UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Trabalho de Literatura Brasileira I Professor: Alcides Villaça Aluna: Tauanny Falcão Falcão Vieira de Oliveira (8024467) (8024467) Matutino (primeiro horário)
São Paulo Junho 2013
TAUANNY FALCÃO VIEIRA DE OLIVEIRA
MORTE IMINENTE: A MORTE NA POESIA DE BANDEIRA
Trabalho apresentado ao professor Alcides Villaça, da disciplina Literatura Brasileira I, da turma FLC0200-22 do turno matutino do curso de letras.
Universidade de São Paulo 2
São Paulo – Junho de 2013
SUMÁRIO BIBLIOGRAFIA E INTRODUÇÃO............... 4 A MORTE ABSOLUTA................................ 5 PREPARAÇÃO PARA MORTE................... 7 COMPARAÇÃO DOS POEMAS E CONCLUSÃO............................................... 9 BIBLIOGRAFIA............................................. 10
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BIBLIOGRAFIA E INTRODUÇÃO Manuel Carneira de Sousa Bandeira Filho nasceu em Recife no dia 19 de abril do ano de 1886. Nascido em uma família de relativa importância no cenário da política e até mesmo da literatura brasileira, Bandeira cursou humanidades, e então aos 18 anos, iniciou o curso de arquitetura na Escola Politécnica de São Paulo. No entanto suas ambições foram interrompidas devido problemas de saúde. Na época em que Bandeira foi diagnosticado com tuberulose não havia cura, nem a tecnologia médica dos dias de hoje. É como se aos 18 anos o poeta tivesse recebido seu próprio óbito. Iria morrer, e ao que tudo indicava, em breve. O fato mudou a vida do estudante, que diante das impossibilidades que a doença lhe trazia, veio a tornar-se um dos maiores poetas, não só do modernismo, mas de toda a literatura brasileira. Bandeira surpreendeu com sua maneira simples de tratar de assuntos complexos, e transformou a turbeculose em um de seus temas mais recorrentes ao longo de sua bibliografia: a morte. Não somente atráves da própria saúde, mas tembém ao lidar com a perda de toda sua familía, enquanto ele, que supostamente morreria cedo, viveu anos esperando essa morte iminente que demorou a chegar, ao contrário do que indicavam a “indesejada das gentes”, Manuel Bandeira veio a falecer com 82 anos de idade. Ao decorrer de suas obras é possível observar a evolução do poeta em lidar com sua tragédia pessoal, a morte em si, e a possibilidade de morrer a qualquer momento nunca foi abandonada por Bandeira, o que muda ao longo dos anos é a sua maneira de lidar com os fatos. Em sua primeira obra “A Cinza das Horas” temos um jovem eu-lírico que se encontra desesperado em busca de uma cura e totalmente desolado, deprimido. No entanto, Manuel Bandeira cresce, como pessoa e poeta, e continua a tratar de temas cotidianos e da morte de maneira muito mais amena, muito mais simples, e menos medroso quanto ao que estava por vir e onde sua doença o iria levar, fosse um final feliz ou triste (e caso essas noções de fato existissem), pode-se perceber algumas vezes uma certa ansiedade, um desejo de morte como podemos ver em “A Morte absoluta” e uma exaltação da vida e da morte em conjunto, visto que se completam, como em “Preparação para a Morte”. Ambos os poemas vieram a ser publicados muito depois de seu primeiro livro. Em “A Morte Absoluta” e “Preparação para a morte” temos dois poemas de épocas e momentos distintos da carreira de Manuel Bandeira, mas ambos possuem o mesmo tema, a morte, e mesmo que tratada de maneira diferente nos casos a seguir, e diferente em relação a poemas anteriores ou posteriores a “Lira dos Cinquent’anos” e “Estrela da tarde”, podemos encontrar muitas semelhanças, assim como diferenças, entre ambos.
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A MORTE ABSOLUTA Morrer. Morrer de corpo e de alma. Completamente. Morrer sem deixar o triste despojo da carne, A exangue máscara de cera, Cercada de flores, Que apodrecerão — felizes — num dia, Banhada de lágrimas Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte. Morrer sem deixar porventura uma alma errante... A caminho do céu? Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu? Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra, A lembrança de uma sombra Em nenhum coração, em nenhum pensamento, em nenhuma epiderme. Morrer tão completamente Que um dia ao lerem o teu nome num papel Perguntem: “Quem foi?... Morrer mais completamente ainda, — Sem deixar sequer esse nome.
O poema foi publicado em 1940, no livro Lira dos Cinquenta Anos, e demonstra uma hipotese de morte completa, de fato de “corpo e alma”, onde não restem vestígios nenhum de que um dia a pessoa existiu, nenhuma lembrança, nenhum sentimento. Não sobra absolutamente nada, trazendo a suposição de uma situação em que ao lerem o nome daquela pessoa que morreu venha a pergunta “Quem foi?...” E se a existência se extingue por completo, assim como é sugerido no poema, provavelmente não há resposta para a pergunta. O poema é escrito em versos livres, sem delongas ou explicações desnessárias, o que é recorrente nas obras de Bandeira, e sugere aqui a
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mesma sensação de fim abrupto e completo ao final de cada verso e cada estrofe, assim como poema supõe (e deseja) que deva ser o ato de morrer. O desejo de uma morte súbita e isenta de qualquer vestígio ou memória muito provavelmente passou muitas vezes pela mente de Bandeira devido sua situação de saúde. Não há duvidas de que esse poema em especial traz um sentimento do próprio autor, especialmente nos três primeiros versos, temos um discurso impessoal, reflexivo, como se o eu lírico estivesse dizendo o trecho para sí mesmo. O que, segundo Élcio Lucas em “A Busca do Inominável em A Morte Absoluta”, faz espargir para os versos seguintes a intimidade monológica do eu lírico. Eu lírico este com o qual não obtemos informação alguma sobre sua vida, mas tendo conhecimento da vida do autor, é compreensível o porque desse desejo de aniquilação do ser através desta morte absoluta. Levando em conta ainda a história de vida do autor, tendo vivido tantas mortes em sua familia, tendo tantos momentos de luto, pode-se supor que “A morte absoluta” é um desejo que clama pelo oposto de todo sofrimento trazido pelo luto, afinal se a morte não deixa vestígios algum, levando consigo tudo que havia daquele ser, mesmo os sentimentos e as memórias, não há sofrimento, não há o luto daqueles que perderam seus entes queridos. Em “A morte Absoluta” mais do que morrer de fato, o eu lírico deseja desaparecer. Apesar de possuir uma questão que parece ser muito especifica à um indivíduo, carregada de um subjetivismo do autor, o poema ainda sim possui em si uma lírica social, pois não só um desejo, a morte absoluta é apresentada como opção, como se as pessoas pudessem obter a escolha de morrer sem deixar lembrança alguma. O poema não traz em seus versos uma suposição, não é: Poder morrer sem deixar o despojo da carne.... É de fato realizar o ato, morrer simplesmente, apagar tudo, aplicar esta noção a si, independente de sua razão, do porque de seu desejo. A falta de características, de enredo, de personagem de fato do eu lírico apresenta essa noção de “Morrer sem deixar um sulcro, um risco, uma sombra” à qualquer pessoa. A falta de um ser em si concreto em que esse desejo possa destinado faz com que então esse desejo, essa opção possa ser dada à todos. E não obstante, como mencionado anteriormente, este poema apresenta uma espécie de luto sem sofrimento e sem dor, não só para a vítima, mas também sem dor para aqueles que chorariam sua morte. Este é um poema que abrange não apenas um sentimento íntimo de um indivíduo, mas uma opção de escapatória para todos os seres, seja da morte de si, seja da dor da perda pela morte de terceiros.
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PREPARAÇÃO PARA A MORTE A vida é um milagre. Cada flor, Com sua forma, sua cor, seu aroma, Cada flor é um milagre. Cada pássaro, Com sua plumagem, seu vôo, seu canto, Cada pássaro é um milagre. O espaço, infinito, O espaço é um milagre. A memória é um milagre. A consciência é um milagre. Tudo é milagre. Tudo, menos a morte. – Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres. Ao contrário do poema anterior, “Preparação para a morte” começa, supostamente de maneira otimista, e assim vai seguindo até que se chega ao dois últimos versos do poema. Ao falar dos milagres da vida, há a sensação de que Bandeira esteja aqui exaltando a vida, no entanto, não é isso o que realmente está acontecendo nesse poema. O poema não é otimista, muito menos pessimista, ele apenas é, trazendo a realidade que o eu lírico deseja passar ao leitor. Temos novamente um poema em versos livres, com anaforas e paralelismos que criam uma ilusão de enumeração dos versos. Podemos até dizer que o poema em si é um paralelismo por completo pois temos no ínicio a vida e no fim a morte, pondo em evidência esses dois extremos, e trazendo, de certa forma uma cronologia de vida, pois afinal a vida tem ínicio a partir se si mesma, e o seu fim vem com a morte. O poema propõe uma visão de vida onde pequenas, e ainda assim, complexas coisas e acontecimentos do dia-a-dia sejam contemplados como milagres. E aqui Bandeira mostra sua notável habilidade em tr atar do complexo de maneira simples, pois quando refletido o assunto, o espaço, o infinito, a memória, a consciência, e mesmo os passaros com sua plumagem, e as flores com seus aromas tornam-se complexos, pois possuem uma significância de existência, mesmo que não implícitas. O próprio milagre é algo complexo, algo que é (supostamente, pelo senso comum) maravilhoso e que vai além da compreensão do ser humano. E aqui tudo é tratado com simplicidade. A flor é um milagre. O passáro é um milagre. O espaço, o infinito, a memória, a consciência. São milagres. Pura e simplesmente. Milagres estes que se
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repetem todos os dias. E com tudo isso o que o eu lírico quer deixar claro é o que está de fato no primeiro verso: “ A vida é um milagre”. E a morte nesse poema, o que seria? Seria o oposto do milagre, pois se morte é o oposto de vida, e a vida é um milagre, a morte é justamente o oposto, é o não-milagre. No entanto, sem este oposto o milagre em si não existiria, ou ao menos não seria visto de fato como milagre, visto que “bendita é a morte que contorna, define o milagre-vida, traça suas linhas-limites. Sem ela não haveria o milagre maior. E se ela é o fim dos milagres, ela é o mais estúpido e mais impossível deles.” (Jornal da Poesia, website, vide a Bibliografia para endereço). Quanto à lírica, muito presente nas obras do autor, de uma maneira ou de outra, basta entendermos que os milagres que Bandeira cita são todos acontecimentos comuns no dia-a-dia, desde as flores até a morte, não há aqui nada que não possa ser contemplado por todas as pessoas. Todos estão sujeitos a estes acontecimentos, a presenciarem estes milagres e serem ou não modificados por eles.
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“A MORTE ABSOLUTA” E “PREPARAÇÃO PARA A MORTE”: COMPARAÇÃO DOS POEMAS, UMA CONCLUSÃO QUANTO A LÍRICA BANDERIANA. Ambos os poemas têm um tema principal em comum: a morte. Porém ambos tem uma maneira diferente de abordar o assundo, e ainda assim podemos perceber que nos dois poemas a morte tem um significado apenas: fim. Em “A Morte Absoluta” Bandeira apresenta a morte como o fim de tudo, de toda e qualquer existência, tudo deixa de existir. Assim como em “Preparação para a Morte”, a morte é o fim de todos os milagres, e a vida é um milagre, e então há o fim da vida. Poderíamos inverter a ordem cronológica dos poemas e ler primeiramente “Preparação para a Morte” e então “ A morte Absoluta”. Assim quando chegamos a morte no primeiro poema, que é o que representa o fim de todos os milagres, e começarmos o segundo, onde este fim representa não apenas o fim dos milagres da vida, mas o fim de absolutamente tudo que um dia possa ter existido. Aqui pode-se ter uma interpretação destes poemas e de como se relacionam, no entanto, o seu momento cronológico é também importante para entendermos a evolução de Bandeira em aceitar e compreender a sua sina. Em “A Lira Dos Cinquenta’nos”, um livro em que Bandeira retorna ao seu passado muitas vezes trazendo uma sensação de nostalgia à leitura, temos um autor que busca desesperadamente pelo fim, pelo esquecimento de si e todo o sofrimento que viera até então, ele deseja sumir de fato, sem deixar traços que pudessem ao menos registrar que um dia existiu. Já em “Estrela da Tarde” temos uma nova visão das coisas, a morte continua presente, e é ainda mais exaltada, porém não como desejo, mas como fato da vida, o milagre dos milagres. Ambos os poemas tem o uso dos versos livres, e ambos possuem de uma subjetividade, uma intimidade em relação ao poeta que é difícil (senão impossível) de ser encontrado na poesia brasileira. Podemos sentir os seus desejos e angústias, e mesmo sendo esses sentimentos tão próprios de Bandeira, somos pegos desprevinidos, e com os mesmos sentimentos antes tão subjetivos e individuais do autor. Essa é a lírica de Bandeira, não é a sociedade que inspira Bandeira sentimentos que o levam a escrever, é a sociedade que é inspirada por ele e seu ato de escrita, muito provavelmente por essa razão temos aqui um dos poetas mais líricos que já existiram na literatura da lingua portuguesa, se não o maior deles.
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