CAMPEÃO DA COPA SUL-AMERICANA
Copyright © Alexandre Giesbrecht, 2014 Versão 2.0 — revisado em maio de 2014 Projeto gráfico e diagramação: Alexandre Giesbrecht Capa: arte de Alexandre Giesbrecht
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DADOS PARA CATALOGAÇÃO Giesbrecht, Alexandre Linhares São Paulo: campeão da Copa Sul-Americana 2012 / Giesbrecht, Alexandre — São Paulo: edição do autor, 2014 ISBN 978-85-913662-2-4
1. Esportes — História. 2. Futebol. 3. Copa Sul-Americana. I. Giesbrecht, Alexandre Linhares. II. Título.
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A L E X A N D R E L I N HA R E S G I E S B R E C H T
CAMPEÃO DA COPA SUL-AMERICANA 2012
1.a edição São Paulo 2014 Edição do autor
Aos meus amigos da arquibancada azul.
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PREFÁCIO
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eixei meu prédio pra trás, na mesma quadra onde ficava a sede da A. A. das Palmeiras, e caminhei em direção ao Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho relembrando fatos da nossa história. Eram lembranças desde que a agremiação alvinegra, que evoluiu com a chegada da listra vermelha, em 1930, até o campo de jogo daquela noite, palco das grandes exibições de um dos maiores quadros da nossa história, nos anos 1940 e, logo depois, rebatizado em homenagem a um dos nossos honrados presidentes. Os passos apressados junto à nossa gente, que ia engrossando a cada esquina até chegar às filas para tomar as arquibancadas, eram recheados de otimismo: o São Paulo havia vencido a partida de ida contra a respeitável Universidad de Chile, e a expectativa era a melhor possível. Com a obrigação do escrete chileno de buscar o resultado, tínhamos a vantagem de contra-atacar em velocidade com o Lucas.
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O que eu não imaginava é que os noventa minutos de bola em jogo seriam inesquecíveis. Foi uma das partidas mais bonitas no estádio da cidade e uma das apresentações mais aplaudidas da nossa história. Também não imaginava que desta noite eu sairia com uma grande amizade. Assim que li sobre a publicação do primeiro livro do Alexandre, contando a história do nosso campeonato nacional de 1977, devorei a obra sem conseguir desgrudar-me dela. A impressionante riqueza de detalhes fez-me voltar no tempo, sem me preocupar com a falta de calças boca de sino no guarda-roupa. Aquele campeonato, tão complexo e desorganizado quanto recheado de craques que duraram até os anos em que dominamos o planeta, era finalmente dissecado e explicado a contento. As divertidas e inesquecíveis cenas de catimba do Waldir Peres ganhavam 134 páginas de companhia, e o timaço que ergueu a Taça Caixa Econômica Federal (a das bolinhas) pela primeira vez tinha sua história eternizada de maneira surpreendente. Uma mensagem no celular avisou-me que o autor já estava nas “numeradas manga”, setor descoberto ao lado das arquibancadas populares do Pacaembu. Sendo ele outro defensor das tradições tricolores, já estávamos orgulhosos com nosso lábaro tremulando ao lado da cancha. Encontramo-nos separados por uma grade, comentamos sobre os emails que trocamos desde que entrei em contato para elogiar e agradecer pela obra e combinamos de assistir aos próximos jogos juntos. Que baita contratação para o nosso grupo! Sem marcar, passamos a nos encontrar próximo ao canto direito da arquibancada azul do Morumbi e em tantos outros espaços separados para a torcida do clube com a maior coleção de
Prefácio
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troféus do Brasil, em estádios que alcançamos voando ou pagando pedágios. Nas próximas páginas, o leitor terá a oportunidade de relembrar em detalhes a conquista do inédito troféu da Copa Sul-Americana pelo São Paulo Futebol Clube. O Alexandre novamente brinda-nos com material de referência sobre uma grande conquista, desta vez com sua pesquisa enriquecida pela maneira mais deliciosa de vivenciar o futebol: a arquibancada. Aprecie-a e junte-se a nós! Fábio Carbone de Moraes
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APRESENTAÇÃO
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odo campeão merece uma edição comemorativa. Mas edições comemorativas andam cada vez mais raras no Brasil. A revista Placar publica anualmente edições especiais celebrando os campeões brasileiros desde 2005, mas ignora outras competições — à exceção da Série B de 2008 e da Libertadores de 2012, que, não por coincidência, tiveram o mesmo clube como campeão. O resto ganha um pôster e mais nada. Enquanto escrevia o texto que deu origem a este ebook, apostava comigo mesmo que o campeão da Copa Sul-Americana de 2012 não ganharia sua edição com a marca da mais antiga revista de futebol ainda em circulação no Brasil, ainda que fosse o São Paulo Futebol Clube. (Escrevi boa parte do texto entre as duas partidas da final contra o Tigre e torcendo para não atrair a famosa “zica” para o jogo de volta, no Morumbi.) Como imaginava que iria “ganhar” a aposta, preparei a “minha” edição comemorativa do título tricolor,
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que foi distribuída gratuitamente no formato PDF, poucos dias depois de Rogério Ceni colocar mais uma taça sobre sua cabeça e no Taçódromo do clube. O resultado, claro, não foi uma edição comemorativa normal. Como não precisava ser vendida em bancas (ou em qualquer outro lugar), pude fazer textos mais aprofundados, contando a história de antes de seu início até seu polêmico fim, apresentando ainda algumas fotos colhidas da cobertura “oficial”, além de dois dos maravilhosos registros do blog El Morumbí Te Mata, de Cleber Machado. As fotos não foram reproduzidas na versão eletrônica, mas o PDF original ainda pode ser encontrado em ge.tt/7vLc7gT/v/5. Deu algum trabalho para contar esta história, mas nada que não tenha sido feito de maneira prazerosa. Mesmo no primeiro capítulo, que trouxe algumas más lembranças. Valeu também por eu me lembrar de curiosidades que já tinham sido enterradas na memória, como a atuação do juiz paraguaio Julio Quintana no jogo contra a Liga de Loja no Morumbi: ele conseguiu se atrapalhar de maneiras diferentes em três lances relativos a pênaltis para o São Paulo. Também foi possível reviver o desespero com os quase infinitos gols perdidos nos dois jogos contra a Universidad Católica. Se não foi uma campanha memorável, devido aos cinco empates, foi uma campanha invicta, consistente e revigorante, algo de que a torcida tricolor precisava havia quatro anos. O anticlímax do jogo final, atrapalhado por uma atitude antidesportiva do adversário, serve para mostrar que nossas conquistas também podem ser sofridas, ao contrário do que os times de 1992, 1993 e 2005 puderam nos fazer crer. E, para os poucos que duvidavam da paixão de nossos partidários,
aPreSentação
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a pulsação do “monstro que respirava, mexia e fervia como antigamente, com seus novos dentes vermelhos” — não havia como não “roubar” esta esplendorosa metáfora do Fábio Carbone, do Creio em São Paulo F.C., que também assina o prefácio desta obra — foi uma prova inatacável do que representa o escudo de cinco pontas para uma massa muito maior que os 67 mil pagantes da final. Enfim, este título não rivaliza com nenhuma de nossas três Libertadores em termos de importância, mas traz uma alegria que bem merecemos depois do sofrimento do primeiro semestre daquele já longínquo 2012 e também de praticamente todo o esquecível ano de 2013.
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INFERNO ASTRAL
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orria o mês de junho, e o São Paulo, se não conseguia decolar no Brasileiro, também não frequentava a metade de baixo, algo de que seus três rivais não podiam se gabar naquele momento. Na outra competição do semestre, a Copa do Brasil, o tricolor tinha vencido o jogo de ida das semifinais, contra o Coritiba, no Morumbi. Pelo placar mínimo e com um gol de Lucas no finalzinho, é verdade, mas não sofrer gols em casa também foi considerado importante. No dia 17, domingo entre a partida de ida e a de volta pelo torneio eliminatório, o adversário seria a sensação do Campeonato Brasileiro, o Atlético-MG. O jogo teve clima de festa, pela celebração do aniversário de vinte anos da primeira conquista da Libertadores, que contou com a presença de diversos ex-jogadores, incluindo Raí, que ganhou de Luís Fabiano uma placa alusiva ao gol marcado na final contra o Newell’s Old Boys. A tarde seguiu festiva para o atacante
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são-paulino, que marcou o gol da vitória aos 41 minutos do primeiro tempo. É verdade que o sinal de alerta aler ta já havia soado dezoito minutos antes, quando Fabrício, voltando a jogar depois de mais de setenta s etenta dias, teve de deixar o gramado contundido pela terceira vez no ano. Mas o gol do Fabuloso deu a impressão de que era só um pequeno peq ueno acidente de percurso. No final do segundo tempo, a coisa começaria a mudar de figura: o centroavante foi expulso por reclamar do árbitro. Mesmo sendo sua primeira expulsão desde que voltou voltou da Europa, ela gerou polêmica, e a diretoria anunciou uma multa ao jogador. jogador. Mais Mais tarde, tarde, ele divulgou divulgou um vídeo vídeo desculpando-se desculpando-se e anunciando que iria mudar e já sabia como. Obviamente, essa expulsão não foi o detonador do que estava por vir, porém ela pode ser considerada o momento em que a maré virou. Três dias depois, o Coritiba fez 2 a 0 no Couto Pereira e eliminou o São Paulo. A partida seguinse guinte, pelo Brasileiro, contra a Portuguesa no Canindé, ficou marcada por protestos de parte da torcida e terminou com nova derrota tricolor: 1 a 0. Assim, o técnico Emerson Leão não viu o mês de julho chegar, ao menos não de dentro dos portões do CT da Barra Funda. Com Mílton Cruz mais uma vez fazendo as funções de interino, a equipe deu uma respirada, com boa vitória sobre o Cruzeiro em Belo Horizonte (3 a 2) e uma pequena vingança sobre o Coritiba no Morumbi (3 a 1). Os bons resultados, como de costume, não o manteriam no cargo, pois o próprio assistente admitia não querer assumir o time. A solução foi apelar à CBF, CBF, para que liberasse seu coordenador das divisões de base, Ney Franco. Aliada do tricolor desde o início do ano, após o são-paulino José Maria Marin assumir a presidência em lugar de
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Ricardo Teixeira, a entidade não impôs dificuldades, e Ney já estava estava no Morumbi para acompanhar a vitória vitória sobre o Coritiba. Coriti ba. Definido o novo técnico, era hora de tentar engrenar no Brasileiro, mas as duas primeiras partidas sob seu comando mostraram que ele ainda teria muito trabalho pela frente: um triste empate contra o Palmeiras, em Barueri (1 a 1), e uma derrota perante o Vasco no Morumbi pelo placar mínimo. Para piorar, os dois rivais municipais conquistaram, num espaço de uma semana, a Libertadores e a Copa do Brasil. Somando-se isso ao título paulista do Santos, em maio, o primeiro semestre termina ter minava va com um amargo sabor para os tricolores, que já estavam havia três anos e meio sem comemorar uma única taça. As cobranças aumentaram, pois. Se a vitória sobre o Figueirense em Florianópolis (2 a 0) chegou a dar a impressão impressã o de que as coisas estavam entrando no eixo, a partida seguinte cumpriu exatamente o oposto. O Atlético-GO chegou a abrir 4 a 1 no primeiro tempo; mesmo descontando duas vezes no segundo, o São Paulo voltou de Goiânia derrotado por 4 a 3. Fazia um mês que Leão tinha sido demitido, demi tido, e as esperanças de uma vaga na Libertadores começavam a se esvair. esvair. Não era nem a tabela de classificação que ditava isso — a cinco pontos do G4 e com 26 partidas por disputar, havia tempo de sobra para, inclusive, lutar pelo título —, mas, sim, as atuações inconsistentes. Não que tenha ha havido vido muito tempo hábil para Ney Franco implantar a sua filosofia, mas não havia mais tempo a perder. perder. A torcida precisava de um sinal de que não devia perder as esperanças. Esse sinal veio já na partida seguinte, no Morumbi, com uma goleada por 4 a 1 sobre o Flamengo. O sinal não era o
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placar dilatado. dilatado. Era a presença de Rogério Ceni, atuando pela primeira vez no ano, depois de sete meses de molho, devido a uma cirurgia no ombro direito. Com o ídolo de volta, a situação havia de melhorar…
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O BRASIL PARA TRÁS
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azia tempo, e não havia como Rogério Ceni não saber disso, ainda que não soubesse com exatidão que fazia 494 dias que ele não marcava um gol de falta — mais precisamente, seu centésimo gol, na histórica data de 27 de março de 2011. Nesse meio-tempo, três gols de pênalti e sete meses de molho recuperando-se de cirurgia. De volta quatro dias antes, na goleada por 4 a 1 sobre o Flamengo no Morumbi, ele superou as dores na coxa e no ombro operado que sentira após a partida e agora teria a primeira chance de bater uma falta desde o ano anterior. E o resultado foi como se ele não tivesse deixado de treinar um único minuto desde que foi para o estaleiro: a bola cruzou a meta no ângulo esquerdo do goleiro do Bahia, Marcelo Lomba. Foi o primeiro gol do São Paulo na Copa Sul-Americana de 2012, foi um sinal de que os quase quarenta anos de idade do arqueiro ainda não estão pesando e, acima de tudo naquele momento, foi a abertura do placar logo no começo da partida em
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Salvador. Seus colegas puderam tranquilizar-se com a forma de seu capitão e com a vantagem no placar. “A gente ganha muita experiência, ele é um cara que passa muito disso para o grupo”, explicou Cortês. “Ficamos todos muito felizes com a volta dele.” O capitão até atacaria de autor de livros de autoajuda nas entrevistas, ao avaliar seu gol: “Eu sempre digo: ‘Seja o melhor cara que você pode ser a cada coisa que você decidir fazer.’” Dito e feito. Da parte dele e do restante do time, inclusive do jovem atacante Ademílson, que estava jogando na vaga do lesionado Osvaldo e, na etapa final, marcou o segundo gol, garantindo uma vantagem considerável para o jogo de volta, no Morumbi. O novo tento foi importante também para colocar a cabeça tricolor de novo no jogo de ida, em um momento em que o Bahia era melhor, em grande parte devido a um relaxamento dos paulistas. Da pequena área, Fahel mandou uma bola no travessão ainda no primeiro tempo. No segundo, Rogério Ceni pegou uma bola no ângulo e Cortês impediu duas boas chances baianas. Não foram as únicas contribuições do lateral. Uma boa jogada sua merecia o gol, mas o lance terminou com a bola na trave. Terminou? Na verdade, não, pois Ademílson demonstrou oportunismo e não teve muito trabalho para tocar para as redes. A estreia com vitória fora de casa mandava o aviso de que o São Paulo levaria a sério a Copa Sul-Americana, ao contrário de anos anteriores, quando faltou pouco para o elenco comemorar a eliminação no torneio, um “empecilho” durante a longa caminhada do Campeonato Brasileiro, disputado simultaneamente. “Neste ano queremos levantar alguma taça e estamos tratando disso com a maior seriedade”, afirmava Jádson. “É um campeonato muito importante, e iremos com
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tudo para chegar à final.” A afirmação não era lá muito inspirada, mas, como se veria nos meses seguintes, era verdadeira. Essa determinação foi importante para superar os obstáculos do caminho, e o primeiro deles foi a contusão de Luís Fabiano na Bahia. Contra o Flamengo, ele estava voltando de uma contratura na coxa esquerda, que o deixara fora por duas partidas, e sentiu novamente dores no local, sendo substituído ainda no primeiro tempo. Desta vez, a previsão era de três semanas no estaleiro, o que o tiraria no mínimo do jogo de volta, além de cinco partidas pelo Brasileiro. Foi a quarta contusão do atacante no ano, sem contar a que o tirara da maior parte da temporada de 2011, sofrida quando ele ainda jogava no Sevilla. Outro obstáculo foram as constantes convocações de Lucas para a seleção brasileira, muitas vezes apenas para esquentar o banco. Se você notar na ficha técnica do jogo, o nome do atacante não consta da escalação, pois ele estava em Londres para as Olimpíadas. Dos seis jogos do Brasil, ele jogou um do início ao fim, em outros três entrou no segundo tempo (incluindo a final, perdida para o México por 2 a 1, quando ele entrou a cinco minutos do fim) e não saiu do banco em dois jogos. Ainda durante a campanha olímpica, foi anunciada, depois de muita especulação, sua venda para o Paris St. Germain, da França, por 43 milhões de euros, a maior transação de um jogador brasileiro para o exterior. O contrato, entretanto, previa que ele defenderia o São Paulo até o fim do ano. Fechando-o com um título, de preferência. Como a partida de volta só ocorreria depois de três semanas, a boa notícia era a volta de Lucas. Mas o clima turbulento persistia. Entre os dois confrontos com o Bahia, o São Paulo disputou cinco partidas pelo Brasileiro, e vitórias em casa
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sobre Sport (1 a 0) e Ponte Preta (3 a 0) tiveram entre si três derrotas consecutivas: Fluminense (1 a 2 em São Januário), Grêmio (1 a 2 no Morumbi) e Náutico (0 a 3 nos Aflitos). Essa última derrota, além da contundência, foi marcada por um gol contra de Rogério Ceni, quando ele mandou a bola para dentro ao tentar interceptar um cruzamento. Soaram as trombetas do apocalipse: parte da imprensa começou a questionar se não seria a hora de o goleiro se aposentar. (Por causa de um único lance!) Felizmente, não era, e, aos poucos, as trombetas foram se silenciando. Ainda havia ecos delas quando as duas equipes se alinharam para o jogo de volta, no Morumbi, numa noite de terça-feira, no estranho horário das 21h15. No peito e nas costas do uniforme número 1, o “patrocínio” do filme Soberano 2 , que conta a história da conquista do terceiro Mundial de Clubes, em 2005 — no dia seguinte, os jogadores assistiriam a uma sessão fechada do filme no cinema do Shopping JK Iguatemi. “Tanto nós [jogadores] quanto o Ney temos falado da importância de entrarmos ligados desde o primeiro minuto”, explicou Cortês. “ [O primeiro jogo] ficou para trás e agora está 0 a 0. Não podemos bobear porque, se sofrermos um gol no começo do jogo, pode complicar.” O São Paulo não bobeou na defesa, tanto é que o Bahia não criou nenhuma jogada que levasse perigo para Rogério Ceni, porém o ataque tricolor estava adormecido, de maneira quase literal. A não ser por uma defesa tranquila aos dezesseis minutos, Marcelo Lomba não precisou se mexer muito. Certamente não foi por acaso que o árbitro soprou o fim do primeiro tempo a três segundos da marca dos 45 minutos. Não seria nenhum absurdo se, durante o intervalo, alguém
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na torcida estivesse procurando altas doses de cafeína para encarar o segundo tempo, mas o “doping” não foi necessário: a etapa complementar foi muito melhor. Para quem torcia pelo time da casa, bem entendido. O tiro de advertência foi outro chute de Cícero, de novo defendido por Marcelo Lomba, mas desta vez com dificuldade. Pouco depois, o placar foi aberto e a vaga, sacramentada, com um violento chute de Willian José, de longe, violando o ângulo direito do gol baiano. O gol de Maicon, quatro minutos mais tarde, depois de jogada de Osvaldo e desvio na zaga, serviu apenas para a torcida ter mais um motivo de comemoração. Depois disso, ela teve de se contentar com aplausos para lances bonitos, como um toque de letra de Osvaldo e uma cavadinha de Paulo Miranda, frustrados por boas defesas de Marcelo Lomba. No mais, era visível que o elenco se poupava para o clássico contra o Corinthians, pelo Brasileiro, no fim de semana seguinte. A torcida não reclamava disso e até concordava: “Não é mole, não. Ganhar domingo virou obrigação.” A cavadinha de Paulo Miranda merece um parêntese, embora não pela jogada em si. Essa partida era a segunda em que o zagueiro foi improvisado na lateral direita por Ney Franco. Eleito bode expiatório pela imprensa e até pela diretoria após a eliminação nas mãos dos Santos na semifinal do Campeonato Paulista, ele tinha sido até afastado do elenco naquele mês, decisão que não agradara ao então técnico Leão. Quando Ney Franco chegou, uma de suas primeiras atitudes foi conversar particularmente com o jogador, para deixar claro que contava com ele. Paulo Miranda ainda não sabia disso, mas estava começando a ganhar uma vaga no time titular, embora ainda meio sem jeito ao puxar ataques pela lateral.
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Além de ganhar o “reforço” do agora lateral Paulo Miranda, naquela tarde o São Paulo fez sua primeira investida para outra aquisição, fazendo sua primeira oferta pelo meia Paulo Henrique Ganso, do Santos. Os santistas, entretanto, recusaram o valor de onze milhões de reais, que, na verdade foi tratado por ambos os lados como uma sondagem de receptividade. A novela ainda duraria um mês, dividindo o noticiário do time com oito partidas pelo Brasileiro. Ainda assim, o último capítulo chegaria antes da partida seguinte pela Sul-Americana. Afinal, o adversário tricolor só seria definido em 18 de setembro: a desconhecida LDU de Loja, do Equador — não confundir com a LDU mais famosa, de Quito, campeã da Libertadores em 2008 e da Sul-Americana no ano seguinte —, eliminou o Nacional, do Uruguai, ganhando em pleno Parque Central por 2 a 1 e levando a vaga pelo critério dos gols marcados fora de casa. Por outro lado, o Al-Rayyan, time do Qatar, fez uma oferta de 5,5 milhões de euros (13,7 milhões de reais no câmbio daquela semana) por Luís Fabiano. A diretoria tricolor apressou-se em recusá-la, mas a especulação ficou no ar. Pelo menos até domingo: de volta ao time no clássico contra o Corinthians no Pacaembu, o atacante marcou os dois gols da vitória de virada por 2 a 1. Fazia sete anos que o adversário não era vencido pelo tricolor no estádio municipal. Não se ouviu mais falar em oferta do Qatar. Vitória sobre o rival, esboço de reação no Brasileiro, vaga nas oitavas-de-final da Sul-Americana, possível chegada de um craque, Paulo Miranda começando a merecer a titularidade… o inferno astral parecia finalmente vencido.
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1/8/2012 BAHIA 0×2 SÃO PAULO Local: Pituaçu (Salvador, BA). Árbitro: Marcelo de Lima Henrique (RJ). Renda: R$ 224 205. Público: 12 256 pagantes. Gols: Rogério Ceni (6/1T) e Ademílson (23/2T). Cartões amarelos: Rodrigo Caio (33/1T), Diones (41/1T) e Cortês (35/2T).
21/8/2012 SÃO PAULO 2×0 BAHIA Local: Morumbi (São Paulo, SP). Árbitro: Sandro Meira Ricci (DF). Renda: R$ 193 586. Público: 10 097 pagantes. Gols: Willian José (19/2T) e Maicon (23/2T). Cartões amarelos: Rafael Tolói (27/1T) e Lulinha (43/2T). São Paulo: Rogério Ceni, Paulo Miranda Rafael Tolói (Édson
Bahia: Marcelo Lomba, Gil Bahia, Danny Morais, Titi e Gerley (Ávine INT); Fahel, Diones, Hélder e Zé Roberto (Ciro 18/2T);
Silva 24/2T) e Rhodolfo; Rodrigo Caio, Denílson, Maicon, Jádson (Willian José 11/2T) e Cortês; Lucas e Ademílson (Osvaldo
Júnior (Lulinha 9/2T) e Souza. Técnico: Caio Júnior. São Paulo: Rogério Ceni, João Filipe (Paulo Miranda 29/2T), Rhodolfo e Rafael Tolói; Douglas, Rodrigo Caio (João Schmidt 43/1T), Maicon, Jádson e Cortês; Ademílson e Luís Fabiano (Willian José 40/1T). Técnico: Ney Franco.
INT). Técnico: Ney Franco. Bahia: Marcelo Lomba, Diones, Titi, Danny Morais e Victor Lemos; Fahel, Mancini, Zé Roberto e Gabriel (Vander INT); Lulinha e Júnior (Ciro 8/2T). Técnico: Caio Júnior.
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A LIGA DEU TRABALHO
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a verdade, o inferno astral não tinha acabado; tinha apenas arrefecido. Depois da goleada por 4 a 0 sobre o Botafogo, no penúltimo dia de agosto, o São Paulo engatou setembro com uma sequência de quatro jogos sem vitória: derrota para o Bahia (0 a 1 em Pituaçu), empates com Internacional (1 a 1 no Morumbi) e Santos (0 a 0 na Vila Belmiro) e derrota para o Atlético-MG (1 a 0 no Independência). A primeira vitória no mês só veio no dia 15, sobre a Portuguesa (3 a 1 no Morumbi). Uma semana depois, a vitória por 1 a 0 sobre o Cruzeiro, também na casa tricolor, ampliou a série invicta diante do time mineiro no Brasileiro para incríveis dezessete jogos. Mas a partida ficou marcada, mesmo, pela apresentação à torcida de Paulo Henrique Ganso, que finalmente tinha assinado contrato após o Santos aceitar a oferta são-paulina de 23,9 milhões de reais pela sua parte nos direitos federativos do meia. O grupo
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DIS, que já detinha parte desses direitos, contribuiu com 7,5 milhões de reais do valor pago e aumentou sua fatia; o São Paulo banco o resto do montante. Foi o mais alto valor de uma negociação entre dois clubes brasileiros. Nesse clima de euforia, o São Paulo foi a Loja, no Equador, para pegar a Liga Deportiva Universitaria local. Por mais que a maioria dos brasileiros que acompanharam a Copa Sul-Americana só tenha ouvido falar de Loja (pronuncia-se “Lôrra”) quando o clube da cidade ficou definido como adversário tricolor, a cidade não é tão pequena assim, contando hoje com cerca de duzentos mil habitantes. Além disso, é muito importante no cenário cultural equatoriano: tem a segunda mais antiga universidade ainda em funcionamento no país, a Universidad Nacional de Loja, e é considerada a capital musical e cultural do Equador, por sua tradição nas artes. Foi até a primeira cidade do país a contar com energia elétrica, em 1897. Se o Equador já é longe, Loja fica a mais de seiscentos quilômetros da capital, Quito. A maneira que a diretoria encontrou para levar a equipe ao destino envolveu quase vinte horas de viagem, de avião e de ônibus. Périplo vencido, a recepção foi calorosa, com a comitiva são-paulina recebendo do prefeito da cidade, Jorge Bailon Abad, o título de “visitante ilustre da cidade de Loja”. “Em nome da cidade de Loja, queria dizer que foi uma honra receber vocês em nossa pequena, mas amável cidade”, discursou Bailon. “Somos um povo hospitaleiro, que sabe receber as pessoas e sabe reconhecer as qualidades e as virtudes dos outros. Vocês têm uma história mundial de conquistas que qualifica nossa cidade e engrandece nosso povo.” Agrados à parte, o cansaço pela viagem nem era a única preocupação dos jogadores, que não participaram da cerimô-
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nia: havia ainda os dois mil metros de altitude em Loja. “Nós preparamo-nos para este momento”, explicou Ney Franco. “Quando vimos que a Liga de Loja se classificara, soubemos que seria uma viagem desgastante. Nossa equipe está muito bem preparada para disputar os dois torneios. O desgaste da viagem não vai influenciar o time.” A impressão de se teve ao assistir a partida, entretanto, foi que o desgaste influenciou, sim. Mesmo com uma formação mais ofensiva, com três homens de velocidade no ataque (Lucas, Ademílson e Osvaldo), o São Paulo quase não criava. Os reverentes lojanos perceberam as dificuldades do adversário e equilibraram a partida, embora sem competência para incomodar Rogério Ceni. O placar só foi aberto meio que por acaso, quando Osvaldo tentou um cruzamento e Bermúdez jogou-se no caminho da bola, desviando-a de cabeça para dentro da própria meta. O empate foi menos sem querer. No fim do primeiro tempo, Denílson roubou a bola de Calderón, mas o árbitro chileno deu uma falta daquelas difíceis de se ver em competições internacionais, que, inclusive, valeu ao volante um cartão amarelo. Após a cobrança da falta, a bola sobrou para Larrea, que, completamente desmarcado,chutou de fora da área, colocado, no ângulo esquerdo de Rogério. Um golaço. O goleiro protestaria mais tarde contra a falta marcada: “ [O juiz] é caseiro, ele teve medo da torcida. A falta foi inexistente, e o gol saiu. Erramos na marcação também. Não poderíamos deixar chegar aonde ele chegou. Só estou reclamando de um lance que não é normal marcar em Copa Sul-Americana ou Libertadores. O Denílson tira a bola e ele dá a falta, depois sai o gol. Não é natural em árbitro de primeira linha.”
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As mudanças de Ney Franco no segundo tempo tiraram a característica ofensiva do time (no papel, claro), mas o resultado foi o mesmo, com poucos lances de perigo dos dois lados. No final do jogo, ambos os times pareciam satisfeitos com o resultados. O São Paulo talvez um pouco mais, por ter marcado um gol fora de casa e percebido que seria muito difícil a vaga escapar no Morumbi. Lucas, por exemplo, não escondia isso: “Pelas situações do jogo, o empate ficou de bom tamanho, pelo gol fora. Foi complicado jogar aqui, uma pressão enorme, a equipe deles chega junto, o campo não ajuda. Mas no Morumbi dá para passar.” Novamente haveria um intervalo de quase um mês entre as partidas pela Sul-Americana. Nesse ínterim, uma arrancada com quatro vitórias sem sofrer gol, aliada à queda livre do Vasco (que chegou, em determinado momento, a perder seis partidas seguidas), catapultou o tricolor ao G4 no Brasileiro ao fim da trigésima rodada. Como o time não deixaria mais escapar essa posição, a Sul-Americana passaria a ser válida apenas pela conquista, e não mais pela vaga na Libertadores. O único resquício de inferno astral que ainda sobrava era a fase de Luís Fabiano na marca penal: em dois jogos seguidos (vitória por 2 a 0 sobre o Atlético-GO no Morumbi e derrota por 1 a 0 para o Flamengo no Engenhão), ele perdeu pênaltis, e foi anunciado em seguida que Rogério Ceni voltaria a batê-los. Não foi a única decisão referente ao atacante naquela semana. Para o jogo de volta pelas oitavas-de-final da Sul-Americana, três dias após a derrota no Rio de Janeiro, ele seria poupado devido a dores na coxa esquerda. Sua vaga seria novamente de Ademílson, depois de algum mistério feito por Ney Franco.
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E o atacante entrou com tanta vontade que sofreu um pênalti de Vera logo aos onze minutos de jogo. O problema é que o árbitro paraguaio Julio Quintana, de frente para o lance, não viu da mesma maneira e nada marcou, apesar do lance claro. Quintana, aliás, estava com algum problema em relação à regra 14. Depois desse lance, ele apitou um tiro de meta com tanta veemência que enganou a torcida e Rogério Ceni, que já estava atravessando o campo para cobrar uma suposta penalidade de Vera sobre Paulo Miranda. “Eu fui pela sinalização [do juiz] ”, explicou Ceni. “Depois eu vi que era tiro de meta. O jogador deles foi quem me falou.” E o paraguaio ainda tinha mais uma pataquada na manga: nos acréscimos do primeiro tempo, ele apontou para a marca da cal, após ver uma cotovelada do mesmo Vera em Ademílson. Mas voltou atrás, pressionado que foi pelos equatorianos. O São Paulo, por outro lado, não conseguia fazer pressão — nem no árbitro nem no gol adversário, a não ser por algumas poucas chances. Assim como em Loja, Osvaldo era o melhor do time, desta vez criando duas oportunidades, uma que passou perto da trave e outra defendida pelo goleiro Palacios. O domínio era são-paulino; disso não havia dúvidas. Mas não era um domínio clamoroso. A classificação só não ficou ameaçada porque a Liga de Loja quase não chegou perto do gol de Rogério Ceni, obrigando-o a fazer apenas uma defesa no jogo, e nem tão difícil assim, apesar de um pouco heterodoxa. Mesmo com essa única defesa, ele acabou saindo de campo como protagonista, mas não da maneira habitual. Durante o segundo tempo, ele gesticulara bastante, pedindo a Ney Franco que mexesse no time. “Foi um pedido com nome”, revelou o técnico, com certa irritação, na entrevista coletiva. “Ele pediu
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o Cícero. Eu optei pelo Willian José. Foi só isso que aconteceu.” É o tipo de situação que é explorado ao máximo, apesar de corriqueiro. Surpreso com a repercussão, o arqueiro falou no dia seguinte sobre o assunto: “Para mim, não aconteceu absolutamente nada, é do jogo. São reações do jogo e nem prestei atenção. Com relação ao Ney, não há problema nenhum, tenho carinho enorme por ele, é um cara dez. São lances do jogo, ele escolhe quem entra e quem sai da partida e sempre será assim. Ele falou comigo normalmente [no dia seguinte] , como fez com os demais, e tocou, sim, nesse incidente, que para mim nem existiu.” Mais um dia se passou, e o assunto já era página virada. “Sou um treinador de diálogo”, disse Ney Franco, encerrando o assunto. “Acredito na troca de experiência e informações. Isso não vai mudar minha carreira, não tem problema nenhum e só iremos sair fortalecidos. São pessoas que estão só querendo o bem e os bons resultados do São Paulo.” Fim de caso. Outras palavras de Ney Franco, estas logo após a partida, passaram despercebidas, ofuscadas que foram pela polêmica e pelo aparente absurdo. “É um jogador em quem aposto”, afirmou, falando sobre Willian José, que tinha sido alvo de vaias da torcida. “Está passando por um momento turbulento, mas acho que pode ser um dos maiores atacantes do futebol brasileiro.”
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26/9/2012 LIGA DE LOJA 1×1 SÃO PAULO Local: Estádio Federativo Reina del Cisne (Loja, EQU). Árbitro: Julio Bascuñan (CHI). Renda: não divulgada. Público: 13 751 presentes. Gols: Osvaldo (36/1T) e Larrea (44/1T). Cartões amarelos: Denílson (42/1T), Osvaldo (18/2T), Rhodolfo (37/2T), Salas (39/2T) e Wellington (45/2T). Liga de Loja: Alvarado, Gómez, Vera, Cumbicus (Bermúdez
24/10/2012 SÃO PAULO 0×0 LIGA DE LOJA Local: Morumbi (São Paulo, SP). Árbitro: Julio Quintana (PAR). Renda: R$ 326 533. Público: 15 208 pagantes. Car-
19/1T) e Hurtado; Mosquera (Cordero 28/2T), Larrea, Uchuari
e Lucas; Osvaldo e Ademílson (Willian José 31/2T) e Osvaldo.
e Feraud; Calderón (Salas 21/2T) e Fábio Renato. Técnico: Paul Vélez. São Paulo: Rogério Ceni, Paulo Miranda, Rafael Tolói, Rhodolfo e Cortês; Denílson (Wellington 12/2T), Maicon e Jádson (Willian José 23/2T); Lucas, Ademílson (Douglas 12/2T) e Osvaldo. Técnico: Ney Franco.
Técnico: Ney Franco. Liga de Loja: Palacios, Gómez, Vera, Cumbicus e Hurtado; Larrea, Mosquera, Uchuari (Wila 38/2T) e Feraud; Alcivar e Fábio Renato. Técnico: Paul Vélez.
tões amarelos: Osvaldo (16/1T), Alcivar (38/1T), Wellington (38/1T), Vera (42/1T) e Cumbicus (11/2T). São Paulo: Rogério Ceni, Paulo Miranda, Rafael Tolói, Rhodolfo e Cortês; Wellington, Denílson, Jádson (Douglas 36/2T)
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esta vez, o São Paulo tinha entrado em campo apenas uma vez pelo Brasileiro entre as duas partidas pela Sul-Americana. Na Ilha do Retiro, saiu atrás do Sport, mas virou o jogo para 4 a 2, com atuação de gala de Lucas, autor de três dos tentos. Mesmo assim, as dificuldades contra a Liga de Loja sugeriam que o embate seguinte, contra a badalada Universidad de Chile, defensora do título do torneio, seria uma guerra de nervos ainda maior. Uma das equipes mais temidas do continente desde o ano anterior, os comandados do técnico argentino Jorge Sampaoli tinham um estilo ofensivo e encantador. Esse estilo ofensivo foi prato cheio para o São Paulo logo no início do jogo de ida, em Santiago. O brinde agora ficou a cargo de Willian José, uma semana após as vaias no Morumbi. Com Luís Fabiano poupado novamente — talvez o único sinal de que em algum momento a competição internacional
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não foi a prioridade são-paulina, já que o artilheiro tinha jogado os noventa minutos no Recife —, ele foi o escolhido de Ney Franco, que provou que seu discurso não era para o vento. E o atacante fez a sua parte, talvez ajudado pela distância da torcida, que o vinha intimidando com cobranças nos jogos em casa. “Depois das vaias, eu comecei a treinar ainda mais forte, esperando pela chance”, comemorou. “E agarrei-a com as duas mãos. Faço o meu trabalho no dia a dia, sei da minha responsabilidade de substituir o Luís [Fabiano] e agradeço muito ao Ney por acreditar em mim.” Primeiro recebeu, logo aos sete minutos, um lançamento pela meia esquerda. Apesar de ter dominado a bola com um pouco de dificuldade, o chute, de fora da área, saiu certeiro. O goleiro Johnny Herrera não teve chances, mesmo com a bola passando perto dele. Dez minutos depois, Wellington puxou um contra-ataque rápido e tocou para Lucas na direita. Ele invadiu a área e tocou no meio, onde um zagueiro amorteceu a bola, na medida para Willian José dominar, chutar e comemorar. Difícil imaginar um melhor início de jogo do que esse, mas a situação melhoraria para o tricolor aos 25 minutos, com a expulsão de Mena, que errou um recuo para Herrera e foi obrigado a segurar Osvaldo, que, não fosse pela falta, se aproveitaria da falha para disparar sozinho rumo ao gol. Cartão vermelho direto, como manda a regra. E alívio para Douglas, que estava sofrendo para conter os avanços do lateral adversário. Sim, o improvisado Paulo Miranda estava fazendo falta na direita! O problema é que o jogo só ficou mais fácil no papel: La U não deixou de atacar, embora com menos força. Até o fim do primeiro tempo, Cortês, Lucas e Rhodolfo tomaram cartões amarelos. A fim de evitar a expulsão de quem estava mais
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sobrecarregado pela pressão adversária, Ney Franco substituiu Cortês no intervalo, movendo Douglas para a lateral esquerda e Wellington para a direita. Os chilenos então cresceram. Nem parecia mais que tinham um jogador a menos, acuando o tricolor, embora não tenham criado muitas jogadas de perigo. As poucas que criaram pararam em Rogério. Não demorou para Édson Silva entrar no lugar de Jádson, na tentativa de reequilibrar o jogo. Esse intuito foi conseguido, mas o domínio não voltou. Com o placar inalterado até o fim, o resultado quebrou uma invencibilidade de 25 jogos da Universidad de Chile em casa, desde a Libertadores de 2010. Rogério Ceni só lamentava a oportunidade perdida de golear e transformar o jogo de volta em um amistoso de luxo. “É uma boa vantagem”, avaliou. “Mas, para quem teve o segundo tempo inteiro, dava para ter construído algo a mais.” Lucas demonstrava um otimismo cauteloso: “Sabíamos das dificuldades, mas também sabíamos que tínhamos elenco para vir aqui e ganhar. Mas não tem nada resolvido. Da mesma forma que nós vencemos aqui, eles podem nos vencer lá.” Já o herói do jogo só queria saber de marcar mais gols, de preferência em casa. “Ele [Ney Franco] vem conversando comigo”, contou Willian José. “Eles falam para eu ter tranquilidade no Morumbi, a torcida acaba pegando no meu pé. Quero fazer gols lá. Quero dar a resposta a eles dentro de campo, lá no Morumbi.” Havia dois empecilhos para isso. O primeiro é que ele não seria escalado entre os titulares no próximo jogo; o segundo é que a partida de volta seria no Pacaembu, em vez de no Morumbi, alugado para um concerto da cantora pop Lady Gaga. Antes desse jogo, uma partida pelo Brasileiro, contra o Fluminense, futuro campeão, esta, sim, no Morumbi, com
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público de 54.118 pagantes, até então o maior do ano no Brasil. O empate por 1 a 1 foi frustrante, mas sem grandes consequências, pois ninguém ameaçava a vaga no G4. Cada vez mais, a Sul-Americana virava a prioridade tricolor, e a partida no Pacaembu, a primeira como mandante no estádio municipal desde 18 de fevereiro de 2006, já dava essa ideia. Mais de 32 mil pagantes assistiram a um jogo que teve contornos quase sádicos. A proposta da Universidad de Chile era atacar desde o início, para tentar reverter o revés da ida. “Todos nos dão por mortos”, avisava o capitão Pepe Rojas. “Mas este grupo tem algo que sai de dentro em partidas como esta.” De fato, o time começou sufocando a saída de bola do São Paulo. Mas deixando buracos atrás. Era tudo o que Ney Franco queria. No primeiro contra-ataque, logo aos quatro minutos, Jádson recebeu na esquerda, cortou para o meio e, ainda de fora da área, chutou no canto de Johnny Herrera. Depois, Lucas recebeu lançamento pelo meio, deu uma meia-lua no zagueiro e chutou na saída de Herrera. Nem havia dado a metade do primeiro tempo, e já estava repetido o placar de Santiago. Sete minutos mais tarde, outro lançamento pelo meio, agora para Luís Fabiano, que só deu um toque de leve para encobrir o goleiro e fechar a conta. Quer dizer, a conta do primeiro tempo. Todos os gols tinham saído em contra-ataques, comprovando que o estilo ofensivo de La U era perfeito para o do São Paulo, ao contrário da retranca da Liga de Loja. Sempre que subiam ao ataque, os azuis deixavam espaços que foram muito bem aproveitados pelos são-paulinos, e a cobertura era lenta. Como já era de se esperar, o segundo tempo começou num ritmo mais tranquilo. Já pensando em poupar Lucas e Luís Fabiano, Ney Franco só não os substituiu no intervalo para
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dar a eles a oportunidade de ser ovacionados pela torcida. A saída dos dois craques não significava o fim do jogo, porque Rafael Tolói cobrou, de muito longe, uma falta com violência e a bola entrou no ângulo. O gol serviu como espécie de redenção do zagueiro, que tinha falhado no gol do empate do Fluminense, no fim de semana anterior. E ainda havia tempo para Cortês dar um drible desconcertante, invadir a área e achar Jádson, livre. O desvio do meia foi certeiro, embora não sem antes ter batido na mão do zagueiro chileno. Com a goleada construída, isso pouco importava. “Foi uma noite especial”, celebrou Luís Fabiano. “Sabíamos que o rival era perigoso, mas entramos concentrados, fizemos um grande jogo e mostramos que estamos no caminho certo. Esse título está amadurecendo.” Os jogadores eram unânimes ao exaltar a torcida, que encerrou o jogo cantando “O campeão voltou”. Classificado, o time ainda não sabia qual seria o adversário nas semifinais, pois o cruzamento seria alterado para que equipes de um mesmo país se enfrentassem nessa fase. Havia quatro possibilidades: Grêmio (se os gaúchos passassem pelo Millionarios, da Colômbia), Independiente, da Argentina (se os rojos batessem a Universidad Católica, do Chile, o também argentino Tigre não passasse pelo paraguaio Cerro Porteño e o Grêmio fosse eliminado pelos colombianos), Millionarios (se batesse o Grêmio e os dois argentinos remanescentes fossem às semifinais) ou Universidad Católica (se os chilenos vencessem o Independiente e o Millionarios, o Grêmio). Como no dia seguinte a Católica bateu o Independiente em casa por 2 a 1 e se classificou, o máximo que se podia prever era que Independiente e Millionarios não eram mais possibilidade. Na
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semana seguinte, a vitória dos colombianos sobre o Grêmio por 3 a 1 deu a eles a vaga, e os cruzamentos não precisaram ser alterados. O São Paulo viajaria novamente ao Chile. 31/10/2012 UNIV. DE CHILE 0×2 SÃO PAULO Local: Estádio Nacional (Santiago, CHI). Árbitro: Martín Vásquez (URU). Renda e público: não disponíveis. Gols: Willian José (8/1T e 18/1T). Cartões amarelos: Rojas, Douglas, Rhodolfo, Cortês e Lucas. Cartão vermelho: Mena (25/1T).
Univ. de Chile: Johnny Herrera, Acevedo, González, Rojas e Mena; Aránguiz, Martínez (Marino 33/2T), Lorenzetti (Rodríguez INT) e Cereceda (Duma 12/2T); Gutiérrez e Ubilla. Técnico: Jorge Sampaoli. São Paulo: Rogério Ceni, Douglas, Rafael Tolói, Rhodolfo e Cortês (Maicon INT); Wellington, Denílson e Jádson (Édson Silva 14/2T); Lucas, Osvaldo (Ademílson 32/2T) e Willian José.
Técnico: Ney Franco.
7/11/2012 SÃO PAULO 5×0 UNIV. DE CHILE Local: Pacaembu (São Paulo, SP). Árbitro: Enrique Cáceres (PAR). Renda: R$ 961 765. Público: 32 636 pagantes. Gols: Jádson (4/1T), Lucas (21/1T), Luís Fabiano (28/1T), Rafael Tolói (19/2T) e Jádson (31/2T). Cartões amarelos: Maicon, Martínez, Acevedo, Rodríguez e Wellington. São Paulo: Rogério Ceni, Douglas, Rafael Tolói, Rhodolfo e Cortês; Wellington, Denílson (Casemiro 18/2T), Jádson e Maicon; Lucas (Ademílson 7/2T) e Luís Fabiano (Willian José 10/2T). Técnico: Ney Franco. Univ. de Chile: Johnny Herrera, González, Acevedo e Rojas; Rodríguez, Aránguiz, Martínez (Videla 29/2T) e Lorenzetti (Magalhaes 36/1T); Castro (Cereceda INT), Ubilla e Gutiérrez. Técnico: Jorge Sampaoli.
Pacaembu lotado para ver cinco gols do São Paulo Foto: Cleber Machado/ El Morumbí Te Mata (7/11/2012)
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NA BASE DA PRESSÃO
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São Paulo voltou à capital do Chile pela segunda vez em menos de um mês em um clima de alto astral. No domingo anterior, a vitória de virada sobre o Náutico, no Morumbi, teve todos os ingredientes para deixar os são-paulinos felizes: de novo o maior público do ano (62.207 pagantes), a estreia de Paulo Henrique Ganso, que entrou no segundo tempo, e a vaga garantida na Libertadores. Isso sem falar no rebaixamento do rival Palmeiras, sacramentado no mesmo dia. O único senão foi a lembrança de que o time poderia estar brigando pelo vice-campeonato brasileiro — e, consequentemente, pela vaga diretamente na segunda fase da Libertadores — se tivesse conseguido vencer o Grêmio no Olímpico, uma semana antes. Como perdeu, a quarta vaga parecia definida. O clima de alto astral não foi interrompido nem com o susto dado por um leve terremoto (5,1 graus na escala Richter),
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sentido na região do Estádio San Carlos de Apoquindo justamente quando o tricolor fazia o reconhecimento do gramado. E esse clima tinha tudo para ter-se repetido no voo de volta de Santiago, com no mínimo uma vantagem tão boa quanto a que levara na bagagem após o jogo de ida das quartas-de-final. Poderia até ter saído de lá com a classificação às finais assegurada. Em vez disso, teve de se contentar com um mero gol fora de casa, porque faltou sorte e competência nas finalizações. Especialmente no primeiro tempo, foi um verdadeiro bombardeio tricolor, mas apenas a cabeçada de Rafael Tolói conseguiu vencer o goleiro Christopher Toselli. A bem da verdade, uma bomba de Jádson também venceu o arqueiro adversário, mas a curva foi poucos centímetros a mais para a esquerda, e a bola explodiu na parte interna da trave. Não era um domínio tão fácil quanto o verificado duas semanas antes no Pacaembu, até devido às características diferentes do adversário, porém era evidente da mesma maneira, depois de cinco minutos iniciais de pressão adversária. A grande diferença é que Toselli não é Johnny Herrera. Não adiantavam as pancadas chilenas (sob o complacente olhar do árbitro equatoriano Omar Ponce), especialmente em Lucas, cujos dribles estavam cativando até mesmo alguns torcedores locais. E olha que ele estava gripado! Quem não conseguiu cativar ninguém desta vez foi Osvaldo. Ele tinha sido o melhor jogador nos dois empates contra a Liga de Loja, mas no San Carlos de Apoquindo foi simplesmente o jogador que mais perdeu gols. Foram dois em cada tempo, três deles fazendo o nome de Toselli. “Ele tem sido o jogador com melhor rendimento neste ano”, elogiou o técnico chileno Martín Lasarte. Luís Fabiano também perdeu sua cota de gols.
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No único lance um pouco mais ofensivo da Católica depois dos cinco minutos iniciais, Costa roubou a bola no meio-campo e partiu rumo ao gol de Rogério Ceni. O problema é que ninguém de seu time o acompanhou. Enquanto esperava alguém aparecer, perdeu a bola, e o contra-ataque terminou com o cruzamento de Rhodolfo na cabeça de seu colega de zaga Rafael Tolói — que era dúvida antes do jogo, devido a dores no tornozelo esquerdo —, abrindo o placar. Duas alterações efetuadas por Lasarte no intervalo acabaram com o domínio tricolor, e a Católica conseguiu equilibrar a partida. Ainda assim, Osvaldo teve as já citadas duas chances, uma em seguida da outra. E também chegar ao empate, quando a bola sobrou para Castillo na entrada da pequena área. Tudo que ele teve a fazer foi livrar-se de Rhodolfo e chutar à queima-roupa, sem defesa para Rogério Ceni ou para Tolói, que estava em cima da risca do gol. Não era exatamente justo, mas “justiça” e “futebol” são duas palavras que nem sempre andam juntas. Ganso substituiu Lucas e ajudou a acalmar os nervos do time e a pressão chilena ao cadenciar o jogo. O empate até foi comemorado pelos chilenos. Nas palavras do jornal local La Tercera, “a ilusão dos torcedores da Universidad Católica está intacta”. “Os cruzados”, prosseguiu o periódico, “terminaram o jogo com a cabeça erguida, já que deixaram uma boa imagem ante um dos times mais poderosos do continente.” “Pelas circunstâncias, foi um empate com gosto de derrota”, lamentou Ney Franco. “Poderíamos ter conquistado uma vantagem grande para o jogo de volta.” Rogério também não gostou do resultado, e suas palavras soavam como as de um mês antes, na mesma cidade: “Pelas chances que criamos, poderíamos ter encaminhado a classificação, mas pecamos
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nas finalizações. Demos azar, tivemos um erro na defesa e levamos o empate.” Ele até exagerou um pouco: “No final do jogo, nós tivemos de dar graças a Deus pelo empate.” Nas entrevistas, as palavras usadas pelos tricolores variavam, mas a reclamação era a mesma: muitas oportunidades perdidas. O capitão da Católica, Cristián Alvarez, por sua vez, comparava a atuação da rival Universidad de Chile no Pacaembu com o que ele achava que seu time deveria fazer no Morumbi para o jogo de volta: “Temos que ser um pouquinho mais inteligentes na hora da partida. Não podemos subir ao ataque como loucos, do jeito que fez La U. Eles deixaram muitos espaços, e o São Paulo, nos contragolpes, te mata.” Fôlego para esses contragolpes não deveria faltar, pois os titulares foram poupados da partida do fim de semana, pela penúltima rodada do Campeonato Brasileiro, contra a Ponte Preta, em Campinas. Sem nada em jogo, os reservas empataram sem gols. Mas na quarta-feira valeria vaga na final. Nove anos antes, na Sul-Americana de 2003, o São Paulo deixou a vaga para a final escapar ao perder nos pênaltis para o River Plate depois de vencer no tempo normal por 2 a 0 — como no jogo de ida os argentinos haviam vencido por 3 a 1, pelas regras atuais o São Paulo estaria classificado para aquela final. Era hora de reescrever a mesma história, desta vez com um final feliz. Ou melhor, uma semifinal feliz. Algo, aliás, que fazia tempo que o Morumbi não via: após a Libertadores de 2006, o São Paulo perdeu as sete semifinais seguintes que disputou, entre Paulista, Copa do Brasil e Libertadores. “Campo gigante. Chuva. E um timaço como o São Paulo.” Foi assim que o colunista Rodrigo Goldberg, do jornal chileno La Tercera, começou sua coluna na edição do periódico no
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dia seguinte ao jogo. Refletiu bem o que foi a partida, apesar de a chuva, encerrada muitas horas antes da partida, só ter afetado, mesmo, os torcedores das arquibancadas reformadas, pois os novos assentos tinham todos água acumulada. O script teve uma mistura de reprises, como o massacre ofensivo do Pacaembu contra a Universidad de Chile e a tensão das oitavas-de-final contra a Liga de Loja. A torcida deixaria o Morumbi sorrindo, mas nesse sorriso havia muito de alívio. Sim, o São Paulo pressionou durante o jogo inteiro e praticamente não foi ameaçado pela Católica. Quer dizer, risque o “praticamente” da oração anterior. A Católica só existiu nessa partida para descer a lenha e, se desse, tentar chegar perto do gol de Rogério Ceni, o que não fez com perigo nenhuma vez. Do outro lado do campo, entretanto, o São Paulo cansou-se de perder gols, como se tivesse esgotado o estoque de tentos contra chilenos na fase anterior. Os ataques tricolores dividiam-se entre os que não resultavam em gols e os que não resultavam nem em um chute. Já a Católica só produzia os do segundo tipo. Logo a um minuto, Luís Fabiano teve a primeira chance, e Toselli defendeu com o peito. Ainda no primeiro tempo Jádson recebeu um passe perfeito de Lucas e chutou na saída do goleiro, mas raspando a trave, Rogério cobrou uma falta que Toselli teve muito trabalho para espalmar e Luís Fabiano não conseguiu aproveitar o rebote de um chute de Osvaldo — mais uma vez, lá estava o anteparo humano da Católica. Isso para citar apenas as oportunidades em que o grito de gol parou nas amígdalas. Na segunda etapa, nova cobrança de falta de Rogério desviou na barreira e saiu, não sem assustar Toselli, que depois fez novo milagre quando Luís Fabiano recebeu sozinho à sua frente.
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Não seria exagero dizer que Toselli jogou por seus dez companheiros, tanto é que nos últimos instantes o arqueiro subiu ao ataque para tentar fazer algo que eles não tinham conseguido: um gol. Para isso, ficou quicando dentro da área de Rogério Ceni em busca de uma cabeçada certeira que lhes concedesse o milagre do gol da classificação. Mas sua cota de milagres tinha-se acabado debaixo de sua própria trave. Mesmo assim, foi ele o responsável por seu time ter uma chance de se classificar até os 47 minutos do segundo tempo, ainda que a torcida são-paulina não tenha passado grande nervosismo, a não ser pela fraca atuação do árbitro, que não coibiu os “caçadores” chilenos. Finalmente trilado o apito, fim de jogo. Alívio para os classificados e até para os eliminados, que caíram um a um no gramado, exauridos que foram pelos sprints de Osvaldo e pelos dribles de Lucas. Para os são-paulinos, não bastaria simplesmente uma caminhada burocrática rumo aos vestiários. Era necessário ajudar a torcida a liberar o grito que se tinha acumulado dentro dos pescoços. Os jogadores sabiam disso, e a simbiose foi formada entre torcedores e seus representantes. Ninguém arredava pé da plateia; ninguém de branco arredava pé do palco. Camisetas eram giradas, em um gesto sincronizado por quem estava no gramado e nas arquibancadas. Abraços, cumprimentos, lágrimas. O estádio seguiu tão cheio quanto durante o jogo por uns bons vinte minutos. O povo são-paulino saiu feliz, saiu para uma final, aonde fazia tempo que não chegava — seis anos, para ser exato.
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22/11/2012 UNIVERSIDAD CATÓLICA 1×1 SÃO PAULO Local: San Carlos de Apoquindo (Santiago, CHI). Árbitro: Omar Ponce (EQU). Renda: não disponível. Público: aproximadamente 12 000 presentes. Gols: Rafael Tolói (21/1T) e Castillo (24/2T). Cartões amarelos: Ríos, Sepúlveda, Luís Fabiano, Rogério Ceni e Martínez. Universidad Católica: Toselli, Alvarez, Martínez, Andía e Parot; Sepúlveda (Meneses INT), Tomas Costa, Silva (Peralta 25/2T) e Ríos; Pizarro (Ovelar INT) e Castillo. Técnico: Martín Lasarte. São Paulo: Rogério Ceni, Paulo Miranda, Rafael Tolói, Rhodolfo e Cortês; Wellington, Denílson e Jádson (Douglas 47/2T); Lucas (Paulo Henrique Ganso 26/2T), Osvaldo e Luís Fabiano.
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28/11/2012 SÃO PAULO 0×0 UNIVERSIDAD CATÓLICA Local: Morumbi (São Paulo, SP). Árbitro: Juan Soto (VEN). Renda: R$ 1 303 532. Público: 55 286 pagantes. Cartões amarelos: Peralta, Denílson, Andía, Rogério Ceni, Silva, Wellington, Costa e Alvarez. São Paulo: Rogério Ceni, Paulo Miranda, Rafael Tolói, Rhodolfo e Cortês; Wellington, Denílson e Jádson (Paulo Henrique
Ganso 33/2T); Lucas, Luís Fabiano e Osvaldo. Técnico: Ney Franco. Universidad Católica: Toselli, Alvarez, Martínez, Andía e Parot; Silva (Ovelar 21/2T), Acosta, Ríos (Mier 35/2T) e Cordero; Peralta (Meneses 13/2T) e Castillo. Técnico: Martín Lasarte.
Técnico: Ney Franco.
A torcida sofreu na volta, mas não deixou de apoiar o time nem um minuto. Foto: Cleber Machado/ El Morumbí Te Mata (28/11/2012)
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ONZE TIGRES TRISTES
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ais uma vez, a torcida deixava o estádio sem saber qual seria seu próximo adversário: o jogo de volta entre Millionarios e Tigre só ocorreria no dia seguinte. A opinião quase unânime era de que o melhor adversário seria o time argentino, nem tanto por ser mais fraco — o estilo mais ofensivo dos colombianos em tese seria mais favorável ao São Paulo, como o fora contra a Universidad de Chile —, mas porque contra ele a segunda partida seria no Morumbi, devido ao sorteio realizado antes do início da primeira fase do torneio (o Millionarios estava no topo da tabela, com o São Paulo logo abaixo). Em caso de eliminação argentina, o primeiro jogo seria em São Paulo, e longe do Morumbi, que estaria alugado para um show da cantora Madonna. Com o segundo jogo, independentemente do local, sendo o último de Lucas com a camisa tricolor, fazia todo o sentido querer que ele fosse no Morumbi.
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E assim foi: o Tigre fez 1 a 0 aos vinte minutos do segundo tempo e só sofreria o empate no último minuto, quando não havia mais tempo para los Embajadores buscarem o gol que lhes daria a vitória e a vaga. Viagem para Buenos Aires marcada, havia um último compromisso pelo Campeonato Brasileiro, que, se não valia nada em termos de classificação, era contra o principal rival. Com o Morumbi já fechado para o show, o São Paulo mandou o Majestoso no Pacaembu. Havia a perspectiva inédita de terminar o torneio com a maior média de público entre todos os times. Para isso, seria necessário que exatos 40.001 pagantes comparecessem ao estádio. No Pacaembu, isso representava mais de 98% da carga de ingressos posta à venda. Faltaram pouco menos de dezoito mil ingressos vendidos para a meta ser cumprida. Essa má notícia já ficou evidente antes do início do jogo, mas àquela altura a torcida estava preocupada era com outra notícia: o São Paulo entraria em campo com seus reservas, enquanto o adversário contaria com dez de seus titulares, na última partida em solo brasileiro antes de ir para o Japão disputar o Mundial de Clubes. O mau pressentimento virou realidade quando João Filipe deu um presente que acabou nas redes de Denis após chute do peruano Guerrero. Mas a realidade era mais bacana que o pressentimento, e dois minutos depois Paulo Henrique Ganso fez o que costuma fazer: deixar seus parceiros na cara do gol. O presenteado da vez foi Douglas, que só deu um toque por cima do goleiro Cássio para empatar o jogo. Nem dez minutos se passaram, e Maicon chutou de fora da área, no ângulo esquerdo, e virou o jogo, também após passe de Ganso. No segundo tempo, a defesa corintiana retribuiu o presente de João Filipe, e um lançamento
onze trigreS triSteS
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errado de Willian José pararia nos pés do zagueiro Wallace, se ele não o deixasse passar por entre as pernas. Maicon já estava atrás dele e não precisou se esforçar muito para, cara a cara com Cássio, marcar o terceiro. Foi o o último carimbo no passaporte dos campeões sul-americanos, inspirando a torcida a entoar uma bem-humorada versão de “O Carimbador Maluco”, hit de Raul Seixas nos anos 1980 (“Plunct, Plact, Zum…”). Como bônus, os demais resultados da rodada coroaram o tricolor como campeão do segundo turno. Era um razoável prêmio de consolação, mas o título que a torcida queria, mesmo, era outro, o da Sul-Americana. E o primeiro obstáculo estava esperando o clube na capital argentina, mais precisamente em La Bombonera, que seria usado porque o Estádio Monumental Victoria, onde o Tigre mandou todos os seus jogos no torneio, estava vetado, por não cumprir a capacidade mínima de quarenta mil torcedores prevista no regulamento. O estádio do Boca Juniors foi aprovado pela comissão técnica e pelos jogadores, e o intendente do município de Tigre, Sergio Massa, benemérito do clube, revelou um dos motivos que o levaram a escolhê-lo: “Sei que, pelas estatísticas, as equipes brasileiras não vão bem nesse estádio. Foi Riquelme quem me disse.” O craque é torcedor confesso do Tigre e prometia estar presente no jogo de La Bombonera, promessa que cumpriria. O elenco são-paulino preparava-se para o que fosse preciso a fim de ficar com o inédito título. A personificação disso era Lucas, que, mesmo já vendido ao Paris St. Germain, avisava: “Se precisar, quebro até as duas pernas para conquistar este título. Quero dar esse presente à torcida.” Wellington fazia coro: “Eu dou a minha vida, mesmo. Sou são-paulino e, em to-
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dos os jogos que entrar com a camisa do São Paulo, vou entrar desse jeito.” O novo palco do primeiro jogo até ajudava a aumentar a confiança. “Enfrentando o Boca é complicado, né?”, analisava Osvaldo, feliz por ter como adversário um time menor que o atual vice-campeão da Libertadores. “Contra o Tigre, temos condições de ir lá e conquistar uma vitória.” Já o experiente Rogério Ceni fazia questão de destacar que a tarefa não seria tão fácil como muitos estavam pensando. “Pressão é normal porque temos que buscar a vitória e as conquistas, temos que voltar a vencer um campeonato”, explicou. “Muitas equipes que disputaram esta competição têm uma história maior que o Tigre e não passaram. O que vale é o momento.” A outra voz da experiência era Luís Fabiano, que falava em desejo e motivação grandes. Questionado sobre seu temperamento, ele respondeu: “Em final existe sempre um nervosismo a mais, mas esperamos controlar tudo isso e sair com o resultado positivo.” A matéria do Estadão, publicada no dia da final, que continha essa declaração tinha como título “Experiente, Luís Fabiano está pronto para a final.” O Tigre também achava que estava pronto, e, ao menos nas declarações de seus jogadores, demonstrava humildade. “Para o São Paulo será apenas outra final, enquanto para o Tigre é a glória”, analisava o zagueiro Mariano Echeverría. “Acho que tomaremos consciência daquilo que estamos fazendo apenas com o tempo”, filosofava o atacante Ezequiel Maggiolo. “O Tigre internacionalmente não tem história e, em sua segunda participação na Copa Sul-Americana, já chegou à final.” A tranquilidade parecia ser a tática para chegar ao título, conforme explicava o lateral Lucas Orbán: “Não podemos perder a concentração. Temos de fazer um jogo inteligente e saber
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que o adversário que enfrentamos não é um time pequeno. Temos de vencer a ansiedade, temos de preencher as lacunas e explorar nossos pontos fortes.” Se o objetivo fosse conquistado, os jogadores prometiam raspar a cabeça. Quem lê as declarações acima pode ter a impressão de que os dois duelos seriam calmos. Nada mais longe da verdade, e a primeira prova disso veio logo aos treze minutos de jogo. Lucas e Orbán estavam se estranhando, e Luís Fabiano resolveu intervir, assim como o zagueiro Alejandro Donatti, que começou a provocar o brasileiro. Luís Fabiano, então, tentou acertar um chute no argentino. Não conseguiu, mas este caiu, com alguns instantes de atraso, como se tivesse sido atingido. O árbitro paraguaio Antonio Arias nem pensou muito antes de expulsar o são-paulino. E a situação poderia ter ficado pior se ele não tivesse expulsado também Donatti. De certa maneira, o Tigre trocou a ausência de um zagueiro pela ausência do artilheiro tricolor. Faltava saber se seria um bom negócio. É possível que sim, pois o São Paulo passou a sentir falta de um centroavante, especialmente alguém trombador, para contrastar com os leves companheiros de ataque, Lucas e Osvaldo, algo que Cícero não supriu após substituir Jádson, já no segundo tempo. Os substitutos “naturais” Willian José e Ademílson nem tinham sido relacionados para o jogo. O domínio exercido pelo São Paulo no primeiro tempo não era traduzido em jogadas perigosas. As duas únicas defesas que o goleiro Damián Albil fez foram justamente enquanto Luís Fabiano ainda estava em campo. Rogério Ceni, nem isso, pois o ataque do Tigre produziu em casa ainda menos do que o da Universidad Católica tinha produzido fora. Mesmo no segundo tempo, quando cresceu e pressionou mais, esbarrava
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na boa atuação de Rhodolfo e Rafael Tolói, sem conseguir penetrar na área. Os dois zagueiros são-paulinos passaram a ser o principal alvo das provocações argentinas, porém conseguiram segurar os nervos, mesmo tomando um cartão amarelo cada. Tolói especialmente foi atormentado por Maggiolo nesse quesito, embora tenha conseguido anulá-lo futebolisticamente: “Os caras batem, mesmo. A bola está lá na frente, e eles deixam o braço aqui atrás, o cotovelo. Perdi a cabeça. Não pode acontecer.” Os argentinos também abusaram das pancadas e para isso contaram com a complacência de Arias. Osvaldo reclamou bastante disso depois do jogo e até mostrou as marcas deixadas em sua perna pelas constantes “delicadezas”: “Tenho saído dos jogos cheio de hematomas das pancadas que levo. Contra a Universidad, até para andar no outro dia estava complicado de tanta dor que estava sentindo no tornozelo. Ontem levei mais uma entrada desleal que fez isso na minha perna. Já estava preparado para isso quando soube que iria disputar a Sul-Americana, mas a violência dos adversários tem passado do limite.” É que o principal assunto pós-jogo pouco tinha a ver com a violência do Tigre. Só se falava da expulsão de Luís Fabiano, e ele não se furtava a tratar do assunto. “Estou com um sentimento que nunca tive na carreira”, tentou descrever. “Uma mistura de frustração e vontade de largar o futebol. É claro que não vou parar de jogar, mas é o que sinto hoje. Depois da morte do meu avô, vai ser a noite mais complicada da minha vida.” Ele já sabia o que teria pela frente e mesmo quando citou um eventual exagero no cartão vermelho não parecia estar muito convicto disso: “Vou ser massacrado, criticado com razão. Só acho que poderia ter tomado amarelo. Não
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houve agressão. Mas paciência. Eu vivia a expectativa de jogar a final no Morumbi. Agora é assumir [o erro] .” Muito foi publicado na imprensa sobre uma possível nova multa ao atacante, mas nada aconteceu. Como o próprio atacante já previra, choveram críticas sobre seu temperamento intempestivo em uma partida que tinha tudo para ser fácil, algumas delas justas, outras exageradas, mas no sábado ele declarou que não anteciparia suas férias, seguiria treinando com o time para a final, mesmo suspenso, e que participaria da preleção. A “recuperação” de Luís Fabiano, entretanto, já nada tinha mais a ver com a Copa Sul-Americana. “Tenho certeza que vamos conquistar esse título”, previa o atacante. “Mas para mim vai ser diferente. Sempre faltará algo.” Cabia a Ney Franco decidir quem seria seu substituto no jogo de volta. Ele mesmo apresentava as três alternativas: Ademílson, Cícero e Willian José. O primeiro, muito jovem, ainda não tinha conseguido se firmar como alternativa; o segundo já tinha entrado em campo em La Bombonera, sem produzir o resultado esperado, e, ainda por cima, já previa não ficar no São Paulo em 2013; e o terceiro, apesar de ser o artilheiro da equipe na competição, já tinha definido que não ficaria para 2013 e costumava ser intimidado pela torcida no Morumbi, especialmente após dizer que não ligava para a torcida quando ouviu vaias numa partida contra o Sport em casa. A escolha foi anunciada dois dias antes: Willian José. “Espero estar em uma noite brilhante para ajudar o São Paulo a conquistar esse título”, entusiasmava-se. “Fiz quinze gols no ano com muito suor e trabalho. Quero terminar 2012 com chave de ouro e, quem sabe?, o gol do título.” Ele já sabia que seria sua última partida com a camisa do São Paulo. “É arti-
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lheiro no torneio, está preparado e querendo jogo”, resumiu Ney. “A gente tem três opções, mas eu não quero mudar a forma de a equipe jogar e ele está se mostrando muito confiável.” O técnico também tinha um discurso ousado quando falava da partida: “A responsabilidade é toda nossa. Temos de usar todas as armas para vencer o jogo. Já temos experiência nesta Sul-Americana, contra Liga de Loja e Católica. Os títulos do São Paulo não valem agora, o que vale é o futebol no campo.” Ele também advertia para a arbitragem e dizia querer ver no Morumbi um árbitro “que saiba interpretar a regra do jogo”. Ao também falar do jogo, Lucas emocionou-se em sua última entrevista coletiva no Centro de Treinamento da Barra Funda. O craque chorou e foi abraçado por vários companheiros, que também aproveitaram a ocasião para dar-lhe um banho de isotônico. “É o jogo da minha vida, o jogo mais importante para mim”, frisava. “Desde que cheguei ao profissional, esta é a minha primeira final. Então, vou dar a minha vida e o meu sangue, como sempre fiz. Como falei em uma entrevista, se precisar me quebrar todinho, vou-me quebrar para ser campeão. Caso não venha o título, vai ser desastroso, mas sempre penso positivo e não quero nem pensar nisso. Quero deixar meu nome marcado na história do São Paulo e deixar meu quadro aqui no CT para voltar um dia e as pessoas se lembrarem de mim.” Na Argentina, a dúvida era sobre o substituto de Donatti. O técnico Néstor Gorosito acabou optando por Erik Godoy, jovem de dezenove anos que veio das categorias de base do Tigre e não tinha mais que duas partidas pela equipe principal. Assim como Luís Fabiano, Donatti optou por acompanhar o time e veio ao Brasil: “Doeu-me a expulsão, mas já no
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vestiário disse que queria estar no Brasil. Temos que apoiar quem entrará em campo.” O discurso dos argentinos seguia o mesmo de antes da primeira partida, com um misto de suposto respeito ao tricolor e confiança, como nas palavras de Maggiolo: “Temos de respeitá-los, por conta de sua história e equipe. Eles têm mais experiência e somos mais novos, mas [na Copa Sul-Americana] isso não decide nada. Se chegamos até aqui, não vamos nos conformar em ficar em segundo lugar.” Echeverría também destacava o que considerava a maior arma de seu time: “Na base do coração, equiparamo-nos a toda a qualidade individual que eles têm. Estamos na mesma posição que na Colômbia [quando o Millionarios foi eliminado] e tentaremos arruinar a festa.” O clima começou a pesar na véspera da partida, quando o São Paulo impediu o adversário de fazer o treino de reconhecimento do gramado, devido ao mau estado do mesmo — lembra-se dos shows da Madonna? Assim, o Tigre teve de treinar no Hotel Transamérica, onde estava hospedada a delegação, já que o clube não aceitou treinar no Canindé por este ficar do outro lado da cidade. “Estas coisas fortalecem-nos”, diziam, quase em coro, Echeverría e Martín Galmarini. No dia do jogo, uma nova negativa da diretoria tricolor aos visitantes, que foram impedidos de entrar no gramado para aquecer-se. Detalhe importante: o São Paulo não permite que nenhum adversário faça o aquecimento no gramado, e há uma placa no vestiário dos visitantes com essa informação. Os jogadores do Tigre, então, pularam as placas de publicidade, invadiram o gramado, não sem antes um bate-boca com seguranças do Morumbi e fizeram seu aquecimento a contragosto da diretoria tricolor.
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Nem tudo era tensão. Quando a equipe são-paulina entrou em campo, foi recebida com fogos de artifício e um bandeirão em homenagem a Lucas, que alçou voo pendurado em balões. Essa homenagem emocionou o jogador: “Coração está a mil, disparado, apertado também. Vou tentar me segurar para, depois do jogo, comemorar.” A torcida estava preparando uma festa para dali a noventa minutos, certa de que nada haveria que o Tigre pudesse fazer para estragá-la. E o jogo nem começou tenso como as botinadas argentinas sugeriam. O São Paulo jogava bem, embora no início pouco tenha ameaçado o gol de Albil, que não demonstrou nenhuma pressa para repor a bola em jogo enquanto o placar estava empatado. O Tigre, nem isso. Só chegou perto de assustar em um chute rasteiro que Rogério Ceni não teve nenhum trabalho para defender. Desta vez, as provocações, cotoveladas e demais itens de antifutebol não pareciam irritar os são-paulinos, mesmo com, mais uma vez, uma arbitragem complacente. Qualquer resquício de tensão foi eliminado quando o São Paulo fez 1 a 0, pouco após a marca de vinte minutos de jogo. Willian José foi lançado na área, cortou para o meio e tocou para Jádson. Como o passe foi um pouco à frente, a zaga cortou, mas a bola sobrou para o protagonista da noite, Lucas, que se livrou de dois zagueiros e marcou na saída de Albil. Por mais que um empate levasse o jogo à prorrogação, ninguém mais achava que o Tigre teria forças para alcançá-lo. E não teve, porque o São Paulo marcou mais um, menos de dez minutos depois, de novo com participação decisiva de Lucas, que lançou Osvaldo. Livre à frente de Albil, um toque por cima do goleiro bastou para ampliar a vantagem e suscitar gritos de “Olé” da torcida.
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Não havia mais quem acreditasse que um desastre fosse possível. Os próprios argentinos devem ter-se dado conta disso, mas não aliviaram nas pancadas. Em um dos lances, Orbán acertou uma cotovelada em Lucas, derrubando-o. O árbitro nada assinalou, mas o jogador ficou caído no chão e, involuntariamente, cumpriu a promessa que fizera no dia anterior, de “dar o sangue” pela vitória. Diante da passividade do árbitro chileno Enrique Osses, ao fim do primeiro tempo Lucas foi atrás de Orbán para mostrar-lhe o algodão ensanguentado que estava em seu nariz. A partir daí, começou um empurra-empurra entre brasileiros e argentinos, que terminou aparentemente sem grandes consequências, a não ser pelas expulsões de Paulo Miranda e Díaz. “O juiz não está sabendo controlar o jogo”, protestava Lucas. “Daqui a pouco, vai virar bagunça, e vai ser pior.” E olha que ele nem imaginava o que estava por acontecer. Com os ânimos razoavelmente acalmados, os dois times foram para os vestiários, mas apenas um deles emergiria novamente quinze minutos depois. Não se sabe qual foi a causa de uma confusão nas imediações do vestiário dos visitantes, mas ela foi o motivo dado pelo Tigre para não voltar a campo, alegando “falta de segurança”. Na versão dos argentinos, eles foram agredidos “sem motivo” em uma “emboscada” por “policiais armados”. Essa versão sofreria diversas modificações ao longo da noite. Seriam seguranças do São Paulo, e não policiais, os supostos agressores. Não estariam todos armados, mas havia dois revólveres, conforme entrevista de Gorosito — que, mais tarde, diria que ele não vira os tais revólveres, mas tinha ouvido de alguns de seus jogadores. Albil, inclusive, teria tido uma arma apontada para seu peito.
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Os dois revólveres virariam um em nova entrevista e, por fim, na delegacia, quando da confecção do boletim de ocorrência, nenhuma arma de fogo foi citada pelos jogadores do Tigre que deram depoimento, embora Albil tenha descrito o momento em que uma arma lhe foi supostamente apontada: “Um dos seguranças sacou a arma, empurrou-me e começou a apontá-la a todos.” Ainda assim, nenhuma menção de arma foi feita perante as autoridades. Hum… Já a versão são-paulina foi a mesma desde o início, mesmo quando contada por várias pessoas. “Eles tentaram invadir nosso vestiário, e três de nossos seguranças conseguiram impedir”, descreveu Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, vice-presidente do clube. “Depois, [nossos seguranças] chamaram reforços.” Representantes do São Paulo foram unânimes ao lembrar que nenhum dos seguranças do clube anda armado. Posando de vítima, o Tigre recusou-se a voltar ao gramado para o segundo tempo. “Nunca vi coisa parecida”, contava o auxiliar técnico Jorge Borrelli. “Ficamos encurralados. Não havia como voltar para o segundo tempo.” Outras declarações da delegação não eram tão educadas e destinavam xingamentos os mais diversos para seus pretensos agressores. “A bola deles é a provocação, porque na bola não podem com a gente”, comparava o presidente do São Paulo, Juvenal Juvêncio. “Somos mais fortes.” Os jogadores são-paulinos, que não tinham nada a ver com a história, independentemente da versão, aguardavam em campo pelo segundo tempo que não ocorreria. Osses aguardou cerca de 45 minutos e, pela ausência de um dos contendores, declarou encerrada a peleja. O Tigre saiu do estádio escoltado pela Polícia Militar e deixou para trás um vestiário depredado, além da flâmula que Rogério Ceni lhes havia entregado antes
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do jogo. Juvenal não economizou nas ironias: “Vamos comemorar duplamente, a fuga dos argentinos é mais uma vitória.” O presidente da Conmebol, Nicolás Leoz, estava presente no Morumbi e participou da cerimônia de premiação, em que troféu e medalhas foram entregues ao São Paulo, o que praticamente confirmou que não haveria como o Tigre apelar por uma nova partida ou mesmo o reinício daquela que foi interrompida. Na premiação, novos momentos de emoção para Lucas: o capitão Rogério passou a ele a faixa pouco antes da cerimônia, a fim de que, em sua despedida, ele pudesse levantar a taça, feliz da vida. Visivelmente tocado, ele falou em um microfone conectado ao sistema de som do Morumbi: “Eu queria agradecer a todos vocês por todo o carinho, todo o amor. Eu estou indo, mas podem ter a certeza de que cada um de vocês vai estar dentro do meu coração. E o São Paulo, principalmente, porque eu amo este clube. Um dia quero voltar a vestir esta camisa maravilhosa e ganhar muitos títulos aqui.” Além do gesto de Rogério Ceni, Lucas também foi presenteado com os troféus destinados ao melhor jogador do torneio e ao artilheiro das finais. Lucas também fez parte da curiosa “seleção ideal” da Copa Sul-Americana, escolhida pela Conmebol por meio de uma eleição em seu site. A seleção, que contou com três são-paulinos, além do técnico Ney Franco, tinha no gol o chileno Paulo Garcés, da Universidad de Chile, que disputara apenas uma partida, contra o Emelec. Os eleitos foram: Garcés, Lewis Ochoa (Millionarios), Mariano Echeverría (Tigre) e Rafael Tolói; Charles Aránguiz (Universidad de Chile), Tomás Costa (Universidad Católica), Jonathan Fabbro (Cerro Porteño), Rubén Botta (Tigre) e Damián Díaz (Barcelona de Guaiaquil); Lucas e Jádson. Sim, com Jádson no ataque.
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Além da eleição da seleção ideal, o site da Conmebol também exaltou o novo campeão da Copa Sul-Americana, assim como a imprensa brasileira, que não deixou de mencionar a versão do Tigre. A imprensa argentina, por outro lado, destacou apenas a versão da pretensa vítima, dando ênfase inicialmente às supostas armas e depois às manchas de sangue em algumas das paredes do vestiário dos visitantes, convenientemente esquecendo-se do sangue do nariz de Lucas, provavelmente em quantidade até maior. De qualquer maneira, para o São Paulo essas marcas de sangue eram dos seguranças agredidos pelos jogadores do Tigre. “Eles foram alvo de objetos atirados”, explicou o vice-presidente de Futebol, João Paulo de Jesus Lopes. “Eram portas do banheiro que foram atiradas. Destruíram tudo.” A Conmebol não deu o caso imediatamente por encerrado. Não em relação ao título em si, mas a eventuais punições. Havia a possibilidade de o São Paulo perder o Morumbi para o início da Libertadores de 2013, mais devido à invasão do gramado por dezenas de torcedores após o apito final — muitos deles acabaram detidos pela PM — que pelo entrevero do intervalo. Para o Tigre, seria possível até ser excluído da mesma competição, por ter infringido o regulamento da Sul-Americana, embora o histórico da Conmebol seja de leniência mesmo em casos graves. Em 22 de fevereiro de 2013, a Conmebol notificou o São Paulo de que o clube perderia um mando de jogo na Libertadores (que já se tinha iniciado, no fim de janeiro) e teria de pagar uma multa de cem mil dólares, por causa dos eventos da final da Sul-Americana. A princípio, falou-se na aplicação da punição na partida contra o Atlético-MG, válida pela
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última rodada da fase de grupos, mas a diretoria conseguiu antecipá-la para o jogo da quarta rodada, contra o Arsenal de Sarandí. Assim, pela primeira vez em dezenove anos, o São Paulo entrou em campo pela Libertadores no Pacaembu. A história parou por aí, mas já nos instantes após a final ela já dizia que o São Paulo é o legítimo campeão da Copa Sul-Americana 2012. 5/12/2012 TIGRE 0×0 SÃO PAULO Local: La Bombonera (Buenos Aires, ARG). Árbitro: Antonio Arias (PAR). Renda: não disponível. Público: aproximadamente 35 000 pagantes*. Cartões amarelos: Botta, Rafael Tolói, Rhodolfo e Denílson. Cartões vermelhos: Luís Fabiano
(13/1T) e Donatti (13/1T). Tigre: Albil, Paparatto, Donatti e Echeverría; Galmarini, Ferreira, Díaz, Leone, Botta (Torassa 42/2T) e Orbán; Maggiolo (Ftacla 33/2T). Técnico: Néstor Gorosito. São Paulo: Rogério Ceni, Paulo Miranda, Rafael Tolói, Rhodolfo e Cortês; Wellington, Denílson e Jádson (Cícero 16/2T); Lucas, Luís Fabiano e Osvaldo. Técnico: Ney Franco. Observação: Informação de público extraída do jornal argentino Olé , o único a publicar uma estimativa, porém o estádio parecia muito mais vazio.
Morumbi lotado para a partida decisiva. Foto: Alexandre Giesbrecht (12/12/2012)
12/12/2012 SÃO PAULO 2×0 TIGRE Local: Morumbi (São Paulo, SP). Árbitro: Enrique Osses (CHI). Renda: R$ 3 942 800. Público: 67 042 pagantes. Gols: Lucas (22/1T) e Osvaldo (30/1T). Cartões amarelos: Rogério Ceni, Denílson, Godoy e Galmarini. Cartões vermelhos: Paulo Miranda (INT) e Díaz (INT). São Paulo: Rogério Ceni, Paulo Miranda, Rafael Tolói, Rhodolfo e Cortês; Wellington, Denílson e Jádson; Lucas, Osvaldo
e Willian José. Técnico: Ney Franco.
Tigre: Albil, Paparatto, Echeverría, Godoy e Orbán; Galmarini, Ferreira, Díaz e Leone; Botta e Maggiolo. Técnico: Néstor Gorosito. Observação: Jogo encerrado pelo árbitro após o Tigre não voltar para o segundo tempo; São Paulo declarado campeão.
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REFERÊNCIAS
JORNAIS E REVISTAS •
Diário de S. Paulo
•
La Tercera (Santiago, CHL)
•
Agora (São Paulo, SP)
•
Folha de S. Paulo
•
Jornal da Tarde (São Paulo, SP)
•
Lance! (São Paulo, SP)
•
Olé (Buenos Aires, ARG)
•
O Estado de S. Paulo
•
Placar (São Paulo, SP)
LIVROS •
Almanaque do São Paulo (Raul Snell Jr. e José Renato S. Santiago Jr.)
ARQUIVOS E ÓRGÃOS PÚBLICOS •
Arquivo Alexandre Giesbrecht
•
Arquivo Histórico do São Paulo Futebol Clube
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INDICE REMISSIVO
ADEMÍLSON 22, 31, 32, 33, 55, 57 ATLÉTICO-GO 19 ATLÉTICO-MG 17, 29, 65 BAHIA 21–24, 29 BOTAFOGO 29 CERRO PORTEÑO 41 CHRISTOPHER TOSELLI 44, 47, 48 CÍCERO 25, 34, 55, 57 CORINTHIANS 25, 26, 52 CORITIBA 17–19 CORTÊS 22, 24, 38, 39, 41 CRUZEIRO 18, 29 DENÍLSON 31 DENIS 52 DOUGLAS 38, 39, 52 ÉDSON SILVA 39 EMERSON LEÃO 18, 19, 25 EZEQUIEL MAGGIOLO 54, 56, 59
FABRÍCIO 18 FIGUEIRENSE 19 FLAMENGO 19, 21, 23, 32 FLUMINENSE 39 GANSO 26, 29, 43, 45, 52 GRÊMIO 41–43 JÁDSON 22, 39–41, 44, 55, 60, 64 JOÃO FILIPE 52 JOHNNY HERRERA 38, 40, 44 JORGE SAMPAOLI 37 JOSÉ MARIA MARIN 18 JUVENAL JUVÊNCIO 62, 63
LDU DE LOJA
26, 30–33, 37, 40, 44,
47, 58
LUCAS 17, 23, 31, 32, 37–40, 44, 45, 48, 51, 53, 55, 58, 60, 61, 63, 64 LUCAS ORBÁN 54, 55, 61 LUÍS FABIANO 17, 18, 23, 26, 32, 37, 38, 40, 41, 44, 47, 54–58