S a iü , s e u c :nc:i r.■■.í,?i-.■ i-.■■ ■as^:vo :vo ;:h í ; j m a :s d e s f av o r ec i d o s ; p o u c o r e p r e s e n t a do s , su a vi sc í o br -v i ;i st ;* uu e co mb il' if; ! ? e n y n : i h : ! V i i . ■ :
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M f íT t t í P .
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L
E D W A R D W . S A ID
Representações do intelectual A s Con ferências R eit h de 1993
Tradução
M i lt on H a to u m
C o m p a n h i a Da s L e t r a s
Copyright © 1994 b y Edward W. Said Título original
Representations o f the intellectual: The 1993 Reith Lectures Capa
Ettore Bottini Foto de capa
Layne Kenned y / Co rbis / Stock Photos Preparação
Cacilda Guerra Revisão
Olga Cafalcchio Isabel lorge Cur y
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (c i p ) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Said, Edward W., 1935-2003 Representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993 / Edward W. Said ; tradução M ilton H atoum. — São Paulo : Companh ia das Letras, 2005.
Título original: Representations of the in tellect ual: The 1993 Reith Lectures. Bibliografia. ISBN 85-359-O6U-6
1. Intelectuais 2. Intelectuais na literatura ]. Titulo .
1 1
. A s C o n f e rê n c ia s
Reith de 1993.
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índice para catálogo sistemático: 1. Intelectuais : Sociol ogia
)- 305
305.S52
[2005] Todos os direitos desta edição reservados à E D I T O R A S C H W A R C Z L T DA .
Rua Band eira Pa ulista 702 cj. 32 04532-002 — São Paulo — sp Tele fon e (11) 3707-3500 Fax (11) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.br
S S ;
P a ra B e n S a n n e n b e r g
Sumário
In tro d u çã o ..............................................................................................
9
1. R e p r e s e n t a çõ e s d o i n t e l e c t u a l ......................................................
19
2. M a n te r n açõ es e trad içõ es à d i s t â n ci a ........................................
37
3. Exíliò intelectu al: exp atriad os e marg in ais .............................
55
4. P ro fis sio n ais e a m a d o r e s .................................................................
71
5. Fal a r a ve rd ad e ao p o d e r ................................................................. 89
6 . D eu se s q u e se m p re f a l h a m .............................................................105 Notas
123
Introdução
N ão h á equ ivalente às Conferências Reith n os Estados Un i d o s , a p e s a r d e v á r i o s a m e r i ca n o s — R o b e r t O p p e n h e i m e r , Jo h n K e n n e t h G a l b r a i t h , Jo h n S e ar le — as te r em p r o f e r id o d e sd e a i n a u g u r a çã o d a sé r ie d e p r o g r a m a s r a d i o fô n i co s e m 1 948, p or Bert r a n d R u ss el l. O u v i a l gu n s d e ss es p r o g r a m a s — l e m b r o -m e p a r ticu larm en te das conferên cias de Toynb ee, em 1 9 50 — e n q u a n t o m e n i n o q u e cr e sci a n o m u n d o á r ab e , o n d e a BBC e ra u m a p a r t e m u ito im p ortan te da n ossa vida. Aind a hoje, frases com o “Lond res i n f o r m o u e st a m a n h ã ” s ão u m r ef rã o co m u m n o O r ie n t e M é d i o , e sem p re usad as com a sup osição d e que “Lond res” diz a verdad e. N ão sei se essa visão é apen as u m vestígio do colonialismo, emb ora tam b ém seja verdad e que n a Inglaterra e no estrangeiro a BBC o c u p a u m a p o s i çã o n a v i d a p ú b l i ca q u e n ã o é ap r e ci ad a n e m p o r a g ên cias governam entais, com o a Voz d a Am érica, n em p or redes ame r i ca n a s , i n c lu i n d o a CNN. U m a r az ã o é q u e p r o g r a m a s co m o a s Con ferên cias Reith e os m u itos deb ates e d ocum en tários são ap re sen tad os pela BBC n ão tan *o co m o pro gram as sancionad os oficial m en te, m as com o ocasiões qu e oferecem aos ouvintes e esp ecta 9
d o r e s u m co n j u n t o i m p r e s s i o n a n t e d e m a t e r ia l sé r io e , c o m f r e q üê ncia, de excelente qu alidade. P o r i sso, s e n t i -m e m u i t o h o n r a d o p e la o p o r t u n i d a d e d e p r o f e r i r as Con ferências Reith d e 1 9 9 3 , a convite d e An n e Wind er, da
lute Devido a prob lemas de p razos e horários, acertam os u m a data para fim de jun ho , em vez da d ata hab itual, em janeiro. Mas quase a partir do m om en to em que pela BBC, no final de 1 9 9 2 , hou v
• co n f e r ê n c i as f o r a m a n u n ci a d a s ím coro de críticas persistente,
embora relativamente pequeno, em primeiro lugar pelo fato de terem m e convidad o. Fui acusad o d e ser um ativista na luta pelos 'direitos palestinos e, portanto, desqualificado para qualquer tri b un a séria ou respeitável. Esse foi apen as o p rim eiro d e u m a série de argum entos totalm en te an tiintelectuais e an ti-racion ais, todos eles, ironicamen te, apoian d o a tese das m inh as conferências sobre o p a p e l p ú b l ico d o i n t e l e ct u a l co m o u m o u t s id e r , u m “a m a d o r ” e u m p e r t u r b a d o r d o s ta tu s q u o . Essas críticas revelam , de fato, m u ita coisa sobre as atitud es b r i t â n i c a s p a r a c o m o i n t e l e ct u a l . É cl a r o q u e t a i s cr í t ic a s sã o im pu tadas ao púb lico b ritânico p or certos jornalistas, mas a fre q üên cia com que são repetidas d á a essas noções algum a credibili d a d e so ci a l c o r re n t e . A o co m e n t a r o s te m a s a n u n c i a d o s d a s m i n h a s co n f e r ê n c i a s — “ R e p r e s e n t a çõ e s d o i n t e l e c tu a l ” — , u m s i m p á t i co jo r n a l is t a a f i rm o u q u e e r a o a s su n t o m e n o s i n gl ês p a r a s e ab o r d a r . A s e xp r e s s õ e s “ t o r r e d e m a r f i m ” e “u m o l h a r d e s a r casm o” foram associadas à p alavra “in telectu al”. Esse raciocín io d e p l o rá v el fo i su b l in h a d o p e l o f a le ci d o R a y m o n d W i l li a m s e m Keyworãsr. “A té
a m e t a d e d o s é cu l o x x e r a m d o m i n a n t e s e m i n g lê s
o s u s o s d e s fa v o r áv e i s d o s t e r m o s int electuais, intelectualism o e intelligentsia ”, d iz
ele ,“e é claro q u e tais usos p ersiste m ”.1
U m a d a s ta r e fa s d o i n t e l e ct u a l r esi d e n o e s f or ço e m d e r r u b a r os estereótipos e as categorias red u toras qu e tan to lim itam o p en .s a m e n t o h u m a n o e a co m u n i ca çã o . A n t e s d e co m e ç a r as co n f e r ê n 10
cias, n ão fazia idéia das lim itações a q ue estava su b m etid o. Foi dito
cias, n ão fazia idéia das lim itações a q ue estava su b m etid o. Foi dito com freqü ência, p or jornalistas e com en tad ores q u eixosos, qu e eu e r a u m p a le st in o , o q u e, c o m o t o d o s s a b i a m , e r a s i n ô n i m o d e v i o lência, fanatismo, assassinato de judeus. Nada do que escrevi foi ci ta d o : p a r t i u -s e d o p r in c íp i o d e q u e e r a a ss u n t o d e c o n h e c i m e n t o c o m u m . A lé m d isso, fu i d e s cr it o n o t o m p o m p o s o e d r a m á t i co d o ^ Th e Sun da y Telegraph co m o a n t i o ci d e n t a l , e m e u s e s cr i to s , c e n t r a d o s “e m c u l p a r o O ci d e n t e ” p o r t o d o s o s m a l e s d o m u n d o , p r i n c i p almen te do Terceiro M un do. O q u e p a re ce te r p a s sa d o c o m p l e t a m e n t e d e s a p e r ce b i d o f o i tud o o q ue realm ente escrevi n u m a série de livros, en tre eles O ri en tcilismo
e Cult ura e im perialism o. (M e u p e ca d o i m p e r d o á v e l n e st e
ú l t i m o é o a r gu m e n t o d e q u e M a n s f i e ld P a r k , d e Ja n e A u s te n — u m r o m a n ce q u e ap r e ci o ta n t o q u a n t o o r e s to d e s u a o b r a — , t i n h a t a m b é m a lg o q u e v er co m a e s cr a v id ã o e co m as p l a n t a çõ e s d e ca n a -d e -a ç ú c a r p e r te n ce n t e s a b r i tâ n i co s e m A n t íg u a , a m b o s n a turalmente citados por ela de uma maneira muito específica. M i n h a a b o rd a g em é q u e, d o m e s m o m o d o co m o Ja n e A u s te n f a l a d e in t r ig a s n a G r ã -Br e ta n h a e n o s d o m í n i o s b r i tâ n i co s d o U l t r a m ar, tam b ém devem fazê-lo seus leitores do sécu lo xx e os críticos q u e , d u r a n t e t em p o d e m a is , ce n t r a r a m s u a a t e n ç ã o n a G r ã -B r e t a n h a , e xcl u i n d o a s p o ss es sõ es u l t r a m a r i n a s .) O q u e m e u s l i vr o s t e n t a v a m co m b a t e r e ra a c o n s t r u çã o d e fi cçõ e s c o m o “ O r i e n t e ” e “Ocid en te”, isso sem falar de essên cias racialistas, tais co m o raças subju gadas, orientais, arianos, n egros e ou tros. Lon ge d e en coraja r u m s e n t im e n t o d e i n o c ê n ci a or i gi n a l r e ss e n t id a e m p a í s e s q u e t i n h a m s o fr id o a s d e v a s ta çõ e s d o co l o n i a l i s m o , a f i r m e i r e p e t i d a m e n t e q u e ta is ab s t r açõ e s m í ti ca s e r a m m e n t i r a s , a s si m c o m o o s vários discursos retóricos de cu lpab ilização a qu e d eram orige m . As cu lturas estão entrelaçadas d em ais, seus con teú d os e h istórias d g m a si ad a m e n t e i n t e rd e p e n d e n t e s e h í b r i d o s p a r a q u e s e f a ça u
u m a s e p a r a çã o c ir ú r g i ca e m o p o s i çõ e s v a st a s e s o b r e tu d o i d e o ló gi ca s co m o O r i e n t e e O ci d e n t e . M e s m o o s cr ít ico s b e m -i n t e n c io n a d o s d a s m i n h a s co n f e rê n ci as — co m e n t a d o r e s q u e p a r e c i a m t e r u m v e rd a d e i ro co n h e ci m e n t o d o q u e eu d i z ia — p a r t ir a m d o p r i n cí p io d e qu e m i n h a s e xi g ê n ci as s o b r e o p a p e l d o i n t e l e ct u a l n a s o ci e d a d e c o n t in h a m u m a m e n s a g e m a u t o b i o g r á f ica v e l a d a . P e rg u n t a r a m -m e a r es p e it o da p o s i çã o d e in t e le ct u a i s d e d i r e it a , c o m o W y n d h a m Lew is o u W i l l ia m Bu c k l ey , e p o r q u e , n a m i n h a o p i n i ã o , t o d o i n t el ect u a l t em d e s er u m h o m e m o u u m a m u l h e r d e e sq u e rd a . O q u e n ã o p e r ce b e r a m f o i o f a t o d e q u e Ju l ie n B e n d a , a q u e m (t al ve z p a r a d o x a l m e n t e ) m e r e fi ro c o m a l g u m a f r e q ü ê n ci a , s it u a v a-s e p o l i t ica m e n t e b e m à d i r ei t a. C o m e f e it o , m i n h a t e n t a t iv a n e s sa s co n f e r ên c ia s f o i , a n t e s d e m a i s n a d a , f a l a r d e i n t e l e ct u a i s p r e ci s a m e n t e c o m o a q u e l as f i gu r a s c u j o d e s e m p e n h o p ú b l i co n ã o p o d e s er p re vi sto n e m f o r ça d o a en q u a d r a r -s e n u m s lo g a n , n u m a lin h a p a rt id á r ia o r t o d o x a o u n u m d o g m a r íg i d o . O q u e te n t ei su g er ir é q u e os p a d r õ e s d e v e r d a d e s o b r e a m i s é r i a h u m a n a e a o p r e ss ão d e v e ri am ser mantidos, apesar da filiação partidária do intelectual enquanto i n d i v í d u o , d a s o r i g e n s e d e l e a l d a d e s a n c e s t r a i s . N a d a d i s t o rce m a i s o d e s e m p e n h o p ú b l i co d o i n t e le ct u a l d o q u e os fl or ei os r e tór icos, o silên cio cautelo so, a jactân cia p atrió tica e a apostasia re t r o s p e c t iv a e a u t o d r a m á t i ca . A te n t a ti v a d e a d e r i r a u m p a d r ã o u n i ve rs al e ú n i co c o m o t em a d e s em p e n h a u m p a p e l im p o r ta n t e n a m i n h a ab o rd a ge m d o i n t e l e ct u a l . O u , a n t e s , a i n t e r a ç ã o e n t r e a u n i v e rs a li d a d e e o lo ca l, o s u b j e t iv o , o a q u i e a g o r a . O i n t e r e s s a n t e li v ro d e Jo h n C a r e y T h e i n t el l ect u a l s a n d t h e m a s s es : p r i d e a n d p r e j u d i c e a m o n g t h e li t era ry i n t el l igen t s i a 1 8 8 0 - 1 9 3 9 1
[O s in telectu ais e as m assas: orgu lh o e
preconceito entre a intelligentsia literária, 1880-1939] foi pu b l i ca d o n o s E st a d o s U n i d o s d e p o i s d e eu t e r e s cr i to m i n h a s co n f e r ê n c ia s . m a s d e s c o b r i q u e o c o n j u n t o d e su a s co n c lu s õ e s d e sa n i 12
m ad oras com plem entava as m inh as. Segun do Carey, intelectuais b r i tâ n i co s c o m o G i s s in g , W e ll s e W y n d h a m Le w i s e x e cr a v a m o crescimento das modernas sociedades de massa, deplorando coisas com o “o hom em com u m ”, os sub ú rbios, o gosto d a classe m é d i a ; a o co n t r á r io , p r o m o v e r a m u m a a r i s t o cr a c i a n a t u r a l , o s “b o n s ” v el h o s t e m p o s e a cu l t u r a d a c la s se a lt a . P a r a m í m , o i n telectual dirige-se a u m p úb lico tão am p lo qu an to p ossível, qu e é sua platéia natu ral, em vez de de san cá-lo. O p rob lem a p ara o in telectual não é tanto, com o Carey discu te, a sociedad e de m assa co m o u m todo, m as antes os qu e estão p or d en tro do sistem a, especia listas, grup os de interesses, profissionais q u e, n os m old es d efinidos n o in ício do século
XX
p e lo e r u d i t o W a l te r Li p p m a n n , m o l d a m a
o p i n i ã o p ú b l ica , t o r n a n d o -a co n f o r m i s t a e e n co r a j a n d o a co n f ia n ça n u m g ru p i n h o s u p e r io r d e h o m e n s q u e s ab e m t u d o e e s tã o n o p o d e r . P es so as b e m r e la ci o n a d a s p r o m o v e m i n t e r es se s p a r ticulares, m as são os intelectuais qu e deveriam q u estionar o n acio n a l is m o p a t r i ó ti co , o p e n s a m e n t o c o rp o r a t iv o e u m s e n t i d o d e privilégio de classe, raça ou sexo. A universalidade significa corr er u m risco no sen tido d e ir além das certezas fáceis que nos são dadas pela nossa formação, língua e nacionalidad e, que tão freqü entem en te nos escu d am d a realidad e dos outros. Também significa p rocu rar e tentar m an ter u m p adrão único para o comp ortamen to hu m ano quand o são abordados cer tos assun tos, com o p olítica extern a e p olítica social. Assim, se con denamos um ato de agressão injustificada de um inim igo, de veríamos tam bém ser capazes de fazer o mesm o q uan do nosso governo invade u m rival mais fraco. N ão h á regras por m eio das quais intelectuais possam saber o qu e dizer ou fazer; n em p ara o ver dadeiro intelectual secular há deuses a serem venerados e a quem
p e d i r o r i e n t a ç ã o f ir m e .
13
Em tais circu n stâncias o terren o social é n ão ap en as diverso, mas m u ito difícil de negociar. Assim, Ern est G ellner, n u m ensaio intitu lado “La trahison de la trah ison des clercs”, qú e rep rova o p laton ism o acrítico de Julien Bend a, acaba p or n os d eixar exatam en te em nen hu m lugar, sendo m enos claro do que Bend a, m enos cora joso d o q ue o Sartre q ue ele critica, e inclusive m en os ú til d o qu e alguns qu e clamavam seguir um d ogm a sim plório: “O qu e estou d izend o é que a tarefa de n ão se co m p r o m e t e r [la trahison des clercs |
é mu ito, m u ito mais difícil d o qu e aqu ilo em q ue seriam os
levados a crer a partir de um m odelo terrivelmen te sim plificado da situação de trabalho d o intelectual ”.3A p rud ência vazia de G ellner, muito parecida com o ataque infame e desesperadamente cínico de Paul Joh n son a tod os os intelectuais (“u m a dú zia de ind ivíduos a p a n h a d o s a o aca s o n a r u a o f e re ce m , n o m í n i m o , o p i n i õ e s tã o sensatas sobre assun tos morais e políticos com o u m a am ostra da intelligentsia”1), nos leva a concluir que não pode haver tal coisa com o u m a vocação intelectual, u m a ausência a ser com em orad a. D iscordo, n ão só p orqu e p ode ser feita um a d escrição coe rente dessa vocação, mas tam b ém p orqu e o m un do está mais abar rotad o d o q ue n u n ca de profissionais, especialistas, con su ltores; n u m a p a l av ra , p o v o a d o d e intelectuais cujo p apel principal é con f e r ir a u t o r id a d e co m s eu t ra b a l h o e n q u a n t o r e ce b e m g ra n d e s lucros. H á u m conju nto de escolhas con cretas com qu e o intelec tual se dep ara, e são essas escolhas qu e caracterizo em m inh as con ferências. Em p rime iro lugar, é claro, está a noção de q ue tod os os intelectuais represen tam algum a coisa para seus respectivos p úb li cos e, dessa forma , se auto-represen tam diante d e si próp rios. Seja u m a ca d ê m i co , s eja u m e n s a ís ta b o ê m i o o u u m co n s u l t o r d o D ep artam en to d e Defesa, o intelectual faz o que faz de acordo com j u m a i d é i a o u r e p r e s e n t a çã o q u e te m d e s i m e s m o f a z en d o e ss a coisa: p en sa em si próp rio com o forn ecedor de conselhos “obje tivos” em troca de pagam ento, ou acredita qu e o qu e ensina aos
a lu n o s t e m u m v a l o r d e v e rd a d e , o u se v ê co m o u m a p e r so n a li d a d e ad vogan d o u m a perspectiva excên trica, m as consistente? T o d o s n ó s vi ve m o s n u m a s o ci ed a d e e s o m o s m e m b r o s d e 0 u m a n a ci o n a l i d a d e co m s u a p r ó p r i a l ín g u a , t r ad i çã o e si tu a çã o h istórica. Até qu e p on to os intelectuais são servos dessa realidade, até qu e p on to são seus inimigos? A m esm a coisa acon tece com a relação d os in telectuais com as in stituições (academ ia, Igreja, en ti d ade p rofissional) e com os pod eres de u m m od o geral, os qu ais, n a n o s s a é p o ca , co o p t a r a m a i n t el ect u a li d a d e e m g r au e x tr a o r d i n ariam en te alto. C om o assinala o poe ta Wilfred O w en, o resultado é q u e “os escrib as im p õem suas vozes ao p ovo/ E apregoam ob e d iên cia ao Estad o” Por isso, a m eu ver, o p rincipal dever do in telectual é a bu sca d e u m a relativa ind ep en d ên cia em face de tais p ressões. D aí min h as caracterizações do in telectual com o u m exil a d o e m a r g in a l , c o m o a m a d o r e a u t o r d e u m a li n g u a g em q u e te n t a falar a verdad e ao pod er. Um a das virtud es, assim com o u m a das dificuldades, de p ro f e r ir as C o n f e r ê n ci a s R e i th é o f a to d e e s t a r m o s l i m i t a d o s p e lo r i g o r in f le xí ve l d o f o r m a t o d e u m p r o g r a m a d e t r in t a m i n u t o s: u m a co n f e r ên ci a p o r s e m a n a d u r a n t e seis s e m a n a s . N o e n t a n t o , o con ferencista se dirige ao vivo a u m p ú b lico en orm e, m u ito m aior d o q u e a q u e le a q u e n o r m a l m e n t e i n t e l ect u a i s e a ca d ê m i co s se d i r i ge m . P a r a a b o r d a r u m a s su n t o t ã o co m p l e xo e p o t e n ci a lm e n t e i n t e r m i n á v e l c o m o o m e u , ess a s i tu a çã o r e p r e s e n t o u p a r a m i m u m a exigên cia especial no sentido de ser o m ais preciso, acessível e econ ôm ico p ossível. Ao prep ará-las para p u b licação, m an tive-as p r a t i ca m e n t e co m o f o ra m p r o fe ri d a s , a cr e sce n t a n d o a p e n a s u m a referência ocasion al ou um exemp lo, p ara assim m elho r preservar t a n t o o m o m e n t o q u a n t o a n e ce s sá ri a co n ci s ã o d o o ri g in a l, s e m d e i xa r n o t e x t o q u a l q u e r b r e ch a p a r a o f u s ca r o u , d e o u t r a m a n e i ra , diluir ou suavizar os temas mais im p ortantes. A s si m , e n q u a n t o t en h o p o u co a a cr e s ce n t a r q u e p o s sa m u d a r 15
as idéias exp ostas aq ui, gostaria qu e esta introd u ção fornecesse u m p o u c o m a i s d e c o n t e x t o . A o s u b l in h a r o p a p e l d o i n te le ct u a l co m o u m o u t s id e r , t e n h o t id o e m m e n t e q u ã o i m p o t e n te s n o s se n t im o s t a n t a s ve ze s d i a n t e d e u m a r e d e e s m a g ad o r a m e n t e p o d e r o s a de au toridad es sociais — os m eios de comu n icação, os governos, as corp ora ções etc. — qu e afastam as possibilidades de realizar qual q u e r m u d a n ça . N ã o p e r t e n c e r d e l ib e r a d a m e n t e a ess as a u t o r i dades significa, em muitos sentidos, não ser capaz de efetuar m u d an ças d iretas e, infelizm en te, ser às vezes relegado ao p apel de u m a t e st e m u n h a q u e co n f i r m a u m h o r r o r q u e , d e o u t r a m a n e ir a, n ão seria registrado. Um relato recente e m u ito com oven te de Peter Dailey sobre o talentoso ensaísta e romancista afro-americano Ja m e s Ba ld w i n m o s t r a p a r t i cu l a rm e n t e b e m es sa co n d i çã o d e “t e s t e m u n h a ” e m t o d o o s e u p á t h o s e e lo q ü ê n c ia a m b í g u a .5 M a s r e s t a m p o u c a s d ú v i d a s d e q u e f ig u r as co m o B al d w i n e M a l co l m X d e f i n e m o t i p o d e t ra b a l h o q u e m a is i n f lu e n ci o u m i nhas representações da consciência do intelectual. O que me p r e n d e é m a i s u m e s p í r it o d e o p o s i çã o d o q u e d e a c o m o d a ç ã o , p orq u e o ideal rom ân tico, o interesse e o desafio da vid a intelectual d e v e m s er e n c o n t r a d o s n a d i ss en s ã o co n t r a o st at u s q u o , n u m m o m e n t o e m q u e a l u t a em n o m e d e g r u p o s d e sf av o re ci d o s e p o u co r e p r e s e n t a d o s p a r e ce p e n d e r tã o i n j u s ta m e n t e p a r a o la d o co n trár io a o deles. Meu s anteceden tes na política palestina in tensi f i ca r a m a i n d a m a is e ss a p o s i çã o . T a n t o n o O ci d e n t e co m o n o m u n d o árabe, a lacuna q ue separa os pod erosos dos despossuídos ap rofu n d a-se a cada d ia; e, en tre os intelectuais que estão n o pod er, essa lacu n a ressalta um a ind iferença presu nçosa que é realmen te a s s u s t a d o r a . P o u co s a n o s d e p o is d e c a u s a r e s t a rd a l h a ç o , o q u e p o d e r i a s e r m e n o s a t r a t i v o e m e n o s v e rd a d e i ro d o q u e a te s e d e Fuk u yam a sobre o “fim d a História” ou o estud o de Lyotard sobre o “d esap arecimen to” das “grand es narrativas”? O m esm o se pode d i z e r d o s p r a g m á t i co s e d o s r e al is ta s d e ca b e ç a d u r a q u e t r a m a 16
r a m f icçõ es a b su r d a s co m o a “n o v a o r d e m m u n d i a l ” o u “ o c h o q u e d as civiliz ações”. N ã o q u e r o se r m a l c o m p r e e n d i d o . N ã o s e e xi ge d o s i n t e l e c t u ai s u m a p o s t u r a d e q u e ixo so s m a l -h u m o r a d o s . N a d a p o d e r i a se r m e n o s v e rd a d e i ro q u a n d o s e p e n s a e m d i s si d e n te s f a m o s o s e e n é r g ico s co m o N o a m C h o m s k y o u G o r e V i d a l. T e s te m u n h a r u m estado lamentável de coisas qu an d o n ão se está n o p od er n ão é, de j ei to n e n h u m , u m a a ti vi d ad e m o n ó t o n a e m o n o c r o m á t i ca . E n volve o qu e Fou cault certa vez ch am ou de “eru d ição im p lacável” ; r a.s tr ea rj fo n t.e s a l t e rn a t i va s , e xu m a r d o c u m e n t o s e n t e r r a d o s , reviver histórias esqu ecidas (ou a b an d on ad as). Envolve tam b ém u m s en t id o d o d r a m á t i co e d o i n s u r g en t e , a p r o v e i ta n d o a o m á xi m o a s r a ra s o p o r t u n i d a d e s q u e s e t e m p a r a f al ar , ca t i v a n d o a atenção do público, saindo-se melhor na troca de farpas, no h u m o r e n o d e b a te d o q u e o s o p o n e n t e s . E h á a lg o f u n d a m e n t a l m e n t e d e s co n c e r t a n t e n o s i n t e le ct u a i s q u e n ã o t ê m n e m e s c r i t ó rios seguros, n em territór io p ara consolid ar e defend er; p or isso, a a u t o -i r o n i a é m a i s fr eq ü e n t e d o q u e a p o m p o s i d a d e , a f r o n t a l i d a d e m e l h o r d o q u e a h e s i ta çã o e o g a gu e j o. M a s n ã o h á c o m o e v i tar a realidade in escapável de qu e tais representações p or in telec tuais não vão trazer-lhes am igos em altos cargos n em lhes conced er hon ras oficiais. É um a con d ição solitária, sim, m as é sem p re m e lhor do que u m a tolerância gregária para com o estado d as coisas.
S ou m u i t o g r a t o a A n n e W i n d e r , d a
b b c
,
e a sua a ssistente
S ar ah F er g u s o n . C o m o p r o d u t o r a r e sp o n s á v el p o r e ss as c o n f e r ê n ci as , A n n e W i n d e r m e o r i e n t o u c o m s u t il ez a e sa b e d o r ia d u r a n t e a s g r av a çõ e s. Q u a i s q u e r fa lh a s s ão , n a t u r a l m e n t e , d a m i n h a i n teira responsabilidade. Francês Coad y editou o m an u scrito com in teligência e tato. Sou m u ito gr ato a ela. Em N ova York, Shelley W an ge r, d a P a n t h e o n , a j u d o u -m e a m a v e lm e n t e a o l o n g o d o p r o ce s s o 17
editorial. Agrad eço-lhe m u ito. Pelo seu in teresse nessas con ferên cias e pela gentileza em p u b licar algun s trech os, agradeço tam b ém
a o s m e u s q u e r i d o s a m i g o s R i c h a r d P o i ri e r, e d i to r d aR a r i t a n Review ,
e Jean Stein, ed itora d a G rand St reet. A sub stância dessas
p á g in a s fo i co n s t a n t e m e n t e i lu m i n a d a e r e v ig o r a d a p e lo e xe m p l o de m uitos in telectuais de valor e grand es am igos; um a lista de seus n o m e s n e s ta in t r o d u ç ã o s e r ia ta lv e z e m b a r a ç o s a p a r a e le s, p o den do p arecer desagradável. De tod o m od o, alguns desses nom es ap arecem nas con ferências. Saú d o-os e agrad eço-lh es por sua so lidariedade e seus en sinam en tos. A dra. Zaineb Istrabad i aju d ou me em todas as fases da p rep aração d essas con ferên cias: sou-lhe m u ito grato p ela sua assistên cia eficaz. E. W. S. N ova York l
Fev er ei ro , 1994
1. Representações do in telectu al
O s in t ele ct u ai s f o r m a m u m g r u p o d e p e s so as m u i t o g r a n d e o u e x t r e m a m e n t e p e q u e n o e a l t a m e n t e s el e ci o n a d o ? S o b r e es sa q u estão, duas das m ais fam osas d escrições de intelectu ais d o sé culo xx são fundamentalmente opostas. Antonio Gramsci, o m arxista, m ilitante, jorn alista e b rilh an te filósofo p olítico italia n o, qu e foi preso p or Mu ssolini en tre 1926 e 1937, escreveu n os seus Ca derno s do cárcere q u e “t o d o s o s h o m e n s s ã o i n t e l e ct u a i s , e m b o r a se p o s sa d iz e r: m a s n e m t o d o s o s h o m e n s d e s e m p e n h a m n a s o c i e d a d e a f u n ç ã o d e i n t e l e c t u a i s ”.1 A p r ó p r i a ca r r e i r a d e G ram sci exemp lifica o p apel que ele atribu iu ao in telectu al. Filólogo capacitado, ele foi ao mesmo tempo um organizador do m ovim en to da classe operária italiana e, em sua atividad e jorn alís tica, u m dos analistas sociais mais conscientem en te p on d erad os, cujo objetivo era con struir não apen as um m ovim en to social, m as t a m b é m t o d a u m a f o rm a çã o cu l tu r a l a s s o ci a d a a es se m o v i m e n t o . G r a m s ci t e n t a m o s t r a r q u e as p e s so a s q u e d e s e m p e n h a m u m a f u n çã o i n t el ect u a l n a s o ci ed a d e p o d e m s e r d i vi d i d as e m d o i s t i p o s : p r i m e i r o , o s i n t e l e ct u a i s t r a d i ci o n a i s , co m o p r o f e s s o r e s , 19
clérigos e ad m in istrado res, qu e, geração após geração, contin u am a fazer a m esm a coisa; e, segun d o, os intelectu ais orgân icos, qu e G r a m s c i co n s i d e r a v a d i r e t a m e n t e l ig a d o s a cl as se s o u e m p r e sa s , q u e o s u s a v a m p a r a o r g a n i z a r i n t er e ss e s, co n q u i s t a r m a i s p o d e r , ob ter m ais controle. Assim, G ram sci diz o seguinte sobre o intelec tu al orgân ico: “o em p resário capitalista cria ju n to d e si o técnico in d u strial, o especialista em econ om ia p olítica, os organizad ores d e u m a n o v a c u l t u r a , d e u m n o v o s is t em a le ga l e t c .”.2 N os dias de h o j e , o e s p e ci a li st a e m p u b l i ci d a d e o u r e l a çõ e s p ú b l i ca s , q u e i n v e n t a t é cn i ca s p a r a o b t e r u m a m a i o r fa ti a d e m e r ca d o p a r a u m detergente ou uma companhia de aviação, seria considerado, s e g u n d o G r a m s ci , u m i n t e le ct u a l o r g â n i co , a lg u é m q u e n u m a s o cied ad e d em ocrática tenta ga n h ar a adesão de clientes poten ciais, o b t e r a p r o v a ç ã o , n o r t e a r o co n s u m i d o r o u o e l e i to r a d o . G r a m s ci acreditava q ue os intelectuais orgân icos estão ativamen te envolvi d o s n a s o ci e d a d e ; i st o é, el es l u t a m co n s t a n t e m e n t e p a r a m u d a r m e n t a l i d a d e s e e xp a n d i r m e r ca d o s ; a o co n t r á r i o d o s p r o f e ss o re s e d o s cl ér ig o s, q u e p a r e ce m p e r m a n e c e r m a i s o u m e n o s n o m e s m o l u g a r , r ea li z an d o o m e s m o t i p o d e t ra b a l h o a n o a p ó s a n o , o s in t e l e ct u a i s o r g â n i c o s e s tã o s e m p r e e m m o v i m e n t o , t e n t a n d o f az er negócios. N o o u t r o e x t r e m o s e e n c o n t r a a cé l eb r e d e f i n i çã o d e in t e l e c t u a i s d e Ju l i en B en d a : u m g r u p o m i n ú s cu l o d e r e is -f il ó so f os s u p e r d o t a d o s e co m g r a n d e s e n t i d o m o r a l , q u e c o n s t it u e m a co n s c iê n ci a d a h u m a n i d a d e . A p e s a r d e se r v e rd a d e q u e o t r a t a d o d e B e n d a La trahison des clercs — a t r a i çã o d o s i n t e l e ct u a i s — f ico u p a r a a p o s t er id a d e m a is co m o u m d u r o a ta q u e a o s i n t el ect u a is q u e a b a n d o n a m s u a v o ca çã o e co m p r o m e t e m se u s p r i n cí p i o s d o q u e c o m o u m a a n á l is e si s te m á t i ca d a v id a i n t e le ct u a l , B en d a ci t a , d e f a t o , u m p e q u e n o n ú m e r o d e n o m e s e d e ca r a ct e r í st i ca s p r in c ip a i s d o s q u e co n s i d e r a v a s e r e m v e r d a d e i r o s i n t e l e ct u a i s . S ó c ra t e s e Je su s s ã o m e n ci o n a d o s c o m f r eq ü ê n c ia , a l ém d e o u t r o s e xe m p l o s 20
m a i s r e ce n t e s , c o m o E s p i n o s a , V o l ta i re e Er n e s t R e n a n . O s v e r d a d e i r o s i n t e l e c tu a i s c o n s t i t u e m u m a cl e r ez i a , s ã o c r ia t u r a s d e f a to m u i t o r a r a s , u m a v ez q u e d e fe n d e m p a d r õ e s e t er n o s d e v e r dad e e justiça que não s ã o p r e ci sa m e n t e d e s te m u n d o . D a í o t e rm o r e li gi os o q u e B e n d a l h es a t r ib u i — cl ér ig os — , u m a d i s ti n ç ão n a p o s i çã o s o ci a l e n o d e s e m p e n h o q u e e le s e m p r e co n t r a p õ e a o s le i gos, aqu elas pessoas com u n s interessadas em van tagens m ateriais, e m p r o m o ç ã o p e s so a l e, se p o s sí ve l, n u m a r e la çã o p r ó xi m a c o m o s p od eres seculares. Os verd ad eiros intelectuais, diz ele, são e
aqu eles cu ja atividad e não é essen cialmen te a bu sca d e objetivos práticos, ou seja, tod os os que p rocu ram sua satisfação no exercício de u m a arte ou ciência ou da especulação metafísica, em su ma, na posse de vantagen s n ão m ateriais, daí de certo m od o d izerem: ‘Meu reino n ão é deste mu nd o ’.1 N o en tan to, os exem plos de Bend a deixam m u ito claro que ele n ã o e n d o s s a a n o ç ã o d e p e n s ad o r es t o ta l m e n t e d e s co m p r o m e t i d o s , a lh e i os a e s te m u n d o , f e ch a d o s n u m a t o r r e d e m a r f im , v o l ta d o s i n t e n s a m e n t e p a r a si p r ó p r i o s e d e v o ta d o s a t e m a s o b s cu r o s , e talvez m esm o ocu ltistas. O s verdadeiros intelectuais nu n ca são tão r e le s m e s m o s c o m o q u a n d o , m o v id o s p e la p a i xã o m e t af ís ica e p rincípios desin teressados de justiça e verdade, de n u n ciam a cor ru p ção, d efend em os fracos, desafiam a au torid ad e imp erfeita ou op ressora. “É n ecessário lem b rar”, p ergun ta Bend a, com o Fenelon e Massillon den un ciaram certas gu erras de Luís xiv? Com o Voltaire cond enou a destru ição do Palatinado? Como Renan den un ciou as violências de N apoleão, e Buckle, as intolerâncias da Inglaterra em relação à Revolução Francesa? E, nos nossos temp os, N ietzsch eem relação às brutalidades da Aleman ha contra a França?’ De acord o com Ben da, o p roblem a dos intelectuais de hoje é 21
qu e eles concederam sua autorid ad e m oral àquilo que, n u m a frase p rem on itória, ele cha m a “a organ ização de pa ixões coletivas”, tais com o o sectarism o, o sentim en to das massas, o n acionalism o beli gera n te, os interesses de classe. Bend a escreveu isso em 1927, b em antes da ép oca dos m eios de com u n icação d e massa, m as ele pres s e n t iu q u ã o i m p o r t a n t e e r a p a r a o s g o v e rn o s t e re m c o m o s eu s s e r v id o r e s a q u e le s in t e le ct u a i s q u e p o d i a m s e r co n v o ca d o s n ã o p ara dirigir, m as p ara conso lidar a p olítica governam en tal, p ara e xp e l i r p r o p a g a n d a c o n t r a i n i m i g o s o fi ci a is , e u f e m i s m o s e , e m escala mais am p la, sistemas inteiros da N ova Língu a O rwelliana, ca p a z e s d e d i s s i m u l a r a v e r d a d e d o q u e e s t a va a co n t e ce n d o e m n om e d e “conven iências” institucionais ou da “ho n ra n acion al”. A força da lam ú ria de Bend a con tra a traição d os intelectuais não se en contra n a sutileza do seu argum en to, nem no seu absolutismo qu ase impossível no q ue respeita a sua visão totalm en te des com p rom etida d a m issão do intelectual. De acordo com a definição * de Bend a, os verdad eiros intelectuais d evem correr o risco de ser qu eim ad os na fogueira, cru cificad os ou con d en ad os ao ostracis m o. São personagens simb ólicos, m arcados p or sua distância obs tinad a em relação a problem as p ráticos. Por isso, n ão p odem ser n u m e r o s o s , n e m d e s e n v o l v e r-s e d e m o d o r o t i n e i r o . T ê m d e s er indivíduos completos, dotados de personalidade poderosa e, s o b r e t u d o , t ê m d e e st a r n u m e s ta d o d e q u a se p e r m a n e n t e o p o sição ao status q u o. Po r tod as essas razões, os intelectuais de Bend a form am inevitavelmente um grup o peq uen o e altam ente visível de h o m e n s — ele n u n ca i n c lu i m u l h e r e s — , cu j a s v oz es to n a n t e s e i m p r e ca çõ e s i n d e l ica d a s s ã o v o ci f er a d a s d a s a lt u r a s à h u m a n i d a d e . Be n d a n u n ca a ss in a l a co m o e ss es h o m e n s co n h e ce m a v er d a d e , o u s e s u a s l u m i n o s a s i n t u i çõ e s d o s p r i n cí p i o s e te r n o s n ã o seriam , com o as de D om Q uixote, p ou co mais do qu e fantasias pes soais. M a s p e l o m e n o s n ã o r e st a d ú v i d a d e q u e a i m a g e m d o v e rd a deiro intelectual, conceb ida p or Benda, perm an ece de m od o geral
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atraen te e insin u an te. M uitos dos seus exem p los, positivos e n ega tivos, são p ersuasivos: um deles é a defesa pú b lica d a família Calas feita p or Voltaire; ou, no extremo op osto, o nacionalism o rep u g n an te de escritores franceses com o M au rice Barrès, a qu em Bend a a t ri b u i p e r p e t u a r u m “r o m a n t is m o d e a s p e re za e d e s p r e zo ” e m n o m e d a h o n r a n a ci on a l f ra n c es a .5 B e n d a f o i e s p i r i t u a l m e n t e m old ad o pelo caso Dreyfus e pela Prim eira Gu erra M un dial, am b o s p r o v as r i g or o s as p a r a o s i n t e le ct u a i s , q u e p o d i a m o p t a r p o r l e v a n t a r a v o z co r a j o s am e n t e c o n t r a u m a t o d e i n j u s t i ça m i l it a r an ti-sem ita e de fervor nacionalista, ou ir tim idam en te atrás do re b a n h o , r ecu s a n d o -s e a d e f e n d e r o o f ici al ju d e u A l fr ed D r e y fu s , i n j u s t am e n t e co n d e n a d o , e n t o a n d o p a la v ra s d e o rd e m ch a u v i nistas p ara atiçar a febre da gu erra con tra tu d o o qu e fosse alemão. D e p o i s d a S e gu n d a G u e rr a M u n d i a l, Be n d a to r n o u a p u b l i ca r s eu livro, dessa vez acrescentan d o u m a série de ataques con tra in telec tuais que colab oraram com os nazistas, b em com o con tra aqueles q u e , s e m u m a v is ã o cr í t ica , fo r a m e n t u s i a st a s d o s c o m u n i s t a s . ’ M a s n o f u n d o d a r e t ó ri ca co m b a t i v a d a o b r a b a s i ca m e n t e c o n s e r vad ora de Bend a en con tra-se essa figura do intelectual com o u m ser colocad o à parte, alguém cap az de falar a verdade ao p od er, u m i n d i v íd u o r í s p i d o , e l o q ü e n t e , f a n t a s t ica m e n t e c o r a jo s o e r e v o l t ad o , p a r a q u e m n e n h u m p o d e r d o m u n d o é d e m a si ad o g r an d e e im p on en te para ser criticad o e qu estion ado d e forma incisiva. A a n á li s e s o ci a l q u e G r a m s ci fa z d o i n t e l e ct u a l c o m o u m a p e s s o a q u e p r e en c h e u m co n j u n t o p a r t icu l a r d e f u n çõ e s n a s o c i e d a d e e st á m u i to m a i s p r ó x im a d a r e al id a d e d o q u e tu d o o q u e B en d a es cr e v eu , s o b r e t u d o n o f im d o s é cu l o x x , q u a n d o t a n t a s p r o f is s õe s n o v a s — l o cu t o r e s d e rá d i o e a p r e s en t a d o r e s d e p r o g r a m a s de
t v
,
p r o fi ss io n a i s a c a d ê m i co s , an a l is t as d e i n f o r m á t i ca ,
advogad os das áreas de esportes e de m eios de com u n icação, con su ltores de ad m in istração, especialistas em p olítica, con selh eiros d o governo, autores de relatórios de m ercado especializados e até 23
m e s m o a p r ó p r i a á r ea d o m o d e r n o j o rn a l is m o d e m assa — tê m s u s t e n t a d o a v i s ã o d o f il ó so f o i ta l ia n o . H o j e , t o d o s o s q u e t ra b a l h a m e m q u a lq u e r á re a r e la ci on a d a c o m a p r o d u ç ã o o u d i v u l g a ç ã o d e co n h e ci m e n t o s ão in t el ect u ai s n o s e n t i d o g r a m s c ia n o . N a m a i o r p a r t e d a s s oci ed a d e s i n d u s tr ia l iz a d a s d o O c id e n t e , a r e l a çã o e n t r e as ch a m a d a s i n d ú s tr ia s d o c o n h e c i m e n t o e a s q u e e s t ã o l i ga d a s à p r o d u ç ã o m e câ n i ca e a rt e s a n a l p r o p r i a m e n t e d i t a s t e m c re s c i d o v er ti g in o s a m e n t e a f av or d a s in d ú s t r ia s d o c o n h e c i m e n t o . O s o ci ó lo g o a m e r i ca n o Alv in G o u l d n e r d i ss e h á v á r i o s a n o s q u e o s i n t el ect u a is e r a m u m a n o v a cl as s e, e q u e o s a d m i n i s t r a d o r e s i n t e le ct u a i s t in h a m a g o ra s u b s t i t u í d o , e m g r a n d e e s c a l a , a s v e l h a s c la s se s e n d i n h e i ra d a s e a b a s t a d a s . E n t r e t a n t o , G o u l d n e r ta m b é m a f ir m o u q u e , e m v ir tu d e d e s u a p o s i ç ã o a s c e n d e n t e , o s i n t e l ect u a i s n ã o e r a m m a i s p e s so as q u e s e d i r ig i a m a u m p ú b l i co v a s t o ; e m v e z d i ss o, t in h a m se t o r n a d o m e m b r o s d o q u e e le ch a m o u u m a cu l t u r a d o d is cu r so cr ít ico .7 Todos os in telectuais, o e d itor d e u m livro e o autor, o estrategista m i li ta r e o a d v o g a d o i n t e r n a c io n a l , f al am e li d am co m u m a l in g u a g e m q u e s e t o r n o u e s p e c ia l iz a d a e u ti li zá ve l p o r o u t r os m e m b ros da m esm a área: especialistas qu e se dirigem a outros experts n u m a lí n g u a f r a n c a e m g r a n d e p a r t e in c om p r ee n s ív e l p o r p e ss oa s n ão especializadas. D e m od o sem elh an te, o filósofo francês Michel Foucault dis se que o cha m ad o in telectu al un iversal (é provável que ele tivesse Je a n -P a u l S a r t r e e m m e n t e ) v i u s e u l u g a r t o m a d o p e lo in t e le ct u a l “específico ”,8a l g u é m q u e d o m i n a u m a ss u n t o , m a s q u e é ca p a z d e u s a r s eu c o n h e c i m e n t o e m q u a l q u e r á r e a . A q u i , Fo u ca u l t e st av a p e n s a n d o c o n c re t a m e n t e n o f ís ico a m e r i ca n o R o b e rt O p p e n h e i m e r , q u e s a iu d e s u a á r e a e s p e c íf ica q u a n d o a tu o u co m o o r g a n i z a d o r d o p r o j e t o d a b o m b a a t ô m i ca d e Lo s A la m o s em 1 94 2-5 e d epois se tor n ou u m a esp écie de com issário de assuntos científicos n o s E s ta d o s U n i d o s . 2-4
E a proliferação d os intelectuais se estendeu inclusive p or u m grande n ú m ero de áreas em q ue eles — seguin d o talvez as suges t õ e s p i on e i r as d e G r a m s c i n o s Cad ernos do cárcere, q u e , p r a t i ca m en te pela pr im eira vez, viu os in telectuais, e não as classes sociais, co m o e ss en ci ai s p a r a o f u n ci o n a m e n t o d a s o ci e d a d e m o d e r n a — se torn aram o ob jeto d e estud o. Basta p ôr as p alavras “d e” e “e” ao lado d a palavra “ intelectuais” p ara q ue, quase d e im ed iato, apareça d i a n t e d e n o s so s o l h o s u m a b i b l i o t eca i n t e i r a d e e s tu d o s s ob r e e le s, b a s t an t e i n t i m i d a n t e e m s u a a m p l it u d e e m i n u ci o s a m e n t e focada em seus detalhes. Além d os m ilhares de diferentes estud os h istóricos e sociológicos de in telectuais, h á tam b ém intermin áveis r e la t os s o b r e o s i n t e l e ct u a i s e o n a ci o n a l i s m o , e o p o d e r , e a t r a d i çã o , e a r e v o lu ç ã o , e p o r a í a f o ra . C a d a r eg i ã o d o m u n d o p r o d u ziu seus intelectuais, e cad a u m a dessas form ações é deb atida e ar g u m e n t ad a co m u m a p a i xã o a rd e n t e. N ã o h o u v e n e n h u m a gr an d e * r e v ol u çã o n a h i s t ó r i a m o d e r n a s e m i n t e le ct u a i s; d e m o d o i n v er so , n ã o h o u v e n e n h u m g r a n d e m o yi m e n t o co n t r a-r ev o lu c io n á r io s e m i n t e l e c t u a i s. O s i n t e l e c tu a i s tê m s id o o s p a i s e as m ã e s d o s m ovim en tos e, é claro, filhos e filhas e até sob rin h os e sobrin h as. H á o p e r ig o d e q u e a f ig u r a o u i m a g e m d o i n t e le ct u a l p o s sa d e s a p a r ece r n u m a m o n t o a d o d e d e t al h e s, e q u e e le p o s s a t o r n a r - s e a p e n a s m a is u m p r o f is si o n a l o u u m a fi gu r a n u m a te n d ê n c ia s o cial. O q ue vou d iscutir nestas con ferên cias tem com o certas essas realidad es do fin al d o século XX , o r i g i n a r i a m e n t e s u g e ri d a s p o r G r a m s ci , m a s q u e r o t a m b é m i n s i s t ir n o f a t o d e o in t e l ect u a l se r u m i n d iv íd u o c o m u m p a p e l p ú b l i co n a so ci ed a d e , q u e n ã o p o d e s e r r ed u z id o s i m p l e sm e n t e a u m p r o f is si on a l s em r o s t o , u m m e m b ro com peten te de um a classe, q ue só qu er cu id ar de suas coisas e de seus interesses. A q uestão cen tral pa ra m im , p en so, é o fato d e o i n t e le ct u a l se r u m i n d i v í d u o d o t a d o d e u m a v o c a çã o p a r a r e p r e s en t a r, d a r co r p o e a r t i cu l a r u m a m e n s a g e m , u m p o n t o d e vi st a, u m a a ti tu d e , fi lo so fi a o u o p i n i ã o p a r a (e ta m b é m p o r ) u m p ú b l i co .
E esse papel encerra u m a certa agud eza, pois n ão p od e ser desem pen had o sem a con sciência de se ser alguém cuja fun ção é levantar p u b l i ca m e n t e q u e s tõ e s e m b a r a ço s a s , c o n f r o n t a r o r to d o x ia s e d o g m a s ( m a i s d o q u e p r o d u z i -l o s ); i st o é , a l gu é m q u e n ã o p o d e se r f a ci lm e n t e co o p t a d o p o r g o v e r n o s o u c o r p o r a ç õ e s , e cu j a raison d'êt re é representar
todas as pessoas e tod os os prob lem as qu e são
s i st e m a t i ca m e n t e e s q u e ci d o s o u v a r r id o s p a r a d e b a i xo d o t a p e te . Assim , o intelectual age com base em p rincíp ios un iversais: que t o d o s o s se re s h u m a n o s t ê m d i r e it o d e co n t a r c o m p a d r õ es d e c o m p o r t a m e n t o d e c en t e s q u a n t o à li b e r d a d e e à j u s t i ça d a p a r t e d o s p o d e r e s o u n a çõ e s d o m u n d o , e q u e a s vi o la çõ e s d e li b e ra d a s o u i n a d v e rt id a s d e sse s p a d r õ e s t ê m d e s e r co r a j o s a m e n t e d e n u n ciadas e com ba tidas. G ostaria de exp or isso em term os p essoais: com o intelectual, a p r e s e n t o m i n h a s p r e o cu p a çõ e s a u m p ú b l i co o u a u d i t ó r io , m a s o q u e e s tá e m j og o n ã o é a p e n a s o m o d o c o m o e u a s a rt icu l o , m a s t a m b é m o q u e eu m e s m o r ep r e s e n t o, co m o a lg u é m q u e e st á t e n tan d o expressar a causa d a liberd ade e da justiça. Falo ou escrevo essas coisas porq ue, depois de m u ita reflexão, acred ito nelas; e ta m b ém qu ero persuad ir ou tras pessoas a assimilar esse p on to de vista. D a í o f a to d e e xi st ir es sa m i s t u r a m u i t o c o m p l ica d a e n t r e o s m u n dos privado e público, minha própria história, meus valores, e s cr i to s e p o s içõ e s q u e p r o v ê m , p o r u m l a d o , d e m i n h a s e xp e r i ê n ci as e , p o r o u t r o , a m a n e i r a c o m o s e in s e r e m n o m u n d o s o ci al e m q ue as pessoas d ebatem e tom am p osições sobre a guerra, a liber dad e e a justiça. N ão existe algo com o o in telectual p rivado, pois, a p artir do m om en to em qu e as p alavras são escritas e pu blicadas, i n g r es s am o s n o m u n d o p ú b l i co . T a m p o u c o e xi st e s o m e n t e u m in t el e ct u a l p ú b l i co , a l gu é m q u e a t u a a p e n a s c o m o u m a f i gu r a d e p r o a , p o r t a -v o z o u s ím b o l o d e u m a ca u s a , m o v i m e n t o o u p o s i çã o . H á sem pre a inflexão pessoal e a sensibilidad e de cad a indivíduo, q u e d ã o s e n t i d o a o q u e e st á se n d o d i to o u e s cr i to . O q u e o i n t el ec-
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tuaJ m en os deveria fazer é atuar para qu e seu p ú b lico se sinta b em : o i m p o r t an t e é ca u s a r e m b a r a ço , s er d o c o n t r a e at é m e s m o d e s a gradável. N o fim das contas, o que interessa é o in telectual en q u an to fi g u r a re p r e s en t a t iv a — a lg u é m q u e v i si v e lm e n t e r e p r e s e n t a u m ce r t o p o n t o d e vi st a, e al g u é m q u e a r t i cu l a r e p r e s e n t a çõ e s a u m p ú b l i co , a p e sa r d e to d o t i p o d e b a r r e i r as . M e u a r g u m e n t o é q u e o s intelectuais são ind ivídu os com vocação p ara a arte d e represe n tar, seja escrevend o, faland o, ensin and o o u ap arecend o n a televisão. E e ss a v o ca çã o é i m p o r t a n t e n a m e d i d a e m q u e é re co n h e cí v e l p u b l i ca m e n t e e e n v ol ve , a o m e s m o t e m p o , c o m p r o m i s s o e r i s co , ousad ia e vulnerabilidade. Q u an d o leio Jean-Pau l Sartre ou Bertran d Russell, são suas vozes e presen ças esp ecíficas e in d ividu ais q u e m e ca u s a m u m a i m p r e ss ã o p a r a a l ém e a c im a d o s s eu s a r g u m e n t o s , p o r q u e eles e xp õ e m co m cl a re z a s u a s c o n v i c çõ e s . N ã o p o d e m s e r co n fu n d id o s co m u m f u n ci o n á r io a n ô n i m o o u u m b u rocrata solícito. N a p r o f u s ã o d e e st u d o s s o b r e i n t e le ct u a i s t e m h a v i d o d e masiadas definições do intelectual, e po u ca atenção tem -se d ad o à im agem , às características pessoais, à in terve n ção efetiva e ao d e s e m p e n h o , q u e , j u n t o s , co n s t i tu e m a p r ó p r i a f o r ç a v it a l d e t o d o verdad eiro intelectual. Ao escrever sob re os escritores ru sso s d o século xix, Isaiah Berlin disse qu e, em p arte sob influ ên cia d o R o m an tism o alem ão, suas aud iências “foram levadas a ter con sciên cia de qu e ele estava n u m palco p ú blico, d ep on d o ”.9 Algo desse atrib uto ainda se m an tém fiel ao p apel pú b lico d o intelectual mod erno, com o eu o vejo. É p or isso que, q u an d o p en s am o s n u m i n te le ct u a l co m o S a r t r e, n o s le m b r a m o s d o s s e u s m a n e i r is m o s , d o s e n t id o d e u m a i m p o r t a n t e a p o s t a p e s s oa l , d o e s forço absoluto, d o risco, do d esejo de dizer coisas sob re o colo n ia l is m o , o u s ob r e o co m p r o m e t i m e n t o , o u s o b r e o co n f l i t o s o ci a l q u e en fu recia seus op ositores e galvanizava seus am igos e, retr os p ecti27
v ã m e n t e , t al a l ve v e z ca ca u s a ss s s e e m b a r a ço ç o a el e l e m e s m o . Q u a n d o l em em o s sob re o envolvim en to de Sartre Sart re com Sim one d e Beauvoir Beauvoir,, sobre a d i s p u t a c o m C a m u s , s oobb r e s u a n o t á ve v e l a li l i a n ça ç a c o m Je a n G e n e t , n ó s o situ am os (a palavra é de Sartre) nas suas circun circun stân cias; ci as; nessa nes sass circu circu n stân cias, e até certo certo p on to p or cau sa delas, delas, Sartre foi Sartr S artre, e, a m esm a pessoa qu e se s e opôs à p resença res ença da França n a Argél Argélia ia e no Vietnã. Longe d e o in c ap acitar aci tar ou d esqualific esqualif icar ar enq u an to intelec t u a l , es e s sa s a s co c o m p l i ca c a ç õ e s d ã o t e x t u r a e t e n s ã o a o q u e e l e d is i s se se , e xp x p o n d o -o - o c o m o s er er h u m a n o f a lí ve l , n ã o c o m o p r e g a d o r m o n ó ton o e m oralista. orali sta. É n a vi v i d a p ú b l ic i c a m o d e r n a — v is i s ta t a co c o m o u m r o m a n c e ou ou p e ça ç a t e at a t ra r a l e n ã o c o m o u m n e g ó ci ci o o u m a t é r ia i a -p -p r i m a p a r a u m a m o n o g r a f ia i a s o ci ci o ló l ó g i ca ca — q u e p o d e m o s ve v e r e c o m p r e e n d e r m ai ai s p ron tam en te po r que os intelec intele ctuais são sã o representativo r epresentativoss não ap e n a s d e u m m o v i m e n t o s oc o c i al a l s u b t e rr r r â n e o o u d e g r a n d e e n v er er gad u ra, m as tam b ém de u m esti estilo lo de vid vi d a bastante p ecu ec u liar, liar , até irir,
r i ta t a n t e , e d e u m d e s e m p e n h o so s o ci ci al a l q u e l h es e s é ú n i co co . E n ã o h á l u g ar ar m e l h o r p a r a e n c o n t r a r as a s p r i m e i r a s d e s cr cr iç i ç õ e s d es e s se se p a p e l d o q u e e m c e r t o s r o m a n c e s i n c o m u n s d o s éc é c u l o x i x e c o m e ç o d o s éc é cu l o x x —
rg uên iev, iev,A educaç Pais e filho s, de Tu rguên educação ão sent sent im e nt al,
R e t ra r a t o d o a rt rt i s t a q u a n d o j o v e m ,
de Flaub ert, ert ,
de Joyc J oycee — , em q ue a represen
tação d a reali re alidad dad e social social é p rofun d am en te influen c iada e até at é alte al te r a d a , d e m a n e i r a d e ci ci si s i va v a , p e l o s u r g i m e n t o s ú b i to to d e u m n o v o : p rotagon ista: o jovem intelec intelectual tual m od ern o. O r e t r a t o q u e T u r g u ê n i e v f a z d a R ú s si si a p r o v i n ci a n a d a d é c ad a de 18 1860 60 é idílic idílicoo e tranq ü ilo: m oços com posses poss es herd am dos pais seus seus h áb itos de vida, casam e têm filhos, filhos, e a vida con tin u a mais o u m e n o s a ss s s im i m . Is I s so so se s e d á a t é o m o m e n t o e m q u e Ba B a z ár á r o v, v, u m a p e r s o n a g em e m a n á r q u i ca c a m a s p r o f u n d a m e n t e co co n ce n t r a d a , i r r o m pe n as suas s uas vidas. vi das. A p rim eira cois coisaa qu e rep r ep aram os n ele é qu e rom p eu os laços laços com c om os p róp rios pais pais e p arece arece m en os u m filho filho d o que u m a e s p é ci ci e d e p e r s on o n a g e m a u t o c o n s t r u í d a , d e s a fi f i an a n d o a r o ti ti n a , 28
atacand atac and o a m ed iocrid iocri d ad e e os clic clichês, hês, reivind ican ican do n ovos valores valor es ci e n t íf í f ic i c o s e n ã o s e n t i m e n t a is i s q u e p a r e c e m s e r r a ci ci o n a i s e p r o g r es e s s is is t as a s . T u r g u ê n i e v d i s s e q u e se se re re c u s o u a m e r g u l h á - l o n u m xarop e; ele ele foi foi concebid o p ara ser “tosco, “tosco, sem coração, im p ied osa m e n t e s e co co e b r u s c o ”. ”. B a z á r o v r i d i c u l a r i z a a f a m í l i a K i r s á n o v ; q u a n d o o p a i , h o m e m d e m e i aa - i d a d e , t o c a S ch c h u b e r t , B a z ár ár o v d á gargalhadas gargalhadas n a cara dele. dele . Bazárov exp exp õe as idéias idéias da ciên cia m ate r ia i a l is is ta t a a le le m ã : a n a t u r e z a , p a r a e le l e , n ã o é u m t e m p l o , e s im im u m l a b o r a t ó r i o . Q u a n d o s e ap a p a i x o n a p o r A n n a S e r g u ê i ev ev n a , e s t a é a t r a í d a p o r e le l e , m a s t a m b é m a t e r r o ri ri z a d a : p a r a e l a , a e n e r g i a i n t e l e ct ct u a l sem en traves trav es e m u itas vez vezes es an árq u ica de Bazárov sugere o caos. Estar com com ele, ele, diz An n a a certa certa altura, é com com o titu b ear à beira de u m ^abismo. A b e l ez e z a e o p á t h o s d o r o m a n c e c o n s i s te te m n o f a t o d e T u r g u ê n i ev e v s u g e ri ri r e r e t r a t a r a i n c o m p a t i b i l i d a d e e n t r e a R ú s s i a g o v e r n a d a p o r f a m í l i a s, s , a s co co n t i n u i d a d e s d o a m o r e a f et e t o f i li l i al al , o m o d o a n t i g o e n a t u r a l d e f a ze z e r a s co co i sa s a s e, e, a o m e s m o t e m p o , a f o r ç a n i i l is i s t ic i ca m e n t e d e s t r u i d o r a d e u m B a z ár á r o v, v , cu cu j a h i s t ó r i a , a o c o n t r á r i o d a s d e t o d a s a s o u t r a s p e r s on o n a g e n s d o r o m a n c e , p a r e c e se se r imp ossíve ossívell de na rrar. Ele Ele aparece, desafia desafia e, e , de m od o igu alm ente a b r u p t o , m o r r e , i n f e ct ct a d o p o r u m c a m p o n ê s d o e n t e q u e h a v ia ia t r a t a d o . O q u e l e m b r a m o s d e B a z á r o v é a f o r ça ça c a b a l e i n ce ce s s a n t e d o s é u in i n t e l ec e ct o i n q u i r id id o r e p r o f u n d a m e n t e c o n f r o n t a d o r ; e , a p e s a r d e t e r a f ir i r m a d o q u e c o n s i d e r av a v a s e r es e s sa sa a s u a p e r s o n a g e m m a i s c om preen siva, o p róp rio Turgu êniev foi iludid o e, e , até certo c erto p on to, r e f re re a d o p e l a i n s e n s a t a f o r ça ç a i n t e l ec e c t u a l d e l a, a, b e m c o m o p e l a s reações reações dos leitores, leitor es, b astante ato rd oan tes e agitadas. Algun s lei t o r es e s p e n s a r am a m q u e Ba Ba z á r o v e r a u m a t a q u e à j u v e n t u d e ; o u t r o s l o u v a r a m - n o c o m o u m v e rd r d a d e i ro r o h e r ó i ; e o u t r o s , ai a i n d a , co co n s i d e r a r a m - n o p e r ig i g o so s o . Q u a l q u e r q u e s ej ej a n o s s o s e n t i m e n t o e m rela ção a ele, ele, Pais e filhos n ã o p o d e a m o l d a r Ba B a z ár ár o v a u m a p e r sonagem da narrativa; en qu anto seus amigos da família Kirsánov, 29
e até até os pais velhos velhos e p atéticos, atéticos, seguem o curs o de sua vida, o m od o de ser d o in tele tual Bazáro Bazáro
tório e desafiador, desafiador,
lui d
e até até os pais velhos velhos e p atéticos, atéticos, seguem o curs o de sua vida, o m od o de ser d o in telec tele ctual Bazáro Bazárov, v, p erem p tório e desafiador, desafiador, o exc exclui d a h i s t ó ri r i a , t o r n a n d o - o i n co c o m p a t í v e l co c o m e la l a e, e, d è ce ce r t a m a n e i r a , i m p r ó p r i o p a r a s e r d o m e s ti ti ca ca d o . Um caso ainda m ais ais explíc explícito ito é o do jovem Steph Ste ph en D edalus, de Joyc Joyce, e, cu jo início de carreira carreira é u m a o scilaç scilação ão en tre os agrados de institu ições ições com o a Igreja, Igreja, a profissão de ensinar, o n acion acion alism o irland irl and ês e o egoísm o teim oso, em lenta ascensão, do in telectual telectual cu jo lema é o non serv luciferino. Seamu Se amu s D eane faz fa z um a exce exce serv iam luciferino. lente observação sobre o Retrato ele, Retrato do artista artista quand o jov em: é , diz ele, “o p rim eiro rom ance em língua ingles ingl esaa em que a paixão paixã o d e pensar é apresentada de forma plena ”.10N em os p rotagonistas de Dickens, Dickens, n em os de Thackeray, Thackeray, Austen, H ardy, n em m esm o os de George Eliot são hom ens e mu lheres lhere s jovens jov ens cuja preocu p ação principal é a vid vid a do intelecto intelecto na sociedade, sociedade, enq u anto p ara o jovem jovem Dedalus “ p e n s a r é u m m o d o d e ex e x p e r i m e n t a r o m u n d o ”. ”. D e a n e t e m t o d a a razão ao d izer qu e, antes de Ded alus, a vo cação cação intelectual tinh a apenas “personificações grotescas” na ficção inglesa. No entanto, e m p a r t e p o r q u e St S t ep ep h e n é u m j o v em e m d a p r o v í n ci ci a , p r o d u t o d e u m a m b i e n t e c ol o l o n i a l , e le le te t e m d e d e s e n v o l v e r u m a c o n s c i ê n c ia ia i n telectual telectual resistente resistente antes de pod er torn ar-se u m artista. artista. No fim fim d o rom ance, ele ele não é m enos crític crít icoo n em está está menos afastado da famíli fa míliaa e dos fenianos do q ue de qu alqu er esqu em a ideo lógico lógico cujo efeito efei to seria ser ia restring ir sua ind ivid ivi d ualidad e e sua personalidade, freqüentemente desagradável. Como Turguêniev, Joyce oyce exp exp ressa com agud eza a incom p atibilid ad e entre o jovem jove m intelec intel ectual tual e o flux fluxoo con con tínu o da vida hu m an a. O q ue com eça p or s e r u m a h i s t ó r ia i a co c o n v e n c i o n a l d e u m j o v e m q u e c re r e s ce ce n u m a família e dep ois freqü freqü enta a esc e scola ola e a un iversidad iversidad e d ecom p õe-se n u m a série sér ie de anotações elíptic elípticas as do cade rn o de Steph Ste ph en. O in t e l e ct ct u a l n ã o s e a co c o m o d a r á à v i d a f a m i l i ar ar n e m à r o t i n a e n f a d on h a. N a fal falaa mais fam fa m osa do rom an c e, Ste S teph ph en exprim e o que é,
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d e f a t o , o c r e d o d e li b e r d a d e d o i n t e l e c t u a l , a p e s a r d e o e xa g e r o m e l o d r a m á t i co d a s u a d e c l ar a çã o s e r o m o d o d e Jo yce c o r t a r p e la r a iz a p o m p o s i d a d e d o j ov e m p r o t ag o n i s t a : Vou lhe dizer o q ue farei e o q ue n ão farei. N ão vou servir àqu ilo em qu e não acred ito mais, seja m eu lar, m inh a p átria ou m inh a religião; e tentarei exprim ir-m e nu m certo m od o d e vida ou d e arte tão livre e tão p lenam ente qu anto pu der, usan do em m inh a defesa as únicas arm as q ue m e p erm ito u sar: silêncio, exílio e sagacidad e. 4
N o e n t a n t o , m e s m o e m Ulisses S te p h e n n ã o é m a i s d o q u e u m j o v em o b s t i n a d o e r eb e l d e. O q u e é m a i s p e r t u r b a d o r e m s eu c r ed o é s u a a f i r m a ç ã o d a li b e r d a d e i n t e le ct u a l . E ss a é u m a q u e s tã o m u i t o r e l e v a n t e n o d e s e m p e n h o d o i n t e l e ct u a l , j á q u e se r g r o s s e ir ã o e d e s m a n ch a -p r a z e r e s n ã o l ev a a l u g a r n e n h u m . O o b j et iv o d a a ti v i d a d e in t e l e ct u a l é p r o m o v e r a l ib e r d a d e h u m a n a e o co n h e c i m e n t o . P e n s o q u e i ss o ai n d a h o j e é v e r d a d e , a p e s a r d a a cu s a çã o r e p e t i d a c o m f r eq ü ê n c ia d e q u e “a s g r an d e s n a r r a ti v a s d e e m a n ci p a çã o e e scl a r e ci m e n t o ” — c o m o o f il ós of o f r an c ês c o n t e m p o r â n e o L y o t a rd ch a m a t a is a m b i çõ e s h e r ó i ca s a s s oci a d a s à id a d e “m o d e r n a ” — j á n ã o t ê m a ce i ta çã o n a e r a d o p ó s - m o d e r n i s m o . D e a c o r d o c o m e s sa v i s ã o , a s g r a n d e s n a r r a t i v a s f o r a m s u b s t it u í d a s p o r s i t u a ç õ e s l o ca i s e j o g o s d a l i n g u a g e m ; a g o r a o s i n t e l e c tu a i s p ó s -m o d e r n o s e n a l te ce m a co m p e t ê n c i a, e n ã o o s v al or es u n i v e r sais com o a verd ad e e a liberdad e. Sem p re achei que Lyotard e seus s eg u i d o r es e s t ã o a d m i ti n d o s u a p r ó p r i a i n ca p a c id a d e p r e gu i ço s a, t a lv e z a té i n d i f e r e n ç a , e m v e z d e f a z er u m a a v a l i a çã o c o r r e t a d a q u i l o q u e c o n t i n u a a se r, p a r a o i n t e l ect u a l , u m e n o r m e l eq u e d e o p o r t u n i d a d e s , a p e s a r d o p ó s -m o d e r n i s m o . P o is , d e f a to , o s g o v e r n o s co n t i n u a m a o p r i m i r a b e r t a m e n t e as p e ss o as , g ra ve s e r r os j u d i ci á r i o s a i n d a a c o n t e c e m , a co o p t a ç ã o e i n c l u s ã o d e i n t e l e c 31
tuais pelo p oder con tinu am a calar calar sua sua voz, e o desvio desvio d os intelec tuais da sua vocação vocação é aind a m u itas veze ve zess um a realidad reali dad e. E m A educaç educação ão sent sent im ent al, F l a u b e r t, t, m a i s d o q u e n i n g u é m , expressa expressa seu seu d esap on tam en to com os intelectuais, intelec tuais, qu e ele ele critic crit icaa d e f o r m a i m p i e d o s a . S i tu t u a d o d u r a n t e as a s r ev e v o l ta t a s p a r i si si e n s e s d e 1848 18 48 a 1851, 1851, p eríod o descrito descri to pelo fam oso h istoriad or britân ico ic o Lewis N am ier com com o a revolução dos in i n telectuais, telectuais, o rom an ce é u m p a n o r a m a a b r a n g e n t e d a v id i d a b o ê m i a e p o l í ti t i ca c a n a “c “ c a p i ta ta l d o século século xi x”. x”. N o c en tro d a n arrativa estão d ois jovens p rovin c iano s, F réd éric M oreau e Charles Deslauriers Desla uriers,, cujas faç fa ç an h as q uan do jo vens boêm ios exp ex p ressam ressa m a raiv r aivaa de Flau F lau b ert em relação à incap aci d a d e d e a m b o s d e m a n t e r u m r u m o f i r m e e n q u a n t o in i n t e le l e ct ct u a is is . M u i t o d o s eu e u d e s p r e zo z o p o r e le le s p r o v é m d o q u e ta t a lv l v e z s ej ej a s u a expectativa expect ativa exagerada ex agerada em relação relação ao q u e eles eles d eviam ter sido. O resultado é a mais brilh bril h ante rep resentação do intelectual intelec tual à deriva. Os d ois rapazes rapaze s com c om eçam com o p oten c iais estud es tud iosos de lei leis, s, crí ticos, h istoriado res, ensaístas, ensaístas, filósofos filósofos e sociólogos, ten d o com o o b j e ti ti vo v o o b e m - e s t ar a r p ú b l i co co . M o r e a u a c a b a t e n d o “ su s u a s a m b i çõ çõ e s intelectuais intelectuais [.. [...] m ing u ad as. Passaram -se os o s an os e ele ele su su p ortava a ind olência da m en te e a inércia inérci a do coração”. coração”. D eslauriers eslaurier s torn a-se “d iretor d a colon colon ização ização n a Argé A rgéli lia, a, secretário secretário d e u m p axá, gerente d e u m j o r n a l e ag a g e n te t e p u b l i ci ci t ár á r i o ; [ ..,] n o m o m e n t o , e m p r e g o u s e co co m o s o li l i ci ci ta t a d o r n u m a e m p r e sa s a in i n d u s t r ia ia l . O s fracassos fracassos de 1848 são s ão p ara Flau b ert os fracassos fracassos de sua ge r a ç ã o . P r o f e ti t i ca c a m e n t e , o s d e s t i n o s d e M o r e a u e D e s l a u r i e rs rs s ã o r e t r at a t a d o s c o m o o r e s u l ta ta d o d e s u a p r ó p r i a f al a l ta ta d e f o r ça ça d e v o n t a d e e t a m b é m c o m o o t r ib i b u t o co c o b r a d o p e la la s o ci ci e d a d e m o d e r n a , com suas diversões diversões infidáve infidáveis, is, seus tu t u rb ilhões de p razeres e, e, sob re tud o, a emergência do jornalism o, da p ub licidad licidad e, da celebridad cel ebridad e instan tânea e de u m a esfe es fera ra de circu circu lação con con stante, em qu e todas as idéias idéias são são negociáveis, tod os os valores tran sm u táve is, tod as as 32
p rofissões rofissões redu zidas à bu sca de d in h eiro fác fácil e sucesso rápid o. As ce na n a s m a is i s r e le l e v an a n t e s d o r o m a n c e s ã o, o, p o r t a n to t o , o r g an a n i z a d a s ssii m b o l i ca ca m e n t e e m ttoo r n o d e co co r r id i d a s de d e ca c a v a lo l o s , d a n ç a s e m b a r es es e b o r d é i s, s , m o ti t i n s , m a r ch c h a s , d es e sfi fi le l e s e m a n i f e s t aaççõõ e s p ú b l ica i ca s , e m q u e M o r e a u ttee n t a i nnccee s s an qu a n t e m e n t e re re a li l i z ar ar -s -s e n a v id i d a a m o r o sa sa e in telectual, telectual, m as é sem se m p re desviado desvi ado d e tal p rop ósito. B a zá z á ro r o v , D e d a lu l u s e M o r e a u s ã o s e m d ú v i ddaa ca s o s e xt x t re r e m os os, m a s s e rv r v e m a o o b j e ti t i v o — a lg lg o q u e só s ó o s r om o m a n c e s re re al a l is i s ta ta s p a n o r â m i co co s d o s éc é cu l o x i x p o d e m f az a z er e r — d e n o s m o s t r a r i n t e le l e ct ct u a is is e m a çã çã o , e n v ol o lvvii d o s e m n u m e r o s a s d i fi f icu cu l d a ddee s e t e n t a çõ çõee s , m a n t e n d o o u t r a i n d o s u a v o ca c a ççãã o , n ã o c o m o u m a ta t a r e fa f a f ix i x a a s er er a p r e n d i d a d e u m a ve v e z p o r t od o d a s n u m m a n u a l d o t ip i p o “c “c o m o f az az er e r ”,”, m a s co c o m o u m a ex e x p e r i ê n ci c i a c o n c r e t a c o n s t a n t e m e n t e a m e a ça ça d a p ela p róp ria vida m od ern a. As representações representaçõe s d o intelectual, intelectual, suas a r t i cu cu l a çõ çõ e s p o r u m a ca c a u s a oouu i d é i a d i a nt n tee d a s o ci ci e d a d e , n ão ão têm c o m o i n t e n ç ã o b á s i ca c a f o r ta t a l e ce c e r o eg eg o o u e x a l t a r u m a p o s i ç ã o s o ci ci a l. l . T a m p ou o u c o t ê m c o m o p r in i n c ip i p a l o b j e ti t i v o s e rv rv i r a b u r o c r a cias pod erosas e p atrões gen erosos. As rep resen tações intelectuais são a a t i v i d a d e e m si, d ep e p e n d e n tes t e s d e u m e s ta ta d o d e c oonn s c iê i ê n c i a qu qu e é cétic cética, a, com p rom etid a e incansavelmen te devotad a à in in vestigaç vestigação ão raciona l e ao juízo m oral; e isso isso exp exp õe o in divídu o e col col oca-o em r i s co co.. Sa S a b e r c o m o u sa s a r b e m a l í ng n guu a e sa s a b e r q u a n d o i n t e rv r v ir ir p o r m eio d ela são du as característic características as essenciais essenciais d a ação ação in telectual. telectual. M a s o q u e rreepp r e se s e n ttaa o i n t e lec l e ct u a l hoj h o je? e? Pe P e n s o q ue u e u m a ddaa s m e l h or o r e s e m a i s h o n e st s t a s re r e s p o sstt a s a e ss s s a q ue u e sstt ã o f oi o i da dad a pelo sociólogo soci ólogo am erican eric an o C. Wrigh t Mills Mills,, u m intelectual intelectual ferozm feroz m en te i n d e p e n d e n t e , c o m u m a v is i s ã o s o ci ci al a l a p a i xo xo n a d a e u m a c a p a c i d ade n otável de exp exp ressar suas idéias idéias nu m a prosa clara e env ol ven te. Em 19 1944 44,, ele ele escreveu escreveu qu e os intelectuais intelectuais in d ep en d en tes se c o n f r o nt a v a m o u c o m u m a e sp a n có c ó l i co co d e s p é ci c i e d e s e n t i m e n t o m e l an im p otên cia ci a em face face de sua posição à m argem da sociedad sociedad e, ou c om 33
a opção d e se se ju n tar às fileir fileiras as de institu ições, ições, corp orações ou go-
v e r n o s , e n q u a n t o m e m b r o s d e u m g r u p o r e la l a ti t i va va m e n t e p e q u e n o d e in i n s i d er e r s q u e t o m a v a m d e ci ci s õe õ e s i m p o r t a n t e s d e f o r m a i so s o la la d a e i rr r r e sp sp o n s á v el e l . T o m a r -s - s e o r e p r e s e n t a n t e “c “ c o n t r a ta ta d o ” d e u m a i n d ú s t ri r i a d e i n f o r m a çã ç ã o t a m p o u c o é u m a s aí a í d a, a , p o i s a lc lca n ç a r u m a relação relação com a aud iên cia cia com com o fez Tom Paine seria imp ossível ossível.. Em resum o, “a form a de com u n icação icaç ão efet efetiv iva” a”,, que é a m oed a corrente cor rente d o i n t e le l e ct ct u a l , e s tá t á s e n d o e n t ã o e x p r o p r i a d a , d e i xa xa n d o o p e n s a d o r i n d e p e n d e n t e c o m u m a ta t a r e fa f a d e s u m a i m p o r t â n c ia i a . D e a co co r d o com Mills: Mill s: O artista e o intelectual intelectual ind epen den tes estão estão entre as as pou cas cas pe r sonalidades sonalidades pr eparad as pa ra resistir e lu tar contra os estere estereótipos ótipos e a conseq conseq üen te m ort e das coisas coisas genu inam ente viva vivas. s. Agora, Agora, um a nova p ercep ercep ção envolv envolvee a cap acid acid ad e de desm ascarar ascarar con con tin u a m ente e esm agar os estereótipos d e visão e intelecto intelecto com os quais as comu n icações icações m od ern as [i.e., [i.e., os mod ernos sistemas de represen represen tação] n os assolam. Esses m u n d os de arte e pen samen to massificamassificad os estão cada vez mais en gessado s pelas exigências exigências da política. Por isso, isso, é na p olítica qu e a solidaried ade e o esforço intelectuais intelectuais devem centrar-se. Se o pen sador n ão se associar ao valor valor da verdade na luta p olítica, olítica, será será incapaz d e en frentar com responsabili responsabilidade dade a totali dad e da experiên cia viva.'1 Esse trech o, repleto de ind icações icações e realc realces es im p ortan tes, m e rece rece ser lido e relido. relido. A po lítica lítica está em tod a p arte; n ão p od e haver e s ca ca p e p a r a o s re r e i n o s d a a r t e e d o p e n s a m e n t o p u r o s n e m , n e ss ss a m e s m a l in i n h a , p a r a o r e i n o d a o b j e t iv i v i d a d e d e s in i n t e r es e s s ad ad a o u d a teoria tran t ran scen sc en d en tal. Os in telectuais telectuais pertencem ao seu temp o. São arreban h ado s p elas el as políticas políticas de rep resentações para as socie sociedad dad es m assific assificadas, adas, m aterializ ateri alizadas adas p ela in i n d ú stria de inform ação ou dos 34
m eios de com u n icação, e capazes de lhes resistir apenas con tes tan d o as im agens, narrativas oficiais, ju stificações d e p od er q ue os m eios de com u n icação, cada vez mais p od erosos, fazem circu lar— e não só os meios de com u n icação, m as tam b ém correntes de p en s am e n t o q u e m a n t ê m o s ta tu s q u o e tr a n s m i te m u m a p e r s p e ct iv a aceitável e autorizada sobre-a atualidad e — , oferecen d o o qu e Mills ch a m a d e d e s m a s ca r a m e n t o s o u v e r s õ e s a l te r n a t i v a s, n a s q u a i s tentam dizer a verdade d a m elh or form a possível. Isso está longe de ser u m a tarefa fácil: o in telectu al en con tra se semp re entre a solidão e o a linh am ento. Du ran te a Gu erra do Golfo contra o Iraqu e, foi m u ito difícil m os trar às pessoas q u e os Es ta d o s Un i d os n ã o e r a m u m a p o t ê n c i a i n o c e n t e o u d e s i n t e re s sada (as invasões do Vietnã e do Pan am á foram conven ientem ente esquecidas pelos estrategistas p olíticos), n em tin h am sido desig nados p or ninguém, a n ão se r por e les próp rios, com o a policia do m un do. Mas, a m eu ver, a tarefa do intelectual naq uele m om en to era desen terrar o q ue estava esqu ecido, fazer ligações qu e eram n e gadas, m encionar cam inh os alternativos de ação que p od eriam ter evitado a guerra e o conseq üen te objetivo de d estruição h u m an a. A questão principal de C. Wrigh t Mills é a op osição en tre o grand e público m assificado e o indivíduo. Há u m a d iscrepân cia inerente entre os pod eres de grandes orga n izações (d e governos a corp orações) e a relativa fraqu eza não só de in d ivíd uos, m as d e s er es h u m a n o s c on s i d e r a d o s s u b a l te r n o s , m i n o r i a s , p e q u e n o s povos e Estados, culturas e etnias m en ores o u su bju gadas. Nã o tenh o nenh um a dú vida de que o intelectual deve alin h ar-se aos fracos e aos que não têm represen tação. Robin H ood , dirão alguns. N o en tanto, sua tarefa n ão é nad a sim ples e, p or isso, n ão p od e ser facilmen te rejeitada com o se fosse idealism o rom ân tico. N o fun d o, " o intelectual, no sentido que d ou à palavra, n ão é ne m u m pacifi ca d o r n e m u m cr ia d o r d e co n s e n s o s , m a s a lg u é m q u e e m p e n h a tod o o seu ser no senso crítico, na recusa e m aceitar fórm u las fáceis 35
o u c li ch ê s p r o n t o s , o u c o n f i r m a çõ e s a fá ve is , s em p r e tã o c o n c i l i a d o r a s s o b r e o q u e o s p o d e r o s o s o u co n v e n ci on a i s t ê m a d i ze r e s o b r e o q u e f a z e m . N ã o a p e n a s r el u t a n d o d e m o d o p a ss iv o, m a s d e s e j a n d o a t i v a m e n t e d i z e r is so e m p ú b l i co . N e m s e m p r e é u m a q u e s tã o d e se r cr ít i co d a p o l ít ica g o ve r n a m en tal, m as, antes, de pen sar a vocação intelectual com o algo que m a n t é m u m e s ta d o d e a l e r ta c on s ta n t e , d e d is p o siçã o p e rp é t u a p a r a n ã o p e r m i t i r q u e m e i as v e rd a d e s o u i d éias p r eco n ce b i d a s n o r t e i e m a s p e s s o a s . O f a t o d e t a l p o s t u r a e n v olv er u m r ea li sm o f i r m e , u m a e n e r g i a ra c i o n a l q u a se a t lé ti ca e u m a lu t a co m p l i ca d a p a r a e q u i l ib r a r o s d i l em a s p e s s o ai s, e m f ace d o s a p e lo s p a r a p u b l i c a r e d i s c u r s a r n a e s f e r a p ú b l i ca , é o q u e f az d e tu d o i s so u m e s f o r ço p e r m a n e n t e , i n a c a b a d o n a s u a e ss ên ci a e n e ce s sa ri am e n t e i m p e r f e i t o . N o e n t a n t o , s eu v i g o r e s u a co m p l e xi d a d e s ã o , a o i m e n o s p a r a m i m , e s ti m u l a n t es , a p e s ar d e n ã o to r n a r e m o i n t el ec t u a l e s p e c ia l m e n t e p o p u l ar .
2. M an ter n ações e trad ições à distância
O f a m o s o l i v ro d e Ju l i en B e n d a A traição dos intelectuais n os d á a im p r e s s ã o d e q u e e s te s e xi s te m n u m a e s p é ci e d e e s p a ço u n i v ers al , s e m e s t a r e m l ig a d o s n e m a f r o n t ei ra s n a c io n a i s n e m a u m a iden tidade étn ica. Em 1927, p arecia claro a Bend a qu e o interesse p o r i n t e le ct u a i s s ig n i f ica v a a p e n a s u m i n t e re s se p o r e u r o p e u s (s e n d o Je su s o ú n i co n ã o e u r o p e u d e q u e m o a u t o r fa la d e m a n e i r a aprovadora). D e s d e e n t ã o , a s co i sa s m u d a r a m m u i t o . E m p r i m e i r o lu g a r , a Europa e o O ciden te já nã o são mais pad rões ind iscutíveis p ara o re sto d o m u n d o i O d e s m a n t e la m e n t o d o s gr an d e s i m p é ri os c o l o n i ai s d e p o is d a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l d i m i n u i u a ca p a c id a d e da Eu ropa de ilum inar intelectual e p oliticam en te o qu e se costu m a v a d e n o m i n a r d e r e g iõ e s o b s c u r a s d a T er ra . C o m o a d v e n t o d a G u e rr a Fr i a , a e m e r g ê n c i a d o T e r ce i ro M u n d o e a e m a n ci p a ç ã o u n i v er sa l s u g e r i d a , s e n ã o d e c r e ta d a , p e l a p r e s e n ç a d a s N a çõ e s Unidas, as nações e trad ições n ão européias p areciam agora dignas de um a aten ção séria.^ Em segundo lugar, a incrível aceleração tanto das formas de 37
v ia j ar co m o d o s m e i o s d e co m u n i ca ç ã o g e ro u u m a n o v a c o n s ci ê n - cia do q ue tem sido c h a m a d o d e “ d i f e r e n ç a ” e “alteridad e”. Em ter m os sim p les, isso significa q ue, se com eçarm os a falar sobre in t e le ct u a i s , n ã o p o d e m o s f a z ê-l o d e m a n e i r a tã o g e n é r i ca co m o antes; p or exem p lo, os intelectuais franceses são vistos com o ten d o u m e s ti lo e u m p a s s a d o b e m d i f er en t e s d o s d e s eu s co n g ê n e r e s ch ineses. Em ou tras p alavras, falar sob re intelectu ais hoje significa tam b ém falar espe cificam en te de varian tes nacionais, religiosas e m esm o con tinen tais dessa questão, e cad a um a delas parece exigir j:on sid erações separadas. Os intelectuais africanos ou árabes, por ' exem plo, fazem p arte de- u m con texto histórico m u ito p articu lar, ; com seus p róp rios p roblem as, desvios, limitações, triu n fos e pe culiaridades. Até certo p on to, esse estreitam en to de classificação e enfoqu e n a m a n e i r a d e c o n s i d e r a r o s i n t e l ect u a i s d e ve -s e t a m b é m à f a n t á s tica p roliferação de estud os especializados qu e, justificadam en te, foi dirigid a ao pap el crescen te dos intelectuais na vida m od ern a. N as ma is respeitáveis b ibliotecas un iversitárias ou de pesqu isa do O ci d e n t e p o d e m o s e n c o n t r a r m i lh a r e s d e t ít u l o s s ob r e in t e le c t u a is e m d i f er en t e s p a ís es , e o c o n h e c im e n t o p r o f u n d o d e c a d a u m desses gru po s d em an d aria mu itos anos. Assim, existem p or certo várias língu as diferentes pa ra os intelectu ais, algum as das qu ais, c o m o o á r a b e e o ch i n ê s , d i t a m u m a r e la çã o m u i t o e sp e ci al en t r e o d i s cu r s o i n t e le ct u a l m o d e r n o e a s t ra d i ç õ e s a n t ig a s, n o r m a l m e n t e m u i t o r ica s . N e s se ca s o t a m b é m , u m h i s t o ri a d o r o ci d e n t a l q u e tentasse seriam en te com p reen d er os intelectuais dessas diferentes trad ições d everia passar anos ap rend end o as respectivas língu as. * M esm o assim , apesar de tod a essa diferen ça e alteridad e, apesar da erosão inevitável d o con ceito un iversal sobre o in telectual, algu mas n oções gerais sobre ele com o in divíduo — o qu e é aqui m eu o b j e ti v o — p a r e c e m r e a lm e n t e u l tr a p a s s a r u m a a p l i ca çã o e s t r i ta m e n t e l o ca l . 38
A p r i m e i r a n o ç ã o q u e q u e ro d i s cu t i r é a d a n a ci o n a li d a d e e , com ela, o que foi desenvolvido n o seu b ojo: o nacion alism o. N e n h u m i n t el ect u a l m o d e r n o — e is so é v e r d a d e t a nt o p a r a f ig u r as d e p r o a co m o N o a m C h o m s k y e B e r tr a n d R u ss ell co m o p a r a a q u el es cu j o s n o m e s n ã o s ã o t ã o f a m o s o s — e scr ev e em e s p e r a n t o , q u e r d iz er, n u m a lí n g u a co n ce b i d a p a r a p e r te n ce r a o m u n d o i n t e iro e n ã o a d e t e rm i n a d o p a ís o u t r a d i çã o p a r t icu l a r . C a d a i n t e le ct u a l en q u a n t o in d i ví d u o n a s ce co m u m a l í n gu a e g e r a lm e n t e passa o resto da vida com essa língu a, qu e é o veícu lo p rincipal de s u a a t i vi d a d e i n t e le ct u a l . A s l ín g u a s s ã o , n a t u r a l m e n t e , se m p r e nacionais — o grego, o fran cês, o árab e, o inglês, o alem ão etc. — , e m b o r a um d o s as p e ct o s r el ev a n t es qu e p r e te n d o sa l ie n t a r a q u i é q u e o i nt e l ect u a l é o b r i ga d o a u s a r u r n a lín g u a n a ci o n a l n ã o a p e n a s p o r r a zõ e s ób v ia s d e c on v e n i ê n ci a e f am i li a ri d a d e , m a s t a m b é m p o r q u e ele e sp e ra im p r im i r -l h e u m s o m p a r ti cu l a r, u m a e n t o n a çã o e s pe ci a l e , fin a l m e n t e , u m a p e r s p e ct i v a q u e é p r ó p r i a dele. O p r o b l e m a p a r t icu l a r d o i n t e l ect u a l , e n t r e t a n t o , é q u e j á e xi st e u m a co m u n i d a d e l in g ü í s ti ca e m ca d a s o ci e d a d e , d o m i n a d a por hábitos de expressão; e uma das funções principais dessa co m u n i d a d e é p r e s er v a r o s t at u s q u o e g a r a n t i r q u e as fo r m a s d e expressão evoluam de m an eira suave, sem alterações ou desafios. GeorgefOrw ell fala sobre isso de form a m u ito p ersuasiva n o seu en saio "Pol ítica e a língu a inglesa”. Clich ês, m etáf ora s gastas, textos p regu içosos, diz Orw ell, são in d ícios d a “d ecad ên cia da lín gu a”. O r es u l t a d o é q u e a m e n t e é a n e s te s ia d a e p e r m a n e ce i n a t iv a , e n q u a n t o a l ín g u a , q u e p r o d u z u m e fe it o d e m ú s i ca d e fu n d o n u m s u p e r m e r ca d o , fa z s u b m e r g ir a co n s ci ê n c i a , s e d u z i n d o -a p a r a u m a aceitação p assiva de idéias e sentim en tos inq uestionáveis. O tem a desse ensaio de Orw ell, escrito em 1946, é a u su rp ação p r o g r e s s iv a d a m e n t e i n g l e sa p o r d e m a g o g o s p o l í t i co s . “A l i n gu agem p olítica”, diz ele, “— e, com var iaçõe s, isso se veri fica em 39
tod os os p artido s po líticos, d os con servadores aos anarquistas — t e m co m o o b j e ti vo f a z er c o m q u e a m e n t i r a p a r e ça ve rd a d e , e o cr i m e , re sp e i tá v el , p a r a a s si m i m p r i m i r u m a a p a r ê n c ia d e s ol id e z a o v e n t o p u r o 1”. N o e n t a n t o , o p r o b l e m a é m a i s a m p l o e m a i s co m u m d o q u e p a r e ce e p o d e s er il u s tr a d o p o r m e i o d e u m o lh a r r á p i d o p a r a a m a n e i r a co m o a li n g u a g e m , h o j e , t e n d e a a d o t a r f o r m as m ais gerais, m ais coletivas e corp orativas. Tom em os o jorn a l is m o c o m o e x e m p l o . N o s E st a d o s U n i d o s , q u a n t o m a i or e s fo re m o c a m p o d e a çã o e o p o d e r d e u m j o r n a l , m a i s a u t o r i za d a s e rá su a repercussão e mais estreitam en te ele se iden tificará com u m sen t id o d e co m u n i d a d e m a is a m p l o d o q u e u m s im p l es g r u p o d e e s cr i t o r e s p r o f i s si o n a i s e l e i t o r e s . A d i f e r en ça e n t r e u m t ab l ó i d e e o N e w Y ork T i m e s é q u e o T i m e s asp ira a ser (e é geralm en te con si d erad o) o jorn al n aciona l de m aio r aceitação, cujos editoriais re f le te m n ã o s ó as op i n i õ e s d e u m p e q u e n o g r u p o d e h o m e n s e m u l h e r es , m a s t a m b é m , s u p o s t a m e n t e , a ve r d a d e p e r ce b i d a d e e p a r a u m a n a çã o i n t e ir a . E m co n t r a p a r t i d a , a f u n ç ã o d e u m t ab l ó id e é a t r a i r a a t e n ç ã o i m e d i a t a p o r m e i o d e a r t ig o s s e n s a ci o n a l is ta s e m a n c h e t e s ch a m a t iv a s . Q u a l q u e r ar t ig o d o N e w Y ork T i m es traz co n s i g o u m a a u t o r i d a d e s ó b r i a , s u g e r i n d o u m a v a st a p e sq u i s a, u m a m e d i t a çã o c u i d a d o s a , u m j u í z o p e n s a d o . É cl a r o q u e o u s o editorial d o “nós” se refere d iretam en te aos próp rios diretores da r e d a çã o , m a s su g e re a o m e s m o t e m p o u m a i d e n t id a d e n a ci on a l corp orativ a: “n ós, o p ovo d os Estado s Un id os”. A discu ssão pú blica sobre a crise d u ran te a G u erra d o Golfo, sob retu d o na televisão, mas tam b ém na im p rensa escrita, assu m iu a existência desse “nós” n acion al, rep etido p or rep órteres, militares e cidad ãos em geral, e m f ra se s co m o “Q u a n d o n ós v a m o s c o m e ç a r a g u e r r a n o s ol o?” ou “Será qu e nós sofrem os b aixas?”. O jorn alismo apen as aclara e fixa o qu e está norm alm en te im p l í ci t o n a p r ó p r i a e xi s t ê n c i a d e u m a l ín g u a n a ci o n a l c o m o a in g le sa , i st o é , u m a co m u n i d a d e n a ci o n a l , u m a i d e n t i d a d e o u i n d i 40
v i d u a l id a d e n a c i o n a l . E m C u l t u r e a n d a n a r ch y ( 1 8 6 9 ) , M a t th e w A m o l d ch e g o u a a f i r m a r q u e o Es ta d o e r a a m e l h o r i n d i vi d u a li d a d e d e u m a n a ç ã o , e q u e u m a c u l t u r a n a ci o n a l e r a a e xp r e s s ão d o q u e d e m e l h o r se h a v i a d i t o o u p e n s a d o . L o n g e d e s e r e m e v i d e n t e s p o r s i m e s m o s , e ss es m e l h o r e s tr a ç o s d e i n d i v id u a l id a d e c o m s eu s m e l h o r e s p e n s a m e n t o s sã o , s eg u n d o A m o l d , o q u e se es p e r a q u e o s “ h o m e n s d e c u l t u r a ” a r t i cu l e m e r e p r e s e n t e m . El e p a r e c i a r e f e ri r -s e a o q u e v e n h o c h a m a n d o d e i n t e l e ct u a i s : i n d i v í d u o s c u j a ca p a ci d a d e d e p e n s a m e n t o e d i s ce r n i m e n t o o s to r n a ad e q u a d o s p a ra re p r es en t a r o m e lh o r p e n s am e n t o — a p r ó p r i a cu l t u r a — , f a z e n d o -o p r e va le ce r. A m o l d é b a s t an t e e xp l í ci t o a o d i z e r q u e t u d o isso deve acon tecer em ben efício da sociedad e em geral, e nã o d e cl as se s i n d i v i d u a i s o u p e q u e n o s g r u p o s d e p e s s o a s . A q u i , d e n o v o , co m o n o c a so d o j o rn a l i s m o m o d e r n o , o p a p e l d o s i n t e le c t u a is d ev e s er o d e a j u d a r u m a co m u n i d a d e n a c i o n a l a s e n t ir u m a i d e n ti d a d e co m u m , e em g r a u m u i t o e le va d o . O q u e su b j az a o a rg u m e n t o d e A r n o l d é o r e ce i o d e q u e , a o t o m a r -s e m a i s d e m o cr á ti ca , co m u m m a i o r n ú m e r o d e p e ss oa s exigindo o d ireito d e votar e de fazer o q ue lhes agrad ava, a socie dad e ficasse mais rebelde e difícil de govern ar. D aí a necessid ade imp lícita de os in telectuais acalm arem as pessoas, de m ostr are m a e la s q u e a s m e l h o r e s i d é ia s e o s m e l h o r e s t ra b a l h o s d e l i t e r a t u r a co n s t it u í a m u m a f o r m a d e p e r t e n ce r a u m a co m u n i d a d e n a c io n a l , o qu e, p or su a vez, imp ossibilitava o qu e Arn old cham ava “fazer o qu e se qu er”. Isso foi du ran te a d écada d e 1860. Para Ben d a, n os an os 1920, os intelectuais corria m o p erigo de seguir de m u ito p erto as p rescrições de Arn old . Ao m ostrarem aos franceses a gran d eza d as ciências e da litera tu ra do país, eles e st a va m t a m b é m e n s i n a n d o a o s ci d a d ã o s q u e o f a to d e p e r t e n ce r em a u m a co m u n i d a d e n a ci o n a l j á er a u m f im em si m e s m o , e sp e ci a lm e n t e se es sa co m u n i d a d e f oss e u m a g r a n d e n a çã o c o m o a Fran ça. Em vez disso, Bend a sugeriu q u e os in telectu ais d eixas
sem de p en sar em term os de p aixões coletivas e se concentrassem
a n t e s e m v a lo r es t r a n s c e n d e n t a i s, o u s e j a , no s valores un iversal m en te aplicáveis a todos os p ovos e n ações. Com o disse há pou co, Bend a pa rtia do p rincípio d e qu e esses valores eram eu ropeu s, e n ã o i n d i a n o s o u ch i n e s es . E o t ip o d e i n t e le ct u a i s q u e e le a p r o v av a ta m b é m e r a m e u r o p eu s . Parece ser im possível escapar às fronteiras e b arreiras con s t r u í d a s à n o s s a v ol ta p o r n a çõ e s o u o u t r a s f or m a s d e co m u n i d a d e s (com o a Europ a, a África, o O ciden te ou a Ásia) qu e com p artilham u m a li n g u a g e m co m u m e t o d o u m co n j u n t o d e ca r act er ís ti ca s imp lícitas, p recon ceitos e háb itos rígidos d e pensam ento. N ada é m a i s co m u m n o d i s cu r s o p ú b l ico d o q u e f r as es co m o “o s in g le se s” ou “os árab es” ou “os am ericano s”ou “os africanos”, cada u m a delas s u g e ri n d o n ã o a p e n a s t o d a u m a cu l t u r a, m a s ta m b é m u m a m e n talidad e específica. H oje em dia, é mu ito freqü ente ou vir intelectuais acadêm icos n o r t e -a m e r i ca n o s o u b r i tâ n i co s f a la r e m s o b r e o m u n d o i sl âm i co ; s ã o a b o r d a g e n s f e it as d e f o r m a r e d u t o r a e , a m e u v e r , i r r e s p o n sável, sob re algo d en om ina d o “o islã” — cerca d e 1 bilhão de pes soas, dezenas d e sociedad es d istintas, m eia dúzia de línguas pr in cipais com o o árabe, o tu rco e o iran ian o, todas elas espalhadas p or cerca de u m terço d o plan eta. Ao u sarem essa ún ica palavra, p are c em co n s i d e r á - la u m m e r o o b j e to s o b r e o q u a l se p o d e m f az er grandes generalizações que abrangem um milênio e meio da h i s t ó r ia d o s m u çu l m a n o s , e s o b r e o q u a l a n t e ci p a m , d e s ca r a d a m en te, julgam entos a respeito da comp atibilidade en tre o islã e a d em ocracia, o islã e os direitos h u m an os, o islã e o progresso.2 Se essas discussões fossem simp les reprimen das erud itas de alguns acadêm icos, em b usca (tal com o o sr. Casaub on d e George E l i o t ) d e u m a c h a ve p a r a t o d a s a s m i t o lo g i a s, p o d e r í am o s d e s cartá-las com o d ivagações h erm éticas. Mas elas se inserem n u m c o n t e x t o d e p ó s -G u e r r a F ri a , cr i a d o p e l o d o m í n i o d o s Es ta d o s 42
Unidos sobre a aliança ocidental, do qual em ergiu um consenso sobre a nova ameaça do islã ressurgente o u fundamentalista que substituiu o comu nismo. Aqui, o pen sam en to corporativo não transformou os intelectuais nas me ntes céticas e inquisidoras que venho descrevendo, indivíduos que representam não o consenso, mas dúvidas racionais, morais e políticas sobre essa questão, para não falar em aspectos metodológicos; trata-se antes de um coro que repete a visão política prevalecente, instiga ndo-a a aderir a um pensamento mais corporativo e, gradativamente, a um a idéia cada vez mais irracional de que “nós” estamos sendo ameaçados por “eles”. O resultado é a intolerância e o medo, em vez da busca do conhecimento e do sentido de comunidade. Mas infelizmente é fácil demais repetir fórmulas coletivas, já que o mero fato de usarmos u m a língua nacional (para a qual não há alternativa) tende a com prom eter-nos com o que está mais à mão, escondendo-nos em frases feitas e metáforas populares sobre “nós” e “eles”, que diversos setores, e ntre eles o jornalismo, os p ro fissionais acadêmicos e os expedientes da inteligibilidade comum, continuam a usar. Tudo isso faz parte da preservação de um a iden tidade nacional. Pensar, por exemplo, que os russos estão che gando, ou que a invasão econôm ica japonesa é iminente, ou que o islã militante está em m archa, não significa apenas submeter-se a um alarme coletivo, mas tam bém consolidar “nossa” identidade como sitiada e em risco. Nos dias atuais, um a questão de grande importância para o intelectual é saber como lidar com esse pro blema. Será que a nacionalidade deve comprometê-lo enquanto indivíduo— que para os meus objetivos é o centro das atenções — em face do sentimento popular, po r razões de solidariedade, leal dade primordial ou patriotismo? O u podemos fazer um a melhor defesa do intelectual como u m dissidente do con junto corporativo? A resposta imediata é: nunca a solidariedade antes da crítica. O intelectual tem sempre a escolha de situar-sé do lado dos mais 43
fracos, dos menos bem representados, dos esquecidos ou igno ra dos, ou então do lado dos mais poderosos. Esta é um a boa ocasião para relembrar que as línguas nacionais não se encontram pu ra e simplesmente à nossa disposição, prontas para serem usadas, mas que devem ser apropriadas para o uso. Por exemplo, um colunista norte-americano, ao escrever durante a Guerra do Vietnã empre gando as palavras “nós” e “nosso”, apropriou-se desses pronom es e relacionou-os conscientemente com aquela invasão c r i m i n o s a de uma distante nação do Sudeste Asiático, ou — um a alternativa muito mais difícil — com as vozes solitárias da dissidência, p ara quem a guerra americana era ao mesmo tempo insensata e injusta. Isso não significa oposição po r oposição. Mas significa colocar questões, estabelecer distinções, recuperar a m em ória de todas aquelas coisas que tendem a ser desprezadas ou deixadas no limbo, na ânsia de um julgamento e uma ação coletivos. Quanto ao con senso de uma identidade de grupo ou nacional, o dever do intelectual é mostrar que o grupo não é uma entidade natural ou divina, e sim um objeto construído, fabricado, às vezes até mesmo inven tado, com uma história de lutas e conquistas em seu passado, e que algumas vezes é im po rtan te representar. Nos Estados U nidos, Noam Chomsky e Gore Vidal vêm de sem penhando esse papel sem poupar esforços. Um dos melhores exemplos do que pretendo dizer encontrase também no ensaio de Virginia Woolf Um teto todo seu, um texto fundamental para a intelectual feminista moderna. Convidada a dar uma conferência sobre mulheres e ficção, Woolf decide logo de início que, além de apresentar sua conclusão — uma mulher necessita de dinheiro e de um quarto só para ela, a fim de escrever ficção —, tem de fazer da proposta um argumento racional, e este, por sua vez, induz a um processo que a autora descreve da seguinte forma: “Pode-se apenas m ostrar como se chegou a um a opinião que de fato se tenha”. Expor seu argumento, escreve Woolf, é uma 44
alternativa para dizer a verdade diretamente, já que, qu ando se fa la do sexo, é provável que haja m ais polêmica do que debate: “Pode-se apenas dar à platéia a oportunidade de tirar suas próprias conclusões, enquanto observa as limitações, os preconceitos e as idiossincrasias do orador”. É uma tática que desarma, n atural mente, mas tam bém envolve um risco pessoal. Essa combinação de vulnerabilidade e argumentação racional dá a Virgina Woolf uma perfeita abertura para entrar no seu tema, não-eeirfum a voz dog mática que institui a ipsissima verbcCm as como uma intelectual representando o “sexo fraco” esquecido, num a linguagem per feitamente ajustada ao trabalho. Assim, o efeito de Um teto todo seu é o de extrair da língua e do poder — a que Woolf chama de patriarcado — uma nova sensibilidade em relação à posição da mulher, ao mesmo tempo subordinada e por vezes esquecida, mas também escondida. Daí as esplêndidas páginas sobre um a Jane Austen que escondia seu manuscrito, ou a raiva recôndita que afe tava Charlotte Brontê ou, mais impressionante ainda, sobre a relação entre o masculino, ou seja, valores dominantes, e o femi nino, isto é, valores secundários e oclusos. Quando W oolf descreve como esses valores masculinos já estão estabelecidos no m omento em que uma mulher pega uma caneta para escrever, ela também está descrevendo a relação que surge quando um intelectual começa a escrever ou falar. Há sem pre um a estrutura de poder e influência, uma história acumulada de idéias e valores já articulados; e há tam bém algo da maior importância para o intelectual: um alicerce formado de idéias, va lores e pessoas — como as mulheres escritoras estudadas por Woolf — , a quem não foi dado um lugar de trabalho, um quarto que lhes pertença. Para usar as palavras de Walter Benjamin, c “quem saiu vitorioso participa até hoje da procissão triunfante em que os governantes atuais passam por cima dos que jazem prostra dos”. Essa visão muito dramática da História coincide com a de ——
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Gramsci, para quem a própria realidade social está dividida entre os que governam e os que são por eles governados. Penso que a escolha mais importante com que se depara o intelectual é aliar-se à estabilidade dos vencedores e governantes ou — o cam inho mais difícil — considerar essa estabilidade um estado de emergência que ameaça os menos afortunados com o perigo da extinção com pleta e levar em conta a experiência da p rópria subordinação, bem como a mem ória de vozes e pessoas esquecidas. De acordo com Benjamin, “articular o passado historicamente não significa reco \nh e cê -lo ‘tal como era’. .. Significa apree nder um a m em ória (ou um a presença) quando ela aparece num mo mento de perigo”.3 Uma das definições canônicas do intelectual mod ern o é a do sociólogo Edward Shils: Em todas as sociedades [...] há pessoas dotadas de uma sensibili dade incomum em relação ao sagrado, pessoas de uma rara capaci dade de reflexão sobre a natureza do seu universo e sobre as regras que governam sua sociedade. Há em todas as sociedades uma mino ria de pessoas que, mais do que a média de seus concidadãos, ques tiona e deseja manter uma comunhão freqüente com símbolos que sejam mais abrangentes do que as situações concretas do dia-a-dia e remotas na sua referência, no tempo e no espaço. Nessa minoria í há uma necessidade de exteriorizar a busca no discurso oral e I j escrito, na expressão poética ou plástica, nas reminiscências históriícas ou registros escritos, nos rituais e atos de culto. Essa necessidade iinterior de penetrar além do quadro da experiência concreta e ime(diata marca a existência dos intelectuais em todas as sociedades.4 S.
Essa é, em parte, um a confirmação de Julien Benda— de que os intelectuais são um a espécie de m ino ria eclesiástica — e, em j parte, um a descrição sociológica geral. Shils acrescenta que os in telectuais se situam em dois extremos: ou são contra as norm as vi 46
gentes ou, de um modo basicamente acomodado, existem para garantir “a ordem e a continuidade na vida pública”. Na minha opinião, apenas a prim eira dessas duas possibilidades descreve, de fato, o papel do intelectual moderno, ou seja, questionar as norm as vigentes; e isso porque precisamente as norm as dom inantes estão, hoje, de maneira m uito íntima, ligadas à nação, e esta é sem pre triunfalista, está sempre numa posição de autoridade, sempre exigindo lealdade e subserviência em vez de investigação e reava liação intelectuais, como escreveram Virginia Woolf e Walter Ben jamin. Além disso, em muitas culturas, hoje em dia, os intelectuais questionam sobretudo os símbolos gerais mencionados por Shils, mais do que se comunicam diretamente com eles. Houve, por tanto, um desvio do consenso e aquiescência patrióticos p ara o ceticismo e a contestação. Para um intelectual americano como Kirkpatrick Sale, toda a narrativa do descobrimento sem falha e das oportun idades ilimitadas, que legitimaram a excepcionaüdade da América no estabelecimento de um a nova república, cele brada em 1992, é absurdamente defeituosa, pois a pilhagem e o genocídio que destruíram o anterior estado de coisas foram um preço alto demais a pagar .5Tradições e valores antes considerados sagrados agora parecem ao mesmo tempo hipócritas e fundados numa base racial. E em muitas universidades nos Estados Unidos, o debate sobre o cânone — às vezes de uma estridência idiota ou presunção ilusória — revela um a atitude intelectual muito mais instável em relação aos símbolos nacionais, às tradições sagra das e aidéias nobres e inatacáveis. No que diz respeito a culturas co mo a islâmica ou a chinesa, com suas continuidades fabulosas e sím bolos básicos extraordinariam ente seguros, alguns intelectuais, como Ali Shariati, Adonis, Kamal Abu Deeb e os intelectuais do Movimento 4 de Maio, perturbam de forma provocativa a enorm e calma e a inviolável altivez da tradição .6 47
Penso que isso também é verdadeiro em páíses como os Esta dos Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha, onde recentemen te a pr óp ria noção de identidade nacional tem sido contestada abertam ente por suas insuficiências, não apenas por intelectuais, mas tam bém po r um a realidade demográfica premente. Para as atuais comunidades de imigrantes na Europa, provenientes dos antigos territórios coloniais, os conceitos de “França”, “Grã-Bre tanha” e “Alemanha”, como foram concebidos no período de 1800 a 1950, simplesmente as excluem. Além disso, os movimentos fe ministas e de homossexuais, recentemente fortalecidos em todos esses países, tam bém contestam as norm as patriarcais e funda mentalm ente masculinas que têm regulado a sociedade. Nos Es tados Unidos, um núm ero crescente de imigrantes recém-chegados, bem como um a população de nativos cada vez mais ruidosa e visível — os índios esquecidos, cujas terras foram expropriadas e cujo meio ambiente foi completamente destruído ou totalmente transformado pelo avanço da república —, juntou seu teste m un ho ao das mulheres, dos afro-americanos e das minorias dis crim inadas com base na orientação sexual, num desafio à tradição que, duran te dois séculos, tem se inspirado nos puritanos da Nova Inglaterra e nos proprietários de escravos e de plantações do Sul. Como resposta a tudo isso, houve um ressurgimento de apelos à tradição, ao patriotismo e aos valores básicos, ou da família (pala vras usadas pelo vice-presidente Dan Quayle), todos associados a um passado que já não é mais recuperável a não ser que se negue ou, de algum a forma, se rebaixe e desqualifique a experiência de vida dos que “querem um lugar no e ncontro com a vitória”, de acordo com a frase famosa de Aimé Césaire.7 Mesmo nu m grande número de países do Terceiro Mundo, um antagonismo clamoroso entre os poderes estabelecidos do Estado nacional e suas populações desfavorecidas, mas sem repre sentação política ou p or ele reprimidas, dá ao intelectual uma 48
opo rtunid ade real de resistir ao avanço da m archa dos vitoriosos. No m und o árabe-islâmico a situação é mais complicada ainda. Países como o Egito e a Tunísia, que desde sua independência vi nham sendo governados po r partidos nacionalistas seculares que agora degeneraram em camarilhas e facções, são de repente ata cados por grupos islâmicos cuja autoridade, dizem estes com considerável justiça, lhes é concedida pelos oprim idos, pelas p o pulações pobres das cidades, pelos camponeses sem-terra e po r todos os que alimentam algum tipo de esperança apenas na restau ração ou reconstrução de um passado islâmico. Muitas pessoas são propensas a lutar até a morte por essas idéias. O islamism o é, afinal de contas, a religião da maioria; m as dizer simplesmente que “o islã é o caminho”, anulando a dissensão e a diferença, para não falar das interpretações pro fundam ente divergentes sobre o tema, não é, acredito, o papel do intelectual. Afi nal, trata-se de u ma religião e de uma cultura, ambas complexas e muito longe de serem m onolíticas. Mas, na medida em que essa religião exprime a fé e a identidade da vasta maioria das pessoas, cabe ao intelectual muito mais do que jun tar sua voz ao coro de lou vores ao islã. Em primeiro lugar, ele deve introduzir nesse clamor uma interpretação do islã que acentue sua natureza complexa e he terodoxa — o islã dos governantes, pergunta o poeta e intelectual sírio Adonis, ou o dos poetas e seitas dissidentes? Em segundo lugar, questionar as autoridades islâmicas, a fim de que elas encarem os desafios das minorias não islâmicas, dos direitos da mulher, da própria modernidade, com atenção hum anitária e reapreciações honestas e não com refrões dogmáticos ou pseudopopulistas. O ponto principal dessa questão para o intelectual no islã é o renas cimento do iitihad (a interpretação pessoal), e não a renúncia tola a ulemás (especialistas da religião) dotados de ambição política ou a demagogos carismáticos. Entretanto, o intelectual é sempre envolvido e implacavel-
mente desafiado pela questão da lealdade. Todos nós, sem exceção, pertencemos a algum tipo de com unidade nacional, religiosa ou étnica; ninguém , por m aior que seja o volume de protestos, está acima dos laços orgânicos que vinculam o indivíduo à família, à com unidade e, naturalme nte, à nacionalidade. Para uma comu nidade emergente e sitiada, como os bósnios ou os palestinos hoje em dia, sentir que seu povo está ameaçado de extinção política e, às vezes, verdadeiram ente física, obriga o intelectual a defendê-lo, a fazer tud o o que for possível para protegê-lo ou lu tar contra os inimigos da nação. Claro que isso é nacionalismo defensivo. Entre tanto — como bem assinalou Frantz Fanon sobre a situação no au ge da guerra de libertação da Argélia contra a França (1954-62) — , não basta que o intelectual participe do coro de vozes consensuais do anticolonialismo corporificado no partido e na liderança. Esse simples alinhamento não é suficiente. Há sempre a questão do objetivo, que, m esm o no auge da batalha, implica a análise das 'escolhas. Será que lutamos apenas para nos livrarmos do colonia lismo (um objetivo necessário), ou estamos pensando no que va mos fazer quando o últim o policial branco for embora? Segundo Fanon, o objetivo do intelectual de um a nação ou povo subjugado não pode ser simplesmente substituir o policial branco pelo seu correspondente nativo, mas, antes, o que ele den om inou, citando Aimé Césaire, inventar novas almas. Em ou tras palavras, em bora haja valor inestimável no que o intelectual faz para assegurar a sobrevivência da sua co mu nidade d urante perío dos de ex trema emergência nacion al, a lealdade à luta do grupo pela sobrevivência não pode envolvê-lo a ponto de aneste siar seu senso crítico ou de reduzir sem imperativos. Tais impera tivos sempre extrapolam a sobrevivência, para então abordarem questões sobre a libertação política, a crítica à liderança, apresen tan do alternativas que, m uitas vezes, são marginalizadas ou colo cadas de lado, considerad as irrelevantes para a batalha principal 50
do momento. Mesmo entre os oprimidos há também vencedores e perdedores, e a lealdade do intelectual não deve restringir-se apenas à adesão da marcha coletiva: grandes intelectuais como o indiano Tagore ou o cubano José Marti foram exemplares nesse aspecto, pois nunca abrandaram suas críticas por causa do nacionalismo, embora eles mesmos continuassem nacionalistas. Em nenh um país do m undo, exceto no Japão m odern o, a interação entre os imperativos de uma coletividade e o problema do alinhamento do intelectual foi tão tragicam ente problemática e debatida. À Restauração do Império Meiji de 1868, que trouxe o imperador de volta, seguiu-se a abolição do feudalismo, dando início ao percurso deliberado da construção de uma nova ideolo gia heterogênea. Isso conduziu, de m aneira desastrosa, ao mili tarismo fascista e à ruína nacional, que culm inou com a derrota do Japão imperial em 1945. Como argumentou a historiadora Carol Gluck, a ideologia do imperador ( tennosei ideorogii) foi uma cria ção de intelectuais durante o período Meiji; embora essa ideolo gia tivesse sido originalmente alimentada po r uma atitude n a cional defensiva, e mesmo de inferioridade, em 1915 ela já dera mostras de um forte nacionalismo, ao mesm o tempo capaz de um militarismo extremo, veneração ao im perado r e um a form a de nativismo que subordinava o ind ivíduo ao Estado .8Além disso, também rebaixou outras etnias, a ponto de permitir, por exemplo, a chacina deliberada de chineses na década de 1930, em nome da shido minzeku, a idéia de que os japoneses formavam uma raça líder. Um dos episódios mais vergonhosos da história moderna dos intelectuais ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando, segundo a descrição de John Dower, intelectuais am ericanos e japoneses participaram da batalha de insultos nacional e racial numa escala ofensiva e, em última instância, degradante .9Depois da guerra, como assinalou Masao M iyoshi, muitos intelectuais 51
japoneses estavam convencidos de que a essência de sua nova mis são era não apenas o desmantelamento da ideologia tennosei (ou corporativa), m as tam bém a construção de uma subjetividade individualista liberal ( shutaisei), a fim de com petir com o Oci dente — infelizmente, po rém , condenada à “vacuidade do consumismo extremo, em que o ato de comprar serve, por si próprio, à confirm ação e à segurança do ser individual”. No entanto, Miyoshi nos lem bra que a atenção do intelectual do pós-guerra dedi cada à subjetividade incluía também dar voz às questões de res ponsabilidade pela guerra, como nas obras do escritor Maruyama Masao, que falou, de fato, numa “comunidade intelectual de peni tência ”.10 Em tempos difíceis, o intelectual é muitas vezes considerado pelos membros de sua nacionalidade alguém que representa, fala e testemunha em nome do sofrimento daquela nacionalidade. Para usar a descrição que Oscar Wilde faz de si mesmo, os intelectuais proem inentes m antêm sempre um a relação simbólica com seu tempo: representam, n a consciência pública, realização profis sional, fama e reputação, que podem ser mobilizadas em nome de uma luta em curso ou de unta comunidade em estado de guerra. Em contrapartid a, eles são, com freqüência, obrigados a suportar o impacto do opróbrio da sua comunidade, seja quando facções dentro dela associam o intelectual ao lado errado — isso tem sido muito comum na Irlanda, po r exemplo, mas também nos centros metropolitanos do Ocidente durante a Guerra Fria, quando gru pos pró e anticom unistas trocavam golpes — , seja quando outros grupos se mobilizam para um ataque. Por certo o próprio Wilde sentiu na pele a culpa de todos os pensadores de vanguarda que tinham ousado desafiar as normas sociais da classe média. No nosso tempo, u m homem como Elie Wiesel veio simbolizar o sofri mento dos 6 milhões de judeus exterminados no Holocausto nazista. 52
A essa tarefa extremam ente importante de representar o so frimento coletivo do seu próp rio povo, de testem unhar suas lutas, de reafirmar sua perseverança e de reforçar su a memória, deve-se acrescentar um a outra coisa, que só um intelectual, a meu ver, tem a obrigação de cumprir. Afinal, muitos rom ancistas, pintores e poetas, como Manzoni, Picasso ou Neru da, encarn aram a expe riência histórica do seu povo em obras de arte, que, po r sua vez, fo ram reconhecidas como obras-primas. Nesse sentido, penso que a tarefa do intelectual é universalizar de form a explícita os conflitos e as crises, dar m aior alcance hum ano à dor de u m determinado povo ou nação, associar essa experiência ao sofrimento de outros. É inadequ ado afirmar apenas qu e um povo foi espoliado, oprimido ou massacrado, e que lhe foram negados seus direitos e sua existência política, sem ao mesmo tempo fazer o que Fanon fez durante a guerra argelina, ou seja, relacionar esses horrores a afli ções semelhantes de outros povos. Isso não significa de modo alguma perda de especificidade histórica; trata-se, ao contrário, de uma prevenção pa ra evitar que u ma lição sobre a opressão, aprendida num determinado lugar, seja esquecida ou violada num a outra época ou lugar. E só porqu e representamos os sofri mentos vividos pelo nosso povo — sofrimentos que nós mesmos poderíamos ter vivido — , não estamos livres do dever de revelar què nosso próprio povo pode estar agora cometendo crimes seme lhantes contra suas vítimas. Por exemplo, os bôeres da África do Sul viram se cies mesm os vítimas do imper ialismo britânico; mas, dep ois dc sobreviverem à “agressão” britânica durante a Guerra dos Bôeres, enquanto comunidade representada por Daniel François Malan, sentiramse no direito de reivindicar sua experiência h istórica, estabelecendo, por me io das doutrinas do P artido Nac ional, o que se torn ou o apartheid.
Muitos intelectuais, levados por um a tentação fácil e de apelo 53
popular, sucumbem a uma retórica de justificativas e hipocrisia que os torna cegos diante de um mal ou barbaridade perpretado em nome da sua própria com unidade étnica ou nacional. Isso é particularmente verdadeiro durante períodos de emergência e de crise; a adesão à bandeira de seu respectivo país durante as guer ras das Malvinas ou do Vietnã, por exemplo, significava que o debate sobre as causas e o direito de uma guerra fosse interpretado como o equivalente a uma traição. No entanto, em bora nada possa torná-lo mais impopular, o intelectual tem o dever de manifestarse contra essa posição gregária — e que o custo pessoal dessa ati tude vá para o diabo.
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3. Exílio intelectual: expatriados e marginais
O exílio é um dos destinos mais tristes. Nos tem pos pré-m odemos, a deportação era um castigo particularmente terrível, um a vez que significava não apenas anos de vida erran te e desnorteada longe da família e dos lugares conhecidos, como tam bém ser um a espécie de pária permanente, alguém que nunca se sentia em casa, sempre em conflito com o ambiente que o cercava, inconsolável em relação ao passado, amargo perante o presente e o futuro. Sempre houve uma associação entre a idéia do exílio e os ter rores da lepra: a exclusão moral e social. Ao longo do século xx, o exílio se transformou de punição requintada e, às vezes, exclusiva de indivíduos especiais — como o grande p oeta latino Ovídio, deportado de Roma para uma cidade remota no m ar Negro — num castigo cruel de comunidades e povos inteiros, geralm ente como resultado inadvertido de forças impessoais como a guerra, a fome e a doença. Nessa categoria estão os armênios, um povo do tado mas fre qüentemente deslocado, que vivia em grupos numerosos po r todo o Mediterrâneo oriental (sobretudo na Anatólia). Mas, depois dos 55
ataques genocidas perpretad os pelos turcos, os armê nios inu n daram os arredores de Beirute, Alepo, Jerusalém e Cairo, e outra vez foram dispersados durante os levantes revolucionários do período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Há m uito tem po me interesso profundamente p or essas grandes comunidades de expatriados ou exilados que povoaram a paisagem da minha juven tude na P alestina e no Egito. Havia natu ralm en te muitos armênios, mas também judeus, italianos e gregos que, um a vez fixa dos no Levante, criaram naquela região raízes e laços fortes — essas comunidades, apesar de tudo , produ ziram escritores proe minentes, como Edm ond Jabès, Giuseppe Ungaretti, Con stantino Cavafy — , raízes que acabaram por ser bru talm en te desfeitas depois da criação do Estado de Israel, em 1948, e após a guerra do Suez, em 1956. Para os novos governos nacionalistas no Egito, no Iraque e em outros lugares do mundo árabe, os estrangeiros que simbolizavam a nova agressão do imperialismo europeu do pósguerra foram obrigados a ir embora e, para muitas com unidades antigas, tal destino foi particularmente nefasto. Algumas dessas comunidades adaptaram-se a novos lugares, onde passaram a mo rar, mas muitas foram, po r assim dizer, re-exiladas. Há um a idéia bastan te difundida, mas totalm ente equivo cada, de que o exílio significa um corte total, um isolamento, uma separação desesperada do lugar de origem. Não seria nad a mau sé esse corte fosse feito com precisão cirúrgica, porq ue então o exi lado teria ao menos o consolo de saber que tu do o que foi deixado para trás é, em certo sentido, impensável e com pletam ente irrecu perável. Para a maioria dos exilados, a dificuldade nã o consiste só em ser forçado a viver longe de casa, mas sobretudo, e levando em conta o mundo de hoje, em ter de conviver o tem po todo com a lembrança de que ele realmente se encontra no exílio, de que sua casa não está de fato tão distante assim, e de que a circulação hab i tual do cotidiano da vida contemporânea o man tém n um contato 56
permanente, embora torturan te e vazio, com o lugar de origem. Portanto, o exilado vive num estado intermediário, nem de todo e integrado ao novo lugar, nem totalm ente liberto do antigo, cer cado de envolvimentos e distanciamentos pela metade; por um lado, ele é nostálgico e sentimental, por outro, um imitador com petente ou u m pária clandestino. A habilidade em sobreviver torna-se o principal imperativo, com o perigo de o exilado ficar aco modado e seguro em ^emasia, o que constitui uma ameaça contra a qual deve sempre se prevenir. Salim, a personagem principal do romance Uma curva no rio , de V. S. Najgatü, é um exemplo comovente do moderno intelectual no exílio. Muçulmano da África oriental, de origem indiana, Salim deixa a costa e viaja para o interior do continente africano, onde sobrevive precariamenete num novo país, cujo modelo c o Zaire de Mobutu. A extraordinária intuição do romancista permite-lhe retratar a vida de Salim na “curva do rio” como uma espécie de terra de ninguém, para onde viajam conselheiros intelectuais eu ropeus (que substituem os missionários idealistas dos tempos coloniais), bem como mercenários, especuladores e outros de socupados do Terceiro Mundo. Obrigado a viver nesse ambiente, Salim pouco a pouco perde sua propriedade e sua integridade na confusão crescente. Próximo ao fim do romance — e é aí que a visão ideológica de Naipaul é questionável — , até os nativos se tor nam exilados no seu próprio país, tão absurdos e extravagantes são os caprichos do governante, o Grande Homem, que na visão de Naipaul seria o símbolo de todos os regimes pós-coloniais. Os vastos reordenamentos territoriais no período posterior à * Segunda Guerra Mundial provocaram movimentos demográficos de enormes proporções, como, por exemplo, os muçulmanos in dianos que foram para o Paquistão após a partição de 1947, ou OS palestinos dispersos em grande escala durante a criação do Estado de Israel para alojar os judeus provenientes da Europa e da Ásia; e 57
essas transformações, por sua vez, geraram formas políticas híbri das. Na vida política de Israel tem havido não apenas uma política da diáspora judaica como também políticas do povo palestino no exílio, as quais se entrelaçam e competem entre si. Em países recém-fundados como o Paquistão e Israel, os novos imigrantes foram vistos como parte de uma troca de populações; mas, politi camente, eles eram também considerados minorias oprimidas no passado, que agora podiam viver nos seus novos Estados como membros da maioria. No entanto, longe de resolver questões sec tárias, a partição e a ideologia separatista da nova ordem política desses dois países acabaram por reacender e, freqüentemente, inflamar tais questões. Aqui, minha preocupação dirige-se mais aos exilados com enormes dificuldades de integração, como os palestinos ou os novos imigrantes muçulmanos na Europa conti nental, ou os indianos ocidentais e os negros africanos na Ingla terra, cuja presença complica a suposta homogeneidade das novas sociedades em que vivem. O intelectual que se considera parte integrante de uma condição mais geral que afeta a comunidade nacional deslocada é provavelmente um a fonte não de aculturação e adaptação, mas antes de inconstância e instabilidade. Isso não significa dizer que o exílio seja incapaz de gerar adap tações surpreendentes. Hoje, os Estados Unidos encontram-se na posição incomum de ter dois ex-funcionários de extrema im portância em recentes administrações presidenciais — Henry Kissinger e Zbigniew Brzezinski —, que foram (ou ainda são, dependendo da visão do observador) intelectuais exilados: Kis singer, da Alemanha nazista, e Brzezinski, da Polônia comunista. Além disso, Kissinger é judeu, o que o coloca na situação ex traordinariam ente peculiar de ser também candidato à emigração para Israel, segundo a Lei do Retorno, em vigor nesse país. Mas, pelo menos aparentemente, tanto Kissinger como Brzezinski colo caram todos os seus talentos a serviço do país de adoção, com 58
resultados de reconhecimento geral, de recompensas materiais e de influência nacional, para não dizer mundial; tam anha influên cia está a anos-luz da obscuridade marginal em que vivem os in telectuais exilados do Terceiro Mundo na Europa ou nos Estados Unidos. Depois de terem servido ao governo durante várias dé cadas, os dois proem inentes intelectuais são agora consultores de empresas e de outros governos. Brzezinski e Kissinger talvez não sejam, no plano social, tão excepcionais como se poderia pensar; basta lembrarmos que o teatro europeu da Segunda Guerra Mundial era considerado por outros exilados, como Thomas Mann, um a batalha pelo destino ocidental, a alma ocidental. Nessa “guerra boa”, os Estados Unidos desem penharam o papel de salvadores, dando também refugio a tod a uma geração de acadêmicos, artistas e cientistas que fugiram do fascismo ocidental para a me trópole do novo imperium do Ocidente. Em áreas acadêmicas como as humanidades e as ciên cias sociais, um grupo considerável de intelectuais altamente reco nhecidos foi para os Estados Unidos. Alguns, como os grandes filólogos das línguas românicas e estudiosos de literatura com parada Leo Spitzer e Erich Auerbach, enriqueceram as universi dades am ericanas com seus talentos e sua experiência no Velho Continente. Outros, entre os quais cientistas como Edward Teller e W erner von Braun, entraram na arena da Guerra Fria como novos americanos determ inados a vencer a União Soviética nas corridas arm am entista e espacial. Depois da guerra, essa preocu pação era tão absorvente que, conforme foi revelado recente mente, intelectuais am ericanos bem colocados na área de ciências sociais conseguiram recrutar antigos nazistas conhecidos por suas credenciais anticom unistas pa ra trab alh ar nos Estados Unidos, como parte da grande cruzada. Nas duas próximas conferências, vou abordar a técnica usada po r certos intelectuais no sentido de não tom arem um a posição 59
clara, mas, apesar de tudo, sobreviverem de m odo confortável, juntam ente com uma arte de oportunism o político um tanto quanto obscuro; além disso, pretendo abordar a maneira que en contram para se acomodarem a um poder dominante novo e emer gente. Por enquanto, quero centrar meus argumentos no oposto do que acabo de mencionar; ou seja, o intelectual que, forçado a viver no exílio, não consegue se adaptar, ou melhor, teima em não se adaptar, preferindo colocar-se à margem das correntes dominan tes, não acomodado, resistente, sem se deixar cooptar; antes, po rém, preciso esclarecer alguns pontos preliminares. O prim eiro é que o exílio, enquanto condição real, é também para meus objetivos uma condição metafórica. Com isso quero dizer que meu diagnóstico do intelectual deriva da história social e política do deslocamento e da migração com a qual comecei esta conferência, mas não se limita a isso. Mesmo os intelectuais que são membros vitalícios de uma sociedade podem , por assim dizer, ser divididos em conformados e inconformados. De um lado, há os que pertencem plenamente à sociedade tal como ela é, que crescem nela sem um sentimento esmagador de discordância ou incon gruência e que podem ser chamados de consonantes: os que sem pre dizem “sim”; e, de outro, os dissonantes, indivíduos em con flito com sua sociedade e, em conseqüência, inconformados e exilados no que se refere aos privilégios, ao poder e às honrarias. O modelo do percurso do intelectual inconformado é mais bem exemplificado na condição do exilado, no fato de nunca encontrar-se plenam ente adaptado, sentindo-se sempre fora do mundo familiar e da ladainha dos nativos, por assim dizer, predisposto a evitar e até mesmo a ver com maus olhos as armadilhas da aco modação e do bem-estar nacional. Para o intelectual, o exílio nesse sentido metafísico é o desassossego, o movimento, a condição de estar sempre irrequieto e causar inquietação nos outros. Não podemos voltar a uma condição anterior, e talvez mais estável, de 6o
nos sentirmos em casa; e, infelizmente, nunca podemos chegar por completo à nova casa, nos sentir em harmonia com ela ou com a nova situação. Em segundo lugar -— e de certa forma me s urpreendo com esta observação, mesm o vinda de mim — , o intelectual na con dição de exilado tende a sentir-se feliz com a idéia da infelicidade, a tal ponto que essa insatisfação, um a espécie de amargu ra ra n zinza que beira a indigestão, pode tornar-se não só um estilo de pensam ento como também uma nova morada, ainda que tem porária. O intelectual como um Tersites colérico, talvez. Um gran de protótip o histórico que me vem à mente é um a figura poderosa do século xviii, Jonath an Swift, que nunca recuperou o prestígio e a influência perdidos após os tories saírem do pod er em 1714, pas sando o resto da vida como exilado na Irlanda. Figura quase len dária de am argura e raiva — “saeve indignatio ”, disse elé de si mesmo no seu pró prio epitáfio — , Swift se enfurecera com a Ir landa e, ainda assim, era seu defensor contra a tirania britânica, um homem cujas grandiosas obras irlandesas Viagens de G ullivere The drapie rs letters [As cartas do mercador] mostram um espírito que floresce, para não dizer que se beneficia, de tamanha angústia pro dutiva. No começo de sua carreira, V. S. Naipaul, ensaísta e auto r de livros de viagens, residente tanto na Inglaterra quanto em outros lugares e sempre se deslocando, revisitando suas raízes caribenhas e indianas, esq uad rinha ndo os destroços do colonialismo e do pós-colonialismo, julgando sem remorso as ilusões e as crueldades dos Estados independentes e dos novos crentes, era até certo ponto um a figura do moderno intelectual exilado. Mais rigoroso e determinado ainda que Naipaul é o exilado Theodor Wiesengrund Adorno. Era um homem de temperam en to áspero mas extremamente fascinante e, a meu ver, a consciência intelectual dominante dos meados do século xx; ao longo de sua 61
carreira, seguiu de perto e combateu os perigos do fascismo, do comunismo e do consumism o massificado do Ocidente. Ao con trário de Naipaul, que tem circulado pelos lugares onde já viveu no Terceiro M undo, Ad orno era com pletam ente europeu, um h o mem formado por inteiro na mais elevada cultura européia, que incluía uma espantosa competência profissional nas áreas de filo sofia, música (foi aluno e adm irad or de Berg e Schoenberg), so ciologia, literatura, história e crítica cultural. Alemão de ascendên cia parcialmente judaica, deixou seu país em meados da década de 1930, pouco depois da tomada do poder pelos nazistas, e foi primeiro para Oxford, onde lecionou filosofia e escreveu um livro extremamente difícil sobre Husserl. Adorno parece ter sido muito infeliz no ambiente intelectual de Oxford, rodeado por um a lin guagem vulgar e po r filósofos positivistas, que contrastavam com seu pessimismo spengleriano e com a dialética metafísica à melhor man eira hegeliana. Voltou à Alemanha p or pouco tempo, como membro do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frank furt, e, por medida de segurança, viajou, relutante, para os Estados Unidos, onde viveu nu m primeiro mom ento em Nova York (193841) e depois no sul da Califórnia. Em bora tenha retorn ado a Fran kfurt em 1949 a fim de re tom ar seu antigo cargo de professor, o temp o que viveu na América marco u-o p ara sempre com os traços do exílio. Detestava jazz e tudo relacionado à cultura popular, não tinh a nenhum a afeição à paisagem, parece ter se com portado deliberadamente como um mandarim no trato com os outros. Por isso, e também p or ter sido formado nu ma tradição filosófica marxista-hegeliana, tudo o que fosse relacionado com a influência mund ial norte-am ericana nos filmes, na indústria, nos hábitos cotidianos, na aprendizagem baseada em fatos e no pragm atismo deixava-o enfurecido. Natu ralmente, sentia-se predisposto a tornar-se um exilado metafísico antes de ir pa ra os Estados Unidos, pois já se revelava extrema 62
mente crítico ao que era considerado o gosto burguês na Europa; po r exemplo, seus critérios sobre o que a música deveria ter sido foram estabelecidos pelas obras extrao rdinariamente difíceis de Schoenberg, obras que, Adorno asseverou de forma convicta, estavam honrosamente destinadas a ser impossíveis de escutar e a não ser interpretadas. Paradoxal, irônico, crítico impiedoso, Adorno foi o intelectual por excelência, odiando todos os sistemas, do nosso lado ou do deles, com igual aversão. Para ele, o que havia de mais falso na vida era o gregarismo— o todo é sempre o não ver dadeiro, disse certa vez — e isso, prosseguiu, deu um valor muito maior à subjetividade, à consciência do indivíduo e ao que não podia ser arregimentado numa sociedade totalmente burocratizada. Foi seu exílio americano que produziu sua grande obraprima, M inim a moralia, um conjunto de 153 fragmentos pu bli cado em 1953 e cujo subtítulo é Reflexões a pa rti r da v ida dan ifi cada. Na forma episódica e mistificadoramente excêntrica desse livro, que não é nem uma autobiografia linear, nem um devaneio temático, nem uma exposição sistemática da visão de m undo do autor, nos vêm à mente mais uma vez as peculiaridades da vida de Bazárov, representada no rom ance de Turguêniev Pais e filhos, sobre a vida na Rússia na década de 1860. Protótipo do intelectual niilista moderno, Bazárov não faz parte de um contexto narrativo específico. Ele aparece brevemente, depois desaparece. Nós o vemos por pouco tempo com seus pais idosos, mas não há dúvida de que já rompeu deliberadamente com eles. Deduzimos a partir disso que, em virtude de viver segundo norm as diferentes, o inte lectual não tem uma história, mas apenas um a espécie de efeito desestabilizador; ele provoca abalos sísmicos, surpreende e choca as pessoas, mas nunca pode ser explicado pelo seu passado nem pelos seus amigos. O próprio Turguêniev nada diz a esse respeito: ele deixa tudo 63
acontecer diante dos nossos olhos, dando a entender que o intelectual não é apenas um ser afastado dos pais e dos filhos, mas que seu estilo de vida, seus modos de envolver-se com ela são necessaria mente alusivos e só podem ser representados de forma realista como um a série de atuações descontínuas. A Minim a moralia de Adorno parece seguir a mesm a lógica, ainda que, depois de Auschwitz, Hiroshima, o advento da Guerra Fria e o triunfo da América, re presentar o intelectual seja de fato algo muito mais tortuoso do que fazer o que Turguêniev fez há cem anos por Bazárov. Na obra de Adorno, a essênciada representação do intelectual como u m exilado permanente, que se desvia tanto do velho como do novo c om a mesma destreza, é um estilo de escrita amaneirado e trabalhado ao extremo. Antes de mais nada é fragmentário, con vulsivo, descontínuo; não há enredo ou ordem predeterminada a seguir. Representa a consciência do intelectual como sendo incapaz de repousar seja onde for, constantemente em alerta contra as seduções do sucesso que, para um Adorno de temperamento obs tinado , significa tentar de forma consciente não ser fácil e ime diatamente compreendido. Tam pouco se pode viver confinado, nu m a total privacidade: o próprio Adorno, bem mais tarde na sua c carreira, afirmou que a esperança do intelectual não reside no efeito ; que ele possa ter no m undo, e sim no fato de que um dia, em algum I lugar, alguém vai ler o que ele escreveu, exatamente como escreveu. Um fragmento, o de núm ero 18 de M inim a m oralia, capta perfeitamente o significado do exílio. “A rigor, morar é algo que não é mais possível’, diz Adorno. *& '
moradias tradicionais em que crescemos adquiriram algo de 1insuportável: cada traço de comodidade nelas pagou-se com uma traição ao conhecimento, cada vestígio do sentimento de estar abri gado, com a deteriorada comunidade de interesses da família.
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O m odo de viver das pessoas que cresceram antes do nazismo tam bém deixou de existir. O socialismo e o consum ismo am eri cano não são melhores: as pessoas, “quando não m oram em slums, moram em bungalows, que de um dia para outro podem con verter-se em cabanas, trailers, automóveis ou camps , abrigos ao ar livre”. Assim, afirma Adorno, “a casa é coisa do passado”, isto é, acabou. “A melhor conduta dian te de tudo isso ainda parece ser uma atitude sem compromisso, como que em suspenso [...] Perj/ tence à moral não se sen tirem casa em sua pró pria casa.”
Entretanto, ao chegar a uma aparente conclusão, Adorno a inverte: Todavia, a tese desse paradoxo conduz à destruição, a um insensível desrespeito pelas coisas, que se volta necessariamente também con tra os homens, e a antítese já é, no instante mesmo em que é ex pressa, uma ideologia para aqueles que, com má consciência, pre tendem conservar o que é seu. Não há vida correta na falsa.1 Ou seja, não há escape possível, mesmo para o exilado que tenta perm anecer em suspensão, um a vez que esse estado inter mediário pode, ele próprio, tornar-se um a posição ideológica rí gida, um a forma dè m oradia cuja falsidade é encoberta pelo temp o e à qual se pode acostum ar-se com demasiada facilidade. No en tanto, Adornoinsiste: “Uma insistência desconfiada é sempre salu tar”, especialmente quando se refere à escrita do intelectual. “Para quem não tem mais pátria, é bem possível que o escrever se torne sua morada”, mas ainda assim — e este é o toque final de Adorno — não pode haver abrandam ento de rigor na auto-análise:
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A exigência de ser duro em relação à autocomiseração inclui a exigência técnica de contrapor uma extrema vigilância ao relaxa mento da tensão intelectual e de eliminar tudo o que se sedimenta 65
como escória do trabalho [ou a escrita], tudo o que funciona de maneira improdutiva, tudo o que, numa etapa anterior, enquanto conversa fiada, talvez tenha provocado uma atmosfera calorosa, conveniente a seu desenvolvimento, mas que no presente não passa de um resíduo insípido e com odor de mofo. No fim das contas, nem sequer é permitido ao escritor habitar o ato de escrever.2 Essa passagem é tipicam ente melancólica e resoluta. Nela, Adorno, o intelectual no exílio, carrega de sarcasmo a idéia de que o trabalho pode dar alguma satisfação, um m odo de vida alterna tivo que pode ser uma breve pausa na angústia e marginalidade da supressão total de um a “mo rada”. O que realmente Adorno não menciona são os prazeres do exílio, as soluções de vida diferentes e os ângulos de visão excêntricos que ele pode às vezes permitir ao intelectual^ estimulan do sua vocação, sem talvez aliviar toda e qualquer angústia ou sentimento de amarga solidão. Por isso, em bora seja verdade afirmar que o exílio é a condição que caracteriza o intelectual como um a figura à margem dos confortos do p ri vilégio, do poder, de estar-em-casa (por assim dizer), é também muito importan te insistir no fato de que essa condição traz em seu bojo certas recompensas e até mesmo privilégios. Assim, embora você não seja nem um ganhador de prêmios, nem bem-vindo a todas essas sociedades honorárias autocongratulatórias que rotineiram ente excluem desordeiros embaraçosos que desobede cem às regras do sistema ou poder, você está ao mesmo temp o co lhendo algumas coisas positivas do exílio e da marginalidade. ^ Um a delas, naturalmente, é o prazer de ser surpreendido, de nunca considerar nada garantido, de aprender a fazer o melhor possível em circunstâncias de instabilidade que p ode riam c on fund ir ou atemorizar a maior parte das pessoas. Uma vida intelec tual é fundam entalmente conhecimento e liberdade. No entanto, estes adquirem significado não como abstrações — com o n a afir66
mação um tanto quanto banal “Você deve ter uma boa educação para ter uma vida boa”— , mas como experiências realmente vivi - das. Um intelectual é como um náufrago que, de certo modo, aprende a viver com a terra, não nela; ou seja, não como Robinson Crusoé, cujo objetivo é colonizar sua pequena ilha, mas como Marco Polo, cujo sentido do maravilhoso nunca o abandona e/, que é um eterno viajante, um hóspede temporário, não um para sita, conquistador ou invasor. O exilado vê as coisas tanto em termos do que deixou para trás como em termos do que de fato acontece aqui e agora; através dessa dupla perspectiva, ele nunca vê as coisas de maneira separada ou isolada. Cada cena ou situação no novo país aproxima-se neces sariamente de sua contrapartida no país de origem. Do ponto de vista intelectual, isso significa que um a idéia ou experiência é sem pre contraposta a outra, fazendo com que ambas apareçam sob um a luz às vezes nova e imprevisível: a partir dessa justaposição temos uma idéia melhor, e talvez mais universal, sobre como p en sar, por exemplo, a respeito de uma questão de direitos hum anos num a situação em comparação com outra. Parece-me que a maio ria das discussões alarmistas e totalmente distorcidas sobre o fundamentalismo islâmico no Ocidente tem sido injuriosa do ponto de vista intelectual, precisamente porque não foi comparada com o fundamentalismo judeu ou cristão, ambos igualmente pre do minantes e repreensíveis, segundo minha própria experiência do Oriente Médio. O que, por um lado, é normalmente considerado uma simples questão de juízo contra um inimigo sancionado, po r outro; na perspectiva dupla ou de exílio, impele um intelectual oci dental a ver um quadro m uito mais amplo, agora com a exigência de tomar um a posição secularista (ou não) em iodos as tendências teocráticas e não apenas contra as que foram designadas conven cionalmente. Uma segunda vantagem para o que, de fato, é o posto de observação do exilado para o intelectual é que se tende a ver as coisas 67
;não apenas como elas são, mas como se torn aram o que são. Isso i significa observar as situações com o co ntingentes e não como ine vitáveis, encará-las enqu anto resultado de u m a série de escolhas históricas feitas po r homens e mulheres, com o fatos da sociedade construída p or seres humano s e não como naturais ou ditadas por Deus e, po r conseqüência, imutáveis, perm anentes, irreversíveis. O grande p rotótipo desse tipo de posicionam ento intelectual foi dado pelo filósofo italiano do século xvm G iambattista Vico, que há m uito tem po é um dos meus heróis. A solidão desse desco nhecido professor napolitano que mal conseguia sobreviver e con frontava a Igreja e suas influências diretas foi, em parte, responsável pela sua grande descoberta: constatar que o m odo correto de com preender a realidade social é entendê-la como um processo gerado a pa rtir do seu ponto de origem, o que se pode sempre situar em circunstâncias extrem amente humildes. Isso, escreveu Vico na sua grande obra A ciência nova, significava ver as coisas co mo se elas tivessem evoluído a partir de origens claras, da mesma maneira que o ser hum ano adulto deriva da criança que apenas balbucia. Vico argum enta ser esse o único po nto de vista que se pode ter sobre o m un do secular, que, insiste ele muitas vezes, é histórico, com suas próprias leis e processos, e não ordenado por um a divin dade. Isso suscita respeito, mas não reverência, pela sociedade hum ana. Olhamos para o mais grandioso dos poderes em termos das suas origens e para onde ele pode estar dirigido; não nos dei xamos atem orizar pela personalidade imp one nte, ou pela insti tuição magnífica que p ara u m nativo, alguém qu e sempre viu (e portanto venerou) a pom pa, mas não a necessária e hum ilde origem humana da qual ela derivou, com pele muita s vezes ao silêncio e à subserviência chocante. O intelectual no exílio é necessariamente irônico, cético e até mesm o engraçado, mas n ão cínico. Finalmente, tal como qualquer verdade iro exilado pode con firmar, um a vez que deixamos nossa casa, onde qu er que a gente vá parar, não podem os simplesmente retom ar nossa vida e tornar68
nos apenas mais um cidadão do novo lugar. Caso optemos por isso, há um embaraço tão grande envolvido nesse esforço que rara- ^ mente vale a pena. Podemos passar muito tempo lamentando o que perdemos, invejando as pessoas que, ao nosso redor, sempre estiveram em casa, próximas aos seus entes queridos, vivendo no lugar onde nasceram e cresceram sem nunca terem passado pela , experiência não só da perda do que outrora lhes pertenceu, mas Vsobretudo da m emória torturante de uma vida à qual não podem retornar. Por outro lado, como disse Rilke, podemos tornar-nos^ principiantes nas nossas circunstâncias, e isso nos permite um estilo de vida não convencional e, acima de tudo, uma c arreira diferente e, com freqüência, bastante excêntrica. Para o intelectual, o deslocam ento do exílio significa ser li bertado da carreira habitual, em que “fazer sucesso” e seguir a trilha das pessoas consagradas pelo tempo são os marcos princi pais. O exílio significa que vamos estar sempre à margem, e o que fazemos enquanto intelectuais tem de ser inventado porque n ão podemos seguir um caminho prescrito. Se pudermos tenta r esse destino não como uma privação ou algo a ser lastimado, mas como uma forma de liberdade, um processo de descoberta no qual faze mos coisas de acordo com nosso próprio exemplo, à medida que vários interesses despertarem nossa atenção e segundo o objetivo particular que nós mesmos ditamos, então ele será um prazer único. É o que acontece, por exemplo, na odisséia de C. L. R. James, ensaísta e historiador de Trinidad e Tobago, que veio para a In glaterra como jogador de críquete entre as duas guerras mun diais e cuja autobiografia intelectual, Beyond a bounda ry [Além de uma fronteira], é um relato de sua vida de jogador e do críquete no colo nialismo. Ou tra obra dele, Os jaco bin os negros/ é um a história comovente sobre a rebelião dos escravos negros haitianos no fim do século x v i i i , liderada por Toussaint L’Ouverture. C. L. R. James foi também orador e organizador político nos Estados Unidos; escreveu um estudo sobre Herman Melville, Mariners, renegades, 69
[Marinheiros, renegados e párias], além de vários trabalhos sobre pan-africanism o e dúzias de ensaios sobre cultura e literatura popular. Uma trajetória excêntrica e irrequieta, algo tão diferente do que hoje chamaríamos de sólida carreira profis sional; no entanto, qu an ta exuberância e infindável autodescoberta contém. A maioria de nós talvez não seja capaz de reproduzir o destino de exilados como Adorno ou C. L. R. James, mas seu significado para o intelectual contem porân eo é, ainda assim, muito pe rti nente. C^exílio é um m odelo p ara o intelectual que se sente tentado, ou mesm o assediado ou esmagado, pelas recompensas da acom odação,do conformismo, da adaptação. Mesmo que nãò sej a realmente um imigran te o u expatriado, ainda assim é possível pensar como tal, imaginar e pesquisar apesar das barreiras, afastando -se sempre d as autoridades centralizadoras em direção às r margens, onde se podem ver coisas que normalmente estão perdi f das em mentes que nunca viajaram para além do convencional e i do confortável. A condição de marginalidade, que pode parecer irrespon sável e impertinente, nos liberta da obrigação de agir sempre com cautela, com medo de virar tudo de cabeça para baixo, preocupa dos em não inquietar os colegas, membros da mesma corporação. Naturalmente, ninguém está livre de ligações e sentimentos. Nem tenho em mente o suposto intelectual sem compromisso com nada, cuja competênc ia técnica pode sèr emprestada ou posta à venda a qualquer um. Entretanto, penso que, para ser tão marginal e indom ado como alguém que se encontra de fato no exílio, o intelectual deve ser receptivo ao viajante e não ao potentado, ao pro visório e arriscado e não ao habitual, à inovação e à experiência e não ao status quo autoritariamente estabelecido. O intelectual que encarna a condição de exilado não responde à lógica do con vencional, e sim ao risco da ousadia, à representação da mudança, ao movimento sem interrupção. and castaways
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4. Profissionais e amadores
Em 1979, o versátil e engenhoso intelectual francês Régis Debray publicou um relato penetrante sobre a vida cultural fran cesa intitulado Professores, escritores, ce lebrida des: os intele ctua is da França moderna.1O próprio Debray, ex-ativista de esquerda se riamente comprometido, tinha ensinado na Universidade de Havana pouco depois da Revolução Cubana de 1958. Alguns anos mais tarde, as autoridades bolivianas o condenaram a trin ta anos de prisão por causa de sua ligação com Che Guevara, mas ele só cumpriu três. Depois de seu regresso à França, Debray torn ou-se um analista político semi-acadêm ico e, mais tarde ainda, um con selheiro do presidente M itterrand . Estava, assim, num a posição privilegiada para entender a relação entre os intelectuais e as insti tuições, que nunca é estática, mas sempre se desdobra e algumas vezes surpreende na sua complexidade. A tese de Debray no livro é a de que, entre 1880 e 1930, os inA telectuais parisienses eram ligados princip alm ente à Sorbonne; refugiados seculares tanto da Igreja como do bonapartism o, ali estavam protegidos trabalhando como professores nos labo7i
ratórios, bibliotecas e salas de aula e podiam fazer avanços impor tantes no campo d o conhecimento. Depois de 1930, a Sorbonne foi aos poucos perdendo sua autoridade para novas editoras como a da Nou velle Revu e Française, onde, de acordo com Debray, “a fa mília espiritual” formada pela intelligentsia e seus editores con seguiu um teto mais hospitaleiro sobre a cabeça. Até aproximada mente 1960, escritores como Sartre, De Beauvoir, Camus, Mauriac, Gide e Malraux formavam a intelligentsia que tinha substituído o professorado, devido ao alcance ilimitado de seu trabalho, sua crença na liberdade e seu discurso “a meio caminho da solenidade eclesiástica que o antecedeu e o barulho da propaganda que veio depois”.1 Por volta de 1968, muitos intelectuais abandonaram a pro teção dos seus editores; afluíram para os meios de comunicação de massa, atuando como jornalistas, convidados e apresentadores de entrevistas n a televisão, consultores, adm inistradores etc. Agora tinham não apenas u ma enorme audiência, como também o tra balho de toda uma vida como intelectuais dependia de seus espec tadores, do aplauso ou do esquecimento dados por aqueles “ou tros ”, que haviam se torn ad o um a audiên cia consumidora sem rosto e em algum lugar lá fora. Ao ampliarem a área de recepção, os meios de comunicação de massa reduziram as fontes de legitimidade intelectual, cercando a intelligentsia profissional, clássica fonte dessa legitimidade, com círculos concêntricos mais largos, que são menos exigentes e, por tanto, mais facilmente conquistados [...] Os meios de comunicação de massa romperam o lacre da intelectualidade tradicional, junta mente com suas normas de avaliação e sua escala de valores.3 O que Debray descreve é quase inteiram ente uma situação francesa localizada, o resultado de uma luta entre forças seculares, 72
imperiais e eclesiásticas naquela sociedade desde o tem po de Napoleão. É, portanto, muito improvável que o quadro que ele retrata da França seja encontrado em outros países. Na Grã-Bretanha, p or exemplos, anteriores à Segunda Guerra M undial, as grandes un i versidades dificilmente poderiam ser caracterizadas nos term os de Debray. Mesmo os professores de Oxford e Cambridge não eram conhecidos na esfera pública como intelectuais no sentido francês; e, apesar de as editoras britânicas terem sido poderosas e influen tes entre as duas grandes guerras, elas e seus autores n ão cons tituíam a família espiritual descrita po r D ebray na França. No entanto, a questão geral é válida; grupos de indivíduos estão ali nhados com instituições e ganham poder e autoridade a partir des sas instituições. Se as instituições prosperam ou decaem, assim também o fazem seus intelectuais orgânicos, para usar uma ex pressão útil de Antonio Gramsci quando se refere a eles. E, no entanto, permanece a questão se há ou pode haver algo como um intelectual independente, atuando de forma autônom a, que não seja devedor e, por conseguinte, não se sinta constrangido por suas afiliações com universidades que pagam salários, par tidos que exigem lealdade a uma linha política, think tanks que, ao mesmo tempo que oferecem liberdade para fazer pesquisa, talvez comprometam mais sutilmente o discernimento e restrinjam a voz crítica. Como Debray sugere, quando o círculo de um intelectual se alarga para além do seu grupo intelectual propriamente d ito— em outras palavras, quando a preocupação de agradar a uma audiên cia ou a um em pregador substitui a dependência em relação a ou tros intelectuais para debate e julgamento — , alguma coisa na sua vocação fica, se não anulada, certamente inibida. Voltemos um a vez mais para m eu tem a principal, a represen tação do intelectual. Quando pensamos num intelectual enquanto indivíduo — e o indivíduo é minha preocupação aqui — , nós acentuamos a individualidade da pessoa desenhando seu retrato,
ou antes focamos o grupo ou classe a que esse indivíduo pertence? A resposta a essa questão obviam ente afeta nossas expectativas quanto ao discurso do intelectual: o que ou vimos ou lemos ex pressa uma visão independente ou representa um governo, uma causa política organizada, um grupo de pressão? As representações do intelectual no século xix tendiam a acentuar a individualidade; muitas vezes o intelectual é, como o Bazárov de Turguêniev ou o Stephen Dedalus de Joyce, uma figura solitária, de certo modo arredia, que não se adapta de jeito nenhu m à sociedade e é, por isso, um rebelde completamente à margem d a opinião estabelecida. Com o crescente número de homens e mulheres do século xx que pertencem a um grupo geral chamado de intelectuais ou intelec tualidade — gestores, professores, jornalistas, especialistas em computação ou em assuntos de governo, lobistas, eruditos, colu nistas de agências de notícias, consultores pagos p ara dar suas j opiniões —, somos levados a nos perguntar se o indivíduo intelec1 tual, com um a voz independente, pode realmente existir. Essa é um a questão trem endam ente im po rtan te e deve ser vista com uma combinação de realismo e idealismo, certamente não com cinismoyÓm cínico, diz Oscar Wilde, é alguém que sabe o preço de tudo, mas não conhece o valor de nada. Acusar todos os intelectuais de vendidos só porque ganham a vida trabalhando num a universidade ou nu m jornal é uma acusação grosseira e, afi nal, sem sentido. Seria indiscrim inadamente cínico afirm ar que o mundo é tão corru pto que, em última análise, todos sucum bem ao dinheiro. Por outro lado, não é muito menos sério considerar a , pessoa do intelectual um mod elo perfeito, um a espécie de ca valeiro reluzente tão puro e tão nobre a pon to de desviar qualquer ^su sp eita de interesse m aterial./jingué m consegue passar em tal j teste, nem mesm o Stephen Dedalus, que é tão pu ro e tão im pe tuosam ente ideal que acaba incapacitado e, pior ainda, silencioso. O fato é que o intelectual não deve ser um a figura tão incon74
troversa e cautelosa como seria um técnico amigável, nem tentar ser um a Cassandra em tempo integral, que não só era desagra dável, com tod a a razão, como também não era ouvida. Todo ser hum ano é limitado por uma sociedade, não importa quão livre e aberta ela seja, quão boêmio o indivíduo seja. De qualquer mo do, espera-se que o intelectual seja ouvido e que, na prática, deva sus citar debate e, se possível, controvérsia. As alternativas, porém, não são aquiescência total ou rebeldia total. Du rante os últimos dias da administração Reagan, um in telectual americano e ex-militante de esquerda chamado Russell Jacoby pub licou um livro que gerou grande discussão, a ma ior parte dela de aprovação. Intitulava-se Os últim os intelectuais e de fendia a tese incontestável de que nos Estados Unidos “o intelectual não acadêmico” tinha desaparecido completamente, não de i xando ninguém no seu lugar, exceto um punhado de professores universitários tímidos, dominados po r um jargão peculiar, nos quais ninguém na sociedade prestava muita atenção .4O modelo de Jacoby para o intelectual de antigam ente abrangia alguns nomes que viveram principalmente em Greenwich Village (local equiva lente ao Quartier Latin) no começo do século xx e eram conheci dos de um modo geral como os intelectuais de Nova York. A maioria deles eram judeus, de esquerda (mas grande parte anticomunista) e conseguiam viver de seus escritos. Figuras da primeira geração incluíam homens e mulheres como Edmund Wilson, Jane Jacobs, Lewis Mum ford, Dwight McDonald; seus seguidores um pouco mais tarde foram Philip Rahv, Alfred Kazin, Irving Howe, Susan Sontag, Daniel Bell, William Barrett, Lionel Trilling. De acordo com Jacoby, pessoas como essas perderam importância por causa de várias forças políticas e sociais do pós-guerra: a fuga para os su búrbios (para Jacoby o intelectual é uma criatura urbana), as irresponsabilidades da geração beat, pioneira da idéia de romper com tudo e fugir de um a posição estabelecida na vida, a expansão da 75
universidade e a ida para o campus da primeira esquerda indepen dente americana. i O resultado é que o intelectual hoje é muito provavelmente í um professor de literatu ra confinado, com uma renda segura, sem .nen hum interesse em lidar com o mundo fora da sala de aula. Tais indivíduos, Jacoby alega, escrevem uma prosa esotérica e bizarra, dirigida principalmente para a promoção acadêmica e não para a mud an ça social. En quanto isso, a predominância do que foi cha mado mo vimen to neoconservador — intelectuais que tinham se torn ado proem inentes durante o período Reagan, mas que eram em muitos casos ex-esquerdistas, intelectuais independentes co m o o com entarista social Irving Kristol e o filósofo Sidney Hook — trouxe consigo grande número de novos periódicos expres sando um a agenda social abertamente reacionária ou pelo menos cons ervado ra (Jacoby menciona em particular o periódico tri me stral de extrema direita The N ew Criterion). Essas forças, diz Jacoby, foram e ain da são muito mais insistentes no sentido de cortejar jovens escritores, potenciais líderes intelectuais que podem suceder os mais velhos. Enquanto a N ew York Re view o f Books, a mais prestigiosa revista liberal da América, tinha sido outro ra pion eira em aprese ntar idéias audaciosas expressas por escritores novos e radicais, agora ad quirira um “passado deplo rável”, parecendo, n a sua envelhecida anglofilia, “mais com os chás de Oxford do que com as delis de Nova York”. Jacoby conclui que a New York Review “nun ca estimulou ou prestou atenção nos inte lectuais americanos mais jovens. Por um quarto de século usou o banco cultural sem fazer nenh um investimento. Hoje a transação tem de contar com capital intelectual importado, principalmente da Inglaterra”. Tudo isso se deve, em parte, “não a uma greve, mas a um fecham ento dos antigos centros urbanos e culturais”.5 Jacoby retoma sua idéia de um intelectual, que ele descreve com o “um a alma incorrigivelmen te independente que não res 76
ponde a ninguém”. Tudo o que nós temos agora, diz ele, é uma ge ração desaparecida, que foi substituída portécnicos de sala de aula,; altaneiros e impossíveis de compreender, contratados por comis sões, ansiosos para agrad ar a vários patrocinadores e agências, eriçados com credenciais acadêmicas e com um a autoridade social que não promove debate, mas estabelece reputações e intimida os não-especialistas. Trata-se de um quadro m uito sombrio, mas será que é acurado? O que Jacoby diz sobre a razão do desaparecimento dos intelectuais é verdade ou podemos oferecer de fato um diag nóstico m ais preciso? Em primeiro lugar, acho errad o ser injusto em relação à un i versidade ou m esmo aos Estados Unidos. Houve um breve período na França, logo após a Segunda Gu erra Mundial, em que um pu nhado de proem inentes intelectuais independentes como Sartre, Camus, Aron, De Beauvoir, pareciam representar a idéia clássica — n ão n ecessariamente a re alidade — de intelectuais descen dentes de seus grandes (mas, infelizmente, muitas vezes míticos) protótipos do século xrx, como Ernest Renan e Wilhelm von Humboldt. Mas o que Jacoby não diz é que o trabalho intelectual no século xx se envolveu muito não só com o debate público e com a gran,de polêmica do tipo defendido por Julien Benda e talvez exemplificado por Bertrand Russell e alguns intelectuais boêm ios de Nova York, mas tam bém com a crítica e o desencanto, com a denúncia de falsos profetas e a descrença de antigas tradições e no mes consagrados. Além disso, ser um intelectual não é de jeito nenh um incom patível com o trabalho acadêmico ou mesmo com a profissão de pianista. O brilhante pianista canadense Glenn Gould (1932-82) foi um artista dedicado à gravação, tendo assinado contratos com grandes gravadoras du rante toda a sua vida profissional; isso não o impediu de ser um reintérp rete iconoclasta e um comentador de música clássica com trem enda influência no m odo como a exe-
cução é realizada e julgada. Intelectuais acadêmicos — historia dores, po r exemplo — remodelaram totalmente o pensamento quanto à escrita da História, à estabilidade de tradições, ao papel da linguagem na sociedade. Podemos pensar em Eric Hobsbawm e E. P. Thom pson na Inglaterra, ou Hayden White nos Estados Unidos. O trabalho deles teve grande difusão para além da academia, ape sar de ter nascido e se alimentado dentro dela na sua maioria. Quanto aos Estados Unidos serem especialmente culpados po r descaracterizar a vida intelectual, poder-se-ia argum entar que, aonde quer que se olhe hoje em dia, mesmo na França, o in telectual não é mais um boêm io ou u m filósofo de mesa de bar, mas se to m ou um a figura bem diferente, representando muitos tipos diferentes de preocupações, fazendo suas representações de um m odo m uito diferente, dramaticam ente alterado. Como venho sugerindo nestas conferências, o intelectual não representa um ícone do tipo estátua, mas um a vocação individual, um a energia, uma força obstinada, abordando com uma voz empenhada e reconhecível na linguagem e na sociedade uma porção de ques tões, todas elas relacionadas, no fim das contas, com um a combi nação de ----esclarecimento -...------------ ---------- — e emancipação ou liberdade. A ameaça específica ao intelectual hoje, seja no Ocidente, seja no m undo não ocidental, não é a academia, nem os subúrbios, nem o comercia lismo estarrecedor do jornalismo e das editoras, mas antes uma atitude que vou chamar de profissionalismo. Por profissionalismo eu entendo pensar no trabalho do intelectual como alguma coisa que você faz para ganhar a vida, entre nove da manhã, e cinco da tarde, com um olho no relógio e outro no que é considerado um com portam ento apropriado, profissional— não entornar o caldo, não sair dos paradigmas ou limites aceitos, tornando-se, assim, comercializável e, acima de tudo, apresentável e, portanto, não controverso, apolítico e “objetivo”. Vamos voltar a Sartre. No preciso mom ento em que ele parece 78
estar advogando a idéia de que o homem (nen hum a menção à mulher) é livre para escolher seu próprio destino, ele também diz que a situação— um a das suas palavras favoritas — pode impedir o pleno exercício de tal liberdade. E, no entanto, Sartre acrescenta, é errado dizer que o meio e a situação determinam , de modo uni lateral, o escritor ou o intelectual; o que existe é, sobretudo, um m o vimento constante para a frente e para trás entre eles. No seu credo como intelectual, publicado em 1947, Q u eé a literatura?, Sartre usa a palavra escritor , mas é claro que ele está falando sobre o papel do intelectual na sociedade, como na seguinte passagem; Sou um autor, em primeiro lugar, por minha livre intenção de escre ver. Mas imediatamente segue-se que eu me tomo um homem que outros homens consideram um escritor, isto é, que tem de respon der a uma certa demanda e que foi investido de uma certa função social. Seja qual for o jogo que ele queira jogar, deve jogá-lo com base na representação que outros fazem dele. Pode querer modificar o caráter que se atribui ao homem de letras [ou intelectual] numa dada sociedade; mas para mudá-lo tem antes de introduzir-se nela. Depois, o público intervém, com seus costumes, sua visão de mundo e sua concepção da sociedade e da literatura no interior dessa sociedade. O público cerca o escritor, encurrala-o, e suas exi gências imperiosas ou dissimuladas, suas recusas e suas fugas são os fatos concretos em cuja base uma obra pode ser construída.6 Sartre não está dizendo que o intelectual seja um a espécie de rei-filósofo isolado, que devemos idealizar e venerar com o tal. Ao contrário -— e isto é algo que as pessoas que, hoje em dia, lamen tam o desaparecimento dos intelectuais tendem a não perceber — , ele está constantem ente sujeito não apenas às exigências da sua sociedade, mas também a muitas modificações substanciais na condição social dos intelectuais como membros de um grupo dis 79
tinto. Supondo que ele deva ter soberania, ou um tipo de autori dade irrestrita sobre a vida m oral e mental n um a sociedade, os críticos da cena contem porâne a simplesm ente se recusam a ver quanta energia tem sido gasta ultim am ente para resistir e até mes mo atacar a autoridade, com mud anças radicais na auto-representação do intelectual. A sociedade atual aind a enclausura e cerca o escritor, às vezes com prêmios e recompensas, muitas vezes rebaixando ou ridicu larizando totalm ente o trab alho intelectual e, ainda com maior freqüência, dizendo que o verdade iro intelectual, hom em ou m u lher, deveria ser apenas um profissional exp erim entad o eift seu campo. Não me lembro de Sartre ter dito alguma vez que o inte lectual devia permanecer necessariam ente fora da universidade: o que ele realmente disse foi que o intelectual nunca é de todo um in telectual como q uando é rodeado, induzido com agrados, encur ralado, tiraniza do pela sociedade pa ra ser uma coisa ou outra, porq ue só nesse mo m ento e nessa base se pode co nstruir o tra balho J.ntekctua l. Q ua nd o re cus ou o Prêm io Nobel em 1964, Sartre estava agindo precisamente de acordo com seus princípios. O que são essas pressões hoje em dia? E como elas se encaixam no que eu cham o de profissionalismo? O que quero discutir são qu atro pressões que, a m eu ver, desafiam a engenhosidade e a força de vontade do intelectual. Ne nhum a delas é única para um a deter m inada sociedade. Apesar da sua difusão, cada um a dessas pres sões pode ser contestada pelo que cham o de am adorismo, o desejo de ser movido n ão por lu cros ou recompensas, mas j)o r amor e pelo interesse irreprimível p or horizontes mais amplos, pela bus ca de relações para além de linhas e barreiras, pela recusa em estar preso a uma especialidade, pela preocup ação com idéias e valores apesar das restrições de um a profissão. A especialização é a prim eira dessas pressões. Hoje, quanto mais elevado se estiver no sistema educacional, mais se é limitado 8o
a uma área de conhecimento relativamente restrita. Por certo, ninguém pode ter nada contra a competência enquanto tal, mas quando isso envolve perder de vista qualquer coisa fora do seu campo imediato — digamos, a poesia amorosa n o começo da era vitoriana — e sacrificar a cultura geral em prol de um elenco de autoridades e idéias canônicas, então esse tipo de competência não vale o preço pago p or ela. No estudo de literatura, por exemplo, que é de m eu interesse partlcuTar.Têspeciaíização significou um crescente formalismo técnico e, cada vez menos, um a com preensão histórica das ver dadeiras experiências que realmente se concretizaram n a co m posição de uma obra literária. A especialização significa perder de vista o trabalho árduo de construir arte ou conhecimento; como resultado, não se consegue ver o conhecimento e a arte com o esco lhas e decisões, compromissos e alinhamentos, mas somente em termos de teorias ou m etodologias impessoais. Ser um especialista em literatura significa, com demasiada freqüência, excluir a His tória, ou a música, ou a política. No final, como um intelectual to talmente especializado em literatura, vòcê fica dom esticado e aceita qualquer coisa que os chamados grandes especialistas nesse campo pontificam. A especialização também mata os prazeres do arrebatamento e da descoberta, ambos irredutivelmente presentes na índole do intelectual. Em última análise, ceder à especialização é, sempre achei, preguiça, e assim você acaba fazendo o que os ou tros lhe dizem, porque essa é, afinal de contas, sua especialidade. Se a especialização é um tipo de pressão geral e instrumental presente em todos os sistemas educacionais do mundo, a expertise e o culto do técnico ou perito credenciado são pressões mais pró prias no m undo do pós-guerra. Para ser um especialista, você tem de ser credenciado pelas autoridades competentes; elas ensinam a falar a linguagem correta, a citar as autoridades certas, a sujeitar-se ao território correto. Isso é verdadeiro sobretudo quando áreas do
conhecimento sensíveis e/ou lucrativas estão em questão. Recen temente, tem havido muita discussão sobre uma coisa chamada “politicamente correto”, uma expressão insidiosa aplicada a humanistas acadêmicos que, diz-se com freqüência, não pensam de forma independente, e sim de acordo com no rmas estabeleci das por uma cabala de esquerdistas; essas normas são consideradas demasiadamente sensíveis ao racismo, sexismo e ou tros “ismos”, em vez de permitirem que as pessoas debatam de um a man eira considerada “aberta”. A verdade é que a campanha contra o politicamente correto tem sido conduzida principalm ente po r conservadores de várias tendências e outros paladinos dos valores da família. Embora algu mas coisas que eles dizem tenham um certo mérito — sobretudo quando ressaltam a total inconsistência do jargão bobo e insen sato —, sua campanha fecha os olhos ao incrível conformismo e às críticas politicamente corretas no que diz respeito, po r exemplo, às políticas militar, de segurança nacional, externa e econômica. Duran te os anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra, por exemplo, exigia-se em relação à União Soviética a aceitação sem questionam ento das premissas da G uerra Fria, da maldade total da União Soviética, e assim po r diante. Por um período ainda maior, mais ou m enos de meados da década de 1940 até meados da década de 1970, a posição oficial americana sustentava que a liberdade n o Terceiro Mundo signifi cava simplesmente liberdade em relação ao comunismo. Essa idéia reinava praticamente sem contestação, e a ela se ligava a noção, constantem ente elaborada por legiões de sociólogos, antropólo gos, cientistas políticos e economistas, de que o “desenvolvimento” era um fenômeno não ideológico, derivado do Ocidente, e en volvia salto econômico, modernização, anticomunismo e uma d e voção, entre alguns líderes políticos, às alianças formais com os Estados Unidos. 82
Para os Estados Unidos e alguns de seus aliados, como a GrãBretanha e a França, essas visões sobre defesa e segurança impli cavam, com freqüência, a continuação de políticas imperalistas, em que intervenções militares contra insurreições e um a oposição implacável ao nacionalismo nativo (sempre visto como simpati zante do comunismo e da União Soviética) provocaram imensos desastres na forma de guerras e invasões custosas (como a do Vietnã), apoio indireto a invasões e massacres (como os cometidos pelos aliados do Ocidente, entre eles a Indonésia, El Salvador e Israel) e regimes clientelistas com economias grotescamente dis torcidas. Discordar disso tudo significava, com efeito, interferir num mercado controlado po r especialistas, talhados para p atro ci nar o esforço nacional. Se, por exemplo, você não fosse um cien tista político formado pelo sistema universitário americano, com um considerável respeito pela teoria do desenvolvimento e pela segurança nacional, você não era ouvido, em alguns casos nem lhe perm itiam falar, mas era desafiado com base na falta de u ma espe cialização. No fim das contas, expertise tem muito pouco a ver, rigorosa mente falando, com conhecimento. Parte do material sobre a Guerra do Vietnã usado por Noam Chomsky é m uito m aior em alcance e precisão do que estudos similares escritos por peritos cre denciados. Mas, enquanto Chomsky foi além das rituais noções patrióticas — que incluíam a idéia de que “nós” estávamos indo ajudar nossos aliados, ou de que “nós” estávamos defendendo a liberdade contra uma tomada de poder inspirada por M oscou ou Pequim — e mostrou os verdadeiros motivos que governavam o comportamento dos Estados Unidos, os peritos credenciados, que queriam ser chamados de volta para dar consultoria ou palestras no Departamento de Estado ou trabalhar para a Rand C orp ora tion, jamais se aventuraram por esses territórios. Chomsky co nta' que, como lingüista, tem sido convidado por matemáticos a falar 83
sobre suas teorias, sendo geralm ente ouvido com interesse res peitoso, apesar de seu relativo desco nhecimento do jargão ma temático. No entanto, quando tenta apresentar a política externa dos Estados Unidos sob u m ponto de vista crítico, os reconhecidos especialistas em política externa ten tam impedi-lo de falar, com base na sua falta de credenciais como expert em política externa. Há pouca refutação aos seus argume ntos; apenas a afirmação de que ele se situa fora de qualquer debate ou consenso aceitáveis. A terceira pressão do profissionalismo é a tendência ine vitável para o poder e a autoridade entre seus adeptos, para as exi.gências e prerrogativas do poder e para se tornar diretamente em pregado por ele. Nos Estados Unidos, é de fato espantoso verificar até que pon to a agenda da segurança nacional determinava as prio ridades e a mentalidade da pesquisa acadêmica durante o período em que os Estados Unidos estavam disputando com a União Soviética a hegemonia m undial. Um a situação semelhante ocor ria na U nião Soviética, mas n o Ocidente ninguém tinh a ilusões quanto à informação livre lá. Só agora estamos começando a per ceber o significado disso — que os departamentos de Estado e de Defesa americanos forneciam mais dinheiro do que qualquer doa dor ou mecenas para pesquisa universitária nas áreas de ciência e tecnologia; isso foi especialmente verdadeiro em relação ao m i t (Ins tituto de Tecnologia de Massachusetts) e à Universidade de Stanford, que, juntos, receberam os maiores valores durante décadas. Mas é também verdade que, no me smo período, departa mentos universitários de ciências sociais e até da área de hum a nidades foram financiados pelo governo, tendo como objetivo a mesma agenda geral. Coisas assim ocorrem, é claro, em todas as sociedades, mas nos Estados Unidos isso foi digno de nota porque os resultados de algumas pesquisas antiguerrilha desenvolvidas para apoiar a política no Terceiro Mundo — no Sudeste Asiático, na América Latina e sobretudo no Oriente M édio — foram apli84
cados diretamente em atividades secretas, sabotagem e mesmo na guerra aberta. Questões de m oralidade e justiça foram adiadas para que alguns contratos pudessem ser cum pridos. Um desses contratos era o célebre Projeto Camelot, empreendido p or cientis tas sociais para o Exército no começo de 1964, com o objetivo de estudar não apenas o colapso de várias sociedades em todo o m un do, mas também de prevenir a ocorrência desse colapso. Isso não foi tudo. Poderes centralizadores na sociedade civil americana, como os partidos Republicano e Democrata; lobbies industriais ou com interesses específicos, como os criado s ou mantidos pelas grandes empresas de fabricação de armas, g rupos ligados ao petróleo e ao tabaco; grandes fundações, como as esta belecidas pelos Rockefeller, os Ford e os Mellon — todos em pre gam especialistas acadêmicos para desenvolver programas de pe s quisa e de estudos que p romo vam as agendas tanto comerciais quanto políticas. Isso, é claro, faz parte do que é considerad o o comp ortamento norm al num sistema de livre mercado e ocorre em toda a Europa e no Extremo Oriente. Há doações e bolsas de es tudo a serem recebidas de thinktánk s, mais licenças sabáticãs e su b venções para publicações, como tam bém promoção e reconheci mento profissionais. Tudo no sistema é feito sem subterfugios e, como eu disse, é aceitável de acordo com os padrões de competição e resposta do mercado que governam o comp ortam ento sob o capitalismo avançado numa sociedade liberal e democrática. Mas, ao passarmos muito tempo preocupados com as restrições impostas à liberdade intelectual e de pensamento em sistemas de governo totalitários, não fomos tão exigentes em relação às ameaças, para o intelectual enquanto indivíduo, de um sistema que recompensa a conform i dade intelectual, bem como a participação voluntária e m objetivos que foram estabelecidos não pela ciência, mas pelo governo; assim, 85
a p esquisa e a credibilid ad e são controlad as com o objetivo de a l ca n ç a r e m a n t e r u m a f atia m a i o r d o m e r ca d o . Em outras palavras, o espaço individual e subjetivo para a representação intelectual, pa ra fazer pergun tas, qu estion ar e d esafiar o sentid o de um a guerra ou d e um imenso p rogram a social :que promove contratos e concede prêmios, encolheu drasticam ente em relação ao que era há cem an os, qu and o Stephen D edalus pod ia dizer que, com o intelectual, seu dever era não servir a nen hu m tipo de poder ou autorida de. Agora, não quero sugerir, como alguns fizeram — com sentim entalismo, penso — , que d everíamos recup erar u m a época em qu e as universidad es não eram tão grand es e as oportu nid ad es que elas hoje oferecem não eram tão abun d antes. A m eu ver, a universidad e ocid ental, certamen te nos Estad os Unid os, ainda pod e oferecer ao intelectua l um espaço qu ase u tóp ico, em qu e a reflexão e a pesquisa p od em continu ar, em bor a sob novos constran gimen tos e pressões. Portan to, o prob lema p ara o intelectu al é tenta r lid ar com as restrições do profissionalismo moderno, como tenho discutido, sem fing ir que elas não existem ou negan do sua in fluên cia, mas representand o u m con ju nto diferente de valores e prerrogativas. Cha m arei essa atitud e de amadorismo, literalmente u m a atividade j qu e é alimen tad a pela d ed icação e pela afeição, e não p elo lu cro e í p or u m a esp ecialização egoísta e estreita. O intelectual h oje deve ser um ama dor, alguém qu e, ao con siderarse u m m embro p ensante e preocup ado de um a sociedade, se em p enh a em levan tar questões m orais no âm ago de qua lquer atividad e, por m ais técnica e p rofissionalizad a que seja. Essa ativi dad e emp enhad a envolve seu país, o p od er e o m od o d e interagir com seus cidad ãos, bem com o com ou tras sociedad es. Além disso, o espírito do intelectual com o u ni am ad orp od e transform ar a rotin a m eram ente p rofission al da m aioria das pessoas em algo m u ito ma is inten so e rad ical; em vez de se fazer o que su p osta86
m ente tem qu e ser feito, p od ese se p ergu ntar p or qu e se faz isso, qu em se ben eficia disso, e com o é possível to rn ar a relacionar essa atitud e com u m p rojeto p essoal e pensam entos originais. Cada in telectu al tem u m a au diência, u m pú blico. A qu estão é se essa au d iência está lá p ara ser satisfeita, e, con seqü entem ente, m an terse feliz, ou se ela existe para ser desafiada e, p ortan to, inst igada a uma op osição d ireta ou mobilizad a para um a m aior par ticip ação d em ocrática na sociedad e. Mas, em qu alquer dos casos, não há com o se desviar da autorid ad e e d o poder, nem d a relação do in telectu al com am bos. De que form a ele se dirige à autorid ad e: como um baju lado r p rofissional ou com o u ma consciência crítica d essa au torida d e, ou seja, ums am ad or que n ão espera r ecompensas?
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5. Falar
a verd ad e ao p od er
Gostaria d e retom ar os tem as d a especialização e do p rofissionalism o, e a form a com o o intelectu al enfrenta a questão do pod er e da au torid ad e. Em m eados d a década de 1960, p ouco antes de a oposição à Gu erra do Vietnã se torn ar m uito comentada e difun d ida, fu i pr ocurad o, na Universid ade de Colúm bia, p or um estud ante de grad u ação de apa rência mais velha, que m e pediu que o ad m itisse nu m sem inário com vagas limitadas. Parte de seus argu m entos resid ia no fato de que era um veterano de guerra, tend o servido n a força aérea. Enqu an to conversávamos, tive um estranho vislumbre acerca da mentalidade do profissional — nesse caso, u m p iloto exper iente — , cujo vocabulário usad o em seu tra balh o p od eria ser d escrito com o “jargão in tern o”. Nu nca vou esquecer meu choqu e quan d o, ao respond er à m inha p ergunta insistente “O que é que você realmente fazia na força aérea?”, ele disse: “Aquisição do alvo”. Demorei mais alguns minutos para p erceber qu e ele era u m bom bar d eiro, cujo traba lho, claro, era bom bard ear. Mas ele revestia isso de u ma linguagem p rofissional que, de certa m an eira, excluía e mistificava as ind agações mais di
retas de alguém fora d o ram o. Eu o aceitei no sem inário — talvez pen sand o que pod ia m an têlo sob m eu olhar e, como incentivo ad icional, persu ad ilo a ab and on ar o espan toso jargão. “Aqu i sição do alvo”, ten ha d ó! De u m m od o m ais con sistente e sistemá tico, penso, os in telectuais qu e estão p róxim os da formu lação d e políticas e podem controlar o p rotecionismo do tip o que dá ou tira emp regos, subsí dios e prom oções tend em a vigiar os indivíd uos que não se subm etem p rofission almen te e qu e, aos olhos de seus sup eriores, dão m ostras d e contr ovérsia e nãocooper ação. É comp reensível que, se você qu iser u m traba lho feito — digamos que você e sua equipe ten h am de forn ecer ao M inistério d a Defesa ou d as Relações Exteriores u m estudo sobr e a Bósn ia na seman a que vem — , você deve trabalhar com gente de confian ça, que p artilhe os m esm os pressup ostos e fale a m esm a língu a. Semp re achei qu e, par a um intelectu al que rep resenta o tip o d e coisas que venho d iscu tind o nestas conferências, p erten cer a essa p osição p rofissional, em que p rin ci p alm ente se serve ao po d er e ganh am se recomp ensas desse pod er, não é de jeito n enh u m ap rop riad o ao exercício daqu ele espírito de aná lise e cap acid ad e de ju lgam en to críticos e relativam ente ind epend entes que, do m eu p on to d e vista, deveriam ser a contribuição d o intelectu al. Em o u tras p alavras, o intelectu al pr op riamen te dito (não é u m fun cionário, nem u m empregado inteiram ente comp ro jm etid o com os objetivos políticos de u m governo, de um a grande (corp oração ou m esm o de u m a associação de profissionais que ■com p artilh am u m a op inião com u m . Em tais situações, as ten tações d e bloquear o sentido m oral, de pensar apenas do p onto d e vista da especialização o u d e redu zir o ceticismo em prol do con form ism o são mu ito gran d es para serem confiáveis. Mu itos intelectu ais su cum bem p or comp leto a essas tentações e, até certo v p on to, tod os nós. N ing u ém é totalm ente au tosu ficiente, nem "'m es m o o m ais livre do s espíritos. 90
Já sugeri que, como form a de m an ter u m a relativa ind ep endência intelectua l, o me lhor cam inh o é ter u m a atitud e de amador, em vez de profissional. Mas d eixem me ser p rático e p essoal por um m omen to. Em p rimeiro lugar, o am ad orismo significa um a opção pelos riscos e pelos resultados incerto s d a esfera pú blica — um a conferência, ou u m livro, ou um artigo em circulação amp la e irrestrita — em vez d o espaço para in iciad os, controlad o p or especialistas e profissionais. Várias vezes nos ú ltimos d ois anos fui convidad o pelos m eios de comu nicação para ser u m consultor remu nerad o. Recusei, sim plesmente p orqu e isso significaria estar preso a um a estação de televisão ou a u m ú n ico jor n al, e preso tam bém à linguagem p olítica em voga e à estru tu ra conceitu ai desses meios. Do m esm o m od o, nu nca tive interesse em consu ltorias {pagas pelo (ou pa ra) o governo, on d e nu n ca se sabe com o nossas idéias vão ser usadas dep ois. Em segun d o lugar, em itir con h eci' men to em troca de remu neração é mu ito diferente de receber um convite de um a u niversidad e para dar u m a conferência pú blica ou para falar apenas para u m a p equena platéia d e fu ncionários. Isso me parece muito óbvio, tan to é que sem p re aceitei dar p alestras em universidades e semp re recusei as outr as o fertas. E, em terceiro lugar, par a ser m ais político, tod as as vezes em qu e fui solicitad o para ajud ar um grupo p alestino ou convidado p or u m a un iversi dad e da África do Sul pa ra falar cont ra o ap arth eid e a favor da liberdad e acad êmica, semp re aceitei. Enfim , sou m ovido p or idéias e causas qu e realm ente posso ap oiar por escolha, porqu e são coerentes com os valores e pr incípios em que acredito. Portan to, nã o m e consid ero lim itado pelo meu trabalho profissional em literatura, que me excluiria de assuntos de política pú blica só porqu e estou au torizad o ap enas a ensinar literatura m od erna europ éia e am erican a. Falo e escrevo sobre assuntos mais amplos porqu e, com o am ad or, sou instigado por comp romissos que vão mu ito além da m in ha e strita carreira 91
p rofissiona l. É eviden te qu e faço u m esforço consciente para conqu istar u m a au d iência nov a e m aior para esses pontos de vista, que nu nca apresento em sala d e aula. Mas o qu e são realm en te essas incursões am adoras na esfera pú blica? Será qu e o in telectu al é galvanizad o par a a ação intelec tual p or leald ades p rim ord iais, locais, instintivas — sua própria etnia, povo ou religião — , ou há u m conju nto de princípios mais un iversal ou ra ciona l qu e pod e govern ar e talvez até governe o m od o com o algu ém fala ou escreve? Com efeito, estou formuland o a qu estão básica p ar a o intelectu al: como alguém fala a verdade? Qu e verdade? Para qu em e onde? Infelizmente, d evemos com eçar a respond er dizendo que não há sistema ou m étod o suficientem ente am plo e seguro que forneça ao intelectu al resp ostas d iretas a essas questões. No m un do secular — no sso m un d o, o m u n d o h istórico e social feito pelo esforço hu m an o — , ele tem apen as m eios seculares para trabalhar; a reve lação e a insp iração d ivinas, em bor a p erfeitamen te plausíveis como modos de compreensão na vida privada, são desastrosas e m esmo bizarras qua nd o usad as p or hom ens e mu lheres de espírito especulativo. N a verd ad e, eu iria m ais longe, a ponto de dizer que o intelectu al deve se envolver nu m a dispu ta constante contra tod os os güard iões d e visões ou textos sagrados, cujas depredações são enormes e cuja mão pesada não tolera o desacordo e, certam ente, nen hu m a d iversidad e. A liberd ad e de opinião e de ex p ressão é o p rincip al ba stião d o in telectu al secu lar: abandonar sua d efesa ou t olera r ad u lterações de qu alquer dos seus fun dam entos é, com efeito, tra ir a vocação d o intelectu al. É por isso que a defesa do livro Os versos satânicos, de Salman Rushdie, tem sido u m a qu estão tão centr al, tan to em si p róp ria como n o interesse de qualquer violação contra o direito de expressão de jornalistas, romancistas, ensaístas, poetas, historiadores. E e ss a n ã o é a p e n a s u m a q u e s t ã o p a r a o m u n d o i s l âm i co , m a s 92
também para o m un do ju d eu e cristão. N ão se pod e ped ir liberdade de expressão d e m od o ofensivo em u m terr itório e ign orála em ou tro. Pois, de u m lado, nã o pod e haver debate com au tor idades que clam am o d ireito secular de defend er um d ecreto d ivino; de ou tro, a bu sca do debate árd uo é o centro d a atividad e, o verdadeiro palco e contexto on d e atu am os intelectu ais seculares. Mas estamos de volta ao po nto de partida: que verdad e e p rin cí p ios devem ser defendidos, apoiad os, representad os? Essa nã o é um a questão de Pôncio Pilatos, u m m od o d e lavar as mãos nu m caso d ifícil, m as o com eço necessário de u m a visão geral sobre o lugar e o pap el d o in telectua l de ho je, cercad o d e cam p os m inad os, traiçoeiros e desconhecidos. Consid eremos como p onto de partida a qu estão, extrem am ente p olêmica hoje em dia, d a objetividad e, ou da exatidão, ou dos fatos. Em 1988 o historiador am ericano Peter Novick p u blicou um livro volum oso cujo título d ram atiza esse dilema com eficiência. Chamase That noble dream [Aquele sonho n obre], com o sub título The “objectiv ity question” and the A merican hist orical profession [A “qu estão da objetividad e” e o historiad or am ericano]. A p art ir de d ocum entos baseados em u m sécu lo de atividades histor iográ fi cas nos Estados Unidos, Novick mostrou com o a essência da investigação histórica— o ideal de objetividad e, p or m eio do qual o historiador tem a oportunidad e de apresentar os fatos da m an eira mais realista e acurad a possível — aos pou cos evoluiu p ara u m atoleiro de argu mentos e contraargum entos rivais, todos eles reduzindo a um m ínim o qualquer ilusão (ou nem isso) de concordâ ncia por parte dos historiadores sobre o que era a objetividade. Em tem po de guerra, a objetividad e teve que p restar serviço com o sendo “nossa” verdade, isto é, a verdade am ericana o p o s t a à verdade fascista alemã; em tem p o de paz, na forma da verdad e objetiva de c a d a grupo rival— mulheres, a f r o - a m e r i c a n o s , a s i á t i c o a m e r i c a n o s , h o m o s s e x u a i s , b r a n c o s et c. — e d e ca d a e s co l a ( m a r -
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xista, do establishment, desconstrucionista, cultural). Depois de t a n t a c o n v e r s a o c io s a s o b r e s i st e m a s d e c o n h e c im e n t o , N o v ick pergu nta se é possível haver algum a convergência sobre a questão, conclu indo, em tom somb rio, que a disciplina de história, enquanto uma extensa comunidade de discurso, uma comunidade de eruditos, unidos por finalidades comuns, padrões comuns e propósitos comuns, deixou de existir [...] O professor [de história] passou a ser descrito tal como no último verSo do Livro dos Juizes: ‘Naquele tempo não havia rei em Israel; cada qual fazia o que parecesse justo a seus olhos’ Com o m encionei na minh a últim a conferência, um a das p rincipais atividad es do intelectual do sécu lo XX tem sido qu estionar, para n ão d izer subverter, o p od er da au torid ad e. Assim, contribu ind o com os achad os de Novick, deveríam os dizer que não som ente desapareceu um consenso sobre o que constitu ía a realidade objetiva, como também muitas autoridades tradicionais, incluind o Deus, foram em grand e parte varridas d o cam inh o. Houv e até um a influen te escola de filósofos, em q u e se destaca Michel Foucault, que d izem qu e falar d e um au tor qu al qu er (p or exemp lo, “o au tor d os p oem as de Milton’) é um a afirm ação tend enciosa, para não dizer ideológica. Diante dessa investida formid ável, retroced er a u m a atitud e de imp otência, de mãos amar rad as, ou à reafirmação imp erativa de valores trad icionais, tal como faz o m ovim ento global neocon servador, não vai adiantar. Penso que se pod e afirm ar que a crítica da objetividad e e da autoridad e pr estou realmente u m serviço positivo ao sublinhar com o, no m u nd o secular, os seres hu m anos constro em suas verdades e que, p or exemp lo, a pretensa verdade objetiva da superioridad e do hom em bran co, constru íd a e m an tida pelos clássicos im périos colon iais da Europ a, tam bém se es 94
corou na su jeição violenta dos povos african os e asiáticos, qu e, sem dú vida, luta ram contra essa “verdad e” específica a eles imp osta , a fim de instituírem sua próp ria ordem ind epend ente. E, p or isso, tod os agora se apresentam com novas visões do m u n d o e, m u itas vezes, violentam ente op ostas: ou vem se d iscu ssões in find áveis sobre os valores ju d aicocristáos, os valores p róp rios d a África, as verdad es mu çu lmanas, as verdades orientais, as verdades o cid en tais, cada u m a dessas visões apresentando u m p rogra m a com p leto par a excluir todas as outras. Por tod a pa rte, a intolerâ n cia e o d og m atism o estridente são hoje de tal ordem que n enh u m sistema é capaz de lidar co m eles. O resultado é um a ausência quase com p leta de valores u n iversais, aind a qu e mu itas vezes a retórica sugira, p or exem p lo, que “nossos” valores (qu aisqu er que sejam ) são, de fato, un iversais. Um a das mais vergonhosas man obras in telectuais consiste em p ontificar sobre os abusos na cultura d o ou tro e d esculpar exatam ente as m esm as p ráticas na sua pr óp ria. Para m im , o exem p lo clássico dessa atitud e é fornecido pelo brilhan te intelectu al francês do século xix Alexis de Tocqueville, que p ara m u itos d e nós, ed u cad os par a acred itar nos valores liberais clássicos e d em ocrá ticos do Ocid ente, ilustrou esses valores quase ao p é d a letra. Após escrever seu estud o sobre a d em ocracia nos Estad os Un idos, e tend o criticad o os mau stratos infligidos a índ ios e escravos neg ros p elos am erican os, Tocqueville teve de lid ar m ais tard e com as políticas coloniais francesas na Argélia no final d a décad a de 1830 e na d écada de 1840, qu and o, sob o coman d o d o m arechal Bu geau d , o Exército francês de ocu pação prom oveu u m a gu erra selvagem d e p acificação contr a os m u çulm an os argelinos. De rep en te, à m e ., dida qu e se lê o que Tocqueville fala sobre a Argélia, as m esm as n or i • mas com as quais ele tinha contestado com tan to h u m an ism o o crime am ericano são silenciadas para as ações francesas. N ão qu e ele não enu mere razões: ele o faz, mas são ju stificativas p ou co con 95
vin centes, cuja finalidad e é autorizar o colon ialismo francês em no m e d o qu e ele cham a de orgulho nacional. Os massacres não o comov em ; m u çulm an os, diz ele, p ertencem a u m a religião inferior e devem ser d isciplinad os. Em resum o, o ap arente universalismo de sua lingu agem e m relação à Am érica é deliberadam ente negad o qu an d o ap licad o ao seu p róp rio país, m esmo q uan do esse país, a França, realiza políticas igualmente d esum anas.2 Entretan to, devese acrescentar qu e Tocqueville (e Joh n Stu art M ill, cujas idéias notáveis sobre as liberdad es dem ocráticas n a Inglaterr a, dizia ele, n ão se ap licavam à ín d ia) viveu nu m a época em qu e as idéias de um a n orm a universal de cond uta internacional significavam , na realid ad e, o d ireito d o pod er europ eu e das representações europ éias d e influ enciar e de d om inar ou tros povos, tão insignificantes e secu nd ários pareciam os povos não bran cos do m u nd o. Além d isso, de acord o com os pen sadores ocidentais do sécu lo xix, nã o havia povos independ entes africano s ou asiáticos su ficientem ente im p ortan tes para desafiar a brutalidad e dra conian a d as leis ap licadas u nilatera lmen te pelos exércitos coloniais às raças negra ou mestiça. Seu destino era serem governados. Fran tz Fan on , Aimé Césaire e C. L. R. Jam es— para m encionar três grand es in telectu ais negr os an tiim perialistas — só viveram e es creveram n o século XX; assim, o que eles e os mov imen tos de liber tação de que p articip ara m conseguiram cultural e politicam ente, estabelecendo o d ireito d os povos colonizad os a igual tratam ento, não era acessível a Tocqueville ou Mill. Mas essas mudanças de perspectiva estão disponíveis aos intelectuais contemporâneos, que, com pouca freqüência, chegam à conclusão inevitável: se qu iserm os d efend er os p rincíp ios básicos da ju stiça h um ana, devemos fazêlo para tod os, não ap enas seletivam ente para nosso povo, nossa cultu ra e n ossa nação. Assim, ojproblema fundamental é como reconciliar nossa p róp ria iden tid ad e e as realidad es da nossa pr óp ria cultura, socie 96
dade e história com outras identidades, culturas e povos. Isso nu nca pode ser feito a firman d ose sim p lesmen te a p referência pelo qu e já é n osso: discur sos u fanistas sobre as glórias da “nossa” cultura ou os triu nfos d a “nossa” histór ia não são d ignos d a energia d o intelectual, especialm ente no s dias de ho je, qu an d o tan tas sociedad es são com p ostas d e d iferentes raças e histór ias, de m od o a resistirem a qu alquer fórm u la red u cionista. Com o ten tei m ostrar aqu i, a esfera pú blica na qu al os intelectuais fazem suas rep resentações é extrema m ente com p lexa e encerra asp ectos pou co confortáveis, mas o significado de u m a interv enção efetiva nesse d om ínio deve resid ir n a convicção inabalável d o intelectu al nu m conceito d e ju stiça e n o respeito à igu aldad e de d ireitos qu e ad m itam as diferenças entre nações e indivíduos, sem, ao mesmo tem p o, atribu irlh es hiera rq u ias, p referências e avaliações d issi mu ladas. Todo m un d o h oje p rofessa u m a lingu agem liberal de igualdade e har m onia para tod os. O p roblem a para o intelectua l é fazer com que essas noções se relacionem com situ ações concretas, em qu e existe um a enorm e distância entre o d iscurso d e igualdade e ju stiça e a realidad e be m m enos ed ificante. Isso é dem onstrad o facilmen te nas r elações in tern acion ais, daí o m otivo de têlas en fatizad o ta n to nestas conferências. Dois exemp los recentes ilustram o q u e ténh o em m ente. Logo depois da invasão ilegal do Kuwait pelo Iraqu e, a d iscussão pú blica no O cidente enfocou, com toda a razão, essa agressão inaceitável que, com extrema bru talid ad e, tento u elim inar a existência d o Kuwait. E ao ficar claro qu e a in tenção am erican a era, d e fato, usar a força m ilitar contra o Iraqu e, a retórica pú blica encora jou processos na ONU q u e assegurassem a aprovação de resoluções, baseadas na Carta d as N ações Unidas, exigind o san ções e o p ossível uso d e força contra o Iraqu e. Dos p ou cos intelectu ais que se opu seram tan to à invasão p o r p a r t e d o I ra q u e co m o a o p o s te r io r u s o da força, sobretud o americana, na Op eração Temp estade n o Deserto, n e97
nhum, pelo que sei, citou qualquer evidência ou tez realmente
nhum, pelo que sei, citou qualquer evidência ou tez realmente qu alquer tentativa de desculpar o Iraqu e pela sua invasão. Mas o que se observou corretam ente na ép oca foi com o o caso am ericano contra o Iraque se tom ou consid eravelm ente enfraquecido quando a administração Bush, com seu enorme poder, pressionou a o n u para a guerra, ignorand o as nu merosas p ossibilidades de negociar uma inversão da ocupação antes de 15 de jan eiro, quan do começou a contr aofensiva, e se recusou a discutir outras resoluções da o n u sobre outras ocupacões ilegais e invasões de território que tinha m envolvido os próp rios Estados Unidos ou alguns d os seus aliad os pr óximos. É claro que a verdadeira questão n o Golfo, no que diz respeito aos Estados Unidos era o petr óleo e o p oder estratégico, nã o os prin cíp ios declarados pela adm inistração Bush; mas o qu e com pr om eteu a discussão intelectu al pelo país afora, nas suas reiterações sobre a ina d m issibilidad e de ocup ar un ilateralmen te um terr itório p ela força, foi a ausência da aplicação universal da idéia. O qu e nu nca p areceu relevante para muitos intelectuais americanos que apoiaram a guerra foi que os pr óprios Estados Un idos tinham m uito r ecentem ente invadido e p or um certo temp o ocup ad o o soberano Estado do Panam á. Qu er d izer, se alguém criticasse o Iraqu e, não seria ju sto qu e os Estamos Unid os m erecessem a m esm a crítica? Mas nã o: os “nossos” m otivos eram sup eriores, Saddam era u m Hitler. enqu anto “nós” éramos m ovidos p or m otivos altamente altruístas e desinteressados, e po r isso essa era u m a gu erra justa. Ou considerese a invasão do Afeganistão pela União Soviética, igualm ente errad a e igualm ente condenáv el. Mas aliad o; dos Estados Unidos, com o Israel e Turqu ia, tinh am ocup ad o territórios ilegalmente a ntes de os ru ssos entra rem n o Afeganistão. De m od o sim ilar, ou tro aliado dos Estados Unidos, a Ind onésia, massacrou literalmente centenas d e milhares d e timoren ses nu m a invasão ilegal em meados da d écad a de 1970; há evidências de que
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os Estad os Unidos sabiam e ap oiaram os ho rror es da guerra no Tim or Leste, mas pou cos intelectu ais nos Estados Un idos, ocup ados, com o sempre, com os crim es d a União Soviética, se m an ifestaram sobre isso .3 E, assom an d o no passado, nos vem à m ente a grande invasão americana da Indochina, resultando em total d estru ição, in fligid a de m od o avassalador em p equ enas sociedad es, p rincip alm ente camp onesas. O p rincíp io aqui parece ter sido qu e exp erts da p olítica exter ior e m ilitar d eviam focar sua atenção em gan har um a guerra contra a ou tra sup erpotência e seus representan tes no Vietnã ou Afeganistão, e nossos p róp rios crimes que se d an em . Práticas com o essas são os resultados d a realpolitik. Certam ente são, mas m inh a qu estão é se, para o intelectu al contem p orân eo, vivendo n u m a ép oca já confusa pelo desapareci m ento do qu e p arecem ter sid o norm as m orais objetivas e aut oridade sensível, é aceitável ap oiar simp lesm ente, ou m esm o cegam ente, o com p ortam ento d e seu p róp rio país e fechar os olhos aos seus crimes, ou dizer com basta nte n egligência: “Penso qu e todos fazem isso, e é assim qu e o m u nd o fu nciona ”. Ao con trário, o que devemos ser capazes de dizer é qu e os intelectu ais não são profissionais desnatu rad os pela subserviên cia a u m p od er cheio de falhas, mas — repetind o — são intelectuais com um a posição alternativa e m ais íntegra, qu e lhes p erm ite, de fato, falar a verdad e ao poder. Com isso, nã o p retend o fazer serm ões trovejantes ao estilo do Antigo Testamento, declarand o que todos são pecad ores e basicam ente m aus. O que quero dizer é algo mu ito m ais mod esto e m uito m ais efica£ Falar de consistên cia na d efesa de pad rões de cond uta intern acion al e no ap oio aos direitos hu m ano s não significa pr ocurar interiorm ente u m a luz orientad ora fornecid a p ela insp i ração o u in tu ição p rofética. A m aioria d os países, se nã o tod os, no m u n d o são signatários da Declaração Universal dos Direitos H u m an os, ad otada e p roclam ad a em 1948, reafirmad a por cad a novo 99
Estadomem bro da o n u . Há igualmente convenções solenes sobre no rm as d e guerra, tratam ento de prisioneiros, direitos dos traba lhadores, mulheres, crianças, imigrantes e refugiados. Nenhum d esses d ocum ento s diz alguma coisa sobre raças ou povos desqualificados ou menos iguais. Todos têm direito às mesmas liberd ades.4É claro qu e esses direitos são violados d iariam ente, com o o recente genocíd io na Bósnia o testem u nh ou . Para um fun cion ário d o governo am ericano, ou egípcio, ou chinês, esses direitos são vistos, no m áxim o, “de um a form a prática”. Mas essas são as norm as d o pod er, que, precisamente, não são as do intelectu al, cujo papel consiste em , pelo menos, aplicar os m esmos p ad rões e norm as de cond u ta, agora já aceitos coletivam ente no p apel p or tod a a com un id ad e internacional. É claro que cada pessoa lida com questões de patriotismo e leald ad e em relação ao seu próp rio povo. E é claro que o intelectu al não é um mero au tômato, professando com veem ência para todo mundo leis e regras matematicamente maquinadas. E é claro que o m ed o e as lim itações norm ais de temp o, atenção e capacidad e de qu em é apenas um a voz individu al operam com eficiência assom brosa. Mas, em bora estejamos certos em lam entar o desa pa reci m ento de u m consenso sobre o que constitui a objetividad e, não estamos completamente ao sabor de uma subjetividade auto ind u lgente. Refu giarmonos nu m a profissão ou n acionalidad e, com o eu disse antes, é apenas isso: um escape; nã o é u m a resposta aos agu ilhões que todos nós recebemos ao ler os jorn ais de man hã. N inguém pod e falar abertamente e o temp o todo sobre todas as questões. Penso, no entanto, qu e um dever especial do intelectual é criticar os pod eres constituídos e au torizados da n ossa sociedade, que são responsáveis pelos seus cidadãos, particularmente qu and o esses poderes são exercidos nu ma guerra m anifestam ente d esprop orcional e imoral, ou então em p rograma s d eliberados de discriminação, repressão e crueldade coletiva. Como assinalei na 100
m inh a segund a conferência, todos nós vivemos d entro de fron teiras na cion ais, falam os língu as na cionais, usam os língu as n acionais, d irigimonos (na m aior parte do temp o) a comu nidades na cion ais. Para u m int electual que vive na América., há u m a realidad e qu e deve ser encarad a: nosso p aís é, antes de tud o, u m a sociedad e d e im igran tes extrem am ente d iversificada, com recur sos e realiza ções fantásticos, m as en cerra também um conju n to terrível de iniqü idad es intern as e intervenções externas que não p od em ser ignorad as. Apesar d e eu n ão pod er falar pelos intelectuais de o u tros lugares, certam ente a qu estão básica perm anece pertinente, com a diferença de qu e em outros países o Estado não é um pod er global com o é no s Estad os Unidos. Em todas essas instâncias, o significado intelectual de uma situação é alcançado quando se comparam os fatos conhecidos e dispon íveis com u m a nor m a, tam bém conhecida e acessível. Não é um a tarefa fácil, pois é preciso ter acesso a um conju nto de d ocumentação, pesquisas e investigações com o objetivo de ir além do m od o u sualm ente gradativo, fragmen tário e necessariamente falho com o a inform ação é apresentada. Mas, na m aioria dos casos, é possível, acredito, avaliar se de fato um massacre foi cometido , ou se u m a m an ipu lação ou u m disfarce oficial foi realizado. O p rim eiro imp erativo é descobrir o que ocorreu e d epois por qu e, não com o eventos isolad os, mas como parte de um a história a ser desvendada, cujos contornos vastos incluem a própria nação como p ar ticipa n te. A in coerê n cia d o m odelo de análise das p olíticas externas realizad o p or apologistas, estrategistas e planejad ores está no fato de se con centr ar n os outros como objetos de uma situa ção, raram ente no “nosso” envolvimento e no qu e ele forjou. Ain da m ais rar am ente esse pad rão de análise é comp arad o a uma n or ma m oral. O objetivo de falar a verdade, sobretud o nu m a sociedad e ma ssificad a e tão b u rocratizad a como a nossa, é fazer u ma análise 101
mais pr ofun d a d o estado d e coisas, relacion an d oa com m ais rigor a uni con ju n to d e prin cíp ios m orais — paz, reconciliação, d im inuição do sofrimento — e aplicada aos fatos conhecidos. Isso foi chamad o de abdução pelo filósofo pragmatista americano C. S. Peirce e tem sido usado efetivamente pelo celebrado intelectual contemp orâneo Noam Chomsky .5 Sem d úvida, qu and o escrevem os e falamos, o objetivo n ão é m ostra r a tod o m un d o que esta !m os certos, mas antes tentar ind u zir um a m u d ança no clima m o ral, em qu e a agressão seja vista com o tal, a pu n ição inju sta de povos ou indivídu os seja preven id a ou evitada, o reconh ecim ento de liberdades e direitos democráticos seja estabelecido como nor m a p ara todos e não inju stamente, para um pu nhad o de elei tos. Entr etan to, é p reciso ad m itir qu e esses objetivos são idealistas e freq ü entem ente irrealizáveis; e, n u m certo sentid o, são menos r elevantes pa ra m eu tem a aq u i do qu e a atuação de cada intelectual, com o ven ho d izendo, cuja tend ência, na m aior p arte das vezes, é retrairse ou sim p lesmen te conform arse. Na m inh a visão, nad a é m ais repreensível do qu e certos h ábitos de pen sam ento do intelectu al que ind uzem à abstenção, àqu ele d esvio tão característico de um a posição d ifícil e embasada em p rincípios, que se sabe ser a correta m as que se decide n ão to m ar. Você nã o q u er p arecer m u ito p olítico; você tem m edo de pa recer controv erso; você pr ecisa d a aprovação d e um chefe ou de u m a figu ra de autoridad e; você quer m anter u m a reputação de pessoa equ ilibrad a, objetiva, mod erad a; sua esperança é torn ar a ser convid ad o, consu ltad o, ser m em bro de u m conselho, comissão ou com itê d e pr estígio, e assim continu ar vinculad o à esfera do mainstream ; algu m d ia você espera conseguir u m grau h onor ífico, um grand e prêm io, talvez até u m a embaixad a. Para um intelectu al esses háb itos de pensam ento são corru p tores par excellertce. Se algu m a coisa pod e d esfigurar, neutralizar e, finalm ente, m atar u m a vida intelectua l apaixonad a é a interio 102
rização de tais hábitos. Pessoalm ente, eu me deparei com eles em um a das mais difíceis qu estões cont em p orâ nea s, a da Palestina, onde o medo de falar abertamente sobre uma das maiores injustiças da história moderna amarrou, cegou e amordaçou muitos que conh ecem a verdade e estão em posição de defend êla. Isso porque, apesar das ameaças e da difamação que qualquer d efensor sincero d os direitos e da au tod eterm inação p alestin os traz para si, a verdade m erece ser d ita e representada por u m in telectual sem medo e compassivo. Isso se tornou ainda mais verdad eiro à luz do resultado d a Declara ção de Pr incípios de O slo, assinada em I3d e setembr o de 1993, entre a OLPe Israel. A gran de euforia gerada por esse avanço extrem am ente limitad o ob scure ceu o fato de que, longe de gar antir os direitos p alestinos, o d ocu m ento, com efeito, garantia o pr olongam ento do contro le israelense sobre os terr itórios ocu pad os. Criticar tal fato significava, na verdade, tom ar u m a posição con tra a “esperan ça” e a “paz ”.6 E, para finalizar, u m a palavra sobre o m od o de interven ção intelectual. O intelectu al não sobe nu m a m onta nh a ou nu m p ú lpito e declama das alturas. É óbvio que qu erem os ap resentar n osso trabalho onde ele possa ser mais bem ouvido; e tam bém qu eremos vêlo representado d e man eira a influenciar u m p rocesso con tínu o e real, p or exemplo, a causa da p az e da ju stiça. Sim , a voz d o in telectual é solitária, mas tem resson ância só p orqu e ela se associa livremente à realid ad e de u m m ovim en to, às asp irações de um povo, à busca com um de um ideal partilhad o. O op ortu nism o imp õe que, no Ocidente, mu ito receptivo a críticas em larga escala, p or exemplo, ao terror ou à im od eração palestinos, você os d enu n cie vigorosamente e d epois continu e a elogiar a d em ocracia israelense. Nesse m om ento você tem de d izer algo bom sobre a paz. É claro que a responsabilidade intelectual manda que sejam ditas todas essas coisas aos palestinos, mas tam bém qu e a declaração d e seu posicion am ento sobre essa qu estão seja feita em Nova York, 103
Paris ou Lon d res, lugares on d e ela p od e sur tir mais efeito, p rom ovend o a id éia d a liberd ad e p alestin a e a libertação do terror e do ex trem ismo d e todos os env olvid os n o conflito, não ap enas da parte mais fraca e mais facilmen te intim id ad a. Falar a verd ad e ao p od er não é id ealism o panglossiano: é pe i sar cu idad osam ente as alternativas, escolher a certa e então repre sentála d e m an eira inteligente, ond e possa fazer o m aior bem e causar a m u d an ça correta.
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6 . Deuses qu e sem p re falh am
Ele era um in telectual iran iano no tavelmen te eloqü ente e carismático a qu em fui apresentad o n o Ocid ente em 1978. Escritor e professor talentoso e cu lto, teve um pap el significativo na d ivulgação do que era o sistema im po pu lar do xá e, mais tarde, naqu ele ano, das novas figuras qu e logo tom ariam o pod er em Teerã. Naqu ela época, ele se referia com resp eito ao imã Khom ei n i e cm p ou co temp o se torn aria associad o aos hom ens relativamente jovens d o círculo de pod er do aiatolá, ho m en s com o Abolhassan Ban i Sadr e Sadek Ghotbzadeh, que, obviamente, eram muçulmanos, mas não islâmicos militantes. Algumas seman as após a revolução islâmica do Irã ter co n solidado o pod er dentro d o país, m eu conh ecido (qu e tin ha v ol tad o ao Irã para a in stalação do n ovo govern o) regressou ao O cidente como embaixad or nu m centro m etropolitano im p ortante. Lem brom e de ter assistid o e p articipad o com ele de debates sobre o Oriente Médio depois d a queda d o xá. Eu o vi du rante a ép oca da longa crise dos reféns, com o foi cha m ad a n a Am érica, e ele h abitualmente expressava angú stia e até raiva em relação aos d elin10 5
qüentes que tinham p lanejad o a invasão da embaixada am ericana e a conseqüente d etenção de cinq ü en ta ou m ais civis como reféns. A impressão inequívoca que tive dele foi a de um h om em decente que se com pr ometera com a nova ordem , a pon to de d efendêla e mesmo servila como leal emissário no exterior. Eu o conhecia com o um m uçulman o praticante, mas de mod o algum um fanático. Era habilidoso em recha çar o ceticism o e os ataqu es ao governo de seu país; agia, assim, com convicção e discernimento aprop riados, pensei, mas sem d eixar dú vidas a ninguém — n ão a m im certam ente — de que, em bora discordasse de alguns de seus colegas no governo iraniano e visse as coisas naquele nível como um fluxo contínu o, o imã Kho m eini era e devia ser a autoridad e no Irã. Era tão leal que, certa vez em Beiru te, dissem e qu e tinh a se recusado a apertar a mão de um líder palestino (isso ocorrera quando a OLP e a revolução islâmica era m aliadas) porq u e esse dirigente “tinha criticad o o im ã”. Penso qu e foi alguns meses an tes d a libertação d os reféns, no começo de 1981, que ele renunciou ao cargo de embaixador e voltou ao Irã, dessa vez com o conselh eiro esp ecial do presidente Ban iSad r. Entretan to, as linh as an tagônicas entre o p residente e o im ã já estavam bem delineada s e, claro, o p residente p erdeu . Logo após ter sido despedido ou d eposto p or Kho m eini, Ban iSad r foi par a o exílio, e meu amigo fez o m esm o, apesar de ter enfrentad o grandes d ificuldades pa ra sair d o Irã. Mais ou m enos u m ano dep ois, ele havia se torn ad o u m crítico feroz do Irã d e Khomeini, atacand o o governo e o hom em que ele havia servido, critican d o os pu blicamen te nas mesmas tribu na s em Nova York e Londres, ond e antes os tinh a d efendido. No entan to, ele não perd era o senso crítico quan to ao papel d esemp enha do p elo governo americano e falava de m odo consistente sobre o imp erialismo dos Estados Unidos: suas lembran ças m ais antigas do regim e do xá e do apoio am ericano tinham deixado m arcas profund as em sua mem ória. 106
Por isso, senti u m a tristeza ainda m aior qu and o, alguns m eses após a Guerra d o Golfo, em 1991, eu o ouvi falar sobre o assun to, dessa vez com o d efensor da guerra am ericana cont ra o Ira qu e. À semelhança de certos intelectu ais eur op eus de esquerd a, declarou que, nu m conflito entre im p erialismo e fascismo, deviase sem p re optar pelo imp erialismo. Fiqu ei su rpreso ao constatar qu e n enhu m dos form u ladores desse, a meu ver, d esnecessário e red u tor par de escolhas entend era qu e teria sido basta nte possível e m esm o desejável, p or razões in telectu ais e p olíticas, rejeitar tan to o fascismo qu anto o im perialism o. De qualquer m odo, essa pequ ena h istória contém u m dos dilemas enfrentados pelo intelectual contemporâneo, cujo interesse no que tenh o cha m ad o de esfera pú blica não seja m er amente teórico ou acadêm ico, mas que envolva tam bém u m a p articipação d ireta. Até ond e o intelectua l deve se envolver? Dev eria filiarse a u m p artido, servir a u m a idéia con cretizad a em p rocessos p olíticos reais, per sonalidad es e em p regos, tor n an d ose assim um verdadeiro crente? Ou, p or ou tro lado, há algum m od o m ais d iscreto — mas não m enos sério e envolvido — de abr açar u m a causa sem sofrer a do r de u m a po sterior tr aição e d esilusão? Até que pon to a lealdad e a um a causa leva algu ém a ser consisten te m ente fiel a ela? É possível defend er idéias d e m an eira in d ep en dente e, ao mesm o tem p o, n ão enfrentar a agonia da retrata ção e da confissão p úblicas? Não é totalmen te coincidência qu e a história d a p eregrinação do meu amigo iran iano para d entro e dep ois para fora d a teocra cia islâm ica seja a histór ia de um a conv ersão qu ase religiosa, seguida do que parece ser um a reversão m u ito d ram ática n a cren ça e u m a contraconversão. Pois, quer o tenh a visto com o u m ad vogado da revolução islâm ica e p osteriorm ente com o u m sold ad o intelectu al em suas fileiras, qu er com o u m crítico d eclara d o, que aband onara as idéias dessa revolução com u m a rejeição q u ase r e107
pu gn ante, eu nu nca du videi da sincerid ad e do m eu amigo. Ele era tão convincente no pr im eiro quanto n o segundo p ap el— apai xonad o, fluente, notavelmente eficaz com o d ebatedor. N ão vou fingir que fui um observador imp arcial ou d istanciado d a provação do m eu amigo. Com o d efensores do n acion alismo p alestino du rante os anos 70, ap oiamos u m a causa comu m contr a a grave interferência d os Estados U nid os, qu e, segund o nosso m od o de pensar, sustentou o xá e aplacou e apoiou Israel in justa e anacron icam ente. N ós dois vim os nossos povos como vítimas de políticas cru elmen te insensíveis: repressão, expr op riação e em p obrecimento. Estávamos ambos no exílio, em bor a deva confessar que àq uela época eu tinha m e resignad o a ser u m exilado para o resto da vida. Quand o o grupo do meu am igo ganhou , por assim dizer, fiquei radiante e não apenas p orqu e ele poderia finalm ente voltar p ara casa. Desde a derrota árabe d e 1967, o sucesso da revolução iran iana — que, feita por u m a imp rovável aliança do clero com o povo, confun d iu p or comp leto até os mais sofisticad os especialistas marxistas do Oriente Mé d io— foi o prim eiro grande golpe na hegem onia ocid ental n a região. Nós d ois vim os isso com o um a vitória. Ainda a ssim , talvez p or eu ser um intelectua l secu lar estu pid am ente teim oso, nu nca m e deixei levar pela figura d e Khom eini, mesmo antes de ter revelado sua personalidade tenebrosam ente tirânica e intran sigente como governan te suprem o. Não sendo por natureza um membro de grupos ou de um partido, nu nca m e filiei forma lmen te p ara servir a algum deles. Por certo já tinh a me acostu m ad o a ser p eriférico, a estar fora do círcu lo do pod er e, talvez por não ter talento para obter u m a p osição d entro desse círculo encantado, racionalizei as virtudes de agir como alguém que está de fora, um outsider. Nunca consegui acreditar inteira m ente nos hom ens e mulheres — pois é isso que são afinal, apenas hom ens e m ulheres — que coman da vam forças, dirigiam 108
partidos e países e exerciam u m a au torid ad e po r p rincíp io incon testável. A veneração a her óis e até a p róp ria n oção d e hero ísmo, quan d o aplicada à m aioria dos líderes políticos, semp re m e d ei xaram ind iferente. Enqu anto observava meu amigo ju n tar se a u m dos lad os, em seguida aba n d on álo, e dep ois realinh ar se, geralm ente com grand es cerimô nias de adesão e rejeição (tal com o d esistir do seu passap orte ociden tal e dep ois recu p erá lo), fiqu ei estranh am ente satisfeito p or ser um palestino com cid ad ania am ericana, provavelmente o ú nico destino para o resto da m inh a vida, sem alternativas mais atraentes d e acom od ação. Por catorze anos fui m em bro ind epend ente do Parlam ento palestino no exílio, o Conselho Nacional Palestino, cujo número total de encontros, se é que p articipei de tod os, som ou m ais ou m enos uma semana. Perman ecer no conselho foi um ato dc soli dariedad e e tam bém de desafio, po rqu e percebi que n o O cid ente era sim bolicamente imp ortante u m a pessoa exporse como um palestino, alguém qu e se associava p u blicam ente à luta para r esistir às políticas israelenses e par a consegu ir a au tod eterm inação da Palestina. Recusei todas as ofertas qu e m e fizeram p ara ocup ar p osições oficiais; nu nca m e ju n tei a nen hu m p artid o ou facção. Quan do, du rante o terceiro an o da intifad a, fiqu ei tran storn ad o com as políticas oficiais palestinas n os Estados Unidos, divulguei amp lamente minhas opiniões nos fóru ns árabes. N u nca aban d onei a luta nem obviamen te me liguei ao lado israelense ou am ericano, recusan d om e a colabora r com os pod eres que aind a vejo como os principais responsáveis pelo sofrimento do nosso povo. Igu almen te, nu nca end ossei as p olíticas d e países árab es, ta m pou co aceitei seus convites oficiais. Sintome totalm ente prep arad o para adm itir qu e essas p osições, talvez contestatárias d emais, são extensões d a con d ição, im possível na essência e geralmente desfavorável, de ser palestino: não tem os soberania territorial, tem os apenas dim inu tas vitórias e 109
um lugar m uito restrito p ara celebrálas. Talvez essa seja tam bém a razão da m inha falta de vontad e de ir tão longe qu anto foram mu itos outros ao se com pro m eterem p or inteiro com um a causa ou p artido, indo até o fim em term os de convicção e engajamento. ; Simp lesmen te não tenh o sido capaz de fazêlo, preferindo a dup la au tonom ia do ou tsider e do cético à qualidad e vagamente religiosa revelada pelo entusiasmo dos convertidos ou dos verdadeiros crentes. Descobri que esse sentido de distanciam ento crítico me foi útil (ainda não sei o quanto) depois que o acordo entre Israel e a oi.p foi anunciado, em agosto de 1993. Pareceume que a euforia induzida pelos meios de comunicação, sem falar das declarações oficiais de felicidad e e satisfação, mascarou uma dura realidad e: a de que a lideran ça da o l p tinha simp lesmente se rendido a Israel. Dizer tais coisas na época significava agruparse numa pequena minoria, mas eu senti que, por razões intelectuais e morais, isso tinha de ser feito. No entanto, as experiências iranianas a que me referi se prestam a um a comp aração d ireta com ou tros episódios de conversão e retrata ção p úblicas que m arcam a experiência in telectual no século xx; e são esses episódios, tanto no Ocidente quan to no Oriente Médio, mun d os que conh eço m elhor, que eu gostaria de considerar aqui. De início, não quero cometer equívocos ou me permitir demasiad a ambigüidad e: sou cont ra a conversão e a crença em qu alquer tipo de deu sp olítico. Considero esses dois comp ortam entos imp róp rios p ara o intelectual. Isso não significa qu e o intelectual deva perm anecer à beira d ’água, m olhan d o ocasionalm ente os pés, afastad o na m aior p arte d o tem p o. Tu do o qu e escrevi nes j tas conferências salienta a im p ortâ ncia, para o intelectual, do em ’ penh o fervoroso, do risco, da exposição, de um comp rom isso com ; p rincípios, da vu lnerabilidad e no d ebate e n o envolvimento em causas mu nd iais. Por exemplo, a diferença que d elineei entre o in telectual profissional e o am ad or reside precisamen te no fato de que 110
o p rim eiro alega d istan ciam ento com base na profissão e aparenta ser objetivo, enquanto o segund o não é m on d o n em p or recompensas n em pela realização de um plano d e carreira imediato, mas p or u m com p rom isso em p enhad o com idéias e valores na esfera p ú blica. Com o tem po, o intelectual n atu ralm ente se volta para o m u nd o político, em pa rte porqu e, ao contr ário da academ ia ou do laboratór io, esse m un do é anim ad o p or considerações de pod er e interesse que conduzem toda uma sociedade ou nação; como Marx disse de modo tão decisivo, tais considerações levam o intelectu al de questões d e interp retação relativam ente discretas a ou tras m uito, mais sign ificativas de m u d ança e transform ação sociais. Todo intelectual cu jo ofício seja art icu lar e rep resentar visões, idéias e ideologias específicas logicamente aspira fazer com que elas fu n cion em nu m a sociedad e. Não se pode e não se deve acreditar n o intelectual que afirm a escrever apenas p ara si m esmo ou em ben efício do p u ro aprend izado ou da ciência abstrata. Com o disse certa vez Jean Genet, um dos grandes escritores d o século xx: no m om en to em que algu ém pu blica ensaios nu m a sociedade, significa qu e ingressou n a vida política; p orta nto, quem não quiser ser p olítico nã o deve escrever ensaios nem falar pu blicamen te. A questão central no fenôm eno da conversão reside na adesão não ap enas no que diz respeito ao alinh am ento, mas tam bém à form a do trab alho e da colabor ação, em bor a se possa detestar esta ú ltim a palavra. Poucos fora m os exemplos desse tip o, n o Ocid ente em geral e nos Estados Unid os em par ticular, que consegu iram ser m ais desacreditad os e desagradáveis do qu e o ocorr ido na Gu erra Fria, qu and o legiões de intelectu ais se ju n tar am ao que foi consid erad o a batalha p elos corações e m entes das pessoas em tod o o^ m un do. Um livro m u ito famoso pu blicado por Rich ard Crossman em 1949, qu e sintetiza o asp ecto estranh am ente m aniqu eísta da Gu err a Fria intelectu al, intitu lase T hegod thatfatled [O deus que m
falho u ]; a frase e seu cun ho explicitam ente religioso sobreviveram para m uito além de qualquer m em ória do conteúd o d o livro, mas este merece aqui um br eve resum o. Concebid o como um testem u nh o da credu lidade de p roem inentes intelectuais ocid entais — Ign azio Silone, And ré Gide, Arthu r Koestler e Stephen Spender, entre ou tros — , o livro d eu voz a cada u m deles para conta r suas experiências de u m a viagem a Moscou, o inevitável desencant o qu e se seguiu e o poste rior reen contro d e um a fé não comu nista. Crossman conclui sua in tro d ução ao volum e dizendo em term os en faticam ente teológicos: “O Diabo u m a vez viveu n o Céu, e aqueles que n ão o en contra ram provavelmente não reconh ecerão um an jo quan do virem u m ”.1 Isso, é claro, não é apenas política, mas u m a p eça moral tam bém . A batalha pelo intelecto foi tran sform ad a nu m a batalha pela alma, com implicações que têm sido m uito nocivas para a vida intelectu al. Isso aconteceu certam ente na Un ião Soviética e seus satélites, onde os julgamentos simulados, os expurgos em massa e um gigantesco sistema p enitenciário exemp lificaram os horr ores das provações no outro lado da Cort ina de Ferro. No Ocid ente, m u itos dos antigos cam arad as foram várias vezes obrigados a fazer um a pen itência pú blica, o qu e era bastante inconveniente quan do envolvia celebridad es com o as reun idas em The god t hatfailed.e bem pior quando, particu larmente n o caso clam oroso dos Estados Unidos, induzia à histeria coletiva; e, para alguém como eu, que aind a m enino veio d o Orien te Méd io p ara os Estados Unidos nos anos 1950, quan d o o m acarthism o estava no auge, isso moldou uma intelectua lidad e cabeçad u ra, m istificad o ram ente ensimesmad a, até ho je obcecad a p or um a am eaça in terna e externa alu cinad am ente exagerada. Delineou se, então, u m a crise autoinduzida e desalentad ora, qu e significou o triun fo do m aniqueísm o imp ensado sobre a análise raciona l e a au tocrítica. 1X2
Carreiras inteiras foram constru ídas, não p or conta d o talento intelectu al, e sim baseadas em provas dos males do com u nism o, ou no arrep end imen to, ou na d enú ncia de amigos ou colegas, ou na colab ora ção, um a vez mais, com os inimigos de antigos amigos. Sistemas inteiros de discurso originaramse do anticomunismo, desde o sup osto pragm atism o d os adeptos da escola do fim da ideologia até sua herd eira de vida breve, surgida n os últimos anos: a escola d o fim da H istória. Longe d e ser u m a d efesa passiva da liberdad e, o an ticom u nism o organizado n os Estados Unidos levou , d e mod o agressivo, ao apoio dissimulad o p or p arte da c i a a gru p os que, sob certos aspectos, nad a tin ha m de excepcionais, com o o Congresso de Liberdade Cu ltur al — que estava envolvido não apenas na d istribuição m un dial do livro The god thatfailed, mas tam bém no su bsíd io a revistas com o Encountcr — c aind a na infiltração em sind icatos de trabalhadores, organizações estud antis, igrejas e universidades. É óbvio que mu itas das coisas bem sucedid as, feitas em n om e do an ticom u nism o, têm sido relatadas por seus d efensores com o um m ovimen to. No entan to, há outros aspectos menos ad m iráveis. Primeiro, a deterioração do debate intelectual aberto e da discussão cu ltura l vigorosa po r m eio de um sistema de pregação evang élico e, no fim das contas, irracion al, do tipo “faça desse jeito e não daqu ele”— o p rogenitor do “politicamente correto” de hoje — e, em segun do lugar, certas form as de autom u tilação em p ú blico q ue con tinu am até nossos dias. Esses dois p rocedim entos têm and ado lad o a lado com o hábito desprezível, ad otad o p or certos ind ivíd uos, de obter recomp ensas e privilégios de um grup o, apenas para d epois m ud ar de lado e ganhar recomp ensas de um novo p atrocinador. Por enq u an to, gostaria de sublinh ar a estética p articu larm ente desagradável da conversão po líticoideológica e da retr ata ção. O m od o com o, para o indivídu o envolvido, a ma nifestação 113
pú blica de anu ência e a subseqü ente apostasia produ zem um a espécie de narcisismo e de exibicionismo no intelectual que perdeu o con tato com as pessoas e com os processos que, sup ostamente, apóia. Já afirmei várias vezes nestas conferências que, idealmente, o intelectual representa a emancipação e o esclare cim ento . mas n u nca com o abstrações ou com o deuses insensíveis e distantes a serem servid os. As representações do in telectual — o que ele representa e com o essas idéias são apresentadas par a um a au d iência — estão semp re enlaçadas e devem perm anecer como parte orgân ica de u m a experiência contínu a da sociedad e: a dos pobres, dos desfavorecidos, dos semvoz, dos não representados, dos sem pod er. Estes são igualmen te concretos e perm anen tes; não podem sobreviver se forem transfigurados e depois congelados em credos, declarações religiosas ou m étodos p rofissionais. Tais tran sfigu rações rom p em a relação viva entre o intelec tual e o m ovim ento ou pro cesso do qual ele, ho m em ou m ulher, é um a parte. Além disso, há o perigo terrível de o intelectual pensar apena s em si m esm o, nos seus p ontos d e vista, na sua retidão e nas suas posições como sendo imperativos. Ler o testemunho inteiro de T hegod th atfailed é pa ra m im u m a coisa deprim ente. Convém fazer a segu inte per gu nta: p or qu e, afinal de contas, u m intelectual, sendo o qu e é, acred itou n u m deus? E, além d isso, qu em d eu a ele o d ireito d e pen sar qu e sua crença inicial e seu desencanto p osterior er am tão imp ortan tes? A crença religiosa, em si m esma, é para m im tão comp reensível com o profund am ente pessoal. Quando um sistema de todo dog m ático, em que u m lado é inocentemen te bom e o ou tro irred u tivelm ente mau , é substituído p elo processo, pelo d inam ism o d o inter câm bio vital, o intelectu al secular sente a indesejável e inap rop riad a invasão de um d om ínio sobre outro. A política tom ase u m entusiasmo religioso — como aconteceu recentem ente n a an tiga Iugoslávia — , resultando em limp eza étnica, 114
massacres em massa e conflitos intermináveis, horríveis de con-
massacres em massa e conflitos intermináveis, horríveis de contemplar. A ironia é qu e, com m u ita freqü ência, os exconv ertid os e os novos crentes são igualm ente intoleran tes, igualmente d ogm áticos e violentos. Nos últimos anos, infelizmente, a guinada da extrema esquerda para a extrema d ireita resultou nu m a ind ú stria tediosa que aparen ta ind epend ência e esclarecimento; m as, sobr etud o nos Estados Un idos, só espelhou a ascensão d o reaganismo e do thatcherismo. O ram o am erican o d essa m arca especial de au top rom oção deu a si mesmo o n om e de Second Thou ghts, da nd o a entend er que os prim eiros p ensamentos d u rante a agitada d écada de 1960 eram tão radicais quanto errados. Numa questão dé m eses, d u ran te o final dos anos 1980, o Second Thou gh ts p re tend eu tornarse um m ovimento, finan ciado por rios de dinheiro doad os p elo m ecenato d e direita, com o as fu nd ações Brad ley e Olin. Os emp resários em q u estão era m David Horow itz e Peter Collier, de cujas canetas fluiu uma torren te de livros, m uito p arecidos uns com os outro s, na sua m aioria revelações de antigos ra dicais que tinha m visto a luz de u m novo saber e se torn ara m , nas palavras de um deles, vigorosam ente p róam erican os e ant icom u nistas .2 Se os radicais da década de 1960, com suas polêmicas anti Vietn ãe “antiam erikana” (am ericano era sempre escrito com “k”), eram assertivos e dram áticos nas suas crenças, os adep tos do Second Thou ghts eram igu alm ente ru id osos e assertivos. O ú nico problema é que agora não havia, é claro, u m m u nd o comu nista, nenhu m imp ério do m al, em bora p arecesse não haver limites para o autoexpu rgo e para a recitação d evota de fórm ulas p enitentes sobre o passado. No entan to, no fun do, foi a passagem d e um deus para um n ovo deus que estava send o realm ente celebrada. O que outrora tinha sido um m ovim ento baseado, em parte, nu m id ealismo entusiasmado e numa insatisfação com o status quo foi 115
sim p lificado e rem od elad o retrospectivamente pelos adeptos do Second Tho u gh ts, torn an d ose algo mais do que aquilo que eles cham aram d e d esonra d iante dos inimigos dos Estados Unidos e u m a cegu eira crim inosa em face da brutalidad e com u nista.3 No m u n d o árabe, o corajoso nacionalismo pan arabista do p eríod o de Nasser, em bo ra às vezes id ealista e d estrutivo, d eclinou nos an os 1970 e foi su bstitu íd o p or um conjun to de crenças locais e regionais, na sua maioria administradas rispidamente por regim es m ino ritár ios im p op u lares e p ou co insp irados. Eles são agora am eaçados p or tod a u m a série de m ovimen tos islâmicos. No enta n to, con tinu a a existir em cada país árabe um a oposição cultu ral secular; os m ais talent osos escritores, artistas, com entad ores p olíticos e in telectu ais em geral fazem p arte d essa op osição, em bo ra constitu am u m a m inoria; m uitos têm sido acossados e subm etidos ao silêncio ou ao exílio. Um fenôm en o m ais nefasto é o pod er e a riqueza dos países ricos em p etróleo. Mu ito d a a tenção sensacionalista dos meios de com u n icação ocid enta is d ad a ao partido Baath d a Síria e do Iraque tend eu a fecha r os olho s à pressão silenciosa e insid iosa para o conformismo, exercida por governos que têm muito dinheiro para gastar com p ród igos p atr ocínio s oferecid os a acadêm icos, escritores e artistas. Essa pre ssão ficou p articularm ente em evidência du ran te a crise e a Gu erra d o G olfo. Antes da crise, o arabismo tinha sido su stentad o e d efend id o d e form a acrítica p or intelectuais p rogressistas qu e acred itavam estar prom ovend o a causa do nas serism o, o im p u lso an tiim p erialista e ind epend entista da Conferên cia de Ban d u n g e o m ov im en to d os países não alinhados. Logo após a ocu p ação d o Kuwait pelo Iraque, houve um realinhamento dramático de intelectuais. Departamentos inteiros da indústria ed itorial egíp cia, ju n to com m u itos jorn alistas, deram m eiavolta, volver. An tigos n acion alistas árab es começaram de repente a can i
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tar loas à Arábia Sau dita e ao Kuwait, inimigos od iados n o p assado, agora novos amigos e protetores. Provavelmente foram oferecidas recompensas lucrativas a fim de qu e a reviravolta acontecesse, mas os adeptos árabes do Second Thou ghts tam bém descobriram de repente seus sentimentos ap aixonad os pelo islã, além das virtud es singu lares de uma ou ou tra d inastia reinante no Golfo. Apenas um ou dois anos antes, muitas delas, incluind o os regim es do Golfo que subsidiaram Sadd am Hussein, patrocinaram peãs e festivais de louvação ao Iraque qu and o este lutava contra o an tigo inimigo do ara bismo, “os p ersas”. A lingu agem d aqu eles dias era a crítica, bom bástica, emotiva e exalava veneração de heróis e efusões quase religiosas. Quando a Arábia Saud ita conv idou George Bush e seu Exército a en trar no p aís, essas vozes se con verter am . Dessa vez, incor p or ar am um a rejeição formal e m u ito reiterada do n acionalismo árabe (que transformaram nu m verdad eiro p astiche), alim entada p or u m apoio nad a crítico aos governan tes de então. Para os intelectuais árabes, os pr oblemas ficara m ainda m ais complicados com a nova proeminência dos Estados Unidos, a m aior potência estrang eira h oje n o Or iente Médio. O que antes tinh a sido um antiam erican ism o au tomát ico e impensad o — d ogmático, cheio de clichês, ridiculam ente simplista — transform ou se nu m p róam erican ismo p or d ecreto. Em m uitos jorn ais e revistas do mu nd o árabe, mas especialm ente os notór ios por receberem subsídios do Golfo, a crítica aos Estad os Unidos d iminu iu de form a drástica e, às vezes, foi até eliminad a; isso foi acom p an ha d o pelas pr oibições habitu ais de críticas a um ou ou tro regime p raticamente endeusado. Uns p ou cos intelectu ais árabes d escobriram de repente u m novo pap el par a si m esmos n a Europ a e nos Estados Unidos. Tinham sido m ilitantes m arxistas, freqü entem ente trotskistas e defensores do m ovim ento palestino. Depois da revolução iran ia117
na, alguns se tornar am islâm icos. Qu an d o os deuses fugiram ou foram afastados, esses intelectua is se calaram , apesar de algu mas sondagens calculadas, aqui e ali, em busca dè novos deuses a qu em servir. Um deles, em p articu lar, hom em que tinh a sido u m trotskista fiel, mais tarde ab an d on ou a esquerd a e se m ud ou , como m u itos outros, para o Golfo, ond e passou a levar um a vida abastada t rabalhand o n o ram o da constru ção civil. Ele se reapre sentou u m pou co antes da crise do Go lfo e se torn ou u m crítico fervoroso de um certo governo árabe. N un ca pu blicou nad a usando seu p róp rio nom e, e sim u m a série de pseu d ônim os que protegiam sua identidade (e seus interesses); escarneceu de forma indiscriminad a e histérica a cultura ár abe com o u m tod o, com o objetivo de atra ir a atenção d os leitores ociden tais. Todo m un do sabe que é extrem am ente d ifícil tentar fazer alguma crítica à política dos Estados Unidos ou de Israel nos grandes meios de comunicação ocidentais; inversamente, dizer coisas hostis aos árabes como povo e com o cultura, ou ao islã com o religião, é risivelmen te fácil. De fato, há u ma guerra cultu ral entre os portavozes do Ocidente e os do m u nd o árabe e m u çulman o. Nu ma :s itu ação tão inflam ad a, a coisa m ais d ifícil de se fazer enq u an to intelectu al é ser crítico, recusar se a ad otar um estilo retór ico qu e seja o equivalente verbal dos bom bar d eios intensivos e, em vez disso, concentra rse em questões com o o apoio dos Estados Unidos a regimesclientes impopulares, questões que, para alguém que escreve nos Estados U nid os, vão ser provalvelmente mais afetadas pela discussão crítica. Por ou tro lado, é evidente que há u m a qu asecerteza de con qu istar u m a au diência se, como intelectual árabe, você apoiar com entu siasm o e mesmo com su bserv iência a po lítica d os Estados Unidos, atacand o seus críticos e, caso estes sejam árabes, inven tand o evidências para m ostrar sua vilania; se forem críticos am ericanos, fabricam se histórias e situ ações que provem sua m áfé; 118
desfiamse histórias sobre árabes e muçulmanos cujo efeito é difamar sua trad ição, deformar sua história, acentu an d o suas fra quezas, que são mu itas, claro. Acim a de tu d o, atacam se os in imigos oficialm ente aprovad os— Sadd am Hu ssein, o baath ismo , o nacionalism o árabe, o mov imento p alestino, as visões críticas dos árabes sobre Israel. E, claro, isso traz as recompensas esperadas: você é considerado corajoso, sincero, entu siasta, e assim p or d ian te. O novo deus é, evidentemente, o Ocidente. Para esse tipo de intectual, os árabes deveriam tentar assemelharse mais com o Ocidente, deveriam consid erálo um a fonte e um p on to d e referência. A história do qu e o Ociden te rea lmen te fez ficou p ara trás, esquecida. E esquecidos estão os resultados d estrutivos da Gu erra do Golfo. Nós, os árabes e m u çulm an os, som os os p ertu rbad os, os problemas são n ossos, totalmente au toinfligidos .4 Várias coisas sobressaem nesse tip o d e rep resen tação. Em primeiro lugar, aqui não há nenh u m un iversalism o. Porqu e, qu an _d.o.se_serve a um deus sem qu alqu er visão crítica, tod os os d em ônios vão estar semp re do ou tro lado: isso era verdad e qu and o se era trotskista como tam bém é agora, qu and o se é u m extrotskista que se retratou. O problema é não p ensar a política em ter m os d e inter relações ou d e histórias com u ns com o, por exemp lo, a lon ga e comp lexa dinâm ica que ligou os árabes e mu çulm an os ao O cidente, e viceversa. A análise verd ad eiramen te in telectu al p roíbe cham ar um dos lados de inocente, e o ou tro, de perv erso. De fato, quan do se trata de culturas, a noção d e um dos lados é altam ente problemática, pois a maioria das culturas n ão se constitu i de p equenos pacotes impermeáveis, todos homogêneos, e todos ou bons ou maus. Mas, se nossos olhos estão fixad os nos no ssos p ro tetores, não pod emos pensar com o intelectu ais, m as apen as com o discípulos ou acólitos. No fund o do n osso in conscien te há o p en samen to de que se deve agradar, e nã o d esagradar. Em segundo lugar, o histórico da p róp ria form ação d o in 119
telectu telectu al, relacionad relacionad o aos mestres do passado, é por certo m enosprezado ou dem oni onizado, zado, mas não nos provoca provoca nenh u m tipo de au toqu estiona estiona m ento, não esti estimu la nenhu m d esej esejoo de qu estio estionar nar a prem issa de servir servir com fervor a um deus, para d epois dar uma guinad a imp ulsiva ulsiva e faze fazerr a mesma coisa oisa para u m novo deus. Longe d isso: isso: com com o fazíamos fazíamos n o passado, osciland osciland o de u m deus para ou tro, continu continu am os a faze fazerr o mesmo no presente, presente, com um pou co m ais de cinism o, é verdad e, mas n o fim fim com o m esm o efei efeito. to. O verd ad eiro intelectual intelectual é, p or contraste, contr aste, um ser sec secular. ular. Apesar de muitos intelectuais desejarem que suas representações expressem coisas coisas sup su p eriores ou valores valores absolu tos, a con con d u ta ética ética e os os princíp princíp ios morais com com eçam eçam com sua ati ativi vidad dad e no nosso m u ndo secu lar— ond e tais tais p rincíp rincíp ios e cond uta se real realizam, izam, a qu ais interess teresses es servem servem , com com o se har m onizam com u m a ética ética consiste consistente nte e universal, universal, como operam a d iscri iscrim m inação entre p od er e ju stiça, stiça, o qu e revelam revelam das escol escolhas has e prioridad prioridad es de cad a u m . Aqueles Aqueles deuses qu e semp re falham falham acabam exi exigindo d o in in tel telec ectu tu al um a espéci espécie de certeza ab soluta e u m a visão total e sem sem costu ra d a realidad realidad e, visão visão e certeza certeza qu e reconh reconh ecem ecem apenas d iscí scípu los ou inim igos igos.. O qu e m e chama a atenção, atenção, com o algo algo m u ito m ais interesinteressante, sante, é como ma nter na m ente um espaç espaçoo aberto p ara a dú vida vida e pa ra um a iron ia cétic cética e alerta (e, (e, de preferênci preferência, a, p ara a au toiro toiro nia ta m bém ). Sim, Sim, tem os convicç convicções ões e em iti itim m os ju ju ízos de valor, valor, mas estes são alcançados pelo trabalho e por um senso de associação ciação com ou tros: ou tros intelec intelectua tua is, u m m ovim ento d e base base,, um processo processo h istórico istórico contínu o, um conju conju n to de vidas vidas vivi vividas. das. Quanto a abstrações ou ortodoxias, o problema é que elas são p atrocinad oras ou p rotetoras que precisam precisam ser apaziguadas apaziguadas e afaafagadas o temp o tod o. Os princíp princíp ios e a envergadu envergadu ra mor al de um intelectu intelectu al n ão deveriam deveriam constitu constitu ir um a espécie espécie de caixa caixa de câmbio lacrad lacrad a, qu e imp imp ele ele o p ensam ento e a ação nu m a d ireção ireção e é m ovida p or u m a máqu ina com apenas apenas um a fonte fonte d e combustí combustível vel.. 120
O intelect intelectua ua l tem d e ci circular, tem d e encontr ar espa ço para e n frentar e retrucar a autoridad e e o p oder, pois a sub serviência serviência in questionável questionável à autorid autorid ad e no m u nd o de hoje hoje é u m a das m aiores aiores am eaças eaças a um a vida intelectu intelectu al ativa, ativa, baseada em p rincíp ios de ju ju stiça e eqüid eqüid ade. ad e. É difí difícil cil par a u m intelectu intelectu al enfrentar essa ssa am eaça sozin sozin ho e p or conta própria, e mais difí difícil cil aind aind a en contra contra r u m m od o consistente, coerente com com suas crenças, crenças, e ao m esm o tem p o p erm an ecer ecer li livre vre o bastan te par a evoluir, evoluir, abr açar novas idéias, m u d ar a cabeça, descobrir descobrir cois coisas as novas ou red escobrir escobrir o que foi p osto d e lado no passado. passado. O aspecto aspecto m ais ais com p licad icad o d e ser ser um intelectu intelectu al é repr esentar esentar o qu e se se professa professa p or m eio do traba lho e de in in terven ções, sem sem se enr ijecer ijecer nu m a institu institu ição ição ou torn arse um a espécie espécie de autôm ato agi agindo a man d o de um sist sistema ema ou m étodo. Qualqu Qualqu er um qu e tenh tenh a sentido sentido a satisf satisfação ação d e ser ser bem su su cedid o n isso isso e ao m esmo tem po consegu consegu ir m anterse alerta alerta e firm e pod erá avali avaliar com o essa essa convergência convergência é rara. Mas a ú nica form form a d e alcançar essa essa convergênc onvergênciia é lem lem brarse constan constan temen te de qu e, enq u an to in telectual, lectual, você você tem escolha: escolha: representar a verdad verdad e de form a ativa e da / m elhor m an eira possível possível,, ou então se per m it itir, ir, p assivam assivam ente, ser ser dirigi dirigido do p or um a autorid autorid ad e ou u m poder. Para o intelec intelectu tu al secusecular, esses deuses semp semp re falham falham .
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Notas
I N T R O D U Ç Ã O [ P P . 9 - 18 ]
1. Raym on d William s, Keyw ords: a v ocabulary ofcul t ure an d society , 1976, reim p. No va York: Oxford Uni versity Press, 1985, p. 170. 2. John Carey, Th e intellectuals an dt he m asses:pride andprejudi ce amo ng the Nova York, St M ar ti n s Press, 1993. 3. Ernest Gellner, “La trahison de la trahison des deres”, in The political
iit erary intelligent sia 1880- 1939,
responsability o f intellectuals,
org. Ian Maclean, Alan Montefiore e Peter VVinch,
Cam b rid ge, Cam br id ge Un iversity Press, 1990, p. 27. 4. Paul John son, Intellectuals, Londr es, Weidenfeld and N icholso n , 1988, p. 342. 5. Peter Dailey, “Jim m y ”, Th e A m erica n scholar, in vern o 1994, pp. 102-10.
1. R E P R E S E N T A Ç Õ E S D O I N T E L E C T U A L [ P P . 1 9 - 3 6 ] 1. Anton io Gram sci, Theprison notebooks: selections, trad. Qu intin Hoare e Geoffrey Now ell-Smith, Nova York, Inter na tion al Pub lishers, 1971, p. 9. Edi ção brasileira: Cad ernos do cárcere, vol. 2, Os in telectuais. O pr in cípio ed u cativo. Jor na lism o, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. 2. Idem , p. 4.
123
3. Julíen Benda, The treason of the intellectuals, trad. Rjchard Aldington, 1928; reim p r. No va York , N or ton , 1969, p. 43. 4. Id em .p. 52. 5. Em 1762, um com ercian te p rotestant e, Jean Calas de Toulouse, foi jul gado e depois executad o p elo sup osto assassinato d e seu filho, prestes a se con verter ao catolicismo. A prova era in consisten te; no en tan to, o q ue gerou o ráp ido veredicto foi a cren ça generalizada de que os protestan tes eram fanáticos que sim plesmente eliminavam qu alquer ou tro p rotestante q ue quisesse se converter. Voltaire conduziu com sucesso uma campanha pública para reabilitar a re pu tação da fam ília Calas (em b ora hoje se saiba q ue ele tam bém fabricou sua pró pr ia prova). M aurice Barrès era u m ad versário proem inen te de Alfred Dreyfus. Romancista francês protofascista e antiintelectual do fim do século xix e começo do xx, defendeu a no ção de inconsciente político, em qu e todas as raças e n ações carregam coletivamen te idcias e tend ências. 6. La t rahison des deres foi repu blicado p or Bem ard Grasset em 1946. 7. AJvin W. Gou ld ner , The fu t ure o f intellectuals a nd the rise of the new class, Nova York, Seabu ry Press, 1979,pp . 28-43. 8. Michel Fou caul t, Pow er/kn ow ledge: selected interviews an d ot her w ritings 1972- 1977 , New York, Pan th eon , 1980, pp. 127-8. 9. Isaiah Berlm , Russian thín kers,ed. Hen ry H ard yeAileen Kelly, No va York: Viking Press, 1978, p. 129. 10. Seamus Deane, Celt ic revi vais: essays in m o d em Irish lit erat ure 18801980, Lond res, Fab er & Faber, 1985, p p. 75-6. 11. C. Wright Mills, Power, polit ies, an d peopl e: Th e collected essays o f C. W right Mills, ed. Irvin g Louis Hor ow itz, Nova York, Ballantin e, 1963, p. 299.
2. MANTER NAÇÕES E TRADIÇÕES À DISTÂNCIA [PP. 37-54]
1. George O rw ell, A collection o f essays. Nova York, D oub leday An chor, 1954, p. 177. 2. Discuti essa qu estão nos livros Orientalismo (Londres, Penguin, 1991; São Paulo, Com p anh ia das Letras, 1990) e Cov ering Islam (Nova York, Panth eon, 1981) e, mais recentem ente, no artigo “The ph on ey Islam ic th reat” (N ew York Times Sunday M agazin e,21/11/1993).
3. Walter Benjam in, Illuminations, org. Hann ah Arendt, trad. H arry Zohn , No va York, Sch ocken Book s, 1969,p p . 256-5. '4. Edward Shils, “The in tellectuals and the pow ers: som e persp ectives for comp arative analysis” Comparativ esludies in society andhistory , vol. 1 (1958-59), pp. 5-22. 124
5.
Essa qu estão é abord ada de form a persuasiva em Kirkpatrick Sale, The conquest ofparadise: Christopher Colum busa nd the Columbi an legacy, Nova York, Knopf, 1992. 6 .0 movim en to estudan til de 4 de maio de 1919 foi um a resposta imediata à Confe rên cia de Paz de Paris (que deu origem ao Tratado d e Versailles, do mesm o an o), que sancionou a presença japon esa em Shantung. Esse prim eiro protesto estudantil n a China, no qual 3 mil estudan tes se con centraram na p raça de Tianam en , marcou o início de outros movim entos similares, organizados nacional men te no século XX. A d etenção de 32 estudantes cond uziu a u m a nova mobiliza ção, exigindo n ão só sua libertação como tam bé m u m a ação firme d o governo em to m o d a questão de Shantung. A tentativa do governo de reprimir o movim ento fracassou, ao mesm o tem po q ue este conq uistava o apoio d a emergente classe emp resarial chinesa, ameaçad a pela con corrên cia japon esa. Ver John Israel,Student naúon alism in China, 1927-193 7, Stanford , Stanford Uni versity Press, 1966. 7. Aim é Césaire, The collected poet ry , trad . Clayton Eshelman e Annette Sm ith , Berkeley, University o f Califórnia Press, 1983, p. 72. 8. Ver Carol G luck, Japarís m odern my t hs: ideology in t he late M eiji period , Prin ceton , Princeton University Press, 1985. 9. John Dewer, W ar w ithout m ercy: race and pow er in t he Pacific War, Nova York, Pan th eon , 1986. 10. M asao M iyoshi, O ff center: pow er and cultu re rélations betw een Japan an d t he Unit ed States, Cam br idge , Ma ss., H arv ard U niversity Press, 1991, pp . 125, 108. Maruyam a Masao é um escritor japonês do pós-guerra e u m dos principais críticos da h istória imperial japonesa e do sistema do imp erador; Miyoshi o con sidera receptivo demais em relação à pred omin ân cia estética e intelectual do O ci dente.
3.
e x íl io
in t e l e c t u a l
: e x pa t r i a d o s e m a r g in a is
[p p .
55-70]
' l.Th eod or Adorno, Min im a moralia: reflectionsfrom dam aged life, trad . E. F. N. Jep h cott, Lon dre s, New Left Book s, 1951, pp . 38-9. Ed ição brasileira: Mini ma m ora lia - Reflexões a part ir da vida danificada, São Paul o, Ática, 1993. 2. Ide m, p. 87. 3. C. L. R. Jame s, Osjacobinos negros- Touss aint UO uv ert ureea revolução de São Domingos, São Paulo, Boitem po Editorial, 2000.
4. P R O F I S S I O N A I S E A M A D O R E S [ P P. 71-87] 1. Régis Debray, Teachers, w riters, celebrit ies: t he int ellect uah o f m od em France, tr ad . David M acey, Lond res, New Left Books, 1981. 2.Idem,p.71. 3.1bid em , p. 81. 4 . Russell Jacoby, Th e last intellect uah: A m erican culture in t he age ofa cademe, N ova York , Basic Book s, 1987. 5. Id em ,pp .219-20. 6. Jean-Paul Sartre, W hat is literature? an d o t her essays, Cam br idg e, Mass., H arv ard University Press, 1988, pp . 77-8.
5. FALAR A VERDADE AO PODER [PP. 89-IO4]
1. Peter No vick, Th at noble dream : the “objectiv ity question” and the A m eri can his to ricalprofession, Cam b rid ge, Cam b rid ge University Press, 1988, p. 628. 2. Discuti detalh adam ente o contexto imp erial desse tem a n o livro Culture and imp eria/wm, Nov a York , Alfred A. Kno pf , 1993, pp . 169-90. Edição b rasileira: Cult ura e im perialism o, São Paulo, Com p an h ia das Letras, 1995. 3. Sobre essa atua ção dú bia do in telectual, ver N oam Chomsky, Necessary illusions: t hought cont rol in d emocrat icsocieties, Boston , Sou th En d Press, 1989. 4. Uma versão mais comp leta desse argum ento pode ser en contrada n o meu. ensaio “Nation alism, hu m an rights, and in terpretation ”, in Freedom and int erpret at ion: th e O xford am nesty lectures, 1992, org. Barb ara John son , Nova York , Basic Book s, 1993, p p. 175-205. 5. Noam Chomsky, Language and mind , Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, 1972, pp. 90-9. 6. Ver meu artigo “The morn ing after”, London Review o f Books, 21/10/1993, volu me 15, n “ 20 ,3-5 .
6. DEUSES QUE SEMPRE FALHAM [PP. IO5-21]
1. Rich ard Crossm an (org .), The god t hat failed, Wash in gton , D. C., Regnery Gateway , 1987, p. vii. 2. Há um texto in teligente e envolvente de um a con ferên cia sobre o Second Th ou gh ts p roferida por C hristop her Hitchens: “ For the sake of argumen ts: essays and m inority rep orts”, Londres, Verso, 1993, pp. 111-4.
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3. Sobre as diferentes forma s d e au to-rejeição, u m texto valioso é “Disen chan tm en t or apostasy? A lay serm on ”, in Pow er an d consciouness, de E. P. Th om p son, organizado p or C on or Cruise 0 ’Brien, N ova York, New York University Press, 1969,pp. 149-82. 4. Uma obra que caracteriza algumas dessas posições é a de Daryush Shayegan, Culturalschizophrenia: Islamicsociet ies confront ing t he West, trad . John Howe, Lond res, Saqi Books, 1992.
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ESTA OBRA FOI COMPOSTA EM MINION PELA SPRESS E IMPRESSA PELA PROL EDITORA GRÁFICA EM OFSETE SOBRE PAPEL PÓLEN BOLD DA SUZANO BAHIA SUL PARA A EDJTORA SCHWARCZ EM FEVEREIRO DE 2005