Hans
Ulrich
Gumbrecht
Corpo e Forma ENSAIOS PARA UMA CRÍTICA NÃO-HERMENÊUTICA
Organizador João Cezar de Castro Rocha
Rio de Janeiro 1998
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CATALOGAÇÃO NA FONTE ___________________________U E R J /S IS B I/ S E R P R O T ___________________________ G974
Gu mb recht, Hans Ulrich Co rpo e forma : ensai ensaios os para uma crítica crítica não-hermenêutica / Hans Ulrich Gumbrecht; Organizador João Cezar de Castro Rocha. - Rio de Janeiro : EdUERJ, 1998. 180 p. ISBN 85-85881-49-6 1. Literatura - Estética. 2. Literatura - História e crítica. 3. Leitores - Reação crítica. I. Rocha, João Cezar de Castro. II. Título. CDU82.01
Sumário
Introdução
A Materialidade da Teoria Capítulo 1 As Consequências da Estética da Recepção: Um Início Postergado Capítulo 2
Persuadir a Quem Pensa como Você As Funções do Discurso Epidictico sobre a Morte de Marat Capítulo 3 Patologias no Sistema da Literatura Capítulo 4 “É Apenas u m Jo go ”: História da Mídia, Mídia, Esp orte e Público Capítulo 5
O Campo Não-Hermenêutico ou a Materialidade da Comunicação Capítulo 6 O Futuro dos Estudos de Literatura?
Referências Bibliográficas
Introdução
A Materiali ialid dade da Teoria1 ia1
A carreira de Hans Ulrich Gumbrecht sempre seguiu um cami
nh o excepcional. Com vinte e sei seiss anos, ele já era p rofessor da Universi Hab ilitationsschr nsschrift ift sob a super dade de Bochum, após haver preparado sua Habilitatio visã visãoo de H ans R ob ert Jau ss2. ss2. No sistem sistem a un iversitário alem ão, a Habil Ha bilita itation tionssc sschri hrift ft representa o momento final da formação acadêmica, correspondendo a uma dissertação a ser apresentada após a aprovação da tese de doutorado. Somente após esse instante, o doutor pode orientar Habilitat ionsschriften. riften. Para que o leitor perce teses de doutorado e mesmo Habilitationssch Habil itationssc onsschrift hrift,, basta recordar que Walter Benja ba b a a im p o rtâ rt â n ci a d a Habilitati min teve que renunciar à vida acadêmica quando o Ursprung des deutschen Trauerspiels, originalmente apresentado como Habilitations Habil itationsschri schrift, ft, foi recusa do3. Portanto, não é exatamente comum na Alemanha obter um posto de pro p ro fe ss o r n a id a d e em q u e G u m b r e c h t o fez. A fim d e r e c o n s tr u i r sua su a carreira, retorno, pois, ao surgimento da estética da recepção. Advirto, po p o r é m , q u e m in h a re c o n s tr u ç ã o d a esté es téti tica ca d a re c e p ç ã o esta es tará rá lim li m itad it ad a ao apo rte de Hans R obert Jauss, Jauss, pois pois foi foi com ele que G um brec ht conclu iu sua formação e principiou sua carreira. Somente por esta razão não tratarei da contribuição de Wolfgang Iser. Do ponto de vista teórico, a obra de Iser é muito mais mais impo rtante que a de Hans R obert Jauss Jauss.. O trabalho d e Iser 1 A versão inicial inicial deste texto foi foi escrila, escrila, em em c on junto co m P ierpaolo A ntone llo, pa ra pub li cação na Itália, com o título “Hans Ulrich Gumbrecht, catalizzatore di complessi tà". A Pierpaolo agradeço o benefício de uma interlocução constante. Agradeço a Ivo Barbieri e a José Job im a leitura aten ta desta Introdu ção e, sobretudo , inúm eras sugestões valio valiosa sas. s. 2 Hans Ulrich Gumbrecht. Fu nktio nk tio ne n parla pa rlamen men tarisch tar isch er Rheto rik in der Franzö Fra nzösiche sichenn Rev olu tion . Vorstudien zur Entwicklung einer historischen Textpragmatik , M ün ch en , Fink, 1978. 3 Agradeço a Johannes Kretschmer as informações relativas ao sistema universitário alemão.
In t r o d u ç ã o
move-se numa direção muito particular, pois, menos do que a reconstrução de horizontes históricos de recepção, Iser tem desenvolvido instigante refle xão heurística sobre o caráter antropológico da literatura, cujo primeiro pass pa ssoo foi a e la b o ra ç ão d a esté es téti tica ca do efei ef eito to,, b a s ta n te d is tin ti n ta d a es té tica ti ca da recepção tal tal como praticada po r Jauss. Jauss. Hans Rob ert Jauss se se destacou como o principal articulado r da estética da recepção, movimento que se propunha a renovar os estudos literários numa época em que muitos teóricos e críticos estavam divididos entre a opção estruturalista e a pesquisa de uma renovada sociologia da literatura. A estética da recepção almejava inaugurar um novo paradigma, situado a meio-termo daquelas tendências. Como o público brasileiro não desconhece a estética da recepção, pois tanto alguns de seus principais textos textos se se enco ntram traduzidos4 qua nto um a síntese síntese do movimento já foi pr p r o d u z id a 3, c u m p re o b se rv a r q u e a c a r re ira ir a d e G u m b r e c h t in ic ia lm e n te se define a partir de um afastamento progressivo em relação aos pressupostos da Escola de Constança. Nos N os ensa en saio ioss q ue c o m p õ e m Corpo Corpo e forma: ensaios para pa ra uma um a crítica não-hermenêutica, o leitor acomp anh ará o percurso intelectual intelectual de Hans U lrich lrich Gumbrecht, cujo eixo gira, de um lado, em torno de ativo diálogo entre literatura e história, num esforço de contaminação no qual o conceito de literatura é repensado através de uma radical historicização e o ofício do historiador é redimensionado mediante a investigação da natureza discursiva da escrita histórica*’. De outro, seu percurso intelectual supõe a superação das tradicionais fronteiras disciplinares num esforço de transgressão que p r e t e n d e c o n tr ib u ir p a ra a re c o n fig fi g u ra ç ã o d o es pa ço a c a d ê m ic o c o n te m p o râneo. Ao menos, esta foi a intuição de Jean-François Lyotard ao descrever o Programa de Doutorado coordenado por Gumbrecht em Siegen: “A instituição do Seminário contém no seu âmbito uma crítica à própria insti
4 Ver Luiz Cosia Lima. A lite ra tur a e o leitor. Textos Tex tos de estética da recepção, São Paulo, Paz e Terra, 1979. O leitor deve consultar a Introdução, “O leitor demanda (d)a liter atura”, pp p p . 9-39 9- 39 . V er a in d a a S eç ão d e d ic a d a às es té tic ti c as d a re c e p ç ã o e d o e f e it o in Teoria da Alves,, 1983, p p. 305-441, vol. II. II. literatura em suas fontes, R io de Ja ne iro, Franc isco Alves 5 Ver Regina Zilberman. Estética da recepção recepção e história histó ria da litera tura, São Paulo, Ática, 1989. Para uma avaliação mais recente, ver Luiza Lobo, “Leitor”, pp. 231-251, especialmente pp. 232242; in in José Luís Job im (org.). Pal avras 1992. 2. avr as da critica, Rio de Jan eiro , Imago , 199 6 Nesse contexto, vale recordar que o livro de Hayden While, Metah Me tah isto ry. Th e H isto is toric ric al Im ag ina tio n in Ninete Nin eteent enth-C h-C ent ury Europe, publicado em 1973, foi muito importante para o p e n s a m e n to d e H an s U lr ic h G u m b re c h t.
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tuição. (...) Sonhamos com a estrutura abrangente de uma universidade européia”.7A mobilidade institucional e intelectual de Gumbrecht estimula uma forma de apresentação pouco comum. Nas páginas seguintes, propo rei uma topologia do seu pensamento, assinalando os espaços acadêmicos e os encontros teóricos que marcaram sua trajetória. A trajetória de um “catalisador de complexidades”8; que não apenas se encontra em curso, uma vez que o atual esforço de Gumbrecht constitui-se num work in progress, mas que, como toda viagem, apresenta uma inevitável dose de imprevisibilidade. Neste sentido, o ponto de partida de seu percurso tem um sabor levemente irônico.
Constança; A Complexidade é Sempre Inconstante
A característica mais saliente da teoria literária contemporânea é a pluralidade; traço, aliás, presente em outras áreas do conhecimento. De fato, no âmbito das ciências humanas, o estruturalismo representou o úl timo movimento que, por algum tempo, pretendeu impor-se como teoria hegemônica, unificadora de métodos diferentes. Nesse contexto, a estética da recepção apresentou-se como uma tentativa sistemática para fornecer uma resposta ao problema da elaboração de um paradigma capaz de subs tituir o estruturalismo, cuja deficiência principal, em relação aos estudos literários, revelara-se na impossibilidade de incluir, em suas análises, o leitor como elemento histórico. Oficialmente lançada na aula de abertura dos cursos da Un iversidade de Constança, p rofe rida p or Jauss em 19679 19679,, a estética da recepção almejava o desenvolvimento de uma abordagem que superasse a concepção autocentrada do texto literário, direcionando assim os estudos literários para uma retomada da história que, em alguma me dida, convergia com a motivação política do movimento estudantil de final 7 Jean-François Lyotard. “Ersiegerungen", in Political Writings, Bill Readings (org.). Minneapolis, University of Minnesota Press, 1993, pp. 80-81. O texto é de 1989. 8 A expressão é de Rudolf Maresch. “Kalalisator von intellektueller Komplexität sein. Gespräch A m Ende En de vorbei, vorbei, Viena, Turia & Kant, 1994, mit Rudolf Maresch”, in Rudolf Maresch (org.), Am pp p p . 20 6-23 6- 23 8. 9 Hans Robert Jauss. “Was ist und zu welchem Ende studiert man Literaturgeschichte?” (“O que é e com que fim se estuda história da literatura?”). A versão final deste texto foi publicada com o título “Literaturgeschichte als Provokation der Literaturwissenschaft”, in Literaturgeschichte als Provokation, Fran kfurt, Suh rkam p, 19 1970 70.. Ver a traduç ão brasileira de Sérgio Tellaro li. ,4 história da literatura como provocação à teoria literária, São Paulo, Ática, 1994.
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In t r o d u ç ã o
dos an os se ssen ta10 ta10. Re gina Z ilberm an já o havia sugerido : “a estética da recepção apresenta-se como uma teoria em que a investigação muda de foco: do texto (...) passa para o leitor. (...) Essa transferência, por sua vez, explica-se historicamente: é contemporânea às revoltas estudands, ao mesmo temp o re pre sen tand o um a resposta a elas” elas”.1 .11 Não se trata de um a resposta automática, por certo, mas de uma elaboração teórico-metodológica tanto favoreci favorecida da pelas pelas condições condições co ntemp orâneas q uanto alimentada po r debates pró p ró p rio ri o s d a te o ria ri a lite li terá rári riaa . Inspirado em Hans-Georg Gadamer, Jauss privilegiava a recons trução do horizonte histórico no qual determinado texto fora produzido e, sobretudo, atualizado, ou seja, lido. Seu esforço pretendia conceituar o modo em que se processava a interação das expectativas tradicionais do leitor com um texto específico numa circunstância histórica particular. A análise da fusão do horizontes de expectativa com o ato de leitura tornouse extremamente relevante para a corrente da estética da recepção preocu pa p a d a com co m a p r o f u n d a r a c o m p re e n s ã o h e r m e n ê u ti c a d e G a d a m e r n o q u e se refere ao relacio nam ento do passado com o pre sen te12 te12. A visão otimista da estética da recepção compreendida como uma mudança de paradigma capaz de assumir a hegemonia dos estudos literários foi foi claram ente expressa po r Jauss no e nsaio “O “O leito r como ins tância de um a nova história da literatu ra”.1 ra”.13 Segun do Jauss, Jauss, a estética da recepção representava a verdadeira alternativa de superação do impasse no qual os estudos literários se encontravam desde o final dos anos quarenta. Esse impasse seria ultrapassado porque, sem negligenciar os elementos dinâmicos próprios da formulação literária, a estética da recepção incluía em seu programa a reconstrução do horizonte de atos particulares de leitura. Desse modo, criava-se novo modelo de historicidade para o objeto literário, que contemplava uma instância externa ao texto. É precisamente 10 Wolfgang Iser ofereceu importante depoimento sobre esta convergência na primeira d as cinco conferências proferidas num Colóquio dedicado ao exame de sua obra, realizado em 1996,, na U niversidade do Estado do Rio de Jan eiro. Ver VII Colóquio 1996 Colóquio UERJ - Wolfga ng Iser. Iser. João Cezar de Castro Castro R ocha e Joh ann es Kretschmer (orgs.), (orgs.), Rio Rio de Jane iro, EdUERJ, (no p r e l o ) . 11 Regina Zilberman. Op. cit., p. 11. 12 U m exe mp lo desta corrente é o texto texto de Jauss, Jauss, Der Text, Text, der Vergang Verg angenhe enheit it im Dialo Di alo g mit mi t der Gegenwart (Klassik - wieder modern?). “O texto do passado no diálogo com o presente - clas classi sici cismo smo - de novo m odern o?”, o?”, in Sprache und Welterfahrung, J. Zimm erman n (org\), (org\), München, Gink, 1978. 13 Hans R obert Jauss. “Der “Der L eser als als Instanz einer n euen Geschichte d er L iteratur”, in Poetic a , 7, 1975, pp. 325-344.
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nesse momento que a perspectiva de Hans Ulrich Gumbrecht começa cla ramente a afastar-se do projeto de Jauss. Gumbrecht foi provavelmente o primeiro, entre os represen tantes do que poderíamos denominar a segunda geração da Escola de Co nstan ça14 ça14, a problem atizar o p arado xo contido na pre tensã o de Jauss, Jauss, e o fez fez em “Con seqüê ncias d a estética da recepção : um in ício po ster ga do ”15; na verdade, uma resposta ao supracitado artigo de Jauss. Nesse ensaio, Gumbrecht trouxe à superfície a contradição de Jauss. Se a estética da recepção inova inova porque preten de criar condições condições teóricoteórico-metodológica metodológicass para a avaliação de atos distintos de leitura, conforme a situação em que cada um deles se processa, como reduzir as múltiplas variantes das inúmeras reconstruções históricas a uma estrutura que, para ser coerente, necessita, em alguma medida, prescindir destas mesmas reconstruções? Ora, para reconquistar tal coerência, mais do que uma teoria da recepção, é preciso elab orar um a teoria do te xto 16. Nesse Nesse caso caso,, arg um enta G um brecht, a teoria da recepção se transformaria num método de avaliação das diversas respos tas dadas ao “mesmo” texto. Em outras palavras, uma abordagem fundada na reconstrução histórica dos processos de produção de sentido parece mais apta a desenvolver um método de interpretação de textos, vistos em sua recepção no âmbito de uma constelação histórica determinada, do que a elaborar u m a teoria com pretensões hegemônicas. No e ntanto, Jauss Jauss teria tentado transformar seu método no modelo teórico da m uda nç a pa p a ra d ig m á tic ti c a n o cam ca m p o d a h istó is tó ria ri a lite li terá rári ria. a. Tal Ta l am b ição iç ão seri se riaa p r o b le m á tica, pois, para alcançar seu objetivo, Jauss deveria basear-se num modelo normativo de reconstrução histórica. Como fazê-lo sem entrar em contra dição direta com o pressuposto básico da estética da recepção, ou seja, o pro p ro p ó s ito it o d e r e u n ir p ro d u tiv ti v a m e n te c o m p r ee n sã o h istó is tó ric ri c a e p r e o c u p a ç ã o formal? O projeto de Jauss, portanto, estava destinado ao insucesso. Nas pala pa lavr vras as d e G u m b re ch t, o “objeti “obj etivo vo mais ma is im p o rt a n te [d a esté es téti tica ca d a re cepção] não privilegiava a interpretação, embora ela também fosse interpretativa. Contudo, num primeiro momento, podia-se entendê-la como 14 Outros nomes desta segunda geração seriam os de Gabriele Schwab, Karlheinz Stierle e Karl Ludwig Pfeiffer. 15 Hans Ulrich Gumbrecht. “Konsequenz der Rezeptionsästhetik oder Literaturwissenschaft als Kommunikationssoziologie”, in Poetica, 7, 1975, pp. 388-413. 16 G um brech t levantou levantou precisamen precisamen te este este pon to num a resenh resenh a ao ao Ato de leitu ra , de Wolfgang Iser. Ver Hans Ulrich Gumbrecht, “A teoria do efeito estético de Wolfgang Iser”, in Teoria Alves,, 198 1983, 3, da literatura em suas fontes. Luiz Costa Lima (o rg.), Rio de Jane iro, F rancisco Alves p p . 41 7- 4 41 , e s p e c ia lm e n te p . 4 18 , vo l. II.
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pr p r o b le m a ti z a d o ra d o p o s tu la d o d e u m a in te r p r e ta ç ã o c o rr e ta . Im p ress re ss ão , po p o ré m , q u e logo lo go se p e r d e u ”.17 Uma alternativa estaria na rejeição de qualquer modelo normadvo em favor da escrita de uma “história descritiva”, como Gumbrecht a define no ensaio que abre este volume. O conceito de história descritiva desem p e n h a p a p e l re le v a n te n o p e r c u r s o in t e l e c tu a l d e G u m b r e c h t, a lé m d e forn ec er a base de sua crítica a Jauss. Jauss. Wlad Godzich iden tificou com agudeza o sentido do projeto de Gumbrecht no que se refere ao trato com o passado. Trata-se de esboça r uma “m “m icrofísica da histó ria”.18 ria”.18 De fato, apesar da diversidade de interesses e da variedade de cruzamentos transdisciplinares que o caracterizam, em boa medida os anos iniciais da carreira de Gumbrecht foram dedicados a tentativas teóricas e meto dológicas que visavam à escrita de uma “história descritiva” dotada, contudo, de um nível de generalização indispensável à especulação te órica. Em outras palavras, embora distanciando-se da estética da re cepção, Gumbrecht permaneceu preocupado em encontrar uma saída pa p a r a a c o n tra tr a d iç ã o p o r ele el e d e n u n c ia d a .
Bochum: Sob o Signo da Pesquisa Meta-Histórica
N u m p r im e ir o m o m e n to , o in te re ss e p rin ri n c ip a l d e G u m b re c h t se pro p ro c e s sa em to r n o d o se g u in te p ro b le m a : c om o e la b o ra r u m a a b o rd a g e m meta-histórica para os estudos literários? Os anos passados em Bochum (1975-1982) assistem ao desenvolvimento deste projeto, assim como a seu gradual abandono. A motivação subjacente à iniciativa foi esclarecida pe p e lo a u to r : “tra “tr a tav ta v a-se a- se d o d e s a fio fi o d e d e s e n v o lv e r a lgo lg o s e m e lh a n t e a u m modelo meta-histórico de historiografia como pano de fundo para a identificação de características históricas específicas presentes na his torio gra fia med ieva l”.19 De fato, os medievalistas desempenharam um papel crucial no movimento de historicização do conceito de literatura. O ponto de partida 17 Hans Ulrich Ulrich G um brechi. “O “O campo não -herme néulico ou a materialidade da comu nicação”. Ver, neste volume, p. 143. 18 Wlad Godzich. “Figuring Out What Matters; or, The Mychrophysics of Hislory”, in Hans Ulrich Gumbrecht. M a kin ki n g Sense in Life Li fe an d Literature Liter ature , Minneapolis, Minnesota University Press, 1992, pp. viii-xvi. 19 Hans Ulrich Gumbrecht. "How Much Sense Does Sense Making Make? Californian Perspective to a Germán Quesdon”, Ide m , p. 7.
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foi a especificidade do circuito comunicativo da “literatura” medieval20. Na época medieval não existia o leitor, geralmente solitário, como na experiên cia moderna de leitura silenciosa, mas, pelo contrário, existiam ouvintes, reunidos em torno do narrador. As conseqüências dessa distinção impor tam para que se compreenda o alcance do desafio mencionado por Gumbrecht. Ora, se a invenção dos tipos impressos é considerada elemento-chave na acepção moderna do termo literatura, então, como conceituar as produções “literárias” que precedem a imprensa? Como compreender uma experiência literária cujo veículo de transmissão seja o corpo, em lugar das páginas de um livro? Como poucos, Paul Zumthor esclareceu o rendimento deste tipo de pe rgun ta - aliá aliás, s, a obra de Zu m thor foi foi muito imp ortante para o trabalho de Gumbrecht. Zumthor elaborou uma fenomenología da expe riência literária medieval, inscrevendo-a num circuito comunicativo carac terizado pela ativa participação do corpo na produção e na transmissão da cultura21. A fim de caracterizar a especificidade da experiência medieval, ele formulou os conceitos de texto e obra. O texto é um reservatório de signif significa icado do q ue h ipoteticam ente deve estar estar semp semp re disponível disponível para que uma interpretação decodifique seu sentido, uma vez que a intenção do autor seja descoberta. A obra é uma superfície composta pela superposição de formas de apresentação que não são imediatamente acessíveis através da interpre tação, tação, um a vez vez que seu caráter performativo origina um a m ultiplicidade ultiplicidade de reações, irredutível a uma única intenção e/ou sentido. Nas palavras de Zumthor: “o texto é e permanece visível. As obras são simultaneamente audíveis e vis visíve íveis” is”..22 A obr a inclui a totalid ade das características pres ente s na performance. Por sua vez, esta totalidade somente pode ser recuperada mediante uma reconstrução cuidadosa dos elementos da vida cotidiana, a fim de alcançar, para além da simples compreensão de um texto, a possi bil b ilid id ad e d e ( r e ) e x p e r i m e n ta r as circ ci rcuu ns tân tâ n cias ci as de a p re se n ta ç ã o de u m a obra. Portanto, para descrever, por exemplo, o possível efeito produzido po p o r u m tro tr o v ad o r m edie ed ieva val,l, o p es q u isa is a d o r deve de ve se o c u p a r d e fa to re s g er al al mente negligenciados, uma vez que não fomos treinados para identificar 20 Paradigmático é o livro de Paul Zumthor, L a lettre et la voix. De la “ littérature” médiévale, Paris, Editions du Seuil, 1987. Cf. A letra e a voz, T radução brasileira brasileira de Jeru sa Pires Ferreira e Amálio Pinheiro, Sào Paulo, Companhia das Letras, 1993. 21 En tre os livr livros os de Zu m tho r relati relativos vos a este este tema, destacam-se destacam-se La ngue ng ue,, texte, texte, énig me (1975); Introd.uct.io7i Introd.uct.io7i à la poésie órale (1983), e o já citado La lettre et la voix. 22 Paul Zumthor. “Body and Performance”, in Materialiti.es of Communication. Hans Ulrich Gumbrecht e Karl L. Pfeiffer (orgs.), Stanford, Stanford University Press, 1994, p. 219.
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manifestações distantes do padrão da cultura do livro. Wlad Godzich de monstrou de maneira convincente a natureza histórica do vínculo instru mental que, na modernidade, associou linguagem e alfabetização23. No entanto, até o final dos anos setenta, os estudos literários pareciam supor que essa natureza histórica era, por assim dizer, a história natural da constituição do sentido. A conseqüência mais evidente dessa falácia se re vela na dificuldade com que o historiador literário lida com expressões irredutíveis à Galáxia de Gutenberg. Friedrich Kittler situou o problema em termos definitivos: “todas as bibliotecas são estruturas discursivas, mas ne m toda s as estr utu ras discursivas discursivas são livros”. livros”.224 No N o q u e se r e fe r e aos ao s es tu d o s m edie ed ieva vais is,, essa ess a a b o rd a g e m esti es ti mulou uma série de novas perguntas. Qual o tipo de público que assistia às apresentações de poesia? Em que tipo de “palco” as apresentações ocor riam? riam? O pú blico já conh ecia a ob ra que iria iria presenciar? Esta Estass perg untas se tornam ainda mais importantes se lembramos que, na época medieval, não existiam textos destinados a serem lidos solitária e silenciosamente, mas inscrições inscrições que eram socialmente comp artilhadas, artilhadas, como se fosse fossem m p artituras musicais a serem vocalizadas pelo poeta/recitador. Nessas condições, é claro que o espaço de improvisação era muito amplo, constituindo-se em elemento intrínseco da composição poética. A possibilidade do artista modificar o curso de sua apresentação a partir da reação do público era outro elemento-chave da experiência medieval; elemento este fundado na co-presença de “autor” e receptores. Em relação à história literária, tal abordagem revela a inconsistência da historiografia que, limitada à classi ficação de gêneros e à interpretação de textos, não dispõe de instrumentos pa p a ra a an ális ál isee d e ép o cas ca s p a r a as q ua is o m o d e r n o c o n c e ito it o d e tex te x to sim ple p le s m e n te n ã o faz se n tid ti d o . Va Vale le r e c o rd a r, p o r o u tr o lad la d o , q u e a in stit st ituu c io nalização dos estudos literários ocorreu sob a tutela do nacionalismo oitocentista, momento em que cabia ao historiador encontrar o espírito da nacionalidade nos textos e, sobretudo, em textos que pudessem ser inequi 23 Wlad Godzich. “Languages, Images, and the Postmodern Predicament”. Idem , pp. 355-370. 24 Friedrich Kittler. “Afterword to the Second Printing”, in Discourse Networks 1800/1900, Stanford, Stanford University Press, 1990, p. 369. Publicado originalmente em 1985, com o título Aufschreibesysteme 1 8 0 0/ 19 0 0. David Wellbery, na Introdução à edição norte-americana do livro, esclareceu o sentido do conceito Aufschre Aufschreibes ibesyste ysteme'. me'. “pode ser traduzido literalmente como “sistemas de escritura” ou “sistemas de notação”, p. xii. E importante mencionar a Kittler nesse contexto. De um lado, por sua estreita associação com Hans Ulrich Gumbrecht. De outro, por ter sido um dos mais importantes estudiosos a desenvolver uma abordagem atenta aos aspectos materiais da literatura, também compreendida como um meio de comunicação.
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vocamente fixados na forma de livro. Compreende-se, pois, o impacto que os novos estudos medievais provocaram na teoria literária. Nesse contexto, o trabalho de Paul Zumthor não interessava somente aos medievalistas, mas implicava conseqüências epistemológicas que contrariavam a forma pela qual os estudos literários se converteram em respeitável disciplina acadêmi ca. Talvez a conseqüência mais relevante tenha sido o movimento de historicização do conceito de literatura. Esse trabalho de historicização se manifesta na trajetória de Gumbrecht no momento em que ele coordena a publicação do Grundriss der Romanischen Literaturen des Mittelalters?5. A coletânea visava a refletir sobre sobre a relação relação en tre literatura e sociedade sociedade na Idade Média tardia, tardia, período aliás coberto pelo primeiro livro de Gumbrecht26. O projeto de conciliar descrição minuciosa de contextos históricos determinados com a teorização meta-histórica sobre funções de discurso revela-se com clareza e sofisticação no segundo ensaio aqui reunido, “Persuadir a quem pensa como você. As funções do discurso epidíctico sobre a m orte de M arat”.2 arat”.27 G um brec ht des des venda as características do discurso epidíctico em duas frentes. De um lado, detalha a especificidade do momento histórico, referindo os discursos à atmosfera da Revolução francesa e, mais particularmente, como o próprio título sugere, ao assassinato de Marat. De outro, procura localizar elemen tos constantes na articulação de um gênero discursivo. Em outras palavras, a próp ria alteridade de m om entos históricos históricos únicos únicos e, porta nto, irrepet irrepetívei íveis, s, deveria parad oxa lm ente estimular a identificação identificação de traços traços discur discursiv sivos os metahistóricos. O raciocínio é engenhoso: os momentos históricos são únicos e, po p o r isso m esm es m o, d isti is tinn tos to s e n tr e si; si; n o e n ta n to , ce rto rt o s traç tr aç os discu di scursi rsivo voss pe p e r m a n e c e m co ns tan ta n tes. te s. C on clus cl usão ão:: o c a r á te r m etaet a-hh istó is tóri rico co d o g ê n e ro literário se encontraria nesses traços. O raciocínio é engenhoso, mas termi na reproduzindo o impasse da perspectiva de Jauss, pois, outra vez, um método eficaz é convertido numa teoria pouco fundamentada. Gumbrecht o reconheceu, numa revisão de sua carreira, ao afirmar “a impossibilidade 25 Ver Hans Ulrich Gumbrecht. Lite L ite ra tu r in der Gesellscha Gese llscha ft des Spätm Sp ätm ittelal itte lal ters , Heidelberg, Carl Winter Universitätsverlag, 1980. Gumbrecht analisa este momento de sua produção em “A Fad and Weary History: The Grundiss der Romanischen Literaturen des Mittelalters”, in R. Howard Bloch e Stephen G. Nichols (orgs.), Medie Me die valism va lism an d the Mo derni de rnist st Temper Temp er , B altim or e/L on do n, Jo hn s Ho pkins University University Press, Press, 1995, 1995, pp. 439-471. 439-471. 26 Hans Ulrich Gumbrecht. Fu nktio nk tio nswa ns wa nd el u n d Rezeption. Rezeptio n. Stud St ud ien zu r Hyperbolik Hyperb olik in literarischen Texten des romanischen Mittelalters, München, Fink, 1972. 27 “Persuader ceux qui pen sent comm e vous vous.. Les Les fonctions du discours épidictique épidictique sur la m ort de Marat”, in Poétique, 39, 1979, pp. 363-384.
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de associar o conceito meta-histórico de historiografia (...) a qualquer fun ção esp ecífica ”.2 ”.28 Não N ão é su fici fi cien en te, te , c o n tu d o , m o s tra tr a r q u e , n u m p rim ri m e ir o m o m e n to , embora afastando-se da estética da recepção, Gumbrecht manteve-se preso ao projeto que ele mesmo criticara. Mais importante é perceber que seu trabalho como medievalista principiava a privilegiar dois motivos centrais de seu esforço posterior: o interesse pela materialidade da comunicação e o desejo de tornar possível uma forma de vivenciar a alteridade histórica, em lugar de “simplesmente” compreendê-la.
Siegen/Dubrovnik: Questionar as Fronteiras Disciplinares
De 1983 a 1989, Gumbrecht se transferiu para Siegen, a fim de coordenar o primeiro Programa de Doutorado para estudos teóricos e literári literários os n a Alemanha. Na perspectiva perspectiva topológica topológica que adotei, Siegen ocupa lugar de destaque, pois foi lá que Gumbrecht começou a reformular de maneira radical a idéia de uma historiografia meta-histórica e, por isso mesmo, principiou a desenvolver uma abordagem própria. O escopo transdisciplinar do Programa possibilitou a interseção dos estudos literários com a bord age ns tão diversifi diversificadas cadas como a teoria geral dos sistemas sistemas - sobre tudo a propo sta po r Nikl Niklas as Luh m ann 29 - e as as novidades novidades epistemológicas epistemológicas da teoria teoria biológi biológica ca - representada pelo trabalho trabalho de H um berto M aturana e Francisco Varela. Além disso, o Programa favoreceu o diálogo entre litera tura e história - diálogo estimulado pelas contribuições de Paul Zumthor e Hayden White. A melhor definição do projeto intelectual subjacente ao Prog ram a de Siegen per ten ce a Jean-Franço is Lyotard: Lyotard: “O “O Seminário segue um modelo semelhante aos centros de humanidade das universidades norteam ericanas, n o q ual as ‘disciplinas’ ‘disciplinas’ se cruzam, cruzam, co nfrontam -se, tornan do-se, p o r fim , ‘ind ‘in d is c ip lin li n a d a s ’”.3 ’”.30 28 Hans Ulrich Gumbrechl. “How Much Sense Does Sense Making Make? Californian Perspective to a Germán Question”, Op. cit., p. 7. 29 O leitor brasileiro brasileiro já pod e con sultar uma im portan te seleção seleção de ensaios ensaios sobre a leoria dos sistemas, acrescida de textos introdutórios. Clarissa Baeta Neves e Eva Machado Barbosa Samios (orgs.). N ik la s L u h m a n n : A no va teor ia dos sistem sis tem as , P o r t o A l e g r e , E d i t o r a d a UFRGS/Goethe-Inslitut, 1997. 30 Jean-François Lyotard. Op. cit., p. 80. Neste texto, Lyotard oferece um retraio de Gumbrecht: “[Gumbrecht] irrefreável orador, a cada momento recolhe uma reflexão minha, ampliandoa, e a evidencia, fixa-a, para reescrevê-la em pontos precisos que se transformam em novas questões”. Idem , p. 79.
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Transdisciplinaridade aprofundada na série de cinco colóquios organizados por Gumbrecht na cidade de Dubrovnik. Por uma década, esta série promoveu debates em torno a temas e conceitos capazes de estimular a renovação das humanidades31. Wlad Godzich descreveu a série num tom que recorda a observação de Lyotard sobre Siegen. Os colóquios de Dubrovnik reuniram “acadêmicos de quatro continentes e mais de uma dúzia de disciplinas para examinar noções e conceitos que atravessavam ou, pe p e lo c o n tr á r io , de lim li m itav it avam am fr o n te ir a s e n tr e os ca m p o s”.3 s” .322 A b a n d o n a d a a pre p re te n sã o d e e la b o r a r in s tru tr u m e n to s crít cr ític icos os m etaet a-hi hist stór óric icoo s, G u m b r e c h t nã o considera mais a comunicação literária como sendo o modo mais eficaz de aproximação a contextos históricos determinados. Afinal, uma vez que se p r o p õ e a eq u a ç ã o “lit e r a tu r a e n q u a n to p ro ce sso ss o co m u nica ni ca tiv ti v o in tr in se c a mente relacionado ao surgimento dos tipos impressos”, toda definição metahistórica histórica perd e ime diatam ente a validade validade - eis eis a conseqüência epistemológica mais profunda da historicização do conceito de literatura. Nesse sentido, po de-s de -see su p o r q u e o p a n o r a m a in te rn a c io n a l dos do s estu es tudd os lite li te rá rio ri o s so fre fr e u uma modificação importante favorecida por eventos como os colóquios de Dubrovnik. Conforme Helen Tartar e Andrew Wachtel, “esta série interna cional de colóquios (...) terminou contribuindo para a criação do que David David Wellbery den om inou ‘crítica pós-h erm enê utica ’”.33 E nesse instante que o influxo da teoria sistêmica de Niklas Luhmann se torna fundamental para o desenvolvimento do percurso de Gumbrecht. A teoria sistêmica estimula a investigação das condições de poss po ssib ibil ilid idad adee d e cons co nsti titu tuiç ição ão do sent se ntid idoo ao invés de priv pr ivil ileg egiar iar a deco de codi difi fica caçã çãoo de um sentido já dado - seja seja este este um texto tradicionalm ente con cebido 31 Os colóquios colóquios de Dubrovnik foram eventos relevantes no panor am a dos anos oitenta. Cinco colóquios se realizaram: 1981, “Der Diskurs der Literatur- und Sprachhistorie: W issenschaftsgeschichte issenschaftsgeschichte als als Innov ationsvorga be”. Bern ard C erquiglini e Jör n R üsen também organizaram este primeiro Colóquio; 1983, “Epochenstrukturen und Epochenübergänge im D i s k u r s v o n L i t e r a t u r ” ; 1 9 85 8 5 , “ S ti ti l - G e s c h i c h t e n u n d F u n k t i o n e n e i n e s kulturw issensch aftlichen D iskurse lem ents”. A pa rtir deste ano, Karl Ludwig Pfeiffer jun tou-se tou-se à organização dos coloquios: 19 1987, 87, “M aterialität der K om m unik ation”; 198 1989, 9, “Paradoxien. Dissonanzen. Zusammenbrüche. Situationen offener Epistemologie”. Os coloquios foram todos publicados pela Editora Suhrkamp. Uma seleção de ensaios dos dois litie s o f Com mu nica tion . Hans últimos coloquios se encontra traduzida para o inglês. Ma teria lities Ulrich Gumbrecht e Karl L. Pfeiffer (orgs.), Stanford, Stanford University Press, 1994. 32 Wlad Godzich. Op. cit., p. vii. E m “Esb “Es b oç o d e u m a a u to b io g ra fi a in te le c tu a l”, L uiz ui z C os ta Lima também se refere aos coloquios de Dubrovnik, especialmente às páginas 42-43, in Vida e mimesis, São Paulo, Editora 34, 1995. 33 Helen Tartar e Andrew Wachtel. "Of Course, to Begin Willi”, in Stanford Literary Review, 9, 1992, p. 1, vol. I.
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como possuindo uma interpretação “correta” ou mesmo concebido numa sofisticada teoria da recepção, segundo a qual o significado é resultado temporário de atos particulares de leitura. E aqui a teoria sistêmica forne ceu a Gumbrecht o instrumental necessário para levar adiante a pergunta acerca da importância da materialidade dos meios de comunicação, uma vez que a emergência de sentido somente ocorre através do concurso de formas materiais. Em outras palavras, as condições concretas de articulação e de transmissão de uma mensagem influem no caráter de sua produção e recepção. Não é verdade, por exemplo, que a transição do uso da máquina de escrever para o computador exige do usuário muito mais do que uma acomodação automática a uma técnica diferente de registro? Não se trata somente de uma técnica exterior ao processo cognitivo, pois, assim como sabemos, por experiência própria, que o emprego do computador favorece o surgimento de formas inéditas de raciocínio, o mesmo se passou com a introdução de novas formas de comunicação no passado. E o pleno enten dimento dessas formas, assim como das modificações provocadas pelo seu advento, demanda uma atenção renovada à materialidade dos meios de comunicação. “Patologias Patologias no sistema sistema da liter atu ra”3 ra”34 rep rese nta o esforço mais mais completo realizado por Gumbrecht para trazer a teoria sistêmica aos deba tes literários. Nesse ensaio, o autor propõe uma história alternativa da literatura ocidental que, partindo de Guilherme IX (1071-1127), geralmen te reconhecido como o primeiro trovador da poesia provençal, chega aos dias de hoje. Gumbrecht esboça uma história da literatura afastada das tarefas tradicionais, isto é, classificação de gêneros e decifração de sentidos. E, inspirado por importantes ensaios de Niklas Luhmann, propõe ainda que a história literária deve investigar a história das formas literárias vistas em íntima associação com o meio de comunicação que as veicula35. O atual trabalho de Gumbrecht, totalmente distante de qualquer pr p r e te n sã o m etaet a-hh istó is tóri rica ca,, bu sca sc a a p r o f u n d a r a n o ç ã o de h is tó r ia desc de scri riti tiva va através do resgate de conceitos-chaves, assim como de experiências sistema34 Hans Ulrich Gumbrecht. “Palhologies in the System of Lileralure”, in Theorie ais Passion : Festschrift fü r Niklas Nik las Lu hm an n, Dirk Baecker (org.), Frankfurt, Suhrkamp, 1987, pp. 137-180. 35 Ao defender esta posição, Gumbrecht também está aprofundando uma sugestão de Luhmann, segundo a qual a escrita da história deveria concentrar-se nos momentos d e introdução de novos meios de comunicação. Gumbrecht desenvolveu esta hipótese num importante ensaio, “O corpo versus a imprensa: os meios de comunicação no início do p e r ío d o m o d e r n o , m e n ta lid li d a d e s n o R eino ei no d e C as tela te la e o u tr a h is tó r ia da s fo rm as lite li te r á ri a s ”, in Modernização dos sentidos, São Paulo, Editora 34, 1998, pp. 67-96.
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ticamente negligenciadas na tradição da filosofia ocidental. Uma história descritiva, assim concebida, visa a superar o cisma entre corpo e espírito, cisma que se encontra na base da célebre divisão institucional das duas ciências, ou seja, ciências exatas e ciências humanas. No interior do pa p a ra d ig m a ca rte rt e sia si a n o , a m a te r ia lid li d a d e do c ircu ir cu ito it o co m u nica ni ca tiv ti v o d ific if icil ilm m en te poderia ser levada em consideração, pois ao espírito somente interessa ria a profundidade do sentido, em lugar do que se consideraria como a “superfície” dos fenômenos, domínio característico da materialidade da comunicação. Aliás, os três últimos ensaios de Corpo e forma constituem clara tentativa de superação daquele dualismo. A luz desta perspectiva, deve-se compreender a recente releitura gumbrechtiana da tese de Hegel sobre o fim da arte36. Segundo Gumbrecht, trata-se de uma hipótese a ser revisitada com seriedade: o núcleo da tese hegeliana reside na antecipação do colapso que o sistema da arte e da literatura vivem hoje. Este colapso, po p o r sua su a vez, rela re laci cion on a-se a- se ao fato fa to de q u e o m u n d o c o n te m p o r â n e o , s o b re tudo na esfera do cotidiano, tornou a rígida dicotomia corpo/espírito obsoleta. Na ausência dessa dicotomia, a legitimação tradicional do sistema da arte e da literatura, enquanto formas privilegiadas de manifestação do imaterial, perde sua validade. A análise de tal colapso constitui um dos eixos mais importantes das preocupações mais recentes de Gumbrecht.
Stanford: Corpo e Forma da Presença
Em 1989, Gumbrecht se transferiu para a Universidade de Stanford. A partir desse momento, sua contribuição teórica tornou-se cada vez mais centrada em torno do que ele denominou “campo não-hermenêutico”. Nesse Nesse sentido, “É apenas um jog o: história da m ídia, esp orte e pú bli b licc o ”37 e “O c a m p o n ã o -h e r m e n ê u ti co o u a m a te r ia lid li d a d e d a c o m u n ic a ção”3 ção”38 são são ensaios muito imp ortantes. Na N a v e rd a d e , o obje ob jeti tivo vo su b ja c e n te a “E ap e n a s u m j o g o ” se relaciona ao esforço de superar a dicotomia corpo/espírito. Gumbrecht 36 V er Hans Ulrich G um brech t. ‘“O ‘“O bjektiver H um or ’. Sobre Hegel, Borges y el lugar histó rico de la novela latinoamericana”, in Orbis Tertius. Revista de teoría y crítica literaria, 1, 1996, pp p p . 49 49-6 -65. 5. 37 Hans Ulrich G um brecht. “It’s “It’s Ju st a Game: On the History of Media, Sport, and the Public”, in Arete : The Journal of Sport Literature, 4, 1986, pp. 24-43. 38 Hans Ulrich Gum brecht. “O “O campo não -herme nêutico ou a materialidade da com unicação”, in Cadernos da Pós/Letras, 5, 1993.
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pa p a rt e d e u m p ro b le m a q u e à p rim ri m e ira ir a vista vi sta p a re c e p o u co p ro m e te d o r: p o r que, dos anos vinte em diante, surgiu um interesse crescente pelo esporte e, sobretudo, estabeleceu-se uma associação aparentemente indissolúvel entre esporte e meios de comunicação? Sua resposta sinaliza a nova direção que ele vem perseguindo. Os espetáculos esportivos contribuíram para natura lizar aquela dicotomia e, talvez, mesmo para compensar os efeitos negati vos relativos ao corpo, já que a matéria-prima do esporte é o próprio corpo. Tal função explica por que, no passado, buscava-se separar do pro p ro fiss fi ssio ionn al a im ag em do a tle tl e ta am a d o r, j á q u e to d a fu n ç ã o c o m p e n s a tó ria ri a exige uma aura de pureza moral que o interesse pecuniário compromete ria. No entanto, o “excesso” de transmissões esportivas pode ter efeito contrário; efeito inclusive de contestação daquela dicotomia, pois, numa competição esportiva, o corpo e, especialmente, o corpo, enquanto veículo de sucessivas performances, ocupa o centro do palco. Essas performances não obed ecem aos aos códigos códigos interpretati interpretativos vos tradicionais tradicionais.. Por exem plo, com o a tribuir “sentido ” a um a bela jog ada de futebol? futebol? O esporte, segun do G um brecht, não se propõe a representar nada que não seja sua própria produção de presença. Presença incapaz de estabilizar-se mediante uma relação de causalidade, mas que permanece funcional precisamente porque sua dinâmica é a da casualida de, é a dinâmica da contingência. Nas palavras de Jean-Luc Nancy: “presença é o que em erge e nun ca p ára de e m ergir”.3 ergir”.39 Um a ou tra vez vez,, Wlad Wlad Godzich definiu perfeitamente a orientação de Gumbrecht, situando seu interesse p o r e s p o r t e s n u m c o n te x t o m ais ai s a m p lo : “A r e c o n f i g u r a ç ã o n a q u a l Gumbrecht se encontra lentamente a operar (...) gira em torno da centralidade do conceito de emergência. (...) Para Gumbrecht, pensar o corpo signifi significa ca precisam ente supe rar as categorias categorias de m atéria e esp írito”.4 írito”.40 “O campo não-herm enêutico o u a materialidade materialidade da com unicação” representa a primeira sistematização teórica empreendida por Gumbrecht do campo de estudos que ele vem constituindo. Como vimos, David Wellbery cunhou a expressão “crítica pós-hermenêutica”, cujos conceitos-chaves se riam exterioridade, medialidade e corporalidade. Exterioridade se refere ao nível material que antecede a qualquer articulação de sentido e, sem o qual, nenhum sentido se concretizaria. Medialidade implica o meio através do qual o nível material é processado como parte de uma estrutura de 39 Jean-Luc Nancy. Bir B irth th to Prese nce, Stanford, Stanford University Press, 1993, p. 2. As análises análises e reflexões reflexões de Jean-Luc N ancy têm têm sido m uito relevantes para o atual trabalho de Gumbrecht. 40 Wlad Godzich. Op. cit., pp. xv-xvi.
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construção de sentido. Por fim, corporalidade supõe um deslocamento sutil, embora decisivo, da centralidade do sujeito, modernamente visto como fonte de ações conscientes, para a centralidade do corpo, visto, numa época pós-hermenêutica, como metonimia da contingência. Por isso, com pre p re e n d e -s e q u e esta es ta cr ític ít icaa “ab a n d o n e o j o g o de lin li n g u a g e m e a fo r m a de vida definida pelos cânones hermenêuticos de legitimação e entre no do m ínio de atos que supe rem a aprop riação inte rpre tativa ”.41 Em “O campo não-hermenêutico”, Gumbrecht fornece um pano rama histórico da articulação da crítica hermenêutica. Para melhor acom pa p a n h a r seu se u a r g u m e n to , é prec pr ecis isoo ress re ssal alta tarr u m a d isti is tinç nç ão m u ito it o i m p o r ta n te entre crítica hermenêutica e campo hermenêutico. A crítica hermenêutica depende de sustentação institucional, seja a universidade, sejam academias ou jorna is - e o mesmo raciocínio raciocínio é váli válido do para um a crítica crítica pós-hermenêutica. Por sua vez, o campo hermenêutico designa um conjunto de elemen tos cotidianos que principiam a caracterizar a sociedade ocidental a partir do advento e da difusão dos tipos impressos. Esta fina distinção permite a Gumbrecht sugerir que a articulação finissecular realizada por Wilhelm Dilthey da crítica hermenêutica foi, na verdade, a primeira reação de peso contra o colapso do campo herme nêutico, um colapso colapso evidente já nas últi últi mas décadas do século XIX. Aliás, Wellbery identificou uma estrutura simi lar no Verdade e Método, de Gadamer: “um monumento, uma espécie de memorial que escraviza o presente a uma lei antiga (embora não tão an tig a)”.4 a)”.42 Em outras palavra palavras, s, Verdade e Método pode ser lido como o últi mo grande herdeiro do gesto inaugurado pela sistematização acadêmica da hermenêutica por Dilthey. Essa distinção também interessa para a apreciação do ensaio que encerra Corpo e forma , “O futu ro dos estudos de lite rat ura ?”.4 ?”.43 Em seu tra ba b a lh o m ais ai s r e c e n te , G u m b r e c h t te m p rivi ri vile legi giad ad o mais ma is u m a h istó is tó ri a d escr es cr i tiva do campo não-hermenêutico do que um mapeamento da crítica nãohermenêutica, embora tal perspectiva também esteja presente no ensaio. 41 D avid W ellbery. “For “For ew ord ”, in Friedrich Kittler. Op. cit., p. ix. Welbery desenvolveu p o s te r io r m e n te o c o n c e it o d e e x te r io r id a d e e m “Th “T h e E x te ri o ri ty o f W r it in g ”, in Helen Tartar e Andrew Wachtel. Op. cit., pp. 11-23. Na verdade, este texto foi apresentado pela p ri m e ir a vez ve z n u m c o ló q u io o rg a n iz a d o p o r H an s U lr ic h G u m b r e c h t e Karl Ka rl L. P fe iffe if fe r em Stanford, em 1991, “Writing, Ecriture, Schrift: Ripping Apart the Signifying Scene”. Este colóquio encerrou a série inciada em Dubrovnik, em 1981. 42 David Wellbery. “Foreword”, in Friedrich Kittler. Op. cit., p. xi. 43 H ans Ulrich Gu m brech t. “Th “Th e Future o f Literary Studies?”, Studies?”, Stanford, D epa rtm ent of Comparative Literature, 1993.
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Assim, a pergunta sobre o futuro dos estudos de literatura tanto envolve uma especulação sobre os rumos das humanidades no mundo contempo râneo quanto sinaliza a necessidade de alterar a orientação das disciplinas envolvidas com a literatura. Particularmente, Gumbrecht está propondo uma alternativa para os estudos de literatura comparada, para que ela se rearticule como o espaço institucional privilegiado para reflexões transdisciplinares. Ora, a atual crise da literatura comparada possui poten cial ainda pouco explorado. Pois, enquanto as demais disciplinas permane cem obsedadas pela “visibilidade” de seu objeto, na pior das hipóteses, pel p eloo s re síd sí d u o s d e sta st a visi vi sibi bilid lidad ade, e, a situ si tuaç aç ão c o n te m p o r â n e a d a lite li te ra tu r a comparada, cujo objeto de estudo sempre foi instável, praticamente força os comparatistas a uma reflexão teórica e a um desenvolvimento específico de metodologias, a fim de enfrentar a possibilidade de seu próprio desa pa p a re c im e n to . Assim, Assim , o eixo ei xo dos do s es tudo tu do s co m p a ra d o s d e ix a d e se r a bu sca sc a de c orrespondên cias en tre estruturas de sentido já constituídas constituídas para centrarse na análise e descrição das formas através das quais o sentido pode emergir e tornar-se socialmente significativo. Trata-se, pois, de transformar a precariedade da atual situação da disciplina num acicate não exatamente pa p a r a “ou sa r s a b e r”, co m o n a c é leb le b re f ó rm u la k a n tia ti a n a 44, m as sim si m p le sm e n te pa p a r a o usar us ar.. P o rta rt a n to , a fras fr asee fin fi n a l do en sa io serve se rve d e g u ia ta n to p a ra o prof pr ofis issi sioo na l d a á re a d e letr le tras as q u a n to p a ra o le ito it o r de Corpo e forma: “Uma excessiva excessiva cau tela é ju sta m en te o qu e prec isam os evitar”.4 evitar”.45
Joã o Cezar de Castro Ro cha46 cha46
44 Refiro-me, claro, ao sapere au de que, em “Resposta à pergunta: ‘Que é Iluminismo?'” (1784), é identificado por Kant como o lema do homem ilustrado. 45 Han s Ulrich Gu m brech t. “O “O Futu ro dos Estudos de Literatura .” Ver, neste volume, p. 175. 175. 46 Esta Introdução, assim como a tradução dos capítulos 3 e 5, foram preparadas sob os auspícios de uma bolsa de “fixação de pesquisador”, concedida pela FAPERJ à Pós-Graduação em L etras da Universidade d o Estado do Rio de Jan eiro . A FAPERJ FAPERJ,, pois, pois, meu s agrad e cimentos.
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Capítulo 1
As As Conseqüências ias da Estét tética ica da Recepção: Um Início Postergado
Rumo a uma Mudança de Paradigma
início de seu ensaio, “O leitor como instância de uma nova história da lite ratu ra”, Hans R obe rt Jauss assinal assinalaa que só no fu turo seremos capazes de responder se a discussão atual da crítica literária sobre o pro ble b lem m a d o “leit “le it o r ” será se rá aval av alia iada da co m o u m a m u d a n ç a d e p a r a d ig m a 1. Esta Est a é uma observação útil, porém nem afasta a possibilidade nem nos livra da obrigação de analisar o debate contemporâneo relativo a teorias e méto dos, assim como o debate referente ao interesse epistemológico da crítica literária. Pois é apenas numa base auto-reflexiva que a esperança de ir além de paradigmas não mais produtivos e herdados pode tornar-se con creta, a fim de redeterminar o campo e as tarefas que a crítica literária pro p ro je ta n o h o r iz o n te cu ltu lt u ra l. SegueSeg ue-se se q u e deve de vem m os, os , d e iníc in ício io,, p e r g u n t a r quais foram as fases do modelo das “revoluções científicas” em que Thomas Kuhn introduziu o conceito de “mudança de paradigma”, e, além disso, quais dess dessas as fases fases o debate literário sobre o p rob lem a do leitor já terá atingido ou superado2. 1 Poética Poéti ca , 7, 1975, pp. 325-344; especialmente p. 327. 2 The Structure of Scientific Revolutions, Chicago, 1962. Kuhn não organizou expressamente as três fases seguintes como uma seqüência temporal, e é bastante conceb ível que, em exemplos individuais, o desenvolvimento das questões críticas que designei como fase 1 apenas seja efetuado pelo aparecimento de uma resposta exemplar como fase 2. A si ste matização sugerida aqui não deve ser entendida como uma tentativa histórico-teórica para tornar o modelo de Kuhn mais preciso, mas serve, em lugar disso, como uma tela compa rativa sobre a qual projetar uma discussão sistemática a respeito da condição dos interesses e reorientação metodológica da crítica literária.
As
C o n s e q ü ê n c ia i a s d a E s t é t i c a d a R e c e pç p ç ã o: o:
Um
I n íc íc i o P o s t e r g a d o
De acordo com Kuhn, a provocação e o ponto de partida para as mudanças de paradigma são, em primeiro lugar, questões novas, “que um círculo de profissionais tenha reconhecido como extremamente importan tes”. tes”. Em seg undo , as obras científi científicas cas são são con sideradas p aradigm áticas qu an do, além de fornecerem algumas respostas convincentes àquelas questões num estágio inicial, também abrem novos campos e possibilidades para trabalhá-las mais detalhadamente e com maior precisão. Por fim, as fases entre duas mudanças paradigmáticas são preenchidas com a chamada ciên cia normal, que tenta tirar proveito das promessas do paradigma, estenden do o conhecimento da descoberta de dados que o paradigma considera especialmente importantes, e aprimorando a interação entre dados e pre dições do paradigma. Nes N este te ensa en saio io,, g o star st aria ia d e d iscu is cu tir ti r dois do is p o n tos: to s: H á d u a s área ár ea s n eg li li genciadas que estão por detrás da insuficiência seguidamente assinalada tanto por iniciadores quanto por oponentes da estética da recepção, vista enquanto mudança de paradigma3: a especificação insuficiente das novas questões questões provocad provocadas as pela mudança de paradigma jun tam en te com uma falta de respostas que ilustrem tais questões. Em segundo lugar, o feedback da primeira dessas duas perspectivas requer, como uma conseqüência da estética da recepção, a integração desta nova forma de crítica literária na sociologia da comunicação que está, ela própria, em processo de consti tuição. Os debates sobre as interpretações “corretas” de textos literários que dominaram a era da interpretação imanente deixam esclarecem que a fórmula “a descoberta do leitor” não caracteriza adequadamente a dire ção teórica iniciada pela estética da recepção. A interpretação imanente po p o d e r ia fa c ilm il m e n te te r p o sic si c io n a d o os leit le itoo res re s d e ca d a tex te x to, to , j u n t a m e n t e com suas interpretações, numa escala supra-histórica, indo desde a “total inadequação” até a “riqueza interpretativa”. E por isto que a mudança nos interesses correntes da crítica é freqüentemente mal compreendida como a dissolução do texto ou do autor; dissolução essa causada pela ascensão do leitor até o ápice de uma hierarquia de preocupações. A questão, no entanto, é que a discussão crítica não pode mais ser principalmente consi derada como um processo motivado por uma idéia de perfectibilidade, em que o leitor ideal convergisse para o significado correto, mas sim como um
3 V er Jaus s, “Der Le ser”, pp. 325-327.
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íc i o P o s t e r g a d o As C o n s e q ü ê n c i a s d a E s t é t i c a d a R e c e p ç ã o : U m I n íc
esforço reconstrutivo cujo propósito é compreender as condições sob as quais vários significados de um determinado texto são gerados por leitores cujas disposições receptivas possuem diferentes mediações históricas e soci ais. O fato de que sugestões metodologicamente elaboradas para resolver esta tarefa através de “histórias funcionais” ou “histórias literárias do leitor” sejam sempre proclamadas, embora raramente executadas, pode ser con siderado como um sintoma de estagnação do debate teórico. Mas mesmo se a questão do significado correto ou do leitor ideal correspondesse a um conhecimento prévio do texto como uma forma que constituísse e preservasse um único conteúdo, os estudos da estética da recepção sobre as condições relativas a diferentes significados oriundos de diferentes leitores também teriam que se deparar com o problema de desenvolver um conceito de texto adequado a tais indagações. Como a estética da recepção está principalmente preocupada com a relação entre as con diçõ es dos significados textuais e estes estes mesm os significados - e não com a avaliação dos significados enquanto mais ou menos “corretos” -, seu conceito de texto tem apenas que realizar uma função: deve estar disponí vel como base de apoio constante contra a qual possamos tentar comparar diferentes significados como resultado das convergências do texto com di ferentes disposições receptivas. Um texto constituído desta forma tem o estatuto de uma construção heurística cujo valor é medido exclusivamente po p o r sua su a u tili ti lidd ad e n a co m p re e n sã o das da s d ifer if er en ça s e n tr e os sign si gnif ific icad ados os qu e ocorrem na história. A sugestão de Wolfgang Iser de reformular o conceito tradicional de texto com a noção de “leitor implícito” enquanto “personagem do ato de leitura inscrito no texto” incorre, acredito, na neutralização da diferença entre história da recepção normativa ou descritiva4. Uma história normativa teria que constituir e estabelecer sua própria leitura “correta” do texto, a qual seria sua base para revelar as condições de interpretações adequadas e inadequadas, ao passo que uma história da recepção descritiva teria que satisfazer-se com a compreensão da relação entre cada leitura e suas con dições específicas. O conceito de texto de Iser pretende fazer um amplo espectro de figuras receptivas compreensíveis como resultado de apreender “lugares lugares indeterm inad os” no texto. texto. Este Este preench im ento dep end e das dife dife
De r im p litz li tz ite it e Leser: Lese r: K o m m u n ik a tio n sf o rm en des R om a ns vo n B u n y a n bis Bec kett, kett , 4 Ve r Iser, Der München, 1972, p. 9.
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rentes disposições receptivas e pode, portanto, funcionar dentro de uma história descritiva da recepção, mas pode também ser normativo, uma vez que exclui um grande número de significados historicamente concebíveis po p o rq u e , s e g u n d o Iser, Ise r, estes est es n ão fo ra m c o n stru st ru íd o s d e n tr o d o tex te x to. to . P e r te n ce às premissas básicas da hermenêutica pós-gadameriana, seguida por Iser e Jauss, o postulado de qu e as leituras normativas requ ere m um critério legitim ado r - precisa m ente o que falta ao “leitor “leitor im plícito”.5 plícito”.5 Daí a óbvia óbvia vantagem da historiografia literária marxista, pois, como i'esultado de sua pe p e rs p e c tiv ti v a g lob lo b al d a h istó is tó ria ri a , e n c o n tra tr a -s e a p a r e lh a d a c om tal ta l cr ité it é rio ri o . Karlheinz Stierle, por sua vez, tem mostrado que um modelo de textos ficcionais, que pudesse ser praticável para uma história da recepção normativa, só poderia ser desenvolvido a partir de um conceito específico da leitura daqueles textos. Stierle mostrou que, para Wolfgang Iser, uma interpretação específica do romance inglês é tida como certa, e que tal interpretação subjaz como a premissa oculta do “leitor implícito”, então determinado meta-historicamente6. Que os modelos textuais, os quais em pr p r in c íp io p e rm ite it e m d isti is tinn g u ir e n tr e leit le ituu ra s v er d a d e ira ir a s e falsas fals as - além al ém de extrair as constantes mínimas para cada significado textual concebível -, inevitavelmente necessitam de um conceito normativo de recepção, e que eles não podem ser derivados da pura imanência da análise textual , provase por um simples argumento. Isto é, qualquer tentativa de estabelecer constantes sistemáticas para todos os significados de um determinado texto, através de métodos lingüísticos, teria que levar em consideração o âmbito total total deste deste texto e, e, frente a frente com fenômen os perfeitam ente co mu ns do
5 Para um a crítica crítica da distinção distinção de Ga dam er entre cognição “falsa” “falsa” e “verd “verd ade ira”, qu e se baseia baseia na crença no clássico, ver Rainer Warning, “Rezeptionsásthetik ais literaturwissenschaftliche Pragmatik”, in Rezeptionsásthetik: Theorie und Praxis, München, 1975, pp. 9-41; especialmen te a partir da página 21. 6 Stierle, “Was “Was heisst Rezep tion bei fiktionalen T exte n?”, in Poética, 7, 1975, pp. 345-387, especialmente às páginas 361ss, onde o desenvolvimento de um modelo normativo para a recepção de textos ficcionais é postulado, isto é, o desenvolvimento de formas de recepções adequadas ao “estatuto específico da ficção”; assim como às páginas 371ss, para a crítica do conceito de “leitor implícito”. 7 Em sua con ferên cia “Form “Form en des Lesens” (pro ferida no Co ngresso da Associação Associação Alemã de Filologia Românica, Manheim, 1975, p. 6), Karl Maurer assinalou que a reconstrução do “leitor implícito” em seu estágio atual de desenvolvimento “principalmente tem as mesmas dificuldades dificuldades m ostradas pelo pelo estilo estilo mais mais antigo antigo d e interpretação - mesm o qu e Iser tente estabelecer uma diferenciação essencial entre a interpretação subjetivamente realizável e a prova objetiva das possibilidades de significado construído na ‘estrutura da obra’”.
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cotidiano - por exemplo, “ler “ler rapid am ente” ou simplesmente fecha r o livr livroo -, teria que incluir, como exigencia mínima para um modelo normativo de recepção, o postulado postulado de uma recepção que foss fossee constantem ente a tenta ao texto como uma totalidade. Em resum o, a distinção distinção entr e u ma h istoria da recepção “norm ativa” e ou tra “descritiva” descritiva” - a prim eira das quais quais pod e ser vinculada à pedagog ia literária e a segun da à história social social da literatu ra - deve ser suplem entad a com uma diferenciação dos critérios para estabelecer conceitos textuais adequados a cada cada um a dela delas. s. Enq uanto uma história da recepção norm ativa é forçada a derivar seu conceito de texto do desenvolvimento de um modelo normativo de leitura, o conceito de texto para uma história da recepção descritiva, no que diz respeito à sua função heurística de fornecer um foco seguro para a análise de diferentes significados textuais, necessita apenas realizar uma única exigência: tem que ser prontamente adaptável a toda sorte de casos e a todos os tipos de críticos literários. Dentro do arcabouço de uma história da recepção descritiva, eu gostaria de recomendar a utili zação do significado pretendido pelo autor como o fundo contra o qual outros significados podem ser compreendidos e comparados. Meus comen tários sobre o valor dessa reconstrução dentro de uma história descritiva devem deixar claro que não estou postulando um renascimento da historiografia literária de cunho biográfico, tampouco estou tentando redu zir a pluralidade de leituras históricas ou os critérios potenciais para leitu ras normativas à “intenção autoral”. Há ao menos cinco razões para apoiar a sugestão de enfocar a intenção do autor, em lugar da intenção de um leitor qualquer como o fundo contra o qual comparar significados históricos. P Na maio ria dos casos casos,, inclui nd o a crítica biográfica, o significa significa do pretendido pelo autor pode ser facilmente reconstruído, independente das diversas pressuposições dos críticos literários. 2â A reconstrução do contexto de produção é também relevante pa p a r a os tipo ti poss d e crít cr ític icaa q u e, em c o n tra tr a ste st e com co m a esté es téti tica ca d a re ce p ç ão , vinculam-se aos interesses da análise textual ideológica ou à interpretação textual como a reconstrução de necessidades sociais. 3a Uma vez que o autor só pode elaborar o significado do texto através da consideração de tipos históricos de leitores, o significado por ele pr p r e t e n d i d o vinc vi ncul ulaa o cam ca m po d a p r o d u ç ã o h istó is tó rica ri ca e a re c e p ç ão lite li te rá ria ri a contemporânea.
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4r Por outro lado, este investimento do conceito do texto numa
história descritiva da recepção corresponde ao fato de que os receptores, a fim de serem capazes de constituir um texto como u m a unid ade significant significante, e, devem ser capazes de compreendê-lo como o resultado da ação de um autor. 5- Uma vez que a compreensão do leitor pode também ser des crita como ação (o que precisa ainda ser discutido em mais detalhes), a concepção sociológica de ação poderia ser uma forma de superar a cisão no campo da crítica literária decorrente da falta de clareza a respeito de suas questóes-chave. A historia descritiva da recepção, cujas tarefas e métodos devem agora ser descritos, tem assim boas razões para começar com a ação do autor e a ação do leitor como condições para a formação histórica de significados. Uma de suas tarefas-chave será colocar limites mais estreitos pa p a r a a á re a espe es peci cial al d a co m u n icaç ic aç ão esté es téti tica ca,, d e ve n d o e n tã o e x a m in a r com co m pre pr e cisã ci sãoo as “rela “re laçõ çõ es causa ca usais is e fu n cio ci o n a is e n tr e e s tr u tu r a socia so cial,l, ação aç ão social soc ial e atos comunicativos” no que diz respeito à produção textual, assim como à compreensão textual8. A constituição da crítica literária como uma subdisciplina da sociologia da comunicação não implica em absoluto sua submissão hierárquica a uma “metadisciplina sociológica” mas é, em lugar disso, uma forma de contribuir para o desenvolvimento de um arcabouço teórico para a sociologia da comunicação, a qual até agora apenas foi pr p r o je ta d o . A n tes te s d e e la b o r a r p ro s p e c to s p a r a p r o b le m a s c o n c r e to s de pe sq u isa is a n u m a crít cr ític icaa lite li te rá ria ri a v in cu lada la da à soci so ciol olog og ia d a co m u n icaç ic aç ão , é necessário necessário intro duz ir alguns conceitos básico básicoss de sociologia cognitiva cognitiva que já apareceram neste ensaio sem uma apresentação suficiente.
8 Ver Thom as Luckm ann, “Aspekte “Aspekte einer einer Theo rie der Sozialkomm unikation”, in Lexikon der ge rm anisti an istisch sch en L in g u is tik , ed. H.P. Althaus, H. Henne e H.E. Wiegand, Tübingen, 1973, pp p p . 1-13; aq u i, p. 4. A so ci o lo g ia d a co m u n ic a ç ã o ( f u n d a m e n ta d a n u m a te o ri a d a a ç ão ), u m a subdisciplina da qual a crítica literária será considerada daqui em diante, deve ser claramen te distinta de todo modelo de comunicação informacional-teórico, cujas termi nologias fisicalistas não levam em consideração o fenômeno das ações comunicativas humanas. Cf. a crítica minuciosa e abrangente de Franz Koppe em sua resenha de “Einführung in die Semiotik” de Umberto Eco, 1972, in Poetica, 6, 1974, pp. 110-117.
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Conceitos Básicos
Q uan do a conexão entre os três três nívei níveiss - estrutu ra socia social, l, ação ação social e atos comunicativos - é estabelecida como causal-funcional, “causal” refere-se à relação da instância superior com a subordinada, enquanto em “funcional” a relação se reverte. Assim, “causalidade” não significa, como ñas ciencias naturais, a determinação de atos comunicativos através de ação social e ação social através de estrutura social; mas a noção de causalidade atribui os papéis desempenhados pela estrutura social como um arcabouço significativo para a ação social e pela ação social para atos comunicativos. O conteúdo da expressão “arcabouço comunicativo” torna-se mais preciso quando definimos “funcional” de maneira mais restrita: “No ‘sentido geral eu rop eu ’ (... (...)) função signifi significa ca a atuação ob rigatória de uma pa rte de ntro do arc abo uço de um to do ”.9 ”.9 Assi Assim, m, atos atos comunicativos são elem ento s de ação social, a qual por sua vez é subdivisão da estrutura social em toda a sua complexidade. Apenas integradas num arcabouço mais amplo, as fun ções dos atos comunicativos e a ação social podem ser determinadas e po p o s su ir sig si g n ific if ic a d o 10. A soc so c iolo io logi giaa d a c o m u n ic a ç ã o deve de ve d e in icio ic io inve in ve stig st igar ar o papel da estrutura social e a ação social como arcabouço significativo pa p a ra os ex em p lo s s u b o rd in a d o s e, e n tã o , as fu n ç õ e s dos do s atos at os co m u nica ni ca tivo ti vo s e a ação social dentro de seus respectivos arcabouços. Na N a disc di scus ussã sãoo q u e se segu se gu e, “atos “ato s co m u n ica ic a tiv ti v o s” s erã er ã o c o n s id e ra dos tanto como atos de expressão quanto de percepção. Não começarei, entretanto, com um inventário estabelecido de atos expressivos e perceptivos que, através de simples combinação, nos permitissem construir as várias ações expressivas e perceptivas. Em lugar disso, é através de uma perspec tiva analítica que chegamos à morfologia de atos comunicativos cuja inte ração funcional compõe a ação comunicativa. Em casos limites, a expansão de um ato comunicativo pode mesmo coincidir com uma forma comunica tiva de ação. Em tais exemplos, o ato comunicativo (Akt) será denominado “a ç ã o (Handeln) quando entendido como deliberado. Assim, o que funda
9 Nikla Niklass Luh m ann in Historisches Wòrterbuch der Philosophie , ed . J. R itter, Basel, 1972, col. 1142, e “Funküon IV”; especialmente col. 1142, vol. 2. 10 Para o conceito de significado que é adotado aqui, ver Luckmann, “Aspekte einer Theorie der Sozialkommunikation”: “O significado é inicialmente constituído quando o ego mais tarde se volta para suas experiências e as coloca num contexto que transcende a mera realidade da experiência original”, p. 6.
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mentalmente distingue o ato da ação não é a expansão (mesmo quando disponível na maior parte dos casos como um critério extra de diferenci ação) mas sim o levar em conta precisamente aquele “projeto da ação que p r e te n d a re a liz li z a r au to -re -r e a lid li d ad e atra at ravé véss d a a ç ã o ”.11 ”.11 E sta st a ú lt i m a d e f in iç ã o contém ainda uma distinção que precisa ser elaborada mais precisa m ente - a saber, entre o “agir” “agir” ( H an d e ln ) e a “ação” no sentido de “enredo” ( H a n d lu n g ). Enquanto o termo “agir” designa qualquer proce dimento orientado para um objetivo e que se completa passo a passo (por exemplo, em atos comunicativos), a “ação” deveria ser entendida como aquele objetivo que é planejado (ou, em termos fenomenológicos, “prélembrado”) pelo sujeito agente e que é transferido ao “agir” para a sua realização12. Como uma subdivisão de ação, a ação social, “segundo seu signi ficado p rete nd ido , refere-se refere-se ao c om po rtam ento de outras pessoas”.13 pessoas”.13 Essa Essass outras pessoas, cujo comportamento torna-se um ponto de referência, não têm de ter acesso à experiência direta da ação: elas poderiam também p e r t e n c e r ao pa ssad ss ad o e ao f u t u r o 14. C o n s e q ü e n te m e n te , tod to d a s as fo rm as de ação comunicativa comunicativa - e então, também a pro duç ão e a com preensã o textuais textuais - representam ação social. Nes N este te p o n to , p re cisa ci sa m os d e u m a h ip ó te s e fu n d a m e n ta l p a r a a relação entre texto e ação. Se aceitarmos a determinação de Schütz do conceito de ação como o “objetivo preestabelecido do agir”, parece então aceitável compreender os textos como um tipo específico de ação, uma vez que em qualquer tempo dado eles próprios representam um a posteriori enquanto realização do projeto prévio de um autor. Em todo caso, este pro p ro je to está es tá lig li g a do a in te n ç õ e s a uto ut o rais ra is c om re la ç ão ao tex te x to, to , e o a u to r po p o d e p la n e ja r tal ta l efei ef eito to a p e n a s n a base ba se d e u m a h ip ó te s e s o b re a disp di spos os ição iç ão receptiva dos leitores. Portanto um intérprete, quer seja este crítico literá rio ou leitor comum, lida com um texto como ação apenas quando o tiver
11 Alfred Schütz, Der s in n h a fte ft e A u fb a u der sozia so zia len Welt: Ei n e E in le it u n g in die ver stehe ste hend ndee Soziologie, Vienna, 1960, p. 59. 12 Idem , p. 58. 13 Max Weber, Wirtschaft und Gesellschaft, Tübingen, 1956, p. 1, citado de Historisches Historische s Wörterbuch 3. der Philosophie, ed . J. Ritter , Basel, 1974, col. 994-996; aq ui col. 994 , vol. 3. 14 “O sentido de ação social inclui não somente o ambiente social diretamente experimentado mas também o meio social, o mundo histórico, e o mundo futuro, que são acessíveis apenas através de construções ideais”, idem.
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analisado na base de uma hipótese sobre os efeitos pretendidos por um autor. Esta hipótese pode ser considerada “hipótese de segundo grau” po p o r q u e os efei ef eito toss p r e te n d id o s p elo el o a u t o r são, eles ele s p r ó p ri o s, fu n d a m e n ta d o s numa hipótese sobre a disposição receptiva do público. Mas logo que os textos sejam lidos, sem qualquer suposição sobre o contexto de sua produ ção, eles não são mais entendidos como ações. A partir daí pode-se concluir que, no esclarecimento conceituai seguinte (que trata do conhecimento como ação perceptual), devemos dis tinguir entre dois tipos de ações cognitivas. Para cada tipo de cognição, que Schütz denomina compreensão do significado objetivo15, o observador or dena “aquilo que foi percebido dentro de seu próprio plano de expe riên cia sem tr aze r de fo rm a algum a à luz luz o sujeito sujeito d a ação ”.16 ”.16 Ap enas da pe rspe rs pe ctiv ct iv a do sign si gn ific if icad adoo subj su bjet etiv ivoo o tex te x to su rge rg e com co m o ação aç ão n o se n tid ti d o completo, pois o problema então é reconstruir o projeto de um sujeito agente na base desse texto (enquanto ação completada)w. A própria com pre p re e n sã o , ta n to d o se n tid ti d o obje ob jeti tivo vo q u a n to d o subj su bjet etiv ivo, o, p o d e ser se r d e fin fi n id a como ação porque se subordina à realização de projetos que a pessoa que compreende tenta desempenhar. Além disso, os dois tipos de ações cognit cog nitiva ivass - a produção e a compreensão de textos textos - devem devem ser considera dos como ações sociais, uma vez que também a constituição do significado objetivo torna-se possível somente por uma seqüência dada de palavras aceitas como texto que, por sua vez, necessariamente se refere a um alter ego ego agente. A compreensão, tanto do significado objetivo quanto do subjetivo, po p o d e refe re feri rirr-se se a text te xtos os co m o form fo rm as d e ação aç ão social soc ial.. No e n ta n to , se a teo te o ria ri a literária conceber a si própria como uma teoria das condições da geração de significado, e se considerar a produção de textos por autores e a com pre p re e n s ã o de text te xtoo s p o r p a r te dos do s leit le itor or e s co m o tais tai s co n d içõe iç õe s, ela el a dev devee então envolver-se com as ações cognitivas do leitor. Mais exatamente, deve estudar os propósitos aos quais a leitura enquanto ação cognitiva foi sub m etida - recon strução da “motivação-para” “motivação-para” ( in-order-to motivation) do leitor
15 Ver Schütz, Der sin si n nh a fte A u fi a u , pp. 150ss. 16 Isto Isto segue a interpre tação de Schü tz por Stierle, Stierle, “Tex “Tex t und K ontext”, ontext”, Bochum , 19 1974, 74, p p . 39 39ss ss.. 17 Idem. “Co m preend er um a ação não conhecida signifi significa ca (... (...)) com preen der a ação com pleta pleta como um sinal de um projeto através do qual começa a tornar-se possível chegar a se falar sobre ação completada”, p. 40.
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- e explicar a geração desses projetos a partir da situação histórica e socia sociall do leitor - reconstrução da “motiv “motivação ação porq ue ” (because viotivation) d o 18 leitor . O nd e ela atinge o seu nível nível mais ambicioso, a saber, na investiga investiga ção da “função da literatura na constituição da esfera social”19, surge urna questão que nos encaminha ao problema de como as experiências deriva das de leituras podem tornar-se motivações para a ação do leitor na vida diária.
0 Estatuto Teórico de urna Crítica Literária baseada na Sociologia da Comunicação
Exigir que a compreensão de textos constitua também um objeto dos estudos literários acarreta o problema da auto-reflexão da crítica lite rária, pois certamente a compreensão do crítico não é categoricamente diferente da compreensão do leitor normal. Porque o esforço para com p r e e n d e r visa em p r im e ir o lu g a r a e n t e n d e r as p ro je ç õ e s d e aç õ es e o arcabouço sócio-histórico que os constitui e condiciona (motivações “para” e “po “po rq ue ”), pode-se pode-se dem ons trar um a relação relação necessária necessária entre a redefinição corrente das tarefas da crítica e a intensificação da discussão sobre suas pre p re ss u p o siçõ si çõ e s hist hi stór óric icas as.. P o rta rt a n to , a ac usa us a çã o h a b itu it u a l d e q u e as m u d a n ças na orientação da crítica são meramente “modismos” pode ser rebatida p o r a r g u m e n ta ç ã o sist si stem em átic át ica. a. Ao m e sm o te m p o , deve de ver-s r-se-i e-iaa assi as sina na lar la r q u e o montante de concordância sobre interesses cognitivos (enquanto “proje tos” de ações críticas) limita a possibilidade de cooperação entre os repre sentan tes d e dife rente s escolas escolas crític críticas. as. Se Jauss ac redita q ue ele já “de slin do u” (cleaned up) “o falso confronto” (false front) entre a crítica marxista e a
18 Ver Schütz, Der sinn si nn h af te A uf b au : “Se eu perguntar sobre o ‘motivo-porque’, terei então ap resen tado o con texto do significado subjeti subjetivo vo do ‘mo tivo-para’ com o um s er objetivo objetivo já constituído, e a partir disto pergunto sobre a constituição das camadas mais baixas sobre as quais este contexto do significado se baseia”, p. 147. Para uma determinação mais restrita do termo “Um-zu-motiv”, ver Schütz, idem, p. 146. 19 Ver H ans Ro bert Jauss, “Literaturgesch ichte als Provokation de r Literaturwissensch aft”, aft”, in Lite raturg rat urg eschic esc hichte hte als Pro vok atio n, Frankfurt, 1970, pp. 144-207; especialmente pp. 162 e 199ss. Sobre métodos para investigar a “função social da literatura”, ver Hans Ulrich Gumbrecht, “Soziologie und Rezeptionsästhetik: Der Gegenstand und Chancen interdisziplinärer Zusammenarbeit”, in Neue Ansichten einer künftigen Germanistik, ed. Jürgen Kolbe, M ün chen , 1973, 1973, pp. 48-74. 48-74. Pretend e-se aqui qu e esta esta co ntinu ação ten ha um desenvolvimento posterior e uma correção parcial desse ensaio.
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bu b u r g u e sa ao c h a m a r a a te n ç ã o p a r a o en vo lvim lv im en to c o m u m dos do s d ois oi s cam ca m po s n o p r o je to d e estu es tu d o s so b re a “f u n ç ã o d a a r te n a s o c ie d a d e ” e a _ 20 y. -» história de sua recepç ão , ele então parece te r esquecido o fato de que, no arcabouço da crítica marxista, este interesse cognitivo é visto somente como um passo em direção ao projeto superposto de cada ciencia “como uma atividade humana que (ao menos indiretamente) visa a alterar o status quo"¿l As diretrizes para a contribuição do crítico literário no sentido desta mudança, que supostamente pressionam o crítico a exercer o papel de “historiador e educador” e simultaneamente fornecem-lhe critérios para selecionar áreas de pesquisa e avaliar seus resultados, são o “sistema soci alista desenvolvido” e a “luta incessante do Terceiro Mundo pela liberdad e”.22 Se o debate en tre a crític críticaa marxista e a bu rgue sa fizer mais do que apenas preocupar-se com métodos de reconstruir a função histórica de textos, teremos então que atingir algum tipo de consenso a respeito de pro p ro je to s p r e e m in e n te s d e ação aç ão social. soc ial. A crítica, além do dever de refletir sobre seus próprios objetivos epistemológicos, tem necessidade crescente de redeterminar o predicado “estético”, estando ela encravada na sociologia da comunicação. Natural mente, não se trata mais apenas de uma questão de aplicar o termo a textos com qualidades formais dadas, mas também de conectar com a ação ex pres pr essi siva va d o a u to r (q u e p o d e se r r e c o n s tr u id a a p a r t ir do tex te x to c o n c e b id o como ação) e com a ação perceptiva do leitor (cujo primeiro propósito é pr es su p o sto st o p o r u m a c e rt a a n te c ip a ç ão d e u m te x to d a d o co m o “a to esté es té tico” do autor e que pode ser realizado ou modificado durante o processo de leitura). Vinculando-se àquelas sugestões da teoria estética, que tenta localizar o valor específico de obras de arte em sua contribuição à for mação de normas internalizadas e ao questionamento de tais normas, o “estético” poderia ser relacionado à função (ou mesmo à sua ausência) que a experiência do leitor pode ter como motivação para a ação posterior, função essa que o leitor realizou e que a ação expressiva do autor tornou
20 Jauss, “Der Leser als als Instanz ein er n eue n Geschichte de r L iteratur”, pp. pp. 33 334s 4ss. s. 21 D. Richter, “Geschichte und Dialektik in der materialistischen Literaturtheorie”, in Alternative, 82, jan . 1972, pp. 2-14; 2-14; espe cialm ente p. 3. 22 Ro bert Weimann, “Gegenwart und V ergangen heit in der materialist materialistischen ischen L iteraturtheo rie”, in Methoden der deutschen Literaturwissenschaft, ed. Victor Zmegäc, Frankfurt, 1974, pp. 291323; especialmente p. 322.
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poss po ssív ível el e m p r im e ir o lu g a r23. r23. Se fo r poss po ssíve ível,l, a p a r ti r d e sta st a p ersp er sp ec tiva ti va , obter um consenso mais preciso sobre o significado de “estético” (o que, conforme vimos, parece mais do que problemático, dados os diferentes critérios para avaliar tais funções), então a revisão em larga escala do cânone de textos “estéticos”, que teria que proceder através da recons trução de suas possíveis funções para a ação do público, só poderia ser transferida para uma crítica afinada com a sociologia da comunicação. Conforme deve ainda ser mostrado, entretanto, estes tipos de investigações deparam-se com dificuldades metodológicas. Para começar, pode-se dizer que tais dificuldades são resultado da circunstância de que, na maior parte dos estudos, os sujeitos daquelas ações de expressão e de compreensão que dizem respeito aos interesses da nova crítica literária são acessíveis apenas num contexto social contemporâneo (mitiuelthche) ou histórico (vorweltliche). Colocando a si próprio nos papéis daqueles sujeitos agentes e perguntando, digamos, que projeto ele induzi ria num texto dado como ação expressiva se estivesse na posição histórica e social do autor, o observador crítico pode fornecer hipóteses a respeito da motivação para as ações expressivas de um autor, para a ação de com pre p re e n s ã o d e u m leit le itoo r, e p a ra a sign si gn ific if icân ân cia ci a d e e x p e ri ê n c ia s d e le itu it u ra como parte da motivação do leitor para a ação subseqüente. As hipóteses sobre os motivos adquiridos desta forma, entretanto, jamais podem ter um estatuto garantido porque, nas palavras de Schütz, “uma verificação de minhas interpretações de uma experiência desconhecida [permanece] não realizada sem a auto-interpretação do observador”.2 Enraizar a crítica na sociologia da comunicação não garante em absoluto a certeza no sentido das ciências empíricas, como uma vez foi p r o m e tid ti d o p e la “lin g ü isti is tifi ficc a çã o ” d a cr ític ít icaa lite li te rá ri a e a in d a h o je é m a n tid ti d o pe p e lo v o c a b u lá rio ri o in s tr u m e n ta l d a q u e las la s v arie ar ie d ad e s d a so cio ci o lo g ia d a c o m u nicação influenciadas pela teoria da informação. Em lugar disso, a crítica comunicativo-sociológica deveria compartilhar com a hermenêutica a
23 Por ex emp lo, Jan Mukarovsky, Mukarovsky, “Ästhetische “Ästhetische Fun ktion, No rm, u nd ästhe tischer W ert als als soziale Fakten”, in Kapitel aus der Ästhetik, Fran kfurt, 1970 1970,, pp. 7-112; 7-112; Hans Ro ber t Jauss, Kle ine Apologi Apo logiee der ästh etischen etisc hen Erfah Er fah rung ru ng,, Konstanz, 1972; Franz Koppe, “Thesen zu einer Literaturwissenschaft in handlungsorientierender Absicht”, in Zum normativen Fundament Mittelstras trass, s, Fran kfurt, 1973 1973,, pp. 318der Wissenschaft, ed. Friedrich Kam bartel e Jür ge n Mittels 330; Wolfgang Iser, “Vorwort”, in Der implizite Leser, pp. 7-12. 24 Schütz, Der sinn si nn ha fte Au fb au , p. 193; para este problema, ver em particular o importante capitulo “Das Verstehen der Vorwelt und das Problem der Geschichte”, pp. 236-246.
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pla p la u sib si b ilid il id a d e e o co n se n s o co m o c rité ri téri rioo s d e ev idên id ên cia. ci a. E n q u a n to u m a dou trina do entend im ento textual, textual, é diferente diferente da herm enêutica apenas (1) p o r t o r n a r o e n t e n d im e n t o u m o b je to d e se u in te re ss e , e (2) p o r f u n d a mentar esta compreensão do entendimento textual numa teoria geral da ação cognitiva.
Campos de Pesquisa
No N o d e c o r r e r d e noss no ssaa te n tati ta tivv a d e es b o ç a r os c o n c eito ei to s bási bá sico coss d a sociologia da comunicação, indicou-se que cada suposição de “unidade textual” pressupõe sua inclusão num “projeto” autoral. A esta suposição po d er-s er -see-ia ia o b je ta r q u e os d iári iá rioo s, p o r e x e m p lo, lo , ta m b é m p e r te n c e m aos assuntos tradicionais d a crítica literária - inclusi inclusive ve diários pub licados pos tumamente, que são publicados sem o consentimento expresso do autor e não são, portanto, dirigidos a um alter ego. Pode-se empreender uma aná lise em tais bases a partir da suposição da presença de ações sociais? Para fornecer uma resposta bem fundamentada a esta questão teríamos que abordar o gênero diário, refraseando consideravelmente o problema. Por enquanto, podemos apenas observar que os autores de diários, como é demonstrado pelo uso freqüente de um destinatário imaginário, devem também recorrer a um leitor, mas que sua posição é ocupada pelo ego reflexivo a quem um ego que experimenta está reportando. Se é verdade que o ego que reporta e aquele que reflete estão unificados no papel do escritor do diário, e que o texto do diário é seu “diálogo”, então o enten dimento do intérprete neste caso deve dirigir-se às ações informativas do ego ego que reporta e às ações cognitivas do ego que reflete. Em toda tentativa de reconstruir a motivação que guia a produção textual - ou seja, seja, com pre en de r o signifi significado cado subje subjeti tivo vo de textos enq uan to ações ações - o críti crítico co ord enará o texto texto em segmentos por meio de um proce dimento funcional-estrutural que começa com uma hipótese preliminar sobre o propósito do autor. Esta hipótese preliminar a respeito da função atribuída ao texto pelo autor depende em parte da hipótese do intérprete sobre as suposições do autor com relação à disposição de seu público (o que, naturalmente, nem sempre corresponde à sua disposição real). Aque les segmentos em que o texto é ordenado pelo intérprete conforme sua hipótese sobre o projeto do autor são entendidos como o resultado de atos expressivos individuais cuja interação funcional constitui o texto enquanto
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C o n s e q ü ê n c i a s d a E s t é t i c a d a R e c ep ç ã o : U m I n íc i o P o s t e r g a d o
ação. O que é interessante neste tipo de reconstrução textual é que ela abre a possibilidade de rever e aguçar a precisão da hipótese inicial sobre o significado subjetivo do texto (o propósito da ação do autor), que poderia pa p a r e c e r in c o m p le to o u p o u co plau pl ausív sível el c o n tra tr a o f u n d o de u m a anál an ális isee mais ma is exata. Se a questão sobre a “motivação-para” da produção textual dirigiu nossa atenção a atos comunicativos subordinados à ação social, então a investigação de sua “motivação-porque” leva-nos ao nível de estruturas so ciais históricas. De forma a saber por que, por exemplo, Ronsard poderia ter desejado escrever sonetos, já não basta buscar uma resposta satisfatória dentro do arcabouço reconstruído de sua intenção subjetiva. E antes neces sário desenvolver hipóteses sobre a função da produção literária em geral (a qual o autor em geral nem mesmo conhece), e sobre o soneto dentro da sociedade francesa do século XVI, em particular. Neste nível de uma sociologia da comunicação, uma nova teoria marxista da produção literária recon heceu seu campo genu íno, destacando-o destacando-o rigorosam ente dos interes interesses ses do debate sobre a mimesis ( Widerspiegelung )25. )25. Uma das primeiras tarefas importantes da crítica literária seria a reconstrução dos propósitos aos quais os leitores históricos têm aplicado suas ações de c om pre en de r os significados significados textuais objetivos objetivos e subjetivos subjetivos em outras palavras, o estudo da história de seu interesse literário. Tal investigação da “motivação-para” deve mais uma vez ser estendida à questão da “motivação-porque”, que pode ser respondida apenas através do recurso à história social, ou seja, estendendo-as às funções sociais da recepção literária. Uma fenomenología da leitura teria também que explicar em detalhes a conexão entre o nível da compreensão enquanto ação social e os atos comunicativos (perceptuais) que o constituem2 . Em contraste com os esforços críticos visando a correlacionar atos comunicativos expressivos 25 Ver Pierre Macherey, Macherey, Pour Po ur un e théorie de la product pro duct ion littéraire, 1966, Paris, 1970, especial mente às páginas 159-180, “L’analyse littéraire, tombeau des structures”; por exemplo: “Esta condição sem a qual a obra não poderia existir, e que é entretanto impossível nela encontrar, tanto a precede radicalmente”, p. 174. 26 Considero o ensaio de Stierle Stierle como um exem plo de um a teoria a qual, a fim fim de descrever descrever “a possibilidade de estruturas de recepção relativamente estáveis estabelecendo a própria obra (...) é ligada ã identidade da obra no processo de sua recepção”, p. 346; aqui, especialmente, “atos de recepção” serão analisados relativamente ao interesse superposto de orientar a ação pelo parceiro comunicativo (em textos pragmáticos) ou às oportunidades epistemológicas específicas abertas por textos ficcionais.
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e produção textual, este trabalho fenomenológico torna-se mais difícil pela falta de objetivações que possam ser analisadas, tais como o texto do lado do autor. A compreensão de textos literários nem sempre visa ã intenção autoral. A compreensão objetiva (onde o leitor “organiza a percepção dentro de seus próprios planos de experiência” e, quando muito, pressu põ p õ e o suje su jeit itoo p r o d u t o r d o tex te x to co m o u m a g a ra n ti a d a u n id a d e do text te xto) o) deveria ser aceita pelo menos como um tipo de ação cognitiva igualmente válido. O diálogo Eupali Eup alinos nos,, de Paul Valéry, pode ser lido como uma discussão filosófica a respeito da necessidade de uma compreensão objeti va, mas também a respeito de um modo de recepção adequado à obra de arte moderna. Entretanto, ao mesmo tempo, o diálogo mostra que os receptores são pressionados a este modo de recepção pelas obras apenas na medida em que tais obras se recusam a responder à questão aparente mente auto-evidente quanto ao sujeito produtor que é o ponto de partida costumeiro para ações cognitivas. Nas palavras que se seguem, Sócrates pi p i n t a p a r a F ed ro as refl re flex ex õ es q u e f o r n e c e ra m o ince in ce ntiv nt ivoo p a r a a d e s c o b e r ta do “objeto ambíguo”: Encontrei uma dessas coisas rejeitadas pelo mar; uma coisa branca, e da mais pura brancura; polida e dura, doce e leve: Ela brilhava ao sol, sobre a areia molhada, que é sombria, e semeada de centelhas. Eu a segurei; soprei sobre ela; esfreguei-a com meu manto, e sua forma singular interrompeu todos os meus outros pe n sa m en to s. Q u em te fez?, pens pe nsei ei.. T u n ã o te p ar ec es a n ad a, e 27 no entanto não és informe .
Para a recepção da maior parte dos textos literários do passado e pa p a r a text te xtos os c o n te m p o râ n e o s triviais, triv iais, p e lo m en o s, a p e r g u n ta “Q u e m te fez?” (que a obra de arte moderna não tem mais a pretensão de respon der) pode levar a uma suposição sobre o significado pretendido por pro dutores e pode ser expandida numa hipótese sobre o papel autoral que o leitor ou a leitora assume e através do qual supostamente se alimenta de
27 Paul V aléry, aléry, “Eupalinos ou L’A L’A rchiieci”, in Oeuvres, Paris, Biblioth Bib liothèqu èquee de la Pléiade, 1960, p. 11 118, 8, vo l. 2.
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respostas a respeito de suas próprias perguntas sobre o texto. Esta forma assimétrica de entendimento subjetivo, na qual o leitor ocupa o papel do autor como pré-requisito indispensável para o sentido, é sempre adequada naqueles casos em que o significado pretendido pelo autor não está ime diatamente visível ao leitor porque este último não pertence ao mesmo meio social. No caso da estética da recepção, a hipótese de um papel autoral pode funcionar sem ser corrigida por materiais históricos, pois esta executa sua função na medida em que sirva ao leitor como uma pressupo sição para formações de sentido consistentes. O caso é diferente quando se exige que uma reconstrução do significado pretendido pelo autor seja tão adequada quanto possível. Não há uma relação sistemática, contudo, entre um entendimento subjetivo dependente de motivação heurística e precisão histórica, e o fato de que, para a recepção de textos estéticos, a forma especial de entendimento subjetivo assimétrico parece prevalecer. Que este tipo de entendimento subjetivo assimétrico tem sido a maneira normal de compreender textos literários durante muito tempo po p o d e se r d e m o n s tra tr a d o p o r du as te n d ê n c ia s e n tr e o p ú b lico li co le ito it o r, p a r a as 28 quais existem existem incontáveis incontáveis exemp los : sua alacridade (com partilh ada com a crítica biográfica) ao identificar a primeira pessoa ficcional do texto com o ego de seu criador (Arcipreste de Hita, Villon, Proust) e a invenção de autores “adequados” para textos anônimos (Homero, Esopo, Vidas de Trovado res) 29 . Relevantes Relevantes para a história da recepção e não apen as prova da falta de um sentido intencional “verdadeiro”, é precisamente de tais mudanças em projeções públicas que se podem desenvolver inferências sobre a base mutável para a compreensão textual de públicos de diferentes épocas e de diferentes grupos sociais. Há menos probabilidade de resolver os problemas de ações de compreensão discutidos nesta seção do que naqueles estudos que visam à 28 Para isto, ver m inha re senh a de Be rnha rd B adura e Klaus Gloy (orgs.), (orgs.), “Soziologie “Soziologie der Kommunikation”, Stuttgart, 1974, in Poética, 6, 1974, pp. 103-110; especialmente pp. 106ss. 29 Um dos “tipos “tipos de recepção literária que não está está afinada afinada à ob ra” que Jauss tematízou - in 340ss.. - tamb ém desp onta naq ueles casos em q ue os leitores leitores estabe Poética, 7, 1975, pp. 340ss lecem hipóteses sobre o projeto do autor desenvolvidas durante a leitura de um texto como um pré-requisito para a recepção de outros textos do mesmo autor. Naturalmente, este tipo de informação sobre o autor, como os casos de Bõll e Grass o mostram, po de também influenciar a recepção que é disponível ao público fora dos textos literários. Minha hipótese sobre o caráter da recepção primariamente relativo ao autor não deveria ser mal entendida como uma variante do conceito de recepção necessariamente orientada pelo tex to, que Jauss criticou.
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reconstrução de atos produtivos textualmente, pois só em casos excepcio nais temos evidências dos atos de recepção. Juntamente com as projeções de imagens autorais já mencionadas, existe existem m os docu men tos tradicionais tradicionais do “diálogo cultural elevado” entre grandes autores (e não apenas os lite ratos), por exemplo, “a crítica que Voltaire faz de Rousseau” ou a “canonização de Balzac por Engels”. Este tipo de material nos traz duas dificuldades: ele fornece conclusões apenas indiretas sobre ações de com pre p re e n sã o , pois po is as e x p er iên iê n c ias ia s a d q u irid ir id as a p a re c e m co m o algo al go j á m e d iad ia d o po p o r u m obje ob jetiv tivoo in e r e n t e de p ro d u ç ã o tex te x tual tu al (Eng (E ngels els,, em sua su a ca rta rt a a Miss Harkness, quer antes de mais nada criticar-lhe o romance, City Girl, com pa p a ra n d o - o aos ao s trab tr ab alh al h o s de Balza Ba lzac); c); e, n a m aio ai o ria ri a dos do s casos, caso s, p e n e tr a ap en as em poucos aspectos da obra, levando assim em conta somente percepções parc pa rcia iais is (e in d ire ir e ta s) d e açõe aç õess d e leit le itur ur a. Uma vez que os estudos medievais estão numa situação especial mente precária para este tipo de demonstração, eles vêm tentando fazer da necessidade virtude enfocando as várias reformulações de um texto original 30 · dado como documentos de recepção . Naturalmente, nesse sentido, a questão é ainda mais urgente do que quanto ao “diálogo cultural elevado” Iwei n já j á m e n c io n a d o - se, p o r ex em p lo , a vers ve rsão ão de H a r tm a n n vo n A ue d e Iwein po p o d e s er aval av alia iada da co m o u m refl re flex ex o de sua su a c o m p r e e n sã o tex te x tu al ou se é uma reescrita de Yvain de Chrétien a serviço de um novo propósito e, em sua maior parte, independe da estrutura específica de uma compreensão textual prévia. Para sermos ainda mais precisos: a análise de formas de “recepção criativa” realmente permitirá algum tipo de inferência sobre as ações cognitivas do “leitor criativo”? Considerando essas dificuldades, a crítica literária deve intensifi car seus esforços para descobrir evidência extratextual de ações cognitivas no passado. Mas mesmo quando toda opção potencial tenha sido verificada, ainda sobrarão duas aporias: com relação a épocas passadas, sempre tere mos que nos concentrar na cognição de um público privilegiado, a saber, aqueles que estiveram em posição de deixar, atrás de si, evidências de sua compreensão; e, mais ainda, sempre haverá algo problemático quanto a
30 Para exem plo dessa variante medieval da estética estética da recepção, ver Ch ristoph Corrneau , Wigalois und Diu Crône, 7.wei Kapitel zur Gattungsgeschichte des nachklassischen Aventiure1976 76;; e o meu “Literary Literary Translation an d Its Soci Social al Con ditioning in the romans, M ünch en, 19 Middle Ages: Four Spanish Romance Texts of the Thirteenth Century”, in Yale French Studies, 51, 1974, pp. 205-222.
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reunir os resultados de estudos individuais numa “história da recepção” mais geral porque tais estudos individuais normalmente não fornecem continuidade histórica. Uma forma de evitar este segundo dilema seria simular significados para as leituras daquelas épocas das quais não possu ímos materiais receptivos através de reconstruções sócio-históricas funda mentadas num conhecimento social dado. Sem levar em conta o fato de que o esboço sócio-histórico necessário para desenvolver este tipo de hipó tese raramente é executado, devemos ainda perguntar até mesmo se isto p e r t e n c e r á às poss po ssíve íveis is tare ta refa fass d a c ríti rí tica ca lite li terá rá ria. ri a. Se tiv erm er m os s e rie ri e d a d e a respeito da pletora de problemas acarretados no estabelecimento de um novo paradigma, este tipo de produção de sentido hipotético será legítimo apenas nos casos em que leituras anteriores pertençam a condições acessí veis a intérpretes posteriores: assim, uma interpretação do Prefácio da segunda parte de Dom Quixote não pode deixar de estabelecer algum tipo de hipótese sobre a reação pública à primeira parte. Neste exemplo, cer tamente, a simulação de atos de entendimento histórico é perfeitamente ju s tif ti f ic a d a n o q u e d ig a re s p e ito it o a in tere te re sses ss es d a p e sq u isa is a - n o e n t a n to , pe p e r m a n e c e m e to d o lo g ic a m e n te p ro b lem le m á tic ti c a . Em contraste com níveis de recepção históricos, a recepção literá ria contemporânea nos fornece uma oportunidade de investigar “experi m en talm en te”, de c erta forma, os atos atos cognit cognitivos ivos de leitores desprivil desprivilegiados, egiados, oportunidade que não deveria ser descartada em razão de um desagrado geral pelo empirismo. Existem aqui dois conjuntos de circunstâncias que po p o d e r ia m p e r m it i r o b jeçõ je çõ es p o te n c ia is a esta es ta a b o rd a g e m . E m p r im e ir o lugar, lugar, até até m esmo um test testee de recepção exce lentemente p lanejado deforma rá as condições de uma situação receptiva autêntica, porque a motivação a pa p a r tic ti c ip a r d a e x p e ri ê n c ia p o d e r ia ab a fa r o inte in te re ss e lite li te rá rio ri o , p o r e x e m p lo , ou porque, vendo-se como uma cobaia, o leitor sinta-se particularmente obrigado a ler com mais intensidade do que de costume e a produzir um significado especialmente original, e talvez também por ser incapaz de descrever suas próprias ações cognitivas e experiências receptivas. Em se gundo lugar, tentativas anteriores de realizar pesquisa empírica sobre a recepção não foram particularmente satisfatórias. Nenhuma destas é acei tável como objeção primária porque, em nosso desejo de tornar o nosso trabalho o mais racional possível (em especial, estabelecendo um cânone pa p a r a a d id á ti c a lite li te r á ri a e g e r a n d o m é to d o s g e ra d o r e s d e e n s in o p a r a cursos de literatura), não deveríamos perder o rumo por causa de proble-
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mas epistemológicos. Elaborar um teste que satisfizesse as exigências teóri cas de uma sociologia da comunicação parece-me ser urna das tarefas mais urgentes da didática literária a qual, mesmo como didática normativa, p o d e r e a l i z a r s e u s o b j e t i v o s a p e n a s q u a n d o b e m f u n d a m e n t a d a cognitivamente na compreensão textual característica de seus vários pú blicos bli cos-alv alvo. o. Jauss exigiu que, ao planejar este tipo de experimento, assim como em todo esforço crítico para entender historicamente ações de compreen são, deveríamos proceder a partir da “prioridade hermenêutica do leitor implícito”. Voltando ao conceito de “leitor implícito”31, podemos recomen dar a seguinte diferenciação de seu postulado: quando a crítica literária estiver preocupada, em última análise, com a distinção entre leituras “cor retas” e “inadequadas” (o que é sempre o caso da didática literária), é necessário estabelecer um arcabouço para leituras corretas tendo como base ba se u m m o d e lo no rm ativ at ivo. o. Mas o n d e seus seu s in tere te re sses ss es e n fo c a r em a co m pr p r e e n sã o d a co n ex ão e n tr e leit le ituu ra s hist hi stór óric icas as (incl (in clus usiv ivee aq u elas el as q u e p a r e cem encapsulações ou interpretações errôneas) e suas condições, é aconse lhável retornar à leitura pretendida pelo autor como um pano de fundo contra o qual os vários significados históricos possam ser comparados.
A Exper Experiê iênc ncia ia da da Leitu Leitura ra e a Mo Motiva tivação ção para para as as Açõ Ações
Se mantivéssemos rigorosamente os limites do campo de uma críüca ba b a se a d a n a soci so ciol olog og ia d a co m u n ic aç ão c o n fo r m e foi fo i m e n c io n a d o de iníc in ício io,, o programa de desenvolver problemas e soluções advindos da pesquisa sobre a pro du ção e a cognição textuais como formas de ação social social já estaria equacionado. Uma vez que nos preocupamos aqui não apenas com a antecipação de problemas críticos mas, e em primeiro lugar, com a reconstrução de uma relação fundamental entre todos os diferentes estilos de pesquisa reunidos sob o título de “estética da recepção” e, conseqüen temente, com a sugestão de uma maneira de sistematizar a discussão atual assim como com o arrefecimento de uma certa euforia sobre as probabi lidades de sucesso desses estilos, ainda temos que enfrentar a maior ambi ção ção da estética estética da recepção - a reconstrução da influência da literatura na
31 Jau ss, “Der Le ser”, pp. 339ss. 339ss.
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história 32 . Este proje to me rece atenção especial, especial, porq ue seu sucesso sucesso forn e ceria fortes argumentos e apologia para todos os tipos de interpretação e, po p o r ta n to , p a r a a crít cr ític ic a lite li te rá ria ri a em gera ge ral.l. O que significa exatamente a afirmação de que a literatura exerce uma influência sobre a história? Aparentemente que a recepção literária seria um fator na estabili estabilizaç zação, ão, no qu estionam ento e na evolução evolução - em todo caso, caso, na m ud anç a qualitativa qualitativa - de estru turas sociais sociais existentes. Tais Tais mudanças só podem ser realizadas indiretamente, o que sugere que os significados efetivados por leituras de textos literários modificam o campo do conhecimento social do público que é a base de sua ação cotidiana. Schütz chamou a este conjunto de experiências “aquele sistema de fatores relevantes para a motivação” (das System der Motivationsrelevanzen)33. Assim, a literatura tem um impacto na história quando quer que sua recepção modifique o conhecimento relevante para a motivação, o que por sua vez altera a ação social de um número suficiente de leitores de forma que esta mudança torna-se um incentivo para uma mudança nas estruturas sociais. O que soa bastante plausível dentro do arcabouço de um modelo geral não pode entretanto ser reconstruído em detalhes históricos, até mesmo quândo temos acesso às ações de compreensão dos leitores. Isto sucede principalmente em virtude do fato, freqüentemente mencionado mas raramente analisado com precisão (a “autonomia” da arte), de que tais ações de compreensão de textos literários raramente são realizadas com o propósito de fornecer uma orientação para a ação prática34. Se, após a leitura de um manual básico de fotografia, eu deixar de escolher exclusivamente temas como “Tia Lucille diante do Túmulo do General Grant” (no melhor dos casos, sem realce) e de repente usar um tripé, captando teias de aranha orvalhadas ao sol da manhã em filme granulado, de alta sensibilidade, nesse caso não preciso de um crítico literário versado em sociologia sociologia da com unicação p ara estabelecer um a relação plausí plausível vel entre minha recepção textual e a mudança no meu comportamento de lazer. Pois pre p re c is a m e n te tal ta l m u d a n ç a foi, fo i, em p rim ri m e ir o lu g a r, o p r o je to d e m in h a leitura. Muito mais problemático seria o desenvolvimento de uma correla 32 Jauss Jauss,, “Litera turge schic hie ais ais Provok ation d er L iieralurwissenschaft”, p. 119. 33 Schütz, Das Da s Problem Probl em der Re lev an z, Frankfurt, 1971, p. 100. 34 Para um a dife renç a entr e as formas de re cepç ão relativas relativas a textos pragmá ticos e ficcionais, ficcionais, ver Stierle, in Poética, 7, 1975, especialmente às seções 2 e 3. Uma crítica da teoria marxista da autonomia da arte está em minha resenha de Theorie der Avantgarde, de Peter Bürger, 1975, in Poética, 7, 1975, pp. 223-233, especialmente às páginas 227-230.
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ção semelhante numa situação em que, digamos, no decorrer da leitura, po p o r p u r a dive di vers rsão ão,, d e Love Story Story de Eric Segai, eu perceber meu crescente interesse interesse em jovens italiana italianass estudantes de música, música, e der po r m im arquite tando encontros acidentais na cafetería ou na biblioteca35. Enquanto o lei tor, cuja recepção de um texto tem o propósito de alterar sua ação, faz um esforço para estender a ação de experiências prévias ou substituí-las por novas, este outro em geral nem mesmo se sentirá especialmente disposto, e de forma alguma obrigado, a ler textos literários a partir de uma pers pec p ecti tiva va se m elh el h a n te. te . No N o e n ta n to , dev deve-se e-se s u p o r q u e até at é m esm es m o esses tipo ti poss d e ofer of erta tass textuais, após terem modificado o conhecimento prévio do leitor, podem alterar sua ação. Naturalmente sabemos muito pouco sobre como tal influ ência funciona, a menos que esta tenha sua origem num projeto específico de reunir conhecimento. Uma vez que dificilmente algum receptor terá lido Love Story Story com o intuito de escolher a nacionalidade e a vocação de sua futura esposa, e porque o sistema de valores fornecido pelo texto, na melhor das hipóteses, vai portanto interagir com o sistema de valores pre viamente internalizado do receptor de uma maneira que mal tem sido estudada e que em absoluto não substituirá ou estenderá simplesmente aquele sistema, é inadmissível identificar a experiência fornecida pelo texto d e Love Story Story como a “motivação-porque” de mudanças comportamentais observadas durante e após as leituras. A aporia ao estudar a influência da recepção textual no comportamento do leitor, para sermos precisos, está na impossibilidade de isolar, no contexto do conhecimento relevante para motivar a ação, aquele tipo de experiência que remonta à recepção literá ria, e, então, avaliar sua significancia para as mudanças na ação36. Ainda 35 As críticas críticas da pro pos ta que aprese ntei no C ongresso de Filologia Filologia Rom ânica, em M anheim, levaram-me a enfatizar, antes de mais nada, que não quero negar a possibilidade de que a recepção literária influencie a ação dos receptores, mas sinto que é oportuno assinalar as dificuldades de descrever criticamente tais efeitos; e, em segundo lugar, que o exemplo d e Lo ve Story não recomenda implicitamente limitar a pesquisa sobre a sociologia da re cepção aos efeitos de textos literários triviais. 36 Cf. Cf. Max W eber, “Soziologische Soziologische G run dbe griffe”, in Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre , ed. J. Winckelmann, Tübingen, 1968: “Quando em confronto com situações dadas, os seres humanos em ação são, com bastante freqüência, expostos a impulsos contraditó rios e combativos que ‘com pre en dem os’ coletivamente. Mas a mag nitude à qual as várias várias relações de significado, significado, apanh adas nu m a ‘batalha ‘batalha de motivos’ e im ediatam ente com preensíveis em si mesmas, costumam expressar-se em ação, a experiência mostra ser extremamente regular mas não certa; em muitíssimos casos, elas não podem nem mesmo ser avaliadas aproxima da m en te”, pp. 548ss 548ss..
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