DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA (AS SERVIDÕES PREDIAIS) Servidões prediais e servidões pessoais – A seruitus (servidão) é um dos direitos reais sobre coisa alheia (iura in re aliena). Nos períodos pré-clássicos e clássicos, a seruitus só abrangia a servidão, que, no direito justinianeu, se denominou predial (seruitus praediorum). No período pós-clássico, a expressão seruitus se estendeu a outros direitos reais sobre coisa alheia (ao usufruto e direitos analógicos: uso, habitação, operae seruorum e operae auterius animalis). Surgiu, então, a distinção entre a seruitus praediorum (servidão predial) e a seruitus personarum (servidão pessoal, que abrangia o usufruto e direitos analógicos). A primeira era denominada seruitus praediorum, porque um imóvel servia a outro imóvel; a segunda seruitus personarum, porque nela o imóvel servia a uma pessoa. Essas duas espécies de servidão apresentam alguns pontos em comum: a) são ambas direitos reais sobre coisa alheia; e b) assemelham-se seus modos de constituição, de extinção e defesa. Mas as diferenças entre elas são muito mais m ais sensíveis e profundas que as semelhanças: a) as servidões prediais visam a utilidade objetiva de um imovel (que se denomina prédio dominante, em contra posição ao que serve, que é o prédio serviente); as pessoas visam ao benéfico pessoal de determinado individuo; b) as servidões prediais se vinculam permanentemente em cujo beneficio existem, sendo seu titular qualquer pessoa que seja proprietário dele; já a servidões pessoais são inseparáveis da pessoa a quem favorece, e não duram permanentemente, mas, no máximo, ate a morte do seu beneficiário. Essas diferenças demonstram que as duas espécies de servidão – servidão predial e servidão pessoal – são – são substancialmente diversas. A classificação romana ( que surgiu no período justinianeu) foi abandonado no direito moderno, moderno, a partir do código civil Frances, de 1804. Analisaremos, primeiramente as servidões prediais, e, depois, em outro capitulo o usufruto e os direitos analógicos. Conceito de servidão predial A servidão predial é um direito real sobre coisa alheia que acarreta limitação no uso de um imovel (que se diz serviente) em favor de outro (que se denomina dominante). O titular do direito de servidão é o proprietário – proprietário – qualquer qualquer que seja – seja – do do prédio dominante, estando o proprietário do prédio serviente – serviente – quem quem quer que seja – obrigado, – obrigado, em favor daquele a não fazer algo no imovel, ou deixar que aquele faça. Origem e evolução das servidões prediais A servidão predial foi o primeiro direito real sobre coisa alheia que surgiu no direito romano. A respeito de sua origem ori gem há muita controvérsia entre os autores. Das varias teses, destaca-se a que remonta a Voigt, segundo a qual, primitivamente, as servidões prediais então existentes (as de passagem e as de aqueduto) davam ao seu titular direito de propriedade sobre o caminho ou sobre o riuus, que eram concebidos como entidades corpóreas. Não se tratava, portanto, de ius in re aliena, mas de verdadeiro direito de propriedade, sendo que, para reconstruí-lo, o proprietário do imovel alienava ao beneficiário o caminho ou o riuus. O que se sabe de certo, quanto as servidões prediais primitivamente, é que as mais antigas delas são as de passagem e de aqueduto, já existentes antes mesmo da lei das XII Tabuas, e incluídas entre as res mancipi. Só mais tarde é que surgiram as demais servidões rústicas (assim, por exemplo, a aquae haustus, a arenai fodiendae) e as servidões urbanas (algumas (al gumas de origem bastante remota, como a servidão de esgoto, surgida provavelmente depois do incêndio de Roma pelos gauleses, em 390 a. C., porque na reconstrução da cidade eterna não mais se observaram os espaços livres entre um prédio e outro). Por outro lado, no direito clássico vigorava o princípio da tipicidade e das servidões: não havia uma categoria geral e abstrata da servidão (seruitus), mas alguns tipos de servidão (seruitutes) reconhecidos pelos ius civile. Por isso não se podiam criar, por via de regra, outras servidões
que não as admitidas pelo ius civile. É certo, porém, como salienta Biondi, que a tipicidade das servidões prediais não foi regra considerada instransponível pelo pretor. No direito justinianeu, desapareceu o princípio da tipicidade das servidões prediais, e, em face disso, os proprietários de imóveis passaram a poder criar novos tipos de servidão, estabelecendo livremente os poderes que seriam atribuídos ao dono do prédio dominante. Princípios que regem as servidões prediais As servidões prediais são ônus que se impõem a um imóvel (o prédio serviente) em beneficio de um outro (o prédio dominante). Os princípios que as regem são os seguintes: a) A servidão predial se estabelece para beneficiar objetivamente o imovel, e não uma pessoa, daí não se alterar a servidão quando muda o proprietário do prédio dominante. b) Embora seja discutível o sentido da regra seruitutis perpetuacausa esse debet, que se encontra nas fontes, a expressão perpetuacausa, segundo parece, significa que o prédio serviente deve ter condições objetivas para que seja possível a utilização permanente da servidão predial; assim, não pode ser constituída a servidão predial para beneficio passageiro em favor do prédio dominante; c) O prédio dominante e o serviente devem ser vizinhos, não sendo, no entanto necessário que sejam contíguos (podem estar, pois, separados por uma via publica); d) Ninguém pode constituir servidão sobre imovel que lhe pertença, pois a servidão predial é um direito real sobre coisa alheia (daí a regra que se encontra nas fontes, e que se aplica, alias, a todos os direitos reais sobre coisa alheia: nemini res sua seruit); e) E a obrigação imposta ao proprietário do prédio serviente somente pode consistir num não fazer (non facere) ou num tolerar que se faça (pati), e não num fazer (facere); pretende-se ver exceção a essa regra na seruitus oneris ferendi (servidão de suportar peso), em que o proprietário do prédio serviente deve manter em bom estado a coluna em que se apóia o prédio dominante, no entanto, tem-se procurado demonstrar que, em realidade, a seruitus oneres ferendi não constitui ex ceção a regra, pois: 1º Se a solidez da sustentação interessa ao prédio dominante, a coluna é do prédio serviente, não sendo razoável que o proprietário daquele repare coisa que não é sua; 2º A obrigação de manter a coluna de sustentação em bom estado não esgota o conteúdo da seruitus oneres ferendi, no qual o essencial é um pati (isto é, tolerar que o vizinho apóie o prédio na coluna ou na parede de sustentação); e 3º O facere nessa servidão predial, é apenas aparente, pois o proprietário do prédio serviente esta obrigado somente a manter sem alteração o estado da coluna ou parede de sustentação, e não de fazer algo novo.
f)
A servidão predial é indivisível, assim, ela surge ou se extingue por inteiro, e não fracionadamente (é em virtude dessa regra que, se o proprietário do imovel serviente se tornar condômino do imovel dominante, nem por isso se extingue a servidão com base no principio de que não se pode ter servidão sobre imovel próprio); e g) No direito clássico, o proprietário do prédio dominante não pode alienar, locar, ou dar em usufruto, penhor ou arrendamento a servidão de que é titular; no direito justinianeu, admite-se a alienação, se consistida no titulo constitutivo da servidão ou se há o assentimento do proprietário do prédio serviente; bem como seja dada em usufruto ou em penhor a servidão predial rústica. As espécies de servidões prediais As servidões prediais no direito romano se classificam em duas grandes categorias: a) Rusticas; e
b) Urbanas. O critério que se baseia essa classificação é muito controvertido, porque junto as fontes romanas são omissas a respeito. Segundo parece, as servidões prediais são rústicas quando se destinam a utilização econômica do imovel dominante; São urbanas quando visam beneficiar um imovel construído. (um edifício). Das servidões prediais rústicas, umas são mais antigas e outras mais recentes. Aquelas eram as servidões de passagens – em uma de suas três modalidades; iter (servidão de passagem ape, a cavalo ou em liteira); actus (servidão de passagem com rebanhos ou carros); e uia (cujo conteúdo exato é desconhecido, embora haja textos que indiquem que ela se constituía da acumulação dos direitos decorrentes do iter e do actus) – e a de aqueduto. As mais recentes eram mais numerosas: assim, por exemplo, as seruitus aquae haustus (dava o direito de tirar água do prédio serviente), a seruitus pascendi (atribuía o direito de apascentar gado no imovel serviente), a seruitus arenai fodiendae (que dava direito de tirar areia do prédio serviente). As servidores prediais urbanas são mais recentes do que as mais antiga servidões prediais rústicas. Elas podem ser agrupadas em três categorias: 1º Seruitutes aquarum (servidões de água), entre as quais encontramos a seruitus stillicidii e a seruitus flumines (que davam direito de fazer escoar água da chuva, diretamente ou por meio de conduto, para o prédio serviente); 2º Seruitutes parietum (servidões de paredes), entre as quais destacamos a seruitus tigni immittendi (que atribuiu o direito de colocar trave no muro ou na parede do imovel serviente) e a seruitus proiciendi (que dava o direito de avançar sobre o imovel vizinho, balcões, galerias ou telhados); e 3º Seruitutes luminum (servidões de luzes), entre as quais se colocam, por exemplo, a seruitus altius nom tollendi (que dava ao proprietário do imovel dominante o direito de exigir do vizinho que não fizesse construções que ultrapassassem determinada altura) e a seruitus NE luminibus, ne prospectui officiatur (que dava ao proprietário do prédio dominante o direito de exigir do vizinho que não fizesse construções que diminuíssem a vista do imovel do minante). Modo de constituição das servidões prediais Para o estudo dos modos de constituição das servidões prediais, é preciso distinguir, de um lado, os direitos pré-clássico e clássico; e, de outro, o direito justinianeu
A) Direitos pré-clássico e clássico A principio como já acentuamos anteriormente, só existem algumas servidões rústicas, as quais se incluem entre as res mancipi. E, como res mancipi, elas se constituem pelos modos de aquisição da propriedade das coisas dessa categoria; a mancipatio e a iniuri cessio. Demais, podiam surgir também, por usucapião, o que foi abolido por uma lei Scribonia, que provavelmente é posterior ao ano 69 a. C. Nos fins da republica e inicio do principado, as servidões prediais passam – e quem nolo informa é Gaio (Inst., II, 17) – a ser consideradas coisas incorpóreas (res incorporales ), e não podem ser objeto de posse (que, no direito clássico se aplicava as coisas corpóreas), o que vai acarretar em conseqüência, a impossibilidade, para constituição de servidões prediais, de modo de aquisição em que a posse é um dos elementos: assim, a traditio (tradição) e a usucapio (usucapião). No direito clássico, é preciso distinguir os modos de constituição das servidões sobre imóveis itálicos (e modos que não podiam ser utilizados por estrangeiros) dos das servidões sobre imóveis provinciais. Quanto aos imóveis itálicos, as servidões prediais podiam constituir-se pelos seguintes modos:
a) A in iuri cessio – que é o modo normal de constituição, inter uios, de servidões –, pela qual o proprietário do prédio, que será o dominante, intenta contra o proprietário do prédio, que será o serviente, uma uindicatio seruitutis fictícia, e , não se defendendo este, surge para aquele o direito de servidão predial; b)