DAVID BARTON
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CARMEN LEE
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inguagem on ine textos e práticas digitais digitais
TRADUÇÃO MILTON CAMARGO MOTA
Título original: Language Online — Investigating Digital Texts and Practices First published 2013 by Routledge 2 Park Square, Milton Park, Abingdon, Oxon OX14 4RN © 2013 David Barton and Carmen Lee All Rights Reserved. Authorised translation from the English language edition published by Routledge, a member of the Taylor & Francis Group. ISBN: 978-04-1552-495-7
Direção: ANDRÉIA CUSTÓDIO Capa e diagramação: TELMA CUSTÓDIO Revisão: K ARINA MOTA Imagem da capa: 123RF.COM
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B296L Barton, David Linguagem online : textos e práticas digitais / David Barton, Carmen Lee ; tradução Milton Camargo Mota. - 1. ed. - São Paulo : Parábola Editorial, 2015. 23 cm. (Linguagens e tecnologias ; 1) Tradução de: Language online: investigating digital texts and practices Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-7934-088-8 1. Linguagem e línguas - Inovações tecnológicas. 2. Linguística. 3. Escrita Estudo e ensino. 4. Internet. I. Lee, Carmen. II. Título. III. Série. 15-23510
CDD: 400 CDU: 81
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PARÁBOLA EDITORIAL Rua Dr. Mário Vicente, 394 - Ipiranga 04270-000 São Paulo, SP pabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: [11] 2589-9263 home page: www.parabolaeditorial.com.br e-mail:
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ISBN: 978-85-7934-088-8 © da edição brasileira: Parábola Editorial, São Paulo, julho de 2015.
Sumário Prefácio ................................................................................................................7
Capítulo 1. Linguagem no mundo digital ............................................................11 Mudança contemporânea .......................................................................................11 Abordagens da linguagem online: três direções fundamentais........................15 Questões abrangentes para discutir a linguagem online ..................................19 Linguagem online como textos e práticas .......................................................... 24
Capítulo 2. Estudar o mundo online para compreender a linguagem .....................29 Dez razões ................................................................................................................29
Capítulo 3. Atuar num mundo social textualmente mediado .................................39 Práticas .................................................................................................................... 39 Escrever num mundo social textualmente mediado ......................................... 42 Virtualidades ......................................................................................................... 44 Multimodalidade .....................................................................................................47 Postura ................................................................................................................... 49 Afinidades e outros agrupamentos ..................................................................... 50 Globalização ............................................................................................................53 Espaços de escrita online .......................................................................................55 Flickr .......................................................................................................................56 Facebook.................................................................................................................. 58 YouTube ................................................................................................................. 60 Mensagem instantânea (MI) ................................................................................ 60
Capítulo 4. Hello! Bonjour! Ciao! Hola! Guten Tag! Dispor de recursos linguísticos online ...............................................................................63 Inglês e outras línguas online: uma visão geral ............................................... 63 Dispor de recursos multilíngues em espaços de escrita online ...................... 65
Capítulo 5. Utilizar as virtualidades de múltiplas línguas ......................................79 Novos encontros multilíngues e práticas translíngues online ........................ 85
Capítulo 6. “Este/a sou eu” Escrever o eu
online
................................................93
Identidade e linguagem online ..............................................................................93 Abordagem tecnobiográfica da linguagem e da identidade ............................. 97
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Construção de identidades glocais em espaços públicos online .....................111 Um eu textualmente mediado num mundo em constante mudança ..............114
Capítulo 7. Posicionamento por meio da língua e da imagem.............................. 117 Expressando postura em espaços de escrita online .........................................117 Flickr como ambiente rico em posturas............................................................ 124 Dois estudos de caso de posicionamento multimodal no Flickr .....................129 Levando em conta a posição do pesquisador ...................................................138 O posicionamento como poderosa ferramenta de análise da linguagem online .................................................................................................139
Capítulo 8. “Meu inglês é tão fraco!” Falando sobre língua
online .......................143
Falar sobre língua num mundo social textualmente mediado ......................143 Tipos de discurso metalinguíst ico online ..........................................................146 “Meu inglês é tão ruim”: discurso metalinguístico autodepreciativo no Flickr ................................................................................................................153 Construção metadiscursiva de um espaço social de apoio .............................160 Reflexividade li nguística como poderoso discurso digital ..............................162
Capítulo 9. Aprender online todos os dias ........................................................165 Teorias sobre a aprendizagem de adultos .........................................................166 365, um ato deliberado de aprendizagem .........................................................167 Como as pessoas aprendem online ......................................................................170 A aprendizagem de línguas em espaços de apoio na internet ........................178
Capítulo 10. Linguagem online como novas práticas vernáculas
........................183
Letramentos vernáculos ..................................................................................... 184 Fotografia popular como uma prática vernácula .............................................189 Gravidez como práticas de letramento online: o caso de Peggy ......................195 Redefinindo o vernáculo num contexto global .................................................196
Capítulo 11. Linguagem online e educação.......................................................203 Novas mídias no ensino e aprendizagem de língua e letramento em sala de aula ..................................................................................................... 204 Como a compreensão das práticas online pode mudar o ensino e a aprendizagem de línguas ..................................................................................212
Capítulo 12. A pesquisa da linguagem online ..................................................219 Textos e práticas: a questão do ponto de partida ..............................................219 Abordagem com métodos mistos ....................................................................... 222 Métodos online e responsividade à vida dos participantes .............................229 A postura do pesquisador ................................................................................... 234
Capítulo 13. Fluxos de linguagem online e offline ..............................................237 Presença offline da linguagem da internet ......................................................237 Registro públ ico da linguagem da internet ..................................................... 240 Comoditização e a indexica lidade da linguagem da internet ........................ 241 Onde estamos agora ............................................................................................ 242
Anexos..............................................................................................................245 Bibliografia .......................................................................................................257 Índice de nomes e assuntos ...............................................................................265
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Linguagem online : textos e práticas digitais
Prefácio
C
outro empreendimento acadêmico, o estudo da linguagem se desenvolve aos trancos. Por vezes, apresenta um avanço constante com ideias que evoluem gradualmente. Em outros momentos, há súbitas explosões de atividade e movimento em todas as direções, com passos para trás, para os lados e também para a frente. Nessas ocasiões, quando as disciplinas e subdisciplinas mudam de lugar e se reagrupam, é necessário questionar as ideias existentes, ler coisas fora de nossa disciplina, repensar e rasgar planos de aulas e anotações existentes. O estudo da linguagem chegou a esse ponto, especialmente no campo da sociolinguística, onde os pesquisadores estão questionando os conceitos existentes e explorando novas ideias. As pessoas falam de “linguagear”, “translinguismo”, “superdiversidade”, com grande parte do interesse vindo dos estudos sobre multilinguismo e migração. Esse questionamento, esse repensar estão acontecendo em vários lugares, como no estudos de línguas mundiais e línguas francas e de multimodalidade. Ele atinge todas as áreas dos estudos linguísticos, desde a sociofonética e a ortografia até semiótica e a pragmática. Isso tudo torna o estudo da linguagem emocionante, exigente e, sem dúvida, gratificante. Nossa abordagem particular é focar nas implicações do mundo online para o estudo da linguagem. Este livro destina-se a dois públicos distintos. Em primeiro lugar, aos linguistas, argumentando que a compreensão do mundo online é essencial para o estudo da linguagem. Em segundo lugar, aos cientistas sociais que estudam e pesquisam a internet, argumentando ser essencial uma compreensão do papel da linguagem. Neste livro, vamos explorar a linguagem online em múltiplas OMO QUALQUER
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perspectivas. Em suma, os três primeiros capítulos definem o cenário, fornecendo uma sólida moldura teórica e introduzindo conceitos fundamentais necessários para o exame da linguagem online. Em seguida, há uma série de capítulos que investigam questões específicas de linguagem, valendo-se de dados abrangentes. Eles começam pelos estudos do multilinguismo para, depois, explorar identidade, posição, multimodalidade e metalinguística. Isto é seguido por capítulos que se concentram na aprendizagem, na importância de práticas vernáculas e nas implicações para a educação. Em seguida, delineamos maneiras de pesquisar textos e práticas online; e um capítulo final analisa a interação online- offline. Dentre as características especiais do livro estão as nítidas razões para estudar o mundo online , bem como explicações de um conjunto de conceitos-chave. Ele fornece em detalhes muitos exemplos autênticos. Elaborados exemplos de análise de língua e imagem são fornecidos, além de biografias contrastantes, que demonstram o papel da tecnologia na vida das pessoas. As discussões e ilustrações cobrem uma vasta seleção de exemplos de pessoas jovens e adultas com diversas formações linguísticas de várias partes do mundo. Baseamo-nos numa ampla gama de plataformas online. Como convém a um livro sobre linguagem, fornecemos exemplos de diferentes línguas, em especial chinês e inglês. Essas duas línguas oferecem diferentes virtualidades a que as pessoas podem recorrer em todos os níveis linguísticos, especialmente, como mostraremos, em termos de linguagem escrita. Nosso objetivo foi escrever um livro sobre língua e linguagem online de forma clara e acessível. Estamos conscientes da variedade de possíveis leitores deste livro e temos em mente tanto os leitores estudantes, novatos, como também o investigador experiente neste campo em desenvolvimento do estudo da linguagem. O livro foi escrito em diferentes fusos horários na Inglaterra e Hong Kong. Um ritmo particular de colaboração que acelerou a escrita deste livro foi a maneira como um de nós, coautores, podia terminar uma seção à noite e salvar nosso trabalho no Dropbox. Enquanto isso, o outro autor estaria acordando em outro fuso horário e podia revisar o trabalho e enviá-lo de volta, tudo no mesmo dia. Nossas práticas de escrita refletem as virtualidades das tecnologias disponíveis. Recebemos apoio e incentivo de inúmeras pessoas, e é com prazer que agradecemos suas variadas contribuições. Em primeiro lugar, gostaríamos de agradecer às pessoas que participaram dos estudos dos quais 8
Linguagem online : textos e práticas digitais
surgiu este livro e que pacientemente responderam às nossas perguntas e nos forneceram dados. Temos o prazer de reconhecer as diversas discussões e ideias dos colegas da Universidade de Lancaster e da Universidade Chinesa de Hong Kong, especialmente Julia Gillen, Mary Hamilton, Greg Myers, Uta Papen, Diane Potts, Karin Tusting e Johnny Unger. Somos gratos a Claire Coulton, que leu e comentou todo o manuscrito, e a Mary Hamilton, Diane Potts e Karin Tusting, que leram partes dele. Gostaríamos também de agradecer aos nossos assistentes de pesquisa em nossos projetos do Flickr e da Web 2.0, especialmente Dennis Chau, Corah Chiu, Joey Li, Pierre Lien, Kelvin Lui e Xavier Tam. Colegas de conferências em que apresentamos nosso trabalho proporcionaram questionamento e exame inestimáveis, especialmente nas conferências sobre língua nas (novas) mídias, bem como nos simpósios de sociolinguística. Agradecemos à Faculdade de Letras e Ciências Sociais e ao Departamento de Linguística da Universidade de Lancaster pelo apoio financeiro, o que nos facilitou terminar o livro. Alguns dos estudos relatados no livro foram financiados pelo Hong Kong Research Grant Council General Research Fund (Ref: 446309) e pela Direct Grant for Research da Universidade Chinesa de Hong Kong (Ref: 2010342). Somos gratos a Louisa Semiyen e Sophie Jaques da Routledge por seu constante apoio e incentivo. Lancaster Hong Kong
DAVID B ARTON, C ARMEN L EE ,
Prefácio
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Capítulo 1 Linguagem no mundo digital
Mudança contemporânea
A
que as inovações tecnológicas podem mudar a vida de maneira fundamental e de que essas mudanças atingem cada aspecto da vida tem sido associada a várias inovações ao longo da história, incluindo o desenvolvimento da imprensa, jornais, câmeras, serviço postal, rádio e telefone. Ela está se tornando central na forma como pensamos as mudanças contemporâneas nas tecnologias digitais. Isso foi bem expresso há mais de quarenta anos por Marshall McLuhan em relação à televisão: IDEIA DE
O meio, ou processo, de nosso tempo – a tecnologia elétrica – está remodelando e reestruturando padrões de interdependência social e cada aspecto de nossa vida pessoal. Por ele somos forçados a reconsiderar e reavaliar praticamente todos os pensamentos, todas as ações e todas as instituições anteriormente aceitos como óbvios. Tudo está mudando – você, sua família, sua educação, sua comunidade, seu trabalho, seu governo, suas relações com “os outros”. E está mudando dramaticamente. (McLuhan, 1967: 8)
No caso das tecnologias mais recentes, essas mudanças identificadas por McLuhan continuam ocorrendo no mesmo ritmo acelerado. Agora é mais aceito o fato de que todos os aspectos da vida, incluindo as atividades cotidianas, as práticas de trabalho e o mundo da 11
aprendizagem, são transformados pelas tecnologias digitais. Para dar um exemplo, as práticas de fotografia foram em grande medida digitalizadas – câmeras digitais e compartilhamento online de fotos assumiram o lugar de câmeras fotográficas e álbuns de fotos impressas. Em vez de se reunirem em casa para folhear fotos de um álbum, hoje em dia as pessoas tendem mais a compartilhar fotos com amigos e parentes na internet em sites de redes sociais como o Facebook ou em sites de compartilhamento de fotos. Outro exemplo de mudanças contemporâneas são as práticas acadêmicas. A escrita acadêmica foi reformulada em muitos aspectos, com o surgimento das novas tecnologias. Os autores deste livro fizeram a experiência disso. Muito poucas pessoas iriam escrever à mão um manuscrito completo de um livro antes de digitá-lo no computador. Os estudantes já pressupõem que entregar um trabalho significa entregá-lo digitado, com o texto devidamente processado. Em nosso trabalho, recebemos muito mais e-mails do que bilhetes ou cartas. Outros exemplos interessantes de atividades cotidianas digitalmente transformadas incluem reuniões, leituras, anotações, preenchimento de formulários, reserva de viagens, leitura de mapas e compras. A tecnologia faz parte das experiências vividas pelas pessoas em todos os contextos, desde engajar-se numa infinidade de sites de redes sociais com amigos, até o trabalho, o estudo ou a participação na vida familiar. De fato, é difícil encontrar uma área da vida que não tenha mudado. Pouco a pouco, as pessoas veem como absolutamente normal a transformação digital das atividades cotidianas. Isso é muitas vezes referido como domesticação da tecnologia (como em Berker et al., 2005), conceito que captura o processo pelo qual as tecnologias são integradas à vida das pessoas e as medeiam; e, ao mesmo tempo, os usuários de tecnologia se reapropriam de tecnologias para facilitar suas atividades cotidianas. Isto tudo tem acontecido num período relativamente curto e se tornou rotineiro e despercebido na vida das pessoas. Sem dúvida, ainda há muitos problemas de acesso e diferenças entre pessoas e grupos. Mas as mudanças tecnológicas estão afetando as pessoas em todos os lugares e transformando todos os domínios da vida. Essas mudanças decorrentes da tecnologia se encaixam em mudanças sociais mais amplas. A vida contemporânea está mudando em muitos aspectos e isso impacta a linguagem e as práticas comunicativas. A tecnologia é parte central disso, mas é apenas um elemento num conjunto de fatores interligados. Lankshear e Knobel (2011) chamaram a atenção para as mudanças que vêm ocorrendo na natureza das instituições, das 12
Linguagem online : textos e práticas digitais
mídias, da economia e dos processos gerais de globalização. Além disso, Kress (2003) identifica quatro processos de mudanças simultâneas: mudanças nas relações de poder social, que vêm de abolir hierarquias existentes e estabelecidas e reconstruir novas; mudanças na estrutura econômica, com a escrita assumindo diferentes papéis numa economia em que a informação é cada vez mais importante; mudanças comunicacionais, nas quais o modo dominante foi deslocado da escrita para a imagem, alterando a lógica de nossas práticas comunicativas; e mudanças nas virtualidades tecnológicas, deslocando a mídia da página para a tela (como em Snyder, 1998). Como podemos ver, é essa combinação de mudanças em diferentes áreas da vida que contribui para transformações em nossas práticas e paisagens comunicativas. É importante deixar claro que as tecnologias, por si sós, não introduzem automaticamente as mudanças em nossa vida. Em outras palavras, novas atividades na vida não são tecnologicamente determinadas; o fato é que a própria tecnologia também é parte de mudanças sociais mais amplas. E diferentes pessoas fariam usos diferentes das tecnologias para alcançar seus próprios propósitos em diferentes contextos. Portanto, neste livro, e na compreensão da relação entre tecnologia e vida de modo mais geral, nosso ponto de partida é o que as pessoas fazem e como elas mobilizam recursos para construir sentidos em suas atividades cotidianas. A centralidade da linguagem
A linguagem tem um papel fundamental nessas mudanças contemporâneas, que são, antes de tudo, transformações de comunicação e de construção de sentidos. A linguagem é essencial na determinação de mudanças na vida e nas experiências que fazemos. Ao mesmo tempo, ela é afetada e transformada por essas mudanças. Muitos estudos da linguagem se basearam num conjunto de conceitos bastante estáveis, que parecem agora um tanto quanto forçados, à medida que a vida das pessoas entra online. Por exemplo, num site que combina imagens e palavras, conceitos básicos como texto têm de ser redefinidos. As unidades centrais da sociolinguística como variação, contato e comunidade precisam ser repensadas. Muitos pesquisadores estão cientes de que as noções centrais de interação, como tomada de turno e face a face, funcionam de maneira diferente com os dados online. Noções de autor e público tornam-se ainda mais complexas. Não é totalmente claro quando devemos CAPÍTULO 1 – Linguagem no mundo digital
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nos referir à linguagem como escrita ou falada ; e as atividades de leitura e escrita estão sendo redefinidas. Este livro busca compreender essas mudanças contemporâneas e o papel central da linguagem nelas. Parte do livro é também dedicada a analisar novos dados e métodos na pesquisa linguística, bem como novas visões da linguagem, especialmente com relação a espaços online. Partindo de uma visão da linguagem como prática situada, este livro investiga como o uso da linguagem está mudando à medida que as pessoas participam de atividades online. Abrangendo uma ampla seleção de ambientes online, ele examina tanto os textos online quanto as práticas das pessoas ao redor deles; tanto o modo como elas criam textos online quanto a maneira como os usam. Este livro também se concentra em questões linguísticas específicas, como escolha de língua, língua e identidade, posicionamento, relações multimodais entre linguagem e imagem e discursos de linguagem e aprendizagem. O livro demonstra especialmente a importância da análise da linguagem situada para compreender a dinâmica de espaços online mediados por textos. Ele mostra como as pessoas integram práticas online e offline. A abordagem adotada neste livro centra-se nas maneiras como as práticas se localizam nos pormenores da vida cotidiana. Para a linguística, ele fornece uma estrutura teórica de conceitos-chave para a pesquisa de espaços online. O livro cobre uma ampla gama de plataformas digitais usadas pelas pessoas, examinando locais onde a língua é importante de diferentes maneiras e onde os espaços de escrita apresentam virtualidades distintas. Entre elas estão principalmente as plataformas que pesquisamos e observamos extensivamente, como Facebook, Flickr, e serviços de mensagem instantânea. Para entender o que essas ferramentas significam no cotidiano e no uso linguístico das pessoas, exploramos suas “tecnobiografias”. Trata-se de detalhadas histórias de vida e narrativas do relacionamento pessoal com as tecnologias, de como as tecnologias fazem parte das experiências que as pessoas fazem durante a vida e de como tais relações moldam seu uso da linguagem online em diferentes fases e domínios da vida. Também iremos além dessas três plataformas principais e usaremos as pesquisas existentes nos novos campos emergentes de letramento digital e discurso mediado por computador, que abrangem: estudos de sites e fóruns de discussão; torpedos; blogs e microblogs como o Twitter; wikis, dicionários e enciclopédias online como a Wikipédia; buscadores como o Google e compartilhamento multimídia como o YouTube. 14
Linguagem online : textos e práticas digitais
Este capítulo de abertura apresenta aos leitores a abordagem geral adotada por este livro para a linguagem, os letramentos e a internet, com foco sobre o que acontece com a linguagem e as práticas quando entram online. A próxima seção começa com uma visão geral da atual pesquisa sobre linguagem online. Depois passamos para a abordagem específica em que nos baseamos. Trata-se de uma visão social prática da linguagem e do letramento, com atenção específica para a escrita feita online, explorando o que acontece com textos e práticas quando as pessoas participam de atividades online. O próximo capítulo apresenta um conjunto de dez motivos por que os interessados em linguagem precisam prestar atenção à internet. Estes dois capítulos estão estreitamente relacionados com o capítulo 3, que consiste numa visão geral dos conceitos teóricos fundamentais adotados ao longo do livro.
Abordagens da linguagem online: três direções fundamentais Novas mídias online têm gerado muito interesse multidisciplinar nos últimos anos, da ciência da informação aos estudos de mídias, psicologia e sociologia. Linguística e letramentos digitais são duas áreas que enfatizam atividades de escrita online. Ao longo das últimas duas décadas aproximadamente, trabalhos de linguistas e teóricos do letramento desenvolveram duas tradições de pesquisa, aparentemente separadas, mas complementares, com suas próprias terminologias, quadros teóricos e metodologias. Esses corpora introduziram novos métodos de pesquisa e, ao mesmo tempo, se reapropriaram de teorias e conceitos tradicionais em resposta às mudanças nas virtualidades das novas mídias. Esta seção identifica e descreve três abordagens principais da linguagem online no âmbito da linguística. Tradições dos estudos sobre letramento serão apresentadas numa seção posterior. (i) Características estruturais da comunicação mediada por computador
Uma das primeiras e talvez das mais dominantes tradições de pesquisa online com foco em linguagem é a identificação e descrição de características e estratégias linguísticas não comumente encontradas em outros modos de comunicação. Um tema de grande interesse dentro desta tradição inicial foi comparar estratégias de linguagem na mídia online com os modos de comunicação existentes. Um tópico relevante no CAPÍTULO 1 – Linguagem no mundo digital
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âmbito dessa vertente é saber se a comunicação mediada por computador baseada em texto (CMC) deveria ser tratada como fala ou como escrita, ou como um híbrido de fala e escrita (Herring, 1996; Baron, 2003). Assim, o ponto de partida da investigação da CMC foi empregar conceitos linguísticos já existentes para entender a linguagem online. Em relação a isto, outra direção tentou descrever a CMC como uma “nova” variedade de linguagem caracterizada por traços como: › acrônimos e siglas (ex: PFV para “por favor”; rs para “risos”); › reduções de palavras (por exemplo, blz para “beleza”, vc para “você”; q para “que”; kd para “cadê”); › homófonos letra/número (por exemplo, U para “you” e 2 para “to”), › grafia estilizada (por exemplo, “eu estou muuuuuuuito feliz!/”) › emoticons (por exemplo, e ), › pontuação não convencional/estilizada (por exemplo, “!!!!!!!!!!!!!”, “..............”). Em consequência, apareceram muitas outras denominações para descrever o conjunto de características peculiares discursivas identificadas na CMC como e-mailismo (Petrie, 1999), internetês (Crystal, 2006), discurso escrito interativo (Ferrara et al., 1991) e outros termos publicamente reconhecidos como e-linguagem, chatspeak , textspeak , linguagem cibernética e gíria de internet, para citar apenas alguns. Esses trabalhos tinham, no entanto, uma visão um tanto determinista, segundo a qual eram principalmente as novas possibilidades tecnológicas que fomentavam de modo natural novas formas de linguagem na CMC. No início, não havia quase nenhuma discussão sobre os fatores contextuais e sociais que também poderiam ter contribuído para essas características linguísticas. Grandes quantidades de dados online publicamente acessáveis (por exemplo, salas de bate-papo IRC) eram muitas vezes coletadas aleatoriamente e analisadas sem levar em conta seus contextos discursivos e sociais imediatos. Foram feitas generalizações com base em análises estatísticas da distribuição de diferentes características nos corpora. Nesse ponto, os dados dos corpora foram combinados com a análise do discurso. O termo guarda-chuva “análise do discurso mediado por computador” (ADMC) também surgiu para descrever abordagens analítico-discursivas da CMC (Herring, 2001). Por exemplo, Ko (1996) compara as características estruturais de um corpus de dados sincrônicos de CMC coletados da InterChange, uma plataforma educacional online, com corpora falados e escritos, recolhidos de contextos offline. Os achados desses corpora realmente ofereceram percepções teóricas importantes e 16
Linguagem online : textos e práticas digitais
abriram novas oportunidades para a pesquisa linguística. No entanto, havia por vezes uma tendência a generalizar em demasia os resultados de tais estudos e concluir que existem convenções estáticas e previsíveis em toda a linguagem da CMC. Na verdade, o que na vida real pode ser chamado de características de “internetês” não é empregado em todos os tipos de CMC nem em todos os contextos de uso. Existem variedades nos usuários individuais, bem como nas diferentes plataformas online. (ii) Variação social do discurso mediado por computador
Gêneros escritos não podem ser separados de seus usuários e contextos sociais (Hyland, 2002). Pesquisadores da CMC começaram a perceber que a linguagem da CMC é moldada por vários fatores sociais e está situada em contextos específicos de uso (Herring, 2002; Giltrow e Stein, 2009). Essa linha de pesquisa reconhece que, por um lado, as semelhanças e diferenças regulares ocorrem dentro e para além de um único modo de CMC; por outro lado, na realidade, os usuários não aplicam o mesmo conjunto de características de CMC a todos os contextos; ao contrário, eles constantemente se reapropriam de suas formas de escrita em diferentes modos de CMC para adequá-los a diferentes propósitos. Em vista disso, começaram a surgir os estudos de variação social na linguagem de CMC. Houve detalhadas análises de discurso de tipos particulares de CMC, incluindo blogs (Myers, 2010a) e SMS (Tagg, 2012). Um crescente corpus se concentra na linguagem e na identidade online, com destaque para estudos de diferenças de gênero na CMC (por exemplo, Herring, 1996; Danet, 1998) e para o modo como as identidades sociais se realizam na adoção de determinadas características e estilos linguísticos (Bechar-Israeli, 1995; Nakamura, 2002). Tomando os sites de redes sociais como espaços de contação de histórias cotidiana, Page (2011) adota uma abordagem narrativa do desempenho identitário nas mídias sociais e examina como novos gêneros narrativos surgem quando as pessoas reformatam gêneros tradicionais em novas mídias. Seguindo essa tendência sociocultural, outro grupo de pesquisadores vem investigando características da CMC em diferentes culturas e substratos linguísticos. Em vez de analisar a CMC numa perspectiva puramente monolíngue, geralmente a inglesa, um crescente corpus de pesquisa está interessado em ver como os falantes de diversas línguas adotaram essas novas formas de escrita em diferentes graus (por exemplo, capítulos de Danet e Herring, 2007). Essa tradição é muitas vezes informada pela pragmática, CAPÍTULO 1 – Linguagem no mundo digital
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m Linguagem online: textos e práticas digitais , David Barton e Carmen Lee investigam o impacto do mundo online sobre o estudo da linguagem.
Os efeitos do uso da linguagem no mundo digital podem ser vistos em todos os aspectos dos estudos linguísticos; e são necessárias novas formas de pesquisar a área. Neste livro, os autores olham a linguagem online de várias perspectivas, proporcionando uma sólida base teórica, um esboço dos principais conceitos e orientações práticas para fazer pesquisa. Os capítulos abordam temas da atualidade, incluindo a relação entre linguagem online e multilinguismo, identidade, educação e multimodalidade, e concluem com um olhar sobre as maneiras de investigar o uso da linguagem online . Ao longo do livro são dados muitos exemplos, a partir de uma variedade de plataformas digitais de diferentes línguas, incluindo chinês e inglês. Escrito num estilo claro e acessível, este livro é leitura essencial como introdução aos estudos da linguagem online e obra fundamental para alunos de graduação e pós-graduação nas áreas de novas mídias, letramento e multimodalidade nos cursos de linguagem e linguística.