Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Graduação em Ciências Sociais - Noturno Disciplina: Antropologia III – Estrutura e Processos Sociais Docente: Christiano Key Tambascia Discente: Gustavo Correia Pires Couceiro; RA: 117137. Resenha Bloco III: A antropologia e o “pós-estruturalismo”
INTRODUÇÃO: Esta resenha busca definir sucintamente o amplo conceito do “pós estruturalismo” e discutir suas variáveis através dos textos oferecidos na bibliografia
pelo professor. Almeja-se explorar suas dissidências, influências, sua “criação” e os conceitos trabalhados por alguns de seus principais autores.
PÓS-ESTRUTURALISMO: O pós-estruturalismo representa uma continuação histórica que altera totalmente o paradigma do estruturalismo. Sua criação se fragmenta em duas escolas: a francesa e a estadunidense. De um lado busca conceituar um acontecimento intelectual histórico da cena filosófica francesa, enquanto de outro lado o termo também se faz presente na “isolada” escola universitária americana “Devemos interpretar o pós -estruturalismo,
pois, como uma resposta especificamente filosófica ao status pretensamente científico do estruturalismo e à sua pretensão a se transformar em uma espécie de mega paradigma para as ciências sociais” (PETERS, 2000, p10). Buscou -se descentralizar o estruturalismo e seu caráter cientificista, introduzindo um caráter mais fluido e flexível. Peters trata o pós-estruturalismo como c omo a filosofia da diferença, longe do negativo. O pós-estruturalismo não concebe nenhum tipo de sistematização. O sujeito da pesquisa não “existe”, este é apenas uma reprodução de um sistema cultural
desenvolvido. O significado nunca pode ser definido previamente, pois altera em cada sistema cultural pesquisado. Sempre será socialmente produzido. Abdica do conceito comum de verdade, questionando não a veracidade do objeto, mas sim como ele se tornou consenso perante a sociedade. “... o pós -estruturalismo não pode ser simplesmente reduzido a um conjunto de pressupostos
compartilhados, a um método, a uma teoria ou até mesmo a uma escola. É melhor referir-se a ele como um movimento de pensamento – uma complexa rede de pensamento – que corporifica diferentes formas de prática crítica. O pós-estruturalismo é, decididamente, interdisciplinar, apresentando-se por meio de muitas e diferentes correntes”. (PETERS, 2000, p29)
Este conceito promoveu um enorme debate na escola antropológica. As obras do filósofo alemão Martin Heidegger influenciaram enormemente os trabalhos de grandes nomes do pós-estruturalismo, como os franceses Jacques Derrida e Jean-François Lyotard. Os feitos do célebre filósofo alemão Friedrich Nietzsche também serviram de grande influência para a configuração do pós-estruturalismo, sobretudo nos trabalhos dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Michel Foucault. O conceito de “pós estruturalismo” concebe a ideia marxista a partir do autor francês Louis Althusser.
BUTLER E A DESCONSTRUÇÃO DO GÊNERO: A filósofa estadunidense Judith Butler em “Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade”
têm como premissa de sua obra que “a divisão sexo/gênero
funciona como uma espécie de pilar fundacional da política feminista e parte da ideia de que o sexo é natural e o gênero é socialmente construído” (RODRIGUES, 2006, p236)
Entende que a relação de gênero é preponderantemente uma relação de poder. Defende uma mudança na “identidade definida” das mulheres como grupo a ser
defendido pelo movimento feminista. Diz que esse conceito (mulher) idealizado pela categoria não existe, assim não há como ser representado por determinado grupo. Se não há possibilidades de mudança na ideia do que é ser mulher, não há como discutir esse conceito, nem muda-lo. Também critica o modelo binário sexo/gênero, posteriormente definindo tais pontos. Butler debate incondicionalmente com a ideia de que sexo é natural e gênero é construído socialmente. A autora se afasta das noções “desnaturalizadoras”, as quais associam o feminino com fragilidade, submissão e incapacidade. Retira a ideia de que o gênero deriva da questão do sexo, questionando a arbitrariedade sexo/gênero, defendendo que o sexo não é natural, e sim cultural como o gênero. "Talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma" (BUTLER, 2003, p.25). Acatar a ideia de que o sexo é natural e o gênero desenvolvido culturalmente seria aceitar que esse gênero definisse a essência desse sujeito. Defende uma “unidade
metafísica”, um paradigma expressivo autêntico, "no qual se diz que um eu verdadeiro é
simultâneo ou sucessivamente revelado no sexo, no gênero e no desejo" (BUTLER, 2003, p.45). Propõe libertar o gênero da “metafísica da substância” (em referência a Nietzsche), o entendendo como “atributo” de pessoa, "caracterizada essencialmente
como uma substância ou um 'núcleo' de gênero preestabelecido, denominado pessoa (...) seria um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes" (BUTLER, 2003, p.29). Questiona a existência do “sujeito uno”, sendo esse ultrapassado para o efeito do gênero na sua existência.
Butler, influenciada por Derrida, utilizado do conceito différance: "Não é nenhuma diferença particular ou qualquer tipo privilegiado de diferença, mas sim uma diferencialidade primeira em função da qual tudo o que se dá só se dá, necessariamente, em um regime de diferenças (e, portanto, de relação com a alteridade)" (DUQUE ESTRADA, 2004). Dessa forma, nada existe por si mesmo, tudo é um longo processo de diferenciação. Butler, a respeito desse conceito, diz que "a ruptura pós-estruturalista com Saussure e com as estruturas identitárias de troca encontradas em Lévi-Strauss refuta as afirmações de totalidade e universalidade, bem como a presunção de oposições estruturais binárias a operarem implicitamente no sentido de subjugar a ambiguidade e a abertura insistente da significação linguística e cultural. Como resultado, a discrepância entre significante e significado torna-se a différance operativa e ilimitada da linguagem, transformando toda a referência em deslocamento potencialmente ilimitado" (BUTLER, 2003, p.70).
BOURDIEU E A TEORIA PRÁTICA: O sociólogo francês Pierre Bourdieu em, “ Esboço de uma teoria prática: precedido por três estudos de etnologia Cabila”, apresenta três métodos para entender o
mundo social. Inicia citando o conhecimento fenomenológico, que tende a afirmar o primeiro contato - a absorção do mundo social como incontestável - com as relações sociais como verdade. Posteriormente introduz o modo objetivista , que constrói relações objetivas, estruturam as práticas e as representações destas, assim rescindi com o método fenomenológico e seu caráter primordial. O último método exposto por Bourdieu é o praxiológico, este: “tem como objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as relações dialéticas entre essas estruturas e as
disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade: este conhecimento supõe uma ruptura com o modo de conhecimento objetivista, quer dizer um questionamento das questões de possibilidade e, por aí, dos limites do ponto de vista objetivo e objetivante que apreende as práticas de fora, enquanto fato acabado, em lugar de construir seu princípio gerador, situando-se no próprio movimento de sua efetivação” (BOURDIEU, 1994, p . 47).
Bourdieu afirma que o modo praxiológico não anula o objetivista , conserva suas qualidades e ultrapassa suas limitações. O autor constrói o conceito praxiológico através das práticas sociais e fundamentalmente no conceito de habitus. O conceito de habitus para Bourdieu tem influência aristotélico-tomista, e se baseia na regulação das ações dos agentes na esfera social, gerador de um sentido comum. O autor o define da seguinte forma: “Habitus, sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas
a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser o produto da obediência a
regras, objetivamente adaptado a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente (BOURDIEU, 1994, p. 60-61).
Define o habitus como um encadeador de ações, responsável pela estruturação das práticas, porém não é “mecânico”, e sim, efeito de condicionamentos, podendo
inclusive ser afetado e alterado por estes. Apesar de estar presente no interior dos indivíduos, o habitus diverge em sua subjetividade, é heterogêneo, pela divergência intrínseca dos indivíduos. É algo natural e espontâneo. “O habitus é o produto do trabalho de inculcação e de apropriação necessário
para que esses produtos da história coletiva, que são as estruturas objetivas (por exemplo, da língua, da economia, etc.), consigam reproduzir-se, sob a forma de disposições duráveis, em todos os organismos (que podemos se quisermos chamar indivíduos) duravelmente submetidos aos mesmos condicionamentos, colocados, portanto, nas mesmas condições materiais de existência .” (BOURDIEU, 1994, p. 74-75).
Outro conceito primordial na teoria de Bourdieu é o de prática, diversamente citado por mim anteriormente. Apesar do autor não definir claramente o conceito, entende-se como: produto do habitus, produto do processo, capaz de ser reproduzida numa regularidade objetiva. Reproduz o globo cultural dos indivíduos e classes sociais.
É o núcleo dos estudos sociológicos e através desse conceito que se compreende a ideia de habitus e sua configuração. Em sua obra, Bourdieu rejeita a tradição objetivista , determinista e estavelmente “estruturada” do estruturalismo. Propõe a não compreensão do social através de
depoimentos e emoções do sujeito. “Bourdieu adota o estruturalismo como método, mais que como teoria explanatória”. (Robbins, 2002, p.316).
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Pierre Bourdieu transpõe a ideia do estruturalismo, introduzindo a teoria de um entendimento do homem como agente das relações sociais, não mais como um ser inerte sem interesses. Defende que indivíduos, instituições e classes disputam entre si termos comuns. Trabalha com o termo agente, sendo este aquele que age e demanda por seus interesses dentro do campo. Sustenta que quem altera as estruturas são os agentes, através das lutas dentro e fora dos campos, somente dessa maneira se entende realidade para o autor. Judith Butler trabalha com o sujeito como uma estrutura em formação, todo sujeito passa por um processo de subjetivação. Propõe uma análise relacional dinâmica, fictícia, sem classificações de gênero. Em seu trabalho introduz uma visão militante de seus ideais e questiona incessantemente o papel de sua ciência para a sociedade. Criadora da “política queer”, que se refere a “ la ruptura de la lógica del domínio y la
reapropriación em clave positiva de las condiciones y de los performativos implicados" (FEMENÍAS, 2003, p. 133)¹. 1
“a ruptura da lógica do domínio e a reapropriação em papel positive das condições e dos performativos implicados” (FEMENÍAS, 2003, p.133) 1
BIBLIOGRAFIA: BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: Ortiz, Renato (Org). A sociologia de Pierre Bourdieu, São Paulo: Editora Ática, 1994, n.39, Coleção Grandes Cientistas Sociais. BUTLER, Judith. “Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade ”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. "Alteridade, violência e justiça: trilhas da desconstrução". In: ______. (Org.). Desconstrução e ética: ecos de Jacques Derrida . Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio/Edições Loyola, 2004. FEMENÍAS,
María
Luisa.
“Judith
Butler:
introducción
a
su
lectura”.
Buenos Aires: Catálogos, 2003. PETERS, Michael. Pós-estruturalismo e filosofia da diferença: uma introdução. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. ROBBINS, Derek. Sociology and philosophy in the work of Pierre Bourdieu, 1965-75. Journal of Classical Sociology, London, v. 2, n. 3, p. 299-328, 2002.
RODRIGUES, Carla. “Butler e a desconstrução do gênero”. Rev. Estudos
Feministas. vol.13 nº.1 Florianópolis: Janeiro./Abril. 2005