CIÊNCIAS NATURAIS E CIÊNCIAS HUMANAS "Separação e distinção entre Filosofia e Ciência Na Idade Moderna, com a chamada revolução científica do século XVII, teve início a separação e a distinção entre a Filosofia e a Ciência, com o consequente desdobramento da última, nos séculos posteriores, em Ciências Exactas, Naturais e Humanas ou Sociais, ou melhor, em diferentes maneiras de realização do ideal de cientificidade. É comum dizer-se que a Ciência, como um modo de conhecer o real, distinto daquele da Filosofia, só teve o seu advento no século XVII, com os trabalhos de Galileu e Descartes, visando estabelecer método, conceitos e objectos de estudo, a partir da experimentação e do modelo da linguagem matemática. Observa-se, assim, primordialmente, a matematização da Natureza e, neste caso, a concepção de Ciência de Galileu é exemplar, porque, para ele, "o grande livro da Natureza está escrito em caracteres matemáticos", estando ausente dessa concepção de ciência toda a referência ao subjectivo e ao qualitativo (tal como concebido por Aristóteles). Para Galileu, fazer Ciência corresponde a analisar os corpos da Natureza através de suas características quantitativas e objectivas, ou seja, de sua forma, espaço, tempo, movimento, extensão e não de suas cores, sabores e odores, tendo em vista um saber verdadeiro, identificado ao saber matemático, cujas verdades são necessárias, universais, rigorosas, precisas e objectivas. Desde então, falar em Ciência significa perseguir um ideal de objectividade e de cientificidade, nos moldes da Matemática e não da Filosofia, voltada para o sujeito do conhecimento. Ciência significa, portanto, objectividade do conhecimento. Tendo por objecto de estudo a Natureza, as Ciências Naturais (Física, Química, Biologia, Geografia) se separam da Filosofia a partir do século XVII, tomando como modelo o ideal de cientificidade calcado na Matemática e validado pela experimentação. Como essas Ciências são capazes de estudar a Natureza de modo preciso, rigoroso e, de certo modo, acabado, só restará à Filosofia dedicar-se ao estudo do Homem. No entanto, no século XIX e no início do século XX, surgem as Ciências Humanas ou Sociais (Sociologia, História, Antropologia, Psicologia, Linguística, etc.), que reivindicam para si a propriedade de estudar esse objecto em conformidade com o modelo das Ciências Naturais. O aparecimento das Ciências Humanas termina por separar e distinguir a Filosofia da Ciência. Não há, então, mais algum modo de relacionar a Filosofia e a Ciência? Não tem mais a Filosofia nenhum n enhum papel na compreensão da Natureza e do Homem? É preciso, assim, retomar a relação entre Filosofia e Ciência como formas distintas de colocar problemas.
A questão da objectividade e da cientificidade na Ciência e nas Ciências Humanas. A partir da Revolução Científica do século XVII, o estatuto de cientificidade da Ciência passa a ser definido em função de um método rigoroso, pautado numa linguagem matemática, exacta, objectiva, universal e necessária, desvinculada de toda a subjectividade e valor. A Ciência deve, de ve, assim, ser entendida como uma forma de conhecimento, cuja tarefa é a de apropriar-se do real e explicá-lo de modo objectivo, mediante o estabelecimento de leis universais e necessárias entre os fenómenos, leis estas previsíveis e passíveis de controle experimental. Observa-se, deste modo, uma relação intrínseca entre a cientificidade e a objectividade de uma ciência. O modelo de cientificidade e de objectividade da Matemática e das Ciências da Natureza torna-se o ideal de cientificidade e de objectividade a ser procurado nas Ciências Humanas. Toda esta busca suscita uma série de questões: as Ciências Humanas, tendo uma especificidade própria, não devem ser construídas segundo o modelo de explicação das Ciências Naturais? Se elas não seguem este modelo, podem ser ditas Ciências? Se o modelo de cientificidade das Ciências Naturais se
estrutura na objectividade, na ausência de aspectos subjectivos e qualitativos, como fazer com que as Ciências Humanas sejam Ciências, se o seu objecto de estudo, o Homem, é o domínio da subjectividade, dos valores? Sendo assim, podem ser construídas segundo outro modelo de cientificidade? Em suma, questiona-se a cientificidade da Ciência em termos restritos à objectividade. São as Ciências Humanas apenas o domínio da subjectividade? Não são estas Ciências subjectivas e objectivas no que se refere aos seus objectos de estudo? O mesmo não poderia ser dito das Ciências Naturais? Todas estas questões apontam para a problemática da subjectividade e da objectividade nas Ciências Naturais e nas Ciências Humanas. Neste aspecto, a crise dos fundamentos, ocorrida no final do século XIX e no decorrer do século XX, tornou possível pensar a construção de um modelo de cientificidade para as Ciências Humanas e a Filosofia, em moldes distintos daqueles das Ciências Naturais." Adaptado de http://www.sectec.rj.gov.br/redeescola/especialistas/filosofia/tema02/filtm02.html
EXPLICAÇÃO E COMPREENSÃO O século XIX assiste a um despertar e a um desenvolvimento do estudo do homem, da sua história, da sua linguagem e dos seus costumes, equivalente àquele que no século XVII se verificara relativamente ao estudo da natureza. Ou seja: tal como as Ciências da Natureza nascem, na sua cientificidade própria e específica, no século XVII, também as Ciências Humanas, as Ciências Sociais ou Ciências do Espírito nascem efectivamente no século XIX. Não nascem, todavia, pacificamente. Esse nascimento é marcado por um conflito de modelos de inteligibilidade [...]. Neste conflito entre modelos de inteligibilidade, um dos pólos é representado pelo positivismo, que [...] procura, na concretização desse sonho, transpor para as Ciências Humanas o ideal da inteligibilidade em que assenta a cientificidade das Ciências da Natureza. [...] Ao primado metodológico das Ciências da Natureza sobre as Ciências do Espírito defendido pelo positivismo, vai opor-se um grupo de autores extremamente significativo na segunda metade do século XIX, de que é justo destacar Droysen e Dilthey, que virão a cunhar definitivamente os conceitos de explicação e compreensão e a pugnar tenazmente pela autonomia metodológica das Ciências do Espírito. [...] É neste quadro que se insere a reformulação do binómio metodológico entre as Ciências da Natureza e as Ciências do Espírito, por Droysen e por Dilthey. O primeiro cunha definitivamente a distinção entre explicar e compreender, como indícios e marcas de dois processos distintos no âmbito do saber: assim, ao método científico físico-matemático corresponderia um conhecimento explicativo e ao a o método científico histórico corresponderia um conhecimento compreensivo. Dilthey aprofunda esta distinção institucionalizando correlativamente a expressão Ciências do Espírito. Assim, para ele, as manifestações da vida e as objectivações do homem ho mem no mundo social e histórico constituem o principal ponto de abordagem das Ciências do Espírito e a via de acesso a elas é a compreensão, a qual definirá a atitude hermenêutica face à história". J. M. André (1993). "Natureza e espírito", 0 Professor, 35, Nov/Dez, pp. 8-10.