Manual Para Sanghas Iniciantes
APRESENTAÇÃO Bem-vindos à Sangha Daissen-Ji. O Instituto Zen Budista Todatsu, entidade sem �ns lucrativos, ligada à tradicional escola Budista Soto Zen, tem entre seus objetivos a facilitação do ensino e prática do Budismo. Ainda existem relativamente poucos locais de estudo e prática budista na América, o que di�culta o acesso de pessoas interessadas no ensino e prática deixados por Buda. O presente manual serve como ferramenta de apoio e orientação para Grupos Iniciantes. Aqui você tomará contato com as informações que regem essa Sangha, que tem sua matriz na cidade de Florianópolis-Sc. Consulte o índice, efetue suas pesquisas e em caso de dúvidas, peça orientação. Para informações sobre termos desconhecidos que surgirem no texto, consulte o glossário no �nal. Somos uma grande família e não há sentido num grupo budista se não houver generosidade, atenção e respeito mútuo entre os praticantes. As orientações de convivência no Budismo não são regras arbitrárias, e sim um guia baseado na sabedoria derivada dos preceitos, compaixão e unicidade - fortes princípios ensinados por Buda. Que as sementes do Dharma possam �orescer e gerar muitos frutos.
APRESENTAÇÃO Bem-vindos à Sangha Daissen-Ji. O Instituto Zen Budista Todatsu, entidade sem �ns lucrativos, ligada à tradicional escola Budista Soto Zen, tem entre seus objetivos a facilitação do ensino e prática do Budismo. Ainda existem relativamente poucos locais de estudo e prática budista na América, o que di�culta o acesso de pessoas interessadas no ensino e prática deixados por Buda. O presente manual serve como ferramenta de apoio e orientação para Grupos Iniciantes. Aqui você tomará contato com as informações que regem essa Sangha, que tem sua matriz na cidade de Florianópolis-Sc. Consulte o índice, efetue suas pesquisas e em caso de dúvidas, peça orientação. Para informações sobre termos desconhecidos que surgirem no texto, consulte o glossário no �nal. Somos uma grande família e não há sentido num grupo budista se não houver generosidade, atenção e respeito mútuo entre os praticantes. As orientações de convivência no Budismo não são regras arbitrárias, e sim um guia baseado na sabedoria derivada dos preceitos, compaixão e unicidade - fortes princípios ensinados por Buda. Que as sementes do Dharma possam �orescer e gerar muitos frutos.
SÚMARIO 1 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.7.1 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.4.1 3.4.2 3.4.3 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7 5 5.1 5.1.1 5.2 5.2.1 5.3 5.4 5.4.1 6 6.1
ESCOLA SOTOSHU COMUNIDADE DAISSEN-JI FACILITADORES FACILIT ADORES GRUPO DE ESTUDOS CENTRO DE DHARMA COMUNIDADES GENSHŌ SENSEI DOSHŌ SAIKAWA S ŌKAN ROSHI MARCA DAISSE DAISSEN-JI N-JI DEFINIÇÃO DA MARCA DAISSEN MEIOS DE COMUNICAÇÃO SITE E LOJA DAISSEN-JI BLOG O PICO DA MONTANHA SHINBUN REDES SOCIAIS COMUN IDADE ZEN BUDISTA DE FLORIANÓPOLIS COMUNIDADE DAISSEN-JI DAISSE N-JI O PICO DA MONTANHA PRÁTICA DE MEDITAÇÃO COMO PRATICAR ZAZEN (MEDITAÇÃO SENTADA) COMO PRATICAR KIN’HIN (MEDITAÇÃO ANDANDO) TEMPOS DE PRÁTICA SINOS POSIÇÕES SENTADAS OUTRAS POSTURAS ESPAÇO FÍSICO NECESSÁRIO ORIENTAÇÕES ÉTICAS PARA UM GRUPO BUDISTA REGRAS NO ZENDÔ (LOCAL DE PRÁTI PRÁTICA) CA) O ALT ALTAR AR SANGHA, O LUGAR DA HARMONIA GUIA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO CONFLITOSS OS TRÊS REFÚGIOS DANA MATERIAL E ESTRUTURA DE APOIO RETIROS E OUTRAS PRÁTICAS DHARMA COM PIPOCA
05 06 06 06 07 07 08 09 09 10 11 11 11 12 12 12 12 13 14 14 15 15 16 16 17 18 20 20 24 25 29 29 30 31 33 33
6.2 6.3 7 8 9 10 11 12
ZAZENKAI SESSHIN SÍMBOLOS BUDISTAS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DO DHARMA REFERÊNCIAS REFERÊNC IAS BIBLIOGR BIBLIOGRÁFICAS ÁFICAS RECOMENDADAS SOLICITAÇÃO DE VISITAS E PARTICIP PARTICIPAÇÃO AÇÃO EM SESSHINS GLOSSÁRIO TEXTOS ZAZEN / SAMADHI / KENSHO / SATORI ZEN – CAMINHO CONTEMPL CONTEMPLATIVO ATIVO TRÊS FORMAS DE PRÁTICA O SUTRA DO CORAÇÃO DA SABEDORIA RELACAO PROFESSOR/AL PROFESSOR/ALUNO UNO E MESTRE/DISCÍPU MESTRE/DISCÍPULO LO PALESTRA GOIÂNIA PRONTO PARA COMEÇAR O TRIKAY TRIKAYA A O SOFRIMENTO O SESSHIN TUDO COMEÇA NA MENTE OS TRÊS VENENOS DA MENTE OS DEZ PASSOS EM BUSCA DO BOI BOAS E MÁS SEMENTES O REDEMOINH REDEMOINHO O TEM UM CENTRO O ZEN É ENGANADO ENGANADORAMENTE RAMENTE SIMPLES O QUE SOMOS E PARA ONDE VAMOS? O QUE É UM SESSHIN O QUE É O ZEN - O QUE É O CAMINHO DO ZEN NÃO HÁ NINGUEM LÁ FORA O IDEAL DA PRÁTICA O ENSINAMENTO FUNDAMENTAL DE BUDA O BUDA HOMEM NÃO ACREDITEM EM MIM – TESTEM EM QUE O ZEN ACREDITA? DESCONSTRUINDO DESCONSTRUIND O ILUSÕES AS QUA QUATRO TRO NOBRES VERDADES A PRÁTICA E A ILUMINAÇÃO S OMENTE DEPOIS DE DESISTIRMOS SOMENTE SOBRE O CARMA
40 41 42 49 53 54 55 56 57 60 72 78 90 96 108 113 118 126 138 142 143 167 170 184 190 201 209 219 224 232 238 24 � 250 256 267 275 288 291
1 - ESCOLA SOTOSHU
2 - COMUNIDADE DAISSEN-JI
A Sotoshu é uma escola japonesa de Zen Budismo. Ela descende da escola chinesa Caodong, e foi levada ao Japão por Dogen Zenji (1200-1253). Atualmente, é a escola Zen com maior presença no Ocidente. É também a maior Escola do Japão, com cerca de 15.000 templos e 7 milhões de seguidores (dados de 1989). Sua prática fundamental é a Shikantaza, um tipo de meditação Ze n (Zazen) que pretende levar o praticante ao esquecimento de si mesmo, chegando gradualmente ao que se poderia chamar de “pura experiência da realidade”.
A comunidade Daissen é coordenada pelo Monge Genshô Sensei, aluno e sucessor de Saikawa Roshi.
Os professores (Se Nenhuma entrada de índice remissivo foi encontrada. Senseis ou Roshis) da escola Soto são monges que receberam a transmissão do Dharma, um reconhecimento conferido a eles depois de terem atingido certo grau de realização e de terem servido em um monastério por vários períodos. Com esse reconhecimento, os professores passam a integrar uma linhagem que tradicionalmente considera-se remontar a Siddhartha Gautama, o Buda histórico e fundador do Budismo.
Facilitador – Pessoa que ainda não é aluno, interessada em abrir um espaço de meditação, o que poderá fazer com autorização apenas verbal do Sensei, sem vinculação com o nome Daissen-Ji. Este espaço não entra no organograma Daissen. Relatórios mensais deverão ser enviados a Genshô Sensei para acompanhamento das atividades. Estes espaços apenas se sentam em zazen e lêem textos enviados pela Assessoria de Estudos, e não podem debatê-los. O debate é vedado. Estes espaços não estão formalmente ligados à Daissen, são postulantes a uma �liação.
Na escola Soto os monges podem casar e constituir família.
Conta com várias Sanghas (todas sob orientação de Monge Genshô), com a estrutura descrita abaixo. 2.1- FACILITADORES
Após determinado período de prática ininterrupta a ser determinado pelo Mestre, deverá ocorrer uma visita o�cial do Monge Genshô, ou um monge para tanto designado, até este espaço, para validação do Grupo, e, após autorização, este espaço passará a ser denominado “Grupo de Estudos” e integrará o organograma geral. 2.2 – GRUPO DE ESTUDOS Após o período como “Facilitador” e validação o �cial do Grupo pelo Monge Genshô, o aluno poderá passar a ser “Instrutor de Zazen” e sua estrutura poderá ter vinculação à Daissen como “Grupo de Estudos”. Para o facilitador ser o�cialmente “Instrutor de Zazen”, deverá fazer no mínimo 2 Sesshins orientados pelo Monge Genshô. E receber autorização formal. A autorização para criação de novos Grupos de Estudos, somente ocorrerá após o Facilitador haver sido nomeado Instrutor de zazen, enquanto isto o Grupo de Estudos permanecerá como postulante a tal. Os Instrutores ensinarão o zazen e poderão ler apenas os textos indicados pela Assessoria de Estudos III.
2.6 - DOSHŌ SAIKAWA SŌKAN RŌSHI Data de Nascimento: 28/04/1949 Cidade Natal: Distrito de Nagasaki, Cidade de Nagasaki - Japão Graduação: Universidade de Komazawa. Departa- 2.7.1 - DEFINIÇÃO DA MARCA DAISSEN mento de Zen Budismo em Tóquio A marca Daissen-ji possui como símbolo principal a Roda do Dharma de oito raios estilizada em uma proposta moderna, mas ainda reproduzindo as partes Práticas Contemplativas: Meditação da tradição Budista Teravada na Tailândia tradicionais, cujos signi�cados são: Monastério Principal Soji Ji - Escola Soto Zen (Yokoha- Ÿ O Círculo, a forma cíclica da Roda, representando a perfeição do Dharma (o ensinamento de Buddha), sua eterna verdade e sua contínua revelação. ma) Monastério Principal de Soji Ji Templo Original (Sojiji Ÿ O Aro, representando a concentração meditativa e a plena consciência, que mantêm a prática coesa e une os oito raios em uma dinâmica c onstante. Soin no distrito de Ishikawa) Ÿ Os Oito Raios, representantes dos oitos aspectos do Caminho Óctuplo (Caminho do Meio): Discernimento Correto, Pensamento Correto, Atenção Correta, Professores de Prática Zen: Ação Correta, Concentração Correta, Meio de Vida Correto, Fala Correta, EsMurakami Kendo Roshi (Bodai-ji no distrito de Nagasaki) forço Correto. Hakuyu de Maezumi Roshi (Zen Center de Los Angeles EUA) Harada Sekkei Roshi (Hosshinji Senmon Sodo no distrito de Fukui) Ÿ O Centro da Roda, representando a ética budista na qual todo o corpo de Professor da Bandeira de Dharma: Kuroda Shunyu Roshi (Koshinji no Distrito de prática budista deve se sustentar.O centro simboliza igualmente as Três Jóias, o Buddha, o Dharma e o Sangha, que concentram em si todo o fundamento da Tochigi) prática Professor de Transmissão: Sato Shunmyo Roshi (Hosenji no Distrito de Yamagata) no Caminho. É também o símbolo da felicidade e compaixão, frutos da experiência de Esclarecimento. Zazen: Início aos seis anos com Murakami Kendo Roshi No ponto central da versão do templo Daissen foi incluído um dos dois brazões Experiência: Unicidade com todas as coisas (Realizou o Verdadeiro Eu = Mesmo tradicionais da escola zen Sotoshu, associado ao Daihonzan (Templo Principal) Soji, fundado por Keizan, posteriormente conhecido como o grande patriarca a Unicidade não existe = Vazio do Eu – com a idade de 23 anos de idade) Sōtō Taiso Jōsai Daishi. O brazão estiliza a �or de Paulonia Tormentosa (Árvore da Princesa ou Árvore da Imperatriz). 2.7 - MARCA DAISSEN-JI A correta utilização da Marca “Daissen-Ji” está contida no “Manual da Marca”. É de extrema importância que o manual seja lido em sua totalidade. As Sanghas devem observar estritamente as orientações em relação à marca. Todas as artes, antes de publicadas, devem ser enviadas ao Monge Komyo (monge.komyo@ gmail.com) para aprovação.
4.4 - SINOS te controlar seus pensamentos. Mantendo a postura e respiração corretas, sua mente se tranquilizará naturalmente. Quando vários pensamentos surgirem, não tente agarra-los ou empurra-los; deixe-os ir livremente. O mais importante é despertar da distração e da �xação, da sonolência e do pensamento, retornando à postura correta, momento a momento. - Ao �nal do Zazen, faça uma reverência em Gasshô. Balance o corpo le vemente para os lados, desdobre as pernas cuidadosamente e se levante, sem movimentos abruptos. Arrume o zafu.
Um sino é tocado como sinal para marcar o iní cio e o �m das sessões de Zazen e Kin’hin: Quando o Zazen começa, o sino é tocado três vezes; Quando o Kin’hin começa, o sino é tocado duas vezes; Quando o Kin’hin termina, o sino é tocado uma vez; Quando o Zazen é terminado, o sino também é tocado uma vez. 4.5 - POSIÇÕES SENTADAS
4.2 - COMO PRATICAR KIN’HIN (MEDITAÇÃO ANDANDO)
As seguintes posições podem ser adotadas preferivelmente para sentar em me- Mantenha as mãos em shashu e caminhe lentamente, dando meio passo a cada ditação: respiração. - Mantenha a mesma atitude mental do zazen. - Ao �nal do Kin’hin, faça uma reverência com as mãos em shashu e caminhe Lótus completa lentamente até o seu assento.
Coloque o pé direito sobre a coxa esquerda e o pé e squerdo sobre a coxa direita. Meio-lótus 4.3 - TEMPOS DE PRÁTICA O tempo de prática usual é de 40 minutos de zazen. Faz-se também 40 minutos de zazen, 10 minutos de Kin’hin mais 40 minutos de Zazen seguidos. Para iniciantes com muitas di�culdades pode-se começar, por exemplo, com 20 minutos de zazen e 10 minutos de Kin’hin. Caso não haja um praticante responsável pela marcação dos tempos de meditação com o uso de um sino, pode-se usar um despertador ou uma gravação com Se você não conseguir se sentar em lótus completa, apenas coloque o pé esqueros sinos marcando o tempo. do sobre a coxa direita.
Birmanesa
Há uma variação da maneira tradicional asiática de sentar. Ela permite que você forme um triângulo deitado, com os joelhos e a base de sua coluna, mas o centro de gravidade �ca um pouco mais ao alto em relação às posições de lótus completa ou meia-lótus. Sente no banquinho de seiza, com suas pernas dobradas sob ele, joelhos �rmes no zabuton. Você também pode obter apoio sentando-se em um zafu mais �rme ao invés do banquinho. Sentando-se na cadeira
Se você não conseguir se sentar em meio-lótus, repouse os dois pés sobre o chão com ambos os joelhos tocando o chão se possível. Imagem: Dharma Rain Zen Center 4.6 - OUTRAS POSTURAS Imagem: Missouri Zen Center Seiza
Sente-se ereto em uma cadeira, da mesma forma que faria em um zafu. Não se incline para trás. Use uma almofada de suporte quadrada no assento e/ou embaixo de seus pés de acordo com a necessidade, a �m de encontrar uma postura ereta confortável. Posicione suas mãos sobre seu colo na posição de Mudra Cósmico (hokkai-join). 4.7- ESPAÇO FÍSICO NECESSÁRIO Zendô é um lugar onde praticantes se reúnem para praticar meditação (zazen). Deve ser limpo, bem arrumado, se possível silencioso. Cada detalhe da arrumação precisa ser bem mantido. O estado do zendô expressa a qualidade da mente de seus praticantes. Almofadas bem alinhadas, não amassadas nem achatadas, limpas, sem poeira. Em suma tão perfeito como a mente de um homem em perfeito equilíbrio.
5.2 - SANGHA, O LUGAR DA HARMONIA
Quando uma respeitável pessoa pedir para você sentar, faça gasshô e reverência; só então se sente. Cortesmente sente-se ereto e não encoste na parede.
Alguns cuidados são necessários para que a harmonia da Sangha seja mantida. Inicialmente lembramos que a forma de se dirigir aos demais praticantes é o Quando se sentar, não seja rude ou indulgente, recostando-se em algum móvel. início de um tratamento respeitoso. Os praticantes devem saber como se referir aos outros e Monges. Todos devem ter San aposto ao nome quando falamos com Se houver discussão você deve permanecer humilde e não tentar ganhar uma eles, os monges podem ser chamados de Monges, San, e se for o caso de Sensei, posição superior. sendo qualquer destes tratamentos adequado. Quando estiver diante de um sênior, não esfregue sua face, bata em sua cabeça Quando junto do Sensei vale m as instruções constantes neste texto, embora para com suas mãos, ou brinque com suas pernas ou braços. os monges, seu espírito se estende a todos: Quando estiver diante de um sênior, mantenha seu corpo ereto e estável. “Eihei Shingi” – “Regras Puras para a C omunidade Zen” Se você vir um sênior chegando ao lugar onde você se encontra conversando Dogen Zenji com outro sênior; dê a eles o seu assento, abaixe a sua cabeça e aguarde por um momento pelas instruções dos seniores. Quando encontrar um instrutor sênior que tenha passado completado seu treinamento, você deve vestir seu okesa e trazer o seu zagu[2]. A menos que um sênior lhe peça para faze-lo; não explique o dharma para as pessoas. Não se apresente olhando para um sênior, enquanto estiver encostado em alguma coisa com suas pernas cruzadas. Se um sênior lhe perguntar algo, você deve dar a resposta apropriada. Não se apresente em pé olhando para um sênior com seus braços balançando.[4] Sempre observe a expressão de um sênior e não lhe cause desapontamento ou angústia séria. Nunca ria ruidosamente,você vai envergonhar-se ou causar constrangimentos. Enquanto estiver diante de um sênior, não troque mesuras com seus pares. Se você é admoestado, faça uma reverência polidamente e ouça e aceite; e, de acordo com o Dharma, contemple e re�ita sobre o que foi dito. Diante de um sênior não aceite prostrações de outros
Se o sênior não lhe convidou a se sentar [quando você estiver entre ele s], não se Se houver algum trabalho pesado a fazer, onde esteja um sênior, faça-o, primeisente informalmente. ro, você mesmo. Quando há alguma coisa agradável, ofereça-a ao sê nior. Quando sentado na mesma plataforma, ao lado de um sênior, não o toque. Não se sente no lugar onde u m sênior normalmente se senta ou de scansa.
Se você se encontrar com um instrutor sênior que tenha passado por treinamento em dois angôs, você deverá reverenciá-lo como um ancião. Não perca seu entusiasmo.
Você deve saber que qualquer um que tenha feito angôs, tem a posição de ajari Se você tiver intimidade com um sê nior que tenha feito cinco ou dez angôs, você [instrutor]; alguém que tenha dez angôs ou mais, tem a posição de oshô [alto deve, mesmo assim, perguntar a eles sobre o signi�cado dos sutras e dos preceisacerdote]. Isto não é nada além de um suave orvalho do dharma sem máculas. tos. Não se torne negligente ou preguiçoso.
Quando você percebe que um sênior está doente, você deve, respeitosamente, Não repreenda alguém que você pretende repreender, enquanto estiver diante alimentá-lo e ajudá-lo a se recuperar de acordo com o dharma. de um sênior. Quando você estiver diante de um sê nior ou perto de seu quarto, não pronuncie Diante de um sênior, não chame ninguém à distância e m voz alta. palavras que não sejam bené�cas ou que não tenham bom signi�cado. Quando um sênior estiver ensinando sobre um sutra, não corrija seus enganos Quando diante de um sênior não discuta pontos bons e maus ou a força e fra- desde um assento inferior. queza de honoráveis mestres de outros templos[7]. Diante de um sênior não levante seus joelhos e os envolva com seus braços. Você não deve ignorar um sênior e entrar numa conversa ou questionamento sem propósito. Quando um sênior se encontra junto com um sênior, nenhum deles precisa seguir estas instruções (de encontro com um sênior). Quando um sênior ainda não estiver adormecido, não vá dormir antes dele. O dharma anterior para encontros com sêniors de treinamento completo, é exaQuando um sênior ainda não começou a comer, não coma antes dele. tamente o corpo e a mente dos buddhas e ancestrais. Não deixe de e studar isto. Se você não estudar isto, o Caminho dos mestres ancestrais degenerará e o doce Quando um sênior ainda não tomou banho, não se banhe antes dele. orvalho do dharma será extinto. No vasto céu do reino do dharma, isto é raro e difícil de encontrar. Somente pessoas que desenvolveram faculdades saudáveis Quando um sênior ainda não se sentou, não se sente antes dele. através de vidas passadas podem ouvir isto. Em verdade este é o último degrau do Mahayana. Se você encontrar um senior no caminho, reverencie-o com inclinação do corpo e, então, siga atrás do sênior. Se você receber alguma instrução do sênior, sim- Seguem mais algumas dicas preciosas: plesmente obedeça-o e então retorne [ao que você estava indo fazer] - Não discuta pontos de vista nem defenda opiniões, contenha a vaidade e o Se você perceber que um sênior esqueceu alguma coisa por engano, mostre-lhe orgulho de saber ou provar opiniões. cortesmente. - Quando ouvindo alguém do grupo, tome a posição de uma testemunha ou Se você vir um sênior cometendo algum erro, não ria ruidosamente. estudante. Você não está ali para corrigir, ensinar ou tomar conta de alguém. Se você entrar no quarto de um sênior, entre beirando um lado do vão da porta. - Ouça profundamente com todo seu corpo, coração e mente. Enquanto estiver Não entre pelo centro do espaço da porta[8]. ouvindo preste atenção no que está havendo com você e com a pessoa que fala. Se um senior ainda não tiver terminado de comer sua refeição, não termine a - Quando estiver falando, faça-o na primeira pessoa (“eu penso que”, ”em misua antes dele. nha opinião”). Deixe claro que está manifestando apenas opiniões e não fazendo declarações de autoridade. Se tiver que criticar alguém, critique a você mesmo. Quando um sênior ainda não se puser em pé, não se levante antes dele. - Quando falando, seja sensível ao que você está compartilhando, perceba seu Se um sênior estiver explicando os sutras para um doador, sente-se adequada- nível de conforto ou o que você está sentindo com relação à suas palavras serem mente ereto e ouça-o cuidadosamente. Não se le vante rapidamente e saia. [10] apropriadas ou não. Observe se você está falando demais ou se está se vanglo-
riando. - Seja gentil sempre. Modéstia e humildade são virtudes apreciadas no Zen. 5.2.1 - GUIA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Ao tomar refúgio no Buda, nós reconhecemos a Natureza Búdica de todos os seres. Reconhecemos que todos nós somos, igualmente, a expressão da Natureza Búdica.
Ao tomar refúgio no Dharma, nós reconhecemos a sabedoria e a compaixão do modo de vida Budista. É através do Dharma que nós exprimimos e tornamos acessíveis os ensinamentos de Buda tal como nos foram transmitidos através da - Pratique a “não teimosia” mantendo um coração aberto, uma vontade de en- linhagem de nossos professores. O termo “Dharma” é frequentemente traduzitender, e um desejo de reconciliar as diferenças. do como “Lei”, e nesta perspectiva nós podemos ver os ensinamentos de Buda como diretrizes para nosso comportamento em todas as áreas de nossas vi das. - Investigue e re�ita sobre sua própria responsabilidade em um con�ito antes de falar com o outro. Ao tomar refúgio na Sangha, nós reconhecemos o importante papel que o grupo de prática budista desempenha na nossa prática. A �m de que a Sangha seja um - Assuma total responsabilidade por sua parte em qualquer mal-entendido, ad- refúgio, nós aspiramos criar um ambiente inclusivo, com espaço para compremitindo suas ações e seus efeitos na outra pessoa. Com coração e mente, peça ensão e aceitação de nossas diferenças. Ao mesmo tempo, nós trabalhamos para desculpas a outra pessoa ou grupo, não importando se eles também irão pedir implementar a percepção de que a Sangha e seus membros não são entidades desculpas ou não. separadas. Uma comunicação aberta e permanente dentro da Sangha é essencial para que seja criado este refúgio. Quaisquer preocupações ou con �itos éticos - Não se altere com o comportamento das pessoas, vendo qual quer situação con- devem ser integralmente ouvidos e apropriadamente discutidos. �ituosa como uma oportunidade para praticar. Como os Três Tesouros são inseparáveis uns dos outros, o despertar modela a - Mude seu próprio comportamento para tornar as coisas mais harmoniosas no prática e a vida comunitária, a prática modela a vida comunitária e o despertar, e futuro. a vida comunitária modela o despertar e a prática. O desrespeito a qualquer um dos três tesouros acarreta também danos para os outros dois. 5.3 - OS TRÊS REFÚGIOS Reconhecer as próprias transgressões, buscar reconciliação, e renovar o nosso Os Três Refúgios, também chamados de Três Tesouros, ou Três Jóias, são as três compromisso com os preceitos é o trabalho da Natureza Búdica e a rea�rmação coisas nas quais os Budistas tomam refúgio, e procuram por orientação. As Três de nosso lugar na Sangha. Quando a integridade da Sangha é honrada e protegida, os Três Tesouros se manifestam. Jóias são: - Jamais instigue a divisão do grupo, fazendo fofocas ou cr iando “panelinhas”.
- O Buda (O Iluminado ou O Desperto), podendo signi�car o Buda histórico 5.4 - DANA (Buda Shakyamuni) ou a natureza de Buda - o ide al ou mais alto potencial espiritual que existe em todos os seres. A prática da compaixão é marcada pelo impulso de partilhar. Chama-se Dana a doação de recursos para sustentar as atividades da comunidade budista. - O Dharma (O Ensinamento, A Lei), os ensinamentos do Buda. Os alunos precisam cuidar para não estarem na posição de quem recebe sem - A Sangha (A Comunidade), a comunidade daqueles que atingiram a ilumi- nada dar em troca, porque esta postura coloca o recebedor em uma situação nação, que podem ajudar outros praticantes. Também usado mais amplamente constrangedora de quem recebe, é carregado pelos outros, mas não consegue para se referir a uma comunidade de praticantes Budistas. ajudar os restantes seres com o seu próprio esforço.
Desde os tempos de Buda a comunidade é sustentada pelos praticantes generosos. Que cada um de nós possa olhar para a Sangha e pensar: ela existe também O Instituto Zen Budista Todatsu fornece e desenvolve como material e estrutura de apoio para prática e estudo: por minha causa, e os que sofrem podem aqui buscar socorro. O exercício de Dana (Generosidade, Doação, Apoio) na tradição budista, representa essencialmente a ação consciente e atenta de ajuda e contribuição (seja material, de tempo ou outras) para que o Dharma possa ser estudado e exercido sob condições úteis e abrangentes a todos. Em Dana temos não somente a ação de ajuda e proteção (física, psicológica ou social) a pessoas em necessidade, mas também às pessoas em ação pelo Dharma.
- Palestras do Dharma, gravadas em áudio, vídeo ou transcritas e m texto. - Comunidade Virtual, para divulgação de eventos, troca e compartilhamento de experiências, questionamentos. - Biblioteca Virtual, com diversos textos e livros buddhistas de diversos autores e escolas.
O Instituto Zen Budista Todatsu é mantido através de doações voluntárias de seus membros e de simpatizantes. Os membros efetivos colaboram com contri- - Esquema de empréstimo de livros da biblioteca do Instituto. buições mensais �xas. Os praticantes podem colaborar com qualquer quantia. A sede e todas as despesas de manutenção são compartilhadas por seus membros, - Venda de livros de diversos autores e escolas. portanto toda colaboração é bem vinda. Enfatizamos que não há cobrança de nenhum valor pelos ensinamentos, sendo muito bem vindos todos aqueles que - Venda de material: zafus, zabutons, incenso, etc. desejam conhecer o Zen Budismo. - Manuais em contínua elaboração. A Filiação permite receber descontos em Sesshins e eventos, acesso à biblioteca do Instituto por meio de empréstimos, e o mais importante, constitui num belo gesto e prática do ensinamento buddhista de Dana (generosidade). Doações para: Instituto Educacional Todatsu - CNPJ: 04.189.002/0001-21 Banco do Brasil S/A - Agência 4550-0 – C/C 5709-6 Informações de contato: Instituto Zen Budista Todatsu Ligado a Soto Zenshu da América do Sul Endereço: Travessa José Goularte, 59 – Saco dos Limões Florianópolis, SC CEP 88.045-548 Website: www.daissen.org.br Telefone de contato: (48) 99971-1323 Orientador: Monge Genshô Sensei
[email protected] Telefone (Whats App): (48) 99911-6842 5.4.1 - MATERIAL E ESTRUTURA DE APOIO
6 - RETIROS E OUTRAS PRÁTICAS 6.1 - DHARMA COM PIPOCA
Samsara (2001) Diretor: Pan Nalin País: Índia/Itália/França/Alemanha
É como chamamos as exibições de �lmes que interessam aos praticantes budistas. A exibição do �lme pode ser precedida de um Zazen. Sugerimos alguns �lmes: Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera (2003) Diretor: KimKiDuk País: Coréia do Sul
Samsara é uma “história de amor espiritual”. Filmada nas imponentes locações geladas do Himalaia, nesta obra acompanhamos as buscas empreendidas por duas pessoas de origens bem diferentes. Um jovem monge budista, depois de passar três anos meditando solitariamente nas montanhas, é levado de volta a seu monastério, onde recupera suas forças. Em um passeio na aldeia, conhece Pema, se apaixona à primeira vista e desiste de sua vocação, mas não sem con�itos. De um lado, temos um homem que procura pelo esclarecimento espiritual por meio da renúncia ao mundo real. De outro, uma mulher quer encontrar um amor e uma nova vida inserida no mundo. Essas duas buscas, em determinado momento, se cruzarão e conectarão irreversivelmente a vida dos personagens. Zen(2009) Através da passagem das quatro estações, esta obra retrata o eterno retorno da Diretor:BanmeiTakahashi vida. Um monge budista e seu discípulo vivem em uma casa �utuante sobre um País:Japão lago, cercado de belíssimas montanhas e isolados da civilização. Assim como as estações, cada aspecto de suas vidas é introduzido com uma intensidade que conduz ambos a uma grande espiritualidade e à tragédia. Eles também estão impossibilitados de escapar da roda da vida, dos desejos, sofrimentos e paixões que cercam cada um de nós. Através dos olhos atentos do velho monge vemos a experiência da perda da inocência do jovem discípulo, o despertar para o amor quando uma mulher entra em sua vida, o poder letal do ciúme e da obsessão, o preço do perdão, o esclarecimento das experiências. Assim como as estações vão continuar mudando até o �nal dos tempos, na indecisão entre o agora e o eterno, a solidão será sempre uma casa para o espírito.
Este �lme retrata a vida de Dogen Zenji (1200-1253), um dos maiores �lósofos Siddhartha(1972) e nomes do Zen-Budismo que já existiu, fundador da Escola Ze n Soto, no Japão. Diretor:ConradRooks Abrir mão de tudo, rendendo-se ao �uxo da natureza e somente sentando-se em País: Estados Unidos meditação. Isto é a essência do Budismo Zen de Dogen. No 13º século, Dogen, um jovem monge japonês viajou à China, determinado a encontrar seu verdadeiro mestre. Lá, ele encontrou um monge que lhe ensinou que a meditação Zen é o verdadeiro e único caminho à iluminação. Voltando, esclarecido, ao Japão, Dogen arriscou a sua vida para divulgar o Budismo Zen, inspirando milhões de budistas que o praticam ao redor do mundo hoje. Por que Bodhi-Dharma partiu para o Oriente? (1989) Diretor: Yong-Kyun Bae País: Coreia do Sul
Baseado na famosa obra literária homônima de Hermann Hesse, o �lme conta a história de um jovem que aos 18 anos de idade escolhe transformar a busca pela perfeição em sua meta principal de vida. Para isso ele deixa a casa de seus pais, a qual lhe proporcionava uma condição materialmente abastada, mas de grande pobreza espiritual. Siddhartha parte em sua jornada rumo ao autoconhecimento, torna-se discípulo de Buda, asceta, e busca cada vez mais o caminho da Iluminação. Uma jornada sem igual em busca da alma humana e do verdadeiro Eu. Te Buddha - Te Story of Siddhartha (2010)
Diretor: David Grubin País: EUA Este �lme talvez seja o mais sério e o de mais difíci l compreensão desta lista. Foi �lmado com apenas uma câmera, e levou sete anos para ser concluído. É um �lme meditativo, que acompanha a vida de três monges budistas: uma criança, um adulto e um velho mestre. Seu título é uma pergunta, mas esta pergunta não encontra resposta, o que ressalta o caráter �losó�co da obra. A história é basicamente sobre Yong Nan’s, o monge adulto, e é contada em �ashbacks: mostra como ele chegou ao monastério do velho mestre, seu breve retorno à cidade, suas vacilações diante da turbulência do mundo e sua esperança de superar as paixões e escapar da ideia do eu.
País: Reino Unido/França/Liechtenstein Com narração de Richard Gere e participação do Dalai Lama, este documentário é uma introdução básica à história de Siddhartha Gautama e também aos vários mitos contruídos sobre sua �gura. Por volta do ano 400 a.C., uma nova �loso�a surgiu no sudeste da Ásia, a partir das ideias de Buda, um misterioso príncipe do Nepal que alcançou a Iluminação sentado sob uma grande �gueira. Buda nunca se declarou um deus ou um emissário na terra. Ele dizia apenas que havia encontrado um tipo de serenidade que todos também poderiam encontrar. Iluminação Garantida - Erleuchtung garantiert (1999) Diretor: Doris Dörrie País: Alemanha
Gravada em estilo Roadmovie, a comédia Iluminação garantida (tradução livre) conta a história de dois irmãos, Uwe e Gustav, que tentam encontrar a si mesmos. Gustav é abandonado pela mulher da noite para o dia, e entra em crise. Ao procurar o consolo do irmão Uwe, que está de partida para um mosteiro no Japão, acaba embarcando também. Ambos se perdem na selva de neon de Tóquio, não encontrando o caminho de volta para o hotel após saírem para jantar. Sem dinheiro, sem cartão de crédito e sem falar japonês, sentem-se em outro planeta, sendo obrigados a se desapegar de tudo. Quando conseguem, en�m, chegar ao mosteiro, as práticas zen budistas transformarão suas vidas. O Pequeno Buda (1993) Diretor: Bernardo Bertolucci.
Este �lme, do consagrado diretor Bernardo Bertolucci, é uma introdução ao budismo, pois nele a história do príncipe Siddhartha Gautama - o Buda - é contada de maneira intercalada com os a contecimentos principais do �lme. Um dia, ao voltar para casa, o arquiteto Dean Conrad (Chris Isaak) encontra dois monges budistas tibetanos, Lama Norbu (Ruocheng Ying) e Kenpo Tensin (Sogyal Rinpoche), sentados na sua sala de estar, conversando com Lisa (Bridget Fonda), sua esposa. Guiados por vários sonhos perturbadores, os monges viajaram do Nepal até Seattle pois acreditam que um garoto de 10 anos, Jesse (Alex Wiesendanger), o �lho de Dean, possa ser a reencarnação de Lama Dorje (Geshe Tsultim Gyelsen), um lendário e místico budista. Inicialmente Dean e Lisa �cam céticos, especialmente quando os monges manifestam interesse em levar Jesse para o Butão, na intenção de comprovar ou não se ele é a reenc arnação de Lama Dorje. Porém após o suicídio de Even, um sócio de Dean, este muda de idéis. Após deixar Lisa nos Estados Unidos, Dean viaja com o �lho para o Butão. O Buda (2005) Diretor: Diego Rafecas e Marcelo Iaccarino. País: Argentina
rante o período mais longo de instabilidade e luta política , a lém de adversidade espiritual. 6.2 - ZAZENKAI ZAZENKAI é um retiro curto e intensivo de prática e estudo do Zen Budismo. É uma reunião de praticantes leigos, aberta a todos, inclusive iniciantes que queiram conhecer e praticar o cerne do zen. A programação inclui zazen e kinhin, samu, refeição, leitura de textos, sutras, etc. (consulte Manual Especí�co). Normalmente o Zazenkai não é feito com voto de silêncio, pois é considerado Um jovem vive em uma grande cidade de Argentina com uma a�ição: descobrir uma grande confraternização, entretanto, não há objeção de que se faça voto de quem ele é. Perdas, desilusões e tragédias o levam à prática espiritual, o que faz silêncio. com que abandone completamente seu mundo. Decidido, ele parte em busca de seu mestre em um templo Zen nas montanhas, tendo ajuda apenas de seu irmão, Quando o Zazenkai não é realizado na presença de Monge Genshô Sensei e, um professor de �loso�a, e de sua noiva. caso se opte por inclusão de Palestra do Dharma, as mesmas devem ser pa lestras gravadas (You Tube), do Sensei. Reforçamos que apenas ele, ou outro Monge ou Kundum (1997) aluno designado por ele, tem autorização para proferir palestras do Dharma. Diretor: Martin Scorsese País: Estados Unidos Exemplo de programa de Zazenkai:
Com um prazer puro de criança brincando, um menino risonho de dois anos e meio é observado por monges budistas reunidos à sua volta. Neste jogo, o garoto revela-se como a reencarnação de Buda da Compaixão e passa a ser educado pelas mais re�nadas mentes de seu país e posicionado para liderar o Tibet du-
6.3 - SESSHIN
7 - SÍMBOLOS BUDISTAS
A RODA DA LEI (RODA DO DHARMA) O que é o sesshin? O ideograma “SE” tem o sentido de “consertar ou reunir”; e “SHIN” signi�ca “mente”. Nossa mente no mundo, com todos os acontecimentos que sucedem, acaba �cando espalhada, então tem que ser reunida, juntada. Nossa mente também está perturbada, somos arrastados como folhas levadas pelo vento: os ventos das paixões e dos acontecimentos nos jogam de um lado para o outro, não temos domínio sobre o que está acontecendo e somos levados pelos sentimentos dos mais variados como amores, culpas, remorsos, desejos, aversões, raivas, que nos empurram de um lado para o outro como se fossemos Corresponde ao ciclo de morte e renascimento ao qual e stá preso todo ser, até o folhas. instante em que alcança a iluminação e se liberta do ciclo. Também corresponde Consulte o Manual Especí�co para veri�car sobre a organização de um Sesshin. à lei que regula todo o universo, ou seja, ao Dharma. Tal lei moveria todo o uni verso, daí o simbolismo da roda. Outra interpretação possível seria que, através da prática do Dharma (“lei”, em sânscrito) budista, o �el conseguiria avançar no caminho da evolução espiritual. Convém ainda lembrar que a roda é um dos símbolos de Vixenu, o deus hindu da conservação. A roda, como símbolo do transporte, ainda é uma referência ao esforço missionário de difusão do budismo pelo mundo. O NÓ INFINITO
Lembra que todos os eventos e seres no universo estão inter-relacionados. CERVOS
Buda proferiu seu primeiro discurso após atingir a iluminação espiritual em coluna, até o sétimo e último, no alto da cabeça. Esta sa liência no alto da cabeça Sarnath, no parque dos Cervos. Em muitas construções budistas, se localizam nas estátuas de Buda signi�caria que Buda era um ser que já havia alcançado o máximo desenvolvimento espiritual possível ao homem. representações de cervos em l embrança deste fato. LÓBULOS DA ORELHA ALONGADOS
As estátuas de Buda apresentam os lóbulos da orelha anormalmente longos, simbolizando a nobreza de Buda. Uma explicação possível para este símbolo é a de que os nobres da época de Buda utilizariam muitos ornamentos nas orelhas como forma de ostentar riqueza e pode r. O peso destes adornos poderiam causar o gradual alongamento dos lóbulos. Buda, devido a sua origem nobre, teria usado estes ornamentos, deformando seus lóbulos. Os lóbulos alongados e sem brincos de Buda lembrariam o fato de que Buda era rico e nobre, mas que decidira abandonar tudo isso para buscar o sentido da vida. Isto seria um exemplo de vida para todas as pessoa. Como ninguém sabe a aparência real de Buda e a estatuária só ter aparecido séculos após sua morte por in �uência grega , tudo isto tem peso meramente especulativo.
O TERCEIRO OLHO
O chamado “terceiro olho”, que se localiza entre as sobrancelhas das estátuas de Buda, é uma referência ao pleno desenvolvimento do chacra ajna em Buda, o que lhe conferiria uma inteligência superior. O PÉ DE BUDA
SALIÊNCIA NO ALTO DA CABEÇA É frequente a representação dos pés de Buda. Normalmente, ele apresenta-se marcado pela Roda da Lei budista. AS TRÊS JOIAS BUDISTAS É uma referência, nas estátuas de Buda, ao pleno desenvolvimento do chacra saharasra, que se localiza no alto da cabeça. Segundo a �loso�a hindu, o ser humano possuiria sete chacras, ou centros de energia, ao longo de sua coluna vertebral. Ao longo de seu processo de evolução espiritual, o homem iria despertando e desenvolvendo estes chacras, começando pelo primeiro, na base da
O CÍRCULO FORMADO PELO DEDO POLEGAR E O INDICADOR
A ÁRVORE BODHI
É uma referência ao principal símbolo do budismo, a roda da lei. Simboliza que Buda está em atitude docente, ou seja, está ensinando sua doutrina aos discípulos. Nas construções budistas, é muito comum a representação de árvores, numa alusão à �gueira-dos-pagodes (Ficus religiosa) sob a qual Buda meditou e alcanA FLOR DO LÓTUS çou a iluminação, em Bodigaia, na Índia. Nos primeiros tempos do budismo, era considerado desrespeitoso retratar Buda sob a forma humana, de modo que o Iluminado era normalmente representado sob a forma de uma ár vore, a Árvore Bodhi. Na imagem acima, a Figueira-dos-pagodes (Ficus religiosa) ao lado do Templo Maabodi, o local onde Buda teria alcançado a iluminação. Fonte: http:// sobrebudismo.com.br/os-simbolos-do-budismo-parte-1/ É um símbolo não só do budismo, mas de todo o oriente. Simboliza a pureza espiritual, que não é maculada pelo cotidiano, assim como as �ores de lótus não se mancham com o lodo sobre o qual crescem. Na simbologia oriental, o ser humano deve se inspirar no exemplo da �or de lótus para permanecer puro, mesmo em meio à toda a corrupção do mundo. A ESTUPA
É o tipo de construção que guarda os restos mortais de Buda e de grandes mestre budistas. Corresponde aos pagodes do leste asiático, aos chedi tailandeses e aos chorten do Himalaia.
8 - PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DO DHARMA Listamos abaixo alguns dos principais instrumentos do Dharma, utilizados nas cerimônias o�ciadas nos Retiros e para marcar o início e �m do Zazen.
O Inkin é usado para anunciar a condução e entrada do Monge / Sensei em cerimônias e palestras. Também é tocado durante as cerimônias, entre outros momentos.
OGANE
O Inkin de mão é usado para marcar o �m do Kinhin. KESU O Ōgane é o maior sino usado no mosteiro. É este sino que re�ete o espírito do templo budista. Há muitos antigos sinos no Japão, que atualmente são classi�cados como “patrimônio nacional” do país. DENSHO Kesu é usado para pontuar a leitura do sutra. ORIN
O Densho ou Hattô é um sino menor e geralmente encontrado pendurado sob o beiral. É o sino que anuncia o início das cerimônias. INKIN
Utilizado nas cerimônias e para marcar o início e o �m do Zazen.
TAIKO
MOKUGYO
O tambor é geralmente con�gurado em uma posição elevada em um canto do Buddha- hall. Usado em cerimônias. Quando uma reunião geral ocorre, é batido É tocado acompanhando as recitações de sutras para dar ritmo as mesmas. Eles com duas varas alternadamente com um ritmo pecu liar. são peças sólidas de madeira dura: os maiores podem ser um pouco mais do que 1m de comprimento e os menores cerca de 15 cm . UMPAN
Umpan é uma nuvem, feita de bronze ou a ço. Tocado em cerimônias e para avisar que a sala de refeições está aberta. MOPAN
É uma placa sólida pesada de madeira pendurado na porta da frente do Zendô. Tocada para marcar o momento de entrar no Zendô e em algumas cerimônias.
9 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS RECOMENDADAS
10 - SOLICITAÇÃO DE VISITAS E PARTICIPAÇÃO EM SESSHINS
Budismo claro e simples – Steve Hagen – Ed.Pensamento A bússula do zen - Seung Sahn – Ed. Bodigaya A essência dos ensinamentos do Buda – Tich Nhat Hanh – Ed. Rocco Os três pilares do zen – Philip Kapleau – Ed. Itatiaia Histórias zen – Paul Reps – Ed. Teosó�ca O coração da compreensão – Tich Nhat Hanh – Ed. Bodigaya Budismo puro e simples – Hsing Yün _ Editora de Cultura Histórias Ch’an - Hsing Yün – Ed. Shakti Mente Zen, mente de Principiante – Shunryu Suzuki – Ed. Palas Atena Nem sempre é assim - Shunryu Suzuki O livro de Ouro do Zen - David Scott & Tony Doubleday – Ediouro Zen no trabalho – Les Kaye – Ed. Cultrix Zen em quadrinhos – Tsai Chih Chung – Ediouro Meditação – Um curso prático em 10 lições – Ed. Mandarim Cultivando o Bem - Hsin Yun Dhammapada Primeiros Passos no Zen - Moriyama Roshi Para Viver em Paz - Tich Nhat Hanh Ensinamentos do Buda Para uma Pessoa Bonita - Shundo Aoyama Roshi Vivendo o Darma, Vivendo o Buda - Angelika Zuiten Textos Budistas e Zen-Budistas - Ricardo M. Gonçalves Retornando ao Silêncio - Dainin Katagiri Introdução ao Zen-Budismo - D.T. Suzuki. Zen e as Aves de Rapina - Tomas Merton. Portões da Prática Budista - Chagdud Tulku Rinpoche. A Jóia do Desejo - Padma Samten. A Tigela e o Bastão - Taisen Deshimaru. Budismo - Sua Essência e Desenvolvimento - Edward Conze. A Via de Chuang Tzu - Tomas Merton. Paz a Cada Passo - Tich Nhat Hanh.
Todos são bem-vindos aos retiros e eventos organizados pelo Instituto Educacional Todatsu. Os eventos são divulgados via e-mail e website. Contribuintes �liados ao Instituto tem desconto de participação nos sesshins. A agenda de visitas de Monge Genshô às Sanghas a �liadas é organizada todo início de ano por Suuen San – Juliana (
[email protected]), telefone e Whats app (48) 99971-1323. É importante que as Sanghas viabilizem pelo menos uma visita de Sensei Genshô (ou Monge indicado por ele) por ano. São indicadas palestras abertas ao público e conduções de retiros, que podem ser Zazenkai ou Sesshin, dependendo da classi�cação da Sangha.
11 - GLOSSÁRIO
12 - TEXTOS
Gasshô: É uma expressão de respeito, fé e devoção. Junte as palmas e os dedos de ambas as mãos.
Os textos a seguir são indicados para a leitura após a prática de Zazen. Não há necessidade de que todo o texto seja lido de uma só vez, podendo ser dividido em trechos que dê continuidade ao Estudo do Dharma. Lembramos que os Grupos de Estudos, a princípio, não estão autorizados a discutir os textos.
Kin’hin: Meditação caminhando passo-a-passo. Sesshin: Retiro para prática de meditação. Shashu: Coloque o polegar de sua mão esquerda no meio da palma, faça um punho diante do peito e cubra com a outra mão, colocando o polegar da mão direita sobre a mão esquerda. Os antebraços fazem uma linha reta, com os ombros um pouco distantes do corpo. Shikantaza: É a prática de Zazen típica da escola Soto-Zen, signi�cando apenas sentar-se. Soto Zenshu: é a maior escola zen do mundo em número de praticantes. É um sub-ramo da escola chinesa Caodong, trazida ao japão pelo fundador Dogen Zenji (1200-1253). Zabuton: Colchonete ou almofada grande, baixa e quadrada, sob a qual é colocado o zafu para sentar em meditação. Zafu: Almofada alta e redonda usada para sentar em meditação. Zazen: Za signi�ca sentar; Zazen é a prática da meditação Zen. Postura correta, respiração correta, mente correta. Sentando simplesmente realizamos nossa Natureza Original. Zen: A palavra Zen provém originalmente do pali Jhana (sânscrito dhyana), em chinês Zen-na (chán), tendo passado como Ze n ao japonês. A raiz do vocábulo signi�ca meditar. Zendô: Local de prática de meditação.
PALESTRA EM BRASÍLIA Monge Genshô 15.12.12
Nós somos uma onda no universo. Energias se movendo. Nós somos isso. Mas nós “pensamos” que isso é uma identidade. Só que a água está passando. A energia está passando pela água, mas a água não está se movendo. O seu corpo é assim. Em 10 anos mudaram todos os componentes. Todo o cálcio do corpo foi ZAZEN / SAMADHI / KENSHO / SATORI embora e entrou outro. O ferro foi embora e entrou outro. Do seu corpo original não sobra praticamente nada. Foi tudo embora e está tudo reposto, reconstituíQuando fazemos zazen, tentamos obter esta condição chamada SAMADHI, que do. Não é isso? é essa concentração onde você esquece o passado, esquece o futuro e está aqui no momento presente, realmente imóvel e tranquilo. Então, nós “pensamos” que somos uma onda. Mas na nossa verdadeira natureza, não somos onda, mas sim, o oceano inteiro. Nós somos o oceano, só pensamos Quando você levanta do zazen, o mundo mudou um pouco, porque você foi que somos onda, porque temos uma mente funcionando, uma e nergia que está lá e conseguiu “parar” de gerar carma. Você está sentado ali, não está gerando se transmitindo e esta energia olha pra si mesma e diz: “eu sou”. Isto é um engacarma, pois sua boca está fechada, você não está pensando nem planejando e no. Minha verdadeira natureza não é onda. A onda nasce e morre. Nossa verda você não está agindo. Não está gerando carma. E, à medida que você apaga e vê deira natureza está além de nasc imento e morte. Não tem a ver com identidade. que as coisas não têm a importância que pareciam ter, suas marcas cármicas vão Nascimento e morte não existem, são ilusões de uma onda cármica se movendo sendo dissolvidas, vão sendo amenizadas, você tem uma mente que pode ser no universo. construída com novas energias. Nós estamos sonhando as nossas vidas. Não são assim tão reais. Nós somos a Eu treinei energias ruins, depois treinei energias boas, aí, essas energias boas to- própria vida ou o próprio universo, só que nós não enxergamos. Só e nxergamos maram conta. Fui “me tornando” Monge. Qualquer lugar que eu vou: “Monge”, a nós mesmos. Abrimos os olhos, olhamos os outros, tocamos nas coisas e penexclamam as pessoas. Vamos meditar, “Monge”, vamos fazer Zazenkai “Monge”, samos “EU SOU”, e isso é a nossa angústia existencial, porque não queremos que vamos fazer Sesshin “Monge”, etc. Sempre sentando com os outros porque o fato esse “EU” desapareça, temos pavor da morte. de ser Monge me arrasta. E esta é a vantagem de ser Monge, é ser “arrastado” para a prática, porque os outros estão pedindo isto de você. Só que se você enxergar sua verdadeira natureza desaparece o medo de morrer. Aí você vai lá e fala sobre o Dharma. O Dharma está de ntro de você todo o tem- E toda angústia existencial e as questões sobre a vida, todas se dissolvem, todas po. Então quando me deito pra dormir, sonho, com o Dharma! Com esse pro- as respostas surgem. E isso é o KENSHÔ, a experiência iluminada, que pode cesso, meu inconsciente também está mudando. Eu não sonho que estou dando acontecer a qualquer momento e durar muito pouco tempo. Você praticou zatiros. Isso não existe. Eu sonho que estou falando sobre o Dharma. zen, sai, vê uma árvore, e durante alguns segundos, você “viu” sua verdadeira natureza. Não existe separação entre você e nada, e tudo é lindo e perfeito. Tudo Então pela ordem, o SAMADHI vem primeiro, no zazen. Segundo, KENSHÔ. é maravilhoso. E aí, no primeiro pensamento, você perde a experiência. Na priKenshô quer dizer: “KEN”, enxergar e SHO quer dizer verdadeira natureza. “En- meira consideração, você perde o Kenshô. xergar sua verdadeira natureza”. A nossa verdadeira natureza não é nossa identidade, nosso corpo, nosso eu, não é. Nossa verdadeira natureza é outra coisa. Por isso é uma experiência limitada no tempo. Você viu sua verdadeira natureza, mas perdeu logo em seguida. Não é nada tão absurdo assim. Muitas pessoas que Vocês imaginam o mar, e o mar tem ondas, não é? A onda passa e a água aqui nem praticam, às vezes têm uma experiência de Kenshô. Levantam de manhã, não se move. Se você colocar uma cortiça sobre a água, ela sobe e desce. A água estão com a mente vazia, abrem a janela, sentem um perf ume, uma onda de felinão se moveu, só passou uma energia, uma onda. Não é? Eu estou falando, faço cidade, mas de repente alguém diz: “vem tomar café!”. Pronto. Perdeu tudo. Né? o ar entrar, vocês ouvem. Mas, não tem vento. O ar não se moveu. É só uma vi- Aquilo foi Kenshô. Imagine viver a vida toda com essa sensação? Isto, viver a bração que se transmite de uma molécula pra outra do ar. vida toda com essa sensação ou poder recuperá-la quando quiser. Isso se chama SATORI, e esta é a iluminação verdadeira.
Então você pratica o Zazen, pratica o Samadhi, que cr ia o terreno, para as experiências de Kenshô, que acumuladas, tornam-se cada vez mais fortes e permanentes e nós chamamos de Satori. E isso é a iluminação.
ZEN – CAMINHO CONTEMPLATIVO Monge Genshô 21/01/12
Gostaria em primeiro lugar, de agradecer a oportunidade que o Professor RicarE aí �cam tranquilos, serenos, felizes, sem se perturbar com as coisas. Porque vê do Sasaki nos deu de estarmos aqui e poder falar sobre o Dharma. a vida como ela é. Um mero jogo, um mero transcorrer do �uxo, não há nada tão importante. Tudo vai passar. Isso é Satori. É a iluminação, nada de especial. É de costume no Zen só se fazer palestras depois de meditar. Então vou propor Tudo é diferente. que façamos dez minutos de meditação Zen, que não é muito diferente da que vocês estão acostumados, a Vipassana. PERGUNTAS Algumas das diferenças são que mantemos os olhos abertos voltados para o Pergunta: Quando eu estava fazendo um curso de meditação num templo, eu chão, �camos imóveis, prestamos atenção na respiração, inspiração e expiração senti como se estivesse entrando um cano de luz na minha cabeça e ele roda- controladas e lentas. Os pensamentos acontecerão, mas em vez de prestarmos va no meu corpo, eu me senti quente e depois esta luz sumiu. Isto é Kenshô? atenção e os acompanharmos, os deixamos passar e trazemos nossa mente de volta para o momento presente, para esse local. Não fazemos considerações do Monge Genshô - Não, não é Kenshô. Mas é uma experiência provocada pelo tipo bom ou ruim, certo ou errado, não julgamos nem classi�camos nossos penSamadhi. São sinais precursores do Kenshô. Às vezes a pessoa está sentada e samentos. Ficamos simplesmente sentados além do pensar e não pensar. começa a chorar, sem motivo nenhum. Uma emoção sem motivo, que surge. Ela não é infeliz, nem particularmente eufórica. Mas é magni�co, não cabe dentro O Budismo Zen surge tradicionalmente de um sermão de Buda em que ele lede você, por isso você chora. Mas não é Kenshô. Quando você fala sobre Kenshô, vanta uma �or e a mostra para a plateia sem nada falar. Ao fazer isso, um dos a gente sabe que é Kenshô. Mas não deixa de ser uma experiência muito boa, assistentes, Mahakasyapa, que viria a ser o sucessor de Buda após sua morte, parabéns. sorri. Buda diz: “Mahakasyapa foi o único que entendeu”. Essa tradição de origem do Zen fala sobre o fato de que o Zen verdadeiro, o Dharma verdadeiro, é transmitido além das palavras. As palavras não fazem jus ao Dharma, não fazem jus à verdade Dharmica. O conhecimento e a experiência são tão profundos, tão distintos, que não podem ser descritos com palavras. Por isso sempre que possível uma palestra sobre o Zen deve ser iniciada com a experiência da meditação. Sem a experiência da meditação não podemos saber sobre o que falamos. É necessário calar nossa mente, nossa boca, imobilizar nosso corpo para que haja espaço para sentirmos algo mais profundo que permeia tudo e que essas pobres palavras não fazem sentido porque não é algo que permeia tudo. Também não há nenhum “algo” aqui. Isso lembra a “Teologia Apofática”, presente no Cristianismo, em que se declara que não se pode falar sobre a divindade porque quando se fala sobre Deus estamos lhe dando atributos, ao dar atributos estamos diminuindo algo que não poderia ser diminuído. O Budismo em si, não fala sobre uma entidade divina ou sobre um Deus criador. O mesmo con-
ceito frequentemente falado em todo o Mahayana, o vazio, é um conceito muito difícil de ser agarrado. Essa palavra é muito raramente encontrada no “Kan” e atribui-se a “Nagarjuna”, no primeiro século séc ulo depois de Cristo, o fato de tê-la estendido no tema da vacuidade. Esse vazio também não pode ser descrito e a ele também não podem ser dados atributos, mas dele surgem todos os fenômenos e manifestações dos seres, de todos nós, fenômenos na superfície da vacuidade. Mas esses fenômenos são eles “a própria vacuidade”. vacuidade”. Nós somos o vazio, a vacuidade se manifestando. A única maneira que a vacuidade pode surgir é através das manifestações fenomênicas dos seres, do universo, de todas as coisas. Mas essas manifestações em si, do ponto de vista do Budismo Zen, não são nada além de manifestações cármicas e nesse sentido ilusórias, pois são interdependentes, impermanentes e não existem por si mesmas. Só existem porque elas precisam se manifestar por força dos impulsos cármicos que as geram. Como as ondas são geradas na superfície do mar pelos ventos, assim também nós somos gerados na superfície da vacuidade pelos ventos de nossos próprios impulsos.
outro signi�cado. Alguém pode ter recebido um relógio no leito de morte de seu pai, para essa pessoa, então, o relógio terá um signi �cado ainda mais diverso. Por isso o mesmo objeto é construído por nós em seus signi �cados. Assim sendo construímos um mundo com nossa mente, por isso, essa mente construtora do mundo é a mente transformadora do mundo. Essa é a razão de treinarmos a mente, porque essa mente treinada modi�ca todo o mundo, instantaneamente. Uma mente cheia de compaixão vê um mundo compassivo e digno de compaixão. Uma mente cheia de ódio vê um mundo odioso e raivoso. Não há como esc apar apar.. A maneira de transformarmos o mundo é transformarmos a mente, a mente de cada um, não importa qual o sistema, qualquer sistema funcionaria maravilhosamente bem, uma monarquia funcionaria maravilhosamente bem, uma ditadura funcionaria, um totalitarismo comunista funcionaria, a democracia funcionaria, precisaríamos apenas de pessoas com mentes compassivas, honestas, maravilhosas, dedicadas ao bem dos outros, abdicando de si mesmas. Esse seria o mundo perfeito.
A raiz da mudança do mundo está nas mentes. Por isso o Budismo volta-se para o treinamento e modi�cação da mente do homem, para dessa forma produzir o Nirvana, um mundo onde a mente que olha, transforma o Samsara, o mundo da perambulação, do sofrimento, um mundo onde transitamos de um lugar para outro buscando a felicidade, mudamos de um amor para outro procurando a felicidade, de um emprego para outro procurando a felicidade, cheios de “ses”: se eu ganhasse na loteria, se eu �zesse isso ou aquilo, se eu fosse amado, se eu tivesse um �lho, etc. Esses “ses” é que os transformariam em seres felizes. Esse Sem nosso olhar, as coisas podem existir como manifestações, mas não são é o mundo da perambulação, Samsara, o mundo da procura e da insatisfação nada daquilo que um homem veria. É como dizermos que madeira é material permanente, esse é o signi�cado de Dukkha. de construção para nós, mas para um cupim, é comida. Sendo comida para o cupim, para ele é apenas um manjar, não é material de construção. Para o fogo, Quando Buda diz na Primeira Nobre Verdade - “a vida é Dukkha” - a vida é alimento de chamas. Para um ecologista, sequestrador de carbono da atmosfera insatisfatória, ele diz isso porque nela, embora haja momentos maravilhosos ou tristes, nenhum deles será permanente, sólido ou estável, porque é da natureza e assim por diante. Depende do olhar. das coisas que tudo esteja mudando. E assim, achando sempre insatisfação ao Com o olhar, surge o signi�cado do mundo. Por isso podemos dizer que quando �m de qualquer processo de qualquer tempo, sofremos. Sofremos por não pomorre um homem, morre um universo, o universo dele, todo carregado de sig- dermos agarrar e �car com uma felicidade e satisfação permanentes. ni�cados que ele próprio havia atribuído. E o Nirvana? É o mesmo mundo, o mesmo lugar, mas onde os ventos dos imEntão, mesmo que eu pegue esse relógio e diga que para mim ele é diferente do pulsos não nos empurram e onde, por causa disso, não existe necessidade de perelógio de cada um, ele será o que cada um de vocês está vendo. Porque esse rambular rambular,, porque onde estamos e stamos encontramos a completa felicidade e plenitude. relógio tem determinadas marcas e signi�cados para mim. Pode ser que alguém Dizemos no Zen, que quando você se nta em meditação, isto é Nirvana, é ilumiaqui tenha alguma vez recebido um relógio na testa, logo, o relógio terá para ele, nação, porque naquele momento você imita Buda e imitando Buda você nada É por isso que estamos todos sentados nessa sal a, nada mais que seres de apegos e desejos. Assim, se tirarmos todas as manifestações, não há vacuidade para surgir. Por isso o famoso Sutra do Coração e da Sabedoria diz “forma é vazio e vazio é forma”. Toda vacuidade é forma e toda forma é vacuidade porque a vacuidade só se manifesta assim, mas, cada objeto surge com seus signi�cados por causa de nosso olhar. É nosso olhar que produz os signi �cados que as coisas têm.
mais é do que Buda. Dizemos isso também para desarmar, porque em outro sentido você não é Buda, você sabe que não é, que não está desperto, não é um iluminado, mas se você se senta com o desejo de s er um Buda, de se iluminar, de se libertar, de ser feliz, esse próprio desejo é Samsárico, ele produz uma busca, uma insatisfação e a pessoas dizem, “para que estou praticando se não alcanço nada, sou assim sempre, sou mau”? Se elas pensam dessa forma é Samsara. Eles estão em Samsara sentado em meditação. Esse mesmo ser, no instante que não é levado por nenhum impulso, por nenhum desejo e não pretende alcançar nada, ele vê no próprio Samsara o Nirvana. Porque não há nenhuma diferença de lugar nessas duas coisas, a diferença está na mente. PERGUNTAS
Nesse momento foi dado um grande passo. Esse passo é maravilhoso, porque é uma libertação do materialismo espiritual de querer obter algo para si. A trajetória de Buda também é assim. Ele vai à procura de mestres de ioga, pratica duramente, faz jejum, medita, martiriza seu corpo, �ca magro e sofre durante anos sem encontrar a saída. Quando �nalmente ele senta-se embaixo de uma árvore e diz: “eu desisto” desisto”, depois de sete dias se ilumina. Quando se ilumina o que ele faz? Fica com a iluminação para si? Não, ele levanta-se e sai para o mundo. Durante quarenta anos Buda ensina sem parar. Ele levanta e sai para o mundo por compaixão. Neste momento momento é que ele el e é Buda. Até o momento anterior à iluminação, ele era Sidharta Shakyamuni, que estava tentando se libertar do Samsara como todos nós.
Pergunta: Gostaria que o Senhor falasse um pouco sobre a transformação da mente. Nesse processo existe sofrimento, porque às vezes, teoricamente, a gente sabe e entende, mas a grande questão - me corrija se estiver errada - é Monge Genshô – Muito – Muito interessante. É que começamos sempre assim. Você a pratica, a convivência, sua atitude. Entre a teoria e a prática tem um sofrisente insatisfação com a vida, essa é a historia do próprio Buda. Ele vê o sofri- mento de, talvez, querer e desejar chegar a esse ponto. mento. Porque Porque se sente angustiado com o sofrimento ele deixa todas as coisas e vai procurar uma solução. solução. Mas isso não é iluminação. iluminação. Monge Genshô – O simples fato de haver desejo, o desejo de se libertar, implica nesse sofrimento. Na realidade, todos os professores que eu conheci, foram homens inquietos, com grandes desejos de se libertar e se entregaram a uma - Observação – Mas é um desejo. profunda busca; e é uma busca sofrida. Você tem toda a razão. Meu Mestre, Monge Genshô – Sim. A palavra “desejo” causa alguns problemas, porque usa- Moryama Roshi, �cou vinte anos dentro de um mosteiro e passou alguns anos mos a palavra desejo em português para uma série de signi�cados que em sâns- completamente sozinho em Hangakui, nas montanhas, sem energia elétrica, crito são diferentes. Desejo que causa sofrimento é “TANHA”, um desejo apega- tendo que carregar água. Como ele costuma dizer, tomar banho era uma tarefa do, teimoso, adquirente, sendo que existem outros desejos, como por exemplo, de três horas, tinha que fazer uma fogueira para aquecer a água , tinha que carre“DITI”,, que é o desejo de ter uma opinião, defendê-la, manifestá-la, agarrados a gar a água. Nós estávamos em uma palestra e alguém perguntou a ele: “Mestre, “DITI” suas próprias opiniões. o que o Senhor aprendeu com tantos anos de retiro solitário?” Ele respondeu: “Bem, na primeira noite em que �quei sozinho, na hora de dormir, eu não conE existe o impulso de conseguir se libertar, que é bené�co, mas quando começa- seguia porque sentia medo; se visse um assaltante, se visse u m animal selvagem mos, ele é aquisitivo, é materialismo espiritual, todos praticamos assim, começa- nesse local deserto, então, não conseguia dormir por me do. Depois desses anos mos sempre assim. Viemos a um centro do Dharma procurando adquirir algo. sozinho, descobri que essa era a grande lição que tinha que aprender, eu tenho Que o professor diga uma palavra que nos salve, procurando tranquilidade, se- medo”. renidade, através da meditação, alguma coisa que queiramos adquirir. Isso cabe entender um pouco a diferença entre esse estado de ilubem no caminho do Dharma, porque as pessoas vão se sentar e começar assim, Pergunta: Eu queria entender d e adormecimento. Porque para vocês esse estado de iluprocurando por algo através desse materialismo espiritual. Mas à medida que minação e o estado de vão crescendo e amadurecendo amadurecendo no Dhama, Dhama, percebem que que têm que sair desse es- minação, teoricamente, seria um estágio onde nada o corre, onde essa mente tágio e partir para um estágio que o aluno a luno diz ao professor quando ele pergunta esteja obliterada, mas... “por que você esta praticando?”, e ele responde: “não sei mais!”. Monge Genshô – Eu – Eu acredito que essa visão não seja bem correta. Não se trata Pergunta: Mas tem que haver o desejo d e sentar, ou não?
de uma obliteração da mente em absoluto. Trata-se de um estado em que você tem clareza, ou seja, você pensa, raciocina e age, mas age com clareza. Você vê claramente o resultado de suas ações, porque deve agir de determinada forma e toma decisões com clareza. A diferença da mente iluminada para a mente deludida é a clareza. Quando alguém está iluminado, ele sabe o que de ve fazer, quando, como e de que maneira, sempre, limpidamente. Mas não signi �ca que não age no mundo, que não fala, que não lhe ocorrem pensamentos. O que ocorre é que ele não é levado l evado de um lado para outro por seus pensamentos. Não é que ele sente e não lhe surgem pensamentos, é que nenhum pensamento o arrasta. Se nós dissermos que sentamos e �camos com a mente completamente vazia, sem nenhum pensamento, do ponto de vista de Hui Neng, famoso mestre Zen do Século VII d.C., ele chamaria isso de quietismo e �caria furioso.
etc. No entanto são �loso�as diferentes, com objetivos diferentes e ideologias diferentes. Em sua opinião, essa intersecção de �loso�as e teologias diferentes, podem se inter-relacion inter-relacionar, ar, vamos dizer, o Cristianismo melhorar com as práticas Zen ou vice-versa?
sã o muito importantes. O que é imporMonge Genshô – As crenças em si não são tante sob o ponto de vista Budista é se existe liberação. A prática de meditação está renascendo no ocidente através das mãos de John Man, Laurence Freeman etc., a prática da contemplação não é uma prática ignorada no Cristianismo. Ela existiu fortemente dentro do Cristianismo em seus primórdios e de certa maneira foi esquecida. Existe um renascimento das práticas de meditação dentro Cristianismo católico em especial, porque o catolicismo tem uma vertente monástica maravilhosa que começa com São B ento, o fundador de Monte Cassino, Vou contar uma pequena pe quena historia Zen, �ca melhor com anedotas e histórias: que se aprofundou muito. Quando você lê os escritos de grandes místicos cristãos como Santa Tereza D’avila, D’avila, como São João da Cruz ou Mestre Eckhart, você Um monge chegou num mosteiro de um grande Mestre Zen e disse, “O senhor verá nesses escritos um cristianismo com Dharma. O importante é dizermos pode me ensinar, pode me aceitar?”. “Pode ser, disse o Mestre, o que você já que Dharma, lei e sabedoria, não são propriedade do Budismo. fez?”. “Já treinei muita meditação, vou lhe mostrar”. Sentou-se rapidamente em posição de lótus com as pernas cruzadas e entrou em Samadhi profundo em O Dharma existe e pode ser acessado por diferentes caminhos. Não muito temsegundos. O Mestre pegou um bastão e começou a surrá-lo expulsando-o do po atrás, assisti a um �lme - Uma amizade sem fronteiras f ronteiras - com Omar Sharif no mosteiro e disse: ”Buda de pedra já tenho muitos nesse mosteiro mosteiro””. Não é isso que papel de um Professor Su�. Nesse �lme, as intervenções dele, as coisas que ele é desejável. A libertação não é apagar-se, não é morrer, é outra coisa completa- diz, são como frases de um Mestre Zen. Esse assunto não é novidade. Em livros Perene”, Aldous Huxley mostrou as similaridades entre o Budismente diversa disso. A libertação tem dentro de si a ação, mas ação iluminada. como “Filoso�a Perene”, mo, os Su�s, os Racidicos, Judeus e o misticismo Cristão. Tomas Merton escreZen”, onde ele mostra Pergunta: Tem Tem uma história h istória Zen que também não consegui entender. É sobre veu sobre o assunto em livros como “Místicos e Mestres Zen”, brilhante. O Dharma está as bandeiras. Um monge diz que a bandeira treme, outro diz que é o vento isso e Tomas Merton era um frade trapista, católico, brilhante. que treme, então vem o mestre e diz que é a mente que treme. O senhor po- presente, é fácil de ver isso. deria me ajudar a entender essa historia? O Budismo tem uma vantagem posicional, pois como ele não se vê como um Monge Genshô – Essa história consta no “Sutra da Plataforma” de “Hui caminho único, ou proprietário de uma verdade particular para salvação, na pa lavra “salvação” no sentido de salvar os condenados, Neng”. Quando eles olham olha m para a bandeira, os monges estão discutindo uma verdade nem usa essa palavra perspectiva, uma opinião. Um diz, é o vento que se move. O outro diz que é a porque não crê que os homens estejam condenados. Como o Budismo não é bandeira que se move. Hui Neng diz - “Não, é a mente que se move”. dessa forma, ele pode facilmente fa cilmente aceitar, não vê a necessidade de converter pessoas, convencer, por exemplo, um mestre Su� a tornar-se Zen Budista, isso não Ou seja, é a mente de vocês que se move e interpreta coisas tão simples. Uma faz sentido para o Zen. mente iluminada não pensaria sobre o assunto, veria apenas a beleza da bandeiEle já esta vivendo o Dharma, o Budismo é apenas um método, um caminho ra tremulando, mais nada. e ele inclui uma coisa que normalmente não se fala num caminho religioso, Pergunta: Existem hoje muitas práticas que visam misturar ou agregar pra- o Budismo aponta uma porta de saída, como ao contar a história do veiculo ticas Budistas com, por exemplo, práticas Cristãs. Temos aí Tomas Merton, para atravessar o rio. Nós dizemos “a outra margem”. Lá na outra margem está
a sabedoria. No �nal do Sutra do Coração, cantamos: “gyate gyate, hara gyate, hara so gyate, boji sowaka”, que signi �ca “todos juntos para a outra margem, a Na realidade existe estudo no Zen e Dogen Zen Ji diz que o estudo dos Sutras é iluminação, salve”. a base do caminho. Não se chega à outra margem sem saber, e mesmo que Hui Neng seja declarado um patriarca analfabeto, leia o texto de Hui Neng e você Então o Budismo vê-se como um barco para atravessar um rio. Existem muitos verá quantas citações há, ele parece um erudito. Mesmo que ele guardasse de barcos e jangadas, mas o Budismo diz, “Você atravessou o rio, mas não vai sair memória por não saber ler, ele ouvia, guardava, sabia citar e raciocinar. carregando o barco nas costas, de ixe o barco e vá embora”. O Budismo é um método para libertação e não precisa ser carregado dep ois. Se for um bom método, Sem esse instrumento não vamos longe. A ênfase do Zen é mais do tipo: “não podemos ensiná-lo às pessoas para quem o método seja ade quado. Mas existem me diga as palavras de Buda, me diga as suas palavras”. É a verdade que você esta outras pessoas que talvez outro método seja mais adequado. E é bom que exis- praticando que é a verdade do Zen, não são as indicações, não são os textos, é tam muitos remédios, porque existem muitos doentes com doenças diferentes. como você esta vivendo, como está sua mente agora, essa que é a verdade. Pergunta: No vocábulo Zen existe a pa lavra “Chan” que signi�ca concentra- Mas existem três portas de acesso - emoção, estudo e ação. São três portas de ção. Existe algum foco especial no Budismo, na meditação/concentração ou acesso para o caminho. As pessoas são diferentes, existem pessoas que naturalmente estão preparadas para o caminho intelectual, outras para o caminho da é apenas uma coincidência? emoção e outras para o caminho da ação e devem praticar com a escola mais Monge Genshô – Não, não é coincidência. O Zen Budismo se vê como Bu- adequada para o seu coração, para o seu sentimento, aquele lugar que ela sinta dismo contemplativo, ele enfatiza a diferença entre os Budismos, e é essa a ên- que tem conexão. Por isso é tão importante escolher o seu Mestre e sua escola. fase. A escola Teravada enfatiza o estudo dos Sutras, embora meu mestre fale Nesse sentido recomendo a vocês o texto de um famoso escritor, o Professor constantemente para eu ler os “Sutras do Kanon Pali”. O Budismo Zen enfatiza Ricardo Sasaki, “A que Escola pertenço?”. a prática da meditação e sempre digo que a prática da meditação no Zen é em quantidades industriais, mas a mesma coisa acontece na prática do Teravada, A compaixão depende do esquecimento de nosso próprio ego. As pessoas têm um “eu” que normalmente, nas mais primitivas pessoas, termina na sua pele. portanto, existe grande similaridade nessa ênfase. Essas pessoas em que o a percepção de mundo termina na sua pele, são as que Diz-se frequentemente no Budismo que as escrituras e os textos são “o dedo que geralmente cospem e jogam lixo no chão, porque elas não enxergam que o munaponta para a lua, mas não são a lua, são mapas para que se possa seguir um do vai além de sua pele. Há pessoas em que o “eu” termina na superfície da tinta caminho, mas não são o caminho”. São indicações, você tem que trilhar o cami- de seu automóvel, então elas jogam latas pelas janelas do carro, porque fora do nho por seus próprios pés para chegar lá. Não basta ler ou ouvir ensinamentos, automóvel já não é mais seu mundo. Desta forma, paulatinamente podemos ver de que tamanho é o mundo de al guém, se o mundo vai até a pel e, até o carro, até costuma-se dizer no Zen que enquanto fala-se do Zen ele não está presente. os limites de sua casa. Quando estávamos calados experimentando a prática da meditação, o Zen estava presente. Agora é “conversa a respeito” dele. A palavra ”CHAN” vem do Nunca me esqueço do dia que vi uma mulher na Alemanha varrendo a rua na sânscrito DHYANA que signi �ca meditação, então, o Budismo Zen signi�ca o frente de sua casa. Existem pessoas que varrem um pouco além de sua casa, ou seja, esse “eu” �ca mais ampliado. Outros pensam que o mundo tem fronteiras, Budismo que enfatiza a prática da meditação. às vezes é sua raça, seu time de futebol ou a fronteira de seu país e os que estão Na verdade, no Zen, embora a gente diga frequentemente que os ensinamentos além dessas fronteiras podem ser considerados in imigos. são apenas o mapa e essas coisas que acabei de citar, di�cilmente você encontrará tantos textos quanto existem sobre o Zen e os professores estão sempre es- Outros pensam assim com sua religião, depende de como é seu ego. A compaicrevendo e aqui tem um gravador gravando a palestra, porque Moryama Roshi xão surge à medida que você amplia os limites de si mesmo e esse você mesmo abrange todo o universo. Se abranger todos os seres humanos, todos os animais, disse: “grave as palestras”. Por quê? Porque acabarão virando texto.
todos seres vegetais, será difícil quebrar uma pedra, porque não matar, como ro. Alguém que se comprometeu com isso. Se você examinar essas entidades, preceito, inclui não quebrar uma pedra quando não há necessidade, não destruir Cruzeiro ou Atlético, como surgem?! Um grupo de pessoas se reuniu, criou uma nada, porque o mundo é mais amplo, então a compaixão se expande. bandeira, uma cor etc, criou os símbolos, então as mentes olhando, transformam aquilo num signi�cado. O crescimento da compaixão então, compreende, esquecer-se de si mesmo; esquecer-se de si mesmo é morrer para si mesmo; morrendo para nós mesmos, A cruz suástica sempre foi um símbolo magní �co e colocado no peito de Buda. então, podemos abarcar tudo. E ao acontecer isso existe a libertação, porque Em muitas tradições é usada até hoje. Hitler pegou a cruz suástica, inverteu e quando nós falamos em ignorância, vejam os venenos da mente - o apego, a com os acontecimentos da segunda guerra mundial e das ações do nazismo, ela aversão, a raiva - todos dependem de eu acreditar em mim mesmo como um ser transformou-se num símbolo de ódio. Somos nós que olhamos e vemos um símbolo de ódio, porque ele em si nunca foi nada mais que alguns traços. separado. Nossa paciência é alterada pelo que nós acreditamos. Apenas pelo que nós acreE a ignorância, é esta ignorância fundamental, acreditar que sou um “eu separa- ditamos. Se em nossa mente exercitarmos a compreensão da raiz de onde surdo”. Porque acreditamos que somos um ser separado de todos os outros, não te- gem as coisas... Por exemplo, na meditação acontece assim: você senta, surge um mos compaixão. Quando morremos para nós mesmos nasce um ser muito mais pensamento, o pensamento mobiliza você e você pode se perguntar: “Porque me amplo e esse ser é naturalmente compassivo, porque a dor do outro dói nele, mobiliza, porque isso me irrita; de onde veio, de onde surgiu?” Você rapidamenna realidade, essa ideia - só para vocês perceberem a abrangência do Dharma - te irá descobrir que ele surge de algumas raízes como vaidade, orgulho, crença existe nos escritos de Paulo dos Evangelhos: “Não sou mais eu quem vive, mas no meu ego, é algo que você acreditou. Se você apagar isso, não considerar, não Cristo que vive em mim”. Signi�ca: morri. Ou nos poemas de São João da Cruz: julgar e continuar sentado calmamente, você adquire serenidade. “Morro porque não morro”. Morro porque não consigo morrer para mim e por isso eu não consigo conhecer a Deus. Em termos Budistas, porque não consigo Quando na vida surgem os acontecimentos, você pode, com simples treinamenmorrer para mim mesmo, não me ilumino. É a mesma coisa, em outras palavras. to, ver que eles não têm substância real, que é você que atribui a eles a força de mobilizar você. Então, a maneira de cultivar a paciência em primeiro lugar Pergunta: Falando um pouco mais sobre compaixão. Terminei de ler um li- é praticar a meditação. Naturalmente surge uma mente pací�ca, naturalmente vro que se chama “Budismo e Ensinamentos Profundos” e o autor fala mui- surge uma mente paciente. Em absoluto, não é o controle, porque mesmo que o to sobre a paciência. Na minha vida, por exemplo, eu percebo a questão da controle tenha a virtude de não provocar carmas, ações e reações, o controle não paciência, consigo ter uma certa evolução, se é que posso falar assim, mas é a solução �nal, porque o controle sempre vai falhar. Você está sendo arrastado sempre falta. Gostaria que o Senhor falasse um pouco sobre a questão da pelo seu carma e diz: “Vou ser paciente, de agora em diante não me irrito”. E aí paciência no caminho Budista para alcançar, ou, para minimizar e diminuir acontece um evento acima de sua capacidade de c ontrole e você perde a paciência. O correto é não surgir nem a impaciência, surgir só a compreensão de como o sofrimento. as coisas estão sucedendo. Monge Genshô – Passa pelos mesmos caminhos. Quem é que se irrita? Quem é este que está irritado? Às vezes a pessoa não entende a pergunta, mas essa Pergunta: De onde vêm os agregados que compõem a nossa existência? E pergunta pretende iluminar a mente, entenda que é o mero passo de você não qual a diferença entre a percepção e a consciência? aceitar, é que irrita. Porque nós nos irritaríamos com os foguetes? Só porque nós imaginamos que existe uma intenção ou um agente por trás. Porque se fosse um Professor Sasaki - Essa é uma pergunta padrão, ela sempre faz nas palestras. trovão, um acontecimento natural, não tem um ser humano por trás, não nos sentiríamos irritados. É porque imaginamos, é nossa mente que pensa, “tem al- Pergunta: Mas é que não me senti ainda satisfeita, queria algo mais. guém estourando foguetes”. Veja, está na mente. Monge Genshô – Ela está merecendo uma resposta Zen. Os agregados surgem É a mente que acredita que existe uma “entidade” chamada Atlético ou Cruzei- da sua mente. Assim surgem seus agregados, de sua mente. Vou explicar um
pouquinho mais. Os agregados só estão se manifestando na forma do corpo dela, porque a mente dela guarda impulsos de desejos e apegos tais, que obrigatoriamente se manifestam no mundo sob a forma dela. Então os agregados surgem do carma, da energia cármica que faz com que haja uma manifestação. Esta manifestação que surge, em ultima análise, da ignorância, tem energia su�ciente para juntar e manter juntos os agregados.
TRÊS FORMAS DE PRÁTICA Vou conversar com vocês sobre três formas de prática, que na verdade são três caminhos ou veículos. Veículo diz-se “Yana” e o primeiro veículo é “SRAVAKAYANA”, que é o caminho daquele que aprende através da compreensão dos ensinamentos, sendo que três ensinamentos básicos precisam ser muito bem entendidos para que consigamos uma libertaç ão do sofrimento.
Mas não se preocupe, em absoluto, porque tudo que é sujeito, tudo que é composto, tudo que é agregado, está sujeito à desagregação e decomposição. Você irá O primeiro é “Anicca”, ou seja, a impermanência. A primeira compreensão então morrer e se decomporá, portanto, não precisa se preocupar. é a compreensão profunda da impermanência. Se colocarmos nossa felicidade na permanência das coisas, certamente iremos sofrer. Quem aposta na beleza da Pergunta: Mas e quando surge novamente outra existência, quando os agre- juventude sofre, pois todos �carão velhos. gados se dissolvem? O segundo ensinamento que precisamos compreender é “Anata”, de que nada Monge Genshô – Se os impulsos continuarem, obrigatoriamente farão surgir tem um “eu” inerente. Todos os “eus” são construídos. Lembro-me de meu tempo de juventude quando tínhamos um fusca e lhe demos o nome de Pitanguiuma nova manifestação. nha. Lembro-me até hoje do dia em que o vendi e �quei muito triste, mas na realidade ele nada mais era do que ferro, lata, motor, borracha e óleo. O carro Pergunta: E o que faz os impulsos não continuarem então? havia ganhado um “eu”, era o Pitanguinha. O “eu” do carro é tão falso e consMonge Genshô - Muito boa pergunta. Como fazer para os impulsos não con- truído como nosso próprio “eu”. Nós somos constituídos de pele, unha, ossos, tinuarem? Se você conseguir fazer com que sua mente esgote seu carma e você carne, água e células, mas pensamos que temos um “eu” próprio. “Anata” é o se vir livre de todos os desejos, de todos os apegos, de todas as paixões, se você ensinamento que não existe nenhum “eu” verdadeiro em coisa alguma, todos conseguir extinguir isso através de uma iluminação, não haverá energia para são construídos e entender isso, essa noção de separação de todas as coisas, que uma nova manifestação cármica. Somente então você estará realmente livre dos é uma construção mental, é um trabalho que exige lucidez e clareza. ciclos de nascimento e morte. Estará liberada. O terceiro ensinamento para os Sravakas, aqueles que seguem o caminho de Sravakayana, é “Dukkha”, segundo o qual toda a vida é insatisfatória, ou seja, nunca estaremos satisfeitos. Tudo que existe no mundo e que ambicionamos, logo depois de conquistado parece não ser mais o mesmo. As pessoas que desejam muito um �lho casam-se, têm o �lho e este se torna então a fonte da insegurança, sofrimento, ansiedade e até mesmo fonte de pesadelos em razão do medo de sequestros, doenças e morte. Esses sofrimentos são muito reais e de nada adianta explicar pras pessoas que são sofrimentos construídos. Mesmo as coisas mais belas da vida estão sujeitas à “Dukkha”. Não signi�ca sofrimento, mas sim que a vida é cheia de sobes e desces, felicidade e infelicidade, riqueza e pobreza, saúde e doença. Estava lendo sobre a vida de Bobby Fischer que em 1972 foi campeão mundial de xadrez. Desde os seis anos de idade ele era apaixonado por xadrez, e em 1972 teve a oportunidade de desa�ar o campeão mundial, Boris Spassky, um Russo
que vinha de décadas de vitórias, e o venceu. Depois desse ano ele não conseguiu jogar outros campeonatos, pois chegara onde jamais imaginara chegar, era campeão do mundo. O que aconteceu foi que logo após ter sua grande conquista - seu maior objeto de desejo - isso se dissolveu em suas mãos e tornou-se fonte de sofrimento. Viver num mundo fugaz de impermanência, pisando num chão que constantemente se modi�ca é um grande desa�o, mas os Sravakas, compreendendo perfeitamente essas coisas, atingem a iluminação. Tornam-se aqueles que através do ensinamento conseguem atingir a libertação, livrando-se de toda dor e sofrimento.
vida reclusa e de santidade, mas com o propósito único de obter uma salvação para si, para “ele” ir para o céu. Esse é um objetivo egóico e signi�ca um não esclarecimento, um não despertar. Mas posso citar místicos Cristãos com uma clara experiência de despertar: Mestre Eckhart, por exemplo, no século XIII e também São João da Cruz. É fácil perceber em seus escritos que eles obtiveram uma experiência espiritual de despertar. O essencial é não p ensarmos que o Budismo tem a verdade. O Budismo é um método e a verdade é evanescente. Pergunta - Qual a recomendação par a iniciantes?
Monge Genshô – Ler um pouco. Aprender a sentar. Olhar sua mente. Tornar-se consciente de seu �uxo de pensamentos e sentimentos. Muita coisa muda quando começamos a perceber o que e de que forma pensamos. Podemos descobrir, por exemplo, que não somos exatamente como ou quem pensávamos ser. Essas experiências começam no zazen. De frente para a parede é como se víssemos uma fotogra�a de nossa mente. Você pode descobrir que é capaz de transformar a sua mente e com isso alterar seu carma. Mudando o carma, tudo pode mudar. Você é professor de matemática, não é? Matemática é interessante. Muitas pessoas imaginam que matemática é certa e partindo de determinados axiomas O terceiro Yana é o “BODHISATTVAYANA”, que é aquele que segue o caminho construímos edifícios e dizemos que isso é matemático, certo, indiscutível. de desenvolver uma grande compaixão e dedica sua vida a ensinar e ajudar as outras pessoas a escapar do sofrimento. Esse, o Bodhisattva, faz os votos que No século XX passamos para outros estágios da matemática e isso mudou nossa recitamos no �nal do zazen. O caminho de Buda é o caminho do Bodhisattva e noção sobre o universo e nossa capacidade de saber determinadas coisas. Posua atuação foi tão intensa que sobrevive até nossos tempos, ou seja, dois mil e rém este já é um discurso Budista de dois mil e seiscentos anos atrás, não temos seiscentos anos depois, estamos nós aqui falando de seus ensinamentos. Esse é o instrumentos para investigar a realidade. Estou falando e tentando comunicar algo, mas essa comunicação sempre será falha. Eu li uma frase bem interessante veículo ideal do Mahayana, a maior parte do Budismo do mundo. que diz: “As palavras reduzem a realidade a algo que a mente humana é capaz de entender, o que não é muita coisa”. Essa frase é fantástica, pois realmente PERGUNTAS acreditamos que somos capazes de entender a realidade e faze mos discursos, esPergunta: Essa segunda condição que o Senhor citou, uma pessoa ignorante crevemos textos e livros. A realidade só pode ser compreendida através de uma que não tem o conhecimento do Dharma, mas atinge a iluminação, ela neces- experiência direta, a experiência comunicada é obrigatoriamente produto semiótico, produto de símbolos e representações. Por isso que as pessoas dizem que sariamente tem que estar ligada à alguma religião? ouvem o Dharma e não entendem. Mas é possível perceber certo entendimento Monge Genshô – Ela pode estar ligada a uma religião, o Budismo não é pro- nas pessoas e que não é perceptível através das palavras. prietário da iluminação. Outras religiões podem propiciar um caminho para o esclarecimento. Isso é muito fácil de comprovar vendo os escritos, pois, quando Pergunta: Como é possível saber que se está no caminho certo? vemos algo escrito por uma pessoa, podemos avaliar se é ou não algo feito por alguém que experimentou o despertar. Mas isso não signi�ca santidade. Uma Monge Genshô – O seu caminho não é o meu caminho. Eu posso lhe passar pessoa pode viver uma vida de santidade, mas não estar desperto. Pode até ser informações sobre o meu caminho, sobre as coisas que aprendi e isso pode lhe um mártir e não estar desperto. Ele pode, por exemplo, se sacri �car, levar uma ajudar. Mas você precisa percorrer o caminho, pois eu não posso andar por você. O segundo Yana que eu quero comentar é “PRATYEKABUDHAYANA”. O “Pratyekabudha” é alguém que não conhece um Mestre, mas sozinho através da prática e da virtude, alcança sabedoria e iluminação. Ele não consegue ensinar, pois não tem o conhecimento do Dharma, mas possui um esclarecimento interno. Vocês poderão encontrar esse tipo de pessoa, às vezes ignorantes dos conhecimentos formais do mundo, que mesmo sem Mestre conquistaram sabedoria, eles não podem ensinar, mas através do seu exemplo e gestos, in �uenciam o mundo. Esses são os “Pratyekabudhas”.
Tudo que posso fazer é dizer que para mim funcionou desta forma. O Budismo é experiencial e possui métodos para isso, mas a experiência tem que ser sua. O professor ajuda muito, às vezes estamos com um problema meses a �o sem resposta e apenas uma frase do professor parece dissolver o problema. Mas o professor não é de forma alguma a fonte da verdade.
cia como o senhor falou, é a satisfação, mas isso não nos levará a um comodismo?
Monge Genshô – Não, não levará. Nós estamos subestimando o que vai acontecer conosco. As pessoas que querem regredir e voltar para uma vida do machado, não sabem como era nessa época. Nenhum índio que conheça a civilização Pergunta: Como posso saber que a experiência que tive não é apenas mais deseja voltar a sua vida tribal. As pessoas morrem com vinte e poucos anos e mais da metade das crianças morre antes de completar um ano. Fome e frio são uma ilusão? situações frequentes. Nós tivemos conquistas maravilhosas com a civilização. A libertação feminina é uma destas conquistas que veio com a revolução inMonge Genshô – Dê um exemplo. dustrial. Antes disso, rachar lenha era trabal ho pra homem. Antes da medicina Pergunta: Uma noite na semana passada que eu estava sem sono, não tinha desse século tínhamos mais homens que mulheres, pois a mortalidade de munenhum problema, apenas sem sono. Pensei no �lme de Dogen e sentei pra lheres no parto era enorme. Vivemos hoje o dobro do que vivíamos na década meditar. Não coloquei o relógio pra estipular um tempo, apenas sentei por de quarenta. A solução para a humanidade não é menos tecnologia, o problema sentar. Comecei então a perceber coisas que nunca havia prestado atenção, é que a tecnologia que empregamos é pobre e muitas vezes burra e destruidonão foi nada extraordinário ou fantástico e sobrenatural. Foi mais simples ra, mas é perfeitamente possível ter casas autossu�cientes energeticamente, não e intenso. Em dado momento não havia nada na mente, sentia e não sentia precisamos produzir tanto lixo, não precisamos lançar os dejetos no mar, não meu corpo ao mesmo tempo. Era como se tudo �zesse parte de uma única precisamos matar para comer, pois, com a tecnologia disponível hoje, muitas coisa. Não consigo explicar muito bem o que eu vi nesse momento, pois eram coisas não seriam necessárias. as mesmas coisas, mas pareciam diferentes. Era o mesmo quarto familiar, Com mais tecnologia podemos consumir de forma diferente, mas precisamos mas não do mesmo jeito que sempre o vi. de educação e conhecimento, porém, a humanidade está à beira de passar por Monge Genshô – Essa foi uma boa experiência. Se você contasse qualquer coisa uma situação que é a extinção do trabalho. Mais algumas décadas e a maior parsobrenatural eu diria que foi uma ilusão. É interessante falar sobre o sobrenatu- te do trabalho será feita por máquinas e muitas das pro�ssões que conhecemos ral. As pessoas buscam experiências sobrenaturais. O Zen não trata muito bem o terão se extinguido. Nesse momento, os homens terão que olhar para si mesmos sobrenatural. Uma vez um discípulo disse a seu Mestre que quando sentava para e perguntar qual o sentido da vida. Já vivemos situação parecida na época dos meditar, os discípulos de Buda davam voltas ao seu redor. O Mestre mandou escravos onde uma pequena parcela da população, cerca de 10%, era cidadão, que lhe jogassem um balde de água gelada e os discípulos desapareceram. Na isso aconteceu em Atenas. Cada cidadão ateniense tinha nove escravos e ele não realidade, isso que acontece aqui agora, estarmos sentados olhando uns para os precisava fazer nada. Como resultado, a Grécia produziu �loso�a. outros, cada um de nós com um corpo de uma espécie de primata com poucos pelos, eu estar falando, isso é sobrenatural, beber chá é sobrenatural, tudo à nos- Teremos que descobrir novas coisas para fazer, pois toda nossa educação irá sa volta é sobrenatural e as pessoas �cam procurando extraterrestres. Isso é uma mudar totalmente. As religiões sofrerão enorme crise, pois iremos perguntar se loucura. Todos somos extraterrestres. Como poderíamos supor que um parente um cérebro eletrônico que é capaz pensar e atingir a consciência tem alma ou de chipanzé poderia falar e ensinar matemática, construir casas e aviões? Isso é não, está vivo ou morto e quem ele é. O Budismo tem a resposta para isso, mas tudo sobrenatural. Não existe ninguém lá fora para nos ajudar, nem anjos, de- as religiões com almas não. As pessoas estão sendo invadidas por tecnologias mônios ou deuses. Estamos todos juntos nessa sala, anjos, demônios e deuses. cada vez mais so�sticadas sem que elas mesmas de cidam como será seu mundo. Outras pessoas estão decidindo por elas, algumas poucas pessoas estão decidinComo não enxergamos que isso é s obrenatural? do por todas as outras. Não vejo como isso poderá mudar, pois se você pergunta Pergunta: Da forma que vivemos estamos sempre insatisfeitos, somos esti- para uma pessoa ela olha para o passado, como na idade do ouro, mas estão mulados ao consumo sempre de novos e mais modernos produtos. A essên- enganadas sobre isso. A humanidade sempre olhou para o passado pensando
ver uma idade dourada, isso sempre aconteceu, em todas as eras. Talvez esse seja O SUTRA DO CORAÇÃO DA SABEDORIA o momento de olhar para o futuro e o Budismo está preparado para isso, pois Monge Genshô ele não busca ilusões e sim lucidez e clareza. Não desejamos santos ou pessoas 20.03.13 iludidas, queremos homens e mulheres despertos, lúcidos e com clareza mental. Isso pode mudar o mundo. “O Dharma incomparavelmente profundo e de uma sutileza in�nita é raramente encontrado mesmo em milhões de ciclos universais. Possamos nós agora ouvi-lo, aprendê-lo, guarda-lo. Ouçamos cuidadosamente as palavras do Tatagatha”. /\ SUTRA DO CORAÇÃO O Sutra do Coração começa com “Maka Hannya Haramita Shingyo”. “MAKA” é grande e “SHIN” é coração, ou mente. Shin quer dizer as duas coisas, coração ou mente. Na realidade, o signi�cado de coração, não é bem coração, mas sim essência. E nesse sentido queremos dizer não o “O Sutra do Coração”, mas “Sutra da Essência dos Sutras Prajna Paramita”. PRAJNA é “sabedoria”. PARAMITA é “a outra margem”. “Sabedoria da outra margem”. Existe uma coleção de Sutras chamada “Os Sutras Prajna Paramita”. São mais ou menos 600 volumes. O Sutra do Coração da Sabedoria é um resumo da essência de toda a coleção dos sutras Prajna Paramitas que não estão traduzidos. Mas eles são uma colação importantíssima de ensinamentos, de estudo do início do movimento Mahayana. A ideia de Paramita - a outra margem, é que existe um rio, o rio da ignorância, nós estamos numa margem e tomamos um veículo pra atravessar o rio e chegar na outra margem que é a margem da sabedoria. Então são sutras da outra margem, a margem da sabe doria, pra quem atravessa esse rio da ignorância.
Qual a ligação de Kanzeon com Avalokitesvara? É o mesmo Bodhisattva. Ele é É por isso que aquilo que se usa pra atravessar o rio chama-se “yanas”, que são representado como um homem, no Budismo tibetano. E na China, Kuan In, e veículos. “Mahayana o grande veículo”, “Hinayana o pequeno veículo”, “Vajraya- no Japão, Kanzeon ou Kanon. na, o veículo do raio”, etc. Yana é, portanto, o veículo para atravessar o rio e Então, Kanzeon, é o Boddhisattva que representa a virtude de compaixão de chegar à outra margem. Buda, é a representação visual ou corpori�cada da compaixão. Kanzeon não Quando você atravessa o rio de uma margem à outra, na outra margem você não existe. sai carregando o veículo. BODHI quer dizer “MENTE ILUMINADA”. Este é o signi�cado do TÍTULO do sutra, portanto, para entendermos. SATTVA quer dizer “SER”. O que Buda explicou é: se você atravessa o rio com um veíc ulo, não tem sentido sair carregando o barco nas costas depois que chegou do outro lado. Por isso os veículos existem pra ser abandonados, o Budismo inclusive. Não são coisas para serem carregadas para sempre. O Budismo tem uma porta de saída. A imagem do Bodhisattva é: “ele chegou até outra margem”. Aí ele olha e vê todo mundo na margem de cá. Aí ele se apieda, se compadece, e volta pra cá pra carregar pessoas através do treino da mente. Então, comecemos o Sutra.
Quando Kanzeon, Boddhisattva, que é um ser de mente iluminada viu claramente os 5 agregados, “praticado em profunda sabedoria, completa, claramente observou: o vazio dos 5 agregados”. Quais são os 5 agregados? Contato, sensação, percepção, formações mentais, consciência. São aqueles que acabam formando a mente. É o conjunto corpo/ mente, que dá as informações - contato, sensação, percepção, formações mentais, consciência - que geram a consciência de si mesmo.
Aí ele viu “O VAZIO” de todos os agregados. Os agregados são em si mesmos 1) O Bodhisattva Avalokitesvara praticava profundamente o Prajna Para- vazios. Nenhum deles tem um “eu”. Mas os 5 agregados juntos produzem um mitta (a sabedoria) e viu claramente o vazio de todos os cinco agregados, e assim “eu”, e o “eu” é o quê? Um produto da operação da mente. Porque sua mente funciona, ela produz um efeito, uma noção de um “eu”. Aí ele viu o vazio dos 5 libertou-se de todos os sofri mentos. agregados claramente e assim se libertou de todas as tristezas e sofrimentos. 2) Ó, Shariputra, forma não se diferencia de vazio, vazio não se diferencia de forma. Forma é exatamente vazio, vazio é exatamente forma. O mesmo é para Quando ele viu que os agregados eram todos vazios e assim ele viu aquilo que sentidos, percepção, impulsos e consciência. surge dos agregados, ou seja, o “eu próprio”, ele se libertou de todas as tristezas e sofrimentos, de todos os sonhos, agonia e dor. 3) Ó, Shariputra, todos os dharmas são marcados pelo vazio, não aparecem e nem desaparecem, não são impuros e nem puros, sem perdas e nem ganhos. Ele libertou-se de tudo isso, porque quando vê esse vazio, surpreende-se ao perceber que não existe substância que gere sofrimento. Todo sofrimento que eu 4) Portanto no vazio não há formas, nem sensações, percepções, impulsos penso que eu tenho, na realidade é produto da minha noção de “eu”. e consciência; não há olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente; não há cor, som, cheiro, sabor, tato, objeto do pensamento; sem o mundo da visão, sem o Quando eu tenho uma perda e sofro pela p erda, é porque aquela perda é de uma mundo da consciência, sem ignorância e o �m da ignorância, sem velhice, sem coisa que eu agreguei a mim mesmo como preciosa, a um “mim” que em última morte e sem o �m da velhice e da morte; sem sofrimento, sem causa do sofri- análise é a minha noção de “eu”. mento, sem a sua extinção e sem objetivo; sem conhecimento e sem ganhos; sem nada obter, o Boddhisattva em paz praticava Prajna Paramita. Se eu não possuo nada, porque tudo é vazio, então não tenho perdas. Se conseguir ver o vazio completo, não tem por que �car triste. Porque é o vazio de todas
as coisas se manifestando. Todos nós somos seres de sonhos. Em última analise não é tão fácil de resolver, mas de sentir. se você vir claramente, você se livra de todo sofrimento. Se você vir parcialmente, você se livra parcialmente do sofrimento. Pra se livrar completamente, tem Pre�ro explicar com uma analogia, intelectualmente. Todo vazio só se manifesta que ver com absoluta clareza. como forma. O vazio não é uma coisa independente, ou que existe p or si mesmo. Todas as formas são vazias de um “eu” e é isso que o vazio é. Nós somos “o vazio”. {Com a prática Budista, o que acontece na realidade, é um aumento da sensibili- Você ouve dizer que somos manifestações “do vazio”, mas isso faria pensar que dade. A pessoa torna-se mais emotiva. Porque ela começa a ver a dor dos outros. o vazio é alguma coisa, e aí então nós damos uma realidade ao vazio que ele não Mesmo que a você veja a dor do outro e saiba que ela é uma construção, que é tem. falsa; você não tem mais a “sua” dor em si, pois você sabe como é a dor do outro, percebe. Eu sei que a dor no fundo é uma tolice. Você sabe que o sofrimento é A única realidade que o vazio tem é que ele se manifesta como forma. No mar, verdadeiro, mas que às vezes se trata de imediatismo tolo. O sofrimento não é podemos dizer que a água é o vazio. Você vê ondas, superfície, é isso que você falso, é real}. vê. Se você tirar toda a superfície do mar, embaixo tem água, que se manifesta de novo como ondas. É sempre assim. Você vai sempre ver a manifestação do vazio. Quando o Boddhisattva vê claramente e livra-se de todo o sofrimento, ele ainda sabe como é a dor do outro. Assim como você, que vê uma pessoa tendo um Quando você tira toda a forma, tira todo o vazio. O vazio é como se fosse uma pesadelo. Ele sofre, geme, transpira... Você vai lá, sacode o ombro, “acorda”, ele qualidade de todas as coisas. Não teria um “eu”. O problema é que nós também leva um susto, acorda de um sonho. Ele livrou-se de um sofrimento. Mas aquele não temos um “eu”. Nós e todas as coisas somos uma coisa só, e sendo uma sofrimento era real. O sofrimento, mesmo imaginário, é real. Os sofrimentos de coisa só somos apenas manifestações diferentes do mesmo. E o mesmo que se todos os seres do mundo são reais embora todos eles sejam sonhos. E não adian- manifesta de formas diferentes. Nós não somos diferentes. Nós somos o próprio ta dizer que vai passar. Tem que trazer a pessoa pra realidade, pra que ela possa vazio. Não enxergamos a nossa verdadeira natureza, só enxergamos nossa natureza temporária, que é a dimensão histórica, que é uma coisa que começa e tem acordar do sonho, que é a única solução. um �m. Nós nascemos, morremos, isso é a dimensão histórica. Mas existe uma Por isso, às vezes, o que a gente diz é muito duro. Tem que trazer a pessoa para a dimensão suprema que está além da dimensão histórica, e essa não se manifesta racionalidade, mas às vezes não há como retirar o sofrimento. O sofrimento vai historicamente. Ela tanto é uma em tempo quanto é uma como manifestação. continuar lá, porque o sofrimento é emoção e não é racionalidade. Todas as manifestações são a mesma dimensão. “Sharishi” é uma forma abreviada, carinhosa, de chamar Shariputra.
As ondas nascem e morrem na superfíc ie do mar. O mar não nasce e morre, ele está lá. Todo o tempo. A dimensão suprema é assim. A dimensão histórica é que são as manifestações fenomênicas que nascem e morrem.
Shariputra era um dos principais discípulos de Buda e famoso por sua sabedoria. Ele era mais velho que Buda e morreu antes de Buda. Shariputra já era mestre espiritual e tinha muitos discípulos. Ele ouviu Buda, se sentiu um ignorante, Vazio não é mais do que forma, forma é exatamente vazio e vazio é exatamente forma. tornou-se discípulo de Buda, e todos os seus alunos foram junto com ele. Isso aconteceu várias vezes na vida de Buda. Eram grupos inteiros de pessoas E aí o Sutra começa a listar: s ensação, conceituação, diferenciação, conhecimenpara acompanhá-lo. Mestres com seus discípulos. Este é o caso de Sharishi-Sha- to, assim também o são. Também são vazios. riputra. Ó Sharishi, todos os fenômenos são vazio e forma. Não nascidos. Os fenômenos Aí ele diz: “Forma não é mais que vazio, vazio não é mais do que forma”. Saikawa são não nascidos, porque eles são o vazio. Eles parecem que nascem e morrem, Roshi diz que meditou 4 anos apenas nesta frase, pra resolver isso, quando vol- mas isso é como se fosse um sonho, uma manifestação, mas não é a essência. tou da Tailândia. Ele queria resolver isso, e levou 4 anos nessa questão. Então, Todos os fenômenos são não nascidos, não mortos e não puros e impuros, não
perdidos e não encontrados.
duzir como “Fogo extinto, ou sem ventos”, e, na analogia que estou fazendo, não tem vento para empurrar a folha de lado pra lado. Não tenho paixões mundanas, Assim é tudo dentro do vazi o. Tudo dentro do vazio é sem: forma, sem sensação, então de repente surge uma grande calma, porque não importa. Atrasou, atrasem conceituação, diferenciação, conhecimento, sem olhos, ouvidos, nariz, lín- sou, perdeu o avião, perdeu o avião, tem comida tem, não tem comida, não tem. Perdi tudo que tinha, perdi tudo que tinha. Ganhei bastante, ganhei bastante. gua, corpo, mente, sem cor, som, cheiro, sabor, tato, fenômeno. Tudo dentro do vazio é assim, “sem nada”.
As paixões não estão empurrando, então o mesmo lugar que é Samsara, é Nirvana. O que mudou é a maneira de ver. Você tira os seus olhos, que veem o SamsaSem “mundo da visão”, ou “campo da visão”. Sem “mundo da consciência”, sem ra, e troca pelos olhos de Buda, olha com uma mente iluminada e aí aquilo que ignorância, sem �m da ignorância, sem velhice, sem morte e sem �m à velhice e era Samsara, virou Nirvana. morte, sem sofrimento, sem causa, sem extinção e sem caminho, sem sabedoria, sem ganho e sem nenhum ganho. Então Samsara não é um lugar. E Nirvana também não. Não dá pra “ir” para o Como os fenômenos não são mais do que sonhos, e aparências, na verdade, nada Nirvana. Você muda a si mesmo e aí, este lugar torna-se Nirvana. neles é concreto, só tem a consistência de um sonho. Na realidade o Sutra está dizendo que cada um de vocês é um fenômeno sem uma consistência real, são só Todos os Budas, dos três mundos, devido à sabedoria completa, obtém a “noku ta ra sanmyaku sambodai”, que quer dizer “a iluminação completa, perfeita e uma manifestação histórica aparente. Mas, nesta unidade, não existem. universal”. Nessa situação desapareceram todos os ventos das paixões e entra-se É só borbulho. Surgem e desaparecem, mas eles não são reais. Na dimensão no Nirvana ou atravessa-se o rio e chega-se à outra margem, a margem da sasuprema não são reais. O Sutra está falando na dimensão suprema, não na di- bedoria. mensão histórica. Nesta, estamos aqui falando, existindo, etc. estamos aparentemente separados. Mas, na dimensão suprema, nós não somos separados, só Saiba que a sabedoria completa, expressão de grande divindade, grande clariparece que somos. Na realidade, é como se gotas do oceano achassem que são dade, expressão insuperável, inigualável, com capacidade de remover todo o separadas, mas estão todas juntas, misturadas, e fazem o oceano. sofrimento. Isso determina, invoque e repita: GATE GATE, PARAGATE, PARASAMGATE (em japonês GYATE GYATE HARA GYATE HARA SO GYATE O Boddhisattva, devido à sabedoria completa – coração/mente – sem obstácu- BODHI SOWA KA) e repete-se o nome do sutra – sutra da sabedoria completa. los, logo, sem medo, distante de todas as delusões, isto é nirvana. GYATE GYATE HARA GYATE HARA SO GYATE BODHI SOWA KA – o que Nirvana quer dizer “sem fogo”. “Fogo extinto” ou, “sem vento das paixões”. Nir- ele quer dizer? Chegados ou idos, todos juntos, para a outra margem, à ilumina vana é a mesma coisa que Samsara. Samsara é Nirvana. Samsara é o mundo da ção, salve. É isso que quer dizer. É por causa disso que no meu livro, dei o nome perambulação, onde andamos de lugar pra lugar, procurando a felicidade ou ao personagem de “IDO”. Quem conheceu o mantra, e souber o signi�cado do satisfação. Nós procuramos, andando sem �m, procurando e trocando. Uma mantra, pode chegar à outra margem. casa nova, um carro novo, etc, procurando, procurando, sempre trocando, isso é samsara. É o mundo rodando e você procurando a solução e satisfação de pro- Este é o Sutra do Coração. Mas a essência mesmo é: vazio é forma, forma é vazio. blemas sempre novos. Vão sempre surgir, porque é característica desse mundo Se você conseguir entender isso, resolveu o verdadeiro KOAN que é o sutra do coração. mutante. O que faz essas sensações todas é o “vento das paixões”. E nós somos como folhas tocadas pelo vento das paixões.
PERGUNTAS
NIR é uma partícula negativa e VANA é o fogo das paixões. Então podemos tra- Pergunta: Você usa zazen para meditar sobre alguma questão?
Monge Genshô - O Budismo não é niilista. Nem niilista nem eternalista, que é Monge Genshô - Não, você faz zazen. Mas você quer resolver. Então aquilo está o seu oposto. Ele não disse “nada existe”. O vazio não é nada, porque o vazio é sempre na sua mente �utuando. forma. O vazio é tudo, simultaneamente. Então ele não é nada, certo? Não pode confundir. E não é eternalista o Budismo, porque ele não diz que as coisas duram para sempre, ou que as almas são eternas. Não existe nada eterno. AbsolutaPergunta: Podemos �car levando questões pro zazen? mente nada é eterno. Tudo está em constante mudança e mesmo o universo está Monge Genshô - Você pode, mas não raciocinar no zaze n. Eu tenho uma ques- em mudança e um dia desaparece e depois surge outro universo, porque essa é a tão, você faz zazen. Ela continua lá, rodando inconscientemente, não com sua característica das coisas. Outro dia u niversal surge. mente racional. Aí, você vai resolver num estalo, de repente achará a resposta. Mas não é através de raciocínio. Os problemas são resolvidos não por pensar, Pergunta: Esse vazio, o seu sentido é esta interconexão? Não é que não é nada mas por não pensar. Os problemas normalmente são ligados à emoção, não à ra- né? zão. As verdadeiras grandes questões são ligadas à emoçã o. Só podem ser resol vidos com emoção. A percepção dessas coisas eu posso explicar, mas se explicar Monge Genshô - Não. Não é que não é nada. É só que todas as coisas, tudo que resolvesse, não teria sentido o “vazio é forma e forma é vazio”. Mas, as analogias existe, é vazio de um “eu” separado. Tudo é composto, agregado, interconectatêm limites, elas têm obstáculos, chega um momento que ela não funciona mais. do, uma coisa só existe porque outra existe, porque outra existe, e outra e etc. A Você vai so�sticando a pergunta e a analogia não funcionará mais. Chega uma vida continua. Você, �lhos, a vida tá sempre continuando. Você morreu e a vida hora que a analogia não será su�ciente. Porque ainda, a agua é uma “coisa” e continua, você vira adubo e a vida continua. Nada cessa. Mesmo que cessasse daí a analogia vem e diz: a agua é uma coisa e o vazio seria como a água e aí eu toda a vida na terra, ainda existem átomos de carbono, de cálcio, de ferro nossos “rei�quei” o vazio, exatamente o que eu disse que não se podia fazer. Porque no espalhados e, um dia, mais c edo ou mais tarde, constituirão uma outra coisa. vazio e forma, não existe um substrato que sustenta todos os outros ou que é a origem dos fenômenos. Não é assim. O vazio não é isso. Por isso a analogia tem Na realidade, nós mesmos que estamos aqui, não somos originários deste sisum limite claro. Só serve até determinado ponto. E depois deste ponto é uma tema solar. Não estou falando nada sobrenatural ou sobre alienígenas. Estou falando simplesmente um fato cientí�co bem conhecido. di�culdade se a pessoa �car agarrada na analogia. Pergunta: Eu sei que não existe uma fórmula pra isso, mas como é complexo não pensar não é? Monge Genshô - Não pense em não pensar. Quando se está faze ndo zazen, não se trata de “não pensar”, mas sim de �car prestando atenção completa a este momento presente, que é uma forma de pensar, não elaborando, não julgando, não conversando consigo mesmo, não usando palavras nem nada, apenas percebendo. Mas não é um “não pensar”. É pensando além do pensar e não pensar. Não se trata de não pensar, porque o cérebro continua funcionando. Ele está ali, vigilante e atento. Não é pra dormir. Quando você dorme, outra parte do cérebro toma conta e você começa a ter sonhos, que são uma atividade que não permite o zazen. O zazen precisa de vigília, de atenção. Pergunta: A relação entre o vazio e a forma que os diferenciam do nada, ou o vazio por si já é diferente do nada?
Vocês sabem de onde veio o ferro que está dentro das veias de vocês? Do ferro que está na terra. Nós só funcionamos com ferro. Você come alimentos com ferro, ele vai para seu sangue, para as hemoglobinas, elas viajam pelo seu corpo, vão para seus pulmões e enferrujam. Quando enferruja, esse ferro vai até suas células, libera o O2, pega dióxido de carbono, volta, você exala, e as plantas reciclam, e fazem madeira, e frutas, etc. Você vai lá, come, e tudo volta de novo. Está só girando. Mas de onde vem este ferro? Não é do sol. O sol é uma estrela de 5 bilhões de anos que só tem hidrogênio e produz hélio. Não viemos de lá. Os planetas que giram em torno da terra têm substâncias pesadas como ferro, carbono, etc. De onde eles vêm? De outras estrelas do passado, que colapsaram. Grandes estrelas, com tamanho su �ciente para supernovas, que colapsaram e explodiram. No momento do �nal da vida de uma supernova, quando ela vai sendo comprimida, ela vai mudando. Primeiro de hidrogênio pra hélio.
Depois de hélio pra outro elemento. A estrela vai mudando, até que cai dentro de si mesma e nos seus últimos instantes ela comprime átomos e faz átomos mais pesados, começando primeiro o carbono e por último o ferro. E aí a estrela explode e lança no espaço o resto dessas substâncias, que, agregados com o lixo estrelar, vão formar planetas que depois girarão em torno de uma estrela como o sol e que, no nosso caso particul ar, permitiu o surgimento de vida e o surgimento de manifestação inteligente na terra.
Monge Genshô - Em primeiro lugar o Budismo não se dedic a a dar explicações. Segundo lugar, a ciência hoje tem explicações bastante boas. E, pessoalmente, eu acho que a evolução das espécies está muito bem comprovada historicamente. Como isso acontece? Através do tempo. As pessoas dizem assim: “Ah, mas eu não vejo evolução acontecer”. Como você não vê? Estamos criando raças de cachorros todos os dias. Temos animais e plantas que sem o homem nem sobre viveriam. O trigo atual se você deixar sozinho ele desaparece porque a semente não cai, porque escolhemos fazer sementes que não caem porque são melhores pra colher. E assim por diante. E assim também com os seres humanos. A nossa “matriz” é toda africana. Nossos antepassados de 200 mil anos atrás, você prova velmente olharia e diria: não, não é um ser humano.
Coisa raríssima, considerando a quantidade de vidas que já existiram na terra: Só uma espécie que esteve quase por desaparecer, pois sabemos que os descendentes todos eram apenas 16 mulheres, então, houve um momento em que a humanidade inteira era tão pequena que só existiam 16 mulheres. E aí conseguiram sobreviver a este momento de crise e crescer e se espalhar até agora. E isso a gente sabe, examinando as mitocôndrias, etc. Em algum momento, nós começamos a parecer humanos, mas, se você recua no passado, não é tanto tempo. Duzentos ou trezentos mil anos atrás, ocorreu Então, nós somos restos de estrelas que morreram bilhões de anos atrás e esse o surgimento da espécie do homo sapiens. Então, houve evolução lenta, e nós ferro que esta sendo reciclado no nosso corpo é resto de uma supernova do dizemos que nosso corpo é magní�co, perfeito, etc, mas, é não olhar bem para o passado. Ou seja, nós somos feitos de lixo estrelar. Mas quem quiser ser mais corpo. Ele funciona muito mal. poético pode dizer que “NÓS SOMOS POEIRAS DE ESTRELAS”. Mas é só isso. Esse fato mostra como tudo o que está dentro de nós está sendo Pergunta: Não, mas não foi este o contexto do “ser humano perfeito”, e sim, reciclado constantemente, sendo transformado, e, basicamente, não dá pra sair que em algum momento, pra termos chegado nessa evolução, temos que ter daqui. Nós só estamos continuando. sido no mínimo uma minhoca, e alguém tem que ter criado isso ou isso veio de “poeira das estrelas”? É muito interessante que a humanidade tenha esse desespero religioso de querer que suas identidades permaneçam pra sempre, e tenham inventado as religiões Monge Genshô - Não. Mas isso não é Budismo, ok? Tem um experimento fapra isso. A única religião que conheço que joga na cara que não é assim é o Bu- moso dos anos 60, quando alguém colocou num vaso substâncias que deduziu dismo. É a única que diz: “não, não é assim, não se engane”. Você “É” o próprio terem sido presentes na terra muito antigamente. Metano, carbono, 4 ou outras universo e a grande realização religiosa é perceber isso de verdade. Além da nos- substâncias. Colocou num vaso e com raios e faíscas elétricas, deixou lá, e essa sa dimensão histórica, ver a nossa dimensão suprema. Isso é a verdadeira liber- experiência foi repetida muitas vezes. Após algumas horas, começou a se formar tação. Vendo esta libertação, todos esses e ventos que nos entristecem nessa vida, na parede do vaso uma película marrom. Essa película marrom era constituída começam a perder este grande signi�cado. Os amores, as desilusões, o din heiro de aminoácidos, os percussores da proteína. A experiência era a “sopa primoretc. Tudo no fundo é risível, dentro dessa grande perspectiva. Mas se você sabe dial”, bem conhecida. Então, o que quero dize r é o seguinte: ao que parece, dado que existe sofrimento, prepare sua mente, pra que na sua próxima manifestação, o tempo e determinadas condições, juntando elementos corretos, a vida começa continue trabalhando ajudando os seres e sendo mais feliz, senão você vai conti- a surgir espontaneamente. Vão se combinando e começa a surgir. E a vida vai fanuar repetindo vidas, cheias de problemas e sofrimentos. É isso. Muito simples. zendo experiências assim, de existência. Mutações, surgimentos, cada vez mais complexos. Nós vemos os surgimentos agora, vírus novos surgem a todo insPergunta: Fico me perguntando: qual a explicação que o Budismo dá para tante. Esse processo continua na vida. Levando este processo a 2 bilhões e meio o surgimento do ser humano de forma tão “perfeita”, pois no cristianismo de anos - que é um tempo inimaginável pra nós - surgem indivíduos su �cienexiste a �gura de uma “cabeça pensante” que fez tudo isso. Como aconteceu temente complexos. Cada vez mais complexos. E vão mudando. Nós estamos mudando. Os testes de Q.I. mostram que, do início do Século XX pra cá, há uma essa evolução no Budismo? Qual a explicação?
mudança de 20 pontos. Aquelas pessoas que eram consideradas normais em 1920, hoje são consideradas lentas, têm Q.I. 80. As pessoas que eram consideradas de inteligência superior, com 120 pontos, hoje são consideradas normais. Interessante isso. Nós viemos mudando rapidamente.
RELAÇÃO PROFESSOR/ALUNO E MESTRE/DISCÍPULO Monge Genshô 28.11.12
Há muitas coisas a serem consideradas a este respeito, mas eu posso te dizer, que ao que parece, a vida surge espontaneamente e vai caminhando em direção a uma maior complexidade. O Budismo surge porque há sofrimento. Aí surge a descoberta do Dharma. O que o Budismo é pra mim ou o que Buda foi pra mim, foi um grande gênio. Porque ele teve a coragem de quebrar TODOS os paradigmas e dizer: eu não sei, não acreditem em mim, vou ensinar não baseado em fé, etc, e ensinou baseado em raciocínios, nessa maneira de pensar. Sinto-me muito bem dentro do Budismo porque posso dizer: “eu não sinto con �ito com a ciência”, que é o que eu sentia todo o tempo quando estive em outras religiões; um con�ito tremendo com a ciência. E isso o Budismo não tem. Ao contrário, a ciência está cada dia mais se aproximando do budismo. Cada coisa que acontece dizem: “ah, mas o Budismo já dizia isso no passado”. Aconteceu com a física quântica, etc.
Podemos ouvir o professor com bastante reserva e não somos obrigados a aceitar nada. Já uma relação mestre/discípulo não é uma relação professor/aluno, ela é, no Zen, uma relação em que escolhemos alguém para ser nosso mestre na vida e essa escolha deve demorar, não deve ser apressada.
Nós temos um acontecimento importante no próximo �m de semana, que é o Na verdade a humanidade vem mudando tanto que, por exemplo, nós estamos Sesshin com a presença de Saikawa Roshi. Gostaria de falar um pouco sobre a no limite da capacidade da mulher deixar passar na pélvis uma cabeça do feto. relação professor/aluno. Se você deixa livremente, sem cesarianas, há uma mortalidade bem alta. Porque a cabeça foi crescendo e está num ponto limite para o parto normal. A relação professor/aluno é uma relação de certa maneira simples. É a relação que temos nesse momento. Admitamos que haja um professor dando uma aula E isto é evolução chegando aos seus limites possíveis. O corpo já foi sacri �cado e nós o ouvimos. Não signi �ca uma escolha profunda, mas simplesmente uma no seu funcionamento pra privilegiar a reprodução, problemas que o homem situação momentânea, que acontece nas escolas, nas universidades e em “n” situações. não tem.
Mas isso não é budismo, é ciência. Espero que seja útil este pensamento racional, porque nós Budistas não precisamos entrar em con �ito com a ciência e dizer: “ah isso é dogma, é crença, e é assim porque é, ou é mistério”. Mistério não nos interessa. O que a gente não sabe, dizemos: não sei. O budismo não se dedica a dar respostas não veri �cáveis. Pelo menos por enquanto.
Normalmente os alunos visitam vários lugares, ouvem diferentes pessoas até encontrar um local onde se sentem conectados, se sentem bem, sentem que aquele lugar fala ao seu coração, que aquele professor especi�camente está falando ao seu coração. Depois de um tempo bastante variável, pode ser que se estabeleça uma relação mestre/discípulo e nessa relação não existe uma atitude crítica e sim uma aceitação ampla daquilo que está sendo ensinado, com o mínimo de resistência. Três características de�nem o discípulo: silente, obediente e não resistente. Signi�ca: “eu ouço e fecho minha boca, sou silencioso, mesmo que eu não concorde fecho minha boca na esperança de que mais tarde eu entenda aquele e nsinamento, agora não entendo, mas não protesto, �co silente”. Obediente, se o mestre diz, “Faça isso!”, eu vou e faço, não importa se parece coerente ou não. Às vezes os mestres pedem coisas que parecem sem sentido, como por exemplo, “limpe essa sala”, e você olha e a sala esta imaculadamente limpa, mas você vai lá limpar. Signi�ca que não protesto nem penso se tem sentido ou não fazer aquela prática que o mestre está me pedindo. No Zen isso não é tão claro como em outras escolas. Em algumas escolas o Mestre pode dizer ao seu discípulo, ”faça cem mil prostrações” isso signi�ca que
terei que fazer no mínimo cem prostrações por dia durante três anos para poder acumular as cem mil prostrações. O discípulo não contesta isso, ele simplesmente assume a tarefa. Existem histórias histórias de Mestres do passado mandando o discípulo construir uma casa e depois de pronta, desmontá-la, e depois construir a casa novamente. Uma célebre história, isso aconteceu oito vezes. Mas isso não é exclusividade do budismo. Nos monastérios cristãos também existem esses tipos de práticas. Às vezes está chovendo e o Abade ordena aos monges que vão regar o jardim. É preciso ter plena consciência do que é “obediência não resistente” para pegar o regador e ir para a chuva regar o jardim. Evidentemente todos podem se dar conta que tem que haver absoluta con�ança na relação mestre/discípulo para se fazer esse tipo de prática, porque ela, dentro de si mesma, tem riscos. Normalmente no Zen as instruções são de práticas gerais, ou seja, todos os dias levantamos num horário determinado, como acontece num sesshin, vinte minutos depois estamos sentados para fazer zazen. São instruções de prática ritual, “faça assim!”, assim!”, não há um espaço para questionamentos do tipo, “Por que quando o professor passa atrás eu faço Gasshô?” Gasshô?”.. Você tem que descobrir sozinho. Uma vez eu estava no mosteiro e o Mestre passou atrás de mim, e, por acaso, naquele instante eu pensava em outra coisa. Como minha mente viajou, ele passou, eu ouvi o ruído dos chinelos, mas não �z Gasshô. Ele simplesmente tocou no meu ombro e continuou adiante. No mesmo instante percebi, ele sabe que embora aqui sentado imóvel de frente para a parede, estou distraído. Ele tocou no meu ombro para me dizer, “Volte para cá!”. Então, tem muito sentido nas instruções, na forma do Zen, que nos dão muitas informações. Nós podemos �car atrás do aluno e saber, por exemplo, que ele está entrando na sala, e entra com o pé direito. A partir daí posso saber facilmente através desse pequeno ato, “Ele não está atento!” e isso se repetirá em todos os momentos; na maneira de comer, na maneira de sentar, na maneira de andar, cada pequeno gesto, até como está o mudra. Podemos saber muito apenas observando o aluno. Na relação mestre/discípulo, a obediência ocupa um lugar central, p orque exige o abandono do pensamento centrado em si mesmo, seu ego. A não resistência aparece frequentemente nos mosteiros porque a palavra mais freqüente é HAI, que signi�ca, sim em jamponês. Esta é a palavra que mais se ouve, porque a
todo o momento que um veterano ou um mestre diz algo você responde “HAI”. E você diz sim para mil coisas, sempre sem protestar, protestar, sem apresentar uma nova consideração ou uma opinião. Uma ordem é dada, “Faça isso!”, isso!”, não existe e xiste espaço para, “Mas por que eu de novo, por que não Fulano?” Isso é freqüente em muitas situações da vida, mas no mosteiro você aprende a dizer somente HAI e simplesmente realiza sua tarefa sem pensar, por exemplo, exemplo, “amanha é esperada, segundo a previsão, muita neve, precisamos de alguém que acorde às três horas da manhã para tirar a neve do caminho para podermos chegar à sala de meditaçã o, os monges fulano, fulano e fulano farão isso”. isso”. Qualquer um u m poderia ter vontade de se dizer resfriado, ou que é velho, ou que já fez ontem ou ainda que é fraco, mil desculpas poderiam ser dadas, mas nada disso pode ser feito, você simplesmente levanta às três horas e vai tirar a neve do caminho, outro dia outros farão a tarefa e pode ser que neve de novo justamente quando você estiver na equipe de caminhos, isso signi�ca que, de novo, você fará a mesma coisa. O sentido disso é aceitação, nós temos que aceitar a vida como ela se apresenta, sem tentar mudar as coisas que não podemos mudar, devemos simplesmente aceitar. Então, Então, a relação mestre/discípulo é uma relação muito diferente da relação professor/aluno. Quando o Mestre está presente, nós nos comportamos com in�nito respeito. Lembro-me de uma pergunta feita à Moryama Roshi, sobre sua relação de mais de vinte anos com seu professor: “Como “Como foi isso?”, isso?”, foi a pergunta. “Durante vinte anos eu pegu ei seus chinelos!”. chinelos!”. Quando o Mestre sai da sala, o aluno principal, o JISHA, pega seu chinelo e coloca na frente da porta, para que quando ele saia seja mais fácil de calçá-los. Não há gentileza que você não faça e isso faz parte da prática espiritual, você ouve todas as coisas com completa aceitação e também tem a postura respeitosa e, na presença do Mestre, sempre deve estar em SASSHU, jamais estar sentado se ele estiver de pé e não deve ensinar nada para alguém na presença dele, você só ensinará algo se ele pedir. Também não tomamos intimidades com o Mestre, como beijar ou abraçar, principalmente mestres de outras culturas onde isso não é bem visto. Os Mestres brasileiros não se sentem assim, mas Saikawa Roshi veio do Japão e lá não há esse tipo de costume, sendo que é constrangedor ser abraçado ou beijado. Por favor,, não façam isso. Para nós é u m extremo privilégio recebê-lo. favor Depois do SESSHIN, iremos para nosso terreno no Sambaqui colocar um pedra fundamental para a construção de um templo para nós, isso é um acontecimento muito relevante para a SANGHA, um marco, como foi um marco termos uma sede, como temos agora. Isso signi�ca que ele será fundador de um Templo em Santa Catarina, dessa forma nós o obrigamos a voltar, mesmo quando ele deixar
de ser o Superior da Soto Zen para a America Latina. Apesar de falar tudo isso, vocês olharão para Saikawa Roshi e o verão sempre muito gentil, sorridente e a pessoa mais doce do mundo, e, mesmo assim sigam essas regras, por favor. Os que farão RAKUSU farão votos e ele lhes dará então, um nome no DHARMA. Esse nome é um guia e fazer os votos e portar o RAKUSU é, na realidade, se tornar um praticante do Zen o�cialmente, é portar o manto de Buda, que tem que ser portado com grande respeito e isso tem que ser sentido internamente. PERGUNTAS Pergunta: Eu ouvi quando estive no ROHATSU que, mesmo estando em voto de silêncio, quando o ROSHI passa, nós devemos cumprimentar. Fazemos isso ou não?
são só manifestações do mar, as ondas são o mar, é a mesma coisa, nós somos a vida, não somos “eus” “eus”,, somos algo muito maior, maior, perdidos, pensando que somos “eus” eus”,, por isso pensamos que vivemos a vida e não é assim, é a vida que nos vive. É o mar que tem ondas que fazem rumor, é o ru mor do mar, não das ondas, é o mar que faz rumor. Pergunta: Faremos entrevista com Saikawa Roshi? Provavelmentee ele irá quer fazer entrevista com todos. Monge Genshô – Provavelment Pergunta: De que maneira devemos nos portar? E para que serve de fato a entrevista? Monge Genshô – Cada entrevista é única. Você pode ir até o Mestre e lhe fazer uma pergunta, mas o que ele adoraria é que você fosse até ele e lhe desse uma resposta. A melhor de todas as entrevistas é quando o aluno chega e diz, “Eu tenho a resposta!”. Ele dá uma resposta que mostra ao Mestre que ele levantou um pedaço do véu. O Mestre também pode lhe fazer uma pergunta e pode ser muito difícil responder, por exemplo, “Quem é você?” você?”,, essa é um pergunta muito difícil, e nessa hora não há como mentir, nem tentar enganar. Normalmente Normalmente os alunos fazem perguntas, para a tristeza dos Mestres.
Monge Genshô - Sim. - Sim. Mesmo em SASSHU faça a reverência. Quando estiver no ZENDÔ e for passar por uma �leira onde se encontra um professor, professor, faça re verência e nunca se aproxime aproxime muito do professor professor.. Quando estiver servindo, por exemplo, faça a reverência um pouco afastada do professor e depois se aproxime para servir. Nunca, jamais cruzamos sua frente, fazemos o mesmo com relação ao altar, ele representa Buda, então o tratamos como se fosse Buda. É você que faz o Mestre, não é ele que se faz, ele só é Mestre porque tem discípulo. Não é uma via de mão única, é uma via de mão dupla. Você só consegue ter um Mestre Mestre Pergunta: E quando não há nada para falar? se você o vir como Mestre. Se você não o vir como Mestre ele será uma pessoa comum. Somos nós que fazemos o Mestre. Monge Genshô – A entrevista vai de�nir. Teoricamente o Mestre pode mandar você embora. Você chega à frente do Mestre, faz uma reverência e ele diz, “Váá embora!”. embora!”. Na Soto Zen as entrevistas são muito amigáveis, normalmente o Pergunta: Uma coisa que o Senhor disse lá dentro eu achei muito bonito, “V Mestre sorri e recebe você muito bem. Na Escola Rinzai é diferente, os alunos “não vivemos a vida, é a vida que nos vive”. vive”. podem dizer que não têm nada para dizer ao Mestre, porque o Mestre dá um Monge Genshô – Isso – Isso tem muito a ver com a noção de “eu”. Porque temos um koan. O mais famoso koan é o Mu, que quer dizer uma negação: Um monge pereu, imaginamos que vivemos a vida. S e tivermos uma visão integrada do absolu- guntou à Joshu, “Um cachorro tem natureza búdica?”, e Joshu respondeu “Mu!”, to, veremos que somos uma manifestação, um fenômeno da própria vacuidade, e o Mestre disse, “Me mostre Mu”, então o aluno tem ir à frente de seu Mestre, nós somos a vacuidade. Então é a vida que nos vive. Você só pensa, “eu vivo a repetir seu koan e mostrar Mu. Isso pode se repetir cinco vezes ao dia, gritos e vida”, porque você olha da sua perspectiva, mas a vida é ampla, grande, imen- bastonadas são permitidos e se o aluno não quiser estar na presença do Mestre, sa, contínua, sempre se perpetuando. Você tem sua �lha, para a vida, você não os veteranos o pegam e o carregam até onde está o Mestre. “O mestre quer falar cessa. Nossas mães são nossos ancestrais, eles estão aqui. Quando sua �lha olha com você!”, “Mas não quero ir!”, “Vá agora!”, isso na escola Rinzai e para monle nto. Você Você para a mãe dela, del a, você está presente. Mesmo quando você for embora, você con- ges, é claro. Na Escola S oto isso não acontece. É gradual, amigável e lento. tinua, porque a vida é que vive você. Nós pensamos que nascemos e morremos, chega para ele e diz, “Meu joelho dói”, dói”, ele lhe manda sentar de forma diferente, essa é nossa ilusão, se nascêssemos e morrêssemos não seríamos praticamente mudar de posição e o mandará embora. Mas ele sabe muito de você. Na maneira nada. É a mesma ilusão de ondas no mar pensando que elas são a lgo, sendo que como você entra, senta e fala, ele sabe muito sobre você, por isso ele quer falar
com todos. Quem sabe ele encontra um dragão. “Os dragões rugem alto, só os elefantes ouvem sua voz com contentamento”. Pergunta: Isso não poderia ser considerado pretensão do aluno, dizer ao Mestre alguma coisa?
PALESTRA GOIÂNIA Monge Genshô 13/12/12
Sou o Monge Genshô e sou Monge da Escola Soto Zen, que representa 90% do ZEN no mundo hoje. Há outras escolas muito importantes teoricamente, mas de ve vir mostrar sua compreensão. Vou Vou contar que representam pouco numericamente hoje. A escola Soto Zen tem sua origem Monge Genshô – Não. O aluno deve uma entrevista minha com Saikawa Roshi. Eu disse, “Ouço o ruído do regato” e moderna no Japão. ele perguntou: “Você pode parar o ruído do regato?”, ao responder que não ele disse, “Eu posso!”. Gostou? Eu vou contar um pouco da história, e após, o tema da nossa palestra. Pergunta: Gostei, mas eu diria a ele, “Me mostre”. Monge Genshô – Ele mostrou. Pergunta: Não seria falta de educação? Monge Genshô – Você – Você pode lutar com seu Mestre, não tem problema. Você pode tentar. Mas ele pode se levantar e pedir seu ombro. Muitas coisas muito interessantes podem acontecer. Cada entrevista com o Mestre, à medida que o nível sobe, pode ser um verdadeiro acontecimento. Uma vez Sodô estava do lado de fora esperando para fazer uma entrevista, muitas coisas aconteceram e quando eu saí estava muito contente, mas me olhou e disse, “Parecia que vocês estavam quebrando tudo”. Existe um livro chamado DENKOROKU que é de entrevistas de transmissão, tem quarenta e oito histórias de cada um dos Mestres, mostrando como foi cada transmissão e essas histórias são as mais diferentes. Se vocês quiserem ler sobre essas historias leiam, “Histórias da transmissão da lâmpada”, DENKOROKU. Quando as entrevistas não forem mais tranqüilas é porque está �cando bom.
Então, vamos começar remotamente na história e vamos falar sobre o que aconteceu com um homem chamado “Siddhartha Gautama Shakyamuni”. Siddharta era um príncipe, e a história conta que ele sentiu-se angustiado com o problema da existência. Na realidade, a lenda conta que ele saiu do pal ácio e viu um doente, um homem velho, um morto, e um Monge, um asceta. E viu que o asceta era sereno e que havia uma sucessão de coisas no mundo. Evidentemente é uma “lenda” porque ele teria nessa época 28 anos e teria sido treinado como um Príncipe da classe “Shatria “Shatria”” na Índia e criado cr iado como um guerreiro e todas essas coisas como do ença e morte, seriam, portanto, naturais para Sidarta Gautama. Sidarta sentiu-se angustiado com um problema que todos devem sentir hoje. O problema é: eu estou falando para uma plateia de pessoas condenadas à morte. Todos aqui têm uma doença terminal, que se chama vida. Termina inevitavelmente em velhice, doença e morte. Nós tentamos �ngir que não é assim, tentamos não penar no assunto. O que aconteceu com Sidarta foi que o assunto pareceu-lhe extremamente importante. Esse assunto tirava todo o sentido da vida. “De que adianta eu ser príncipe, ter concubinas, esposas, �lhos, luxo, riquezas, vou ser Rei...mas de que adianta tudo isso se essa história toda termina com uma morte abjeta, esse corpo que nós temos e que sustenta a vida, simplesmente apodrece”? Teria Teria ele pensado. Vocês até podem evitar que os vermes comam suas mãos, sua carne, sendo cremados. Neste caso pegamos as cinzas e espalhamos. É tudo o que podemos fazer. Em qualquer das duas hipóteses, nós viramos adubo. Então, Sidarta disse: “Eu! Eu, Príncipe, vou virar cinza! Vou adoecer, envelhecer e morrer. Então, que sen-
tido tem a vida?”.
podemos, e na história real ela pediu a Abraão que expulsasse Agar e Ismael de sua casa. Os árabes estavam no deserto e acabaram criando uma sociedade que Isto foi o problema que angustiou Sidarta. Deveria angustiar todos os homens. tinha um indivíduo que era o privilegiado total. O sultão. O sultão tinha uma Na verdade, só não angustia quem não pensa e à medida que a humanidade coisa que todos os homens queriam, e ninguém tin ha: um Harém! Então, pronto, estava resolvido: no céu islâmico, cada homem que morre bem, vai pra lá e pensou, ela tratou de achar alguma solução pra isso. ganha 72 mulheres! Bonitas, sempre jovens, e não trazem sogras. As soluções, normalmente se expressavam sob a forma de alguma crença, algum sistema, em que todas as pessoas começavam a acreditar ou eram convencidas E aí vamos percorrendo a história. Os vikings: faziam guerras, eram conquispela sociedade e o entorno a acreditar em algo. A civilização antiga mais co- tadores, como na tirinha do Agár, o horrível. Então eles têm um céu especial, nhecida é a egípcia. Temos 3.000 anos de história antes de Cristo na civiliza- chama-se “Valhalla”. Se você for um homem valente, vai pro “Valhalla” e lá você ção egípcia e eles deduziram que o ideal seria conservar o corpo. Tiravam as vai poder guerrear e saquear para sempre. vísceras, enchiam de alcatrão, enrolavam em bandagens, colocavam junto com Estão vendo como são os céus? Vendo dessa forma a gente ri, não é ? A gente ri coisas para auxiliar a vida do outro lado, como comida, carruagens, espadas, etc, das crenças e culturas “dos outros”. Elas nos parecem ridículas. As nossas não. quanto mais rico o homem mais ele levava. No início levava seus empregados também para ajudá-lo do outro lado. Então, não era um bom negócio você ser Depois de Platão no ocidente, começamos a acreditar �rmemente em almas. E um empregado do Faraó, pois se o Faraó morresse, você seria enterrado vivo, as almas solucionavam o problema. Eu tenho um “eu”, uma identidade própria. junto com o Faraó. Se eu morrer, minha alma não morre. O corpo é só a casca. Até nos desenhos animados, morre Tom e, a alma do gato vai saindo e ele puxa pelo rabo. Mas a Mas assim eles estavam garantindo uma vida no “pós-morte”, com o mesmo cor- alma é ele! O corpo não é nada! Então está solucionado: eu vou viver pra sempo. Entretanto, quando olhamos para o corpo de uma múmia e gípcia, podemos pre, pois eu tenho uma alma eterna. Então, eu preciso de alguma coisa pra essa perceber que este corpo já não está servindo pra grande coisa né?! Mas, era uma alma, e o que eu dou pra essa alma? Um paraíso ou quem sabe um corpo novo. “solução”. Aí chamamos essa solução de reencarnação. Depois fomos partindo pra outras soluções, sempre em caráter de “não morte”. Vamos para o Budismo? Por exemplo: quem sabe ressuscitar? Então, a promessa é: se você morrer dentro de determinadas condições, você vai ressuscitar com um corpo novinho em fo- 2.600 anos atrás, Sidarta Gautama vai pra �oresta e torna-se um asceta. Torna-se aluno de dois grandes Mestres Iogues e treina duramente. Diz-se que ele lha. E aí, viveria numa terra perfeita pra sempre. treinou tanto, que a marca do seu sentar parecia a pisada de um camelo. Ele Os gregos pensavam como seria o nosso Céu, depois da morte. No céu dos Gre- era bem magro. Ele é representado nas estátuas “Buda em Austeridade” com as gos, os homens bons iriam no “Hades”, que era a terra dos mortos, para uma ilha costelas aparecendo e os ossos do rosto aparecendo. Eu não sei o que aconteceu paradisíaca, onde as regras eram de que a comida viria pronta, cairia das árvores; no ocidente. Em algum momento alguém trouxe uma estátua de “Papai Noel as roupas também, você não precisaria trabal har pra fazer nada. Tinham regatos da China”, “Potai”, bem gordo, dando risada e colocou nas vitrines das lojas e límpidos, temperatura maravilhosa e você poderia conversar sobre �loso�a. Não começou a vender como Buda. Buda, historicamente, é um asceta. Não é o Buda da vitrine. Aquele, por curiosidade, chama-se “Potai” em chinês e “Rotei” em é um céu para gregos? Conversar sobre �loso�a. japonês, e não tem nada a ver com Buda. Os muçulmanos nasceram entre os árabes, os descendentes de Ismael, �lhos de Agar, escrava de Abraão, expulsa por Sara, quando Isaac nasceu. É a história de Pra explicar melhor essa história eu costumo contar assim: imagine que alguém uma �lha do ciúme. Os descendentes de Ismael, os árabes e os descendentes de vem de um lugar remoto e não conhece o cristianismo. Chega aqui em Goiânia e Isaac, os israelitas, estão brigando até hoje. O bom é se pudéssemos voltar ao assiste as festividades de Natal. Volta e perguntam a ele: “Você foi lá? Fui. Como passo para conversar com Sara e lhe dizer : “Sara, não faça isso”! Mas en�m, não é a religião deles? Ah é meio estranha, eu assisti à festa principal deles, chama-se
Natal. E o Deus deles, como é? Ah é gordo, se veste de vermelho, anda num trenó Então, Buda “VIU” essa ilusão. Pra nós entendermos melhor essa i lusão, o “eu” é com renas”. É só o que ele viu, não é verdade? O que é que a gente vê no Natal? mais ou menos como o eixo de um redemoinho. Há movimento, você vê o cenAssim as tradições vão sendo modi�cadas e deturpadas com o tempo. tro do redemoinho e diz: tem um eixo. “Parece” que tem um eixo. Na verdade, tem um eixo, enquanto existe o redemoinho, cessou o redemoinho, cadê o eixo? Nós somos remoinhos na existência, movimentos e �uxos de pensamentos, paiMas voltando ao tema. xões, e etc. Nosso “eu” é o eixo, mas na verdade, nós não somos redemoinhos. O problema de Sidarta Gautama é que depois de 6 anos ele desistiu. Não aguen- Nós somos o céu azul. Quem sente que é o céu azul, resolveu nascimento e mortava mais. Aí ele aceitou arroz e leite de uma moça chamada “Sujata” e sentou-se te. Isso é o Budismo. embaixo de uma árvore, uma �gueira, uma “fícus religiosa”, e disse: eu não me levantarei daqui enquanto não resolver o que nós chamamos hoje em dia de Nem almas, nem espíritos, nem ninguém lá fora pra nos ajudar. Nem ninguém “angústia existencial”. pra nos premiar, nem ninguém pra nos castigar. Tudo é ação e consequência. Passaram 7 dias. Ao amanhecer do 8º dia, surgiu a estrela da manhã e aquela luz Você caminha sobre os resultados dos seus atos. Os seus atos provocam resultao atravessou, e repentinamente ele percebeu as ilusões em que estivera metido. dos. Os resultados, são tudo que você tem. Nós somos “movimento” no univerE ele disse uma frase extremamente importante para nossa palestra: “Você, meu so. Fenômenos, como os redemoinhos. “eu”, não me enganará mais”. Como as bolhas, dentro de uma garrafa de champagne. Eu estava em GuaraEle descobriu simplesmente que esse “eu” que nós tanto acreditamos e que em tinguetá, e expliquei, com esta outra analogia: bolhas, dentro de uma garrafa todos os tempos as pessoas quiseram que sobrevivesse à morte, não passa de de champagne, são interações entre gás carbônico e o líquido. Você olha e vê a uma construção mental, e uma ilusão. Que você não é este “eu”. E eu estou aqui bolha. Ela surge, como que do nada. Sobe, explode na superf ície. Todos os conspra dizer pra vocês: o segredo de uma mente equilibrada é compreender, dentro tituintes da bolha continuam ali. O gás carbônico continua, o liquido continua. de você mesmo, o seu sentimento, não com a sua mente, que seu “eu” é uma A bolha pensa: “eu sou separada”. Ela olha pras outras bolhas e diz: “eu sou seilusão completa, você não é o que você pensa que é. parada da outra bolha” e você que olha a garrafa, vê as bolhas se paradas, não vê? Mas as bolhas existem por si mesmas? Não. Elas só existem com gás carbônico e Nós abrimos os nossos olhos, e vemos o mundo em volta e as pessoas que estão líquido. O vento não existe por si mesmo. O vento é movimento do ar. As ondas na sala, um homem lá na frente usando uma fantasia de Monge, e dizemos: “eu do mar não existem por si mesmas elas são movimento da água. Vocês não exisestou separado”. Estou vendo todos os outros ali. Todo nosso corpo nos informa tem por si mesmos, são movimento de pensamentos. São um fenômeno animal isso. “Eu” estou separado. Só que essa separação é nosso engano fundamental. O surgindo e desaparecendo. nosso “eu” é o nosso engano. E esse “eu” nós queremos que sobreviva à morte. No entanto, se vocês pensarem bem, ele não sobrevive a uma doença de Alzhei- Eu falei que contei esta historia em Guaratinguetá, porque tinha a �lha de um mer. Você �ca velho, começa a caducar, não sabe mais quem é. Ou Parkinson amigo meu que estava lá, e de noite eles tiveram uma discussão em casa, que ele avançado, ou AVC cerebral, você perde sua memoria, tem uma amnésia, está me contou. E a mãe disse assim: “vai dormir, bolha”. E ela disse assim: “bolhas numa cama de hospital, eu pergunto a você: “quem você é”? Você diz: não sei. são vocês, eu sou o champagne”. E eu pensei: “Ah! Ela entendeu!”. Como foi seu passado? Não lembro. E todos vocês sofrem de amnésia, não é? Você lembra uma vida antes dessa? Não lembra. Alguém lembra? Não lembra. Vocês não são bolhas, são champagne. Não são redemoinho, são o céu azul. A Pode até ser sugestionado que lembre, mas não lembra. Este “eu” é desta vida, di�culdade é enxergar isso. Vocês não são ondas, são o próprio oceano. Quem enxerga isso, não se preocupa com as coisas cotidianas, normais da vida, porque não tem um “eu” anterior, tem? Como você quer que esse “eu” que não sobrevive a uma doença, sobreviva a uma tudo vai passar. Tudo é impermanente, tudo é transitório. Tudo apenas �ui. Mas coisa “um pouquinho” mais grave, que é uma morte e uma dissolução completa se ele consegue perceber o que ele “É” o céu azul, não se preocupa com o início e �m do redemoinho. Por isso as respostas tão absurdas dos professores do Zen. do corpo?
Hoje eu estava dando uma entrevista no Diário da Manhã e a repórter me per- do seu sangue, carne da sua carne, seus descendentes, seus bisnetos não lembraguntou: “E o que acontece depois da morte? Eu respondi: Não sei. Ela disse: rão nem o nome de vocês. Muito menos das suas humilhações, derrotas, não Como? Eu disse: Eu não sou um Mestre Zen morto”. lembrarão. Vocês serão esquecidos. Porque vocês acham que são importantes? Na realidade nós sabemos que há continuidade das coisas, que nada cessa, que tudo continua. Que onde tem uma onda, tem outra onda. Que onde tem ventos e atmosfera tem (...) Onde tem atmosfera, tem ventos. Onde tem água tem ondas. Por isso dizemos: a “forma” é a própria vacuidade e a vacuidade é a própria forma”. Uma não é diferente da outra. A vida se manifesta como nós. Nós somos a própria vida se manifestando. Nós pensamos: “eu vivo minha vida”. Não é verdade. A vida é que nos vive. Completamente diferente.
Quando acontece alguma coisa, você sempre pode dizer: “daqui a cem anos, ninguém vai lembrar”. E porque que a gente se importa tanto? Porque nós entramos no jogo, entramos com aquela paixão, de nos comprometer por um jogo como nos comprometemos com um time de futebol. Os jogos da vida são apenas o que são. Jogos. As paixões são assim, os amores são assim, os empregos são assim.
Quando “Joshu” estava morrendo, lhe perguntaram: “Para onde o Sen hor vai? E Todas as coisas que nos parecem importantes, na verdade não são. O que seele disse: não há nenhum lugar para ir”. ria realmente importante? Não é a poeira que o redemoinho levantou. A única coisa realmente importante, é o “céu azul”. Ele vai estar lá depois que todos os De onde saem as agitações da nossa mente? Da nossa crença nos jogos da vida. redemoinhos passarem. Depois que todas as nuvens e tempestades soprarem, A vida é constituída de muitos jogos com os quais nós nos comprometemos. Por ventarem, choverem, o céu azul estará lá. exemplo quando as pessoas começam a torcer por um time de futebol. E o time de futebol tem bandeira, hino, camiseta, cor, nós podemos nos comprometer Na verdade, nós somos eternos, só não somos eternos como indivíduos. Só que com o jogo do time de futebol e começar a torcer por ele. Tem gente que começa queremos ser eternos como indivíduos. a torcer e se compromete tanto com aquela paixão que é capaz de sair do jogo e brigar com o torcedor do time oposto e são capazes de matar ou morrer. Não é É como quando entra um aluno na sala querendo aprender sobre o ZEN, na verdade? Nós sabemos que é assim. verdade eu tenho pena. Porque tudo que vai acontecer é uma destruição. Ele faz No entanto o jogo foi criado, foi uma fantasia criada em algum momento e nós perguntas e recebe respostas terríveis. Tudo que era precioso pra el e, vai embora. acreditamos nela. Todo o resto da vida também é constituído assim. Nós entra- Como a sua crença de que seus antepassados são importantes pra você. Não são. mos numa empresa e o que que é uma empresa? Um jogo. É toda uma armação Se fossem você lembraria dos nomes dos bisavós. Vocês só lembram do nome como um time, um nome, uma meta e vamos lutar por aquilo e nos compro- daqueles que vocês conheceram, no fundo, é ou não é? Se não viram �sicamente, meter. Se alguém nos diz uma palavra desagradável, não dormimos direito de grande é a chance de não lembrar os seus nomes. noite. Se não atingimos nossa meta, nos sentimos frustrados. No entanto, quem se lembrará das nossas vitórias? Das nossas derrotas? PERGUNTAS Tem uma pergunta que eu já �z pra milhares de pessoas. Vamos testar aqui de novo. Seus pais e avós, são pessoas importantes pra vocês? Quem acha que não são importantes levanta a mão. Todos acham que são importantes. Muito importantes pra vocês? Então seus bisavós também, pois são os pais dos seus avós. Por favor, cada um de vocês tem oito bisavós. Alguém sabe o nome dos oito? Levanta e diz pra mim.
Pergunta: O Senhor foi muito gentil ao falar das crenças, mas no Cristianismo o Senhor não tocou.
Monge Genshô - Você sabe qual é a crença fundamental do Cristianismo? A ressurreição, não é? Cristo venceu a morte e isto é o que signi �ca “salvar”. A igreja tinha um dístico em latim, “SINE ECCLESIA NULLA SALVATIO” – sem a igreja não há salvação. Você tem que estar dentro da igreja e, PORQUÊ Cristo Ninguém na plateia se levanta, porque ninguém sabe. Porque ninguém sabe? venceu a morte e ressuscitou, então, todos os homens poderão ressuscitar, se Vocês pensam que são importantes. Mas eu tenho uma notícia pra vocês. Sangue seguirem a igreja, as regras.
Isso fez do Cristianismo uma solução muito bonita no momento do Império Romano. Porque antes, os Deuses Gregos e Romanos, eram Deuses humanos, ciumentos, guerreiros, traidores e você estava à mercê deles. O Cristianismo trouxe regras claras: Você Você faz tais e tais coisas, de tal e tal forma e está garantida g arantida a sua ressurreição. Claro que o Cristianismo teve momentos de grande degeneração. Chegou um momento por exemplo, 500 anos atrás em que a salvação era vendida né? A venda das indulgências. Então você era salvo. Mas esta era uma questão da instituição. Agora, o Cristianismo em si, ele tem uma profundidade desconhecida. A maioria dos Cristãos não sabe sobre isso. Por exemplo, eu vou citar uma frase de Paulo: “Não sou mais eu quem vive, mas Cristo quem vive em mim”. Esta é uma u ma frase profunda. “Não sou mais eu quem vive”, vive”, eu morri pra mim mesmo. “Cristo que vive em mim”. Agora dê uma olhada numa frase Budista, como a que eu disse a pouco: “Você não é um redemoinho, você é o céu azul” azul”..
de aceita-lo”. aceita-lo”. Mas na realidade, verdadeiros Mestres não aceitam discípulos com facilidade. Eu tenho alunos, não tenho discípulos. Pra ter um discípulo, leva muito tempo. Muitos morreram sem ter sucessores, sem formar discípulos no ZEN. Boddhidarma, trouxe o ZEN da Índia pra China, aí pelo ano 600 depois de Cristo. Então Boddhidarma, chegando na Índia, que já tinha Budismo a 500 anos, foi chamado à frente do Imperador FU, e ele lhe perguntou: “construí muitos templos e mosteiros para o Zen na China, que méritos eu acumulei no céu por causa disso”? E Boddhidarma Bo ddhidarma respondeu: “Mérito nenhum, Majestade.” A ma jestade então perguntou: “Então “Então qual é a grande verdade da sagrada doutrina?” E Boddhidarma respondeu: “A “A grande verdade é vazio ilimitado, nem uma coisa nem um eu. Todas as coisas são vazias de um eu próprio, todas as coisas são interconectadas, interdependentes, e não há nada que possa ser chamado de sagrado”. Aí o Imperador disse: “Então quem é que eu tenho na minha frente?” E Boddhidarma respondeu: “Não faço a menor idéia”. Ele deu meia volta e foi embora.
Dizem que meditou durante 9 anos numa caverna em Shaolin, e lendariamente ele é o criador do KungFu. E durante esses 9 anos homens apareceram para treinar com o Mestre, mas ele não aceitou ninguém. No 9º ano, um homem São João da Cruz, grande místico cristão, diz assim: “eu morro porque não mor- chamado Taezueika foi até a frente da caverna e �cou 3 dias em pé, esperando ro”, em um de seus poemas. Eu morro, porque não morro para meu “eu”. Porque que Boddhidarma falasse com ele e Boddhidarma não lhe deu atenção. Na noite eu não morro para mim mesmo, então, eu não posso sentir a Deus. Deus não do 3º dia, Eika �cou desesperado e cortou o braço, pra mostrar sua sinceridade. vive em mim, porque eu não morri. Então eu morro, porque não morro. morro. Porque Vendo sangue cair na neve, Boddhidarma achou que ele estava lá a sério, séri o, foi até ele e perguntou: “O que você quer”? “Mestre, minha alma não tem paz, paci�ca não morro para mim mesmo. minha alma!” E Boddhidarma respondeu: “Mostre-me a tua alma e eu a paci�Se nós pegarmos uma frase de um Mestre ZEN, do Seculo XIII, Dogen Zenji, carei”. “Mas não posso encontra-la”! “Pronto, já paci �quei a tua alma”. que trouxe o ZEN da China para o Japão, ele diz assim: “Estudar o Zen, é estudar a si mesmo, estudar a si mesmo, é esquecer de si mesmo, e esquecer de si mesmo Neste momento, Eika, acordou de suas ilusões, assim como Buda só se tornou é ser iluminado pela miríade de todos os fenômenos”. fenômenos”. Buda, no momento que despertou, porque a palavra Buda quer dizer “aquele que acordou”. acordou”. Antes ele era só Sidarta, um homem comum como nós. A única Não estão todos falando a mesma coisa? Estão. diferença entre nós e ele é que ele acordou. E ele passou a dizer isso para s empre. E quando perguntavam para ele em quem nós devemos acreditar? Uma pessoa Pergunta: O que você pode dizer, sobre as pessoas atualmente à busca de vem aqui diz uma coisa, outra diz outra. Ele disse: não acreditem em ningué m, mestres, porque a maioria ao invés de retornar para si mesmas elas se condu- não acreditem em mim, experimentem e testem, só a experiência pode dar sabedoria verdadeira. O resto é só crença. zem á procura de Mestres, em vários locais. Você vê similaridades?
Monge Genshô - A procura de Mestres é a procura de sabedoria. Mas no Budis- Tem alguém aqui em Goiânia pregando que o sol vai nascer amanhã de mamo nós dizemos assim: “examine seu candidato a Mestre durante 8 anos antes nhã? Tem? Não tem. Sabe porquê? Todo mundo tem certeza que o sol vai nas-
cer amanhã de manhã. Tudo que se prega é porque se tem dúvida, e por isso precisa repetir todas as semanas, pras pessoas acreditarem, porque no fundo, elas duvidam. É por isso que Buda disse, “não acreditem em mim, construam sua sabedoria com sua experiência”. Quem quiser construir sua sabedoria com experiência, não é me ouvindo. Vocês têm que vir e SENTAR. Só precisam ter con�ança de que se sentarem se ntarem pra meditar poderão mergulhar em suas mentes e ter reais experiências. E essas experiências serão sabedoria. Tudo o que eu posso dizer sobre o que eu digo é o mesmo que Buda: “não acreditem em mim”. Se vocês acreditam, só porque estou estou dizendo, não passam passam de tolos.
desse jeito? O Mestre passou de chorar, se virou pra ele e disse: Escute aqui, seu idiota, eu estou chorando porque eu quero. Se virou pro outro lado, abriu a carta e voltou a chorar desconsoladamente”. Ou seja: você é normal. Aí você senta em zazen, começa a meditar e “VÊ” algumas coisas com maior lucidez. Pode sair à rua e ver uma folha, uma �or, e ver sua verdadeira beleza, por um instante. Nós chamamos esse instante de KENSHO KENSHO.. KEN é enxergar. SHO, sua verdadeira natureza. Experiência mística em estado puro. Pode durar segundos, e muitas pessoas já tiveram. A questão é: Você poderia retê-la, e ver as coisas sempre assim? Você poderia ver a si mesmo não como onda ou redemoinho ou bolha, mas como céu azul champagne, oceano? Se você conseguisse ver permanentemente, eu diria que você é MUITO iluminado. Se você vir algumas vezes, e tiver uma compreensão das coisas, você atingiu a iluminação, em um grau g rau baixo. Então existem muitos graus de de spertar.
Pergunta: Às vezes é fácil intelectualmente perceber que eu não sou a onda, que eu sou oceano. Mas o que acontece quando eu sento e faço zazen, porque às vezes eu esqueço que eu sou o oceano. Se eu perco uma pessoa querida, ou perco um objeto querido, de novo ac ontecem reações emocionais e eu sofro. É como se eu tivesse esquecido de ter vindo nesta palestra e ter ouvido isso. Os sofrimentos surgem como se eu não tivesse entrado em contato com esse Aquele grau de Buda é chamado de “Annutara Samyak Sambodhi”. ILUMINAPERFEITA, COMPLETA COMPLETA E UNIVERSAL. Mas tradicionalmente nós di zeconhecimento. O que acontece no zazen pra eu me tornar um sábio, de forma ÇÃO PERFEITA, mos que só Buda conseguiu esse nível, nós tentamos chegar perto, passo a passo. que este conhecimento se estabilize e eu não esqueça mais? Talvez numas 500 vidas dê pra chegar lá. Monge Genshô - Isso - Isso vai depender da profundidade da sua experiência. Mas o que você narrou agora, é o que todos sentimos, eu também. Quatro meses Pergunta: Monge, esse sofrimento que o Budismo enfatiza sempre, que é a atrás morreu um sobrinho meu de 23 anos. Rep entinamente. Quando eu ouvi a primeira das nobres verdades, como lidar com isso no dia a dia, onde pasnotícia, o que eu podia fazer? Chorar. Nós somos assim, seres humanos, muito samos por situações em cima de situações que as vezes pensamos que não frágeis. E a qualquer momento nós perdemos a lucidez. Eu sei que pra ele não vão acabar e, ao mesmo tempo como conseguiremos perdoar as coisas que foi nada, mas para o pai e a mãe, foi muito trágico. É que estamos mergulhados acontecem e que nos causam sofrimento sem enrijecer o coração? Porque no Budismo, tenho a impressão de que sempre tudo a gente tem que resolver em emoções. Como vamos negar isso? e o problema é sempre nosso, e é difícil as vezes lidar com isso porque tem Vinha um Mestre caminhando por uma cidadezinha e seus discípulos atrás. Ha- terceiros envolvidos o tempo inteiro. via um velório e a família chorava. Ele entrou no velório e começou a chorar com os familiares. Uma hora depois ele saiu de lá, rosto inchado, os olhos ver- Monge Genshô - Claro - Claro que tem terceiros envolvidos o tempo inteiro. Mas, a melhos. E os discípulos atormentados na porta disseram: “Mestre, mas o Senhor iluminação é sua. Ela não é transmissível, assim como a sabedoria não é transconhecia este homem? Ele disse: Não. Mas então porque o Senhor entrou e cho- missível. As pessoas dizem: “me explique”. E eu digo: como você pode explicar rou desse jeito? Ele disse: Eu os vi tão tristes, me entristeci com eles”. eles”. o gosto do sal, para uma pessoa que nunca provou o sal? A única coisa que você pode dizer é: pegue um pouco e coloque na boca. Aí se a pessoa colocar Outro Mestre recebeu uma carta, comunicando a morte de um ente querido. na boca dirá: Ah! Esse é o gosto do sal! Tá tudo resolvido. É tudo resolvido com Ele sentou numa pedra e começou a chorar desconsoladamente. Um discípulo a experiência e nada é resolvido com a explicação. Eu posso falar sobre o ZEN se indignou e foi até lá e disse: “Mas o que é isso, o Senhor nos ensina que tudo aqui, mas o ZEN não está aqui. É como olhar o mapa de Paris e depois dizer: é transitório, que os “eus” “eus” são ilusões, que todas essas relações da vida são assim, “eu viajei a Paris”. Vocês acham que é lícito, é legítimo? Não há nada. Aquelas ilusões em que estamos mergulhados, a própria vida. O Senhor ensinou tudo pessoas que lêem sobre o ZEN ou sobre budismo e sentam numa mesa de bar isso, e agora recebe a notícia da morte de um ente querido e está aí chorando- na frente de um copo de chopp e explicam pros outros sobre Koans e teorias
maravilhosas, eles não sabem nada sobre o ZEN. Eles olharam o mapa e estão querendo dizer que viajaram. A única coisa realmente válida é a experiência. Por isso Buda disse: “não acredite em mim mim””. E é a mesma coisa que eu estou e stou dizendo: “não acreditem em mim”. mim”. Eu posso expor raciocínios rac iocínios bem claros, cl aros, vocês podem acompanhar,, eu espero que eles acompanhar ele s abalem suas crenças.
PRONTO PARA COMEÇAR 12/03/2011 By Ariyadána por Norman Fischer Traduzido por Ismael Nogueira da Gama Orenstein
Eu estava fazendo uma palestra na Universidade Federal em Florianópolis e uma mulher disse: “Mas o Senhor não acredita em nada?” E eu disse: mas o ZEN não é religião de acreditar, o ZEN é religião de despertar. É outra coisa. Mas não nos preocupamos com as pessoas que estão mergulhadas em ilusões. Às vezes as ilusões são tão confortáveis. Coloquem dois guichês assim: “Mentiras confortadoras”. E do outro lado: “Verdades desconfortáveis”. Todo mundo vai na mentira consoladora, não é? Porque verdade desconfortável não é pra muita gente.
Ao longo dos anos, milhares de pessoas solicitaram-me conselhos sobre como estabelecer uma prática diária de meditação em casa. Embora existam milhares de centros budistas de meditação ao redor do mundo, a maioria das pessoas que pratica meditação o faz, em parte ou integralmente, em casa e por sua própria conta. Em muitos casos, trata-se de questão de conveniência. A maioria das pessoas não mora su�cientemente perto de centro budista para meditar lá regularmente. Ou, por uma razão ou outra, elas não se sentem confortáveis com alguns dos centros locais que lhes estão disponíveis. Ou sentem que, para elas, meditação é um assunto privado e pessoal e não uma prática religiosa comunitária. De qualquer forma, a maioria dos que praticam meditação, por uma variedade de razões, medita em casa. Eu mesmo faço assim. As coisas não eram assim quando iniciei a prática do Zen. A sabedoria con vencional então era que você nunca devia praticar por sua própria conta. Você precisava praticar com outros – esta era a forma de fazê-lo. Você precisava de instruções de um professor professor.. Você precisava de apoio – manter a disciplina para sentar para meditar por sua própria conta seria muito difícil. Além disto, meditar sozinho podia ser perigoso. A sabedoria convencional mudou, no entanto. Nos dias de hoje, muitas pessoas acham que é inteiramente possível meditar por sua própria conta. Não que a questão de falta de disciplina seja desconsiderada – manter a prática regular permanece sendo uma luta para al guns. Porém muitos muitos superam a luta e encontram satisfação e conforto em sua prática diária. Quando as pessoas me perguntam como iniciar uma prática de meditação em casa, aqui está o que lhes digo: a prática começa na noite anterior. Antes de você ir dormir, programe o alarme para meia hora mais cedo do que o usual e diga para você mesmo: “Amanhã “Amanhã de manhã estarei e starei acordando para praticar meditação. Quero fazer isto e será prazeroso e útil”. útil”. Mantenha este pensamento em sua mente. Então assim que você estiver adormecendo, diga isto: “Vou realmente acordar mais cedo e meditar?” E responda a você mesmo: “Sim, eu vou”. vou”. E então questione você mesmo mais uma vez: “De verdade?” Encare isto com se riedade. Pense um pouco mais e responda honestamente a você mesmo. Se a resposta
for: “Sim, de verdade”, então você vai conseguir. Você está sendo sério sobre isto. Porém se a resposta for: “Não, tenho que admitir que provavelmente vá desligar o alarme e me virar para obter uma deliciosa meia hora adicional de sono” então se poupe do problema. Reprograme o alarme agora e nem mesmo tente acordar mais cedo. Este pequeno exercício pode parecer tolo, mas é muito importante. Ele se relaciona com a principal di�culdade que temos com a autodisciplina: somos ambivalentes. Nós tanto queremos como não queremos fazer o que pensamos que queremos fazer no melhor de nossos próprios interesses. Nós encontramos di�culdades para levar adiante seriamente nossas boas intenções, especialmente quando afeta nossa vida espiritual. Ficamos essencialmente confusos se seremos capazes de encarar a nós mesmos no mais profundo nível humano – talvez se o �zermos iremos nos achar pessoas comuns e sem valor. Uma vez que imaginamos que a meditação promete uma auto confrontação neste nível, �camos profundamente ambivalentes. A maior parte deste complicado raciocínio não é consciente. É por isto que o auto diálogo antes de dormir é importante. Ele oferece uma forma simples de encarar a questão. “Realmente?”. É uma forma de colocar a tona o que realmente sentimos e, gentil e honestamente, lidar com isto. De outra forma, nosso longo hábito de furtivamente nos auto iludir irá certamente prevalecer. Nós não iremos fazer o que nós não temos realmente clareza de que queremos fazer, o que nos dará evidência adicional que nós não podemos fazê-lo. Vamos assumir que você vai pular da cama de manhã, molhar o rosto com água fria, escovar os dentes, colocar roupas confortáveis (ou �car com suas roupas de dormir, se preferir) e imediatamente sentar em sua almofada. Faça isto antes de tomar café, antes de você ligar o computador e antes de você dar partida em seu dia e aí perceber que não tem tempo para isto. Acenda uma vareta de incenso para marcar o tempo ou utilize um relógio ou um dos e xcelentes marcadores de tempo de meditação atualmente disponíveis (que evitam a pessoa �car olhando para o relógio). Decida previamente se irá meditar por vinte ou por trinta minutos. Um pouco mais é bom, se for possível. Pratique isto por duas semanas, deixando um dia de folga por semana. Se você perder um dia, está OK. Não caia na armadilha inconsciente de “Uma vez que perdi um dia, não posso fazer isto, portanto é melhor também nem mesmo tentar, ou tentar com menos vigor amanhã por que este dia faltante me enfraqueceu.” Esta é a forma como pensamos! Portanto se prepare e não caia por causa
disto. Seja gentil com você mesmo, porém �rme. Imagine que você está treinando uma criança, ou um �lhote – uma adorável criaturinha que tem boas intenções, porém de�nitivamente necessita de orientação de adultos. Decida com antecedência que você irá meditar por duas semanas. É muito mais fácil se comprometer a meditar quase todo dia por duas semanas do que se comprometer a meditar todo dia pelo resto de sua vida. Após duas semanas, pare e pergunte a você mesmo, “Como foi? Foi agradável ou desagradável? Que impacto teve em minha manhã, em meu dia, em minha semana?” Geralmente os resultados positivos são visíveis, e, vendo que a prática foi bené �ca, você desen volve uma intenção mais forte de retornar a ela. Assim, então, após uma pausa, se comprometa novamente a praticar, talvez agora por um mês com a mesma pausa inserida para avaliação. Dessa forma, pouco a pouco você pode se tornar uma pessoa que medita regularmente. Colocar intervalos de tempos em tempos não muda isto. Algumas pessoas perguntam: “É necessário fazer isto pela manhã? Há alguma mágica relacionada à manhã? Não sou uma pessoa matutina”. Sim, acho que há uma mágica com a manhã. Programações em monastérios em todo o mundo incluem práticas bem cedo pela manhã. A prática parece ser mais bené�ca nesta hora do dia, quando sua psique está em estado liminar e o mundo ao redor de você ainda não está inteiramente acordado, antes que o dia �que comprometido e você se lembre de todas as coisas que precisa fazer. No meio do dia é mais difícil colocar rédeas em si mesmo, e no �nal do dia você pode estar muito cansado ou tenso. Você pode estar mais disposto para uma taça de vinho do que para uma prática de meditação, a qual irá certamente parecerá um tanto desconfortável à medida que seu corpo perceber todas as dores, tensões e torções do dia. De fato, praticar no �nal do dia é muito bom por apenas esta razão – apesar de bastante desconfortável, ajuda a processar todo o stress e a sentir-se calmo em seguida. Porém, se você está tentando estabelecer uma prática como iniciante ou neó�to, pensar que você se sentará para meditar tranquilamente no �nal do dia provavelmente não vai funcionar tão bem quanto pegar você em seu ponto de menor energia (o que quer dizer no seu máximo): de manhã, quando você é mais ou menos você mesmo, antes de você assumir completamente a personalidade heroica com armadura com a qual você deve abordar o mundo do trabalho e da família. (Devo observar aqui o fato óbvio de que tudo isto pode não ser válido para você: nós diferimos imensamente enquanto indivíduos, e com esses assuntos particulares uma mesma medida não serve para todos. Estou descre vendo o que descobri ser verdadeiro para mim mesmo e para muitos outros praticantes de meditação).
Há muitas abordagens para a meditação. Na minha tradição (escola), a tradição Soto Zen, a meditação não é considerada uma habilidade que nós devemos dominar. É uma prática para a qual nós nos devotamos. Então, se você está meditando pela manhã, se sentindo meio adormecido, com fragmentos de sonhos ainda passando e a sua mente ainda não está focada precisamente na respiração, da maneira que você pensa que deveria estar... isto está perfeitamente correto. É considerado normal e possivelmente até bené�co. O maior obstáculo para estabelecer uma prática de meditação é a ideia errônea (�rmemente mantida pela maioria das pessoas que querem estabelecer uma prática da meditação) que meditação deve acalmar e focar a mente. Portanto, se a sua mente não está calma e focada, então certamente você está fazendo algo errado. Pelejar com algo que você está consistentemente fazendo errado e, para sua frustração, não parece que vai melhorar, não o estimula a persistir (a menos que você seja um masoquista e não são poucas as pessoas que meditam e que são masoquistas). É melhor assumir a atitude Soto Zen de que meditação é o que você faz quando você medita. Não há fazer certo e errado. Isto não quer dizer que não há esforço, de que não há calma, de que não há foco. Claro que há. O ponto é evitar cair na armadilha de de�nir meditação muito estreitamente e então se julgar com base nesta de�nição e assim sabotar você mesmo. Você deve avaliar sua prática a partir de uma estimativa mais ampla e generosa. Não é: Minha mente está concentrada enquanto estou sentado meditando? Mas sim: Como está minha atenção durante o dia? Não é: Estou repleto de paz enquanto estou sentado? Mas sim: O meu costume de explodir de raiva de alguma forma se reduziu? Em outras palavras o teste da meditação não é a meditação. É a sua vida.
Seu cônjuge não quer meditar e se ressente de você estar escapulindo da cama para meditar? Pacientemente explique ao seu cônjuge que a principal razão de você meditar é se tornar uma pessoa mais amável e prestativa. Você está escapulindo da cama não para declarar a sua independência, mas pela razão oposta: ser mais carinhoso. Tenha este diálogo (amável) com seu cônjuge. Peça para ajudá-lo a fazer esse experimento de duas semanas e avaliar os resultados: você foi mais amável, você ajudou mais com a casa, com as crianças, etc., mais do que o habitual, com mais boa vontade, mais entusiasmo? (Claro que, após ter essa conversa, você agora vai ter mesmo que agir assim). Em resumo, se você quiser meditar não há praticamente nenhuma desculpa para não o fazer. Mas a confusão humana é muito astuciosa, portanto é possível que você ainda se convença a �car de fora da prática. Se for assim, seja bem-vindo. Às vezes este é o caminho pelo qual �nalmente começamos uma prática séria de meditação: postergando-a durante dez ou vinte anos, até que �nalmente não há mais escolha.
À medida que o mundo aumenta sua velocidade e a trajetória da história se torna mais drástica, mais pessoas sentem necessidade de fazer algo para promover o bem estar e encorajar uma atitude sustentável. É difícil permanecer entusiasmado se você está sob stress, é difícil acreditar na bondade e felicidade se o mundo em que você vive não oferece muito apoio para isto. De forma gentil e realística, a prática da meditação pode fornecer poderoso estímulo para as atitudes que precisamos. Fé ou esforço exagerado não são pré-requisitos. Simplesmente sentar em silêncio, retornando ao momento presente do corpo e da respiração, naturalmente lhe aproximará da gratidão, da bondade. Assim que você se comprometer com essas virtudes, começará a perceber, para sua surpreLidar com os vários obstáculos práticos da meditação regular é fácil se compara- sa, que muitas pessoas em sua vida estão também fazendo isto, e, portanto há do com as profundas questões de autoenganos que tenho comentado a respeito. muita companhia ao longo do caminho. Uma vez que você lida com isso, os problemas práticos simpli�cam-se. As crianças acordam mais cedo? Então acorde meia hora antes que elas. Porém isto não O Professor Zen e Poeta Norman Fischer é fundador da Everyday Zen Foundaproporciona sono su�ciente? Bem, aquela meia hora sentado meditando será tion. Ele foi abade do San Franciso Zen Center de 1995 a 2000 e escreveu muitos mais importante para o seu descanso e bem-estar que a meia hora perdida de livros de prosa e poesia, incluindo Viajando para Casa: Utilizando a Odisseia de Homero para Navegar os Perigos e Armadilhas da Vida. sono. Ou você pode apenas ir para a cama meia hora mais cedo. Sem lugar para meditar? Há sempre algum lugar – tudo que você precisa é do Texto extraído da edição de Setembro de 2010 da Revista Shambhala Sun e traespaço para colocar uma almofada no chão. Porém é melhor ter um local limpo duzido e publicado com a autorização do autor. e bem cuidado, mesmo se for apenas o canto de um quarto que, de resto, pode estar cheio e desorganizado. Manter aquele canto limpo e arrumado é uma preliminar para a prática de meditação em si.
O TRIKAYA Monge Genshô 20.03.13
O segundo kaya é o “Sambhogakaya”, o “CORPO DA FALA DE BUDA”, o corpo do esclarecimento, da luz que ele traz. Imaginemos um lugar completamente escuro, uma noite escura onde nada se vê. Quando acendemos uma luz, ela insSemana passada alguém pediu para explicar sobre o “Trikaya”. O trikaya é muito tantaneamente revela todas as coisas, lhes dá cor e todas as coisas começam a ser antigo e já aparece nas primeiras e scrituras do Cânon Páli. visíveis a partir desse instante em que levamos o Sambhogakaya até esse local. É o corpo do ensinamento de Buda. O Cânon Páli é um cânone que foi escrito em língua Páli, que é a língua do tempo de Buda, mas provavelmente Buda falava o dialeto “Magada”. O Páli é um O terceiro é o “Nirmanakaya”, o “CORPO DA MANIFESTAÇÃO”, o corpo físico descendente do sânscrito e pode ser considerado um sânscrito mais suave. Onde com o qual Buda se manifesta no mundo. Como ele possui um corpo físico e em sânscrito se diz “Dharma”, em Páli se diz “Dhama”. “Carma” em sânscrito, esse lhe é útil para iluminar todos os seres, para se deslocar, comer, aparecer e “Cama” em Páli. A letra “erre” não é pronunciada e �ca uma pronúncia mais ensinar, esse corpo é então o corpo da manifestação física. suave que o sânscrito clássico, que é a “língua dos vedas”. Na verdade, Buda é os três corpos. Quando falamos no Buda transcendente, Posteriormente, à medida que os escritores iam tornando-se mais eruditos, �- não no homem, estamos falando nos três. O Buda é sempre o Dharmakaya, cou mais natural escrever os textos budistas em sânscrito e, desse modo, muitos Sambhogakaya e é sempre o Nirmanakaya, e se manifesta cada vez que se torna textos foram transcritos nesta língua, inclusive os textos escritos mais tarde, e m necessário para salvar os seres do sofrimento. chinês, por exemplo. Grandes obras como Prajna Paramita já foram editadas em sânscrito e não em Páli. Mas o mais antigo conjunto de escrituras encontradas, Esse tipo de ensinamento tornou-se bastante popular à medida que o Mahayana inclusive escritas em folhas de palmeira há mais ou menos no ano 300 a.C., foi e suas visões transcendentes de Buda se tornaram mais importantes, porque eles retiravam de Buda o aspecto humano. Mas o Zen não tem tanto essa caracterísem Páli. tica, é como se estivesse escondido. Recebemos essa in�uência do Mahayana, Em Páli, trikaya signi �ca “OS TRÊS CORPOS”, nesse caso os três corpos de assim como outras in �uências de adaptação. Por exemplo, quando o budismo apareceu na China, a atitude de Buda de deixar a família, o �lho e a esposa e ir Buda. ensinar, pareceu muito chocante aos chineses. Havia um questionamento sobre Buda deriva do verbo “Bud”, despertar. Buda não é nome de uma pessoa, mas os antepassados e os valores familiares, que eram preciosos em razão da tradisim a qualidade de ser desperto. Por isso dizemos que todas as pessoas têm a ção Confucionista na China. Foram criados, em razão disso, um dos capítulos capacidade de serem Buda ou, que somos Budas em potencial, pois temos um do Sutra do Lótus, que é dedicado a enfatizar os antepassados e a devoção �lial, Buda escondido dentro de nós. Se acordarmos das ilusões, nos tornamos auto- para que o Budismo fosse palatável para a cu ltura chinesa. Isso foi uma adaptamaticamente Budas. Portanto, somos Budas em potencial, mas não de fato, por- ção. que enquanto formos sonâmbulos andando na vida, somos pessoas de sonhos, Os rituais de retorno e homenagem aos antepassados entraram no Zen nessa seres do Samsara, o mundo da perambulação. época e dessa forma foram para o Japão. Por isso não tem tanto sentido trazerEntão temos três corpos de Buda. O primeiro é o “Dharmakaya”, o “CORPO DA mos o peso de toda essa tradição para o ocidente, onde isso não foi tão imporVERDADE”. Para entendermos a �guração disso, o corpo da verdade é imanen- tante. Nossas adaptações tendem a ser diferentes das que o Budismo sofreu na te por todo o universo. É como se imaginássemos o céu azul. Podem aparecer China. Estes conceitos pertencem à tentativa de transformar o Buda/Mestre/ nuvens e tempestades, chuvas etc., mas quando tudo passa, lá está o imutável homem em um ser transcendente. Por essa mesma razão, aparece nas estátuas céu, ele não desaparece. Ele está sempre presente, embora possa estar totalmen- de Buda longas orelhas, um sinal no meio da testa e uma saliência no topo da cate obscurecido. O corpo da verdade de Buda é o Dharmakaya, portanto. Todos beça, são sinais de perfeição que pertencem a uma tradição Hindu. Na tentativa de fazer o Budismo palatável aos Hindus, os mestres do inicio do Budismo deisomos manifestações no Dharmakaya.
xaram que a crença popular incorporasse determinadas características à �gura de Buda. A estatuária de Buda surgiu somente três séculos após sua morte. Um dia destes uma pessoa escreveu na internet que Buda usava a largador de orelhas. Isso é uma não compreensão de todos esses fenômenos históricos. Buda é representado com grandes orelhas porque essa é uma das virtudes da compaixão, ser capaz de ouvir os lamentos do mundo. Temos que separar com cuidado o que é o ensinamento de Buda das incorporações culturais que lhe foram imputadas através dos tempos para torná-lo mais palatável às diferentes culturais as quais ele foi passando. PERGUNTAS Pergunta: Nesse sentido então, o Zen como conhecemos hoje, tão direto e não tão místico, mais cético, mais p é no chão, assumiu essa forma na China? Pois o Hinduísmo é mais místico, com deid ades, é mais esotérico.
deveriam se adequar ao ensinamento? Monge Genshô – O ensinamento em si permanece. Estamos falando de adaptações cosméticas. Rituais e cerimônias que originalmente no Budismo não existiam. Como eu disse, batizados e casamentos não existiam, tampouco as cerimônias que conhecemos como, por exemplo, as recitações de Sutras. Foram cerimônias que cada escola foi criando com a função de treinamento. Não vamos sentar à mesa e simplesmente comer, vamos fazê-lo de forma ordenada, com certa delicadeza e profundo respeito, etc. As tradições foram criadas ao longo do tempo pelos Mestres, que as vão modi �cando e adaptando. Mas isso não pode ser feito de forma rápida e pedindo opiniões. Senão cada um diz uma coisa que desejaria ver nas cerimônias.
Uma pessoa vem à Sangha pela primeira vez e diz que não gostou da recitação em língua japonesa. Ele não entendeu nada. Para ter condições de fazer esse tipo de crítica ele teria que ser um praticante de muitos anos. Ele ainda não sabe, não Monge Genshô – Sim, é verdade, o Zen sofreu uma grande in�uência chinesa. descobriu a essência, está criticando uma recitação que é feita a dois mil anos Ele chegou à China perto do ano 600 d.C. com Bodhidharma, muito provavel- da mesma forma, passando por diferentes línguas. O ritual foi sendo codi�cado mente vindo de uma das escolas primitivas do Budismo. ao longo de séculos, não podemos jogar fora algo que está sendo feito a mil e duzentos anos da mesma forma. É preciso haver respeito. Por isso as adaptações Na época do primeiro concílio, 300 anos após a morte de Cristo, já se conta- têm que ser feitas com grande cuidado e muito lentamente. vam dezoito escolas, a maioria desapareceu. Uma escola que ainda permanece daquela época é a Escola Teravada, mas que também é uma e scola com incor- Há que se separar o que é cultural, o que é útil, o que é meio útil, o que é um porações de vários tipos. O Z en, não por acaso, se parece bastante com a Escola meio hábil de ensinamento e o que é simplesmente uma forma que pode ser Teravada, mas se caracteriza por ter um grande número de incorporações cul- modi�cada. Por isso essas modi �cações só podem ser feitas por Mestres auturais dos vários lugres por onde passou. Da Índia para a China, depois para o torizados. O pior defeito seria a pressa, ou o julgamento instantâneo de opiniJapão e agora para o Ocidente. Nós já temos incorporações culturais ocidentais. ões. Muitas coisas já fazemos em português, esse talvez seja o ponto mais fácil Isso que fazemos aqui já é uma incorporação. Pessoas sentadas ouvindo palestra para ser mudado. Agora, mudar roupas, reverências, tradições de muitos séculos do Dharma já é uma incorporação cultural. Batizados Budistas e casamentos como o Rakussu, isso não é simples. Budistas também são incorporações, pois no Budismo original não existiam. Havia festas de casamento no oriente onde os monges eram convidados, mas Um dia uma pessoa me disse que não gostava da argola do Ra kussu. Essa argola iam para comer. Já o batizado de crianças é um fenômeno dos últimos cem anos, é uma lembrança de um antigo adereço com o qual se prendiam os mantos. totalmente ocidental. Como as famílias querem que haja uma cerimônia para o Por isso ela foi preservada. Saikawa Roshi disse que tem que ter a argola e não bebê, criou-se uma “cerimônia do nome” que funciona como se fosse um bati- discutimos o que o Mestre diz. Quando formos Mestres, poderemos dar nossa zado. Não tem a função de limpar os pecados originais, salvar de uma possível opinião. condenação ou evitar que a criança seja pagã, mas satisfaz a todos e deixa todos Pergunta: O senhor falou que todos podemos nos tornar Budas. Entre os vofelizes, que é o que o Budismo deve fazer. tos do Bodhisattva há aquele em que ele se compromete a salvar todos os Pergunta: Quando há essa adaptação para culturas diferentes, não se perde a seres, mesmo que sejam incontáveis. Isso não é contraditório partindo do essência do propósito para se adequar às pe ssoas? Não seriam as pessoas que pressuposto que os seres são inumeráveis?
Monge Genshô – É uma bela contradição. É um paradoxo. Como o Bodhisattva fez esse voto, ele não se torna Buda. Mas isso não signi �ca que ele não tenha um grande grau de iluminação, que não consiga despertar e realizar-se. No último degrau, na extinção completa, o Bodhisattva abdica para retornar por compaixão. É um voto muito bonito. “Bodhi” signi �ca “mente iluminada”. “Satva” é ser. Então Bodhisattvas são aqueles seres que alcançaram um grau de iluminação e se dedicam a salvar os outros seres. “Maha” signi�ca “grande”, então “Mahasat vas” são grandes seres. Pergunta: Foi Buda quem disse que em uma de suas vidas anteriores ele era um Bodhisattva? Monge Genshô – Sim.
O SOFRIMENTO Monge Genshô 23.04.13 O sofrimento provém do apego, essa é a informação que a gente ouve. Por causa do apego é que nós entramos em sofrimento. Isso é bem verdade, em geral sofremos pelas coisas nas quais colocamos nosso coração, aí estará a possibilidade de nosso sofrimento. Nenhuma das coisas do mundo é permanente, sólida ou estável, tudo está sempre mudando e iremos perder as coisas que julgamos preciosas. Perderemos os amores, as pessoas, o crédito, a fortuna e a fama. As coisas surgem e desaparecem. Porque nos agarramos a elas e nelas colocamos nosso coração, então sofremos pelas perdas. Temos muita di�culdade de nos libertarmos desse tipo de sofrimento porque sempre fomos ensinados desde pequenos a chamar as coisas de “meu” e “minha”. Primeiro aprendemos que temos um “eu”. Logo depois aprendemos o “é meu”. Como agregamos essas coisas ao nosso “eu”, quando elas partem, sofremos. Quanto mais memória você guardar disso, mais sofrimento terá. Agora mesmo estava me lembrando de quando era pequeno e minha irmã ganhou uma caixinha de música, girava-se uma manivelinha e tocava uma melodia. Eu e meu irmão �camos muito intrigados e resolvemos desmontar a caixa para ver como funcionava. Evidentemente destruímos a caixinha de música. Lembro que minha irmã entrou no quarto onde estávamos e viu o que fazíamos. Isso deve fazer uns 55 anos. Mas da última vez que estive com ela, ela me acusou de ter destruído sua caixinha de musica. A caixinha de musica de 55 anos atrás ainda causa sofrimento. Hoje um aluno me escreveu porque eu havia dito a ele que não era um ser perfeito, mas não havia me lembrado do que estou dizendo agora, que quando pequeno era destruidor de caixinhas de música. Mas o que interessa nessa história é que, porque havia apego, houve sofrimento. Como houve intenção, isso criou um carma e esse carma ainda vive depois de tantos anos. Mas existe outro aspecto que nos causa sofrimento que normalmente é e squecido - a aversão. Buda ensinou: “sofremos por apego, por aversão e por ignorância”. Nós sofremos também quando sentimos aversão. Aversão a pessoas, coisas, alimentos, en �m, todas as coisas. Desenvolvemos preferências e dizemos: “eu gosto disso”, “não gosto daquilo” e dessa forma criamos sofrimento. Por causa disso, nos monastérios Zen, quando se servem os alimentos - isso
também nos nossos retiros - você não pode recusar, não pode deixar de comer nenhum deles. Eu pessoalmente nunca gostei muito de comida japonesa não sei por que resolvi ser Monge de uma escola japonesa. Já estive em mosteiros onde a comida servida era tipicamente japonesa, não a comida que a gente come em restaurantes, mas a comida mais do dia-a-dia do japonês, ameixas salgadas, pudim que tem pimenta dentro, café da manhã com papa de arroz sem sal e legumes cozidos. Para um brasileiro que não está acostumado, se deparar com esse tipo de refeição pela manhã, é estranho.
“aquele que atinge a iluminação livra-se de toda dor, agonia e sofrimento”. Sua dor e sofrimento desaparecem, pois sua visão de mundo mudou. É como você gostar muito desta xícara, mas ela cai no chão e quebra. O que deve ser feito? Buscar a vassoura e juntar os cacos. Não existe muita utilidade você lamentar sobre os cacos. Não tem muita utilidade essas c oisas que arrastamos. Quando as coisas caem e quebram o que temos que fazer é juntar os cac os.
O que acontece é que você tem que sentar, receber a comida e comer sem julgamentos de “eu gosto, eu não gosto”. Depois de repetir a mesma comida por dez refeições, você acaba gostando, acaba descobrindo sabores que não conhecia, mas para isso o julgamento “gosto”, “não gosto” tem que cessar. Esse treinamento é feito para superar o sentimento de aversão. Os mestres costumam fazer algumas coisas um pouco incompreensíveis, por exemplo, como quando existe um mal estar entre dois Monges, eles não se entendem muito bem: Lembro-me bem de um episódio entre duas Monjas que foram reclamar ao Mestre, cada uma dizendo odiar e ser odiada pela outra. Então o Mestre tomou a providência de colocá-las a dormir juntas no mesmo quarto. Você deve aprender sua aversão. O ensinamento é: “Sente-se com seu desconforto”. As opções são: ou você vai embora ou �ca e resolve a questão.
Pergunta: Quais são as causas do sofrimento que o Senhor falou?
PERGUNTAS
Monge Genshô – O apego, a aversão e a ignorância. A ignorância é a falta de compreensão. Conhece as pessoas que fazem escândalo porque quebra alguma coisa? Elas brigam e criam um mal estar tremendo por causa de algo que não tem conserto, esse é um dos aspectos d a ignorância. Pergunta: E com relação à dor física, doenças, onde se enquadraria dor física? No sofrimento talvez? Monge Genshô – Não, esse não é um sofrimento mental. Esse é um sofrimento que surge da condição humana, da causalidade. Mas não necessariamente você tem uma culpa pra surgir um sofrimento físico, o simples fato de sermos seres humanos fará com que tenhamos doenças, dor e desconforto. Isso faz parte do nosso carma de termos nascidos seres humanos. Algumas pessoas são mais felizes nesse aspecto e outras - mesmo crianças que têm doenças horríveis e dolorosas - quando olhamos não conseguimos ver nenhuma justi�cativa para isso. As pessoas que creem em Deus se revoltam com Deus, questionando -“Mas por que Deus faz isso?”. Se você imaginar que a criança surgiu agora e que não existe nenhum passado, você não encontrará explicações. Mas se olharmos todas as vidas como longas continuidades, todos teremos carma para muito sofrimento, pois atrás de nós tem muitas vidas e com certeza muitas coisas erradas foram feitas.
Temos então duas grandes fontes de sofrimento: a primeira são os apegos, principalmente afetos; meu �lho está passando as férias aqui comigo, amanhã pela manhã ele irá embora, ontem eu sonhei que ele estava indo embora, então chorei. A outra fonte de sofrimento é a aversão, o “não gosto”. É claro que na nossa vida comum, se temos um problema difícil de resolver e você não consegue �car junto, é melhor não conviver. Mas aí não é a vida dos mosteiros. No caso fora dos mosteiros, o melhor é evitar os relacionamentos perturbadores. Mas com relação ainda aos apegos, não é porque sofreremos por termos apegos que deixaremos de ter amor. O que temos que fazer é a dmitirmos que a vida é constituída desses envolvimentos e das consequentes perdas, e aceitar que os afetos vêm e vão, que as coisas surgem e terminam. Mas com relação à dor física, se você desenvolver uma mente altamente disciplinada, é possível diminuí-la consideravelmente. Ignorá-la a ponto de não Quem trabalha com pessoas ouve esses tipos de problemas o tempo todo, e aca- senti-la. Tornar-se um com a dor é um treinamento que pode ser feito no próba aprendendo, pois vem uma pessoa e lhe diz - “Poxa eu tinha um relaciona- prio zazen. Todos nós sentimos dor no zazen, é o momento de pensar: a dor mento, um amor, e agora aconteceu uma separação e estou sofrendo muito”. Sei existe, mas não é minha, é só uma dor. Já viu aquelas imagens de Monges se auto que o sofrimento é real, mas também sei que em alguns anos ao encontrar essa imolando em posição de zazen? Na época da guerra do Vietnã, muitos Monges mesma pessoa e ao lhe perguntar sobre o relacionamento ela dirá, “que bom que atearam fogo em seus corpos para derrubar o governo que estava perseguindo acabou, encontrei outra pessoa”. Por isso no Sutra do Coração está escrito que o Budismo. Algumas pessoas perguntam, em razão desses atos, se o Budismo
apoia o suicídio. Nesse caso não se trata de suicídio. Trata-se de um ato de sacrifício em nome de milhares de pessoas. É diferente. Quando estiverem fazendo zazen e sentirem dores, podem imaginar que é possível queimar seu corpo em zazen sem se mexer. Pergunta: Eu gostaria de entender uma coisa, quando o Senhor falou em aversões, eu sinto...eu não consigo me enraizar, eu gostaria de me sentir parte dessa natureza, todos falam em objetivos, eu entendo que não existe onde chegar, mas a estabilidade, por mais que eu trabalhe essas coisas em mim ainda não me sinto no chão, me sinto muito aérea. Gostaria de me sentir presente em algum lugar. Monge Genshô – Você precisa praticar meditação para aprender a �car presente, aqui agora, nesse lugar. Mas acredito que seja necessário sentir que tem raízes, porque somos seres móveis, mutantes e também transitamos por todos os lugares e isso nos dá muitas possibilidades e, se você fosse uma árvore e estivesse presa sem jamais poder sair, talvez você dissesse “eu queria ser livre, queria ser um pássaro e poder voar, mas eu com essas raízes que me prendem, não posso”. Nós seres humanos somos muito complicados, nunca estamos muito satisfeitos. Frequentemente tenho conversado sobre isso com minha esposa, porque o mundo tem variado e estávamos falando da Grécia. No Brasil temos 22% das pessoas que estão trabalhando para o Estado, todos querem ser funcionários públicos. Porque se tem segurança, nunca será demitido. E falávamos que a Grécia entrou na zona do Euro e o povo sentiu-se mais rico, o governo com mais condições �nanceiras resolveu atender os desejos das pessoas. No �m gerou-se até um 16º salario e perto de 50% da população e stava em empregos públicos, só que o governo não tinha condições de arcar com tanta despesa, foi pegando dinheiro emprestado e no �nal descobriu-se que a Grécia não tem como pagar os empréstimos feitos. A lição que vem disso é que não se pode fazer as coisas in�nitamente, não existe a possibilidade dos gastos in �nitos, da estabilidade. Vivemos em um mundo instável e buscamos cada vez mais estabilidade. Mas essa não é história da humanidade. A história da humanidade é tremenda incerteza. Até o início do século XIX fome generalizada para países inteiros era coisa comum. Só paramos de ter fome em todos os lugares quando foi possível levar navios com alimentos de um lado para o outro no mundo. A história da humanidade é de incerteza, guerras e mudança. É interessante que existam países em que acontece uma certa estabilidade, como é o caso da Alemanha de hoje, e
isso já ocorre desde a segunda guerra mundial. Mas quando conversamos com jovens alemães, eles dizem que o Brasil é maravilhoso, pois existem muitas possibilidades, muita aventura e muitas coisas podem acontecer. Na Alemanha, eles dizem que quando se nasce irá fazer tal curso, trabalhar em determinada empresa e sem sair da cidade onde mora. Tudo já é previsto, muito estável, e a sensação que as pessoas têm é de imensa monotonia. E nós que estamos na parte instável do mundo, onde as coisas sobem e descem, queremos estabilidade. Mas temos conhecimento de jovens que saem desses lugares estáveis para morar no Brasil e América Central em busca de aventura, de mudanças. Uma vez conversando com um senhor alemão ele me dizia da maravilha, da sorte que eu tinha de morar num lugar onde as possibilidades eram in �nitas, uma vez que na Alemanha tudo já estava feito. É interessante que as pessoas tenham esse tipo de sentimento morando em um lugar desses. O que interessa para nós do ponto de vista Budista é que o ser humano nunca está satisfeito, quando tem estabilidade quer aventura, quando tem muita aventura anseia pela estabilidade. A Juliana não acredita nisso, ela quer estabilidade, já disse a ela que vou levá-la a um país chamado Andorra, que possui cinco cidades. Então ela fez uma pesquisa na internet e descobriu que o país tem menos e cinquenta mil habitantes, é um principado. Vive do turismo e tem um único imposto, 15% de tudo que for comercializado. Não existe declaração de imposto de renda, não possui exército, nada acontece, há muitos anos que o país vive nessa calmaria. Quando estive em Andorra o que as pessoas diziam era que o lugar era monótono, “nasci na casa dos meus tataravôs e morrerei nessa mesma casa, aqui é muito chato”. Todos sabem da vida de todos, pois cada cidade tem no máximo dez mil habitantes. Mais ou menos 17% da população são imigrantes portugueses e angolanos, que fugidos da guerra civil de seu país vão em busca de paz. Para esses imigrantes, Andorra é o paraíso. Pergunta: Tenho uma dúvida sobre a disciplina do Zen. Onde se encaixaria a disciplina nesse universo que o Senhor mesmo falou de aventura e mudanças? Entraria como uma espécie de balança? Monge Genshô – Em um mosteiro a monotonia é imensa. Tudo tem hora para começar e terminar. Vai raspar a cabeça no quarto e nono dias, não existem domingos e feriados, um dia para l avar a roupa, outro dia para cerimônias, é tudo sempre igual, sempre as mesmas coisas. O máximo que pode acontecer é trocar de função. Não existem notícias de fora do mosteiro, sem rádio ou televisão, sem telefones. Você mergulha na mais absoluta paz. Por isso quando o Monge sai do mosteiro, pensa que o mundo está uma loucura. Como você viveu e m um
universo onde tudo é compartilhado, não existe nada de seu, você não precisa Pergunta: É possível, mas não seria mais fácil num outro contexto que não nesse nosso atual, por exemplo, é difícil a pessoa sobreviver no mundo real... de nada, não precisa de bens, não há a absoluta necessidade de adquirir nada. Funciona assim: onde vou morar, vou morar na comunidade Budista de FloPergunta: Mas dessa forma sempre tem alguém por trás pensando e orga- rianópolis, então largo tudo e peço ao Monge para dormir no zendô e a conizando e, de certa forma, �nanciando tudo isso. Os seres fora do mosteiro munidade é que me sustenta? trabalham para sustentar esse estilo de vida. Monge Genshô - É que vocês estão pensando que esse é um modelo para a Monge Genshô – Sim, isso é verdade. E essa sempre foi a tradição da humanida- existência, o monastério, e o mosteiro Zen é diferente do mosteiro católico. Em de, os religiosos sempre foram sustentados. A sociedade produz um excedente um mosteiro católico você vai para viver a vi da inteira, então é muito mais cone isso propicia o sustento dos Monges. Embora os Monges em mosteiros traba- fortável. Num mosteiro Zen você vai para treinar por um período curto, não se lhem, isso não é su �ciente para produzir renda para ter um conforto a mais. Os espera que um Monge em formação �que mais que dois anos num mosteiro, três Monges dormiam na sala de meditação, suas refeições eram feitas ali também, anos é o máximo. Ele terá uma vida mais dura no primeiro ano, no segundo ano ninguém possuía quarto particular. Ele só tem um lugar onde medita, dorme e está mais acostumado e no terceiro já estará cuidando dos outros. É um lugar faz suas refeições, isso tudo no mesmo lugar. Só levanta dali para trabalhar ou para descobertas, não um modelo de vida. Se fosse um modelo de vida, o monfazer cerimônias. É extremamente simples. A lição quando o Monge volta para o ge teria que ser mendicante e não ter ligação com nada. Por isso a designação mundo, é perceber que os problemas que angustiam e preocupam a humanidade “Monge” no Zen está errada. Não se trata de Monges verdadeiramente, somos são problemas fabricados, problemas criados por nós mesmos. Acreditou num “Ministros do Dharma” ou “Reverendos”. determinado mito, por exemplo: você tem um nome e precisa defender esse nome. Em um mosteiro você descarta seu nome de família e ganha um novo Quando você vai para o mosteiro, vive o celibato, mas quando sai, casa e tem nome. família e muitas responsabilidades. Por exemplo, aqui, se um Monge quisesse realizar esse tipo de trabalho, teria que receber di nheiro da Sangha, senão como Pergunta: Mas continua a questão, tem alguém cuidando de ti, no mundo sobreviveria? Esse mês a Sangha me fez uma doação de um zazenkai que realizamos, de R$ 130,00. Imaginem vocês, se eu fosse viver do que a sangha me doa? você não pode viver... Sou um Monge da comunidade e ela me sustenta, cada dia teria que al moçar na Monge Genshô - As angústias do mundo são em sua maioria fabricadas. Você casa de um membro. acredita em nome, forma, roupa, bens, você acredita em todas essas coisas e Pergunta: Qual a utilidade desse processo todo para a humanidade? sofre por elas... Pergunta: Mas todas as coisas têm que existir para poder viver... Pergunta: O ser humano é feito disso, só num momento de libertação último é que consegue se livrar de todas essas coisas... Monge Genshô - É disso que estamos falando, o monastério serve para a pessoa descobrir que a maior parte disso que dizemos, “eu preciso”, é fantasia. Porque, na realidade mesmo, não precisamos. Você precisa porque todos esperam que você tenha carro, casa própria, família, mas quando você está num mosteiro descobre que é possível dormir no mesmo lugar que você medita, é possível não ter quarto, é possível não ter privacidade, é p ossível não ter seu próprio banheiro.
Monge Genshô - Essa é uma excelente pergunta. A humanidade mudou por causa dos mosteiros. Se formos p egar somente a Europa como exemplo, em razão da existência dos monastérios é que a Europa mudou completamente. Os monastérios foram responsáveis por copiar livros, guardar conhecimento, educar, serviram de refúgio, foram as primeiras escolas e inspiradores das universidades. Isso também aconteceu no Budismo. Em razão da existência de Monges e monastérios, aconteceram estudos �losó�cos, surgiu a Universidade Nalandha, na Índia, para preservação do conhecimento, os Monges lutavam por paz entre os povos, criou-se na Índia, em razão do Budismo, um longo período de paz. Se olharmos para o cristianismo, veremos que os monastérios preservaram a alma do cristianismo. Porque, pelas lutas de poder do papado e guerras internas, o cristianismo já teria desaparecido. O cristianismo �cou refugiado em homens
como São Francisco de Assis, Santo Inácio de Loiola, Santa Teresa D’Avila. Essas pessoas estavam nos monastérios. Foi lá onde havia vestes de ouro e luta pelo poder que o espírito do cristianismo se perdeu.
O SESSHIN Monge Genshô 05.12.12
Pergunta: Tem uma palavra que o Senhor usou agora, existiria na escola Soto um aspecto esotérico?
Como esse é um sesshin que tem muitos iniciantes, iremos falar um pouco sobre o que é o sesshin e qual sua função. No período da manhã, por acordarmos muito cedo e não estarmos acostumados por ser o primeiro dia, alguns sentirão sono. Tradicionalmente os professores não dizem nada e deixam os alunos dormirem nas palestras. Mas, se puderem, mantenham-se acordados.
Monge Genshô - Esotérico com S? Perfunta: Sim, com S.
O que é o sesshin? O ideograma “SE” tem o sentido de “consertar ou reunir”; e “SHIN” signi�ca “mente”. Nossa mente no mundo, com todos os acontecimentos que sucedem, acaba �cando espalhada, então tem que ser reunida, juntada. Pergunta: Voltando àquela questão anterior. Aquele treinamento do mostei- Nossa mente também está perturbada, somos arrastados como folhas levadas ro não é um treinamento para a vida real, mas sim um treinamento para você pelo vento: os ventos das paixões e dos acontecimentos nos jogam de um lado compreender que você vive nesse mundo de fantasia, de necessitar de um para o outro. Não temos domínio sobre o que está acontecendo e somos levados carro, en�m... Mas se conseguirmos reunir as duas coisas, por exemplo, tudo pelos sentimentos dos mais variados, como amores, culpas, remorsos, desejos, bem, eu preciso de um carro para me locomover, mas se não tiver um carro aversões e raivas, que nos empurram de um lado para o outro como se fossemos não vou morrer por causa disso. Então é mais um treinamento para que as folhas. coisas desejadas não sejam tão gr andes. Não é que você não de va desejar, não Outra boa analogia, é como se fossemos cavalos sem rédeas correndo pelo camdeva querer, mas não precisa ter tanto apego... po “desembestadamente”. Outra característica do que vocês sentem no zaze n, é Monge Genshô - Tem que tirar o “tanto”. Na realidade pode �car plenamente de nossa mente como um macaco bêbado pulando de galho em galho, ele agarra liberto disso. Ter um carro é muito bom, não ter, tudo bem também. Não é esse um galho, um sentimento, um pensamento, e logo vê outro, pula e se agarra, o problema. Não existe um meio caminho nisso. Quando dizemos, “Ah, não me quando você percebe, passou o zazen inteiro viajando, perdido, não conseguiu importo tanto com isso”, é porque você se importa sim. Só amenizou, mas se im- �car aqui nesse lugar, que é nosso objetivo. porta. Tem que quebrar a xícara e varrer os cac os, só isso, sem sofrer pela xícara quebrada. Se formos capazes de varrer os cacos de tudo na nossa vida, daí sim, Para que sentamos em zazen? Para consertarmos nossa mente e verdadeiramenpois não são somente coisas, coisas são mais fáceis. Emoções, apegos, pessoas, te vivermos uma realidade. Essa realidade é aqui. Temos um imenso privilégio, são fontes de maior sofrimento e mais difíceis de lidar. pois esse local é um paraíso distante de todo o mundo. Lá fora hoje, no mundo, é carnaval. As pessoas se vestem de fantasias. Na Bahia as pessoas têm uma fantasia que se chama mortalha, uma fantasia com a qual pode acontecer de tudo: sujar, rasgar, não tem importância, é uma mortalha. As pessoas vivem como se fossem morrer, como se nada importasse, não tivesse mais sentido qualquer na vida, essa frase é bem interessante, “vestem mortalhas e vivem como se fossem morrer”. Logo, os sons são muito altos, a música é inebriante e todos os desejos vêm à tona e podem ser vividos livremente, porque os outros também não estão se importando, pois também irão morrer. Monge Genshô - Sim, existe.
Originalmente, no carnaval se usavam fantasias que cobriam também os rostos
das pessoas e você não sabia com quem se relacionava. Carnaval tem o seguinte nome de origem: “carne”, pois era a festa que antecedia a quaresma. Durante os quarenta dias antes da Páscoa, os cristãos antigamente não comiam carne, então o carnaval eram os últimos dias em que era permitido comer livremente a carne dos animais, depois disso, pela noção de que Cristo era o cordeiro de Deus, nã o se podia fazer isso. Ao mesmo tempo, essa festa tem origem nas antigas festas romanas como as “saturnais e as bacanais”, festas estas, que lembravam deuses como Baco, o Deus do vinho e, portanto, do inebriar-se. Assim, você bebia o vinho e esquecia suas reponsabilidades e as consequências dos seus atos podendo agir livremente. A palavra em português bacanal tem origem nessas festas ao Deus Baco. Nós escolhemos �car distantes deste tipo de viver. Ele tem a característica do esquecimento da realidade e o mergulho no mundo da ilusão. Usa-se fantasia, a música é para inebriar, a bebida é para entontecer e as consequências não existem. Aqui estamos no mundo do Dharma, nós escolhemos. Temos o céu, as árvores, o som do riacho, mas nossa escolha é nos tornarmos profundamente conscientes desse momento, completamente presentes e trazermos sempre nossa mente de volta para o aqui e o agora, inteiramente.
meu respeito. E o Mestre fez algo muito interessante, ele me enviou a carta e disse: “por favor responda, resolva”. Então eu �z isso. Ao tomar essa atitude, o Mestre nos deu várias lições. Uma delas é: “não faça uma coisa dessas, você irá enfrentar as consequências, pois não irei guardar para mim”. Se tem algo a dizer para outra pessoa, diga. Diga abe rtamente, não faça conspirações. Para esse meu amigo, a situação �cou extremamente delicada pois ele nunca poderia dizer ao Mestre: “como o Senhor entrega a carta à ele?” A lição está implícita dentro do ato do Mestre, não cabem explicações. Dentro do sesshin não conversamos para evitar todos esses fenômenos do ego e poderemos perceber que os atritos são in �nitamente menores do que se as con versas fossem permitidas. Se houvesse conversas, se formariam grupos e com esses grupos com certeza desconforto. No sesshin, tudo é ritualizado para que prestemos atenção e �quemos mais presentes nesse mundo, nesse momento. A grande prática chama-se “Grande Atenção”. Existe um Sutra, o “Sutra Da Plena Atenção”, que fala sobre as técnicas de praticar a atenção. Quando você c aminha, sinta o chão sob seus pés. Quando sentado em meditação, ouça os sons, não se afaste, �que aqui e ouça o riacho sem parar, não deixe que o som desapareça, esteja atento. Seu olhar deve enxergar a maravilha do mundo. Não vemos a maravilha do mundo, pois estamos perdidos em nossos pensamentos. Mas a mara vilha está presente em todos os instantes, nossa vida é extremamente preciosa, é única. Devemos vivê-la como uma grande oportunidade, pois não sabemos exatamente quando e como ela vai terminar, mas irá terminar para cada um de nós, então, esse momento é muito importante, no fundo, fazemos sesshin para aprendermos a viver, para nos distanciarmos da embriaguez do mundo.
Por isso, no zazen, as instruções são: “não pense no passado”, “não pense no futuro”, “não viaje para suas memórias, pois as memórias são fantasias”, “não viaje para o futuro, pois o futuro também é imaginação”, só existe na nossa mente. Nossos sofrimentos só existem na nossa mente. Nós os criamos. No sesshin escolhemos não conversar, não falar, porque quando falamos invariavelmente produzimos movimento no mundo, ondas de sentimento nos outros. Podem ser coisas boas, podemos fazer um elogio, produzir um sentimento caloroso, Não devemos ouvir música no sesshin, porque ela nos distancia desse momento, mas mesmo esse sentimento, no fundo, tem uma relação de afago ao ego, ao do aqui e agora. Existe o momento de ouvir musica e, nesse momento, deveríamos realmente ouvir musica, mas agora optamos por não ouvir ou fazer música, orgulho, à vaidade. para que possamos ouvir outras coisas que estão perdidas durante a maior parte Existe uma técnica de administração que é muito usada pelos mestres do Zen, do tempo. que consiste em não permitir que se fale pelas costas das pessoas. Dessa forma, quando alguém fala para você de uma terceira pessoa e essa pessoa se aproxima, Algumas pessoas ouvem música como forma de apagar sua própria mente e sua você então pergunta: “O que é mesmo que você falava dele”? Dessa forma, você percepção, num volume muito alto, não escutam mais nada. Música para emestá ensinando para as pessoas, “não fale para mim o que você pensa a respeito briagar. Estamos aqui para fazer justamente o oposto, longe de toda embriaguez, de qualquer pessoa, só diga aquilo que você diria na frente dele, não fale mal de tudo que obscurece, de tudo que apaga, para vermos um mundo nítido, tal das pessoas quando elas estão ausentes”, pois isso é uma espécie de conspiração. como ele surge. Por isso evitamos falar, explicar, justi�car, pois todas essas coisas Esses atos vão construindo um mundo de pe quenos segredos. são manifestações de nosso ego. Não pedimos desculpas, nem dizemos obrigado, nem bom dia, isso tudo é desnecessário. Se dizemos “bom dia” e a outra Uma vez uma pessoa escreveu uma carta para meu Mestre, fazendo críticas a pessoa não nos responder, logo podemos �car ofendidos, “mas por que ele não
me respondeu”? A situação �ca resolvida com o silêncio. Nada a dizer. Devemos con�ar nos sons dos instrumentos. Cada som signi �ca que algo irá ocorrer, não espere, dirija-se rapidamente para o local. Nos horários de zazen, sempre temos dois sinais: o primeiro é para chamar, “atenção, haverá zazen”! O segundo é para que todos entrem no zendô. Devemos entrar, sentar, ajeitar-nos na posição, respirar e nos propormos a fazer um zazen verdadeiro. O sesshin é sofrido e cansativo, e é assim de propósito. O sesshin é uma crise. Sem comunicação, pouca comida, pouco sono e sozinhos. Mas o sesshin está longe de ser uma lavagem cerebral, ninguém lhe dirá o que você deve sentir e pensar. As instruções são: “observe sua mente, traga-a de volta para cá”. Essa é sua prática, seu treinamento. É um método. O professor não é um Deus, um profeta, um ser perfeito e nem tem nenhuma comunicação direta com algo superior. Ele simplesmente é mais antigo na prática. Em japonês, Sensei, professor, signi �ca “aquele que veio antes”. Mas não é necessário aceitar irrestritamente o que o professor diz. O Budismo ou Zen, não são doutrinas baseadas na fé ou crença, é necessário apenas experimentar, treinar, vivenciar. Quando conseguimos a vivência, podemos experimentar algo. Mas o que seria esta experiência? A primeira experiência que estamos procurando é o “Samadhi”. Samadhi é um estado de profunda concentração em que você está além do pensar e não pensar e está realmente aqui. É você mergulhar apenas nesse sentimento, “estou sentado e ouço os sons, não estou longe, não penso em ontem nem amanhã, só em agora”. Se conseguir �car nesse agora completamente, isso é Samadhi, é isso que temos que cultivar no zazen. Não caiam na tentação de sentar e dizer, “estou cansado e por isso irei criar uma fantasia e rodar um �lme na minha mente”. Isso seria um completo desperdício desse sacrifício no sesshin. Cada vez que você se vir viajando, volte para cá. Retorne simplesmente, retorne para esse momento. Não se culpe, não se julgue, não pense que está fazendo um zazen horrível, volte mil vezes. Acalme-se. Se você conseguir não viajar para passado ou futuro e conseguir �car somente no agora, isso é profundamente sereno. Não existe nenhuma ameaça, nada. No máximo você sentirá cansaço, sono, dor. Aproveite, é o cansaço do agora, o sono do agora, a dor do agora, apenas aproveite, o sino irá tocar, vai terminar.
Apesar de estar de frente para vocês e poder obser var e saber que ele já olhou no relógio, também pensei: “deve ter passado, ele esqueceu”. Mas também já pensei em outro momento, “o que aconteceu, faz só dez minutos que sentamos e o sino já tocou”! . Isso mostra como foi o zazen. O melhor zazen é assim, você sentou e “plim”...acabou. Guarde esse zazen, esse foi precioso. O tempo não existe. Quando acontece isso você percebe como o tempo pode ser relativo, elástico, como os quarenta minutos podem ser muito longos e sofridos, mas também podem ser muito curtos. As experiências místicas muito provavelmente não acontecem no zazen, as melhores experiências acontecem fora, depois, quando estamos caminhando, ou em outra situação e percebemos que nossos sentimentos estão mudando. Se �zermos tempo su�ciente de prática, nossos próprios sonhos mudam, nosso sono muda, mas nossos sonhos melhoram, porque nosso inconsciente muda. Agora temos apenas um dia mais ou menos de sesshin, esses primeiros zazens do primeiro dia é como se fossem uma limpeza, muitos pensamentos já vieram e se foram, muitos pensamentos que surgiram nos primeiros zazens já não têm mais sentido. Talvez agora estejam retornando imagens ou pensamentos que não são dos últimos dias, mas sim coisas mais básicas e também elas se tornarão cinzas, mas não se importem, não mexam com elas, apenas retornem para cá, para essa imensa di�culdade que é viver o momento presente, a verdadeira vida. É necessário esquecer de si mesmo. Esquecer de mim, este que sempre quer explicar tudo, que sempre quer ter sucesso, que sempre vai procurar culpas, ou para se martirizar ou nos outros, esqueçam este “eu”, joguem fora, ele também é uma construção, também é imaginário. Por isso fazemos tudo juntos, nunca separem-se do grupo para fazer algo sozinhos. Nós fazemos tudo juntos. Porque não somos ”eus” separados, somos participantes de um grande ser. Esse “eu” separado que nós tanto prezamos e acreditamos, esse que nasce e morre, se nos livrarmos dele, nos livramos também de nasci mento e morte. Isso é iluminação. Por isso a iluminação é um acontecimento de grande alegria, felicidade imensa, porque morte e nascimento desparecem e de repente você ganhou vida eterna.
Não sentimos nossa eternidade porque somos indivíduos, porque acreditamos em nós mesmos como pessoas separadas e até criamos religiões que querem que nós continuemos existindo iguais para sempre. E não existe nada igual para sempre, só existe um imenso universo do qual nós somos ondas participantes. Estamos nesse imenso �uxo. Somos como as pedras ou árvores lá fora, somos Às vezes pensamos: “o Jikidô deve estar dormindo, esqueceu de tocar o sino”, fenômenos no universo. Nós temos que nos sentir como o universo e para isso é isso deve ocorrer na cabeça de todos. A função dele é ser responsável por cuidar necessário esquecermos de nós mesmos. E isso é imensamente difícil, a prática do tempo do zazen e isso é um sacri�co enorme, pois atrapalha o seu zazen. começa com “esqueça passado e futuro, sente-se, mergulhe e seja um com todas
as coisas em volta”. Se você conseguir ser um, nem que seja por algum lapso de pensar o bem, penso em coisas ruins. tempo, se por alguns segundos você for aquele que canta lá fora, mesmo que por um pequeno instante, você terá enxergado o que é iluminação. Iluminação Monge Genshô – Nós organizamos o mundo através da linguagem e ela é uma é sentir-se assim sempre. ferramenta muito útil, tanto que construímos toda tecnologia e todas as coisas usando a linguagem. Mas a linguagem tem um mecanismo dual. Desde pequeno você aprende entre certo e errado, em cima e embaixo, direita e esquerda. PERGUNTAS Embora isso no fundo não tenha muito sentido, essa é minha esquerda, mas aí Pergunta: Como um psicólogo pode lidar com as críticas feitas aos outros, pra você é sua direita. Aqui, agora é em cima, mas para os japoneses do outro lado do mundo é embaixo. Nós usamos a linguagem e organizamos o mundo, levadas até ele? dessa forma podemos entendê-lo. Os homens para entender o mundo, costuMonge Genshô – Bom, o psicólogo tem suas próprias técnicas. Ele trabalha mam classi�cá-lo. Você sempre encontrará as pessoas divididas em tipos, coisas num outro âmbito. Ele trabalha com “eus”, com a relação de um indivíduo com como horóscopos, onde elas são separadas conforme personalidades supostas, o mundo, tenta construir um ego estruturado que possa se relacionar bem no são um esforço da mente para tentar colocar ordem numa coisa na qual ela não mundo. Mas não é assim que o Zen trabalha. O objetivo de um Mestre Zen é, consegue ver ordem. na verdade, destruir este “eu”. É tirar o tapete de baixo do “eu”. Deixá-lo solto, sem nada onde se agarrar. É um processo completamente diverso e não é pra ser Na verdade as pessoas são todas diferentes. Você colocá-las em prateleiras e diviaplicado para qualquer um, somente para aqueles que queiram se libertar. Para di-las em escaninhos, pode ajudar a entendê-las mesmo numa fantasia, como é o caso dos horóscopos, mas não ajuda você a olhar a realidade de que cada pesuma pessoa que já apresente algum tipo de problema, pode ser perigoso. soa à sua frente é um indivíduo maravilhosamente diverso de todos os outros. Então a prática do Zen é uma prática para pessoas que estejam razoavelmente A sua mente faz isso porque ela foi treinada para fazer isso, pois ela só consegue equilibradas, pois serão apresentadas à uma crise onde você não tem suporte. pensar com esse instrumento, a linguagem e a classi �cação. Mas quando peço De repente você perde os deuses aos quais os homens sempre se agarraram. Se para você sentar, eu digo: “não elabore, não julgue, não existe certo ou errado, você tentar se apoiar no seu professor, ele não o apoiará, ele o apresentará à uma deixe os pensamentos virem e irem, não o analise, não o agarre, não raciocine crise ainda mais aguda, colocando você em problemas mais difíceis, ou mesmo sobre ele”, você só pode fazer isso com a linguagem e a ela não vai dar a você fazendo perguntas que você tem muitas di�culdades em responder. a percepção pura do universo. Essa percepção não pode ser alcançada com as palavras. As palavras são insu �cientes. Esses dias um homem me escreveu perguntando sobre a ordem subjacente do universo. Porque a matéria se organizava de maneira a fazer vidas, “eus” e coisas Um dia desses na Sangha, uma mulher me perguntou, “como é a iluminação”? assim, um mundo como o nosso perdido dentro de uma imensa galáxia que é Então perguntei quem já havia comido lichia. Perguntei se ela já havia comido apenas uma, dentro de bilhões de galáxias, parece tudo sem sentido, ele queria lichia, ela respondeu que não, então pedi à outra pessoa que já havia comido uma ordem subjacente e eu lhe perguntei: “uma ordem criada por quem, com que explicasse o gosto da fruta. A linguagem é absolutamente insu�ciente para qual objetivo?” Na verdade ele não vai encontrar o sentido ou objetivo, porque explicar algo aparentemente tão simples. Você consegue colocar a fruta na boca a�nal esse próprio universo irá se dissolver com o tempo em entropia, as estrelas e automaticamente saber o gosto, mas uma descrição disso não é nada. O Sase apagarão, a matéria irá se desorganizar, a energia vai se espalhando de formas madhi que acabei de descrever, quando vocês experimentarem, saberão o que não aproveitáveis de modo que um dia esse universo se apagará, e você quer um é, aí poderão falar com outra pessoa que já experimentou. Se alguém já teve sentido? Uma resposta Zen é, “a vida é como ela é e as coisas são como são”. uma experiência iluminada, poderá sentar com alguém que também já teve a experiência e um, instantaneamente, saberá do que o outro está falando, mas as Pergunta: Eu gostaria de saber se o Budismo tem alguma explicação para o pessoas que não tiveram essa experiência não conseguem conversar sobre isso. pensamento, porquê tenho pensamentos que eu quero ter e outros que não Se está fora de sua experiência, a linguagem é inútil. gostaria de ter? Pensamentos dualísticos, ao mesmo tempo em que quero
Estamos procurando algo mais fundo que pensamentos. Mas então, por que os é uma habilidade que pode ser treinada e desenvolvida. Muito útil, tanto para professores do Zen acabam falando, porque o Senhor está dando uma palestra? resolver problemas, como para enxergar o resultado de seu treinamento. Porque é a única coisa que tenho para me comunicar com vocês, ainda bem que Pergunta: O senhor poderia comentar sobre as técnicas de contagem? Contatemos a maravilhosa linguagem, mas ela é insu�ciente. gem de respiração, elas ajudam bastante, mas é problemático �car um zazen Pergunta: Monge, gostaria de saber sobre a prática, às vezes aqui mesmo no inteiro contando? retiro, sinto muito sono, às vezes sinto que estou consciente mas não estou, sempre vem palavras ou imagens...elas vêm e vão o tempo todo...isso é um Monge Genshô – Mestre Dogen dizia que contar ou qualquer outra técnica não é a prática essencial dos Budas. Nós temos hoje uma abordagem um pouco mais sonho? tolerante, se você tem grande di �culdade, pode começar contando, conte as resMonge Genshô – Você está quase dormindo, está muito cansado. Basta você pirações até dez. Pode recomeçar sempre que necessário. O problema é que isso fechar os olhos e as imagens vi rão. Você está com um dé�cit de sono, ora, isso é não é zazen. Isso não é shikantaza, isso é uma técnica para �car sentado e focado proposital, nós acordamos cedo para que todos �quem com um dé�cit de sono, em alguma coisa. Mas porque não é shikantaza? Porque não é zazen? Porque isso ajuda a crise. A cozinha tem ordem de fazer comida simples. Um oryoki faz tem alguém contando, tem um observador que conta, tem alguém que se perde com quem você coma pouco. Em geral em sesshins todos emagrecem, existe um e diz, vou voltar ao numero um, tem alguém que diz, agora é sete, depois oito dé�cit de alimentação também. Passamos muitas horas sentados, quietos, não e assim por diante. Tem alguém que diz: “cheguei ao dez, volto ao um”. Existe precisamos de muita comida. A sexualidade é diminuída ao máximo. Embora um observador e enquanto ele existir você não pode mergulhar na unidade, sentado em zazen você possa ter fantasias, tentamos nos distanciar de tudo isso. pois na unidade não existe observador. Não veto, como no tempo de Dogen, o Essas fantasias estragarão seu zazen, pois são invasivas e �carão rodando na sua uso de técnicas de contagem para auxiliar a meditação, mas insisto, zazen não é cabeça. Mesmo com esse tipo de pensamentos, devemos voltar sempre para o contagem, não é isso. Shikantaza signi�ca apenas sentar, sentar junto com todos momento presente, não se trata de ser bom ou ruim, é simplesmente natural os seres. Alguém espirra na sala durante o zazen. Quem espirrou? A Sangha do ser humano. Essas imagens que vão surgindo por que você está no limiar do espirrou, o grupo espirrou, o grupo se mexeu. É o nosso zazen, não existe meu sono são interessantes, pois você tem acesso ao seu inconsciente, que normal- zazen. Alguém quebrou uma xícara, nós quebramos uma xícara. Todos esses mente em vigília você não tem. Como você está prestes a adormecer, mas não se pensamentos do tipo, não fui eu, foi o outro, fui elogiado, fui criticado, são penpode permitir, tem que �car presente. Por isso a instrução, não feche os olhos, samentos de ego. �que atento, se você fechar os olhos é mais fácil adormecer. Pergunta: Mas o inconsciente também não seria um instrumento do ego? Esclarecimentos ou respostas para Koans podem surgir nesse tipo de situação, problemas sem solução aparente, você consegue resolver, de repente, porque Monge Genshô – Não usamos no Zen, como se usa na psicologia, essa nomentendo acesso ao seu inconsciente, você pode alcançar a solução. Técnicas como clatura. É um pouco diverso. Não usamos inconsciente ou consciente, dizemos associação livre já foram tentadas na psicologia, mas você, com esse dé �cit de “a mente”, e está tudo junto, seu inconsciente é acessível através da prática, da sono no zazen, tem acesso ao seu inconsciente de forma direta. Qual o conteúdo técnica. Sua mente está integrada. Pode ser útil usar as palavras inconsciente ou do seu inconsciente? É o que está surgindo agora, é o retrato de sua mente agora. consciente dentro do terreno da psicologia ou até mesmo numa análise do Zen. Quem fez essa mente? Você, sempre surgem as coisas que você colocou pra den- Mas na verdade estamos fal ando da “mente”. Para os mestres do Zen, consciente tro. A receita do bolo sai de seus ingredientes, e os ingredientes são coisas que e inconsciente são acessáveis. Como expliquei s obre o surgimento de imagens e você assiste, lê, pensa, escuta ou pensamentos que você costuma cultivar. Agora coisas desse tipo dentro do zazen, isso acontece pois está acessível. você tem a oportunidade de limpar e reconstruir sua mente. Essa é uma instrução de Buda, “cultive o bem, evite o mal e seja senhor de sua mente”. Estamos Pergunta: Vou reformular a pergunta então. A mente, que é o foco do zazen, tentando uma coisa que a maioria das pessoas não é: “senhores de suas mentes”. não vem a ser o ego, ela é um instrumento, que pode ser do ego ou da esVocê pode até ser senhor de seus próprios sonhos, você pode governar isso. Essa sência? E vez ou outra pode haver esse con �ito interno onde a mente é só o
campo de batalha? Monge Genshô – O ego é uma construção assim como o “eu” é uma construção. Porquê ele está operando? Porque ele lida com memórias, com um corpo, com sentidos, então ele cria a noção de um “eu”. Mas temos pessoas hoje aqui com mais experiência nessa área, pessoas formadas em psicologia, mais acostumadas com esses termos e podem falar melhor sobre as diferenças entre eu e ego. Seigaku San, como você de�niria essa diferença entre eu e ego sob o ponto de vista da psicanálise?
vê a pá que era usada para limpar as latrinas e responde: “esterco seco na pá”. O que ele tentou nesse momento? Detonar essa mente classi�catória do discípulo.
Uma vez eu estava fazendo uma palestra sobre o Zen para um grupo de praticantes Tibetanos. E eles costumam recitar mantras. Nós também temos mantras, como o do �nal do Sutra do Coração da Sabedoria em que dizemos “Gyate Gyate, Hara Gyate, Hara So Gyate Bodhi Sowaka”. Que quer dizer, “Idos, ou chegados à outra margem” que é a margem da sabedoria ou iluminação. Os tibetanos ao usarem os mantras acreditam que estão in�uenciando o mundo com esses sons. Então um aluno perguntou, “qual o mantra mais sagrado?”. Eu poSeigaku San – Bom, posso falar sob a ótica da psicanálise. Não existe diferença deria dizer que é o do �nal do sutra do coração. Mas como ele fazia a pergunta entre eu e ego. O eu é uma construção imaginária que tem base inconsciente. preso a essa questão de sons sagrados e rezas, eu lhe respondi, “quando você vai ao banheiro e usa o vaso sanitário e ouve o ruído...Pluf...esse é o mantra mais sagrado”. Como todos �caram congelados eu expliquei, veja bem, o universo é Monge Genshô – E o que seria ego? uno, todos os sons são a voz de Buda, são voz búdica, é o universo se manifestando. A manifestação do un iverso. Seikaku San – O ego é uma tradução para o eu. Monge Genshô – Alguém de outra linha que queira falar sobre isso?
Quando você pensa “esse som é sagrado e esse não é”, é sua mente classi�catória que está funcionando, uma mente que separa bom e ruim, bonito e feio. Quando você for ao banheiro e ouvir esse som como se fosse a voz de Buda então você superou sua mente classi�catória, sua mente conceitual e realmente viu tudo, então, esse é o mantra mais sagrado. Por isso as respostas dos mestres podem parecer aparentemente malucas, mas têm sentido.
Pablo San – Sou formado em Gestalt Terapia. Para a Gestalt, o que se entende por ego envolve a questão de personalidade. A Gestalt divide o ser em ID, ego e personalidade. Personalidade é o personagem social, eu tenho um nome, uma idade e tudo que envolve minha pessoa para agir no mundo. Para a Gestalt o ego são as ações no mundo, ações sensório-motoras. O foco da terapia é fazer o ego se desenvolver. Quando o ego se desenvolve a personalidade osci la. O ID seria o Pergunta: Estou vivendo um certo con �ito. Normalmente eu consigo meditar. E através de minha técnica consigo alcançar um estado que me traz semais primitivo, os apetites, a fome, os desejos. renidade, que me coloca num estado de melhor consciência do que se passa Monge Genshô – Como podemos observar, a linguagem é uma forma de tentar comigo ou ao meu redor, os fenômenos começam a se esclarecer. O choque organizar e compreender uma coisa complexa. Vemos então, a psicanálise com desse processo Zen com minha técnica, tem impedido que eu consiga alcanuma determinada visão, a Gestalt Terapia com outra, outras palavras e outras çar o que alcanço normalmente. E segundo o que foi colocado, isso é feito de classi�cações, mas essas classi�cações não mudaram o homem. O homem con- propósito - a fome, o cansaço, as dores do sentar imóvel. Sei que isso tem um tinua sendo o mesmo. Só a linguagem tentou compreender colocando em esca- objetivo, embora ainda não tenha entendido qual, vim para cá com objetivo ninhos, dividindo e classi�cando, isso é o que fazemos com a linguagem. de melhorar minha meditação e não estou conseguindo. Talvez isso seja um aprendizado mais profundo do que eu p ossa compreender. Por isso o Zen tantas vezes recusa o uso da linguagem ou usa de paradoxos para quebrar a mente conceitual. Por isso tantas respostas completamente delirantes Monge Genshô – Quem está tentando conseguir algo? dos Mestres. Na verdade, o que eles desejam é isso: “quebrar”. Antigamente não existiam banheiros nos mosteiros, usavam-se latrinas, que deveriam ser limpas Pergunta: Aquele que busca alguma coisa. constantemente e para isso usavam-se pás. Uma vez um Mestre Zen saía do banheiro e um monge lhe perguntou, “O que é Buda?”. Ele então olha para o lado e Monge Genshô – Quem é este que busca alguma coisa?
Pergunta: É esse que tem o sentido da existência. Monge Genshô – Quem é esse que tem o sentido da existência? Pergunta: É o ser. Monge Genshô – Quem é esse ser? Pergunta: É esse processo de busca através da introspecção. Monge Genshô – Quem está sendo introspectivo? Pergunta: Esse ser que tem a vontade da libertação, pois se sente preso.
TUDO COMEÇA NA MENTE TRABALHEMOS DURAMENTE PARA MUDÁ-LA Monge Genshô É comum as pessoas me escreverem quando começam a praticar dizendo estarem perdidas e sentindo um grande desconforto. Outro dia recebi um e-mail em que a pessoa dizia ter um vazio dentro de si que não sabia como preencher. O que acontece é que o budismo é um método que começa com uma desconstrução completa daquilo que as pessoas costumam usar como bengala ou apoio. Quando começamos a ensinar o Dharma, as pessoas perdem suas referências tais como: “A quem pedirei algo? Quem pode me ajudar; Buda? Existem anjos ou seres celestiais que possam me ajudar?”. A mensagem do Zen é que não há ninguém lá fora para quem você possa pedir ajuda, nem a Buda, que foi um homem com nós.
Algumas escolas budistas são mais piedosas e dão ao praticante algo a que se agarrar, como por exemplo, o Bodhisattva da Compaixão ou Buda Amida. MuiPergunta: Eu mesmo. Através de meus pensamentos, da minha mente me to embora, se formos fundo no estudo destas escolas, veremos que esses seres não são exatamente alguém lá fora. Isso é muito bonito no sentido de existir tornei um escravo...onde se forma esse ego... uma fé e este processo é bastante consolador. Mas o Zen não é consolador e é Monge Genshô – Se foi você quem se prendeu, onde está esse “se libertar”? chamado de “O Caminho Direto”, pulando todos os estágios de prática, levando diretamente a um confronto consigo mesmo e com a vacuidade do “eu”. A única Quem construiu a gaiola e quem faz com que a gaiola exista? coisa oferecida pelo Zen, na qual o praticante possa se apoiar, são suas próprias Pergunta: Exatamente esse estado de ilusão e ignorância que me faz viver ações. esse sonho. É através de suas ações que um praticante Zen Budista pavimenta o caminho que Monge Genshô – Se você percebe que seu “eu” construiu a prisão e, se você sim- ele irá percorrer. A cada pedra colocada, o praticante pode avançar no caminho. plesmente abandoná-lo, desistir dele, o que signi�ca desistir de procurar, desis- Ele pavimenta o caminho com a construção de seu próprio carma, portanto, tir de se libertar, desistir de alcançar algo, desistir de ganhar alguma coisa, você ele altera seu carma e com isso, no Zen, tiramos a responsabilidade ou o poder estará no caminho. O problema é que você sentou para conseguir melhorar a sua sobrenatural de qualquer outro ser lá fora. Nós temos os poderes sobrenaturais meditação. Meditação de quem? De Guimarães. Você tem que esquecer Guima- para a construção de nossas próprias vidas. Desta e das futuras. Como? Através rães. Se você conseguir esquecer e sentar sem nenhum objetivo, no momento de nosso pensamentos, atos e palavras, através da construção de nossos carmas. que você desistir, estará no caminho. E talvez esse sesshin não seja su �ciente pois você �ca sofrendo dores e cansaço. Normalmente não se explicam as coisas, Alguns praticantes, quando lhes tiramos as ilusões, sentem-se desapoiados. esperamos que a dor e o cansaço vençam você de tal forma que você desanime Onde me apoio? Porém, mesmo no Zen existe um apoio e esse apoio chama-se e desista. Essa é uma experiência real. Quando você desistir e só não sair da sala Sangha. Apoiando-se na Sangha ele não está só e, além disso, ele tem ainda pais, pois não pode abandonar seus colegas, quando estiver derrotado estará perto irmãos e amigos. Quando ele diz que sente um vazio dentro de si difí cil de prede se livrar do construtor de sua jaula, e o nome dele é Guimarães, livre-se dele. encher, lhe falta engolir o universo, pois ainda vê as coisas de forma separada e dual. “Eu estou separado, eu sinto um vazio”! O sentimento de solidão irá acabar quando ele conseguir pôr �m à dualidade, quando não mais enxergar o “outro” Monge Genshô – E quem o prendeu?
e “eu”. A solidão só existe com a separação. Com frequência falo de meu Mestre, Saikawa Roshi. Por quê? Porque ele me é precioso. Na última vez que esteve em Florianópolis fomos caminhar na praia e cada concha, cada pequeno peixe ou água viva que ele encontrava na areia, devolvia ao mar. Acredito que este seja verdadeiramente o sentimento de estar junto com todos os seres. Esta é também uma marca constante no praticante, a referência ao Mestre, porque quando fala no Mestre está dizendo “minha família”. Essa ligação que temos com o Templo sede, com nosso Mestre e até mesmo com templos de fora do Brasil, nos coloca na sensação de unicidade, desta forma nunca estamos sós.
Zen não faz esse tipo de oferta, sempre há poucas pessoas. Nós precisamos de pessoas que facilitem o ensino do Dharma. Não é necessário muita coisa, apenas um espaço com almofadas e muita disposição para sentar, inclusive sozinho. Conta-se que Bodhidharma �cou tanto tempo sentado sozinho em uma caverna que a parede da caverna �cou com a marca de sua sombra. Pergunta: O que o Budismo pensa sobre o desenvolvimento? Por exemplo, hoje em dia nos surpreendemos com o que as civilizações antigas faziam com tão poucos recursos tecnológicos. Nós regredimos em alguns aspectos?
Aqueles que se sentem desamparados quando iniciam a prática, ainda não per- Monge Genshô – Nós sempre queremos acreditar em coisas fantásticas. Em alceberam o quão acompanhados estamos. Mas é necessário vir à Comunidade, guns aspectos as civilizações antigas realmente desenvolveram coisas interessantes, como por exemplo, o calendário Maia que é mais bem c alculado e exato do sentir a prática coletiva e escutar seu professor. Isso é muito importante. que o calendário astronômico desenvolvido na Europa. PERGUNTAS No entanto, eles não conheciam a roda nem o aço. O que descobrimos nas escaPergunta: O senhor falou sobre a construção do carma, mas o meio em que vações são artefatos extraordinários feitos com tecnologia muito pobre ou limi vivemos, direta ou indiretamente, também não é responsável pela constru- tados, o que exigia enorme trabalho e esforço. Só encontramos materiais feitos de ferro de 1200 a.C. para cá, porque o ferro necessita de grandes temperaturas ção deste carma? para ser forjado, uma técnica muito difícil de ser empregada para se conseguir Monge Genshô – Não. Você já está neste meio em razão de seu carma. Já fez uma resistência maior de ferro, que é uma liga fraca. Ao ser misturado ao carparte de seu caminho. O meio nos ajuda ou atrapalha, porém, você tem uma bono ele começa adquirir a resistência do aço e se tornava caríssimo; no século grande capacidade de escolha. Por exemplo, hoje, em vez de estar aqui você XIX ele tinha o preço de uma joia. poderia estar num boteco bebendo. Você é livre e escolhe seus companheiros. Nós escolhemos o nosso mundo. Não podemos dizer que vivemos e agimos de Foi a partir do século passado, com Henry Bessemer, que foi criado um método de puri�cação do ferro onde era tirado todo o carbono e depois recolocado na determinada maneira porque nascemos em determinado país. medida certa, dando origem a um ferro fundido que pôde ser moldado, fazenPergunta: Eu falo até em razão disso mesmo que o S enhor disse, a oportuni- do-se navios de aço, trilhos de trem e pontes. Nenhuma civilização anterior fez dade que temos, nessa cidade, nesse bairro e com estas pessoas. Isso é muito algo parecido com o aço. Temos uma tendência a querer algo extraordinário e raro. Eu moro em uma cidade distante de Florianópolis e as pessoas de lá não isso acontece também no meio religioso. Meu trabalho como professor do Zen é destruir isso, pois muitas pessoas vêm para o Zen esperando coisas espetacutêm essa oportunidade. lares e extraordinárias. Embora os mitos criem facilmente o extraordinário, não Monge Genshô – Mas você pode montar um grupo de estudos em sua cidade e precisamos fazer isso para que o budismo dê os seus resultados, não precisamos propiciar a prática para as pessoas de lá. Vocês podem sentar para meditar e ler dizer que os monges têm poderes extraordinários e fazem milagres. textos. Temos grupos assim em várias cidades e estados do país. Em Joinville me mandaram uma foto com o texto: “Sentamos em Zazenkai”. E havia três pessoas. Nosso poder extraordinário é não precisar de poderes extraordinários. O mito Isso é o Dharma funcionando. Isso é um gesto admirável, entendo bem como é de que um homem se transforma em Deus, ou desce à Terra como um Deus, isso, pois em Porto Alegre muitas vezes me sentei sozinho. As pessoas não dese- não é um mito Cristão. É muito anterior ao Cristianismo. Quando surge o Cris jam ir para onde as ilusões lhes são tiradas e sim onde exista uma grande oferta tianismo, um homem, Jesus, incorpora um mito e este se transforma num mito de compensação. Se oferecer milagres então, é certeza de casa cheia. Como o Cristão. Mas ele já existia na Índia com Krishna ou na Grécia com Hércules e
os �lhos dos deuses. São arquétipos humanos e existiam em toda a história da humanidade. Tentaram fazer o mesmo com Buda e existem de fato escolas Budistas que divinizam Buda e o que acontece é que existem dois Budas, o Buda homem e o Buda transcendente. Para eles, o Buda homem é uma manifestação do Buda transcendente. Para o Ze n não é assim. Por isso sempre digo que Buda morreu de diarréia, para que todos percebam que somos homens iguais a Buda. Isso signi�ca que qualquer um de nós pode despertar como Buda. Esse ensinamento é muito mais difícil de ser compreendido e muito mais mara vilhoso do que quaisquer milagres. Em cem anos estarei morto e muito prova velmente muitos de meus alunos diretos também, mas os alunos destes, talvez digam que ouviram falar que o Sensei Genshô podia andar sobre as águas. Temos a tendência de querer tornar sobrenatural tudo que nos toca emocionalmente. Não existem passados maravilhosos e com o tempo degeneramos. Os homens nunca viveram tanto e nunca fomos tão poderosos, o que acontece é que a humanidade sempre foi insensata. A história humana é a história da insensatez. O que ocorre no nosso século é que a tecnologia que cresceu rapidamente nos últimos cem anos nos deu poderes desproporcionais em relação à nossa evolução mental. Antes os homens eram insensatos, mas usavam machados; agora têm motosserra. Então as �orestas são destruídas. Mas se você c onseguir mudar sua mente e conseguir colocar um pouco de consciência nos governantes, usando apenas esse exemplo isolado, podemos mudar muita coisa. Vejam o Japão, tem mais �orestas, proporcionalmente, que o Brasil. Tem 70% de seu território coberto por �orestas, isso porque um imperador, há 400 anos, ordenou que não se cortassem mais �orestas. O que temos que fazer é mudar nossas mentes para conservar esse mundo precioso. Como diz o budismo, tudo começa dentro das pessoas, por isso trabalhamos duramente para mudar nossas mentes, não olhem para fora.
OS TRÊS VENENOS DA MENTE Os três venenos da mente são o apego, a aversão e a raiva. São eles que transformam todos os nossos bons sentimentos em prisões. O apego transforma o amor em ciúmes, por exemplo. O apego gera sofrimento quando o objeto de nosso apego é perdido. O apego transforma a própria vida em uma prisão quando nos agarramos a ela sem compreender que nascimento e morte fazem parte de um �uxo, um mero evento ao longo de nossa vida. O outro grande veneno da mente é a aversão, e ele se manifesta em tudo que não gostamos ou detestamos. É tudo o que olhamos como reprovável nos outros e nos perturba com um sentimento de afastamento e separação. Vemos o outro claramente. A aversão é um sentimento oposto ao apego, enquanto o apego quer agarrar, a aversão quer afastar. Ela se manifesta em todos nossos sentimentos de repulsa, desgosto ou através das nossas críticas. O terceiro grande veneno é a raiva. Esse veneno surge quando nos deixamos tomar por um sentimento turbulento, agressivo e que se manifesta das mais diferentes formas. Como se fosse uma espécie de loucura que nos tira a sanidade. Essa é a mensagem de hoje para vocês, esse tema tão presente nos discursos de Buda. O apego é um grande problema e, para sermos verdadeiramente livres, não podemos ser apegados. Podemos amar, mas não podemos nos apegar. Para sermos livres e nos sentirmos um com todos os seres, não podemos selecionar qualquer ser e dizer que temos aversão por ele. Se cultivarmos esse se ntimento estamos cultivando o contrário do apego e esse sentimento também irá nos separar de tudo e nos tirar o equilíbrio. Não teremos equidade com todos os seres se cultivarmos a aversão. Quando esse sentimento surgir, temos que considerar as boas qualidades das pessoas, animais ou objetos que são alvos dele. O sentimento de raiva deve ser evitado como se fosse fogo, pois ele é perturbador e devemos mudar nossa mente, nosso modo de falar e pensar a �m de evitá-lo. Essas são as palavras de Buda.
OS DEZ PASSOS EM BUSCA DO BOI Monge Genshô Vamos estudar um texto muito famoso do Ze n e também os comentários feitos a respeito por Katsuki Sekida. Trata-se do texto “Os dez passos em busca do boi.” Temos aqui o boi, simbolizando o que seria a mente. O primeiro passo é “COMEÇANDO A BUSCAR O BOI”. Na literatura Budista se compara o boi com nossa própria natureza verdadeira, assim, buscar o boi é investigar esta natureza e o primeiro estágio; é o começo dessa investigação. Consideremos um jovem no umbral do caminho: sua imaginação espera muitas coisas do futuro. Umas vezes alegre, outras pensativo, espera que a vida tenha destinado para ele algo, mas não sabe o que ocorre na realidade pois, na verdade, ele mesmo não sabe bem o que deseja da vida. A imagem é um homem no caminho. Ele não enxerga o boi que está procurando, ele poderia abrigar a ideia de trabalhar para os demais negando a si mesmo, se sacri�cando. Pode ser que pense assim: “Quero fazer algo grande, quero saber como se constitui o mundo e que papel há de ser o meu, quem sou eu, que posso esperar de mim”. Então ele poderá iniciar seus estudos em algo que possa levá-lo a cumprir seus objetivos e sonhos e em qualquer direção que vá, tende a encontrar-se com uma intrincada rede de tráfego, uma espécie de grande labirinto. Trabalhando numa situação que não havia previsto originalmente, vai andando e, de repente, apesar do caminho estar �xado, surge-lhe a sensação de que algo falta. É nesse momento que as pessoas procuram uma religião.
O comentário de Sekida para estes dois passos é que “começar a buscar o boi acontece quando o principiante inicia a aprender como sentar-se, em como regular a respiração e a atividade mental. Nesse estágio ele é ingênuo, submisso e intensamente impressionável; o som do sino chega absolutamente puro e parece que penetra profundamente em seu coração, puri�cando-o. Todas as coisas criam em sua mente uma forte impressão, até um leve movimento da mão, ou dar um passo. Tudo ele faz com gravidade, o que é muito importante e precioso, mesmo que ele não possa dar-se conta disso; é superior a um kensho pobre e comum. Essa devoção do principiante não deveria perder-se nunca, mas, desgraçadamente, muitos estudantes a perdem mais tarde, substituindo-a por alguns de seus logros meritórios e dessa forma começam a se dar muita importância”. A primeira coisa é quando o praticante aprende algo, daí quer mostrar que sabe, quer mostrar que sabe para os novatos, para o professor, quer sempre mostrar que sabe alguma coisa. Não se pode lhe ensinar nada sem que ele acrescente algo pra mostrar que sabe: “Ah, isso eu já sei.” Isso é ter perdido sua inocência, a sua mente de principiante. Ele sente-se um veterano. “Por isso uma instrução importante é não mostrar que sabe. Ao estudante do Zen, pede-se que abandone a religião dos méritos, para entrar na de nenhum mérito”.
Isso pode ser percebido na prática. Um principiante, quando realiza uma tarefa ou cerimônia e erra, não se importa muito com isso, porque ele sabe que pode errar, ao passo que quem perdeu a inocência envergonha-se por ter errado, jusO zazen é o treinamento para converter-se em Buda, para voltar a ser um Buda, ti�ca-se ou �ca chateado pelo erro. posto que a pessoa não perceba que é um desde o princípio. Então ele encontra-se no estágio de iniciar a “busca do boi.” Essa é praticamente a descrição de A respeito do segundo passo, comenta Sekida: “Quando, a partir do primeiro todos que chegam a uma prática espiritual - aconteceu algo, parece que a rede passo, a prática do zazen começa a encaminhar-se, ao iniciar o segundo, ‘enda vida não é su�ciente ou está incompleta, não nos real izamos completamente. contrando as pegadas’, ele vê como a mente começa a aquietar-se e, vê agora, com surpresa, que durante todo o tempo seu estado mental normal era revolto e O segundo passo é “ENCONTRANDO AS PEGADAS”. Praticando o zazen e agitado e que não se dava conta disso. Começa a perceber que vinha sofrendo de lendo a literatura adquire-se certa compreensão - ainda que não se tenha vivi- um vago e inquieto sentimento cuja origem não conseguia precisar. Porém, agodo - todavia, uma experiência mística, o kensho. Na primeira etapa, quando se ra que pratica zazen, se acha livre desse estado em grande medida, vê que o zacomeça a busca, pode-se haver duvidado da possibilidade de alcançar o objetivo zen pode ser um meio de aquietar uma mente preocupada. Quando deu começo olhando nessa direção, mas agora existe a con�ança de que se seguir esse cami- à prática na simples técnica de contar a respiração, �cou perplexo ao ver que não nho, alcançará sua meta. “Encontrar as pegadas” é encontrar uma prática espiri- era nada fácil, mas depois de esforços tenazes, vai sendo capaz de manter focada tual que tem algo a ver com a pessoa, algo com o que temos conexão, então surge sua mente dispersa e gradualmente começa a pôr em ordem a atividade de sua consciência, dando-se conta de que uma nova dimensão mental começa a atuar, a con�ança de que se pode seguir naquele caminho e se chegar a algum lugar. mas ainda está longe de experimentar um kensho genuíno”.
Quando começamos no zazen, esse segundo estágio pode demorar muito tempo, porque basta que nos sentemos em zazen e nos acostumemos a nos distrair, a pensar, a viajar para trás e para frente, e podemos continuar fazendo isso durante anos: sentar em zazen para se acalmar, mas com a mente viajando pra frente e pra trás. Deixamos isso acontecer e não conseguimos �car no momento presente só ouvindo os sons, só entrando em samadhi, em concentração. É por isso que a primeira prática é conseguir um estado de samadhi: sentar e �car naquele momento, pegar a mente viajante e a cada instante trazê-la de volta; isso é muito difícil. Então, não basta sentar quieto, é necessário esse esforço mental, uma luta real pra trazer a mente de volta, estar presente, não se deixar distrair. O sesshin é o melhor momento para isso, pois repetimos um zazen após outro. O terceiro passo é “VISLUMBRANDO O BOI”. Por �m, se encontrou o boi, mas dele se viu apenas o rabo e as patas; houve uma experiência do tipo de kensho. Mas se lhe perguntam de onde vem e para onde deve ir, não sabe dar uma resposta clara. Desde o princípio, sempre houve muitos tipos de kensho. O satori de “Shakyamuni Budha” foi a criação de um novo mundo, antes de seu tempo, ninguém sequer sabia que existia tal acontecimento. A experiência sem precedentes ocorreu subitamente a Buda, atravessando-o como um raio e todos os problemas resolveram-se no mesmo instante. Se Buda não e stivesse tão adiantado no treinamento, não teria podido explorar de maneira criativa aquela região que nunca havia sido visitada por nenhum ser humano. Antes dessa experiência, Buda havia passado pela sétima e oitava etapas de nossa sequência e havia alcançado a nona. Ele teve então um kensho completo, que é a iluminação real. Desde seu tempo tem havido muitos mestres Zen que têm completado o curso de treinamento antes que tivessem a experiência de kensho. Muitos precisaram de quinze a vinte anos para que isso ocorresse. No terceiro estágio, temos uma situação análoga àquela de um principiante em pintura, que vê admitida sua obra por um golpe de sorte. É como quem está vendo apenas as patas ou o rabo do boi. Se fosse um pintor experiente, desde logo ele seria excelente e já demonstraria sua capacidade de artista, mas tudo depende de seus futuros esforços. Aos estudantes modernos do Zen, nós lhes dizemos, ao começar, que há um acontecimento chamado kensho – iluminação -, uma experiência mística que os está aguardando. Quando cruzam o caminho desse terceiro estágio, tomam-no naturalmente como se fosse a experiência de Buda, como se tivessem chegado ao cume da prática do Zen, vão subindo por rochas e arbustos desejando essa visão e à primeira olhada gritam: “É isto, cheguei!”, certos de que o que vêem não é falso.
Mas há uma grande diferença entre sua experiência e a de Buda em conteúdo, beleza e perfeição. Isso tem acontecido bastante, pessoas que têm uma primeira experiência, um pequeno vislumbre da experiência e se crêem iluminados e saem se auto intitulando “mestres iluminados” a propagandear “mestre iluminado vai dar um curso no �nal de semana e você poderá alcançar a iluminação em dois dias”. Hoje, nesse sesshin, nós temos outra situação. Nenhum mestre iluminado, nem ninguém, irá alcançar a iluminação. Teoricamente poderia acontecer e também pode acontecer uma situação como esta, um primeiro vislumbre. É que o primeiro vislumbre, embora espetacular para quem o experimenta, não signi�ca estar iluminado, signi�ca só: “Vi o rabo e as patas; não vi o boi inteiro”. A observação de Sekida a esse respeito é que no estágio “Vislumbrando o Boi”, se experimenta, em algumas ocasiões, certo tipo de samadhi, mas ele é instável e carece de segurança. Ainda assim o mestre pode tomar a mão do aluno que tenha tido essa experiência e conduzi-lo até a sala de meditação dizendo-lhe: “É isso, é isso”. Tal atitude faz parte da estratégia do mestre, o qual se adapta à capacidade e necessidade do estudante. Alguns mestres são muito estritos e dão crédito ao aluno mais facilmente, outros menos. Todos têm sua forma individual de ensinar e há razão em seus métodos. Falando em geral, quando o estudante é promovido, adquire certa con�ança e sua prática começa a andar nos trilhos. Entretanto, há exemplos de estudantes que têm estudado sob o comando de mestres estritos durante dez ou quinze anos, sem que hajam recebido alguma con �rmação de seu adiantamento e que um dia explodem com uma iluminação genuína, isso se chama “Satori”, iluminação repentina e direta, e aquele que vivencia uma experiência exaustiva e profunda, tem uma experiência igual à que teve Budha Shakyamuni. O método de adiantamento gradual, passo a passo, chama-se “Zen Escalonado”, quando comparado à iluminação súbita e direta, mas tanto se avançarmos gradualmente, como se formos de um salto, tudo depende da própria determinação de alcançar o topo. Não duvidem, é preciso um esforço desesperado para alcançar uma iluminação genuína. Pergunta: No primeiro estágio, a busca, o encontrar o caminho, conforme o Senhor disse, se apresenta de diversas formas, temos diversas escolhas e, até por isso, temos diversas escolas. Como o aluno reconhece que está na escola certa para ele? Monge Genshô - Existem várias abordagens para responder a essa pergun-
ta. Normalmente você não escolhe a escola. Normalmente você encontra um professor, uma comunidade à qual você se sente conectado, você se sente bem naquele lugar e a escola vem junto, o método vem junto, até porque ele está misturado com o professor e a comunidade. É um pouco indistinguível porque o professor foi formado naquela escola, porque a comunidade se comporta conforme as regras daquela escola, e você se sente confortável lá, sente conexão com aquele lugar. Se você não sente conexão com a quele lugar, deve procurar outro.
iluminação, eu quero, eu quero”, você não vai conseguir. Mas se você pensar, “bom, então eu não sento, vou continuar andando, estou praticando na minha vida, lendo, sem fazer o esforço de treinar” - por incrível que pareça eu encontro pessoas que dizem isso - essas pe ssoas também não chegarão a lugar algum, nã o conseguirão. É necessário um esforço, uma determinação. É aí que reside o grande con�ito entre as primitivas e as devocionais, caracterizado e m dois termos “Tariki” e “Jiriki”. Tariki é con�ar no outro poder, o poder de uma graça fora: “Ah, o Budhamidha vai me conduzir a uma Terra Pura, eu vou conseguir, eu con�o no poder de Budhamidha”. Jiriqui, que é o próprio poder: “eu vou me sentar em meditação e vou treinar duramente para me tornar senhor da minha mente”. A acusação das escolas do Tariki é que isso signi �ca con�ar demais em si mesmo e que os homens são incapazes disso. O argumento das escolas do Jiriki, como o Zen, é que esse é o caminho de Buda. Buda fez pelo seu próprio esforço e nós estamos seguindo o caminho de Buda. Então, é por esforço, nós somos capazes. Se Buda foi capaz, nós somos capazes. Buda não é uma divindade, Buda é um homem.
Existe um texto do professor Ricardo Sasaki que se chama “A que escola pertenço?”, onde ele pega grandes escolas que nós conhecemos no Budismo e alinha suas características. Na escola Teravada, que tem foco no estudo, o texto é a autoridade máxima. Nas escolas Tibetanas, o Lama é tudo, e você toma refúgio no Lama, não só em Buda, no Dharma e na Sangha. Nas escolas Zen, a abordagem é diferente, o texto não é de�nitivo, o importante é a experiência, o treinamento. O professor é guia de treinamento, não é nenhum Deus infalível, é um amigo que está ajudando e guiando, no entanto, nesse método, você só pode obter a transmissão através dessa linhagem, a do professor. Para o Zen, se �carmos só com o texto, estaria perdido o espírito do ensinamento. É como se �cássemos só com os manuais e quiséssemos aprender aikido sem um mestre. Quem já trei- Então o Zen “desdiviniza” Buda, o traz para o nível humano. As outras escolas elevam Buda a um nível sobre-humano, a tal ponto que, como não c onseguiram nou uma arte sabe como é. fazer isso com Shakyamuni Budha, porque, evidentemente, ele foi um homem, O Zen é como uma arte, é como tentar aprender música somente olhando ma- então Budhamidha tornou-se o centro da prática. Um ser que representa a comnuais e partituras. Não é assim, você precisa de um professor. Outras grandes paixão universal, a luz in�nita, o universo inteiro, é algo acima dos homens e escolas são as linhas devocionais, como a linha Terra Pura, onde você se en- de Buda. Não chega a ser uma divindade. Então, no Zen, estamos na escola do trega à graça que vem de Budhamidha, que não é Shakyamuni Budha. Não é esforço próprio. Por isso o sesshin é duro. O primeiro e segundo passos, pratiShakyamuni Budha que está na frente do altar, é Budhamidha. É outra aborda- camente todos já trilharam, é mais fácil de entendê-los. O primeiro é uma ingem, até mais parecida com o Cristianismo em alguns aspectos, como o de haver quietação, depois, encontrar as pegadas, e o terceiro, é “vislumbrei, eu vi alguma uma salvação, uma entrega a uma graça que vem de fora. No Zen estamos foca- coisa, eu tive alguma pequena experiência”. Não pensem que é grande coisa essa dos no treinamento, é o treinamento que importa, o que importa é o que você pequena experiência. Embora ela seja magní�ca, é pequena perante os passos faz na almofada de meditação, é isso que vai fazer a diferença. Todos os rituais, seguintes que nós vamos ver. as cerimônias, todos têm foco no treinamento, estão voltados para o treinamento. Então, ninguém pode responder a essa pergunta, senão o próprio aluno. O Pergunta: Essa percepção do rabo e das patas pode ocorrer sem que a pessoa se dê conta de que “seguiu” isso? aluno é que tem que saber qual é o lugar dele. Pergunta: Então o esforço é a essência?
Monge Genshô - Não propriamente. O que pode acontecer é que seja uma mera lembrança, você tem uma pequena experiência e, naquele momento, ela é muito Monge Gensho - A resposta para essa questão de que gosto muito é que “com signi�cativa. Depois você lembra dela e pensa: “Será que era uma fantasia, será esforço não se consegue nada mas, sem esforço, aí mesmo é que não se vai a lu- que foi um êxtase, será um pouco uma alucinação porque estava num treinagar algum”. Isso é um pouco paradoxal, se você se sentar com esforço, “eu estou mento tão forte?” Você sabe, mas é uma memória como se fosse vinda de outra ambicionando isso, eu quero a iluminação, estou em treinamento para obter a pessoa e você não a recupera. É como lembrar-se de uma vez: “Ah, uma vez es-
tive apaixonado, foi tão bom, mas agora não estou, não tenho nenhuma paixão, para ele: “Encontrei isso”. Mas as pessoas chegam a ele com perguntas. Então, nenhum amor na vida”. Aí você se lembra do sentimento anterior, mas não tem nessa quarta etapa agarrou-se a mente, o boi foi agarrado �rmemente. “O céu, a esse sentimento, você não o recupera, ele está morto dentro de você. terra e eu, somos a mesma raiz, todas as coisas e eu, somos da mesma fonte”. O aluno compreende, então, sua natureza original, que ele não é um “eu” separado, Então, uma das características do Kensho é essa evanescência, você tem a expe- mas é “um”, com todas as coisas. Mas, na sua vida cotidiana, ele não consegue riência, mas ela se esvai, você não é dono dela. Uma iluminação genuína, por controlar sua mente como desejaria, às vezes arde em cólera, outras vezes se vê sua vez, é permanente. Mudou tudo, realmente, não foi só um vislumbrar. Agora possuído pela cobiça, cegado pel os desejos e assim sucessivamente. esse vislumbrar é muito importante, porque você está aqui no sesshin, faz meditação e, de repente, tem alguma experiência; simplesmente olhando para fora, Os pensamentos indignos e as ações vis seguem aparecendo como antes. Ele se vê tudo maravilhoso. Esse pequeno instante de maravilha já é um vislumbre, e vê esgotado por lutar contra suas paixões e desejos que parecem incontroláveis, você descobre: “Eu posso atingir uma mente assim” - e pensa: “Ah se eu tivesse é algo com o que não contava e apesar de haver alcançado o kensho, sua alma uma mente assim todo o tempo!” Então isso é muito importante, porque não é parece seguir sendo tão ruim como antes. De fato, o kensho parece ter sido a necessário. A partir do momento em que você está no terceiro estágio, depois causa de novas a�ições, porque agora ele deseja comportar-se de certa maneira que você vislumbrou o rabo e as patas, você sabe que o boi existe, que a ilumi- e se vê fazendo o contrário, compreende, sabe o que é certo, mas acontece uma circunstância e ele explode em raiva, por exemplo. E aí ele pensa: “Ah, eu não nação é possível. sou o que desejaria, todo esse trabalho, toda essa compreensão e ainda não sou Pergunta: A gente percebe que existe uma relação entre a experiência e o que quem eu desejaria, minha boca continua falando quando não deveria, minhas ações continuam as mesmas e meus pensamentos estão continuamente sendo nos levou a ter essa experiência, que é a prática, né? chamados pelas paixões e continuam turbulentos, embora eu saiba com nitidez Monge Genshô - Exato, não é necessário mais fé, pois você já sabe que existe, que eu, o céu, e a terra, somos a mesma coisa, e que entre mim e os outros não você já sabe que é possível, que existe alguma coisa. Como ela realmente é, você há diferença alguma.” não sabe completamente, mas você teve um vislumbre então não precisa de uma Sua cabeça está no ar, mas seu corpo tem um pé no precipício. Mas ele não pode crença, você já teve uma pequena experiência. soltar as rédeas do boi e se esforça para ter sob se u controle sua mente, embora O quarto passo é “AGARRANDO O BOI”. Em um antigo desenho vê-se um isso lhe pareça como algo acima de suas forças. O quarto estágio, “agarrando o homem segurando o rabo do boi. Ao chegar a essa etapa o kensho foi con �r- boi”, se reproduzirá com uma e xperiência deste tipo: Imaginem um zazen, quanmado, mas como podemos ver no desenho, o boi tenta tenazmente escapar, e to tempo passou, ele não sabe. Quando volta a si, se sente como se estivesse na o homem deve sujeitá-lo com toda sua força. De fato, agora já tem experiência mais baixa profundidade do mar, tudo está em silêncio, tudo está escu ro, estava bastante para compreender o dito “o céu, a terra e eu, somos a mesma raiz, todas dormindo? Não, sua mente está clara e desperta, uma força interna parece ir as coisas e eu mesmo, somos da mesma fonte”, mas na sua vida cotidiana não desabrochando, nota como se estivesse revestido de uma pesa da armadura. Será pode controlar sua mente como gostaria. A pessoa compreende, tem o kensho, que foi a isto que outros patriarcas chamaram “montes de prata e rios de ferro”? seu mestre reconhece isso nele: “Ah, você teve uma experiência genuína, você Sua mente está tão tranqüila e solene como as encostas nevadas do Himalaia: enxergou”. Porém, nos passos anteriores nós vimos o que acontece com o princi- sem alegrias, sem penas; se é noite ou dia, ele não sabe. Algum dia vocês terão piante, com aquele que começa a sentar, que começa a praticar e sabe que existe esta experiência. E um dia, quando ela emergir levantando-se do zafu, cruzando a experiência mística e que pode vislumbrá-la. Quando realmente se aprofunda o umbral, olhando as pedras e as árvores do jardim, ouvindo um som qualquer, é mais marcante, mais prolongada, nós podemos mostrá-la para o mestre, você levando uma taça aos lábios, ou passando os dedos por um corrimão, de pronto verão que o céu e a terra se vêm abaixo com estrépito. Ao chegar ao último vai até o mestre e mostra para ele. extremo na prática do zazen, será como o efeito de uma �gura reversível. Uma Uma vez Saikawa Roshi me disse que os alunos vão para as entrevistas para fazer �gura reversível é aquele tipo de �gura em que existem duas formas em uma e, perguntas e ele queria que eles fossem lhe dar uma resposta, que mostrassem dependendo do ângulo que olhamos, quando se vê uma, não se vê a outra.
Muitas situações na nossa vida se parecem como uma �gura reversível. Quantas vezes encontramos com alguém, perguntamos como está e a resposta é: “muito mal, está tudo horrível”. Alguns dias depois, diante da mesma pergunta, tudo mudou. A situação é a mesma, mas mudou a forma de encarar o fato. Algumas pessoas conseguem observar isso e mudar o foco, mas para que isso aconteça é preciso ser senhor de sua mente. É como a história do homem pendurado em um precipício: abaixo dele, um leão, acima, um tigre. Então el e olha para o galho em que está agarrado e vê frutinhas. Ele as pega e come, então exclama: “que frutas deliciosas!” Esse é um exemplo de uma mente com capacidade de reverter uma situação, aceitando-a. Uma mente preparada, mesmo sabendo da aproximação da morte, se mantém calma e impassível; uma mente agitada e confusa entrará em pânico.
vidade elaborada da consciência vai consolidando um modo habitual de operar, com o uso da linguagem, da compreensão, do gosto e não gosto, da manifestação de preferências... e nos distanciamos da experiência pura. Constrói-se um mundo de diferenciação e discriminação. Mas no momento do kensho, essa forma rotineira cai e você se vê desperto e num novo mundo. Isso é o kensho. Ken, signi�ca “ver em algo” e Sho signi�ca “a verdadeira natureza”. Então, “ver em algo a verdadeira natureza”. Encontrar sua verdadeira natureza dentro de si mesmo e ao mesmo tempo, no mundo exterior.
No quinto passo, “DOMANDO O BOI”, depois de muitos esforços, o boi começou, por �m, a tornar-se manso. Na �gura anterior, o homem segura o boi pelo rabo, nessa o homem segura o boi com uma argola presa ao seu nariz. E agora o domador julga que o animal já está dominado e que pode ir ensinando-lhe alguns truques. Quando, por �m, agarrou o boi, crê que já o tinha retido para Acontecem muitas situações no nosso dia a dia que necessitam de uma mente sempre. Ele pensa: “Peguei, dominei, e isso agora é para sempre, dominei minha calma e preparada para lidar com problemas, tristezas ou desilusões. Diante des- mente.” Lembrem-se de que já passamos pela experiência do kensho, embora ela se quadro é muito comum o desespero tomar conta da mente e perdermos a ca- não nos tenha alterado em nada. pacidade de raciocinar; é muito perigoso não sermos capazes de raciocinar. Isso não signi�ca não se emocionar, signi�ca: “Perdi o controle? Entrei em surto? Continuamos na vida sendo tão ruins quanto antes, mas dizemos: “Já tive uma Mesmo com tudo o que está acontecendo ainda sou capaz de raciocinar?” Isso experiência espiritual!” E aqueles que vivem conosco irão dizer: “Mas como, se é muito importante, não perder a capacidade de raciocinar. Pode-se fazer coisas ainda perde a paciência?!” Esse pensamento de domínio também é uma espécie muito insensatas no momento em que não se está senhor de sua mente. Pode-se de ilusão. Na verdade, não é assim. Às vezes ele consegue entrar em samadhi, em matar uma pessoa, pode-se dizer coisas que se desejaria não ter dito e que não se outras, tenta e não consegue. Parece que há quietude no c orpo e na mente, mas consegue mais retirar. E essa �gura reversível será, então, revelada a você como ainda não controla os pensamentos errantes. Você pensa: “Não pode ser isso o uma nova vista, assim, a pressão interna ocasiona um novo desenvolvimento samadhi”. Mas não há remédio senão experimentar de novo, uma e outra vez. Repetir o samadhi - a concentração - e experimentar outros kensho. A colheita dimensional do mundo. do ano passado é a colheita do ano passado; não é a deste ano. A deste ano tem Um crítico hostil poderia dizer que isso é uma questão de auto-sugestão mas, de que ser de novo ganha com luta e trabalho. Dessa forma, a luta se renova outra e fato, assim que nos desprendemos do modo habitual da consciência e ela opera outras vezes mais. Ou seja, você chegou lá, teve a experiência, pode até mostránum novo modo de cognição independente do tempo e do espaço e da causa- -la para o seu Mestre em determinadas oc asiões, mas você não mudou e precisa lidade, você e os objetos externos estão uni�cados, você sabe que teve a experi- continuar trabalhando. ência, que não é auto-sugestão, aliás, essa experiência aparece como repentina e é completamente nítida e clara e diferente para cada pessoa. Seu fator desenca- Samadhi – concentração -, zazen - momento presente -, retornando sempre e deador pode ser bem diferente. É multifatorial. Pode ser algo corriqueiro, como tendo experiências de kensho de vez em quando, como se uma janela se abrisse um raio de sol entrando pela janela e batendo no zendo. Algo normal, que de e de repente você pudesse ver. Estava tudo escuro, você não enxergava nada com repetente, se mostra completamente diverso do normal. Você sente que os obje- nitidez e, ao abrir-se a janela, tudo �ca claro. Kensho. Cada vez mais, com repetos externos e você, estão uni �cados. É certo que os objetos externos estão fora tições dessa experiência, o kensho torna-se maior que poucos segundos, podende você, mas você e eles se interpenetram mutuamente, é como dizer que não há do prolongar-se até por horas. Mas você sempre o perde e não sabe quando irá resistência espacial entre você e aquela experiência. Quando éramos crianças, consegui-lo novamente. E também às vezes sentado, você perde o zazen inteiro nossa vida estava cheia dessa forma de cognição, mas quando crescemos a ati- em pensamentos, em vazios, simplesmente não consegue agarrar um samadhi
constante. No sexto passo, que é “CAVALGANDO O BOI DE VOLTA PRA CASA”, a �gura mostra um homem sentado sobre o boi sem rédeas e tocando uma �auta. O boi agora é manso e obediente, e mesmo sem as rédeas, ele segue tranqüilo, cavalgando para casa na quietude de um entardecer, tendo o homem montado em si. Vamos descrever o processo de e ntrada em samadhi: a pele e os músculos estão sempre mudando de tensão e, em grande medida, por meio dessa mudança, se mantém a sensação da existência corporal. Porém na postura imóvel do zazen, não há apenas mudança da tensão muscular e cutânea. Vai-se também desen volvendo a sensação de saída. A pele reage muito sensivelmente ante essa nova experiência, nota-se como uma sensaçã o de tremor que corre através do corpo, é como uma espécie de vibração musical, delicada e deliciosa, que vem acompanhada de um estado mental apaziguado e de uma formosa corrente de emoção que parece brotar do coração. A sensação de saída vem muitas vezes anunciada por uma espécie de tremor vibrante que aparece primeiro nas partes mais sensí veis do corpo como orelhas, pescoço, braços e que, �nalmente, desce ao longo de todo o corpo para desaparecer em poucos minutos. A paz e a quietude começam então a ocupar o corpo inteiro.
é dono da sensação. A sensação é boa e a pessoa quer voltar a senti-la, por isso volta a usar a droga pois, com ela, é muito fácil de consegui-la. Só que o uso de drogas causa múltiplos problemas e não leva a uma realização espiritual, leva simplesmente a uma fantasia química. Mas não se pode objetar que o treinamento do zazen modi�ca de algum modo o metabolismo, de maneira que produza certos químicos que facilitam a chegada do samadhi. Tais substâncias são geradas internamente, são uma fonte de energia. Já as drogas ministradas externamente, nos debilitam e nos fazem dependentes. Quaisquer que sejam as bases �siológicas do samadhi nessa fase de “Cavalgando o boi de volta para casa”, o estudante alcançou a maturidade e goza de liberdade de corpo e mente. A grande mudança é que agora ele não precisa mais fazer tanta força pois, quando ele senta, o samadhi se instala com certa rapidez e a prática começa a se transportar para a vida.
Um fenômeno interessante é que a expressão facial muda, a pessoa é a mesma, porém sua expressão mudou. E isso é identi �cável, é visível. Também nesse estágio, os comportamentos que antes permaneciam ina lteráveis agora se tornam perceptíveis a outras pessoas. Não é mais o mesmo comportamento. Em meio às turbulências, a pessoa permanece impassível, anormalmente calma e tranquila. O samadhi desenvolve-se a partir dessa quietude, mas com l arga prática, já não Isso ainda não acontece sempre, mas já na maioria das vezes. aparece aquela deliciosa sensação corporal. A pessoa senta-se e simplesmente cai em samadhi. Quem tiver di�culdades com os pensamentos, pode sempre “PERDIDO O BOI, FICA O HOMEM”, é o sétimo passo. Agora a iluminação, o retornar para a técnica do iniciante que é contar a respiração. Com essa âncora kensho, o Zen mesmo, estão esquecidos. Qualquer sensação de santidade ou o é mais fácil de escapar de pensamentos invasivos frequentes. Um samadhi bri- maravilhoso estado mental que se experimente começará a ser um peso desde lhante pode surgir rapidamente com a contagem das respirações. Outra técnica o momento que se comece a pensar nele ou a tomar consciência dele. Aquela é a respiração em bambu, há uma tentativa de pensamento, um impulso que vem experiência do kensho, quando surge, já não é tomada em consciência, pois se trazendo um pensamento, isso tem um nome técnic o, chama-se NEN. Quando torna natural. É como se estivesse o tempo todo vivendo em kensho. Os aconsurge o NEN, o impulso desencadeador do pe nsamento e você percebe ele nas- tecimentos ocorrem quando querem e a pessoa simplesmente os deixa �uir. cendo, você pára de respirar, isso cria uma tensão que corta o pensamento e você Quando as coisas ocorrem, ocorrem. Quando se foram, se foram. No momento em que uma pessoa se acostuma a ver as coisas de uma maneira �xa, já começa a pode voltar a respirar. decadência. Sem morar em nenhuma parte, deixe que trabalhe sua mente. O que ocorre, na realidade, dentro do corpo quando se produz um samadhi precedido desses fenômenos? Devem estar ocorrendo certas mudanças químicas, O verso sobre a transmissão do Dharma de Budha Vipasyn, o primeiro dos sete sabemos que o corpo produz constantemente toda classe de compostos quími- Budas passados, diz: “Vicio e virtude, pecado e bendição, tudo é vão, mora no cos. Se acaso o samadhi resulta da produção de certos elementos químicos do nada”. Nós estamos falando aqui sobre um estágio em que a experiência de kecorpo, isso não quer dizer que nós podemos, através de químicas, produzir o nsho torna-se praticamente permanente. Não há consciência da existência de samadhi, por isso o uso de drogas é inútil. Embora eventualmente uma droga uma mente a ser controlada, nem uma mente que vai ou vem. As coisas ocorpossa provocar uma sensação semelhante ao samadhi, é pelo seu e feito alucinó- rem simplesmente �uindo. O homem age de acordo com a necessidade, sem se geno que isso ocorre. Ela entra no seu corpo, produz a sensação, mas você não deixar mobilizar pelos acontecimentos externos. Ele está �utuando por fora dos
acontecimentos. Nesse estágio, segundo os comentários de Sekida, reina o “shikantaza” que quer dizer “simplesmente sentar-se”. Já não se presta atenção particular à respiração, à postura e às demais coisas. Inclusive deitado em sua cama se pode entrar em samadhi absoluto. O homem muda a atividade habitual da consciência trabalhando, falando e mesmo sacudido pelo movimento de um ônibus, não perde seu samadhi positivo. Antigamente ele e o samadhi eram se parados, eram dois, às vezes tinha samadhi, às vezes não tinha, era uma coisa que ele possuía ou não. Agora o samadhi e ele são uma coisa só. Antes alcançava o samadhi com esforço, trabalhava num sistema dual. Fazia o za zen e procurava o samadhi se esforçando para �car no momento presente e abandonar todas as considerações. Mas agora não é assim. O reino da mente foi submetido ao domínio do homem, por isso perdido está o boi, resta somente o homem. Pergunta: Eu não entendi bem essa parte do perdido está o boi. Monge Genshô - Não tem mais mente, não está mais sentado na mente tentando controlar, tentando fazer alguma coisa. A mente está em samadhi, então não há boi a ser controlado. O boi é a metáfora para mente. Nos antigos textos hindus havia a presença de um elefante e os passos eram em número de oito. Os nono e décimos passos surgiram com o Zen.
Normalmente os alunos que vêm a um sesshin são os que permanecem no treinamento do Zen. Os que não fazem sesshin praticam por um tempo, vêm para resolver um problema pessoal, acalmar-se, aprender uma técnica de meditação e �cam por aí, mas esse não é o objetivo do Zen, embora seja útil ensinar meditação para as pessoas que se agitam. O objetivo do Zen é atingir a iluminação, é isso que nós estamos procurando, por isso é tão importante dar esse ensinamento que só é possível num retiro, para que vocês vejam os próximos passos. Recapitulando os passos anteriores: 1) No primeiro passo, o principiante nem vê, está apenas começando sua jornada; 2) Depois ele encontra as pegadas do boi e começa a praticar o zazen, mas ainda não experimentou um kensho. 3) No terceiro passo, “vislumbrando o boi”, ele já teve algumas experiências místicas - mesmo que fracas - de alguma emoção e percepção clara das coisas. 4) Depois, no quarto passo, ele segura o boi, mas o boi é rebelde e ele se sente desanimado pelo fato de, apesar de compreender o Dharma e apesar de ter tido experiência místicas, ver-se sempre caindo de novo em angústias, desespero, raiva, cólera, ciúmes e reagindo à vida como um homem comum.
Pergunta: No livro Tao Te Ching, a capa tem um boi, uma criança sentada nele e uma outra pessoa na frente do boi. Seria essa a mente de principiante, 5) No quinto passo ele domina o boi, esse se torna um pouco mais manso a questão da criança sobre o boi? e o domador julga que agora pode lhe ensinar alguma coisa. Algumas pessoas Monge Genshô - Estamos lidando aí com uma metáfora num nível anterior, têm a sensação de que no passado estavam melhores no Zen, tiveram as primeiporque tem alguém ainda conduzindo e algo sendo conduzido. Quando chega- ras experiências que lhes pareciam muito brilhantes, maravilhosas. O primeiro mos aqui, agora, tudo que signi �ca “mente” está abandonado, mas ainda se pode sesshin. A explicação para isso é que nós estamos saindo do zero e o primeiro ir mais longe. A oportunidade de se fazer isso num sesshin é muito maior que no progresso parece um passo importante. Depois �ca mais difícil de subir, cada zendo ou na sangha, porque nestes o tempo é muito curto, temos somente um ganho é mais difícil e a pessoa pode ter a sensação de estar descendo a ladeira; zazen de quarenta minutos, o que tarda a levar a um acúmulo para se ter uma já tinha alcançado, no passado, um determinado nível e agora o perdeu, ou ela experiência, enquanto que no sesshin isso é possível. É claro que um sesshin de se critica por não conseguir um bom samadhi. Sentam em zazen e a mente viaja apenas dois dias também não é su �ciente. Seria ideal um sesshin de pelo menos todo o tempo, surgem coisas do passado que ela não controla. Esse é um moquatro dias, porque é a partir do terceiro dia que a pessoa começa a se livrar mento importante porque é necessário não desanimar, porque houve grandes mesmo dos problemas do seu dia a dia. Mas isso não signi �ca que experiências ganhos já, só que a pessoa não os percebe com clareza. ou vislumbres não possam acontecer assim já no primeiro dia. E isso é muito importante, porque a partir do momento em que se tem a experiência, não é 6) No sexto passo, o boi agora é manso e obediente, ele monta tranquilamente sobre sua garupa. Os acontecimentos normais da vida não o perturbam necessário mais acreditar em nada.
mais, quando acontecem, ele lida com eles com naturalidade, aquilo que parecia Nível D: um grau que simplesmente re�ete os objetos internos e externos como faz um espelho. terrível no passado, agora não é mais. 7) No sétimo passo, kensho, iluminação e o Zen são esquecidos, ele não Quando ele diz “o mais elevado”, ele se refere ao mais elevado nível de consciência existente, portanto, não quer dizer o melhor, mas sim, o pior, o grau em que mora em lugar algum e deixa que sua mente trabalhe. a consciência está mais presente, o primeiro aquele em que as ideias vão e vem. O oitavo passo tem como símbolo o “CÍRCULO VAZIO. NEM BOI, NEM HO- À medida que se diminui a consciência, sobe o nível, logo, um nível mais baixo MEM”. No estágio anterior, perdeu-se o boi. Restou o homem, e você pode ter de consciência é mais elevado em realização. pensado que tudo terminou. O segundo é um grau que compreende, mas não forma ideias; o terceiro grau Porém, agora aparece outro estágio no qual tanto o boi, como o homem, são é só consciência que simplesmente re�ete os objetos internos e externos, como esquecidos. Aqui temos um verso Zen; “De noite engal �nharam-se dois touros faz um espelho. Neste estado aparecerão, em algumas ocasiões, rastros de ação de barro, desaparecendo no mar enquanto lutavam, e esta manhã, nada se ouve re�exiva da consciência que iluminarão momentaneamente o cenário da mente deles”. No momento em que o ego aparece, surgem as circunstâncias. Quando constante. No nível D ocorre o grau mais profundo, onde não se penetra nem o ego se esfuma, se esfumam as circunstâncias. A subjetividade e a objetividade a mais tênue ação re�exiva da consciência. Aqui se manifestam certos vestígios se acompanham mutuamente. Vamos contar a história de uma deidade guardiã de nosso estado de ânimo, é uma espécie de memória do tempo de nossa vida e que desejava ver Tozan Osho, mas não conseguia. Ele colheu uma porção de ce- de nossos antepassados que quer subir à superfície da consciência para expres vada e arroz na cozinha e espalhou no pátio. Tozan, ao ver os grãos disse: “Quem sar-se. Mesmo que a entrada não lhe seja permitida, não deixa de afetar, mesmo poderia ser tão negligente?” Naquele momento a deidade pôde ver Tozan, pois que de maneira remota, mas importante, a corrente de atividades da consciência que está em mudança afetada pelos pensamentos “nen” (impulso que precede o ela só vê egos. pensamento) que aparecem a cada momento. Na mente de Tozan manifestou-se pressão interna, como uma nuvenzinha num céu de verão. Veio e dissipou-se, deslumbrante, na brilhante serenidade do No samadhi absoluto a atividade cerebral �ca reduzida ao mínimo, limpando-se meio-dia e logo tudo voltou a acalmar-se novamente. Essa história tenta nos a fundo a procura da antiga memória. Varre-se o modo habitual da consciênmostrar que Tozan, tendo se iluminado, não era movido pelos pensamentos, cia, desaparece o re�exor e o re �etido, um mundo de profundas nuances. Esse sendo, dessa maneira, invisível a deidades. Então a deida de resolve espalhar ce- estágio é chamado de “samadhi sem pensamentos” que é idêntico ao samadhi vada no chão e desperta aquele pensamento na mente de Tozan: “Que monge absoluto. É o estado em que podemos dizer “nem bois, nem homens”. O que seria tão descuidado, quem foi tão negligente?” E com essa leve indignação ele importa para nós é que o que queremos guardar da memória. Trata-se de algo tornou-se visível. “Tornou-se visível” é uma metáfora para a presença de um tremendamente perturbador para o samadhi, porque ele retorna, e todas as veeu, mas logo a seguir ele desapareceu de novo para deidades. Esse estágio cor- zes que isso acontece, o samadhi está anulado. responde ao dito do Mestre Hinzai “tanto homem, como circunstâncias, estão desaparecidos”. Sekida diz que podemos distinguir arbitrariamente um número Nós praticamos zazen para treinar o samadhi, a concentração, o momento prede graus de consciência. sente. Todas as instruções iniciais podem ser reduzidas a uma única: “ �que no momento presente”. Não quer dizer realmente não pensar, mas é uma forma muito sutil de pensamento, que é mera percepção das coisas em volta. É a senNível A: o mais elevado, em que os pensamentos e as ideias vão e vem. sação de “estou aqui nessa sala, ouço esse som, percebo”. Há percepção, mas não há julgamento, considerações, estimativas, planejamentos, intenções. Há só o Nível B: um grau que compreende, mas que não forma i deias. treinar o samadhi. “Estou em samadhi, plenamente presente”. Aí surgem memórias e quando elas surgem, elas nos tiram do samadhi. Os pensamentos surgem Nível C: um grau que é só consciente. sucessivamente um ao outro; não existem dois pensamentos simultâneos, não
existe um pensamento sempre presente. O que acontece é que um pensamento expulsa o precedente, normalmente de forma encadeada, como um link num texto do computador. Você clica, acessa aquele substrato da memória, acessa aquele arquivo. É como na tela do computador, você não vê duas imagens ao mesmo tempo, sempre que surge uma imagem ela expulsa a anterior. Pode até haver um alerta avisando que você tem um arquivo, mas você precisa clicar nele para abrir, sempre um arquivo expulsa o outro. Na tela da nossa consciência, só surge uma coisa de cada vez e, normalmente, elas chamam outras e nós �camos fazendo essa sucessão de pensamentos.
mos nossa mente para despertar, para sermos donos do sistema, para abrirmos os arquivos que quisermos quando quisermos, para nã o sermos dominados por uma emoção invasiva. Estamos treinando. O termo para meditação em sânscrito é “bavana”, e signi�ca “treinamento”. Na verdade, nós estamos criando uma habilidade, a habilidade de sermos senhores da mente e não sermos levados pela torrente. Podemos fazer o que quisermos, quando quisermos. Podemos abrir o arquivo que quisermos, não sofrer inutilmente, não sermos arrastados por e moções. Podemos ser sensatos.
Monge Genshô: Mas as pessoas vivem normalmente assim, as pessoas que estão andando na rua, elas estão numa espécie de sonho que elas não dominam, elas estão andando na rua, mas não estão vendo a rua, não estão no momento presente, estão pensando: “a conta que tenho que pagar, será que isso vai dar certo, será que fulano gosta de mim?” Pensam em qualquer coisa, é uma sucessão sem �m, rodando uma depois da outra, mas não estão realmente andando na rua, estão vivendo um sonho, por isso não estão acordadas. No Budismo nós treina-
Monge Genshô - Sim, mas não é nada milagroso, porque quando você está sentado em zazen, você está treinando isso. Surge um pensamento e você pode controlá-lo, um impulso de pensamento, você pode parar a respiração e fazer com que ele não surja, como na técnica do bambu. Você pode rotular o pensamento pensando sobre isso, para enfraquecê-lo. Mil vezes ele surge, um pensamento recorrente perturbador no zazen e você pode rotular: “pensando sobre isso de novo”, daí volta para samadhi e tenta voltar para o momento presente.
Pergunta: “Pare de chorar e chore depois”. Há um tempo atrás eu pensei Essa é a atividade mais baixa, é o nível de realização mais baixo, ou seja, realiza- “como é possível chorar, parar e depois p oder voltar a chorar? Isso é possível, ção zero. É uma mente que vive de encadeamentos de pensamentos ou presa à eu escolho?” memória e às emoções, sempre invasivas. Signi�ca controle zero do boi, pois ele vai para onde quer. Monge Genshô - Você pode escolher “eu vou chorar agora, na frente dessa pessoa para mostrar a minha emoção, eu quero mostrar”, ou, “agora não é o moPergunta: Quando ele usa a expressão “apagamento da memória”, não é bem mento de mostrar emoção”. Não signi�ca que a emoção “NEN” não exista, mas assim, não é um apagamento da memória. Fica claro que o apagamento é você tem o controle sobre fazer a�orar ou não deixar a�orar uma emoção. Não é que não exista, não é que seja �ngida, não é isso. Posso mostrar, ou não. Posso complicado. demonstrar a ira para mostrar pra uma pessoa que o ato dela é profundamente Monge Genshô - Não, se fosse simples assim, se apagaria a memória e estaria errado; então, naquele momento, tem que mostrar ira e isso é um meio hábil tudo resolvido. Na realidade, tudo está disponível, mas existe pleno domínio, para corrigir uma situação. você vai acessar o que quiser, como acontece no computador, onde você só acessa o arquivo que deseja. A emoção perturbadora é como um vírus que se encar- Pergunta: Os Mestres podem se mostrar irados? rega de abrir arquivos que você não quer abrir. Você deixou que o computador fosse infectado por uma emoção e daí, ele abre arquivos que você não quer, Monge Genshô - Sim, porque eventualmente o Mestre precisa da ira, mas isso quando ele quer, e estes arquivos estão sempre retornando na tela, ativados por se dá da seguinte forma: “Isso está muito errado”. Pode até gritar e acabou, ele sai um vírus destruidor que traz lembranças e emoções de volta, e você não tem e deleta tudo, só mostrou porque era necessário naquela hora fazer aquilo mas, mais domínio nenhum. Domínio zero, esse é o estado em que as pessoas nor- se a mesma pessoa for falar com ele de z minutos depois, não existirá mais nada. Foi necessário demonstrar ira somente naquele momento, porque é a maneira malmente vivem. de você agir no mundo, tem que usar o “eu” e as emoções também. Observação de um aluno: Mas isso é como uma crise, a pessoa precisa estar Pergunta: Mas é preciso controle total... numa crise feia.
cação da consciência e se dragaram os resíduos acumulados ao longo de incontáveis éons. “Éon” é uma palavra hindu para designar um tempo muito longo. Um “éon” é como se fosse um dia universal. Um conto antigo diz, “imaginem a Monge Genshô - Não, realmente não é assim, só se for manifestada com raiva. montanha mais alta, de cem em cem anos, um pássaro vem com uma peça de Eu usei a palavra “ira”. Ira é mostrar indignação, energia, mas não é �car suando, tecido da mais �na seda e passa no topo do monte. Quando o monte estiver desperturbado, pressão alta, coração acelerado, isso não vai desaparecer em cinco gastado, um kalpa se terá passado”. Muitos kalpas formam um éon. minutos, não é assim. Pergunta: O que é um kalpa? Pergunta: Como repreender uma criança? Monge Genshô - Um “kalpa” é um termo para explicar um tempo excessivaMonge Genshô - Sim, sem raiva, até com afeto, tem que fazer. Se deixar a raiva mente longo, o tempo de um mundo, mas um “éon” é o tempo de existência de invadir, vai fazer errado, embora seja perfeitamente possível se você inicia da uma era. São termos �gurados para explicar tempos muito, muito longos. Mas no estado presente de “voltando à fonte”, a consciência começa a funcionar de maneira certa. novo em um estado mental puri�cado. É como aplicar um pincel sobre uma No nono estágio, “VOLTANDO À FONTE”, basta que surja alguém da condição folha de papel em branco, cada pincelada se destaca com pleno brilho. Se escuta“nem boi nem homem”, para saber que ele voltou simplesmente à fonte. Num mos música, nos soa como incrivelmente linda. É um estado de samadhi p ositisimples estalo a pessoa já se encontra no cálido e brilhante sol da primavera com vo em que o kensho tornou-se permanente. O que se diz do Tathagata será certo as rosas que �orescem, os pássaros cantando e a gente cochilando sobre a relva. para você, encontrará o rosto de Buda para onde quer que dirija seu olhar. Até Se alguém se �xar bem na cena, perceberá que é o mesmo mundo velho que viu ontem necessitava de um grande esforço para desenvolver o estado de samadhi ontem. As ladeiras cobertas de cerejeiras em �or, os vales invadidos pelas �ores absoluto e um controle feroz de toda a atividade da consciência. Agora deixa que da primavera, mas cada �or tem seu próprio rosto e fala com você. As coisas que ela se abra alegremente em toda sua plenitude, porque a consciência tornou-se ele vê, os sons que ouve, são todos Budas. O antigo modo habitual de consciên- límpida, o kensho é permanente e a isso se chama “satori.” cia caiu e você voltou para a terra pura. Assim, satori é um kensho permanente, tudo o que olhamos é perfeito, tudo o Antes de alcançar esse estágio ele teve de passar pelo ”nem boi nem homem”. que ouvimos é lindo, não existe mais nem b em nem mal, certo ou errado. Todas Primeiro penetrou o interior de si mesmo e, uma por uma, foram se descasc an- essas coisas são tão transitórias que o que parece mau é bom. do as camadas da cebola até �car reduzida a nada. Isso é o samadhi absoluto. Mas agora você está no samadhi positivo no qual a consciência está ativa. Nesse Pergunta: O kensho é uma breve iluminação? estágio de “voltando à fonte” o que se experimenta é idêntico, em certo modo, ao experimentado no terceiro estágio, “encontrando o boi”. Porém há toda a di- Monge Genshô - Sim, isso é o que signi �ca, um kensho é uma experiência de ferença do mundo no grau de profundidade. iluminação curta. Você sai ali no jardim e, de repente, olha para uma �or. Você praticou o samadhi durante um bom tempo durante o sesshin, e você olhou pela Tem um ditado Zen que diz: “sempre indo e vindo como um ioiô, do princí- janela, viu a árvore dourada e imensa alegria, contentamento, sentimento de pio ao �m”. Os logros da pessoa se aprofundam retornando repetidamente ao perfeição e felicidade absoluta surgem dentro de você. Isso pode durar segundos. princípio, ao estado de principiante e logo traçando novamente o caminho já percorrido. Pergunta: É sempre assim curto? Pergunta: A raiva nesse caso não chega a contaminar a química cerebral?
Deste modo, sua maturidade se torna incomensuravelmente �rme. Hakuin Zen- Monge Genshô - Não, pode durar três horas, um estado desses. Isso é um ke ji nos diz que com mais de sessenta anos teve o satori de novo. Nos comentários nsho. Ele �nda. Satori, é permanente, todo o tempo você está assim. Satori é de Sekida ele diz que no estado anterior se realizou uma total e decisiva puri�- sinônimo de iluminação completa.
é pura ilusão. Pergunta: Uma pessoa que tenha tido um satori pode voltar a ter pensamentos perturbadores? Pergunta: Então o kensho é um pe queno momento sem ego? Monge Genshô - Podem surgir pensamentos que seriam perturbadores, mas Monge Genshô - Uma boa explicação é o termo “experiência mística”. Realsimplesmente não são mais. mente não tem ego, existe uma sensação de unidade e quando você pensa “eu”... pronto, perdeu. Na primeira consideração, no primeiro pensamento, o kensho se esvanece. No pensamento de contar sua experiência, pronto, já se foi. “Não Pergunta: Samadi já é realização espiritual? posso perder essa sensação”, mas ela se foi. É frágil e não muda sua vida. Você Monge Genshô - Não, samadhi é concentração. Você senta em zazen e trei- continua o mesmo, só tem a memória da experiência. Na realidade é um mona �car em samadhi, treina tentar �car atento. Quando você está no momento mento de iluminação. Só que você não é proprietário dele. Assim como veio, foi, presente, concentrado no momento presente, sem cogitações, isso é samadhi. enquanto que no satori você pode recuperar essa sensação a qualquer instante, Quando você esta em zazen, pode ser que no período de quarenta minutos você você é o proprietário. As drogas dão uma sensação que dura um tempo muito consiga isso por alguns segundos. Pode ser que você faça zazen e não entre em limitado, a pessoa não é proprietária dela e ainda tem inúmeros problemas assamadhi em tempo algum. Você senta e só tem pensamentos inquietantes, luta, sociados, como o vício. Mas você não pode mais se libertar. É o oposto do que estamos falando. Estamos falando de libertação. Nós podemos até dizer que as luta e a mente não pára. pessoas que têm algum tipo de experiência no Zen sentem uma espécie de vício Setsugen diz que se você conseguir �car em samadhi quarenta ou cinqüenta por no zazen. É tão bom o que você começa a obter que não quer mais parar de pracento do tempo em que você está sentado, a iluminação esta próxima. Mas eu ticar e, se parar, você se sente entristecido. Mas isso dá trabalho, você tem que diria que o kensho pode surgir mesmo com um samadhi ainda limitado, porque sentar, não é como tomar uma droga. Então, é bem diferente. ele não depende muito da quantidade. Um bom samadhi e, de repente, kensho. Mas o kensho é evanescente. Então, kensho não é tão impossível de obter, na re- No décimo passo, “NA CIDADE COM MÃOS AUXILIADORAS”, a �gura nos alidade, é deveras comum. E até para pessoas que não praticam zazen, ele pode mostra um homem em uma feira, se misturando ao mundo. A imagem mostra ocorrer. Em determinadas circunstâncias, em oração, ou passeando no campo, um homem gordo, barrigudo, despreocupado, a quem nada importa sua apade repente uma grande felicidade, uma sensação de perfeição absoluta, uma co- rência pessoal. Está descalço, peito à mostra, sem se importar de que forma está moção e aquilo surge; a pessoa nem sabe direito como explicar. Se você conta vestido. Tudo isso simboliza sua nudez mental. Leva uma cesta que contém algo para alguém que já experimentou, a pessoa entende, é mais ou menos como para as pessoas da cidade. Seu único pensamento é levar alegria aos demais. Mas orgasmo. Se a pessoa não teve, pede explicação. Quem já teve, não pede expli- o que ele leva no cesto? Talvez o vinho da vida. Finalmente, segundo Sekida, o cação, porque quem teve sabe o que é. Quem não teve não sabe e não adianta mundo do antagonismo se dissolveu, o modo habitual de consciência caiu por explicação. Talvez no dia em que tenha ela diga: “Ah, é isso!” E o kensho é exa- completo. Já não leva você o antigo traje de cerimônias, vai desca lço com o peito tamente assim também, uma experiência intransmissível para quem não teve. desnudo, tudo é bem-vindo. Pensamentos errantes? Tudo bem, essa é a grande meditação de Buda e a forma de consciência mais ativa. Goza da perfeita liberdade do samadhi lúdico, positivo. Para nós todos aqui, o mais importante são os Pergunta: Ele pode vir de uma forte emoção? passos iniciais. A prática do samadhi, a experiência de kensho, o futuro satori, Monge Genshô - Não, ele tem que vir de um momento de calma, de esvazia- para quem chegar lá. Samadhi é com esforço, kensho acontece, não adianta quemento, não de uma emoção forte. É diferente de uma paixão, por exemplo. Você rer que ele aconteça, ele irá acontecer sozinho. se sente muito eufórico, muito feliz, quando está apaixonado. Muda sua química cerebral, mudam hormônios, e aquele momento em que você descobre o amor, é Pergunta: O que acontece se depois de longa preparação o praticante, não um momento maravilhoso, mas você sabe que ele passa, e é físico, é muito feliz, tendo chegado ao satori, mas tendo adquirido kensho, morre? Essa experiênmuito euforizante, mas vai passar. Para quem conhece, sabe que vai passar, que cia, essa bagagem, segue para a nova existência?
Monge Genshô - Seguem. Na próxima manifestação cármica o que vai acontecer é que essa pessoa pode, já na infância, ter experiência de kensho. Pode perdê-lo, andar para trás, mas a atração dele pelo Dharma é muito forte. Isso é como reconhecer o seu lugar. Você chega ao lugar de treinar e diz: “Esse é meu lugar, minha casa, não quero mais sair daqui”. Essa marca cármica é muito importante no treinamento. Muitas pessoas vão à Sangha no horário do meio-dia, elas podem ter uma experiência minúscula, mas essa e xperiência já se torna uma marca cármica. Pode ser que ela venha a praticar. Se ela já possui uma marca anterior, ela volta para praticar. Provavelmente, todos que estão aqui hoje já praticaram em vidas anteriores, senão não conseguiriam �car. Por quê �ca uma pessoa de cada cem que vão à Sangha e vêm à sesshins, fazem rakusu etc, fazer rakusu é uma coisa fantástica. Porque ele fez e colocou no peito, isso é uma marca. Teve todo o trabalho para fazer, reverencia o rakusu. O rakusu cria uma grande marca na gente, o manto também. E é uma marca cármica.
de zazen. E desde então, foi um sobe e desce na prática, pára, não tem professor, não tem sangha, não havia livros. Só fui costurar meu rakusu em 1992 e daí é que a prática se tornou mais constante. O que fez grande diferença foi ter montado um grupo, sentar, ler, praticar. Se formos olhar para o passado, acredito que tinha uma marca cármica para nascer naquela família. O principal, agora, é cultivar profundamente suas marcas cármicas para estar em melhores condições na próxima vez. Se possível, acumular kenshos e, se possível, obter o satori nessa vida e �car livre pra poder ir para a cidade com mãos auxiliadoras. Pergunta: O que é um Bodhisattva? Monge Genshô - Sim, a de �nição de Bodhisattva é “aquele que, obtendo a iluminação, renuncia à sua condição de Buda para continuar voltando e ajudando as pessoas a alcançar a iluminação”. É a imagem do barqueiro. Ele �ca levando pessoas de uma margem para outra, de uma margem para a outra da sabedoria. Ele pode ir embora se quiser, abandonar o barco. Mas prefere sempre voltar à margem das pessoas que sofrem. E irá retornar sempre, até a última. Por isso um dos votos do Bodhisattva é: “Seres são inumeráveis, faço voto de libertá-los, todos”.
Tem uma história famosa de uma prostituta. Os ladrões roubaram o manto de um monge. Levaram para um cabaré e pediram para que uma prostituta dançasse enquanto tirava o manto. Ela se enrolou no manto e começou a dançar No Dharma, e tirar o manto. Por causa disso, em sua outra vida ela nasceu em uma família budista. Se sentiu atraída pelo Dharma e tornou-se uma monja. No momento da Monge Genshô. dança, parecia uma heresia, um sa crilégio, mas esse momento criou uma marca cármica. Pergunta: Outro dia me perguntaram como eu vim parar no budismo, como tinha acontecido. Daí eu respondi que na époc a eu passava por umas inquietações, estava buscando algumas respostas, mas, re �etindo bastante, não consegui encontrar uma resposta. Honestamente, eu não sei. Monge Genshô - Existe uma questão de reconhecimento. Eu nasci em uma família em que o pai já era vegetariano, tinha muitos princípios em sua mente, mas não conhecia o budismo. Quando eu era pequeno eu me sentia atraído por religião. Então, uma amiga da minha mãe deu a ela um livro: “Meu Filho será Padre”, e ela era muito católica e me viu rezando na hora da Ave Maria. Minha mãe deve ter pensado: “Meu �lho será padre”. E quando estava com vinte e três anos, passei algum tempo frequentando um mosteiro Beneditino na Bahia e o abade me convidou para ser monge, experimentar a vida monástica. Quando cheguei ao vinte e seis, eu vi um monge zen. Naquele instante comecei um grupo
BOAS E MÁS SEMENTES Monge Genshô 25.08.2004
aniquilação nunca é conseguida, o ódio e a raiva nunca têm �m. Voltando às sementes dentro de nós, temos sementes adormecidas de tudo: de potencial assassino, potencial para o ódio, potencial para a raiva, ambição desmedida, potencial avarento, todas as maldades do mundo estão dentro de nós e costumamos pensar que somos bons. Dia destes vi uma declaração no Facebook, que uso como instrumento para espalhar textos do Dharma, que dizia mais ou menos assim: “eu queria que o mundo fosse como as pessoas do Facebook, em todos os per �s as pessoas dizem que amam os animais, detestam a falsidade, amam a verdade e a honestidade, detestam a corrupção, é um mundo de pe ssoas maravilhosas”. Se o mundo fosse formado pelas pessoas que postam mensagens no Facebook, seria um mundo p erfeito. Pelo menos até lermos os comentários.
Uma das melhores símiles a respeito de como o carma funciona é a da semente. A palavra em sânscrito para impregnar e permear é “vachana”. Imaginemos como se faz um chá de jasmim, colocamos �ores de jasmim dentro de uma caixa com folhas de chá misturadas e deixamos durante semanas. Desta forma o perfume do jasmim impregna as folhas de chá e quando vamos tomar o chá ele possui perfume de jasmim. Quando cultivamos energia de hábito, esses hábitos integram a nossa vida e impregnam sementes, essas sementes dentro de nós �cam aguardando o momento propício para despertar. Por exemplo, nós temos sementes de todas as nossas existências ou existências de toda a humanidade, não importa. Não importa muito o que pensamos a esse respeito, o que importa Eu li uma vez sobre uma rádio na Itália, há alguns anos, que se propôs, para o horror e vergonha do País, a permitir por trinta dias que todos os comentários e é que dentro de nós há sementes guardadas e prontas para despertar. críticas feitos por telefone fossem divulgados e lidos ao vivo. Apareceram todos Há, dentro de cada um de nós, sementes de raiva e se quer imaginamos isso. Ha- os tipos de preconceito: racismo, ódio, os sentimentos mais baixos dos seres bituamo-nos a praticar bondade, cultivar pe nsamentos de compaixão, amorosi- humanos, todos expostos por todas as classes sociais e diferentes tipos de pesdade e perdão, mas um dia a lguém diz a palavra certa para desestabilizar. Muitas soas. Hoje podemos ver isso na internet. Sem a censura, todos podem dizer o vezes as pessoas com quem se convive muito, a família, os cônjuges, aprendem que pensam e surge a alma humana exposta. Na melhor hipótese, sabendo que exatamente o que fere. Nesse momento em que a palavra certa é dita, a raiva existem essas sementes e pensamentos dentro das pessoas, seria melhor que eles explode, surge. Pensávamos que estava adormecida e e stava, mas era como uma não fossem expressos, melhor que não fossem ditos, porque quando são ditos é semente em uma terra seca que, ao colocarmos água, brota. Quanto mais água como colocar água na semente, eles se tornam mais fortes, outras pessoas leem e e adubo colocarmos, quanto mais cuidarmos da semente, mais a árvore cresce, pensam a mesma coisa. Quando esse meu amigo falou sobre o ódio no Oriente �ca forte e poderosa. As sementes da raiva são consideradas no budismo como Médio e, é claro, ele pertencia a uma das facções, eu lhe escrevi dizendo que não as piores, os piores venenos da mente. Quando ela desperta pode destruir o era dessa forma que se deveria pensar, a questão era que enquanto as pessoas mundo em sua volta. Como vemos no Oriente Médio hoje em dia, cultivamos pensarem que existem alauítas, cristãos, sunitas, xiitas, etc., enquanto eles acreditarem na diferença haverá luta e oposição. muitas sementes de raiva, ódio e di ferença. Dia desses um amigo me escreveu: “os judeus são isso e aquilo outro, os árabes, sunitas e alauítas vivem brigando porque uns invadem as terras dos outros e etc”. Na Síria hoje nós temos alauítas, sunitas e cristãos e todos têm medo uns dos outros. Esse medo faz com que nenhum deseje que o outro assuma o p oder e gera uma guerra civil. Isso cria raiva, ressentimento e ódio. Então matam. Temos mais medo, mais raiva, mais ressentimento, mais ódio e isso não tem �m, só cresce. Nos perguntamos como podem há tantos séculos estarem brigando? Esse ódio vai sendo passado de geração para geração, onde são narrados os casos de assassinatos dos avós, irmãos, tios e pais, construindo assim uma mente vingativa. Como a única maneira de resolver as coisas que eles enxergam é através da vingança e da vitória �nal com a aniquilação dos oponentes, e como essa
Se amanhã todos perdessem a memória, se cada um de cada grupo perdesse a memória, olhariam uns para os outros e veriam que são todos iguais, semelhantes, habitantes da mesma região, comem o mesmo tipo de comida, fa lam línguas parecidas e a paz surgiria no mesmo instante. Seria um único e grande país. Deste modo vemos que as sementes são criadas pelo fenômeno da energia do hábito, da repetição e da crença. Se acreditarmos numa determinada diferença ela se consolida, como uma semente. As sementes estão dentro de todos nós. Boas e más sementes. Quando dizemos “a prática do Zen”, “a prática” signi �ca regar as boas sementes e deixar as más sem água, sem terra fértil, de modo que não consigam germinar.
Elas �cam assim por tanto tempo que �cam esquecidas, de maneira que seja muito difícil fazê-las despertar. As pessoas olham as comunidades religiosas e �cam admiradas que ali existam divisões, luta pelo poder, ciúme e fofocas. Mas todos que procuram as comunidades religiosas são doentes. Ao chegar à uma comunidade pensa-se que tudo é maravilhoso, enxerga-se um mundo maravilhoso, mas é um mundo de pessoas comuns. Se formos até um hospital seria tolo lermos “Casa de Saúde”, já que encontramos muitas pessoas doentes. Como nesse lugar, onde há tantos médicos, as pessoas adoecem? Todos que procuram a prática espiritual procuram por ter alguma inquietação. Se existe inquietação e angústia existencial é porque dentro de nós as coisas não são tão boas assim. Na semana na pátria teremos um retiro. Considero “pátria” um grande engano. Quando pensamos em pátria, terra dos pais, nos distinguimos dos outros. Nós brasileiros nos distinguimos dos argentinos, uruguaios e bolivianos. Se não ti véssemos pátria não teríamos necessidade de exércitos, não gastaríamos tanto dinheiro em máquinas de guerra. Eu tenho uma experiênci a sobre isso. Na Copa do Mundo de Futebol na França eu estava em Paris e uns amigos me convenceram a colocar uma camiseta da seleção brasileira. Fomos a um restaurante e assistimos ao jogo no meio dos franceses. No �nal do jogo fomos muito bem tratados pelos franceses. O dono do restaurante não nos deixou pagar a conta e nos dizia que éramos o povo mais maravilhoso do mundo. O metrô não funcionava e tivemos que ir andando até o hotel. Ninguém havia nos insultado, até encontrarmos um grupo de argentinos. Eles i am atrás de nós gritando: “vocês voltarão a pé até a América do Sul”. Nesse momento foi possível sentir nitidamente o que é ter uma pátria. Mas essas s ementes foram plantadas em nós por quem? Quem nos convenceu que somos brasileiros? Quem convenceu que somos árabes, cristãos ou xiitas? As sementes foram plantadas com ensinamentos, cultura e coisas que nos disseram. Depois, como �camos permeados (vachana), impregnados dessas informações, pequenos eventos podem fazer brotar as sementes do carma. Isso é o carma, por isso um mau ato pode não �orescer nessa vida, pode não germinar. Um homem que fez coisas ruins nessa vida pode morrer bem, mas isso não signi�ca que a semente desapareceu. Isso responde a pergunta das pessoas que veem uma pessoa jovem sofrer e não entendem. São as sementes germinando. Se quisermos que as nossas vidas, nossas continuações e o mundo sejam bons, temos que cuidar do que nos impregnamos e que sementes criamos dentro de nós, porque elas germinarão se tiverem condições propícias. E nós, que sabemos que temos sementes más dentro de nós, temos que tomar muito cuidado para evitar que elas germinem. É simples assim.
O REDEMOINHO TEM UM CENTRO Monge Genshô 20.03.13 O Budismo nasceu há vinte e seis séculos. Buda morreu, acredita-se, no ano de 483 a.C, quase quinhentos anos antes de Cristo. Buda era um homem, não era um Deus, não era um profeta, era um homem como nós. A grande tradição do Budismo é que Buda apontou o caminho da liberdade. Essa libertação é uma libertação absoluta e completa de todas as prisões que nos amarram, inclusive da própria vida. Para o Budismo, nós estamos aqui, agora, sentados e temos esses corpos porque somos seres de apego e desejos. Seres que não podem evitar sentir seus impulsos de apego e desejo. Mais que tudo, desejamos viver. Por isso estamos aqui. Cada um de nós queria imensamente viver, ter um corpo, comer, amar, usufruir da vida, do poder, tocar as coisas. Desejamos demais essa existência e acreditamos incrivelmente que somos seres separados, nos perdemos do nosso grande ser e mergulhamos no redemoinho de ser um pequeno ser, um pequeno redemoinho de movimento e impulsos que se manifesta com um corpo e esse redemoinho de impulsos, desejos e pensamentos têm um centro, como um redemoinho na água. Um centro que a gente vê porque existe movimento, não está lá como um eixo, está como um centro que olhamos e sentimos como imaginário, ali tem um centro porque tudo gira em volta. Este centro nós chamamos “eu”. Esse eu não tem solidez alguma, nossa crença de que ele é algo, é que faz com que ele exista e ele existe em razão do movimento dos nossos pensamentos, impulsos e desejos. E mesmo que desmanchemos com as mãos, esse redemoinho surge novamente, porque os impulsos continuam e é por isso que estamos aqui, porque somos redemoinho de movimento no oceano da vacuidade. Essa vacuidade não é nada, é aquilo que é, não pode ser descrita, é absoluta em si mesma, mas não podemos dizer que é absoluta, porque se nós a descrevermos, a estaremos diminuindo. Nós nos manifestamos nessa superfície e aí acreditamos em nós mesmos e por acreditarmos em nós mesmos estamos aqui e agora. Vocês me veem e eu vejo vocês. Estamos enganados, não existem vocês e não existo “eu”, só existe vacuidade. Nós somos ilusões, ondas na superfície da vacuidade, sem substância permanente, sem possibilidade de eternidade, de modo que nossos “eus” não podem sobreviver nem ao dia de amanhã.
Vocês entraram aqui com um “eu”, estão sentados com outro “eu”, levantarão com outro “eu”, e amanha será outro “eu”, porque isso que cada um de nós acredita que seja um “eu”, nada mais é do que a impressão produzida pela sucessão de sensações e pensamentos na mente. Por causa disso tudo e porque cremos muito nisso, estamos presos ao mesmo redemoinho todo o tempo e condenados a repetir as mesmas experiências todo o tempo. Repetimos as mesmas experiências durante essa vida, os mesmos tipos de ligações, o mesmo tipo de desejo in�ndavelmente. Olhamos para as pessoas como modelos e essas pessoas nos decepcionam, porque são como nós, humanos.
podemos abrir os olhos e ver a vacuidade tal como ela é, livre dos condicionamentos mentais. Por isso sentamos e nos livramos dos pensamentos, voltamos para “aqui e agora”, porque aqui e agora já é o Nirvana e aquele que senta já é Buda. Porque enquanto houver alguém que quer alcançar algo, então não há Nirvana. O Nirvana é só para aqueles que se esqueceram de si mesmos e morreram para si, assim, então, podem enxergar. Esse é o caminho da liberdade.
Esse mundo da impermanência e perambulação, o mundo de Samsara, é o mesmo mundo que o Nirvana. Aqui e agora é o Samsara, estamos prontos para morrer, sofrer, nos desiludirmos e perder tudo que é nosso, inevitavelmente. Não há nada seguro. Dado tempo su�ciente esse prédio não existirá mais e também nenhum de vocês, pois, em a lgum tempo, todos estarão mortos. Nada é seguro.
Pergunta: Qual o futuro do Budismo no ocidente?
Trata-se de libertar-se de tudo, até mesmo do Zen, do Budismo, de Buda, de Mestres, professores, de acreditar que há seres santos e perfeitos. O Dharma está completamente acima disso. O Dharma, quando se manifesta, está manifesNão existem verdadeiros mestres, não existem verdadeiros santos, são todos tando uma sabedoria que está além das meras declarações e longe das palavras, seres humanos. Nós acreditamos, queremos acreditar, que existe algo maravi- porque as próprias palavras não podem descrevê-lo perfeitamente. lhoso. Não existe nada sagrado nem maravilhoso. Essa é a visão do Zen. Por outro lado, tudo que tocamos já é maravilhoso e tudo que vemos já é sagrado, Por isso uma palestra do Zen tem que ser começada com uma experiência de porque não existe nada que não seja sagrado e maravilhoso. Quem não enxerga meditação, porque a palestra não é o Zen. Trata-se de um mero mapa, mera a maravilha, é porque tem olhos que não enxergam a maravilha. Os olhos de referência, mero apontar, não se trata da liberdade, a liberdade não pode ser desBuda, os olhos dos despertos, olham só maravilhas, por isso os Budas alcançam crita, só pode ser experimentada. Sempre faço palestras curtas agora, mas antes, o Nirvana. Por isso o Nirvana é lindo e maravilhoso e profundamente diferente as palestras eram mais longas, mas hoje pre�ro as palestras curtas e depois ouvir do Samsara, onde vivemos cheios de desilusões, apegos, desejos, coisas que co- perguntas. Então vamos às duvidas, podem ser as mais simples. meçam e terminam a todo instante, como nossos corpos que envelhecem, adoPERGUNTAS ecem e morrem.
Do outro lado, aquele que desperta e se liberta, olha para esse mundo e vê a maravilha da vida contínua, sempre se manifestando, a vacuidade em formas e seres fantásticos, maravilhosos, belíssimos, livres de nascimento e morte, porque nem nascem nem morrem. Apenas se manifestam continuamente. E olhando esse mundo, veem o Nirvana, lugar onde não há perambulação, somente a manifestação impoluta da vacuidade, luminosa, maravilhosa, indescritível, o mesmo mundo onde nós estamos.
Monge Genshô – O futuro do Budismo no ocidente é o que eu estava falando - é ser descoberto pelos ocidentais. Durante um bom tempo se acreditou que o Budismo não seria entendido pelos ocidentais, que isso não seria possível. Grandes intelectuais como Carl Jung escreveram sobre isso, que o Zen era impenetrável e inalcançável para a mente ocidental. Ele escreveu isso no seu livro “Psicologia Oriental”. Na verdade, vemos agora que o ocidente é o lugar onde o Budismo está surgindo, porque no oriente o Budismo está morrendo. Essa é a história do Budismo. Ele nasceu na Índia e lá praticamente já não existem mais Budistas, eles desapareceram. Quando ele foi para a China por volta do ano 600 d.C, Bodidharma chegou lá com o Zen, e duzentos anos depois ele teve um grande �orescimento, foi o momento de ouro do Zen na China.
Por isso dizemos no Zen, que o Samsara é o Nirvana, porque não é um lugar. Na verdade, é uma transformação interna que nos leva a enxergar o Nirvana. Por isso a insistência, no Zen, em sentar para meditar. Porque o que nos impede de enxergar é essa mente condicionada e presa às crenças. Só libertos das crenças
Então Dogen, que foi um grande Mestre da Escola Soto, saiu do Japão e foi até a China procurar um Mestre, pois estava desiludido com o Budismo que havia no Japão. Depois de visitar vários Mestres, encontrou o seu, que era sucessor de Sochan e, com esse Mestre, ele se iluminou e voltou ao Japão para ensinar.
O momento de glória do Zen no Japão foi entre 1300 e 1600. Quando o Ze n tornou-se a religião do Império e todos japoneses foram obrigados a ser Budistas e se registrar num templo Budista. Os cristãos foram mortos, no início da “Era Tokugawa”. Nessa época, colocavam-se cruzes nas ruas e todos que se recusavam a pisá-las eram mortos. Nesse momento começa a decadência do Budismo no Japão. Em 1872 quando o Imperador Meiji ordenou que os monges se casassem, ele colocou cal sobre o Budismo. Imperadores chineses já haviam feito isso com a mesma intenção, destruir o Budismo. A maneira de destruir o Budismo é destruindo o monasticismo, destruindo aqueles que se dedicam inteiramente ao Dharma, fazendo com que eles se corrompam. Vocês sabem como é fácil se corromper, como é fácil para aqueles que se declaram idealistas, o contato com os prazeres da vida, se corromper. Então o budismo começou a enfraquec er. Em meados desse século, pela dé cada de sessenta, o Budismo e a prática Budista começam a chegar com força ao ocidente. Eu conheci o Zen em 1973 e nós costumamos brincar que os homens dessa época são os dinossauros do Budismo. Esse é o momento em que o Budismo começa a �orescer no ocidente, começa a se desapegar do oriente, criar suas próprias raízes e sua própria forma nos países do ocidente. A partir de agora, nos próximos duzentos anos, serão os anos de ouro do Budismo no ocidente. Esse é o futuro do Budismo no ocidente. Agora é o momento do idealismo, pois, no momento que ele se tornar forte, começa a decadência. No momento que os monges começarem a procurar por conforto, a decadência estará instalada. Quando não cumprirem mais os preceitos, a decadência estará completa.
iluminado é um homem comum, é indistinguível de um homem comum. O futuro do Budismo no ocidente é brilhante, sem dúvida alguma, mas haverá muitos tropeços e, como aconteceu na China, no Japão, na Tailândia e em todos os países budistas, o Budismo sempre toma a cor local e se desliga do país de origem. Pergunta: Mas a derrocada não é fatal, pela maneira que o Senhor colocou. Todas as vezes que ele caiu, estava ligado a uma atitude política, ao poder. Se por acaso no ocidente o Budismo se mantiver a parte da política, há uma possibilidade de ter um �orescimento eterno, não é? Monge Genshô – Buda disse que o Budismo, assim como todas as coisas, tem ciclos. Buda mesmo não acreditava nisso. Ele disse que “primeiro temos uma era onde as pessoas se iluminam, tem os ensinamentos de conhecimento, e as pessoas praticam. Depois, uma época que as pessoas não mais se iluminam, mas têm os ensinamentos e praticam os rituais. Na terceira era, as pessoas esquecem os ensinamentos e só fazem rituais. A decadência está completa quando nem mais os monges cumprem os preceitos, quando os monges matam, roubam, esquecem, se encantam com os prazeres, só usam roupas bonitas e os mantos Budistas viram fantasias”. Buda disse que é assim, porque isso é da nossa natureza. E quando a decadência está completa e o Dharma está esquecido, surge um novo Buda. Por isso o Budismo fala no “Buda do futuro”, o “Buda Maitreya” que surgirá. E quando recitamos os nomes dos Budas, recitamos nomes de Budas antes de Buda, para não acreditarmos que Shakyamuni Buda foi o primeiro e nem será o último. Porque onde surge sofrimento, surge de novo o Dharma.
As regras do Vinaya, que eram as regras para os monges no tempo de Buda, Pergunta: Desculpe, mas eu não concordo. Penso que na verdade o budismo previam quatro grandes ofensas. As quatro ofensas principais eram as “Ofensas pode entrar nas pessoas...Desculpe perguntar, mas o Senhor é casado? Prajica” e implicavam na punição máxima, que não era nenhum tipo de violência, era simplesmente você estar derrotado e ser expulso da ordem. Seu manto Monge Genshô– Não sou monge celibatário. era queimado e você perdia a chance de se libertar. Pergunta: Pois então, uma pessoa comum...a gente não pode pensar que esse Essas ofensas eram: 1) descumprir o preceito do celibato, para os monges. Um conhecimento esteja disponível para toda a humanidade? monge é sozinho e renunciante, renuncia à família e ao sexo; 2) matar - um monge não mata; 3) roubar - um monge não tem nada que não seja seu; 4) um Monge Genshô – Sim, mas isso é apenas parte do Budismo, e o Budismo nunca monge não se vangloria de ter poderes sobrenaturais, se os tiver, o monge não sobreviveu sem o monasticismo. os mostra. Pergunta: Talvez não seja importante o Budismo, talvez seja importante a É diferente sobre o que imaginamos s obre o Budismo, né? Nos �lmes, os Mon- abordagem. ges Budistas são maravilhosos, supranormais, isso não é o Budismo. O homem
Monge Genshô – Talvez. Mas tudo isso é talvez. Mas não estamos aqui para fa lar do que concordamos ou achamos, estamos aqui para falar do Budismo em si. E o Budismo em si tem essa tradição, essa doutrina, são 2.600 anos de história. Após esses 2.600 anos de história que conhecemos, o Budismo de hoje tem essa característica, onde o monasticismo desapareceu e o Budismo foi morrendo. Tivemos séculos para olhar isso. Quando falo do Budismo japonês de hoje, estou falando de um último estágio de decadência, onde os monges começaram a se casar. Isso foi uma perda de força. As escolas onde o monasticismo foi preservado têm mais vitalidade nesse mundo. Mas onde vejo mais vitalidade é no ocidente. No entanto, aceitando o que você colocou, os leigos têm um largo caminho no Budismo e Buda nunca disse que só os monges se iluminam. Temos Sutras falando de homens, como Vilamakirti ou mesmo no tempo de Buda, de homens que eram leigos e tinham discípulos, eram mestres, ensinavam, e seus discípulos eram muito bons.
sor no Zen, em uma palestra na qual �z a pergunta como eu penso, “penso isso e isso”, foi – “Pode pensar assim também. Não tem muita importância”.
Mas para o Budismo não é assim, para o Budismo quando uma pessoa diz que pensa dessa ou daquela forma, a reação do Budista é – “Não tem muita importância isso” – porque ela tem muito tempo, muito tempo, não importa o que pensemos agora, teremos mil vidas, duas mil vidas, um milhão de vidas, “kalpas” sem �m. A questão é se nos libertamos, mas repetirmos nossas experiências, pensarmos ou acharmos, isso pode ser in �nito. Não é urgente, é um caminho e um trilhar que pode ser passo a passo. Uma vida pode ser uma conquista, só uma, depois tem outras, não há esse senso de urgência, você tem muito tempo. Talvez isso faça com que o Budismo tenha essa postura não proselitista, não é necessário converter, pra quê? Pode ser que a pessoa esteja muito bem onde está, como você vai dizer que o Budismo tem a verdade? Ou a crença de que isso é assim. Não tem muita importância. A primeira resposta que ouvi de um profes-
Então essa conduta já era analisada por Buda nos Sutras há 1.600 anos atrás. Podemos dizer que o homem em si não mudou tanto e que na verdade os expoentes na espiritualidade, pessoas dedicadas a uma realização espiritual são poucas sempre, porque é natural que seja assim. Imaginem aqueles que chegam a um determinado nível espiritual mais alto. Eles não têm energia para se manifestar nesse tipo de mundo, seu carma se esgota para essa manifestação e eles têm uma manifestação de outro tipo e de certa forma escapam daqui, sobram quem? Os Boddisathvas, que, por amor ao mundo, para cá retornam, para agir nesse mundo por compaixão ao sofrimento humano, é isso que sucede.
Pergunta: O senhor comentou a respeito da di �culdade do homem ocidental de entender o Budismo. Dentro do que já li, pesquisei e do que sinto, sendo ocidental e tendo interesse no Budismo, vejo que um dos pontos de maior impacto é justamente o encorajamento que existe no o cidente em torno da individualidade, ou seja, somos construídos desde pequenos para nos diferenciarmos dos outros, para sermos aquela pessoa especial, que tenha uma individualidade forte e cada vez mais colocar isso para fora, sua imagem de indivíduo dentro da sociedade. E hoje em dia com marketing e tudo que acontece, grupos que são formados em termos de você se diferenciar, eu �co com a seguinte duvida: Não corre-se o risco dos praticantes do Budismo, dentro de um mundo tão interligado, globalizado, se tornarem de certa forma, pequenas ilhas na qual estão buscando essa conexão com a totalidade? Há um Sutra em que Buda pergunta para um desses discípulos leigos como ele Ao mesmo tempo que parece que os não Budistas, os que estão dentro dessa faz para ter tantos alunos maravilhosos. E ele explica – Faço assim, dessa forma, onda mais voltada para o individualismo, que seria a grande maioria, estar sou suave, sou encorajador. Esse era um ensinamento lá, para a época. O mo- convivendo com eles, dentro desse mundo em que as pessoas têm interesses nasticismo é vital na tradição Budista, mas é um meio devido, uma maneira de muito opostos. viver, uma opção. Não é uma determinação de que só assim se consegue a iluminação, ou a realização espiritual. Do outro lado, o budismo tem uma considera- Monge Genshô – Primeiro é de se considerar que existem muitos autores que ção; por exemplo, se estivéssemos falando do catolicismo, que tem monasticis- dizem que o individualismo ocidental é uma construção iluminista e que o homo, tem muito sentido você ir para u m mosteiro católico se você é um católico mem medieval não era tão individualista. No entanto, a literatura desmente isso. fervoroso. Já estive num mosteiro beneditino e vi como adotavam radicalismos, A história grega e a história romana e, se recuarmos até os Sutras Budistas, vedo tipo – “Se essa é minha única vida, se está decidido que vou para o céu ou remos a mesma conduta, os homens sempre individualistas, egoístas, tentando para o inferno, então vou fazer o máximo, porque só tenho essa vida e o resto é agregar coisas a seu ego, adquirir mais coisas, ter mais patrimônio, ter pessoas, a eternidade” - então não tem sentido não fazer dessa forma. amores, �lhos, en�m, sempre agregando coisas em torno de si mesmo.
Então serão obrigatoriamente poucos. A questão é se o Dharma sobrevive ou não, para aqueles que o procuram. Se está disponível ou não para aqueles que
o procuram. O Dharma, essa sabedoria, não é exclusividade Budista, pode ser encontrada em outros caminhos espirituais. É muita cegueira um praticante espiritual dizer – “Só a minha escola” ou, “só existe um caminho espiritual” – isso não é verdadeiro, existem muitos caminhos espirituais para subir a mesma montanha. Talvez se possa perguntar – Por que o senhor adota o Zen? – a resposta é – Porque tenho uma mente cética, porque não estou disposto a aceitar milagres, nem santos, nem deuses, porque procuro um caminho espiritual onde eu sinta que não estou sendo enganado e as coisas estejam claras e limpas, uma forma de praticar sem ter que aceitar uma fé, e isso o Zen proporciona. É um caminho espiritual muito apropriado para esse tipo de mente, por isso o Z en me fascinou e, acredito que vocês estejam aqui para ouvir sobre o Budismo porque alguma conexão existe com o Budismo. Leram algo, sentiram algum impulso para estar aqui, numa noite fria, numa sala não aquecida. Temos carma para estar aqui ouvindo isso, uma conexão com o Budismo, com esse caminho espiritual. Todos que estão aqui têm, senão não estariam aqui. Pergunta: O Budista deve sempre acreditar na reencarnação? Monge Genshô – O Budista não acredita na existência de um espírito ou uma alma. Como podemos acreditar na reencarnação? Reencarnação do que? Mas isso abre espaço para outras perguntas. Fiz uma declaração base, e ela é chocante, pois todos estão acostumados a verem na imprensa, em revistas declarações como “O Dalai Lama é a décima quarta reencarnação de outro Lama...”, não é?
existia um quanto de carma originado por outro homem, que tinha os mesmos impulsos, desejos, pensamentos e caráter que você, muito parecido, por isso você está aqui, porque não se libertou e porque continua com os mesmos impulsos, então você nasce de novo como homem aqui. Se você se libertasse, não nasceria aqui. Você estaria livre desse ciclo de nascimento e morte. Mas você está condenado a repetir as mesmas experiências, vida após vida, enquanto não se libertar. É isso, mas não é você, é outro você. Porque não existia uma alma que saiu daquele corpo e entrou nesse. Esse é o ensinamento de Buda. No Budismo não falamos nem em deuses nem em almas nem em espíritos, então a palavra reencarnação não se aplica ao Budismo. Tem muitos Budistas que não sabem disso. A doutrina budista chama-se “Anatman”, que é justamente contraposição à doutrina de “Atman”, que é a doutrina presente na maior parte do hinduísmo, a existência de uma partícula eterna e indivisível, esse mesmo conceito platônico da alma ou da idéia que precede todas as formas. Para o budismo não é assim, para o budismo toda vacuidade se manifesta como forma e a forma é vacuidade e a vacuidade é forma.
Tentando fazer uma analogia, imaginem o mar como vacuidade. As ondas sobre o mar, são o que vemos do mar, se pudéssemos passar uma lâmina e tirar toda a superfície do mar e suas ondas, embaixo dessa superfície visível o que haveria? O mar. E você veria esse mar como? Ele se manifestaria como? Como água e ondas e espumas, certo? A vacuidade só se manifesta como forma. Nós somos E ele o é representante da mais importante escola do Budismo Tibetano, a forma no oceano da vacuidade. Porque nos manifestamos como forma? Porque “Gelugpa”. Dizemos a mais importante politicamente, pois lide ra quatro gran- temos carma, impulsos como as ondas tem movimento, energia cinética, quandes escolas. Só que esse Dalai Lama é a reencarnação de outro Dalai Lama, mas do as ondas quebram e morrem, o que surge? Novas ondas. o Papa também é a reencarnação de Pedro em termos Budistas. Então a pal avra “reencarnação” não pode ser usada em termos Budistas, não usamos essa pala- Estamos todos prisioneiros de sermos manifestações na superfície da vacuidade vra, nunca uso a palavra reencarnaç ão. Alguns professores começaram a usar a porque nós temos energia de apego e desejo. Por isso somos homens e mulhepalavra renascimento, mas renascimento dá a idéia de uma pessoa que nasce de res. Porque temos apegos e desejos de homens e mulheres. Vocês querem viver novo em outro corpo, o que não é verdade pois não existe “aquela”pessoa para eternamente sempre se manifestando assim? Já esta pronto, já é assim. Já se marenascer, já que o “eu” é uma ilusão, assim como o centro de um redemoinho. O nifestam eternamente assim. Mas o Budismo diz o que? Que isso é insatisfatório e a própria ciência do sofrimento. Porque nenhuma dessas coisas que desejamos que pode renascer? O redemoinho, mas não o centro. e agarramos na vida permanecerá, todos nossos seres amados morrerão, todos Pre�ro dizer que somos manifestações cármicas de pacotes de carmas que se nós sofreremos e morreremos inevitavelmente. A vida tem coisas maravilhosas, manifestam. Assim como de uma mangueira cai uma fruta no chão, da semente mas todas cessam, por isso ela é insatisfatória. Repetiremos in�ndavelmente a nasce outra mangueira que produz outras mangas iguais à mangueira original. mesma experiência se conservarmos esse carma. Dizemos que é a mesma mangueira? Ou dizemos que é outra? Dizemos que é outra, mas de certa maneira é a mesma. Então Marcelo, antes de você nascer, Qual é o sentido da prática espiritual? Não é sair daqui desse mundo para ir para
outro mundo onde os desejos sejam plenamente satisfeitos. Existem religiões e seitas, que acreditam que você vai sair desse mundo e ir para um cé u onde terá a vida de um sultão, por exemplo. Se o sultão tinha um harém, então você terá um harém. Então você pode virar um homem bomba, se matar e ir para o céu. Qual é a essência desse tipo de crença? É dar tudo o que você desejaria nessa vida, numa outra, perfeita para sempre.
ção. Quando uma onda quebra e manifesta-se outra onda, não tem um quem retornou, só existe energia retornando. É essa energia que olha para si mesma e diz – Eu sou uma onda, essa onda ao meu lado é menor, a outra é maior, vou quebrar na areia – isso é o que a onda pensa mas, na nossa analogia, não estou dizendo que a onda pensa. Quando quebra na areia, que é nossa morte, surge outra manifestação, porque a energia não se esgotou.
Na antiga religião do Vikings, “Valala”, eles eram guerreiros e achavam a guerra maravilhosa, então como era o “Valala”? Você morre e vai para um lugar onde poderá guerrear eternamente, vai matar eternamente, esse era o céu dos Vikings. Para o Budismo isso não é o cé u, isso é o inferno, repetir eternamente a mesma experiência não é o céu, é o inferno. Na realidade, o Nirvana é se libertar da prisão de repetir experiências para sempre, por isso, o que o Budismo aponta é a liberdade. Ele diz que “A energia que nos faz manifestarmos novamente é o carma e este é alimentado pelas nossas mentes, pelo que acreditamos, pelo que sentimos, por nossos impulsos”. Se você quiser se libertar, tem que mudar sua mente, se mudar sua mente, você enxerga o Nirvana. Se você mudou sua mente, pode se libertar de repetir as mesmas experiências para sempre. Qual é a conquista de Buda? É não voltar mais.
Na verdade estamos aqui eternamente presos, presos como seres individuais, manifestações individuais. Libertação é deixar de ser manifestação individual, é pertencer ao universo inteiro, é deixar de enxergar todos os outros seres como separados e vê-los todos como uma única coisa e nós mesmos percebermos que somos um com todos os seres. Por isso muitas condutas vão mudando no Budista, naturalmente. É natural, por exemplo que o Budista se torne vegetariano, tem sentido ser vegetariano? Do ponto de vista de dieta alimentar, às vezes sim e às vezes não, pode ser até complicado. Do ponto de vista Budista, não é uma questão de saúde, mas sim pelo fato de ser difícil matar para comer. Porque quando olha para o outro ser, vê seu sofrimento, porque ele é você e você não mata a si mesmo para comer.
Pergunta: Essa energia que teve uma forma humana, quando retornar, podePergunta: Tem um vídeo chamado (...), se você pudesse fazer um paralelo rá retornar como outro ser? entre o que ele fala e o que estamos conversando hoje. Monge Genshô – Com certeza. Depende da forma da mente que está alimenMonge Genshô – Nesse tipo de linha, o que há é uma extensão do “eu” com o “eu tando isso. É natural que você como ser humano, queira retornar como ser hugrande”. O universo auto-consciente é como se tivesse também um eu, um ego. mano, mas você, num estado de grande obscurecimento, pode retornar numa O eu, ou ego, essa auto consciência da existência em si separada é considerada forma mais obscura, com menos clareza. O que nos distingue dos animais? Claum engano no budismo, a ignorância básica, porque a realização é a percepção reza mental. de que não temos um eu separado e somos um com todos os seres simultaneamente. Mas a vacuidade não olha para si e diz “eu sou”. Nós é que olhamos para Pergunta: O que retorna? Não tem “eu” para retornar. nós mesmos com nossos pensamentos e dizemos “eu sou”, porque esse “eu” sou é provocado pela sucessão de pensamentos na mente. É a imagem do redemoi- Monge Genshô – Que bom, né? nho, porque existe a energia girando, nós vemos um centro do redemoinho, mas esse centro é ilusão. A libertação é a libertação da noção de eu. Pergunta: Ainda dentro da pergunta dele, digamos que a pessoa teve uma vida de grande virtude, vai se manifestar num mundo de virtude, como um Pergunta: Se o eu não existe, o que que retorna? Deus, por exemplo. Como em um texto de Dogen que diz “o nascimento humano é o mais precioso, porque a gente tem um equilíbrio entre sofrimento e Monge Genshô – Não existe um “que” que retorna. Estamos falando da ma- felicidade”. Então, não é uma perda de oportunidade um nascimento animal? nifestação cármica. Essa pergunta sou quem faz na verdade, quando alguém perguntou sobre reencarnação. Eu perguntei – Se não existe alma ou espírito, Monge Genshô – Mas não é eterno. Porque quando você tem uma manifestação o que é reencarnação? Não tem um “quem” para retornar, só existe manifesta- num mundo superior, é porque você reuniu energias muito boas e se manifesta
num lugar de felicidade, onde não há sofrimento. O que acontece? Você não procura usufruir daquilo, daquele mérito, mas todo mérito também se esgota porque ele é uma energia cármica e um dia os deuses decaem e retornam para um nível inferior. É difícil um Buda ensinar em um mundo dos Deuses, porque os Deuses não o ouvem. Existem Deuses muito orgulhosos e muito sábios, que têm vidas maravilhosas, alguns crêem até que criaram mundos. Então eles não ouvem o Dharma. Mas os Deuses morrem, têm longuíssimas vidas, mas morrem. É sorte se retornarem à um nascimento humano onde você sofre, tem clareza mental e a oportunidade de procurar se libertar. Na verdade nós podemos trazer esse raciocínio para o nosso mundo, por exemplo. Você vê que temos o mundo dos “semi-deuses”, o dos executivos, eles têm grandes facilidades, têm méritos para obter facilidades, bens materiais de forma fácil, mas eles lutam muito uns com os outros, que é uma característica dos “semi-deuses”, orgulho, vaidade e luta. No nosso mundo também temos os Deuses, os seres humanos desse reino não tem di�culdade nenhuma, nascem em famílias de grande abundância e têm todas as facilidades do mundo, todo o tempo só prazeres. Não sentem necessidades espirituais, mas �cam perdidos nos prazeres. Giram em torno desses prazeres, dessas facilidades, até que o sofrimento aparece e eles decaem como seres humanos e sofrem como seres humanos. O caminho mais curto para realização espiritual é a experiência do sofrimento. Ouvi uma vez uma Mestre Budista dizer para um amigo meu que era bastante rico e tudo na vida dele era muito fácil: “Eu oro para que você tenha muito sofrimento, porque enquanto sua vida for como é, você não tem chance”. Porque só quando experimentamos o sofrimento é que podemos nos elevar espiritualmente. Esse é um dos motivos pelo qual o caminho monástico é sofrido. Desde os tempos de Buda, como eram as regras do Vinaya? Depois do meio dia não se come, não guarda nenhum bem, não guarda comida para o dia seguinte, sai para mendigar e aceita o que for dado, evita todos os prazeres do mundo, estar consciente do que é a morte, senta-se ao lado de um cadáver e assiste sua decomposição. Qual a �nalidade desse treinamento? Treinamento da mente, para poder ver a vida como ela realmente é, porque nós não vemos, nós não vemos a vida.
água quente. No palácio de Versalhes quando a comida chegava no quarto do Rei, já tinha esfriado, devido à distância da cozinha para o quarto. Você pode perguntar – E como faziam, tinham quatrocentos quartos e nenhum banheiro? – jogavam nos jardins. Então eles revezavam o palácio, trocavam de morada, pois �cava um cheiro insuportável. Hoje nós temos vidas muito boas e escondemos tudo de nós mesmos. Então o treinamento dos monges era enxergar. Enxergar a realidade tal qual ela é. Pergunta: Você falou do hinduísmo, o Príncipe Sidharda conhecia o hinduísmo e o conhecimento dos Vedhas e, a partir da iluminação, ele renegou, adaptou... Monge Genshô – O Budismo tem larga in�uência da cultura Hindu. Estamos sentados no chão como hindus. Isso é in�uencia do yoga. A postura, os mudras, também são in�uências do yoga. Buda treinou com quatro mestres yogues antes de sua iluminação. Muitas tradições, o vocabulário das tradições hindus entraram no Budismo, mas a doutrina Budista é radicalmente diferente, porque Buda renegou, por exemplo, todas as diferenças entre castas, ele ordenou mulheres, fez uma ordem feminina, dissolveu as di ferenças entre as pessoas, negou o “atman”, a existência de uma alma ou espírito, isso já distancia imensamente o Budismo do hinduísmo.
Ele ignorou todos os Deuses, todo o Pantheon de Deuses hindus desapareceu no Budismo, todos. Não existe um Deus criador no budismo. Não se fala em Deuses no budismo. Fala-se na mente, liberdade, realizaçã o espiritual, mas não se fala em crenças. É bastante diferente. Podemos dizer que existe uma conexão histórica e cultural, mas em termos doutrinários existe um abismo de diferença entre o Budismo e o hinduísmo. Mas hoje tem uma forma de yoga que é profundamente in�uenciada pelo Budismo e sua doutrina é muito semelhante, quando você lê a doutrina deles é muito semelhante à doutrina budista. O “Vedhanta” guarda muito do Dharma, o “Vedhanta” hindu, é bastante respeitado no meio Budista. Porém, esse respeito não vem do outro lado, pois o c riador do VedhanQual de vocês viu um cadáver na última semana? Ninguém né? E porque? Por- ta e os professores do Vedhanta tratavam o Budismo como heresia, o Budismo que escondemos a morte, a morte é nas UTI`s, escondida. Escondemos tudo de nesse sentido é rejeitado. nós mesmos. Vamos ao banheiro e fazemos nossas necessidades bem depressa e puxamos a descarga, é como se nem existisse, nós nos perfumamos, nos desliga- Pergunta: Como o senhor vê o Budismo no Brasil? mos da realidade da vida. Talvez a vida nunca tenha sido tão confortável, todos que estão aqui vivem vidas melhores que os reis de alguns séc ulos. Quando você Monge Genshô – Estamos muito atrasados com relação à Europa e EUA. Pri visita os castelos antigos, você vê que os reis não tinham banheiro, não tinham meiro porque os mestres preferiram ir para esses lugares. Num outro sentido, o
Brasil é muito permeável, ele não rejeita novidades, trata tudo com grande facilidade, qualquer tipo de novidade tecnológica, espiritual, mas a seriedade com que os brasileiros fazem isso, a proposta Budista, é f raca. No Brasil, o normal em uma palestra Budista é isso aqui, muito raro ter vinte pessoas. Mas também não acho que o Budismo tenha um futuro numérico brilhante, porque ele nunca te ve. Mesmo no oriente, verdadeiros Budistas sempre foram poucos. Mas a in�uência do pensamento Budista na sociedade é muito extensa. Mesmo no Brasil, hoje você ouve conceitos Budistas para todo lado. Às vezes usam de forma equivocada, como por exemplo, “meu carma”, como se carma fosse somente uma coisa ruim. Mas a doutrina Budista vai permeando a sociedade e foi isso na realidade que aconteceu no oriente. Você não encontra pessoas conhecendo a doutrina Budista, mas possui uma sociedade eivada de in�uências e conceitos Budistas. Penso que esse seja um dos grandes papeis do Budismo – in �uenciar - e pro Budismo isso está muito bem. Hoje, por exemplo, temos muitos grupos cristãos praticando meditação. Idêntica a meditação budista, só que foi introduzido um mantra. Mas quando você lê os textos de pensadores cristãos modernos, o Budismo já os in�uenciou. Como os livros de Tomas Merton. Para o Budismo isso é muito satisfatório, porque o Dharma está vivo e sobrevive em lugares que a gente não imagina. Não é necessário termos igrejas bem sucedidas. Sempre digo para os meus alunos que é bom esse tempo de di�culdade, pouca gente praticando meditação, fazendo retiros, essa é uma época de ouro. Depois disso, se crescermos e tivermos prédios e muita gente, irão aparecer muitas pessoas e pessoas que procuram por resultados milagrosos, o Zen não as tem. Quando o Budismo começa a dar, então ele cedeu à uma demanda marqueteira da soci edade. O Budismo não tem consolos. Não existe nada, só uma bola incandescente que você não pode engolir nem vomitar. E só enfrentando essa verdade, o “não-eu”, nada de céus, nada de deuses, nada de anjos, nenhum milagre, é que poderemos ter uma realização espiritual mais alta.
O ZEN É ENGANADORAMENTE SIMPLES O Dharma é enganadoramente simples, é colocar os chinelos, é sentar-se. Na realidade as instruções para o zazen também são enganadoramente simples, entrar na sala, procurar uma a lmofada, sentar-se, não mover-se e acalmar o corpo para acalmar a mente. Ficar imóvel durante o zazen é importantíssimo, pois uma mente agitada é um corpo agitado. Usamos o corpo como uma âncora para acalmara mente. Fazer zazen é, portanto, simplesmente sentar e existir, ser uno com todas as coisas, ouvir os sonhos sem julgá-los, não fazer cogitações ou viagens para passado ou futuro. Todas essas parecem ser instruções bem simples, mas somente aqueles que sentam para experimentar é que descobrem o quão difícil é essa simplicidade. Da mesma forma quando estamos vivendo, nossos gestos e ações devem ser controlados. Se houver atenção ao que fazemos não derrubaremos coisas. Se em tudo que �zermos tiver a presença de todo nosso ser, corpo e mente, nossos gestos tornar-se-ão calmos e precisos. O mesmo deverá ocorrer com nossas palavras. Ao tomarmos cuidado com as palavras elas não ofenderão ou causarão desarmonia e desavenças. Tudo isso é uma questão de prestar atenção e é razoavelmente simples. O mais difícil é não permitir que nossa mente se agite com pensamentos e sentimentos e não pe rmitir que os acontecimentos externos nos mobilizem, fazendo com que falemos ou ajamos de forma incorreta, não permitir que nossa mente seja tocada pelo vento. Em muitos textos o vento é a analogia preferida para descrever as paixões, pois ele empurra as folhas de um lado para o outro e se deixarmos os sentimentos agirem, �caremos como as folhas, batendo de um lado para o outro arrastados pelos sentimentos e pelas paixões. Esse é um dos votos do Bodhisattva, “As paixões são inexauríveis, faço o voto de extingui-las todas”. Os ventos são as paixões e nossas vidas são abundantes em ventos e tempestades. Extinguindo as paixões poderemos repousar, mas isso não signi �ca que com isso perderemos nossa capacidade de nos emocionarmos, sentirmos e partilharmos os sentimentos dos outros seres. Fazendo com que nossas mentes parem, nos tornaremos boas antenas receptoras do que acontece à nossa volta entendendo e sentindo o que os outros sentem. A marca daqueles que conseguem silenciar suas próprias paixões é compreender as paixões dos outros, pois há dentro de todos os mesmos impulsos e nós os conhecemos e, por sermos humanos, nada do que é humano nos é estranho.
É importante sermos capazes de nos mantermos sensíveis ao mesmo tempo em ofende? O “eu”. E quem é o “eu”? Uma construção. Se o “eu” não está presente, que somos capazes de extinguir nossas paixões. Esse é o signi�cado do segundo quem pode ser ofendido? Algo que ajuda muito é pensar que tudo será esque voto do Bodhisattva. cido e que tanto você quanto quem o ofende, irão morrer. Não importa. Você pode olhar para a pessoa que o ofende e pensar: “quanta besteira ela irá morrer e eu também”. PERGUNTAS Pergunta: Quando surge um sentimento de raiva, o que é o melhor a fazer? Essa é uma grande di�culdade, controlar a raiva. Monge Genshô – Você não deve tentar controlar, isso é uma má técnica, pois o controle sempre falha. Você tem que investigar de onde vem a raiva e, descobrindo a raiz, poderá matar essa planta. É muito bom não manifestar a raiva, mas você deve ser capaz de perceber quando ela surge e detectar sua origem. No meu caso geralmente vem do orgulho, ou seja, essa pessoa esta incomodando meu orgulho, então a raiva não nasce da pessoa que me ofende e sim de dentro de mim. Sou eu quem faz o sentimento existir. Tenho que descobrir dentro de mim a raiz que sustenta o sentimento que estou projetando sobre outra pessoa. Não são os outros que nos perturbam e sim nós que nos perturbamos com os outros.
Pergunta: Algumas pessoas, e isso já aconteceu comigo, quando não conseguem realizar suas necessidades básicas �cam totalmente alteradas e nessas condições é muito difícil se manter lúcido... Monge Genshô – Corpo e mente estão ligados. Isso acontece comigo também, por exemplo, no �nal do dia eu cansado, com sono e fome, depois de ter resol vido milhares de problemas, surge mais uma pessoa com problema. O melhor seria você poder deixar para outro dia, pois talvez a importância não seja assim tão grande no dia seguinte. Com o passar do tempo as coisas parecem perder a importância. Quando você não está em boas condições físicas isso altera sua mente.
Pergunta: Tudo está também relacionado com a disciplina, não é? Se a pessoa se observar e descobrir que tem determinadas reações que não são corretas, Pergunta: Sim, entendo, só que parece que se eu não explodir a situação �ca ela deve tentar uma maneira de eliminar esse tipo de sentimento? pior, pois vou continuar sentindo. Mesmo sabendo que é um sentimento inútil, ele continua presente. Monge Genshô – Sim, ela deve reconhecer que não está bem. Mas, ainda sim, talvez o pensamento mais correto seja perceber a �nitude de todas as coisas. Monge Genshô – Essa é outra ilusão. Se você o manifesta ele não irá diminuir, Todos irão morrer, e os problemas não têm a menor importância. Alguém pode mas sim aumentar. A coisa funciona mais ou menos assim: você me diz algo lhe dizer de forma desesperada que sua empresa irá quebrar e que você perderá que me causa raiva e eu respondo levantando minha voz. Você então retruca todo seu crédito. Qual a importância disso se você irá morrer? Poderão pensar levantando ainda mais a voz. A cada resposta sua minha raiva se alimenta. A que você seja louco, mas isso é c olocar as coisas sob uma perspectiva mais ampla cada resposta e contra resposta o sentimento dos dois aumenta podendo chegar da vida. até mesmo à agressão física, ou seja, o que era ruim só piorou e as consequências cármicas são ainda maiores. Do ponto de vista Budista você não deve Um amigo me escreveu ontem pedindo conselhos, pois sua empresa está em manifestar. Existem alguns momentos que merecem indignação e reação, mas di�culdades, o condomínio está atrasado etc. Pedi a ele que anotasse em uma você pode fazer isso sem raiva, sem perder a lucidez e sem levantar a voz. Tendo folha as contas que ele obrigatoriamente deve pagar, por exemplo, comida, luz compaixão pela pessoa que faz algo errado. O que precisa é treinar como fazer. e empregados da empresa, senão a empresa não funciona e aí sim ela quebra de vez. Em outro papel as contas que se não forem pagas imediatamente nada Pergunta: Sim, eu tenho a compreensão, mas minha questão é como chegar à acontece. O banco, por exemplo, é rico e sempre faz acordo sobre as dívidas, não se preocupe com isso. Então ele respondeu perguntando sobre o crédito dele. raiz e não deixar que ela obscureça. Como ele já havia perdido o crédito, também não havia porque se preocupar. Monge Genshô – Se você souber de onde vem é um grande começo. De onde Mas e o condomínio? O condomínio irá lhe processar e vai entrar na justiça vem? Por exemplo, se alguém me ofende, quem se ofende? Q uem é esse que se contra você, mas isso leva meses e quando acontecer, você propõe um acordo.
Você já está com quase setenta anos, para que se preocupar tanto, imagina se você morre amanhã? Pergunta: O Senhor está ensinando a ser c aloteiro? Monge Genshô – Isso é uma questão de sobrevivência. Os assalariados pensam muito no crédito, isso é muito importante para eles. Quem lida com empresas e grandes volumes de dinheiro frequentemente têm que tomar esse tipo de decisão: faltou dinheiro, paga-se o quê? Aquilo que é importante, ou seja, o que for importante para que a linha de produção se mantenha funcionando. O banco? Fica para depois. Os impostos? Ficam para depois, pois o governo é um mau cobrador e sempre acaba perdoando parte da dívida. Isso se chama Administração Financeira de Recursos Escassos. Vale a pena se desesperar por causa disso? Não. Existem muitos exemplos de empresários que se matam quando suas empresas não vão bem. Nada é tão importante, no fundo são apenas palavras, por exemplo, quando alguém lhe acusa de estar caloteando um banco. O que é um banco? Esse é apenas um dos exemplos de quantas coisas no mundo são puramente ilusórias e apenas por acreditarmos nelas é que somos, por elas, manipulados. Esse amigo que me escreveu estava pensando que seu nome era seu crédito, mas quem o convenceu de que isso era importante? Quem atribuiu nome a ele? Quem criou o crédito? Quem criou o instrumento de pressão sobre as pessoas? Quando as pessoas admitem essa ilusão, elas entram no jogo e podem ser manipuladas. Se você conseguir não dar importância ao seu nome e seu crédito, estará livre da pressão. Perdeu o crédito? O que você vai fazer; se matar? Claro que não, continue trabalhando, pague todas sua dívidas e peça o crédito novamente, se você quiser, é claro, pois se você estiver muito rico não precisa de crédito. Só precisa de crédito quem não tem dinheiro. As coisas não são exatamente o que parecem e é absurdo que alguém dê um tiro na cabeça por perder seu crédito ou sua empresa. Isso não é motivo su �ciente para você se matar, lembrem-se, Buda deixou seu reino, seu castelo, suas roupas de príncipe, cortou seus cabelos e foi para a �oresta. Ficou totalmente pobre, nada mais que um mendigo e, como fez isso porque queria, não se sentiu um derrotado ou pensou em suicídio. É que neste momento ele tornou-se totalmente livre.
ções que as instituições podem criar. Mesmo as coisas que nos parecem mais preciosas como o nome de família, por exemplo, alguém o convenceu que tem um nome de família e que deveria honrá-lo. A palavra que você usou, caloteiro, é uma palavra deste sistema que coloca uma etiqueta na pessoa para aprisioná-la e forçá-la a �car dentro do sistema. Pergunta: Então é muita perda de tempo ter raiva, pois tudo faz parte do sistema, faz parte de uma ilusão. Monge Genshô – Exato e se você puder abandonar tudo, está livre. Mas mesmo assim nunca se estará totalmente livre, veja, a pessoa se torna Monge e os seus alunos esperam algo de você. Então é outro tipo de sistema, mas ainda é um sistema, pois você tem obrigações, tem que cumprir com cronogramas de retiros, sangha e etc. Pergunta: Mas o sistema é necessário para a sobrevivência de todas as pessoas, pois se todos resolvem burlar o sistema a sociedade pára e do que as pessoas viveriam? Monge Genshô – Exato, mas onde está a grande questão? Eu tenho um nome, mas tenho que entender que ele apenas serve para que eu transite nesse sistema, é só uma fantasia, não uma realidade. Você possui um numero de CPF que lhe é útil para que você consiga uma série de coisas, mas deve entender que esse número não é você, é apenas uma fantasia criada dentro de uma instituição. Se você tiver a consciência clara de que é uma fantasia, poderá perdê-lo sem desejar se matar. A pessoa que se mata porque perdeu o crédito acreditou que ela fosse a fantasia, o nome ou o número. A pessoa pode usar o sistema e seus rótulos como algo útil, desde que não se confunda com eles. É como usar u ma roupa, você não pode pensar que você é a roupa. Essa compreensão é muito importante. Pergunta: Eu �co pensando nessa pessoa e se ela fez algo para que isso acontecesse realmente ou se foram as circunstâncias que o colocaram nessa situação. O problema de ser o caloteiro é quando a própria pessoa cria as condições de ser chamado de tal.
Monge Genshô – Essa é outra situação. Isso é usar de artifícios de ntro do sistema para levar vantagens. Mas de qualquer forma esta pessoa também está presa ao sistema. O que eu quero é fazer é com que vocês olhem para o sistema e seus Quando acreditamos nas ilusões que o mundo nos vende, que são: o nome, a rótulos como instrumentos para transitar no mundo, mas não se confundam forma, crédito etc., somos prisioneiros e podemos ser manipulados pelas inven- com eles. Você não é o “eu”, pois nada tem um “eu” inerente, todos os “eus” são
construídos e tudo que estamos falando sobre sistema faz parte das atribuições O QUE SOMOS E PARA ONDE VAMOS? Monge Genshô criadas pelo sistema. É funcional? Sim, mas é uma ilusão, não é a realidade e p or isso não tem sentido que qual quer coisa que aconteça dentro desse sistema, você 16.02.13 dá um tiro na cabeça. A grande lição disso tudo é a existência de uma liberdade fundamental da qual você pode usufruir. Você pode usufruir de todo o sistema Em minha família, todos que �caram mais velhos tiveram doença de Alzheimer. desde que não perca sua lucidez. O sistema é útil, mas não é a essência da vida. Isso nos leva a uma questão interessante: “O que é que nós somos”? E o que seremos depois? Alguém me perguntou na entrevista: “E depois da morte, acaba O dinheiro é útil? Sim, mas não somos o dinheiro. tudo”? E minha resposta foi que, dada à maneira como nosso universo funciona, Pergunta: Como ter uma compreensão clara de coisas boas, p or exemplo, de é impossível que alguma coisa acabe. compaixão e generosidade? O S enhor estava falando que não existe um “eu” para sentir raiva, mas então quem é o “eu”’ que realiza atos de compaixão e Temos nesse sesshin uma pessoa que é PHD em física e que pode nos dizer se isso é verdadeiro ou não. A primeira Lei da Termodinâmica é a Lei da consergenerosidade? vação de energia, ou seja, a energia é constante e só pode ser transformada. A Monge Genshô – O Bodhisattva tem compaixão, mas para ser totalmente ilu- energia pode ser condensada, por exemplo, condensada e transformada em maminado não pode enxergar os outros seres. Não pode haver eu aqui e você aí, de téria. Matéria, portanto, é energia condensada. Nós somos energia condensada, quem eu me compadeço. A visão de um “eu” separado está dentro da segunda mas em permanente transformação. Roda do Dharma. Em outra palestra usei o exemplo do riacho. Sempre que olhamos para o riacho A primeira Roda é a da Virtude, onde existem regras, não faça o mal, pratique ele parece ser o mesmo, mas todos sabemos que não é o mesmo. A cada seguno bem etc. do uma nova água se apresenta e passado su �ciente tempo, os riachos cavam buracos e mudam de curso. Assim é com todo o universo, em constante transA segunda é a Roda da “Mente de Bodhichita” onde o ser tem compaixão, mas formação. ainda vê o outro. A vida está sempre mudando, sempre se transformando. Poucos minutos atrás Na terceira Roda existe a não dualidade, ou seja, entre mim e você não existe estava chovendo, depois abriu um sol, depois chuva e sol e agora somente sol; todo o tempo é assim, nada é estável, tudo é i mpermanente e está em constante diferença, a compaixão já não se aplica. mudança. Existem duas situações que o Budismo não aceita: uma é o “niilismo”, Sob o ponto de vista teórico sua pergunta faz muito sentido e deveria ser respon- condição em que nada existe. A outra é “eternalismo”, ou seja, as coisas continudida no âmbito da não dualidade, mas não conheço algum praticante Budista am para sempre e imutáveis. O mundo não é assim. que pratique perfeitamente a compaixão, conheço muitos que tentam praticar a virtude, a palavra correta, a mente correta e os pensamentos corretos. Pessoas É absurdo para o Budismo o termo “alma eterna”, um “eu” que continua para que mesmo tentando se comportar melhor, ainda têm uma profunda noção de sempre, por toda a eternidade. A vida eterna é um desejo antigo do ser humasi mesmos e têm pena dos outros, o que é diferente de compaixão. Compaixão no, já existiram inclusive expedições em busca da fonte da juventude. A idéia é não dualidade, é você realmente se colocar no lugar do outro, sentir a dor do é adquirir uma substância que forneça a juventude e, com isso, a vida eterna, outro, ser o outro, não existem outros seres, você e o outro são a mesma c oisa a sem doenças e mortes. Muitas religiões criaram o conceito de um “eu” eterno, ponto de você nem sentir compaixão, pois não existem outros por quem se com- uma alma que nunca morre, que acumula experiências e lembra de tudo. Eu não padecer. É impossível para uma mente não dual matar outros seres para comer consigo imaginar um castigo mais terrível, continuar preso a esse “eu” com essas seus pedaços, por exemplo. Conheço apenas praticantes no estágio da virtude. exatas memórias, sem poder apagar e me livrar de coisas erradas do passado. Inclusive eu. Penso que não seria uma boa ideia.
Para o Budismo, todas as coisas são impermanentes e cíclicas. Da mesma forma, manifestação”, uma frase do mestre Zen Tich Nhat Hanh. para o Budismo, uma coisa não po de desaparecer, só existe continuidade. A partir desse raciocínio, só podemos p ensar que nós somos continuidade de algo ou Se conseguíssemos perceber que cada um de nós é uma manifestação da mesma coisa e que, portanto, somos um, seria maravilhoso. Se nos damos às mãos nesse alguém, porque não existem consequências sem causas. momento e respiramos no mesmo ritmo, não temos a sensação de unidade? Um Esse copo, por exemplo, que aqui está, não veio sozinho, alguém o trouxe da único ser, todos juntos, somos uma coisa só, mas iludidos de sermos pequenas cozinha. Para chegar até a cozinha foi preciso alguém leva-lo até lá, foi preciso manifestações separadas. A chuva é uma unidade ou cada gota é separada? Cada alguém comprar e outro alguém fabricar. Podemos ir recuando e sempre encon- gota de chuva não é ela a própria chuva? A chuva não é ela própria a água? As traremos uma causa para um acontecimento. Mesmo que eu chegue até o Big gotas não são as manifestações da chuva? Enquanto a gota se pensa gota, ela é Bang da física moderna, ainda poderei fazer o seguinte questionamento: “mas gota e como gota nasce na nuvem e morre na terra, mas como água, como uni e antes do Big Bang”? O tempo não existia, poderia ser a resposta. Pode ser que dade, ela é um ciclo, cai, escorre, junta-se ao rio, evapora, cai e não está sujeita a outro universo de alguma forma tenha condensado energia e dado origem ao nascimento e morte. Big Bang, não sei. Mas a essência do que estamos falando é que, se é lógico que somos continuidade, senão não estaríamos aqui, também é lógico que existirá É pelo entendimento de nossa unicidade e apontando a ilusão de nossa indiviuma continuidade de nós. Mas o Budismo declara que este “eu” que acredito ser dualidade, que o Zen Budismo destrói a ideia de nascimento e morte. A nossa minha identidade, é temporário, pois ele depende de determinados agregados verdade é a unicidade e nela, que lugar existe para a raiva, orgulho ou vaidade, que são temporários, por exemplo, a memoria. Só com memória posso saber que lugar existe para isso tudo se só o que faço é me dissolver, surgir para novamente, me dissolver? Que grande bobagem é o pensamento de “eu” ou “meu”. quem eu sou, somente com memória pode-se sustentar um “eu” continuado. Que grande bobagem é o pensamento de ódio e irritação com outra pessoa se eu Pois bem, se a memória não sobrevive a uma doença como Alzheimer, como so- e ele somos uma unidade. Quando eu conseguir me ver na unidade, conseguirei breviveria ao evento da morte? Sabemos, portanto, que nosso “eu” é temporário, me livrar desses sentimentos nas relações com outras pessoas. mas que nossa continuidade é ce rta, assim como a continuidade do ri acho. Mesmo que mude a água, o riacho continua. Seria muito tolo perguntarmos para Por isso o sesshin é um treinamento de unidade. Não fale, para não manifestar uma nuvem: “você irá morrer”? A resposta da nuvem com certeza seri a: “não, eu você mesmo. Não dê opiniões e não critique, nem mesmo dentro de sua mente. me transformo em chuva”. Mas e a chuva, ela morreria quando chegasse à terra? Quando fazemos tudo juntos e sem julgamentos, podemos começar a nos senNão, ela se transforma em riacho. O riacho se transforma em rio e o rio e m mar tirmos “unos”. Quando caminharmos, procurem ter esse sentimento de unidae eventualmente a água novamente evapora. Novamente teremos uma nuvem. É de. Como somos unos com nossos irmãos praticantes, seus olhos e seus ouvidos são meus olhos e meus ouvidos, tudo que eles veem e escutam, eu vejo e escuto. a mesma nuvem? Não. Mas é a mesma nuvem, a mesma água. Só estou separado deles quando penso, quando sento para meditar e surgem Existe outro símile usado por Hakuin, grande mestre Zen da Escola Rinzai, que minhas memórias, meus pensamentos e minhas fantasias, isso é o que me separa diz: “Com argila nós fazemos telhas, incensários, Budas e castiçais. Sou capaz do grupo. Na unidade não existe con�ito. Por isso o sesshin e sua disciplina são de dizer que essas peças são minhas, mas não digo que essa é minha argila, no desse jeito. entanto a argila está atrás de tudo”. Ela, a argila, só foi transformada em objetos, mas ainda é argila. Nós que atribuímos identidades ao incensário, ao castiçal e à Todo o sofrimento do sesshin é valido, pois sem ele não conseguimos resultatelha, lhes dando nomes, funções e funcionamento. do algum. Imaginem um retiro onde todos pudessem conversar, discutir, expor opiniões e à noite ligássemos a televisão e assistíssemos ao jornal para podermos Enxergar nossa verdadeira natureza é enxergar a argila que está atrás de nós, ter assunto para protestos e reclamações. Como as notícias não chegam até nós essa não tem identidade e pode manifestar tudo e em tudo se transformar. Se pela distância que estamos do mundo, e como estamos somente nós, é mais fácil não me engano foi a Cris que disse que quando encontrou o Egídio pela primei- aparecer a noção de unidade, pois nossas mentes não são mobilizadas. O mais ra vez, ele tinha uma camiseta com a inscrição: “Não sou uma criação, sou uma perfeito resultado é obtido quando conseguimos nos livrar do lixo de nossas
mentes. Quando �nalmente o lixo some tem lugar o som do ria cho, dos pássaros e das cigarras. Essa é a verdadeira vida, o restante é ilusão construída com nossas interpretações. Por isso precisamos descartar as interpretações, julgamentos e críticas. Se conseguirmos descartar o lixo e aceitar as coisas tais como são, tudo se resolve. Não haverá pensamentos de gosto e não gosto, bom e ruim, certo e errado e sim, somente aceitação.
nhada eu olhava para um árvore e percebia varias manifestações diferentes, até aí tudo bem, mas não me sinto parte disso. Monge Genshô – Você não sente, mas racionalmente você sabe que é. Qual a substância mais presente no seu corpo? Carbono. E na árvore? Bom, na verdade é água, hidrogênio e oxigênio. E na árvore? A mesma coisa, não é? Você exala carbono e a árvore absorve carbono. Vocês são profundamente interdependentes. Vocês são manifestações da mesma coisa, mas você não consegue ver sua unidade com ela, mesmo que você coma os f rutos. Mesmo que o fruto da árvore circule em seu corpo, ainda sim você se vê separada. E isso acontece em tudo, essa relação de separação também acontece nas relações �lhos e pais. Você olha para seu �lho ou para sua mãe ou seu pai, você tem os mesmos genes, a mesma programação genética, no entanto você ainda os vê como separados. Seu pai, sua mãe e você, todos separados. Mas somos continuidade, você poderia dizer que são os genes que desejam continuar, então eles têm uma estratégia para gerar um novo corpo e ter uma continuidade. Essa qualidade de se rmos continuidade é da raça humana, nos vemos como identidade separada, no entanto, somos nossos pais e nossos �lhos, somos nós continuando, só isso.
Dessa forma cria-se um espaço mental para a experiência espiritual. A experiência espiritual só acontece em uma mente liberta. Enquanto sua mente estiver agitada não há espaço. Todo esse treinamento é a base para criar o terreno para as experiências. São essas experiências que temos que buscar. Pensem na seguinte imagem: um homem vai por um caminho e em seu bolso tem algumas moedas de ouro. Ao passar por uma ponte em que estão muitas pessoas, suas moedas caem. Imediatamente, sem pensar nas outras pessoas ou em tudo que acontece em seu redor, ele volta-se para procurar suas preciosas moedas. Se pensarmos que o problema de nossa morte que se aproxima e a busca pelo esclarecimento e despertar são o mais importante, nos voltaremos imediatamente para esse ob jetivo e todo o resto deixará de perturbar nossas mente. O despertar é como as moedas de ouro que caíram. Para aquele que as deixou cair, nada é mais imporO fato de você se dar conta de que é a Cris provém unicamente do funcionatante do que juntá-las. mento de sua mente. Porque você tem uma mente que pensa, é ela quem diz: “eu O problema do despertar e de estarmos perdidos numa ilusão, de precisarmos sou separada da árvore, tenho um funcionamento separado”. Mas olhando todas despertar para enxergar nossa verdadeira natureza para então nos livrarmos de as evidências, somos a mesma coisa, as mesmas substâncias químicas, mesma toda dor e sofrimento, é o mais importante de todos os problemas para um ho- continuidade genética e a mesma tentativa de propagação de uma espécie. Buda mem solucionar. É como as moedas que caíram no chão. Quando vocês sentam, quando enxergou isso disse para seu “eu”: “Você não me enganará mais”. O que toda dor e todo desconforto só têm um sentido - estamos procurando as moe- acontece é que sua noção de você mesma, sua noção de um “eu” é quem está das. Os problemas da vida e da morte são os verdadeiramente importantes e não enganando você. Todo o tempo você está unida, junta, mas o engano está em queremos aceitar uma ilusão fácil. Não desejamos uma crença, só podemos acei- sentir-se separada. Isso é uma delusão, uma ilusão tã o nítida que parece real. tar raciocínios lógicos, defensáveis e veri�cáveis. Nada de mágico, sobrenatural ou extraordinário. Já é extraordinário demais estarmos aqui falando, comendo, Pergunta: Um desespero que ocorre sempre durante o sesshin: a busca do andando e ouvindo, isso é pura mágica, é sobrenatural e muitas pessoas não despertar, como o Senhor mesmo colocou, tem algo de egóico. É um desesenxergam isso. Um copo de água é sobrenatural. Isso é pura mágica. Como pode pero vir para um sesshin ou seguir completamente esse caminho e abandoser que eu pegue um copo e tome água? O despertar traz essa consciência. Beber nar meu �lho, meus pais e tudo que as pessoas ao redor pensam, o mundo. um copo de água é magico, extraordinário, fantástico, inacreditável, como posso Isso aqui é uma �cção, uma fantasia que criamos. O que devemos fazer nesse estar nesse mundo e ter esse corpo e beber águ a? Meus parabéns por terem che- mundo, quais são os papeis, porque me parece que a busca do despertar tem um lado de puro egoísmo. gado até aqui, agora despertem. PERGUNTAS Pergunta: Eu não consigo entender esse conceito de unidade, durante a cami-
Monge Genshô – Essa semana Saikawa Roshi esteve em nossa casa e falei para ele de um problema no mundo dos negócios. Ele disse: “A vida é como uma moeda que possui dois lados. De um lado, a vida diária é cem por cento dualidades.
Na vida diária tenho eu e você, ganho e perda, certo e errado, abundância e escassez, emprego e desemprego. Do outro lado, existe um mundo absoluto onde não existe sujeito e objeto, ou eu e você. Tudo é unidade”. Mas é uma moeda, tem cara e coroa. Quando você está na vida diária existe a dualidade, quando você olha através do tecido da vida diária você vê a unicidade. Você não ver isso é tão tolo quanto alguém pegar gelo na geladeira e dizer que não pode ser água. Gelo é um estado diferente de água assim como vapor. Quando o gelo se desmancha na água você não se admira, porque você enxerga a unicidade da água no gelo.
Agora é hora de praticar, quando estiver com os �lhos você é mãe. No trabalho existe isso é certo e isso é errado, aqui, nem nas cerimônias e rituais existem certo e errado. Se alguém disser durante um ritual que isso é certo ou errado ele não entendeu o Zen. Nos rituais do Zen não existem certo e errado. Tudo está certo, se for feito com harmonia. Dizer certo e errado num ritual do Zen é não entendê-lo. É o que é, pura vida acontecendo. Sempre eu digo isso: no Zen não existe certo ou errado, mas sempre tem alguém que me diz, “mas no manual tal em tal lugar está escrito que é assim”.
O que acontece conosco é que nesse exemplo simples nós entendemos. Entendemos com facilidade que riacho é água, nuvem é água e chuva é água. Mas não somos capazes de ver a unicidade por trás das nossas vidas. Eu olho para uma pessoa e a vejo separada, um ser com outra mente. Isso não é verdade. Nós somos a mesma água, só estamos em um estado de manifestação em que existe uma diferença. A manifestação dele, agora, é assim e a minha, é esta. Mas por trás disso somos uma unidade. Se eu vir com clareza a unidade, sentirei que a dor dele dói em mim. Quando alguém vem e me conta um sofrimento e esse sofrimento me toca e choramos juntos, isso é unicidade. Mas os dois lados existem, as duas coisas são verdadeiras, os dois lados da moeda. De um lado a vida dual, somos separados. Do outro lado somos unidades e não existe diferença entre sujeito e objeto. Se eu conseguir entender a moeda e viver cad a lado no seu momento, mas sem nunca deixar de e nxergar o outro lado, eu tenho uma mente desperta.
Pergunta: Sobre esta questão de continuidade, me lembro de uma entrevista que o Senhor deu numa unidade espírita de Florianópolis onde o Senhor falou sobre o amor por seu �lho e disse que apesar da inexistência de uma alma, esse amor não estava perdido. O senhor poderia falar um pouco mais sobre isso?
Monge Genshô – Nesse dia falávamos sobre as consciências. Essas consciências foram muito estudadas pela Escola Yogacara. Um dos conceitos da Escola Yogacara fala das oito consciências e do “Depósito das Consciências do Universo” ou “Alayavijnana”. Como eu falei anteriormente que nada está perdido e tudo se transforma, também em termos de memórias, nada está perdido no universo. Mesmo que você morra, seu relacionamento com seus �lhos e seus amores têm registro nesse depósito e pode ser acessado em determinadas condições. Esse acesso explica determinado tipo de lembranças que uma pessoa possa ter mesmo que um “eu” não sobreviva. Por isso tem um Sutra que diz que quando Buda Nossa mente está desperta em relação à água, sabemos que água e gelo são a se iluminou, lembrou-se de quinhentas vidas em que fora pessoas diferentes, mesma coisa em estados diferentes. Se não pudermos enxergar isso, é porque com personalidades diferentes. Apesar de não estar em sua mente, está registrasomos iludidos, cegos como um homem que diz que água é água e gelo é gelo. E do no universo. se dissolvermos o gelo e o transformarmos em água, ele pensará que é magica, pois é incompreensível para ele. Existem muitas histórias assim e, se para você É mais fácil de entender quando a gente se volta para a física. Se eu perguntar algo é incompreensível, você pensará que é magico, sobrenatural. para o nosso professor de física aqui, se a radiação de fundo do Big Bang, que aconteceu há quinze bilhões de anos é possível de ser acessada, ele responderá Uma vez um explorador em uma tribo na África colocou um antiácido num que sim. Quando você liga o rádio e ouve um ruído de fundo, que não vem de copo e tomou. Toda a tribo �cou espantada e o teve como um grande feiticeiro lugar algum são os ecos do Big Bang que aconteceu há quinze bilhões de anos. que fervia água sem fogo e a tomava sem queimar a garganta. Somos tão ig- Os ecos de uma explosão ocorrida há quinze bilhões de anos po dem ser ouvidos norantes quanto esses nativos com relação às coisas que não compreendemos. hoje e suas irregularidades vistas. Os ecos do Big Bang estão se propagando no Percebemos bem a questão da água e do gelo, mas não vemos sobre nossas iden- universo e não cessam. As emissões de televisão e rádio feitas na Terra no último tidades, por isso a confusão. Mas as duas coisas estão juntas. Embora todos os século estão se afastando do planeta na veloc idade da luz, ou seja, no entorno da anos dia após dia a mesma explicação seja dada a pessoa não compreende, só Terra existe uma bolha com todas as comunicações já feitas, todos os telefonemas, músicas, emissões de TV e rádio que estão contidas nessa bolha. consegue ver um lado da moeda. Não enxerga que é uma moeda só.
Na velocidade da luz, ela está a cem anos da Terra e atingiu um milésimo do diâmetro da Via Láctea. Os cientistas já contaram centenas de bilhões de galáxias no universo. Para nós o que interessa é que nada foi perdido, logo, não é de se admirar esse antigo conceito Budista de um Depósito de Consciências. Nada está perdido e tudo pode ser acessado, basta ter o receptor adequado. Temos que deixar claro que todas essas considerações são muito interessantes, mas não são nenhum artigo de fé para o Budismo.
interessantes, mas não são nosso objetivo. Primeiro, não estamos interessados em dar explicações; segundo, todas as coisas mágicas ou sobrenaturais desse tipo nos afastam do caminho. Um monge do Zen deve ter os pés no chão.
Pergunta: O nosso objetivo ao participar de um sesshin é a libertação e a nossa estratégia é o zazen, o pouco sono, pouca comida, dor e sofrimento. Com essa estratégia nós não estaríamos tornando mais evidente ou robustecendo a ideia de separação? A pessoa que suporta o calor, as dores e sofrimentos, Pergunta: O senhor falou em aparelho e na p alestra de ontem surgiu a ques- não estaria tornando o ego ainda mais forte? tão do espiritismo. Um médium dentro do espiritismo, ele não teria então um acesso a um “eu”, mas sim a essa “memória” de um ente que já teria vivido Monge Genshô – Se você tiver esse tipo de pensamento, então será dessa forma. Mas se você estiver sentado com dores e pensar que não aguenta mais, porém e essa memória ainda estaria em condições de ser acessada? resiste pelos outros, para não abandonar seus colegas, você começa a penetrar Monge Genshô – A questão para o Budismo é: “pode ser”. Mas não temos ne- no sentimento de unidade. Se você pensa só em você, você levanta e vai e mbora, nhuma evidência veri�cável, clara. Alguma coisa eu posso dizer: quaisquer não se importa com os outros. Como criamos um senso de corpo, de unidade, pessoas que sejam receptoras, nunca revelaram para a humanidade nada que a esse compromisso com os outros faz com que ganhemos uma força que é do humanidade não soubesse. Só platitudes, mas nunca, jamais, em tempo algum, grupo. Eu não acredito que alguém sentaria dessa forma sozinho. Porque estauma entidade veio e disse: “a cura da AIDS é este remédio”. A questão então é mos juntos é que suportamos. Se não fosse vocês eu não faria sesshin. da utilidade, qual a utilidade de se saber sobre o passado? Não há nada de novo. Existe uma frase famosa que gosto muito: “se existem quaisquer seres se mani- Pergunta: Com essa historia que o Senhor contou da moeda, me veio à mente a computação, que é um sistema binário, é um ou zero, verdadeiro ou falso. festando nesse mundo, estão tão perdido quanto nós”. Nesse um ou zero binário a gente constrói um mundo inteiro. Antigamente Pergunta: Mas não estou falando de manifestação, estou na linha de racio- para a ciência, esse um ou zero era o que valia, se não existisse essa separação cínio que o Senhor colocou do Alayavijnana. Os espíritas podem acreditar racional não valia nada. Hoje, numa leitura mais moderna entrou o quântinuma alma e, se nós podemos inventar um aparelho que capta o eco do Big co, o bit quântico, o computador quântico, que não é um, não é zero. Parece Bang, a pergunta é: não poderia haver pessoas que seriam capazes de ouvir que quando entra para esse nível quântico surge uma mágica, que nem mesessas memórias? mo a ciência é capaz de explicar. Não se se essa minha analogia está correta ou válida... Monge Genshô – O problema aqui é que por trás da pergunta vem uma indagação de “como o Budismo explica isso”? Simples. O Budismo não se preocupa Monge Genshô - Acho interessante, mas o que acontece é que não estou preem dar explicações sobre coisas não veri�cáveis. Tudo que posso dizer é: “pode parado para discutir esse assunto sobre bits. O que eu não quero é que nossa ser, não sabemos”. Uma coisa nós sabemos: não é útil. Seria muito útil se alguém palestra, que sobre o Dharma, vá se transformando em algo mais mundano. aqui da Sangha pudesse ver o futuro. Nem precisa ser muito, basta vinte quatro horas e nos dê os seis números da mega sena para que possamos ter dinheiro Pergunta: Voltando à minha pergunta. A pessoa que está sentada deve então para construção de nosso mosteiro. Essa sempre foi a atitude dos mestres Budis- pensar que vai suportar a dor pelos outros e não por ela mesma. Essa seria a tas - “tem utilidade isso? Não, então não interessa”. forma correta de pensar? Buda em seu famoso Sutra no momento de sua morte proíbe os monges de ler Monge Genshô – Você não precisa pensar. Simplesmente �que. Não desista, cartas, fazer adivinhações, astrologia etc. O interesse do Budismo é o despertar �que pelos outros. Uma coisa que Saikawa Roshi comentou comigo quando ese o �m do sofrimento, sendo que todas essas especulações cientí�cas podem ser teve aqui essa semana é que a tradição no Zen é “olhe e viva”, não explique ou
busque explicações. No ocidente os alunos querem muitas explicações. Querem não observa ou ouve o riacho, você é o riacho. raciocinar, explicar e detalhar. Todos somos assim. Eu, como ocidental, explico muitas coisas. Muitas vezes até tiro a oportunidade do aluno perceber sozinho. Isso que você está perguntando deveria ser descoberto por você mesmo. Por que não fui embora? Por que não de sisti? Por que ainda estou aqui? O que em mim faz com que eu �que? A única coisa que posso dizer é que existe uma utilidade nesse sofrimento e somente através dessa experiência que chegaremos a algum lugar. Pergunta: O senhor descreveu todos esses fenômenos, chuva, gelo e água. Mas em termos práticos a existência de tudo isso é necessariamente vinculada à percepção de um observador. É preciso alguém que presencie esse fenômeno para que ele exista. No despertar, tem que haver necessariamente uma consciência e que tipo de consciência é essa? Monge Genshô – A existência de um observador é postulada na Escola Yogacara, mas essa escola não existe sozinha, sozinha ela morreu, mas como foi muito brilhante �loso�camente, ela in�uenciou as outras escolas, podemos dizer que o Zen tem uma estética que vem do Yogacara. Mas para o Zen, as coisas existem. Você pode desaparecer, mas essa casa continua. Pergunta: Mas se não vejo, é como s e não existisse... Monge Genshô – Para você ela não existe. Ela existe independente de você. Na física moderna o observador in�uencia o experimento. Enquanto tem um observador na meditação, existe um “eu”. Tem um “eu” que observa. Tem um famoso koan de um Mestre, que chega para um aluno e pe rgunta: “O que você está fazendo”? “Eu observo a mente”, responde o aluno. O Mestre então diz: “Que mente observa, qual mente é observada”? Nesse con�ito o aluno desperta. Você não pode dizer que tem uma mente observadora e outra que funciona independente dela, qual observa qual? A mente não pode observar a si mesma, assim como o olho não pode ver a si mesmo, ele vê seu re �exo no espelho. Você deve resolver esse que é mais um problema da unidade. O observador é um “eu”. Por isso que eu digo que a meditação Vipassana, que é aquela em que você vai observando e tomando consciência de todo seu corpo, é preparatória. Shikantaza, que é o que fazemos, é um passo além. Enquanto tiver um observador, existe um “eu” que observa. Você deve descartar esse “eu” e simplesmente estar aqui. Quando estivemos lá em cima em zazen eu disse para vocês obser varem os sons do riacho, mas, na verdade, vocês devem dar um passo além disso, um passo pequeno, mas enorme. Enquanto você ouvir o riacho, será você aqui e ele lá. Você
O QUE É UM SESSHIN Monge Genshô 11.02.13
Imaginem que temos uma moeda e toda moeda tem dois lados, cara e coroa. Nossa vida é como uma moeda. O lado representado pelo sesshin é apenas um lado da moeda. Nesse momento o outro lado não está presente. Estamos tentando, no retiro, viver numa situação que é arti�cial. O sesshin é uma crise arti�cial e tem mecanismos voltados para o treinamento, que foram consolidados durante séculos.
rando e soltando os pensamentos, sempre pulando de um para outro pensamento. Mesmo com a instrução de esc utar o riacho, nossa mente �ca nesse vai e vêm, entre pensamentos e riacho. Alguns instantes no riacho, outros tantos pulando de galho em galho. Isso é perfeitamente normal. Com o passar do tempo e com o acúmulo de zazen nossos corpos vão se cansando, tudo é proposital. Alguém poderia perguntar: “Tudo bem, entendi a parte do silêncio, mas por que tanto sacrifício”? O objetivo é cansar o corpo, é tirar as coisas boas com as quais estamos acostumados, dormimos pouco e comemos pouco. O pouco sono é bom, alguns de vocês devem ter tido, pelo menos nos primeiros zazens da manhã, algum tipo de sonho acordado. É como se os sonhos estivessem invadindo o zazen, é possível ver, porque são sonhos lúcidos. Quando você faz zazen, seu inconsciente se apresenta, suas imagens simbólicas e seus conteúdos, aquele é você. Essa imagem é quem somos hoje, talvez semana passada ou ontem, fôssemos diferentes.
Quase oitocentos anos atrás Dogen Zenji escreveu sobre: aquele que foi a um sesshin, que participou de Ango, o veterano, e qual deve ser nosso comportamento frente a um veterano. Dogen dizia que jamais poderemos nos sentar frente a um veterano, a menos que ele esteja sentado ou nos convide a sentar. Se ele estiver em pé, na frente dele deverá estar em “shashu”, sem encostar-se às paredes. Na frente de um veterano ninguém deve atrever-se a dar quaisquer tipos de instruções, dando a ele o privilegio de falar. Se ele diz algo que você não concorda você deve �car calado. Nas relações formais entre Mestre e discípulo, você nunca diz que discorda. Esses hábitos acabaram impregnando a sociedade japonesa de tal forma que nas empresas a reação dos subordinados frente aos seus chefes é a mesma.
Um psicoterapeuta pode ser enganado, basta que se conte histórias diferentes do que somos, mas quem você vai enganar de frente para a parede? Você está sozinho, aquele que surge no momento do zazen, é você. Nessa crise arti�cial criada pelo pouco sono, pouca e simples comida e corpo cansado, surge a oportunidade de livrar-se de um milhão de coisas inúteis que carregamos, mas para que isso aconteça, precisamos vê-las. Então primeiro precisamos enxergar, depois, não lutar com elas: não culpar-se, sem julgamentos de certo ou errado, não importa o que seja; raiva, frustrações ou sentimentos de culpa. Não tente raciocinar ou resolver problemas quando sentados em meditação, volte sempre para o ruído do riacho, ele está aqui o tempo todo, é uma porta de entrada para a visão da unicidade.
Voltando ao sesshin, ele não é a vida dual que temos em nosso dia-a-dia. Todos estão mudos e, como não podemos fazer comentários de espécie alguma, as opiniões tendem a desaparecer, assim como os atritos pessoais. Não existe espaço para agitações. Por que �camos quietos e sentados de f rente para parede? Para diminuirmos os estímulos; corpo quieto, mente mais quieta. Como estou de frente para uma parede branca, não vejo nada. Se estivéssemos sentados de frente para uma bela natureza, poder iam surgir pássaros ou outros tipos de distrações que dariam margem para comentários mentais. Também não devemos fechar os olhos, pois dessa forma é mais fácil criarmos fantasias. Mesmo sentando dessa forma, surgem todos os tipos de pensamentos que vem de nosso inconsciente.
Nós estamos perdidos no jogo de ilusões do ego que nos dá a noção de sermos separados e diferentes. Se conseguirmos sair dessa ilusão e entrar no portal do som do riacho, nos transformando no próprio riacho. Livrando-nos dessa forma de nós mesmos, poderemos enxergar nossa verdadeira natureza. O que tentamos no sesshin é jogar fora todo o lixo acumulado em nossa mente, nossa noção de seres separados, para assim enxergarmos a face de nossa verdadeira natureza.
Ouvindo as entrevistas, percebi que preciso revisar com vocês o que é o sesshin. Vou repetir, então, partes de uma palestra muitas vezes já ministrada. Muitos de vocês estão fazendo um retiro pela primeira vez, então falarei sobre isso.
Ao virmos isso nos livrarmos instantaneamente de nascimento e morte e de todos os sofrimentos agregados ao “eu”, como por exemplo, “meu” e “minha”, nossas paixões, nossas tristezas e frustrações. Todas essas coisas estão penduradas em nosso “eu”. Somos como pedaços de velcro que tudo agarra. O objetivo de nossa prática é eliminar todos os ganchos. Temos que perder o apego a todas Esse macaco bêbado que é a mente se agarrando de galho em galho, vive agar- essas coisas.
A �or de lótus é o símbolo do Budismo porque suas raízes estão no lodo e suas �ores lisas e brancas na superfície. Se você derramar lama na superfície das pétalas da �or de lótus ela escorregará, a superfície das folhas é como um te �on, nada gruda, tudo que for colocado escorre e ela �ca sempre limpa. Precisamos ser como a pétala da �or de lótus, sem ganchos, onde as coisas se agarram. A pior fantasia que possa vir não passa de mera construção mental, pensamentos do tipo, “sou ruim por que tenho raiva” são construções mentais, se você as deixa passar elas se vão, pois não são nada além de construções mentais. Deixe que elas se desfaçam por si mesmas, apenas ouça as cigarras e o riacho, nada mais. Quando você conseguir deixar tudo cair, sua mente repousar e você se encontrar num momento de calma e clareza, sem agarrar-se a nada, esse momento chama-se “Samadhi”. É isso que estamos tentando construir, uma calma profunda, uma lucidez, somente esse som do riacho, dos pássaros e das cigarras, somente esse momento. Se prepararmos esse terreno cuidadosamente desde o primeiro dia com uma limpeza da mente, no segundo dia tudo começará a acalmar-se e amanhã, no terceiro dia, tudo será diferente. Mas vocês só terão a resposta do que foi o sesshin quando ele terminar. Por enquanto só existe dor e uma imensa vontade de desistir, mas resista, pois se alguém desiste é uma grande perda de força. Precisamos passar por essa grande aventura para irmos mais fundo. Os dois lados da moeda existem em nossa vida: um é cem por cento dualidade - a vida diária. Certo e errado, bom e ruim, ganho e perda, saúde e doença. O outro lado é cem por cento não dualidade, mas esse lado, poucas pessoas conhecem, por isso sofrem e não veem sentido na vida. Estamos aqui para enxergar o outro lado da moeda e temos que nos esforçar para isso, caso contrário, todo o sofrimento do sesshin é desperdiçado.
Monge Genshô – Essa resposta é difícil porque a dor varia de pessoa para pessoa. Sente-se com sua dor, seja uno com ela. A dor faz parte do zazen e do treinamento e você deve aceitá-la. Se a dor �car muito desconfortável a ponto de você não conseguir fazer mais nada a não ser pensar nela e no desejo de ouvir o sino tocar, se ela muito forte e invasiva, troque de posição. Não é por trocar de posição que você irá perder a iluminação. Pior é perder a oportunidade do zazen pensando na dor e no quão insuportável ela é. Não devemos trocar o tempo todo de posição porque perturba o colega ao lado e o enfraquece, pois é como se, ao nos mexermos, déssemos a ele autorização ou uma licença para fazer o mesmo. O zazen não deve ser uma tortura, mas não deve ser sem dor, pois, se assim fosse, faríamos no quarto, deitados com mais conforto. Existe a alternativa em caso de muita dor e desconforto, de você sentar-se no banquinho, em uma cadeira e ainda em casos extremos, de �car em pé frente ao seu zafu. Pergunta: Existe alguma técnica para lidar com o medo? Monge Genshô – Quando surge o medo temos que analisar para localizar sua causa. Ele tem uma origem, temos que investigar de onde vem e sse medo. Existem medos muito naturais, como por exemplo, a mãe que tem um �lho e às vezes sonha que algo de ruim acontece com o �lho. Como você tem amor e apego aos seus �lhos é comum que tenha esses tipos de sonhos. É impossível ter amor por um �lho e não ter medo de perdê-lo. Eu me lembro de ter tido os mesmos tipos de pesadelos. E de onde vem esse medo? Do amor e do apego. O que posso fazer com relação a esse medo? Mesmo que eu tome as providencias e cuidados, dizer que perderei esse medo é ilusório, pois ele está anexado ao amor e ao apego. Pergunta: E com relação à ansiedade, está ligada, de certa forma, ao medo?
Monge Genshô – Ansiedade é futuro, um pensamento de expectativa. A ansiedade depende muito de certas energias de hábito. Tenho um amigo muito próximo que sempre pensa: “E amanhã”? Ou então: “E se acontecer tal coisa”? Sempre digo a ele: o amanhã ainda não chegou, amanhã vamos ver. O “se” é sem �m e só cria ansiedade. É l ógico que devemos planejar coisas para o futuro, mas esse planejamento de forma muito ampliada cria ansiedade, que é altamente inquietadora e perturba toda sua vida. Acontece da mesma forma quando se cria expectativas demais em um relacionamento. Querer estar bem com todas as PERGUNTAS pessoas é uma condição irreal, nem Buda, Jesus ou Gandhi conseguiram isso. A Pergunta: Qual a forma correta de lidar com a dor física, devemos aceitar e ansiedade é fruto de uma grande e irreal expectativa. O correto são pensamentos do tipo: “terei bons amigos, mas algu mas pessoas não gostarão de mim”, ou aguentar? Se é isso, até que ponto? Não existe caminho fácil para a iluminação. No Zen dizemos que o caminho para iluminação é o zazen e não devemos procurar a iluminação fora do zazen. Somente praticando zazen conseguiremos sair da loucura que é essa prisão da dualidade, mas as pessoas que olham para nós do mundo dual pensam a mesma coisa de nós: “Passar o carnaval inteiro sentado olhando para uma parede, não é coisa de gente normal”.
então, “algumas coisas que eu �zer darão certo, outras não”.
a nada.
Se você possui um negócio você deve entender que existe uma probabilidade de algumas coisas darem certo e outras não. Para ter menos ansiedade nossa atitude deve ser de aceitação. Faça uma lista das coisas que você tem que realizar no dia, o que não for possível ser feito neste dia, deixe para o seguinte, um dia você morre e pronto, as coisas do dia seguinte não serão feitas.
Tem um celebre ditado Budista que diz: “se você encontrar um Buda, mate-o”. Por quê? Porque fora de você não existem Budas. Buda está no zafu, você sentado. Budas fora de você são ilusões e fantasias cria das pela mente. Buda tampouco é um Deus, por isso não reze para Buda, ele não pode ajudá-lo.
Monge Genshô – Eu gostaria de trocar algumas palavras das nossas cerimônias e “espíritos famintos” é uma delas. Fica melhor: seres famintos, porque os grãos de arroz da oferenda são levados para os seres que estão na natureza, pássaros e etc. O espírito da parte da refeição em que fazemos a doação é de dividir o que você está comendo, ou seja, comemos essa comida com todos os seres. Os “espíritos obsessores” não suportam um sesshin, não é mesmo? Por quê? Porque eles estão na nossa mente e tudo que você tira de sua mente não existe. As coisas só existem na nossa mente. Ódio, amor e saudade só tomam conta de nós porque os alimentamos em nossa mente. Existe algo muito importante, quanto mais lutamos contra alguma coisa, mais forte isso se torna, então quando em zazen, não lute contra os pensamentos ou desejos, apenas volte para o riacho.
Pergunta: Aproveitando sua explicação e a pergunta sobre os espíritos, gostaria que o senhor falasse sobre os seis reinos dentro dessa perspectiva que o senhor estava abordando.
Numa entrevista hoje, alguém me perguntou sobre deuses e minha resposta foi Parece que as coisas são importantes a ponto de causar ansiedade, mas não são, semelhante, se houvesse um Deus bom, onipotente e onisciente ele saberia as muitas coisas podem ser postergadas. Se você olhar a vida com mais leveza a necessidades de cada um e ajudaria. Se houvesse alguém com essas qualidades ansiedade diminui muito e isso vem da s energias de hábito. não haveria sofrimento algum no mundo. Mas o Budismo não se de dica a con�rmar a inexistência de deuses, ele só diz que um ser com essas características Pergunta: Algumas religiões acreditam que existam espíritos obsessores. Nós criadoras não é objeto do pensamento budista. Se existir algum Deus que não citamos os espíritos famintos nas refeições. Eles até falam que quando uma inter�ra no mundo, ou seja, não responda às orações e pedidos - até pode ser pessoa está usando drogas estaria sob o efeito desses espíritos. Qual a posição que exista e não inter�ra no zazen - você pode sentar para meditar e acreditar nesse tipo de divindade. do Zen quanto às energias externas?
Monge Genshô – Tradicionalmente no Budismo existe uma descrição de seis âmbitos de realidade.
O primeiro é o “Mundo dos Infernos” que é caracterizado pela raiva, ódio e egoísmo. Nesse reino só há sofrimento. Não existe compaixão. No nosso mundo isso é perfeitamente veri�cável, por exemplo, lugares de guerras e crimes violentos, onde não existe qualquer tipo de compaixão. No mundo dos tra�cantes, por exemplo, não se pensa no mal que as drogas irão causar, o objetivo é o lucro, as Enquanto você estiver realmente ouvindo o som do riacho, mais nada estará e m mortes e a destruição das famílias não são levadas em consideração. sua mente. Volte sempre para o som, ouça-o. Todas as outras coisas são criadas pela mente, somos imensamente poderosos e não existe nada fora de nossa O segundo é o “Reino dos Pretas” ou “Fantasmas Famintos”, onde reina absoluta mente que tenha poder sobre nós. Tudo são fantasias criadas pela humanidade. a ganância. Local de avareza onde de tudo se faz para obter vantagens e existe Com nossa mente podemos descartar qualquer coisa e sermos perfeitamente um desejo sem �m, pois as pessoas nunca se satisfazem. Na mitologia Budista, livres. Todos somos Buda em potencial, mas e stamos sonhando; se tirarmos os são seres com pescoço muito �nos que sofrem de sede e fome, pois não consesonhos e acordarmos, seremos Budas. Lucidez e clareza são as virtudes que esta- guem engolir o su�ciente. Tem grandes estômagos, mas pescoços �nos. Onde mos procurando. Isso é que é importante. Crenças não interessam, assim como podemos veri�car isso em nosso mundo? Nas pessoas que nunca estão satisnada que não seja veri�cável interessa ao Budismo. As crenças só atrapalham. feitas e querem sempre mais. Podem acumular enormes fortunas, mas nunca A lucidez não está baseada em crenças. Sentamos para obter sabedoria e, se é o su�ciente. Não existe no mundo riqueza para satisfazer sua ambição. E não conseguirmos isso, tudo �ca claro sem a necessidade de temor ou de agarrar-se estou falando só de coisas materiais, mas também de poder. No mundo empre-
sarial conheci uma pessoa que três vezes anunciou um sucessor, mas quando chegava a hora do sucessor por ele escolhido assumir seu lugar, ele desistia, não Por �m, o sexto reino é o “Mundo dos Deuses” e, no Budismo, os deuses são seconseguia largar o poder, até o dia que morreu. res inferiores aos Budas porque também morrem. Embora tenham longas, prazerosas e poderosas vidas, eles decae m. Por terem acumulado bons carmas, suas O terceiro mundo é o “Mundo Animal” cuja característica é a obscuridade, não vidas são muito boas, mas suas virtudes se esgotam e seu carma vai decaindo até existe clareza ou lucidez e onde se age por instinto. No nosso mundo podemos o dia em que morrem. Não é nosso objetivo no Budismo nos tornamos deuses observar esse reino nas pessoas que só pensam em comer, em sexo ou em pra- nem semideuses, mas Budas. Os Budas se libertam de serem deuses e semideuzer imediato. Vivem instintivamente. Não raciocinam e atropelam tudo em seu ses e voltam para a grande unidade sem a obrigação de nova manifestação. caminho. Mundo também caracterizado pelo uso da força. É o mundo dos mais fortes. O “Mundo Humano” é o quarto reino, mundo de grande oportunidade, onde temos alegria e tristeza, ignorância e sabedoria, ganhos e perdas. Insatisfeitas, as pessoas procuram o Dharma. Como o ser humano experimenta as duas coisas, sente o impulso de procurar o Dharma. No mundo dos animais, os seres não têm lucidez su�ciente para procurar o Dharma. É mais ou menos como as pessoas que trabalharam a vida inteira e só enxergam aquilo para que foram condicionadas. Quando pequeno, seus pais lhe diziam para estudar para conseguir um bom emprego. Depois de conseguir o emprego ele trabalha para adquirir segurança e então se aposenta. Quando se aposenta a vida acaba e ele �ca triste e deprimido, toda sua vida perde o sentido e ele �ca apenas à espera da morte. O único sentido em sua vida eram as tarefas que tinha que cumprir. Uma pequena parcela dos seres humanos, como Buda, enxerga nascimento e morte, vê o sofrimento e deseja sair disto, não basta uma pequena felicidade ou dinheiro no bolso. Como ele deseja algo mais profundo, então procurará o Dharma. Ele não irá para a sangha apenas para resolver seus pequenos problemas como um casamento desfeito ou uma demissão - essas pessoas deixam de frequentar logo que recebem apoio e sentem-se melhores - ele possui energia para continuar a busca pela iluminação nessa vida. Ele deseja escapar desse ciclo, deseja morrer com a melhor mente possível. Ele deseja escapar da rede, esse é o signi�cado da palavra “Todatsu”, o peixe que escapa da rede. O quinto reino é um mundo de g rande poder, luta e ambição onde se tem inveja dos deuses, o “Mundo dos Semideuses”. Esses são os executivos, têm dinheiro, poder e estão sempre lutando, é o mundo dos negócios. Geralmente suas mortes não são fáceis, muitas vezes com testamentos muito complicados. Essas pessoas vivem com medo da queda e da perda.
O QUE É O ZEN - O QUE É O CAMINHO DO ZEN Monge Genshô 02.07.12 Em primeiro lugar nós temos que entender o que é o Zen e o que é o caminho do Zen. O caminho do Zen é o caminho direto. O caminho direto foi ensinado por Buda pessoalmente, segundo conta a história, a partir do Sermão da Flor. Mahakashyapa sorriu quando Buda levantou uma �or. A percepção do que é o caminho, é a compreensão de que tudo está na mente, que na verdade, esse mundo que nós vemos como mundo samsárico, é o mesmo mundo nirvânico, é o mesmo nirvana. Nós trabalhamos, comemos, dormimos, encontramos pessoas e tendemos a se parar o mundo como o mundo do Dharma de um lado, o mundo da paz e da serenidade; como há pouco, quando estávamos em meditação. E de outro lado, o mundo das aquisições, das coisas, dos trabalhos, das pessoas. Mas esse mundo que nós olhamos não é o nirvana somente porque a nossa mente não o vê. Assim como não vemos nas pessoas a pura natureza de Buda. Porque a única coisa que existe nas pessoas, a única coisa sólida e verdadeira é a pura natureza Búdica. Dentro de qualquer pessoa, a única coisa que não pode ser removida é a natureza Búdica. Toda sua mente, todos os seus pensamentos, todos os acontecimentos, sua cultura, sua memória e seu corpo são temporários. Sendo temporários, evanescentes e impermanentes, essas coisas não são o que poderíamos chamar de real. A única coisa que poderíamos chamar de real é a natureza Búdica. A nossa di�culdade é que não podemos enxergar a pura natureza Búdica, mas por quê? Porque nós temos EGO e, esse “eu” que usamos para transitar no mundo, confundimos com uma realidade e queremos que ele seja permanente. Confundimos todas as outras coisas com a realidade, sendo que elas não são mais que bolhas, fumaça, sonhos, que passam e desaparecem como essa nossa reunião, como nossos corpos, como tudo. Mesmo nosso “eu” pessoal desaparecerá completamente.
mais, que também olhará para si mesmo e dirá “eu sou”. E porque continua esse “ser” iludido criando novas identidades, vidas após vidas, sem parar, ele não passa de um ser cíclico, repetindo sempre os mesmo atos, as mesmas insatisfações, os mesmos desejos e as mesmas tristezas. Como podemos escapar desse ciclo? Somente se mudarmos nossos olhos, os olhos que veem o mundo. Porque temos olhos de “eu”, olhamos o mundo como algo que age e interage conosco, quando essa interação também é ilusória. Todas as ações e reações das pessoas, todas as coisas que nós temos; todas são projeções do nosso “eu”. Nós projetamos nosso “eu” sobre todas as coisas e as interpretamos de acordo com nosso “eu”, e este “eu” é o nosso engano. Somente depois de desistirmos de ter um eu próprio, é que podemos estar libertos. Mas usamos os olhos do “eu” para olhar as coisas, e é necessário tirar esses olhos e colocar os olhos de Buda para olhar o mundo como ele é. Esse mundo que é visível com os olhos de Buda, é o nirvana, é este mesmo, não é outro lugar, é aqui. Então toda a infelicidade e insatisfação que temos no mundo e em tudo que fazemos, só tem um lugar de origem: nossa mente. É essa mente que gera tudo isso. E nós temos a capacidade, a habilidade de, mudando nossas qualidades mentais, mudar esse mundo inteiro completamente. Por isso que dizemos no Zen: “quando um homem se ilumina, o universo inteiro se ilumina”. No universo dele, aquele que ele olha, não existe mais nada que não seja iluminado, porque ele pode ver as coisas como realmente são e não as coisas como nós acalentamos. Isso quer dizer que a pura felicidade já está presente e disponível aqui e agora nesse momento, nas próprias coisas que fazemos. Nos nossos trabalhos, nas nossas viagens, nos relacionamentos. A pura felicidade já está aqui. Só não a percebemos porque temos um mente que não aceita com tranquilidade absoluta. Eu estava lendo um ensinamento de um famoso mestre chinês que morreu com 101 anos e ele recomendou a uma mulher apenas uma coisa, que dissesse para tudo que acontecesse: “que assim seja”. E ela então começou dizer “que assim seja” para todas as coisas. Para a morte do marido, para a morte do �lho, para cada coisa que aconteceu. E ao dizer “que assim seja”, aceitando tudo plenamente, sem nenhuma reação, sem nenhum sentimento de oposição, com perfeita equanimidade mental, ela atingiu a iluminação, atingiu a completa libertação.
Muitas pessoas confundem o Budismo com uma doutrina que crê em reencarnação, mas isso não é verdade, porque não existe reencarnação no Budismo. Não da maneira como se entende reencarnação, pois não existe nenhuma alma para reencarnar, nenhum espírito, nenhum “eu”. Há continuidade, mas não de um “eu”. Somente nosso karma, ou nossos impulsos, podem permanecer; como movimento que são. E como são movimento, tentarão se manifestar novamente A libertação estava disponível, só era necessário mudar sua mente para uma e gerarão um novo ser muito semelhante a nós, com os mesmos desejos e tudo mente de pura aceitação, que podia aceitar todas as coisas tais quais elas se apre-
sentam. Aceitar as coisas tal como se apresentem é uma maneira de transformar o samsara em nirvana. Isso não signi �ca, em absoluto, não agir no mundo. Signi�ca sim, agir no mundo, por que não? Agimos no mundo da maneira correta apenas, vendo o mundo como ele é e tentando agir tranquilamente, no momento em que as coisas se apresentam, da melhor maneira. Vivenciando o mundo e reagindo ao mundo com a mente mais tranquila possível, com a melhor aceitação possível, só assim treinamos a nossa mente. Esse treinamento começa na meditação, por isso na meditação sentamos e podemos fazer muitas coisas. Simplesmente sentar e ouvir os sons do mundo, e aceitar os sons do mundo tais como eles se apresentam, sem nenhuma reação de bom, ruim, certo, errado, gosto, não gosto, aceitar completamente tudo que acontece enquanto estamos sentados respirando. PERGUNTAS Pergunta: Isso que é o não eu? Monge Genshô – Se conseguíssemos ouvir os sons como se eles se apresentam e deixássemos passar sem nenhum julgamento, não haveria nenhum “eu” julgando. Isso é um treinamento para a plenitude, é o samadhi. É necessário transformar essa mente da meditação e levá-la para fora. Treinamos sentados, primeiro porque há condições especiais para isso, �camos quietos, imóveis. Quando nosso corpo não se move, não geramos carma de corpo, quando �camos em silêncio, não geramos carma de fala.
sua tranquilidade e serenidade. Um dia ele desceu até a cidade e foi até a feira. Quando estava na feira, um homem pisou no seu pé, ele virou-se com raiva e nesse momento entendeu que sua prática tinha sido falha, pois só no mundo é que podemos ver nossa prática. É claro que podemos ver quando sentados em meditação, pelos pensamentos que se apresentam, qual o estado de nossa mente. Mas testar de verdade tem que ser na vida. Não tem como dizer que um monge é superior a um leigo, isso não existe. A questão é como eles agem no mundo, como são suas mentes, suas ações. O Mestre irá reconhecer essa superioridade de prática. Quando estivermos sentados, só poderemos olhar e dizer quem ele é, quando estiver andando, falando ou comendo, pois é aí que aparece a qualidade espiritual, nas ações. Não existe melhor lugar para ver quem é uma pessoa, do que num sesshin. Levantar de madrugada, comer com tigelas - os oryokis - �car cansado no zendô, horas e horas meditando com a boca silenciosa. Ela não precisa falar nada, olhando a pessoa podemos ver qual é o estado de seu treinamento, ninguém consegue esconder. Pergunta: (...) Conforme a gente vai tomando consciência de todo esse processo, vai dando uma angústia, a gente senta, medita, pratica, depois sente (...) mas como é que a gente consegue(...)
Monge Genshô – É porque queremos andar, esse é o grande problema, temos objetivos, queremos alcançar algo, mas essa mente também é uma mente aquisitiva, é também uma mente apegada. Ela quer obter algo para quem? Você quer obter algo espiritualmente para quem? Para você. Então dentro desse objetivo, existe grande ego, é uma mente que quer adquirir mais, um objetivo espiritual. Silenciamos nossa mente simplesmente aceitando até nossos próprios pensa- Por isso tem que sentar em meditação, tem que ambicionar obter um resultado mentos. Que eles se apresentem e que vão embora. Não lutamos com eles, não ou um crescimento espiritual. O crescimento espiritual poderá vir, mas tem que os seguimos, não fazemos associações, não criamos histórias, �camos aqui sen- sentar ardentemente, como se sua cabeça fosse tomada pelas chamas. tados e aceitamos os pensamentos da nossa mente como meras nuvens passando no céu. O céu não é perturbado pelas brancas nuvens que passam. Se apenas Quando estamos tomados por pensamentos, temos problemas e não podemos aceitamos sem nenhuma reação, como estamos treinando aqui, nos le vantamos sentar para praticar, sentimos automaticamente que a impaciência coisas assim, e levamos essa mente para fora e aceitamos as palavras das pessoas, os aconte- começa a surgir. A vantagem do praticante é conseguir ver: “estou impaciente”. cimentos, com a mesma equanimidade que treinamos sentados. Se apenas sen- Ele enxerga que sua cabeça está em chamas e tem que sentar para fazer tudo tarmos e, quando sentados, formos bons praticantes, mas ao levantarmos nos mudar. É necessário praticar meditação todos os dias, senão é como não tomar transformarmos em pessoas reativas, não aconteceu nada, não levamos a prática banho, só que em vez do corpo, �camos com a mente suja e começamos a perder as qualidades que estávamos cultivando antes, e essa perda é rápida, é mais rápara a vida e, consequentemente a prática Zen tornou-se inútil. pida do que o ganho, embora, quando retorna, o ganho seja mais rápido do que Por isso é necessário que o praticante aja; que ele treine e lide com o mundo, se nunca tivesse praticado. senão o Zen tornou-se inútil. Como a história do monge que foi para a montanha e meditou tranquilamente sozinho durante anos e sentiu-se perfeito em Não podemos minimizar o efeito de uma boa meditação de quarenta minutos,
que é tempo que um praticante mais maduro deve fazer. A prática para a vida diária vai mudando as questões de o quê alcançar. Sentir que não alcançou nada também já é muito bom, porque um dos grandes problemas de quem começa a praticar é pensar que atingiu algo, ele senta-se e pensa – “Ah, eu adquiri serenidade” – ou – “Que bom, eu pratico meditação e sou mais sereno, sou mais ‘zen’” – como se diz na gíria. Mas isso não tem nada a ver com o Z en. Sentar-se e adquirir serenidade é uma prática que poder ser feita de muitas formas e não precisa, em absoluto, ter um objetivo espiritual. A serenidade é apenas um subproduto do sentar-se quieto em meditação, nada mais que isso. É como muita prática de ioga que se faz hoje em dia e transforma-se em ginástica simplesmente, mas que não tem objetivos espirituais, se houvesse objetivos espirituais, seria outra coisa. Assim, a primeira coisa que os alunos fazem quando se apresentam, é sentar para meditar. Se você não �car sentado quieto quarenta minutos, não vai ouvir nenhum ensinamento e se não voltar, não tem problemas, porque o Zen não é para curiosos nem para pessoas que esperam resultados instantâneos ou uma panaceia, o Zen é para pessoas com a cabeça em chamas. Então tem que haver angústia, porque só a angústia mobilizou Buda para a prática. Porque estava angustiado largou mulher e �lho e foi para o meio da �oresta treinar, só por isso. É necessária a angústia, a inquietude e o desejo de se libertar. Por isso esse sofrimento é o atalho para a realização espiritual. E um corpo humano é a grande oportunidade, porque os homens têm as duas coisas: prazeres e dores. Não é verdade que Buda disse que a vida é sofrimento, não é essa a verdade, ele disse que a vida é Dukkha. E Dukkha quer dizer “cíclico”. A vida é insatisfatória, às vezes é maravilhosa, feliz, outras vezes não é, porque nada é permanente, nada é feito para durar. Pode ser a melhor coisa, não vai durar pra sempre, tudo vai acabar. A solução é uma libertação, e essa libertação é o caminho que o Zen ensina. Mas não se obtém libertação sem guia. Somente praticando sem Mestre a gente não consegue, é necessário um Mestre para chutar a gente de vez em quando, para nos tirar dos enganos. Podemos estar praticando meditação durante muito tempo e estar enganados.
que o dele. Encontrar um Mestre é entrega. Você não discute com o Mestre, se você não concorda com ele, não é seu Mestre, vá embora. Procure um em quem você con�a e então não discuta. Mas é necessário para o praticante fazer sesshin, viajar, ir para onde for possível, fazer retiros, praticar sozinho conscientemente e aprender com o c orpo, não dá para dizer o que ele tem que aprender. No meu relacionamento com Moryama Roshi, não me lembro dele dizer, “pratique assim, dessa ou de outra forma”, nada. Só sentava ao meu lado e �cava ali praticando. Nenhuma instrução especial. E também não sinto que deva pedir nenhuma instrução especial. Pergunta: A gente �ca em dúvida em como agir, se temos que agir, como não agir, se poderia ter feito de outra forma, aquela responsabilidade de agir naquele momento. Como lidar com isso? Monge Genshô – Quando você senta você cria uma mente capaz de se perguntar – “Minha ação gera ou não gera sofrimento”? – esse é o melhor caminho, olhar nossos atos, o que acontece e nos perguntarmos – “Nossa ação gera sofrimento”? – “Como agir para diminuir o sofrimento no mundo”? – E, depois dessas perguntas feitas, quase todas as perguntas cétic as estarão respondidas. Pergunta: Mas ao sentar para meditar, sentamos sem um objetivo de responder a essas perguntas, a própria prática é que vai trazer essas respostas. Eu não pratico tanto quanto deveria e percebo que a gente senta e permanece a mesma coisa, os pensamentos vêm e passam, em alguns momentos parece que não se pensa nada, daí vem aquela coisa – Óh, consegui não pensar em nada – e aí pronto, já voltou tudo... É isso mesmo? É isso que vai acontecendo? O que eu percebi com o tempo, é que antes eu sentava e �cava agitada, louca que terminasse logo, agora eu sento e sinto já até certo prazer, um pensamento de que é bom. Eu sinto que o grupo é muito importante, em casa parece que é uma mentira às vezes... É isso mesmo, é assim mesmo?
Monge Genshô – Está certo. Porém, eu diria que sentar tentando não pensar em nada, é tentar alcançar um nível muito elevado. O praticante do Zen em seus estágios iniciais deve sentar apenas tentando não seguir os pensamentos, Monge Genshô – Não, o Mestre não pode ser um amigo. O Mestre é alguém deixar que os pensamentos passem e assim haverá momentos em que tudo �cará que tem uma realização espiritual e pode apontar o caminho para você. Um tranquilo simplesmente porque �cou tranquilo, mas para não festejar isso é necaminho que ele testou e experimentou. Talvez ele tenha feito um pedaço do cessário não ter esse objetivo. Então, como apontei no início, o erro é o objetivo. caminho e possa ajudar você neste pedaço do caminho. Você tem que encontrar Por isso essa técnica de sentar no S oto Zen é chamada da “Shikantaza” – apenas um Mestre e aceitar sem discutir, porque seu julgamento não pode ser melhor sentar – não acalente um objetivo, não tente alcançar nada, isso é bastante imPergunta: O Mestre pode ser um amigo?
portante. Se você medita, insights surgem. Mas esses entendimentos, também não podem ser o objetivo, eles surgem naturalmente, coisas que nós não entendíamos e passamos a entender. Quando a gente vê os praticantes, é fácil perceber como são os alunos, é fácil entender o que está acontecendo com o treinamento deles pela maneira como eles perguntam. Primeiro querem manifestar opiniões, depois fazem perguntas mais difíceis, depois não fazem mais perguntas, e, quando deixam de fazer perguntas a gente sabe que o aluno passou para um determinado ponto. É como se as questões tivessem se dissolvido. Quando ele chega à frente do professor, mesmo que ele pense – “Acho que vou perguntar isso” – logo depois ele pensa – “Não, não é preciso” – ele sente que não tem sentido fazer a pergunta, então essa já é outra fase. Mas é lógico que isso não pode ser �ngido. Então, quem sente necessidade de fazer perguntas, faz perguntas, e o professor responde. É necessário esse contato, mas sem a prática, não acontece nada com ele. É necessário ter esforço, mas esforçar-se também não leva a nada. Não é difícil de entender, se a gente pratica começa a entender: se eu me esforço não funciona, se eu não me esforçar não vou a lugar nenhum. Quando a gente começa a sentir prazer em �car sentado já foi um grande progresso. Porque o pior estado é o daquela pessoa que não consegue parar, um estado muito agitado, muito turbulento. Na realidade é um mundo infernal. Pergunta: A gente começa a entender o mundo de forma diferente também, quando começa a querer ler os textos e tentar entender o Zen e essas coisas do “não eu”. Quando lemos em conjunto para tentar entender, tem uma hora que de tanto tentar entender intelectualmente a coisa passa a não ser mais viável (...) acho que tem que ser mais natural, se a gente �ca muito intelectualizando, tentando discutir teorias, nos perdemos.
Observação de outro aluno - Posso falar pela experiência de um grupo de prática em Florianópolis, sem professor. Tínhamos um grupo e um professor, só que ele não morava em Florianópolis. E o grupo começou com as pessoas tentando sozinhas, basicamente o grupo se reunia para o zazen. E tentamos fazer disso um ato mais recorrente possível, nós tínhamos três reuniões semanais com o grupo, e nós tínhamos muitos praticantes. No Zen, quatro praticantes já é demais, chegamos a ter um grupo de dezoito e todos tinham um comprometimento muito forte pela prática. A prática diária de uma pessoa parece que não tem muita força, parece que quando senta sozinho falta alguma coisa, mas se o grupo se reúne constantemente, ele se fortalece. Nós sentávamos quarenta minutos, líamos um texto e tomávamos chá, essa era a prática. E tentávamos a cada três meses trazer um professor para fazer um retiro. Fora isso, começamos a criar atividades, fazíamos zazenkais. Se vocês se reunirem e chamarem professores do Dharma, com certeza eles virão até vocês, mesmo estando longe. A prática é uma coisa muito forte, a prática individual e a coletiva se completam. Tendo novatos ou antigos, sentamos quarenta minutos. Se alguém tem di�culdades físicas, pode sentar numa cadeira, não há problema, desde que sente numa cadeira com as costas eretas, sem se encostar. Se não suportar isso, não irá praticar depois. Na realidade minha experiênci a é ao contrário: não facilite. Torne a prática realmente forte e isso vai se r o melhor. Quando fazemos sesshins, as pessoas acordam às quatro da manhã e sentam seis e meia ou sete horas por dia e, claro, todos sofrem. Mas estou junto e sento com eles, todas as horas. Com o tempo a gente não sofre mais.
Se for para optar, em vez de ler, sentar. Porque ler, todos podem ler em casa e a prática junta da meditação é mais e�ciente porque é mais difícil levantar. Tem que haver certo ardor em relação à prática mais severa. Eu recomendo que vocês tenham um altar, um Buda, incenso, �ores. Mesmo que montem o altar para o zendô. Pode ser uma sala como essa, coloca os zabutons de frente para a parede, coloca o altar, delimita o local e, quando entrar, aqui é o zendô, cumprimenta, Monge Genshô – Nós devemos ler, mas discutir não vai ajudar. Mesmo na San- faz sasshu, faz gasshô e senta de frente para a parede por quarenta minutos. Degha, quanto menos a gente tenta impor uma opinião, melhor. Eu penso isso ou pois se pode ler um texto e não discutir. Depois de tudo recolhido, fora da sala eu penso aquilo, isso não é muito útil. Por isso no sesshin uma prática muito se quiserem conversar, tudo bem. Mas no zendô não. importante é o silêncio, não falar. Isso começa a criar um espaço especial. Não vou dizer sagrado porque no Zen Pergunta: Então, aqui no nosso caso, o mais importante é a gente vir sentar e tudo é sagrado e nada é sagrado. Mas tem que ser criada a energia da prática. Se ler os textos, �car mais num encontro social, seria, pelo que estou entenden- puder separar uma sala especia lmente para prática, melhor, mas não é essencial, ela pode ser montada na hora. O que não pode é ser lugar aberto, por exemplo, o do, mais importante pela nossa competência(...)? zendô num lugar onde outras atividades ocorram, pois as pessoas que entrarem
não irão cumprimentar. Pergunta: É que até agora a gente meio que resistiu a isso. Monge Genshô - É que existe certa resistência às formalidades e rituais, sei disso, eu também tinha. Quem tem muita resistência em fazer prostração vem e fala. Outro dia um médico veio e disse – “Eu tenho muita resistência com isso, me ajoelhar, encostar a testa no chão em frente ao altar, em frente a Buda” – então eu disse que também tinha, mas é um grande remédio para o ego, para o orgulho e se você sente isso, é porque tem um grande orgulho. Então aquilo que você sente mais di�culdade de fazer é aquilo que você mais precisa. Pergunta: Eu só �z essa prática quando fui num sesshin em Porto Alegre. Mas pelo que entendi a prostração não é para a imagem do altar, é isso? Monge Genshô – Também. Também é isso. A estátua de Buda simboliza uma determinada coisa. A prostração é para o que ela “representa”, mas você também tem a natureza de Buda. Até que você reconheça que todo o universo se inclina com você. Mas você precisa praticar primeiro, porque isso é conversa. Você precisa fazer prostrações para o altar, depois prostrações para os colegas, e quando o professor sai da sala, todos devem fazer, devem prestar reverência. Isso é importante, senão não criamos o relacionamento com o professor. E o professor representa uma linhagem, então reverenciamos uma linhagem de 2.600 anos, que vai até Buda. Essa sequência de Buda até os dias atuais é importantíssima, porque não se perdeu. Uma pessoa foi passando para outra e não se deixou cair, esse vidro não se quebrou. Muitos e muitos Mestres deixaram sucessores, muitas escolas morreram nesse meio tempo, algumas não sobreviveram, nós temos a felicidade de conhecer uma escola sobrevivente, porque de “Hui-Neng” saíram cinco grandes escolas, mas só sobram duas. Todos os Mestres das outras escolas, das outras linhas, foram morrendo. Não resta uma única linha feminina, todas desapareceram no século XIII com a invasão muçulmana na Índia. Só sobraram linhagens masculinas de algumas escolas. Então quando uma pessoa que representa uma linhagem como essa passa, se não nos inclinamos, nós não entendemos o sentido dos mantos de Buda. Pergunta: Eu penso que... Monge Genshô – Você precisa pensar menos. Agora, meu conselho para você é: pense menos, só pratique, pense menos.
NÃO HÁ NINGUEM LÁ FORA Monge Genshô 01.07.13
enfrentá-los completamente, sabendo que a vida se mostra a cada passo e que ao longo da história muitas pessoas já sofreram muito mais que nós. Todos nesta sala são muito bem alimentados e jamais enfrentaram uma guerra, é mais sofrimento do que podemos entender.
Estava fazendo um zazenkai em Maringá semana passada e uma senhora disse que era inaceitável que disséssemos no Zen que não havia ninguém lá fora para Em 1946 logo depois da Segunda Guerra, em Berlim, 50% das mulheres foram nos ajudar. Eu a compreendo é realmente muito difícil de aceitar essa postura, estupradas pelos Russos como ato de vingança. Das crianças nascidas naquele ano, 80% ou 90% morreram, porque a ração destinada às pessoas que não tramas para o Zen só podemos contar com nós mesmos. balhavam, no caso as mães, era de trezentos gramas de pão e cento e cinquenta Mas somos imensamente poderosos no sentido de que podemos construir nos- gramas de banha por dia. As pessoas �cavam deitadas para não gastar enerso próprio futuro, podemos alterar nosso carma e um homem pode provocar gia, mas como a temperatura caía a -20 graus, as pessoas morriam congeladas. tremendas mudanças no mundo. Ela insistiu com sua indignação citando os Quando �camos sabendo destes fatos, vemos que os sofrimentos individuais arcanjos e anjos. Se houvesse alguém que tivesse o poder de ajudar, tivesse com- que enfrentamos não são nada se comparados aos sofrimentos que já acontecepaixão, fosse bondoso e tivesse sabedoria para ajudar, porque ele esperaria você ram na história da humanidade. São sofrimentos muito mais intensos e maiores pedir? Eu imagino que se meu �lho caísse, não iria esperar que ele me implo- do que podemos sequer imaginar. rasse ajuda. Algum de vocês faria isso, algum de vocês diria que só ajudaria se lhe fosse pedido? Alguém diria para seu �lho caído: “Se eu ajudar você, você O ensinamento deve ser: “é possível sofrer galhardamente sem se importar”? Não, você irá sofrer de verdade e sofra sinceramente se houver, de fato, sofripromete se comportar e estudar”? mento. Você não será salvo do sofrimento por nada sobrenatural, só pel a fortaSe Buda tivesse o poder de nos ajudar não precisaríamos pedir para ele, já estaria leza que você será capaz de criar, através de sua lucidez. nos ajudando. Alguém que desenvolveu compaixão não espera. Então, imaginarmos que existam seres de sabedoria e bondosos lá fora, a quem precisemos O ensinamento Budista é terrível porque as pessoas procuram consolo nas religiões e o Budismo não oferece consolo. Quando uma mulher foi até Buda com orar ou pagar para que nos ajudem, é uma tolice nossa. um �lho morto no colo pedindo a Buda que o ressuscitasse, Buda disse que o Não parece que é assim que o universo funciona, ele funciona com ações e con- faria desde que ela lhe trouxesse um grão de mostarda de uma casa cuja família sequências. Fazemos coisas e obtemos resultados. Orar é algo bom, pois as pes- nunca tivesse morrido ninguém. Desta forma ele ensinou que o sofrimento faz soas que oram constroem mentes melhores e criam modi �cações. Não somos parte do mundo. Zen Budistas para acreditar ou pedir algo para alguém, por isso sentamos, e PERGUNTAS sentar é muito difícil. Tratamos de cuidar de nossas mentes para que elas sejam melhores, mais sábias, com mais clareza e lucidez, sem se agarrarem em fantasias. A tarefa dos Mestres é destruir as crenças e fantasias, desconstruir e tirar Pergunta: Uma vez foi dito que nossa prática começa no nível da virtude até tudo a que as pessoas possam se agarrar. Só assim os seres poderão ser livres. atingir o nível da compaixão. Quais são as etapas desde o nível da virtude? Por isso Buda disse: “Não acreditem em mim, testem e experimentem”. Vocês podem mudar suas mentes através da prática, mas não podem mudar o mundo Monge Genshô – Essa é uma forma didática de divisão. através do “esperar que poderes sobrenaturais os socorram”. A primeira é a prática da virtude e por isso tem regras como não matar, não Semana passada soube que um neto meu com um ano e oito meses de idade roubar, não causar sofrimento, não usar substâncias que alterem a consciência. está com câncer. Isso não signi�ca que eu pense que posso solicitar ajudas so- Como não temos o conceito de pecado, no entendimento Budista esses preceitos brenaturais, mas sim que ele deve ser internado, fazer quimioterapia e que todos ou regras têm como objetivo a diminuição do sofrimento, tanto seu como de à sua volta sofrerão. O que devemos fazer com a dor e o sofrimento? Vivê-los e outros seres.
Depois de praticar desta forma por muito tempo, temos o segundo estágio que é o desenvolvimento de uma mente compassiva. Quem tem a mente compassiva não precisa das regras, pois matar, roubar e causar sofrimento não lhe é natural, e quanto mais cresce sua compaixão mais ela se estende a todos os seres e até mesmo as plantas, pedras e rios. O terceiro estágio é o da não dualidade, onde não existem julgamentos e há equanimidade. Porém, não se pode cogitar a equanimidade sem passar pelos estágios anteriores. Algumas pessoas conhecem o Zen, começam a praticar e ler livros e querem falar sobre a não dualidade. Ninguém que não tenha passado pelos estágios anteriores pode falar sobre não dualidade. Pergunta: Animal gera carma? Monge Genshô – Carma signi�ca ação e toda ação tem consequências. Se um animal age intencionalmente, esse ato gera consequências. Também existe carma no reino animal. A nossa onda cármica já foi outras formas de vida. Sempre fomos outras formas de vida e neste momento somos uma manifestação humana, um fenômeno no universo, mas sempre estivemos por aqui. Não somos seres individuais e sim “manifestações individuais da vida”, mas isso, não somos capazes de enxergar. Essa é nossa maior ilusão. Se conseguirmos ver c om clareza a unidade de todas as coisas, que não somos redemoinhos na atmosfera e sim a própria atmosfera, não há nascimento e morte e o medo de morrer, que é o medo mais constante nos homens, e até por isso criam religiões e soluções milagrosas, desaparece. Pergunta: Quando estou praticando, não sei dizer se é concentração, mas sinto um pequeno grau de desprendimento, nada profundo ainda, esse estágio mental é uma espécie de treinamento para que eu possa desenvolver esse outro nível? Monge Genshô – Temos muitos pequenos graus, mas na realida de quarenta minutos são muito pouco. Os leigos vêm praticar, sentam quarenta minutos e pensam que estão praticando meditação. O correto seria eu dizer que estão “fazendo uma limpeza”, estão se acalmando, não é tempo su�ciente para ir mais fundo. Por isso sempre aconselho as pessoas a irem aos retiros. Nos retiros são muitas horas de meditação e é comum essa sensação no primeiro dia, de estarmos descartando o lixo. Como agora, sentados ali no zendô, vem à mente aquelas coisas que perturbaram você durante o dia de hoje ou de ontem, ou mesmo que vem
perturbando durante dias, mas para ir mais fundo no Zen tornam-se nece ssárias muitas horas mais de prática. No segundo dia estamos desesperados e querendo ir embora e se passarmos por essa fase, a vontade de �car substitui a ânsia de sair do retiro. Isso pode aumentar se tivermos algum tipo de experiência e então voltar para o mundo dito real é que parece loucura, pois ali no retiro temos paz, serenidade e clareza. Pode ser que você não consiga isso, mas normalmente é o que acontece. Existe um retiro de oito dias feito em São Paulo, chama-se “rohatsu”, em que você não pára durante sete dias e, no último dia, à noite, o retiro vai até a madrugada sem intervalos. É o “retiro da iluminação de Buda”, pois foi isso que Buda fez. Toda essa história dos retiros, é somente pra dizer que pouca meditação, é igual a pouco resultado. Se você senta só um pouco por dia ou por semana, sempre será só um pouco, e pouco treinamento, pouco resultado. Uma vez disse ao meu Mestre que queria dar um passo mais adiante e ele me disse para �car sozinho durante três dias, não falar com ni nguém, não ver ninguém e só sentar durante esse tempo. Eu lhe perguntei como havia sido com ele e ele respondeu que quando era jovem queria resolver a questão do “vazio é forma e forma é vazio”, então se sentou por quatro anos. Resolveu. Alguém escreveu outro dia dizendo que tudo estava dentro de você mesmo e que não é necessário professor para encontrar as respostas dentro de si mesmo. Esse é um mito, pois, por exemplo, se você tentar aprender música sozinho, nunca passará de um amador terrível, com posturas e vícios errados. Isso é uma imensa vaidade, o caminho espiritual não é fácil. Eu estou no Zen há quarenta anos e ainda faço perguntas para meu Mestre. Ninguém anda sozinho, precisamos da ajuda dos outros, sejam eles Mestres, escolas ou métodos. Pergunta: É correto dizer que se está buscando o caminho? Monge Genshô – O caminho se constrói a cada passo. Você não está buscando um caminho, você está fazendo o caminho. A cada passo você está fazendo seu caminho e amanhã o passo muda. Se você passar a pensar que o Zen é um lugar muito cruel, mude de caminho. O Zen não é o lugar da verdade e nem há nenhuma crença que possamos dizer que seja certa ou verdadeira, o Zen é um método que serve para algumas pessoas, algu ns Budistas não suportam o método do Zen. Um mestre do passado disse em resposta a um aluno: “Eu gostaria de te dar al-
guma coisa, mas só tenho uma bola de ferro incandescente para ser engolida”. A vida é cheia de oportunidades e conhecer o Budismo é uma rara oportunidade, pois nem todas as pessoas se sentem atraídas por algo desse tipo. O Zen atrai um tipo de pessoa que não quer ser enrolado e está focado em esforço próprio, não em ilusões. Qualquer pessoa que vá até o Hatô e faça prostrações para a estátua de Buda é um herege e ignorante, não fazemos prostrações para a estátua de Buda. A estátua é de gesso ou madeira e Buda foi um homem como nós. Fazemos prostrações para acabar com nosso orgulho de não sermos capazes de ajoelhar. Pergunta: Por que o Zen é chamado de método direto ou o caminho direto? Monge Genshô – Normalmente as escolas Budistas têm caminhos graduais aonde o aluno, quando chega à escola, é incentivado a pegar um terço e repetir um mantra. No Budismo Tibetano se chama “Sadana”, uma tarefa, e o aluno tem que repetir, por exemplo, mil vezes o mantra. O aluno vai evoluindo de tarefa em tarefa e existe um período preparatório, um período avançado, em algumas escolas existem iniciações. Também existe o compromisso do aluno que passa pra uma fase acima, de não falar sobre as iniciações para os alunos de fases anteriores, é um método escalonado e secreto. O Zen em sua história se expandiu em países já Budistas, normalmente o Mestre �cava recluso num mosteiro ou eremitério e o aluno tinha que ir até ele. Este aluno muitas vezes já havia percorrido um longo caminho espiritual, já era um praticante severo de outras escolas. Nessa época no Zen, os mestres tinham pouquíssimos discípulos, fato que se mantém até hoje. Alunos são muitos, discípulos são poucos. O Zen pegava o aluno e partia diretamente para um método quebrador, um nível mais alto sem estágios intermediários. Essa é a tradição, os alunos vêm e não encontram nada de secreto, só esse desc onforto de não ter onde se agarrar. Não existe magia no Zen.
O IDEAL DA PRÁTICA Monge Genshô 20.03.2013 Nesta última palestra do sesshin, gostaria de falar brevemente sobre os ideais da prática. É interessante que façam o máximo de perguntas, esgotem suas dúvidas, por favor, não saiam do sesshin com dúvidas. O que poderíamos chamar de ideal da prática? O Budismo não se quali�ca como uma religião nem como uma �loso�a. Mais apropriadamente, ele pode ser chamado de um método de libertação e como tal, ele abrange o próprio Budismo. Um Mestre Zen não deve querer que seus alunos o sigam cegamente. Ele de seja homens libertos. Cada homem trilha um caminho um pouco diverso do outro, o que é então, o professor, o Mestre? Ele é só uma pessoa que trilhou por este caminho a mais tempo e por isso conhece pedras, curvas e alguns obstáculos. Ele pode dizer: “O caminho é por ali, levem um tênis e não esqueçam um cantil com água, descansem depois de algu mas horas, levem uma corda de tantos metros, pois existe uma ribanceira de tantos metros e vocês vão precisar da corda e, no �m desse caminho tem uma fonte de água limpa e uma vista maravilhosa. Vale a pena, recomendo que vá até lá, bebam a água e vejam a paisagem, mas não posso beber água nem ver a vista por vocês, só posso dizer como é o caminho na minha experiência, pode ser que vocês sejam mais habilidosos e subam a trilha mais rápido e, portanto, o caminho se ja diferente. Pode haver outro professor que saiba outro caminho, mesmo assim é válido, pois a paisagem será vista e a água será bebida. Esse é o papel do professor. Nem tudo que ele diz é exatamente útil para você, pode ser que ele seja diferente e o que serve para ele não seja útil para você. Frequentemente ele dirá: “Não sei, não sei lhe dar a resposta” e você terá que escolher sozinho, pois a vida é sua e sua também deverá ser a decisão. Como é a prática? Ela tem dois aspectos principais - um é a nossa mente e outro é como lidamos com ela. Você senta-se para meditar e tem que cuidar da mente, pois é fácil se perder em zazens, a cada vez repetir um �lmezinho da mesma fantasia, a mesma memória ou o mesmo projeto futuro. Podem-se sentar dias seguidos pensando no que fazer com o dinheiro que vai ganhar na mega sena. Você vai até pensar que é divertido. Mas a cada vez que
você faz isso, desperdiça o zazen, literalmente joga fora. Cada vez que estamos sentados em meditação e passamos do início ao �m com uma fantasia, aquela dor foi quase inútil. Por que não foi totalmente inútil? Porque sentado em meditação acalentando uma fantasia e repetindo-a nos próximos zazens, até mesmo dessa fantasia você irá cansar, não aguentará mais e se livrará dela. Se você sentar o su�ciente, poderá esvaziar sua mente de toda a tralha inútil e então restará somente o presente. É como naquele dese nho em que o Mestre diz, “o presente é uma dádiva, por isso se chama presente”. As línguas com ideogramas como a japonesa, chinesa e coreana, permitem muitos jogos com as palavras. Então o presente pode signi �car tempo, como também algo que nos é dado gratuitamente. Se esvaziarmos nossa mente, poderemos enxergar com nitidez o presente, porque o que nos impede de vivenciar o presente é a quantidade de lentes, de distorções, de ideias e de conceitos que pulam na nossa cabeça. É antigo o conceito no Zen de que homens inteligentes e cultos têm mais di�culdade para se iluminar. Eles têm muita coisa para pensar, tudo tem mais signi�cado. Um amigo me disse uma vez sobre o Rakusu, “é um arcaísmo ritualístico”. É verdade. É uma miniatura do manto de Buda que alguém concebeu na China faz muito tempo. Devemos agradecê-lo por isso, pois podemos usar uma miniatura no pescoço em vez de se enrolar no manto em dias quentes. Como símbolo, rememora o que Buda usou. Não sabemos exatamente a data certa, mas segundo Kumarajiva, 637 a.C., teria sido a morte de Buda. Isso remete aos ensinamentos de Buda há mais de dois mil e seiscentos anos. Ele não usava nenhum Rakusu. Ele pegou restos de panos e mortalhas, costurou-os e lavou-os, fazendo seu manto. Isso criou como simbologia, usar restos de coisas estragadas, jogadas fora, e fazermos algo belo novamente. É o que todos somos, retalhos bons e ruins. Se escolhermos os bons e descartarmos os ruins, quem sabe faremos algo novo e bom. O Rakusu é um símbolo de nosso trabalho de prática. Já me perguntaram uma vez, “o que é esse babador que o Senhor esta usando?”. Isso mostra que o signi�cado está na mente da pessoa. Mas onde quero chegar é que, quanto mais inteligente, mais referências nós temos, quanto mais coisas tiverem na nossa cabeça, mais nos enredaremos na interpretação do mundo. Toda linguagem e todo nosso conhecimento está incorporado ali, porque o Rakusu é como um babador, é como um Kesa Budista, é um objeto sagrado se você o transformar em sagrado e, é um pedaço de pano simplesmente, se o considerar assim.
Certa vez, numa entrevista com um Mestre, para responder-lhe uma pergunta, levantei o Rakusu e mostrei a ele. Ele me disse: “sua reposta não ser ve, isso é só um pedaço de pano”. O melhor Rakusu é aquele que foi usado em muitos zazens, onde você chorou, suou e sangrou sobre ele. Ele está cheio de seu sofrimento. Esse é o mais precioso Rakusu. Quem sabe você poderá dar seu Rakusu, como já me aconteceu, para uma aluna que está morrendo e ela o levará consigo. Se você olhar dessa forma, é outro Rakusu. Nossa prática esta cheia de muitos signi�cados, alguns têm tanta emoção e história, que são difíceis de comunicar. Nós produzimos, com a prática da mente e de nosso corpo, grandes mudanças no mundo. Se soubermos praticar os rituais e colocar neles energia, eles nos mudarão e mudarão o grupo todo. Podemos olhar e pensar que é ridículo, mas podemos olhar e tentar descobrir o que está por trás. Qual seria o signi�cado dos sinos batendo? Será que não lembram o fato de nossas vidas serem como corações batendo e que um dia irão parar? E depois se repetem, como nós repetiremos o mesmo tipo de vida, pois nosso carma irá provocar repetição. Não mudamos e nascemos com os mesmos desejos e marcas cármicas. Não existe efeito sem causa. Se estamos aqui e temos todas essas marcas cármicas em nossos corpos, é porque algo aconteceu no passado que fez com que fosse gerado esse tipo de vida, esses sacos de pele cheios de carne e ossos. Se formos assim e não mudarmos nossas marcas cármicas, nós repetiremos. Na verdade, essas vidas são aprisionamentos e não queremos escapar, queremos continuar nessa prisão. O Budismo surge para dizer que a libertação é sair desse aprisionamento e dessas paixões, de modo que estejamos livres para viver diferentemente ou até mesmo de nos integrarmos a esse grande universo sem a obrigação de nos manifestarmos novamente dessa forma e nesse tipo de mundo. O ideal do Bodisathva tem algumas declarações que eu gostaria de rememorar para vocês, pois é o ideal daquilo que um ser no Budismo Mahayana deseja alcançar. Esses votos são feitos pelos que desejam portar Rakusu e pelos Monges. São estes os votos: “Mesmo que os seres sejam inumeráveis, faço votos de libertá-los todos. Mesmo que as paixões sejam inextinguíveis, faço votos de extingui-las todas. Mesmo que os portais do Dharma sejam incontáveis, faço votos de atravessá-los todos. Mesmo que o caminho seja in �nito, faço voto de percorrê-lo até o �m”.
Se os seres são inumeráveis e faço voto de libertá-los todos, signi �ca que mesmo por aquele a quem tenho mais aversão, irei até o inferno estender minha mão para ajudá-lo a sair desse pesadelo. Se as paixões são inesgotáveis, irei trabalhar para me libertar do que elas fazem comigo, me levando a repetir atos que me aprisionam e que parecem deliciosos e saborosos, mas que no �m, tem o sabor da impermanência e, portanto, acabam em sofrimento, depressão arrependimento e culpa. Irei compreender que as paixões são a origem do meu sofrimento e da minha vida. Que a sabedoria em si, é o caminho para a libertação e, para isso, preciso aprender sem �m.
Pergunta: Tem um ensinamento Zen que fala que em zazen você tem que “pensar além do pensar”, ou algo assim?
Mas essas portas são difíceis de serem atravessadas, porque tem guardiões que nos interrogam à frente delas e não nos deixam passar sem repostas. Sei que o caminho de Buda parece in�nito, mas mesmo que seja in �nito, que seja difícil e sofrido se libertar, faço voto de ir até o �m e não me satisfazer enquanto não tiver visto a paisagem e bebido da fonte.
Dizemos então, “pense além do pensar e além do não pensar”, porque não se trata dessa dualidade, “penso não penso”, mas sim de estar presente aqui sem conceitos, sem achar bom ou ruim, certo e errado, sem dizer “meu zazen está bom ou ruim”. Os colibris que vocês vêem aí fora, vão até as �ores e sugam o néctar, eles não pensam na �or da esquerda ou da direita. Nós homens, em certos momentos, também estamos além do pensar e não pensar. Há determinados momentos da vida em que você só prova, coloca um doce na boca e sente o sabor, só sente, sem expressar nada, isso está além do pensar e não pensar. Mas perdemos isso, pois somos ensinados a isso, sempre somos mandados - explique, conte, expresse - a linguagem faz isso c onosco.
PERGUNTAS Pergunta: O senhor poderia falar um pouco mais sobre os símbolos? Monge Genshô – Os símbolos não são para serem explicados. Há mil leituras para qualquer um dos símbolos. Cada um dos movimentos tem um signi �cado, uma simbologia. Você pode se perguntar do porque de entrarmos na sala com o pé esquerdo? Porque saímos com o pé direito, porque fazemos reverência, porque fazemos gasshô, por que usamos o mudra universal quando sentamos? Existem mil explicações sobre cada símbolo, mas as melhores são as que você descobre sozinho, como um insight. De repente você vê, “Ah, entendi!”, e esse entendimento, embora seja um em mil, é precioso, porque você intuiu a resposta. Tudo tem signi�cado, não são só sons ou movimentos, tudo tem um sentido. É uma obra muito antiga, tem dezenas de séculos de aperfeiçoamento, por isso é difícil dizer “vou descartar isso porque nã o serve agora”.
Monge Genshô – “Além do pensar e do não pensar”. Se você senta e pensa, julga e raciocina a respeito, ou até mesmo usa a linguagem para descrever, você �ca preso na linguagem. Por outro lado, não é para se ntar e não pensar, não pensar é impossível, pois o cérebro está permanentemente funcionando. Você abriu os olhos e olhou, logo, existe uma noção de que você está aqui nesse lugar e isso é um pensar, mesmo que não tenha palavras.
Uma vez estava com Igarashi Roshi e lhe perguntei se o boi tinha natureza Búdica. Ele respondeu imediatamente: “não sabe que tem, por isso tem”. Ele pode simplesmente pastar, não pensa no matadouro. Mas nós homens pensamos na morte e porque pensamos na morte e no �m de todas as coisas, criamos religiões. Queremos escapar da morte. Queremos ser eternos. Queremos que nosso “eu” permaneça e isso nos perdemos em sistemas de crenças, perdemos toda nossa liberdade, e acrescentamos sonhos em cima dos sonhos. Pergunta: O Budismo tem essa car acterística fundamental de exp erimentar, cada um deve ter sua própria experiência. A princípio não há a crença, ela não está presente. Mas quando a gente senta, conseguimos ver essa natureza confusa que o Senhor acabou de descrever. Mas Buda ensinou que essa vida se repete que existe o carma. Isso não seria um nível de crença, na medida em que, em zazen, eu não consigo experimentar esse nascer e morrer?
Cada vez que visto a roupa de monge eu penso: “que coisa, criaram uma roupa na China onde era muito frio e usamos agora nesse calor”. Na origem, na Índia, não se usavam essas roupas, só o manto em cima do corpo e, até hoje, os Monges da Escola Teravada não usam roupas de baixo, só o manto por cima do corpo. Mas depois de mil e quatrocentos anos dessas roupas terem sido criadas e aperfeiçoadas cheias de detalhes, precisa coragem para mudar. As tradições têm essa Monge Genshô – Essa noção de continuidade vem do raciocínio de não ser possível que uma energia simplesmente desapareça. Isso vem da própria lei da física marca de solidez, de permanência.
de conservação de energia que diz isso. Não é possível que meus atos que criam movimentos no universo, não provoquem modi �cações. Por isso há continuidade. Porque em dois mil e um vim a Florianópolis e �z uma palestra, se fundou uma Sangha. Porque se criou uma Sangha em Florianópolis me mudei para cá e estamos fazendo esse sesshin. Porque estamos nesse sesshin todas as vidas mudam um pouco, então, há continuidade e repercussões de nossos atos, você nã o precisa acreditar que haverá uma repercussão de sua existência, para que outra existência tenha sua continuidade. Você poderia imaginar que esses efeitos estão dentro do universo inteiro e que você tem múltipla manifestação depois. O que você acredita não tem importância para o Budismo. Para mim é importante que você sente e faça sua experiência, lute com você mesmo, com suas paixões, tente despertar, ter clareza e nitidez sobre a existência, viva uma vida mais feliz e faça outras pessoas também serem mais felizes. Isso por si só já é maravilhoso. O que você acredita não tem importância alguma nesse sentido. Esses ensinamentos tradicionais do Budismo podem ser aceitos ou não, o Budismo não é um método que implique numa fé, o que você precisa ac reditar é que sentar, fazer uma prática desse método, tem alguma in �uência e provoca efeitos. Se você acredita nesses efeitos já é uma experiência e nem nisso você precisa mais acreditar.
traremos uma cotia tomando prozac, eles simplesmente vivem. Nós é que nos enredamos e deveríamos perceber isso, nós é que nos embaralhamos e nos enredamos na vida, ela não é complicada. Um Mestre deu uma resposta famosa uma vez. O monge p erguntou: “Mestre, como faço para atingir a iluminação”? O Mestre perguntou: “você já comeu”? E, à resposta a �rmativa do monge o Mestre disse: “então vá lavar sua tigela”. Um Mestre estava no pátio do mosteiro e um monge chegou gritando, “atingi o satori, atingi o satori!”, o Mestre disse então: “você aí que atingiu a iluminação, vá varrer o pátio”. Não é complicado, nós é que complicamos. Shunryu Suzuki em uma famosa palestra diz que a iluminação não é nada de especial, tudo é igu al ao que era antes, só que completamente diferente.
Acho que vocês sabem do que está se falando. Se �zeram bons zazens e puderam olhar para fora, ver o céu e as ár vores e sentiram angústia, dor interna. Mas você poderá se libertar de tudo isso e achar tudo maravilhosamente lindo, perfeito, uma felicidade insuportável, pois está dentro de você algo que transborda e que você nem sabe explicar. É o mesmo céu, a mesma árvore, o mesmo você, mas a Buda chegou ao ponto de dizer: “não acreditem em mim”, no famoso “Kalama diferença está dentro de você. A libertação é muito feliz, a experiênci a iluminada Sutra” e eu digo o mesmo: “não acreditem em mim, experi mentem; se funcionar é muito prazerosa, completamente distante das experiências de dor e sofrimennão é necessário acreditar, vocês já sabem e, se não funcionar, vocês não preci- to. Mas tudo é muito simples. É como dizer, “me mostre sua iluminação”, a pessam acreditar e fazer a prática”. soa toma um pouco de água e diz, “hum, delicioso”! É algo assim. Pergunta: Mas nesse caso, quando se �ca em zazen, o Senhor havia colocado antes, que a gente possui �ltros, como uns óculos escuros ou um capacete esfumaçado. O zazen remove isso e passamos a ver um mundo brilhante, diferente, que não estava aqui, não tem como explicar. Isso é a natureza Búdica se manifestando ou ainda é algo egóico? Monge Genshô – O que é a natureza Búdica de todas as coisas? É o fato de todas as coisas serem luminosas, serem nítidas e capazes de livrar-se de todos os obscurecimentos. Todos são Budas em potencial, todos podem despertar, pois todos têm natureza Búdica. Não é nada sobrenatural. O fato de sentarmos e retirarmos os óculos que distorcem todas as coisas que fazem tudo parecer confuso, é simplesmente muito bom, porque é mais feliz. Só nós homens temos esse problema, os pássaros não têm problema algum, nascem e morrem sem pensar no assunto, não existe nenhum pássaro procurando um terapeuta, não encon-
Quem assistiu ao �lme “O Pianista”? Há uma cena em que, depois de passar fome durante quase toda a guerra, ele está magro e quase morrendo. Ele encontra uma casa abandonada e nessa casa um o�cial nazista o encontra e lhe pergunta: “o que você faz”? E ele diz que é pianista. Coincidentemente, na casa havia um piano e o o�cial manda que ele toque. O o�cial passa então a lhe trazer comida e um pote de doce. Quando ele abre o doce e o coloca na boca, depois de muito passar fome, esse momento é como uma experiência i luminada. Você precisa ter sofrido fome para saber o sabor daquele doce, quem nunca sentiu, não sabe. É necessário que você se prive no sesshin de coisas que você está habituado, como falar, comer bem, sexo, sono, conforto de poder mudar de posição o tempo todo, coisas que você só sente falta quando está privado delas. Por isso vocês irão ver os próximos zazens, vão ver o que acontece, perceberão alguma coisa. Esses dois últimos zazens tentem fazê-los o melhor possível, porque quando bater o sino termina essa oportunidade. Foi sacri�cante? Sim. Alguns já �ze-
ram muitos zazens. Eu não tenho ideia de quantos zazens já �z nesses dez anos de Florianópolis. Estive presente em todos os sesshins de Florianópolis. Minha ambição quando for embora, é que isso tenha continuidade.
O ENSINAMENTO FUNDAMENTAL DE BUDA Monge Genshô Buda ensinou essencialmente uma única coisa: O que é duka, como surge duka e as maneiras de eliminar duka. Duka normalmente é traduzido como “sofrimento”, ou melhor traduzido, “a vida sendo insatisfatória”, impermanente e que portanto produz no homem uma sensação de falta de sentido, de sofrimento existencial. Todo o ensinamento de Shakyamuni Buda concentra-se neste aspecto. Dito isso poderíamos encerrar a palestra porque já estaria explicado, o que foi que Buda ensinou. Mas vamos fazer algumas considerações a respeito. Primeiro ele veri�cou a existência de duka, essa angústia dos homens com a �nitude, a transitoriedade, o aspecto cíclico, impermanência da vida e suas perdas. Depois ele conclui em seu discurso sobre as Quatro Nobres Verdades, que existe uma solução para isso, para essa angústia, que é um caminho de disciplina e de dicação a um treinamento - o treinamento de sua própria mente. Algum tempo atrás eu disse que a felicidade está sempre disponível, mas a infelicidade é construída. Seríamos perfeitamente felizes se fossemos pessoas despertas e víssemos as coisas tais como elas são, claramente como elas funcionam, sua interdependência, sua interconectividade, o fato de nada na verdade surgir e desaparecer e tudo isso ser apenas uma ilusão nossa, uma não compreensão profunda dos acontecimentos da vida. Por não termos essa compreensão, é que vemos a impermanência, o cíclico, o surgimento e desaparecimento, o ganho e perda, a iluminação e obscuridade, a vida e morte. A mente iluminada não vê isso, por isso o Sutra do Coração diz “não há surgimento ou cessação, não há crescimento ou decréscimo, não há perda ou ganho, não há iluminação ou obscuridade”. Por isso o sutra é tão obscuro, pois olhamos para a vida e tudo o que vemos é o que foi declarado no início - que as coisas são impermanentes, cíclicas e que tudo irá desaparecer, inclusive nós, porque a morte é cer ta. Ao olharmos isso, nos sentimos desconsolados. O caminho para escapar do sofrimento sem cair numa ilusão ou numa promessa qualquer é enxergar com olhos despertos, é ver a não existência desses surgimentos e desaparecimentos. Só vendo com clareza essa não dualidade da vida, o absoluto em vez do relativo, é que poderemos ter uma mente iluminada e assim livrar-nos instantaneamente de toda dor, agonia, sofrimento e infelicidade. Então, na verdade, a felicidade está acessível a qualquer momento e quem constrói a infelicidade somos nós
com nosso olhar enganado.
mos tristes.
O Sutra do Coração que tantas vezes repetimos é, então, uma declaração iluminada. É necessário enxergarmos como construímos essa visão para podermos escapar da impermanência. Nós agora só vemos o cíclico, surgimentos e desaparecimentos, no entanto o eterno está disponível, nós que não enxergamos. Por não percebermos o todo absoluto, nos perdemos no relativo.
Vocês sabem por que se coloca aquela �leira de retratos nos clubes e repartições públicas dos ex-diretores? Foram todos pessoas importantes e se sentiam importantes, mas os retratos estão lá para nos mostrar o quanto eles estão esquecidos. Sentamos e praticamos meditação porque não adianta explicação. A única coisa que pode mudar nossa percepção é uma mudança interna, e essa, só o zazen pode trazer. Não existe nenhum caminho real para a iluminação que não seja o zazen. Em muitos lugares orientais, os professores não dão aulas dessa PERGUNTAS forma. Eu explico sem parar porque somos ocidentais. Minha esperança é que, Pergunta: Na teoria isso é perfeitamente entendível. Mas existe algo que será explicando, eu vá ajudar vocês. Tenho um amigo que está doando um local e sentido? Quando o senhor fala eu entendo perfeitamente, mas não sinto. De uma biblioteca com oito mil livros para a Sangha de Porto Alegre, ele é mais antigo que eu no Zen, mas todo o conhecimento que ele tem, toda sua erudição onde vem esse sentir, da meditação? não signi�ca despertar. Monge Genshô – Essa é uma ótima pergunta. Na verdade esse entendimento é intelectual. Não existe surgimento ou desaparecimento, não existem ciclos, mas Pergunta: Mas suas palavras e as leituras são importantes porque motivam as isso compreenderei somente se eu enxergar o absoluto. Uma percepção ampla e pessoas. Principalmente para nós ocidentais que temos necessidade de disciacordada não vê mais sujeito e objeto. É como aquele exemplo da �oresta. Você plina e para construirmos isso, precisamos de uma motivação. vê uma �oresta e não se entristece com as folhas que caem e os troncos apodrecendo, porque você vê o surgimento dos cogumelos, do húmus da nova vida Monge Genshô – Não tanto da explicação, mas sim da motivação? surgindo no solo. A �oresta está sempre se renovando, apesar dos incontáveis ciclos de nascimentos e mortes. Pergunta: Exato, uma motivação para que a pessoa siga no caminho. A menos que a pessoa tenha uma motivação interna tão forte que, mesmo sozinha, Apesar da sensação de surgimento e desaparecimento, tudo está sempre aqui. consiga praticar em casa. Sofremos terrivelmente em razão desta sensação. Sofremos pelos ciclos de nascimento e morte, embora saibamos que dado tempo su�ciente, todos nessa sala Monge Genshô – Isso é verdadeiro, inclusive para mim, se não fosse a sangha eu estarão mortos. Às vezes quando olho fotos antigas de pessoas amigas ou mesmo não praticaria tão intensamente. Durante os anos em que não tínhamos Sangha familiares, percebo que todos já se foram, morreram. Quando observamos a his- muitas vezes eu parei de praticar. É necessário ter um motivo. Entendo muito tória da humanidade, percebemos que muitas pessoas já passaram pelo planeta. bem as pessoas que param, p ois eu também já parei. Quando a gente se comproQuantos homens morreram na Primeira Guerra Mundial, houve momentos du- missa muito e torna-se monge ou assume compromissos na Sangha, as outras rante essa guerra que morreram duzentos mil homens em um único dia, e hoje pessoas começam a vê-lo como uma pessoa importante na Sangha, então você foram completamente esquecidos e viraram números, apenas lembramos que acaba se sentindo compromissado, mas são os outros que compromissam você. morreram milhares de pessoas na guerra, não pensamos neles como pessoas. Esses aspectos motivacionais são rea lmente importantes. A nossa compreensão intelectual é de que e sse fato é verdadeiro e relativamente fácil, mas não resolve nada, se faz necessária uma compreensão íntima e emocional, uma revolução interna para que possamos verdadeiramente enxergar, vamos dizer, com nosso coração. Com a mente nós enxergamos e compreendemos que todos estaremos mortos, mas parece que não é verdade, parece que está muito distante mas, de qualquer modo, quando um de nós morrer nos sentire-
Pergunta: Eu penso que independente de ter despertado ou não, isso não impede que eu me alegre ou me entristeça com as coisas do mundo, é só outro tipo de visão, é isso? Monge Genshô – As histórias do Zen mostram que é uma questão de escolha, como a de um Mestre que está passando na rua e vê um velório, então ele entra
e chora com as pessoas. Um de seus discípulos pergunta, “O Senhor conhecia o morto”? Quando o Mestre responde que não, os alunos indagam, “Mas então porque chorou”? “Porque eu vi a tristeza das pessoas e me entristeci com eles” foi a resposta do Mestre.
sobre o Dharma, mas acaba trabalhando como terapeuta, pois as pessoas veem com problemas de amor, relacionamentos, angústias, trabalho e tristezas. Hoje uma pessoa chorou no meu ombro. Para esta pessoa o que adianta eu falar sobre o absoluto ou abraçá-la e chorar com el a? Só posso consolar. Para as pessoas que sofrem, você não pode falar sobre o absoluto.
Tem outra história de um Mestre que recebe uma carta contando da morte de um parente, ele chora copiosamente quando um aluno se aproxima e lhe diz: Pergunta: Mas não seria neste momento de desequilíbrio que seria possível a “Mas como o Senhor esta chorando e porque, não foi o Senhor que nos ensinou pessoa dar um passo adiante na direção do Dharma? o desapego”? O Mestre então se vira para ele e diz: “Estou chorando por que eu Monge Genshô – O que você pode fazer é convidar essa pessoa para sentar em quero”. meditação, mas se a resposta for não, não há nada que possa ser feito. Para reTem uma coisa interessante sobre a prática e isso é muito presente nos Mestres, solver todos os problemas de �nitivamente e buscar a iluminação, a pessoa prequanto mais a pessoa se aprofunda na prática, mais emotiva ela �ca. Temos rece- cisa estar disposta, pois um praticante do Zen não esta só querendo melhorar bido visitas de Mestres em Florianópolis, pessoas com alguma realização espiri- um pouco, ele deseja ir mais fundo. Eu ouvi uma vez de uma pessoa algo bem tual comprovada. Chega a ser visível nos seus atos que são pessoas extremamen- interessante, ela chegou e disse: “Não quero esse negócio complicado, só quero te emotivas. Parece-me que as pessoas comuns do mundo �cam embrutecidas e melhorar um pouco, só quero ser mais feliz, mais tranquilo, menos irritado, isoladas do sofrimento dos outros seres, mas quanto mais sua visão se amplia e levar a vida com mais leveza”. Levar uma vida para o Dharma é muito difícil, mais você se compadece do que o rodeia, mais sua emoção a�ora. É o contrário vejam o exemplo dos votos do Bodhisattva, são votos impossíveis e paradoxais. do que normalmente pensamos, por exemplo, quando lemos um texto sobre Alguns dias atrás alguém me escreveu e perguntou do porque de fazermos votos Zen, podemos pensar que um Mestre do Zen não se perturba com nada e não impossíveis, confesso que me senti entristecido, porque deveríamos fazer votos impossíveis. liga para nada. É verdadeiramente paradoxal, mas é exatamente ao contrário. Pergunta: Somos então ao mesmo tempo pessoais e impessoais. Estou me Agora temos um novo Papa e as pessoas se perguntam se ele conseguirá acabar referindo ao fato de �carmos muito sensíveis ao relativo e simultaneamente com a corrupção e a pedo�lia na igreja. É claro que não. Os crimes dos homens são impossíveis de serem extintos. Os crimes que acontecem dentro da igreja nós pregarmos o contrário, ou seja, a impessoalidade. católica acontecem dentro do Zen também, pois estão cheios de homens com Monge Genshô – Nós ensinamos uma compreensão do absoluto. Existe um tex- desejos e paixões, mas que alguém lute e se empenhe em votos impossíveis é to chamado “Sando Kai” que se lê nos mosteiros nos dias pares. A tradução para que é maravilhoso. Faço votos que ele, pelo menos tente realizar votos imposo português é: “A Identidade do Relativo e do Absoluto”. O relativo e o absoluto síveis e, o que ele conseguir, terá sido maravilhoso. Devemos orar para que ele são uma coisa só e o absoluto se manifesta como relativo. Se você enxerga o consiga, assim como devemos orar para que os evangélicos tenham uma mente absoluto, não signi�ca que você deixou de enxergar o relativo. Se Buda só en- menos discriminatória, devemos orar para que os islâmicos tenham piedade e xergasse o absoluto e não o relativo, não ensinaria. Que utilidade tem ensinar uma doutrina menos voltada para o combate, para que os Budistas, que tanto se todos os relativos no �m se tornarão absoluto? Você ensina em um mundo falam em compaixão, exerçam mais a compaixão em suas vidas. Devemos orar relativo, onde existe sofrimento e aqueles que enxergam o absoluto, livram-se para que as coisas se tornem verdadeiras em um mundo tão estranho como o do sofrimento. Mas isso é muito difícil, pois as pessoas estão mergulhadas no nosso, em que os países gastam fortunas em armamentos, como o Brasil que constrói um submarino nuclear. Nós, com certeza, precisamos “muito” de um relativo, cheias de dores, angústias, inseguranças, infelicidades e sofrimentos. submarino nuclear. A Coréia no Norte precisa “muito” de uma bomba atômica. Todo professor do Zen gostaria que seu aluno chegasse até ele e mostrasse que É maravilhoso que votos impossíveis sejam feitos. vê um pouco do absoluto, mas essa não é a experiência que temos. Você ensina e quando as pessoas veem até você, falam do relativo. Você gostaria de ensinar Pergunta: Uma pessoa quando se ilumina, de certa forma realiza todos os
votos, não é? Monge Genshô – Não. A iluminação tem muitos graus. O primeiro você entendeu e vê, mas não consegue realizar em sua vida, continua agindo e falando errado, mas tem momentos que você realmente sente e, isso por si só, já é um grau de realização espiritual. E assim vamos numa asce ndente até o mais elevado, que “Hakuin” chama de “iluminação na ação”, quando a pessoa em todas suas ações, tem seus atos iluminados. Mas isso é muito difícil. Chegar a despertar e ver as coisas com clareza é difícil, mas não é uma realização impossível. O despertar, na verdade é só o primeiro passo, é a partir dele que o caminho começa.
O BUDA HOMEM Monge Genshô 16.04.13 Quando Buda andou pelo mundo ele era um homem comum, normal, sendo assim a forma como os primeiros Sutras o tratam. Esse conjunto de Sutras chama-se “O primeiro cesto”. Existe então, um conjunto de escrituras que se chama “Tripitaka”, que signi �ca “Os três cestos”. “Tri” em sânscrito quer dizer três e não por acaso se parece com o nosso três, pois o sânscrito é parente do português, como vimos na palestra de sábado sobre o “Trikaya”, os três corpos.
Pergunta: Em muitos relatos sobre Buda, ele diz que um discípulo entrou no O primeiro cesto são os “Sutras” - os discursos de Buda. Sutra literalmente quer caminho. Fala inclusive de monges experientes como Shariputra ou Ananda, dizer “�o” e dele derivou a palavra Sutura, que signi�ca “costura que é feita com praticantes já muito antigos, mas ele diz que eles entraram no caminho. O �o”. Por que então Sutra? Porque podemos seguir a linha do ensinamento como que o senhor entende com isso, “entrar no caminho”? A qual estágio de ilu- seguimos um �o. minação que ele se refere? O segundo cesto chama-se “Vinaya” - o cesto das regras monásticas. À mediMonge Genshô – Existe uma imagem de entrar na corrente. Uma vez dentro da que o tempo ia passando iam sendo criadas novas regras, exemplo, quantos da corrente você não vai mais sair, entrou tão profundamente no caminho que mantos os monges podem ter? De�niu-se que quatro mantos seriam su�cientes será arrastado por ele. Agora e na próxima vida você continuará, pois entrou na e, assim por diante, foram sendo criadas regras de conduta e regras para orcorrente. Isso é muito importante. Mas isso não signi �ca que você é um Buda. denação monástica, como por exemplo, a de que um monge não poderia ser O mais interessante disso tudo é a noção de que começamos a praticar para ordenado sem a anuência de sua família. Os jovens monges só poderiam ser resolver pequenos problemas, problemas muito tolos que não seriam cogitados ordenados se os pais concordassem. O homem casado que resolvesse ser monge por alguém com alguma realização espiritual. Quando você consegue alguma só poderia o ser, com a anuência da esposa e um monge só p oderia ser ordenado realização espiritual e entrou no caminho, você tem noção de que é uma pessoa na presença de outros cinco monges. Com isso temos mais de trezentas regras e que erra o tempo todo, você apenas entrou na corrente e ainda tem um longo para as mulheres e duzentos e cinquenta e poucas para os homens. Por que essa caminho pela frente. A ideia de chegar a algum lugar e parar com a prática, discriminação com as mulheres? Porque os homens não menstruam e nem ennão deve existir. Esse é um problema muito sério que ocorre no mundo espi- gravidam, essas regras eram ligadas a ter que cuidar dos �lhos e coisas típicas da ritual, acontece de uma pessoa ter uma experiência espiritual, sentir-se ilumi- condição feminina. nado e sair pelo mundo dando palestras e escrevendo livros como um Mestre iluminado. Não duvido que tenham tido uma experiência espiritual, mas daí a O terceiro cesto chama-se “Abidharma” - os comentários feitos por discípulos de tornarem-se Mestres, é muito diferente. E são essas pessoas que querem fazer Buda sobre os ensinamentos. O mais interessante desse processo todo é que se coleção de relógios Rolex, muitas mulheres e carros importados etc. Por terem congelou no Tripitaka, o cânone mais antigo, os discursos em que Buda aparece tido apenas uma visão, não signi �ca uma garantia de iluminação. Assim como como um homem que vem e senta, passa os ensinamentos e que, eventualmente, não duvido que religiosos de outras organizações também tenham tido uma alguém lhe faz perguntas ou discorda. Ele responde e nunca se fu rta a um deba vocação religiosa, mas o poder e as tentações os fazem se perder e tornarem-se te. Algumas vezes recusa-se a responder dizendo que o assunto em questão não criminosos. Um caminho espiritual é cheio de percalços. Atingir um nível real- interessa ao que ele se propõe a ensinar. Perguntas do tipo, “Qual a origem do mente bom não é nem um pouco fácil. mundo?”, “O que acontece após a morte?”, “Deus existe?”, não eram respondidas sob o argumento de que não eram veri�cáveis. Ele dizia que seu ensinamento era sobre a origem do sofrimento, sua cessação, felicidade, iluminação e o desper-
tar. Esse é o assunto que tem rea l importância, dizia Buda. Outros assuntos não interessavam ou não eram de sua alçada, eram de responsabilidade de oleiros, cientistas ou guerreiros. “Qual a melhor maneira para se fazer uma ferradura”? “Não sei, pergunte ao ferreiro” era sua resposta. Após esse momento histórico surge um movimento chamado Mahasanghika, que começa a modi�car a �gura de Buda. De acordo com esse movimento Buda teria uma luz dourada, poderia prever o futuro, seria capaz de ler as mentes, poderia manifestar vários Budas para estar em diferentes lugares, teria excrementos perfumados, etc. Após esse período surge, então, o Movimento Mahayana. Nos primeiros sutras conta-se que quando Buda senta-se para ensinar ele teria quatro alunos. Nos sutras Mahayana que começam a ser redigidos p or volta do Século I a.C., Buda senta-se no Pico do Abutre para ensinar para centenas de milhares de alunos. À medida que o tempo passa Buda vai transformando-se num ser divino. O Zen adotou muitos sutras Mahayana onde aparecem essas narrativas milagrosas, mas para a transmissão oral dos mestres Zen, Buda é um homem como nós. Comeu talvez comida estragada, ou talvez já estivesse doente, teve um distúrbio intestinal, uma vi olenta disenteria sanguinolenta e morreu desidratado com 84 anos. Ele foi cremado e suas cinzas divididas entre os Reis da época. Para nós, transformar Buda em uma entidade divina é o mesmo que diminuí-lo e diminuir a nós e a nossa capacidade de despertar, pois todos somos Budas em potencial e temos a capacidade de despertar por nós mesmos. Somos, assim como Buda, seres com corpos e com todos os defeitos e problemas dos corpos, seres perfeitamente capazes de morrer de disenteria.
Monge Genshô – Impermanência em sânscrito é “Anicca”, que é uma das marcas da existência. Toda existência é impermanente, não existe nada pe rmanente e sólido no mundo. Nós, seres humanos, colocamos nossa felicidade na permanência, desejamos que nossos amores durem para se mpre, não é assim que terminam os contos de fadas? “E foram felizes para sempre...” Temos o desejo pela estabilidade, gostaríamos de um emprego público com salário excelente e zero possibilidade de demissão. Gostaríamos de viver em um país de contos de fadas onde uma pessoa que cometesse um grave erro fosse aposentada compulsoriamente com salário integral. O problema é que colocamos nossa felicidade na estabilidade, estabilidade de todas as coisas, inclusive, como acontece em a lguns contos de fadas, uma fonte da juventude onde pudéssemos beber de sua água e jamais envelhecer. O sonho da vida eterna. Esse sonho de vida eterna é recorrente nas fantasias religiosas, onde teremos uma vida eterna em um corpo perfeito. Outras religiões têm o sonho de um “eu” sobrevivente com uma alma eterna que igualmente não envelhece ou morre. Um paraíso que dure para sempre, imutável. Do ponto de vista do Zen, talvez fosse isso um castigo, estar eternamente na mesma situação sem nunca ela se alterar.
A experiência mostra que quando uma pessoa se vê nessa situação ela sente-se mal. Imaginem uma pessoa em uma prisão. Ninguém poderá incomodá-lo, lhe será fornecida comida duas ou três vezes ao dia, essa pessoa terá cama, banheiro e comida para sempre. Uma prisão perpétua em solitária. Para o Zen isso seria um castigo inumano. É a situação da estabilidade perfeita: a pessoa recebe tudo, não tem contas para pagar, ninguém para incomodar, nenhuma situação que Quando Buda morreu os céus não tremeram e nem trombetas soaram, ele sim- comece e termine, tudo perfeito. plesmente morreu. Dizem que no momento de sua morte, Ananda, que era um de seus discípulos, chorava copiosamente e Buda lhe perguntou: “Por que você Parece que a impermanência tem dois lados: de um, é a fonte de todo o sofrichora”? “Porque o senhor é minha luz”, respondeu Ananda. Buda então o repre- mento humano, pois ele coloca a felicidade na estabilidade mas, por outro lado, endeu e disse: “Seja você a sua luz, não dep enda de mim, pratique diligentemen- se você propicia a uma pessoa a estabilidade perfeita, ela poderá encarar como um castigo, pois é a vida se m aventura. Nunca me esqueço de quando estive em te”. Essas teriam sido as últimas palavras de Buda. Andorra, um Principado que �ca entre a França e a Espanha. Não existe moeda A tradição oral do Zen não encoraja a transformação de Buda em um ser divino, local, eles usam o Euro; não tem exército, vivem do turismo; todos os habitantes e sim, o reconhecimento dele como um Mestre, alguém com sabedoria, não per- possuem casa, habitação, e tudo funciona perfeitamente bem. Em Andorra os feito, não sabendo todas as coisas do mundo, um homem comum. jovens se queixam que não existe nada para fazer, nada acontece no país, eles já sabem onde irão morar, com quem se casarão, onde trabalharão, não existe serviço militar, vivem de receber os turistas, sabem que terão a vida igual a de PERGUNTAS seus pais. Aposto que o pensamento deles é - “como eu gostaria de morar em um lugar como o Brasil, onde as coisas mudam constantemente”. Pergunta: O senhor poderia falar sobre a impermanência?
“Anicca”, a marca da impermanência, é ao mesmo tempo bênção e maldição. Que bom que a gente envelhece e morre. Se fôssemos todos eternamente jovens não poderíamos amar e ter �lhos, pois não haveria lugar no mundo para tanta gente. Para que haja lugar para os �lhos temos que ir embora. Esse é o �uxo da vida e a impermanência.
tado”? Se meu “eu” é completamente construído, não existe ninguém para ser insultado, não preciso me importar. Somente quando me agarro ao meu “eu” é que me importo. Por isso descartar-se do “eu” é tão importante. A maior parte dos sofrimentos desaparece no instante em que compreendermos o “eu” como uma construção da mente, não sólido, não per manente e evanescente.
Na semana passada falamos sobre os três corpos, o “Tri Kaya”, que é uma construção, é conveniente para raciocinar e pensar, mas não nos ajuda necessariamente no caminho da iluminação. A teoria Budista pode construir outro tipo de ilusão, do erudito Budista que imagina que saiba muito sobre o Budismo, conhece muitos termos, mas não sabe viver. Esse tipo é ótimo para sentar em mesas de bar para tomar uma cer veja e impressionar os amigos com seus conhecimentos profundos.
Pergunta: O senhor poderia explicar a diferença entre causalidade história e carma?
Monge Genshô – O ego também é uma construção de nossa mente. Porque temos sucessões de pensamentos, sensações, formações mentais e percepções, formamos uma consciência e dizemos a nós mesmos, “Eu existo”. Esse “eu existo” é absolutamente construído e por ser construído por um funcionamento da mente, é uma ilusão que cessa quando a mente pára de funcionar. Não precisa ser necessariamente com a morte, pode ser através de uma doença. Ele existe e é necessário para nosso funcionamento na dimensão histórica. Eu tenho meu “eu” de Monge, estou vestido com meu manto de Monge, estou fantasiado de Monge, o que me ajuda a desempenhar um papel nesse mundo - isso é u ma construção.
Acontecem coisas boas ou ruins conosco dependendo do que semeamos, mas isso pode levar muito tempo para fruti�car, pode até mesmo não fruti �car agora, mas como você pertence ao universo e isso irá se fruti�car no universo, como você faz parte dele, será atingido por aqueles resultados.
Monge Genshô – Literalmente carma signi�ca ação, ação intencional que produz efeitos e que retornam para você. A ação não intencional não causa um efeito que você incorpore. Aquilo que você elabora, planeja, age ou fala é que causa retorno. Os outros acontecimentos no mundo são causalidades que ocorrem porque você é um ser humano. Porque você manifestou-se nesse mundo, em Pergunta: O Senhor poderia falar um pouco sobre o ego, como o Budismo um país onde tem terremoto, você está sujeito ao tremor, mas isso não é causado por seu carma. Essa é a diferença entre causalidade e carma. vê o ego?
Somos atingidos por resultados culturais, econômicos etc., causados por nossos antepassados. Muita coisa do que acontece faz parte do nosso “carma coletivo” e não necessariamente daquele que eu causei pessoalmente. Posso pensar - “eu não mereço” - no entanto, esse “eu” é ilusório e como eu pertenço ao todo e como o todo reage aos acontecimentos, então o que acontece comigo eu mereço, Um dia desses eu estava num local e aproximou-se um Frade Franciscano ves- pois sou ser humano e estou aqui. Não adianta dizer “não fui eu quem fez”. Um tido com seu hábito e seu cíngulo e, ao vê-lo foi impossível não ter uma sensa- bom exemplo é o de quando se é criança e se faz um travessura e perde-se um ção de respeito por ele. Mesmo sabendo que isso é uma construção da mente, dedo com quatro anos. Agora, já adulto, olho para minha mão e não me lembro o respeito não despareceu, é bom que ele exista, isso permite atuar no mundo. do que �z nem de como perdi o dedo. Por que o “eu” adulto está pagando pela Usamos nossas fantasias de nossos “eus” para poder atuar no mundo, o proble- criança que fez a travessura e perdeu o dedo? Mesmo que você não lembre, você ma é pensar que somos as fantasias, que eu sou meu nome, meus títulos, mi- tem as consequências. Isso acontece vida após vida. nhas roupas, que eu sou aquele personagem que inventei para atuar no mundo. Agarramo-nos ao personagem e sofremos quando ele é ofendido. Se entender- Pertencemos a um grande universo, não era meu “eu” na vida anterior, era outro mos que o “eu” é construído, ele não pode rá mais ser ofendido, se for entendido indivíduo que fez coisas que provocaram um carma que se manifesta nessa vida como uma mera fantasia, não tem importância. Se você coloca uma fantasia de e que tem determinadas marcas. Como sou herdeiro disso, sofro as consequênpalhaço, sai pelas ruas e as pessoas o chamam de palhaço, você não se importa. cias boas ou ruins. Temos consequências de doenças em nossas vidas que penMas se você não se vê como palhaço e é chamado de palhaço, sente-se ofendido. samos: “Por que mereço isso”? Você não está ausente de todo o mal do mundo, O correto é na hora de um insulto você se perguntar: “Quem está sendo insul- nem de todo o bem; você pertence ao universo e por isso acontecem essas coisas
com você. Você participa de tudo que é bom ou ruim, mesmo que você pense frontos com o militarismo. Doutrinas como a Budista só sobrevivem em locais pací�cos, democráticos e com liberdade. É muito provável que o que está aconque não tem nada a ver com isso. tecendo agora em Bangladesh, onde os Budistas são minorias e os templos estão Pergunta: Uma vez vi em uma entrevista, um repórter perguntar ao Dalai sendo queimados é que o Budismo vá desaparecer, talvez não totalmente, mas Lama o porquê do Tibete, sendo um país tão pací �co, sofrer tanto nas mãos nesse confronto o lado paci�sta, no caso o Budismo, irá perder. Com certeza dos Chineses e o Dalai Lama respondeu que o Tibete tem carma para isso. não leremos noticias de um grupo de Budistas queimando templos muçulmanos, não existe um suporte doutrinário que torne os Budistas guerreiros, melhor Esse é um exemplo de carma coletivo? morrer que matar. Monge Genshô – Exatamente. Se você renascer no Tibete, é porque tem carma para isso. Com tudo o que o Tibete já foi, ele já teve um povo guerreiro e Pergunta: Dentro desse tema, melhor morrer que matar, não seria legítimo conquistador. Transformou-se em povo pací�co? Sim. Mas carma de povo paci- eu lutar pela minha vida? �co é ser dominado por povos agressivos. Uma coisa interessante que acontece na história humana é que nenhuma cultura de fundo matriarcal sobreviveu, com Monge Genshô – Sim, é legítimo que você lute por sua vida. Mas carmicamente exceção feita àquelas isoladas em ilhas. Porque a característica dessas culturas é é melhor morrer. Nagarjuna, grande mestre do século I que pertence à nossa linão serem guerreiras. As culturas guerreiras patriarcais destruíam as matriar- nhagem, foi assassinado. Ele foi esfaqueado e seus discípulos que o encontraram sangrando, perguntaram quem havia feito aquilo. Sua resposta foi - “eu mesmo”. cais. Isso aconteceu também na história Budista, como por exemplo, o Tibete. Seus discípulos sabendo da impossibilidade de Nagarjuna ter cometido tal ato, O Budismo nunca sobreviveu aos confrontos armados. No século XIII os islâ- perguntaram novamente. “Fui eu através de meu carma, se eu disser quem fez micos invadiram a Índia e destruíram o Budismo, universidades muito mais an- isso, vocês odiarão e irão querer vingança e esse carma não terá �m”. Ninguém tigas que as da Europa, como a Universidade Nalanda com 10 mil a lunos, foram jamais �cou sabendo quem matou Nagarjuna e também ninguém foi perseguido queimadas e os monges mortos. Na China, o Budismo também foi destruído e ou morto por causa disso. no Tibete atual o Budismo está em processo de destruição, tudo através da força. Como o Budismo tem uma marca pací �ca e tende a fazer com que seus povos sejam pací�cos e não militares, no confronto, é destruído. As pessoas dizem que no Japão foi diferente e o Budismo sobreviveu. No Japão houve certa associação com o Shintoísmo e durante um período de paz foi possível esse crescimento. Foi no período “Tokugawa”, durante trezentos anos de isolamento. Quando o império japonês foi se militarizando e entrando em confrontos com o ocidente, na restauração “Meiji” em 1868, surgiu uma pressão para restaurar o Shintoísmo como religião nacional, porque ela fazia do imperador um Deus e permitia o militarismo. O Budismo havia transformado os samurais, que eram guerreiros, em pessoas sensíveis capazes de escrever poesias, pintar e fazer arranjos de �ores. O imperador, com o objetivo de enfraquece r o Budismo, tratou de baixar éditos. Muitos destes éditos tiveram efeito positivo em seu objetivo de fazer renascer o Shintoísmo enfraquecendo o Budismo. O resultado foi um Japão militarizado que se lançou em guerras, primeiro contra a Rússia, na década de trinta contra a China e depois a Segunda Guerra Mundial. Bom, voltando à origem de nossa discussão, o paci �smo não sobrevive aos con-
NÃO ACREDITEM EM MIM – TESTEM Monge Genshô 12.04.13
morremos? Porque acreditamos no nosso “eu”. E esse “eu” nasce e morre. Mas a vida não nasce e morre. Nossa visão é muito pequena e, porque estamos mergulhados nessa minúscula percepção individual, temos medo da morte, temos medo do sofrimento, não conseguimos viver plenamente porque não sabemos O grande Mestre da Escola Soto Zen que trouxe o Zen da China para o Japão, morrer para nós mesmos. Esse ensinamento, esse Dharma, não é exclusivo do chamava-se Eihei Dogen. Ele tornou-se monge aos doze anos de idade porque Budismo, ele está escondido em vários outros lugares. seu pai e sua mãe faleceram e o tio que podia cuidar dele era um monge da escola Tendai, uma Escola Vajrayana. As Escolas Vajrayana se caracterizam pelo Posso citar aqui várias passagens dos evangelhos cristãos com o mesmo ensinauso de recitações, visualizações e mantras. Eihei Dogen, depois de muito treina- mento. Paulo diz: “Não sou mais eu quem vive, mas Cristo que vive em mim”. mento, foi até a China, porque se sentia insatisfeito com o que tinha aprendido São João da Cruz diz: “Eu morro porque não morro” - o que signi �ca: “Eu estou até aquele momento na Escola Tendai e na Escola Rinzai, que era uma forma de morto porque não morro para mim mesmo, como não sei morrer para mim Zen que havia chegado ao Japão uns cinquenta anos antes do Soto Zen. Assim, mesmo, eu morro”. Então, eu morro porque não morro. Se nós ao menos conseguíssemos morrer para nós mesmos, poderíamos subitamente enxergar nossa Dogen começou a procurar um Mestre na China. própria eternidade e grandeza. Aqueles que conseguem libertar-se do seu eu, Era por volta do ano 1.223 e, ir do Japão à China naquela época, era uma aven- do seu ego, tornam-se completamente diferentes, porque os sofrimentos não tura muito perigosa. Normalmente, de cada quatro viajantes, um morria. O podem mais alcançá-lo da mesma forma, por que as angústias não têm mais o companheiro de Dogen, Miozen, faleceu na China. Quando Dogen retornou, signi�cado que tinham, porque as perdas são só ondas na superfície do mar. trouxe seus ossos. Mas o que importa é que Dogen depois de procurar mestres em vários lugares e sentir-se insatisfeito, encontrou “Tendo Niojo”, um herdeiro O mar é belo, as ondas surgem e desaparecem. Nós, quando olhamos o mar, da tradição Kao Dung que era Abade de um mosteiro. Dogen treinou com ele o vemos belo, perfeito, lindo e jamais nos preocupamos com o fato de que as durante cinco anos. Após esse período, um dia praticando meditação, Tendo ondas morrem na beira da praia. Quando olhamos a humanidade, sofremos as Niojo repreendeu um monge que estava ao lado de Dogen, porque este havia suas misérias, mortes e perdas, porque olhamos sob a perspectiva de um “eu” adormecido. E, tomando seu chinelo, bateu no monge dizendo: “Como pode individual. Mas quando olhamos o mar, não choramos pelas ondas. Quando você desperdiçar esse momento e dormir na prática do zazen”? Neste momento, olhamos as �orestas, não choramos pelas folhas que caem das ár vores. Nós conDogen foi tomado por um despertar profundo e subitamente ele entendeu sua seguimos ver que é uma �oresta. Conseguimos ver que ela continuamente nasce e morre, e ela é a própria vida se manifestando. Nós somos isso, a própria vida se natureza, a natureza última, a natureza do universo, da vida. manifestando e porque não enxergamos, estamos perdidos. Por isso sentamos Assim, mais tarde ele foi procurar Tendo Niojo em seu quarto, acendeu um i n- em zazen, para esquecer de nós mesmos, porque aquele que consegue esquecer censo e disse: “Mestre, corpo e mente foram abandonados, deixei cair meu cor- de si mesmo, pode ser iluminado por todas as coisas. po e minha mente, eu os abandonei”. E, nesse momento, Tendo Niojo entendeu PERGUNTAS que Dogen havia se iluminado, o aprovou e mais tarde lhe deu o certi �cado de transmissão do Dharma. Dessa forma Dogen voltou ao Japão e começou a ensinar aquele Dharma que havia aprendido com Tendo Niojo. Pergunta: O que é o Dharma? Mas o que é esse despertar? Nós somos profundamente enganados por nós mesmos. Nós acreditamos na nossa identidade, no nosso corpo e nossa mente como separados de todo o resto. Nós não conseguimos perceber que a vida é só uma e que somos manifestações da vida. Nós não percebemos que nós e todos os seres pertencemos à mesma vida, que eu e a humanidade somos um. Por não perceber isso, nós somos sujeitos ao nascimento e morte. Por que nascemos e
Monge Genshô – O Dharma é a lei, a sabedoria. A sabedoria em si, não o conhecimento. Nós dizemos que existem os “Portais do Dharma”. Você os abre como se fossem portas e os atravessa e, através desse ato, de atravessar um portal, você descobre um novo mundo de compreensão. Mas os Portais do Dharma são incontáveis e cada vez que abrimos um, há outro na nossa frente para ser aberto, então de insight em insight, de despertar em despertar, nós caminhamos em
direção a um despertar mais amplo.
Pergunta: Como diminuir o ego?
Pergunta: Quais são os sinais desse despertar, como a pessoa pode perceber que está despertando?
Monge Genshô – A Sangha é uma grande oportunidade, a comunidade onde trabalhamos. Nós devemos nos perguntar a cada momento: “Quem é que? Quem é que dentro de mim �cou com raiva? Quem é que dentro de mim se impacientou? Quem é que não aceita? Que m é que não tolera os outros”? A cada momento você pode perguntar – “Quem é que”? E quando você se der conta, meu ego, meu “eu”, ele enfraquecerá. Quem é que dentro de mim, sente ou pensa? Que carrega tal ou qual sentimento? Quem é esse? E você diga a você mesmo - É meu engano. Eu me engano. Eu estou dirigindo na rua e a lguém buzina atrás de mim, impaciente. Você deveria pensar, é como a chuva, ou como o vento, nada é comigo. São simplesmente as emoções daquele ser, nada é comigo porque não tem ninguém aqui para se incomodar. Então, se você tiver essa postura, não haverá perturbação nenhuma. Se você não consegue isso, pelo menos não faça nada, não diga nenhuma palavra, não reaja, não comente com os outros e depois não comente com você mesmo, não pense nada, simplesmente aceite que lá também não tem um “eu”.
Monge Genshô – Todas as pessoas têm pequenos momentos de despertar. Um dia você abre uma janela numa manhã, o dia está brilhante, glorioso. Você sente um perfume no ar, você não lembra nada de ontem e nem de amanhã, só mergulhado naquele pequeno momento você se sente maravilhada e uma grande sensação de felicidade lhe invade – “Ah, maravilhoso, tudo maravilhoso” – Um segundo depois você lembra que tem que tomar café, tem que lavar o rosto ou tem que fazer qualquer outra coisa e aquele momento se esvai. Despertar é ter uma experiência muito mais profunda do que essa, mas da mesma natureza. Não é nada fantástico ou sobrenatural, é simplesmente assim. Kensho é como chamamos a experiência mística mais profunda. Você a tem e ela pode durar não alguns segundos, mas horas. Mas também você cai de volta na vida. Aqueles que fazem retiros ou sesshin e praticam meditação muitas horas seguidas, �cam muito sensíveis e várias dessas experiências um pouco maiores podem acontecer. Talvez experiências não de cinco segundos, mas de trinta segundos. À medida que acumulamos experiências como essas, nós podemos caminhar para um estado que se chama Satori.
Você está num barco em um lago e tem um grande nevoeiro. Outro barco vem e bate no seu, você se irrita p orque o outro não está prestando su�ciente atenção. Tem nevoeiro, tem que prestar mais atenção. Então você olha dentro do outro barco e não tem ninguém. É um barco vazio que o vento empurrou. Imediatamente sua raiva passa. Porque lá não tem um “eu”. Pense – “Não há eu em ninSatori é o despertar. Imaginem estar per manentemente assim, ou pelo menos ter guém, também não há eu em mim, isso é só ilusão”. Esse é o primeiro passo. É a habilidade de a qualquer momento chamar essa percepção agora e pronto, está uma boa estratégia. Quando conseguirem não se importar com ninguém, então ali, então você é dono do de spertar. Essa é a diferença entre o Kensho e o Satori. poderemos passar para o segundo passo. Kensho você tem quando menos espera, Satori pertence a você. Então aquele que despertou, tem a oportunidade de experimentar isso muito mais vezes. Mas Pergunta: Qual a função da meditação? mesmo no despertar existem diferentes estágios. As descrições variam de quatro a dez estágios cada vez mais profundos. Monge Genshô – Nós vivemos numa grande turbulência. Como um copo d’água com areia que está sendo constantemente mexido e a areia deixa a água turva, O primeiro e mais básico é quando você realmente sabe, nenhuma pergunta porque não paramos em nenhum momento. As pessoas tomam banho todos os é estranha, você sabe. O último é diferente do primeiro porque no primeiro, dias porque suam, e aí começam a cheirar mal. Então adquirimos o hábito de to você sabe as respostas, mas na sua vida você é frequentemente arrastado pelas mar banho todos os dias. Nos lugares onde as pessoas não podem tomar banho suas paixões e não aparece em todos seus atos e todas suas palavras, porque todos os dias, o cheiro torna-se rapidamente muito forte. você, apesar de haver despertado, não incorporou tudo aquilo. O último estágio é quando cada ato e palavra sua são iluminadas. É um estado muito difícil, mas Mas as pessoas deixam que suas mentes sejam sujas todos os dias. Secretam se atingido, é um estado perfeito muito além da santidade. O Zen não procura maus pensamentos, más atitudes, se perturbam, se preocupam com memórias, se preocupam com o futuro. Ninguém pára para limpar sua mente, muitas pesfazer santos, mas “despertos”. soas deitam na cama para dormir e começam a pensar - Amanhã, semana que
vem, etc - e não conseguem dormir direito. O sono já tem a função de deletar muitos arquivos. Arquivos temporários que estão atravancando a mente. Mas ele não é su�ciente, tanto que vemos muitas pessoas ansiosas ou com depressão. Se nós sentarmos em zazen, começamos a mudar nossa mente. E se começarmos a ter experiências de despertar cada vez maiores, nosso cérebro torna-se cada vez mais feliz. Há uma mudança verdadeira veri�cável por ressonância magnética. De vez em quando a gente vê uma noticia assim, “Os médicos examinaram tal Monge Budista que pratica meditação e ele é o homem mais feliz do mundo”. Dessa forma, já tivemos o homem mais feliz do mundo da Índia, o homem mais feliz do mundo do Butão, o homem mais feliz do mundo da França, etc. Isso é bobagem, basta você praticar meditação e você se torna uma pessoa mais feliz por natureza, porque você começa a descartar essas coisas, começa a aprender, ouvindo o Dharma, praticando o treinamento da mente, usando o zazen para estabilizar a mente e ganhar força psíquica. Isso é mero treinamento, não existe nada de milagroso, não existem milagres no Zen. Não existem poderes sobrenaturais que vêm de fora, não existem bênçãos sobrenaturais que um monge pode dar. As imagens são só para nos lembrar. Manjushri, discípulo de Buda, está sentado tranquilamente sobre um leão, a imagem está colocada na sala de meditação, porque vocês sentam nos “leões turbulentos” de suas mentes. É só isso, na realidade é apenas pedra sabão. Mas fazemos reverências. Fazemos reverências para quem? Não para pedras, mas para “ideias”. Para treinar a nós mesmos, porque corpo e mente estão ligados e porque corpo e mente estão ligados, adotamos posturas corretas. Dessa forma, nossa mente começa a se corrigir, a ser disciplinada. Usamos roupas também para isso. Tudo são métodos de treinamento. Podem ser outros métodos, não importa, não há nada de “o verdadeiro” ou “o certo” no Zen. Não se trata disso, trata-se só de método de treinamento. Que é um método bastante interessante, tem certa tradição, são 2.600 anos mais ou menos de pratica. Sendo assim, ele já foi bastante aperfeiçoado, não tente aperfeiçoá-lo apressadamente. Depois que você praticar uns trinta anos, então pode começar dar alguns palpites. Ficou bem claro para que serve o zazen? Treinamento, limpeza, felicidade, despertar. Aqueles que despertaram estão livres. O dedo do Budismo aponta para a liberdade. O Budismo não é nenhuma prisão e não depende de nenhuma crença ou fé, só de experiência. A única coisa que você precisa é acreditar que vale a pena treinar, que você descon�a que dá certo. E pronto. Buda mesmo disse: “Não acreditem em mim, testem”. Eu como Monge Zen digo a mesma coisa para vocês: “Não acreditem em mim, testem”.
EM QUE O ZEN ACREDITA? Monge Genshô 05.11.13 Pergunta: O que é Buda? Monge Genshô – Buda é mente. Essa é uma das respostas possíveis. Outras respostas seriam: Buda signi�ca acordado, não é o nome de uma pessoa, foi um “título” dado a Sidarta Gautama porque ele acordou, despertou, logo, ele é “O Buda”. Tradicionalmente um grande professor, mas um homem não diferente de nós. Por Buda também podemos entender nossa “natureza búdica”. Todos temos a natureza dos seres que sonham, ou seja, temos a possibilidade de despertar. Buda também é um ideal, o ideal de ter uma mente lúcida e clara sem se deixar enganar por nenhuma ilusão. Em absoluto não é uma estátua, as estátuas existem porque as pessoas gostam de estátuas. Buda também não ajuda ninguém, não adianta lhe pedir nada. Se Buda pudesse ajudar e visse o sofrimento dos seres, ele ajudaria. Pergunta: Buda então é uma mente acordada e inativa? Monge Genshô – Não, uma mente desperta não é inativa. Uma mente acordada realiza ações lúcidas e despertas. Uma mente perdida na ilusão realiza ações deludidas. Aqueles que estão enganados agem como pessoas enganadas. Uma pessoa que visse as coisas com absoluta clareza realizaria uma ação perfeita. Esse é um dos motivos de as artes serem tão importantes para o Zen e para o Budismo, na forma do Zen, ter sido tão in�uente nas artes nos países onde ele fruti�cou. Uma ação perfeita é uma ação que não é mais pensada, pra mim é mais fácil falar sobre música porque fui violinista, por exemplo, quando você vê alguém tocando um concerto, ele tem que decorar a peça que está executando. Na hora de interpretar não tem como pensar na forma do acorde executado e em qual virá depois, tudo tem que estar pronto, é como recitar uma poesia, ela tem que ser decorada e sair de sua boca sem pensar para que a interpretação seja perfeita. Só dessa forma é possível colocar sentimentos. Pergunta: Fiquei pensando no que o senhor disse semana passada, que somos atmosfera...Mas então me veio a ideia do carma, eu me identi �co perfeitamente quando dizes que somos iguais e feitos da mesma substância, mas e o carma? O senhor falou do banco de plástico e do cabide, mas o tempo de decomposição de um é diferente do outro, eu tentei imaginar que somos atmosfera, mas onde entra o carma de c ada um, como vai se formando ou de
onde originou?
carbono, que ele está enganado? Claro que diria, no entanto olhando para sua mão você pode dizer que ela é predominantemente carbono. É tão evidente que Monge Genshô – O budismo não responde esse tipo de pergunta, por exemplo, estamos mergulhados numa ilusão; o simples fato de você estar vivo e dize r “eu “qual a origem do universo?”, ou ainda, “Como surgiu o primeiro carma?”. O sou” é uma grande ilusão. objetivo do Budismo não é dar explicações s obre coisas não veri�cáveis. Há uma história que ilustra bem isso, um homem levou uma �echada e um amigo chega É um sonho. Eu sou um ser de sonho falando para seres de sonho. Se acordarperto e lhe pergunta, “quem atirou a �echa era alto ou baixo, magro ou gordo?” mos veremos que é tudo igual, mas tudo diferente. “Antes de estudar o Zen, penO homem então lhe responde, “qual a importância disso, apenas tire a �echa”, ou sava que as montanhas eram montanhas e os rios eram rios. Quando comecei seja, todos estamos sofrendo, mergulhados em nossas ilusões. Que utilidade te- a estudar o Zen percebi que as montanhas não são montanhas e os rios não são ria para nós saber a origem do universo? Sabemos que o carma surgiu em algum rios. Agora que despertei, as montanhas são montanhas e rios são rios”, essa é momento e de alguma forma, pronto. uma famosa história Zen. São as mesmas montanhas e os mesmo rios, só que é tudo diferente. Por isso os Mestres Zen dão tantas risadas. Em um diálogo com Provavelmente tenha surgido naturalmente pelas irregularidades da vida e do Shariputra, um homem da Escola de Zoroastro que acreditava num Deus único universo. Há o primeiro ato e qualquer ato provoca um efeito. Tudo tem conse- e criador do universo, diz à Shariputra, “Nós temos a verdade e acreditamos em quência. Todo e qualquer efeito tem uma causa anterior. Se você pergunta qual um Deus único”, então Shariputra ri e responde: “Ah, temos muito de deuses a primeira causa pode cair numa regressão sem �m e sem sentido. Há outra únicos aqui na Índia também”. história também muito interessante sobre isso. Um rei perguntou a um Monge: “A Terra está apoiada sobre o quê?”, e o Monge respondeu: “Sobre um grande Os homens criam muitas histórias para acreditar, todas são ilusórias. As crenças elefante”. “E em baixo do elefante o que tem?”, “Uma tartaruga”, respondeu o são ilusões, quando você chega ao Budismo ele não lhe oferece nada em que crer Monge. “E em baixo da tartaruga, o que tem?”, “Outra tartaruga, Majestade é ou algo do tipo, “acredite no que o professor está dizendo”. O Budismo é experiencial. Teste e experimente, se funcionar para você é bom, se não funcionar, melhor pararmos por aqui por aí em diante são só tartarugas”. desista. Se você não gosta do professor porque ele é muito desagradável dizendo Pergunta: O senhor falou da mente que se engana, como eu sei que estou coisas desoladoras, pode ir embora. O Budismo não faz força para atrair pessoas, mais ainda, costuma dizer coisas para as pessoas irem embora. O Zen Budisenganado? mo é para despertar, não para acreditar. Uma pergunta que sempre surge é: “Em Monge Genshô - O que você pensa sobre isso, como você sabe que sua mente que que o Budismo acredita?”, a resposta, não sei, isso é problema seu que acha está enganada? Como você sabe que está separada das outras pessoas? Você olha que é preciso alguma crença. para todas essas pessoas e as vê separadas de você. Mas você não vive sem elas. Não vive sem nada que existe, sem sol, sem chuva, árvores, pássaros, na realida- Sempre conto essa historinha ilustrativa, se vem alguém na Sangha dizendo que de você é tudo isso misturado. Se você pensar sobre o que é esse guardanapo de acredita em homenzinhos verdes de uma galáxia distante, não há problema alpapel em sua mão, do que el e é formado? Chuva, sol, árvore, carbono, tudo igual gum nisso, podem sentar e meditar. Agora, se os homenzinhos falarem com a você. Você é tudo isso junto, no entanto você olha para tudo isso e diz: “Eu você então o caso é grave e é melhor procurar tratamento. O Z en tem sempre estou separado”. Isso em si só já é uma grande ilusão. Por acreditar nessa ilusão muitas histórias. Conta-se uma história de um monge que sentado em medié que você nasce e morre. Chamamos isso de ignorância. Por sermos ig norantes tação dizia estar vendo os discípulos de Buda em seu redor cantando mantras. nascemos e morremos e acreditamos estar separados. O mestre então mandou que os outros monges lhe dessem um banho de água gelada e dessa forma resolveu o problema. O carbono presente nessa folha de guardanapo em sua mão é muito antigo, bilhões de anos, os resíduos de bilhões de anos e de resto de estrelas estão todos Pergunta: O que signi �ca a cerimônia que a gente fez hoje? contidos aí nessa folha na sua mão. O que você diria se essa folha dissesse: “Eu sou um guardanapo separado”? Você não diria para esse guardanapo, para esse Monge Genshô – As cerimônias são meios hábeis. Se for de nosso desejo po-
Os homens sofrem porque desejam a permanência, desejam se r sempre jovens, bonitos e que seus amores sejam eternos. Ao casarem-se os casais juram amor eterno, mas isso não acontece, pois mesmo que seja pela morte de um dos dois, o amor irá acabar. Sempre alguém me liga ou manda e-mail pedindo conselhos sobre relacionamentos. A única coisa que posso dizer é que sejam coerentes com seus pensamentos e sentimentos. Mas não é isso que as pessoas querem ouvir, elas desejam soluções para seus problemas, querem alguém que assuma seus atos, isso eu não posso fazer. As pessoas não querem ouvir sobre a realidade. Por exemplo, todos se julgam importantes e acham que seus antepassados são importantes. Já �z essa pergunta milhares de vezes, “Você pensa que seus pais e antepassados são importantes?”, todos respondem que sim, claro. Mas quando eu pergunto o nome dos oito bisavós, ninguém sabe responder. Em cem anos seus bisnetos, sangue de seu sangue, descendentes de seus genes, frutos de seus amores, não se lembrarão dos nomes de vocês, que dirá de seus atos, humilhações e vitórias, eles não terão a menor ideia de quem vocês foram. E vocês se dando tanta importância. Vocês serão esquecidos. Aqueles que não forem esquecidos terão biogra�as mentirosas, cheias de inverdades, não é assim? Se é assim, por que nos damos tanta importância? A coisa mais importante e maravilhosa sobre Há uma analogia que sempre uso e que penso ser muito apropriada, é das ondas a vida é viver. do mar. As ondas são formas surgindo sobre o mar, cada onda parece ter uma individualidade, mas não passa de energia na água. Não é a água que se move, é Muitas especulações são completamente sem sentido, �car pedindo para alguém a energia que dá forma às ondas e na areia as ondas quebram e morrem. Mas não lá de cima lhe ajudar, ou colocar as decisões de sua vida nas mãos de um monge, vemos ninguém na areia lamentando a morte das ondas, não existe tristeza por é pura ilusão. Mas se a pessoa não pode viver sem isso, nós deixamos. Por exem ver as ondas quebrarem na praia. As pessoas olham para o mar e dizem, “Que plo, a pessoa acredita muito que Buda lhe ajudará, nós deixamos que ela faça uma oferta de incenso para a e státua de Buda. As pessoas desejam muito se agarlindo”. Por quê? Porque vêem o mar. rar a algo ou alguém que possa lhes ajudar. Os rituais que realizamos não tem As vidas dos seres são como as ondas, mas mergulhados em nossos sonhos não um sentido devocional ou de pedidos, eles existem para criar um clima e para enxergamos a vida, enxergamos as ondas. Então, se um amigo morre, choramos aprendermos as formas. Nós recitamos os nomes dos mestres ancestrais porque sua morte. Por que não enxergamos o mar, enxergamos a onda. Parcialmente existem muitas histórias nas transmissões que podem servir de exemplo e de sabemos, quando olhamos o mar, temos os olhos de Buda e o vemos como mar. estudo para nós, por exemplo, Sanavasa vai até Ananda e pergunta-lhe: “Qual é Não nos importamos com a morte das ondas na areia. Quando olhamos uma a natureza de todas as coisas?”. E Ananda mostra a ele seu manto, o manto é feito �oresta não choramos pelos troncos apodrecidos e pelas folhas que caem, até de retalhos, todos costurados uns aos outros. Ele está querendo ensinar que toachamos bonito as folhas amarelas no outono caindo, mas todas estão morren- das as coisas são interconectadas e interdependentes. Sanavasa então pergunta: do. Para os olhos de Buda as vid as e mortes da humanidade são lindas, porque é “Mas então qual é a natureza última de todas as coisas?”. Ananda então arranca um olhar desperto sobre o que é a vida. O nosso olhar sobre a vida dos homens, o manto de Sanavasa, nesse momento ele desperta, pois entende com clareza e seus nascimentos e mortes, é tão enganado como o olhar de alguém que choras- com seus sentimentos, não com seu intelecto, que todas as coisas são vazias. se cada folha que cai e não percebesse que na primavera todas as folhas nascem novamente verdes e lindas. Não há problema, todas as folhas que caem viram Pergunta: Na recitação da linhagem Shakyamuni Buda não aparece em primeiro, por quê? húmus e é assim que as �orestas se formam e sobrevivem. demos inventar uma cerimônia. Mas nesse caso especi�co, esses textos têm por volta de dois mil anos, não são de nenhuma língua falada atualmente, mas tem signi�cado. O primeiro, Maka Hannya Shingyo, signi�ca Sutra do Coração da Sabedoria, sua frase principal é: “Vazio é forma, forma é vazio, vazio nada mais é do que forma, forma nada mais é do que vazio”. Após isso ele começa uma espécie de desconstrução, não existe sensação, não existe percepção, não existe concepção, não existem formações mentais e consciência. Vendo então o vazio de todos os agregados, o Bodhisattva desperta e livra-se de toda a agonia e sofrimento. Esse vazio não signi�ca que não há nada, não é niilismo, não se trata de uma declaração de que tudo é nada. É simplesmente a declaração de que todas as coisas são vazias de um “eu”, nenhuma coisa tem um “eu” inerente, um “eu” próprio, nenhuma coisa existe por si mesma. Foi isso que eu quis dizer quando falei que o guardanapo não possui um “eu”, ele é só um agregado de coisas. Tudo é assim, a xícara em sua mão é também assim, aliás, ela só surge como xícara porque você a olha e a vê como xícara, então, tudo é coo emergente com o observador, o universo também é coo emergente com o observador. Se você conseguisse trocar seus olhos pelos olhos de Buda veria tudo completamente diferente.
Monge Genshô – Os seis Budas que o antecedem são Budas míticos. Isso signi �ca que Shakyamuni Buda não foi o único Buda, não é o único possível, não é um deus nem �lho de deuses e tampouco um salvador. Ele é apenas mais um Buda, o Buda de nossa era. Ele foi apenas um homem e a história de sua morte é maravilhosa. Buda morreu com diarréia, comeu na casa de um ferreiro, teve uma indisposição intestinal em razão da idade avançada e dos problemas de saúde que já tinha, e morreu desidratado. Nós colocamos água em frente à estátua de Buda com a intenção de lembrar esse fato e também é como se disséssemos, “Se eu estivesse lá eu lhe daria água”. A pergunta que sempre faço é: “Vocês já tiveram diarréia?” Se já tiveram, são como Buda e po dem despertar. É a história de um homem comum e é muito importante que seja assim. Nada de histórias miraculosas do tipo, subiu aos céus ou anjos vieram buscá-lo no dia de sua morte. Essa história conservou-se assim durante dois mil e quatrocentos anos, o que quer dizer muito sobre o Budismo. Um aluno perguntou ao mestre, “Mestre, no Dharma de Buda o que senhor pode me oferecer?” ao que o mestre respondeu, “Gostaria muito de lhe dar alguma coisa, mas no Zen só há uma bola de ferro incandescente pra ser engolida”. A primeira coisa a ser dita a um aluno é: “Você sabe que está condenado à morte? Eu posso salvá-lo desta angústia existencial, mas somente através da clareza e lucidez. Não através de alguma crença, fantasia ou promessa maravilhosa para depois da morte”. Como as pessoas estão atrás dessas promessas de reencarnações, espíritos permanentes, almas e paraíso, não �cam. Elas desejam crenças, não sabedoria. Por isso uma Sangha com mais de 20 pessoas é muito raro, altíssimo nível.
DESCONSTRUINDO ILUSÕES Monge Genshô 23.04.13 Monge Genshô - Como foi essa primeira experiência para vocês? Participante I – Olha, minha mente é sempre muito agitada, então tinha que �car o tempo todo me policiando pra poder trazer minha mente de volta. O corpo �cou pesado por alguns momentos. Mas foi uma luta tranquilizar a mente. Participante II – Tive essa mesma sensação de peso, mas é interessante como na tentativa de manter a mente no presente nossa pe rcepção aumenta, sons que comumente passariam despercebidos �cam claros, pássaros, carros etc. Participante III – Foi uma experiência muito interessante, sempre tive di�culdade de não deixar a mente viajar. Usar a respiração como âncora também foi muito útil. Participante IV – Também usei a respiração, �sicamente não senti di�culdades e o tempo passou mais rápido que eu imaginei que passaria. Monge Genshô – As pessoas não sabem muito bem o que é o tempo. Quarenta minutos não é muito tempo. Eu vim de outro local onde estava participando de um encontro e já �z três horas de meditação, os quinze minutos que �zemos agora não é nada. Participante IV – No início da meditação vem muitos pensamentos, coisas que deveriam ter sido feitas, coisas que terei que fazer depois, o tempo todo a mente vai e volta, passado e futuro. Mais perto do �nal senti um pouco de sonolência. Monge Genshô – A sonolência é sinal de que você verdadeiramente relaxou. As ondas cerebrais começam a mudar. Se medirmos as atividades mentais em nossa vida diária, elas estarão em ondas “Beta”, mas quando estamos em meditação e com esse tipo de sentimento, sonolência, as ondas mudam para “Alfa”, serenidade. Quando vai adormecendo é “Teta”. Quando fazemos meditação a necessidade de sono diminui, porque na realidade descansamos. Mas o que é importante? Quando você aprende meditação, você faz um treinamento da mente. Nos primeiros estágios esse treinamento lhe aumenta a capacidade de concentração e
você aprende a �car no momento, concentrado no que é realmente importante. Quando você está viajando para passado ou futuro, nada disso é importante. A memória do passado é construída, você tem lembranças dos eventos, mas você os vê sob seu ponto de vista, em razão disso são distorcidas por suas próprias percepções. Isso é muito fácil de percebermos pois, se alguém entrar agora na sala e �zer um pequeno teatro, o relato de cada um de vocês será diferente. Não podemos dizer que o relato de u m ou de outro seja verdadeiro, ele será o ponto de vista particular, carregado de emoções, um ponto de vista particu lar, isso é a memoria.
rosto tranquilo, resolveu largar tudo, sua família, seus pais e seu palácio. Partiu para a �oresta onde �cou seis anos praticando ioga, meditação e fazendo jejuns constantes. Mesmo assim não conseguiu seu objetivo. Após esse período ele sentou-se sob uma árvore e prometeu a si mesmo não levantar-se enquanto não solucionasse os problemas do sofrimento. Após sete dias, no amanhecer do oitavo dia ele vê a primeira estrela da manhã e diz: “Que maravilha! Eu, a grande Terra e todos os seres, simultaneamente atingimos a iluminação!” Ele entende que seu “eu” é uma construção e diz para si mesmo: “Você não me enganará mais”. Sua descoberta é que o “eu” é uma construção de nossa mente e de sucessões de pensamentos. Porque pensamos sem parar pensamos que somos nós. Esse ser Atualmente, no mundo, temos um grande número de pessoas com depressão, que acredita em si mesmo nasce e morre. Ele é um fenômeno. Tudo que nasce, tristezas ou remorsos. Esses sentimentos são predominantemente causados pelo envelhece, adoece e morre. Ele descobre que não é isso, que é algo muito mais passado. A pessoa percebe como foi sua vida passada, como se formou, como é profundo. Vou tentar explicar com analogias. sua mente e sua vida hoje em razão de acontecimentos passados, por isso vemos tantas pessoas tomando antidepressivos. Nesse momento, sem passado algum, O vento não existe por si mesmo, ele é um movimento do ar. As ondas não sem qualquer tipo de memória, somos plenamente felizes, pois não carregamos existem por si mesmas, são movimentos da água. Nós não existimos por nós coisas anteriores. mesmos, somos movimentos dos pensamentos. Outro problema é o futuro. O que farei amanhã, dívidas que terei que pagar, problemas a serem resolvidos, tudo isso gera ansiedade. Quando você vive no futuro é ansioso, quando vive no passado é deprimido. Quando sentamos para praticar zazen, estamos treinando nossa mente para retornar para a única realidade sólida, que é o momento presente. Temos que compreender e aprender que tanto passado como futuro são construções e representações mentais e em si não são realidades. Problemático isso, não é? Isso é porque olhamos a vida como se o presente não existisse. Observem as pessoas nas ruas e tentem perceber isso, se pudéssemos ler suas mentes veríamos passado, passado, passado, ou então, amanhã contas a pagar, problemas a resolver. Certa vez conversando com um Mestre, ele me disse: “Sabe o orgasmo? É o único momento em que as pessoas estão realmente ali presentes”. E não é verdade? Se a pessoa naquele momento pensar em passado ou futuro, não consegue. A experiê ncia de viver o momento presente é uma experiência maravilhosa, é a pura felicidade. As pessoas vivem procurando a felicidade, ela está disponível, está disponível no momento presente, não no passado ou futuro. A infelicidade é que é construída, construída por nós mesmos com nossas mentes.
Porque temos uma mente que pensa, pensamos “eu sou”. Por isso Descartes disse: ”Penso logo existo”. Para o Budismo a frase correta é: “Penso, por isso penso que existo”. Somos uma ilusão ambulante com um cérebro fabricando continuamente a noção de um “eu”. Por estarmos continuamente fabricando a noção de um “eu” nos perdemos da interconexão, interdependência e da unidade de todas as coisas. Voltando à analogia da onda. Somos uma onda e não percebemos que somos mar. As ondas surgem e desaparecem, o mar não. As pessoas �cam tristes quando veem uma onda morrer na beira da praia? Não, as pessoas olham o mar e dizem -”Que lindo”. Quando as pessoas olham as ondas quebrando, elas veem o mar e sua verdadeira natureza, e sabem que as ondas são manifestações que surgem e desaparecem na sua superfície, sempre retornando a ser mar, a única realidade verdadeira. A dimensão suprema do oceano é o próprio oceano. As ondas vivem numa dimensão histórica, surgem e desaparecem, surgem e desaparecem continuamente. Isso é muito claro sobre o mar, não é? Mas não é igualmente claro sobre nós mesmos.
Vemo-nos como ondas, pensamos que existimos e temos medo de morrer na beira da praia. Eu tenho medo de morrer. Porque não nos vemos como o próSidharta Gautama era um jovem angustiado. Pensava no futuro, tudo acaba em prio oceano, perdemos de vista nossa verdadeira natureza, só percebemos nossa velhice, doença e morte. Quando ele viu a face de um asceta e percebeu seu natureza temporária, que surge e desaparece, sofremos e temos medo de morrer.
Por termos esse medo e essa angústia existencial, inventamos religiões. As religiões existem para dar uma crença na continuidade do “eu”. Por isso inventamos almas e espíritos imortais. As religiões sempre �zeram isso. Os egípcios mumi�cavam seus corpos para sobreviver à morte. Os gregos acreditavam que após a morte os bons iriam para uma ilha onde a comida caía do céu e poderia se passar tempo discutindo �loso�a. Para os Vikings o céu era uma eterna guerra de muitas batalhas e saques. Em todas as religiões há uma solução para salvar o “eu” após a morte.
ano, e o ser humano volta para onde? Monge Genshô – O que você deseja que permaneça? Olhe sua mão. Você acredita que alguma coisa dela permanecerá? Pergunta: Não. Monge Genshô – E do seu corpo todo algo irá permanecer?
O Budismo não se encaixa como uma religião porque não tem nen huma crença Pergunta: Também não. desse tipo para oferecer. O Budismo lhe diz: “Você está iludido e estou aqui para puxar o tapete de baixo de seus pés”. Monge Genshô – Também acredito que não. O que você pensa que permanece de uma onda depois que ela quebra na praia? Em um famoso diálogo Zen, o aluno chega para o Mestre e pergunta: “O que o senhor tem para me oferecer no Dharma?”, e o Mestre responde: “Gostaria mui- Pergunta: A onda ainda é mar. to de lhe oferecer algo, mas no Dharma só há uma bola de ferro incandescente para ser engolida”. Essa bola é: “Você que tanto se ama não passa de uma ilusão Monge Genshô – Ela sempre foi mar, não passou de uma manifestação temde sua mente”. porária. Você também é uma manifestação temporária. Você quer permanecer, não é? Por isso está perguntando e por isso os homens inventam religiões. Você Se você deseja despertar como o Buda, tem que acordar do sonho. Por isso Si- não precisa acreditar no que estou dizendo, pode ir lá fora e se agarrar em qualdharta Gautama era um homem comum que quando desper ta, passa a chamar- quer crença, existem milhares. A islâmica é muito boa: setenta e duas mulheres -se Buda, “o desperto”. Como ele era um homem comum como nós, todos temos o esperam após sua morte. Qual é boa para você? Nascer de novo? Repetir tudo? a mesma capacidade de despertar. Aquele que acorda livra-se instantaneamente As ondas, na realidade, se repetem. Se você olhar, é natural que haja continuidade toda dor, ilusão e sofrimento. de, se há impulsos, há nova manifestação, se há uma nova manifestação é outra Nós construímos essa individualidade e nos agarramos a ela. Olhos iluminados vida. É isso mesmo que o Budismo pensa. Se você tem desejos e apegos, estes veem a vida e dizem “Que linda”. Alguns podem pensar que existem pessoas geram novo nascimento, mas esse novo nascimento não é esse você de hoje, morrendo e sofrendo no mundo e que isso é trágico, mas eu lhes pergunto se as porque você já esqueceu tudo quando nasceu. Você é capaz de lembrar-se de �orestas são trágicas? Há nesse momento folhas e árvores morrendo nas �ores- algo de sua vida passada? Mas desde a infância você tem determinados impultas, existe tragédia nesse acontecimento? Não, não é mesmo? Olhamos as �ores- sos, personalidade e desejos. Se é verdade que todo efeito tem uma causa, então tas e não lamentamos os troncos e folhas mortas. Essas folhas se transformarão existe uma causa pregressa para isso, mas não é você. em húmus e os troncos caídos e mortos servirão de abrigo e morada para outros seres vivos. Vemos todos esses fenômenos que ocorrem nas �orestas como natu- Uma mangueira nasce e morre, ela produziu frutos com sementes. Se você planrais e pensamos, “Que maravilha que é a natureza”. Por que não temos a mesma tar o que irá nascer? Outra mangueira, isso é natural. Não irá nascer uma �guei visão sobre a vida dos homens? Porque a vemos com olhos iludidos. Essa é a ra ou coqueiro, irá nascer outra mangueira igual, mas não é a mesma mangueira. essência do Budismo, desculpem-me se isso parece terrível. Eu posso dizer para você como era sua vida passada. Você quer saber? Era igual. Mesmo tipo de pessoa. Se são os mesmos impulsos, mesmos desejos e apegos, nasce um ser igual. Tem memória? Não. Tem um “eu” que permaneceu? Não. PERGUNTAS Mas então o que permanece de você? Seus atos, seus impulsos, sua mente e seus Pergunta: O que permanece então, do ser humano? A onda volta para o oce- desejos. É essa onda no universo que pe rmanece. Energia não desaparece, só se
transforma. Essa é primeira lei da termodinâmica. Sabemos também que todo efeito tem causa. Sendo assim, tenho uma má notícia para você: não há como escapar desse mundo. Você está preso pelos seus desejos e apegos a esse mundo e condenado a repetições in�ndáveis a menos que você mude sua mente. Por isso você deve mudar sua mente nessa vida, para poder ter, nessa vida, uma vida mais feliz. Mas se você puder alcançar um esclarecimento perfeito e iluminado, não precisará retornar. Retornar para cá e repetir sem parar sempre a mesma coisa é um castigo. Parece bom, não é? Mas pense. Não escapar, estar preso a repetir sem �m sempre o mesmo tipo de vida, morrer, nascer e recomeçar tudo novamente. Existe um �lme muito interessante chamado “O Feitiço do Tempo”, onde o personagem se vê obrigado a repetir todos os dias sempre o mesmo dia, ou seja, todos os dias são iguais, acontecem as mesmas coisas. Após alguns dias o que é que ele mais deseja? Morrer. Ele tenta várias vezes se matar e acorda sempre repetindo o mesmo dia. É a mesma coisa que acontece conosco. Acordamos e repetimos, morremos e repetimos. Não é que a vida tenha só sofrimentos, ela tem também coisas boas e alegres, mas termina muito mal. Todos nós que estamos nessa sala iremos morrer, sou um condenado à morte falando para condenados à morte.
sadas. Mas isso não é relevante, o interessante para nós é que tudo que amamos e fazemos de bom não está de certa forma perdido. Por outro lado, tudo que fazemos de mal também está gravado. Do ponto de vista Budista não e xiste ninguém lá fora para nos julgar, toda a ética Budista está construída em cima de ação e consequência. Você terá que arcar com as consequências de cada ato seu. Não existe nenhum salvador para livrar você. A melhor maneira de obter melhores resultados é fazer coisas boas que redundam em coisas boas e que retornarão para você como coisas boas. A única maneira de apagar o mal feito é praticar mais o bem, de maneira que todo o mal seja �nalmente superado pelo bem praticado. Mas de forma absoluta, para o universo, bem e mal não existem, é uma questão de perspectiva. Ontem eu respondi uma pergunta sobre bem e mal da seguinte maneira: “um jacaré come um pato na lagoa, isso é bom ou ruim”? Para o jacaré foi um almoço, para o pato um tragédia. Onde e stá o bem e o mal? Você não consegue responder. Pergunta: Qual o papel da arte no pensamento Budista?
Monge Genshô – A arte é uma expressão humana. As artes foram e ainda são muito in�uenciadas pelo Zen. As artes marciais, artes plásticas e tantas outras sofreram forte in�uência do Zen. No Japão isso é muito marcante no Ikebana, nas artes marciais etc. todos fortemente in �uenciados pelo Zen. Muitas dessas Todos os dias quando me olho no espelho posso perceber o trabalho da morte, artes foram introduzidas por mestres Budistas como meio hábil para ensinar o os cabelos e os dentes caindo, a pele enrugando e a �sionomia se transforman- Zen usando a estética, usando algo palpável. do. Outro dia mostrei minha foto com vinte anos de idade para uma amiga e ela deixou escapar, “Mas o senhor era bonito”. Cada dia que passa estamos mais O Zen é muito in�uente principalmente nas artes chinesas e japonesas. Existe perto da morte. Cada um de nós está caindo de um precipício com uma corda uma grande procura por espontaneidade. A arte dessa camiseta, por exemplo, é amarrada ao pescoço, só não sabemos o comprimento da corda. Por isso o que facilmente identi�cável, um homem sentado meditando frente à lua. Esse tipo devemos fazer com nossa mente, ou seja, transformá-la, exige certa urgência. de arte é feita num único traço onde não existe espaço para correções, tem que O personagem do �lme depois de mudar sua mente é que consegue escapar, a ser uma pincelada perfeita. A arte Zen é assim, espontânea e minimalista, tendiferença é que ele conserva a memória. tando mostrar uma mente se expressando em um momento único, sem correções e disfarces. Pergunta: É impossível lembrar? Pergunta: Isso é como o sumi-ê. Quando �z um curso de sumi-ê a professora Monge Genshô – Diz-se que existe um depósito de consciência universal cha- disse que não pode haver correções, os traços devem ser únicos e �rmes. Enmado “Alaya Vijnana” onde tudo está registrado, e isso faz algum sentido, por- tão perguntei como fazer para não cometer erros? Ela disse: treinando. que o universo não tem porque esquecer. Tudo que acontece de alguma forma �ca registrado, os sons, as imagens, tudo. Teoricamente seria possível acessar Monge Genshô – Exatamente, treinar até conseguir expressar sem correções. É essa consciência e saber tudo que aconteceu. como uma palestra sobre Zen como essa, ela não foi preparada, não existem perguntas elaboradas e ensaiadas para que as respostas saiam certas. As respostas Quando Buda iluminou-se, diz-se que se lembrou de suas quinhentas vidas pas- devem sair naturalmente. Ou está pronto ou não está.
do, mas não é muito valorizado no Zen, para o Zen o melhor é sentar o aluno Pergunta: Isso é sobre espontaneidade. Mas existem métodos, como hoje �- de frente para a parede. Essa prática do Zen não atrai muitas pessoas porque é muito forte, em razão disso outras escolas de Budismo foram desenvolvidas, zemos zazen... como as escolas com práticas devocionais onde você oferece incensos e velas Monge Genshô – Exato, o Budismo em sua essência é um método. Cada escola para a estátua de Buda. tem o seu. O Zen enfatiza o método do sentar em silêncio, logo, o método predominante do Zen é o zazen, a meditação sentada e silenciosa. Se você tirar o Se você quer práticas devocionais, o Cristianismo é ótimo. O único objetivo de zazen, deixa de ser Zen. Muitas pessoas pensam que sabem muito sobre o Zen você praticar o Budismo, no nosso caso especi�camente o Zen, é você procuporque leram muito livros, mas não sabem nada. Isso é como alguém que diz rar uma prática realmente dura e causar um efeito real e imediato. O objetivo que sabe piano. Quando perguntado se toca ele responde, “Não, mas já li muitas do Zen não é um pouco de melhora. Às vezes as pessoas chegam dizendo que partituras e biogra�as dos compositores”. O Zen é assim, você senta e faz o Zen, desejam melhorar um pouco com a prática do Zen, �car mais calmo etc. Isso é a explicação é interessante, mas não é o Zen. um subproduto, não é a intenção do Zen e, se o objetivo é somente esse, o Zen é muito duro. O Zen é para quem deseja o despertar, quer enxergar sua verdadeira Pergunta: Hoje é muito comum ouvir a expressão “Aquela pessoa é Zen”. Mas natureza, aquilo que expliquei e que vocês entenderam intelectualmente, mas pelo que escuto sobre os retiros e praticas Zen, não é nada fácil, ou seja, não entendimento não é nada. Só se vocês virem emocionalmente sua verdadeira natureza, é que estarão libertos. Enquanto acreditarem em si mesmos, estarão é o que é vendido como Zen. perdidos no sonho como todo mundo. Monge Genshô – Na verdade o treinamento do Zen é muito duro. Se não fosse duro não seria Zen. É duro e com grande sofrimento físico e mental. Mas só Pergunta: E esta compreensão... dessa forma você consegue se libertar. Os professores do Zen costumam ser se veros. Lembro-me de uma pequena história com Moryama Roshi, que foi meu Monge Genshô – Esta compreensão só sentando por alguns anos. professor. Uma senhora foi conversar com ele sobre sua separação e começou a falar do marido, da traição e de toda a tristeza que estava vivendo. Então o Mes- Pergunta: E o espiritismo? tre olhou para ela e disse, “Agora vai ter que trabalhar, não é?”. Qual a realidade do momento, de que interessa tudo aquilo que aconteceu? Está sozinha e terá Monge Genshô – Produz pessoas muito boas. Veja que o kardecismo dá uma que trabalhar, essa é a parte que realmente interessa. Foi a própria pessoa que me boa solução para a angústia da morte. Você tem uma alma imortal que continua contou isso e disse que foi como se tivesse levado uma bofetada. Assim é o Zen. para sempre. Você morre, reencarna, evolui, vai para mundos melhores e mais felizes, mas você é sempre você. Aquela alma é você e os corpos são descartáveis. E como a alma é o verdadeiro você, você está livre da morte. Está solucionada a Pergunta: Os mantras também são uma forma de meditação? angústia existencial e a impermanência, pois você continua evoluindo para semMonge Genshô – Um mantra é uma técnica de repetir um som ou uma frase pre e sempre em direção à coisas melhores. Isso é uma grande esperança, e mais, com objetivo de produzir um efeito como o transe. Também existe em outras quando você morre, encontra seus entes queridos, todos têm almas permanentradições religiosas. No Cristianismo, por exemplo, você tem o terço, onde suas tes e sempre existirão. Essa é uma maravilhosa solução para angústia existencial. contas são usadas para repetição constante de uma oração. O espiritismo é uma religião que produz felicidade e grande conforto. É mais ou Pergunta: Mas não é uma forma de manter sua mente no momento presente? menos como se houvesse dois guichês no mundo. Em um del es está escrito “Verdades desconfortáveis” e no outro “Mentiras consoladoras”. Você pode escolher. Monge Genshô - Sim, pode ser, mas é menos efetiva que o zazen, porque você Existe um supermercado de crenças no mundo, escolha a sua. A religião dos pode cair na repetição e seu ato tornar-se mecânico, tornando-se uma repetição Mórmons, por exemplo, tem uma crença muito interessante. Se você for bom e e, enquanto sua mente viaja, você �ca repetindo somente palavras. É um méto- morrer, ressuscitará com um corpo de vinte e poucos anos perfeito, está selado
para toda a eternidade com as pessoas que você ama, mesmo depois da morte, poderá continuar a ter �lhos espirituais, continua progredindo até ser como um Deus, todas as coisas que não queremos perder estão preservadas. Corpo, sexo, prazer, família e seres amados. Morte erradicada. Não é maravilhoso? Escolha sua crença, existem varias.
Monge Genshô - Tem uma história famosa do Zen que é assim: Antes de estudar o Zen as montanhas eram montanhas e os rios eram rios. Quando comecei a estudar o Zen descobri que as montanhas não eram montanhas e os rios não eram rios. Agora que eu entendo o Zen, as montanhas são montanhas e os rios são rios. Isso é para ser entendido, mas vou tentar explicar. Você não vê as monNo Zen não há nenhuma crença, minha função é puxar o tapete de baixo dos tanhas e os rios hoje. Mas tirando o tapete de ilusões de baixo dos seus pés, as seus pés e sem muletas para apoiar-se. Nenhuma crença consoladora para se montanhas não são montanhas e os rios não são rios. Você verá que tudo foi um agarrar. O resultado disso é que sempre há poucas pessoas no Zen. sonho. Agora, quando você realmente despertar, as montanhas serão montanhas e os rios serão rios. Um homem está dormindo e tem um p esadelo. Está suando, gemendo e sofrendo. Você, como seu amigo, faz o quê? Sacode e o acorda, certo? Pergunta: E onde se encontram mais pessoas? Para ele o sofrimento era rea l, mas era um sonho. As pessoas estão s onhando, o Monge Genshô – Acredito que nas igrejas Evangélicas. Porque existe a promessa papel dos Mestres é sacudir seus ombros e despertá-los da ilusão. de prosperidade que é o que as pessoas mais querem, dinheiro, carro, casa etc., e nesse tipo de igreja você obtém isso muito rápido, basta fazer uma doação, é a chamada fast religion. No Zen além de não se obter bens materiais, você ainda precisa de anos olhando para a parede. Pergunta: E onde posso encontrar o Zen? Monge Genshô - Basta ir a alguma comunidade Zen do Brasil. Nesses locais você se reúne com outras pessoas e pratica meditação, participa de cerimônias e ouve palestras. Mas sempre seremos poucos. Para vocês terem uma ideia, no começo desse mês aconteceu um retiro em São Paulo com o Mestre Saikawa Roshi, reconhecidamente um Mestre de iluminação, e havia apenas vinte pessoas. Pergunta: Existe esse reconhecimento, esse termo de “iluminado”? Monge Genshô – Em minha opinião ele é uma pessoa iluminada, um alto grau de iluminação. Mas esse tipo de pergunta não é feita, se você lhe perguntar, ele responderá que não. A atitude dos Mestres Zen é diferente, se você disser a ele que se decepciona com suas ações ele dirá, ”Eu também”. Pergunta: Só gostaria de complementar minha pergunta sobre o papel do Zen nas artes, talvez tenha sido muito genérica minha pergunta. Nós vivemos num mundo que nos condiciona, que guia nossos pensamentos para o passado e futuro, ansiedade e depressão, mas o Budismo oferece o zazen que é um caminho duro através do qual podemos alcançar o despertar. O que resta quando se desperta, o que resta do sentido da vida quando se desperta, o que faz valer a pena seguir esse caminho?
AS QUATRO NOBRES VERDADES Monge Genshô Historicamente, logo depois que Shakyamuni despertou e tornou-se Buda, ele levantou-se e foi em direção aos amigos que treinavam com ele, estes eram em número de cinco, cinco meditantes e praticantes de severas disciplinas acéticas, como Buda havia sido. Naquele tempo ele havia se tornado extremamente magro quase ao ponto de morrer. Ele dizia que tocando seu abdômen se podia sentir a coluna. Ele é representado então, num estado de quase morte, com a pele sobre os ossos. Mas ele havia aceitado comida e sentado para meditar, tinha abandonado as práticas acéticas severas de jejum. Uma vez iluminado, ele procura seus antigos companheiros de prática e os encontra. Quando eles o vêem aproximar-se, comentam entre si, “lá vem aquele que abandonou a prática!” mas, um deles se levanta e começa a fazer chá e eles recebem Buda.
�zeram quimioterapia e cirurgia. Quando ele esteve aqui no restaurante, esta va sem cabelos, sobrancelhas e bastante abatido. Então, antes de ontem ela me procurou e disse, “Um mês atrás tudo estava bem. Hoje, ressonância magnética e metástase tão grande no abdômen que torna uma cirurgia totalmente dispensável e inútil, ele morrerá em no máximo sessenta dias, tudo que podemos fazer é sedá-lo”. É claro, ela estava muito perturbada. Ela pensava “O que irei fazer depois, �car na cidade, ou quem sabe ir de novo para São Paulo e tentar outro tratamento... Se não adiantar será mais sofrimento, ele ainda não sabe e terei que lhe contar. Ele irá passar o �nal de semana estudando para as provas �nais do curso, ainda há sentido em estudar? Penso que ele queira �car por aqui, pois seus amigos estão aqui, em vez de morrer em um hospital em São Paulo sozinho. O que eu faço?” Não existe nada que se possa dizer numa hora destas. Deixe que ele decida. Numa hora dessas o melhor mesmo é dar sedativos para diminuir sua dor. Há pouco tempo era só esperança, hoje é sofrimento e desesperança. Nós sabemos o que irá acontecer. Haverá um momento de negação, depois aceitação, tudo termina, ela terá que recomeçar sua vida, talvez volte para perto de seus parentes, então, todo o mundo em seu entorno desaba, mas depois tudo pode recomeçar. Nós sabemos que é assim que é a vida.
Essa pequena estátua em minhas mãos, foi feita com terra desse lugar onde Buda ensinou. Então Buda inicia um discurso, um ensinamento chamado “As Quatro Nobres Verdades”. E é sobre ele que vamos falar hoje, o mais básico dos ensina- Foi isso que fez Buda sair de seu palácio e procurar a solução para a angústia do fato de saber que tudo é assim mesmo. Todos que estão sentados nessa sala são mentos do Budismo. Diz ele: pessoas condenadas à morte, é só uma questão de tempo. Para alguns, como eu, “A Primeira Nobre Verdade é que a vida é insatisfatória”. Em geral é traduzido mais próxima. Para os que são mais jovens, parece que tem muito tempo, até pacomo, “a vida é sofrimento”. Mas não é exatamente isso que Buda quis dizer, a recem imortais, nos sentimos como imortais quando jovens. Por isso os jovens palavra que ele usou foi duka. Duka vem da raiz duk, que signi�ca eixo. Naque- arriscam coisas que os mais maduros jamais arriscariam, pois parece que nunca la época já se usavam rodas, carroças e eixos. Imaginem duka como um eixo vai acontecer nada quando se é jovem. descentrado, um eixo que não está bem no centro da roda, então a roda sobe e desce porque não está exatamente no centro. Isso é o que a vida faz conosco, ela Então, a primeira consideração de Buda é de que a vida sobe e desce e não tem tem ciclos, às vezes em cima, às vezes embaixo, às vezes de um lado, outras de como evitar esse fato. Ela não é só sofrimento, é também euforia, alegri a, prazer, outro, ela varia. de repente uma paixão. O dia que você descobre que o amor que sente por uma pessoa é correspondido, esse é um dia de grande felicidade, mas depois esse Todos nós passamos por momentos agradáveis e felizes c omo também por mo- amor acaba, e vem o outro lado da vida, depressão, angústia e sofrimento. E a mentos mais tristes. Isso é inevitável, porque a vida é duka, insatisfatória, cíclica, vida segue subindo e descendo. cheia de sobes e desces. A primeira coisa que temos que reconhecer é que a vida tem tristezas e alegrias, e que nem um nem outro são permanentes. Dois dias E a pergunta de Buda é: “Por que tem que ser assim”? Como ele queria uma atrás uma amiga nossa, que é médica, passou por aqui e nos contou que seu solução, temos a “Segunda Nobre Verdade” - não há efeito sem causa. Todas as marido há seis meses foi diagnosticado com câncer no pâncreas e este tipo de coisas têm uma causa. Nosso sofrimento tem uma causa. Ele chama essa causa câncer tem altos índices de mortalidade. Em um dia tudo estava bem, ele cheio de trecna, em sânscrito, sede, literalmente, sede. de planos, estudando, estava para se formar, foi ao banheiro e sua urina estava alaranjada. Então foi fazer exames e: câncer no pâncreas. Eles foram à São Paulo, Nós podemos traduzir por apego, ânsia, forte desejo. Esse apego, essa sede, nos
leva a querer e desejar determinadas coisas e estamos dispostos a tudo por causa dessa sede. Sacri �camos imensas coisas por causa de nossos desejos. Somos capazes de trabalhar por muitos anos para adquirir bens, sendo que vencer na vida signi �ca ter um carro, uma casa e ter capacidade de adquirir muitos bens materiais. Algumas pessoas são capazes de sacri�car dias e anos para obter coisas pelas quais ansiavam. Parece que o objetivo esta lá l onge e quero chegar lá, então val e todo o sacrifício. E enquanto se está no sacrifício, não se vê a felicidade, só o sacrifício. Quando alcançamos o nosso prêmio, imediatamente ele começa a perder a graça, era tudo que a gente sonhou, mas a alegria por conquistar dura pouco. Estudos feitos com pessoas que ganham grandes prêmios na loteria mostram que elas �cam felizes por algumas semanas e quando se analisa a pessoa anos depois, ela é tão feliz quanto era antes de ganhar o prêmio, porque na realidade nosso nível de satisfação e felicidade está dentro de nossa mente, não fora, não importa o que lhe dêem, continua tudo igual. Muitas vezes colocamos nossa felicidade em “se eu conseguisse isso ou se conseguisse aquilo”.
nhecido. Temos tanto medo disso que criamos todas as fantasias possíveis e imagináveis para escapar: almas, paraísos, religiões e crenças, tudo onde possamos nos agarrar para que nosso “eu” possa continuar. O Budismo vai dizer que não, não tem como o “eu” continuar, ele é construído. O que vai acontecer é que todas as chamas, todas as energias, continuarão sendo transmitidas de um lugar para o outro, por isso não podemos sumir daqui, porque somos chamas, somos um quantum de energia e esse quantum continuará, gerará outros “eus” e outras vidas e vocês terão que lidar com essas novas vidas exatamente como lidaram com a atual, e começam sem saber nada. Só tem uma coisa que você leva com você: seu carma, seus impulsos, seus desejos, seus apegos, seus medos fundamentais. Tudo aquilo que forma o caráter e a personalidade, continuam. É fácil dizer como era você na sua vida anterior, se alguém quiser saber como era na vida anterior eu posso dizer agora, você era igual ao que você é agora. Você era o mesmo. Mesmos apegos, desejos, medos, mesmos tipos de impulsos, exatamente assim, por isso continuamos.
Todos os efeitos têm causa, a causa de nosso sofrimento é originária de nossos desejos e apegos. Quanto mais forte nosso apego, maior nosso sofrimento. É como se vocês olhassem em suas casas e dissessem: “dessas coisas que eu tenho, quais poderia me desfazer sem sofrer”? Esse é um bom teste, “Eu posso perder tudo, ou não”? Se eu não puder perder tudo, é porque coloquei minha felicidade nessas coisas. E onde eu coloquei minha felicidade e meu coração, lá estará meu sofrimento. Deixe, pelo menos, sua felicidade nas coisas nobres, como as pessoas que você ama, mas não nas c oisas, elas não valem tanto, já bastam os grandes apegos que temos pelos nossos amores.
E Buda prossegue com a “Terceira Nobre Verdade”: se todos os efeitos têm uma causa, posso cessar o efeito removendo a causa. Eu posso eliminar os efeitos dessa sede e a insatisfatoriedade provocada por ela, se eu remover a sede. Se eu remover a ânsia, o desejo e as paixões, eu removo o sofrimento.
Esse meu conhecido que recebeu a notícia de que morrerá dentro de sessenta dias, hoje certamente está sofrendo muito, pois todas as suas expectativas desmoronaram, mas tem uma coisa que é a raiz desse sofrimento, ele ama seu “eu”, a si mesmo, sua existência, sua individualidade e é por isso que ele tem medo da morte, porque tem medo de perder todas as coisas às quais seu “eu” se liga. E mais: ninguém sabe ao certo como é depois, pois a morte é um grande desco269
Por sermos capazes de perceber como é o sofrimento do outro, podemos nos compadecer junto e compreender o que é o sofrimento. Só os psicopatas não percebem o sofrimento do outro, mas eles têm uma doença que lhes impede de perceber, por isso são capazes de cometer crimes e fazer maldades. Mas é uma porção muito pequena da humanidade. Mesmo entre os animais existe empatia e solidariedade, e quanto mais avançado na escala evolutiva, mais empático. 270
Não é difícil. É como se eu tivesse criado por essa estátua um grande apego, ela veio da Índia e nos foi dada, e nos foi dito que foi feita de terra proveniente do lugar onde Buda ensinou. Muito precioso. Então um dia, alguém a deixa cair e ela se quebra. Podemos ter uma atitude, “Quebrou! Temos que juntar os cacos e jogar fora”, ou então, “Como você foi tão descuidado, era a estátua de Buda feita Você deve saber e lembrar-se disso, meu sofrimento está exatamente onde se com o barro de onde ele ensinou”! E isso estragaria o nosso dia. A raiz desse encontram os meus apegos. Buda quis deixar bem claro que todos os sofrimen- sofrimento é fácil de identi�car, apego à estátua. Se não houver apego não há tos têm uma causa e você sempre pode se perguntar: “Onde esta a causa do meu sofrimento, mas, com a estátua é fácil, não é? Porque temos uma coisa chamada sofrimento”? empatia, capacidade de nos colocarmos no lugar do outro.
Chimpanzés, gol�nhos, elefantes, baleias, todos os animais mais inteligentes manifestam empatia e capacidade de sofrer ou ajudar o outro, mesmo a um custo alto para si mesmo. Nós temos capacidade de perceber, mas mesmo assim não há como escapar do fato de que o sofrimento é causado pelo apego que nós criamos, mesmo no caso nobre de um amor. Temos que desenvolver na nossa vida também um exercício de desapego progressivo com as coisas materiais e, no �m, se formos capazes de desenvolver um desapego ao nosso próprio “eu”, seremos capazes de, iluminadamente, morrer muito bem. Por isso a mestre Zen Charlotte Joko Beck, registrou em suas últimas palavras antes de morrer: “Isso também é maravilhoso”. Isso é o saber que está morrendo e achar maravilhoso, isso é o desapego de seu próprio eu. Todos os amores, todas as coisas que temos são prolongamentos do nosso eu. Tentamos agregar, juntar a nós mesmos esses “eus”, esses anexos ao “eu” e é por eles que sofremos quando morremos. Então, ter uma profunda compreensão de que o sofrimento sai da nossa sede, da nossa ânsia, mas ele pode desaparecer através da eliminação dessa sede, do desapego, é o grande segredo de uma felicidade plena. Então surge uma pergunta: “Se o Budismo diz isso, ele está preconizando uma frieza, um distanciamento ou um pessimismo”? Não, não é. Se você olhar, vai perceber que a história do Budismo é exatamente o contrário, é a única religi ão que jamais patrocinou guerras, jamais abençoou canhões. Todas as vezes que budistas se envolveram com momentos assim, envergonharam o Budismo. Alguns homens que defenderam o nacionalismo no Japão, por exemplo, na segunda guerra mundial, são hoje motivo de grande crítica e vergonha, porque isso contraria a tese básica de Buda. Na “Quarta Nobre Verdade”, assim como Buda alinhou que a vida tem a característica de insatisfatoriedade, que todo efeito tem uma causa e que a causa desse efeito é nossa sede, apego, ânsia, implica que se abandonarmos a sede, nos tornamos livres e, uma vez livres, nos compadecemos dos sofrimentos de todos, porque esse sofrimento passa a ser compreendido como ilusão, a ilusão do sonho. O sofrimento da minha amiga pelo marido que irá morrer provém do sonho, o sonho do amor, o sonho de ser separado, o sonho de que a vida termina. Se a vida não termina e na realidade estamos todos juntos e esse fenômeno - nós agora - “eu”, é pura ilusão, então não existe isso, a sensação de um “eu” é mero 271
fenômeno, não é o �m de nada. Se alcançarmos esse tipo de compreensão o sofrimento todo se esfuma. Mas, por que sabendo que é assim, ensinamos o Dharma? Ensinamos o Dharma porque todos estão sonhando e nesses sonhos têm tristeza, acordar desse sonho é livrar-se do sofrimento e da tristeza. Então qual é o papel dos mestres? É sacudir os ombros dos que dormem, para que eles acordem. Como um amigo que tem um pesadelo e sofre, geme e sua, mas o quando o acordamos ele diz, “Ah, era só um sonho”! Era só um sonho, mas tinha sofrimento, não tinha? Todos estamos sonhando e porque estamos sonhando nós estamos sofrendo. Se despertarmos, diremos: “Ah, era só um sonho”, e o sofrimento desaparecerá. Isso é iluminação. Mas não quer dizer que os sonhos não tenham sofrimento. Os Budas vêm ao mundo porque existe sofrimento, porque existem sonhos e os próprios Budas são seres de sonhos. Eu sou um ser de sonho falando para seres de sonhos. Por isso todos são Budas em potencial, basta acordar. Na quarta nobre verdade Buda diz: “Existe um caminho para o despertar e sair do sofrimento”. Então ele começa a ensinar o chamado “Nobre Caminho Óctuplo”. PERGUNTAS Pergunta: Sobre a questão do desapego, que é uma di �culdade grande, principalmente na questão familiar: Eu saí de casa com quinze anos e mesmo assim ainda sou super apegada, qual seria a orientação, eu me preparar desde já, ou deixar para o dia em que essa separação de fato aconteça? O que é recomendável, você já ir se afastando? Monge Genshô - Não. Essa é a vida que você tem, usufru a da sua vida o máximo que puder. Não se afaste, mas saiba, um dia seus laços com sua família terminarão, você pode sofrer intensamente, mas saiba que vai passar. É necessário saber sofrer. Em vez de dizer “fuja do sofrimento” eu diria “sofra inteiramente”. Eu não diria para minha amiga fugir do marido e deixá-lo sofrer sozinho. Não, �que ao lado dele, até o último momento. Fique com ele e sofra completamente, isso será uma excelente lição. Seja quanto tempo for. Viva cada momento da vida, não fuja do sofrimento, cada momento da vida é único e insubstituível e tem que ser vivido agora e com plenitude. Não praticamos para o passado ou futuro, praticamos para viver o presente completamente. Uma vez estava em Brasília e vi um �lho brigar com a mãe. Então eu disse a ele: “você nunca sabe quando será a ultima vez”. 272
Pergunta: Só queria comentar que devemos nos desapegar daquilo que nos causa sofrimento, enquanto não houver sofrimento não há do que se desapegar. Quando o Senhor fala das relações de família, acredito que cada momento deva ser vivido plenamente... Monge Genshô – É que tem uma coisa a ser entendida: você não sofre pelo amor, não é isso. Você sofre por causa do apego, o amor mesmo é altruísta e um bom exemplo é: você tem um �lho que ganha uma bolsa para estudar na Europa, longe de você, será ótimo para ele, mas você vai deixar de vê-lo, o que você diria? “Não vá e �que para que eu não sinta sua falta” ou diria “vá e aproveite”? Tem gente que não consegue dizer vá. Já vi uma mãe dizer “Você não vai” e a �lha respondeu “Me impeça se puder”. Essa é a diferença entre amor e apego, o apego tem egoísmo e o amor pode ser altruísta. Você sofre por amor? Sofre, mas seu sofrimento é produzido pelo apego. Mas se você ama, pode deixar alguém morrer, não pode? Porque chega um momento que a gente tem que ir embora. Pergunta: Uma pessoa que sofre por apego, como ela deve agir com isso, como ela deve se portar com essa pessoa que tem esse apego com ela, deve, por exemplo, corresponder ao apego? Monge Genshô – Ela deve amar, mas sem apego, tem que ser altruísta, mas tem que compreender também o apego do outro. Por exemplo, você tem uma mãe velhinha apegada a você, você deve entender, se você conseguir explicar é melhor, mas se não for possível a explicação, você só aceita, o que mais se pode fazer? Normalmente quando acontecem essas situações a gente tenta explicar, mas existem casos em que não se tem que explicar nada. Quando vem alguém e diz: “Meu marido esta com câncer e vai morrer”, não posso olhar para a pessoa e dizer, “Você sabe que isso acontece com todo mundo, é da natureza e...”, não posso fazer isso. Ela está trazendo seu sofrimento para você, não quer ouvir lógica. Quando você encontra alguém que está sofrendo, não tem que dar explicações, tem que abraçá-la, o que as pessoas precisam nessa hora é de consolo. Não vá a um velório e diga, “Ah, isso é assim mesmo, todos morreremos”. Tem uma história de um Mestre Zen que estava caminhando numa rua e tinha um velório e as pessoas estavam muito tristes, chorando. Então ele entrou no velório e começou a chorar e seus discípulos �caram esperando do lado de fora. Depois de algum tempo ele saiu e os discípulos perguntaram: “Mas o senhor conhecia esse homem”? “Não”! Foi a resposta do Mestre. “Mas então porque o Senhor fez isso”? “Eles estavam tão tri stes que me entristeci com eles”.
Em outra história, um Mestre Zen recebeu uma carta contando sobre a morte de um familiar. Ele sentou-se e começou a chorar desconsoladamente. Aproximou-se um Monge, seu discípulo e disse: ”Não acredito mais no Senhor, o Senhor vem com um monte de ensinamentos sobre desapego, e agora recebe uma carta dizendo que alguém da família morreu e �ca aí chorando desse jeito desesperado”! O Mestre fechou a carta, virou-se para o Monge e disse: “Escute seu idiota, estou chorando porque quero”! Virou-se de costas, abriu a carta e voltou a chorar desconsoladamente. Isso responde sua pergunta. A vida é assim, nós estamos vivendo a vida, não somos escravos da vi da, somos conduzidos por ela, podemos ser livres, mas p odemos ser livres para tudo. Para nos emocionar, sofrer, partilhar, com coragem. Com toda a coragem.
A PRÁTICA E A ILUMINAÇÃO Monge Genshô
dourada envolveu todas as coisas” ou ainda “subitamente uma grande alegria me invadiu e todas as coisas que pareciam ter importância, dei xaram de ter. As coisas da vida passaram a se r apenas eventos como de um sonho, e enxerguei o fundo da vida. E o relevante nesse “fundo da vida” é algo diferente do que penVamos comentar um pouco sobre o que é a prática e o que é a iluminação. sara até então”, descrições como ”sinto-me conectado a todas as coisas e o receio Existem duas grandes correntes no Zen. Uma delas é a que considera que a práti- da morte despareceu completamente”. ca em si, é a iluminação. Essa corrente tornou-se bastante forte e muito popular entre monges e mestres. Ela tenta deixar de lado o que é o “kensho” ou o “satori” As experiências de “kensho”, as experiências místicas de despertar, são às vezes como eventos místicos e psicológicos de grande profundidade, e essa corrente experiências fugazes, nós as temos durante um tempo curto e elas desaparecem, dentro da Soto Zen se concentra na prática em si. Ela diz - “não pense nada, seus efeitos desaparecem. E mesmo que possamos ter enxergado as coisas como não procure nada, não ambicione, você deve se concentrar na forma”- ou seja, elas realmente são e nos sintamos invadidos por uma enorme alegria, contenentre no zendô com determinado p é, faça o gasshô concentradamente, procure tamento e felicidade, aquele evento torna-se uma lembrança, nós o perdemos, a forma perfeita, sente-se ereto, quieto na melhor forma possível, não se mova, porque nossa prática ainda não é su�cientemente forte. Chamamos essas expefaça seu oryoki com a máxima precisão, faça seu mudra ce rto, não o deixe torto, riências de “kensho” - experiências místicas. Mas quando passamos a ter expenão faça nada que não seja perfeito, procure a perfeição no seu ato, conserve sua riências místicas por muitas vezes e mudamos a nós mesmos, de tal maneira boca fechada em silêncio, pratique o silêncio da prática do sesshin, não deixe sua que elas tornam-se acessíveis com facilidade, podendo ser chamadas a qualquer mente se dispersar, tente seguir cada coisa com a máxima precisão. momento, aí temos o “satori”. Essa corrente, portanto, diz que a prática é a iluminação. Não é propriamente a corrente da nossa linhagem. A nossa linhagem, a linhagem de Saikawa Roshi, é uma linhagem que dá ênfase a outro lado, que é do acordar, da experiência mística. O que caracteriza os mestres dessa corrente são as perguntas como – “Quem sou eu”? – ou – “Qual era minha face antes dos meus pais terem nascido”? – nossa corrente enfatiza a procura da experiência mística.
Se você possui o “satori”, possui a “capacidade de estar iluminado”, ou de “iluminar todas as coisas com uma luz clara e lúcida”. As paixões não são mais o que nos arrasta, porque nossa visão lúcida tornou tudo bem fácil de ser interpretado. Há muitos graus diferentes no satori. Você pode obter a iluminação e ela alterar apenas alguns aspectos da sua vida, mas não todos. Pode ser uma mera lucidez, mas você pode continuar sendo movido pelas emoções normais da vida e você terá que fazer algum esforço para recuperar aquela situação de iluminação. Mas A “forma” nessa corrente é importante, mas se há qualquer engano ou erro, ele o mais alto estágio seria a quele em que tudo mudou. Seu rosto mudou, suas atinão é tomado como erro capital, mas sim um erro que acontece, “não faço per- tudes mudaram e suas emoções mudaram. feito, ninguém faz perfeito”. Tentamos, mas não é nada trágico se alguém troca o pé ao entrar na sala. Ele se distraiu, mas a gente sabe que naquele momento a À medida que o processo de iluminação vai se aprofundando, as emoções vão mente dele viajou e ele não fez certo, e não fazemos disso um grande aconteci- mudando, até chegarmos ao ponto em que não existem mais emoções nos armento. Em vez de dizer – “faça certo, preste atenção” - os mestres desta linha- rastando, não há mais ventos nos levando de um lado para outro. É por isso que gem dizem – “tente, se errar não tem importância, na próxima vez a gente faz essa situação chama-se “nirvana”. Atingir o nirvana é não ter mais ventos nos melhor”. Os ritos e as cerimônias são importantes, são relevantes, mas não são a arrastando. Nessa situação, situação de um Buda, não há qualquer energia com carma su�ciente para forçar uma nova manifestação. Você precisaria escolher essência da prática, o sentido é a experiência mística, é ela a iluminação. retornar, não precisa retornar, não tem energia para retornar para esse mundo, Mas como é que se procura a experiência? Procura-se a experiência através do não tem paixões su �cientes para fazer com que esse mundo o atraia. E assim, zazen e de procurar acordar, enxergar a realidade da vida através de uma expe- não há carma su�ciente para gerar um nascimento e uma identidade. Entre o riência pessoal. Difícil de descrever, mas a experiência é caracterizada por emo- primeiro despertar e uma iluminação completa há uma distância bastante granções, por percepções, insights profundos. As descrições são um tanto obscuras de. como dizer - “subitamente céus e terra desabaram com estrepito” ou “uma luz
Mas nós que viemos ao sesshin e nos sentamos para fazer zazen, viemos com um propósito - sentarmos em zazen para que nossa mente seja limpa. “Sesshin” quer dizer “consertar a mente ou reunir a mente que está dispersa”. Nós viemos para praticar de uma forma dura o su �ciente para criar alguma experiência dentro de nós. Por essa razão a prática está cheia de silêncio, para que nós não sejamos arrastados por ventos, por isso é tão importante não falar, não conversar, porque tudo vai nos mobilizar. Nós podemos gostar de uma palavra que alguém diz e podemos não gostar de uma palavra, uma atitude, de qualquer coisa, e isso vai atrapalhar nosso sesshin. Então o sesshin deve ser profundamente solitário e silencioso. Fazemos toda a prática, sentamos e, cada vez que sentamos no zendô, tentamos nos livrar de todo passado e futuro, tentamos �car ali. Só tem uma coisa que realmente existe; esse vento movendo as árvores, o ruído do regato, ou pássaros que cantam... Mas assim que isso acontece, deixa de acontecer e vamos avante, são sons com muito poucas marcas que nos mobilizam, diferente das palavras e das expressões dos outros que podem nos mobilizar. A iluminação ou o despertar não signi�ca nos desligarmos da vida, em absoluto. Signi�ca mergulharmos mais profundamente na vida, na realidade da vida. Não signi�ca abandonarmos a nós mesmos, ou tudo que fazemos. Ontem alguém me disse que se abandonássemos nosso “eu” não realizaríamos coisas. Eu apontei o fato de que os Mestres e monges trabalham e tentam fazer coisas no mundo, modi�cando-o, portanto estão muito empenhados, estão inseridos no mundo. A frase preferida de Saikawa Roshi é “enjoy your life” - aproveite sua vida. Usufrua de sua vida, goste de sua vida. “Joy” em inglês tem alegria dentro, usufrua de sua vida com alegria. O amor que você tem, os �lhos, as pessoas a quem você ama. Quando sentar para comer, coma com alegria e aproveite cada bocado completamente. Durma com prazer, sente no zazen com prazer. Aproveite cada pequeno som que você ouve. Essa vida é preciosa, insubstituível, é para ser aproveitada com intensidade. Na realidade o que o Zen diz é que quando nós estamos sonhando, pensando, viajando, não conseguimos aproveitar a vida como ela é. Sentamos para comer e não conseguimos sentir o gosto da comida porque estamos pensando em outra coisa. Deveríamos fazer as coisas completa e dedicadamente, muito envolvidos naquilo que estamos fazendo. A vida é preciosa e maravilhosa, devemos saber vivê-la completamente.
perdas passadas, se terão comida amanhã, ganhos futuros, di �culdades, ou até na unha encravada que dói e não aproveitam, não comem realmente. As pessoas que vão dormir deitam e pensam em qualquer coisa e não dormem bem, demoram em dormir porque estão ansiosas, preocupadas, realmente não dormem. Eu, quando sinto fome, como. Quando sinto sono, durmo”. Podemos estender isso para qualquer atividade da vida. Para tomar banho, fazer amor, pegar uma criança no colo, abraçar um amigo. Se você estiver completamente dentro daquilo que você está fazendo, você está vivendo de verdade, está vivo. Os outros não estão vivos realmente, não estão acordados, estão dormindo um sonho qualquer de depressão, de ansiedade, angústia ou de tristeza e até o desejo de que a vida fosse diferente do que é nesse momento. Mas essa é a vida que você tem e esse momento é tudo que você realmente tem. Nós nos perdemos nos sonhos do ego, à todas as coisas que estão anexadas ao nosso “eu”, nossos impulsos e desejos, nosso carma que nos trouxe para cá. Nossos desejos de reconhecimento, nossos desejos de cargos, desejos de glória e fama. Kodosawate Roshi disse que “o pior vício do ser humano é o desejo de fama”. Poder, coisas que nem são materiais, mas pelas quais os homens estão dispostos a fazer tudo. Para conservar o p oder ditadores podem jogar fora o dinheiro que acumularam ou roubaram de seus povos, matar pessoas, mandar bombardear, fazer qualquer coisa, como podemos ver nesse mundo de hoje. Esse desejo de poder e fama é um desejo terrível. Às vezes nos perdemos com desejos, e �camos infelizes atrás de uma casa nova, um carro ou qualquer coisa. Esse “estar perdido” é frequente quando olhamos as crianças pequenas que ainda não aprenderam a esperar. Se você disser – Não, agora não, chocolate agora não, depois do almoço, daqui a vinte minutos, depois que você comer eu lhe dou essa barra de chocolate – então elas começam a chorar desesperadas, muito infelizes, pois querem o chocolate agora, não conseguem esperar um instante. Isso é uma falta de clareza da percepção de como o tempo transcorre.
Mas nós adultos também nos perdemos, não vemos a vida com clareza porque não percebemos que a morte ilumina a vida. Se nós colocássemos as coisas numa perspectiva de que vou morrer em uma semana – O que é relevante agora, o que eu realmente faria, o que seria importante? – Aí as coisas ganhariam uma perspectiva diferente. Nós vemos que pessoas que passam por exper iências mais Existe um dialogo bem famoso; perguntaram a um mestre – “Mestre como é a radicais de vida, ou o anúncio de uma doença grave, podem passar a ver a vida iluminação”? - e ele respondeu - “Quando sinto fome, como, quando sinto sono, com mais clareza depois, porque ela se esvazia das coisas minúsculas, das coisas durmo” – e o discípulo disse - “Mas isso é o que todo mundo faz” - e ele disse – que não tinham importância. Quando as pessoas estão no leito de morte perdo“Não, não é. As pessoas sentam para comer pensando em outra coisa, em suas am todo mundo, é freqüente isso, é freqüente estar l á e não ter mais importância
a briga que eu tive com meu irmão por causa de um terreno ou de uma herança, não tem mais importância, porque o que eu quero morrendo, é me reconciliar com meu irmão. É comum ouvir um médico dizer que ele vê no leito de morte as pessoas se importarem com as reconciliações e não mais com as coisas, porque eles não levarão as coisas. É claro que haverá aqueles que estão morrendo e pensarão que vão levar suas coisas e �cam desesperados pensando em como fazer isso. Li um conto, uma vez, de um homem que era muito rico e pediu para ser jogado no mar. Ele mesmo preparou seu caixão. Ninguém sabia o que ele havia feito da sua fortuna. Até que decifram o que ele fez: Pegou todo seu dinheiro e comprou platina, que é mais caro que ouro, e fez seu caixão de platina. Sem que ninguém soubesse do que era feito o caixão ele foi jogado ao mar com todo seu dinheiro. Isso pode acontecer. Mas isso conduz a um renascimento com o mesmo tipo de angústia, só que sem a platina. Vai ter que acumular e procurar de novo e pode repetir isso por mil vidas sem nunca se libertar. Então o que é acordar? O que é iluminação? A iluminação é despertar de um sonho. Nós estamos mergulhados em um sonho, o sonho de nossa identidade. Eu acho que sou eu, eu estou me importando com as coisas do “eu” aqui e agora. Não estou enxergando a unidade de todas as coisas, a interconexão, o fato de que todas as coisas e eu somos um e, como não enxergo isso, estou sonhando e esse sonho do “eu” que tanto amamos, da nossa identidade pessoal, é nossa perdição. Por isso, quando Buda se ilumina, ele diz para o vulto dele mesmo: “tu não me enganas mais!” porque quem nos engana somos nós. PERGUNTAS Pergunta: Esse abandono do eu e do ego e a vontade da vida, isso pouco confuso...
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Ninguém chora as folhas que caem no outono, pois nós sabemos que a vida produz primavera, mas quando olhamos para nós mesmos, confundimos o “eu” com a vida. Nós pensamos que é o “eu” que vive a vida, e não é i sso. A vida é que nos vive. Somos a própria vida. E por isso, porque a vida está sempre continuando, nascimento e morte também são ilusões. Não há como você ir embora daqui, você é a vida. Então esse seu “eu” temporário é só um evento extemporâneo da vida como um todo. É como o quebrar das ondas do mar, como as folhas que caem e viram húmus, é como as nuvens que chovem. Se uma nuvem vira água e chove ninguém diz – “Coitadinha da nuvem, virou chuva”. Nós sabemos que a chuva cai, que as plantas crescem por causa disso, que nós vivemos por causa disso, um dia evapora e volta a ser nuvem. Não damos nomes às nuvens e dizemos que elas têm identidades e não falamos – “Lá vai a nuvem Joana, coitada, vai morrer hoje, pois esfriou e ela vai chover até se acabar” – só fazemos isso conosco e fatos assim, revelam nossa cegueira. Pergunta: Por quê? Monge Genshô - Porque o “eu” é muito nítido, muito forte, você abre os olhos e vê os outros. Você tem ouvidos e ouve sons. E você pensa “Ah, isso sou eu!” Isso não é você, isso são sons, é a visão, são os cheiros. Porque você pensa que é o que ouve, o que vê, o que cheira, o que prova. Nós pensamos que nossas mentes somos nós mesmos. Essa conformação mental é nossa consciência, que pensa como Descartes: “Penso, logo existo”. Eu penso, logo eu existo. Não é isso. Eu penso, só penso. Esse pensar não fez um “eu”. Assim como a chuva que cai não faz nada, não faz um “eu”. Nós pensamos, só pensamos. Esse pensar nos atrapalha, cria a ilusão de um “eu”. Por isso sentamos e tentamos fazer com que nossa mente se acalme. Porque quanto mais ela cogita, mais ela se agarra à sua identidade e tem medo que sua identidade desapareça. Tem tanto medo, que cria fantasias religiosas, como: Eu vou continuar para sempre, eu tenho uma alma eterna. Quem morre não sou eu, é só o corpo, eu continuo depois. Vemos isso nos desenhos animados. Tom, o gato, morre, e a alma dele vai saindo do corpo e ele consegue agarrá-la pelo rabo e a puxa de volta. Nós criamos essas fantasias, que dizem que existe uma alma, mas não existe uma alma eterna. Nós somos o movimento da vida. Nós somos eternidade. Nós temos continuidade sim, há continuidade, não há com ir embora. A morte é uma ilusão.
Monge Genshô - É porque pensamos que o “eu” é que vive. Mas não é o “eu” que vive a vida. A vida é que nos vive. Nós somos a própria vida. Não é um “eu” que está vivendo a vida. Não é uma folha numa árvore lá fora que está vivendo a �oresta, é a �oresta que produz folhas. Nós somos a própria �oresta, não somos folhas. As folhas nascem e morrem. Seria muito tolo que uma folha se sentisse muito infeliz porque amarela e cai. Nós diríamos que a folha é tola, pois se torna húmus, nasce de novo, ela é a própria vida, não há nenhuma tristeza nas folhas Pergunta: Então porque a vida inventou o pensamento? que caem das árvores.
Monge Gensho – A vida não inventou o pensamento. O pensamento é só uma função da vida. Porque as plantas fazem fotossíntese? É uma função das plantas fazerem fotossíntese. Porque nós temos sentido, os nossos sentidos nos dão informações. Eu toco e percebo, esse contato produz uma sensação, essa sensação viaja pelos meus nervos até meu cérebro e assim eu tenho uma percepção – “Ah, o braço da cadeira” – essa percepção junto com outras percepções, faz as formações mentais. Porque eu tenho percepções mentais, eu crio uma consciência que diz – “Eu sinto o braço da cadeira” – preciso do “eu” para sentir o braço da cadeira. Não quer dizer que o “eu” seja uma coisa inútil, precisamos dele para viver, caso contrário não poderia falar, me movimentar, fazer as coisas. Só que confundo o “eu” com minha verdadeira natureza. Minha verdadeira natureza não é o “eu”. Minha verdadeira natureza é a unidade de toda a vida. A minha verdadeira natureza não é contato, percepção, sensação, formação mental, consciência. O “eu” é construído com esses sentidos. Mas, se eu tirar isso, o que resta? É por isso que os homens inventaram as religiões, porque eles �cam apavorados com essa sensação, “meu eu irá desaparecer, eu sou o meu eu”! “Quem eu sou se tirar o eu”? Então surge a angústia, a angústia da morte, porque todos percebem que os corpos se desfazem, a gente morre, mas a gente quer que o “eu” continue.
Uma solução dessas tornou-se muito popular e é muito mais bem sucedida que as religiões que a antecederam, que não tinham soluções assim. Havia os Deuses do império romano ou grego, que eram seres humanos que maltratavam homens, e as pessoas �cavam submetidas aos desejos desses deuses, que eram não racionais ou não bondosos. Você era joguete dos deuses, era uma solução falha. O cristianismo tem todo o mérito de viver com uma solução que tudo resolve. Mas o Budismo não tem essas soluções. A idéia do Zen Budismo é: vou tirar todos os tapetes e bengalas nos quais você se apóia. Não há nenhum salvador e não há perdão, o que você fez tem conseqüências e essas conseqüências são inescapáveis, não há ninguém lá fora para socorrer você. O Budismo diz que você está enganado quando pensa que você é um “eu”. Você é muito mais que isso, se você sair desse enredamento, você se liberta. O dedo do Budismo aponta para liberdade, para o despertar. Mas ele exige grande esforço, nada virá de graça, através de uma concessão divina ou intervenção de alguém. Você tem que trabalhar para se libertar. É o que a gente faz no sesshin. Não existe um caminho fácil no Budismo, todo ele tem esforço. E não existe nenhuma promessa de fé ou qualquer coisa assim, não existe mágica no Budismo.
Pergunta: É uma questão da religião última, o Budismo não deixa de ser também uma das religiões que buscam uma resposta para a morte, porque de Por isso criamos as histórias de paraísos, reencarnaçõ es, almas eternas. Nós que- alguma forma que seja, mesmo que sem as bengalas, ele busca uma resposta. remos uma solução para todas as coisas da vida. As religiões mais bem sucedidas O que seria não buscar resposta nenhuma? são as que apresentam uma solução mais bem acabada, mais fácil. Imaginem a religião mais popular no nosso meio que é o cristianismo, nos trouxe um con- Monge Genshô - Quando Buda sai na sua busca, ele sai com a mesma angústia ceito que o evangelho Cristo não ensina, mas que é criado depois por seus su- de todos. Por que nascemos, envelhecemos, adoecemos e morremos? Por que cessores, principalmente Paulo. A ideia de um Deus que veio à terra, que é um me sinto angustiado com isso? Ele quer a solução desse problema. Só que em salvador e que carrega os pecados do mundo. Isso resolve todo problema cár- vez de colocar a solução numa crença, ele põe tudo em termos de raciocínio e mico, pois eu não pago mais pelos meus pecados, há um salvador que paga para treinamento. Então o Budismo é treinamento da mente, libertação do homem. mim. Eu �z algo errado, eu matei, mas me arrependo, vem um salvador e paga O Budismo recusa as soluções fáceis, as crenças. Toda essa questão do “eu” é pelos meus pecados e eu não preciso pagar as consequências. Ou seja, eu retiro puramente lógica. o carma, pois tem um salvador para pagar por mim. Pergunta: Nesse caso entra a �loso�a, o pensamento, a mente e o “eu”. Então Isso retirou dos homens a culpa, porque o pecado tem perdão, tem um salvador, como �ca a questão de como quebrar o “eu” e ao mesmo tempo pensar �lotem um redentor. Vejam que isso é uma solução muito bem sucedida, pois as- so�camente, sendo que a �loso�a tem o “eu” dentro? sim, você está liberto de todas as consequências, de todos os seus pecados. Vai para o paraíso ser feliz para sempre, para toda a eternidade. Nunca mais nenhu- Monge Genshô - Primeiro há raciocínios, é o que chamamos de “ensinamenma morte... Para sempre, pela eternidade sem �m sempre com um eu, minha to provisório”. Primeiro raciocinamos. Basta observar para ver que você nem precisa morrer para perder seu “eu”, basta �car doente, perder a memória, por alma pessoal junto da divindade. É a solução, �ca tudo resolvido. exemplo, e não saber mais quem é, como tantas vezes já foi explicado. Mas de-
pois, vem a solução �nal de Buda, que não é uma solução baseada no raciocínio, mas em uma experiência mística. Ele senta para meditar e enxerga. Então, na prática, o que o Budismo diz é que aquilo que Buda fez - sentar-se para meditar e perceber com clareza a verdade e dize r para o seu “eu” - “você não me enganará mais”. Essa experiência é acessível para todos, todos têm a condição de Buda, todos somos Budas; só precisamos fazer a mesma coisa: sentar, meditar e acordar. Quando acordamos, subitamente surge uma grande felicidade e todos os problemas da vida parecem bobagem, podem se evaporar como fumaça. Inclusive o grande problema da morte.
alguém morrer nesta posição. Então ele fez uma postura de ioga de cabeça para baixo e morreu. E o corpo dele não caía, então, como os discípulos não queriam mexer no corpo, mandaram chamar uma irmã dele. Quando ela entrou no quarto disse – “Você a vida inteira fazendo palhaçada e agora ainda morre de c abeça para baixo, saia logo dessa posição” – só então ele c aiu e puderam enterrá-lo.
Essas histórias têm algo de mítico evidentemente, mas elas têm uma intenção ao serem contadas. É que nós levamos tudo muito a sério, e parece, na realidade, que no Zen nunca se levou muito a sério essa questão. Como dizia Dogen – “O tempo de viver é só o tempo de viver, o tempo de morrer é só o tempo de morPara aquele que enxergou a unidade, a morte não existe. Posso falar isso para vo- rer”. cês: o medo da morte desaparece como mágica. Não tem mais importância. Por isso aquela história de um general que invade uma cidade, chega a um templo Por favor, sentem-se em zazen, não se levem muito a sério, tentem se livrar de Budista, encontra um mestre e �ca indignado porque o mestre não tem medo, e vocês mesmos. Essa é a nossa chance. Sesshin é uma grande oportunidade de com sua espada suja de sangue lhe diz – “Você não vê que posso l he matar num ter uma experiência mais profunda. Por isso fazemos um zazen atrás do outro. instante”? – e o mestre lhe responde – “E você não vê que eu posso morrer num Não desperdicem o zazen. Essa aventura de despertar é a aventura principal. Só instante”? ela pode nos livrar dessa prisão de eternos retornos, de manifestações humanas sempre começando. Existem tantas histórias de mestres Budistas que simplesmente morrem – “Eu chamei vocês aqui porque hoje irei morrer” – então senta e m zazen e morre. Às vezes �co imaginando, não estou preparado para ser um Buda e não estarei, de forma que sei que vou voltar. Já tentei fazer uma combinação com meu �lho, Esse mestre tibetano que morreu, Chagdud Rinpoche, fez suas coisas de forma tento ser um bom pai pra ele e digo assim: “quando eu for renascer quero reinteressante também. Ele estava doente, isso foi há al guns anos, há uns dez anos. nascer como teu �lho, então preste atenção, me trate bem”. A gente vive e morre Ele chamou os alunos e disse: “Eu vou dar um curso sobre como morrer”. Cerca e depois, sem memória nenhuma do que aconteceu no passado, só guardando de duzentas pessoas foram fazer o curso com ele. O curso estava marcado para nossos impulsos, e meus impulsos não são lá essas coisas, então, de repente, terminar às 18:00 hs, mas ele continuou ensinando e falando sem parar até as só carregando isso, me ver de novo como um bebê, tomando mamadeira sem 22:00 hs, então levantou-se e disse – “Bem, agora eu vou embora”. Foi para seu nenhum guia, só meus impulsos. Por isso temos que trabalhar nossos impulsos, quarto, sentou em zazen e morreu. O corpo dele continuou sentado em zazen e nossa maneira de ser, nosso caráter, porque nós só conservamos isso. O carma os tibetanos acham que não se pode mexer em um mestre que morreu assim, en- só leva impulsos, não leva o “eu”. quanto o corpo não cair. Eles tiveram de convencer os médicos da Secretaria da Saúde, que apesar dele estar morto, o corpo não poderia ser tocado, era um sinal De forma que, pela tradição, nos manifestamos de novo carregando impulsos, de respeito. Os médicos compreenderam e �caram todos no quarto esperando. por isso cada pessoa que nasce é diferente, pois carrega seus impulsos, só os Após seis dias o corpo empalideceu e caiu. Foi então retirado para cremação. temos e mais nada. Não dá para dizer, “eu sei que isso não dá certo e vou tentar evitar”. A gente tem os mesmos impulsos. E aqueles que têm egos, apegos e deNo Zen as histórias são um pouco mais verídicas. Vocês viram o �lme sobre o sejos, por causa disso, sofrem. Nós sofremos, nós desejamos coisas. Desejamos Zen onde acontece a morte de Eihei Dogen. Tem uma história muito interessan- segurança, �lhos, amores, uma boa família e quando as coisas não funcionam te sobre um mestre que era muito brincalhão, chamou seus discípulos e pergun- como desejaríamos, nós sofremos. Essa é a raiz do sofrimento, aquilo que desetou-lhes – “Vocês já viram alguém morrer deitado”? – e todos responderam que jamos e esperamos. Se não tivéssemos nenhum desejo ou esperança, não exissim, e – “Já viram alguém morrer sentado”? – E a resposta foi a mesma, e – “Mas tiria nenhuma expectativa para ser frustrada. Nós sofremos por expectativas e de cabeça para baixo”? – e os monges responderam que nunca haviam visto frustradas.
Pergunta: E quem gosta de sofrer? Entendo que a gente goste de sofrer por isso estamos aqui, pelos impulsos de sofrimento e de coisas boas, não só coisas ruins, existem as coisas boas também...
teremos a compreensão de que a vida é assim, cresce, adoece e morre. É da natureza.
Monge Genshô – Nesse caso nós poderíamos dizer – “Ah, meu �lho morreu, é como uma folha que caiu” – mas isso não é realista. Na verdade você sofre e sofre Monge Genshô - Eu penso que a resposta esteja dentro da pergunta - nós gosta- mesmo, se entregue ao sofrimento e sofra de verdade, porque faz parte da vida. mos de sofrer - por isso estamos aqui. Vêm coisas boas e ruins juntas. Nós queremos amores, mas nos metemos neles e sabemos que eles terminam. Junto com Pergunta: Me veio à mente a imagem do �lme de Dogen, que quando ele a aquisição do amor vem o sofrimento da perda. É assim para qualquer coisa que morre todos os monges caem em pranto. Naquele momento eles choram nós guardemos. Eu sempre gostei muito de livros, mas os livros velhos que tenho compulsivamente, sofrem e muitos já estariam até iluminados, já teriam estão se desfazendo. As folhas vão �cando amarelas, existe uma acidez no papel uma compreensão, já sabiam que ele iria morrer e mesmo assim sofreram. que o vai destruindo. Para conservar ser ia necessário um ambiente climatizado, uma bibliotecária cuidando. Esses dias vi um livro com uma dedicatória escrita Monge Genshô - Já conversei com meu mestre sobre esse assunto e a resposta é por meu pai, há mais de cinquenta anos, se desfazendo... e a escrita vai se desfa- sempre essa, no momento de sofrer, sofra. zendo junto com o papel, e em mim vem a sensação de que as coisas que a gente dá valor se desfazem. Junto com o presente, vem a deterioração do presente. Pergunta: Mas Buda falou em não sofrer, que foi essa a solução que ele foi buscar. Nós sofremos porque temos apego excessivo aos desejos, às coisas e Então, junto com todo o prazer, junto com todas as coisas boas, vêm as perdas ás pessoas e por isso sofremos, mas se você não tiver o apego, você chora, mas e o sofrimento. Estão inextricavelmente ligados. A vida não é só sofrimento. A sem sofrer. vida é alegria, prazer e sofrimento. Uma bela garrafa de bebida e amigos dando risada, no outro dia virá a ressaca, dor de cabe ça; vem tudo junto, não tem como Monge Genshô - A melhor história para isso, talvez, seja a do mestre que recebe escapar. A gente não consegue separar uma coisa da outra. Um �lho nasce, você uma carta com o comunicado de uma morte na família. Ele senta-se numa peo ama, um dia ele vai embora e você �ca sozinho. Um dia ele casa com uma nora dra e começa a chorar. Um discípulo vai até ele e faz esse discurso – “Mas como, que você não gosta e a nora não quer que ele venha na sua casa. Com o �lho o Senhor nos ensinou sobre apego e agora o recebe uma carta sobre a morte de vem junto a nora. Está tudo conectado. Junto com a saúde vem a doença. Tem alguém da família e está aí chorando”? - o Mestre dobra a carta olha para ele diz um corpo forte, um atleta. Noutro dia velhice, juntas que não funcionam, artrite, – “Escuta aqui seu idiota, estou chorando porque quero” – vira-se para o outro decadência física. lado e volta a chorar. Esse é o Zen. Pergunta: O senhor começou sua palestra falando sobre aproveitar sua vida, seja feliz pelo momento e �quei pensando, não tem como não sofrer, até o mestre iluminado se a mãe dele morrer, irá chorar. Então seria assim, eu aproveito minha vida, não signi �ca deixar de viver para não sofrer, então vou aproveitar ao máximo minha vida, vou amar, mas eu sei que o sofrimento vem junto. Na verdade amar e sofrer seriam duas coisas iguais? Monge Genshô – Sim, é verdade, estão dentro uma da outra. E aproveite sua vida já que você tem uma vida. Quando tiver sofrimento, sofra. Morre sua mãe, o que você faz? Chora, não há mais nada para ser feito. Pergunta: Mas se compreender, não chora. Compreende e não chora. Porque
SOMENTE DEPOIS DE DESISTIRMOS Monge Genshô Somente depois de desistirmos de ter um eu próprio é que podemos estar libertos. Como usamos olhos de eu para olhar as coisas, é necessário tirar esses olhos e colocar os olhos de Buda para olhar o mundo como ele é. Esse mundo que é visível com os olhos de Buda é o nirvana, é este mesmo, não é outro lugar, é aqui. Então toda a infelicidade e insatisfação que temos no mundo e em tudo que fazemos, só tem um lugar de origem, nossa mente. É essa mente que gera tudo isso. E nós temos a capacidade, a habilidade de, mudando nossas qualidades mentais, mudar esse mundo inteiro completamente. Por isso que dizemos no zen, “quando um homem se ilumina o universo inteiro se ilumina”, o universo dele, aquele que ele olha, não existe mais nada que não seja iluminado naquele universo, porque ele pode ver as coisas como realmente são e não as coisas como nós acalentamos. Então a pura felicidade já está presente e disponível, aqui e agora, nesse momento, nas próprias coisas que fazemos. Nos nossos trabalhos, nas nossas viagens, nos relacionamentos a pura felicidade já está aqui. Só não a percebemos porque temos um mente que não aceita com tranqüilidade absoluta. Eu estava lendo um ensinamento de um famoso mestre chinês que morreu com 101 anos e ele recomendou à uma mulher apenas uma coisa, que dissesse para tudo que acontecesse, que assim seja. E ela então começou dizer “assim seja” para todas as coisas. Para a morte do marido, para a morte do �lho, para cada coisa que aconteceu. E ao dizer “assim seja” aceitando tudo plenamente, sem nenhuma reação, sem nenhum sentimento de oposição, com perfeita equanimidade mental, ela atingiu a iluminação, atingiu a completa libertação. A libertação estava disponível, só era necessário mudar sua mente para uma mente de pura aceitação, que podia aceitar todas as coisas tais quais elas se apresentam. Aceitar as coisas tal como se apresentem é uma maneira de transformar o samsara em nirvana. Isso não signi�ca, em absoluto, não agir no mundo, signi�ca sim, agir no mundo, por que não? Agimos no mundo da maneira correta apenas, vendo o mundo como ele é e tentando agir no mundo tranquilamente, da melhor maneira. Vivenciando o mundo e reagindo ao mundo com a mente mais tranqüila possível, com a melhor aceitação possível, só então nós treinamos a nossa mente. Esse treinamento começa na meditação, por isso na meditação sentamos e podemos fazer muitas coisas. Simplesmente sentar e ouvir os sons do mundo, e aceitar os sons do mundo tais como eles se apresentam, sem nenhuma reação de bom, ruim, certo, errado, gosto, não gosto, aceitar completamente tudo que
acontece enquanto estamos sentados respirando. Pergunta: Isso é o não eu? Monge Genshô – Se conseguir ouvir o sons como se eles se apresentassem e passassem sem nenhum julgamento, não haveria nenhum eu julgando. Isso é um treinamento para a plenitude, é o samadhi. É necessário transportar essa mente da meditação e levá-la para fora. Treinamos sentados primeiro porque é mais fácil, �camos quietos, imóveis, nosso corpo não se move então não geramos carma de corpo, �camos em silêncio, então não geramos carma de fala. Silenciamos nossa mente simplesmente aceitando até nossos próprios pensamentos, que eles se apresentem e que vão embora, não lutamos com eles, não os seguimos, não fazemos associações, não criamos histórias, �camos aqui sentados e aceitamos os pensamentos da nossa mente como meras nuvens passando no céu. O céu não é perturbado pelas brancas nuvens que passam. Se apenas aceitarmos sem nenhuma reação, como estamos treinando aqui, nos levantarmos e levarmos essa mente para fora e aceitarmos as palavras das pessoas, os acontecimentos com a mesma equanimidade que treinamos sentados mas se quando sentados formos bons praticantes, mas ao levantarmos nos transformarmos em pessoas reativas, não aconteceu nada, não levamos a prática para a vida ainda. Por isso é necessário que o praticante aja, que ele treine e lide com o mundo, senão o zen tornou-se inútil. Como a história do monge que foi para a montanha e meditou tranquilamente sozinho durante anos e sentiu-se perfeito e m sua tranqüilidade e serenidade. Um dia ele desceu até a cidade e foi até a feira. Lá um homem pisou no seu pé, ele virou-se com raiva e nesse momento entendeu que sua prática tinha sido falha, é claro que podemos ver quando sentados em meditação, pelos pensamentos que se apresentam, qual o estado de nossa mente. Mas, testar de verdade tem que ser na vida. Não tem como dizer que um monge é superior a um leigo, isso não existe. A questão é como eles agem no mundo, como são suas mentes, suas ações, então podemos dizer e o mestre irá reconhecer essa superioridade de prática. Quando estivermos sentados poderemos olhar e dizer quem ele é, quando estiver andando, falando ou comendo, nós poderemos ver, então aparece a qualidade espiritual. Nas ações. Não existe melhor para ver quem é uma pessoa do que um sesshin (retiro). Levantar de madrugada, comer com tigelas, os oryoki, �car cansado no zendo (sala de meditação), horas e horas meditando com a boca silenciosa. Ele não precisa falar nada, olhando as pessoas podemos ver qual é o estado de seu treinamento, ninguém consegue esconder. Pergunta: (...) Conforme a gente vai tomando consciência de todo esse pro-
cesso, vai dando uma angústia, a gente senta, medita, pratica, depois sente(...)mas como a gente consegue algo(...)?
o Zen é para pessoas com a cabeça em chamas. Então tem que haver angústia, porque só a angústia existencial mobilizou Buda para prática, porque estava angustiado largou mulher, �lho e foi para o meio da �oresta e treinou, só por isso. Monge Genshô – É porque queremos andar, esse é o grande problema, temos Então é necessária a angústia, a inquietude e o desejo de se libertar. Por isso esse objetivos, queremos alcançar algo, mas essa mente também é aquisitiva, é tam- sofrimento é um atalho para a realização espiritual. E um corpo humano é a bém apegada, ela quer obter algo para quem? Você quer obter algo espiritual- grande oportunidade, porque os homens tem as duas coisas, prazeres e dores. mente para quem? Para você. Então dentro desse objetivo existe grande ego, é uma mente que quer adquirir mais, um objetivo espiritual. Então há que sentar em meditação, sem ambicionar obter um resultado , então o crescimento espiritual poderá vir, há que sentar ardentemente, como se sua cabe ça fosse tomada pelas chamas. Quando estamos tomados por pensamentos, temos problemas e não podemos sentar para praticar, sentimos automaticamente que a impaciência e essas coisas começam a surgir. A vantagem do praticante é ver, “estou impaciente”. Então ele enxerga que sua cabeça está em chamas e tem que sentar para fazer tudo mudar. É necessário praticar meditação todos os dias, senão é como não tomar banho, só que em vez do corpo, �camos com a mente suja e começamos a perder as qualidades que estávamos cultivando antes, essa perda é rápida, é mais rápida do que o ganho. Embora quando retorna, o ganho seja mais rápido do que se nunca houvesse praticado. Não podemos minimizar o efeito de uma boa meditação de quarenta minutos, que é tempo que um praticante mais maduro deve fazer. Então essa prática para a vida diária vai mudando essas questões do que alcançar. Sentir que não alcançou nada também já é muito bom. Porque um dos grandes problemas de quem começa a praticar é pensar que atingiu algo, ele senta-se e pensa – Ah, eu adquiri serenidade – ou – Que bom, eu pratico meditação e sou mais sereno, sou mais “zen” – como se diz na gíria. Há até quem se ache iluminado. Mas isso não tem nada a ver com o zen. Sentar-se e adquirir serenidade é uma prática que poder ser feita de muitas formas e não precisa, em absoluto, ter um objetivo espiritual. A serenidade é apenas um subproduto do sentar-se quieto em meditação, nada mais que isso. É como muita prática de ioga que se faz hoje em dia e transforma-se em ginástica simplesmente, mas que não tem objetivos espirituais, é mera busca de poder e prazer, a ioga com objetivos espirituais é outra coisa. Então o primeiro que os alunos fazem quando se apresentam é sentar para meditar. Se você não �car sentado quieto quarenta minutos não vai ouvir nenhum ensinamento, e se não voltar não tem problemas, porque o Zen não é para cur iosos nem para pessoas que esperam resultados instantâneos ou uma panacéia,
SOBRE O CARMA Monge Genshô
insultando todo mundo. Eu conheço pessoas assim. Não conseguem escapar da situação de estarem sempre criando con�itos e, para qualquer coisa que acontece, explodem em insultos. Não é isso? Extremamente destrutivo. No fundo essas marcas, as energias de hábito, acabam gerando um próprio fruto que é a marca Carma signi�ca ação, em sânscrito. Consequência é Vipaka. Literalmente, em cármica, o Sanskara. sânscrito, Vipaka quer dizer fruto. Na verdade quando as pessoas dizem “isso é carma”, elas querem dizer “isso é Carma Vipaka”. São os frutos do carma. Você Quando você morre, você tem uma mente, com marcas. É isto que renasce. É comete uma ação, faz alguma coisa, e essas sim terão uma consequência, gera- isso que vai se manifestar no universo. Por quê? Porque as energias do univerrão fruto. Esse fruto vai germinar quando houver condições propícias. Não é so não cessam. A energia não desaparece. É a 1ª lei da termodinâmica. Lei da automático, pode não suceder nesta vida, nem imediatamente. Pode levar muito conservação da energia. Esta continua, ela só se transforma. Ou seja, a energia tempo para acontecer. daquilo que você fez, continua. As marcas que você tem, os impulsos da sua mente, continuam. Essa coerência, esse quantum de energia, essa onda cármica Você insulta uma pessoa, não acontece nada, sobretudo se você �zer isso numa que em última análise nós somos, com suas marcas, energias de hábito etc, e que cidade e for embora para outro lugar bem longe. O fruto dessa ação que nor- no conjunto diz-se “carma”, simpli �cando, para não dizer tudo isso, esse conjunmalmente é a raiva da outra pessoa, não atinge você. No entanto não signi �ca to todo vai se manifestar em um “ser”. que essa ação não está guardada. Nós dizemos então que são sementes. Sementes que estão guardadas. Sementes que irão fruti�car quando houver condições Quando um ser qualquer nasce, ele é herdeiro de uma onda cármica. Quando propícias. Haverá um fruto se houver água, terreno, etc. Por exemplo: se houver ele é herdeiro de uma onda cármica, vai nascer naquela família, naquela situacondições propícias e você encontrar essa pessoa, num determinado momento, ção, naquele país, porque tem carma para isso, está atraído por aquela manifesno futuro, aí pode ser que esse fruto aconteça. tação, por aquela genética, ambiente etc. Ou seja, a pessoa nasce num lugar para onde seu carma naturalmente vai. Você está aqui numa aula sobre o Dharma No entanto, dentro de você aconteceu a lgo com seu insulto. Em sânscrito, cha- porque tem carma para isso, se sentiu atraída por isso. Outros estão fazendo ouma-se “Sanskara”: a “marca cármica”. Essa é a marca que �cou dentro de você, é tra coisa. Quem sabe tem um churrasco? Com bastante caipirinha, etc.? E assim o seu hábito. São energias de hábito que estão dentro de você. Você insultou, não por diante. As pessoas estão procurando aquilo porque se sentem atraídas. Elas houve fruto direto. Mas há um hábito, o hábito de insultar. A mente que ofende. vão atrás disso. Sanskara, a marca cármica, as energias de hábito. Assim é também quando você nasce. Você é atraído para um determinado amEssas energias são sulcos dentro da sua mente. São marcas. Essas marcas ten- biente porque você morreu com a mente a�nada com aquele ambiente. Aí você dem a se repetir. Porque você marca e volta. Por exemplo: eu tenho um val e, um nasce lá. Por isso não é a genética que veio antes. É o carma. É por isso que com terreno. Um dia chove, a água corre no terreno. No início é um �letezinho, mas a mesma genética, irmãos são tão diferentes. se você corta a grama, etc, o �letezinho arrasta um pouquinho de terra e faz um sulco, uma marca. Quanto mais chove, mais água corre ali, mais funda �ca a Do ponto de vista budista, o carma não é obrigatoriamente de uma pessoa só. marca. No �m, é o “Grand Cannyon”. É uma enorme marca inescapável. A água Uma onda cármica pode manifestar dois seres. Gêmeos idênticos muito parecique cai, vai ao fundo, e não há nada que mude. A terra foi levada e virou um dos em sua constituição podem ser o mesmo carma, porque o carma manifesta grande buraco e não tem conserto. Isto é Sanskara; as energias de hábito criam “identidades”. Não são as identidades que carregam um carma único. Por isso sulcos, esses sulcos nos marcam e tendem a se repetir. não é uma questão de alma. É uma questão só de onda cármica. Assim, gêmeos idênticos podem ser muito parecidos em temperamento. À medida que eles vão se repetindo, mais fortes �cam as energias de hábito. A pessoa que fez o insulto pode não ter o fruto da ação, mas ela criou uma marca Então o carma vindo, manifesta um ser. E este ser começa a pe nsar, dar-se conta, que vai aprofundando. No limite, pode ser uma pe ssoa raivosa que está sempre os pais dão um nome. Aí eles dizem que seu nome é esse. Num dia, na infância,
você pula de “nenê quer isso” para “fulana” quer. E à medida que chega este momento, você vai criando uma noção cada vez mais sólida de um EU. Você estrutura seu ego e suas preferências, vai tomando escolhas, mas essas escolhas vêm marcadas por uma coisa anterior, de preferências que você tem, de marcas cármicas que você tem e que você não sabe de onde são. Por que essa pessoa gosta disso? Por que ela pensa assim? Ela tem uma herança cármica. O CARMA é que renasce, que manifesta um ser. E a cada vida nós nos esquecemos do nosso “eu”. Porque não existe uma coisa dentro de nós que é o nosso “eu” e que carrega carma e muda de corpo. Não é isso. É o carma do universo inteiro. Pode desaparecer a terra, o universo inteiro, mas os impulsos cármicos procurarão onde se manifestar no universo. É isso que acontecerá.
acreditar nela, porque o Budismo não pede que você “acredite”. Tudo é raciocínio lógico. Você não precisa aceitar nada. À medida que você for fazendo boas marcas, mudando seus hábitos, sua energia de hábito mudando suas marcas cármicas, você muda seu carma e, portanto, muda o mundo e você mesmo, determinando sua manifestação futura. Você muda já nesta vida. Você muda agora. Vai mudando. Na medida em que você treina a sua mente de outra forma, ela muda.
Posso te dizer com clareza, que todos nós temos dentro de nós tudo. Dentro de mim tem um assassino, pois, na época que eu treinava tiro, se viesse um assaltante, eu mataria. Tecnicamente. Dois tiros no peito e um na cabeça. Esta marca cármica �ca lá. Os jogos eletrônicos são exemplo disso. Não é inocente. Há a presença de marcas cármicas que são criadas na mente, ali. Jogar um jogo Então existe também um carma coletivo; você nasce num país, tem um carma violento no computador não é inocente, é criação de uma marca cármica na sua coletivo daquele país. Mas isso é determinado pelo seu carma individual. Você mente. Serão necessárias décadas de prática para ir amenizando. vai para lá, sente-se atraído para nascer lá. A única vantagem é de que “eu sei” como é a mente. Eu sei o que faz uma pessoa Já causalidade é outra coisa, não é causado pelo seu carma individual. É uma com arma na mão e esse treinamento. E ele vai fazer isso. Mas nós, seres humacondição da vida humana, pode acontecer um terremoto ou qualquer coisa e nos, somos extremamente maleáveis. De acordo com o treinamento que você não podemos dizer que isso seja culpa da pessoa ou carma, isso é causalidade, der, você faz outra mente. é outra coisa diferente. Você está sujeito a causalidades porque teve carma para nascer humano, e os humanos estão sujeitos a doenças, acidentes, etc. Então o que fazemos no Zen? Levamos a pessoa para um primeiro treinamento: Zazen. Primeiro vamos limpar. Limpa todo o passado, parar de pensar no fuDe certa maneira, contudo, carma tem a ver com causa e efeito. Você tem uma turo. Quando você faz isso, você corta duas coisas: o passado traz os remorsos, ação que causa frutos, mas em geral estamos dizendo “carma individual”, ação as culpas, etc. O passado é fonte da depressão. O futuro é fonte da ansiedade e intencional. Você fez intencionalmente, isso gera carma individual. decepção. Cria expectativas, se decepciona, se desilude. Por que você se decepcionou com alguém? Porque você alimentou uma expectativa. Você projetou As doenças podem ser as duas coisas. Porque se você tem uma conduta que gera um futuro e as coisas não saíram como você esperava. Essa sua decepção é ruim aquela doença, você vai colher os frutos daquela doença. Se você fuma e tem para você? Sim. Mas de onde ela vem? Da sua expectativa. Daquilo que você câncer de pulmão, você vai colher os frutos de fumar. É lógico. alimentou dentro de você sobre o futuro. Existe ação e consequência sim, mas quando falamos em carma, normalmente estamos falando de ação intencional, individual, que causa “marcas mentais” que modi�cam a mente e que, portanto, modi �cam a próxima manifestação. É este conjunto que interessa. Nós não chamamos de “alma” porque não tem um “eu”, mas existe uma continuidade da onda cármica no mundo. Existe uma continuidade. O Budismo não diz que não existe uma continuidade.
Vamos sentar em zazen. Como trabalhar tudo? Na psicologia, por exemplo, o trabalho é imenso. As pessoas �cam décadas falando para o terapeuta, elaborando, mexendo, etc, e não resolve. O que fazemos no zazen? A abordagem é oposta. Sentar aqui. Seja o que for que venha, deixe, não importa. O que nós vamos fazer é “formatar” o disco preenchido, apagar tudo e começar com outros condicionamentos. E todos os rituais e regras, pretendem criar condicionamentos mentais, porque a forma ou o ritual que fazemos no Zen nem têm tanta imO Budismo diz: continuidade existe, óbvio, mas, para sua prática, nem precisa portância e podem ser mudados, mas criam uma nova mente.