HOBSBAWM, Eric. A er er a dos extrem xtremos. Cap. 1 — A A era da guerra total A Primeira Guerra Mundial não pode ser evitada em um tipo de acordo porque os objetivos específicos de cada país eram ilimitados, envolviam política e economia indissociavelmente. A Alemanha queria o lugar global da Grã-Bretanha, inclusive na Marinha. A França, não mostrar-se menor diante da Alemanha.
Sobre a Grande Guerra A guerra tinha uma Frente Oriental e uma Frente Ocidental, esta, dentro da França e Bélgica, a mais cruenta e emperrada (inclusive no mar). Na Frente Oriental, a Alemanha contava com a ÁustriaHungria, a Turquia e a Bulgária para ajudar-lhe a deter os aliados que tinham o domínio da Grécia. Em 1917-8, os alemães conseguem vencer a Frente Oriental, acordando a saída da Rússia em março de 1918, no Tratado de Brest-Litowski . Daí, ela partiria para a Frente Ocidental, já exausta, onde encontraria o reforço ilimitado dos EUA. Participaram desta guerra todos os Estados europeus, com exceção da Espanha, dos Países Baixos, da Escandinávia e da Suíça. Da Segunda Guerra Mundial, que teria caráter global, só ficariam de fora a Irlanda, a Suécia, a Espanha, a Suíça, Portugal, Turquia e, fora da Europa, o Afeganistão.
Tecnologia na guerra Usou-se o gás químico, invenção alemã, que provocaria horror a ponto de, em 1925, ter-se acordado uma Convenção de Genebra (1925) para não mais usá-lo. Apesar do temor de que isto fosse ser desrespeitado a qualquer momento durante a Segunda Guerra, só mesmo na Guerra Irã-Iraque, dos anos 1980, ter-se-ia de novo este tipo de arma. A grande novidade foi o submarino. Foram úteis para os intuitos intuit os alemão e inglês de isolarem um ao outro para que não recebessem alimentos.
Da paz Ademais do Tratado de Versalhes (Alemanha), houve os tratados de Saint-Germain (Áustria), Trianon (Hungria), Sèvres (Turquia), Neuilly (Bulgária). Em seu conjunto, foram regidos por cinco princípios: (1) a contenção da influência bolchevique — feito feito por um cordão sanitário de Estados que, saídos do domínio russo, não lhe tinham boa amizade, como Finlândia, Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia e Romênia. A limitação dessa política de isolamento se deu no Cáucaso, onde a Rússia contava com a boa vontade da Turquia, que não era pró-Ocidente, embora tampouco fosse comunista, comunista, e com a qual selou acordo com os soviéticos em 1921.
(2) a necessidade de controlar a Alemanha (preocupação-mor da França) — o o que acabou gerando uma paz punitiva que, ademais de devolver a Alsácia-Lorena à França e de isolar a Prússia Oriental pelo Corredor Polonês, obrigou os alemães a: privar-se de Marinha e Aeronáutica efetivos; limitar seu exército a 100 mil homens; pagar “reparações” teoricamente infinitas; ter sua parte Ocidental ocupada militarmente; privando-a de todas as suas colônias (transformadas em mandatos — porque porque a questão das colônias começava a pesar, e mandatos trazia uma ideologia de tutela t utela baseada nos direitos humanos — mormente mormente dominados por França e Grã-Bretanha). (3) o remapeamento europeu — numa numa lógica de Estado-nação étnico-linguístico enviesada que , exceto por Áustria e Hungria, gerou novos estados multinacionais: Iugoslávia, Tchecoslováquia, Tchecoslováquia, Romênia e Sérvia. Estados estes que seriam o cenário de conflitos nacionalistas ao longo do século. (4) a coordenação de políticas internas; i nternas; e (5) mecanismos de que uma guerra como aquela não se repetisse — transifurados transifurados no fim da diplomacia secreta e no estabelecimento da Liga das Nações. A não ratificação dos EUA aos acordos de paz, porém, esvaziaram-nos, afinal, como também Alemanha e Rússia haviam sido isolados (politicamente, unir-se-iam já nos anos 1920), e a Itália viase insatisfeita com seus lucros, a legitimidade de tais acordos passava a assentar-se somente nas vontades de França e Grã-Bretanha.
A Segunda Guerra Mundial Na década de 1920, a grande crise econômica mundial levou ao poder as forças de direita na Alemanha e no Japão. Estes dois, junto com a Itália, são indubitavelmente os culpados pelo estouro da Segunda Guerra Mundial. Os marcos da estrada para a guerra foram: fo ram: (i) invasão japonesa à Manchúria (1931); (ii) (ii ) inavasão da Etiópia pela Itália (1935); (iii) intervenção ítalo-alemã na Guerra Civil Espanhola (1936-39); (iv) invasão alemã da Áustria e reocupação na Renânia (1936); (v) Acordo de Munique (1938), assinado entre Hitler, Mussolini, Chamberlain e Daladier, consentindo os Sudetos a Hitler e o controle sobre a Tchecoslováquia, desde que fosse sua última reivindicação territorial; (vi) a invasão alemã da Tchecoslováquia e invasão italiana da Albânia (1939); (vii) o pacto Hitler-Stalin de não agressão (agosto de 1939); (viii), por fim, as exigências alemãs à Polônia que levaram à guerra.
Japão O Japão tinha a maior força for ça naval do Extremo Oriente e uma das maiores internacionais, reconhecida no Acordo Naval de Washington (1922), que punha fim à supremacia naval britânica, obrigando-a a regular-se junto com as marinhas americana e japonesa. Todavia, os japoneses tinham consciência da vulnerabilidade de seu país, ao qual faltavam praticamente todos os recursos naturais necessários a uma economia moderna e cujas exportações estavam à mercê do mercado dos EUA. Estava aí sua razão de luta. E, no fim das contas, foram mais bem-sucedidos que os alemães em evitar as aliados: tirando a luta sino-siberiana de 1939, eles só declararam guerra à Grã-Bretanha e aos EUA, em 1941.
Desenrolar do conflito
Após a derrotar a Polônia, em 1939, a Alemanha tomou Noruega, Dinamarca, Países Baixos, Bélgica e França com ridícula facilidade até 1940. A França independente se resumiria a um balneário, Vichy, que os resistentes recusaram a chamar de república. Para fins práticos, a guerra na Europa estava acabada. Os britânicos não tinham chance de invadir o continente. À URSS, foi permitido recuperar algumas fronteiras a Oeste, o que não foi feito sem algum conflito, como a guerra russo-finlandesa de 1939-40. Foi neste momento que a Itália aderiu ao lado alemão. E, quando esta parecia prestes a ser expulsa dos seus territórios africanos pela Inglaterra, lutando da base egípcia, a Alemanha foi em seu socorro. O Afrika Korps passou a ameaçar toda a posição britânica no Oriente Médio. Insensamente, em junho de 1941, Hitler decidiu invadir a URSS. Para Hitler, conquistar um vasto império oriental, rico em recursos e trabalho escravo, era o próximo passo lógico. Mas essa invasão, da perspectiva mais ampla, era tão insensata, que Stalin não julgava que Hitler a contemplaria. Os avanços iniciais da Alemanha foram rápidos e bem-sucedidos. Mas não foram detinitivos, e isto o levou Hitler à batalha de duas frentes. Em 1942, a reação soviética começaria, e não mais pararia até chegar em Berlim. Até então, pode-se falar de uma guerra europeia. Ela se torna total em parte pela agitação dos súditos ingleses ao longo de todo seu império, mas, principalmente, porque o triunfo de Hitler sobre a França deixou um vácuo imperial na Indochina, que o Japão prontamente preencheu. Os EUA não gostaram e aplicaram-lhe sanções, o estopim do conflito entre os dois países. Por isto, pode-se dizer que Pearl Harbor, em dezembro de 1941, tornou a guerra verdadeiramente mundial. Um dos grandes mistérios é por que, em 1942, Hitler, esgotado, declarou guerra aos EUA. Especulase que ele não cria na força das democracias — só respeitava a Inglaterra, sabendo que não era uma total democracia. Ainda assim, os aliados só entraram na continente em 1944.
Consequências Ao contrário da Primeira Guerra, não se viu revolução alemã contra Hitler. Muito porque os Estados derrotados, desta vez, foram totalmente ocupados pelos vencedores (exceto na Itália, que capitulara antes). Não se fez qualquer paz formal, pois não mais se reconhecia nenhuma autoridade no Japão e na Alemanha. O mais próximo das negociações foram as conferências de 1943-45, em que as potências ordenavam os despojos e suas relações umas com as outras: Moscou (out. 1943) — Chanceleres das três grandes potências se reúnem. Comprometemse a criar uma substituta para a LDN. Teerã (out. 1943) — Discussão sobre a ONU e o dia D. Bretton Woods (jul. 1944) — FMI, BIRD (depois, BM)
Dumbarton Oaks (1945) — preparativos para criar-se a ONU Yalta / Crimeia (fev. 1945) — Os três grandes criarão áreas de influência (correspondendentes ao avanço militar efetivo). Fala-se sobre o veto, também. São Francisco (jun. 1945) — criação da ONU Potsdam (jul./ago. 1945) — Stalin, Truman e Clement Atlee se reunem para discutir a divisão da Alemanha, as reparações e a criação do Tribunal de Nuremberg.
Cap. 2 — A revolução mundial A Revolução Russa foi tão importante para o século XX quanto a Revolução Francesa o foi para o século XIX. Ela produziu de longe o mais formidável movimento revolucionário organizado da história moderna, e um terço da humanidade chegou a viver sob regimes derivados daí.
Como se deu Pela lógica da filosofia marxista, a Rússia czarista efetivamente não estava pronta para a revolução socialista, mas acontece que a sua classe média liberal era minoria, sem moral e apartada das instituições do governo, levando a que a balança pendesse para o lado popular. Com efeito, quatro dis espontâneos e sem lideranças derrubaram o império. A chamada Revolução de Fevereiro foi gerada por nada mais que manifestações clamando por pão, manifestações que atraíram as forças repressivas oficiais do czar. Assim, ele abdicou, sendo substituído por um Governo Provisório. Mas este Governo Provisório provou-se incompetente para lidar com os sovietes que pululavam desde a revolução de 1905, e que ao mesmo tempo que tinham poder de veto, não mais aceitavam autoridades, nem mesmo a autodidade dos revolucionários. O grande feito de Lenin foi domar a anarquia e transformá-la em poder bolchevique, a começar pelo slogan “Pão, Paz, Terra ”. Destarte, na chamada Revolução de Outubro, pode-se dizer que o governo foi menos tomado que colhido pelos bolcheviques. Que, é claro, não se viu livre das forças contrarrevolucionárias (os “ brancos”), patrocinados e auxiliados por tropas Ocidentais, na Guerra Civil de 1918-20. Felizmente para os bolcheviques, as forças “ brancas” eram incompetentes. Ademais da vitória do Exército Vermelho, a consolidação bolchevique se dera porque: (1) ela possuia um poder único, praticamente construtor de Estado, no centralizado e disciplinado Partido Comunista, que alcançava a maturidade. (2) Os bolcheviques pareciam, mesmo aos olhos de alguns patriotas hostis a estes, ser o único partido capaz de manter a Rússia unida (e a Rússia sofrera perigosamente o risco da desintegração durante a guerra civil). E (3) fora permitido ao campesinado tomar terras.
Propagação imediata Os acontecimentos na Rússia inspiraram revolucionários e revoluções. É tanto que a primeira reação do Ocidente (os 14 Pontos de Wilson) tentavam combater o internacionalismo leninista com o nacionalismo dos Estados-nações. Na Alemanha, a revolução, que começou envolvendo socialistas, e contou com breves repúblicas socialistas em certas regiões, depôs o kaiser e proclamou a república. Contudo, a força socialista logo diminuiria e sua ameaça seria minorada — incluindo-se aí o fato de ter-se matado os líderes do Partido Comunista alemão, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Também a Hungria experimentaria uma breve república soviética. Mas havia impedimentos diversos nesta expansão rumo ao Ocidente. O cordão sanitário wilsoniano provou-se uma dificuldade. O próprio comportamento revolucionário-mas-não-bolchevique de alguns grupos de camponeses seria outro (dentro da própria URSS, isto foi percebido quando os bolcheviques dissolveram a Assembleia que haviam convocado logo após a Revolução de Outubro;
afinal, acabariam por abolir a democracia eleitoral). A compartimentalização do movimento trabalhista internacional, a partir de 1920, seria outra, apesar do esforço de uma Terceira Internacional Comunista/Comintern (a Segunda durara de 1889 até a guerra, e a primeira de Marx, de 1864-72). A última tentativa de expansão neste início de era bolchevique deu-se coma breve guerra russo polonesa, provocada pelo ressurgimento da Polônia e sua demanda por fronteiras antigas. Mas os trabalhadores poloneses não se levantaram. Assim, em 1920, a revolução fracassava — rachava para nunca mais unificar. Com Stalin, viu-se a centralização sobre o Cominterm, transformado em ultrarreacionário como forma de compensar a necessidade da URSS de interagir mais como Estado, e mesmo a falta de apoio a grupos dissidentes de Moscou. Ainda assim, o arranjo partidário cunhado por Lenin teria a força para manter-se hegemônico até 1956, quando outras vertentes ideológicas voltariam à tona.
China Lenin sempre prestou atenção ao Oriente. Assim, de 1920 a 1927, as esperanças de revolução pareceram repousar aí, sobretudo na revolução chinesa, avançando sobre o Kuomitang, então o partido de libertação nacional, cujo líder Sun Yat-sen (1886-1925) acolheu igualmente o modelo soviético, a assistência soviética e o Partido Colunista. Esta aliança tomaria o Norte a partir do Sul, numa grande ofensiva entre 1925-1927, ponto a maior parte do país mais uma vez sob o controle de um único governo desde a queda do império, em 1911. Mas, logo, o sucessor de Sun Yat-sen no Kuomitang, Chiang Kai-shek, voltar-se-ia contra os comunistas, em 1927. Enquanto isto, Mao, no mesmo ano, estabelecia a primeira zona livre de guerrilha no interior. Mao foi um pioneiro da guerrilha rural — que só ganhou o mundo, mesmo, após a Revolução Cubana, porque, para os sovietes tradicionais, o campo estava sempre ligado a pensamentos arcaicamente conservadores. Mas, em 1934, o Kuomitang obrigaria os comunistas a abrir mão de vários sovietes e retirar-se para o remoto noroeste. Foi a chamada Longa Marcha. O contra-ataque de Mao começaria em 1937.
Segunda leva Ao contrário da primeira onda de revoluções, no entreguerras, quando a repulsa à guerra levara à revolução ao poder, a segunda onda, a segunda onda usara a própria guerra como recurso de ascensão. O vazio de poder deixado pela derrocada nazi pelos soviéticos. Por outro lado, há de se notar que a aceitação dos partidos trabalhistas e socialistas nas coalizões governistas da política capitalista — a social-democracia — não deixava de ser uma reação aos bolcheviques, já que, até antes de 1917, estes partidos permaneciam à espera da hora do socialismo.
Cap. 3 — Rumo ao abismo econômico A Grande Depressão deixou a Europa pronta para o fascismo. (A Alemanha nazista seria o único Estado a eliminar o desemprego.) E não só isto: ela destruiu o liberalismo econômico por meio século; obrigou os governos cidentais a dar às considerações sociais prioridades sobre as econômicas, sob o risco de reter uma radicalização à esquerda, que aproximasse a massa da URSS, ou à direita, que a aproximasse da Alemanha. (Pode-se já aí encontrar uma semente dos paradoxos da PAC, a Política Agrícola Comum da Comunidade Europeia.) A crise legou ao mundo as teorias keynesianas sobre o peno emprego, a instalação de modernos sistemas previdenciários; e o planejamento da política pública, inspirado nos Planos Quinquenais stalinistas, nos quais o Ocidente enxergou o porquê de a URSS ter não somente ficado imune à crise quanto triplicado (no mínimo) sua economia. O fato é que a URSS estava isolada, ao contrário dos demais países, cujas economias com efeito mantinham estreitos laços com os EUA? que, em 1929, respondiam por 42% da produção mundial. É impossível não explicar a crise sem os EUA. (Que seriam a maior vítima também.) Dois aspectos se destacam: Primeiro, os EUA não passaram a não precisar do resto do mundo, tornaram-se praticamente autárquicos e, neste processo, não cuidaram do dólar para que ele permanecesse estável, o estabilizador global como a Inglaterra fizera com a libra esterlina. Isto, aliás, explica o empenho norte-americano em assumir tal responsabilidade no pós-guerra, com as instituinções financeiras surgidas no pós-guerra. Segundo, a questão da fraca demanda, que não criou sua oferta, levando à superprodução. Para piorar, a demanda que havia funcionava fortemente em crédito e para artigos de luxo. O choque na renda levou à inadimplência e à redução do consumo. O fato é que, com o velho liberalismo condenado, restavam três opções políticas. O comunismo era um, mas a política do Cominterm não aproveitou esta oportunidade — decidira que o principal inimig era o trabalhismo de massa organizado dos partidos social-democratas e trabalhistas — , mas os fascitas, sim. O capitalismo social-democrata moderado, apoiando movimentos trabalhistas não comunistas, era o outro, e provou-se o mais efetivo. O fascismo, o terceiro.
América Latina A crise, na América Latina, levou a uma mudança que, embora não homogênea, tendeu mais para a esquerda, embora apenas brevemente. A Argentina entrou em uma era de governo militar e, embora líderes de mentalidade fascista como o general Uriburu (1930-2) logo fossem afastados, moveu-se para a direita. O Chile, por outro lado, aproveitou a Depressão para derrubar o ditador Carlos Ibañezs (1927-31) e instaurar uma república social-democrata, que chegou brevemente a ser scoialista em 1932, com o coronel Marmaduke Grove.
O Peru também foi para a esquerda, embora tivessem falhado as ambições da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA), o mais poderoso dos partidos e um dos poucos partidos de massa com base na classe operária do tipo europeu bem-sucedidos no hemisfério ocidental. A Colômbia foi ainda mais para a esquerda. Influenciados pelo New Deal, os liberais assumiram após quase trinta anos de governo conservador.
Colônias Nas colônias, a Depressão trouxe um acentuado aumento na atividade anti-imperialista. Estados europeus não podiam a longo prazo manter intatos impérios com uma infinita complexidade de intresses de produtores (a agricultura da metrópole chegou mesmo a competir com a da colônia). E mesmo em países com movimentos nacionais anticoloniais já desenvolvidos viram uma escalada dos conglitos. Foram anos de expansão para a Irmandade Muçulmana no Egito (fundada em 1928) e a segunda mobilização de massas de Gandhi (1931).
Cap. 4 — A queda do liberalismo
A queda liberal não foi apenas econômica, mas também um colapso de valores e instituições da civilização ocidental. E o perigo veio todo da direita, em se considerando que o movimento trabalhista socialista era fruto do pensamento liberal, e desafiada a economia, e não a constitucionalidade. Em se desconsiderando as idiossincrasias dos caudilhos, as forças antiliberais, contra a revolução social e tendendo ao nacionalismo, eram de três tipos: Primeiro, havia os autoritários ou conservadores anacrônicos, que não tinham qualquer programa ideológico além do anticomunismo e dos preconceitos tradicionais da sua classe. Visto na Finlândia de Horthy e Mannerheim; na Polônia de Pilsudski; na Espanha de Fanco. Segundo, havia uma direita de “estatismo orgânico ”, com nostalgia da aceitação da hierarquia social. Franco também se encaixava aí, assim como Portugal de Salazar. Regimes ligados com o catolicismo fortemente — o fascismo, no apoio que dava à Igreja, criou sérios problemas morais para os católicos com preocupações sociais; no embate, deu-se legitimidade pela primeira vez ao catolicismo democrático (democracia cristã). Por fim, havia o fascismo como o conhecemos, de Hitler e Mussolini, mas também da Cruz em Seta húngara, da Guarda de Ferro romena e dos terroristas croatas da Ustashi. A grande diferença entre a direita fascista e a não fascista era que a primeira só existia mobilizando as massas de baixo para cima — as massas que os reacionários tradicionais deploravam e que os defensores do “Estado orgânico ” tentavam driblar. O fascismo se movia com elas, enfatizando mais os valores tradicionais que uma volta à tradição. Note-se que, como os partidos fascistas tinham dificuldades para atrair elementos autenticamente tradicionais da sociedade rural, e como eram inimigos dos trabalhadores organizados, encontrava-se nas classes médias o grosso do seu eleitorado. Os nazi, sem dúvidas, realizaram um programa social para as massas: férias, esporte, o fusca. O fascismo vingava sobremaneira onde havia-se perdido um rumo total. Na Alemanha, a crise levou até mesmo o funcionarismo público estatal a aprová-lo, o que ajudou Hitler a expurgar as velhas elites imperiais — mais tarde, no pós-guerra, a inexistência destes elementos refletiria na consolidação de uma República mais forte que a de Weimar. Já na Itália, o fascismo foi claramente um regime calcado nos interesses das velhas classes dominantes, que surgira como defesa contra a agitação revolucionária italiana e, num certo sentido, continuou o processo de unificação italiana. É importante notar que não houve revolução fascista. Eles chegaram ao poder de forma “constitucional” e, uma vez lá, resolveram quebrar as regras do jogo. Economicamente, ao instaurar um governo centralizador e repressor de discidências, acabou efetivamente dinamizando a economia. O Japão, apesar das semelhanças de atitude no governo de Hirohito, não era fascista.
América Latina A influência fascista aí foi aberta e reconhecida, tanto em políticos individuais — Jorge Eliezer Gaitán da Colômbia e Juan Domingo Perón da Argentina — quanto em regimes, como o Estado Novo. O principal feito do fascismo na América Latina foi interno. (Tanto que só a Argentina chegou a favorecer o Eixo.) O que os líderes latino-ameircanos tomaram do fascismo foi a sua deificação de líderes populistas com fama de agir. Mas, no caso, as massas que queriam mobilizar não temiam pelo que perder: elas não tinha nada a perder. O inimigo era a oligarquia. Na Bolívia, a revolução de 1952 nacionalizou as minas de estanho e realizou reforma agrária indígena. Na Colômbia, Gaitán governou pelo Partido Liberal, até ser morto em 1948, o que provocou insurreição imediata e a proclamação de pequenas comunas. No balanço geral, se os regimes europeus fascistas destruíram os movimentos trabalhistas, os líderes ditos fascistas da América Latina os criaram.
Cap. 5 — O inimigo comum Mostra-se aqui como Ocidente e URSS (que começou a ser reconhecida como Estado ao longo da década de 1930) acabaram unindo-se contra o fascismo. Não havia nada de Realpolitik , na visão do outor, mas era uma briga ideológica entre dois filhos do Iluminismo e da Era das Revoluções e seu adversário — dir-se-ia entre “ progresso” e “reação ”, mas estes termos já não eram exatamente opostos. A Alemanha rompeu os tratados de paz e saiu da LDN em 1935. Daí, estabeleceu com Roma o Exito Berlim-Roma e, com o Japão, o Pacto Anti-Comintern. O Pacto Stalin-Ribbentrop, de não agressão, fora engendrado, do lado soviético, muito por medo de Stalin que tivesse de enfrentar Hitler sozinho, haja vista o isolamento que estava sofrendo das demais potências. Em reação à animosidade fascista, houve alguma aliança entre as diversas esquerdas (as Frentes Populares) e, embora tenham levado a vitórias de esquerda na França e na Espanha — na Inglaterra, o Partido Trabalhista também ganhou, em outro esquema — , não levou a uma mudança geral em termos continentais para a esquerda. Os Estados temiam, de fato, o nazismo, mas entre temer e agir há um fosso, alargado pelo medo do bolchevismo, pelas diferentes perspectivas de mundo e pela lembrança da Grande Guerra. Ademais, a democracia liberal impedia decisões políticas mais impopulares. Nos EUA, por exemplo, FDR era incapaz de mover-se contra a opinião do eleitorado. Tanto que só entrou na guerra após Pearl Harbor e a declaração de guerra de Hitler. Mesmo na Europa, a opinião pública teve influência. A ocupação da Tchecoslováquia converteu a opinião pública inglesa, que converteu o governo, que puxou consigo o governo francês.
Guerra Civil Espanhola A Guerra Civil da Espanha (1936-39) não foi uma primeira fase da Segunda Guerra Mundial, mas um reflexo localizado da tensão da época. A situação da Espanha, por estes tempos, era particular: a força não estava com comunistas ou fascistas, mas com anarquistas e carlistas. Em 1931, os liberais tomaram o poder dos Bourbon numa revolução pacífica, mas não puderam conter a insatisfação dos pobres, nem mesmo com reforma agrária. Assim, em 1933, foram afastador pos governos conservadores, cuja política de repressão só piorava a reação da massa. Por influência vinda da França, a esquerda espanhola descobriu a Frente Popular do Comintern, e ela conseguiu se mobilizar para, em 1936, ser a maioria no Parlamento. Deu-se, então, o pronunciamiento, o golpe militar. A esta altura, a direita, já atraída pelo fascismo, recebia apoio financeiro da Itália — que, como a Alemanha, esperava extrair algum proveito moral e talvez político da vitória aí. Acontece que um golpe a um governo legítimo não recebeu apoio popular — os golpistas ainda nem conseguiram tomar Madri e Barcelona inicialmente. A guerra civil explodiu, para derrubar o governo de Franco, da Falange Tradicionalista Espanhola. Itália e Alemanha enviaram armas imediatamente. A França deu alguma ajuda por baixo dos panos, mas a Inglaterra, que via a luta das esquerdas como um avanço bolchevique (as classes médias em gerais), fez lobby pela não intervenção. A Rússia também entrou neste Acordo de Não Intervenção, que tentava, também, impedir a ajuda alemã e italiana. Como não foi conseguido, a Rússia passou a enviar ajuda sem reservas, embora de modo
não exatamente oficial. (Isto aumentou enormemente seu prestígio — o de estar defendendo um governo legítimo.) Mas, antes da ajuda soviética, inúmeras pessoas estrangeiras se mobilizaram para combater naquela guerra. Cerca de 40 mil jovens estrangeiros. Explica Hobsbawm: “ Na época, o conflito apresentava-se àqueles que combatiam o fascismo como o front central de sua batalha, por ser o único em que a ação jamais cessou durante mais de dois anos e meio, o único em que era possível participar como indivíduos”. Mas, no fim das contas, a esquerda nunca conseguiu formar uma vontade militar, um comando estratégio únicos. A Guerra Civil Espanhola catalizou certas percepções das tensões, também. Tanto que o Relatório Beveridge, de 1942, recomendou ao governo, em plena guerra, a investir no Estado do Bem-Estar. Também ela reforçou a ideia de Stalin para o comportamento pianinho do Comintern, mais negociador e menos confrontador. A bem da verdade, até a Guerra Fria, o objetivo de diversos países da Europa Central dominada por comunistas não era a passagem imediata para o socialismo. O Comintern seria dissolvido em 1943, alegando-se medo do enfraquecimento da unidade do socialismo controlado pelos soviéticos.
Fora do Ocidente Frente ao Japão, dominado pelos ultradireitistas, as principais forças de resistência era a China comunista. Contudo, na maior parte da Ásia, África e mundo islâmico, o inimigo era mesmo o imperialismo. Ali, havia outra dinâmica. Havia, com efeito, o rechaço ao fascismo, sobremaneira porque os líderes dos movimentos de libertação colonial era gente educada no Ocidente, cujas influências levava a uma ligação entre fascismo e grilhões, mas houve movimentos que queriam aprovietar a fraqueza dos seus senhores, como o movimento “Deixe a Índia” (1942). No mundo muçulmano, foi um ano de crescimento para a Irmandade Muçulmana de Hassan al-Banna, mas, em geral, os movimentos que chegaram ao poder aí eram seculares e modernizantes, como os coronéis egípcios, as elites paquistanesas, o Partido Baath na Síria e no Iraque. Os teatros não-europeus trouxeram pouca recompensa aos soviéticos, a não ser nos casos em que o antifascismo coincidiu com a libertação: na China e na Coreia, onde os colonialistas eram japoneses. E na Indochina, que fora também tomada por japoneses.
Cap. 7 — O fim dos impérios
A Grande Guerra e a Grande Depressão levaram a um processo de substituição de importações que foi fundamental no processo de descolonização. Se a guerra tornou claras aos administradores imperiais as deficiências de uma indústria colonial insuficiente, a Depressão de 1929-33 os submeteu à pressão financeira. À medida que caíam as rendas da agricultura, a renda do governo colonial tinha de ser escorada por maiores impostos sobre bens manufaturados, incluindo os da própria metrópole. Pela primeira vez, as empresas ocidentais, que haviam até então importado livremente, tiveram um forte incentivo a estebelecer instalações para a produção local nesses mercados marginais. A grande tarefa dos movimentos nacionalistas de classe média nesses países era como conquistar o apoio das massas essencialmente tradicionalistas e antimoderna sem pôr em perigo seu próprio projeto modernizante — embora, no mundo islâmico, as tentativas de passar mensagens modernizadoras não se destinavam a mobilizar as massas, mas as escolas e faculdades. Antes de 1914, o único império que enfrentava problema com suas colônias era o britânico, o que o levou a conceder autonomia interna aos assentamentos brancos (passando a chamá-los de “domínios”), como é o caso do Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. No fim da guerra, foi obrigado a dar alguma liberdade a Egito, Iraque e Transjordânia. Nunca uma área tão grande do globo estivera sob domínio britânico, mas jamais os britânicos haviam sentido tão pouca confiança na sua capacidade de manutenção do status quo. Esse foi um dos grandes motivos pelos quais, ao fim da Segunda Guerra Mundial, os britânicos, em geral, não resistiram à colonização. Ao contrário dos outros impérios, que pegaram em armas para manter sua posição apenas recentemente abalada.
Índia A divisão da Índia segundo credos religiosos estabeleceu um precedente sinistro, ainda mais que, nas eleições sob a Constituição de 1835, o Partido do Congresso, secular e não sectário, triunfara até na maioria das áreas muçulmanos. Mas esta ascenção deixou muito muçulmanos ainda não eleitores apreensivos, pois a maior parte dos líderes do Partido era hindu. O Partido não agiu bem em romper esta imagem, o que deu espaço para a Liga Muçulmana, de Muhammad Ali Jinnah, romper com o Congresso e tomar o caminho que, em 1940, o faria clamar pelo separatismo (o Paquistão surge em 1947). Foi a guerra que dividiu a Índia em duas. As tensões da economia da guerra alienaram importantes grupos políticos muçulmanos que defendiam o domínio britânico, empurrando-os para a Liga Muçulmana. E a Inglaterra, temendo a capacidade do Congresso de sabotar o esforço de guerra, deliberada e sistematicamente explorava a rivalidade hindu-muçulmana para imobilizar o movimento nacional.
Descolonização completa Em 1950, a descolonização asiática, exceto pela Indochina, estava completa. Destacam-se:
A nacionalização das empresas de petróleo (1951) no Irã e a guinada daquele país para o populismo, sob o comando do dr. Muhammad Mussadiq e o poderosos Partido Tudeh (Comunista), até ser derrubado por um golpe organizado pelo serviço secreto anglo-americano, em 1953. A Revolução dos Oficiais Livres no Egito (1952), liderada pelo coronel Gamal Abdel Nasser. Na África, a guerra argelina duraria de 1954 a 1962, um conflito de brutalidade, que ajudou a institucionalizar a tortura nos exércitos. No Congo belga, a política de descolonização profilática (com manutenção da dependência econômica e cultural) levou à anarguia, guerra civl e política de potência internacional. Portugal continuou resistindo.
Cap. 8 — A Guerra Fria EUA e URSS passaram a competir, notadamente, nas áreas fora da Europa, onde a situação no pósguerra era menos definida — note-se que a URSS não queria muito a tomada do poder pelos comunistas na China. Note-se ainda que, nas áreas em que Moscou controlava, havia o entendimento de não se erguer Estados segundo o modelo da URSS, mas economias mistas sob democracias parlamentares multidpartidárias. A Iugoslávia foi um caso que escapou ao controle de Stalin. Já no Japão e Itália, sob pesada influência dos EUA, vigorava um sistema unipartidário permanente. A consequências nesses dois países foi a de estabilizar os comunistas como o maior paartido de oposição e instalar um regime de governo de corrupção institucional, que só seria revelada em 1992-3. O período mais explosivo foi provovalmente aquele entre a enunciação formal da Doutrina Turman, em 1947 (apoiar os povos da emeaça do comunismo), e a demissão do general Doulgas MacArthur, em 1951, comandante na Guerra da Coreia, que levou a ambição militar longe demais. (Curioso notar que, só nos EUA, os governos eram eleitos para combater o comunismo.) Uma péssima safra, seguida de um rigoroso inverno, em 1946, contribuiu para as tensões. As principais consequências políticas da Guerra Fria foi a polarização do mundo controlado. Com destaque para o efeito impressionante na política internacional europeia: levar à criação da Comunidade Europeia. É que o plano americano original para o pós-guerra era estabelecer uma economia de livre comércio, livre conversão e livres mercados, tudo dominado pelos norteamericanos (o que se mostrou irrealista). De toda sorte, a CE estabeleceu-se como uma alternativa ao plano americano de integração europeia. Inclusive, os cautelosos europeus foram incisivos em sugar as reservas de ouro de Fort Knox, a ponto de durante a maior parte da década de 1960, a establidade do dólar dependia menos das resevas dos EUA que da disposição dos bancos centrais europeus — sob pressão americana — de não trocar seus dólares por ouro, e entrar num Pool do Ouro para estabilizar o preço do metal no mercado. E, no entanto, à medida que a Guerra Fria se estendia, abria-se um crescente fosso entre a dominação militar, e portanto política, dos EUA e o enfraquecimento da sua predominância econômica.
Détente A detente apareceu junto com a ascensão de Kruschev (1954-64) , nos últimos anos da década de 1950. Curiosamente, a China passou a acusar Moscou de amolecer. Nos fim dos anos 1960, o comércio entre EUA e URSS voltou a aflorar.
Segunda Guerra Fria Já em meados dos anos 1970, houve a Segunda Guerra Fria, relacionada a dois acontecimentos que
apreceram alterar o equilíbrio das potências. A derrota dos EUA na Guerra do Vietnã, e a Guerra do Yom Kipur, em 1973. Em ambas os EUA se viu sem aliados dispostos a ajudá-los (exceto Portugal, eles se recusaram mesmo a emprestar suas bases, nesta última). É que estavam preocupados com o fornecimento de petróleo. Ademais, entre 1974 e 1979 uma nova onda de revluções surgiu no globo — era a terceira rodada de revoltas, em que vários regimes na África, Ásia e mesmo no próprio solo das Américas eram atraídos para o lado soviético. Foi a concidência dessa terceira onda re voluçnao com o fracasso público e a derrota dos americanos que produziu a Segunda Guerra Fria. O otimismo e a autossatisfação da URSS de Brejnev (que descobrira grandes reservas de petróleo) na década de 1970 a tornou certa. (Mas Brejnev aumentaria tanto os gastos militares para as duas décadas seguintes, que levaria o país à falência.) Dessas revoluções destacam-se as libertações das colônias portuguesas; a revolução na Etiópia que levou à derrocada do imperador e voltou-se para o Leste; e a derrubada do xá no Irã. Neste contexto, a política do linha-dura Ronald Reagan pode ser entendida como uma tenetativa de varrer a mancha da humilhação sentida.
Fim da Guerra Fria Hobsbawm não leva a sério em nenhum momento o conflito, no que diz respeito ao modo como EUA e URSS o viam. A seu ver, ambos os países sabiam que muito da ameaça era retórica, cena política. De toda sorte, ela só acabou quando uma ou ambas reconheceram o absurdo da corrida nuclear, e quando uma acreditou na sinceridade do desejo da outra de acabar com a ameaça nuclar. Foi mais fácil, evidentemente, que esta iniciativa saídsse da URSS, que jamais encarara a Guerrra Fria como cruzada, talvez porque não precisasse levar em conta a opinião pública. Assim, Mikhail Gorbachev tomou essa missão para si. Para fins práticos, a Guerra Fria terminou nas duas conferências de cúpula de Reykjavik (1986) e Washington (1987). A essa época a URSS estava na bancarrota. Não só pelos gastos armamentistas, mas pelo custo de patrocinar países cujas negociações não eram rentosas e, ademais, ao interagir com o capitalismo, a partir dos anos 1960, em vez de consertas suas falhas. O paradoxo da Guerra Fria é que o que derrotou e acabou despedaçando a URSS não foi o confronto, mas a détente. De toda sorte, seu legado transformara o panorama mundial em três aspectos: (i) eliminara inteiramente as rivalodiades e conflitos que moldavam a política mundial antes da Segunda Guerra Fria; (ii) congelara a situação internacional e, ao fazer isto, estabilizara um estado de coisas essencialmnete não fixo e provisório — daí tantas insurreições e reviravoltas ao fim, como o caso da invasão do Kuwait pelo Iraque, que sempre o reinvidicou, mas, antes de 1989, não tinha como invadi-
lo, sem que a URSS, seu principal fornecedor, deseconrajasse Bagdá. Note-se que, com exceção da China, nenhum Estado importante de fato mudou de lado, a não ser por uma revolução autóctone. (iii) encheu o mundo de armas. Desta forma a Guerra Fria se perpetuou. A UNITA em Angola. Na anarquia dos clãs da Somália, armada primeira pelos russos, quando o imperador da Etópia estava do lado dos EUA, depois pelos EUA, quando a Etiópia revolucionária se voltou para Moscou. No Afeganistão, cujas tribos receberam mísseis antiaéreos dos EUA a rodo, que passaram a usar como moeda de troca quando a URSS deixou o país.
Cap. 9 — Os anos dourados Não há explicações satisfatórias para a enorme escala do crescimento visto do pós-guerra aos anos 1960. Feita esta ressalva, pode-se destacar o fator de haver uma substancial reestruturação e reforma do capitalismo (que levava a uma “economia mista”, em que o Estado planejava e administrada a modernização econômica) somada a uma espetacular internacionalização da economia, que tornou possível uma divisão de trabalho internacional mais elaborada e explodiu o comércio de produtos industrializados. Deve-se sempre ter em mente que o mundo não emergiu da guerra sob a forma de um eficiente sistema internacional, multilateral, de livre comércio e pagamentos. As medidas americanas para estabelecêlo destaforma desabaram prontamente, com a ascenção do Estado do Bem Estar-Social. Mas uma coisa é fato: na prática, a Era de Ouro foi a era do livre comércio, livres movimentos de capital e moedas estáveis, graças basicamente à esmagadora dominação econômica dos EUA e do dólar (até a quebra do padrão dólar-ouro). No auge da Era de Ouro (1970), os EUA detinham 50% do estoque total de capital de todos os países capitalistas e, ademais, produziam mais da metade dos bens vendidos internacionalmente. A grande característica da Era de Ouro era precisar cada vez mais de maciços investimentos e cada vez menos gente, a não ser como consumidores. Contudo, o ímpeto e rapidez do surto econômico eram tais que, durante uma geração, isso não foi óbvio. Pelo contrário, a economia cresceu tão depressa que mesmo nos países industrializados a classse operária industrial manteve ou mesmo cresceu. Uma nova divisão internacional do trabalho, portanto, começou a solapar a antiga. Nos anos 1970, o Terceiro Mundo passaram a abastecer o mercado mundial com manufaturados — uma inovação decisiva na evolução destes países, que só amadureceria mais tarde. Foi o tempo de surgimento das zonas francas espalhando-se pelos países pobres, com mão-de-obra barata e sobretudo feminina. Politicamente, é de se notar que o grande boom dos anos 1950 foram presididos, quase em toda parte ,por conservadores (tempos estáveis não atraem votos para a esquerda). Na década de 1960, percebese uma mudança de curso, talvez em parte pelo recuo do liberalismo econômico — que levariam aos primeiros Estados de Bem-estar a aparecer por volta de 1960 — ou porque os velhos magos conservadores — Eisenhower, De Gaulle e outros — haviam morrido. Após o crash dos anos 1970, a economia não consegui recuperar seu ritmo. A década já começara difícil: com explosão salarial (com relações às manifestações juvenis, que acordaram os trabalhadores para o fato de que poderiam ganhar mais do que estavam ganhando), o fim do padrão dólar-ouro e o choque do petróleo.
Migração
A migração internacional demorou a recuperar-se do estrangulamento do entreguerras. O grande boom da Era de Ouro foi alimentado não apenas pela mão de obra dos ex-desempregados, mas por vastos fluxos de migração interna. Mas, efetivamente, havia migração internacional. A imigração fora uma solução patrocinada pelo Estado para a escassez de mão-de-obra. (Mas os governos resistiam a torná-la livre em suas fronteiras.) Nas difíceis décadas pós-1973, ver-se-ia uma aguda elevação da xenofobia na Europa.
Economia transnacional A partir da década de 1960, a economia se tornou cada vez mais transnacional — não que o processo não tivesse antecedentes, mas não na escala em que se deu de fato. Seu surgimento criou grandes problemas para os países nas Décadas de Crise. Que viu também surgir as offshores, empresas regitradas em territórios com generosas isenções fiscais, que permitiam aos empresários aumentar seus lucros.
Eurodólar Também na década de 1960, Londres transformou-se em um pólo de convergência de euromoeda ou eurodólar , dólares depositados em bancos não americanos e não repatriados (para evitar-se taxações), chegando em abundância, graças aos altos investimentos norte-americanos no exterior, e que, assim, passaram a ser usados como instrumentos financeiros negociáveis, isto é, fundando um mercado global, sobretudo de empréstimos a curto prazo, que escapava a qualquer controle. Seu crescimentoi sensacional, sobretudo com o aumento do preço do petróleo e a investida dos petrodólares neste mercado de capital solto que varriam o globo em busca de lucros rápidos. Todos os governos acabaram sendo vítimas disso, pois perderam o controle das taxas de câmbio e do volume de dinehiro em circulação no mundo. Em princípios da década de 1990, até mesmo a ação conjunta de grandes bancos centrais revelou-se impotente.
Cap. 10 — A revolução social — 1945-90 Notas avulsas: A mudança social mais impressionante e de mais longo alcance da segunda metade do século XX, e que nos isolou para sempre do mundo do passado, foi a morte do campesinato. Só três regiões do globo permaneceriam essencialmente aldeãs: a África subsaariana, o sul e o sudeste da Ásia continental e a China. ●
Nos anos 1980, embora o mundo desenvolvido continuasse muito mais urbanizado que o mundo pobre, suas cidades gigantescas, cujo auge se dera no início do século, dissolviam-se. As maiores aglomerações, no fim da década, eram encontradas no Terceiro Mundo (Cairo, Cidade do México, São Paulo, Xangai) ●
As classes operárias industriais não sofreram terremotos demográficos até que viu-se declinando na década de 1980. Havia, contudo, uma ilusão de colpaso existente pelo menos desde os anos 1960, em parte provocada pela migração da indústria intensiva em mão-de-obra para países pobres, em parte pela própria estrutura das indústrias mais modernas. As crises de 1980 que abalariam essa classe recriariam o desemprego em massa na Europa. A Inglaterra perdeu 1/4 da indústria em 1980-4 (ainda na Era Thatcher, que foi de 79 a 90). ●
Note-se também que a prosperidade e a privatização da vida (troca dos espaços públicos por atividades mais atomizadas, como ver tevê, ouvir o rádio) enfraqueceram a coletividade operária, bem em momento de crise. Ademais, a ajuda que alguns recebiam do Estado gerava um revival da divisão vitoriana entre “respeitáveis” e “não respetiáveis ”. Por fim, a diversidade étnica e racial voltou a ser um problema. ●
Cap. 12 — O Terceiro Mundo Notas avulsas: O mundo pobre vivenciou uma segunda fase no modelo demográfico de Thompson a partir dos anos 1940. O Brasil encaixa-se nesta tendência mundial, com alguma antecedência, admitindo-se que sua segunda fase tenha-se iniciado nos anos 1930. ●
O ambiente político da conjuntura de aparecimento dos novos países terceiro-mundistas era favorável aos regimes militares (um caso à parte é América Latina, em que era uma tradição). O único que os EUA apoiaram na Europa foi o instalado em 1967 por coronéis ultradireitistas na Grécia. Durou apenas sete anos. ●
O México fez sua primeira nacionalização do petróleo — uma tendência relativamente grande entre os países do Terceiro Mundo — em 1938. ●
Houve muita reforma agrária de modo geral. Na América Latina, destacam-se a da Bolívia (1952) e do Peru, nos anos 1960. Por conta da tradicionalidade das massas camponesas, seu intuito econômico acabou fracassando. No fim da Era de Ouro, enquanto a desigualdade de renda atingia seu ponto mais alto na América Latina, seguida pela África, era em geral baixa em vários países asiáticos, onde uma reforma agrária bastante radical fora imposta sob os auspícios das forças de ocupação americanas, como no Japão, na Coreia do Sul, em Taiwan. ●
O termo “Terceiro Mundo” surge em 1952, mas já nos anos 1970 fica defasado. Aparece a abordagem Norte x Sul. ●
Os líderes principais do movimento dos não alinhados, cujo gérmen surgiu na Conferência de Bandung de 1955, foram Jawaharlal Nehru (Índia), Sukarno (Indonésia), Gamal Abdel Nasser (Egito) e Tito (Iugoslávia!). Todos estes eram ou se diziam socialistas à sua maneira ( ≠ URSS), mas tinham alguma simpatia pela URSS, ou pelo menos estavam dispostos a receber sua ajuda, ainda mais que os EUA haviam de repente abandonado este apoio, após o mundo ter-se dividido, passando a se escorar em elementos mais conservadores. ●
Complementando a OTAN, os EUA formaram mais duas alianças: Organização do Tratado Central (CETAN), com Turquia, Iraque (pré-1958), Paquistão e Irã do xá; e a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO), ccom Paquistão, Filipinas e Tailândia. ●
Duas regiões — herdeiras das partilhas imperiais — se destacam por terem tensões à margem da Guerra Fria ao longo da Era de Ouro. A primeira delas foi o norte do subcontinente indiano. Ali, as superpotências só iriam se meter a partir da invasão do Afeganistão, mas, antes deste conflito, houve três outros: a guerra sino-indiana de 1962, pela mal definida fronteira entre os dois países, vencida pela China. A guerra indo-paquistanesa de 1965, vencida pela índia. E uma nova indo-paquistanesa, em 1971, resultado da separação do Paquistão Oriental (Bangladesh), apoiada pela Índia. A outra região era o Oriente Médio, especialmente no Mediterrâneo oriental (onde Grécia e Turquia eram ●
tensionados a não competir, por serem ambos da OTAN, embora, em 1974, da invasão turca ao Chipre dividiu-se esta ilha), no golfo pérsico (onde, após a revolução do Irã, este e o Iraque entraria em uma guerra de oito anos — 1980-8) e na região de fronteira entre Turquia, Irã, Iraque e Síria (onde os curdos tentaram em vão conquistar a independência que o presidente Wilson incautamente os exortara a exigir em 1918). Um dos fatos que comprova a não ligação com a Guerra Fria nestas tensões é o reconhecimento quase imediato feito pela URSS do Estado de Israel. Vale destacar ainda a “revolução verde”, a modernização das técnicas agrícolas, dos campos — ou, quando mesmo, a demanda de novos produtos, como foi o caso da fronteira amazônica da Colômbia, em que o lucrativo mercado de coca cooptava os camponeses locais, ademais que seu estilo de vida era defendido pelas FARC. Esta região, na década de 1970, tornou-se uma etapa do transporte de coca boliviana e peruana e local dos laboratórios que a transformavam em cocaína. ●
Cap. 13 — “Socialismo real”
De início, vale notar que a Rússia, agora rebatizada de URSS, foi o único dos antigos impérios a sobreviver à Primeira Guerra Mundial como uma entidade multiétnica. Em 1945, estas fronteiras se alargariam com o domínio sobre o Leste Europeu (Polônia, Checoslováquia, Hungria, Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Albânia e parte da Alemanha), escapando ao seu controle somente Grécia e uma parte da Turquia. Ao passo em que esta expansão se dava, ou mesmo depois dela, outros regimes comunistas, independentes da URSS, surgiam: China (1949), Coreia (1945), Indochina em guerra (1945-75); mais tarde, Cuba (1959) e alguns países da África, nos anos 1970, como Angola. Muito por conta da China, o bloco socialista do mundo formava, no pós-guerra, 1/3 da população mundial. Ademais, durante a maior parte da sua existência, formou um subuniverso separado (os EUA reconheceriam a URSS em 1933) e em grande parte autossuficiente — mesmo no auge da Era de Ouro, só exportariam do mundo capitalista cerca de 4% da sua produção total. Só a partir da década de 1970 houve sinais de integração entre os dois blocos. Na década de 1960, após os escândalos stalinistas provavelmente, os soviéticos cunharam o termo socialismo real , para sugerir que podia haver outros e melhores tipos de socialismo, mas calhara daquele que existia ser o único que conseguia funcionar. Duas características deste tal socialismo real: o controle migratório e, principalmente, o planejamento econômico. Este último foi a receita soviética para salvar a URSS que, ao fim da Guerra Civil, encontrava-se mais pobre que a Rússia czarista, e isolada. A receita era: planejamento econômico estatal centralizado, voltado para a construção ultrarrápida das indústrias básicas, e infraestrutura essencial a uma sociedade industrial moderna. Foi tão eficaz que, no entreguerras, e sobretudo durante a década de 1930, excetuando-se o Japão, a URSS cresceu mais depressa que o resto do mundo. Os capitalistas seriamente desconfiavam que ela poderia ultrapassá-los em breve. Como dito, foi a Guerra Civil (1918-20) que levou as coisas a este ponto. Os bolcheviques esforçaram-se para encontrar uma solução que salvasse a economia do país, notadamente porque seu Comunismo de Guerra, isto é, sua política de luta contra a contrarrevolução, pesava fortemente sobre os ombros camponeses (que tinham seus grãos requisitados pelos militares) e operários (que se viam passando por privações). Assim, em 1921, Lenin lançou o Capitalismo de Estado — aquela história de um passo atrás para dar dois passos à frente — , sintetizado na Nova Política Econômica ( NEP, na sigla em inglês), por sua vez materializada pela Comissão de Planejamento do Estado, a Gosplan. Foi uma medida polêmica. Os radicais, como os trotskistas, queriam um rompimento com a NEP e uma corrida em massa para a industrialização (que Stalin faria). Com efeito, Hobsbawm alega que a razão para a decisão de estabelecer um poder socialista na Rússia desapareceu quando a “revolução proletária” não conseguiu conquistar a Alemanha. Mas, uma vez no poder, legitimados pelo povo, restava-lhes governá-los. A NEP foi bem sucedida em recuperar a economia ao nível do pré-guerra, mas ela tinha um limite. Como a Rússia era esmagadoramente camponesa, o sucesso da empreitada capitalista controlada dependia do que a massa de camponeses queria vender à cidade, do que queria comprar dela, quanto
de sua renda desejava poupar, em contraponto a um parco desenvolvimento industrial, que tinha pouco a oferecer e a estimular que os camponeses vendessem seus extedentes. Foi a chamada crise da tesoura, que estrangulou a NEP. Em suma, ela não foi feita para durar. E, politicamente, era deslegítima para um governo comprometido com o socialismo. O que levou o partido a optar pela NEP era que a outra alternativa seria uma industrialização imposta e controlada. Que foi o que acabou acontecendo mais tarde, com Stalin, porque uma política dessas imporia sacrifícios ao povo, ser-lhe-ia implacável e, portanto, precisaria de um estado coercitivo. Stalin tinha os colhões para coagir. Assim, a “economia planejada ” e os Planos Quinquenais surgiram (o primeiro foi em 1929), tomando o lugar da NEP. Era um plano grosseiro, a bem da verdade: essencialmente, seu objetivo era mais criar novas indústrias do que dirigi-las, e preferiu dar prioridade imediata aos setores básicos da indústria pesada e da produção de energia, que eram a fundação de qualquer grande economia industrial — e, por sorte, a URSS era rica em recursos como carvão, petróleo, ferro, etc. Para o plano funcionar, precisava de gente capacitada, coisa que a URSS não tinha num primeiro momento: técnicos e trabalhadores capacitados eram um artigo em falta. Assim, o jeito foi haver uma supercentralização, que criaria mais tared uma enorme burocratização no regime. Deve-se levar em conta, ademais, que esta industrialização se apoiava nas costas de um campesianto explorado. As fazendas foram coletivizadas e, compulsoriamente, transformadas em cooperativas ou em fazendas estatais. O efeito imediato, efetivamente, foi baixar a produção agropecuária, a ponto de ter havido uma grande fome em 1932-33. A partir de então a agricultura da URSS não foi mais capaz de alimentar seus nacionais plenamente. Na década de 1970, o país passou a importar até 1/4. Péssima política agrícola e exagerada burocratização foram fatores essenciais na débâcle da URSS. Mas o que terminou por estrangulá-la mesmo foi a inflexibilidade do seu sistema industrial. Ele estava engrenado para o crescimento constante na produção de bens cujo caráter e qualidade haviam sido predeterminados, mas não continha qualquer mecanismo interno para variar quantidade ou qualidade, tampouco para inovar. Em suma, foi um complexo projetado na suposição de que o povo se satisfaria em viver um padrão de vida material apenas um pouco acima da subsistência. Não à toa, o mercado negro expandiu-se tanto, sobretudo a partir dos anos 1960. (Não nos esqueçamos que todas estas políticas, cujas falhas só seriam vistas em retrospectiva, inspiraram regimes d ’outros rincões do planeta.) O modelo soviético é marcado, também, poder ter rompido com o sistema democrático, que até então fazia parte dos movimentos trabalhistas e socialistas marxistas do fim do século XIX. Este risco já estava implícito na criação leninista do Partido de Vanguarda, isto é, um quadro de revolucionários profissionais, preparados para executar as tarefas a eles destinadas por sua liderança central. Ao mesmo tempo em que a situação parecia demandar aquele tipo de atitude, para controlar a revolução fragilizada (o unipartidarismo, chamado cretinamente de “centralismo democrático”, e a despeito da Constituição de 1936, nasce no decorrer da Guerra Civil), o risco ao autoritarismo não podia ser ingorado, ainda mais quando potencializado pela expansão do partido pós-Revolução de Outubro. Materializado em Stalin.
Os outros Os Estados comunistas que surgiram no pós-guerra eram todos formados em moldes soviéticos. Até mesmo a China, embora fosse autônoma em relação a Moscou desde 1930. Em todos havia o unipartidarismo, economia planejada, controle de informação e até mesmo líderes supremos de forte perfil. Politicamente, os Estados comunistas começaram formando um único bloco, sob a liderança da URSS. Até entre Moscou e Pequim havia um respeito mútuo que, quando Kruschev, na sua vez, no fim dos anos 1950, tentou forçar, acabou gerando um rompimento, que levou a China a contestar (sem êxito) a liderança soviética do movimento comunista internacional. Já em relação ao Leste, desde Stalin, havia menos conciliação — o que levou Tito a romper com a URSS no 1948. Mas foi após a morte do czar vermelho que o desmoronamento político do bloco começou para valer — sobretudo pelos ataques ao próprio Stalin. O fato de esta grande crise dentro do bloco soviético não ter sido explorada pela aliança ocidental demonstrou a estabilidade das relações Oriente-Ocidente. Os efeitos na Europa foram imediatos. Em poucos meses, surgiu uma liderança comunista reformista na Polônia (aceita por Moscou) e uma revolução na Hungria, em 1956, em que Imre Nagy anunciou o fim do unipartidarismo e (o que de fato provocou a truculência moscovita) sua saída do Pacto de Varsóvia. (Ao final, a própria URSS, apoiando János Kádár, cederia a muitas das reinvidicações de 1956). Na Romênia, desde a ascenção de Nicolae Ceausescu, a Romênia começara a assinalar sua distância de Moscou em bases nacionalistas. Já na Checoslováquia, as tensões entre checos e eslovacos tardaram um pouco as reformas, que viriam mais pelos anos 1960. Ademais, ali, onde o regime foi particularmente mais duradouro e duro, as reinvidicações alcançaram o clímax com a Primavera de Praga, em 1968, que Moscou decidiu derrubar militarmente — o que foi a pá de cal da sua hegemonia bem-recebida no centro do bloco. O bloco durou mais 20 anos, mas, desde a Primavera de Praga, esta união se daria mais pela ameaça da intervenção militar da superpotência. Afora a política, economicamente o sistema socialista começou a entrar em exaustão no fim dos anos 1950, aumentando o fosso de riqueza entre este bloco e o capitalista. Daí muitas das agitações políticas estarem intrinsecamente ligadas à economia, à descentralização e flexibilização. Exceto pela Hungria, não foram bem sucedidas as tentativas de reforma conseguidas.
Cap. 14 — As décadas de crise
A história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise — e, no entanto, até a década de 1980 não estava claro como as fundações da Era de Ouro haviam desmoronado. O que haveria de errado, se, desde os anos 1970, estava em voga
um novo método, iniciado pelos japoneses, e tornado possível pelas tecnologias, de ter estoques menores, de produzir o suficiente para abastecer os vendedores just in time (na hora), escapando assim à volatilidade do “ciclo de estoques ”? O fato é que, em 1987 a Bolsa norte-americana tornou a quebrar e houve uma grande crise de câmbio internacional em 1992. A economia global não desabou, mas diminuiu grandemente seu ritmo no Primeiro Mundo; tornou as população da África, Ásia ocidental e América Latina mais pobres; e devastou, a partir de 1989, as economias socialistas, que, até então, haviam conseguido modesto crescimento. Em termos de retrocesso, só escaparam os Newly Industrialized Countries (NICs) do sul e sudeste asiáticos, cujas revoluções industriais só começaram nos anos 1960. Estas Décadas de Crise trouxeram, para o Primeiro Mundo, problemas que pareciam ter sido eliminados na Era de Ouro, tais quais pobreza, desemprego em massa, miséria e instabilidade. A crença de que seria algo passageiro fez, no início, com que os governos não se preocupassem em mudar seus programas, apenas comparam tempo (no caso do Terceiro Mundo e do bloco socialista, com empréstimos de juros altíssimos, que julgavam poder pagar logo). Quando a crise se mostrou longeva (é quando surge o termo estagflação, para explicar a situação de estagnação+inflação — teria sido a perda da fixidez de preços do modelo keynesiano? ), percebeu-se logo uma virada para a direita já nos anos 1970. O fato é que as Décadas de Crise marcaram a perda do poder dos Estados sobre a economia. As operações do capitalismo agora eram incontroláveis. Entretanto, os neoliberais, notadamente Friedrich von Hayek e Milton Friedman (ambos honrados com o Nobel nos anos 1970; este último tendo sido acessor do Chile de Pinochet, que instaurara o neoliberalismo pioneiramente), ganhavam espaço, afirmando que a economia e a política da Era de Ouro impediam o controle da inflação e o corte de custos tanto no governo quanto nas empresas privadas, assim impedindo que os lucros, verdadeiro motor do crescimento econômico, aumentassem. Com efeito, estando agora os Estados à mercê do mercado mundial, que tendia a desconfiar mais da esquerda, mesmo um país rico como a França, então sob o governo do socialista Mitterand (198195), viu-se sem muita margem de manobra no início dos anos 1980, obrigada a desvalorizar sua moeda e subsituir o estímulo keynesiano. Reagan, mais tarde, diria que o “o governo não era a solução, mas o problema ”. Por outro lado, os neoliberais logo mostrariam estar tão desorientados quanto os seus opositores. Eles não conseguiam reduzir o peso do Estado (a Grã-Bretanha thatcherista pesava a mão nos impostos mais que os trabalhistas); apesar do discurso pró- laissez faire, olhavam com desconfiança para o mundo externo; e o seu líder, os EUA, valeu-se de medidas keynesianas para supear a depressão de 1879-82, entrando num déficit gigantesco e empenhando-se de modo igualmente gigantesco a aumentar seus armamentos. Ademais, controlando o valor do dólar via pressões dipliomáticas. No fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, assim, o triunfalismo liberal foi minado. O que tornava os problemas econômicos das Décadas de Crise perturbadores era o fato de flutuações conjunturais coincidirem com convulsões estruturais — notadamente, a transnacionalização das empresas em grande escala, somada à mecanização era o maior problema do desemprego.
Viu-se, nos anos 1990, um desaparecimento de governos trabalhistas e social-democratas. Ao mesmo tempo, cresceram partidos com diversas ideologias, para ocupar este vácuo — de partidos ambientalistas a partidos xenófobos. Note-se que a aversão ao outro não era dirigida só ao estrangeiro mas, de modo geral, aos que estavam fora de certos grupos identitários. Do lado dos países socialistas, a inserção da URSS no mercado mundial a partir dos anos 1970, com a exportação de grãos e a crise do petróleo, levaram a que o bloco ficasse menos protegido da crise, desta vez. Ao coincidir a crise com o súbito desaparecimento do bloco, o resultado foi devastador. Sobretudo porque o neoliberalismo, então em voga no capitalismo, foi a principal influência para as novas nações. A China, inesperadamente, apareceu como a economia mais dinâmica e de crescimento mais rápido. Por fim, quanto ao Terceiro Mundo, é mais difícil generalizar. O que se pode dizer é que todos mergulharam em dívidas, que os bancos, cheios de petrodólares, ficavam ávidos por empregar — enquanto eles pudessem pagar pelo menos as amortizações, tudo bem. Hobsbawm chega a firmar que o momento mais crítico foi quando Méxco, Brasil e Argentina entraram na bancarrota, o que poderia ter levado o sistema bancário ocidental ao colapso — “ provavelmente o momento mais perigoso para a economia mundial capitalista desde 1929 ” — , mas cujo risco passou ao ver-se que os três gigantes latinos não coordenaram uma atuação quanto às suas dívidas, preferindo negociar unilateralmente com os organismos internacionais. Também vale a pena notar que o investimento no Terceiro Mundo reduziu-se muito, notadamente, em 1990, havia intestimento direto substancial em apenas catorze, de uma média de 100 países de baia e média renda fora da Europa. Investimentos vultuosos, só nos três gigantes latinos, além de China, Tailândia, Malásia e Indonésia. A economia transnacional solapou o Estado-nação.
Cap. 15 — Terceiro Mundo e revolução