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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Curso de Filosofia História da Filosofia VI - Contemporânea I
A GENEALOGIA DA MORAL FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE
Geraldo Natanael de Lima
Orientador: Profº Valério Hillesheim “... o sacerdote judeu vai se opor aos seus inimigos e dominadores por um ato de vingança estritamente espiritual, uma transmutação dos valores que implode a equação aristocrática entre ‘bom’, ‘nobre’, ‘poderoso’, ‘belo’, ‘feliz’, ‘amado por Deus’. O discurso do sacerdote será mais ou menos assim: os miseráveis são os únicos bons, os nobres e poderosos serão perpetuamente maus, cruéis, avarentos, insaciáveis, eternamente réprobos, malditos, condenados. Esse discurso do sacerdote, nascendo do ódio e sendo apresentado por Nietzsche como um ato de vingança puramente espiritual, remete ao ressentimento”. Carlos Moura, 2005:145
Salvador-Ba Novembro de 2005
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SUMÁRIO
1- Introdução.............................. Introdução................................................... ............................................ ............................................. ......................................... ................... 03
2- Prefácio da Genealogia da Moral...................................................... Moral............................................................................ ......................... ... 04
3- Primeiro ensaio - "Bem e mal" - "Bom e mau".................................................... mau".......................................................... ...... 05
4- Segundo ensaio - A "falta", a má consciência e o que nos afigura............................ 09
5- Terceiro ensaio - Qual é o fim de todo o ideal ascético?............................. ascético?............................................ ............... 13
6- Bibliografia...................................... Bibliografia............................................................ ............................................ ........................................... ............................... .......... 22
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1- Introdução. Esta resenha foi elaborada com base no livro de Friedrich Nietzsche 1, “ A Genealogia da Moral ”, que foi utilizado como pilar fundamental do nosso trabalho, auxiliado por comentadores e outros livros que se encontram na bibliografia relacionada no fim deste trabalho. Como nota de rodapé elaboramos uma breve biografia dos filósofos e personalidades importantes da humanidade e alguns termos que foram mencionadas nesta resenha cujo objetivo é proporcionar de uma maneira didática informações básicas aos interessados. Este estudo é uma produção livre, fruto de argumentos desenvolvidos durante a pesquisa realizada. Como afirmou o editor deste livro, “Nietzsche inaugurou um novo modo de fazer filosofia. A busca do ser e da verdade foi substituída, sem nenhuma cerimônia, pela defesa da beleza e da alegria” (Florido: 2005). Carlos Moura 2 escreveu em uma nota de rodapé que Nietzsche solicitou prudência quando alguém quiser caracterizá-lo, pois ainda não foi descrito: “... com o título de psicólogo, nem com o de escritor (mesmo com o de poeta), nem com o de descobridor de um novo tipo de pessimismo (um pessimismo dionisíaco), nascido dos fortes, que se dá o prazer de carregar nos seu chifres o problema da existência); nem como imoralista (até hoje a mais rica forma de integridade intelectual), que deve tratar a moral como ilusão, depois que ela mesma tornou-se instinto e inevitabilidade)” (Nietzsche a Carl Fuchs, 29 de julho de 1888, apud Carlos Moura, 2005:X). Carlos Moura continua sua investigação e afirma que para Nietzsche, a genealogia é como se fosse uma história sem metafísica, que não busca essências, mas 1
Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão, sempre foi excelente aluno e queria ser pastor protestante como seu pai e seus avós. “Morto o pai e o irmão, cresceu na companhia da mãe, da irmã, de duas tias e da avó” (Florido: 2005). Inquieto, amante das artes e crítico, estudou Filosofia e Teologia, mas se formou em Filologia se dedicando a leitura de Schopenhauer e encaminhando-se para o ateísmo. Rompeu com Richard Wagner que era cristão e continuava a defender os valores tradicionais. Nietzsche transmutou-se, passando a ser contra a moral tradicional e a metafísica, defendendo a união da filosofia com a vida. Lou Salomé recusou sua proposta de casamento e aos 39 anos ele voltou a viver com sua família, perdendo a razão devido à “paralisia progressiva”, “provavelmente de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia” (Ferez & Chauí, 1999:9). 2 Carlos Alberto Ribeiro de Moura é professor de história da filosofia contemporânea no Departamento de Filosofia da FFLCH da Universidade de São Paulo e pesquisador do CNPq. Foi professor colaborador do Departamento de Filosofia do IFCH da Universidade Estadual de Campinas e professor convidado do Departamento de Filosofia da Université de Provence, Aix-en-Provence, França. Publicou “Crítica da Razão na Fenomenologia” (Edusp/Nova Stella) e “Racionalidade e Crise” (Discurso Editorial/Editora UFPR). O livro “ Nietzsche: Civilização e Cultura” teve origem em um curso oferecido aos estudantes do Departamento de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
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é composta por uma sucessão de fatos que não são eternos. No livro “ Genealogia da Moral ” Nietzsche indica que com crescimento da idéia do Deus cristão aumentou o sentimento de dever e de obrigação. Somente com o trunfo completo do ateísmo é que a humanidade poderá se libertar, sendo que “renunciar ao dever é reencontrar o querer, é redescobrir o lugar privilegiado do conceito de ‘vontade’” (Ibidem, 02). A origem dos valores morais nasce como um “conjunto de jogos de dominação” (Ibidem, 116), não tendo uma origem sublime ou metafísica, logo não tem característica de uma verdade absoluta ou eterna. É a luta entre senhor e escravo que para Nietzsche “o senhor reconhece a si mesmo, enquanto o escravo, para reconhecer se, precisa passar antes pela mediação d e seu oposto, o senhor” (Ibidem, 123). Carlos Moura vai mais longe e afirma que: “... a relação que Nietzsche estabelece entre senhor e escravo nunca se confundirá com sua homônima hegeliana, ali na Fenomenologia do espírito. O senhor hegeliano traz as marcas do escravo de Nietzsche, enquanto ele é uma consciência que está em relação consigo mesmo apenas pela mediação de seu outro. A dialética do senhor e do escravo consistirá essencialmente em mostrar que o senhor se revela em sua verdade como o escravo do escravo, o escravo como o senhor do senhor” (Ibidem). Este trabalho terá como objetivo, a elaboração de um texto através de uma análise filosófica, representando a verdade, que foi construída através de uma reflexão do visto e re-significado, respeitando através da metodologia científica, o que foi escrito pelo nosso filósofo.
2- Prefácio da Genealogia da Moral. Nietzsche inicia o prefácio afirmando que os humanos são investigadores do conhecimento, porém desconhecem a si mesmos. Foi assim que na infância se espantou com a questão sobre a origem da idéia do bem e do mal e na sua adolescência elaborou uma solução atribuindo a Deus a paternidade do mal. Já adulto transformou esta origem em uma outra visão sobre esta mesma questão: “... o bem e o mal? E que valor têm em si mesmos? Foram ou não favoráveis ao desenvolvimento da humanidade? São um sintoma funesto de empobrecimento vital, de degeneração? Ou indicam, pelo contrário, a plenitude, força e vontade de viver, o valor, a confiança no futuro da vida?(Ibidem, XI)”
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Nietzsche ressalta que sua questão inicial foi se modificando indo parar na problemática do valor da moral3. Nesse instante ele realiza uma crítica ao seu estimado mestre Schopenhauer 4 que considerava como valores substanciais o altruísmo, a compaixão, a renúncia, a abnegação, sendo que estes valores negam a vida. Nietzsche afirma que: “... compreendia que esta moral de compaixão, a qual ainda aos filósofos infectava, era o sintoma mais perigoso da nossa civilização européia, o sintoma do seu regresso ao budismo, a um budismo europeu, ao ‘niilismo’!” (Ibidem, XIII). Nietzsche acredita que o homem bom e a vida agradável têm o risco de tornar a vida mais mesquinha e mais baixa. Ele finaliza este prefácio citando a sua obra “ Zaratustra” alertando-nos para a necessidade de buscarmos entender e decifrar os aforismos vendados, utilizando a técnica de “ruminar” como os bois, ruminando as palavras e as leituras dignas de “arte”.
3- Primeiro ensaio – “Bem e mal” – “Bom e mau”. No prefácio da obra “ A Genealogia da Moral ” traduzida para o português pela Editora Moraes, os editores consideram que o primeiro ensaio consiste na “Psicologia do Cristianismo” e faz a seguinte síntese afirmando que Nietzsche elabora: “... uma nova exposição da diferença entre a moral dos senhores e a moral dos escravos e mostra como a moral dos senhores se subdivide numa moral guerreira e numa sacerdotal. O guerreiro detém as virtudes do corpo; o sacerdote inventa o espírito... Os sacerdotes são os senhores destronados, que mobilizam contra os guerreiros todos os fracos, todos aqueles que sofrem. Nietsche vê nos judeus o ‘povo sacerdotal’, a encarnação da sublevação dos senhores”. (Editores, Nietzsche, 1985: V).
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Moral: este conceito está ligado para Nietzsche aos valores que foram criados pelos humanos e tiveram origem em um determinado momento e lugar. A genealogia tem a função de identificar esta origem, pois somente assim poderemos conhecer quais os interesses particulares a moral está vinculada e poderemos questioná-la, libertando-nos e transmutando-a com valores realmente ligados à vida e ao homem. 4 Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão irracionalista e romântico. Foi o filósofo que mais influenciou Nietzsche. Conhecido por seu pessimismo entendia o Budismo como uma confirmação dessa visão, fazendo com que Nietzsche criticasse o Budismo como uma doutrina que, insatisfeita com as mazelas do mundo, requer a automortificação em nome de uma moral artificial. Acredito que Nietzsche se inspira no conceito de vontade de Schopenhauer para criar a “vontade de potência”. Para Maria Lucia Cacciola (USP), a vontade para Schopenhauer é um querer viver contínuo, que afirma a vida e está escrito na “morte” que é a musa da filosofia. A vontade é u ma sucessão de desejos repetitivos que traz contínua dor e momentos de prazer que é a ausência de sofrimento. Sua metafísica é imanente, pois recusa o absoluto e acredita que o querer viver do corpo tem primazia sobre o intelecto e está na parte mais íntima do corpo, quem sabe, no inconsciente.
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Nietzsche afirmou assim, que foram os judeus através do seu ódio ilimitado, inverteram a lógica aristocrática dos valores. Eles transformaram o “bom” que era considerado dos nobres, poderosos, belos, afortunados, amados por Deus em um novo conceito que passa a pertencer aos miseráveis, impotentes, humildes, pobres, os que sofrem, os necessitados, os enfermos, os doentes. Esta é a sublevação dos escravos e o começo do cristianismo, que é para Nietzsche “a moral dos escravos, um sistema de valores, não uma dogmática, uma revelação divina” (Ibidem). Nietzsche inicia o primeiro ensaio da “ A Genealogia da Moral ” afirmando, que os psicólogos ingleses buscaram construir uma história das origens da moral pondo “em evidência a ‘parte vergonhosa’ do nosso mundo interior” (Ibidem, 1). Para nosso autor é necessário entendermos a origem d o conceito “bom” para que possamos compreender a origem da moral. A origem da antítese entre “bom” e “mau” foi determinada pela “raça dominadora e conquistadora dos loiros arianos” (Ibidem, 6), em oposição a uma raça inferior, com cabelos negros. No latim a palavra “malus” significava “negro” e designava o homem plebeu de cor morena, de cabelos pretos e que foram dominados. A palavra “bonus” seria o homem guerreiro que constituía a bondade de um homem da Roma antiga e que correspondia ao homem bom, nobre, puro, de cabelos loiros, pertencente à raça celta e ariana. Primitivamente a palavra “bom” não significava “altruísmo” ou estava ligado à “útil” como afirmou Herbert Spencer 5. Nietzsche verificou que o sentido da palavra “bom” remete a idéia de “distinto”, “nobre” em contraposição à palavra “mau”, “ruim” que na sua origem designava aquilo que estava ligado à “vulgar”, “plebeu”, pobre. A filologia mostrou que a “origem do juízo ‘bom’ não está no suposto beneficiário da ação, mas no próprio nobre, ao considerar-se a si mesmo, sem menção a qualquer utilidade” (Moura, 2005:122). O valor “bom” surgiu assim, no movimento de auto-afirmação dos valores dos nobres. Somente após a guerra dos “Trinta Anos” (1618-1648) entre católicos e protestantes, iniciada na Alemanha e que foi transformada em uma luta européia é que as palavras “bom” e “mau” assumiram definitivamente os novos significados e os valores atuais.
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Herbert Spencer (1820-1903), filósofo inglês e um dos representantes do positivismo. Para Spencer, a filosofia deve ser muito precisa quanto à evolução e deve esclarecer, com base nela, os mais variados problemas. Acreditava também que a evolução é um princípio universal que opera sempre.
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O valor e significado do “bom” para os fracos e escravos não tinha um significado de auto-afirmação, pois surgiu como uma reação aos dominadores, uma inversão de valores dos nobres. Os ressentidos atribuem a palavra “mal” aos fortes e ricos. Esta inversão dos valores originais ocorreu inicialmente com a “vingança dos judeus”, dos antigos escravos, aos seus domin adores através dos sacerdotes malignos e impotentes. As classes sacerdotais converteram os valores morais políticos em religiosos como forma de não serem questionados, pois “a verdade divina estava acima da verdade dos homens”. Com os judeus, há mais de vinte séculos de história atrás, ocorreu a “emancipação dos escravos na moral” e a “moralização dos costumes” e hoje acreditamos que esta é a verdade, pois eles triunfaram completamente. Nosso filósofo vai mais longe e afirma que: “Os judeus, com uma lógica formidável, atiraram por terra a aristocrática equação dos valores ‘bom’, ‘nobre’, ‘poderoso’, ‘formoso’, ‘feliz’, ‘amado de Deus’. E, com o encarniçamento do ódio afirmaram: ‘Só os desgraçados são bons; os pobres, os impotentes, os pequenos, são os bons; os que sofrem, os necessitados, os enfermos, são os piedosos, são os benditos de Deus; só a eles pertencerá a bem-aventurança; pelo contrário, vós, que sois nobres e poderosos, sereis por toda a eternidade os maus, os cruéis, os cobiçosos, os insaciáveis, os ímpios, os réprobos, os malditos, os condenados...’”( Nietzsche, 1985: 9). Com Jesus Cristo6 ocorreu a consolidação da vingança judaica, pois o ódio dos judeus aos dominadores foi transformado em “amor” na sua forma mais sublime, porém contendo os mesmos fins, ou seja, a conquista e a sedução. Jesus levou “aos pobres, aos enfermos e aos pecadores a bem- aventurança e a vitória” (Ibidem, 10). Jesus conseguiu adaptar e transmitir os valores judaicos aos outros povos e foi legitimado através da rejeição do seu próprio povo judeu e consagrado através da sua crucificação, derramando o seu próprio sangue, o sangue do cordeiro de Deus para a salvação da humanidade. Estes fatos históricos conseguiram transformar os ideais ascéticos em ideais nobres. Nietzsche cita um epílogo que um democrata realizou sobre estas idéias, acredito que o criticando: 6
Jesus Cristo (c. 6-4 a.C.-30 d.C.), fundador da religião cristã, nasceu em Belém. Os cristãos acreditam que Ele é o filho de Deus e para a maioria das entidades cristãs é o próprio Deus, enviado a Terra para salvar a humanidade. O nome Jesus, em hebraico, significa Salvador, ou auxílio do Senhor. Seus discípulos o chamavam de Messias, ou o ungido do Senhor. O nome Cristo vem do grego “christos”, que significa o ungido. Maomé, o fundador do islã, via em Jesus um grande profeta e adotou muitas de Suas idéias. Os princípios democráticos de igualdade, responsabilidade e cuidado com os desvalidos devem muito às lições de Jesus sobre amor e fraternidade.
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“... o povo é que venceu; ‘os escravos’, ‘o populacho’, ‘o rebanho’, chamai-lhe como quiserdes, se é aos judeus que se deve, nunca povo algum teve missão histórica mais brilhante. Foram abolidos os amos, triunfou a moral do povo. Se disserdes que foi um veneno, foi um veneno salutar... A Igreja repugnanos, mas não o seu veneno” (Ibidem, 11). Com a “moral dos senhores”, anteriormente o homem europeu era feliz, poderoso, temido, venerado, altivo e sublime. Com a vitória da “moral dos escravos”, as virtudes cristãs o transformaram em um ser medíocre prudente, inofensivo, indiferente, fraco e altruísta. Foi estabelecida assim uma moral utilitária, em que a compaixão, a humildade e amabilidades são qualidades úteis para “tornar mais leve o peso da existência” (Moura, 2005:118). A justiça e vingança passaram a ser responsabilidade de Deus sendo que a humildade e submissão pertencem aos miseráveis que passaram por provações es perando a “felicidade eterna”. Nietzsche afirma que os “fracos querem ser algum dia os fortes; ‘o seu reino’ chegará um dia; e são tão humildes que lhe chamam ‘reino de Deus’” (Nietzsche, 1985:20). Roma via no judeu “um ser ‘convicto de ódio’ contra o gênero humano” (Ibidem, 22), e os judeus, Jesus, Pedro 7 , Paulo8 e Maria9 venceram Roma com a sua moral. Os seus ideais, venceram a última nobreza política com a Revolução Francesa. Napoleão10 com o seu ideal aristocrático e síntese do sobre-humano também foi derrotado.
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São Pedro (xx-67 d.C.), pescador e um dos doze Apóstolos de Jesus Cristo, nasceu em Betsaida, Israel. Seu apelido Pedro dado por Jesus significa em grego, Pedra, simbolizando a fundação da Igreja. Intrépido pregador do Evangelho tornou-se líder da primeira comunidade, foi martirizado e m uma das perseguições aos cristãos, sendo crucificado de cabeça para baixo a seu próprio pedido, por não se julgar digno de morrer como o Senhor Jesus. 8 São Paulo (5-67 d.C.), de início, um perseguidor dos primeiros cristãos. Após uma profunda revelação de Cristo quando se dirigia a Damasco, mudou seu nome para Paulo e tornou-se o pregador mais ardente de Sua mensagem no Mundo Ocidental. De perseguidor a perseguido, sofreu muito pela fé e foi coroado com o martírio, sofrendo morte por decapitação. 9 Virgem Maria (c.22 a.C.-50 d.C.), mãe de Jesus Cristo, mulher humilde do povo hebreu, casou-se com José que pertencente à tribo de Judá e descendente do Rei David, passando a morar em Nazaré, uma aldeia da Galiléia, da qual saiu para submeter-se ao recenseamento em Belém, por ser esta, terra de seu esposo. Na época de Herodes, deu à luz um filho, Jesus. Devido à tirania do rei Herodes, Deus deu ordem a seu esposo mandando que fossem primeiro para o Egito e depois procurando refúgio em Nazaré. Segundo as escrituras, Maria era a virgem e neste estado gerou o Salvador Jesus Cristo. 10 Napoleão Bonaparte (1769-1821), dirigente e Imperador da França a partir de 1799 até 1814. Napoleão tornou-se uma figura importante no cenário político mundial da época conquistando grande parte do continente europeu. Seu sucesso é atribuído ao seu talento como estrategista, e para empolgar os soldados com promessas de riqueza e glória depois de vencidas as batalhas, além de seu espírito de liderança.
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Nietzsche termina este ensaio realizando uma reflexão sobre o papel da filosofia e dos filósofos, com relação aos valores, afirmando que: “Todas as ciências devem preparar ao filósofo a sua tarefa, que consiste em resolver o ‘problema da avaliação’, em determinar a hierarquia dos valores” (Ibidem, 25).
4- Segundo ensaio – A “falta”, a má consciência e o que nos afigura. Os editores de “ A Genealogia da Moral ” afirmam que neste ensaio, Nietzsche realiza uma “Psicologia da Consciência Moral” em que os instintos de crueldade que contempla o mal fazem parte da natureza humana, sendo que a consciência “não é mais do que o instinto da crueldade impedido de se exteriorizar e que por isso se interioriza” (Ibidem, VI). Logo, os instintos perversos impossibilitados de se exteriorizar pela moral e costumes da civilização humana, maltrataram o homem a si próprio e este desesperado tornou-se o inventor da má consciência. Nietzsche começa este ensaio afirmando que o homem é um “animal necessariamente esquecido” (Ibidem, 28), pois o esquecimento é uma força criada pelo humano pela “vontade ativa” de guardarmos impressões, da possibilidade de continuidade do gozo, do querer, ou seja, é uma “memória de vontade”. O homem também está ligado ao “futuro como uma promessa” (Ibidem, 29). A origem desta “responsabilidade” está na “moralização dos costumes” que foi um longo trabalho que ele realizou sobre si mesmo e foi estudado no primeiro ensaio. Entretanto o “indivíduo soberano” é o “indivíduo livre da moralidade dos cost umes, o indivíduo autônomo e supermoral” (Ibidem), independente, com vontade própria, “o homem soberano chama-se a sua ‘consciência’” (Ibidem, 30). Nietzsche neste momento introduz a pré-história do homem e a sua “mnemotécnica” que consistia no ensinament o e na criação de uma memória, uma recordação necessária para seu povo fixar certas idéias e afirma que quando: “... o homem julgava necessário criar uma memória, uma recordação, não era sem suplícios, sem martírios e sacrifícios cruentos; os mais espantosos holocaustos e os compromissos mais horríveis (como o sacrifício do primogênito), as mutilações mais repugnantes (como a castração), os rituais mais cruéis de todos os cultos religiosos (porque todas as religiões foram em última análise sistemas de crueldade), tudo isto tem a sua origem naquele instinto que soube descobrir na dor o auxílio mais poderoso da memória” (Ibidem, 31).
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O ascetismo 11 nasceu e se criou neste domínio e o rigor das leis penais que permitiram “manter presentes na memória destes escravos das paixões e dos desejos algumas exigências primitivas da vida social” (Ibidem). Nietzsche cita alguns castigos realizados na sociedade pacífica alemã para fixar a memória e fazê-la encontrar a razão tais como: “... a roda (invenção germânica), o supl ício da forca, o esmagamento sob os pés dos cavalos, o emprego do azeite ou do vinho para cozer o condenado (isto ainda no século XIV e no século XV), o arrancar os peitos, o expor o malfeitor untado de mel sob um sol ardente às picadas das moscas” (Ibidem , 32). Estes castigos ou aparatos da “má consciência” foram estabelecidos pela consciência da falta, que teve sua origem na idéia da dívida material. A idéia de justiça de que o “‘criminoso merece o castigo ‘porque’ teria podido proceder de outro modo’, é realmente, uma forma muito tardia e requintada do juízo” (Ibidem, 33), pois durante o maior período da história da humanidade não se castigava o malfeitor ‘porque’ o julgava responsável pelo seu ato, “nem sequer se admitia que só o culpado devia ser castigado” (Ibidem). Anteriormente a lei da equivalência ou da compensação do sofrimento era o que predominava, como por exemplo, o devedor dava como garantia da sua honradez no caso de não pagar a dívida, uma indenização com alguma coisa que possuía como a sua mulher, sua liberdade, uma parte do corpo ou até com a sua vida. A “maldade desinteressada” era o “fazer sofrer” por parte do devedor que compensava ao credor as suas dívidas através de um prazer macabro. Foi assim que nasceu e desenvolveu o “doentio mo ralismo que ensinou o homem a envergonhar-se de todos os seus instintos” (Ibidem, 37). Na atualidade este “deleite da crueldade” foi transformado na “compaixão trágica”, na “nostalgia da cruz”. Este “mecanismo de redenção”, entretanto sofreu uma modificação no momento em que falta um sentimento da dor e está presente a “falta de significação”. Para justificar esta dor oculta e o próprio mal, foi “necessário inventar deuses e criaturas intermédias” (Ibidem, 38), logo: “Todo o mal está justificado desde que um Deus se compraz em olhar para ele” (Ibidem). Contrapondo a este conceito,
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Ascetismo (asceta + ismo) é a prática da ascese, ou seja, o exercício prático que leva à efetiva realização da virtude e plenitude da vida moral, desvalorizando os aspectos corpóreos e sensíveis do homem. Para Nietzsche, é a ausência e negação da vontade de potência, do querer viver e está para além da filosofia, ou seja, é encontrado em toda religião.
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Espinoza12 volta o mundo ao “estado de inocência em que se encontrava antes da invenção da má consciência” (Ibidem, 50). O conceito moderno de justiça foi aprimorado através da m áxima de que “tudo tem seu preço, tudo pode ser pago” (Ibidem, 39), sendo que este cânon moral da justiça determinou uma “equidade” e uma “objetividade”, possibilitando um melhor entendimento entre as pessoas e uma melhor possibilidade de compromisso em seguir as leis morais. Estas regras possibilitaram a vida das pessoas em sociedade, a criação das cidades, e a possibilidade da convivência em paz, pois caso se viole as leis, a comunidade fará com que o credor pague sua dívida. Nietzsche então acrescenta que: “O ‘castigo’ é simplesmente a imagem, a ‘mímica’ da conduta normal a respeito do inimigo detestado, desarmado e abatido, que perdeu todo o direito não só à proteção, mas também à piedade; é o grito de guerra, o triunfo do vae vctis em toda a sua inexorável crueldade. Isto explica como a própria guerra e os sacrifícios guerreiros revestiram todas as formas sob as quais aparece o castigo na história” (Ibidem, 40). Somente com a instituição da lei que nasceu a questão de “justiça” ou “injustiça”, pois “falar de justiças e injustiças ‘em si mesmas’, não tem sentido” (Ibidem, 43). Os limites são dados pela sociedade e até do ponto de vista biológico, as condições de vida são caracterizadas pelas restrições da vontade. Geralmente a origem de uma coisa é distinta da sua finalidade, como ocorreu com o castigo e a punição. Como afirmou Nietzsche, “toda a história de qualquer ‘coisa’, de qualquer ‘costume’, pode ser uma cadeia não interrompida de interpretações e de aplicações sempre novas, cujas causas talvez não estejam ligadas entre si” (Ibidem, 45). A história não tem necessariamente uma progressão lógica ou tem um fim. A noção de progresso para Nietzsche está relacionada a “vontade de poder” 12
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e se
Baruch de Espinosa (1632-1677), filósofo holandês, proveniente de uma família judaica, foi um dos grandes racionalistas da filosofia moderna. Em 1656, foi excomungado da comunidade judaica, pois defendia o panteísmo, ou seja, que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade. Esta formulação é uma solução panpsíquica que historicamente remete ao problema da Mente-corpo e é conhecida como o monismo neutro. Espinoza acreditava profundamente no determinismo e propunha que absolutamente tudo o que acontece, ocorre através da operação da necessidade. 13 Vontade de poder ou potência: é o princípio afirmativo da vida “só há vontade na vida, mas esta vontade não é querer viver, em verdade ela é vontade de dominar... A vida... tende à sensação de um máximo de potência, ela é essencialmente o esforço em direção a mais potência, sua realidade mais íntima, mais profunda, é o querer” (Nietzsche, apud Hilton & Danilo, 1996:272). “O poder em questão não consiste necessariamente no domínio sobre os outros, já que pode ser atingido na atividade criativa, estando associado à confiança em si mesmo e à independência” (Blackburn, 1997:407). Para Scarlett Marton (USP), é como se fosse uma “vontade orgânica” em que todo o corpo quer viver, é um aspecto primário, sem escolhas, que se manifesta quando encontra obstáculos e resistências. Tem um caráter de precedência, de primazia, porém não visa o extermínio ou aniquilação dos outros.
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torna mais clara quando ele afirma que “a importância dum ‘processo’ mede -se pela magnitude dos sacrifícios que requer; a humanidade em massa sacrificada nas aras dos mais fortes, eis um progresso” (Ibidem). O castigo tem muitas finalidades, entretanto o castigo propicia ao castigado um aumento de força e resistência. A origem da “má consciência” surgiu quando o homem teve de renunciar a todos os seus nobres instintos com a consolidação da vida em comunidade e na paz. Sobre uma enorme força repressora da sociedade, foi necessário ocorrer a “interiorização do homem” e a contenção dos instintos, nascendo assim a noção do que se chama de “alma”. Por falta de resistência e de inimigos exteriores voltou -se “contra o homem interior” e a ira e a crueldade foi dirigida para quem possuía estes instintos, nascendo o conflito e a “má consciência”. A Genealogia da Moral foi publicada em 1887, porém isto me faz lembrar de Freud14 quando elabora em 1923 em “O ego e o id” construindo a noção de uma luta do Id (instintos básicos) contra o Eu e Supereu (juiz ou censor fruto da sociedade e cultura que atua sobre o Eu). Freud vai buscar o termo Id ou “das Es” (isso, aquilo) em Georg Groddeck 15 e cita o precedente de Nietzsche, que designaria assim “... o que há de não pessoal e, por assim dizer, de necessário por natureza do nosso ser”. Nietzsche afirma então, que os deuses da Grécia possuíam uma imagem reflexa dos homens nobres e orgulhosos “em que o animal humano se sentia divinizado e não se despedaçava a si mesmo cheio de furor” (Ibidem, 59). Os gregos “serviam -se dos seus deuses para se imunizarem contra todas as veleidades da ‘má consciência’, para gozar pacificamente da sua liberdade” (Ibidem). O advento do Deus cristão foi a
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Sigmund Freud (1856-1939), psicanalista e médico neurologista austríaco, recebeu uma educação judaica não tradicionalista e aberta à filosofia do Iluminismo. Foi influenciado por Schopenhauer, entretanto buscou criar inicialmente uma psicologia científica sem influência religiosa o que resultou na fundação da psicanálise. Ele interessou-se, inicialmente, pela histeria e, tendo como método a hipnose, estudou pessoas que apresentavam esse quadro. Mais tarde, com interesses pelo inconsciente, pulsões, entre outros, foi influenciado por Charcot e Leibniz abandonando a hipnose em favor da associação livre. Estes elementos tornaram-se bases da Psicanálise. Freud, além de ter sido um grande cientista e escritor, possui o título, assim como Darwin e Copérnico, de ter realizado uma revolução no âmbito humano: a idéia de que somos movidos pelo inconsciente. Foi perseguido pelo nazismo e morreu em Londres. 15 Walter Georg Groddeck (1866-1934), médico apreciador da literatura e das artes, Groddeck era filho do médico, Karl Groddeck, cujos escritos impressionaram Nietzsche. Groddeck já praticava a psicanálise desde o ano de 1895 e o seu conhecimento a respeito do trabalho de Freud só se deu em 1911. Passou a comunicar-se com Freud, dizendo-se seu discípulo, o que prova a sua humildade. Trocou com ele uma correspondência de cerca de 80 cartas, onde discutiam, principalmente, a questão relativa ao "Isso" (o Inconsciente), na terminologia de Groddeck, mas que Freud preferiu denominar de "Id". Os dois mantiveram algumas briguinhas e Freud acusou Groddeck de ser "um místico". Groddeck concebia o "Isso" com amplitude, ao contrário de Freud que o restringia. Freud reconheceu que encarava o "Isso" em "camadas relativamente superficiais" ao passo que Groddeck atingia as regiões mais abissais do Inconsciente, sendo esta teoria a mais correta das duas.
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expressão mais alta do divino e produziu no homem o maior sentimento de obrigação e culpa pelos seus pecados. O triunfo do ateísmo deverá libertar a “humanidade de todo o sentimento de obrigação com respeito à sua ‘causa prima’” (Ibidem, 57), sendo o ateísmo uma espécie de segunda inocência da humanidade. Ele finaliza este ensaio aclamando a “Zaratustra, o ímpio”, o vencedor do nada, o antiniilista, que ressuscitará a realidade redimindo-a da maldição do idealismo e do grande tédio do niilismo 16 .
5- Terceiro ensaio – Qual é o fim de todo o ideal ascético? “... este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo o que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa (...) vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em admitir as condições fundamentais da própria vida”. Nietzsche, apud Florido, 2005:223. Os editores da “Genealogia da Moral ” afirmam que no terceiro ensaio, Nietzsche realiza uma “Psicologia do Sacerdote” em que predomina os ideais ascéticos, sendo o ascetismo um meio de vida fraco, doente, de autodisciplina, em que se economizam forças para manter a existência. Para poder sobreviver os fracos devem renunciar às paixões e emoções. Os sacerdotes funcionam como: “... falso médico e falso salvador, que acaba mantendo no seu sofrimento a vida que sofre, a vida miserável e medíocre. É neste sentido que ele cura a ferida da tal vida sofredora, envenenando-a ao mesmo tempo. O sacerdote é o homem que muda a direção do seu próprio ressentimento. É assim que o homem não pode limitar-se a vegetar, precisa cultivar ideais acima de si próprio, precisa ver luzirem estrelas acima da sua cabeça.” (Ibidem, VI) Então a moral tradicional e a falsa religiosidade ajudam a vontade de poder a se entregar aos ideais ascéticos. O ideal ascético tem uma estratégia de desnaturalização, 16
Niilismo: Nietzsche emprega este termo para “qualificar sua oposição radical aos valores morais tradicionais e às tradicionais crenças metafísicas” (Abbagnano, 2000:712). Ele buscou assim designar “o resultado da decadência européia, a ruína dos valores tradicionais consagrados na civilização ocidental do século XIX. Caracteriza-se pela descrença em um futuro ou destino glorioso da civilização, opondo-se, portanto à idéia de progresso; e pela afirmação da ‘morte de Deus’, negando a crença em um absoluto, fundamento metafísico de todos os valores éticos, estéticos e sociais da tradição. O niilismo nietzschiano deve, no entanto, levar a novos valores que sejam ‘afirmativos da vida’, da vontade humana, superando os princípios metafísicos tradicionais e a ‘moral do rebanho’ do cristianismo e situando -se ‘para além do bem e do mal’” (Hilton & Danilo, 1996:196).
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uma negação da vontade. A vontade de nada é caracterizada como medo à felicidade e a hostilidade à vida, logo todo ideal ascético existente era um ideal contrário à natureza, contrário à vida, porém integrante à própria natureza humana. Nietzsche propõe repensar toda a tradição e a moral existente e transvalorizar 17 os valores, “abençoando tudo que era amaldiçoado, e a amaldiçoando tudo que é bendito” (Ibidem, VII). Somente assim que poderemos aproximar o homem da sua verdadeira realidade e transformar o ideal na própria vida. Nietzsche inicia o terceiro ensaio levantando a questão de qual é a tendência de todo o ideal ascético e responde que “no ideal ascético do homem, resulta o caráter essencial da vontade humana, o seu ‘horror ao vácuo’; necessita de finalidade, e prefere querer o ‘nada’ antes de ‘não’ querer” (Ibidem, 64). Ele critica Ricardo Wagner 18 que na sua velhice presta uma homenagem à castidade e elogia Lutero 19 por ter lutado pela sexualidade conciliando-a com a sua escolha evangélica e afirma que a obra Parsifal de Wagner talvez seja: “‘... o produto de um ódio feroz contra a ciência, o espírito e a sensualidade’, um ‘anátema contra os sentidos e contra o espírito’, uma apostasia ao ideal de um cristianismo enfermiço e obscurantista, uma negação de si mesmo, uma destruição da sua própria arte, que tendia para ‘espiritualização e sensualização suprema” (Ibidem, 66). Nietzsche, entretanto afirma que devemos “separar o artista da sua obra e não tomá-lo tão a sério” (Ibidem), pois somente “o artista perfeito e completo e stá separado para sempre da realidade” (Ibidem, 67). Wagner procurou no fim da sua vida, em 1862 o niilismo de Schopenhauer para ajudá-lo na defesa do ideal ascético.
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Transvalorizar ou transmutar os valores: visa criar novos valores compatíveis com a vida, a terra, o homem. Fugindo dos ideais ascéticos, afirmando a vida, o aqui, o agora neste “eterno retorno” do mesmo, pois o homem é humano, “demasiadamente humano”. 18 Wilhelm Richard Wagner (1813-1883), músico e compositor alemão inspira a fase inicial de Nietzsche principalmente com “Tristão e Isolda”. Como “padrinho musical”, influenciou também na construção do pensamento alemão que junto com Nietzsche e Heidegger foi inspiração para a construção da ideologia Nazista. 19 Martinho Lutero (1483-1546), teólogo alemão e pai da Reforma Protestante. Monge agostinho, Lutero foi descobrindo que para ganhar o amor e o perdão de Deus ninguém precisava castigar-se ou fazer boas obras, mas somente ter fé em Deus. Decidiu tornar públicas essas idéias e elaborou 95 teses e fixou-as na porta da igreja do castelo de Wittenberg. Ele pretendia abrir um debate para uma avaliação interna da Igreja, pois acreditava que a Igreja precisava ser renovada a partir do Evangelho. Em pouco tempo toda a Alemanha tomou conhecimento do conteúdo dessas teses e elas espalharam-se pela Europa. Excomungado e cassado, Lutero manteve suas convicções. Em 1530 os líderes protestantes escreveram a "Confissão de Augsburgo", resumindo os elementos fundamentais do luteranismo. Finalmente, em 1555, o Imperador reconheceu que havia duas diferentes confissões na Alemanha: a Católica e a Luterana. Lutero traduziu a bíblia para o alemão e casou-se com a freira Katharine Von Bora e teve vários filhos.
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Schopenhauer utilizou a concepção kantiana da estética em que introduziu o elemento “espectador” no conceito de “beleza”, meditando sobre a arte em vez de “estudar o problema estético baseando-se na experiência do artista” (Ibidem, 69). Para Kant20 a beleza “é o que agrada desinteressadamente” e para Stendhal 21 a beleza é uma “promessa de felicidade”. Parece-me que Nietzsche defende o conceito de Stendhal, pois acreditava que Schopenhauer fez mal em “apoiar -se na definição de Kant, posto que lhe agrade a beleza precisamente por um ‘interesse’ muito pessoal: pelo interesse de se libertar da sua tortura e suplício” (Ibidem, 71). Schopenhauer acreditava que a contemplação estética era uma maneira de libertar-se da “vontade” e reagir contra o interesse “sexual”. Poderíamos nos libertar da “vontade” através da “representação”. Nietzsche então afirma que “a sua cólera foi para ele, o mesmo que para os cínicos da Antiguidade, um bálsamo, um descaso, o seu remédio contra o tédio, a sua felicidade” (Ibidem) e acrescenta: “Schopenhauer, que tratou a sexualidade como inimigo pessoal (e também à mulher, esse ‘instrumento diabólico’), necessitava de inimigos para estar de bom humor; não esqueçamos que mostrava certa predileção pelas palavras de cólera, de ódio e de bílis; que teria caído enfermo, teria sido pessimista (realmente não o era por muito que o desejasse) sem os seus inimigos, sem Hegel, sem a mulher, sem a sensualidade, sem a vontade de viver e de continuar nesse mundo” (Ibidem). Para Nietzsche “o filósofo tem horror ao casamento” e constata que todos os grandes filósofos (Heráclito 22, Platão23, Descartes24, Espinoza, Leibniz 25, Kant,
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Immanuel Kant (1724-1804), filósofo prussiano, seu criticismo influenciou no iluminismo, no romantismo e no idealismo alemão de Hegel (e posterior Marx). No nível da epistemologia realizou uma síntese entre o Racionalismo continental (de Descartes e Leibniz, onde impera a forma de raciocínio dedutivo), e a tradição empírica inglesa (de Hume, Locke e Berkeley, que valoriza a indução). Kant disse que Hume o despertou de um "sono dogmático". Formulou a concepção do idealismo transcendental em que todos nós trazemos formas e conceitos inatos para a experiência crua do mundo. A filosofia da natureza e da natureza humana de Kant é historicamente uma das mais determinantes fontes do relativismo conceitual que dominou a vida intelectual do século XX. Kant é também conhecido pela sua filosofia moral. 21 Henri Beyle Stendhal (1783-1842), novelista francês, acompanhou o exército napoleônico e relatou as viagens a Roma, Nápoles e Florença. Suas obras de ficção mais conhecidas são O vermelho e o negro (1830), que tem como herói Julien Sorel, jovem arrivista e ambicioso, tido como um dos personagens literários mais fascinantes de todos os tempos. A complexidade psicológica de seus personagens e suas análises sociais influenciam toda a literatura francesa posterior. O estilo de Stendhal, ao invés do excesso de ornamentos que caracterizava o romantismo, predominante na época, valoriza o perfil psicológico dos personagens, a interpretação de seus atos, sentimentos e paixões. Heráclito de Éfeso (c.544-484 a.C.), filósofo grego, recebeu o cognome de "pai da dialética", problematiza a questão do devir. Recebeu a alcunha de "obscuro", pois desprezava a plebe, recusou-se a participar da política (que era essencial aos gregos), tinha desprezo pelos poetas, filósofos e pela religião. Escreveu o livro, Sobre a Natureza com um estilo próximo a sentenças oraculares. 22
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Schopenhauer) não foram casados, com exceção de Sócrates 26 . Os filhos são considerados obstáculos ao “espírito livre”. O local escolhido para o seu retiro deve ser desértico, pois tem uma “profunda aversão ao mundo” e é basta nte solitário. O ideal ascético contempla a “pobreza, humildade e a castidade”. Nietzsche descreve a vida ascética da seguinte forma: “A vida ascética é uma flagrante contradição; nela domina um ressentimento sem par, um instinto não satisfeito, uma ambição que queria apoderar-se da própria vida, das suas condições mais profundas, mais fortes e mais fundamentais; emprega-se grande força para secar o manancial da força, e até se vê o olhar rancoroso e mau do asceta voltar-se contra a prosperidade fisiológica, contra a beleza, contra a alegria, enquanto pelo contrário, procurar com o maior gozo a doença, a porcaria, a dor, o dano voluntário, a mutilação, as mortificações, o sacrifício de si próprio e tudo quanto é degenerado” (Ibidem, 81). Para Nietzsche, o filósofo necessita de descanso, tranqüilidade, nobreza e silêncio. Evita coisas com grande luminosidade e ruidosas como a glória, os príncipes e as mulheres. O filósofo é humilde, não gosta de ser perturbado com amizades, inimizades ou do papel de mártir. Procura a verdade e sua falta de paternidade é compensada com seu próprio nome, que lhe dará uma pequena imortalidade. Nietzsche afirmou que “o ascetismo serviu de amparo à filosofia” (Ibidem, 76). Todas as coisas “boas” foram em outro tempo “más”, pois a realidade da vida é uma constante mudança. Ele acreditava que a filosofia foi iniciada suportada pelos ideais Platão (Aristocles) (428-347a. C.), filósofo grego, no início discípulo do filósofo Crátilo, que seguia o pensamento de Heráclito de Éfeso. Ainda em sua juventude, Platão encontrou Sócrates e a influência desse filósofo foi determinante para o conjunto do seu pensamento. Em 387 a.C., funda em Atenas sua própria escola filosófica: a Academia. Seu mais famoso discípulo foi o filósofo Aristóteles. René Descartes (1596-1650), filósofo, físico e matemático francês. Chamado o fundador da filosofia e da matemática moderna. Iniciou a formação do Racionalismo continental. O grande cisma teria início com Hegel, que partiu da posição de Kant onde havia já alguns sinais de Idealismo, mas ainda uma base racional que não se desviava muito da tradição empírica Inglesa. Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716), filósofo alemão, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário. Juntamente com Newton, é creditado o desenvolvimento do cálculo moderno. Influenciado pelo mecanicismo de Descartes, que mais tarde refutou, associou a filosofia à matemática e criticou o materialismo moderno. Apesar disso, era um racionalista que como o de Zenão, chegava ao paradoxo. Usando a teoria da causalidade, Leibniz explica a existência de Deus. Diz que Deus não faz nada ao acaso e é supremamente bom. O ponto principal do seu pensamento, é a teoria das mônadas (unidade em grego) que é um conceito neoplatônico, que foi retomado anteriormente por Giordano Bruno. Leibniz chama de enteléquia e mônada a substância tomada como coisa em si, tendo em si sua determinação e finalidade. Sócrates (469-399 a.C.), filósofo grego, era filho de um escultor e de uma parteira. Seguiu, durante algum tempo, a profissão paterna e aprendeu música, gramática e literatura a partir da obra de Homero. Atenas tinha um governo democrático, exercido pelos que usufruíam os direitos de cidadania. Participou da vida da cidade, dominada pela demagogia dos que sabiam falar bem. Através do seu método de investigação introspectiva, a Maiêutica, a arte de interrogar e buscar a verdade. Acusado de introduzir novos deuses em Atenas e de corromper a juventude foi condenado pela cidade. Morreu tomando cicuta. 23
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ascéticos, pois “para representar o seu ideal, necessitava o filósofo ‘crer’ no ideal ascético” (Ibidem, 79), sendo que “o sacerdote ascético most rou-se sob a forma mais repugnante e tenebrosa, sob a forma de lagarta e nesta forma teve de começar o filósofo” (Ibidem). O ideal ascético tem origem no instinto de preservação de uma vida que degenera e que procura de todas as maneiras se conservar, “é uma luta pela existência” com os instintos lutando com artifícios sempre renovados. O sacerdote ascético segundo Nietzsche é: “... a incarnação (sic.) do desejo de sobrenatural; este desejo é o seu fervor, a sua paixão, a sua força, e esta ‘força’ é que o acorrenta a este mundo, que o obriga a trabalhar procurando condições mais favoráveis; esta força conserva a vida dos defeituosos, dos extraviados, dos desgraçados, dos enfermos; é o passar de todo este rebanho. O sacerdote ascético, este aparente inimigo da vida, é precisamente quem conserva e garante a vida” (Ibidem, 83). O perigo para a humanidade é o niilismo, a vontade do nada, o tédio e a compaixão. Os doentes também representam um grande perigo, pois junto com os desgraçados, vencidos, impotentes e fracos “minam a vida e envenenam e destroem a nossa confiança” (Ibidem, 84). A mulher doente possui um refinamento para “dominar, oprimir e tiranizar” (Ibidem, 86). “A mulher é uma hiena” (Ibidem). Os judeus e Eugênio Dühring 27 alcançaram a vingança total quando “conseguirem infundir na consciência dos felizes a sua própria miséria; quando conseguirem que estes se envergonhem da sua felicidade e digam uns aos outros; ‘Que vergonha sermos felizes em presença de tantas misérias!’” (Ibidem). Os fortes são de grande importância, pois garantirá o futuro da humanidade. Os doentes não podem fazer nada, logo “fugi das proximidades dos manicômios e dos hospitais” (Ibidem, 87). Vejam que ironia, Nietzsche irá morrer 13 anos mais tarde em um manicômio. Nietzsche acreditava que, quem deve dar apoio aos doentes deve ser o sacerdote ascético, o pastor e defensor do rebanho doente, pois para poder entender dos doentes é necessário que também seja doente. Entretanto deve ser forte de vontade para Eugen Dühring (1833-1921), filósofo e teórico socialista alemão. Em 1875, Dühring que era professor da Universidade de Berlim, publicou um livro que daria conta de uma teoria socialista e de um plano de reorganização da sociedade. Uma tentativa de chamar a seu redor setores do movimento operário para enfraquecimento do Partido Socialista da Alemanha, que vinha se tornando uma potência. Engels escreveu uma série de artigos com severas críticas, reunindo-os em um livro sob o título "A subversão da Ciência pelo senhor Eugênio Dühring", publicado em 1878, conhecido como Anti Dühring. 27
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possuir a confiança dos doentes e ser para eles “um amparo, um escudo, um mestre, um tirano, um deus” (Ibidem, 87). O sacerdote também tem a função de “mudar a direção do ressentimento”. O doente geralmente busca a causa para a sua dor e para a sua doença e questiona: “Alguém deve se r a causa do meu mal-estar” (Ibidem, 88). “Eu sofro, alguém tem a culpa” (Ibidem, 89). Então o pastor responde: “É verdade, minha ovelha; alguém tem a culpa; mas és tu mesma; os ‘teus pecados são a causa do teu mal’... Isto é muito atrevido, muito falso. Mas obtém- se um fim: ‘mudar a direção do ressentimento’” (Ibidem). As religiões tal e em particular no cristianismo têm como objetivo combater o cansaço generalizado, aliviar a dor através do consolo. Os meios adotados para combater a dor têm sido reduzir a vida à sua menor expressão e deixá-la com um: “... nada de vontade, nada de desejo, nada de paixão, nada de sangue; não comer sal (higiene dos faquires); não amar; não odiar; não se perturbar; não se vingar; não se enriquecer; não trabalhar; mendigar; nada de mulheres, ou o menos possível; quanto ao intelecto, o princípio de Pascal: é preciso ‘bestializarmo-nos’. Resultado em linguagem moral; aniquilamento do ‘eu’, santificação; e em termos fisiológicos: hipnotização, hibernização, mínimo de assimilação compatível com a vida” (Ibidem, 91). Nietsche reconhece um estado superior que o humano pode chegar, é o estado em que chegou Santa Teresa 28, exaltado e falso, porém que atende a “vontade” humana. É um estado hipnótico, de tranqüilidade, “é o regresso bend ito à essência das coisas, é a redenção de todo o erro, é a ‘ciência’, a ‘verdade’, o ‘ser’; a redenção de todo o fim, de todo o desejo, de toda a atividade; um estado para além do bem e do mal” (Ibidem, 92). Nietzsche cita uma concepção hindu, bramânica e búdica que afirma que: “Tanto o bem como o mal – diz o budista – são obstáculos; o homem domina um e outro...” “A ação e a omissão – dizem os Vedas – não causam no sábio dor alguma; o sábio sacode para longe de si o bem e o mal; nada perturba o seu reino; foi para além do bem e do mal” (Ibidem). Santa Teresa d’Ávila (1515-1582), freira católica espanhola, considerada uma grande mística da contemplação. Foi educada pelas irmãs Agostinianas, entrou para o Convento das Carmelitas Descalças, em Ávila. Teve visões e ouviu vozes. Fundou em 1567 o convento de São José em Ávila onde ela foi seguida por outras irmãs que desejavam uma vida mais rígida. Fundou 16 outros conventos e um monastério para homens. Elaborou livros, cartas, sua autobiografia chamada "O caminho da Perfeição" e o seu livro "Castelo Interior" que se tornarem clássicos da teologia e literatura espiritual. Ela foi canonizada em 1622. 28
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Este é um sonho de uma união mística com Deus, uma fusão com o Brama, um sonho de salvação, um estado de espírito supremo que também foi defendido por Epicuro29 na Grécia antiga. Existe a mesma “lógica do sentiment o, em todas as religiões positivas o nada chama-se Deus” (Ibidem, 93). Para que o homem possa está ocupando totalmente o seu tempo, se esquecendo de si próprio, o sacerdote ascético emprega a “bênção do trabalho” na luta contra a dor, na obediência pontual e passiva desta atividade maquinal. Para os homens que ocupam as baixas camadas sociais foi elaborado um outro remédio do cristianismo que foi o “amor ao próximo”, com auxílio, benefícios e esmolas. Assim se desenvolve a “vontade de mutualidade” com a fo rmação de uma sociedade de socorros mútuos e uma “vontade de domínio” e “vontade de poder”, assegurada pelo sacerdote ascético que busca a formação dos rebanhos e o crescimento da comunidade. O indivíduo vive em função de Deus e da comunidade religiosa desenvolvendo uma “aversão à sua própria pessoa” (Ibidem, 95), pois “os fortes aspiram a separar-se e os fracos a unir- se” (Ibidem). Então Nietzsche cita os meios “inocentes” que foram empregados pelos sacerdotes ascéticos na luta contra a dor: “... a compreensão dos sentimentos vitais; a atividade mecânica; a pequena alegria, sobretudo a alegria do amor ao próximo; a organização em rebanho; o sentimento do poder na comunidade, o tédio individual, substituído pela satisfação de ver prosperar a comunidade” (Ibidem). Os meios considerados “criminosos” por Nietzsche e empregados pelos sacerdotes ascéticos foram a “exaltação de sentimento”, o “sentimento das grandes paixões” como a “cólera, o prazer, o temor, o ódio, a esperança, o triunfo, a desesperação ou a crueldade” (Ibidem, 97). Através de uma “justificação religiosa” os sacerdotes utilizam destes sentimentos para “despertar o homem da sua larga tristeza, para o libertar da sua dor surda” (Ibidem, 98). Entretanto os “doentes ficam mais doentes” (Ibidem), pois não combatem a doença, eles remediam a dor, porém combatem a depressão.
Epicuro de Samos (341-270 a.C.), filósofo grego, que acreditava que os átomos se encontram fortuitamente, o que garante a liberdade (se assim não fosse, tudo estaria sob o jugo da Natureza), f azendo com que possam ser explicados racionalmente. Ao compreender como opera a Natureza, o homem pode livrar-se do medo e das superstições que afligem o espírito. Entende que o sumo bem reside no prazer e, por isso, foi uma doutrina muitas vezes confundida com o hedonismo. O prazer de que fala Epicuro é o prazer do sábio, entendido como quietude da mente e o domínio sobre as emoções, sobre si mesmo, satisfazendo uma necessidade ou aquieta a dor. O único prazer é o prazer do corpo (saúde, etc.) e a função principal da filosofia é libertar o homem. 29
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É através do uso do “pecado” ou da “má consciência” que o sacerdote ascético justifica ao doente a sua doença, isto só é possível através da “crueldade interiorizada”, representada pelo “sentimento de culpa” de uma contravenção moral. Neste momento Nietzsche afirma que: “O homem doente, animal na jaula, perturbado, indeciso, ignorante de razões e de causas, procurando estas para seu consolo e procurando também remédios e narcóticos, acabou por entender-se com alguém que soubesse destas coisas, e o seu adivinho, o sacerdote ascético, deu-lhe a primeira indicação acerca da ‘causa’ do seu mal: fê-la procurar em si mesmo nalguma falta cometida no tempo passado; fez-lhe interpretar a sua dor como um ‘castigo’... Agora compreende o desgraçado; agora está metido num laço; já não sabe sair; de doente converte- se em ‘pecador... Desde então houve uma nova doença no mundo: o ‘pecado’” (Ibidem, 98). Nietzsche descreve o processo que atormenta o humano e o modo de operar do sacerdote ascético: a falta, a dor, o medo, o pecado, o instante de felicidade, a contrição, o torturador que se tortura a si próprio pela sua consciência enferma, o castigo, o grito desesperado pela salvação, a intervenção do sacerdote ascético, a disciplina, a abstinência. No Antigo Testamento demonstra o encontro de um povo e o encontro de “homens grande, coisas heróicas e, sobretudo a inestimável candidez de um ‘coração forte’” (Ibidem, 101). No Novo Testamento criou-se a condição para que o sacerdote ascético corrompesse a saúde da alma. A Igreja deixava fora das portas os rústico e os que não tinham “boas formas”. Então surgiu Lutero com gostos rústicos querendo “falar diretamente com o seu Deus... e consegui-o” (Ibidem, 102). A ciência é uma “evolução interna” do ideal ascético. “A ciência e o ideal ascético vivem no mesmo terreno, são ambos uma exageração do valor da verdade, uma crença de que a verdade está superior à crítica” (Ibidem). Nietzsche acredita, porém que “a vontade da verdade necessita de uma crítica; é preciso pôr em dúvida o valor da verdade” (Ibidem, 106). Por este motivo a ciência e os ideais ascéticos necessitam ser combatidos. A arte é mais oposta ao ideal ascético do que a ciência, pois santifica a mentira e a vontade do falso. Por este motivo, Platão foi contra Homero 30 e contra a arte. A Homero (c.750-713 a.C.), primeiro grande poeta grego, consagrou o gênero épico com as suas grandiosas obras: A Ilíada e a Odisséia. Acredita que ele era pobre, cego e viajante, e que a as duas obras épicas foram baseadas em contos primitivos, logo são conglomerados de composições anteriores. 30
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dialética foi valorizada no lugar dos instintos, ocorreu um “empobrecimento da energia vital”, “a supremacia dos caciques, o advento da democracia, os tribunais de arbitragem, a emancipação da mulher, a religião da dor e da compaixão – são sintomas duma vida que declina” (Ibidem, 107). O ateísmo não é contrário ao ideal ascético, pois ele é “também uma vontade, um resto de ideal ascético, a sua forma mais severa, mais espiritualizada, mais esotérica, mais pura” (Ibidem, 111). Somente os comediantes é que são inimigos do ideal ascético. O ideal ascético foi a finalidade encontrada pelo homem para afirmar a sua existência. O homem não conseguia “justificar -se a si mesmo”, pois existia uma “imensa lacuna”. O homem necessitava uma razão, uma finalidade para justificar a sua dor. O ideal ascético “explicava a dor; enchia um imenso vácuo; fechava a porta ao niilismo” (Ibidem, 113). Entretanto esta interpretação substituía a dor por uma dor mais profunda, mais íntima, justificada por uma falta, pelo pecado, porém acalentado pela finalidade. Nietzsche conclui a terceira parte e seu livro afirmando que “o homem prefere a ‘vontade do nada’ ao ‘nada da vontade’”. Esta “vontade de aniquilação” é uma hostilidade à vida, porém era pelo menos “uma vontade”. Finalizo esta resenha citando Carlos Moura que realiza uma síntese do que Nietzsche acreditava ser os principais personagens para a formação da nossa civilização ocidental: os filósofos, os sacerdotes e os escravos. Ele afirma que: “O filósofo inventa um mundo da razão, onde a razão e as funções lógicas são adequadas, e daqui procede o ‘mundo verdade’; o homem religioso inventa um ‘mundo divino’, e assim nasce o mundo desnaturalizado, contra a natureza; o homem moral simula um mundo do ‘livre-arbítrio’, e daqui se origina o mundo bom, perfeito, justo. Esses três mundo fictícios confluem em um único ‘outro mundo’, eles são três maneiras convergentes de negar o mundo do vir-a-ser. O mundo-verdade, o filósofo e a razão; o mundo divino, o sacerdote e a virtude; o mundo moral, o escravo e a felicidade; são esses três mundos que se identificam na equação socrática entre razão, virtude e felicidade. Para Nietzsche, é a tríplice aliança que forma a id entidade constitutiva de nossa ‘civilização’. O que significa reconhecer que a civilização ocidental é originalmente determinada pelo cristianismo, esta imensa conspiração contra o ‘tipo superior’ de homem”. Qual o valor dessa civilização? A Genealogia da moral, enquanto análise daquela tríplice aliança, traz os elementos básicos de uma crítica a nossa civilização (2005: 157).
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