PRINCIPAIS DEFINIÇÕES DE ARQUITETURA ZEVI, Bruno. Architectura in Nuce, Lisboa, Martins Fontes, 1979.
Sobre o autor e livro: •
Bruno Zevi (Roma, 22 de janeiro de 1918 — Roma, 9 de janeiro
de 2000) foi um
arquiteto italiano bastante importante no contexto da teorização e introdução da historiografia da Arquitetura moderna. Durante o período fascista, Zevi exilou-se nos
Estados Unidos da América e lá recebeu fortes influências da arquitetura orgânica e principalmente de Frank Lloyd Wright. Quando retornou à Itália, ajudou a difundir o
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ideário desta linha de pensamento naquele país. Architectura in nuce reelabora e aprofunda os temas de Saber Ver a Arquitectura e é ainda enriquecido por numerosas ilustrações e uma riquíssima bibliografia. Apesar do seu extremo rigor científico, este livro não se destina apenas aos especialistas, mas também a todos os arquitetos e amantes da arte. Neste livro, de profundos conhecimentos, a arquitetura torna-se protesto e profecia, razão e estímulo para uma sociedade corajosa, na qual ela se torna intervenção e ve tor de renovação institucional. Resumo do capítulo Definições de arquitetura e ??????
O capítulo do livro de Bruno Zevi traz uma classificação acerca das inúmeras definições de arquitetura encontradas na literatura ao longo dos anos, ele as divide nas seguintes categorias: Definições etimológicas: a) Definições culturais, psicológicas e simbolistas: De acordo com esta definição, a arquitetura tem importância à medida que representa os hábitos, a organização social, o sistema de vida e os ideais dos povos durante as épocas. Para Horace Walpole, “a arquitetura é um campo privilegiado na expressão do gênio de um povo...". Já James Ferguson trata a arquitetura como um complemento da história que através da arte, facilita o entendimento acerca dos povos, preenchendo uma lacuna de
dados e testemunhos. O que é bem semelhante ao apresentado de maneira mais sucinta por Honoré de Balzac, dizendo que "a arquitetura é o registro da história da
humanidade". Esta visão também é vista em B. Hume (o desenho do edifício como espelho de valores que a sociedade produz refletindo o comportamento social como um todo) e Guy de Maupassant (a arquitetura como resumo de épocas, do sentir e do sonhar das civilizações). Bruno Zevi, disse que estas definições apontam que na arquitetura vê-se o espelho da história e da cultura social. Se os valores da arquitetura residem na representação da sociedade em sentido coletivo, o arquiteto é visto como um intruso que faz prevalecer seu ponto de vista a respeito desta civilização. É como se fosse um ser quase divino, nunca um homem ou artista. Em uma carta redigida por Claudio Tolomei, ele põe estas palavras na boca do arquiteto António Rusconi: "Todas as artes engenhosamente criadas para dar
comodidade ao homem tiveram em vista algum bem-estar dos próprios criadores, antes de satisfazerem o bem público; só a arquitetura teve em vista servir o público, razão por que os arquitetos mais famosos procuraram fazer cidades, palácios, labirintos e outros edifícios notáveis antes de construírem suas próprias casas. E quem atentar no êxito e na utilidade desta, arte será levado a crê que ela não terá sido uma descoberta humana, antes uma revelação divina, que tem provido com vantagem à segurança do corpo humano". As interpretações simbolistas, comuns na Idade média, mantêm ainda vários defensores - em especial no mundo oriental, cuja arquitetura está ligada a uma temática simbólica. Seus cultores demonstram que dogmas e referências religiosas determinam a composição de diversas edificações. Segundo Louis Hautecoeur,
"É difícil saber se os símbolos determinaram as formas ou as formas determinaram os símbolos, e quais são as relações entre as idéias e os fatos. Uma idéia pode referir-se a uma forma preexistente e enriquecê-la, e modificar- se sob a influência das formas. O processo pode ser o contrário: uma forma sugere uma metáfora, uma comparação ou um símbolo que pode exercer o seu poder sobre esta.
Pascal já o disse: todas as coisas são causada e causadoras, ajudadas e ajudantes." Croce critica afirmando que “a historiografia moderna da arquitetura procedeu
abertamente quando se descartou de toda a simbologia próxima das catedrais eoutros edifícios de que estão cheios tantos outros volumes(...)"
. Esta interpretação tende,
portanto a transferir a história para um terreno transcendente, místico e impessoal. b) Definição funcionalista e tecnicista: Segundo esta definição, a arquitetura depende da intenção prática do edifício, dos materiais e dos métodos construtivos. De acordo com Philibert de l'Orne, do início do séc. XVI:
"Seria muito melhor que os arquitetos se enganassem nos ornamentos das colunas, nas medidas e nas fachadas, mas não naquelas regras fundamentais da natureza que se referem à comodidade, ao uso e às necessidades dos habitantes: a decoração, a beleza, o enriquecimento dos alojamentos servem só para satisfazer os olhos, mas não trazem nada de útil para a saúde ou para a vida humana. Não se entende que um erro nas distribuições e nas funções de uma habitação torna os habitantes tristes, adoentados e desagradáveis?" Francesco Algarotti prega uma visão enxuta da arquitetura em sua frase "não se
introduza nada (...) na representação que não seja verdadeiramente funcional". As definições que valorizarão a técnica construtiva aparecerão em Viollet-leDuc, dizendo que " a beleza de uma construção não reside no acabamento trazido de
uma civilização ou de uma indústria muito desenvolvida, mas no emprego cuidadoso dos materiais e dos meios à disposição do construtor", e Auguste Perret que já dizia que o arquiteto devia ter na estrutura a sua linguagem-mãe, livrando-se de enaltecer falsos elementos. Contra tal pensamento insurgem-se alguns estudiosos como Gilbert Scott, para quem o diferencial da arquitetura da simples edificação é o embelezamento, bem como Thomas Jackson, para quem “a arquitetura é a poesia das construções (...) baseia-se na
edificação, mas tem qualquer coisa a mais, como a poesia tem qualquer coisa a mais que a prosa".
Para Reginald Blomfield:
"O problema está em encontrar na arquitetura a correspondência à personalidade do arquiteto, e ler a sua personalidade nos trabalhos; a arquitetura é uma expressão da inteligência humana condicionada pelas mesmas leis e capaz das mesmas análises críticas dos outros esforços imaginativos e intelectuais." Esta atitude tecnicista corresponde à polêmica fomentada por eles mesmos contra a interpretação decorativa da arquitetura. Auguste Perret lista as condições permanentes da arquitetura: "o clima, com sua inclemência, os materiais com as suas
características, a estática com suas leis, a óptica com as suas deformações"
e depois
acrescenta: "o sentido eterno das linhas e das formas". Vaillant após haver afirmado que o edifício é "um aparelho construído para um
serviço" adiciona que tal serviço não é apenas fisiológico, mas que inclui as "aspirações espirituais". c) Definições linguísticas: Numa parte do tópico voltada às definições espaciais, vemos que Geoffrey Scott em 1914 diz:
"A arquitetura dá-nos espaço a três dimensões, capaz de conter as nossas pessoas; este é o verdadeiro objetivo daquela arte (...). Só a arquitetura pode dar ao espaço seu pleno valor. Esse pode circundar-se com um vazio a três dimensões e o prazer que daí podese retirar é um dom que só a arquitetura nos pode dar (...) As nossas mentes estão por habituação fixas nas matérias tangíveis, não falando já das que prendem a nossa vista; às matérias dá-se forma, o espaço vem por si. O espaço é um 'nada' - uma pura negação do que é sólido - e por tal fato não lhe damos atenção. Mas, ainda que não o pensemos, o espaço age sobre nós e pode dominar o nosso espírito; uma grande parte do prazer que recebemos da arquitetura (...) provém na realidade do espaço(...) o arquiteto modela-o como um escultor modela a argila, desenha-o como obra de arte; em suma, por meio do espaço suscita-se um determinado estado de espírito para aqueles que "entram" nele (...) Na beleza de cada edifício os valores
espaciais, que se resolvem no nosso sentido dos movimentos, terão importância primordial." Já para A.E. Brinckmann em 1915:
"A arquitetura forma espaços e massas plásticas. O espaço, em oposição à plástica, encontra as suas limitações onde choca com as massas plásticas; vem definido pelo interior. A plástica encontra por sua vez as suas limitações no espaço aéreo que a circunda; vem definida pelo seu exterior (...). É comum aos dois elementos o volume ou corpo (...) pelo que se pode falar seja de corpo espacial, seja de corpo plástico. Sob esta comunhão pomos as relações entre espaço e plástica nas criações arquitetônicas; espaço e plástica podem modelar-se reciprocamente. A visão espacial (...) tal como a plástica repousa sobre uma representação do movimento. A visão abrange assim tudo o que existe no plano horizontal, ou seja, a planta de um ambiente, depois segue em verticais pelas paredes para acabar nos tetos e voltar a descer. Estas linhas abrangentes, que mesmo num ambiente unitário raramente podem ser entendidas de um único ponto de vista, unem-se no pensamento criando a representação espacial (...). Ocorre ter presente que uma nova formação plástica não comporta uma mudança arquitetônica se não é acompanhada de uma nova formação espacial, pois a arquitetura tem como objetivo principal a criação dos espaços.” E. Julius Posener defende que a diferença entre a arquitetura e as outras artes é a capacidade de se manipular os espaços, sua influência no ambiente e no espectador. A partir destas visões, Bruno Zevi conclui:
"A arquitetura é, pois, a arte dos vãos espaciais, dos volumes delimitados, das seqüências dinâmicas de espaços pluridimensionais e pluriperspectivados em que se exprime física e espiritualmente a vida das associações humanas e se afirma o ímpeto criativo do arquiteto. A experiência do espaço interno é um fenômeno peculiar da arquitetura, que a define e se ajusta aos conteúdos sociais, aos instrumentos técnicos e aos valores expressivos em cada grau, da poesia à prosa, do belo ao feio; o espaço interno é, portanto, O
'lugar' onde se aplica e se qualificam todas as manifestações da arquitetura." A definição da arquitetura como uma arte do espaço surgida atualmente é passivel de equívocos que podem distorcer-lhe o significado. Torna-se essencial diferenciar as duas interpretações do espaço arquitetônico examinando os seguintes problemas: 1. Espaço e Tempo: A arquitetura como uma arte imutável, diferentemente de artes como a música que muda dinamicamente, a configuração do espaço arquitetônico deve compreender uma leitura dinâmica garantindo fluidez às seqüências arquitetônicas. 2. Espacialidade figurativa e espaço arquitetônico: diferentemente das duas dimensões da pintura ou as quatro da escultura que permanecem estáticas para que o observador as admire de todos os ângulos, na arquitetura o homem está mergulhado, é parte do cosmo da obra, agindo com ela, caracterizando seu ritmo contínuo. 3. Diferença entre espaço físico e espaço artístico: é necessário que se tenha a divisão consciente entre um espaço “naturalmente bonito” como, por exemplo, uma gruta, ou daquele que é resultado da criação artística, como por exemplo, uma catedral. Assim, a arquitetura não é apenas uma representação material do espaço, mas também a arte que lhe dá forma, dinâmica, tensão e o qualifica. 4. Categoria e personalidade espacial: o prédio, objeto do fazer arquitetônico é influência do ponto histórico onde se localiza e de diversos fatores culturais, assim, os prédios são únicos e srcinais, e sua qualidade está relacionada aos fatores técnicos, conteúdos sociais e à imaginação do arquiteto. 5. Espaço nas fachadas e nos volumes da arquitetura: a arquitetura relaciona-se tanto a pintura quanto à escultura, no que diz respeito aos planos onde se expressa (duas e quatro dimensões), no entanto, possui um espaço decorrente destes dois que é só seu e que corresponde ao espaço interno da construção, limitado pelas fachadas e volumes, a sequência dos ambientes, as diferentes alturas e movimentos provocados por elementos da construção. 6. Identidade entre espaço interior e espaço exterior: A obra dos arquitetos reside em brincar com espaços internos e externos seja em residências ou na criação de “áreas intimas” em bairros na cidade, criando obras históricas e coletivas. 7. Arquitetura “com” e “sem” espaço interno: Ao arquiteto cabe não somente a seqüência de ambientes, sendo eles internos ou externos, mas também a arte de projetar formas, cuja presença marca um espaço, como por exemplo, uma fonte ou um obelisco. São formas nas quais não se pode visitar seu interior, mas que não deixam de ser
autênticas produções arquitetônicas, assim o espaço toma um significado bem mais amplo, não somente de um ambiente planejado como obra de arte, mas sim, qualquer construção que forme, ou esteja apenas presente no espaço.