LEITURA OBRIGATÓRIA
Apresentação Esquemática E squemática da Criminologia Crimi nologia 1 Podemos, didática e provisoriamente, adotarmos a seguinte denição de Criminologia: “ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima do controle social do comportamento delitivo delitivo e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplando este como problema individual e como problema social, assim como sobre os programas de prevenção ecaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinqüente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito” 2 . Nessa denição temos: a) o método da criminologia – empirismo e interdisciplinaridade; b) seus objetos – crime, infrator infrator,, vítima vítima e controle social; c) funções – subministrar subministrar informações validas sobre o crime (gênese, (gênese, dinâmica e variáveis principais) bem como sobre os programas de prevenção ecazes; Vantagens da denição: a) parte do crime como um problema problema (base conitual + aspecto humano – doloroso); b) amplia o conceito de criminologia na medida em que incorpora a questão das vítimas e do controle social; c) acentua a orientação prevencionista do saber criminológico; d) substitui a termo tratamento tratamento por aquele aquele outro outro de intervenção; 1. Ciência: A criminologia é uma ciência, ou seja, reúne uma informação válida, conável e contrastada sobre o problema criminal, que é obtida graças a um método (empírico) que se baseia na análise e na observação da realidade. Uma das conseqüências do empirismo é sua relação com o mundo do ser: é sempre mutável e sempre uma analise parcial, fragmentada da realidade. Logo se abandona uma busca de leis gerais e aumenta a busca de retratos de parcelas das realidades COM SEGURANÇA. 2. Método: Imperava no assunto do crime a especulação. Veremos oportunamente a etapa précientíca onde imperavam especulações genéricas acerca da criminalidade. A inserção do método empirista se dará em razão do positivismo criminológico. Até então o pensamento criminológico era pautado por abstrações da realidade, com base na moral e no Iluminismo, absolutamente desprovida de um saber sistemático, de um método. Vide a fala de Enrico Ferri, representante desse positivismo: “A Escola Criminal Positivista não consiste unicamente no estudo antropológico do criminoso, pois constitui uma revolução completa, uma mudança radical de método cientico no estudo da patologia social criminal e do que há de mais ecaz
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entre os remédios sociais e jurídicos que nos oferece. A Ciência dos delitos e das penas era uma exposição doutrinaria de silogismos, dados aa luz pela força exclusiva e xclusiva da fantasia lógica; nossa escola fez disso uma ciência de observação positiva que, fundando -se na Antropologia, na Psicologia e na Estatística criminal, assim como no Direito Penal e nos estudos penitenciários chega a ser a ciência sintética que eu mesmo chamo Sociologia S ociologia criminal, e assim esta ciência, aplicando o método positivo no estudo do delito, do delinqüente e do meio, não faz outra coisa que levar aa Ciência Criminal clássica o sopro vivicador das ultimas e irrefutáveis conquistas feitas pela ciência do homem e da sociedade, renovada pelas doutrinas evolucionistas”. A criminologia é uma ciência do ser, empírica, que se vale do método indutivo. Já o Direito é uma ciência cultural (do dever ser), normativa cujo método é o lógico, abstrato, dedutivo. A criminologia pretende primeiramente conhecer a realidade para depois explica- la. A realidade é alheia ao jurista. Seu ponto de partida par tida é a norma juridicamente válida. A criminologia mais tradicional era composta por inúmeros sabe res especícos, sem coesão e sem dialogo interno. Tais áreas do saber eram a biologia, psicologia e sociologia, sobretudo. Era mister uma instância superior que coordenasse tais conhecimentos e garantisse a coesão interna do sistema (retroalimentaçao). Essa é a idéia de INTERDISCIPLINARIDA INTERDISCIPLINARIDADE. DE. 3. Objetos: Houve, recentemente, uma ampliação e problematização do objeto. As posturas mais tradicionais apenas atentavam para o delinqüente e o delito. Mais moder namente incluiu-se na criminologia as questões da vítima e do controle social. Consensos tradicionais: a) b) c) d)
o conceito conceito meramente meramente legal de delito delito que não era era questionado; questionado; teorias etiológicas da criminalidade; diversidade patológica do delinqüente; nalidades da pena: resposta justa e útil ao delito;
Questionamentos modernos: a) b) c) d)
rechaça o conceito formal de delito; normalidade do homem delinqüente; funcionalidade do comportamento desviante; natureza conitual da ordem social;
Em resumo, houve uma revisão do saber sab er criminológico.
I) DELITO -
-
Direito Penal: conceito legal e normativo: delito é toda conduta prevista na lei penal e somente a que a lei penal castiga; Positivismo criminológico: Garófalo: “ uma lesão daquela parte do sentido moral que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) segundo o padrão médio em que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para a adaptação do individuo aa sociedade”. Ainda, outros positivistas realçam ainda a nocividade social da conduta ou a periculosidade do seu autor; Sociologia: trabalha com a idéia de delito como conduta desviada sendo os critérios de referencia para a desviação as expectativas sociais. Desviado será um comportamento concreto na medida em que se afaste das expectativas sociais em um dado momento, enquanto contrarie os padrões e modelos da maioria social;
Há, claramente, uma diferença de enfoques. Não nos basta o conceito jurídico uma vez que o Direito não está preocupado com questões previas ao crime tais como a esfera social do infrator, as cifras negras, a prostituição, o alcoolismo etc. Ainda, certas condutas são típicas, mas merecem outro olhar da criminologia tais como a piromania e a cleptomania. O mesmo se diga de denição sociológica na medida em que ignora os aspectos individuais da conduta delitiva.
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Criminologia moderna: o crime é um problema social e comunitário. Não é mera responsabilidade do sistema de justiça: ele surge na comunidade e é um problema da comunidade. Critérios: a) b) c) d)
incidência massiva na população; incidência dolorosa e aitiva; persistência espaço –temporal; falta de consenso social sobre sobre a etiologia e ecazes ecazes técnicas de intervenção; e) consciência social generalizada a respeito respeito de sua negatividade;
II – Delinqüente Figura central do positivismo criminológico, o delinqüente passa a ter um papel de segundo seg undo plano na moderna criminologia. Quando analisado, o delinqüente tende a ser examinado como unidade biopsicossocial e não mais como unidade biopsicopatológica. Grosso modo podemos apontar quatro imagens do delinqüente: a)
modelo clássico: -
b)
positivismo criminológico: -
-
c)
negação do modelo clássico; nega ao indivíduo a possibilidade de livre controle de seus atos; ao princípio (ou dogma) da liberdade, contrapõe o princípio da diversidade do homem: onde, no classicismo, todos os homens eram iguais e igualmente livres, no positivismo há uma diferença qualitativa entre o sujeito criminoso e aquele honrado, cumpridor das leis; o infrator é um prisioneiro da sua patologia (determinismo biológico) ou de processos causais alheios ao mesmo (determinismo social): um ser escravo de uma carga hereditária;
losoa correcionalista: -
d)
imagem sublime, ideal do ser humano, centro do universo, dono e senhor absoluto de si. Portanto, todos são iguais – DOGMA DA LIBERDADE; o crime só pode ser entendido como um mau uso da liberdade; as raízes do crime são enigmáticas ou misteriosas; o delinqüente OPTOU pelo mal embora pudesse e devesse respeitar a lei;
marxismo: -
de inspiração pedagógica e pietista, entende o criminoso como um ser inferior,, deciente, incapaz de dirigir por si mesmo sua vida; é tal qual um inferior menor de idade, um inválido; Muda totalmente o enfoque da construção do delinqüente: a responsabilidade do crime é de determinadas estruturas econômicas. O infrator é vítima inocente cujo culpável é a sociedade;
Normalidade do delinqüente: -
III - Vítima
não é o pecador dos clássicos, não é o animal selvagem dos positivistas, não é o inválidos da losoa correcionalista, não é a pobre vítima da sociedade dos marxistas; é o homem real real e histórico histórico do nosso tempo que pode acatar acatar as leis ou ou não não cumpri-las por razões nem sempre acessíveis à nossa mente – um homem como qualquer outro;
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A análise criminológica das vítimas teve sua idade de ouro nos idos tempos da vingança privada: nunca a vítima teve tanta importância e poder social de ação; Modernamente as vítimas foram completamente abandonadas pelo sistema de justiça penal e sofrem, além dos efeitos do crime, a insensibilidade do sistema legal e a indiferença dos poderes públicos. a)
abandono:
Para o Direito Penal a vítima é mera testemunha. Não há qualquer disposição no sentido da reintegração social da vítima – um dos pilares teóricos da teoria penal moderna no Estado de Direito. É da gênese mesma do processo penal a alienação das vítimas: justamente por se entender que a vítima não pode tutelar, por si só, sob pena de se tornar vingança, a resposta a uma infração penal, o processo penal entrega ao Estado quase toda capacidade de ação em termos criminais de modo a garantir uma atuação distante, fria, objetiva. Nesse momento a vítima é descartada do sistema e cria-se um abismo innito entre a vítima e o ofensor em razão do Estado intermediador dessa relação. As conseqüências negativas desse abismo são inúmeras: b)
o infrator só tem como interlocutor o Estado e só assume responsabilidades perante Ele, esquecendo-se, assim, de sua vítima; a vítima se sente maltratada pelo sistema, tornando-se mera pretexto da investigação processual; não é informada do que foi feito de seu agressor;
redescobrimento:
Sobretudo em razão do pós-segunda guerra quando se começou a reetir acerca do acontecido nos campos de concentração.Passa-se a entender a import ância da desvitimização, ou seja, de retirar da vítima um papel inafastável, innito e passivo. A vítima passa a ser entendida como sujeito ativo capaz de inuir signicativamente no próprio fato delituoso, em sua estrutura, dinâmica e prevenção. c)
alargamento do foco -
atitudes e propensão de sujeitos para se converterem em vítimas do delito (riscos de vitimização); variáveis – idade, sexo, raça – que intervem no processo de vitimização; danos que sofrem as vítimas como conseqüência do delito (vitimização primária), assim como da posterior intervenção do sistema legal (vitimização secundária); atitude da vítima perante ao sistema legal e seus agentes (vitimologia processual);
IV - Con C ontrole trole Social a)
dois enfoques:
Positivismo criminológico: -
não se questionam as denições legais; não se questiona o funcionamento do sistema: a interpretação é igualitária; noticiante, policial, juiz, são meras correias de transmissão que não ltram comportamentos; a população reclusa é representativa da população criminal real dado que o sistema não tem ltros;
Labelling Approach:
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-
b)
a criminalidade não tem natureza ontológica, porém denitorial. O crime é uma realidade construída; foco: processo de aplicação das regras/leis à realidade social: ATRIBUIÇÃO DO STATUS DE DELINQUENTE; há, no sistema jurídico, FIL FILTROS: TROS: o sistema está mais sensível a determinados grupos sociais: as classes sociais mais oprimidas atraem as taxas mais elevadas de criminalidade, não porque cometam mais crimes, mas porque o controle social se orienta prioritariamente p rioritariamente para elas; o controle social não apenas detecta a criminalidade; antes, ele cria ou congura essa criminalidade;
denições:
controle social: é o conjunto de instituições, estratégias e sanções sócias que pretendem promover e garantir o submissão do indivíduo aos modelos e normas comunitárias. Pode ser dividido em duas instâncias: controle social formal e informal. O primeiro grupo é formado pelos órgãos estatais que compõem o sistema de justiça criminal: polícia, justiça, administração penitenciária etc; Já o controle social informal é aquele exercido pelos grupos sociais, ou seja, família, escola, prossão, opinião pública etc. c) efetividade -
mais controle social formal não implica menos crimes; a prevenção se dá quando da melhor integração ou sincronização dos controles sociais formal e informal; controle social formal não incide nos fatores criminais, mas em suas raízes últimas;
d) evolução e tendências do controle social penal: 1. 2. 3.
racionalização do controle social formal (sobretudo do penal) penal) – subsidiariedade e intervenção mínima; como deve o Direito Penal intervir (garantias); substituir a intervenção do sistema legal por outros mecanismos informais, não institucionalizados: mediação e conciliação, reparação do dano etc.;
4. Funções: Básica: informar a sociedade e os poderes públicos sobre o delito, o delinqüente, a vítima e o controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos seguros que permita compreender cienticamente o problema criminal, preveni-lo e intervir com e cácia e de modo positivo no homem delinqüente. · · · ·
Não é causalista com leis universais exatas; Não é, também, mera fonte de dados – banco de dados; Os dados são em si mesmos neutros e devem ser interpretados por teorias cientícas; É uma ciência prática preocupada com problemas e conitos concretos, históricos;
a) papel da criminologia: luta contra contra a criminalidade ou ou o controle e a prevenção do delito. · Não é de extirpação; · Qual o preço a pagar – imperativos éticos; · Não é – denitivamente – 100 % penal. Tríplice alcance da criminologia: 1. 2. 3.
explicação cientíca do fenômeno criminal; prevenção do delito; intervenção no homem delinqüente;
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A prevenção ecaz é entendida como aquela NÃO PENAL: 1. · · · 2. · · · · · 3. · · · ·
intrínseca nocividade da intervenção penal; estigmatiza o infrator; desencadeia a sua carreira criminal; consolida seu status de desviado; maior complexidade do mecanismo dissuasório; efetividade do castigo – complexidade do mecanismo; não depende só da severidade da pena; rapidez da aplicação do castigo (estímulo/resposta); probabilidade de sua efetiva imposição; gravidade e conteúdo real do castigo (rigor real x nominal); possibilidade de ampliar o âmbito âmbito de intervenção intervenção incidindo em outros outros elementos do cenário criminal; intervenções ambientais; melhoria das condições de vida; riscos de vitimização; reinserção social efetiva dos ex-reclusos;
Intervenção no homem delinqüente: Crise da ideologia do tratamento: 3 metas: 1. impacto real da pena em quem a cumpre; 2. programas de reinserção; 3. o crime é um um problema problema de de todos todos (não (não só do do sistema); sistema); Relação com a política criminal e direito penal: a) Criminologia – fornecer fornecer o substrato empírico do sistema, seu fundamento cientíco; MOMENTO EXPLICA EXPLICATIVO. TIVO. Política Criminal – transformar a experiência criminológica em opções e estratégias concretas assumíveis pelo legislador e pelos poderes públicos; MOMENTO DECISIVO Direito Penal - converter em proposições jurídicas gerais e obrigatórias o saber criminológico com respeito às garantia individuais e os princípios jurídicos de segurança e igualdade igualdade típicos do Estado de Direito Direito – FUNÇÃO LIMITADORA MOMENTO OPERATIVO.
Notas 1 Esse texto, de inspiração didática, teve suas informações informações coletadas nos seguintes manuais de Criminologia: GOMES, Luiz Flávio e GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. São Paulo: RT, 2002; FIGUEIREDO DIAS, Jorge e COSTA ANDRADE, Manuel da. Criminologia. Coimbra: 1997 1997 e SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004. 2 GOMES, Luiz Flávio e GARCIA-PABLOS GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Antonio. Criminologia. São Paulo: RT, RT, 2002, página 37.
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LEITURA OBRIGATÓRIA
Escolas Sociológicas da Criminolo Cri minologia gia I: as a s teorias do consenso consenso.. 1. Introdução Toda ciência comporta divisões internas. Essas servem não só a ns didáticos, porém permitem Toda ao estudioso chegar ao mesmo objeto a partir de abordagens distintas, embora igualmente cientícas. Entre as ciências interdisciplinares, essa partição se faz sentir de modo especial: cada enfoque teórico que compõe a ciência interdisciplinar formará um subgrupo do saber essencial à compreensão do todo. Dessa forma, a Criminologia, interdisciplinar que é, pode ser dividida em três grandes ramos: a Biologia Criminal, a Psicologia Criminal e a Sociologia Criminal. O objetivo desse breve estudo é percorrer panoramicamente as teorias que compõem a Sociologia Criminal, sendo que também essas se dividirão em dois grupos: as teorias do consenso e as teorias do conito. O pano de fundo da distinção está nos n os pressupostos de cada teoria, especialmente no que diz respeito à natureza do corpo social, da sociedade ou ainda no que diz respeito ao papel p apel que o fenômeno criminal cumpre na sociedade. Na lição de Shecaira, “Para a perspectiva das teorias consensuais a nalidade da sociedade é atingida quando há um perfeito per feito funcionamento das suas instituições de forma que os indivíduos compartilham os objetivos comuns a todos os cidadãos, aceitando as regras vigentes e compartilhando as re gras sociais dominantes”1 . Como se infere da citação, as teorias do consenso partem do ponto de partida de que há uma universalidade de valores comungada por todos os componentes de uma sociedade, de tal sorte que as normas que tutelam tais valores consensuais são necessariamente justas e, dessa feita, aceitas por todos. Em outras palavras, as regras que determinam o convívio social dominantes representam a vontade geral. Ralf Dahrendorf busca explicitar os traços comuns às teorias do consenso: · · · ·
toda sociedade é uma estrutura de elementos relativamente persistente e estável; toda sociedade é uma estrutura de elementos bem integrada; todo elemento em uma sociedade tem uma função, isto é, contribui para sua manutenção como sistema; toda estrutura social em funcionamento é baseada em um consenso entre seus membros sobre valores 2.
Por outro lado, continua Shecaira, para as teorias do conito “a coesão e a ordem na sociedade são fundadas na força e na coerção, na dominação por alguns e sujeição de outros; ignorase a existência de acordos em torno de valores de que depende o próprio estabelecimento da força” 3 . De inspiração marxista, as teorias do conito põem em xeque o consenso social, armando, ao contrário, que a sociedade está marcada pelo conito de classes e que as normas vigentes são produto da imposição de classes dominantes, que detêm o poder. Assim, a norma perde o caráter de vontade geral do povo e passa a representar a tradução jurídica
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da vontade da classe que exerce o poder. Novamente é de Dahrendorf o elenco de características centrais das teorias do conito: · · · · ·
toda a sociedade está, a cada momento, sujeita a processos de mudança; a mudança social é ubíqua; toda sociedade exibe a cada momento dissensão e conito e o conito social é ubíquo; todo elemento em uma sociedade contribui de certa forma para sua desintegração e mudança; toda sociedade é baseada na coerção de alguns de seus membros por outros” 4.
O conceito e a concepção de crime, como poder-se-á perceber nas teorias estudadas infra, serão determinados pelo ponto de partida losóco das teorias, sejam elas do consenso do conito. Ao primeiro grupo (consenso), pertencem a Escola de Chicago, a Teoria da Associação Diferencial, a Teoria da Anomia e a Teoria da Subcultura Delinqüente; ao segundo (conito), (conito), o Labeling Approach e a Criminologia Crítica.
2. A Escola de Chicago Vide texto Escolas Sociológicas da Criminologia III: A Escola de Chicago.
3. Teorias Teorias da d a Associação As sociação Diferencial Há, em verdade, inúmeras teorias englobadas dentro da terminologia, talhada por Edwin Sutherland, representante mais conhecido dessas teorias e a quem de atribui o nome teoria da associação diferencial propriamente dita. Partindo dos preceitos de Chicago, Sutherland notabilizou-se por buscar uma explicação para a criminalidade de colarinho branco (White (W hite collar crimes). Segundo ele, os conceitos de desorganização social, falta de controle social informal e distribuição ecológica não seriam capazes de explicar a criminalidade dos poderosos, uma vez que estes residiam nas melhores regiões da cidade e não tinham qualquer desadaptação social ou cultural. Como ensina Shecaira, o contexto histórico em que Sutherland escreveu sua obra foi marcado pelo crescimento econômico do pós Primeira Grande Guerra “Tal período (...) é marcado por uma ‘volta à normalidade’. Os grandes negócios passam a ter lucros consideráveis. ‘Entre 1920 1920 e 1929 o produto nacional bruto americano cresceu de 103,6 para 152,7 bilhões de dólares (a preços constantes), o que representa um aumento da renda per capita de mais de 35 por cento’5. No entanto, há um alastramento da corrupção administrativa bem como o surgimento de escândalos nanceiros. O Promotor Daugherty, Daugherty, pessoa de conança do Chefe de Justiça, J ustiça, é demitido por pactuar com quadrilheiros; Charles Forbes, diretor do Serviço de Veteranos de Guerra, foi preso por apropriação indébita de fundos do governo; Albert Fall, Secretário do Interior, é denunciado no Senado por entregar a particulares p articulares campos petrolíferos do Estado, Est ado, sendo condenado e preso”6. Com a vitória de Franklin Delano Roosevelt, implementou-se a política denominada de New Deal (nova política), cuja regência econômica cabia a John Maynard Keynes, marcada pela intervenção do Estado na ordem econômica, com vistas a reverter a crise que assolara o país. “A mudança do paradigma”, continua Shecaira, “de não intervenção na economia para uma perspectiva agrantemente intervencionista não se fez sem resistência. Esta partiu não somente de alguns empresários, mas também da p rópria Suprema Corte Americana7”8. A transição de modelos econômicos, conclusivamente, poderia indicar uma situação tal que não permitisse ao homem de negócio compreender os limites do ético e do ilícito. De qualquer forma, esse negociante não poderia ser entendido com inadaptado socialmente tampouco como ecologicamente desfavorecido como pretendiam os sociólogos de Chicago. Sutherland partia de duas teses centrais: a primeira, a de que os valores e atitudes criminais são aprendidos como quaisquer outros valores e atitudes sociais. A inuência, nesse ponto, de Gabriel Tarde é notória. Ensina o mestre francês que “Todo comportamento tem sua origem social. Começa como uma moda, torna-se um hábito ou costume. Pode ser uma imitação por
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costume, por obediência, ou por educação. O que é a sociedade? Eu já respondi: sociedade é imitação” 9. Aoram de tal pensamento as chamadas leis da imitação. Para ele as classes sociais exercem uma inuência sobre as outras, assim como os campesinos imitam as atitudes dos citadinos. A imitação decorre, ademais, do grau de intimidade dos contatos interpessoais 10 . Assim, ninguém nasce criminoso, mas o delito (e a delinqüência) é o resultado de socialização incorreta. Não há, pois, “herança biológica” mas sim um processo de aprendizagem que conduz o homem à prática dos atos socialmente reprováveis. reprováveis. Assim, tal qual se transmitem valores culturais tais como “lho meu não leva desaforo para casa” ou “mulher que veste roupa sensual é prostituta”, também o valor “lesar o Fisco” ou “sonegar impostos” é ensinado no meio social. Shecaira exemplica com as investigações de Sutherland: “Suas primeiras investigações esbarraram nas violações da Lei Antitruste nos Estados Unidos, que feriam as normas reguladoras dos monopólios. Suas pesquisas apontaram problemas com as companhias produtoras de aparelhos elétricos, que haviam dividido o território americano em 4 grandes zonas de inuência. Independentemente dos custos de produção, e fazendo ouvidos moucos à lei da oferta e da procura, tais companhias xavam os preços com base exclusiva em seus interesses econômicos. Ele observou, ainda, que quando os representantes dessas corporações queriam se encontrar para suas decisões, procuravam sempre hotéis de província e usavam um jargão especíco que não pudesse ser identicado por aqueles que não pertencessem àquela esfera de produção. Assim, ao invés de falarem em lista de preços utilizavam expressões como “lista de natal”. Telefonavam-se Telefonavam-se através de telefones telef ones públicos, registravam-se em hotéis não indicando as companhias por eles representadas etc. Sutherland considerou todas essas atitudes como similares às dos chamados criminosos convencionais, ainda que não tivessem todas aquelas características 11” 12 . O crime do colarinho-branco é aquele que é cometido no âmbito da sua prossão por uma pessoa de respeitabilidade e elevado estatuto social. Cinco aspectos relevantes podem ser destacados a partir desta denição. O crime de colarinho-branco é um crime 13. E o é porque suas conseqüências são tão gravosas como quaisquer condutas criminais. Algumas vezes até mais gravosas. Ademais, Ademais, é cometido por p or pessoas respeitáveis. Com elevado estatuto est atuto social. Ele é praticado no exercício da sua prossão, o que evidentemente exclui todos os demais crimes que, embora praticados por aqueles agentes acima nomeados, relacionam-se com a sua vida privada. Ocorre, em regra, com uma violação de conança14. Outras características diferenciais — ainda que secundárias — podem ser agregadas a essas. Inicialmente, o crime do colarinho branco não pode ser explicado exp licado pela pobreza, nem por má habitação, carências de recreação, falta de educação etc, enm, aqueles critérios tradicionais explicativos da criminalidade. Um segundo aspecto a destacar é a grande diculdade na elaboração de estatísticas, pois a cifra negra é alta, e conta com certa proteção das autoridades governamentais na ocultação de certos fatos. Como conseqüência disso são enormes as diculdades em descobrir t ais crimes bem como em sancioná-los. Além disso, a própria comunidade, através da opinião pública, traduz alguma perplexidade em identicar tais fatos como delituosos. Muitas pessoas comuns não captam a essência danosa de alguns dos atos cometidos normalmente identicados como crimes de colarinho branco. Isto faz com que a própria legislação seja mais condescendente com tais agentes, sejam não considerando tais atos como delituosos, seja para conceder certas imunidades a seus autores, tais t ais como: tribunais especiais, prisões diferenciadas, penas 15 mais leves etc . Para demonstrar sua tese quanto ao delito do colarinho branco, Sutherland estudou as 70 principais corporações americanas por vários anos (dos anos 20 a 44) demonstrando que elas haviam sido processadas por infringirem diversas leis, especialmente aprovadas após a grande depressão de 29, quando já havia mecanismos especícos para controle da produção e distribuição de bens. Os atos nocivos à comunidade tinham sido praticados por todas as corporações e 91,7% 91,7% eram reincidentes. Elas praticaram, em média, 14 infrações por empresas. e mpresas. No entanto, por várias razões havia uma apreciação diferencial dos grandes empresários, comerciantes e industriais16. É que estes homens tinham um status que não os permitia ser confundidos com as pessoas que comumente praticavam delitos. Em primeiro lugar, o juízo que se faz dos grandes empresários, dos banqueiros poderosos ou dos megaindustriais inclui um misto de medo e admiração. Aqueles que são responsáveis pelo sistema de justiça penal podem sofrer as conseqüências de um enfrentamento com os homens que detêm o poder econômico17. Além disso, os legisladores admiram e respeitam os homens de negócios, não sendo concebível tratá-los como delinqüentes. No período medieval algumas pessoas da sociedade eram beneciadas com imunidades quanto ao castigo, denominadas “benefício
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do clero”. Hoje, tal imunidade relativa decorre do “benefício do negócio” 18. Em segundo lugar, também justicam uma implementação de respostas diferenciais, normalmente não penais, aos autores de crime do colarinho-branco. E o fazem para coibirem tais atos não com o mesmo rigor que coíbem outros delitos patrimoniais. Em geral, as penas não são altas, admitem mecanismos substitutivos da privação da liberdade, as penas são mais pecuniárias que pessoais, tudo com base na idéia da desnecessidade de uma ressocialização de tais delinqüentes, pois não estão eles dessocializados. Um terceiro fator a que normalmente se recorre para tratar diferenciadamente o criminoso do colarinho-branco diz respeito às conseqüências de tais delitos não serem s erem diretamente sentidas pela comunidade. As violações da lei feitas pelos poderosos são complexas e seus efeitos são difusos. Não são ataques simples e diretos de uma pessoa a outra, como em um assalto ou em uma agressão pessoal, ou mesmo um furto. Muitas vezes uma grande empresa viola uma norma por uma década ou mais antes que as agências administrativas de controle ou a própria comunidade identiquem a violação. Todos esses fatores, convergentes, levam a comunidade jurídica a não querer punir da mesma forma o crime de colarinho-branco, ainda que suas conseqüências possam ser muito, muito mais lesivas à comunidade, atingindo difusamente a sociedade e produzindo lesões a inúmeras vítimas. Pode-se dizer, de outro modo, que o crime do colarinho branco é um crime; é uma espécie delitiva tratada com especial brandura; este tratamento desigual — por sua leniência — é injusto, estando a demandar medidas especícas mais severas das instâncias formais de controle19. Com isso o autor pôs em relevo características criminais das classes superiores, demonstrando que o paradigma da desorganização social não se aplica a qualquer criminalidade. Ao contrário, aquele que comete crime valendo-se de sua respeitabilidade e posição social fazem-no com apoio e admiração de seus pares, mostrando que não se trata de um defeito de socialização, porém de uma socialização com base em valores criminais. Tais valores são aprendidos no meio social como quaisquer outros e não são s ão exclusividade das lower classes.
4. Teoria da Anomia
(para esse tópico, utilizaremos o texto abaixo, consultado em 27/06/2005 em http://www. karlmarx.pro.br/apostilas/sociologia/emille_durkhein.pdf).
O CRIME CRIM E SEGUNDO A PERSPECTIVA PERSPECTIVA DE DE DURKHEIM DURKH EIM
Jorge Adriano Carlos
A demonstração da permanência do crime em todas as sociedades 20 constituiu o factor determinante da sua integração no pensamento pe nsamento sociológico sistemático, cujo contributo mais signicativo se deve a Durkheim em três das suas obras fundamentais que são De la Division du Travail Social (1893), Les Règles de la Méthode Sociologique (1895) e Le Suicide (1897). Todavia, será legítimo situar o início da sociologia criminal a partir do segundo quartel do século XIX 21 , altura em que foram desenvolvidos inúmeros estudos, em diversos países (França, Bélgica, Alemanha e Grã-Bretanha), com aplicação de métodos e instrumentos sociológicos, nomeadamente a recolha e interpretação de dados estatísticos 23. Mas é efectivamente com os trabalhos de Lacassagne24, Gabriel Tarde24, e Émile Durkheim25 que a sociologia criminal adquire o seu estatuto de ciência, especialmente a partir do 3.º Congresso de Antropologia Criminal, realizado em Bruxelas, em 1892, que marca a viragem das explicações da escola positiva em favor das teorias sociológicas. A sociologia criminal aparece-nos assim como uma ciência muito recente26, muito depois do direito penal, p enal, cuja origem remonta à antiguidade, e depois ainda da criminologia, cuja origem se poderá situar na escola clássica 27, muito embora apenas tenha atingido a sua forma sistemática com a escola positiva italiana28. Mas, se ao direito criminal importa a denição do tipo de crime e a sua consequência sancionatória, à criminologia importa a compreensão da realidade criminal em todos os seus aspectos. Numa primeira fase, a criminologia debruçou-se sobre a pessoa do delinqüente, servindo-se de métodos próprios da biologia e da psiquiatria — aquilo que alguns autores designaram por criminologia «clínica». Numa fase mais avançada da reexão criminal, o criminólogo deslocou o seu estudo para o meio social onde se gerou a prática delitiva — a acentuação deste aspecto da criminologia deu lugar à sociologia criminal que apareceu também como um novo ramo da sociologia. A partir do momento em que se compreende que não existe sociedade sem crime, não só não é concebível uma sociologia que ignore este fenómeno, como não é possível estudar o crime, considerado em abstrac to, sem evocar o meio social onde se desenvolve. A obra de Durkheim deve uma grande parte da sua importância ao facto de ter compreendido esta relação entre o crime e a sociedade numa
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altura em que as escolas positivas se refugiavam por detrás das concepções individualistas. Este autor compreendeu que a sociedade não era simplesmente o produto da acção e da consciência individual, pelo contrário, «as maneiras colectivas de agir e de pensar têm uma realidade exterior aos indivíduos que, em cada momento do tempo, a elas se conformam» 29 e, mais que isso, «são não só exteriores ex teriores ao indivíduo, como dotados dum poder imperativo e coercivo em virtude do qual se lhe impõem»30. O tratamento do crime como um facto social, de carácter normal e até necessário, permitir-lhe-á reabilitar cienticamente o fenómeno criminal e demonstrar que a prática de um crime poderá depender não tanto do indivíduo que, de acordo com esta concepção, age e pensa sob a pressão dos múltiplos constrangimentos que se desenvolvem na sociedade mas, diversamente, poderá apresentar em abstracto uma ampla raiz de imputação social. A consideração sociológica da anomia, que etimologicamente não signica senão «ausência de normas», apesar dos vários desenvolvimentos que conheceu, em Merton, Cloward, Ohlin, Parsons, Dubin e Opp, remonta aos estudos desenvolvidos por Durkheim, particularmente em A Divisão do Trabalho Social e em O Suicídio. O facto f acto de o homem não viver num ambiente de eleição, mas sujeito a uma ordem «imposta», permite a Durkheim formular a sua concepção da anomia e estabelecer as condições da produção do crime. A Divisão do Trabalho Social, cujo tema central incide sobre a relação do indivíduo e a colectividade, está dominada pela idéia de que a divisão do trabalho é portadora de uma nova forma de coesão social, a solidariedade orgânica. Nas solidariedades mecânicas, características das sociedades ditas «primitivas», a consciência colectiva cobre a maior parte das consciências individuais, pelo que se poderá dizer que o indivíduo está estreitamente integrado no tecido social. No caso das sociedades orgânicas, dominadas pela divisão do trabalho, a consciência colectiva apresenta uma menor extensão face ao indivíduo que se determina com uma maior autonomia. Porém, compreender a solidariedade orgânica como correspondente a uma sociedade contratualista — marcada pela atomização do indivíduo cujos contratos se efectivariam num dado contexto interindividual — sem uma consciência colectiva mínima, não só constituiria uma paradoxal sociedade sem sociedade como «implicaria a desintegração social». s ocial». O normal será que a sociedade desenvolva os seus mecanismos de solidariedade, ainda que estejamos perante uma sociedade acente na diferenciação social e marcada pe la especialização das funções. Isso não signica que não existam, no âmbito do processo de desenvolvimento da solidariedade social, algumas patologias na divisão do trabalho, como é o caso da divisão forçada e da divisão anómica do trabalho. Assim, se não existir uma adequada interacção de funções e um ecaz sistema normativo capaz de regular essa interacção, estaremos perante uma anomia na divisão do trabalho. A teoria da anomia aparece também desenvolvida em O Suicídio 31 que se revela, além do mais, como a primeira etapa da teoria do controlo social. O estudo do suicídio, que é um fenómeno especicamente individual, apesar de só em aparência, permitirá a Durkheim demonstrar as fortes relações entre o indivíduo e a colectividade. A estrutura da obra acenta no pressuposto da existência de três tipos de suicídios: o suicídio egoísta, «que resulta de uma individualização excessiva»32 e cujo grau de integração do indivíduo na sociedade não se apresenta sucientemente forte; o suicídio altruísta, que ao contrário resulta de uma «individualização insuciente»33 ; e o suicídio anómico, que se relaciona com uma situação de desregramento, típica dos períodos de crise, que impede o indivíduo de encontrar uma solução bem denida para p ara os seus problemas, proble mas, situação que favorece um sucessivo acumular de fracassos e decepções propícias ao suicídio34. Pela observação de estatísticas ociais, este autor observou que o suicídio era mais frequente nas comunidades protestantes que nas comunidades católicas, fenómeno que explicou através da noção de integração religiosa. No mesmo sentido, Durkheim vericou que o suicídio ocorria menos entre os indivíduos casados que entre os celibatários, viúvos e divorciados, situação que, segundo ele, se explicaria através da noção de integração familiar. Neste trabalho, notou ainda que a taxa de suicídios diminuía em períodos de grandes acontecimentos políticos, em que aumentava a coesão sócio-política em torno da ideia de nacionalidade. A partir destas bservações, o sociólogo francês pôde assim concluir que o suicídio variava na razão inversa do grau de integração da sociedade religiosa, familiar e política. O suicídio altruísta apresenta-se como a situação oposta ao suicídio egoísta. Um exemplo deste tipo de suicídio é o existente entre os esquimós, em que um velho que se torne um fardo para a colectividade se deixa morrer ao frio; um outro, que ocorre na índia, é o suicídio da mulher ou dos ser vidores de um defunto, os
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quais se deixam imolar no dia do seu funeral. Em qualquer dos casos, o indivíduo determina a sua morte por força de «um imperativo social interiorizado, obedecendo ao que o grupo ordena ao ponto de asxiar dentro de si próprio o instinto de conservação»35. O terceiro tipo de suicídio, o suicídio anómico, é estudado através do relacionamento do suicídio com os movimentos económicos. A análise das estatísticas revelou que os suicídios aumentavam tanto em períodos de recessão como de crescimento económico. O que se observa desses resultados é que «se a inuência reguladora da sociedade deixa de se exercer, o indivíduo deixa de ser capaz de encontrar e ncontrar em si próprio razões para se auto-impor limites»36. Numa época de rápidas transformações económicas a acção reguladora da sociedade não pode ser exercida de modo ecaz e por forma a garantir ao indivíduo um conjunto normativo conciliável conciliáv el com as suas aspirações. Ora, esta situação de desregramento, que lança o indivíduo num universo sem referências, caracteriza uma situação de anomia que corresponde, no fundo, a uma situação de dissociação da individualidade face à consciência colectiva. As conclusões extraídas do estudo do suicídio permitem, como se referiu, enquadrar a construção durkheimiana nas teoria do controlo social. Com efeito, um dos postulados denidos ao longo da sua obra foi o da necessária integração social do indivíduo que revela uma maior tendência para a prática de certas «patologias» sociais, como o suicídio e o crime, quando desinserido do grupo social a que pertence. per tence. O facto de se vericar que as instituições tradicionais de coesão social (a família, a religião, etc.) não constituírem um f actor de agregação ecaz das sociedades modernas, leva Durkheim a defender que o único grupo social capaz de favorecer a integração social é a prossão ou a empresa. Ora, se uma integração social do indivíduo poderá diminuir a sua tendência para se conformar com os imperativos sociais, isso signicará de certa maneira que a sociedade terá de encarar uma grande parte das condutas suicidas e criminógenas como perfeitamente normais numa sociedade caracteristicamente dinâmica. A denição dos factos sociais normais37 permitiu a Durkheim importantes considerações acerca da natureza normal ou patológica do crime, como resulta do seu estudo em As Regras do Método Sociológico. O crime, denido como um «acto que ofende certos sentimentos colectivos» 38 , apesar da sua natureza aparentemente patológica, não deixa de ser considerado como um fenómeno normal, no entanto, com algumas precauções. O que é normal é que «exista uma criminalidade, contanto que atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, um certo nível»39. A sociedade constrói-se, na verdade, em torno de sentimentos mais ou menos fortes, sentimentos cuja dignidade parece tanto mais inquestionável quanto mais forem respeitados. No entanto isso não quer dizer que todos os membros da colectividade partilhem dos mesmos sentimentos com a mesma intensidade. De facto, alguns indivíduos tenderão a interiorizar mais esses sentimentos que outros, o que explica que possam existir condutas que, pelo seu grau de desvio, venham a apresentar-se como criminosas. Isso explicará naturalmente a natureza do crime como um facto de sociologia normal. Essa constatação não impede contudo que se considerem algumas condutas como particularmente anormais, o que será perfeitamente admissível, segundo Durkheim, tendo em consideração alguns factores de ordem biológica e psicológica na constituição da pessoa do delinqüente40. Para além disso, o crime deverá ser reconhecido não como um «mal» mas pela sua função utilitária enquanto um indicador da sanidade do sistema de valores que constitui a consciência colectiva. Nesse sentido, o crime será mesmo um elemento promotor da mudança e da evolução da sociedade. É a este propósito que Durkheim refere peculiarmente que, face aos sentimentos atenienses, a condenação de Sócrates «nada tinha de injusto» 41. Efectivamente, será esta dimensão do crime que explica que a mesma conduta poderá ser censurada por uma determinada sociedade num determinado momento da sua evolução cultural como poderá nada ter de censurável na mesma sociedade num outro e diferente momento da sua evolução cultural. Isso permitir-nos-á compreender que um acto criminoso transpõe, de modo negativo, uma construção valorativa, de tal modo que poderá dizer-se que «não há acto algum que seja, em si mesmo, um crime. Por mais graves que sejam os danos que ele possa causar, o seu autor só será considerado criminoso se a opinião comum da respectiva sociedade o considerar como tal» 42. Um dos aspectos mais salientes da sociologia de Durkheim passa pela consideração obrigatória de uma estreita relação entre as determinações individuais e as construções sociais, donde resulta, antes que tudo, uma clara ascendência da consciência colectiva sobre
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a consciência individual. Ao contrário do que defendiam os contratualistas, que imaginavam uma sociedade de indivíduos, a sociedade não é o mero somatório das partes, pois ainda assim não passaria de um conjunto heterogéneo de armações diferenciais. A sociedade, muito pelo contrário, é, para Durkheim, um depositório de valores que de uma forma mais ou menos regular se consensualiza. Esta visão da sociedade não deixou de ter a sua projecção no modelo sóciocriminal que Durkheim defendeu. Antes de tudo porque o crime, embora de modo algo ambíguo, passou a ser considerado não apenas como o resultado de condutas anti-sociais, mas como condutas contextualizadas socialmente. O crime mais que um fenómeno do criminoso passou a ser encarado como uma realidade social cuja importância era inquestionável para o estudo sociológico, nomeadamente para a compreensão das grandes estruturas de sedimentação e desenvolvimento social. A um crime tão atomizado na sua explicação como o foi o homem desde a escola clássica até à escola positiva opôsse, através desta nova dimensão da criminologia, uma explicação das causas do crime que procura a solução do problema criminal não apenas na responsabilização exclusiva do delinqüente mas na responsabilização do comportamento criminal por elementos típicos da própria sociedade que funciona como um ambiente verdadeiramente condicionador da acção individual. Mas, mais que isso, a concepção de Durkheim explica já que as causas do crime poderão estar em relação directa com as disfuncionalidades fácticas e normativas do conjunto inter-relacional, inter-relacional, como poderão resultar das opções consensuais dos ordenamentos sociais de cada época. Mas se isto será assim para Durkheim, para alguns autores contemporâneos, inspirados no modelo de conito marxista, o importante não será, no entanto, penetrar nos problemas, o importante e «imperioso é criar uma sociedade em que a realidade da diversidade humana, seja pessoal, orgânica ou social, não esteja es teja submetida ao poder de criminalizar> criminalizar>> > 43.
5. A Teoria Teoria das Subculturas Criminais Crimina is A expressão subcultura criminal foi consagrada na literatura criminológica pela ob ra de Albert Cohen: Delinquent boys e sua conceituação. Como pondera Shecaira 44: “Etimologicamente falando, o termo subcultura nos remete para a idéia de “uma cultura dentro da cultura”. Esta denição enfrenta o problema de se dizer claramente o que é cultura. Problema ainda mais agravado se nós pensarmos que, algum tempo depois de consagrada a idéia da subcultura, passou-se a conhecer um outro conceito: o da contracultura. Há que se iniciar, pois, pela idéia do que venha a ser chamado de cultura. Na realidade, cultura é, ao mesmo tempo, objeto de estudo da Filosoa, da Antropologia, da Sociologia e da História, dentre outras ciências. Todos esses domínios, não obstante a clareza da expressão, apresentam distintas abordagens pela própria equivocidade do termo. Como a abordagem deste trabalho volta sua atenção para a Sociologia Criminal, tentaremos, a partir da idéia sociológica, junto com Figueiredo Dias e Costa Andrade, conceituar a cultura como “todos os modelos coletivos de ação, identicáveis nas palavras e na conduta dos membros de uma dada comunidade, dinamicamente transmitidos transmitidos de geração para geração e dotados de certa cer ta durabilidade”45. Na realidade, aos complexos mecanismos de conhecimento, artes, crenças, costumes, direito, bem como no que concerne a todas as atividades humanas de uma determinada sociedade, pode-se traduzir a idéia de cultura. No mesmo sentido o pensamento de Lola Aniyar de Castro ao denir cultura como “um conjunto de símbolos, de signicados, de crenças, de atitudes e de valores, que têm como característica o fato de serem compartilhados, de s erem transmissíveis e de serem apreendidos. Quando esta cultura penetra na personalidade, o faz através de um processo que se denomina processo de socialização46”. Albert Cohen posiciona-se armando que o conceito é sucientemente familiar ao leigo. Refere-se ao conhecimento, crenças, valores, códigos, gostos e preconceitos que são tradicionais em grupos sociais e que são adquiridos pela participação nesses grupos. A linguagem habitual do americano, seus hábitos políticos, o gosto por hambúrguer e cocacola e a aversão por carne de cavalo são parte da cultura americana 47. A tese central desse pensamento é de que “cada sociedade é internamente diferenciada em inúmeros subgrupos, cada um deles com distintos modos de pensar e agir, com suas próprias peculiaridades e que podem fazer com que cada indivíduo, ao participar destes grupos menores, adquira “culturas dentro da cultura”, isto é, subculturas. Qualquer s ociedade diferenciada encontrará formas distintas de cozinhar, expressar-se artisticamente, jogar, vestir-se, enm agir. Tais mecanismos permitem a visualização de subculturas de lojas ou empresas, fábricas, quartéis, universidades, associações dentro da universidade, organizações
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maçônicas, presídios e outras instituições fechadas”48. A subcultura delinqüente, por sua vez, pode ser resumida como um comportamento de transgressão que é determinado por um subsistema de conhecimento, crenças e atitudes que possibilitam, permitem ou determinam formas particulares de comportamento transgressor em situações especícas. Esse conhecimento, essas crenças e atitudes precisam existir, primeiramente, no ambiente cultural dos agentes dos delitos e são incorporados à personalidade, mais ou menos como quaisquer outros elementos da cultura ambiente 49. Quando se fala da subcultura delinqüente está se considerando um modo de vida que em certa medida tornou-se tradicional entre certos grupos sociais norte-americanos. Estes grupos de criminalidade juvenil oresceram mais pronunciadamente nas vizinhanças de algumas grandes cidades dos EUA, fazendo nascer uma criminalidade particular mais prossional também na idade adulta, ainda que estes fossem portadores daqueles valores criminais adquiridos em seu período de amadurecimento intelectual e físico (especialmente na adolescência). Na realidade, em todos os momentos os teóricos da subcultura delinqüente não tiveram qualquer interesse em armar que explicariam todos os crimes de massas ou mesmo toda criminalidade juvenil. Seria muita presunção se assim quisessem fazê-lo. Propuseram, somente, uma perspectiva tópica de explicação de algumas modalidades de crimes e dentro de determinados contextos bastante bast ante especícos 50. Nos dizeres de Garcia-Pablos de Molina, Cohen atribui à subcultura delinqüencial três fatores: não utilitarismo da ação; malícia da conduta; e seu negativismo51. Com isso pretende armar que as condutas são um m em si mesmo e não um meio para obterem alguma coisa (utilitarismo), realizadas com a intenção de chocar, escandalizar (malícia) e para negar os valores considerados como universalmente vigentes (negativism (negativismo). o). Mais recentemente, noticia Shecaira, abordagens “sobre o tema têm sido feitas com análises especícas de grupos subculturais. Interessante estudo é aquele feito sobre os ravers, também denominados clubbers, e que mostra as principais características de funcionamento desse grupo. As regras próprias, seguidas pela maioria de seus membros, incluem a utilização de indumentária especíca com bandanas na cabeça, roupas largas e informais como camisetas, blazers e calças jeans tipo baggy. As festas ravers, que podem durar até 3 dias, são embaladas por ecstasy ou outras drogas e por músicas de uma batida acelerada que permitem uma dança intensiva, com muito movimento lateral do corpo. Os ravers apareceram para eliminar todas as diferenças entre idade, sexo, classe ou condição social e é um produto de um escapismo surgido em face das diculdades advindas de uma sociedade pós-industrial com altos índices de desemprego, que limita a possibilidade de acesso de todos a um Estado de Bem-Estar Social 52” 53 . Albert Cohen acaba por p or concluir pela normalidade do crime e pela armação do crime como valor do grupo e não como negação de uma pretensa universalidade de valores sociais. Mais importante, porém, é a “lição que se pode tirar de tais teorias, sem qualquer dúvida, é que dadas suas características particulares, o combate a essa criminalidade não se pode fazer através dos mecanismos tradicionais de enfrentamento do crime. Primeiro porque a idéia central dessa forma de prática delituosa tem certas particularidades que são dessemelhantes de outras formas mais corriqueiras. Ademais, algumas dessas manifestações não se combatem com a pura repressão, mas sim com um processo de cooptação dos grupos, envolvendo-os com o mercado de trabalho e com o acesso à sociedade produtiva (é o caso dos grupos de pichadores nas grandes cidades) 54. Outros, ao contrário, demandam uma delicada investigação cujo foco precípuo estaria na inteligência da polícia, com delegacias especializadas para controle dessas manifestações criminais (assim, nas hipóteses de gangs punks, skin-heads, ou semelhantes, tais como “Carecas do ABC”) 55” 56 .
6. Considerações Finais Com isso, analisamos panoramicamente as teorias denominadas do consenso. No próximo texto, debruçar-nos-emos sobre as teorias do conito que invertem o paradigma “Por que as pessoas cometem crimes?” para o paradigma “Por que chamamos determinadas condutas de crime” e as conseqüências que essa mudança trará para o pensamento criminológico.
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Notas 1 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. Criminologia. São Paulo: RT, RT, 2004, pág. 134. 2 DAHRENDORF DAHRENDORF,, Ralf. As Classes e seus Conitos Conitos na Sociedade Industrial.Brasília, Ed. da Universidade de Brasília, 198 1982, 2, p. 148. 3 SHECAIRA, op. cit, pág. 135. 135. 4 DAHRENDORF, Op. Cit., p. 149 149 5 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Cia Ed. Nacional/ Publi folha, 2000, 200 0, p. 197 197.. 6 SHECAIRA, op. cit, pág. 189 189.. 7 Sete dos nove nove membros da Suprema Corte tinham tinham sido indicados pelo ex-presidente Herbert Hoover, antes dos anos 30. Em fevereiro de 37, Roosevelt ataca a Suprema Corte, dizendo que a diferença de 10.000.000 de votos sobre o candidato republicano autorizavamno o adotar políticas públicas em benefício da população que não podiam ser vetadas por alguns juízes. A polêmica só acaba em março de 37 com a aprovação de duas novas leis que regulamentavam a atividade sindical e o seguro social, aprovadas como constitucionais na Suprema Corte, por cinco votos a favor e quatro contra. 8 SHECAIR SHECAIRA, A, op. cit, pág. 191. 191. 9 TARDE, Gabriel. The Laws of Imitation. Trad. Trad. E. C. Parsons. New York, Henry, Holt and Co., 1903, p. 74. 10 É de extremo interesse a leitura, contemporânea, contemporânea, do sociólogo e antropólogo Pierre Bourdieu. Em seus Gostos de Classe e Estilos de vida o autor traça um panorama intrigante das diferenças culturais e estéticas dos diferentes extratos sociais e suas distintas manifestações exteriores. Para ele, “constituindo num tipo determinado de condições materiais de existência, esse sistema de esquemas geradores, inseparavelmente éticos ou estéticos, exprime segundo sua lógica própria a necessidade dessas condições em sistemas de preferências cujas oposições reproduzem, sob uma forma transgurada e muitas vezes irreconhecível, as diferenças ligadas à posição da estrutura da distribuição dos instrumentos de apropriação, transmutadas, assim, em distinções simbólicas”. simbólicas”. In BOURDIEU, Pierre. Gostos de Classe e Estilos de Vida. Sociologia. Renato Ortiz (org.). São Paulo, Ática, 1993, p. 83. 11 ANIY ANIYAR AR DE CASTRO. Lola. Criminologia da Reação Social. Trad. Trad. Ester Kosovski. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 73. 12 SHECAIRA SHECAIRA,, op. cit, pág. 198. 198. 13 Em sua monograa especíca sobre o assunto, um dos capítulos tem exatamente o título: o crime do colarinho-branco colarinho- branco é um crime? In SUTHERLAND. Edwin H. El Delito de Cuello Blanco. Trad. Olga de Olmo. Caracas, Universidad Central de Venezuela, 1969, 1969, p. 29 e seguintes. 14 SANTOS SANTOS,, Cláudia Maria Cruz. O Crime Crime de Colarinho Branco: da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da justiça penal. Coimbra, dissertação de mestrado, 1999, p. 42; também MANNHEIM, Herman. Criminologia comparada. Trad. Faria costa e Costa Andrade. Lisboa, Fund. Calouste Gulbenkian, 1985, pp. 724 e seguintes. 15 ANIY ANIYAR AR DE CASTRO. Lola. Criminologia da Reação Social. Social. Trad. Ester Kosovski. Kosovski. Rio de Janeiro, Forense, 1983, pp. 78/80. 16 Estudo extremamente interessante realizado entre nós foi o de Ela Ela Wiecko V. V. de Castilho em que a autora examina, com estudos estatísticos precisos, Estado a Estado da Federação, os casos de crimes econômicos no Brasil. In: O Controle Penal nos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Belo Horizonte, Del Rey, 1998. 1998. 17 Este fato é bastante visualizável nos Estados Unidos em que muitos muitos promotores e juízes
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são eleitos diretamente pelo povo, o que faz com que haja uma dependência direta dos detentores do poder econômico. No Brasil, este fato só ocorre indiretamente, mas não deixa de ser identicado, especialmente nos grotões mais distantes. É que em t ais lugares o próprio funcionamento do Poder Judiciário depende diretamente das colaborações dadas ora pelo Executivo, ora por pessoas de nomeada da comunidade local. 18 Podemos notar notar o tratamento tratamento diferenciado, modernamente, nas nas concessões de prisões especiais para algumas categorias de cidadãos portadores de título superior ou de algumas prossões especícas. 19 SHECAIRA SHECAIRA,, op. cit, pág. 201. 201. 20 O facto de em todas as sociedades, desde as menos evoluídas evoluídas às mais evoluídas, evoluídas, se encontrarem manifestações anti-sociais não signica que todas as sociedades denam os mesmos tipos de crimes e que os mesmos crimes sejam delimitados com as mesmas características. Na realidade, a tipologia dos crimes evolui no mesmo sentido da evolução social, o que quer dizer que, em cer ta medida, o crime é produzido p roduzido pela sociedade, em termos abstractos, e praticado, em concreto, por um determinado membro da sociedade que não aderiu à ordem social. Assim, seguindo a diferenciação social de Durkheim entre sociedades de solidariedade mecânica e orgânica, poderá dizer-se que nas primeiras, correspondentes a sociedades menos evoluídas, e porque o indivíduo se encontra rmemente ligado ao grupo, os crimes mais graves são os que ponham em «perigo o conjunto da colectividade», enquanto que nas segundas, onde o indivíduo se encontra grandemente emancipado, se tutelam valores em torno dos quais o indivíduo constrói a sua personalidade, seja sob a forma de crimes contra a pessoa (os crimes contra a vida, os crimes contra a integridade física, os crimes contra a honra, os crimes sexuais, etc.), seja contra a propriedade individual (crimes de roubo, crimes de furto, crimes de abuso de conança, etc. que implicam geralmente um enriquecimento verso empobrecimento para cada uma das partes envolvidas). Ora, o que nos permite considerar que o crime constitui uma realidade de natureza sócio-cultural da maior importância: não só espelha uma dimensão negativa da ordem social estabelecida pela colectividade, como ainda se revela como uma dimensão de absoluta necessidade conceptual na doutrina do controlo social. 21 Cf. RADZINOWICZ, RADZINOWICZ, L., Ideology and Crime, London: Heinemann. 1966. 22 Destacam-se, na escola franco-belga, A. Guérry (Essai sur la statistique morale de la France,1833) e A. Quételet (Essai sur le dévelopment de facultés de 1 ‘home ou essai de phisique social, 1835), que utilizam cartas geográcas para indicar a distribuição diferencial das taxas e tipos de criminalidade pelas diversas áreas geográcas, na escola alemã, A. von Oettingen (Die moralstatistik in ihre bedeutung b edeutung für eine sozialethik) e G . von Mayr (Statistik der gerichtlichen polizei im königreiche bayern und in einigen landern, 1868), na escola inglesa, Benthan (Princípios do código penal), W. Rawson (An inquirity into the statistics of crime in England and Wales, 1839), 1839), W. Buchanan (Remarks on the causes and state of juvenil crime in the metropolis with hints for preventing its incrase, 1846), J. Flechter (Moral and educational statistics of England and Wales, 1848) e H. Mayhew (The ( The criminal prisons of london and scenes from prison life, 1862, e Those that will not work, 1864). 23 Lacass Lacassagne agne é o autor de Marche de la criminalité criminalit é en France — 1825-1880 1825-1880 (1881 (1881)) e de Les vois á l’etalage et dans les grands magasins (1986) e é fundador, com Manouvrier, dos Archives d’ Anthropologie Criminelle. A sua importância é assinalável por ter iniciado as hostilidades ao positivismo lombrosiano, ao proclamar, no 1.º Congresso de Antropologia Criminal, em 1885,, que «cada sociedade tem os criminosos que merece» e ao apontar como causa do crime 1885 o meio social. 24 Gabrie Gabriell Tarde Tarde (1843-1904) (1843-1904) foi magistra magistrado, do, dirigiu os Servi Service ce de la Statistique Criminelle Criminell e e publicou um grande número de obras dedicadas ao fenômeno criminal. A sua teoria do crime explicava-se pelo princípio da imitação que se exp licaria segundo três «leis»: a imitação funcionaria em razão directa da proximidade social; a imitação funcionaria no sentido das classes mais baixas para as mais elevadas, quando existisse conito entre dois modelos contrários de comportamento, um poderia substituir outro. Durkheim refere-se à teoria da imitação a propósito do suicídio, revelando o seu desprezo por esta teoria quando diz que «uma coisa é sentir em comum, outra coisa inclinar-mo-nos pe rante a autoridade da opinião e outra coisa ainda repetir automaticament automaticamentee o que outros zeram». Embora Embora constitua uma via de recurso para alguma da investigação no
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domínio da teoria da aprendizagem em psicologia social, poderá dizer-se que a teoria da imitação pouco representa hoje para a criminologia (Cf. LÉVY-BRUHL, Henri, «Problemas da Sociologia Criminal», in Georges Gurvitch (org.), Tratado de Sociologia, Porto: iniciativas editoriais, 1964, pp. 290-291; DIAS, Figueiredo, e ANDRADRE, Costa, Criminologia: o Homem Delinquente e a Sociedade Criminológica, Coimbra: Coimbra Editora, 1992, pp. 20-25. MANNHEIM, Hermann, Criminologia Comparada, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 698, Vol. II). 25 Durkheim (1858-1 (1858-191 917) 7) destaca-se na sociologia criminal pela sua denição do crime como um facto social e pela tese da normalidade e funcionalidade do crime. A importância paradigmática de Durkheim deve-se ainda ao facto de o seu pensamento representar uma das vertentes das modernas teorias sóciocriminológicas, o modelo de consenso, que se opõem à fundamentação marxista, o modelo de conito. 26 O facto de a sociologia criminal criminal aparecer apenas no século XIX XIX não signica que só a partir desta altura tenha iniciado a preocupação e a reexão criminal, signica tão só que é nesta altura que a reexão criminal atinge um elevado nível de sistematização e rigor na explicação do crime, mediante a elaboração de complexos estudos apoiados na consideração do meio social onde se desenvolve o crime e numa metodologia sucientemente idónea para a abordagem credível deste fenómeno. Assim, poderemos encontrar vestígios dessa preocupação e reexão em Platão (As Leis) que viu o crime como uma doença cujas causas derivavam das paixões, da procura de prazer e da ignorância. Aristóteles, por seu turno, considerou que a causa do crime tinha origem na miséria (Tra ( Tratado tado da Política) e que o criminoso era um «inimigo» da sociedade que deveria ser castigado (Ética a Nicómaco). São Tomas de Aquino, na sequência de Aristóteles, também atribuirá a origem do crime à miséria. Mas, o primeiro autor a dar-se conta das causas sociais do crime foi Thomas Morum (1478-1535) na sua obra Utopia. Porém, apenas no século XVIII, com o movimento iluminista, nasceu uma forte reacção à arbitrariedade com que se determinava a medida das penas e à desigualdade com que concretamente se aplicavam. 27 A escola clássica clássica caracteriza-se por ter projectado na doutrina doutrina do crime os ideais do movimento iluminista, donde se destacam, por terem tomado posição nesta luta, Montesquieu, Hobbes, Voltaire, Rousseau, Diderot, d’Holbach. Mas os autores que de modo mais directo participaram no debate do problema criminal foram Beccaria, Feuerbach, Benthan, Blackstone, Carranara, etc. O mais representativo de todos estes autores geralmente apontado é o italiano Cesare Beccaria que expõe o principal do se u pensamento em Dei delitti e delle pene (1764), onde defendia uma construção do tipo legal de crime em condições de oferecer o mínimo de segurança ao homem no exercicio da sua liberdade social face às autoridades públicas que manuseavam o respectivo processo sem sujeição a qualquer tipo de regras, aplicando as respectivas penas de forma «arbitrária». Menos feliz parece ter sido a sua explicação hedonista do crime, quando defende que a prática do crime estaria associada ao prazer, de modo que a pena deveria estabelecer-se por forma a anular as compensações da sua prática. Pelo que a pena teria como nalidade diminuir a ocorrência do crime de modo a assegurar a continuidade da sociedade civil livremente constituída. Neste sentido, a teoria clássica surge como uma teoria de controlo social, partindo da ideia de que a sociedade para existir celebrou livremente um contrato social, através do qual estabele ceu o regime de tutela dos bens essenciais (o «bem-estar pessoal» e a «propriedade privada») à convivência convivência pacíca do homem. Os homens, «iguais perante a lei», deveriam por isso determinar racionalmente a sua liberdade em conformidade com aquele contrato. Mas todo o homem, com base em motivações de ordem irracional, aparecia como um potencial violador do contrato, razão pela qual estava sujeito às consequências de um estatuto penal, cujas penas, que visavam dissuadilo preventivamente dessa conduta, deveriam ser «exactas» na sua correspondência ao crime cometido. Só que a teoria clássica ao estabelecer que os homens eram formalmente iguais perante a lei, apresenta, por um lado, uma contradição básica na sua formulação quando «não presta atenção ao facto de a carência de bens poder ser motivo para que o homem tenha uma maior probabilidade para cometer crimes», tornou-se, por outro lado, numa técnica duplamente perversa, ora porque em certos casos se revelava excessiva, ora porque noutros se revelava insuciente. Os neo-clássicos, como Rossi, Garaud e Joly, para superarem tais diculdades, introduziram algumas reformas tendentes a ultrapassar as contradições dos princípios clássicos «puros» que colocavam algumas diculdades na determinação prática da medida da pena. Com esta revisão, os neoclássicos tiveram de tal modo em conta as «circunstâncias atenuantes», os «antecedentes criminais» e a «inimputabilidade» do delinquente, ou seja, «pegaram no homem racional solitário da criminologia clássica e deramlhe um passado e um futuro» (Cf. TAYLOR, I., WALTON, P. e YOUNG, J., La Nueva Criminologia:
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Contribuicion a una Teoria Social de la Conduta D esviada, Amorrortu Editores, Buenos Aires, 1990, p. 22). 28 O positivismo cientíco, na área da criminologia, surgiu, no Século XIX, com a inauguração da escola positiva italiana em 1876, com a publicação de L ‘Uomo Delinquente, de Cesare Lombroso, que reage contra os fracassos da escola clássica no tratamento do problema criminal. Efectivamente, a escola clássica, representada por Beccaria, centrara a sua preocupação no sistema penal estabelecido de modo arbitrário; contudo a criminalidade ao invés de reduzir aumentara e diversicara-se sem que a teoria clássica oferecesse uma explicação satisfatória. A escola positiva surge assim, num ambiente de crise, como alternativa da explicação das causas do crime, deslocando a investigação criminal para o próprio delinquente e propondo-se tratar o crime com base nos métodos e instrumentos utilizados pelas ciências ditas «objectivas». Como características fundamentais desta escola realça-se o postulado determinista do comportamento e a rejeição do livre arbítrio de raiz metafísica. Entre os fundadores da escola positiva destacam-se não só Lombroso, que se detém na questão antropológica, mas também dois dos seus discípulos: Enrico Ferri, que realçou na sua investigação sobre o crime os elementos sociológicos, e Raaele Garófalo, que põem em destaque para a explicação do crime o elemento psicológico. A formulação da antropologia criminal de Lombroso contou com alguns trabalhos precursores que tentaram encontrar as causas do crime nos estigmas individuais do delinquente, caso das teorias siológicos (J. K. Lavater,, Fragmentos Fisionómicos, 1775), Lavater 1775), que pretendiam diferenciar o criminoso pelos pe los seus traços sionómicos, das teorias frenológicas (F. Gall, Sur les fonctions du cerveau, 1791- 1825, H. Lauvergue, Les forçat considérés sous le rapport physique, moral et intellectuel, observés au Bagne de Toulouse, 1848, e C, Caldwell, Elements of Phrenology, 1829), que procurou os sinais identicadores do delinquente no formato craniano, entre outros. Mas, foi com base em Darwin (The origin of species, 185 1859, 9, e Descent of man, 18 1871 71)) que formulou urna teoria baseada na natureza atávica de todos os delinquentes — o criminoso seria reconhecível através de certos estigmas físicos («dentição anormal», «assimetria do rosto», «orelhas grandes», «defeitos dos olhos», «características sexuais invertidas», etc.) correspondentes a um homem menos civilizado que os seus contemporâneos —, o que conrmaria estatisticamente. No entanto, perante as críticas que lhe foram dirigidas, Lombroso seria forçado a moderar a extensão da sua teoria, porém não ao ponto de corrigir alguns defeitos que serão denitivos para a sua descredibilização, nomeadamente defeitos técnicos, relacionados com a utilização de técnicas estatísticas inadequadas (Cf. C. Goring, The english convict, 1913), uma errada consideração dos estigmas físicos, que geralmente são uma consequência directa do meio social, uma infundada teoria genética, já que está excluída pela moderna teoria genética a regressão evolutiva até espécies anteriores. O pensamento de Ferri — considerado por alguns autores como o fundador da sociologia criminal —, no domínio da criminologia, foi exposto na sua obra Nuovi horizonti del diritto e della procedura penalle (1851) que serviu de base à sua obra principal Sociologia criminale (1892). Segundo ele, as causas do crime seriam não só de carácter antropológico e físicas, mas também sociais. Será neste autor que Durkheim irá encontrar uma grande parte da sua inspiração no tratamento social do crime, porém enquanto Ferri utiliza um método predominantemente empírico, a análise de Durkheim «faz-se em profundidade e não se satisfaz com a mera descrição» (Lévv-Bruhl, Op. Cit., p. 291). Por seu turno, Garófalo conta com uma extensa bibliograa dedicada ao tema da criminologia, de onde se destacam Criminologia (1885), Ripparazione alle vittime dei delitto (1887) e La superstition socialiste (1895). A sua obra está marcada pela tentativa de denição de um conceito sociológico de crime, concebido como violação dos sentimentos básicos da colectividade, a que se reconduzia a sua explicação psicológica do crime. As críticas ao positivismo não se zeram esperar. espe rar. Tanto Tanto a sociologia criminal (Lacassagne, Tarde e Durkheim) como da antropologia criminal (Baer e Goring) criticaram o determinismo lombrosiano determinado pelas suas teses antropológico-causais. Mas, o certo é que de certa maneira permanece o perigo das ideologias ide ologias de tratamento que marcam uma vasta inuência na política criminal, sustentando-se, ao contrário do que defendia a escola clássica, não uma redução mas uma ampliação da reacção social ao crime, posição que leva Garófalo a admitir a hipótese de irradiação do delinquente quando fosse «incapaz para a vida social» (Cf. DIAS, Figueiredo, e ANDRADRE. Costa, Op. Cit, pp. 18-19). 29 DURKHEIM, Émile, As Regras do Método Sociológico, Lisboa: Lisboa: Editorial Presença, Presença, 6.ª Ed., 1995, 199 5, Prefácio à segunda se gunda edição original, p. 23. 30 Idem, p. 30. 31 A actualidade da obra O Suicídio de Durkheim deve-se em grande medida ao facto de
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estar na base da investigação de uma serie de condutas que se inserem no quadro dos desvios e que continuam a preocupar o mundo moderno. Isso não quer dizer que não haja nela um conjunto de aspectos cuja validade é hoje contestável, desde logo a validade das estatísticas est atísticas (no caso, ociais), a ambiguidade do conceito de anomia (Cf. Teoria da Anomia de Merton), as diculdades de distinção do suicídio egoísta do anómico (Cf. (Cf. DURKHEIM, Émile.O Suicídio: Estudo Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 1996, p.286), etc. É ainda, por isso, uma obra de referência para a investigação social nos diversos domínios, nomeadamente na área da criminologia social ou sociologia criminal. Por isso, merece especial apreço a compreensão dos princípios e conceitos em que se estrutura toda a obra. Desde logo, Durkheim entende por suicídio «todo o caso de morte que resulta directa ou indirec tamente de um acto positivo ou negativo praticado pela própria vítima, acto que a p rópria vítima sabia dever produzir este resultado» (Idem, p. 10) (V. ARON, Raymond, Op. Cit., 1994, p.325), ou, em síntese, o «acto de um homem que prefere a morte a vida» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 275). 275). 32 DURKHEIM, Op. Cit.., Cit.., p. 200. 33 DURKHEI DURKHEIM, M, Op. Cit., p. 207 207.. 34 A esta tipologia Durkheim acrescentou acrescentou ainda os suicídios suicídios fatalistas que se opõem aos aos suicídios anómicos: o suicídio fatalista, de modo inverso, é «aquele que resulta de um excesso de regulamentação» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., Cit. , p. 273, n.29). 35 ARON, Op. Cit., p. 329. 329. 36 CUSSON, Maurice, Maurice, «Desvio», in Rayrnoud BOUDON, Tratado de Sociologia, Porto: Edições Edições Asa, 1995, p. 391. 37 Um facto social, segundo Durkheim, «é normal para um tipo social social determinado, considerado numa fase determinada do seu desenvolvimento, quando se produz na média das sociedades dessa espécie, considerada na fase correspondente da sua evolução», DURKHEIM, Émile, As regras do Método Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 6.ª Ed., 1995, p. 84. 38 DURKHEI DURKHEIM, M, Émile, Op. Cit.. Cit..,, p. 87 87.. 39 DURKHEIM Émile Op. Cit.., p. 86. 40 DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 86, nota nota 10. 41 DURKHEIM Émile, Op. Op. Cit., p. 90. 42 LÉVY-BRUHL, Henri, Op. Cit., p. 292. 43 TA TAYLOR, YLOR, I., WALTON, P e YOUNG, I., Op. Cit., Cit ., p. 298. 44 SHECAIRA, op. cit, págs. 241 241 e 242. 45 DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena. Coimbra, Coimbra Ed., 199 1992, 2, p.290. 46 Criminologia da Reação Social. Trad. Ester Kosovski. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 10. 10. 47 COHEN, Albert Albert K. Delinquent Boys: the culture of the gang. Nova York, York, Free Press, 1955, 1955, p. 12. 48 SHECAIRA, op. cit, pág. 249 249.. 49 Note-se, desta denição do próprio Cohen, escrita em 1966, como ela já sofre as inuências das teorias interacionistas, que serão objeto de análise em capítulo posterior. In Transgressão e Control. Op. Cit., p.199. 50 SHECAIRA, op. cit, pág. 250. 250. 51 COHEN, Albert K. Delinquent Boys: the culture of the gang. New York/London, York/London, The Free
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Press/Collier Macmillan Publishers, 1955, p. 25. 52 PRIDDLE, Jacqueline. Discuss Discuss and Ilustrate the Main Changes in Youth Subcultures Subcultures Over the Last Twenty Year. Year. Ilustrate with particular reference to two t wo examples. Disponível via www. ww w. arasite.org, consultado em 19/1/2002, p.3. 53 SHECAIRA, op. cit, pág. pág. 258. 54 Tal processo foi tentado na cidade cidade de São Paulo, Paulo, na gestão da então Prefeita Luísa Erundina com os pichadores; houve a “concessão” de alguns muros da cidade, em locais de grande visibilidade, onde aqueles jovens podiam expressar livremente sua forma artística de grates. No momento, postura semelhante vem sendo adotada pela Prefeita Marta Suplicy, ao incentivar os grupos de periferia em suas manifestações artísticas, especialmente o hiphop, antes associado esteriotipicamente à marginalidade. 55 A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, por ocasião do assassinato assassinato a pontapés de um homossexual na Praça da República por membros de um grupo skin-head, criou o GRADI: Grupo de Repressão a Delitos de Intolerância, órgão ligado diretamente ao Gabinete do Secretário, com participação das polícias civil e militar. Tal grupo de investigações tem permanente contato com o Ministério Público do Estado, que também tem pessoas envolvidas especicamente na investigação de delitos de intolerância, vinculadas ao Assessor de Direitos Humanos do Procurador Geral. 56 SHECAIRA, op. cit, pág. 268 e 269. 269.
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LEITUR LEI TURA A FA FACULT CULTA ATIVA
Escolas Sociológicas da Criminologias III: A Escola de Chicago O Meio Ambiente Criminógeno: possibilidades de prevenção da criminalidade urbana violenta por meio de intervenções ambientais. 1. Introdução Classicamente, do ponto de vista do Direito Penal, aborda-se o meio ambiente amplamente considerado como bem jurídico relevante que demanda, nessa qualidade, a tutela penal. Com efeito, a degradação contínua e crescente do meio ambiente, incluso o urbano, tem sido o foco dos mais acalorados debates concernentes ao futuro da humanidade mesma. Sobre o tema, sobejam especialistas e teses, de modo que a contribuição desse trabalho pretende ser dada sob um outro aspecto: os efeitos criminógenos do meio ambiente ou mais precisamente, os efeitos nos fenômenos criminais típicos das grandes metrópoles da degradação do meio ambiente urbano. Dessa forma, resta evidenciado que na presente análise pressupõe-se já ter havido um primeiro crime ou uma primeira sucessão de crimes que redundou na construção de espaços urbanos degradados, no mais das vezes impróprios para a ocupação humana. Discutem-se, infra, os efeitos que t al degradação trouxe, do ponto de vista meramente criminológico, para o surgimento de áreas na cidade de São Paulo cujos índices de homicídio por cem mil habitantes/ano supera o de cidades em países em guerra ou dominadas pelo narcotráco, como Cali, na Colômbia.
2. A ocupação ecológica da Cidade A relação entre a criminalidade e a Cidade foi primeiramente percebida na assim denominada Escola Criminológica de Chicago, cuja produção acadêmica concentrou-se grosso modo entre as décadas de 20 a 40 do século passado e deu-se no Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago. Essa relação, aparentemente óbvia, representa a superação do paradigma positivista criminológico segundo o que o criminoso é um ser perturbado, doente, uma verdadeira degeneração. Admitir que a Cidade, entidade relativamente nova nos Estados Unidos do início do século XX, é um fator criminógeno implica reconhecer o crime como um fenômeno gerado no seio da cidade mesma e, dessa feita feit a de inegável caráter ecológico. Com efeito, a Escola de Chicago também é chamada de teoria ecológica justamente por ter como base de seus modelos explicativos a Ecologia Humana, entendido o conceito conceito de ecologia como “(...) o estudo dos seres vivos, não como indivíduos, mas como membros de uma complexa rede de organismos conexos”1 . O primeiro sociólogo a dar tratamento sistemático à ecologia humana Chicago foi Robert Park em seu artigo The City, de 19152 . No entender do autor, dois são os princípios ecológicos centrais: o da dominância e o da sucessão. No reino veget al, podemos perceber a dominância na disputa das plantas pela luz: aquelas mais altas, cujas folhas se projetam sobre as demais são as plantas dominantes de uma região. No reino humano, por assim dizer, a dominância está presente em vários campos sociais, como fruto dos processos de competição. Na disputa pelas áreas da cidade, as áreas de dominação serão aquelas cujos terrenos tenham valor mais
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alto3 . O mesmo poder-se-ia dizer dos estatutos social, econômico etc. Outro princípio ecológico central é o da sucessão. Ensina Park que “sucessão é o termo usado pelos ecólogos para descrever e designar a seqüência ordenada de mudanças através das quais uma comunidade biótica passa, no curso de seu desenvolvimento, de um estádio primário e relativamente instável, a um estádio relativamente permanente ou de clímax”. No campo da ecologia humana, a sucessão pode ser ilustrada “pelos processos de deterioração física dos prédios que levam a uma modicação do tipo de povoamento, que produz, por sua vez, uma tendência de diminuição dos alugueres, selecionando níveis de população de rendimento cada vez mais baixo, até que um novo ciclo seja iniciado, quer como mudança de residência para negócio, ou por meio de um novo desenvolvimento do uso antigo, como por exemplo, a mudança de apartamentos para hotéis”4 . Em síntese a ecologia humana seria uma tentativa de investigação dos processos por meio de que os equilíbrios biótico e social se mantêm bem como por meio de que processos tais equilíbrios são perturbados, a partir da interação de quatro fatores centrais: população, artefatos (cultura tecnológica), costumes e crenças e recursos naturais 5 . Em 1921, Park adensará o debate acerca da ecologia humana introduzindo-lhe o conceito de competição, o processo de interação humana mais elementar, universal e fundamental. Embora o mais intenso, trata-se do processo social mais impessoal, ou seja, onde há menos contato social, ou melhor, onde não há qualquer contato social. Park e Burgess o denem como “o processo pelo qual a organização distributiva e ecológica da cidade é criada”. É por meio da competição que se dá a distribuição populacional ao longo do território, isto é, os mais fortes ocuparão os melhores lugares. Também a divisão social do trabalho será ditada pela competição. Em síntese, “a competição determina a posição do indivíduo na comunidade” 6.
3. O crescimento crescimento da cidade e a formação de áreas área s de degradação O crescimento urbano seria bastante semelhante ao de um ser vivo não só no que tange ao movimento centro-periferia, mas no que tange à organização desse fenômeno. Muito embora o modelo perfeito de crescimento organizado seja aquele decorrente de um planejamento anterior e vinculante, tal qual se observou em Brasília, o extremo oposto - aquele aleatório e anárquico – não se pode conceber. O objeto primeiro das investigações de sociologia urbana em Chicago foi justamente o mapeamento e compreensão das forças agentes e conformadoras do crescimento urbano. Ainda em 1925, Ernest Burgess formula um primeiro modelo teórico de explicação do crescimento urbano7. Das duas possíveis acepções da expansão urbana, como crescimento físico e como processo, interessa-nos primordialmente a última. A expansão pode ser representada esquematicamente es quematicamente por uma série de cinco círculos concêntricos como se pode ver na Figura 01 01.. Figura 01: 01: O Crescimento da Cidade
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O modelo mesmo traduz a idéia de que a cidade cresce a partir de seu centro, essencialmente comercial, rumo à periferia. A Zona I, conhecida como zona do Loop comportaria comport aria as atividades bancárias, comerciais e industriais. Na Zona II, ou zona de transição, encontra-se uma região da cidade que está sendo invadida pelo comércio e indústria leve e onde se concentram as casas de prostituição e jogo bem como as moradias mais baratas e decadentes da cidade. Em seguida, a Zona III pode ser caracterizada como zona de moradia dos trabalhadores das indústrias, “que fugiram da área de decadência, mas que desejam viver em ponto de fácil acesso no seu trabalho”. A zona IV é a zona residencial, composta por residências mais luxuosas e por prédios de apartamento de alta classe. Finalmente, a Zona V, a rigor fora dos limites da cidade, é a zona do commuters, trabalhadores que residem em vilarejos ou distritos fora da cidade, mas que a ela se dirigem regularmente para trabalharem 8. Evidentemente o esquema de divisão da cidade em cinco zonas características é mero artifício didático posto que nenhum processo pode ser apontado estaticamente. Cada uma dessas zonas encontra-se em expansão o que resulta na expansão da cidade como um todo. Nesse processo, porém, uma área forçosamente invade a outra para fazer lograr sua expansão. Assim, a zona comercial para crescer tem de invadir sua zona adjacente, impingindo-lhe sempre um caráter de transitória posto que sempre comportando elementos da zona I (comércio e indústria) e da zona III (residências). Este aspecto da expansão urbana pode ser denominado de sucessão. Ainda em 1915, quando Robert Ezra Park escreve o artigo A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano, no American Journal of Sociology, obra que inaugurou o programa de pesquisa em sociologia urbana da Universidade de Chicago, o autor aponta serem de três naturezas as forças que agem sobre o crescimento urbano: as dos meios de comunicação e transporte, as econômicas e as culturais 9. O primeiro grupo – as forças dos meios de comunicação e de transporte – comportam “todas as coisas que tendem a ocasionar a um mesmo tempo maior mobilidade e maior concentração de populações urbanas”. Ao analisar o crescimento da cidade de Columbus, Ohio, Estados Unidos, Roderick McKenzie observa que aquela cidade acabou adquirindo a forma de cruz grega como resultado de limites geográcos geog rácos - os rios Sciotto e Oletangy – e do
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entroncamento das duas importantes avenidas avenidas da cidade: a Broad Street e a High Street10 . O segundo grupo de forças, de acordo com Park, seriam aquelas econômicas. “Comércio e indústria buscam localizações vantajosas circundando-se de certas partes da população. Surgem quarteirões de residências elegantes, dos quais são excluídas as classes mais pobres em virtude do acréscimo do valor da terra. Crescem então cortiços que são habitados por grandes números das classes pobres incapazes de se defenderem da associação com marginais e viciados”11 . A conseqüência da ocupação da cidade de acordo com tais forças, aponta Park, redunda na quebra da antiga organização social, baseada em laços familiares, por outra, baseada em interesses vocacionais e ocupacionais 12. O último grupo de forças, no entender de Park, é o composto pela forças culturais. Já temos até aqui uma cidade ideal dividida de acordo com os recortes geográcos, condicionada pelas forças econômicas sendo que os mais ricos encontram-se em regiões mais agradáveis, notadamente, aquelas afastadas do comércio e das indústrias. As forças culturais serão as últimas a determinar a ocupação da cidade. A dimensão mais ampla desse processo é o surgimento de áreas culturais segregadas e bastante homogêneas quanto à composição interna. Park enumera alguns exemplos clássicos: as Chinatowns de São Francisco e Nova Iorque e a Litte Sicily de Chicago13 . Em São Paulo, ao longo principalmente do século XX, os imigrantes formavam grupos bem denidos tal qual observados nas grandes cidades estadunidenses: a Liberdade, congregava os povos orientais, marcadamente japoneses, os bairros do Brás, Bixiga, Bela Vista e Móoca receberam principalmente italianos, o bairro do Brooklin caracterizou-se como um reduto de alemães etc. Ainda hoje alguns bairros podem ser caracterizados etnicamente: a Liberdade ainda mantém os fortes traços japoneses, o Bom Retiro, anteriormente ocupado por pequenos comerciantes judeus, hoje se encontra marcado pela imigração chinesa e coreana. Finalmente, o bairro de Higienópolis congrega os judeus mais abastados. Outra dimensão, mais especíca, da ocupação da cidade a partir das forças culturais, é a formação das vizinhanças, localidades com sentimentos, tradições e uma história comum. A vizinhança seria a forma mais elementar de associação dentro da cidade, marcada pela proximidade e contato entre vizinhos. Segundo Park seria, na organização social e política da cidade, a menor unidade local 14. Como aponta Burgess, o crescimento da cidade importa especialização das áreas que surgem, implicando um processo mais amplo de interdependência 15. Um dos aspectos dessa diferenciação é a descentralização das atividades econômicas com o surgimento de um comércio local. Em verdade, o crescimento seguido da especialização e da descentralização é fruto de um processo centrífugo de expulsão das zonas centrais: a competição entre as unidades comerciais do centro expele os menos fortes a regiões menos interessantes ao estabelecimento dessas atividades 16. É o mesmo processo delineado supra quanto às ocupações residenciais humanas: o centro expele os indivíduos para a zona de transição, mais barata e deteriorada17 . Em estudo realizado por Taschner, que dividiu a cidade de São Paulo em anéis concêntricos, repetindo a experiência de Burgess, de 1929, esta pôde conrmar o padrão de ocupação da cidade por círculos. Dividiu-se a cidade em cinco círculos: central, interior, intermediário, exterior e periférico. “[os estudos] mostraram uma lógica de ocupação da metrópole e da cidade de São Paulo com padrão em círculos concêntricos, em que a pobreza espalha-se por uma periferia cinzenta e sem serviços, e as camadas mais altas ocupam espaços mais bem servidos e mais próximos do centro” 18 . No que tange especicamente ao crescimento populacional, conclui-se que desde a década de 60 o anel mais afastado (periférico) vem ganhando população, recebendo, inclusive, a população que vinha (e vem) sendo exp ulsa dos anéis mais centrais. “O anel periférico foi responsável por 43% do incremento populacional nos anos 60, por 55% nos anos 70, por 94% entre 1980 e 1991 e por 262% entre 1991 e 96. O aumento de mais de 500 mil pessoas no anel periférico compensou a perda de cerca de 312 mil nos outros anéis. A região entre as avenidas marginais perdeu quase 130 mil residentes nos anos 80 e 230 mil nos seis primeiros anos da década de 90. De outro lado, a periferia ganhou cerca de 1,3 milhão entre 1980 e 1991 e quase 505 mil entre 1991 e 1996. O número absoluto de novos moradores de São Paulo tem diminuído: o aumento de população era de 2,5 milhões entre 1970 e 1980, reduzindo-se para 1,13 milhão nos anos 80, cerca de 105 mil pessoas por ano, e no início dos anos 90 diminui ainda mais, para 32,6 mil pessoas por ano entre 1991-96. 1991-96. Mas esse incremento deu-se deu-s e exclusivamente na periferia”19 .
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Esse processo contínuo de crescimento e diferenciação faz com que uma zona da cidade tenda sempre a invadir a sua zona adjacente: esse processo, como já apontamos supra, denominase sucessão 20. Existem inúmeras condições que iniciam as invasões intracomunidades: 1) mudança de forma e de vias de transporte, 2) obsolescência resultante de decadência física ou por mudança de uso ou de moda, 3) construção de importantes estruturas públicas ou particulares, prédio, pontes, instituições com signicado atraente ou repelente, 4) introdução de novos tipos de indústria, ou mesmo uma mudança na organização das indústrias existentes, ex istentes, 5) mudanças na base econômica as quais levam à redistribuição do rendimento, necessitando assim mudança de residência, 6) desenvolvimento imobiliário criando a procura repentina de localizações especiais etc 21 . Evidentemente, os processos de invasão e, conseqüentemente, de acomodação, embora contínuos e dinâmicos tendem a dar um desenho geral da cidade, ou seja, muito embora as áreas continuem progressivamente a invadir umas às outras, não se deve ter a falsa impressão de serem processos caóticos ou geradores de “anomia urbana”. Ao contrário, o efeito geral desses processos é dar contornos bastante claros às comunidades, cada qual com características próprias, sobretudo culturais. Em síntese, o fruto dos processos de invasão invasão e acomodação será o surgimento de áreas relativamente estáveis, com características próprias, mormente no que tange às condições econômicas e culturais. a esse processo denomina-se segregação e seu resultado direito é o surgimento das áreas naturais 22.
4. As áreas criminais Um das áreas naturais mais bem denidas é a área criminal. A construção dessas áreas é fruto de um intenso trabalho de Cliiford Shaw e Kenry McKay, que distribuíram em um mapa da cidade de Chicago a residência de 60.000 jovens infratores ao longo de diferentes períodos, compreendidos entre 1900 e 1926. Dividida a cidade em quarteirões quar teirões de meia milha quadrada, dividiu-se o número de jovens infratores pelo total de jovens, obtendo-se, assim, um índice que permitisse comparar as diversas regiões da cidade. Finalmente, como havia uma hipótese geral da ecologia humana de que a cidade cresce do centro para a periferia, gerando zonas de transição, instáveis e desorganizadas, de se supor que os índices criminais decresceriam do centro para a periferia. Assim, para que isso pudesse ser observado, oito radiais foram construídas. Essas radiais eram linhas imaginárias que acompanhavam aproximadamente o traçado de grandes vias de transporte em Chicago e que atravessam, somadas, quase todas as regiões de Chicago. Esse instrumento permitiria visualizar como se comportam os índices na medida em que se distancia do centro da cidade. O resultado foi surpreendente: todos os amostrais apontavam a concentração dos jovens infratores nas mesmas regiões da cidade. Contrastou-se, ainda, com dados de criminalidade adulta, conrmando-se mais uma vez o padrão. O Mapa 01, abaixo, traz a construção das mencionadas radiais para o grupo de jovens infratores levados à corte juvenil no ano de 1926. 1926. Se se percorrem as radiais ali apontadas, nota-se, logo no início da radial II, uma região cujo índice é de 22,5, o mais alto da cidade. Trata-se da primeira milha quadrada após o Loop. Essa região era conhecida como Litlle Italy, “que se distribui ao norte e leste as propriedades industriais que acompanham o braço norte do rio Chicago. É tipicamente uma área de mudança rápida e deterioração com concomitante desorganização social” 23 . Na obra The Gang de Frederic Thrasher, temos uma descrição dessa região: “No horror monótono dos slums, apesar de um êxodo contínuo para distritos mais desejáveis, pessoas estão amontoadas na razão de mais de 50.000 por milha quadrada. A vida está emaranhada em uma rede de trilhos, canais e diques, indústrias e cervejarias, armazéns e madeireiras . Não há nada fresco para acariciar a vista; por todos os lados estão est ão prédios periclitantes, não pintados, enegrecidos enegre cidos 24 e manchados com a fumaça da indústria” . Nas duas milhas quadradas subseqüentes, com índices de 14,3 e 8,0, xaram-se as pop ulações polonesas, áreas de marcada concentração populacional. Nesse ponto, Shaw considera que as organizações comunitárias espontâneas e de auto-apoio interessadas em desenvolver programas comunitários são virtualmente inexistentes nos slums. “Tais organizações parecem desempenhar um papel mais relevante na vida das comunidades mais afastadas onde os objetivos sociais e os desejos pessoais tendem a tornarem-se integrados” 25 . Mapa 01: 01: Índice de delinqüentes por milha quadrada com base em 9.243 jovens do sexo
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masculino levados à Corte Juvenil, ao longo de oito radiais (1 (1926 926)) 26
O fato de essas áreas serem sempre criminais ao longo dos anos, sendo certo que houve marcada alteração populacional gera a conclusão de que elas contenham em si elementos propiciadores do crime e não seus residentes. Shaw indica como sua composição populacional alterou sensivelmente, sem impacto na redução dos índices: “Na década de 80 [do século XIX] a área que contorna o Loop era ocupada largamente por alemães, irlandeses e ingleses. Conforme os imigrantes mais recentes chegavam, eles se est abeleciam nas mesmas áreas e afastavam os primitivos ocupantes. Por exemplo, ao longo da Avenida Milwaukee, imediatamente ao noroeste do Loop, os escandinavos sucederam os alemães e ingleses, expulsando-os de lá. Em um curto espaço de tempo, porém, deram caminho ao inuxo aos poloneses a os italianos imigrantes. Esses estão agora se retirando em razão da ocupação negra. Logo a oeste do Loop, os alemães e irlandeses mudaram-se ante à chegada dos judeus. Agora, estes estão sendo expulsos pelos negros. Em South Side, os alemães e irlandeses se mudaram quando da chegada dos italianos. Os italianos, por sua vez, deram lugar aos negros.
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A área diretamente ou Sul do Loop, entre a State Street e a Cottage Grove Avenue até a Rua 51 é praticamente apenas composta por negros e esse grupo ainda está pressionando ao sul ao longo da State Street. Nessa conexão é interessante notar que entre os negros, o mesmo processo geral acontece. Os novos imigrantes se estabelecem em áreas de maior deterioração e empurram os moradores precedentes para áreas de menor deterioração física” 27. A explicação do fenômeno estaria na desorganização social e na conseqüente falta de controle social local existentes nessas regiões que além de concentrarem os maiores índices criminais, também concentravam os piores indicadores sociais da cidade. Em sua tentativa de interpretação da distribuição e gênese do fenômeno criminal, ainda em 1929, Shaw apontou que as maiores concentrações criminais coincidiam justamente com as áreas mais degradadas, com população descendente e em franco processo de desintegração da cultura convencional da vizinhança e de sua organização. Essa desconguração da vizinhança, segundo o autor, faz com esta deixe de funcionar efetivamente como um meio de controle social 28. Em 1942, em uma formulação mais sintética, tem-se que “em comunidades onde os controles convencionais são enfraquecidos por tradições divergentes e por mudança social, as taxas de delinqüência são altas” 29. Esse diagnóstico, aliás, atesta Faris, já era sugerido por Burgess que enfatizava que o crescimento rápido e a redistribuição populacional afetam os índices de criminalidade porque minam as instituições locais e seus controles 30 . De fato, Shaw e McKay inferem de suas análises que “altos índices de criminalidade, (...), estão associados com a diminuída capacidade de instituições locais e organizações em controlar o comportamento dos residentes” 31 , condição chamada de desorganização social. Nos dizeres de Reiss Junior: “a conclusão deles foi que as diferenças em valores sociais comunitários e organização eram responsáveis pelas diferenças nos índices de delinqüência. Em comunidades que são caracterizadas por divergentes sistemas de valores, os índices de delinqüência são exacerbados porque a divergência enfraquece o controle convencional”32. Essa hipótese, é conrmada por um estudo de Angell, independente da Universidade de Chicago, do mesmo ano de Juvenile Juvenile Delinquency and Urban Áreas, 1942. 1942. A partir do documento The Community Welfare Picture as Reected in Health and Welfare Statistics in 29 Urban Areas (Children´s (Children´s Bureau of the United States Department of Labor), Angell buscou vericar a validade do índice “do esforço da comunidade para o bem comum” (Community Welfare Eort - CWE), construído na pesquisa como um índice positivo de integração social. Para tanto, contrastou os índices de CWE com os criminais, uma vez que o crime “é geralmente encarado como um dos melhores me lhores indicadores de desorganização social”. Assim, esperava-se que as cidades com altos índices criminais tivessem baixos WCE, o que foi razoavelmente conrmado por Angell. Assim, o autor concluiu, dentre outros, que a integração social de uma cidade tende a ser tão maior quanto (i) tiverem as escolas, bibliotecas e serviços recreacionais sido apoiados no passado e (ii) menor for a disparidade de renda entre as várias classes sociais33. Em síntese, tem-se que a taxa criminal é, assim, um reexo do nível de desorganização dos mecanismos de controle em uma sociedade34, na medida em que a raiz ecológica da criminalidade encontra-se (i) na capacidade de um grupo social de impor condutas em conformidade com as normas, ou ainda, (ii) na intensidade de organização social de um grupo, ou, nalmente, (iii) na capacidade do grupo de exercer o controle social informal correspondente. Inegável, porém, que a criminalidade acaba também a reforçar a condição de desorganização social de uma dada região, na exata medida em que também é um problema social que afrouxa os laços sociais e fragmenta fragm enta ainda mais a dimensão comunitária. Ao contrário, o rótulo que se impõe ao criminoso – objeto central de estudos posteriores aos de Chicago – reforçará a bipartição comunitária entre os que obedecem ob edecem à lei e os criminosos, solapando ainda mais as forças sociais autóctones. Na ponderação de Shecaira: “A pena, da forma como ainda é aplicada no Brasil, atua como geradora de desigualdades. Ela cria uma reação dos círculos familiares, de amigos, de conhecidos, que acaba por gerar uma marginalização no âmbito do mercado de trabalho e escolar. Levar uma conduta desviada para o âmbito da reprovação estigmatizante tem uma função reprodutora de controle social” 35.
5. Recuperação do meio ambiente urbano: um caminho de prevenção da criminalidade.
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Até esse momento, nos dizeres de Garcia-Pablos de Molina, a prevenção do crime era apenas pensada como o evitamento da conduta indesejada a partir da intimidação do agente me diante a ameaça da pena (modelo clássico) ou de reforço de validade do sistema normativo (modelo neoclássico)36. Prevenir assume em Chicago, pela primeira vez, o conteúdo de evitar que se produzam as causas produtoras da criminalidade mesma, em qualquer relação direta com o sistema de justiça criminal, em especial com o Direito Penal. Nas palavras de Garcia-Pablos de Molina: “Prevenção, pois, e comunidade são conceitos necessariamente inter-relacionados. Até o ponto de que já não pode compreender-se a prevenção do crime nem em um sentido “policial”,, nem “situacional” “policial” “situacional”,, desligada da comunidade: a prevenção é prevenção comunitária, prevenção “na” comunidade e prevenção “da” comunidade. Reclama uma mobilização de todas as forças vivas, uma dinamização social e uma atuação ou compromisso de todas elas no âmbito local37. Nesse ponto, de se considerar que as ações intencionais de prevenção da criminalidade urbana encontram-se agrupadas em duas grandes categorias: as estatais e as patrocinadas pela sociedade civil. Quanto às estatais, merece atenção outra divisão possível das mencionadas ações: as políticas de segurança pública e as políticas públicas de segurança. Às primeiras correspondem aquelas ações vinculadas ao poder punitivo estatal ou ainda ao controle social formal: polícia, leis penais, política penitenciária etc. Às últimas, aquelas ações que, embora públicas, não estão ligadas ao sistema de justiça criminal: educação, habitação, transporte público, intervenção urbanística etc. Classicamente, o tema da prevenção é pensado dentro de políticas de controle social formal. O direito criminal brasileiro, todo ele erigido a partir da idéia de pena, no mais das vezes de natureza aitiva, tem sua racionalidade na utilidade e necessidade da pena para a repressão e a prevenção do delito, como se pode ler no artigo artig o 59 do Código Penal pátrio. Por conseqüência, vivenciou-se no Brasil uma coincidência semântica entre política criminal (assim entendido o conjunto de medidas adotadas para a repressão e prevenção do delito) e política penal (assim entendido o conjunto de medidas de reforço ou ampliação do sistema de justiça criminal). O foco desse trabalho é justamente a prevenção da criminalidade urbana violenta mediante outros recursos que não o sistema de justiça criminal; em especial, as intervenções de natureza urbanística. O paradigma será a cidade de São Paulo
6. Possibilidades de prevenção por meio da intervenção no meio ambiente urbano em São Paulo O termo “periferia”, quando se trata da cidade de São Paulo, assume um conteúdo que extravasa aquele geográco, ou seja, de distância em relação a um centro. As periferias paulistanas não estão apenas longe do centro; elas estão fora da urbe, fora da mancha urbana a que se pode denominar cidade. E, mais triste, não estão dentro de lugar algum; a periferia paulistana é o não lugar. As conseqüências da condição de não lugar, como se s abe, são nefastas. Ninguém escolhe morar nas periferias p eriferias paulistanas. Trata-se, evidentemente, da única escolha possível, eis que além de concentrar os piores indicadores sociais da cidade, as periferias estão muito distantes dos locais de trabalho, o que aumenta a jornada semanal para números próximos daqueles da Revolução Industrial. Como estabelecer vínculos sociais a uma região que lhe causa repulsa, onde não se quer morar, onde pouco se ca – essencialmente para dormir – e que, nalmente, é violenta? Superados esses obstáculos, em querendo um cidadão integrar-se harmonicamente àquele meio, encontrará quais espaços de socialização? O desao de prevenção da criminalidade na cidade de São Paulo começa pela integração dos bairros periféricos à cidade propriamente dita, ou seja, pelo acesso dessas populações segregadas aos serviços públicos tais como saúde, educação, lazer etc. A cidade é o locus das possibilidades, da infra-estrutura, do saneamento básico, dos meios ecientes de transporte, dos empregos e da renda. Essa condição deve ser estendida aos bairros excluídos do pacto urbano. A crescente tensão entre os bairros abastados e os periféricos alimenta ainda mais a sensação de segregação urbana. Teresa Caldeira, em sua obra Cidade de Muros 38, explicita esse processo de formação de enclaves urbanos, ou seja, construções inspiradas pela sensação de insegurança, voltadas o isolamento dos amedrontados. Surgem assim condomínios fechados
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em todas as partes da cidade, inclusos bairros periféricos, substituem-se as ruas de comércios por shopping centers, abandona-se o precário prec ário sistema de transporte coletivo para a utilização de veículos particulares, não raro blindados. As construções viárias são sempre inspiradas em corredores que levam mais rapidamente o cidadão motorizado a sua residência com a menor interação possível com o quadro urbano. “Por outra parte, como conseqüência do incremento dos delitos violentos e do aumento do terror frente a eles, em p raticamente todas as cidades latino-americanas se construíram muralhas ao redor dos conjuntos residenciais. Essa tendência começou em bairros mais acomodados onde foram aparecendo condomínios ou zonas controladas e delimitadas para o uso exclusivo de seus residentes. Durante a década passada esse fenômeno também foi se expandindo até zonas onde habitam famílias que dispõem de menor recurso, re curso, como o qual se realizaram mudanças visíveis na conformação da trama urbana e debilitando a sociabilidade entre vizinho” 39. A conseqüência desse fenômeno é o esvaziamento do espaço público físico. Em São Paulo raros são os locais em que as mais diversas classes sociais possam interagir harmonicamente. Com isso, a distribuição ecológica da população e dos problemas sociais assume ares muito mais cristalizados, criando verdadeiro apartheid não apenas social, mas também urbano, o que alimenta ainda mais a tensão social entre classes. A criação de espaços públicos pela cidade, com especial atenção aos bairros periféricos, é de fundamental importância. Além da questão do convívio das diferentes classes sociais, é espaço privilegiado de interação dos moradores daquela comunidade, o que estimula a socialização e a criação de laços comunitários, redundando em um maior controle social informal. Nesse aspecto, de se mencionar o denominado Programa Bairro Legal, desenvolvido pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sehab) do Município de São Paulo, “que tem como foco a urbanização e a regularização fundiária de áreas degradadas, ocupadas desordenadamente e sem infra-estrutura. O objetivo é transformar favelas e loteamentos irregulares em bairros, garantindo a seus moradores o acesso à cidade, com ruas asfaltadas, saneamento básico, iluminação e serviços públicos”40. A parte do projeto Bairro Legal dedicada ao bairro de Cidade Tiradentes, em análise realizada nessa região, serve como forma de se ilustrar como políticas de recuperação urbana não se confundem com políticas meramente habitacionais. O bairro de Cidade Tiradentes foi construído pelo poder público na década de 1980, sob a condenada forma de gigantesco conjunto habitacional. De sua atual população de 220 mil habitantes, nada menos que 150 mil foram transferidos compulsoriamente para lá em razão de políticas denominadas populacionais. Como não poderia deixar de ser, há pouquíssimo empregos, um para cada cerca de 400 habitantes, de tal sorte que quase todos os moradores têm de deixar o bairro para trabalhar41. Como já se pôde indicar neste trabalho, o centro de São Paulo vem sofrendo um processo crescente de expulsão populacional, gerando, por conseqüência, um alto índice de unidades de habitação desocupadas. Com vistas a reocupar a região central, onde se concentram os empregos e serviços da cidade, a Prefeitura de São Paulo criou o programa denominado Morar no Centro, desenvolvido pela Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sehab) e Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP). A idéia do projeto é a “reabilitação da região central, que inclui o resgate histórico e arquitetônico. (...) O objetivo do programa é melhorar as condições de vida de quem já reside na área central, atrair novos moradores, de todas as classes sociais, e promover p romover a reforma e reciclagem de prédios ociosos para moradia. O repovoamento dessa área da cidade é estratégico para a sua preservação e para o desenvolvimento equilibrado da metrópole”. Três são as estratégias centrais de consecução desse objetivo: o Programa de Arrendamento Residencial em parceria com a Caixa Econômica Federal, dirigido a famílias com renda mensal de até seis salário mínimos; o programa de Locação Social, para famí lias com renda inferior a três salários mínimos, variando o aluguel de maneira proporcional e a requalicação de áreas degradadas nos bairros centrais e produção de novas moradias com o programa Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat 42. Muito embora não se possa traçar uma relação direta entre esses programas e a redução da violência, na medida em que incidem positivamente nas causas da criminalidade já identicadas nesse trabalho, razoável supor que corroborarão, ainda que indiretamente, na
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melhoria dos índices criminais. A recuperação das regiões degradadas pressupõe a integração com a cidade formal por meio dos transportes públicos. Robert Park apontava em seu A cidade que as forças dos meios de comunicação e de transporte são as primeiras p rimeiras a dar conformidade à cidade, pois comportam comport am “todas as coisas que tendem a ocasionar a um mesmo tempo maior mobilidade e maior concentração de populações pop ulações urbanas”. Em São Paulo, a adoção do denominado Bilhete Único representou verdadeira revolução na integração da periferia com o centro urbano. A necessidade de trocar de transporte público para se locomover até o centro, pagando-se nova tarifa a cada vez, representava um custo altíssimo para o trabalhador. Com a possibilidade de se locomover por duas horas pagando uma única vez, diminui-se o peso no orçamento familiar com transporte e permite que novas viagens sejam feitas, seja para procurar emprego, seja para a fruição por parte dos moradores dessa região das benesses da cidade formal. Finalmente, de se apontar que a par de grandes programas de inserção urbana de bairros periféricos, são possíveis intervenções pontuais de natureza urbanística com vistas à melhoria da qualidade de vida e da organização comunitária. Há, no Brasil, diversas experiências exp eriências nesse sentido, que se narra infra, a título de exemplicação. O centro do município de Recife (PE) era uma região extremamente degradada, com alta concentração de prostituição e exploração sexual de menores. Aproveitando a riqueza urbanística das antigas construções que dominavam o bairro, o poder público incentivou o restauro das fachadas, que foram pintadas com cores vivas, atraindo bares e restaurantes. Hoje, transformou-se em um bairro de entretenimento, mantido, inclusive, por turistas do Brasil e do Mundo. Os bairros mais centrais de São Paulo também concentram casas cujas fachadas remontam aos séculos XIX e XX e que poderiam sofrer a mesma forma de intervenção. O mesmo se diga de determinadas regiões de bairros hoje periféricos e outrora núcleos urbanos independentes de São Paulo como a Freguesia do Ó. Inspirada na mesma losoa está a criação de Puerto Madero, em Buenos Aires, capital argentina. Ao longo do rio da Prata havia uma série de armazéns abandonados, compondo um desagradável clima portuário degradado, muito comum no cenário latino-americano. A área circunvizinha era afetada pela presença dessas construções em desarmonia com a cidade. Após a intervenção na região, em parceria com a iniciativa privada, os armazéns foram reconstruídos, mantendo parte da aparência original, transformando-se em prédios comerciais modernos, tendo ao térreo restaurantes e bares. Transformou-se em uma das maiores atrações turísticas portenhas. São Paulo comportou intervenção semelhante na conhecida Estação Júlio Prestes, na região central da cidade. O prédio, de grande riqueza arquitetônica, estava abandonado e sofreu obras de restauro, tornando-se em parte numa dos melhores espaços musicais do mundo, a assim batizada Sala São Paulo. Outras experiências semelhantes podem ser apontadas como a reforma do Mercado Municipal e o Projeto Pomar, voltado para o cultivo de plantas ornamentais ao longo da feia e cinza Marginal do Rio Pinheiros. Indefensável um conjunto de intervenções a priori para São Paulo. Cada região comportará suas áreas mais ou menos degradadas que demandarão esforços diferentes. Muitas vezes o que se necessita é a jardinagem de uma praça p raça e o conserto dos brinquedos ali presentes. Outras vezes, trata-se da melhoria dos meio-os por meio de um planejamento paisagístico, como já se observa nas avenidas Brigadeiro Faria Lima, Rebouças e Nove de Julho. Finalmente, poderá ser uma obra de grande fôlego fô lego como a que demandaria o resgate das regiões circunvizinhas de excrescências urbanísticas como o Elevado General Costa e Silva. A losoa, porém, é da criação de um espaço ecologicamente equilibrado, propício para a ocupação urbana e facilitador do convívio comunitário.
Notas 1 HOLLINGSHEAD, A. B. Noções básicas da ecologia humana. Capítulo Capítulo III de PIERSON, Donald.
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Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, 1970, p. 53. 2 WIRTH, Louis. Histórico da Ecologia Ecologia Humana. Capítulo IV de PIERSON, Donald. Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, 1970. 3 PARK, Robert Ezra. Ecologia Humana. Capítulo I de PIERSON, Donald. Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, 1970, pp. 47 e 48. 4 MCKENZIE, Roderick. Matéria objeto da ecologia humana. Capítulo II de PIERSON, Donald. Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, 1970, pp. 51 e 52. 5 A ecologia humana humana embora parta de um campo mais amplo, o da ecologia, difere substancialmente daquelas vegetal e animal. A mais importante delas diz com a existência de outros âmbitos vitais. Nos reinos vegetal e animal, todos os âmbitos são regidos pelas le is ecológicas. O mesmo não acontece com as sociedades socie dades humanas. Park nos ensina que quanto mais o ser humano aperfeiçoa a divisão social do trabalho, tanto menor é sua dependência de seu hábitat. Assim, nos dizeres de Pierson, “no nível ecológico da vida humana, atua um processo espontâneo, não intencional, contínuo, que leva os seres humanos a desenvolverem inconscientemente uma organização biótica interdependente, e a se distribuírem j untamente com suas instituições, ordenadamente, em espaço (PIERSON, Donald. Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, 1970, p. 13). 6 PARK, Robert E., BURGESS, Ernest W. Introduction to the science of sociology. Chicago: University of Chicago, 1921, pp. 508 e 574. 7 BURGE BURGESS, SS, Ernest W. (1 (1923) 923) 1925. O crescimento da cidade: introdução introduç ão a um projeto de pesquisa, in: 8 PIERSON, Donald. Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, 1970, pp. 353368. 9 Idem, ibidem, p. 356. 10 PA PARK, RK, Robert Ezra. E zra. A cidade: sugestões para a investigação investigação do comportamento humano no meio urbano. In: VELHO, Guilherme Otávio. O fenõmeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 2 edição, 1973, pp. 26 a 67, p. 27. 11 MCKENZIE, Roderick. The Neighborhood- A study of local life in the city of Columbus, Ohio. Chicago: The University of Chicago Press, 1923. Tradução parcial de Mário Antonio Eufrásio (Departamento de Ciência Política – USP) USP),, p. 02. 12 PARK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento comportamento humano no meio urbano. In: VELHO, Guilherme Otávio. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 2 edição, 1973, pp. 26 a 67, p. 30. 13 Idem, ibidem, ibide m, p. 31 31.. 14 MCKENZIE, Roderick. The Neighborhood- A study of local life in the city of Columbus, Columbus, Ohio. Chicago: The University of Chicago Press, 1923. Tradução parcial de Mário Antonio Eufrásio (Departamento de Ciência Política – USP) USP),, p. 34. 15 PA PARK, RK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para a investigação investigação do comportamento humano no meio urbano. In: VELHO, Guilherme Otávio. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 2 edição, 1973, pp. 26 a 67, pp. 30 e 31. 16 BURGESS, Ernest. As áreas urbanas. Tradução de Mário Antonio Eufrásio do original Urban Areas, capítulo VIII de SMITH, T. V. V. & WHITE, L. D. (Eds.). Chicago, an experiment in social science research. Chicago: The Chicago University, 1929, p. 01. 17 MCKENZI MCKENZIE, E, op. cit., p. 104. 104. 18 Para um estudo mais aprofundado dos processos de centralização e descentralização descentralização urbanas, vide HOYT, Homer. Centralização e descentralização urbanas. Capítulo XVI de PIERSON, Donald. Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, Mar tins, 1970. 1970.
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19 TASCHNER, Suzana P., P., BOGUS, Lúcia, São Paulo: o caleidoscópio urbano. São Paulo em Perspectiva (Revista da Fundação SEADE), vol. 15, n. 1, jan-mar, 2001, 2001, pp. 31 a 44, p. 34. 20 Idem, ibidem, p. 35. 21 BURGES, op. cit., págs. 356-58. Para uma análise mais completa dos conceitos conceitos de sucessão, vide PARK. Robert Ezra. Sucessão. Capítulo XIX de PIERSON, Donald. Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, 1970. 22 MACKENZIE, op. cit. cit. , pp. 107-8. 107-8. 23 ZORBA ZORBAUGH, UGH, Harvey W. W. Áreas naturais. naturais. Capítulo XXI de PIERSON, Donald. Estudos de Ecologia Humana (org.). São Paulo: Martins, 1970, págs. 339-349. 24 Idem, ibidem, p. 45. 25 Apud: idem, ibidem, p. 47. 26 Idem, ibidem, p. p. 48. 27 Shaw, Delinquency Areas, p. 63. Título adaptado pelo autor. autor. 28 SHA SHAW, W, Cliord. Delinquency Áreas. Chicago: The University of Chicago, 1929, 1929, p. 205. 29 SAHW SAHW,, Cliord e McKAY, McKAY, Henry. Delinquency Areas. Chicago: The University of Chicago, 1942, p. xv. 30 REISS JR, Albert. Why are communities important in understanding crime? In: REISS REISS JR., Albert e TONRY, Michael (orgs.). Communities and Crime. Chicago and London: The Chicago University, 1987, p. 05. 31 Idem, ibidem, p. 05. 32 Idem, ibidem, p. 18. 33 ANGELL, Robert. The social integration of selected American Cities. The American Journal of Sociology, vol. 47, January, 1942, n. º 04, pp. 575 a 592. 34 FARIS FARIS,, Robert. E. L. Social disorganization. New York: The Ronald Press Company, 1955 1955 , p. 194. 35 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Controle social punitivo e a experiência brasileira. São Paulo: Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 8, jan-mar de 200, pp. 401 a 411, 411, p. 405. 36 Garcia-Pablos de Molina, Tratado, Tratado, pp. 886 a 889. 889. 37 Idem, ibidem, ibid em, p. 917 917. 38 CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros. muros. São Paulo: 34, 2000. 2000. 39 LAFOY LAFOY,, Patrício e ROJAS, ROJAS, Emilio. Seguridad ciudadana y prevencion del delito. delito. Un análisis crítico de los modelos y estrategias contra la criminalidad. Santiago do Chile: Revista de Estudios Criminologicos y Penitenciarios, n. º 01, nov., 2000, pp 15 a 62, p. 53. 40 Extraído do sítio http://www6.prefeitura.sp.gov.br http://www6. prefeitura.sp.gov.br/secretarias/habitacao/ /secretarias/habitacao/programas/0002, programas/0002, consultado em 25 de janeiro de 2005. 41 FUNDA FUNDAÇÃO ÇÃO ABRINQ. A história de Ana e Ivan. Consultado na rede mundial de computadores no sítio http://www.fundabrinq.org.br/biblioteca/a http://www.fundabrinq.org.br/biblioteca/acervo/1 cervo/115 152.pdf 2.pdf em 25 de janeiro de 2005. 42 Extraído do sítio http://www.saopaulo.sp.gov.br/home/index.htm, http://www.saopaulo.sp.gov.br/home/index.htm, consultado em 25 de janeiro de 2005.
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LEITURA OBRIGATÓRIA
OLIVEIRA : Edmundo OLIVEIRA: Edmundo1 . AS VERTENTES V ERTENTES DA CRIMINOLOGIA CRIMINOLOGIA CRÍTICA. Consultado em http://www.ufpa.br/posdireito/caderno3/texto2_c3.html em 30 de junho de 2005.
Criminologia Crítica, também conhecida como Nova Criminologia, é o movimento criminológico que se levantou, na segunda metade do século XX, contra o romantismo da Criminologia Tradicional, Tradicional, que prosperou a partir p artir do século XIX As legiões de conitos e os recém-chegados modos de compor tamento registrados no mundo, ao longo da década de sessenta, mormente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, são as marcas dos abalos sociais que estimularam o aparecimento da Criminologia Crítica. São memoráveis, nesse quadro, as mudanças nas formas de Governo, as campanhas dos direitos cívicos, as desavenças raciais, a revolta estudantil contra as mazelas do ensino, a proliferação do uso das drogas, a guerra do Vietnã, a revolução da música jovem e o surgimento de um novo estilo de conduta, como a auência dos Hippies. Em todos esses acontecimentos foram detectadas fontes de antagonismos a exigir não só respostas satisfatórias à sociedade por parte do Estado, como a tomada de inusitados posicionamentos do homem, nos vários setores da vida comunitária. A obra The New Criminology: For a Social Theory The ory of Deviance, publicada em primeira edição e dição na Inglaterra, em 1973, por IAN TAYLOR, PAUL WALTON e JOCK YOUNG, simboliza a inauguração do movimento crítico no campo criminológico, porque abriu a discussão sobre pioneiras vertentes em torno do processo de criminalização e sobre a legitimação e funcionamento da Justiça Penal, como sistema dinâmico do controle social. Assim, imediatamente, oresceram as teses progressistas com delineamentos ideológicos e indicações metodológicas que constituíram um agrupamento de críticas ao tradicionalismo criminológico, em face da indispensável criação de uma cultura de política criminal com apropriadas medidas alternativas. Passemos, então, à apreciação dos valores peculiares aos seguimentos da Criminologia Crítica ou Nova Criminologia.
A - CRIMINOLOGIA CRI MINOLOGIA INTER INT ERACI ACIONISTA ONISTA OU OU LABELING LA BELING APPROACH APPRO ACH A Criminologia Interacionista ou Labeling Approach tem por meta considerar que as questões centrais da teoria e da prática criminológicas não devem se voltar ao crime e ao delinqüente, mas, particularmente, ao sistema de controle adotado pelo Estado no campo preventivo, no campo normativo e na seleção dos meios de reação à criminalidade. No lugar de se indagar os motivos pelos quais as pessoas se tornam criminosas, deve-se buscar explicações sobre os motivos pelos quais determinadas pessoas são estigmatizadas como delinqüentes, qual a fonte da legitimidade e as conseqüências da punição imposta a essas p essoas. São os critérios ou mecanismos de seleção das instâncias de controle que importam, e não dar primazia aos motivos da delinqüência. HANS BECKER, Sociólogo norte-americano, é considerado o fundador do interacionismo criminológico.
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B - CRIMINOLOGIA DA ETNOMETODOLOGIA A Criminologia da Etnometodologia prega a precisão do exame da intersubjetividade do cotidiano para penetrar nas regras, atitudes, linguagem, signicados e expectativas assumidos pelo homem no universo social. so cial. A etnometodologia da delinqüência confere, então, enorme relevo ao conhecimento sociológico do comportamento desviante, daí por que o crime é visto como uma construção social, devendo ser bem interpretado pelas agências ou organizações de controle (Legislador, Polícia, Ministério Público, Juízes e Órgãos de Execução Penal) para satisfazer as exigências suscitadas pela comunhão social. A repercussão da delinqüência juvenil é o exemplo típico de preocupação dessa tendência criminológica. H. GARFINKEL, Professor da Universidade da Califórnia, nos Estudos Unidos, é o pai do pensamento Etnometodológico. Situam-se também, na mesma linha dos postulados metodológicos da Etnometodologia Criminal, os seus seguidores N. DENZIN, J. DOUGLAS e A. CICOUREL.
C - CRIMINOLOGIA CRIMINOLOGIA RADICAL R ADICAL A Criminologia Radical desenvolveu-se a partir dos anos setenta, simultaneamente, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nos Estados Unidos, a Escola Criminológica da Universidade de Berkeley foi o berço desse movimento, tendo à frente os Sociólogos HANS e JOHN SCHWENDINGER. Na Inglaterra, IAN TAYLOR, PAUL WALTON e JOCK YOUNG, autores da mais conhecida obra da corrente The New Criminology: For a Social Theory of Deviance (1973), representam o pioneirismo dos Estudos da Criminologia Radical na Europa. Embora recente, a Criminologia Radical já dispõe de considerável número de cultores. Na Itália, avultam os nomes de D. MELOSSI, M. PAVARINI, M. SIMONDI e A. BARATTA. Na Alemanha, destacam-se F. SACK, M. BAURMAN e K. SCHUMANN. Na Holanda, H. BIANCHI. Na França, MICHEL FOUCAULT FOUCAULT se tornou respeitado Criminólogo Radical com a sua famosa obra Surveiller et Punir (1975). Partindo da raiz comum a todos os ramos da Criminologia Crítica, a vertente ver tente Radical se distingue ao se apresentar como uma Criminologia Marxista por pressupor uma anuência à losoa de KARL MARX em torno do fenômeno do crime e do seu controle. Dentro dessa abordagem, são cuidadosos na diferenciação que se deve atribuir entre os prismas de observação dos fatos criminosos, que são expressão de determinada conjuntura intrinsecamente voltada à prática de crimes (white-collor, tráco, racismo, corrupção etc.) e os aspectos da criminalidade inerente às classes menos protegidas, comumente traduzida como demonstração de revolta no dia dia da engrenagem coletiva. Nessa perspectiva, a Criminologia Radical reclama uma redenição do objeto e do papel da investigação criminológica, sem se ater às ligranas dogmáticas respeitantes aos elementos da conceituação legal de crime e ao controle das pessoas legalmente identicadas como delinqüentes. Os Criminólogos Radicais chamam os Criminólogos Tradicionais de tecnocratas a serviço do funcionamento do sistema vigente, especialmente nas Sociedades Capitalistas onde a crise criminal é crescente e de difícil solução. Argumentam: como podem os estudiosos da Criminologia prestar auxílio à defesa da sociedade contra o crime, se o propósito prop ósito último deve ser a defesa do homem contra esse tipo de sociedade? Eis a razão pela qual os Criminólogos do radicalismo não aceitam as metas de prevenção especial vinculadas ao ideal de ressocialização do delinqüente, pois não é o criminoso que pode ou deve ser ressocializado, todavia a própria sociedade punitiva que precisa ser radicalmente transformada. Desse modo, o contraste existente entre o comportamento do infrator e o caráter seletivo de sua denição, ou de sua criminalização pelas instâncias de controle, tornam inútil ou mesmo impossível qualquer propósito legal de ressocialização desse delinqüente, concluem os Radicais.
D - CRIMINOLOGIA CR IMINOLOGIA ABOLICI A BOLICIONISTA ONISTA A Criminologia Abolicionista é uma especialíssima vertente da Criminologia Crítica, que apresenta a proposta de acabar com as prisões e abolir o próprio Direito Penal, substituindo
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ambos por uma prolaxia de remédios para as situações—problemas com base no diálogo, na concórdia e na solidariedade dos grupos sociais, s ociais, para que sejam decididas as questões das diferenças, choques e desigualdades, mediante o uso de instrumentos que podem conduzir à privatização dos conitos, transformando o juiz penal em um juiz civil. Os abolicionistas consideram o Direito Penal um mal gerador de diculdades e, por conseguinte, um instrumento impossibilitado de resolver as colisões em uma sociedade repleta de desigualdades. O sistema penal, em vez de ressocializar, fabrica rotineiramente culpados, prolifera a violência, estigmatiza a personalidade do condenado, não satisfaz a vítima, cria e reproduz a delinqüência, sem nada resolver satisfatoriamente. O Juiz Penal, que deveria ser o primeiro a se rebelar contra esse status quo, está distante do homem a quem condenou e, freqüentemente, pertence a uma classe social que não é a das pessoas menos favorecidas, as quais constituem a clientela da ordem legal. le gal. O movimento abolicionista, com o seu sistema informal e comunitário de soluções para a situação—problema (substituidora da denição de crime), admite o estabelecimento de medidas coercitivas, bem como a aferição da responsabilidade pessoal e a presença da autoridade selecionada, incumbida de obter a solução de um conito. Tudo isso, desde que as instituições sejam aceitas plenamente pela sociedade e haja uma relação de vida comunitária entre quem castiga e quem é castigado, para justicar o reconhecimento social de autoridade. Se a autoridade é contestada ou impugnada, a pena ou castigo surgirá como ilegítima e violenta. A Criminologia Abolicionista está dividida em três Subcorrentes. A primeira Subcorrente prega a abolição do sistema penal, tendo como seu grande líder o Professor holandês LOUK HULSMAN. Muitos adeptos da Criminologia Tradicional já chamaram essa subcorrente de Anarquismo Penal, porque fundamenta a abolição do sistema penal, como um todo, com base nos primitivos valores da sociedade, não admitindo a intromissão do Estado na solução dos conitos. LOUK HULSMAN diz que o Poder Estatal pode muito bem existir, no terreno da autoridade— castigo dos Abolicionistas, sendo o Estado uma instituição anônima e estranha diante da situação—problema, exatamente como ocorre com a constatação da regra habitual da impunidade, haja vista a cifra negra da criminalidade, segundo a qual a grande maioria dos conitos na sociedade não chega sequer ao conhecimento da Polícia e, dentre os que se tornam conhecidos da Autoridade Judicial, somente um pequeno número impõe a seus autores uma condenação. Acrescenta HULSMAN: tal análise estatística mostra que a impunidade, como elo do Direito Penal, tem sido a regra e nem por isso o mundo foi vitimado por uma grande comoção social. A segunda Subcorrente Abolicionista, defendida por THOMAS MATHIESEN, quer apenas a abolição da prisão, com base no raciocínio de que o cárcere é mero instrumento de ação política contra as classes sociais mais pobres, nada resolvendo, entretanto sempre criando diculdades tanto para a sociedade como para a própria ecácia do sistema penal. A terceira Subcorrente Abolicionista traz NILS CRHISTIE como seu expoente. Para esse bloco de doutrinadores, deve ser extinta toda e qualquer sanção penal que inigir dor ou sofrimento pessoal e, conseqüentemente, provocar o desvio para um comportamento moral insuportável. Sem aderir abertamente ao Abolicionismo de CHRISTIE, o Professor argentino RAÚL ZAFFARONI salienta que, realmente, os exemplos dos Sistemas Penais, nos Países da América Latina, existem, fundamentalmente, para provocar sofrimento nas pessoas condenadas. A Criminologia Abolicionista, que atualmente se projeta, em grande escala, na Europa Ocidental, não foi bem acolhida na grande maioria dos povos, como na América Latina, onde a realidade social, a estrutura dos Governos e do Poder Judiciário não propiciam estímulos para a adoção dos princípios e experiências abolicionistas no campo hoje dominado pelo Direito Penal. É verdade que a administração da Justiça Penal é seletiva e tem sua capacidade de operação limitada, haja vista os ltros da delinqüência simbólica representada, maciçamente, pelos pobres que enchem as prisões e constituem a clientela do sistema penal, daí dizerem os Abolicionistas, como LOUK HULSMAN, que a supressão do castigo carcerário já está em
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funcionamento para a criminalidade subterrânea praticada pelos que se valem da impunidade por prestígio, privilégio ou inuência. Assim sendo, o Abolicionismo não é, efetivamente, uma tarefa imediata para todo e qualquer sistema de Justiça. Sem condições de se chegar a esse extremo, comporta, pelo menos, dar chance, sempre que possível, para que se opere, em benefício do aprimoramento da Justiça, as ferramentas de descriminalização, da despenalização, da desprisionalização, da desjudiciarização e, por último, da desinstitucionalização.
E - CRIMINO CR IMINOLOGIA LOGIA MINIMALIST MINIMA LISTA A Criminologia Minimalista é a teoria do Direito Penal Mínimo, que tem como expressões a Professora venezuelana LOLA ANIYAR DE CASTRO e o Mestre italiano ALESSANDRO BARATTA. Na essência, a teoria do Minimalismo não difere do Abolicionismo por reconhecer que o Sistema Penal é fragmentário e seletivo, atuando, incisivamente, sobre as classes sociais mais débeis, indiferente à violência estrutural e favorecendo a impunidade dos que estão vinculados às relações de poder. A Criminologia Minimalista acha-se amparada em dois fundamentos. O primeiro fundamento, que porta por ta a tese de LOLA ANIYAR ANIYAR DE CASTRO, sustenta a necessidade do estabelecimento de uma legislação penal de conteúdo mínimo, destinada à preservação dos direitos humanos e liberdades individuais para garantir a defesa dos mais fracos e evitar reações injustas e indesejáveis, não só por parte do Estado, mas também de qualquer órgão de natureza pública ou privada e até mesmo da vítima. O segundo fundamento Minimalista, enriquecido pelas lições de ALESSANDRO BARATTA, aprofunda a concepção de que é preciso limitar o Direito Penal, que está a serviço de grupos minoritários, tornando-o mínimo, porque a pena, representada em sua manifestação mais drástica pelo Sistema Penitenciário, é uma violência institucional que limita direitos e rep rime necessidades fundamentais das pessoas, mediante a ação legal ou ilegal de servidores do poder, legítima ou ilegitimamente investidos na função. ALESSANDRO BARATTA ALESSANDRO BARATTA adiciona que as instituições do controle formal, atuando nos diversos níveis da organização da Justiça Penal (Legislador, Polícia, Ministério Público, Juízes e Órgãos de Execução Penal) não representam nem tutelam interesses comuns a todos os cidadãos, e sim interesses de grupos minoritários socialmente privilegiados. Por outro lado, rearma, o Sistema Penal é altamente seletivo, seja no que diz respeito à proteção dos direitos humanos, dos bens e interesses sociais, seja em relação ao processo de criminalização (incriminalização e descriminalização), seja no que tange ao recrutamento da clientela, o que fortica a ilação de que o sistema punitivo é absolutamente inadequado para atuar de maneira útil e saudável na sociedade, conforme é sempre declarado no discurso ocial. Vê-se que a Criminologia Minimalista grita pela legitimação de uma intervenção mínima das agências formais de controle e das garantias do Direito Penal e do Direito Processual Penal, de maneira a agir com a prudência prudên cia de um modelo punitivo alternativo que satisfaça o sistema social global e não como fórmula punitiva que se apóie na pena com sentido ontológico, conforme bem lembrou RAÚL ZAFFARONI no seu interessante livro Em busca de las Penas Perdidas.
F - CRIMINO CR IMINOLOGIA LOGIA NEO-REALISTA NEO-RE ALISTA A Criminologia Neo-Realista é adotada por alguns Criminólogos, com destaque para os ingleses JOCK YOUNG e JOHN LEA, que formalizam suas hipóteses em duas direções. Em primeiro lugar, essa corrente se intitula Realista em reação aos Idealistas que nos anos oitenta lideraram a pregação da losoa sustentada pela p ela Criminologia Crítica em oposição à Criminologia Tradicional. Tradicional. Em segundo lugar, a Criminologia Neo-Realista foi denominada de NEO-REALISMO DE ESQUERDA por preconizar contra a política criminal de direita que, através de campanhas de lei e ordem, ajudou a levar ao poder MARGARET THATCHER, na Inglaterra, e RONALD REAGAN, nos Estados Unidos.
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Para os Neo-Realistas, a Criminologia Crítica deve regressar à investigação completa das causas e circunstâncias do delito, com o m de denunciar os padrões de injustiça estrutural, da qual o delito é forma de expressão. Eles explicam que as frágeis f rágeis condições econômicas dos pobres na sociedade capitalista fazem com que a pobreza pobrez a tenha seus reexos na criminalidade. Mas essa não é a única causa da atitude criminosa, também gerada g erada por fatores como: expectativa superdimencionada, individualismo exagerado, competitividade, agressividade, ganância, anomalias sexuais, machismo etc. Desse modo, insistem, só uma política social ampla pode promover o justo e ecaz controle das zonas de delinqüência, desde que os Governos, G overnos, com determinação e vontade, compreendam que carência e inconformidade, somadas à falta de solução política, g eram o cometimento de crimes. Eis a razão pela qual os Neo-Realistas Neo -Realistas se preocupam com todos os aspectos aspec tos do delito, concentrando atenção a todos os atores da cena: o criminoso, a vítima e a reação social. Tudo dentro de uma estratégia realista para situar o delito como ressonância de conitos devido à falta de solidariedade entre os membros das classes sociais. Essa é a justicativa da Criminologia Neo-Realista para fechar questão em cima do princípio de que a pena deve recuperar o seu sentido de restauração moral.
CONCLUSÃO Em linhas gerais, assentamos o panorama da Criminologia Crítica. Conamos em que, deste ensaio, sejam colhidos bons frutos, em condições de favorecer o estudo mais aprofundado do tema a espera de novas sendas sen das a trilhar para a suavização da criminalidade e melhor exercício da cidadania no terceiro milênio.
BIBLIOGRAFIA ANIYAR DE CASTRO, Lola. Criminologia de la liberación. Maracaibo, Editorial d e la Universidad del Zulia, 1987, pp. 85-93. ANIYAR BERGALLI, Roberto. Crítica a la criminologia. Bogotá, Editorial Temis, 1982, pp. 178-185. CARRANZA, Elías. Criminalidad: prevención o promoción. San Jose, Editorial Universidad Estatal a Distancia, 1994, pp. 84-88. CHRISTIE, Nils. Los limits del dolor. México, Fondo de Cultura Económica, 1985, pp. 83-84. DEL OLMO, Rosa. Ruptura criminológica. Caracas, Ediciones de la Universidad Central de Venezuela, 1979, pp. 179-186. DELMAS-MARTY,, Mireille. Les grands systèmes d e politique criminelle. Paris, Editions Presses Universitaires de France, DELMAS-MARTY 1992, pp. 50-56. GASSIN, Raymond. Criminologie. Paris, Editions Dalloz, 1994, pp. 471-474. HULSMAN, Louk e DE CELIS, Jacqueline Bernat. Peines perdus: Le système pénal en question. Paris, Edition Centurion, 1982, pp. 104-111. PAVARINI, PA VARINI, Massimo. Control y dominación. Madri, siglo Veintiuno Editores, 1983, pp. 155-156. TAYLOR, TA YLOR, Ian; WALT WALTON, ON, Paul e YOUNG, Jock. Critical criminology. London, Routledge and Kegan Paul Ltd., 1975, pp. 16-41. TRAVERSO,, Giovanni e VERDE, Alfredo. Criminologia crítica. Padova, Cedam, 1981, pp. 123-130. TRAVERSO ZAFFARONI, ZAFF ARONI, Eugenio Raúl. Em busca de las penas perdidas. Bogotá, Editorial Temis, 1990, pp. 71-73.
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Segundo Segu ndoT Tema: Personalidade Personal idade e Crime Prof. Dr. Alvino Augusto de Sá
Introdução A Criminologia Clínica Tradicional, dentro do modelo médico-psicológico, estabeleceu uma relação de natureza pré-determinista entre personalidade e crime, oferecendo-nos uma “explicação” do crime à luz quase que exclusivamente dos fatores orgânicos e psíquicos, na qual os fatores ambientais tinham um papel secundário. As escolas sociológicas enfatizaram o papel dos fatores ambientais, fazendo com que grande parte dos pensadores atuais descartasse o papel da personalidade na prática criminal, o que se apresenta como um absurdo, do ponto de vista psicológico, pois a prática criminal é um ato do indivíduo, um comportamento do indivíduo. Ora, como descartar o papel da personalidade em qualquer conduta do indivíduo? Por outro lado, as escolas sociológicas tiveram o grande mérito de fazer com que se repensasse o papel da personalidade na conduta criminosa, com que se repensasse a relação entre personalidade e crime. Uma relação que passe a ser concebida não mais numa linha pré-determinista. Não se trata mais de uma relação bi-unívoca, pela qual, para determinados tipos de personalidade, teríamos determinados tipos de crimes e viceversa. Hoje, não há mais como se falar em personalidade criminosa, em personalidade de criminoso. Aliás, nem seria isto possível, pois o único ponto em comum que os diferentes tipos de crime têm entre si é o fato f ato de constituírem uma infração à norma penal e serem tipicados no Código Penal. O que poderiam ter de comum, para se pensar um substrato psicológico do crime, os autores de crimes de roubo, os de estelionato e os de estupro, por exemplo? Não existe um comportamento criminoso, mas múltiplos comportamentos criminosos. Mesmo porque não existe uma só norma penal básica, mas múltiplas normas, todas se diversicando entre si em função dos diversos bens tutelados, aliás muito diferentes uns dos outros. Ou melhor, existem múltiplos comportamentos que, numa determinada época e cultura, sob a força e na vigência de determinada lei, são tidos como criminosos. Como se dá então a relação entre personalidade e crime? É o que tentaremos analisar. Inicialmente, veremos a conceituação de personalidade, pressuposto para as considerações subsequentes. Teceremos a seguir considerações teóricas acerca da relação entre personalidade e crime, buscando inclusive discutir como se poderia entender essa relação à luz dos postulados da Criminologia Crítica. Para nalizar, retomaremos os conceitos anteriormente expostos de Criminologia Clínica, o tradicional, o moderno e o crítico, para reetirmos sucintamente sobre a relação entre personalidade e crime em cada um deles.
1. Concei Conceituação tuação de personalidade A personalidade pode ser entendida e conceituada das mais diferentes formas, em função dos referenciais teóricos, sobretudo porque ela não é uma entidade concreta, mas sim um constructo teórico. Escapa ao nosso objetivo discorrer sobre as diferentes formas de se conceituar personalidade e toda a polêmica que as envolve. Entretanto, cumpre-nos esclarecer que a compreensão que teremos aqui do que seja a personalidade, e que embasa o desenvolvimento do tema, supõe o indivíduo como um todo, físico e psíquico, consciente e inconsciente, e em contínua interação com o ambiente. Sem mais delonga, diremos, no contexto do tema que nos ocupa, que personalidade é um padrão peculiar de conduta do indivíduo, que caracteriza e garante sua identidade, abrange
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suas disposições orgânicas e psíquicas, conscientes e inconscientes, manifestas e latentes. A personalidade vai se moldando e se readaptando por força f orça de novas experiências signicativas do indivíduo e dos fatores externos, ambientais, aos quais está sujeito. (Sobre conceituação de personalidade e seus diferentes aspectos e dimensões, ver Vargas, 1990, cap. II, p.12 a 24; especicamente sobre uma compreensão psicanalítica da personalidade, ver Pepe, 1996, p. 187 a 196).
2. Conside Considerações rações teóricas teóricas sobre a relação entre personalidade e crime Se não há como se falar em personalidade criminosa ou em personalidade do criminoso, se não há como se falar em traços de personalidade que guardem uma relação linear com o crime, uma relação de natureza pré-determinista, ou uma relação bi-unívoca, e se, por outro lado, sendo o comportamento criminoso um tipo de comportamento ao lado de tantos outros, o qual, como todos os outros, supõe também uma compreensão psicológica, isto é, uma compreensão à luz das características e traços de personalidade, como se entender então essa relação entre personalidade e crime? De início, diremos que o que existe são certos tipos de personalidade, ou certos traços e características de personalidade que, frente a determinadas circunstâncias, favorecem a prática de atos anti-sociais, tornam mais viável sua ocorrência, assim como há certos tipos de personalidade, ou certos traços e características de personalidade que fortalecem as resistências contra a pratica de atos infrancionais. Esses traços e características que favorecem tal prática ou os mecanismos de resistência podem situar-se nos planos psíquico ou físico, consciente ou inconsciente, constitucional constitucional ou experiencial. Por si sós, não são absolutamente determinantes da conduta criminosa, de tal sorte que, unicamente a partir da constatação de sua presença, jamais se pode presumir a ocorrência da prática criminosa. Inserem-se, isto sim, tais traços e características muna malha muito complexa de outros fatores das mais diversas ordens. Quando se quer compreender uma conduta criminosa, não basta analisar o “epicentro” do comportamento-crime, mas é mister conhecer a fundo todo seu contexto e toso o seu entorno. Portanto, nada mais óbvio do que dizer que tudo vai depender de um interjogo entre os fatores individuais e os ambientais, conforme se pode depreender da teoria das “séries complementares”, proposta por Freud para uma compreensão da origem das neuroses (ver Simon, 1977), teoria essa que pode ser aplicada à análise e compreensão da conduta criminosa (ver Sá, 1987). Nunca será demais repetir que não poderemos concluir que um indivíduo tem tendências criminosas por constatarmos determinadas características de personalidade. De fato, determinada característica de personalidade poderá favorecer, em um indivíduo, a prática de um crime, enquanto que, em outro indivíduo, essa mesma característica vai favorecer que tenha outros tipos de conduta. Como muito bem diz Lewin, citado por Soares (1 (1990), 990), o mesmo calor que faz endurecer o ovo, faz derreter a manteiga. Como exemplos de traços e características de personalidade que podem favorecer a prática criminosa, mas que também podem favorecer outros tipos de comportamento, às vezes até opostos e/ou socialmente ajustados, poderíamos citar a agressividade, sentimento de inferioridade, sentimento de culpa, imaturidade, deciência mental, entre outros. Ainda que retomando o óbvio, não poderemos nos furtar à observação de que crime, enquanto tal, consiste numa infração a uma norma penal, a uma lei, e lei, conforme lembra Segre (1996), é feita pelos homens. Nenhum comportamento é criminoso por sua própria natureza, a não ser que adotemos a teoria do “delito natural”, de Garófalo. Para ilustrar o caráter “infracional” do crime, em oposição a um caráter “naturalista”, Segre recorre ao exemplo do próprio homicídio, que, essencialmente, consiste no ato de matar alguém, e que poderá constituir-se num crime, ou num ato de legítima defesa, ou até mesmo num ato heróico e louvável de defesa da Pátria ou de outras pessoas. De se frisar ainda que, nessa mesma linha de pensamento, o crime é de natureza denitorial, ou seja, ele é resultado de uma “denição” prevista em lei, e não de natureza ontológica. No entanto, se existe uma relação entre personalidade e um comportamento assim dito criminoso, ela independe do fato desse comportamento ser denido pela norma penal como crime. O que importa são as motivações psicológicas que possam estar sustentando essa conduta, é a dinâmica psicológica do ato. Assim, por exemplo, a relação entre personalidade e o uso de drogas vem sendo investigado e toda a experiência que se vem colhendo independe do fato de tal uso ser denido ou não pela norma penal como crime. Voltando do ato homicida, é evidente que sua dinâmica psicológica estará estritamente associada aos motivos e circunstâncias por que ele se deu (legítima defesa, ou ato heróico, socialmente valorizado, ou ato voltado sobretudo
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à destruição do outro, por interesses próprios), independentemente de se tratar de crime. Sintetizaríamos então o que foi dito acima, armando que a relação entre personalidade e determinada conduta denida como criminosa pode ser entendida como se dando entre certas características da personalidade que, somadas às circunstâncias ambientais, sociais, etc. poderão viabilizar a ocorrência da referida conduta. No entanto, aprofundemos um pouco essa reexão, agora já não só levando em conta a inuência das teorias sociológicas propriamente, mas também os postulados e preocupações da Criminologia Crítica. À Criminologia Crítica não interessa indagar o por quê da conduta criminosa, sob o enfoque seja dos fatores sociais, seja dos fatores psicológicos. Interessa-lhe, isto sim, indagar sobre o por quê da seletividade do Direito Criminal em relação às condutas por ele tipicadas como crime e à seletividade do sistema punitivo em relação às pessoas “escolhidas” para serem condenadas. No que diz respeito especicamente à pessoa “incriminada”, interessa à Criminologia Crítica indagar sobre o processo de criminalização das mesmas. A Criminologia Crítica não pergunta “por que essas pessoas cometeram crimes”, mas sim “por que elas foram criminalizadas pelo sistema punitivo”. Considerando-se as indagações da Criminologia Crítica, o que se deve questionar, no tema que nos ocupa e no âmbito da Criminologia Clínica, não é como se dá a relação entre personalidade, mas sim como se dá a relação entre personalidade e o processo de criminalização. Discutiremos essa questão à luz do conceito de personalidade acima exposto, dividindo-o em duas partes. Na primeira parte do conceito, diz-se que “personalidade é um padrão peculiar de conduta do indivíduo, que caracteriza e garante sua identidade, abrange suas disposições orgânicas e psíquicas, conscientes e inconscientes, manifestas e latentes”. Diremos então que o indivíduo condenado e encarcerado, por conta de toda uma história de marginalização e exclusão sociais, sofreu um processo de deterioração social e psíquica, graças ao qual ele se tornou vulnerável perante o sistema punitivo, conforme Zaaroni (1998). Ora, se ele sofreu um processo de deterioração social e psíquica, seu “padrão peculiar de conduta” apresenta disposições psíquicas, quiçá até orgânicas, conscientes e/ou inconscientes, manifestas e/ou latentes, por conta das quais ele tende a se fragilizar e a sucumbir perante o sistema punitivo e a se tornar presa fácil do mesmo, ou, por conta das quais ele se torna “candidato predileto” a ser eleito pelo Estado para nele se fazerem valer a sua “força moralizadora” e a força punitiva da norma. Na segunda parte do conceito, diz-se que “a personalidade vai se moldando e se readaptando por força de novas experiências signicativas do indivíduo e dos fatores externos, ambientais, aos quais está sujeito”. Têm-se a considerar aqui os efeitos altamente danosos para personalidade do processo de criminalização e de prisionização, enm,os efeitos da intervenção penal, no seu todo. O indivíduo, após criminalizado, condenado e encarcerado, sentir-se-á “ocialmente” colocado no mundo do crime e “ocialmente” isolado da sociedade pelo Estado. Sentirá todo o peso da instituição prisional enquanto instituição total. Daí que, dependendo do tempo de sua convivência nesse contexto, dicilmente sua personalidade deixará de se moldar de acordo com o mesmo e de acordo com as pressões que passa a sofrer, sejam pressões do sistema punitivo e da instituição prisional, sejam pressões do próprio mundo do crime. O indivíduo moldará seu padrão de conduta até mesmo por uma questão de necessidade de sobrevivência.
3. Os conceitos conceitos de Criminologia Criminologia Clínica e a relação relação entre entre personalidade e crime Retomando agora os conceitos de Criminologia Clínica já expostos anteriormente, poderíamos reetir sobre como se entenderia a relação entre personalidade e crime, em cada um deles. Pelos seus conceitos tradicional e moderno já expostos, a Criminologia Clínica visa estudar a conduta criminosa, com vistas às estratégias de reabilitação ou de ressocialização do encarcerado. A diferença entre ambos é que a tradicional vai colocar o foco no indivíduo, em seu corpo e em sua personalidade, enquanto que a moderna vai colocar o foco no indivíduo em seu contexto. Quanto à relação re lação entre personalidade e crime, a tradicional reconhece tratarse de uma relação direta, de ordem explicativa e quase que pré-determinista. Já a moderna vai buscar na personalidade, não propriamente características que “levam” o indivíduo a cometer crimes e que, por isso mesmo, explicam a conduta criminosa, mas características
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que simplesmente tornam possível essa conduta, que a viabilizam. Pelo conceito crítico, a Criminologia Clínica não é mais o estudo da conduta criminosa, mas sim do processo de criminalização, com vistas às estratégias de reintegração social. Entendase por reintregração social, conceito de Baratta (1990), um processo no qual o encarcerado é um participante ativo e a sociedade, representado por segmentos comunitários, também deverá rever seus padrões de conduta e de relacionamento com as camadas excluídas. A Criminologia Clínica vai colocar seu foco, não mais no indivíduo, e nem mesmo no indivíduo em seu contexto, mas no processo de deterioração social e psíquica, nas relações que a sociedade tem estabelecido com ele. No que diz respeito ao papel da personalidade, a diferença é fundamental. Já não se fala em relação entre personalidade e crime, mas entre personalidade e a conduta que o direito penal e o sistema punitivo reconhecem como crime. E o que se vai estudar na personalidade são suas características de deterioração social e psíquica, decorrentes da exclusão e marginalização sociais, que viabilizam o processo de criminalização por parte do sistema punitivo, bem como suas características de deterioração que decorrem do processo de criminalização e prisionização.
Notas 1 Professor Titular de Direito Penal da Universidade Federal do Pará - Amazônia (Brasil) PósDoutorado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de Paris (França (França)) Estágio Sênior em Direito Penal na Universidade de Miami - Flórida (Estados Unidos) Professor Associado do Centro de Pesquisas de Política Criminal da Universidade de Paris (França) Professor Pesquisador junto à Universidade de Miami - Flórida (Estados Unidos)
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LEITUR LEI TURA A FA FACULT CULTA ATIVA
ROBERTO RO BERTO LYR LYR A FILHO1 Assumi o compromisso de redigir este ensaio, devido ao interesse com que venho acompanhando a carreira de Juarez Cirino dos Santos, desde os seus primeiros passos. Nele, reconheci, de imediato e o tenho proclamado, repetidamente (Lyra Filho, 1980A: 157) 157) o maior talento da nova geração de criminólogos brasileiros. É, portanto, duplamente grato conrmar, agora, este juízo e saudar a passagem do marco doutoral. A Criminologia Radical (Cirino, 1981) é o seu texto mais recente e, ao tempo, a tese de doutoramento que, com os meus insignes colegas Albuquerque Mello, Fragoso, Mestieri e Papaleo, aprovei na Faculdade Faculdade de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, atribuindo-lhe a nota máxima. Isto, é claro, não importa em concordar, sem ressalvas, com tudo quanto o autor, ali sustenta. A própria banca examinadora constituía, como é normal, na vida universitária, uma seleção de professores com signicativas diferenças de ponto de vista. Aliás, dentre eles, era eu, sem dúvida, quem demonstrava maiores anidades com a orientação esposada pelo candidato. A minha proposta duma Criminologia Dialética (Lyra Filho, 1972; 1975; 19 75; 1981 1981)) representa um subgrupo da extensa gama de modelos da Criminologia Crítica, a que também pertence, com seu s eu peculiar matiz, a Criminologia Radical. Depois de encerrado o debate acadêmico, de argüição e defesa de tese, podemos, assim, retomar, em tom mais repousado, um diálogo fraterno, assinalando as divergências e convergênciass das nossas posições, dentro da unidade substancial de propósitos e esperanças, convergência em que comungamos. Exprimindo a harmonia da nossa visão criminológica, referi-me, na argüição mencionada, ao trabalho de dois arquitetos que projetassem a morada cientíca, tendo em mira as mesmas opções democráticas, populares e socialistas. A diversidade do estilo nada retira à fecundidade das sugestões alternativas, que antes enriquece o repertório dos moldes, no empenho comum a que ambos servimos (Lyra Filho, 1981A: 4). Se a Criminologia Radical mais não zesse e estou convicto de que tem muitas outras excelências bastar-lhe-ia a não pequena virtude, que manifesta, de quebrar o marasmo dos trabalhos rotineiros, ainda predominantes, entre nós. Na verdade, após o impulso dado à Criminologia pelos mais ilustres precursores, pre cursores, de Tobias Barreto a Roberto Lyra, pai (Lyra, 1964: 1964: 107 ss.) este último inclusive antecipando a nota crítica, cou a nossa disciplina em grande parte relegada aos dúbios cuidados de não rigorosos especialistas e constantes repetidores do positivismo, de várias espécies. Em 1964, Roberto Lyra, pai, chegava a arrematar uma síntese histórica, fazendo este apelo, quase patético: “peço aos novos valores que me enviem seus trabalhos, para as menções merecidas” (Lyra, 1964: 138). Apareceu em 1967 a minha primeira contribuição crítica (Lyra Filho, 1967), resumindo idéias divulgadas anteriormente, em aulas e seminários, e iniciando o rompimento com as posições conservadoras (Ta (Tavares, vares, 1980: 5),que culminou na posição denitiva, em 1972 (Lyra (Lyra Filho, 1972). Alguns colegas, daqui e do estrangeiro,a colheram então, generosamente, a Criminologia Dialética, assinalando que se tratava de perspectiva útil e original (Lyra Filho, 1975: 19 75: 29). 29). O objetivo marcante e cada vez mais nítido era, e é, alistar-me entre os intelectuais
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orgânicos do novo bloco histórico, visando o socialismo democrático. Isto, por si só, delineia uma evidente solidariedade com os propósitos declarados pelo meu jovem e brilhante colega, Cirino (Cirino, 1981; 126). Além deste aspecto fundamental, no engajamento sóciopolítico, de próximo parentesco apesar de alguns matizes distintivos liga-nos também a oposição à Criminologia Tradicional, Tradicional, de timbre positivista e conservador. Desde o período de estagnação, em que apareceu o primeiro esboço da Criminologia Dialética subsiste, apesar de tudo, o desbramento da produção mais comum dos criminólogos brasileiros, perante o qual as idéias de Cirino me reconfortam, como esforço notável de questionamento. As nossas sugestões são paralelas, solidárias e ans. Criminólogos de vanguarda, consideramos a dogmática jurídica uma fatal obstrução (Lyra Filho, 1980; 1980 B; 1981 1981 B; 198 19811 C), e era constrangedor vericar que a Criminologia brasileira se deixava car a reboque do Direito Criminal dogmático (Mestieri, 1972: 90-94). Campeava, então, no Brasil, a atitude dogmática, e era no terreno jurídico-penal que surgiam obras de mérito, erudição e preocupações positivas. Nestas, inclusive, medravam, apesar das limitações do enfoque, os posicionamentos progressistas, oscilando entre um liberalismo avançado e a aberta simpatia pelo socialismo, vale citar, a propósito, os ilustres Albuquerque Mello, Fragoso, Mestieri, Nilo Batista e, mais recentemente, Juarez Tavares. É claro que menciono, ao acaso, apenas algumas guras de respeitabilidade e proeminência incontroversas. Não tenho a pretensão de organizar o rol completo dos melhores criminalistas nacionais. O meu propósito é insistir em que a Criminologia não pode enfrentar essa plêiade, com sugestões aproveitáveis, sem uma reciclagem, que procurei dar-lhe e na qual Cirino desempenha um papel de relevo. Acho, ademais, de justiça assinalar que os juristas mencionados, a título de exemplo egrégio, revelaram, sempre, o maior interesse pela Criminologia, apesar de se prenderem a outras tarefas, em virtude da própria formação, tendência e hábitos (Ta ( Tavares, vares, 1980: 5-6). Não creio que as ressalvas honestas, por eles traçadas, dentro do círculo dogmático, pudessem redimi-los da prisão voluntária, em que se connaram (Lyra Filho, 1980; 1980 B; 1981 B; 1981 C). Mas, em qualquer hipótese, cabia a nós, que militamos na Filosoa e Sociologia jurídica e na Criminologia, avivar a dialética e instaurar a revisão antidogmática. Aliás, aqueles juristas continuavam esperando e, eventualmente, chegando a solicitar é este o caso, por exemplo, do eminente Fragoso (Fragoso, 1977:25) um subsídio criminológico e um diálogo aberto, sem acharem resposta nos imitadores das velhas direções, que nada mais têm a dizer, em tal confronto. Por isto mesmo, custa a descongelar-se a “questão criminal”, entre nós. Como se não bastassem as diculdades gerais, resumidas por Baratta (Baratta, 19 1919 19),), ainda aqui cam os requintes idealistas da “teoria jurídica do delito” mal compensados por uma Criminologia, praticada, em regra, segundo a inspiração dos positivismos superados. A falência da Criminologia Tradicional é tão óbvia e retumbante que um dos seus mais prestigiosos corifeus, no âmbito internacional, já se encarregou de decretá-la, sem rebuços: “para resumir o que alcançamos, num século de p esquisa e debate, bastam poucas palavras: p alavras: o que propusemos nunca funcionou, e não sabemos por que” (Ferracuti, 1975:53). Somente a Criminologia Crítica poderia oferecer a alternativa, mas foi precisamente esta que tardou a manifestar-se no Brasil, em que pese uma voz isolada, a que Cirino traz, agora, o auspicioso reforço. De fato, creio que é lícito registrar uma certa precedência histórica para a Criminologia Dialética, talvez devida ao fato de que se inspirou, antes de tudo, na Antipsiquiatria (Lyra Filho, 1967), sem dever nada ao movimento propriamente criminológico, depois ampliado, no estrangeiro. Em 1967 e mesmo em 1972, quando iniciei e arrematei a minha proposta, ainda não se tinham avolumado os surtos que Cirino registra (Cirino, 1981: 1981: 5). Lembra este que “um dos primeiros estudos sistemáticos” sistemáticos”,, resultante do trabalho coletivo de Taylor, Walton e Young,, aparece em 19 Young 1973, 73, e que mesmo “a ruptura coordenada e coletiva com a Criminologia Tradicional” (Cirino, 1981: 6) só em 1968 marca sua presença. Entre 1972 e 1974 é que se dá, em todo caso, o “acontecim “acontecimento ento crucial” (Cirino, 1981 1981:: 7), quando a Criminologia Dialética já estava esboçada, pois a sua primeira publicação é de 1971, nas páginas da Revista de Direito Penal, que celebrava o centenário hegeliano. Ali se oferecia o delineamento completo de uma nova n ova abordagem, ligada à práxis sócio-política e com todo o seu recorte voltado para o que hoje se denomina Criminologia da Libertação (Lyra Filho, 1972: 121-124). Dialetizava-se o enfoque, armando verdadeira “metadisciplina do Direito Criminal” (Ferracuti, 1975: 1975: 53), que pergurava a reunicação das perspectivas jurídico-criminal jurídico- criminal e criminológica. E assim se concluía a aluição do Direito Criminal dogmático, iniciada com o desmentido de seus princípios básicos, que ocorreu no próprio seio da Criminologia Liberal (Baratta, 1979: 147-183). A negação, segue-se a negação da negação, na etapa em que poderá surgir, sem dogmas,
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um Direito Criminal in eri ainda obstaculizado pelas resistências conservadoras e para o qual a Criminologia Dialética desejaria oferecer um apoio, que remonta às perspectivas losócas e sociológicas indispensáveis (Lyra Filho, 1972; 1975; 1981). Por outro lado, assim como a Antipsiquiatria evoluiu, sobretudo com Basaglia, para a mais positiva Psiquiatria Alternativa, a Anticriminologia (que se opõe aos endereços en dereços tradicionais) expunha, alternativamente, com a Criminologia Dialética, o roteiro duma reconstrução. Deter-se no âmbito negativista seria favorecer um anarquismo, anarquismo, que apenas traduz, com repercussão rep ercussão cientíca, o implícito estímulo do niilismo sócio-político, já por mim denunciado em 1975, em Taylor, Walton e Young (Lyra Filho, 1975 1975:: 29-57) e novamente combatido na Carta Cart a Aberta que dirigia a um colega brasileiro, b rasileiro, hoje radicado no Canadá (Lyra Filho, 1981). A Criminologia Radical emergiu neste panorama, e foi por isto que não aceitei, sem reservas, a denominação que se impôs. É certo que Cirino pretende atribuir-lhe o sentido de uma descida às raízes (Cirino, 1981: 39), marcando, por outro lado, o que se lhe agura um avanço, em relação às limitações, que aponta noutros modelos de Criminologia Crítica. Fico à vontade para debater este ponto, uma vez que o ilustre colega me situa entre os criminólogos “radicais” (Cirino, 1981 1981:: 123) 123) e não me dirige, portanto, a censura voltada para cer tas teorias e pessoas, que não teriam desdobrado, convenientemente, o impulso crítico. Subsiste, porém, o desconforto que experimento, sob tal rótulo, pois o termo – radical – é muito ambíguo, para não dizer visceralmente polissêmico. Pouco importa, é claro, que a obtusidade conservadora chame de radical todo aquele que visa à substituição, mesmo por meios pacícos, e até convencionais, da estrutura implantada (Lyra Filho, 1979: 16 ss). Com isto, o conservantismo visa reprimir qualquer teoria e práxis progressistas, e é e xtremamente honroso incorrer em tais iras reacionárias. Ocorre, todavia, que, no lado esquerdo, o “radicalismo” pode signicar um posicionamento anarquista ou, em todo caso, o tipo da “doença infantil”, que eu mesmo enfrentei, no Criminólogo da Carta Aberta (Lyra Filho, 1981). Considero isto um perigo para os nossos objetivos comuns e uma fonte de equívocos políticos, principalmente em face do modelo de socialismo autogestionário, não “estatista”, não burocrático, antes livre e respeitador dos direitos humanos, que defendo, com inspiração na advertência solene de Bloch (Bloch, 1976: 13). Mais grave ainda é o inconveniente que surge no próprio setor criminológico. Os esquemas classicatórios da reação já adotaram, aqui, a etiqueta radical, para indicarem os anarquismos e “esquerdismos” puramente destrutivos, tanto assim que os distinguem como “radicais” até da Criminologia marxista... (Pinatel, 1980: 263; 263; Szabó,, 1980: 22-23.) 22-23.) Todavia, se tomarmos o “radicalismo” como uma descida às raízes, todo aperfeiçoamento da Criminologia Crítica é, sem dúvida, um mergulho “radical”; e nisto Cirino e eu estamos propriamente de acordo. Uma Criminologia Dialética, tal como preconizo, ou Radical, como prefere ele, são esforços para consumar o impulso crítico, indo aos condicionamentos infraestruturais e denunciando as cções e paliativos de superfície, tanto quanto propondo a Aufhebung, para não car na pura negação. Aliás, tive ensejo de insistir neste ponto, em minha argüição, quando confrontava a obra anterior de Cirino Criminologia da Repressão (Cirino, 1979) e, com ou sem ressalva do rótulo, a sua Criminologia Radical, mais recente (Cirino, 1981). Assinalei, então, que o parágrafo inicial e a conclusão 5ª da Criminologia da Repressão (Cirino, 1979: 1-2; 115) pareciam condenar a ciência criminológica mesma, enquanto a Criminologia Radical manifesta uma clara alternativa. Por outras palavras, deseja superar a Criminologia Tradicional, e não destruir a ciência que praticamos. Como nota a eminente Lola Aniyar, há espaço indiscutível para uma “Criminologia da Libertação” (Aniyar, 1981), e este rótulo tem, para mim, conotações simpáticas, devido à proximidade com a Teologia da Libertação, em que busquei paralelo para combater os dogmas dos juristas (Lyra Filho, 1980: 17-18; 21;42). Celebro, assim, como brasileiro, os movimentos de liderança, aparecidos no seio do cristianismo nacional. Neste ângulo e sem prejuízo de qualquer eventual desconformidade de táticas e objetivos “nais” (aqui, é claro, eu me rero ao modelo socialista democrático, do meu compromisso político), estamos em aliança, numa frente única e ampla. Os “matizes” a que acertadamente se refere a colega venezuelana, em nada obscurecem as “matrizes” (Ayiar, 1981: 6). Cienticamente e em nosso terreno especíco de atuação, a matriz é mesmo a Criminologia Crítica. Mas, para atender melhor o que ela signica, enquanto nos opõe à Criminologia Tradicional Tradicional e seu positivismo, creio que é necessário remontar, brevemente, brevemente, às origens da disciplina.
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Ninguém ignora que a Criminologia nasceu sob o comando da Scuola Positiva do Direito Criminal e que destes primeiros ensaios advém todo o corpus teórico, servindo ao que, em contraste com a atual Criminologia Crítica, já se designa como Criminologia Clássica (Mestieri, 1972). Assim também os positivistas chamaram de clássicos os próprios antecessores, na ciência jurídica. O termo clássico refere, aí, o tradicional, o consagrado peço establischment, o que já desempenhou seu papel histórico e que novos tempos e circunstâncias permitem superar. A Criminologia Clássica aparece, deste modo, em ns do século XIX e, à maneira das ciências naturais e sociais, de que então se desgarrou como a Biologia, B iologia, a Antropologia Física, a Psicologia e a Sociologia, principalmente vai inserir-se no positivismo, à época generalizado, nos meios cientícos. Todo este movimento participava da ideologia, então ainda hegemônica, do assentado mundo capitalista. O positivismo criminológico, entretanto, se tinha as mesmas raízes classistas do positivismo legalista da “ciência jurídica” burguesa (Lyra Filho, 1980: 1980: 19 ss. e passim) passim),, cedendo as mesmas conveniências, inuentes na teoria social da intelligentzia reinante, não pactuava, sem mais, com os procedimentos de exegese, presos ao dogma da lei e do Estado e seus “entes jurídicos” abstratos. Ao contrário, os positivistas criminológicos nutriram a sua polêmica de argumentos até certo ponto antidogmáticos, ao menos na fase inicial da Escola Positiva, substituindo a visão do crime, como criação legislativa, pela noção da criminalidade, como fato humano e social; e desencadearam, assim, as técnicas de “defesa da sociedade”, no plano das medidas “substitutivas”, com a “prevenção especial” do delito e os processos de “reeducação” do delinqüente. Está visto que tal deslocamento apenas trocava a idéia de controle social classístico, mediante formalismos jurídicos, pelo controle mais requintado e porventura (foi a ilusão) mais ecaz, não abandonando o vezo ideológico de enxergar, na engrenagem do Poder e na atuação da classe dominante, o veículo (assim disfarçadamente legitimado) da reação contra toda conduta discrepante. No positivismo criminológico avultava a inuência de Augusto Comte, seus discípulos e sucessores (Lyra Filho, 1972A: 14-19; 35-37). E o pensamento de Comte não era menos centrípeto e conservador. Em última analise, vinha a assegurar o processo de dominação burguesa. Comte foi “uma espécie de Napoleão da Filosoa, para a denitiva ordem (instituída) e progresso (dentro dessa ordem e segundo seus parâmetros p arâmetros e teleologias)” (Lyra Filho, 1972A: 1972A: 37). Assenta ele o cienticismo burguês. Por isto mesmo, a rebeldia supercial da Scuola Positiva logo se acomodou, através de expedientes ecléticos. De Florian a Grispigni, perdeu até o nome, pois este último já preconizava um “novo endereço técnico-cientico”, de quase pura dogmática e total capitulação ao legalismo. Bem se percebe, deste modo, que os dois positivismos legalista e “naturalista comteano” eram conciliáveis, no seu teor básico. Juristas e criminólogos do positivismo amalgamado poderiam, conseqüentemente, manejar, como alternativas, as medidas do tecnicismo jurídico e do “naturalismo” criminológico. Assim nasceu o “duplo binário”,, chegando ao disparate de certas “soluções” binário” “soluções”,, como a de, primeiro, “castigar” o “doente” e, depois, tentar “curá-lo” (Fragoso, 1980: 206/7). De qualquer forma, o elemento repressivo continuava a funcionar, seja na punição, seja nos provimentos “curativos” e “reeducativos”. Não à toa a Criminologia Crítica é irmã gêmea da Antipsiquiatria. Pena, defesa social, reeducação, prevenção geral ou especial, intimidação, retribuição e medidas “assistenciais” “assistenciais” enriqueciam a palheta, mas, ao m e ao cabo, c abo, destinavam-se à mesma pintura. De fato, no plano da investigação criminológica, a pesquisa, dita causal- explicativa, do delito (considerado individual ou coletivamente nos ramos “clínico “clínico”” e “sociológico” da Criminologia Tradicional) lançava um dado aparentemente mais solto, na análise dos fenômenos criminais. Todavia, o parâmetro utilizado não se alterava, substancialmente, já que a visão do crime conservava a admissão de que o delito era denido, em todo caso, pelos Códigos ou por outras normas sociais da classe dominante. O Estado subsistia, como um poder supostamente isento, em todo o básico sentido de hegemonia do capital, espoliando a classe trabalhadora. Neste panorama, uma reta colocação dialética não deve, entretanto, minimizar as contradições, seja do próprio Direito estatal burguês, seja da doutrina criminológica e penitenciária. Nisto, confundiríamos os esforços, por exemplo, duma vida à Concepcion Arenal
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com a perseguição de um Javert a todo Jean Valjean; e, ainda mais gravemente, caríamos em queda no que até as posições originárias e ortodoxas do marxismo já viam como certo mecanismo manifesto (Engels, 1977: 38). Um grande entusiasmo em denunciar os condicionamentos classísticos e infra-estruturais tangencia, no próprio Cirino e decerto contra as suas melhores intenções, a redução mecanicista. Na sua Tese, o lado crítico nem sempre se volta para aquele fundamental aspecto, cando mais preso à consideração sem dúvida relevantíssima do outro lado, isto é, do que trai os interesses e conveniências da classe dominante. Devo dizer que encaro com certa preocupação a ênfase excessiva, que se distrai das contradições, sobretudo quando se volta para situações concretas e contribuições teóricas especiais. Talvez esteja aí a razão da simpatia que Cirino demonstra, na Criminologia Radical, pelas colocações de Foucault. Decerto, ele arrola Foucault entre os autores “idealistas” (Cirino, 1981: 61); mas, em seguida, passa à resenha de Surveiller et Punir com o arroubo de quem vai saudar uma importante contribuição teórica. Não haveria, nisto, uma incompreensão do próprio sentido da obra focalizada? Foucault mesmo ressalva que, no seu livro, não es tá o enquadramento teórico do estudo sobre as prisões, ali desenvolvido (Foucault, 1975:31 1975:315, 5, nota). Este deveria se buscado em trabalhos anteriores (quanto à epistemologia empregada) e subseqüentes (no que se refere à investigação histórica, intentada como preliminar). Ora, na epistemologia aplicada não há traço que o salve do idealismo e, assim, se compromete a própria focalização especíca do problema penitenciário (Coutinho, 1972: 1972: Gianotti, 19 1979; 79; Gianotti, 1980) 1980).. Quero dizer, com isto, que, nada obstante agudas observações, chamentos e críticas do autor francês, o seu esforço é, em última análise, em tese e em concreto, deturpado pala visão idealista, que advém de variações prisionais ligadas a substrato incompatível com uma perspectiva “radical” dos problemas. Nem me parece que a crítica de Melossi, esposada por Cirino, seja suciente para compensar a superestimação do trabalho daquele ardiloso francês, pois, Melossi, o que vem à tona é precisamente a tendência reducionista e mecanicista, com o vezo de “liquidar” toda a evolução penitenciária, como se fosse apenas a expressão, em contradições, da dominação classista. Entre o anarquismo de Foucault e o mecanicismo de Melossi, não vejo qualquer avanço ou melhora. É certo, porém, e nisto acompanho a posição de Cirino, que as projeções institucionais hão de trazer o zelo da estrutura social implantada e segundo ela se enformarem, nas linhas gerias. Da mesma forma, o positivismo criminológico, dando tais estabelecimentos uma “justicação” defensista, que requinta e mascara a crueza do do “castigo”, transforma-se em canonização indireta da repressão burguesa. Reeducação Re educação e defesa social so cial desenvolvem teses que agravam as coisas, na medida em que se concedem álibis teóricos e comodidades da “boa consciência”. Atribuir, como faz a Criminologia Clássica, ao comportamento desconforme no estalão das leis ou das “normas de cultura” da classe dominante, um elenco de causas (ou, menos rigidamente, fatores de propiciação), de natureza bio-psíquica ou “social” deixa intocados os preceitos ditados pela dominação ilegítima (sem prejuízo das contradições emergentes). Aliás, um certo “marxismo” positivista” não deixou de engolir gato por lebre. Se identicava aquelas “causas” da delinqüência como determinações da miséria, da injusta repartição de bens, até da propriedade privada dos meios de produção, olvidava, contudo, que a criminalidade mesma das condutas é denida pela classe dominante, em forma que resguarda os seus interesses e posição. Torno a acentuar, aqui, é evidente, as contradições, muito bem destacadas na distinção de Roberto Lyra, pai, entre crimes de criação classística e “crimes e perigo e dano comuns”, que, “mesmo numa sociedade estruturada em classes”, não estão ausentes do elenco de tipicações legais (Lyra, 1948:15), Está visto, quanto a estes últimos, que, então, reaparece o problema dos fatores, inclusive econômicos, de propiciação. De toda sorte, o economicismo de Bonger (Taylor, Walton e Young,1973:222ss) ainda lembrava aquele “socialismo de juristas” (juristas legalistas, entenda-se), que despertou o sarcasmo de Engels (Engels,1980:3). Em síntese, falar de causas ou fatores econômicos, omitindo (e, portanto, consagrando) os condicionamentos econômicos da tipicação criminal da conduta, revertia, sempre, ao positivismo, apesar das pretensões “marxistas”. Em que pesem, torno a acentuar, as contradições da dominação classista (que ainda não eram apontadas e exploradas, sequer na direção que hoje toma o “uso alternativo” do Direito de Barcellona, com repercussão na Criminologia Sola, 1979:54), o parâmetro “ocial” da estrutura podia absorver os reformismos de superfície, tal como a reeducação, em lugar do
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castigo, trocando a retribuição pela “defesa social”. Esta, assim, permanecia como defesa de classe. Aliás, a mudança de cartas car tas não afetaria as regras do jogo. Para este, as “mãos” “mãos”,, tomadas com o idealismo dos rótulos, eram francamente intercambiáveis. Mais adiante, o esboço de crise social, ameaçando o establishment, produziria um retorno de preocupações repressivas. Reapareceu, conseqüentemente, o “castigo”, mediante incriminações especiais ou mais violentas penas, assecuratórias dos abalados privilégios, da dominação.assim, o “liberalismo” das cções educativas, sucedeu o valho esquema da porretada, com a histeria conservadora a pedir sanções cruéis contr ao lumpen que ela própria gerara, na violência estrutural do sistema. Na hora da escalada, rompem-se os esgotos sociais, as baratas e ratazanas invadem as ruas e o burguês manipula o susto da pequena-burguesia, levando-a a berrar com ele o “morra per ello” da mais antiga tradição absolutista e autocríticas (Lyra Filho,1972:22). Isto visa, é claro, ocultar a violência estrutural. Pouco importa que uma tradição positivista houvesse trocado as leis pelo “sentimento médio de piedade e probidade”, como pedra de toque das licitudes ou ilicitudes criminais, pois tal noção, manobrada pelos intelectuais burgueses, a partir de Garafalo (com baronia e tudo), acaba conuindo nos critérios-gêmeos de incriminação. O “sentimento médio” é moldado pela classe dominante, a mesma classe que produz as leis, no mundo capitalista. A Criminologia veio, em conseqüência, presa, na origem, a uma espécie de idealismo “reeducador”, “terapêutico” e “defensista”, como desdobramento da ideologia sociológicacentrípeta do controle social conservador. Ele foi, apenas, transposto da Sociologia burguesa (Lyra Filho,1980B:13) para a ciência criminológica nascente. Neste ângulo, de resto, é que se entende a colaboração de Cirino, na sua Criminologia da Repressão, quando nega à “ciência positiva” do crime o próprio status cientíco (Cirino,1979:115). Nada obstante, se quisermos evitar todo maniqueísmo infradialético, em que aparece uma Ciência (a atual, a nossa) e uma pseudociência (a antiga, a alheia), temos de convir em que o juízo puramente negativo sobre a tradição criminológica, não só desdialetiza o enfoque, mas chega a manifestar um evidente anacronismo. Não se poderia solicitar à visão dos precursores um horizonte histórico não discernível, à altura em que trabalharam. Nem havia condições favoráveis para a conscientização que lhes é cobrada. Por outro lado, a condenação, pura e simples, do positivismo como ideologia, além desse pecado de inversão temporal, parece insinuar que agora chegamos à verdadeira, exata e denitiva ciência, que basta aplicar, dogmaticamente pois há o perigo de um dogmatismo neo-criminológico também. Nenhuma etapa cientíca escapa a certo grau de contaminação ideológica e nenhuma delas se limita, relativisticamente, a isto. Sempre se progride nas conquistas do que Scha denominou a “verdade-processo” (Scha, 1970:69), sem atingir um “saber adulto”, que engendra todos os dogmas (inclusive os do marxismo dogmático dogmático).). Antes de render-se ao fascismo da velhice, que lhe macula a biograa, Ferri pregava um “socialismo de jurista” que, nada obstante as suas limitações desempenhou importante função dinamizadora. Seu reformismo, é evidente, continuava preso à Sociologia “positiva” (sobretudo na via do organicismo à Spencer). Mas ninguém poderá contestar-lhe, validamente, certas contribuições importantes, desde a polêmica mantida com Lombroso, para negar a tese do criminoso nato, até o esboço dos “fatores” e as sugestões da “saturação”, que iriam, dali por diante, governar toda a Criminologia Clássica e, apesar da básica insuciência dessa, emergir, transgurados, numa Criminologia Crítica e Dialética (Lyra Filho, 1975:29-57; Lyra Filho, 1981). Também a Criminologia Liberal, como já foi lembrado, cumpre uma etapa importante, no desenvolvimento interno da ciência criminológica. Basta destacar, entre outros elementos, a noção de white collar crime, que os nossos autores teimam em traduzir como “crime de colarinho branco”. Isto, em português, simplesmente não tem sentido. O “colarinho branco” designa aqueles empregados, que se distinguem dos que realizam trabalhos manuais e portam uniformes, simbolizados pelo “colarinho azul” (blue collar). A partir desta indicação semiológica, ina-se e cresce a separação, com base nas situações opostas de operário e pequeno-burguês, tendendo, através do conceito de white collar crime, a designar certos privilégios que principiam na faixa oscilante da “classe média” e terminam englobando a alta burguesia. Por isso mesmo, prero abranger as modalidades abrangidas na expressão de “crimes privilegiados”, privilegiados”, que melhor indica o grau crescente de “consideração” e “imunidades”, sejam elas legais, sejam consuetudinárias, até contra legem, dos não-operários ou nãotrabalhadores, no sentido classístico. A atenção dada a esse fenômeno por Sutherland adquire muito mais relevo, na Criminologia Crítica do que a “associação diferencial”, isto é, a tese criminológica (para ele) básica. Em qualquer hipótese, a Criminologia Crítica tem
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dedicado ? e com razão ? estudos avançados e aprofundados ao “crime privilegiado”. Assim se estabeleceu estabele ceu o programa p rograma de pesquisa comparada na América Latina L atina (Aniyar, 1978:891978:89-10 102), 2), com o ramo brasileiro, projetado justamente por Cirino, que distingue o “falso colarinho branco” da pequena burguesia e o “colarinho branco” propriamente dito, da “alta classe” (Cirino, 1979A: 7ss). Sutherland mesmo não estava alheio a essa transposição do white collar, da sua modesta designação pequeno-burguesa, para a vista assestada nos que manipulam os cordéis de todo o sistema capitalista. É, de fato, a preocupação com o “crime privilegiado”, privilegiado”, que ascende à matriz dos mais “altos” privilégios. Também o arremate da obra de Cloward & Ohlin, embora em perspectiva timidamente neo-clássica, abre passo, no contexto liberal, à agudeza da critica à estrutura social, na medida em que esta, criando obstruções à ascensão social das classes diatas inferiores, gera a criminalidade convencional, sobretudo através do lumpen, por ela mesma produzido. Esta particularidade da delinqüência, criada pela falta de “oportunidades”, não só desencadeou a resistência conservadora muito sintomática (Göppinger, 1980: 62), 62), mas também me permitiu desdobrar as sugestões dos criminólogos americanos, em uma análise da problemática, referente a drogas e criminalidade (Lyra Filho, 1976: 26 ss). Aliás, a disposição crítica, pelo menos em Ohlin, era tão marcante, que dele pude receber a inesperada e reconfortante aprovação do avanço, em carta cheia de simpatia e compreensão. A rotulagem (labelling), cujo restrito alcance é corretamente acentuado por Cirino (Cirino, 1981: 19 ss), já assentava numa expressa adoção daquele modelo-conito, presente na Criminologia Liberal sob o acicate da crise de estrutura da sociedade e, embora sem ameaçar basicamente o modelo centrípeto-conservador (Lyra Filho, 1980B: 10-13), vinha revelando todo o desconforto, ante a situação óbvia. Devido à supercialidade com que encara o conito social, o modelo novo pôde ser inteligentemente cooptado por Dahrendorf. E a rotulação, a ele vinculada, acabou descrevendo, sem explicar, devidamente, a “marginalização” dos grupos oprimidos (que é preciso pre ciso distinguir, nesta mediação, das classes espoliadas Lyra Filho, 1981C: 25). Entre estes grupos oprimidos estão aqueles cuja “marginalidade” não se prende, em forma direta, à cisão classista. Miaille arrola, por exemplo, as minorias étnicas, regionais e sexuais (Miaille, 1978: 1978: 123), 123), que o sistema “condena” e cuja posição reprimida pode, inclusive, subsistir, apesar da troca do modo de produção. Assim é que, mesmo em paises socialistas, a “rotulação” prossegue e a repressão continua, ilegitimamente (a exemplo do que ocorre, perante o machismo cubano, com a situação das mulheres e dos homossexuais; ou, no antesemitismo soviético, para as restrições de direitos do judeu, por ser judeu). Isto, é claro, não afeta a pureza do ideal socialista, na medida em e m que aqueles socialismos autoritários revelam a própria deturpação inadmissível. “Um socialismo autoritário”, como dizia Bloch, “é uma contradição em termos” (Bloch, 1965: 231-232; Lyra Filho, 1981B: 9-11). A propósito, vejam-se as justas ressalvas de Loney, quanto ao caso cubano (Loney, 1973: 42-60). De toda sorte, a teoria da rotulação também não precisa ser abandonada, sem mais, porque cumpriu e ainda cumpre (inclusive entre nós Misse, 1979) 1979) uma função útil de análise e desmascaramento,, sobretudo se enriquecia com os reenquadramentos mais precisos. desmascaramento Não quero alongar o rol de exemplos, que visam, em todo caso, a sublinhar a minha visão da marcha e superações da doutrina criminológica tradicional. Receio que, na demarcação frisante das rupturas, o meu colega Cirino tenda, às vezes, a esquecer o lado positivo da Criminologia Clássica e a tomar aquela superação, que intenta na Criminologia Radical, um tanto ... “radicalmente”. Tem-se a impressão de que vai por terra, e de forma irremediável, um passado, que a meu ver se cuida, mais exatamente, de transcender, incorporando-o, transgurando-o e reenquadrando-o, na forma dialética de “negação da negação” e que não é caso dum simples aniquilamento. Por outras palavras, além do perigo do mec anicismo, ronda, no texto, o jogo, também arriscado, da “verdade” após o “erro”, assim como uma espécie de ardente denúncia dos antecedentes, por uma fé muito vigorosa na “ciência” imaculada que se segue à “pura” ideologia. Creio, ao revés, que ainda temos, na perspectiva histórica, os sempre novos caminhos a trilhar e que a melhor convicção, em que estamos (e na qual coincido, em larga parte, com a de Cirino), de todos os modos conduz a precários resultados humanos. Quanto ao itinerário percorrido, cará empre alguma coisa que não se reduz a “erro” e “ideologia” apenas, porém que se integra na busca da “verdade-processo” de Scha, a que já me referi. Por isso mesmo, Ortega, numa de suas melhores páginas, aplica a lição de Hegel ao exame, crítico da losoa de Kant, K ant, notando que “toda superação é negação, mas toda verdadeira negação é conservação”. A partir daí, nota o pensador espanhol, é que podemos “ser outra coisa, mais além” (Ortega, 1966, IV: 25-26).
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Um leitor malicioso poderia dizer, a esta altura, que escrevo uma espécie de prefácio à obra de Cirino, com a preocupação pre ocupação mais constante de ressalvar as minhas divergências e que, nisto, estou mais propenso a falar da Criminologia Dialética, de meu repertório, do que da Criminologia Radical, da preferência do meu colega. Antecipo esta intriga, destacando que ela é inteiramente falsa. Em primeiro lugar, não somos, eu e Cirino, donos da verdade, a criticar todos os demais, numa dogmática pelo avesso (isto é, à luz de outra dogmática), mas, ao invés disto, procuramos ambos o acerto, dentro de nossas visões peculiares, como engajamento comum da lógica ontológica, que é precisamente a dialética (Cirino, 1981: 129). Em segundo lugar, o meu estudo foi concebido exatamente no padrão que me parece mais fecundo e adequado àquele compromisso: o confronto de dois modelos da Criminologia Crítica, de evidente parentesco e estimulantes características pessoais. É, por assim dizer, o relatório sobre a maneira de situar-nos, um e outro, no cotejo fraternal duma só procura da “verdade-processo”. O admirável Gerard Lebroun, da mesma forma, prefaciou, com todo o apreço merecido, a tese de Valério Rohden sobre Kant, sem se m preocupar-se com “resolver”, em “acorde perfeito”, a mais moderna harmonia do seu discurso. E até assinalou: “eis que pareço pronunciar um requisitório contra Rohden sob o pretexto de prefaciar o seu livro. Mas, juro, não é nada disto. Ao contrário, tento dizer o mais exatamente possível que espécie de interesse encontrei em seu estudo” (Lebrun, 1981: 20). Registrar os aporismos é também uma espécie de homenagem, e ela resulta de tipo superior; superior ; é mais sutil e desembaraçada do que os améns e rapapés. Estes, no fundo, representam o que chamo “política de galinheiro”, como se o panorama das idéias comportasse apenas um galo e a opção fosse partir para a rinha ou adotar a p osição de franga submissa. Em todo caso, estamos rmes, dentro da Criminologia Crítica, naquilo que a distingue do passado e tradição superados. E este posicionamento comum, já o disse noutra ocasião, ca bem demarcado pelo critério sugerido por Chambliss: “o ponto de partida para o estudo sistemático do crime não é perguntar” (como na Criminologia Clássica) Clássica) “por que certas cer tas pessoas se tornam criminosas, e outras não, mas indagar, primeiro, por que certas condutas são denidas como criminosas, e outras não” (Chambliss, 197 1974: 4: 7). Aborda-se, então, o que cava omisso no positivismo criminológico, determinando as insuciências a que já me referi. Seja qual for a modalidade da Criminologia Crítica, de que se cogite, no entanto, a característica se mantém: é um questionamento do fenômeno da incriminação, como pressuposto e base de toda análise das condições de emergência do delito, assim procurado em suas raízes histórico-sociais. A este respeito, comungo com Cirino na excelente colocação que faz, nestes termos: “a redenição do objeto cientíco da Criminologia” (que a meu ver, não se confunde com uma denição apriorística, idealista e formal de crime, indicando, num elenco xo, cada tipo “eterno” Lyra lho, 1981) 1981) “introduz um critério político no estudo da criminalidade (e das formas de controle do crime), capaz de dotar a teoria criminológica da dimensão histórica de seu objeto real”. Não se poderia dizer melhor; e nem vai nisto um simples relativismo caótico, mas um posicionamento ante a questão criminal, em totalidade e devenir; isto é, no contexto da situação histórica e nas transformações dos critérios de incriminar, que absorvem a dialética dominação-libertação e, para a Criminologia da Repressão, oferecem alternativa duma Criminologia da Libertação. Diga-se, de passagem, aliás, que não se trata de aniquilar todo controle social ou de imaginar imaginar,, niilisticamente, a mítica sociedade sem crime. Trata-se Trata-se de contribuir para a desideologização da teoria e a “desopressão” do controle social, entregue, não a dominadores ilegítimos e, sim à própria classe ascendente e em vias de libertação. É neste sentido que nos propomos o trabalho de intelectuais orgânicos do novo bloco histórico. Também sob tal inspiração carece de sentido opor prevenção geral e especial, punição e defesa social, com medidas readaptadoras. Esta é uma antonomia idealista, e não uma antítese dialeticamente superável. superável. Porque o importante é notar a que serve s erve o controle social: às garantias da construção duma sociedade socialista ou à salvaguarda de uma sociedade que se estrutura em dominação espoliativa. Numa comunidade socialista (reenquadraremos, assim, a distinção de Tönnies), há sempre, a punição dos que atentam contra a sua legítima organização, como deve existir (se a queremos legítima) a atenção aos direitos humanos, sem os quais se desnatura o próprio socialismo. Punir ou reeducar, impor um justo castigo ou defender a sociedade (e não a classe que espoliativamente a domina) são instrumentos que só ganham sentido, quando situados perante o probl ema relativo à comunidade que os empregue e seu grau de legitimidade. Isto, sem prejuízo, como nota bem Ernest Bloch, da
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questão jurídica (que às vezes confunde os pretextos de defesa socialista, em desnaturamento autocrático do modelo, e as razões de uso do controle social para o socialismo, sem desnaturamentos). “A dignidade humana é impossível, sem a libertação econômica, e esta, acima de empreiteiros e empreitados de todo gênero, é impossível também, se desaparece a causa dos Direitos do Homem. Esses dois resultados nas nascem, automaticamente, do mesmo ato, mas reciprocamente se reportam um ao outro. Não há verdadeiro estabelecimento dos Direitos Humanos, sem o m da exploração, sem o estabelecimento dos Direitos Humanos (Bloch, 1976: 13). Mais do que isto: em relação aos sistemas socialistas implantados (Lyra Filho, 1981 B; 8-11), nota Bloch que “depois de desaparecida a exploração e opressão dos trabalhadores, os Direitos do Homem não são menos militantes; então, assumem signicado mais positivo, enquanto direitos à crítica, inexoravelmente objetiva e prática, pelo avanço da construção socialista, dentro do quadro de solidariedade; (...) sem ela, o socialismo seria autoritário uma contradição em termos” (Bloch, 1965: 231-232). Sobre tal pano de fundo f undo é que se estendem os desdobramentos, em ciência criminológica, do que chamo de Criminologia Dialética e cuja síntese de princípios atualizados se encontra em recente obra, já citada (Lyra Filho, 1981). À sua luz, ademais, é que me cabe perquirir a proximidade das minhas conclusões com as que Cirino propõe, na sua obra. O miolo por assim dizer descritivo da Criminologia Radical, depois condensado nas conclusões (n° 2) (Cirino, 1981: 124-125), pode ser traduzido, a meu ver, nos termos seguintes. Dadas as relações de produção, o modo de produção, representando a infra-estrutura social; dado o modo de produção, as classes, nele divididas; dada a dominação de uma classe, a ideologia e as instituições, com seus aparelhos; dada a articulação das instituições, o Estado; dado o Estado, o “Direito”, que exprime e resguarda os interesses e privilégios da classe dominante; dado o “Direito”, “Direito”, como síntese quintessenciada de “tradição, família e propriedade” (sobretudo a última, é claro), o Direito Criminal; dado o Direito Criminal, o processo e julgamento e, no capitalismo, capitalismo, a prisão, a que praticamente só chegam as classes dominadas; dominadas; dada a prisão, como um microcosmo, espelhando o universo social da estrutura capitalista, uma espécie de imitação interna das relações de classe, como os mitos da reeducação e defesa social, em última análise disfarçando o castigo, que cai sobre o espoliado; dada tal situação institucional, a cobertura ideológica, e m que todas as criminologias, salvo a Radical, constituem reforço e disfarce (consciente ou não) do mesmo processo de dominação. Já armei, na argüição da tese, que estaria longe de negar que cada traço aplicado nesta construção tem ponderáveis elementos conrmadores na realidade social. O que me afasta do conjunto é o seu caráter unilateral e compacto, que parece não enxergar mediações e contradições, pondo todo o justo fervor de denúncia numa simplicação infradialética do processo. Tenho, por exemplo, uma visão diferente, da colocação do fenômeno jurídico (Lyra Filho, 1981, 1981 A, 1981 B, 1981 C; Sousa Jr., 1981), que não posso desenvolver aqui, porém que ca bem apartado do simples jogo de infra-estrutura-superestrura, no qual o Direito é reduzido a um dos seus aspectos. Imre Szabó, o iurislósofo húngaro, chamou esta leitura reducionista de “marxismo kelseniano”, de vez que, com a aposição “explicativa” da infra-estrutura, camos dentro do formalismo jurídico-estatal, como se o Direito estatal fosse todo o Direito e não o é; é, ao revés, cuido eu, a sua parte mais freqüentemente desnaturada, dentro do processo jurídico, seja no desaçaimado domínio capitalista, seja na embriaguez do Poder, em um socialismo, que, por isto mesmo, se tornou autoritário. Dentro daquela concepção reducionista, não cabem as aquisições mais importantes do próprio marxismo atual, e cito, como exemplo, além dos “iurisnaturalismos de combate”, como os de Bloch e Miaille, a contundente observação (a meu ver exata) de Boaventura de Sousa Santos, mostrando que a “metáfora topográca” (infra-estrutura superestrutura), pondo o direito apenas na segunda parte, obscurece o problema da dualidade de poderes, perturba a estratégia socialista e não capta, sequer, a melhor utilização não-burguesa da legalidade burguesa (o que Barcellona denomina “uso alternativo”). Além disso, não favorece a reta “criação e expansão das instâncias de legalidade socialista alternativa” (Santos, 1980: 247-248). Em síntese, espero, com vivo interesse, o momento em que a obra de Cirino, até agora voltada para a crise da Criminologia Clássica, incorpore ao seu instrumental teórico de superação a p luralidade de ordenamentos jurídicos, que é a via adotada pela vanguarda sociológica e losóca-jurídica presente. De toda sorte, a conclusão n°1, exceto se, por dialética, entendermos a infradialetização do “marxismo preguiçoso” ainda exposta, sob tal rótulo, em obras soviéticas (Sartre, 1966; 48).
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Por outro lado, confesso que não entendo muito bem a razão de connar-se a Criminologia Radical, enquanto ciência, àquelas superestruturas do capitalismo, como se os paises socialistas, existentes ou que venham a fundar-se, não tivessem uma questione criminale. E eles a têm, é indiscutível, não apenas como “remanescente” do capitalismo anterior. Esta colocação, que debitava os “restos” à estrutura substituída, não é mais defendida, sequer, na União Soviética (Lyra, 1966: 9). Sakharov mesmo volta, embora debite tal desajuste (pressuposta, et pour cause, a perfeição estrutural e funcional da sociedade soviética o que é uma premissa desaada pelos fatos) à consideração de que “a consciência do homem não acompanhou a evolução das condições materiais” (Lyra, 1966: 9). Eliminado este ângulo russo, há que convir, creio eu, em que o problema criminal não é só uma questão de troca dos modelos e “correção” da infra-estrutura. Ele subsiste, e subsistirá sempre, numa visão dialética, a que se poderia dar uma expressão sempre, mais ou menos assim: nas sociedades (ou momentos da sua estrutura) em que o uxo histórico condiciona a pressão reforçada do meio (espoliação de classes, opressão de grupos), cresce e se avoluma o ângulo macro-criminológico e, de par com a proliferação violenta das normas sociais de repressão da conduta desconforme, esta mesma conduta não pode ser analisada como se fora ( e não mais) uma emanação de fatores condicionantes ou causas individuais e biopsíquicas (Lyra Filho, 1976). Ao revés, quando o avanço desafoga a pressão estrutural, em novas conquistas da estruturação social mais avançada, o ângulo macro-criminológico tem menos vigor condicionante e explicativo e revalorizam-se as condições pessoais do delinqüente ou grupo de delinqüentes. Este, o motivo por que, em paises socialistas, onde, malgrado todas as distorções autoritárias, houve um indiscutível progresso nas condições materiais da vida popular, a atenção se volta, mais uma vez, para os fatores “clínicos” da criminalidade. E, da mesma forma, quando estas mesmas sociedades socialistas manifestam mais intensamente as suas contradições autoritárias e desvios antidemocráticos, retorna o pensamento crítico, a indicar a pressão social, as incriminações ilegítimas e os fatores mesológicos fortemente conducentes ao comportamento desaador, mesmo na criminalidade “convencional” “convencional” (já ( já que estão presentes os dados de “enervamento” determinados pelo meio mais acre). Veja-se, a propósito, o problema do alcoolismo e suas derivadas, na União Soviética. Essas transmutações de foco logo constituem a expressão sociológica da anomia, feita por Adam Podgorecki, na Polônia, e continuada na Inglaterra, quando se agravaram as tensões, no país de origem. Em síntese e com respeito ao conjunto das conclusões da tese de Cirino, parece-me que ela apresenta, saudavelmente, uma crítica embora algo compacta, simplicada e mecânica da questão criminal (em teoria e prática), nas sociedades capitalistas em crise e decadência; mas não funda uma ciência criminológica, dentro das características de universalidade, totalidade e devenir, ao nível histórico em que captamos a “verdade- processo” processo”.. Esta carência deriva-se, a meu ver, do fato de que se prende, com excessiva unilateralidade, aos esquemas de um marxismo em vias da superação, que, de toda sorte, o conserva (dialeticamente) e (dialeticamente) transgura, como uma conquista do pensamento humano, a ser tratada com reverência algo menos sacramental. Aliás, isto seria, penso se u, o que Marx Mar x e até Engels pediriam, pois já solicitei que me mostrem onde e quando algum deles condenou qualquer tipo de “revisionismo”, “revisionismo”, que é conseqüência fatal de um ponto de vista dialético. Marx e Engels começaram por ser (felizmente) os “revisionistas” de si mesmos, em diferentes fases da sua construção e às vezes trataram até com rudeza os fãs mais ardosos e “incondicionais”. São exemplo disto as cartas de Engels a Schmidt, reclamando novos estudos históricos e a noç ão duma sociedade socialista, não como epílogo e solução est ável de tudo; e mais: sem antíteses polares, sem absolutos (Engels: 1975, 518, 519, 529). Neste ângulo, reconforto-me na conclusão de Engels, a respeito de certa rigidez dogmática do que Lefebvre chamou “marxismo bruto”: bruto”: “para ela, Hegel não existiu ...” (Engels, 1975: 529). Gostaria, entretanto, de ser bem compreendido, quando vou desenvolvendo à margem das páginas, freqüentemente admiráveis, de Cirino as minhas dúvidas e ressalvas. Estes comentários manifestam, antes de tudo, o meu grande respeito e admiração pela trajetória ascendente do colega e pelo já considerável lastro que acumulou, em tão curto p eríodo. Se me parece que A Criminologia Radical constitui um fruto ainda não totalmente amadurecido de seu talento, é logo de se destacar, nele, a rara qualidade. Ademais, quando nos empenhamos, anal, em posicionamentos concretos, o mais freqüentemente de crescem as reservas como, por exemplo, no corretíssimo esboço duma política cientíca, em vista da nova política criminal. Esta regressa na tese, a título de conclusão 8ª, ecoando o estudo anterior sobre defesa social e desenvolvimento, justamente aplaudido nas Jornadas Latino-Americanas de Defesa Social (México, 1979). Reporto-me, especialmente, aos parágrafos nais, muito bem inspirados e muito precisos (Cirino, 1979 B: 31-32).
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Já estamos longe das promessas. Há realizações ponderáveis e continuo atento, para dar ao jovem colega paranaense os novos n ovos testemunhos da minha admiração. Até me sinto como tentado, em que pesem divergências menores, aqui lealmente arroladas, a repetir o que atribuem a Verdi, perante Carlos Gomes: “questo giovine comincia dove nisco io”... No limiar da velhice e das despedidas, é reconfortante saber que a Criminologia brasileira conta com um lutador de tão excepcional inteligência, íntegro caráter e destacado ardor progressista.
Notas 1 Consultado em 30 de junho de 2005 no endereço eletrônico http://www.nplyriana.adv. http://www.nplyriana.adv. br/link_geral.php?item=geral15
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