Contudo só colocou sua profissAo de ar@uiteto realmente em segundo plano na dOcada de ,$ @uando passou a firmarKse mais profundamente como compositor decidido a levar o seu cancioneiro de palco em palco pelo resto do país0( " escola de lomar se deu tam>Om pelo fato de suas composies nAo se en@uadrarem de modo total a um modelo ?J padroniLado do @ue se espera @ue vena a ser a mNsica nordestina pois sua o>ra reNne óperas antífonas concertos sinfonias galopes estradeiros sem es@uecer do grande ciclo do cancioneiro0 ssa fuga mesmo @ue nAo a>soluta de um estereótipo musical suscitou a possi>ilidade de se @uestionar modelos fiados J tempos @ue for?aram a idOia da mNsica popular >rasileira cu?o termo deve ser localiLado istoricamente e nAo entendido como natural0 3ossa pretensAo O atravOs do tra>alo de lomar penetrar num universo cultural determinado (
2ítio: P714I1" 7ficial de lomar – ttp:&&planeta0terra0com0>r&compras&elomar&>iografia0tml K (%&$)&-$$-0
(
o sertAo >aiano num tempo igualmente determinado dOcadas de '$&.$&,$ pois entendemos @ue a mNsica de lomar O interpretaAo individual de seu mundo interpretaAo esta @ue contudo O permeada por representaes @ue o compositor compartila com a sua coletividade0
JUSTIFICATIVA
P
artindo do princípio de @ue a mNsica O uma ecelente fonte para a anJlise istoriogrJfica porOm ainda pouco utiliLada como tal e ao notarmos a escasseL de tra>alos so>re a mNsica >rasileira dita popular ; sentimos a necessidade de
traLer Q tona algumas reflees so>re este tema0 3ossa intenAo O propor @ue a mNsica deie o seu lugar de instrumento auiliar da pes@uisa istórica para ocupar o de o>?eto principal da anJlise0 "s letras das mNsicas entendidas a@ui como discursos musicais ) carregam as leituras @ue o compositor faL da Opoca em @ue vive transformandoKse assim em um outro meio de atingirmos uma dimensAo da realidade Q @ual se refere0 "o escolermos a mNsica >rasileira como nosso o>?eto de investigaAo sa>emos @ue estamos trilando um camino ainda pouco eplorado na História sendo assim uma de nossas intenes O colocar a proposta de @ue a?a uma a>ertura ainda maior de fontes com as @uais o istoriador possa tra>alar demonstrando com este tra>alo a pluralidade de registros @ue podem traLer o passado em suas diferentes faces afinal tais registros se?am eles uma partitura musical uma pintura ou um registro oficial de falecimento tam>Om sAo eles mesmos o passado @ue se dese?a vislum>rar0 4al a>ertura talveL possa vir a proporcionar ao pes@uisador uma maior flei>ilidade em seu tra>alo alOm de incentivar a interdisciplinaridade @ue ao contrJrio de pulveriLar a investigaAo possa dar a esta novas nuances0 Pensamos pois ser possível traar uma istória cultural tendo a mNsica como fonte de investigaAo0 "travOs de um recorte espacial&temporal pretendemos tomar conecimento de um universo cultural >rasileiro o universo do sertAo nordestino apropriado pelo compositor lomar igueira Mello @ue traduL suas impresses suas ;
3Ao utiliLaremos o termo popular no presente tra>alo por acreditarmos @ue este agrega em si conceitos e valores @ue nAo O intenAo deste tra>alo discutir profundamente0 ) Maria 40 3egrAo de Mello0 E9uê @ui tu tem canJrio Cultura e 1epresentaAo no repertório de WangaiF in ClOria B0 Costa e Maria 2alete T0 Macado Gorg00 ImaginJrio e História0 2Ao Paulo&Brasília: Marco !ero e Paralelo %) %+++ p0 %)(0
;
vivências seu tempo em composies @ue falam da@uele tempo tanto @uanto @ual@uer documento considerado istórico0 " anJlise do repertório de lomar possi>ilita a desmitificaAo da mNsica nordestina assim como da própria regiAo @ue por veLes O mostrada atravOs de alegorias eotismos caricaturas categorias muitas veLes for?adas pela indNstria cultural0 9uando nAo O relegada ao segundo plano ou mesmo es@uecida0 "o falarmos do sertAo nordestino Gno caso específico >aiano estamos falando de um Brasil @ue na maior parte das veLes O estereotipado pelo discurso oficial pois as noes de progresso civiliLaAo e modernidade o relegaram a um lugar de imo>ilidade no @uadro instituído como a História do Brasil0 Dessa maneira O @ue grande parte dos discursos @ue tratam desse universo estAo carregados de modelos prOKfiados tirandoKle sua istoricidade suas especificidades sua dinRmica cultural deslocando o omem sertane?o de seu tempo e seu espao transformandoKo @uase num estandarte0 2ituando o compositor dentro de seu tempo e espao procuraremos refletir so>re algumas formas @ue este encontrou para falar de seu presente de suas eperiências tornandoKo um indivíduo imerso em seu tempo em sua istoricidade0 3Ao pretendemos faLer de lomar um sím>olo do omem sertane?oS ao elegermos este compositor o fiLemos primeiro por@ue nos agrada a maneira como ele retrata seu mundo o modo como compe e encara o faLer musical contudo o @ue pesou mais fortemente na escola foi ?ustamente a forma como ele tra>ala com o imaginJrio medieval i>Orico utiliLandoKo como um meio para falar so>re seu tempo seus anseios suas impresses do universo em @ue estJ inserido0
)
QUADRO REFERENCIAL
C
omo a>ordagem de nosso o>?eto de pes@uisa utiliLamos primeiramente as noes de História Cultural do istoriador 1o>ert Darton '0 2egundo o autor atravOs de uma variedade de documentos O possível mostrar como numa
determinada Opoca e local as pessoas pensavam sentiam e atri>uíam valor ao mundo @ue as cercava0 2eria uma espOcie de istória com um viOs antropológico ou se?a uma istória @ue procura ouvir as voLes do passado como os antropólogos estudam as culturas diferentes da sua considerando a alteridade sa>endo @ue alOm da sua eistem vJrias outras maneiras de se conce>er o mundo0 sta istória de carJter etnogrJfico como a designa o próprio autor tenta penetrar no pensamento do omem comum0 Como distante dos discursos oficiais as pessoas perce>iam seu universo e @uais as estratOgias @ue fornecidas por sua cultura utiliLavam para viver0 " noAo de leitura @ue o autor prope O >astante interessante para este tra>alo pois partindo do princípio @ue assim como um teto filosófico ou uma comemoraAo possam ser lidos e servir de fonte para a investigaAo de uma determinada cultura acreditamos @ue a mNsica tam>Om possa servir para o mesmo fim0 3o caso desta pes@uisa o universo cultural a ser estudado O o sertAo >aiano a Opoca dOcadas de '$&.$&,$ as fontes documentais algumas canes previamente selecionadas do compositor >aiano lomar igueira Mello0 " pretensAo nAo O tipificar o compositor como o omem do sertAo mas sim perscrutar estas canes a fim de entender o @ue O importante para o compositor o @ue ele valoriLa @uais os seus dese?os sím>olos @ue ele provavelmente compartila com o grupo no @ual estJ inserido atravOs do @ue 1o>ert Darton cama de Eidioma geralF: EG000 Comea com a premissa de @ue a epressAo individual ocorre dentro de um idioma geral de @ue aprendemos a classificar as sensaes e a entender as coisas pensando dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura0 "o istoriador portanto deveria ser possível desco>rir a dimensAo social do pensamento e etrair a significaAo de documentos passando do teto ao conteto e voltando ao primeiro atO a>rir camino atravOs de um universo mental estrano0F .
'
1o>ert Darton0 EIntroduAoF0 In: O Grande Massacre de Gatos0 1io de 8aneiro: *raal %+,' p0 %( a %,0 Idem i>dem p0%.0
.
'
ra o autor ainda @ue a partir da investigaAo da cultura O possível perce>er como se dAo os arran?os no campo das relaes sociais pois a cultura for?a vises de mundo sendo @ue as pessoas pertencentes a uma sociedade mesmo levando em consideraAo diferenas sociais econmicas partilam em menor ou maior grau os mesmos significados em outras palavras as nuances pessoais @ue determinados atores dAo as suas produes nAo apagam as marcas dos Ees@uemasF compartilados socialmente garantia de se produLir sentidos socialmente plausíveis0 3este sentido tam>Om lanaremos mAo das reflees do istoriador 1oger Cartier so>re istória cultural e sua profunda ligaAo com as representaes sociais0 7 autor entende @ue o o>?etivo da istória cultural O tentar identificar como uma realidade social O construída num determinado momento nAo podendo ser dissociada das representaes @ue a permeiam pois como numa via de mAo dupla a coletividade imprime sentidos Q realidade assim como a própria realidade O criada a partir desses sentidos daí nAo se poder separar os discursos dos locais onde sAo proferidos o autor eplica @ue EG000 Desta forma pode pensarKse uma istória cultural do social @ue tome por o>?eto a compreensAo das formas e dos motivos – ou por outras palavras das representaes do mundo social – @ue Q revelia dos atores sociais traduLem as suas posies e interesses o>?etivamente confrontados e @ue paralelamente descrevem a sociedade tal como pensam @ue ela O ou como gostariam @ue fosse0F ,
PodeKse deduLir entAo @ue as representaes sociais nAo tem um Nnico sentido podendo ser reapropriadas por novos atores em realidades diferenciadas0 7utro referencial importante para este tra>alo no @ual >aseamos parte de nossa proposta sAo alguns estudos so>re mNsica >rasileira da istoriadora Maria 40 3egrAo de Mello0 3o teto E9ue @ui tu tem canJrioF + a autora faL algumas leituras da o>ra do compositor Wangai @ue inclusive O parceiro de lomar0 " autora encara o repertório do compositor como discursos musicais e estes como fonte de pes@uisa istórica0 m seu entendimento
,
1oger Cartier0 História Cultural. Entre práticas e representações0 18&oa: Difel&Bertrand Brasil %++$ p0 %+ + Maria 40 3egrAo de Mello0 E9ue @ui tu tem canJrioF op0 cit0 p0 %)% a %.$0
.
EG000 7 argumento norteador fundaKse no entendimento de @ue o esto@ue do cancioneiro popular ao recoler do cotidiano temas e situaes diversas para desenvolveKlos e devolveKlos em forma de arte constrói ademais um ar@uivo de potencial inestimJvel a>erto Q investigaAo G000F %$
Deste modo 4ereLa 3egrAo ressalta a importRncia da investigaAo istórica se casar com outras disciplinas0 3o caso da tentativa de se traar uma istória cultural a necessidade do pes@uisador lanar mAo de conecimentos outros especialmente a antropologia se faL premente0 m outro teto tam>Om so>re mNsica >rasileira no @ual analisa o tra>alo do compositor "doniram Bar>osa %% a autora ressalta outras importantes nuances para a anJlise istoriogrJfica @ue possua a mNsica como fonte0 Um dos pontos ressaltados O a necessidade de se refletir so>re o local de produAo do discurso musical local este onde o cotidiano O for?ado e @ue assim O transposto para a composiAo0 7utro aspecto relevante a>ordado pela autora O ?ustamente o @ue se >aseia o imaginJrio0 m seu entendimento este nAo O somente constituído pela eperiência do diaKaKdia mas tam>Om em sonos e dese?os e nesse sentido ele nAo só reproduL a eperiência vivida como a reinventa0 " educadora <ílian do #alle em seu livro E" scola ImaginJriaF %- dedica um capítulo aos conceitos de imaginJrio em uso atualmente propondo uma revisAo dos mesmos0 Consideramos sua a>ordagem so>re o tema importante para o nosso tra>alo pois entende o imaginJrio social como modo de criaAo instituiAo da sociedade no @ual este O epressAo coletiva @ue possi>ilita criaes individuais reatualiLadoras da realidade @ue de todo modo nAo se configura como Emuseu de representaesF sendo importante darKle istoricidade0 2o>re as prJticas discursivas @ue construíram uma idOia de 3ordeste nos >asearemos no livro A Invenção do Nordeste e outras artes de Durval MuniL de "l>u@uer@ue 8Nnior0 7 autor prope uma refleAo so>re os discursos for?adores da noAo estereotipada do 3ordeste e dos nordestinos noAo esta @ue a>ita nAo só o imaginJrio social do País como O reafirmada e reatualiLada incessantemente pela mídia0
%$
Idem i>dem p0 %)) Cf0 Maria 40 3egrAo de Mello0 E ECascariguindumF Cotidiano cidadania e imaginJrio na o>ra de "doniram Bar>osaF in "l>ene M0 0 MeneLes Gorg00 História em movimento. 4emas e Perguntas0 Brasília: 4esauros %++.0 % <ílian do #alle0 " scola ImaginJria0 1io de 8aneiro: DPX" ditora %++.0 p0 ;. a '( %%
,
" partir de %+%$ e com maior intensidade nas dOcadas de ($ e ;$ emergiu no Brasil a construAo de um ideal nacional @ue para se legitimar necessitava de noes como Eidentidade nacionalF e&ou EregionalF reafirmadas em grande parte pelo surgimento da instituiAo MNsica Popular Brasileira0 3esse mesmo momento perce>eKse tam>Om os primeiros es>oos do @ue viria a se constituir como 1egiAo 3ordeste0 " idOia de um espao geogrJfico como formador e determinador das características de seus a>itantes a partir de traos os mais superficiais O fundadora da noAo de identidade nesse sentido a regiAo O istoriciLada de maneira @ue se possa localiLar as origens da sua identidade conferindoKle continuidade e omogeneidade nesse aspecto o autor argumenta @ue: E7 procedimento @ue preside a EHistória 1egionalF o de definir uma regiAo um espao geogrJfico ou um espao de produAo como um a priori @ue O anacronicamente remetido para antes da sua própria constituiAo sendo transformado numa transcendência naturaliLado nAo leva em conta o fato de @ue uma Opoca ou um espao nAo preeistem aos enunciados @ue os eprimem nem Qs visi>ilidades @ue os preencem0 G000F
%(
7 autor entende @ue assim como a própria noAo de regiAo O istórica o nordeste e o nordestino tam>Om o sAo e aparecem no Brasil ?ustamente @uando o discurso nacionalista se torna mais evidente0 7utro ponto importante ressaltado pelo autor O o de @ue a criaAo de uma regiAo se dJ mais no plano cultural do @ue no político por isso acredita @ue a anJlise de imagens confeccionadas tanto pelo discurso intelectual assim como pelo artístico O importante pois muitas veLes essas imagens fundamentam ou reafirmam as noes de 3ordeste como espao @ue nAo acompana a istória do País – @ue ficou Q margem da modernidade e da civiliLaAo preso aos capricos da natureLa – e o nordestino especialmente o sertane?o como o matuto o ingênuo0 %; " leitura do livro A Invenção do Nordeste gana relevRncia para a proposta a@ui apresentada pois entendemos @ue as mNsicas de lomar algumas veLes tendem a fugir ao lugar comum do cenJrio nordestino descrito na maioria das epresses artísticas @ue a ele se dedicam0
%(
Durval MuniL de "l>u@uer@ue 8r0 A Invenção do Nordeste e outras artes0 1ecife: 83 d0 MassanganaS 2Ao Paulo: CorteL %+++0 P0 -+ %; Durval MuniL de "l>u@uer@ue 8r0 A Invenção do Nordeste0 7p0 cit0 EIntroduAoF0
+
2o>re a arte o autor ressalta sua importRncia no sentido @ue esta pode atravOs de falas mNltiplas conferir materialidade ao 3ordeste reafirmando seu estereótipo ou ao contrJrio contestandoKo0 %) Para uma investigaAo do eco do imaginJrio medieval no imaginJrio nordestino Gem>ora este ponto merea ressalvas inclusive no @ue diL respeito a um ImaginJrio 3ordestino nos >asearemos na o>ra E7 Canto e a MemóriaF de 2ilvano Peloso %'0 7 autor atravOs de algumas manifestaes culturais analisa como muitas legendas europOias mais precisamente portuguesas e espanolas cegaram ao Brasil atravOs principalmente da tradiAo oral e a@ui foram e continuam sendo recriadas atendendo Qs eigências de novos tempos e espaos0 3o @ue tange a anJlise dos aspectos culturais da Idade MOdia presentes nas fontes deste tra>alo ainda @ue nAo se?a nosso o>?etivo um estudo aprofundado desta Opoca procuraremos refletir so>re as apropriaes das representaes medievais por lomar eventualmente traando paralelos com os significados destas representaes no mundo europeuKmedievo0 Basearemos nossas reflees principalmente na o>ra A Civiliação do Ocidente Medieval %. de 8ac@ues ologia medieval utiliLaremos o !icionário da Idade M"dia%,0 7s glossJrios contidos nos encartes dos discos tam>Om servirAo como fonte interpretativa desta pes@uisa0 Um Nltimo aspecto mas nAo menos importante O a relaAo do compositor com a dita indNstria cultural0 oram de grande valia para a refleAo acerca do tema as noes traLidas por MuniL 2odrO em seu livro #einventando a Cultura %+0 7 autor entende @ue a economia capitalista tende a transformar o>ras sim>ólicas artísticas em mercadoria cultural pois no mundo ocidental atual a cultura em suas diversas manifestaes tam>Om pode ganar valor de troca de >em de consumo de acordo com a lógica da integraAo capitalista0 3este sentido tanto as condies de produAo de consumo assim como o conteNdo das o>ras podem ser profundamente alterados perdendo especificidade originalidade ao mesmo tempo em @ue sAo omogeneiLados %)
Durval MuniL "l>u@uer@ue 8r0 A Invenção do Nordeste0 7p0 cit0 p0 %)% K %'; 2ilvano Peloso0 O Canto e a Memória. História e utopia no ima$inário popular %rasileiro0 2Ao Paulo ditora =tica %++'0 %. 8ac@ues oa: ditorial stampa0 %++)0 %, H010
%$
padroniLados o @ue facilita a sua divulgaAo e comercialiLaAo0 Contudo o autor acredita nAo na eistência de uma Nnica e imperativa indNstria cultural mas sim em vJrias indNstrias da cultura @ue agem de acordo com o grau de intervenAo capitalista o @ue imprime Q discussAo outras nuances relativas aos efeitos destas indNstrias pois por mais @ue tendam a egemonia nAo se pode deiar de considerar as >recas os espaos @ue estas nAo conseguem a>arcar0 3esse ponto 2odrO eplica E7 desafio da produAo sim>ólica na verdade o dese?o umano de sensi>ilidade profunda em face do real O o?e levar a o>ra a gerar suas demandas fora da sistematiLaAo re@uerida pela realiLaAo do valor do capital G@ue comanda dese?os&necessidades codifica as diferenas e faL do imaginJrio mera alavanca de consumo no interior de um espao social mediatiLado em @ue a tecnologia ?J aparece capaL de produLir o seu próprio discurso so>re o mundo0 em @ue a estetiLaAo generaliLada da vida social tende a uma apologia paralisante do @ue eiste e se pe a servio eclusivo do mercado0F -$
Pertinentes ainda sAo as propostas do antropólogo musicólogo e entnomusicólogo 8osO 8orge de Carvalo em seu ensaio &rans'ormações da (ensi%ilidade Musical Contempor)nea-%0 3este tra>alo o autor reflete so>re as mudanas na sensi>ilidade musical no mundo ocidental neste fim de sOculo a partir principalmente das transformaes na tecnologia da produAo musical ocorridas nas Nltimas dOcadas0 Um de seus primeiros @uestionamentos O ?ustamente acerca do lugar da mNsica e dos conceitos for?adores do faLer musical na atualidade0 4alveL um dos principais pontos tocados por 8osO 8orge para esta pes@uisa se?a o universo midiJtico e a omogeneiLaAo @ue este imprime ao gosto musical ou se?a ainda @ue um maior acesso a diversidade musical se?a positivo as tecnologias de gravaAo e reproduAo dos variados estilos >aseiamKse num gosto padroniLado o @ual o>scurece variaes sonoras faLendo com @ue toda mNsica parea a mesma0 "lOm disso a midiatiLaAo oferece ao consumidor o produto aca>ado sem dar a este a oportunidade de conecer o processo o @ue no entendimento do autor significa
-$
MuniL 2odrO0 #einventando a Cultura0 7p0 cit0 p0 %-+ 8osO 8orge de Carvalo0 &rans'ormações da (ensi%ilidade Musical Contempor)nea0 EHoriLontes "ntropológicosF Porto "legre ano ) n0 %% p0 )( – +% outu>ro de %+++0 -%
%%
EG000 "í surgem as crises nos códigos de sensi>ilidade interKculturais: o ouvinte apreende apenas como um produto aca>ado e nAo como processo social e cultural @ue se desenvolve na verdade como um interKteto a realidade sonora funcionando apenas como uma a>straAo analítica a posteriori0F--
Daí se pensar @ue o resultado da a>sorAo de estilos musicais tradicionais pela mídia O muitas veLes estOril0 "ssim como uma das facetas das composies de lomar O a sua nAoKa>sorAo pelo universo midiJtico as propostas de 8osO 8orge de Carvalo mostramKse >astante enri@uecedoras pois num mundo no @ual a tecnologia tornaKse cada veL mais um imperativo mesmo acreditando @ue inovaes tecnológicas possam ser por veLes produtivas as possi>ilidades de fuga de modelos padres engessadores da criatividade para a EconstruAo de uma sensi>ilidade musical deveras pluralistaF -( apresentamKse altamente interessantes0
--
8osO 8orge de Carvalo0 &rans'ormações da (ensi%ilidade Musical Contempor)nea0 7p0 cit0 p0). 8osO 8orge de Carvalo0 &rans'ormações da (ensi%ilidade Musical Contempor)nea0 7p0 cit0 p0 )(
-(
%-
PROBLEMATIZAÇÃO
U
ma das @uestes @ue pretendemos levantar com esta pes@uisa O em @ue sentido lomar utiliLa deste imaginJrio medieval para falar de seu presente De @ue modo o compositor lana mAo de outras representaes de origem
nAo medieval e @uais sAo elas le utiliLa sím>olos medievais para reafirmar a imagem do sertAo como espao místico medievaliLado preso Qs tradies e aos ciclos da natureLa ou ao contrJrio ao utiliLar tais sím>olos aca>a por recriar esta mesma imagem pois tra>ala com novos elementos fugindo assim a estereótipos ?J J tempos arraigados no imaginJrio nacional 7u ainda transita entre os dois reafirmando e desconstruíndo estereótipos nas correntes do imaginJrio e contraKimaginJrio Procuraremos @uestionar a relaAo de lomar com a indNstria cultural0 2erJ @ue a resistência do compositor Q massificaAo O a Nnica responsJvel pela nAoKa>sorAo do mesmo aos grandes meios de comunicaAo Por @ue mesmo faLendo uso de categorias @ue for?aram o 3ordeste como a seca a misOria o êodo lomar nAo estJ em consonRncia com outros compositores @ue retratam a mesma regiAo e @ue conseguiram espao na mídia
%(
APRESENTAÇÃO DE FONTES PRIMÁRIAS O Violêro G%+', *+ cantá no canturi primero as coisa lá da min,a muderna$e -ui mi 'iero errante e violro eu 'alo s"ro i num " vadia$e i pra voc -ui a$ora está mi +vino /uro int" pelo (anto Minino *i$e Maria -ui +ve o -ui eu di$o si '+ mintira mi manda um casti$o Apois pro cantad+ i violero só ,ai treis coisa nesse mundo vão am+0 'urria0 viola0 nunca din,ro viola0 'urria0 am+0 din,ro não Cantad+ di trovas i martelo di $a%inete0 li$ra i moirão ai cantad+ /á curri o mundo intro /á int" cantei nas prtas di um castelo dum rei -ui si c,amava di 1uão pode acriditá meu compan,ro dispois di t cantado u dia intro o rei mi disse 'ica0 eu disse não
(i eu tivesse di viv o%ri$ado um dia inantes dsse dia eu morro !eus 'eis os ,omi e os %ic,o tudo '+rro /á vi iscrito no 2ivro (a$rado -ui a vida nessa terra " u3a passa$e i cada um leva um 'ardo pesado " um insinamento -ui derna a muderna$e eu tra$o %em dent3 do coração $uardado &ive muita d+ di num t nada pensano -ui sse mundo " tud3t mais só dispois di pená pelas istrada %elea na po%rea " -ui vim v vim v na procissão u 2+vado4se/a i o malassom%ro das casa a%andonada c+ro di ce$o nas porta das i$re/a i o rmo da solidão das istrada 5ispiano tudo du cumço eu v+ mostrá como 'ai o pac,ola -ui in'orca u pescoço da viola rivira toda moda pelo avsso i sem arrepará si " noite ou dia vai lon$e cantá o %em da 'urria sem um tustão na cuia u cantad+ canta int" morr o %em do am+.
sta canAo estJ no primeiro compacto de lomar de %+', e tam>Om aparece em seu segundo disco !as 6arrancas do #io Gavião de %+.- produLido no estNdio 82 *ravaes Baia0
%;
Cani!a "# A$i!o G%+.- 2á na casa dos Carneiros Onde os violeiros vão cantar louvando voc Em canti$a de ami$o Cantando comi$o somente por-ue voc " Min,a ami$a0 mul,er 2ua nova do c"u -ue /á não me -uer !eessete " min,a conta *em ami$a e conta uma coisa linda pra mim Conta os 'ios dos teus ca%elos (on,os e anelos Conta4me se o amor não tem 'im Madre ami$a " ruim Me mentiu /urando amor -ue não tem 'im
2á na casa dos Carneiros (ete candeeiros iluminam a sala de amor (ete violas em clamores0 sete cantadores (ão sete tiranas de amor para a ami$a Em 'lor 7ue partiu e at" ,o/e não voltou !eessete " min,a conta *em ami$a e conta 8ma coisa linda pra mim 5ois na casa dos Carneiros *iolas e violeiros (ó vivem clamando assim Madre ami$a " ruim Me mentiu /urando amor -ue não tem 'im
Canti$a de Ami$o estJ presente em seu segundo disco !as 6arrancas do #io Gavião de %+.- produLido no estNdio 82 *ravaes Baia0
%)
O Ra%o "# J&ana "o Tar&!o G%+', In'rentei '+sso mural,a e os 'erros dos portais só pela $raça da $entil sen,ora 'iltrando a vida pelas $rãos de ampul,etas mortais d3al"m de tras4os4Montes ven,o por campo de /ustas ,onrando este amor me e9pondo : (an,a (an$uinária de c+rtes cru"is in'rentei vilões no Al$ouço e em (en,ores de 6iscaia 'idal$os corpos de armas %run,idas não temo escorpiões cru"is carrascos vosso pai en'reado : porta do castelo ten,o meu murelo li$eiro e alaão -ue em lidas san$rentas %ateu mil mouros in'i"is O (en,ora dos (arsais min,3alma só teme ao #ei dos reis dei9a a alc+va vem4me : /anela
O (en,ora dos (arsais só por vosso amor e nada mais desça da t+rre Na;la donela ven,o d3um reino distante0 errante e menestrel inda esta noite e eu ten,o esta donela min,a espada empen,o a uma deã mais pura das vestais aviai pois a via$em " lon$a e /á vim preparado para vos levar /á tarda e -uase o min$uante está a morrer nos c"us O (en,ora dos (arsais min,3alma só teme ao #ei dos reis dei9a a alc+va vem4me : /anela O (en,ora dos (arsais só por vosso amor e nada mais desça da torre 1uana tão %ela Naila donela0 1uana tão %ela.
sta canAo foi gravada no
'a(ri#la G%+,(
O Ga%riela
%'
2Ao treis sorte sAo treis sina na istrada dêsse cristAo sAo treis irirmA granfina e de punal na mAo dZua madrasta avarenta o ome nun iscapa nAo cuma o cego na trumenta lJ vai o cristAo sAo treis sorte sAo treis sina ai po>re cantad sAo treis irirmA firina a Morte a 2audade a D
na 2a$oa 6ela lua min$uante as e$uas vão son,á são e$uas %aias %rancas amarelas são poldas pampas lindas $a%rielas mon/as caval$adas vindas de estrelas muito recuadas 2a$oa da 5orta nas ,oras mortas o viado %ranco vem suin %e%.
Ga%riela foi gravada nas Cartas Catin$ueiras de %+,(
%.
ENSAIO
N
Ao comearemos este ensaio amarrandoKo a um Nnico fim0 3osso impulso
primeiro partiu da tentativa de traar uma istória cultural do sertAo >aiano utiliLando como fonte @uatro mNsicas de lomar nas @uais perce>euKse uma
forte influência do imaginJrio europeuKmedieval o @ue nos motivou nAo só a @uestionar de @ue modo tais influências compuseram e compem a cultura sertane?oKnordestina mas principalmente como foram e sAo apropriadas e reatualiLadas pelo compositor0 ntendeKse @ue lomar faL uso de representaes @ue sAo compartiladas na sua coletividade e ainda @ue imprima características particulares a estas0 "s suas composies sAo um meio @ue podemos utiliLar para alcanarmos uma dimensAo da realidade retratada em suas mNsicas0 Para alOm deste nosso o>?etivo principal e partindo dele procuraremos refletir so>re os estereótipos atri>uídos ao omem sertane?oKnordestino e ao próprio 3ordeste pois mergular no universo particular de lomar pode ser uma maneira de darKle especificidade istoricidade0 lomar comeou a compor >em cedo em sua vidaS entretanto O no final da dOcada de '$ e entre as dOcadas de .$ e ,$ @ue passa a intensificar sua produAo musical0 sse período da istória do Brasil foi marcado entre outros por uma ditadura militar ?untamente com um forte movimento de resistência por parte de intelectuais artistas e outros setores da sociedade a essa ditaduraS foi a Opoca da efervescência da mNsica de protesto dos grandes festivais do eílio0 Contudo lomar em meio a ditadura militar continuou falando em sua mNsica da sua terra dos pro>lemas @ue a sua comunidade enfrentava descrevendo paisagens sentimentos sonos utiliLando inclusive um dialeto elementos muito próprios de um mundo no @ual ele estava inserido0 De acordo com o senso comum poderia se pensar entAo @ue talveL o sertAo >aiano nAo tivesse sofrido com a ditadura ou @ue o 3ordeste O de fato um espao aistórico @ue nAo acompana o tempo de seu País devido a suas dificuldades tAo peculiares0 ntretanto acreditamos @ue outros @uestionamentos sAo possíveis como por eemplo de @ue lomar nAo tena falado da ditadura por escola própria nAo por@ue nAo acasse importante mas por perce>er @ue eistem outras formas de resistência0 " primeira mNsica de lomar a ser analisada O *iolro0 de %+', estJ presente tam>Om em um de seus primeiros discos Nas 6arrancas do #io Gavião0 Mesmo nAo possuindo muitas referências Q Idade MOdia a anJlise nos pareceu oportuna pelo ?ogo @ue o compositor esta>elece entre elementos presentes na canAo: %,
=>...?Apois pro cantad+ i violero só ,ai treis coisa nesse mundo vão am+0 'urria0 viola0 nunca din,ro viola0 'urria0 am+0 din,ro não Cantad+ di trovas i martelo di $a%inete0 li$ra i moirão ai cantad+ /á curri o mundo intro /á int" cantei nas portas di um castelo dum rei -ui si c,amava di 1uão pode acriditá meu compan,ro dispois di t cantado u dia intro o rei mi disse 'ica0 eu disse não>...?@ G7 #iolêro
Martelo ga>inete e moirAo sAo gêneros da cantoria nordestina ?J a trova alOm de ser um gênero de cantoria O tam>Om um elemento claramente medieval difundido a partir dos sOculos WII a WIII na uropa0 7s versos E?J intO cantei nas portas di um castelo dum rei @ui si camava di 8uAoF apresenta duas referências eplícitas Q Idade MOdia a primeira o castelo tipo de fortificaAo @ue O centro de domínio social e econmico e a segunda O a referência feita a um rei 8oAo talveL 8oAo I fundador da dinastia de "vis ou apenas uma simples alusAo Q longa linagem de reis portugueses camados 8oAo0 " referência ao trovador medieval estJ presente implicitamente no resto da mNsica especialmente @uando lomar descreve o ideal do cantador&violeiro @ue O levar sua arte a lugares distantes sem se prender a nenum deles0 3este sentido J uma e@uivalência ao ideal da@ueles trovadores cu?a intenAo era igualmente apresentar sua mNsica por vJrios reinos0 4raando um paralelo entre lomar e os trovadores do medievo perce>emos uma semelana na utiliLaAo da linguagem em suas canes0 7s trovadores medievais fiLeram uso da língua vulgar ou se?a da língua comum como forma de populariLaAo de suas canes -;0 lomar faLendo uso do dialeto sertaneLo torna seu repertório acessível Q@ueles @ue dele compartilam0 7 compositor utiliLaKse de seu dialeto nAo só no sentido de populariLaAo mas principalmente construindo uma especificidade @ue
-;
%+
sendo ou nAo sua intenAo tornaKse uma >arreira para a a>sorAo de seu repertório pelas indNstrias culturais0 G000&ive muita d+ di num t nada pensano -ui sse mundo " tud3t mais só dispois di pená pelas istrada %elea na po%rea " -ui vim v>...?
3estes versos lomar caracteriLa >em a dor os pro>lemas enfrentados pela sua coletividade0 " seca e a misOria sAo elementos muito presentes no imaginJrio nordestino ainda @ue tam>Om componam uma gama de estereótipos impostos Q regiAo0 Contudo ao falarmos de estereótipos nAo se pretende diLer @ue nAo eista misOria ou @ue a mesma foi inventada0 4ais noes tam>Om constróem e faLem parte do imaginJrio assim como imprimem sentidos Q realidade ou melor for?am a realidade0 7 pro>lema estJ na naturaliLaAo dos conceitos @ue aca>am por aprisionar os su?eitos aos lugares a eles destinados no discurso egemnico sendo vistos a partir daí como um >loco monolítico sem movimento sem istória0 lomar ao ver a >eleLa do modo de vida do sertane?o para alOm de reafirmar o estereótipo o su>verte nAo por@ue se su>meta Qs imposies do mundo mas por@ue aprendeu a apreciar um modo diferente de se conce>er a vida0 Em cantiga de amigo cantando comigo somente por@ue você O mina amiga mulerF GCantiga de "migo0 ComposiAo de %+.- tam>Om faL parte do disco !as 6arrancas do #io Gavião0 3as cantigas de amigo tradicionais @uem fala O a muler e nAo o omem0 7 trovador compe a cantiga mas o ponto de vista O feminino mostrando o outro lado do relacionamento amoroso K o sofrimento da muler Q espera do namorado Gcamado [amigo[ a dor do amor nAo correspondido as saudades os ciNmes as confisses da muler a suas amigas etc0 7s elementos da natureLa estAo sempre presentes alOm de pessoas do am>iente familiar evidenciando o carJter popular da cantiga de amigo0 m Canti$a de Ami$o lomar apresenta os mesmos elementos @ue o tipo de composiAo tradicional0 "ssim como nas demais canes de amigo nAo O a descriAo pormenoriLada do corpo da amiga o>?eto da atenAo tanto de lomar @uanto dos poetas medievais0 "s aluses ao corpo sAo sempre mais sutis evitando referências eplícitas um claro eemplo O @uando lomar canta:
-$
>...?*em ami$a e conta uma coisa linda pra mim Conta os 'ios dos teus ca%elos (on,os e anelos Conta4me se o amor não tem 'im Madre ami$a " ruim Me mentiu /urando amor -ue não tem 'im>...?
7 ca>elo solto da muler tem no mundo medieval um forte valor erótico @ue normalmente se liga a uma aAo -)0 7 fato da muler estar com os ca>elos soltos sugere na poesia medieval a virgindade @ue se atrela Q idOia da moa ser donLela ?untamente com o fato do cantador pedir a revelaAo dos dese?os e sonos da moa dJ possi>ilidades mais reais ao amor0 3o entanto J uma inversAo dos papOis masculinos e femininos0 3a presente canAo o amor O visto por uma perspectiva masculina assim como a dor do a>andono pois @uem parte no caso O a figura feminina0 " Casa dos Carneiros O o nome da faLenda de lomar na @ual a canAo se passa lugar no @ual o omem a>andonado compartila com os amigos violeiros seus sentimentos assim ao colocar aspectos de seu mundo lomar particulariLa e reatualiLa a forma da cantiga de amigo0 E#indas de estrelas muito recuadasF O a apropriaAo @ue lomar faL das Parcas seres da mitologia grega responsJveis por fiar tecer e cortar o fio da vida -' em sua mNsica Ga%riela0 " canAo se inicia com os seguintes versos: =2Ao treis sorte sAo treis sina na istrada dêsse cristAo sAo treis irirmA granfina e de punal na mAo dZua madrasta avarenta o ome nun iscapa nAo cuma o cego na trumenta lJ vai o cristAo sAo treis sorte sAo treis sina ai po>re cantad
-) -'
-%
sAo treis irirmA firina a Morte a 2audade a D >...?@
"@ui as três irmAs transformamKse na Morte na 2audade e na Dor possivelmente seres mais próimos da realidade do compositor0 " madrasta avarenta pode ser uma referência Q morte mas tam>Om a figura da madrasta mJ pode ter sua origem nos contos infantis medievais0 3a segunda parte da mNsica: O Ga%riela na 2a$oa 6ela lua min$uante as "$uas vão son,á são "$uas %aias %rancas amarelas são poldas pampas lindas $a%rielas mon/as caval$adas vindas de estrelas muito recuadas 2a$oa da 5orta nas ,oras mortas o viado %ranco vem suin %e%.
" mNsica aparece estruturalmente diferente nessa segunda parte0 HJ uma *a>riela @ue nAo sa>emos @uem O ficando misteriosas tam>Om as referências Qs Oguas >aias >rancas amarelas @ue transformamKse em mon?asS talveL nesse ponto lomar construa ou aproprieKse de um >estiJrio0 3o entanto o tema do veadino >ranco aparece no mundo do romance de encantamento medieval e tam>Om na istória do Imperador Carlos Magno-. cu?o teto O sa>ido como uma grande influência da cultura sertane?o nordestina0 3a mais medieval de suas mNsicas a@ui estudadas 0 O #apto da 1oana do &aru$o lomar conta a saga de um cavaleiro @ue vai em >usca de sua amada donLela disposto a enfrentar os mais diversos desafios0 struturada como uma canAo de amor cortês estilo -.
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medieval @ue teve seu Jpice no sOculo WII -, constam da composiAo elementos clJssicos do imaginJrio medieval i>Orico J fosso murala e portas de castelo0 4rJs os Montes O uma regiAo portuguesa assim como o "lgouo sendo Biscaia uma regiAo na spana0 3estas regies o cavaleiro lomar participou de com>ates com outros cavaleiros em ?ustas e cegou a enfrentar os mouros na *uerra de 1econ@uista longo processo @ue vai do sOculo WI ao final da Idade MOdia0 " figura do cavaleiro durante toda a Idade MOdia foi usada como eemplo de dignidade onra ?ustia e de virtudes em geral0 Inicialmente se caracteriLaram por omens livres dispostos a serem fiOis ao rei e lutarem em seu nome @ue posteriormente passaram a constituir uma casta aristocrata na sociedade0 "s ?ustas eram competies nas @uais somente os cavaleiros estavam aptos a participar demonstravam suas a>ilidades no mane?o das armas e no com>ate0 4am>Om avia ocasies nas @uais as ?ustas se caracteriLavam pela disputa do amor das donLelas e&ou pela afirmaAo da onra destes cavaleiros0 O (en,ora dos (arsais min,3alma só teme ao #ei dos reis dei9a a alc+va vem4me : /anela O (en,ora dos (arsais só por vosso amor e nada mais desça da t+rre Na;la donela ven,o d3um reino distante0 errante e menestrel inda esta noite e eu ten,o esta donela min,a espada empen,o a uma deã mais pura das vestais
" sarsa O um tipo de vegetaAo @ue O muito comum em torno dos castelos em Portugal-+0 " donLela O reafirmada pela figura das vestais virgens responsJveis pelo culto Q deusa #esta na mitologia romana ($0 ica tam>Om claro nesta composiAo o grande fervor religioso do mNsico nas suas muitas citaes ao 1ei dos reis0
-,
-+ ($
-(
Por@ue lomar comps uma canAo claramente medieval ou por@ue faL uso de tal sim>ologia nAo O o @ue este tra>alo pretende desco>rir0 7 @ue nos interessa O a forma de utiliLaAo destas e de outras representaes pelo compositor pois O atravOs desta dinRmica social representacional @ue o mundo atua nos su?eitos e os su?eitos atuam no mundo reatualiLando mitos for?ando realidades istóricas0 ilitam o nAo enclausuramento destes mesmos tempo e espao li>ertandoKos de estereótipos a partir do momento @ue passam a ser encarados istoricamente0 7 sertAo >aiano apropriado por lomar O o espao primordial no @ual afloram seus sentimentos seu modo de ver o mundo espao este amarrado aos ditames da natureLa entretanto seu lugar amado do @ual nAo pretende nunca sair0 \ tam>Om espao de trovadores cavaleiros donLelas e castelos medievais0 stJ permeado de sím>olos ?J saturadamente atri>uídos ao 3ordeste0 3o entanto nAo podemos permanecer na superficialidade da constataAo destes sím>olos0 Como foi visto por veLes o próprio significado O su>vertido dando ao mesmo signo novos sentidos estando o compositor no trRnsito entre imaginJrio e contraKimaginJrio0 "inda relacionado a estes pontos estJ o fato da nAo a>sorAo de lomar pelas indNstrias culturais0 HJ uma grande resistência do autor ao mass4media0 fator @ue deve ser levado em consideraAo0 Contudo pensamos @ue tanto a linguagem ver>al @uanto a linguagem musical utiliLadas por lomar tam>Om apresentamKse como o>stJculo Q padroniLaAo omogeneiLaAo prOKre@uisitos para a transformaAo da o>ra sim>ólica em mercadoria cultural0 "creditamos @ue a mNsica de lomar encontraKse Q margem do processo de massificaAo musical pois traL consigo características @ue se colocam como formas de resistência0 " oposiAo do compositor Q moderniLaAo desenfreada Q utiliLaAo a>usiva da tecnologia Q sua eposiAo em s,os altamente performJticos ?ustifica o isolamento do mNsico0 "o compor tam>Om sinfonias óperas gêneros da mNsica erudita desterritorialiLa tais gêneros pois os compe utiliLando temJticas próprias de seu universo acreditando @ue nAo se precisa ser europeu para faLer mNsica erudita0 Deste
-;
modo o mNsico situaKse num entrecruLamento de diversos estilos os @uais mane?a de forma magnífica sendo seu repertório um deleite para os ouvidos0 Como ?J foi dito sa>emos @ue tra>alar com arte e mais precisamente com a mNsica como fonte istoriogrJfica seria um tanto complicado entretanto neste ponto gostaríamos de encerrar este ensaio parafraseando a professora 4ereLa 3egrAo @uando diL @ue o istoriador pode e deve ser um artista do mesmo modo @ue eistem artistas impregnados de um Esenso istóricoF (%0
(%
Maria 40 3egrAo de Mello0 E9ue @ui tu tem canJrioF op0 cit0 p0 %.$
-)
BIBLIO'RAFIA "ro de %+++0 CH"14I1 1oger0 História Cultural. Entre práticas e representações0 18&oa: Difel&Bertrand Brasil %++$0 D"1473 1o>ert0 EIntroduAoF0 In: O Grande Massacre de Gatos0 1io de 8aneiro:*raal %+,'0 < *7 8ac@ues0 A Civiliação do Ocidente Medieval 0 oa: ditorial stampa0 %++)0 <7]3 H010 Gorg00 !icionário da Idade M"dia0 1io de 8aneiro : 8orge !aar d0 %++.0 M<<7 Maria 40 3egrAo de0 E ECascariguindumF Cotidiano cidadania e imaginJrio na o>ra de "doniram Bar>osaF in "l>ene M0 0 MeneLes Gorg00 História em movimento. 4emas e Perguntas0 Brasília: 4esauros %++.0 M<<7 Maria 40 3egrAo de0 E9uê @ui tu tem canJrio Cultura e 1epresentaAo no repertório de WangaiF in ClOria B0 Costa e Maria 2alete T0 Macado Gorg00 ImaginJrio e História0 2Ao Paulo&Brasília: Marco !ero e Paralelo %) %+++0 P<727 2ilvano0 O Canto e a Memória. História e utopia no ima$inário popular %rasileiro0 2Ao Paulo ditora =tica %++'0 27D1\ MuniL0 #einventando a Cultura. A comunicação e seus produtos0 Petrópolis d0 #oLes %++'0 #"<< <ílian do0 " scola ImaginJria0 1io de 8aneiro: DPX" ditora %++.0
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