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Aprender Antropologia Fran¸cois cois Laplantine 2003
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Conte´ udo udo I Mar arccos Par ara a Uma Hist ist´ oria Do Pensamento Anoria tropol´ ogio 23 1 A Pr´ e-Hist´ e-Hist´oria Da Antropologia: 25 1.1 1.1 A Figu Figura ra Do Mau Mau Sel Selv vagem agem E Do Do Bom Bom Civi Civili liza zado do . . . . . . . 27 1.2 1.2 A Figu Figura ra Do Bom Bom Selv Selvag agem em E Do Do Mau Mau Civi Civili liza zado do . . . . . . . 32 2 O S´ eculo XVI I I:
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3 O Tempo Dos Pioneiros:
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4 Os Pais Fundadores Da Etnografia: 57 4.1 BOAS (1858-1942) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 4.2 MALINOWSKI (1884-1942) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 5 Os Pri Prime meir iros os Te´ Te´ oricos Da Antropologia:
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II As Princip Principais ais Tend Tendˆ ˆ encias encias Do Pensam Pensamen ento to Antropol´ ogico Contemp orˆ aneo 73 6 Intr Introdu odu¸¸c˜ ao: 6.1 Campos Campos De Inve Investi stiga¸ ga¸ c˜ c˜ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.2 6.2 Deter Determi mina na¸c˜ c¸˜oes Culturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.3 6.3 Os Cinc Cincoo P´ olos olos Te´oricos oricos Do Pensamento Antropol´ ogico ogico Contemporˆ aneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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7 A Antropo Antropolog logia ia Dos Siste Sistemas mas Simb Simb´ ´ olicos
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8 A Antrop ologia So cial:
91
9 A Antrop ologia Cultural:
95 3
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10 A Antrop ologia Estrutural E Sistˆ emica:
103
11 A Antrop ologia Dinˆ amica:
113
III
A Especificidade Especificidade Da Pr´ atica atica Antropol´ Antropol´ ogica
119
12 Uma Ruptura Metodol´ ogica:
121
13 Uma Invers˜ ao ao Tem´ atica:
125
14 Uma Exigˆ encia:
129
15 Uma Ab ordagem:
133
16 As Condi¸c˜ c˜ oes oes De Produ¸c˜ c˜ ao ao Social Soci al Do Discurso Discur so Antropol´ Antropol ogico137 o ´gico137 17 O Obs Obser erv vad ador or,, Par Parte te Inte Integr gran ante te Do Objeto Objeto De Estu Estudo do::
139 139
18 Antrop ologia E Literatura:
143
19 As Tens˜ oes oes Constitutivas Constit utivas Da Pr´ atica atica Antropol´ Antropo l´ogica: 149 19.1 O Dentro E O Fora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 19.2 A Unidade E A Pluralidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 152 19.3 O Concreto E O Abstrato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 157 20 Sobre o autor:
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Pref´ acio A ANTROPOLOGIA: uma chave para a compreens˜ ao do homem
Uma das maneiras mais proveitosas de se dar a conhecer uma area ´ do conhecime ci mento nto ´e tra¸car-lhe car-lhe a hist´ oria, mostrando como foi variando o seu colorido atrav´es es dos tempos, como deitou ramifica¸ coes c˜ ˜ novas que alteraram seu tema de base ampliando-o. Para tanto ´e requerida requerida uma erudi¸ cao c˜ ˜ dificilmente encontrada entre os especialistas, pois erudi¸c˜ cao ˜ e especializa¸c˜ cao ˜ constituem-se em opostos: a erudi¸c˜ cao ˜ abrindo- se na ˆansia ansia de dominar a maior quantidade poss´ poss´ıvel de saber, a especializa¸c˜ c˜ ao se fechando no pequeno espa¸co co de um conhecimento minucioso. O livro do antrop´ ologo francˆes es Fran¸ Fran¸cois cois Lapl aplant antine ine,, profe professor ssor da Univer Univer-sidade de Lyon II, autor de v´ arias obras importantes e que hoje efetua pesquisas no Brasil, re´ une as duas perspe perspectivas: ctivas: vai balizand balizandoo o conhecimen onhecimento to antropol´ ogico ogi co atrav´ a trav´es es da hist´ his t´ oria e mostrando as diversas perspectivas atuais. Em primeiro primeiro lugar, efetua a an´ alise de seu desenvolvimento, que permite uma compreens˜ ao melho m elhorr de suas sua s caracter´ caract er´ısticas ıst icas espec e spec´´ıficas; em seguida s eguida,, aprese a presenta nta as tendˆencias enci as contemporˆ contem porˆaneas aneas e, finalmente, um panorama dos problemas colocados pela pr´ atica e por suas possibilidades de aplica¸c˜ c˜ ao. Trata-se rata-se de uma introd introdu¸ u¸c˜ c˜ ao a` Antrop Antropolo ologia gia que pare parece ce fabricada fabricada de encoencomenda para estudantes brasileiros. A forma¸c˜ c˜ ao nacional nacio nal em Ciˆencias encias Sociais (e a Antropologia n˜ ao foge a` regra. . .) segue a via da especializa¸c˜ cao, ˜ muito mais do que a da forma¸c˜ c˜ ao geral. Os estudantes lˆ eem eem e discutem determinados autores, ou ent˜ ao os componentes de uma escola bem delimitada; o conhecimento lhes ´e inculcado atrav´es es do conhecimento de um problema ou de um ramo do saber na maioria de seus aspectos, nos debates que suscitou, nas respostas e solu¸c˜ coes ˜ que inspir inspirou. ou. A hist´ oria da disciplina, assim como da area ar ´ ea de conhecimen onhecimentos tos a que pertenc pertence, e, o exame cr´ cr´ıtico ıtico de todas todas as proposi¸c˜ coes ˜ tem´ aticas que foi suscitando ao longo do tempo, permanecem muitas vezes fora das cogita¸c˜ c˜ oes do curso, como se fosse algo de somenos importˆancia. ancia. No Brasil o presente tem muita for¸ca; ca; nele se vive intensamente, ´e ele que se busca compreender profundamente, na convic¸c˜ cao ˜ de que nele est˜ ao as ra´ ra´ızes ız es do futuro. Pa Pa´´ıs em constru¸c˜ c˜ ao, seus habitantes em geral, seus estudiosos em particula parti cular, r, tem consciˆencia enc ia n´ıtida ıti da de que est˜ estao ˜ criando algo, de que sua a¸c˜ c˜ ao ´e de import im portˆ ancia aˆncia capital como fator por excelˆ encia encia do provir. E, par paraa chegar
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a ela escolhe-se uma ´ unica via preferencial, a especializa¸c˜ cao ˜ numa dire¸c˜ cao, ˜ como se fora dela n˜ ao existisse salva¸c˜ c˜ ao. No entanto, com esta maneira de ser t˜ ao mercante, perdem-se de vista componentes ponentes fundamentai fundamentaiss desse mesmo provir: provir: o passado, por um lado, e por outro outro lado a multipli-c multipli-cidade idade de caminhos que tˆ em em sido tra¸ tra¸ cados cados para constru´ tru´ı-lo. A necessida necessidade de real, real, no preparo preparo dos estudiosos estudio sos brasileiros em Ciˆencias encias Sociais, Socia is, ´e o refor¸ reforco c¸o do conhecimento do passado de sua pr´ opria disciplina e da variedade variedade de ramos ramos que foi originando originando at´ e a atualidade. atualidade. Este livro, em muito boa ora traduzido, oferece a eles um primeiro panorama geral da Antropologia e seu lugar no ˆambito ambito do saber. Constru Constr u´ıdo dentro da tradi¸c˜ c˜ ao franc francesa esa do pensamen pensamento to anal´ anal´ıtico ıtico e da clareza de express˜ ao, esta introdu¸c˜ c˜ ao ao conhecimento da Antropologia atinge, na verdade, um p´ ublico mais amplo do que simplesmente o dos estudantes e especialistas de Ciˆencias encias Sociais. Sua difus˜ d ifus˜ ao se far´ a sem d´ uvida entre todos aqueles atra atra´´ıdos par paraa os problemas do homem enquanto tal, que buscam conhecer ao homem enquanto seu igual e ao mesmo tempo ”outro”.
Maria Isaura Pereira de Queiroz
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Maria Isaura Pereira Pereira de Queiroz Queiroz ´e professora professora do Departamen Departamento to de Sociologia Sociologia e pesquisadora do Centro de Estudos Rurais e Urbanos da I I FLCH-USP.
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Introdu¸c˜ ao O Campo e a Abordagem Antropol´ ogicos
O homem homem nunca parou de interr interrogar ogar-se -se sobre si mesmo. mesmo. Em todas as sociedades existiram homens que observa obse rvavam vam homens. Houve at´e alguns que eram te´oricos oricos e forjaram, forjaram, como diz L´evi-Strauss, evi-Strauss, modelos elaborados ”em casa”. A reflex˜ao ao do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elabora¸c˜ cao a˜o de um saber s˜ ao, ao, portanto, t˜ao ao antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na ´ ´ Asia como na Africa, na Am´ erica, erica, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto de fundar funda r uma u ma ciˆencia encia do h homem omem - uma um a antrop a ntropologia ologia - ´e, e, ao contr´ c ontr´ ario, ario, muito recente. rece nte. De fato, fat o, apenas ap enas no n o final fina l do s´eculo eculo XVIII XVII I ´e que come¸ca ca a se constituir um saber cient´ cient´ıfico (ou pretensamente cient´ cient´ıfico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e n˜ ao ao mais a natureza; apenas nessa ´epoca epo ca ´e que o esp´ esp´ırito cient´ cient´ıfico pensa, pela primeira vez, em aplicar ao pr´ oprio oprio homem os m´etodo to doss at´e ent˜ ntao a˜o utilizados na ´area area f´ısica ou da biologia. biolog ia. Isso constitui um evento consider´ avel avel na hist´oria oria do pensamento do homem sobre o homem. Um evento do qual talvez ainda hoje n˜ ao ao estejamos medindo todas as conseq¨ uˆ uˆencias. encias. Esse pensamento tinha sido at´e ent˜ ao ao mitol´ ogico, ogico, art´ıstico ıst ico,, teol´ teo l´ ogico, ogico, filos´ofico, ofico, mas nunca nunca cient cient´ıfico no que dizia respeito ao homem em si. Trata-se, desta vez, de fazer passar este ultimo u ´ ltimo do estatuto de sujeito do conhecimento conhecimento ao de objeto da ciˆ encia. encia. Finalmente, Finalmente, a antropoloantropologia, ou mais precisamente, o projeto antropol´ ogico ogico que se esbo¸ca ca nessa nes sa ´epoc ep ocaa muito tardia na Hist´oria o ria - n˜ao ao podia existir o conceito de homem enquanto regi˜oes oes da humanidade permaneciam inexploradas - surge * em uma regi˜ ao ao muito pequena do mundo: a Europa.. Isso trar´ a, evidentemente, como verea, mos mais adiante, conseq¨ uˆ uˆencias enc ias import imp ortante antes. s. Para que esse projeto alcance suas primeiras realiza¸c˜ coes, o˜es, para que o novo saber comece a adquirir adquirir um in´ in´ıcio de legitimidade legitimidade entre outras disciplinas disciplinas cient cie nt´´ıficas, ıfic as, ser´ sera´ preciso esperar a segunda metade do s´eculo eculo XIX, durante durante o qual a antropologia antropologia se atribui objetos emp´ emp´ıricos autˆ onomos: onomos: as sociedades sociedades ent˜ ao ditas ”primitivas”, ou seja, exteriores `as ao as areas a´reas de civiliza¸c˜ c˜ao ao euro eu rop´ p´eias ei as ou norte-americanas. A ciˆencia, encia, ao menos tal como ´e concebida na ´epoca, epo ca, sup˜oe oe uma dualidade radical entre o observador e seu objeto. Enquanto que a separa¸c˜ cao a˜o (sem a qual n˜ao ao h´ a experimenta¸c˜ cao a˜o poss pos s´ıvel) entre e ntre o sujeito su jeito observante servante e o objeto obje to observado ´e obtida na f´ısica (como na biologia, botˆ anica, ou zoologia) pela natureza suficientemen suficientemente te diversa dos dois termos presentes, na hist´oria, oria, pela distˆancia ancia no tempo que separa o historiador da sociedade
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estudada, ela consistir´ a na antropologia, antropologia, nessa ´epoca epoca - e por muito muito tempo em uma distˆ ancia definitivamente geogr´ ancia afica. As sociedades estudadas pelos afica. primeiros primeiros antrop´ antropologos o´logos s˜ao ao sociedad soc iedades es long´ınquas ınquas as a`s quais s˜ao ao atribu´ atr ibu´ıdas ıda s as seguintes caracter c aracter´´ısticas: sociedades de dimens˜ oes restritas; que tiveram pouoes cos contatos contatos com os grupos vizinhos; vizinhos; cuja tecnologia tecnologia ´e pouco desenvol desenvolvida vida em rela¸c˜ c˜ao ao a` nossa; e nas quais h´a uma menor especializa¸c˜ cao a˜o das atividades e fun¸c˜ coes o˜es sociai sociais. s. S˜ ao ao tamb´em em qualificadas de ”simples”; em conseq¨ uˆ uˆencia, ia , elas ir˜ao ao permitir a compreens˜ ao, ao, como numa situa¸cao cao de laborat´ orio, orio, da organiza¸c˜ cao a˜o ”complexa”de nossas pr´ oprias oprias sociedades so ciedades..
*** A antropologia acaba, portanto, de atribuir-se um ob jeto que lhe ´e pr´ oprio: o estudo das popula¸c˜ coes o˜es que n˜ ao ao pertencem a` civiliza¸c˜ c˜ao ao ocidental. Ser˜ao ao necess´arias arias ainda algumas d´ecadas ecadas para elaborar ferramentas ferramentas de investiga¸ investiga¸ c˜ao ao que permitam a coleta direta no campo das observa¸c˜ coes o˜es e informa¸c˜ coes. o˜es. Mas logo ap´ os os ter firmado seus pr´ oprios opr ios m´etodos eto dos de pesqu pe squisa isa - no in´ in´ıcio ıci o do s´eculo ecu lo XX - a antropologia antropologia percebe p ercebe que o objeto emp´ emp´ırico que tinha escolhido (as sociedades ”primitivas”) est´ a desapa desaparec recen endo; do; pois pois o pr´ oprio Universo dos ”selvagens”n˜ ao ao ´e de forma alguma poupado pela evolu¸ c˜ao ao social. Ela se vˆe, e, portanto, confrontada confrontada a uma crise de identidade. Muito rapidamente, rapidamente, uma quest˜ao ao se coloca, a qual, como veremos neste livro, permanece desde seu nascimento: o fim do ”selvagem”ou, como diz Paul Mercier (1966), ser´a que a ”morte do primitivo”h´a de causar a morte daqueles que haviam se dado como tarefa o seu estudo? A essa pergunta v´ arios tipos de resposta puderam arios e podem p odem ainda ser dados. Detenhamo-nos em e m trˆes es deles. 1) O antrop´ ologo aceita, por assim dizer, sua morte, e volta ologo volta para o ambito aˆmbito das outras ciˆencias encias humanas. Ele resolve re solve a quest˜ ao da autonomia problem´ ao atica atica de sua disciplina reencontrando, especialmente a sociologia, e notadamente o que ´e chamado de ”sociologia comparada”. 2) Ele sai em busca de uma outra ´area area de investiga¸c˜ cao: a˜o: 0 camponˆes, es, este selvagem de dentro, objeto ideal de seu estudo, particularmente bem adequado, j´a que foi deixado de lado pelos outros ramos r amos das ciˆencias encias do homem. 2
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A pesquisa pesquisa etnogr´ etnogr´ afica cujo objeto pertence `a mesma sociedade que i) observador foi, afica de in´ in´ıcio, qualificada qualificada pelo nome de folklore. folklore. Foi Van uenncp u ¨ enncp que elaborou os m´ etodos etodos pr´oprios oprios desse campo de estudo, empenhando-se em explorar exclusivamente (mas de uma
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3) Finalmente, e aqui temos um terceiro caminho, que inclusive n˜ ao ao exclui o anterior (pelo menos enquanto campo de estudo), ele afirma a especificidade de sua pr´ atica, atica, n˜ao ao mais atrav´es es de um objeto ob jeto emp´ emp´ırico constitu const itu´´ıdo (o selvagem, o camponˆes), es), mas atrav´es es de uma abordagem abordage m epistemol´ ogica constituinte. constituinte. Essa ´e a terceira via que come¸ caremos a esbo¸car c ar nas p´ aginas aginas que se seguem, e que ser´ a desenvolvida no conjunto deste trabalho. O objeto te´orico orico da antropologia n˜ ao ao est´a ligado, na perspectiva na qual come¸camos camos a nos situar a partir de agora, a um espa¸co co geogr´ afico, afico, cultural ou hist´ orico orico particular. Pois a antropologia n˜ ao ao ´e sen˜ se n˜ao ao um certo olhar, um certo enfoque que consist consistee em: a) o estudo estudo do homem inteir inteiro; o; b) o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas to das as ´epocas. epo cas. O estudo do homem inteiro
S´o pode ser considerada como antropol´ ogica ogica uma abordagem integrativa integrativa que objetive levar em considera¸ considera¸c˜ cao a˜o as m´ ultiplas ultiplas dimens˜oes oes do ser humano em sociedade. Certa-mente, o ac´ umulo dos dados colhidos a partir de observa¸c˜ umulo coes o˜es diretas, bem como o aperfei¸coamento coame nto das t´ecnicas ecnic as de investiga¸c˜ cao, a˜o, conduzem necessariamente a uma especializa¸c˜ c˜ao ao do saber. Por´ Por´em, em, uma das voca¸ c˜ coes o˜es maiores de nossa abordagem consiste em n˜ao a o parcelar o homem mas, ao contr´ ario, em tentar relacionar campos de investiga¸c˜ ario, cao a˜o freq¨ uentemente uentemente separados. parados. Ora, existem existem cinco cinco areas a´reas principais da antropologia, que nenhum pesquisador pesquisador pode, p ode, evidentemente, evidentemente, dominar hoje em dia, mas as a`s quais ele deve estar sensibilizado quando trabalha de forma profissional em algumas delas, dado que essas cinco areas a´re as mant´em em rela¸ rel a¸c˜ coes o˜es estreitas entre si. A antropologia antropologia biol´ ogica ogica (designada antigamen antigamente te sob o nome de antropologia antropologia f´ısica) consiste no estudo das varia¸c˜ coes ˜oes dos caracteres biol´ ogicos ogicos do homem no espa¸co co e no tempo. Sua problem´ atica atica ´e a das rela¸c˜ coes ˜oes entre o patrimˆonio onio gen´etico etico e o meio (geogr´ afico, afico, ecol´ogico, ogico, social), ela analisa as particularidades morfol´ ogicas ogicas e fisiol´ogicas ogicas ligadas a um meio ambiente, bem como a evolu¸c˜ c˜ao ao destas particula particularid ridades ades.. O que deve, deve, especial especialmen mente, te, a cultura cultura a este patrimˆ onio, onio, mas tamb´ tamb´em, em, o que esse patrimˆ onio (que se transforma) onio deve a` cultura? cultura? Assim, Assim, o antrop´ antrop´ ologo ologo biologista levar´ a em considera¸c˜ cao a˜o os fatores culturais que influenciam o crescimento e a matura¸ c˜ c˜ao ao do indiv ind iv´´ıduo. ıdu o. forma magistral) magistral) as tradi¸ tradic˜ c¸˜oes oes popular populares es cam campone ponesas sas,, a distˆ distˆ ancia social e cultural que ancia separa o objeto do sujeito, substituindo nesse caso a distˆancia geogr´afica afica da antropologia ”ex´otica”. otica”.
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Ele se perguntar´ a, a, por exempl exemplo: o: por que o desenv desenvolv olvime iment ntoo psicom psicomotor otor da crian¸ca ca africana afr icana ´e mais adiantado do que o da crian¸ cr ian¸ ca ca europ´eia? eia? Essa parte part e da antropologia, longe de consistir apenas no estudo das formas de crˆ anios, anios, mensura¸c˜ c˜oes oes do esqueleto, tamanho, peso, cor da pele, anatomia comparada as ra¸cas cas c dos sexos, interessa-se em especial esp ecial - desde de sde os anos a nos 50 - pela gen´etica etica das popula¸c˜ coes, o˜es, que permite discernir o que diz respeito ao inato e ao adquirido, sendo que um e outro est˜ ao ao interagindo interagindo continuamen continuamente. te. Ela tem, a meu ver, um papel particularmente importante a exercer para que n˜ ao ao sejam rompidas as rela¸c˜ c˜oes oes entre as pesquis p esquisas as das d as ciˆ c iˆencias encia s da vida e as das ciˆencias encia s humanas. A antrop antr opolo ologia gia pr´ p r´e-hist e-h ist´ orica o´ri ca ´e o estudo est udo do homem hom em atrav´ atr av´es es dos vest´ıgios ıgi os matemat eriais enterrados enterrado s no solo (ossadas, (o ssadas, mas ma s tamb´em em quaisquer marcas da d a atividade humana humana). ). Seu projeto, projeto, que se liga liga a` arqueologia, visa reconstituir as sociedades desaparecidas, desaparecidas, tanto em suas t´ecnicas ecnicas e organiza¸ organizac˜ ¸oes oes sociais, quanto em suas produ¸c˜ coes ˜oes culturais e art´ art´ısticas. ısticas. Notamos que esse ramo da antropologia trabalha com uma abordagem abordage m idˆentica entica as a`s da antropologia hist´ orica orica e da antropologia social e cultural de que trataremos mais adiante. O historiador ´e antes de d e tudo um histori´ ografo, ografo, isto ´e, e, um pesquisador que trabalha a partir partir do acesso acesso direto direto aos textos. textos. O especial especialist istaa em pr´ pr´e-hist e-hist´ oria ´ recolhe, pessoalmente, objetos no solo. Ele realiza um trabalho de campo, como o realizado na antropologia social na qual se beneficia de depoimentos vivos.3 4 antropologia ling¨ u´ıstica. A linguagem ´e, e, com toda evidˆencia, encia, parte do ´ atrav´es patrimˆonio onio cultural de uma sociedade. E es dela que os indiv´ıduos ıduos que comp˜oem oem uma sociedade se expressam e expressam seus valores, suas preocupa¸c˜ coes, o˜es, seus pensamentos. pensamentos. Apenas o estudo da l´ıngua permite compreender preender:: o como os homens homens pensam pensam o que vivem vivem e o que sentem, sentem, isto isto ´e, e, suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (etnoling´ (etnoling´ıi´ ıi´ıstica); o como eles expressam o universo e o social (estudo da literatura, n˜ ao ao apenas escrita, mas tamb´em em de tradi¸ tra di¸c˜ c˜ao ao oral); o como, finalmente, eles interpretam seus pr´ oprios oprios saber e saber-fazer (´ area area das chamadas chamada s etnoc et nociˆ iˆencias). encia s). A antropologia ling¨ u´ıstica, ıstica , que q ue ´e uma u ma disciplina discip lina que se situa no encontro encontr o 3
Foi notadamen notadamente te gra¸cas cas a pesquisadore pesquisadoress como Paul Paul Rivet Rivet e Andr´ Andr´e Leroi-Gour Leroi-Gourhan han (1964) que a articula¸c˜ cao a˜o entre as ´areas areas da antropologia f´ısica, biol´ogica ogica e s´ocio-cultural ocio-cultural nunca foi rompida na Fran¸ca. ca. Mas continu continua a sempre amea¸cada cada de ruptura devido a um movimento de especializa¸c˜ c˜ao ao facilmente compreens´ compreens´ıvel. Assim, colocando-se do ponto p onto de vista da antropologia social, Edmund Leach (1980) fala d,a ”desagrad´avel avel obriga¸c˜ cao a˜ o de fazer fa zer m´enage ena ge `a trois com os representantes representantes da arqueologia pr´ e-hist´ e-hist´orica orica e da antropologia f´ısica”, comparando-a comparan do-a `a coabita¸c˜ cao a˜o dos psic´ologos ologos e dos especialistas da observa¸c˜ cao a˜ o de ratos em laborat´orio orio
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de v´arias arias outras, 4 n˜ao ao diz respeito apenas, e de longe, ao estudo dos dialetos (dialetologia). Ela se interessa tamb´em em pelas p elas imensas areas a´reas abertas pelas novas t´ecnicas ecnic as moderna mod ernass de d e comunica¸ c omunica¸c˜ c˜ao ao (mass media e cultura do audiovisual). A antropologia psicol´ogica. ogica. Aos trˆes es primeiros p´ olos de pesquisa que foram olos mencionados, e que s˜ ao ao habitualmente os unicos u´nicos considerados como constituconstitutivos (com antropologia social e a cultural, das quais falaremos a seguir) do campo global da antropologia, fazemos quest˜ ao pessoalmente de acrescentar ao um quinto p´olo: olo: o da antropolog antropologia ia psicol´ psicologica, o´gica, que consiste no estudo dos processos e do funcionamento funcionamento do psiquismo humano. humano. De fato, o antrop´ olog lo go ´e em primeira instˆancia ancia confrontado n˜ ao ao a conjunto c onjuntoss sociais, so ciais, e sim a indiv´ıduos. ıduos . Ou seja, somente atrav´es es dos comportamentos comportame ntos - conscientes c onscientes e inconscientes dos seres humanos particulares particulares podemos p odemos apreender essa totalidade sem a qual ´ a raz˜ n˜ao ao ´e antropologia antrop ologia.. E ao ao pela qual a dimens˜ ao ao psicol´ogica ogi ca (e tamb´em em psicopatol´ogica) ogica ) ´e absolut a bsolutamente amente indissoci indiss oci´ a´vel do campo do qual procuramos avel aqui dar da r conta. co nta. Ela ´e parte pa rte integrante dele. A antropologia social e cultural (ou etnologia) nos deter´ a por muito mais tempo tempo.. Ap Apen enas as ness nessaa area a´rea temos temos alguma alguma competˆ competˆencia, encia, e este livro livro tratar´ a essenci essencialm almen ente te dela. Assim Assim sendo, sendo, toda vez que utiliz utilizarmo armoss a partir partir de agora o termo antropologia mais genericamente, estaremos nos referindo `a antropologia social e cultural (ou etnologia), mas procuraremos nunca esquecer que ela ´e apenas um dos aspectos da antropologia. antropologia. Um dos aspectos cuja cuj a abrangˆ abr angˆencia enc ia ´e consid con sider´ er´ avel, avel, j´ a que diz respeito a tudo que constitui uma sociedade sociedade:: seus modos modos de produ¸ produc˜ c¸ao a˜o econˆ omica, omica, suas t´ecnicas, ecnicas, sua organiza¸c˜ cao a˜o pol´ pol´ıtica e jur´ jur´ıdica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas cren¸cas cas religiosa rel igiosas, s, sua l´ıngua, ıngua , sua psicolog ps icologia, ia, suas sua s cria¸c˜ coes o˜es art´ ar t´ısti ıs tica cas. s. Isso posto, esclare¸ camos camos desde j´ a que a antropologia consiste menos no levantamento sistem´atico atico desses aspectos do que em mostrar a maneira particular com a qual est˜ao ao relacionados relacionados entre si e atrav´ atrav´es es da qual aparece a especifi´ cidade de uma sociedade. E precisamente esse ponto de vista da totalidade, e o fato de que o antrop´ologo ologo procura compreender, como diz L´evi-Strauss, evi-Strauss, aquilo que os homens ”n˜ao ao pensam habitualmente em fixar ria pedra ou no papel”(nossos gestos, nossas trocas simb´ olicas, os menores detalhes dos nosolicas, 4
Foi o antrop´ologo ologo Edward Sapir (1967) quem, al´ em em de introduzir introduzir o estudo da linguagem entre os materiais antropol´ogicos, ogicos, come¸ come¸cou cou tamb´ tamb´em em a mostrar mostrar que um estudo estudo antropol´ ogico ogico da l´ıngua (a l´ıngua como objeto de pesquisa pesquisa inscreve inscrevendo-s ndo-see na cultura) cultura) conduzia a um estudo ling¨ u´ıstico da cultura (a l´ıngua como modelo model o de d e conhecimento co nhecimento da cultura).
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sos comportamentos), comportamentos), que faz dessa abordagem um tratamento tratamento fundamentalfundamentalmente diferente dos utilizados setorial- mente pelos ge´ografos, ografos, economistas, economistas, juristas, soci´ologos, ologos, psic´ologos. o logos. . . O estudo do homem em sua totalidade
A antropologia n˜ ao ao ´e apenas o estudo de tudo que com-p˜ oe uma sociedade. Ela ´e o estudo de d e todas to das as sociedades humanas (a nossa inclusive 5 ), ou seja, das culturas da humanidade como um todo em suas diversidades hist´ oricas oricas e geogr´ aficas. aficas. Visando Visando constitui constituirr os ”arquiv ”arquivos”d os”daa hu human manidad idadee em suas suas diferen¸cas cas significativas, ela, inicialmente privilegiou claramente as ´areas areas de civiliza¸c˜ cao a˜o exteriores a` nossa. nossa. Mas a antropolo antropologia gia n˜ ao ao poderia ser definida por um ob jeto emp´ emp´ırico qualquer (e, em especial, pelo tipo de sociedade ao qual ela a p princ rinc´´ıpio se dedicou d edicou preferencialmente ou mesmo exclusivamente). exclusivamente). Se seu campo de observa¸c˜ cao a˜o consistisse no estudo das sociedades preservadas do contato com o Ocidente, ela se encontraria hoje, como j´ a comentamos, sem objeto. Ocorre, por´em, em, que se a especificidade da contribui¸ c˜ao ao dos antrop´ ologos ologos em rela¸c˜ c˜ao ao aos outros pesquisadores pesquisadores em ciˆ encias encias humanas humanas n˜ ao pode ser confundida com a natureza das primeiras sociedades estudadas (as sociedades extra-eur extr a-europ´ op´eias), eias) , ela el a ´e a meu ver indissociavelmente indisso ciavelmente ligada ao modo mo do de conheconhe cimento que foi elaborado a partir do estudo dessas sociedades: a observa¸ c˜ cao a˜o direta, por impregna¸c˜ c˜ao ao lenta lent a e cont c ont´´ınua de grupos grup os humanos huma nos min´ m in´ usculos usculos com os quais mantemos uma rela¸c˜ cao a˜o pessoal. Al´ em em disso, apenas a distˆ ancia a ncia em rela¸c˜ cao a˜o a nossa sociedade (mas uma distˆancia ancia que faz com que nos tornemos extremamente pr´ oximos oximos daquilo que ´e long´ long´ınquo) nos permite fazer esta descoberta: descobert a: aquilo que tom´ avamos por natural em n´os os mesmos m esmos ´e, e, de d e fato, fa to, cultural; cultu ral; aquilo que era evidente evide nte ´e Infinita In finita-mente problem´ atico. atico. Disso decorre decorre a necessidade, na forma¸ c˜ao ao antropol´ ogica, ogica, daquilo que n˜ao ao hesitarei em chamar de ”estranhamento”(depaysement), a perplexidade perplexidade provo- cada pelo encontro encontro das culturas que s˜ ao ao para n´ os os as mais distantes, e cujo encontro vai levar a uma modifica¸c˜ cao ˜ao do olhar que se tinha ´ sobre sobre si mesmo. mesmo. De fato, fato, presos presos a uma uma Unica cultura, somos n˜ao ao apenas cegos a` dos outros, mas m´ıopes quando se trata da nossa. A experiˆ encia encia 5
Os antro antrop´ p´ ologos come¸ ologos come¸cara c aram m a se dedi dedica carr ao estu estudo do das das socie socieda dade des’ s’ indu indust stri riai aiss avan¸cadas cadas apenas muito recentem recentemente ente.. As primeiras primeiras pesquisas trataram trataram primeiro, primeiro, como vimos, dos aspectos ”tradicionais”das sociedades ”n˜ao ao tradicionais”(as comunidades camponesas europ´ eias), eias), em seguida, dos grupos marginais, e finalmente, h´a alguns anos apenas na Fran¸ca, ca, do setor urbano.
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da alteridade (e a elabora¸c˜ c˜ao ao dessa experiˆ encia) encia) leva-nos leva-nos a ver aquilo que nem ter´ ter´ıamos conseguido imaginar, imaginar, dada a nossa dificuldade dificuldade em fixar nossa aten¸c˜ cao a˜o no que nos ´e habitual, habitual, familiar, familiar, cotidiano, e que consideramos consideramos ”evidente”. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, m´ımicas, ımicas , postur p osturas, as, rea¸c˜ coes o˜es afetivas) n˜ao ao tem realmente nada de ”natural”. ral”. Come¸ Come¸camos, camos, ent˜ao, ao, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a n´os os mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropol´ ogico) ogico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura cultu ra poss p oss´´ıvel entre tantas outras, outra s, mas n˜ao a o a unica. u ´nica. Aquilo que, de fato, caracteriza a unidade do homem, de que a antropologia, como j´a o diss dissemo emoss e voltar oltarem emos os a dizer dizer,, faz tanta tanta quest quest˜ ao, a˜o, ´e sua aptid˜ao ao praticamente infinita para inventar modos de vida e formas de organiza¸c˜ cao ˜ao social extremamente extremamente diversos. diversos. E, a meu ver, apenas a nossa disciplina permite notar, com a maior proximidade proximidade poss´ poss´ıvel, ıvel, que essas formas de comportamento e de vida em sociedade que tom´ avamos avamos todos espontaneamen espontaneamente te por inatas (nossas maneiras de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar os eventos de nossa existˆencia. encia. . .) s˜ ao, na realidade, o produto ao, de escolhas escolhas culturais. culturais. Ou seja, aquilo que os seres humanos tˆem em em comum comum ´e sua capacidade para pa ra se diferenciar uns u ns dos outros, para elaborar costumes, l´ınguas, ıngua s, modos mo dos de conheciment conh ecimento, o, institui¸ inst itui¸c˜ coes, o˜es, jogos profundamente profundamente diversos; diversos; pois se h´a algo natural natu ral nessa esp´ecie ecie particular part icular que ´e a esp´ecie ecie humana, ´e sua aptid˜ao ao a` varia¸c˜ c˜ao ao cultural O projeto pro jeto antropol´ ogico consiste, portanto, no reconhecimento, conhecimento, ogico juntamente com a compreens˜ ao de uma humani humanidade dade plural. plural. Isso Isso sup˜ oe o e ao mesmo tempo a ruptura com a figura da monotonia do duplo, do igual, do idˆentico, entico, e com a exclus˜ exclu s˜ ao ao num irredut´ıvel ıvel ”alhures”. As sociedades so ciedades mais diferentes da nossa, que consideramos espontaneamente como indiferenciadas, s˜ao ao na realidade t˜ ao diferentes entre si quanto o s˜ao ao ao da nossa. E, mais ainda, elas s˜ao ao para cada uma delas muito raramente homogˆeneas eneas (como ( como seria ser ia de se esperar) mas, pelo contr´ ario, extremamente diversificadas, participando ao ario, mesmo tempo de uma comum humanidade. A abordagem antropol´ ogica provoca, assim, uma verdadeira revolu¸c˜ ogica cao a˜o epistemol´ogica, ogica, que come¸ca ca por uma revolu¸c˜ c˜ao ao do olhar. Ela implica um descentramento centramento radical, uma ruptura com a id´ eia eia de que existe um ”centro ”centro do 6 mundo”, e, correlativamente, uma amplia¸c˜ c˜ao a o do saber e uma muta¸c˜ c˜ao a o de 6
Veremos eremos que a antropologi antropologiaa sup˜ oe o e n˜ao ao apenas esse desmembramento desmembramento (´ eclatement) eclatement)
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si mesmo. Como escreve Roger Bastide Bastide em sua Anatomia Anatomia de Andr´ Andr´e Gide: ”Eu sou mil poss p oss´´ıveis em mim; mas n˜ ao posso me resignar a querer apenas ao um deles”. A descoberta da alteridade alteridade ´e a de uma rela¸ c˜ao ao que nos permite deixar de identificar identificar nossa pequena prov´ prov´ıncia de humanidade humanidade com a humanidade, humanidade, e correlativamente deixar de rejeitar o presumido ”selvagem”fora de n´ os os mesmos. Confrontados a` multiplicidade, a priori enigm´atica, atica, das culturas, culturas, somos aos poucos levados a romper com a abordagem comum que opera sempre a naturaliza¸c˜ cao a˜o do social (como se nossos comportamentos estivessem inscritos em n´os os desde o nascimento, e n˜ ao fossem adquiridos no contato com a ao cultura na qual nascemos). A romper romp er igualmente com o humanismo cl´assico assico que tamb´em em consiste cons iste na identifica¸ identifi ca¸c˜ cao a˜o do sujeito com ele mesmo, e da cultura com a nossa cultura. De fato, a filosofia cl´ assica assica (antol´ogica ogica com S˜ao ao Tom´as, as, reflexiva com Descartes, criticista com Kant, hist´orica orica com Hegel), mesmo sendo filosofia social, bem como as grandes religi˜oes, oes, nunca se deram como objetivo o de pensar a diferen¸ca ca (e muito menos, de pens´ a-la a-la cientificamente), e sim o de reduzi-la, freq¨uentemente uentemente inclusive de uma forma igualit´ aria aria e com do saber, que se expressa no relativism relativismoo (de um Jean de L´ ery) ery) ou no ceticismo ceticismo (de um Montaigne), ligados ao questionamento da cultura `a qual se pertence, mas tamb´ em em uma nova pesquisa e uma reconstitui¸c˜ cao a˜o deste saber. Mas nesse ponto coloca-se uma quest˜ao: ao: ser´a que a Antropologia ´e o discurso do Ocidente (e somente dele) sobre a alteridade? Eviden Evidentem temen ente, te, o europeu europeu n˜ ao a o foi o unico u ´ nico a inter interess essarar-se se pelos pelos h´ abito a bitoss e pelas pelas insinstitui¸c˜ c˜oes oes do n˜ao-europ ao-europ eu. A rec´ rec´ıproca ıproc a tamb´em em ´e verdadeira, como atestam atesta m notadamente notadam ente os relatos relatos de viagens viagens realizadas realizadas na Europa Europa desde a Idade M´edia, edia, por viajantes viajantes vindos vindos ´ da Asia. E os ´ındios ındios Flathead de quem nos fala L´ evi-Strauss evi-Strauss eram t˜ao ao curiosos do que ouviam dizer dos brancos que tomaram um dia a iniciativa de organizar expedi¸c˜ oes oes a fim de encontr´a-los. a-los. Poder´ Poder´ıamos multiplicar os exemplos. Isso n˜ao ao impede que a constitui¸c˜ c˜aaoo de um sabe saberr de voca¸ oca¸c˜ c˜ao ao cient cient´ıfica sobre a alteridade alteridade sempre sempre tenha se desenv desenvolvido olvido a partir partir da cultura cultura europ´ eia. eia. Esta elaborou um orientalis orientalismo, mo, um americanismo, americanismo, um africanismo, um oceanismo, enquanto que nunca ouvimos falar de um ”europe´ ”europe´ısmo”, que ´ ´ teria se constitu´ const itu´ıdo ıdo como campo de saber sab er te´orico orico a partir da Asia, da Africa ou da Oceania. Isso Isso posto posto,, as cond condi¸ i¸c˜ c˜oes o es de produ produ¸¸c˜ cao a˜ o hist hist´ oricas, o´ricas, geogr´ geogr´afica a ficas, s, socia sociais is e cult cultur urai aiss da antropologi antropologiaa constituem constituem um aspecto que seria rigorosamente rigorosamente antiantropol´ antiantropol´ ogico ogico perder de vista, mas que n˜ao ao devem ocultar a voca¸c˜ c˜ao ao (evidentemente problem´atica) atica) de nossa disciplina, disciplina, que visa superar superar a irredutibil irredutibilidade idade das culturas. culturas. Como escreve L´evi-Straus evi-Strauss: s: ”N˜ao ao se trata apenas de elevar-se acima dos valores pr´oprios oprios da sociedade ou do grupo do observa observador, dor, e sim de seus m´ etodos etodos de pensamento; pensamento; ´e preciso preciso alcan¸ alcan¸car car formula¸ formula¸c˜ c˜aaoo v´ alida, alida, n˜ao ao apenas para um observador observador honesto mas para todos os observadores poss´ıveis”. ıveis”. Lembremos Lembre mos que a antro antropolo pologia gia s´ o come come¸¸cou cou a ser ensina ensinada da nas unive universi rsidad dades es h´ a algumas d´ecadas. ecadas. Na Gr˜a-Bretanha a-Bretanha a partir de 1908 (Frazer em Liverpool), e na Fran¸ca a partir de 1943 (Griaule na Sorbonne, seguido por Leroi-Gourhan).
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as melhores inten¸c˜ coes o˜es do mundo. O pensamento antropol´ ogico, por sua vez, considera que, assim como uma ogico, civiliza¸c˜ cao a˜o adulta deve aceitar que seus membros se tornem adultos, ela deve igualmente igualmente aceitar a diversidad diversidadee das culturas, culturas, tamb´ tamb´em em adultas. adultas. Estamos, evidentemente, no direito de nos perguntar como a humanidade pˆ ode o de permanecer por tanto tempo cega para consigo mesma, amputando parte de si pr´opria opria e fazendo, de tudo que n˜ ao eram suas ideologias dominantes sucessiao vas, um objeto de exclus˜ao. ao. Desconfiemos por´em em do pensamento - que seria o c´umulo umulo em se tratando de antropologia - de que estamos finalmente mais ”l´ucidos”, ucidos”, mais ”conscientes”, mais ”livres”, mais ”adultos”, como acabamos de escrever, do que em uma ´epoca epo ca da qual seria errˆ oneo oneo pensar que est´a definitiv definitivamente amente encerrada. Pois essa transgress˜ ao ao de uma das tendˆencias encia s dod ominantes de nossa sociedade - o expansionismo ocidental sob todas as suas formas econˆ omicas, omicas, pol p ol´´ıticas, intelectuais - deve ser sempre retomada. ret omada. O que significa de forma alguma que o antrop´ ologo esteja destinado, seja levado ologo levado por p or alguma crise de identidade, ao adotar ipso facto a l´ ogica ogica das outras sociedades dades e a censurar censurar a sua. sua. Procurarem Procuraremos, os, pelo contr´ ario, mostrar nesse livro que a d´ uvida uvida e a cr´ cr´ıtica de si mesmo s´ o s˜ao ao cientificamen cientificamente te fundamentadas fundamentadas se forem acompanhadas da interpela¸c˜ cao a˜o cr´ cr´ıtica dos de outrem. outr em. Dificuldades
Se os antrop´ ologos ologos est˜ ao ao hoje convencidos convencidos de que uma das caracter´ caracter´ısticas ısticas maiores de sua pr´atica atica reside no confronto confronto pessoal com a alteridade, alteridade, isto ´e, e, convencidos do fato de que os fenˆ omenos sociais que estudamos s˜ao omenos ao fenˆ omenos omenos que observamos em seres humanos, com os quais estivemos vi-vendo; se eles s˜ao ao tamb´em em unˆanimes a nimes em pensar que h´a uni-dade uni-dade da fam´ fam´ılia humana, humana, a fam´ılia ılia dos antrop´ antr op´ologos ologos ´e, e, por sua vez, muito dividida, dividida, quando se trata de dar conta (aos interessados, aos seus colegas, aos estudantes, a si mesmo, e de forma forma geral geral a todos aqueles aqueles que tˆ em em o direito direito de saber o que verdadeiverdadeiramente fazem os antrop´ologos) ologos) dessa unidade m´ ultipla, desses materiais e dessa des sa experiˆ exp eriˆencia. enc ia. 1) A primeira primeira dificuld dificuldade ade se manifes manifesta, ta, como sempre, sempre, ao n´ıvel ıvel das palapalavras. Mas ela ´e, e, tamb´em em aqui, particularmente reveladora da juventude de nossa disciplina,6 disciplina,6 que n˜ ao ao sendo, sen do, como com o a f´ısica, ısic a, uma ciˆencia enc ia consti con stitu´ tu´ıda, ıda , concon tinua n˜ao ao tendo ainda optado definitiv definitivamente amente pela sua pr´opria opria designa¸ designac˜ ¸ao. ao. Etnolog Etnologia ia ou antropol antropologia ogia?? No primeiro primeiro caso (que corresponde corresponde a` tradi¸c˜ao terminol´ogica ogica dos franceses), franceses), insisteinsiste- se sobre a pluraridade pluraridade irredut´ irredut´ıvel ıvel das etnias, etnia s, isto i sto ´e, e, das culturas. cultu ras. No segundo segun do (que ´e mais m ais usado nos pa´ pa´ıses angloanglo -
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saxˆonicos) onicos),, sobre sobre a unidade unidade do gˆenero enero hu human mano. o. E optandooptando-se se por antroantropologia, deve-se falar (com os autores britˆ anicos) em antropologia social anicos) cujo objeto privilegiado privilegiado ´e o estudo das institui¸ institui¸ c˜ coes o˜ es - ou (com os autores americanos) de antropologia cultural - que consiste mais no estudo dos comportamentos.7 2) A segunda dificuldade diz respeito ao grau de cientificida cientificidade de que conv´ conv´em em atribuir a` antropolog antropologia. ia. O homem est´ a em condi¸c˜ coes o˜es de estudar cientificamente o homem, isto ´e, e, um objeto ob jeto que ´e de mesma natureza que o sujeito? E nossa pr´atica atica se encontra novamente dividida entre os que pensam, com Radcliffe-Brown (1968), que as sociedade s˜ ao sistemas naturais que devem ao ser estudados estud ados segundo segun do os o s m´etodos eto dos comprovados c omprovados pelas pel as ciˆencias encia s da natureza, natur eza,8 e os que pensam, com Evans-Pritchard (1969), que ´e preciso tratar as sociedaso ciedades n˜ ao ao como sistemas orgˆanicos, anicos, mas como sistemas simb´ olicos. olicos. Para estes ultimos, u ´ltimos, longe long e de ser uma ”ciˆencia encia natural na tural da sociedade”(Radcliffe-Brown), sociedade”(Ra dcliffe-Brown), a antropologia antropologia deve antes ser considerada considerada como uma ”arte”(Evans-Pri ”arte”(Evans-Pritchard tchard). ). 3) Uma terceira dificuldade dificuldade prov´ prov´em em da rela¸ c˜ao ao amb´ amb´ıgua que a antropologia mant´em em desde sua gˆenese enese com a Hist´ oria. Estreitamente vinculadas nos oria. s´eculos eculos XVIII e XIX, as duas pr´ aticas aticas v˜ao ao rapidamente se emancipar uma da outra no s´eculo eculo XX, procurando ao mesmo tempo se reencontrar reencontrar periop eriodicamente. As rupturas manifestas se devem essencialmente a antrop´ ologos. ologos. Evans-Pri Evans-Pritchard tchard:: ”O conhecimento conhecimento da hist´ oria das sociedades n˜ ao ao ´e de ne7
Para que o leitor que n˜ao ao tenha nenhuma familiaridade com esses conceitos possa localiz localizarar-se, se, vale a pena especifi especificar car b em o signifi significad cadoo dessas dessas palav palavras ras.. Estabel Estabele¸ e¸camos, camos, como L´ evi-Strauss, evi-Strauss, que a etnografia, a etnologia e a antropologia constituem os trˆes es momentos mentos de uma mesma abordagem. A etnografia etnografia ´e a coleta coleta direta, e o mais minuciosa minuciosa poss´ıvel, ıvel, dos fenˆomenos omenos que observamos, por uma impregna¸c˜ c˜ao ao duradoura duradou ra e cont´ cont´ınua e um processo que se realiza por aproxima¸c˜ c˜oes oes sucessivas. Esses fenˆomenos omenos podem ser recolhidos tomando-se tomando -se notas, n otas, mas tamb´ t amb´em em por p or grava¸c˜ cao ˜ao sonora, fotogr´afica afica ou cinematogr´afica. afica. A etnologia consiste em um primeiro n´ıvel ıvel de abstra¸c˜ c˜ao: ao: analisando os materiais colhidos, fazer aparecer a l´ogica ogica espec´ıfica ıfica da sociedade que se estuda. A antropologia, finalmente, consiste era um segundo n´ıvel de inteligibilidade: construir modelos que permitam p ermitam comparar as a s sociedades soci edades entre si. Como escreve escr eve L´evi-Strauss, evi-Str auss, ”seu ob jetivo ´e alcan¸car, car , al´em em da imagem consciente e sempre diferente que os homens formam de seu devir, um invent´ario das possibilidades inconscientes, que n˜ao ao existem em n´ umero umero ilimitado”. 8 Ao modelo orgˆanico anico dos funcionalistas ingleses, L´ evi-Strauss evi-Strauss substituiu, como veremos, um modelo ling¨ u´ıstico, e mostrou que trabalhando no ponto de encontro da natureza (o inato) e da cultura (tudo o que n˜ ao ao ´e hereditariamente programado e deve ser inventado pelos homens onde a natureza n˜ao ao programou nada), a antropologia deve aspirar a tornar-se uma ciˆ encia encia natural: ”A antropologia pertence `as as ciˆencias encias humanas, seu nome o proclama suficientemente; mas se se resigna em fazer seu purgat´orio entre as ciˆencias encias sociais, ais , ´e porqu p orquee n˜ao ao desespera de despertar desp ertar entre as ciˆ encias encias naturais na hora do julgamento final”(L´ final”( L´evi-Strauss, evi-St rauss, 1973)
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nhuma utilidade quando se procura compreender o funcionamento das institui¸c˜ coes”. o˜es”. Mais categ´orico orico ainda, Leach escreve: ”A gera¸c˜ c˜ao ao de antro ant rop´ p´ ologos ologos a` qual perten¸co co tira seu orgulho de sempre ter-se recusado a tomar a Hist´ oria oria em considera¸c˜ cao”. a˜o”. Conv´em em tamb´em em lembrar aqui a distin¸ distinc˜ c¸ao a˜o agora famosa de L´evi-Strauss evi-St rauss opondo opo ndo as ”soc ” sociedad iedades es frias”, frias ”, isto i sto ´e, e, ”pr´ oximas oximas do grau zero de temperatura hist´ orica”, orica”, que s˜ao ao menos ”sociedades sem hist´ oria”, oria”, do que ”sociedad ”sociedades es que n˜ ao a o querem ter est´ orias”(´ orias”(´ unicos unicos objetos da antropol antropologi ogiaa cl´assica) assica) a nossas pr´oprias oprias sociedades qualificadas de ”sociedades quentes”. Essa preocupa¸c˜ c˜ao ao de sepa se para ra¸c˜ c¸˜ao ao entre as abordagens hist´ orica orica e antropol´ ogica ogica est´a longe, como veremos, de ser unˆ anime, anime, e a hist´ oria oria recente da antropologia testemunha tamb´em em um desejo de coabita¸ c˜ c˜ao ao entre as duas disciplinas. Aqui, no Nordeste do Brasil, onde come¸co co a escrever este livro, desde 1933, um autor como Gilberto Freyre, empenhando-se em compreender a forma¸ c˜ao da sociedade brasileira, mostrou o proveito que a antropologia podia tirar do conhecimento hist´ orico. orico. 4) Uma quarta dificuldade dificuldade prov´ prov´em em do fato de que nossa pr´ atica atica oscila sem parar, e isso desde seu nascimento, entre a pesquisa que se pode qualificar de fundamental e aquilo que ´e designado designa do sob o termo ter mo de ”antropologia aplicada”. Come¸caremos caremos examinando o segundo termo da alternativa aqui colocada e que continua dividindo profundamente os pesquisadores. Durkheim considerava que a sociologia n˜ao ao valeria sequer uma hora de dedica¸c˜ c˜ao a o se ela n˜ ao ao pudesse ser util, u ´ til, e muitos antrop´ologos ologos compartilham sua opini˜ ao. ao. Margaret Mead, por exemplo, estudando o comportamento dos adolescentes das ilhas Samoa (1969), pensava que seus estudos deveriam permitir a instaura¸ c˜ cao a˜o de uma sociedade melhor, e, mais especificamente especificamente a aplica¸ c˜ao ao de uma pedagogia menos frustrante a` sociedade sociedade america americana. na. Hoje v´ arios colegas nossos consiarios deram que a antropologia deve colocar-se ”a servi¸co co da revolu¸c˜ c˜ao”(segundo ao”(segundo especialmente especialmente )ean Copans, 1975). O pesquisador torna-se, torna-se, ent˜ ao, um militante, um ”antrop´ ologo ologo revolucion´ ario”, contribuindo na constru¸c˜ ario”, c˜ao ao de uma ”antropologia da liberta¸c˜ c˜ao”. ao”. Numerosos pesquisadores ainda reivindicam a qualidade de especialistas de conselheiros, participando em especial dos programas de desenvolvimento e das decis˜ oes oes pol´ıticas ıticas relacionad relac ionadas as a` elab el abor orac ac˜˜ao ao desses programas. p rogramas. Quer´ Quer´ıamos simplesmente observai aqui que a ”antropolo”antrop olo9 ´ por ela que, com a coloniza¸c˜ gia aplicada” n˜ao ao ´e uma grande gran de novidade. novidade . E c˜ao, ao, a antropologia teve inicio.10 9 10
Sobre a antropologia aplicada, cf. R. Bastide, 1971 A mai maiori oriaa dos antro antrop´ p´ ologos ingleses, ologos ingleses, especialmen especialmente, te, realizou realizou suas pesquisas pesquisas a pe-
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Foi com ela, inclusive inclusive,, que se deu o in´ in´ıcio da Antropologia, Antropologia, durante a coloniza¸c˜ c˜ao. ao. No extremo extremo oposto das atitudes atitudes ”engajadas ”engajadas”das ”das quais acabamos acabamos de falar, encontramos a posi¸c˜ c˜ao ao determin det erminada ada de um Claude Clau de L´evi-Strauss evi-St rauss que, ap´os os ter lembrado que o saber sab er cient´ cient´ıfico sobre sob re o homem ainda se encontrava num est´agio agio extremamente primitivo em rela¸c˜ c˜ao ao ao saber sobre a natureza, escreve: ”Supondo ”Supondo que nossas nossas ciˆ ciˆencias encias um dia possam possam ser colocada colocadass a servi¸ servi¸ co da a¸c˜ cao a˜o pr´ atica, atica, elas n˜ao ao tˆem, em, no momento, momento, nada ou quase nada a oferecer. O verdadeiro verdad eiro meio de permit p ermitir ir sua su a existˆ exi stˆencia, encia , ´e dar muito a elas, mas sobretu so bretudo do n˜ao ao lhes pedir nada”. As duas atitudes que acabamos de citar a antropologia ”pura”ou a antropologia ”diluida”como ”diluida”como diz ainda L´evi-Strauss evi-Strauss encontram encontram na realidade realidade suas primeiras formula¸c˜ coes ˜oes desde os prim´ ordios ordios da confronta¸c˜ c˜ao ao do europeu com o ”selvagem”. Desde o s´eculo eculo XVI, de fato, fato , come¸ca ca a se implantar aquilo o que alguns chamariam de ”arqu´etipos”do etipos”do discurso etnol´ ogico, ogico, que podem ser ilustrados pelas posi¸c˜ coes o˜es respectivas de um Jean de Lery e de um Sahagun. Jean de Lery foi um huguenote* huguenote* francˆ francˆes es que permaneceu algum tempo no Brasil entre os Tupinamb´ as. Longe de procurar convencer seus h´ as. ospedes ospedes da superioridade superioridade da cultura europ´ eia eia e da religi˜ ao reformada, ele os interroga e, sobretudo, se interroga. Sahagun foi um franciscano espanhol que alguns anos mais tarde realizou uma verdadeira investiga¸c˜ cao a˜o no M´exic ex ico. o. Perfeitamente a` vontade entre os astecas, ele estava l´ a enquanto mission´ario ario a fim de converter a popula¸c˜ cao a˜o que estuda.11 O fato da diversidade das ideologias sucessivamente defendidas (a convers˜ ao ao religiosa, a ”revolu¸c˜ cao”, a˜o”, a a juda ao a o ”Terceiro Mundo”, Mundo ”, as estrat´egias egias daquilo da quilo que ´e hoje chamado ”desenvolvimento”ou ainda ”mudan¸ ca social”) n˜ ao ao altera nada quanto ao amago aˆmago do problema, problema, que ´e o seguinte: seguinte: 0 antrop´ antropologo o´logo deve contribuir, enquanto antrop´ ologo, para B transforma¸c˜ ologo, cao a˜o das sociedades 11 que ele estuda dido das administra¸c˜ coes: o˜es: Os Nuers de Evans-Pritchard foram encomendados pelo governo britˆanico, anico, Fortes estudou estudou os Tallensi allensi a pedido do governo governo da Costa do Ouro. Nadei foi conselheiro do governo do Sud˜ao, ao, etc 11 Essa dupla abordagem da rela¸c˜ c˜ao ao ao outro pode muito bem sei realizada por um ´unico pesquisador. Assim Malinowski chegando `as as ilhas Trobriand (trad. franc., 1963) se deixa literalmente levar pela cultura que descobre e que o encanta. Mas v´arios arios anos depois (trad. franc., 1968) participa do que chama ”uma experiˆencia encia controlada”do desenvolvimento desenvolvimento
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Eu respon responder deria ia,, no que que me diz diz respei respeito, to, da segui seguint ntee forma forma:: nossa nossa aborabordagem, que consiste consiste antes em nos surpreender com aquilo aquilo que nos ´e mais familiar (aquilo que vivemos cotidianamente na sociedade na qual nascemos) e em tornar mais familiar familiar aquilo que nos ´e estranho (os comportamentos, comportamentos, as cren¸cas, cas, os costumes das sociedades que n˜ ao ao s˜ao ao as nossas, mas nas quais poder´ıamos ıamos ter nascido), nasci do), est´a diretamente confrontada hoje a um movimento de homogeneiza¸c˜ c˜ao, ao, ao meu ver, sem precedente’ precedente’ na Hist´ oria: oria: o desenvolvimento de uma forma de cultura industrial-urbana e de uma forma de pensamento que ´e a do racional racionalism ismoo social. social. Eu pude, pude, no decorrer decorrer de minhas minhas estadias estadias sucessivas entre os Berberes do M´edio edio Atlas e entre os Baul´es es da Costa do Marfim, perceber realmente realmente o fasc´ fasc´ınio que exerce este modelo, perturbando completamente os modos de vida (a maneira de se alimentar, de se vestir, de se distrair, de se encontrar, de pensar 12 e levando a novos comportamentos que n˜ao ao decorrem de uma escolha) A quest˜ao a o que est´a hoje colocada para qualquer antrop´ ologo ologo ´e a seguinte: segui nte: h´a uma possibilidade em minha sociedade (qualquer que seja) permitindolhe o acesso a um est´agio agio de sociedade industrial (ou p´ os-industrial) os-industrial) sem conflito dram´ atico, sem risco de despersonaliza¸c˜ atico, c˜ao? ao? Minha convic¸c˜ cao a˜o ´e de que o antrop´ antrop´ o logo, para ajudar os atores sociais a ologo, responder a essa quest˜ ao, ao, n˜ao ao deve, pelo menos enquanto antrop´ ologo, ologo, trabalhar para a transforma¸ transforma¸ c˜ cao a˜o das sociedades que estuda. Caso contr´ ario, ario, seria conveniente, de fato, que se convertesse em economista, agrˆ onom on omo, o, m´edic ed ico, o, pol po l´ıtico, ıti co, a n˜ao ao ser que ele seja motivado por alguma concep¸c˜ c˜ao ao messiˆanica anica da antropologia. Auxiliar uma determinada cultura na explicita¸c˜ c˜ao ao para ela mesma mesma de sua pr´ opria opria diferen¸ca ca ´e uma coisa; coisa ; organizar organ izar pol´ıtica, ıtica , econˆ economica oˆmica e socialmente a evolu¸c˜ cao a˜o dessa diferen¸ca ca ´e uma outra coisa. Ou seja, a participa¸c˜ c˜ao ao do antrop´ ologo ologo naquilo que ´e hoje ho je a vanguarda do anticolonialismo e da luta para os direitos humanos e das minorias ´etnicas etnicas ´e, e, a meu ver, uma conseq¨ uˆ uˆencia encia de nossa profiss˜ profis s˜ ao, a o, mas n˜ao ao ´e a nossa profiss˜ ao ao propriamente dita. Somos, por outro lado, diretamente diretamente confrontados a uma dupla urgˆencia encia a` qual temos o dever de responder. 12
As muta¸c˜ c˜oes oes de comportamentos geradas por essa forma de civiliza¸c˜ao ao mundialista podem tamb´ em em evidentemente evidentemente ser encontradas nas nossa; pr´oprias oprias culturas rurais e urbanas. Em compensa¸ compensa¸c˜ cao, a˜o, parecem-me bastante fracas aqui no Nordeste do Brasil, onde come¸cou cou a redigir este livro
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a) Urgˆencia encia de preserva¸ c˜ c˜ao ao dos patrimˆ onios culturais locais amea¸cados onios cados (e a respeito disso a etnologia est´a desde o seu nascimento lutando contra o tempo para que a transcri¸c˜ c˜ao ao dos arquivos orais e visuais possa ser realizada a tempo, enquanto os ultimos u´ltimos deposit´arios arios das tradi¸c˜ coes o˜es ainda est˜ao ao vivos) e, sobretudo, de restitui¸c˜ cao a˜o aos habitantes das diversas regi˜ oes oes nas quais trabalhamos, de seu pr´oprio oprio saber e saber-fa saber-fazer. zer. Isso Isso sup˜ oe oe uma ruptura com a concep¸c˜ c˜ao ao assim´ assim´etrica etrica da pesquisa, baseada na capta¸ c˜ao ao de informa¸c˜ c˜oes. oes. N˜ao a o h´a, a, de fato, fato, antropol antropologi ogiaa sem troca, troca, isto isto ´e, e, sem itiner´ itiner´ ario no decorrer do qual as partes envolvidas chegam a se convencer reciprocamente da necessidade necessidade de n˜ ao ao deixar se perder formas de pensamento e atividade atividade unicas. ´ b) Urgˆencia enc ia de an´alise alise das muta¸c˜ coes o˜es culturais impostas pelo desenvolvimento extremamente r´ apido de todas as sociedades contemporˆ apido aneas, aneas, que n˜ao a o s˜ao ao mais ”sociedades tradicionais”, e sim sociedades que est˜ao ao passando por um desenvolvimento tecnol´ ogico ogico absolutamente in´edito, edito, por muta¸ c˜ coes o˜es de suas rela¸c˜ c˜oes oes sociais, por movimentos de migra¸c˜ cao a˜o Interna, e por um processo de urbaniza¸c˜ cao a˜o acelerado. acelerado. Atrav´ Atrav´es es da especificidade especificidade de sua abordagem, nossa disciplina deve, n˜ao ao fornecer respostas no lugar dos interessados, e sim formular quest˜oes oes com eles, elaborar elab orar com eles uma reflex˜ refle x˜ao ao racional racion al (e n˜ ao mais m´agica) agica) sobre os problemas colocados co locados pela crise mundial que e tamb´em em uma crise de identidade identidade ou ainda sobre o plurarismo plurarismo cultural, cultural, isto ´e, e, o encontro encontro de l´ınguas, t´ecnicas, ecnicas, mentalidades. Em suma, a pesquisa antropol´ ogica, ogica, que n˜ao ao ´e de forma alguma, como podemos notar, uma atividade atividade de luxo, sem nunca se substituir aos projetos e as a`s decis˜oes oes dos pr´ oprios oprios atores sociais, tem hoje como voca¸c˜ cao a˜o maior a de propor n˜ ao ao solu¸c˜ coes ˜oes mas instrumentos de invest inve stig iga¸ a¸c˜ c˜ao ao que poder˜ao ao ser utilizados em especial para reagir ao choque da acultura¸c˜ cao, a˜o, isto ´e, e, ao risco de um desenvolvimen de senvolvimento to conflituoso levando levando a` violˆencia encia negadora das particularidades econˆ omicas, sociais, culturais de um omicas, povo. 5) Uma quinta quinta dificuldade diz respeito, finalmente, a` natureza desta obra que deve apresentar, em um n´ umero umero de p´aginas aginas reduzido, um campo de pesquisa imenso, cujo desenvol desenvolvimen vimento to recente recente ´e extremamente extremamente especializado. especializado. No final do s´eculo eculo XIX, um unico u ´nico pesquisador podia, no limite, dominar o campo global da antropologia (Boas fez pesquisas em antropologia social, cultural, ling¨ u´ u´ısti ıs tica ca,, pr´ pr ´e-hi e- hist st´ orica, o´rica, e tamb´ tamb´em em mais recentemente recentemente o caso de Ktoeber, provavemente o ultimo u´ltimo antrop´ ologo que explorou: com sucesso uma area ologo a´rea t˜ ao ao extensa). N˜ao ao ´e, e, evidentemente, o caso hoje em dia. O antrop´ ologo ologo considera agora agora – com raz˜ ao ao – que ´e competente comp etente apenas ap enas dentro de ntro de uma area a´rea restrita 13 13
A antropologia das t´ ecnicas, ecnicas, a antropologia econˆomica, omica, pol´ pol´ıtica, a antropologia do
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de sua pr´ opria disciplina e para uma area opria ´area geogr´ afica afica delimitada. delimitada. Era-me portanto imposs´ imposs´ıvel, ıvel, dentro dentro de um texto de dimens˜ oes t˜ao ao restritas, dar conta, mesmo de uma forma parcial, do alcance e da riqueza dos campos abertos pela antropologia. Muito mais modestamente, tentei colocar um certo n´ umero umero de referˆencias, encias, definir defi nir alguns conceitos a partir dos quais o leitor poder´ a, espero, interessar-se em ir mais adiante. a, Ver-se-´a que este livro caminha caminha em espiral. espiral. As preocupa¸ preocupa¸ c˜ coes o˜es que est˜ao a o no centro de qualquer abordagem antropol´ ogica e que acabam de ser mencioogica nadas ser˜ ao ao retomadas, retomadas, mas de diversos diversos pontos de vista. vista. Eu lembrare lembrareii em primeiro lugar quais foram as principais etapas da constitui¸c˜ c˜ao ao de nossa disciplina e como, atrav´es es dessa hist´ oria da antropologia, foram se colocando oria progressivamente as quest˜ oes oes que continuam nos interessando interessand o at´e ho je. Em seguida, esbo¸carei carei os p´ olos olos te´oricos o ricos - a meu ver cinco - em volta dos quais oscilam o pensamento e a pr´atica atica antropol´ ogica. ogica. Teria sido, de fato, surpreendente, se, procurando dar conta da pluraridade, a antropologia permanecesse monol mon ol´´ıtica. ıti ca. Ela ´e ao contr´ cont r´ ario claramente plural. Veremos no decorrer deste ario livro que existem perspectivas perspectivas complementare complementares, s, mas tamb´ tamb´em em mutuamente mutuamente exclusi exclusiv vas, entre entre as quais quais ´e preciso preciso escolher. escolher. E, em vez vez de fingir fingir ter adotado o ponto de vista de Sirius, em vez de pretender uma neutralidade, que nas ciˆencias encias humanas ´e um engodo, esfor¸cando-me cando-me ao mesmo tempo para apresentar com o m´ aximo de objetividade o pensamento dos outros, n˜ aximo ao ao dissimularei as minhas pr´oprias oprias op¸c˜ coes. o˜es. Finalm Finalment ente, e, em uma ultima u´ltima parte, os principais eixos anteriormente examinados ser˜ao, ao, em um movimento por assim dizer retroativo, reavaliados com o objetivo de definir aquilo que constitui, a meu ver, a especificidade da antropologia. Eu queria queria finalmen finalmente te acrescen acrescentar tar que este livro livro dirigedirige-se se o mais amplo p´ublico ublico poss pos s´ıvel. N˜ao ao aqueles a`queles que tˆem em por profiss˜ ao a o a antropologia – duvido que encontrem nele um grande interesse – mas a todos que, em algum momento de sua vida (profissional, mas tamb´em em pessoal), p essoal), possam ser levados a utilizar o modo de conhecimento t˜ ao ao caracter´ caracter´ıstico da d a antropologia. a ntropologia. Esta ´e a raz ra zao a˜o pela p ela qual, qua l, entre o inconvenien inco nveniente te de utilizar u tilizar uma linguagem t´ecnica ecnica e o de adotar uma linguagem menos especializada, optei voluntariamente pela pe la segunda. segun da. Pois a antrop a ntropologi ologia, a, que ´e a ciˆ c iˆencia encia do homem por excelˆencia, encia , pertence a todo o mundo. Ela diz respeito a todos n´ os. os.
parentesco, das organiza¸c˜ c˜oes oes sociais, so ciais, a antropologia religiosa, art´ art´ıstica, a antropologia dos sistemas de comunica¸c˜ c˜oes... oes...
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Parte I Marcos Para Uma Hist´ oria oria Do Pensamento Antropol´ ogio ogio
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Cap´ıtulo 1 A Pr´ e-Hist´ oria oria Da Antropologia: a desc descobe obert rta a da dass dife difere ren¸ n¸ cas pel pelos via jan jantes do s´ ecul eculo o e a du dupl pla a respos resposta ta ideol´ ogic og ica a da dada da da daqu quel ela a´ epo ep o ca at´e nosnossos dias A gˆenese enese da reflex˜ reflexao a˜o antropol´ ogica ogica ´e contempor contem porˆ anea aˆnea a` descoberta do Novo Mundo. O Renascimento explora espa¸cos co s at´e ent˜ entao a˜o desconhecidos e come¸ca ca 1 a elaborar discursos sobre os habitantes que povoam aqueles espa¸ cos. cos. A grande quest˜ ao ao que ´e ent˜ao ao colocada, e que nasce desse primeiro confronto visual com a alteridade, alteridade, ´e a seguinte: seguinte: aqueles que acabaram de serem descobertos pertencem a` humanidade? O crit´erio erio essencial para saber se conv´em em atribuir-lhes um estatuto humano ´e, e, nessa ´epoca, epo ca, religioso: O selvagem selvagem tem uma alma? O pecado p ecado original tamb´ tamb´em em lhes diz respeito? –quest˜ ao capital para os mission´arios, arios, j´a que da resposta ir´a depender depender o fato de saber se ´e poss po ss´´ıvel trazer-lhe traz er-lhess a revela¸c˜ c˜ao. ao. Notamos que se, no s´eculo eculo XIV, a quest˜ao ao 1
As primeiras observa¸c˜ coes o˜es e os primeiros discursos sobre os povos ”distantes”de que dispomos provˆ em em de duas fontes: 1) as rea¸c˜ coes o˜es dos primeiros viajantes, formando o que habitualmente chamamos de ”literatura de viagem”. Dizem respeito em primeiro lugar `a ´ ´ P´ersia ers ia e `a Turquia, em seguida `a Am´erica, eric a, `a Asia e `a Africa. Em 1556, Andr´ e Thevet escreve As Singularidades da Fran¸ca ca Ant´artica, artica, em 1558 Jean de Lery, A Hist´oria de Uma Viagem Feita na Terra do Brasil. Consultar tamb´em em como exemplo, para um per´ per´ıodo anterior (s´ eculo eculo XIII), G. de Rubrouck (reed. 1985), para um per´ per´ıodo posterior (s´ eculo eculo XVII) Y. d’Evreux (reed. 1985), bom como a coletˆanea anea de textos de J. P. Duviols (1978); 2) os relat´orios orios dos mission´arios arios e particularmente as ”Rela¸c˜ coes”dos o˜es” dos jesu jes u´ıtas ıta s (s´eculo ecul o XVI XVII) I) ˆ nc Canad´a, a, no Jap˜ao, ao, na China, Cf., por exemplo, as Lettres Edifiantes et Curieuses de la Chine par des Missionnaires J´ esuites: esuites: 1702-1776, Paris reed. Garnier-Flammarion, 1979.
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´ ´ CAP ´ITUL ITULO O 1. 1. A PR PRE-HIST ORIA DA ANTROPOLOGIA:
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´e colocada, colo cada, n˜ ao ao ´e de forma forma alguma alguma soluci solucionad onada. a. Ela ser´ a definitivamente resolvida apenas dois s´eculos eculos mais tarde. Nessa Nes sa ´epoc ep ocaa ´e que come¸ com e¸cam c am a se esbo¸car car as duas ideologias concorrentes, mas das quais uma consiste consiste no sim´ sim´etrico etrico invertido invertido da outra: a recusa do estranho apreendido a partir de uma falta, e cujo corol´ ario ar io ´e a b oa cons co nsciˆ ciˆenci en ciaa que se tem sobre si e sua sociedade;2 a fascina¸ fascina¸c˜ cao a˜o pelo estranho cujo corol´ ario ario ´e a ma´ consciˆ c onsciˆencia encia que se tem sobre so bre si e sua sociedade. Ora, os pr´oprios oprios termos dessa dupla posi¸c˜ cao a˜o est˜ao a o colocados desde a metade do s´eculo eculo XIV: no debate, que se torna uma controv´ controv´ersia ersia p´ ublica, que durar´a v´arios arios meses (em 1550, na Espanha, em Valladolid), e que op˜ oe oe o dominicano Las Casas e o jurista Sepulvera. Las Casas: ` ”Aqueles que pretendem que os ´ındios ındio s s˜ s ao ˜ b´ arbaros, responderemos que essas pessoas tˆem em aldeias, aldeia s, vilas, cidades, cidad es, reis, senhores senho res e uma ordem pol pol´´ıtica que, q ue, em alguns alguns reinos, einos, ´e melhor melhor que a nossa. nossa. (...) (...) Esses Esses povo ovoss iguala igualavam vam ou at´e superavam superava m muitas mui tas na¸c˜ coes ˜ e uma ordem pol pol´´ıtica que, em alguns reinos, ´e melhor que a nossa. (...) Esses povos igualavam igualavam ou at´ e super superavam avam muitas na¸c˜ coes ˜ do mundo conhecidas como policiadas e razo´ aveis, e n˜ ao eram inferiores riores a nenhum nenhumaa del delas. as. Assim, Assim, igualavam igualavam-se -se aos gre gregos e os romanos omanos,, e at´e, e, em alguns de seus costumes, costumes, os superavam. superavam. Eles superavam superavam tamb´ em em a Inglaterra, a Fran¸ca, ca, e algumas de nossas regi˜ oes oes da Esp Espanha anha.. (...) (...) Pois Pois a maioria dessas na¸c˜ coes ˜ do mundo, sen˜ ao todas, foram muito mais pervertidas, irracionais e depravadas, e deram mostra de muito menos prudˆencia encia e sagacidade em sua forma de se governarem e exercerem as virtudes morais. N´ os mesmos fomos piores, no tempo de nossos ancestrais e sobre toda a extens˜ ao de nossa Espanha, pela barb´ arie de nosso modo de vida e pela deprava¸ c˜ c˜ ao de nossos costumes”. Sepulvera: ”Aqueles que superam superam os outros em prudˆencia encia e raz˜ ao, mesmo que n˜ ao se jam superiores em for¸ ca f´ısica, aqueles s˜ ao, por natureza, os senhores; ao contr´ ario, ari o, por´em, em, os pregui¸cosos, cosos, os esp´ esp´ıritos lentos, mesmo que tenham as for¸cas cas f´ısicas para cumprir cumpri r todas as a s tarefas necess´ necess´ arias, s˜ ao por natureza ser2
Sendo, as duas variantes dessa figura: 1) a condescendˆ encia encia e a prote¸c˜ cao, ˜ao, paternalista do outro: 2) sua exclus˜aaoo
1.1. A FIGURA DO MAU SELV SELVAGEM AGEM E DO BOM CIVILIZADO CIVILIZADO
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vos. E ´e justo e util ´ que sejam servos, e vemos isso sancionado pela pr´ opria lei divina. divina. Tais s˜ ao as na¸c˜ c˜ oes b´ arbaras e desumanas, estranhas a` vida civil e aos costumes costumes pac pac´´ıficos. E ser´ a sempre justo e conforme o direito natural que essas pessoas pessoas estejam submetidas ao imp´erio erio de pr´ pr´ıncipes e de na¸ c˜ oes mais cultas e humanas, de modo que, gra¸cas c as a` virtude destas e `a prudˆ pr udˆenci en cia a de suas leis, eles abandonem a barb´ arie e se conformem a uma vida mais humana e ao culto culto da virtude. virtude. E se eles recusar recusarem em esse imp´erio, erio, pode-se pode-se impˆo-lo o-lo pelo meio das armas e essa guerra ser´ a justa, bem como o declara o direito natural que os homens honrados, inteligentes, virtuosos e humanos dominem aqueles que n˜ ao tˆem em essas virtudes”. virtude s”. Ora, as ideologias que est˜ao ao por tr´ as desse duplo discurso, mesmo que n˜ao as ao se expressem mais em termos religiosos, r eligiosos, permanecem p ermanecem vivas vivas ho je, quatro quatr o s´eculos eculos 3 ap´os os a polˆemicaque emicaque opunha Las Casas a Sepulvera. Como s˜ao ao estere´ otipos otipos que envenenam essa antropologia espontˆ anea de que temos ainda hoje tanta anea dificuldade para nos livrarmos, livrarmo s, conv´em em nos no s determos dete rmos sobre sob re eles. e les.
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A Figura Do Mau Selvagem E Do Bom Civilizado
A extrema diversidade das sociedades humanas raramente apareceu aos homens como um fato, e sim como uma aberra¸c˜ c˜ao ao exigindo uma justifica¸c˜ c˜ao. ao. A antig¨ uidade grega designava sob o nome de b´ uidade arbaro arbaro tudo o que n˜ ao ao participava ticipava da helenidade (em referˆencia encia a` inarticula¸c˜ cao a˜o do canto dos p´ assaros assaros oposto a` significa¸c˜ c˜ao ao da linguagem linguagem humana), humana), o Renascimento Renascimento,, os s´eculos eculos XVII e XVIII falavam falavam de naturais ou de selvagens (isto ´e, e, seres da floresta), florest a), opondo assim a animalidade a` humanidade. O termo ter mo primitivos ´e que triunfar´a no s´eculo eculo XIX, enquanto e nquanto optamos opta mos prefer p referencia encialmente lmente na ´epoca epo ca atual a tual pelo pel o de subdesenvolvidos. Essa atitude, atitude , que consiste em expulsar da cultura, isto ´e, e, para a natureza naturez a todos aqueles que n˜ao ao participam da faixa de humanidade a` qual pertencemos e com a qual nos identificamos, ´e, e, como lembra L´evi-Strauss, evi-Strauss, a mais comum 3
Essa oscila¸c˜ cao ˜ao entre dois p´olos olos concorrentes, mas ligados entre si por um movimento de pˆ endulo endulo ininterrupto, pode p ode ser encontrada n˜ao ao apenas ap enas em uma mesma ´epoca, epoca, mas em um mesmo autor. Cf., por p or exemplo, L´ ery ery (1972) ou Buffon (1984).
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a toda to da a humanidade, e, em especial, esp ecial, a mais caracter caract er´´ıstica dos ”selvagens”.4 Entre os crit´ cr it´erios erios utilizados utiliz ados a partir par tir do d o s´eculo eculo XIV pelos p elos europeus europ eus para p ara julgar j ulgar se conv´em em conferir confe rir aos ´ındios um estatuto estat uto humano, al´em em do crit´erio erio religioso relig ioso do qual j´a falamos, e que pede, na configura¸c˜ cao a˜o na qual nos situamos, uma resposta negativa (”sem religi˜ ao ao nenhuma”, s˜ao ao ”mais diabos”), citaremos: •
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a aparˆ apa rˆencia enc ia f´ısica: ısi ca: eles ele s est˜ estao a˜o nus ou ”vestidos de peles de animais”; os comportamentos comportamentos alimentares: alimentares: eles ”comem carne crua”, e ´e todo o imagin´ario ario do canibalismo que ir´a aqui se elaborar;5 a inteligˆencia encia tal como pode po de ser apreendida a partir da linguagem: eles falam fal am ”uma ”um a l´ıngua ıng ua ininteli inint eligg´ıvel”. ıvel ”.
Assim, n˜ao ao acreditando em Deus, n˜ ao ao tendo alma, n˜ ao a o tendo acesso a` linguagem, sendo assustadoramente feio e alimentando-se como um animal, o selvagem selvagem ´e apreendido apreendido nos modos de um besti´ ario. ario. E esse discu discurso rso sosobre a alteridade, que recorre constantemente a` met´afora afora zool´ ogica, ogica, abre o grande leque das ausˆ encias: encias: sem moral, sem religi˜ religiao, a˜o, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem consciˆencia, encia, sem raz˜ ao, sem objetivo, sem arte, sem pasao, 6 sado, sem futuro. Cornelius de Pauw acrescentar´ a at´e, e, no s´eculo ecu lo XVIII XVI II:: ”sem barba”, ”sem sobrancelhas”, ”sem pˆelos”, elos”, ”sem esp´ esp´ıritosem ardor para com sua fˆemea”. eme a”. ´ a grande gl´ ”E oria e a honra de nossos reis e dos espanh´ ois, escreve Gomara em sua Hist´ oria Geral dos d os ´ındios, ındios , ter feito aceitar aos ´ındios ındio s um u m unico ´ Deus, uma unica ´ f´e e um unico ´ batismo e ter tirado deles a idolatria, os sacrif´ crif´ıcios humanos, o canibalismo, canibalismo, a sodomia; e ainda outras grandes e maus pecados, que nosso bom Deus detesta e que pune. Da mesma forma, tiramos deles a poligamia, velho costume e prazer de todos esses homens sensuais; 4
”Assim”, escreve L´evi-Strauss evi-Strauss (1961), ”Ocorrem curiosas situa¸c˜ coes o˜es onde dois interlocutores d˜ao-s´ ao-s´e cruelmente crue lmente a r´eplica. eplica. Nas Grandes G randes Antilhas, Antilhas , alguns al guns anos ap´os os a descoberta descoberta da Am´erica, erica, enquanto os espanh´ois ois enviavam comiss˜oes oes de inqu´ erito erito para pesquisar se os ind´ıgenas ıge nas possu´ pos su´ıam ıam ou n˜ao ao uma alma, estes empenhavam-se em imergir brancos prisioneiros a fim de verificar, por uma observa¸c˜ c˜ao ao demorada, se seus cad´averes averes eram ou n˜aaoo sujeitos `a putrefa¸ putrefa¸c˜ cao” a˜o” 5 Cf. especialmente Hans Staden, V´ eritable eritable Histoire et Descriptiou d’un Pays Pays Habit´e par des Homme Hommess Sauvages, Sauvages, Nus. F´ eroces eroces et Anthropo Anthropo phages, 1557, reed. reed. Paris, Paris, A. M. JVl´ JV l´etai et aili li´´e, e, 19 1979 79.. 6 Essa falta pode ser apreendida apreendida atrav´ atrav´es es de duas variantes: variantes: I) n˜ao ao tˆem, em, irremedi irre mediavelavelmente, futuro e n˜ao ao temos realmente nada a esperar espera r dele (Hegel); (Hegel) ; 2) ´e poss´ıvel ıvel fazˆe-los e-los evoluir. Pela a¸c˜ cao a˜o mission´aria aria (a ( a partir parti r s´eculo eculo XVI). XV I). Assim As sim como com o pela pe la a¸c˜ cao ˜ao administrativa
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mostramo-lhes o alfabeto sem o qual os homens s˜ ao como animais e o uso do ferro fe rro que ´e t˜ ao necess´ ario ao homem. Tamb´em em lhes mostramos v´ arios bons h´ abitos, abitos, artes, costumes costumes policiados policiados para para poder poder melhor viver. Tudo isso – e at´e cada uma dessas coisas – vale mais que as penas, as p´erolas, erolas, o ouro que tomamos deles, ainda mais porque n˜ ao utilizavam esses metais como moeda”. ”As pessoas desse de sse pa´ pa´ıs, por sua su a natureza, n atureza, s˜ ao t˜ ao ociosas, viciosas, de pouco trabalho, melanc´ olicas, covardes, sujas, de m´ a condi¸c˜ cao, ˜ mentirosas, de mole constˆancia ancia e firmeza firmeza (...). Nosso Nosso Senhor Senhor permiti permitiu, u, para ara os grand grandes, es, aboabomin´ aveis pec pecados dessas pessoas essoas selvagens, selvagens, r´ ustic usticas as e bestiais estiais,, que fossem fossem atirados e banidos da superf´ superf´ıcie da Terra”. escreve na mesma ´epoca epoca (1555) (15 55) Oviedo em sua Hist´ oria ori a das ´ındias ınd ias.. Opini˜oes oes desse tipo s˜ao ao inumer´aveis, aveis, e passaram tranq¨ uilamente uilamente para nossa ´epoca. epoca. No s´ eculo eculo XIX, Stanley, Stanley, em seu livro dedicado a` pesquisa de Livingstone, compara os africanos aos ”macacos de um jardim zool´ ogico”, ogico”, e convidamos o leitor a ler ou reler Franz Fanon (1968), que nos lembra o que foi o discurso colonial dos franceses na Arg´elia. elia. Mais dois textos ir˜ao ao deter mais demoradamente nossa aten¸ c˜ cao, a˜o, por nos parecerem muito reveladores desse pensamento que faz do selvagem o inverso do civilizado. S˜ao ao as Pesquisas sobre os Americanos ou Relatos Interessantes para servir a` Hist´oria oria da Esp´ecie ecie Humana, de Cornelius de Pauw, publicado em 1774, e a famosa Introdu¸c˜ cao a˜o a` Filosofia da Hist´oria, oria, de Hegel. 1) De Pauw nos prop˜ oe oe suas reflex˜oes oes sobre os ´ındios da Am´erica erica do Norte. Norte . Sua convic¸c˜ c˜ao ao ´e a de que sobre sob re estes est es l´ılli ıllimos mos a influˆ infl uˆencia enc ia da nature nat ureza za ´e total, tot al, ou mais precisamente negativa. Se essa ra¸ca ca inferior n˜ ao ao tem hist´ oria oria e est´a pura sempre condenada, por seu estado ”degenerado”, a permanecer fora do movimento da Hist´oria, oria, a raz˜ao ao deve ser atribu´ atribu´ıda ao clima de uma extrema e xtrema umidade: ”Deve existir, na organiza¸c˜ c˜ ao dos americanos, uma causa qualquer que embrutec brutece sua sensibilidade sensibilidade e seu esp´ esp´ırito. A qualidade qualidade do clima, clima, a grosseria grosseria de seus humores, humores, o v´ıcio radic radical al do sangue, sangue, a constit constitui¸ ui¸ cao c˜ ˜ de seu temperamento excessivamente fleum´ atico podem ter diminu´ diminu´ıdo o tom e o saracoteio saracoteio dos nervos desses homens embrutecidos”. Eles tˆem, em, prossegue prossegue Pau Pauw, w, um ”temperamento ”temperamento t˜ ao ao umido u ´ mido quanto o ar e a terra onde vegetam”e que explica que eles n˜ ao tenham nenhum desejo seao xual xual.. Em suma suma,, s˜ao ao ”infelizes que suportam todo o peso da vida agreste
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na escurid˜ ao ao das florestas, florestas, parecem mais animais animais do que vegetais vegetais”. ”. Ap´ os a degenere dege nerescˆ scˆencia encia ligada a um ”v´ ”v´ıcio de constitui¸ const itui¸c˜ cao a˜o f´ısica”, ısica” , Pauw chega a` de´ a quinta parte do livro, cuja primeira se¸c˜ grada¸c˜ c˜ao ao moral. E c˜ao ao ´e intitula intit ulada: da: ”O gˆenio enio embrutecido embrute cido dos America A mericanos”. nos”. ”A insensibilid insens ibilidade, ade, escreve nosso autor, ´e neles ne les um v´ıcio ıcio de sua constitui¸c˜ c˜ ao alterada; alterada; eles s˜ ao de uma pregui¸ca ca imperdo´ avel, n˜ ao inventam nada, n˜ ao empreendem nada, e n˜ ao estendem a esfera de sua concep¸c˜ cao ˜ al al´´em em do que qu e vˆeem ee m pusilˆ animes, animes, covar ovardes, des, irritados, irritados, sem nobreza nobreza de esp´ esp´ırito, o desˆ animo e a falta absoluta daquilo que constitui o animal racional os tornam in´ uteis para si mesmos e para para a socie sociedade. dade. Enfim, os californ californianos ianos vegetam vegetam mais do que vivem, e somos tentados a recusar-lhes uma alma. Essa separa¸c˜ cao a˜o entre um estado de natureza concebido por Pauw como irremediavelmente imut´avel, a vel, e o estado de civiliza¸c˜ cao, a˜o, pode ser visualizado num mapa m´ undi. undi. No s´eculo eculo XVIII, XVII I, a enciclop´ encic lop´edia edia efetua efet ua d dois ois tra¸cados: cados: um longitudinal, que passa por Londres e Paris, situando de um lado a Europa, ´ ´ a Africa e a Asia, de outro a Am´ erica, erica, e um latitudinal latitudinal dividindo dividindo o que se encontra ao norte e ao sul do equador. Mas, enquanto para Buffon, a proximidade ou o afastamento da linha equatorial s˜ao ao explicativos n˜ao ao apenas da constitui¸c˜ cao a˜o f´ısica ısica mas do moral mor al dos povos, o autor das Pesquisas Filos´ oficas oficas sobre os Americanos Americanos escolhe claramente claramente o crit´ erio erio latitudinal, latitudinal, fundamento fundamento aos seus olhos da distribui¸c˜ c˜ao ao da popula¸c˜ cao ˜ao mundial, distribui¸c˜ cao a˜o essa n˜ao ao cultural e sim natural da civiliza¸c˜ cao a˜o e da barb´ arie: arie: ”A natureza natureza tirou tudo de um hemisf´erio erio deste globo para d´ a-lo a-lo ao outro”. outro”. ”A diferen¸ diferen¸ ca ca entre um hemisf´erio erio e o outro (o Antigo e o Novo Novo Mundo) ´e total, t˜ ao grande quanto poderia ser e quanto podemos imagin´a-la”: a-la”: de um lado, a humanidade, e de outro, a ”estupidez na qual vegetam”esses seres indiferenciados: ”Igualmente ”Igualmente b´ arbar arb aros, os, vivend vivendoo igualm igualment entee da ca¸ca ca e da pesca, esca, em pa´ pa´ıses frios, est´ ereis, ereis, cob cobertos ertos de florestas, que despropor¸ despropor¸ c˜ ao se queria imaginar entr entre ele eles? s? Onde se sente as mesmas mesmas nec necessidad essidades, es, onde os meios de satisf ti sfazˆ azˆe-los e-l os s˜ ao os mesmos, mesmos, onde as influˆ influˆencias encias do ar s˜ ao t˜ ao semelha seme lhantes ntes,, ´e poss´ıvel ıve l hav haver er contradi¸ contradic˜ c¸ao ˜ nos costumes ou varia¸c˜ c˜ oes nas id´eias?” eia s?” Pauw responde, evidentement Pauw evidentemente, e, de forma negativa. negativa. Os ind´ ind´ıgenas americanos vivem vivem em um ”estado ”estado de embrut embrutecim eciment ento”ge o”geral ral.. T˜ ao degenerados uns quanto os outros, seria em v˜ ao procurar entre eles variedades distintivas daao quilo que se pareceria com uma cultura e com uma hist´oria. oria.7 7
Sobre C. de Pauw, cf. os trabalhos de M. Duchet (1971, 1985).
1.1. A FIGURA DO MAU SELV SELVAGEM AGEM E DO BOM CIVILIZADO CIVILIZADO
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2) Os julgamentos que acabamos de relatar – que est˜ao, ao, notamos, nota mos, em ruptura com a ideologia dominante do s´eculo eculo XVIII, XVI II, da d a qual falaremos mais adiante, e em especial com o Discurso sobre a Desigualdade, de Rousseau, publicado vinte anos antes – por excessivos que sejam, apenas ap enas radicalizam rad icalizam id´eias eias compartilhadas por muitas pessoas p essoas nessa ´epoca. epo ca. Id´eias eias que ser˜ ao ao retomadas e expressas nos mesmos termos em 1830 por Hegel, o qual, em sua Introdu¸c˜ao a` Filosofia da Hist´oria, oria, nos exp˜ o e o horror que ele ressente frente ao esoe tado de natureza, que ´e o desses pov p ovos os que jamais-ascend jamais-ascender˜ er˜ ao a` ”hist´oria”e oria”e a` ”consciˆ ”con sciˆencia encia de si”. Na leitura dessa Introdu¸c˜ cao, a˜o, a Am´ Am´erica erica do Sul parece mais est´ upida upida ainda ´ do que que a do Nor Norte te.. A Asia aparentemente n˜ ao ao est´a muito melhor. Mas ´e ´ ´ a Africa, e, em especial, a Africa profunda do interior, onde a civiliza¸c˜ c˜ao ao nessa ´epoca epo ca ainda n˜ ao penetrou, que representa para o fil´ ao osofo osofo a forma mais nitidamente inferior entre todas nessa infra-humanidade: ´ o pa´ ”E pa´ıs do ouro, fechado sobre si mesmo, o pa´ pa´ıs da infˆ ancia, anc ia, que, al´em em do dia e da hist´ oria consciente, est´ a envolto na cor negra da noite”. ´ Tudo, na Africa, Africa , ´e nitidamente nitidamente visto sob o signo da falta absoluta: os ”negros”n˜ao a o respeitam nada, nem mesmo eles pr´ oprios, oprios, j´a que comem carne humana humana e fazem com´ ercio ercio da ”carne”de seus pr´ oximos oximos.. Vivendo Vivendo em uma uma ferocidade bestial inconsciente de si mesma, em uma selvageria em estado bruto, eles n˜ao ao tˆem em moral, nem institui¸ instit ui¸c˜ coes ˜oes sociais, religi˜ao ao ou Estado.8 Petrificados em uma desordem inexor´ avel, nada, nem mesmo as for¸cas avel, cas da coloniza¸c˜ c˜ao, ao, poder´ a nunca preencher o fosso que os separa da Hist´ oria oria universal universal da humanidade. humanidade. Na descri¸c˜ c˜ao ao dessa africanidade estagnante da qual n˜ ao a o h´ a absolutamente nada a esperar – e que ocupa rigorosamente em Hegel o lugar destinado a` indianidade indianidade em Pau Pauw w – , o autor da Fenomenologia enomenologia do Esp´ Esp´ırito vai, vale a pena notar, mais longe que o autor das Pesquisas Filos´ oficas oficas sobre os Americanos. O ”negro”nem ”negro”nem mesmo se vˆe atribuir o estatuto de vegetal. vegetal. ”Ele cai”, escreve escreve Hegel, ”para o n´ıvel ıvel de uma coisa, de um objeto sem valor”.
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”O fato de devorar devorar homens corresponde corresponde ao princ´ princ´ıpio africano.”O africano.”Ou u ainda: ainda: ”S˜ao a o os seres mais atrozes atrozes que tenha no mundo, mundo, seu semelhan semelhante te ´e para eles apenas uma carne como qualquer outra, suas guerras s˜ao ao feroze: e sua religi˜ao ao pura supersti¸c˜ cao”. a˜o”.
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´ ´ CAP ´ITUL ITULO O 1. 1. A PR PRE-HIST ORIA DA ANTROPOLOGIA:
A Figura Do Bom Selvagem E Do Mau Civilizado
A figura de uma natureza m´ a na qual vegeta um selvagem se lvagem embrutecid embru tecidoo ´e emiemi nentemente nentemente suscet´ suscet´ıvel de se transformar transformar em seu oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias a` um selvagem selvagem feliz. feliz. Os termos da atribui atribui¸c¸˜ao permanecem, permanece m, como c omo veremos, rigorosamente idˆenticos, enticos, da mesma forma que o par constitu´ constitu´ıdo pelo p elo sujeito do discurso discurso (o civilizado) civilizado) e seu ob jeto (o natural). Mas efetua-se dessa vez a invers˜ao ao daquilo que era apreendido como um vazio que se torna um cheio (ou plenitude), daquilo que era apreendido como um menos que se torna um mais. O car´ater ater privativo dessas sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem economia, sem religi˜ ao organizada, sem clero, ao sem sacerdotes, sa cerdotes, sem pol p ol´´ıcia, sem leis, sem Estado –acrescentar-se-´ a no s´ecul ec uloo ´ XX sem Complexo de Edipo – n˜ao ao constitui uma desvantagem. O selvagem n˜ao ao ´e quem pensamos pen samos.. Evidentemen Evidentemente, te, essa representa¸ representa¸ c˜ cao a˜o concorre concorrente nte (mas que consist consistee apenas apenas em inverter a atribui¸c˜ c˜ao ao de significa¸c˜ coes o˜es e valores dentro de uma estrutura idˆentica) entica ) perman p ermanece ece ainda bastante bast ante r´ıgida na ´epoca epo ca na qual o Ocidente O cidente descodesco bre povos ainda desconhecidos. A figura do bom selvagem s´ o encontrar´ encontrar´ a sua formula¸c˜ c˜ao ao mais ma is sist si stem em´ atica a´tica e mais radical radic al dois s´eculos eculo s ap´os os o Renascimento Rena scimento:: no rousseau rouss eau´´ısmo do s´eculo eculo XVIII, XVII I, e, em s´eguida, eguid a, no Romantismo. Romanti smo. N˜ ao ao deixa por´em em de estar presente, presente, pelo menos em estado embrion´ embrion´ ario, na percep¸c˜ao que tˆem em os primeiros prime iros viajantes. via jantes. Am´erico erico Vesp´ espucio u´cio descobre desco bre a Am´erica: erica : ”As pessoas est˜ ao nuas, s˜ ao bonitas bonitas,, de pele pele escur escura, a, de corpo corpo ele elegan gante. te. . . Nenhum Nenhum possui possui qualquer qualquer coisa que seja, pois pois tudo ´e colo coloca cado do em comum. E os homens tomam por mulheres aquelas que lhes agradam, sejam elas sua m˜ ae, sua irm˜ a, ou sua amiga, entre as quais eles n˜ ao fazem diferen¸ca. c a. . . Eles vivem cinq¨ uenta anos. E n˜ ao tˆem em gov govern erno”. o”. Crist´ov˜ ov˜ao ao Colombo, aportando no Caribe, descobre, ele tamb´ em em o para´ para´ıso; ”Eles s˜ ao muito muito mansos mansos e ignor ignorant antes es do que ´e o mal, mal, ele eless n˜ ao sabem se matar uns aos outros (...) Eu n˜ ao penso que haja no mundo homens melhores, como tamb´em em n˜ ao h´ a terra melhor”. Toda a reflex˜ ao ao de d e L´ery ery e de d e Montaigne Mo ntaigne no s´eculo eculo XVI sobre so bre os ”natur ” naturais”ba ais”baseiaseiase sobre o tema da no¸c˜ c˜ao ao de crueldade respectiva de uns e outros, e, pela primeira vez, instaura-se insta ura-se uma cr´ cr´ıtica da civiliza¸c˜ cao a˜o e um elogio da ”ingenui-
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dade original”do estado de natureza. n atureza. L´ery, ery, entre os Tupinamb´ as, interroga-se sobre o que se passa p assa ”aqu´ ” aqu´em”, em”, isto ´e, e, na Europa. E uropa. Ele escreve, e screve, a respeito de ”nossos grandes usur´ arios”: arios”: ”Eles ”Eles s˜ao ao mais cru´ eis eis do que os selvagens selvagens dos quais estou falando”. E Montaigne, sobre esses ultimos: u ´ ltimos: ”Podemos portanto de fato cham´ a-los a-los de b´arbaros arbaros quanto as a`s regras da raz˜ ao, a o, mas n˜ao ao quanto a n´os os mesmos que os superamos em toda sorte de barb´arie”. arie”. Pa Para ra o autor dos Ensaios, Ensaios, esse estado paradis´ paradis´ıaco que teria sido o nosso outrora, talvez talvez esteja conservado conservado em alguma parte. O hugu huguenote enote que eu interroguei interroguei at´e o encontrou. Esse fasc´ fasc´ınio exercido pelo ind´ ind´ıgena americano, americano, e em especial por le Hu9 ron, protegido da civiliza¸c˜ c˜ao ao e que nos convida a reencontrar o universo caloroso da natureza, triunfa nos no s s´eculos eculos XVII XVI I e XVIII. Nas primeiras Rela¸c˜ coes o˜es dos jesu´ jesu´ıtas que se instalam instalam entre os Hurons desde 1626 pode-se ler: ”Eles s˜ ao af´ avei aveis, s, liber liberais ais,, mode moderrado ados. s. . . Todo doss os nosso nossoss padr padres que que freq¨ uentaram os Selvagens consideram que a vida se passa mais docemente entre eles do que entre n´ os”.. Seu ideal: os” ideal: ”viver ”viver em comum omum sem pro processo, esso, contentar-se contentar-se de pouco pouco sem avareza, ser s er ass´ ass´ıduo no trabalho”. trabalho”. Do lado dos livres-pensadores, livres-p ensadores, ´e o mesmo grito de entusiasmo; La Hontan: ”Ah! ”Ah! Viva Viva os Hur Hurons ons que que sem lei, sem pris˜ prisoes ˜ e sem torturas passam a vida na do¸cura, cura, na tranq¨ uilidade, e gozam de uma felicidade desconhecida dos franceses”. Essa admira¸ admira¸c˜ c˜ao a o n˜ao ao ´e compartilhada compartilhada apenas pelos navegadores navegadores estupefa10 tos. O selvagem ingressa progressivamente na filosofia – os pensadores 9
Um dos primeiros textos sobre os Hurons Hurons ´e publicado publicado em 1632: Le Grand Grand Vayage ayage au Pays Pays des Hurons, Hurons, de Gabrie Gabriell Sagard Sagard.. A seguir seguir temos: temos: em 1703, Le Supple Supplemen mentt aux Voyages du Baron de La Hontan o¨u ion Trouve des Dialogues Curieux entre 1’Auteur et un Sauvage; Sa uvage; em 1744, Moeurs des Sauvages S auvages Am´ericains, ericains , de Lafitau; Lafitau ; em 1767, Vlng´enu, enu, de Vol-taire.. Notemos que de cada popula¸c˜ c˜ao ao encontrada nasce um estere´otipo. otipo. Se o discurso discurso europeu sobre os Astecas Astecas e os Zulus faz, na maior parte das vezes, vezes, referˆ referˆ encia encia `a crueldade, o discurso sobre os Esquim´os os a sua hospitalidade, estes ´ultimos ultimos n˜ ao hesitando em oferecer ao suas mulheres como presente, a imagem da bondade inocente ´e sem d´uvida uvida predominante em grande parte na literatura sobre os ´ındios. 10 No s´eculo eculo XVIII, XVII I, um marinheiro marinhe iro francˆes es escreve em seu di´ario ario de d e viagem: viage m: ”A inocˆ ino cˆ encia encia e a tranq¨ uilidade uilidade est´a entre eles, desconhecem o orgulho e a avareza e n˜ao trocariam essa vida e seu pa´ pa´ıs por qualquer coisa no mundo”(coment´ arios arios relatado relatadoss por ). P. Duviols, Duviols, 1978).
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das da s Lu Lumi` mi`eres er esu u 11 – , mas tamb´em em nos sal˜oes oes liter´arios arios e nos teatros parisienses. Em 1721, 17 21, ´e montado um espet´ aculo intitulado O Arlequim Selvagem. 0 aculo personagem de um Huron trazido para Paris declama no palco: ”Vocˆes es sao ˜ lou louccos, pois pro procuram curam com muito muito empenh empenhoo uma infinid infinidade ade de coisas in´ uteis ute is;; vocˆes es s˜ ao pobres, pois limitam seus bens ao dinheiro, em vez de simplesmente gozar da cria¸c˜ cao, ˜ como n´ os, que n˜ ao queremos nada a fim de desfrutar mais livremente de tudo”. ´ a ´epoca E epoca em que todos querem querem ver ver os Indes Indes Galant Galantes es que Rameau Rameau acabou de escrever, escrever, a ´epoca epoca em que se exibem nas feiras verdadeiros verdadeiros selvagens. selvagens. Manifesta¸c˜ c˜oes oes essas que constituem uma verdadeira acusa¸c˜ c˜ao ao contra a civiliza¸c˜ cao. a˜o. Depois, Depo is, o fasc´ınio ınio pelos pel os ´ındios ındios ser´a substitu subst itu´´ıdo progressivamente, progr essivamente, a partir do fim do s´eculo eculo XVIII, pelo charme charme e prazer id´ id´ılico que provoca provoca o encanto encanto das paisagens paisagens e dos habitantes habitantes dos mares do sul, dos arquip´ arquip´elagos elagos polin´ esios, esios, em especial Samoa, as ilhas Marquises, a ilha de P´ ascoa, a scoa, e sobretudo o Taiti. Aqui est´a, a, por exemplo, o que escreve Bougainville em sua Viagem ao Redor do Mundo (reed. 1980): ”Seja ”Seja dia dia ou noit noite, e, as casas asas est˜ est˜ ao aber aberta tas. s. Ca Cada da um col olhe he as fruta frutass na primeira arvore ´ que encontra, ou na casa onde entra. . . Aqui um doce ocio ´ ´e compartilhado pelas mulheres, e o empenho em agradar ´e sua mais pre preciosa ciosa ocupa¸c˜ cao. ˜ . . Qu Quas asee toda todass aquel aquelas as ninf ninfas as esta estava vam m nuas. nuas. . . As mulh mulher eres es pareciam n˜ ao querer aquilo que elas mais desejavam. . . Tudo lembra a cada instante as do¸curas curas do amor, tudo incita ao abandono”. Todos os discu discurs rsos os que que acabam acabamos os de citar citar,, e espec especia ialm lmen ente, te, os que que exalexaltam a do¸cura cura das sociedades ”selvagens”, e, correlativamente fustigam tudo que pertence ao Ocidente ainda s˜ ao ao atuais. Se n˜ao ao o fossem, n˜ao ao nos seriam diretamente diret amente acess´ıveis, ıveis, n˜ ao ao nos tocariam to cariam mais nada. Ora, ´e precisamente precisamente a esse imagin´ario ario da viagem, a esse desejo de fazer existir em um ”alhures”uma sociedade de prazer e de saudade, em suma, uma humanidade convivial cujas virtudes se estendam a` magnificˆ magnificˆencia encia da fauna e da flora (Chateau-briand, (Chateau-briand, Segalen Segalen,, Conrad, Melvil Melville. le. . .), que a etnologia etnologia deve deve grande parte parte de seu sucesso com o p´ ublico. ublico. O tema desses povos que podem eventualmente nos ensinar a viver e dar 11
Condillac Condillac escreve: escreve: ”N´ os os que nos consideramos instru´ instru´ıdos, precisar´ precisar´ıamos ir entre os povos mais ignorantes, para aprender destes o come¸co co de nossas descobertas: pois ´e sobretudo desse come¸co co que precisar´ precisar´ıamos: ignoramo-lo porque p orque deixamos h´a tempo de ser os disc´ıpulos ıpulos da natureza” natureza ”
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ao Ocidente Ocide nte mort´ıfero ıfero li¸c˜ coes o˜es de grandeza, como acabamos de ver, n˜ ao ao ´e novi novi-dade. Mas grande parte do p´ ublico ublico est´a infinita in finitamente mente mais dispon disp on´´ıvel agora a gora do que antes para se deixar persuadir que `as as sociedades constrangedoras da abstra¸c˜ c˜ao, a o, do c´alculo alculo e da impessoalidade das rela¸c˜ c˜oes oes humanas, op˜ oem-se oem-se sociedades de solidariedade comunit´ aria, abrigadas na suntuosidade de uma aria, natureza generosa. A decep¸c˜ cao a˜o ligada liga da aos ”ben ” benef ef´´ıcios”do ıcios” do progress pro gressoo (nos quais q uais muitos entre n´os os acreditam cada vez menos) bem como a solid˜ ao a o e o anonimato do nosso ambiente de vida, fazem com que parte de nossos sonhos s´o aspirem a se projetar nesses para´ para´ıso (perdido) (p erdido) dos tr´ opicos ou dos mares do Su Sul, l, que qu e o Ocidente Oc idente teria substitu subst itu´´ıdo pelo p elo inferno in ferno da socieda so ciedade de tecnol´ te cnol´ogica. ogica . Mas conv´ conv´em, em, a meu ver, ir mais longe. O etn´ ologo, ologo, como o militar, ´e recrutado no civil. Ele compartilha com os que pertencem a mesma cultura que a ´ sua, as mesmas insatisfa¸ insatisfa¸c˜ c˜oes,-ang´ oes,-ang´ustias, ustias, desejos. Se essa busca do Ultimo dos Moicanos, essa etnologia do selvagem do tipo ”vento dos coqueiros”(que co queiros”(que ´e na realidade uma etnologia selvagem) contribui para a popularidade de nossa disciplina, ela est´a presente nas motiva¸c˜ c˜oes o es dos pr´oprios oprios etn´ ologos. ologos. MaliMalinowski ter´a a franqueza de escrever e ser´ a muito criticado por isso: ”Um dos ref´ ugios ugios fora dessa pris˜ao ao mecˆanica anica da cultura cultu ra ´e o estudo estud o das formas primit primitiv ivas as da vida vida hu humana mana,, tais como existem existem ainda nas sociedad sociedades es long´ long´ınquas do globo. A antropologia, antropologia, para mim, pelo menos, era uma fuga romˆantica antica para longe de nossa cultura uniformizada”. Ora, essa ”nostalgia ”nostalgia do neol´ neol´ıtico”, de que fala Alfred M´etraux etraux e que esteve na origem de sua pr´ opria opria voca¸c˜ c˜ao ao de Ctn´ologo, ologo, ´e encontrada encont rada em muitos autores, especialmente nas descri¸c˜ coes o˜es de popula¸c˜ c˜oes oes preservadas do contato corruptor com o mundo moderno, vivendo vivendo na harmonia harmonia e na transparˆ transparˆencia. encia. O qualificativo que fez sucesso para designar o estado dessas sociedades, que s˜ao ao caracterizadas pela riqueza das trocas simb´ olicas, foi certamente o de olicas, ”autˆ ”au tˆentico” enti co”(op (opost ostoo a` aliena¸c˜ cao a˜o das sociedades so ciedades industriais industriais adiantadas), adiantadas), termo proposto prop osto por Sapir em 1925, e que ´e erroneame erro neamente nte atribu atrib u´ıdo a L´evi-Straus evi-St rauss. s.
*** A imagem que o ocidental se fez da alteridade (e correlativamente de si mesmo) n˜ao a o parou parou,, portan portanto, to, de osci oscila larr entre entre os p´ olos de um verdadeiro movimento pendular. Pensou-se alternadamente que o selvagem: •
era um monstro, monstro , um ”animal com figura humana”(L´ery), ery), a meio caminho entre e ntre a animalidade e a humanidade mas tamb´em em que os monstros monstr os
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´eram er amos os n´os, os, sendo que ele tinha li¸c˜ coes o˜es de humanidade a nos dar; •
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levava levava uma u ma existˆencia encia infeliz e miser´ m iser´avel, avel, ou, pelo contr´ario, ario, vivia num estado de beatitude, adquirindo sem esfor¸cos cos os produtos maravilhosos maravilhosos da natureza, enquanto que o Ocidente era, por sua vez, obrigado a assumir as duras tarefas da ind´ ustria; ustria; era trabalhador e corajoso, ou essencialmente pre gui¸ coso; coso; n˜ao a o tinha alma e n˜ao ao acreditava em nenhum deus, ou era profundamente religioso; vivia num eterno pavor do sobrenatural, ou, ao inverso, na paz e na harmonia era um anarquista sempre pronto a massacrar seus semelhantes, ou um comunista comunista decidido decidido a tudo compartilhar, compartilhar, at´ e e inclusive inclusive suas pr´ oprias mulheres; era admiravelmente bonito, ou feio; era movido por po r uma u ma impulsividade criminalmente congˆ co ngˆenita enita quando era leg´ leg´ıtimo temer, teme r, ou devia ser se r considerado con siderado como uma crian¸ c rian¸ ca ca precisando de prote¸c˜ c˜ao; ao; era um embrutecido embrutecido sexual levando levando uma vida de orgia e devassid˜ devassid˜ ao ao permanente, ou, pelo contr´ ario, um ser preso, obedecendo estritamente ario, aos tabus e as a`s proibi¸c˜ coes o˜es de seu grupo; era atrasado, est´ upido upido e de uma simplicidade simplicidade brutal, ou profundamente profundamente virtuoso e eminentemente complexo; era um animal, um ”vegetal”(de Pauw), uma ”coisa”, um ”objeto sem valor”(Hegel), ou participava, pelo contr´ ario, de uma humanidade da ario, qual tinha tudo como aprender.
Tais s˜ao ao as diferentes diferentes constru¸c˜ coes o˜es em presen¸ca ca (nas quais a repuls˜ao ao se transforma rapidamente em fasc´ fasc´ınio) dessa alteridade fantasm´ atica que n˜ao a o tem muita rela¸c˜ cao a˜o com a realidade. O outro – o ´ındio, o taitiano, taitiano, mas recentemente o basco ou o bret˜ ao– ao– ´e simplesmen simplesmente te utilizado utilizado como suporte de um imagin´ario ario cujo lugar de referˆencia encia nunca ´e a Am´erica, erica , Taiti, o Pa Pa´´ıs Basco ou a Bretanha. S˜ao ao objetos-pretextos que podem ser mobilizados tanto com vistas `a explora¸c˜ cao a˜o econˆ omica, omica, quanto ao militarismo pol´ pol´ıtico, a` convers˜ ao ao religiosa ou a` emo¸c˜ c˜ao ao est´ etica. etica. Mas, em todos os casos, o outro n˜ ao ao ´e cons co nsiiderado para si mesmo. Mal se olha para ele. Olha-se a si mesmo nele.
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Voltemos oltemos ao nosso ponto ponto de partida partida:: o Renascime Renascimento nto.. Seria Seria em v˜ ao, talvez anacrˆ onico, descobrir nele o que poderia aparentar-se a um pensamento onico, etnol´ogico, ogico, t˜ao ao problem´ atico, como acabamos de observar, ainda no final do atico, s´ecul ec uloo XX. N˜ao ao basta viajar e surpreender-se surpreen der-se com o que se vˆe para tornar-se etn´ ologo ologo (n˜ao a o basta mesmo ter numerosos anos de ”campo”, como se diz hoje). ho je). Por´em, em, numerosos via jantes nessa ´epoca epo ca colocam c olocam problemas (o que n˜ao ao significa uma problem´ atica) atica) aos quais ser´a necessariamen necessariamente te confrontado confrontado qualquer antrop´ ologo. Eles abrem o caminho daquilo que laboriosamente ir´ ologo. a se tornar a etnologia. Jean de L´ery, ery, entre os ind´ ind´ıgenas brasileiros, perguntase: ´e preciso prec iso rejeit´ rejei t´ a-los fora da humanidade? Consider´ a-los a-los a-los como virtualidades de crist˜aos? aos? Ou questio questionar nar a vis˜ ao a o que temos da pr´opria opria humanidade, isto ´e, e, reconhece reco nhecerr que a cultura cultu ra ´e plural? plura l? Atrav´es es de muitas contradi¸ contra di¸ c˜oes oes (a oscila¸c˜ cao a˜o permanente entre a convers˜ ao ao e o olhar, olha r, os o s ob jetivos teol´ogicos ogicos e os que pode p oderr´ıamos chamar de etnogr e tnogr´ aficos, a´ficos, o ponto p onto de vista normativo normativo e o ponto de vista narrativo), o autor da Viagem n˜ ao ao tem te m resposta. resp osta. Mas as quest˜oes oes (e para o que nos interessa aqui, mas especificamente a ultima) u´ltima) est˜ao ao no entanto implicitamente colocadas. Montaigne (hoje as a`s vezes criticado), mesmo se o que o preocupa pre ocupa ´e menos me nos a humanidade dos ´ındios do que a inumanidade dos europeus, seguindo seguindo nisso L´ery ery que transporta para o ”Novo ”Novo Mundo”os conflitos do antigo, come¸ca ca a introduzir a d´ uvida uvida no edif´ edif´ıcio do pensame pe nsamento nto europeu. Ele testemunha o desmoronamento desmoroname nto poss´ poss´ıvel deste pensamento, p ensamento, menos inclusive ao pronunciar a condena¸c˜ cao a˜o da civiliza¸c˜ cao a˜o do que ao considerar que a ”selvageria”n˜ao ao ´e nem ne m inferior nem superior, su perior, e sim diferente. Assim, Assim, essa ´epoca, epoca, muito muito timidament timidamente, e, ´e verdade, verdade, e por alguns apenas de seus esp´ esp´ıritos os menos ortodoxos, a partir da observa¸ c˜ao a o direta de um ob jeto distante (L´ery) ery) e da reflex˜ ao a distˆancia ancia sobre este objeto (Montaigne), permite a constitui¸ constitui¸c˜ cao ˜ao progressiva, n˜ ao ao de um saber sab er antropol´ ogico, ogico, muito menos de uma ciˆencia encia antropol´ antrop ol´ ogica, ogica , mas sim de um saber sab er pr´e-antropol´ e-antro pol´ogico. ogico .
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´ ´ CAP ´ITUL ITULO O 1. 1. A PR PRE-HIST ORIA DA ANTROPOLOGIA:
Cap´ıtulo 2 O S´ ecul eculo o XVI XVII I: a inven¸c˜ c˜ ao ao do concei conceito to de homem homem Se durante o Renascimento Renascimento esbo¸ cou-se, cou-se, com a explora¸c˜ cao a˜o geogr´ afica afica de continentes desconhecidos, desconhecidos, a primeira primeira interroga¸ interroga¸ c˜ao ao sobre a existˆencia encia m´ ultipla ultipla do homem, essa interroga¸c˜ cao a˜o fechou-se muito rapidamente no s´eculo eculo seguinte, no qual a evidˆ evidˆencia encia do cogito, fundador da ordem do pensamento pensamento cl´ assico, exclui da raz˜ ao ao o louco, a crian¸ca, ca, o selvagem, enquanto figuras da anormalidade. Ser´ a preciso esperar o s´eculo eculo XVIII para que se constitua o projeto de fundar uma ciˆ encia encia do homem, isto ´e, e, de um saber n˜ ao ao mais exclusivamente especulaivo, e sim positivo sobre o homem. Enquanto encontramos no s´eculo eculo XVI elementos elem entos que qu e permitem per mitem compre c ompreende enderr a pr´e-hist´ e-historia o´ria da antropologia, enquanto o s´eculo eculo XVII (cujos (cujo s discursos disc ursos n˜ ao ao nos s˜ao ao mais diretamente diret amente acess´ıveis ıveis hoje) interrompe nitidamente essa evolu¸c˜ cao, a˜o, apenas ape nas no s´eculo eculo XVIII XVII I ´e que entramos verdadeiramente, como mostrou Michel Foucault (1966), na modernidade. dernidade. Apenas nessa ´epoca, epoca, e n˜ao ao antes, antes, ´e que se pode apreender as condi¸c˜ c˜oes oes hist´oricas, oricas, culturais e epistemol´ ogicas de possibilidade daquilo que ogicas vai se tornar a antropologia. ”Antes do final do s´eculo eculo XVIII”, escreve Fou-cauilt, Fou-cauilt, ”o homem n˜ ao existia. Como tamb´ tamb´em em o poder poder du vida, a fecundid fecundidade ade do trab trabalho alho ou a densidade densidade ´ uma criatura muito recente que o demiurgo do sahist´ orica da linguagem. E ber fabricou com suas pr´ oprias m˜ aos, h´ a menos de duzentos anos (...) Uma coisa em todo caso ´e certa, certa, o homem n˜ ao ´e o mais antigo problema, nem o mais constante onstante que tenha sido colo oloccado ao saber saber humano. humano. O homem ´e uma inven¸c˜ c˜ ao e a arque arqueolo ologia gia de nosso pensame pensamento nto mostra mostra o quanto quanto ´e rec recente. E”, acrescenta Foucault no final de As Palavras e as Coisas, ”qu˜ ao pr´ oximo 39
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talvez seja o seu fim”. O projeto antropol´ ogico ogico (e n˜ ao ao a realiza¸c˜ cao a˜o da antropologia como a entendemos hoje) sup˜ oe: oe: 1) a constru¸c˜ c˜ao a o de um certo n´ umero de conceitos, come¸cando umero cando pelo pr´ oprio oprio conceito de homem, n˜ao ao apenas enquanto sujeito, mas enquanto objeto do saber; sab er; abor a bordage dagem m totalmente total mente in´edita, edita , j´ a que consiste consiste em introduzir introduzir dualidade caracter´ caracter´ıstica das ciˆencias encias exatas (o sujeito observante e o objeto ob jeto observado) no cora¸c˜ c˜ao ao do pr´oprio oprio homem; 2) a constitui¸c˜ c˜ao a o de um saber que n˜ao a o seja apenas de reflex˜ ao, a o, e sim de observa¸c˜ c˜ao, ao, isto ´e, e, de um novo novo modo de acesso acesso ao homem, homem, que passa passa a ser considerado em sua existˆencia encia concreta, envolvida nas determina¸ c˜ c˜oes oes de seu organismo, de suas rela¸c˜ c˜oes oes de produ¸c˜ cao, a˜o, de sua linguagem, de suas institui¸c˜ coes, o˜es, de seus comportame comportament ntos. os. Assim Assim come¸ ca ca a constitui¸c˜ cao a˜o dessa positividade de um saber emp´ emp´ırico (e n˜ ao mais transcendental) sobre o homem ao enquanto ser vivo (biologia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala (ling¨ u´ıstica). . . Montesquieu, em O Esp´ Esp´ırito das Leis (1748), (1748) , ao mostrar a rela¸c˜ cao a˜o de interdependˆencia encia que ´e a dos fenˆ omenos omenos sociais, abriu o caminho para Saint-Simon Saint-Simon que foi o primeiro primeiro (no s´eculo eculo seguinte) seguinte) a falar em uma ”ciˆencia encia da sociedade”. Da mesma forma, antes dessa ´epoca, epo ca, a linguagem, quando tomada em considera¸c˜ cao, a˜o, era objeto de filosofia ou exegese. Tornou-se paulatinamente (com (c om de Brosses, Rousseau) Ro usseau) o objeto obje to espec esp ec´´ıfico de um saber cient´ cient´ıfico (ou, pelo menos, de voca¸c˜ cao a˜o cient´ ci ent´ıfica ıfi ca); ); 3) uma problem´ atica essencial: a da diferen¸ca. atica ca. Rompendo Rompendo com a convic convic¸c˜ c¸˜ao ao de uma transpa transparˆ rˆencia encia imedia imediata ta do cogito, cogito, coloca-s coloca-see pela primei primeira ra vez vez no s´eculo eculo XVIII XVII I a quest˜ quest ao a˜o da rela¸c˜ c˜ao ao ao impensado, bem como a dos d os poss p oss´´ıveis processos de reapropria¸ reapropria¸ c˜ cao a˜o dos nossos condicionamen condicionamentos tos fisiol´ ogicos, ogicos, das nossas rela¸c˜ coes o˜es de produ¸c˜ c˜ao, ao, dos nossos sistema de organiza¸c˜ cao a˜o social. social. Assim, Assim, inicia-se uma ruptura com o pensamento do mesmo, e a constitui¸c˜ c˜ao ao da id´eia ei a de que a linguagem nos precede, pois somos antes exteriores a ela. Ora, tais reflex˜oes oes sobre os limites do saber, assim como sobre as rela¸c˜ coes o˜es de sentido e poder (que anunciam anunciam o fim da metaf´ metaf´ısica) eram inimagin´ inimagin´ avei aveiss antes antes.. A sociedade do s´eculo eculo XVIII vive vive uma crise da identidade identidade do humanismo humanismo e da consciˆ cons ciˆencia encia europ´eia. eia. Parte de suas elites busca suas referˆencias encia s em e m um u m conc onfronto com o distante. Em 1724, 1724, ao publica publicarr Os Costumes Costumes dos Selv Selvagens agens America Americanos nos Compara Compara-dos aos Costumes dos Primeiros Tempos, Lafitau se d´ a por objetivo o de
41 fundar uma ”ciˆencia encia dos costumes e h´ abitos abi tos”, ”, que, que , al´em em da contingˆ cont ingˆencia enc ia dos fatos particulares, poder´ a servir de compara¸c˜ cao a˜o entre v´ arias arias formas de humanidade manidade.. Em 1801, Jean Itard escreve escreve Da Educa¸ c˜ao ao do Jovem Selvagem do Aveyron. Ele se interroga sobre a comum humanidade a` qual pertencem o homem da civiliza¸c˜ cao a˜o em que nos transportamos e o homem da natureza, 1 a crian¸ca-lobo. ca-lobo. Mas foi Rousseau quem tra¸cou, c ou, em seu Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade, o programa que se tornar´ a o da 2 etnologia cl´assica, assica, no seu campo tem´ atico atico tanto quanto na sua abordagem: a indu¸c˜ cao a˜o de que falaremos agora; 4) um m´etodo eto do de observa¸ obser va¸ c˜ cao a˜o e an´alise: alise: o m´etodo etodo indutivo. Os grupos grup os sociais so ciais (que come¸cam cam a ser comparados a organismos vivos, podem ser considerados como sistemas ”naturais”que devem ser estudados empiricamente, a partir du observa¸c˜ c˜ao ao de fatos, fatos , a fim de d e extrair ext rair princ´ıpios ıpios gerais, gera is, que qu e ho je chamar cha mar´´ıamos de leis. Esse naturalismo, que consiste numa emancipa¸c˜ cao a˜o definitiva em rela¸c˜ c˜ao a o ao pensamento pensamento teol´ ogico, ogico, imp˜oe-se oe-se em especial na Inglaterra,3 com Adam Smith e, antes dele, David Hume, que escreve em 1739 seu Tratado sobre a Natureza Humana, cujo t´ıtulo completo ´e: e: ”T ”Tratado ratado sobre a natureza Humana: tentativa de introdu¸c˜ cao a˜o de um m´etodo etodo experimental de racioc´ racioc´ınio para o estudo de assuntos assuntos de moral”. moral”. Os fil´ osofos ingleses colocam as premissas de todas osofos as pesquisas que procurar˜ ao ao fundar, no s´eculo eculo XVIII, uma moral natural”, um ”direito natural”, ou ainda uma ”religi˜ao ao natural”.
*** Esse pro jeto de um conhecimento positivo do homem – isto ´e, e, de um estudo de sua existˆencia encia emp´ emp´ırica considerada por sua vez como objeto obj eto do saber – constitui um evento consider´ avel avel na hist´oria oria da humanidade. Um evento que se deu no Ocidente Ocid ente no s´eculo eculo XVIII, XVII I, que, evidentemente, evide ntemente, n˜ ao ao ocorreu da noite para o dia, mas que terminou impondo-se j´a que se tornou definitivamen definitivamente te 1
Cf. o filme de Fran¸cois cois Truffaut, VEnfant Sauvage (1970), e o livro de Lucien Malson que the serviu de base. 2 Rousseau estabelece a lista das regi˜oes oes devedoras de viagens ”filos´oficas” oficas”:: o mundo mundo inteiro menos a Europa ocidental. 3 A precocidade e preeminˆ encia, encia, no pensamento inglˆ es, es, do empirismo em rela¸c˜ cao a˜ o ao pensamento pensamento francˆ francˆes, es, caracteriz caracterizado ado antes antes pelo racionalis racionalismo mo (e idealismo), idealismo), podem a meu ver explicar em parte o crescimento r´apido (no come¸co co do s´ eculo eculo XX) da antropologia britˆanica anica e o atraso da antropologia francesa.
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constitutivo constitutivo da modernidade na qual, a partir dessa ´epoca, epoca, entramos. entramos. A fim de avaliar melhor a natureza dessa verdadeira revolu¸c˜ cao a˜o do pensamento – que instaura uma ruptura tanto com o ”humanismo”do Renascimento como com o ”racionalismo”do s´eculo eculo cl´ assico –, examinemos de mais perto o que assico mudou radicalmente desde o s´eculo eculo XVI. 1)Trata-se em primeiro lugar da natureza dos objetos observados. Os relatos dos via jantes dos s´eculos eculos XVI e XVII eram mais uma busca cosmogr´ afica afica do que uma pesquis p esquisaa etnogr´ afica. afica. Afora algumas algumas incurs˜ incursoes o˜es t´ımidas ımi das para par a area a´rea das 4 ”inclina¸c˜ coes”e o˜es”e dos ”costumes”, o objeto de observa¸c˜ c˜ao, ao, nessa ´epoca epo ca era mais o c´eu, eu, a terra, a fauna e a flora, do que o homem em si, e, quando se tratava tratava deste, era essencialmen essencialmente te o homem f´ısico ısico que era tomado em considera¸ considera¸ c˜ao. ao. Ora, o s´eculo eculo XVIII tra¸ca c a o primeiro esbo¸co c o daquilo que se tornar´ a uma antropologia social e cultural, constituindo-se inclusive, ao mesmo tempo, tomando como modelo a antropologia antropologia f´ısica, e instaurando instaurando uma ruptura do monop´olio olio desta (especialmente na Fran¸ca). ca). 2) Simultaneamen Simultaneamente, te, o destaque se desloca pouco p ouco a pouco do objeto ob jeto de estudo para a atividade epistemol´ogica, ogica, que se torna cada vez mais organizada. Os viajantes viaja ntes dos s´eculos eculos XVI e XVII coletavam coletavam ”curiosidades”. Esp´ Esp´ıritos curiosos reuniam cole¸c˜ c˜oes oes que iam formar os famosos ”gabinetes de curiosidades”, ancestrais dos nossos museus contemporˆ aneos. aneos. No s´eculo eculo XVIII, XVI II, a quest˜ quest ao a˜o ´e: e: como como coletar? coletar? E como dominar dominar em seguida seguida o que foi coletado? coletado? Com a Hist´oria oria Geral das Viagens, Viagens, do padre Pr´evost evost (1746), passa-se da coleta dos materiais para a cole¸c˜ c˜ao ao das coletas. coletas. N˜ ao ao basta b asta mais observar, obser var, ´e preciso pr eciso processar a observa¸c˜ c˜ao. ao. N˜ao ao basta mais interpretar interp retar o que ´e observado, obser vado, ´e preciso preci so interpretar interpreta¸c˜ coes. o˜es.5 E ´e desse desdobrame desdo bramento, nto, isto ´e, e, desse discurso, discu rso, que vai justamente brotar uma atividade de organiza¸c˜ c˜ao ao e elabora¸c˜ c˜ao. a o. Em 1789, Chavane, o primeiro, dar´ a a essa atividade um nome. Ele a chamar´ a: a: a etnologia.
*** Finalmente, ´e no s´eculo eculo XVIII que se forma o par do viajante e do fil´ osofo: o viajante: Bougainville Bougainville,, Maupertuis, La Condamine, Condamine, Cook, Co ok, La P´erouse. erouse. . realizando reali zando o que q ue ´e chamado ch amado na ´epoca epo ca de ”viagens ”viag ens filos´ oficas”, oficas”, precursoras das 4
Cf. em especial especial UHistoire UHistoire Naturet Naturetle le et Morale Morale des Indes, Indes, de Acosta Acosta (1591) (1591),, ou o question´ario ario que Beauvilliers envia aos intendentes em 1697 para obter informa¸c˜ coes o˜es sobre o estado das mentalidades populares no reino. 5 Cf sobre isso G. Leclerc. 1979
43 nossas miss˜oes oes cient´ cient´ıficas contempor contem porˆ aneas; aˆneas; o fil´osofo osofo Buffon, Voltaire, Rousseau, seau, Diderot Diderot (cf. em especial especial o seu Suplemen Suplemento to a` Viagem de Bougainville) ”esclarecendo”com suas reflex˜ oes oes as observa¸c˜ c˜oes oes trazidas pelo viajante. Mas esse par n˜ao ao tem realmente realmente nad nadaa de id´ id´ılico. ılico. Que pena, pensa Rousseau, que os viajantes n˜ao ao sejam fil´osofos! osofos! Bougai Bougainv nvill illee retruca retruca (em 1771 em sua Viag Viagem em ao Redor Redor do Mundo Mundo): ): que que pena que os fil´ filosofos o´sofos n˜ao ao sejam 6 viajantes! Para o primeiro, bem como para todos os fil´ osofos osofos naturalistas do s´eculo eculo das luzes, se ´e essencial essen cial observar, obser var, ´e preciso prec iso ainda que a observa¸ obser va¸ c˜ao ao seja esclarecida. Uma prioridade ´e portanto p ortanto conferida ao observador, sujeito suje ito que, para apreender corretamente seu objeto, deve possuir um certo n´ umero umero de qualidades. E ´e assim que se constitui, na passagem do s´eculo eculo XVIII para o s´eculo eculo XIX, a Sociedade dos Observadores Obser vadores do Homem (1799-1805), (179 9-1805), formada f ormada pelos pe los ent˜ao ao chamados chamado s ”ide´ologos”, ologos”, que s˜ao ao moralistas, fil´osofos, osofos, naturalistas, m´edicos edicos que definem muito claramente o que deve ser o campo da nova area ´ de saber (o homem nos seus aspectos f´ısicos, ps´ ps´ıquicos, sociais, culturais) e quais devem ser suas exigˆencias encias epistemol´ ogicas. ogicas. As Considera¸c˜ coes o˜es sobre os Diversos Diversos M´etodos etodos a Seguir na Observa¸ Observa¸ c˜ao a o dos Povos Selvagens, de De Gerando (1800) s˜ ao, quanto a isso, exemplares. Priao, meira metodologia da viagem, destinada aos pesquisadores de uma miss˜ ao ao nas ”T ”Terras erras Austrais”, esse texto ´e uma cr´ cr´ıtica da observa¸ c˜ao ao selvagem do selvagem, selvagem, que procura orientar o olhar do observador. observador. O cientista naturalista naturalista deve ser ele pr´oprio oprio testemunha testemunha ocular do que observa, observa, pois a nova nova ciˆ encia encia – qualifi qua lificad cadaa de ”ciˆencia enc ia do homem” hom em”ou ou ”ciˆencia enc ia natura nat ural-l-- ´e uma ”ciˆencia enc ia de observa¸c˜ c˜ao”, ao”, devendo o observador participar da pr´ opria opria existˆencia encia dos grupos sociais observados.7 6
Rousseau: Rousseau: ”Suponhamos ”Suponhamos um Montesqu Montesquieu, ieu, um Buffon, Buffon, um Diderot, um d’Alembert d’Alembert,, um Condillac, ou homens de igual capacidade, viajando para instruir seus compatriotas, observa observando ndo como sabem fazˆ e-lo e-lo a Turquia Turquia,, o Egito, Egito, a Barbaria. Barbaria. . . Suponhamos Suponhamos que esses novos H´ercules, ercules, de volta de suas andan¸cas cas memor´aveis, aveis, fizessem a seguir a hist´oria oria natural, moral e pol´ pol´ıtica do que teriam visto, ver´ ver´ıamos nascer de seus escritos um mundo novo, e aprender´ aprender´ıamos assim a conhecer o nosso. Bougainville: ”Sou viajante via jante e marinheiro, isto ´e, e, um mentiroso e um imbecil aos olhos dessa classe de escritores pregui¸cosos cosos e soberbos que, na sombra sombra de seu gabinete, gabinete, filosofam filosofam sem fim sobre o mundo e seus habitantes, e submetem imperiosamente a natureza a suas imagina¸c˜ c˜oes. oes. Modos bastante bastante singulares singulares e inconceb inconceb´´ıveis ıveis da parte de pessoas pessoas que, n˜aaoo tendo observado nada por si pr´oprias, oprias, s´o escrevem e dogmatizam a partir de observa¸c˜ coes o˜es tomadas desses mesmos viajantes aos quais recusam a faculdade de ver e pensar”. 7 Estamos longe de Montaigne, que se contenta em acreditar nas palavras de ”um homem simples simples e rude”, rude”, um huguenote huguenote que esteve esteve no Brasil, Brasil, a respeito respeito dos ´ındios ındios entre entre os quais esteve.
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Por´em, em, o projeto pro jeto de De Gerando n˜ ao foi aplicado por aqueles a que se desao tinava diretamente, e n˜ ao ao ser´a, a, por muito tempo ainda, levado em conta.8 Se esse programa que consiste em ligar uma reflex˜ ao organizada a uma obao serva¸c˜ cao a˜o sistem´atica, atica, n˜ao ao apenas ape nas do homem f´ısico, mas tamb´em em do homem social e cultural, n˜ao ao pˆode ode ser realizado, ´e porque a ´epoca epo ca ainda n˜ ao a o o permitia. mitia. O final do s´ eculo eculo XVIII teve um papel essencial essencial na elabora¸ elabora¸ c˜ao a o dos fundamentos de uma ”ciˆencia encia humana”. N˜ ao podia ir mais longe, e n˜ao ao ao poder´ıamos ıam os credit cre dit´ a-lo a´-lo aquilo que s´o ser´a poss po ss´´ıvel um s´eculo ecu lo depois dep ois.. Mais especificamente, especificamente, o obst´ aculo aculo maior ao advento advento de uma antropologia antropologia cient´ cient´ıfica, no sentido no qual a entendemos hoje, h oje, est´ a ligado, ao meu ver, a dois motivos motivos essenciais. essenciais. 1) A distin¸c˜ c˜ao ao entre entre o saber cient cient´´ıfico e o saber filos´ filos´ ofico, ofico, mesmo mesmo sendo sendo abordada, n˜ ao ao ´e de forma alguma realizada. realizada. Evidentemen Evidentemente, te, o conceito da unidade e universalidade do homem, home m, que ´e pela p ela primeira vez claramente afirmado, coloca as condi¸c˜ coes o˜es de produ¸c˜ cao a˜o de um novo saber sobre o homem. Mas n˜ ao a o leva ipso facto `a constitui¸c˜ cao a˜o de um saber saber positi positiv vo. No final final do s´eculo eculo XVIII, o homem interroga-se: interroga-se: sobre a natureza, mas n˜ ao h´a biologia ainda (ser´a preciso esperar Cuvier); sobre a produ¸ c˜ cao ˜ao e reparti-ti¸c˜ cao a˜o das riquezas, mas ainda n˜ao ao se trata de economia (Ricardo); sobre seu discurso mas isso n˜ao ao basta para elaborar uma filosofia (Bopp), muito menos uma ling¨ u´ u´ıst ıs tica. ic a. 9 8
Os cientistas da expedi¸c˜ cao a˜o conduzida por Bodin n˜ao ao eram de forma alguma etn´ografos, ografos, e sim m´edicos, edic os, zo´ologos, ologos, miner´alogos, alogos, e os objetos etnogr´aficos aficos que recolheram n˜ao ao foram sequer depositados no Museu de Hist´oria oria Natural de Paris, e sim dispersados em cole¸c˜ coes o˜es partic particula ulares res.. O pr´ pr´oprio oprio Gerando, ”observ ”observador ador dos povos povos selvagens selvagens”em ”em 1800, torna-se torna-se ”visitante dos pobres”em 1824. O que mostra a prontid˜ao ao de uma u ma passagem poss´ıvel ıvel entre e ntre o estudo dos ind´ ind´ıgenas e a ajuda aos indigentes, mas sobretudo, nessa ´epoca, epoca, uma certa ausˆencia enci a de d e dist d istin¸ in¸c˜ c˜ao ao entre a antropologia principiante e a ”filantropia”. Notemos finalmente que, publicado em 1800, o m´emoire emoire de Gerando s´o foi reeditado- na Fran¸ca ca em 1883. E o primeiro museu etnogr´afico afico da Kran¸ca ca foi fundado fundado apenas cinco anos antes (em Paris, no Trocadero). sendo depois substitu´ substitu´ıdo pelo p elo atual Museu do Homem. 9 A antropologia contemporˆanea anea me parece, pessoalmente, dividida entre uma homenagem a esses pais fundadores que s˜ao ao os fil´osofos osof os do s´eculo ecul o XVIII XVI II (L´ ( L´evi-Str evi- Straus auss, s, por p or exemplo exe mplo,, considera conside ra que o Discours D iscours sur l’Origine l’Origi ne de l’In´egalit´ egalit´e de d e Rousseau R ousseau ´e ”o primeiro primeir o ttratado ratado de etnologia geral”) e um assass´ assass´ınio ritual consistindo na reatualiza¸c˜ cao ˜ao de uma ruptura com um projeto que permanece filos´ofico, ofico, enquanto que a ciˆ encia encia exige a constitui¸c˜ cao a˜ o de um saber positivo e especializado. especializado. Mas neste segundo caso, a p ositividade ositividade,, n˜ao ao mais do saber, e sim dc saberes saberes que, muito rapidamente rapidamente (a partir partir do s´ eculo eculo XIX), se rompem se parceparcelam, formando o que Foucault chama de ”ontologias regionais”constituindo-se em torno dos territ´orios orios da vida (biologia), do trabalho (economia), da linguagem (ling¨ u´ u´ısti st ica) ca ), ´e
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O conceito de homem tal como ´e utilizado no ”s´eculo eculo das luzes”permanece luzes”permanec e ainda muito abstrato, ab strato, isto ´e, e, rigorosamente filos´ ofico. ofico. Estamos Estamos na impossiimpossibilidade de imaginar o que consideramos hoje como as pr´ oprias oprias condi¸c˜ coes o˜es episte-mol´ogicas ogicas da pesquisa antropol´ ogica. ogica. De fato, fato, para esta, esta, o ob jeto de observa¸c˜ c˜ao ao n˜ao ao ´e o ”homem”, ”home m”, e sim indiv´ıduos ıduos que pertenc per tencem em a uma ´epoca epo ca e a uma cultura, e o sujeito que observa n˜ ao ao ´e de forma alguma o sujeito da antropologia antropologia filos´ ofica, ofica, e sim um outro indiv´ indiv´ıduo que pertence ele pr´ oprio oprio a uma ´epoca epo ca e a uma cultura. 2) O discurso antropol´ ogico ogi co do s´eculo ecu lo XVIII XVI II ´e inse i nsepar par´ avel a´vel do discurso hist´orico orico desse per´ıodo, ıod o, isto ´e, e, de sua concep¸ conce p¸c˜ cao a˜o de uma hist´oria oria natural, liberada da teologia e animando a marcha das sociedades no caminho de um progresso universal. Restar´a um passo consider´ avel a ser dado para que a antropologia avel se emancipe deste pensamento e conquiste finalmente sua autonomia. Paradoxalmente, esse passo ser´a dado no s´eculo eculo XIX (em especial com Morgan) a partir de uma abordagem igualmente igualmente e at´e, e, talvez, talvez, mais marcadamente ´ o que veremos a seguir. historicista: o evolucionismo. E
evidentemente problem´atica atica para o antrop´ologo, ologo, que n˜ao ao pode resignar-se a trabalhar em uma area a´rea setorizada.
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Cap´ıtulo 3 O Tempo Dos Pioneiros: os pesquisa esquisador doreses-eru erudit ditos os do s´ eculo ecu lo XIX O s´eculo eculo XVl descobre d escobre e explora espa¸cos co s at´e ent˜ entao a˜o desconhecidos e tem um discurso selvagem sobre os habitantes que povoam esses espa¸cos. c os. Ap Ap´os o´ s um parˆentese ente se no s´eculo ecu lo XVII, XVI I, esse ess e disc d iscurs ursoo se s e orga o rganiz nizaa no n o s´eculo ecu lo XVIII XVI II:: ele e le ´e ”ilu ” ilu-minado”`a luz dos fil´osofos, osofos, e a viagem se torna ”viagem filos´ ofica”. o fica”. Mas Mas a primeira – a grande – tentativa de unifica¸ c˜ c˜ao, ao, isto ´e, e, de instaura¸ instau ra¸c˜ c˜ao ao de redes entre esses espa¸cos, cos, e de reconstitui¸c˜ c˜ao ao de temporalidades ´e incontestavelmente obra do s´eculo eculo XIX. Esse s´eculo eculo XIX, hoje ho je t˜ ao desacreditado, realiza ao o que antes eram apenas empreendimentos program´ aticos. aticos. Dessa vez, ´e a ´epoca epoc a durante a qual se constitui const itui verdadeiramente a antropologia antrop ologia enquanto enqua nto disciplina autˆonoma: onoma: a ciˆ encia encia das sociedades primitivas primitivas em todas as suas dimens˜oes oes (biol´ogica, ogica , t´ecnica, ecnic a, econˆ economica, oˆmica, pol´ıtica, ıtica, religiosa, religi osa, ling¨ lingu¨´ıstic ıst ica, a, psips icol´ogica. ogica. . .) enquan enquanto to que, notamo-l notamo-lo, o, em se tratando tratando da nossa sociedade sociedade,, essas perspectiv p erspectivas as est˜ ao ao se tornando individualmen individualmente te disciplinas disciplinas particulares cada vez mais especializadas. Com a revolu¸c˜ cao a˜o industrial inglesa e a revolu¸c˜ cao a˜o pol´ pol´ıtica francesa, percebeperceb ese que a sociedade mudou mais voltar´ a a ser ser o que que era. era. A Europa Europa se vˆe confrontada confrontada a uma conjuntura in´edita. edita. Seus modos de vida, suas rela¸ c˜oes oes sociais sofrem uma muta¸c˜ c˜ao ao sem precedente precedente.. Um mundo mundo est´ a terminando, e..um outro est´ a nascendo. Se o final do s´eculo eculo XVIII XVI II come¸ co me¸ cava cava a sentir essas transforma¸c˜ c˜oes, oes, ele reagia ao enigma colocado pela existˆ existˆencia encia de sociedades que tinham permanecido ora dos progressos da civiliza¸c˜ c˜ao, ao, trazendo uma dupla resposta resp osta abandonada aba ndonada pela p ela do s´eculo eculo que nos interessa agora: – resposta que confia nas vantagens da civiliza¸c˜ cao a˜o e considera totalmente 47
CAP ´ITULO ITULO 3. O TEMPO TEMPO DOS PION PIONEIR EIROS: OS:
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estranhas a ela pr´ opria opria todas essas formas de existˆ existˆencia encia que est˜ ao situadas fora da hist´oria oria e da cultura (de Pauw, Hegel); – mas sobretudo resposta preocupada, que se expres* sa na nostalgia d´ o antigo antigo que ainda subsiste subsiste noutro lugar: lugar: o estado estado de felici felicidade dade do homem homem num ambiente protetor situa-se do lado do ”estado de natureza”, enquanto que a infelicidade est´a do lado da civiliza¸c˜ cao a˜o (Rousseau). Ora, Ora , no s´eculo ecu lo XIX, o context cont extoo geopo geo poll´ıtico ıti co ´e totalm tot almente ente novo: ´e o per pe r´ıodo ıo do da conquista colonial, que desembocar´ a em especial na assinatura, em 1885, do ´ ica entre Tratado de Berlim, que rege a partilha da Africa Afr entr e as potˆ po tˆencias enc ias europ´ eur op´eias eia s e p˜oe o e um fim as a`s soberanias africanas. ´ no movimento dessa conquista que se constitui a antropologia moderna, E o antrop´ ologo acompanhando de perto, como veremos, os passos do colono. ologo ´ Nessa ´epoca, epo ca, a Africa, Africa , a ´ındia, a Austr´alia, alia, a Nova Zelˆ Z elˆandia andia passam a ser povoadas de um n´ umero umero consider´ avel de emigrantes europeus; n˜ avel ao ao se trata mais de alguns mission´arios arios apenas, e sim de administradores. Uma rede de informa¸c˜ coes o˜es se instala. S˜ao ao os question´arios arios enviados por pesquisadores das metr´ opoles (em especial da Gr˜ opoles a-Bretanha) para os quatro cantos do mundo,1 a-Bretanha) e cujas respostas constituem os materiais de reflex˜ ao das primeiras grandes ao obras de antropologia que se suceder˜ ao em ritmo regular durante toda a seao gunda metade do s´eculo. eculo. Em 1861, Maine publica Ancient Law, em 1861, Bachofen, Das Mutterrecht; Mu tterrecht; em 1864, Fustel de Coulanges, La Cit´e Antique; em .1865, MacLennan, O Casamento Primitivo; em 1871, Tylor, A Cultura Primitiva-, em 1877, Morgan, A Sociedade Antiga; em 1890, Frazer, os primeiros volumes do Ramo de Ouro. Todas essas obras, que tˆem em uma ambi¸ ambic˜ c¸˜ao ao consider´ avel a vel – seu objetivo n˜ao ao ´e nada menos que o estabelecimento estab elecimento dc um verdadeiro corpus etnogr´ et nogr´ afico da humanidade – caracterizam-se por uma mudan¸ca ca radical de perspectiva em rela¸c˜ c˜ao ao a` ´epoca epo ca das ”luzes”o ”luze s”o ind´ ind´ıgena das sociedad soc iedades es extra-euro extra -europ´ p´eias eias n˜ ao ´e mais o selvagem se lvagem do s´eculo eculo XVIII, XVII I, tornouto rnou-se se o primitivo, primit ivo, isto is to ´e, e, o ancestral ance stral do civilizado, destinado a reencontr´ a-lo. a-lo. A coloniza¸c˜ c˜ao ao atuar´ a nesse sentido. Assim a antropologia, conhecimento do primitivo, fica indissociavelmente ligada ao conhecimento conhecimento da nossa origem, isto ´e, e, das formas simples de organiza¸ organizac˜ ¸ao ao social e de mentalidade mentalidade que evolu evolu´ıram para as formas mais complexas complexas das 1
Morgan escreveu, assim, Systems of Consanguinity and Affinity of lhe Human Family (1879), em seguida Frazer (a partir de suas Questions sur les Matii`eres. eres. [es Coutumes, la Relizions, les Superstitions des Peuples
49 nossas sociedades. sociedades. Procuremos ver mais de perto em que consiste o pensamento te´ orico dessa antropologia antropologia que se qualifica qualifica de evolucioni evolucionista. sta. Existe uma esp´ ecie ecie humana humana idˆentica, entica, mas que se desenvolv d esenvolvee (tanto em suas formas tecnoeconˆ tecnoec onˆ omicas como nos seus aspectos sociais e culturais) em ritmos desiguais, de acordo com as popula¸c˜ coes, o˜es, passando pelas mesmas etapas, para alcan¸car ca r o n´ıvel ıve l final fin al que qu e ´e o´ da ”civiliza¸c˜ c˜ao”. ao”. A partir part ir disso, conv´ em em procurar pr ocurar determinar cientificamente a seq¨ uˆ uˆencia enc ia dos est´ estagios a´gios dessas transforma¸c˜oes.0 O evolucioni evolucionismo smo encontrar´ encontrar´ a sua formula¸c˜ cao ˜ao mais sistem´atica a tica e mais ela2 borada na obra de Morgan e particularmente em Ancient Society, que se tornar´ a o documen documento to de referˆ referˆencia encia adotado adotado pela imensa imensa maiori maioriaa dos antrop´ ologos ologos do final do s´eculo eculo XIX, bem como na lei de Haeckel. Haeckel. Enquanto Enquanto para de Pauw ou Hegel as popula¸c˜ c˜oes oes ”n˜ao ao civilizadas” civilizadas”s˜ s˜ ao ao popula¸c˜ coes o˜es que, al´em em de se situarem situar em enquanto enqua nto esp´ecies ecies fora da Hist´ oria, oria, n˜ao ao tˆem em hist hi st´ oria o´ria em sua existˆencia encia individual individ ual (n˜ao ao s˜ao ao crian¸cas cas que se tornaram adultos atrasados, e sim crian¸cas cas que permanecer˜ ao inexoravelmente crian¸cas), ao cas), Haeckel afirma rigorosamente o contr´ ario: ario: a ontogˆenese enese reproduz a filogˆenese; enese; ou seja, o indiv´ div´ıduo atravessa as mesmas fases que a hist´oria oria das esp´ecies. ecies . Disso decorre deco rre a identifica¸ identifica¸c˜ cao a˜o – absolutamente incontestada tanto pela primeira gera¸ c˜ cao a˜o de marxistas quanto pelo fundador da psican´ alise –dos povos primitivos aos alise 3 vest´ıgios ıgio s da infˆ infancia aˆncia da humanidade O que ´e tamb´em em muito muit o caract car acter´ er´ıstico ıst ico dessa des sa antrop antr opolo ologia gia do s´eculo ecu lo XIX, que preten pre tende de ser cient cie nt´´ıfica, ıfic a, ´e a consid con sider´ er´ avel avel aten¸c˜ cao a˜o dada: 1) a essas popula¸c˜ coes o˜es que aparecem como sendo as mais ”arcaicas”do mundo: os abor´ abor´ıgines australianos, 2) ao estudo do ”parentesco”, 3) e ao da religi˜ ao. Pa Paren rentes tesco co e religi˜ao a o s˜ao, ao, nessa ´epoca, epoca, as duas grandes areas a´reas da antropologia, ou, mais especificamente, as duas vias de acesso privilegiadas ao conhecimento das so0
Non-civilis´ Non-civ ilis´es es ou o u Semi-civ S emi-civilis´ ilis´es) es) Le Rameau d’Or (1981-1984). (1981- 1984). Uma correspondˆ corresp ondˆencia encia intensa circula entre os pesquisadores e os novos residentes europeus que lhes mandam uma grande grande quantidade quantidade de informa¸ informa¸c˜ c˜oes oes e lˆeem eem em seguida seus livros. 2 Este ultimo u ´ltimo distingue distin gue trˆes es est´agios agios de evolu¸c˜ cao a˜o da humanidade – selvageria, barb´arie, arie, civiliza¸c˜ c˜ao ao – cada um dividido dividid o em trˆes es per´ıodos, ıodo s, em fun¸c˜ c˜ao ao notadamente notada mente do crit´erio erio tecnol´ogico ogico 3 Se o evolucionismo antropol´ogico ogico tende a aparecer hoje como a transposi¸c˜ao ao ao n´ıvel ıve l das ciˆ c iˆencias encias humanas do evolucionismo evolu cionismo biol´ogico ogico (A ( A Origem Orige m das Esp´ecies, ecies, de Darwin, Darwi n, 1859) 1 859) que teria servido de justifica¸c˜ cao a˜o ao primeiro, primeiro, notemos notemos que o primeiro primeiro ´e bem anterior anterior ao segundo. Vico elabora sua teoria das trˆ es es idades (que anuncia Condorcet, Comte, Morgan, Frazer) razer) no s´ eculo eculo XVIII, e Spencer. Spencer. fundador fundador da forma mais radical radical de evolucio evolucionismo nismo sociol´ogico, ogico, publica suas pr´oprias oprias teorias antes de ter lido A Origem das Esp´ ecies. ecies.
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ciedades n˜ ao ocidentais; elas permanecem ainda, notamo-lo, os dois n´ ao ucleos ucleos resistentes da pesquisa dos antrop´ ologos olo gos conte c ontemp mporˆ orˆaneos. ane os. 1) A Austr´alia alia ocupa um lugar de primeira importˆ ancia a ncia na pr´ opria opria constitui¸c˜ cao a˜o da nossa disciplina (cf. Elkin, l967), pois ´e l´a que se pode apreender o que foi a origem bsoluta das nossas pr´ oprias oprias institui¸ institui¸c˜ coes. o˜es.4 2) No estudo dos sistemas sistemas de parentesco, parentesco, os pesquisadores pesquisadores dessa ´epoca epoca procuram principalmente evidenciar a anterioridade hist´ orica orica dos sistemas de filia¸c˜ c˜ao ao matrilinea matrilinearr sobre sobre os sistemas sistemas patrilinea patrilineares. res. Po Porr desliz deslizee do pens p ensaamento, imagina-se imagin a-se um matriar ma triarcado cado primitivo, primit ivo, id´eia eia que qu e exerceu exe rceu tal Influˆ I nfluˆencia encia que ainda hoje alguns continuam inspirando-se nela (cf. em especial Evelyn Reed, Reed, Feminis eminismo mo e An Antropo tropologi logia, a, (trad. franc. franc. 1979), 1979), um dos textos textos de referˆencia encia do movimento feminista nos Estados Unidos). 3) A area a´rea dos mitos, da magia e da religi˜ao ao deter´ a mais nossa aten¸c˜ cao, a˜o, pois perece-nos perece-no s reveladora ao mesmo tempo temp o da abordagem e do esp´ esp´ırito do evolucionismo. Notemos em primeiro lugar que a maioria dos antrop´ ologos ologos desse per pe r´ıodo, ıod o, absolut ab solutamente amente confiantes confi antes na n a raciona ra cionalidade lidade cient´ cient´ıfica triunfante, triun fante, s˜ ao n˜ao ao apenas agn´ osticos osticos mas tamb´ tamb´em em deliberadamente deliberadamente anti-religi anti-religiosos. osos. Morgan, por exemplo, n˜ ao hesita em escrever que ”todas as religi˜ ao oes oes primitivas s˜ao ao grotescas e de alguma forma inintelig inintelig´´ıveis”, ıveis”, e Tylor Tylor deve parte de sua voca¸c˜ c˜ao a o a uma rea¸c˜ c˜ao ao visceral visceral contra o espiritualism espiritualismoo de seu meio. Mas ´e certamen certamente te o Ramo de Ouro, de Fraze Frazerr (trad. fr. 1981-19 1981-1984), 84),5 que realiza a melhor s´ıntese ıntese de todas as pesquisas do s´eculo eculo XIX sobre as ”cren¸ cas”e ”supersti¸c˜ coes”. o˜es”. 4
Desde a ´epoca epoca de Morgan, Morgan, a Austr´ alia continuou sendo objeto de muitos escritos, alia v´ arias arias gera¸c˜ c˜oes oes de pesquisadore pesquisadoress expressand expressandoo literalmen literalmente te sua estupefa¸ estupefa¸c˜ cao ˜ao diante da distor¸c˜ c˜ao ao entre a simplicidade da cultura material desses povos, os mais ”primitivos”e mais ”atras ”atrasado ados”d s”doo mundo mundo,, vivend vivendoo na idade idade da pedra pedra sem metalu metalurgi rgia, a, sem cerˆ cerˆamica, amica, sem tecelagem, sem cria¸c˜ c˜ao ao de animais... animais... e a extrema extrema complexidade complexidade de seus sistemas sistemas de parenparentesco baseados sobre rela¸c˜ c˜oes oes minuciosas minucio sas entre aquilo aq uilo que ´e localizado local izado na natureza naturez a (animal, (anim al, vegetal) e aquilo que atua na cultura: o ”totemismo”. ˆ ementaires Quando Durkheim escreve Les Formes El´ ementaires de la Vie Religieuse Rel igieuse (1912) baseia-se baseia- se essencialmente sobre os dados colhidos na Austr´alia alia por Spencer e Gillen. Quando Roheim (trad. franc. franc. 1967) decide decide refutar refutar a hip´otese otese colocada por Malinowski da inexistˆ encia encia do ˆ complexo de Edipo entre os primitivos, escolhe a Austr´alia alia como terreno de pesquisa. Poder´ Poder´ıamos assim multiplicar os exemplos a respeito desse continente que exerceu (junto com os ´ındios) um papel t˜ ao decisivo. Um papel decisivo inclusive, a meu ver, menos para ao compreender a origem da humanidade dn nue a da reflex˜ao antropol´ogica. ogica. 5 Frazer era, inclusive, mais reservado sobre o fenˆomeno religioso do que os dois autores anteriores, j´a que vˆ e nesse um fenˆomeno omeno recente, fruto de uma evolu¸c˜ cao ˜ao lenta e dizendo respeito respe ito a ”esp ”es p´ıritos superiores” superi ores”
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Nessa obra gigantesca, publicada em doze volumes de 1890 a 1915 e que 6 ´e uma das obras mais c´elebres elebres de toda a literatura literatura antropol´ antropologica, ´ Frazer retra¸ca ca o processo universal que conduz, por etapas sucessivas, da magia a` religi˜ao, ao, e depois, da religi˜ao ao a` ciˆ encia. encia. ”A magia”, escreve Frazer, ”representa uma fase anterior, mais grosseira, da hist´oria oria do esp´ esp´ırito humano, pela qual todas as ra¸cas cas da humanidade passaram, ou est˜ ao ao passando, para dirigir-se para a religi˜ao ao e a ciˆ encia”. encia”. Essas cren¸cas cas dos povos primitivos permitem compreender a origem das ”sobrevivˆ ”sobre vivˆencias”(termo encias”(termo forjado por p or Tylor) que continuam existindo nas sociedades civilizadas. Como Hegel, Frazer considera considera que a magia consiste num controle ilus´ orio orio da natureza, que se constitui num obst´aculo aculo a` raz˜ao. ao. Mas, enquanto enquanto para Hegel, a primeira primeira ´e um impasse total, Frazer a considera como religi˜ ao em potencial, a qual dar´a ao lugar por sua vez `a ciˆencia encia que realizar´ reali zar´ a (e est´ a at´e come co me¸cando c¸ando a realizar) o que tinha sido imaginado no tempo da magia.
*** O pensamento pensamento evolucionis evolucionista ta aparece, da forma como podemos vˆe-lo e-lo ho je, como sendo ao mesmo tempo dos mais simples e dos mais suspeitos, e as obje¸c˜ coes o˜es de que foi ob jeto podem po dem organiz organizarar-se se em torno torno de duas s´eries eries de cr´ıtic ıt icas as:: 1) mede-se a importˆancia ancia do ”atraso”das outras sociedades destinadas, ou melhor, compelidas a alcan¸car c ar o pelot˜ ao a o da frente, em rela¸c˜ cao a˜ o aos unicos u ´nicos crit´ cri t´erios eri os do d o Ocide Oc idente nte do s´eculo ecu lo XIX, X IX, o prog p rogres resso so t´ecnico ecn ico e econ e conˆ omico ˆ da nossa sociedade sendo considerado como a prova brilhante da evolu¸c˜ c˜ao ao hist´orica orica da qual qual procura-s procura-see simult simultanea aneamen mente te acelerar acelerar o processo processo e reconsti reconstituir tuir os est´agios. agios. Ou seja, seja, o ”arca ”arca´ısmo”ou ısmo”ou a ”primit ”primitivi ividade dade”s˜ ”s˜ ao meno menoss fase fasess da Hist´oria oria do d o que a vertente sim´etrica etrica e inversa da modernidade do Ocidente; Oc idente; o qual define o acesso entusiasmante a` civiliza¸c˜ cao a˜ o em fun¸c˜ cao a˜o dos valores da ´epoca: epo ca: produ¸c˜ cao a˜o econˆ omica, omica, religi˜ religiao a˜o monote´ monote´ısta, propriedade privada, ´ Le Rameau d’Or ´e uma obra de referˆ encia encia como existem poucas em um s´ eculo. eculo. E quanto a isso compar´avel avel `a Origem das Esp´ ecies, ecies, de Darwin. Exerceu uma influˆ encia encia consider´ avel tanto sobre a filosofia de Bergson e escola francesa de sociologia sobre o penavel samento antropol´ogico ogico de Freud que, em Totem e Tabu. retira grande parte de seus materiais etnogr´aficos aficos dessa obra que todo home 11 culto da ´epoca epoca vitoriana tinha obriga¸c˜ c˜ao ao de conhecer. Quanto a seu autor, alcan¸cou cou durante sua vida uma gl´oria oria n˜ao ao apenas britˆanica, anica, mas internacional, que muito poucos etn´ologos ologos – fora Malinowski, Malinowski , Margaret Marg aret Mead Me ad o L´evieviStrauss – conheceram. 6
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fam fa m´ılia ıli a mono mo nogˆ gˆamica, amica, moral vitoriana 2) o pesquisador, efetuando de um lado a defini¸c˜ cao a˜ o de seu objeto de pesquisa atrav´es es do campo emp´ emp´ırico das sociedades ainda n˜ ao ao ocidentalizadas, e, de outro, identificando-se as a`s vantagens da civiliza¸c˜ cao a˜o a` qual pertence, o evolucionismo aparece logo como a justifica¸c˜ cao a˜o te´ orica orica de uma pr´ atica: atica: o colonialismo. lonialismo. Livingstone, Livingstone, mission´ ario ario que, enquanto branco, isto ´e, e, civilizado, n˜ao ao dissocia os benef´ benef´ıcios da t´ecnica ecnica e os da religi˜ ao, ao, pode exclamar exclamar:: ”Vie”Viemos entre eles enquanto membros de uma ra¸ca ca superior e servidores de um governo que deseja de seja elevar as partes mais ma is degradadas degradad as da fam´ fam´ılia humana”. , A antropologia evolucionista, cujas ambi¸c˜ coes o˜es nos parecem hoje desmedidas, n˜ao ao hesita em esbo¸car car em grandes tra¸cos cos afrescos imponentes, atrav´es es dos quais afirma com arrogˆ ancia julgamentos de valores sem contesta¸c˜ ancia cao a˜o poss os s´ıvel. ıve l. A convic¸c˜ cao a˜o da marcha triunfante do progresso progr esso ´e tal que, juntando ju ntando e interpretando fatos provenientes do mundo inteiro (` a luz justamente dessa hip´otese otese central), julga-se que ser´a poss´ poss´ıvel extrair as leis universais do desenvolvimento da humanidade. Assim, encontramo-nos frente a reconstitui¸c˜ c˜oes oes con junturais juntur ais que qu e tˆem, em, pelo p elo volume volu me dos do s fatos fato s relatado rela tados, s, a aparˆencia encia de um corpus corp us cient´ cient´ıfico, mas assemelham-se muito, na realidade, a` filosofia filosofi a do s´eculo eculo anterior; a qual n˜ao ao tinha por´em em a preocupa¸c˜ cao a˜o de fundamentar sua reflex˜ ao ao na documenta¸c˜ c˜ao ao enorme que ser´ a pela primeira primeira vez reunida pelos homens do s´ecul ec uloo XIX. XI X. Essa preocupa¸c˜ cao a˜o de um saber cumulativo visa na realidade a demonstrar a veracidade de uma tese mais do que a verificar uma hip´ otese, otese, os exemplos etnogr´ aficos aficos sendo freq¨ uentemente mobilizados apenas para ilustrar o prouentemente cesso grandioso que conduz as sociedades primitivas a se tornarem sociedades civilizadas. civilizadas. Assim, Assim, esmagados sob o peso dos materiais, materiais, os evolucioni evolucionistas stas consideram os fenˆ omenos recolhidos (o totemismo, a exogamia, a magia, o omenos culto aos antepassados, a filia¸c˜ cao a˜o matril matriline inear. ar. . .) como costume costumess que serservem para exemplificar exemplificar cada est´agio. agio. E quando faltam documen do cumentos, tos, alguns (Frazer) (Frazer) fazem por intui¸ intui¸ c˜ cao a˜o a reconstitui¸c˜ c˜ao ao dos elos ausentes; procedimento absolutamente oposto, como veremos mais adiante, ao da etnografia contemporˆanea, anea, que procura, atrav´es es da introdu¸c˜ c˜ao ao de fatos min´ usculos usculos recolhidos recolhidos em uma unica u ´ nica sociedade, analisar a significa¸ significa¸c˜ c˜ao ao e a fun¸c˜ cao a˜o de rela¸c˜ coes o˜es sociais. Isso colocado colo cado,, como ´e f´ acil aci l – e at´e irri i rris´ s´orio orio – desacreditar hoje todo o trabalho
53 que foi realizado pelos pesquisadores – eruditos erudito s da ´epoca epo ca evolucionista.7 N˜ao ao custa muito denunciar o etnocentrismo que eles demonstraram em rela¸c˜ao aos ”povos atrasados”, evidenciando assim tamb´em, em, um singular esp´ esp´ırito ahist´orico orico – e etnocentrista – em rela¸c˜ cao a˜o a eles, sendo que ´e provavelmen provavelmente te que, sem essa teoria, empenhada em mostrar as etapas do movimento da humanidade (teoria que deve ser ela pr´ opria considerada como uma etapa opria do pensamento sociol´ ogico), a antropologia no sentido no qual a praticamos ogico), hoje nunca teria nascido. Claro, nessa ´epoca epo ca o antrop´ ologo raramente recolhe ele pr´ ologo oprio oprio os materiais que estuda e, quando realiza um trabalho de coleta direta,8 ´e antes ant es no decorrer de expedi¸c˜ c˜ao ao visando trazer informa¸c˜ c˜oes, oes, do que de estadias tendo por ob jetivo jetivo o de impregnarimpregnar-se se das categorias categorias mentais mentais dos outros. outros. O que importa nessa ´epoca epo ca n˜ ao ao ´e de forma alguma a problem´ atica de etnografia enquanto pr´ atica atica intensiva intensiva de conhecimento de uma determinada cultura, ´e a tentativa de compreens˜ ao, ao, a mais extensa poss´ poss´ıvel ıvel no tempo e no espa¸ co, de todas as culturas, culturas, em especial das ”mais long´ long´ınquas”e ınquas”e das ”mais desconhecidas”, como diz Tylor. N˜ao ao poder´ poder´ıamos finalmente finalmente criticar esses pesquisadores pesquisadores da segunda metade do s´eculo eculo XIX por po r n˜ ao terem sido especialistas no sentido atual da palavra ao (especialistas de uma pequena parte de uma area a´rea geogr´ afica afica ou de uma microdisciplina de um eixo tem´ atico). atico). Eles se recusavam recusavam a atuar dessa forma, julgando que observadores conscienciosos, guiados a distˆ ancia por cientistas preocupados em criticar fontes, eram capazes de recolher todos os materiais necess´arios, arios, e sobretudo considerando implicitamente que a antropologia tinha tarefas mais urgentes a realizar do que um estudo particular em tal ou tal sociedade. De fato, eles n˜ ao tinham nenhuma forma¸c˜ ao cao a˜o antropol´ ogica ogica 7
Da mesma forma que ´e f´acil acil reduzir toda essa ´epoca epoca ao evolucionismo (a respeito resp eito do qual conv´ conv´em em notar que foi muito mais afirmado na Gr˜ a-Bretanha e nos Estados Unidos a-Bretanha do que nos outros outros pa´ pa´ıses). Bastian Bastian por exemplo exemplo insiste insiste sobre a especificidad especificidadee de cada cultura irredut´ irredut´ıvel ao seu lugar na hist´oria oria do desenvol desenvolvimen vimento to da humanidade humanidade.. Ratzel Ratzel abre o caminho para o que ser´a chamado de difusionism difusionismo. o. Tylor Tylor desconfia dos modelos de interpreta¸c˜ cao a˜o simples e un´ıvocos ıvocos do social e anuncia claramente a substitui¸c˜ cao a˜o da no¸c˜ c˜ao ao de fun¸c˜ c˜ao ao a` causa. No entanto, entanto, a teoria teoria da evolu¸ evolu¸c˜ cao a˜o ´e nessa ´epoca epo ca amplamente amplame nte dominante, dominant e, pelo menos at´e o final do s´ eculo eculo no qual come¸ca ca a mostrar (com Frazer) os primeiros sinais de esgotamento. 8 s pesquisas de primeira m˜ao ao est˜ao ao longe de serem s erem ausentes ne-´ ne-´ıa ´epoca epo ca na n a qual qu al todos todo s os antrop´ ologos ologos n˜ao ao s˜ao ao apenas pesquisadores indo de seu gabinete de trabalho `a biblioteca. Em 1851, Morgan publica as observa¸c˜ c˜oes oes colhidas no decorrer de uma viagem realizada por ele pr´oprio oprio entre os Iroqueses. Alguns anos mais tarde, Bastian realiza uma pesquisa no Congo, e Tylor no M´exico. exico.
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(Maine, MacLen-nan, Bachofen, Bachofen, Morgan s˜ ao ao jurist jur istas; as; Bastia Bas tian n ´e m´edico; edi co; RatRat zel, ge´ografo), ografo), mas como poder po der´´ıamos critic´ a-los a-los por isso, j´a que eles foram precisamente os fundadores de uma disciplina que n˜ ao ao existia antes deles? Em suma, o que me parece eminentemente caracter´ caracter´ıstico desse per´ per´ıodo ´e a intensidade do trabalho que realizou, bem como sua imensa curiosidade. Durante o s´eculo eculo XIX, assistimos a` cria¸c˜ c˜ao ao das sociedades cient´ cient´ıficas de etnologia, das primeiras cadeiras universit´ arias, e, sobretudo, dos museus como arias, o que foi fundado no pal´acio acio do Trocadero em 1879 e que se tornar´ a o atual ´ at´e dif´ Museu do Homem. E dif´ıcil imaginar imagin ar hoje ho je em dia a abrangˆ abran gˆencia encia dos conhecimentos dos principais representantes repr esentantes do evolucionismo. Tylor possu´ possu´ıa um conhecimento perfeito tanto da pr´e-hist´ e-hist´ oria, oria, da ling¨u´ıstica, ıstica , quanto do que chamar chamar´ıamos hoje ho je de ”antropologia ”antropologia social e cultural”do cultural”do seu tempo. Ele dedicava os mesmos esfor¸cos cos ao estudo das areas a´reas da tecnologia, tecnologia, do parentesco parentesco ou da religi˜ao. ao. Frazer, em contato epistolar permanente com centenas de observadores morando nos quatro cantos do mundo, trabalhou doze horas por dia durante durante sessenta sessenta anos, dentro dentro de uma bibliotec bibliotecaa de 50 mil volume volumes. s. A obra que ele pr´oprio oprio produziu estende-se, como diz Leach (1980), em quase dois metros de estantes. Atrav´es es dessa d essa atividade ativid ade extrema, extr ema, esses homens homen s do s´eculo eculo passado passa do colocavam colo cavam o problema maior da antropologia: explicar a universalidade e a diversidade das t´ecnicas, ecnicas, das institui¸c˜ coes, o˜es, dos comportamentos e das cren¸ cas, cas, comparar as pr´ aticas sociais de popula¸c˜ aticas coes o˜es infinitamente distantes uma das outras tanto no espa¸co co como no tempo. Seu m´erito erito ´e de ter extra´ extra´ıdo (mesmo se o fizerem com dogmatismo, mesmo se suas convic¸c˜ c˜oes oes foram mais passionais do que racionais) essa hip´ otese mestra sem a qual n˜ao otese ao haveria haveria antropologia, antropologia, mas apenas ap enas etnologias regionais: a unidade da esp´ ecie ecie humana, ou, como escreve Morgan, da ”fam´ ”fam´ılia humana”. Pode-se sorrir hoje ho je diante dessa vis˜ ao grandiosa grandiosa do mando,baseada mando,baseada na no¸c˜ c˜ao ao de uma humanidade integrada, dentro da qual concorrem em graus diferentes, mas para chegar chegar a um mesmo n´ n´ıvel final, as diversas popula¸c˜ coes o˜es do globo. Mas s˜ ao eles que mostraram pela priao meira vez que as disparidades culturais entre os grupos humanos n˜ ao ao eram de forma alguma a conseq¨ uˆ uˆencia encia de predispo pred isposi¸ si¸c˜ c˜oes oes congˆenitas, enita s, mas apenas ape nas o resultado de situa¸c˜ coes o˜es t´ecnica ecn icass e econˆ eco nˆ omicas. omicas . Assim, uma u ma das caract ca racter er´´ısticas ıstica s principais do evolucionismo – ser´ a que isso foi suficientemente destacado? – ´e o seu anti-racismo. anti-rac ismo. At´ At´e Morgan (eu teria vontade vontade de dizer sobretudo sobretudo Morgan) n˜ ao tem a rigidez doutrinai doutrinai que lhe ´e retroativament retroativamentee atribu´ atribu´ıda. Com ele, o objeto da antropologia passa a ser a an´ alise dos processos de evolu¸c˜ alise cao a˜o que s˜ao a o os das
55 liga¸c˜ coes ˜oes entre as rela¸c˜ coes ˜oes sociais, jur´ jur´ıdicas, ıdicas, pol p ol´´ıticas. ıticas. . . a liga¸c˜ c˜ao ao entre esses diferentes aspectos do campo social sendo em si caracter´ caracter´ıstica de um determinado per´ per´ıodo da hist´oria oria humana. A novidade radical ra dical da sociedade arcaic arc aicaa ´e dup dupla. la. 1) Essa obra toma como objeto de estudo fenˆ omenos omenos que at´e ent˜ ao a o n˜ ao ao diziam respeito a` Hist´oria, oria, a qual, para Hegel, s´o podia po dia ser escrita. escrita. QualifiQualificando essas sociedades de ”arcaicas”, Morgan as reintegra pela primeira vez na humanidade inteira; e ao acento sendo colocado sobre o desenvolvimento material, o conhecimento da hist´ oria oria come¸ca ca a ser posto sobre bases totalmente diferentes das do idealismo filos´ ofico. ofico. 2) Os elementos da an´alise alise comparativa n˜ao ao s˜ao ao mais, a partir de Morgan, costumes considerados bizarros, e sim redes de intera¸c˜ c˜ao ao formando forma ndo ”sistemas” ”sist emas”,, termo que o antrop´ ologo americano utiliza para as rela¸c˜ ologo coes ˜oes de parentesco.9 N˜ao a o h´a, a, como mostrou Kuhn (1983), conhecimento cient´ cient´ıfico poss´ poss´ıvel sem que se constitua constitua uma teoria servindo de ”paradigma”, ”paradigma”, isto ´e, e, de modelo organizador do saber, e a teoria da evolu¸c˜ cao a˜o teve incontestavelmente, no caso, um papel decisivo. Foi ela que deu seu impulso a antropologia. O paradoxo (aparente, pois o conhecimento cient´ cient´ıfico se d´ a sempre mais por descontinuidades te´oricas oricas do que por acumula¸ c˜ c˜ao), ao), ´e que a antropologia s´ o se tornar´a cient´ cient´ıfica( no sentido que entendemos) e ntendemos) introduzindo intro duzindo uma ruptura rupt ura em e m rela¸ c˜ao ´o a esse modo de pensamento que lhe havia no entanto aberto o caminho. E que examinaremos agora.
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Por essas duas raz˜oes, oes, compreende-se qual ser´a a influˆencia encia a` Morgan sobre o marxismo, e particularmente, sobre Engels (1954)
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CAP ´ITULO ITULO 3. O TEMPO TEMPO DOS PION PIONEIR EIROS: OS:
Cap´ıtulo 4 Os Pais Fundadores Da Etnografia: Boas e Malinowski Se existiam existiam no final do s´eculo eculo XIX homens (geralmente (geralmente mission´ mission´ arios a rios e administradores) que possu p ossu´´ıam um excelente conhecimento das popula¸ c˜ c˜oes oes no meio das quais viviam – ´e o caso de Codrington, que publica publica em 1891 uma obra sobre sobre os melan melan´´esios, esios, de Spencer Spencer e Gillen Gillen,, que relatam relatam em 1899 suas suas observa¸c˜ c˜oes oes sobre sobre os abor´ abor´ıgines ıgines austral australian ianos, os, ou de Junod, Junod, que escrev escrevee A Vida de uma Tribo Sul-africana (1898) – a etnografia propriamente dita s´ o come¸ca ca a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo sua pr´ opria pesquisa, e que esse trabalho opria de observa¸c˜ c˜ao ao direta ´e parte integrante da pesquisa. A revolu¸c˜ c˜ao ao que ocorrer´ a da nossa disciplina durante o primeiro ter¸co c o do s´ecul ec uloo XX ´e cons co nsid ider er´ avel a´vel:: ela ela p˜ oe o e fim a` reparti¸c˜ cao a˜o das tarefas, at´e ent˜ ao ao habitualmente divididas entre o observador (viajante, mission´ ario, ario, administrador) entregue ao papel subalterno de provedor de informa¸ c˜oes, o es, e o pesquisador erudito, que, tendo permanecido na metr´ opole, opole, recebe, analisa e interp interpreta reta – ativid atividade ade nobre! – essas essas informa informa¸ c˜ c¸˜oes. oes. O pesquisado pesquisadorr comprecompreende a partir desse momento que ele deve deixar seu gabinete de trabalho para ir compartilhar a intimidade dos que devem ser considerados n˜ ao ao mais como informadores a serem questionados, e sim como h´ ospedes ospedes que o recebem e mestres mestres que o ensinam. ensinam. Ele aprende aprende ent˜ entao, a˜o, como aluno atento, n˜ ao ao apenas a viver entre eles, mas a viver como eles, a falar sua l´ıngua e a pensar p ensar nessa l´ıngua, a sentir suas pr´ oprias oprias emo¸c˜ c˜oes oes dentro dele mesmo. Trata-se, como podemos ver, de condi¸c˜ coes o˜es de estudo radicalmente diferentes das que 57
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CAP ´ITULO 4. OS PAIS PAIS FUNDADORE FUNDADORES S DA ETNOGRAFI ETNOGRAFIA: A:
conheciam conh eciam o via v iajante jante do s´eculo eculo XVIII XVII I e at´e o mission´ missionario a´rio ou o administrador do s´eculo eculo XIX, residindo geralmente fora da sociedade ind´ ind´ıgena e obtendo informa¸c˜ coes o˜es por p or interm´edio edio de tradutores e informadores: informadore s: este ultimo ´ termo merece merece ser repetido repetido.. Em suma, a antropol antropologia ogia se torna pela primeira primeira vez uma atividade ao ar livre, levada, como diz Malinowski, ”ao vivo”, em uma ”natureza imensa, virgem e aberta”. Esse trabalho de campo, como o chamamos ainda hoje, longe de ser visto como um modo de conhecimento secund´ ario servindo para ilustrar uma tese, ario ´e .onsiderado .onsiderado como a pr´ opria o pria fonte fonte de pesqu pesquis isa. a. Orie Orient ntou ou a parti partirr desse desse momento a abordagem da nova gera¸c˜ cao a˜o de etn´ ologos que, desde os primeiologos ros anos ano s do s´eculo eculo XX, realizou estadias e stadias prolongadas prolon gadas entre as popula¸ p opula¸ c˜oes oes do mundo mundo inteiro. inteiro. Em 1906 e 1908, 1908, Radcliff Radcliffe-B e-Bro rown wn estuda estuda os habitan habitantes tes das ilha ilhass An Anda dama man. n. Em 1909 1909 e 1910, 1910, Selig Seligman man dirige dirige uma uma miss miss˜ ao a˜o no Sud˜ ao. ao. Alguns anos mais tarde, Malinowski volta para a Gr˜ a-Bretanha, impregnado a-Bretanha, do pensamento e dos sistemas de valores que lhe revelou a popula¸c˜ cao a˜ o de um min´ usculo usc ulo arquip´ arq uip´elago ela go melan´ mel an´esio. esi o. A part p artir ir da´ı, ı, as miss˜ missoes o˜es de pesquisas etnogr´ aficas aficas e a publica¸c˜ cao a˜o das obras que delas resultam se seguem em um ritmo ritmo inint ininterru errupto. pto. Em 1901, 1901, Rivers, Rivers, um dos fundadores fundadores da antropol antropologi ogiaa inglesa, estuda os Todas da ´ındia; ındia; ap´ os a .Primeira Guerra Mundial, Evansos Pritcha Pritchard rd estuda estuda os Azand Azand´´es es (trad. franc. franc. 1972) 1972) e os Nuer (trad. (trad. franc. franc. 1968); Nadei, as Nupes da Nig´ Nig´eria; eria; Fortes, os Tallensi; allensi; Margaret Mead, os insulares insula res da Nova Guin´ Gui n´e, e, etc Como n˜ao ao ´e poss´ poss´ıvel ıvel examinar, examinar, dentro dentro dos limites limites deste Inibalho, Inibalho, a contribui¸c˜ c˜ao ao desses diferentes pesquisadores na elabora¸c˜ c˜ao a o da etnografia e da etnologia etnologia contemporˆ contemporˆ anea, dois entre eles, a meu ver os mais importantes, deanea, ter˜ ao ao nossa Hlen¸c˜ cao: a˜o: um americano americano de origem alem˜ alema: a˜: Franz Boas; Boas; o outro, outro, polonˆ po lonˆes es naturalizad natur alizadoo inglˆes: es: Bronislaw Broni slaw Malinowski. Malinows ki.
4.1 4.1
BOAS BO AS (185 (18588-19 1942 42))
Com ele assistimos a uma verdadeira virada da pr´atica atica antropol´ antrop ol´ogica. ogica . Boas era antes de tudo um homem de campo. Suas pesquisas, pesquisas, totalmente pioneiras, pioneiras, iniciadas, notamo-lo, a partir dos ultimos u ´ltimos anos do s´eculo eculo XIX (em particular entre os Kwakiutl e os Chinook de Col´ umbia umbia Britˆanica), anica), eram conduzidas de um ponto p onto de vista que hoje ho je qualificar´ıamos ıamos de microssociol´ ogico. ogico. No campo, ensina ensina Boas, Boas, tudo deve ser anotado: anotado: desde desde os materia materiais is constit constitutiv utivos os das
4.1. BOAS BOAS (1858-1 (1858-1942) 942)
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casas at´e as notas das melodias cantadas cantadas pelos Esquim´ Esquimos, o´s, e isso detalhadamente, mente, e no detal detalhe he do detal detalhe. he. Tudo deve deve ser objeto objeto da descri descri¸ c˜ ¸ao ao mais meticulosa, da retranscri¸c˜ c˜ao ao mais fiel (por exemplo, as diferentes vers˜ oes oes de um mito, ou diversos ingredientes entrando na composi¸c˜ cao a˜o de um alimento). Por outro lado, enquanto raramente antes dele as sociedades tinham sido realmente consideradas em si e para si mesmas, cada uma dentre elas adquire o estatuto de uma totalidade autˆ onoma. onoma. O primeiro primeiro a formula formularr com seus colaboradores (cf. em particular Lowie, 1971) a cr´ cr´ıtica mais radical e mais elaborada das no¸c˜ coes o˜es de origem e de reconstitui¸c˜ cao a˜o dos est´agios, agios,1 ele mostra que um costume s´ o tem significa¸c˜ c˜ao ao se for relacionado ao contexto particu particular lar no qual qual se inscrev inscreve. e. Claro, Claro, Morgan e, muito muito antes dele, MontesMontesquieu tinham aberto o caminho a essa pesquisa cujo ob jeto ´e a totalidade tot alidade das rela¸c˜ c˜oes oes sociais sociais e dos element elementos os que a constitu constituem. em. Mas a diferen diferen¸ ca c¸a ´e que, qu e,ia ia partir de Boas, estima-se que para compreender o lugar particular ocupado por esse costume n˜ ao se pode mais confiar nos investigadores e, muito menos ao nos que, da ”metr´ opole”, confiam neles. Apenas o antrop´ opole”, ologo ologo pode elaborar uma monografia, monografia, isto ´e, e, dar conta cientificamente cientificamente de uma microssociedade, microssociedade, apreendida em sua totalidade e considerada em sua autonomia te´ orica. orica. Pela primeira vez, o te´orico orico e o observador est˜ ao finalmente reunidos. Assistimos ao ao nascimento de uma verdadeira etnografia profissional que n˜ ao ao se contenta mais em coletar materiais a` maneira dos antiqu´arios, arios, mas procura detectar o que faz a unidade da cultura que se expressa atrav´ atrav´es es desses diferentes diferentes materiais. Por outro lado, Boas considera, e isso muito antes de Griaule, do qual falaremos mais adiante, que n˜ao ao h´a ob jeto nobre nob re nem objeto ob jeto indigno da ciˆencia. encia. As piadas de um contador s˜ao a o t˜ao ao importantes quanto a mitologia que expressa o patrimˆ onio onio metaf´ metaf´ısico do grupo. gr upo. Em especial, espe cial, a maneira ma neira pela pe la qual as sociedades tradicionais, na voz dos mais humildes entre eles, classificam suas atividades mentais e sociais, deve ser levada em considera¸c˜ c˜ao. ao. Boas anuncia assim a constitui¸c˜ c˜ao ao do que hoje ho je chamamos de ”etnociˆencias”. encias”. Finalmente, ele foi um dos primeiros a nos mostrar n˜ ao ao apenas a importˆancia, ancia, mas tamb´em em a necessidade, para o etn´ ologo, ologo, do acesso a` l´ıngua da cultura cultu ra na qual trabalha. As tradi¸c˜ coes o˜es que estuda n˜ ao poderiam ser-lhe traduzidas. ao 1
Da qual Radcliffe-Br Radcliffe-Brown own e Malinows Malinowski ki tirar˜ tirar˜ao a o as cons conseq¨ eq¨ uˆ uencias eˆncias tec ricas: ricas: n˜ao ´e mais poss´ poss´ıvel ıvel opor sociedades sociedades ”simples”e ”simples”e sociedades sociedades ”complexas ”complexas”, ”, sociedades sociedades ”inferio”inferiores”evoluindo para o ”superior”, sociedades ”primitivas”a caminho da ”civiliza¸c˜aao”. o”. As primeiras n˜ao ao s˜ao ao as formas An nraanizac˜oes oes originais das quais as segundas teriam derivado.
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Ele pr´oprio oprio deve recolhˆ reco lhˆe-las e-las na l´ıngua de seus interlocutor interlo cutores. es.2 Pode parecer surpreendente, levando em conta o que foi dito, que Boas, exceto entre os profissionais da antropologia, seja praticamente desconhecido. Isso se deve principalmente a duas raz˜oes: oes: 1) multiplicando as comunica¸c˜ coes o˜es e os artigos, ele nunca escreveu nenhum livro destinado ao p´ ublico erudito, e os textos que nos deixou s˜ao ublico a o de uma concis˜ao ao e de um rigor asc´etico. etico. Nada que anuncie, anuncie, por p or exemplo, a emo¸ c˜ao ao que se pode sentir (como veremos logo) na leitura de um Malinowski; ou que lembre o charme ultrapassado da prosa enfeitada de um Frazer; 2) nunca formulou formulou uma verdadeira verdadeira teoria, t˜ao ao estranho era-lhe era-lhe o esp´ esp´ırito de sistema; e a generaliza¸c˜ c˜ao ao apressada parecia-lhe o que h´ a de mais distante ` do esp es p´ırit ır itoo cient´ ci ent´ıfico ıfi co.. As ambi¸c˜ coes o˜es dos primeiros tempos – quero falar dos afrescos gigantescos do s´eculo eculo XIX, que retratam os prim´ pr im´ ordios da humanidade mas expressam simultaneamente os prim´ordios ordios da antropologia, isto ´e uma antropologia antropologia principalmen principalmente te – sucedem, sucedem, com ele, a mod´estia estia e a sobriedade da maturidade. De qualquer qualquer modo, a influˆ influˆencia encia de Boas foi consider´ consideravel a´vel.. Foi um dos primeiros etn´ografo o grafos. s. A sua preocup preocupa¸ a¸ c˜ c˜ao a o de precis˜ ao ao na descri¸c˜ c˜ao a o dos fatos observados, acrescentava-se a de conserva¸c˜ cao a˜o met´ odica odica do patrimˆonio onio recolhido (foi conservador do museu de Nova Iorque). Finalmente, foi, enquanto professor, o grande pedagogo que formou a primeira gera¸ c˜ao ao de antrop´ ologos ologos america americanos nos (Kroeber, (Kroeber, Lowie, Lowie, Sapir, Sapir, Herskov Herskovitz, itz, Linton. Linton. . . e, em seguida, seguida, R. Benedict, Benedict, M. Mead). Mead). Ele permanece permanece sendo sendo o mestre mestre incontest incontestado ado da antropologia americana na primeira primeir a metade meta de do s´eculo eculo XX.
4.2
MALINO MALINOWSK WSKII (1884 (1884-19 -1942) 42)
Malinowski dominou incontestavelmente a cena antropol´ ogica, ogica, de 1922, ano de publica¸c˜ c˜ao ao de sua primeira primeira obra, Os Argonautas Argonautas do Pac´ Pac´ıfico Ocidental, Ocidental, at´e sua morte, mort e, em 1942. 1942 . 1) Se n˜ ao ao foi o primeir primeiroo a conduzir conduzir cientific cientificamen amente te uma experiˆ experiˆ encia encia etnogr´ afica, afica, isto ´e, e, em primeiro lugar, a viver com as popula¸ p opula¸c˜ coes o˜es que estudava 2
Sobre a rela¸c˜ c˜ao ao da cultura, da l´ıngua e do etn´ ologo, cf. particular-mente. ap´os ologo, os Boas. Sapir (1967) e Leenhardt (1946).
4.2. MALINOWSK MALINOWSKII (1884-1942) (1884-1942)
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e a recolher seus materiais de seus idiomas, radicalizou essa compreens˜ ao ao por dentro, e para isso, procurou romper ao m´ aximo os contatos com o mundo aximo europeu. Ningu´ Ningu´em em antes dele tinha se esfor¸ cado c ado em penetra penetrarr tanto, tanto, como como ele ele fez no decorrer decorrer de duas estadia estadiass sucessi sucessiv vas nas ilhas ilhas Trobrian robriand, d, na mentali mentali-dade dos outros, e em compreender de dentro, por uma verdadeira busca de despersonaliza-¸c˜ c˜ao, a o, o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que n˜ao ao ´e nossa. Boas procurav pro curavaa estabelecer estab elecer repert´ r epert´ orios orios exaustivos, e muitos entre seus seguidores nos Estados Unidos (Kroeber, Murdock. dock. . .) procurara procuraram m definir definir corre correla¸ la¸ c˜oes oes entre o maior n´ umero ume ro poss po ss´´ıvel de vari´aveis. aveis. Malinowski considera esse trabalho uma aberra¸c˜ c˜ao. ao. Conv´em em pelo pe lo contr´ ario, segundo ele, conforme o primeiro exemplo que d´ ario, a em seu primeiro livro, mostrar que a partir de um unico u ´ nico costume, ou mesmo de um unico u´nico ob jeto (por exemplo, a canoa trobriandesa – voltaremos a isso) aparentemente muito simples, aparece o perfil do conjunto de uma sociedade. 2) Instaurando uma ruptura com a hist´ oria conjetural (a reconstitui¸c˜ oria cao a˜o especulativa peculativa dos est´ agios), agios), e tamb´ ta mb´ em em com a geografia geogr afia especulativa e speculativa (a teoria difusionista, que tende, no in´ in´ıcio do s´eculo, eculo, a ocupar o lugar do evolucionismo, e postula a existˆencia encia de centros de difus˜ ao da cultura, a qual se transmite ao por empr´ estimos), estimos), Malinowski Malinowski considera considera que uma sociedade deve ser estudada enquanto uma totalidade, tal como funciona no momento mesmo onde a observ observamos amos.. Medimos Medimos o caminho caminho percorrido percorrido desde Frazer, razer, que foi no entanto o mestre de Malinowski. Quando pergunt´ avamos ao primeiro por que avamos ele pr´oprio oprio n˜ao ao ia observar as so ciedades a partir part ir das quais tinha constru´ constru´ıdo sua obra, respondia: ”Deus me livre!”. livre!”. Os Argonautas do Pac´ Pac´ıfico Ocidental, embora tenha sido editado alguns anos apenas ap´ os os o fim da publica¸c˜ cao a˜o de O Ramo de Ouro, com um pref´acio, acio, notamo-lo, do pr´oprio oprio Frazer, adota uma abordagem abordagem rigorosam rigorosamen ente te inve inversa: rsa: analis analisar ar de uma forma forma intens intensiv ivaa e cont´ cont´ınua uma microssociedade sem referir-se a sua hist´ oria. oria. Enquanto Frazer procurava responder a` pergunta: ”Como nossa sociedade chegou a se tornar o que ´e?”; e?”; e respondia resp ondia escrevendo escre vendo essa ”obra ”obr a ´epica epica da humanidade”q humanid ade”que ue ´e O Ramo de Ouro, Malinowski Malinowski se pergunta o que ´e uma sociedade so ciedade dada em si mesma e o que a torna vi´avel avel para os que a ela pertencem, observando-a no presente pres ente atrav´es es da intera¸ interac˜ c¸ao a˜o dos aspectos que a constituem. (Com Malinowski, Malinowski, a antropologia antropologia se torna uma ”ciˆ encia”da encia”da alteridade que vira as costas ao empreendimen empreendimento to evolucionis evolucionista ta de reconstitui¸ reconstitui¸ c˜ao ao das origens da civiliza¸c˜ c˜ao, ao, e se dedica ao estudo das l´ ogicas ogica s particul par ticulares ares caracter carac ter´´ısticas ıstica s de cada cultura. O que o leitor aprende ao ler Os Argonautas ´e que os costumes c ostumes
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dos Trobriandeses, t˜ao ao profundamente diferentes dos nossos, tˆem em uma significa¸c˜ cao a˜o e uma u ma coerˆ co erˆencia. encia. N˜ ao a o s˜ao ao puerilidades que testemunham de alguns vest´ vest´ıgios da humanidade, e sim sistemas l´ ogicos perfeitamente elaborados. ogicos Hoje, todos os etn´ologos ologos est˜ao ao convencidos de que as sociedades diferentes da nossa s˜ao ao sociedades humanas tanto quanto a nossa, que os homens e mulheres que nelas vivem s˜ao ao adultos que se comportam diferentemente de n´os, os, e n˜ao ao primitivos”, autˆomatos omatos atrasados (em todos os sentidos do termo) que pararam em uma ´epoca epoca distante distante e vivem vivem presos a tradi¸ c˜oes oes est´ upidas. upidas. Mas nos anos 20 isso era propriamente revolucion´ ario. ario. 3) A fim de pensar essa coerˆ co erˆencia encia interna, Malinowski Malinowski elabora uma teoria (o funcionalismo) que tira seu modelo das ciˆencias encias da natureza: o indiv´ indiv´ıduo sente um certo n´ umero de necessidades, e cada cultura tem precisamente umero como fun¸c˜ cao a˜ o a de satisfazer a` sua maneira essas necessidades fundamentais. tais. Cada uma realiza realiza isso isso elaboran elaborando do institui¸ institui¸ c˜oes oes (econˆ omicas omi cas,, pol po l´ıticas ıti cas,, jur´ jur´ıdicas, educativas. educativas. . .), fornecendo fornecendo respostas coletivas coletivas organizadas, organizadas, que constituem, cada uma a seu modo,solu¸c˜ coes o˜es originais que permitem atender a essas necessidades. 4) Uma outra caracter´ caracter´ıstica do pensamento pensamento do autor de Os Argonautas Argonautas ´e, e, ao nosso ver, sua preocupa¸c˜ c˜ao ao em abrir as fronteiras disciplinares, devendo o homem ser estudado atrav´es es da tripla articula¸c˜ cao a˜o do social, do psicol´ogico ogico e do biol´ogico. ogico. Conv´ em em em primeiro lugar, lugar , para Malinowski, localizar a rela¸c˜ c˜ao ao estreita do social e do biol´ ogico; o que decorre do ponto anterior, j´ ogico; a que, para ele, uma sociedade funcionando como um organismo, as rela¸c˜ coes o˜es biol´ogicas ogicas devem ser consideradas n˜ ao apenas como o modelo epistemol´ ao ogico ogico que permite pensar as rela¸c˜ c˜oes oes sociais, e sim como o seu pr´ oprio oprio fundamento. funda mento. Al´em em disso, uma verdadeira verdadeira ciˆencia encia da sociedade implica, ou melhor, inclui o estudo das motiva¸c˜ coes o˜es psicol´ogicas, ogicas, dos comportamentos, comportamentos, o estudo dos sonhos e 3 dos desejos desej os do indiv´ indiv´ıduo. E Malinowski, quanto a esse aspecto (que o separa radicalmente, radicalmente, como veremos, veremos, de Durkheim), Durkheim), vai muito muito al´ em em da an´ alise alise da afetivi afetividade dade de seus seus interl interlocutor ocutores. es. Ele procura reviver reviver nele nele pr´ oprio os sentimentos dos outros, fazendo da observa¸ c˜ cao a˜o participante uma participa¸c˜ c˜ao ao psicol´ogica ogica do pesquisador, que deve ”compreender e compartilhar os sentimentos”destes ultimos u ´ltimos ”interiorizando suas rea¸c˜ coes o˜es emotivas”.
´ essa vontade de alcan¸car E car o homem em todas as suas dimens˜oes, oes, e, notadamente, de n˜ao ao dissociar o grupo do indiv´ indiv´ıduo, que faz com que seja um dos primeiros primeiros etn´ ologos ologos a interessar-se interessar-se pelas obras de Freud. Freud. Mas devemos devemos reconhecer reconhecer que ele demonstra demonstra uma grande incompreens˜ao ao da psican´alise alise 3
4.2. MALINOWSK MALINOWSKII (1884-1942) (1884-1942)
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O fato de a obra (e a pr´opria opria personalidade) de Malinowski ter sido provavelmente a mais controvertida de toda a hist´ oria oria da antropologia antropologia (isso inclusive inclusive quando era vivo) se deve a duas raz˜oes, oes, ligadas ao car´ ater ater sistem´atico atico de sua rea¸c˜ cao a˜o ao evolucionismo. 1) Os antrop´ ologos ologos da ´epoca epoca vitoriana vitoriana identifica identificav vam-se totalmente totalmente com a sua sociedade, isto ´e, e, com a ”civiliza¸ ”civiliza¸ c˜ c˜ao ao industrial”, considerada como ”a civiliza¸c˜ cao”tout a˜o”tout court, e com seus benef´ benef´ıcios. Em rela¸c˜ cao ˜ao a esta. os costumes dos pov p ovos os ”primitivo ”primitivos”eram s”eram vistos como aberrantes. aberrantes. Malinowski Malinowski inverte inverte essa rela¸c˜ cao: ˜ao: a antropologia sup˜oe oe uma identifica¸c˜ c˜ao ao (ou, pelo menos, uma busca de identifica¸c˜ cao) ˜ao) com a alteridade, n˜ao ao mais considerada como forma social anterior a` civiliza¸c˜ cao, a˜o, e sim como forma contemporˆ anea anea mostrando-nos cm sua pureza pureza aquilo que nos faz tragica tragicamen mente te falta: a autenti autenticid cidade. ade. Assim Assim sendo, a aberra¸c˜ cao a˜o n˜ao ao est´a mais do lado das sociedades ”primitivas”e sim do lado da sociedade sociedade ocid o cident ental al (cf. pp. 50-51 50-51 deste livro livro os coment coment´ arios ´ de Malinowski, que retomam o tema da idealiza¸c˜ c˜ao ao do selvagem). 2) Convencido Convencido de ser o fundador da antropologia antropologia cient cient´ıfica moderna (o que, ao meu ver, n˜ao ao ´e totalmente totalmente falso, pois o que fez a partir dos anos 20 ´e essenc essencia ial) l),, ele ele elabo elabora ra – sobret sobretudo udo duran durante te a ultima ´ parte de sua vida – uma teoria de uma extrema rigidez, que contribuiu, em grande parte, para o descr´edito edito do qual ele e le ainda aind a ´e objeto: obj eto: o ”funcionalismo”. Nesta perspectiva, persp ectiva, as sociedades tradicionais s˜ ao ao sociedades est´aveis aveis e sem conflitos, visando naturalme natu ralmente nte a um equil´ equil´ıbrio atrav´es es de institui¸ instit ui¸c˜ coes o˜es capazes de satisfazer as a`s necessidades necessidades dos homens. Essa compreens˜ compreensao a˜o naturalista e marcadamente marcadamente otimista de uma totalidade cultural integrada, que postula que toda sociedade ´e tao a˜o boa quanto pode ser, pois suas institui¸c˜ coes o˜es est˜ao ao a´ı para satisfazer a todas as necessidades, necessidades, defronta-se defronta-se com duas grandes dificuldades: como explicar a mudan¸ca ca social? Como dar conta do disfuncionamen disfuncionamento to e da patologia patologia cultural? A partir de sua pr´opria opria experiˆencia encia – limitada a um min´ usculo usc ulo arquip´ arq uip´elago ela go que permanece, no in´ in´ıcio do s´eculo, eculo, relativamente relativamente afastado dos contatos intercultu terculturai raiss –, Malino Malinowsk wski, i, baseand baseando-s o-see no modelo modelo do finalism finalismoo biol´ biol´ ogico, estabelece generaliza¸ generaliza¸c˜ c˜oes oes sistem´aticas aticas que n˜ao ao hesita em chamar de ”leis cient´ ent´ıficas da sociedad soc iedade”. e”. Al´em em disso, disso , esse funcionalis funci onalismo mo ”cient´ıfico”n˜ ıfico” n˜ ao a o tem rela¸c˜ c˜ao ao com a realidade da situa¸c˜ cao a˜o colonial dos anos 20, situa¸c˜ c˜ao ao essa, totalmen talmente te ocultada. ocultada. A antropo antropologi logiaa vitori vitoriana ana era a justific justifica¸ a¸ c˜ao ao do per´ıodo ıod o da conquista colonial. O discurso monogr´ afico afico e a-hist´orico orico do funcionalismo funcionalismo
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CAP ´ITULO 4. OS PAIS PAIS FUNDADORE FUNDADORES S DA ETNOGRAFI ETNOGRAFIA: A:
passa a ser a justifica¸c˜ cao a˜o de uma nova fase do colonialismo.
*** Apesar Ape sar disso, al´em em das cr´ cr´ıticas que o pr´ oprio Malinowski contribuiu em prooprio vocar, tudo o que devemos a ele permanece ainda hoje consider´ avel. avel. 1) Compreendendo que o unico u´nico modo de conhecimento em profundidade dos outros outr os ´e a participa¸ parti cipa¸c˜ cao a˜o a sua existˆencia, encia, ele inventa inventa literalmente e ´e o primeiro a pˆ or o r em pr´ atica ati ca a observa¸ obs erva¸c˜ cao a˜o participante, dando-nos o exemplo do que deve ser o estudo intensivo intensivo de uma sociedade que nos ´e estranha. O fato de efetuar uma estadia de longa dura¸c˜ c˜ao ao impregnan-do-se da mentalidade de seus h´ospedes ospedes e esfor¸cando-se cando-se para pensar em sua pr´ opria opria l´ıngua pode po de parec parecer er banal banal hoje. N˜ ao o era durante os anos 1914-1920 na Inglaterra, e ao muito menos na Fran¸ca. ca. Malinowski nos ensinou a olhar. Deu-nos o exemplo daquilo que devia ser uma pesquisa de campo, que n˜ao ao tem mais nada a ver com a atividade do ”investigador”questionando ”informadores”. 2) Em Os Argonaut Argonautas as do Pa Pacc´ıfico Ociden Ocidental, tal, pela primeir primeiraa vez, vez, o social social deixa de ser aned´otico, otico, curiosidade ex´otica, oti ca, descri des cri¸¸c˜ cao a˜o moralizante ou cole¸c˜ao exaustiva erudita. Pois, para alcan¸car car o homem em todas as suas dimens˜ oes, oes, ´e precis pre cisoo dedica ded icar-s r-see `a observa¸ obs erva¸c˜ c˜ao ao de fatos sociais aparentemente min´ usculos usculos e insignificantes, cuja significa¸c˜ c˜ao a o s´o pode ser encontrada nas suas posi¸c˜ coes o˜es respectivas no interior de uma totalidade mais ampla. Assim, as canoas trobriandesas (das quais falamos acima) s˜ ao ao descritas em rela¸c˜ c˜ao ao ao grupo que as fabrica e utiliza, ao ritual m´agico agico que as consagra, as a`s regulamenta¸c˜ coes o˜es que definem sua posse, etc. Algumas Algumas transporta transportando ndo de ilha ilha em ilha colares colares de conchas vermelhas, outras, pulseiras de conchas brancas, efetuando em sentidos contr´ arios arios percursos invari´aveis, aveis, passando necessariamente de novo por seu local de origem, Malinowski mostra que estamos frente a um processo de troca generalizado, irredut´ irredut´ıvel a` dimens˜ao ao econˆ omica omica apenas, pois nos permite encontrar os significados pol´ pol´ıticos, m´ agicos, agico s, religiosos, religi osos, est´eticos etico s do grupo inteiro. Os Jardins de Coral, o segundo grande livro de Malinowski, trabalha com a mesma abordagem. abordage m. Esse ”estudo dos m´etodos etodos agr´ agr´ıcolas e dos ritos agr´ arios nas ilhas ilhas Trobri robriand and”, ”, longe longe de ser uma uma pesqui pesquisa sa especi especial aliz izada ada sobre sobre um fenˆomeno omeno agronˆ agronˆ omico omico dado, dado, mostra mostra que a agricult agricultura ura dos Trobrian robriandese desess inscreve-se na totalidade social desse povo, e toca em muitos outros aspectos que n˜ao ao a agricultura.
4.2. MALINOWSK MALINOWSKII (1884-1942) (1884-1942)
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3) Finalmente, Finalmente, uma das grandes qualidades qualidades de Malinowski Malinowski ´e sua faculdade faculdade de restitui¸c˜ c˜ao ao da existˆ existˆencia encia desses homens e dessas mulheres que puderam ser conhecidos apenas atrav´es es de uma rela¸ c˜ c˜ao ao e de uma experiˆencia encia pessoais. Mesmo quando estuda institui¸c˜ coes, o˜es, n˜ao a o s˜ao ao nunca vistas como abstra¸c˜oes reguladoras da vida de atores anˆ onim o nimos os.. Seja Seja em Os Argon Argonaut autas as ou’ Os Jardins de Coral, ele faz reviver para n´os os esse povo trobriandˆes es que n˜ ao a o poderemos nunca mais confundir com outras popula¸ p opula¸ c˜oes oes ”selvagens”. ”selvagens”. O homem nunca desaparece em proveito proveito do sistema. sistema. Ora, essa exigˆ exigˆencia encia de conduzir um projeto pro jeto cient´ cient´ıfico sem renunciar a` sensibilidade art´ art´ıstica chama-se etnologia. logia. Malino Malinowsk wskii ensinou ensinou a muitos muitos entre entre n´ os o s n˜ao a o apenas a olhar, mas a escrever, escrever, restituindo restituindo as a`s cenas da vida cotidiana seu relevo e sua cor. Quanto ´ um livro escrito num estilo a isso, Os Argonautas me parece exemplar. E magn´ magn´ıfico que aproxima seu autor de um outro polonˆes es que, como ele, viveu na Inglaterra, Inglaterra, expressando-se expressando-se em inglˆ inglˆes: es: Joseph Conrad, e que anun anuncia cia as mais bonitas p´ aginas aginas de Tristes Tr´opicos, opico s, de L´evi evi Strauss. Stra uss. A antropologia contemporˆ anea ane a ´e freq¨ fre q¨ uentemente uentemente amea¸cada cada pela abstra¸c˜ao e sofistica¸c˜ c˜ao ao dos protocolos, podendo, como mostrou Devereux (1980), ir at´e a destru des trui¸ i¸c˜ cao a˜o do objeto que pretendia estudar, e, conjuntamente, da especificidade da nossa disciplina. ”Um historiador”, escreve Firth, ”pode ser surdo, um jurista pode ser cego, um fil´osofo o sofo pode a rigor ser surdo e cego, mas ´e preciso que o antrop´ o logo entenda o que as pessoas dizem e veja o ologo que fazem”. Ora, a grande for¸ca ca de Malinowski foi ter conseguido fazer ver e ouvir aos seus leitores aquilo que ele mesmo tinha visto, ouvido, sentido. Os Argonautas do Pac´ Pac´ıfico Ocidental, publicado com co m fotografias fotogra fias tiradas tirada s a partir de 1914 por seu autor, abre o caminho daquilo que se tornar´ a a antropologia 4 audiovisual.
4
Sobre a obra de Malinowski, consultar o trabalho de Michel Panoff. 1972.
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CAP ´ITULO 4. OS PAIS PAIS FUNDADORE FUNDADORES S DA ETNOGRAFI ETNOGRAFIA: A:
Cap´ıtulo 5 Os Primeiros Te´ oricos oricos Da Antropologia: Durkheim e Mauss Boas e Malinowski, nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, fundaram a etnografia. Mas o primeiro, recolhendo com a precis˜ ao ao de um naturalista os fatos no campo, n˜ ao ao era um te´orico. orico. Quanto ao segundo, a parte te´orica orica de suas pesquisas ´e provav provavelmen elmente, te, como acabamos acabamos de ver, o que h´ a de mais contest´ avel avel em sua obra. A antropo antropolog logia ia precisav precisavaa ainda ainda elaborar instrumentos operacionais que permitissem construir um verdadeiro objeto ´ precisamente nisso que se empenharam os pesquisadores francecien ci entt´ıfico ıfi co.. E ses dessa ´epoca, epo ca, que pertenciam a` chamada ”escola francesa de sociologia”. Se existe uma autonomia do social, ela exige, para alcan¸ car car sua elabora¸c˜ c˜ao ao cient´ cient´ıfica, a constitui¸ const itui¸c˜ c˜ao a o de um quadro te´ orico, de conceitos e modelos que orico, sejam pr´ oprios oprios da investiga¸c˜ c˜ao ao do social, isto ´e, e, independentes independentes tanto da explica¸c˜ cao a˜o hist´orica orica (evolucionismo) ou geogr´ afica (difusionismo), quanto da afica explica¸c˜ cao a˜o biol´ogica ogica (o funcionalismo de Malinowski) ou psicol´ ogica ogica (a psicologia cl´assica assica e a psican´alise alise principiante). Ora, conv´ em em notar desde j´ a – e isso ter´a conseq¨ uˆ uˆencias encias essenciais para o desenvolvimento contemporˆ aneo de nossa disciplina – que n˜ao aneo ao s˜ao ao de forma alguma etn´ ologos de campo, e sim fil´ ologos osofos osofos e soci´ologos ologos – Durkheim e Mauss, de quem falaremos agora – que forneceram a` antropologia o quadro te´ orico orico e os instrumentos que lhe faltavam ainda. Durkheim, nascido em 1858, o mesmo ano que Boas, mostrou em suas primeiras pesquisas preocupa¸c˜ coes o˜es muito distantes distantes das da etnologia, e mais ainda 67
´ 68 CAP ´ITULO ITULO 5. OS PRIME PRIMEIR IROS OS TE ORICOS DA ANTROPOLOGIA: da etnografia. etnog rafia. Em As Regras do M´etodo etodo Sociol´ ogico ogico (1894), ele op˜oe oe a ”precis˜ao”da ao”da hist´ oria oria a` ”confus˜ ao”da etnografia, e se d´ ao”da a como objeto de estudo ”as sociedades cujas cren¸cas, cas, tradi¸c˜ c˜oes, oes, h´abitos, abitos, direito, incorporaram-se em movimentos escritos e autˆenticos”. enticos”. Mas, em e m As Formas Elementares Eleme ntares da Vida Religiosa Religiosa (1912), ele revisa seu julgamento, julgamento, considerando considerando que ´e n˜ ao apenas important imp ortante, e, mas tamb´em em necess´ nece ss´ ario estender o campo de investiga¸c˜ ario c˜ao ao da sociologia aos materiais recolhidos pelos etn´ologos ologos nas sociedades primitivas. Sua preocupa¸c˜ c˜ao ao maior ´e mostrar que existe uma especificidade especificidade do social, e que conv´em em conseq con seq¨ uentemente u¨entemente emancipar e mancipar a sociologia, ciˆencia encia dos fenˆ omenos omenos sociais, dos outros discursos sobre o homem, e, em especial, do da psicologia. Se n˜ao ao nega que a ciˆ encia encia possa progredir progredir por seus confins, considera que na sua ´epoc ep ocaa ´e vanta joso jos o para p ara cada cad a disci di scipli plina na avan¸ avancar c¸ar separadamente e construir seu pr´oprio oprio ob jeto. jeto. ”A causa determin determinan ante te de um fato social deve deve ser buscada nos fatos sociais anteriores e n˜ ao ao nos no s estados esta dos da d a consciˆ con sciˆencia encia individual” indivi dual”.. Durkheim n˜ao ao procura de forma alguma questionar questionar a existˆ existˆencia encia desta, nem a pertinˆencia encia da d a psicologia. psicolog ia. Mas op˜ oe-se oe-se as a`s explica¸c˜ c˜oes oes psicol´ogicas ogicas do social (sempre ”falsas”, segundo sua express˜ ao). Assim, por exemplo, a quest˜ao ao). ao da rela¸c˜ c˜ao ao do homem com o sagrado n˜ao ao poderia ser abordada psicologicamente estudando estu dando os estado e stadoss afetivos afe tivos dos d os indiv in div´´ıduos, ıduos , nem ne m mesmo mes mo atrav´ at rav´es es de alguma algum a psicologia ”coletiva”. ”co letiva”. Da mesma forma , que a linguagem, tamb´ t amb´ em em fenˆ omeno omeno coletivo, n˜ao ao poderia encontrar sua explica¸c˜ c˜ao ao na psicologia dos que a falam, sendo absolutamente independente da crian¸ca ca que a aprende, ´e-lhe e-lhe exterior, a precede e c´ ontinuar´ ontinuar´ a existindo muito tempo depois de sua morte. Essa irred i rredutibil utibilidade idade do social so cial aos ao s indiv´ıduos ıduos (que ´e a pedra p edra-de-to -de-toque que de qualquer abordagem ab ordagem sociol´ogica) ogica) tem te m para Durkheim a seguinte conseq¨ consequˆ ¨enci en cia: a: os fatos sociais s˜ao ao ”coisas”que s´o podem ser explicados sendo relacionados a outros fatos sociais. Assim, Assim, a sociologia sociologia conquista pela primeira vez sua autonomia ao constituir um ob jeto que lhe ´e pr´ oximo, por assim dizer arrancado oximo, ao monop´ olio olio das explica¸c˜ c˜oes oes hist´oricas, oricas, geogr´ aficas, aficas, psicol´ psicologicas, o´gicas, biol´ogicas. ogicas. . . da ´epoca. epo ca. Esse pensam p ensamento ento durkheimia dur kheimiano no – que, que , observamos, obse rvamos, ´e t˜ ao ao funcionalista quanto o de Malinowski, mas n˜ ao ao deve nada ao modelo biol´ ogico ogi co – vai atrav´ a trav´es es de d e suas s uas novas exigˆencias encia s metodol´ meto dol´ogicas, ogicas, renovar profundamente a epistemologia das ciˆencias encias humanas da primeira metade do s´eculo eculo XX, ou, mais exatamente, das ciˆ c iˆencias encia s sociais so ciais destinadas desti nadas a se separa s epararr destas. des tas. Vai exercer exe rcer uma influˆ in fluˆencia encia consider´avel avel sobre a pesquisa antropol´ ogica, particularmente na Inglaterra e ogica, evidentemente na Fran¸ca, ca, o pa´ pa´ıs de Durkheim, Durkheim, onde, ainda hoje. ho je. nossa disciplina n˜ao ao se emancipou realmente da sociologia.
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Marcel Marcel Mauss Mauss (1872-1 (1872-1950) 950) nasceu, nasceu, como Durkhei Durkheim, m, em Epinal, Epinal, quatorz quatorzee anos ap´ os os este, de quem ´e sobrinho. sobrinho. Suas contribui¸ contribuic˜ c¸˜oes oes te´ oricas oricas respectivas na constitui¸c˜ cao a˜o da antropologia moderna s˜ a o ao mesmo tempo muito ao pr´oximas oximas e muito diferentes. Se Mauss faz, tanto quanto Durkheim, quest˜ao ao de fundar a autonomia do social, separa-se muito rapidamente do autor de As Regras do M´etodo etodo Sociol´ ogico a respeito de dois pontos essenciais: o esogico tatuto que conv´em em atribuir a` antropologia, e uma exigˆencia encia epistemol´ ogica ogica que hoje qualificar´ qualificar´ıamos de pluridisciplinar. Durkheim considerava os dados recolhidos pelos etnol´ ogos ogos nas sociedades ”primitivas”sob o ˆangulo angulo exclusivo da sociologia, da qual a etnologia (ou antropol antropologi ogia) a) era destinada destinada a se tornar tornar uma ramo. Mauss Mauss vai trabalhar trabalhar incansavelmente, durante toda sua vida (com Paul Rivet), para que esta seja reconhecida como uma ciˆencia encia verdadeira, e n˜ ao como uma disciplina anexa. ao Em 1924, escreve que ”o lugar da sociologia”est´ a ”na antropologia”e n˜ ao ao o inverso,. Um dos conceitos maiores forjados por Mareei Mauss e o do fenˆ omeno omeno social total, consistindo na integra¸c˜ cao a˜o dos diferentes aspectos (biol´ ogico, ogico, econˆ omico, omico, jur ju r´ıdico, ıdi co, hist´ his t´ orico, orico, religioso, religioso, est´etico. etico. . .) constitutiv constitutivos os de uma dada realidade social so cial que conv´em em apreender apreende r em sua integralidade. ”Ap´ os ter for¸cosamente cosamente dividido um pouco exageradamente”, escreve ele, ”´e preciso pre ciso que os sociol´ so ciol´ ogos se esforcem esforcem em recompor recompor o todo”. Ora, Ora, prossegu prosseguee Mauss, os fenˆ omenos sociais s˜ao ao ”antes sociais, mas tamb´ tamb´em em conjuntamen conjuntamente te e ao mesmo tempo fisiol´ogicos ogicos e psicol´ogicos” ogicos”.. Ou ainda: ”O simples simples estudo desse fragmen fragmento to de nossa vida que ´e nossa vida em sociedade n˜ ao ao basta”. basta”. N˜ ao ao se pode, ainda, afirmar que todo fenˆomen om enoo so s o cial ci al ´e tamb´ ta mb´em em um fenˆ fe nˆ omeno mental, da mesma omeno forma que todo fenˆomen om enoo menta me ntall ´e tamb´ ta mb´em em um fenˆ fe nˆ omeno social, devendo as omeno condutas humanas ser apreendidas em todas as suas dimens˜ oes, oes, e particularmente em suas dimens˜oes oes sociol´ogica, ogica, hist´orica orica e psicofisiol´ogica. ogica. Assim, Assim, essa ”totalidade ”totalidade folhada”, folhada”, segundo a palavra palavra de L´evi-Strauss, evi-Strauss, comentador mentador de Mauss (1960), isto ´e, e, ”formada de uma multitude multitude de planos distintos”, s´o pode p ode ser apree a preendida ndida na expe e xperiˆ riˆencia encia dos indiv in div´´ıduos”. ıduos ”. Devemos, Devemos , escreve Mauss, ”observar o comportamento de seres totais, e n˜ ao ao divididos em facul faculdad dades es”. ”. E a unica u´nica garantia que podemos ter de que um fenˆ omeno omeno social corresponda a` realidade da qual procuramos dar conta ´e que possa ser apreendido apreendido na experiˆ encia encia concreta de um ser humano, humano, naquilo naquilo que tem de unico: u ´nico:
´ 70 CAP ´ITULO ITULO 5. OS PRIME PRIMEIR IROS OS TE ORICOS DA ANTROPOLOGIA: ”O que ´e verdadei verda deiro, ro, n˜ ao ´e a ora ora¸c˜ c¸˜ ao ou o direito,e sim o melan´ esio esio de tal ou tal ilha”. N˜ao ao podemos portanto alcan¸car c ar o sentido e a fun¸c˜ cao ˜a o de uma institui¸c˜ao se n˜ao ao formos formo s capazes capaz es de reviver sua incidˆencia encia atrav´es es de uma consciˆ consc iˆencia encia individual, indivi dual, consciˆ consc iˆencia encia esta que ´e parte da institui¸ instit ui¸c˜ cao ˜ao e portanto do social. Finalmente, Finalmente, para compreender compreender um fenˆ omeno ome no socia so ciall tota t otal, l, ´e prec p reciso iso apreen apr eendˆ dˆeelo totalmente, totalmente, isto ´e, e, de fora como uma ”coisa”, ”coisa”, mas tamb´ tamb´em em de dentro ´ como uma realidade vivida. E preciso compreendˆe-lo e-lo alternadamente tal como o percebe o observador estrangeiro (o etn´ ologo), ologo ), mas tamb´em em tal como os atores sociais o vivem. vivem. O fundamento desse movimen movimento to de desdobramento desdobramento ´ um obininterrupto diz respeito a` especificidade do objeto ob jeto antropol´ogico. ogico. E jeto de mesma natureza natur eza que o sujeito, que ´e ao mesmo tempo temp o – emprestando o vocabul´ario ario de Mauss e Durkheim – ”coisa”e ”representa¸c˜ cao”. a˜o”. Ora, o que caracteriza o modo de conhecimento pr´ oprio opr io das ciˆencias enc ias do homem, hom em, ´e que o observador-sujeito, para compreender seu objeto, esfor¸ ca-se ca-se para viver nele mesmo a experiˆencia encia deste, o que s´ o ´e poss po ss´´ıvel porqu po rquee esse ess e objet ob jetoo ´e, e, tanto tant o quanto ele, sujeito. Trabalhando inicialmente com uma abordagem semelhante a` de Durkheim, a reflex˜ao ao da Mauss desembocou, como vemos, em posi¸c˜ coes o˜es muito diferentes. Estamos longe longe do distanciamento distanciamento sociol´ ogico ogico que sup˜ oe oe a metodologia durkheimiana, e pr´ oximos oximos da pr´atica atica etnogr´ afica de Malinowski. Este ultimo afica u ´ltimo ponto merece alguns coment´ arios. arios. Os Argonaut Argonautas as do Pa Pacc´ıfico Ociden Ocidental, tal, de Malino Malinowsk wski, i, e o Ensaio Ensaio sobre sobre o Dom, de Mauss, s˜ao ao publicados com um ano de intervalo (o primeiro em 1922, 1922, o segundo segundo em 1923). 1923). As duas obras obras s˜ ao ao muito pr´ oximas oximas uma da outra. tra. A segun segunda da sup˜ sup˜ oe o conhecimento dos materiais recolhidos pelo etn´ oe oografo. grafo. A primeira primeira exige uma teoria teoria que ser´ a precisamente constitu´ constitu´ıda pelo antrop´ ologo. ologo. Os Argonau Argonautas tas s˜ ao ao uma descri¸c˜ cao a˜o meticulosa desses grandes circuitos circu itos mar´ mar´ıtimos transpor trans portando tando,, nos arquip´elagos elago s melan´esicos, esico s, colares colar es e pulseir pulseiras as de conchas: conchas: a kula. kula. O Ensaio Ensaio sobre o Dom ´e uma tentativ tentativaa de esclarecimento e elabora¸c˜ c˜ao ao da kula, atrav´es es da qual Mauss n˜ ao ao apenas visualiza um processo de troca simb´ olica olica generalizado, mas tamb´ em em come¸ca ca a extrair a existˆ existˆencia encia de leis da reciprocidade reciprocidade (o dom e o contradom) contradom) e da comunica¸c˜ cao, a˜o, que s˜ao ao pr´oprias oprias da cultura em si, e n˜ao ao apenas da cultura trobriandes briandesa. a. Enquan Enquanto to Os Argonautas Argonautas,, a obra menos te´ orica de Malinowski, evidencia o que Leach chama de ”inflex˜ ao ao biol´ogica”, ogica”, o Ensaio sobre o Dom j´a expressa preocupa¸c˜ coes o˜es estruturais.
71 O fato fato de poder poder ser ser abordad abordadaa de dife diferen rentes tes manei maneiras ras,, de susci suscita tarr inter inter-preta re ta¸¸c˜ c˜oes o es m´ ultipl ultiplas, as, ou mesmo mesmo voca¸ vocac˜ c¸˜oes oes diversas, ´e pr´ oprio o prio de toda obra importante, e a obra de Mauss est´ a incontestavelm incontestavelmente ente entre estas. Muitos mestres da antropologia antropologia do s´eculo eculo XX (estou pensando particularmen particularmente te em Marciel Griaule, Griaule, fundador da etnografia francesa, francesa, em Claude I.´ evi-Strauss, evi-Strauss, pai do estruturalismo, em Georges Devereux, fundador da etnopsiquiatria) o consideram como seu pr´ oprio oprio mestre. mestre. Mauss Mauss ocupa na Fran¸ ca um lugar bastante bastante compar´ avel ao de Boas nos Estados Unidos, especialmente para toavel dos os que, influenciados por ele, procuraram promover a especificidade e a unidade unida de das ciˆencias encia s do d o homem. h omem.
´ 72 CAP ´ITULO ITULO 5. OS PRIME PRIMEIR IROS OS TE ORICOS DA ANTROPOLOGIA:
Parte II As Princi Principai paiss Tendˆ encias encias Do Pensamento Antropol´ ogico ogico Conte ntemporˆ aneo
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Cap´ıtulo 6 Introdu¸c˜ ao: Com o trabalho efetuado pelos pais fundadores da etno-grafia – Boas, Malino linows wski ki,, Rivers Rivers.. . . – e pelos pelos prime primeir iros os te´ oricos oricos da nova nova ciˆencia encia do social – Durkheim e Mauss –, podemos considerar que a antropologia entrou em sua maturidade. maturidade. O que examinaremos examinaremos agora s˜ ao os desenvolvimentos contemao porˆaneos. aneos. N˜ao ao se trata evidentemente evidentemente de apresentar aqui um panorama completo desse per´ıodo ıod o que cobre mais de d e meio mei o s´eculo eculo (1930-1986 (1930 -1986), ), t˜ tao ˜ gran gr ande de ´e a diversidade e a riqueza do campo antropol´ ogico ogico explorado, explo rado, e tamb´ t amb´em em porque p orque nos falta distˆancia ancia para fazer o balan¸co co dos trabalhos que nos s˜ao ao propriamente contemporˆ aneos. aneos. ContentarContentar-nos-em nos-emos, os, mais modestamente, modestamente, em abrir algumas trilhas (mais pr´oximas oximas da trilha do que da auto-estrada) que permitam destacar as tendˆ encias encias dominantes do pensamento pensamento e da pr´ atica dos antrop´ ologos ologos de nossa ´epoca. epo ca. Podemos fazer isso de trˆes es diferentes maneiras.
6.1 6.1
Campo Camposs De De In Investi estiga ga¸¸c˜ ao
A primeira via, que me recusarei a adotar por raz˜ oes oes que come¸caram caram a ser expostas no in´ in´ıcio desse livro, consistia co nsistia em levantar levantar as areas a´reas de investiga¸c˜ao e estu estuda darr os resul resul tados tados obti obtido doss em cada cada uma uma ou em algum algumas as delas delas.. O desenvolvimento desenvolvimento do pensamento cient´ cient´ıfico implica uma diferen cia¸ c˜ cao a˜o crescente cente dos dos campos campos do saber. saber. A antro antropol polog ogia ia n˜ ao apenas tende a progredir ao por disjun¸c˜ cao a˜o em rela¸c˜ cao a˜o a` filosofia, sociologia, psicologia, hist´ oria. o ria. . . (podendo manter paralelamente canais e espa¸ cos cos de articula¸c˜ cao a˜o e confronto), mas avan¸ca, ca, dentro de sua pr´ opria opria pr´atica, atica, especializando-se e instaurando 1 at´e subesp sub especial ecialidade idades. s. 1
Especialidade Especialidades: s: antropologi antropologiaa das tecnologia tecnologias, s, antropologi antropologiaa econˆ econˆomica, omica, antropologia dos sistemas sistemas de parentesco parentesco,, antropologi antropologiaa pol´ pol´ıtica, antropologi antropologiaa religiosa, religiosa, antropolog antropologia ia art´ıstica, ıstica, antropologia antropo logia da comunica¸c˜ c˜ao, ao, antropologia antropologia urbana, urbana, antropologi antropologia a industrial. industrial. ..
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˜ CAP ´ITULO ITU LO 6. INTRODUC INTRO DUC ¸ AO:
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Se deixamos deixamos de lado essa primeira primeira forma poss´ poss´ıvel ıvel de exposi¸ c˜ao a o do campo antropol´ogico ogico contemporˆ contemporˆ aneo, aneo, ´e porque consideramos consideramos que uma disciplina disciplina cient´ cient´ıfica (ou que pretende sˆe-lo) e-lo) n˜ a o deva ser caracterizada por objetos ao emp´ıricos ıri cos j´a consti con stitu´ tu´ıdos, ıdo s, mas, mas , pelo pe lo contr´ cont r´ ario, ario, pela constitui¸c˜ cao a˜o de objetos formais. Ou seja, a unica u ´ nica coisa pass pa ss´´ıvel, a nosso ver, de definir de finir uma disciplina (qualquer que seja), n˜ao ao ´e de forma alguma um campo de investiga¸ c˜ao ao dado (a tecnologia, o parentesco, a arte, a religi˜ ao. a o. . .), .), muit muitoo menos menos uma uma area a´rea geogr´afica afica ou um per´ per´ıodo da hist´ oria, e sim a especificidade da abordagem oria, utilizada que transforma esse campo, essa area, a´rea, esse per´ per´ıodo em objeto cient´ıfic ıfi co.
6.2 6.2
Deter eterm mina ina¸c˜ coes o ˜es Culturais
Uma segunda via, que apenas esbo¸caremos caremos aqui, consistiria em mostrar o que a pesquisa do antrop´ologo ologo deve a` cultura a` qual ele pr´ oprio oprio pertence. As condi¸c˜ c˜oes oes hist´oricas o ricas e sociais de produ¸c˜ cao a˜o do saber antropol´ ogic og icoo s˜ao ao eminentemente diversificadas, e n˜ ao ao seria satisfat´orio orio relacion´ relaciona-las a´-las `apenas apenas ao ”Ocidente”, ”Ocidente”, como se este fosse um bloco homogˆ homogˆeneo eneo e Imut´ Imutavel. avel ´ . Mostraremos quais foram os caracteres culturais distintivos que marcavam profundamente e continuam influenciando v´ arias sociedades nas quais o pensamento e arias a pr´atica atica (antropol´ (antropol´ ogicas ogicas est˜ao ao ho je particularmente particularmente desenvol desenvolvidos. vidos. LimiturLimiturnos-emos a trˆes: es: a antropologia antrop ologia americana, amer icana, a britˆ anica anica h francesa.
A antropologia americana: Tendo tido um crescimento r´ apido com o impulso especialmente do evoluapido cionismo e de seu principal te´ orico Lewis Morgan, pode ser caracterizada da orico seguinte seguinte maneira: 1) trata-se de um tipo de pesquisa que destaca a diversidade das culturas, as varia¸c˜ c˜oes oes praticamente ilimitadas que aparecem quando se comparam as sociedade sociedadess entre entre si. Esse Esse estudo, estudo, conduzido conduzido mais a partir partir da observ observa¸ a¸ c˜ao ao dos comportamentos individuais do que do funcionamento das institui¸ c˜ c˜oes, oes, visa evidenciar a especificidade das personalidades culturais, bem como das produ¸c˜ coes o˜es culturais caracter´ caracter´ısticas de uma etnia ou na¸ c˜ao. ao. Disso Disso decorre decorre a Subespecialidades: etnoling¨ u´ıstica, etnomedic et nomedicina, ina, etnopsiquiat etnop siquiatria, ria, etnomusicologia, etnomusi cologia, de que s´ o se domina a pr´atica atica para uma ´area area geogr´afica afica limitada.
˜ CULTURAIS 6.2. 6.2 . DET DETERMI ERMINAC NAC ¸ OES
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importˆ ancia, nos Estados Unidos, das rela¸c˜ ancia, coes o˜es da etnologia com a psicologia ou a psican´ alise: alise: 2) a antropologia americana n˜ ao se interessa apenas pelos processos de inao tera¸c˜ c˜ao ao entre os indiv´ indiv´ıduos e sua cultura, mas tamb´ tamb´em em entre as pr´ oprias1 culturas: forjou, em especial, o conceito de ”acultura¸c˜ cao”ao a˜o”ao qual voltaremos mais adiante; 3) nunca foi confrontada, ao contr´ ario do que ocorreu na Fran¸ca ario ca e na Inglaterra, aos processos da coloniza¸c˜ cao a˜o e descoloniza¸c˜ cao, a˜o, mas, em contrapartida, aos problemas colocados por suas pr´ oprias oprias minorias (negra, ´ındia e portorriquenha); 4) acrescentemos finalmente que se a antropologia americana contribuiu muito cedo em grande parte (Boas) para pˆ or or um fim a` arrogˆ ancia ancia das reconstitui¸c˜ coes o˜es hist´oricas oricas especulativas, reatualizou e renovou ao mesmo tempo, em seus desenvolvimentos contemporˆ aneos, a abordagem evolucionista sob a forma do aneos, que ´e hoje chamado neo-evolucionismo
A antropologia britˆ anica: anica: Seu crescimento, cresc imento, tamb´em em muito r´ apido, como nos Estados Unidos, deve ser apido, relacionado relacionado a` importˆancia ancia de seu imp´erio erio colonial. Pode ser caracterizada da seguinte seguinte maneira: 1) ´e uma antropologia antievolucionista, que se constituiu c onstituiu desde Malinowski em oposi¸c˜ c˜ao ao a uma compreens˜ ao ao hist´orica orica do social (as reconstru¸c˜ c˜oes oes hipot´ po t´eticas eti cas dos est´ estagios, a´gios, indo das sociedades ”primitivas”` ”primitivas”` as as ”civilizadas”, bem como a abordagem da historiografia). historiografia). Dedica-se Dedica-se preferencialmen preferencialmente te a` investiga¸c˜ c˜ao ao do presente presente a partir de m´ etodos etodos funcionais funcionais (Malinowsk (Malinowski), i), e, em seguida, estruturais estruturais (Radcliffe-Brown (Radcliffe-Brown): ): uma sociedade deve ser estudada em si, independentemente de seu passado, tal como se apresenta no momento no qual a observ observamo amos. s. O modelo modelo pode portanto portanto ser qualifi qualificado cado de sincrˆ sincrˆ onico, enquanto a pesquisa baseia-se no levantamento da totalidade dos aspectos que constituem uma determinada sociedade: a monografia; 2) ´e uma antropologia antropologia antidifusi antidifusionista, onista, o que a op˜ oe oe a` antropologia americana, a qual se preocupa em compreender o processo de transmiss˜ ao ao dos eleme element ntos os de uma uma cult cultura ura para para outra. outra. Pa Para ra a maio maiori riaa dos dos pesqu pesquis isado adores res ingleses, uma sociedade n˜ ao deve ser explicada nem pelo que herda de seu ao passado, nem pelo que empresta a seus vizinhos;
˜ CAP ´ITULO ITU LO 6. INTRODUC INTRO DUC ¸ AO:
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3) ´e uma antropologia antropologia de campo, que se desenvol desenvolve ve muito rapidamente, rapidamente, a partir do in´ in´ıcio do s´eculo, eculo, com Malinowski e, antes, com Radcliffe-Brown, o qual ´e, e, mais ainda que Malinowski, um dos pais fundadores fundador es de quem a maioria dos antrop´ ologos ologos britˆanicos anicos contemporˆ contemporˆ aneos se considera sucessora. Esse aneos car´ ater ate r emp e mp´´ırico ıri co (obser (ob serva¸ va¸c˜ c˜ao ao direta de uma determinada sociedade, a partir de um trabalho exigindo longas estadias no campo) e indutivo da pr´ atica atica dos antrop´ ologos ologos ingleses ap´oia-se oia-se numa longa tradi¸c˜ c˜ao ao brit br itˆ anica: aˆnica: o empirismo empirismo dos fil´osofos osofos desse desse pa´ pa´ıs, que se pode opor ao racional racionalism ismoo e ao ideali idealismo smo do pensamento pensamento francˆ es. es. Hoje ainda, um antrop´ antrop´ ologo que pode ser considerado como um dos mais importantes imp ortantes da d a Gr˜a-Bretanha, a-Bretanha, Leach, n˜ ao ao hesita em qualificar-s qualifi car-see de ”empirista ”empi rista”, ”, e at´e de ”materialist ”mate rialista”, a”, e vˆe a abordage abo rdagem m de um L´evi-Strauss evi-Strauss como tipicamente t ipicamente francesa: france sa: racionalista e idealista; 4) finalmente, finalmente, ´e uma antropologia antropologia social que, ao contr´ contrario ´ da antropologia americana, privilegia o estudo da organiza¸c˜ c˜ao ao dos sistemas sociais em detrimento do estudo dos comportamentos culturais dos indiv´ indiv´ıduos.
A antropologia francesa: A Fran¸ ran ¸ca ca est´ esta´ praticamente ausente da cena da antropologia social e cultural da segunda metade do s´eculo eculo XIX. Nenhum pesquisador francˆes es teve, nessa ´epoca, epo ca, a influˆencia encia de um Tylor (inglˆes) es) ou de um Morgan Morg an (american (ame ricano). o). As preocupa¸c˜ c˜oes oes da antropologia francesa estavam voltadas para outra area. a´rea. Quando se falava falava de d e antropologia, a ntropologia, tratava-se tratava-se da antropologia f´ısica, que era ent˜ ao ilustrada pelos trabalhos de Broca, Quatrefages ou Topinard, que puao blicou em 1876 uma obra intitulada simplesmente A Antropologia.2 Esse atraso da etnologia francesa – muito importante se considerarmos a intensa atividade que se desenvolvia do outro lado do canal da Mancha e do Atlˆantico antico – n˜ao ao ser´a recuperad recup eradoo no in´ in´ıcio do s´eculo eculo XX. Enquanto Enqua nto que um campo cam po emp´ırico ıri co e te´ t e´ orico orico consider´ avel avel se constitu const itu´´ıa tanto ta nto nos Estados Estad os Unidos Uni dos como na Gr´ a-Bretanha; a-Bretanha; enquanto, nesses dois pa´ pa´ıses, administradores utilizavam cada vez mais os servi¸cos cos de antrop´ ologos formados nas universidades, ologos a etnologia etno logia francesa france sa dessa ´epoca epo ca permanecia p ermanecia ainda a inda uma etnologia selvagem, que n˜ao ao era praticada por etn´ ologos e sim por mission´arios ologos arios e por alguns ad2
Notemos que Gobineau, que considera o estudo do homem apenas sob o ˆangulo angulo da ra¸ca, ca, nunca das culturas (Essai sur iln´egalit´ egalit´e des Races Humaines, 1853) era francˆ es. es. Lembremo Lemb remoss tamb´em em a imp i mportˆ ortˆancia ancia que teve a antropologia antropo logia f´ısica e pr´e-hist´ e-hist´orica orica na Fran¸ca ca (em rela¸c˜ cao a˜o notadamente `a influˆ i nfluˆencia enci a consi c onsider´ der´avel avel exercida no final do s´ eculo eculo XIX pelas ciˆencias encias positivas posit ivas e experi e xperimentais mentais no pa p a´ıs de d e Pasteur Pasteu r e de Claude C laude Bernard)
˜ CULTURAIS 6.2. 6.2 . DET DETERMI ERMINAC NAC ¸ OES
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ministradores de colˆonias onias francesas. francesas.3 Mais uma vez, as preocupa¸c˜ coes ˜oes francesas est˜ao ao voltadas para outros aspectos: trata-se dessa vez de preocupa¸c˜ c˜oes oes te´ oricas oricas de fil´ osofos osofos e soci´ologos ologos que, sem d´ uvida, uvida, exercer˜ao ao uma influˆencia encia decisiva na constitui¸c˜ c˜ao ao cient cie nt´´ıfica ıfic a da etnologia, mas n˜ao a o s˜ao ao sustentadas por nenhuma pr´ atica atica etnogr´ afica. a fica. Nem Nem Durkheim (cujo pensamento vai impregnar profundamente a antropologia inglesa), nem L´evy-Bruhl evy-Bruhl efetuaram qualquer observa¸ c˜ao. a o. O pr´ pr´ oprio oprio Mauss, que ´e paradoxalmente par adoxalmente autor de uma excelente obra, obr a, manual de investiga¸ c˜ao ao etnogr´ afica (1967), nunca realizou uma investiga¸c˜ afica c˜ao ao no campo. Ser´ a preciso esperar os anos 30 para que uma verdadeira etnografia profissional comece a se constituir na Fran¸ca. c a. A prime primeir iraa miss˜ miss˜ ao a o de car´ ater ater cient´ cient´ıfico (a famosa ”Dacar-Djibuti”) ser´ a efetuada por Mareei Griaule e seus colaboradores em 1931. A partir da mesma ´epoca, epoca, Maurice Leenhardt, que permaneceu por mais de 20 anos na Nova Caledˆ onia onia como mission´ario ario protestante, empreendeu trabalhos (1946, 1985) que podem ser qualificados de pioneiros, enquanto Paul Rivet passava a ser um dos principais artes˜ aos aos da organiza¸c˜ cao a˜o da antropologia antropologia no nosso pa´ pa´ıs. A partir dessa ´epoca, epoca, mas s´o a partir dela, pode-se considerar que, com o impulso especialmente dos homens que acabamos de citar, a antropologia francesa entrou em sua maturidade. A partir desse momento, as pesquisas foram prosseguindo, estendendo o aprofundando-se em um ritmo ininterrupto. Seria dif´ dif´ıcil, principalmen principalmente te em algumas frases, caracterizar caracterizar os desenvol desenvolvivimentos propriamente contemporˆ aneos dessa pesquisa francesa, cuja riqueza aneos n˜ao ao tem mais nada a invejar dos Estados Unidos ou da Inglaterra. Lembremos apenas aqui alguns aspectos relevantes:
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as preocupa¸c˜ coes o˜es te´ oricas oricas dos antrop´ ologos franceses que aparecem parologos ticularmente quando confrontamos seus trabalhos (e debates) a` pr´atica atica da antropologia anglo-saxˆ onica, onica, freq¨ uentemente uentem ente mais emp´ emp´ırica; um objeto de predile¸ c˜ cao a˜o que ´e o estudo es tudo dos d os sistemas sist emas de d e ”representa ”rep resenta¸ c˜ ¸oes” oes”
Clozel e Delafosse estudaram no in´ in´ıcio do s´ eculo eculo o sistema jur´ jur´ıdico das popula¸c˜ coes o˜es do Sud˜ Sud˜ ao. a o. O segu segund ndoo se torno tornou u prof profes esso sorr na Escol Escolaa Colo Coloni nial al.. dire direto torr da Revue Revue d’Ethnographie e co-fundador do Institu´ Institu´ı d’Ethno-logie de Paris (1924). Publicou notadamente Les Noirs de 1’Afrique e L’Ame N`egre egre (1922). Entre os pioneiros desse africanismo francˆ es es principiante, conv´ em em lembrar os noves de Tauxier, Monteil, Labouret, que s˜aaoo administradores coloniais eruditos, e sobretudo ]unod, mission´ario ari o da Su´ı¸ ı¸ca ca romanche
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(particularmente a religi˜ ao, a mitologia, a literatura de tradi¸c˜ ao, cao a˜o oral), termos que devemos a Dur-kheim, enquanto L´evy-Bruhl evy-Bruhl j´ a se interessava pelo que chamava de ”mentalidades”; •
uma renova¸c˜ cao a˜o metodol´ ogica, com o impulso especialmente: ogica,
1) do estruturalismo (do qual L´evi-Strauss evi-Strauss ´e evidentemente o representante mais ilustre), ilustre), 2) de pesquisas conduzidas dentro da perspectiva do marxismo;
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6.3
um crescimento crescimento muito recente, mas apoiado em uma s´ olida olida tradi¸c˜ cao, a˜o, da etnografia, da museografia museografia e da etnologia etnologia da pr´ opria sociedade francesa, em suas diversidades e muta¸c˜ c˜oes. oes.
Os Cinco P´ olos olos Te´ oricos Do Pensamento oricos Antropol´ ogic ogico o Conte Contemp mpor orˆ ˆ aneo aneo
´ para essa que finalmente Uma terceira via deter´a mais nossa aten¸c˜ c˜ao. ao. E optaremo optaremos, s, e ´e a partir partir dela dela que se organiz organizar´ ar´ a a segunda parte desse livro. Pareceu-nos que, desde sua conslitui¸c˜ cao a˜o enquanto disciplina de voca¸c˜ cao a˜o 4 cien ci entt´ıfica ıfi ca,, a antropologia oscila entre v´ arios arios p´olos olos te´ oricos oricos que aparecem freq¨ uentemente como exclusivos uns dos outros, mas s˜ uentemente ao ao de fato pontos de vista diferentes sobre a mesma realidade. Tentaremos, portanto, dar conta do desenvolvimento contemporˆ aneo aneo da antropologia, n˜ao ao nos colocando mais do lado dos territ´ orios orios particulares (territ´orios orios tem´aticos aticos como a antropologia econˆ omica, a antropologia religiosa, a omica, antropologia urbana), nem do lado das colora¸c˜ coes o˜es nacionais, explicativas das tendˆencias encia s culturais cultu rais da pr´ atica atica dos pesquisadores, p esquisadores, mas do lado dos m´etodos etodos de investiga¸c˜ cao. a˜o. A pluralidade dos modelos mobilizados e utilizados n˜ao a o tem, a meu ver, nada de desvan desvantajoso tajoso.. E seria errˆ oneo atribuir exclusivamente a impress˜ oneo ao ao de cacofonia que d˜ ao ao freq¨ uentemente os congressos e reuni˜ uentemente oes oes de antrop´ ologos ologos 4
As funda¸c˜ c˜oes oes antropol´ogicas ogicas de Morgan, o aperfei¸coamento coamento de instrumentos de investiga¸c˜ c˜ao ao verdadeiramente etnogr´aficos aficos com Boas, Rivers e Malinowski, a elabora¸c˜ ao ao de um quadro de referˆ encia encia conceitual com Mauss e Durkheim
´ ´ ´ ˆ 6.3. OS CINCO CINCO P OLOS TE ORICOS DO PENSAMENTO ANTROPOLOGICO CONTEMPORAN a uma imaturidade cient´ cient´ıfica e ao car´ ater ainda principiante de nossa disciater plina. plina. Nov Novament amente, e, procurand procurandoo estudar estudar a plurali pluralidade dade,, seria seria o c´ umulo se a antropologia n˜ ao ao fosse ela mesma ”plural”. A pluralidade ´e pelo contr´ contrario a´rio para mim, uma das garantias (n˜ ao a o a unica u ´ nica evidentemente, pois pode haver pluralidade de dogmatismos e ortodoxias) de que nossas pesquisas aceitam sujeitar-se a cr´ cr´ıticas rec´ rec´ıprocas e passar por processos de invalida¸ invalida¸ c˜ao a o (cf. K. Popper, 1937), cada um dos modelos te´ oricos sendo apenas uma perspectiva oricos sobre o social e n˜ ao a o o pr´ oprio oprio social. Em As Palavras e as Coisas, Michel Foucault distingue o que ele chama de trˆ tr ˆes es ”reg ”r egi˜ i˜oes oes epistemol´ogicas”, ogicas”, em torno tor no das quais se constitu´ constitu´ıram, a partir part ir do s´eculo eculo XIX, os diferentes difer entes saber sa beres es positivos p ositivos sobre o homem: home m: a biologia, biol ogia, ciˆencia encia do ser vivo; a economia, ciˆencia encia da produ¸c˜ cao a˜o e das rela¸c˜ coes o˜es de produ¸c˜ cao; a˜o; a filologia, ciˆencia encia da linguagem lingua gem e de suas diversas d iversas express˜ oes oes (mitologias, literaturas, tradi¸c˜ c˜oes oes orais. . .). Mais precisamente, diz Foucault: •
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a biologia biologia ´e o estudo das fun¸ c˜ c˜oes o es do homem nas suas regula¸c˜ c˜oes o es fisiol´ogicas ogicas e nos seus processos de adapta¸c˜ cao, a˜o, bem como o estudo das normas reguladoras dessas fun¸c˜ coes; o˜es; a economia ´e o estudo dos conflitos entre o homens, a partir das rela¸ c˜oes oes sociais do trabalho, bem como das regras que permitem controlar esses conflitos; a filologia filologia ´e o estudo do sentido sentido que elaboramos em nossos discursos, bem como do d o sistema que constitui co nstitui sua coerˆencia. encia.
A ”regi˜ao”biol´ ao”biol´ogica, ogica, considera Foucault (1966), encontra um de seus prolongamentos no campo psicol´ ogico que estuda nossos processos neuromotoogico ` res, mas tamb´em em nossa aptid˜ ao em elaborar fantasias e representa¸c˜ ao c˜oes. oes. A ”regi˜ao”econˆ ao”econˆomica omica pertence o campo sociol´ ogico que explora as rela¸c˜ ogico c˜oes oes de poder. poder. Final Finalmen mente te,, a ultima u´ltima regi˜ao ao vai dar lugar ao espa¸co co ling¨ u´ısti ıs tico co,, as a`s disciplinas que chamamos hoje h oje de ciˆencias encias da comunica¸ c˜ cao, a˜o, que se d˜ ao ao como objeto a an´alise alise de todas as manifesta¸c˜ c˜oes oes escritas, orais e gestuais. O que ´e importan importante te notar, notar, ainda ainda de acordo acordo com o autor autor de /ls Palavra Palavrass e as Coisas Coi sas,, ´e: e: 1) o car´ ater inconsciente das normas, das regras e dos sistemas, em rela¸c˜ao ater as `as fun¸c˜ coes, o˜es, aos conflitos e as `as significa¸c˜ coes; o˜es; 2) o fato de que esses diferentes pares conceituais (fun¸c˜ c˜ao/norma, ao/norma, conflito/regra,
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sentido/sistema) podem deslocar-se para fora dos territ´ orios orios nos quais apareceram. Assim, por exemplo, o estudo do social tende a apreender o homem em termos de regras e conflitos. Mas tamb´em em pode p ode ser conduzido a partir dos conceitos de fun¸c˜ coes o˜es e normas (Durkheim, Malinowski) ou a partir do sentido e do sistema (Griaule, L´evi-Strauss). evi-Strauss). Dispondo dessa orienta¸c˜ c˜ao, ao, o que procurarei mostrar agora, falando em meu nome pessoal, pes soal, ´e que: 1) o objeto da antropologia antropologia ´e t˜ ao ao complexo que n˜ ao ao podia dotar-se de um unico u ´ nico modo de acesso acesso sem correr o risco risco do esp´ esp´ırito ırito de ortodox ortodoxia. ia. E efetivamente, tivamente, no per´ per´ıodo de aproximadamente meio s´eculo eculo que estudaremos, veremos nossa disciplina utilizando sucessiva ou simultaneamente v´arios arios modos de acesso. 2) a reflex˜ao ao antropol´ ogica ogica n˜ao a o pode deixar de lado o conceito de inconsciente, forjado no ambito aˆmbito do discurso psicanal´ psicanal´ıtico, mas do d o qual este est e n˜ ao ao tem evidentemente o monop´ olio o lio.. Some Somen nte o car´ car´ ater inconsciente das normas, ater regras e sistemas sistemas nos permite p ermite compreender que a partir dos trˆes es campos do saber determinados determinados por p or Michel Foucault Foucault estaremos confrontados confrontados com pesquisas etnol´ogicas ogicas de car´ ater ater emp´ emp´ırico e a pesquisas p esquisas preocupadas pr eocupadas da constru¸ co nstru¸ c˜ao de seu objeto obje to cient´ cient´ıfico; o qual nunca ´e dado, d ado, e sim conquistado, co nquistado, sendo por assim dizer arrancado da percep¸c˜ c˜ao ao consciente imediata tanto dos atores sociais quanto das observadoras do social. Levando Levando em conta o que foi dito, parece a meu ver poss´ poss´ıvel ıvel localizar cinco p´olos olos em torno dos quais a antropologia oscila constantemente. 1) A antropologia simb´olica. olica. Seu objet o bjetoo ´e essa e ssa regi˜ reg i˜ ao da linguagem que chaao mamos s´ımbolo e que ´e o lugar de m´ ultiplas ultiplas significa¸c˜ c˜oes, oes,5 que se expressam em especial atrav´es es das religi˜ oes, das mitologias e da percep¸c˜ oes, cao a˜o imagin´aria aria do cosmos. cosmos. Esse primeiro primeiro eixo da pesquisa pesquisa caracteriza caracteriza-se -se mais, como vereveremos, por um tipo de preocupa¸c˜ coes o˜es do que por um m´etodo etodo propriamente dito. Trata-se de apreender o objeto que se pretende estudar do ponto de vista do sentid sentido. o. O que significam significam as institu institui¸ i¸c˜ coes o˜es ou os comportamentos que encontramos tramos em tal sociedade? sociedade? O que se pode dizer a respeito respeito daquilo daquilo que uma sociedad soc iedadee express ex pressaa atrav´ at rav´es es da d a l´ ogica ogica de seus discursos?
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Sobre a defini¸c˜ c˜ao ao antropol´ogica ogica do s´ımbolo, autorizo-mo a indicar meu livro t.es 50 Mots Cl´ es es de /’Anthropologie. Toulouse. Privai, Privai, 1974.
´ ´ ´ ˆ 6.3. OS CINCO CINCO P OLOS TE ORICOS DO PENSAMENTO ANTROPOLOGICO CONTEMPORAN 2) A antro antropol pologi ogiaa socia social. l. Seu objeto objeto situa situa-s -see clara clarame ment ntee no campo campo episepistemol´ogico ogico oriundo oriundo da economia economia (cf. acima acima M. Foucault) oucault).. Nada Nada distin distingue gue realmente seu territ´ orio orio do territ´ orio orio do soci´ologo o logo.. Um dos concei conceitos tos operat´ orios orios a partir do qual essa perspectiva persp ectiva de in´ in´ıcio se instaurou, ´e o de fun¸ c˜ao ao (Malinowski, (Mali nowski, mas tamb´ t amb´em em Durkhei Du rkheim), m), freq f req¨ u¨entemente ligado ao estudo dos uentemente ´ um eixo processos de normaliza¸c˜ cao a˜o destas fun¸c˜ coes o˜es (= as institui¸c˜ c˜oes). oes). E de pesquisa que n˜ao ao se interessa diretamente para as maneiras de pensar, conhecer, sentir, expressar-se, em si, e mais para a organiza¸c˜ c˜ao ao interna dos grupos, a partir da qual podem ser estudados o pensamento, o conhecimento, a emo¸c˜ cao, a˜o, a linguagem. Qual a finalidade de tal institui¸c˜ cao? a˜o? Para que serve tal costume? A que classe social pertence aquele que tem tal discurso, e qual ´e o n´ıvel ıve l de integ int egra ra¸c˜ c¸ao a˜o dessa classe na sociedade global? 3) A antropol antropologia ogia cultural cultural.. Seja o modelo modelo utilizad utilizado, o, biol´ biol´ ogico, psicol´ogico ogico (Kardiner, 1970), ou ling¨ u´ıstico ıstic o (Sapir, (Sap ir, 1967), 1967) , ´e uma antropologi antrop ologiaa freq¨ frequente¨ mente emp´ emp´ırica, que se situa do lado da fun¸ c˜ cao a˜o ou, mais ainda, do sentido, em detrimen detrimento to da norma norma e do sistema. sistema. Mas o que permite permite essenci essencialm almen ente te caracter cara cterizar izar essa tendˆencia encia de nossa disciplina discip lina ´e o crit´erio erio da continuidade continuida de ou descontinuidade entre a natureza e a cultura de um lado, e entre as pr´ oprias culturas, de outro. a) Enquanto En quanto autores como Bateson Bat eson ou L´evi-Strauss, evi-Strauss, de quem falaremos falaremo s adiante, esfor¸cam-se cam-se em pensar a continuidade (ou, mais exatamente, no caso de L´evi-Strauss, evi-Strauss, a articula¸c˜ cao) a˜o) entre a ordem da natureza e a da cultura, os que chamamos ”aculturalistas”, com autores de quem est˜ ao, a o, no que diz respeito ao essencial, muito afastados, como Evans-Pritchard ou Devereux, privilegiam claramente a solu¸c˜ c˜ao ao da descontinu descontinuidade. idade. b) Enquanto um grande n´ umero umero de antrop´ ologos salienta a universalidade ologos da cultura (para Morgan, as sociedades s´ o s˜ao ao pens´aveis aveis porque pertencem a um tronco comum, para Malinowski, h´a u uma ma permanˆ per manˆencia encia das fun¸c˜ coes, o˜es, e para Devereux uma ”universalidade da cultura”), os culturalistas mais uma vez, sobretudo a respeito disso, privilegiam a des-continuidade, isto ´e a coerˆencia encia interna e a diferen¸ca ca irredut irred ut´´ıvel de d e cada c ada cultura. cultu ra. c) A antropologia estrutural e sistˆ sistˆemica. emica. Estudaremos Estudaremos aqui n˜ ao s´o uma, mas v´arias arias correntes do pensamento antropol´ ogico. Uns utilizam um modelo ogico. psicanal´ psicanal´ıtico; outros um modelo mo delo provenien p roveniente te do que Foucault designa de signa como c omo o campo epistemol´ogico ogico da economia (Mauss elabora, como vimos, as regras explicativas da troca); outros finalmente, os mais numerosos, escolhem um modelo ling¨ u´ıstico ıst ico,, matem´ mat em´atico, atico, cibern´etico etico (L´evi-Strauss, evi-Strauss, Bateson). Mas
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qualquer que seja o modelo adotado, ele realiza uma passagem do consciente para o inconsciente: passagem da fun¸c˜ cao a˜o para a norma (Roheim), do conflito para a regra r egra (Mauss), do sentido se ntido para o sistema (L´evi-Strauss). evi-Strauss). Enquanto nos situ´ avamos por exemplo do lado da fun¸c˜ avamos cao, a˜o, o alteridade sempre corria o risco de ser considerada (e rejeitada) no espa¸co co da extraterritorialidade: ao lado, fora. isto ´e, e, para sempre diferente. diferente. Assim, Assim, para a psicologia pr´e-freudiana, e-freudiana, o normal e o anormal n˜ ao ao tˆem em nada em comum. comum. Para a etnologia de L´evy-Bruhl evy-Bruhl (1933), existe uma ”mentalidade primitiva”exclusiva primitiva”exclusiva de tudo que ´e pr´ oprio oprio do homem da l´ogica. ogica. Para Griaule, finalmente (1966), ´ as `as institui¸c˜ c˜oes oes e mitologias plenamente significantes da Africa tradicional, op˜oe-se oe-se a insign insignific ificˆ ancia aˆncia do Ociden Ocidente te industria industrial. l. Inve Invers˜ rs˜ ao ao de perspectiv perspectivaa neste caso, em rela¸c˜ cao a˜o ao anterior, mas que se inscreve no mesmo horizonte epistemol´ogico. ogico. Ao contr´ contr´ ario, quando a atividade epistemol´ ario, ogica ogica come¸ca ca a situar-se do lado da norma (e n˜ao ao mais da fun¸c˜ cao), ˜ao), da regra (e n˜ ao ao mais do conflito), do sistema (e n˜ ao ao mais do sentido), n˜ao ao ´e mais mai s poss po ss´´ıvel pensa pe nsarr que os doentes mentais s˜ ao ”loucos”, a ”mentalidade primitiva”, ”absurda”, e os ao mitos ”insignifican ”insignificantes”. tes”. O que desmorona, desmorona, ent˜ ao, ao, ´e a perti pe rtinˆ nˆencia enc ia dos pares par es antinˆ o-micos do normal e do patol´ o-micos ogico, ogico, do l´ogico ogico e do il´ogico, ogico, do sentido e do n˜ao-sentido. ao-sentido. Se insistimos tanto desde j´a sobre esse quarto p´olo olo da pesquisa, ´e porque, com ele, o campo epistemol´ ogico do sabei sobre o homem muda radicalmente ogico pela segunda segunda vez desde desde o final do s´ eculo eculo XVIII (cf. p. 53 deste livro) livro).. E ´e, e, de fato, em torno das obras de Freud (o inconsciente inconsciente explicativo explicativo do consciente), ciente), Saussure, Saussure, e depois Jakobson Jakobson (a l´ıngua explicativ explicativaa da palavra), palavra), de L´evi-St evi-Straus rausss e dos estrutur estruturali alistas stas (a prio ridade ridade dada ao sistema sistema sobre sobre o sentido), que se reorganizar´ a o conhecimento antropol´ ogico ogico contemporˆ aneo. aneo. Na antropo logia psicanal psicanal´ıtica, como na antropologia antropologia estrutural, estrutural, estima-se estima-se que al´ em em da surpreendente surpreendente diversidade diversidade das forma¸ c˜oes oes psicol´ogicas o gicas ou das produ¸c˜ coes o˜es culturais localizadas a n´ıvel emp´ırico ırico existe o que Bastian j´ a chamava mava de ”unidade ”unidade ps´ ps´ıquica da humanidade”. humanidade”. Mas esta deve doravante doravante ser pensada, n˜ ao ao mais ao n´ıvel das significa¸ signifi ca¸c˜ c˜oes oes vividas vivi das,, mas ao n´ıvel do sistem sis temaa (inconsc (inconscien iente). te). Uma das princip principais ais quest˜ oes oes que se colocar´a ent˜ao ao ´e a seguinte: guinte: quais quais s˜ao ao as estruturas estruturas inconscient inconscientes es do esp´ esp´ırito que atuam, tanto nas formas elementares e complexas do parentesco, quanto no mito, na obra de arte?. . . 5) A antropologia dinˆamica. a mica. Reuni Reunimo moss ness nessee termo termo um eixo eixo da pesqu pesquis isaa antropol´ogica ogica contemporˆ contemporˆ anea que se situa no horizonte do que Foucault6 anea chama de campo sociol´ o gico, e que procura estudar as rela¸c˜ ogico, c˜oes o es de poder.
´ ´ ´ ˆ 6.3. OS CINCO CINCO P OLOS TE ORICOS DO PENSAMENTO ANTROPOLOGICO CONTEMPORAN As interroga¸c˜ c˜oes oes dos autores dos quais trataremos n˜ ao ao est˜ ao ao distantes das da sociologia, e alguns inclusive preferem qualificar-se de sociol´ ogos. o gos. Uma Uma das caracter´ caracter´ısticas de suas contribui¸ c˜ c˜oes oes para a antropologia do s´eculo eculo XX, e mais especificamente, especificamente, da segunda metade do s´eculo eculo XX, consiste, consiste, a meu ver, em reorientar a antropologia social, operando uma ruptura total com o funcionalismo em seus pressupostos, ao mesmo tempo a hist´ oricos oricos (sociedades im´oveis oveis que podem ser estudadas como se a coloniza¸c˜ c˜ao a o n˜ ao ao existisse) e finalistas (institui¸c˜ coes o˜es visando visando satisfaz satisfazer er as necessi necessidade dades). s). Pa Para ra esses esses autores, pelo contr´ ario, ari o, conv´em em n˜ao ao isolar essa area a´rea particular do homem que seria a hist´oria. oria. Esta ´e parte integrante integrante do campo antropol´ antropol´ ogico. ogico. Po Porr isso, as quest˜oes oes colocada colo cadass s˜ ao ao as seguintes: qual ´e a dinˆ amica amica de tal sistema social? De onde vem? Quais s˜ao ao as modalidades modalidades atuais de suas transforma¸ transformac˜ c¸˜oes? oes? Esses cinco p´olos olos em torno dos quais se organiza a antropologia contemporˆanea anea n˜ ao ao tˆem em nada de exclusivo. S˜ ao ao tendˆencias encias de pesquisa que podem po dem coexistir dentro de uma mesma escola de pensamento, ou mesmo de um unico ´ 7 pesquisador. A escolha da pieeminˆ pieeminˆencia encia do que Devereux Devereux (1972) chamou de motivo motivo operante (ou modelo epistemol´ ogico principal, constitutivo da abordagem adoogico tada) – o qual pode ser exclusivo (ou n˜ao) ao) do lugar concedido a um motivo instrumental (ou modelo de investiga¸c˜ cao a˜o complementar) –explica os debates, ou at´e as discuss˜ discus s˜ oes, oes, a que assistimos n˜ao ao apenas entre disciplinas, mas tamb´em em dentro de uma mesma disciplina. A incompreens˜ incompree ns˜ ao ao entre os pesquisadores pode se tornar total, se estes n˜ ao ao tiverem t iverem plena p lena consciˆ consc iˆencia encia do falo fa lo de que efetuam respectivamente escolhas metodol´ ogicas, que constituem diverogicas, sas perspectivas persp ectivas poss p oss´´ıveis visando dar conta de um mesmo objeto ob jeto emp´ emp´ırico. 7
Assim, Assim, por exemplo, o come¸co co da obra de Malinowski aparece como muito pr´oximo oximo da antropologi antropologiaa cultural. cultural. Evidencian Evidenciando do a especificida especificidade de da sociedade sociedade trobriande trobriandesa sa (1963), (1963), e ´ afirmando em seguida a n˜ao-existˆ ao-existˆencia encia do complexo complex o de Edipo nessa popula¸c˜ c˜ao ao melan me lan´´esia esi a (1967-1970), exerceu uma influˆ encia encia evidente (cf.. por exemplo, Kardiner, 1970) sobre os cultur culturali alista stass ame americ ricano anos. s. Mas. Mas. no final de sua vida vida (1968h (1968h a unive universa rsalid lidade ade da fun¸ fun¸c˜ c˜aaoo superou finalmente finalmente a particular particularidade idade das culturas. culturas. Consideran Considerando do agora a obra de L´ evieviStrauss, esta situa-se, se a examinarmos do ponto de vista- dos objetos preferencialmente estudados (os mitos), do lado do que chamamos de antropologia simb´olica. olica. Mas seu seu projeto diz respeito `a antropologi antropologiaa social (´ e o nome do laborat´ orio orio que L´evi-Strauss evi-St rauss chefiou no Coll`ege ege de Francel e sua abordagem abord agem pertence pert ence evidentemente evidentem ente (e ´e at´ a t´e constitutiva constit utiva dele) d ele) ao quarto eixo de pesquisa definido acima. Existem portanto afinidades entre, por exemplo, a antropologia cultural e a antropologia funcional (Malinowski), entre a antropologia estrutural e a antropologia dinˆamica amica (Godeli (Godelier. er. 197 1973). 3). Em compe compensa nsa¸¸c˜ c˜ao, ao, ´e dif´ dif´ıcil imaginar como se poderia conciliar uma antropologia baseada na no¸c˜ cao ˜ao de integra¸c˜ cao a˜o social (Malinowski) e uma antropologia de orienta¸c˜ c˜ao ao dinˆamica amica (Balandie ( Balandier) r) ou psicanal´ıtica ıtica (Devereux). (Devereux) .
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˜ CAP ´ITULO ITU LO 6. INTRODUC INTRO DUC ¸ AO:
Esse problema diz respeito em especial a` quest˜ao ao da transferˆencia encia dos modelos em antro pologia. Estes podem ser, por exemplo, biol´ ogicos ogicos (Spencer. Comte, Malinowski), hist´ oricos oricos (Morgan), ling¨ u´ısticos ou. como se diz hoje, hoje , ”informacionais”(a antropologia estrutural e sistˆemica emica referindo-se as ` no¸c˜oes de mensagens, c´odigos odigos e programas), programas), psicol´ psicologicos o´gicos (a introdu¸c˜ cao a˜o dos conceitos de inibi¸c˜ cao, a˜o, repress˜ ao ao e sublima¸c˜ cao a˜o para pensar p ensar o social). Conv´ Conv´em, em, se quisermos escapar daquilo que ´e freq¨ uentemente apenas um di´ uentemente alogo alogo de surdos, nunca esquecer que se trata somente de modelos, isto ´e, de instrumentos instrumentos da pesquisa que visam explicar o real, mas n˜ao ao pode p odem m subsiitu´ subs iitu´ı-lo, ı-lo, pois p ois este, es te, em em termos term os cient´ cient´ıficos, s´ o pode ser, segundo a express˜ ao de Bachelard, ”aproxiao mado”.
Cap´ıtulo 7 A Antropologia Dos Sistemas Simb´ olicos olicos Foi a antropologia que se empenhou essencialmente em mostrar a l´ ogica ogica precisa dos sistemas de pensamento mitol´ ogicos, ogicos, teol´ogicos, ogicos, cosmol´ogicos, ogicos, que s˜ao ao os das sociedade sociedadess qualifi qualificada cadass de ”tradicion ”tradicionais ais”. ”. Toda uma corrente corrente de pesquisas aparece na Fran¸ca, ca, particularmen particularmente te representativ representativaa dessas preocupa¸c˜ coes: o˜es: ´e a que, a partir dos anos 30, leva Mareei Griaule e seus colaboradores a efetuar estudos sistem´ aticos, primeiro da mitologia dos Dogons, e aticos, depois, da religi˜ao ao dos Bambaras Bambaras.. Esses Esses trabalhos trabalhos1 v˜ao ao marcar duradouramente, n˜ao ao apenas o africanismo francˆes, es, mas tamb´em em a pr´ atica atica etnol´ ogica ogica dos pesquis pesquisado adores res france franceses ses.. Deix Deixan ando do de lado, lado, por assim assim dizer, dizer, a comcompreens˜ao a o das rela¸c˜ c˜oes o es de poder entre os diferentes protagonistas de uma sociedade (assunto da antropologia social, de que trataremos no pr´ oximo oximo cap´ cap´ıtulo), estes orientam sua aten¸c˜ c˜ao ao para os seguin seguintes tes aspectos: aspectos: o estudo das produ¸c˜ coes o˜es simb´olicas olicas (artesanato), a literatura de tradi¸c˜ cao ˜ao oral (mitos, contos, lendas, prov´ erbios. erbios. . .) e dos instrumentos atrav´es es dos quais essas produ¸c˜ coes o˜es se constituem (particularmente as l´ l´ınguas); o estudo da l´ ogica ogica dos saberes (filos´oficos, oficos , religio r eligiosos, sos, art´ art´ısticos, ıstico s, cient c ient´´ıficos) existentes exist entes num grup g rupoo (o (o que abre o caminho para uma antropologia do conhecimento e para o que hoje qualificamos qualificamos de ”etnociˆ ”etnociˆencias”). encias”). em suma, de tudo que Griaule e seus sucess sucessor ores es chama chamam m de ”filoso ”filosofia” fia”da dass sociedad sociedades es dogon, dogon, bamba bambara. ra. . . tal como se expressa atrav´es es dos mitos e est´ orias tradicionais, da m´ orias usica, usica, dos cantos, dan¸cas, cas, m´ascaras ascaras e outros objetos culturais. Para o conjunto dos etn´ ologos, e para Griaule em especial, esse pensamento ologos, 1
Cf., Cf., por exemplo, exemplo, M. Griaul Griaulee (1938, (1938, 1966). 1966). G. Dielerlc Dielerlcn n (1951, (1951, 1972), D. Paulm Paulme, e, 1962), M. Griaule e G. Dieterlen (1965). D Zahan (1960, 1963), G. Calame-Griaule (1965). etc.
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´ 88 CAP ´ITULO 7. 7. A ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA DOS SISTEM SISTEMAS AS SIMBOLICOS simb´ olico olico e as pr´aticas aticas rituais a ele relacionados2 e que constituem com ele o patrimˆonio onio do grupo, n˜ ao ao se caracterizam apenas por sua profunda profu nda coerˆ co erˆencia encia – os sistemas sistemas de correspondˆ correspondˆencia encia extremamente extremamente precisos entre os vivos vivos e os mortos, o homem e o animal, a natureza e a cultura. . . S˜ao ao elabora¸c˜ c˜oes oes grandiosas, de uma complexidade e riqueza inestim´aveis. aveis. E ´e precisamente precisamente esse esplendor esplendor e essa grandeza (dos mitos, ritos, m´ ascaras. . .) que que acabam acabam impond impondoo-se se ao obser observ vador ador ocide ocident ntal al,, e que que far˜ farao ˜ em especial, das fal´ esias esias de Bandiagara Bandiagara (Mali) e de seus habitantes (os Dogons), ap´os os os ´ındios, ındios, os abor´ abor´ıgines australianos australianos e os trobriandeses, trobriandeses, um dos mais importantes lugares da antropologia. Como estamos longe do tempo era que Morgan considerava que ”todas as religi˜oes oes primit primitiv ivas as s˜ ao ao grotescas e de alguma forma inintelig inintelig´´ıveis”. ıveis”. Mas como estamos longe tamb´ em em das aprecia¸c˜ c˜oes oe s que qu e s˜ao ao no entanto as de muitos pesquisadores contemporˆ aneos de Griaule. De Frazer, por exemplo, que, aneos interrogando-se sobre os mitos e as pr´ aticas rituais aos quais havia no enaticas tanto tanto dedicado dedicado sua vida, vida, escrev escreve: e: ”loucur ”loucuras, as, v˜ aos esfor¸cos, cos, tempo perdido, esperan¸cas cas frustradas”. Ou de L´evy-.Bruhl, evy-.Bruhl, que anota em seus Carnets: os mitos s˜ao ao ”est´ orias orias estranhas, para n˜ ao ao dizer absurdas e incompreens´ incompreens´ıveis”, ´ preciso um esfor¸co e acrescenta: ”E co para se interessar por eles”. Toda essa tendˆencia encia do pensamento antropol´ ogico de que procuramos aqui ogico dar conta coloca-se (a partir de observa¸ c˜ coes o˜es minuciosas) contra esses julgamentos. Da mesma forma, op˜ oe-se oe-se totalmente a` busca de uma determina¸c˜ c˜ao ao pela economia, que explicaria a fun¸c˜ cao a˜o dos mitos dentro do sistema social. As pr´aticas aticas simb´olicas olicas em quest˜ao ao n˜ao ao tˆem em de ser fundam f undamentadas entadas sociologi soc iologicacamente, pois s˜ao, ao, pelo contr´ario, ario, fundadoras da ordem c´ osmica osmica e social. social. S˜ ao ao elas que devem ser tomadas como fundamentais, se aceitarmos finalmente compreendˆe-las e-las de dentro, impregnando-nos impregnan do-nos de sua sabedoria, sab edoria, recolhendo o mais fielmente fielmente poss´ poss´ıvel ıvel o discurso discurso dos iniciados, iniciados, e n˜ ao ao projetando, de fora, categorias categorias caracteristicamente caracteristicamente ocidentais. ocidentais. Percebe-se Percebe-se ent˜ ao que o conjunto do edif´ıcio ıcio das sociedades africanas baseia-se b aseia-se numa filosofia filoso fia (cf., por exemplo, Tempels, 1949) e at´e numa ”ontologia”que comanda a concep¸ c˜ao a o toda que se tem do mundo e das rela¸c˜ c˜oes oes dos homens na sociedade. 2
O interesse para a ´area area dos mitos, dos ritos de inicia¸c˜ c˜ao, ao, da religi˜ao ao e da magia aparece como uma constante da antropologia francesa do conjunto do s´ eculo eculo XX. Cf. por exemplo Durkheim (1979), M. Mauss (1960), A. Van Gennep (1981), M. Leiris (1958), A. M´etraux etraux (1958), R. Bastide (1958), J. Rouch (1960), L. de Heusch (1971), C. L´ evi-Strauss evi-Strauss (1964), L. V. Thomas Thomas e R. Luneau Luneau (1975), (1975), G. Durand (1975), (1975), [. Favrct-Saa avrct-Saada da (1977), M. Aug´e (1982).
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Uma abordagem muito pr´ oxima orienta as pesquisas efetuadas por Mauoxima rice Leenhardt (um dos primeiros etn´ olo-gos franceses de campo, com Griolo-gos aule) na Nova Caledˆ o nia. Em Do Kamo, oni Kamo, a Pesso essoaa e o Mito Mito no Mund Mundoo Melan´esio esio (1985), (1 985), apresentado a presentado como um ”longo caminhar pelas trilhas canac anaques, atrav´es es do p pensamento ensamento dos do s insulares, insulare s, de sua no¸ n o¸ c˜ cao a˜o de espa¸co, co, de tempo, de sociedade, so ciedade, de palavra, de personagem”, Leenhardt considera que o mito ´e fundador da ”vida e da a¸c˜ cao a˜o do homem e da sociedade”. Cr´ıtic ıt icas as n˜ao ao faltaram a essa antropologia que tem de fato tendˆ encia encia a apreender as representa¸ representa¸c˜ c˜oes oes (religiosas, narrativas, art´ art´ısticas. . .) como uma area a´rea ”`a parte”. Dedicando Dedicando exclusivament exclusivamentee sua aten¸c˜ cao a˜o ao ”s´ot˜ ot˜ao”, ao”, deixando de se interessar pelo que acontece ”na adega”, ela efetua a reconstitui¸c˜ cao a˜o dos sistemas de pensamento e conhecimento em si pr´ oprios. oprios. As rela¸c˜ coes o˜es que estes mantˆem em com as rela¸c˜ c˜oes oes sociais, pol´ pol´ıticas, econˆ omicas da sociedade em um omicas determinado momento de sua hist´ oria oria s˜ao ao conside c onsideradas radas secund´ secun d´arias, arias, quando quand o n˜ao a o s˜ao ao pura e simples simplesmen mente te ocultadas. ocultadas. N˜ ao a o se pensa um s´ o instante, por exemplo, na hip´otese otese de que as sociedades tradicionais possam, como diz Althu Althusser sser,, ”ser ”ser movid movidas as a` ideologia” ideologia”.. Assim Assim sendo, sendo, o discurso discurso etnol´ etnologico o´gico tende a confundir-se com a teoria que a sociedade estudada elabora para dar conta de si pr´opria. opria. Trata-se rata-se evidente evidentemen mente te mais mais que de uma renova¸ renova¸ c˜ao: ao: de uma invers˜ao ao de perspectivas em rela¸c˜ cao a˜o a` arrogˆ ancia ancia dos julgamentos ocidentalocˆentricos entricos sobre sobr e o primitivo. Mas ser´ sera´ que essa abordagem que se limita a recolher as representa¸c˜ coes o˜es conscientes dos mais s´ abios abios entre os iniciados locais pode servir de explica¸c˜ c˜ao ao antropol´ ogica? ogica? O que q ue conv´em em destac des tacar ar ´e que q ue essa ess a tendˆ t endˆencia enc ia da etnolo etn ologia gia cl´ assica assica inscreve-se num projeto de reabilita¸c˜ c˜ao ao das formas de pensamento e express˜ ao a o que n˜ ao ao s˜ao ao as nossas. nossas. Mostra Mostra que, fora o saber cient cient´ıfico, ıfico, o unico ´ a beneficiar de uma plena legitima¸c˜ cao a˜o no Ocidente Oc idente do s´eculo eculo XX, existem outras formas de de conhecimento tamb´em em autˆenticas. enticas. Esse protesto para o direito a` exis ex istˆ tˆenci en ciaa de identidades culturais e espirituais (o que Senghor, por exemplo, chamar´ a de ”metaf´ ”metaf´ısica negra”), negadas pelas pr´ aticas coloniais e que coincide com aticas a descoberta de ”arte negra”, ´e profundamente profundamente subversiv subversivoo na primeira primeira metade do s´eculo eculo XX. Finalmente, Finalmente, se n˜ ao existe nenhuma teoria griauliana ao propriamente dita (retomamos mais uma vez o exemplo de Griaule porque ele nos parece o mais representativ representativoo dessa abordagem) ab ordagem),, n˜ao ao deixa de haver haver um ac´ umulo umulo de pesquisas extremamente aprofundadas que contribu´ contribu´ıram em dar a` etnologia e tnologia francesa seu prest´ prest´ıgio, um trabalho t rabalho consider´ avel avel sem o qual a antropologia provavelmente n˜ ao ao seria o que ´e hoje. ho je.
´ 90 CAP ´ITULO 7. 7. A ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA DOS SISTEM SISTEMAS AS SIMBOLICOS
Cap´ıtulo 8 A Antropologia Social: Os princ´ princ´ıpios da antropologia a ntropologia so cial, tal como se elabora especialmente na n a Inglaterra com o impulso de Malinowski e sobretudo de Radcliffe-Brown (1968), n˜ao ao deixam de lembrar os princ´ princ´ıpios da antropologia simb´ olica. Esta insistia, como acabamos de ver, na coerˆencia encia l´ ogica ogica dos sistema sistemass de pensamen pensamento. to. A antropologia antropologia social, por p or sua vez, come¸ ca ca destacando a coes˜ ao ao das institui¸c˜ c˜oes, oes, o car´ ater ater integrativo da fam´ fam´ılia, da moral, e sobretudo so bretudo da religi˜ r eligi˜ ao (Durkheim, 1979). Mas essas duas perspectivas s˜ ao ao muito diferen diferentes. tes. Essa Essa alterid alteridade ade da qual procurava-se mostrar o significado profundo (cap´ (cap´ıtulo anterior), e tamb´em em o valor inestim´avel, avel, pode po de ser se r tamb´ ta mb´ em em encontrada dentro de cada sociedade, t˜ao ao grande ´e a diferencia¸c˜ cao a˜o interna dos grupos sociais que comp˜ oem oem uma mesma cultura. Assim, se o interesse para os sistemas de representa¸c˜ c˜oes oes (mitologia, magia, religi˜ao. ao. . .) permanece permanece,, ´e para mostrar mostrar o lugar lugar e a fun¸ c˜ao ao que s˜ao ao seus dentro de um conjunto maior: a sociedade global em quest˜ ao. a o. O que qu e ´e ent˜ entao a˜o tomado como explicativo explicativo precisa ser explicado. A antropologia antropologia simb´ olica realiza em muitos aspectos uma redundˆ olica ancia sofisticada daquilo ancia que era dito pelos pr´oprios oprios fatores sociais, ou, mais precisamente, pelos deposit´ario a rioss hab habil ilit itado adoss do saber saber de uma uma parte parte do grupo. grupo. Pergu Pergunt ntamo amo-n -nos os agora: o que mostram, mas tamb´ tamb´em em dissimul dissimulam, am, esses discursos discursos suntuosos suntuosos que expressam menos a sociedade em sua realidade do que a sociedade em seu ideal? ideal? Assim, Assim, ao estudo da cultura cultura como sistema sistema de rela¸ rela¸ c˜ coes o˜es vividas, Malinowski, um dos primeiros, pede que se substitua o estudo da sociedade como sistema de rela¸c˜ c˜oes oes reais, que escapam aos atores atore s sociais: soc iais: ”Os ob jetivos sociol´ ogicos ogicos nunca est˜ ao ao presentes prese ntes no esp´ esp´ırito dos ind´ ind´ıgenas”. ıgena s”. O antrop´ a ntrop´ ologo ologo ´e que deve descobrir descobr ir as leis de funcionamento da sociedade. As produ¸c˜ c˜oes oes simb´ olicas olicas s˜ao ao simultaneamente produ¸c˜ coes o˜es sociais que sempre 91
CAP ´ITULO 8. A ANTRO ANTROPOLOG POLOGIA IA SOCIAL: SOCIAL:
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decorrem de pr´ aticas aticas sociais. N˜ao ao devem ser estudadas em si-, mas enquanto representa¸c˜ coes o˜es do socia social. l. Este Este ultimo u ´ ltimo termo, consagrado por Durkheim, vai exercer um papel consider´ avel, particularmente na constitui¸c˜ avel, cao a˜o de uma antropologia social da religi˜ao. ao. Quando se diz nessa perspectiva que a religi˜ ao ao (da mesma forma que a arte ou a magia) ´e uma ”representa¸ c˜ao”, ao”, sublinha-se que n˜ao ao se deve atribuir-lhe nenhuma existˆencia encia autˆ onoma onoma pois est´ a vinculada a uma outra coisa, capaz de explic´ a-la a -la:: as rela¸ rela¸c˜ c˜oes o es de produ¸c˜ c˜ao, a o, de parentesco, as rela¸c˜ coes o˜es entre faixas de idade, entre grupos sexuais, todos estes n´ıveis de realidade, mas que s˜ ao ao sempre rela¸c˜ coes o˜es de poder encontrando ao mesmo tempo sua express˜ ao ao e sua justifica¸c˜ cao a˜o nesse saber integrativo e 1 totalizante tota lizante por po r excelˆencia encia que ´e a religi˜ religiao. a˜o. Uma outra caracter´ caracter´ıstica desse segundo eixo e ixo de pesquisa, estreitamente vinculada ao que acabamos de dizer, merece ser sublinhada: sublinhada: um certo n´ umero de autores, e n˜ao ao dos menores (Radcliffe-Brown (1968), Evans-Pritchard (1969), ou ainda na Fran¸ca, ca, para o per´ per´ıodo contemporˆ aneo, Rogei Bastide (1970), aneo, Henri Henri Desroch Desrochee (1973), (1973), Georges Georges Balandi Balandier er (1974), (1974), Louis-V Louis-Vinc incent ent Thomas Thomas (1975)), recusam-se recusam-se a conceder uma pertinˆencia encia a` distin¸c˜ c˜ao ao entre a antropologi pologiaa socia sociall e a socio sociolo logi gia. a. A antro antropol polog ogia ia socia sociall n˜ ao ao ´e profundame profu ndamente nte ´ diferente da sociologia, considera Radcliffe-Brown. E uma ”sociologia comparativa”. Evans-Pritchard, por sua vez, (1969) escreve: ”A antropologia social deve ser considerada como fazendo parte dos estudos ´ um ramo da sociologia cujo estudo se liga mais especificasociol´ ogicos. E mente `as as sociedades primitivas”. Para ilustrar seu ponto de vista, diametralmente oposto ao de Mauss, esse autor utiliza o exemplo de um processo que confronta juizes, jurados, testemunhas, advogados advogad os e r´eu: eu: ”No dec decorrer orrer desse pro processo, cesso, os pensamentos pensamentos e sentimentos do d o r´eu, eu, do j´ uri e do juiz sc alterar˜ ao de acordo com o momento, assim como podem variar a idade, a cor dos cabelos e dos olhos dos diferentes protagonistas, mas essas varia¸c˜ coes ˜ n˜ ao s˜ ao de nenhum interesse, pelo menos imediatamente, para 1
Estamos apenas dando conta, a partir do exemplo da religi˜ao, de uma op¸c˜ cao a˜o poss´ po ss´ıvel ıve l inscrevendo-se na abordagem da antropologia social. Cf., ainda nessa perspectiva (durkheimiana) mia na),, os trabalho trabalhoss de R. E. Brad-bur Brad-bury y e col. col. (1972) (1972) ou de M. Dougla Douglass (1971) (1971),, muito muito representativos da antropologia social britˆanica anica da religi˜ao. ao. Cf. tamb´ em, em, em uma perspectiva sensivelmente diferente, G. Balandier (1967) para quem a religi˜ao ´e a ”lingua ”li nguagem gem do pol´ pol´ıtico”, e, mais recentemente, recentemente, as cr´ cr´ıticas formuladas por M. Aug´ e (1979) quanto `a no¸c˜ cao ˜ao de ”representa¸c˜ c˜ao”. ao”.
93 o antrop´ oloogo. ol go. Este Este n˜ ao se interessa pelos atores do drama enquanto indiv´ di v´ıduo ıd uos” s”.. As rela¸ re la¸c˜ c˜oes oes entre a perspectiva antropol´ ogica ogica e a perspectiva persp ectiva psicol´ogica, ogica, prossegue Evans-Pritchard, podem ser formuladas nos seguintes termos: ”As duas disciplinas s´ o podem ser proveitosas uma a outra, e, nesse caso, extremamente proveitosas, se efetuarem independentemente suas respectivas pesquisas, seguindo os o s m´ etodos etodos que lhes s˜ ao pr´ oprios”. Estamos Estamos frente frente a uma abordagem abordagem tipica tipicamen mente te durkheim durkheimian iana. a. A tal ponto que, para muito muitoss autores autores americanos americanos (cf. em especial especial Lowie, Lowie, 1971), 1971), e notanotadamente dament e para pa ra os que qu e est˜ es t˜ao ao ligados li gados a` antropologia cultural, que examinaremos agora, a antropologia social n˜ao ao faz parte da antropologia, mas se inscreve no prolongamento da sociologia francesa.
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CAP ´ITULO 8. A ANTRO ANTROPOLOG POLOGIA IA SOCIAL: SOCIAL:
Cap´ıtulo 9 A Antropologia Cultural: A passagem da antropologia social (particularmente desenvolvida na Fran¸ca ca e mais ainda na Inglaterra) para a antropologia cultural (especialmente americana) corresponde a uma mudan¸ca ca fundamen fundamental tal de perspectiv perspectiva. a. De um lado, a antropologia se torna uma disciplina autˆonoma, onoma, totalmente independente dente da sociologi sociologia. a. De outro, dedica-se dedica-se uma aten¸ c˜ cao a˜o muito grande menos ao funcionamento das institui¸c˜ c˜oes oes do que aos comportamentos dos pr´ oprios oprios indiv´ıduos, ıduos , que s˜ao ao considerados reveladores da cultura a` qual pertencem. Quanto a isso, uma hist´ oria da antropologia como a de Kardiner e Preble oria (1966) – que est´ a longe de ser uma das melhores hist´ orias orias de nossa disciplina, mas essa n˜ao ao ´e a quest˜ que st˜ao ao – ´e muito caracter´ cara cter´ıstica ıstica dessa atitude atitu de americana. Trata tanto da personali p ersonalidade dade dos principais pesquisadores pesquisadores apresentados, quanto de suas id´eias. eias. J´ a de in´ in´ıcio, coloca o que ´e uma constante da pr´ atica atica antropol´ ogica ogica nos Estados Estados Unidos: Unidos: sua rela¸ relac˜ c¸˜ao ao a` psicologia e a` psican´alise. alise. Para compreender a especificidade dessa abordagem, freq¨ uentemente uentemente qualificada (de forma um pouco pejorativa) de ”culturalista”, parece-me importante especificar bem o significado dos conceitos de social e de cultura. O social ´e a totalidade totalidade das rela¸ c˜ c˜oes oes (rela¸c˜ c˜oes o es de produ¸c˜ c˜ao, ao, de explora¸c˜ c˜ao, ao, de domina¸c˜ c˜ao. a o. . .) que que os grupos grupos mantˆ mantˆ em e m entre entre si dentro dentro de um mesmo mesmo conjunto (etnia, regi˜ ao, ao, na¸c˜ cao. a˜o. . .) e para com outros outros conjuntos, conjuntos, tamb´ tamb´ em em hierarquizados. A cultura por sua vez n˜ao ao ´e nada mais que o pr´ oprio oprio social, mas considerado dessa vez sob o angulo aˆngulo dos caracteres distintivos que apresentam os comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem como suas produ¸c˜ coes o˜es originais origina is (artesanais, (artesan ais, art´ art´ısticas, religiosas. . .). A antropo antropologi logiaa social social e a antropol antropologia ogia cultura culturall tˆ em em portanto portanto um mesmo mesmo 95
CAP ´ITULO 9. A ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA CULTURAL CULTURAL::
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campo de investiga¸c˜ c˜ao. ao. Al´em em disso, d isso, utilizam utiliz am os o s mesmos me smos m´etodos eto dos (etnogr´ (etn ogr´ aficos) aficos) de acesso a este ob jeto. jeto. Finalm Finalmen ente, te, s˜ ao animadas por um objetivo e uma ao ambi¸c˜ c˜ao ao idˆenticos: enticos : a an´alise alise comparativa.1 Mas, o que se compara no primeiro caso ´e o social enquanto enquanto sistema de rela¸ c˜oes oes sociais, sendo que, no segundo, trata-se do social tal como pode p ode ser apreendido apreendido atrav´ atrav´es es dos comportamen portamentos tos particulare particularess dos membros membros de um determi determinado nado grupo: nossas nossas maneiras espec´ıficas, ıficas, enquanto e nquanto homens e mulheres de uma determinada cultura, de pensar, de encontrar, trabalhar, se distrair, reagir frente aos acontecimentos (por exemplo, o nascimento, a doen¸ca, ca, a morte). ´ dif´ E dif´ıcil dar uma defini¸c˜ c˜ao ao que seja absolutamente satisfat´ oria oria da cultura. Kroeber, um dos mestres da antropologia americana, levantou mais de 50. Propomos esta: a cultura ´e o conjunto dos comportamentos, saberes sa beres e saberfazer caracter´ caracter´ısticos ısticos de um grupo humano humano ou de uma sociedade so ciedade dada, sendo essas atividades at ividades adquiridas atrav´es es de um processo pro cesso de aprendizagem, e transtran smitidas ao conjunto de seus membros. Detenhamo-nos um pouco para sublinhar que, a nosso ver, apenas a no¸ c˜ c˜ao ao e cultura, ao contr´ ario ario da de sociedade, ´e estritamente estritamente humana. Da mesma forma que existe (isso n˜ ao ao ´e mais sequer discutido discutido hoje) um pensamento pensamento e uma linguagem linguage m nos animais, existem sociedades animais c at´e formas de sociso ciabilidade animal, que podem ser regidas por modos de intera¸c˜ cao a˜o antagˆ onicas onicas ou comunit´ comunit´ arias, bem como de modos de organiza¸c˜ arias, cao ˜ao complexos (em fun¸c˜ c˜ao ao das faixas de idade, dos grupos sexuais, da divis˜ao ao hierarquizada do trabalho. . .). Indo at´ at´e mais adiante adiante,, existe o que hoje n˜ ao a o se hesita mais em chamar de sociologia celular. Assim, o que distingue a sociedade humana da sociedade animal, e at´e da sociedade celular, n˜ ao ao ´e de forma alguma a transt ransmiss˜ao ao das informa¸c˜ coes, o˜es, a divis˜ao ao do trabalho, a especializa¸c˜ cao a˜o hier´ arquica arquica das tarefas (tudo isso existe n˜ ao apenas entre os animais, mas dentro de uma ao unica u ´nica c´elula!), elula!), e sim essa forma de comunica¸ c˜ cao a˜o propriamente cultural que se d´a atrav´es es da troca tro ca n˜ ao ao mais de signos e sim de s´ımbolos, ımbolos, e por elabora¸ c˜ao das atividades rituais aferentes a estes. Pois, pelo que se sabe, se os animais s˜ao ao capazes de muitas coisas, nunca se viu algum soprar as velas de seu bolo ´ a raz˜ao de anivers´ario. ario. E ao pela qual, se pode haver uma sociologia animal (e at´e, e, repetimo-lo, repetimo-lo, celular), celular), a antropologia antropologia ´e por sua vez especificamente especificamente humana. Fechemos aqui esse parˆentese, entese, que n˜ ao nos afasta de forma alguma do nosso ao prop´ osito, osito, mas, ma s, pelo p elo contr´ co ntr´ario, ario, define-o de fine-o melhor, melho r, e examinemos mais ma is adiante 1
Muito mais afirmada por´em em na antropologia cultural do que na antropologia social.
97 os tra¸cos cos marcantes dessa antropologia que qualifica a si pr´ opria opria de cultural. Deter-nos-emos em trˆes es deles, que est˜ ao, como veremos, estreitamente ligaao, dos entre si. 1) A antropologia cultural estuda os caracteres distintivos das condutas dos seres humanos pertencendo a uma mesma cultura, considerada como uma totalidade tota lidade irredut irred ut´´ıvel a` outra. outra. Aten Atenta ta as a`s descontinuidades (temporais, mas sobretudo espaciais), salienta salienta a originalidade originalidade de tudo que devemos devemos `a sociedade a` qual pertencemos. 2) Ela conduz essa pesquisa a partir da observa¸c˜ cao a˜o direta dos comportamentos dos do s indiv´ıduos, ıduos, tais como se elaboram em intera¸ c˜ c˜ao a o com o grupo e o meio no qual nascem e crescem estes indiv´ indiv´ıduos. Procurando compreender a natureza dos processos de aquisi¸c˜ cao a˜o e transmiss˜ao, ao, pelo pe lo indiv´ıduo, ıduo, de uma cultura, sempre singular singular (a forma como esta n˜ ao apenas informa, mas modela ao o comportamento comp ortamento dos indiv´ indiv´ıduos, sem que estes o p percebam), ercebam), encontra v´ arias arias preocupa¸c˜ coes o˜es comuns aos psic´ ologos, psicanalistas e psiquiatras. Utiliza porologos, tanto freq¨ uentemente uentemente os modelos conceituais destes, bem como suas su as t´ecnicas ecnicas de investiga¸c˜ cao a˜o (por exemplo, os testes projetivos, utilizados pela primeira vez vez em etnologia etnologia por Cora du Bois). Bois). Assim, Assim, esse campo de pesquisa pesquisa,, desigdesignado pela express˜ ao ”cultura e personalidade”, extremamente desenvolvido ao nos Estados Unidos e relativamente negligenciado na Fran¸ca ca e Gr˜a-Bretanha, a-Bretanha, imp˜oe-se, oe-se, a partir dos anos 30, como uma das areas a´reas da antropologia na qual a colabora¸c˜ cao a˜o pluridisciplinar se torna sistem´ atica. atica. 3) Finalmente, a antropologia cultural estuda o social em sua evolu¸c˜ cao, a˜ o, e particularmente sob o angulo aˆngulo dos processos de contato, difus˜ ao, ao, intera¸c˜ cao a˜o e acultura¸c˜ cao, a˜o, isto ist o ´e, e, de ado¸ adoc˜ c¸ao a˜o (ou imposi¸c˜ cao) a˜o) das normas de uma cultura por outra.
*** Um certo n´ umero de obras representativas dessa abordagem – escritas em umero sua maior parte por americanos 2 – merece ser citado. 1927: Margaret Mead 2
Notemos por´em em que a contribui¸ c ontribui¸c˜ c˜ao ao dos pesquisadores franceses na ´area area da antropologia cultural est´a longe de ser negligenci´avel. avel. Citemos notadamente, para o per´ per´ıodo contemporˆ aneo, os trabalhos de Ortigues (1966), Erny (1972), J. Rabain (1979) e lembremos a aneo, influˆ infl uˆencia enci a conside cons ider´ r´avel avel que exerceu e continua exercendo Roger Bastide (1950, 1965, 1972) que pode ser considerado como o mestre da antropologia cultural francesa.
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publica Corning of Age in Samoa, que ser´ a retomado em H´ abitos abitos e Sexualidade na Oceania, Oceania, em 1935, um livro livro que foi um marco. marco. 1934: 1934: Amostra Amostrass de Civiliza¸c˜ cao, a˜o, de Ruth Benedict, Bene dict, certamente cert amente a obra mais caracter´ caracter´ıstica do culturalismo turalismo americano; americano; 1939: Kardiner, Kardiner, O Indiv´ Indiv´ıduo e Sua Sociedade-, 1943: Roheim, Origem e Fun¸c˜ c˜ao ao da Cultur C ultura, a, que qu e desenvolve dese nvolve a id´eia eia de que a cultur c ulturaa ´e uma um a subl su blim ima¸ a¸c˜ c˜ao ao decorrente da imperfei¸ c˜ao ao do feto humano ao nascer; 1944: Cora du Bois, O Povo de Alor; 1945: Linton, Os Fundamentos Culturais da Personalidade: 1949: Herskovitz, As Bases da Antropologia Cultural; 1950: Roheim, Psican´ alise alise e Antropologia. . . O que mostram essas diferentes obras, sempre baseadas em numerosas observa¸c˜ coes, o˜e s, ´e que qu e conv´ co nv´em em n˜ao ao atribuir a` natureza o que diz respeito a` cultura; ou seja, n˜ao ao considerar considerar como universal universal o que ´e relativo. relativo.3Essa compreens˜ ao ao da irredut´ irredut´ıvel diversidade das culturas que ´e o eixo central da antropologia cultural cultural – aparece aparece ao mesmo mesmo tempo: tempo: 1) ao n´ıvel ıvel dos tra¸ cos singulares dos comportamentos; comportamentos; 2) ao n´ıvel ıvel da totalidade totalidade da nossa personalidade personalidade cultural, cultural, qualificada por Kardiner de ”personalidade de base”. Como essa corrente de pesquisa, que procuraremos pr ocuraremos apresentar o mais fielmente poss´ poss´ıvel, multiplicaremos os exemplos. 1) A varia¸c˜ c˜ao a o cultural pode ser encontrada em cada um dos aspectos de nossas atividades. atividades. Assim, Assim, a maneira com que descansamos. descansamos. Nas sociedades nas quais os homens homens dormem diretamen diretamente te no. solo, solo, dificilm dificilmen ente te suportam suportam a maciez de um colch˜ao. ao. Inve Inversam rsamen ente, te, sentim sentimos os dificul dificuldade dade em dormir dormir – como me aconteceu no Brasil – em uma rede, e n˜ ao nos passaria pela cabe¸ca ao ca ´ descansar, como alguns na Asia. apoiando-nos em uma s´o perna. Tomemos omemos um outro outro exempl exemplo: o: a divis˜ ao a o do trab trabal alho ho entr entree os sexos sexos.. Nas Nas sociedades do Oeste africano, as mulheres se dedicam a` cerˆ amica, amica, enquanto enquanto os homens v˜ao a o para a ro¸ca, c a, quando, na ilha de Alor, s˜ao ao as mulheres que cultivam a terra enquanto os homens cuidam da educa¸c˜ c˜ao ao das crian¸cas. cas. Assim como na sociedade Chaumbuli, na qual os homens se dedicam aos filhos, enquanto as mulheres v˜ ao ao pescar. Consideremos agora os o s comportamentos comp ortamentos adotados adota dos para penetrar nos edif´ edif´ıcios religiosos. Na Europa, ao penetrar p enetrar numa igreja, observamos obse rvamos que os fi´eis eis tiram o chap´ chap´eu eu e permanecem com os sapatos. sapatos. Inversamen Inversamente, te, em uma mesquita, mesquita, os mu¸culmanos culmanos tiram os o s sapatos sapat os e permanecem permanece m com o chap´eu. eu. 3
Como mostrei em meu livro sobre A Etnopsiquiatria, este ultimo coment´ario ario deve porem ser relativizado no que diz respeito a Rohem.
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As formas for mas de d e hospitalidade ho spitalidade tamb´em em testemunham t estemunham de uma extrema diversidade podendo, como no exemplo acima, consistir na invers˜ao ao pura e simples daquilo que tom´avamos avamos espontaneamente espontaneamente por natural. Assim, Assim, fiquei pessoalp essoalmente impressionado, impressionad o, durante dura nte minha primeira estadia em pa´ıs ıs Ba´ Baule ´ (Costa do Marfim), como h´ ospede, com o convite que me era sistematicamente feito ospede, de uma refei¸c˜ cao a˜o preparada em minha homenagem, mas que devia ser consumida isoladamente, isto ´e, e, em um cˆ omodo e separadamente de meus hospeomodo deiros, os quais, por outro lado, reservavam-me um presente muito inesperado para um ocidental, que n˜ao ao era nada menos que a filha mais bonita da casa. Diferen¸cas cas signifi significati cativ vas, decorren decorrentes tes da cultura cultura a` qual qual pertenc pertencem emos os,, podem tamb´ tamb´em em ser encontradas encontradas nos menores detalhes dos nossos comportamentos mais cotidianos. Assim, nas sociedades arabes, a´rabes, sul-americanas e suleurop´ eias, eias, desviar o olhar ´e considerado considerado como um sinal de m´ a educa¸c˜ c˜ao, ao, enquanto que nas sociedades asi´ aticas aticas e norte-europ´ norte-europ´ eias, eias, olhar fixamente fixamente algu´em em com insistˆencia encia causa um incˆomodo omo do que se traduz tradu z por uma impress˜ impre ss˜ ao de amea¸ca ca e agressividade. A sauda¸c˜ cao a˜o visual consistindo consistindo em levantar levantar rapidamente rapidamente as sobrancelhas, sobrancelhas, acenar a cabe¸ca ca e sorrir, assinala um encontro amig´ avel avel na Nova Guin´e ou na Europa, mas ´e censurada censur ada por p or ser considerada indecente no Jap˜ ao. As trocas de contatos cutˆ aneos entre dois interlocutores s˜ aneos ao extremamente reduzidas ao nos pa´ pa´ıses anglo-saxˆ anglo -saxˆonicos onicos assim como no Jap˜ao. a o. Imp˜ Imp˜ oe-se oe-se pelo contr´ario, ario, como express˜ao ao normal do prazer de encontrar o outro nas sociedades mediterrˆ aneas aneas e sul-americana sul-americanas. s. Esses mesmos interlocutores, interlocutores, sentados sentados no terra¸ co de um bar ou passeando na rua, ir˜ ao manter um certo espa¸co ao c o entre si na ´ Europa do Norte ou na Asia, sob pena de sentir um certo mal-estar; tender˜ ao ao a diminuir a distˆancia ancia que os separa nas sociedades arabes a´rabes ou latinoamericanas. Finalmente, as formas de comportamento sexual detiveram particularmente a aten¸c˜ c˜ao ao dos observadores. De um lado, a educa¸c˜ c˜ao ao sexual sexua l ´e eminentemente eminent emente vari´avel avel de uma sociedade para outra. Na Melan´ Melan´esia, esia, por exemplo, exemplo, meninos e meninas s˜ao, ao, na idade da puberdade, iniciados nas t´ ecnicas ecnicas amorosas por monitores experimentados, exp erimentados, enquanto os Muria da ´ındia (cf. Elwin, 1959) institucionaliza titucionalizav vam essa pr´ atica preservando um espa¸co atica co (por assim dizer, uma casa da juvent juventude) ude) que tem como objetivo objetivo encorajar encorajar os jogos jogos sexuais. sexuais. Po Porr outro lado, os rituais amorosos s˜ ao ao profundamente profundamente diferentes, diferentes, n˜ ao ao apenas de uma civiliza¸c˜ cao a˜o para outra, mas dentro de -uma mesma civiliza¸c˜ cao. a˜ o. Aqui Aqui est´a um exemplo recolhido por Margaret Mead que merece ser relatado.
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Durante a ultima u´ltima guerra mundial, soldados americanos estavam mobilizados na Gr˜a-Breta a-Bretanha. nha. Esses Esses soldados soldados e as jovens jovens inglesas inglesas que freq¨ uentavam acusavam-se mutuamente de m´ a educa¸c˜ c˜ao ao nas rela¸c˜ coes o˜es amoro amorosa sas. s. Os GIs conside considerav ravam am as ingles inglesas as mulher mulheres es leviana levianas; s; as ingles inglesas as achav achavam am que os america americanos nos comportav comportavamam-se se como margina marginais. is. Cad Cadaa um dos grupos grupos reagia normalmente, mas a norma era diferente de uma cultura para outra: para os americanos, americanos, o beijo, que interv´ interv´em em muito muito cedo nas rela¸ c˜oes o es de namoro, n˜ao ao tinha grandes conseq¨ uˆ uencias, ˆencias, enquanto que, para as inglesas, era a ultima u ´ ltima etapa antes do ato sexual. As inglesas ficavam, portanto, chocadas que os americanos quisessem beij´ a-las a-las t˜ao ao precipitadamente; e estes n˜ ao ao entendiam que as inglesas fugissem deles por causa de um ato t˜ ao ao insignificante quanto um beijo na boca, ou que passassem t˜ ao rapidamente para a etapa ao seguinte, quando tinham aceito o beijo. Q¨ uiproqu´ uiproqu´ os desse tipo pontuam nosos sas rela¸c˜ coes ˜oes interculturais. 2) O peso da cultura n˜ ao se manifesta apenas nas formas diversificadas de ao comportamentos e atividades facilmente localiz´ aveis de uma sociedade para aveis outra (como a alimenta¸c˜ cao, a˜o, o h´abitat, abitat, a maneira maneira de se vesti vestir, r, os jogos. jogos. .O, mas tamb´ em em nas estruturas perceptiv percept ivas, as, cognitivas e afetivas constitutivas da pr´opria opria personali personalidade dade.. A antropol antropologia ogia cultural cultural foi assim assim levada levada a retoretomar, nos fundamentos da observa¸c˜ c˜ao a o e da an´ alise alise etnopsicol´ogica, ogica, o que os folcloristas, folcloristas, mas tamb´ tamb´em em os escritores (Chateaubriand, (Chateaubriand, Georges Sand. . .) chamavam chamavam de ”alma”ou ”gˆenio”de enio”de um u m povo. p ovo. Assim, tentou evidenciar a preocupa¸c˜ cao a˜o dos japoneses em nunca perder a face em sociedade, sob pena de um desmoronamento da personalidade que se traduz por um sentimento de vergonha e culpa extremo, extr emo, ou ainda, o receio dos franceses frente f rente `a natureza naturez a que deve ser domesticada pela raz˜ ao; receio que se expressa tanto no car´ ao; ater ater ”bem-comportado”dos nossos contos populares (sempre menos extravagantes que os contos escandinavos, russos ou alem˜as) as) quanto em nossos jardins, qualificados precisamente de ”jardins a` francesa”. Mas ´e sobretudo sobretudo ao estudo das formas contrastadas da personalidade personalidade nos povos das sociedades ”tradicionais”, que a antropologia americana deve a sua fama. Margaret Mead (1969), ao confrontar duas popula¸ c˜ coes o˜es vizinhas da Nova Nova Guin´e, e, considera con sidera que uma, a dos doces do ces e ternos Arapesh, s´ o deseja paz e serenidade, se renidade, enquanto a outra, a dos violentos Mundugumor, Mundugumor , ´e comandada coma ndada por uma agressi agressivid vidade ade propria propriamen mente te canibal canibal.. O que ´e ent˜ ent˜ ao considerado como personalidade desviante entre os primeiros (o indiv´ıduo ıduo violento), aparecer´ a, a, entre os segundos, segundos, como perfeitamente perfeitamente normal, isto ´e conforme ao ideal do grupo, e inversamente. Na mesma otica, o´tica, Ruth Benedict (1950) op˜ oe oe
101 a sociedade ”apoloniana”dos ´ındios Pueblos do Novo Novo M´exico exico a` exalta¸c˜ cao a˜o e rivalidade ”dionis´ ”dionis´ıacas”permanentes ıacas”permane ntes que mantˆem em entre si os habitantes da ilha ilha de Dob Dobu, u, este povo de feitice feiticeiros iros (R. Fortune, ortune, 1972). Se houver, houver, entre estes, este s, indiv´ indiv´ıduos que n˜ao ao tenham nenhum sentimento de suspei¸c˜ c˜ao, ao, nenhum gosto pelo roubo, e detestem brigar, n˜ ao ao deixar˜ao ao de aparecer como marginais, enquanto estariam perfeitamente bem adaptados (e considerados como conformistas) na sociedade pueblo. A partir de exemplos desse tipo, Ruth Benedict elabora sua teoria do ”arco cultural”. cultural”. Cada cultura realiza uma escolha. Valoriza um determinado determinado segmento do grande arcode c´ırculo das possibilidades p ossibilidades da humanidade. Encoraja Encora ja um certo n´ umero umero de d e comportamentos comp ortamentos em detrimento de outros que se vˆeem eem censurados. censurados. Atrav´ Atrav´es es de um processo de sele¸ c˜ao a o (n˜ ao ao biol´ogico, ogico, mas cultural), todos os membros de uma mesma sociedade compartilham um certo n´umero umero de preocupa¸c˜ coes, o˜es, sentem as mesmas inclina¸c˜ coes o˜es e avers˜oes. o es. O que que caracteriza uma determinada sociedade ´e uma ”configura¸ c˜ao ao cultur cul tural” al”,, uma l´ogica ogica que se encontra ao mesmo tempo na especificidade das institui¸c˜ coes o˜es e na dos comportamentos. comportamentos. Toda cultura persegue um ob jetivo, jetivo, desconhecido desconhecido dos indiv i ndiv´´ıduos. Cada um de n´ os os possui p ossui em si todas to das as tendˆencias, encias, mas ma s a cultura a` qual pertencemos realiza uma sele¸c˜ cao. a˜o. As institui¸c˜ coes ˜oes (e, em especial, as institui¸c˜ coes o˜es educativas: fam´ fam´ılias, escolas, ritos de inicia¸c˜ cao) a˜o) pretendem – inconscienteme inconscientemente nte – fazer com que os indiv´ indiv´ıduos se conformem conformem aos valores pr´oprios oprios de cada cultura. Cr´ıtic ıt icas as,, freq fr eq¨ uentemente u ¨entemente severas, n˜ ao ao faltaram faltaram aos cul-turalismo cul-turalismo americano, americano,4 que est´a longe de fazer a unanimidade entre os antrop´ ologos, ologos, sobretudo na Fran¸ca ca onde o m´ınimo que se pode po de dizer ´e que n˜ ao ao tem boa reputa¸c˜ c˜ao. ao. Trabalhando com uma abordagem muito emp´ emp´ırica (a ( a localiza¸ lo caliza¸ c˜ cao a˜o das fun¸c˜ c˜oes, oes, dos conflitos e das significa¸c˜ c˜oes, oes, em detrimento da investiga¸c˜ cao a˜o das normas, das regras e dos sistemas, de acordo com os termos de Michel Foucault aos quais nos referimos acima), tende a efetuar uma redu¸c˜ c˜ao ao dos comportamentos humanos a tipos, e a esbo¸car car tipologias que devem muito mais a` intui¸c˜ cao a˜ o e `a pr´opria opria personalidade do pesquisador, do que a` constru¸c˜ c˜ao ao rigorosa de um objeto ob jeto cient´ cient´ıfico. Al´em em disso, e em conseq¨ conse q¨ uˆ uˆencia encia mesmo dos pressupo press upostos stos que s˜ao ao seus (a observa¸c˜ c˜ao ao daquilo que, em uma sociedade, so ciedade, ´e manifesto, manifest o, em detrimento daquilo daqu ilo que ´e recalcado r ecalcado e inconsciente), desenvolve desenvolve uma concep¸ c˜ao do 4
Autorizo-me a indicar ao leitor dois de meus livros anteriores (L’Ethnopsychiatrie, Ed. Universitaires, 1973, pp. 33-36; Les 50 Mots Cl´es es de 1’Anthropologie, Ed. Privat, Privat, 1974, pp. 46-50 46-50)) e a sublinhar que, que, a meu ver, foi Georges Georges Devereux Devereux (1970). (1970). colocando-se colocando-se no cora¸c˜ c˜ao ao mesmo do campo de estudo privilegiado por essa tendˆencia encia da antropologia, quem propˆos os a cr´ cr´ıtica mais radical desta.
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relativismo cultural (express˜ ao forjada por Herskovitz) que o impede de dar o ao passo que separa o estudo das varia¸c˜ coes ˜oes culturais da an´ alise alise da variabilidade da cultura; variabilidade esta que ser´ a o objeto das pesquisas examinadas no pr´oxim ox imoo cap´ c ap´ıtul ıt ulo. o. Isso n˜ao ao impede imp ede que, levando-se em ’conta essas cr´ cr´ıticas, levando-se em conta, tamb´em, em, o fato f ato de que o pro p rojeto jeto desses desse s autor a utores es ´e freq f req¨ uentemente uentem ¨ ente menos ambicioso bicioso do que geralmen geralmente te se diz (cf. particu particular larmen mente te a obra de Ruth Benedict), a antropologia cultural, pela area a´rea de investiga¸c˜ cao a˜o que qu e ´e sua su a e que qu e ´e freq¨ uentemente uentemente deixada de lado em nosso pa´ pa´ıs, pela p ela amplitude do campo camp o dos materiais recolhidos, pela importˆ ancia dos problemas colocados, represente ancia uma contribui¸ contribui¸c˜ cao a˜o bastante consider´ avel para nossa disciplina. avel
Cap´ıtulo 10 A Antropologia Estrutural E Sistˆ emica: Para a antropologia cultural, cada cultura particular, caracterizada por um conjunto de tendˆencias encias tais como aparecem empiricamente ao observador, ´e um pouco compar´ avel avel as `a s pe¸cas cas de um quebra-cabe¸ca. c a. S˜ao ao entidades parceladas, frutos de uma pr´ atica atica parcelador parceladora. a. E nessas condi¸ condi¸ c˜ coes, o˜es, a cultura cultu ra ´e concebida como uma esp´ecie ecie de mosaico, mo saico, um tra je de Arlequim. Na perspecpersp ectiva na qual nos situaremos agora, as culturas s˜ao ao apreendidas, ou melhor, tratadas, em um n´ıvel ıvel que n˜ ao ao ´e mais dado, e sim constru´ constru´ıdo: o do sistema tema.. N˜ a o se trata mais de estudar tal aspecto de uma sociedade em si, ao relacionando-o relacionando-o ao conjunto conjunto das rela¸c˜ coes o˜es sociais (antropologia social),’e muito menos tal cultura particular na l´ ogica ogica que lhe ´e pr´opria opria (antropologia cultural, ral , mas tamb´em em simb´olica): olica): trata-se de estudar a l´ ogica da cultura. Ou seja, ogica al´em em da variedade das cultur c ulturas as e organiza¸ orga niza¸c˜ c˜oes oes sociais, procuraremos explicar a variabilidade em si da cultura: o que dizem e inventem os homens deve ser compreendido como produ¸c˜ c˜oes oes do esp´ esp´ırito humano, que se elaboram sem que estes este s tenham t enham consciˆ consc iˆencia encia disso. disso . Isso colocado, reuniremos nesse cap´ cap´ıtulo um certo mimero de tendˆencias encias do pensamento pensamento e da pr´atica atica antropologica, antropologica, aparentemen aparentemente te bastante bastante distantes distantes entre si: •
o que se pode qualificar de antropologia da comunica¸c˜ cao, a˜o, que, com o impulso de Gregory Bateson e da escola de Paio Alto, estuda as diferentes modalidades da comunica¸c˜ cao a˜o entre os homens, n˜ao ao a partir dos interlocutores que seriam considerados como elementos separados uns dos outros, mas a partir dos processos de intera¸c˜ cao ˜ao formando sistemas de troca, integrando notadamente tudo o que, no encontro, se d´ a ao 103
ˆ 104CAP 104CAP ´ITULO 10. A ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA ESTRUTURA ESTRUTURAL L E SIST EMICA: n´ıve ıvel (n˜ (n ao a˜o verbal) das sensa¸c˜ c˜oes, oes, dos d os gestos, ges tos, das d as m´ m´ımicas, ımicas , e da postur p osturas; as; •
•
a enopsiquiatria enopsiquiatria,, cujo fundador ´e Georges Devereux, Devereux, e que ´e uma pr´atica atica claramente pluridisciplinar, procurando compreender ao mesmo tempo a dimens˜ao ao ´etnica etnica dos dist´ u rbios mentais e a dimens˜ao urbios a o psicol´ogica ogica e psicopatol´ ogica ogica da cultura; o estruturalismo estruturalismo francˆes, es, finalmente, finalmente, do qual muitos muitos gostam ho je de dizer que est´ a h´a muito tempo ultrapassado, mas que eu considero pessoalmente como mais atual do que nunca. ***
Existem, Exist em, ´e claro, claro , diferen¸ difer en¸cas cas essenciais entre essas diversas correntes da antropologia contemporˆ contemporˆ anea. anea. Mas re´ unem-se no entanto em torno de um certo unem-se n´umero umero de op¸c˜ coes. o˜es. 1) Tratarata-se se em prim primei eiro ro lugar lugar da impor importˆ tˆ ancia a ncia dad dadaa aos modelo modeloss epist episteemol´ogicos ogicos formados no ambito aˆmbito das ciˆ encias encias da natureza ou, mais precisamente, mente, da necessi necessidade dade de um confron confronto to entre entre abordagen abordagenss aparen aparenteme tement ntee t˜ao ao afastadas uma das outras quanto a etnologia, a neurofisiologia, as matem´aticas aticas (e no campo das ciˆ encias encias humanas, a psican´ alise, a ling¨ u´ u´ıst ıs tica) ic a).. Todos os autores que acabamos de citar colocam o problema da passagem de um modo de conhecimento para outro, assim como a quest˜ ao ao da validade da transferˆ tran sferˆencia encia dos modelos. mod elos. Partindo Partin do do ”princ ”prin c´ıpio de incerteza incer teza”de ”de Heiscnbcrg Heiscnb crg (´e imposs imp oss´´ıvel determina dete rminarr ao mesmo tempo e com igual precis˜ ao ao a velocidade e a posi¸c˜ c˜ao ao do el´etron, etr on, pois sua observa¸c˜ cao ˜ao cria uma situa¸c˜ cao a˜o que o modifica), Devereux, o primeiro, mostra mostr a que o que ´e verdadeiro verdade iro no campo camp o da f´ısica quˆ antica anti ca ´e mais m ais verdade verd adeiro iro ainda no das ciˆencias encias humanas e, particularmen particularmente, te, da etnologia: etnologia: a presen¸ ca de um observador (no caso, o etn´ografo) ografo) provoca uma perturba¸ c˜ cao a˜o do que qu e ´e observado, e essa perturba¸c˜ cao, a˜o, longe de ser uma fonte de erros a ser neutralizada, lizad a, ´e pelo pel o contr´ario ario uma fonte de informa¸c˜ c˜oes oe s que qu e conv´ co nv´em em expl ex plor orar ar.. Partindo Partindo da cibern´ etica etica inventada inventada por Norbert Wiener em 1848 a partir da elabora¸c˜ cao a˜o da pilotagem autom´ atica, Bateson, de volta de Bali, percebe que atica, os princ´ princ´ıpios de Wiener podem trazer uma renova¸ renova¸ c˜ao a o total para o estudo da comunica¸ comunica¸c˜ c˜ao ao humana, e, particularmente, das ferramentas, at´e ent˜ ao n˜ao ao utilizadas para abordar os sistemas interativos em jogo nas nossas trocas. Ora, L´evi-Strauss, evi-Strauss, quase qu ase tanto quanto Bateson, recorre a esse modelo nascido
105 da fecunda¸c˜ cao a˜o m´ utua utua da eletrˆonica onica e da biologia. Desde a sua Introdu¸c˜ c˜ao ao a` Obra de Mareei Mar eei Mauss (o qual ´e incontestavelmente o pai do estruturalismo francˆes, es, e tamb´em em o ”mestre”a quem Devereux dedica seus Ensaios de Etnopsiquiatria Geral), L´evi-Strauss evi-Strauss refere-se a Wiener e Neumann. 2) A partir dos anos 50, come¸ca ca a desenvolver-se, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, um modelo que Winkin qualifica de ”modelo orquestral da comunica¸c˜ cao”, a˜o”, esta ultima u ´ ltima n˜ao ao sendo mais concebida a` maneira telegr´afica afica de um emissor transmitindo em sentido unico u´nico uma mensagem a um destinat´ario, ario, mas como um complexo de elementos em situa¸c˜ cao a˜o de intera¸c˜ coes o˜es cont´ co nt´ınua ınu a e n˜ao ao aleat´oria. oria. Disso decorre a met´afora afora da orquestra participando participando da execu¸c˜ cao a˜o de uma partitura ”invis´ ”invis´ıvel”, na execu¸c˜ cao a˜o da qual cada um dos m´usicos usicos est´a envolvido. Os antrop´ologos ologos americanos que se inscrevem nessa corrente insistem sobre o fato de que ( im imp p oss os s´ıvel ıve l n˜ao ao comunicar, todo comportamento humano (do vozerio mais intenso intenso ao mutismo mutismo absoluto, absoluto, pontuado por gestos, posturas, m´ımicas, ımicas, express˜oes oes do rosto por p or m´ınimas que sejam) consistindo em trocar mensagens mensagens freq¨ uentemente uentemente involunt´ arias. arias. Ora, a tarefa do d o pesquisador p esquisador ´e precisamente a de evidenciar essas regras gramaticais constitutivas da linguagem tanto verbal quanto n˜ao ao verbal, isto ´e, e, na n a realidade, rea lidade, a cultura, cultu ra, cuja l´ ogic og icaa ´e irre ir redu dutt´ıvel ıve l `a soma de seus elementos. Lembremos Lembremos mais uma vez que existem, existem, ´e claro, diferen¸ cas muito importantes entre o estruturalismo estrut uralismo europeu, euro peu, em particular part icular francˆes, es, e o interacionismo america americano. no. Mas eles visam visam juntos juntos a` constru¸c˜ c˜ao ao do que L´evi-Strauss evi-Strauss chama uma ”ciˆencia encia da comunica¸ comunic a¸c˜ c˜ao”. a o”. Pa Para ra este este ultimo, u´ltimo, toda cultura ´e uma modalidade particular da comunica¸c˜ c˜ao ao (das mulheres, das palavras, dos bens), regida por leis inconscientes de inclus˜ ao ao e exclus˜ao. a o. E quand quandoo o auto autorr da Antropologia Estrutural realiza, na parte mais recente de sua obra, o estudo dos mitos, refere-se refer e-se tamb´em em a` imagem de uma partitura musical n˜ ao ao escrita e sem autor, expressando o pr´ oprio inconsciente da sociedade. oprio Se a etnopsiquiatria de Devereux n˜ ao ao deve de ve nada a essa abordage abo rdagem m ”sistˆemica”, emica” , relutando relut ando at´e, e, frente frent e a quaisquer quaisque r empreendime empre endimentos ntos de formaliza¸ form aliza¸ c˜ cao a˜o ling¨ u´ u´ıst ıs tica, ic a, ela acentua o car´ ater ater eminentemente relacionai relacion ai do objeto ob jeto das ciˆencias encias humanas: nas: os fenˆ fenˆ omenos omenos estudados estudados tanto pelo cl´ cl´ınico quanto quanto pelo etn´ ologo s˜ ao ao fenˆomenos omenos que nunca s˜ao ao dados em estado bruto, tratando-se simplesmente de recolhˆe-los, e-los, e sim fenˆ omenos provocados em uma situa¸c˜ omenos cao a˜o de intera¸c˜ cao a˜o particular com atores at ores particulares, par ticulares, e que conv´em em analisar, procurando procuran do compreender a natureza da perturba¸ c˜ c˜ao ao envolvida na pr´opria opria rela¸c˜ cao a˜o que liga o
ˆ 106CAP 106CAP ´ITULO 10. A ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA ESTRUTURA ESTRUTURAL L E SIST EMICA: ”observador”e o ”observado”. 3) A experiˆencia encia etnol´ ogica ogica – que ´e antes experiˆencia encia de uma rela¸ c˜ c˜ao ao humana, isto ´e, e, de um encontro encontro – se d´ a no inconsciente inconsciente:: inconsciente inconsciente freudifreudiano, mas tamb´ t amb´em em inconsc in consciente iente ´etnico etnic o para pa ra Devereau De vereaux, x, inconsc in consciente iente estrut e strutural ural para L´evi-Strauss evi-St rauss.. Isto ´e, e, ”estrutura ”estr utura inata do esp´ esp´ırito humano”. humano” . situada situad a no no ponto de encontro entre a natureza e a cultura; mas estrutura que se expressa sempre na ”hist´oria oria particular part icular dos indiv´ indiv´ıduos e dos grupos”, grup os”, produzindo constantemente tantemente aspectos in´ editos. editos. Ou seja, tanto para o estruturalismo estruturalismo quanto para etnopsiquiatria (mas isso j´a ´e menos verdadeiro para p ara o conjunto da antropologia trop ologia sistˆemica emica americana amer icana,, cuja tendˆencia encia ´e, e, freq¨ frequenteme uent ¨ emente, nte, emp´ırica ıric a como nos Estados Unidos), o sentido do que fazem os homens deve ser procurado menos no que dizem do que no que encobrem, menos no que as palavras expressam do que no que escondem. 4) Todo o pensamento antropol´ ogico que procuramos aqui descrever inscreveogico se claramente clara mente no quadro das da s ciˆencias encias humanas (ou, como se diz nos Estados Esta dos Unidos, Unidos, das ”ciˆ encias encias do comportamento”) comportamento”) e n˜ ao ao no das ciˆencias encias sociais. Enquanto estas ultimas u´ltimas ”aceitam sem reticˆ reticˆencias encias estabelecer-se estabelecer-se no pr´ oprio amago ˆamago de sua sociedade”, como escreve escreve L´evi-Strauss evi-Strauss (1973) – ´e o caso da economia, da sociologia, do direito, da demografia –, as primeiras, visando ”apreender uma realidade realidade imanente imanente ao homem, colocam-se aqu´ em em de todo indiv´ indiv´ıduo e de toda sociedade”. O exemp exemplo lo da primei primeira ra obra obra de Bates Bateson on,, A Ceri Cerimˆ mˆ onia onia do Naven (1936) parece-me particularmente revelador. Em primeiro lugar, devido a` sila s ila exigˆ ex igˆenci en ciaa de pluridisciplinari pluridisciplinaridade dade (e. especialmente, especialmente, de pluridisciplinari pluridisciplinaridade dade entre a 1 abordagem etnol´ ogica ogica e psicol´ogica), ogica), mas que n˜ao ao ´e concebida, de forma alguma, a` maneira maneira da antropol antropologia ogia cultural cultural.. O autor autor estuda estuda os diferen diferentes tes tipos tip os poss pos s´ıveis de rela¸c˜ c˜oes oes dos indiv´ indiv´ıduos para par a com a sociedade so ciedade e, mais especificamente, cifica mente, as rea¸c˜ coes o˜es dos indiv´ıduos ıduos frente as a`s rea¸c˜ coes o˜es de outros outro s indiv´ıduos. ıduos . Em seguida, e sobretudo, por seu car´ ater inovador no campo da antropoloater gia anglo-saxˆ anglo-saxˆ onica onica da ´epoca, epo ca, caracterizada carac terizada notadamente no tadamente pela p ela monografia. A partir da cultura dos latmul da Nova Nova Guin´e, e, mas al´em em dessa cultura, o que interessa interessa Bateson, ´e a possibilidade possibilidade de aceder a uma teoria transcultural, cujos conceitos poder˜ ao ser utilizados na com preens˜ ao ao ao de outras sociedades. Ora, ningu´em em insistiu mais que L´evi-Strauss evi-Strauss e Devereux sobre sobr e o fato de 1
Essa problem´ problem´ atica, atica, que ´e o eixo de toda a obra de Devereu Devereux x ´e tamb´ tamb´em em uma das preocupa¸c˜ coes o˜es maiores m aiores de L´evi-Strauss, evi-St rauss, que escreve e screve em La Pens´ee ee Sauvage Sau vage que ”a etnologia et nologia ´e antes uma psicologia psicolo gia
107 que as culturas particulares n˜ ao podiam antropologicamente ser apreendidas ao sem referˆencia encia a` ”cultura”(Devereux), ”esse capital comum”(L´evi-Strauss) evi-Strauss) que utilizamos ut ilizamos para elaborar nossas experiˆ exp eriˆencias encias tanto individuais como coco letivas. letivas. Disso decorre decorre o car´ ater claramente ”metacultural”(Devereux) desse ater pensamen pensamento, to, que est´ a rigorosamente no oposto do ”culturalismo”, e eminentemente fundador da possibilidade da comunica¸c˜ cao a˜o tanto intersubjetiva quanto intercultural. 5) Quer´ Quer´ıamos finalmente insistir sobre o fato de que essas diferentes aborab ordagens s˜ao ao abordagens da totalidade, refrat´ arias a qualquer atitude reduciarias onista, isto ´e, e, considerando considerando apenas um aspecto parcelar da realidade realidade social, atrav´es es de um instrumento unico. u´nico. Para L´evi-Strauss evi-Strauss como para Bateson, n˜ao ao existem nunca rela¸c˜ coes o˜es de causalidade unilinear entre dois fenˆ omenos, omenos, e sim ”correla¸c˜ coes o˜es funcio funcionai nais”. s”. E se a abordag abordagem em da etnops etnopsiq iqui uiatr atria ia em rela¸c˜ c˜ao ao a` da antropologia antrop ologia estrutura estru turall ou sistˆemica emica ´e claramente clara mente anal´ıtica, ıtica, e n˜ao ao sint´ etica, etica, enquadra-se dentro de d e uma u ma epistemologia e pistemologia da complementaridade, fundada sobre a necessidade da articula¸c˜ c˜ao ao de enfoques habitualmente tomados como separados. Por todas essas raz˜ oes, a antropologia assim conoes, siderada ´e, e, de acordo com o termo proposto por Jean-Marie Jean-Marie Auzias (1976), um ”pensamento dos conjuntos”, preocupado em n˜ ao deixar escapar nada na ao investiga¸c˜ c˜ao ao do social, e, por p or isso, inventivo inventivo de modelos mo delos que conv´ em em qualificar de ”complexos”. A abordagem de L´evi-Strauss evi-Strauss ocupar´ a portanto agora nossa aten¸c˜ c˜ao. a o. Essa Essa abordagem abordage m procede pro cede de uma s´erie erie de rupturas ru pturas radicais. 1) Ruptura Ruptura em primei primeiro ro lugar lugar com o hu human manism ismoo e a filosofia filosofia,, isto isto ´e, e, as ideologias do sujeito considerado enquanto fonte de significa¸c˜ c˜oes. o es. A meto meto-dologia estrutural inverte a ordem dos termos em que se apoiava a filosofia. O sentido n˜ao ao est´a mais dessa vez ligado `a consciˆ con sciˆencia, enc ia, a qual qua l se vˆe descen des cen-trada pelo projeto estrutural, como pelo projeto freudiano. Rompendo com a tagarelice do sujeito, ”essa crian¸ca ca mimada da filosofia”, como escreve L´evieviStrauss, as significa¸ significa¸c˜ c˜oes oes devem ser doravante buscadas no ”ele”da ling¨ u´ u´ısti ıs tica ca,, como no ”id”da psican´ alise. Ou seja, eu sou pensado, sou falado, sou agido, alise. sou atravess atravessado ado por p or estrutur estruturas as que me preexis preexistem. tem. Assim, Assim, a antropol antropologia ogia como a psican´ alise alise intro-duzem intro-duzem uma crise na epistemologia epistemologia da racionalidade: racionalidade: o lugar atribu´ atribu´ıdo ao sujeito transcendental ´e questionado pela irrup¸ c˜ao a o da problem´atica atica do inconsciente. 2) Ruptura em rela¸c˜ cao ˜ao ao pensamento hist´orico: orico: o evolucionismo, ´e claro, mas tamb´em em qualquer qualquer forma de historicismo. historicismo. Para este ultimo, ultimo ´ , que ´e ne-
ˆ 108CAP 108CAP ´ITULO 10. A ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA ESTRUTURA ESTRUTURAL L E SIST EMICA: cessariament cessa riamentee gen´etico, etico , explicar explic ar ´e procura pro curarr uma anteriorida anteri oridade, de, isto ´e, e, tentar ` compreender o presente atrav´es es do passado. A an´alise alise dos processos em termos de explica¸ explicac˜ c¸ao a˜o causai, op˜oe-se oe-se a inteligibilidade estrutural, inteligibilidade combinat´ oria oria de uma institui¸c˜ cao, a˜o, de um comportamento, de um relato. . . 3) Ruptura com o atomismo, que considera os elementos independentemente da totalidade totalidade.. O modelo modelo do estrutural estruturalism ismoo sendo sendo ling¨ u´ıstico, ıstico , o sentido de um termo s´o pode ser compreendido dentro de sua rela¸ c˜ cao a˜o as a`s outras palavras palavras da l´ıngua ou do que for an´ alogo alogo a esta. 4) Ruptu Ruptura, ra, fina finalm lmen ente, te, com o empi empiri rism smo. o. ”P ”Para ara alcan¸ alcan¸ car o real, ´e preciso primeiro repudiar o vivido”, diz L´evi-Strauss evi-Strauss em Tristes Tr´ opicos. opicos. Ou seja, o objeto obje to cient´ cient´ıfico deve ser arrancado da experiˆencia encia da impress˜ ao, da percep¸c˜ c˜ao ao espontˆ anea. anea. Para isso, conv´ em em colocar-se ao n´ıvel n˜ ao a o mais da palavra e sim da l´ıngua, n˜ ao mais, voltaremos a isso, da hist´oria ao oria consciente ´ toda a diferen¸ca do que fazem os homens, e sim do sistema que ignoram. E ca entre o estrutural estru turalismo ismo inglˆes es e o estrutura estru turalismo lismo francˆ fran cˆes. es. Para L´evi-Strauss evi-St rauss,, Radcliffe-Brown confunde a estrutura social e as rela¸c˜ coes ˜oes sociais. Ora. estas s˜ao ao apenas os materiais utilizados para alcan¸car car a estrutura, a qual n˜ ao ao tem como objetivo substituir-se a` realidade e sim explic´a-la. a-la. Mais precisamente, uma estrutura ´e um sistema de rela¸c˜ coes o˜es suficientemente distante do objeto que se estuda para que possamos reencontr´ a-lo em objetos diferentes. a-lo *** Assim, Ass im, atrav´ atr av´es es da invers˜ invers ao a˜o epistemol´ epistemol´ ogica que realiza, abrindo uma compreogica ens˜ao ao nova da sociedade, o pensamento estrutural nos mostra que a extraordin´aria aria variedade das rela¸c˜ coes o˜es emp´ıricas ıri cas s´o se torna intelig´ intelig´ıvel a partir do momento em que percebemos que existe apenas um n´ umero umero limitado de estrutura¸c˜ c˜oes oes poss´ poss´ıveis ıveis dos materiais materiais culturais culturais que encontramos, encontramos, um n´ umero umero limitado de invariantes. As rela¸c˜ coes o˜es de alian¸ca ca entre homens e mulheres papa recem, recem, a primei primeira ra vista, vista, pratica praticamen mente te infinita infinitas. s. Mas oscilam oscilam sempre sempre entre entre alguns grupos: comunismo comunismo sexual, levirato, levirato, sororato, casamento casamento por rapto, poligamia, monogamia, uni˜ao a o livre. livre. Da mesma mesma forma, forma, as rela¸ rela¸c˜ coes o˜es dos homens com a divindade sempre se organizam a partir de um pequeno n´ umero umero de op¸c˜ coes o˜es poss po ss´´ıveis: ıveis : o monote´ mon ote´ısmo, ısm o, polite´ po lite´ısmo, ısmo , mante mant e´ısmo, ısm o, ate´ısmo, ısmo , agnosagn osticismo. Foi a partir do campo do parentesco que se constituiu o estruturalismo de L´evi-Strauss evi-St rauss.. Para este, e ste, o parentesco par entesco ´e uma linguagem. lingua gem. N˜ ao ao se pode compreendˆe-lo e-lo efetuando efetu ando a an´ alise alise ao n´ıvel dos termos (o pai, p ai, o filho, o tio materno mat erno em uma sociedade matrilinear. matrilinear. . .), muito menos ao n´ıvel dos sentimentos sentimentos
109 ´ preciso colocar-se que podem animar os diferentes diferentes membros membros da fam´ fam´ılia. E no n´ıvel das rela¸ rel a¸c˜ coes o˜es entre estes termos, regidas por regras de troca an´ alogas alogas as `as leis sint´aticas aticas da l´ıngua. Mas a an´ alise estrutural das rela¸c˜ alise coes o˜es de alian¸ca ca e parentesco est´ a longe de ser a aplica¸c˜ c˜ao a o pura e simples de um modelo (o da ling¨ u´ıstica). Quando se estuda o parentesco, a linguagem ou a economia, estamos na realidade frente a diferentes modalidades de uma unica u´nica e mesma fun¸c˜ c˜ao: ao: a comunica comunica¸c˜ c¸˜ao ao (ou a troca), que ´e a pr´ opria cultura emergindo da opria natureza para introduzir uma ordem onde esta ultima u´ltima n˜ao ao havia previsto nada. nada. Mais Mais precisa precisamen mente, te, a reciproci reciprocidade dade – que ´e a troca atuando e que exige uma teoria da comunica¸c˜ c˜ao ao – pode ser localizada em v´ario ar ioss n´ıveis ıve is:: •
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ao n´ıvel ıvel da cultura: ´e a troca de mulheres mulheres (parentesco), (parentesco), de palavras palavras (ling¨ u´ıstica), de bens (economia), mulheres, palavras e bens sendo tert er2 mos que se trocam, informa¸c˜ coes o˜es que se comunicam; no ponto de encontro entre a natureza e a cultura, isto ´e, e, ao n´ıvel de um inconsciente estrutural, que, al´em em da contingˆencia encia dos materiais programados, programados, reorganiza reorganiza incessanteme incessantemente nte estes mesmos materiais. materiais.
Dois exemplo e xemploss a que L´evi-Strauss evi-St rauss recorre reco rre v´arias arias vezes em sua obra, permitem compreender essa invers˜ ao de perspectiva que realiza a metodologia estrutuao ral. S˜ao ao os exemplos do baralho e do caleidosc´opio: opio: ”O homem ´e semelhante semelhante ao jogador jogador pegando pegando na m˜ ao, ao sentar a` mesa, cartas que n˜ ao inventou, j´ a que o jogo jogo de baralh aralhoo ´e um dado da hist´ historia ´ e da civiliza¸c˜ c˜ ao. Fm segund segundoo lugar, lugar, cada reparti reparti¸c˜ c¸ao ˜ das cartas resulta de uma distribui¸c˜ c˜ ao contingente entre os jogadores, e se d´ a independentemente da vontad vontadee de cada um. Existe Existem m as distrib distribui¸ ui¸ coes c˜ ˜ que s˜ ao sofridas, mas que cada sociedade, como cada jogador, interpreta nos termos dc v´ arios sistemas, que podem ser comuns ou particulares: regras de um jogo, ou regras de uma t´ atic atica. E sabe-s sabe-see bem que, com a mesma mesma distri distribui bui¸c˜ c¸ao, ˜ jogadores diferentes n˜ ao fornecer˜ ao a mesma partida, embora n˜ ao possam, compelidos tamb´em em pelas regras, fornecer com uma determinada distribui¸c˜ cao ˜ qualquer partida”. ”Em um caleidosc´ opio, a combina¸c˜ c˜ ao de elementos elemento s idˆenticos enticos sempre d´ a novos resultados. Mas ´e por porque que a hist´ oria dos historiadores est´ a presente nele – nem que seja na sucess˜ ao de chacoalhadas que provocam as reorganiza¸ c˜ c˜ oes 2
”As pr´oprias oprias mulheres”, escreve L´evi-Strauss. evi-St rauss. ”s˜ao ao tratadas como signos dos quais se abusa quando n˜ao ao se d´a a elas o uso reservado aos signos, que ´e de serem comunicados”. E a antropologia tem como tarefa a de estabelecer as regras da troca, diferentes dc uma sociedade para outra, mas que permanecem em todos os casos independentes da natureza dos parceiros
ˆ 110CAP 110CAP ´ITULO 10. A ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA ESTRUTURA ESTRUTURAL L E SIST EMICA: da estrutura – e as chances para que reapare¸ ca duas vezes o mesmo arranjo ca s˜ ao praticamente nulas.” Todo o programa e toda a abordagem do estruturalismo est˜ ao ao nesses dois textos: 1) a existˆencia encia de um certo n´ umero umero de materiais culturais sempre idˆenticos, enticos, que, como as cartas ou os elementos do caleidosc´ opio, podem ser qualificados opio, de invariantes; 2) as diferentes estrutura¸c˜ coes o˜es poss´ poss´ıveis destes materiais (isto ´e, e, as maneiras com as quais se organizam entre si quando passamos de uma cultura para outra, ou de uma ´epoca epo ca outra) out ra) que n˜ ao est˜ ao ao em n´ umero umero ilimitado, ilimitado, pois s˜ao ao comandadas comandadas pelo que L´evi-Strauss evi-Strauss chama de ”leis universais universais que regem as atividades inconscientes do esp´ esp´ırito”; 3) finalmen finalmente, te, compar´ compar´ aveis aveis `a aplica¸c˜ c˜ao a o de leis leis gramat gramatic icai ais, s, o pr´ proprio o´prio desenrolar do jogo de baralho ou os movimentos do caleidosc´ opio opio que n˜ao ao para de girar, com algu´ em em que observa observa esse processo pro cesso – o etn´ ologo – dirigindo, no caso do autor de Tristes Tr´ opicos, opicos, sobre o que percebe, p ercebe, um olhar que conv´em em qualificar qualifi car de est´etico. etico . L´evi-S ev i-Str trau auss ss n˜ao ao ignora a diversidade das culturas – j´ a que procurar´ a precisamente dar conta dela – nem a hist´ oria. Mas, de um lado desconfia de um oria. ”ecletismo apressado”que confundiria as tarefas e misturaria os programas”. E, de outro, considera que para compreender o movimen movimento to das sociedades ´e preciso n˜ao ao se situar ao n´ıvel da consciˆencia encia que o Ocidente tem da hist´ oria. oria. Essa consciˆ consc iˆencia encia hist´orica orica do ”progresso”n˜ ao carrega consigo nenhuma verao dade, dade , ´e um mito que conv´em em estudar estud ar como os outros outr os mitos, mitos , isto ´e, e, estendendo esten dendo no espa¸co co aquilo que o historiador percebe como escalonado no tempo. Tal ´e o significado do d o conceito de estrutura estr utura que Pouil-lon (1966) define como c omo ”a sintaxe das transforma¸c˜ coes o˜es que In/em passar de uma variante para outra”, tra” , pois p ois ”´e essa es sa sintaxe si ntaxe que d´ a conta de seu n´ umero umero limitado, da explora¸ explorac˜ c¸˜ao ao restrita das possibilidades te´oricas”. oricas”. Ou seja, seja, a hist´ oria oria ´e um jogo no qual a identidade dos parceiros tem menos importˆ ancia que as partidas jogadas, ancia e mais ainda as regras das partidas jog´ aveis aveis.. Ao comentar comentar o pensa p ensamen mento to de L´evi-Strauss evi-St rauss,, Pouillon recorre reco rre notadamente nota damente `a dupla met´ afora afora do bridge e do jogo de xadrez. Enquanto Enquanto no bridge ´e indispens´ indispens´ avel avel conhecer as cartas que acabaram de ser jogadas, no xadrez, qualquer posi¸c˜ c˜ao a o do jogo pode ser compreendida compreendida sem que se tenha conhecimento conhecimento das jogadas anteriores. anteriores. Ora,
111 L´evi-Strauss evi-St rauss considera consi dera que o est´ es t´ agio da partida jogada pelas sociedades ociagio dentais ´e ho je desastroso, desastroso , enquanto que as que foram jogadas pelas p elas sociedades soc iedades que se insiste em e m qualificai qua lificai de d e ”primitivas”s˜ ao ao infinitamente mais ma is humanas.
ˆ 112CAP 112CAP ´ITULO 10. A ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA ESTRUTURA ESTRUTURAL L E SIST EMICA:
Cap´ıtulo 11 A Antro Antrop polog ologia ia Dinˆ Dinˆ amic amica: a: A antropologia cultural insiste ao mesmo tempo sobre a diferen¸ca ca das culturas umas em rela¸c˜ c˜ao ao as a`s outras, outras, e sobre sobre a unidad unidadee de cada uma delas. delas. A antropologia que qualificamos de simb´ olica olica abre, notadamente atrav´es es de sua reivindica¸c˜ cao a˜o antietnocentrista, uma perspectiva muito pr´ oxima oxima da anterior, mas que se empenha em explorar particularmente um certo n´ umero de conte´ udos materiais (os mitos, os ritos) e de estruturas formais (a espeudos cificidade das l´ ogicas ogicas do conhecimento expressando-se notadamente atrav´es es das l´ınguas). ınguas). A antropo antropologi logiaa estrutur estrutural, al, por sua vez, vez, faz aparece aparecer, r, como acabamos de ver, uma identidade formal (um inconsciente universal) informando uma multiplicidade de conte´ udos materiais diferentes. O ultimo udos u ´ltimo p´olo olo do pensamento e da pr´ atica atica antropol´ ogicos que estudaremos agora aparece ogicos como ao mesmo tempo pr´ oximo e diferente da antropologia social cl´ oximo assica. assica. Pr´oximo, oximo, porque evidencia a articula¸c˜ cao a˜o de diferentes n´ıveis do social dentro de uma determinada cultura. cultura. Diferente, Diferente, porque opera uma ruptura total com a concep¸c˜ c˜ao ao de Malinowski ou de Durkheim, mas tamb´em em de L´evi-Strauss, evi-Strauss, de sociedades (”primitivas”, ”selvagens”ou ”tradicionais”)harmoniosas e integradas, em proveito do estudo dos processos de mudan¸ca, ca, ligados tanto ao dinamismo dinam ismo interno que ´e caract ca racter er´´ıstico de toda t oda sociedad soc iedade, e, quanto q uanto as ` rela¸c˜ coes o˜es que mantˆ em em necessariamente as sociedades entre si. O que caracteriza essencialmente as diferentes tendˆ te ndˆencias encias dessa antropologia que qualificamos aqui de dinˆamica, ami ca, ´e sua rea¸ rea c˜ c¸ao a˜o comum frente a` orienta¸c˜ c˜ao, ao, do seu ponto de vista conservadora, que pode ser encontrada dentro dos quatro p´olos olos de pesquisa que, para maior clareza, acabamos de distinguir. Praticamente, de fato, todas as perspectivas etnol´ ogicas que se elaboram a partir ogicas dos anos 30 (a antropologia social, simb´ olica, cultural) e que conhecem, para olica, muitas, uma renova¸c˜ c˜ao ao durante os anos 50, com o impulso particularmente da an´ alise alise estrutural, est˜ao ao animadas por uma abordagem claramente anti113
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ˆ CAP ´ITULO ITULO 11. A ANTRO ANTROPOL POLOGI OGIA A DIN AMICA:
evoluc evolucion ionist ista. a. O car´ ater ater especulativo da antropologia dominante do d o s´eculo eculo passado explica em grande parte essa rea¸c˜ cao a˜o a-hist´orica orica de nossa disciplina. No entanto, tudo se passa freq¨ uentemente como se as sociedades preferenuentemente cial, ou at´e exclusivamente exclusivamente estudadas pela maioria dos antrop´ olog ol ogos os do s´ecul ec uloo XX, fossem isentas de rela¸c˜ c˜oes oes com seus vizinhos, existissem dentro de um quadro econˆ omico omico e geogr´ afico mundial, e ignorassem tudo das contradi¸c˜ afico c˜oes, oes, dos antagonismos e das rupturas que seriam pr´ oprias apenas das sociedades oprias ocidentais. Insistindo tanto sobre a natureza repetitiva e rotineira das sociedades vistas como im´oveis oveis ou, ou , como co mo diz di z L´evi-Straus evi-St rauss, s, ”pr´ ”p r´ oximas do grau zero de temperaoximas tura hist´orica”, orica”, chega-se a considerar anormal a transforma¸ c˜ cao. a˜o. E dissocia-se, por isso mesmo, um n´ ucleo considerado essencial, ucleo essencial, unico u´nico objeto ob jeto da ”ciˆencia”(a encia ”(a integridade, estabilidade e harmonia dos grupos humanos que souberam preservar uma arte de viver), e uma sujei¸c˜ cao a˜o julgada acidental (as perip´ecias ecias da rea¸c˜ c˜ao ao com o colonialismo), Essa separa¸c˜ cao a˜o artificial de um objeto que poderia ser apreendido em estado puro, pois estaria cm si ainda puro de qualquer esc´oria oria da modernidade, e de um contexto (os grandes acontecimentos mundiais do d o s´eculo eculo XX) considerado como aleat´ orio, orio, s´o ´e p oss os s´ıvel ıve l p orqu or quee se consegue enquadrar o fenˆ omeno assim recortado nos moldes de um quadro omeno te´orico orico que funciona, em muitos aspectos, como uma oculta¸c˜ c˜ao ao da realidade. Pois as sociedad soc iedades es emp´ emp´ıricas ırica s as `as quais o etn´ologo olo go do s´eculo ecu lo XX ´e confro con frontad ntadoo n˜ao ao s˜ao ao nunca essas sociedades so ciedades atem porais inencontr´ aveis, aveis, ficticiamente ficticiamente arrancadas da hist´ oria, e sim sempre sociedades’ em plena muta¸c˜ oria, cao, a˜o, nas quais, pegando apenas um exemplo, as miss˜ oes oes cat´ olicas e protestantes abalaram olicas h´a muito muito tempo o edif´ edif´ıcio das religi˜ religioes o˜es tradicionais Recusando-se a tomar em considera¸c˜ cao a˜o a amplitude e a profundidade das mudan¸cas cas sociais, somos levados a apagar tudo o que n˜ao ao entra no quadro que se pretende estudar –um pouco como nesses filmes magn´ magn´ıficos sobre os ´ındios da Amazˆ onia ou os abor ab or´´ıgines ıgine s da Austr´alia, alia, em que evacuam-se as garrafas de Coca-Cola e tanques de gasolina da Standard Oil para preservar a beleza das imagens. Mas ent˜ ao, devemos temer que essa quase-transmuta¸c˜ ao, c˜ao ao est´etica, etica , essa preopreo cupa¸c˜ cao a˜o que tem o etn´ologo ologo na realidade, menos em realizar ele pr´ oprio oprio uma obra de arte do que contemplar modos de vida que seriam em si obras de arte (de Malinowski a L´evi-Strauss, evi-Strauss, passando por p or Griaule e Margaret Marg aret Mead), Mea d), fa¸ca ca esquecer a realidade das rela¸c˜ c˜oes oes sociais. Ora, ´e precisamente contra essa tendˆencia encia do pensamento etnol´ ogico que um certo n´ umero umero de antrop´ ologos ologos contemporˆ contemporˆ aneos se levantam. A partir de aneos uma cr c r´ıtica vigorosa vigoro sa tanto do funcionalismo funcion alismo quanto do estruturalismo, est ruturalismo, toda t oda
115 sua abordagem consiste, de acordo com as palavras de Paul Mercier (1966), em aceitar ”a morte do primitivo” primitivo”ee ”reabilitar”a ”reabilitar”a mudan¸ca. ca. Para eles, esta n˜ao ao ´e mais de forma alguma apreendida como a destrui¸ c˜ao ao de uma identidade que se caracter caracteriza iza por p or um estado estado de equil equil´ıbrio ıbrio e harmoni harmonia. a. Ou seja, seja, conv´em em deixar d eixar de ter t er uma u ma compree co mpreens˜ ns˜ ao ao negativa da mudan¸ca ca social, pois esta ´e co-extensiva co-ext ensiva ao pr´oprio oprio social, e deve, portanto, se tornar um dos pontos centrais da an´ alise alise do social. social. A conseq¨ conseq¨ uˆ uˆencia encia desse novo enfoque enfo que ´e o desaparecimento da oposi¸c˜ c˜ao, ao, essencial para L´evi-Strauss, evi-Strauss, e.’.tre as ”sociedades frias”e as ”sociedades quentes”; desaparecimento que pode levar a` recusa de uma outra distin¸c˜ c˜ao ao que tamb´em em deixa de ser reconheci reco nhecida da como pertine pe rtinente: nte: 1 a da antropologia e da sociologia. Esse neo-evolucionismo, particularmente forte nos Estados Unidos; e do qual encontramos uma das mais importantes realiza¸c˜ coes o˜es nos trabalhos de Marshall Sahlins (1980), insiste notadamente sobre o seguinte ponto: prolongar a problem´ atica, atica, j´a instaurada por Morgan h´a um s´eculo, eculo, mas sobre sobr e bases base s dessa vez indiscutivelmente etnol´ etn ol´ ogicas, ogicas, que n˜ao ao devem mais nada `as as reconstitui¸ reconstitui¸c˜ coes o˜es hipot´ hip ot´eticas etica s do s´eculo eculo XIX e que perper mitem pensar numa evolu¸c˜ c˜ao ao resoluta re solutamente mente ”plura ” plural”da l”da humanidade. humanida de. N˜ao ao ´e evidentemente poss´ poss´ıvel, dentro do quadro limita do desse trabalho, dar conta da riqueza e diversidade das pesquisas que de uma forma ou de outra participam hoje do desenvolvimento extremamente ativo dessa antropologia que qualificamos de dinˆamica. amica. Seria conveniente, por exemplo, falar dos trabalhos de Max Gluckman (1966), de Jacques Bergue (1964), ou ainda, da contribui¸ contribui¸c˜ cao a˜o de um certo n´ umero umero de antrop´ ologos franceses de orienta¸c˜ao ologos marxista, que notadamente renovaram, durante os ultimos u´ltimos 25 anos, a area a´rea 1
Se praticamente pratica mente toda a antropologia antropo logia do s´ eculo eculo XX teve tendˆencia, encia, at´e recentemente, a consid considera erarr que as socieda sociedades des ”tradi ”tradicio cionai nais”s s”s˜˜ao ao socieda sociedades des imut´ imut´ aveis, aveis, tal tendˆencia encia ´e provavelme provavelmente nte mais forte na fran¸ca, ca, devido devido notada notadamen mente te a` preocupa¸ preocupa¸c˜ cao a˜o de muito muitoss etn´ologos ologos de nosso pa´ pa´ıs em rela¸c˜ cao a˜o aos sistemas m´ıtico-cosmol´ ogicos.. Disso ogicos Disso deco decorre rre a rea¸c˜ cao a˜o que leva leva na Fran¸ ran¸ca c a um certo n´umero umero de pesquis pesquisado adores res (Baslide (Baslide.. Desrocl Desroclic, ic, Balandier, Balandier, Thomas...) Thomas...) a libertarem-se libertarem-se desse ponto de vista considerado considerado passadista passadista e a preferirem a terminologia de ”sociologia”. Uma das corren correntes tes contem contemporˆ porˆ aneas aneas mais marcante marcantess desse pensamento pensamento ´e certamen certamente te a que nasceu nos Estados Unidos, durante os anos 50, com o impulso de Leslie White (1959), e que qualifica a si pr´opria opria de neo-evolucionismo. Este realiza, em primeiro lugar, uma releitura e uma reabilita¸c˜ c˜ao ao da obra de Morgan, Morgan, relegada relegada at´ e ent˜ ao, ao, pela maioria dos pesquisadores, p esquisadores, ao esquecimento. Descobre assim que essa obra cont´em em uma intui¸c˜ c˜aaoo fecunda que conv´ c onv´em em explorar: exp lorar: n˜ao ao se trata, t rata, ´e claro, claro , dessa dess a ”period ”p eriodiza¸ iza¸c˜ c˜ao”sistem´ ao”sistem´ atica, atica, sobre a qual os advers´arios arios do antrop´ologo ologo americano tanto insistiram para desacredit´a-lo, a-lo, mas de sua descoberta de uma indissociabilidade de n´ıveis ıveis do social so cial (a tecnologia, a ecologia, a fam´ fam´ılia, as institui¸ instit ui¸c˜ c˜oes oes pol´ıticas, ıticas , a religi˜ao) ao) estreitamente imbricadas, formando o que o pr´oprio oprio Morgan chama de ”estruturas”, que evoluem dentro de per´ per´ıodos sucessivos.2
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ˆ CAP ´ITULO ITULO 11. A ANTRO ANTROPOL POLOGI OGIA A DIN AMICA:
da antropologia econˆ omica. omica.3 Dois autores ir˜ao ao deter mais demo-radamente nossa aten¸c˜ c˜ao: ao: Georges Balandier e Roger Bastide. Uma das preocupa¸c˜ coes o˜es de Balandier, desde a publica¸c˜ cao a˜o de suas primeiras ´ obras sobre a Africa negra negr a (1955), (1 955), ´e mostrar mo strar que conv´em em interess i nteressar-se ar-se para todos os atores sociais presentes (n˜ao ao mais mai s ape a penas nas os ”ind ”in d´ıgenas ıge nas”, ”, mas tamb´em em os mission´arios, arios, os administradores e outros agentes da coloniza¸c˜ cao), a˜o), pois todos fazem parte do campo de investiga¸c˜ cao a˜o do pesquisa pesquisador. dor. Po Porr outro lado, Balandier nos prop˜oe oe uma cr´ cr´ıtica radical da no¸ c˜ cao a˜o de ”integra¸c˜ c˜ao”social, ao”social, que seria localiz´avel avel a partir da observa¸c˜ c˜ao ao de grupos sociais ”preservados”. Considera, pelo contr´ ario, ario, que toda sociedade ´e ”problem´ atica”. atica”. Ou seja, da mesma forma que Griaule havia, como dissemos, mostrado que o complexo n˜ao ao ´e um produto pro duto derivado derivado de formas originais – que seriam, por sua vez, simples – Balandier considera que n˜ ao ao se deve opor uma in´ ercia ercia – para ele absolutamente absolutamente fict´ fict´ıcia – que seria perturbada p erturbada de fora por um dinamismo, dinamismo, caracter´ caracter´ıstico apenas das nossas sociedades. Mas a compara¸ c˜ao ao entre Griaule e Balandier p´ara ara evidentemente a´ a´ı. O primeiro pr imeiro efetua efe tua o levantamento levantamento de uma tradi¸c˜ cao a˜o ancestral, concebida por ele como c omo quase imut´ avel, avel, enquanto o segundo coloca as bases de uma teoria da mudan¸ ca ca social, que o levar´a a empreender, no decorrer de suas obras a constitui¸ c˜ cao a˜o de uma antropologia da modernidade. Essa perspecitva de um estudo da mudan¸ca ca social integrado ao pr´ oprio oprio ob jeto de investiga¸ investiga¸ c˜ cao a˜o do pesquisador n˜ ao tinha sido. na realidade, totalmente ao ausente da cena antropol´ ogica ogica da metade do s´eculo eculo XX. Conv´ em em lembrar que, antes mesmo da Primeira Guerra Mundial, Malinowski, renunciando a` atitude ”romˆ antica”que antica”que era sua na ´epoca epoca de suas estadias estadias nas ilhas TrobriTrobriand, envolve-se, no final de sua vida, em uma perspectiva dinˆamica amica (1970). E o mesmo se d´a, a, na mesma mesma ´epoca epoca e em muitos muitos aspectos, aspectos, para a reflex˜ reflex˜ ao de Margaret Mead, assim como para os trabalhos da antropologia cultural que se desenvolve durante o p´ os-guerra. Mas os conceitos que s˜ os-guerra. ao ao ent˜ ao ao utilizados (especialmente nos Estados Unidos) para dar conta da mudan¸ca, ca, s˜ao ao sempre conceitos neutros, dissimulando dissimulando uma realidade colonial. Fala-se em ”contatos ”contatos culturais”, ”choques culturais”, e sobretudo em ”acultura¸ ”aculturac˜ ¸ao”, ao”, terminologia que far´a sucesso sucesso.. Balandi Balandier er prop˜ propoe o˜e a substitui¸c˜ c˜ao ao pura e simples deste ultimo u ´ ltimo termo pelo de ”situa¸c˜ cao a˜o colonial”, que implica a realidade de uma rela¸c˜ cao a˜o social de domina¸c˜ cao, a˜o, quase sempre sistematicamente ocultada na antropologia cl´ assica. assica.
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Cf. Cl. Meillassoux (1964), E. Terray (1969), P. P Rey (1971), M. Godelier (1973)
117 A partir disso, n˜ao ao se fala mais em primitivos ou selvagens e sim em ”povos colonizados”, enquanto o processo da coloniza¸ c˜ cao, a˜o, e depois, da descoloniza¸ c˜ cao a˜o se torna parte integran integrante te do campo campo que se deve estudar. estudar. Esse Esse processo, processo, ou outros semelhantes, ´e que nos permitem apreender n˜ ao ao apenas as mudan¸cas cas estruturais em andamento, mas as respostas as a`s mudan¸cas cas tais como se elaboram, por exemplo, nas metr´ opoles congolesas, sob a forma de movimentos opoles messiˆanicos anicos (Balandier, 1955),4 ou tais como estou observando neste momento em Fortaleza, no Nordeste do Brasil, sob a forma de cultos sincr´eticos. eticos. A obra de Roger Bastide aparece ao mesmo tempo muito pr´ oxima oxima e muito diferente da anterior. Muito diferente cm primeiro lugar, porque a abordagem desse autor inscreve-se claramente, como vimos acima, no horizonte da antropologia cultural. Mas Bastide, tanto quanto Balandier, procura incluir os diferentes protagonistas sociais no campo de seu objeto de estudo. Ademais, tamb´ tamb´em em insiste, insiste, de um lado, sobre as mudan¸ mudan¸ cas cas sociais ligadas `a dinˆamica amica pr´opria opria de uma determinada cultura; de outro, sobre a interpenetra¸ c˜ao ao das civiliza¸c˜ coes, o˜es, que provoca um movimento de transforma¸c˜ coes o˜es ininterruptas. Todas essas pesquisas, mais uma vez freq¨ uentemente muito diferentes uma uentemente das outras, inscrevem-se plenamente no projeto mesmo da antropologia, que ´e dar conta das varia¸c˜ coes, o˜es, isto ´e, e, notadamente das mudan¸ cas. cas. Uma de suas maiores contribui¸c˜ c˜oes oes ´e de ter participado de forma consider´ avel avel do deslocamento das preocupa¸c˜ coes o˜es tradicionais dos etn´ologos, ologos, e de ter aberto novos lugares de investiga¸ investiga¸ c˜ cao: a˜o: a cidade em especial, lugar privilegiado de observa¸c˜ao dos conflitos, das tens˜oes oes sociais e das reeetrutura¸c˜ coes o˜es em andamento (cf. quanto quanto a isso, al´em em dos trabalhos trabalhos de Balandier Balandier citados acima, Oscar Lewis (1963), Paul Mercier (1954), Jean-Marie Gibbal (1974) ). Correlativ Correlativamente, amente, essa antropologia antropologia da modernidade (segundo a express˜ express˜ao ao de Balandier), Balandier ), que instaura uma ruptura com a tendˆencia encia intelectualista da etnologia francesa, leva o pesquisador a interessar-se diretamente pela sua pr´opria opria sociedade sociedade.. Finalm Finalmen ente, te, enfatiza enfatizando ndo a realida realidade de conflitua conflituall das situa¸c˜ coes o˜es de dependˆ dep endˆencia encia (econˆ (eco nˆ omica, omica, tecnol´ ogica, ogica, militar, ling¨ u´ıstica. ıstic a. . .), ela e la n˜ao ao opera apenas uma transforma¸c˜ cao a˜o do objeto de estudo, mas inicia uma verdadeira muta¸c˜ cao a˜o da pr´ atica atica da pesquisa. Dito isso, se essa antropologia reorienta, ”complexifica”e ”complexifica”e ”problematiza”a ”problematiza”a antropologia antropologia cl´ assica, seria no entanto irris´ assica, orio orio pensar que a abole.
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Cf. tamb´ em em V. Lantemari (1962). W E. M¨ uhlmann (1968), F I.awrence (I974V uhlmann
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ˆ CAP ´ITULO ITULO 11. A ANTRO ANTROPOL POLOGI OGIA A DIN AMICA:
Parte III A Espec Esp ecific ificida idade de Da Pr´ atic atica a Antropol´ ogica ogica
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Cap´ıtulo 12 Uma Ruptura Metodol´ ogica: ogica: a pr prio iori rida dade de da dada da ` a exp exp eriˆ eriˆ enci encia a pesso essoal al do ”campo” A abordagem antropol´ ogica de base, a que todo pesquisador considera hoje ogica como incontorn´ avel, quaisquer que sejam por outro lado suas op¸c˜ avel, coes o˜es te´ oricas, oricas, prov´em em de uma ruptura ruptu ra inicial i nicial em rela¸ r ela¸c˜ c˜ao ao a qualquer modo de conhecimento abstrato e especulativo, isto ´e, e, que n˜ ao estaria baseado na observa¸c˜ ao c˜ao ao direta dos comportamentos sociais a partir de uma rela¸c˜ cao a˜o humana. N˜ao a o se pod pode, e, de fato fato,, estu estuda darr os home homens ns a` maneira do botˆ anico anico examinando a samamb´ aia aia ou do zo´ ologo ologo observando observando o crust´ aceo; aceo; s´o se pode po de fazˆe-lo e-l o comunicando-se com eles: o que sup˜ oe oe que se compartilhe sua existˆencia encia de maneira dur´ avel (Griaule, Leenhardt) ou transit´ avel oria oria (L´evi-Strauss). evi-Strauss). Pois a etnografia, que ´e fundadora fundadora da etnologia etnologia e da antropologia antropologia – a tal ponto p onto que alguns dos mestres de nossa disciplina (estou pensando particularmente em Boas) consideram que toda s´ıntese ´e sempre prematura, e que alguns ainda hoje preferem qualificar-se de ”etn´ ografos”(J. Favret, 1977) – n˜ ografos”(J. ao ao consiste apenas ap enas em coleta c oletar, r, atrav´ a trav´es es de um m´etodo eto do estrit e stritamente amente indutivo, indut ivo, uma um a grande gr ande quantidade de informa¸c˜ c˜oes, oes, mas em impregnar-se dos temas obsessionais de uma sociedade, de seus ideais, de suas ang´ ustias ustias.. O etn´ ografo ograf o ´e aquele aquel e que deve ser capaz de viver viver nele mesmo a tendˆ encia encia principal da cultura que estuda. Se, por exemplo, a sociedade tem preocupa¸ c˜ coes ˜oes religiosas, ele pr´oprio oprio deve rezar com seus h´ ospedes. ospedes. Para poder po der compreender compr eender o candombl´e, e, ”foi-me ”fo i-me preciso mudar completamente minhas categorias l´ ogicas”, escreve Roger Basogicas”, tide (1978), acrescentando: acrescentando: ”Eu procurava procurava uma compreens˜ compreensao ˜ mineral´ogica ogica e, mais ainda, an´aloga aloga a organiza¸c˜ coes ˜oes vegetais, a cip´ os os vivos”.
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´ CAP ´ITULO 12. UMA RUPTURA RUPTURA METODOL METODOLOGICA:
Assim, a etnografia ´e antes a experiˆencia encia de uma imers˜ ao ao total, consistindo em uma verdadeira acultura¸c˜ c˜ao ao invertida, na qual, longe de compreender uma sociedade apenas em suas manifesta¸c˜ c˜oes oes ”exteriores”(Dur ”exteriores”(Durkheim), kheim), devo interioriz´a-la a-la nas significa¸c˜ coes o˜ es que os pr´ oprios oprios indiv´ indiv´ıduos atribuem a seus comportamentos. comportamentos. Quanto Quanto a isso, ´e significativ significativoo que, em sua Li¸ c˜ao ao Inaugural no Coll` Coll`ege ege de France, o autor da Antropologia Antropologia Estrutural comece sua exposi¸c˜ c˜ao ao por uma ”homenagem”ao ”pensamento supersticioso”, proclame que, ”contra o te´ orico, o observador deve ficar com a ultima orico, u´ltima palavra; e contra o observador, o ind´ıgena”, ıgena”, e termine seu se u discurso insistindo sobre tudo o que deve a esses ´ındios ındios do Brasil, Brasil, de quem se considera considera um ”aluno”. Essa apreens˜ ao ao da sociedad sociedadee tal como como ´e percebida percebida de dentro dentro pelos atores atores sociais com os quais mantenho uma rela¸c˜ c˜ao ao direta diret a (apreens˜ (apr eens˜ao ao esta, est a, que n˜ao ao ´e de forma alguma exclusiva exclus iva da d a evidencia¸ evide ncia¸c˜ cao a˜o daquilo que lhes escapa, mas que, pelo contr´ario, ario, abre o caminho para essa etapa ulterior ulterior da pesquisa), ´e que distingue essencialmente a pr´atica atica etnol´ ogica o gica – pr´atica a tica do campo – da do historiador ou do soci´ologo. ologo. O historia historiador, dor, de fato, se procura, procura, como o etn´ ologo, ologo, dar conta o mais cientificame cientificamente nte poss´ poss´ıvel da alteridade alteridade a` qual qu al ´e confrontado, nunca entra em contato direto com os homens e mulheres das socieda sociedades des que estud estuda. a. Recol Recolhe he e anal analis isaa os testem testemunh unhos os.. Nu Nunc ncaa enconencontra testemunhas vivas. Quanto a` pr´atica atica da sociologia, pelo menos em suas principais princ ipais tendˆencias encia s cl´ assicas assicas v´arias arias caracter´ caracter´ısticas a distinguem da pr´ atica atica etnol´ogica ogica considerada sob o angulo aˆngulo que det´em em aqui nossa aten¸c˜ c˜ao. ao. 1) Comporta um distanciamento em rela¸c˜ cao a˜o a seu objeto, e algo frio, e ”desencarnado”, como diz L´evi-Strauss evi-Strauss a respeito do p pensamento ensamento durkheimiano. durkheimiano . 2) Diante de qualquer problema que lhe seja apresentado, parece ser capaz de encontrar uma explica¸c˜ cao ˜ao e fornecer solu¸c˜ c˜oes. oes. Objetar-se Objetar-se-´ -´ a que pode, po de, ´e claro, ser o caso do etn´ologo. ologo. Com a diferen¸ca, ca, por´em, em, de que este se esfor¸ca, ca, por raz˜ oes oes metodol´ogicas ogicas (e evidentemente afetivas), em co-colar-se o mais perto poss´ poss´ıvel do que ´e vivido vivido por homens de carne e osso, arriscando-se arriscando-se a perder em algum momento sua identidade e a n˜ ao voltar totalmente ileso ao dessa des sa experiˆ exp eriˆencia. enc ia. 3) O etn´ologo ologo evita, n˜ao ao apenas por temperamento temperamento mas tamb´ tamb´em em em conseq¨ uˆ uencia eˆncia da especificidade especificidade do modo de conhecimento conhecimento que persegue, uma programa¸c˜ cao a˜o estrita de sua pesquisa, bem como a utiliza¸c˜ cao a˜o de protocolos r´ıgidos, de que a sociologia cl´ assica assica pensou poder pode r tirar tantos benef b enef´´ıcios cient´ cient´ıficos. ıficos . A busca bu sca etnogr e tnogr´ afica, a´fica, pelo contr´ ario, tem algo de errante. As tenario, tativ tativas abordadas abordadas,, os erros erros cometid cometidos os no campo, campo, constit constituem uem informa informa¸ c˜ ¸oes oes
123 que o pesquisa pesquisador dor deve deve levar levar em conta. conta. Como Como tamb´ tamb´ em em o encontr encontroo que surge freq¨ uentemente com o imprevisto, o evento que ocorre quando n˜ uentemente ao ao esper´avamos. avamos. N˜ao ao nos n os engane e nganemos, mos, por´em, em, quanto as a`s virtudes do campo. Da mesma forma que o fato de ter alcan¸cado cado uma cura anal´ anal´ıtica n˜ ao ao garante que vocˆe possa um dia se tornar psicanalista, um grande n´ umero de temporadas passadas em umero contato com uma sociedade que se procura compreender n˜ ao ao o transformar´ a ipso jacto em um etn´ologo. ologo . Trata-se rata -se por´ p or´em em de d e condi¸ con di¸c˜ coes o˜es necess´ arias. arias. Pois a pr´atica atica antropol´ antropologica o´gica s´o pode se dar com uma descoberta etnogr´ afica afi ca,, isto is to ´e, e, com uma experiˆencia encia que comporta uma parte de aventura pessoal. p essoal.
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´ CAP ´ITULO 12. UMA RUPTURA RUPTURA METODOL METODOLOGICA:
Cap´ıtulo 13 Uma Inve nvers˜ ao Tem´ atica: o estudo do infinitamente pequeno e do cotidiano A hist´oria, oria, a sociologia cl´assica assica d˜ao ao uma prioridade prioridade quase sistem´ atica atica a` sociedade global, bem como as a`s formas de atividades institu´ institu´ıdas. Assim, por po r exemplo, quando estudam as associa¸c˜ c˜oes oes volunt´arias, arias, privilegiam nitidamente as grandes, suscet´ suscet´ıveis de influenciar diretamente a (grande) pol´ pol´ıtica: os partidos, os sindicatos. . . em detrimento das associa¸c˜ coes o˜es de menor importˆ ancia ancia num´ erica, erica, como as associa¸c˜ c˜oes oes religiosas, e sobretudo as formas menos organizadas ganizadas de socialidade. socialidade. Nessas condi¸c˜ coes, o˜es, a vida cotidiana dos homens torna-se torn a-se uma esp´ecie ecie de res´ res´ıduo irris´ irrisorio, o´rio, a n˜ao ao ser em se tratando (para o historiador) da vida dos ”grandes homens”. Os fenˆ omenos omenos sociais n˜ao ao escritos, n˜ao ao formalizados, n˜ao ao institucionalizados (isto ´e, e, na realidade, a maior parte de nossa existˆencia) encia) s˜ ao ao ent˜ ao rejeitados para o registro inconsistente ao do ”folclore”. A abordagem etnol´ogica ogica consiste precisamente em dar uma aten¸ c˜ cao a˜o toda especial a esses materiais residuais que foram durante muito tempo considerados como indignos de uma atividade t˜ ao nobre quanto a atividade ciao 1´ ent´ıfic ıfi ca. E uma abordagem claramente microsso´ microssoaol´ a´ol´ogica, ogica, que privilegia dessa vez o que ´e aparentemente secund´ ario em nossos comportamentos sociais. ario Disso resulta um deslocamento radical dos centros de interesse tradicionais das ciˆ encias encias sociais, para o que chamarei chamarei de infinitament infinitamentee pequeno e cotidi1
Trata-se evidentemente menos, no caso, da ciˆencia, encia, do que de uma de suas vestimentas ideol´ogicas ogicas que escolhe esc olhe os o s fatos fato s estudados estu dados de acordo acor do com crit´erios erios e pertinˆ pert inˆencias encias estranhas estranh as a qualquer preocupa¸c˜ c˜ao ao cient´ cient´ıfica, e os batiza de ”hist´oricos”, oricos”, a partir da representa¸c˜ c˜aaoo mestra do .acesso progressivo das sociedades humanas a um maior bem-estar, b em-estar, consciˆencia encia e raz˜ao. ao.
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˜ TEM ATICA: ´ CAP ´ITULO ITULO 13. 13. UMA UMA INVER INVERS S AO
ano. As doutrinas, doutrinas, as constru¸ construc˜ c¸˜oes oes intelectuais,as produ¸c˜ coes o˜es do pensamento erudito (filos´ ofico, ofico, teol´ teologico, o´gico, cie cient nt´´ıfico. ıfico. . .) s˜ ao, ao, nessa nessa perspectiv perspectiva, a, consideradas menos como iluminadoras do que como devendo ser iluminadas. Assim, a aten¸c˜ c˜ao ao do pesquisador passa a interessar-se para as condutas mais habituais e, em aparˆencia, encia, mais f´ uteis: uteis: os gestos,as express˜ express˜ oes oes corporais, os h´abitos abitos alimentares, e higiene, a percep¸c˜ cao a˜o dos ru´ıdos ıdo s da d a cidade cid ade e dos ru´ıdos ıdo s dos campos. . . Embora o objeto obje to emp´ emp´ırico da etnologia n˜ ao se confunda com o campo aberto ao pela coloniza¸c˜ c˜ao, ao, as preocupa¸c˜ coes o˜es dos etn´ ologos me parecem indefectivelniologos ente ligadas a um certo n´ umero umero de crit´ crit´erios, erios, que permitem definir as sociedades dades nas quais nossa disciplin disciplinaa nasceu: nasceu: grupos grupos de pequena pequena dimens˜ dimens˜ ao, nos quais as rela¸c˜ coes o˜es (exclusiva ou essencialmente orais) s˜ ao ao personalizadas no extremo. 0 problema que se vˆe aqui colocado ´e evidentemen evidentemente te o seguinte: seguinte: como far´ a o etn´ologo ologo quando se ver confrontado a sociedades gigantescas, nas quais a comunica¸c˜ cao a˜o aparece como cada vez mais anˆ onima? onima? Resposta: Resposta: ele vai em primeiro lugar procurar, dentro dessas sociedades, se n˜ ao ao encontra objetos emp´ emp´ıricos capazes de lembrar-lhe lembrar-lhe os bons tempos da etnologia etnologia cl´assica. assica. E, ´e um fato, voltar-sevoltar-se-´ a´ em primeiro lugar para a comunidade camponesa (e n˜ ao ao para par a a cidade industrial), para p ara a fam´ fam´ılia tradicional (e n˜ nao ˜ para a fam´ fam´ılia desmembrada), desmembrada), para as pequenas confrarias confrarias religiosas religiosas (e n˜ ao para as grandes organiza¸c˜ coes o˜es sindicais), e, em seguida, para as popula¸c˜ coes o˜es desenraizadas (e n˜ ao ao para a burgues burguesia ia decadent decadente). e). Em suma, seus objetos de predile¸c˜ cao a˜o ser˜ao ao os grupos sociais que se situam mais no exterior da sociedade global do observador: observador: os que qualificamos qualificamos de marginais: marginais: camponeses bret˜ oes, feiticeiros do Berry, adeptos de seitas religiosas. . 2 oes, Dito isso, conv´ em em distinguir (mas n˜ ao ao dissociar) as quest˜oes o es de fato e as de direit direito. o. Se, Se, de fato, fato, o etn´ ologo tende a estudar as formas de comportaologo mento e sociabilidade mais excentradas em rela¸c˜ cao a˜o a` ideologia dominante da sociedade global a` qual pertence, n˜ ao a o h´a, a, de direito, propriamente nenhum territ´ orio orio da etnologi etnologia. a. E as diferen diferen¸cas c¸as entre os modos de vida e de pensamento s˜ao a o t˜ ao ao localiz´aveis aveis nas nossas sociedades (constitu´ (constitu´ıdas de m´ ultiplos ultiplos subgrupos extremamente diversificados, e nos quais v´ arias arias ideologias est˜ao ao em concorrˆ concorrˆencia) encia) quanto nas sociedades qualificadas de ”tradicionais”. ”tradicionais”. ”Se o etn´ ologo”, ologo”, como escreve escreve L´evi-Strauss evi-Strauss (1958), ”interessa-s ”interessa-see sobretudo sobretudo por aquilo que n˜ao ao ´e escrito”(e tamb´em, em, acrescentaremos, por aquilo que n˜ ao 2
Essa predile¸c˜ cao a˜o pelos abandonados (”laiss´ es-pour-compte”) es-pour-compte”) (ou advers´ arios) arios) do progresso – o estudo dos indigentes sucedendo ao dos ind´ ind´ıgenas – parece claramente na ´area area n˜ao a o ex´otica otica da antropologi antropologiaa americana, americana, que d´ a uma aten¸c˜ cao a˜o toda especial aos guetos negros negros ou portorriquenh portorriquenhos os dos Estados Estados Unidos. Unidos.
127 ´e formalizado e institucionalizado), ”n˜ ao ao ´e tanto tanto porque porque os povos povos que estuda s˜ao ao incapazes incapaz es de escrever, mas porque aquilo que o interesse ´e diferente difere nte de tudo que os homens pensam habitualmente em fixar na pedra e no papel”. Conv´ em, em, portanto, p ortanto, deixar de ixar de colocar o problema pro blema das rela¸ c˜ coes o˜es da sociologia e da etnologia etn ologia sobre as bases emp´ emp´ıricas das ”sociedades industriais”e das da s ”sociedades tradicionais”(mesmo incluindo-se os lados ”tradicionais”existentes dentro das primeiras), pois a etnologia n˜ ao tem objeto que lhe seja pr´ ao oprio oprio (e que poderia ser-lhe ipso jacto designado pelo car´ ater ”primitivo”ou ”tradicioater nal”das sociedades estudadas), estudadas), e sim uma abordagem, ab ordagem, um enfoque particular, particular, um olhar, ao meu ver, absolutamente unico u ´nico no campo c ampo das ciˆencias encia s humanas, human as, e pass p ass´´ıvel de ser aplicado a plicado a toda realidade social. O que me parece importante sublinhar, sublinhar, finalmente, finalmente, ´e que grande parte da renova¸c˜ cao a˜o das ciˆencias encia s humanas huma nas contemporˆ contemp orˆ aneas deve-se incontestavelmente aneas a sua abertura para nossa disciplina, que as influenciou (direta ou indiretamente) designando-lhes novos terrenos de investiga¸c˜ cao ˜ao e convencendo-as de que n˜ao ao deve haver, na pr´ atica atica cient´ cient´ıfica, objeto ob jeto tabu. Assim, as ciˆencias encia s das d as religi˜oes o es n˜ao ao consideram consideram mais o cristianismo cristianismo ”ao n´ıvel ıvel das doutrinas doutrinas e dos doutores, e sim das multid˜ oes oes anˆonimas”, onimas”, como escreve Ean Delumeau. Delumeau. A arquitetura quitetura come¸ca ca a perceber que o estudo dos monumentos ”de estilo”forma apenas uma parte ´ınfima do h´ abitat, e a reabilitar todo esse ”recalcado”da abitat, cultura material que ´e, e, no caso, o h´ abitat abitat popular. Um deslocamento deslocamento absolutamente an´ alogo pode ser encontrado em qualquer area: alogo a´rea: ”a arqueologi arqueologia, a, por exemplo, est´a passando do estudo dos pal´ acios, acios, templos e t´ umulos umulos imperiais para par a o conjunto do meio ambiente constru c onstru´´ıdo, inclusive o mais humilde, sendo este a express˜ao ao de uma cultura que se procura compreender nos seus m´ınimos ıni mos detalh det alhes. es. Mas ´e sobretudo sobre tudo na hist´oria, oria, ao meu ver, que assistimos a um deslocamento radical radical do campo da curiosida curiosidade. de. Trata-se rata-se de ir do p´ ublico ublico para o privado, do Estado para o parentesco, dos ”grandes homens”para os atores anˆ onimos, e dos grandes eventos eventos para a vida cotidiana. Sob a influˆ influˆencia encia da escola dos Annales, a hist´oria oria contemporˆ anea, pelo menos na Fran¸ca, anea, ca, tornou-se uma hist´oria oria antropol´ ogica, ogica, isto ´e, e, uma hist´ oria das mentalidades e sensibilidaoria des, uma hist´oria oria da cotidianidade material.
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Cap´ıtulo 14 Uma Exigˆ encia: o estudo da totalidade Uma das caracter´ caracter´ısticas da abordagem antropol´ ogica ´e que se esfor¸ca c a em levar levar tudo em conta, conta, isto isto ´e, e, de estar estar atenta atenta para que nada lhe tenha tenha escapado. capado. No campo, tudo deve deve ser observado, observado, anotado, anotado, vivido vivido,, mesmo mesmo que n˜ao ao diga respeito diretamente diretamente ao assunto assunto que pretendemos estudar. De um lado, o menor fenˆomeno omeno deve ser apreendido na multiplicidade de suas dimens˜oes oes (todo comportamento humano tem um aspecto econˆ omico, omi co, pol po l´ıtico, ıti co, psicol´ogic o gico, o, socia social, l, cult cultura ural. l. . .). .). De outro outro,, s´ o adquire significa¸c˜ cao a˜o antropol´ogica ogica sendo relacionado a` sociedade como um todo na qual se inscreve e dentro da qual constitui um sistema complexo. Como escreve Mauss (1960), ”o homem ´e indivis´ıvel”e ıvel”e ”o estudo estud o do concreto”´ concr eto”´e ”o estudo estud o do completo”. comple to”. ´ a raz˜ao E ao pela qual toda abordagem que consistir em isolar experimentalmente objetos n˜ ao cabe no modo de conhecimento pr´ ao oprio oprio da antropologia, pois o que esta pretende estudar ´e o pr´ oprio contexto no qual se situam esses oprio objetos, ob jetos, ´e a rede densa das intera¸ c˜ coes o˜es que estas constituem com a totalidade social em movimento. A especializa¸c˜ cao a˜o cient cie nt´´ıfica ıfic a ´e mais mai s proble pro blem´ m´ atica atica para o antrop´ ologo ologo do que para qualquer qualquer outro pesquisador pesquisador em ciˆ encias encias humanas. O antrop´ antropolog ol ´ ogoo n˜ao ao pode, de fato, se tornar um especialista, isto ´e, e, um perito de tal ou tal area a´rea particular particular (econˆ omica, omica, demogr´ afica, afica, jur´ jur´ıdica. . .) sem correr o risco de ab olir o que ´e a base b ase da pr´ opria especificidade de sua pr´ opria atica. ati ca. As ciˆencias enc ias pol po l´ıticas ıtic as se d˜ao ao por objeto de investiga¸c˜ c˜ao ao um certo aspecto do real: as institui institui¸ c˜ c¸oes o˜es que regem as rela¸c˜ coes o˜es do poder; pode r; as ciˆencias encias econˆ omicas, um outro: os sisteomicas, mas de produ¸c˜ cao a˜o e troca tro ca de bens; ben s; as ciˆencias encia s jur´ jur´ıdicas, ıdica s, o direito; direi to; as ciˆencias encia s 129
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psicol´ogicas, ogicas, os processos cognitivos cognitivos e afetivos; afetivos; as ciˆ encias encias religiosas, os sistemas de cren¸ca. . . Mas tod todoos es estes sao a˜o para o antrop´ ologo ologo fenˆ omenos omenos parciais, isto ´e, e, abstra¸c˜ c˜oes oes em rela¸c˜ c˜ao a o ao enfoque n˜ ao ao parcelar que orienta sua abordagem. O parcelamento disciplinar comporta, de fato, no horizonte cient cie nt´´ıfico ıfic o conte c ontemp mporˆ orˆaneo, aneo, um risco risco essenci essencial: al: o de um desman desmantel telamen amento to do homem em produtor, consumidor, cidad˜ ao, parente. . . Assim, por exemplo, ao, a pesquisa sociol´ogica ogica est´a cada vez mais especiali especializada zada:: estuda estuda fenˆ omenos omenos particulares: a delinq¨ uˆ uˆencia, encia , a criminalidad crimin alidade, e, o div´ d iv´ orcio, o rcio, o alcoolismo. . . e o pesquisador tende a se tornar o especialista de um campo exclusivo: sociologia dos lazeres, do esporte, das condutas suicidas. . . A pr´opria opria antropologia antrop ologia,, ´e claro, claro , ´e freq¨ frequentemente ¨ levada a participar desse processo que pode p ode causar uma verdadeira verdadeira mutila¸ c˜ao ao do ser humano, de que se procura, em um segundo tempo (a pluridisciplinari pluridisciplinaridade), dade), costurar de novo novo os retalhos recortados. Mas permanece, a meu ver, dentro do espa¸ co co da cultura cient cie nt´´ıfica ıfic a (e n˜ao ao da cultura humanista, como pode ser a cultura filos´ofica ofica ou liter´aria), aria), um lugar privilegiado a partir do qual ainda se pode perceber que toda pr´ atica atica hiperespecializada, hiperesp ecializada, atrav´es es da fragmenta¸ c˜ c˜ao ao e do desmembradesme mbramento que imp˜oe oe ao real, acaba destruindo o pr´ oprio objeto que pretendia oprio estudar. Pessoalmente, a antropologia me parece ser o ant´ ant´ıdoto n˜ ao filos´ofico ofico de uma concep¸c˜ cao a˜o tayl taylor oria iana na da pesqu pesquis isa, a, que que consi consist stee em: em: 1) cumpri cumprirr sempr sempree a mesma tarefa, ser o especialista de uma unica u´nica area; a´rea; 2) tentar, de uma maneira pragm´ atica, atica, modificar, ou at´e transformar os fenˆ omenos omenos que se estuda. O drama dr ama das d as ciˆ c iˆencias encia s humanas human as contemp co ntemporˆ orˆ aneas aneas ´e a fratura fratu ra entre e ntre uma u ma atitud a titudee extremamente reflexiva (a da filosofia ou da moral) mas que corre o risco de cair no vazio, dada a fraca positividade de seus objetos de investiga¸c˜ cao, a˜ o, e uma cientificidade extremamente positiva, mas pouco reflexiva, por estar baseada no parcelamento de territ´ orios e, voltaremos a isso, sobre uma forma orios de objetivi ob jetividade dade que as pr´ oprias opria s ciˆencias encia s exatas exa tas descar d escartara taram m h´ a muito tempo.1 Essa preocupa¸ preocupa¸ c˜ cao a˜ o que que tem tem a antr antropo opolo logi giaa de dar dar con conta, ta, a part partir ir de um fenˆomeno omeno concreto singular, do multidimensionamento de seus aspectos e da totalidade complexa na qual se inscreve e adquire sua significa¸c˜ c˜ao ao inconsciente, est´ a relacionada a` abordagem ab ordagem menos diretiva diretiva e program´ atica da pr´ opria opria pr´atica atica etnogr´ a fica, comparada a outros modos de coleta de informa¸c˜ afica, c˜oes: oes: 1
N˜ao ao posso deixar de recomendar particularmente, a respeito desse aspecto, a leitura da obra de um soci´ologo, ologo, Edgar Morin (1974), e em especial do cap´ cap´ıtulo intitulado ”Da pauperiza¸c˜ c˜ao ao das id´eias eias gerais em um meio especializado”
131 trata-se, de fato, para n´ os, os, al´em em de todos os question´ arios, arios, por mais aperfei¸coados coados que sejam, de fazer surgir um questionamento m´ utuo. utuo. Tal preopreocupa¸c˜ cao a˜o diz respeito tamb´em, em, mais uma vez, a` natureza das sociedades nas quais se desenvolveu desenvolveu nossa disciplina: conjuntos relativamente relativamente homogˆeneos, eneos, nos quais as atividades s˜ao ao pouco especializadas, e que se d˜ ao ao uma ideologia mestra (de tipo mitol´ogico) ogico) dando conta da totalidade social. A pr´atica atica da antropo antropologi logiaa finalmen finalmente, te, baseada baseada sobre sobre uma extrema extrema proxiproximidade da realidade social estudada, sup˜ oe oe tamb´em, em, paradoxalmente parad oxalmente,, um grande distanciamento (em rela¸c˜ c˜ao ao a` sociedade que procuro compreender, ´ a raz˜ em rela¸c˜ cao a˜o a` sociedade a` qual perten¸co). co). E ao pela qual somos provaao velmente, enquanto antrop´ ologos, mais tocados do que outros, e, em primeiro ologos, lugar, mais surpreendidos, pela dis-, jun¸c˜ cao a˜o hist´ orica absolutamente singular orica unica u ´ni ca at´e na hist´ his t´ oria oria da humanidade, humanidade, que nossa pr´ opria cultura realizou entre opria a ciˆencia encia e a moral, moral , a ciˆencia encia e a religi˜ relig i˜ ao, ao, a ciˆencia encia e a filosofia. filosofi a. Se olharmos de mais perto, esta ultima u´ltima disciplina discip lina n˜ao ao ´e mais hoje ho je um penpen samento da totalidade dando-se como objetivo compreender os m´ ultiplos ultiplos aspectos do homem. Como escreve L´evi-Strauss, evi-Strauss, apenas trˆes es formas de pensamento s˜ao, ao, no mundo contemporˆ aneo, capazes de responder a essa defini¸ aneo, c˜ c˜ao: ao: o islamismo, o marxismo e a antropologia. O projeto antropol´ogico ogico retoma, a meu ver, hoje, mas sobre bases completamente diversas (n˜ao ao mais a especula¸c˜ c˜ao ao sobre sob re as a s categorias cate gorias do esp´ırito ırito humano, mas a observa¸ c˜ao ao direta de ´ a raz˜ suas produ¸c˜ coes o˜es concretas), o projeto que foi o da filosofia cl´ assica. assica. E az ˜ao ao pela qual muitos entre n´ os se recusam a entrar nas vias de uma hiperespecios aliza¸c˜ cao, a˜o, podendo tornar-se, como mostrou Husserl, antagonista da reflex˜ ao, ao, e podendo at´e, e, como sugere hoje em dia Laborit, chegar a impedir o pr´ oprio exerc exer c´ıcio do pensamento pen samento..
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ˆ CAP ´ITULO ITULO 14. UMA EXIG EXIGENCIA:
Cap´ıtulo 15 Uma Abordagem: a an an´ ´ alis alise e comp compar arat ativa iva Est´a ligada `a problem´ atica atica maior de nossa disciplina que ´e a da diferen¸ ca, implicando uma descentra¸c˜ cao a˜o radical em rela¸c˜ c˜ao ao a` sociedade de que faz parte o observador, isto ´e, e, uma ruptura com qualquer forma, dissimulada ou delibedelib erada, de etnocentrismo. etnocentrismo. Pois, Pois, apenas o que percebemos (em estado manifesto manifesto ou latente) em uma outra sociedade nos permite visualizar o que est´ a em jogo na nossa, mas que n˜ ao ao suspeit´avamos. avamos. Essa experiˆencia encia de arrancamento de si pr´oprio oprio age, na realida realidade, de, como um verdadeir verdadeiroo revela revelador dor de si. Cada um j´a notou que, quando uma crian¸ca ca nasce, os parentes parentes e amigos da fam´ fam´ılia endere¸cam cam seus cumprim cumpriment entos os ao novo novo pai. pai. Esse Esse costume costume aparenteme aparentemente nte insignificante ganha todo seu significado se o olharmos a` luz da couvade, ´ praticada, por exemplo, na Africa, e que se encontrava encontrava tamb´em em na Fran¸ ca, ca, notadamente nota damente na Borgonha, Borgo nha, at´e o in´ in´ıcio do s´eculo. eculo . Tudo se passa como se a parturiente n˜ ao ao fosse outra sen˜ ao a o o pr´ oprio oprio pai. Participando Participando efetivamen efetivamente te do nascimento da crian¸ca, ca, o marido recupera seus direitos de paternidade (nas sociedades, notadamente, nas quais o parentesco biol´ ogico ogi co ´e disso dis socia ciado do da paternidade paternidade social), se vˆ e totalmente totalmente integrado integrado a sua pr´ opria opr ia fam´ılia, ılia , e adquire com isso um estatuto de perfeito genitor. Todos n´os os participamos, pelo menos uma vez na vida, da inaugura¸c˜ c˜ao a o de um edif´ edif´ıcio; amigos nos convidaram convidaram para festejar a entrada entrada em uma nova nova casa ou em um novo novo apartamento. apartamento. Ora, esse cerimonial, cerimonial, tamb´em em bastante bastante insignificante, permanece totalmente incompreens´ incompreens´ıvel se n˜ ao ao o relacionarmos as `as cerimˆonias onias de apropria¸ apropriac˜ c¸˜ao ao do espa¸co co que, nas sociedades tradicionais, consistem no sacrif´ sacrif´ıcio de um animal ou numa liba¸c˜ cao a˜ o de alcool a´lco ol aos esp´ esp´ıritos. ırito s. O mesmo se d´a quando nos interessamos para a defesa de uma tese de dou133
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CAP ´ITULO 15. UMA ABORDAG ABORDAGEM: EM:
torado, que adquire todo o seu significado a partir do momento em que a confrontamos com os ritos de inicia¸c˜ cao a˜o e passagem que pudemos observar em 1 outras sociedades so ciedades.. Poder´ Poder´ıamos multiplicar os exemplos: e xemplos: o estudo e studo dos jovens de Samoa que permite a Margaret Mead dar conta dos comportamentos de crise dos adolescente adole scentess americanos; americ anos; o da feiti¸caria caria entre os Azand´e do Sud˜ao ao que permite a Evans-Pritchard compreender alguns aspectos do comunismo sovi´ etico. etico. Este mestre da antropologia britˆ anica recomendava a seus alunos anica o estudo de duas sociedades a fim de evitar, dizia ele, o que aconteceu a Malinow Malinowski ski:: ”pensar ”pensar durante durante toda a sua vida em fun¸ func˜ c¸˜ao a o de um unico u´nico tipo de sociedade”, no caso, os Trobriandeses. Ora, temos de reconhecer que a maioria dos etn´ologos o logos de hoje n˜ao ao ´e de antrop´ ologos. ologos. Suas pesquisas tratam de uma cultura particular, particular, ou at´e de um segmento, de um aspecto desta cultura, na melhor das hip´ oteses oteses de algumas variedades de culturas, mas quase nunca do estudo dos processos de variabilidade ariabilidade da cultura. A abordagem comparativa – que se confunde com a pr´ opria opria antropologia – ´e uma das mais ambiciosas e exigentes exige ntes que h´ a. Mas antes de examinar os a. problemas problemas que coloca e as dificuldades dificuldades que encontra, encontra, conv´ conv´em em lembrar lembrar algumas grandes posi¸c˜ coes o˜es que balizam a hist´oria oria de nossa disciplina. A primeira forma de comparatismo – o evolucionismo – ordena os fatos colhidos dentro de um discurso que se apresenta como hist´ orico. orico. Confrontando essencia essencialme lment ntee costumes costumes (cf. especial especialmen mente te Frazer), razer), procura procura reconsti reconstituir tuir uma evolu¸c˜ c˜ao ao hipot´ etica etica das sociedades humanas (de todas as sociedades) na ausˆencia encia de doc d ocumentos umentos hist´ oricos. oricos. As extrapola¸c˜ coes o˜es e generaliza¸c˜ coes o˜es que operam os pesquisadores p esquisadores eruditos desse per p er´´ıodo v˜ ao aparecendo aos poucos ao como t˜ao ao abusivas que, praticamente, toda a etnologia posterior (a ruptura epistemol´ogica ogica introduzida nos anos 1910-1920 por Boas e Malinowski) ir´ a adotar uma posi¸c˜ cao a˜o radicalmente radicalmente anticomparativ anticomparativa. a. Com o funcionalismo, funcionalismo, a sociedade estudada adquire uma autonomia n˜ ao ao apenas emp´ emp´ırica, mas tamb´ ta mb´em em te´ teorica. o´rica. N˜ao ao se trata mais de comparar as sociedades entre si, mas de mostrar, atrav´es es de monografias, monografias, como se realiza a integra¸ integra¸ c˜ao ao das dife2 ren¸cas cas fun¸c˜ coes o˜es em jogo em uma mesma sociedade. ˆ nessa perspectiva que Maurice Leenhardt, ap´os ter trabalhado durante mais de 20 E ´ ´ anos na Nova Caledˆonia onia e ter estado na Africa, escreve: ”A Africa me ensinou muito sobre a Oceania”. 2 O que leva o antrop´ologo ologo americano Murdock a dizer que a maioria dos antrop´ologos britˆanicos, anicos, deixando de lado o estudo das diferen¸cas cas entre as civiliza¸c˜ coes, o˜es, n˜ao ao ´e de antrop´ ologos, ologos, e sim de soci´ologos. ologos. 1
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Se o projeto da antropo antropologi logiaa cultura culturall ´e, e, de fato, fato, o de confron confrontar tar os comportamentos humanos os mais diversificados, de uma area a´rea geogr´ afica afica para outra – n˜ao ao mais por uma ”periodiza¸c˜ c˜ao”no ao”no tempo, como na ´epoca epo ca de Morgan, mas, mas, preferen preferencia cialme lment nte, e, por uma extens˜ extens˜ ao no espa¸co c o –, o postulado da irredutibilidade de cada cultura termina impedindo o pr´ oprio oprio empreendimento da compara¸c˜ cao. a˜o. Detenham Detenhamo-n o-nos os sobre sobre esse esse ponto ponto que ´e, e, ao meu ver, essencial. essencial. Claro, s˜ ao ao as varia¸c˜ c˜oes oes que interessam em primeira instˆ ancia ancia ao antrop´ ologo: mas, para serem estudadas antropologicamente, e n˜ ologo: ao ao mais apenas etnograficamente, essas varia¸c˜ c˜oes oes devem ser relacionadas a um certo n´umero umero de invariantes, invariantes, pois p ois ´e precisamente pr ecisamente o estabelecimento dessa rela¸ c˜ao ao que fundamenta a pr´ opria abordagem da compara¸c˜ opria cao, a˜o, t˜ao ao caracter carac ter´´ıstica de nossa disciplina. O empreendimento gigantesco dos Human Relations Area Files, elaborado por Murdock e seus colaboradores a partir de 1937 ´e, e, a esse respeito, representativo. Visa estudar o leque mais completo poss´ poss´ıvel dos comportamentos comp ortamentos e institui¸c˜ coes o˜es humanos, a partir de correla¸c˜ coes o˜es entre um grande n´ umero umero de vari´aveis aveis (das t´ecnicas ecnic as materiais mater iais as a`s representa¸ representa¸c˜ c˜oes oes religiosas) em 75 culturas diferentes. Mas esse programa, devido a sua pr´ opria opria preocupa¸c˜ cao a˜o de exaustividade, coloca, na realidade, mais problemas do que solu¸c˜oes. Esses Esses exempl exemplos os mostram mostram que, que, entre entre a tenta¸ tenta¸ c˜ao a o de um comparatismo sistem´atico atico (como no evolucionismo) e o ceticismo geral dos que consideram prematuro, quando n˜ ao ao imposs imp oss´´ıvel, qualquer qua lquer empree e mpreendiment ndimentoo de compara¸ com para¸c˜ cao a˜o (´e a p osi¸ os i¸c˜ c˜ao ao de Boas), o caminho ´e dos mais estreitos. estreito s. O pr´ oprio oprio empreendiempreendimento que orienta a antropologia sup˜ oe a tomada em considera¸c˜ oe cao a˜o de uma humanid humanidade ade ”plural” ”plural”.. Mas como dar conta conta de fenˆ omenos que n˜ao ao pertencem as a`s mesmas sociedades e n˜ao ao se inscrev inscrevem em no mesmo mesmo context contexto. o. Como Como conceber ao mesmo tempo, sem arriscar-se a ultrapassar os limites de uma abordagem abordage m que se quer cient´ cient´ıfica, as institui¸c˜ coes o˜es pol´ıticas ıticas dos habitantes habit antes da Patagˆ o nia e as dos groen-landeses, os ritos religiosos dos bantos e os dos onia ´ındios ınd ios da Amazˆ Ama zˆonia? onia? Lembremos em primeiro lugar que a an´ alise alise comparativa n˜ao ao ´e a primeira prime ira abordagem do antrop´ ologo. ologo. Este deve deve passar pelo caminho caminho lento lento e trabatrabalhoso que conduz da coleta e impregna¸c˜ c˜ao ao etnogr´ afica a fica a` compreens˜ ao a o da l´ogica ogica pr´ opria opria da sociedade sociedade estudada estudada (etnologi (etnologia). a). Em seguida seguida apenas, apenas, poder´ a interrogar-se sobre a l´ ogica ogica das varia¸c˜ coes o˜es da cultura (antropologia). Vale dizer que o pesquisador pesquisador deve ter uma prudˆ encia encia consider´ consider´ avel. avel. An Antes tes de serem confrontados uns aos outros, os materiais recolhidos devem ser meti-
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CAP ´ITULO 15. UMA ABORDAG ABORDAGEM: EM:
culosam culosament entee critica criticados. dos. Po Pois, is, se come¸ come¸carmos carmos comparando os costumes de tal popula¸c˜ c˜ao ao africana com os de tal outra europ´ europ´eia, eia, chegaremos chegaremos apenas ap enas a evidenciar algumas analogias. Mas ent˜ ao, como diz Kroeber, as ”universaliao, dades”encontradas poderiam muito bem ser apenas a proje¸ c˜ cao a˜o de ”categorias ”categorias l´ogicas”pr´ ogicas”pr´oprias oprias somente somente da sociedade do observador. observador. Assim o evolucionismo evolucionismo comparava o que via (ou, na maior parte das vezes, o que outros se encarregavam de ver por procura¸c˜ c˜ao) ao) nas sociedades ”primitivas”, com o que sabia (ou melhor, supunha saber) de nossa pr´ opria opria sociedade sociedade.. Disso Disso decorrem decorrem as analogias que n˜ao ao faltaram entre os abor´ abor´ıgines australianos australianos e os habitantes habitantes 3 da Europa na Idade da Pedra. Se a antropologia contemporˆ anea an ea ´e t˜ao ao comparativa quanto no passado, n˜ ao ao deve mais nada a` abordagem do comparatismo dos primeiros etn´ olog ol ogos os.. N˜ao ao utiliza mais os mesmos m´etodos etodos e n˜ ao a o tem mais mais o mesm mesmoo objeto. objeto. O que se compara hoje s˜ ao costumes, comportamentos, institui¸c˜ ao coes, o˜es, n˜ao ao mais isolados de seus contextos, e sim fazendo parte destes; s˜ ao ao sistemas de rela¸c˜ c˜ao. ao. A partir de uma descri¸c˜ cao a˜o (etnografia), e depois, de uma an´ alise alise (etnologia) de tal institui¸c˜ cao, a˜o, tal costume, tal comportamento, procura-se descobrir progressivamente o que L´evi-Strauss evi-Strauss chama de ”estrutura inconsciente”, que pode ser encontrado na forma de um arranjo diferente em uma outra institui¸c˜ cao, a˜o, um outro costume, um outro comportamento. Ou seja, os termos da compara¸c˜ cao a˜o n˜ao ao podem p odem ser a realidade dos d os fatos emp´ emp´ıricos em si,4 mas sistemas de rela¸c˜ c˜oes oes que o pesquisador constr´ oi, oi, enquanto hip´oteses oteses operat´ orias, orias, a partir destes fatos. Em suma as diferen¸cas cas nunca s˜ ao ao dadas, s˜ao ao recolhidas recolhidas pelo etn´ologo, ologo, confrontadas umas com as outras, e aquilo que ´e finalmente comparado ´e o sistema das diferen¸cas, cas, isto ´e, e, dos conjuntos estruturados. 5
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”Se postul p ostulamos amos apressadamen apressadamente te a homogeneid homogeneidade ade do campo social e nos confortamos confortamos na ilus˜ao ao de que este ´e imediatamente compar´avel avel era todos os seus aspectos aspectos e n´ıveis, ıveis, deixaremos deixaremos escapar o essencial essencial.. Desconhec Desconhecerem eremos os que as coordenadas coordenadas necess´ necess´arias arias para definir definir dois dois fenˆ fenˆomenos omenos aparentem aparentement entee muito muito semelhant semelhantes, es, n˜ ao a o s˜ ao ao sempre as mesmas, nem est˜ao ao sempre em mesmo n´umero; umero; e pensaremos estar formulando as leis da natureza social, quando estaremos nos limitando a descrever propriedades superficiais ou a enunciar tautologias”, tauto logias”, escreve L´evi-Strauss evi-St rauss (1973). 4 O etn´ ologo ologo contemporˆaneo aneo ´e infinitamente mais modesto mo desto que seus predecessores. Ele n˜ao ao procura atingir a natureza da arte, da religi˜ao, do parentesco, parentesco, nem em geral e. nem mesmo, em particular. 5 ”S´o ´e estruturado estruturado um arranjo arranjo que preench preenchaa duas condi¸ condi¸c˜ coes: o˜es: ´e um sistema sistema regido regido por uma coes˜ao ao interna; e essa coes˜ao ao – que ´e imperce imp ercept´ pt´ıvel ıvel `a observa¸c˜ cao a˜o de um sistema isolado – se revela no estudo das transforma¸c˜ c˜oes, oes, gra¸cas cas `as as quais descobrimos propriedades similares em sistemas aparentemente aparentemente diferentes”, escreve L´evi-Strauss evi-Strauss (1973).
Cap´ıtulo 16 As Condi¸c˜ coes o ˜es De Produ¸c˜ ao Social Do Discurso Antropol´ ogico ogico A antropologia antropologia nunca existe em estado puro. Seria ingˆenuo, enuo, sobretudo sobretudo da parte de um antrop´ ologo, ologo, isol´a-la a-la de seu pr´oprio oprio contexto. contexto. Seria paradoxal, paradoxal, sobretudo para uma pr´ atica atica da qual um dos objetivos ´e situar os comportamentos dos que ela estuda em uma cultura, classe social, Estado, na¸c˜ c˜ao, ao, ou momento da hist´ oria oria deixar de d e aplicar a si pr´oprio oprio o mesmo tratamento. t ratamento. Como escreve escreve L´evi-Strauss, evi-Strauss, ”se a sociedade est´ a na antropologia, a antropologia por sua vez est´ a na sociedade”(1 sociedade”(1973) 973).. Seu atestado atestado de nascim nascimen ento to inscreve-se em uma determinada ´epoca epo ca e cultura. c ultura. Em seguida, transforma-se, em contato com as grandes mudan¸ mudancas c¸as sociais que se produzem, e se torna, um s´eculo eculo depois, dep ois, praticament prat icamentee irreconhec´ irrec onhec´ıvel. ıvel. Conv´em, em, portanto, por tanto, interrogarinterr ogar-se se agora, n˜ao a o mais sobre o saber etnol´ogico ogico em si, que nunca ´e um produto acabado, mas sobre suas condi¸c˜ c˜oes o es de produ¸c˜ cao; a˜o; pois o estudo dos textos etnol´ogicos ogicos nos informa tanto sobre a sociedade do observador quanto sobre a do observado. Retomemos rapidamente aqui, dentro dessa nova perspectiva, alguns exemplos estudados estudados anteriorme anteriorment nte. e. O que intere interessa ssa a antropo antropologi logiaa filos´ filos´ ofica do s´eculo eculo XVIII nas sociedades da ”natureza”, ´e que estas podem pode m dar da r ao Ocidente li¸c˜ c˜oes oes sobre a natureza das sociedades, e permiti p ermitirr fundar um novo novo ”contrato social”, A antropologia evolucionista que lhe sucede est´a estreitamente ligada as a`s pr´aticas aticas coloniais coloniais conquistadoras conquistadoras da ´epoca epoca vitoriana. vitoriana. Sustentada Sustentada pelo ideal de uma miss˜ao ao civilizadora (a certeza que se tem de si), consiste na racionaliza¸c˜ cao a˜o do expansionismo expansionismo colonial. colonial. O funcionalismo, funcionalismo, quanto quanto a si, empresta seu vocabul´ vocabulario a´rio `as as ciˆencias encia s da d a natureza natur eza que lhes parecem parec em a garantia g arantia 137
˜ S DE PROD ˜ SOCIAL DO DISCURSO ANTROP 138CAP 138CAP ´ITULO ITU LO 16. AS CONDIC COND IC ¸ OES OE PRODUC UC ¸ AO da cientificidade. Mas o objeto da antropologia n˜ ao ao leva em conta as pr´aticas aticas coloniais, ao contr´ario ario do evolucionismo, que as justificava, e de outras formas de antropolo antropologia gia que as combatem combatem.. Um ultimo u´ltimo exemplo nos ser´a dado pela antropologia antropologia americana americana em sua tendˆ encia encia culturalista. culturalista. O ”relativismo ”relativismo cultural”, termo t ermo forjado forjad o por p or Herskovitz, ´e qualificado por este de ”resultado das ciˆencias encias humanas”. Mas est´ esta, a´, na realidade, ligado `a crise hist´orica orica do pensamento pensamento te´ orico orico do Ocidente confrontado com a alteridade. Al´em em disso, o car´ ater nitidamente mais anticolonialista dessa antropologia, comparando-a ater com a antropologia antropologia britˆ anica ou francesa, explica-se notadamente pelo fato de anica que os Estados Unidos nunca tiveram colˆ onias onias (mas apen a penas as minorias min orias ´etnicas). etnic as). Seria conveniente, afinal, perguntar-se por que essa preocupa¸ c˜ao ao pelas ”colora¸c˜ c˜oes oes nacionais”de nossos comportamentos, em detrimento do funcionamento de nossas institui¸c˜ coes, o˜es, foi (e ainda ´e) e) t˜ ao forte nos Estados Unidos, ao essa sociedade formada de uma pluralidade de culturas. Esses Esses exemplos exemplos bastam para nos conve convencer ncer de que a antropo antropologi logiaa ´e o estudo do social em condi¸c˜ c˜oes oes hist´oricas oricas e cultura culturais is determina determinadas. das. A pr´ opria opria observa¸c˜ c˜ao ao nunca ´e efetuada em qualquer qualquer momento momento e por qualquer qualquer pessoa. A distˆancia ancia ou participa¸c˜ c˜ao ao etnogr´afica afica maior ou menor est´ a eminentemente ligada ao contexto social no qual se exerce a pr´atica atica em quest˜ao, ao, que ´e necesnec essariamente a de d e um pesquisador p esquisador pertencendo p ertencendo a uma ´epoca epo ca e a uma sociedade. Quando pensa estar fazendo aparecer a racionalidade imanente ao grupo que estuda, o etn´ ologo pode esquecer (freq¨ ologo uentemente uentemente de boa-f´e) e) as condi¸c˜ coes– o˜es– sempre particulares – de produ¸c˜ c˜ao a o de seu discu discurs rso. o. Mas estas estas nunca nunca s˜ ao ao hist´orica, orica, pol p ol´´ıtica, cultural, cultura l, e socialmente neutras; expressam diferentes formas da cultura ocidental quando esta encontra os outros de uma maneira te´orica. orica. Isso posto, seria irris´orio orio reduzir a antropologia apenas as a`s cond co ndi¸ i¸c˜ c˜oes oes de seu surgimento e desenvolvimento. desenvolvimento. Al´em em disso, se se tem raz˜ ao ao em insistir sobre o fato de que o pesquisador deve considerar o lugar s´ ocio-hist´ ocio-hist´orico orico a partir do qual fala, como parte integrante de seu objeto de estudo, seria errˆ oneo oneo concluir – como faz, por exemplo, Foucault – que, em conseq¨uˆ uˆencia enc ia das distor dis tor¸c˜ c¸oes o˜es percept pe rceptivas ivas atribu atrib u´ıdas a` nossa rela¸c˜ cao a˜o com o social, ”as ciˆ encias encias humanas humanas s˜ao ao falsas Ciˆencias, encia s, n˜ ao a o s˜ao ao ciˆ encias”. encias”. Nosso pertencer e nossa implica¸ c˜ c˜ao ao social, longe de serem um obst´aculo aculo ao conhecimento cient´ cient´ıfico, pod podem em pelo contr´ ario, ario, a meu ver, ser considerados considerados como um instrumento. instrumento. Permitem Permitem colocar as quest˜oes oes que n˜ao ao se colocavam c olocavam em outra ´epoca, epo ca, variar as perspectivas, persp ectivas, estudar objetos novos.
Cap´ıtulo 17 O Observador, Parte Integrante Do Objeto De Estudo: Quando o antrop´ ologo pretende uma neutralidade absoluta, pensa ter recoologo lhido fatos ”objetivos”, elimina dos resultados de sua pesquisa tudo o que contribuiu na sua realiza¸c˜ c˜ao ao e apaga cuidadosamente as marcas de sua implica¸c˜ cao a˜o pessoal pessoal no objeto de seu estudo, estudo, ´e que ele corre corre o maior maior risco risco de afastar-se do tipo de objetividade (necessariamente aproximada) e do modo de conhecimento espec´ espec´ıfico de sua disciplina. Essa auto-suficiˆ aut o-suficiˆencia encia do pesquisador, convencido de ser ”objetivo”ao ”ob jetivo”ao libertarlibert arse definitivamente de qualquer problem´ atica atica do sujeito, ´e sempre, a meu ver, sintom´atica atica da insuficiˆencia encia de sua pr´ atica. atica. Esquece Esquece (na realidade realidade,, de uma forma estrat´egica egica e reivindicada) do princ´ princ´ıpio de totalidade tal como foi exposto acima; pois o estudo da totalidade de um fenˆ omeno omeno social sup˜oe oe a integra¸c˜ cao a˜o do observador no pr´ oprio campo de observa¸c˜ oprio c˜ao. ao. Se ´e poss´ po ss´ıvel, ıve l, e at´e nece ne cess ss´ ario, a´rio, distin distinguir guir aquele aquele que observ observaa daquele daquele que ´e observado, parece-me, em compensa¸c˜ c˜ao, ao, impens´avel avel dissoci´a-lo a -los. s. Nu Nunca nca somos testemunhas objetivas observando objetos, e sim sujeitos observando outros sujeitos. Ou seja, nunca observamos os comportamentos de um grupo tais como se dariam se n˜ao ao estiv´essemos essemos ou se os sujeitos da observa¸ c˜ cao a˜o fossem outros. Al´em em disso, se o etn´ ografo perturba determinada situa¸ ografo c˜ ca˜o, e at´ at ´e cria uma situa¸c˜ cao a˜o nova, devido a sua presen¸ca, ca, ´e por p or sua vez eminente e minentemente mente perturbado por essa situa¸c˜ c˜ao. ao. Aquilo que o pesquisador vive, em sua rela¸c˜ao com seus interlocutores (o que reprime ou sublima, o que detesta ou gosta), ´e parte integrante integrante de sua pesquisa. Assim uma verdadeira verdadeira antropologia cient´ ent´ıfica deve sempre colocar o problema das motiva¸ c˜oes oes extracient extra cient´´ıficas do observador e da natureza da intera¸ c˜ cao a˜o em e m jogo. jo go. Pois a antrop ant ropolo ologia gia ´e tamb´ t amb´em em 139
140CAP 140CAP ´ITULO 17. O OBSERV OBSERVADOR, PAR PARTE TE INTEGRANTE DO OBJETO DE ESTUD a ciˆ c iˆencia encia dos d os observadores obser vadores capazes de observarem o bservarem a si pr´ oprios, oprios, e visando a que uma situa¸c˜ cao a˜o de intera¸c˜ cao a˜o (sempre particular) se torne o mais consciente poss po ss´´ıvel, isso ´e realmente realm ente o m´ınimo que se possa pos sa exigir do antrop´ antropologo. o´logo. Alguns anos atr´ as, as, estava estava realizando, a pedido p edido do CNRS, uma pesquisa no sul da Tun Tun´´ısia ısi a sobr s obree um u m fenˆ f enˆomeno omeno chamado chamado hajba ha jba (que significa em arabe: a´rabe: claustra¸c˜ cao, a˜o, trancamento) que se inscreve no quadro da prepara¸ c˜ cao a˜o das jovens ao casamento. No decorrer de um per p er´´ıodo variando de algumas semanas a alguns meses, a noiva permanece rigorosamente separada do mundo exterior, e particularmente do universo masculino. Passa por um tratamento trata mento est´etico etico cujo objetivo ob jetivo ´e deixar sua pele o mais branca poss´ poss´ıvel, e por um regime r egime alimentar que deve engord´ a-la. a-la. Essa pr´atica atica de superalimenta¸c˜ c˜ao ao (` a -base de ovos, a¸c´ cucar, u ´ car, torradas com oleo), o´leo), aplicada a jovens djerbianas que ser˜ ao ao entregues entregues a maridos que n˜ao ao conhecem, conh ecem, de in´ in´ıcio repugnav repug nava-me. a-me. Ora, longe long e de eliminar a natureza afetiva (mas, com certeza, ligada a` cultura a` qual perten¸co) c o) de minha rea¸c˜ cao, a˜o, tive, pelo contr´ ario, ario, de lev´a-la a-la em conta, de tentar elucid´ a-la, a-la, a fim de controlar, controlar, na medida do poss´ poss´ıvel, ıvel, as conseq¨ uˆencias, encia s, perturba per turbadoras doras tanto para mim quanto para meus interlocutores que, como todos os interlocutores, nunca se enganam por muito tempo sobre os sentimentos pelos quais passa o etn´ologo. ologo. Da mesma forma, forma, o que me marcou muito muito na ocasi˜ ao de minha primeira miss˜ao ao etnol´ ogica ogica em pa´ pa´ıs ba´ule ule foi o respeito pelos velhos, o espa¸co co ocupado pelos esp´ esp´ıritos, ıritos, e a facilidade facilidade das rela¸ c˜oes oes sexuais com as adolescentes. Se isso me surpreendeu, surpree ndeu, ´e porque p orque essas condutas questionavam questionavam a minha pr´opria opria cultura; pois era de fato esta que me questionava em alguns aspectos da cultura dos ba´ ules e me questiona quando observo hoje, no Braules sil, a aptid˜ao ao consider´ avel avel que tˆem em os homens e as mulheres para entrar em transe, ou, mais precisamente, serem ”possu´ ”possu´ıdos”pelos esp´ esp´ıritos ancestrais – ´ prov´avel ´ındios ınd ios,, crist˜ cri st˜aos, aos, africanos – do grupo. E avel que o gato veja no cachorro uma esp´ ecie ecie particular de gato, enquanto enquanto o cachorro, cachorro, por sua vez, veja em seu dono uma outra ra¸ca ca de cachorro. Se ambos fazem, respectivamente, canicentrismo e cinomorfismo, importa muito que o etn´ ologo ologo (isso faz parte da aprendizagem de sua profiss˜ ao, a o, e o car´ ater ater cient´ cient´ıfico dos resultados de suas pesquisas depende disso) controle as armadilhas, freq¨ uentemente uentemente inconscientes, da proje¸c˜ cao ˜ao e do etnocentrismo. Conv´ Conv´em em aqui interrogar-s interrogar-see sobre as raz˜ o es que levam a reprimir a subjeoes tividade do pesquisador, como se esta n˜ ao ao fosse parte parte da pesquisa pesquisa.. Po Porr que esses relat´orios orios anˆonimos, onimos, redigidos por ”credores”, e que ignoram a rela¸c˜ c˜ao ao dos materiais colhidos com a pessoa do coletor j´a que, se ele tiver talento, pode sempre escrever suas confiss˜ oes? oes? Como ´e poss pos s´ıvel que tudo o que faz a originalidade da situa¸c˜ cao a˜o etnol´ogica ogica – que nunca consiste na observa¸c˜ cao a˜o de
141 insetos, e sim numa rela¸c˜ c˜ao ao humana envolvendo necessariamente afetividade – possa transformar-se a tal ponto em seu contr´ ario? Tornar-se esquecimento ario? ou recalcamento de uma intera¸c˜ cao a˜o entre seres vivos, funcionando em muitos aspectos como um ritual de exorcismo? exorcismo? Ou seja, por que, segundo a express˜ ao de Edgar Edga r Morin, essa ”esquizofrenia ”esquizofr enia profunda profun da e permanente”das ciˆencias encias do homem em sua s ua tendˆ t endˆencia encia ortodoxa? orto doxa? A id´eia eia de que qu e se possa p ossa constru co nstruir ir um ob jeto de d e observa¸ obse rva¸ c˜ao ao independentemente do pr´oprio oprio observador prov´em em na n a realidade rea lidade de um modelo mo delo ”objet ”o bjetivista”, ivista”, que foi o da f´ısica ısic a at´ a t´e o fina finall do d o s´eculo ecu lo XIX, mas que os pr´ oprios opr ios f´ısicos ısic os aband ab andona ona-´ ram h´ a muito tempo. E a cren¸ca ca de que ´e poss pos s´ıvel recortar reco rtar objeto ob jetos, s, isol´ a-los, a-los, e objetivar um campo de estudo do qual o observador estaria ausente, ou pelo menos menos substi substitu tu´´ıvel. ıvel. Esse Esse modelo modelo de objetivid objetividade ade por objetiv objetiva¸ c˜ao ´e, sem d´ uvida, pertinente quando se trata de medir ou pesar (pouco importa, uvida, neste caso, que o observador tenha 25 ou 70 anos, que seja africano ou europeu, socialista ou conservador). N˜ao ao pode ser conveniente para compreender comportamentos humanos que veiculam sempre significa¸c˜ coes, o˜es, sentimentos e valores. Ora, uma das tendˆencias encias das ciˆencias encias humanas contemporˆ aneas ane as ´e elimina eli minarr duplamen duplamente te o sujeit sujeito: o: os atores sociais sociais s˜ ao objetivados, e os observadores ao est˜ao ao ausentes ou, pelo menos, dissimulados. Essa elimina¸c˜ cao a˜o encontra sempre sua justifica¸c˜ cao a˜o na id´eia eia de que o sujeito sujei to seria um res´ res´ıduo n˜ ao ao assimil´avel avel a um modo de racionalidade que obede¸ca ca aos crit´erios erios da ”objetividade”, ”ob jetividade”, ou, como diz L´evi-Strauss, evi-Strauss, de que a consciˆencia encia seria ”a inimiga secreta das ciˆencias encia s do homem”. ho mem”. Nessas condi¸ condic˜ c¸oes, o˜es, n˜ao ao haver´ a ent˜ ao ao outra out ra escolh esc olhaa sen˜ se n˜ao ao entre uma cientificidade desumana e um humanismo n˜ ao ao cient´ ci ent´ıfico ıfi co?? Paradoxalmente, a volta do observador para o campo da observa¸ c˜ c˜ao a o n˜ ao ao se deu atrav´es es das ciˆencias encias humanas, nem mesmo na filosofia, e sim por interm´edio edio da f´ısica moderna, mod erna, que reintegra reinteg ra a reflex˜ refle x˜ ao sobre a problem´atica atica do sujeito como condi¸c˜ cao a˜o de possibilidade da pr´opria opria atividade cient´ cient´ıfica. Heisenberg mostrou que n˜ao ao se podia p odia observar obser var um el´etron etron sem criar cr iar uma situa¸ situac˜ ¸ao ao que o modifica. Disso tirou (em 1927) seu famoso ”princ´ ”princ´ıpio de incerteza”, incerteza”, que o levou a reintroduzir reintro duzir o f´ f´ısico na pr´ propria o´pria experiˆ exp eriˆencia encia da observa¸ obser va¸ c˜ cao a˜o f´ısic ıs ica. a. E foi Devereux quem, em primeiro lugar (em 1938), mostrou o proveito que a etnologia podia tirar desse princ´ princ´ıpio, comum a toda abordagem cient´ cient´ıfica. A perturba¸c˜ cao a˜o que o etn´ologo ologo imp˜oe oe atrav´es es de sua presen¸ prese n¸ca ca aquilo a`quilo que observa e que perturba a ele pr´ oprio, longe de ser considerada como um obst´aculo oprio, aculo que seria convenien conveniente te neutralizar, neutralizar, ´e uma fonte fonte infinitament infinitamentee fecunda de conhecimento. Incluir-se n˜ao ao apenas socialmente mas subjetivamente faz parte
142CAP 142CAP ´ITULO 17. O OBSERV OBSERVADOR, PAR PARTE TE INTEGRANTE DO OBJETO DE ESTUD do ob jeto cient´ cient´ıfico que procuramos construir, bem b em como do modo mo do de conhecimento caracter´ caracter´ıstico da profiss˜ ao a o de etn´olog o logo. o. A an´ analise, a´lise, n˜ao ao apenas das rea¸c˜ coes o˜es dos outros a` presen¸ca ca deste, mas tamb´ em em de suas rea¸c˜ c˜oes oes as a`s rea¸c˜ coes o˜es dos outros, outr os, ´e o pr´oprio oprio instrumento capaz de fornecer a` nossa disciplina disciplina vantagens tage ns cient´ cient´ıficas consider´ consi der´aveis, aveis, desde que se saiba aproveit´ a-lo. a-lo.
Cap´ıtulo 18 Antropologia E Literatura: O confronto confr onto da antropo antr opologia logia com c om a literatur liter aturaa ´e imprescind´ impre scind´ıvel. ıvel. O antrop´ antropologo, ´ que realiza uma experiˆ encia encia nascida do encontro encontro do outro, atuando como uma metamorfose de si, ´e freq¨ uentemente levado a procurar formas narrauentemente tivas (romanescas, (romanesc as, po´eticas eticas e, mais recentemente, cinematogr´ aficas) aficas) capazes de expressar e transmitir o mais exatamente poss´ poss´ıvel essa experiˆencia. encia. *** Uma parte importante da literatura literatur a mant´em, em, como a etnologia, uma rela¸ c˜ c˜ao ao – por sinal, extremamente complexa – com a viagem. Inumer´ aveis aveis s˜ao ao os escritores para os quais o pr´ oprio ato de escrever implica uma situa¸c˜ oprio cao a˜ o de desloc deslocam amen ento to.. Basta Basta citar citar O Itin Itiner´ er´ ario ario de Pa Paris ris a Jerus Jerusal alem em,, Atala tala,, Os Natehez, de Chateaubriand, Viagem no Oriente, de Ner-val, Os Pequenos Poemas em Prosa, de Baudelaire, Oviri, de Gauguin, Os Tarahumaras, de Antonin Antonin Artaud, Les Nour-ritures Nour-ritures Terrestres, errestres, de Gide, Aziyad´ Aziyad´ e, e, de Loti, A ´ Viagem Viage m para pa ra Tombuctu, ombuctu , de Cailli´e, e, Impres I mpress˜ s˜ oes oes da Africa, de Roussel, Bourlinguer, de Cendrars, A` aipi, aipi, de Melvill Melville, e, Typhon Typhon,, de Conrad. Conrad. . . ou, entre entre nossos contemporˆ aneos, aneos, A Modifica¸c˜ cao, a˜o, de Michel Butor, A Ilha, de Robert Merle, Equinoxiais, de Gilles Lapouge, Lap ouge, Sexta-Feira Sexta-Feira ou o u os Limbos do Pac´ Pac´ıfico, de Michel Tournier, A Procura P rocura do Ouro, Our o, de J. M. le Cl´ezio. ezio. Entre as obras que acabamos de citar, algumas se enquadram nessa famosa literatura de viagem (”oriental”, ”tropical”, oceˆ anica a nica.. . .) conhec conhecid idaa sob o nome de ”exotis ”exotismo” mo”.. Descobr Descobrind indoo novo novoss horizon horizontes, tes, o escritor escritor se d´ a conta (e geralmente aprecia) do fato de que sua cultura n˜ ao ao ´e a unica u´nica no mundo: o que o leva leva a mudar mudar radicalmente radicalmente no relato o cen´ario ario tradicional do campo liter´ario ario cl´assico. assico. Ele ´e tomado pela beleza de um espet´ aculo aculo que o encanta e mobiliza n˜ao ao apenas seu olhar, mas o conjunto de seus sentidos: uma natureza grandiosa, popula¸c˜ coes o˜es projetadas, de qualquer intrus˜ ao ao da civiliza¸c˜ cao a˜o 143
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CAP ´ITULO 18. ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA E LITERA LITERATURA: TURA:
ocident ocidental. al. Nesse Nesse espa¸ espa¸co c o fora do espa¸co c o e nesse tempo fora do tempo, libertado das obriga¸c˜ c˜oes oes da sociedade, faz a experiˆ encia encia de uma felicidade felicidade e sobretudo de uma liberdade de que n˜ao ao suspeitava, enquanto se interroga sobre sua pr´ opria opria identidade. Conv´ em em finalmente fin almente lembrar que no n o Ocidente nossos grandes g randes livros de aprendizagem s˜ao ao relatos de viagem: Robinson Robinson Cruso´ Cruso´e, e, Moby Dick, A Volta ao Mundo em Oitenta Dias, Miguel Strogoff, A Viagem de Nils Olgerson, Alice no Pa Pa´´ıs das d as Maravilhas, Maravilh as, O Pequeno Peq ueno Pr´ Pr´ıncipe. ıncip e. . . N˜ao ao nos enganemos sobre a natureza dessas obras –por sinal, elas s˜ ao ao muito diferentes entre si – nem sobre a nossa inten¸c˜ cao: a˜o: essas essas n˜ nao a˜o s˜ao, a o, de forma alguma, livros de etnologia. Alguns, at´e, e, nos ensinam apenas ap enas muito subsidia riamente a olhar para os outros, pois o escritor freq¨ uente uente mente sai do seu papel – tentando ser etn´ ologo ologo –, t˜ao ao grande ´e o seu desejo de resolver resolver seus pr´oprios oprios problemas escapando do Ocidente um instante. Isso n˜ ao ao impede que a quest˜ao ao das rela¸c˜ coes o˜es entre a experiˆ exp eriˆencia encia propriame prop riamente nte liter´aria aria e a experiˆencia encia etnol´ ogica ogica permane¸ca ca colocada, n˜ ao ao apenas para os autores que acabamos de citar, mas tamb´ ta mb´ em em para pa ra os o s etn´ ologos, ologos, ou pelo menos para os que consideram que a descoberta do outro vai junto com a descoberta de si: isto ist o ´e, e, para par a quem q uem a etno e tnolog logia ia ´e tamb´em em (o que n˜ ao ao quer dizer exclusivamente) uma maneira de viver e uma arte de escrever. Estou pensando nesses numerosos relatos escritos por profissionais de nossa disciplina, geralmente a margem de suas produ¸c˜ c˜oes oes cient´ cient´ıficas, mas que constituem constituem a meu ver uma contribui¸c˜ cao a˜o que seria seria uma pena deixar deixar de lado, lado, menos, menos, ´e verdad verdade, e, para a ciˆencia enc ia antrop antr opol´ ol´ogica ogica estritamente falando, do que para o conhecimento antropol´ ogico. ogico. Trata-se apenas de alguns exemplos – de Afrique Afrique Ambigiie, Ambigiie, de Georges Balandier (1957), Chebika, de Jean Duvignaud (1968), Nous Avons Mang´e la Forˆet et (1982) ( 1982) ou L’Exot L ’Exotique ique Est Quotidien Quoti dien (1977), (197 7), de George G eorgess ConCon dominas, dominas, Ma´ Ma´ıra, de Darcy Ribeiro (1980), L’Herbe du Diable et la Petite Petite Fum´ee, ee, de Carlos Carlo s Castan C astaneda eda (1982), (198 2), Forˆet, et, Femme, Folie, de Jacques Jacque s DourD ournes (1978). . . Conv´em em citar tamb´em em essas hist´ orias de vida, desenvolvidas orias de in´ in´ıcio nos Estados Unidos, e, mais recentemente na n a Fran¸ca ca (cf. a cole¸ c˜ao ao ”Terre ”T erre Humaine”, da editora Plon) nas quais se procura compreender o funcionamento e a significa¸c˜ c˜ao ao das rela¸c˜ coes o˜es sociais a partir do relato de indiv´ indiv´ıduos singulares: o discurso do velho dogon Ogotemˆelie elie publicado por Mareei Griaule (1966), Soleil Hopi, que ´e a autobiografia de um u m ´ındio pueblo, pue blo, Os Filhos de S´anchez, a nchez, de Oscar Lewis (1963), La Statue de Sei, ed Albert Memmi
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O limite que separa essa etnologia romanceada, qualificada precisamente de romance etnol´ ogico, ogico, do romance propriamente propriamente dito, a literatura literatura da ciˆ encia encia (cf. Gilberto Freyre, 1974), ´e as a`s vezes extremamente extr emamente tˆenue. enue. Estou pensando principalmen principalmente te em Victor Segalen, que, em Les Imm´ Imm´emoriaux emoriaux (reed. 1982), procura ”escrever”as ”escrever”as pessoas p essoas taitianas taitianas de uma maneira adequada aquela ` com a qual Gauguin as viu para pint´a-las: a-las: ”neles pr´oprios, oprios, e de dentro para fora”. Em Jean Monod, para quem a etnologia ”foi o prolongamento da experiˆencia encia po´etica”(1972). etica”(1972). Em Roger Ro ger Bastide, que, em Imagens do Nordeste M´ıstico em Branco e Preto (1978), se diz ”dividido entre um grande fervor e o desejo de fazer uma pesquisa objetiva”, e considera que ”o soci´ ologo ologo que quer compreender o Brasil deve transformar-se em poeta”. Mas o ”romance etnol´ ogico”culmina com Tristes Tr´ ogico”culmina opicos, opico s, de Claude L´evieviStrauss (que, por outro lado, nos lembra freq¨ uentemente em sua obra que uentemente se considera considera como o disc´ disc´ıpulo de Jean-Jacques Jean-Jacques Rousseau, e mais especificamente do Rousseau das Confiss˜ oes oes e das Rˆeveries, everies, e n˜ ao a o do Rousseau do Contrato Social) e com L’Afrique Fantˆome, ome, de Michel Leiris, que distingue perfeitamente sua pr´ atica profissional de etn´ atica ologo ologo e sua experiˆencia encia de escritor e poeta, mas indica-nos quais s˜ao, ao, para ele, as rela¸c˜ c˜oes oes que as unem: ”Passando de uma atividade quase exclusivamente liter´ aria para a pr´ atica da etnografia, eu pretendia romper com os h´ abitos intelectuais que tinham sido sid o meus at´e ent˜ ao e, no contato de homens de outra cultura e outra ra¸ca, ca, derrubar as paredes entre as quais me sentia sufocado e ampliar meu horizonte at´e uma medida medida verdadeiramente verdadeiramente humana. Concebida Concebida dessa forma, a etnografia s´ o podia podia me dec decepcionar: epcionar: uma ciˆ encia encia humana humana n˜ ao deixa de ser uma ciˆ encia encia e a observa¸ observa¸c˜ cao ˜ a distˆ ancia ancia n˜ ao poderi deria, a, por si s´ o, lev levar ar ao contato; talvez implique, por defini¸c˜ cao, ˜ o contr´ ario, a atitude de esp´ esp´ırito pr´ opria do observador sendo uma objetividade imparcial inimiga de qualquer efus˜ ao”(1934). 1
Conv´em em mencionar menciona r aqui a qui a produ¸ produ ¸c˜ cao ˜ao de um certo n´umero umero de obras cinematogr´aficas aficas contemporˆ aneas aneas – e n˜ao ao apenas obras pertencendo p ertencendo ao gˆ enero enero do filme etnogr´afico afico cl´assico assico – que constituem, a meu ver, n˜ao ao apenas uma fonte de informa¸c˜ cao, a˜ o, mas um meio de conhecimento verdadeiramente antropol´ogico. ogico. Estou pensando particularmente em Moi et un Noir, de )ean Rouch (1958) que teve a influˆencia encia que sabemos sobre o cinema de )ean´ Luc Godard (especialmente Picrrot le Fou), e em filmes mais recentes como A Arvore dos Tamancos, de Ermanno Olmi (1977), Padre Pudrone, dos irm˜aos Taviani (1977), Le Christ s’es s’ estt Arrˆ Ar rˆet´ et´e `a Eboli, de Francesco Rosi (1979), Fontamara, de Carlos Lizzani (1980), Yol, de Yilmaz Guney (1981), Kaos, dos irm˜ aos aos Taviani (1984), Le Pays oii Rˆevent event les Fourmis ´ Vertes, de Werner Herzog (1984), (1984) , La L a Forˆet et d’ Eineraude. de —ohn Boorman (19851.
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CAP ´ITULO 18. ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA E LITERA LITERATURA: TURA:
”No per per´´ıodo de grande permissividade que sucedeu sucedeu as a`s hostili hostilidade dades, s, o jazz foi um sinal de uni˜ ao, uma bandeira bandei ra org´ org´ıaca, nas na s cores do momento. momento . Agia de uma forma m´ agica e seu modo de influˆencia encia po podia dia ser comparada comparada a uma possess˜ ao. Er Eraa o melhor melhor elemento elemento para para dar a essas festas seu verdadeir verdadeiroo sentido, sentido, um sentido religioso, uma comunh˜ ao pela dan¸ca, ca, o erotismo latente ou mani festo, e a bebida, bebida, o meio mais eficiente de acab acabar ar com o desn´ desn´ıvel que separa separa os indiv´ indiv´ıduos uns dos outros em qualquer esp´ecie ecie de reuni˜ ao. Mer Mergulha gulhados dos em rajadas de ar quente vindas dos tr´ opicos, o jazz trazia restos significativos de civiliza¸c˜ c˜ ao acabada, de humanidade submetendo-se cegamente `a m´ aquina, para expressar t˜ ao totalmente totalmen te quanto poss´ poss´ıvel o estado de esp´ esp´ırito de pelo mem enos alguns entre n´ os: aspira¸c˜ cao ˜ impl´ impl´ıcita e uma vida nova na qual um espa¸ co co mais amplo seria dado a todas as ingenuidade selvagens cujo desejo, embora ainda sem forma, nos assolava. assolava. Primeira Primeira manifesta¸ manifesta¸ c˜ ao dos negros, mitos dos ´ ´ rica, ´edens edens de cor que deviam me levar at´e a Africa e, para al´em em da Afri Af ca, at´e a etnografia”(1973). O tipo de etnologia no qual estamos aqui convidados a entrar ´e uma etnologia etnologia eminentemen eminentemente te amorosa, amorosa, na qual o pesquisadorpesquisadorescritor renuncia a ser o unico u ´nico sujeito do discurso, mas tamb´ t amb´ em em seu se u ob jeto, dentro de uma aventura. Por outro lado, esfor¸ ca-se por apreender da forma ca-se mais pr´oxima oxima poss p oss´´ıvel a linguagem dos homens da alteridade alter idade e em transmititra nsmitila na nossa l´ıngua (j´a era um dos objetivos de Mali-nowski). A rela¸c˜ c˜ao a o ao outro– e a` viagem – n˜ao ao ´e evidentemen evidentemente te a mesma se considerarmos de um lado a rela¸c˜ cao a˜o de Griaule com os Dogons, de Leenhardt com os Canaques, de Margaret Mead com as mulheres da Oceania, de Michel Leiris ou —ean Rouch com os africanos, de —acques Berque com os arabes, a´rabes, e de outro, a rela¸c˜ cao a˜o de um Antonin Artaud com os tarahumaras ou de um )ean Paulhan Paulhan com os malgaxes. malgaxes. Mas quando L´evi-Strauss evi-Strauss expressa seu odio ´ pelas viagens, no in´ in´ıcio de Tristes Tr´ opicos, opicos, ´e para, como Michaux em e m Um ´ B´arbaro arbaro na Asia ou em Equador, exigir uma viagem mais radical. *** O estudo das rela¸c˜ coes o˜es entre etnologia e literatura (especialmente o romance) merece ser levado mais adiante ainda. Suas afinidades deve-se, a meu ver, a raz˜ oes oes mais fundai f undai mentais. Citarei trˆes es delas. 1) A etnologia, pelo menos tal como a concebo, n˜ ao a o se contenta com a situa¸c˜ cao, a˜o, segundo a an´ alise alise por Husserl Husserl:: essa crise do pensamen pensamento to ocide o cident ntal al que, por estar cada vez mais especializado, reluta frente a` reflex˜ ao a o sobre o homem, homem, e pode caracter caracteriza izar-se r-se para levar levar a um ”esqueci ”esquecimen mento to do ser”. ser”. A etnologia e o romance (ambos – voltaremos a isso – nascidos na Europa)
147 visam precisamente (por vias muito diferentes) a explorar de uma maneira n˜ao ao especulativa especulativa esse ser do homem esquecido pela tendˆ encia encia cada vez mais hiper-tecnol´ogica ogica e n˜ao ao reflexiva refle xiva da ciˆencia. encia . 2) A literatura (e, notadamente, a literatura romanesca) desenvolve um interesse todo especial para o detalhe, e para o detalhe do detalhe, para os ”eventos min´ usculos”e os ”pequenos fatos”de que fala Proust. Ora, essa preusculos”e ocupa¸c˜ cao a˜o pelo microsc´ opico o pico – e n˜ao, ao, como diz ainda Proust, pelas ”grandes dimens˜oes oes dos fenˆomenos omenos sociais-- vai ao encontro da abordagem ab ordagem que ´e a da etnologia. O que caracteriza caracteriza tamb´ tamb´em em o modo de conhecimento conhecimento liter´ ario ´e que n˜ ao a o se reduz a` faculdade de observa¸c˜ cao. a˜o. A vida ´e inclus˜ inclusao a˜o e confus˜ ao, ao, a arte ´e discrimina¸c˜ cao a˜o e sele¸c˜ c˜ao, ao, bem como como mostrou mostrou Henry Henry James. O que o escritor escritor procur pro curaa ´e a an´alise alise dos fatos com o objetivo de tirar leis gerais. explicativas dos comportamentos comp ortamentos humanos. Ele ´e, e, segundo o termo de Proust, um ”escavador de detalhes detalhes”. ”. Sua ambi¸ ambic˜ c¸ao a˜o ´e nunca se ater as a`s sensa¸c˜ c˜oes oes que ”afetam sem representar”, e sim, a partir de um unico u´nico pequeno fato, se for bem escolhido, colhido, fazer surgir o ”geral”do ”geral”do ”particular”. ”particular”. Isto ´e, e, chegar a uma lei geral que levar´a a conhecer a verdade sobre os milhares de fatos an´ alogos, alogos, e permitir´a, a, articulada com outras leis, sejam colocadas as bases de uma ”teoria do conhecimento conhecimento”. ”. 3) A gˆenese enese do romance, como a da etnologia, ´e contemporˆ anea anea desse momento de nossa hist´ o ria no qual os valores come¸cam oria cam a vacilar, no qual ´e questionada uma ordem do mundo legitimada leg itimada pela p ela divindade. O que ´e ent˜ ao ao proposto n˜ ao ao ´e nada menos que um descentramento antropocˆen-trico en-trico em rela¸c˜ c˜ao ao a` teologia, teolo gia, mas tamb´em em a` filosofia cl´assica, assica, na qual a inteligibilidade ´e cons co nsti titu´ tu´ıda ıd a e n˜ao ao constiui constiuinte nte:: a relativ relativida idade de dos pontos de vista, vista, dos valores, das concep¸c˜ c˜oes oes do homem homem e do social, social, o abandono abandono da id´ id´eia eia de uma verdade absoluta situando o bem de um lado, e o mal de outro, comum a todas as ideologias.2 A l´ogica ogica do romance sup˜ o e a pluralidade dos personagens, como a l´ogica oe ogica da etnologia sup˜oe oe a pluralidade das sociedades, e, em ambos os casos, essa plural plu ralida idade de ´e irredu irr edutt´ıvel a` identidade. identidade. Assim, Assim, Joseph K. no Processo n˜ao ao ´e nem totalmente totalmente culpado nem totalmente totalmente inocente. inocente. Assim, Assim, na Montanha Montanha 2
O romance come¸cou cou como a etnolo etnologia gia:: pela perspecti perspectiv va, aberta aberta pelas pelas viagen viagens, s, da aventura ilimitada (Jacques le fataliste, Dom Quixote...). Depois, e em ambos os casos, o ` medida que o universo conhecido vai sendo explorado, long´ınquo ınquo deixa lugar ao pr´oximo. oximo. A volta-se para o pr´oximo oximo e, como em Madame Bovary, explora-se o cotidiano.
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CAP ´ITULO 18. ANTROPOLO ANTROPOLOGIA GIA E LITERA LITERATURA: TURA:
M´agica, agica, de Thomas Mann, os pension´ arios arios do Berghof n˜ao ao detˆem em a verdade verd ade dos habitantes da ”plan´ ”plan´ıcie”, e Hans Castorp n˜ ao ao ´e a medida de Settembrini. Sette mbrini. O mesmo se d´a para Zeno em rela¸c˜ cao a˜o a Augusta, na Consciˆencia encia de Zeno, de Svevo, para Leopold Blum em rela¸c˜ c˜ao ao a` ”gente de Dublin”, em Ulisses, de Joyce, para o narrador de Em busca do tempo perdido em rela¸ c˜ c˜ao a o aos 3 Verdurin, etc. Ora, essa abordag abo rdagem em ´e an´ aloga aloga (o que n˜ao ao signific s ignificaa de modo mod o algum al gum idˆentica) entica) a` da etnolog etnologia ia.. Pod Podee ser ser apreen apreendi dida da da forma forma mais mais pr´ oxima poss pos s´ıvel nos trabalhos de um etn´ ologo como Oscar Lewis. Em Os Filhos de S´ ologo anchez, anchez, particularmente, n˜ao ao somos mais confrontados com os mon´ ologos ologos paralelos do observador do observado, alternadamente considerados como os unicos ´ p´olos olos da observa¸c˜ c˜ao, ao, mas ma s aos ao s olhares olhar es cruzados (convergentes, divergentes) de uma mesma fam´ fam´ılia mexicana. mexica na. Em suma, esses exemplos bastam, me parece, para fazer-nos compreender que no romance tanto quanto na etnologia, renuncia-se a` id´eia eia de que a realidade possa ser apreendida em si, mas, mais modestamente, sempre a partir de um certo certo ponto de vista. vista. Em ambos os casos, casos, para o etn´ ologo, como para o romancista, coloca-se o problema dos limites que se deve impor ao olhar. Ou seja, o ponto de vista esfor¸ca-se ca-se em ser total, sem nunca ser absoluto. Essa abordagem, a bordagem, deliberadamente perspectivista, persp ectivista, ´e portanto p ortanto claramente clar amente an4 titotalit´aria. aria.
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E mesmo quando o romance est´a totalmente organizado em torno de uma personagem u unica, ´nica, a partir da revolu¸c˜ cao a˜o romanesca rom anesca da d´ecada ecada de 1920, 192 0, revolu¸ revol u¸c˜ cao a˜o esta que, ´e claro, c laro, n˜aaoo veio de repente, repente, mas foi gradualmen gradualmente te preparada preparada por escritores escritores como Stendhal, Stendhal, Flaubert, Flaubert, fames, essa personagem, profundamente dividida em rela¸c˜ c˜ao a o a si pr´opria, opria, reintroduz no espa¸co co romanesco a multiplicidade dos pontos de vista. 4 As rela¸c˜ c˜oes oes (no caso convergentes) que acabamos de esbo¸car c ar entre o romance e a antropologia exigiriam uma afina¸c˜ c˜ao. ao. De que romance romance se trata? trata? E de que antropologi antropologia? a? Parece-nos por exemplo que a abordagem que visa `a investiga¸c˜ c˜ao ao mais completa complet a poss´ıvel ıvel de um grupo humano atrav´ a trav´es es da documenta¸ docum enta¸c˜ cao a˜o e da observa¸c˜ c˜ao ao distanciada da ”realidade social so cial”, ”, ´e comum c omum `as as correntes positivistas das ciˆ encias encias humanas e naturalistas do romance. Da mesma forma, a perspectiva de Balzac, que privilegia o car´ater ater eminentemente social e at´e socio-econˆ ´ocio-econˆ omico omico das situa¸c˜ c˜oes oes (descritas em sua exterioridade) e das personagens (que, na obra de Balzac, con fundem-se com sua fun¸c˜ c˜ao ao e seu estatuto social), corresponde `a tendˆencia encia sociologizante so ciologizante da antropologia. A rela¸c˜ c˜ao ao entre o afetivo e o social inverte-se quando passamos para o romance psicol´ogico ogico ou para a antropologia psicanal´ psicanal´ıtica.
Cap´ıtulo 19 As Tens˜ oes oes Constitutivas Da Pr´ atica Antr Antropol´ ogica: ogica: Encontramos no conjunto do campo antropol´ ogico ogico um certo n´ umer um eroo de d e ten t ens˜ s˜oes oe s importantes, opondo a universalidade e as diferen¸cas, cas, a compreens˜ ao a o ”por dentro”e a compreens˜ a o ”por fora”, o ponto de vista do mesmo e o ponto ao de vista dos outros. . . Mas essas tens˜oes oes s˜ao ao verdadeiramente constitutivas da pr´ opria opria pr´atica atica da antropologia. Esta ultima u ´ltima s´o come¸ca ca a existir a partir do momento em que o pesquisador se entrega a um confronto entre esses diversos termos, vive dentro de si essas tens˜ oes, oes, freq¨ uenteme uent emente nte polˆ po lˆemicas emi cas,, esfor¸ca-se ca-se em pens´a-las a-las e dar conta delas. Correla-tivamente, parece-me que a antropologia tem todas as chances de engajar-se em um impasse, em um desvio em rela¸c˜ cao a˜o ao modo de conhecimento que persegue, toda vez que um dos p´olos olos em quest˜ao ao domina o outro.
19.1 19.1
O Den Dentr tro o E O Fo Fora
Uma pulsa¸c˜ c˜ao ao bastante ba stante espec esp ec´´ıfica ritma r itma o trabalho de todo etn´ ologo. O primeiro tempo temp o ´e o da aprendizag apren dizagem em atrav´es es de um conv´ conv´ıvio ass´ ass´ıduo e de uma verdadeira impregna¸c˜ c˜ao ao por seu objeto. Trata-se rata-se de interp interpreta retarr a sociedad sociedadee estudada utilizando os modos de pensamento dessa sociedade, deixando-se, por assim dizer, dizer, naturaliz naturalizar ar por ela. ela. O que n˜ ao tem realmente nada de um ao ´ exerc´ exerc´ıcio intelectual, pois, como diz Georges Balandier Baland ier a respeito da Africa, corre-s corre-see o risco de volta voltarr ”perdido ”perdido para o Ociden Ocidente”. te”. A abordagem abordagem de um fean Rouch, de um Michel Leiris (que escrevia em seu di´ario ario de miss˜ao: ao: ”eu preferiria preferiria ser possu´ possu´ıdo a estudar os possu´ possu´ıdos”), ou de um Roger Bastide, Bastide, parece-me parece-me particularmen particularmente te representativ representativa dessa atitude. Roger Bastide escreve, por exemplo: 149
˜ CONSTITUTIVAS DA PR ATICA ´ ´ 150CAP 150CAP ´ITULO 19. AS TENS OES ANTROPOLOGICA:
”Eu abordava o candombl´e com uma mentalidade mentali dade moldada moldad a por trˆes es s´eculos eculos de cart artesi esiani anismo smo.. Devia Devia deixar deixar-me -me penetr penetrar ar por uma cultur cultura que n˜ ao era minha. Devia portanto portanto converterconverter-me me a uma outra outra mentalidade mentalidade A pesquisa esquisa cient´ıfica ıfica exigia de mim a passagem pr´evia evia pelo ritual r itual de inicia¸ iniciac˜ c¸˜ ao”. Roger Roge r Bastide Bastid e ´e ent˜ ao ao entronizado no candombl´e, e, onde lhe revelam que ´e filho de Xangˆ o, o, deus do trov˜ ao ao dos Iorubas, e onde, at´e a sua morte, mort e, ocupar´ o cupar´ a um lugar na hierarquia sacerdotal. A noss nossoo ver, ver, o pesqu pesquis isad ador or s´ o ultrapassar´ a esse primeiro est´ agio agio que ´e o do encontro, da experiˆencia, encia, e por p or que qu e n˜ ao? ao? da convers˜ ao ao (pelo menos metodol´ogica), ogica), e que podemos ilustrar com os trabalhos dos fundadores de nossa disciplina, come¸cando cando por Leenhardt e Griaule – se o tiver pelo menos encontrado contrado e atravessado. atravessado. Mas passado o tempo da impregna¸c˜ cao, a˜o, chega inelutavelmente para o etn´ ologo ologo o da distˆ dis tˆancia, anc ia, pois po is ´e pr´oprio oprio da linguagem, e particularmente da linguagem cient´ cient´ıfica, atuar no sentido de uma separa¸c˜ c˜ao. ao. E sobretudo, a inteligibilidade procurada n˜ ao consiste apenas em compreender uma sociedade da forma ao como seus atores ator es sociais so ciais a vivem, mas tamb´ t amb´ em, em, mas sobretudo, em entender o que lhes escapa e s´o pode p ode lhes escapar. escapar. De fato, o que vivem vivem os membros membros de uma determinada sociedade n˜ ao poderia ser compreendido situando-se ao apenas dentro dessa sociedade. sociedade. O olhar distanciado, distanciado, exterior, diferente, diferente, do estranho, estr anho, ´e inclusive in clusive a condi¸ condic˜ c¸ao a˜o que qu e torna to rna poss pos s´ıvel a compreens˜ compr eens˜ao ao das l´ogicas ogicas que escapam aos atores sociais. Ao familiarizar-se com o que de in´ in´ıcio parecia estranho, o etn´ ologo vai tornar estranho para esses atores o que lhes parecia ologo familiar. Conv´ Conv´em em portanto insistir insistir aqui sobre a opacidade opacidade das estrat´ estrat´egias egias sociais. Parece-nos Parece-nos de fato, que, de um determinado determinado ponto de vista, os camponeses de Cevennes s˜ao ao os pior situados para compreender os camponeses de Cevennes, e os professores de filosofia para compreender os professores de filosofia, ou ainda, os franceses para compreender os franceses;1 pois as significa¸c˜ coes o˜es produzidas n˜ao ao residem apenas naquilo que uma cultura ou microcultura afirma, mas naquilo que n˜ao ao diz. Nenhuma sociedade socied ade ´e de fato perfeitamente p erfeitamente transtran sparente parente a si mesma, nenhuma nenhuma escapa de suas armadilhas armadilhas conscientes. conscientes. Cada grupo humano, como tamb´em em cada indiv´ indiv´ıduo, fornece a si pr´ oprio oprio e aos ou1
Cf., sobre esse ponto, os trabalhos de L. Wylie (1968), que ´e americano, ou de Zeldin C983) C9 83).. que qu e ´e inglˆ in glˆes es
19.1. 19.1. O DENTR DENTRO O E O FORA FORA
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tros racionaliza¸ racionaliza¸c˜ coes o˜es de suas condutas, que consistem em modelos conscientes que o etn´ ologo ologo n˜ao ao deve cortejar e adaptar, nem contornar e exorcisar, e sim analisar. Assim, o risco do primeiro momento (habitualmente designado designa do p pela ela express˜ expre ss˜ao ao ”compreens˜ao ao por dentro”) dentro”) ´e, e, seja uma participa¸ participa¸ c˜ao a o cega e uma ”empatia”que n˜ao ao se consegue mais controlar, seja a retranscri¸ c˜ cao, ˜ao, em termos eruditos e na forma de uma redundˆ ancia, do que foi expresso, por exemplo, ancia, pelo camponˆes es ou pelo oper´ ario em termos populares. Alguns etn´ ario olog ol ogos os tˆem em tendˆencia encia a supervalorizar o discurso do outro, isto ´e, e, a abandonar um modelo de pensamento pensamento por outro. outro. Mas em tais condi¸ c˜oes, oes, como diz MarcAug´ Marc Aug´e (1979), ”o etn´ ologo que tentasse compreender o universo dos bororos e exologo plic´a-lo a-lo de dentro, n˜ ao ao seria mais um etn´ologo ologo e sim um bororo”. O risco inverso pode apresentar-se na ocasi˜ ao do segundo momento do proao cesso (a ”compreens˜ ao a o de fora” fora”). ). Quand Quandoo o disc discurs ursoo sobre sobre o outro outro tende tende a dominar o discurso do outro, degenera habitualmente em um discurso a` revelia do outro, podendo contribuir na morte do outro (e na morte das civiliza¸c˜ coes). o˜es). O paradoxo merece ser sublinhado. Enquanto nossa profiss˜ ao ao de etn´ ologo ologo exige que comecemos comecemo s toda to da p pesquisa esquisa pela p ela aprendizagem aprend izagem da mod´estia, estia, por uma ruptura rup tura cultural, ou at´e por p or uma u ma ”convers˜ ”co nvers˜ ao”, deixando-nos ensinar e aculturar como crian¸cas, cas, nossas produ¸c˜ c˜oes oes eruditas terminam quase sempre tomando as outras sociedades conformes a` inteligibilidade que organiza a nossa nossa.. O risco risco., ., n˜ ao ao desprez´ desprez´ıvel, ´e de estarmos carregando conosco um modelo de leitura, de sociedade em sociedade, com a convic¸c˜ cao a˜o de sempre permanecer com a ultima u´ltima palavra palavra.. Se a etnolog etnologia ia conseguir conseguir superar superar a ideologia da idealiza¸c˜ cao a˜o amorosa, da fus˜ao a o e da confus˜ ao, ao, parece-me pare ce-me que n˜ao ao deve ser para voltar ao estatuto estat uto etnocˆ et nocˆentrico entrico da racionalidade ocidental, que ´e apenas uma forma de l´ ogica entre tantas outras. ogica L´evi-Strauss evi-St rauss compara compa ra freq¨ frequentemente u¨entemente a antropologia a` astronomia. Qualifica a primeira de ”astronomia ”astr onomia das ciˆencias encias sociais”, so ciais”, e diz do olhar antropol´ antrop ol´ ogico ´ que ´e um ”olhar de astrˆ onomo”. onomo”. E a proximidade desse olhar sobre sociedades long´ long´ınquas que permite notadamente notadamente que o pesquisador, pesquisador, de volta volta a sua pr´opria opria sociedade, possa olh´ a-la a-la a distˆancia anc ia E ´e o car´ car ´ater ate r micros mic rosc´ c´ opico opico de sua abordagem que fundamenta paradoxalmente a natureza telesc´ opica opica de sua abordagem. Existe, ´e claro, uma contradi¸ contradi¸ c˜ao ao aparente nesse olhar pr´oximo oximo do long´ long´ınquo que age como um olhar long´ long´ınquo do pr´ oximo; oximo; mas essa contradi¸c˜ cao, a˜o, todo etn´ologo ologo a encontrou pelo menos uma vez na vida. Em suma, parece-nos que essa tens˜ ao entre pesquisadores, mas sobretudo, ao
˜ CONSTITUTIVAS DA PR ATICA ´ ´ 152CAP 152CAP ´ITULO 19. AS TENS OES ANTROPOLOGICA: em um mesmo pesquisador,2 entre a situa¸c˜ cao a˜o de outsider e a de insider – que ´e a pr´ propria o´pria defini¸c˜ c˜ao ao da ”observa¸c˜ c˜ao ao participante”, essa vontade de ”poder pensar e sentir alternadamente como um selvagem e como um europeu”(E. Evans-Pritchard, 1969) – ´e constitutiva de nossa profiss˜ ao. ao. Como escrev escrevia, ia, h´a mais de um s´eculo, eculo, Tylor, um dos primeiros antrop´ ologos: ologos: ”Existe uma esp´ecie ecie de fronteira fronteira aqu´ em em da qual ´e pre preciso ciso estar par paraa simpatizar com o mito, e al´em em da qual ´e pre preciso ciso estar par paraa estud´ a-lo. Temos a sorte de viver perto dessa faixa fronteiri¸ca ca e de poder passar e repass´ a-la a a` vontade”.
19.2 19.2
A Uni Unida dade de E A Plu Plura rali lida dade de
Fazer antropologia antropologia ´e segurar as duas extremidades extremidades da cadeia e afirmar com a mesma for¸ca: ca: •
•
existe, como escreve Mauss, Mau ss, uma ”unidade do gˆenero enero humano” tal costume costume,, tal institu institui¸ i¸c˜ cao, a˜o, tal comportam comportamen ento, to, estranh estranhos os a minha minha sociedade, s˜ ao ao realmente diferentes
1) Esse descentramento descentramento te´ orico orico de si por p or abertura ab ertura ao outro ´e freq¨ frequentemente, ¨ na pr´atica, atica, apenas uma tradu¸c˜ cao a˜o de um discurso em outro, de uma mentalidade em outra, uma extens˜ ao ao e anexa¸c˜ c˜ao ao do outro, reduzido a mera figura do ´ notadamente o caso do evolucionismo que dissolve a alteridade na mesmo. E unidade, pois, como vimos, o ”primitivo”n˜ao ao ´e visto como sendo realmente diferente de n´ os. Encarna a forma social ultrapassada do que fomos outrora, os. e ´e utilizado como a ilustra¸c˜ c˜ao ao de um processo unico u ´ nico que sempre conduz ao idˆentico. enti co. Mas essa ess a tendˆ t endˆencia enc ia da d a pr´ p r´ atica atica antropol´ ogica ogica atua tamb´em em em aborabo r´ por dagens que, no entanto, apresentam-se como radicalmente opostas. E, exemplo, f´acil acil encontrar uma contradi¸c˜ c˜ao, ao, na obra de Malinowski, entre, de um lado a experiˆ exp eriˆencia encia pessoal p essoal do observador, que se esfor¸ esforca ¸ em dar conta da especificidade irredut´ irredut´ıvel dos insulares trobriandeses, e a convic¸ c˜ao ao do te´ orico orico que, no final de sua vida, reflete sobre o funcionamento da humanidade em geral, pois considera que, finalmente, os homens s˜ ao em toda parte os mesao mos. A abordagem t˜ao ao exigente do etn´ ografo, ografo, que evidencia as diferen¸ diferencas c¸as que observa, termina dis-solvendo-se no dogmatismo unit´ ario ario da fun¸c˜ cao. a˜ o. Co Commpreendemos, dentro desse quadro, o questionamento de nossa disciplina, que 2
Lembramos Lembramos,, por exemplo, exemplo, que Malinows Malinowski ki no in´ in´ıcio de sua carreira, carreira, ao estudar estudar os Trobriandes robriandeses es (1963), (1963), privilegia privilegia um modo de conhecimen conhecimento to por ”dentro”, ”dentro”, em seguida, seguida, quando elabora sua Teoria Cient´ Cient´ıfica da Cultura (1968), d´ a prioridade a um mo’do de conhecimento claramente distanciado.
19.2. A UNIDAD UNIDADE E E A PLURALID PLURALIDADE ADE
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se expressa notadamente pela voz dos intelectuais do ”terceiro mundo”(cf. por exemplo Fanon, 1952, Baldwin, 1972, Adotevi, 1972) pedindo o fim da antropologia, este mon´ ologo ologo tranq¨ uilo do Ocidente consigo mesmo, no qual uilo a unica u ´ nica racionalidade presente estaria conferida por um sujeito ativo a um objeto passivo. Essa acusa¸c˜ cao a˜o segundo a qual o conhecimento dos outros estaria reduzido ao Saber verdadeiro por um observador possuindo infalivelmente a verdade do observado, obser vado, e procurando pro curando menos me nos o advento com os outros daquilo da quilo que n˜ao ao pensava, do que a verifica¸c˜ cao a˜o sobre os outros daquilo que pensava, coloca um problema essencial: a unica u ´nica ciˆencia encia ´e ocidenta o cidental? l? e a antropologia antrop ologia teria apenas ape nas uma modalidade do conhecimento por objetiva¸ c˜ cao? a˜o? Nossa Nossa discipli disciplina na – pelo menos tal como a concebo – aspira a uma forma de racionalidade que n˜ao ao ´e a das ciˆencias encias sociais, tais como a economia, a sociologia ou a demografia, as quais ”aceitam sem reticˆencias”, encias”, como diz L´evi-Strauss, evi-Strauss, ”estabelecer-se ”estabelece r-se dentro dentro mesmo de suas suas sociedade sociedades”. s”. E, por outro outro lado, lado, embora n˜ ao se trate de ciˆencias, encias, no sentido ocidental oc idental do termo, existem, em outras culturas, c ulturas, forfor mas de conhecimento cuja l´ ogica ogica n˜ao ao tem realmente nada a invejar da nossa: por exemplo, as gram´aticas aticas indianas, os ”saberes sobre o corpo”asi´ aticos, aticos, ou ainda as institui¸c˜ coes o˜es familiares fa miliares tais como foram for am elaboradas elab oradas pelos abor´ abor´ıgines australianos, australianos, t˜ ao ao complexas que precisamos, no Ocidente, Oc idente, para compreendˆeelas, apelar para os recursos das matem´aticas aticas modernas. 2) Esses ultimos u ´ ltimos coment´arios a rios nos levam a nos voltar para o segundo p´ olo olo dessa tens˜ao ao entre entre a unidade unidade da cultura cultura (o outro outro ´e um homem homem como n´ os, como vemos na trag´edia edia shakespeariana) shakespear iana) e a diversidade das da s culturas. A partir desse segundo p´olo, olo, organiza-se toda uma corrente, que encontra uma de suas primeiras express˜oes oes em Montaigne (os costumes diferem tanto quanto os trajes, h´a uma verdade al´em em dos Pireneus. Pireneus. . .), atravessa atravessa o pensamento pensamento antropol´ogico ogico contemporˆ contemporˆ a neo, e consiste dessa vez em considerar as difeaneo, ren¸cas cas como com o irred ir redut´ ut´ıveis. ıveis . O que ´e evidenciado nessa perspectiva persp ectiva3 ´e o car´ ca r´ater ater assim´etrico etrico da rela¸c˜ c˜ao ao entre o observador e o observado, a domina¸c˜ c˜ao ao que uma civiliza¸ civiliz a¸c˜ cao a˜o estaria impondo deliberada ou dissimuladamente a todas as outras, e a natureza, considera consi derada da repressiva, repr essiva, da ciˆencia, encia , que q ue seria a racionaliza racio naliza¸¸c˜ cao a˜o desse processo. Preconiza-se ent˜ ao ao uma rela¸c˜ c˜ao ao emp´ atica, atica, igualit´aria aria e convivial, que pro3
Perspectiva Perspectiva ao mesmo tempo antievolucionista. antievolucionista. antifuncionalista. antiestruturalista, antimarxista, mas claramente culturalista, encontrada em autores como Castaneda (1982). Clastres (1974). Delfendhal (1973), (aulin (1970. 1973).
˜ CONSTITUTIVAS DA PR ATICA ´ ´ 154CAP 154CAP ´ITULO 19. AS TENS OES ANTROPOLOGICA: ´ uma porcionaria a possibilidade de dessolidarizar-se do mundo europeu. E forma de conhecimento conhe cimento mais humana, que poder po der´´ıamos qualificar de ”etnolo”e tnologia mansa”, como falamos de ”medicina mansa”, visando, contra o cosmopolitismo, a reabilitar a identidade das regi˜ oes oes (cf., por exemplo, P. J. H´elias, elias, 1975) 1975).. Op˜ Opoe-se o˜e-se ent˜ao ao radicalmente a sabedoria das sociedades tradicionais a` violˆencia encia fren´etica etica da sociedade racionalista, da qual a antropologia seria c´umplice. umplice. Finalmente, Finalmente, considera-se considera-se que o que ´e separado pela barreira das culturas n˜ao ao deve ser reunido, nem mesmo pelo p elo pensamento pensamento te´ orico. orico. Disso Disso decorre a oposi¸c˜ c˜ao ao aos pr´oprios oprios conceitos de homens e de antropologia, aos quais se prefere o de povo (no plural) e de etnologia. Procuremos analisar as implica¸c˜ coes o˜es de tal atitude. 1) Em primeiro lugar, a inquietude que demonstram esses autores com respeito a uma homogeneiza¸ homogeneizac˜ c¸ao, a˜o, pelo Ocidente das diferentes culturas do mundo, me parece pouco fundament fundamentada. ada. De volta volta de uma miss˜ miss˜ ao cient´ cient´ıfica no Nordeste do Brasil, posso relatar o seguinte: uma popula¸c˜ cao a˜o constitu const itu´´ıda em sua maioria de descendentes de europeus, e confrontada hoje a uma conjuntura econˆ omica omica internacional que lhe ´e eminentemente desfavor´ avel, soube criar formas de sociabilidade plenamente originais, encontr´ aveis aveis no menor comportamento da vida cotidiana, e que n˜ ao se deixam de forma alguma alterar ao pelos modelos modelos cultura culturais is vigentes vigentes em Pa Paris ris,, Londres Londres ou Chicago Chicago.. Sabemos Sabemos de fato que, quanto mais uma sociedade tende a uniformizar-se, mais tende simultaneamente a diversificar-se. Assim, por exemplo, a hegemonia ariana, que ia levar `a unifica¸c˜ cao a˜o da ´India, foi acompanhada correlativamente de uma divis˜ao ao da sociedade so ciedade em castas. Da mesma forma, foi a influˆ influˆencia, encia, que parecia exclusivamente niveladora, da revolu¸c˜ cao a˜o industrial do s´eculo eculo XVIII que permtiiu a radicaliza¸c˜ cao a˜o dos diferentes estatutos entre os grupos (as classes sociais) sociais).. Mais Mais uma vez, o Brasil Brasil contemporˆ contemporˆ aneo me parece particularmente revelador a esse respeito e nos leva ainda mais adiante. A cultura popular p opular n˜ao ao s´o resiste notavelmente a` cultura cul tura dominante, domina nte, como c omo tamb´ t amb´em, em, freq f req¨ uentemente, ¨ consegue se impor a esta, de uma maneira dificilmente imagin´avel avel no Ocidente. Aquilo que Bastide come¸cava cava a notar, trinta anos atr´ as, as, ao estudar os cultos afro-brasileiros afro-brasileiros,, acentuou-se acentuou-se e confirmou-se. confirmou-se. Encontrei Encontrei pessoalmente membros das classes superiores da sociedade brasileira que, no decorrer das cerimˆonias onias de umbanda, s˜ ao ao sucessivamente suce ssivamente ”possu ”po ssu´´ıdos”pelos ıdos”p elos esp´ esp´ıritos ırito s das divindades dos ´ındios e dos ancestrais africanos afr icanos do tempo t empo da escravid˜ ao. Ora, esse fenˆomeno omeno pode ser melhor apreendido, n˜ ao ao nas regi˜ oes oes mais exteriores em rela¸c˜ c˜ao ao ao desenvol desenvolvimen vimento to econˆ omico omico do pa´ pa´ıs, como c omo o Nordeste, mas no Rio de Janeiro ou em S˜ ao ao Paulo, Paulo, que ´e hoje uma das primeiras primeiras metr´ opoles opoles industriais do mundo.
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2) A id´ id´eia eia de que o outro outro ´e radical radicalmen mente te outro, outro, de que, que, por exemplo exemplo,, o Novo Novo Mundo ´e de fato um outro mundo, e de que n˜ ao ao se poderia preencher (e, mesmo se fosse poss´ poss´ıvel, n˜ n ao a˜o se deveria fazˆe-lo) e-lo) a diferen¸ca ca absoluta que o separa de n´os, os, participa de um etnocentrismo invertido que n˜ ao ao deixa de lembrar lembrar de Pau Pauw w ou Hegel. Para estes, como lembramos, lembramos, as sociedades selvaselva´ ”um outro mundo gens s˜ao ao totalmente diferentes das sociedades hist´ oricas. oricas. E cultural”, diz Hegel, que tamb´em em fala em e m uma ”essˆencia”dos encia”dos africanos. O fato de a alteridade ser aqui valorizada, por um agrad´ avel avel movimento de pˆendulo endulo ao qual nos no s acostumou aco stumou o pensamento para-antropol´ ogico, ogico, n˜ao ao afeta em nada a natureza ideol´ ogica do processo em quest˜ ogica ao. ao. 3) Essa celebra¸c˜ cao a˜o da sabedoria e do conv´ conv´ıvio dos outros n˜ ao ao resiste `a observa¸c˜ cao a˜o dos fatos: fatos: decorre decorre da constru¸ constru¸ c˜ cao a˜o de uma alteridade fantasm´ atica atica que se faz passar por realidade. realidade. O africano, o ´ındio, o bret˜ ao. . . s˜ao ao mobilizados mais uma vez como suportes do imagin´ ario do ocidental culto, como ario objeto-pretexto ob jeto-pretexto utilizado aqui com vistas ao protesto moral, como pode po de sˆe-lo e-lo com vistas a` emo¸c˜ cao a˜o est´etica etica ou a militˆ ancia ancia pol´ pol´ıtica. E correlativamente dessa vez, atrav´ atrav´es es dessa deontologia deontologia do olhar para o outro – o qual acaba inclusive perdendo-se, pois olha-se para si mesmo dentro do espelho do outro –, aquele que est´a submetido a um processo de domina¸c˜ c˜ao ao e humilha¸c˜ ca˜o n˜ao ´e mais o outro (sadismo), (sadismo), e sim si pr´ oprio o prio e sua pr´ opria opria sociedade (masoquismo quismo). ). A excelen excelente te imagem imagem que se deve ter dos outros acompanh acompanha-s a-see de fato da m´a imagem que se tem de si (cf., por exemplo, Jean Monod, 1972, que se acusa de ser um ”rico canibal”). Ou seja, h´a uma recusa de assumir sua pr´opria opria identidade, o que tem como corol´ario ario a culpa ou a difama¸c˜ c˜ao ao da ocidentalidade.4 Em suma, tudo se passa como se esse protesto indignado – o fato de querer devolver sua dignidade aos outros – devesse passar inelutavelmente por um processo consistindo em acusar-se a si pr´oprio oprio de indignidade. 4) A id´ eia eia de que os que visam compreender racionalmente racionalmente a alteridade alteridade estariam se comportando comp ortando praticamente como Cortˆes es com os Astecas, enquanto que, indo at´e o fim da ruptura ruptura com o Ociden Ocidente, te, se poderia talvez talvez chegar chegar,, atrav´es es de um conhecimento por assim dizer amoroso, a coincidir com a verdadeira natureza do outro, outro , enquandra-se mais em uma experiˆ exp eriˆencia encia religiosa, re ligiosa, 4
. A d des escr cri¸ i¸c˜ cao, a˜o, por Turnbull (1972), de selvagens que n˜ao ao tˆem em realmente nada de ”bons selvagens”, e o fato de que o etn´ologo. ologo. como qualquer qualquer ser humano, humano, possa sentir sentir odio ´odio em rela¸c˜ c˜ao ao a estes, e escrevˆ e-lo, e-lo, causou escˆandalo andalo entre os etn´ologos. ologos. Mas que estes estes ultimos u ´ltimos n˜ ao sejam ”nem santos, nem her´ois”, ao ois”, como diz Panoff (1977), ”n˜ao ao impede que os trobriandeses sejam matrilineares, nem que os Nuers levem uma vida ritmada p las necessidades pastorais e pelas condi¸c˜ c˜oes oes meteorol´ogicas”. ogicas”.
˜ CONSTITUTIVAS DA PR ATICA ´ ´ 156CAP 156CAP ´ITULO 19. AS TENS OES ANTROPOLOGICA: que faria do etn´ologo ologo um iniciado iniciad o ou um eleito, do que na ciˆencia. encia. E al´em em disso, tudo nos impele – na esteira dessa para-antropologia que identifica a abordagem do pesquisador com o ponto de vista dos pr´ oprios oprios atores, que afirma que ´e preciso ser origin´ ario ario de sua cultura para compreendˆe-la e-la realmente mente – a ficar em casa, casa, a permanece permanecerr entre entre si. Apenas Apenas o ´ındio ındio (e, a rigor, rigor, aquele que se tornar seu adepto) ´e capaz de compreender compreender o ´ındio. Apenas o bret˜ ao ao ´e capaz de falar corretamente corretamente o bret˜ ao. Apenas Apenas o prolet´ prolet´ ario ario pode saber o que ´e a classe oper´ aria. Apenas a mulher est´a em condi¸c˜ aria. c˜oes oes de compreender preender a mulhe mulher. r. J´ a passamos por p or isso. Como vocˆe, e, que n˜ ao ´e m´edico, se atreve atreve a falar de medicina? medicina? Deixe a medicina medicina aos m´edicos, edicos, a religi˜ religiao a˜o aos cleros, o proletariado aos prolet´ arios, a Bretanha aos bret˜ arios, oes. o es. . . Se levarmos l evarmos at´ a t´e suas su as extrema ex tremass conseq con seq¨ uˆ u¨ˆenci en cias as esse es se prin pr incc´ıpio ıp io de n˜ao-distancia¸ ao-distancia¸c˜ c˜ao ao e n˜ao-media¸ ao-media¸c˜ cao, a˜o, devemos nos tornar membro efetivo da sociedade que pretend´ tend´ıamos estudar. Mas ent˜ ao, a o, n˜ao a o se trata mais de estud´ a-la, a -la, e sim de adot´ a-la, a-la, `a maneira desses aventure aventureiros iros normandos, normandos, encontrados encontrados por L´ery, ery, que haviam naufragado na costa meridional do Brasil e tinham-se tornado selvagens no contato dessas popula¸c˜ coes, o˜es, adotando adot ando sua l´ıngua, ıngua , suas sua s mulheres, mulher es, seus costumes. Por todas essas raz˜ oes, ao insistir tanto sobre o car´ oes, ater ater irredut´ıvel ıvel das difere dif eren¸ n¸cas, cas, essa tendˆencia encia da etnologia etn ologia exclui-se por si mesma, a meu ver, de uma abordagem abordage m de pequisa cient´ cient´ıfica. Acabamos de ver que a uma forma de universalidade que tende para a redu¸c˜ cao a˜o do outro ao ocidentalismo (o dogmatismo de uma natureza ou de uma essˆencia encia humana sempre idˆentica entica a si mesma) responde uma forma de ma jora¸c˜ cao a˜o da alteridade (o dogmatismo dogma tismo da relatividade de d e culturas cultur as heterogˆ hete rogˆeneas eneas justapos justapostas) tas).. N˜ ao ´e facil, a´cil, evidentemente, segurar as duas extremidades da cadeia, isto ´e, e, o acesso a` compreens˜ ao a o do outro por si e `a compreens˜ ao a o de si pelo outro. outro. Se a identific identifica¸ a¸c˜ cao a˜o integral integral com este ´e, e, a meu ver, um erro, a antropologia nos enga ja por´ p or´em em nessa aventura aventura que nos ensina que n˜ ao ao se deve identificar integralmente consigo con sigo mesmo. O outro ´e uma figura poss´ poss´ıvel de mim, mim, como eu dele. dele. Esse Esse descen descentram trament entoo m´ utuo do observador e do obserutuo vado n˜ao ao pode mais ser, no final dessa experiˆ encia, encia, o sujeito transcendental transcendental do humanismo. Mas nem por isso as identidades de uns e outros est˜ ao ao abolidas, passam a ser apreendidas do interior mesmo de sua diferen¸ca, ca , isto ist o ´e, e, a partir de uma rela¸c˜ cao. a˜o.
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O Con Concr cret eto o E O Abs Abstr trat ato o
A terceira tens˜ ao ao que examinaremos agora ´e a da observa¸ c˜ao ao daquil daq uiloo que ´e vivido, e da teoria te oria constru c onstru´´ıda para par a dar conta dessa observa¸ c˜ao, ao, ou, se preferirmos, do campo e do m´etodo. etodo. A incompreens˜ao ao entre os que enfatizam a unidade fundamental da cultura e os que privilegiam privilegiam a diversidad diversidade, e, supostamente supostamente irredut´ irredut´ıvel, ıvel, das culturas, culturas, decorre do fato de que n˜ ao ao nos situamos, nos dois casos, c asos, no mesmo n´ıvel de investiga¸c˜ c˜ao ao do social. A tomada e’m considera¸c˜ c˜ao ao da variedade cultural me leva leva a perceber perceber que perten¸ co a uma cultura entre muitas outras, mas o meu co olha ol harr at´ a t´em-s em -see `a observa¸c˜ c˜ao ao da realidad re alidadee emp´ırica. ırica. Pelo contr´ contrario, a´rio, a an´alise alise da variabilidade cultural evidencia o que n˜ao ao vejo diretamente quando passo de uma cultura para outra, mas me permite perceber que perten¸ co co a uma figura particular da cultura. De um lado, portanto, a preocupa¸c˜ cao a˜o do concreto, de outro, a exigˆ e xigˆencia, encia, para dar conta deste, deste , da constru¸ c˜ cao a˜o cien ci ent´ t´ıfica ıfi ca.. Vaiv´em em a meu ver ininterrupto que pode ser ilustrado, por exemplo, pelo formalismo l´ogico ogico de um L´evi-Strauss, evi-Strauss, o qual n˜ ao ao deve, por´em, em, nos deixar esquecer a especificidade por assim dizer carnal dessa Am´erica erica ´ındia dos Nhambiquaras de que tanto gosta o autor de Tristes Tr´ opicos. opicos. 1) O primeiro risco, que eu qualificaria de tenta¸c˜ c˜ao ao emp´ emp´ırica, vem da submiss˜ao ao d´ocil ocil ao campo, do registro ficticiamente passivo dos ”fatos”, que d´ a ao observador a impress˜ ao de situar-se do lado das coisas, de estar junto delas. ao Essa suspei¸c˜ c˜ao ao frente a` abstra¸c˜ c˜ao ao e a` teoria teo ria parece pa rece-me -me perfe p erfeitament itamentee leg´ıtima. ıtima. A m´usica, usica, a poesia, a literatura, a pintura, a religi˜ao ao s˜ao ao abordagens muito mais indicadas do que a antropologia para nos fazer coincidir com os seres. Proporcionam-nos incontestavelmente mais emo¸c˜ coes, ˜oes, mais prazeres- Mas n˜ao ao s˜ao ao a antropologia. N˜ao ao h´a, a, de fato, ciˆencia, encia , nem atividade ativid ade cr´ cr´ıtica nem mesmo coleta co leta de fatos sem teoria. A rejei¸c˜ cao a˜o desta ultima u ´ltima leva inclusive inevitavelmente a adotar a teoria do senso comum, a ”opini˜ ao”, ao”, a ideologia do momento, a que estiver vigente na sociedade que se estuda ou a` qual pertencemos. O trabalho do antrop´ ologo ologo n˜ao ao consiste em fotografar, gravar, anotar, mas em decidir quais s˜ao ao os fatos significativos, e, al´em em dessa descri¸c˜ cao a˜o (mas a partir dela), em buscar uma compreens˜ ao a o das socie sociedad dades es humana humanas. s. Ou seja, trata-se de uma atividade claramente te´ orica orica de constru¸c˜ cao a˜o de um ob jeto que n˜ ao existe na realidade, mas que s´o pode ser empreendida a partir ao da observa¸c˜ c˜ao ao de uma realidade concreta, realizada por n´ os os mesmos. 2) O segundo risco pode ser qualificado de tenta¸c˜ cao a˜o idealista (ou nomina-
˜ CONSTITUTIVAS DA PR ATICA ´ ´ 158CAP 158CAP ´ITULO 19. AS TENS OES ANTROPOLOGICA: lista). Situamo-nos dessa vez do lado das palavras (ou do lado dos n´ umeros), umeros), mas tomam-se ent˜ao ao as palavras por coisas. No t´ermino ermino do empreendimento de modeliza¸c˜ cao a˜o que transforma fenˆ omenos omeno s emp´ emp´ıricos em objetos ob jetos cient´ cient´ıficos, ıficos , acaba-se tomando a constru¸c˜ cao a˜o do objeto pela pr´opria opria realidade social. Ora, a popula¸c˜ cao a˜o que estudamos n˜ ao nos esperou para atribuir significa¸c˜ ao c˜oes o es a suas pr´aticas. aticas. Por outro lado, uma teoria cient cient´ıfica nunca ´e o reflexo do real, e sim uma constru¸c˜ cao a˜o do real. Os fatos etnogr´ aficos aficos s˜ ao ao fatos cientificamente constr c onstru u´ıdos, a partir par tir de nossas nossa s observa¸ obse rva¸ c˜ coes, o˜es, mas tamb´em em contra nossas nossa s observa¸c˜ coes, ˜oes, nossas impress˜oes, oes, as interpreta¸c˜ coes o˜es dos interessados e nossas pr´oprias oprias interpreta¸c˜ coes o˜es espontˆ aneas. aneas. Existe Existe portanto portanto uma inadequa¸ inadequa¸ c˜ao a o entre, de um lado, a realidade social estudada, que n˜ ao ao ´e nem esgotada nem esgot´avel avel pela etnolog etnologia, ia, e de outro, outro, o objeto que constru constru´´ımos ımos a partir partir de uma determinada op¸c˜ cao ˜ao disciplinar e te´orica, orica, e da nossa pr´ opria opria rela¸c˜ cao a˜o com o psicol´ogico ogico e o social. *** O paradoxo, paradoxo, mas tamb´ tamb´em em a especificidade especificidade da antropologia antropologia no campo das ciˆencias enc ias socia so ciais, is, ´e que q ue n˜ao ao sendo sen do ”a ciˆencia enc ia socia so cial, l, do ponto po nto de vista vis ta do obserobs ervador”(´ vador ”(´e assi a ssim m que q ue L´evi-St evi -Strau rauss ss define defi ne a soc s ociol iologi ogia), a), tamb´em em n˜ ao ´e a ciˆencia social do ponto de vista do observado, e sim uma pr´atica atica que surge em seu limite, ou melhor, em sua intersec¸c˜ cao. a˜o. Podemos reduzir a inadequa¸c˜ c˜ao ao entre os dois pensamentos de que acabamos de falar, traduzindo-a em uma outra linguagem. Por exemplo, quando um n´ umero umero consider´ consider´ avel avel de indiv ind iv´´ıduos ıdu os que comp˜oem oem a sociedade brasileira tende a interpretar suas dificuldades (sociais, psicol´ogicas, ogicas, biol´ogicas) ogicas) em termos religiosos, podemos dizer que se trata de ”ilus˜ao”, ao”, de ”proje¸c˜ c˜ao”, ao”, de ”deslocamento”ideal de uma realidade mais ”fundame ”fundamenta ntal”. l”. Da mesma mesma forma, forma, quando quando o pensamen pensamento to tradici tradicional onal classifica as coisas segundo categorias c´ osmicas osmicas (a agua, a´gua, o ar, a terra, o fogo), podemos dizer que realiza ”sublima¸c˜ coes”cujas o˜es”cujas ”verdadeiras”raz˜ oes oes s˜ao ao s´ocioocioeconˆ omicas. omicas. Podemos tamb´ em em compreender comp reender essa adequa¸ ade qua¸ c˜ c˜ao ao atrav´ atr av´es es de um confronto ininterrupto e de uma articula¸ c˜ cao a˜o entre o pensado e o impensado, o dito e o n˜ ao-dito, o manifesto (de minha e da outra sociedade) e o recalcado ao-dito, (de minha e da outra sociedade). Alguns exemplos v˜ao ao permitir mostrar que um certo n´ umero umero de condutas, observ´aveis aveis em outro lugar, s˜ao ao capazes de agir como reveladores de aspectos culturais inteiros, cuidadosamente dissimulados em nossa cultura, o que permite afirmar, com Georges Devereux, que o inconsciente de uma cultura pode ser encontrada no consciente de uma outra. Nossos sistemas de representa¸c˜ cao, a˜o, em mat´eria eria de doen do en ca, c¸a, s˜ao ao hoje em grande
19.3. 19.3. O CONCRET CONCRETO O E O ABSTRA ABSTRATO
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parte part e exorc exo rc´´ısticos: ıstico s: a doen¸ do en¸ca ca ´e considerada co nsiderada como um u m mal que deve de ve ser esmagado, e os sintomas, como uma calamidade a ser eliminada; o que tra¸ca c a as figuras, bem conhecidas entre n´ os, os, do doente-v doe nte-v´´ıtima e do m´edi-co-exor edi-c o-exorcista cista.. Mas as representa¸c˜ coes o˜es inversas, chamadas ”adorc´ ”adorc´ısticas”e que correspondem correspon dem as `as duas figuras do m´edico-louco edico-louco e do paciente-or´ aculo, aculo, nem por isso est˜ao ao ausentes. Est˜ao ao simplesmente recalcadas, e tornam-se manifestas se passarmos de uma cultura para outra (dos exorcistas thonga aos xam˜ as as shongai), ou de uma cultura para ela mesma no tempo (da nossa psiquiatria cl´ assica assica para a corrente que qualifica a si pr´opria opria de ”antipsiquiatria”, que n˜ ao ao produz realmente algo novo, mas reatualiza antes algo recalcado). Da mesma forma, os cultos de possess˜ao ao afro-brasilei-ros, tais como os estou estudando neste momento em uma grande cidade do Nordeste, podem ser utilizados como reveladores da abordagem antipsiqui´ atrica atrica inglesa – e particularmente cularmente de Laing – que expressa expressa ao n´ıvel ıvel do discurso discurso o que os brasileiros brasileiros realizam reali zam ao n´ıvel do d o corp c orpo. o. Poder´ Poder´ıamos assim multiplica multiplicarr os exemplos, exemplos, e mostrar que o processo, conhecido nhecido dos psicoss psicossoci´ oci´ ologos, ologos, da exclus˜ exclus˜ a o em um grupo que se quer hoao mogˆ eneo, eneo, torna-se torna-se particularmen particularmente te claro e ”desocultado”quando ”desocultado”quando nos referimos a` feiti¸caria caria que ´e uma regula¸ regu la¸c˜ cao a˜o social estruturalmente universal, etc. De tudo isso, resulta que o objetivo da etnologia n˜ ao ao ´e o de traduzir a alteridade nos moldes do que ´e, e, para minha sociedade, conhecido e correto (o que equivaleria a suprimir essa alteridade); nem o de estender a racionalidade as a`s dimens˜oes oes do universo, nos modos mission´arios arios ou messiˆanicos anicos da conquista (pois (p ois essa e ssa racionalida racio nalidade de ´e provincian pr ovinciana, a, isto i sto ´e, e, limitada limita da n noo espa¸ es pa¸ co co e no tempo). A etnologia, pelo contr´ ario, abre essa estreiteza monocultural. E no entanto, ario, para que o pr´oprio oprio empreendimento que caracteriza ”nossa disciplina, n˜ ao ao apenas ap enas como experiˆ exp eriˆencia encia e como aventura, mas como ciˆencia, encia , seja poss pos s´ıvel, algo desse pensamento ocidental ter´ a sido utilizado como mediador e como instrumento: n˜ao ao uma cultura (a nossa) que serviria de referencial absoluto e daria sentido a fenˆomenos omenos que inicialmente n˜ ao ao tinham, tinha m, e sim um m´etodo, eto do, ocidental, ´e claro, pela sua origem hist´ orica e cultural, mas que subverte a orica 5 racionalidade racionalidade ocidental. ocidental. 5
Seria t˜ao ao absurdo absurdo dizer que a antropologi antropologia, a, que nasceu nasceu no Ocidente Ocidente,, ´e indefectiv indefectivelelmente ocidentaloo cidentalo-cˆ cˆentrica, entrica, como dizer di zer que a psican´ psica n´alise, alis e, que nasceu nasc eu em Viena, Vien a, ´e esp e spec´ ec´ıfica ıfica e exclusivamente vienense. Se a antropologia ´e ”filha do colonialismo”, ”nada seria mais falso”, falso” , como escreve esc reve L´evi-Strauss evi-St rauss (1973), (1 973), ”do ” do que consider´ con sider´a-la a-la como a ultima ´ultima reencarna¸c˜ c˜aaoo do esp´ esp´ırito colonial”. colonia l”.
˜ CONSTITUTIVAS DA PR ATICA ´ ´ 160CAP 160CAP ´ITULO 19. AS TENS OES ANTROPOLOGICA: Dito isso, a l´ogica ogica das condutas e das insttiui¸c˜ coes o˜es que o etn´ ologo ologo procura evidenc de ncia iarr tamb´ ta mb´em em n˜ nao a˜o se confunde com os sistemas de interpreta¸c˜ coes o˜es aut´ octones, octones, com os modelos conscientes, ”feitos em casa”(L´evi-Strauss), evi-Strauss), com os gˆeneros eneros que s˜ao ao classifica¸c˜ c˜oes oes ind in d´ıgenas ıge nas expl ex pl´´ıcitas ıci tas.. Sistem Sis temas as de interpr inte rpreta eta¸ c˜ c¸˜oes oes aut´ octones, octones, modelos conscientes e gˆeneros eneros s˜ ao a o freq¨ uentemente uentemente deforma¸c˜ coes o˜es e racionaliza¸c˜ coes o˜es de estruturas inconscientes (que fornecem no entanto possibilidades de acesso a estas ultimas), u ´ltima s), e este e ste ´e o n´ıvel ıvel de d e inteligibilidad inteligib ilidadee que a antrop a ntropoologia pretende alcan¸car: car: n˜ao ao o consciente, mas o inconsciente em sua rela¸c˜ cao a˜o com o consciente, o tipo em sua rela¸c˜ cao a˜o com o gˆenero, enero , etc. Concluiremos essas reflex˜ oes oes com as observa¸c˜ c˜oes oes seguintes. seguintes. As pr´ aticas aticas simb´olicas olicas e os discursos vividos (que podem ser sistematizados em qualquer lugar, pois cada sociedade tem seus pr´ oprios oprios te´ oricos) oricos) n˜ao ao s˜ao ao interpretados pela antropologia segundo a maneira como seus atores sociais os vivem, nem segundo a maneira com a qual os observadores os percebem. Isso n˜ ao ao significa que o antrop´ ologo seja o homem de nenhum lugar, e que a antropologia seja uma ologo metalinguagem. metalinguagem. O conhecimento conhecimento antropol´ antropol´ ogico surge do encontro, n˜ ogico ao ao apenas de dois discursos expl´ expl´ıcitos, ıcitos, mas de dois inconscientes inconscientes em espelho, que ´ o discurso sobre a diferen¸ca espelham uma imagem deformada. E ca (e sobre minha diferen¸ca) ca) baseado em uma pr´ atica atica da diferen¸ca ca que trabalha sobre os limites e as fronteiras. Tomemos o exemplo de uma conduta que n˜ ao ao ´e minha, como a feiti¸caria, caria, e que pertence seja a uma ”matriz prim´ aria”de uma sociedade outra, seja a um aria”de segmen segmento to marginal marginal de uma sociedad sociedadee minha. minha. Seu signific significado ado antropol antropol´ ogico ´ s´o pode ser apreendido relacionando-a aquilo que para minha sociedade tem um sentido, ou aquilo que a pr´atica atica e a l´ogica ogica da feiti¸caria caria dizem por si mesme smas, nos gestos e discursos dos interessados, mas na sua jun¸c˜ c˜ao a o e na sua intersec¸c˜ c˜ao. ao. Nesse caso espec´ espec´ıfico, a realidade, realidade, para o antrop´ antrop´ ologo, constitui-se do conologo, fronto de dois discursos interpretativos que se juntam, e constituem, o primeiro, a realidade normalizante do discurso ”erudito”(do psiquiatra, do padre, do professor prim´ario. ario. . .), o segundo, a realidade alucinada e desviante, mas que ´e tamb´em em a express˜ expre ss˜ ao a o de uma uma reali realida dade de socia social. l. A antro antropol pologi ogia, a, portanto, s´ o come¸ca ca a adquirir um estatuto est atuto cient´ cient´ıfico partir p artir do momento mome nto em que integra, para analis´ a-lo, esse envolvimento do pesquisador (ao mesmo a-lo, tempo psicoafetivo e s´ocio-hist´ ocio-hist´orico) orico) as a`s voltas com a diferen¸ca. ca. Resumiremos da seguinte forma essa ambig¨ uidade uidade e essa tens˜ ao ao (que atua evidentemente muito mais no estudo dos sistemas de representa¸ c˜ c˜oes oes e valo-
19.3. 19.3. O CONCRET CONCRETO O E O ABSTRA ABSTRATO
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res do que da cultura material). N˜ ao posso ser ao mesmo tempo eu mesmo e ao um outro, e no entanto, para ser se r totalmente eu, eu devo tamb´em em sair de mim a fim de apreender uma figura recalcada, mas poss´ poss´ıvelıvel- de mim. N˜ ao posso situar-me simultaneamente dentro e fora de minha sociedade, e no entanto, para compreender minha sociedade no que nunca diz de si pr´ opria opria por que n˜ao ao o percebe, perceb e, devo fazer a experiˆencia encia de uma descentra¸ desc entra¸ c˜ao ao radical. Finalmente essa atividade continua interrogando-me na pr´ opria opria atividade atividade pela qual contribuo a fabric´ a-la a-la como objeto ob jeto cient´ cient´ıfico. *** A separa¸c˜ c˜ao ao teol´ ogica, ogica, filos´ofica, ofica, e depois cient cient´ıfica, do homem e da natureza (especialmente os animais, mas tamb´em em nossa animalidade), do homem e de seu semelhante, a separa¸c˜ c˜ao ao do sujeito sujeito e do objeto, do sens´ sens´ıvel ıvel e do intelig´ intelig´ıvel, constituem con stituem os termos de uma tens˜ ao ao que, a meu ver, n˜ao ao admite resolu¸c˜ cao a˜o em uma unidade unidade superior superior como em Hegel. Hegel. Esses Esses termos, termos, a n˜ ao ser em uma solu¸c˜ c˜ao ao fisiol´ogica, ogica, formam uma complementaridade conflitual, mas n˜ao ao uma ”dial´etica”, etica”, conceito c onceito para par a o qual se apela (na verdade, cada vez meme nos) quando se procura uma receita, uma tr´egua egua poss´ poss´ıvel, e que tem, como diz Jean Grenier, ”uma virtude m´agica agi ca infa i nfall´ıvel”. ıvel” . S˜ao ao as diferentes dosagens realizadas, as diferentes combina¸c˜ coes o˜es obtidas entre uma compreens˜ ao a o ”por dentro”e uma compreens˜ ao ”por fora”, entre a alteridade e a identidade, a ao diferen¸ca ca e a unidade, a subjetividade subjetividade e a objetividade (mas tamb´ tamb´em em a sincronia e a diacronia, a estrutura e o evento) que comandam o pluralismo antropol´ogico, ogico, mas tamb´em em as incompreens˜ oes, ou mesmo as discordˆ oes, ancias ancias entre antrop´ ologos. Se, por exemplo, minimizo a alteridade cultural, arriscoologos. me a realizar uma atividade de descodifica¸c˜ c˜ao, ao, isto ´e, e, de transcri¸c˜ c˜ao a o de um discurs discursoo em outro. Mas ao superesti superestimar mar essa alteridade alteridade (ponto (ponto de vista do culturalismo), torno totalmente imposs´ imposs´ıvel e impens´ avel avel aquilo que precisamente fundamenta o projeto antropol´ ogico: ogico: a comunica comunica¸c˜ c¸ao ˜a o dos seres e das culturas. A aposta ap osta da d a antropologia antrop ologia ´e precisamente pr ecisamente a de viver esse movimento ininterrupto. N˜ao ao pretendo pr etendo pessoalmente tˆe-lo e-lo conseguido con seguido profissionalmente. Digo apenas que tentei essa experiˆencia. encia. Esse empreendimento, por mais exigente e cheio de armadilhas que seja, n˜ao ao tem te m nada de imposs imp oss´´ıvel. Roger Bastide entendeu de dentro o que chamava de ”pensamento obscuro e confuso”dos s´ımbolos, ımbolos, e, mais que qualquer qualquer um, empenhou-se empenhou-se no pensamento pensamento ”claro e distinto”dos conceitos. c onceitos. Totalmente integrado ao candombl´e brasileiro, ele foi fo i totalmente antrop´ ologo. ologo.
˜ CONSTITUTIVAS DA PR ATICA ´ ´ 162CAP 162CAP ´ITULO 19. AS TENS OES ANTROPOLOGICA: A fixa¸c˜ cao a˜o sobre um p´olo olo em detrimento de outro, a rejei¸c˜ cao a˜o dessas tens˜oes oes que constituem contradi¸c˜ coes o˜es estimuladoras, as solu¸c˜ coes o˜es de meio-termo e de compromisso levam inelutavelmente a acabar com a especificidade de nossa disciplina disciplina – que ocupa o cupa um lugar todo particular particular nas ciˆ encias encias humanas – e a todas as esp´ ecies ecies de desvios ideol´ ogicos. ogicos. Demonst Demonstram ram a recusa ou a impossibilidade de enfrentar as dificuldades (que s˜ ao ao tamb´ em em chances a ser aproveitadas e exploradas) inerentes a` pr´ aticas aticas da antropologia. Fortaleza (Brasil), setembro de 1984 Lyon, abril de 1985
Cap´ıtulo 20 Sobre o autor: ´ Fran¸cois cois Laplantine ´e professor profe ssor de Etnologia na n a Universidade de Lyon II. E ´ autor de A Etnopsiquiatria (Editions Editio ns Universita Un iversitaires, ires, 1973), 1973) , As Trˆes es Vozes do ´ Imagin´ario: ario: o mecanismo mecanismo,, a possess˜ possessao a˜o e a utopia (Editions Universitaires, 1974), A Cultura do Psiou O Desmoronamento dos Mitos (Privat, 1975), A Filosofia e a Violˆencia encia (Presses Universitaires de France, 1976), Doen¸cas cas ´ ´ Mentais e Terapˆeuticas eutic as Tradicionais radic ionais na Africa Negra (Editions Universitaires, ´ 1976), A Medicina Popular na Fran¸ca c a Rural Hoje (Editions Universitaires, 1978), Um Vidente na Cidade: estudo antropol´ ogico do gabinete de consulogico ´ tas de um vidente contemporˆ aneo aneo (Editions Payot, 1985) e Antropologia da ´ Doen¸ca ca (Editions Payot, 1986).
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CAP ´ITULO ITULO 20. 20. SOBRE SOBRE O AUTO AUTOR: R:
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