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Robert E. Howard L. Sprague de Camp Lin Carter
CONAN ESPADA & MAGIA
Tradução de Julia Bárány e Jose Antonio Ceschin
UNICÓRNIO AZUL 3
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CONAN da literatura para os quadrinhos
por Silvio Alexandre
Nem todos sabem que o primeiro aparecimento do cimé rio Conan deuse na literatura da mesma orma que surgiu ar zan (criação de Edgar Rice Burroughs publicado na revista All Story Magazine em 1914) e Buck Rogers (inspirado no romance Armageddon 2429A.D, de Phillip Nowlan publicado na revista Amazing Stories em 1928). A primeira história de Conan, A Fênix na Espada, escrita por seu criador Robert E. Howard (19061936), oi publicada nos Estados Unidos em 1932, na revista de contos Weird ales. Surgia então um novo personagem, Conan, que ao longo dos anos, seria um sucesso nos livros, cinema e, principalmente, nas histórias em quadrinhos. De 1932 a 1936, a Weird ales apresentou dezessete contos de Conan e mais quatro oram publicadas postumamente. Robert E. Howard suicidouse em 11 de junho de 1936. Após sua mor te suas obras pareciam adadas ao esquecimento, como ocorreu com a produção de autores do mesmo gênero. Porém, na década de 50, alguns contos de Howard oram reunidos numa edição li mitada de capa dura da Gnome Press. Em 1966, as histórias de Conan seriam reeditadas desta vez 5
com as capas desenhadas por Frank Frazetta. Foi o bastante para que a Marvel Comics adquirisse os direitos para a versão em qua drinhos de Conan e outros personagens de Howard, lançandoos a partir de 1970: Roy Tomas cou com a incumbência de adap tar os textos e Barry Smith as ilustrações. Foi o início da mais ex tensa e prolíera das publicações howardianas, que aqui no Brasil, atualmente, são publicadas pela Abril Jovem. A popularidade de Conan cresceu ainda mais após as adap tações para cinema: Conan, o Bárbaro (1982) e Conan, o Destruidor (1984 ), onde Arnold Schwarzenegger interpreta o herói, em bora nos lmes não haja ênase quanto ao aspecto da antasia. Mas, se a verdadeira ressurreição do interesse pela obra do escritor só aconteceu nos anos 60, quando as histórias de Conan voltaram a circular na orma de brochura e novas histórias oram criadas por L. Sprague de Camp e Lin Cárter, somente agora o pú blico brasileiro terá acesso à essas histórias através da Unicórnio Azul, que passará a publicálas, pela primeira vez em português.
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Sumário
I ntrodução 9 Sobre o Autor 13 A Coisa dentro da Crípta 19 A Filha do Gigante de Gelo 41 A Torre do Elefante 55 Deus na Tigela 89 Vingança 115 A Fênix na Espada 149 Anais da História Hiboriana 183
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Introdução
Um dos maiores contadores de histórias do mundo oi Robert Ervin Howard (190636), natural de Cross Plains, exas. Embora Howard osse um escritor versátil e prolíco - ele es creveu, por exemplo, uma série de hilariantes e bemhumoradas histórias do Oeste - sua narrativa mágica chegou ao clímax nos seus contos de aventuras cheios de valentões. Por esses contos sobre espadachins e eiticeiros, demônios e destruição deslam seus monumentais heróis inesquecíveis: Rei Kull de Valusia, Bran Mak Morn, Solomon Kane e, o mais pode roso e mais vibrante de todos, Conan, o cimério, herói de mais de vinte contos cheios de ação. Acreditase que Conan tinha vivido há cerca de doze mil anos, na Era Hiboriana, imaginada por Howard, entre a sub mersão de Atlântida e o início da História escrita. Aventureiro gigantesco e bárbaro, originário do obscuro país setentrional da Ciméria, (ver mapa principal ), Conan atravessou rios de sangue e derrotou adversários erozes, tanto naturais quanto sobrenatu rais, para, no m, se tornar rei do reino hiboriano de Aquilônia. Foram publicadas dezoito histórias de Conan antes da morte de Howard, e descobriuse vários manuscritos inéditos 9
algumas histórias completas, outras não - no decorrer dos últi mos vinte anos. ive o privilégio de editar essas histórias para a publicação póstuma e de completar a maioria das histórias ina cabadas. Das quatro histórias deste livro, as duas primeiras apre sentam um enredo complicado. Em 1951, descobri, numa pilha de manuscritos inéditos de Howard, na casa do alecido Oscar J. Friend, o agente literário do espólio de Howard na época, uma história intitulada O Estrangeiro Negro. Ao preparar este manus crito para a publicação, eu o editei e reescrevi totalmente, con densandoo em mais de quinze por cento e acrescentando várias interpolações para amarrar a história ao Rei Numedides, a Toth Amon, e à subsequente revolução em Aquilônia, para que ela se encaixasse dentro da sequência da saga. O editor de Fantasy Magazine, que oi o primeiro a publi car a história, ez novos acréscimos e supressões. Esta versão oi reimpressa em 1953, no volume King Conan. O editor da revista manteve o título original; mas, quando a história oi publicada em King Conan, mudei então o título para O esouro de ranicos porque O Estrangeiro Negro causava muita conusão pela seme lhança com os títulos de várias outras histórias de Howard, das quais pelo menos doze continham a palavra “negro” em seu título. Para esta publicação, voltei ao manuscrito original de Ho ward e o editei numa orma bem mais leve, sem tentar condensá lo e azendo apenas as mudanças que parecessem extremamente necessárias. Omiti as mudanças eitas pelo editor da revista; no entanto, mantive as interpolações que eu havia introduzido da primeira vez, para amarrar a história com o resto da saga - por exemplo, o relato de Conan sobre sua uga de Aquilônia. O que o leitor tem em mãos agora, portanto, está muito mais próximo do original de Howard do que a versão publicada anteriormente. Além disso, Glenn Lord, o atual agente literário do espólio de Howard, encontrou, no ano de 1965, Lobos além da Fronteira num pacote de papéis de Howard. A história parecia 10
estar em sua versão nal; mas parava a meio caminho (na luta dentro da cabana) e dava apenas um curto resumo do resto, que não passava de uma página. Provavelmente jamais saberemos se Howard havia se cansado da história e a deixado de lado, preten dendo completála mais tarde, ou se ele tinha em mente alguma outra coisa. Eu havia me proposto a concluir a história no estilo de Ho ward, seguindo o resumo. As duas histórias restantes: A Fênix sobre a Espada e A Cidadela Escarlate estão - salvo algumas correções editoriais mí nimas - na orma em que Howard as escreveu, publicadas em Weird ales, na década de 30. A saga de Conan é a seguinte: Conan, lho de um erreiro cimério, nasceu num campo de batalha, naquela terra cheia de co linas e nuvens. Quando jovem, ele participou do saque do posto de Venarium, na ronteira de Aquilônia. Em seguida, juntandose a um bando de Aesir, participou de um ataque a Hiperbórea e oi capturado pelos hiperbóreos. Depois de ugir do abrigo de escravos desse povo, peram bulou em direção ao sul, até Zamora e os condados vizinhos, so brevivendo precariamente como ladrão. Com sua natureza ima tura em relação à civilização e avessa à lei, ele compensou a alta de sutileza e de sosticação com uma sagacidade natural e com o ísico hercúleo herdado do pai. Finalmente, alistouse como mercenário no exército do Rei Yildiz de uran. Viajou pelos países de Hirkânia, onde apren deu a usar arco e echa e a montar. Mais tarde, prestou serviços de chee de armas nos países de Hibória, liderou um bando de corsários negros nas costas do Kush, e serviu como mercenário em Shem e nos condados vizinhos. Voltou a ser um oradalei junto com os cossacos das estepes orientais e com os piratas do Mar Vilayet. Depois de novamente prestar serviços de mercená rio para o reino de Khauran, passou dois anos como chee dos zuagirs, nômades shemitas orientais. Em seguida, viveu aventu 11
ras turbulentas nas terras orientais do Iranistan e Vendhya, du rante as quais entrou em conronto com os Videntes Negros de Yimsha, nas Montanhas Himelianas. Voltando para o Ocidente, Conan tornou a ser um ibus teiro com os piratas baraquianos e os bandidos zingarianos. De pois voltou a servir como mercenário em Stygia e em alguns dos reinos negros. Foi caminhando em direção do norte, até Aquilô nia, onde - então com cerca de quarenta anos de idade - tornou se um batedor na ronteira dos pictos. Quando os pictos, com a ajuda do mago Zogar Sag, atacaram os povoados de Aquilônia, Conan alhou na tentativa de salvar o Forte uscelan da destrui ção, mas salvou a vida de vários moradores estabelecidos entre os rios Tunder e Negro. É neste ponto que o presente livro começa. L. Sprague de Camp
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Sobre o Autor
Carta de Robert E. Howard a P. Schuyler Miller No início de 1936, dois ãs das histórias de Howard sobre Conan - P. Schuyler Miller, educa dor e escritor de cção cientíca, e Dr. John D. Cla rk, químico - elaboraram, a partir das histórias até então publicadas, um esboço da carreira de Conan e um mapa do mundo na Era Hiboriana. Miller escre veu para Howard sobre os resultados desta pesquisa. Ele recebeu uma resposta, escrita três meses antes da morte de Howard, que esclarece o conceito que Howard tinha de Conan e a ambientação das his tórias.
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Lock Box 313 Cross Plains, exas 10 de março de 1936 Querido Sr. Miller: Sintome honrado com o ato de que o senhor e o Dr. Clark estejam tão interessados em Conan, a ponto de elaborar um esquema de sua carreira e um mapa de seu ambiente. Ambos são surpreendentemente precisos, considerando os dados imprecisos com os quais tiveram que trabalhar. O mapa original - aquele que eu desenhei quando comecei a escrever Conan - deve estar aqui em algum lugar e vou tentar encontrálo para mostrarlhes. Esse mapa inclui somente os países a oeste de Vilayet e ao norte de Kush. Jamais tentei mapear os reinos do Sul e do Leste, embora tenha na minha imaginação um esboço razoavelmente nítido da geograa desses lugares. Entretanto, sinto uma certa liberdade ao escrever sobre eles, já que os habitantes das nações hiborianas do Oeste ignoravam os povos e os países do Sul e do Leste assim como os povos da Europa medieval ignoravam a Árica e a Ásia. Ao escrever sobre as nações hiborianas do Oeste, eu me sinto connado aos limites das ronteiras inexíveis e dos territórios conhecidos, mas ao inventar o resto do mundo, sintome capaz de dar asas à minha imaginação. Isto é, tendo adotado uma deter minada concepção de geograa e de etnologia, sintome compe lido a me ater a isso, pelo bem da consistência. Minha concepção do Leste e do Sul não é tão denida nem tão arbitrária. ratandose de Kush, porém, este é um dos reinos negros ao sul de Stygia, no extremo Norte, na verdade, e emprestou seu nome a toda a costa do Sul. Assim, quando um hiboriano ala de Kush, geralmente não está alando do próprio reino, nem de um dos muitos reinos semelhantes, mas da Costa Negra em geral. E é provável que ale de qualquer homem negro como sendo um kushita, seja ele um keshani, um darari, um puntan ou o próprio 14
kushita. Isto é natural, pois os kushitas oram os primeiros ho mens negros com os quais os hiborianos tiveram contato - pira tas barachianos que tracavam com eles e os atacavam. Quanto ao destino nal de Conan, rancamente não pos so prevêlo. Ao escrever estas histórias, sempre senti que não as estava criando e sim como se estivesse simplesmente relatando as aventuras que ele me ia contando. É por isso que elas saltam de um acontecimento a outro, sem seguir uma ordem regular. O aventureiro médio, contando ao acaso as histórias de uma vida selvagem, raramente segue um plano ordenado, mas narra episó dios bem separados em termos de espaço e de tempo, na medida em que ele vai se lembrando deles. O esboço que vocês zeram segue bem de perto sua carrei ra como eu a visualizei. As dierenças são insignicantes. Como vocês deduzem, Conan tinha cerca de dezesseis anos de idade quando oi apresentado ao público em A orre do Eleante. Em bora não totalmente adulto, ele era mais maduro do que um jo vem médio civilizado nessa idade. Conan nasceu num campo de batalha, durante uma luta entre sua tribo e uma horda de vanires. O país que seu clã considerava seu, e por onde vagueava, cava a noroeste da Ciméria, mas Conan era ruto de cruzamento sanguí neo, embora educado como um cimério puro. Seu avô oi mem bro de uma tribo do Sul que havia ugido de seu próprio povo por causa de um eudo de sangue e, depois de longas andanças, nal mente abrigouse entre os povos do Norte. Na juventude, antes de sua uga, o avô havia tomado parte em muitos assaltos às nações hiborianas, e talvez ossem as histórias que contava a Conan me nino sobre aquelas terras mais suaves que despertaram nele um desejo de vêlas. Existem muitas coisas em relação à vida de Co nan das quais eu mesmo não tenho muita certeza. Por exemplo, não sei quando oi seu primeiro contato com povos civilizados. Poderia ter sido em Vanarium, ou ele pode ter eito uma visita pa cíca a alguma cidade ronteiriça antes disso. Em Vanarium ele já era um adversário ormidável, embora tivesse apenas quinze anos 15
de idade. Conan tinha a altura de 1,83 m e pesava cerca de 90 kg, embora ainda altasse muito para alcançar o tamanho de adulto. Houve um intervalo de cerca de um ano entre Vanarium e sua entrada na cidade de ladrões de Zamora. Durante este tempo, ele voltou aos territórios do Norte pertencentes à sua tribo, e ez sua primeira viagem para além das ronteiras da Ciméria. Isto, por mais estranho que pareça, cava ao norte e não ao sul. Porque ou como, não tenho certeza, mas ele passou alguns meses com uma tribo dos aesires, lutando com os vanires e os hiperbóreos, desenvolvendo um ódio pelos últimos que durou toda a sua vida e mais tarde aetou sua política quando rei de Aquilônia. Feito prisioneiro por eles, ele ugiu para o sul e veio para Zamora a tempo de azer sua apresentação ao público. Não tenho certeza se a aventura relatada em Vingança ocorreu em Zamora. A presença de acções políticas oponentes indicaria outra coisa, já que Zamora estava sob um despotismo absoluto, onde opiniões políticas divergentes não eram toleradas. Sou da opinião de que a cidade era uma das pequenas cidades estado logo a oeste de Zamora, para onde Conan oi depois de deixar Zamora. Em seguida, ele voltou para Ciméria por uma breve temporada e, de tempos em tempos, retomava a seu país natal. A ordem cronológica de suas aventuras é próxima da que vocês elaboraram, com exceção de que elas abrangem um perío do maior. Conan tinha cerca de quarenta anos de idade quando usurpou a coroa de Aquilônia, e cerca de quarenta e quatro ou quarenta e cinco na época de A Hora do Dragão. Naquela época, ele não tinha um descendente masculino porque jamais se im portara em ormalmente tornar rainha uma mulher, e os lhos das concubinas, dos quais ele tinha um boa quantidade, não eram reconhecidos como herdeiros do trono. Ele oi rei de Aquilônia, penso eu, durante muitos anos, num reinado turbulento e inquieto, quando a civilização hiboria na alcançou o mais magníco ápice e todos os reis tinham ambi ções de imperador. Primeiro ele lutou na deensiva, mas sou da 16
opinião de que oi orçado a guerras de agressão no mínimo por autopreservação. Se ele obteve sucesso em conquistar um amplo império ou se pereceu tentando, eu não sei. Ele viajou bastante, não só antes de ser rei, mas também depois. Ele viajou a Khitai e a Hyrkania, e mesmo às regiões me nos conhecidas ao norte de Hyrkania e ao sul de Khitai. Ele até vi sitou um Continente sem nome, no hemisério Oeste, e vagueou entre as ilhas adjacentes. Quanto dessas andanças será impresso, ainda não posso prever com exatidão. Fiquei muito interessado em suas observações sobre as descobertas na Península Yamal; oi a primeira vez que ouvi qualquer coisa sobre o assunto. Sem dúvi da, Conan tinha conhecimento de primeira mão sobre as pessoas que desenvolveram a cultura descrita, ou pelo menos sobre seus ancestrais. Espero que vocês achem interessante A Era Hiboriana . Em anexo, mando uma cópia do mapa original que z. Sim, Napoli tratou Conan muito bem, embora às vezes pareça lhe emprestar traços latinos que não combinam com o tipo que imaginei dele. Entretanto, não vale a pena reclamar por tão pouco. Espero que os dados que estou mandando respondam às suas perguntas de maneira satisatória; terei enorme prazer em discutir qualquer outra ase que vocês quiserem, ou detalhar mais qualquer ponto da carreira de Conan, da história ou da geograa hiboriana que vocês desejem. Agradeço novamente pelo seu inte resse, e minhas estimas para você e para o Dr. Clark. Cordialmente, Robert E. Howard PS. Você não mencionou se queria de volta o mapa e a cronologia, então tomo a liberdade de conserválos comigo para mostrálos a alguns amigos; se os quiser de volta, por avor me avise. 17
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A Coisa dentro da Cripta
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O maior herói dos tempos hiborianos não oi um hiboriano mas um bárbaro, Conan da Ciméria, ao redor de quem gira todo um ciclo de lendas. Das civilizações mais antigas da época hiboriana e atlan te, sobrevivem somente algumas poucas narrativas ragmentadas, meio lendárias. Uma delas, Crônicas da Nemédia, ornece a maior parte do que é conhe cido sobre a carreira de Conan. A seção que trata de Conan começa assim: “Saiba, ó Príncipe, que entre os anos quando os oceanos tra garam a Atlântida e as reluzentes cidades, e os anos do surgimento dos Filhos de Aryas, houve uma Era que não existiria nem nos sonhos, quando reinos esplendorosos se espalharam pelo mundo como mantos azuis sob as estrelas — Nemédia; Ophir; Brithunia; Hiperbórea; Zamora, com suas lindas mulheres de negras cabeleiras e torres de mistério aracnídeo; Zíngara, com sua cavalaria; Koth, que azia ronteira com as terras pastoris de Shem; Stygia, com suas tumbas protegidas pelas sombras; Hirkânia, cujos cavaleiros ostentavam aço, seda, ouro. Mas o reino mais orgulhoso de todos era Aquilônia, que dominava supremo no Oeste sonhador. Para lá se dirigiu Conan, o cimério, de cabelos negros, olhos erozes, espada na mão, um ladrão, um saqueador, um matador, com gigantescas crises de melancolia e não menores ases de ale gria, para pisotear com seus pés os rágeis tronos cheios de jóias. Nas veias de Conan corria o sangue da antiga Atlântida, en golida oitocentos anos antes de sua época pelos mares. Ele nasceu num clã que reivindicava uma região a noroeste da Ciméria. Seu avô oi membro de uma tribo do Sul que havia ugido de seu pró prio povo por causa de um eudo de sangue e, depois de uma longa migração, reugiou-se entre os povos do Norte. O próprio Conan nasceu num campo de batalha, durante uma luta entre sua tribo e uma horda de vanires. Não há registros de quando o jovem cimério teve o primei21
ro contato com a civilização, mas já era um lutador conhecido ao redor das ogueiras do Conselho antes de ter visto quinze invernos. Naquele ano, os cimérios esqueceram seus eudos e se uniram para repelir os gunder, que haviam orçado sua passagem pela ronteira da Aquilônia, haviam construído o posto ronteiriço de Venarium e começado a colonizar os pântanos do sul da Ciméria. Conan era um membro da horda uivante, sedenta de sangue que surgiu das colinas do Norte, arremeteu-se com espada e tocha contra a ortaleza e empurrou os aquilônios para além de suas próprias ronteiras. Por ocasião do saque de Venarium, sem ter atingido ainda sua estatura de adulto, Conan já tinha 1,83 metros de altura e pesava 90 kilos. Ele tinha a astúcia e a prontidão do homem da oresta, a resistência érrea do homem das montanhas, o ísico hercúleo de seu pai erreiro e conhecia bem o uso da aca, do machado e da espada. Depois do saque do posto ronteiriço de Aquilônia, Conan volta por um tempo para a sua tribo. Inquieto por causa dos impulsos conitantes de sua adolescência, sua tradição e sua época, ele passa alguns meses com um bando de aesires atacando inutilmente os vanires e os hiperboreanos. Esta última campanha termina com o cimério de dezesseis anos de idade acorrentado. Mas ele não permanece cativo por muito tempo...”
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Olhos Vermelhos
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Durante dois dias os lobos o seguiram através da oresta, e agora estavam novamente se aproximando. Olhando por cima do ombro, o menino os avistou: ormas peludas, pesadas, de um cinza escuro, saltando entre os troncos negros das árvores, com olhos que queimavam como carvões em brasa na penumbra cres cente. Dessa vez, ele sabia que não poderia aastálos como havia eito antes. Ele não conseguia enxergar muito longe, pois à sua volta se avolumavam, como soldados silenciosos de algum exército en eitiçado, os troncos de milhares de abetos negros. A neve ainda cobria de manchas brancas as encostas das colinas voltadas para o norte, mas o borbulhar de milhares de córregos ormados pela neve e pelo gelo derretidos pressagiava a chegada da primave ra. Era um mundo escuro, silencioso e sombrio, mesmo no meio do verão; e agora, enquanto a tênue luz da tarde esmaecia com a aproximação da noite, parecia mais sombrio que nunca. O ugitivo continuava a correr encosta acima em meio a um espesso matagal, como havia corrido durante os dois dias desde que conseguiu se livrar do abrigo de escravos em Hiper bórea. Embora osse um cimério legítimo, ele zera parte de um 23
bando aesir de saqueadores, que assolava as ronteiras hiperbo rianas. Os altivos guerreiros louros daquele país obscuro haviam encurralado e esmagado o grupo atacante; e o menino Conan, pela primeira vez em sua vida, havia experimentado a amargura das correntes e do chicote, destino comum do escravo. No entanto, ele não permaneceu na escravidão por muito tempo. rabalhando à noite enquanto os outros dormiam, ele ha via desgastado um dos elos de sua corrente até conseguir arreben tála. Em seguida, libertouse durante uma tempestade violenta. Matara, a golpes de sua corrente arrebentada, o guarda e um sol dado que saltou em seu caminho, desaparecendo no aguaceiro. A chuva que o escondia de vista também desorientou os cães da equipe de busca mandada ao seu encalço. Embora livre no momento, o jovem se encontrou separado de sua Ciméria natal por metade da extensão de um reino hostil. Então, ele ugiu para o sul, para a terra selvagem e montanho sa que separava os pântanos ao sul da Hiperbórea das planícies érteis da Brithunia e as estepes de urania. Em algum lugar ao sul, disseramlhe, existia o abuloso reino de Zamora - Zamora com suas mulheres de negras cabeleiras e torres misteriosas. Ali havia cidades amosas: Shadizar, a capital, chamada de Cidade da Maldade; Arenjun, a cidade de ladrões; e Yezud, a cidade do deusaranha. No ano anterior, Conan havia experimentado pela pri meira vez os prazeres da civilização quando, acompanhando a horda dos cimérios sedentos de sangue que atravessara os muros de Venarium, participara do saque daquele posto ronteiriço de Aquilônia. Isto atiçou seu apetite para querer mais. Ele não tinha uma ambição denida nem um programa de ação; nada a não ser vagos sonhos de aventuras desesperadas nas ricas terras do Sul. Visões de ouro e de jóias reluzentes, de comida e bebida à von tade, e dos calorosos abraços de belas mulheres de origem nobre eram os prêmios por sua coragem que passavam por sua ingênua cabeça jovem. No Sul, ele pensava, seu tamanho e sua orça de 24
alguma maneira lhe trariam ama e ortuna entre os racos habi tantes. Assim ele rumou para o Sul, em busca de seu destino com nada mais que uma túnica esarrapada e grosseira e um pedaço de corrente. E então os lobos captaram seu cheiro. Normalmente um homem em suas plenas orças tinha pouco a temer dos lobos. Mas era nal de Inverno; os lobos, amintos após uma es tação ruim, estavam desesperados por qualquer possibilidade de alimento. Da primeira vez que eles o alcançaram, ele usou a corrente com tanta úria que deixou um lobo cinzento debatendose e ui vando na neve com as costas quebradas e outro lobo morto com o crânio despedaçado. Sangue vermelho manchou a neve derreti da. A amigerada alcatéia havia se aastado desse jovem de olhos erozes brandindo a terrível corrente para, em vez disso, se rees telar com seus próprios irmãos mortos, e o jovem Conan ugira para o Sul. Mas, em breve eles estavam ao seu encalço novamente. No dia anterior, ao pôrdosol, eles o alcançaram perto de um rio congelado nas ronteiras de Brithunia. Conan havia luta do com eles sobre o gelo escorregadio, girando a corrente sangui nária como um malho, até que o lobo mais corajoso conseguiu prender na mandíbula sinistra os elos de erro, arrancando a cor rente de sua mão amortecida. Então a úria da batalha e o peso da alcatéia rompeu o gelo embaixo deles. Conan se viu aogando na correnteza gelada. Vários lobos haviam caído junto com ele - ele viu de relance um lobo, meio imerso, arranhando desesperada mente a borda gelada com suas garras, tentando sair da água mas ele jamais soube quantos conseguiram se arrastar para ora e quantos haviam sido tragados pela correnteza debaixo do gelo. Batendo os dentes, ele se içou para ora do outro lado, dei xando a alcatéia uivante para trás. Seminu e semicongelado, pas sou a noite toda ugindo para o sul, atravessando as colinas cheias de orestas, e o dia seguinte também. Agora eles o alcançaram de novo. 25
O ar rio da montanha queimava seus pulmões esgotados, cada respiração era como inspirar o ogo de alguma ornalha in ernal. Insensíveis, suas pernas de chumbo se moviam como pis tões. A cada passo, seus pés calçados com sandálias aundavam na terra encharcada e saíam novamente azendo ruídos de sucção. Ele sabia que, de mãos vazias, tinha pouca chance contra uma dúzia de peludos assassinos de homens. No entanto, conti nuava a caminhar sem parar. Sua sombria herança ciméria não lhe permitia desistir, mesmo em ace da morte certa. A neve voltou a cair - ocos grandes e úmidos caíam com um leve mas audível ruído sibilante, cobrindo a molhada terra preta e os esguios abetos negros com uma innidade de pontos brancos. Aqui e ali, grandes montes despontavam da terra ata petada de agulhas dos abetos; a região se tornava cada vez mais rochosa e montanhosa. E ali, pensava Conan, poderia estar sua única chance de sobreviver. Ele poderia apoiar as costas num ro chedo e augentar os lobos quando estes o atacassem. Era uma chance mínima - ele conhecia bem a rapidez errenha daqueles corpos ágeis, sinuosos, de 45 kg de peso - mas era melhor que nada. A mata escasseava na medida em que a encosta cava mais íngreme. Conan saltou para uma enorme massa de rochedos que apontava na encosta da colina, semelhante à entrada de um caste lo soterrado. Então os lobos apareceram na borda da mata espes sa e correram atrás dele, uivando como demônios vermelhos do Inerno perseguindo e derrubando uma alma penada.
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A Porta no Rochedo
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Em meio a redemoinho branco de neve, o menino viu uma boca negra escancarada entre dois enormes rochedos e correu para lá. Os lobos estavam em seus calcanhares; sentiu o hálito quente, malcheiroso deles sobre suas pernas nuas quando se jo gou para dentro da enda negra que se abria à sua rente. Conan se espremeu através da abertura no mesmo instante em que o lobo que estava na rente pulava em cima dele. As mandíbulas amintas se echaram no vazio; ele estava salvo. Mas por quanto tempo? Agachandose, Conan tateou à sua volta no escuro, pal milhando o chão de pedra áspera, procurando qualquer objeto solto para jogar na horda uivante. Ele ouvia os passos deles sobre a neve resca do lado de ora, arranhando a pedra com as garras. Assim como ele, os lobos resolegavam. Eles uçavam e ganiam, amintos por sangue. Mas nenhum deles conseguiu passar pela abertura, uma enda escura, cinzenta na escuridão. E isto era muito estranho. Conan se encontrou num estreito cômodo dentro da pe dra, apenas iluminado por uma tênue claridade que vinha pela resta. O chão irregular da cela estava coberto de resíduos trazi 27
dos pelo vento através dos séculos, ou carregados pelos pássaros e pelos animais: eram olhas secas, agulhas de abeto, galhos, alguns ossos espalhados, pedregulhos e lascas de pedra. Não havia nada no meio desse lixo que ele pudesse usar como arma. Esticandose em toda a sua altura - já alguns centímetros a mais do que há pouco tempo atrás - o menino começou a explo rar a parede com a mão estendida. Em breve ele encontrou outra porta. ateando, passou por essa entrada e se viu em meio a uma escuridão de breu, quando seus dedos apalparam letras entalha das na pedra, de alguma língua desconhecida. Desconhecida, ao menos para o menino analabeto que vinha das terras bárbaras do Norte, que desprezava o conhecimento da leitura e da escrita por considerar eeminadas essas habilidades civilizadas. Ele teve de se agachar para passar pela porta interna, mas depois já havia altura suciente para car ereto. Cansado, deteve se a escutar. Embora zesse silêncio total, algum sentido o aler tava que não estava sozinho naquele lugar. Nada que pudesse ver, ouvir ou sentir o cheiro, mas uma sensação dierente de alguma presença. Seus ouvidos sensíveis, treinados para ouvir ecos na ores ta, inormaramno de que esta câmara interna era bem maior do que a anterior. O lugar rescendia a poeira antiga e a excremento de morcegos. Sentia sob seus pés vários objetos espalhados pelo chão. Embora não pudesse vêlos, percebia que não era lixo da oresta, mas pareciam mais objetos eitos pelo homem. Ao dar um passo rápido no escuro ao longo da parede, tropeçou num desses objetos, que se despedaçou sob o seu peso. Uma lasca de madeira acrescentou mais um arranhão àqueles provocados pelos galhos de abetos e pelas garras dos lobos. Pra guejando, levantouse e tateou no escuro procurando a coisa que ele havia destruído. Era uma cadeira, cuja madeira estava tão apodrecida que se quebrara. Continuou suas explorações com mais cautela. Encontrou outro objeto maior, que ele reconheceu ser o corpo de uma carru 28
agem. As rodas havia desabado por causa dos eixos apodrecidos e assim o corpo jazia no chão em meio aos ragmentos dos eixos e pedaços de aros. As mãos de Conan toparam com algo rio e metálico. Seu tato lhe dizia que era provavelmente uma armação enerrujada da carruagem. Isto lhe deu uma idéia. Voltou tateando às cegas rumo ao portal interior, que ele mal conseguia distinguir nas tre vas que a tudo envolviam. Apanhou do chão da antecâmara um punhado de material inamável e várias lascas de pedra. De volta à câmara interior, ez uma pilha com o material inamável e oi golpeando uma a uma as pedras no erro. Depois de várias tenta tivas, encontrou uma pedra que soltou brilhantes aíscas. Em breve já ardia uma pequena ogueira umarenta, que Conan oi alimentando com os pedaços da cadeira e com os rag mentos das rodas da carruagem. Agora podia relaxar, descansar de sua terrível correria através do pais e aquecer seus membros enregelados. O ogo crepitante deteria os lobos, que ainda ronda vam a entrada externa, relutantes em ir atrás dele na escuridão da caverna mas também não querendo desistir de sua presa. O ogo emitia uma quente luz amarela que dançava pelas paredes de pedra grosseiramente lavrada. Conan olhou à sua vol ta. O cômodo era quadrado e maior do que tinha imaginado. O teto alto se perdia em sombras espessas, abarrotado de teias de aranha. Várias cadeiras estavam encostadas às paredes, junto com um par de baús abertos expondo seu conteúdo de roupas e de armas. A grande sala de pedra tinha cheiro de morte - de coisas antigas desenterradas há muito tempo. E então seus cabelos se eriçaram, e o menino sentiu sua pele se arrepiar com a emoção do sobrenatural. Pois ali, num enorme assento de pedra, no canto mais aastado do salão, estava entronizada uma gura de um homem nu, com uma espada de sembainhada sobre os joelhos e uma cavernosa ace tandoo à luz bruxuleante. Logo que viu o gigante nu, Conan percebeu que ele estava 29
morto - morto há muitos séculos. Os membros do cadáver es tavam marrons e ressecados como varas secas. A carne sobre seu enorme tronco havia secado, encolhido e rachado, pendendo em rangalhos das costelas nuas. Isto, porém, não acalmou o repentino calario de terror que percorreu a espinha do jovem. Mais destemido que o normal na sua idade, pronto para enrentar homens e animais na batalha, o menino não tinha medo nem da dor nem da morte nem de ini migos mortais. Mas ele era um bárbaro que vinha das colinas do Norte do interior de Ciméria. Como todos os bárbaros, ele temia os terrores sobrenaturais da sepultura e das trevas, com todos os seus pavores e demônios e as coisas monstruosas e bamboleantes da Noite e do Caos Atávicos, com as quais o povo primitivo po voa as trevas além do círculo de sua ogueira. Conan até preeriria enrentar os lobos amintos do que permanecer ali com o morto olhando para ele de seu trono de pedra, enquanto as chamas os cilantes davam vida e movimento à caveira ressecada e moviam as sombras em suas órbitas como se ossem escuros olhos cha mejantes.
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A Coisa Sentada no Trono
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Embora seu sangue gelasse e os cabelos cassem eriçados, o menino ez um violento esorço para se controlar. Os pesade los que se danassem, ele atravessou o salão a passos rígidos para olhar mais de perto a coisa morta. O trono era um bloco quadrado de pedra preta polida, es culpido grosseiramente para dar a orma de um assento, coloca do sobre um tablado de 30 centímetros de altura. O homem nu ou morrera sentado nele ou ora colocado ali depois de morto. As vestes que poderia estar usando se esarraparam havia muito tempo. Fivelas de bronze e tiras de couro de sua armadura ain da estavam jogadas ao redor de seus pés. Um colar de pepitas de ouro pendia em volta do seu pescoço; pedras preciosas brutas piscavam dos anéis de ouro em suas mãos em orma de garras, que ainda se agarravam aos braços do trono. Um capacete de bronze, ornado com chires, agora esverdeado e ceroso por causa da oxidação, coroava a ronte acima do horror marrom que era o seu rosto. A vontade érrea ez com que Conan se orçasse a dar uma olhada nesses traços carcomidos pelo tempo. Os olhos ha viam aundado, deixando dois buracos negros. A pele havia se 31
desprendido dos lábios ressecados, deixando os dentes amarelos com uma expressão de sorriso mórbido. Quem oi ele, este morto? Um guerreiro dos tempos an tigos - algum grande chee, temido em vida e entronizado na morte? Ninguém poderia saber. Centenas de raças vaguearam por essas montanhosas regiões ronteiriças e as dominaram des de que a Atlântida havia submergido nas ondas cor de esmeralda do oceano ocidental, oito mil anos atrás. Pelo capacete de cornos, o cadáver poderia ter sido um chee dos vanires ou dos aesires primitivos, ou o rei primitivo de alguma esquecida tribo hiboria na, há muito desaparecida nas sombras do tempo e enterrada sob o pó dos séculos. Então os olhos de Conan caíram sobre a enorme espada que jazia no colo ossudo do cadáver. Era uma arma terrível: um sabre com uma lâmina que tinha bem mais de um metro de com primento. Era eita de erro azul - não de cobre ou de bronze, como se poderia supor por sua óbvia antiguidade. Poderia ter sido uma das primeiras armas de erro eitas pelas mãos huma nas; as lendas do povo de Conan rememoravam os dias em que os homens usavam o erro grosseiro para abricar armas, quando a abricação do bronze era desconhecida. Muitas batalhas esta es pada havia visto no passado obscuro, pois sua lâmina larga, em bora ainda aada, estava marcada em vários lugares onde havia colidido com outras lâminas de espadas ou de machados, na vio lência da contenda. Manchada pelo tempo e pela errugem, ainda era uma arma a ser temida. O menino sentiu o sangue pulsar. O sangue de alguém nas cido na guerra agitavase dentro dele. Crom, que espada! Com uma lâmina dessas ele poderia se deender bem demais dos lobos amintos que rondavam, ganiam e esperavam do lado de ora. Ao agarrar ansioso a empunhadura, ele não percebeu o aviso que tremulou dentro daquelas órbitas sombrias na caveira do antigo guerreiro. Conan ergueu a lâmina. Era pesada como chumbo - uma 32
espada das eras antigas. alvez algum rei herói e lendário da Anti guidade a houvesse carregado - algum demiurgo lendário como Kull da Atlântida, rei de Valusia nas eras anteriores à submersão de Atlântida no mar revolto ... O menino girou a espada, sentindo seus músculos incha rem de orça e seu coração acelerarse de orgulho pela posse. Deuses, que espada! Com uma lâmina dessas, nenhum destino era elevado demais para um guerreiro aspirar! Com uma espa da dessas, mesmo um jovem bárbaro seminu vindo dos desertos inclementes da Ciméria poderia abrir seu caminho pelo mundo e atravessar rios de sangue para alcançar um lugar entre os supre mos reis da erra! Ele se aastou do trono de pedra, brandindo a espada, sen tindo a empunhadura desgastada pelos séculos em sua palma en durecida. A velha e aada espada sibilava no ar enumaçado, e a luz bruxuleante do ogo se reetia da lâmina para as paredes gros seiras de pedra, saltitando ao longo das paredes da câmara como pequenos meteoros dourados. Com esta poderosa arma em suas mãos, ele podia enrentar não só os lobos amintos, mas também um mundo de guerreiros. O menino abriu seu peito e emitiu o selvagem grito de guerra de seu povo. Os ecos desse grito ressoaram como trovões pela câmara, perturbando sombras antigas e poeira velha. Conan jamais parou para pensar que tal desao, num lugar como aquele, poderia despertar outras coisas além de sombras e poeira - coi sas que tinham todo o direito de continuar dormindo sem serem interrompidas por todos os cons uturos. Ele se deteve imóvel no meio de um movimento, quando um ruído - um indescritível rangido seco - veio do lado do tro no da cripta. Voltandose ele viu ... e sentiu os cabelos carem em pé e o sangue gelar nas veias. odos os seus terrores supersticio sos e atávicos medos noturnos despertaram uivando, enchendo sua mente com sombras de loucura e terror. Pois o morto estava vivo. 33
Quando os Mortos Caminham
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Devagar, aos solavancos, o cadáver se ergueu de seu enor me assento de pedra e touo com seus buracos negros, que agora pareciam preenchidos por olhos vivos, brilhando malignamen te. De alguma maneira - por meio de qual eitiçaria primitiva o menino Conan não podia adivinhar - a vida ainda animava a múmia ressecada do chee morto há muito tempo. Mandíbulas abertas num ricto de riso se abriam e se echavam numa panto mima amedrontadora de ala. Mas o único ruído era o ranger que Conan tinha ouvido como se restos de músculos e de tendões estivessem se esregan do uns contra os outros. Para o cimério, esta silenciosa imitação de ala era mais terrível do que o ato de que o morto estava vivo e se movia. Em meio a rangidos, a múmia desceu do tablado de seu an tigo trono e voltou seu crânio na direção de Conan. Quando seu olhar sem olhos se xou na espada que Conan segurava na mão, ogos lúgubres de eitiço queimaram nas órbitas ocas. ropeçan do desajeitadamente, a múmia atravessou o salão acercandose de Conan como uma orma de horror sem nome dos pesadelos de um inimigo louco. Estendeu suas garras ossudas para arreba 34
tar a espada das mãos jovens e ortes de Conan. Paralisado de terror supersticioso, oi retrocedendo passo a passo. A luz do ogo projetava a sombra negra e monstruosa da múmia na parede às suas costas, provocando ondulações sobre a pedra grosseira. Os únicos sons dentro do túmulo eram o crepitar das chamas mordendo as peças da mobília antiga, com as quais ele havia alimentado o ogo, o aralhar e o ranger dos músculos enrigecidos do cadáver, avançando a passos titubeantes pela crip ta, e a oegante respiração do jovem tentando retomar o ôlego para se livrar da garra do terror. Agora a coisa morta o havia encurralado contra a parede. Estendeu aos trancos uma das garras. A reação do menino oi au tomática; instintivamente, ele golpeou. A lâmina sibilou e dece pou o braço estendido, que se despedaçou como uma vara. Ainda agarrando o vazio, a mão decepada caiu no chão com um ruído seco; nenhum sangue espirrou do toco seco do braço. A terrível erida, que teria detido qualquer guerreiro vivo, nem ao menos atrasou o andar do cadáver. Este se limitou a reco lher o toco do braço decepado e estender o outro. Conan se atirou, deserindo selvagemente grandes golpes com sua lâmina. Um dos golpes atingiu a múmia de lado. As costelas se romperam como galhos sob o impacto, e o cadáver caiu com um clangor. Conan cou resolegando no meio da sala, apertando a desgastada empunhadura nas mãos suadas. Com os olhos arregalados, ele viu a múmia se levantar devagar, rangendo, e tornar a se arrastar mecanicamente em sua direção, com a garra remanescente estendida.
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Duelo com os Mortos
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Eles oram dando voltas lentamente. Conan brandia a es pada mas retrocedia passo a passo diante do avanço ininterrupto da coisa morta. Deseriu um golpe no braço remanescente mas não acer tou pois a múmia conseguiu evitálo; o ímpeto arremessou Co nan para o lado e, antes que ele pudesse se recuperar, a múmia já estava sobre ele. Agarrou a túnica e a rasgou deixandoo seminu, apenas calçado com suas sandálias e vestindo uma aixa ao redor dos quadris. Conan pulou para trás e deseriu um golpe na cabeça do monstro. A múmia se abaixou e novamente Conan teve de lutar para evitar sua garra. Finalmente ele deseriu um golpe terrível no lado da cabeça, decepando um dos chires do capacete. Outro golpe lançou o capacete para o canto. Enterrou outro golpe no crânio seco e marrom. A lâmina cou presa por um instante um instante que quase acabou com o menino pois sua pele estava sendo arranhada pelas unhas negras enquanto ele se debatia para desvencilhar a arma. A espada atingiu a múmia nas costelas novamente, alojou se por um segundo quase atal na espinha e tornou a se des 36
vencilhar. Nada, ao que parecia, poderia deter a múmia. Morta, não podia ser erida. Continuava sempre seu incansável avanço cambaleante, sem hesitar, apesar das eridas que teriam atirado gemendo no pó uma dúzia de robustos guerreiros. Como se pode matar algo que já está morto? A pergunta ecoava loucamente na cabeça de Conan, até deixálo quase louco com a repetição. Ele orçava os pulmões, o coração batia como se estivesse a ponto de explodir. Por mais que cortasse e golpeas se, nem ao menos conseguia diminuir a velocidade do avanço da coisa morta sobre ele. Agora golpeava com maior astúcia. Raciocinando que, se não conseguisse caminhar, a coisa não poderia perseguilo, ele deseriu um eroz golpe com as costas da mão no joelho da mú mia. Um osso se rompeu e a múmia desabou, debatendose no pó do chão da caverna. Mas uma vida não natural ainda queimava dentro do peito seco da múmia. Ela tornou a se pôr de pé e se lançou atrás do menino, arrastando a perna aleijada. Com outro golpe, Conan decepou a parte inerior do rosto da coisa morta; o queixo oi arremessado para o meio das som bras. Mas o cadáver não parava. Com um sinistro brilho nas órbi tas, ainda cambaleava atrás de seu antagonista, numa perseguição incansável e mecânica. Conan começou a desejar que tivesse ca do do lado de ora com os lobos em vez de procurar abrigo nesta maldita cripta, onde as coisas que deveriam ter morrido milhares de anos atrás ainda andavam e matavam. Então algo agarrou seu tornozelo. Perdendo o equilíbrio, ele caiu de corpo inteiro no chão duro de pedra, debatendose uriosamente para libertar a perna. Seu sangue gelou quando viu a mão decepada do cadáver agarrando seu pé. As garras ossudas enterravase em sua carne. Então, uma orma tenebrosa de pesadelo e loucura esten deuse sobre ele. O rosto quebrado do cadáver olhava de soslaio para ele, e uma das garras arremeteuse em direção de sua gar ganta. 37
Conan reagiu por instinto. Com toda a sua orça, ele er gueu os dois pés calçados com sandálias contra o ventre encolhi do da coisa morta curvada em cima dele. Lançada para cima, ela caiu com um estrondo bem para dentro da ogueira. Então Conan arrancou de seu tornozelo a mão decepada e a lançou no ogo com o resto da múmia. Apanhou a espada e vol touse - para descobrir que a batalha estava terminada. Resseca da pela passagem de inúmeros séculos, a múmia queimava com a úria de galhos secos. A vida não natural dentro dela ainda tre mulava na sua luta em se erguer, enquanto chamas lambiam sua orma ressecada, saltando de membro em membro e converten do tudo em uma tocha viva. Havia quase conseguido arrastarse para ora do ogo quando sua perna aleijada cedeu, e ela desabou numa massa trovejante. Um braço em chamas caiu como uma vara retorcida. O crânio rolou em meio aos carvões. Em poucos minutos, a múmia estava totalmente queimada, restando apenas alguns pedaços de osso chamuscado.
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A Espada de Conan
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Conan deu um proundo suspiro e mais outro. Depois da tensão, sentiase totalmente esgotado. Enxugou o suor rio de terror de seu rosto e penteou com os dedos os cabelos negros emaranhados para trás. A múmia do guerreiro morto nalmente estava morta de verdade, e a grande espada era dele. Ele tornou a brandila, avaliando seu peso e seu poder. Por um instante, ele pensou em passar a noite na tumba. Estava mortalmente cansado. Do lado de ora, os lobos e o rio esperavam para acabar com ele, e nem mesmo seu senso de dire ção adquirido pela prática na selva poderia mantêlo no caminho escolhido numa noite sem estrelas, numa terra estranha. Mas então ele oi tomado por nojo. A câmara cheia de u maça cheirava mal, agora, não só por causa do pó secular mas também por causa da carne humana queimada, morta há mui to tempo - um odor estranho, que não se assemelhava a nada que as narinas de Conan haviam detectado até então. Um cheiro que revolvia seu estômago. O trono vazio parecia olhar de sos laio para ele. Aquela sensação de alguma presença que o atingiu quando acabara de entrar nessa câmara ainda permanecia em sua lembrança. Arrepiouse da cabeça aos pés quando pensou em 39
dormir naquela câmara assombrada. Além do mais, com sua nova espada, ele estava cheio de conança. Estuando o peito, girava a lâmina em círculos sibi lantes. Momentos mais tarde, enrolado num manto de pele que encontrara numa das arcas, segurando uma tocha numa das mãos e a espada na outra, ele saiu da caverna. Não havia sinal dos lobos. Dando uma olhada para o céu, viu que já estava clareando. Em seguida, Conan estudou as estrelas que brilhavam entre as nuvens e mais uma vez dirigiu seus passos rumo ao Sul.
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A Filha do Gigante de Gelo
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O barulho metálico das espadas e dos machados de guerra tinha desaparecido no ar; os gritos de morte já não ecoavam no céu, e o silêncio cobria a neve manchada de vermelho. O brilho raco e pálido do sol reluzia orte nos campos gelados, e por toda a planície coberta de neve viamse raios de prata reetidos nas ar maduras despedaçadas e nas lâminas quebradas dos mortos, nos lugares onde haviam tombado. Mãos geladas ainda agarravam os cabos de espadas; e muitas cabeças ainda cobertas pelos capace tes, ostentando o horror da morte no rosto, apontavam para cima as barbas vermelhas e as barbas douradas, como uma derradeira invocação a Ymir, o gigante do gelo, deus de uma raça de guer reiros. No meio das guras vestidas com a malha protetora de me tal, entre as manchas avermelhadas do chão, duas guras se en treolharam. Perdidas naquele lugar desolado, eram as duas únicas que ainda se moviam. Por cima o céu gelado, à sua volta a planície branca e ilimitada, e dezenas de mortos aos seus pés. Caminha ram devagar por entre os corpos, como antasmas a caminho de um encontro, vagando pelos restos de um mundo destruído. Em meio ao silêncio, caram rente a rente. 43
Eram dois homens altos, ortes como um par de tigres adultos. Os escudos haviam desaparecido, as armaduras estavam riscadas e rachadas. O sangue coagulava nas suas malhas, e as espadas estavam manchadas de vermelho. Os capacetes orna mentados com chires de touro mostravam as marcas de golpes violentos. Um deles não tinha barba, e seus cabelos abundantes eram escuros. Os cabelos e a barba encaracolada do outro eram vermelhos como o sangue que tingia a neve banhada pelos raios do sol. — Homem, — disse este último — quero saber teu nome, para que meus irmãos em Vanaheim saibam quem oi o último membro do bando de Wulfere a morrer pela espada de Heimdul. — Não em Vanaheim, — resmungou o guerreiro de cabe los negros, — mas em Valhalla você vai contar a seus irmãos que enrentou Conan da Ciméria! Heimdul urrou e deu um salto para a rente, com a espada brilhando num arco mortal. Quando a lâmina prateada atingiu seu capacete, lançando aíscas azuladas ao ar, Conan cambaleou e sua visão encheuse de agulhas avermelhadas. Mas ao vacilar, ele juntou todas as orças de seus ombros poderosos por trás da espada. A lâmina aada rasgou a malha de metal, os ossos e o co ração do inimigo, e o guerreiro dos cabelos vermelhos encontrou a morte aos pés de Conan. O cimério ergueuse, com a espada apoiada no chão, atrás dele. Viuse repentinamente diante da doentia realidade que o cercava. O brilho do sol reetido na brancura da neve doía em seus olhos, como a ponta de uma aca, e o céu parecia distante, es tranhamente separado do mundo. Ele virou as costas para aquela planície desolada, onde guerreiros de barbas louras jaziam agar rados aos matadores de cabelos vermelhos, no abraço da morte. Deu alguns passos, e o reexo dos campos gelados de repente se apagou. Uma onda de cegueira tomou conta de sua vista, e ele caiu na neve, apoiando o corpo em um dos braços vestidos com a malha metálica, procurando aastar a cegueira dos olhos com 44
um balanço da cabeça, como um leão sacudindo a juba dourada. Uma gargalhada aguda penetrou na sua tontura, e sua vi são clareou lentamente. Conan levantou os olhos. Sentia algo es tranho no mundo ao seu redor, que não conseguia denir nem interpretar, um estranho matiz no céu e na terra. Mas não teve muito tempo para pensar nisso. Diante dele, balançando como o capim ao vento, estava uma mulher em pé. Para seu olhar conu so, o corpo dela parecia branco como o marm e, a não ser por um véu muito no e utuante, estava tão nua como a luz do dia. Os pés delicados eram ainda mais brancos do que a neve sobre a qual pisavam. Ela riu para o conuso guerreiro, com uma garga lhada mais doce do que os pingos de uma onte das montanhas e carregada do veneno da mais pura zombaria. — Quem é você? — perguntou o cimério. — De onde você veio? — O que importa? — A voz dela era mais musical do que as cordas de uma harpa, embora cheia de crueldade. — Chame os seus homens, — disse Conan agarrando a es pada. —Estou quase sem orças, mas não me entregarei sem lutar até a morte. Vejo que você é vanir. — Por acaso eu disse isso? Conan examinou melhor os cachos dourados dos cabelos dela que, a princípio, pareciam vermelhos. Notou então que não eram nem amarelos nem vermelhos, mas uma mistura das duas cores. Ficou ascinado. Aqueles cabelos longos tinham a delica deza do ouro; o sol reetia neles com tamanha intensidade que Conan mal conseguia manter seus olhos abertos. O olhar dela também conundia: não era de todo azul nem cinzento, mas uma mistura de tons e luzes utuantes, uma verdadeira nuvem de to nalidades estranhas que ele não sabia como interpretar. Os lábios vermelhos mostraram um sorriso delicado. odo o seu corpo de marm, desde as pontas dos pés até a ouscante cabeleira doura da, era pereito como o sonho de um deus. O sangue de Conan parecia querer erver nas veias. 45
Ele disse: — Não sei se você é de Vanaheim, portanto minha inimiga, ou de Aesgaard e minha aliada. Já tive muitos sonhos, mas uma mulher como você eu nunca vi. Seus cabelos são tão brilhantes que co cego ao olhar para eles. Jamais vi uma cabeleira assim, nem mesmo entre as mais lindas lhas de Aesir. Em nome de Ymir... — Quem é você para usar assim o nome de Ymir? — in terrompeu ela. — O que sabe dos deuses do gelo e da neve, você, que veio do sul para aventurarse no meio de um povo que lhe é estranho? — Em nome de todos os deuses escuros de minha raça! — gritou Conan com raiva. — Não tenho os cabelos louros dos aesires, mas ninguém consegue segurar uma espada como eu! Hoje eu vi dezenas de homens tombarem, e ui o único a sair vivo dos campos onde os guerreiros de Wulfere enrentaram os lobos de Bragi. Digame, mulher, por acaso viu o brilho de armaduras sobre os campos gelados, ou homens armados viajando sobre a neve? — O que vi oi o orvalho gelado brilhando sob o sol, — res pondeu ela. — E ouvi o assobio do vento na neve eterna. Conan balançou a cabeça, suspirando. — Niord deveria ter nos alcançado antes de a batalha co meçar. emo que ele e seus guerreiros tenham sido atacados de surpresa. Wulfere e seus homens estão mortos... Eu achei que não havia aldeia alguma em um raio de muitos quilômetros deste lugar, porque a guerra nos trouxe para longe. Mas você não pode ter viajado muito pisando sobre a neve, nua como está. Se or de Aesgaard, leveme à sua tribo, sori muitos golpes e quei exausto com a batalha. — Minha aldeia é mais distante do que imagina, Conan da Ciméria, — disse ela, rindo. De braços abertos, dançou diante dele, a cabeça dourada em movimentos sensuais, e os olhos cinti lantes emoldurados pelos longos e curvados cílios louros. — Não 46
sou bela, cimério? — ão linda como a aurora correndo nua sobre a neve, — resmungou Conan, com os olhos cintilando como os de um lobo. — Então, por que não se levanta e me segue? Quem é o poderoso guerreiro que jaz aos meus pés? — A voz dela era um canto de pura zombaria. — Fique caído e morra na neve, como os outros tolos, Conan dos cabelos negros. Você não poderia ir aonde eu vou. Amaldiçoando sua sorte, o cimério levantouse com um brilho intenso no olhar, sentindo arder o rosto escuro e cicatri zado. O ódio tomava conta de sua alma, mas o desejo por aquela provocante criatura martelava suas têmporas e azia aumentar a pressão do sangue em todas as veias do seu corpo. Uma paixão tão violenta como a agonia ísica tomou conta de todo o seu ser, azendo a terra e o céu carem vermelhos para o seu olhar des concertado. A loucura apoderouse dele, e toda raqueza e cansa ço desapareceram. Ele não disse uma palavra sequer, ao enar na bainha a espada ensanguentada e abrir as mãos na direção da mulher, ten tando agarrar sua pele macia. Com um grito e uma risada ela saltou para trás e correu, os olhos sorrindo para ele por cima dos ombros brancos. Resmungando, Conan a seguiu. Ele se esquecera da luta, já não lembrava dos homens em armadura que jaziam so bre o próprio sangue, nem de Niord, cujos guerreiros não haviam chegado a tempo. odos os seus pensamentos eram apenas para a gura branca e esguia que parecia utuar, ao invés de correr na rente dele. A louca perseguição desenvolveuse pela planície branca e gelada. Os campos cobertos de sangue caram para trás, e Co nan continuou correndo com a silenciosa tenacidade peculiar aos homens de sua raça. Seus pés, calçando sandálias de malha metá lica, rompiam a crosta de gelo e aundavam na neve amontoada pelo vento, e ele prosseguia, ajudado pela enorme orça dos seus músculos. A garota parecia dançar sobre a neve, como uma pena 47
utuando numa lagoa. Seus pés descalços quase não marcavam a superície branca do chão. Apesar do ervor intenso do seu san gue, o rio penetrava na malha metálica e no casaco de pele que cobriam o corpo do guerreiro. E a mulher, protegida apenas por um véu muito delicado, utuava com tamanha leveza e alegria como se estivesse dançando no meio das palmeiras do jardim de rosas de Poitain. Ela correu mais e mais, e Conan a seguiu. De vez em quan do escapava um palavrão entre seus lábios rachados pelo rio. As enormes veias de suas têmporas inchavam e pulsavam, enquanto seus dentes rangiam. — Não vai conseguir escapar de mim, — ele gritou. — Se me atrair para uma emboscada, amontoarei aos seus pés os cor pos mortos dos seus guerreiros! Não tente se esconder de mim, pois eu derrubarei cada montanha até encontrála! Vou seguila nem que tenha de ir até o inerno! Os lábios dele babavam ao ouvir o sorriso enlouquecedor que ela lançava para trás. E a mulher corria cada vez mais pela vastidão branca. As horas oram passando com o sol deitando na direção do horizonte. E a paisagem mudou. A planície aberta deu lugar a colinas arredondadas, que marchavam para cima em cadeias interrompidas. Muito ao norte ele viu os picos de altas montanhas, com a neve dos picos num tom azulado, por causa da distância, e mostrando tons de vermelho ao reetir o sol do po ente. Os céus escureciam sobre eles, e mostravam as ondas colo ridas da aurora boreal. Espalhavamse pelo céu como dezenas de arcoíris, como labaredas de mil cores, mudando de intensidade, crescendo e dançando no ar. Por cima de Conan, o céu brilhava e espoucava com estra nhas luzes e ulgores. A neve brilhava de um modo assustador: ora um azul muito orte, ora vermelho como o sangue e depois um tom prateado e rio. No meio de um reino branco de encanta mento, que tremulava diante dos seus olhos, ele despencou para a rente, mergulhado em um labirinto conuso onde a única rea 48
lidade era o corpo branco e delgado que insistia em dançar à sua rente, longe do seu alcance, cada vez mais longe do seu alcance. Ele não se preocupou com aquele cenário estranho, nem mesmo quando duas gigantescas guras apareceram bem na sua rente. As lâminas metálicas das armaduras dos dois homens es tavam cobertas de gelo. Havia neve nos seus cabelos e o olhar de ambos era tão rio como as luzes que dançavam no céu, acima deles. — Irmãos! — gritou a mulher, dançando entre os dois. —Vejam quem me segue! rouxelhes um guerreiro para que o matem! Arranquem seu coração, para que o possamos queimar sobre a mesa de nosso pai! Os gigantes lançaram um urro estranho, como o barulho do gelo esregando sobre a superície congelada de um lago. Le vantaram seus machados de guerra, brilhando à luz das estrelas, ao mesmo tempo em que o enlouquecido Conan se lançava con tra eles. Uma lâmina gelada passou bem perto dos seus olhos. Com todas as orças que lhe restavam, ele desechou um golpe terrível que atingiu em cheio a perna do inimigo, na altura do joelho. A vítima caiu com um berro, e no mesmo instante Conan oi atirado para trás, sentindo adormecer o ombro esquerdo, atin gido por um golpe repentino do machado do outro gigante. A malha metálica de Conan quase não bastou para lhe salvar a vida. Ele viu o sujeito em pé ao seu lado, como uma enorme estátua de gelo, contrastando com o azul escuro do céu. O machado tom bou, mas mergulhou na neve branca, no instante em que Conan rolou para o lado e, com uma inesperada agilidade, levantouse de um salto. O gigante urrou e levantou de novo o machado de guerra. No mesmo instante, a espada de Conan assobiou no ar. Os joelhos do inimigo se dobraram, e ele tombou devagar para a rente, no meio da mancha vermelha ormada pelo sangue que jorrava do seu pescoço cortado em dois. Conan virouse para ver a garota parada a uma certa dis 49
tância, com os olhos arregalados de horror. A expressão de zom baria desaparecera do rosto dela. Ele gritou e sua espada derra mou gotas de sangue quando as mãos dele tremeram por causa da intensidade de sua paixão. — Pode chamar todos os seus outros irmãos, — ele gri tou. — Darei os corações deles para os lobos! Você não vai me escapar... Com um grito de guerra ele disparou na direção da mulher. Ela já não ria mais, nem lançava seus olhares de desao sobre os ombros brancos. Corria como quem teme pela vida. Embora ele juntasse toda a orça e energia de todos os seus músculos, até que suas têmporas estivessem a ponto de explodir e seus olhos vissem tudo vermelho à sua rente, ela conseguiu aastarse, desapare cendo devagar sob o ogo misterioso do céu, até sua gura car menor do que imagem de uma criança, dançando sobre a bran cura do gelo, um mero ponto na distância. Conan buscou todas as suas reservas de energia, rangeu os dentes na boca e correu mais. Logo, ela cou apenas uns cem passos à sua rente. Lentamente, metro a metro, a vantagem dela oi diminuindo. Ela parecia não ter mais orças para correr, e seus cabe los dourados esvoaçavam ao ar. Ele ouviu a respiração cansada e viu o brilho de medo nos olhos dela, quando a cabeça delicada se voltou sobre os ombros alvos. A resistência selvagem daquele bárbaro mostrava toda a sua utilidade. A velocidade oi desapa recendo das pernas dela. Seus passos já não eram tão seguros. Na alma descontrolada de Conan brilhavam as chamas do inerno que ela acabara de alimentar. Com um grito inumano, ele se apro ximou. A mulher tropeçou, deu um grito e ergueu os braços para se deender. A espada caiu por terra, quando ele a apertou num abraço selvagem. O corpo delicado dobrou para trás, e a mulher lutou com desespero tentando libertarse dos braços ortes. Os cabelos dourados esvoaçavam pelo rosto dele, cegandolhe o olhar com seu brilho. O contato com aquele corpo escultural, que se revolvia 50
tentando escapar dos seus braços, levouo perto da loucura. Os dedos ortes mergulharam na pele macia do corpo dela, resco como a neve gelada. Era como se abraçasse não uma mulher hu mana, de carne e osso, mas um corpo eito de gelo que queimava de tão rio. Ela lançou a cabeça para um lado, lutando para evitar os beijos ardentes de paixão, que machucavam seus lábios encar nados. — Você é tão ria como a neve, — ele resmungou. — Mas vou aquecêla com o calor do meu próprio sangue... Com um grito agudo e um esorço desesperado, a mulher escorregou dos braços de Conan, deixando a roupa na e trans parente no lugar onde ela estava antes. Saltou para trás e cou de rente para ele, com os cabelos louros desarrumados sobre o rosto, os seios brancos tremendo como gelatina, os lindos olhos irradiando um brilho apavorado. Durante uma ração de segun do ele cou parado, estupeato diante da inacreditável beleza nua que se erguia diante dele, em pleno campo gelado. Naquele instante ela levantou os braços na direção das lu zes coloridas que iluminavam o céu e gritou, com uma voz estri dente que ecoaria para sempre nos ouvidos dele: — Ymir! Ó meu pai, salveme! Conan saltava para a rente, com os braços abertos para agarrála, no instante em que todo o céu, com o barulho de de zenas de raios estourando ao mesmo tempo, pareceu abrirse em uma única e gelada labareda. O corpo de marm da jovem oi en volvido em uma língua de ogo azulado, tão intensa que o cimé rio teve de levar a mão aos olhos para se proteger do intolerável brilho. Por um segundo todo o céu e as colinas geladas caram envolvidos pelo ogo branco que lançava raios azulados e verme lhos como o sangue. Então, Conan tropeçou e deu um grito. A mulher desa parecera no ar. A neve branca estava de novo vazia e silenciosa. Muito acima de sua cabeça as luzes geladas da aurora boreal ain da dançavam no céu enlouquecido. No meio das distantes mon 51
tanhas azuis ecoava um trovão que mais parecia ser as rodas de uma carruagem gigante correndo atrás de cavalos cujos cascos arrancavam aíscas da neve e lançavam seu eco para o céu. E a aurora boreal, as colinas cobertas de neve e os céus ilu minados começaram a girar diante dos olhos de Conan. Milhares de bolas de ogo brilhavam com aíscas avermelhadas, e o próprio céu transormouse em uma gigantesca roda, lançando agulhas ao girar. Sob os seus pés a neve levantouse como uma onda, e o cimério tombou no gelo e cou imóvel. Em um universo escuro e gelado, cujo sol parecia terse extinguido milhares de anos antes, Conan sentiu de repente o movimento da vida, estranho e insuspeitado. Um verdadeiro ter remoto o havia agarrado e o sacudia com orça, de um lado para o outro, esregando seus pés e mãos até que ele gritasse de dor e tentasse agarrar a espada. — Ele está voltando a si, Horsa, — disse uma voz. — De pressa! emos de esregar mais orte para espantar o rio de seus membros, ou jamais levantará uma espada de novo! — Não quer abrir a mão esquerda, — resmungou outra pessoa. — Parece que está agarrando alguma coisa. Conan abriu os olhos e examinou os rostos barbados que se curvavam sobre ele. Estava cercado de enormes guerreiros lou ros, vestindo armaduras e capas de peles. — Conan! — gritou um deles. — Está vivo! — Em nome de Crom! É Niord, — balbuciou o cimério. — Estou vivo mesmo ou estaríamos todos mortos, em Valhalla? — Estamos vivos, — disse o aesir, curvado sobre os pés gelados de Conan. — ivemos de enrentar uma emboscada e não pudemos alcançar vocês antes da batalha. Os mortos estavam todos gelados quando chegamos ao campo. Não o encontramos entre eles, e então seguimos os seus rastros. Em nome de Ymir, Conan, por que diabos correu para a vastidão do Norte? Passa mos horas seguindo os seus rastros pela neve. Se uma tempestade as tivesse apagado nós jamais o teríamos encontrado. Por Ymir! 52
— É melhor não usar o nome de Ymir em vão o tempo todo, — resmungou um dos guerreiros, olhando para as mon tanhas distantes. — Esta terra é o lar dele, e as lendas dizem que mora atrás daquelas montanhas. — Vi uma mulher, — respondeu Conan. — Enrentamos os homens de Bragi na planície. Não sei quanto tempo durou a batalha. Fui o único a sobreviver. Fiquei tonto e desmaiei. udo parecia um sonho diante dos meus olhos. Só agora as coisas pare cem mais naturais e conhecidas. A mulher apareceu e me provo cou. Era maravilhosa, como uma chama gelada vinda do inerno. Uma loucura estranha tomou conta de mim quando olhei para ela, de modo que me esqueci de tudo no mundo. E a segui. Não encontraram os rastros dela? Nem os gigantes de armadura que matei lá atrás? Niord balançou a cabeça. — Só encontramos os seus rastros na neve, Conan. — Então devo ter enlouquecido, — resmungou Conan, conuso. — Mas, para os meus olhos, vocês não são mais reais do que era aquela linda mulher de pele clara e cabelos dourados que corria nua pela neve, na minha rente. De um momento para o outro, ela escapou das minhas mãos e desapareceu no meio de uma labareda gelada. — O sujeito está delirando, — disse um dos guerreiros. — Nada disso, — interrompeu um homem mais velho, cujo olhar era selvagem e estranho. — Era Atali, a lha de Ymir, o gigante de gelo! Ela sempre aparece no campo dos mortos e se mostra aos que estão no m. Quando era menino eu mesmo a vi, quando estava à morte no campo ensanguentado de Wolraven. Apareceu entre os mortos na neve, o corpo nu brilhando como marm e os cabelos dourados reluzindo intensamente à luz do luar. Fiquei deitado ali e urrei como um cachorro moribundo, porque não podia ir atrás dela. Atali costuma atrair os homens para o norte gelado, para serem mortos por seus irmãos, os gi gantes da neve, que costumam colocar o coração de suas vítimas 53
sobre a mesa de Ymir. O cimério viu Atali, a lha do Gigante do Gelo! — Qual nada! — resmungou Horsa. — A mente do velho Gorm oi erida quando ele era jovem, por um golpe de espada na cabeça. Conan estava delirando por causa da úria da batalha. Vejam como o capacete dele está manchado de sangue. Um golpe como esses que ele levou deve ter atingido seu cérebro. Foi uma alucinação que ele seguiu para esta terra perdida. Ele vem do Sul: como poderia saber sobre Atali? — alvez você ale a verdade, — interrompeu Conan. — Foi tudo tão estranho e conuso... Por Crom! O cimério sentiu os olhos marejarem, quando notou o objeto que ainda tinha na mão. Os guerreiros se calaram, con templando em silêncio aquilo que ainda se encontrava na mão esquerda de Conan. Um véu brilhante muito no... Um pedaço de renda jamais visto por um tear humano.
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A Torre do Elefante
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1 ochas tremeluziam sombriamente nas estas do Beco, onde os ladrões do Leste aziam carnaval à noite. No Beco, eles podiam azer quanta algazarra e gritaria quisessem, pois as pes soas honestas evitavam esse bairro, e os guardas, bem pagos com dinheiro sujo, não intereriam na diversão deles. Ao longo das ruas tortuosas e sem pavimentação, com montes de lixo e poças lamacentas, cambaleavam vocierando os bêbados briguentos. O aço brilhava nas sombras de onde vinham o riso estridente das mulheres e os ruídos de arruaça e luta. A luz das tochas amejam tênues das janelas quebradas e portas escancaradas, e emanava o mau cheiro de vinho azedado e de corpos suados, o clamor de bêbados e o bater de punhos sobre mesas grosseiras, as animadas canções obscenas, lançadas como uma boetada. Numa dessas espeluncas, a diversão trovejava até o telhado baixo manchado pela umaça, onde os vagabundos se reuniam vestidos com toda espécie de arrapos — eram batedores de car teira, astutos raptores, ladrões de dedos ligeiros, vocierando ex clamações animadas com suas meretrizes de vozes estridentes, vestidas com suntuosos vestidos de gosto duvidoso. O elemento dominante eram os vagabundos do lugar — 57
zamorianos de pele e olhos escuros, com sabres em seus cintos e el em seus corações. Mas lá estavam também alguns lobos vindos de meia dúzia de nações do interior. Havia um gigante hiperbo riano renegado, taciturno, perigoso, com uma espada amarrada ao seu enorme corpanzil terrível — pois, no Beco, os homens carregavam o aço abertamente. Havia um contraventor shemita, com seu nariz adunco e barba encaracolada negroazulada. Ha via uma prostituta brituniana de olhos ousados, sentada no colo de um gunderman de cabelos castanhos — um soldado merce nário nômade, desertor de algum exército derrotado. E o gordo indecente, cujas piadas picantes provocavam gargalhadas, era um raptor prossional vindo da longínqua Koth para ensinar como raptar as mulheres dos zamorianos, que nasceram com mais co nhecimento dessa arte do que ele jamais conseguiria obter. Este homem interrompeu sua descrição dos encantos de uma utura vítima e enou sua cara num enorme caneco de cerveja espu mante. Em seguida, soprando a espuma de seus lábios gordos, disse: — Por Bel, deus de todos os ladrões, eu lhes mostro como roubar prostitutas; eu a arei passar pela ronteira zamoriana an tes do amanhecer, e haverá uma caravana esperando para recebê la. rezentas peças de prata oi o que um conde de Ophir me pro meteu em troca de uma esguia jovem brituniana da classe mais alta. Levei semanas andando pelas cidades ronteiriças disarçado de mendigo para encontrar uma que servisse. E essa é uma linda peça! Ele jogou no ar um beijo obsceno. — Conheço alguns lordes em Shem que negociariam o se gredo da orre do Eleante em troca dessa jovem — disse, voltan do à sua cerveja. Um toque na manga de sua túnica o ez voltar a cabeça, resmungando por ter sido interrompido. Em pé a seu lado estava um jovem alto e robusto. Estava tão deslocado naquela espelunca quanto um lobo cinzento entre ratos amintos nos bueiros. Sua 58
túnica barata não conseguia esconder as linhas duras, bem pro porcionadas de sua estatura poderosa, os ombros largos e pesa dos, o peito maciço, a cintura delgada e os braços pesados. Sua pele estava tostada pelo sol dos campos, seus olhos eram azuis e ardentes; uma negra cabeleira emaranhada coroava sua ronte larga. Do seu cinturão pendia uma espada numa bainha de couro surrado. O kothiano recuou involuntariamente; pois o homem não pertencia a nenhuma raça civilizada que ele conhecia. — Você alou da orre do Eleante — disse o estranho, a lando o zamoriano com um sotaque estrangeiro — Ouvi muitas histórias sobre a orre. Qual é seu segredo? O camarada não parecia ameaçador, a cerveja e a evidente aprovação de sua audiência deixaram o kothiano todo cheio de si. — O segredo da orre do Eleante? — exclamou — Ora, qualquer idiota sabe que Yara, o sumo sacerdote, mora lá com uma grande pedra preciosa chamada Coração do Eleante, que é o segredo de sua eitiçaria. O bárbaro cou digerindo a inormação por algum tempo. — Eu vi essa torre — disse ele — Ela ca no meio de um grande jardim a um nível acima da cidade, cercada por muros altos. Não vi nenhum guarda. Seria ácil pular o muro. Por que ninguém roubou ainda essa jóia? O kothiano arregalou os olhos e abriu a boca, pasmo com a simplicidade do outro, em seguida caiu numa gargalhada e os outros o acompanharam. — Ouçam este pagão! — vocierou ele — Ele quer roubar a jóia de Yara! Ouçam, camaradas — disse ele, voltandose sole nemente para o jovem —, suponho que você seja alguma espécie de bárbaro do Norte... — Sou da Ciméria — respondeu o estrangeiro, num tom nada amistoso. A resposta e a maneira como ela oi dita pouco signicavam para o kothiano; nada sabia sobre um reino que ca va longe ao sul, nas ronteiras de Shem. Só ouvia alar vagamente, 59
sobre as raças do Norte. —Então abra os ouvidos e que esperto, camarada — dis se ele, apontando com seu caneco para o jovem desconcertado — Saiba que em Zamora, principalmente nessa cidade, existem mais ladrões destemidos que em qualquer outro lugar do mun do, mesmo em Koth. Se um mortal pudesse roubar a jóia, tenha a certeza de que ela já teria sido roubada há muito tempo. Você ala em pular o muro, mas uma vez tendo pulado, você deseja ria imediatamente estar de volta. Não existem guardas no jardim por uma razão muito boa. Lá não há guardas humanos, embora na parte baixa da orre, homens armados a vigiem. E, mesmo se você passasse por aqueles que azem a ronda dos jardins à noite, ainda teria de passar pelos soldados, pois a jóia está guardada em algum lugar, bem lá no alto da orre. — Mas se um homem conseguisse passar pelos jardins — argumentava o cimério — por que não poderia chegar até a jóia pela parte superior da orre, evitando assim os soldados? Novamente o kothiano cou pasmado com ele. — Ouçam este camarada! — gritou ele com escárnio — O bárbaro pensa que é uma águia que pode voar até a borda da or re, que está apenas a cinco metros acima do solo, com seus lados arredondados mais lisos que vidro polido! O cimério olhou ao redor, embaraçado com a trovoada de gargalhadas que a sua observação provocara. Ele não via nada de engraçado nisso e ainda conhecia pouco da civilização para en tender o que era alta de cortesia. Os homens civilizados são mais maleducados que os selvagens, porque eles sabem que podem al tar com a cortesia sem ter o crânio despedaçado. Ele estava emba raçado e envergonhado e, sem dúvida, teria ido embora sentindo se humilhado, mas o kothiano quis continuar a rebaixálo. — Vamos! Vamos! — gritou ele — Diga pra esses pobres camaradas, que são ladrões há muito, mesmo antes de você ter sido gerado, diga para eles como é que você pretende roubar a jóia! 60
— Existe sempre uma maneira, se a vontade estiver asso ciado à coragem — respondeu abruptamente o cimério irritado. O kothiano resolveu tomar isso como aronta pessoal. Seu rosto cou rubro de raiva. — O quê?! — esbravejou ele — Você ousa nos dizer como devemos proceder e insinua que somos covardes? Suma da mi nha rente! — esbravejou, empurrando o cimério com violência. — Você zomba de mim e depois quer pôr as mãos em mim? — esquentouse o bárbaro, pronto para despejar sua ú ria; e devolveu o empurrão com um soco que jogou seu oensor contra a mesa tosca. A cerveja espirrou da boca do tratante, e o kothiano oi desembainhando a espada, trovejando de úria. — Cão do inerno! — vocierou ele — Vou arrancar seu coração por isso! O aço aiscou e a multidão precipitouse abrindo cami nho. Em sua uga, eles derrubaram a única vela acesa e a taverna mergulhou na escuridão. Só se ouvia o ruído de bancos caindo, o trotar de pés em uga, os gritos, as pragas quando trombavam uns com os outros, e um grito estridente de agonia que cortou a espelunca como uma aca. Quando acenderam uma vela, a maio ria dos regueses havia desaparecido pela porta e pelas janelas quebradas, e o resto se escondia embaixo das mesas e atrás das pilhas de barris de vinho. O bárbaro se ora; o centro da sala es tava deserto com exceção do corpo ensanguentado do kothiano. O cimério, com seu inalível instinto selvagem, havia matado seu oponente em meio à escuridão e conusão.
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2 O cimério deixou para trás as luzes lúgubres e a orgia de bêbados. Ele tinha abandonado sua túnica rasgada e caminhava seminu pela noite, vestido apenas com uma tanga e calçado com suas sandálias de tiras. Ele se movia com a agilidade de um enor me tigre, com seus músculos retesados sob a pele escura. Ele havia penetrado na parte da cidade reservada aos tem plos. De todos os lados, eles reetiam sua brancura à luz das es trelas — pilares de mármore branco como a neve, cúpulas doura das e arcos prateados, santuários dos inúmeros estranhos deuses zamorianos. Não se preocupava com eles; sabia que a religião de Zamora, como todas as coisas de um povo civilizado e antigo, era muito complicada e tinha perdido a maior parte da essência primordial, numa conusão de órmulas e de rituais. Ele havia cado de cócoras durante horas nos pátios dos lósoos, ouvindo as discussões dos teólogos e dos mestres, e acabara conuso e de sorientado, certo apenas de uma coisa, isto é, que todos eles eram malucos. Os deuses dele eram mais simples e compreensíveis; Crom era o chee, e vivia numa montanha enorme, de onde enviava destruição e morte. Era inútil chamar por Crom, porque ele era 62
um deus sinistro e selvagem, e odiava os racos. Mas ele dava co ragem ao homem por ocasião de seu nascimento; a vontade e o poder para matar seus inimigos, o que, na cabeça do cimério, era tudo o que se esperava de um deus. Seus pés calçados não aziam ruído sobre o pavimento re luzente. Nenhuma sentinela passava, pois nem mesmo os ladrões do Beco invadiam os templos, onde se sabia que maldições estra nhas recaíam sobre os violadores. À sua rente, ele vislumbrou a orre do Eleante, cuja silhueta tenebrosa se destacava no céu. Ele se perguntava porque aquela torre se chamava assim. Ninguém sabia. Jamais havia visto um eleante, mas entendia vagamente que era um animal monstruoso, que tinha uma cauda na rente e outra, pequena, atrás. Quem lhe contara isto ora um shemita nômade, jurando que havia visto milhares desses animais no país dos hirchanianos; mas todos sabiam como eram mentirosos es ses homens de Shem. De qualquer orma, não havia eleantes em Zamora. O corpo tremeluzente da orre erguiase como gelo ao en contro das estrelas. À luz do sol, reluzia de maneira tão estontean te que poucos aguentavam olhar para ela, e os homens diziam que era eita de prata. Era redonda, um cilindro delgado e pereito, com cinco metros de altura, e sua borda incrustada com enormes pedras preciosas brilhava à luz das estrelas. A orre se erguia en tre as exóticas árvores ondulantes de um jardim cultivado bem acima do nível geral da cidade. Um muro alto circundava este jardim, e ora dos muros havia um nível inerior, também cercado por um muro. Nenhuma luz ardia na orre; parecia que ela não tinha janelas, ao menos não acima da altura no muro interno. Bem mais acima, somente as pedras preciosas reluziam geladas à luz das estrelas. Um matagal espesso crescia do lado de ora do muro ex terno, mais baixo. O cimério arrastouse urtivamente até ele e parou, medindoo com o olhar. Era alto, mas ele seria capaz de pular e se agarrar na beirada. Depois, seria brincadeira de criança 63
içarse e pular por cima do muro, e ele não duvidava que po deria passar pelo muro interior da mesma maneira. Mas Conan hesitava ao pensar sobre os estranhos perigos que se dizia que o aguardariam do lado de dentro. Essas pessoas eramlhe estranhas e misteriosas; não pertenciam à sua espécie — nem mesmo eram do seu sangue como os brithunianos mais a oeste, os nemédios, os kothianos e os aquilonianos. empos atrás, ele havia ouvido sobre aqueles mistérios civilizados. O povo de Zamora era muito antigo e, pelo que tinha visto, muito mau. Ele pensou em Yara, o sumo sacerdote, que elaborava es tranhas destruições nessa orre ornamentada, e os cabelos do ci mério se eriçaram quando ele se lembrou de uma história contada por um pajem embriagado da Corte zamoriana — de como Yara, rindo na cara de um príncipe hostil, erguera uma pedra preciosa reluzente e maléca diante dele, e de como essa pedra inernal emitira raios ouscantes que envolveram o príncipe, que caiu aos berros e se encolheu até virar um montículo seco e enegrecido; depois esse montículo se transormou numa aranha negra que, após correr selvagemente pelo salão, oi terminar esmagada sob o calcanhar de Yara. Yara não costumava sair de sua torre de eitiços, e sempre que o azia era para azer o mal para algum homem ou alguma nação. O rei de Zamora tinha mais medo dele do que da morte, e se mantinha embriagado a maior parte do tempo porque este medo era tão grande que só podia aguentálo nesse estado de tor por. Yara era muito velho — tinha séculos de idade, assim diziam os homens, acrescentando que ele iria viver para sempre por cau sa do eitiço de sua pedra preciosa que os homens chamavam de Coração de Eleante; por essa razão, chamaram o seu reugio de orre do Eleante. O cimério, absorto nesses pensamentos, de repente se co lou ao muro. Havia alguém caminhando a passos medidos dentro do jardim. Ouviu o tilintar do aço. Então, anal, havia de ato guardas naquele jardim. O cimério esperou pelos seus passos na 64
ronda seguinte; mas o silêncio se estendia sobre os jardins cheios de mistério. Finalmente, a curiosidade tomou conta dele. Saltando com leveza, agarrou o muro e se jogou no topo. Deitado sobre a bei rada larga, observou o espaço vazio entre os muros, com apenas alguns arbustos cuidadosamente aparados perto do muro inter no. A luz das estrelas caía sobre o gramado regular e ouviase o borbulhar de uma onte que estava invisível. O cimério se abaixou cautelosamente para o lado de dentro e desembainhou a espada, olhando ao redor. Nervoso por estar desprotegido à luz das estrelas, caminhou pé ante pé ao longo da curva do muro, tateando, até se aproximar dos arbustos que ha via notado antes. Então, correu agachado em sua direção e quase atropelou um vulto deitado à beira dos arbustos. Uma rápida olhada à direita e à esquerda não revelou nenhum inimigo, nenhum inimigo pelo menos à vista, e ele se curvou para investigar. Seus olhos vivos, mesmo na penumbra, mostraramlhe um homem robusto vestido com a armadura pra teada e com o capacete em pontas da guarda real de Zamora. Um escudo e uma lança jaziam a seu lado, e num instante percebeu que o homem havia sido estrangulado. O bárbaro olhou ao redor, indeciso. Ele sabia que o homem devia ser o guarda que ele havia escutado passar por seu esconderijo ao lado do muro. Nesse cur to intervalo, mãos desconhecidas haviam estrangulado o soldado. Forçando os olhos na penumbra, viu um indício de movi mento nos arbustos perto do muro. Mergulhou naquela direção, segurando a espada com orça. Não ez mais ruído do que uma pantera esgueirandose pela noite, no entanto, o homem que ele estava espreitando ouvira. O cimério sentiu alívio ao perceber que pelo menos era um ser humano; em seguida, num sobressal to de pânico, o camarada deu um rápido giro, ez menção de se lançar para a rente, as mãos cerradas, mas quando a lâmina do cimério reluziu à luz das estrelas, recuou. Por um tenso instante nenhum deles alou, os dois prontos para qualquer coisa. 65
—Você não é soldado! — sibilou o estranho nalmente — Você é um ladrão como eu. — E quem é você? — perguntou o cimério, num sussurro cheio de suspeitas. — aurus da Nemédia. O cimério abaixou sua espada. — Já ouvi alar de você. Chamamno de Príncipe dos La drões. Uma risada baixa oi a resposta. aurus era tão alto quanto o cimério, porém mais gordo, seu ventre era grande, mas cada movimento seu era imbuído de um sutil magnetismo dinâmico que se reetia em seus olhos penetrantes e brilhantes, cheios de vitalidade. Ele estava descalço e carregava um rolo que parecia uma corda na e orte, com nós amarrados a intervalos regulares. — Quem é você? — sussurrou ele. — Conan, da Ciméria — respondeu o outro — Estou pro curando uma maneira de roubar a jóia de Yara, que os homens chamam de Coração do Eleante. Conan percebeu que o ventre enorme do homem se sacu dia com o riso, mas não era um riso de desprezo. — Por Bel, deus dos ladrões! — sibilou aurus — Pensei que somente eu tivesse a coragem de tentar essa açanha. Esses zamorianos se denominam ladrões — Bah! Conan, gosto da sua audácia. Eu nunca compartilhei uma aventura com alguém; mas, por Bel, tentaremos isso juntos, se você quiser. — Então você também está atrás da jóia? — Que lhe parece? Planejei durante meses; mas você, meu amigo, acho que agiu por impulso. — Você matou o soldado? — É claro. Passei pelo muro quando ele estava do outro lado do jardim. Escondime nos arbustos; ele me ouviu, ou pen sou que tivesse ouvido alguma coisa. Quando veio procurando, não oi diícil esgueirarme atrás dele e agarrar de repente seu pescoço e estrangulálo. Ele estava, como a maioria dos homens, 66
meio cego na escuridão. Um bom ladrão deve ter os olhos de um gato. — Você cometeu um único erro — disse Conan. Os olhos de aurus aiscaram com úria. — Eu? Eu, um erro? Impossível! — Você deveria ter arrastado o corpo para dentro dos ar bustos. — Disse o aprendiz ao mestre da arte. Eles só trocarão a guarda depois da meianoite. Se alguém vier à sua procura agora e encontrar o corpo, irá correndo avisar Yara, e assim teremos tempo para ugir. Se não o encontrassem, iriam bater nos arbus tos e nos apanhariam como ratos numa ratoeira. Você tem razão — concordou Conan. — Então. Agora preste atenção. Estamos perdendo tempo com esta maldita discussão. Não há guardas no jardim interno, guardas humanos, quero dizer, embora haja sentinelas ainda mais mortíeras. Foi isso que me barrou tanto tempo, mas nalmente descobri uma maneira de dominálas. — E os soldados na parte inerior da torre? — O velho Yara mora nos aposentos superiores. É por aquele caminho que iremos, e voltaremos, assim espero. Não se preocupe em me perguntar como. Eu arrumei um jeito. Vamos nos esgueirar pelo topo da orre e estrangular o velho Yara antes que ele possa lançar um de seus malditos eitiços sobre nós. Pelo menos vamos tentar; é o risco de sermos transormados numa aranha ou num sapo, contra a riqueza e o poder do mundo. odos os bons ladrões devem saber se arriscar. — Eu irei até onde um homem pode ir — disse Conan, tirando suas sandálias. — Então, sigame — e, voltandose, aurus saltou para cima, agarrou o muro e subiu. O agilidade do homem era espan tosa, considerando seu tamanho; ele parecia quase deslizar por cima da beirada do muro. Conan o seguiu e, deitados sobre o topo largo, alaram por sussurros. 67
— Não vejo luz alguma — murmurou Conan. A parte ine rior da orre pareciase muito com aquela porção visível do lado de ora do muro — É um pereito cilindro reluzente, sem nenhu ma abertura aparente. — Existem portas e janelas disarçadas — respondeu au rus — mas estão echadas. Os soldados respiram o ar que vem de cima. O jardim era uma poça nebulosa de sombras, onde arbus tos oos e árvores baixas e rondosas acenavam à luz das estre las. A alma cansada de Conan sentia a ameaça que espreitava no jardim. Ele sentia a presença de olhos invisíveis queimando na escuridão e percebeu um cheiro sutil que eriçou seus cabelos ins tintivamente como o cheiro de um velho inimigo eriça o pêlo de um cão de caça. — Sigame — sussurrou aurus —, que atrás de mim se dá valor à sua vida. irando do seu cinto algo que se parecia com um tubo de cobre, o nemédio andou pé ante pé até o gramado do lado de den tro do muro. Conan o seguia de perto, a espada de prontidão, mas aurus empurrouo para trás, para perto do muro, e não mos trou nenhuma tendência a avançar. Sua atitude toda era de tensa expectativa, e seu olhar, assim como o de Conan, estava xo na massa sombria dos arbustos a alguns passos dali. Esses arbustos se mexiam, embora a brisa tivesse parado de soprar. Então dois olhos enormes aiscaram das sombras ondulantes e atrás deles outras línguas de ogo brilharam na escuridão. — Leões! — murmurou Conan. — Sim. De dia eles são guardados nas cavernas subterrâne as abaixo da orre. É por isso que não há guardas humanos nesse jardim. Conan contou rapidamente os olhos. — Cinco à vista; talvez mais deles atrás dos arbustos. Ele vão atacar num minuto... — Fique quieto! — sibilou aurus, e desprendeuse do 68
muro, cautelosamente, como se estivesse caminhando em cima de navalhas, erguendo o tubo delgado. Ouviramse grunhidos baixos nas sombras, e os olhos chamejantes se adiantaram. Co nan podia ver as enormes mandíbulas salivantes, as caudas com tuos na ponta batendo nos ancos escuros. A tensão aumentava — o cimério agarrou sua espada, esperando o ataque daqueles corpos gigantescos. Então aurus soprou o tubo com orça. Um longo jato de pó amarelado saiu do outro lado do tubo e se trans ormou instantaneamente numa espessa nuvem verdeamarelada que se instalou sobre os arbustos, escondendo os olhos aiscantes. aurus voltou correndo até o muro. Conan olhava sem en tender. A nuvem espessa escondia os arbustos, e de lá não vinha som algum. — O que é esta névoa? — perguntou o cimério hesitante. — Morte! — sibilou o nemédio — Se um vento soprála em cima de nós, devemos ugir o mais depressa que pudermos para o outro lado do muro. Mas não, o vento está parado, e agora a né voa está se dissipando. Espere até que desapareça por completo. Respirar isto é morte certa. No momento, restavam apenas alguns resíduos amarela dos suspensos no ar como antasmas; em seguida desapareceram, e aurus impeliu seu companheiro para a rente. Eles se esguei raram em direção dos arbustos, e Conan parou estupeato. Cinco enormes vultos marrons estavam estendidos nas sombras; o ogo de seus olhos sinistros estava apagado para sempre. Um cheiro adocicado, enjoativo, ainda pairava no ar. — Eles morreram sem azer ruído algum! — murmurou o cimério — aurus, o que era aquele pó? — Era eito de extrato do lótus negro, cujas ores crescem nas selvas perdidas de Khitai, onde moram apenas os sacerdotes de crânio amarelo de Yun. Essas ores matam quem as cheirar. Conan ajoelhouse ao lado das enormes ormas, certican dose de que estavam realmente inoensivas. Ele sacudia a cabeça; a magia das terras exóticas era misteriosa e terrível para o bárbaro 69
vindo do Norte. — Por que você não mata os soldados da orre da mesma maneira? — perguntou ele. — Porque era tudo o que eu tinha. Obter esse pó oi uma açanha que por si só já me tornaria amoso entre os ladrões do mundo. Eu o roubei de uma caravana que se dirigia para Stygia; estava num saco de tecido dourado, guardado por uma enor me serpente. E consegui tirálo sem despertála. Mas venha, em nome de Bel! Vamos desperdiçara noite discutindo? Eles deslizaram pelos arbustos até o pé da torre reluzente, e ali, com um gesto pedindo silêncio, aurus desenrolou sua corda de nós que tinha em uma das extremidades um orte gancho de aço. Conan percebeu seu plano e não ez perguntas, enquanto o nemédio agarrava a corda um pouco abaixo do gancho e come çava a girála acima da cabeça. Conan colou o ouvido no muro liso, mas não ouvia nada. Evidentemente os soldados que esta vam dentro não suspeitavam da presença de invasores, que não aziam mais barulho do que o vento noturno soprando entre as árvores. Mas um nervosismo estranho tomou conta do bárbaro; talvez osse o cheiro de leão que predominava no local. aurus jogou a corda com um movimento poderoso e sua ve de seu braço musculoso. O gancho curvouse para cima e para dentro, de uma maneira peculiar, diícil de descrever, e desapare ceu por cima da borda ornamentada. Aparentemente parecia ter se rmado bem, pois os puxões vigorosos não o tiraram do lugar. — Sorte no primeiro arremesso! — murmurou aurus — Eu... Foi o instinto selvagem de Conan que o ez girar abrupta mente; pois a morte que estava sobre eles aproximarase em total silêncio. Um relance instantâneo mostrou ao cimério a gigantesca orma escura, erguendose contra as estrelas, prestes a deserir o golpe mortal. Nenhum homem civilizado poderia ter se movi do com a metade da rapidez do bárbaro. Sua espada relampejou como gelo à luz das estrelas, impulsionada por cada grama de 70
nervos e músculos desesperados, homem e animal caíram juntos. Praguejando incoerentemente, aurus curvouse sobre a massa e viu seu companheiro debaterse tentando se livrar do enorme peso que o esmagava. Num relance o nemédio espantado viu que o leão estava morto, com o crânio despedaçado. Ele agar rou a carcaça e, com sua ajuda, Conan rastejou para o lado e se ergueu, ainda agarrando sua espada gotejante. — Você está erido, homem? — arou aurus, ainda conu so com a estonteante rapidez desse episódio. — Não, por Crom! — respondeu o bárbaro — Mas oi por um triz. Por que esse maldito animal não rugiu quando nos ata cou? — odas as coisas nesse jardim são estranhas — disse au rus —. Os leões atacam silenciosamente, assim como outras mor tes. Vamos, houve pouco barulho nessa matança, mas os soldados podem ter ouvido, se não estiverem dormindo ou embriagados. Esse animal estava em algum outro lugar do jardim e escapou da morte causada pelo veneno, mas certamente não há mais leões. Devemos subir por esta corda; não preciso perguntar a um cimé rio se ele consegue. — Se ela aguentar o meu peso — grunhiu Conan, limpan do sua espada na grama. —Ela aguenta três vezes o meu — respondeu aurus — Foi tecida com as tranças de mulheres mortas, roubadas de seus túmulos à noite. Para tornála ainda mais orte, eu a mergulhei no vinho mortíero da árvore upas. Eu vou primeiro, me siga de perto. O nemédio agarrou a corda e, apoiando o joelho numa la çada, começou a subida; ele subia como um gato, compensando seu corpo aparentemente desajeitado. O cimério o seguiu. A cor da balançava e girava em torno de si mesma, mas os dois não se deixaram intimidar; ambos já haviam realizado escaladas muito mais diíceis. A borda ornada projetavase perpendicularmente ao muro, de maneira que a corda pendia talvez a uma distância 71
de meio metro do lado da orre, ato que acilitava enormemente a subida. Enquanto os dois subiam silenciosamente, as luzes da ci dade oram se aastando mais e mais, as estrelas acima deles iam cando cada vez mais ouscadas pelo brilho das jóias ao longo da borda. Então aurus alcançou a borda com a mão, içando se para cima. Conan se deteve por um momento na beirada, ascinado com as enormes pedras preciosas cujo brilho gelado ouscava seus olhos — diamantes, rubis, esmeraldas, saras, tur quesas, opalas, incrustadas como estrelas na prata reluzente. Ao longe, seus reexos dierentes pareciam undirse num único bri lho branco pulsante; mas agora, de perto, elas brilhavam com um milhão de tons do espectro, hipnotizandoo com suas cintilações. — Aqui há uma ortuna abulosa, aurus — sussurrou ele; mas o nemédio respondeu impaciente — Vamos! Se conseguir mos o Coração, essas e todas as outras coisas serão nossas. Conan passou por cima da beirada reluzente. O nível do topo da orre estava a alguns metros abaixo da beirada ornada. Era liso, composto de alguma substância azulescura, incrustada com ouro que reetia a luz das estrelas, de maneira que o todo parecia como uma enorme sara salpicada com pó de ouro. Do outro lado de onde eles haviam entrado havia uma espécie de sala construída sobre o telhado. Era do mesmo material prateado das paredes da orre, adornada com desenhos trabalhados com pedras menores; sua única porta era de ouro, com a superície recortada em escamas e incrustada com pedras preciosas que re luziam como gelo. Conan lançou um olhar no oceano pulsante de luzes que se estendia abaixo deles, em seguida olhou para aurus. O nemédio recolhia e enrolava a corda. Ele mostrou a Conan onde o gancho havia se xado — uma ração de centímetro da ponta havia se enterrado sob uma enorme pedra preciosa do lado de dentro da borda. — A sorte estava de novo do nosso lado — murmurou ele 72
— Nosso peso poderia ter arrancado esta pedra. Sigame; os ver dadeiros riscos da aventura começam agora. Estamos na toca da serpente, e não sabemos onde ela está escondida. Arrastaramse como tigres pelo chão escuro e pararam na porta de ouro. Com toda a cautela, aurus tentou abrila. Ela ce deu sem oerecer resistência alguma, e os companheiros espiaram para dentro, tensos, esperando por qualquer coisa. Por cima do ombro do nemédio, Conan viu uma câmara reluzente, as paredes, o teto e o chão da qual estavam incrustados com enormes pedras brancas, que pareciam ser sua única iluminação. Não se via ser vivo algum. — Antes de cortar nossa única via de retirada — sibilou aurus — vá até a borda e olhe em todas as direções; se avistar um soldado nos jardins, ou qualquer coisa suspeita, volte e me avise. Vou esperar por você nesta sala. Conan não viu razão alguma para azer isto, e uma leve suspeita de seu companheiro tocou sua alma cansada, mas ele ez o que aurus pedira. Quando saiu, o nemédio deslizou para dentro e echou a porta. Conan rastejou por toda a volta da borda da torre, voltando para o ponto de início sem ter visto nenhum movimento suspeito no mar ondulante de olhas embaixo. Vol tou para a porta — de repente, dentro da sala, ouviuse um grito estrangulado. O cimério saltou para a rente, eletricado — a porta relu zente abriuse e lá estava aurus emoldurado pelo rio esplendor às suas costas. Ele cambaleou e entreabriu os lábios mas somente um engasgo seco saiu de sua garganta. Agarrandose à porta dou rada, ele precipitouse para o telhado, em seguida caiu de cabeça, apertando a garganta. A porta se echou atrás dele. Conan, agachandose como uma pantera à espreita, nada viu na sala atrás do nemédio, no breve instante em que a porta cou entreaberta — a não ser por um truque de luz que ez parecer como se uma sombra passasse pelo chão reluzente. Nada seguiu aurus para o telhado, e Conan curvouse sobre o homem. 73
O nemédio estava de olhos arregalados, as pupilas dilata das, cheias de algo terrível e espantoso. Suas mãos apertavam a garganta, os lábios tremiam e balbuciavam algo incompreensível; em seguida, ele cou inerte, e o espantado cimério percebeu que aurus estava morto, sem saber o que o havia atingido. Conan xou os olhos na misteriosa porta dourada. Naquela sala vazia, com suas reluzentes paredes ornadas de jóias, a morte havia al cançado o príncipe dos ladrões tão rápida e misteriosamente quanto ele havia matado os leões no jardim abaixo. Hesitante, o bárbaro passou as mãos sobre o corpo semi nu do homem, procurando uma erida. Mas as únicas marcas de violência que encontrou entre os ombros, perto da base de seu pescoço, oram três pequenas eridas, que pareciam ter sido eitas por três unhas enterradas na carne. A carne em volta dessas eri das estavam enegrecidas, e exalavam um leve cheiro de putrea ção. Dardos envenenados? pensou Conan — mas nesse caso, eles ainda deveriam estar nos erimentos. Cautelosamente, ele se esgueirou em direção da porta dou rada, empurroua e espiou para dentro. A sala estava vazia, ba nhada pela luz pulsante e ria de milhares de pedras preciosas. No centro do teto havia um desenho esquisito — um padrão octo gonal em preto, no centro do qual havia quatro pedras preciosas que emitiam uma chama vermelha dierente do brilho branco das outras pedras. Do outro lado do quarto havia outra porta, seme lhante àquela onde ele estava, mas sem ser lavrada em camadas. Foi por aquela porta que a morte havia surgido? — e, uma vez tendo atingido sua vítima, voltara pelo mesmo caminho? Fechando a porta atrás de si, o cimério avançou pela câ mara. Seus pés descalços não aziam ruído algum sobre o chão de cristal. Não havia cadeiras nem mesas, somente três ou qua tro divãs de seda, com estranhos desenhos bordados a ouro, e vários baús de mogno emoldurados com prata. Alguns estavam trancados com pesados cadeados de ouro; outros estava abertos, com suas tampas entalhadas caídas para trás, revelando montes 74
de jóias numa conusão descuidada de esplendor aos olhos es pantados do cimério. Conan praguejou; ele já havia visto mais riqueza naquela noite do que jamais sonhara que existisse no mundo inteiro, e cou tonto pensando no valor da jóia que estava procurando. Agora ele estava no centro do quarto quarto,, caminhando inclina do para a rente, a cabeça erguida, a espada de pro prontidão, ntidão, quando quando de novo, a morte atacou em silêncio. sil êncio. Uma sombra esvoaçante que varreu o chão reluzente oi o único aviso, e o salto sa lto instintivo para o lado oi o que salvou sua vida. Ele viu de relance um terror negro e peludo que passou por ele com um barulho de presas mortíeras, e algo que queimava queimava como gotas de ogo inernal caiu em cima de seu ombro nu. nu. Pulando para trás t rás com a espada ergui da, ele viu o terror bater no chão, girar e lançarse contra ele com uma rapidez incrível — era uma gigantesca aranha negra, igual ao que se vê apenas em pesadelos. Era do tamanho de um porco, e suas oito patas grossas e peludas carregavam seu corpo repulsivo com a cabeça na rente; seus quatro olhos maldosos brilhavam com uma terrível inteli gência, e de suas presas gotejava veneno que Conan sabia, pela queimação em seu ombro, que estava carregado de morte instan tânea. Este era o assassino que havia se precipitado da teia pen durada no meio do teto te to sobre o pescoço pesco ço do nemédio. nemédi o. olos olos oram eles por não terem suspeitado que as câmaras superiores estariam tão bem b em guardadas quanto as ineriores! Esses pensamentos passaram de relance pela mente de Conan enquanto o monstro avançava. Ele pulou para o alto e o monstro passou por baixo dele, girou e atacou novamente. Dessa vez ele também evitou o ataque pulando para o lado e deenden dose como um gato. Sua espada decepou uma das pernas pelu das, e novamente novamente ele se salvou s alvou por um triz do ataque do monstro monstro que o ameaçava com as presas estalando diabolicamente. Mas a criatura não voltou a atacar; deulhe as costas, passou correndo pelo chão de cristal e subiu pela parede até até o teto, de onde, por al 75
guns instantes, cou estudandoo com seus diabólicos olhos ver melhos. Em seguida, sem aviso, lançouse pelo espaço, soltando um o cinzento e pegajoso. p egajoso. Conan recuou evitando o impacto do corpo — em seguida abaixouse desesperadamente, desesperadamente, a tempo de escapar de ser aprisio nado pelo o de teia. Ele viu a intenção do monstro e pulou em direção da porta, port a, mas esse oi mais rápido, rápido, e um o pegajoso lan çado contra a porta aprisionouo. Ele não ousava cortálo com sua espada, pois sabia que o o grudaria na lâmina; e antes de conseguir livrála, o inimigo estaria enterrando as presas presas nas suas costas. Então começou um jogo desesperado, com a astúcia e a ra pidez do homem contra contra a arte e a rapidez diabólicas da aranha gi gantesca. A aranha já não mais deseria ataques diretos correndo correndo pelo chão, nem lançavase pelo espaço em sua direção. Ela corria pelo teto e pelas paredes, tentando prendêlo nos os gosmentos gosmentos,, que lançava com precisão diabólica. Esses os tinham a grossura de uma corda, e Conan sabia que uma vez enrolados nele, sua orça desesperada não seria suciente para rompêlos antes que o monstro voltasse a atacar. Essa dança macabra ocupava o espaço inteiro da sala, no mais completo silêncio, quebrado apenas pela respiração respiraç ão oegante do homem, o arrastar de seus pés descalços, sobre o chão reluzen te, e o tinido das presas do monstro. Os os cinzentos caíam em rolos sobre o chão, com a ponta presa na parede; cobriam os baús de jóias e os divãs de seda, e pendiam como estões sombrios no teto ornamentado. A rapidez do olhar agudo e dos músculos de Conan o mantinham incólume, embora os anéis pegajosos pas sassem tão próximo dele que chegavam a raspar na sua cabeleira desprotegida. Ele sabia que não seria capaz de evitálos todos; ti nha de car atento não apenas nos os pendurados no teto mas também no chão, para não tropeçar nos laços espalhados por p or ali. Mais cedo ou mais tarde, um laço grudento iria env envolvêlo olvêlo como uma jibóia, e assim, enrolado como um casulo, ele estaria à mercê 76
do monstro. A aranha correu pelo chão da sala, agitando a corda cin zenta atrás de si. Conan C onan pulou para cima e o monstro, monstro, com um rá pido giro, correu parede acima, e o o, saltando do chão como se estivesse vivo, enrolouse em volta do tornozelo do cimério. Ele se apoiou nos braços ao cair, cair, debatendose reneticamen reneticamente te para se se livrar da teia. O demônio peludo estava descendo a parede para completar sua captura. Em seu desespero, desesp ero, Conan agarrou um baú de jóias e arremessouo com toda a sua orça contra o monstro. Acertando bem no meio da aranha, esmagoua contra a parede com um ruído abaado e enjoativo, espirrando sangue e uma substância viscosa esverdeada. O corpo negro esmagado caiu en tre o brilho chamejante de jóias que se esparramaram sobre ele; as pernas peludas se agitavam sem objetivo, os olhos vermelhos moribundos brilhavam entre as aiscantes pedras preciosas. Conan olhou à sua volta, mas nenhum outro terror apare ceu, e ele se pôs a livrarse da teia. A substância grudava tenaz mente no tornozelo e nas mãos, mas nalmente ele se libertou e, tomando a espada, esgueirouse por entre os os e rolos cin zentos até a porta interna. Que horror se esconderá lá dentro ele não sabia. O sangue do cimério estava quente, e já que ele tinha chegado tão longe e vencido tantos perigos, estava decidido a ir até o m da horrível aventura, qualquer que osse. E sentia que a jóia que procurava não estava entre as que se espalhavam pela sala reluzente. irando os laços que emaranhavam a porta interna, ele descobriu que, assim como a outra, essa também não estava trancada. Ele se perguntava se os soldados lá embaixo ainda não tinham percebido sua presença. Bom, ele estava bem acima de suas cabeças, e se as histórias deviam ser acreditadas, a creditadas, os soldados estavam acostumados acostumados a ruídos estranhos no alto da torre — sons sinistros e gritos de agonia e de terror. Yara ocupava seus pensamentos, e Conan não estava nem um pouco conortável quando abriu a porta dourada. Mas havia 77
apenas uma escada de degraus prateados que conduzia para bai xo, precariamente iluminada de uma maneira que ele não conse guia descobrir. Desceu silenciosamente, espada em punho. Não havia ruído algum; chegou até uma porta de marm, incrustada com hematitas. entou ouvir alguma coisa, mas nenhum som vinha do lado de dentro; somente tênues tuos de umaça se es ticavam preguiçosamente por debaixo da porta, exalando um odor exótico, desconhecido ao cimério. Abaixo dele, a escada de prata serpenteava para baixo, desaparecendo na penumbra, e ne nhum som vinha daquele poço sombrio. Conan tinha um pres sentimento sinistro de que estava sozinho numa torre ocupada somente por antasmas e assombrações.
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3 Cautelosamente, ele empurrou a porta de marm, que abriuse silenciosamente. Na reluzente soleira, Conan olhava como um lobo num ambiente estranho, pronto para lutar ou para ugir. Era uma grande sala com um teto em abóbada dourada; as paredes eram de jade verde, o chão de marm, parcialmente coberto por tapetes espessos. Fumaça e um exótico cheiro de in censo saíam do braseiro apoiado sobre s obre um tripé de ouro ouro,, atrás do qual estava sentado um ídolo sobre uma espécie de divã de már more. Conan olhava estupeato; a imagem tinha o corpo de um homem nu, nu, da cor verde; mas a cabeça era eita de algum pesade lo e loucura. Era grande g rande demais para o corpo humano; não tinha atributos humanos. Conan olhava as grandes orelhas de abano, o nariz enrolado, ladeado por dois chires brancos com bolas de ouro na ponta. Os olhos estavam echados, como se a gura esti vesse dormindo. Era essa então a razão do nome, orre do Eleante, pois a cabeça da coisa era muito semelhante aos animais descritos pelo nômade shemita. Esse era o deus de Yara; onde mais poderia es tar a jóia a não ser escondida dentro do ídolo, já que a pedra era chamada de Coração do Eleante? 79
Quando Conan se aproximou com os olhos xos no ídolo imóvel, os olhos da coisa se abriram abruptamente! O cimério cou paralisado. Não era uma imagem — era um ser vivo, e ele estava encurralado em sua câmara! O ato de que ele não explodiu no mesmo instante num acesso de renesi assassino demonstrava o tamanho de seu ter ror,, que o mantinha grudado ror gr udado ao chão. chã o. Numa Numa condição condiçã o dessas, um homem civilizado iria se reugiar na conclusão de estar louco; ao cimério, porém, não ocorreu duvidar de sua sanidade. Ele sabia estar ace a ace com um demônio do Mun Mundo do Antigo, constatação constatação essa que lhe embotou todas os sentidos com exceção da visão. A tromba da criatura estava erguida interrogativamente, interrogativamente, os olhos de topázio tavam sem ver, e Conan percebeu que o mons tro era cego. Com este pensamento, seus nervos congelados se amoleceram, e ele começou a recuar silenciosamente em direção da porta. Mas a criatura ouviu. A tromba sensível se esticou em sua direção, e o terror de Conan o paralisou novamente quando o ser alou, numa voz estranha, trêmula que jamais modicava o tom ou o timbre. O cimério sabia que aquelas mandíbulas não tinham sido eitas para a ala humana. — Quem está aí? Você veio vei o para me torturar tortur ar de novo, Yara? Yara? Você jamais j amais ca satiseito? sat iseito? Ó, YagKosha, YagKosha, quando essa agonia terá m? Lágrimas rolavam dos olhos cegos da criatura; Conan de teve seu olhar nos membr membros os estendidos sobre o divã de mármore. E percebeu que o monstro não seria capaz de se levantar para atacálo. Ele conhecia as marcas da roda de tortura e as cicatri zes do ogo, e por mais que osse impiedoso, cou horrorizado com as deormações que outrora oram membros tão graciosos como os dele próprio. E, de repente, todo o medo e repulsa oram substituídos por uma grande pena. Conan não podia saber o que era esse monstro, monstro, mas as evidências de seus sorimentos eram tão terríveis e patéticas que uma estranha tristeza tomou conta do cimério sem ele saber por quê. Apenas sentia que estava olhando 80
para uma tragédia cósmica, e encolheuse de vergonha, como se a culpa de uma raça inteira estivesse sobre os seus ombros. — Eu não sou Yara — disse ele —, sou apenas um ladrão. Não vou machucálo. — Aproximese para que eu possa tocálo — implorou a criatura, e Conan se aproximou sem medo, com a espada esque cida na mão. A tromba sensível estendeuse e apalpou seu rosto e seus ombros, tateando como um cego — um toque leve como o de uma menina. — Você não pertence à raça diabólica de Yara — suspirou a criatura — Você traz a marca dos desertos limpos e selvagens. Conheço o seu povo desde os tempos antigos, quando era chama do por outro nome, quando outro mundo erguia seus pináculos ornados para as estrelas mas... Há sangue em seus dedos. — Uma aranha na câmara de cima e um leão no jardim — murmurou Conan. — Você também matou um homem esta noite — respon deu o outro — E há morte no alto da torre. Eu sinto; eu sei. — Sim — murmurou Conan — O príncipe dos ladrões jaz lá em cima morto pela mordida da aranha. — Então, então! — a estranha voz não humana elevouse numa espécie de canto monótono — Uma morte na taverna... uma morte no telhado, eu sei; eu sinto. E a terceira ará a magia que nem mesmo Yara sonha, a magia da libertação, ó deuses ver des de Yag! Novamente as lágrimas rolaram enquanto o corpo tortu rado era embalado por diversas emoções. Conan observava, con uso. Então as convulsões cessaram; os olhos meigos e cegos voltaramse para o cimério, a tromba acenou. — Escute, humano — disse a criatura estranha — Sei que sou repulsivo e monstruoso para você, não é? Não, não precisa responder; eu sei. Mas você também seria para mim, se eu pudes se vêlo. Existem incontáveis mundos além dessa erra e a vida 81
neles assume muitas ormas. Eu não sou nem deus nem demônio, mas um ser de carne e sangue como você, embora a substância seja em parte dierente e a minha orma tenha sido undida em outro molde. “Sou muito velho, ó homem dos países desertos; eras atrás, eu vim para este planeta junto com outros do meu mundo, de um planeta verde chamado Yag, que gira eternamente na orla desse Universo. Viemos voando pelo espaço com asas poderosas que nos levaram pelo cosmo mais rápido que a luz, porque omos ba nidos depois da derrota numa guerra contra os reis de Yag. Mas jamais pudemos voltar pois na erra as nossas asas murcharam. Aqui vivíamos separados da vida terrestre. Lutamos com as estra nhas e terríveis ormas de vida que andavam pela erra então, de maneira que nos tornamos temidos e não éramos molestados nas orestas escuras do Oriente onde morávamos. “Vimos os homens evoluírem dos macacos e construírem as reluzentes cidades de Valusia, Kamelia, Commoria e suas ir mãs. Vimos como eles tremeram por causa dos ataques dos atlan tes, pictos e lemúrios pagãos. Vimos os oceanos se erguerem e tragarem a Atlântida e a Lemúria, as ilhas dos pictos e as reluzen tes cidades civilizadas. Vimos os sobreviventes construírem seu império da idade da pedra para depois caírem na ruína, envolvi dos em guerras sangrentas. Vimos os pictos aundarem no abis mo da selvageria, os atlantes voltarem ao estado simiesco. Vimos novas levas de migrações de selvagens rumo ao Sul, conquistando o Círculo Ártico para construir uma nova civilização, com novos reinos chamados Nemédia, Koth, Aquilônia e suas irmãs. Vimos o povo cimério ascender dos atlantes, que regrediram ao nível dos macacos. Vimos os descendentes dos lemurianos, que haviam so brevivido ao cataclismo, surgirem de novo como selvagens que migraram para o Oeste, com o nome de hirkanianos. E vimos essa raça de demônios, sobreviventes de uma antiga civilização que existia antes da submersão da Atlântida, adquirir de novo a cultura e o poder, que é este maldito reino de Zamora. 82
“E isto nós vimos, sem ajudar nem atrapalhar o cumpri mento da imutável Lei Cósmica, e omos morrendo um após o outro; pois nós, de Yag, não somos imortais, embora a nossa vida seja longa como a vida dos planetas e das constelações. Por m somente eu restei, sonhando com os tempos antigos entre os tem plos em ruínas de Khitai perdido nas orestas, adorado como um deus pela ancestral raça de pele amarela. Então veio Yara, versado no conhecimento oculto transmitido desde os dias da barbárie, desde antes da submersão da Atlântida. “De início, ele se sentava a meus pés e aprendia comigo. Mas não cava satiseito com o que eu lhe ensinava, pois era ma gia branca, e ele queria a sabedoria do mal para escravizar so beranos e satisazer as suas diabólicas ambições. Eu jamais lhe ensinaria, por vontade própria, os negros segredos que conquistei através dos tempos. “Mas ele sabia mais do que eu imaginara; com a maldade obtida entre as tumbas sombrias da escura Stygia, ele me obrigou a lhe passar um segredo que eu não pretendia desvelar; e, voltan do meu próprio poder contra mim, ele me escravizou. Ah, deuses de Yag, minha taça tem sido amarga desde aquela hora! “Ele me tirou das orestas perdidas de Khitai, onde maca cos cinzentos dançavam ao som das autas dos sacerdotes ama relos, e oerendas de rutas e de vinho abarrotavam meus altares quebrados. Eu não era mais um deus para o bondoso povo das orestas — eu era o escravo de um demônio em orma humana. Novamente lágrimas surgiram nos olhos cegos da criatura. — Ele me aprisionou nesta torre que, sob seu comando, eu construí em apenas uma noite. Dominoume pelo ogo e pela tor tura, e por outras torturas tão estranhas e sobrenaturais que você jamais entenderia. Há muito eu teria acabado com minha vida, se pudesse, mas ele me mantém vivo, aleijado, cego e mutilado — para obedecer às suas ordens nojentas. E durante trezentos anos eu obedeci às suas ordens, sentado neste divã de mármore, dene grindo minha alma com pecados cósmicos e manchando minha 83
sabedoria com crimes, porque não tinha outra escolha. No entan to, nem todos os meus antigos segredos ele conseguiu arrancar de mim e meu último ato será o eitiço do Sangue e da Jóia. “Pois sinto que o m se aproxima. E você é a mão do Des tino. Eu lhe peço, pegue a gema sobre aquele altar. Conan voltouse para o altar de ouro e marm indicado e pegou uma grande pedra redonda escarlate, límpida como um cristal; e reconheceu que era o Coração do Eleante. — Por m, chegou a hora da mais poderosa magia jamais vista até hoje e que jamais será vista no uturo, por milhares e milhares de milênios. Pelo sangue de minha vida, eu o conjuro, pelo sangue nascido no peito verde de Yag sonhando suspenso na imensidão azul do Espaço. “Pegue sua espada, humano, e arranque meu coração; em seguida espremao deixando o sangue escorrer sobre a pedra ver melha. Desça as escadas e entre na câmara de ébano onde Yara está sentado envolto nos sonhos malignos da lótus. Pronuncie seu nome e ele acordará. Então coloque esta jóia diante dele, e diga: ‘YagKosha lhe dá um último presente e um último encantamen to’. Em seguida saia rapidamente da orre; não tenha medo, seu caminho estará livre. A vida humana não é igual a vida de Yag, nem a morte humana é igual à morte de Yag. Deixeme car livre dessa prisão de carne alquebrada e cega, e eu serei mais uma vez Yogah de Yag, coroado pela manhã, reluzente, com asas para voar, pés para dançar, olhos para ver e mãos para tocar. Conan se aproximou indeciso, e Yagkosha, ou Yogah, sentindo sua indecisão, indicou onde ele devia deserir o golpe. Conan cerrou os dentes e enou undo a espada. O sangue espir rou na lâmina e nas mãos de Conan, o monstro debateuse em convulsões e depois caiu imóvel para trás. Certicandose de que a vida o tinha deixado, pelo menos a vida como ele a entendia, Conan se pôs a executar a macabra tarea e rapidamente retirou algo que achava ser o coração da estranha criatura, embora este osse dierente de qualquer outro que já tinha visto. Segurando o 84
órgão ainda pulsante sobre a jóia reluzente, ele o espremeu com ambas as mãos, e um jorro de sangue caiu sobre a pedra. Para a sua surpresa, o sangue não escorreu por ora, mas oi absorvido pela pedra como se osse uma esponja. Segurando hesitante a jóia, ele saiu da câmara antástica e chegou até os degraus de prata. Não olhou para trás; instintiva mente, ele sentia que estava acontecendo algum tipo de transmu tação no corpo estendido sobre o divã de mármore, e sentia tam bém que era do tipo que não devia ser testemunhado por olhos humanos. Conan echou a porta de marm atrás de si e aí, sem hesi tar, desceu os degraus de prata. Não lhe ocorreu ignorar as instru ções que lhe oram dadas. Parou na porta de ébano, no centro da qual havia uma caveira de prata esboçando um sorriso macabro. Abriu a porta e, dentro daquele aposento de ébano e azeviche, viu uma gura alta reclinada sobre um catre de seda negra. Yara, o sacerdote e eiticeiro, estava deitado com os olhos abertos e di latados pelos eúvios do lótus amarelo, com o olhar perdido nos abismos noturnos além do alcance de um simples ser humano. — Yara! — disse Conan, como um juiz decretando a des truição — Yara! Acorde! No mesmo instante, seus olhos voltaram ao normal, rios e cruéis como os de uma ave de rapina. A gura alta, vestida de seda, ergueuse e cou bem mais alta que o cimério. — Cão! — sibilou como uma serpente — O que az aqui? Conan colocou a jóia sobre a grande mesa de ébano. — Aquele que mandou esta gema ordenoume que disses se: “YagKosha lhe dá um último presente e um último encanta mento”. Yara encolheuse; seu rosto escuro empalideceu. A jóia deixara de ser límpida como cristal; suas proundezas lamacentas pulsavam e tremiam, e esquisitas ondas esumaçadas de cor mu tante passavam por sua superície lisa. Como que hipnotizado, Yara se curvou sobre a mesa e agarrou a gema nas mãos, olhando 85
nas suas proundezas sombrias, como se um ímã estivesse atrain do sua alma trêmula para ora do corpo. E Conan pensou que seus olhos lhe estavam pregando peças. Pois quando Yara se le vantou do divã, parecera gigantesco; agora a cabeça de Yara mal chegava até seus ombros. Ele piscou, conuso e, pela primeira vez naquela noite, duvidou de seus sentidos. Então, percebeu choca do que o sacerdote estava encolhendo diante de seus olhos. Conan continuou olhando sem se emocionar, como um homem observa um jogo; imerso num sentimento de irrealidade esmagadora, o cimério não estava mais certo de sua própria iden tidade; percebe que está olhando para evidências externas de um combate entre orças imensas, muito além de sua compreensão. Yara não era maior do que uma criança; depois, do tama nho de um bebê, ele esticouse sobre a mesa, ainda segurando a jóia. Súbito, percebendo o seu destino, o eiticeiro levantouse de um salto, soltando a gema. Ele continuava encolhendo mais ainda e Conan viu uma minúscula gura correndo loucamente pela mesa de ébano, agitando os braços e gritando numa voz que parecia o guinchar de um inseto. Agora ele estava encolhido até o ponto em que a enorme jóia se erguia acima dele como uma montanha. Conan viu como ele cobriu os olhos com as mãos para se proteger da luz, camba leando como um louco. O cimério sentiu que alguma orça mag nética invisível atraía Yara para a gema. rês vezes ele correu ao redor dela num círculo cada vez mais echado, três vezes ele ten tou voltarse e correr para o outro lado da mesa; em seguida, com um grito quase inaudível que ecoou nos ouvidos do observador, o sacerdote jogou os braços para cima e correu direto para o globo chamejante. Curvandose, Conan viu Yara rastejar por cima da superí cie lisa e curva como um homem que realiza a impossível açanha de escalar uma montanha de vidro. Agora o sacerdote estava em pé sobre o topo, ainda com os braços erguidos, invocando nomes sinistros que apenas os deuses conhecem. E, de repente, ele aun 86
dou no centro da jóia como um homem aunda no mar, e ondas de umaça se echaram sobre sua cabeça. Agora, no coração rubro da pedra que voltara a ser límpida como cristal, ele era minúsculo como numa cena distante. E lá dentro apareceu uma gura verde, reluzente, com o corpo de homem e a cabeça de eleante, não mais cego nem aleijado. Yara jogou os braços para cima e ugiu como louco, com o vingador em seu encalço. Então, a enorme pedra desapareceu como uma bolha de sabão que estoura, num arcoíris de luzes muito brilhantes, e a mesa de ébano cou vazia, tão vazia como o divã de mármore na sala acima, onde o corpo daquele estranho ser transcósmico chamado YagKosha e tam bém Yogah havia estado. O cimério voltouse e desceu correndo a escada de prata. Estava tão perplexo que não lhe ocorreu ugir pelo mesmo cami nho que usara para entrar na orre. Correndo pelo sinuoso poço de prata, chegou a uma grande sala ao pé dos degraus reluzentes. Detevese por um instante; era a sala dos soldados. Viu o brilho de seus peitorais de prata e das suas bainhas ornadas de jóias. Estavam aglomerados ao redor de uma mesa, com suas plumas escuras ondulando sombriamente acima das cabeças caídas, ves tidas com capacetes; eles estavam deitados no meio de seus dados e canecos de vinhos espalhados pelo chão de lápislazuli man chado de vinho. E Conan sabia que estavam mortos. A promessa havia sido cumprida, a palavra ora mantida. Conan não sabia se oi eitiçaria ou encantamento ou a sombra das grandes asas verdes que silenciou os inimigos, mas seu caminho havia sido de simpedido. E uma porta de prata estava aberta, emoldurada pela claridade da aurora. O cimério saiu para os jardins e, quando o vento da au rora soprou sobre ele a resca ragrância de plantas viçosas, Co nan despertou como de um sonho. Voltouse indeciso, para olhar para a torre de pedra que acabara de deixar. Ele esteve eneitiçado ou encantado? Será que tudo não passara de um sonho? A torre reluzente, oscilando contra a aurora rubra com sua borda ornada 87
de jóias brilhando na luz crescente, desabou transormandose num monte de escombros brilhantes.
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Deus na Tigela
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Arus, o guarda, agarrou sua besta com mãos trêmulas e sentiu gotas de suor rio brotar em sua pele ao olhar para o eio cadáver estendido no chão polido. Não é nada agradável se depa rar com a Morte num lugar solitário no meio da noite. O guarda estava num extenso corredor iluminado por enormes velas colocadas nos nichos ao longo das paredes. En tre os nichos, as paredes estavam cobertas por panos de veludo negro, e entre os panos, pendiam escudos e armas cruzadas de eitio antástico. Aqui e ali, havia guras de deuses esquisitos — imagens de pedra ou madeira preciosa, de bronze, de erro ou de prata — espelhandose levemente no chão negro. Arus estremeceu. Ele jamais conseguira se acostumar ao lugar, embora estivesse trabalhando como guarda já havia alguns meses. O grande museu e a casa de antiguidades que os homens chamavam de emplo de Kallian Público era um ediício antigo cheio raridades vindas de todas as partes do mundo — e agora, na solidão da noite, Arus estava no enorme salão silencioso, olhando para o cadáver do rico e poderoso proprietário do emplo. Até o cérebro obtuso do guarda entendia que o homem estava com uma aparência muito estranha, dierente daquela de 91
quando cavalgava ao longo do Caminho Palian em sua carrua gem ornamentada, arrogante e dominador, com seus olhos escu ros brilhando com vitalidade magnética. Os homens que odia vam Kallian Público mal o reconheceriam agora, jogado como um monte de gordura desintegrada, com a veste rasgada e sem sua túnica violeta. O seu rosto estava escuro, os olhos arregalados e a língua esticada para ora da boca aberta. As mãos gorduchas estavam abertas como se num gesto de esquisita utilidade. Pe dras preciosas reluziam em seus dedos grossos. — Por que eles não levaram os anéis? — murmurou o guar da inquieto. Então ele olhou e olhou, os cabelos começando a se eriçar. Aastando as cortinas de seda escura que escondiam uma das muitas portas que se abriam para a sala, surgiu uma gura. Aras viu um jovem alto, orte, vestido apenas com uma tan ga e sandálias amarradas nos tornozelos. Sua pele estava tostada pelo sol do deserto, e Aras olhou nervosamente para seus ombros largos, peito maciço e braços pesados. As eições taciturnas, as sobrancelhas largas, mostravam ao guarda que o homem não era um nemédio. Debaixo de uma negra cabeleira desgrenhada tava um par de perigosos olhos azuis. Uma espada comprida, enada numa bainha de couro desgastado, pendia de seu cinto. Arus, todo arrepiado e tenso, dedilhou sua besta, meio in deciso entre atirar um dardo no corpo do estranho, sem avisar, e o medo do que pudesse acontecer se alhasse em matálo no primeiro tiro. O estranho olhou para o corpo no chão mais curioso do que surpreso. — Por que você o matou? — perguntou Arus nervoso. — Eu não o matei — respondeu o outro, sacudindo a cabe ça desgrenhada, alando o nemédio com um sotaque de bárbaro — Quem é ele? — Kallian Público — respondeu Arus, recuando. — É o proprietário desta casa? — perguntou o estranho, com um lampejo de interesse nos taciturnos olhos azuis. 92
— Sim. Arus já havia recuado até a parede. Então agarrou uma grossa corda de veludo que estava pendurada ali e sacudiua vio lentamente. Ouviuse lá ora na rua o som estridente dos sinos que estavam pendurados diante de todas as lojas e estabelecimen tos para convocar a guarda. — Por que você ez isso? — perguntou o estranho surpre endido — Assim vai chamar o guarda! — Eu é que sou o guarda, velhaco! — respondeu Arus, reu nindo coragem — Fique onde está. Não se mova, senão atiro! Seu dedo tocou o gatilho de sua arcobalista; a maldosa ca beça quadrada da seta apontou diretamente para o peito largo do outro. O estrangeiro ranziu a testa e olhou de esguelha para Arus. Não demonstrava medo mas parecia hesitar entre obedecer obede cer à ordem e arriscar um ataque repentino. Arus lambeu os lábios e seu sangue gelou nas veias ao perceber claramente que havia um conito entre precaução e uma intenção assassina nos olhos nublados do estrangeiro. Então ele ouviu o estrondo estrondo da porta port a se abrindo e um alari do de vozes, e deu um proundo suspiro de alívio. O estrangeiro se retesou, com o olhar preocupado de um animal encurralado, quando meia dúzia dúzi a de homens entraram no salão. s alão. odos odos eles el es com exceção de um usavam a túnica escarlate da guarda. Estavam ar mados com punhais e alabardas — armas de lâminas compridas, meio lança, meio machado machado.. — Quem diabo ez isso?— exclamou o homem que estava na rente, cujos rios olhos cinzentos e eições bem delineadas e magras, assim como suas vestes de civil, destacavamno no meio de seus grosseiros companheiros. companheiros. — Por Mitra, Demétrio! — exclamo exclamouu Arus — Sem dúvida a sorte está do meu lado esta noite. Não esperava que a guarda respondesse ao meu chamado com tanta rapidez, nem que você estivesse entre eles! — Eu estava azendo a ronda com Dionus — respondeu 93
Demétrio — Estávamos passando pelo emplo quando o sino de alarme tocou. Mas quem é este aqui? Por Ishtar! É o próprio se nhor do emplo! — É ele mesmo — respondeu Arus — e oi assassinado de maneira terrível. É meu dever caminhar pelo ediício a noite toda, porque, como você sabe, há uma imensa ortuna armaze nada aqui. Kallian Público tinha patronos ricos — estudiosos, príncipes e ricos colecionadores de raridades. Bem, há apenas alguns minutos minutos experimentei a porta que se abre para o pórtico e veriquei que estava echada apenas com travas: o cadeado estava aberto. A porta tem uma trava que pode ser aberta aber ta dos dois lados, e tem também um enorme cadeado que só pode ser aberto do lado de ora. Somente Kallian Público tinha a chave desse cadea do, que é a chave pendurada no seu cinto. “Eu sabia que algo estava errado, pois Kallian sempre tran cava a porta com o cadeado grande quando echava o emplo, e eu não o vi desde que partiu, no nal do dia, para a aldeia nos subúrbios. Eu tenho a chave que abre a trava; entrei e encontrei o corpo estendido assim como está agora. Não toquei nele. — Então — perguntou Demétrio, examinando com seus olhos agudos o estrangeiro sombrio —. E quem é este aqui? — O assassino, sem dúvida! — gritou Arus — Ele surgiu daquela porta ali. É um bárbaro do Norte, talvez um hiperborea no ou um bossoniano. — Quem é você? — perguntou Demétrio. — Eu sou Conan, um cimério — respondeu o bárbaro. bárbaro. — Foi você que matou este homem? O cimério sacudiu a cabeça. — Respondame! — ordenou o inquisidor. Um laivo de úria apareceu nos taciturnos t aciturnos olhos azuis. — Não ale comigo como com um cachorro! — Oh, um sujeito insolente! — disse com um sorriso de es cárnio o compa companheiro nheiro de Demétrio, Demétr io, um homem grande, que usa va a insígnia do chee da guarda — Um ladrão independente! Já já 94
sacudo dele a impertinência. Você aí! Fale! Por que você matou... — Espere um momento, Dionus — ordenou Demétrio — Camarada, eu sou o chee do Conselho de Investigação da cidade de Numália. É melhor você me dizer porque está aqui e, se você não or o assassino, então prove. O cimério hesitou. Ele não demonstrava medo mas estava um pouco conuso, como um bárbaro ca quando conrontado com as complexidades dos sistemas civilizados cujo unciona mento é muito misterioso e incompreensível para ele. — Enquanto ele decide — precipitouse Demétrio, vol tandose para Arus — digame: você viu Kallian Público sair do emplo hoje hoj e à noite? — Não, meu senhor; mas ele costuma estar ora quando chego para o meu turno de sentinela. A grande porta estava tra vada e trancada com o cadeado. — Ele poderia ter entrado no ediício sem que você o ti vesse visto? — Ora, é possível, mas pouco provável. Se ele tivesse vol tado de sua casa de campo campo,, certamente teria vindo em sua carru agem, pois é longe, e quem já viu Kallian Público viajar de outra maneira? Mesmo se eu estivesse do outro lado do emplo, teria ouvido as rodas da carruagem rangendo sobre os pedregulhos. E não ouvi nada. — E a porta estava trancada no início da noite? — Juro que sim. Eu testo todas as portas várias vezes du rante a noite. A porta estava trancada do lado de ora até talvez uma meia hora atrás, quando oi a última vez que testei antes de descobrir que estava destrancada. — Você ouviu gritos ou sons de luta? — Não senhor. Mas isto não é estranho, pois as paredes do emplo são tão grossas que não permitem que nenhum ruído as atravesse. — Para que todo este incômodo de azer perguntas p erguntas e espe culações? — queixouse o rude preeito — O nosso homem é este 95
aqui, sem dúvida. Vamos leválo à Corte da Justiça; vou arrancar uma conssão dele, mesmo se tiver de esmagar seus ossos. Demétrio olhou para o bárbaro. — Você entende o que ele disse? — perguntou o inquisidor — Que é que tem a dizer? — Que o homem que me tocar, logo em seguida estará cumprimentando seus ancestrais no Inerno — o cimério rangeu seus dentes poderosos, com os olhos queimando de úria. — Por que você veio até aqui, se não oi para matar este homem? — continuou Demétrio. — Eu vim para roubar — respondeu o outro. — Roubar o quê? — Comida — disse Conan hesitante. — É mentira! — disse Demétrio — Você sabia que não ha via comida aqui. Digame a verdade ou... O cimério colocou a mão sobre o punho da espada, e o ges to estava tão carregado de ameaça como o arreganhar de dentes de um tigre, esticando as garras. — Poupe suas ameaças para os covardes que têm medo de você — grunhiu ele — Não sou um nemédio criado na cidade para me encolher diante de seus cães amestrados. Já matei ho mens melhores que você por menos que isso. Dionus, que abrira a boca para vocierar sua úria, tornou a echála. Os guardas remexiam indecisos em suas alabardas e olhavam para Demétrio, aguardando suas ordens, desnorteados por presenciar a derrota da todapoderosa polícia. Mas Demétrio nada ez. Aras olhava primeiro para um depois para o outro, ima ginando o que estava passando pelo astuto cérebro de Demétrio por trás de seu rosto aquilino. alvez o magistrado temesse pro vocar a úria bárbara do cimério, ou talvez houvesse uma dúvida honesta em sua mente. — Eu não o acusei de ter matado Kallian — retrucou ele — Mas você deve admitir que as aparências o condenam. Como é que você entrou no emplo? 96
— Eu me escondi na sombra do armazém atrás deste edi ício — respondeu Conan a contragosto — Quando este cão — disse, apontando o dedo para Arus — passou por mim e dobrou a esquina, eu corri e pulei o muro... — Mentira! — interrompeu Arus — Ninguém consegue subir por aquele muro liso! — Você nunca viu um cimério escalar um rochedo liso? — perguntou Demétrio — Eu é que estou conduzindo esta inves tigação. Continue, bárbaro. — O canto é decorado com entalhes — disse o cimério — Foi ácil escalar. Alcancei o telhado antes que este cão desse a vol ta no ediício. Encontrei um alçapão, echado com uma trava de erro trancada por dentro. Dobrei a trava em dois... Arus, lembrandose da grossura da trava, reteve a respira ção assombrado e se aastou do bárbaro, que ranziu a testa meio distraído e continuou: — Passei pelo alçapão e entrei num aposento superior. Fui direto até a escada... — Como é que você sabia onde cava a escada? Apenas aos empregados de Kallian e seus ricos patronos era permitido o acesso a esses aposentos superiores. Conan olhava em teimoso silêncio. — O que você ez depois de chegar à escada? — exigiu De métrio. — Desci por ela — balbuciou o cimério — a escada levava ao aposento atrás daquela porta com cortinas. Quando desci a escada, ouvi uma outra porta se abrindo. Quando olhei através da cortina, vi este cão em pé ao lado do homem morto. — Por que você saiu de seu esconderijo? — Porque pensei que ele osse outro ladrão, que veio rou bar aquilo que... — o cimério se conteve. — Aquilo que você mesmo veio roubar! — concluiu De métrio —Você não vasculhou os aposentos superiores onde estão guardadas as maiores riquezas. Você oi enviado aqui por alguém 97
que conhece bem o emplo, para roubar alguma coisa especial! — E matar Kallian Público! — exclamou Dion — Por Mi tra, é isso! Peguemno, homens, teremos uma conssão antes do amanhecer! Conan saltou para trás, jogando uma praga estrangeira, sa cando a espada com tanta úria que a lâmina aada zuniu. — Para trás, se prezam sua maldita vida! — grunhiu ele — Se ousam torturar lojistas e desnudar as prostitutas e bater nelas para azêlos alar, não pensem que podem botar suas patas num homem das colinas! É só tocar no seu arco, guarda, que eu arre bento suas entranhas com o meu calcanhar! — Espera! — disse Demétrio — Aaste seus cães, Dionus. Ainda não estou convencido de que ele seja o assassino — Demé trio inclinouse e sussurrou algo no ouvido de Dionus que Aras não conseguiu captar, mas que ele suspeitou ser um plano para enganar o cimério, azendo com que ele largasse sua espada. — Muito bem — grunhiu Dionus — Aastemse, homens, mas continuem de olho nele. — Dáme sua espada — disse Demétrio para Conan. — omea se puder! — rosnou Conan. O inquisidor encolheu os ombros. — udo bem. Mas não tente ugir. Há homens com bestas guardando a casa do lado de ora. O bárbaro abaixou sua lâmina, embora relaxasse apenas de leve seu tenso estado de alerta. Demétrio voltouse novamente para o cadáver. — Estrangulado — murmurou ele — Por que alguém ha veria de estrangulálo se uma golpe de espada é muito mais rápi do e seguro? Esses cimérios nascem com a espada na mão; nunca ouvi alar de um cimério matar um homem desta maneira. — alvez seja para aastar suspeitas — disse Dionus. — Possivelmente — disse Demétrio, tocando o corpo com mãos experientes —. Morto há pelo menos meia hora. Se Conan nos diz a verdade sobre quando entrou no emplo, mal poderia 98
ter matado o homem antes de Arus entrar. É verdade que ele pode estar mentindo, pode ter entrado antes. — Escalei a parede depois que Arus ez a sua última ronda — grunhiu Conan. — É o que você diz — respondeu Demétrio, detendose na garganta do morto que havia sido esmagada até se transormar num monte de carne arroxeada. A cabeça pendia solta por causa das vértebras quebradas. Demétrio sacudiu a cabeça, duvidando — Por que um assassino usaria um cabo mais grosso que o braço de um homem? E que aperto terrível teria esmagado o pescoço dele dessa maneira? Ele se levantou e oi até a porta mais próxima que se abria para o corredor. — Aqui perto da porta há uma estátua derrubada de seu pedestal — disse ele —, o chão está arranhado e as cortinas na so leira estão rasgadas... Kallian Público deve ter sido atacado nessa sala. alvez ele tenha tentado escapar do assaltante ou arrastado o sujeito consigo na sua uga. De qualquer maneira, ele cambaleou no corredor onde o assassino deve têlo seguido e acabado com ele. — E se este pagão não or o assassino, então onde está ele? — exigiu o preeito. — Ainda não descartei o cimério — disse o inquisidor — Mas investigaremos aquele aposento. Ele se deteve, virouse e cou escutando. Da rua vinha o rangido de rodas de carruagem, que se aproximou e cessou abruptamente. — Dionus! — bramiu o inquisidor — Manda dois homens atrás dessa carruagem. raga o condutor até aqui. — Pelo ruído — disse Arus, que conhecia bem todos os ruídos da rua —, eu diria que ela parou na rente da casa de Pro mero, do lado oposto da rua onde ca a loja do mercador de seda. — Quem é Promero? — perguntou Demétrio. — É o escrivãochee de Kallian Público. 99
—Mande buscálo junto com o condutor — disse Demé trio. Dois guardas oram enviados. Demétrio ainda estudava o corpo; Dionus, Arus e os outros policiais observavam Conan que estava em pé com a espada na mão como uma ameaçadora estátua de bronze. Então ecoaram passos de pés calçados com sandálias e dois guardas entraram com um homem robusto, de pele escura, usando o capacete de couro e a túnica comprida de um cocheiro, com um chicote na mão, e um indivíduo pequeno, tímido, típico da classe que, saída das leiras dos artesãos, ornece seus serviços para ricos mercadores e comerciantes. O homenzinho retraíuse com um grito ao ver o volume estendido no chão. — Oh, eu sabia que algo de mau acabaria acontecendo! — choramingou ele. —Você é Promero, o escrivãochee, suponho. E você? — perguntou Demétrio. — Enaro, cocheiro de Kallian Público. — Você não parece muito impressionado com o cadáver dele — observou Demétrio. Os olhos escuros de Enaro aiscaram. — Por que haveria eu de car impressionado? Alguém ez o que eu sempre quis azer, mas nunca tive coragem. — Então! — murmurou o inquisidor — Você é um homem livre? Os olhos de Enaro estavam amargos quando ele aastou a túnica descobrindo seu ombro onde havia a marca do escravo devedor. — Você sabia que seu senhor vinha aqui hoje à noite? — Não. Eu trouxe a carruagem até o emplo hoje à noite como de costume. Ele entrou e eu dirigi até a sua casa de campo. Entretanto, antes de chegarmos ao Caminho Palian, ele mandou que voltássemos. Parecia muito agitado. —E você o levou de volta para o emplo? — Não. Ele ordenou que eu parasse na casa de Promero. 100
Então me mandou embora, dizendo que voltasse para buscálo pouco depois da meianoite, — Que horas eram? — Pouco depois do escurecer. As ruas estavam quase de sertas. — O que você ez em seguida? — Voltei para os alojamentos dos escravos, onde quei até a hora de ir à casa de Promero. Então ui direto para lá, e seus homens me agarraram quando eu estava alando com Promero na porta de sua casa. — Você tem alguma idéia do motivo pelo qual Kallian oi à casa de Promero? — Ele não alava de negócios com os seus escravos. Demétrio voltouse para Promero. — O que você sabe sobre isso? — Nada — os dentes do vendedor tremiam ao alar. — Kallian Público oi até a sua casa conorme diz o co cheiro? — Sim senhor. — Quanto tempo ele cou lá? — Pouco tempo. Depois oi embora. — Ele oi para o emplo depois de deixar a sua casa? — Não sei! — disse o escrivão numa voz aguda. — Por que ele oi até a sua casa? — Para ... para alar de negócios comigo. — Você está mentindo— disse Demétrio — Por que ele oi até a sua casa? — Eu não sei! Não sei de nada! — exclamou Promero já histérico — Não tenho nada a ver com isso... — Obrigueo a alar, Dionus — alou bruscamente Demé trio. Dionus grunhiu e acenou para um de seus homens que, com um riso selvagem, aproximouse dos dois prisioneiros. — Vocês sabem quem eu sou? — grunhiu ele, esticando o pescoço e tando suas presas encolhidas de medo. 101
— Você é Posthumo — respondeu o vendedor taciturno — Você arrancou o olho de uma moça na Corte da Justiça porque ela se recusava a incriminar seu amante. — Eu sempre consigo o que quero! — vocierou o guarda. As veias no seu pescoço grosso incharam e seu rosto cou roxo quando ele agarrou o pobre escrivão pelo colarinho de sua túnica, torcendoo de maneira que o homem cou quase suocado. — Fale, rato! — grunhiu ele — Responda aos inquisidores! — Oh, por Mitra, piedade! — berrou o coitado — Eu juro... Posthumo bateu com violência no rosto dele e depois o jo gou no chão e o chutou com precisão maldosa. — Piedade! — gemeu a vítima — Eu conto, eu conto qual quer coisa... — Então se levante, seu bastardo! — vocierou Posthumo — Não que deitado aí chorando! Dionus lançou um rápido olhar para Conan, para ver se ele estava impressionado. — Veja o que acontece com aqueles que desacatam a polí cia — disse ele. Conan cuspiu com um ricto de desprezo. — Ele é um raco e um tolo—grunhiu ele —. Se um de vo cês tocar em mim, espalho suas entranhas pelo chão. — Você está pronto para alar? — perguntou Demétrio cansado. — udo o que sei — soluçou o escrivão, pondose de pé com diculdade, ganindo como um cão que apanhou — é que Kallian oi até a minha casa pouco depois que eu cheguei; saí do templo junto com ele, quando ele mandou embora sua carrua gem. Ele ameaçou que iria me demitir se eu dissesse qualquer coisa a respeito disso. Sou um homem pobre, meus senhores, não tenho amigos nem vantagens. Se perder meu emprego, vou pas sar ome. — O que tenho eu a ver com isso? — disse Demétrio — Quanto tempo ele cou na sua casa? 102
— Até talvez as onze e meia. Em seguida ele saiu, dizendo que estava indo para o emplo e iria voltar depois de azer o que pretendia. — O que ele pretendia azer lá? Promero hesitava, mas ao olhar trêmulo para a expressão ameaçadora de Posthumo, com o enorme punho cerrado, logo abriu a boca. — Havia algo no emplo que ele queria examinar. — Mas por que ele viria aqui sozinho, e em tamanho se gredo? — Porque a coisa não lhe pertencia. Chegou de madruga da, com uma caravana vinda do Sul. Os homens da caravana nada sabiam a respeito disso, exceto que essa coisa ora conada a eles pelos homens de uma caravana da Srygia e que se destinava a Ca ranthes de Hanumar, sacerdote de Ibis. O senhor da caravana ha via sido pago por aqueles homens para levála diretamente para Caranthes, mas o tratante queria continuar direto para Aquilônia pela estrada que não passa por Hanumar. Então ele perguntou se podia deixála no emplo até que Caranthes mandasse buscála. “Kallian concordou e disselhe que ele mesmo manda ria um criado inormar Caranthes. Mas, depois que os homens haviam partido e alei do mensageiro, Kallian proibiu que eu o mandasse. Ele cou matutando sobre o que os homens haviam deixado. — E o que era isso? — Uma espécie de sarcóago, igual ao que se encontra nos antigos túmulos stígios. Mas este era redondo, como uma tigela de metal com tampa. Era eita de algo semelhante ao cobre, mas mais duro, e tinha hieróglios gravados iguais aos que se encon tram nos antigos menires no sul da Stygia. A tampa estava bem xada por tiras gravadas parecidas com cobre. — O que havia dentro dela? — Os homens da caravana não sabiam. Aqueles que lhes tinham dado a tigela disseram que era uma relíquia de incalculá 103
vel valor, encontrada entre os túmulos bem abaixo das pirâmides e enviada para Caranthes “por causa do amor que o remetente dedicava ao sacerdote de íbis”. Kallian Público acreditava que ela continha o diadema dos reis gigantes, dos povos que habitavam aquela terra escura antes que os antepassados dos stígios chegas sem. Ele me mostrou um desenho gravado na tampa, que jurava que tinha a orma do diadema que, segundo as lendas, era usado pelos reismonstros. “Ele queria abrir a tigela para ver o seu conteúdo. Enlou queciao a idéia do abuloso diadema, encrustrado com estranhas pedras preciosas conhecidas apenas pela raça antiga, das quais uma única valeria mais do que todas as pedras do mundo mo derno. “Eu o preveni para não azêlo. Mas, pouco antes da meia noite, ele oi sozinho ao emplo, escondendose nas sombras até o guarda passar para o outro lado do ediício, depois entrou usando a chave que trazia na cintura. Fiquei nas sombras da loja de sedas observandoo até ele entrar, depois voltei para casa. Se encontrasse o diadema, ou qualquer coisa de grande valor, pre tendia escondêlo em algum lugar no emplo e depois, sem que ninguém percebesse, tirálo de lá. Na manhã seguinte, aria uma grande gritaria diria que ladrões haviam invadido sua casa e rou bado a propriedade de Caranthes. Ninguém saberia de sua trapa ça além do condutor da carruagem e de mim, e nenhum de nós iria traílo. — Mas e o guarda? — contestou Demétrio, — Kallian não pretendia ser visto por ele; planejava man dálo crucicar como cúmplice dos ladrões — respondeu Pro mero. Aras engoliu em seco e empalideceu quando percebeu o quanto era corrupto seu empregador. — Onde está este sarcóago? — perguntou Demétrio. Promero apontou, o inquisidor resmungou — Então! O mesmo aposento no qual Kallian deve ter sido atacado. Promero torceu suas mãos magras. 104
— Por que um homem da Stygia mandaria um presente para Caranthes? Deuses antigos e múmias esquisitas já vieram pelas estradas das caravanas antes, mas quem é que ama tanto o sacerdote de Ibis na Stygia, onde as pessoas ainda adoram o arquidemônio Set que serpenteia entre os túmulos na escuridão? O deus Ibis está em constante luta com Set desde a aurora da er ra, e Caranthes passou a vida inteira combatendo os sacerdotes de Set. Há alguma coisa obscura e oculta nisso tudo. — Mostrenos este sarcóago — ordenou Demétrio, e Pro mero oi na rente, hesitante. odos o seguiram, inclusive Conan, que nem parecia notar como os guardas o olhavam, pois estava só curioso. Eles passaram pelas cortinas rasgadas e entraram no aposento, que estava mais escuro do que o corredor. As portas dos dois lados conduziam para outros aposentos e as paredes es tavam cobertas de imagens antásticas, de deuses de terras estra nhas e povos distantes. Promero deu um grito agudo. — Olha! A tijela! Está aberta... e vazia! No centro havia um estranho cilindro negro, de quase um metro e meio de altura e talvez um metro de diâmetro na sua parte mediana. A pesada tampa gravada jazia no chão, e ao lado dela um martelo e um ormão. Demétrio olhou dentro da tijela, perplexo por um instante com os obscuros hieróglios e voltouse para Conan. — É isto que você veio roubar? — Como é que um homem conseguiria levála embora? — disse o bárbaro sacudindo a cabeça. — As aixas oram cortadas com este ormão—admirou se Demétrio — e com pressa. Há marcas do martelo que errou o alvo ao bater no metal. Podemos supor que Kallian abriu a tije la. Alguém devia estar se escondendo por perto... possivelmente atrás das cortinas da porta. Quando Kallian conseguiu abrir a ti jela, o assassino lançouse sobre ele... ou pode ter matado Kallian e aberto ele mesmo a tijela. — Isto é algo sinistro — arrepiouse o escrivão — É mui 105
to antigo para ser sagrado. Quem é que já viu um metal assim? Parece mais duro do que o aço da Aquilônia, no entanto, veja como está corroído e desgastado, com manchas. E vejam aqui, na tampa! — disse Promero, apontando com o dedo trêmulo — Que vocês diriam que é? Demétrio curvouse perto do desenho gravado. — Eu diria que representa uma espécie de coroa — gru nhiu ele. — Não! — exclamou Promero — Avisei Kallian, mas ele não quis acreditar em mim! É uma serpente enrolada, com a cau da na boca. É o sinal de Set, a Velha Serpente, o deus dos stígios! Esta tijela é muito antiga para um mundo humano; é uma relíquia do tempo em que Set caminhava pela erra em orma humana. alvez a raça que surgira de sua semente guardasse os ossos de seus reis em caixas como essa! — E você diria que aqueles ossos ressecados se ergueram, estrangularam Kallian Público e depois oram embora? —Não era um ser humano o que oi colocado para descan sar nessa tijela — sussurrou o escrivão, com olhos arregalados e xos na tijela —. Que tipo de homem caberia nisto aqui? Demétrio praguejou. — Se o cimério não é o assassino, o autor disto ainda está em algum lugar neste ediício. Dionus e Aras, quem aqui co migo, e vocês três prisioneiros quem aqui também. O resto de vocês aça uma busca na casa! Se o assassino ugiu antes que Arus encontrasse o corpo, somente poderia ugir pelo mesmo cami nho pelo qual Conan entrou, e neste caso o bárbaro o teria visto, se ele estiver dizendo a verdade. — Não vi ninguém além deste cão — grunhiu Conan, in dicando Arus. — É claro que não, porque você que é o assassino — disse Dionus — Mas estamos perdendo tempo, vamos azer uma busca por ormalidade. E se não encontrarmos ninguém, prometo que você será queimado! Lembrese da lei, meu selvagem de cabelos 106
negros: por matar um artesão você vai para as minas; um comer ciante, você é enorcado; um nobre, você é queimado! Conan arreganhou os dentes como resposta Os homens começaram sua busca. Ouviamse seus passos para cima e para baixo pelos aposentos, movendo objetos, abrindo portas e gritan do uns para os outros. — Conan — disse Demétrio — você sabe o que signica se eles não acharem ninguém? — Eu não matei esse homem — rosnou o cimério — Mas se ele tentasse me impedir, eu teria endido seu crânio; mas não o vi até que dei com o seu cadáver. — No mínimo alguém o mandou aqui para roubar — disse Demétrio — e por causa do seu silêncio você se incrimina neste assassinato também. O simples ato de você estar aqui é suciente para mandálo para as minas, admita você a culpa ou não. Mas, se contar a história toda, poderá se salvar do enorcamento. — Bem — respondeu o bárbaro a contragosto — vim aqui roubar a taça de diamantes de Zamora. Um homem me deu um mapa do emplo e me disse onde procurála. Ela ca guardada nesse aposento — apontou Conan — num nicho no chão debaixo de um deus de cobre shemita. — Ele ala a verdade quanto a isso — disse Promero — Pensei que nem chegava a meia dúzia os homens que conheceriam o segredo desse esconderijo. — E depois de roubála — disse Dionus com um riso de desprezo — você realmente a levaria para o homem que o em pregou? Novamente os olhos ardentes aiscaram com ressentimen to. — Não sou um cachorro — murmurou o bárbaro — Man tenho minha palavra. — Quem o mandou aqui? — exigiu Demétrio, mas Conan se manteve num teimoso silêncio. Os guardas estavam voltando de sua busca. 107
— Não há ninguém escondido nessa casa — disseram — Vasculhamos tudo. Encontramos o alçapão no telhado pelo qual o bárbaro entrou e o parauso que ele cortou ao meio. Um ho mem que ugisse por aquele caminho teria sido visto pelos guar das, a não ser que ele tenha ugido antes que chegássemos. Além disso, ele teria que empilhar mobília para atingir o alçapão e isto não oi eito. Por que não poderia sair pela porta da rente antes que Arus desse a volta no ediício? — Porque — disse Demétrio —a porta estava travada por dentro, e as únicas chaves que abrem aquela trava, uma delas está com Arus e a outra ainda está pendurada no cinto de Kallian Pú blico. — Acho que vi uma corda que talvez tenha sido usada pelo assassino — disse outro. — No aposento pegado a este — respondeu o guarda — É um grosso cabo preto, enrolado num pilar de mármore. Não con segui alcançálo. Ele conduziu os outros para o aposento cheio de estátuas de mármore e apontou para a coluna alta. — Não está mais aí! — gritou, detendose espantado. — Ela nunca esteve aí— buou Dionus. — Por Mitra, estava sim! Enrolada ao redor do pilar acima daquelas olhas entalhadas. Estava tão escuro aí em cima que eu mal conseguia vêla, mas estava lá. — Você está bêbado — disse Demétrio, voltandose — É muito alto para um homem conseguir chegar até aí, e ninguém conseguiria subir por este pilar liso. — Um cimério conseguiria—murmurou um dos homens. — É possível. E se Comin estrangulou Kallian, amarrou o cabo ao redor do pilar, atravessou o corredor e se escondeu no aposento onde ca a escada, como então ele poderia ter retirado o cabo depois de você têlo visto? Ele esteve conosco desde que Arus encontrou o corpo. Não, eu lhe armo que Conan não co meteu o assassinato. Acredito que o verdadeiro assassino matou Kallian para apoderarse do que quer que estivesse na tijela e está 108
se escondendo agora em algum esconderijo secreto do emplo. Se não conseguirmos achálo, teremos de culpar o bárbaro para satisazer a justiça, mas, onde está Promer Promero? o? Eles voltaram até o lugar onde estava o cadáver, no cor redor. Dionus chamou Promero, que veio do aposento no qual estava a tijela vazia. Ele tremia e seu rosto estava lívido. — Que oi, homem? — exclamou Demétrio irritado. — Encontrei um símbolo no undo da tijela! — gaguejou Promero — Não é um hieróglio antigo; mas um símbolo que oi gravado recentemente! recentemente! A marca de TothAmon, o eiticeiro stí gio, inimigo mortal de Caranthes! C aranthes! Ele deve ter encontrado a tijela em alguma caverna sinistra debaixo das assombradas pirâmides! Os deuses dos empos Antigos não morriam como morrem os homens; eles caíam em sono proundo e seus adoradores os tran cavam em sarcóagos, para que nenhuma mão estranha pudesse perturbar seu sono! TothAmon mandou a morte para Caran thes, mas a cobiça de Kallian ez com que ele soltasse este horror, horror, e o deus está à espr espreita eita em algum lugar perto de nós. Agora mes mo ele pode estar rastejando para cima de nós... — Seu tolo gaguejante! — trovejou Dionus, dando uma orte boetada na boca de Promero — Bem, Demétrio — disse ele, voltandose para o inquisidor — não vejo nada que se possa azer a não ser prender o bárbaro... O cimério deu um grito, de olhos arregalados, voltados para a porta de um aposento contíguo contíguo à sala das estátuas. — Vejam! — exclamou ele — Vi algo se movendo naquela sala; vi através das cortinas. Algo que atravessou o chão como uma sombra escura. — Bah! — buou Posthumo — Nós investigamos aquela sala... — Ele viu alguma coisa! — berrou Promero com voz es tridente e histérica — Este lugar está amaldiçoado! Algo saiu do sarcóago e matou Kallian Público! Esta coisa se escondeu onde nenhum homem se esconderia, e agora espreita naquele aposen 109
to! Mitra que nos deenda dos poderes das trevas! — disse, agar rando a manga de Dionus — Investigue aquela sala de novo, meu senhor! Como o preeito sacudisse a garra renética do escrivão, Posthumo disse: — Você mesmo vai investigála, escrivão! — e, agarran do Promero pelo colarinho e pelo cinto, empurrou até a porta o pobre coitado que berrava, lançandoo para dentro da sala com tanta violência que o escrivão caiu e cou meio atordoado. atordoado. — Basta — grunhiu Dionus, tando o silencioso cimério. O preeito ergueu a mão, quando oi interrompido pela entrada de um guarda, arrastando uma gura delgada, ricament r icamentee vestida. — Eu o vi andando urtivamente atrás do emplo — disse o guarda, esperando por p or aprovação. aprovação. Em vez disso, recebeu maldi ções que zeram seus cabelos eriçarem. — Liberte esse senhor, seu tolo! — gritou o preeito — Você não conhece Aztrias Petanius, sobrinho do governador? O guarda, envergonhado, largou o cativo enquanto o jovem nobre esregava com cuidado sua manga bordada. — Guarde suas desculpas, meu bom Dionus — alou — udo pelo dever, eu sei. Eu estava voltando para casa de uma saí da tardia, caminhando para libertar meu cérebro dos vapores do vinho. Que temos aqui? Por Mitra, é um assassinato? — É um assassinato, meu senhor — respondeu o preei to — Mas temos um suspeito que, embora Demétrio pareça ter dúvidas sobre o assunto, com certeza irá para as galeras por isso. — Um bruto com aparência maléca—murmurou o jovem aris tocrata —. Como podem duvidar de sua culpa? Jamais vi uma sionomia tão maldosa. — Oh, sim, você viu, seu cão perumado — buou o cimé rio — quando você me empregou para roubar a taça zamoriana. Que noitada, noitada , heim? Você Você estava esperando espe rando nas sombras por mim, para eu lhe entregar o ruto do roubo. Eu não teria revelado seu nome se você alasse bem de mim. Agora conte para esses cães 110
que me viu escalando o muro depois que o guarda ez a sua últi ma ronda, assim eles saberão que não tive tempo para matar este porco gordo antes que Aras entrasse e encontrasse o corpo. Demétrio deu uma rápida olhada para Aztrias, que não mudou de cor. — Se o que ele diz or verdade, meu senhor — disse o in quisidor — isto o isenta da culpa e podemos abaar acilmente o assunto da tentativa de roubo. O cimério ganha dez anos de tra balhos orçados por invadir uma casa; mas, se você quiser, quiser, arran jaremos a uga dele e ninguém além de nós saberá disso. Entendo, Entendo, você não é o primeiro jovem nobre que teve de recorrer a estes meios para pagar dívidas de jogo e coisas assim, mas pode contar com a nossa descrição. descriç ão. Conan olhou esperançoso para o jovem nobre, nobre, mas Aztrias Aztri as encolheu seus magros ombros e cobriu um bocejo com a delicada mão branca. — Eu não o conheço — respondeu — Ele é um louco em dizer que eu o empreguei. Que receba o que merece. Ele tem cos tas ortes; o trabalho nas minas lhe ará bem. Conan, com os olhos em ogo, olhava como se tivesse sido picado.. Os guardas caram tensos, agarrando suas alabardas; em picado seguida relaxaram quando quando ele deixou cair a cabeça, como se esti vesse resignado. Arus não sabia se ele estava ou não observando os debaixo de suas pesadas pes adas sobrancelhas negras. O cimério investiu sem nenhum aviso como uma serpente dando o bote; sua espada reluzi reluziuu à luz das velas. Aztrias começou um grito que terminou quando sua cabeça rolou de seus ombros num jorro de sangue, seus traços paralisados numa branca más cara de terror. Demétrio puxou um punhal e adiantouse para golpear. Conan girou como um elino e investiu mortalmente nas entra nhas do inquisidor. O retraimento instintivo de Demétrio mal evitou a ponta, que aundou em sua coxa, bateu do osso e atraves sou sua perna. Demétrio caiu sobre um joelho com um gemido 111
de agonia. Conan não parou. A alabarda que Dionus ergueu salvou o crânio do preeito da lâmina sibilante, que se desviou levemente ao cortar a beirada da alabarda, errando o alvo dirigido para a cabeça e decepou a orelha direita do preeito. A velocidade eston teante do bárbaro paralisou a guarda. Metade deles estaria derru bada antes de ter a chance de se deender não osse o corpulento Posthumo que, mais por sorte do que por habilidade, jogou os braços ao redor do cimério, imobilizando o braço que segurava a espada. A mão esquerda de Conan arremeteuse contra a cabeça do guarda, e Posthumo caiu gritando, apertando a órbita verme lha gotejante onde antes havia um olho. Conan se deendia das alabardas que voavam ao seu redor. Com um pulo, saiu do meio da roda de seus inimigos e se postou onde Arus havia se agachado para rearmar sua besta. Um chute violento no ventre derrubou Arus, que cou com o rosto esver deado e ânsia de vômito, e o calcanhar da sandália de Conan es magou a boca do guarda. O pobre coitado gritou em meio a uma ruína de dentes despedaçados, o sangue jorrando de seus lábios esmagados. Em seguida, todos caram paralisados de horror por causa de um grito de sacudir a alma, que vinha do aposento no qual Posthumo tinha jogado Promero. O escrivão veio cambaleando pela porta e parou, sacudido por grandes soluços silenciosos; lá grimas escorriam por seu rosto enrugado e pingavam de seu lá bios trêmulos e moles; parecia um bebê idiota chorando. odos se detiveram espantados a olhar para ele — Conan, com sua espada gotejando, a polícia com suas alabardas erguidas, Demétrio agachado no chão e tentando estancar o sangue que es guichava da enorme erida em sua coxa, Dionus apertando o toco ensanguentado de sua orelha, Arus chorando e cuspindo pedaços de dentes quebrados — até Posthumo parou com seus uivos e pis cava com o olho bom. Promero cambaleou até o corredor e caiu diante deles, gritando em meio a uma insuportável gargalhada 112
aguda de loucura: — O deus tem um longo alcance; hahaha! Oh, um mal dito longo alcance! Em seguida, depois de uma convulsão aterradora, ele enri geceu com um sorriso vago nos lábios, os olhos xos no teto em sombras. — O homem está morto! — sussurrou Dionus pasmado, esquecendose de sua própria erida e do bárbaro que estava pa rado a seu lado com a espada gotejante. Ele se curvou sobre o corpo, em seguida se endireitou, com seus olhos de porco arre galados—Ele não está erido. Em nome de Mitra, o que é que tem naquele aposento? Então todos eles, tomados pelo terror, precipitaramse ber rando pela porta aora. Os guardas, largando suas alabardas, cor reram para a porta também, ormando um tumulto de empurrões e colisões. Aras os seguiu, e Posthumo oi tropeçando meio cego atrás deles, guinchando como um porco erido e implorandolhes que não o deixassem para trás. Ele caiu, oi chutado e pisotea do. Mesmo assim, rastejou atrás deles, seguido por Demétrio que mancava apertando sua coxa jorrando sangue. A guarda, o con dutor de carruagem, o guarda e os ociais, seja eridos, ou não, precipitaramse berrando para a rua, onde os homens que guar davam a casa oram tomados de pânico e se juntaram à uga, sem esperar para perguntar porquê. Conan cou sozinho no corredor, diante dos três cadáveres no chão. O bárbaro ajeitou a espada na mão e entrou no aposento. Dentro do aposento havia ricas tapeçarias de seda; almoadas e soás de seda estavam espalhadas numa prousão descuidada e, acima de um pesado painel dourado, um rosto tava o cimério. Conan tou maravilhado com a beleza ria, clássica daque le rosto, que não se parecia com nada que ele vira entre os lhos dos homens. Nem raqueza, nem misericórdia, nem crueldade, nem bondade, nenhuma emoção humana transparecia naqueles traços. Poderia ser a máscara de mármore de um deus, esculpida 113
pela mão de um mestre, a não ser pela presença inconundível de vida — vida ria e estranha, que o cimério jamais conhecera e que não podia entender. Passoulhe pela cabeça como seria o corpo escondido atrás do painel; devia ser pereito, ele pensou, pois o rosto era de uma beleza não humana. Mas ele conseguia ver apenas a cabeça bem moldada, que oscilava de uma lado a outro. Os lábios cheios se abriram e pro nunciaram uma única palavra, num tom rico e vibrante igual aos sinos de ouro que tocam nos templos de Kithai, perdidos na selva. Era uma língua desconhecida, esquecida antes que os reinos dos homens surgissem, mas Conan sabia o que signicava: — Venha! E o cimério se aproximou, com um salto desesperado e um corte sibilante de sua espada. A bela cabeça voou do corpo, bateu no chão de um lado do painel, e rolou um pouco antes de parar. Então a pele de Conan se arrepiou, pois o painel estreme ceu com as convulsões de algo que estava atrás. Ele já havia visto e ouvido muitos homens morrendo, e jamais havia ouvido um ser humano emitir sons assim em seus estertores de morte. Havia um ruído de bater e se arrastar. O painel tremeu, balançou, inclinou se para a rente e caiu aos pés de Conan com um estrondo me tálico. Então todo o terror daquilo que estava atrás do painel aco meteu o cimério. Ele ugiu, sem diminuir a corrida até que as tor res de Numália desaparecessem na aurora atrás dele. Pensar em Set era como um pesadelo, assim como pensar nos Filhos de Set que outrora reinavam na erra e que agora dormiam nas caver nas soturnas debaixo das negras pirâmides. Atrás daquele painel dourado não havia um corpo humano — somente os brilhantes anéis sem cabeça de uma serpente gigantesca.
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Vingança
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“Um fugiu, outro morreu e outro está dormindo numa cama de ouro”
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Ditado Ango
Durante uma esta da corte, Nabonidus, o Sacerdote Ver melho, que era o verdadeiro soberano da cidade, tocou educada mente o braço de Murilo, o jovem aristocrata. Murilo voltouse e se deparou como olhar enigmático do sacerdote, tentando desco brir o seu signicado oculto. Nenhuma palavra oi pronunciada entre eles, mas Nabonidus ez uma reverência e entregou a Muri lo um pequeno core de ouro. O jovem nobre, sabendo que Nabo nidus não azia nada sem ter uma razão para isso, pediu para ser dispensado na primeira oportunidade e voltou apressadamente para o seu aposento. Abrindo o core, encontrou dentro dele uma orelha humana, que logo reconheceu por causa de uma cicatriz característica. Começou a suar prousamente e não teve mais dú vidas quanto ao signicado do olhar do Sacerdote Vermelho. Murilo,entretanto, apesar de seus perumados cabelos en caracolados e de suas vestes aetadas, não era nenhum raco para entregar o pescoço à aca sem lutar. Ele não sabia se Nabonidus estava apenas brincando com ele ou se estava lhe dando uma chance de partir para o exílio voluntário, mas o ato de que ainda estava vivo e em liberdade provava que lhe eram dadas pelo me nos algumas horas, provavelmente para meditar. Entretanto, não 117
precisava meditar para tomar uma decisão; precisava era de uma erramenta. E o Destino lhe ornecia essa erramenta que, naque les momentos em que o jovem nobre tremia e ponderava na parte da cidade ocupada pelos palácios e torres de mármore roxo e de marm da aristocracia, estava trabalhando entre as espeluncas e os bordéis dos bairros paupérrimos. Havia um sacerdote de Anu, cujo templo, que se erguia nos arredores do bairro das avelas, era cenário de outras coisas além de devoção. O sacerdote, um homem gordo e bem alimentado, era ao mesmo tempo um receptador de artigos roubados e um inormante da polícia. Fazia um comércio vantajoso de ambos os lados, pois o distrito no qual atuava era o Labirinto, um emara nhado de ruelas lamacentas e sinuosas, de espeluncas sórdidas, requentadas pelos ladrões mais ousados do reino. Os mais intré pidos de todos eram um gunderman, desertor dos mercenários e um cimério bárbaro. Por causa do sacerdote de Anu, o gunder man ora detido e enorcado na praça do mercado. Mas o cimério ugira e, descobrindo por caminhos tortos a traição do sacerdote, entrou à noite no templo de Anu e decepoulhe a cabeça. Seguiu se um grande tumulto na cidade, mas a busca do assassino oi in rutíera até que uma mulher o entregou às autoridades, levando um capitão da guarda e seu esquadrão ao quarto escondido onde o bárbaro jazia embriagado. Despertando meio tonto mas eroz quando o apanharam, ele arrancou as entranhas do capitão, arremeteuse no meio dos assaltantes e teria escapado não osse o álcool que ainda nublava seus sentidos. Conuso e meio cego, ele não acertou a porta ao ugir e bateu a cabeça na parede de pedra com tanta intensidade que caiu sem sentidos. Quando voltou a si, estava no calabouço mais orticado da cidade, acorrentado à parede com correntes que nem seus músculos de bárbaro seriam capazes de romper. Murilo oi até a sua cela, mascarado e envolto num gran de manto negro. O cimério examinouo com interesse, pensando 118
que era o executor enviado para despachálo. Murilo o observava com interesse igual. Mesmo na penumbra do calabouço, estando o homem carregado de correntes, seu poder primitivo era evi dente. Seu corpo poderoso e músculos grossos combinavam a orça de um urso pardo com a rapidez de uma pantera. Sob seus negros cabelos emaranhados, os olhos azuis brilhavam com sel vageria insegotável. — Você gostaria de continuar vivo? — perguntou Murilo. O bárbaro grunhiu, com um brilho de interesse nos olhos. — Se eu arranjasse sua uga, você me aria um avor?— perguntou o aristocrata. O cimério não alou, mas a intensidade de seu olhar res pondeu por ele. — Quero que você mate um homem para mim. — Quem? — Nabonidus, o Sacerdote Vermelho! — sussurrou Murilo. O cimério não mostrou sinal de surpresa nem de pertur bação. Ele não tinha nada do temor ou da reverência pela autori dade que a civilização inspira nos homens. Seja rei, seja mendigo, todos eram iguais para ele. ampouco perguntou por que Murilo havia procurado justamente a ele, considerando que os bairros estavam cheios de assassinos ora da prisão. — Quando vou ugir? — exigiu ele. — Dentro da próxima hora. À noite, há apenas um guarda nesta parte do calabouço. Ele pode ser comprado; na verdade, já oi comprado. Veja, aqui está a chave das suas correntes. Vou tirálas e, passada uma hora depois que eu tiver partido, o guarda Athicus vai destrancar a porta da sua cela. Você deve amarrálo com tiras de sua túnica; para que, quando ele or encontrado, as autoridades pensem que você oi salvo de ora e não suspeitem dele. Vá imediatamente à casa do Sacerdote Vermelho e mateo. Em seguida vá até a taverna Covil do Rato, onde um homem lhe dará um saco de ouro e um cavalo. Com isso você pode ugir da cidade e deixar o país. 119
— ire já estas malditas correntes — exigiu o cimério — e mande o guarda trazer comida. Por Crom, passei o dia inteiro a pão embolorado e água e estou aminto. — Assim será eito; mas lembrese, você não deve ugir an tes que eu tenha tempo para chegar à minha casa. Livre das correntes, o bárbaro se pôs de pé e esticou seus pesados braços, que pareciam enormes na penumbra do calabou ço. Murilo percebeu novamente que, se havia alguém no mundo capaz de cumprir a tarea dada por ele, este homem era o cimé rio. Repetindo algumas instruções, ele saiu da prisão, sem antes orientar Athicus para levar um prato de carne e uma cerveja para o prisioneiro. Sabia que podia conar no guarda, não só por causa do dinheiro que lhe havia pago, mas também por causa de deter minada inormação que ele tinha sobre o homem. Quando voltou para seu quarto, Murilo já não tinha re ceios. Nabonidus atacaria através do rei, disso ele tinha certeza. E como os guardas reais não estavam batendo em sua porta, era certo também que o sacerdote ainda não tinha dito nada ao rei. Sem dúvida alguma, alaria no dia seguinte, isso se estivesse vivo no dia seguinte. Murilo acreditava que o cimério iria manter sua palavra. Se o homem seria capaz de cumprir seu objetivo, só o uturo di ria. Muitos já haviam tentando assassinar o Sacerdote Vermelho antes, e morreram de maneiras abomináveis e terríveis. Mas esses haviam sido produto das cidades dos homens, a quem altavam os instintos de lobo do bárbaro. No instante em que Murilo, revi rando nas mãos o core de ouro com a orelha decepada, soube pe los canais secretos que o cimério havia sido capturado, vira uma solução para o seu problema. Murilo ergueu um brinde ao homem cujo nome era Conan e ao seu sucesso naquela noite. E enquanto estava bebendo, um dos espiões lhe trouxe a notícia de que Athicus havia sido preso e jogado na prisão. O cimério não havia ugido. Murilo sentiu seu sangue gelar de novo. Via nesta volta do 120
destino apenas a mão sinistra de Nabonidus, e uma sensação u nesta começou a crescer dentro dele: o Sacerdote Vermelho era mais do que humano, era um eiticeiro que lia as mentes de suas vítimas e puxava os cordões azendoas dançar como marione tes. Junto com o desespero veio o pânico. Ocultando uma espada debaixo de seu manto negro, Murilo saiu de sua casa por um ca minho secreto e se precipitou pelas ruas desertas. Era meianoite quando chegou à casa de Nabonidus, sinistra entre os jardins mu rados que a separavam das propriedades ao redor. O muro era alto mas não intransponível. Nabonidus não conava em simples barreiras de pedra. Era o que havia do lado de dentro do muro que devia ser temido; mas Murilo não sabia exatamente o que era. Sabia sim que havia um enorme cão selva gem que andava pelo jardim e, numa ocasião, despedaçara um invasor como se o coitado osse um coelho. Nem ousava imaginar o que mais poderia haver ali. As pessoas que oram convidadas a entrar na casa para tratar de assuntos breves e legítimos, relata vam que Nabonidus morava num ambiente ricamente decorado, mas levava uma vida simples, servido por um número surpreen dentemente pequeno de criados. De ato, eles disseram ter visto apenas um deles, um homem alto, silencioso, chamado Joka. Ou tra pessoa, presumivelmente um escravo, oi ouvida se mover na parte de trás da casa, mas nunca oi vista por ninguém. O maior mistério dessa casa tenebrosa era o próprio Nabonidus, cujo po der de intriga e manejo da política internacional transormaram no no homem mais poderoso do reino. O povo, o chanceler e o rei se moviam como antoches em suas mãos. Murilo escalou o muro e caiu no jardim envolto em som bras, escurecido por aglomerados de arbustos e olhagem. Nenhu ma luz iluminava as janelas da casa, que apareciam sinistramente escuras entre as árvores. O jovem nobre esgueirouse urtiva mas rapidamente entre os arbustos. Duvidava da eciência de sua es pada contra um ataque, mas não hesitou. anto azia morrer sob as presas de um animal ou sob o machado do carrasco. 121
Ele tropeçou em algo volumoso e macio. Agachandose, viu na luz raca que era o cão que guardava o jardim, morto. Seu pescoço estava quebrado e trazia marcas de presas enormes. Mu rilo percebeu que nenhum ser humano poderia ter eito isto. O animal havia se deparado com um monstro mais violento do que ele. Murilo olhou nervoso para as massas dos arbustos e do mato; em seguida, com um dar de ombros, aproximouse da casa silen ciosa. A primeira porta que tentou abrir estava destrancada. En trou devagar, com a espada na mão, e se encontrou num compri do corredor iluminado apenas por uma luz que vinha do outro lado das cortinas. Um silêncio total envolvia a casa toda. Murilo deslizou ao longo do corredor e se deteve para espiar pela corti na. Viu um aposento iluminado, cujas janelas estavam tapadas completamente por cortinas de veludo, que não deixavam passar nenhum raio de luz. O aposento estava vazio, pelo menos não havia nenhum ser humano vivo, mas tinha um ocupante maca bro, apesar de tudo. No meio de escombros de mobília e corti nas rasgadas, que indicavam ter havido uma luta terrível, jazia o cadáver de um homem. Estava deitado de bruços, mas a cabeça estava torcida de maneira que o queixo chegava atrás do ombro. Os traços, contorcidos num ricto assombroso, pareciam rir do nobre aterrorizado. Pela primeira vez naquela noite, a resolução de Murilo oi abalada. Ele lançou um olhar inseguro para o caminho pelo qual havia vindo. Então a lembrança do machado e do bloco do car rasco o ortaleceram, e ele atravessou o aposento, tentando evi tar olhar para o terror sorridente estendido no centro. Embora nunca tivesse visto o homem antes, sabia pelas descrições que era Joka, o triste empregado de Nabonidus. Murilo espiou pela porta coberta por cortinas e viu um grande aposento circular, circundado por uma galeria a meio caminho entre o chão polido e o teto alto. Este aposento estava mobiliado como se osse para um rei. No meio havia uma mesa 122
de mogno decorada, cheia de jarros de vinho e ricas iguarias. E Murilo enrijeceu. Uma gura cujas características lhe eram co nhecidas estava sentada numa enorme cadeira de encosto largo, voltada para ele. Viu um braço com manga vermelha pousado sobre o braço da cadeira; a cabeça, vestida com o gorro vermelho da túnica, estava inclinada para a rente como se estivesse medi tando. Foi exatamente assim que Murilo havia visto centenas de vezes Nabonidus sentado na corte real. Praguejando e com o coração acelerado, o jovem nobre esgueirouse pelo aposento com a espada estendida e preparado para o golpe. A presa não se moveu, nem parecia ouvilo. O Sa cerdote Real estaria dormindo, ou era um cadáver esparramado naquela enorme cadeira? De repente, quando estava apenas a um passo do inimigo, o homem se levantou da cadeira e o enrentou. O sangue imediatamente sumiu do rosto de Murilo. A es pada caiu no chão com um tinido. Um grito terrível escapou de seus lábios lívidos, seguido pelo baque da queda de um corpo. Então, mais uma vez o silêncio reinou na casa do Sacerdote Ver melho.
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2 Pouco depois de Murilo ter saído do calabouço onde Co nan, o cimério, estava preso, Athicus trouxe para o prisioneiro uma bandeja de comida que incluía, entre outras coisas, um enor me pedaço de carne e um caneco de cerveja. Conan atirouse à comida com voracidade, e Athicus ez uma última ronda pelas celas, vericando se tudo estava em ordem e que ninguém teste munharia a simulada invasão da prisão. Foi enquanto estava ocu pado com isso que um esquadrão de guarda marchou para dentro da prisão e o prendeu. Murilo havia se enganado ao presumir que alguém da prisão descobriu o plano de uga de Conan. ratavase de outro assunto; Athicus havia se tornado descuidado em suas relações com o submundo e um de seus pecados passados o havia alcançado. Outro carcereiro tomou seu lugar, uma criatura conável e parva, cujo senso de dever nenhum suborno poderia abalar. Ele era limitado, mas tinha uma idéia elevada da importância de seu trabalho. Depois de Athicus ter sido levado para ser ormalmente condenado perante um juiz, este carcereiro ez a ronda pelas ce las, por rotina. Quando passou pela de Conan, cou chocado e 124
despeitado ao ver o prisioneiro livre das correntes e no ato de arrancar com os dentes as últimas atias de carne de um enorme osso. O carcereiro cou tão perturbado que cometeu o erro de entrar sozinho na cela, sem chamar os outros guardas. Este oi seu primeiro erro no cumprimento do dever e, digase de passa gem, o último. Conan rachoulhe cabeça com o osso, tomoulhe o punhal e as chaves e saiu despreocupado. Como Murilo havia dito, apenas um guarda estava a postos ali naquela noite. O cimé rio saiu dos muros usando as chaves que havia tomado e viuse ao ar livre, tão livre como se o plano de Murilo tivesse tido sucesso. Escondido pela sombra dos muros da prisão, Conan parou para decidir a seguinte etapa de ação. Ocorreulhe que, já que havia ugido com os seus próprios recursos, nada devia a Mu rilo; mas ora o jovem nobre que havia tirado suas correntes e lhe mandara a comida, sem o que sua uga teria sido impossível. Conan decidiu que estava em dívida para com Murilo e, já que era um homem que sempre acabava cumprindo suas obrigações, iria cumprir a promessa eita ao jovem aristocrata. Mas primeiro tinha de cuidar de um assunto seu. O cimério jogou ora sua túnica rasgada e caminhou pela noite vestido apenas com uma tanga. Apalpou o punhal que ha via pego — uma arma mortal com uma larga lâmina de dois gu mes, de meio metro de comprimento. Esgueirouse pelas ruelas e praças sombrias até chegar ao bairro de seu destino — o La birinto. Caminhava com desenvoltura pelos caminhos conheci dos. De ato era um labirinto de ruelas negras, pátios echados e trilhas enganadoras, cheias de sons abaados e de mau cheiro. As ruas não estavam pavimentadas; lama e lixo se misturavam numa combinação asquerosa. Não se conhecia o esgoto; o lixo era empilhado nas ruelas ormando montes e poças étidas. Se não andasse com cuidado, poderia perder o equilíbrio e cair nes sas poças imundas, cando enterrado até a cintura. Não era nada incomum tropeçar num cadáver com a garganta cortada ou com um crânio endido, caído na lama. As pessoas decentes tinham 125
boas razões para evitar o Labirinto. Conan alcançou seu destino sem ser visto, no momento em que a pessoa que ansiava por encontrar estava saindo. Quando o cimério enouse no pátio acima, a moça que o entregou para a polícia estava se despedindo de seu novo amante num quarto no andar superior. Depois que a porta se echou atrás dele, este jo vem ruão se pôs a descer a escada que rangia a cada passo, tate ando o caminho, imerso em seus próprios pensamentos que, as sim como os da maioria dos requentadores do Labirinto, tinham a ver com o roubo de alguma propriedade. A meio caminho, ele parou com os cabelos eriçados. Um vulto estava agachado diante dele na escuridão, um par de olhos ardiam como os de um animal espreitando a sua presa. Um rosnar animalesco oi a última coisa que ele ouviu na vida, pois o monstro investiu contra ele e uma lâmina aada atravessou seu ventre. Emitindo um grito engasga do, caiu rolando pela escada. O bárbaro andou à sua volta por alguns instantes como um deus, com os olhos queimando na penumbra. Sabia que as pessoas ouviram o ruído, mas os habitantes do Labirinto eram prudentes o bastante para não se meterem em assuntos alheios. Um grito de morte nas escadas sombrias não era nada incomum. Mais tarde, alguém iria se aventurar a investigar, mas só depois de um razoável lapso de tempo, quando já sabiam que o perigo não existia mais. Conan subiu a escada e parou na rente da porta que co nhecia há muito tempo. Estava echada por dentro, mas sua lâmi na passou entre a porta e o trinco e levantou a trave. Ele entrou, echando a porta atrás de si, e se derontou com a moça que o entregara à polícia. A prostituta estava sentada na cama desarrumada, de ca misola, com as pernas cruzadas. Ela empalideceu e arregalou os olhos como se estivesse olhando para um antasma. inha ouvido o grito nas escadas e viu a mancha vermelha no punhal que ele segurava na mão. Mas estava apavorada demais com sua própria 126
sorte para perder tempo lamentando o evidente destino de seu amante, e começou a implorar por sua vida. Conan não respon deu; limitouse a tála com seus olhos chamejantes, testando a ponta de seu punhal com o polegar calejado. Finalmente atravessou o quarto, enquanto ela se encolhia contra a parede, soluçando súplicas renéticas por misericórdia. Agarrandoa rudemente pelos louros cachos, ele a arrastou para ora da cama. Enando o punhal na bainha, levantou sob o bra ço esquerdo sua cativa que gritava sem parar e oi até a janela. Havia uma espécie de laje que circundava cada andar, à altura das janelas. Conan chutou a janela e pisou nessa beirada estreita. Se alguém estivesse por perto ou acordado, teria testemunhado a visão bizarra de um homem se movendo cuidadosamente ao lon go do beiral, carregando debaixo do braço uma prostituta semi nua que se debatia. A moça não conseguia entender o que estava acontecendo. Ao alcançar o lugar procurado, Conan parou, agarrando se à parede com a mão livre. Nesse instante, um súbito clamor de vozes ergueuse dentro do ediício, mostrando que o corpo havia sido descoberto. Sua cativa soluçava e se debatia, repetindo as sú plicas. Conan olhou para a lama das ruelas embaixo, detendose um pouco para ouvir o barulho que vinha de dentro e as súplicas da prostituta; em seguida, ele a deixou cair exatamente dentro de um monte de lixo. Durante alguns segundos cou se deliciando vendoa chutar e se debater, observando o veneno concentrado de sua vulgaridade, e até se permitiu uma gargalhada. Em segui da, ergueu a cabeça e, ouvindo o tumulto crescente dentro do edi ício, decidiu que era hora de matar Nabonidus.
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3 Foi um tilintar de metal que acordou Murilo. Estava ator doado e, gemendo, procurou se sentar. udo era silêncio e es curidão ao seu redor e, por um instante, pensou apavorado que havia cado cego. Então se lembrou do que havia acontecido, e um arrepio percorreulhe o corpo inteiro. ateando, descobriu que estava deitado sobre um chão de lajes de pedra. Continuando a tatear no escuro, descobriu uma parede do mesmo material e, apoiandose nela, conseguiu se pôr de pé. Não havia dúvidas de que estava numa espécie de prisão, mas lhe era impossível adi vinhar onde e há quanto tempo. Lembravase vagamente de um estrondo e se perguntava se teria sido a porta de erro de seu ca labouço que se echara atrás dele ou se ora o anúncio da entrada do carrasco. Esse pensamento o ez tremer da cabeça aos pés e recome çar a tatear à procura de uma saída, mas depois de algum tempo chegou à conclusão de que estava andando por um corredor. Per maneceu grudado na parede, receoso de encontrar ossas e ou tras armadilhas, e deuse conta de que havia alguma coisa oculta pelas trevas. Seus ouvidos captaram um som urtivo, ele parou sobressaltado, com os cabelos eriçados; certo como ainda estava 128
vivo, sentia agora diante dele a presença de alguma criatura viva agachada na escuridão. Achou que seu coração iria parar, quando uma voz sibilou com um sotaque bárbaro: — Murilo! É você? — Conan! — exclamou o jovem nobre enraquecido pela reação e, tateando no escuro, suas mãos encontraram um par de enormes ombros nus. — Sorte que eu o reconheci — disse o bárbaro — Estava prestes a urálo como um porco engordado. — Onde estamos, em nome de Mitra? — Nos subterrâneos da casa do Sacerdote Vermelho; mas por que ... — Que horas são? — Não passa muito da meianoite. Murilo sacudiu a cabeça, tentando reunir seus pensamen tos. — O que você está azendo aqui? — perguntou o cimério. —Vim com a intenção de matar Nabonidus. Soube que eles haviam trocado o guarda na sua prisão... — Sim, de ato eles trocaram — rosnou Conan — Rachei a cabeça do novo carcereiro e saí. Estaria aqui horas atrás, mas tive um assunto particular para resolver. Bem, vamos caçar Na bonidus? Murilo estremeceu. — Conan, estamos na casa do arquiinimigo! Vim atrás de um inimigo humano; encontrei um demônio cabeludo do iner no! Conan grunhiu tomado pela dúvida; destemido como um tigre erido quando derontado com inimigos humanos, ele tinha todos os temores supersticiosos de um homem primitivo. — Consegui entrar na casa — sussurrou Murilo, como se a escuridão estivesse cheia de ouvidos — Encontrei morto no jar dim o cachorro de Nabonidus. Dentro da casa depareime com 129
Joka, o empregado, com o pescoço quebrado. Então vi o próprio Nabonidus sentado em sua cadeira, vestido como sempre. Pri meiro pensei que ele também estivesse morto e me aproximei urtivamente para apunhalálo, quando ele se levantou e me en rentou. Deuses! A lembrança daquele horror deixou momentaneamente mudo o jovem nobre, revivendo aquele espantoso momento. — Conan — sussurrou ele — quem estava em pé na minha rente não era um ser humano! Nem seu corpo nem sua postura eram humanos; debaixo do capuz escarlate do sacerdote sorria um rosto de loucura e pesadelo! Esse rosto estava coberto de pê los negros, com dois olhinhos vermelhos de porco; o nariz era achatado, com grandes narinas dilatadas; os lábios moles se do bravam para trás, revelando enormes presas amarelas, iguais aos dentes de cachorro. As mãos que pendiam das mangas vermelhas eram disormes e também cobertas por pêlos negros. Vi tudo isso num relance, então ui tomado pelo pânico e caí desmaiado. — E então? — murmurou o cimério irrequieto. — Recobrei a consciência pouco tempo atrás; o monstro deve ter me jogado nos subterrâneos. Sempre suspeitei que Na bonidus não era totalmente humano! Ele é um demônio — um lobisomem! De dia ele anda no meio dos homens disarçado de ser humano e de noite retoma sua verdadeira aparência. — Isto é evidente — respondeu Conan — odos sabem que existem homens que se transormam em lobos quando que rem. Mas por que ele matou seus empregados? — Quem consegue entender a mente de um demônio? — disse Murilo — Nosso interresse no momento é sair deste lugar. Armas humanas não podem machucar um lobisomem. Como você conseguiu chegar até aqui? — Pelo esgoto. Eu contava com que os jardins estivessem sendo vigiados. Os esgotos se juntam com um túnel que sai nes se subterrâneo. Pensei em achar alguma porta destrancada para entrar na casa. 130
— Então vamos ugir por onde você entrou! — exclamou Murilo — Para os diabos com isto! Uma vez ora deste ninho de cobra, vamos tentar a sorte com os guardas do rei e arriscar uma uga da cidade. Vá na rente! — É inútil — retrucou o cimério—A saída para os esgotos está barrada. Quando entrei no túnel, uma grade de erro desa bou do telhado. Se eu não me movesse mais rápido do que um relâmpago, as pontas teriam me pregado ao chão como a um ver me. entei erguêla mas não consegui. Nem um eleante conse guiria tirála do lugar e só um coelho passaria entre as barras. Murilo praguejou, sentindo uma mão gelada passando por sua espinha. Ele deveria ter adivinhado que Nabonidus não dei xaria desprotegida nenhuma entrada para sua casa. Se Conan não possuísse a rapidez igual a uma mola de aço, aquele pórtico iria cortálo ao meio ao cair. Sem dúvida, quando Conan caminhou pelo túnel, acionou algum gatilho oculto que soltou a grade do telhado. A realidade era que ambos estavam enterrados vivos. — Há apenas uma coisa a azer — disse Murilo, suando prousamente — É procurar uma outra saída; sem dúvida, todas elas estão protegidas por armadilhas, mas não temos outra esco lha. O bárbaro concordou grunhindo e os companheiros se puseram a tatear pelo corredor às escuras. Nesse momento, algo ocorreu a Murilo. — Como é que você me reconheceu nas trevas? — pergun tou. — Senti o cheiro do perume que você usava nos cabelos quando veio à minha cela — respondeu Conan —. Senti o mesmo perume, quando estava agachado no escuro e me preparando para despedaçálo. Murilo aproximou do nariz uma mecha de seu cabelo; mesmo assim mal conseguia sentir o cheiro com seus sentidos civilizados e percebeu quão aguçados deveriam ser os órgãos do bárbaro. 131
Instintivamente, Conan tocou a bainha da espada e pra guejou ao encontrála vazia. No mesmo instante, uma pálida luz apareceu na sua rente, e eles chegaram a uma curva do corredor onde a luz se reetia cinzenta. Os dois espiaram por detrás da es quina e Murilo, apoiandose no companheiro, sentiu sua enorme estatura enrijecer. O jovem nobre também havia visto aquilo — o corpo seminu de um homem, jogado no corredor depois da cur va, vagamente iluminado por uma luminosidade que parecia irra diar do grande disco de prata pendurado na parede mais adiante. Uma estranha amiliaridade em relação à gura deitada de bru ços agitou Murilo com inexplicáveis e monstruosas conjeturas. Impelindo o cimério para que o acompanhasse, ele se esgueirou até o corpo e se inclinou sobre ele. Vencendo certa repugnância, agarrouo e virouo de costas. Uma exclamação de incredulidade escapou de sua boca; o cimério deu um grunhido explosivo. — Nabonídus! O Sacerdote Vermelho! — exclamou Muri lo, com seu cérebro num vórtex estonteante de espanto — Então quem... o quê...? O sacerdote deu um gemido e se mexeu. Com uma rapidez elina, Conan se curvou sobre ele apontado o punhal para o cora ção do sacerdote. Murilo agarrou o seu pulso. — Espere! Não o mate ainda... — Por que não? — inquiriu o cimério — Ele abandonou sua orma de lobisomem e está adormecido. Você quer acordálo para que ele nos despedace? — Não, espere! — insistiu Murilo, tentando reunir suas idéias conusas — Veja! Ele não está dormindo — vê esse hema toma na sua têmpora barbeada? Recebeu um golpe que o deixou sem sentidos. Pode estar deitado aqui há horas. — Pensei que você jurou têlo visto na orma de um animal no andar de cima da casa — disse Conan. —Eu vi! Ou então... ele está voltando a si! Aaste sua lâ mina, Conan; há aqui um mistério ainda mais sinistro do que eu pensei. enho de alar com este sacerdote antes que o matemos. 132
Nabonídus ergueu a mão vacilante até a sua têmpora e rida, balbuciou alguma coisa e abriu os olhos. Por um instante, seus olhos permaneceram vazios e sem inteligência; em seguida, a vida lhes voltou com uma sacudidela e o sacerdote se sentou, olhando arregalado para os dois companheiros. Por mais terrível que tivesse sido o baque que aturdira temporariamente seu cére bro aguçado, este voltara a uncionar com o poder de costume. Seu olhar perscrutou rapidamente o espaço ao seu redor, em se guida parou no rosto de Murilo. — Você honra minha pobre casa, jovem senhor — riu ele riamente, olhando para a enorme gura atrás do jovem nobre — Vejo que trouxe um destemido. Sua espada não era suciente para tirar a vida de minha humilde pessoa? — Basta — retorquiu Murilo impaciente — Quanto tempo você cou deitado aqui? — É uma estranha pergunta a se azer para um homem que acaba de recuperar os sentidos — respondeu o sacerdote — Não sei que horas são agora. Mas altava mais ou menos uma hora para a meianoite quando ui atacado. — Então quem é aquele que está no andar de cima da casa, vestido com sua túnica? — exigiu Murilo. — Aquele deve ser Tak — respondeu Nabonidus, apal pando pesaroso suas eridas — Sim, deve ser Tak. E vestido com a minha túnica? Que cachorro! Conan, que não estava compreendendo nada, mexeuse impaciente, e resmungou alguma coisa em sua própria língua. Nabonidus olhou para ele com ar espantado. — A aca do seu arruaceiro busca meu coração, Murilo — disse ele — Pensei que você seria mais esperto e aceitasse o meu conselho de sair da cidade. — Como podia saber o que me esperava? — retrucou Mu rilo — De qualquer maneira, meus interesses estão aqui., —Você está em boa companhia com esse cortador de pescoços — mur murou Nabonidus — Já há algum tempo que venho suspeitando 133
de você. É por isso que z desaparecer aquele obscuro secretário da corte. Antes de morrer, ele me contou muitas coisas, entre ou tras, o nome do jovem nobre que lhe dava propinas para surrupiar segredos de Estado, os quais o nobre vendia para potências rivais. Não se envergonha disso, Murilo, seu ladrão de mãos brancas? — Não tenho mais motivos para me sentir envergonhado do que você, seu trapaceiro de coração de corvo — respondeu Murilo rapidamente — Você explora um reino inteiro para seu próprio beneício; e, sob o disarce de desinteressada dedicação ao Estado, você engana o rei, empobrece os ricos, oprime os po bres e sacrica o uturo inteiro da nação por sua ambição impie dosa. Você não passa de um porco gordo com o ocinho enado na sarjeta. Você é mais ladrão do que eu. De nós três, este cimério é o homem mais honesto, porque ele rouba e mata abertamente. — Bem, então, todos nós somos embusteiros — concordou Nabonidus — e agora? E quanto à minha vida? — Quando vi a orelha do secretário desaparecido, sabia que estava liquidado — disse Murilo bruscamente — e acredito que você invocaria a autoridade do rei. Não estou certo? — Exatamente — respondeu o sacerdote — É ácil liquidar um secretário da corte, mas você é importante demais. Pretendia dizer ao rei um gracejo sobre você, na manhã seguinte. — Um gracejo que teria custado minha cabeça — mur murou Murilo — Então o rei não sabe de meus negócios com o exterior? —Ainda não — suspirou Nabonidus — E agora, já que vejo que seu companheiro tem uma aca, temo que esse gracejo nunca será dito. — Você deve saber como sair desses ninhos de ratos — dis se Murilo — Suponhamos que eu concorde em poupar sua vida. Está disposto a nos ajudar a ugir e a jurar manter silêncio sobre meus atos? — Desde quando um sacerdote manteve um juramento? — queixouse Conan, entendendo o rumo da conversa — Deixe 134
me cortar o pescoço dele; quero ver de que cor é o seu sangue. Dizem no Labirinto que o seu coração é negro, então o sangue deve ser negro também... — Fique quieto — sussurrou Murilo — Se ele não nos mostrar a saída desses subterrâneos, podemos apodrecer aqui. Bem, Nabonidus, que me diz? — O que pode dizer um lobo com a perna presa na arma dilha? — riu o sacerdote — Estou em seu poder e, se quisermos escapar, devemos nos ajudar mutuamente. Juro que se eu sobrevi ver a esta aventura, vou esquecer todas os seus negócios excusos. Juro pela alma de Mitra! — Estou satiseito — murmurou Murilo — Até o Sacerdo te Vermelho não ousaria quebrar este juramento. Agora, como vamos sair daqui? Este meu amigo entrou pelo túnel, mas uma grade caiu depois que ele passou e bloqueou a passagem. Você pode erguêla? — Não destes subterrâneos — respondeu o sacerdote — A alavanca de controle ca no aposento acima do túnel. Existe ape nas mais uma saída, que vou mostrar para vocês. Mas, digame, como é que você chegou aqui? Murilo contoulhe resumidamente e Nabonidus, azendo sinal com a cabeça, levantouse empertigado. Mancando pelo corredor que se abria para uma grande sala, oi em direção do disco de prata que estava do outro lado. A luz aumentava conor me avançavam, embora não passasse de uma tênue luminosidade cheia de sombras. Chegando perto do disco, eles viram uma esca da estreita que levava para o andar de cima. — Essa é a outra saída— disse Nabonidus — E duvido muito que a porta no nal da escada esteja trancada. Mas acho que aquele que quiser atravessar aquela porta é melhor que corte primeiro sua própria garganta. Olhe para dentro do disco. Aquilo que parecera uma placa de prata era, na realidade, um enorme espelho encaixado na parede. Um sistema conuso de tubos de cobre saía da parede acima dele, curvandose em ângu 135
los retos em direção do disco. Olhando para dentro deste tubos, Murilo viu um conjunto estonteante de espelhos menores. Vol tando sua atenção para o espelho maior na parede, soltou uma exclamação de espanto. Espiando por cima de seu ombro, Conan grunhiu. Eles pareciam estar olhando através de uma grande janela para dentro de um aposento bem iluminado. Havia espelhos so bre as paredes, com cortinas de veludo entre eles; havia soás de seda, cadeiras de ébano e mármore e passagens com cortinas que levavam para ora do aposento. E diante de uma das portas que não tinha cortina, estava sentado um negro objeto volumoso que contrastava grotescamente com a riqueza do aposento. Murilo sentiu o sangue novamente gelar nas veias ao olhar para o horror que parecia estar tandoo diretamente nos olhos. Recuou involuntariamente enquanto Conan estendia o pescoço truculento, até seu queixo quase tocar a superície do espelho, grunhindo alguma ameaça ou desao em sua própria língua bar bárica. — Em nome de Mitra, Nabonidus — arou Murilo, abala do — que é aquilo? — É Tak — respondeu o sacerdote, acariciando sua têm pora erida—Alguns o chamariam de gorila, mas ele é quase tão dierente de um verdadeiro macaco quanto é dierente de um verdadeiro homem. Seu povo mora no Leste distante, nas mon tanhas que ladeiam as ronteiras orientais de Zamora. Não há muitos deles; mas, se não orem exterminados, acredito que se transormarão em seres humanos em talvez, cem mil anos. Estão no estágio de ormação; não são nem macacos, como os seus an cestrais remotos, nem seres humanos, como seus descendentes remotos poderão ser. Moram nas encostas altas de montanhas bem inacessíveis, sem conhecer nada do ogo nem da abricação de abrigos ou de vestimentas, nem do uso de armas. No entanto, alam uma espécie de língua que consiste principalmente de gru nhidos e estalos de língua. 136
“Peguei Tak quando ainda era um lhote, e ele aprendeu o que lhe ensinei muito mais rápido e melhor do que qualquer animal de verdade o aria. Serviame ao mesmo tempo como guardacostas e como servo. Mas me esqueci de que, sendo em parte humano, ele não poderia ser transormado em uma simples sombra de mim mesmo, como um verdadeiro animal. Aparente mente, seu semicérebro conservou impressões de ódio, ressenti mentos e algum tipo próprio de ambição animal. “Em todo o caso, ele me atacou quando eu menos esperava. Ontem à noite, de repente ele pareceu enlouquecer. Suas ações tinham todas as características de insanidade animal, no entanto sei que deve ter sido resultado de um longo e cuidadoso planeja mento. “Ouvi sons de luta no jardim e, ao investigar — pois acredi tava que osse você sendo arrastado pelo meu cão de guarda — vi Tak emergir dos arbustos pingando sangue. Antes de me dar conta de sua intenção, ele pulou sobre mim com um terrível grito e me deixou sem sentidos. “Não me lembro de mais nada, mas posso apenas concluir que, seguindo alguma idéia de seu cérebro semihumano, ele ti rou minha túnica e me jogou ainda vivo nos subterrâneos — por que razão, somente os deuses saberiam. Ele deve ter matado o cão quando saiu do jardim e, depois de me derrubar, evidentemente matou Joka, conorme você mesmo viu. Joka teria vindo em mi nha ajuda, mesmo contra Tak, a quem ele sempre odiou. Murilo olhou pelo espelho para a criatura que estava sen tada com tamanha paciência diante da porta echada. Estreme ceu ao ver as mãos negras e peludas. O corpo era grosso, largo e curvado. Os ombros, de tão largos, haviam rasgado a túnica es carlate, e sobre esses ombros Murilo notou o mesmo pêlo negro e espesso. O rosto espiando debaixo do capuz escarlate era to talmente animalesco, mas Murilo percebeu que Nabonidus tinha razão ao dizer que Tak não era de todo um animal. Havia algo naqueles olhos vermelhos embaçados, na postura desajeitada da 137
criatura, uma aparência que a distinguia do verdadeiro animal. Aquele corpo monstruoso abrigava um cérebro e uma alma que estavam prestes a desabrochar em algo vagamente humano. Mu rilo cou assombrado ao reconhecer uma leve e abominável se melhança entre sua espécie e aquela monstruosidade acocorada, e cou enauseado ao pensar nos abismos de bestialidade proun da dos quais a humanidade havia emergido com tanto esorço. — Com certeza ele está nos vendo — murmurou Conan —. Por que não nos ataca? Ele poderia quebrar esta janela com acilidade. Murilo percebeu que Conan supunha que o espelho atra vés do qual estavam olhando osse uma janela. — Ele não está nos vendo — respondeu o sacerdote — Estamos olhando para o aposento que ca no andar de cima. A porta que Tak está guardando é a que ca no topo dessa esca da. É simplesmente uma disposição de espelhos. Você está vendo aqueles espelhos nas paredes? Eles reetem a imagem do apo sento para estes tubos, pelos quais outros espelhos, por sua vez, a levam para reetila nalmente em tamanho maior neste espelho grande. Murilo percebeu que a pereição de tal invenção colocava o sacerdote séculos na rente de sua geração; mas Conan atribuiuo à eitiçaria e não se preocupou mais com isso. — Construí estes subterrâneos para servir tanto de reúgio quanto de calabouço — dizia o sacerdote — Há ocasiões em que me reugiei aqui e, através desses espelhos, observava o destino cair sobre aqueles que me procuravam com más intenções. — Mas por que Tak está guardando aquela porta? — in sistiu Murilo. — Ele deve ter ouvido a grade cair no túnel. A grade está ligada a sinos pendurados nos aposentos superiores. Ele sabe que há alguém nos subterrâneos, e está esperando que esse alguém suba pelas escadas. Oh, o monstro aprendeu bem as lições que lhe ensinei. Ele viu o que aconteceu com os homens que passaram 138
por aquela porta quando puxei aquela corda que está pendurada naquela parede, e está esperando para me imitar. — E enquanto ele espera, o que aremos? — insistiu Mu rilo. — Não há nada que possamos azer, a não ser observálo. Enquanto ele estiver naquele aposento, não podemos ousar subir pela escada. Ele tem a orça de um verdadeiro gorila e poderia nos despedaçar a todos acilmente. Mas ele não precisa exercitar seus músculos; se abrirmos aquela porta basta ele puxar aquela corda e nos mandar para a eternidade. — Como? — Eu concordei em ajudálos a ugir — respondeu o sacer dote — não em revelar meus segredos. Murilo ia reclamar, mas de repente enrigeceu. Uma mão urtivamente havia aastado as cortinas numa das passagens re velando um rosto escuro, cujos olhos brilhantes se xaram ame açadores sobre a orma acocorada vestida com a túnica escarlate. — Petreus! — sibilou Nabonidus — Mitra, que reunião de abutres acontece essa noite! O rosto permaneceu emoldurado pelas cortinas aastadas. Por cima do ombro do intruso espiavam outros rostos — rostos escuros, nos, animados com ansiedade sinistra. — O que eles azem aqui? — murmurou Murilo, abaixan do inconscientemente a voz, embora soubesse que eles não po diam ouvilos. — Ora, o que estariam azendo Petreus e seus jovens na cionalistas esquentados na casa do Sacerdote Vermelho? — riu Nabonidus — Vejam com que ansiedade eles olham para a gura que julgam ser seu arquiinimigo. Eles caíram no mesmo erro que você; seria divertido observar as expressões deles quando desco brirem o engano. Murilo não respondeu. O assunto inteiro tinha distinta mente um ar de irrealidade. Ele sentiu como se estivesse obser vando um jogo de marionetes, ou como se ele mesmo osse um 139
espírito desencarnado, olhando impessoalmente para as ações dos vivos que não o vêem nem suspeitam de sua presença. Ele viu Petreus colocar o dedo nos lábios em advertência e acenar para seus companheiros conspiradores. O jovem nobre não conseguia saber se Tak tinha percebido os intrusos. A po sição do homemmacaco não havia mudado; continuava sentado de costas para a porta pela qual os homens estavam se esgueiran do. — Eles tiveram a mesma idéia que você — murmurava Na bonidus no ouvido dele — Só que as razões deles são patrióticas e não egoístas. É ácil entrar na minha casa, agora que o cão está morto. Oh, que chance de me livrar dessa ameaça de uma vez por todas! Se eu estivesse sentado no lugar de Tak... um pulo até a parede... um puxão naquela corda... Petreus havia pisado de leve sobre o soleira da porta; seus companheiros estavam nos seus calcanhares, segurando as ada gas. De repente Tak levantouse e se voltou para eles. O horror inesperado de sua aparência, quando pensavam que veriam a gura odiosa mas amiliar de Nabonidus, abalou os nervos deles, assim como o mesmo espetáculo havia eito com Murilo. Petreus recuou com um grito estridente, empurrando para trás seus com panheiros que tropeçaram uns nos outros; e naquele instante, Tak, cobrindo a distância num prodigioso salto grotesco, agar rou e puxou com orça uma corda grossa de veludo que pendia perto da porta. Então as cortinas se aastaram para os lados deixando a porta descoberta, e algo aiscou com um borrão prateado pecu liar. — Ele se lembrou! — exultou Nabonidus — O animal é meio humano! Ele viu como se az e se lembrou! Observem ago ra! Observem! Observem! Murilo viu que era um painel pesado de vidro que havia ca ído echando a porta. Através dele, viu os rostos pálidos dos cons piradores. Petreus, jogando as mãos como se quisesse protegerse 140
de uma investida de Tak, encontrou a barreira transparente e, pelos seus gestos, disse alguma coisa para seus companheiros. Agora que as cortinas estavam aastadas, os homens que estavam no subterrâneo viam tudo que acontecia no aposento que conti nha os nacionalistas. Completamente aturdidos, correram pelo aposento até a porta pela qual haviam aparentemente entrado, somente para parar de repente, como que impedidos por uma parede invisível. — O puxão da corda selou aquele aposento — riu Nabo nidus — E simples; os painéis de vidro uncionam por meio de trilhos nas portas. Ao puxar a corda, soltase uma mola que os segura. Eles deslizam, travam no lugar e só podem ser acionados do lado de ora. O vidro é inquebrável; um homem com um bas tão de erro não consegue quebrálo. Ah! Os homens aprisionados estavam histéricos; corriam lou camente de uma porta à outra, batendo em vão nas paredes de cristal, sacudindo os punhos violentamente para a implacável orma negra que estava acocorada do lado de ora. Então um de les jogou a cabeça para trás, olhou para cima e se pôs a berrar, a julgar pelo movimento dos lábios, enquanto apontava para o teto. — A queda dos painéis liberou as nuvens da morte — disse o Sacerdote Vermelho com um riso selvagem — A poeira do lótus cinzento, dos Pântanos dos Mortos, além do país de Khitai. No meio do teto havia um enorme aglomerado de botões dourados; eles se abriram como pétalas de uma enorme rosa en talhada, de onde espirrou uma névoa cinzenta que rapidamente encheu o aposento. Instantaneamente, a cena mudou de histe ria para loucura e horror. Os homens aprisionados começaram a cambalear; corriam em círculos como que embriagados. De seus lábios escorria espuma, num ricto de riso tenebroso. Debatendo se, eles caíam uns sobre os outros com dentes e adagas, cortando, rasgando, matando num holocausto de loucura. Murilo sentiu náuseas ao ver a cena e cou contente por não ouvir os gritos e uivos que deviam estar preenchendo aquele aposento. Era como 141
imagens silenciosas projetadas numa tela. Do lado de ora do aposento de terror, Tak saltitava numa alegria animalesca, sacudindo seus braços peludos para cima. Em pé, atrás de Murilo, Nabonidus ria. — Ah, um belo golpe, Petreus! Isto o desentranhou bem! Agora uma para você, meu amigo patriota! Assim! odos eles es tão caídos, e os vivos rasgam a carne dos mortos com seus dentes salivantes. Murilo estremeceu. Atrás dele o cimério praguejava baixo em sua língua inculta. Restava somente a morte no aposento da névoa cinzenta; rasgados, esmagados e triturados, os conspira dores jaziam num monte vermelho, com a boca entreaberta e o rosto injetado de sangue, olhando no vazio no meio da umaça mortíera rodopiando devagar. Tak, curvandose como um monstruoso anão, aproxi mouse da parede onde pendia a corda e deulhe um puxão la teral. — Ele está abrindo a porta mais distante — disse Naboni dus — Por Mitra, ele é mais humano do que eu suspeitava! Vejam, a névoa rodopia para ora do aposento e se dissipa. Ele aguarda, para estar seguro. Agora ele ergue o outro painel. É cauteloso, conhece a morte do lótus cinzento que traz a loucura. Por Mitra! A exclamação atingiu Murilo como um choque elétrico. — Nossa única chance! — exclamou Nabonidus — Se ele sair do aposento por alguns minutos, vamos tentar subir corren do por aquelas escadas. ensos, eles observavam o monstro atravessar gingando a porta e desaparecer. Quando o painel de vidro oi erguido, as cor tinas haviam caído, escondendo o aposento da morte. — emos de arriscar! — oegou Nabonidus, e Murilo viu gotas de suor cobrindo seu rosto — alvez esteja se livrando dos corpos como me viu azer. Rápido! Sigamme por essas escadas! Ele correu em direção dos degraus e subiu com uma agi lidade que espantou Murilo. O jovem nobre e o bárbaro estavam 142
em seus calcanhares e ouviram seu suspiro de alívio quando es cancarou a porta no topo da escada. Precipitaramse para dentro do grande aposento que haviam visto espelhado lá embaixo. Tak não estava à vista. — Ele está naquele aposento com os cadáveres! — excla mou Murilo — Por que não prendêlo ali como ele ez com os homens? — Não, não! — oegou Nabonidus, empalidecendo de ma neira estranha — Não sabemos se ele está lá dentro. Poderia apa recer antes que eu alcançasse a corda da armadilha! Sigamme para o corredor; devo alcançar meu quarto e pegar as armas que vão destruílo. Este corredor é a única saída desse aposento que não tem algum tipo de armadilha. Os dois seguiramno rapidamente atravessando a soleira do lado oposto à porta do aposento da morte e saíram para um corredor, para o qual se abriam diversos outros aposentos. Com pressa desajeitada, Nabonidus se pôs a tentar abrir as portas. o das elas estavam trancadas, assim como a porta do nal do cor redor. — Meu deus! — exclamou o Sacerdote Vermelho com os olhos arregalados, apoiandose na parede — As portas estão tran cadas e Tak levou minhas chaves. Estamos de ato presos. Murilo cou assustado ao ver o homem em tal estado de nervosismo; Nabonidus se empertigou com esorço. — Esse animal me pôs em pânico — disse ele — Se vocês tivessem visto como ele despedaça as pessoas... bem que Mitra nos ajude, mas devemos lutar contra ele com aquilo que os deuses nos deram, Venham! Ele os conduziu de volta pela porta com cortinas e espiou para dentro do grande aposento a tempo de ver Tak aparecer na porta, do outro lado. Era óbvio que o homemanimal havia suspeitado de alguma coisa. Suas pequenas orelhas pregadas à cabeça estavam contraídas; ele olhou urioso à sua volta e, apro ximandose da porta mais próxima, puxou as cortinas para espiar 143
atrás delas. Nabonidus recuou, tremendo como uma olha, e agarrou o ombro de Conan. — Homem, você tem coragem de apostar sua aca contra as presas dele? Os olhos do cimério arderam em resposta. — Rápido! — sussurrou o Sacerdote Vermelho, empurran doo atrás das cortinas, junto à parede — Já que de qualquer maneira ele vai nos encontrar, vamos atraílo para nós. Quan do passar por você, aunde sua lâmina nas costas dele, se puder. Você, Murilo, deixe que ele te veja e depois uja pelo corredor. Mitra sabe que não temos chance contra ele num combate corpo a corpo, mas estaremos perdidos de qualquer maneira quando ele nos encontrar. Murilo sentiu o sangue congelar nas veias, mas reuniu co ragem e deu um passo para a rente. No mesmo instante, Tak, do outro lado do aposento, voltouse, olhou e investiu com um rugido tremendo. Seu capuz escarlate havia caído para trás, reve lando sua disorme cabeça negra; suas mãos negras e a túnica ver melha estavam manchadas de um vermelho mais vívido. Era um pesadelo vermelho e negro correndo através do aposento, com as presas arreganhadas, as pernas curvas carregando seu enorme corpo num passo aterrorizante. Murilo voltouse e correu de volta para o corredor e, por mais rápido que osse, o horror desgrenhado estava quase em seus calcanhares. Então, quando o monstro passou correndo pe las cortinas, de dentro delas catapultou uma enorme gura que golpeou em cheio os ombros do homemmacaco, e no mesmo instante enou o punhal em suas costas animalescas. Tak berrou terrivelmente, caindo com o impacto e levando consigo o atacan te. Os dois rolaram num redemoinho de pernas e braços, na luta desesperada de inimigos. Murilo viu que o bárbaro havia prendido as pernas em torno do torso do homemmacaco e estava tentando manter sua 144
posição sobre as costas do monstro enquanto o golpeava com seu punhal. Tak, por outro lado, estava tentando derrubar o inimigo e arrastálo até que pudesse atingilo com suas gigantescas pre sas. Num redemoinho de golpes e arrapos vermelhos, os com batentes rolaram pelo corredor tão rapidamente que Murilo não ousava usar a cadeira que havia erguido, com medo de golpear o cimério. E viu que, apesar da vantagem do primeiro golpe de Conan e da volumosa túnica que envolvia o corpo do homem macaco, tirandolhes os movimentos, a orça gigantesca de Tak estava prevalecendo rapidamente. Ele estava conseguindo girar o cimério para que ele casse de rente. O punhal de Conan havia aundado diversas vezes no dorso do homemmacaco, nos om bros e pescoço taurino; o sangue esguichava de uma série de e ridas; mas, a não ser que a lâmina alcançasse rapidamente algum ponto absolutamente vital, a orça desumana de Tak sobrevive ria para acabar com o cimério e, depois dele, com os companhei ros de Conan. Com os mesmos golpes, o cimério teria matado uma dúzia de homens. O próprio Conan estava lutando em silêncio como um ani mal selvagem, a não ser pelos resolegos do esorço. Os múscu los negros do monstro e a terrível garra daquelas mãos disormes rasgavamno e arranhavamno, e as mandíbulas abertas procu ravam sua garganta. Então Murilo, vendo uma brecha, pulou e bateu com a cadeira no crânio de Tak. Usou toda a sua orça, suciente para esmagar o crânio de um ser humano. Ao atingir a cabeça negra de Tak, o monstro cou atordoado e relaxou momentaneamente seus músculos, o suciente para que Conan, oegando e sangrando, se lançasse para a rente e aundasse seu punhal até o m no coração do homemmacaco. Com um tremor convulsivo, o homemanimal olhou para cima, depois caiu inerte para trás. Seus olhos erozes caram imóveis e vidrados, seus membros grossos estremeceram e ca ram rígidos. Conan, atordoado, levantouse cambaleando, sacudindo o 145
suor e o sangue de seus olhos. O sangue pingava de seu punhal e de seus dedos, escorria por suas coxas, braços e peito. Murilo quis apoiálo, mas o bárbaro se desvencilhou com impaciência. — Quando eu não puder mais me manter de pé sozinho, será hora de morrer — resmungou ele por entre os lábios esma gados — Mas bem gostaria de uma garraa de vinho. Nabonidus olhava para a gura imóvel como se não acre ditasse em seus próprios olhos. O monstro jazia negro, peludo, abominável, grotesco, envolto em rangalhos de túnica escarlate; embora mais humano que animalesco, mesmo assim possuía algo de vagamente patético e terrível. Até o cimério sentiu isso, pois disse oegante: — Esta noite matei um homem, não um animal. Vou colo cálo entre os nobres que mandei para as trevas, e minhas mulhe res cantarão sobre ele. Nabonidus se agachou e pegou um molho de chaves que pendia numa corrente de ouro. Elas haviam caído do cinto do homemmacaco durante a batalha. Indicando a seus companhei ros que o seguissem, conduziuos até um aposento, destrancou a porta e entrou; era iluminado da mesma maneira que os outros. O Sacerdote Vermelho tomou um rasco de vinho que estava em cima de uma mesa e encheu as taças de cristal. Enquanto seus companheiros sedentos bebiam, ele murmurou: — Que noite! Já é quase dia. O que querem azer, meus amigos? — Vou cuidar das eridas de Conan se você me trouxer ataduras e outras coisas assim — disse Murilo, e Nabonidus ace nou com a cabeça, dirigindose até a porta que conduzia para o corredor. Algo em sua cabeça abaixada ez com que Murilo o ob servasse com atenção. Chegando à porta, o Sacerdote Vermelho virouse de repente. Seu rosto havia se transormado. Seus olhos brilhavam com o antigo ogo, seus lábios riam silenciosamente. — Embusteiros juntos! — zombou ele, com sua voz costu meira — Mas não tolos juntos. Você é o tolo, Murilo! 146
— O que você quer dizer? — perguntou o jovem nobre, adiantandose. — Para trás! — chicoteou a voz de Nabonidus — Mais um passo e eu o aço estourar! O sangue de Murilo gelou ao ver que a mão do Sacerdote Vermelho havia agarrado uma grossa corda de veludo que pendia entre as cortinas do lado de ora da porta. — Que traição é essa?— gritou Murilo — Você jurou... — Eu jurei não revelar seus segredos! Não jurei que não tomaria o assunto em minhas próprias mãos, se pudesse. Você pensa que eu deixaria passar uma oportunidade dessas? Em cir cunstâncias normais, não ousaria matálo eu mesmo sem a san ção do rei, mas agora ninguém jamais saberá. Você irá para as valas ácidas junto com Tak e os tolos nacionalistas, e ninguém será mais sábio que o outro. Que noite para mim! Apesar de per der alguns servos valiosos, livreime de vários inimigos perigo sos. Para trás! Estou na soleira e você não pode me alcançar antes que eu puxe esta corda e o mande para o inerno. Dessa vez não será o lótus cinza e sim algo tão ou mais eciente. Quase todos os aposentos de minha casa são uma armadilha. E assim, Murilo, que tolo que você é... Rápido demais para seguir com o olhar, Conan pegou um banco e o arremessou. Nabonidus jogou instintivamente os bra ços para cima com um grito, mas não houve tempo. O objeto ba teu em sua cabeça, o Sacerdote Vermelho cambaleou e caiu de bruços numa escura poça vermelha que se alastrava devagar. — O sangue dele é vermelho, anal — grunhiu Conan. Murilo aastou para trás com a mão trêmula seus cabelos empastados de suor e apoiouse na mesa, num súbito relaxamen to ísico, depois de tanta aição. — Já é de manhã—disse ele — Vamos sair daqui antes que caiamos em alguma outra armadilha. Se pudermos escalar o muro externo sem sermos vistos, não estaremos comprometidos com tudo que aconteceu aqui. Que a polícia escreva suas próprias 147
explicações. Ele olhou para o corpo do Sacerdote Vermelho deitado numa poça de sangue e encolheu os ombros. — Ele oi um tolo, anal; se não tivesse parado para nos de saar, poderia ternos apanhado acilmente nalguma armadilha, sorrateiramente. — Bem — disse o cimério tranquilamente — ele escolheu o caminho de todos os canalhas, anal de contas. Eu gostaria de saquear a casa, mas acho que é melhor irmos embora. Quando eles apareceram da penumbra do jardim orvalha do, Murilo disse: — O Sacerdote Vermelho desapareceu nas sombras, então meu caminho na cidade está livre e não tenho nada mais a temer. Mas e você? Ainda há o assunto daquele sacerdote no Labirinto, e... — Estou cansado desta cidade mesmo — sorriu o cimé rio — Você alou de um cavalo me esperando no Covil do Rato. Estou curioso para ver quão rápido aquele animal pode me levar para outro reino. Há muitas estradas pelas quais ainda quero via jar antes de tomar o mesmo caminho que Nabonidus tomou hoje à noite.
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A Fênix na Espada
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1 Além das sombras dos pináculos e das torres estendiase a escuridão antasmagórica e o silêncio que antecede a Aurora. Num beco sombrio, em meio a um labirinto de misteriosos ca minhos sinuosos, quatro vultos mascarados saíram apressados por uma porta, aberta por uma mão sombria e urtiva. Sem pro nunciar palavra, caminharam em direção das trevas, envoltos cuidadosamente em seus mantos encapuçados; desapareceram na escuridão, silenciosamente, como antasmas de homens assas sinados. Atrás deles, espiava uma sionomia sardônica emoldurada pela porta entreaberta; um par de olhos aiscaram maldosamente em meio às sombras. — Entrem na noite, criaturas noturnas — zombou uma voz — olos, sua destruição está em seus calcanhares como um cão cego e vocês não sabem disso. Aquele que alou, cerrou a porta, empurrou as travas, e, de vela na mão, seguiu pelo corredor. Ele era um gigante sinis tro, cuja pele escura revelava sua origem stígia. Entrou numa sala, onde um homem alto, magro, vestido de veludo desgastado, recostavase como um grande gato preguiçoso sobre um divã de 151
seda, bebericando vinho de uma enorme taça de ouro. — Bem, Ascalante — disse o stígio, depondo a vela — aqueles ingênuos deslizaram urtivamente pelas ruas como ratos saindo de suas tocas. Você trabalha com erramentas estranhas. — Ferramentas? — retrucou Ascalante — Ora, é exatamen te o que eles me consideram. Durante meses, desde que os Qua tro Rebeldes me chamaram do deserto do Sul, tenho vivido bem no meio dos meus inimigos. De dia me escondendo nesta casa lúgubre, de noite me esgueirando por ruelas escuras e corredo res ainda mais escuros. E consegui realizar o que aqueles nobres rebeldes não conseguiram. rabalhando através deles e de outros agentes, muitos dos quais jamais viram meu rosto, espalhei sedi ção e agitação pelo Império todo. Em resumo, eu, trabalhando nas sombras, tracei a queda do rei que está sentado no rono do Sol. Por Mitra, eu era um governante antes de ser um criminoso. — E esses idiotas que se julgam seus mestres? — Vão continuar pensando que eu os sirvo, até que nossa missão seja cumprida. Quem são eles para se igualarem em as túcia a Ascalante? Volmana, o conde anão de Karaban; Gramei, o comandante gigante da Legião Negra; Dion, o barão obeso de Attalus; Rinaldo, o bardo de cérebro de coelho. Eu sou a orça que orjou o aço dentro de cada um e, por causa da argila existente em cada um deles, eu os esmagarei quando chegar a hora. Mas isso ca para o uturo; esta noite, o rei Conan morre. — Dias atrás, vi os esquadrões imperiais cavalgando para ora da cidade — disse o stígio. — Eles oram até a ronteira assediada pelos pictos pagãos, graças ao vinho orte que contrabandeei pela ronteira para en louquecêlos. A grande ortuna de Dion ez com que isto osse possível. E Volmana tornou possível dispensar o resto das tropas imperiais que permaneceram na cidade. Por intermédio de seu parente real de Nemédia, oi ácil persuadir o rei Numa a requi sitar a presença do conde rocero de Poitain, senescal de Aquilô nia; e, é claro, para azerlhe a honra, ele será acompanhado por 152
uma escolta imperial, assim como por suas próprias tropas, e por Próspero, o braço direito do rei Conan. Assim, apenas a guarda pessoal do rei permanece na cidade, além da Legião Negra. Por intermédio de Gromel, corrompi um ganancioso ocial da guar da e suborneio para que aastasse seus homens da porta do rei, precisamente à meianoite. “Então, junto com meus dezesseis vagabundos desespera dos, entraremos no palácio por um túnel secreto. Depois que a tarea or consumada, mesmo se o povo não se levantar para nos dar as boasvindas, a Legião Negra de Gromel será suciente para tomar posse da cidade e da coroa. — E Dion pensa que a coroa será sua? — Sim. O tolo gordo exige a coroa por causa de um vestí gio de sangue real em suas veias. Conan cometeu um erro grave ao deixar vivos os homens que ainda se gabam de ser descenden tes da velha dinastia, da qual ele usurpou o trono de Aquilônia. “Volmana almeja recuperar o avor real que tinha no an tigo regime, para que suas terras destruídas pela pobreza voltem à grandeza antiga. Gromel odeia Pallantides, o comandante dos Dragões Negros, e deseja o comando do exército inteiro, com toda a teimosia do bossoniano. O único dentre todos nós que não tem ambição alguma é Rinaldo. Para ele, Conan é um selvagem, um sanguinário que veio do Norte para saquear uma terra ci vilizada. Ele idealiza o rei a quem Conan matou para tomar a coroa, lembrandose apenas que ele ocasionalmente apadrinhava as artes, e esquecendose dos males de seu reinado, e az com que as pessoas também se esqueçam. Elas já cantam abertamente O Lamento pelo Rei, no qual Rinaldo louva o vilão santicado e denuncia Conan como “aquele selvagem de coração negro vindo do abismo”. Conan dá risadas, mas as pessoas rosnam. — Por que ele odeia Conan? — Os poetas sempre odeiam os poderosos. Para eles, a per eição está sempre logo atrás da última esquina, ou além da próxi ma. Eles ogem do presente para sonhos do passado ou do uturo. 153
Rinaldo é uma tocha amejante de idealismo, surgindo, como ele pensa, para derrubar um tirano e libertar o povo. Quanto a mim, bem, poucos meses atrás eu perdi todas as ambições exceto a de atacar caravanas pelo resto de minha vida; mas agora so nhos antigos emergem. Conan vai morrer. Dion subirá ao trono. E então, ele também vai morrer. Um após o outro, todos que se opuserem a mim vão morrer, pelo ogo, pelo aço ou por aqueles vinhos mortais que você sabe preparar tão bem. Ascalante, rei da Aquilônia! A rase soa bem, não? O stígio encolheu seu largos ombros. — Houve um tempo — disse ele com visível amargura — em que eu também tive minhas ambições, que azem as suas pa recerem espalhaatosas e inantis. Veja a que ponto eu me deixei cair! Os nobres e os meus rivais na Stygia cariam espantados se vissem TothAmon do Anel servindo de escravo para um es trangeiro, ainda mais a um criminoso; e ajudando a concretizar as mesquinhas ambições de barões e reis! — Você cona demais nessas bobagens de magia — res pondeu Ascalante com indierença — Eu cono em minha astú cia e na minha espada. — Astúcia e espada são inúteis contra a sabedoria das re vas — grunhiu o stígio, com seus olhos escuros aiscando com raios e sombras ameaçadores — Se eu não tivesse perdido o Anel, nossos papéis estariam invertidos. — No entanto — respondeu impacientemente o crimino so — você carrega as marcas do meu chicote nas costas e, ao que parece, vai continuar carregando. — Não tenha tanta certeza! — por um instante, os olhos do stígio aiscaram vermelhos de ódio mortal — Algum dia, de al guma maneira, vou encontrar o meu Anel, e quando o zer, pelas presas da serpente de Set, você vai pagar caro pelo... O exaltado aquiloniano ergueu os olhos e deu um soco na boca do outro. Toth retrocedeu, com o sangue escorrendo de seus lábios. 154
— Está se tornando ousado demais, cão stígio — grunhiu o criminoso — Cuidado; ainda sou seu senhor e conheço seu segre do. Suba as escadas e anuncie ao povo que Ascalante está de volta à cidade conspirando contra o rei, se tiver coragem. — Eu não ousaria — murmurou o stígio, enxugando o san gue de seus lábios. —Não, você não tem coragem — Ascalante sorriu ria mente — Pois, se eu or morto por traição sua, um sacerdote eremita no deserto do Sul saberá disso e quebrará o selo de um certo manuscrito que lhe conei. E depois de lêlo, uma palavra será sussurrada na Stygia, e um vento se erguerá do Sul, através da noite. E então, onde você irá esconder desse vento perverso, TothAmon? O escravo estremeceu e seu rosto obscuro cou cinza. — Basta! — Ascalante mudou de tom peremptoriamente — enho um serviço para você. Não cono em Dion. Mandeio que viajasse para a sua propriedade de campo e permanecesse lá até que a missão de hoje à noite estivesse terminada. O tolo gordo não conseguiria ocultar o nervosismo perante o rei o dia todo. Vá até lá e, se não o alcançar no caminho, continua até a propriedade dele e mantenhao sob sua vigilância. Não o perca de vista. Ele está apavorado e pode explodir, pode até ir correndo em pânico até Conan e revelarlhe o plano inteiro, esperando assim salvar a própria pele. Vá! O escravo ez uma reverência, ocultando o ódio em seus olhos, e oi azer o que lhe ora ordenado. Ascalante voltou ao seu vinho. Acima das torres adornadas de arântia erguiase uma aurora rubra como sangue.
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“Quando eu era um guerreiro, os tambores retumbavam, As pessoas espalhavam pó de ouro diante das patas do meu cavalo; Mas agora que sou um grande rei, as pessoas perseguem meus passos Com veneno na minha taça de vinho e punhais às minhas costas.”
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O Caminho dos Reis
O salão era grande e decorado com tapeçarias coloridas nas paredes polidas e ornamentadas, com tapetes espessos no chão de mármore e o teto alto cheio de entalhes intrincados e arabescos de prata. Atrás de uma escrivaninha de mármore com incrustações de ouro, estava sentado um homem cujos ombros largos e pele bronzeada pelo sol parecia estar ora de lugar naque le ambiente luxuoso. O sol, os ventos e o espaço ao ar livre eram lhe muito mais adequados. O menor dos movimentos que azia deixava transparecer músculos rígidos como o aço, coordenados por um cérebro aguçado de um guerreiro nato. Não havia nada de ponderado ou estudado em suas atitudes. Ficava ou em repou so total, como uma estátua de bronze, ou em movimento, não com a rapidez agitada de nervos tensos demais, mas com uma ve locidade elina que perturbava a visão de quem quisesse seguilo. Suas vestes eram de um tecido luxuoso, mas de eitio sim ples. Não usava anel nem eneites, e seu cabelo negro, de corte reto, era preso apenas por uma simples banda de tecido prateado. Nesse momento, colocou de lado o estilo de ouro com o qual esteve rabiscando laboriosamente em tabuletas enceradas, apoiou o queixo numa das mãos, e seus quentes olhos azuis 156
taram com inveja o homem que estava em pé à sua rente. Esta pessoa estava ocupada com seus próprios aazeres no momento, pois apanhava os cordões de sua armadura entalhada com ouro, assobiando distraído — uma atitude um tanto quanto sem ceri mônia, considerandose que estava na presença de um rei. — Próspero — disse o homem sentado à mesa — esses tra balhos burocráticos me cansam muito mais que todas as lutas que já travei. — Faz parte do jogo, Conan — respondeu o poitainiano de olhos escuros —Você é o rei, e precisa azer a sua parte. — Preeriria ir com você à Nemédia — disse Conan inve joso — Parece que se passaram séculos desde a última vez que eu tive um cavalo entre os meus joelhos, mas Publius diz que assun tos da cidade exigem minha presença. Amaldiçoado seja ele! “Quando derrubei a velha dinastia — continuou, alan do com a amiliaridade descontraída que existia somente entre ele e o cavaleiro de Poitain — oi bem ácil, embora parecesse amargamente diícil na ocasião. Agora, olhando para o caminho selvagem que percorri, todos aqueles dias de trabalho, intrigas, matanças e tribulações parecem um sonho. “Não sonhei alto o bastante, Próspero. Quando o rei Nu medides caiu morto aos meus pés e arranquei a coroa de sua ca beça ensanguentada para colocála na minha, eu havia alcançado o limite dos meus sonhos. Eu tinha me preparado para tomar a coroa, não para mantêla. Nos velhos tempos de liberdade, eu só queria uma espada aada e uma trilha direta até os meus inimi gos. Agora não há trilhas diretas e minha espada é inútil. “Quando derrubei Numedides, eu era o Libertador; agora eles cospem na minha sombra. Ergueram uma estátua daquele porco no templo de Mitra, e as pessoas vão se lamuriar perante ela, adorandoa como a urna eígie sagrada de um monarca santo que oi levado à morte por um selvagem de mãos manchadas de sangue. Quando eu, como mercenário, conduzi os exércitos de Aquilônia para a vitória, eles echaram os olhos para o ato de 157
que eu era um estrangeiro, mas agora não conseguem me perdoar por isso. “Agora, vêm ao templo de Mitra para acender incenso em memória de Numedides, homens que oram aleijados e cegados por seus carrascos, homens cujos lhos morreram em seus cár ceres, cujas esposas e lhas oram arrastadas para o seu harém. olos volúveis! — Rinaldo é o maior responsável por isso — respondeu Próspero, apertando em mais uma casa o cinturão de sua espada — Ele canta canções que enlouquecem os homens. Pendureo em sua veste de palhaço na torre mais alta da cidade. Que componha rimas para os abutres. — Não, Próspero, ele está ora de meu alcance — disse Co nan balançando sua cabeça leonina — Um grande poeta é maior que qualquer rei. Suas canções são mais poderosas que meu cetro; ele quase arrancou o coração de meu peito quanto resolveu cantar para mim. Eu morrerei e serei esquecido, mas as canções de Ri naldo viverão para sempre. “Não, Próspero — continuou o rei, com um olhar sombrio de dúvida — há algo oculto, alguma coisa subterrânea da qual não temos conhecimento. Sinto isto como, na minha juventude, eu sentia o tigre escondido no matagal. Há uma agitação inde nível espalhada pelo Reino. Sou como um caçador que se acocora ao lado de sua pequena ogueira no meio da oresta, ouve pas sos urtivos na escuridão e quase chega a ver o brilho de olhos chamejantes. Se eu pudesse ao menos agarrar algo tangível para cortar com a minha espada! Não é por acaso que ultimamente os pictos têm atacado as ronteiras com tanta erocidade, obrigando osbossonianos a pedir ajuda para detêlos. Eu deveria ter ido com as tropas. — Publius receava uma conspiração contra você, uma ar madilha para matálo além da ronteira — retrucou Próspero, alisando seu manto de seda sobre a malha reluzente e admirando sua gura alta e esguia num espelho de prata — É por isso que 158
eu insisti que você casse na cidade. Essas dúvidas nascem de seus instintos de bárbaro. Deixe que as pessoas resmunguem! Os mercenários são nossos, e os Dragões Negros, e cada patie em Poitain jura por você. O único perigo é o assassinato, mas isto é impossível, pois os homens da ropa Imperial protegemno dia e noite. Em que você está trabalhando aí? — É um mapa — respondeu Conan com orgulho — Os mapas da corte mostram bem as terras do Sul, do Leste e do Oes te, mas as do Norte são vagas e incompletas. Eu mesmo estou acrescentando as terras do Norte. Aqui está Ciméria, onde nasci. E... — Aesgaard e Vanaheim — Próspero examinou o mapa — Por Mitra, pensei que esses países só existissem nas lendas. — Você pensaria bem dierente se tivesses passado toda a juventude nas ronteiras setentrionais da Ciméria! Aesgaard ca ao norte e Vanaheim a noroeste da Ciméria. Há uma guerra cons tante ao longo das ronteiras — Conan deu um sorriso selvagem, tocando involuntariamente as cicatrizes em seu rosto escuro. — Como são os homens que vivem no Norte? — pergun tou Próspero. — Altos e belos, de olhos azuis. O deus deles é Ymir, o gi gante de gelo, e cada tribo tem seu próprio rei. Eles são destemi dos e violentos. Lutam durante o dia e bebem cerveja e cantam alto suas canções selvagens a noite inteira. — Então você se parece mais com eles do que com seu próprio povo — riu Próspero — Você ri abertamente, bebe até o undo e canta alto boas canções; anal, nunca vi outro cimério que bebesse nada além de água, ou que risse, ou que só cantasse hinos lúgubres. — alvez seja por causa da terra onde vivem — respondeu o rei — Não há país mais lúgubre, todo cheio de colinas, orestas escuras, com um céu quase sempre cinza e ventos uivando som briamente pelos vales. — Não é de surpreender que os homens quem malhu 159
morados num lugar assim — observou Próspero encolhendo os ombros, pensando nas planícies sorridentes, banhadas pelo sol, e nos preguiçosos rios azuis de Poitain, a província no extremo sul de Aquilônia. — Não existe esperança alguma para eles nem no presente nem no uturo — respondeu Conan — Os deuses deles são Crom e sua raça sombria, que reinam num lugar sem sol, de nevoeiro eterno, que é o mundo dos mortos. Mitra! Os costumes dos aesi res eram mais do meu gosto. — Bem, — sorriu Próspero — as colinas sombrias da Ci méria estão muito longe agora. E eu preciso ir. omarei uma taça de vinho branco da Nemédia por você na corte de Numa. — Bom, — grunhiu o rei — mas não beije as dançarinas de Numa por mim, para não começar novas guerras entre a Nemé dia e a Aquilônia! Sua risada sonora seguiu Próspero até ora do salão.
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Ao pé das pirâmides escavadas, o grande Set dorme enrolado em seus anéis; Entre as sombras dos túmulos se esgueira seu povo sombrio. Dos abismos ocultos que nunca conheceram o sol eu pronuncio a Palavra... Enviame um servo para servir ao meu ódio, ó Escamoso e Reluzente!
3
O sol se punha, retocando ugazmente de ouro os tons escuros do verde e do azul da oresta. Os raios enraquecidos reetiamse na grossa corrente dourada que Dion de Attalus tor cia constantemente em sua mão rechonchuda, sentado num mar chamejante de ores e arbustos oridos que era o seu jardim. Ele movia o corpo obeso sobre o assento de mármore e olhava urti vamente ao seu redor, como se estivesse procurando um inimigo escondido. Estava sentado num bosque circular de árvores delga das, cujos galhos entrelaçados lançavam uma sombra espessa so bre ele. Ao alcance de sua mão, uma onte tinia prateada, e outras ontes, em diversas partes do enorme jardim, sussurravam uma sinonia ininterrupta. Dion estava sozinho, com exceção da companhia de uma gura escura acomodada num banco de mármore próximo a ele, que observava o barão com proundos olhos sombrios. Dion de dicava pouca atenção a TothAmon. Sabia vagamente que ele era um escravo em quem Ascalante depositava muita conança, mas assim como muitos homens ricos, Dion mal notava os ho mens que estivessem abaixo de sua posição. — Acalmese, não precisas car tão nervoso, milorde — 161
disse Toth — O plano não pode alhar. — Ascalante pode cometer erros como qualquer um — re torquiu Dion, suando com a mera idéia de racasso. — Não ele — disse o stígio com um sorriso selvagem — ou eu não seria seu escravo, mas seu senhor. — Que conversa é essa?— devolveu Dion distraído, com apenas meia atenção na conversa. Os olhos de TothAmon se estreitaram. Apesar de todo o seu rígido auto controle, estava prestes a explodir por causa da vergonha, do ódio e da úria longamente acumulados, pron to para assumir qualquer tipo de risco desesperado. Ele não es perava que Dion o considerasse não um ser humano dotado de cérebro e de inteligência, mas um mero escravo e, como tal, uma criatura desprezível. — Ouçame — disse Toth — Você será rei. Mas conhece pouco a mente de Ascalante. Não poderá conar nele depois que Conan or morto. Eu posso ajudar. Protejame quando assumir o poder, e eu o ajudo. “Ouçame, milorde. Eu era um grande mago no Sul. Os ho mens alavam de TothAmon como alavam de Rammon. O Rei Ctesphon de Stygia me dedicava grande estima, derrubando os magos dos altos postos para elevarme acima deles. Eles me odia vam, mas tinham medo de mim, pois eu controlava os seres de ora, que respondiam ao meu chamado e cumpriam minhas or dens. Por Set, meu inimigo não sabia a hora em que poderia acor dar no meio da noite e sentir as garras de um horror sem nome na sua garganta! Eu era um mestre da magia negra. Eu e meu Anel da Serpente de Set, que encontrei num túmulo tenebroso, a quase cinco quilômetros abaixo da terra, esquecido lá antes que o pri meiro homem se arrastasse para ora do mar lamacento. “Mas o Anel oi roubado e meu poder se oi. Os magos se insurgiram para me matar, e eu ugi. Disarçado de condutor de camelos, estava viajando com uma caravana pelo país de Koth, quando os saqueadores de Ascalante caíram em cima de nós. 162
odos da caravana oram mortos exceto eu; salvei minha vida revelando minha identidade a Ascalante e jurando servilo. Que amarga tem sido esta escravidão! “Para manter minhas mãos amarradas, ele escreveu so bre mim num manuscrito, selouo e conouo nas mãos de um eremita que mora na ronteira sul de Koth. Não ouso enar um punhal nele enquanto ele dorme, nem entregálo para seus inimi gos, porque então o eremita abriria o manuscrito e o leria — con orme as instruções de Ascalante. E espalharia a notícia de onde estou por toda Stygia ... Toth tremeu de novo, e uma coloração cinzenta cobriu lhe a pele escura. — Ninguém me conhece na Aquilônia — disse ele — Mas, se meus inimigos da Stygia soubessem do meu paradeiro, nem que eu estivesse do outro lado do mundo, estaria condenado a uma morte tão terrível que seria capaz de explodir a alma de uma estátua de bronze. Somente um rei com castelos e exércitos de es padachins teria o poder de me proteger. Portanto, conteilhe meu segredo e insisto em que aça um pacto comigo. Posso ajudálo com minha sabedoria e você pode me proteger. Então quando eu encontrar o Anel... — Anel? Anel? — Toth havia subestimado o proundo egoísmo do homem. Dion nem ao menos ouvia as palavras do escravo, de tão absorto que estava em seus próprios pensamentos, mas a última palavra avivou uma agulha em seu egoísmo. — Anel? — repetiu ele — Isto me az lembrar do meu anel da boa sorte. Ganhei de um ladrão shemita, que jurou têlo rou bado de um bruxo do Sul, e que ele me traria sorte. Paguei caro por ele, Mitra sabe quanto. Pelos deuses, preciso de toda a sorte que puder conseguir nessa situação em que Volmana e Ascalante me arrastam para suas conspirações sangrentas; vou procurar o anel. Toth levantouse de um salto, o sangue subindolhe ao rosto, enquanto os olhos queimavam com a úria pasmada de um 163
homem que percebe de repente a proundidade de uma estupidez totalmente centrada em si mesma. Dion não ouvira palavra algu ma. Erguendo uma tampa secreta no seu assento de mármore, ele remexeu por alguns momentos num monte de quinquilharias de todos os tipos — amuletos bárbaros, pedaços de ossos, jóias espa lhaatosas — objetos de sorte e de encantamento que a natureza supersticiosa do homem o impulsionara a colecionar. — Ah, aqui está! — ergueu triunante um anel de eitio esquisito. Era de um metal parecido com cobre, na orma de uma serpente escamada, enrolada em três anéis, mordendo o próprio rabo. Os olhos eram pedras amarelas que brilhavam maldosa mente. TothAmon deu um grito como se tivesse sido atingido, e Dion cambaleou oegante, seu rosto repentinamente pálido. Os olhos do escravo estavam em ogo, a boca escancarada, as enor mes mãos escuras estendidas como garras. — O Anel! Por Set! O Anel! — berrou ele — O Anel que oi roubado de mim... O aço reluziu na mão do stigio e, ondulando seus enormes ombros escuros, ele enou o punhal no corpo gordo do barão. A voz estridente e aguda de Dion passou para um engasgado gorgolejo e seu corpo baloo desabou como manteiga derretida. Um tolo até o m, que morreu enlouquecido de terror, sem saber porquê. Empurrando de lado o cadáver disorme, já esquecido dele, Toth agarrou o anel com as duas mãos, seus olhos escuros brilhando com uma avidez temerosa. — Meu Anel! — sussurrou ele, tomado por uma terrível alegria — Meu poder! Nem o próprio stigio sabia quanto tempo ele cara curva do sobre a coisa maligna, imóvel como uma estátua, absorvendo a aura maléca do anel através de sua alma. Quando acordou de seu devaneio e abstraiu sua mente dos abismos soturnos onde ela esteve buscando, a Lua já subia no céu, lançando longas sombras no encosto de mármore liso do banco de jardim, ao pé do qual estava estendida uma sombra mais escura, que ora o senhor de 164
Attalus. — Finalmente, Ascalante, acabou! — murmurou o stígio, e seus olhos vermelhos queimavam como os de um vampiro na escuridão. Abaixandose, ele recolheu um punhado de sangue coagulado da poça pegajosa na qual sua vítima estava estendida e esregouo nos olhos da serpente até que as aíscas amarelas esti vessem cobertas por uma máscara rubra. — Fecha seus olhos, serpente mística — entoou ele num sussuro de congelar o sangue — Fecha teus olhos para a luz da lua e abreos sobre os abismos soturnos! O que vês, ó serpente de Set? A quem chamas para os abismos das revas? De quem são as sombras que caem sobre a Luz enraquecida? Chamao para mim, ó serpente de Set! Acariciando as escamas com um movimento circular es pecíco de seus dedos, um movimento que sempre voltava ao início, sua voz baixava cada vez mais enquanto sussurava nomes obscuros e encantamentos sombrios, esquecidos pelo mundo sal vo nas soturnas terras interiores da escura Stygia, onde ormas monstruosas se movem nas sombras dos túmulos. Então o ar ao redor do mago começou a se mover, um re demoinho como aquele que acontece na água quando algumas criaturas emergem à superície. Uma luada de vento abominável, gelado, o envolveu, como se viesse de uma porta aberta. Toth sentiu uma presença atrás de si, mas não se voltou para olhar. Manteve os olhos xos sobre o espaço de mármore banhado pelo luar sobre o qual pairava uma sombra tênue. Continuando a sus surar seus encantamentos, a sombra oi crescendo e cando mais nítida, até que apareceu em toda a sua horripilante denição. Seu contorno se parecia com um gigantesco babuíno, mas nenhum babuíno assim jamais andou sobre a erra, nem mesmo na Stygia. Mesmo assim, Toth ainda não olhou, mas, tirando de seu cinto uma sandália pertencente ao seu senhor — sempre a carregava na tênue esperança de usála um dia — jogoua atrás de si. — Observe bem esta sandália, servo do Anel! — exclamou 165
ele — Encontre e destrua aquele que a usou! Olhe para dentro dos olhos dele e destrua sua alma, antes de estraçalhar sua garganta! Mateo! E — num assomo de paixão cega — e a quem estiver com ele! Delineado na parede enluarada, Toth viu o horror abaixar sua cabeça disorme e cheirar o objeto como um cão horrendo. Em seguida, a cabeça eroz caiu para trás, a coisa cambaleou e se oi como um vento entre as árvores. O stígio jogou os braços para cima enlouquecido de alegria, seus dentes e seus olhos brilharam ao luar. Um soldado montando guarda dentro dos muros deu um grito de terror quando uma enorme sombra negra com olhos chamejantes desprendeuse da parede e passou trotando por ele, levantando um redemoinho de vento. Mas ela desapareceu tão rapidamente que o perplexo guerreiro cou se perguntando se acabara de ter um pesadelo ou uma alucinação.
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Quando o mundo era jovem e os homens eram racos, e os inimigos da noite caminhavam livremente. Eu lutei contra Set com ogo, com aço e com a seiva das árvoresupas; Agora que durmo no coração negro da montanha e os séculos cobram seu tributo. Esqueceis daquele que lutou com a Serpente para salvar a alma humana?
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Sozinho no grande quarto de dormir com sua abóbada dourada, o rei Conan dormia e sonhava. Em meio à rodopiante névoa cinzenta ele ouviu um estranho chamado, raco e distante e, embora não o entendesse, não era capaz de ignorálo. Empu nhando a espada, ele oi caminhando através da névoa cinzenta, como um homem andando através das nuvens, e a voz ia cando cada vez mais clara até que ele entendeu a palavra que estava sen do pronunciada — era seu próprio nome que estava ecoando por cima dos abismos do Espaço e do empo. Então, a névoa cou mais leve, e ele se viu num enorme corredor comprido que parecia ter sido escavado nas rochas. Não estava iluminado, mas por alguma magia ele conseguia ver cla ramente. O chão, o teto e as paredes eram muito polidos e ree tiam uma luz opaca, e estavam entalhados com guras de antigos heróis e deuses semiesquecidos. Ele tremeu ao ver os grandes contornos sombreados dos Anciãos Sem Nome, e percebeu de algum modo que havia séculos que pés mortais não atravessavam o corredor. Ele chegou até uma escada larga escavada na rocha: os la dos da coluna estavam ornamentados com símbolos esotéricos 167
tão antigos e terríveis que a pele do rei Conan se arrepiou. Em cada um dos degraus havia entalhada uma gura abominável da Velha Serpente, Set, de modo que, a cada passo, ele plantava o calcanhar na cabeça da Serpente, como era a intenção nos tempos antigos. A voz continuava a chamálo e, nalmente, envolvido na escuridão que seria impenetrável para seus olhos materiais, ele entrou numa cripta estranha e viu um vulto esumaçado, de bar bas brancas, sentado sobre uma estranha cripta. O cabelo de Co nan cou em pé e ele agarrou a espada, mas o vulto alou em tons sepulcrais: — u me conheces, homem? — Por Crom, não! — Homem — disse o ancião — eu sou Epemitreus. — Mas Epemitreus, o Sábio, está morto há mil e quinhen tos anos! — exclamou Conan. — Ouve! — alou o outro com autoridade — Assim como um seixo lançado num lago escuro envia ondas às mais distantes praias, eventos do Mundo Invisível estouraram como ondas sobre meu sono. Eu tenho te observado muito bem, Conan da Cimé ria, e vejo em ti a marca de acontecimentos poderosos e de eitos grandiosos. Mas a destruição está a solta no país, contra a qual tua espada não poderá te ajudar. — Você ala por enigmas — disse Conan inquieto —. Mos treme o inimigo e eu arrebento seu crânio com minha espada. — Solta tua úria de bárbaro contra teus inimigos de carne e osso — respondeu o ancião — Não é contra os homens que eu devo te proteger. Existem mundos ocultos que os homens mal imaginam existir. Vazios Exteriores de onde monstros disormes podem ser chamados e materializados por magos perversos para render e devorar as pessoas. Há uma serpente em tua casa, ó Rei, uma víbora em teu reino, vinda da Stygia, que tem a sabedoria negra das trevas em sua alma sombria. Assim como um homem adormecido sonha com a serpente que rasteja perto dele, eu sen 168
ti a presença maléca do neóto de Set. Ele está embriagado de poder terrível, poder suciente para derrubar o teu reino. Eu te trouxe até aqui para te dar uma arma contra ele e suas hostes inernais. — Mas por quê? — perguntou Conan espantado — Os ho mens dizem que você dorme no coração negro de Golamira, de onde envia seu espírito sobre asas invisíveis para ajudar Aquilônia em tempos de necessidade, mas eu, eu sou estrangeiro e bárbaro. — Paz! — os tons antasmagóricos ressoaram pela enor me caverna sombria — eu destino está unido ao de Aquilônia. Acontecimentos gigantescos estão se ormando na teia e no ven tre do Destino, e um enlouquecido eiticeiro, ávido de sangue não se porá no caminho do destino imperial. Eras atrás, Set se enro lou ao redor do mundo como uma cascavel ao redor de sua presa. Durante toda a minha vida, que equivaleu à vida de três homens comuns, lutei contra ele. Eu o augentei para os umbrais do Sul misterioso, mas na negra Stygia, os homens ainda adoram aquele que para nós é o arquidemônio. Assim como eu lutei contra Set, eu também combato seus adoradores, seus seguidores e seus acó litos. Estende tua espada, Conan da Ciméria. Surpreso, Conan obedeceu, e sobre a grande lâmina, perto do pesado guardamão de prata, o ancião traçou com seu dedo esquelético um estranho símbolo que reluziu como ogo branco nas sombras. E, no instante seguinte, a cripta, a tumba e o ancião desapareceram. Conan, conuso, despertou sobressaltado em seu leito na enorme câmara dourada. E enquanto estava de pé, aturdi do com seu estranho sonho, percebeu que segurava a espada. E o cabelo cou eriçado na sua nuca, pois viu gravado sobre a lâmina larga um símbolo — os contornos de uma Fênix, o grande pássa ro de ogo que renasce das cinzas para vencer seus inimigos. E ele se lembrou de que sobre o túmulo na cripta, ele vira uma gura semelhante, escavada na pedra. Agora ele se perguntava se aquele ancião não era nada mais que uma gura de pedra, e sua pele se arrepiou com o mistério de tudo isso. 169
Então, um ruído urtivo no corredor o tirou de seu deva neio, e sem parar para investigar, começou a vestir sua armadu ra; era novamente o bárbaro, desconado e alerta como um lobo acuado.
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“Que sei sobre educação, cultura, jóias, artes e posição? Eu, que nasci numa terra deserta e cresci debaixo do céu aberto. A língua sutil, a astúcia sosta racassam quando as espadas cantam; Correi e morrei, cães eu era um homem antes de ser um rei.”
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O Caminho dos Reis
Em meio ao silêncio que envolvia o corredor do palácio real, esgueiravamse vinte guras urtivas. Seus pés nus ou calça dos com couro macio não aziam ruído no tapete espesso nem no ladrilho de mármore. As tochas acesas nos nichos ao longo dos corredores reetiamse vermelhas sobre o punhal, a espada e o machado bem aado. — Quietos! — sibilou Ascalante — Pare com esta maldita respiração ruidosa, quem quer que seja! O ocial no comando retirou a maioria das sentinelas destes salões e embebedou o res to, mas nós devemos ter cuidado do mesmo jeito. Para trás! A guarda está vindo! Eles se espremeram atrás de um aglomerado de colunas entalhadas, e quase que imediatamente dez gigantes em armadu ras negras passaram marchando por eles. Seus olhares demons travam dúvida dirigindose ao ocial que os retirava de seu posto. Este ocial estava bastante pálido; quando a tropa passou pelos esconderijos dos conspiradores, ele enxugou o suor de sua testa com a mão trêmula. Era jovem, e esta traição não era ácil. Amal diçoava em pensamentos a sua extravagância útil que o havia colocado nas mãos dos agiotas e zera dele uma marionete nas 171
mãos de conspiradores políticos. Os guardas passaram tinindo suas armaduras e desapare ceram no corredor. — Ótimo! — sorriu Ascalante — Agora Conan está dor mindo desprotegido. Depressa! Se ormos pegos, estamos perdi dos, apesar de que poucos homens abraçariam a causa de um rei morto. — Rápido, vamos! — gritou Rinaldo, com seus olhos azuis combinando com o brilho da espada que brandia acima da ca beça — Minha espada está sedenta! Até já ouço a chegada dos abutres! Vamos! Eles se precipitaram pelo corredor, parando diante da por ta entalhada com o símbolo do dragão real de Aquilônia. — Gromel! — ordenou Ascalante — Derrube esta porta! O gigante respirou undo e lançou seu corpo poderoso contra a porta que gemeu e se dobrou com o impacto. Ele se cur vou e arremeteu mais uma vez. Os cravos saltaram para ora, a madeira se despedaçou e a porta rachou e caiu para dentro do aposento. — Entrem! — bramiu Ascalante, inamado com o espírito da luta. — Para dentro! — berrou Rinaldo — Morte ao tirano! Os conspiradores estancaram. Quem os enrentava era Conan, não um homem desarmado, conuso e meio adormeci do, para ser massacrado como uma ovelha, mas um bárbaro bem alerta e pronto para se deender, vestido com sua armadura, em punhando sua longa espada. Por alguns instantes, a cena cou imóvel — os quatro no bres rebeldes na porta destruída e a horda de selvagens rostos — todos caram momentaneamente paralisados diante da visão do gigante de olhos de ogo, segurando a espada na mão, parado no meio do salão iluminado por velas. No mesmo instante, Asca lante viu, sobre uma pequena mesa perto do leito real, o cetro de prata e o delgado diadema de ouro que era a coroa de Aquilônia, 172
e a visão deixouo louco de desejo. — Entrem, malditos! — berrou o criminoso — Ele é um contra vinte, e está sem o capacete! Verdade. Não houve tempo para colocar o pesado capacete emplumado, nem para amarrar as placas laterais da armadura, nem para pegar o enorme escudo da parede. Mesmo assim, Co nan estava mais protegido do que qualquer um de seus inimigos, exceto Volmana e Gromel, que estavam totalmente armados. O rei tavaos, conuso quanto à identidade deles. Não co nhecia Ascalante; não conseguia ver através das viseiras echadas dos conspiradores armados, e Rinaldo havia enado o capuz por cima dos olhos. Mas não havia tempo para apresentações. Com um grito que ecoou pelo telhado, os assassinos invadiram o quar to, com Gromel à rente. Ele investiu como um touro, a cabeça abaixada, a espada estendida à altura das entranhas do rei. Conan pulou ao seu encontro e toda a sua orça de um tigre eroz se concentrou no braço que brandia a espada. Sibilando, a lâmina descreveu um semicírculo aiscante e golpeou o capacete do bos soniano. A lâmina e o capacete se estilhaçaram, e Gromel rolou sem vida no chão. Conan pulou para trás, ainda segurando o cabo quebrado. — Gromel! — cuspiu ele, com os olhos queimando de es panto, quando o capacete endido revelou a cabeça despedaçada; em seguida, o resto da matilha se lançou sobre ele. A ponta de um punhal penetrou em suas costelas entre o peitoral e o dorsal, uma lâmina de espada relampejou na rente de seus olhos. Com o bra ço esquerdo, ele jogou de lado o portador do punhal, esmagando a têmpora do espadachim com o cabo da espada. Os miolos do homem espirraram em seu rosto. — Guardem a porta, cinco de vocês! — berrou Ascalante, dançando na beira do sibilante redemoinho de aço, pois ele rece ava que Conan pudesse abrir caminho no meio deles e ugir. Os bandidos retrocederam momentaneamente quando o seu líder agarrou vários deles e empurrouos em direção da única saída; 173
neste breve intervalo, Conan pulou e arrancou da parede um an tigo machado de guerra que, intocado pelo tempo, cara pendu rado ali durante meio século. Dando as costas para a parede, durante um átimo de se gundo, ele encarou o círculo que se echava ao seu redor e então pulou para o meio deles. Conan não era um lutador deensivo; sempre partia para o ataque, mesmo quando nas garras de uma desvantagem devastadora. Qualquer outro homem já teria mor rido ali, e o próprio Conan não esperava sobreviver, mas desejava violentamente inigir tanto estrago quanto pudesse antes de cair. Sua alma de bárbaro estava em ogo, e os cantos de velhos heróis ecoam em seus ouvidos. Pulando para a rente, seu machado derrubou um crimi noso erindoo no ombro, e o terrível contragolpe esmagou o crânio de outro. Espadas sibilavam ameaçadoras ao seu redor, mas a morte o poupava por um o. O cimério se movia numa ve locidade estonteante. Era um tigre pulando entre babuinos, recu ando, girando, sempre um alvo móvel, com o machado tecendo uma roda brilhante de morte à sua volta. Por um breve espaço de tempo, os assassinos erozes aglo meraramse em torno dele, golpeando cegamente, atrapalhados pelo grande número deles; em seguida recuaram abruptamente; dois cadáveres no chão davam a muda evidência da úria do rei, embora Conan estivesse sangrando das eridas provocadas no seu braço, no pescoço e nas pernas. — Idiotas! — berrou Rinaldo, arrancando seu gorro em plumado, os olhos selvagens aiscando — Estão evitando o com bate? O déspota deve viver? Ataquem! Ele se lançou para dentro do tumulto, golpeando louca mente, mas Conan, reconhecendoo, despedaçoulhe a espada com uma terrível machadada e, com um poderoso empurrão com a mão aberta, derrubouo no chão. O rei agarrou com a mão esquerda a lança de Ascalante, e o criminoso mal teve tempo para salvar a vida abaixandose e pulando para trás, evitando assim 174
o giro do machado. Os lobos tornaram a atacar e o machado de Conan cantava e esmagava. Um patie cabeludo agachouse para escapar do machado e agarrou os pés do rei, mas depois de lutar por um breve momento com o que lhe parecia uma sólida torre de erro, ergueu os olhos a tempo de ver o machado caindo, mas não de evitar o golpe. Neste ínterim, um de seus companheiros ergueu um sabre com ambas as mãos e o enou através do pro tetor do ombro esquerdo do rei, erindo seu ombro. Em poucos instantes, a armadura de Conan estava toda ensanguentada. Volmana, empurrando os atacantes para os lados na sua impaciência selvagem, arremeteu um golpe assassino na cabeça desprotegida de Conan. O rei abaixouse e a espada cortoulhe uma mecha de cabelo, ao passar assobiando por cima dele. Co nan girou sobre os calcanhares e golpeou de lado. O machado esmagou a armadura de aço e Volmana desabou com seu lado esquerdo inteiro cortado. — Volmana! — resolegou Conan — Eu reconheceria esse anão até no Inerno... Ele se endireitou para aparar o ataque enlouquecido de Ri naldo, que investiu selvagem e abertamente, armado apenas com um punhal. Conan pulou para trás, erguendo o machado. — Rinaldo! — sua voz estava estridente de desespero — Para trás! Não quero matar você... — Morra, tirano! — berrou o bardo louco, jogandose de cabeça por cima do rei. Conan hesitou o golpe que estava prestes a deserir, até que oi tarde demais. Foi só quando sentiu a mor dida do aço em seu anco desprotegido que ele golpeou, numa úria absolutamente cega. Rinaldo caiu com o crânio esacelado, e Conan cambaleou apoiandose na parede, com o sangue espirrando entre os dedos que apertavam a erida. — Vamos, matem agora! — gritou Ascalante. Conan apoiouse de costas na parede e ergueu o machado. Parecia uma imagem primordial inconquistável — pernas bem 175
aastadas, cabeça jogada para a rente, uma mão agarrandose à parede, a outra segurando o machado erguido, os grandes mús culos salientes como se ossem de erro, e o rosto paralisado num rito de úria mortal — os olhos brilhando terrivelmente através da névoa de sangue que os encobria. Os homens hesitaram — embora ossem selvagens, assassinos, e dissolutos, mesmo assim pertenciam a uma raça dita civilizada, com uma educação civili zada; à sua rente estava o bárbaro — o matador nato. Eles recua ram — um tigre agonizante sabia lidar com a morte. Conan sentiu a hesitação deles e abriu um sorriso jubiloso e eroz. — Quem vai morrer primeiro! — resmungou através dos lábios inchados e ensanguentados. Ascalante pulou como um lobo, parou quase que no ar com uma rapidez incrível e caiu prostrado para evitar a morte que vinha sibilando em sua direção. Rolou reneticamente para evitar o ataque, enquanto Conan se recuperava do golpe perdi do e investia de novo. Desta vez, as bordas aadas do machado mergulharam undo no chão polido perto das pernas agitadas de Ascalante. Outro assassino alucinado escolheu esse instante para ata car, seguido sem muita convicção pelo companheiros. Ele pre tendia matar Conan antes que o cimério conseguisse arrancar o machado do chão; mas, para a sua surpresa, o machado vermelho oi erguido, desabou, e nada mais que uma avermelhada carica tura de um homem é arremessada contra as pernas dos atacantes. Nesse instante, um grito aterrador partiu dos bandidos postados à porta e a sombra de um vulto negro e disorme to mou a parede. odos menos Ascalante voltaramse na direção do grito; e, em seguida, uivando como cães, eles se precipitaram cegamente pela porta, uma turba delirante blasemando, que se espalhou pelos corredores numa uga desesperada. Ascalante não olhou para a porta; tinha olhos somente para o rei erido. Ele supunha que o ruído da luta houvesse nal 176
mente acordado o palácio, e que os guardas leais estavam sobre ele, embora lhe parecesse estranho que seus destemidos vagabun dos berrassem tão terrivelmente na uga. Conan não olhou para a porta porque xava o criminoso com os olhos chamejantes de um lobo agonizante. Mesmo nesta situação extrema, a losoa cínica de Ascalante não o abandonou. — Parece que tudo está perdido, principalmente a honra — murmurou — No entanto, o rei está morrendo de pé, e ... — Não se soube que outra cogitação poderia estar passando por sua mente; pois, sem completar a rase, ele investiu acilmente contra Conan no momento em que o cimério estava usando o braço que segurava o machado para limpar o sangue dos olhos. Mas, no instante em que ele ia atacar, o ar se moveu de ma neira estranha e algo muito pesado golpeou com orça entre seus ombros. Ele oi jogado de bruços e enormes garras enterraramse em sua carne. Debatendose em desespero sob o peso do atacan te, voltou a cabeça e seus olhos taram a ace do Pesadelo e da Loucura. Sobre ele estava sentada uma enorme coisa negra que, ele sabia, não vinha do mundo humano. As negras presas gote jando gosma estavam perto de sua garganta e o brilho dos olhos amarelos azia murchar seus membros como um vento assassino que seca o trigo novo. A eiúra da ace transcendia a mera bestialidade. Poderia ser a ace de uma múmia antiga, maléca, animada por uma vida demoníaca. Nesses traços horripilantes, os olhos dilatados do cri minoso pareciam ver, como uma sombra na loucura que o envol via, uma raca e terrível semelhança com o escravo TothAmon. Então a losoa cínica e autosuciente abandonou Ascalante que, com um grito tenebroso, morreu antes mesmo que aquelas presas gotejando gosma o tocassem. Conan, sacudindo as gotas de sangue de seus olhos, obser vava a cena paralisado. Primeiro ele pensou que era um enorme cão negro que estava sobre o corpo distorcido de Ascalante; em seguida, quando desanuviou a vista, viu que não era nem um cão 177
nem um símio. Com um grito que era semelhante a um eco do grito de morte de Ascalante, ele se desprendeu da parede e investiu con tra o horror espectral que saltava em sua direção com um golpe de seu machado, imbuído de toda a orça desesperada de seus nervos eletricados. A arma voou e rebateu cantando do crânio abaixado que deveria ter despedaçado, e o rei oi jogado no meio do salão pelo impacto do corpo gigantesco. A mandíbula salivante apertou o braço que Conan erguera para proteger sua garganta, mas o monstro não precisou de es orço algum para rmar seu aperto de morte. Por cima do braço lacerado, os olhos maldosos estavam xos nos olhos do rei, nos quais começava a se espelhar a imagem do horror que se reetia nos olhos mortos de Ascalante. Conan sentia que sua alma es tremecia e era drenada de seu corpo, para aogarse nos poços amarelos do horror cósmico que brilhavam espectrais no caos disorme que crescia ao seu redor e engolia toda a vida e toda a sanidade. Aqueles olhos cresceram e se tornaram gigantescos, e neles o cimério vislumbrou a realidade de todos os horrores abis sais e blasemo que espreitam nos umbrais tenebrosos e vazios disormes de soturnos abismos. Ele abriu os lábios ensanguenta dos para gritar seu ódio e seu desprezo, mas somente um ruído seco escapou de sua garganta. Mas o horror que paralisara e destruíra Ascalante des pertou no cimério uma úria renética igual à loucura. Com um impulso vulcânico de seu corpo inteiro, ele se jogou para trás, sem se importar com a agonia de seu braço rasgado, arrastando o monstro atrás de si. E estendendo a mão sentiu algo que seu atordoado cérebro de lutador reconheceu como sendo o cabo de sua espada quebrada. Instintivamente, agarrouo e golpeou com toda a energia de seus músculos, como se tivesse nas mãos uma adaga. A lâmina quebrada aundou, e o braço de Conan oi li bertado enquanto a boca horrenda oegava agonizante. O rei oi jogado violentamente para o lado e, apoiandose perplexo sobre 178
um braço, viu as terríveis convulsões do monstro, do qual jorrava um sangue espesso por uma grande erida aberta por sua lâmina quebrada. O monstro parou de se debater e jazia em espasmos, com os terríveis olhos mortos virados para cima. Conan pestane jou para sacudir o sangue de seus próprios olhos; parecialhe que a coisa estava derretendo e se desintegrando numa massa pega josa e disorme. Então, um alvoroço de vozes alcançou seus ouvidos, e o quarto oi invadido pelos cortesãos que nalmente haviam des pertado — cavaleiros, soldados, damas, conselheiros — todos alando, gritando e empurrandose. Os Dragões Negros estavam próximos, enlouquecidos de raiva, praguejando e se agitando, com as mãos sobre as empunhaduras e com juramentos estran geiros entre os dentes. Não havia sinal do jovem ocial da guarda da porta, nem conseguiram achálo mais tarde, embora o procu rassem ansiosamente. — Gromel! Volmana! Rinaldo! — exclamava Publius, o conselheiro do Rei, torcendo as mãos gordas andando entre os cadáveres — raição negra! Alguém vai pagar por isso! Chamem a guarda. — A guarda já está aqui, velho tolo! — retorquiu galante mente Callantides, comandante dos Dragões Negros, esquecen dose da posição de Publius no suoco do momento — É melhor parar de miar e nos ajudar a cuidar das eridas do rei. Senão ele pode sangrar até morrer. — Sim, sim! — exclamou Publius, um homem que preeria planos à ação — Precisamos cuidar das eridas dele. Mande cha mar todos os médicos da corte! Oh, meu senhor, que vergonha para a cidade! Está muito erido? — Vinho! — arou o rei do leito onde eles o depuseram — Eles aproximaram uma taça dos seus lábios ensanguentados e ele bebeu como um homem semimorto de sede. — Bom! — grunhiu ele, caindo para trás — Matar me dá uma sede incrível. 179
Eles haviam estancado o jorro de sangue, e a vitalidade na tural do bárbaro estava começando a tomar conta. — Cuide primeiro da erida eita pelo punhal — ordenou aos médicos da corte — Rinaldo escreveu ali um hino únebre para mim, e o estilo estava bem aado. — Deveríamos têlo enorcado há muito tempo — res mungou Publius — Os poetas não servem para nada de bom; quem é este aqui? Ele tocou nervosamente o corpo de Ascalante com a ponta da sandália. — Por Mitra! — exclamou o comandante — É Ascalante, o antigo conde de Tune! Que artimanha demoníaca o tirou de sua toca no deserto? — Mas por que este olhar? — sussurrou Publius, aastando se, com os olhos arregalados e com um estranho arrepio entre os pêlos da nuca gorda. Os outros caram em silêncio olhando para o criminoso morto. — Se tivessem visto o que ele e eu vimos — resmungou o rei, sentandose apesar dos protestos dos médicos — não esta riam perguntando. Vejam por vocês mesmos este espanto — ele interrompeu oegante, o dedo apontando para nada, pois no lu gar onde o monstro havia morrido, apenas o chão vazio. — Crom! — praguejou ele — A coisa se desez e voltou ao lugar inernal de onde veio! — O rei está delirando — murmurou um nobre. Conan ouviu e exclamou com juramentos selvagens. — Por Badb, por Morrigan, por Macha e por Nemain! — concluiu ele urioso — Estou em posse de meu pleno juízo! Era como um cruzamento entre uma múmia stígia e um babuíno. En trou pela porta e os comparsas de Ascalante ugiram dele. Matou Ascalante, que estava prestes a me atacar. Então “isto” me atacou e eu o matei, não sei como, pois meu machado rebateu contra ele como se osse eito de pedra. Mas acho que o Sábio Epemitreus teve algo a ver com isso... 180
— Vejam como ele ala de Epemitreus, morto há mil e qui nhentos anos! — as pessoas sussurravam entre si. — Por Ymir! — trovejou o rei — Esta noite alei com Epe mitreus! Ele me chamou em meus sonhos e andei por um escuro corredor de pedra, entalhado com guras de antigos deuses, subi uma escada de pedra em cujos degraus havia desenhos de Set e cheguei a uma cripta, e a tumba com uma ênix entalhada nela... — Em nome de Mitra, milorde, que quieto! — era o sumo sacerdote de Mitra que gritou, pálido. Conan jogou a cabeça para trás como um leão sacudindo sua juba, e sua voz saiu grossa como o rugido de um leão urioso. — Por acaso sou um escravo que deve calar a boca à sua ordem? — Não, não, meu senhor! — o sumo sacerdote tremia, mas não era por recear a ira do rei — Não pretendia oendêlo — in clinouse perto do rei e alou num sussurro que somente Conan podia ouvir. — Meu senhor, este é um assunto que está além da compre ensão humana. Somente o Círculo Interno dos Sacerdotes sabe sobre o corredor de pedras negras escavado por mãos desconhe cidas no coração do Monte Golamira, ou sobre a tumba protegida pela ênix, onde Epemitreus descansa há mil e quinhentos anos. E desde aquele tempo nenhum ser humano entrou lá, pois os sa cerdotes escolhidos por ele, depois de colocar o Sábio na crip ta, echaram a saída do corredor de maneira que homem algum pudesse achála, e atualmente nem mesmo os sumo sacerdotes sabem onde é. A existência do jazigo de Epemitreus no coração sombrio de Golamira é um segredo transmitido somente da boca para o ouvido pelos sumo sacerdotes para os poucos escolhidos que o guardam zelosamente. Este é um dos Mistérios sobre os quais se assentam o culto de Mitra. — Não sei dizer que tipo de magia Epemitreus me levou até ele — respondeu Conan — Mas alei com ele e ele ez uma marca em minha espada. Não sei por que essa marca a tornou mortíera 181
para o demônio, nem que magia está contida nela; mas, mesmo depois que a espada se quebrou sobre o capacete de Gromel, o pedaço que sobrou oi sucientemente para matar o horror. — Deixeme ver a espada — sussurrou o sumo sacerdote, com a garganta repentinamente seca. Conan estendeu a arma quebrada e o sumo sacerdote deu um grito, caindo de joelhos. — Que Mitra nos proteja contra os poderes das trevas! — arou ele — De ato, o rei alou com Epemitreus esta noite! Eis na espada o sinal secreto que ninguém além dele pode azer — o emblema da Fênix Imortal que paira eternamente sobre seu tú mulo! Uma tocha, rápido! Vamos olhar novamente o local onde a criatura morreu! Estava na sombra de um biombo quebrado. Eles puxaram o biombo de lado e iluminaram o chão com as tochas. E um silên cio estarrecedor se abateu sobre as pessoas que estavam olhando. Então, alguns caíram de joelhos evocando Mitra, outros ugiram gritando do quarto. Pois no chão onde o monstro havia morrido, havia agora, como uma sombra tangível, uma enorme mancha negra indelé vel; a coisa que deixara este contorno bem nítido gravado no chão com seu próprio sangue não era um ser habitante de um mundo normal. Horrível e repugnante, como a sombra de um dos deuses símios que cam sentados nos altares sombrios dos templos obs curos na terra escura da Stygia.
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Os Anais da História Hiboriana
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Nada que esteja neste artigo deve ser considerado uma tentativa de mostrar qualquer teoria oposta à história consagrada. É simplesmente um cenário fctício para uma série de histórias de fcção. Há alguns anos, quando comecei a escrever as histórias de Conan, preparei esta “história” de sua época e dos povos daquela época, com o propósito de emprestar a ele e à sua saga uma maior aparência de realidade. E descobri que ao me ater aos “atos “ e ao espírito dessa história, ao escrever as histórias, era mais ácil visualizá-lo ( e, portanto, de apresentá-lo) como uma personagem real de carne e ossos em vez de um produto acabado. Ao escrever sobre ele e sobre suas aventuras nos diversos reinos de sua Época, jamais violei os “atos “ ou o espírito da “história “ aqui defnidos, mas sempre segui as linhas dessa história com tanto cuidado quanto o verdadeiro escritor de fcção histórica segue as linhas da história verdadeira. Usei esta “história” como guia para todas as histórias desta série que escrevi.” Robert E. Howard
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Pouco se sabe sobre aquela época que os cronistas nemé dios conheciam como a Era Précataclísmica, com exceção da última parte, que está envolta na névoa lendária. A História co nhecida começa com o declínio da civilização précataclísmica, dominada pelos reinos de Kamélia, Valusia, Verulia. Grondar, Tule e Commoria. Esses povos alavam línguas semelhantes e deendiam uma origem comum. Havia outros reinos, igualmente civilizados, mas habitados por raças dierentes e aparentemente mais antigas. Os bárbaros daquela época eram os pictos, que viviam nas ilhas bem distantes em meio ao oceano ocidental; os atlantes, que habitavam um pequeno Continente entre as Ilhas Pictas e o Continente principal, ou o Continente Turio; e os lemúrios, que habitavam uma cadeia de ilhas grandes, no hemisério oriental. Havia extensas regiões de terras inexploradas. Os reinos civilizados, embora enormes, ocupavam uma porção relativa mente pequena do planeta inteiro. Valusia era o reino situado no extremo ocidente do Continente Turio; Grondar, no extremo ocidente. Ao leste de Grondar, cujos povos eram menos cultos do que os dos reinos aparentados, estendiase uma série de desertos. 186
Entre os pedaços menos áridos dos desertos, nas selvas e no meio das montanhas, viviam clãs e tribos esparsas de selvagens primi tivos. Bem ao sul havia uma misteriosa civilização, sem laços com a cultura thuria, e aparentemente de natureza préhumana. Nas distantes praias do Sul do Continente vivia outra raça, humana mas misteriosa e não thuria, com a qual, de tempos em tempos, os lemúrios entravam em contato. Originavamse provavelmente de um Continente sombrio e sem nome situado em algum lugar a leste das Ilhas Lemúrias. A civilização thuria estava ruindo; seus exércitos compu nhamse principalmente de mercenários bárbaros. Seus generais eram pictos, atlantes e lemúrios, assim como seus estadistas e, muitas vezes, seus reis. Havia muito mais lendas do que história precisa sobre as lutas entre os reinos e as guerras entre Valusia e Commoria, assim como sobre as conquistas pelas quais os atlan tes undaram um reino no Continente. Então o cataclisma sacudiu o mundo. A Atlântida e a Le múria submergiram e as Ilhas Pictas oram empurradas para cima ormando os picos das montanhas de um novo Continente. Par tes inteiras do Continente Turio desapareceram sob as ondas, ou aundaram ormando grandes lagos e mares interiores. Vulcões entraram em erupção e terríveis terremotos derrubaram as re luzentes cidades dos impérios. Nações inteiras oram apagadas. Os bárbaros estavam em condições um pouco melhores do que as raças civilizadas. Os habitantes das Ilhas Pictas oram destruídos, mas uma grande colônia deles, estabelecida no meio das montanhas da ronteira sul de Valusia para servir de anteparo contra as invasões de estrangeiros, permaneceu intacta. O reino continental dos atlantes também escapou da ruína geral, e para lá se dirigiram em navios milhares de pessoas de sua tribo, ugindo da terra submersa. Muitos lemúrios ugiram para a costa leste do Continente Turio, que permanecia relativamente intocada. Fo ram escravizados ali pela antiga raça que já morava no lugar, e a história deles, durante milhares de anos, é uma história de brutal 187
servidão. Na parte oeste do Continente, condições mutantes cria ram ormas estranhas de vida vegetal e animal. Selvas espessas cobriam as planícies, grandes rios cortavam seu caminho rumo ao mar, montanhas selvagens oram erguidas e lagos cobriam os destroços de velhas cidades localizadas nos vales érteis. O reino continental dos atlantes oi invadido por miríades de animais e de selvagens — homensmacaco e macacos, que ugiam das regiões submersas. Apesar de orçados a lutar constantemente por suas vidas, eles conseguiram conservar vestígios do seu adiantado es tado anterior de barbárie. Destituídos de metais e de minério, eles passaram a trabalhar a pedra como seus ancestrais remotos o ze ram, e já haviam alcançaram um nível verdadeiramente artístico quando sua cultura entrou em contato com a poderosa nação pic ta: os pictos também haviam regredido para a pedra lascada, mas haviam avançado mais rapidamente em termos de população e da arte da guerra. Faltavalhes a natureza artística dos atlantes, pois eles eram uma raça mais grosseira, mais prática, mais prolíca. Eles não deixaram imagens pintadas ou entalhadas em mármore, como o zeram seus inimigos, mas deixaram uma abundância de ecientes armas de pedra lascada. Esses reinos da idade da pedra desmoronaram e, numa sé rie de guerras sangrentas, os atlantes, cujo número era menor, oram lançados de volta a um estado de selvageria, e a evolução dos pictos oi interrompida. Quinhentos anos depois do cataclis mo, os reinos bárbaros desapareceram. Atualmente é uma nação de selvagens — os pictos — que guerreia constantemente com as tribos selvagens — os atlantes. Os pictos tinham a vantagem de serem em número maior e de se unirem, enquanto os atlantes haviam se dispersado em clãs com pouca ligação entre si. Esse era o Oeste daqueles dias. No Leste distante, separados do resto do mundo pelo sur gimento de gigantescas montanhas, e pela ormação de cadeias de lagos extensos, os lemúrios estão labutando como escravos de 188
seus antigos senhores. O extremo Sul ainda está envolto em mis tério. Intocados pelo cataclismo, seu destino ainda é préhumano. Das raças civilizadas do Continente Turio, um remanescente das nações não valusias habita entre as montanhas baixas do Su deste — os zhemri. Aqui e ali pelo mundo espalhamse clãs de selvagens simiescos, totalmente alheios à ascensão e à queda das grandes civilizações. Mas, no extremo Norte, outros povos estão nascendo aos poucos. Na época do cataclismo, um bando de selvagens, cujo de senvolvimento não estava muito acima do do Neanderthal, u giu para o norte para escapar da destruição. Eles encontraram os países cobertos de neve habitados somente por uma espécie de erozes macacosdeneve—enormes animais de pêlo branco, aparentemente nativos daquele clima. Os selvagens lutaram com eles e os baniram para além do Círculo Ártico, achando que lá pereceriam. Então, estes se adaptaram ao novo ambiente inóspito e prosperaram. Depois que as guerras pictoatlantes haviam destruído o início daquilo que poderia ter sido uma nova cultura, outro ca taclismo menor alterou mais a aparência do Continente original; deixou um grande mar interior onde outrora existira uma cadeia de lagos, separando mais ainda o Oeste do Leste; e os terremotos, as enchentes e os vulcões completaram a ruína dos bárbaros que as guerras tribais haviam começado. Mil anos depois do cataclismo menor, o mundo ociden tal é uma terra selvagem de matas, de lagos e de rios torrenciais. Entre as colinas cobertas por orestas, a noroeste, existem ban dos nômades de homensmacaco, que não alam uma língua hu mana, não conhecem o ogo nem o uso de erramentas. São os descendentes dos atlantes, decaídos no caos de animalidade o restal para ora da qual seus ancestrais, séculos atrás, haviam tão laboriosamente se arrastado. A sudoeste, habitam esparsos clãs de selvagens homens das cavernas decaídos, que alam uma lín gua mais primitiva, mas que ainda conservam o nome de pictos, 189
termo que chegou a signicar meramente seres humanos, para distinguilos dos verdadeiros animais com os quais eles disputam a vida e o alimento. É o único vínculo que têm com o estágio anterior. Nem os esquálidos pictos nem os simiescos atlantes têm qualquer contato com outras tribos ou com outros povos. No extremo Leste, os lemúrios, rebaixados até quase o pla no animalesco pela brutalidade da escravidão, ressurgiramse e destruíram seus senhores. São selvagens entre as ruínas de uma civilização estranha. Os sobreviventes dessa civilização, que ha viam escapado da úria de seus escravos, oram migrando rumo ao oeste. Eles atacam aquele misterioso reino préhumano do Sul e derrubamno, substituindo sua própria cultura, modicada pelo contato com a mais antiga. O reino novo se chama Stygia, e os remanescentes da nação mais antiga parecem ter sobrevivido, e até ter sido adorados, depois que a raça como um todo ora destruída. Aqui e ali pelo mundo, pequenos grupos de selvagens mos tram sinais de uma tendência ascendente; são esparsos e insig nicantes. Mas no Norte, as tribos estão crescendo. Esses povos são chamados de hiborianos, ou hibori; o deus deles era Bori — algum chee importante, a quem as lendas tornaram mais antigo ainda como o rei que os conduzira para o norte nos dias do gran de cataclismo, do qual as tribos se lembram apenas em orma de olclore distorcido. Eles se espalharam pelo Norte e estão descendo para o sul em passos vagarosos. Até agora, ainda não entraram em contato com outra raça; suas guerras têm sido entre eles mesmos. Mil e quinhentos anos passados nas terras do Norte os tornaram uma raça de homens altos, louros, de olhos cinza, vigorosos e guerrei ros, já exibindo uma natureza artística e poética bem denida. Eles ainda vivem principalmente da caça, mas as tribos do Sul têm criado gado há alguns séculos. Há uma exceção em seu com pleto isolamento de outras raças: um nômade que viajara para o extremo norte voltara com a notícia de que os desertos gela 190
dos supostamente desabitados eram habitados por uma grande tribo de homens simiescos, descendentes, conorme jurava, dos animais banidos das terras mais habitáveis pelos ancestrais dos hiborianos. Ele instava para que uma grande companhia de guer ra osse enviada para além do Círculo Ártico a m de extermi nar esses animais, que ele jurava que estavam evoluindo em seres humanos. Riram dele; um pequeno bando de jovens guerreiros aventureiros seguiuo para o norte, mas ninguém voltou. Mas as tribos dos hiborianos estavam migrando para o sul e, conorme a população crescia, o movimento deles se expandia. A época seguinte oi de andanças e de conquistas. Através da his tória do mundo, tribos e levas de tribos se movem e mudam de lugar num panorama sempre em mutação. Vamos olhar para o mundo quinhentos anos mais tarde. ribos de hiborianos louros migraram para o sul e para o oeste, conquistando e destruindo muitos clãs pequenos e sem raça. Ab sorvendo o sangue das raças conquistadas, os descendentes de migrações anteriores já começaram a mostrar traços raciais mo dicados, e essas raças misturadas são atacadas erozmente pelas migrações novas, de sangue mais puro, e varridas à sua rente, como uma vassoura varre imparcialmente o lixo, para se torna rem mais misturadas ainda e enredadas no lixo das raças e nais de raças. Os conquistadores ainda não entraram em contato com as raças mais antigas. No Sudeste, os descendentes dos zhemri, recebendo o impulso do sangue novo resultante da mistura com alguma tribo não classicada, estão começando a tentar azer re viver uma leve sombra de sua antiga cultura. No Oeste, os simies cos atlantes estão começando a longa escalada ascendente. Eles completaram o ciclo de existência; esqueceramse há muito tem po de sua existência anterior como seres humanos; inconscientes de qualquer outro tipo de estado, estão começando a subir, sem a ajuda nem o impedimento das memórias humanas. Ao sul deles, os pictos continuam selvagens, aparentemente desaando as leis 191
da Natureza por não estar progredindo nem retrocedendo. No extremo Sul sonha o antigo reino misterioso de Stygia. Nas suas ronteiras do Leste, vagueiam clãs de nômades selvagens, já co nhecidos como os Filhos de Shem. Próximo aos pictos, no extenso vale de Zingg, protegido pelas grandes montanhas, um bando de primitivos sem nome, classicado aproximadamente como parente dos shemitas, de senvolveu um sistema avançado de agricultura e de existência. Outro ator acrescentouse ao ímpeto da migração hiboria na. Uma tribo dessa raça descobriu o uso da pedra na construção, e assim surgiu o primeiro reino hiboriano — o reino grosseiro e bárbaro de Hyperborea, que teve seu início numa ortaleza rude de pedras, construída para repelir os ataques das tribos. As pes soas dessa tribo logo substituíram suas tendas de pele de cavalo por casas de pedra, de construção tosca mas orte e, protegidas assim, tornaramse ortes. Há poucos atos mais dramáticos na história do que o surgimento do reino rude, violento de Hyperbo rea, cujos povos abandonaram abruptamente a vida nômade para erguer moradias de pedra bruta, cercadas por muros ciclópicos — uma raça recémsaída da idade da pedra polida que, por um golpe do destino, aprendeu os primeiros princípios grosseiros da arquitetura, O surgimento desse reino aastou muitas outras tribos, pois, vencidos nas guerras ou se recusando a pagar tributos aos parentes que moravam em castelos, muitos clãs partiram cami nhando por longas trilhas que os levaram para o outro lado do mundo. E as tribos mais ao norte já começam a ser acossadas por gigantescos selvagens loiros, não muito mais avançados que homensmacaco. [A migração lemúria que undou o reino de Stygia compõese de dois ramos. Enquanto o ramo sul criou Stygia, o ramo norte undou simultaneamente o poderoso império de Acheron, tendo Python como capital com suas torres escarlate, nas terras ao nor192
te e a oeste. Quinhentos anos depois da undação de Acheron, os primeiros migrantes hiborianos alcançaram suas ronteiras, reu giando-se dos sacerdotes e dos guerreiros do Sul. Durante cerca de dois mil anos, Acheron guerreou contra os invasores hiborianos. Os bárbaros acabaram varrendo e destruindo Acheron, para fnalmente serem detidos pelos exércitos disciplinados de Stygia, o império irmão de Acheron, o vizinho do Sul. L. Sprang de Camp.]
A história dos próximos mil anos é uma história da ascen ção dos hiborianos, cujas tribos belicosas dominam o mundo ocidental. Reinos rudes vão tomando orma. Os invasores loiros enrentaram os pictos, empurrandoos para as terras desertas do Oeste. A noroeste, os descendentes dos atlantes que, sem receber ajuda, passam do estado simiesco para um estado primitivo sel vagem, ainda não se derontaram com os conquistadores. No ex tremo Leste, os lemúrios estão desenvolvendo uma estranha se micivilização própria. Ao sul, os hiborianos undaram o reino de Koth, nas ronteiras daqueles países de pastores conhecidos como as erras de Shem, e os selvagens daquelas terras, em parte atra vés do contato com os hiborianos, em parte através do contato com os stígios que os atacaram durante séculos, estão emergindo do barbarismo. Os selvagens loiros do extremo Norte cresceram em poder e em número azendo com que as tribos hiborianas do Norte migrem para o sul, augentando seus clãs parentes diante deles. O antigo reino de Hyperborea é derrubado por uma dessa tribos, que, no entanto, conserva seu antigo nome. A sudeste de Hyperborea, surgiu um reino dos zhemri chamado Zamora. A sudoeste, uma tribo de pictos invadiu o vale értil de Zingg, con quistou o povo agrícola local e se estabeleceu entre eles. Essa raça misturada oi por sua vez conquistada mais tarde por uma des truidora tribo de Hybori, e desses elementos misturados surgiu o reino de Zingara. 193
Quinhentos anos mais tarde, os reinos do mundo estão claramente denidos. Os reinos dos hiborianos, Aquilônia, Ne média, Brythunia, Hyperborea, Koth, Ophir, Argos, Corinthia e um reino chamado de Reino Fronteiriço — dominam o mundo ocidental. Zamora ca a leste, e Zíngara a sudoeste desses reinos — povos semelhantes pela pele escura e pelos costumes exóticos, mas sem outro parentesco. No extremo Sul dorme Stygia, intoca da pelas invasões estrangeiras, mas os povos de Shem trocaram o jugo stígio pelo jugo menos opressor de Koth. Os escuros senho res oram augentados para o sul dos grandes rios Styx, Nilus, ou Nilo, que, correndo para o sul partindo das sombrias terras do interior, dobram quase que em ângulos retos e correm quase que rumo a oeste através das pastagens de Shem, para desaguar no grande mar. Ao norte de Aquilônia, no reino que ca no extremo Oeste de Hyboria, estão os cimérios, selvagens erozes, indoma dos pelos invasores, mas que avançam rapidamente por causa do contato com eles; são descendentes dos atlantes, agora progredin do mais estavelmente que seus antigos inimigos, os pictos, que habitam o deserto a oeste de Aquilônia. Mais quinhentos anos e os povos hybori são proprietários de uma civilização tão viril que o contato com ela virtualmente arranca do estágio de selvageria as tribos que toca. O reino mais poderoso é Aquilônia, mas outros competem com ela em orça e em esplendor. Os hiborianos se tornaram uma raça conside ravelmente mista; os mais próximos da antiga raçaraiz são os gunder da Gunderland, uma província setentrional de Aquilônia. Mas esta mistura não enraqueceu a raça. Dominam supremos no mundo ocidental, embora os bárbaros dos desertos estejam se ortalecendo. Ao norte, bárbaros louros, de olhos azuis, descendentes dos louros selvagens árticos, expulsaram as remanescentes tri bos hiborianas das terras nevadas, com exceção do antigo reino de Hyperborea, que resiste aos ataques. O país deles se chama Nordheim, e eles se dividem nos ruivos vanir de Vanaheim e nos 194
louros aesires de Asgard. Agora os lemúrios tornam a entrar na história como hir canianos. Avançaram rmemente rumo ao Ocidente através dos séculos, e agora uma tribo ladeia o extremo Sul do grande mar interior — Vilayet — e estabelece o reino de uran na costa su doeste. Entre o mar interior e as ronteiras orientais dos reinos nativos, há uma extensão de estepes e, no extremo Norte e no ex tremo Sul, desertos. Os habitantes não hircanianos desses territó rios, no Norte são pastores esparsos sem raça, no Sul são shemi tas, com um leve traço de sangue hiboriano dos conquistadores nômades. No nal dessa época, outros clãs hirkanianos avançam para o oeste, ao redor das costas setentrionais do mar interior, e se chocam com os postos avançados dos hiborianos no Leste. Vamos dar uma olhada nos povos dessa época. Os hiboria nos dominantes já não têm mais cabelo castanho e olhos cinza. Estão misturados com outras raças. Há um orte traço shemita, até stígio, entre os povos de Koth, e, menos intenso, de Argos, en quanto no último caso, o cruzamento com os zinaras oi mais ex tenso do que com os shemitas. Os brythunianos casaramse com os zamorianos de pele escura, e os povos do Sul de Aquilônia se misturaram com os zíngaros de pele escura até que o cabelo negro e os olhos castanhos se tornaram o tipo dominante em Poitain, a província do extremo Sul. O antigo reino de Hyperborea é mais reservado do que os outros, mas existe bastante sangue estrangei ro nas suas veias, por causa da captura de mulheres estrangeiras — hircanianas, aesires e zamorianas. Somente na província de Gunderland, onde os povos não mantêm escravos, a raça hibo riana é pura. Mas os bárbaros conservaram pura sua descendên cia; os cimérios são altos e ortes, com cabelo escuro e olhos azuis ou cinza. Os povos de Nordheim são de compleição semelhante, mas têm a pele branca, olhos azuis e cabelo louroclaro ou rui vo. Os pictos são do mesmo tipo que sempre oram — baixos, muito escuros, com olhos e cabelo negros. Os hyrkanianos são escuros e geralmente altos e magros, embora haja um leve tipo de 195
olhos amendoados cada vez mais comum entre eles, resultado de uma mistura com uma raça esquisita de aborígenes inteligentes, embora abrutalhados, conquistada por eles entre as montanhas a leste de Vilayet, na sua migração para o oeste. Os shemitas são geralmente de estatura mediana, embora, às vezes, quando mis turados com sangue stígio, sejam gigantescos, de ombros largos e ortes, com nariz adunco, olhos escuros e cabelo pretoazulado. Os stígios são altos e bem proporcionados, escuros, de traços re tos — pelo menos a classe reinante pertence a esse tipo. As classes ineriores são uma horda de oprimidos e vagabundos, uma mis tura de sangue negróide, stígio, shemita e até hiboriano. Ao sul de Stygia cam os vastos reinos negros dos amazon, dos kushitas, dos atlaias e o Império híbrido de Zimbabwe. Entre Aquilônia e o deserto picto cam os pântanos bos sonianos, habitados pelos descendentes de uma raça aborígene, conquistada por uma tribo de hiborianos, no início das primeiras épocas da migração hiboriana. Este povo misto jamais conquis tou a civilização dos hiborianos mais puros, e oi expulso por eles até a orla do mundo civilizado. Os bossonianos são de estatura mediana, têm olhos castanhos ou cinza, e são mesoceálicos. Vi vem principalmente da agricultura, em grandes aldeias muradas, e azem parte do reino de Aquilônia. Suas migrações se esten dem desde o Reino Fronteiriço ao norte de Zíngara, no Sudoeste, ormando uma barreira para Aquilônia contra os cimérios e os pictos. São obstinados lutadores deensivos, e séculos de guerras contra os bárbaros do Norte e do Oeste zeram com que eles de senvolvessem um tipo de deesa quase intransponível contra um ataque direto. Assim era o mundo na época de Conan.
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