O CORPO EDUCADO: PEDAGOGIAS DA SEXUALIDADE LOURO, Guacira Lopes. (Org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte – MG. Ed. Autentica, 2000, 176p.
O livro “O corpo educado: pedagogias da sexualidade” é uma coletânea
composta por seis artigos científicos organizados por Guacira Lopes Louro, sendo a tradução dos textos estrangeiros realizados por Tomaz Tadeu da Silva. A abordagem do livro apresenta temas reflexivos sobre o corpo, à sexualidade e as dificuldades pedagógicas encontradas pelos professores em debater esses temas em sala de aula. O primeiro artigo é de autoria da própria organizadora e, intitula-se “Pedagogias da Sexualidade”
no qual Louro faz uma reflexão de suas próprias
lembranças de quando estudante, analisando como era a construção da identidade sexual e de gênero em sua escola. Para a autora, a sexualidade é uma questão social e política, não podendo assim ser comparada a algo natural do ser humano, visto que, a sexualidade sempre foi construída ao longo da existência humana. Refletindo sobre seu período escolar ela relata que, regras e normas definidas se tornavam um referencial para a construção do homem e da mulher civilizados, sendo a heterossexualidade concebida como natural no ser humano e um padrão universal de pessoas “normais”, portanto outras formas de expressões da sexualidade eram vistas como “anormais”. O disciplinamento do corpo na escola tinha por modelo de masculinidade, o menino forte, competitivo e agressivo e a feminilidade, meninas dóceis, discretas e gentis. Esse adestramento da sexualidade e a construção da identidade eram estabelecidos através de valores e regras de conduta que se constituía no padrão normal de ser de cada um e aceito socialmente. Aliás, a escola continua reproduzindo a mesma educação sexual, através da biologia e da anatomia dos corpos, incentivando a sexualidade “normal” (hétero), com determinismos preventivos de doenças, reprimindo
assim, o desejo e a fantasia dos jovens. Além disso, outras instâncias sociais tais como igreja, mídia, etc., praticam essa pedagogia da sexualidade ao legitimar e determinar identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginalizando comportamentos. Para Louro, devemos duvidar de verdades e certezas absolutas sobre o corpo e a sexualidade e a maneira as quais são pensadas. Assim sendo, a autora nos faz refletir sobre a construção de nossa própria
identidade, apontando um caminho para “reinventar e tornar plural à verdade e a certeza sobre corpos e a sexualidade”. ( LOURO, 2000, p. 33)
Na sequencia, o sociólogo Jeffrey Weeks discute em seu ensaio “O Corpo e a Sexualidade”
a importância que as sociedades modernas têm atribuído ao corpo e à
sexualidade nos últimos séculos e, como se perpassou a construção sexista da dominação masculina sobre a feminina. Em seus apontamentos Weeks cita outros teóricos, faz diversas indagações e busca respondê-las. Segundo Weeks, no entendimento das ciências biológicas o corpo é o local da sexualidade. Porém, em seu conceito, a sexualidade é mais que só o corpo em si, p ois “a sexualidade tem tanto a ver com nossas crenças, ideologias e imaginações quanto com nosso corpo físico.” (WEEKS in LOURO, 2000, p. 25). Por isso, para Weeks a sexualidade é um fenômeno social, construído historicamente e tem base na possibilidade do corpo, as quais são modeladas em situações sociais concretas. Partindo dessa perspectiva o autor busca reconstruir historicamente nossa compreensão sobre a sexualidade, contextualizando que, as mudanças da regulação dos corpos e da sexualidade não ocorreram por acaso, pois nossas crenças, identidades e comportamentos sexuais, etc., não foram causadas por fenômenos naturais e sim por relações de poder que modelam o que vem a ser “normal” ou “anormal”, “aceitável” ou “inaceitável” socialmente.
Esses reguladores sociais de poder (re)produzem um discurso que regulam e normalizam os comportamentos e pensamentos, fundamentando-se na normalidade da sexualidade. Isto é, uma normalidade hegemônica heterossexual. Diante deste contexto Weeks nos leva a refletir: qual será o futuro da sexualidade e do corpo? A professora canadense Débora Britzman retoma a problemática sobre a sexualidade e o currículo pedagógico escolar em “Curiosidade, sexualidade e currículo”. Ela inicia levantando uma série de questionamentos reflexivos sobre a forma de trabalhar com o tema sexualidade em sala de aula. Sua abordagem é fundamentada nos conceitos foucaultianos e na psicanálise de Freud dentre outros autores que pensam a educação sexual nas escolas. Para a autora, o discurso sobre sexualidade nas escolas sempre foi apresentado de maneira normatizadora, limitando-se entre o certo ou errado, normal ou patológico, não havendo um dialogo entre professores e alunos. Uma vez que, até mesmo as respostas dos alunos já são preestabelecidas, não existindo uma reflexão ou contextualização do tema, pois, o discurso já está pronto.
Diante disso, a sexualidade é compreendida através de padrões “normais” de cunho higienista e biologizante, podendo desta maneira incorrer no risco de sustentar a desigualdade entre gêneros, reproduzindo assim, o preconceito, mitos, tabus e hierarquias sociais e, até mesmo limitando a vivência da sexualidade. Por fim, Britzman propõe aos professores uma forma de postura ideal de debater sobre a sexualidade em sala de aula. Segundo a autora, para abordar o tema o professor terá que ter coragem e discutir sexualidade sem vergonha e sem medo, ele deve assumir uma postura crítica aos métodos educacionais propostos. A sexualidade não deve ser escondida ou abafada apresentada como algo pronto, tem que possibilitar a liberdade dos alunos exporem suas curiosidade e necessidades cotidianas. No ensaio “Eros, erotismo e o processo pedagógico” a feminista bel hooks debate sobre a dicotomia entre o corpo e a mente, avaliando como o corpo perde sua importância na sala de aula. Ela critica o processo pedagógico no que tange o envolvimento emocional e a paixão em sala de aula. Já que, os professores ao adentrarem a sala de aula o fazem incompletos , “descorporificados”, deixando os sentimentos e a paixão para ser vividos em um lugar privado. Para hooks tanto nos processos de escolarização quanto na educação familiar sempre houve a preocupação de vigiar, controlar e modelar os corpos femininos e masculinos. Ocorrendo o mesmo com os corpos dos professores, que sempre foram educados para negá-los e reprimi-los, bem como falar de sexualidade e desejo nas instituições de ensino. Assim sendo, a feminista propõe que os professores entrem inteiros na sala de aula e não como “espíritos descorporificados”. Que restaurem e estimulem a paixão na sala de aula e, sugere que “devemos
descobrir novamente o lugar de Eros dentro de nós
próprios e juntos permitir que a mente e o corpo sintam e conheçam o desejo.” (HOOKS, 2000, p. 88). Já, o antropólogo Richard Parker no texto “Cultura, economia pol ítica e construção social da sexualidade”,
o autor contextualiza o desenvolvimento das
pesquisas antropológicas e sociológicas sobre a sexualidade e o comportamento sexual no período das décadas de oitenta e noventa. Para isso, o autor faz uma análise comparativa destas teorias, no que tange os movimentos políticos feministas, de gay e lésbicos, assim como a preocupação das lideranças políticas quanto à disseminação do HIV/AIDS.
Parker, assim como os demais autores citados, acredita que a noção que temos sobre a sexualidade é uma construção sociocultural, a qual foi edificada de forma diferenciada através das culturas e do tempo e, ressalta a importância de entendermos e interpretarmos o contexto das interações sexuais (identidades, experiências, atos e comunidades sexuais), visto que, estas são construções culturais e sociais e, envolvem negociações complexas de poder entre os diferentes atores sociais. Ademais, muitos dos trabalhos antropológicos entre as décadas de 1920 a 1990 sobre a sexualidade orientavam-se pelo modelo da influência cultural e, mesmo admitindo a existência de algumas variações transculturais, raramente questionavam a suposta universalidade da sexualidade. Entretanto, nas últimas décadas a teoria da construção social contribuiu para inovar e mudar a forma de pensar a sexualidade. As abordagens dos trabalhos antropológicos e de outras disciplinas que tratam sobre a sexualidade buscam compreender melhor o indivíduo e o contexto no qual ele está inserido. Em “Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do „sexo‟”
Judith Butler
problematiza a dicotomia entre sexo e gênero e, faz críticas aos construcionistas de gênero que nega e refuta a realidade dos corpos, discorda ainda da politica feminista que parte da ideia de que sexo é natural e gênero construído socialmente. Para Butler, tanto o sexo quanto o gênero são construções socioculturais, ambos são normativos, já que, a materialização é predeterminada e regulamentada, classificando o corpo para o convívio social. Visto que, mesmo antes de nascermos, ao tomarmos conhecimento do sexo biológico de alguém, se inicia a materialização do sexo do corpo e essa diferenciação sexual reflete na consolidação da heterossexualidade. Logo, o sujeito que não se enquadrar as normas preestabelecidas pela sociedade é excluído e tem a existência e a materialidade de seu corpo marginalizado socialmente e, será considerado inumano. Portanto, considerando-se que os corpos são objetos normatizados socialmente, estes passam a ser destituídos de humanidade e, quando não se adequam são relegados à invisibilidade e considerados uma ameaça à sociedade. Com base no enunciado de Butler, gênero são configurações culturais assumidas pelo corpo sexuado e, não se limita a pares opostos de identidade tipo: masculino-feminino, homem-mulher, heterossexual-homossexual, eu-outro, visto que, os corpos sexuados podem ser uma base para inúmeras variedades de gêneros. Assim, gênero é uma performance que se dá em qualquer corpo.
Butler, ao desconstruir as configurações sociais que normatiza cada corpo a apenas um gênero, nos provoca a pensar, não na distinção entre conceitos de sexo e gênero, mas, refletir como nosso discurso contribuiria para a compreensão das diferentes possibilidades de gênero de cada corpo. À vista dessas narrativas, a coletânea apresentada por Louro evidencia as dificuldades e as inquietudes em discutir a sexualidade, corpo e gênero, sobretudo no universo escolar, uma vez que, sexualidade e corpo num contexto sociocultural sempre foram reprimidos e relegados ao silêncio, devido, à construção normativa da identidade humana, reproduzida e reforçada durante décadas e ainda presente na contemporaneidade. Ademais, esse estudo evidencia ainda a necessidade de desvelar a educação sexual nos parâmetros curriculares das escolas, tendo em vista que, a sexualidade é parte integrante e constituinte da subjetividade do ser humano.