TEORIA DA HISTÓRIA
autor RODRIGO ROSA
1ª edição SESES rio de janeiro
2016
Conselho editorial
rodrigo rosa
Autor do original Projeto editorial
luis claudio dallier, roberto paes e paola gil de almeida
roberto paes
Coordenação de produção
paola gil de almeida, paula r. de a. a . machado e aline
karina rabello paulo vitor bastos
Projeto gráfico Diagramação
bfs media
Revisão linguística
bfs media
Revisão de conteúdo Imagem de capa
paulo fernando araujo de melo cotias
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Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário Prefácio
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1. História e a crise dos paradigmas
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1.1 O ofício do historiador 1.1.1 Os primeiros historiadores: os gregos 1.1.2 Ser historiador 1.2 A teoria na história 1.3 A fonte histórica 1.4 Historicismo 1.5 A Escola dos Annales 1.6 Escola de Frankfurt 1.7 Modernidade 1.8 Marxismo e Pós-Modernidade
2. Linhas conceituais do estudo da História 2.1.1 As primeiras formações econômicas 2.1.2 Europa feudal 2.1.3 A produção historiográfica 2.1.4 Liberalismo e revolução industrial 2.1.5 Capitalismo 2.2 Política e Sociedade 2.3 Cultura e Sociedade
3. Micro-história: indícios e singularidades 3.2 Micro-história: desafios 3.3 Micro-história: Brasil 3.4 Micro-história: diferenças
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3.5 Micro-história: social X cultural 3.6 Conceito antropológico aplicado à História
4. Metodologia aplicada 4.1 História oral 4.1.1 História da história oral 4.1.2 O registro da história oral 4.1.3 A história oral no Brasil 4.2 História e biografia 4.2.1 A história da biografia na história 4.2.2 A biografia hoje 4.2.3 A biografia no Brasil 4.3 História e imagem
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Prefácio Prezado(a) aluno(a), Nesse livro, escrito recentemente, o autor lança mão do diálogo com autores renomados e suas obras clássicas acerca do debate contínuo em torno do ofício do historiador, de como pensar e escrever a história. A intenção maior é apresentar ao acadêmico dos cursos de História das Faculdades Estácio e interessados, as teorias da história e seu processo de transformação ininterrupto, o qual gerou, gera, e gerará, conflitos entre “antigas” e novas teorias, resultando em paradigmas, os quais invariavelmente, povoam a cabeça dos historiadores de qualquer tempo, de qualquer vertente. Paradigmas da teoria em história há e são muitos. Dentro das ditas Escolas - veremos no decorrer do livro algumas como a dos Annales, a de Frankfurt, entre outras, surgem novas teorias cuja embate com teorias anteriores, origina os paradigmas da ciência da história. Os paradigmas são muitos: m uitos: o historicismo, o positivismo, o marxismo, a história social, e serão abordados nessa publicação. Como disciplina, a teoria da História faz parte do rol das disciplinas que podem ser classificas como técnicas, pois as teorias são as técnicas que o professor – que é também pesquisador – da história se deparará no despenho de sua profissão. Conhecer a(s) teoria(s) da história possibilita ao egresso dar continuidade a sua formação, atuar como pesquisador, bem como desempenhar seu papel como educador com segurança. A disciplina Teoria da história propõe então pensar-se no ofício do historiador trazendo à reflexão aspectos cruciais de sua atividade, como a narrativa em seus textos, e todo o arcabouço teórico surgido em torno dela, a narrativa, ser ou não resultado imprescindível da pesquisa em história. Na organização dos capítulos, discutiremos o conceito global de teoria e as teorias da história, se não todas – e não serão todas – ao menos as mais discutidas; em seguida as fontes é que serão objeto de nossa leitura e discussão, num breve apanhado histórico, notaremos que a ampliação do que é fonte e sua aceitação, ainda hoje gera estudos e debates acalorados; avançaremos em seguida para as escolas mais representativas da historiografia contemporânea: Annales e Frankfurt;
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O historicismo não passará em branco nessa publicação, recebendo um capítulo dedicado a ele, igualmente o paradigma modernidade, conceito tão abundantemente usado; por fim, o texto da presente publicação passará pelo paradigma marxismo e pela pós-modernidade que comporão um outro item Bons estudos!
1 História e a crise dos paradigmas
1.1 O ofício do historiador 1.1.1 Os primeiros historiadores: os gregos Heródoto, conhecido como o pai da história, não foi, de fato, o primeiro a escrever a história. Segundo GLASSNER (1993 apud HARTOG, 1999), “a história (...) começa na Mesopotâmia, com a monarquia de Agade (2270-2083 a.C.), a primeira a unificar o país sob sua autoridade e a recorrer a escribas para escrever sua história.” Por isso, LE GOFF (2003, p. 9) enfatiza em seu texto que “Heródoto seria, senão o primeiro historiador, pelo menos o ‘pai da história’". Acontece que essa história produzida por Agade da Mesopotâmia era objetiva, tutelada pelo Estado, sem liberdade. Os escribas eram contratados para tomar nota daquilo que fosse vontade e de interesse político do monarca, era uma produção vinculada à pessoa Agade, portanto submissa ao seu interesse, moldada ao seu bel prazer. Quanto à escrita de história da tradição grega, iniciada cerca de quinze séculos após a tradição Mesopotâmica – Heródoto é do século V A.C –, o próprio Heródoto, no começo de sua produção, fez uma investigação não voltada diretamente ao passado, mas voltada ao presente que lhe circundava, desencadeando desse olhar no tempo presente a busca pelo passado, surgindo aí sua narrativa do passado. Heródoto foi, posteriormente, reconhecido como o pai da História, o primeiro historiador. Suas Histórias, contudo, eram pesquisas, investigações sobre as causas do presente, sendo por essa busca que ele se voltou para o passado. A História, como estudo do passado, deriva, portanto, de uma busca da compreensão do presente e só por um uso metafórico é que se passou a designar História o estudo do passado. (PINSKI, 2004, p.82)
Heródoto demorou a ser entendido como o Pai da História. Até ao menos o começo do século XX havia escolas cujo conceito acerca de Heródoto era de ele ser um mero contador de histórias, e muitas dessas narrativas tão absurdamente ornadas que levantavam suspeitas de sua veracidade. Mas, com o passar das décadas, a visão acerca de Heródoto mudou radicalmente, sendo que hoje, não raro, ele e seu método são citados em estudos sérios.
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Mas será preciso voltar ao passado, salvo na medida em que ele interessa ao dia de hoje? Apenas com vistas ao futuro dediquemos todos os nossos esforços à tarefa presente - ganhar virtude através de provações é nossa herança - e não mudemos de costumes somente porque agora fizestes um certo progresso em termos de riqueza e poder (não é justo que atributos ganhos graças à pobreza sejam perdidos por causa da prosperidade). Deveis ir à guerra confiantes por muitas razões: o deus falou através de seu oráculo e ele mesmo prometeu ajudar-vos; todo o resto da Hélade juntarse-á a vós na luta, em parte por temor e em parte por interesse; finalmente, não fostes os primeiros a romper o tratado, tanto assim que o deus, ao mandar-vos para a guerra, já o considerou violado; ireis, portanto, defender o tratado contra uma ofensa já cometida. Os tratados não são rompidos por quem luta em defesa própria, mas por quem ataca os outros sem ser provocado. (TUCÍDIDES, 2001, p.72)
Tucídides era grego de Atenas, escreveu história, aos olhos de muitos, em especial dos historiadores do século XIX, de maneira mais científica que seu conterrâneo Heródoto. Contemporâneo de Heródoto, porém um pouco mais jovem, Tucídides, durante algum tempo, rivalizou com Heródoto o status de ser o Pai da História – aliás, durante ao menos a maior parte do século XIX, as referências ao classicismo dirigiam-se à obra de Tucídides. G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 1.1 – Heródoto.
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1.1.2 Ser historiador O ofício do historiador é a pesquisa do passado, e o passado é a chamada história! Assertiva direta e objetiva que nos passa a falsa ideia de ser a atividade do historiador uma tarefa simples, dada sua pretensa objetividade: pesquisar o passado. Mas há percalços nessa relação fonte X historiador, há dificuldades imensas no caminho entre buscar a fonte, encontrá-la e interpretá-la à luz da(s) teoria(s) de história.
Nos tempos de Heródoto e Tucídides, a história tem sido escrita sob uma variada forma de gêneros: crônica monástica, memória política, tratados de antiquários, e assim por diante. A forma dominante, porém, tem sido a narrativa dos acontecimentos políticos e militares, apresentada como a história dos grandes feitos de grandes homens – chefes militares e reis. Foi durante o Iluminismo que ocorreu, pela primeira vez, uma contestação a esse tipo de narrativa histórica. (BURKE, 1998, p.11)
Na prática de seu ofício, o historiador esbarra diuturnamente com inúmeras dificuldades, ressalvando-se o já mencionado aspecto teórico. Depara-se, por exemplo, com a subjetividade das fontes. Toda fonte histórica – e tudo pode ser uma fonte histórica – foi produzida num contexto sociocultural específico, com intenções temporais e locais e propósitos definidos, restando-nos então apenas uma certeza: uma fonte nunca foi produzida para um historiador, e tampouco o historiador pode usá-la como uma verdade suprema, como uma narrativa definitiva de um evento sociocultural, ou de um tempo passado, com a narrativa perene de uma época! Não, não foram mesmo. Boa parte daquilo aceito como fonte na contemporaneidade sequer foi produzida em seu tempo com o pensamento de ser, de fato, uma fonte histórica. Cabe ao historiador debruçar-se sobre essas fontes, relacionar-se com elas, interpretando-as, buscando verdade(s) a partir de seu repertório teórico metodológico e, como resultado dessa complexa relação, apresentar uma narrativa, que é, a rigor, o resultado de qualquer pesquisa histórica, e que não se deve ter a pretensão de ser a narrativa definitiva. Acerca da narrativa pairam, em inúmeros debates, dúvidas, a meu ver descabidas, se a narrativa é mesmo a função primordial do esforço de pesquisa de um historiador.
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O historiador vai a campo com mais dúvidas do que certezas, com mais indagações do que respostas, mas, dentre as poucas certezas que o ofício nos garante, está a de nunca almejarmos como resultado de uma pesquisa uma história TOTAL, definitiva daquilo que se pesquisou. Uma história verdadeiramente total neutralizar-se-ia a si própria; seu produto seria igual a zero. O que torna a história possível é que um subconjunto de fatos tem, num dado período, aproximadamente a mesma significação para um contingente de indivíduos que necessariamente não viveram esses fatos e que podem mesmo considerá-los há vários séculos de distância. Portanto a história nunca é a história, mas a história-para. Parcial mesmo quando se proíbe de sê-lo, permanece inevitavelmente parte de um todo, o que ainda é um modo de parcialidade (STRAUUS, 2008, 286)
Encontram-se correntes que sugerem a história afastar-se do conhecimento científico, tornando-se uma arte, ficando assim o historiador livre para abandonar o rigor metodológico e o posicionamento teórico, despindo-se de reflexões. Talvez porque esteja na moda afastar a história da ciência e aproximá-la da arte, o que joga a preocupação teórica e crítica da elaboração do conhecimento histórico num plano inferior, insignificante até. A consequência da indistinção entre prática empírica e trabalho historiográfico especulativo é a ausência de reflexão sobre a natureza da disciplina ou ‘ciência histórica’ (GAMBI, 2014, 119)
1.2 A teoria na história Teorizar é uma ação de examinar minuciosamente uma realidade, movida pela necessidade de abstrair e também por aspectos inerentes ao ser humano, que sejam, por exemplo, a expectativa de descobrir, descortinar. Tudo isso executado de forma organizada, regida por princípios e por regras preestabelecidas. Qualquer teoria, em qualquer dimensão do conhecimento – da ciência por excelência –, é a definição de uma das visões de mundo que regem um determinado ofício. Peguemos, por exemplo, o historiador, alertando-os de antemão: não há apenas uma teoria, seja a ciência que for, e tampouco há um número
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definido de teorias para uma ciência. As teorias podem surgir e desaparecer, sem que haja necessariamente acordo entre os cientistas de uma dada ciência. E, mesmo assim, não há apenas uma forma de ver o mundo que a totalidade dos membros de um conhecimento científico, como a história, compartilhe em uníssono. G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 1.2 – Pensador.
A importância da teoria para a ciência e para a humanidade está na sua relevância para os avanços sociais. Conforme Pereira (1982, p.82), “A atividade humana precisa de um respaldo teórico, crítico, tanto para os avanços dos projetos humanos como para que nos livremos da mediocridade”, ou seja, sem o suporte teórico e crítico para se produzir conhecimento, corre-se o risco de imperar nas relações humanas o “achismo”, em que qualquer um, a qualquer tempo, terá – ou se sentirá com – propriedade de expressar sua opinião acerca de qualquer dimensão da vida, sem haver um arcabouço que lhe confira um mínimo de seriedade. Quanto à opção por uma teoria no campo científico – no nosso caso, por uma maneira de escrever história –, é pessoal e está de modo direto ligada à visão de mundo do historiador, a qual influenciará sobremaneira a visão que o historiador terá da história. Entretanto, não se pode perder de vista: uma teoria está indissoluvelmente ligada ao racional e à ciência. Formas de ver o mundo são inúmeras, mas,
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quando não estão relacionadas à racionalidade e à cientificidade, continuam sendo formas de se ver o mundo, mas não configuram teorias – como, por exemplo, as religiões, que são formas de ver o mundo, porém ligadas ao sobrenatural, à emoção, e não à busca de respostas, de se produzir conhecimento. Em história, uma teoria é definida por RUSEN como: Uma “teoria da história” consiste justamente na análise da pretensão de racionalidade da ciência da história. Ela é uma “teoria” da ciência da história no sentido do conceito clássico de teoria, que nada mais significa do que a análise de um determinado conteúdo em busca de suas determinações racionais manifestas. (RUSEN, 2001, p. 13)
A teoria da História, cuja primeira relação foi com a filosofia, desde fins do século XIX e fortemente no XX, vem relacionando-se cada vez mais com outras ciências do âmbito social. Os modelos de análise dessas outras disciplinas, com ênfase na antropologia e na sociologia, frequentemente ajudam o historiador a pensar sobre a teoria da própria história. Por fim, mas não em menor grau de importância, as letras também corroboram enormemente com a História.
1.3 A fonte histórica A definição do que é uma fonte histórica, de como o historiador deve relacionar-se com ela, ou seja, o próprio papel do historiador diante da sociedade é constantemente questionado pela sociedade e igualmente pelos próprios historiadores. Essa crítica e autocrítica permanente ao ofício do historiador resultam em mudanças nos paradigmas da história. A definição do que é uma fonte histórica transforma-se no tempo. O uso das fontes também tem uma história porque os interesses dos historiadores variaram no tempo e no espaço, em relação direta com as circunstâncias de suas trajetórias pessoais e com suas identidades culturais. Ser historiador do passado ou do presente, além de outras qualidades, sempre exigiu erudição e sensibilidade no tratamento de fontes, pois delas depende a construção convincente de seu discurso. (PINSKI, 2004, p.10)
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No século XIX em especial, os ditos historiadores positivistas, outrora denominados metódicos, viam o documento, apenas documentos oficiais, escritos e submetidos ao crivo da legitimação. Ao historiador metódico então cabia tão somente encontrar o documento histórico, organizá-lo e não dialogar com ele, não questioná-lo, por vezes a produção histórica limitava-se ao ato de compilar tais documentos e publicizá-lo. Portanto, hoje, uma fonte histórica é qualquer produção material do homem ao longo do tempo, qualquer vestígio deixado pelo homem é uma fonte, ou, como diz o termo mais usado para definir uma fonte: um documento. Não somente a herança material é fonte; a imaterialidade, manifesta na tradição, na linguística, nos modos de fazer, entre outros, também serve de suporte para a narrativa do tempo, para a construção do conhecimento da história. No passado, antes mesmo do surgimento do registro espontâneo da produção cultural humana, do surgimento da escrita, portanto da geração de “documentos”, o homem do paleolítico deixava marcas as quais hoje se tornaram fontes arqueológicas para o estudo da história. Desse tipo de fonte podemos exemplificar as marcas deixadas nas pedras e cavernas. Grifadas por homens sem pretensões de relacionar-se com o futuro, hoje são fontes primordiais para tentar entender o homem daquele tempo.
Hoje há fontes documentais, tanto oficiais – que, em geral, estão em arquivos públicos e/ou estatais – como privadas; ainda existem as fontes arqueológicas,
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vestígios materiais de civilizações por vezes extintas, bem como de práticas culturais já inexistentes; abundam as ditas fontes impressas, em geral os periódicos: jornais e revistas, os quais, não raro, se apresentam parciais e com interesses próprios bem postos e, outrora, porém, são produzidos sob um discurso de parcialidade. Num tempo mais próximo do nosso, por volta dos anos 1970 no Brasil ao menos, sendo assim relativamente recentes, dá-se o reconhecimento das fontes orais, vestígios das memórias das pessoas. Fontes biográficas, outrora amplamente usadas, que num passado não muito distante de nós caíram em desuso e agora, no tempo presente, voltam à tona com certa primazia. Por fim, podemos citar as fontes mais contemporâneas, as ditas fontes audiovisuais, que vão desde fotografias, rolos de filmes, até o material digital, surgido no final do século XX.
1.4 Historicismo O historicismo é uma teoria de fins do século XVIII. Apresentava-se como uma reação contra o pensamento filosófico social do racionalismo. Opunha-se ao iluminismo e às suas propostas “radicais” de mudanças nas instituições – aliás, a conservação daquilo que existia no seu tempo não somente fazia parte do discurso do historicismo, como também advogava pelo retorno de instituições cuja existência já não havia, eram instituições extintas. Entendiam os apregoadores do historicismo que a sabedoria tradicional gozava de autoridade a qual os Iluministas não poderiam simplesmente desprezar. Para eles, as revoluções francesa e americana, fonte de inspiração do Iluministas, eram motivo de desconfiança, descrença. Por isso os historicistas se autodenominavam antirrevolucionários, deixando aflorar em seu discurso seu alto conservadorismo. Demorou para os historicistas mudarem um pouco sua visão política. No começo do século XIX, eles acentuaram sua posição, paulatinamente, à economia capitalista, tornando-se inimigos da economia de mercado, pregando, inclusive, um nacionalismo marcante. Os historicistas relutavam em aceitar o Homem como um ser cujo pensamento estivesse invariavelmente ligado à busca do sucesso puramente material. Tal qual outros paradigmas, o historicismo teve abordagens não uniformes, mantinham a essência, mas variavam em alguns aspectos. Independentemente
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de pequenas variáveis dentre as escolas (alemã, inglesa, estadounidense), todas tinham um “mal” comum: a economia. Todas as categorias de historicismo – as escolas alemãs e britânicas de ciências sociais, o institucionalismo americano, os adeptos de Sismondi, Le Play e Veblen, e as diversas seitas “heterodoxas” análogas – rejeitam enfaticamente a economia. Seus escritos, no entanto, estão repletos de inferências extraídas das proposições gerais a respeito dos efeitos dos diversos modos de agir.(VON MISES, 2014, p.155)
1.5 A Escola dos Annales Celeiros da produção constante das atualizações – ou de propostas de atualização – na maneira de se escrever e conceber a história são as Escolas, que, tradicionalmente, nascem e prosperam na Europa. Duas escolas das mais importantes, que ainda no tempo presente influenciam os estudos e as pesquisas históricas, são as Escolas dos Annales, francesa, e a de Frankfurt, alemã. A Escola dos Annales (Annales d’histoire économique et sociale 1929 – 1989), movimento francês, o qual BURKE define como uma Revolução, “... identifica como Lucien Febvre e Marc Bloch foram os líderes do que pode ser denominado Revolução Francesa da Historiografia” (BURKE, 1997, p.11) A revista foi originariamente chamada de Annales d’histoire économique et sociale , tendo por modelo os Annales de Géographie de Vidal de la Blache, a revista foi planejada, desde o seu início, para ser algo mais do que uma outra revista histórica. Pretendia exercer uma liderança intelectual nos campos da história social e econômica. (BURKE, 1997, p.23)
Annales, já em sua primeira fase – da sua criação até o findar da Segunda Guerra Mundial –, rompeu com dogmas até então intocados na historiografia, propôs afastar-se da influência marxista, bem como da produção baseada no fato ligado a uma biografia, a história factual-biográfica. Annales revisou a relação e a aceitação de outras ciências, alterou temas e métodos da história.
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Muitas influências se conjugavam, na sociedade feudal, para inspirarem o gosto pelo passado. A religião, como livros sagrados, tinha livros de história; as suas festas comemoravam acontecimentos; sob as suas formas mais populares, alimentava-se de contos tecidos sobre santos muito antigos; finalmente, ao afirmar que a humanidade estava perto do seu fim, afastava a ilusão que arrasta as idades cheias de esperanças a interessarem-se apenas pelo seu presente ou pelo seu futuro. O direito canônico fundamentava-se em velhos textos; o direito laico, nos precedentes. As horas livres do claustro ou do castelo permitiam as longas narrações. (BLOCH, S/D, 111)
Para os historiadores dos Annales, não se deveria mais escrever sobre os temas predominantes até então: política e grandes eventos. O que propunham, remidamente, é: Para eles, a história era ciência em constante construção, cujo debate crítico com as outras ciências de âmbito social deveria ser permanente, extraindo dessa relação problemas, conceitos, técnicas e métodos, pois, para Annales, história era uma ciência menos estruturada que as demais sociais. É importante, ainda, destacar que Annales abandonou a história com foco exclusivo em determinados grandes fatos, analisados de forma isolados, abrindo o campo história para eventos e aspectos mais coletivos. A Escola ainda diminuiu a preponderância que as fontes escritas gozavam no passado – mas não rompendo com essas fontes –, que continuaram sendo usadas e aceitas. A redução da ênfase na fonte escrita ensejou o crescimento do uso da história oral, dos vestígios arqueológicos, da iconografia, entre outras fontes até então ora recusadas, ora tratadas como menores. G R O . A I D E M I K I W ©
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Quanto ao tempo e à forma de apreendê-lo, Annales sugere uma pluralidade de níveis de temporalidade na história! Na teoria de FRANDELL, os acontecimentos teriam curta duração; as conjunturas, contextos mais complexos que “simples” acontecimentos, seriam de média duração; e finalmente a longa duração, em que se encaixam as estruturas. Os fatos seriam como um mar: há vários fatos: todos os dias, uns mais explorados e expostos, outros menos (tempo de curta duração). Um pouco abaixo dos fatos haveria as conjunturas (tempo de média duração) com os fatos sempre ocorrendo; porém, durante um determinado período dentro da mesma Conjuntura, esta mudando em velocidade mais lenta, tipo uma Conjuntura econômica, varia em menor intensidade, mudança mais lenta. A realidade que não é afetada fica quase estática; o tempo tem dificuldade em modificar (tempo de longa duração) – por exemplo, dentro de um século, incontáveis fatos, algumas conjunturas e provavelmente a mesma estrutura. Já o fato é o instantâneo de uma conjuntura, e a conjuntura é um momento da estrutura. A estrutura é a realidade perceptível que resiste ao tempo. O fato localiza dia, hora e local exatas, com dimensões mínimas e o agente preciso, analisado por tempo, espaço e agente. Na análise da conjuntura, a coisa é um pouco diferente, não mais o dia mais a década, o espaço também é maior, na região sul do Brasil, o agente é coletivo os catarinenses, dilatando-se em relação ao fato. Finalmente analisado-se uma estrutura, o tempo pode ser o século, milênio, o espaço podem ser várias áreas um continente, várias culturas, o agente muito mais genérico, o medievo. Por fim, os pensadores da Escola dos Annales preocupam-se com o espaço; espaço esse num sentido mais amplo. Primeiro por meio da tradicional ligação com a geografia humana; depois, através da história, ainda mais espacialmente pensada, inaugurada com os estudos de mares e oceanos: o Mediterrâneo de Fernand Braudel, o Atlântico de Frédéric Mauro, o Atlântico e o Pacífico de Pierre e Huguette Chaunu etc.; e, o tempo todo, a sólida tradição francesa da história regional. (CARDOSO, 1998, p.8)
Esse é o contexto do nascimento da dita nouvelle histoire – fruto do paradigma advento das inquietudes dos membros da École des Annales, presente nos artigos e estudos da Revista Annales: ecónomies, societés, civilisations .
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Nela atuaram seus idealizadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, bem como outros nomes bastante familiares aos historiadores brasileiros, como Fernand Braudel, que atuou na USP na década de 1930, Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie.
1.6 Escola de Frankfurt A chamada Escola de Frankfurt surgiu na Alemanha, na década de 1920, sob o nome de Institut für Sozialforschung (numa tradução livre, algo como Instituto de Pesquisa Social). Seu primeiro grupo de pensadores era composto por Friedrich Pollock, Karl Korsh, Georgy Luckás, Victor Sorge e Karl Wittfogel. A Alemanha, naquela época, passava por uma situação social e política delicada, com o acirramento de conflitos ideológicos e étnicos, e no plano econômico a situação não era diferente, pois havia o caos da hiperinflação. Logo depois, um novo grupo de intelectuais – esses de origem judia, entre eles ADORNO, BENJAMIN, HORKHEIMER – passou a fazer parte do corpo de autores da Escola. Esses intelectuais eram inspirados em pensadores do século XIX, principalmente KANT, MARX, FREUD e NISTZCHE, e apresentavam aproximação importante com teorias socialistas. A Escola ganhou força e importância já na década seguinte. Para compreenderem todos esses objetos a partir de uma perspectiva aberta, os frankfurtianos expandem audaciosamente os limites do Materialismo Histórico: fiéis aos textos primordiais de MARX– notadamente àqueles que abordam a alienação, a ideologia, o fetichismo da mercadoria e a dimensão cultural e filosófica tocada pelos Manuscritos de 1844 – eles também se tornam leitores atentos de Nietzsche, de Heidegger, de Freud. (BARROS, 2004, p.72)
Os membros do chamado Instituto de Frankfurt se opunham ao marxismo no modelo então em voga na sociedade europeia de meados dos anos de 1930, e em especial a vertente ortodoxa. Eles queriam, e conseguiram, remodelá-lo. Os intelectuais de Frankfurt chamavam a si mesmos de teoria crítica1. Tal opo1 A Teoria Crítica é uma tradição de pensamento que "não se limita a descrever o funcionamento da sociedade, mas pretende compreendê-la à luz de uma emancipação ao mesmo tempo possível e bloqueada pela lógica própria da organização social vigente" (NOBRE, 2003, p. 9). O viés apresenta-se, assim, como elemento de uma práxis social que busca subverter experiências opressivas, estimulando sua transformação estrutural (WIGGERSHAUS, 2002). Criticando os esforços teóricos descolados da realidade social, essa vertente de pensamento protesta, capítulo 1 •
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sição ao modelo vigente os punha invariavelmente sob críticas, sendo considerados, por outros intelectuais, como grandes “pecadores”.
1.7 Modernidade O conceito de modernidade não é de simples definição, tampouco há uniformidade em sua definição dentre as escolas, dentre os pensadores. Portanto, define-se a modernidade aqui a partir de alguns sensos entre os inúmeros autores. O sociólogo britânico Anthony GIDDENS trabalha com um ponto de partida para definir modernidade que nos parece interessante. Para ele, modernidade: Como uma primeira aproximação, digamos simplesmente o seguinte: "modernidade" refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Isto associa a modernidade a um período de tempo e a uma localização geográfica inicial, mas por enquanto deixa suas características principais guardadas em segurança numa caixa preta. (GIDDENS, 2002, p.8)
Todos os esquemas modernos são evolucionistas e positivistas quanto ao futuro e a tentativa de explicar tudo dentro de esquemas e uma atitude essencialmente moderna. A modernidade rompe com a visão acomodada, religiosa e estática centrada nela mesma com sua visão mais individualista. A Razão impera como princípio ordenador da história em detrimento da realidade que imperou no antigo regime. A religião (medieval e do antigo regime) apaziguava os anseios da sociedade (explicava morte etc.). O cristianismo era o modelo macro explicativo que, ao contrário dos modelos macroexplicativos modernos, é ahistórico, tudo explicação divina isso é fora da história (choveu porque Deus quis etc.). As particularidades monopolistas do antigo regime são deixadas para trás pelas ideias de liberação de mercado.
filosoficamente, contra a ordem naturalizada, defendendo a autodeterminação humana. Como sintetiza Carnaúba: "teoria crítica envolve diagnóstico do tempo presente, orientação para a emancipação e comportamento crítico" (CARNAÚBA, 2010, p. 196). (In MENDONÇA, 2013, p.51) .
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Modernidade quer dizer que o homem desenvolveu a capacidade de organizar a vida humana conforme conhecimentos e descobertas devidas à racionalidade e à pesquisa científica. Essa capacidade foi combinada com a promessa de erigir por via da racionalização o império do homem (regnum hominis ). Corre que entrementes estamos vivenciando um fenômeno oposto. Temos a sensação de estar perdendo progressivamente as fontes do sentido e da significância de nossa própria vida. As fontes do sentido e do significado na vida cultural estão secando (RUSEN, 1997, p. 82).
Acontece que, nas últimas décadas do século XX, a modernidade parece não dar mais as respostas que a nova dinamicidade do tempo exigia para uma nova dinâmica social. As ciências sociais perceberam que a modernidade já estava sendo superada por uma nova Era, da rapidez, da comunicação ágil, do tempo real, do virtual, do consumo. Essa nova Era surgiu com uma infinidade de definições: pós-modernidade, pós-industrial, entre outras.
1.8 Marxismo e Pós-Modernidade Neste subcapítulo trataremos do debate entre duas visões antagônicas de abordagem histórica: o marxismo e o pós-modernismo. Esta discussão, fruto da crise do socialismo real e de uma pretensa vitória do capitalismo, ocupou inúmeras páginas de artigos e livros e protagonizou calorosos debates em congressos e seminários, fechando a discussão historiográfica do século XX e abrindo as portas para novas abordagens no século XXI. MARX, apesar de não ser Historiador, introduziu o estudo de fatos econômicos na História, ajudou na elaboração da dialética da História, tese, antítese e síntese. Tudo que MARX escreveu, principalmente artigos para jornais, tinha muitos elementos da História, pois tais textos, segundo o historiador alemão RANKE, mostram “o que realmente aconteceu” e “por que realmente aconte- ceu” . Mesmo assim, em razão de MARX não ser historiador profissional, sua produção, à luz da História, tem valor variável, porque o que interessava a MARX não era o passado propriamente dito, mas todo o processo humano que condicionou o futuro. Muitos campos da História – mesmo fugindo da concepção materialista de Marx, como da História da classe operária – receberam decisiva contribuição para sua compreensão da obra marxista. A visão materialista que MARX tinha
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da História definiu funções e tarefas dela, “onde terminam as especulações onde começa a vida real” (MARX & HEGEL, 2007, p.75). MARX influencia ainda hoje muitos historiadores, principalmente em países em desenvolvimento, também por ser negado muitas vezes é sempre tema de discussões, inclusive entre os antimarxistas. Hoje também é quase impossí vel retornar-se à história pré-marxista, e sim modificar ou ampliar suas teses, uma vez que, como a história era antes de MARX não pode mais ser estudada. Podemos ainda acrescentar que MARX penetrou decisivamente na História geral, modificando fundamentalmente muitos elementos, como o papel das classes. Sobre MARX, por fim, podemos afirmar que seu modelo capacita historiadores a modificarem e levantarem questões sobre temas cruciais ao estudo da História. A teoria marxista em história tem várias vertentes. Talvez a mais conhecida no Brasil, aquela de que habitualmente nós, historiadores, fazemos mais uso, é a historiografia marxista dos autores ingleses. A base desse grupo foi de jovens historiadores, nos idos dos anos 1950, todos ligados ao diminuto, mas atuante Partido Comunista Inglês. Destacam-se Edward Palmer Thompson, Eric Hobsbawm e Christopher Hill. O marxismo inglês se opunha ao dominante conceito da história política e militar voltada às grandes personalidades e aos acontecimentos políticos, militares e religiosos mais significativos a partir de uma visão de cima para baixo, e também contrários a narrativa puramente cronológica. Rompem com o determinismo da “moda”, mas não se afastam totalmente das relações de produção como um fator prepoderante para definir o social. Numa definição simplista, podemos descrever a proposta da pós-modernidade em história, em especial na segunda metade do século XX para cá, como uma reviravolta linguística, uma nova forma de se escrever efetivamente a história. Almeja-se o fim das grandes narrativas, a produção historiográfica cujo objetivo era fazer uma história total, universal, cuja análise das fontes e das possibilidades ali encerravam-se, essa maneira de escrever história, não fosse posta à prova e questionada por novos paradigmas, seria responsável, pelo esgotamento da escrita da história. Cabe ressaltar: não há conceito definido para a pós-modernidade. Observase uma imensa multiplicidade de conceitos os quais, não raro, são contraditórios, antagônicos. Parecem-nos, apenas, exageradas as correntes de pensadores
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que, numa tentativa redutora, denominam toda e qualquer produção dos últimos 30 anos como pós-modernista. Nesse novo paradigma pós-moderno, as interpretações gerais seriam substituídas por narrativas pequenas, não factuais. Seria a história e migalhas de DOSSE. As interpretações gerais, chamadas metanarrativa2, foram tidas como apoiadas em categorias de pro¬gresso como concepção de temporalidade linear. Numa visão geral ampla da pós-modernidade, pode-se dizer que os pós-modernistas lançavam o olhar sobre a cultura, cujo processo de ascensão e vitória do capitalismo teriam tornado-a uma mera mercadoria, como quase tudo havia se tornado ou estava em rota de transforma-se. A cultura seria produzida então dentro de uma definição de estética, como qualquer outra mercadoria. Os pós-modernistas, tratavam então de dar ênfase à discussão em torno da cultura mas afastando-a do aspecto econômico. A cultura será vista de maneira diferenciada, havendo a Alta Cultura e a baixa Cultural ou Cultura popular – esta última mercantilizada – chamada hoje de cultura de massa3.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, José. C. A. O campo da História: especialidades e abordagens, Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. BLOCH, Marc. A sociedade medieval. São Paulo: Martins Fontes, S/D. BLOCH, Marc. Apologia da História ou O ofício do
historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BURKE, Peter. Escola dos annales: 1929 - 1989: a revolução francesa da historiografia. São Paulo: UNESP, 1997. CARDOSO, Ciro Flamarion S.; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. CERTEAU, Michel de. Escrita da história. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 2 Metanarrativas são filosofias da história que narram modelos explicativos universais e estáveis, ou seja, são “metassaberes” que estabelecem a perspectiva de conhecer a realidade e poder realizar um mundo mais justo; poder, através do conhecimento, emancipar o homem, trazer-lhe a luz, salvá-lo do obscurantismo, da selvageria, da alienação. 3 O desenvolvimento da cultura de massa possui uma relação muito forte como o próprio surgimento da modernidade. O crescimento dos meios de comunicação de massa tem origem na ascensão do protestantismo, da democracia e principalmente do Capitalismo. Considerando que a expressão, meios de comunicação de massa refere-se à imprensa escrita, ao rádio, à televisão e a outras tecnologias de comunicação. Normalmente mídia e meio de comunicação são encarados como sinônimos para referirmos à transmissão da informação de uma pessoa ou grupo para o outro. O termo massa está muito bem direcionado a multidões padronizadas e homogêneas, não possui um grupo específico mais tem significado na sociedade como um todo.
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DOSSE, François. A História em Migalhas. Tradução Dulce A. Silva Ramos. São Paulo: Ensaio, Campinas, SP: Editora Universidade Estadual de Campinas, 1992. GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Zahar, 2002. HARTOG, François. Primeiras figuras do historiador na Grécia: historicidade e história. Revista de História, n. 141, p. 9-20, 1999. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 2003. LEVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. 11. ed. São Paulo: Papirus, 2008. MARX, K. ENGELS, F. A ideologia alemã. Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneide e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007. MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Teoria Crítica e democracia deliberativa: diálogos instáveis. Opinião Pública, v. 19, n. 1, p. 49-64, 2013.
PEREIRA, Otaviano. O que é teoria. São Paulo: Brasiliense, 1982. (Primeiros passos) PINSKY, Carla Bassanezi. Revista Debate Econômico. 2. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história, fundamentos da ciência histórica. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 2001. TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: Editora Universidade de Brasília; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001. VON MISES, Ludwig. Teoria e história. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2014.
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2 Linhas conceituais do estudo da História
2. Linhas conceituais do estudo da História As linhas conceituais do estudo da história são o ponto de partida para a escolha de temas e abordagens, são o eixo central de onde saem os objetos de estudo. Nesse livro optou-se por três linhas: economia e sociedade, política e sociedade e cultura e sociedade. A partir dessas linhas centrais, uma infinidade de outras linhas pode surgir: história da ciência, história do trabalho, história da religião, enfim, as linhas conceituais em história não são fechadas e preestabelecidas. Sendo assim, este capítulo aborda inicialmente a economia e sociedade na perspectiva tradicional e na nova história, indo logo em seguida ao entendimento da formação da economia propriamente dita. Os modelos econômicos mais importantes da Europa e do mundo moderno contemporâneo serão tratados separadamente: feudalismo, liberalismo, capitalismo, havendo espaço ainda para a revolução industrial. A história da produção historiografia acerca de economia e sociedade também será objeto de análise neste capítulo. Política e sociedade serão analisadas à luz do seu status dentro da historiografia, passando do status de responsável por parte importante da produção historiográfica ao longo do século XIX para um plano secundário nas primeiras décadas do século XX. O caso brasileiro e as especificidades que levaram à rejeição e à volta de linha conceitual importante são tratados no capítulo. Finalmente sobre cultura, trata-se de identificá-la como a nova história cultural, e seu afastamento do conceito tradicional e arcaico de cultura como um elemento discriminador e hieraquizador. Igualmente se discutirá a produção historiográfica cultural tradicional diante do novo paradigma, muito mais amplo e não restritivo.
OBJETIVOS Introduzir as linhas conceituais de estudo da História; Descrever historicamente o surgimento da economia; Apresentar a economia medieval e os principais autores que a discute; Identificar a produção historiográfica sobre História e economia; Classificar movimentos econômicos contemporâneos: liberalismo, revolução industrial, capitalismo; •
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Analisar a historiografia em torno da política e sociedade; Analisar a historiografia em torno da cultura e sociedade.
2.1 Economia e Sociedade Dentre os grandes temas das interpretações gerais de que os historiadores lançavam mão para explicar o mundo, para fazerem suas metanarrativas, a economia era um paradigma que gozava do status de ser uma das abordagens fa voritas, era ela o pano de fundo para o desencadeamento da maior parte dos fenômenos socioculturais. Nas últimas décadas do século XX, porém, com o advento da história dita em migalhas, da opção dos historiadores pelas narrativas “pequenas”, os chamados pós-modernistas voltaram-se para pormenores da cultura, deixando a economia de lado, se não totalmente, ao menos como mais um dos elementos dessas novas narrativas, as quais entremeiam várias temáticas. Segundo BURKE (1992, p.10), a nova história opunha-se a quase tudo que o paradigma tradicional ditava como o dever do historiador e em que, de fato, a história consistiria. “A nova história e a história escrita como uma reação deliberada contra o “paradigma” tradicional, aquele termo útil, embora impreciso, posto em circulação pelo historiador de ciência americano Thomas Kuhn” . Burke enumera (1992, p.10 – p. 15) tudo aquilo que era tradicional e ao qual a nova história opunha-se: 1.
De acordo com o paradigma tradicional, a história diz respeito essen-
cialmente à política. 2.
Em segundo lugar, os historiadores tradicionais pensam na história
como essencialmente uma narrativa dos acontecimentos, enquanto a nova história esta mais preocupada com a análise das estruturas. 3.
Em terceiro lugar, a história tradicional oferece uma visão de cima, no
sentido de que tem sempre se concentrado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais ou ocasionalmente eclesiásticos. 4.
Em quarto lugar, segundo o paradigma tradicional, a história deveria
ser baseada em documentos. 5.
De acordo com o paradigma tradicional, memoravelmente enunciado
pelo filósofo e historiador R .G. Collingwood, “Quando um historiador pergunta ‘Por que Brutus apunhalou César?’ Ele quer dizer ‘O que Brutus pensou, o que fez com que ele decidisse apunhalar César? capítulo 2 •
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Segundo o paradigma tradicional, a História é objetiva. A tarefa do his-
toriador é apresentar aos leitores os fatos, ou, como apontou Ranke em uma frase muito citada, dizer “como eles realmente aconteceram”. Essa transformação na forma de escrever a história, que culmina com o afastamento dos historiadores da relação com a história econômica, não se trata de uma exclusividade brasileira, ela é sentida em termos mundiais. FLORENTINO (In CARDOSO, 1999, p.53) enfatiza isso:
Tomando por base a produção de uma das mais prestigiosas (se não a mais importante) revistas de história do mundo, os Annales, observa-se um contundente e inexorável declínio do número de artigos ligados à história econômica. Entre o ano de sua fundação (1929) e 1945, quando esteve em mãos do “duo de Estrasburgo” (LucienFebvre e Marc Bloch), cerca de 60% dos trabalhos por ela publicados estiveram dedicados a história econômica. De 1946 a 1969, período em que mais se fez sentir o peso da influencia de Fernand Braudel, tal porcentagem oscilou ao redor de 40%. A ênfase então dada à economia tinha raízes profundas, derivadas de um contexto em que problemas relativos ao desenvolvimento e subdesenvolvimento estavam na ordem do dia e eram cada vez mais agravados por movimentos em escala mundial como a Guerra Fria, a internacionalização do capital, a descolonização etc. Com a década de 1970 tem início a “derrocada”. Até 1976 a produção voltada para o estudo da economia caiu para 25%, e a tendência declinante ainda persiste.
Mesmo que haja sobre a escrita da história, a partir da vertente econômica, um afastamento importante, isso não significa não haver mais a necessidade de se estudar a relação dos eventos históricos com aspectos econômicos das sociedades. A economia continua sendo pano de fundo, importante, para inúmeras narrativas, as quais, sem a relação com a economia, ficariam vazias de sentido. O que os historiadores não fazem mais é buscar explicar tudo, ou muitas coisas, tendo como parâmetro apenas aspectos da economia. O que se percebe hoje é que as narrativas produzidas no tempo presente não se prendem exclusivamente ao fator econômico, dialogando com outras dimensões da sociedade pesquisada, buscando entender a imbricação do elemento econômico com outros aspectos.
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Não se pode, ainda, deixar de lembrar que a história econômica liga os historiadores a outra ciência e seus cientistas, ciência esta que, curiosamente, não é da área de humanidades, com a qual a história se relaciona, digamos, muito bem. A ciência que a historiografia econômica põe em diálogo com a história é a Economia.
2.1.1 As primeiras formações econômicas Desde que o homem desenvolveu mecanismos de troca de quaisquer produtos frutos da produção humana – agricultura, pecuária, manufatura – entre sociedades e/ou grupos diferentes, isso pode ser considerado como movimento econômico. Tais sinais são percebidos nas primeiras sociedades sedentárias, homens do paleolítico e até mesmo do neolítico, em que o domínio da agricultura e da pecuária ocorria. Sociedades rudimentares produziam excedentes para trocas, bem como desenvolviam estratégias de proteção de seus estoques, de suas áreas ou locais de produção de alimentos e manufaturados. As trocas, as primeiras relações econômicas observadas, logo se expandiram para manufaturas: armas, acessórios de caça e pesca, transporte e toda uma gama de produtos que vão sendo produzidos com efeito a proceder comércio. A produção em maior escala enseja o surgimento de pessoas especializadas nessas manufaturas, que logo vão sentindo a necessidade de ter outras pessoas com habilidades idênticas, para poder satisfazer a uma demanda crescente da busca por produtos. Essas sociedades criam e desenvolvem gostos e critérios de valorização, ou não, de mercadorias. Vão estabelecendo também predileções por sociedades cujas parcerias podem ser mais intensas, mas profícuas. A intensidade dessa dinâmica nas trocas vai possibilitando a expansão da área de alcance dos produtos, cada vez mais sociedades mais longínquas têm acesso a produtos e cada vez mais longe e para clientes cada vez mais exigentes. As sociedades foram tornando-se cada vez mais complexas, criando divisões sociais pautadas no trabalho, no status quo, na categoria social, no poder de acesso às mercadorias.
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Mais tarde, com o surgimento dos líderes comunitários, formaram-se as classes dos soldados, dos religiosos, dos trabalhadores e dos negociantes. Com a divisão do trabalho e as especializações, ficou bem nítida a formação dos diferentes agentes econômicos: governo, consumidores, produtores, comerciantes, banqueiros. (DE SOUZA, 2014, p. 2)
Até o século XVIII, não havia ainda nenhuma sociedade em que os processos de produção tivessem a máquina como válvula motriz. Assim, para os pesquisadores da economia, as sociedades até o século XVIII são classificadas como pré-industriais, cabendo a partir daí a denominação de sociedades industriais. Nas sociedades pré-industriais, sua organização era a partir do campo, das relações agrárias, predominantemente rudimentares e sem mecanização. Quando havia mecanização, tratava-se de tecnologias cuja energia motora ainda era humana ou animal. Outra característica comum às sociedades pré-industriais era a predominância da vida no mundo rural, da essência agrária. Na Europa em especial, a vida urbana teve picos importantes, como durante o Império Romano, entrando em franca decadência com o colapso desse mesmo império. Mesmo em Roma, a vida nas cidades não significava, como se observará com o advento das sociedades industriais, uma vida fortemente ligada ao que a própria cidade produz. Nas cidades da antiguidade, do medievo e modernidade, havia lugar para os mestres-ofício, os donos das oficinas, da tecnologia e das técnicas de produção da manufatura. Esses trabalhadores especializados, cuja maior ou menor capacidade de produção lhe permitia ter aprendizes, tinham o objetivo de transmitir-lhes seus conhecimentos. Os mestres-ofício viviam no meio urbano, porém não produziam em larga escala, ao menos no ritmo e nas quantidades que se observarão com as máquinas da revolução industrial. O mestre ofício, o artesão e o camponês tinham papel na sociedade em que atuavam como o operário terá a partir do século XVIII. Nas oficinas experimentam-se as relações de trabalho, havendo em alguns momentos, mesmo de maneira bastante incipiente, legislações regulando o trabalho nelas. As diferenças mais importantes entre as sociedades pré-industriais e as industriais estarão na configuração das cidades e nas relações de trabalho, o segundo tanto no campo quanto nas cidades.
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Mas o que ficará como marca da época pré-industrial serão a agricultura e o artesanato: a área rural apinhada de camponeses e as cidades com as suas florescentes lojas e oficinas representarão nos séculos seguintes a imagem mais difundida do trabalho, antes que as chaminés, as grandes fiações, os altos-fornos venham a modificar profundamente a paisagem urbana, o imaginário coletivo e as relações sociais. (DE MASSI, 2001, p. 86)
2.1.2 Europa feudal Nos escritos da história da economia, dado o peso da influência das escolas europeias, o fenômeno do feudalismo acaba sendo entendido como uma estrutura universal, mas não é bem assim. Feudalismo foi um conceito forjado com a intenção de explicar acontecimentos de um período histórico na Europa medieval. A própria “invenção” do feudalismo enquanto conceito não é do seu tempo, ele se dará apenas no século XVII. O feudalismo não era apenas economia, era político e social também, por isso tal teoria pode ser aplicada a rea lidades diferentes da Europa medieval, como no mundo árabe e no Japão. Bloch, uma das maiores autoridades da temática, é cuidadoso e alerta que não se pode ver o feudalismo como elemento de uma sociedade única, tampouco atemporal. Para ele, as diferenças sociais, econômicas e temporais permitem estudar diferentes feudalismos. A Europa feudal sucede o império romano, impondo importantes diferenças às sociedades europeias. O sistema monetário e a vida urbana, pujantes nos tempos do império, praticamente desaparecem no medievo feudal. A economia no período feudal se baseia praticamente na dita “economia natural”, cuja essência é a partir das relações no campo – agrícolas –, por meio de trocas, portanto praticamente sem circulação monetária. O comércio igualmente torna-se escasso. Apesar de controverso, sabe-se que o comércio, a circulação monetária e a vida urbana não deixaram de existir por completo no período. No que tange aos aspectos sociais do feudalismo, eram marcantes as relações de vassalagem e servidão. O homem do medievo feudal, independentemente do status que ocupasse – de cavaleiro a camponês –, sempre dependeria, estando subordinado, quase submisso a uma outra pessoa, nesse caso o senhor feudal.
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O vassalo era o nobre ligado ao seu senhor feudal, e o servo era o camponês, portanto duas relações de servidão distintas: vassalagem e servidão, sendo a primeira mais suave, pois não envolvia a dominação absoluta do senhor sobre o vassalo – era uma reverência do nobre menos poderoso para o mais poderoso. Já na relação de servidão, o servo era submisso em duas dimensões: pessoal e relativamente à terra. Ele trabalharia sem direitos, podendo apenas ocupar a terra do seu senhor, cabendo-lhe produzir alimentos de maneira a satisfazer a cobrança pelo arrendamento, o qual, não raro, comprometia a maior parte da produção do servo.
2.1.3 A produção historiográfica Os historiadores começam a escrever sobre história econômica por volta do século XVIII, com o surgimento de um modelo de economia complexo e ino vador a partir do capitalismo. Nesse mesmo contexto, a sociedade europeia experimenta uma transformação na sua configuração até ali estabelecida; com o advento do capitalismo dá-se o aparecimento e ascensão de uma classe social ligada, não raro, somente à questão econômica: a burguesa. A jovem elite burguesa, ao contrário do que era corrente na pesquisa história, rompia com a primazia das famílias nobres, reais e, eventualmente, da aristocracia. Redesenhava aquela sociedade do Antigo Regime, cujas instituições, hierarquias, tradições e costumes e outros sentidos sociais há muito estavam estabelecidas, assentadas e, em tese, imutáveis. Marco do início da pesquisa dos historiadores da economia é o livro de Adam Smith, A riqueza das nações, publicação que o transformou no Pai da Economia Política.
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G R O . A I D E M I K I W ©
2.1.4 Liberalismo e revolução industrial
Essa revolução industrial, que nasceu na Inglaterra do século XVIII e se propaga, no século XIX, pelo continente, na França, na Bélgica, a Oeste da Alemanha, no Norte da Itália e em alguns pontos da península ibérica, repousa no uso de uma nova fonte de energia, o carvão, e nos desenvolvimentos das máquinas, depois das invenções que modificam as técnicas de fabricação. A conjunção desses dois fatores, a aplicação dessa energia nova à maquinaria, constitui a origem da revolução industrial, cujo símbolo é a máquina a vapor. (RÉMOND, 2005, p. 66)
No mundo de transformações do século XIX, o “século burguês, da burguesia liberal”, o liberalismo era condizente com novas relações de trabalho advindos com a revolução industrial da Era Moderna, como o uso da máquina a vapor na indústria, com o crescimento urbano em detrimento do rural, mas também com sociedades agroexportadoras e escravistas, como as colônias americanas.
O liberalismo, que surgiu no século XVIII a partir do Iluminismo, teve seu auge no século XIX e pode ser dividido em liberalismo econômico e liberalismo político. Vigorou principalmente na Europa ocidental e na América Latina até o período do entreguerras, quando sofreu severa crise com os regimes fascistas, ressurgindo no último quartel do século XX, revitalizado na teoria política-econômica do neoliberalismo. (SILVA, 2010, p. 258)
Em relação ao estado invisível, os liberais pregavam que a forma de governo ideal era a monarquia constitucional, com o monarca sem poderes apenas como símbolo do estado, o mercado seria livre e autossuficiente sem necessitar de um estado participativo na ordem econômica, por isso mesmo a República era mal vista, como sendo coisa do povo. Eles também não tinham posição política fixa: ora apoiavam a esquerda, ora a direita. Na maioria das vezes, quando no poder, o liberal declinava-se para a direita conservadora. Subversivo e conformista. O liberalismo consagra a diferença e a desigualdade na sociedade, o indivíduo tem de buscar o sucesso, chegar a algum ponto. Por conta de sua capacidade (individualismo), quando você não atinge seus
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objetivos a culpa é sua e não do sistema, portanto cabe ao indivíduo se conformar com a posição de trabalhador proletário. A mesma estrutura familiar que o liberalismo ajuda a “detonar” regendo-a pelas intermináveis horas de trabalho nas fábricas sem tempo para mais nada a não ser pelo trabalho, aquela regida pela tradição, pela amizade, pelo convívio próximo, ele prega a ideia de ser importante, importante no sentido de os filhos virem a trabalhar e depois substituir os pais na mesma condição.
O filme Germinal (França, 1993, baseado no romance homônimo de Émile Zola, dirigido por Claude Berri, estrelado por Gerard Depardieu), passa algumas dessas ideias oscilantes do liberalismo. O pai que trabalha na mina no começo do filme (Depardieu) queixa-se de que a filha está dançando no Domingo, pois ela teria que acordar de madrugada do dia seguinte para ir à mina trabalhar e, se estivesse cansada, produziria pouco. Algumas cenas depois, mostrando reconhecer o insucesso da família, a esposa de Depardieu vai no meio da manhã à casa de um burguês liberal pedir migalhas aos filhos menores. Lá, a filha do burguês (que tem a mesma idade que aquela que vai de madrugada para a mina) está acordando com uma mesa farta no café da manhã. Os burgueses do filme também estão sempre procurando mostrar que sua vida é tão difícil quanto a de um mineiro e chegam a dar dicas de como economizar dinheiro. No final, conformada com a situação imposta pelo liberalismo, a viúva, uma das pessoas que mais lutaram contra os burgueses, se rende e acaba trabalhando na mina.
2.1.5 Capitalismo De forma resumida, podemos definir que “A sociedade capitalista proveniente da Revolução Industrial impõe mudanças para a sociedade onde todos os laços sociais se desintegram exceto os laços comerciais e interesses econômicos”. O sucesso tecnológico vem dos avanços significativos percebidos na produção. Até a Revolução Industrial, a tecnologia e a ciência eram muito deficientes. De certo modo, os possíveis avanços eram abafados pelo sistema feudal e pela visão de desenvolvimento humano regido pela igreja católica. O colapso era enorme, a fome e a morte eram periódicas, impostas pelas limitações produti vas, muitas vezes determinadas por fatores climáticos.
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Na Inglaterra, ao contrário de outros países do continente europeu, a agricultura no final do século XVIII já estava dominada por uma parcela de proprietários com avançado espírito comercial e as atividades agrícolas já esta vam predominantemente dirigidas para o mercado. Essa agricultura não era apenas a de subsistência comum ao campesinato medieval; ela assumia funções inovadoras: •
Aumentar a produção, a fim de alimentar uma população urbana
não agrícola; •
Fornecer mecanismos para acúmulo de capital, que será convertido para
outros setores industriais; •
Propiciar o crescimento da mão de obra nas cidades para a indústria.
A Inglaterra, para poder expandir sua produção e assim expandir seus mercados a níveis mundiais, vê a necessidade de inovar os métodos de produção, que, de forma também barata, pudessem alcançar seus objetivos. Todas as mudanças agrícolas, que são resultado de transformações sociais e não de tecnologia, como a liquidação do cultivo comunal e a substituição por um cultivo privativo, foram, segundo HOBSBAWM (1998, p.35), “Em termos de produtividade econômica, esta transformação social foi um imenso sucesso; em termos de sofrimento humano, uma tragédia...”. Muitos dos camponeses expulsos da vida agrícola, devido ao aumento das propriedades privadas, também eram rejeitados nas cidades, haja vista sua falta de especialização para atender às necessidades das indústrias. As inovações tecnológicas, logo que implantadas nas indústrias, mostramse eficientes, principalmente com o advento da máquina a vapor. No entanto, muito da mão de obra deslocada do campo para as cidades não é absorvida pelas indústrias, gerando um exército de pessoas miseráveis nas cidades, as máquinas ocupam cada vez mais o espaço que seria destinado aos seres humanos, mas, na mentalidade comercial, elas não adoecem, não comem, não pedem aumento e podem trabalhar ininterruptamente, levando significativa vantagem sobre seres humanos. Tais problemas, no ponto de vista dos capitalistas, eram relevantes para o progresso da economia. As ferrovias, que surgem na conjuntura industrial, foram a mais significativa inovação tecnológica e também o único produto da industrialização que teve absolvição positiva tanto nas camadas dominantes da sociedade quanto nas camadas populares: elas significaram o triunfo do homem pela tecnologia.
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Esta imensa indústria, embora provavelmente não se expandindo de forma suficientemente rápida rumo a uma industrialização realmente maciça em escala moderna, era grande o bastante para estimular a invenção básica que iria transformar as indústrias de bens de capital: a ferrovia. Pois as minas não só necessitavam de máquinas a vapor em grande quantidade e de grande potência, mas também de meios de transporte eficientes para trazer grandes quantidades de carvão do fundo das minas até a superfície e especialmente para levá-las da superfície aos pontos de embarque. (HOBSBAWM, 1998, p.32)
O sucesso derivado da Revolução em alguns casos foi tanto que o excesso do acúmulo de capital acabou tornando-se motivo de “dor de cabeça”, pois o dinheiro amplamente acumulado levou muitos burgueses a investirem grandes cifras de dinheiro em “coisas” que não tinham interesse comercial, produtos de luxo e outros supérfluos. Neste momento, a tragédia humana começa a se fazer perceber também fora das cidades e fora da Europa. Na colônia Inglesa na América a necessidade de produção do algodão para atender a grande demanda da metrópole caminha junto com o aumento da escravidão, situação já mais ou menos desaparecida do cenário ocidental. A economia domiciliar que de certa forma atendia as necessidades familiares perde quase que totalmente seu espaço para a economia voltada para o mercado e a exportação. DECCA (2004) parece chave para definir a tragédia humana decorrente da industrialização. Um dos principais fatores das indústrias, o trabalho, é, segundo o autor, uma palavra que ao longo da história sempre foi sinônimo de penalização, de cansaço, de dor e esforço extremo. Sua origem estava ligada a um estado de pobreza e miséria extrema. Em qualquer idioma que se possa escolher – Inglês Labor, Francês Travail, Grego Ponos ou Alemão Arbeit –, a palavra trabalho tem a mesma origem.
2.2 Política e Sociedade Assim como os escritos sobre história e economia, a produção historiográfica referente à história política passou por um período em que foi relegada a um plano secundário e posteriormente por uma fase de diminuição no montante
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produzido acerca da temática. O status que ela gozou durante todo o século XIX e boa parte do começo do XX declinou rapidamente, ao menos na Europa, já na década de 1920, com a entrada em cena da Escola dos Annales e da sua proposta da nova abordagem feita pela nova história, mais voltada ao social e cultural, que tinha cunho mais interdisciplinar e com outros enfoques.
Os historiadores destacavam figuras relevantes que ocupavam postos institucionais como os únicos condutores da História. Os demais membros da sociedade desempenhavam uma ação periférica nessa narrativa dos acontecimentos. As fontes utilizadas visavam achar os fatos verdadeiros. Coube a história buscar provas e argumentos, através da investigação rigorosa das fontes textuais, oficiais, primárias e originais, para justificar as causas defendidas pelos historiadores: a história de príncipes, de dinastias, de reinos, da igreja, do Estado-nação, das crises institucionais etc. (DE MORAES FERREIRA, 1992, p. 266)
A “antiga” maneira de escrever história política é definida de maneira muito semelhante também por Cardoso (1999, P.99):
Prisioneira da visão centralizada e institucionalizada do poder, a história política tradicional foi definindo progressivamente temas, objetos, princípios e métodos. Ligada intimamente ao poder, essa história pretendeu ser também memória. Coube-lhe então, durante séculos, lembrar e ensinar pelos exemplos reais e ilustres de que era a única depositaria. Esta história magistra vitae pode então servir com equanimidade aos políticos, filósofos, juristas e pedagogos.
O cenário do declínio do interesse na história política – por consumidores e produtores – foi observado em escala mundial, tendo o Brasil algumas especificidades, como certa demora no ritmo da perda do interesse, podendo ser obser vada produção importante ainda nos anos de 1960. A crítica mais importante no cenário europeu, como dito acima, surgiu com a escola dos Annales , já no começo da década de 1930, a qual considerava a abordagem política adotada até ali limitada a um lapso de tempo extremamente curto, desprezava o social e que facilmente ela poderia ser romanceada.
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Ao privilegiar o nacional, o particular, o episódico, a história política privava-se da possibilidade de comparação no espaço e no tempo e mostrava-se incapaz de elaborar hipóteses explicativas ou produzir generalizações e sínteses que dão às discussões do historiador sua dimensão científica. Era uma história que permanecia narrativa, restrita a uma descrição linear e sem relevo, concentrando sua atenção nos grandes personagens e desprezando as multidões trabalhadoras.(OLIVEIRA, 2007, p.94)
Para o cenário da redução na produção de textos de história política, por volta de fins dos anos de 1950 e década de 1970, podem-se apontar inúmeros motivos, como o regime de exceção político-administrativa presente no Brasil entre as décadas de 1960 e 1980, regime esse adepto da censura prévia em todas as dimensões da vida, que não veria com bons olhos escritos que discutissem movimentos revolucionários – então em voga no escritos de história e política –, além de derrubadas de regimes de exceção, trocas de regimes e/ou formas de governo, estudos demonstrando que a força do povo poderia pôr abaixo líderes autoritários e totalitários. O relativo isolamento cultural do Brasil no período de exceção entre os anos de 1964 e 1985 também favoreceu para se escrever menos história, bem como, em larga medida, favoreceu a produção de textos inspirados em modelos em franca decadência na Europa.
Paralelamente às vertentes marxista e da escola francesa dos Annales , as universidades do país abrigavam também um contingente significativo das formas mais antigas ou arcaicas de realizar a história, por meio de posturas, acima citadas, que se aproximavam do que se poderia chamar de positivistas e que se caracterizavam por uma visão segundo a qual a história era concebida como um processo contínuo, retilíneo, linear, causal, inteligível por um modo racional. Fica claro, contudo, que tais concepções historiográficas brasileiras não se autodenominavam positivistas, entendendo-se apenas como científicas. (PESAVENTO (PESAVENTO,, 2006, p.5)
Acerca da tendência tradicional na produção de história política, dominante até ao menos os anos de 1960, no caso brasileiro, Cardoso observa:
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Prisioneira da visão centralizada e institucionalizada do poder, a história política tradicional foi definindo progressivamente temas, objetos, princípios e métodos. Ligada intimamente ao poder, essa história pretendeu ser também memória. Coube-lhe então, durante séculos, lembrar e ensinar pelos exemplos reais e ilustres de que era a única depositaria. Esta história magistra vitae pode então servir com equanimidade aos políticos, filósofos, juristas e pedagogos. (CARDOSO, 1999, p.99)
Relativamente à perda da popularidade dos escritos sobre história e política no Brasil décadas atrás, um motivo importante está relacionado com um dos paradigmas da história, aquele momento em que as explicações explica ções globais, os escritos totalizadores da história teriam dado conta de contar toda a história, esgotando os temas abordados – no caso brasileiro, a fase colonial e o império. Esse modelo positivista dominante positivista dominante até ao menos o começo dos anos de 1960 sofria críticas, tanto dos marxistas como dos estruturalistas e dos adeptos da Escola dos Annales . A linearidade cronológica desse modelo positivista – cuja primazia da importância recaía sobre indivíduos, os tais vultos, membros de uma elite político -adminstrativa, que se contrapunha à participação do todo – inibia a interpretação de contextos mais amplos, narrando a história a partir de eventos pontuais, deslocados das conjunturas em que estavam inseridos. Paulatinamente Paula tinamente foi caindo em descrédito, vindo a entrar em desuso ou ser amplamente questionado.
A nouvelle histoire, tal como foi consagrada nos anos 70, relegou a história política a um lugar absolutamente secundário. Com efeito, se a “primeira geração” dos Annales havia estigmatizado a história política como sinônimo de história factual— événementielle —, a “segunda geração”, a de Braudel e seus discípulos, relegou os fatos políticos ao “tempo curto”. Definindo se, em 1971, como “estrutural”, a nouvelle histoire acentuou mais ainda suas distancias quanto a história política.(CARDOSO, 1999, p.111)
A maneira de escrever a história a partir dos pormenores, a história em migalhas, estava ganhando força no Brasil entre fins dos anos 1970 e o começo dos 1980, praticamente ao mesmo tempo em que foi observada nos principais centros de pesquisa europeus.
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A partir dos anos de 1980 assistimos a uma lenta e contínua revalorização da política, do poder, da ação política e de suas representações, em nível internacional. Os novos enfoques sobre a História Política significaram, num primeiro plano, reflexões acerca do poder, enquanto campo de representação do social, atrelado aos diversos aspectos da existência humana. (OLIVEIRA, 2007, p.96)
A mudança, como descrito acima, no caso brasileiro, esbarrava na má vontade do poder político instituído em incentivar a escrita da história na dimensão política.
Não é tão surpreendente se considerarmos, por exemplo, que na França textos clássicos para uma "nova" história e para uma "nova" história política datam de fins dos anos 1970 e inícios dos 80, e que o Instirut d'Histoire du Temps Présent, em Paris, foi organizado em 1978, apesar de suas origens serem anteriores.(DE CASTRO, 1996, p.67)
O foco no indivíduo também foi mister na produção historiográfica dita tradicional sobre os temas da política no Brasil. Há autores que veem essa historiografia como quase biográfica. Sair do grande sujeito para o coletivo marcou uma transformação importante.
No que se refere à história política: também no Brasil a tradição historiográfica é fortemente marcada por uma produção de história político-administrativa, com o predomínio de uma narrativa povoada de acontecimentos, grandes vultos, batalhas etc. Em oposição a essa "velha" história, que se transformou, a partir da critica e da prática da escola dos Annales, na síntese de todos os males da disciplina, também se desenvolveu uma "outra" história, que se caracterizou por ser econômico-social e voltada para as estruturas, OS atores coletivos, as metodologias quantitativas etc. (DE CASTRO, 1996, p.60)
Ainda há outras explicações viáveis para a diminuição da produção de pesquisa em história e política. Rosanvallon (1995, p.10), por exemplo, diz: “o declínio da história política tradicional também foi acompanhada pelo
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desenvolvimento da história das mentalidades políticas e sobretudo da sociologia política.”, ou seja, dentro da própria história, novas maneiras de se conceber a história política, bem como outras ciências sociais com foco na história política, ficaram mais apuradas. Com a redemocratização do Brasil a partir de 1985, combinando-se com as mudanças importantes observadas em nível mundial alguns anos depois – como o importante desmantelamento do Pacto de Varsóvia, o colapso do mundo so viético e o mais emblemático acontecimento político em escala mundial do final dos anos de 1980, a Queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha –, nota-se importante aumento no interesse por escrever história política novamente, isso tanto no cenário nacional quanto no cenário internacional. O grande sucesso das linhas de pesquisa focadas no social e no cultural, vistas como inovadoras, também colaborou para a diminuição no interesse na história política.
O estudo da política tem-se renovado há várias décadas e se tornou nos dias de hoje uma parte reconhecida e valorizada dos estudos e pesquisas em História. Em um trabalho de 1983, reeditado em 2006, Xavier Gil Pujol (2006:79) assinalava que, apesar da história política nunca ter se rendido à hegemonia da história cultural ou social, vivenciava ela, “en años recientes a una rehabilitación”. Esse tempo ficou para trás e os estudos sobre “el poder es el tema sobre el que gravita buena parte de la nueva valoración de la historia política” (PUJOL: 2006,87) se expandem.(COSENTINO, 2012, p.15-16) O comunismo, as revoluções, o socialismo que foram a retórica dominante da produção historiográfica política em termo mundial, perderam interesse pelos escritos voltados ao debate em torno da democracia aliada ao capitalismo. Modelos supostamente vitoriosos que, muito rapidamente, passaram a ser questionados e mais profundamente pesquisados em seu âmago, com vistas a entendê-los melhor dentro das novas possibilidades. O ressurgimento do interesse pela pesquisa em história política explica-se, em parte, também pela revisão de seus objetos, objetivos, temas e abordagens. Tal alargamento não reverbera, porém, numa aceitação ampla, e tampouco imediata, do retorno da temática política. Nos anos de 1990 ao menos, leitores de história e os próprios produtores, os historiadores ainda veem com ressalva a transformação da produção da história política.
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Creio que são estas premissas de compreensão geral do passado, que vivemos nas últimas décadas, que nos permitem entender a nova inserção da história política hoje com o alargamento de sue campo de ação onde temas, objetos e abordagens modificam-se redefinindo o papel do político na história, reagindo ao descrédito que a acompanhou ao longo de 30 ou 40 anos do século XX. (FÉLIX, 1998, p.53)
A história política, diante de novos temas, novas abordagens, desencadeia diálogos com outras ciências, com outras abordagens do campo historiográfico, ampliando o leque de:
Quando o historiador se volta para a apreciação destas temáticas no interior da dimensão política, são evidentes as conexões com outros campos historiográficos, como a História Cultural, a História das Mentalidades, a História Econômica ou a História Social. Apesar dos diversos domínios historiográficos, não existem acontecimentos na vida real que sejam exclusivamente políticos, econômicos, sociais, demográficos ou culturais. Os enfoques, as abordagens e as dimensões no campo historiográfico são interdependentes. (FÉLIX, 1998, p.53)
O acesso facilitado às informações, bem como o poder de produzi-las para um público ilimitado, trans e multinacional, fruto da tecnologia, das redes sociais, também gera motivos para os historiadores voltarem a pensar outros temas políticos e sociais. Antigos discursos separatistas, discriminatórios, étnicos/raciais, religiosos, entre outros, ganham novo fôlego com o advento da tecnologia e disseminam tais ideais numa velocidade nunca antes experimentada.
2.3 Cultura e Sociedade A História cultural, hoje chamada de a nova história cultural, e que outrora foi o mesmo que História das mentalidades, é o gênero de produção historiográfica que trata das “etnias”, das “civilizações”, dos povos, das “tradições”, do saberfazer, do imaterial, enfim, trata da Cultura. A revolução que culmina com essa nova perspectiva da história tem seu começo na França, mas vai moldando-se através da participação de outros grupos de historiadores de outros países europeus. Portanto, a França é o ponto de
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partida para a nova história cultural, mas não é justo pensar que é a partir de somente os textos franceses que essa transformação se consolidou. Italianos, ingleses, norte-americanos, alemães, portugueses, latinos como brasileiros e argentinos, enfim, a nova história foi e está sendo concebida com a participação de historiadores de vários países. Acerca do conceito de cultura, ao menos o conceito válido nos primórdios da escrita da história cultural, ele era o modelo hierarquizador, cujo fim era a alta Cultura, composta teoricamente por práticas afastadas das práticas do povo, das massas. Mesmo que posteriormente as tradições do povo foram classificadas como baixa cultura e finalmente cultura popular, essas culturas entendidas como menores, somente a partir da segunda metade do século XX, é que vão ganhar espaço nos escritos da história cultural. Mintz (2010, p.2) define da seguinte maneira o conceito de cultura amplamente aceito até ao menos os anos de 1950, bem como ainda hoje reproduzido socialmente e que era aplicado à história cultural.
Entre esses sentidos antigos, dois, em particular, aparentemente sobreviveram em formato modificado. Um deles é o de que em certas sociedades algumas pessoas possuem cultura, enquanto para outras ela falta. Um outro é o da visão, próxima, mas bem diferente, de que certas sociedades possuem cultura, enquanto outras não. Estas duas ideias diferem qualitativamente; a primeira lida com diferenças de grau, e a segunda com diferenças de espécie.
Hoje, a cultura presente no discurso da história cultural em nada tem a ver com o conceito antigo de Cultura, aquele que a definia como “coisa” de nobres, ou de quem falasse vários idiomas, estudasse em universidades, conhecesse instrumentos musicais, ouvisse música erudita, viajasse pelo mundo, entendesse de arte, ou seja, era coisa para uma pequena parcela da sociedade dotada de conhecimento enciclopédico e/ou conhecimento de mundo no sentido de poder ter visto/visitados outras culturas. O diálogo hoje é com a Antropologia cultural, e o conceito de Cultura dessa ciência é aplicado à maior parte dos estudos da História Cultural. Ressalta-se que não há em ciência alguma – seja antropologia, história, sociologia, ou outra – um conceito fechado do que é cultura; há tendências vastamente aceitas e aplicadas.
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O começo da escrita da história cultural remonta ao início do século XIX, na Alemanha. Alguns historiadores alemães, adeptos do diálogo com a arte, a literatura e a filosofia, escreviam buscando elos entre as artes, e explicar detalhadamente obras, naquele momento, reconhecidamente, importantes. No contexto brasileiro, os primeiros escritos dessa abordagem igualmente remontam ao século XIX. O conceito de Cultura que também era jovem – estava sendo cunhado – e remetia a valores diferenciados, aqueles a que a grande massa não teria acesso. Escrevia-se a história cultural tentando justificar os jovens Estados-nação. Suas origens quase imemoráveis, seus heróis, seus fundadores, seus símbolos, toda uma gama de conhecimento, de cunho quase arqueológico, que tivesse o poder de dar coesão às pessoas integrantes daquele povo1 , o sentido primordial daqueles escritos passavam pelo forjamento de uma identidade nacional, pela criação de um sentimento de pertencimento. Burke (2005, p.18-19), ao citar um estudo clássico de história cultural do historiador alemão Huizinga (1929), descreve como era a escrita da história cultural clássica.
Em outro ensaio, publicado em 1929, Huizinga declarava que o principal objetivo do historiador cultural era retratar padrões de cultura, em outras palavras, descrever pensamentos e sentimentos característicos de uma época e suas expressões ou incorporações nas obras de literatura e arte. O historiador, sugeria ele, descobre esses padrões de cultura estudando “temas”, “símbolos”, “sentimentos” e “formas”.
A História cultural hoje, ou seja, a nova história cultural, procura entender como as pessoas (no geral, sem hierarquias) veem o mundo, como se comportam, o que fazem para se manter, como agem para viver. Tenta mostrar que cada grupo tem a sua familiaridade, que é a sua cultura – imersa aí num número importante de tradições presentes em todas as dimensões da sociedade – e que há muitas diferenças de época para época, nas mesmas culturas. A tradição é uma retórica importante para se escrever história cultural. A rigor, todas as práticas e condutas de uma sociedade estão calcadas nas tradições. Assim, como define Burke (2004, p. 39), seria fácil produzir história cultural: 1 Povo: uma unidade sem personificação, um conjunto de pessoas, uma massa una.
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A ideia de cultura implica a ideia de tradição, de certos tipos de conhecimentos e habilidades legados por uma geração para a seguinte. Como múltiplas tradições podem coexistir facilmente na mesma sociedade – laica e religiosa, masculina e feminina, da pena e da espada, e assim por diante – trabalhar com a ideia de tradição libera os historiadores culturais da suposição de unidade ou homogeneidade de uma “era”
A maneira de se escrever a história cultural, assim como qualquer outra abordagem, passou nas últimas décadas por um processo importante de se reinventar. A mudança observada na história em geral, ou nas suas vertentes – história política, histórica social, ou qualquer outra linha de escrita da história – não é simples de construir o caminho seguido, apontando diretamente um período de corte. Houve motivos específicos de cada lugar, houve inúmeros pensadores por trás da crítica e autocrítica, ou seja, o caminho apontado incorrerá em algum “erro”, que outra obra poderá apontar.
Por vezes, se utiliza a expressão Nova História Cultural, a lembrar que antes teria havido uma velha, antiga ou tradicional História Cultural. Foram deixadas de lado concepções de viés marxista, que entendiam a cultura como integrante da superestrutura, como mero reflexo da infraestrutura, ou mesmo da cultura como manifestação superior do espírito humano e, portanto, como domínio das elites. Também foram deixadas para trás concepções que opunham a cultura erudita à cultura popular, esta ingenuamente concebida como reduto do autêntico. Longe vão também as assertivas herdeiras de uma concepção da belle époque, que entendia a literatura – e, por extensão, a cultura – como o sorriso da sociedade, como produção para o deleite e a pura fruição do espírito. (PESAVENTO, 2006, p.7)
No geral, a história cultural, ou a nova história cultural escrita hoje, é ampla e multitemática. Ela também se tornou mais interessante para o grande público, tornou-se mais acessível na sua escrita.
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A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentem de forma cifrada, portando já um significado e uma apreciação valorativa. Aquelas concepções mais antigas foram agora substituídas por esta modalidade vencedora de entendimento da cultura, que ganhou espaço junto às universidades e à própria mídia [grifo meu]. Sim, pois tanto em termos mundiais quanto no Brasil, assistimos a um fenômeno: nunca se escreveu nem se leu tanto sobre História e isso se deve, em grande parte, a essa aludida virada na área [grifo meu]. (PESAVENTO, 2006, p.7)
No caso brasileiro, a escrita de história cultural, assim como as outras abordagens deste capítulo, tem o contexto do regime de exceção como um elemento que influenciou diretamente na produção historiográfica, procedente um relativo engessamento que somente em meados dos anos de 1980 vai perdendo força.
A historiografia nacional brasileira, no momento em que a crise dos paradigmas chegou ao país, no final dos anos 1980, era até então dominada por uma postura marxista de entendimento da história. Desde os tempos pioneiros de utilização dos livros de Caio Prado Jr. ou Nelson Werneck Sodré no âmbito da academia, o materialismo histórico se propunha como a postura teórica que melhor dava conta da realidade brasileira, imersa, a partir de 1964 no autoritarismo de um regime militar que se estendeu até o lento processo de reabertura política dos anos 80. (PESAVENTO, 2006, p.5)
A nova maneira de se fazer história cultural, que provocou um alargamento do conceito de quem são os sujeitos da história e, portanto, abriu um novo e amplo leque de enfoques teóricos, não dispensou a pesquisa histórica feita em arquivos oficiais. Ela forçou o historiador a buscar outras fontes, a ampliar seus diálogos. Uma infinidade de novas fontes apresentou-se: periódicos, fotografias, processos (criminais, cíveis), prontuários médicos, enfim, uma nova e farta gama de opções de fontes a disposição do historiador da nova história cultural. Pensavento (2006, p.16), a respeito dos primeiros movimentos acerca do surgimento de um novo paradigma para a história cultural, afirma que:
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Aos historiadores franceses dos Annales e historiadores ingleses neomarxistas trabalhavam, do final dos anos 1960 aos anos 80, com uma história social que avançava para os domínios do cultural, buscando ver como as práticas e experiências, sobretudo dos homens comuns, traduziam-se em valores, ideias e conceitos sobre o mundo.
A expressão nova história cultural foi cunhada no final de década de 1980, sendo apresentada pela primeira vez no trabalho da historiadora norte-americana Hunt Lynn.
A expressão “nova história cultural” entrou em uso no final da década de 1980. Em 1989, a historiadora norte-americana Lynn Hunt publicou um livro com esse nome que se tornou muito conhecido, mas os ensaios ali reunidos foram originalmente apresentados em um seminário realizado em 1987 na Universidade da Califórnia, em Berkeley, sobre “história francesa: textos e cultura”. A Nova História Cultural é a forma dominante de história Cultural – alguns até mesmo diriam a forma dominante de história – praticada hoje. (BURKE, 2004, p.69)
Essa nova concepção da história cultural apresenta algumas características que a diferem daquela que seria a antiga história cultural, aquela escrita ao menos nos anos de 1970. Segundo VAINFAS (In Cardoso, 1999, p.220 – p.221)
A primeira característica do que hoje se chama de história cultural reside, justamente, na sua rejeição ao conceito de mentalidades, considerado excessivamente vago, ambíguo e impreciso quanto às relações entre o mental e o todo social. Os “historiadores da cultura” que, diga-se de passagem, parecem sentir-se mais a vontade em assumir este rótulo no lugar das mentalidades, não chegam propriamente a negar a relevância dos estudos sobre o mental. Não recusam, pelo contrario, a aproximação com a antropologia, nem a longa duração. E longe estão de rejeitar os temas das mentalidades e a valorização do cotidiano, para não falar da micro-história, por muitos considerada legitima, desde que feitas as conexões entre microrrecortes e sociedade global. E licito afirmar, portanto, que a história cultural e, neste sentido, um outro nome para aquilo que, nos anos 70, era chamado de história das mentalidades. A segunda característica da história cultural decorre, em certa medida, da primeira. Ela
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se apresenta como uma “Nova História cultural”, distinta da antiga “história da cultura”, disciplina acadêmica ou gênero historiográfico dedicado a estudar as manifestações “oficiais” ou “formais” da cultura de determinada sociedade: as artes, a literatura, a filosofia etc. A chamada Nova História cultural não recusa de modo algum as expressões culturais das elites ou classes “letradas”, mas revela especial apreço, tal como a história das mentalidades, pelas manifestações das massas anônimas: as festas, as resistências, as crenças heterodoxas... Em uma palavra, a Nova História cultural revela uma especial afeição pelo informal e, sobretudo, pelo popular. Nova coincidência, convém frisar, entre a história cultural e a das mentalidades: o distanciamento em relação a chamada história das ideias, história do pensamento formal, da filosofia ou dos “grandes pensadores”. Terceira característica, perfeitamente nítida nas principais versões da moderna história cultural: a sua preocupação em resgatar o papel das classes sociais, da estratificação, e mesmo do conflito social, característica que sem duvida a distingue da história das mentalidades, pelo menos daquelas versões limitadas a descrever a vida cotidiana ou a apregoar que a mentalidade e algo comum ao conjunto da sociedade, não importando o lugar ocupado por indivíduos ou grupos na estratificação social (César e o soldado romano, São Luis e o camponês etc.). Quarta característica, e vimos que isso também ocorre com as mentalidades: a chamada história cultural e uma história plural, apresentando caminhos alternativos para a investigação histórica, do que resulta, muitas vezes, uma serie de desacertos e incongruências igualmente presentes na corrente anterior. A história cultural, a nova história cultural, tem novos conceitos, novas formas de explicar a história em oposição à antiga prática. Um conceito primordial para a nova história cultural é o da representação.
As representações apresentam múltiplas configurações, e pode-se dizer que o mundo é construído de forma contraditória e variada, pelos diferentes grupos do social. Aquele que tem o poder simbólico de dizer e fazer crer sobre o mundo tem o controle da vida social e expressa a supremacia conquistada em uma relação histórica de forças. Implica que esse grupo vai impor a sua maneira de dar a ver o mundo, de estabelecer classificações e divisões, de propor valores e normas, que orientam o gosto e a percepção, que definem limites e autorizam os comportamentos e os papéis sociais (PESAVENTO, 2006, p.21)
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3 Micro-história: indícios e singularidades
3. Micro-história: indícios e singularidades Este capítulo concentra-se majoritariamente no gênero Micro-História. Apresenta-se o contexto de seu surgimento, recente, do final do século XX. Debatem-se igualmente seus desafios, no que tange a lidar com as fontes, na escolha de seu objeto de pesquisa, no lidar com o dito popular e no convencer a própria nova história da sua validade e importância enquanto gênero historiográfico. Este capítulo fará um breve histórico da Micro-História no Brasil, abordando sua entrada “tardia”, sua lenta expansão, seus desafios. Relativamente às suas especificidades diante de outras vertentes mais populares na historiografia, há um capítulo discutindo essa temática. Não se perderá de vista a discussão em qual linha majoritária ela se enquadra, social ou cultural, conceito que ainda hoje gera dúvidas. A parte final do capítulo é dedicada aos conceitos antropológicos aplicados à História. Da relação com essa disciplina irmã – a antropologia –, ambas usufruem de conceitos e métodos uma da outra. Discute-se o processo de aproximação e reaproximação entre elas, focando no mais recente, dos anos de 1970. Finaliza-se com a apresentação de conceitos antropológicos utilizados na história.
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Descrever o processo de surgimento da Micro-História; Apresentar os desafios da Micro-História; Identificar a história da Micro-História no Brasil; Refletir sobre as diferenças da Micro-História diante de outras vertentes da historiografia; Definir a modalidade da Micro-História: social ou cultural; Apresentar os conceitos antropológicos aplicados à História; Discutir os conceitos antropológicos aplicados à História.
3.1 Micro-história: surgimento A micro-história, um gênero da nova história, é a modalidade de se fazer história quando o objeto de pesquisa, como o próprio nome sugere, é limitado a um recorde tempo-espacial extremamente preciso. Esse foco se dá pela neces-
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sidade de, em micro-história, fazer-se uma exploração do objeto de pesquisa à exaustão, portanto intenso e profundo. Há intelectuais que não veem, mesmo no tempo presente, a micro-história como um termo definido no que diz respeito ao seu enfoque. Eles sugerem que micro-história é um “termo mais ou menos vago que vem sendo usado para descrever um corpo de discussões, nem sempre homogêneo, em torno do alcance e das possibilidades da disciplina histórica”. (LIMA, 2004, p.2) De toda sorte, ela surge provavelmente entre fins dos anos de 1960 e começo dos anos de 1970. Apesar de haver uma maciça participação de historiadores italianos na produção da micro-história e de ser crença comum o surgimento do gênero na Itália, para alguns autores o propulsor do gênero seria o mexicano Luis Gonzáles, que, precisamente em 1968, faria a primeira publicação nos moldes sugeridos pela micro-história. O mesmo pode ser dito da micro-história. Uma das primeiras obras que reivindicou pertencer a esse gênero, e do qual poderíamos até dizer que é inventora, foi o livro de um historiador mexicano, Luís González y Gonzáles, Pueblo envilo: microhistoria de San José de Gracia, publicado em 1968. (RAVEL, 2010, p.435)
Pode-se sugerir que escrever micro-história é processar documentos ligados ao anônimo, ao indivíduo sem rosto, sem nome. Sujeitos que a historiografia tradicional insistia em omitir. É, igualmente, incorporar fontes renegadas, como as culturas orais. Fazer micro-história é imergir-se em uma época ou sociedade e lançar o olhar naqueles estratos sociais cuja presença na história,, até recentemente, era apenas estatística. Em micro-história não se pode contar com a continuidade e tampouco desprezá-la. Os micro-historiadores objetivaram, através da redução de escalas, compreender fenômenos que não seriam perceptíveis em outra análise mais generalizante. Eles não estudam, necessariamente, uma história local, um espaço recortado; buscam compreender trajetórias, práticas sociais, um crime, ou outro fenômeno (fragmento social) que o investigador avalie como esclarecedor da questão (problema) que se impõe. (DA SILVA CARDOZO, 2011, p.39)
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3.2 Micro-história: desafios O historiador da micro-história, não raro, lida com fontes fragmentadas, desconexas, espalhadas, desorganizadas. Afinal, as fontes da micro-história não foram feitas para serem fontes documentais clássicas, elas não foram produzidas deliberadamente. Elas são vestígios, rastros deixados involuntariamente sem a intenção efetiva de servir para uma narrativa ou construir uma memória. Mas não se pode cair na armadinha de pensar que a micro-história se limita à história dos excluídos e tampouco que lança mão apenas de determinado padrão de fontes. A micro-história pretende não ser limitada a um modelo excessivamente padronizado. Levi (BURKE, 1992, p.139) enfatiza a importância do processo de reduzir a escala do objeto a ser pesquisado na micro-história. Embora a escala como uma característica inerente da realidade certamente não seja um elemento estranho, no debate da micro-história ela é, sem dúvida, tangencial; porque o problema real está na decisão de reduzir a escala de observação para propósitos experimentais. O princípio unificador de toda pesquisa micro-histórica é a crença em que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados.
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Figura 3.1 – Giuseppe Arcimboldo.
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Mesmo num cenário, em tese, desfavorável para se fazer história, o historiador da micro-história sabe que o resultado da sua narrativa, mesmo que aparentemente com buracos, não permite ficção ou outros facetes para deixar o texto mais “belo”. O resultado da pesquisa histórica é história, afinal o historiador não é um escritor, muito menos artista, portanto ele não deve dar primazia à estética do texto ou preocupar-se em fechar buracos. A escrita da micro-história é a partir da história da cultura popular. Sua proposta não permite outra abordagem, outro olhar. Para muitos críticos, essa nuance soa como a imposição de uma limitação, o que seria uma prática discriminatória, acusação que a macro-história também sofria, porém pelo viés contrário. Em micro-história, valoriza-se a produção na base empírica, fruto de profunda pesquisa em arquivos e fontes diversas e ecléticas, relacionados ao objeto de pesquisa. Sabe-se que não se esgotam as fontes em pesquisa histórica, mas para a micro-história a imersão exaustiva na pesquisa é um “pré-requisito”. Lançar mão do método micro-história, ao concentrar-se num pequeno corte tempo-espacial, construindo versões detalhadas e complexas, quase num trabalho artesanal do passado, possibilita ao historiador ampliar sua gama de responsabilidades interpretativas; permite, olhando-se o micro, perceber o macro na história. Não se pode incorrer no erro de, ao se pensar na micro-dimensão do objeto de estudo, que esse alcance seja nessas proporções. A partir do fragmento, se consiga obter um espectro mais amplo de possibilidades de interpretação. O aprofundamento do processo explicativo, pela análise microscópica, leva, por seu turno, a uma pluralidade de respostas possíveis para uma mesma situação dada.(PESAVENTO, 2006, p.41)
A aceitação do modelo micro-história não ocorreu sem resistência da antiga nova história (mentalidades). Os historiadores de modelos amplamente aceitos e difundidos afrontaram a micro-história, pondo-a à prova no sentido de sua importância e até de sua validade como produção historiográfica, baseada em temas vistos como marginais, sem importância. Vainfas (2009, p. 233) debate essa negação inicial à micro-história pelos historiadores das mentalidades.
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A segunda confusão era entre mentalidades, história cultural e micro-história. Neste caso, a confusão era alimentada pelos adversários da chamada Nova História, empenhados em condenar os “novos temas”, a sexualidade, a feitiçaria, o cotidiano, inspirados num paradigma marxista de tipo economicista. E os argumentos eram os que já mencionei, desde a alegação de que os estudiosos destes assuntos se refugiavam em “modismos” até a acusação de que faziam o “jogo da direita”.
3.3 Micro-história: Brasil Na historiografia brasileira, a micro-história chega provavelmente em meados dos anos de 1980, sendo que, a partir do começo dos anos 1990, sua produção local começou a ganhar espaço, e ela começou a ser ouvida nos corredores das universidades nacionais. Esse período também marcou o começo de uma sintonia mais consistente com o debate internacional. A primeira recepção da micro-história coincide com a própria recepção de um debate mais amplo sobre a historiografia que se internacionalizava. Esse foi o contexto que permitiu, em meados da década de 1980, o contato com um conjunto amplo de leituras que vinham traduzidas para o português e lidas, pelo menos nos cursos universitários... (LIMA in, OLIVEIRA & Almeida 2009, p.149)
Mesmo chegando tardiamente entre nós, a micro-história não teve um boom, pelo menos até o começo desta década, no sentido de ser amplamente utilizada pelos historiadores brasileiros. Autores importantes ainda hoje a colocam numa posição mais periférica em relação a outras vertentes. Isso se deve, em larga medida, ao fato de ela ter chegado ao Brasil no mesmo momento em que outras vertentes também importantes chegavam. Embora a micro-história tenha tardado a se difundir entre nós, e ainda hoje esteja só nos primeiros passos, ela ocupou o centro ou a periferia de vários debates na década de 1980, justamente quando começaram a se difundir no Brasil, primeiro, as traduções de obras francesas, italianas e inglesas no campo da história cultural – ou
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das mentalidades, no caso francês. E, segundo, porque dela se falava quando apenas começavam a se difundir as próprias pesquisas neste campo, a partir das teses de pós-graduação, sobretudo em história colonial. (VAINFAS, 2009, p.232)
Acerca da aceitação da micro-história entre os historiadores brasileiros, Vainfas (2009, p.233) ainda chama a atenção para a discriminação da nova história e seus modelos explicativos, notadamente a micro-história, a mais criticada pelos resistentes historiadores nacionais. Os críticos da “Nova História” se referiam à micro-história como o exemplo mais completo do pior que se podia fazer em história, sublinhando a pulverização do objeto, a narrativa descompromissada, e houve até quem dissesse que a micro-história não estava baseada em pesquisa.
3.4 Micro-história: diferenças Ao contrário de outras vertentes da nova história, a micro-história não propunha apenas, como se isso fosse pouco, revisar métodos de produção historiográficos então em crise nos anos 1970, quando boa parte dos historiadores ainda concentrava seus esforços no indivíduo, no grandioso, no evento único, na particularidade do fato, no encantamento caro, como discutimos em outros recortes deste livro. A micro-história, segundo Levi (In BURKE, 1992, p.136), Não era simplesmente uma questão de corrigir aqueles aspectos da historiografia acadêmica que pareciam não mais funcionar. Era mais importante refutar o relativismo, o irracionalismo e a redução do trabalho do historiador a uma atividade puramente retórica que interprete os textos e não os próprios acontecimentos.
Migrar dos grandes temas gerais da história, da macroanálise, e imergir numa nova e bastante diversa maneira de se fazer pesquisa em história não ocorreu de sobressalto. A micro-história também não surge como um modelo pronto e tampouco com seus métodos e objetivos definidos.
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Um aspecto importante a ser ressaltado é que a microanálise apenas lentamente ganhou substância em trabalhos de pesquisa empírica. Tratava-se antes de tudo de uma proposta metodológica, com forte inspiração na antropologia social. Na medida em que o debate se tornou mais amplo e mais diversificado, aquele programa intelectual inicial foi bastante alterado. Como falou Carlo Ginzburg (2007a:249), o fato é que, em meados dos anos 1970, a micro-história mais parecia um rótulo em uma caixa vazia, a ser preenchida. (LIMA in OLIVEIRA & Almeida 2009, p.137)
O advento da micro-história causou, de maneira lenta, mas gradual, uma forte revisão na produção historiográfica. Isso não significa dizer que os modelos explicativos mais gerais tenham sido refutados sumariamente, não! Eles continuam a existir – inclusive na década de 2010 vemos isso nas livrarias. O que a proposta da micro-história traz à tona é a primazia de outros termos, de novos temas e de tempos. O impacto sobre o vocabulário em circulação nos debates centrais da historiografia mostra isso: noções como “classe”, “estrutura”, “organização social” foram sendo menos escutadas, enquanto termos como “identidade”, “gênero”, “subjetividade” e “representação” tomavam clamorosamente a dianteira. (LIMA in , OLIVEIRA & Almeida 2009, p.135)
3.5 Micro-história: social X cultural Ao seu turno, dentro das modalidades majoritárias, entre a história social e a história cultural, a micro-história encaixa-se, e isso não é consenso, na abordagem da história social. Tal definição ainda suscita debates, uma vez que, salvo entre os historiadores italianos, havia a tendência de encaixá-la como história cultural. Fora da Itália, particularmente, a micro-história foi frequentemente considerada como uma modalidade de história cultural, relacionada de modo próximo à histoire des mentalités francesa. (LIMA, 2004, p.2)
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Para os historiadores da micro-história, a micro-história é uma alternativa à centralização, ainda muito em voga nos anos de 1970-1980, nos fenômenos políticos e econômicos como ponto de partida para a maior parte da produção histórica. A micro-história, segundo Oliveira & Almeida (2009, p.9), “parte do pressuposto de que os indivíduos e os grupos têm uma complexidade difícil de ser reduzida aos fenômenos”. Em contrapartida, a forma de se produzir história, notadamente a social, nos anos de 1970, já dava sinais claros de um provável esgotamento de seu modelo explicativo. Suas fontes documentais seriadas e quantitativas perdiam sua capacidade interpretativa e eram postas em xeque com a falência de modelos sociais do seu tempo. G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 3.2 – Battle of Agincourt, 1415, English with Flemish illuminations, from the St. Alban's Chronicle' by Thomas Walsingham (vellum)
Ela mostra a multiplicidade de relações sociais que o fato, em tese estanque, permite, mostrando o entrecruzamento das relações sociais, e que tais fenômenos não são algo encerrado, preso ao passado – eles vêm à tona conforme são questionados no presente. Cabe destacar que o historiador, ao optar pela micro-história, não está afastando-se ou rejeitando a história cultural. Não se discute que ela seja história
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social, mas o fato de ela estar dentro da abordagem social não limita sua relação com o cultural. Afinal, a cultura é o ponto de partida para a compreensão de modos e práticas no campo social. O tema da cultura estava longe de ser uma preocupação ausente nas discussões sobre a microanálise. Ao contrário, o projeto histórico-antropológico que inspirava a micro-história sugeria exatamente que a avaliação da importância dos modelos culturais tinha um peso significativo para a compreensão das lógicas e estratégias sociais. (LIMA in, OLIVEIRA & Almeida 2009, p.40)
A profusão de detalhes presentes na narrativa da micro-história, fruto da exaustiva pesquisa num pormenor, tem o papel de indicar um vasto leque de possibilidades interpretativas a partir daquele primeiro recorte. É como ensina Pensavento (2006, p.41): “Os elementos do micro, recolhidos pelo historiador, são como a ponta de um iceberg que aflora e que permite cristalizar algo e atingir outras questões que não se revelam a um primeiro olhar”. G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 3.3 – Pieter Brueghel the Elder (1526/1530–1569).
A história social, da qual a micro-história é um braço, entrara em crise na Europa nos anos de 1960. Até então, seus historiadores acreditavam piamente ter encontrado a alquimia perfeita para se escrever a história. Criam eles:
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“pode-se dizer que ela [a história social] se baseava na convicção otimista de que o questionário pertinente para explicar a sociedade havia sido construído de uma vez por todas em seus aspectos mais fundamentais.”, ou seja, o modelo explicativo definitivo no campo da história social encontrava-se pronto. Havia, no modelo de história social em voga nos anos de 1960, um amplo e franco debate com outras ciências, como a sociologia, a demografia, a antropologia social e a economia, disciplinas que, em sua maioria, não por acaso, era calcadas em modelos explicativos “prontos”, “definitivos”. A história social ainda gozava do status de ser o modelo historiográfico mais sofisticado e, portanto, o ideal a ser seguido. A contribuição maior da Antropologia para a Nova História Cultural, neste caso, tem sido a de proporcionar uma nova abordagem que remonta ao que, na Antropologia, denomina-se “descrição densa”. A atenção aos detalhes, e o empenho de, através deles, atingir questões sociais mais amplas, corresponde à redução da escala de observação na corrente da História Cultural que se combina aos procedimentos micro-historiográficos. Por outro lado, também encontraremos, entre as inspirações oriundas do diálogo com a Antropologia, a possibilidade de definir a História Cultural como busca de apreensão da “alteridade”. (BARROS, 2011, p.139)
3.6 Conceito antropológico aplicado à História Observa-se, nos anos de 1970, em especial em setores da historiografia francesa, uma forte tendência de direcionar-se as pesquisas para a vertente cultural. Essa guinada culturalista, chamada de cultural turn , também enseja maior proximidade da história com a Antropologia. A escola da história das mentalidades, terceira fase dos Annales, é quem mais se “aproveita” dessa relação de proximidade com a Antropologia, cuja interdisciplinaridade outrora – século XIX – ocorrerá com frequência. Só no decorrer dos anos 1960 e 1970, a chamada “terceira geração de Annales”, também conhecida como Nova História, começou a transformar seus objetos de pesquisa, voltando-se para a cultura. Um dos precursores dessa História Cultural,
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Philippe Ariès, apontou a direção que seria seguida por essa abordagem: em seu estudo sobre a infância na Idade Média, Ariès utilizou tanto cartas e diários quanto a iconografia, em particular as artes plásticas. Assim foi o desenvolvimento da História das Mentalidades e da Antropologia histórica, em sua busca pela descrição e análise de gestos, crenças, ideias, que trouxe de forma mais sistemática a noção da imagem como documento.(SILVA & SILVA, 2010, p.198).
A guinada à cultura dos anos de 1970 da terceira geração dos Annales não representa o primeiro movimento da historiografia em direção à cultura. Desde fins do século XVIII, encontram-se pesquisas históricas na área cultural. O problema é que a pesquisa mais cultural, baseada no pormenor, nas práticas cotidianas do povo, era desprezada pela historiografia dominante dos séculos XVIII e XIX, aquela factual, dos grandes acontecimentos, dos grandes vultos. A volta para a cultura no contexto dos anos de 1970 sinaliza, sim, um retorno mais consistente a essa vertente da história, denotado através de uma profícua produção. Inúmeros contextos são apontados para a saída dos historiadores em busca de ferramentas de interpretação das culturas no momento da cultural turn. Há certo consenso apontando como a complexidade social e econômica observada nos países do terceiro mundo de então, especialmente América Latina e África Subsaariana, imersos em lutas por independência, opondo-se a regimes ditatoriais, reagindo ao primeiro mundo e poderio econômico. ... percebia-se que, diferente do embate político oficial, formas culturais subalternas serviam nesses contextos como instrumentos de contestação (no caso da América Latina), valorização e criação de uma identidade local de resistência em contraponto ao colonialismo (no caso de África) etc. Parte dos estudos históricos sobre as culturas passaram a buscar referências teóricas, conceitos e ferramentas metodológicas capazes de extrair um entendimento completo dessas realidades sociais específicas e a se fazer a crítica do tipo de produção existente até o momento. (DOS SANTOS, 2010, p.193)
Todo um novo corpus de ações proposta pela nova história tinha, entre suas diretrizes, aumentar a relação com outras disciplinas da área social. A nova história saía assim de um pedestal na qual a história havia se colocado e “desceu”
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até outras disciplinas, as quais se apresentavam com métodos mais complexos. A interdisciplinaridade é uma das essências da nova história. “A rigor, o campo intelectual da chamada Nova História é todo ele constituído por uma ampla e complexa rede de cruzamentos interdisciplinares” (BENATTE, 2009, p.14). Ainda sobre a interdisciplinaridade, A interdisciplinaridade nas ciências sociais e humanas passou a ser uma aliada para tais estudos. Historiadores, educadores e outros começaram a utilizar, por exemplo, as metodologias de pesquisa-ação e pesquisa-participante numa clara afirmação de posições políticas vinculadas à prática de pesquisas diversas. (DOS SANTOS, 2010, p.194).
Essa aproximação entre as duas ciências, observada com força nos anos de 1970, na Europa, à qual uma vertente dos historiadores classifica como uma maneira pós-moderna de se fazer história, enseja um contato profícuo da história com conceitos básicos da antropologia: identidade, etnia, cultura, relati vismo, alteridade, entre outros. Os historiadores encontraram novos modelos de observação e compreensão das sociedades. Observaram, por exemplo, os modos de se vestir, os costumes à mesa e alimentares, a posição da criança, os jogos, as contraversões, a diversão e o lazer, o medo, a feiura, a beleza. G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 3.4 – Hieronymus Bosch (cerca de 1450–1516) e workshop
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Entre os historiadores pode haver aqueles que se perguntam: por que a aproximação com a antropologia? o que as duas têm de parecido ou em comum para justificar a interdisciplinaridade entre elas? LEVI-STRAUSS (SCHWARCZ, 1999, s/p), mesmo com um discurso que, por vezes, era crítico à relação entre as duas ciências, parece definir bem os porquês da proximidade entre elas: Afinal, segundo o etnólogo [Levi-Strauus], as semelhanças seriam bem mais evidentes: ambas estudam sociedades que não existem mais, que são outras, obrigatoriamente aquelas em que não vivemos. Além disso, em nome dessa similitude fundamental, Lévi-Strauss descarta facilmente o argumento que fala de alteridades diversas entre as disciplinas — no tempo e no espaço — ou mesmo ligada a uma heterogeneidade cultural. Segundo o estruturalista francês, "o comum é que são sistemas de representação que em seu conjunto diferem de seu investigador"
Um dos frutos mais significativos oriundos da aproximação entre história e antropologia e da apropriação da segunda por conceitos da primeira foi a revisão do conceito de cultura na historiografia. Até os anos de 1970, a historiografia ainda estava impregnada pelo conceito hierarquizador e discriminador de cultura; aquele em que cultura significava erudição, refinamento. Ter relação com as belas artes, possuir capital intelectual nessa área. Não que esse conceito tenha sido irrestritamente aceito, mas as vozes que o questionavam eram em número muito menor em relação àqueles que o endossavam. É mister lembrar que havia linhas na historiografia que manifestavam insatisfação com o modelo ainda muito influente de se fazer história nos anos de 1970, uma abordagem acusada de ser mecânica e reducionista, cuja essência não mudava, tornando a história monótona e previsível. As superestruturas, os temas fechados, a base amplamente material e o determinismo monocausal são alguns dos motivos da insatisfação e da guinada à antropologia. A antropologia é muito mais aberta, com opções de se escrever história a partir do simbólico, das ideias, do coletivo, tanto na representação como no imaginário.
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Figura 3.5 – RUGENDAS, Johnn Moritz
O diálogo entre história e antropologia, que é a volta pujante do cultural à essência da produção historiográfica, estabelece uma relação interdisciplinar importante para as duas disciplinas que estiveram afastadas, no entendimento de Le Goff, por mais de dois séculos. “Após um divórcio de mais de dois séculos, historiadores e etnólogos antropólogos [grifo meu] mostram tendência para se aproximar. A história nova, após ter-se feito sociológica, tende a tornar-se etnológica.” (LE GOFF, 1979, p. 315). Tanto para Le Goff como para outros renomados historiadores do período havia pouca diferença e muito mais semelhança naquilo que historiadores e antropólogos faziam. Os historiadores que se aproximaram da antropologia e de que dela tomaram emprestado conceitos e métodos analíticos não se prenderam, como é comum em história, a apenas uma escola, a um corpus metodológico específico. Esses historiadores transitaram por modelos diversos de se fazer antropologia, foram ecléticos nesse sentido. Enquanto aos historiadores tal procedimento não causava, em si, desconforto, do lado dos antropólogos a posição era diferente, havendo críticas a tal ecletismo. Não se pode perder de vista que a relação entre história e antropologia não se tratou de uma via de mão única, em que apenas a história tirou proveito de tal aproximação. O processo não foi fácil e objetivo, tratou-se de uma relação bastante complexa.
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A interdisciplinaridade acontece entre encontros e desencontros, numa linha tênue em que ambas as disciplinas souberam explorar aspectos positivos uma da outra e, também, ambas se desencontraram. Litígios e ajustes acontecem nesses encontros. A relação entre história e antropologia desencadeia mudanças nas duas disciplinas, ambas saem transformadas. A história, que é o que nos interessa aqui, muda conceitos, metodologias e, especialmente, amplia sobremaneira seus objetos de estudo, os temas de pesquisa, em especial voltados ao cotidiano das pessoas. Há ainda interpretações da aproximação da história e da antropologia, que sugerem que o elemento primordial da história, a narrativa, também foi afetado pelos métodos da antropologia. Olhar as dimensões simbólicas da ação social — arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum — não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram — apascentando outros carneiros em outros vales — e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou (GEERTZ, 1989, p.21).
Outro conceito apropriado e amplamente utilizado pelo historiador a partir da reaproximação com a antropologia foi o de representação. É unânime entre os historiadores a centralidade com conceito de representação para a história cultural. Trata-se de uma definição complexa e que não tinha efeito no modelo tradicional de se fazer história. O modelo de produção de história a partir de documentos formais, narrando fatos ligados a indivíduos específicos – como reis, generais –, a instituições igualmente específicas – como a igreja católica. Mas onde está a representação? Pesavento (2005, p.20) nos situa no que é representação. Expressas por normas, instituições, discursos, imagens e ritos, tais representações formam como que uma realidade paralela à existência dos indivíduos, mas fazem os homens viverem por elas e nelas. As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e pautem a sua
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existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real.
A mesma autora também define o ato de representar na produção da história cultural. O papel desempenhado pelo historiador. Representar é, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, é presentificação de um ausente; é uma presentar de novo, que dá a ver uma ausência. A ideia central é, pois, a da substituição, que recoloca uma ausência e torna sensível uma presença. (PESAVENTO, 2005, p.20)
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capítulo 3
4 Metodologia aplicada
4. Metodologia aplicada Neste capítulo, Metodologia aplicada, discutiremos e conheceremos metodologias aplicadas ao processo de produção na historiografia. Muito além do método clássico do documento escrito sendo usado como suporte para a produção de textos igualmente escritos, aqui entraremos em contato com a História Oral, método de captação amplamente usado na Antiguidade Clássica, o qual foi, paulatinamente, sendo colocado em desconfiança e consequentemente caindo em desuso ao longo de séculos, voltando a popularizar-se no século XX, muito devido às novas tecnologias de captação e armazenamento da voz. Entraremos em contato, ainda, com a maneira de escrever história a partir da biografia de uma pessoa. Método igualmente popular na antiguidade, que os paradigmas do século XX e as correntes historiográficas como os Annales puseram em descrédito. Sua retomada ocorreu em fins do século XX, com um formato menos enaltecedor do legado do biografado e mais pautado na relação entre biógrafo e biografado. Outro aspecto importante para a retomada da biografia nas ciências sociais são, sem dúvida, as novas tecnologias, principalmente a internet. Por fim, trataremos da relação entre história e imagem. Daquilo que chegou ao nosso tempo e possibilitou construir narrativas de tempos imemoráveis, parte significativa não foi através da escrita, foi na forma de imagens. Veremos sua importância histórica, o processo de perda da relevância, os “maus usos” dela atualmente, a revolução da fotografia, entre outros fatores ligados à história e à imagem.
OBJETIVOS •
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Apresentar a trajetória histórica da história oral. Identificar os métodos de registro do depoimento oral. Descrever a história da história oral no Brasil. Identificar a história da biografia ao longo da história. Reconhecer a importância da biografia na historiografia atual. Apresentar a biografia na historiografia brasileira atual. Definir história e imagem.
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capítulo 4
4.1 História oral 4.1.1 História da história oral Os historiadores da Antiguidade Clássica, como Heródoto, aceitavam o relato, o testemunho como fonte para a construção de uma narrativa, seja esse relato de grandes eventos, como guerras, coroações, banquetes, seja a respeito da vida das pessoas importantes, como reis, generais, entre outros. A confiabilidade do relato não era posta em xeque. Nos períodos históricos posteriores, até fins do século XIX, em algumas escolas, como a Alemã, o depoimento oral foi bem menos aceito, abrindo-se exceção, eventualmente, para aqueles considerados de boa-fé. Portanto, a partir do período medieval, de maneira ainda incipiente e, fortemente, a partir da modernidade, cada vez mais o documento escrito, desde que produzido oficialmente, alijava qualquer outra forma de fonte histórica. A história tinha seu enfoque essencialmente político, despreocupado com as vidas das pessoas comuns, com as realizações econômicas e religiosas, a não ser em épocas de crise, como no tempo da Reforma ou da Revolução Francesa. Isso, em parte, porque inicialmente os historiadores dessa época [fins do século XIX] grifo meu pertenciam, eles mesmos, às classes que administravam e governavam. Por outro lado, essa supressão do depoimento advindo de pessoas comuns devia-se à impossibilidade de um documento individual, local ou não oficial existir. (ROLKOUSKI & SILVA, 2006, P.6)
Sendo assim, durante ao menos, século e meio, entre o começo do XIX e meados do XX, a história aceitava apenas a gama de documentos ditos oficiais, aos quais historiadores dariam chancela. O documento histórico era produto de quem era o sujeito histórico, e tal sujeito não era universal, era o indivíduo que gozava de status social, de poder. A História Oral é tão antiga quanto a própria história, pois foi a primeira espécie de história. Pode oferecer meios para a transformação do sentido social da história, porque alarga seu campo de ação, fazendo história não só dos líderes da sociedade, mas
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daqueles que são desconhecidos, que não têm voz, que são postos à margem, enfim, dos excluídos. (DOS SANTOS, 2007, p.193)
Entendia-se amplamente que o sujeito produtor do documento útil à história não deveria estar mais vivo no tempo presente, ou seja, para a história, a ciência do passado por excelência – que se diferenciava de outras ciências sociais por seu poder de decifrar documentos específicos e assim narrar e reconstruir o tempo passado –, não faria sentido relacionar-se com o sujeito que não está no passado, e sim vivo no presente. A fragilidade implícita das fontes orais é considerada universal e irreparável; por isso, para as sociedades sem registros escritos, o alcance convencional do discernimento e desanimador (PRINS, In BURKE, 1992, p.163) G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 4.1 – Por manuscrito sob a supervisão do autor
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O distanciamento do presente era uma espécie de elemento validador da narrativa histórica. Quanto mais distante do tempo presente o evento estivesse, quando o documento estava arquivado e “esquecido” há mais tempo, a história produzida a partir dessa situação poderia reverberar como um contexto que daria mais valor ao produto histórico. A história se fazia por meio de documentos escritos e arquivados. O depoimento oral, por exemplo, seria descartado como fonte verdadeira, pois e passível de sofrer alterações sob influência da imaginação. Cabia ao historiador ater-se verdade: aquela que pudesse ser devidamente comprovada pelos documentos. Sendo assim, era exigida do historiador uma total objetividade e neutralidade. Não tendo o historiador qualquer envolvimento com seus estudos, permitiria que os fatos e as fontes falassem por si mesmos. (DE OLIVEIRA, 1999, p. 82)
Essa realidade de afastamento dos eventos do presente era tida como um trunfo para a valorização do historiador erudito acadêmico. Afinal, valorizaria quem dominava o ofício de se fazer história a partir de todo um corpus de ações eruditas, inacessíveis àqueles que pretendiam fazer história a partir de documentos não oficiais ou qualquer outro recurso, como depoimento oral. Por isso o sucesso dos escritos, tendo como objeto de pesquisa a história antiga e medieval, especialmente entre os historiadores franceses, e o desprezo pela história recente, contemporânea. Os sucessores de Seignobos tentaram mostrar que era possível usar o método histórico para o estudo da época contemporânea. Essas iniciativas dos historiadores profissionais pretendiam retirar a história recente das mãos dos historiadores amadores, mas a desconfiança sobre o tempo recente permaneceu. (FERREIRA, 2002, p.317)
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Figura 4.2 – William Hogarth, The Marriage Settlement 1743
Desprezar o contemporâneo não era unanimidade entre os historiadores. Havia queixas, havia um debate instituído, cujo aprofundamento aumenta no começo do século XX. As críticas mais importantes partiam dos sociólogos, que punham em dúvida o fato de a relação de maior objetividade da pesquisa histórica estar necessariamente ligada ao distanciamento no tempo.
Essa maneira de pensar a história em geral, e o contemporâneo em particular, foi alvo de intensos debates na virada do século entre historiadores e sociólogos. Os sociólogos ligados a Durkheim, em particular Simiand, fizeram pesadas críticas a Seignobos e ao método de pesquisa por ele concebido para garantir a objetividade. Na sua visão, o recuo no tempo não garantia a objetividade da história, pois todo historiador é tributário da sua época. Os historiadores pensam em tempo serial, como é medido pelo calendário e pelo relógio de pulso. Os documentos podem oferecer belos detalhes nessa dimensão e assim podem permitir que derivem deles argumentos sutis. A objetividade requerida pelos membros mais tradicionais da profissão histórica e colocada em grande parte sobre a suposta forca de dedução extraída de um estudo concentrado da lógica da narrativa belamente estruturada. (PRINS, In BURKE, 1992, p.171)
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O advento das mudanças propostas pela nova história, da possibilidade de se fazer história a partir de uma gama renovadora de fontes, não significou, num primeiro momento, a ampla aceitação da história oral como fonte. Os historiadores da nova história, como o expoente dos Annales , concentraram muito de sua produção na Antiguidade Clássica e Medieval, períodos de estudo em que possibilidade de lançar-se mão do depoimento ainda não existia. Em contrapartida, ao desvalorizar a análise do papel do indivíduo, das conjunturas, dos aspectos culturais e políticos, também desqualificou o uso dos relatos pessoais, das histórias de vida, das autobiografias. (FERREIRA, 2002, p.319)
Outros problemas acerca do não uso da história oral estavam postos. E as sociedades nas quais a tecnologia da escrita não se fez presente no período em que os europeus redigiam seus documentos oficiais, como ficariam? A maior parte das sociedades africanas subsaariana era um ótimo exemplo colocado ainda no século XIX. A tradição mais forte no século XIX dizia que culturas sem escrita – notadamente as africanas – eram cultuas a-históricas. A África tem sido vista como o continente a-histórico par excelente. Esta opinião foi consistentemente sustentada, desde a sentença de Hegel em 1831, de que “ela não e parte histórica do mundo” até a famosa observação de Hugh Trevor-Roper em 1965, que ofendeu por uma geração os clãs de africanistas anticoloniais que rapidamente se proliferavam na época, declarando que a África não possuía história, apenas evoluções sem sentido de tribos bárbaras. (PRINS, In BURKE, 1992, p.164)
Mesmo a nova história tendo expandido sobremaneira a gama de fontes, objetos de pesquisa, abordagens e temas, relativamente ao depoimento pairavam algumas dúvidas importantes. No século XIX e começo do XX, havia a possibilidade de utilizar-se da fonte oral oriunda da fonte de boa-fé, mas transformar isso num documento acessível a um rol amplo de pesquisadores torna va-se um empecilho para a acessibilidade da fonte. Somente com o advento das tecnologias de gravação de voz é que esse “problema” metodológico foi superado. O ato de gravar a voz fez surgir a fonte
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sonora, o documento sonoro, permitindo, assim, o acesso e o uso do documento por um número maior de pesquisadores. O documento sonoro é um tipo de documento que contém informações gravadas sob forma de sons e que, devido ao modo de gravação e ao aparelho utilizados, só podem ser conhecidas por intermédio de uma máquina acústica que permita a sua reconstituição (DELMAS, 1987 apud VOLDMAN in FERREIRA, 1996, p.35)
A fonte oral foi mantida, e o contato estabelecido entre narrador de pesquisador, um evento importante ao pesquisador da história oral, não deixa de existir e ter sua importância. A relação entre o entrevistador e o entrevistado é outro aspecto constitutivo da produção de um depoimento. A postura de um entrevistador deve ser de um parteiro que não conhece a pressa e a impaciência e está disponível a ouvir as histórias do entrevistado com o mesmo cuidado, atenção e respeito, tenham estas significado ou não para a pesquisa em tela. (MONTENEGRO, 1992, p.27)
O surgimento da possibilidade de gravação é que transformou o resultado desse contato entre a fonte oral e o pesquisador num documento arquivável e acessível a qualquer tempo e a um número indefinido de pesquisadores, e não somente no momento da coleta de dados ao entrevistador. Não é exagero lembrar que a fonte oral, o fazer história oral, mesmo no tempo presente, pode ainda deparar-se com historiadores que tenham rejeição contra seu uso. Contra a fonte oral, assim como em qualquer outra maneira de produzir-se história, sempre haverá oposições. Em cada um desses campos, a evidência oral sem comprovação e considerada pobre. A forma não é fixa; a cronologia frequentemente e imprecisa; a comunicação muitas vezes pode não ser comprovada. Para os historiadores que não gostam da história oral, esses compõem campos suficientes para sua rejeição. (PRINS, In BURKE, 1992, p.171)
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Há aqueles que acusam a fonte oral de ser seletiva, não no sentido relativo ao mecanismo da seletividade natural da memória humana, mas, sim, no sentido de o entrevistado escolher o que contar. “A história oral só nos relata o trivial sobre as pessoas importantes e as coisas importantes (através da sua própria visão) das pessoas triviais.” (PRINS, In BURKE, 1992, p.172). Por fim, grupos de historiadores, preocupados em defender a suposta exclusividade de trabalhar com o passado, em produzir historiografia, apontavam os “riscos” de se democratizar o contar sua versão da história. Bem como ainda hoje podemos nos deparar com historiadores que, de alguma maneira, ainda tentam hierarquizar a confiabilidade das fontes, restando a primazia nesse rol para o documento escrito. Nesse cenário surgem exageros como a afirmação de alguns autores, para quem a democratização resultante da possibilidade de todos contarem sua versão das histórias vivenciadas e ou aprendidas apontaria para encerrar com a exclusividade corporativa do fazer historiográfico. (MONTENEGRO, 1992, p.55)
4.1.2 O registro da história oral Atualmente, a história oral é uma das maneiras mais difundidas de se fazer história. Seus adeptos são bastante organizados, e o advento de novas tecnologias, notadamente a internet, favoreceu ainda mais sua difusão, bem como a ampliação de seu uso por ciências diversas, extrapolando a historiografia. Existem organizações diversas voltadas exclusivamente à sua prática, havendo, inclusive, estatutos definindo-a, estabelecendo seus preceitos, como usar as fontes, entre outras delimitações. Uma definição estatutária de história oral a define como: Por história oral se entende o trabalho de pesquisa que utiliza fontes orais em diferentes modalidades, independentemente da área do conhecimento na qual essa metodologia é utilizada. (TORRES MONTENEGRO, 1998, p.14)
A história oral também pode ser definida de maneiras mais complexas e de modo a entender todo o bojo de mecanismos envolvidos no processo de opção pela corrente, da escolha do tema, do entrevistado, o que perguntar, até procedimentos de documentação da entrevista. capítulo 4 •
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É um recurso usado em estudos referentes à vida de pessoas, grupos ou comunidades. Um conjunto de procedimentos que têm como ponto de partida um projeto, e que têm como definição pessoas a serem entrevistadas. Tais entrevistas são gravadas, transcritas, conferidas e com autorização para serem usadas. É uma história que propicia diferentes diálogos, bem como possibilita compreender a constituição de classes sociais e a tradição de gerações, contada a partir de uma multiplicidade de pontos de vistas e vivências. (DOS SANTOS, 2007, p.192)
Boa parte dos autores define as maneiras de abordagens da história oral em três: Temática: As entrevistas temáticas são aquelas que versam prioritariamente sobre a
participação do entrevistado no tema escolhido. De vida: enquanto as de história de vida têm como centro de interesse o próprio indivíduo na história, incluindo sua trajetória desde a infância até o momento em que fala, passando pelos diversos acontecimentos e conjunturas que presenciou, vivenciou ou deque se inteirou. (ALBERTI, 2005, p.37-38). Tradição oral: A tradição oral remete a questões do passado, que se manifestam pela transmissão geracional. Trabalha com a permanência dos mitos, do folclore e com a visão de mundo de comunidades. (DOS SANTOS, 2007, p.1997).
Na bibliografia específica acerca dessa corrente historiográfica, ao contrário de outras linhas da história, a história oral habitualmente aponta um marco inicial do uso dela como uma como uma técnica moderna de documentar a história, como uma reflexão contemporânea. Segundo a tradição registrada pela North American Oral History Association, "a história oral, como técnica moderna de documentação histórica, foi estabelecida em 1948 quando Allan Nevins, historiador da Universidade de Colúmbia, começou a gravar as memórias de pessoas importantes da vida americana" (THOMSON, 2000, p. 47)
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No contexto da fonte oral sendo aceita no rol de documentos histórico válidos, nas décadas de 1940 e 1950, historiadores e pesquisadores de outras ciências sociais, adeptos de modelos vistos, atualmente, como arcaicos, ainda eram muitos e exerciam forte influência sobre as novas correntes historiográficas. Portanto, sobre o pesquisador da história oral em seus primórdios, recaíam críticas, questionamentos e prejulgamentos ferozes. Atendendo à feroz crítica de cientistas sociais positivistas e historiadores documentalistas tradicionais, alguns dos primeiros manuais de entrevistas procuraram legitimar a história oral advogando um modelo "científico" para a entrevista de pesquisa: o entrevistador deveria usar um questionário consistente e cuidadosamente estruturado de modo a facilitar a análise comparativa; ele, ou ela, deveria controlar o enfoque e o fluxo da entrevista, mantendo, porém, uma presença neutra e objetiva, evitando, assim, afetar adversamente as histórias contadas; deveria conduzir entrevistas individualmente e fazer o mínimo de interrupções possível (THOMSON, 2000, p. 48)
Superada a fase dos questionamentos e, por conta disso, da necessidade de tentar criar-se um método único e padronizado de realizar entrevistas e coletar dados, os pesquisadores da história oral depararam-se com uma constatação importante: ...não existe uma única "maneira certa" de entrevistar, e a maneira que o "bom senso" indica como "certa" para entrevistas com membros da elite política branca do sexo masculino pode ser completamente inadequada em outros contextos culturais. (THOMSON, 2000, p. 47)
Ou seja, a padronização de métodos trabalharia contra a história oral, imporia limitações e abreviaria o alcance da entrevista. A forma e o conteúdo da história oral são igualmente variáveis. O mesmo relato de uma única pessoa pode ter versões distintas se a mesma pergunta for aplicada em datas distintas ou mesmo por entrevistadores diferentes, pois a memória é seletiva, e um aspecto surgido numa narrativa pode não ser “lembrado” em um momento posterior.
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Figura 4.3 – Wire tape recorder model 268-1, primeiro gravador de voz independente
O assunto abordado em uma entrevista, mas aplicado a entrevistados diferentes, apresentará diferenças, distorções, mesmo que o tema da entrevista seja um recorte temporal bastante específico, como uma partida de futebol, por exemplo, pois a experiência é única, cada pessoa tem a sua. A História Oral pode assumir diferentes formas, tendo como objetivo registrar experiências de uma pessoa, ou de diversas pessoas pertencentes a um grupo social, a uma mesma coletividade. O resultado final da entrevista é produto de quem narra e de quem pesquisa. (DOS SANTOS, 2007, p. 192).
Fora a nuance de a memória agir espontaneamente por conta da sua característica autonomia, o entrevistado pode criar memórias propositalmente, ou seja, pode mentir, adicionar elementos, circunstâncias inverídicas a partir de interesses diversos, forçando o pesquisador a lançar mão também de recursos de suporte, como a contraposição de relatos e outros tipos de documentos históricos. O ponto central da questão é o problema da lógica da memória, ou seja, se essa memória é confiável ou não, se produz verdades ou mentiras. O que se pode dizer, e que é meio óbvio, é que ela produz ao mesmo tempo verdades e mentiras. Mas não é
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isso o que nos interessa. O que nos interessa é a capacidade de entender mentiras repetidas, porque se vários atores mentem da mesma maneira, deve-se pensar que esta mentira é importante. Por outro lado [...] a verdade encaixa, enquanto a mentira pulveriza, desarticula. Portanto, se, falando com muitas pessoas, eu consigo construir uma versão que se sustenta, posso dizer que esta versão tem boa chance de ser verdadeira. (CAMARGO, 1993, p.83-84 apud DOS SANTOS, 2007, p. 195)
4.1.3 A história oral no Brasil No Brasil, a entrada da história oral foi lenta e relativamente tardia. Não se tem registro de atuação de historiadores brasileiros nessa corrente nos anos de 1950 e 1960, quando ela se encontrava em franco desenvolvimento na Europa e nos EUA. A entrada no Brasil se deu nos anos 1970 e, muito lentamente, ela foi ganhando espaço, marcando presença consistente no mundo acadêmico há pouco mais de duas décadas. Antes disso, entre os anos de 1970 e 1980, muitos centros acadêmicos não entendiam perfeitamente a validade e a importância da história oral, deixando-a de lado, como uma corrente ainda a ser construída. E no Brasil? A produção científica pioneira nesta modalidade foi a do Centro de Pesquisas e Documentações – CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, a partir dos anos 1970. Mas é preciso marcar que só no início dos anos 1990 a História Oral conseguiu ser expressiva nos meios acadêmicos. Nesse sentido, foi significativo o trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisadores da Associação Brasileira de História Oral – ABHO – da USP. (DOS SANTOS, 2007, p. 194)
A história oral no Brasil encontrou o país num período onde a situação política influenciava, negativamente, qualquer inovação ou transformação, inclusive no campo acadêmico científico. A censura do regime militar, feroz e inflexível, punha a história oral numa posição altamente desconfiável, afinal os relatos que ela poderia suscitar corriam o risco de partir de vozes silenciadas pelo regime ou mesmo narrar episódios igualmente silenciados. Em 1975 ocorreu a criação do primeiro programa no Brasil de história oral pela Fundação Getúlio Vargas. Enquanto um programa instituído, o país saía à frente de países com maior tradição na produção historiográfica. França e
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Itália, por exemplo, tiveram seus primeiros programas especiais voltados à história oral somente nos anos de 1980. A iniciativa brasileira, mesmo que concebida com interesses políticos, cujo objetivo era entrevistar os grandes líderes políticos, não deixa de representar um marco importante para a história da história oral. “No Brasil, já em 1975, a Fundação Getulio Vargas criou o primeiro programa de história oral destinado a coletar os testemunhos dos líderes políticos brasileiros.” (FERREIRA, 2007, p.134)
4.2 História e biografia 4.2.1 A história da biografia na história A escrita da história tendo como ponto de partida a narrativa de uma biografia, a história de vida de uma única pessoa na definição mais clássica, não é novidade na historiografia. Desde os tempos incipientes da historiografia grega, era uma corrente forte, amplamente aceita e usada. Sempre se escreveu história narrando a vida de uma pessoa. Ao longo de mais ou menos dois milénios, autores acharam que contar a história da vida de alguém era algo distinto de uma "História" (que narrava fatos coletivos e contava a verdade): as histórias "das vidas" (termo usado então pelos autores) serviam, desde o mundo greco-romano, para dar exemplos morais, negativos ou positivos muitas vezes constituindo os panegíricos. (BORGES, in, PINSKY, 2006, p. 203)
A tentativa de cientificar a história no século XIX, na busca por contar uma história, a partir de métodos tidos científicos, verdadeiros, como ela realmente ocorreu, já colocou a prática da biografia numa posição de limbo, uma vez que ela foi tida uma produção de cunho literário. “O historiador deveria descrever e/ou explicar o passado de maneira racional e objetiva, cabendo aos literatos reinventar os fatos de acordo com sua imaginação e subjetividade” (DE OLIVEIRA, 2014, p. 192) Depois, já no século XX, a maneira de se produzir essas biografias é que foi praticamente banida da historiografia contemporânea durante mais de 50 anos após a chegada dos Annales , cujo modelo de escrita da história biográfico foi tido como um modelo autêntico de História Política.
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Nos Annalles e em alguns modelos de produção historiográfica, como o estruturalismo, o papel proeminente do indivíduo nos eventos históricos foi afastado das possibilidades de produzir história. Para essa escola e o modelo estrutural de se fazer história, a biografia era “reduzida” a um modo de se fazer literatura, um pensamento parecido com aquele do século XIX. Nesta delimitação de fronteiras, a biografia foi progressivamente exilada para os domínios da literatura. Para o historiador preocupado com as macroestruturas, com a longa-duração e com a ação dos sujeitos coletivos, o gênero biográfico representava "o modelo de história tradicional, mais sensível à cronologia e aos grandes homens que às estruturas e às massas” (DE OLIVEIRA, 2014, p. 193)
Quando Dosse (2003, p.111) discorre sobre o proeminente historiador romano dos séculos I e II Tácito, abordando sua eloquência e outras qualidades como historiador, cita que a primeira obra do destacado historiador foi justamente uma biografia. Ele consagra sua primeira obra a uma biografia [grifo meu], a de seu sogro, Júlio Agricola, publicada em 97 a.C. [o correto é 97 d.C, correção minha] exaltando nele um grande conquistador militar no tempo de Domiciano. Tácito admite e cauciona o fato 'brutal da conquista sem ocultar-lhe a parte sombria...,
A rigor, ao menos até o período Baixo da Idade Média (entre os séculos X e XV na maioria das definições), não se tem registro de biografias dedicadas às pessoas que não fossem ricas, poderosas, santificadas, ou seja, que fossem, à luz da definição da historiografia antiga, pessoas importantes, mesmo que tal importância fosse negativa ou negativada (quando, por exemplo, um rei pretendia ofuscar a vida de seu antecessor). Não havia exceção: as pessoas simples, os leigos e os do baixo clero cristãos não tinham suas vidas desimportantes registras por ninguém. Nota-se, em boa parte das biografias clássicas – da antiguidade até ao menos a modernidade –, uma importância muito maior no caráter da vida do biografado, na área em que ele estava presente – política, religião, militar – do que propriamente na singularidade de sua vida. Outra vertente da biografia clássica
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foi uma muito comum nos séculos XVII e XVIII, a qual hoje, não raro, ainda é produzida. Era a biografia dita fúnebre, com foco no enaltecimento dos feitos positivos do falecido. “No século XVII, o elogio fúnebre selecionava os momentos mais gloriosos da vida do biografado, passando por cima de seus defeitos” (BORGES, in, PINSKY, 2006, p. 205). Já no que se refere à abertura da possibilidade de biografar-se a vida de uma pessoa simples, sem grandes poderes, foi, segundo DOSSE, no século XII, que se escreveu a biografia de uma pessoa dita leiga: No início do século 13, em 1226, aparece uma outra forma de biografia, a de um leigo, a Vida de Guillaume Ie Marichal (d. DUBEY, Georges. Guillaume Ie Marechal. Paris: Fayard, 1984) escrita a pedido de seu filho Guillaume, por um trovador que a campos de forma poética, em octossílabos, para ser declamada em público, por leitor profissional. Essa vida panegirica de Guillaume Ie Marechal, que teria vivido de 1145 a 1219, ainda est" impregnada do modelo do refato da vida dos santos. (DOSSE, 2003, p.117)
DOSSE contribuía ainda para se entender o percurso da produção de biografias em história, organizando-a cronologicamente em três fases distintas. Sendo a primeira predominante até ao menos o século XVIII, a segunda entre os XVIII e primeira metade do XX e a terceira marcante no tempo presente. François Dosse sugere três fases no percurso da biografia: uma primeira que chama de "idade heróica", na qual a biografia transmitiria modelos, valores para as novas gerações; uma segunda fase, a da "biografia modal", em que a biografia do indivíduo teria valor somente para ilustrar o coletivo (a sociedade do biografado em tempos e em espaços diversos); e uma terceira e última fase, a atual, que chama de "idade hermenêutica", momento em que a biografia tornou-se terreno de experimentação para o historiador, aberto a várias influências disciplinares. (BORGES, in, PINSKY, 2006, p. 207)
A micro-história tem papel importante no reaparecimento da biografia como produção historiográfica. Ao propor fazer-se história em dimensões micro, num foco muito bem delimitado, e concordar com a exploração do objeto à
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exaustão, ela coloca a biografia, a história a partir do indivíduo, como uma das possibilidades a serem exploradas em seu campo. A biografia reivindicada pelos micro-historiadores resgata a singularidade, na teia construtiva de uma nova história social, após um longo predomínio dos recursos estatísticos e das permanências e continuidades da história quantitativa e serial. (DE SÁ AVELAR, 2011, p.143)
De Sá Aevelar se refere ao modelo de história que fez sucesso nos anos de 1950, chamada história quantitativa e serial. Um campo da nova história, com destaque entre os franceses, em que o pesquisador construía séries de fontes para analisá-las de maneira quantitativa. Além disso, em termos metodológicos, após a década de 1950, verificou-se o avanço da história quantitativa e serial. Nessa concepção, as ações individuais (nascer, morrer, casar, cultivar a terra, rezar...) serviam apenas como dados para a construção de amplas séries estatísticas, percebidas como as únicas capazes de captar os movimentos de média e longa durações: a demografia, os ciclos econômicos, as atitudes diante da morte, entre outros. (VAINFAS, 2012, p. 192)
4.2.2 A biografia hoje A biografia hoje, em geral, deixou de lado o furor enaltecedor do biografado, buscando uma narrativa descomprometida com a busca de uma possível verdade, valorizando a relação do biografado com o seu biógrafo. BORGES (in Pinsky, 2006, p.205) sugere uma obra inglesa como o marco do início dessa nova maneira de se fazer biografia. Na Inglaterra, uma obra revolucionária, a Life of Samuel Johnson LL.D. (Vida de Samuel Johnson LL.D.), de James Boswell, foi publicada em 16 de maio de 1791, com imediato e enorme sucesso de vendas - antes de 1831 houve dez edições! O trabalho
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é tido por muitos como o marco inicial do que hoje chamamos de biografia, dada sua preocupação com novos métodos de se investigar uma vida, compreendendo forte relação de convivência biógrafo/biografado (com quase vinte anos de pesquisa e seis anos para ser escrito), um interesse em evitar o panegírico e um ideal de contar a "Verdade" (preocupação forte daquele momento), com a dramatização de diálogos a partir de documentação e inúmeras entrevistas com personagens variados.
Atualmente, o historiador, despido de determinadas exigências e rigores do passado, tem encontrado espaço para dialogar de maneiras distintas com a fonte biográfica, não se obrigando a extrair dela apenas dados pessoais cronológicos, possibilitando imergir em outros aspectos. Nos últimos anos, alguns historiadores têm procurado examinar facetas diferenciadas dos personagens e não apenas, como nas biografias tradicionais, sua vida pública e seus "feitos notáveis". Assim, emergem em seus textos, entre outros aspectos, os sentimentos, o inconsciente, a cultura, a dimensão privada e o cotidiano. (DE OLIVEIRA, 2014, p. 198) G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 4.4 – Dr. Samuel Johnson por Joshua Reynolds
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Dentre idas e vindas na maneira de se fazer uma biografia, na permanente construção de seus conceitos, das suas formas, atualmente ela presenta uma definição ampla, tanto no que diz respeito ao que a compõe como relativamente aos recursos para produzi-la e quem biografar, havendo espaço para uma ampla gama de possibilidades. Biografia: 1 - Narração oral, escrita ou visual dos fatos particulares das várias fases da vida de uma pessoa ou personagem. 2- O suporte físico (livro, filme, texto teatral, disco óptico, etc.) onde se insere uma biografia. 3- A história da vida de alguém. 4- Compilação de biografias de homens célebres. 5- Género literário cujo objeto é o relato da aventura biográfica de uma pessoa ou de uma personagem. 6- Ciência relativa a essa espécie de descrição. (BORGES, in, PINSKY, 2006, p. 203)
O sucesso da biografia não se limita ao cenário brasileiro, tampouco é uma especificidade da história. As novas tecnologias, como a internet, as facilidades em poder publicar, entre outros fatores, popularizam o gênero, que encontra cada vez mais um público ávido por consumir novidades, sem preocupar-se com a formação de quem publica. Tal interesse parece ter se acentuado na atualidade, o que se reflete no vertiginoso aumento do número de narrativas biográficas e também autobiográficas difundidas na forma de livros, filmes, minisséries televisivas, blogs etc. (VAINFAS, 2012, p.187)
Ao se lançar o olhar nas estantes das livrarias, fica fácil perceber a grande quantidade de livros, muitos deles de imenso sucesso, de cunho biográfico. É, indubitavelmente, um segmento literário de vigoroso sucesso no século XXI. Mas, ao e analisar a orelha desses livros biográficos, vemos rarear na formação do biógrafo o termo historiador. No Brasil, esse cenário é mais marcante que em outros lugares, mesmo que biografias de apelo histórico estejam dentre essas que são grandes sucessos de venda. Uma justificativa para o não sucesso comercial da produção biográfica feita pelos historiadores pode residir na necessidade atender a demandas epistemológicas da ciência histórica, todo um corpus de regras e métodos que podem, aos olhos do grande público consumidor, tornar o texto menos interessante se comparado, por exemplo, a uma biografia produzida por um jornalista. capítulo 4 •
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Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a biografia histórica é, antes de tudo, história, portanto, precisa se pautar pelos procedimentos de pesquisa e pelas formas narrativas próprias a essa disciplina que se propõe a explicar e/ou a compreender o passado. Assim, a prática do gênero, pelo menos em âmbito acadêmico, deve estar subordinada às regras do métier, entre as quais se destacam a necessidade de se ter como guia de investigação um problema de pesquisa histórico formulado a partir de referências conceituais e de fontes documentais apropriadas, e a de se expor os resultados do trabalho em um texto que remeta “para fora” do texto, ou seja, que indique os procedimentos analíticos utilizados e os materiais empíricos que subsidiaram a investigação. (VAINFAS, 2012, p. 195)
4.2.3 A biografia no Brasil Uma parte importante da historiografia brasileira do século XIX, produzida notoriamente nos Institutos Históricos e Geográficos, com ênfase no nacional, fundado em 1938, deu-se na forma de biografia. O país passava pelo processo de fortalecimento da nação e, portanto, fazia-se necessário construir um passado comum em que os heróis, os grandes vultos da nação, fossem resgatados. Nesse contexto brasileiro do século XIX, a biografia não reverberou totalmente num termo de adoração ao indivíduo. O papel do biografado na maioria dos escritos era secundário; seus feitos, sua história serviriam como subsídio para o objetivo maior, a Nação. O gênero biográfico encontrou um lugar muito preciso no projeto de escrita da história do Brasil levado a cabo pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838, sob o patronato do Imperador D. Pedro II, como parte de sua política de centralização do Estado com base, entre outros pontos, na constituição de uma comunidade imaginária nacional, o que pressupunha a configuração narrativa de um passado para o país há pouco independente e, em consequência, a reflexão a respeito da maneira como se deveria pesquisar e escrever a histórica brasileira. (VAINFAS, 2012. p. 200)
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Figura 4.5 – Retrato de Carl Friedrich Phillip Martius. Historiador de origem alemã que, em 1840, escreveu sobre como se escrever sobre a história do Brasil para o IHGB sem mencionar nenhuma biografia.
Houve, claro, como todos conhecemos, a produção de textos biográficos nos moldes da construção de um panteão nacional até ao menos a década de 1870. Processo retomado com força no começo do século XX, com o advento do centenário da independência do Brasil. Esses heróis, inclusive, figuravam nas aulas de história tradicional durante o regime de exceção no país dos anos de 1960 a 1980. Nomes como Maria Quitéria, Duque de Caxias, José Bonifácio, Dom Pedro I, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, entre outros, eram decorados pelos estudantes, bem como sua importância para a história da nação. Já nos anos de 1980, num cenário do país cessando o rigor da censura e, assim, possibilitando aos pesquisadores universitários dialogar mais facilmente com as correntes internacionais, o mundo acadêmico brasileiro acompanhou a tendência europeia e se aproximou novamente da biografia como forma de pesquisa histórica.
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Hoje, a pesquisa biográfica no Brasil feita por historiadores é ampla, não configurando uma tendência majoritária e tampouco uma escola do gênero. Pesquisam-se chefes políticos revolucionários, ao mesmo tempo em que há laboratórios mapeando o caminho de escravos, ex-escravos, fugitivos ou libertos, igualmente grupos pesquisando inúmeras trajetórias de mulheres, índios, gays, comerciantes, enfim, toda uma gama de possibilidades biográficas aberta.
4.3 História e imagem É consenso em nosso meio – historiadores – que muito do que chegou até nós e ajudou a construir a narrativa histórica não foi pela forma escrita, a mais usual e recorrente em nosso círculo de fontes, com especial atenção após o século XVIII, quando o documento escrito sobrepôs-se sobremaneira em relação a qualquer outra fonte. Para autores como Gaskell (in, BURKE, 1992, p.237), nos anos de 1980, devido ao foco ainda preponderante do “treinamento” do historiador no documento escrito, historiadores da época comumente tinham dificuldade em utilizarse da fonte visual além de mero acervo decorativo às narrativas desenvolvidas a partir de outras fontes. Consequentemente, são muitas vezes mal equipados para lidar com material visual, muitos utilizando as imagens apenas de maneira ilustrativa, sob aspectos que podem parecer ingênuos, corriqueiros ou ignorantes a pessoas profissionalmente ligadas a problemática visual. Mas é claro que isso não ocorre sempre (BURKE, 1992, p.237)
A crítica ao uso inadequado, ou melhor, limitado da imagem na produção de trabalhos em história pode ser percebida em áreas de pesquisa em que a imagem, tradicionalmente, é um elemento de análise central. Culturas letradas como a grega e a romana, dada a sua distância do nosso tempo, perderam boa parte de sua herança documental escrita, deixando legados iconográficos importantes, os quais, não raro, são a fonte central para a construção de narrativas.
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Em setores de pesquisa como a História Antiga, devido à relativa raridade das fontes escritas, já tem longa tradição o recurso à iconografia como fonte, embora, no passado (mesmo recente), tal recurso se caracterizasse muitas vezes por métodos simplistas e inadequados. Nem sempre, porém. (CARDOSO, 1997, p.205)
MENESES identifica a permanência da noção da imagem servir meramente de suporte, porém numa abordagem de distanciamento dela, colocando-a num patamar, propositalmente, afastado do contexto. ... necessidade de desvincular a problemática essencial da representação da existência de um referente empírico, à vista da existência de imagens figuradas sem referente. Talvez essa questão possa, um dia, servir de cunha para os historiadores se libertarem de uma consideração superficial da natureza da imagem, e deixarem de tomar a mimese ainda com referência. (MENESES, 2003, p.7)
Para Meneses, o historiador deve entender a imagem como um elemento fruto de uma produção cultural que tem e teve papel importante dentro da sociedade em que foi crida. “Entender as imagens como coisas que participam das relações sociais e, mais que isso, como práticas materiais”. Já AUMONT (1995, p.80) define um papel para a imagem cujo uso também foi e é comum em trabalhos de história em que a imagem é apropriada sem servir como fonte relevante à narrativa, a de criar sensações. “A imagem é destinada a agradar seu espectador, a oferecer-lhe sensações ( aisthésis ) específicas [grifo meu]”. Essas sensações podem, no caso da história, ter uma função meramente alegórica. Os avanços tecnológicos e a invasão da cultura visual observadas nos últimos 25 anos despertaram um consistente e duradouro interesse em cientistas sociais em apropriar-se dessa cultura da imagem e produzir conhecimento a partir dela. Não foi diferente com os historiadores, cujas pesquisas adotando a imagem como fonte majoritária cresceram significativamente. A forma de conceber a fonte iconográfica nos textos de história como mera ilustração, a qual, não raro, nessa função desempenhava muito bem seu papel, dando suporte ao texto escrito, ou remetendo o leitor ao espaço geográfico em
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questão, tem passado por uma reformulação importante nestas últimas décadas. Não que ela não possa mais adquirir a função ilustrativa, mas ela deve ser amplamente usada como objeto de pesquisa histórica. A iconografia veio a figurar nas obras de História primeiro na forma de ilustrações; às vezes abundantes, pertinentes, bem-escolhidas e dotadas de legendas adequadas. Não é este, porém, o uso que aqui me interessa. Quero abordar, por um lado, o emprego sistemático da iconografia como fonte para a História; por outro, a transformação da iconografia em objeto de História . Se se acompanhar a presença da preocupação com os documentos iconográficos e seu manejo em História em manuais, algumas constatações serão possíveis. (CARDOSO, 1997, p.204)
Dentre outras formas de representação, a imagem destaca-se por ter servido, e até então servir, amplamente de ferramenta para a discussão histórica, bem como ser elemento único a sobreviver de muitos períodos e muitas sociedades. Não podemos esquecer que a cultura visual, a representação, foi a única fonte que nos colocou em contato com as culturas americanas, muitas africanas e da Oceania, culturas complexas, mas que não desenvolveram a prática da escrita ou legaram escritas complexas ao que o Ocidente ainda não soube traduzir plenamente. G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 4.6 – Iconografia de cultura ancestral da américa latina.
A imagem faz-se presente e representa um sem-número de valores por várias maneiras e recursos: arte, arquitetura, costumes, música, cartografia, vestuário e, mais recentemente, fotografia, vídeo e imagens virtuais. Como há inúmeras possibilidades de produzir imagens, e essas possibilidades sofrem transformações tecnológicas e também culturais ao longo do tempo, o sentido da produção da imagem no seu tempo e na sua cultura tem relações diversas como produto que é. Seu apelo e o sentido de sua produção não são necessariamente os mesmos que o historiador lhe dará.
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Os diferentes sistemas de produção da imagem estão vinculados às estruturas técnicas e culturais particulares, que determinam sua relação com a realidade e os modos de configuração dessa mesma realidade. (FABRIS, 1998, p.?)
A invenção da fotografia por si só representou uma transformação importante no sentido de produzir-se imagem. A fotografia permitiu a apreensão de uma realidade nunca antes pensada. A arte, aqui apenas a arte expressa pela pintura, especialmente a partir do Renascimento, tentou apreender com perfeição a expressão de uma realidade. Possibilidade essa limitada àqueles que dominassem a arte. A fotografia possibilitou a popularização dessa prática, apreendendo com “perfeição” uma realidade sem exigir do fotógrafo (artista) o domínio da práxis da pintura. Cabe ao historiador, ao utilizar-se de imagens fotográficas como fonte, entendê-la como um produto. Sendo assim, como qualquer fonte visual, ela está repleta de intenções, buscando apreender e mostrar algo, da mesma forma que também se preocupa em esconder ou ofuscar outras informações. Se a exatidão da fotografia reforçou as certezas provocadas pela visão e a própria cultura histórica positivista, o historiador contemporâneo, ao trabalhar com fotografias, não deve perder de vista que o documento fotográfico, como aliás qualquer outro documento, é também monumento, isto é, deve ser lido e explorado, após minuciosa crítica inter e externa, como o resultado da construção de uma imagem (ou de uma representação) que se quer impor ao futuro, como um lugar da memória, em sua condição física, funcional e simbólica. (TURAZZI, 1998, p.147)
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Figura 4.7 – A primeira fotografia Joseph Nicéphore Niépce, 1826.
A fotografia ainda popularizou esse poder de produção da imagem real, colocando em xeque a exclusividade do artista quanto a essa prática. Produzir fotografias era caro e, aos olhos do conhecimento e da tecnologia atual, artesanal. Seu sucesso e popularização não tardaram, ensejando técnicas constantemente atualizadas e revisadas, bem como tecnologias mais baratas e acessíveis a um público cada vez maior. O impacto cultural da fotografia sobre os últimos cento e cinquenta anos, tanto em si mesma, quanto na forma da imagem visual em movimento a que ela também deu origem, tem sido imenso, alterando completamente o ambiente visual e os meios de troca de informação de uma grande parte da população do globo. (BURKE, 1992, p.241)
Outra importância para a historiografia, a partir do uso de imagens fotográficas, é a possibilidade de o pesquisador explorá-la além daquilo exposto visualmente. Torna-se um desafio “como chegar àquilo que não foi revelado pelo olhar do fotógrafo” (CARDOSO, 2002, p.196), mas também torna-se uma possibilidade de expandir a função da fonte fotográfica.
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A característica ontológica da fotografia é a de registrar o aparente, elaborar a aparência, cumprindo assim o seu papel de representação: assim se constroem as realidades – a partir da aparência. A relação verdade/mentira na imagem fotográfica é sempre ambígua e complexa. A fotografia é uma forma de registro e não um aparelho detector de verdades ou mentiras (KOSSOY, 2001 p.40) G R O . A I D E M I K I W ©
Figura 4.8 – Sileno segurando uma lira (à esquerda); semideus Pã e uma ninfa sentada sobre uma rocha, cuidando de uma cabra (centro); Mulher com revestimento (direita). Fresco do ritual mistério, direita, Villa dos Mistérios, Pompeii
Nas últimas décadas, e em várias disciplinas das ciências sociais, em muitas delas em maior escala do que na História, passou-se também a dialogar com as imagens de forma menos afetiva e ideológica, conforme se registrava fazia muito tempo, deixando-se de lado a aplicação meramente de visualidade e aceitando outras formas de expressão das imagens. Procura-se também extrair dela algo mais do seu conhecimento intrínseco, reconhecendo sua ampla dimensão cultural. Conforme afirma Ulpiano em seu texto, “entender as imagens como coisas que participam das relações sociais e, mais que isso, como práticas materiais”. Apesar de haver, hoje ainda, muita resistência de antigos valores e enfoques na esfera do estudo da História e
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Imagem, essas novas concepções vêm ganhando – muito lentamente, deve-se admitir, em concordância a MENEZES – força. Apesar de todas as nuances da imagem enquanto representação, faz-se necessário chamar a atenção para um ponto primordial: a imagem vem ganhando todo esse espaço e importância enquanto objeto de estudo nas ciências sociais, não sendo vista como mera representação dentro do antigo e arraigado conceito de mimese . Assim sendo, em todas as suas formas, estudadas como a tentativa de retratar o real, tentando compreender e aceitando toda a multiplicidade de formas de ser ver e entender uma mesma imagem.
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