Psicologia no Ensino Médio: desafios e perspectivas
Sérgio Antônio da Silva Leite As novas diretrizes curriculares: uma reflexão sobre sobre a licenciatura em Psicologia
Sérgio Dias Cirino, Danielle Fanni Dias Knupp, Letícia Siqueira Lemos e Sérgio Domingues Reflexões sobre a formação de professores de Psicologia
Carlos César Barros A psicologia da educação como um saber necessário para a formação de professores
Patrícia Cristina Albieri de Almeida Almeida e Roberta Gurgel Gurgel Azzi Ensino de Psicologia e seus fins na formação de professores: uma discussão mais que necessária
Priscila Larocca Os livros didáticos de Psicologia Educacional: pistas para análise da formação de professores(as) – (1920 – 1960)
Maria Madalena Silva de Assunção Estágio na escola pública: reflexões inspiradas na psicologia escolar
1 o r e m ú n 5 1 e m u l o V 7 0 0 2
a i g o l o c i s P m e s a m e T
Adriana Marcondes Marcondes Machado Implicações da internacionalização da educação para a formulação de currículos em Psicologia
Maria Ângela Guimarães Feitosa Aquisição e explicitação do conhecimento no ensino superior superior
Maria Isabel da Silva Leme Licenciatura em Psicologia: legislação e nova proposta curricular na Universidade do Estado Rio de Janeiro
Sônia Pires Simões e Maria das Graças Vasconcelos Paiva O Projeto Pedagógico do curso de formação de professores de Psicologia do Instituto de Psicologia da USP
Marie Claire Sekkel e Adriana Marcondes Machado
a i g o l o c i s P e d a r i e l i s a r B e d a d e i c o S
ISSN 1413-389X
Temas em Psicologia
2007
Volume 15 número 1 ISSN 1431-389X
Sociedade Brasileira de Psicologia
ISSN 1431-389X
Temas em Psicologia
Sociedade Brasileira de Psicologia
Temas em Psicologia
São Paulo
No 1
pp. 001-139
2007
Temas em Psicologia Volume 15 – número 1 – 2007 Editor Responsável
Comissão Editorial
Gerson Yukio Tomanari (USP)
Gerson Yukio Tomanari (USP) Maria Amalia Andery (PUC-SP) Sérgio Vasconcelos de Luna (PUC-SP) William Gomes (UFRGS)
Conselho Editorial
Áderson Luiz Costa Junior (UnB) Ana Maria Almeida Carvalho (UCSAL – BA) César Alexi Galera (USP-RP) Emmanuel Zagury Tourinho (UFPA) Isolda Araújo Günther (UnB) Jeferson Machado Pinto (UFMG) João Edenio Reis Valle (PUC-SP) Luis Alberto Hanns (USP) Magda Diniz Bezerra Dimenstein (UFRN) Márcia Regina Pedromônico (UFSP) Marcus Vinicius da Cunha (USP-RP) Maria Auxiliadora da S. Campos Dessen (UnB) Maria do Carmo Guedes (PUC-SP) Maria Lúcia Castilho Romera (UFU) Marisa Japur (USP-RP) Ricardo Gorayeb (USP-RP) Sílvia Helena Koller (UFRGS)
Assistência à Comissão Editorial
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Ederaldo José Lopes (UFU) Vice-Presidente
Gerson Yukio Tomanari (USP) Secretária Geral
Marília Ferreira Dela Coleta (UFU) A revista Temas em Psicologia é uma publicação da Sociedade Brasileira de Psicologia. Divulga trabalhos originais na área de Psicologia, tais como relatos de pesquisa, estudos históricos / teóricos / conceituais, análises de experiência profissional, revisões críticas da literatura, notas técnicas.
Primeira Secretária
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Maria Ângela G. Feitosa (UnB) Primeira Tesoureira
Rita de Cássia Gandini (UFU) Segundo Tesoureiro
José Gonçalves Medeiros (UFSC) A Sociedade Brasileira de Psicologia é associada à Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC). Indexadores: Index Psi Periódicos (BVS-Psi) Latindex Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic)
Temas em Psicologia /Sociedade Brasileira de Psicologia V.1 n.1 (1993 ) - Ribeirão Preto [SP, Brasil]: Sociedade Brasileira de Psicologia, 1993 Semestral
Sociedade Brasileira de Psicologia Rua Florêncio de Abreu, 681 / 1105 – Centro CEP: 14015-060 – Ribeirão Preto – SP – Brasil Fone/Fax: (16) 3625-9366 Revista Temas em Psicologia www.sbponline.org.br E-mail:
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ISSN 1413-289X Trimestral: 1993-2002; Semestral: 20031.Psicologia - periódicos. 1 Sociedade Brasileira de Psicologia CDD 150.5 Temas em Psicologia, 2007, 15(1), pp. 001-139 Publicado em junho de 2009
ISSN 1431-389X
Temas em Psicologia Volume 15 – número 1 – 2007
Sumário 07
Editorial Artigos
11
Psicologia no Ensino Médio: desafios e perspectivas Sérgio Antônio da Silva Leite
23
As novas diretrizes curriculares: uma reflexão sobre a licenciatura em Psicologia Sérgio Dias Cirino, Danielle Fanni Dias Knupp, Letícia Siqueira Lemos e Sérgio Domingues
33
Reflexões sobre a formação de professores de Psicologia Carlos César Barros
41
A psicologia da educação como um saber necessário para a formação de professores Patrícia Cristina Albieri de Almeida e Roberta Gurgel Azzi
57
Ensino de Psicologia e seus fins na formação de professores: uma discussão mais que necessária Priscila Larocca
69
Os livros didáticos de Psicologia Educacional: pistas para análise da formação de professores(as) – (1920 – 1960) Maria Madalena Silva de Assunção
85
Estágio na escola pública: reflexões inspiradas na psicologia escolar Adriana Marcondes Machado
91
Implicações da internacionalização da educação para a formulação de currículos em Psicologia Maria Ângela Guimarães Feitosa
105 Aquisição e explicitação do conhecimento no ensino superior Maria Isabel da Silva Leme 115 Licenciatura em Psicologia: legislação e nova proposta curricular na Universidade do Estado Rio de Janeiro Sônia Pires Simões e Maria das Graças Vasconcelos Paiva 127 O Projeto Pedagógico do curso de formação de professores de Psicologia do Instituto de Psicologia da USP Marie Claire Sekkel e Adriana Marcondes Machado
ISSN 1431-389X
Temas em Psicologia Volume 15 – número 1 – 2007
Contents 07
Editorial Articles
11
Psychology in high school: Challenges and perspectives Sérgio Antônio da Silva Leite
23
The new syllabus policies: Pondering psychology teacher education program Sérgio Dias Cirino, Danielle Fanni Dias Knupp, Letícia Siqueira Lemos e Sérgio Domingues
33
Reflections about the Psychology teacher’s education Carlos César Barros
41
Educational Psychology as necessary knowledge for teacher education Patrícia Cristina Albieri de Almeida e Roberta Gurgel Azzi
57
The teaching of Psychology and its aims in the teacher training: A very important issue to be discussed Priscila Larocca
69
The Educational Psychology Didactic Books: Clues for Analysis for the Teachers Formation (1920 – 1960) Maria Madalena Silva de Assunção
85
Practical professional training at public schools: Reflexion inspired on school psychology Adriana Marcondes Machado
91
Implications of internationalizing education for the design of curricula in Psychology Maria Ângela Guimarães Feitosa
105 Acquiring and expliciting knowledge at undergraduate courses Maria Isabel da Silva Leme 115 Bachelor in Psychology: Legislation and new curriculum proposition at the State University of Rio de Janeiro Sônia Pires Simões e Maria das Graças Vasconcelos Paiva 127 The Graduation Pedagogic Project for Psychology Professors of IPUSP Marie Claire Sekkel e Adriana Marcondes Machado
Editorial É com imensa satisfação que publicamos o primeiro fascículo de 2007 de Temas em Psicologia.
Este é um número especial, o primeiro de uma série que abordará variados e relevantes temas para a Psicologia. Neste número inaugural, o assunto em questão é a Formação do Professor de Psicologia. Para a condução do processo editorial desse fascículo, tivemos a felicidade de contar com o trabalho dedicado da Dra. Marie Claire Sekkel, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, e do Dr. Sérgio Dias Cirino, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Com muita competência, os editores convidados conseguiram reunir esse conjunto altamente
qualificado
de
trabalhos
produzidos
por
conceituados
pesquisadores que se dedicam a analisar a formação do professor de Psicologia. É nossa esperança que essa obra subsidie e fomente discussões sobre o tema. O momento atual torna imprescindível que repensemos profunda e criticamente o assunto. Currículos de Psicologia estão sendo elaborados e reformulados em todo o país. Precisamos de discussões profícuas que nos enriqueçam, pois a formação do professor de Psicologia não pode mais se restringir à antiga licenciatura definida por algumas poucas disciplinas de caráter estritamente pedagógico, sobretudo sem claras conexões com as demais disciplinas do curso de Psicologia. Temos que reconhecer, enfim, que o ensino de psicologia vai além dos enquadres tradicionais da sala de aula e que novos caminhos precisam ser desbravados. Que essa obra contribua para esses avanços! Com os votos de uma excelente leitura, Gerson Yukio Tomanari Editor de Temas em Psicologia
COM A PALAVRA, OS EDITORES CONVIDADOS
A presença das disciplinas psicológicas nos currículos relacionados à formação de professores é anterior à regulamentação dos cursos de Psicologia em nosso país. A Reforma Benjamim Constant, em 1890, incorporou essa disciplina nos currículos das Escolas Normais e, na década de 1930, a disciplina de Psicologia Geral passou a ser obrigatória nos cursos de Licenciatura da Universidade de São Paulo. Em 1962, a Lei 4.119 regulamentou a profissão e os cursos de Psicologia no Brasil enfatizando a dimensão educacional ao dispor, no seu artigo primeiro, que a formação em Psicologia seria feita em cursos de bacharelado, licenciatura e graduação em Psicologia. A figura do licenciado em psicologia dava forma oficial a uma atuação já consagrada de profissionais da área psicológica nas escolas. A indicação de datas não pretende ser exaustiva, escolhemos algumas poucas, tomando como ponto de partida os séculos XIX e XX, apenas para contextualizar nossa apresentação ao propor a discussão sobre as relações entre a Psicologia e a Educação no Brasil. Já estamos no final da primeira década do século XXI e é necessário refletir sobre as relações entre a Psicologia e a Educação na atualidade. O texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Psicologia, de 07 de maio de 2004, reapresenta a figura do "professor de Psicologia", a partir da qual nos colocamos várias perguntas sobre as características desse profissional: Quem é tal professor? Ele é o mesmo referenciado como "licenciado" na Lei 4.119, de 1962? Qual é o seu campo de atuação? Qual deve ser sua formação? Qual é o órgão que fiscalizará suas ações? A partir dessas e de outras tantas perguntas também instigantes, nos interrogamos sobre as múltiplas relações entre a Psicologia e a Educação. Podemos tomar a história como aliada e analisar os elementos de tais relações em diferentes momentos; ou então, fazer uma profunda análise da contemporaneidade e identificar as tensões que marcam a interface dos dois
campos. Contudo, a tarefa última é buscar uma leitura da realidade no que diz respeito a possíveis interelações entre a Psicologia e a Educação que permitam iluminar as possibilidades presentes nesse momento. Nesse sentido, o desafio a que ora nos propomos é refletir sobre as potencialidades das disciplinas de Psicologia, a formação e o papel do professor de Psicologia, em todos os níveis da educação escolar. Na XXXVII reunião anual da SBP em outubro de 2006, numa tarde ensolarada, numa das salas da Universidade Federal da Bahia, em vez de reverenciar o maravilhoso entardecer soteropolitano, estávamos reunidos para discutir aspectos da formação do professor de Psicologia. Ao final da mesa, com relação ao tema "professor de psicologia", tivemos pelo menos duas certezas: a primeira, de que não sabíamos exatamente do que estávamos falando e, a segunda, de que queríamos muito saber. O resultado foi a proposta de uma chamada para um número especial da Revista Temas em Psicologia, para continuarmos a discutir as questões que tanto nos instigam. A resposta da comunidade foi rápida e qualificada, pois, num período curto, recebemos um grande número de artigos, que iluminam de maneiras diversas e bem fundamentadas os objetos de estudo em questão. O que apresentamos hoje, com alegria, é o resultado de uma empreitada que envolveu dezenas de profissionais, entre os quais destacamos os próprios autores dos artigos, os pareceristas e Alessandra Villas-Bôas que, com dedicação, secretariou todo o processo. A todos, o nosso muito obrigado! Esperamos que os artigos possam provocar a boa reflexão e, quiçá, inspirar os leitores a novas investidas na área. Boa leitura! Marie Claire Sekkel e Sérgio Cirino Editores convidados
ISSN 1413-389X
o
Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 11 – 21
Psico logia no Ensino Médio: desafios e perspectivas Sérgio Antônio da Silva Leite Universidade Estadual de Campinas
Resumo
O presente texto tem como objetivo discutir a questão do ensino de Psicologia no ensino médio, analisando aspectos do seu histórico e apontando alguns desafios. Parte-se do pressuposto que a Psicologia, enquanto ciência e profissão, tem uma importante contribuição para o processo educacional dos jovens, tendo em vista a sua formação como cidadãos críticos e participantes. Palavras-chave: Ensino de Psicologia, Ensino Médio, Educação e Cidadania.
Psychology in high s chool: Challenges and perspectives Ab st rac t
This paper aims to discuss the Psychology teaching matter in high school, analyzing aspects of its historical process and some current challenges. It is assumed that Psychology – as both scientific and professional area – has an important role in the youth educational process, keeping in mind their constitution as critical citizens. Keywords: Psychology Teaching, High School, Education and Citizenship.
A questão da inserção da disciplina Psicologia no ensino médio, presentemente, voltou a ser discutida. A ABEP (Associação Brasileira de Ensino da Psicologia), bem como o Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo e o Sistema Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, incluíram a questão em suas agendas e organizam-se visando à inserção da disciplina nas escolas brasileiras de ensino médio. Se, por um lado, é inegável a importância deste processo, uma vez que a Psicologia pode desempenhar um papel educacional fundamental no ensino médio, por outro, exige que os profissionais da área retomem a discussão da questão de fundo neste quadro. Qual seja, as reais possibilidades para o exercício da docência em Psicologia, numa perspectiva socialmente relevante, justificando o esforço organizativo em torno do tema. Deve-se ressaltar que a questão não é nova. Nas agendas das entidades de representação da categoria, em São Paulo, o assunto surgiu com muita força e interesse nos anos 80, período em que ocorreu uma importante articulação, envolvendo várias
categorias e respectivas entidades, pelo retorno das disciplinas da área de Humanas ao ensino de segundo grau. No Estado de São Paulo, este movimento de organização coletiva da categoria, do qual o autor participou ativamente, demonstrou aspectos muito relevantes e historicamente importantes: daí a necessidade de retomarmos o histórico deste processo, não com uma postura saudosista, mas com um olhar crítico, pois, embora estejamos vivendo um outro momento, entendemos que algumas questões desafiadoras permanecem merecendo serem retomadas nesta nova etapa de discussão. Como ponto de partida, assumimos que a Psicologia, enquanto área de produção de conhecimento científico e também como área de exercício profissional, tem uma contribuição fundamental para o desenvolvimento educacional dos jovens do ensino médio. Tal contribuição relaciona-se com o processo de constituição destes jovens como cidadãos críticos e participantes, auxiliando-os na superação do processo de alienação, muito presente em uma sociedade injusta como a nossa.
Endereço para correspondência: Sérgio Antônio da Silva Leite. Faculdade de Educação– Universidade Estadual de Campinas. Rua Cayowáa, 1553, Apto 10. Sumaré, São Paulo (SP). CEP: 01258-011. Fone: (11) 3673-0759. Email:
[email protected].
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Leite, S. A. S.
Os anos 80
O movimento a favor do retorno das disciplinas da área das Ciências Humanas – Psicologia, Filosofia e Sociologia – no ensino de 2o grau, ocorrido nesse período, coincidiu e relacionou-se com a luta pela redemocratização do país, que envolveu todas as entidades e associações progressistas da sociedade civil brasileira. Obviamente, incluiu, também, as entidades de representação dos psicólogos no Estado de São Paulo. No final dos anos 70, mais precisamente em 1979, articulou-se um movimento de oposição da Psicologia, que, no ano seguinte, venceu as eleições no Sindicato dos Psicólogos no Estado de S. Paulo e, posteriormente, as do Conselho Regional de Psicologia de S. Paulo. Um dos pontos da plataforma deste movimento incluía a luta pela democratização da Educação e, especificamente, pelo retorno da disciplina Psicologia no, então, ensino de segundo grau. Isto porque a política educacional pós64, praticamente, excluiu as chamadas disciplinas da área das Ciências Humanas do currículo das escolas brasileiras de 2o grau. Como nos ensina Freitag (1977), “A política educacional, ela mesma expressão da reordenação das formas de controle social e político, usará o sistema educacional reestruturado para assegurar este controle” (p. 69). O que significa que toda a política educacional passou a ser direcionada para atender os interesses econômicos, exigindo amplas reformas educacionais. A Lei 5692 de 1971, sobre a Reforma do Ensino de 1o e 2o graus, previa a ampliação deste último nível com uma forte ênfase na profissionalização, visando ao fornecimento de mão de obra semi-qualificada (formação de técnicos para atender o crescimento industrial), ao mesmo tempo em que previa diminuir a forte pressão da classe média, que aspirava ao acesso à universidade para os seus filhos. Apesar desta política não ter tido o êxito esperado, na medida em que o Estado não investiu nas condições de o profissionalização das escolas de 2 grau e pelo fato de a universidade continuar sendo vista como o principal canal de ascensão para todos os setores da população, em especial a classe média, a retirada das
disciplinas da área das Ciências Humanas foi uma das medidas que a política pós-64 conseguiu impor. Possivelmente, isto se explica porque a política implantada pelo sistema militar também visava à transmissão da ideologia liberal, que dava sustentação ao regime, da mesma forma que visava também ao controle político-ideológico dos jovens estudantes, o que era incompatível com a inclusão curricular de disciplinas que tinham como objetivo o desenvolvimento do senso crítico nos alunos. A estratégia assumida pelo grupo de oposição da Psicologia, depois que assumiu as entidades de representação da categoria, foi criar a Comissão de Ensino1 , que deveria cuidar das questões relacionadas à disciplina Psicologia, no ensino de 2o grau, bem como propor às entidades uma política na área visando ao seu retorno à grade curricular. Esta comissão, por sua vez, assumiu uma política de aproximação com os demais representantes das outras disciplinas da área das Ciências Humanas, no caso, representantes dos professores de Filosofia e de Sociologia através da ASESP – Associação dos Sociólogos do Estado de S. Paulo. Na realidade, este grupo de trabalho – conhecido como GT de Humanas, formado por representantes das três disciplinas, teve um papel crucial na interlocução com os representantes da Secretaria Estadual de Educação – o que possibilitou enfocar, continuamente a questão da área das Ciências Humanas no seu conjunto. Entretanto, cada grupo de representantes desenvolveu sua política específica junto à respectiva categoria, a qual era discutida nas reuniões do GT. No caso da Psicologia, assumiram-se as seguintes metas para a Comissão de Ensino: a) avaliar a situação do ensino da disciplina de Psicologia: quantas escolas ainda ministravam (apesar da política educacional vigente ter desestimulado), quem eram esses professores, como eram os 1
A Comissão de Ensino era formada, desde sua constituição, pelos psicólogos Yvone G. Khouri, Carlos Rodrigues Ladeia e Sérgio Antônio da Silva Leite, representantes do Sindicado e do CRP e, a partir de 1984, pela psicóloga Regina Aparecida Loureiro Caroni, que atuava na CENP - Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas, e que representava a Secretaria Estadual da Educação.
Psicologia no Ensino Médio
programas desenvolvidos, que temas eram tratados e qual a bibliografia utilizada; b) elaborar uma proposta de programa para a disciplina que representasse um avanço em relação às tradicionais, e que fosse fruto da reflexão dos profissionais envolvidos e interessados; c) divulgar a proposta junto à categoria e acompanhar criticamente o seu desenvolvimento na rede. Uma das primeiras iniciativas da Comissão de Ensino, ainda em 1980, foi convocar, através do jornal das entidades, os psicólogos envolvidos e interessados no ensino de Psicologia no 2o grau, para uma reunião na sede do Sindicato. Tal chamada causou, na época, um grande desapontamento junto aos membros da comissão, dado que compareceram não mais que 10 profissionais. Deve-se lembrar que, no primeiro lustro dos anos 80, a categoria tinha em torno de 12.500 psicólogos no Estado de S. Paulo, segundo pesquisa realizada pelo DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos SócioEconômicos (Sindicato/CRP, 1984). Ainda segundo esta pesquisa, a categoria praticamente desconhecia as possibilidades de docência no ensino 2o grau 2 . A aproximação com a CENP ocorreu em 1984, através da inserção de uma psicóloga, que lá atuava, na Comissão de Ensino CRP/Sindicato. Tal decisão possibilitou um salto qualitativo no trabalho desenvolvido, pois representava uma parceria direta com o órgão oficial da Secretaria de Educação do Estado, responsável pela normatização do ensino público na rede estadual. A primeira tarefa realizada pela comissão ampliada foi avaliar o ensino de Psicologia que então existia nas escolas de 2o grau. Tal levantamento mostrou uma realidade parcialmente conhecida, mas surpreendente: somente metade dos professores que atuavam na disciplina tinha formação específica em Psicologia; a 2
Segundo a pesquisa, a distribuição dos psicólogos em termos de área de atividade principal, no Estado de S. Paulo, em 1984, era a seguinte: Clínica (57,5%), Organizacional (21,2%), Escolar (11,9%), Ensino de Psicologia Universidade (6,9%), Pesquisa (1,3%) e Comunitária Social (1,1%).
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maioria dos programas podia ser considerada como uma proposta de ensino burocratizada, fato verificado pela bibliografia utilizada pela maioria dos professores em sala de aula. Tendo informações que a Secretaria de Educação realizaria um concurso de ingresso para professores, incluindo as disciplinas da área das Ciências Humanas – o que de fato aconteceu em 1986 –, a Comissão de Ensino planejou e desenvolveu um curso para psicólogos, no segundo semestre de 1985, denominado “Psicólogo – Docente no Ensino de 2o Grau”, no anfiteatro da CENP, na cidade de São Paulo. Este curso, que se desenvolveu através de 10 encontros semanais, durante mais de dois meses, teve a participação de cerca de 250 psicólogos interessados. Os conteúdos desenvolvidos no curso abordaram 11 grandes temas, escolhidos pela Comissão de Ensino, ouvidos os colegas das entidades de representação da categoria. Para cada tema foi convidado um profissional, de reconhecido envolvimento com a questão e com uma posição também reconhecidamente não conservadora. Foilhe, então, solicitado que apresentasse um seminário sobre o assunto durante o curso, além de elaborar um texto para possível publicação. Terminado este curso, e dada a excelente qualidade dos textos produzidos, a Comissão de Ensino propôs a organização do material em um livro, publicado em 1986 (CRP/Sindicato, 1986), que representou a primeira grande proposta de conteúdos para os profissionais que foram aprovados no concurso – para os que já estavam na rede. De acordo com o texto de apresentação do livro, assinado pela Comissão de Ensino CRP-Sindicato, o livro representou “uma colaboração efetiva para os licenciados em Psicologia, para os próprios cursos de Licenciatura e para todos os profissionais interessados pelo ensino da Psicologia” (p. vi). Na seqüência, segue-se uma síntese dessa primeira proposta de programa para a disciplina Psicologia no ensino de 2o grau. O programa proposto
Para o planejamento do referido curso, que gerou a primeira proposta de programa de ensino para disciplina de Psicologia, a
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Comissão de Ensino propôs a seguinte questão, como ponto de partida para a discussão: quais a contribuições que a Psicologia, enquanto área de conhecimento e de atuação profissional, tem para oferecer aos jovens do ensino de 2o grau? Ou, colocado de outra forma: que experiências e conhecimentos acumulados a Psicologia tem a oferecer ao cidadão (que não vai ser psicólogo) que vive numa sociedade como a nossa, para que possa ter uma inserção social crítica e transformadora? Obviamente, os membros da comissão, ao elaborar estas questões iniciais, assumiam, como pressuposto, que a Psicologia tinha acumulado conhecimentos e experiências considerados relevantes para a constituição dos cidadãos e sua inserção social numa perspectiva de transformação. Apesar de a área ter sofrido muitas críticas de vários setores e dos próprios psicólogos comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa. Na intersecção Psicologia/Educação, por exemplo, podemos citar os trabalhos de Patto (1981, 1984) denunciando e analisando criticamente o conhecimento e as práticas tradicionais dos psicólogos escolares, que pouco colaboravam com a democratização do sistema escolar brasileiro, marcado por um histórico processo de fracasso escolar, principalmente dos setores socialmente já excluídos. Neste sentido, a resposta que a Comissão de Ensino assumiu em relação à questão norteadora acima apresentada é que a Psicologia tinha acumulado práticas profissionais (mesmo que incipientes) e conhecimentos teóricos que, certamente, poderiam colaborar para que os jovens do Ensino de 2o grau desenvolvessem uma postura crítica a partir das suas relações sociais vivenciadas em nossa cultura. Especificamente, o conhecimento psicológico poderia ser organizado e estudado de forma a facilitar o processo de análise e de discussão dos fatores/condições, mediatos ou imediatos, que, de alguma forma, interferem/relacionam-se com a vida dos jovens – envolvendo tanto seu comportamento expresso, quanto suas dimensões subjetivas. Com este referencial assumido e acordado, os membros da Comissão de Ensino iniciaram um período de discussão,
Leite, S. A. S.
tanto na instância interna, quanto com outros profissionais externos à comissão – no sentido de identificar os conteúdos específicos produzidos pelo conhecimento psicológico que pudessem ser recortados e selecionados para serem desenvolvidos. Nesse período, uma decisão importante assumida pela comissão foi que o recorte deveria ser por temas e não por correntes teóricas. Isto porque, a avaliação realizada pela Comissão de Ensino sobre o trabalho dos docentes remanescentes na rede, que ministravam a disciplina Psicologia no 2o grau, indicava que os cursos desenvolvidos em torno das teorias psicológicas conhecidas mostravam-se como propostas burocratizadas, dificultando a contribuição da área para a análise das condições de vida dos jovens. Eram cursos que reproduziam disciplinas teóricas da Graduação, onde se ensinavam as escolas psicológicas. Ao optar por uma organização por temas, a comissão acreditava na possibilidade de abordar assuntos que, de um lado, possibilitassem uma relação com as condições de vida dos jovens e, por outro, permitissem uma análise teórica, a partir das contribuições das várias correntes psicológicas existentes. A partir daí, o próximo passo foi a seleção efetiva dos assuntos: definiram-se 11 temas, que serão abaixo explicitados. A próxima etapa foi mais delicada: tratava-se de delinear, com um mínimo de clareza, que aspetos julgávamos que deveriam ser garantidos em cada tema, bem como selecionar um profissional que pudesse desenvolver cada tema no curso, elaborar um texto sobre o assunto, atendendo, obviamente, nossas expectativas. Embora, na época, os membros da comissão não haviam assumido critérios rígidos, podemos afirmar que três condições balizaram as escolhas, tanto dos temas/conteúdos recortados, quanto dos profissionais indicados: a) os conteúdos teórico-psicológicos abordados deveriam possibilitar uma crítica aos modelos tradicionais, principalmente às concepções biologizantes e naturalizantes dos fenômenos psicológicos. Isto porque estes eram os modelos dominantes e utilizados de forma ideologizada pela Psicologia tradicional, freqüentemente
Psicologia no Ensino Médio
assumidos como justificativas para a manutenção do status quo; b) os conteúdos deveriam permitir uma crítica à ideologia dominante, no caso a ideologia liberal, principalmente no que se refere ao individualismo, como nos ensina Cunha (1977). A razão desta posição centrava-se na compreensão de que, consoante com a concepção liberal, a Psicologia foi tradicionalmente utilizada para reproduzir e justificar a idéia de que a maioria das mazelas humanas é causada por fatores situados dentro do próprio indivíduo, excluindo-se destas análises as condições sociais e institucionais, por exemplo. Pretendia-se, com esta indicação, realizar escolhas que possibilitassem, efetivamente, aos jovens superar as concepções alienadas e alienantes sobre as suas relações com o mundo; c) os conteúdos deveriam ser abordados respeitando-se a diversidade teórica da Psicologia, ou seja, reconhecia-se que várias correntes teóricas têm contribuições relevantes, de acordo com as expectativas acima colocadas, não devendo, pois, o desenvolvimento dos temas ficar dependente apenas da opção teórica do professor. Pretendia-se, explicitamente, evitar que a disciplina Psicologia, no ensino de 2o grau: a) assumisse um caráter burocratizado – na medida em que pudesse trazer para a sala de aula um conhecimento irrelevante e pouco funcional para o processo de reflexão dos jovens; b) fosse transformada em uma prática clínica ou pretensamente terapêutica, distanciando-se de sua função educacional; c) reproduzisse modelos teóricos conservadores, como as concepções baseadas no modelo médico, tão comuns em nossa história recente. Segue-se uma síntese dos temas3 propostos e desenvolvidos durante o curso 3
Os seguintes profissionais foram responsáveis pelos temas: 1) Adolescência: Fermino Fernandes Sisto; 2) Psicologia e Comportamento: Joel Martins; 3) Neutralidade da ciência: Joel Martins; 4) Genes a ambiente: Oswaldo Frota-Pessoa e César Ades; 5) Noção de normal e anormal: Antônio Armindo Camillo; 6) Motivação: Emma Otta; 7) Alienação: Alberto Abib Andery: 8) Psicologia e a Comunicação: Fúlvia Rosemberg; 9) Emoção e Afetividade: Solange Nogueira Buono; 10) Agressividade:
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de 1985, os quais, posteriormente, foram publicados em forma de capítulos, no livro editado em 1986: - Caracterização da Psicologia (tema introdutório): a Psicologia como ciência, desmistificando-se a idéia de “ciência que estuda a alma”; a diversidade teórica da Psicologia; as áreas de atuação do Psicólogo; - Concepções de adolescência: a adolescência como parte do processo de desenvolvimento humano, desmistificandose a idéia de período problemático; a necessidade de se entender a adolescência a partir das relações sociais; as mudanças na concepção de adolescência entre as diferentes culturas e numa mesma sociedade, entre diferentes classes sociais; - Neutralidade científica: analisar, pelo menos, duas concepções diferentes sobre o tema – ciência como atividade humana neutra x ciência como atividade sujeita a valores e concepções dominantes em uma sociedade; as relações entre produção do conhecimento científico e os interesses dominantes, em uma sociedade de classes; a questão da tecnologia e a quem ela tem servido em nossa sociedade; necessidade de produção científico-tecnológica em função dos problemas que afetam a maioria da sociedade e não só de determinados setores; - Comportamentos herdados x aprendidos: o que se sabe sobre comportamentos humanos “transmitidos geneticamente”; analisar, pelo menos, duas posições sobre o tema – as que enfatizam a dimensão genética do Homem (“o homem já nasce feito”) e as que realçam o papel do meio (“o homem se constitui na relação com a cultura”); caracterização do ser humano como o animal mais dependente das condições da aprendizagem na sua cultura; as implicações que interpretam a inteligência, a personalidade, a aptidão, etc. como fatores essencialmente herdados geneticamente; a quem interessam essas crenças; - Conceitos da normal e anormal em Psicologia: identificar, pelo menos, duas posições sobre a questão – as patológicas, derivadas do modelo médico e as psicossociais, realçando o papel do grupo Sérgio Antônio da Silva Leite; 11) Trabalho e Profissão: Silvio Duarte Bock.
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social e da cultura; a questão dos estigmas sociais derivados do conceito tradicional de “anormalidade”; - Motivação humana: o que determina o comportamento e as ações humanas; caracterizar, pelo menos, duas concepções de motivação – de um lado, as que enfatizam, basicamente, os fatores intrínsecos e, de outro, as que valorizam as fontes de motivação nas relações que o indivíduo mantém com a sua sociedade; analisar situações concretas de envolvimento dos jovens com aspectos ou questões de seu ambiente e discuti-las à luz das concepções teóricas sobre a motivação humana; análise crítica das concepções do senso comum sobre a questão e suas implicações sociais; - Alienação: o que se entende pelo conceito; analisar, pelo menos duas concepções sobre alienação – como um fenômeno puramente individual ou como um fenômeno determinado pelas condições concretas de vida e pela própria ideologia subjacente à sociedade capitalista; fatores determinantes da alienação humana em nossa sociedade, com ênfase nos adolescentes; a questão da alienação no trabalho; o papel da escola, da religião, da propaganda na determinação e manutenção da alienação humana; alternativas que os jovens podem ter para superação das condições alienantes; - Comunicação: o processo de comunicação na família, no trabalho, na escola e na comunidade; o papel dos meios de comunicação de massa em nossa sociedade; as razões pelas quais o Estado tenta controlar os meios da comunicação social; os efeitos dos meios de comunicação de massa na população e, em especial, nos jovens; - Emoção e afetividade: caracterizar emoções e afetos; analisar, pelo menos duas posições sobre o tema – de um lado, como processos puramente individuais determinados exclusivamente por fatores hereditários e, de outro, como processos vividos nas relações sociais, dependentes das condições concretas de vida; a questão da afetividade nas relações que o jovem mantém com o seu meio; a questão da sexualidade na adolescência; afetividade e valores morais; - Agressividade: caracterização do comportamento ou da ação agressiva;
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analisar, pelo menos, duas concepções sobre o tema – de um lado, a interpretação da agressividade como parte da “natureza humana” e, de outro, a agressividade como padrão de comportamento aprendido nas relações sociais vividas; os fatores conhecidos como desencadeadores da agressão humana; a agressividade em uma sociedade como a nossa; fatores ou condições que podem inibir a agressão humana; o papel das formas de controle punitivas como tentativa de diminuir a agressão; - Trabalho e Profissão: a questão da escolha profissional; discutir, pelo menos, duas concepções – de um lado, as que enfatizam a vocação individual, de natureza inata e, de outro, as que enfocam a escolha profissional determinada pelas condições de vida; a função do trabalho em uma sociedade capitalista como a nossa; as opções que os jovens têm para uma escolha profissional. Obviamente, tais temas e conteúdos não foram propostos com a intenção de se delimitar um programa fechado, da mesma forma que não esgotam as questões que poderiam ser incluídas no trabalho dos professores de Psicologia, com seus alunos do 2o grau. Mas, sem dúvida, tal proposta pressupõe uma ênfase na questão do exercício da cidadania pelos jovens, numa perspectiva crítica e transformadora. Os anos 90
Durante os anos 90, observou-se um nítido refluxo no processo de discussão sobre as disciplinas da área das Ciências Humanas no ensino de 2o grau. Embora a Comissão de Ensino CRP/Sindicato houvesse assumido que um dos objetivos da política na área seria o acompanhamento da nova proposta de programa para a disciplina na rede, tal meta não se concretizou. A idéia era a realização, em parceria com a CENP, de encontros periódicos com professores da disciplina Psicologia, no qual pudessem trocar experiências e aprimorar a referida proposta, elaborada no curso ministrado em 1985. Inúmeros fatores podem ter contribuído para o esvaziamento desse processo de discussão. Com relação à esfera oficial, deve-se destacar que as mudanças no
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governo estadual, com as conseqüentes alterações dos responsáveis pelos órgãos centrais da Secretaria de Educação de S. Paulo, não garantiram a continuidade da política traçada com relação às disciplinas da área das Ciências Humanas. Aliás, o problema na rede estadual envolveu todos os componentes curriculares da rede: a partir dos anos 90, a CENP – como já visto, o órgão da Secretaria de Educação responsável pela normatização do ensino público estadual – sofreu um processo brutal de enxugamento, perdendo gradualmente uma de suas características até então mantidas, que era a produção e divulgação das propostas pedagógicas para todas as áreas, em todos os níveis do ensino. Isto aponta, evidentemente, para a questão política, ou seja, as propostas de trabalho – em termos de políticas públicas – nas secretarias estaduais ou municipais só se concretizam na medida em que pessoas ou grupos que assumirem os órgãos centrais estiverem comprometidos com as mesmas, além de se garantirem, obviamente, as condições mínimas de trabalho. No caso da CENP, além do enxugamento, ocorreu alteração nas funções do respectivo órgão, fruto da mudança na estrutura da secretaria. Deve-se destacar, também, que, na esfera federal, a nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDBEN –, de 1996, foi omissa com relação às disciplinas da área das Ciências Humanas. Sendo que, nesta década, o Ministério da Educação assumiu gradualmente a tarefa de normatização do ensino público nacional, através, por exemplo, dos Parâmetros Curriculares Nacionais para todos os componentes curriculares. Entretanto, se tais acontecimentos, nas esferas oficiais, contribuíram para o arrefecimento da discussão sobre as disciplinas das Ciências Humanas na rede de escolas de ensino médio, deve-se também notar que algo semelhante ocorreu com as entidades representativas da categoria no Estado de S. Paulo – a saber, o Sindicato dos Psicólogos e o Conselho Regional de Psicologia. Por razões que ainda precisam ser melhor analisadas, ocorreu um progressivo distanciamento destas entidades com relação à questão da disciplina Psicologia no ensino médio. A impressão que se tem é que, com a realização do
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concurso de ingresso de professores na rede de ensino público estadual, realizado no final dos anos 80, que incluiu as disciplinas da área das Ciências Humanas, obteve-se uma vitória da categoria organizada, a qual se consolidaria naturalmente. No entanto, não se considerou, na época, que o concurso seria uma condição necessária, mas não suficiente para que a Psicologia se firmasse como uma disciplina importante para a formação dos jovens do ensino médio: isto só ocorreria através de um trabalho organizado e coletivo dos professores da disciplina, que possibilitasse a troca de experiências, a avaliação contínua da proposta e o aprimoramento dos próprios professores – ou seja, exigiria uma política mais clara e propositiva por parte das entidades. Como tanto a CENP quanto a entidades de representação não assumiram tal tarefa, pode-se supor que os professores gradualmente foram se isolando nas escolas, sem as condições mínimas de reflexão coletiva sobre suas práticas pedagógicas específicas. Além disso, deve-se observar que, a partir dos anos 90, a ação dos psicólogos na Educação sofreu um refluxo geral, observado pelos dados de pesquisas produzidos pelos Conselhos de Psicologia, envolvendo os psicólogos escolares e os professores de Psicologia. Simultaneamente, no mesmo período, amplia-se o mercado na área da Saúde, no qual os psicólogos passam, gradualmente, a atuar nas diversas instâncias públicas. Não se está, com isto, assumindo uma relação simples de causa e efeito entre estas condições – aumento da atuação na área da Saúde e diminuição na Educação –, mas pode-se supor, que em um quadro de múltipla determinação, tal relação deve ser considerada. Sobre o assunto, já expressei algumas considerações críticas (Leite, 1995): penso que o refluxo observado na área educacional, por parte da categoria, certamente é um fenômeno multideterminado, mas tem como um dos principais determinantes o fato de que os psicólogos, enquanto categoria, não conseguiram atender as demandas educacionais, principalmente relacionadas ao fracasso escolar nas redes de ensino. Isto, provavelmente, porque não conseguiram rever e superar seus modelos teóricos
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tradicionais – baseados no modelo médico – que sempre direcionaram o olhar dos profissionais para as causa subjacentes dos problemas que os indivíduos apresentam. Este modelo, dominante na clínica psicológica, transposto para a educação, pouco contribuiu para a construção de uma escola democrática, na medida em que não prioriza os fatores ambientais – sociais, econômicos, educacionais, etc. –, sem dúvida os grandes responsáveis pelo fracasso dos alunos na escola. Em síntese, a questão da disciplina Psicologia no ensino médio, a partir do final dos anos 80 e durante os anos 90, deixou de ser assumida e cuidada como deveria e mereceria ser, seja por parte dos órgãos oficiais da Secretaria de Educação, seja por parte das entidades de representação da categoria. Mas, em ambas as instâncias, por falta de uma clara opção política que priorizasse o fortalecimento das disciplinas das Ciências Humanas no ensino médio. Os desafios e as perspectiv as atuais
Com a retomada da discussão sobre a inclusão da Psicologia no ensino médio, a questão a ser discutida nos parece óbvia: como se coloca, hoje, o problema do ensino da disciplina Psicologia no nível médio? Que desafios se apresentam? Será que o movimento ocorrido, durante os anos 80, com o tipo de reflexão desenvolvida, está totalmente defasado para os dias atuais? Penso que, em sua essência, a questão continua a mesma e pode ser assim resumida: qual é a contribuição que a Psicologia, enquanto ciência e profissão, tem a oferecer para o processo educacional dos jovens (que, na maioria, não serão psicólogos), numa perspectiva de formação de cidadãos críticos e transformadores? – a mesma pergunta que colocamos nos anos 80. Ou seja, embora reconhecendo que as condições sociais e econômicas mudaram bastante nestas duas décadas, julgamos, no entanto que o problema central que se coloca, em sua essência, é o mesmo. Neste ponto parece necessário especificarmos um pouco mais as mudanças a que estamos nos referindo, frutos das transformações recentes em nossa sociedade. Em outro trabalho (Leite, 2007) já
apontávamos que, nos anos 90, é importada da Inglaterra uma série de idéias que se opunham aos valores prevalecentes do pósguerra (bem estar social, educacional, de saúde, mantido pelo Estado): concepções inspiradas nas idéias de Friedrich von Hayek, defendendo o Estado mínimo, a descentralização, a descentração, a privatização, a desregulamentação e a economia global, enfim, este conjunto de questões, nem sempre claras, mas de grande impacto, que ficaram conhecidas ideologicamente como neoliberalismo. Moraes (2001) defende que este conceito constitui-se como uma ideologia, uma forma de ver o mundo, uma corrente de pensamento, centrada na valorização de concepções como concorrência, mercado, desemprego estrutural, que caracterizam a economia moderna, contra as quais seria inútil se contrapor. Tal corrente defende arduamente a idéia de sociedade aberta, sendo que a presença do Estado, principalmente na esfera econômica, é sempre entendida como uma ameaça à liberdade do indivíduo e de competição, condições assumidas como responsáveis diretas pelo progresso humano. Da mesma forma, combate as ideologias nacionalistas, desenvolvimentistas e populistas, muito comuns nos países de terceiro mundo ou em desenvolvimento. Ainda baseando-se em Moraes, o neoliberalismo defende uma forte ação do Estado contra os sindicatos e instituições corporativas, priorizando uma política antiinflacionária monetarista e reformas orientadas para a realidade do mercado. Curiosamente, o neoliberalismo considera que a Educação tem um papel fundamental e determinante na formação das condições de competição entre os países; assume que a educação formal é um dos principais instrumentos para conter a pobreza, desde que seja direcionada para e pela realidade do mercado. Como conseqüência, nossa sociedade, nesses tempos de neoliberalismo, já apresenta os efeitos sensíveis de uma economia globalizada. Marcada: a) por um inacreditável, persistente e crescente processo de concentração de renda; b) por um conseqüente aumento da situação de exclusão social e econômica da grande maioria da população que já vivia numa
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condição de pobreza; c) por um mercado de trabalho geral reduzido, com exceção, apenas, dos setores considerados nobres para o mercado; d) pela crescente falta de perspectivas para os jovens oriundos dos setores mais pobres; e) pelo aumento crescente da criminalidade, verificada, principalmente, nas faixas mais jovens da população. Por outro lado, o desenvolvimento deste modelo de economia globalizada só foi possível pelo aprimoramento e fortalecimento de mecanismos de controle ideológico (controle de consciências) no qual se destaca o papel das mídias eletrônicas, em especial a televisão – hoje, sem dúvida, o mais bem sucedido veículo de controle ideológico da população. A ideologia atualmente veiculada, na realidade, é a mesma centenária ideologia liberal, base do sistema de produção capitalista, exceto que apresenta alguns conteúdos adaptados para as novas formas de produção e distribuição de riqueza: valorização do mercado, do consumo, da competição, da habilitação e capacitação dos cidadãos para as necessidades da produção; porém, numa situação sócio-econômica onde se torna muito mais difícil o processo de ascensão de jovens oriundos de setores marginalizados. Assim, chegamos ao desafio central que nos coloca: como desenvolver a disciplina Psicologia, no ensino médio, para jovens que vivem/sobrevivem numa sociedade com as características acima apresentadas? O que não é explicitado, na mídia, é que o neoliberalismo tem se constituído como uma ideologia de suporte para um modelo econômico de natureza excludente para grande parcela da população, sendo crescente o aprofundamento do processo de concentração de renda em nossa sociedade. Além disso, tal ideologia tem sido muito questionada na medida em que reduz o Homem a uma dimensão basicamente econômica, ou seja, uma concepção de Homem como um ser que apenas produz e consome. Este nos parece o grande problema que se enfrenta atualmente na Educação: assumir que a principal tarefa é preparar/educar o cidadão para se inserir com sucesso no mercado. Implica em assumir uma concepção de Homem como um ser que, basicamente, consome e produz
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– o que, em nossa opinião, constitui-se como uma visão empobrecedora e reducionista do ser humano, na medida em que desconsidera outras dimensões fundamentais para o processo de humanização dos indivíduos. Sem negar a importância do trabalho, portanto, reconhecendo que a Educação tem um papel importante na preparação dos jovens para esta dimensão da vida, reconhecemos que o Homem também deve ser entendido como um ser estético, ético, social, ecológico, lúdico, político, etc. – dimensões que não podem ser marginalizadas no processo de Educação. O desafio, portanto, que se coloca para a disciplina Psicologia, no ensino médio, também está posto: trata-se de participar do esforço de recuperação das dimensões humanizantes e humanizadoras, que sofreram um duro golpe no período pós-64, e, atualmente, com a disseminação da visão do neoliberalismo. Acreditamos que a Psicologia, como área de conhecimento acumulado e de prática social comprometida, tem contribuições relevantes para a constituição dos jovens como seres humanos críticos e transformadores. Obviamente não estamos assumindo a falaciosa argumentação de que tudo depende somente da Educação, como se esta área pudesse, per se, promover o desenvolvimento da economia e o bem-estar dos indivíduos. Ao afirmar isto não estamos negando a importância de um sistema educacional democrático para o país e seu povo. Mas, reconhecemos que os mecanismos de desenvolvimento passam, primariamente, pelas formas de produção e distribuição da riqueza, expressas nas dimensões econômicas e políticas dos países capitalistas. Nesta perspectiva, se os professores de Psicologia pretendem se constituir como profissionais socialmente comprometidos, além de constituir a disciplina de Psicologia como relevante, no quadro do ensino médio brasileiro, devem assumir, organizadamente, o desafio histórico que se coloca, qual seja, a (re)construção do sistema educacional como um espaço de formação da consciência crítica e da cidadania transformadora. Tal inserção não se dará de forma isolada, mas em parceria com outros educadores de boa vontade, comprometidos com a escola democrática.
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Aliás, nunca foi tão necessário retomarmos as idéias de Paulo Freire, certamente um dos mais importantes educadores de nossa época: a Educação tem um papel fundamental no processo de transformação da consciência ingênua em consciência crítica, ou seja, no processo de conscientização dos homens (Freire, 1980). E para este empreendimento histórico, a Psicologia, sem dúvida, pode ter um papel crucial. Al gu mas co ns id eraç ões fi nai s
Para finalizar este trabalho, julgamos pertinente apresentar algumas reflexões que temos produzido com vários educadores comprometidos com a luta pela democratização da escola e com a retomada de valores humanizadores nos currículos desenvolvidos. Penso que os professores de Psicologia no ensino médio – e, também, em todas as demais instâncias educacionais – enfrentam alguns desafios que exigirão novas alternativas para o trabalho pedagógico a ser desenvolvido com seus alunos. O primeiro relaciona-se ao fato de que não estão formando psicólogos, mas cidadãos que podem se beneficiar, em suas vidas, com o conhecimento acumulado por esta área. Isto parece implicar no fato de que os programas de ensino de Psicologia devem assumir, como estratégia, as condições concretas vivenciadas pelos alunos, no caso, os jovens estudantes do ensino médio. De preferência, as condições sociais geradoras de conflitos que os estudantes vivenciam em seu cotidiano – este poderá se constituir como o material básico, a partir do qual o professor poderá auxiliar os alunos a ressignificar estas situações, à luz dos referenciais teóricos que deverão ser incorporados ao processo de discussão. Não se trata de uma proposta pragmática, mas de uma estratégia de apropriação do conhecimento psicológico realizada de forma funcional, ou seja, relacionada com a vida que os alunos vivem. Neste processo abrem-se as oportunidades de superação das concepções alienadas e alienantes, relacionadas com a realidade vivenciada e seus impactos na dimensão psicológica dos jovens. É pela análise destas situações, marcadas pelas relações dialógicas entre alunos e professor,
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que o processo de conscientização poderá se desenvolver, possibilitando que os alunos possam ir se constituindo numa perspectiva mais crítica e transformadora. Obviamente, este processo exigirá do professor um esforço de aprofundamento e ampliação do seu universo teórico, no sentido de identificar, dentre os conhecimentos psicológicos acumulados, aqueles que melhor possibilitarão aos jovens a ressignificação de suas práticas. Por outro lado, é fundamental aos professores de Psicologia perceberem que este empreendimento – a construção de uma proposta educacional emancipadora e geradora de consciência crítica – não é uma tarefa a ser desenvolvida isoladamente. Exige, nas situações concretas de trabalho, a criação de parcerias: numa posição otimista, com todos os demais professores e educadores que atuam na escola; numa perspectiva realista, com aqueles companheiros de trabalho comprometidos com estes ideais. Isto coloca um outro desafio: os professores de Psicologia devem se assumir, efetivamente, como professores, o que implica um total envolvimento com a equipe escolar e com os problemas que a escola apresenta. Pela sua formação, os professores de Psicologia, certamente, poderão apresentar uma valiosa contribuição no processo de construção e desenvolvimento do Projeto Político Pedagógico da escola, no qual poderão se envolver com questões que extrapolarão os limites de suas salas de aula. Finalmente, resta abordar, mesmo que rapidamente, a questão do papel das entidades de representação da categoria – no caso a ABEP, associação criada para organizar a discussão sobre o ensino de Psicologia em termos nacionais. Os erros cometidos na história recente, vivida pela categoria nos anos 80, com relação à disciplina Psicologia no ensino médio, apontam na direção de que não basta incluir a disciplina nos currículos das escolas. Pelo menos na fase inicial, a ABEP poderá criar importantes espaços de discussão e de troca de informações e experiências entre os docentes da área, o que, certamente, representará uma contribuição valorosa para o próprio processo de constituição dos professores de Psicologia.
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Referências
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Editora. Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo / Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (1986). O perfil do psicólogo no Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Cortez. Enviado em Setembro/2007 Aceite em Abril/2008 Publicado em Junho/2009
ISSN 1413-389X
o
Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 23 – 32
As novas diretrizes curriculares: uma reflexão sobre a licenciatur a em Psico logia Sérgio Dias Cirino Danielle Fanni Dias Knupp Letícia Siqueira Lemos Universidade Federal de Minas Gerais e GENPSI/LAPED Sérgio Domingues Universidade Federal de Minas Gerais, GENPSI/LAPED e UNIPAC – Barbacena/MG
Resumo
Nos últimos anos, os cursos de graduação no Brasil têm passado por importantes reformas estruturais. Desde sua regulamentação, o curso de Psicologia é oferecido nas modalidades de Bacharelado, Licenciatura e Psicologia. O presente trabalho discute a formação específica da Licenciatura em Psicologia, buscando analisar a posição desta modalidade no contexto geral brasileiro. Foi realizada uma reflexão sobre o perfil da Licenciatura, discutindo a formação e a atuação do licenciado, bem como seu real campo de trabalho. Evidenciou-se a relação desta formação com a Educação, uma vez que há possibilidade de atuação do licenciado na educação básica, principalmente em nível médio. Com este trabalho foi possível confirmar que existem direitos garantidos ao licenciado para atuar na docência. No entanto, para estes profissionais ocuparem o espaço reservado pela LDB, é necessária uma formação mais aprimorada e sintonizada com o atual campo de trabalho. Palavras-chave: Licenciatura em Psicologia; Formação do licenciado; Atuação do
licenciado.
The new syllabus po licies: Pondering psych ology teacher education program Ab st rac t
Undergraduate education in Brazil has been going through important structural changes in the last years. Since the regularization of psychology degree, it comprises the following: Bachelor of psychology, professor education program and psychology degree. This current paper aims to discuss the specific psychology professor education program, analyzing the status of this degree within the Brazilian general context. A reflection was made about the professor education program profile, approaching the course syllabus and the professors´ performances as well as their real status in the labor market. It was evident the relation between the mentioned program with education system, once there´s the possibility that the future professor have a role in the basic education, mainly in high school. This study enabled us to a conclusion that has guaranteed rights to a teacher work. Nevertheless, in order to occupy the educational positions reserved for those professionals by the enforcement of the LDB – national law for education base and policies – it is necessary an improved level of preparation of these professors compatible with the demands from the current labor market. Keywords: Psychology Professor Education Program, Psychology Professor Education,
Professor´s Performance. Endereço para correspondência: Sérgio Dias Cirino. Faculdade de Educação da UFMG – DMTE. Av. Antônio Carlos, 6627 - Campus Pampulha. CEP: 31270-901. Belo Horizonte – MG. Telefone: (31) 34996206. E-mail:
[email protected].
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Ciri no, S. D., Knu pp, D. F. D., Lemos , L. S., & Domingu es, S.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996, indica a necessidade de reformulações curriculares das instituições universitárias. Devido a estas indicações, o Ministério da Educação (MEC), em 1997, por intermédio da Secretaria de Educação Superior (SESu), convocou as Instituições de Ensino Superior a apresentarem propostas para as novas Diretrizes Curriculares dos cursos superiores, que seriam elaboradas pelas Comissões de Especialistas desta mesma Secretaria. Segundo o Edital no 4/97 do MEC/SESu, o objetivo das diretrizes é nortear o caminho que os cursos de graduação deverão percorrer, para garantir a qualidade da formação em nível superior , substituindo os antigos currículos mínimos1 . No âmbito dessas transformações, após consulta à comunidade acadêmica e profissional, de acordo com Yamamoto (2000), a Comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia, instituída pela SESu/ MEC, apresentou, em maio de 1999, a minuta de resolução com as diretrizes curriculares para a Psicologia (Yamamoto, 2000). Desde então, as propostas de diretrizes para os cursos de graduação em Psicologia sofreram algumas modificações até sua aprovação pela Resolução CNE/CES no 8, em 2004. Este artigo objetiva analisar a formação específica da Licenciatura em Psicologia. Como é a formação em Licenciatura? Há uma preparação específica para um professor de Psicologia? A formação de psicólogo integra os conhecimentos e práticas que viabilizam a atuação de um professor? Qual o valor dado à Licenciatura nos Cursos de Graduação? Para que se possa compreender as mudanças trazidas para este tipo de qualificação, em decorrência das novas diretrizes, é importante que se faça um breve 1
No sistema de currículos mínimos há um conjunto regulamentado de disciplinas detalhadas que devem compor cada curso. As diretrizes curriculares devem propor linhas gerais capazes de definir quais as competências e habilidades que se deseja desenvolver nos cursos, permitindo uma flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do conhecimento a serem consideradas. (Edital no 4/97 do MEC/SESu).
resgate histórico da presença da Licenciatura nos cursos de Psicologia. A es pec if ici dad e da L ic enciatu ra em Psicologi a
A Licenciatura é uma habilitação possível nos cursos de Psicologia desde a implantação da lei no 4.119, de 27 de Agosto de 1962, que os regulamenta no Brasil. Essa lei disserta em seu Art.1o que “a formação em Psicologia far-se-á [...] em cursos de Bacharelado, Licenciatura e Psicologia” (Brasil, 1962). Como campo introdutório deste estudo, analisar-se-á o capítulo III desta lei, em que são explicitados os direitos conferidos aos diplomados. É observado que: Art. 11º Ao portador do diploma de Bacharel em Psicologia é conferido o direito de ensinar Psicologia em cursos de grau médio 2 nos termos da legislação em vigor. Art. 12º Ao portador de diploma de Licenciado em Psicologia é conferido o direito de lecionar Psicologia, atendidas as exigências legais devidas (Brasil, 1962). Nos dois artigos a função de ensinar é atribuição tanto do bacharel como do licenciado em Psicologia. O que os diferencia é a menção ao ensino médio para os bacharéis e a não-menção de um local de atuação específico para o licenciado. Tal atribuição torna-se mais compreensível ao examinarmos a Lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), que ajuda a esclarecer uma das especificidades do licenciado em Psicologia na época da regulamentação dos cursos de Psicologia. O Art. 59º desta lei reza que “[...] a formação de professores para o ensino médio será feita nas faculdades de Filosofia, Ciências e Letras [...]” (Brasil, 1961). Desta forma, percebe-se que não era necessário ser licenciado para dar aulas no ensino médio. 2
A LDB de 1996 divide o sistema educacional em ensino básico e ensino superior. O ensino básico, por sua vez, é sub-dividido em ensino fundamental e ensino médio. O termo "grau médio", referido na lei, diz respeito ao ensino médio.
Lic enciatura em Psicol ogia
Ao passo que, no Art. 62º, é postulado: “nas faculdades de filosofia será criado, para a formação de orientadores de educação de ensino médio, curso especial a que terão acesso os licenciados em Pedagogia, Filosofia, Psicologia e Ciências Sociais [...]” (Brasil, 1961). Isto significa que, além de lecionar, o licenciado habilitava-se, por lei, a exercer a orientação escolar. Neste sentido, quando foram implantados os cursos de Psicologia no Brasil (1962), a lei que regulamentava a educação brasileira (LDB de 1961) tinha uma demanda diferente da atual LDB, cujo ano de publicação é 1996. Segundo o Art. 62º da nova LDB: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (Brasil, 1996). Este artigo, diferente da LDB de 1961, estabelece que apenas os licenciados estão aptos a lecionar Psicologia no nível médio, não mais sendo lícito ao bacharel exercer essa função. Ainda nesse documento, o Art. 64º diz que: “[...] A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-graduação [...]” (Brasil, 1996). Isto mostra que a Licenciatura em Psicologia não é mais uma habilitação que dá direito à atuação como Orientador Educacional, como previa a LDB de 1961. Portanto, a Licenciatura em Psicologia forma profissionais que atuam na Educação Básica, no exercício do magistério. O campo de tr abalho d o prof essor de Psicologi a
Inicialmente, deve-se ressaltar o compromisso histórico do profissional de Psicologia com a docência, para que
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entendamos melhor a atual situação da Licenciatura nesta área de conhecimento. As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela preocupação do governo com a qualidade do ensino e, conseqüentemente, com a tendência de se “formar homens para o progresso social” (Boschi, 2000, p. 23). A proposta de Francisco Campos (1928) – Secretário do Interior e, posteriormente, Ministro da Educação – para a reforma do ensino acompanhou esta tendência, visando à melhoria efetiva da qualidade da educação, como o aprimoramento do professorado. Nesta perspectiva, a Psicologia trouxe à pedagogia “[...] um método objetivo de investigação para seus fins educacionais, podendo esta ser diretamente percebida a partir da criação das Escolas Normais [...]” (Boschi, 2000, p. 19). Em conseqüência disso, os cursos de Magistério se tornaram um campo de atuação natural para os professores de Psicologia. Com a nova LDB (1996), porém, os cursos de Magistério estiveram ameaçados de extinção, tendo em vista o prazo de dez anos (década da educação, 1997-2007) para que fossem substituídos pelo Curso Normal Superior. Contudo, a sua continuidade foi assegurada pela Resolução CNE/CEB 01, de 20 de agosto de 2003, que suspendeu, por tempo indeterminado, a obrigatoriedade da formação no Curso Normal Superior para professores do ensino fundamental, visto a precariedade e baixa qualificação em algumas regiões do país. Desta forma, o curso de magistério continua sendo um lugar de inserção do licenciado em Psicologia, uma vez que a legislação educacional em vigor exige a formação em Licenciatura para atuar na educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). De acordo com essa exigência, o Ensino Médio também se torna uma possibilidade de atuação para o licenciado em Psicologia. Quando a LDB (1996) trata do Ensino Médio, no parágrafo primeiro do art. 36, enfatiza a importância de conhecimentos das Ciências Humanas como necessários ao exercício da cidadania. Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: [...] § 1º. Os conteúdos, as
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metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: [...] III domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania (Brasil, 1996). A Psicologia não foi incluída no texto da lei entre os conhecimentos necessários ao exercício da cidadania. Dentre os conteúdos específicos das Ciências Humanas para a construção da cidadania, acredita-se que a Psicologia também possa auxiliar nesta formação. Diversas questões, muito comuns e de grande relevância para os jovens, podem ser trabalhadas, tais como: ética, sentimentos, valores morais, cidadania, limites comportamentais, uso de drogas, dúvidas sobre sexualidade, violência doméstica, estrutura familiar, consciência social, etc. A Psicologia no Ensino Médio não está ainda incorporada em todo o país. Porém existe um projeto de lei (PL-105/2007) tramitando no Congresso Nacional para que essa realidade seja inserida nas escolas brasileiras. Todavia, é possível encontrar no Estado de Minas Gerais a disciplina de Psicologia no nível técnico.
A partir deste decreto, é interessante notar que o professor de Psicologia deve ter uma experiência profissional, além da formação específica em Licenciatura. Este fato ressalta a especificidade do trabalho do professor de Psicologia, assim como os saberes docentes relacionados à sua prática. Ao mesmo tempo, faz com que se questione, com mais veemência, a falta de artigos e estudos que abarquem a formação e a atuação deste profissional, bem como a situação do seu campo de trabalho.
O processo de construç ão das Diretrizes Curriculares da Psicologia
Do início da tramitação das propostas para as Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia até a aprovação das diretrizes de 2004, houve a homologação de três pareceres que discorriam sobre o tema.
Evidencia-se no decreto federal no 2.208/97, Art. 9º, que:
O parecer CNE/CES 1.314/2001 e o parecer CNE/CES 072/2002 mantinham a separação dos três perfis de formação profissional (Bacharel, Licenciado e Psicólogo), entendendo haver uma “diferenciação e domínio de conhecimentos psicológicos de áreas afins, e na capacitação para utilizá-los em diferentes contextos de atuação” (Brasil, 2002). De acordo com o Art. 3º da proposta de 2002, “o curso de graduação em Psicologia tem como meta central a formação para a pesquisa em Psicologia, para o ensino de Psicologia e para a atuação do psicólogo [...]” (Brasil, 2002). Assim, define-se cada perfil como um conjunto de habilidades e competências específicas, ao qual se somam as habilidades conferidas aos outros perfis por meio de um núcleo comum de formação.
As disciplinas do currículo do ensino técnico serão ministradas por professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional, que deverão ser preparados para o magistério, previamente ou em serviço, através de cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica (Brasil, 1997).
Apesar da possibilidade de formação ampla em três diferentes perfis, garantida pela lei n. 4.119 e proposta pelas Diretrizes Curriculares da Psicologia em 2002, os cursos de Psicologia no Brasil têm enfatizado apenas a formação do perfil de psicólogo. Esta ênfase pode ser verificada, analisando-se os currículos destes cursos em escolas brasileiras, em que se percebe uma predominância de disciplinas propedêuticas para a atuação clínica, em detrimento da
Os licenciados em Psicologia estão habilitados – respaldados por lei – a se tornarem integrantes do corpo docente de cursos de nível técnico, como por exemplo o de Enfermagem. Na sua maioria, estes cursos técnicos trazem, em suas ementas, conteúdos relativos à Psicologia, tais como motivação humana, afetividade, trabalho em equipe, ética, psicologia do trabalho, saúde mental, dentre outros.
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formação em bacharelado3 e Licenciatura (Cirino e Martinelli, 1995; Hoff, 1999; Castelo Branco, 1998; Assunção, 1999). Como uma objeção à proposta de Diretrizes do Parecer CNE/CES 1.314/2001, ocorreu em janeiro de 2002 o Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB). Este Fórum foi instituído na década de 1990, com o objetivo de suprir a lacuna relativa à organização da Psicologia Brasileira, visando definir políticas e projetos voltados à melhoria da qualificação profissional dos psicólogos. Atualmente, o FENPB está composto por 20 entidades nacionais4 científicas, profissionais, sindicais e estudantis. Algumas iniciativas de repercussão nacional do FENPB foram: a criação da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) e o estabelecimento de uma proposta de Diretrizes para o Ensino da Psicologia. O FENPB, em janeiro de 2002, questionou a separação da formação do profissional dessa área em três perfis. Sugerindo um único perfil, como pode ser visto no Art. 3º de seu projeto de Resolução: Foge ao escopo do presente texto uma discussão sobre o bacharelado. O leitor interessado poderá encontrar informações sobre o tema no site do Conselho Federal de Psicologia http://www.pol.org.br/ e da ABEP http://www.abepsi.org.br/. 4 Composto atualmente pelas seguintes entidades: ABEP - Associação Brasileira de Ensino de Psicologia; ABOP - Associação Brasileira de Orientadores Profissionais; ABPJ Associação Brasileira de Psicologia Jurídica; ABRANEP - Associação Brasileira de Neuropsicologia; ABRAPEE - Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional; ABRAPSO - Associação Brasileira de Psicologia Social; ANPEPP - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia; ASBRo - Associação Brasileira de Rorschach; CFP - Conselho Federal de Psicologia; CONEP Conselho Nacional de Entidades Estudantis de Psicologia; FENAPSI - Federação Nacional dos Psicólogos; IBAP - Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica; SBPD - Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento; SBPH - Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar ; SBPOT - Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho; SBPP Sociedade Brasileira de Psicologia Política; SOBRAPA - Sociedade Brasileira de Psicologia e Acupuntura. Ver o endereço na Internet:
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O Curso de Graduação em Psicologia tem como meta formar o psicólogo com o perfil de um profissional com conhecimento da diversidade da ciência psicológica, comprometido com necessidades sociais, capaz de um desempenho qualificado do ponto de vista científico e técnico, pautado em princípios éticos, preparado para a atuação interdisciplinar, com competência para produzir, difundir e utilizar conhecimentos e procedimentos da Psicologia em diferentes contextos, que demandem a análise, avaliação e intervenção em processos psicológicos e psicossociais, na promoção da qualidade de vida e na construção de uma sociedade mais justa (Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia, 2002). Esta idéia de um único perfil fica ainda mais clara no Art. 5º do mesmo documento: “O Curso de Graduação em Psicologia deverá garantir o desenvolvimento de competências e habilidades de múltiplas dimensões, a serem integradas no processo de formação de psicólogo [...]” (Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia, 2002). Assim, o Fórum abandona as competências e habilidades específicas de cada perfil para propor dimensões múltiplas, que deveriam fazer parte da formação de todo profissional desta área, no caso o psicólogo, excluindo, portanto, os outros dois perfis. Para o Fórum a formação de todo psicólogo deveria contemplar as seguintes dimensões: histórica, filosófica, antropológica, social, política, ética, científica, profissional, pedagógica e técnica. Ressalta-se que a dimensão pedagógica proposta neste fórum não abrangeu a especificidade do exercício do magistério, na Educação Básica e no Ensino Técnico, envolvendo apenas “avaliação das necessidades de aprendizagem; planejamento, desenvolvimento e avaliação de programas de ensino; avaliação das possíveis influências do sistema de ensino sobre os processos e fenômenos psicológicos, propondo intervenções” (Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia, 2002). Em oposição às diretrizes de 2002, que explicitaram a formação de um profissional específico para ensinar Psicologia, o Fórum eliminou o perfil Licenciatura, mas manteve o compromisso com a educação, ao propor
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uma dimensão pedagógica que todo profissional psicólogo deveria ter. No entanto, o alcance pedagógico abordado no Fórum pôde ser útil quando se discutem a Psicologia escolar e a educacional, possíveis interfaces do campo da Psicologia com a Educação. Mas este enfoque não resguarda a formação do professor desta área nos diversos níveis da educação, sintonizado com as tendências atuais da formação docente. Os atuais estudos, no campo de formação de professores, constituem uma vasta literatura sobre a profissão e os saberes docentes (Gadotti, 1987; Geraldi, Fiorentini & Pereira, 1998; Marcelo, 1999; Melo, 2003; Nóvoa, 1995; Tardif, 2002). Uma área como a Psicologia, que admite que seus profissionais atuem também como professores, não pode desconsiderar tais reflexões. As atu ais Dir etr izes Curr icu lar es Nacionais para os cursos de Psicologia
No âmbito desta discussão torna-se importante destacar que houve várias discordâncias entre a proposta do Fórum de Entidades e a das Diretrizes 2002. Desta forma, esta última foi abandonada após ter sido realizada uma nova audiência pública com a participação de diversas entidades da área da Psicologia no Brasil. Como resultado deste encontro, foi elaborado o Parecer no CNE/CES 0062/2004, e este originou a Resolução CNE/CES no 8 de 7 de maio 2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Na citada audiência destacaram-se posições divergentes, principalmente no que concerne à divisão em três diferentes perfis de formação, como previsto desde a aprovação da Lei no 4.119, de 1962. Uma das correntes favoráveis às diretrizes do Fórum de Entidades propôs uma terminalidade única de formação, a de psicólogo. A outra manteve a proposta anterior. Diante do impasse, fez-se um acordo para a elaboração de um documento comum. Portanto, a Resolução CNE/CES no 8 de 2004 pode ser vista como o resultado de um consenso das principais entidades que representam a Psicologia no país.
No que diz respeito à formação do professor, as novas diretrizes destacam um artigo que merece ser reproduzido: Art. 13º- A formação do professor de Psicologia dar-se-á em um projeto pedagógico complementar e diferenciado, elaborado em conformidade com a legislação que regulamenta a formação de professores no país. Parágrafo 1º. O projeto pedagógico para a formação do Professor de Psicologia deve propiciar o desenvolvimento das competências e habilidades básicas constantes no núcleo comum do curso de Psicologia e daquelas previstas nas Diretrizes Nacionais para a formação do professor da Educação Básica, em nível superior (Brasil, 2004) Ao sugerir uma formação complementar, as diretrizes da Psicologia evidenciam um desacordo com as regulamentações da educação, como por exemplo a Resolução CNE/CP no1 de 18 de Fevereiro de 2002, que institui as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores na educação básica, em nível superior, em cursos de Licenciaturas. Esta resolução recomenda uma articulação curricular que permita a formação de profissionais do ensino desde o início do curso. Em seu Art. 12º, ela estabelece que: § 2º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor. § 3º No interior das áreas ou das disciplinas, que constituírem os componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática (Brasil, 2002). Esta é a direção que todos os cursos de formação de professores devem seguir. A proposta de formação complementar, prevista pelas diretrizes da Psicologia, perpetua o modelo “três mais um”5 , 5
Modelo “três mais um” se refere a uma estrutura de formação de professores na qual o licenciando tem a formação específica de
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extensamente criticado e revisto por vários cursos que formam professores no Brasil. Sendo assim, a omissão das diretrizes com relação à formação do professor de Psicologia pode deixar a impressão de que ele, atuando no ensino médio, não necessite de habilitar-se como os demais professores de outras áreas – como o de História ou o de Biologia, por exemplo. A idéia de complementação no lugar de articulação manifesta-se, nas diretrizes de 2004, somente quando o assunto é formação de professor. Ao salientar o oferecimento de ênfases e de um núcleo comum no curso, a regra é a de que estes “não deverão constituir momentos estanques no processo de formação, mas, compreendendo a aprendizagem como processo, as atividades práticas e os estágios devem se distribuir ao longo de todo o curso” (Brasil, 2004) Uma vez que a aprendizagem do graduando, nestas diretrizes, é vista como um processo, uma formação pedagógica complementar, com estágios concentrados em um único período, não irá capacitar o psicólogo a ser um professor de Psicologia com as habilidades e competências necessárias para atuar na educação básica. Este contra-senso ocorre, provavelmente, porque não se discutiu o assunto em profundidade; e esta formação complementar pode ter sido proposta apenas para manter uma parcela do campo de trabalho no Ensino Médio, campo de atuação ainda pouco explorado e historicamente pouco valorizado pelos psicólogos, como o Magistério e o Ensino Técnico. Então, o que faz pensar que uma formação complementar em Licenciatura, desarticulada do restante do curso, seja suficiente para preparar um professor de Psicologia? Na formação do psicólogo já estaria embutido o desenvolvimento da habilidade de ensinar? Ter uma formação teórica dos pressupostos da Psicologia, bem como de sua aplicação, não garante que estes conhecimentos sejam trabalhados com os conteúdos da sua área (por exemplo, na Biologia, na História, na Química, etc.) por três anos. Depois, mais um ano de formação nas áreas didático pedagógicas, em geral, oferecidas por Faculdades de Educação.
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alunos do ensino básico de forma compreensível, tampouco assegura a aplicabilidade desses conhecimentos pelos sujeitos. A Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em Cursos de Nível Superior, aprovada em maio de 2000, traz uma passagem de Werebe (1970), que ajuda a refletir o posicionamento atual das diretrizes da Psicologia: Em poucas palavras, o sistema que admite a concomitância de duas finalidades – a da formação de cientistas e a da preparação de professores secundários – na realidade, persegue uma só, a primeira. Os que ficam para a segunda são os que fracassam em relação à primeira. Fracassam noventa, triunfam dez. É desumano para os alunos; é um desperdício para a sociedade (Werebe , 1970, p. 225) O mesmo documento aponta a importância da dimensão teórica do conhecimento de determinada área e a mobilização deste conhecimento em situações concretas, o que permitirá a construção de competências para a atuação do professor. Isto se dá desde o início do curso, cujos pontos de partida e chegada são a atuação profissional de professor. A construção destas competências será possibilitada somente se fizer parte dos objetivos da formação. Estes objetivos podem ser averiguados por meio dos conteúdos escolhidos, da organização institucional, da abordagem metodológica e da invenção de diferentes espaços de vivência para os professores em formação. Contudo, o planejamento, a delimitação de objetivos e o comprometimento em desenhar um plano pedagógico que abarque a formação do professor de Psicologia não se fazem presentes nas novas diretrizes de 2004. Na resolução de 2004 está previsto o exercício da docência. Mas não se discute como deverá se dar essa formação, ressaltando apenas que esta deverá seguir as Diretrizes Nacionais para a formação do professor da Educação Básica. Além disso, a resolução não propõe uma articulação da formação do professor com o restante do
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curso, embora mencione que o projeto pedagógico deva conciliar-se com as competências do núcleo comum. É importante ressaltar que o núcleo comum do curso de Psicologia não viabiliza um contato do graduando com aspectos relacionados à educação, tais como a docência, a compreensão da dinâmica escolar e os problemas práticos que surgem no processo de ensino-aprendizagem. Também os conteúdos de base científica, importantes para a formação de quaisquer dos perfis, não são articulados de forma a permitir que o aluno de Psicologia possa, posteriormente, em sua atuação como professor, fazer uma aproximação destes conteúdos com sua prática em sala de aula. Diante disso, Hoff (1999) levanta as seguintes questões: As habilidades e competências básicas vinculadas ao núcleo comum serão suficientes para um exercício docente apoiado numa atitude científica? Uma habilitação que não aprofunda a formação científica não é uma forma de fortalecer uma docência apenas reprodutora de conhecimento? Ou não seria desejável que o professor fosse também um profissional cientista? (Hoff, 1999, p. 25) Tais questões merecem a atenção dos que se preocupam com os rumos da Psicologia. É necessário considerar um perfil de formação nesta área, próximo ao que se espera de um profissional engajado e ciente das demandas da sociedade. Assunção (1999), ao refletir sobre a relação dos graduandos de Psicologia com a Licenciatura, conclui que: De modo geral, a questão da docência (Licenciatura) não é tratada no decorrer do Curso, até mesmo porque as matérias relacionadas à Educação, além de serem em um número reduzido no currículo, em sua maioria são de caráter optativo. Além disso, essas disciplinas enfocam, de acordo com o depoimento dos (as) alunos (as), a Psicologia Escolar e não a docência em Psicologia, e são, ainda tratadas como disciplinas de menor importância (Assunção, 1999, p. 52)
Nesta reflexão percebe-se que a falta de debates a respeito da formação do professor de Psicologia está intrinsecamente ligada à desvalorização deste profissional no meio acadêmico, o que acaba por prejudicar a visão de estudantes e docentes, no que tange a esta modalidade de formação. Considerações finais
Ao analisar o perfil Licenciatura em Psicologia no contexto geral brasileiro, notase que existem direitos garantidos ao licenciado para atuar na docência, desde a regulamentação do curso de Psicologia até as atuais diretrizes. As Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia, ao tratarem da formação do licenciado, devem apontar para uma articulação dos conteúdos de base científica presentes no núcleo comum do curso de Psicologia com aspectos relacionados à educação (docência, compreensão da dinâmica escolar, processo de ensino-aprendizagem). Esta articulação permitirá que o graduando faça uma aproximação destes conhecimentos às diferentes realidades em que estiver atuando como professor de Psicologia. Para a melhora na qualidade da Formação do Professor de Psicologia, o primeiro passo é conhecer este profissional, saber como e para qual finalidade ele está sendo formado, assim como seus possíveis campos de atuação. Assim, é necessário que mais pesquisadores se debrucem sobre o tema, para que a formação em Psicologia seja cada vez mais aprimorada e sintonizada com as mudanças dos novos tempos. O debate sobre a formação do professor de Psicologia está aberto. Referências
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Nota dos autores:
Sérgio Dias Cirino – Psicólogo, Doutor em Psicologia pela USP. Professor da Faculdade de Educação da UFMG. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Ensino de Psicologia do Laboratório de Psicologia e Educação (GENPSI/LAPED) - FAE/UFMG. E-mail:
[email protected]. Danielle Fanni Dias Knupp – Psicóloga, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, Licenciada em Psicologia pela Faculdade de Educação da UFMG. Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Psicologia do Laboratório de Psicologia e Educação (GENPSI/LAPED) - FAE/UFMG. E-mail:
[email protected] . Letícia Siqueira Lemos – Mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG. Psicóloga e Licenciada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005). Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Psicologia do Laboratório de Psicologia e Educação (GENPSI/LAPED) - FAE/UFMG. E-mail:
[email protected]. Sérgio Domingues - Mestrando em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG. Psicólogo pela UFMG. Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Psicologia do Laboratório de Psicologia e Educação (GENPSI/LAPED) - Professor na UNIPAC - Barbacena /MG . E-mail:
[email protected]
ISSN 1413-389X
o
Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 33 – 39
Reflexões sobr e a formação de pro fessores de Psicologia Carlos César Barros
Universidade de São Paulo
Resumo
Este artigo expõe reflexões sobre a formação do professor de psicologia considerando a história e o papel da Psicologia na educação do cidadão brasileiro. Levanta a hipótese de que a psicologia aplicada, em conjunto com a crítica que lhe é feita, afastou o interesse dos profissionais psicólogos pela prática do ensino de Psicologia na educação básica. Segue descrevendo como o tema da práxis vem sendo retomado nas recentes discussões sobre a formação de professores como intelectuais críticos e reflexivos. Propõe uma retomada crítica do interesse pelo ensino da Psicologia em um sistema educativo que tenha como finalidade a educação contra a barbárie, considerando esta também em sua dimensão subjetiva: para a formação do cidadão auto-reflexivo, uma educação psicológica é imprescindível. Palavras-chave: Psicologia, Formação de professores, Educação básica, Teoria crítica,
Adorno, Theodor.
Reflection s about the Psyc holo gy teacher’s educatio n Ab st rac t
This essay aims to reflect upon the education system of psychology professor preparation course considering the history and the role of psychology in Brazilian education. It suggests the hypothesis that applied psychology - among its critics – has withdrawn the interest of psychologists for its teaching practice in the basic education. The paper also describes how the praxis matter have been reconsidered in the most recent colloquies about the need of the professor’s education in order to develop more critical and intellectually reflexive professionals. It proposes a critical retake of the interest by the psychology teaching in an educational system focused in the education against barbarity, considering that in subjective dimension as well: a psychological education is essential for a self- reflexive citizenship. Keywords: Psychology, Professors Education, Basic Education, Critical Theory, Adorno,
Theodor. A formação do professor de psicologia destaca dois temas para reflexão: a formação de professores e a formação de psicólogos. O desinteresse – e os rudimentos de um novo interesse – do psicólogo pela profissão de professor é uma questão essencial que convida a uma incursão, mesmo que breve, pela visão que se construiu entre os psicólogos sobre a educação. Também é preciso considerar como os educadores vêm tratando da formação do educador profissional. Mais que refletir sobre a formação do professor de psicologia,
interessa levantar questões sobre a relação entre psicologia e educação do cidadão. Se o saber psicológico não compõe os projetos de educação básica e os próprios psicólogos não dão importância ao fato, o que isso significa? Para qual educação a psicologia seria relevante? O interesse da ciência psicológica pela educação tem suas origens no desenvolvimento da psicologia aplicada. As pesquisas acadêmicas nos laboratórios de psicologia de Wilhelm Wundt (1832-1920) ou Edward B. Titchener (1867-1927) não
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obtiveram a repercussão que as técnicas desenvolvidas por James M. Cattell (18601944) ou por Alfred Binet (1857-1911). Tal repercussão parece se dever mais a fatores externos que a uma superioridade teórica. Segundo Schultz e Schultz (2006), no início do século XX, nos Estados Unidos, a psicologia acadêmica não era valorizada e, por questões financeiras, o crescente número de psicólogos que se formava passou a tentar a vida com alguma aplicação prática da psicologia. A solução era clara: valorizar a psicologia, aplicando-a. Mas aplicá-la em quê? Felizmente a resposta logo ficou evidente. As matrículas nas escolas públicas aumentavam significativamente e, entre 1870 e 1915, passaram de 7 para 20 milhões. Os gastos do governo com as escolas públicas durante esse período aumentaram de 63 para 605 milhões de dólares. A educação tornou-se um grande negócio, chamando a atenção dos psicólogos (Schultz & Schultz, 2006, p. 187). No Brasil, o espírito foi parecido, apesar da inversão temporal na relação entre o profissional psicólogo e a demanda educacional: profissionais formados em psicologia só passaram a existir depois que a demanda educacional pela psicologia já se havia instalado. O movimento de industrialização fez deslocar grandes grupos da população rural para as cidades, gerando graves problemas de ajustamento; por outro lado, elevou a demanda de ensino por toda parte, em si mesmo, vindo a sentir delicadas questões de organização e administração. Os remédios da Psicologia passaram a ser reclamados, com maior ou menor propriedade, ou mesmo sem ela (Lourenço Filho, 1969/2004, p.109). Alguns dos primeiros laboratórios de psicologia do Brasil já surgem dentro de escolas; os demais, em instituições médicas. Os primeiros ensinantes da disciplina eram advogados, mas foram superados em número por médicos e pedagogos (Cabral, 1950/2004). Além do autodidatismo e do
ensino da psicologia nos cursos de medicina, houve também “uma compreensão crescente do valor das técnicas de aplicação psicológica na organização racional do trabalho” (Lourenço Filho, 1969/2004, p. 111). Quando, em 1962, estabeleceram-se as diretrizes para a formação do psicólogo, elas se concentraram nas áreas clínica, educacional e empresarial. Foram os resultados de um campo em que “os remédios da Psicologia” foram reclamados mesmo sem um pensamento propriamente psicológico. A psicologia aplicada é, portanto, a base da psicologia brasileira que se reflete nos cursos de formação de psicólogos até os dias atuais. Vinte anos depois, em 1982, já no período de transição do governo ditatorial para o dito democrático, a relação entre os psicólogos e a educação básica do cidadão entra em uma nova fase. A Lei 7.044 delimitou o ensino médio não mais como de “qualificação” para o trabalho, como constava na Lei 5.692 de 1971, mas sim, como um ensino de “preparação” para o trabalho. Preparar-se para o mundo do trabalho é diferente de adquirir qualidades para ser um trabalhador. Este novo posicionamento favorece um projeto de formação para uma leitura crítica do mundo. Como conseqüência, as unidades de ensino poderiam estabelecer uma parte diversificada em seus currículos. Segundo Mrech (2000), foi nesse momento que se introduziu a disciplina Psicologia para os alunos do ensino médio. No mesmo ano surgiu a 1a Comissão de Ensino do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Em 1984, 454 escolas de 2o Grau do Estado de São Paulo tinham a disciplina Psicologia em seu currículo; em 1985, 445; em 1986, 603; e em 1987, 593. Em 1990 foi elaborada pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, por meio da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), uma “Proposta curricular de Psicologia para o ensino de 2o Grau”, que obteve uma segunda edição em 1992 (Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, 1992). Com a LDB de 1996, Lei 9.394, disciplinas como Psicologia, Sociologia e Filosofia deixaram de fazer parte dos currículos, tendo seus conteúdos trabalhados como temas transversais. Em 2006, Filosofia
Reflexões sobr e a form ação
e Sociologia se tornaram disciplinas obrigatórias nos currículos do Ensino Médio. A Psicologia, não. Discussões em Conselhos e Sindicatos aparecem e desaparecem, um número reduzido de psicólogos se empenham por uma articulação que retome a Psicologia como disciplina do Ensino Médio. Por quê? Segundo Mrech: Como diz o provérbio: Casa de Ferreiro, Espeto de Pau. Os psicólogos apresentam um olhar crítico frente ao social, mas acabam apresentando um olhar terrivelmente ideologizado em relação ao seu próprio processo como agentes formadores. Eles acreditam ter um a mais que os educadores não têm. E por este “a mais” eles teriam acesso a todas as respostas que os educadores não têm (Mrech, 2000, p. 13) São poucos os psicólogos que chegam a pensar em sua atuação como professores no Ensino Médio e outros tantos que até pensam em atuar como professores no Ensino Superior. A opção pela licenciatura é reduzida nos cursos que ainda a oferecem. Professores de psicologia, os formadores de psicólogos, não acreditam que seja defensável a obrigatoriedade da psicologia na formação do cidadão ou do trabalhador. O fenômeno é complexo e carente de estudos. A única hipótese que podemos sustentar, reunindo as poucas informações disponíveis, é a de que a história da psicologia no Brasil transformou seus profissionais em pessoas que pensam em termos de aplicabilidade de sua ciência. Os psicólogos de posicionamento crítico afastam-se tanto da prática tradicional, que não consideram a psicologia salutar para o cidadão, talvez até a considerem prejudicial por ser adaptativa e comprometida com a manutenção do status quo. Não deixam de ter razão. Mas o aumento do número de psicólogos no mercado, a busca por alternativas para a atuação e a vitória de sociólogos e filósofos no campo do ensino de suas disciplinas parece reavivar o ânimo dos profissionais psicólogos em voltar a atuar no Ensino Médio. Reflexo disso é o manifesto “8 razões para aprender psicologia no ensino médio”, publicado recentemente no sítio do Conselho Federal de Psicologia e
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apoiado por cerca de vinte instituições da área, que retomam a Psicologia no Ensino Médio como tema de militância, solicitando dos psicólogos a assinatura eletrônica e o apoio à luta. A formação de professores de psicologia assume o risco de lançar no mercado profissionais desinteressados pela profissão de professor, mas que a exerceriam apenas por ser uma fonte de renda disponível, o que já acontece com professores em geral. Nestas condições, é prudente perguntar: como estão se preparando os educadores e o que os psicólogos poderiam aprender com eles? Segundo Pimenta (2002), a partir dos anos noventa, compondo um movimento de valorização da formação e da profissionalização de professores, surgiram, em diferentes países e influenciaram discursos de pesquisadores e políticos, as noções de “professor reflexivo” e “professor pesquisador”. Tais noções tiveram como principal formulador o estadunidense Donald Schön. Schön estava preocupado com a formação dos profissionais de uma forma geral, não apenas com os professores. As ciências estavam (e estão) em crise, o que tornou o ensino universitário algo anacrônico, desvinculado do mundo do trabalho, sem respostas práticas (Schön, 2000). Encontrou nas escolas de música, na supervisão psicanalítica e nos ateliês de arquitetura um bom modelo para a formação de profissionais. Nestes exemplos, a profissão é aprendida desde o começo por meio da prática. É na prática que se aprende os termos técnicos, que os obstáculos surgem e podem ser superados. Mas não é tão simples. O conhecimento prático, o conhecimento “na ação”, constitui um conhecimento tácito, que deve ser reconhecido nos momentos de problematização e análise da prática profissional. Este conhecimento não pode ser antecipado pela teoria, é uma questão prática. Mas este conhecimento é insuficiente, novos problemas surgem, situações inéditas que levam a uma “reflexão na ação”. Desta reflexão surgirão as novas práticas, que irão se deparar com novas situações inusitadas. Este é um movimento contínuo. Schön (2000) ainda propõe a “reflexão sobre a reflexão na
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ação”, o que sugere uma contextualização, um diálogo, elaborações explicativas, teorias sobre a prática profissional. A aplicação dos conceitos de Schön à educação, à formação de professores, dá origem ao conceito de professor-reflexivo, aquele que reflete sobre sua ação, sobre os problemas que surgem em sala de aula e que pode pensar sobre a reflexão na ação por meio das teorias e das pesquisas educacionais. Mas as idéias de Schön passaram a receber críticas que ampliaram em muito suas discussões: [...] diversos autores têm apresentado preocupações quanto ao desenvolvimento de um possível “praticismo” daí decorrente, para o qual bastaria a prática para a construção do saber docente; de um possível “individualismo”, fruto de uma reflexão em torno de si própria; de uma possível hegemonia autoritária, se se considera que a perspectiva da reflexão é suficiente para a resolução dos problemas da prática; além de um possível modismo, com uma apropriação indiscriminada e sem críticas, sem compreensão das origens e dos contextos que a gerou, o que pode levar à banalização da perspectiva da reflexão (Pimenta, 2002, p. 22) Esta crítica ao praticismo na formação de professores remete à discussão sobre teoria e prática. Segundo Chauí: Devemos a Aristóteles a distinção entre saber teorético e saber prático. O saber teorético é o conhecimento de seres e fatos que existem e agem independentemente de nós e sem nossa intervenção ou interferência. Temos conhecimento teorético da Natureza. O saber prático é o conhecimento daquilo que só existe como conseqüência de nossa ação e, portanto, depende de nós. A ética é um saber prático. O saber prático, por seu turno, distingue-se de acordo com a prática, considerada como práxis ou como técnica. A ética refere-se à práxis (Chauí, 1999, p. 341)
Stenhouse (1987) e Elliott (1993) reivindicam esta concepção de práxis para a educação. Ao propor a formação de professores como pesquisadores, subentende-se que formar profissionais da educação é algo mais específico que formar profissionais em geral. Afinal, a educação é uma espécie de causa final, ou seja, ao ser planejada tem como finalidade a questão moral e política, deve formar o homem e a sociedade não só do amanhã, mas do presente. E mais, um planejamento curricular já possui uma intenção, uma finalidade específica, uma concepção de homem. Ao revés do tecnicismo, os verdadeiros resultados práxicos não podem ser vistos de imediato. Para Stenhouse (1987, citado por Contreras, 1997, p. 88) “é a intenção de ver as possibilidades práticas e os problemas que origina a pretensão de levar a cabo uma idéia educativa, o que se converte em motor da reflexão”. Sendo assim, não são os problemas práticos da profissão, mas as intenções educacionais que motivam a reflexão educativa. É Elliott quem destaca o fundamento aristotélico da noção de professor como investigador. Este conceito deriva de um trecho em que Aristóteles disserta sobre a deliberação e a investigação: Como o próprio Aristóteles disse, o que delibera “parece que investiga”, para acrescentar mais adiante que “nem toda investigação é deliberação... mas toda deliberação é investigação”. Da mesma maneira, e segundo o que já vimos, a prática pedagógica, frente aos momentos que apresentam características de surpresa e incerteza, demanda deliberação, reflexão e investigação com objetivo de julgar o melhor modo de proceder no caso, e isto sempre em relação aos significados que devem adquirir os valores educativos pretendidos nas circunstâncias particulares (Elliott, 1993, citado por Contreras, 1997, p. 92) Outras críticas foram desenvolvidas sobre a argumentação de Stenhouse e Elliott no campo da formação de professores, mas nos limitaremos ao ponto em que chegaram, remetendo o leitor que queira se aprofundar às obras dos autores mencionados até aqui
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(Pimenta, 2002; Contreras, 1997). Interessanos, a partir de agora, considerar alguns destes argumentos para refletir sobre a formação do professor de psicologia. A ausência do professor de psicologia na educação básica impede a “reflexão na ação” ou a “reflexão sobre a reflexão na ação”. Para a formação do professor de psicologia as idéias iniciais de Schön soam bastante avançadas. Mas, se levarmos a sério a hipótese de que a atitude do psicólogo frente à educação ou é de desinteresse crítico ou de interesse corporativo, torna-se relevante buscar elementos teóricos que relacionem a psicologia à práxis educativa. Um primeiro cuidado a ser tomado é o de não reduzir a práxis à educação formal ou ao ensino institucionalizado. Por isso, antes de pensar em uma relação entre psicologia e ensino escolar, comecemos nosso encadeamento lógico por uma expressão mais geral da relação entre práxis e psicologia. Ao comentar a prevenção do socialismo contra a iminente recaída na barbárie, fazendo alusão à conhecida fórmula “socialismo ou barbárie”, Adorno (1969/1995) escreveu o seguinte: “A recaída já se produziu. Esperá-la para o futuro, depois de Auschwitz e Hiroshima, faz parte do pobre consolo de que ainda é possível esperar algo pior. [...] Uma práxis oportuna seria unicamente a do esforço de sair da barbárie” (Adorno, 1969/1995, p. 214). Este esforço leva em conta a atividade teórica, que neste caso não é apenas contemplação da natureza como em Aristóteles, mas também contemplação da história. Ao contemplar a história e refletir sobre presente e futuro da humanidade, a teoria é também práxis. Mas dado um direcionamento para a práxis – a saída da barbárie – qual o papel da psicologia nesta discussão? A teoria objetiva da sociedade, como algo independizado em relação aos seres viventes, retém o primado sobre a psicologia, a qual não alcança o que é decisivo. [...] Mas, a ascese contra a psicologia tampouco é objetivamente sustentável. Desde que a economia de mercado se encontra desorganizada e está sendo remendada de uma medida provisória a outra,
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suas leis não constituem mais explicação suficiente por si sós. Não seria possível, a não ser graças à psicologia – através da qual se interiorizam sem cessar as coações objetivas – compreender nem que os homens aceitem passivamente uma irracionalidade sempre destrutiva, nem que se alistem em movimentos cuja contradição com seus interesses não é difícil de perceber (Adorno, 1969/1995, p. 218). A psicologia, entendendo o termo como a configuração interna individual ou como a ciência psicológica, não alcança o que é decisivo no esforço para a saída da barbárie. E neste caso apresenta-se a racionalidade do desprezo por uma educação psicológica. Mas não pensar psicologicamente, reforçar a ascese contra a psicologia, tem algo de insustentabilidade, com a polissemia que este termo pode oferecer. Só a psicologia fornece elementos para a compreensão da irracionalidade destrutiva e da aceitação passiva dos homens diante dela, ou do ativismo destes em função de interesses contrários aos seus. A compreensão da interiorização da barbárie – elemento para sua reprodução e, por outro lado, possibilidade de identificação de possíveis resistências contra a barbárie – não pode ser completa sem a psicologia, sem uma compreensão dos “fatores subjetivos da barbárie” (Barros, 2003) ou da “barbárie interior” (Mattéi, 2002). Se a psicologia é indispensável para a práxis mais geral, seria ela também indispensável para uma escola que esteja contida nesta práxis? Enquanto a sociedade gerar a barbárie a partir de si mesma, a escola tem apenas condições mínimas de resistir a isto. Mas se a barbárie, a terrível sombra sobre a nossa existência, é justamente o contrário da formação racional, então a desbarbarização das pessoas individualmente é muito importante. A desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência. Este deve ser o objetivo da escola, por mais restritos que sejam seu alcance e suas possibilidades. E para isto ela precisa
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libertar-se dos tabus, sob cuja pressão se reproduz a barbárie. O “pathos” da escola hoje, a sua seriedade moral, está em que, no âmbito do existente, somente ela pode apontar para a desbarbarização da humanidade, na medida em que se conscientiza disto (Adorno, 1971/2000, p. 116). Para uma educação apenas adaptativa, talvez a psicologia seja realmente dispensável. Mas se tomamos como meta uma educação contra a barbárie, a psicologia se torna necessária e cabe então questionar qual tipo de educação é desejável. Com relação à barbárie como violência, que é gerada socialmente, mas se expressa individualmente, a educação parece ser o meio que, ainda que não transforme as condições objetivas, pode levar às pessoas elementos para refletirem sobre si mesmas e sobre as violências que executam externa ou internamente. É preciso que a escola seja de alguma forma adaptativa, para que o indivíduo possa sobreviver, trabalhar. Mas frente a esse papel adaptativo, propor a resistência contra a barbárie é essencial. Para que as pessoas tenham ferramentas para compreender os mecanismos internos de reprodução da barbárie, parece indicado que a psicologia faça parte do clima educacional de forma diferente de como ocorreu até hoje. Como hoje em dia é extremamente limitada a possibilidade de mudar os pressupostos objetivos, isto é, sociais e políticos que geram tais acontecimentos, as tentativas de se contrapor à repetição de Auschwitz são impelidas necessariamente para o lado subjetivo [...] Torna-se necessário o que a esse respeito uma vez denominei de inflexão em direção ao sujeito. É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma consciência geral acerca desses mecanismos (Adorno, 1971/2000, p. 121). Mas dar espaço à psicologia não significa psicologizar. A crítica à psicologia
é também fator indispensável em uma sociedade cuja racionalidade tecnológica administra e gere as vidas das pessoas em seus trabalhos, ou até mesmo no chamado tempo livre. Na medida em que pôde se apoiar no fato de que na sociedade da troca o sujeito não é sujeito, e sim, de fato, objeto desta última, a psicologia pôde fornecer-lhe armas para torná-lo mais do que nunca objeto e mantê-lo subordinado. A divisão do homem em suas faculdades é uma projeção da divisão do trabalho sobre os seus pretensos sujeitos, inseparável do interesse de utilizá-los com o maior ganho possível e, em geral, de poder manipulá-los (Adorno, 1951/1993, p. 54) E como criticar a psicologia sem conhecê-la ou quando ela entra pelas portas dos fundos dos currículos escolares como tema transversal? O momento educacional atual é um momento com potencial para uma educação outra, o discurso em prol de uma educação para todos possibilita uma reavaliação das finalidades e dos meios educacionais. Uma das forças para a inserção do pensamento psicológico é justamente a proposta de uma educação para as diferenças, contra a discriminação e o preconceito. É um momento para se refletir sobre o porquê de tanta ciência natural na educação básica. Por que vivemos num Estado de direito sem aprender noções básicas de direito? Por que vivemos num mundo regido pela economia e não aprendemos noções básicas de economia? Por que somos bombardeados pela mídia e pela produção cultural industrializada e não aprendemos a ver televisão, ouvir música, a contemplar uma obra de arte? Por que a educação física não trata realmente de discutir e ensinar sobre cuidados com o corpo e se degenera, na maior parte dos casos, em competição esportiva? A formação de psicólogos e, por conseqüência, a formação de professores de psicologia deve levar em conta a reflexão e a pesquisa sobre o papel da psicologia na práxis educacional. É preciso que os psicólogos encontrem sentido na ocupação de professor se desejam lutar por ela. Se a
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psicologia tomar um posicionamento em direção à saída da barbárie, contra os fenômenos de violência social, ela será indispensável a uma educação com os mesmos propósitos: “uma educação efetivamente procedente em direção à emancipação frente a esses fenômenos não poderia ser separada dos questionamentos da psicologia profunda” (Adorno, 1971/2000, p. 149). Referências
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Nota do autor:
Carlos César Barros – Doutorando do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
o
ISSN 1413-389X
Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 41 – 55
A psicologia da educação como um saber necessário para a formação de professor es Patrícia Cristina Albieri de Almeida
Universidade Presbiteriana Mackenzie Roberta Gurgel Azzi
Universidade Estadual de Campinas Resumo
O presente estudo inscreve-se nas discussões acerca das contribuições da Psicologia da Educação para a formação docente no contexto das atuais políticas educacionais para a formação de professores da educação básica. Objetivou-se investigar como a Psicologia da Educação integra os saberes tidos como necessários à formação profissional no contexto das reformas. Para proceder à investigação foi necessário ter como fonte de informação os professores formadores, tidos como sujeitos partícipes da formação docente, e os projetos que eles intentam realizar. Os resultados permitiram discutir a inserção da Psicologia da Educação nos Projetos de Formação, considerando-se a complexa relação entre os conhecimentos universitários, os saberes profissionais dos professores e as práticas formativas. Palavras-chave: Psicologia da Educação, Formação de Professores, Saberes Docentes,
Propostas de Formação, Reformas.
Education al Psyc holo gy as necessary kno wledge for teacher education Ab st rac t
The present study is based on the discussion about the contribution that educational psychology has for professor preparation course in the context of the current educational policies for elementary education. The objective was to investigate how the educational psychology integrates the necessary knowledge to the professional education in the context of reform. In order to proceed the investigation, it was necessary to have, as information sources, professors who were considered active subjects of the teaching education and their intended projects. The results permitted to consider the insertion of educational psychology in the professor preparation course´s projects, having into account the complex relationship between undergraduate education knowledge, professional knowledge of the professor and the educational practices. Keywords: Educational Psychology, Professor Preparation Course, Educational Proposals,
Reforms. Pretendemos neste artigo trazer alguns resultados de uma pesquisa de doutorado, com o intuito de contribuir para as discussões do ensino da Psicologia da Educação nos cursos de licenciatura, num momento em que as discussões acerca da profissionalidade docente e dos saberes necessários à formação do professor estão no centro das reformas. O movimento reformista na formação inicial de professores da educação básica,
iniciado com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), demanda que sejam incorporadas, nas discussões acerca do papel que cumpre a Psicologia da Educação em cursos de formação docente, as questões relativas à concepção de formação presente nas reformas. No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação básica, instituída pela Resolução
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do Conselho Nacional de Educação 01/2002, apresentam-se coadunadas com a nova concepção de saberes e da docência, contemplando objetivos e princípios que estão no âmbito das tendências internacionais. São eles: conceber o ensino como uma atividade profissional que se apóia num sólido repertório de conhecimentos; considerar os professores como práticos reflexivos; ver a prática profissional como um lugar de formação e de produção de saberes pelos práticos; instaurar normas de acesso à profissão e estabelecer ligação entre as instituições universitárias de formação e as escolas da educação básica (Borges & Tardif, 2001). Assim, nos documentos das Diretrizes Curriculares Nacionais, o conjunto de saberes e competências que devem qualificar o profissional da educação ocupam lugar central nos encaminhamentos das reformas e, conseqüentemente, das propostas de formação (Borges, 2004; Laranjeira, Abreu, Nogueira, & Soligo, 1999). Os estudos acerca dos saberes docentes tiveram início na década de 80, quando os Estados Unidos e o Canadá, baseados na premissa de que existe uma “base de conhecimento” para o ensino, mobilizaram pesquisadores para investigar e sistematizar esses saberes, buscando compreender a genealogia da atividade docente e, assim, convalidar um corpus de saberes mobilizados pelo professor. Essas pesquisas foram desenvolvidas com a intenção de melhorar a formação de professores e iniciar um processo de profissionalização que favorecesse a legitimidade da profissão e, assim, transpusesse a concepção da docência ligada a um fazer vocacionado. As produções na área compartilham a crença de que a base de conhecimento, entendido aqui como um corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições de que um professor necessita para atuar efetivamente numa dada situação de ensino (Shulman, 2004), permitiria estruturar a educação do professor e instruir diretamente as práticas de formação. Essa nova forma de compreender os saberes docentes e as propostas de formação decorrentes das investigações na área mobilizaram a investigação do lugar e do papel da Psicologia da Educação nas propostas de formação. O interesse pela
Almeida, P. C. A., & Azzi, R. G.
investigação justifica-se por três razões: (1) porque existe uma trajetória histórica expressiva de relações entre a Psicologia e a Educação, e esta última, por muito tempo, foi disciplina obrigatória em cursos de formação de professores; (2) porque se busca a constituição da base de conhecimento para o ensino, e a Psicologia da Educação tem quadros teóricos disponíveis para analisar os fenômenos educativos; (3) porque, para delimitar o significado científico, social e político dessa disciplina, é preciso pensá-la no contexto das reformas e das propostas de formação, já que qualquer proposta para o ensino de Psicologia da Educação passa necessariamente pela proposta de ensino expressa nos cursos de formação, incluindo aí a definição do perfil do profissional a ser formado, os conhecimentos a serem priorizados e os encaminhamentos para o equilíbrio entre as finalidades teórica e prática, disciplinar e profissional. É importante ressaltar, em relação às razões aqui apresentadas, que, nas atuais reformas, a proposta é superar as críticas relativas à organização curricular dos cursos de licenciatura que predominaram até o momento. Essa organização é criticada por não ter privilegiado a articulação entre teoria e prática, e nem entre os campos disciplinares. Desse modo, não considerando a lógica profissional, ou seja, os campos disciplinares se estruturaram à parte e desvinculados do próprio ensino. É a partir dessa crítica que o papel dos conhecimentos universitários tem sido questionado, incluindo os conhecimentos específicos e os conhecimentos das Ciências Humanas e Sociais. Tardif (2002) problematiza as atuais reformas, indagando acerca das relações entre os conhecimentos universitários e a formação dos profissionais do ensino: Quais seriam as contribuições específicas desses conhecimentos para uma formação profissional universitária? Que função e que lugar devem ser atribuídos a eles, nos currículos de formação dos profissionais do ensino? As considerações do autor em relação a esses questionamentos caminham no sentido de discutir as possibilidades dessas disciplinas contribuírem de uma forma mais produtiva na formação do profissional da educação, o que implica, segundo ele, realizar uma
Psicologia: um saber necessário
integração concreta entre os conhecimentos e a ação, entre as disciplinas científicas e as práticas profissionais. No caso da Psicologia da Educação, em relação a essas indagações decorrentes das propostas de formação que têm em seu bojo os saberes docentes, algumas questões podem ser levantadas: Como se concebe, no contexto das reformas, o papel da Psicologia da Educação nos cursos de formação de professores? Os fundamentos de que a Psicologia da Educação dispõe para compreender os fenômenos educativos constituem saberes necessários à docência? Quais são os lugares da Psicologia da Educação nos atuais projetos de formação? Como se configurará o ensino de Psicologia da Educação? Quais são as possibilidades de inserção da Psicologia da Educação nos currículos de formação? Como os conhecimentos psicológicos estarão articulados aos outros componentes formativos? Quais são os pontos de intersecção entre os conhecimentos psicológicos e os demais saberes mobilizados na ação docente? O conhecimento psicológico no contexto dos saberes e, conseqüentemente das reformas, vem sofrendo um desprestígio? Tendo por base os questionamentos apresentados, e partindo do pressuposto de que a Psicologia da Educação se configura como uma das necessidades formativas do professor e é constitutiva da profissionalização docente, a presente pesquisa teve por objetivo investigar como a Psicologia da Educação integra os saberes tidos como necessários à formação profissional no contexto das reformas. Considerando que nos últimos anos as instituições vivenciam um processo de adequação curricular decorrente das normalizações vigentes, pretendeu-se analisar propostas de cursos de formação de professores buscando problematizar o lugar e o sentido dos conhecimentos psicológicos na formação dos profissionais do ensino no contexto das reformas. Uma breve descriç ão da pesqui sa
Para proceder à investigação foi necessário ter como fonte de informação os professores formadores, tidos como sujeitos partícipes da formação docente, e os projetos
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que eles intentam realizar. As propostas de formação são aqui entendidas como documentos que expressam as experiências de conhecimento a serem desenvolvidas por formadores e licenciandos, bem como tudo que se faz para materializá-las nas práticas formativas. Os Projetos de Formação são tidos como espaços que retratam interesses de natureza epistemológica, política, social e cultural, no âmbito da formação de professores, e que congregam indícios de como a comunidade acadêmica, responsável pela formação docente, têm contribuído para o movimento histórico de reconfiguração dos cursos de licenciatura. Recorreu-se à entrevista para complementar à análise dos Projetos de Formação devido à necessidade de se coletar dados que não são encontrados em registros e documentos, e que por isso só podem ser fornecidos pelas próprias pessoas. O uso da entrevista, nesse caso, foi relevante, pois se tornou um momento de organização de idéias e de construção de sentidos e significados, em relação aos projetos de formação, por parte daqueles que materializam o currículo. O estudo foi desenvolvido em quatro cursos de Licenciatura em Matemática1 do Estado de São Paulo, sendo duas instituições públicas e duas privadas Para preservar a identidade das instituições, elas serão assim nomeadas: ALFA e BETA, as instituições públicas; GAMA e OMEGA, as instituições privadas. A escolha das instituições deu-se a partir do critério de coletar dados em diferentes realidades, do ponto de vista do professor formador (formação, atividades que desenvolve, área de atuação, titulação, experiência docente, etc.) e da instituição (projeto pedagógico, organização, condições de trabalho, grade curricular, etc.). Foram entrevistados quinze professores formadores, sendo quatro coordenadores de curso, quatro da área específica e sete da área de Psicologia da Educação. A entrevista semi-estruturada foi encaminhada a partir de questões 1
Em levantamento realizado na web para a escolha dos cursos, as Licenciaturas em Matemática destacaram-se por disponibilizar informações abrangentes sobre o Projeto de Formação do curso.
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desencadeadoras. Para os professores coordenadores e professores da área específica, as questões desencadeadoras foram em relação à Psicologia da Educação: Como percebem a Psicologia da Educação como área de conhecimento na proposta do curso? Como essa área do conhecimento é pensada na proposta do curso? Para os professores da área de Psicologia da Educação, acrescentaram-se às questões desencadeadoras: O que pensa da Psicologia como área de conhecimento na formação? Conte sobre o ensino de Psicologia da Educação no curso, relatando os critérios que utiliza na definição dos objetivos, na seleção de conteúdos/temas, autores e estratégias. As propostas de formação foram analisadas com o intuito de apreender a concepção de formação presente e os saberes que estão na base da formação inicial, e, também, investigar como a Psicologia da Educação integra esses saberes. As entrevistas foram analisadas tendo em vista apreender a concepção dos professores em relação aos projetos de formação e à Psicologia da Educação na formação e nos projetos. Os resultados foram analisados em função das categorias que emergiram das respostas às entrevistas e da análise dos Projetos de Formação. Os dados, analisados sob a perspectiva do Knowledge base, permitiram discutir a inserção da Psicologia da Educação nos Projetos de Formação, considerando-se a complexa relação entre os conhecimentos universitários, os saberes profissionais dos professores e as práticas formativas. Resultados
Apresentaremos os principais achados de nossa análise em relação à inserção da Psicologia da Educação na formação do professor. A intenção é colocar em evidência os pontos centrais extraídos da conclusão do estudo. Como as propostas analisadas foram elaboradas no contexto das reformas e tiveram as Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores da educação básica como documento norteador, é pertinente retratar, mesmo que sucintamente, como os saberes necessários à docência estão previstos no texto oficial das Diretrizes Curriculares.
Cabe reiterar que as reformas foram fortemente influenciadas pela produção de pesquisa desenvolvida em diversos países com a intenção de compreender a genealogia da atividade docente e convalidar um corpus de saberes mobilizados pelo professor. A necessidade de reconhecer um repertório de conhecimentos próprios ao ensino incide sobre a especificidade deste trabalho, do saber específico indispensável ao desenvolvimento da atividade docente e sua natureza. Dito de outra forma, o trabalho docente requer um conjunto de saberes que não são aprendidos espontaneamente. No texto das Diretrizes Curriculares, os saberes reconhecidos como necessários para exercer a profissão docente são nomeados como “conhecimentos para o desenvolvimento profissional”, e tidos como requisitos impostos para a constituição das competências. Nos documentos oficiais das reformas, a competência é compreendida como a capacidade de atuar mobilizando conhecimentos. Argumenta-se que, embora os conhecimentos/saberes estejam integrados às competências, eles não se confundem com elas, pois as competências são capacidades que se apóiam em conhecimentos. A capacidade de organizar e dirigir situações de aprendizagem, por exemplo, requer o conhecimento pedagógico, o conhecimento das teorias da aprendizagem, o conhecimento do conteúdo específico a ser ensinado, dentre outros. É importante ressaltar que os documentos analisados não dispõem de informações suficientes para analisar a articulação entre conhecimentos e competências, apesar das propostas analisadas apresentarem uma organização tipológica dos conhecimentos necessários à docência bastante coerente com o disposto na Resolução 01/01. Os conhecimentos necessários à docência nas prop ostas de formação
Nas propostas analisadas, os conhecimentos estão organizados de diferentes formas e foram agrupados em: conhecimentos sobre crianças, jovens e adultos; conhecimentos sobre a dimensão cultural, social e política da educação; conhecimentos matemáticos e de alguns
Psicologia: um saber necessário
fundamentos de outras ciências exatas; conhecimento pedagógico. No Quadro 1 tem representado uma síntese2 dos âmbitos de conhecimento privilegiados por cada uma das propostas de formação analisadas e suas respectivas descrições. É necessário esclarecer que a organização curricular dos cursos analisados é disciplinar e são dos grupos de conhecimento descritos (Quadros 1 e 2) que procedem as disciplinas. No entanto, na proposta da instituição GAMA observa-se uma peculiaridade: as Licenciaturas estão organizadas por áreas do conhecimento, com ênfases em diferentes disciplinas que podem compor o currículo escolar nos segmentos do ensino aos quais se destinam os docentes por elas formados. Para este estudo analisamos a área denominada “Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias”. Os conhecimentos estão organizados na matriz curricular em âmbitos de formação (Gestão Educacional; Gestão do Currículo e da Aprendizagem; Gestão do Desenvolvimento Pessoal e profissional) e eixos de ação (Sociedade e Cultura; Escola; Professor; Aluno; Currículo). Propõe-se um inventário de temas que ira perpassar as áreas horizontalmente e que deve ser compreendido em paralelo com os conteúdos disciplinares e as competências, cuja construção ou retomada pretendem desencadear. Está previsto uma articulação interna decorrente das características comuns às disciplinas que a compõem. E, provavelmente em decorrência dessas características, as disciplinas precedentes dos âmbitos de conhecimentos são organizadas, na sua maioria, por temas. Nas demais propostas analisadas (ALFA, BETA e OMEGA) um aspecto merece destaque: pelo menos 70% das disciplinas provenientes dos grupos de conhecimento são correspondentes ao conhecimento matemático e áreas afins. Esse dado pode suscitar diferentes interpretações. Contudo, o que parece importante não é absolutamente discutir a carga horária que cabe a cada âmbito de conhecimento, ou se é mais importante o conhecimento pedagógico ou o conhecimento específico. Trata-se de 2
Os conteúdos apresentados no quadro não serão analisados neste artigo.
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discutir como promover a articulação entre esses âmbitos. Dito de outra forma, como articular e mobilizar diferentes conhecimentos envolvendo atividades de compreensão, transformação, avaliação e reflexão sobre a atividade de ensino. É importante acrescentar que as dificuldades de articulação entre as áreas de conhecimento, assim como a de promover a interseção de conteúdos específicos e pedagógicos, também emergem na fala dos professores formadores entrevistados. A articulação entre os âmbitos de formação é pouco explorada nos documentos analisados. Está prevista especialmente nas atividades de estágio e de prática profissional. Notadamente na proposta da instituição BETA, propõe-se que todas as disciplinas estejam direta ou indiretamente envolvidas com a formação prática. A proposta tem o diferencial, em relação às outras, de apresentar um itinerário formativo mais detalhado, com possibilidades de integração e de promover espaços, desde o início do curso, para o licenciando habituarse à prática profissional. As disciplinas reconhecidas com potencial para promover esse conhecimento articulador são: Trabalho de Conclusão de Curso, Instrumentação para o Ensino da Matemática e Estágio Supervisionado em Matemática na Educação Básica. No entanto, todas as disciplinas poderão estar direta ou indiretamente envolvidas. Constam, ainda, as atividades complementares: participação em projetos de extensão, trabalho de conclusão de curso e outras atividades acadêmico-científicoculturais. Nas demais propostas, a ênfase está em justificar e argumentar a importância do estágio e das atividades de prática profissional. Na proposta da instituição GAMA, no âmbito da Gestão do Desenvolvimento pessoal e profissional, destaca-se as atividades desenvolvidas sob a forma de: oficinas, fóruns e seminários; grupos de trabalho, de discussão e clubes; participação em eventos e atividades culturais. Os conhecimentos provenientes da Psicologia da Educação estão contemplados nas propostas especialmente no grupo de ‘conhecimentos sobre crianças, jovens e adultos’ e, também, no grupo de ‘conhecimentos pedagógicos’. Nesses
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Quadro 1: Síntese dos âmbitos de conhecimento Âmbito de conhecimento
Descrição dos conhecimentos privilegiados nas propostas
ALFAa: envolve o conhecimento psicológico e o processo pedagógico; relação psicopedagógica como favorecedora do processo de desenvolvimento individual/social e a aprendizagem da matemática pelo aluno. Disciplina: Psicologia da Educação
Conhecimentos sobre crianças, jovens e adultos
Conhecimento sobre a dimensão cultural, social e política da educação
BETA: estudo de modelos do desenvolvimento humano e processos de socialização, o estudo de modelos de aprendizagem, o conhecimento dos aspectos físicos, cognitivos, afetivos e emocionais do desenvolvimento individual, o conhecimento dos papéis sociais e características psíquicas das diversas faixas etárias. Disciplinas : Psicologia: Desenvolvimento e Psicologia da Educação 1: Aprendizagem. OMEGA: a proposta pedagógica dispõe de poucas informações a respeito desses conhecimentos. Pressupõe-se que estão contemplados nas áreas de formação pedagógica e humanística, que têm por objetivo desenvolver os conteúdos na área de ensino e aprendizagem, nas dimensões humana e ética dos conhecimentos e das relações sociais. GAMAb: os conhecimentos relativos ao desenvolvimento e aprendizagem de crianças, jovens e adultos, estão no âmbito da Gestão do Currículo e Aprendizagem e nos eixos professor, aluno e currículo. Módulo: “Desenvolvimento e Aprendizagem”. E no âmbito da Gestão Educacional e nos eixos: escola, professor, alunos e currículo consta o módulo “Adolescente na sociedade brasileira”. ALFA: compõe as disciplinas e atividades introdutórias à formação de professor da educação básica. Questões centrais da educação e da escolaridade básica em suas vinculações com o exercício da cidadania. Conjunto de disciplinas de Introdução aos Estudos da Educação. BETA: estudo da sociedade contemporânea, as tendências político-ideológicas que influenciam a educação, dimensões do papel profissional de professor, problemas e perspectivas do sistema educacional brasileiro. Disciplinas: Educação e Sociedade; Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. Como disciplinas relacionadas indiretamente, constam a prática profissional e estágio e, nas atividades complementares, fazem parte os projetos de extensão, pesquisa etc. OMEGA: esse âmbito de conhecimento não compõe o quadro de saberes necessários à formação. GAMA: São cinco os módulos que contemplam esse saber e todos eles estão inseridos no âmbito da Gestão Educacional. São eles: Educação e Sociedade; Princípios filosóficos que presidem o processo educativo; A educação no contexto político e social brasileiro; Escola: Autonomia, Identidade e Diversidade; O professor: papel, ética e profissionalização.
Conhecimentos matemáticos e de alguns fundamentos de outras ciências exatas
ALFA: os conhecimentos matemáticos e áreas afins compõem o bloco de formação específica, que está organizado em disciplinas e atividades diretamente relacionadas a esses conhecimentos específicos. As grandes áreas de conteúdo que integram o currículo do curso de Licenciatura em Matemática são as seguintes: Álgebra, Geometria, Análise Matemática, Estatística, Informática, Física, História e Fundamentos da Matemática. BETA: grupo de conhecimentos nomeados como ‘conhecimentos matemáticos e de alguns fundamentos de outras ciências exatas’. Na proposta estão especificadas as áreas da Matemática que estão representadas pelas diversas matérias das áreas de: “ Geometria, Análise e Álgebra e suas interfaces. Estão incluídos nesse grupo conteúdos de áreas afins à Matemática, que são fontes originadoras de problemas e campos de aplicação de suas teorias. OMEGA: os conhecimentos matemáticos e áreas afins são tidos como Área de conhecimento específico que engloba a apropriação de conteúdos de matemática a partir das disciplinas: “Álgebra, Álgebra Linear, Análise Matemática, Cálculo Diferencial e Integral I e II, Geometria e Desenho Geométrico, Equações Diferenciais, Física, Fundamentos de Matemática I, II, III, Geometria Analítica, Lógica Matemática, Matemática Aplicada, Matemática Elementar e Tópicos Avançados”. GAMA: A área Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias trabalha os seguintes módulos: Códigos, símbolos e como se expressar nas ciências; Origens e desenvolvimentos: mitos e ciências; Interações, transformações e conservações; Identidade e diversidade; Modelos e interpretações da natureza; Matéria e energia; Ciência e Sociedade contemporânea ALFA: compõe as disciplinas e atividades de Fundamentos Teóricos e Práticos da Educação (disciplinas privilegiam temas da educação e do ensino, de modo a oferecer subsídios à formação didática do professor e à sua qualificação profissional) e de Fundamentos Metodológicos do Ensino (disciplinas privilegiam interface entre o saber pedagógico e o conteúdo específico).
Conhecimento pedagógico
BETA: conhecimento pedagógico geral e específico da matemática. Disciplinas: Didática Geral, Ensino da Matemática através de Problemas, Informática Aplicada ao Ensino, Pesquisa em Educação Matemática, Metodologia do Ensino da Matemática na Educação Básica, Metodologia e Prática de Ensino de Matemática na Educação Básica. As disciplinas relacionadas indiretamente seriam aquelas direcionadas à prática profissional e ao estágio. Atividades complementares: projetos de extensão, trabalho de conclusão de curso e outras atividades acadêmico-científicoculturais. OMEGA: conhecimento pedagógico geral e específico . Disciplinas: Didática da Matemática, Estrutura e Funcionamento dos Ensinos Fundamental e Médio, História e Filosofia da Matemática, Informática Aplicada, Antropologia Religiosa, Laboratório de Ensino de Matemática, Leitura e Produção de Textos, Psicologia do Ensino e Metodologia da Pesquisa e Monografia. GAMA: conhecimento pedagógico nos âmbitos de Gestão Educacional e Gestão do Currículo e Aprendizagem. No primeiro âmbito constam os módulos de Gestão escolar e Gestão da aprendizagem, o Projeto Pedagógico da escola e o Papel dos conhecimentos da área no contexto da educação escolar, nos diferentes segmentos da Educação Básica. No segundo âmbito está incluída apenas a Gestão da sala de aula.
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A estrutura curricular está organizada em blocos de disciplinas e atividades que correspondem a diferentes dimensões da formação dos licenciandos e que se articulam com os componentes comuns previstos na legislação: os estágios supervisionados, a prática como componente curricular, as atividades acadêmico-científico-culturais e os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural. b Na proposta da instituição GAMA, os conhecimentos estão organizados em âmbitos de formação (Gestão Educacional; Gestão do Currículo e da Aprendizagem; Gestão do desenvolvimento pessoal e profissional) e eixos de ação (Sociedade e Cultura; Escola; Professor; aluno; Currículo).
grupos de conhecimentos está previsto que o professor precisa conhecer aspectos psicológicos que lhe permitam atuar nos processos de aprendizagem e socialização, bem como ter conhecimento dos processos de crescimento e dos processos de aprendizagem dos diferentes conteúdos escolares em diferentes momentos do desenvolvimento cognitivo, considerando o universo cultural e social dos alunos. Destaca-se, ainda, o conhecimento de diferentes concepções sobre temas próprios da docência, por exemplo, transposição didática, contrato didático, planejamento, organização de tempo e espaço, currículo e desenvolvimento curricular, entre outros. Os conhecimentos específicos ao desenvolvimento e aprendizagem de crianças, jovens e adultos são desenvolvidos por disciplinas que têm a Psicologia da Educação como área de conhecimento. As nomenclaturas são variáveis: na proposta da instituição ALFA, denomina-se ‘Psicologia da Educação’; na proposta da instituição BETA constam duas disciplinas: ‘Psicologia da Educação – Aprendizagem’ e ‘Psicologia da Educação – Desenvolvimento’; na proposta da instituição OMEGA, chama-se ‘Psicologia do Ensino’; e, na proposta da instituição GAMA, ‘Desenvolvimento e Aprendizagem’.
Discutindo limites e possibilidades
As possibilidades de contribuição da Psicologia da Educação na formação de professores, para a maioria dos formadores entrevistados, especialmente de Psicologia da Educação, diz respeito aos fundamentos teóricos relativos à aprendizagem e ao desenvolvimento do aluno. Evidencia-se, nas falas, que a prática docente precisa estar pautada no conhecimento do aluno como sujeito de aprendizagem. Os participantes fazem referência à necessidade de conhecer o desenvolvimento humano e compreender como o aluno do ensino fundamental e médio aprende. Nesse caso, o conhecimento que provém da Psicologia sobre os níveis de desenvolvimento, os estilos cognitivos, os ritmos de aprendizagem, etc. são essenciais para precisar as referências que se devem levar em conta ao tomar as decisões didáticas. A esse respeito um participante assim se expressa: [...] Então eu acho que a Psicologia é essencial, especialmente para aqueles que vão atuar na sala de aula [...] Se você entende que o conhecimento não é algo que vem pro sujeito através dos ouvidos, então você tem que entender como funciona o pensamento dele [...]. (Professor Psi 3 3: GAMA).
O que dizem os p rof essores for madores em relação à Psicolo gia como área de conhecimento na form ação do professor?
A concepção dos professores entrevistados em relação à Psicologia como área de conhecimento na formação do professor diverge sob alguns aspectos. As diferenças de enfoque na discussão ocorreram especialmente entre os professores da área específica e os professores de Psicologia da Educação.
Diz um outro professor: [...] as Psicologias são fundamentos para as questões da educação, ou seja, fornecem diversas teorias que podem subsidiar, servir de pressupostos teóricos para as escolhas dos educadores, para ensinar melhor (Professor Psi 8: BETA). 3
Professor Psi é referente ao professor de Psicologia da Educação.
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Esses professores exploraram a idéia de que a Psicologia contribui com fundamentos teóricos para compreender como o aluno se desenvolve e que esse conhecimento subsidia as escolhas pedagógicas Nesta mesma perspectiva, outros professores complementam a respeito das contribuições de natureza teórica da Psicologia em articulação com outros fundamentos. Nas palavras de um participante: [...] as Psicologias servem como fundamento teórico, porém não esquecendo que não é a única área que serve de fundamento teórico para a educação, né, pois ganhamos muito quando as diferentes áreas estão articuladas. (Professor Psi 15: OMEGA). Já para alguns dos professores entrevistados da área específica, a expectativa é de que o ensino de Psicologia prepare mais objetivamente o professor para ensinar e enfrentar as situações de sala de aula e, inclusive, para ser capaz de identificar o perfil psicológico e pedagógico dos alunos. Algumas questões do cotidiano da sala de aula são pensadas a partir de dados psicológicos, como se pode observar nas duas situações relatadas: Eu vejo que a Psicologia é importante pra eles terem mais base [...] pra poder conhecer os vários tipos de personalidades, primeiramente, né, você entra numa sala de aula lá, com 40 alunos cada um de um jeito, e você tem que saber se relacionar, identificar cada, né... a S. é muita boa assim, nesse ponto de assim né, de personalidade, ela descreve, os tipos tal... e aí isso é bom pro manejo de sala né, pra essa relação professor-aluno. (Professor Coordenador 13: OMEGA). Na outra, o professor diz: ...uma coisa que eu acho interessante, do ponto de vista da Psicologia, é que nas análises, assim, quando você faz uma análise porque que o aluno não aprende, gostaria que existissem ferramentas, não sei se é possível, não sei, fazer de uma
forma mais cartesiana, né. Você ter técnicas da Psicologia para identificar, por exemplo, um perfil do aluno que é preguiçoso, alienado, do aluno que é... [pausa] a gente costuma, como que é que se diz, colocar um rótulo. É interessante você ter consciência desse tipo de rótulo, mas é interessante, uma grande contribuição da Psicologia, se ela pudesse dar um subsidio para o professor, é, assim, mais palpável [...]. (Professor Coordenador 1: GAMA). Como contraponto a esse enfoque, tem a fala de um professor de psicologia que argumenta que os educadores não precisam de ajuda/auxílio. Para esse professor, [...] as escolas, as práticas escolares, elas precisam estar capitaneadas pelo discurso pedagógico, e não por outros discursos [...] Porque senão fica esse ecletismo que ninguém sabe o que está fazendo. (Professor Psi 11: ALFA). Essa fala revela que a idéia de auxílio/ajuda pode ser equivocada, que se perde de vista o enfoque pedagógico, ou seja, o discurso psicológico ganha mais relevância do que realmente tem. O alerta para relativizar os limites e possibilidades da psicologia como área de conhecimento emerge nos próprios dados, quando alguns professores de psicologia desenvolvem uma reflexão historicamente contextualizada e de natureza epistemológica. Tais professores tratam a Psicologia como um campo de conhecimento instável, movente e não homogêneo, explicitando sua diversidade e pluralidade, bem como o psicologismo na educação e o seu papel político e social. Quatro participantes da pesquisa argumentam que não temos uma psicologia, mas ciências psicológicas. A fala de um professor ilustra essa compreensão: Eu sempre explico para os meus alunos que o objeto de estudo da Psicologia são os fenômenos psicológicos, né, e eu mostro, pelo menos procuro mostrar, que isso fez com que a Psicologia ficasse dividida
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em tendências. (Professor Psi 15: OMEGA). Nessa mesma perspectiva, a fala de um outro professor, além de confirmar que as divisões na Psicologia são decorrentes da variedade de fenômenos psicológicos, acrescenta que a pluralidade também é resultante das necessidades da sociedade. Diz ele: “... as divisões na Psicologia derivam da grande variedade de fenômenos e, ainda, das diferentes necessidades de ordem social”. (Professor Psi 12: ALFA). Evidencia-se, nas verbalizações, que assumir a Psicologia como um campo de conhecimento instável, movente e não homogêneo é construtivo e saudável; porém, como afirma um dos professores, não livre de tensões: [...] Então essa dispersão, no meu entendimento, ela é salutar, antes de mais nada, né. [...] tem que se debruçar um pouco sobre esse campo tenso. Eu não acho que é um campo de ressonância, pelo contrário, é um campo de tensão. (Professor Psi 11: ALFA). No contexto dessa discussão, dois professores justificam que se tratamos de psicologias (e não de Psicologia) no ensino de Psicologia da Educação, nos cursos de formação, é para contemplar diferentes perspectivas teóricas. Nas palavras do participante: [...] eu acho um equívoco, por exemplo, num departamento determinado, de qualquer universidade, você achar, acreditar que porque esse departamento de Psicologia tem um enfoque único, digamos na linha comportamental, eu acredito que você tenha que oferecer sim as diversas Psicologias. (Professor Psi 8: BETA). Note-se que se tem, aqui, uma discussão relativa à episteme da Psicologia, que desencadeia reflexões relativas à pluralidade da Psicologia e suas possibilidades de contribuição para a formação de professores. Apenas dois professores da instituição ALFA abordaram a temática psicologismo e o papel político e social da Psicologia.
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Ambos os professores, ao discorrerem sobre a Psicologia numa perspectiva crítica, fizeram um contraponto ao psicologismo na educação e suas implicações para as práticas escolares. O Professor Psi 12 argumenta que é necessário discutir a cientificidade da Psicologia, pois seu marco histórico tem como contexto “... a sociedade industrial, então comprometida com uma proposta de controle do comportamento, porque isso era necessário pra sociedade industrial”. Explica que a essa área do conhecimento ganhou “um estatuto de ciência por conta de uma outra eficácia, que não é propriamente científica, mas é pragmática, tecnocrática”. Nesse sentido, para o entrevistado, o papel da Psicologia não é tecnocrático e, portanto, “... não tem que oferecer recursos técnicos, quando oferece recursos técnicos ela cumpre um papel ideologicamente contestável.” Comenta que considera necessário discutir com os licenciandos “... os problemas dessa idéia de aplicação que implica uma colonização de um campo sobre o outro”, pois, nessa perspectiva, a Psicologia cumpre o papel de dar receitas, prescrições ao professor. O Professor Psi 11 é mais enfático nas críticas ao psicologismo, pois compreende que [...] esta Psicologia da Educação clássica, ela cumpre um papel sim, ela cumpre o papel de arregimentar a exclusão escolar. Ela cumpre o papel, digamos assim, avesso àquilo que a gente imagina que ela deveria cumprir, estou falando historicamente. O entrevistado argumenta que a Psicologia serviu, e tem servido, para justificar a exclusão escolar, por meio da noção de sujeito psicológico, entendendo que existe uma justaposição de entidades conceituais que não são a mesma coisa: ...quando a gente imagina, por exemplo, que no sujeito pedagógico mora um sujeito psicológico, essa própria idéia, ela já é perigosa, [...] porque a gente começa a olhar o sujeito do inconsciente, o sujeito cognitivo, o sujeito social, o sujeito clínico, seja lá o que você quiser
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chamar, no aluno. Só que o aluno não é nada disso, o aluno é um sujeito pedagógico. Assentados nessas críticas, os entrevistados argumentam que é preciso enfrentar uma discussão de natureza ética e política, “... pois o campo da Psicologia da Educação pode ser tão nefasto quanto benéfico [...] para o próprio campo pedagógico e para a ação pedagógica.” (Professor Psi 11: ALFA). Diante dessa dualidade da Psicologia da Educação, o Professor Psi 12 defende que, quando essa área do conhecimento “... oferece recursos críticos, no sentido de uma ampliação de visão de mundo pro professor [...] ela tem um papel fundamental, ou seja, ao lado das outras ciências da educação.”. Quando o entrevistado menciona a Psicologia ao lado de outras ciências, referese à necessidade de romper com o papel hegemônico adquirido historicamente, propondo que a Psicologia tenha ... uma fatia igual à das outras, no sentido de também cumprir um papel idêntico ao das outras, uma certa ampliação de consciência, de visão de mundo pro professor, a respeito dos determinantes da sua prática. Essa consideração justifica a necessidade de superar o discurso psicológico na escola, pois, quando a leitura dos fenômenos educacionais é realizada apenas a partir de uma perspectiva psicológica, prevalece a noção de sujeito psicológico. Shulman (2004) explica que as pesquisas sobre organização escolar, organização social, aprendizado humano, ensino e desenvolvimento, e outros fenômenos sociais e culturais que afetem o que os professores podem fazer, constituem uma fonte de conhecimento. Os resultados das pesquisas sobre o aprendizado e desenvolvimento humano contribuem, por exemplo, para o entendimento de como o aluno aprende, das condições necessárias para a aprendizagem significativa, o significado das crenças, o que torna um aprendizado mais fácil ou mais difícil, e de tantos outros aspectos. Porém, Shulman (2004) ressalta que os aspectos
normativos e teóricos do conhecimento escolar são importantes, mas representam apenas uma faceta da contribuição do conhecimento, pois é preciso considerar a complexidade da prática docente decorrente especialmente das variáveis que intervêm neste processo. Deve-se considerar que muitas das pesquisas sobre o aprendizado e o desenvolvimento são normalmente realizadas tendo como referência os indivíduos – produzindo princípios de pensamento ou comportamento individual que devem ser generalizados para grupos com muito cuidado. Corre-se o risco de esses conhecimentos não serem úteis para o ensino nas escolas e de serem erroneamente utilizados para justificar e explicar possíveis inadequações no processo pedagógico, especialmente em relação ao aprendizado. O que dizem os p rof essores for madores em relação à Psicologia na proposta de formação?
Os professores formadores da área específica, ao relatarem como percebem a Psicologia na proposta do curso, fazem-lhe referência como componente disciplinar. Mencionam a carga horária, refletindo sobre o “melhor” momento em que a disciplina deve ser inserida no currículo e, também, considerando-a como área de conhecimento mobilizada por outros componentes curriculares, especialmente em disciplinas específicas da área de conhecimento da qual é objeto de estudo do curso. Existe a expectativa, por parte dos professores da área específica, de que o ensino da Psicologia também atenda às especificidades da área de conhecimento do curso, ou seja, que a proposta de ensino de Psicologia seja adaptada às necessidades do projeto de formação. Os professores verbalizam, por exemplo, sobre como o conhecimento de conceitos e pressupostos teóricos da Psicologia podem servir de fundamento para a educação matemática. Vejam o exemplo ilustrativo: ... eu já li muito também Constance Kamii, então, por exemplo, existe uma idade que o aluno se torna capaz de aprender números inteiros, né, é a simetria, né, é a reversão do
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pensamento, então não é adequado o professor ensinar números negativos antes disso. Agora o professor vai lá dar aula, será que ele tá sabendo isso, entendeu? E será que ele sabe detectar isso ai? Ele resolve ensinar números negativos, talvez porque esteja no livro [...]. (Professor coordenador 4: BETA). Os processos cognitivos e o nível de desenvolvimento do aluno são tidos, por alguns participantes, especialmente da área específica, como necessário, pois serve de subsídio para direcionar a seleção e a organização dos conteúdos de ensino, bem como para a forma de apresentá-los. Emerge das falas uma discussão sobre a necessidade de superar o ensino convencional4 da matemática e as contribuições da Psicologia neste processo. Os professores da área específica relataram algumas situações em que exemplificam o uso de estratégias didáticas formuladas com base em conhecimentos da Psicologia Um dos entrevistados, ao relatar sobre os materiais didáticos que tem produzido, argumenta que é a psicologia que lança luz sobre isso, e até mais, ela te orienta como que você deve produzir os materiais, porque eu posso fazer a mesma atividade numa folha de papel, chega pra um aluno e mostra que a soma de dois pares sempre é par, que é uma coisa que fica sem significado, sabe uma coisa, né, é um problema dado, pronto, que não tem a construção do aluno. (Professor Especialista5 5: BETA). Cabe ressaltar que o ensino da Matemática tem sido amplamente discutido e que as pesquisas em Educação Matemática têm contribuído muito para a produção de conhecimento na área. É um campo de conhecimento consolidado nacional e internacionalmente. Ele tem tratado das 4
Por convencional, entende-se a matemática que é apresentada para o aluno como um produto pronto, em que o professor explica as fórmulas, axiomas, e os alunos resolvem os problemas e exercícios com o apoio do livro didático. 5 Professor Especialista refere-se ao professor da área específica de Matemática.
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relações entre o desenvolvimento do pensamento matemático, a aprendizagem da Matemática, a avaliação desta aprendizagem, as relações entre a Matemática e as demais disciplinas e os aspectos relacionados ao ensino dela usando, dentre outros, o referencial da Psicologia. Como já mencionado, as possibilidades de articulação entre os grupos de conhecimento, nas propostas analisadas, ainda são bastante tímidas. Os professores formadores entrevistados identificam estas dificuldades. Nota-se o exemplo: ... dentro do curso, dificuldades que eu vejo acontecer é, ainda, o aprendizado do diálogo entre as áreas e das próprias pessoas que trabalham juntas, tá, [...] nós não conseguimos ultrapassar, ainda, o limite do individualismo, ainda, por mais que a gente tenha certeza, conheça as propostas, reconheça a importância dela, eu ainda sinto solitário, né, por mais que vejo possibilidades eu ainda não vejo as coisas acontecerem nesse curso, especialmente nesse curso. Ele está estruturado pra acontecer, mas eu ainda não vejo acontecendo dessa forma, tá. (Professor Psi 14: OMEGA). Nas verbalizações destacam-se as dificuldades em trabalhar de forma a promover e sistematizar a articulação entre a disciplinaridade e a interdisciplinaridade. Quando solicitado aos participantes que discorressem sobre as possibilidades de articulação e diálogo da Psicologia com os componentes curriculares, destacam-se as falas relativas à não sistematização da articulação da Psicologia com as outras áreas: ... Mas eu acho que ainda está faltando bastante conversa sobre isso, uma integração maior mesmo [...] Não tem articulação da Psicologia com as matérias específicas, de forma contínua, são as disciplinas mesmo, né, todos os licenciandos fazem várias disciplinas no Departamento de Psicologia. (Professor Especialista 5: BETA).
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Essa verbalização retrata o pouco diálogo, especialmente entre as disciplinas específicas e pedagógicas. Observa-se, ainda, uma outra queixa dos professores da área específica: ... essa tradição de a licenciatura ser responsabilidade da Faculdade de Educação fez com que na verdade essas disciplinas pedagógicas nunca dialogassem com as unidades específicas sobre o que acha que é importante na formação do professor de Matemática ter de Psicologia, disso ou daquilo [...] Mas ainda tem aquela coisa de que essas disciplinas são eles que decidem, entendeu [...] ainda mais na área de Psicologia, que tem tantas coisas específicas da Matemática, que talvez não interesse tanto ao ensino de outras áreas [...]. (Professor-Coordenador 9: ALFA) Essa argumentação retrata a importância de diálogo e parceria entre os Institutos de conteúdos específicos e as Faculdades de Educação, co-responsáveis pela formação dos licenciandos. É preciso considerar que o modelo de formação que tem sua origem na fórmula “3+1”, em que as disciplinas pedagógicas, cuja duração prevista era de um ano, estavam justapostas às disciplinas de conteúdo, sem um mínimo de articulação entre elas. Assim, o modelo contribui para os desencontros entre os Institutos de conteúdos específicos e as Faculdades de Educação. As dificuldades relatadas pelos professores formadores a respeito da articulação entre disciplinaridade e interdisciplinaridade retratam a tensão entre um projeto e uma prática que intenta realizálo. As propostas prevêem o desenvolvimento de práticas interdisciplinares e reconhecem sua importância. Todavia, as possibilidades de cooperação e articulação entre as disciplinas estão atreladas à organização curricular dos cursos de formação, ou seja, a prática interdisciplinar não depende simplesmente das ações dos sujeitos envolvidos nesse processo. É preciso considerar que o formato dado à proposta curricular definirá, de certa forma, as possibilidades ou não de construção de uma prática interdisciplinar.
Torna-se fundamental que as instituições formativas continuem investindo na articulação entre disciplinaridade e interdisciplinaridade e na mobilização de condições para a realização de uma prática ainda em construção. Destacamos que é um trabalho em construção, pois corroboramos com Pombo (2005), quando diz que a interdisciplinaridade não é uma proposta pedagógica, e sim uma proposta em aberto, já que dela não “... conhecemos antecipadamente senão os contornos, por agora ainda indefinidos [...].” (p. 10). Desse modo, construir, nos cursos de formação, uma atuação que supere o ensino disciplinar pouco flexível, em que as disciplinas não mantêm articulação entre si e a relação entre as dimensões teórica e prática está restrita a momentos pontuais, exige que, não só os professores formadores, mas também as próprias instituições formativas estejam abertas às rupturas nas epistemologias científicas, nas relações, nas organizações curriculares e acadêmicas, o que implica ... implementação de desenhos curriculares que transformem o modelo disciplinar, seja possibilitando a integração de conteúdos, seja alterando a organização curricular para módulos, núcleos temáticos, assumindo um enfoque problematizador. (Batista, 2006, p.
44). Considerações finais
Para concluir, gostaríamos de destacar que, em nosso estudo, os dados disponíveis para análise não foram suficientes para esgotar os aspectos que direcionaram as escolhas em relação à inserção da Psicologia na matriz curricular dos cursos estudados. Por conseguinte, a discussão do lugar e sentido dos conhecimentos psicológicos na formação dos profissionais do ensino continua sendo tema de investigação. Ponderamos sobre a relevância de se considerar a Psicologia da Educação como uma das fontes que estão na base do conhecimento do ensino e, assim, sobre a necessidade de pensá-la a partir de suas intersecções com outras ciências e com a prática.
Psicologia: um saber necessário
Contudo, se a Psicologia da Educação pode estar inserida no currículo dos cursos de licenciatura em Matemática a partir de demandas diferentes, ou seja, se dispõe de produções genéricas acerca do processo ensino-aprendizagem e de produções específicas ao ensino e aprendizagem da Matemática, pergunta-se: Quais critérios têm direcionado as escolhas em relação à inserção da Psicologia nas matrizes curriculares de cursos de formação docente? Como esses critérios não estão elucidados, nos dados fornecidos pelas propostas e pelas entrevistas, cabe apenas uma análise especulativa, não conclusiva e com algumas preocupações, indagações? Tornou-se convencional a presença da Psicologia da Educação nos cursos de formação docente? Os formadores têm refletido pouco a respeito das possibilidades e limitações desse campo de conhecimento, na constituição da docência? Para elucidar os possíveis critérios que têm direcionado as escolhas em relação à inserção da Psicologia na matriz curricular, é fundamental criarmos mais oportunidades para os professores formadores discutirem sobre o significado científico, social e político dessa disciplina. Exercitar essa aproximação, esse diálogo, bem como pensar essa área do conhecimento articulada ao projeto curricular dos cursos de formação, contribuiria para evitar expectativas que a Psicologia da Educação, como área de conhecimento na formação, não poderá atender. E favoreceria, também, o trabalho docente dos próprios formadores se as decisões sobre o que ensinar e como ensinar pudessem ocorrer num contexto de reflexão compartilhada. Iniciativas dessa natureza favorecem práticas formativas em que o licenciando tem a oportunidade de mobilizar diferentes saberes, até mesmo aqueles provenientes de suas experiências anteriores, que expressam, inclusive, suas crenças e concepções. É cada vez mais desejado que o futuro professor possa adquirir, paulatinamente, consciência das suas crenças, teorias e saberes e, ao mesmo tempo, ressignificar conceitos, proposições e princípios sobre os saberes docentes. O importante é movimentar os saberes de várias formas: reunindo-os,
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sobrepondo-os, aproximando-os, separandoos, isolando-os e unindo-os novamente. É emergencial criar dispositivos para promover a intersecção entre as disciplinas e das disciplinas com a prática e com os conhecimentos dos professores profissionais. Essa lógica é pertinente, pois os professores, profissionais em atividade docente, mobilizam saberes oriundos de fontes variadas. Borges (2004), em um estudo sobre os saberes profissionais de professores da educação básica, conclui que os saberes desses professores são marcados pela pluralidade em relação ... às fontes sociais das quais se originam, pela heterogeneidade, pela composição, pela hierarquia relativa, pelos aspectos relacionais, afetivos, temporais e assim por diante, que são, ao mesmo tempo, características dos seus saberes profissionais. (p. 287). Assim, conclui-se que os dados da pesquisa foram reveladores de que a Psicologia da Educação representa uma das fontes do conhecimento que estão na base da profissão docente, integrando, assim, no contexto das reformas, os saberes tidos como necessários. Entretanto, sua inserção pode ocorrer de formas diferentes e, qualquer que seja o lugar dado a ela ou por ela conquistado6 , nas propostas de formação, não se pode prescindir de um trabalho pautado pela responsabilidade social com a educação. Conseqüentemente, o seu olhar para os fenômenos educativos é proveniente de um lugar, e esse lugar constitui-se como um campo de conhecimento plural. Nesta perspectiva, entende-se que o potencial de contribuições da Psicologia para a prática educativa se constitui de diferentes formas: a começar pela sua pluralidade de sistemas teóricos, perpassando pelas possibilidades de diálogo teórico dentro e fora do seu campo de conhecimento (Larocca, 2002) e, ainda, no diálogo com a prática educativa, que pode
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Conquistado no sentido de que a Psicologia da Educação se efetiva pelo trabalho que os professores formadores realizam. E no campo do currículo existe um movimento de forças, interesses, escolhas e lutas.
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ser mediado pelo próprio professor, quando ele faz uso da Psicologia. Portanto, não existe hegemonia nos saberes docentes que estão na base de sua profissão. Há, sim, uma luta por uma contrahegemonia. A superação do psicologismo na educação não reside na negação da Psicologia na formação, mas no estímulo a mecanismos de formação que explorem novas formas de ensinar e de formar os profissionais de ensino. Ainda são muitas as dúvidas sobre as possibilidades e limitações da psicologia na formação do professor. No entanto, temos a certeza que não se trata de conferir utilidade prática aos conhecimentos psicológicos, mas de redefinir o sentido e significado deles no contexto da prática educativa. Esses conhecimentos, quando dialeticamente articulados com a prática e com outros referenciais de análise, ultrapassam a concepção de que a ação profissional possa ser entendida como se apenas estabelecesse ações técnicas, à margem da decisão sobre as finalidades pretendidas. Deve-se considerar que as dificuldades de superar essa perspectiva técnica encontram-se nas próprias práticas formativas que convencionalmente estiveram estruturadas numa concepção disciplinar com pouca flexibilidade e articulação. Tradicionalmente os conhecimentos da Psicologia da Educação, bem como de outras áreas do saber tidas como Ciências da Educação, foram desenvolvidos na formação numa perspectiva linear que concebe que os princípios, conceitos e teorias possam ser aprendidos num primeiro momento e num espaço distantes do contexto da prática e, depois, aplicados em um outro momento e espaço. Dada a complexidade e multidimensionalidade do ato educativo, é natural que se questione como as Ciências da Educação podem contribuir nas tomadas de decisões no dia-a-dia da sala de aula e da escola. Como possibilitar que o seu ensino não fique restrito à dimensão teórica, deixando de abordar um conteúdo abstrato e distante da realidade dos futuros professores e de seus alunos, bem como seja desprovido de uma reflexão crítica sobre as implicações éticas e educacionais.
Almeida, P. C. A., & Azzi, R. G.
A mobilização de conhecimentos das Ciências da Educação pelo professor, para ensinar e favorecer tomadas de decisão, não está circunscrito em um saber constituído apenas pela assimilação de conceitos, princípios e teorias. Ao contrário, o ensino na formação docente deve promover vivências que permitam aos futuros professores perceberem, em situações do cotidiano escolar, as possibilidades de mobilização dos conhecimentos acadêmicos. Devem permeá-los por uma reflexão crítica que promova a articulação dialética entre conhecimento teórico e saber prático – a partir dos contextos concretos da prática, em que os problemas têm origem social e histórica. Isso significa que os conhecimentos provenientes das Ciências da Educação serão potencialmente significativos quando articulados ao contexto das situações educativas presentes na prática, reconhecendo-se que os atos educativos são “[...] atos sociais, e, portanto, reflexivos, historicamente localizados, e abstraídos de contextos intelectuais e sociais concretos [...].” (Carr & Kemmis, 1988, citado por Fiorentini, 1998, p. 326). Assim, os conhecimentos provenientes das Ciências da Educação só têm valor se mobilizados numa perspectiva socialmente transformadora que possibilite ao professor enfrentar situações complexas e refletir sobre problemas e possibilidades no contexto no qual ocorrem. A compreensão do ensino, nesta concepção, assume como premissa o papel social da educação e o caráter multidimensional do processo ensino-aprendizagem, pressupondo, assim, uma articulação entre as dimensões política, ética, humana, estética, técnica e cultural. Isso significa assumir que os problemas do cotidiano escolar não se resolvem por meio de um repertório técnico de soluções; antes, exigem do professor um entendimento do contexto específico e singular em que se apresentam, e as decisões são produto da consideração da complexidade, ambigüidade e conflituosidade das situações. Finalizamos com a certeza de que a Psicologia da Educação precisa ser pensada, nos projetos de formação, como área de conhecimento que se estabelece e adquire sentido por meio das relações com outros saberes. Caso contrário, são muitos os r iscos
Psicologia: um saber necessário
de incorrer-se no psicologismo e no ensino de uma Psicologia abstrata e sem interface com outras disciplinas e com a prática. Referências
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Larocca, P. (2002). Psicologia e Prática pedagógica: o processo de reflexão de uma professora. Tese de Doutorado em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Lei nº 9.394 (1996, 20 de dezembro). Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília: Gráfica do Senado, ano CXXXIV, NL. 248, 23/12/96, PP27833 – 41. Pombo, O. Interdisciplinaridade: conceito, problemas e perspectivas. Recuperado em 30 de outubro, 2005, de http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opomb o/mathesis. Shulman, L. S. (2004) Knowledge and teaching: foundations of the new reform In L. S. Shulman (Org.). The wisdom of practice: essays on teaching and learning to teach (pp. 1-14). San Francisco: Jossey-Bass. (Originalmente publicado em 1987) Tardif, M. (2002). Lugar e sentido dos conhecimentos universitários na formação dos profissionais do ensino. In S. L. Garrido, M. I. Cunha & J. G. Martini (Org.). Os rumos da Educação Superior (pp. 75-112). São Leopoldo: UNISINOS. Enviado em Novembro/2007 Aceite em Abril/2008 Publicado em Junho/2009
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ISSN 1413-389X
Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 57 – 68
Ensino de Psico logia e seus fins n a formação de pro fessores: uma discus são mais que necessária Priscila Larocca
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Resumo
O artigo traz reflexões sobre o ensino de Psicologia na formação de professores, visando discutir os seus fins educativos. Parte do pressuposto de que esta esfera de análise está implicada com a organização dos cursos e com a condução do ensino pelos formadores, no âmbito dos cursos superiores. Ao reconhecer, tanto os professores como intelectuais transformadores, como a característica teleológica da educação, incita à superação das concepções ingênuas que concebem o ato de educar como neutro e a formação profissional docente como técnica. Posiciona a discussão em favor de uma racionalidade crítica emancipatória, em que o ensino de psicologia é pautado por uma visão omnilateral do homem, pela problematização do real, pela luta contínua por uma vida coletiva mais justa e mais decente para todos os cidadãos e pela interlocução dialógica destas pautas com os referenciais teóricos proporcionados pela Psicologia. Palavras-chave: Ensino de Psicologia, Licenciatura, Formação de Professores.
The teachi ng of Psyc holo gy and its aims in t he teacher training: A very import ant issue to be discussed Ab st rac t
This paper presents reflections about the Psychology professor preparation course in the professor’s training that aim to discuss its educative purposes. The base assumption is that this sphere of analysis is related to the teacher training courses’ organization, considering Higher Education level, as well as the teaching process applied by the teacher educators. By recognizing teacher educators as active intellectuals transformers and the teleological approach of the education, it is proposed the overcome of naiveness conceptions which understand the educational activity as neutral and the professor education as a technical matter. This paper argues in favor of a critical and emancipatory rationality in which the psychology teaching is based on an omnilateral view of human being, by the problematization of the real, by the continuous struggle for a more fair and decent life for all citizens and by the dialogic interlocution of these matters with the theoretical frameworks of psychology. Keywords: Psychology Teaching, Pre-Service Courses, Professor Training.
Minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma presença política. Enquanto presença não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho (Freire, 1996, p. 110)
No ano de 2000 publicamos na Revista Psicologia Ciência e Profissão um artigo intitulado “O saber psicológico e a docência: Reflexões sobre o ensino de Psicologia na Educação”. Neste artigo, abordamos os paradigmas que influenciam a profissionalização dos docentes, o papel da Psicologia na Educação, a necessidade da pluralidade e da contextualização teóricas, bem como da articulação teoria e prática na condução do ensino de Psicologia na formação de professores (Larocca, 2000a).
Endereço para correspondência: Priscila Larocca. Rua Brasil Pinheiro, 40, Bairro Órfãs, CEP: 84015-265, Ponta Grossa, Paraná. E-mail:
[email protected].
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Na construção deste texto, partimos de uma afirmação de Castelo Branco (1998), num artigo publicado no mesmo periódico com o título “Que profissional queremos formar?” Nele, a autora refletia sobre as demandas de trabalho do psicólogo no cenário de mudanças da realidade social brasileira, apontando as sérias dificuldades deste para definir sua identidade profissional, quando a sua ação não se situa no âmbito clínico. Pensando no psicólogo que atua na educação, defendemos, então, que o ensino de Psicologia de fato não pode almejar os mesmos fins visados na formação para o exercício clínico, o que implica, portanto, a construção de uma outra identidade profissional, que assuma compromissos substancialmente diferenciados daqueles que a formação do psicólogo em geral comporta (Larocca, 2000a). Esta referência sobre reflexões de alguns anos atrás visa, neste artigo, posicionar a perspectiva que abraçamos na discussão do ensino de Psicologia na formação de professores, ao mesmo tempo em que constatamos que esta questão ainda permanece na pauta das inquietações daqueles que trabalham na área, merecendo, portanto, ser retomada, aprofundada e ampliada. Assim, nosso objetivo neste artigo é analisar o ensino de Psicologia na formação de professores com vistas a aprofundar a discussão dos fins educativos. Ao estabelecermos este objetivo, partimos do pressuposto de que esta esfera de análise está implicada diretamente com a organização dos cursos e com a condução do ensino pelos formadores, no âmbito dos cursos superiores de formação inicial de docentes: as licenciaturas. Antes, porém, de desenvolvermos nossas análises, é necessário esclarecer ao leitor que o olhar que dirigimos à temática do ensino de Psicologia carrega marcas da nossa trajetória acadêmica e profissional na educação pública, na formação de professores e na pesquisa em educação. Se “cada um lê com os olhos que têm”1 ,
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diríamos, então, que dirigimos à esta temática um olhar de professora, de uma profissional da educação, que por muitos anos vem estudando o ensino de Psicologia na formação de professores. Em função do exposto, após a discussão sobre os fins do ensino de Psicologia em cursos que formam professores, apresentamos, na segunda parte deste artigo, algumas considerações e possibilidades para os cursos e para a condução da Psicologia na formação docente. Os fins educativos do ensino de Psicologia na formação de professores
Na definição grega clássica de educação do cidadão, podemos reconhecer um modelo de racionalidade que é explicitamente político, normativo e visionário. Dentro desse modelo, a educação era vista como intrinsecamente política, tendo como objetivo educar o cidadão para a participação ativa e inteligente na comunidade cívica. Além disso, a inteligência era considerada uma extensão da ética, uma manifestação e demonstração de doutrina da vida boa e justa. Assim, nesta perspectiva, a educação não visava treinar. Sua finalidade era cultivar a formação do caráter virtuoso, na busca contínua de liberdade. A liberdade era, portanto, sempre alguma coisa a ser criada, e a dinâmica que inspirava a relação entre o indivíduo e a sociedade era baseada em uma luta contínua por uma comunidade política mais justa e decente (Giroux, 1986, p. 221). Giroux, ao apresentar a concepção visionária dos gregos sobre o papel político da educação na sociedade, nos avaliza a colocar a discussão dos fins educativos do ensino de Psicologia, como a reflexão filosófica central, imprescindível ao delineamento das demais questões. Quando indagamos acerca dos fins a alcançar com o nosso ensino de Psicologia, pretendemos questionar sobre a essência da
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Palavras da eminente professora portuguesa de Aveiro, Idália Sá Chaves, na Conferência de Abertura do evento Diálogos sobre a docência
em
psicologia.
UNICAMP.
28/06/2007.
Campinas:
Psico logi a e Formação de Docente
educação que praticamos: se a praticamos como um mero treinamento de indivíduos, tendo em vista um bom exercício no mundo do trabalho, ou se a dirigimos para além disto: buscando a emancipação humana, numa luta contínua por uma vida coletiva mais justa e mais decente para todos os cidadãos. Tal definição de fins é vital, pois configura aquilo que perseguimos, nossas utopias, exigindo da nossa consciência uma tomada de posição perante o fenômeno educativo: afinal, para que ensinamos? Com Vieira Pinto (1987), grande professor e filósofo da educação brasileira, aprendemos que a finalidade maior da educação é necessariamente nacional. Segundo ele, um país é atrasado em face da realidade de vida das suas massas, não das suas elites. Assim, a “transformação da existência do povo é o que constitui a substância da mudança na realidade da nação” (p. 49). Esta característica teleológica da educação, a de sempre visar a um fim, requer que ultrapassemos as concepções ingênuas e restritas do educar como uma mera preparação ou treinamento de indivíduos e gerações para serem membros úteis à sociedade. Como atividade intencional, histórica, social e culturalmente situada, a educação não se restringe a transmissão dos saberes formalizados, científicos ou técnicos, mas exige algo maior, pois requer a transformação substantiva dos homens que adquirem os saberes, implicando sempre a intenção política de mudar (ou até mesmo de manter) as condições humanas existentes em nossa sociedade. Uma concepção crítica de educação reconhece, portanto, que o ato de educar não é neutro, nem ocorre de modo isolado ou recortado do contexto sócio-econômico que temos. Muito menos o processo ensinoaprendizagem, em qualquer nível, se dá no vácuo das condições da vida humana em nossa sociedade. Por esta razão, se nos dedicamos ao ensino de Psicologia, formando professores, “temos que pensar a Educação e a Psicologia ao mesmo tempo em que pensamos a sociedade que temos” (Larocca, 2002, p. 32). Com estas colocações, pretendemos desvelar o sentido sócio-político existente
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em todo ato educacional, concebendo que aqueles que são ou serão professores de Psicologia no ensino médio, ou nas licenciaturas, precisam conquistar clareza sobre o significado primeiro da missão profissional que abraçam, que é eminentemente educacional. Precisam, ainda, questionar criticamente as circunstâncias históricas, culturais, políticas e econômicas que envolvem a missão profissional de educar e que também se fazem e se fizeram presentes no processo de produção dos conhecimentos teóricos e práticos que configuram a área da Psicologia. Supomos que a adoção desta perspectiva da missão profissional de professor não seja algo tão fácil de assimilar pelos psicólogos que se dedicam ao ensino. Estes, além de terem diante de si o desafio de construir uma identificação com a área educacional, porquanto é nela que atuam, ou atuarão, no nível do ensino superior, ou no ensino médio, também se deparam com a necessidade de desconstruir ideologias que têm marcado a profissão do psicólogo, como bem coloca Bock (2003): a tendência à naturalização dos fenômenos psicológicos; a concepção técnica e de neutralidade da prática profissional; e, ainda, a idéia de uma autonomia humana ímpar, representada pela autora por meio da figura do Barão de Münchhausen das histórias infantis – como alguém capaz de sair de um pântano puxando-se pelos próprios cabelos. A concepção técnica e neutra da missão profissional vem inquietando pesquisadores do ensino de Psicologia. Dois trabalhos recentes focalizam esta dimensão de significado. O primeiro debruçou-se sobre o ensino de Psicologia na área da Saúde (Batista, 2007); enquanto o segundo analisou contribuições do ensino de Psicologia da Educação nas licenciaturas, no contexto das reformas curriculares empreendidas para a formação de professores (Almeida, 2005). Nos dois casos fica evidente a redução da prática profissional, em saúde e educação, à sua dimensão técnica ou tecnológica. Este tipo de reducionismo da missão profissional desvela a forte presença da mentalidade racional-técnica que ainda impregna as práticas de formação, a despeito das reformulações recentemente
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empreendidas nos projetos pedagógicos curriculares dos cursos superiores. Se quisermos compreender a racionalidade técnica, devemos referenciar Donald Schön, um dos críticos desta mentalidade. Schön (1995) nos chamou a atenção para o fato de que esta concepção, forjada a partir da visão positivista de conhecimento, passou a ser um modelo de formação profissional em diversas áreas, com implicações profundas para o modo como os profissionais formados nesta perspectiva exercem as suas práticas. Giroux (1986) explica que a racionalidade técnica fundamenta-se no modelo de desenvolvimento teórico das ciências naturais, ligando-se aos princípios de certeza, controle e previsibilidade. Ou seja: [...] como o conhecimento do mundo social é objetivo e consiste de partes isoladas e distintamente separáveis, que interagem de acordo com regularidades que simplesmente precisam ser descobertas, a relação entre essas variáveis é uma relação empírica que pode ser reduzida a resultados previsíveis.” (Giroux, 1986, p. 232-233). A força desse conhecimento está no grau em que é objetivamente testável. Além disto, trata-se de um conhecimento considerado neutro, livre de valores, devendo apenas ser descrito objetivamente. O modelo racional técnico no mundo profissional apóia uma concepção de busca de eficiência através da formalização, linearidade entre causa e efeito e fragmentação do conhecimento, desvinculando-o completamente das relações sociais existentes ao ignorar a complexidade e a totalidade do real. Assim, também, na formação de profissionais, este modelo concebe currículo e ensino como atividades dirigidas para alcançar produtos determinados (Masson, 2003). Estes produtos são soluções técnicas ou tecnológicas geradas para a resolução de problemas práticos. Sobre o modelo, Contreras (2002, p. 90-91) explica que: A idéia básica do modelo de racionalidade técnica é que a prática profissional consiste na solução
instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica. É instrumental porque supõe a aplicação de técnicas e procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados desejados. Em função disso, podemos perceber porque a racionalidade técnica tornou-se prevalente no mundo do trabalho. Na verdade, seu desenvolvimento vem acompanhando o processo de modernização das sociedades industriais, convertendo-se, a cada dia, numa mentalidade imprescindível à concretização dos interesses mercadológicos próprios do mundo capitalista. Almeida (2005) explica que autores como Schön (1995), Pérez Gómez (1995) e Contreras (2002) concordam que o modelo racional-técnico está na base da divisão do trabalho, das relações de subordinação, do isolamento profissional e da aceitação de metas e objetivos que, considerados neutros, são definidos externamente à atividade profissional. O modelo também presume uma hierarquia entre o conhecimento básico e o conhecimento aplicado, produzidos pelos cientistas e especialistas, e o conhecimento das rotinas de intervenção, a ser utilizado pelos profissionais em suas decisões para resolver os problemas que a labuta cotidiana coloca. Ora, subordinando-se um conhecimento a outro, promove-se também a subordinação de “quem faz” a “quem pensa”, ignorandose, ao mesmo tempo, a unidade orgânica e dialética que existe entre a teoria e a prática profissional, isolando-as uma da outra e fazendo do profissional um mero executante das ações pensadas pelos especialistas. É desta maneira que formamos, em nossos cursos, o profissional “tarefeiro”, aquele que “sabe fazer”, e muitas vezes, bem, mas ignora valores humanos, éticos e sociais implicados em suas práticas, bem como é incapaz de refletir sobre possibilidades de futuro para a sociedade, que são alimentadas por sua ação profissional.
Psico logi a e Formação de Docente
A formação reduzida à perspectiva técnica deprecia, assim, o papel fundamental do profissional, de ser sujeito de seu pensar e agir. Rouba-lhe um bem precioso para exercer sua cidadania e imprimir um sentido verdadeiramente sócio-político à educação que pratica: a reflexão sobre a sua ação e sobre o seu pensar, em sua significação mais ampla: a de lutar pela emancipação dos homens na sociedade. Giroux (1986) defende que os professores devem guiar a ação profissional por uma racionalidade emancipatória, cujo objetivo é “criticar aquilo que é restritivo e opressor, enquanto ao mesmo tempo apóia a ação a serviço da liberdade e do bem-estar individual.” (p. 249). Tal racionalidade supõe a capacidade de pensar criticamente, tomando o sentido de “refletir e reconstruir sua própria gênese histórica, isto é, pensar sobre o próprio pensamento.” (p. 249). Ora, o desenvolvimento da capacidade reflexiva é uma condição necessária para que o profissional construa suas próprias teorias acerca da ação que pratica, do campo em que atua e dos fins que persegue com a sua atividade. Portanto, o ensino baseado numa racionalidade que restringe a ação profissional a uma mera questão de regras e procedimentos técnicos traz nefastas conseqüências para a formação e atividade futura do profissional professor: a sua incapacitação política e a ilusão de que tem autonomia em suas decisões e ações. A Psicologia na formação de professores precisa, então, repensar urgentemente a forte presença da mentalidade técnica em suas concepções de ensino, currículo, formação profissional. Mesmo porque, embora a preparação profissional dos docentes necessite dos aspectos técnicos, e de produzi-los, jamais se reduzirá a estes, dadas as dimensões ética, política e sócio cultural da educação. Assim, postulamos que “a racionalidade técnica é muito mais um ‘componente’ da formação profissional, jamais o seu todo, e muito menos um modelo unívoco para tal.” (Larocca, 2000a, p. 62). Impõe-se, portanto, fazer avançar a formação na perspectiva de desenvolver, nos estudantes que serão professores, um pensamento social e político mais comprometido com a emancipação da condição humana e mais capaz de
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empreender rupturas nas concepções ingênuas e nas práticas educativas tradicionais. Posicionamos, pois, a necessidade de contrapor à perspectiva técnica uma perspectiva reflexiva, crítica e emancipatória, que conceba o papel do professor, não como técnico, nem simplesmente um prático, mas o de um intelectual transformador da realidade em que vive. O sentido da categoria intelectual que utilizamos aqui provém das contribuições de Gramsci (1991) e Paulo Freire (1980, 1989). Gramsci diz que “são os homens que fazem a história, particularmente os intelectuais” (1991, citado por Portelli, 1990, p.89). Assim, evidencia a importância dos intelectuais orgânicos na transformação da realidade. Chamou-os de orgânicos em face de três motivos: 1) porque se vinculam “organicamente” com uma classe determinada; 2) porque este vínculo aparece essencialmente no seio da própria atividade que exercem; 3) porque desfrutam de certa autonomia, não sendo reflexos passivos da estrutura socioeconômica que os cerca (Portelli, 1990). Paulo Freire nos ensinou que todos os homens são intelectuais, pois todos podem interpretar e dar sentido ao mundo em que vivem. Todavia, ele também nos remete a verificar a necessidade de superar a consciência ingênua para chegar a uma consciência crítica acerca da realidade que temos na sociedade em que vivemos. A base dessa inserção crítica é a relação consciência-mundo, pela qual o homem integra-se à realidade e não, simplesmente, se superpõe a ela, recebendo-a ou enquadrando-a em sistemas fixos de idéias (Freire,1989). Daí porque compreendemos que o ensino de Psicologia, ao mesmo tempo em que trabalha com os conhecimentos advindos da ciência psicológica, questionando-o em seus aspectos ideológicos, precisa ainda questionar a educação que temos e as múltiplas formas de alienação do homem na sociedade. Certamente, essa não é uma questão técnica, mas uma questão eminentemente política, que implica ao profissional ou ao futuro profissional docente desvelar aquilo que está oculto, compreendendo as origens históricas,
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sociais, econômicas e culturais dos fatores que configuram a sua prática educacional. Ana Bock, nome valioso no cenário atual das discussões sobre Psicologia e formação profissional em nosso país, constata que os cursos de Psicologia não estão preparando os estudantes para assumirem projetos de alcance social, remetendo-nos a uma formação que: “enfatiza o que fazer e não reflete sobre a adesão a projetos sociais, não estimula o debate sobre a realidade social e suas demandas. Ensina como aplicar e não ensina por que aplicar. Ensina a responder e não ensina a perguntar.” (2005, p. 3). Ao fazer sua crítica a uma formação pautada pela índole naturalizante e universalizante da subjetividade, pela formação corretiva, adaptadora e terapêutica, Bock (2005) nos permite visualizar uma perspectiva de compromisso social para repensarmos o contexto do ensino de Psicologia. Essa entendida como formação de intelectuais transformadores, numa perspectiva emancipadora, mais ética, mais humanizante e mais pautada pela vida coletiva. Al gu mas co ns id eraç ões so br e os cursos qu e formam professores e o ensino de Psicologia
Considerando o exposto na primeira parte deste artigo, julgamos importante sistematizar algumas idéias a título de contribuir com os cursos que formam professores e para a programação do ensino de Psicologia nesse mesmo contexto. Sobre os Cursos
Segundo o artigo 13º da Resolução no 8 de 2004, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, a formação do professor de Psicologia impõe um projeto pedagógico próprio, complementar e diferenciado da formação do psicólogo propriamente dita. Essa resolução explica que a formação do professor de Psicologia deverá desenvolver competências e habilidades básicas constantes do núcleo comum do curso de Psicologia, como também aquelas previstas nas Diretrizes Nacionais para a formação do professor da
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Educação Básica, em nível superior (Brasil/CNE, 2004). As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de formação de professores estão expressas na Resolução CNE/CP 2 no 1 de 2002, que, por sua vez, se constituem um conjunto de princípios e orientações para a organização curricular a serem observadas pelas Instituições De Ensino Superior – IES e cursos. Essa organização curricular deve ter em vista o preparo do professor, independentemente do nível para: I - o ensino visando à aprendizagem do aluno; II - o acolhimento e o trato da diversidade; III - o exercício de atividades de enriquecimento cultural; IV - o aprimoramento em práticas investigativas; V - a elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos conteúdos curriculares; VI - o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores; VII - o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de trabalho em equipe (Brasil/CNE, 2002, p. 1). Conforme compreendido nessas diretrizes, o preparo profissional do professor deve seguir três princípios balizadores essenciais: a concepção de competência como central na orientação do curso; a coerência entre o que se oferece na formação e o que se espera da prática profissional do professor; e a pesquisa como foco central do processo de ensinoaprendizagem (Brasil/CNE, 2002). Ainda que tenhamos nossas reservas em relação à centralidade da noção de competências para a formação de professores, que explicaremos adiante, precisamos reconhecer que tanto as diretrizes para a formação dos professores em geral, como as diretrizes que se referem especificamente a formação do professor de Psicologia, avançaram ao dirigir esses cursos para a consolidação de uma identidade profissional docente. 2
Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno.
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A ênfase na construção da identidade docente é vital, em função dos fins a alcançar, pois como já defendemos neste artigo, a tarefa abraçada quando ensinamos Psicologia não é psicológica, mas educativa e, portanto, deve ser pensada em uma esfera crítico-social. As diretrizes também avançam expressando oficialmente a necessidade de coerência e articulação entre o que se oferece na formação e o que a prática profissional docente exige; bem como ao focalizar a pesquisa como instrumento metodológico central do processo de ensinoaprendizagem no nível superior. Todos esses aspectos ganham importância quando nos remetemos à conhecida problemática das licenciaturas ante os bacharelados. Elas vinham funcionando, em nosso país, até então, como meros apêndices deles, quando não, como uma formação secundária e desprestigiada. Desse contexto fazia parte uma excessiva valorização dos conteúdos específicos dos cursos e certa dose de rejeição à formação pedagógica, que retrata, na verdade, a formação essencial da função de qualquer professor. Em 2000, escrevíamos a esse respeito, dizendo: [...] é preciso compreender que o magistério não é uma profissão de prestígio social. Mesmo assim, muitos dos acadêmicos que passam por esses cursos um dia acabarão dentro de uma sala de aula lecionando. A idéia de profissão é uma construção social e muda em função das condições sociais em que as pessoas a utilizam. (...) Assim, dizer que se é Biólogo, Matemático ou Historiador soa melhor aos ouvidos mais seletivos do que dizer que se é ‘professor de Biologia’, ‘professor de História’, ‘Professor de Geografia’ (Larocca, 2000b, p. 143). Da mesma forma, alguns acadêmicos, e até mesmo alguns formadores, poderiam sentir-se desprestigiados para assumir a condição de “professor de Psicologia”. Desse modo, pelo menos oficialmente, as diretrizes reconhecem a importância e a premência de que os projetos dos cursos definam claramente sua identidade como cursos que formam professores. Esperamos,
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obviamente, que isto não se configure como letra morta, mas como concepções e práticas efetivas dentro deles. Contudo, ainda temos a discutir a polêmica em torno da noção de competências como fundamento da formação de professores. A noção de competência enfatiza o saber prático e tácito que advém da experimentação das ações nos contextos de trabalho, legitimando configurações curriculares centradas na prática (Masson, 2003). Todavia, a prática, como componente curricular, valioso com toda a certeza, não pode ser vista como auto-suficiente, capaz de, sem vincular-se a reflexões teóricas consistentes, garantir a conquista de uma educação emancipadora com qualidade social e política. Segundo Masson (2003), as origens do modelo pedagógico fundado na noção de competências provêm dos Estados Unidos, Canadá, Bélgica e, posteriormente, da França. É um modelo que se manifestou a partir dos anos 70 no ensino técnico e profissionalizante, vinculando-se às mudanças socioeconômicas e ao perfil do profissional desejado pelo mercado capitalista. A autora explicita que a noção de competências valoriza as particularidades individuais que são distintivas entre os sujeitos, com ênfase no desenvolvimento de profissionais preocupados com o próprio percurso de formação. Sendo assim, reforça o individualismo e a meritrocracia presentes na sociedade atual, ao invés de valorizar a dimensão coletiva no desenvolvimento da profissionalidade. A ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação –, posicionou-se da seguinte maneira sobre a noção de competências. Notemos: O significado da noção de competências como concepção nuclear para orientar a formação dos profissionais da educação representa, no entendimento do movimento, uma concepção fragmentada e instrumental de formação, como também, uma concepção individualista, na sua essência, e imediatista em relação ao mercado de trabalho. Os princípios
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orientadores das referidas diretrizes não contemplam a perspectiva de formação humana omnilateral (Encontro Nacional da ANFOPE, 2002, p. 21) Para os educadores, o conceito de formação omnilateral supera a formação de competências, na medida em que objetiva a educação do homem inteiro, presumindo o desenvolvimento das várias possibilidades humanas. Assim, a formação omnilateral retrata: a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em conseqüência da divisão do trabalho. (Manacorda, 1991, p. 81). A formação do homem inteiro, omnilateral, inclui, obviamente, a formação de competências, habilidades e destrezas necessárias ao mundo do trabalho. Entretanto, devemos reconhecer que o homem é mais do que isso, configurando-se como uma totalidade de dimensões, tais como: a cultural, a histórica, a ética, a estética, a lúdica, a sexual, a econômica, a cognitiva, a afetiva, entre outras. Giroux (1997) reconheceu que os professores, como intelectuais transformadores, devem comprometer-se com o desenvolvimento de competências em seus educandos. Porém, além de competentes, estes devem ser capazes de pensar e agir criticamente, refletir, compreender e questionar as injustiças existentes na estrutura da nossa sociedade classista. A partir destas perspectivas, concebemos algumas sugestões para os cursos de formação de professores (Licenciaturas em Psicologia e demais Licenciaturas). Algumas contribuições foram inspiradas em Bock (2005); outras em nossos próprios trabalhos de pesquisa e reflexão sobre formação de professores e ensino de Psicologia (Larocca, 1996, 1999). Vejamos:
– inserção de disciplinas e/ou temas sobre Políticas Públicas, principalmente sobre as políticas educacionais; – inserção de disciplinas e/ou temas sobre Ética na Educação e sobre o desenvolvimento dos valores na moralidade humana; – construção de espaços nos currículos dos cursos para a discussão de direitos humanos e de como estes existem/inexistem nas realidades sociais e educacionais concretas; – construção de espaços progressivos de pesquisa, do início ao fim dos cursos, sobre práticas educativas reais, presentes na educação básica, nas escolas públicas e particulares, bem como sobre contextos de desenvolvimento e aprendizagem de crianças e adolescentes, tendo-se como ponto de partida e de chegada a concepção de que o homem é um ser que se constitui como tal nas interações que estabelece com outros homens, num quadro sócio-histórico e cultural; – formação de grupos de estudo interdisciplinares sobre temas que representem demandas urgentes da educação e dos professores. Por exemplo: “Estudando a problemática da (in)disciplina na escola”; “Estudando a emergência da Síndrome de Burnout nos professores e suas relações com as condições de vida e do trabalho docente”, entre outros. – construção de espaços integradores das diferentes disciplinas nos cursos, em que seja possível praticar e desenvolver atitudes mais articuladas em relação aos cursos em que a Psicologia se faz presente. Nesse sentido, concebemos que o professor de Psicologia necessita integrar-se aos projetos de formação dos cursos, seja em um curso de Licenciatura em Psicologia ou Licenciatura em Letras, Geografia, Matemática, etc. Sobre o ensino de Psicologia na formação de professores: Com referência à condução dos programas de ensino de Psicologia na formação de professores, tomamos como diretriz a tríade norteadora que construímos em nosso trabalho de Mestrado, a partir de pesquisa com professores universitárias de Psicologia da Educação, que tiveram em suas trajetórias experiências significativas na escola básica (Larocca,1996, 1999).
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A tríade é constituída dos seguintes elementos, que serão a seguir explicitados: – o aluno que o professor tem diante de si; – a realidade educacional, escolar e social; – as diferentes contribuições da Psicologia para a Educação. O aluno qu e o professor tem diante de si
A proposição de pensar o aluno que está diante do professor, toma, sobretudo, a disposição de não perder de vista a multidimensionalidade humana. Isto implica ir além da noção de competência técnica, passando a reconhecer o sujeito/aluno como omnilateral, isto é, simultaneamente cognitivo, afetivo, cultural, biológico, estético, lúdico, sexual, comportamental, social, econômico, político e histórico. Tais dimensões precisam ser articuladas em movimentos dialéticos, que resistem à fragmentação e ao isolamento das partes, considerando que o homem/aluno deve ser compreendido sempre na multiplicidade constitutiva do seu ser. Manacorda (1991) entende a omnilateralidade como desenvolvimento integral e harmonioso das dimensões humanas. Para este educador, trata-se de “um desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos das faculdades e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação” (p. 78-79). A omnilateralidade é, então, uma exigência frente à realidade da alienação: alienação por outro, alienação da própria natureza e alienação do desenvolvimento a uma esfera restrita. Frente a exigência da omnilateralidade é importante que levemos nossos alunos, futuros professores, a captarem as subjetividades como construções, pois: O mundo psicológico, como registro singular das relações vividas por cada um de nós, não tem nada de natural e não carrega potencialidades. Se constitui, como uma obra do próprio homem, na experiência de contato com o mundo cultural e social (Bock, 2003, p. 23).
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Assim pensando, comprometemos a formação profissional com alunos concretos, na tentativa de superar a abordagem naturalizante e abstrata que, com freqüência, o homem/aluno vem sendo tratado no ensino de Psicologia. Outro aspecto desta proposição referese à necessidade de focalizar estudos sobre os adolescentes e pré-adolescentes, na concretude de suas condições de existência, uma vez que os professores formados nas licenciaturas irão atuar com eles nos níveis do ensino fundamental e médio. A r eali dade edu cacion al, escol ar e social
Este elemento da tríade marca o cotidiano educacional das escolas e o cotidiano social como fontes privilegiadas de questionamento, análise e pesquisa. Ele permite articular as relações entre educaçãoescola e sociedade de classes. Dados de pesquisa nos indicam que a Psicologia na formação de professores tem se caracterizado por um caráter “sobrenadante”, que não chega à escola, aos seus rituais e problemáticas diárias (Larocca, 1999). Considerando essa questão, colocamos duas necessidades cruciais para o ensino de Psicologia: acentuar os seus vínculos com a escola e abordar temas/problemas emergentes desse cotidiano escolar/educacional. Quando tratamos de acentuar os vínculos com a escola, queremos evidenciar que o ensino de Psicologia não pode mais ficar restrito apenas a “falar” sobre a escola. Aqui, realçamos o processo de açãoreflexão-ação, a partir da imersão na própria realidade, a fim de que o ensino de Psicologia não mais “flutue” sobre ela. Isso demanda lutar pela conquista de um status para a Psicologia diferenciado daquele usual na formação de professores – no sentido de superar a metáfora de fundamento (Bzuneck, 1999), na compreensão da sua relação com a Educação. Tradicionalmente, a Psicologia é entendida como “fundamento teórico” da Educação. Esse modo de ver remete-se aos primeiros cinqüenta anos do século XX, quando, então, a Psicologia era chamada de “Rainha das Ciências da Educação”.
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Obviamente, não é essa concepção reducionista que temos, pois os fenômenos educativos são complexos e de natureza interdisciplinar. Não podemos, portanto, reduzi-los às explicações psicológicas. Para compreendê-los, dependemos das contribuições das várias áreas do conhecimento – daí porque o papel da Psicologia na compreensão dos fenômenos educativos deve ser compartilhado com as outras ciências e áreas de conhecimento. Contudo, não podemos negar a dimensão psicológica da Educação. Se tratamos da formação de professores, vemos que o ensino de Psicologia põe-se, em relação à Educação, não como “fundamento”, mas como um par dialético, formando uma unidade dinâmica, que se movimenta entre o domínio da ciência psicológica e o domínio da Educação – prática social a ser transformada com a nossa intervenção de intelectuais transformadores. Em artigo recente (Larocca, 2007), posicionamos que a metáfora da Psicologia, como um fundamento da Educação, é uma mentalidade que se alinha à perspectiva racional-técnica na formação, avalizando, inclusive, a ausência de conexão com as práticas escolares e sociais no ensino de Psicologia na formação de professores. O que verificamos é uma situação em que, no máximo, a Psicologia aproxima-se dos problemas da realidade educacional, mas não os vive efetivamente com os futuros professores, no sentido de um trabalho articulador vivo, não artificial. Daí porque posicionamos a organização e a condução do ensino de Psicologia por meio de abordagens de temas/problemas emergentes do cotidiano escolar/educacional. Essa abordagem é marcada pelo caráter problematizador, que requer análise, reflexão e pesquisa no e do real. A problematização temática potencialmente sugere que o ensino se dê a partir da pesquisa sobre a prática social – reconhecendo-a primeiro, refletindo sobre ela com a ajuda dos instrumentos teóricos da Psicologia e do mirante de questionamento sobre a relação educação-sociedade e reelaborando teorizações próprias
para intervir no real (Larocca, 1999, p. 173). Então, não se trata, apenas, de fazer com que o formando aproxime-se da realidade, mas de favorecer a produção de um conhecimento novo, mais elaborado, sobre determinada realidade a partir de questões como: Que realidade temos? Que teorias nos ajudam a compreendê-la? Quais os aspectos que esta ou aquela teoria nos responde? Quais as sínteses que podemos fazer pensando em nossa intervenção transformadora? A proposta de trabalho por temas problematizadores supõe um ir e vir dialético, teórico e prático, em que a diversidade teórica da Psicologia dialoga com as questões problematizadas para a construção de um novo e mais profundo conhecimento do real. Entendemos, portanto, que a organização temática problematizadora favorece as relações teoria e prática e teoria e cotidiano, que a condução do ensino, apenas por uma seqüência de teorias, não consegue efetivar. Assim, também, oportuniza ao formando visualizar a pluralidade de referenciais teóricos que contribuem para o trabalho pedagógico, dinamizando sua reflexão crítica. As di ferentes c on tr ibu iç ões da Psicolo gia para a Educação
Posicionamos aqui, o acesso ao conhecimento produzido pelos vários enfoques teóricos da Psicologia, concebendo que a função da teoria é a de iluminar a nossa leitura na compreensão do tema/problema que se está desenvolvendo, inspirando-nos na ação. É, portanto, necessário dinamizar interlocuções entre o tema/problema emergente da realidade e as diferentes visões ou interpretações próprias de cada referencial teórico que tem contribuições potenciais a oferecer às temáticas/problemáticas discutidas. Nessa forma de conduzir, estabelecemos um confronto teórico dialógico, em que os méritos e/ou lacunas dos referenciais podem ser verificados: O que esta teoria propicia para a compreensão do tema que aquela outra teoria não consegue responder? Que méritos e lacunas
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esta e aquela teoria apresentam em relação à temática? Nesse contexto de discussão questionamos também as bases filosóficas e epistemológicas que sustentam tais perspectivas teóricas, assim como o que a história nos diz acerca dessas elaborações teóricas e de seus objetos de estudo. A idéia é apresentar as teorias, não como conhecimentos prontos e acabados sobre determinado objeto, mas como conhecimentos contextualizados em filosofias e em certas condições históricas e sociais, imprimindo-se no conhecimento teórico a marca da provisoriedade e da superação. Tal contextualização dos quadros teóricos permitirá situá-los, ainda, no confronto com os dilemas atuais, que emergem do cotidiano e em função do trabalho pedagógico. Acreditamos que um trabalho desta natureza ajudará, a evitar os modismos e estereótipos que circulam em torno das proposições teóricas. A tríade condutora que propusemos nesta última parte de nosso artigo representa a articulação de uma idéia básica – questionar a educação que temos na sociedade atual – com os conteúdos específicos da Psicologia. Temos claro, contudo, que os desafios que se colocam para os formadores, no ensino de Psicologia são muitos e complexos, razão pela qual, certamente, nossas possibilidades de discussão não se encerram aqui. Terminamos este texto, reafirmando as palavras de Bock (2005), que nos lembra que uma profissão não é apenas a apropriação de um saber, mas a apropriação de um saber e de uma postura crítica que não permite estarmos satisfeitos com aquilo que sabemos. Daí por que a formação profissional exige de nós um posicionamento acerca dos fins para os quais dirigimos a nossa prática educativa. Fica, então, a pergunta insistente: afinal, para quê ensinamos?
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Enviado em Setembro/2007 Aceite em Abril /2008 Publicado em Junho/2009
ISSN 1413-389X
o
Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 69 – 84
Os livr os didáticos de Psicolog ia Educacional: pistas para análise da fo rmação de pro fessores(as) – (1920 – 1960) Maria Madalena Silva de Assunção Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações
Resumo
Neste estudo, histórico e teórico/conceitual, buscou-se analisar os conteúdos veiculados nos livros didáticos de Psicologia Educacional que circularam entre as décadas de 20 a 60 do século XX e que, possivelmente, foram utilizados para a formação de professoras no Curso Normal. É possível entrever, a partir deste material, que apresenta uma ênfase na concepção organicista e funcionalista do sujeito, a contribuição da Psicologia Educacional para a constituição do campo da Psicologia como ciência. De modo geral, os assuntos discutidos, no decorrer desse período, eram recorrentes em todos os autores, além de apresentar poucas alterações no conteúdo. Foram utilizados para análise os livros de onze autores de diferentes estados do país, sendo onze títulos e quarenta e uma edições diferentes. Para discutir os conteúdos, os livros foram separados por década de publicação, o que possibilitou comparar e analisar os diferentes títulos e autores, bem como as diferentes edições. Palavras-chave: Livro didático, Psicologia Educacional, Formação de professores(as), História
da Psicologia.
The Educational Psychology Didactic Books: Clues for An alys is for the Teachers Formatio n (1920 – 1960) Ab st rac t
This historical theoretical and conceptual work aims to analyse the contents presented in the educational psychology books which were published and adopted in the teachers formation of “Curso Normal” courses in the 20s and 60s of the XX century. By analysing the contents listed in these books, which present a special emphasis on the organicist as well as on the funcionalist conception of the subject, it is possible to verify a contribution from educational psychology to the establishment of psychology as a science. The topics discussed in the referred period were generally common, and little changed, among the authors. The analysis was based on books of 11 (eleven) authors coming from different states of Brazil. It is worth to enhance that the study selected 11 (eleven) different books and 41 (forty-one) different editions. In order to make the research possible, the books were categorized under the decade they were published and edited to draw comparison of titles and authors. Keywords: Didactic book, Educational Psychology, Teachers formation, History of
Psychology. O objetivo deste estudo foi o de verificar o que era veiculado e discutido nos livros didáticos de Psicologia Educacional, e, tendo estes sido escritos para serem utilizados no Curso Normal, poderemos, juntamente com outras fontes, vislumbrar o que se ensinava de Psicologia às alunas deste curso. Essas informações, originárias da Psicologia Educacional, poderão também nos auxiliar
para um melhor entendimento do campo da Psicologia, uma vez que no Brasil, e de modo mais contundente em alguns estados, a Psicologia, em sua constituição, estabelecera um estreito vínculo com a área educacional. Para análise dos conteúdos apresentados nos livros didáticos da disciplina Psicologia Educacional, no período que compreende as décadas de 20 a 60 do século XX, foram aqui
Endereço para correspondência: Rua Bernardo Monteiro – 1.000 – Condomínio Estância do Hibisco, Centro. CEP: 32.017.170 – Contagem – MG. E-mail:
[email protected].
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selecionados como referência os livros de onze autores, sendo onze títulos e quarenta e uma edições diferentes. Apesar da leitura integral dos conteúdos dos livros didáticos, optei neste artigo, tendo em vista a extensão do material, pela seleção de alguns assuntos que considero de importância ímpar para a área, o que se confirma pela recorrência no decorrer desse período, bem como sua permanência nas discussões e constituição da área da Psicologia. Os temas aqui apresentados foram tomados com o objetivo de averiguar a forma como cada autor(a) abordava o mesmo assunto e as possíveis mudanças que ocorreram no tratamento deles no decorrer das décadas. Assim, um dos critérios para a seleção do tema foi sua presença em todos(as) os(as) autores(as) e livros, a saber: 1) o conceito e objeto da Psicologia e ou da Psicologia Educacional; 2) a afetividade ou fenômenos afetivos em que tomam para discussão os tópicos sobre prazer, dor e paixão; e 3) a personalidade e o caráter. A seleção do primeiro item se deu com o objetivo de conhecer as discussões acerca do objeto da Psicologia, considerando se tratar de uma área que vinha se estruturando e buscando estabelecer seu espaço, suas semelhanças e suas diferenças em relação às demais ciências. O segundo item foi selecionado por se tratar de um assunto relevante na Psicologia, pois mesmo que posteriormente passe a ter novas denominações, a questão relacionada à afetividade permanece como ponto fulcral nas discussões psicológicas. O último item selecionado, personalidade e caráter, por representar uma discussão central no campo psicológico, pois além de permanecer como um conteúdo no Curso de Formação de Professores(as) (Curso Normal, Curso de Magistério e Licenciaturas), a “Personalidade” se transformou em uma disciplina específica, tanto no Curso de Psicologia quanto em alguns cursos de licenciatura. Por se tratar de uma discussão extensa, apresentarei aqui uma síntese1 de como esses temas foram tratados no período mencionado. Para tal, a Revista do Ensino de Minas Gerais2 1
Uma discussão mais detalhada sobre esses temas encontra-se em Assunção (2002). 2 De acordo com Paulo Krüger Mourão (1962), a Revista do Ensino de Minas Gerais foi criada
Assunção, M. M. S.
foi também pesquisada, de modo a compor um quadro que retratasse, com maior proximidade, as principais temáticas que eram discutidas em Psicologia nesse período, em especial em Minas Gerais. O livro didático como fonte de pesquisa
O termo livro didático foi utilizado, conforme argumenta Batista (2000), para designar uma gama variada de objetos portadores dos impressos que circulavam na escola. O livro didático, nesse sentido, seria então o livro ou impresso utilizado pela escola para o desenvolvimento de um processo de ensino ou de formação. Assim, ele faz parte, não arbitrariamente, da cultura escolar – o que contribui para uma análise sobre a mediação que ocorre entre a escola, a sociedade e os sujeitos em formação. O saber a ser ensinado, aprendido em determinada época, sofre um processo de seleção, organização, seqüenciação, ou seja, esse saber se torna didatizado, escolarizado e passa a ser agrupado e apresentado no livro didático. Assim, o livro didático foi instituído historicamente, anterior aos programas e currículos, de forma a garantir o aprendizado dos saberes considerados imprescindíveis à inserção das novas gerações na sociedade. Desse modo, como afirma Soares (1996, p. 55-56) os livros didáticos ... convertem-se em fonte privilegiada para uma história do ensino e das disciplinas escolares. Analisados sincronicamente ou diacronicamente, eles permitem identificar ou recuperar saberes e competências considerados formadores, em determinado momento, pela Lei n. 41, de 03/08/1892, pela Reforma Afonso Pena/Silviano Brandão. O objetivo da revista era a divulgação dos atos oficiais referentes à instrução e à divulgação dos processos pedagógicos modernos. Mas essa revista, idealizada por Afonso Pena, só foi ativada pela Diretoria de Instrução a partir do Decreto n. 6.055, de 19/08/1924, e apresentava como objetivo “orientar, estimular e informar os funcionários do ensino e os particulares interessado em assuntos relacionados.” (Mourão, 1962, p. 47). O primeiro número foi publicado em março/1925 e o último, n. 239, em março/1970.
Livros Didáticos de Psicologia
das novas gerações; são as tendências metodológicas que regulam o ensino e a aprendizagem desses saberes em cada momento, a política cultural e social que impõe, em determinada época, uma certa escolarização, e não outra, do conhecimento, da ciência, das práticas culturais. Os conteúdos escolares “oficialmente” propostos nos livros didáticos refletem os ideais sociais, religiosos, políticos, ideológicos que orientavam a seleção de alguns conteúdos em detrimento de outros. Eles atuam, na verdade, como mediadores entre concepções e práticas políticas e culturais, tornando-se parte importante, tanto para a manutenção como para as mudanças de determinadas visões de mundo. A utilização do livro didático como fonte, como documenta a História da Educação, pode contribuir para compreender a trajetória de disciplinas e práticas escolares. O período referente a esta pesquisa, as décadas de 20 a 60 do século XX, possibilita-nos atribuir ao livro didático um significativo valor no que diz respeito à formação dos(as) professores(as). Uma vez que, nesse período, o livro didático se constituía em referência primordial para o ensino devido às dificuldades, próprias da época, relacionadas à publicação e à autoria dos livros didáticos, conforme nos esclarece Soares (1996): ... os autores da primeira metade do século, em geral personalidades de renome por sua atuação no ensino superior e em instâncias públicas ligadas à Educação, tinham formação em áreas não diretamente relacionadas com o conteúdo para o qual escreviam livros didáticos: Lourenço Filho [...] Aroldo de Azevedo [...] Olavo Bilac [...]. Mas não é difícil explicar por que os autores da primeira metade do século escreviam livros didáticos para disciplinas não diretamente relacionadas com sua formação acadêmica: as Faculdades de Filosofia, criadas com os objetivos de desenvolver estudos em áreas básicas e de formação de professores, só surgem nos anos 30; até então, tanto os professores do ensino elementar e do ensino médio quanto os
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autores dos livros didáticos eram autodidatas, estudiosos do conteúdo que lecionavam ou sobre o qual produziam textos para o ensino. (p. 59-60) A partir dos anos 50, após transcorrido um tempo significativo da criação das Faculdades de Filosofia, os livros didáticos passam a ser escritos por aqueles(as) professores(as)/autores(as) oriundos desses cursos. Desse modo, além da formação acadêmica, a prática docente parece ser um importante elemento que transforma os(as) professores(as) em autores(as) de livros didáticos. A formação dos(as) autores(as)/professores(as) que ministravam aulas de Psicologia Educacional no período citado, talvez nos possa trazer pistas para um entendimento a respeito dos conteúdos abordados no ensino dessa disciplina, bem como uma compreensão das representações acerca da Psicologia da Educação nos dias atuais. Considerando o período aqui tratado, devemos lembrar que os cursos de Psicologia tomam vulto apenas na década de 60 (à exceção dos cursos de Psicologia da PUC-RJ, PUC-RS e PUC-MG, os dois primeiros criados em 1953, e o terceiro, em 1959), o que indica que os(as) autores(as) dos livros didáticos, bem como os(as) professores(as) tinham formação em áreas como a Medicina, Filosofia, Educação, dentre outras. A Psicologia aplicada à Educação, principalmente a Psicologia como uma disciplina escolar, tornou-se objeto de estudo de pesquisadores(as) que buscam um entendimento sobre as complexas relações entre a Educação e a Psicologia, como pode ser constatado na observação de Carvalho (1997, p. 307): Os estudos recentes em torno da relação psicologia e pedagogia cessaram de revelar uma consensual confiança no papel edificante que a psicologia poderia exercer sobre a pedagogia. A própria temática da criança alargou-se de tal modo para além da psicologia, e esta retalhou a tal ponto seu objeto, que, desde os anos 60, mal se ouve falar naquele promissor ramo da psicologia. Mas, se o otimismo de Baldwin e Claparède foi fraudado, isso se deveu menos à pouca presença normativa da psicologia na
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Assunção, M. M. S.
configuração do campo pedagógico do que ao seu grau de participação nos insucessos das pedagogias do século, de um lado e, de outro, na dose constrangedora de absenteísmo diante dos problemas crescentes da educação escolar.
foi realizado, ou seja, na busca por situar os livros didáticos, seus(uas) autores(as) e seus conteúdos para a compreensão da Psicologia Educacional, e, ao mesmo tempo, rever a importância da Psicologia na formação de professores(as).
Apesar do destaque que os cursos de formação de professores(as) continuam conferindo ao ensino da Psicologia, isso não vem ocorrendo sem críticas, mudanças, reflexões sobre a importância deste saber para a prática do(a) professor(a). Não há como compreender os atuais questionamentos sem buscarmos, na história desse campo e dessa disciplina, pistas para novos movimentos que possam reorientar a Psicologia, sua abrangência na área educacional (qual seja ela) e a formação de professores(as). É importante ressaltar que o estudo sobre os livros didáticos se insere no conjunto dessas preocupações. Isto é, buscar no passado fragmentos, pistas de onde, de quem, de quando determinadas expressões, intenções, propostas, discursos, que, presentes na disciplina Psicologia Educacional, se desdobraram e se deslizaram para outros campos e outros saberes pedagógicos, contribuindo, certamente, para práticas docentes e modos de pensar e lidar com o sujeito/aluno. As décadas de 20 a 60 do século XX, período em que este estudo se situa, caracterizam-se por importantes movimentos, que auxiliam na leitura e no entendimento dos conteúdos que compõem os livros didáticos. Temos, por exemplo: a instauração da República e os fundamentos de sustentabilidade do projeto de modernização do país; a era moderna e a emergência do indivíduo/sujeito; o processo de industrialização; a efervescência intelectual da década de 20; as reformas de ensino nos estados brasileiros; o Estado Novo; a consolidação do movimento da Escola Nova por intermédio das reformas de ensino; etc. Desse modo, a compreensão histórica da constituição da Psicologia demanda a captação da trama de relações na qual ela se insere e se desenvolve, pois só assim será possível compreender suas múltiplas manifestações, reavendo os atravessamentos e as multidimensões dos quais ela é produto e produtora. É nesta perspectiva que este estudo
Sobre os livros didáticos e os(as) autores(as) 3
Os livros de Psicologia Educacional utilizados para análise foram dos seguintes autores: Afro do Amaral Fontoura, Antônio Xavier Teles, Antônio de Sampaio Dória, Guerino Casasanta, Iago Victoriano Pimentel, Iva Waisberg Bonow, Justino Mendes, Manoel José do Bomfim, Noemy da Silveira Rudolfer, Ruy de Ayres Bello e Theobaldo Miranda Santos. O livro de Iago Victoriano Pimentel, Noções de Psicologia aplicadas à Educação,
teve sua primeira edição publicada, possivelmente, em 1931. A dificuldade em situar precisamente a data de sua publicação deve-se ao fato de não constar neste livro, como também em outros da mesma época, a data de publicação. No entanto, no exemplar localizado, há uma dedicatória com a data de XV.III.931, o que nos leva a crer que a primeira edição tenha sido de 1931. Iago Victoriano Pimentel foi professor da cadeira de Psicologia Educacional na Escola Normal Modelo de Belo Horizonte/MG a partir da Reforma de Ensino de 1928 até aproximadamente a década de 50 – o que confirma sua importância no campo da Psicologia Educacional em Minas Gerais. Seu livro atravessou décadas formando as alunas do Curso Normal, com a primeira edição publicada em 1931, e a última (décima terceira), localizada por mim, publicada em 1967. Guerino Casasanta também foi professor da cadeira de Psicologia Educacional na Escola Normal. Tudo indica que isso tenha ocorrido no período em que Iago Victoriano Pimentel se afastou dessa atividade. A primeira edição de seu livro Manual de Psicologia Educacional foi publicada em 3
Os livros didáticos aqui mencionados, à exceção do livro de Iago V. Pimentel, foram doados para a biblioteca da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – FaE/UFMG.
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1950. A última edição localizada foi a quarta, publicada em 1961. O livro de Manoel José do Bomfim, Noções de Psychologia, foi selecionado pelo fato de ter sido indicado no programa oficial de Psicologia Educacional, proposto em decorrência da Reforma de Ensino Francisco Campos (1928) em Minas Gerais. Esse livro teve sua primeira edição publicada em 1916, a segunda em 1917 e a quarta edição, que foi a localizada, em 1928. Manoel José do Bomfim foi professor da Escola Normal, Diretor do Pedagogium e Diretor do Laboratório de Psychologia Experimental no Rio de Janeiro. O livro de Theobaldo Miranda Santos (professor do Instituto de Educação no Rio de Janeiro), Noções de Psicologia Educacional, foi escrito, de acordo com o anunciado no próprio livro, para atender aos programas das Faculdades de Filosofia e dos Institutos de Educação das Escolas Normais. A data da publicação da primeira edição não foi localizada. A segunda edição foi publicada em 1947, a quarta em 1951, a quinta em 1954 e a sexta, última edição localizada, foi publicada em 1955. Iva Waisberg Bonow, também professora de Psicologia no Rio de Janeiro, autora do livro Elementos de Psicologia, prefaciado por Lourenço Filho, foi indicado para as Escolas Normais e Curso Colegial. Foram localizadas duas edições desse livro, sendo a primeira publicada em 1954, e a oitava, em 1966. Também coordenado pela mesma autora, foi localizado o livro Manual de Trabalhos Práticos de Psicologia Educacional, em sua quarta edição de 1968. Afro do Amaral Fontoura é autor do livro Psicologia Educacional, sendo a primeira edição de 1958 e a segunda, de 1959. Parece ter sido um livro bastante utilizado na época, uma vez que a décima terceira edição foi publicada em 1966, no curto espaço de oito anos após a publicação da primeira. Antônio de Sampaio Dória, professor da Escola Normal de São Paulo, publicou Psychologia, do qual localizei três edições, sendo a terceira publicada em 1930, a quarta em 1932 e a quinta em 1935. Publicou também o livro A Evolução da Psicologia Educacional através de um histórico da Psicologia Moderna de Noemy da Silveira
Rudolfer, professora de Psicologia Educacional e responsável pelo Laboratório de Psicologia Educacional na Escola Normal
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Caetano de Campos em São Paulo. Seu livro teve a primeira edição publicada em 1938; a segunda edição foi publicada vinte e três anos depois, em 1961, com o título Introdução à Psicologia Educacional.
Do livro de Ruy de Ayres Bello, Introdução à Psicologia Educacional, foi localizada a terceira edição de 1964, sem referência a edições anteriores. Este livro foi adotado, pelo que pude constatar, em pelo menos uma escola (particular) de Belo Horizonte, no início da década de 60. Ruy de Ayres Bello foi professor do Curso Normal do Instituto de Educação, da Universidade do Recife e da Universidade Católica de Pernambuco. O livro de Antônio Xavier Teles, Psicologia Moderna, foi tomado mais como um exemplo de fenômeno editorial do que propriamente um livro a ser analisado. A primeira edição deste livro, apesar de não ter sido localizada, deve ter ocorrido por volta de 1965/66. A segunda edição é de 1968, a terceira, de 1969; em 1974 foram publicadas pelo menos 4 edições, ou seja, da 7ª à 10ª, pois em 1975 a edição localizada foi a 14ª. O livro foi reeditado a cada ano, sendo a vigésima quinta edição, a última localizada, publicada em 1988, o que não significa que tenha sido a última edição do livro. Na seleção dessa fonte – livros didáticos – foi considerado o fato de o livro ter sido escrito com a finalidade de utilização como material didático nas Escolas Normais. Bem como, livros que foram escritos e, possivelmente, utilizados em outros estados, não só em Minas Gerais, de modo a permitir uma visão mais ampla dos temas abordados na disciplina Psicologia Educacional. Mesmo sabendo que muitos outros livros nesta área foram escritos, e que ainda muitos outros foram traduzidos com a finalidade de serem utilizados nos Cursos de Formação de Professores(as), um levantamento e uma análise de todos eles seria inviável neste estudo. Para discutir os conteúdos dos livros didáticos, o primeiro critério utilizado foi o de separá-los por década de publicação, sendo possível posteriormente comparar e analisar os diferentes títulos e autores, bem como as diferentes edições4 . 4
De modo a viabilizar esse estudo foram elaborados dois quadros referentes à Revista do
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Assunção, M. M. S.
Década de 20
De 1921 a 1930 tomei dois livros para análise: o de Manoel José do Bomfim e o de Antônio de Sampaio Dória, sendo uma edição de cada livro. Em relação ao conteúdo, os dois autores apontam as dimensões atinentes à realidade psíquica como objetos da Psicologia: a consciência, o espírito e a imortalidade da alma. Em Antônio de Sampaio Dória há a discussão do método na constituição da Psicologia, enquanto Manoel José do Bomfim preocupa-se com as questões relacionadas à adaptação humana e à personalidade. Apesar de semelhanças nos temas abordados pelos dois autores, em Antônio de Sampaio Dória é possível verificar uma tendência a explicações mais biológicas, em busca de uma cientificidade para os fenômenos psíquicos. Manoel José do Bomfim, apesar de também utilizar o referencial da Biologia, difere à medida que Ensino de Minas Gerais, do período total de sua circulação (1925 a 1970), sendo que no primeiro se visualiza o ano, os meses, o nº da revista, o nº de páginas de cada revista e os períodos de interrupção em sua publicação. Já o segundo quadro foi feito por décadas e contém os seguintes itens: Nº/Ano/nº das páginas consultadas, Autor, Título do Artigo, Comentários sobre o artigo. Neste, os artigos apresentados são de temas relacionados à Psicologia e foram publicados no período de circulação da revista. No quadro referente aos Programas oficiais da disciplina de Psicologia Educacional (1925 a 1968) foram transcritos todo o conteúdo previsto para a disciplina; três quadros relativos aos livros didáticos consultados, sendo um quadro geral de todos os livros consultados contendo os seguintes títulos por coluna: Livro, Autor(es), Edições e datas dos livros pesquisadas, Local e Editora, Origem/País, Apresentação/Prefácio, nº de páginas; o segundo quadro foi feito por décadas, contendo os seguintes itens: Décadas, Autor(es), Título do livro, Edição/Ano, Local/Editora; o terceiro trata-se de um quadro relativo a cada autor pesquisado, contendo os seguintes itens: Autor, Título do livro, Edição/Ano, Assuntos abordados. Devido à extensão desse material – 67 páginas - não foi possível, infelizmente, incluí-lo neste artigo. Considero que muito ajudaria ao leitor ter uma visão mais ampla das discussões acerca da Psicologia e da Psicologia Educacional no período aqui abordado. Este material encontra-se disponível em Assunção (2002).
toma o sistema nervoso e funções sensoriais para as devidas discussões, além dos indícios de uma moralidade no que se refere a temas como a vontade, a afetividade e a personalidade. Década de 30
A partir da década de 30, o número de livros e edições localizados deixa entrever a influência e a importância que a Psicologia passa a ter nesse período, bem como o surgimento e o crescimento da produção e da publicação de livros didáticos no Brasil. Será a partir de 1930, com as discussões oriundas da Escola Nova, com o surgimento de medidas nacionalizadoras, expansão da rede de ensino e a criação das Faculdades de Filosofia, que se ampliará o número de autores e edições de livros didáticos em nosso país (Soares, 1996). Os livros analisados referentes ao período de 1931 a 1940 foram o de Iago Victoriano Pimentel, o de Antônio de Sampaio Dória, o de Noemy da Silveira Rudolfer e o de Justino Mendes. Apesar das semelhanças encontradas nesta década, em relação aos conteúdos tratados nos livros didáticos da década anterior, percebe-se diferenças quanto à discussão sobre o objeto de conhecimento da Psicologia. A década de 30 é marcada por uma Psicologia que vai se distanciando das idéias de essência e de alma e se encaminhando para um conhecimento de cunho científico (biológico). Assim, há uma ênfase nos aspectos neurológicos, considerados como ponto de partida (e de chegada) para o entendimento dos diversos comportamentos humanos, bem como dos diversos problemas que as crianças poderiam apresentar no processo de aprendizagem, que iam da memória à preguiça, problemas muitas vezes entendidos como uma herança genética. Entretanto, considerando as dificuldades de se detectar física e biologicamente a causa para determinados comportamentos considerados ‘anormais’ nas crianças, a explicação deveria ser buscada em seu ambiente de vida, sendo este o determinante de suas dificuldades de relacionamento, de aprendizagem, de caráter, entre outros. Daí, um certo olhar sobre a relação entre o sujeito, o meio e os processos de adaptação. A Psicologia Educacional teria como objetivo, nos Cursos Normais, desenvolver
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uma atitude científica nas alunas, futuras professoras, propiciando-lhes, além de um autoconhecimento, o conhecimento da criança (baseado na higiene mental), buscando, sempre, o ajustamento desta ao meio. É visível nesse período a utilização de termos tais como: “criança retardada”, “criança nervosa”, “criança com perturbações da linguagem”, “crianças com defeitos de caráter”, “crianças com anomalias de crescimento”, “crianças com deficiências auditivas”, dentre outros. Torna-se também visível, nos livros, a preocupação com os testes psicológicos, fossem estes individuais ou coletivos. Para conhecer a criança que se iria educar, os testes pareciam a saída para tal desafio. Baseados nos princípios da Psicologia Funcional de Edouard Claparède, os testes tiveram, em Minas Gerais, uma acolhida e efetivação a partir dos inquéritos que foram aplicados pelas alunas da Escola de Aperfeiçoamento, orientadas por Helena Antipoff, às crianças das escolas de Belo Horizonte – com o objetivo de conhecer os ideais e interesses dessas crianças, considerando-as em suas dimensões biológica, psíquica e sociológica. Tais testes ratificavam a orientação pedagógica da época, que defendia uma educação baseada em conhecimentos científicos sobre a “matéria-prima” a ser educada ou a ser moldada. Década de 40
No período de 1941 a 1950, os livros pesquisados foram os de Iago Victoriano Pimentel, de Theobaldo Miranda Santos e de Guerino Casasanta. As edições do livro de Iago Victoriano Pimentel, dessa década, mantiveram o mesmo conteúdo das edições publicadas na década anterior. O mesmo ocorre com o livro de Guerino Casasanta, com um conteúdo muito semelhante aos já apresentados nos livros de outros(as) autores(as). O que o distingue é a inserção do tema relativo à educação dos(as) cegos(as). Questão essencialmente pertinente, uma vez que, em Belo Horizonte, se encontrava em funcionamento, desde 2 de setembro de 1926, o Instituto São Rafael, que atendia a uma clientela parcial ou totalmente cega. Theobaldo Miranda Santos segue uma linha bem próxima aos demais. Apesar das semelhanças, difere ao apresentar ao final de
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todas as unidades ou temas tratados, uma discussão, mesmo que sintética, sob o título “Orientação Educacional”, abordando questões relativas à prática pedagógica e educativa da criança e do(a) adolescente. O termo “adolescente” não havia aparecido em nenhum outro livro pesquisado até então. Theobaldo Miranda Santos acrescenta ao tema da “consciência” teorias que discutem o inconsciente e a influência deste sobre a vida psíquica, mas sem maiores alusões à Psicanálise. Além disso, na unidade que diz respeito aos fatos psicológicos, acrescenta um tópico sobre a concepção antiga e a concepção moderna da infância. Será também nesse livro que se observará a distinção dos termos “crescimento físico” e “crescimento mental” (desenvolvimento). Década de 50
Na década de 50 temos dois livros ainda não comentados: o de Iva Waisberg Bonow e o de Afro do Amaral Fontoura, com duas edições nessa década. Os demais livros que circularam nesse período são os já apresentados (Iago Victoriano Pimentel, Theobaldo Miranda Santos e Guerino Casasanta), e que comparados às edições anteriores, não sofreram alterações. Iva Waisberg Bonow, em seu livro Elementos de Psicologia, se atém à Psicologia em geral, com seu conceito e método. Aproxima-se dos(as) demais autores(as) ao tratar da questão relacionada aos fenômenos psíquicos, incluindo temas como afetividade, atividade, instintos, hábitos, sensação, percepção, memória, inteligência e as medidas de inteligência, consciente e inconsciente. O livro, apesar de indicado para as Escolas Normais, não apresenta nenhum conteúdo relacionado à Psicologia Infantil, nem tampouco alguma articulação desses conteúdos com a educação. O livro de Afro do Amaral Fontoura não sofreu nenhuma alteração da primeira para a segunda edição. Seu livro é dividido em três partes, sendo que a primeira trata da Psicologia Genética ou da Criança; a segunda, da Psicologia da Aprendizagem; e a terceira, da Psicologia Diferencial. Em Afro do Amaral Fontoura, devido à organização dada ao livro, tem-se a impressão de que a forma de tratar os conteúdos é bastante distinta dos(as) demais autores(as).
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No entanto, também aborda questões semelhantes, como: atenção, memória, associação de idéias, prazer, emoções, sentimentos, paixões, reflexos, instintos, vontade, linguagem, desenho, personalidade, inteligência, medidas da inteligência, temperamento, caráter. Entretanto, há de se reconhecer algumas diferenças. A primeira parte do livro enfoca a Psicologia Educacional em vez da Psicologia como uma área do saber, prática comum nos(as) demais autores(as). A seguir, introduz a Psicologia da Criança e a Psicologia Genética, inserindo, em capítulos distintos, os conceitos de primeira infância, segunda infância, terceira infância e adolescência, além da abordagem sobre a criança problema. O desenvolvimento infantil, nos livros já discutidos, é apresentado de modo condensado, ou seja, parece não fazer diferença alguma se a criança tem três ou oito anos de idade. Na segunda parte há a introdução do termo “Psicologia da Aprendizagem”, até então pouco utilizado, ou inexistente, nos livros pesquisados. No entanto, o conteúdo abordado nesse capítulo não difere dos demais livros. Na terceira parte, ele introduz a discussão sobre dupla personalidade, sonambulismo e hipnotismo, assuntos não encontrados nos(as) demais autores(as). O que mais chama a atenção nesse livro é a inclusão de exercícios relacionados ao conteúdo, alguns deles parecendo ser para o(a) professor(a); já outros, a serem aplicados aos(às) alunos(as). Além disso, apresenta também alguns desenhos e figuras correspondentes ao conteúdo. Essa estratégia utilizada pelo autor faz com que o livro tome um caráter bastante prático, em que o(a) professor(a) encontra exemplos e exercícios para sua atividade docente. Década de 60
Na década de 60, encontramos praticamente os(as) mesmos(as) autores(as) já citados: Iago Victoriano Pimentel, Guerino Casasanta, Iva Waisberg Bonow (ainda, coordenado pela mesma autora, o livro Manual de trabalhos práticos de Psicologia Educacional), Ruy de Ayres Bello, Noemy da
Silveira Rudolfer, Afro do Amaral Fontoura e Antônio Xavier Teles. Em Minas Gerais, o Decreto n. 6.879, de 13 de março de 1963, fixa o currículo e
apresenta os programas para o Curso Normal. Uma vez que a Lei Federal n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, não estabeleceu um programa de ensino único e fixo para o território nacional, estes deveriam ser elaborados pelos órgãos competentes do Estado e aprovados pelos Conselhos Estaduais de Educação. Ao analisar os programas de Psicologia Educacional para os três anos do Curso Normal, podemos observar uma organização diferente das encontradas anteriormente, a começar pelos objetivos da disciplina, que se atém ao autoconhecimento do(a) professor(a), incluindo sua responsabilidade pessoal e social no que tange à sua profissão; ao conhecimento da pessoa humana e à busca de soluções para as dificuldades encontradas nas relações com(as) alunos(as) e os(as) colegas. Com tais objetivos, a tônica da disciplina, bem como a orientação dada, é a de que o(a) professor(a) tenha sempre como princípio a perspectiva prática, sugerindo, inclusive, que as primeiras unidades, que se referem à introdução aos estudos da Psicologia, seu objeto, história e métodos, fossem ministrados de forma breve, para que houvesse maior tempo para os conteúdos tais como: o desenvolvimento da criança e do adolescente; noções de higiene mental; noções de orientação educacional, etc. Este último item pode ser relacionado à emergente importância que o trabalho de orientação educacional passa a ter nas escolas – a futura professora deveria obter os conhecimentos básicos desta área para colaborar com a Orientadora Educacional. A preocupação com o ajustamento do(a) professor(a) e do aluno encontra-se contemplado, uma vez que a professora, tendo um conhecimento de sua “personalidade” (autoconhecimento), pode agir junto à criança “desajustada” e junto à sua família. Essas orientações, oriundas dos programas oficiais de 1963, não aparecem de imediato nos livros didáticos analisados. No entanto, parece que a forma mais rápida de divulgar tais orientações se deu por intermédio da Revista do Ensino de Minas Gerais que publicou, nessa década, artigos que tratavam de temas que compunham o programa, em especial aqueles relacionados às primeiras unidades. Talvez por se tratar de artigos, eles trazem, em sua organização e na dimensão teórica, alguns aspectos distintos dos encontrados nos livros didáticos. Apesar da
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presença de um referencial filosófico e social, não ocorre a supressão da Biologia, mas esta passa a ter proporções menos visíveis nas discussões. Esse discurso diferenciado pode ser atribuído à própria formação psicológica dos(as) novos(as) autores(as), como é o caso de Maria Auxiliadora de Souza Brasil, Pedro Parafita de Bessa, Pierre Weil, entre tantos(as) outros(as). Apesar da entrada desses(as) novos(as) personagens em cena, parece que o Curso de Formação de Professores(as), ou seja, o Curso Normal, continuou adotando os mesmos livros de Psicologia Educacional, talvez pelo fato de que esses(as) novos(as) atores(as) não se encontravam, nessa época, atuando nesse grau de ensino, e sim no Ensino Superior . Nesse período, o livro de Afro do Amaral Fontoura, Psicologia Educacional – 1a parte – Psicologia da Criança, tem sua décima terceira edição publicada em 1966. Devido ao número avançado dessa edição em relação ao da década de 50, que foi publicado em 1958 e teve a segunda edição em 1959, fica a dúvida se se trata do mesmo livro ou de outro que talvez tenha sido publicado anteriormente, sem ter sido localizado. No entanto, considerando o conteúdo, com suas poucas alterações, parece se tratar do mesmo livro. Há nesse livro, e que não consta nas edições da década de 50, uma parte introdutória, intitulada Educação Renovada e Escola Viva, na qual o autor apresenta uma série de pequenos textos para reflexão das futuras professoras: Sentinelas avançadas do progresso; A criança e o pássaro; Mais vale olhar que ouvir; Este tesouro: as mãos; A alegria melhora a vida; Não há educação sem amor; Respeito à personalidade da criança; Conhecimento das vivências do aluno; Aos professores de Psicologia Educacional. Há ainda uma Oração para o mestre dizer cada manhã . Esta oração conclama as mestras a
olhar seus alunos com amor, compreensão e paciência – o que parece prescindir de conhecimentos teóricos para executar a tarefa docente. No texto Sentinelas avançadas do progresso, o autor lembra que é preciso louvar a coragem, a dedicação e o heroísmo do Magistério Primário brasileiro. O professor primário (nunca utiliza o termo “a professora primária”) encontra-se em todos os lugares, mesmo naqueles mais distantes e atrasados, mas adverte que não basta que existam
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escolas, é preciso que existam “boas escolas”, para que os frutos dali colhidos compensem o esforço do “abnegado mestre”. Para tal, é imprescindível que as escolas se baseiem na Psicologia e na Pedagogia. [A] Psicologia nos mostra como é o espírito humano, como funciona o nosso psiquismo; a Pedagoga toma esses conhecimentos e os aplica à escola. A Psicologia estuda a criança, a Pedagogia estuda a sua educação. (Fontoura, 1966, p. XXV). No item sobre A criança e o pássaro, o autor salienta que a Psicologia nos ensina que a criança é um ser essencialmente ativo e que só pode desenvolver-se em atividade. A necessidade da criança de ser ativa pode ser comparada à necessidade que o pássaro tem de voar. Desse modo, somente a escola ativa poderá dar as diretrizes necessárias aos(às) professores(as) para desenvolverem o seu “nobre trabalho”. Ao escrever Não há educação sem amor, o autor afirma que apenas aquele(a) que ama pode conhecer a “alma” do(a) outro(a). Assim, o “professor de verdade, o mestre digno dêsse nome, ama seus alunos. [...] sobretudo os mais pobres, os mais infelizes, aquêles que mais necessitam do carinho, da compreensão, do estímulo de seus mestres.” (Fontoura, 1966, p. 4). Além do amor, o autor lembra, em o Respeito à personalidade da criança, ser preciso respeitar sua personalidade em formação, e não desejar que todos(as) os(as) alunos(as) tenham o mesmo comportamento, que gostem das mesmas matérias ou que todos(as) sejam igualmente dóceis. Apesar dessas diferenças, o autor lembra que isso não significa, de modo algum, deixar que a criança faça tudo o que lhe vier à cabeça, pois isso não seria educar. O último texto da parte introdutória é dirigido Aos Professores de Psicologia Educacional, e o autor lembra que o livro foi escrito para ser utilizado nas Escolas Normais, mas não para ser decorado e sim vivido. O autor ressalta a importância de se transformar a escola em um “centro de vida” e, quanto ao ensino de Psicologia Educacional, deve haver uma preocupação constante em sair da teoria para a prática. O que caracteriza essa parte introdutória, como todo o livro de Afro do Amaral Fontoura, é a sua perspectiva prática. Parece
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Assunção, M. M. S.
ser a preocupação maior do autor fornecer, contrariamente ao que propõe teoricamente, atividades prontas para que o(a) professor(a) apenas as execute em sua prática docente. Afro do Amaral Fontoura apresenta em seu livro a atividade do “Álbum pedagógico”. Trata-se de uma atividade que acompanha o desenvolvimento da criança desde a primeira infância até a adolescência, abarcando, praticamente, todo o curso/conteúdo de Psicologia Educacional. Essa atividade parece ter despertado, nos Cursos de Magistério, grande interesse não só para as alunas dessa década como também nas décadas posteriores. Essa afirmativa se ancora em entrevistas realizadas, à época da elaboração de minha pesquisa de doutorado, com professoras de Psicologia Educacional que atuaram nas décadas de 60 e 705 . Além disso, ao iniciar na docência, na década de 80, no Curso de Magistério, em instituições tanto públicas quanto privadas, o que mais as alunas demandavam era a confecção do álbum de desenvolvimento, que à época já não era mais conhecido como “Álbum pedagógico”. Isso nos leva a pressupor que essa atividade, e esse modo de se ensinar a Psicologia, não só perdurou por um longo período, bem como pode ter contribuído, imensamente, para uma visão distorcida da Psicologia, e, ao mesmo tempo, para a construção da idéia de que esse conhecimento proveria as alunas das noções fundamentais para se tornarem professoras, ou se transformarem em mães/professoras. Em seu livro, Fontoura (1966, p. 32) orienta sobre como fazer o “Álbum pedagógico”: O bom professor de Psicologia Educacional estimulará seus alunos, desde estas primeiras aulas, a iniciarem a importante tarefa que é o ÁLBUM DE PSICOLOGIA. Poderá cada aluna ter o seu álbum individual, mas nós 5
Esses dados são apresentados em Assunção (2002). Além dessas entrevistas, ao discutir tais questões em sala de aula, nos cursos de Licenciatura (Letras, História, Pedagogia) nos quais era professora à época da pesquisa, muitas alunas me presentearam com “álbuns” confeccionados por elas ou por suas mães. Esse tipo de material também está localizado no Centro de Referência do Professor em Belo Horizonte/MG.
preferimos sempre o sistema do trabalho em grupo ou de equipe. Nesta hipótese o bom professor dividirá a turma em equipes, de 3 ou 5 alunas cada uma, constituídas segundo as preferências delas. Cada equipe irá colecionar os recortes de jornais e revistas que encontrar, referentes a assuntos de Psicologia. O ÁLBUM por motivo de economia, deve ser formado por fôlhas sôltas de papel almaço liso, tamanho ofício, dentro de uma pasta de cartolina dessas que têm ferragens para prender as fôlhas prèviamente perfuradas. As equipes colocarão capas nas pastas, decorando-as com motivos pedagógicos. Todo artigo deve ser ilustrado: se não vier uma gravura impressa, a equipe desenhará uma, alusiva ao assunto. O ÁLBUM continuará a ser preenchido, até o fim do ano. Caso o professor prefira, de acôrdo com as alunas, poderá cada equipe fazer o Álbum sobre um assunto especial: um sôbre Psicologia Geral [...], outro sôbre Psicologia do Adolescente (problemas da juventude), outro sôbre Psicologia da Família (problemas do casamento e dos filhos), outro sôbre a Psicologia Escolar (isto é, assuntos da vida escolar, aprendizagem, provas, testes). Posterior a essas orientações iniciais, o autor delineia passo a passo como preparar esse trabalho, acrescentando: “Nota importante – Não há nenhum valor em recortar e colar no álbum: os alunos devem obrigatòriamente fazer um resumo de cada um, na página ao lado.” (Fontoura, 1966, p. 42). O que parece não ter ficado claro, ou se perdido no decorrer do tempo, foi apenas a “nota importante”. Os álbuns, atividade obrigatória nas décadas seguintes, passaram a conter quase que apenas os recortes de revistas e desenhos. Todas as gravuras, sem texto algum (no máximo alguns parágrafos xerocados) que mostravam do namoro (dos futuros pais) à adolescência, chegando às vezes à vida profissional de um idealizado(a) futuro(a) filho(a). Assim, a Psicologia, distorcidamente, passa a ser mais importante
Livros Didáticos de Psicologia
para orientar a “futura mãe” do que para orientar e formar a “futura professora”. Outro aspecto observado nesse livro refere-se à utilização de uma outra forma de linguagem, digamos que menos acadêmica/científica, ou seja, uma linguagem mais próxima das experiências cotidianas da professora ou talvez mais próxima das experiências e do entendimento da futura mãe e professora. Essa linguagem, bastante infantilizada e distante dos padrões formais de um livro didático, leva-nos a indagar sobre a função e os rumos que a Psicologia parece tomar a partir daí, bem como sobre a imagem que o autor fazia das leitoras a que se dirigia. A Psicologia parece se distanciar do corpo teórico já produzido, e enveredar para uma dimensão essencialmente manualesca e receituária. Ressalto, entretanto, que me refiro aos conteúdos veiculados nos livros didáticos, e não às produções específicas do campo da Psicologia no Brasil, uma vez ser perceptível, em todas as áreas do conhecimento, uma lacuna ou uma não correspondência linear entre essas produções e a didatização das mesmas. Em consonância com as discussões apresentadas por André Chervel (1990), acerca das disciplinas escolares e de seus conteúdos, entendemos que a transposição de um conhecimento científico para os livros didáticos, e conseqüentemente para a sala de aula, implica o critério de seleção dos conteúdos, ou seja, dos saberes que melhor se adaptam ou se submetem com maior facilidade a essa transmutação. Não podemos, portanto, afirmar que a constituição da Psicologia como ciência no Brasil tenha passado por processos idênticos ao que ocorreu com a Psicologia Educacional. Contudo, a segunda é parte integrante da primeira. Assim, não se pode negligenciar a força da Psicologia ensinada, didatizada e socializada nas inúmeras instituições escolares como estruturante desse campo. Os conteúdos e atividades propostas por Afro do Amaral Fontoura, remetem-nos à análise sobre a relação escola/lar feita por Louro (1997, p. 458): A escola parecia desenvolver um movimento ambíguo: de um lado, promovia uma espécie de ruptura com o ensino desenvolvido no lar, pois de
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algum modo se colocava como mais capaz ou com maior legitimidade para ministrar os conhecimentos exigidos para a mulher moderna; de outro, promovia, através de vários meios, sua ligação com a casa, na medida em que cercava a formação docente de referências à maternidade e ao afeto. Nesse mesmo período, o livro Introdução à Psicologia Educacional, de Ruy de Ayres Bello, traz um conteúdo muito semelhante ao livro de outros(as) autores(as) como o de Iago Victoriano Pimentel, apesar de um menor destaque quanto ao sistema nervoso. Aproxima-se também do livro de Afro do Amaral Fontoura, da década de 50, no modo, por exemplo, de tratar a Psicologia Educacional (conceito, objeto, histórico, importância pedagógica da Psicologia). Apesar de tal aproximação, Ruy de Ayres Bello se distingue de Afro do Amaral Fontoura ao abordar as diversas direções da Psicologia Educacional, incluindo, entre elas, a Psicanálise. Enquanto Afro do Amaral Fontoura apresentava a Orientação Pedagógica a cada final de capítulo, Ruy de Ayres Bello apresentava, também ao final de cada capítulo, um item em que busca relacionar o tema em questão com a educação, como: Educação da afetividade, A educação dos sentidos, A educação da vontade, A Educação da linguagem, etc.
Noemy da Silveira Rudolfer, assim como outros(as) autores(as), se atém à Psicologia da Criança e suas contribuições à Psicologia Educacional, enfatizando a teoria de Stanley Hall. Ao abordar a Psicologia Comparativa e suas relações com a Educação, toma para discussão as idéias de autores como Thorndike, Watson, Köhler, e reserva um capítulo para tratar das idéias do primeiro. Em relação à inteligência, ela também não apresenta diferenças, pois discute, basicamente, as medidas de inteligência, antes e depois de Binet, Spearman e Yerkes. Em relação à Psicologia Educacional européia, apresenta as idéias dos pioneiros europeus nesta área: Hermann Ebbinghaus, Ernest Meumann, Edouard Claparède. Retoma as idéias de Pinel ao abordar a Psicologia do “anormal”, e as idéias de Maria Montessori e de Alfred Binet, ao tratar da organização das classes escolares.
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Os quatro últimos capítulos são destinados ao que a autora denomina de As modernas correntes da Psicologia e suas teorias da aprendizagem, em que discute o
desenvolvimento da Psicologia Educacional nos séculos XVI a XIX; o estruturalismo; o funcionalismo e seus(uas) representantes; o behaviorismo; a teoria hórmica; a Psicologia Dinâmica; a Gestalt. No último capítulo, que segundo a autora foi elaborado e introduzido na segunda edição, trata dos novos desenvolvimentos teóricos sobre a aprendizagem, sendo estes basicamente os que consideram a relação estímulo/resposta e o condicionamento no processo ensino e aprendizagem. No livro Manual de trabalhos práticos de Psicologia Educacional, coordenado por Iva Waisberg Bonow e publicado em 1968 (4ª edição), são visíveis algumas “receitas” para a prática pedagógica. Esse manual, dividido em duas partes, sendo a primeira denominada Guia do aluno e a segunda Guia do professor , é recheado de orientações práticas que vão desde a forma adequada de se observar o comportamento de uma criança, passando pelos testes, confecção de material ilustrativo, teste sociométrico, entre outros, até o estudo monográfico de uma criança. A presença de um manual de Psicologia Educacional para orientar tanto o trabalho da aluna do Curso Normal quanto o trabalho do(a) professor(a) vem, de certo modo, reafirmar esse caráter prático que a Psicologia parecia tomar na formação das alunas, futuras professoras primárias, direcionando o fazer docente cotidiano. Ainda na década de 60 é publicado o livro Psicologia Moderna, de Antônio Xavier Teles, indicado para o Curso Normal, colegial e vestibulares. Quanto aos temas abordados nesse livro, poderíamos dividi-lo em quatro partes, sendo que na primeira o autor discute a Psicologia, sua história, definição, objeto (o comportamento humano) e métodos. Em relação ao comportamento, o autor aborda a motivação, a consciência, a educação sexual, os comportamentos instintivos, o comportamento instrumental e o comportamento reflexo condicionado. Tomando o comportamento como elo, o autor passa para a questão da aprendizagem, esta como um comportamento aprendido. Seguindo esse esquema, discute a memória, o esquecimento, os vários tipos e teorias a
Assunção, M. M. S.
respeito da aprendizagem e da avaliação. Na terceira parte, apresenta questões relacionadas ao comportamento emocional, incluindo os tipos e fontes de emoção, percepção, inteligência e medida da inteligência. Na última parte, denominada A pessoa humana, aborda as questões relativas à hereditariedade e ao meio, as etapas do desenvolvimento humano, a personalidade e o caráter, o temperamento e a personalidade perfeita. Além disso, ainda discute os mecanismos de ajustamento, a neurose e a psicose. Da década de 20 à década de 60 – considerações e indagações
Nessa trajetória, de 1920 a 1970, percebemos que os livros didáticos de Psicologia Educacional sofreram pouquíssimas alterações, e estas se restringem a mudanças de alguns termos, organização e localização do assunto no livro ou a ênfase de um(a) ou outro(a) autor(a) em um determinado assunto. Assim, o que circulou em todo esse período foi um conteúdo bastante semelhante, que apresentava como preocupação básica definir a Psicologia e a Psicologia Educacional. Assim, tomando a perspectiva hereditária e neurológica como uma forma de explicar e entender o comportamento humano e assumindo, posteriormente, o ponto de vista comportamentalista para explicar não só os “fenômenos psíquicos”, como também todo o processo de aprendizagem. Vale lembrar que nessa trajetória a hereditariedade continuou a ter um importante papel nas explicações e justificativas, principalmente para a nãoaprendizagem. Há, portanto, uma recorrência dos assuntos abordados entre as décadas de 20 e a de 60 do século XX, apesar de ter ocorrido profundas mudanças sociais, políticas e econômicas não só no Brasil como em todo o mundo. Quanto às definições sobre o que é Psicologia, observamos um percurso que passa pela imperiosa necessidade de deliberar sobre o que pertence e o que não pertence a esse terreno, tornando-se inevitáveis longas discussões a respeito da etimologia do termo e o que seria o “estudo da alma”; a sustentação na Biologia para definir o objeto de estudo da Psicologia, na tentativa de sair das especulações do que seja ou não a alma, de modo a tornar a Psicologia uma “ciência
Livros Didáticos de Psicologia
positiva”. No entanto, apesar das idas e vindas nessa discussão, não pareceu fácil, no período abordado, se libertar da idéia de “alma”, “espírito”, impregnada por uma visão filosófica/religiosa. Somente na década de 60 é que observamos a grande influência dos conceitos elaborados pelo Behaviorismo no que diz respeito à definição do objeto da Psicologia. Afirmam ser a Psicologia a ciência do comportamento, ou seja, a ciência que estuda as reações externas que o indivíduo manifesta a partir de suas relações com o meio, não tendo, portanto, que se preocupar se tais reações são ou não seguidas de consciência. Ainda a definição de Psicologia como ciência da conduta é defendida por aqueles(as) que estudam os comportamentos, classificando-os em conscientes ou inconscientes. Em relação aos fenômenos afetivos afirmam que estes se dividem em dois grupos: dores e prazeres físicos e dores e prazeres morais, e, com freqüência, são relacionados à dimensão moral e religiosa. As paixões são tratadas, de modo geral, como sintomas mórbidos e são relacionadas a comportamentos excessivos quanto à comida, ao esporte, ao fumo, ao álcool, ao jogo, etc. – o que pode levar o sujeito às doenças físicas e à loucura. Quanto à discussão sobre personalidade, caráter e temperamento, estas giram em torno da importância do conceito “personalidade” para o campo da Psicologia – o que fica visível na recorrência dessa discussão nos livros didáticos. Em alguns momentos este conceito é discutido separadamente, mas na maioria das vezes, ele vem associado ao conceito de “caráter” e “temperamento”. Está presente nessas discussões a preocupação com a personalidade do professor, uma vez que este deve ser modelo e exemplo de personalidade e caráter para seus alunos, pois, assim como os pais, ele é responsável pela formação de valores nas crianças. Por intermédio dos conteúdos, dos(as) autores(as) mais citados nos livros didáticos e nos programas, podemos afirmar que a visão de sujeito que esteve mais presente na formação das professoras embasava-se nas concepções organicista e funcionalista. Além disso, esse período é marcado pelos princípios que orientam a Escola Nova, o que promove um imbricamento entre as produções da Psicologia Educacional e os pressupostos
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desse movimento. Apesar de as décadas de 20 e 30 serem consideradas como o período áureo do escolanovismo, esse penetrou com tamanha intensidade o ideário pedagógico que, até os dias atuais, ouvimos e sentimos o eco de seus fundamentos. Assim, as concepções de ensino, de criança, de professor(a), etc., propugnadas pela Escola Nova, se encontram intensamente presentes nas produções da Psicologia Educacional. Somente na década de 60, encontramos nos livros didáticos discussões, mesmo que ainda embrionárias, embasadas nas correntes atuais da Psicologia, em especial no Behaviorismo e na Gestalt. Em relação à Psicanálise, parece que ainda existia certo temor em tomá-la como referência para subsidiar as discussões dos conteúdos apresentados nos livros didáticos. É necessário considerar, também, que será nessa década que a Psicologia se tornará reconhecida como uma área de atuação profissional, o que trará maior credibilidade a esse saber e configurará um “lugar” legítimo para sua produção. Os cursos Psicologia, que se expandem nesse momento, trarão novas possibilidades para a utilização dessas perspectivas teóricas, oferecendo novas formas de acesso, interpretações e conhecimento dos fenômenos atinentes a esse campo do saber. Desse modo, não fica claro, nos conteúdos analisados, a predominância de uma ou outra corrente da Psicologia, tal como as conhecemos atualmente, apesar de seus fundamentos estarem presentes, no campo da Psicologia, desde o final do século XIX e início do século XX. Em síntese, podemos entender com esse estudo que o livro didático, com sua linguagem específica, representa um suporte à construção de determinado modelo de pensamento, dirige a maneira de pensar e sentir, delineia configurações intelectuais e perspectivas dos indivíduos de uma dada época. Entretanto, entendemos que entre o mundo do texto e o mundo do(a) leitor(a) há múltiplas possibilidades de significações que irão, de certo modo, direcionar a apropriação que será feita. A história do livro é radicalmente diferente da história do que é lido e do como é lido, bem como do que é recebido, apropriado. Os mesmos livros ou textos são diferentemente apreendidos, incorporados, manejados, compreendidos. Apesar das diferenças no processo de apropriação de um determinado texto,
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entendemos ser relativa essa independência do(a) leitor(a), uma vez que ele(a) se encontra cercado(a) e impregnado(a) pelos códigos, convenções, valores, normas que regem as práticas e expectativas de um determinado grupo ou sociedade em um dado momento. Assim, a leitura, além de situada historicamente, ultrapassa uma simples operação intelectual e abstrata. Ela se encontra ancorada também em outra ordem, ela se inscreve nos corpos, nos espaços e nas relações intra e interpessoais. Saber como, o quê, em que medida os conteúdos dos livros didáticos foram apropriados e contribuíram na formação dos(as) professores(as) desse período, ou mesmo na atualidade, demanda, seguramente, uma outra pesquisa. Entretanto, as disciplinas escolares, com seus respectivos conteúdos, compõem o quadro do processo de escolarização, que se estende para outros espaços além do âmbito da escola. Nesses espaços encontra-se também disseminado os diversos discursos e práticas que enredam a vida e o cotidiano do sujeito. O que nos leva a afirmar sobre o inegável efeito do currículo sobre os(as) alunos(as), mesmo que não tenhamos controle de seus ecos no futuro, e nem que possamos mensurar quais os efeitos do ponto de vista individual. É inegável também que convivemos com essas ressonâncias em sua dimensão social, cultural, ou seja, em sua dimensão coletiva. Podemos refletir, a partir disso, sobre o discurso veiculado pela Psicologia Educacional e de como este se encontra, subterraneamente, enredando e orientando o fazer cotidiano, de modo continuado, sutil e cadenciado tanto nas práticas escolares quanto nos modos de ser, de sentir, de pensar e de agir. Podemos também indagar: o que, efetivamente, a Psicologia produziu e produz em sua versão educacional? Discursos, conhecimentos científicos, conhecimentos pragmáticos, habilidades, disposições, atitudes, percepções, esquemas de respostas, valores, normas, desejos, disposições corporais, discriminações, representações? Ao depararmos, atualmente, com algumas representações acerca da Psicologia e do conteúdo a ser ensinado, ou esperado pelo(a) aluno(a) neste campo do conhecimento, em especial em cursos em que a Psicologia é alocada como uma disciplina “auxiliar”, parece haver uma certa banalização
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e distorção quanto às teorias e abrangência desta área, o que fica visível em algumas demandas e questões colocadas pelos(as) alunos(as). Para que possamos entender tais representações em torno da Psicologia, é mister que voltemos nosso olhar para o passado em busca de elementos, pistas, fragmentos que nos possibilitem um entendimento dessa história e da permanência de alguns de seus lastros no presente, pois, como nos lembra Nunes (1996, p. 19) ... afinal, o passado interessa, hoje, pela sua permanência no mundo atual. A contribuição que a história pode trazer para a explicação da realidade em que vivemos faz com que o historiador parta do presente para o passado, sabendo-se situado no futuro do passado que estuda. Esse retrocesso é necessário para que ele demonstre não o que aconteceu, mas como a trama do que aconteceu foi tramada [...] e, sobretudo, de suas possibilidades de interferência na realidade. Acompanhar a evolução de uma disciplina escolar, no caso a Psicologia Educacional, nos permite elucidar os interesses e influências que atuam na formulação de políticas educacionais, além de conhecer os parâmetros que orientam a prática pedagógica. O conhecimento, ao ser transformado em disciplina escolar, passa por um processo de transposição didática que acaba por decompor o conhecimento (científico) em saber escolar, por meio de segmentação de conteúdo, incluindo cortes, simplificações, até que se transforme em lições, exercícios e questões de avaliação. É dessa forma que os conteúdos chegam à sala de aula, para ser apreendido e orientar a prática dos(as) futuros(as) professores(as). Mesmo não podendo afirmar que os conteúdos dos livros didáticos representam, efetivamente, o que se ensinava na sala de aula, eles nos indicam as preocupações, as discussões e o que se estava produzindo em determinada área. E, no caso da Psicologia, os conteúdos aqui apresentados compunham o cenário das descobertas, necessidades, interesses, possibilidades de uma época – o que já sugere uma pista significativa para entendermos o processo de construção dessa disciplina escolar, bem como do campo da Psicologia.
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Nota da autora: Maria Madalena Silva de Assunção é Professora do Curso de Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMINAS) e do curso de Mestrado em Educação da Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações (UNINCOR).
ISSN 1413-389X
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Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 85 – 90
Estágio n a escola públic a: reflexões inspi radas na psicolog ia escolar Adriana Marcondes Machado Universidade de São Paulo
Resumo
Este texto relata duas experiências de estágios de alunos do curso de Psicologia da Universidade de São Paulo na área de Psicologia Escolar: uma atividade denominada “Parte Prática”, e a outra, “Estágio de Intervenção”. Os estágios revelam a necessidade das ações dos estagiários de psicologia, nas instituições educativas públicas, terem como objetivo fortalecer os educadores para o enfrentamento de questões presentes no cotidiano escolar relacionadas à produção de subjetivação no processo de ensino-aprendizagem. Para isto é importante a análise das demandas que se estabelecem desde o contrato do estágio – demanda da instituição educativa e demanda dos alunos de psicologia –, efeitos da história da relação da psicologia com a educação. Os sentidos produzidos pelos estágios, o percurso deles e as reflexões a partir destas experiências precisam ser problematizados com os profissionais da instituição educativa com os quais entramos em contato. Afirmam-se, neste artigo, os cuidados que os estágios em instituições educativas públicas devem ter quando eles visam intervir na produção de um cotidiano cujos problemas têm relação com funcionamentos de ordem político/institucional. Palavras-chave: Escola pública, Estágio, Psicólogo, Intervenção, Demanda.
Practical professional training at public schools : Reflexion inspired on school psychology Ab st rac t
This study describes two interships experiences of Psychology under-graduation students at University of São Paulo on the field of School Psychology: one called “Practical Study”, and the other called “Intervention Intership”. These interships had revealed how important is that the actions, performed by Psychology interns in public educational institutions, have the focus on the strengthen of educators when facing current issues of academic routines, related to the subjectivity present in the teaching-learning process. Towards this, it is important that the demand – brought by the educational institution and by the Psychology students –, set upon since training agreements, must be evaluated as background effects of this relation of psychology and education. Discussions with professionals from institutions involved in the study should be held to analyze the suggested directions, how to reach them, and their effects to the research raised by these interships. Also, some cautions were mentioned here, that the interships should have while dealing with public educational institutions, that took aim at intervene in the routines of these institutions which their problems are political and institutional matter. Keywords: Public school, Practical professional training, Psychologist, Intervening, Demand.
Temos como objetivos, neste artigo, apresentar os formatos de dois estágios da área de Psicologia Escolar do Instituto de
Psicologia da USP e as concepções que os embasam. Para isto, urge discutir o que se pretende que os estudantes de graduação
Endereço para correspondência: Adriana Marcondes Machado,
[email protected]. Este artigo discute a prática de estágio do Serviço de Psicologia Escolar. As psicólogas Beatriz de Paula Souza e Yara Sayão são companheiras nessa construção.
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aprendam quando, durante sua formação, vão às escolas e, como desenvolver um modo de conhecer que possibilite a percepção do processo de constituição daquilo que foi observado e vivido. As cenas e acontecimentos no interior de uma sala de aula e de outros espaços da escola são efeitos de um campo de forças que precisamos habitar de uma maneira nãoingênua. Focamos, em nosso trabalho, as questões subjetivas (processos de subjetivação) presentes no processo de ensino e de aprendizagem. Estas questões se engendram em um funcionamento institucional, isto é, em um território estabelecido por práticas, saberes e relações de poder. Habitar este território de uma maneira não-ingênua implica termos acesso às funções que estamos ocupando quando vamos à escola, isto é, a maneira como habitamos esse território não depende apenas de nossas intenções e objetivos, mas também da forma como incluímos as demandas dos educadores e os usos e efeitos em relação à nossa presença nas instituições. E, como veremos, se não analisarmos essas demandas, ocupamos esse espaço de modo a cair nas raias do instituído sem poder questioná-lo. No caso de nossos estudantes – alunos de graduação do curso de Psicologia da USP –, eles carregam a história da relação entre educadores e especialistas da saúde, na qual se deposita no especialista a possibilidade de cura e melhora das crianças e jovens das escolas públicas. Por isso, estar em uma instituição como estagiário de psicologia implica colocarmos em análise as demandas estabelecidas nessa relação, que elas sirvam para mostrar as intensidades presentes em um certo campo relacional de maneira que possamos, com isso, agir neste campo. Muitos educadores trabalham em instituições nas quais domina um funcionamento individualizante, que culpabiliza o aluno pela produção do fracasso escolar, que culpabiliza a família pelo fracasso da educação (dizem: “Nosso problema são os pais que largam e abandonam seus filhos na escola”), que vive as práticas educativas de maneira individualizada (os professores exercem suas regras com discursos pessoais: “Na minha aula isso pode ou não pode”; “Eu
Machado, A. M.
não vou deixar a criança ir ao recreio”). Enfim, mostram-se presentes discursos submetidos à tirania do EU, inclusive nas falas de alguns alunos de nossas escolas públicas, quando dizem “eu não quero estudar essa matéria”. O contexto no qual se produziram os processos de individualização e de culpabilização foi discutida por Foucault (1987) ao apresentar as estratégias de controle do poder a partir do século XIII. O autor possibilita-nos afirmarmos a produção da culpa individual como mecanismo de controle. A relação da psicologia com a educação como produtora de crianças com problemas individuais que fracassam na escola foi aprofundada por Patto (1990) ao refazer o percurso histórico dessas práticas e saberes. As novas roupagens do poder, intensificadas por uma mídia produtora de consumidores e por práticas que engendram sensações de faltas a serem preenchidas por coisas, tratamentos e medicações, têm sido foco de nossas discussões ao nos debruçarmos nas condições de vida e de trabalho dos professores. Essas discussões inpiraram as construções dos estágios que serão narradas a seguir. O desafio estabelecido por estas leituras revela que todos os acontecimentos são efeitos de relações, isto é, fazemos parte de um campo de forças cujo sentido hegemônico revela o que tem dominado neste território, mas não revela todas as forças (muitas minoritárias) presentes nele. O pedido para que um psicólogo cure um aluno (foi assim que a psicologia, historicamente, ensinou os professores a demandarem seu trabalho) carrega também: pedido de ajuda, a possibilidade de pensarmos juntos o processo de produção daquilo que se apresenta como queixa, a possível invenção de ações na escola que intervenham nessa produção, a problematização de uma instituição com muitos funcionamentos cristalizados, etc. Apresentaremos os dois momentos das práticas dos estudantes de Psicologia na área de Psicologia Escolar articulados com algumas idéias e concepções que buscam o entendimento e a criação de ações frente aos processos, acima mencionados, de individualização e culpabilização. São eles: 1) conhecer a realidade educacional (parte prática, obrigatória);
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2) participar de projetos de intervenção nessas realidades (estágio, optativo). São contratos diferentes e objetivos diferentes. Parte práti ca
No primeiro momento – parte prática existente desde 2003 –, solicitamos a autorização dos diretores da instituição educativa para que os alunos regularmente matriculados na disciplina “Psicologia e Educação”, do terceiro ano (6º semestre) do curso de Psicologia, possam realizar, na instituição, algumas visitas com a finalidade de reunir elementos para melhor conhecer e refletir sobre a realidade educacional brasileira. Esta solicitação é entregue por escrito ao corpo técnico da escola. Os alunos se organizam em duplas para irem à instituição, uma ou duas vezes apenas. Elegem um tema que querem conhecer – o trabalho com a inclusão, a educação de jovens e adultos, o caráter educativo de uma casa-abrigo, as escolas ligadas a movimentos sociais, etc. Formamos grupos com até 14 estagiários, que têm cerca de 8 supervisões (sou uma das supervisoras), nos quais discutimos: o que pretendem conhecer, como fazer para conhecer o que querem, quais conversas ter, que perguntas podem dar acesso ao que querem conhecer. Nosso foco de reflexão é a relação entre as práticas desenvolvidas na instituição e o fazer da psicologia. A educação interessa à psicologia pelas intensas produções subjetivas que se dão neste território constitutivo de sujeitos. É comum que os estagiários naturalizem o que é visto, assim como também os professores, por meio da ideologia do talento e da generalização diagnosticadora do que se observa. Eles observam uma classe especial para deficientes mentais e, ao perceberem a professora carinhosa na relação com as crianças, interpretam tal relação como sendo boa. Sabemos que o perigo da interpretação é quando ela se torna uma operação de captura e generalização, reduzindo o campo problemático a único sentido. Nossa intenção é ampliar este campo problemático: O que é uma boa relação? Qual idéia de “carinhosa” os alunos estão tendo? Em que prática isso está se dando? O que isso
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possibilita e o que impede? Como está o processo de aprendizagem dessas crianças? Quando trazem para a supervisão as perguntas que consideram importantes para se conhecer a instituição, é comum depararmos com aquelas que não produzem conhecimento, que têm como possibilidade de resposta apenas o sim ou o não: por exemplo, perguntar ao educador se ele acha importante se manter em formação (a reposta é sim ou não). Este tipo de pergunta não nos dá acesso ao modo como a formação intervém no trabalho cotidiano. Também são comuns perguntas que visam conquistar verdades sobre os sujeitos observados. E, aqui, é possível afirmar que nosso inimigo se constitui nas concepções e práticas individualizantes de nossa formação em tempos contemporâneos. Eis alguns exemplos destes reducionismos perigosos: se as crianças, no recreio, brincam com uma criança com surdez, então se diagnostica que ela estaria integrada; se não brincam, é sinal de que ela não estaria integrada. Se a professora coloca o aluno com necessidades educativas específicas perto dela, estaria estigmatizando-o; se não coloca, estaria rejeitando-o. Se a mãe olha a lição, estaria interessada no filho; se não olha, não estaria. E assim vai. Portanto, é fundamental criarmos um espaço de supervisão onde as concepções e saberes dos nossos estudantes – que se organizam por uma dada formação intelectual e política – sejam nosso foco. Quaisquer ação, fala e prática que os estagiários estabelecem nas instituições escolares vão ter efeitos conforme o que se espera da psicologia (ou da pedagogia) naquela relação. Isto implica discutirmos com os estagiários que, dependendo dessa relação, eles não podem, por exemplo, em uma ou duas visitas à instituição, fazer uma observação na sala de aula onde haja uma criança surda. Sabemos, pois, que há grande chance de os outros alunos desta sala associarem a presença do estagiário à criança com surdez, como se ela, por ser diferente, sempre fosse a que precisa do olhar de um especialista. Ora, produzimos discriminação em nossas práticas – um psicólogo pisando no território escolar pode, se isso não for bem trabalhado, causar mais malefícios do que benefícios. Muitas vezes, ao sair de uma escola, já escutei professoras
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Machado, A. M.
dizerem a seus alunos: “Olhe, ela é psicóloga, se você não melhorar, vai ter que falar com ela”. Os estagiários contam cenas que vivem no dia-a-dia escolar e que devem ser problematizadas, pois, do contrário, os estaremos colocando como cúmplices de práticas produtoras de assujeitamento em um funcionamento instituído. Conhecemos situações em que o professor da sala pede ao estagiário que o ajude com um certo aluno e, se o estagiário também não consegue sucesso em sua intervenção, fica parecendo que o aluno não tem possibilidade de melhora, pois nem o estagiário, em um trabalho mais individual, conseguiu o que se pretendia. Por isso a necessidade de constante discussão sobre as demandas. Elas são também de nossa responsabilidade, pois se criam na relação com o estágio. Estágios de intervenção
A segunda forma de estágio que desenvolvemos com os alunos do curso de Psicologia são os estágios de intervenção, existentes desde 1984. Quando os estagiários vão realizá-los nas escolas (e falamos, portanto, de uma modalidade na qual pretendemos ficar um tempo na instituição e agir nela), a demanda que o grupo de educadores traz muitas vezes recai sobre a necessidade de atendimento individual para os alunos da escola, revelando as concepções valorativas que norteiam os atos educativos. Ouvir esta demanda e incluí-la em nossas discussões com os educadores tem sido um intenso percurso (Machado, 2003). Vale ressaltar o perigo de algumas práticas tidas como bem-sucedidas, quando se voltam para o que consideramos alívio do sintoma. Por exemplo, os educadores se queixam de que algumas crianças não se interessam por aprender e os estagiários realizam atividades com elas buscando interferir nesta produção. Algumas das crianças acabam melhorando em seu processo de aprendizagem (agindo mais, perguntando, fazendo as coisas pedidas). Mas o discurso dominante fica sendo o seguinte: “Essas crianças que melhoraram precisavam mesmo de especialistas” e “essas crianças que não melhoraram, nem com especialistas vão bem”. O funcionamento da
escola fica isento de responsabilidade. Portanto, as pequenas ações devem sempre ser significadas e inventadas nesse campo em que os sintomas são produzidos (sintomas como a não aprendizagem, as atitudes agressivas, o desinteresse, etc.). Nossos alunos ficam cerca de quatro meses indo semanalmente às instituições educativas, realizando trabalhos em duplas. Estes trabalhos são definidos com o grupo de educadores da instituição. Sabemos das dificuldades de tempo e espaço que os profissionais da educação vivem para pensar coletivamente as problemáticas da instituição, para levantar hipóteses sobre acontecimentos cotidianos e estabelecer ações a respeito. São as mesmas dificuldades que, acredito, temos nós, em nossas faculdades e institutos, com uma diferença: o estudante de uma universidade talvez tenha mais condições de sobreviver às idiossincrasias de um curso superior do que uma criança estudando em uma escola com poucos recursos, com um professor que, muitas vezes, precisa trabalhar três turnos para garantir seu sustento. Os grupos de supervisão para os estagiários de psicologia funcionam com cerca de 8 estagiários por grupo, 4 duplas, que realizam o estágio em uma instituição escolar. Eles ficam duas horas semanais nas escolas e têm cerca de duas horas e meia de supervisão, também semanal, com a tarefa de escrever relatórios semanais sobre o trabalho. É comum irem às instituições educativas em outros horários não estipulados no contrato. O que fazemos nas escolas? Pretendemos incidir sobre o processo de produção do que aparece como problema nas falas dos educadores. Os problemas são expressos pelos professores, muitas vezes, como fatos exteriores ou imprevistos. Como criar uma mudança que permita percebê-los como efeitos das maneiras como se dão as relações de saber e poder? Por exemplo: Os professores se queixam dos alunos indisciplinados – investigamos a produção do indisciplinar na escola e nesta investigação percebemos a relação entre as cenas que os professores colocam como impeditivas para a realização do trabalho educativo e a inexistência de discussão destes temas nas reuniões de professores. Um indicador importante do funcionamento
Estágio de psicologi a nas escolas públicas
de uma instituição escolar tem sido o modo de funcionamento das reuniões pedagógicas dos professores. É possível pensar em estratégias pedagógicas abrangentes para o enfrentamento de certas problemáticas, como, por exemplo, a violência? As reuniões servem como desabafo ou há encaminhamento das ações propostas? Quem cuida do quê? Os professores nos falam dos analfabetos que freqüentam o Ensino Fundamental II (antiga 5a à 8a séries), efeitos das práticas com a progressão continuada1 – trabalhamos com a produção do analfabetismo no Ensino Fundamental I, com a relação entre as políticas de governo e o dia-a-dia escolar e, nesta discussão, o tema da educação inclusiva tem estado bastante presente. Como nos ensinou Michel Foucault, queremos ter acesso ao processo de produção daquilo que se tornou atributo individual do sujeito. Por exemplo: entender como se produz o indisciplinar no cotidiano escolar de maneira a engendrar os alunos indisciplinados. Para isto uma série de ações deve ser pensada na relação com educadores, pais, funcionários e crianças – como têm sido apresentado por vários autores (Machado, Fernandes e Rocha, 2006). No estágio realizado em uma EMEI (escola municipal de ensino infantil) uma dupla de estagiários trabalhou com a professora de uma classe com crianças de 5 anos. A questão trazida pela professora era como agir com o fato de haver muitas crianças de uma casa-abrigo na sala de aula. As crianças que viviam com suas famílias revelavam receio e preconceito em relação às que viviam na casa-abrigo: Como viver sem família? Elas não têm casa? Elas não têm mãe?... A professora havia pensado em fazer uma visita à casa-abrigo com todas as crianças da classe. Pensamos que este recurso – no qual, a nosso ver, o público atravessa o privado – intensifica efeitos de
1
Política pública estabelecida em 1998 denominada Regime de Progressão Continuada que reorganizou o ensino fundamental da rede pública paulista em dois ciclos de 4 anos cada: Ciclo I: 1a a 4a séries; Ciclo II: de 5a a 8a séries – no interior dos quais somente há reprovação de alunos faltosos.
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estigmatização. O projeto estabelecido com essa educadora foi criar um dispositivo no qual se enfatizasse a existência de diferentes maneiras de cuidar e de ser cuidado. Inventou-se um extraterrestre, inventaram-se perguntas deste extraterrestre aos terrestres, inventaram-se vidas diferentes. E as crianças foram se encantando e ficando curiosas com as diferentes possibilidades de produzir cuidado. Todo este trabalho visava incidir nas práticas pedagógicas, em suas concepções e seus efeitos nos processos de subjetivação. Falamos, portanto, da relação entre as práticas instituídas e as concepções e os saberes que instituem essas práticas. A maneira como os pais são chamados pela escola, o funcionamento do conselho escolar, as discussões nos espaços coletivos, as rotinas, a relação público/privado nas práticas cotidianas, a gestão das ações educacionais, os passeios pagos nos quais algumas crianças não podem exercer o direito de participar desta atividade pedagógica porque não podem pagar – tudo isso tem relação com as produções micropolíticas do cotidiano (Guatarri e Rolnik, 2005). Escrever “incompleto” no caderno de Severino (7 anos), que suou e lutou durante uma hora e meia para conseguir copiar o cabeçalho, é uma ação engendrada em um território que deve ser refletido (Costa e Santos A. A., 2002). Queremos que nossos alunos percebam a produção coletiva, histórica, intensiva de qualquer fenômeno a ser analisado, sabendo que ele se engendra em um funcionamento institucional do qual esses alunos (e nós) fazem parte. Portanto: 1. Precisamos de espaços e tempos para discussão destas ações nas escolas, junto aos professores. Os estagiários agendam encontros com os professores para pensarem sobre os saberes e ações constituídas no estágio. Eles também redigem escritos sobre o que vão percebendo, aprendendo e fazendo, para serem lidos junto com o professor. Estes escritos são intensamente discutidos nas supervisões, pois é comum a escrita de frases julgadoras que culpabilizam o professor. Em alguns projetos cabe à supervisora ir quinzenalmente, ou de 3 em 3 semanas, para reuniões com professores
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interessados. Portanto, criamos espaços onde as apropriações e funções de nossas ações possam ser problematizadas. 2. Precisamos de tempo de supervisão para que as ações dos estagiários possam ser discutidas. Na supervisão, as cenas que ocorrem no cotidiano – um professor que pede para um estagiário ajudar em algo, outro que critica um aluno para o estagiário, outro que pergunta várias vezes o que estamos fazendo lá, etc. – são nossas matérias-prima, e não imprevistos em nossa ação. Nestas cenas, temos acesso às expectativas, concepções, práticas dos educadores e estabelecemos uma interlocução com tudo isso. Estágio: obj etivo de Transformação
Tendo acesso a uma prática institucional atenta à complexidade de relações presentes na escola e com estudos teóricos sobre os funcionamentos grupais e institucionais, nossos estagiários têm mais chance de romper com a queixa tão rotineira sobre a falta de um aluno ideal, a queixa sobre a falta de um grupo de professores mais envolvidos, a queixa sobre a falta de direcionamento político nas ações. Romper essa queixa em relação à produção faltosa implica percebermos como agenciar forças aliadas a construir outras possibilidades nas instituições onde trabalhamos. Para isso é preciso um trabalho de estágio que, desde o seu formato, seja de produção coletiva e de construção de estratégias de enfrentamento em relação aos acontecimentos cotidianos.
Isso requer contínua discussão com os profissionais das escolas. Referências
Costa, E., & Santos, A. A. (2002) Cadernos escolares na primeira série do ensino fundamental : funções e significados . Dissertação de Mestrado
em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, SP. Foucault, M. (1987) Vigiar e Punir: o nascimento da prisão (5a ed.). Rio de Janeiro: Ed. Vozes. Guatarri, F., & Rolnik, S. (2005) Micropolítica: cartografias do desejo
(7a ed.) Rio de Janeiro: Ed Vozes. Machado, A. M. (2006) O psicólogo trabalhando com a escola: intervenção a serviço do quê? In M.E.M. Meira & M. Antunes (Orgs.). Psicologia e Educação: práticas críticas. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo. Patto, M. H. S. (1990) A produção do fracasso escolar . São Paulo: Ed. T. A. Queiroz. Enviado em Novembro/2007 Revisado em Maio/2008 Aceite final em Agosto/2008 Publicado em Junho/2009
Temas em Psic ologia - 2007, Vol. 15, n o 1, 91 – 103
ISSN 1413-389X
Implicações da internacionalização da educação para a formulação de currículos em Psicologia Maria Ângela Guimarães Feitosa Universidade de Brasília
Resumo O presente trabalho examina o contexto de política educacional brasileira em que foram formuladas as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação e o compara com o contexto subseqüente de internacionalização da educação. As características básicas do Processo de Bolonha são examinadas e também o decorrente desenvolvimento de um currículo europeu de psicologia. Também são estudadas as implicações desses fatos para o desenvolvimento de diretrizes para o ensino de psicologia nos Estados Unidos e para o desenvolvimento de ações voltadas para a mobilidade de estudantes e profissionais. Conclui-se com uma análise da inserção da formação em Psicologia no Brasil no cenário de internacionalização da educação.
Palavras-chave:
Processo de Bolonha, Internacionalização Internacionalização da psicologia, Currículo de psicologia.
da
educação,
Implications o f internationalizing education for the design of curricula in Psycholog y Abstrac t The present essay examines the policies context for Brazilian higher education when national guidelines for curricula were developed and compares it to the subsequent political context of internationalization of education. Basic features of the Bologna Process and of the European curriculum for psychology are examined here, as well as the implications of these facts for the development of guidelines for the teaching of psychology in the United States, and actions concerning the mobility of students and professionals. The paper concludes with an analysis of the insertion of psychology education in Brazil in the current scenario of internationalization of higher education.
Keywords: Bologna Process, Internationalization of Education, Internationalization of Psychology, Psychology Curriculum. O presente trabalho procura identificar o cenário internacional de discussões e deliberações sobre o ensino superior, presente por ocasião da instituição das Diretrizes Curriculares para os cursos de psicologia no Brasil. Chama atenção para o impacto do Processo de Bolonha sobre a modernização do currículo de psicologia, tanto na Europa, como nos Estados Unidos. Procura mostrar que no intervalo de uma década, decorrido entre a decisão inicial de governo de modernização de currículos, impulsionada pela nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), e a finalização da regulamentação dos cursos de Psicologia no país, com o estabelecimento de parâmetros para sua duração (MEC/CNE, 2007), o Ministério da Educação foi aprofundando sua preocupação com a internacionalização da educação superior e gradativamente expressando seu interesse em se adaptar a este cenário. Por fim, o texto procura fornecer elementos mostrando que, embora as discussões sobre as Diretrizes para os cursos de Psicologia que ocorreram na última década no Brasil
Endereço para correspondência: M. Angela G. Feitosa, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 70910-900 Brasília DF. E-mail:
[email protected].
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não tenham sido pautadas por um projeto de internacionalização, é possível constatar semelhanças e diferenças nas exigências pra a formação do psicólogo, cuja análise merece ser considerada na continuação dessas discussões em âmbito nacional, em função da crescente atenção no país à implementação de políticas de mobilidade.
Um Cenário Geral de Mudanças de Política? O cenário quando da formulação de Diretrizes curriculares e de mecanismos de avaliação Quando o Conselho Nacional de Educação emanou orientações gerais para a formulação de Diretrizes Curriculares (MEC/CNE, 1997), explicitou alguns princípios a serem observados visando assegurar flexibilidade e qualidade da formação. Dentre eles: - Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas. - Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa. (MEC/CNE, 1997, p. 2-3). Verificam-se, então, recomendações de estímulo à liberdade das instituições para formularem seus currículos, bem como o incentivo à diversificação da formação no país. Posteriormente, essas orientações são incorporadas ao sistema de avaliação institucional e tornam-se diretrizes de avaliação da responsabilidade social da instituição, considerada especialmente no que se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural (MEC/INEP, 2006). Em vários contextos
institucionais de formulação de Planos de Desenvolvimento Institucional e de projetos de curso submetidos ao Ministério da Educação para avaliação, observa-se que essas diretrizes são incorporadas numa perspectiva de adequação às necessidades da região de inserção do curso. Mesmo com abordagens regionalizadas em um contexto ou outro, está presente, no geral, uma política de atenção às características e necessidades do país.
O cenário pós-normatização dos cursos Em momento posterior, tendo a ampla maioria das Diretrizes Curriculares já sido aprovadas, o Conselho Nacional de Educação, ao desenvolver seus estudos preparatórios para a regulamentação da duração dos cursos, começa a manifestar preocupação com os padrões de qualidade dos cursos, numa perspectiva de mobilidade internacional, aparentemente preocupado com a qualificação do país para circulação ampla de produtos e serviços. Embora essa normatização tenha se efetivado recentemente (MEC/CNE, 2006, 2007), a preocupação com a mobilidade já transparece, por exemplo, no Parecer CES 108/2003, quando o Conselho faz menção aos acordos internacionais dos quais o Brasil participa, incluindo os parâmetros de duração de cursos em Portugal, os acordos no âmbito do Mercosul e as comparações entre a complexidade da situação do Brasil e da União Européia: o Brasil, assim como a União Européia, enfrentam, simultaneamente, problemas parecidos. Embora não pareça à luz da primeira olhada, o continente que é o Brasil, desde o ponto de vista da institucionalização, poder, comando e influência das corporações, com seu inevitável suporte legal/Estatal, guarda parecença com a União Européia, que luta para compatibilizar, harmonizar, as distintas perspectivas de vários Estados, mercados, nações e culturas de modo a garantir a probabilidade de que todos indivíduos possam competir em igualdade de condições, tanto no mercado do trabalho, quanto naquilo
Internacion alização da Educação
em que este guarda relação com o mundo universitário. (MEC/CNE, 2003, p. 12, p. 12) A consolidação da União Européia, no que diz respeito à circulação internacional de pessoas e serviços, necessariamente incluiu um trabalho voltado para a harmonização dos parâmetros de funcionamento do ensino superior nos diferentes países da Europa, que ficou conhecido como Processo de Bolonha. Formalizado inicialmente em 1999, na cidade que lhe deu o nome, e com calendário de implantação plena até 2010.
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Promoção da mobilidade pela superação dos obstáculos que impedem o exercício efetivo do livre trânsito com especial atenção:
Para os alunos, ao acesso às oportunidades de estudo e treinamento e aos serviços afins;
Para os professores, pesquisadores e equipe administrativa, ao reconhecimento e valorização dos períodos de pesquisa, ensino e treinamento realizados em um contexto europeu, sem prejuízo de seus direitos estatutários.
São objetivos do Processo, conforme afirmado na Declaração de Bolonha ( European Higher Education Area, 1999) e conforme tradução disponível para o português em Morhy (2004):
- Promoção de cooperação na Europa para a garantia da qualidade a fim de desenvolver critérios e metodologias de comparação;
- Adoção de um sistema de diplomas de fácil leitura e comparação, também por meio de um Suplemento do Diploma, para promover a empregabilidade dos cidadãos europeus bem como a competitividade internacional do sistema de educação superior europeu.
- Promoção das dimensões européias necessárias na educação superior, em particular em relação ao desenvolvimento curricular, cooperação interinstitucional, projetos de mobilidade e programas integrados de estudo, treinamento e pesquisa. (p. 601-602).
- Adoção de um sistema baseado em dois ciclos de estudo principais, graduação e pós-graduação. O acesso ao segundo ciclo se dará após a conclusão bem sucedida do primeiro ciclo de estudos, cuja duração deve ser de, no mínimo, três anos. O diploma concedido após o primeiro ciclo também será relevante para o mercado de trabalho europeu como um nível adequado de qualificação. O segundo ciclo conduzirá a um grau de mestre e/ou doutor, como em muitos países europeus.
Em decorrência de discussões em sucessivas reuniões e como resultado da reunião da Comissão Européia em Londres em maio de 2007, é acrescentando mais um objetivo ao Processo de Bolonha: - Incluir o nível do doutorado como o terceiro ciclo no Processo de Bolonha e promover maior aproximação entre a Área Européia de Educação Superior e a Área Européia de Pesquisa. Nos documentos, amplamente disponibilizados na Internet (mas, em especial, no portal oficial do Processo de Bolonha para 2007-2009, no endereço http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwi js/bologna/), registrando a análise do avanço deste Processo e os resultados das sucessivas reuniões que são parte do procedimento adotado, e também em visitas de especialistas europeus ao Brasil, transparecem a motivação da União Européia de buscar adesão da América Latina e do Brasil, especificamente, ao Processo de Bolonha, como se constata no segmento abaixo reproduzido no relatório
- Estabelecimento de um sistema de créditos, tal como o sistema ECTS, como meio adequado para promover maior mobilidade possível aos alunos. Os créditos também podem ser cursados fora do ambiente da educação superior, incluindo a educação continuada, desde que eles sejam reconhecidos pelas universidades relevantes.
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From Bergen to London. The contribution of the European Commission to the Bologna Process (2007):
Al gumas tendências do atu al cenário internacional de macroestrutura da educação superior
Attractiveness and cooperation with other parts of the world
- O modelo curricular muda tanto na Europa quanto no Brasil. O modelo de input , dado pelo estabelecimento de currículos mínimos com conteúdos a serem ensinados aos alunos, é considerado insatisfatório. A ele é agregado o modelo de output , dado pelo estabelecimento de meios e metas de competência a serem desenvolvidas no profissional esperado. O resultado é um modelo mais complexo de input e output (Cf. Roe, 2004). - O sistema de créditos se universaliza, embora persistam variações na sua métrica. A Europa, através de programa da European Commission (2006), organiza um sistema de créditos baseado em carga de trabalho do aluno, o ECTS ( European Credit Transfer And Accumulation System). O Brasil clarifica o conceito de hora e regulamenta a duração e carga horária de parte dos cursos (MEC/CNE, 2003, 2006). - O bacharelado tende a ser encurtado e perde suficiência em seu papel profissionalizante. Isto já ocorre mais recentemente na Europa, como parte do Processo de Bolonha, e de longa data nos Estados Unidos, onde os bacharelados tradicionalmente estão voltados para formação acadêmica geral. No Brasil, está sinalizado em documentos federais, especialmente a partir da última LDB (Cf. MEC/CAPES, 2004; MEC/CNE, 1997, 2003). - É incrementado o papel profissionalizante da pós-graduação, em algumas áreas de formação. Isto está presente no modelo de dois ciclos, tanto na Europa como nos Estados Unidos, pelo menos para algumas profissões. No Brasil está sinalizado, tanto na LDB (Cf. Art 48) como em vários pontos do PNPG 2005-2010 (Cf. MEC/CAPES, 2004, p. 48, 49, 58), e no projeto de lei da reforma do ensino superior (Cf. Brasil, 2006, Art. 44). - A valorização de mobilidade desencadeia medidas, a partir da Europa. De sua viabilização, através de programas e acordos de incentivo. De salvaguardas, através do estabelecimento de padrões de qualidade para os cursos. De controle, através do estabelecimento de mecanismos
Ministers see the European Higher Education Area as a partner of higher education systems in other regions of the world, stimulating balanced student and staff exchange and cooperation between higher education institutions. They underlined the importance of intercultural understanding and respect. They look forward to enhancing the understanding of the Bologna Process in other continents by sharing experiences of reform processes with neighbouring regions. They stress the need for dialogue on issues of mutual interest and they asked to elaborate an external dimension strategy.
The role and visibility of higher education in EU external relations is increasing, towards neighbouring countries (European Neighbourhood Policy), in relation with industrialised countries (OECD/G8) and with developing countries (for example the Union’s new Africa Strategy). Policy dialogue between the EU and third countries often includes higher education, not least due to the emergence of a European Higher Education Area, the recent summit with Latin America being a case in point. (p. 9, itálico no original). Se o Brasil teve na década de 60 um cenário de reforma universitária inspirado no funcionamento da universidade americana, tem hoje o cenário de uma reestruturação do ensino superior, em meio a um esforço de sedução explícita vindo da Europa. Mas o Processo de Bolonha deve ser entendido como um componente chave de um processo mais amplo de internacionalização da educação, também adotado explicitamente por algumas Universidades do continente americano, de forte liderança acadêmica, como o MIT nos Estados Unidos (Cf. o próprio portal do MIT, em seu menu Global MIT, 2008).
Internacion alização da Educação
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de acesso e manutenção do direito do exercício profissional. De cláusulas de barreira, através do estabelecimento de diferença entre mobilidade acadêmica e profissional, como presentes nos acordos transatlânticos do Hemisfério Norte, ou nos
acordos do Mercosul. Estas tendências são especialmente presentes para cursos nas áreas de saúde e de tecnologia, e podem ser observadas em buscas com a combinação de tópicos universidade/educação/internacional/ na plataforma Isi Web of Knowledge.
Tabela 1. Descrição do currículo europeu de psicologia – primeira fase (extraído do EuroPsy, 2005) Tipos de conteúdo / Objetivos
Orientação Conhecimento
Teorias explicativas Conhecimento
Teorias tecnológicas Conhecimento
Teorias explicativas Habilidades
Teorias tecnológicas Habilidades
Metodologia Conhecimento
Metodologia Habilidades
Habilidades acadêmicas Habilidades
Teorias não psicológicas Conhecimento
Indivíduos
Grupos
Sistemas / Sociedade
Métodos em psicologia História da psicologia Visão geral de especialidades e campos na psicologia Psicologia geral Neuropsicologia Psicobiologia Psicologia cognitiva Psicologia diferencial Psicologia social Psicologia do desenvolvimento Psicologia da personalidade Psicologia organizacional e do trabalho Psicologia clínica e da saúde Psicologia educacional Psicopatologia Teoria de dados e de testes Teoria de questionários Teoria de avaliação Treinamento em habilidades de avaliação Treinamento em habilidades de entrevista Treinamento na construção de testes e questionários Treinamento em intervenção em grupo Introdução a métodos: métodos experimentais Métodos qualitativos e quantitativos Prática experimental Prática metodológica e estatística Treinamento em aquisição de dados, Análise qualitativa Coleta de informação / habilidades bibliográficas e de biblioteca Leitura / Redação de trabalhos Ética Epistemologia Filosofia Sociologia Antropologia
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Feitos a, M. A. G.
Tabela 2. Descrição do currículo europeu de psicologia – segunda fase (extraído do EuroPsy, 2005) Tipos de conteúdo / Objetivos
Orientação Conhecimento
Teorias explicativas Conhecimento
Teorias tecnológicas Conhecimento
Teorias explicativas Habilidades
Teorias tecnológicas Habilidades
Metodologia Conhecimento
Metodologia
Indivíduos
Grupos
Sistemas / Sociedade
Orientação sobre contexto de práticas e possibilidades de especialização Cursos sobre teorias explicativas de psicologia geral e/ou psicobiologia e/ou psicologia do desenvolvimento e/ou psicologia da personalidade e/ou psicologia social. Por exemplo, teorias de aprendizagem, teoria de arquitetura cognitiva, teoria avançada de personalidade. Cursos sobre teorias explicativas da psicologia organizacional e do trabalho e/ou psicologia educacional e/ou psicologia clínica e/ou subdisciplinas da psicologia. Por exemplo, teorias sobre desempenho no trabalho, teorias de cognição em situações, teorias de liderança, teorias sobre distúrbios da personalidade. Cursos sobre teorias tecnológicas de psicologia geral e/ou psicobiologia e/ou psicologia do desenvolvimento e/ou psicologia da personalidade e/ou psicologia social. Por exemplo, teoria psicométrica, teoria de avaliação de EEG. Cursos sobre teorias tecnológicas da psicologia organizacional e do trabalho e/ou psicologia educacional e/ou psicologia clínica e/ou subdisciplinas da psicologia. Por exemplo, teorias sobre análise do trabalho, análise de necessidades de aprendizagem, teorias de aconselhamento e psicoterapia. Treinamento em habilidades na aplicação das teorias explicativas acima mencionadas em avaliação em contextos de pesquisa / laboratório. Por exemplo, treinamento em mensuração de EMG, treinamento em avaliação de personalidade. Treinamento em habilidades na aplicação das teorias explicativas em avaliação dentro de contextos aplicados / de campo. Por exemplo, treinamento em análise de erro, avaliação de distúrbios de aprendizagem. Treinamento em habilidades na aplicação das teorias tecnológicas acima mencionadas em intervenções em contextos de pesquisa / laboratório. Por exemplo, treinamento em construção de teste, delineamento de um experimento de aprendizagem. Treinamento em habilidades na aplicação das teorias tecnológicas em avaliação dentro de contextos aplicados / de campo. Por exemplo, treinamento em delineamento de sistemas de avaliação de desempenho, delineamento de um sistema de treinamento, desenvolvimento de um plano terapêutico, psicoterapia. Delineamento avançado de pesquisa Estatística multivariada básica e avançada, incluindo ANOVA Análise de regressão múltipla, Análise fatorial Delineamento de pesquisa qualitativa, incluindo uso avançado de entrevista e questionários, análise qualitativa de dados.
Habilidades
Treinamento de habilidades nos métodos e técnicas acima mencionados.
Habilidades acadêmicas e profissionais gerais
Treinamento de habilidades na redação de relatório e artigo Treinamento de habilidade em entrevista profissional, etc.
Habilidades
Teorias não psicológicas Conhecimento
Cursos teóricos e práticos sobre tópicos de outras disciplinas relevantes para a atividade profissional. Por exemplo, medicina, direito, economia de administração.
Competência básica
PESQUISA
Competência básica
INTERNATO(‘ESTÁGIO’)
Internacion alização da Educação
97
O diverso cenário internacional da psicologia
( American Psychological Association Task
Áreas se organizam para definir padrões de qualidade próprios O avanço na criação da Área Européia de Educação Superior (EHEA), objetivo central do Processo de Bolonha, teve como desdobramentos a formação de grupos específicos para o desenvolvimento do entendimento sobre os diferentes currículos, bem como sobre as formas de regular o direito ao exercício profissional. Na Psicologia, o resultado deste processo, está registrado no documento EuroPsy (2005), disponível na Internet em algumas línguas. Simultaneamente, é disponibilizado nos Estados Unidos o relatório sobre a internacionalização do currículo de graduação em Psicologia, sob forte influência da psicologia transcultural
2005). Em 2007, a APA divulga a revisão de suas recomendações para cursos de graduação com área de concentração (majors) em Psicologia ( American Psychological Association, 2007). Além desses documentos institucionais, e como parte desse processo amplo de internacionalização, identificam-se análises sobre a formação em psicologia, através de seções temáticas de periódicos como o American Psychologist em 1996 (Cf. número 5 do volume 51), o European Psychologist , em 2005 (Cf. número 2 do volume 10), e o International Journal of Psychology, em 2006 (Cf. número 1 do volume 41). Examino então os três documentos institucionais acima mencionados.
Force on Undergraduate
Internationalizing the Psychology Curriculum,
Tabela 3. Características do internato ou estágio (adaptado do EuroPsy, 2005). Dimensões
Atividades / Habilidades / Requ isitos Iniciais
Possibilitar treinamento profissional para propiciar aos alunos condições de:
Tipos de prática podem incluir:
Requisitos para um local certificado de prática:
Integrar conhecimento teórico e prático Aprender procedimentos relacionados ao conhecimento psicológico
Atividades / Habilidades / Requisitos Avançados
Se capaz de refletir e discutir a respeito de sua própria atividade e de outros
Preparar para prática independente como um psicólogo licenciado. Desenvolver papéis de trabalho como um psicólogo profissional baseado no seu treinamento individual e na sua personalidade.
Observação de situações reais nas quais técnicas psicológicas são usadas. Uso de técnicas básicas sob supervisão.
Trabalho semi-independente como um psicólogo sob supervisão.
Participar de projetos com um papel específico. Análise e discussão de casos. Oferece serviços congruentes com o background educacional do treinando É capaz de garantir que a maior parte da supervisão seja feita por psicólogos profissionais. É reconhecida pela associação de psicologia do país e/ou por uma universidade acreditada
Oferece serviços congruentes com o background educacional do treinando São capazes de garantir que a maior parte da supervisão seja feita por psicólogos profissionais. São normalmente reconhecidas ou acreditadas pelo corpo nacional que regulamenta a entrada na profissão.
98
Feitos a, M. A. G.
A Psicologia na Europa, conforme o EuroPsy As Tabelas 1 a 5, apresentadas a seguir, resumem aspectos centrais da proposta de harmonização do currículo de psicologia descrita no EuroPsy. Seu exame deixa entrever a adoção de uma estrutura de dois ciclos, com uma densa formação geral teórica e metodológica, seguida da possibilidade de escolha de campos de atuação profissional para aprofundamento, de um modelo de input (conteúdos) e output (competências e habilidades) e de especificação de carga horária mínima, em
que o currículo contempla três níveis de objeto (a pessoa, o grupo e a sociedade). Observa-se que a especificação de competências próprias do psicólogo no EuroPsy segue uma estrutura em dois níveis de descrição e é complementada por nove competências propiciadoras que são pertinentes a qualquer profissão e que dizem respeito, de forma geral, a requisitos para boa gestão e desenvolvimento de carreira. A proposta, como um todo, é de um curso de cinco anos, seguido de uma prática supervisionada com características de internato (com a duração de um ano). Sua implementação está em curso.
Tabela 4. Exigências mínimas (em ECTS) para educação para o exercício profissional em psicologia (Extraído do EuroPsy, 2005) Fase
Componente
Orientação Cursos teóricos e exercícios práticos 1ª. Fase: (Bacharelado ou equivalente)
Individu al
Grupo
Sociedade
Total
O currículo deve incluir orientação a psicologia, suas sub-disciplinas e áreas de atividade profissional Min 60
Min 20
Min 20
Habilidades acadêmicas
O treinamento em habilidades acadêmicas deve ser incluído
Metodologia
Min 30
Min 125
Min 45 Teoria não psicológica
Min 15 Min 180
Cursos teóricos, seminários, tarefas, etc. 2ª. Fase: (Mestrado ou equivalente)
Min 30
Colocação
Min 15-30
Projeto de pesquisa / tese
Min 15-30
Min 60
Min 30
Total 120
3ª. Fase
Prática supervisionada
Min 60
Total 60 Total 360
Internacion alização da Educação
99
Tabela 5. Competências primárias que todo psicólogo deve demonstrar (extraído do EuroPsy, 2005) Categoria de co mpetência por papel profissional
A. Especificação de objetivos
Competências primárias
B. Avaliação (Assessment)
C. Desenvolvimento
D. Intervenção
E. Avaliação (Evaluation)
F. Comunicação
Análise de necessidades Estabelecimentos de objetivos Avaliação individual Avaliação de grupo Avaliação organizacional Avaliação situacional Análise de definição e demanda de serviços ou produtos Delineamento de serviço ou produto Testagem de serviço ou produto Avaliação de serviço ou produto Planejamento de intervenção Intervenção dirigida a pessoas Intervenção direta orientada a situações Intervenção indireta Implementação de serviço ou produto Planejamento de avaliação Mensuração de avaliação Análise de avaliação Fornecimento de feedback Redação de relatório
Tabela 6. Objetivos e produtos de aprendizagem (adaptado das Recomendações da APA, 2007) Conhecimento, Habilidades e Valores Consis tentes com a Ciência e a Aplicação da Psicologia
1. Base do conhecimento em psicologia 2. Métodos de pesquisa em psicologia 3. Habilidades de pensamento crítico em psicologia 4. Aplicação da psicologia 5. Valores em psicologia Conhecimento, Habilidades e Valores Consis tentes com Educação em Artes Lib erais Que São Desenvolv idas em mais Profund idade na Psicologia
1. 2. 3. 4. 5.
Competência em tecnologia da informação Habilidades de comunicação Consciência internacional e sócio-cultural Desenvolvimento pessoal Desenvolvimento e planejamento de carreira
100
Feitos a, M. A. G.
Tabela 7. Produtos de aprendizagem para internacionalizar a graduação em Psicologia (extraído do Relatório da Força Tarefa da APA, 2005) Meta
Exemplo de produt o
1. Conhecimento psicológico em perspectiva internacional. Os estudantes devem identificar,
1.1. Os estudantes deverão demonstrar habilidade de articular as implicações psicológicas de características e de variabilidade demográficas, sócio-culturais e socioeconômicas no mundo, e avaliar o grau em que os fenômeno estudados na psicologia contemporânea refletem e são influenciados por essa variabilidade.
reconhecer e descrever diferenças e semelhanças interculturais entre pessoas, e considerar como a diversidade do comportamento humano ao redor do mundo contribui para o estudo e a prática da psicologia. 2. Questões metodológicas na pesquisa internacional. Os estudantes devem ter
consciência de métodos e habilidades de pesquisa necessários para competência em pesquisa internacional. 3. A disciplina psicologia em perspectiva internacional. Os estudantes devem ter
consciência de como a disciplina psicologia é desenvolvida, estudada, e aplicada dentro de uma cultura e entre culturas.
2.1. Os estudantes terão habilidades para acessar a literatura de pesquisa em periódicos de fora dos Estados Unidos (i. e., a habilidade de efetuar buscas em bases de dados, e a habilidade de ler em uma língua diferente de sua língua nativa). 3.4. Os estudantes compreenderão que a educação, o treinamento e os processos para revisão de questões éticas na pesquisa em psicologia diferem de acordo com a estrutura dos sistemas de universidade, bem como compreenderão as estratégias para a obtenção de credenciais ou qualificação acadêmica em diferentes países.
4. Psicologia e compreensão interpessoal. Os
estudantes devem ser capazes de usar seu conhecimento psicológico e a compreensão de diferenças culturais e de comportamento para demonstrar habilidades e valores que os ajude a funcionar efetivamente em um mundo global multicultural complexo. 5. Psicologia e questões globais. Os estudantes
devem ser capazes de reconhecer, apreciar, e descrever o papel que o conhecimento psicológico desempenha na abordagem a questões relacionadas à condição humana numa perspectiva global.
A Psicologia nos Estados Unidos, conforme recomendações da APA As Tabelas 6 e 7 mostram as recomendações para a formação em graduação de Psicologia nos Estados Unidos, bem como a proposta de internacionalização da psicologia americana, ambas de iniciativa da American Psychological Association – em próxima relação temporal com o andamento do acordo europeu para a Psicologia. Como a formação do psicólogo naquele país se dá no doutorado, sendo a graduação voltada para a formação geral na área de conhecimento, as
4.2. Os estudantes devem ser capazes de usar conceitos psicológicos para facilitar interações efetivas com pessoas cujas crenças, filosofias e valores são diferentes dos seus próprios.
5.4. Os estudantes compreenderão que os processos de internacionalização e de globalização (e.g., migração, comércio e comunicação internacional, cooperação e conflito internacional) influenciam processos psicológicos individuais e de grupo.
possibilidades de comparações com os modelos brasileiro e europeu de graduação em psicologia se concentram na proposição do núcleo comum, no brasileiro; e na proposição da primeira fase, no europeu. Para uma interpretação apropriada das recomendações da APA, é importante lembrar que, em contraste com o Brasil, nos Estados Unidos o papel do Estado na normalização e regulação do ensino superior é mínimo. Por outro lado, é difícil a realização de comparações entre as recomendações existentes nos Estados Unidos, para o ensino de psicologia, com o
Internacion alização da Educação
cenário do continente americano como um todo. Porque na América Latina, o estabelecimento de um referencial curricular e a regulamentação da profissão do psicólogo ainda não estão universalizados. Em conseqüência, as iniciativas de internacionalização ou harmonização são incipientes e sua documentação ainda é frágil, razão pela qual não são aqui descritas.
Comparações entre Brasil , União Européia e Estados Unid os Os dados apresentados na seção anterior mostram que: (a) a graduação em psicologia no Brasil se distingue da psicologia européia e norte-americana por ter como objetivo central a formação do psicólogo, conforme expresso na Resolução que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs, MEC/CNE, 2004), com habilitação para o exercício amplo da
101
profissão, conforme a lei que regulamenta a profissão; (b) os modelos diferem de forma substancial na regulamentação do acesso ao exercício profissional. Se no Brasil a certificação é por tempo ilimitado, e depende do registro no Conselho de classe mediante verificação da origem do diploma, na Europa a certificação requer avaliação tanto inicial como periódica, por agência acreditada e independente (conforme detalhado no EuroPsy 2005, em especial nos artigos 4, 11 e 12 de seu regulamento); (c) os modelos europeu e brasileiro de ensino de psicologia se assemelham na organização mais bem definida e no objetivo central de formar o psicólogo, conforme sintetizado na Tabela 8. Embora no modelo europeu isto ocorra pela combinação de um bacharelado curto com um mestrado profissionalizante, em ambos os casos a duração de referência para o curso é de cinco anos – um estágio de duração substancial é mandatório. No caso
Tabela 8. Comparação entre atributos das diretrizes para a formação do psicólogo, nos modelos europeu e brasileiro. Atributos curriculares
EuroPsy
DCNs
1. Formação básica geral
Primeira fase
Núcleo comum
2. Formação profissional
Segunda fase
Ênfases curriculares
3. Relação entre 1 e 2
Mais hierarquizada
Menos hierarquizada
4. Paradigma Conteúdos + Habilidades & Competências
Sim, em grau maior de estruturação
Sim, em grau menor de estruturação
5. Habilidades & Competências
Especificadas e organizadas em papéis profissionais
Especificadas
6. Organização do estágio
Emníveis de competência
Em níveis de estágio
7. Desenvolvimento de tese de pesquisa
Exigido
Não exigido
8. Carga mínima total
360 ECTS
4000 h
9. Carga mínima de formação básica
180 ECTS
2000 h
10. Carga mínima de estágio
60 ECTS (1 ano em tempo integral)
600 h
102
europeu, o rigor com relação ao estágio eleva para seis anos o tempo necessário para formação; (d) o modelo europeu de currículo de formação do psicólogo é também mais exigente que o brasileiro, no que diz respeito ao desenvolvimento de competência para a atividade de pesquisa. No entanto, esta maior aproximação entre ensino e pesquisa, entre graduação e pósgraduação, no caso brasileiro, tem forte acolhida no Plano Nacional de Pósgraduação para 2005-2010 (CAPES, 2004). Especialmente, nas recomendações para que o sistema de bolsas seja ampliado e se preocupe com a reprodução do corpo docente, para que haja ensino de disciplinas vinculadas a linhas de pesquisa, para que a aferição da qualidade da produção da pósgraduação inclua o grau de participação de alunos, para que os objetivos da pósgraduação incluam a formação de docentes para todos os níveis de ensino, e para incentivo à pesquisa educacional; (e) é comum aos três modelos curriculares a definição de requisitos em termos de uma combinação de conteúdos, de habilidades e competências. Embora com graus de investimento e natureza de estratégias bastante heterogêneas, também permeia os três modelos a preocupação com a mobilidade do estudante e do profissional. Dos três contextos, o brasileiro é o que menos avançou na questão da mobilidade. Em outro trabalho (Feitosa, submetido) encontram-se sistematizadas as iniciativas já existentes e as necessidades de investimento brasileiro para que possa ocorrer de forma apropriada a mobilidade intra-institucional e interinstitucional, chamando atenção para as articulações necessárias para se harmonizar diversidade curricular e mecanismos para mobilidade do aluno. O menor avanço do Brasil nesta questão específica, em parte se explica pela contradição entre um modelo de cursos ancorado na priorização do atendimento às necessidades do país, quando foram emanadas as orientações básicas para a formulação de diretrizes curriculares dos diferentes cursos (Cf. MEC/CNE, 1997) e, de outro lado, um modelo de arquitetura acadêmica institucional ancorado na valorização da internacionalização do ensino superior, espelhado na proposta do governo federal de reforma do ensino superior (Cf. seção de Introdução, MEC/CNE, 2003; art
Feitos a, M. A. G.
44 do Projeto de Lei 7200, Brasil, 2006). Esta contradição está presente na discussão sobre a formulação de currículos de psicologia.
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Nota da autora: Baseado em comunicações orais apresentadas na mesa redonda “Cenários de futuro para a psicologia brasileira: Decorrências para a formação”, realizada no VI Encontro Nacional da ABEP, Belo Horizonte, 6 a 9 de setembro de 2007 e na Sessão especial “Psicologia em avaliação: Subsídios para política científica”, realizada na XXXVII Reunião Anual de Psicologia da SBP, Florianópolis, 25 a 28 de outubro de 2007. Partes do presente trabalho foram apresentadas como comunicação oral no XXIX International Congress of Psychology, realizado em Berlim de 20 a 25 de julho de 2008, com apoio da FINATEC.
ISSN 1413-389X
o
Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 105 – 113
Aquisição e explicitação do conhecimento no ensino superior Maria Isabel da Silva Leme
Universidade de São Paulo Resumo
O artigo relata a experiência docente em uma disciplina, Preparação Pedagógica, destinada à formação didática de alunos de pós-graduação em Psicologia. O relato descreve as atividades desenvolvidas nesta disciplina, organizadas segundo uma concepção específica de ensinoaprendizagem no Ensino Superior, que seria a de um processo de aquisição e explicitação de conhecimento. São abordados inicialmente, para fins de contextualização do conteúdo, os seguintes tópicos: as peculiaridades do Ensino Superior no Brasil em sua perspectiva histórica, o caráter específico da aprendizagem do jovem adulto como estudante universitário, e as conseqüentes competências demandadas do docente deste segmento de ensino. Em seguida, as etapas de planejamento da disciplina, processos instrucionais e avaliação são analisados sob a perspectiva de explicitação do conhecimento. Palavras-chave: Ensino superior, Aprendizagem, Conhecimento explícito.
Ac quir in g an d ex pli cit ing k nowl edge at u ndergraduat e co urses Ab st rac t
This essay reports an experience in the course of Pedagogical Preparation, part of the graduation Psychology Program. The study describes course's activities, organized according to the conception of the learning and teaching processes at the University, considering them as processes of acquisition and applied knowledge. The essay also describes the course's content includes the following aspects: contextual perspective of Brazilian undergraduate system through an historical overview, young adults' learning in undergraduate courses, teaching abilities, in special pedagogical abilities. Teaching stages, namely planning, instructions and evaluations, are analyzed into the above mentioned perspective of acquisition and applied knowledge. Keywords: Undergraduate Courses, Learning, Explicit Knowledge.
Relatar a própria experiência requer certo distanciamento, de modo a torná-la compreensível para o leitor na medida do possível. No caso da experiência docente em curso, a dificuldade em tomar este distanciamento não se limita ao envolvimento corrente, mas, ainda, em ponderar sobre os resultados obtidos de reformulações introduzidas no sentido de aprimorar a prática. Além disso, a experiência do presente relato não se restringe à docência, uma vez que, neste caso, a pesquisa na área de Psicologia da Aprendizagem vem alimentando a prática
docente e vice-versa. Assim, este artigo tem por objetivos partilhar a experiência docente e divulgar a concepção de ensinoaprendizagem que norteia a disciplina, que, até onde sabemos, ainda é pouco conhecida. De acordo com essa concepção, o processo de ensino-aprendizagem, principalmente no Ensino Superior, consiste em explicitação e reestruturação do conhecimento. A aquisição de conhecimento é entendida como um continuum, que se inicia com um conhecimento totalmente implícito, adquirido sem consciência nem deliberação, e culmina com um conhecimento explícito,
Endereço para correspondência: Maria Isabel da Silva Leme - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Avenida Professor Mello Moraes, 1721 Butantã CEP 05508 900. Telefone: 11 3091-4185 r:225. E-mail:
[email protected].
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adquirido consciente e deliberadamente. Esta posição vem conquistando adeptos na Psicologia da Aprendizagem em função do caráter integrador que imprime ao conceito de aprendizagem, hierarquizada em diversos níveis de deliberação e de consciência. Esta concepção tem ainda como vantagem eliminar dicotomias na conceituação do processo, como por exemplo, se consiste em mudança de comportamento ou de pensamento, se o mecanismo responsável pela aquisição é a associação ou a reestruturação. Assim, tal concepção facilita a compreensão do processo de aprendizagem humana, fruto tanto de pressões adaptativas, ocorridas ao longo da filogênese, como da cultura (Pozo, 2004). A organização social do ser humano favoreceu a emergência da cultura, que por sua vez forneceu ferramentas, como a linguagem, que propiciam a explicitação do conhecimento adquirido implicitamente, que se torna assim mais acessível, organizado e complexo. Por sua vez, aprendizagens e conhecimentos mais explícitos e complexos têm seu impacto sobre a cultura, favorecendo seu desenvolvimento, em uma relação dinâmica de interdependência. Nesta perspectiva, o tema do processo ensino-aprendizagem como aquisição e explicitação de conhecimento é tratado de modo recorrente durante a disciplina a ser relatada, organizando os conteúdos em torno de uma corrente de pensamento sobre estes fenômenos, também presente nos textos de muitos autores indicados na bibliografia utilizada, o que será examinado oportunamente, após a contextualização da disciplina. Contexto históri co da discipl ina
A disciplina Preparação Pedagógica foi criada por iniciativa da Pró-Reitoria de PósGraduação da Universidade São Paulo, no contexto do Programa de Aperfeiçoamento do Ensino (PAE), com o intuito principal de aprimorar a formação do aluno de pósgraduação, futuro docente de Ensino Superior, para a atividade didática na graduação. Em princípio, por exigência da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), os alunos bolsistas realizavam somente um estágio em
Leme, M. I. S.
disciplina de graduação, apoiando a atividade docente, ou supervisionando alunos de graduação em pesquisa, ou outra atividade como atendimento clínico ou escolar. Outros alunos não bolsistas podiam também realizar esse estágio, recebendo, como os bolsistas, créditos e auxílio financeiro pela participação. Porém, desde 2000, a USP passou a incluir nesta formação a realização obrigatória de uma disciplina chamada Preparação Pedagógica, anterior ou concomitante ao estágio em sala de aula, de modo a preparar melhor os alunos para ele. Desde então, são aceitos três formatos de disciplina, como descrito abaixo: 1) disciplina de Pós-Graduação (caso descrito neste artigo), oferecendo créditos cujo conteúdo é voltado para as questões da Universidade e do Ensino Superior; 2) conjunto de conferências com especialistas da área de Educação, condensadas num tempo menor, tendo como tema as questões do Ensino Superior; 3) núcleo de atividades, envolvendo preparo de material didático e discussões coordenadas por professores, a respeito de programa, ementas e planejamento de disciplinas. O estágio supervisionado em docência é realizado especificamente em disciplinas de graduação, devendo o aluno se inscrever na Unidade de Ensino da área de conhecimento pertinente ao seu curso. Assumimos a responsabilidade pela disciplina em 2002, quando já contava com um ano de existência, no formato descrito acima, de um conjunto de conferências dadas por especialistas sobre questões ligadas ao Ensino Superior, o que foi mantido durante um ano. As avaliações dos alunos sobre a disciplina revelaram, porém, que, embora considerassem as conferências de ótimo nível e grande interesse, tinham dificuldade em integrar esses conhecimentos à atuação didática e, assim, sentiam falta de uma formação mais voltada para a prática em sala de aula. Para satisfazer essa carência, a disciplina foi então reformulada em termos do programa oferecido, assumindo o atual formato, que passamos a descrever na próxima seção. 1 1
Agradecemos a colaboração, durante a fase de reformulação da disciplina, de dois ex-alunos, especialistas em formação de recursos humanos:
Conhecimento no Ensino Superior
Descrição do programa da disciplina
Contextualização do Ensino Superior no Brasil – a concepção de que a ação docente, como qualquer outra atuação profissional, é socialmente construída, condicionada às peculiaridades de seu contexto histórico –, levou-nos a selecionar este tópico para iniciar a disciplina, para uma visão mais integrada do sistema de ensino. Assim, a discussão é iniciada por uma análise do contexto histórico do Ensino Superior brasileiro, o que equivale a remontar à sua origem no século XIX, ocasionada pela chegada da Corte Portuguesa ao Brasil. Durante a análise, os diferentes períodos pelos quais passou o Ensino Superior brasileiro são enfocados a partir da relação das instituições de ensino com o Estado, suas repercussões sobre a concepção de formação profissional discente e qualificação docente. Um bom exemplo desta relação é o surgimento das primeiras instituições de ensino superior no século XIX, criadas pela necessidade de formar profissionais, impedidos de estudar no exterior pelo bloqueio imposto por Napoleão. O ensino superior surgiu inspirado nas Grandes Écoles francesas, organizado em centros de excelência, autosuficientes, voltados exclusivamente para a formação profissional das elites. Esta orientação pode ser percebida na qualificação docente exigida na época, em geral profissionais liberais de reconhecida competência na área, mas com pouca ou nenhuma preocupação pedagógica. Esta situação, que perdurou até meados do século XX, só foi modificada de modo mais profundo pela Reforma Universitária de 1968, que profissionalizou a docência universitária, aliando-a à pesquisa, e exigindo a titulação na pós-graduação para o progresso na carreira (Durham, 2002; Masseto, 2003). A permanência até hoje de contradições no sistema (como o pouco acesso às universidades públicas de estudantes com menor condição de concorrer pelas vagas restritas e a conseqüente expansão do ensino privado de massa), porém, são questões que preocupam os alunos da disciplina em relação à sua Professor Carlos Eduardo Martins Lacaz e Professor Doutor Alexandre Santille.
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atuação docente futura. Estas questões são debatidas no contexto histórico brasileiro, enfatizando-se o papel desempenhado pelo Estado junto às instituições, em termos de financiamento e regulação do sistema, e o impacto desta atuação na formação discente e docente. É também nesta perspectiva de relação com o estado que são analisados os conceitos de aprendizagem, aprendizagem do jovem adulto, mais especificamente no Ensino Superior, relativamente ao desenvolvimento de competências esperadas atualmente neste segmento de ensino (Brasil, 2004). Aprendizagem no Ensino Superior: A concepção de aprendizagem trabalhada na disciplina é, coerentemente com o exposto no tópico anterior, a de um processo adaptativo, ligado necessariamente à experiência, que resulta em mudança de comportamento e/ou de processos internos, relativamente estáveis no tempo. As mudanças produzidas pela aprendizagem são mais acessíveis ao próprio aprendiz, e também a um observador externo, quanto mais avançado for o desenvolvimento psicológico dele. Isto se dá porque uma das características da aprendizagem em etapas mais avançadas da ontogênese é a sua progressiva explicitação, o que facilita tanto a atribuição de significado à nova informação quanto a sua integração à estrutura cognitiva do aprendiz, transformando-se em conhecimento, graças ao uso deliberado de estratégias metacognitivas. Além disso, o próprio desenvolvimento cognitivo nesta faixa etária, que se inicia em torno dos vinte anos, denominado pensamento pós-formal (Rybash, Hoyer & Roodin, 1999), permite ao aprendiz lidar com mais facilidade, do que em períodos anteriores, com a complexidade, a contradição e a dinâmica inerentes ao mundo físico e social e, também, ao próprio conhecimento. É importante lembrar que o pensamento pósformal é mais um estilo de pensar do que propriamente um estágio estrutural do desenvolvimento cognitivo. Todavia, vale lembrar que, embora seja um fenômeno adaptativo, selecionado filogeneticamente, a aprendizagem humana é fortemente moldada pela cultura em que ocorre. A aprendizagem da cultura se dá em grande parte de modo implícito (Bruner, 1986/1998), mas
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conteúdos culturais necessários à integração dos indivíduos em seu seio são institucionalizados e transmitidos de modo explícito, por meio de alguma forma de instrução. Assim, o ensino (ou instrução) também pode ser concebido como um processo de explicitação, o que é facilitado pelo nível de desenvolvimento cognitivo do indivíduo, como explicado acima. Entretanto, vale ressaltar ainda que o processo de explicitação não equivale só ao acesso consciente aos conteúdos mentais, como o acender de uma luz em um quarto escuro, mas envolve deliberação e escolhas de como tratar o aprendido (Pozo, 2004). Este último ponto relaciona-se de modo estreito ao uso de estratégias, como se verá a seguir. As estratégias que auxiliam estas transformações do conhecimento têm sido bastante estudadas no Ensino Superior (Zenorine & Santos, 2003; Cardoso & Bzuneck, 2004; Boruchovitch, Costa & Neves, 2005) e, coerentemente com o afirmado acima, por estarem associadas à motivação, estão relacionadas à deliberação do aprendiz. Resumidamente, estratégias mais profundas, que envolvem maior esforço cognitivo, como monitorar a própria compreensão, esquematizar conteúdos e resumir, estão associadas à motivação para aprender, enquanto as ligadas ao sucesso acadêmico relacionam-se a estratégias mais superficiais, como memorização mecânica. É importante salientar, como Masseto (2004, p. 89), que “aprender a aprender é mais do que uma técnica de como se faz. É a capacidade do aprendiz de refletir sobre sua própria experiência de aprender, identificar os procedimentos necessários para aprender, suas melhores opções [...]”. Considerando as competências a serem desenvolvidas no Ensino Superior – desenvolvimento na respectiva área de conhecimento, em habilidades necessárias ao exercício profissional, na dimensão afetivo-emocional e em atitudes e valores (Masseto, 2003) –, são alentadores os resultados de pesquisa que mostram que intervenções sobre essas estratégias produzem melhorias tanto no desempenho acadêmico como na regulação afetivo-emocional dos estudantes (Boruchovitch, Costa & Neves, 2005). Entretanto, a intervenção sobre as estratégias demanda, por sua vez, competências do
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professor que extrapolam aquelas ligadas ao exercício profissional bem-sucedido, isto é, apenas domínio de conhecimentos, tanto básicos como atualizados. Para desenvolver nos alunos motivação e estratégias voltadas para o aprender a aprender, o professor universitário precisa ser competente, além de pedagogicamente, também no domínio pessoal, em termos de suas atitudes e valores, concepção de conhecimento, de cidadania e outros (Masseto & Abreu, 1996; Masseto, 1998). Tendo em vista o escopo e o tempo disponível na disciplina Preparação Pedagógica, nela é mais abordada a competência pedagógica do professor universitário, focalizando de modo mais aprofundado as três principais etapas do processo ensino-aprendizagem, isto é, planejamento de ensino, processos instrucionais e avaliação da aprendizagem, descritas a seguir. Etapas do processo ensinoaprendizagem Planejamento: A – necessidade de planejamento, seja da disciplina, seja da aula, justifica-se em função da reflexão que enseja sobre os processos envolvidos que devem guiar a prática docente: [...] refletir sobre a dinâmica do trabalho pedagógico como uma estrutura articulada de agentes, conteúdos, instrumentos e procedimentos utilizados, visando atingir objetivos intencionalmente formulados, isto é, em função do tipo de mudanças que se têm como fundamentais, como conseqüência da ação educativa. (Viella, 2004, p. 117, grifo do autor) Neste sentido, o planejamento do ensino é tratado como um processo de escolha e tomada de decisões acerca dos conteúdos a serem ensinados, sua seqüência e modo de instrução, com ênfase nas mudanças que se pretende provocar. Em outras palavras, planejar define-se como um processo de explicitação de decisões acerca do para quê, para quem, o quê, quando e como ensinar, sem perder de vista as coações institucionais, como tempo alocado à disciplina, número de alunos por sala, disponibilidade de recursos materiais e humanos e outros aspectos fundamentais,
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como o conhecimento prévio dos alunos e dos conteúdos de outras disciplinas. A importância dos objetivos da disciplina serem bem explicitados para os alunos é especialmente enfatizada, pois esclarece as mudanças almejadas, facilitando assim as conexões necessárias entre o que os alunos já sabem e o que vai ser tratado em sala de aula (Viella, 2004). Processos instrucionais: Os processos instrucionais são analisados a partir de dois grandes eixos: o ensino conduzido pelo professor e o ensino conduzido pelo aluno. No primeiro, a aula expositiva é o principal tema tratado, analisando-se quando se justifica, como na introdução ou conclusão de temas, na explicitação de relações, aplicações, demonstrações, etc. O modo como deve ser estruturada, desde a apresentação até a conclusão, de modo a propiciar aprendizagem significativa do aluno, também é explorado, resgatando-se os trabalhos de Ausubel da década de 1960, que ainda hoje subsidiam pesquisas sobre aprendizagem receptiva, principalmente de conceitos e conhecimentos científicos (Moreira & Greca, 2003; Langhi, 2005). Resumidamente, na perspectiva proposta por Ausubel (Ausubel, Novak & Hanesian, 1980), a articulação entre o novo conteúdo e os conhecimentos prévios do aluno, essencial para que adquira significado, é facilitada, em primeiro lugar, pelo resgate explícito pelo professor do que o aluno já sabe sobre um conteúdo. Em segundo lugar, pela forma pela qual o professor estrutura a apresentação do conteúdo. O novo conteúdo pode ser apresentado de duas formas: desde o mais abstrato, como um princípio ou lei, concretizado a seguir em casos particulares, ou inversamente, partindo de fatos mais específicos, cujas relações em comum são explicitadas pelo professor, assim como a forma pela qual podem ser abstraídas em um princípio mais geral. A escolha de uma ou outra estratégia depende da natureza do conteúdo e da mudança conceitual desejada, mas é sempre essencial explicitar estas relações muito claramente ao aluno, e como elas se relacionam com aquilo que ele já sabe. Estas considerações sobre a instrução articulam-se com as da aula anterior, sobre planejamento de ensino, recuperando a importância dos objetivos de cada aula estarem bem claros para o professor, em
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termos da mudança conceitual que pretende provocar, o que facilita a escolha de estratégias adequadas para a transmissão do conteúdo. A aprendizagem conduzida pelo aluno focaliza mais detidamente a Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), suas origens no ensino de medicina, seus objetivos, destacando-se a construção autônoma de conhecimento flexível, o resgate de conhecimento prévio, o desenvolvimento de estratégias de solução de problemas, as habilidades de trabalho cooperativo, a valorização do aprender a aprender e a motivação intrínseca (Bould & Felleti, 1998; Hemlo-Silver, 2004). São expostas as diversas modalidades de aprendizagem baseada em problemas, como o estudo de caso, e as especificidades que as diferenciam de outras atividades, também conduzidas pelo aluno, como seminários. A grande vantagem da Aprendizagem Baseada em Problemas (Hemlo-Silver, 2004) é que ela propicia a explicitação do conhecimento adquirido, ensejada não só pelo papel mais ativo conferido ao aluno, mas principalmente pelo estímulo à reflexão sobre o que ele aprendeu na atividade e pela efetividade das estratégias empregadas. Na medida em que tem de tomar uma série de decisões a respeito das ações necessárias para resolver um problema, para o qual não há uma solução única, o aluno não só dedica maior esforço à tarefa, mas tem mais explícito o que aprendeu – do que teria em uma aula expositiva, por exemplo. É salientada, no entanto, a necessidade de o professor refletir, por ocasião do planejamento, sobre que objetivos pretende atingir com aquela atividade; sem isso, o emprego de uma estratégia didática como PBL perde a sua razão de ser. Muitas vezes a boa intenção de motivar os alunos pode se sobrepor a outros objetivos, tornando-se um fim em si mesma, desvirtuando o processo de educação. Não se pretende com isso desqualificar a preocupação docente com a motivação dos alunos, mas colocá-la na perspectiva pedagógica de privilegiar o que se pretende com uma dada atividade. Além disso, uma aula motivadora e criativa passa necessariamente pelo rompimento de velhos hábitos, de se ter uma só resposta correta para uma dada pergunta. É necessário despertar o envolvimento do aluno já na
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apresentação do tema, mostrando lacunas, possibilidades de mais de uma resposta. É preciso buscar, dar significado ao conhecimento, estabelecer vínculos com o futuro, estimular buscas (Wechsler, 2004). Em suma, a motivação do aluno nesta perspectiva está muito mais relacionada à atitude do professor, da sua relação com o conhecimento, da sua capacidade e motivação para criar, do que ao mero emprego de uma técnica. Por último, mas não menos importante, a escolha de uma estratégia didática deve considerar, além de aspectos essenciais como conhecimentos prévios dos alunos, outras questões de ordem prática, como número de alunos por sala, tempo disponível, possibilidade de atendimento aos grupos. Isto porque o professor, que não tem condição ou tempo para prestar assistência aos alunos no processo de aprendizagem baseada em problemas, de agir como um real facilitador, propondo questões, sugerindo alternativas ou mesmo disponibilizando recursos didáticos para a pesquisa, como bibliografia, etc., termina por dificultar o aprendizado do aluno. Avaliação: A mesma preocupação com os objetivos pretendidos e com os recursos efetivamente empregados deve guiar o processo de avaliação, seja qual for a modalidade escolhida: perguntas dissertativas ou testes, enfatizando-se sempre a mesma preocupação com o porquê, o quê, o como, o quando, evidenciando assim que também esta etapa é uma explicitação de como ocorreu o processo de ensino-aprendizagem. Os testes, freqüentemente objeto de preconceito, são analisados como uma alternativa para avaliar a assimilação de grandes extensões de conteúdo, enquanto as questões dissertativas se prestam a porções mais restritas, sobre as quais se deseja verificar outro tipo de processo, como a compreensão, o estabelecimento de relações, aplicações, etc. Na mesma perspectiva das outras etapas, considerações de ordem prática devem guiar a escolha docente, além dos objetivos educacionais pretendidos já no planejamento. Testes bem elaborados, que não induzem a erro ou incerteza, sejam eles de múltiplas alternativas ou de asserçãorazão, são de elaboração mais trabalhosa, porém mais rápidos para corrigir. Já as
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questões dissertativas são justamente o contrário, de fácil elaboração, mas de correção mais trabalhosa, principalmente se o objetivo pretendido for possibilitar aos alunos nova oportunidade de aprendizagem, por meio de informações contidas na correção. Este é outro aspecto enfatizado na escolha de uma ou outra modalidade: o fornecimento de informação sobre a aprendizagem a todos os envolvidos, docente e alunos. Isto porque os testes só permitem constatar a existência de um problema, enquanto a questão dissertativa permite diagnosticar com mais segurança que aspectos do conteúdo foram difíceis de assimilar, compreender ou aplicar. Assim, são analisados os diversos tipos de avaliação: diagnóstica, formativa, somativa, classificatória, discutindo-se que tipo de informação pode ser obtido por seu intermédio. São feitas ainda outras considerações sobre a importância de a avaliação permitir autonomia do aluno, por meio de questões que permitam elaboração pessoal do conteúdo (De Sordi, 2004), assim como a pertinência de outras oportunidades de avaliar o aluno, como participação em aula, confecção de resumos, resenhas e outros trabalhos, individualmente ou em grupo (Oliveira & Santos, 2005). Cabe observar, a este respeito, que, coerentemente com o que é valorizado em termos de avaliação na disciplina Preparação Pedagógica, nossos alunos podem optar por dois tipos de avaliação: contínua, ao final de cada aula, ou por uma prova final com consulta, em uma aula extra, após o término da disciplina. Finalizando a análise do processo ensino-aprendizagem, procuramos propiciar a oportunidade de uma experiência prática. Assim, quatro ou cinco alunos são estimulados a ministrar uma aula voluntariamente, em geral sobre seus projetos de mestrado ou doutorado, dispondo de cerca de trinta minutos para tanto. São avaliados pelos colegas, que observam desde o tratamento dado ao conteúdo, como estrutura e clareza, até aspectos formais como postura em sala de aula, tom de voz, etc. São ainda filmados, para que possam eles mesmos observar-se na atividade, aprimorando para o futuro os aspectos observados pelos colegas.
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Ao final do curso são realizadas a avaliação final pelos alunos que optaram por essa modalidade e, ainda, a avaliação da própria disciplina por todos. A primeira consiste na escolha entre duas questões: uma de caráter mais prático, como a elaboração de um plano de ensino; outra mais teórica, que consiste em geral na análise e discussão de uma posição expressa em uma frase sobre o ensino superior feita por algum autor da área. As duas questões podem ser respondidas depois de consulta ao material disponibilizado no curso, pois o que se avalia é a capacidade do aluno de articular o que aprendeu aplicado a uma situação problema. A avaliação da disciplina, por sua vez, é sempre anônima, para garantir a fidedignidade da informação prestada, e, por meio dela, procuramos obter dados acerca da pertinência dos tópicos abordados e da bibliografia indicada, da qualidade das aulas expositivas e da avaliação. Além das informações acerca da dificuldade de transferência do aprendido em conferências para a situação real de docência já mencionada acima, os alunos têm nos prestado outros subsídios importantes para a reestruturação da disciplina, como pertinência e clareza dos textos, organização de aula, etc. Conclusão
Finalizando este breve relato sobre a experiência adquirida na disciplina Preparação Pedagógica, cabe reiterar algumas reflexões acerca do processo ensino-aprendizagem, como aquisição e explicitação de conhecimento, concepção defendida ao longo deste relato. O primeiro ponto que se destaca, sem dúvida, é a explicitação de objetivos como elemento fundamental para que todo o processo se torne claro e articulado, tanto para os alunos, como para o docente. São eles que guiam a escolha de conteúdos, o processo de instrução e a forma de avaliação, como vários autores citados corroboram, tornando inclusive o processo mais justo para o aluno, em função da sua transparência. Um aspecto chave para verificar se os objetivos são coerentes com as intenções pretendidas é a análise da pertinência das atividades desenvolvidas para atingi-los. Cada atividade apresenta um
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potencial diferente; algumas são mais limitadas, como o exercício que só fixa o aprendido. Outras são mais amplas e podem desenvolver diversas capacidades, como a solução de problemas, que demanda resgate e adaptação do que foi aprendido para uma nova situação. Além disso, a preocupação com a explicitação deve permear também os processos instrucionais, sejam eles dirigidos pelo professor ou pelo aluno. A teoria de Ausubel fornece subsídios para essa clarificação de conceitos em sala de aula, da mesma forma que os trabalhos sobre aprendizagem baseada em problemas ressaltam a importância da reflexão sobre as estratégias seguidas, o conhecimento obtido e o papel do professor facilitador na tomada de consciência. Finalmente, vale lembrar a importância de questões claras, tanto dissertativas quanto em forma de testes na avaliação da aprendizagem. Estas questões devem ser coerentes com os objetivos propostos aos alunos no início da disciplina, e também com o que foi efetivamente ensinado, permitindo que todos os envolvidos possam avaliar o conhecimento obtido, possibilitando assim correções de eventuais falhas e lacunas. A análise sobre o processo ensinoaprendizagem realizada neste relato focalizou mais detidamente a competência pedagógica do professor universitário, o que não significa menor apreço pelas demais competências, pessoais e profissionais. Vale lembrar ainda que estas competências não estão isoladas umas das outras, sendo importante analisar brevemente como a pedagógica se relaciona com alguns aspectos das pessoais e profissionais, a nosso ver, essenciais para que a proposta de ensino aqui exposta se viabilize. Nesta perspectiva, consideramos extremamente importante que o futuro docente reflita sobre a natureza da sua concepção de conhecimento, já mencionada acima. Em poucas palavras, o docente deve refletir se considera o conhecimento algo progressivamente construído, organizado, e explicitado, ou, alternativamente, como informação assimilada tal como foi ensinada, coerentemente com uma perspectiva empirista. A nosso ver, seja qual for a concepção do docente sobre o conhecimento, ela impregna e rege toda a
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sua prática, desde a formulação de objetivos, até a avaliação. Isto porque em uma concepção de conhecimento construído, diferentemente da segunda concepção, de conhecimento assimilado tal como foi transmitido, não é dado privilégio só ao saber, mas também a como foi dado significado ao que foi ensinado, como o conteúdo foi transformado e incorporado pelo aluno. Além disso, quando se valoriza mais do que a assimilação de informação, valoriza-se também o saber fazer e o saber ser. Em suma, o docente interessado em como o aluno constrói seu conhecimento busca saber também como o aluno coloca em prática o que aprendeu, e como se posiciona em relação a esse conhecimento. A concepção de conhecimento construído implica ainda uma percepção do próprio papel do docente, muito mais como um mediador entre o aluno e o conhecimento do que um transmissor de conteúdo, o que leva à maior valorização do processo do que do produto. O professor como mediador da construção do conhecimento não se limita a transmitir conteúdos, mas ajuda o aluno a incorporálos em uma estrutura pré-existente, organiza o conhecimento de modo flexível, instigando o aluno mais com questões do que com respostas – que, além de motivarem, exigem posicionamento. Coerentemente com a perspectiva do seu papel de mediador, o docente valoriza mais a negociação entre pontos de vista e as opiniões divergentes do que a unanimidade imposta, e também a transparência do processo instrucional em termos de seus objetivos, articulações entre os conteúdos e avaliação. A nosso ver, sem estas concepções é pouco provável que o processo instrucional, tal como foi proposto, se viabilize. Na mesma perspectiva, o professor deve também se indagar sobre o tipo de profissional que deseja formar. Se almejar formar um profissional autônomo, capaz de manter-se atualizado sobre novos conhecimentos, a prática pedagógica deve ser dirigida neste sentido, enfatizando a atividade do aluno no processo instrucional, adotando, como examinado acima, o ensino baseado em problemas e outras atividades que possam ser conduzidas por sua iniciativa. A avaliação também deve refletir
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esta meta para a autonomia, pelo uso de instrumentos que permitam uma elaboração pessoal do conhecimento, diferente de uma repetição mecânica do que foi ensinado em sala de aula. Em suma, o processo ensinoaprendizagem como explicitação de conhecimento demanda consciência das próprias crenças e atitudes, que também devem ser coerentes com a prática a ser adotada em sala de aula, a qual, como bem lembra Masseto (2004), deve superar os limites físicos de uma instituição, projetando-se tanto para seu exterior como para o futuro.
Referências
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ISSN 1413-389X
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Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n 1, 115 – 125
Licenciatur a em Psico logia: legislação e nova proposta curricu lar na Universi dade do Estado Rio d e Janeiro Sônia Pires Simões Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Associação Educacional Dom Bosco Maria das Graças Vasconcelos Paiva Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo
O presente artigo tem por objetivo apresentar uma proposta concreta de reformulação curricular para a licenciatura em psicologia para o ensino médio, visando aprimorar a formação do professor nesta área. Atendendo às exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, 1996) e fundamentada nas resoluções que a ela se seguiram, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Instituto de Psicologia apresentou, através de sua reitoria, a Deliberação XXI/2005. Tal deliberação alterou o curso anterior de formação de professor para um novo curso com um currículo mais extenso, perfazendo um mínimo de 2800 horas integralizadas no mínimo em seis semestres letivos. O artigo inclui itens teóricos relativos à legislação, à concepção do educador, aos objetivos de um curso de formação de professor. Quanto ao aspecto técnico, apresenta a proposta curricular numa visão geral em quadros esquemáticos. Informa sobre a filosofia e as organizações curriculares, sobre o estágio e a avaliação no curso de formação de professores. Palavras-chave: Licenciatura, Psicologia, Ensino.
Bachelor in Psycholog y: Legislation and new curricul um pro posi tio n at the State Universi ty of Rio de Janeiro Ab st rac t
The objective of this paper is to present a proposal already implemented for a renewed curriculum to the bachelorship in psychology to the high school, aiming to improve the graduation of the professors in this area. Considering the requirements of the LDB N.9394/96 and based in the corresponding determinations, the Psychologic Institute of the State University of Rio de Janeiro presented, from the dean´s office, the XXI/2005 deliberation which changed the previous professor career to a new course with a longer curriculum, in a total minimum of 2800 hours, divided in six academic semesters. This paper also contains theoretical aspects about the legislation, the educator conception, and the objectives of the course. Concerning technical matter, it presents the general aspects of a new curriculum proposal, exposed in schematic tables. It also expose the philosophy of the new curriculum proposal and the corresponding organizations of the professor preparation course. Keywords: Bachelorship, Psychology, Teaching.
A formação de professor de psicologia para o ensino médio vem se tornando pouco atraente para os alunos do curso de graduação. O baixo investimento na área da docência, a falta de concursos, os baixos salários do professor e a falta de preparo específico do aluno interferem para que o
aluno se desinteresse cada vez mais pela docência no ensino médio. Muitas vezes, ele se sente despreparado para enfrentar esta profissão por ter recebido uma formação que privilegiou algumas áreas da psicologia em detrimento de outras áreas de atuação. Assim, muitas causas determinam esta
Endereço para correspondência: Maria das Graças Vasconcelos Paiva. Avenida Henrique Dodsworth, 83 apto. 503, CEP 22061-030, Rio de Janeiro, RJ. E-mail:
[email protected].
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situação de baixo interesse e não apenas questões vinculadas ao mercado de trabalho. O curso de licenciatura se mostrou deficitário em sua estrutura à medida que não contemplou as necessidades reais da formação do professor em termos teórico e prático, a fim de que o aluno pudesse desenvolver habilidades e competências que o habilitassem para atuar como educador. As entidades educativas que ainda mantêm o curso inalterado estão aparentemente acomodadas num modelo não eficiente, cuja modificação é urgente, dada a necessidade do psicólogo assumir esta função que tem sido preenchida por outros profissionais. Este artigo apresenta as mudanças recentes que ocorreram nos últimos anos na legislação em relação à licenciatura, exemplificada através de uma proposta de implantação de reforma curricular do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Esta reforma teve como principal objetivo resgatar a formação do professor de ensino médio, atendendo às exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei n. 9.394, 1996). O artigo 61 da LDB determina que “a formação dos profissionais de educação, de modo a atender os diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: a) associação entre teoria e prática; b) a formação de docentes para atuar na educação deverá ter a graduação plena, em universidades” (Lei n. 9.394, 1996). Assim, com base na LDB e fundamentada nas resoluções que a ela se seguiram, a Universidade apresentou, através de sua reitoria, a Deliberação XXI/2005, que alterou o curso anterior de formação de professor para um novo curso com um currículo mais extenso, perfazendo, no mínimo, 2800 horas integralizadas em, no mínimo, seis semestres letivos. Sobre a Psicologia como profis são e a insti tucionalização da licenciatura
A psicologia, como área de ensino, pesquisa e profissão, é relativamente recente no Brasil. As escolas normais, o surgimento dos laboratórios experimentais e os centros de desenvolvimento de testes psicológicos foram referências para o conhecimento
Simõ es, S. P., & Paiva, M. G. V.
histórico de nossa ciência em nosso país, no final do século XIX e durante o século XX. Segundo Bzuneck (2000), na década de 1930, com a criação da Universidade de São Paulo (USP) e de outras instituições universitárias, iniciou-se o período acadêmico da psicologia brasileira. Uma década mais tarde, acompanhando o crescimento acadêmico da psicologia, surge uma organização de profissionais em torno da criação de instituições de pesquisa e núcleos de estudo que funcionariam como centros de aprofundamento psicológico. Em 1944, foi criada a Fundação Getúlio Vargas, que se tornou um centro de excelência para a formação e aperfeiçoamento de pessoal em várias áreas, inclusive em pesquisa de técnicas e métodos da psicologia das profissões e da psicologia clínica (ISOP). Depois, tornou-se um centro em pósgraduação em psicologia. Em 1962, iniciou-se o período profissional da psicologia, o que significa a atuação como psicólogo e docente de psicologia no ensino médio. Através da promulgação da Lei 4.119/62 fica regulamentada a profissão de psicólogo. Em relação à licenciatura, o Decreto N. 76.644/1975 determinou que o licenciado em psicologia pudesse lecionar no ensino médio, ministrando a disciplina de psicologia em instituições públicas e privadas. Com isso, requerendo que fossem rediscutidas as competências e habilidades a serem desenvolvidas durante o curso. Lic enciatura e legisl ação
A resolução de 1/2001, que instituiu as Diretrizes Curriculares do Curso de Licenciatura, estabelece a mudança do termo “licenciatura” para “formação de professor”. A licenciatura se refere a cursos de graduação plena, e constitui um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino (artigo 1 da Resolução 1/2002). Esta resolução pontua ainda os aspectos para a formação do aluno de psicologia para as diversas instâncias, níveis, modalidades e ambientes de atuação. As diretrizes estabelecem que o estudante de psicologia deva analisar o sistema educacional brasileiro; a unidade
Lic enciatura em Psico logi a: legisl ação e reforma
educacional em que vai atuar; ajustar sua atividade de ensino à diversidade de contextos institucionais em que ocorrem as práticas educativas; planejar as condições de ensino; utilizar recursos apropriados aos contextos e avaliar o processo de ensino que desenvolve (CNE/CES, 2001). A Resolução 1/2002/CNE foi fundamentada nos Pareceres do CNE/CP 9/2001 e 27/2001. A formação do professor com base na LDB (Lei n. 9.394, 1996) não estabelecia uma carga horária significativa para os futuros docentes do ensino médio. O formato dos cursos de licenciatura atendia ao modelo 3+1, o que significava cursar os três primeiros anos em conhecimento específico na disciplina em questão, ficando o último ano do curso para completar com um período didático-pedagógico. No artigo 2 da Resolução 1 apresentam-se formas de vinculação inerentes à formação docente, tais como: uso de tecnologias; da comunicação; de metodologia e estratégias e materiais de apoio; aprimoramento em práticas investigativas; elaboração e execução de projetos de conteúdo curricular; avaliação e outros, apoiados na LDB (Lei n. 9.394, 1996) em seus artigos 12 e 13. Convém ressaltar que a Resolução 1/2002 estabelece os critérios de organização da matriz curricular, a alocação de tempos e espaços curriculares que se expressam em eixos articuladores. Vale ressaltar que no artigo 13 a dimensão prática transcenderá o estágio e terá como finalidade promover a articulação das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar. A resolução 2/2002 CNE foi promulgada com o objetivo de orientar as instituições de ensino, determinando em seu artigo primeiro que a carga horária para os cursos de licenciatura, de graduação plena seja feita mediante a integralização de no mínimo duas mil e oitocentas horas. Em relação à articulação teoria e prática, nos termos dos seus projetos pedagógicos, temos as seguintes dimensões dos componentes comuns: 400h de práticas como componente curricular; 400h de estágio curricular supervisionado; 1800h de conteúdos curriculares de natureza científica;
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200h para outras formas de atividades acadêmicas, científicas e culturais.
Ap res ent ação da p ro po st a de Formação de Professor d e Psicologia pelo Instituto de Psico logia/UERJ (IP/UERJ)
A nova proposta, que veio substituir a forma anterior de licenciatura, foi aprovada em 2006/1 pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CESEPE)/UERJ e entrou em vigor nas unidades acadêmicas da instituição a partir de 2007/1. Determina um total de 1.310 horas-aula para a formação do professor, distribuídas entre a Faculdade de Educação e os demais institutos (vide Quadro 1). Quadro 1: Novo Projeto – Licenciatura / 2007 Carga Horária
Créditos
Conteúdo Científico
1710
28
Disciplinas (Educação)
160
4
Eletivas (Educação)
90
6
Prática como Componente Curricular/Educação
120
12
Estágio Educação
60
4
Prática como Componente. Curricular Psicologia
660
24
Estágio
180
6
Atividades Complementares
200
-
Total
3180
84
Programa
Para estruturar a nova proposta, uma equipe de técnicos, professores e alunos realizou um esforço conjunto no sentido de repensar a formação do professor e atender à comunidade universitária – em relação à formação de professores mais eficientes em suprir as necessidades do ensino na contemporaneidade. A reforma se caracterizou, basicamente, pela reflexão e transformação contínuas, isto é, aquela em que o educador deve ultrapassar a excelência técnica nas práticas tradicionais de formação e valorizar o saber
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e a experiência, visando uma revisão crítica permanente de sua atuação educativa. Atendendo às determinações da LDB (Lei n. 9.394, 1996), art. 61, e às Resoluções 1 e 2 CNE/2002, art. 1 e art. 2, o IP/UERJ realizou-se a reformulação do curso de licenciatura procurando na presente reforma evitar o erro cometido nas anteriores: oferecer somente no final do curso de psicologia as informações pedagógicas. Os conhecimentos teóricos ministrados durante o curso e as relações entre a prática docente devem estar em íntima relação. Devem ser oferecidos de forma solidária, tanto os da área científica, como os da área pedagógica, e estar em constante integração. Para integrar a parte teórica à prática, buscou-se aproximar os professores das áreas de conhecimento teórico com os professores que supervisionam estágios e práticas pedagógicas, procurando minimizar a dicotomia entre teoria e prática antes existente. A tarefa de formar professores significa, até hoje, um grande desafio para as instituições públicas e privadas de ensino superior de nosso país e um grave problema da educação brasileira atual. Neste item, passaremos a uma breve consideração da luta empreendida durante a maior parte do século passado na formação de professores. Com base em fontes históricas, foi somente a partir da década de 1930, no âmbito da Reforma Francisco Campos, que surgiu uma maior preocupação com a formação docente para além do ensino fundamental. Segundo Veiga (1996), procede desta reforma o modelo que ficou conhecido como 3+1. O futuro professor se formava inicialmente em bacharel em uma determinada área de saber científico para depois completar sua formação, cursando um ano de didática como um curso independente. Embora tenha sofrido inúmeras modificações ao longo dos anos, este modelo de licenciatura ainda se mantém inalterado em seu fundamento básico, ou seja, fornecendo uma ampla formação na área específica nos primeiros anos com uma concentração de disciplinas pedagógicas no final da formação. Independentemente da boa qualidade que possam apresentar, cursos de licenciatura, assim estruturados, não atendem aos objetivos da formação de professores, pois não há uma integração entre o que foi
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aprendido e a prática pedagógica. Na formação do professor, os aspectos teóricos e práticos não podem estar desvinculados. Esta articulação proporciona uma diversidade de informações que possibilita uma intervenção contextualizada. A teoria oferece aos discentes recursos para a análise do contexto histórico, social, cultural e político, levando-os a uma mais bem integrada compreensão de sua atuação como profissionais, comprometidos com a transformação social. O Instituto de Psicologia da UERJ adotou o modelo 3+1 até 2005, conforme consta no item 2 deste artigo. De forma objetiva, Simões (2004) destaca a unidade no processo teoria e prática, atribuindo à última um papel fundamental que irá alicerçar a complexa formação do educador. Assim, a visão de unidade de teoria e prática são dois componentes indissolúveis da práxis. Referimos aqui a uma atividade ideal teórica de um lado e de outro lado, reciprocamente, o material propriamente prático. A separação de ambos se dá por um processo de abstração, porque na verdade se associam numa unidade (Candau, 1988). Objetivos do cur so de form ação de prof essores
O curso de formação de professores apresenta os seguintes objetivos gerais: Formar professores de psicologia, com autonomia intelectual, técnica e humana, que exerçam e atuem no contexto social com compromisso político; Desenvolver a visão crítica e uso ético da ciência, tecnologia e meios de comunicação; Incentivá-los a articular a prática às investigações científicas, procurando novas respostas para os problemas que desafiam o conhecimento; Manter a formação continuada diante das mudanças tecnológicas e metodológicas do mundo pós-moderno. Para a obtenção dos objetivos do curso de formação de professores, muitas modificações foram necessárias no IP/UERJ. Em primeiro lugar, a reforma gerou um aumento significativo de carga horária. Houve uma mudança dinâmica para a operacionalização do curso, pois com a nova
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proposta os estudantes realizam a prática pedagógica desde o início do curso e o estágio obrigatório supervisionado a partir do quinto período de créditos. A Universidade teve um aumento de custo com recursos humanos e materiais, necessidade de expansão do espaço físico, aquisição de novos equipamentos e contratação de mais professores. Para uma melhor visualização do novo projeto do curso de formação de professores do IP/UERJ, o Quadro 1 apresenta, de forma esquemática, os conteúdos científicos, as respectivas cargas horárias e os valores correspondentes em créditos que o configuram. Competências e habil idades do educador
A democratização do ensino passa, sem dúvida, pela formação de professores que atuam nos ensinos fundamentais e médios. Estudantes e entidades representativas da categoria vêm sinalizando, nos últimos anos, a necessidade de investimento nesta formação – a fim de se colocar no mercado de trabalho os indivíduos competentes e com identidade profissional. A identidade profissional apresenta os princípios norteadores do docente que vêm sendo discutidos durante algumas décadas por pesquisadores da área da educação. Entre estes princípios estão: conhecimento científico específico da área; conhecimento didático-pedagógico ligado à prática profissional; conhecimento de práticas como componentes curriculares, que articulam o saber científico com o saber didático pedagógico; formação crítica e reflexiva do docente, para que possa exercer sua função com responsabilidade, mostrando que a psicologia possibilita ao indivíduo compreender a subjetividade humana, o desenvolvimento da personalidade, a vida social e as organizações familiares. Considerando os princípios mencionados, concluímos que a formação do professor de psicologia para o ensino médio deve propiciar uma série de competências e habilidades básicas presentes no curso de psicologia e articulá
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las, conforme a nova proposta de formação de professores, junto aos cursos de graduação. A proposta de reforma em licenciatura busca evitar a visão dicotômica que pode predominar entre teoria e prática. Desta forma, procurou-se uma visão associativa. Teoria e prática como pólos separados, mas não opostos. É necessário instrumentalizar o futuro educador no sentido de atuar em Educação, considerando que deva, primeiramente, haver clara diferença entre teoria e prática. Sendo, então, coisas diferentes, uma não se reduz à outra. Segundo, compreender a qualidade simultânea desta relação e em terceiro atuar dentro do princípio da reciprocidade, no qual, considerando proposições hipotéticas, o antecedente da primeira é conseqüente da segunda. Este movimento dialético está no centro da relação e é uma característica fundamental da relação teoria e prática (Candau, 1988). Duas questões cruciais na formação do professor são: a constituição de competências comuns e, ao mesmo tempo, a de habilidades específicas da prática educativa. Para evidenciar os significados destes termos no contexto educacional, serão feitas, inicialmente, algumas considerações conceituais sobre competências e habilidades. Segundo Perrenoud (2002, p. 15), “competência é a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação”. Neste sentido, o professor competente não é somente o que transmite a informação, mas o que está inserido na sociedade ativamente como agente enfrentando realidades diversificadas, sendo sua prática em sala de aula voltada para as questões e impasses do cotidiano. Nos conteúdos específicos desenvolvem-se as habilidades de utilização de novas linguagens, valores culturais atuais e, principalmente, as formas de administrar as emoções. Estes são alguns recursos de que o professor competente necessita mobilizar para tornar o ensino eficaz e dinâmico. A formação integral do professor só se completa na atuação profissional, através de uma metodologia dialética da ação-reflexãoação, que constitui em aprender fazendo e
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refletindo na e sobre a ação. Assim, esta ferramenta levaria os professores à aproximação entre teoria e prática e a adquirirem esquemas e conceitos que se efetivam no processo de ensino aprendizagem (Mizukami & Reali, 2002). A formação integral do professor só se completa na atuação profissional, através da experiência e situações de vida profissional guiadas por uma metodologia dialética da ação-reflexão-ação. A sociedade, em sua complexidade globalizada e tecnológica, exige mais do que um profissional diplomado. Exige um professor, não só com formação acadêmica e científica, mas com conscientização política, posição ideológica, informação cultural, valores étnicos e ética profissional. Numa tentativa de reunir de forma sucinta as principais habilidades docentes, apresentamos no Quadro 2 os tipos e os respectivos conteúdos das habilidades mais esperadas do professor. Organização curricular do Curso de Formação de Prof essores do IP/UERJ
Segundo a Deliberação 21/2005 (UERJ), o currículo pedagógico deve estar aliado ao preparo específico da área de
conhecimento de cada aluno desde o início do curso. O artigo 5 § único determina que a prática como componente curricular deva ser vivenciada desde o início, e as horas de estágio vivenciadas a partir da segunda metade do curso. Os alunos, além das disciplinas teóricometodológicas que têm durante sua formação, passam por duas fases: o conhecimento científico e o conhecimento produzido pelo próprio aluno em suas atividades em contato com a realidade social. A proposta sugere atividades acadêmicas, científicas e culturais denominadas de atividades complementares, que possibilitam ao estudante realizar atividades diferenciadas fora ou dentro do ambiente em que estuda e visam, basicamente, ao crescimento pessoal e à formação profissional. O panorama geral do curso de Formação de Professores do IP/UERJ está apresentado no Quadro 3, que contém todos os componentes curriculares com as respectivas cargas horárias acumuladas e os institutos acadêmicos responsáveis. Os alunos de licenciatura do Instituto de Psicologia são distribuídos durante todo o período de sua formação nos componentes curriculares, como mostra o Quadro 3.
Quadro 2: Principais habilidades esperadas do docente. Tipos
Habilidades
Científicas
Dominar o saber das diversas áreas de conhecimento no campo educacional, visando produzir conhecimento, avaliar o desempenho e desenvolver o pensamento crítico e criativa. Dominar a tecnologia de pesquisa para viabilizar o conhecimento da realidade educacional e acompanhar as inovações.
Técnicas
Utilizar métodos e técnicas apropriadas para desenvolver o processo ensino-aprendizagem; integrar conhecimentos teóricos na prática docente, adequando-os à realidade.
Políticas
Agir democraticamente, estimular a participação coletiva nas decisões de interesse social. Participar de entidades representativas de classe e sindicato.
Pessoais
Enfrentar deveres e dilemas éticos da profissão, lutar contra o preconceito, capacidade de relacionamento, socialização, iniciativa, dinamismo, raciocínio verbal e abstrato, criatividade e coerência, liderança. Habilidades pessoais e competências podem ser ampliadas, modificadas e enriquecidas pelo professor em constante estado de formação.
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Quadro 3: Componentes curriculares do Curso de Formação de Professores do Instituto de Psicologia da UERJ Programa
Carga Horária
Instit utos
Conteúdos de natureza científico-cultural
1710h
Instituto de Psicologia
Atividades Complementares Acadêmico-científico-culturais
200h
Instituto de Psicologia
Prática como componente curricular
330h 120h
Instituto de Psicologia Faculdade de Educação
Estágio Supervisionado
330h 60h
Instituto de Psicologia Faculdade de Educação
Disciplinas Pedagógicas Teóricas
270h
Faculdade de Educação
Disciplinas Eletivas
90h
Faculdade de Educação
Estágio
Estágio e práticas curriculares são um conjunto de atividades realizadas pelo estudante em situações reais de vida e de treinamento, junto a pessoas jurídicas e à comunidade em geral, visando à formação profissional e sócio-cultural, sob a supervisão da instituição em que o estagiário estuda. O estágio representa um componente curricular que envolve as etapas de observação, participação e docência, incluindo a possibilidade de contato com a realidade social, pois articula, através da prática, as diversas atividades curriculares, bem como as atividades acadêmicas realizadas durante o curso, atendendo à Resolução 2/2002 CNE. O estágio, por ser uma interface entre a atividade acadêmica e profissional, permite o questionamento da realidade e se torna também um espaço propício para desenvolver a iniciação à pesquisa e à investigação. Segundo as leis brasileiras, os estágios devem completar o ensino e aprendizagem e ser sujeitos a planejamento, execução e avaliação de acordo com os programas e calendários escolares. Em qualquer área profissional, sejam os estágios obrigatórios ou não, realizados por opção ou iniciativa do aluno, devem estar regulamentados pela LDB e pela Resolução 2/2002 CNE, que garante as seguintes condições: as atividades
devem estar de tais formas planejadas que o aluno tem condições de realizá-las; todo estagiário deve comprovadamente estar matriculado e freqüentando um curso profissionalizante, e a realização do estágio se dá mediante termo de compromisso assumido entre o estudante e a parte concedente, com interveniência obrigatória da instituição de ensino; todo estágio pressupõe um profissional supervisor, que será o responsável legal, técnico e ético pelo serviço. As práticas curriculares diferentemente do estágio deverão estar presentes durante todo o curso e permear toda a formação do professor, como foi destacado pela Resolução 1/2002 no Art.12 §2. Por esta razão, elas transcendem o estágio, e sua finalidade é promover a articulação teoria e prática numa perspectiva interdisciplinar, o que poderá ser realizado de forma enriquecida através de recursos tecnológicos da informação, incluindo meios de comunicação tais como vídeos, televisão entre outros. Ao contrário do estágio, no qual se trabalha praticamente com pequenos grupos ou individualmente, tratando de questões pessoais, na prática curricular se privilegia o exercício com grupos maiores, visando situações contextualizadas com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão. As práticas curriculares exigirão do
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Simõ es, S. P., & Paiva, M. G. V.
psicólogo uma atitude mais ativa e um papel de coordenador do desenvolvimento pessoal. Exige capacidade de relacionamento humano, comunicação de informações de forma clara com ênfase na aprendizagem. Ensinar psicologia no ensino médio significa, antes de tudo, contribuir para a discussão de temas como direitos humanos, preconceitos, relações sociais, ou seja, que visam formar e democratizar o aluno. Assim, esta disciplina pode contribuir para atender os objetivos estabelecidos para o ensino médio pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. As atividades de práticas curriculares passam a ser apresentadas, resumidamente, para mostrar o que deve o estagiário cumprir, segundo as normas estipuladas pelo Instituto de Psicologia/UERJ. Ele reativou contato com a Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC), solidificando o espaço para que os alunos do Curso de Formação de Professores em Psicologia tenham campo para a realização da prática em Ensino Médio. Para a realização das atividades, o estagiário deve seguir os procedimentos enumerados abaixo: seguir as normas divulgadas pela coordenação de licenciatura; fazer contato com a FAETEC, ou outra instituição de ensino (pois é facultado realizar o estágio em instituições públicas e privadas); solicitar ao Instituto de Psicologia, ou à coordenação de licenciatura, carta para
sua apresentação na Unidade de Ensino; solicitar ao CETREINA o seguro, que deve ser apresentado na Unidade de Ensino em que realizará o estágio. Simões (2004) lembra que o estágio supervisionado não está relacionado à introdução do discente em uma escola para observar e descrever seu funcionamento, pois isto não o capacita a desvelar a complexidade da escola. É necessário um trabalho efetivo e o conhecimento das diferentes condições que se apresentam no dia-a-dia, em conjunto com o coordenador de estágio, trocando informações e completando este conhecimento através da teoria. A presença do supervisor é fundamental para auxiliá-lo na compreensão dos fatos e possível solução de problemas. A teoria e a prática se constituem componentes indissociáveis da práxis, aproximando o discente da realidade com a qual irá trabalhar. De acordo com a legislação vigente, o aluno realizará, após a prática na Faculdade de Educação, os estágios supervisionados no Instituto de Psicologia. O aluno realizará 50% das atividades de estágio em sala de aula, 30% em orientações e encontros com o supervisor de estágio e 20% em atividades de planejamento e avaliação. O Quadro 4 abaixo apresenta uma disposição esquemática das práticas e dos estágios como componentes curriculares a serem realizados durante o curso no IP/UERJ.
Quadro 4: Práticas como componentes curriculares e estágios da licenciatura no Instituto de Psicologia Prática como Componente Curricular
Carga Horária
Créditos
Estágios Supervisionados
Carga Horária
Créditos
Instituições escolares e Psicologia
60
4
A
90
3
Dificuldade de Aprendizagem no Ensino Médio
90
3
B
90
3
Currículos e Programas de Psicologia no Ensino
90
3
C
90
3
Novas Abordagens Psicopedagógicas
60
4
D
90
3
Sub-Total
300
14
Sub-Total
360
12
Total Carga Horária
660
26
Lic enciatura em Psico logi a: legisl ação e reforma
Av ali ações Do currículo e dos progr amas
O Instituto de Psicologia, através do seu colegiado, avalia anualmente a organização curricular do curso de licenciatura e promove alterações das disciplinas, atualizações bibliográficas e de conteúdos, bem como cria novas disciplinas que busquem atender as peculiaridades da clientela da UERJ. Após a aprovação pelo Conselho Departamental, as propostas de alterações seguem para a Sub-Reitoria de Graduação (SR-1) e, se aprovadas, ao CESEPE.
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ação teórico-administrativa do Instituto e seus componentes. Através da análise dos dados obtidos, poderá a direção com sua equipe diagnosticar lacunas a serem preenchidas, buscando atingir objetivos reais, bem como identificando mudanças no percurso, eventualmente necessárias. Nesta perspectiva, a avaliação docente reúne condições para ser usada em favor da aprendizagem, do aluno e principalmente da qualidade do curso.
Considerações finais Av aliação di sc ent e
A avaliação visa os aspectos quantitativos e qualitativos da produção do estudante, possibilitando diagnosticar questões relevantes e identificar mudanças necessárias no planejamento educativo. Luckesi (1990) e Romão (1998) destacam que o processo de avaliação deve estabelecer a relação entre quantidade e finalidade no processo avaliativo; e que deve ser também dialógica, propondo que a avaliação se transforme num processo de investigação contínuo no cotidiano. O processo de avaliação não é simples, exige técnicas, experiências e conhecimentos específicos, para dosar os dados quantitativos e qualitativos, viabilizando uma proposta de avaliação numa linha dialética de educação. Av aliação docen te
A avaliação dos docentes pode se dar através de vários fatores durante o período letivo. É um processo contínuo, que torna clara e transparentes as linhas de ação que se devem retomar para o planejamento do ano seguinte, a partir da observação, reflexão, investigação e sistematização do processo. Sendo a estrutura curricular do curso dinâmica, faz-se necessária, portanto, sua avaliação permanente. Por este motivo, sugere-se a construção de instrumentos para levantar dados avaliativos do grupo que, analisados, conduzem a uma reflexão sobre sua qualidade e se ele atendeu aos objetivos. Sendo assim, não se restringiria ao “pedagógico”, mas também envolveria a
Os profissionais docentes de psicologia devem possuir dados precisos sobre as funções que irão desempenhar, enquanto educadores e transmissores de conhecimento. O ensino da psicologia pode ganhar com uma proposta curricular ampla como a que se apresenta aqui, vinculando teoria e prática durante a maior parte do curso e não só na parte final do mesmo. Este programa curricular pode evitar que a formação profissional se constitua numa fragmentação de fundamentos teóricos, e pode conduzir ao desenvolvimento da autonomia e da aprendizagem auto-regulada. Pesquisa realizada por Monteiro (Monteiro & Paiva, 2005) na UFRJ entre os estudantes de psicologia, mostrou que a maioria dos alunos vai à docência norteada pelo enfoque da psicologia clínica, o que representa uma falta de dimensão real do ensino da psicologia no ensino médio – o que esta proposta busca suprir. A concepção generalista do curso de psicologia deve ser preservada, mas há também a necessidade de se especificar as competências e habilidades para cada formação. Esta questão fica mais bem exemplificada no concernente ao estágio para a formação, em que o aluno deve desenvolver a prática de ensino e outras atividades que asseguram a consolidação profissional para a atividade docente. No apêndice, relaciona-se uma série de pareceres da LDB que consideramos serem relevantes ao presente trabalho.
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Simõ es, S. P., & Paiva, M. G. V.
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Dá nova redação ao item 3.6, alínea “c”, do parecer CNE/CP 009/2001.
Lic enciatura em Psico logi a: legisl ação e reforma
(2002, 18 de fevereiro). Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Resolução
I
CNE/CP
Resolução I/II CNE/CP
Curriculares Professores.
para
(2002). Diretrizes a Formação de
(2002, 19 de fevereiro). Institui a duração e carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.
Resolução
II
CNE/CP
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Resolução CNE/CES 08/2004.
Estabelece as Diretrizes Curriculares para o curso de Psicologia.
Enviado em Novembro/2007 Revisado em Maio/2008 Aceite final em Agosto/2008 Publicado em Junho/2009
Nota das autoras: Sônia Pires Simões – Pedagoga da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e Professora Titular da Associação Educacional Dom Bosco. Maria das Graças Vasconcelos Paiva – Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Instituto de Psicologia, Departamento de Fundamentos da Psicologia.
ISSN 1413-389X
Temas em Psic ologi a - 2007, Vol. 15, n o 1, 127 – 134
O Projeto Pedagógico do curso de formação de professores de Psicologia do Instituto de Psicologia da USP Marie Claire Sekkel Adriana Marcondes Machado Universidade de São Paulo
Resumo Esse texto relata o projeto político pedagógico para o curso de formação de professores de psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Neste projeto afirma-se a relação entre o Instituto e a necessidade de políticas de democratização do acesso à universidade pública por meio da melhoria da Educação Básica. Problematiza-se a seguinte questão: qual função social do professor e da disciplina de psicologia para estudantes no mundo contemporâneo? Para responder a esta pergunta torna-se importante a reflexão sobre os processos de individualização e culpabilização dos sujeitos por questões cuja origem é social. Acreditando na potência de ações educativas que abram brechas nos mecanismos de controle sociais, discute-se os temas considerados como importantes ferramentas no ensino de psicologia para estudantes da Educação Básica. O projeto apresenta os princípios gerais do curso de formação de professores de psicologia e aspectos gerais da estruturação curricular. O comprometimento do curso de formação de professores com a melhoria da escola pública é ressaltado nos princípios gerais, entendendo que os estágios e a produção de conhecimento devem servir para elaboração de projetos de intervenção efetivos tanto para a formação docente como para a melhoria da escola. Para isso é necessário instrumentalizar o futuro professor na reflexão e ação frente ao âmbito institucional e público da educação.
Palavras-chave:
Projeto pedagógico, Formação, Professores, Psicologia, Escola pública.
The Graduation Pedagogic Project for Psycho logy Professors of IPUSP Abstrac t This study presents the pedagogical and political project of the preparation course for psychology professors of the Psychology Institute of University of São Paulo. The project relates the Institute with the need for more democratic policies, which would enable the access to public universities through the improvement of Basic Education. It raises the following issue: what is the social role nowadays of the professor and of the psychology subject for the students? To answer this question it's important to think about the individualization and blaming processes originated in social problems. [Believing in the strengh of educational actions to improve burocratic issues, we discuss here some topics considered] important tools for preparing psychology students on Basic Education. This study presents general principles to prepare psychology professors and some general aspects of the school curriculum organization. The compromising of the preparation course to improve public education is emphasized on its general principles, considering that trainings and building knowledge process must lead to elaborate effective actions both for preparing faculty members and for improving the school itself. Toward that, it is necessary to provide tools to the future professors, so they can adequate reflections and actions when facing the institutional and public scope of education.
Keywords:
Pedagogical Project, Academic Preparation, Professors, Pychology, Public
School. Endereço para correspondência: Adriana Marcondes Machado -
[email protected]. Marie Claire Sekkel -
[email protected].
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Sekkel, M. C., & Machado, A. M.
Este trabalho tem como objetivo apresentar o Projeto Político Pedagógico do Curso de Formação de Professores do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, como uma contribuição para a reflexão atual em torno do tema. O Projeto foi concebido à luz do Programa de Formação de Professores da USP (PFPUSP), o qual foi elaborado por uma comissão integrada por representantes de todas as unidades que oferecem cursos de licenciatura na Universidade, levando em consideração as determinações das Resoluções CNE/CP 1/2002 e 2/2002. A partir do momento em que o PFPUSP foi finalizado, montou-se a Comissão Interunidades das Licenciaturas (CIL), visando a sua implementação. Esta articulação tem se mostrado muito importante, principalmente no fortalecimento e valorização das licenciaturas, expressão do compromisso da Universidade para a melhoria da Educação Básica.
professores de sua área? Quais os objetivos que professores, funcionários e alunos do Instituto de Psicologia estabelecem para a Formação de Professores de Psicologia?
No Instituto de Psicologia foi constituída uma Comissão Coordenadora de Curso (CoC), com representantes (titular e suplente) dos docentes de cada departamento, dos técnicos psicólogos, dos alunos de graduação e a secretária da comissão. O Projeto Pedagógico inicia apresentando todos que participaram de sua concepção. O entendimento sobre o respeito e explicitação das autorias é importante e coerente com concepção do Projeto. A introdução discute a função social da escola e do professor de psicologia frente às questões sociais de nossos dias, e propõe temas essenciais a serem oferecidos para os alunos da Educação Básica. A seguir apresentamos o texto da introdução:
Como o Ensino de Psicologia pode contribuir para essas funções da Educação? A Psicologia se estabeleceu como área do conhecimento sobre o funcionamento do sujeito, que é produzido em uma realidade social na qual as subjetividades se engendram. As várias maneiras de viver, de ser e de pensar se constituem, se singularizam, em um plano de relações que deve estar em nosso foco. A dinâmica de produção, sempre histórica, dessas maneiras de ser e de pensar deve ser evidenciada para que possamos exercer uma postura crítica sobre a constituição de subjetividades. Portanto, defender a necessidade de se considerar o contexto, ou o plano de relações no qual os sujeitos são produzidos, implica investigarmos esse contexto, isto é, esse plano de práticas e de saberes.
O projeto de reformulação do curso de licenciatura decorre da necessidade de políticas de democratização do acesso à universidade pública por meio da melhoria da Educação Básica. Nessa nova proposta cada unidade da Universidade de São Paulo é responsável pela formação dos futuros professores da Educação Básica. O que cada unidade pode propor para todos e o que deve propor especificamente para a formação de
Refletir sobre essas questões implica problematizarmos a função social do professor de psicologia para estudantes no mundo contemporâneo. Para quê deve servir essa disciplina? A Educação Escolar tem a função de desenvolver e emancipar o cidadão. Ao defender essa função estamos afirmando que a apropriação do conhecimento se dá ao se fazer uma análise crítica do conhecido, isto é, ao entender o processo de produção das idéias e concepções estudadas. A análise crítica é, portanto, condição de emancipação, o que pressupõe a possibilidade de desconstrução dos saberes instituídos.
Temos visto a crescente intensificação das patologias e dos funcionamentos subjetivos individualistas mantidos e reforçados pela mídia, pelo mercado e por diversas estruturas institucionais. Em um processo no qual se nega a
A formação de professores no IPUSP construção social da realidade atribuise ao indivíduo a responsabilização pela produção dos problemas sociais o aluno passa a ser o culpado pelo seu fracasso escolar. Em se tratando do Brasil, falamos de uma sociedade em que a desigualdade na distribuição da renda produz muitas vidas cujos danos, para serem entendidos, pedem que nos debrucemos sobre os efeitos subjetivos da experiência da humilhação, do assistencialismo e do disciplinamento violento, revelando a estreita relação entre a produção do capital e a produção de subjetividade. Mas, essa forma de controle sobre o social não é absoluto e, ao pensar na política de um projeto pedagógico, defendemos as ações educativas que abram brechas e possibilidades potencializadoras da diversidade humana e dos espaços coletivos e públicos. Se mecanismos psicológicos de controle foram desenvolvidos em um funcionamento social e se a convivência é mediada por nossa experiência subjetiva, defendemos a reflexão teórica desses mecanismos psicológicos de controle, do funcionamento social e das experiências subjetivas com vistas à crítica dessas produções. Para isso consideramos que alguns temas são ferramentas de discussão importantes no Ensino de Psicologia para estudantes da Educação Básica, tais como, refletir sobre: a constituição do sujeito, os sistemas de produção e reprodução das violências, a função da mídia, o processo de trabalho, os processos inconscientes presentes nas relações de submissão e obediência, o uso indiscriminado e irrestrito de drogas e o envolvimento com os sistemas do tráfico e da violência. Muitos professores de psicologia do Ensino Médio desenvolvem atividades que se confundem com a função de um orientador profissional, ou de alguém que reflete sobre a dinâmica de uma sala de aula. Por isso a necessidade de estabelecer as
129 diferenças entre diversas funções, tais como, do psicólogo escolar, do psicólogo clínico e do professor de psicologia (Comissão Coordenadora de Curso de Licenciatura do IPUSP, 2008). Ao psicólogo escolar cabe o trabalho de intervir no processo de produção das problemáticas do dia-a-dia escolar, relacionadas às questões do processo de subjetivação. Esta função necessita que o profissional possa estabelecer uma relação que permita que ele aja na dinâmica institucional. Ao psicólogo clínico cabe a função de realizar as ações pertinentes à saúde, isto é, relacionadas a demandas que se estabelecem na fronteira entre educação e saúde. Este profissional não é um professor de psicologia. Ao afirmar estas diferenças, estamos enfatizando a função de ser professor como aquele que irá mediar a aprendizagem de conteúdos conceituais importantes para a formação de um sujeito fazendo parte da equipe de professores de uma escola. Em relação à formação do Professor de Psicologia, quais contribuições teóricas, técnicas e práticas a Psicologia pode oferecer? Consideramos que muitas dessas contribuições podem ser dispostas tanto para a formação de professores de psicologia como de outras áreas do conhecimento. Alguns conteúdos apresentam-se como fundamentais: - a história da relação entre Psicologia e Educação - enfatizando as diferentes políticas e concepções sobre o funcionamento político, institucional e subjetivo que foram se estabelecendo entre estas dimensões do trabalho na e com a escola. - o universo institucional propriamente dito - com vistas a discutir as dinâmicas grupais e institucionais na gênese dos processos de subjetivação, que são exercidos no cotidiano, buscando teorias que considerem as produções da cultura.
130 - os aspectos técnicos e teóricos da Psicologia do ponto de vista de seus fundamentos. - as questões técnicas e teóricas inerentes ao universo escolar e à prática educativa. - a constituição do sujeito em sua relação com o aprender Com o objetivo de conceber o presente projeto, e em obediência às orientações da Pró-Reitoria de Graduação da USP, foi criada em 10/10/2005 a Comissão Coordenadora do Curso de Formação de Professores do IPUSP – CoC IP – com representantes de todos os departamentos, de técnicos e de alunos de graduação. A estrutura curricular do Curso de Formação de Professores de Psicologia encontra-se em processo de elaboração e está sendo concebida à luz das orientações do Programa de Formação de Professores da Universidade de São Paulo, aprovado em 25.05.2004 pelo Conselho Universitário, em obediência à Resolução CNE/CP 1/2002, que instituiu as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores na Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura de graduação plena.
Fundamentos do Projeto Político Pedagógic o O Profissio nal a Ser Formado: O Curso de Formação de Professores de Psicologia deve dar condições para a formação de um profissional que: - Atue com competência, responsabilidade e ética, de acordo com as características sociais da comunidade. - Reflita criticamente sobre as várias formas de pensar e ensinar Psicologia. - Compreenda sua atividade como campo permanente de pesquisa e
Sekkel, M. C., & Machado, A. M. produção de conhecimento, tomando iniciativas para a atualização constante, sempre com a flexibilidade e a eficácia requeridas pela natureza dos saberes psicológicos e pedagógicos, como também requeridas pelas características do contexto sócio-cultural e do mercado de trabalho. - Tenha condições de orientar sua prática de acordo com referenciais teóricos consistentes e de repensá-los a partir de sua experiência. - Estabeleça e mantenha o diálogo interdisciplinar. - Seja capaz de identificar os diversos pressupostos epistemológicos das diversas orientações teóricas e das técnicas daí decorrentes em psicologia. - Compreenda os processos de ensino e aprendizagem e reelabore os saberes e as atividades de ensino considerando a realidade social, os objetivos da Educação Básica, o cotidiano escolar e as experiências dos alunos. - Investigue o contexto educativo em sua complexidade e tome sua prática profissional, bem como as práticas escolares, como objeto de reflexão, buscando soluções para os desafios específicos que enfrenta e dando continuidade ao seu processo de formação.
Áreas de atuação: - O curso pretende formar profissionais preparados para atuar em diferentes atividades que envolvam a interface entre a Psicologia e a Educação: - professor de Psicologia na Educação Básica e cursos profissionalizantes; - educador em projetos sociais, em universidades e em outras instituições (Comissão Coordenadora de Curso de Licenciatura do IPUSP, 2008).
A formação de professores no IPUSP O lugar do professor de Psicologia no Ensino Médio encontra-se no centro de debates atuais. Cabe retomar brevemente a trajetória desta disciplina nos últimos anos, de modo a contextualizar a discussão. Desde a década de 80, com a abertura política após 20 anos de ditadura militar as disciplinas da área de humanas – Filosofia, Psicologia e Sociologia – foram introduzidas nos currículos, substituindo a disciplina Organização Social e Política Brasileira, que havia sido obrigatória nas escolas do então segundo grau durante o período da ditadura (Souza, 2007). A inclusão destas disciplinas teve objetivos políticos relacionados à formação crítica dos jovens. Porém, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei n. 9.394, 1996), estas disciplinas foram retiradas do Núcleo Comum das Disciplinas, sob a alegação de que não havia docentes em número suficiente para ministrá-las. Além disso, a LDB (Lei n. 9.394, 1996) extingue os cursos de magistério e propõe a criação do curso normal superior para a formação dos professores da educação infantil e ensino fundamental. Como um agravante diante deste quadro: em 21 de dezembro de 2007 é publicada, no Diário Oficial do Estado de São Paulo, a Resolução SE – 92 que estabelece diretrizes para a organização curricular do Ensino Fundamental e Médio nas escolas estaduais, que retira a disciplina de psicologia (assim como sociologia) do Ensino Médio no Estado de São Paulo. A área da Filosofia e da Sociologia se organizaram nas suas reivindicações logo após a promulgação da LDB (Lei n. 9.394, 1996), mas a Psicologia só recentemente tem fortalecido a sua mobilização. Diante deste quadro, o lugar da Psicologia no Ensino Médio está em questão e o momento convida à reflexão e participação nesse debate.
Princípios gerais da estruturação do Curso de Formação de Professores de Psicologia: a. O curso de licenciatura deve estar comprometido prioritariamente com a melhoria da escola pública e, para isso, é fundamental conhecer as funções dessa instituição na história
131 do Brasil e os desafios atuais para a melhoria do ensino. b. A formação de professores da Educação Básica deve considerar a complexidade do contexto social e institucional no qual ela se realiza. A Psicologia contribuiu, historicamente, para uma visão a-histórica e individualizada das relações de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, deverá ser enfatizada a função crítica do trabalho docente. c. Pesquisar, propor e fortalecer a presença dos conteúdos desenvolvidos pela Psicologia, como disciplina obrigatória na Educação Básica, tendo em vista a importância que esses conteúdos têm para o desenvolvimento do indivíduo em uma sociedade humana. d. Considerar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão que deve estar presente no processo de formação e a imprescindível articulação entre teoria e prática, tornando necessária a integração entre as disciplinas. Deve ser dada uma especial atenção aos estágios como oportunidade de conhecer os espaços escolares e de elaboração de projetos de intervenção efetivos tanto para a formação docente como para a melhoria da escola. e. Compreender a escola como um ambiente de relações que deve se constituir em um coletivo que funcione de forma articulada, participativa e democrática. O professor deverá ter instrumentos para exercer função interventiva no âmbito institucional e público. f. Considerar com prioridade os princípios da educação inclusiva e garantir que estes estejam representados nos conteúdos das disciplinas e estágios supervisionados, bem como em todas as ações educativas. g. Considerar a centralidade discussão e a valorização do Curso Formação de Professores Psicologia no âmbito do Instituto
da de de de
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Psicologia, bem como em outros espaços institucionais. h. A estrutura curricular deve ser flexível, de modo a possibilitar aos alunos do Curso e Formação de Professores a escolha de diferentes caminhos. O Instituto de Psicologia divulgará a esses alunos as disciplinas oferecidas por outras unidades e disponibilizará vagas em disciplinas para alunos de outras unidades. Tendo em vista a experiência do Instituto de Psicologia com estágios supervisionados, algumas disciplinas com vagas para alunos de outras unidades contemplarão também oportunidades de estágio supervisionado. i. Reconhecer, criticamente, a diversidade teórico-prática da Psicologia, a fim de compreender os alcances e limites das diferentes abordagens e sua inserção no campo educacional. j. O Curso de Formação de Professores de Psicologia deve constituir-se em objeto de pesquisa permanente. O acompanhamento e avaliação dos projetos de intervenção, do projeto pedagógico e dos profissionais formados darão elementos para que o curso efetivamente cumpra seu projeto político pedagógico. Serão realizadas avaliações que darão subsídios para a continuidade de sua implementação e desenvolvimento em direção aos objetivos propostos. k. Os conteúdos abordados nas disciplinas do Curso de Formação de Professores de Psicologia deverão refletir os objetivos e prioridades destacadas neste projeto.
Estruturação Curricular As pecto s g erai s A opção pelo Curso de Formação de Professores de Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo poderá ser feita por todos os alunos que
ingressarem no Curso de Graduação de Psicologia pelo vestibular, a partir de 2006. A partir do primeiro semestre do Curso de Graduação de Psicologia o aluno poderá fazer a opção pelo Curso de Formação de Professores de Psicologia, podendo cursá-los concomitantemente. Caso o aluno não queira optar pelo Curso de Formação de Professores de Psicologia ao ingressar no Curso de Graduação de Psicologia poderá fazêlo nos semestres subseqüentes, até o tempo máximo permitido para a conclusão do Curso de Graduação. A Resolução CNE/CP 2/2002 estabelece que os cursos de licenciatura, de graduação plena, devem constar de pelo menos 2800 horas a serem cursadas ao longo de, no mínimo, três anos. Devem também garantir em seus projetos pedagógicos quatro componentes comuns: 1. prática como componente curricular, com duração mínima de 400 horas; 2. estágio curricular supervisionado, com duração mínima de 400 horas; 3. conteúdos curriculares natureza científico cultural, duração mínima de 1800 horas;
de com
4. atividades acadêmico- científicoculturais, com duração mínima de 200 horas. O Programa de Formação de Professores da USP propõe uma estrutura curricular mínima organizada em quatro blocos de disciplinas e atividades (Tabela 1), que devem se articular com os componentes comuns previstos na legislação. As disciplinas da estrutura curricular do Curso de Formação de Professores serão obrigatórias e optativas eletivas, organizadas em diferentes programas. O aluno poderá cursar disciplinas relacionadas aos Blocos II, III e IV oferecidas em outras unidades (Comissão Coordenadora de Curso de Licenciatura do IPUSP, 2008).
A formação de professores no IPUSP
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Tabela 1: Blocos de atividades e disciplinas da estrutura curricular
Bloco I
Formação específica
Disciplinas e atividades diretamente relacionadas aos conhecimentos da área específica.
Bloco II
Iniciação à licenciatura
Disciplinas e atividades introdutórias à formação do professor da Educação Básica.
Bloco III Fundamentos teóricos e práticos da educação
Disciplinas e atividades relacionadas à formação pedagógica em geral.
Bloco IV Fundamentos metodológicos do ensino
Disciplinas e atividades relacionadas ao ensino das áreas específicas.
A estrutura curricular prevê a articulação entre o Instituto de Psicologia e a Faculdade de Educação. Como o início do Curso está previsto para 2008, a forma como estas articulações vão se dar ainda está em aberto. O mais importante, neste momento, é a abertura para o diálogo. Várias disciplinas da grade de formação do psicólogo integram o curso de formação de professores, ao lado de outras, concebidas especialmente para o Curso de Formação de Professores. O processo de discussão entre os professores do Instituto de Psicologia possibilitou que se afirmasse a necessidade de disciplinas que discutissem o projeto pedagógico e político do ensino de psicologia, produzissem reflexões sobre o dia-a-dia da instituição escolar e da função do professor de psicologia, aprofundassem temas relacionados ao processo de ensinoaprendizagem (a relação professor-aluno e estudos sobre a motivação) e, pensando na construção de um curso que visa afetar a formação de professores em geral, foram propostas disciplinas cujos temas já atravessam o currículo de Psicologia, mas que serão oferecidas ressaltando as especificidades do ser professor (educação inclusiva e a questão da produção do fracasso escolar). Cabe ressaltar que um dos pontos de maior ênfase no Programa de Formação de Professores da USP é a qualidade dos estágios, que deverão ser acompanhados e supervisionados por educadores vinculados aos docentes das disciplinas. Está previsto
que os educadores-supervisores mantenham diálogo também com as escolas em que os licenciandos irão estagiar, e que seja assumido compromisso entre a escola e a Universidade. Estes educadores deverão ter a formação de licenciados em psicologia, com experiência na área de educação. A função deles será a de criar um sentido de ação para os estágios. Como realizar estágios que possibilitem que os alunos aprendam e interfiram naquilo que aprendem? O licenciando entrará em contato com um funcionamento institucional, com concepções de educação, com mitos sobre as doenças atuais (transtornos, dislexias, hiperatividades), com diferentes maneiras de dar aula, etc., e terá que refletir sobre aquilo que apreendeu nesta relação com os profissionais da escola. Para que isto ocorra, é necessário que as reuniões de supervisão sejam realizadas com grupos pequenos (até dez alunos) e que se estabeleça uma relação de discussão dos objetivos do estágio com os profissionais da escola. O processo de implementação provavelmente trará muitas mudanças ao projeto. Um ponto essencial, no entanto, é que o curso seja objeto de pesquisa permanente, com acompanhamento dos alunos egressos, avaliação dos estágios (considerando os benefícios para os alunos e para a escola), e a reflexão e documentação dos processos vividos. Desta forma, acreditamos na possibilidade de contribuir para a melhoria do ensino na educação básica e superior.
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Sekkel, M. C., & Machado, A. M.
Referências Comissão Coordenadora de Curso de Licenciatura do IPUSP (2008). Projeto Político Pedagógico do Curso de Formação de Professores de Psicologia. Documento não publicado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 . (1996, 23 de dezembro). Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, seção 1. Resolução CNE/CP 1/2001 (2001, 27 de fevereiro). Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.
Resolução CNE/CP 2/2002 (2002, 19 de fevereiro). Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Resolução SE – 92 (2007, 21 de dezembro). Diário Oficial do Estado de São Paulo. Souza, M. P. R. (2007). A psicologia escolar e o ensino de psicologia: dilemas e perspectivas. ETD – Educação Temática Digital, 8 (2), 258-265.
Enviado em Dezembro/2007 Revisado em Junho/2008 Aceite final em Agosto/2008 Publicado em Junho/2009
Temas em Psicol ogia
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Normas para publicação Temas em Psicologia é uma publicação da Sociedade Brasileira de Psicologia que se destina à divulgação de artigos originais relacionados à Psicologia nas categorias de trabalhos abaixo relacionadas.
I. Tipos de colaboração aceita 1. Relato de pesquisa investigação baseada em dados empíricos, utilizando metodologia científica. Limitado a um total de 30 páginas quando da submissão. 2. Estudo histórico teórico / conceitual : análise de temas que conduzam ao questionamento de conceitos e/ou modelos existentes e/ou à elaboração de hipóteses para futuras pesquisas, contendo evidência do método utilizado. Limitado a um total de 30 páginas quando da submissão. :
3. Análise de experiência profissional : exame de implicações conceituais, ou descrição de procedimentos, ou estratégias de intervenção, contendo evidência metodológica apropriada de avaliação de eficácia. Limitado a um total de 30 páginas quando da submissão. 4. Revisão crítica da literatura : análise de um corpo abrangente de investigação, relativa a assuntos de interesse para o desenvolvimento da Psicologia. Limitado a um total de 30 páginas quando da submissão. 5. Nota técnica : descrição de instrumentos e técnicas originais de pesquisa. Limitado a um total de 10 páginas quando da submissão.
II. Apreciação pela comissão editorial Aceita-se o manuscrito para análise pressupondo-se que: (a) o trabalho não foi publicado e não está sendo submetido para publicação em outro periódico; (b) todos os autores listados como autores aprovaram seu encaminhamento para publicação nesta revista; (c) qualquer pessoa citada como fonte de comunicação pessoal aprovou a citação. Os trabalhos enviados serão apreciados pela Comissão Editorial que recorrerá a consultores externos. Os autores serão notificados da aceitação – com solicitação de reformulação ou não – ou
recusa de seus artigos. Os manuscritos originais não serão devolvidos. A Comissão Editorial poderá fazer pequenas modificações no texto. Solicitação de mudanças substanciais – em caso de aceitação com sugestão de reformulação – deverão ser feitas pelos autores no prazo máximo de um mês da data de postagem / contato por e-mail.
III. Apresentação dos manuscritos Temas em Psicologia adota as normas de publicação da APA (4 a edição, 1994), exceto naquelas situações específicas em que haja conflito para se assegurar a revisão cega por pares, regras da língua portuguesa, normas da ABNT, ou procedimentos internos da revista. Manuscritos devem sempre ser redigidos em português. Os manuscritos originais poderão ser encaminhados para avaliação por via eletrônica ou por correio. O manuscrito deve ser encaminhado acompanhado de carta assinada / enviada eletronicamente pelo autor principal, na qual esteja explicitada a intenção de submissão do trabalho para publicação. Quando houver mais de um autor, a versão final do trabalho deve ser acompanhada de carta de acordo de publicação assinada por todos os autores, conforme modelo fornecido pela revista ao autor principal, quando da solicitação de reformulações. Digitação do manuscrito: O artigo deverá ser digitado em processador de texto compatível com o padrão Word for Windows 6.0 ou superior, em fonte Times New Roman, tamanho 12, não excedendo 80 caracteres por linha e o número máximo de páginas estabelecido. A página deverá ser tamanho A4, com no mínimo 2,5 cm de margens superior e inferior e 3 cm de margens esquerda e direita, com paginação desde a folha de rosto personalizada (página 1). Solicita-se a não utilização de recursos especiais de edição (justificação, recuos,
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hifenização, negritos, itálicos, etc.), indicando apenas a mudança de parágrafo (não usar a tecla de tabulação). A versão reformulada deverá também ser encaminhada em disquete e em 3 vias impressas, seguindo estas mesmas instruções. Envio eletrônico de manuscrito : o manuscrito deve ser enviado por e-mail, como um anexo de carta dos autores solicitando sua avaliação. Envio por correio de manuscrito : o manuscrito do artigo deverá ser encaminhado em 03 vias impressas e uma via em disquete. A apresentação dos trabalhos deve seguir a seguinte ordem:
1. Folha de rosto personalizada, contendo: 1.1. Título pleno em português, não excedendo 15 palavras. 1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não excedendo 4 palavras. 1.3. Título pleno em inglês, traduzido do português. 1.4. Nome de cada autor e suas afiliações institucionais. 1.5. Indicação do endereço para correspondência com a Comissão Editorial, incluindo FAX, telefone e endereço eletrônico. 1.6. Indicação do autor a quem o leitor deverá enviar correspondência e seu endereço completo (incluir endereço eletrônico). 1.7. Identificação do tipo e título da atividade da Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, na qual o trabalho foi apresentado, quando for o caso. 1.8. Quando necessário, parágrafo reconhecendo apoio financeiro, colaboração de colegas e técnicos e outros fatos eticamente necessários. 2. Folha de rosto personalizada identificação 2.1. Título pleno em português. 2.2. Sugestão de título abreviado. 2.3. Título pleno em inglês.
sem
3. Folha contendo Resumo em português O Resumo deve ter de 100 a 200 palavras, seguido de 3 a 5 palavras-chave para indexação do trabalho. As palavraschave devem ser escolhidas com precisão adequada para fins de classificação, permitindo que o trabalho seja recuperado
com trabalhos semelhantes. Devem ser palavras-chave que, possivelmente, seriam evocadas por um pesquisador efetuando levantamento bibliográfico.
4. Folha contendo Abstract em inglês O Abstract deve ser compatível com o Resumo em português, obedecendo as mesmas especificações da versão em português. Key words compatíveis com as palavras-chave devem ser apresentadas. 5. Texto propriamente dito Esta parte do manuscrito deve começar em uma nova folha, seguindo a numeração iniciada na página de rosto, contendo uma organização de reconhecimento fácil, sinalizada por títulos (centralizados) e subtítulos, quando necessários. Os locais sugeridos para inserção de figuras e tabelas devem ser claramente indicados no texto. As notas de rodapé devem restringir-se à complementação de informações que, julgadas relevantes, que não caibam na seqüência lógica do texto; devem ser reduzidas a um mínimo. Notas de rodapé devem ser apresentadas no final do texto em página à parte. Notas bibliográficas devem ser evitadas. Notas de rodapé devem ser apresentadas no final do texto em página à parte devem Citações de autores obedecer às normas da APA. No caso de transcrição na íntegra de um trecho, a transcrição deve ser delimitada por aspas e a citação do autor deve ser seguida do número da página citada. Citações literais com 40 palavras ou mais devem ser apresentadas em bloco próprio, começando em nova linha, com recuo de 0,5cm em cada margem, na posição de um novo parágrafo. O mesmo tamanho de fonte do texto (12) deve ser utilizado. 6. Figuras Devem ser apresentadas, uma em cada página de papel e/ou por arquivo de computador, incluindo legenda, ao final do texto. Para assegurar qualidade de reprodução, figuras que contêm desenhos devem ser encaminhadas em qualidade para fotografia. Como há limites para a largura de figuras na versão publicada, o autor deve cuidar para que as legendas mantenham
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qualidade de leitura, caso seja necessária redução.
7. Tabelas Devem ser apresentadas, uma em cada página e/ou por arquivo de computador, incluindo título, ao final do texto. O autor deverá limitar sua largura a 60 caracteres, para tabelas simples que ocupam uma coluna impressa, incluindo três caracteres de espaço entre colunas, e limitar sua largura a 125 caracteres, para tabelas que ocupam duas colunas impressas. O comprimento de tabelas não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé. Para casos anômalos, o manual da APA deve ser consultado. 8. Anexos Devem ser apresentados apenas quando contiverem informação original importante, ou destacamento indispensável para a compreensão do trabalho. Recomenda-se evitá-los. 9. Referências bibliográficas As Referências bibliográficas devem ser inseridas em uma nova página, ordenadas de acordo com as regras gerais que se seguem. - Trabalhos de autoria única de um mesmo autor são ordenados por data de publicação, o mais antigo primeiro. - Trabalhos de autoria única precedem trabalhos de autoria múltipla, quando o sobrenome é o mesmo. - Trabalhos de um mesmo primeiro autor, mas de co-autores diferentes, são ordenados por sobrenome dos co-autores. - Trabalhos com a mesma autoria múltipla são ordenados por data, o mais antigo primeiro. - Trabalhos com a mesma autoria e a mesma data são ordenados alfabeticamente pelo título, desconsiderando a primeira palavra se esta for um artigo ou pronome, exceto quando o título tiver indicação de ordem. - Em caso de mais de um trabalho dos mesmos autores e ano, este é imediatamente seguido por letra minúscula. - Quando o mesmo autor é repetido, seu nome não deve ser substituído por travessão ou outros sinais. A lista de referências deve ser formatada também em espaço duplo, com parágrafo normal e recuo apenas na primeira
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linha, sem deslocamento de margem e sem espaço adicional entre referências; grifos devem ser indicados por um traço abaixo das palavras (a formatação dos parágrafos com recuo e de grifos em itálico é reservada para a fase final de editoração do artigo). Para definição de outras características das referências o Manual de Publicação da APA deve ser consultado.
9.1. Tipos comuns de citação a) Citações de artigo de autoria múltipla Dois autores : o sobrenome dos autores é explicitado em todas as citações. Por exemplo: Esses atributos são chamados fatores de risco (Ramey e Finkelstein, 1981), mas... Ramey e Finkelstein (1981) denominam esses atributos como fatores de risco. De três a cinco autores: o sobrenome de todos os autores é indicado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só é indicado o nome do primeiro autor, seguido de “e cols.” e o ano, se for a primeira citação da referência em um mesmo parágrafo. Por exemplo: Blechman, Kotanchi e Taylor (1981) verificaram que... [primeira citação do texto]. Blechman e cols. (1981) verificaram que... [citação subseqüente, primeira no parágrafo]. Blechman e cols. verificaram que... [omita o ano em citações subseqüentes dentro de um mesmo parágrafo]. Se a forma abreviada gerar aparente identidade de dois trabalhos no quais os coautores diferem, explicita-se a seqüência dos co-autores até que a ambigüidade seja eliminada. Na seção de Referências todos os nomes são listados. Seis ou mais autores: desde a primeira citação no texto, só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, seguido de “e cols.”, exceto nos casos em que isto gere ambigüidade, caso em que a mesma regra indicada no item anterior se aplica. Na seção de Referências todos os nomes são listados. b) Citações de trabalho discutido em uma fonte secundária Quando o trabalho original não foi lido, o que deve ser evitado, e for referenciado via outra fonte, apresenta-se no texto o autor original seguido de um
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parêntesis em que se referencia o autor lido, antecedido da expressão “citado por”. Por exemplo: Silva (citado por Souza, 1969). Na seção de Referências apenas a fonte secundária é listada.
c) Citações de obras antigas reeditadas No texto, as datas da publicação original e da edição consultada devem ser apresentadas nesta ordem - primeiro a publicação original -e separadas por barra.
d) Citações de comunicação pessoal Deve ser evitado este tipo de citação. Se inevitável, deve aparecer no texto, mas não na seção de referências: em seguida ao nome do autor, entre parêntesis, deve ser indicada a data da comunicação precedida da expressão “comunicação pessoal”. Por exemplo: Silva (comunicação pessoal, 20 de junho de 1996).
e) Citações de trabalho no prelo Incluir referências a trabalhos no prelo apenas se for possível dar ao leitor indicações sobre o título da publicação e, no caso de periódico, o volume e o número em que será publicado o material citado.
9.2. Exemplos de Tipos Comuns de Referência a) Relatório técnico Maioto, P. L. e Silva, A. M. (1996). Medidas de eficiência em avaliação de treinamento (processo 94-1642). São Paulo, SP: Associação de Pesquisadores em Psicologia.
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d) Tese ou dissertação Lampreia, C. (1992). As propostas antimentalistas no desenvolvimento cognitivo: Uma discussão de seus limites. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. e) Livros Pavlov, I. P. (1927). Conditional Reflexes. Oxford: Oxford University Press. f) Livro traduzido, em língua portuguesa Salvador, C. C. (1994). Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. (E.O. Dimel, Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas (Trabalho original publicado em 1990). g) Capítulo de livros Feyerabend, D. (1992). Mental events and the brain. Em D. Rosenthal (Org.). The Independence of Consciousness and Sensory Quality (pp. 53-97). New York: Villanueva. h) Artigo em periódico científico Sidman, M. (1953). Two temporal parameters of the maintenance of avoidance behavior by the white rat. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 46, 253261. i) Obras antigas com reedição em data muito posterior Franco, F. de M. (1946). Tratado de Educação Física dos Meninos. Rio de Janeiro: Agir (Originalmente publicado em 1790).
b) Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação seriada regular
j) Obra no prelo Vasconcelos, C. R. F.; Amorim, K. S.; Anjos, A. M. e Rossetti-Ferreira, M. C. (no prelo). A incompletude como virtude: Interação de bebês na creche. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16 (2).
Silva, A. A. e Engelman, A. (1988). Teste de eficácia de um curso para melhorar a capacidade de julgamentos corretos de expressões faciais de emoções [Resumo]. Ciência e Cultura, 40 (7, Suplemento), 927.
l) Autoria institucional Conselho Federal de Psicologia (1988). Quem é o Psicólogo Brasileiro? São Paulo/Curitiba: EDUCOPS/ Scientia et Labor.
c) Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação especial
IV. Direitos autorais
Todorov, J. C.; Souza, D. G. e Bori, C. M. (1992). Escolha e decisão: A teoria da maximização momentânea [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de Comunicações Científicas. XXII Reunião Anual de Psicologia. Resumos (p.385). Ribeirão Preto: SBP.
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