Friedrich Müller Quem é o povo?
A questão fundamental da democracia
I Por que as constituições falam de povo? “Estados democráticos chamam-se governos “do povo” [...] Eles se justificam afirmando que em ultima instancia o povo estaria “governando” O preâmbulo da constituição brasileira (CB) de 1988 foi promulgado juntamente com o integral pelos “representantes do povo brasileiro“, ”para instituir um estado democrático” [...] “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta constituição” (CB Art. 1º, parágrafo único). (p.47 e 48) “Que “Quem m é o po povo vo?” ?” trans transmu muda da-s -see aq aqui ui na pe perg rgun unta ta:: co como mo po pode de se empregar “povo” nesse contexto caso a pretensão de legitimidade “do governo do po povo vo”” de deva va fa faze zerr su sufifici cien ente teme ment ntee se sent ntid ido? o? De qu qual alqu quer er mo modo do es essa sa expressão pertence ao conjunto de expressões mais prenhes de pressupostos e ta tam mbé bém m ao co conj njun unto to da dass ex expr pres essõ sões es men enos os se segu gura rass do doss refe referi rido doss documentos constitucionais. (p.52) O objetivo, com o qual estes a empregam, é evidentemente sempre a legitimação do sistema político constituído. “Nação” também poderia servir para tal fim. [...] O conceito de povo seguiu, sobretudo, no séc. xx, uma carreira que o fez atravessar delírios autoritário-chauvinistas e totalitário nacionalistas e que só pode ser elucidativa ex negativo para o contexto de legitimação democrática (p. 52)
II “Povo” como povo ativo “Seg “Segun undo do a do dout utrin rinaa ma mais is em vo voga ga,, o po povo vo atua atua co como mo su sujei jeito to de dominação nesse sentido por meio da eleição de uma assembléia constituinte e/ou da votação sobre o texto de uma nova constituição; por intermédio de eleições e, em parte, por meio de iniciativa popular [volksbegehren] e do referendo [volksentscheid]; por meio de eleições para instancias de autogestão e se for o caso por meio de eleições dos funcionários públicos, ou ainda da 1
eleição dos juízes, incluída a eleição dos juízes da corte constitucional federal alemã mediada de forma apenas muito rarefeita em termos de “demo” cracia. No geral esse pólo ativo a totalidade dos eleitores é considerada — não importa quão direta ou indiretamente — a fonte da determinação do convívio social por meio de prescrições jurídicas.” (p.55 e 56) “O povo dos textos constitucionais modernos procuram justificar-se por meio dele, é o ponto de partida, o grau zero [degré zéro] da legitimação pósmonárquica. O povo ativo não pode sustentar sozinho um sistema tão repleto de pressupostos.” (p.58)
III “Povo” como instancia global de atribuição de legitimidade “O pov povoo ati ativo vo ele elege ge seu seuss repres represent entant antes; es; do trabal trabalho ho dos me mesmo smoss resultam (entre outras coisas) os textos das normas [...]” (p.60) “[...] O povo não é apenas — de forma mediata — a fonte ativa da instituição de normas por meio de eleições bem como — de forma imediata — por meio de referendos legislativos; ele é de qualquer modo o destinatário das prescrições, em conexões com deveres, direitos e funções de proteção.” (p.61) “[.. “[...] .] O co conc ncei eito to jurí jurídi dico co do po pode derr co cons nstititu tuin inte te do po povo vo ex exig igee a textificação, faz-se mister, em segundo lugar, um procedimento democrático para criar a constituição [...] (p.61) “[...] Sem a prática dos direitos do homem e do cidadão, “o povo” permanece em metáfora ideologicamente abstrata de má qualidade [...]
IV Povo como “ícone” O povo como ícone, erigido em sistema, induz a práticas extremadas. A iconização co cons nsis iste te em ab aban ando dona narr o po povo vo a si me mesm smo; o; em ‘des ‘desre real aliz izar ar’’ [entrealisierem] a população em mitificá-la (naturalmente já não se trata a muito tempo tem po des dessa sa pop popula ulação ção), ), em hip hipost ostasi asia-l a-laa de forma forma pse pseudo udo-sa -sacra crall e em instituí-la assim como padroeira tutelar abstrata, tornada inofensiva para o poder-violencia —“notre bom peuple”. (p.67)
2
“Por fim o “povo”— compreendido como conjunto dos cidadãos ativos e diferenciado da população total — pode, num sentido mais atenuado, naturalmente ser também feito sob medida [zurechtgeschneidert] pelo direito de imigração, pelo direito regulamentador da assimilação de populações expulsas [Aussiedlerrecht], pelo direito de estrangeiros, pelo direito de nacionalidade [staatsbürgerschaftsrecht] e pelo direito eleitoral.” (p.68 e 69) “O poder-violência encara o povo de modo alienado; o povo encontra-se sobre o oder-violência de um estado, que mantém um povo para si — seu povo do “poder constituinte”, de um santinho de forte luminosidade. ”(p.70) “Em termos bem genéricos, a iconização reside por igual também [nicht zuletzt] no empenho de unificar em “povo” a população diferenciada, quando não cindica pela diferença segundo o gênero, as classes ou camadas sociais, frequentemente também segundo a etnia e a língua, a cultura e a religião. No uso ideológico, tudo tornaria a função legitimadora precária. em contrapartida, o holismo santifica, “o” povo está atrás da nossa práxis do poder-violência e torna-a inatacável. Nesse ideologema, “o” povo “outorga” também a forma de organização do nosso poder-violência, a constituição, não importa como ela possa ser posta e mantida em vigor na realidade.” (p.72) “[...] o povo — nem que seja apenas o seu conjunto parcial dos cidadãos titulares dos direitos ativos — entra em sena como destinatário e agente de responsabilidade e controle.
V “povo” como destinatário de prestações civilizatórias do estado “O povo enquanto cidadania ativa abrange apenas os eleitores; o povo enquanto instancia de atribuição compreende, via de regra, os cidadãos do respectivo país [Staatsangehörige].”(p.75) “A democracia é dispositivo de normas especiais exigente, que diz respeito a todas as pessoas no seu âmbito de “demos” de categorias distintas (enquanto povo ativo, povo como instancia de atribuição ou ainda povo destinatário) e graus distintos. A distinção entre direitos da cidadania e direitos humanos não é apenas diferencial; ela é relevante com vistas ao sistema. Não somente as liberdades civis, mas também os direitos humanos enquanto
3
realizados são imprescindíveis para uma democracia legítima. O respeito dessas posições, que não são próprias da cidadania no sentido mais estrito, também apóia o sistema político, e isso não apenas na sua qualidade de estado de Direito. (p.76)
VI A que grupos reais correspondem os modos de utilização do termo “povo”? “O povo como instância de atribuição está restrito aos titulares da nacionalidade, de forma mais ou menos clara nos textos constitucionais; o povo ativo está definido ainda mais estreitamente pelo direito positivo (textos de normas sobre o direito a eleições e votações, inclusive a possibilidade de ser eleito para diversos cargos públicos). Por fim ninguém está legitimamente excluído do povo destinatário [...].” (p.80)
VII “Povo” como conceito de combate. A positividade da democracia “Quando o termo “povo” aparece em textos de normas, sobretudo em documentos constitucionais, deve ser compreendido como parte integrante plenamente vigente da formulação da prescrição jurídica (do tipo legal), deve ser levado a sério como conceito jurídico e ser interpretado lege artis.”(p.83) “A seleção dentro do povo pode ser aberta (ideologicamente caracterizada sem delongas em regimes totalitários em ditaduras partidárias) ou também encoberto pelo formalismo jurídico (no liberalismo do capitalismo incipiente desde John Locke) (p.84) [...] As três camadas funcionais e conceituais remanescentes de “povo” na democracia aparece como três estados de agregação — que, contudo se acham nitidamente separados. Podem ser reciprocamente referidos, sobretudo enquanto critérios de aferição e processados em opção e preferências (de política constitucional) de legitimidade. (p.86) “A democracia e o estado de direito legitimam desde os seus inícios a dominação da ordem social burguesa; constituições como a brasileira de 1988 ou a lei fundamental alemã mencionam expressamente a legitimação do povo” (p.87) 4
As invocações do povo legitimador nos textos das normas apresentamse como direito constitucional com caráter de obrigatoriedade na republica federativa do Brasil; a legitimidade dessa constituição bem como a da constituição alemã deve poder deixar-se vincular no plano da realidade ao povo ativo, ao povo enquanto instancia de atribuição e ao povo destinatário. (p.89 e 90)
VIII Exclusão “Trata-se aqui da discriminação parcial de parcelas consideráveis da população, vinculada preponderantemente a determinadas áreas; permite-se a essas parcelas da população a presença física no território nacional, embora elas sejam excluídas tendencial e difusamente dos sistemas prestacionais [leistungssystemen] econômicos, jurídicos, políticos, médicos e dos sistemas de treinamento e educação o que significa “marginalização” como subintegração. (p.91) “No tipo corriqueiro da exclusão primária os textos não discriminam a superfície textual da constituição se mostra imaculada (p. 98) “A exclusão primacial não está expressa não está expressa no texto da norma da constituição. “a exclusão deslegitima. Na exclusão o povo ativo, o povo como instância de atribuição e o povo-destinatário degeneram em “povo”-ícone. a legitimidade somente pode advir da fundamentação no povo real, que é invocado pelo texto da constituição — em diferentes perspectivas e com abrangência correspondente variada, mas sempre de forma documentável, conforme se mostrou acima. (p.105)” IX Legitimação da democracia. Revaloração de “Kratein”. “Democracia” compreendida também como nível de exigências além das técnicas da dominação “A legitimação do estado democrático deveria tanto oferecer alternativas distinguíveis como também exibir gradações manuseáveis. (p. 107e108) “Assim a espécie de legitimidade que se venha a inferir do poder constituinte do povo pode ser formulada em gradações: a incorporação dessa
5
pretensão ao texto [vertextung] da constituição tem por interlocutor [gegenüber] o povo enquanto instância de atribuição; o procedimento democrático de por em vigor a constituição dirige-se ao povo ativo; e a preservação de um cerne constitucional (que sempre é também democrático) na duração do tempo investe o povo-destinatário nos seus direitos. (p108) “A democracia moderna avançada não é simplesmente um determinado dispositivo de técnica jurídica sobre como colocar em vigor textos de normas; não é, portanto apenas uma estrutura (legislatória) de textos o que vale essencialmente também para o estado de direito” (p.114e115) Democracia significa direito positivo — o direito de cada pessoa. (p.115)
Considerações
6
7
Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) A formação do estado constitucional de direito “O estado de direito se consolida na Europa ao longo do século XIX, com a adoção ampla do modelo tornado universal pela revolução francesa: Separação dos poderes e proteção dos direitos individuais. Na fase imediatamente anterior, prevalecia a configuração pré-moderna do estado fundada em premissas teóricas e em fatores reais diversos.” (p. 15) “O estado constitucional de direito desenvolve-se a partir do termino da 2ª guerra mundial e se aprofunda no ultimo quarto do século XX, tendo por característica central a subordinação da legalidade a uma constituição rígida.” (p.16) “[...] A constituição não apenas impõe limites ao legislador e ao administrador, não lhes determina, também, deveres de atuação. A ciência do direito assume um papel critico e indutivo da atuação dos poderes públicos e a jurisprudência passa a desempenhar novos papéis, dentre os quais se incluem a competência ampla para invalidar atos legislativos ou administrativos e para interpretar as normas jurídicas á luz da constituição.”
Parte 1 Neoconstitucionalismo e transformações do direito constitucional contemporâneo “A principal referencia no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental do Bonn (Constituição alemã), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daí teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referencia de destaque é a da Constituição da
8
Itália, de 1947, e a subseqüente instalação da corte constitucional, em 1956.” (p.17e18)” “Sob a constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportancia ao apogeu em menos de uma geração. Uma constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. o surgimento de um sentimento constitucional no país é algo que merece ser celebrado.” (p.18e19) “O marco filosófico do novo direito constitucional é o pós-positivismo.” (p.19) “O jusnaturalismo moderno, desenvolvido a partir do século XVI, aproximou a lei da razão e transformou-se na filosofia natural do direito” (p. 19) “Considerado metafísico e antijurídico, o direito natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo jurídico, no final do século XIX.” (p. 19) “A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O póspositivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas.” (p. 20) “No plano teórico, três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional relativamente á aplicação do direito constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.”(p. 20e21) “Atualmente, passou a ser premissa do estudo da constituição o reconhecimento de sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições.” (p. 21) “A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: (I) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (II) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida.” (p. 25e26) 9
“A existência de colisões de normas constitucionais, tanto as de princípios como as de direitos fundamentais, passou a ser percebida como um fenômeno natural — até porque inevitável — no constitucionalismo contemporâneo.” (p. 27) “No plano dos direitos fundamentais, a liberdade religiosa de um individuo pode conflitar-se com a de outro, o direito de privacidade e a liberdade de expressão vivem em tensão contínua, a liberdade de reunião de alguns pode interferir com o direito de ir e vir dos demais.” (p. 28) “A existência de colisões de normas constitucionais leva a necessidade de ponderação.” (p.28) “Em suma: o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no estado e no direito constitucional, em meio ás quais podem ser analisados, (I) como marco histórico, a formação do estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (II) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre direito e ética; e (III) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da constituição e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do direito. (p. 29)
Parte 2 A constitucionalização do direito “A idéia de constitucionalização do direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico.” (p. 30) “Nos estados de democratização mais tardia, como Portugal, Espanha e, sobretudo, o Brasil, a constitucionalização do direito é um processo mais recente, embora muito intenso.” (p. 37) “A partir de 1988, e mais notadamente nos últimos cinco ou dez anos, a constituição passou a desfrutar já não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica,
10
potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios.” (p. 38) “Em suma: A constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema.” (p.39)
Parte 3 A constitucionalização do direito e Seus mecanismos de atuação “A constitucionalização, no entanto, é obra precípua da jurisdição constitucional, que no Brasil pode ser exercida, difusamente, por juízes e tribunais, e concentradamente pelo Supremo Tribunal Federal, quando o paradigma for à constituição federal. Esta realização concreta da supremacia formal e axiológica da constituição envolve diferentes técnicas e possibilidades interpretativas, que incluem: a) o reconhecimento da revogação das normas infraconstitucionais anteriores à constituição (ou à emenda constitucional), quando com ela incompatíveis; b) a declaração de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais posteriores à constituição, quando com ela incompatíveis; c) a declaração da inconstitucionalidade por omissão com a conseqüente convocação a atuação do legislador; d) a interpretação “conforme a constituição.” (p.40) “O processo de constitucionalização do direito civil, no Brasil, avançou de maneira progressiva, tendo sido amplamente absorvido pela jurisprudência e pela doutrina, inclusive civilista.” (p.46)
“O direito constitucional e o direito administrativo têm origem e objetivos comuns: o advento do liberalismo e necessidade de limitação do poder do estado. Nada obstante, percorreram ambos trajetórias bem diversas, sob influência do paradigma francês. De fato o direito constitucional passou o século XIX e a primeira
11
metade do século XX associado às categorias da política, destituído de força normativa e aplicabilidade direta e imediata.” (p. 46) “A presença de dispositivos sobre a administração pública nas constituições modernas tem inicio com a carta italiana e alemã, em precedentes que foram ampliados pelo texto português e espanhol” (p. 47) “A constitucionalização do direito penal suscita um conjunto instigante e controvertido de idéias, a serem submetidas ao debate doutrinário e à consideração da jurisprudência” (p.51) “No direito processual, a repercussão da constitucionalização tem se manifestado no plano do processo penal, do processo civil e do processo administrativo, implicando a interpretação, a revogação ou a inconstitucionalidade” (p.52) “No caso brasileiro, deve se enfatizar, a jurisdição é exercida amplamente: do juiz estadual ao supremo tribunal federal, todos interpretam a constituição podendo inclusive recusar aplicação a lei ou
a
qualquer
outro
ato
normativo
que
considerem
inconstitucionais.” (p. 53) “Pois bem: em razão desse conjunto
de fatores—
constitucionalização, aumento da demanda por justiça e ascensão institucional do judiciário —, verificou-se no Brasil uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instancia decisória final.” (p.54) “Em sentido amplo, a jurisdição constitucional envolve a interpretação e aplicação da constituição, tendo como uma de suas principais expressões o controle de constitucionalidade e atos normativos.” (p.55) “O papel do judiciário, em geral, e do supremo tribunal federal, em particular, na interpretação e na efetivação da constituição, é 12
combustível
de
um
debate
permanente
na
teoriafilosofia
constitucional contemporânea, pelo mundo a fora.” (p. 57) “O papel do judiciário e especialmente, das cortes constitucionais e supremos tribunais federais deve ser o de resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais, superando o déficit de legitimidade dos demais poderes, quando seja o caso.” (p. 58) “a constitucionalização do direito importa na irradiação dos valores abrigados nos princípios e regras da constituição por todo o ordenamento
jurídico,
notadamente
por
via
da
jurisdição
constitucional, em seus diferentes níveis. Dela resulta a aplicabilidade direta da constituição a diversas situações, a inconstitucionalidade das normas incompatíveis com a carta constitucional
e,
sobretudo
a
interpretação
das
normas
infraconstitucionais conforme a constituição circunstancia que irá conformar-lhe o sentido e o alcance.” (p. 60) Considerações
13
14
Hermenêutica constitucional A sociedade aberta dos intérpretes da constituição I. TESE FUNDAMENTAL, ESTÁGIO DO PROBLEMA “A teoria da interpretação constitucional tem colocado até aqui duas questões essenciais: — a indagação sobre as tarefas e os objetivos da interpretação constitucional — a indagação sobre os métodos (processos da interpretação constitucional) (regras de interpretação). “A teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma sociedade fechada. Ela reduz ainda seu âmbito de investigação, na medida em que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados.” (p.12) “Interpretação constitucional tem sido, até agora, conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os intérpretes jurídicos ‘vinculados às corporações’ (Zünftmässige Interpreten) e aqueles participantes formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é em realidade, mais um elemento da sociedade aberta.”(p.13) “O conceito de interpretação reclama um esclarecimento que pode ser assim formulado: quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos pó co-interpretá-la.” (p.13) “Originalmente, indica-se como interpretação apenas a atividade que, de forma consciente e intencional, dirige-se à compreensão e à explicitação de sentido de uma norma (de um texto).” (p.14) “Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário dessa norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico.” (p.15)
II. OS PARTICIPANTES DO PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL “A investigação sobre os que participam do processo de interpretação é, de
uma
perspectiva
sócio-constitucional,
conseqüência
do
conceito 15
“republicano” de interpretação aberta que há de ser considerada como objetivo da interpretação constitucional. ”(p.19) “Até pouco tempo imperava a idéia de que o processo de interpretação constitucional estava reduzido aos órgãos estatais ou aos participantes diretos do processo. Tinha-se, pois, uma fixação da interpretação constitucional nos “órgãos oficiais”, naqueles órgãos que desempenham o complexo jogo jurídicoinstitucional das funções estatais. isso não significa que se não reconheça a importância da atividade desenvolvida por esses entes.” (p.24) “O processo político não é um processo liberto da constituição; ele formula pontos de vistas, provoca e impulsiona desenvolvimentos que, depois, se revelam importantes da perspectiva constitucional, quando, por exemplo, o juiz constitucional, reconhece que é missão do legislador, no âmbito das alternativas compatíveis com a constituição, atuar desta ou daquela forma.” (p.27) “A jurisdição constitucional é um catalisador essencial, ainda que não o único, da ciência do direito constitucional como interpretação constitucional.” (p.28)
III. APRECIAÇÃO DA ANÁLISE DESENVOLVIDA “A questão da legitimação coloca-se para todos aqueles que não estão formal, oficial ou competencialmente nomeados para exercer a função de intérpretes da constituição.” (p.29) “ A estrita correspondência entre vinculação (à constituição)e legitimação para a interpretação perde, todavia, o seu poder de expressão quando se consideram os novos conhecimentos da teoria da interpretação: interpretação é um processo aberto.” (p.30) A ampliação do círculo de intérpretes aqui sustentada é apenas a consequencia da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação.” (p.30) “A vinculação judicial à lei e a independência pessoal e funcional dos juízes não podem escamotear o fato de que o juiz interpreta a constituição na esfera pública e na realidade (...in der öffentlichkeit und wirklichkeit die verfassung interpretiert).” (p.31)
16
“A própria abertura da constituição demonstra que não apenas o constitucionalista participa desse processo de interpretação! a unidade da constituição surge da conjugação do processo e das funções de diferentes intérpretes. Aqui devem ser desenvolvidas reflexões sob a perspectiva da teoria da constituição e da teoria de democracia. (p.32 e 33) “Do ponto d vista teoréico-constitucional,a legitimação fundamental das forças pluralistas da sociedade para participar da interpretação constitucional reside no fato de que essas forças representam um pedaço da publicidade e da realidade da constituição (ein stück öffentlichkeit und wiklichkeit der der verfassung), não podendo ser tomadas como fatos brutos, mas como elementos que se colocam dentro do quadro da constituição: a integração, pelo menos indireta, da “res publica” na interpretação constitucional em geral é expressão e consequência da orientação constitucional aberta no campo de tensão do possível, do real e do necessário (“in das spannungsfeld dês möglichen, wirklichen und notwendigen gestellten verfassungsverstänclisses”). (p.33) “Constituição é, nesse sentido, um espelho da publicidade e da realidade (Spiegel der Öffentlichkeit und wirklichkeit). Ela não é, porém, apenas o espelho. Ela é, se se permite uma metáfora, a própria fonte de luz (Sie ist auch die lichtquelle). Ela tem, portanto, uma função diretiva eminente. (p.34) “No estado constitucional-democrático coloca-se, uma vez mais, a questão da legitimação sob uma perspectiva democrática (da teoria da democracia.) “Democracia desenvolve-se mediante a controvérsia sobre alternativas, sobre posssibilidades e sobre necessidades da realidade e também o “concerto” científico sobre questões constitucionais, nas quais não pode haver interrupção e nas quais não existe e nem deve existir dirigente. “Povo” não é apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão. (p.36 e 37) “A sociedade é livre e aberta na medida em que se amplia o círculo dos intérpretes da constituição em sentido lato. (p.40)
17
IV. Conseqüências para a hermenêutica constitucional jurídica “A sociedade torna-se aberta e livre, porque todos estão potencial e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucional.” (p. 43) “Assim como o processo de interpretação constitucional se afigura disciplinado e disciplinador pela utilização de métodos “jurídicos”, assim também se afiguram variados e difusos os eventos que precedem a esse processo: relativamente racionais se afiguram os processos legislativos, desde que se trate de interpretação da constituição.” (p. 43) “Uma teoria da interpretação constitucional que pretenda contemplar, num mesmo contexto, a questão dos objetivos e métodos de interpretação e a questão referente aos participantes da interpretação constitucional há de tirar consequência dessa situação para o método da hermenêutica constitucional.” (p.44) “A interpretação constitucional realizada pelos juízes pode-se tornar, correspondente, mais elástica e ampliativa sem que se deva ou possa chegar a uma identidade de posições com a interpretação do legislador.” (p.48) “Em resumo, uma ótima conformação legislativa e o refinamento interpretativo do direito constitucional processual constituem as condições básicas para assegurar a pretendida legitimação da jurisdição constitucional no contexto de uma teoria de democracia. (p.49)
V. NOVAS INDAGAÇÕES PARA A TEORIA CONSTITUCIONAL “É legítimo indagar se se poderia cogitar, ainda que de forma relativizada, de uma interpretação correta (richtigkeit der Auslegung). Para a teoria constitucional, coloca-se a questão fundamental sobre a possibilidade de vincular normativamente as diferentes forças políticas, isto é, de apresentarlhes “bons” métodos de interpretação. (p.53) “Deve-se indangar sobre a amplitude que se há de emprestar ao círculo de interlocutores da doutrina constitucional, que, segundo o seu próprio
18
entendimento, atuou, até agora, como crítica e conselheira como “partner” da discussão e do consenso da corte constitucional. (p.53) “Sem dúvida, uma fixação exclusiva na jurisdição há de ser superada. é possível cogitar de uma opinião pioneira, na qual a doutrina constitucional integre também a teoria da legislação, isto é, seja admitida como uma interlocutora do legislador.” (p.53) “Constitucionalizar formas e processos de participação é uma tarefa específica de uma teoria constitucional (procedimental). Para conteúdos e métodos, isto se aplica de forma limitada. fundamentalmente, o processo político deve ser (e deve permanecer), tanto quanto possível, aberto, devendo também uma interpretação “deversionista” ter oportunidade de ser sustentada, em algum momento. É verdade que o processo político é um processo de comunicação de todos para com todos, no qual a teoria constitucional deve tentar ser ouvida, encontrando um espaço próprio e assumindo sua função enquanto instância crítica.” (p. 55) Considerações
19
20
O que é o terceiro estado? Emmanuel Joseph sieyès Considerações preliminares sobre o que é o terceiro estado? “O plano desse trabalho é muito simples. Devemos responder a três perguntas: 1ª) O que é o terceiro estado?— Tudo. 2ª) O que tem sido ele, até agora, na ordem política?— Nada. 3ª) O que é que ele pede?— Ser alguma coisa.” (p. 1)
Capitulo I O terceiro estado é uma nação completa “O que é preciso para que uma nação subsista e prospere? Trabalhos particulares e funções públicas. “Todos os trabalhos particulares podem se reunir em quatro classes: 1ª) [...] Todas as famílias ligadas aos trabalhos do campo; 2ª) [...] A indústria humana. 3ª) [...] Os comerciantes e os negociantes. 4ª) Esta quarta classe inclui desde as profissões científicas e liberais mais consideradas, até os serviços domésticos menos valorizados. “Estes são os trabalhos que sustentam a sociedade E sobre quem recaem? Sobre o terceiro estado.” (p.1e2) “As funções públicas também podem, no estado atual, ser reunidas sob quatro denominações conhecidas a espada a Toga a Igreja e a Administração.” (p.2) “É preciso notar que, ao se atribuir uma determinada função a certo grupo de cidadãos, não se pagará somente o home que trabalha, mas também todos os outros do seu grupo que se acham desempregados, e sua respectivas famílias. (p. 2) “O que é uma nação? Um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma legislatura. será certo que a ordem nobre tenha privilégios, que ela ousa chamar de seus direitos, separados pela mesma legislatura. (p. 4)
21
“O Terceiro estado abrange, pois, tudo o que pertence à nação. E tudo o que eu não é terceiro estado não pode ser olhado como pertencente à nação. Quem é o terceiro estado? Tudo.” (p. 4)
Capitulo II O que o terceiro estado tem sido até agora? Nada “É completamente impossível que o corpo da nação, ou mesmo alguma ordem em particular, venha a se tornar livre, se o terceiro estado não é livre.” (p. 4) “É preciso entender como o terceiro estado o conjunto dos cidadãos que pertencem à ordem comum. Tudo o que é privilegiado pela lei, de qualquer forma , sai da ordem comum, constitui uma exceção à lei comum e consequentemente, não pertence ao Terceiro Estado.” (p. 5) “Aos olhos da lei, todos os nobres são iguais tanto os de ontem, como os que conseguem, bem ou mal, esconder sua origem ou sua usurpação. Todos têm os mesmos privilégios.” (p. 6) “Nunca será demais repetir que todo privilégio se opõe ao direito comum. Portanto, todos os privilegiados, sem distinção, formam uma classe diferente e oposta ao Terceiro Estado.” (p. 6) “[...] A abolição dos privilégios no terceiro estado não é a perda das isenções de que se beneficiam alguns de seus membros. Estas isenções não são outra coisa senão o direito comum.” (p. 6e7) “Foi soberanamente injusto privar delas o povo. Desse modo, eu reclamo, não a perda de um direito, mas sua restituição. Se me respondem que, tornando possíveis alguns desses privilégios, se suprimiria o meio de atender a necessidade social, eu respondo que toda a necessidade pública deve estar a cargo de todo o mundo, e não de uma classe especial de cidadãos.” (p.7) “Resumindo, o terceiro estado não teve, até agora, verdadeiros representantes nos estados gerais. Desse modo, seus direitos políticos são nulos.” (p. 8)
22
Capitulo III O que pede o terceiro estado? Ser alguma coisa “O terceiro estado pede, pois, que os votos sejam emitidos “por cabeça e não por ordem”. Estas reclamações se resumem a isso. E parece que elas alarmaram os privilegiados: eles acreditaram que só com isso já se alcançaria a reforma dos abusos. A verdadeira intenção do Terceiro estado é a de ter nos estados gerais uma influência “igual” à dos privilegiados.” (p. 8) “Mas o que há de verdadeiramente ruim é que os três artigos que formam a reclamação do terceiro estado são insuficientes para lhe dar esta igualdade de influência da qual ele não pode, efetivamente, prescindir. Obteria, em vão, um número igual de representantes, mas a influência dos privilegiados virá sempre que se colocar e dominar no próprio santuário do terceiro estado.” (p.8e9) “Quanto mais se pensa neste assunto, mas se percebe a insuficiência das três demandas do terceiro estado.” (p. 10). “Examinemos estas demandas...” (p. 10) I PRIMEIRA PETIÇÃO “Que os representantes do terceiro estado sejam escolhidos apenas entre os cidadãos que realmente pertençam ao terceiro estado.” (p. 10) II SEGUNDA PETIÇÃO “Que os deputados sejam em número igual ao da nobreza e do clero.” (p. 13) III TERCEIRA PETIÇÃO “Que os estados gerais votem não por ordens, mas por cabeças” (p. 16)
Capitulo IV — O que tentaram fazer pelo terceiro estado — As propostas do governo e dos privilegiados “O governo, levado não por motivos pelos quais se lhe agradasse, mas por seus erros, convencido que não podia remediar sem a ajuda voluntária da nação, pensou em obter, por seu lado, um consentimento cego a todos os seus projetos, oferecendo-se para fazer alguma coisa pelos outros. com esta intenção, o senhor de calonne propôs o plano das assembléias provinciais.
23
I ASSEMBLÉIAS PROVINCIAIS “É impossível tratar-se um só momento dos interesses da nação sem se surpreender com a nulidade política do terceiro estado. O ministro sentiu até que a distinção das ordens era contrária a qualquer esperança de bem, e resolveu, sem dúvida, fazê-la desaparecer com o tempo. parece inclusive que o primeiro plano das assembléias provinciais foi concebido e redigido neste espírito. Basta lê-lo com um pouco de atenção para perceber-se que nele não se considera a ordem pessoal dos cidadãos. só se levava em conta suas propriedades, ou seja: a ordem real. Era na qualidade de proprietário, e não como padre, nobre ou plebeu, que se era chamado nestas assembléias.” (p. 18) “Existiam quatro espécies de propriedades. As senhorias: aqueles que as possuíam, nobres ou plebeus eclesiásticos ou leigos, deviam formar a primeira classe. as propriedades ordinárias ou simples: dividiam-se em três outras classes, por oposição às senhoriais. Uma distribuição mais natural só teria formado duas, indicadas pela natureza dos trabalhos e a balança dos interesses, ou seja, as propriedades do campo e as da cidade. Nessas ultimas estariam incluídas, com as casas, todas as artes, fábricas escritórios, etc.” (p. 18) II OS NOTÁVEIS “O que fizeram os notáveis de 1787? Defenderam seus privilégios contra o trono. O que fizeram os notáveis de 1788? Defenderam seus privilégios contra a nação. É que em vez de consultar notáveis em “privilégios”, seria preciso consultar notáveis em “luzes”. (p. 19) III OS ESCRITORES PATRIOTAS DAS ORDENS PRIVILEGIADAS “É extraordinário que a causa do terceiro tenha sido defendida com mais força e tenacidade por escritores eclesiásticos e nobres do que pelos próprios não-privilegiados.” (p. 20) “Na lentidão do terceiro estado eu vi apenas o hábito do silêncio e o medo do oprimido, o que dá mais uma prova da realidade da opressão.” (p. 20) “As duas primeiras ordens estão, certamente, interessadas em restabelecer o Terceiro Estado em seus direitos.” (p. 21)
24
IV A PROMESSA DE IGUALDADE DE IMPOSTOS “Os notáveis manifestaram o desejo de aplicar os mesmos impostos às três ordens.” (p. 21) “Os privilegiados não se cansam de dizer que tudo é igual entre as ordens, a partir do momento em que eles renunciam às isenções pecuniárias. se tudo é igual, o que temem eles nas exigências do terceiro estado? Imaginam eles se ferir atacando um interesse comum? Se tudo é igual, por que todos esses esforços para impedir que ele saia de sua nulidade política?” (p.22) “Tudo é igual. Então é por espírito de igualdade que se pronunciou contra o terceiro estado a exclusão mais desonrosa de todos os postos, de todos os lugares incolores? É por espírito de igualdade que se arrancou um excesso de tributo para criar essa quantidade prodigiosa de recursos de todos os tipos, destinados exclusivamente ao que se chama de “nobreza pobre”? (p.23) “Todos os impostos particulares do terceiro estado serão abolidos; não se deve duvidar disso. Havia um estranho país onde os cidadãos que mais se aproveitam da coisa pública, menos contribuíam, onde existiam impostos vergonhosos, insuportáveis; e que o próprio legislador taxava de degradante. que país é esse onde o trabalho degrada, onde as profissões duras são chamadas de vis, como se pudesse haver qualquer coisa vil além do vício, e como se fosse nas classes trabalhadoras que mais existisse essa vileza, que é a
única
e
verdadeira
?” (p. 23) “Enfim, todas essas palavras: tamanho, feudo alodial, utensílios etc., serão proscritas para sempre na linguagem política. O legislador não voltará a se dar ao estúpido prazer de repelir essa multidão de estrangeiros a quem essas distinções vexatórias impedem de trazer para o nosso meio seu capital e sua indústria. (p. 23 e 24) V.
A PROPOSTA INTERMEDIÁRIA DOS AMIGOS COMUNS DOS PRIVILEGIADOS E DO MINISTÉRIO “O ministério teme, acima de tudo, uma forma de deliberação que,
parando todos os negócios, suspenderia também a concessão dos recursos 25
que necessita. Se, pelo menos, pudessem fazer um acordo para cobrir o déficit, o resto não teria importância, as ordens poderiam, brigar tanto e por quanto tempo quisessem. Pelo contrário, quanto menos avançarem, mais o ministério se sentirá intacto em sua autoridade arbitrária.”(p.24) “Daí, uma forma de conciliação que se começa a espalhar por todo lado e que seria tão sutil aos privilegiados e ao ministério, quanto mortal para o terceiro estado: propõe-se a votação dos subsídios, e de tudo o que diga respeito aos impostos, por cabeça. E depois querem que as ordens se retirem para suas câmaras, como para fortalezas inexpugnáveis, onde os comuns deliberarão sem sucesso, os privilegiados gozarão sem temor algum, enquanto o ministro continuará sendo o chefe.” (p.24) VI. A PROPOSTA DE IMITAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO INGLEZA “O terceiro estado deverá evitar, acima de tudo, que um sistema encha a câmara de pessoas que tenham interesses contrários ao interesse comum; um sistema que o colocaria novamente na nulidade da opressão. Existe a esse respeito uma diferença real entre a Inglaterra e a França. Na Inglaterra só são privilegiados os nobres a quem a constituição outorga uma parte do poder legislativo. Todos os outros cidadãos se confundem no mesmo interesse. Nada de privilégios que os distingam em diferentes ordens.” (p. 25) “Desse modo, se se quiser reunir, na França, as três ordens numa só, deve-se começar pela abolição de qualquer privilégio. É preciso que nobres e sacerdotes tenham como interesse comum, e que só gozem, por força da lei, dos direitos de simples cidadãos.” (p. 25) VII O ESPÍRITO DE IMITAÇÃO NÃO É ADEQUADO PARA BEM NOS CONDUZIR “ A idéia de separar o poder legislativo em três partes, das quais uma só falaria em nome da nação, teria sido tirada dos verdadeiros princípios? se os senhores e o rei não são representantes da nação, também não são nada no poder legislativo, pois somente a nação pode querer e, conseqüentemente, criar leis para si mesma.” (p. 26) “Qualquer um que entre no corpo legislativo só tem competência para votar pelos povos se tiver sua procuração.” (p.26) 26
“Essa constituição que cansamos de invejar, não é boa por ser inglesa, mas embora tenha defeitos reais também vantagens. Se tentássemos adaptá-la entre nós, logo identificaríamos seus defeitos porque eles seriam úteis ao poder de quem ao poder de quem coloca obstáculos. Teríamos as vantagens? Essa pergunta é mais problemática, pois encontraríamos um poder interessado em nos impedir de realizar nossos desejos. Mas finalmente porque invejamos a constituição inglesa? Porque, aparentemente, ela se aproxima dos bons princípios do estado social.” (p. 27)
Capítulo V— O que deveria ter sido feito os princípios fundamentais “Em toda nação livre — toda nação deve ser livre — só há uma forma de acabar com as diferenças, que se produzem com respeito a constituição. Não é aos notáveis que se deve recorrer ,é à própria nação. Se precisamos de constituição devemos fazê-la. Se temos uma constituição, como alguns se obstinam em afirmar, e que por ela a assembléia geral é dividida, de acordo com o que pretendem, em três câmaras de três ordens de cidadãos, não podendo por isso deixar de ver que existe da parte de uma dessas ordens uma reclamação tão forte que é impossível avançar sem julgá-la.” (p.28) “É impossível criar um corpo para um determinado fim sem darlhe uma organização, formas e leis próprias para que preencha as funções às quais quisemos destiná-lo. Isso é que chamamos a constituição desse corpo. É evidente que mão pode existir sem ela. E é também evidente que todo governo comissionado deve ter sua organização; e o que é verdade para o geral. o é também para todas as partes que o compõem.” (p. 30) “o poder só exerce um poder real enquanto é constitucional. só é legal enquanto é fiel às leis que foram impostas. a vontade nacional, ao contrário, só precisa de sua realidade para ser sempre legal: ela é a origem de toda legalidade” (p. 31) “Mesmo quando pudesse uma nação não deveria colocar obstáculos à sua formalização positiva. Seria se expor a perder sua librdad, sem retorno, pois bastaria um momento de sucesso à tirania para entregar os povos, sob pretexto de organização, a situações em que não lhes seria mais
27
possível exprimir livremente sua vontade e, conseqüentemente, sacudir as cadeias do despotismo.” (p. 32) “Como é que um corpo constituído pode decidir sobre sua constituição? Uma ou várias partes integrantes de um corpo moral não são nada separadamente. o poder só pertence ao conjunto.” (p. 33) “[...] Não há nenhuma dificuldade quanto à pergunta: o que deveria ter sido feito? Convocar a nação para que ela mandasse à metrópole representantes
extraordinários com procuração especial para definir a
composição da assembléia nacional ordinária.
Capítulo VI — O que falta fazer A EXECUSSÃO DOS PRINCÍPIOS “O terceiro estado esperava inutilmente do concurso de todas as classes a restituição de seus direitos políticos a plenitude de seus direitos civis. o medo de se reformar os abusos inspira aos aristocratas mais alarmes que desejo pela liberdade. Entre ela e alguns privilégios, elegantes estes.” (p. 38) “O terceiro estado deve dar-se conta, no movimento dos espíritos e dos assuntos, de que só pode esperar alguma coisa de seus conhecimentos e de sua coragem. A razão e a justiça estão do seu lado; é preciso que pelo menos, ele se assegure de suas forças.” (p. 39) “Não negaremos que a câmara do Terceiro estado nos próxinos estados gerais não seja muito competente para convocar o reino em representação extraordinária.” (p. 43) “O terceiro estado pode considerar-se sob dois aspectos. No primeiro se vê como uma ordem. Neste caso é melhor, então, não livrar-se completamente dos preconceitos da antiga barbárie. Admite duas outras ordens no estado, sem se lhes atribuir, entretanto, outra influência além da que pode conciliar-se com a natureza das coisas. Têm por elas todas as considerações possíveis, consentindo em duvidar de seus direitos até a decisão do juiz supremo.
Capítulo VII A assembléia nacional “É necessário compreender
28
29