História das Teorias da Comunicação Armand Mattelart
São Paulo, Paulo, Loyola, Loyola, 2005
O conceito de comunicação recobre uma diversidade de sentidos, situado na encruzilhada das várias disciplinas e foi alvo de interesse de ciências tão diversas quanto à filosofia, história, sociologia, psicologia, ciências políticas. Ao longo de sua construção, esse campo de estudo esteve continuamente às voltas com as questões de sua legitimidade científica. O que conduziu a buscar modelos de cientificidade, a adotar esquemas pertencentes às ciências da natureza, adaptando por meio de analogias. E assim, desenvolve-se uma impressão de pensar que se possa fazer tábula rasa, como tudo estivesse por ser criado. Capítulo 1_O Organismo Social
Período de invenção de sistemas técnicos básicos da comunicação e do princípio do livre comércio, no século XIX, nasceu as noções fundadoras de uma visão de comunicação como fator de integração das sociedades humanas, centradas nas questões de redes físicas, e projetada por uma ideologia do progresso. Portanto, o pensamento da sociedade como organismo (conjunto de órgãos que cumprem funções determinadas) inspira as primeiras concepções de uma ciência da comunicação. E para o desenvolvimento da idéia de trocas e fluxos que vão guiar os primeiros passos do que viria ser a comunicação, a divisão do trabalho é o primeiro degrau teórico. Pois, a comunicação contribui para uma divisão do trabalho coletivo no interior das fábricas e na estruturação dos espaços econômicos. Neste sentido, a visão de comunicação estará associada ao progresso e a realização da razão. François Quesnay, integrante da escola fisiocrata, procura apreender o circuito do mundo econômico como um sistema baseado na circulação do sangue, o que permite ver a circulação da riqueza numa visão macroscópica de uma economia de ‘fluxos’.
Outro conceito importante é de rede, isto é, idéia desenvolvida a partir do pensamento de um sistema orgânico concebido como um ‘tecido’ ou justaposição que cria redes. O pensamento de ‘rede’ vai ser concebido junto ao um movimento de reorganização social que vai ter como modelo a ‘indústria’ e da engenharia.
Outra noção relevante de uma análise dos sistemas de comunicação é a de desenvolvimento. A história é pensada como a sucessão de três estados: teológico ou fictício, metafísico ou abstrato, e positivo ou científico. Este último caracterizado pela sociedade industrial, da organização, da ciência. Portanto, esta história é concebida como uma história linear, sem retornos, sem desvios, comandada por uma idéia de progresso contínuo.
1.2_A Ges tão das Multidões
Com o rápido crescimento técnico de algumas sociedades ocidentais a partir do século XVIII, elabora-se a natureza desta nova sociedade anunciada pelas multidões na cidade. E em torno dessa situação surge a problemática da ‘sociedade de massas’ . Esta problemática nasce também da ameaça potencial para a sociedade deste conjunto indistinto e heterogêneo de pessoas, o que justifica para mecanismos de controle estatístico dos fluxos judiciários e demográficos. E então após a implantação do fordismo na década de 1920, a década seguinte exprimirá este projeto de comunicação de massa. Com este processo também se iniciam os estudo de ‘psicologia das massas’ e a obra do sociólogo italiano Sighele, A massa criminosa,
será a base para o desenvolvimento de uma lógica em que os indivíduos perderiam suas individualidades, e seriam apenas autômatos conduzidos por uma massa. Até 1921, Freud contesta os axiomas da psicologia das mass as. Ele critica a ‘tirania da sugestão’ como explicação mágica de transformação do indivíduo. Freud também justifica a influência da massa sobre o indivíduo como sendo esta ‘influência’ seja na verdade uma
necessidade do indivíduo estar de acordo com o grupo. 2_Os Empirismos do Novo Mundo
A partir da década de 1910, a comunicação nos Estados Unidos encontra-se ligada ao projeto de construção de uma ciência social de bases empíricas. E a Escola de Chicago é sua sede. A ciência tem o papel de resolver os grandes desafios sociais. A supremacia desta escola dura até a Segunda Guerra Mundial que será substituída por outra corrente, Mass Communication Research , que desloca as pesquisas para medidas quantitativas, mais aptas a responder à exigência proveniente dos administradores da mídia. 2.1_A Escola de Chicago e a Ecologia Humana
Entre os membros da Escola de Chicago, uma figura se destaca, a de Robert Ezra Park. Autor de uma tese de doutorado sobre ‘a massa e o público’, seguidor de Sim mel que interroga a cidade como ‘laboratório social’ com os seus signos de desorganização, de
marginalidade, de assimilação consagradas à questão da imigração na sociedade norteamericana. É a partir dessas comunidades étnicas que Park se interroga sobre a função assimiladora dos jornais e sobre a natureza da informação. E assim Park concebe a idéia de ‘ecologia humana’ que é uma tentativa de entender as
comunidades humanas através de um esquema teórico vegetal e animal. Park realiza uma divisão para entender as sociedades, num nível da sociedade caracterizado pelo espaço de luta e de competição, ou o nível biótico da organização humana. E num segundo nível há uma superestrutura que se impõe como instrumento de controle e de direção, ou seja, o nível cultural. E neste nível que a comunicação e o consenso (ordem moral) tem a função de regular a competição, permitindo aos indivíduos compartilhar uma experiência de sociedade. 2.1.1_Diversidade e Homogeneidade
A metodologia etnográfica (monografias de bairros, obsevação participante e análise de história de vida) proposta para estudar as interações sociais encontram-se na base de uma microssociologia que parte das manifestações subjetivas do ator. A opção etnográfica é comandad por uma concepção do processo de individualização da construção do self . O indivíduo é capaz de uma experiência singular, única, que traduz sua história de vida, sendo ao mesmo tempo submetido às forças de nivelamento e homogeneização do comportamento. 2.2_A Mass Communication Research
A primeira peça do dispositivo da Mass Communication Research é a publicação do livro de Laswell Propaganda Techniques in the World War , que retira as lições da Primeira Guerra Mundial como uma guerra em que os meios de comunicação apareceram como inst rumentos indispensáveis para a ‘gestão governamental das opinões’, tanto de populações aliadas como de inimigas. E segundo Laswell, a
propaganda entra em consonância com a democracia, pois ele se torna o único meio de suscitar a adesão das massas, e é mais econômica que a violência, a corrupção e outras técnicas de governo desse gênero. A audiência é vista como um alvo amorfo que obedece cegamente ao esquema estímulo-resposta, ou seja, é pensado como um modelo de ‘agulha hipodérmica’ , termo criado por Laswell para designar os impactos direto e indiferenciado sobre o indivíduo. Esta teoria encontra base na teoria behavorista de Pavlov. Esta teoria preocupa-se com questões de propaganda, opinião pública, negócios de Estado e eleições. E a partir dos anos de 1930 desenvolvem-se as sondagens de opinião como ferramentas das questões públicas. E a teoria de Laswell pode ser resumida na seguinte fórmula: Quem diz o quê por que canal e com que efeito? Além disso, o programa desta teoria basea-se na análise dos efeitos e, em estreita correlação dos conteúdos que são pensados como elementos que orientam sua abordagem do público. E o processo de comunicação cumpre três funções principais na sociedade. A primeira função é a vigilância da sociedade, revelando qualquer ameaça do sistema de valores de uma comunidade; a segunda função é o estabelecimento de relações entre os componentes da sociedade para produzir uma resposta ao meio; e o outro compromisso é transmissão da herança social. Após Lazarsfeld e Menton acrescentam mais uma função que é do entertainment ou diversão. E tanto Lazarsfeld como Menton são dois importantes pesquisadores da Mass Communication Research , após Lazarsfeld distancia-se da tradição dos pensadores da Escola de Chicago e traz um movimento de fundo nas ciências sociais nos Estados Unidos. O que vai refletir no pensamento do ‘duplo fluxo de comunicação’ , que aponta a comunicação como um processo de duas etapas na qual ‘os líderes de opinião’ se
revela decisivo. Fundada, inicialmente, na crença na onipotência da mídia, a Mass Communication Research não cessará de relativizar seus efeitos sobre os receptores, mas jamais voltará a pôr em questão a visão instrumental da teoria de Laswell. 3_A Teoria da Informação
Na dinâmica da transposição dos modelos de cientificidade próprios às ciências exatas, a teoria matemática da comunicação ocupa, a partir dos anos de 1940, um papel decisivo. O modelo matemático resulta na noção de ‘informação’, como símbolo
quantificável. E assim, nasce o modelo formal de Shannon que propõe o problema da comunicação consistiria em ‘reproduzir em um ponto dado, de maneira exata, uma mensagem selecionada em outro ponto’ . Neste esquema a comunicação repousa sobre os seguintes elementos a ‘fonte’ (de informação), que produz uma mensagem (a palavra no telefone), o ‘codificador’ ou o ‘emissor’, que transforma a mensagem em sinais a fim de torná -la transmissível (o telefone transforma a voz em oscilações elétricas), o ‘canal’ (meio utilizado para transportar os sinais, o cabo tele fônico), o ‘decodificador’ ou o ‘receptor’ (que reconstrói a mensagem através de sinais) e o ‘destinação’ (pessoa à qual a mensagem é
transmitida). O objetivo de Shannon é delinear o quadro matemático no interior do qual é possível quantificar o custo de uma mensagem entre dois pólos emissores desse sistema, em presença de perturbações aleatórias, denominadas ruídos, indesejáveis porque impedem a plena correspondência entre dois pólos. E assim, quanto menor for o ruído mais econômicas serão as mensagens.
Além disso, o surgimento da noção de informação é indissociável às pesquisas biológicas. Pois para formular sua teoria, Shannon tomou emprestado da biologia do sistema nervoso. Por sua vez, a teoria matemática da comunicação forneceu aos especialistas em biologia molecular um quadro conceitual para dar conta desta especificidade da biologia. Dentro deste processo de formulação da teoria matemática da comunicação, desenvolve-se o sistemismo que tem pretensões de apreender a complexidade dos sistemas como conjuntos dinâmicos de relações múltiplas e cambiantes. E a ciência política torna-se um dos primeiros campos de aplicação do sistemismo às problemáticas da comunicação de massa. Na França, Abraham Moles, engenheiro e matemático, situa seu projeto teórico da ‘ecologia da comunicação’ sob o signo tanto da teoria matemática de Shannon como das
análises de Norbert Wiener. Nesta teoria da ecologia da comunicação, a comunicação é definida como a ação de fazer participar um organismo ou sistema situado num ponto R das experiências e estímulos do meio de um outro indivíduo ou sistema situado em outro local e em outro tempo, utilizando elementos de conhecimento que possuem em comum. A ecologia da comunicação é, portanto, a ciência da interação entre espécies diferentes no interior de um dado campo. No mesmo ano em que Shannon publica sua teoria, seu ex-professor, Norbert Wiener, publica Cybernertics or Control and Communication in the Animal and Machine . Neste livro, Wiener entrevê a organização da sociedade do futuro com base na nova matéria prima, que logo irá se tornar a seu ver a ‘informação’.
E a informação sob a ótica de Wiener deve poder circular e que a sociedade organizada sob a informação só pode existir sob a condição de troca sem barreiras. Ela é incompatível com o embargo ou com a prática do segredo, com as desigualdades de acesso à informação e sua transformação em mercadoria. E Wiener será importante na media em que será a base na qual a Escola de Palo Alto vai se fundar. Esta escola inicia-se em 1942, impulsionada pelo antropólogo Gregory Bateson, que se associa a Birdwhistell, Hall, Goffman, Watzlawick. A Eescola de Palo Alto ou ‘colégio invisível’ vai se afastar do modelo linear sustentado pela teoria
matemática e propõe que a comunicação deve ser estudada pelas ciências humanas a partir de um modelo próprio. Pois segundo os integrantes da Escola de Palo Alto, ‘a
complexidade da menor situação de interação que seja é tal que é inútil querer reduzi-la a duas ou mais variáveis trabalhando de maneira linear. É em termos de nível de complexidade, de contextos múltiplos e sistemas circulares que é preciso conceber a comunicação. (Winkin, 1981). Nesta visão circular da comunicação, o receptor tem tanta importância quanto o emissor. E todo o comportamento humano possui um valor comunicativo. A análise do contexto se sobrepõe a do conteúdo. Se se concebe a comunicação como um processo permanente em vários níveis, o pesquisador para apreender o surgimento da significação deve descrever o funcionamento de diferentes modos de comportamento num dado contexto.
4_Indústria Cultural_Ideologia_Poder
A sociologia funcionalista concebia os meios de comunicação como instrumentos de regulação da sociedade e nesse contexto só poderiam reproduzir os valores do sistema social. E as escolas de pensamento crítico vão se interrogar sobre o desenvolvimento dos meios de produção e transmissão cultural, e inspirados num marxismo. E na época da República de Weimar, alguns intelectuais entre os quais Horkheimer fundam o Instituto de Pesquisa Social vinculado a Universidade de Frankfurt, e com a ascensão ao poder de Hitler, Horkheimer é destituído da direção e outros membros judeus. Entretanto, os pesquisadores alemães acabam exilados e recebem oportunidade de continuar pesquisando na Universidade de Columbia nos Estados Unidos. Adorno responde ao convite de Lazarsfeld que lhe oferece colaboração em um programa de pesquisa sobre os efeitos culturais dos programas musicais no rádio, no âmbito do Princeton Office os Radio Research, uma das primeiras instituições permanentes de análise dos meios de comunicação, este projeto é financiado pela Fundação Rockfeller. A colaboração termina em 1939, quando Adorno recusa-se a dobrar-se à lista de questões proposta pelo financiador, pois estas questões impedem uma análise desse sistema, suas conseqüências culturais e sociológicas e seus pressupostos sociais e econômicos. Em seu estudo sobre os programas musicais no rádio, Adorno criticara o estatuto da música, rebaixado ao estado de ornamento da vida cotidiana, denunciando o que ele chama de ‘felicidade fraudulenta da arte afirmativa’. Em meados dos anos de 1940, Horkheimer e Adorno criaram o termo ‘indústria cultural’ que designa a produção
industrial de bens culturais como movimento global, isto é, a produção da cultura como mercadoria. A indústria cultural fornece bens culturais padronizados para satisfazer às numerosas demandas. A indústria cultural representa a derrocada da cultura, sua queda como mercadoria. A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele dissolve os traços de uma experiência autêntica. Outro membro importante da Escola de Frankfurt é Walter Benjamin que escreve um texto basilar para a discussão da indústria cultural, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, escrito em 1933, em que reconhece o princípio da reprodução ( e mostra muito bem em que medida uma arte como o cinema só tem razão de existir no estágio da reprodução, e não na produção única) torna obsoleta uma velha concepção de arte que ele chama da ‘aurática’.
Depois da guerra, Adorno e Horkheimer voltam à Alemanha em 1950, quando reabrem o Instituto. Dois membros famosos permanecem nos Estados Unidos, Leo Löwental e Herbert Marcuse. Sem dúvida alguma Marcuse a figura de maior destaque da Escola de Frankfurt nos anos de 1960. Sua obra mais importante é O homem unidimensional que exerceu influência direta na luta ideológica na época. Crítico da cultura e da civilização burguesa, mas também das formações históricas da classe operária. Segundo Marcuse, a racionalidade técnica e a razão instrumental reduziram o discurso e o pensamento a uma dimensão única, que promove o acordo entre a coisa e a função, entre a realidade e a aparência, a essência e a existência.
4.1_Habermas
Herdeiro dessa corrente crítica, o filósofo alemão Jürgen Habermas desenvolve em resposta a Marcuse, a sua própria teoria da racionalidade técnica, em A técnica e a ciência como ideologia (1968). Seis anos antes escreveu O espaço público. Arqueologia da publicidade como dimensão constitutiva da sociedade burguesa , que constitui o pano de fundo necessário de suas teses sobre a ‘racionalização’. Habermas vê no seu livro O espaço público um declínio do espaço público, entendido como um espaço de opinião pública que se desenvolveu na Inglaterra ao final do século XVII e na França no século seguinte. O especo público é compreendido como um espaço de mediação entre Estado e sociedade, que permite a discussão pública em um reconhecimento comum da força da razão e a riqueza da troca de argumentos entre indivíduos, confronto de idéias entre pessoas esclarecidas. Nesse sentido, o princípio da publicidade define-se como o ato de dispor à opinião pública os elementos da informação que dizem respeito ao interesse geral. O desenvolvimento das leis de mercado na esfera da produção cultural põe no lugar dessa argumentação, desse princípio de publicidade e dessa comunicação pública formas de comunicação cada vez mais inspiradas em um modelo comercial de ‘fabricação da opinião’. Assim, Habermas vê neste fenômeno uma ‘refeudalização da sociedade’.
Habermas reflete sobre a decadência do político, do qual o Estado-sujeito se faz agente, reduzindo os problemas a seu aspecto técnico, derivado a uma administração racional. Desse ponto, a resolução encontra-se na restauração de formas de comunicação num espaço público estendido ao conjunto da sociedade. 4.1.2_Apocalípticos e Integrados
Quando Umberto Eco lança o livro, Apocalípticos e Integrados, em 1964, no qual resume a clivagem que separa detratores e partidários da cultura de massa. Apocalípticos são os que vêem nesse novo fenômeno uma ameaça de crise para a cultura e para a democracia. Integrados são os que se rejubilam com a democratização ao acesso do s ‘milhões’ a essa cultura do lazer. 4.2_O Estruturalismo
Uma teoria lingüística Os três cursos de lingüística que Ferdinand Saussure (1857-1913) ministra entre 1906 e 1911 na Universidade de Genebra são reconhecidos como fundadores dos métodos dessa teoria. Para o lingüista suíço, a língua é uma instituição social, enquanto a palavra é um ato individual. Enquanto instituição social, a língua é um sistema organizado de signos que exprimem idéias; representa o aspecto codificado da linguagem. A lingüística tem por tarefa estudar as regras desse sistema organizado por meio dos quais ele produz sentido. A linguagem pode ser segmentada, logo, analisada; trata-se de descobrir as oposições, as diferenças que permitem a uma língua funcionar. Saussure sonhou com uma ciência geral de todas as linguagens, de todos os signos sociais. ‘Podemos conceber’, escrevia em seu Curso de lingüística geral, ‘uma ciência
que estude a vida dos signos no interior da vida social... nós a chamaremos de
semiologia
(do grego semeion, signo). Depois caberá a Roland Barthes (1915-1980) aceitar o desafio. Em um artigo-manifesto que fixa as grandes linhas desse projeto, intitulado ‘Elementos de semiologia’ publicado na revista Communications (1964), ele dá esta definição: A semiologia tem por objeto todo sistema de signos, qualquer que seja sua substância, quaisquer que sejam seus limites: as imagens, os gestos, os sons melódicos, os objetos e os complexos dessas substâncias que encontramos em ritos, protocolos ou espetáculos constituem, se não ‘linguagem’, ao menos sistemas de significação. Barhes ordena os elementos fundamentais desse projeto, válidos para a lingüística e para as ciências que nela se inspiram, sob quatro rubricas: 1. Língua e palavra, 2. Significante e significado, 3. Sistema e sintagma, 4. Denotação e conotação. E para o estudo do discurso da mídia, dois desses binômios revelam-se particularmente importantes: significante-significado e denotação e conotação. Cada signo apresenta um duplo aspecto: um perceptível, audível (o significante), outro, contido no precedente, trazido por ele (o significado). Entre estes dois elementos passa a relação de significação. Quanto à distinção entre denotação-conotação, é retomada em termos prático-mítico pelo lingüista de origem lituana Algirdas-Julien Greimas (1917-1992), e se impõe quando a análise estrutural se esforça por englobar e sistematizar todos os fatos que vão além da linguagem primeira ou básica (Greimas, 1966). Toda forma de ideologia passa por essa linguagem segunda da conotação, descolada em relação àquela, primeira, da denotação. E Roman Jakobson, de origem russa, foi o primeiro lingüista a utilizar o termo ‘estrutura’, no congresso dos filólogos eslavos, realizado em Praga em 1929. A língua é
um sistema que só reconhece sua própria ordem. O esquema de toda a comunicação apresenta seis elementos constitutivos e responde a seis funções. O emissor determina a função expressiva; o destinatário, a função conativa; a mensagem, a função poética (que engloba as grandes figuras da retórica); o contexto determina a função referencial; o contato, a função fática, que tende a verificar se a escuta do destinatário efetivamente se estabeleceu; o código, a função metalingüística, que incide sobre a linguagem tomada como objeto. O modelo de comunicação formulado por Jakobson articula-se sobre a teoria matemática da informação. Em 1957, Barthes em seu livro, Mitologias, enfatiza a importância do ‘desenvolvimento da publicidade, da imprensa que tornam mais urgente do que nunca a constituição de uma ciência semiológica. Em 1960, é criado o Centro de Estudos de Comunicações de Massa (CECMAS) no interior da Escola Prática de Altos Estudos. Fundado por iniciativa do sociólogo Georges Friedmann, esse centro representa a primeira tentativa de constituir na França um círculo e uma problemática de pesquisa em comunicação. Seu programa consiste na análise das relações entre a sociedade global e as comunicações de massa, que se integram funcionalmente a ela. Seu objetivo é remediar a atraso da pesquisa francesa em uma área em grande parte dominada pela análise funcional americana e a carência de uma perspectiva transdisciplinar. Neste projeto unem-se Edgar Morin e Roland Barthes. Cada um deles representa campos e orientações de pesquisas próprios. Barthes é o único a se situar no campo do estruturalismo. Ele conduz um grupo de pesquisa sobre o estatuto simbólico dos fenômenos culturais, enquanto Friedmann se dedica aos problemas da civilização tecnicista, e Morin foi um dos primeiros a trabalhar com o conceito de indústria cultural na França. As pesquisas no CECMAS definem-se como uma sociologia do presente.
Em torno desse centro gravitam personalidades tão diversas quanto Julia Kristeva, Abraham Moles, Christian Metz, Eliseo Veron, A. J. Greimas. Publicado em 1967, La société du spetacle, de Guy Debord (1931-1994), marca o ponto extremo da crítica da sociedade de abudância. A obra basei-se nas idéias de que o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, midiatizada por imagens. Além disso, considera que o espetáculo não pode ser compreendido como abuso de um mundo da visão, produto das técnicas de difuão massiva das imagens. Debord acredita também que a sociedade portadora do espetáculo não domina as regiões subdesenvolvidas apenas por sua hegemonia econômica. Ela as domina como sociedade do espetáculo.
Seguindo na linha de crítica a cultura ocidental na modernidade. Publicado em 1975, Vigiar e Punir de Foucault renova radicalmente a análise dos modos de controle social: a ‘disciplina- bloco’, feita de proibições, bloqueios, clausuras, de hierarquia e ruptura de comunicação, e a ‘disciplina- mecanismo’, feita de mecanismos de vigilância múltiplas e entrecruzadas, de procedimentos flexíveis, funcionais de controle mediante a interiorização pelo indivíduo de sua exposição constante ao olho de controle. As teses de Foucault permitem identificar os dispositivos da comunicação-poder em sua forma organizacional propriamente dita. 4.3_Cultural Studies
A cultura do pobre O surgimento de uma hierarquização das formas culturais não demorou a preocupar os intelectuais britânicos. A divisão tripartite da cultura (refinada, medíocre, brutal) aparece, na verdade, nos escritos do inglês Matthew Arnold em seu livro, Culture and Anarchy, publicado em 1869. A corrente que irá se desenvolver nos anos de 1960 e 1970 sob o nome de Cultural Studies tem sua origem nos estudos de crítica literária de Frank Raymond Leavis (18951978) publicado nos anos de 1930. A idéia de Leavis é a de que o desenvolvimento do capitalismo industrial e suas expressões culturais tem efeito pernicioso sobre as diversas formas da cultura tradicional, tanto do povo como da elite. Leavis reúne-se com seu grupo em torno da revista Scrutiny, fundada em 1932, que pretendia utilizar a escola o conhecimento dos valores literários. Em 1957, Richard Hoggart publica The Uses of Literacy (traduzido para o francês com o título de Culture du pauvre) no qual descreve as transformações do modo de vida e das práticas da classe operária. Em 1964, a obra de Stuart Hall e Paddy Whannel, The Popular Arts, encerra esse período que viu as análises desses diferentes autores atendendo a uma demanda proveniente da escola. No mesmo ano, é fundado, na Universidade de Birgmingham, o Centre of Contemporary Cultural Sudies (CCCS), centro de estudos em nível de doutorado sobre as formas, as práticas e as instituições culturais e suas relações com a sociedade e a transformação social. Richard Hoggart é o primeiro diretor. Em 1972, cria a revista Working papers in cultural studies . Múltiplas influências enriquecem essa matriz conceitual. Primeiro, o interacionismo social da Escola de Chicago, que vai ao encontro da preocupação de certos pesquisadores do centro em trabalhar numa dimensão etnográfica e analisar valores e significações vividas pelos diferentes grupos. Em busca de um marxismo heterodoxo, relêem os estudos do filósofo húngaro Georg Lúkacs, e do filósofo e teórico da
literatura russa, Mikhael Bakhtin, assim como suas análises históricas das expressões da cultura popular. Todas essas influências serão objeto de uma apropriação crítica. A originalidade do centro e da problemática dos Cultural Studies na época consiste em obter reunir grupos de trabalho em torno de diferentes áreas de pesquisa (etnografia, media studies, teorias da linguagem e subjetividade, literatura e sociedade) e vincular seus trabalhos a questões suscitadas por movimentos sociais, em especial ao feminismo. 4.3.1_Rumo ao Estudo da Recepção
O artigo de Stuart Hall, Enconding/Decoding, redigido por volta de 1973, examina o processo dee comunicação televisiva segundo quatro momentos distintos (produção, circulação, distribuição, consumo, reprodução) que apresentam suas próprias modalidades, suas próprias formas, mas articulam-se entre si e são determinadas por relações de poder institucionais. Neste sentido, há um processo de configuração de pesquisas que acentuam o estudo das audiências em detrimento ao de textos.
5_Economia Política
A economia política da comunicação começa a se desenvolver nos anos de 1960. Assume de início a forma de um questionamento sobre o desequilíbrio dos fluxos de informação e produtos culturais entre países situados de um lado e outro da linha demarcatória do ‘desenvolvimento’. Trata -se de investigar a complexidade dessas diversas indústrias culturais para tentar compreender o processo crescente de valorização das atividades culturais pelo capital. 5.1_A Dependência Cultural
Devido a uma expansão da economia capitalista e de um economicismo que integrava o desenvolvimento a um modelo evolutivo, na qual o desenvolvimento partiria de uma série de etapas, mas em oposição a esta visão mecânica de desenvolvimento historiadores e economistas contrapõem com um modelo sincrônico e simultâneo. E que a unidade de análise do capitalismo não pode ser a sociedade nacional,mas o sistemamundo, do qual as nações são meros componentes. Essa hipótese de economia-mundo vai ao encontro da formulação do historiador Immanuel Wallerste in possui. A idéia de economia-mundo define-se segundo uma tripla realidade: um espaço geográfico dado, a existência de um pólo, de zonas intermediárias e de margens bastante amplas, que na divisão internacional do trabalho encontram-se subordinadas e dependentes da necessidade do centro. 5.1.2_O Imperialismo Cultural
A nova visão do espaço mundial leva a uma renovação do estudo das relações internacionais em matéria de cultura e comunicação. Suscita inúmeras pesquisas que exemplificam a troca desigual dos diversos produtos culturais. A questão da dependência cultural alimenta a reflexão de um pesquisador como Herbert Schiller. Sua primeira obra, Mass Communications and American Empire, publicada em 1969,
inaugura uma longa série de pesquisas que, a partir da análise da imbricação entre o complexo militar-industrial e a indústria da comunicação, resultam numa vasta denúncia da crescente privatização do espaço público nos Estados Unidos. No mesmo ano, Thomas Guback, professor da Universidade de Illinois, publica The International Film Industry, que se tornou um clássico da análise das estratégias de penetração das grandes firmas cinematográficas americanas nos mercados europeus desde 1945. Um conceito que trouxe contribuição a pesquisa d e economia política foi o de ‘imperialismo cultural’, considerado como o conjunto de processos pelos quais a sociedade é
introduzida no sistema moderno mundial, e a maneira pela qual sua camada dirigente é levada a moldar as instituições sociais para que correspondam aos valores e estruturas do centro dominante do sistema. A América Latina aparece na vanguarda nesse gênero de estudos é porque ali se desencadeiam processos de transformação que abalam as velhas concepções e também porque o desenvolvimento da mídia é atuante do que nas outras regiões do Terceiro Mundo. E na América Latina em que se produzem uma crítica radical das teorias da modernização aplicadas à difusão de informação. 5.2_A Diversidade da Mercadoria
Na metade dos anos de 1970, surge um segundo foco de economia política da comunicação. A questão das indústrias culturais ocupa o lugar central, e os pesquisadores franceses assumem lugar de destaque. A economia política pretendia suprir as carências da semiologia da primeira geração, atenta antes de mais nada aos discursos como conjunto de unidades fechadas sobre si mesmas e que contêm os princípios de sua construção. Neste período surgem pesquisadores como: Bernard Miège com sua obre Capitalisme et Industries Culturelles , na qual o autor interroga-se sobre os problemas específicos que o capital encontra em produzir valor a partir de arte e da cultura e das lógicas para produção. Também é importante o nome de Patrice Flichy que em seu Les industries de l’imaginaire, em que aborda a formação dos usos sociais das máquinas de comunicar, a transformação das inovações tecnológicas em mercadorias, renovando desse modo as bases de uma história técnica. Nos anos de 1970, acumulam-se nos grandes países industriais os relatórios oficiais sobre o futuro d a ‘sociedade da informação’. Há um processo no qual a comunicação assume uma definição mais globalizante, mesclando tecnologias múltiplas destinadas a estruturar uma nova sociedade. Neste sentido, o relatório A informatização da sociedade de Simon Nora e Alan Minc propõe apostar nas novas tecnologias da informação e da comunicação para sair da crise econômica e política. Graças a um novo modo global de regulação da sociedade deveria recriar uma ágora informacional, ampliada para as dimensões da nação moderna. 6_O Retorno do Cotidiano
Em reação às teorias estruturais-funcionalistas que por muito tempo dominaram a cena sociológica, progressivamente se afirmaram metodologias que consagravam outras unidades de análise, a pessoa, o grupo social, as relações intersubjetivas na experiência da vida cotidiana. Essas metodologias fizeram ressurgir debates sobre o risco de reificar os fatos sociais, sobre o papel do ator em relação ao sistema e o grau de autonomia das audiências diante do dispositivo de comunicação.
6.1_O Movimento Intersubjetivo
As correntes reunidas sob o termo de sociologias interpretativas (interacionismo simbólico, fenomenologia social, etnometodologia) que se desenvolveram a partir dos anos de 1960 nos países anglo-saxões, uma sociologia preocupada com os microprocedimentos e as sociologias estruturais. E este interacionismo e etnometodologia encontram na obra de Georg Simmel e de Herbert Mead, elementos de base e de uma superação da teoria parsoniana. A etnometodologia tem por objetivo o estudo do raciocínio prático do senso comum em situações comuns de ação. Portanto, analisa as atividades do dia-a-dia como sendo métodos dos membros para tornar essas mesmas atividades visíveis-racionais-relatáveis ara fins práticos ou descritíveis como organização das atividades cotidianas ordinárias. A
‘análise
da
conversação’
é
(Sacks,1963)
um
componente
importante
da
etnometodologia. Lugar privilegiado das trocas simbólicas, a conversa é abordada como ação, não mais para estudo da língua, mas como prática lingüística, para que se compreenda como os locutores constroem as operações dessa forma predominante de interação social. A etnometodologia inspira-se em grande parte na obra do filósofo e sociólogo austríaco Alfred Schütz que, exilado nos Estados Unidos nos anos de 1940, dedicou-se ao estudo dos fundamentos do conhecimento da vida cotidiana. A etnometodologia emprega o conceito de Schütz de ‘estoque de conhecimento’, isto é, o mundo social é interpretado
em função de categorias e construções do senso comum, que constituem os recursos pelos quais recorrem os atores sociais para alcançar uma compreensão intersubjetiva e para conseguir orientarem-se uns em relação aos outros. Herbert Blumer inaugura o ‘interacionismo simbólico’, assumindo uma herança de
Mead. E em 1969, Blumer resume as três premissas do interacionismo simbólico. Blumer adota como objetivo do estudo a interpretação, por parte dos atores sociais, dos símbolos nascidos de suas atividades interativas, a segunda premissa é que seres humanos agem em relação às coisas com base nas significações que elas têm para eles. A terceira premissa que essas significações são utilizadas em, e modificadas por meio de, um processo de interpretação realizado pelo indivíduo em relação com as coisas que ele encontra. As sociologias interpretativas têm sua legitimidade estabelecida nos Estados Unidos, uma vez vencida as resistências do funcionalismo, cujos sinais de crise surgem no final dos anos de 1960. Essas correntes desenvolveram, principalmente, nos países anglosaxões e de língua alemã. E o sociólogo britânico Anthony Giddens foi um dos raros pensadores a defender precocemente os trabalhos de etnometodologia. E percebia que nesta nova teoria poderiam apresentar a superação as clivagens indivíduo/sociedade, estrutura/prática e micro/macro. A etnometodologia retoma a noção de ‘jogos de linguagem’ de Ludwig Wittgenstein. Segundo Wittgenstein, a linguagem não é mais uma mera representação das estruturas formais, mas no uso prático que dela se faz na vida cotidiana. O usuário/sujeito é um determinante chave da linguagem. O jogo da linguagem é essa linguagem em uso da interação social. 6.1.2_O Agir Comunicativo de Habermas
Se a reviravolta lingüística dos anos de 1960 afetou as sociologias interpretativas, afetou também a sociologia da ação. O que se fez sentir em Jürgen Habermas que retrabalhando as contribuições parsonianas, elaborou em 1981, uma sociologia do agir
comunicativo.
Ação e interação não são mais vistas unicamente como produção de efeitos de sentido, mas analisadas como associadas as tramas de trocas simbólicas e contextos lingüísticos. As atitudes, as opiniões que acompanham a ação não podem por si mesmas explicar a realidade. Assim Habermas propõe estudar as redes de interação em uma sociedade constit uída por relações comunicativas, a ‘união na comunicação de sujeitos opostos’. Habermas contrapõe outros modos de ação ou de relações com o mundo a seus próprios critérios de validade: a ação objetiva e cognitiva que se impõe dizer a verdade, ação intersubjetiva que visa à correção moral da ação, a ação expressiva que supõe a sinceridade. Ele identifica a crise da democracia como devida ao fato de os dispositivos sociais, que deveriam facilitar as trocas e o desenvolvimento da racionalidade comunicativa, ganharem autonomia, de serem administrados como ‘abstrações reais’, fazendo realmente circular a informação, mas entravando a relação comunicativa. 6.2_Etnografia das Audiências
Em reação a lingüística de Saussure e sua definição abstrata e monolítica da língua, Mikhael Bakhtin (1895-1975) contrapunha, em 1929, em Marxismo e filosofia da linguagem, uma concepção ‘dialógica’ da linguagem, que levava as expressões
concretas dos indivíduos em contextos sociais específicos. A linguagem só pode ser apreendida por causa de sua orientação em direção ao outro. Segundo Bakhtin, as palavras são multiacentuadas e não de sentido fixo: são sempre as palavras de um ser humano particular para outro, e esse contexto prático orquestra e transforma seu sentido. Então, as avaliações de um discurso e as respostas individuais a um enunciado estão longe de ser uniformes. Estão em constante transformação histórica e subjetiva.
A pesquisa literária encarregou-se, nos anos de 1960, a explorar a temática do leitor e da recepção. Estas pesquisas vão se desenvolver, principalmente, nos países de língua alemã, da escola de Constança em especial. O movimento é lançado pela conferência pronunciada por Hans Robert Jauss (1921-1997), em 1967, que três anos depois assume a forma de livro, Literaturgeschite als Provokation. Jauss inaugura uma abordagem, a estética da influência e da recepção, contrapondo-a à estética da produção e da representação, que, segundo ele, caracteriza tanto a abordagem marxista tradicional como a abordagem formalista. Em 1958, em conferência apresentada no Congresso Internacional de Filosofia, que será a base de seu livro A obra aberta, Umberto Eco ligava essa questão do papel de cocriador do leitor e do receptor à propria transformação da arte e da literatura, que buscam realizar a ‘ambiguidade como valor’, oferecendo obras manifestamente abertas à multiplicidade de significações. ‘Sabe (o autor) que esse receptor interpretará o objeto
perfilando todas as suas ambigüidades, mas não se sente por isso menos responsável por essa cadeia de comunicação. 6.2.1_Cultural Studies e Estudos Feministas
Os anos de 1980 com a publicação da obra, Family Television. Cultural Power and Domestic Leisure de David Morley. Neste livro, Morley explora as interações no interior da telinha, no contexto natural de recepção da televisão que é o universo doméstico. Morley dedica-se, especialmente, à questão das relações de poder entre os sexos, evidenciado pelo uso da televisão e pela recepção dos programas.
Morley vai ao encontro de uma já estabelecida corrente de estudos feministas em que se encontram autoras como a norte-americana Janice Radaway e seu trabalho sobre literatura sentimental e mulheres, da britânica Laura Mulvey e do seu artigo Visual Pleasure and Narrative Cinema que mostra que o cinema de Hollywood identifica o prazer à perspectiva masculina e questiona o fato das espectadoras serem levadas a partilhá-lo, de maneira masoquista. 6.2.2_Uses and Gratifications
A sociologia funcionalista também se abriu, nos anos de 1970, aos estudos etnográficos sobre audiência e recepção mediante a corrente chamada Uses and Gratifications , que se interessa pela satisfação dos usuários, a partir da questão: o que as pessoas fazem da mídia? (Blumler e Kantz, 1975). A corrente dos usos e gratificações aprofundou nos anos de 1980, sua própria noção de leitura negociada: o sentido e os efeitos nascem da interação entre os textos e os papéis assumidos pelas audiências. E explica que a influência da mídia é limitada (seletividade do receptor), não pode ser direta (existem intermediários), não pode ser imediata (o processo de influência requer tempo) (Kantz,1990).
7_O Domínio da Comunicação
A Figura da Rede
A sociedade é definida em termos de comunicação que é definida em termos de rede. A cibernética substitui a teoria matemática da informação. Nos anos de 1960, há o desenvolvimento de uma linha de estudo em comunicação denominada difucionismo de Everret Rogers que cerca de vinte anos depois o próprio autor reveria, na qual substituía o antigo modelo difucionista pela ‘análise da rede de comunicação’. A rede compõe -se de indivíduos conectados entre si por fluxos estruturados de comunicação. Esse modelo implicava procedimentos de pesquisa que consistiam em identificar: 1) grupos de afinidade, chamados bandos (cliques); 2) indivíduos-pontes que ligam os bandos, sendo membro de um bando; 3) indivíduos-ligações que ligam bandos sem ser membro de nenhum. A evolução das técnicas leves de comunicação que se propagava, parecia favorecer esse modelo horizontal, que Rogers propunha. Entretanto, segundo Matterlart a rede serve para fazer esquecer uma sociedade profundamente segregada e para dela propor uma visão harmônica. No momento em que as exclusões se manifestam com força ‘a ideologia da comunicação, o novo igualitarismo pela comunicação cumpre sua função de legitimação (Matterlart, 1986).
7.1_As Ciências Cognitivas
As ciências cognitivas formaram-se nos Estados Unidos nos anos de 1940, com o movimento cibernético contemporâneo do advento da teoria da informação. Esta corrente funda a hipótese segundo a qual a inteligência (incluindo a humana) de tal modo se assemelha a um computador, que a cognição pode ser definida pela computação de representações simbólicas. No centro da hipótese cognitivista está a
maneira de compreender o funcionamento do cérebro como dispositivo de tratamento de informação, que reage de maneira seletiva ao meio, à informação proveniente do mundo exterior. A Inteligência Artificial pensa a organização como um sistema aberto em constante interação com esse meio. Dois biólogos chilenos, Humberto Maturana e Francisco Varela, refutam essa concepção de sistema aberto, desenvolvendo a idéia de autopoiesis e de sistema autopoiético (do grego autos, si mesmo, e poiein, produzir). Um sistema autopoiético organiza-se como uma rede de processos de produção cujos componentes: a) regeneram continuamente por suas transformações e interações a rede que os produziu e b) constituem o sistema como unidade concreta no espaço em que ele existe, especificando o domínio topológico no qual se realiza como rede (Maturana e Varela, 1980). A organização autopoiética implica a autonomia, a circulação, a auto-referência. 7.2_Rumo a um Novo Estatuto do Saber ‘Nossas sociedades entram na era pós-industrial, e as culturas na chamada era pósmoderna’, escrevia em 1979, o filósofo Jean-François Lyotard em A Condição Pós Moderna. Considerado a base social do princípio de divisão, a luta de classes atenua-se
a ponto de perder toda sua radicalidade. Lyotard deduz daí o fim da credibilidade das grandes narrativas e sua decomposição . ‘A função narrativa perde seus functores, o grande herói, os grandes perigos, os grandes périplos e o grande objetivo’. E acrescenta ‘A novidade é que, nesse contexto, os antigos pólos de atração formados pelos Estados nações, partidos, profissões, instituições e tradições históricas perdem seus atrativos.’
A idéia da pós-modernidade ronda a arquitetura, a estética, a literatura e a sociologia desde a década de 1960. No campo da sociologia política o advento do conceito de sociedade pós-industrial foi amplamente preparado pelas teses nitidamente partidárias, como por exemplo, a do fim das ideologias. O crítico norte-americano Frederic Jamenson propõe situar o pós-modernismo, como dominante cultural da lógica do capitalismo avançado, caracteriza-se pelos ‘modelos de profundidade’: o modelo dialético da essência e da aparência e seus conceitos de ideologia e falsa consciência; o modelo existencial de autenticidade, com a oposição entre a alienação e desalienação que o funda. Grande oposição entre significante e significado. Em seu lugar propõe um ‘modelo de superfície’ ou melhor, um ‘model o de superfícies múltiplas’. O mundo constata Jameson, ‘perde sua profundidade e ameaça converter -se numa superfície brilhante, numa ilusão estereoscópica, num fluxo de imagens fílmicas que carecem de densidade’ (Jameson, 1984).