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Capítulo 4 Fundamentos e Fontes do Direito Internacional Público Um das hipótese para a existência do Direito Internacional Público, é haver entidades políticas dotadas de soberania, na atualidade, os Estados, sendo tal elemento aquele que lhes confere, na atualidade, a capacidade jurídica plena de ser a fonte da norma internacional. Mesmo que se suponha o Estado como uma entidade que não possa sofrer qualquer limitação nos seus poderes (concepção ultrapassada, em particular, na atualidade, onde o fenômeno da globalização tem inclusive invadido e limitado os poderes normativos dos Estados, no referente aos ordenamentos jurídicos internos), o fato de haver uma existência conjunta de Estados, bem ou mal configurada como uma comunidade internacional, já faz supor limites a um poder soberano incontrastável dos Estados, que se encontram circundados por outros, com idêntico poder soberano incontrastável. A nosso ver, não parece corresponder à realidade afirmar-se que os Estados, por serem soberanos, exercem, com sobranceria, um poder de autolimitação; o que mostra a história e os fatos atuais, é que a autolimitação não advém de uma decisão soberana, mas finca suas raízes na inevitabilidade de um convívio com outras entidades soberanas e na necessidade de uma relação, no mínimo, de não permanente estado de agressão recíproca. Sendo assim, pelo simples fato de um Estado assumir obrigações internacionais, através de tratados e convenções, ou de submeter-se a normas não escritas, como o costume internacional,
faz supor duas realidades, na aparência,
contraditórias: a) somente podem obrigar-se entidades soberanas e b) ao obrigarem-se, elas se autolimitam nos seus poderes soberanos! Portanto, ao conceito de Jean Bodin, de uma soberania ilimitada, nos dias correntes, opõe-se um entendimento de que o poder de autolimitar-se é a marca da própria soberania. Pode-se, na verdade, conceber o Direito Internacional Público, enquanto um ordenamento jurídico que se encontra numa relação com os ordenamentos internos dos Estados soberanos, numa possível dupla polaridade: um relacionamento de natureza vertical, com uma superioridade das normas internacionais sobre as internas, e um relacionamento de natureza horizontal, à semelhança das relações existentes nas organizações federais1, nas quais não se está autorizado a mencionar a questão de superioridade do ordenamento da autoridade central, com referência aos ordenamentos das unidades federadas. O que importa considerar-se é o fato de que, a partir do 1
O Direito Comparado mostra existir grande variedade de federações. Sejam elas nascidas de fenômenos históricos de construção de uma entidade central, a partir de unidades autônomas (caso dos EUA, da Alemanha), seja a partir de uma cissiparidade de um Estado unitário (caso do Brasil, do México), a autonomia das unidades federadas, de qualquer forma, conquanto possam variar em graus, ainda continua a ser o ponto de inflexão entre os sistemas de Estado unitário e de Estado federal.
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momento em que existe um “estar junto” dos Estados, reciprocamente, nas relações internacionais, fenômeno inerente ao indivíduo e suas organizações, deve haver normas jurídicas que regulem aquelas relações, qualquer que seja a polaridade para a qual se inclinem os Estados: ora as tendências individualistas, que forçam os Governos a perseguir seus interesses nacionais, num contexto de um direito elaborado num mundo concebido como uma comunidade de justaposição, ora as tendências comunitárias, onde a tônica reside na afirmação de interesses comuns dos Estados, e aponta para uma institucionalização do exercício do poder internacional, num contexto de um Direito Internacional como um direito de subordinação. Uma discussão importante diz respeito aos fundamentos das normas internacionais, ou, em outras palavras, as razões que justificariam os Estados, considerados como entidades soberanas, submeterem-se ao Direito Internacional. As formulações teóricas desta questão, no Direito Internacional, refletem as discussões havidas nos direitos internos, a partir dos ideais do Iluminismo, de buscar-se resolver aquela contradição: de uma entidade soberana, o Estado, submeter-se a uma autoridade superior a ela, o direito, seja o direito interno, que ele mesmo cria e que hoje, admite-se, não provem unicamente da autoridade do Estado, ou seja: o direito internacional. No presente estudo interessa-nos o problema, do ponto de vista do Direito Internacional. No Séc. XX, segundo teorias mais modernas2, os posicionamentos sobre a questão assumem a forma de duas correntes opostas: a) o voluntarismo jurídico 3, baseado na hipótese de que o Direito Internacional, tal qual o direito interno, somente pode derivar da vontade do legislador, no caso daquele, a vontade dos Estados (uma vontade expressa, em tratados e convenções internacionais, ou uma vontade tácita, conforme resultante do costume internacional) e, portanto, seu poder de obrigar os Estados, deriva unicamente da vontade de os Estados a ele se submeterem e b) as teorias objetivistas4, segundo as quais, para assegurar a defesa e manutenção da ordem internacional, os Estados podem mesmo prescindir de uma organização perfeita, como nos ordenamentos jurídicos internos, onde existe uma racionalização do uso e do monopólio da força oponível a todos os destinatários da norma jurídica, uma vez que são as necessidades para a salvaguarda daqueles valores da comunidade internacional, que devem prevalecer sobre os interesses particulares dos Estados. Ambos os enfoques devem ser temperados, pois há perigos nos excessos. Apor um lado, o voluntarismo exacerba a noção de soberania dos Estados, a ponto de minimizar conceitos como o 2
Estudos exemplares sobre a questão se encontra em A Verdross, “Le Fondement du Droit International, IN: RdC, Haia, 1927, tomo 1, p. 247 e ss. e, mais modernamente, no insuperável Ch. De Visscher, Théories et Réalités en Droit Internacional Public, Paris, Ed. Pedone, 4a ed., 1978, p. 68 e ss. 3 São representantes desta corrente, Jellinek, Triepel e, sobretudo, Anzilotti. Este autor italiano, considera que o poder da vontade dos Estados é tanto, que a regra “pacta sunt servanda” constituiria um dado indemonstrável, sendo válido por ele mesmo, portanto, um verdadeiro axioma jurídico. 4 Representantes de tal corrente são os adeptos do direito natural, e, modernamente as vertentes das teorias sociológicas do direito (L. Duguit e Georges Scelle) e do normativismo jurídico, de Hans Kelsen, da Teoria Pura do Direito, na qual, diferentemente de fases anteriores de seu pensamento, faz repousar o fundamento da sua construção escalonada do Direito, numa norma hipotética suposta, sem conteúdo (e não mais, como admitia anteriormente, numa norma fundamental, o “pacta sunt servanda”).
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do interesse comum da humanidade, ou mesmo erradicar o próprio conceito de comunidade internacional (pela negação da possibilidade da emergência de uma ordem internacional válida “erga omnes”5), mal explica como determinadas fontes das normas internacionais, tais os princípios gerais do direito
ou o costume internacional, obrigam a Estados que não participaram de sua
formação. Por outro,
as doutrinas objetivistas tendem a minimizar o conceito de soberania do
Estado, a ponto de, muitas vezes, chegarem a negar o papel da vontade dos Estados na criação do Direito Internacional. Claro está que a questão doutrinária permanece aberta, em especial com a emergência do fenômeno do Direito Supranacional e com todas as implicações que a globalização tem trazido, para uma nova análise das questões tradicionais e perenes do Direito Internacional. Tanto e enquanto persistir a realidade denominada “Estado soberano”, que deve conviver com uma realidade, que são os outros Estados, sempre haverá a possibilidade de explicar-se a emergência de uma norma deles exigível, seja pelo viés de uma criação dos entes soberanos, seja por aquele da imposição das necessidades dos próprios relacionamentos entre eles, quer através de uma concessão outorgada de poderes normativos a legisladores não internos, quer por uma imposição heterônima do conjunto dos Estados e dos demais atores e destinatários das normas, agentes não estatais. Na Teoria Geral do Direito, consideram-se fontes as razões que determinam a produção das normas jurídicas, bem como as maneira como elas são reveladas. Tomada como motivo ou causa eficiente da existência da norma jurídica, a fonte se diz “fonte material”, e tomada no sentido de modo de revelar-se, a fonte se diz “fonte formal”. Na primeira acepção, a fonte material nos informa que um determinado comportamento passará a ser jurídico, e portanto exigível de uma pessoa, seu destinatário, Estados ou organizações intergovernamentais, na medida em que represente a afirmação e a realização dos valores profundos das relações entre os homens, tais como as aspirações de manutenção da paz e da concórdia, os ideais da realização da justiça, ou ainda, as exigências de uma interdependência social, ou o dever de solidariedade entre os seres humanos (e inúmeras outras formulações, conforme a mundivisão de cada doutrinador). Na segunda acepção, a fonte formal nos informa sobre as formas externas e claras com que um valor deverá se revestir, as maneiras de expressão que este valor deverá adotar, para ser considerado como uma norma jurídica. Neste último aspecto, as fontes formais são maneiras de expressão clara dos valores jurídicos, em última análise, os indicadores do momento de geração de uma norma jurídica e ao mesmo tempo, do lugar imaterial onde a mesma deve ser encontrada. Interessa no presente livro, o estudo das fontes formais. A título de ilustração, poderíamos fazer um analogia com a pessoa que busca água para matar sua sede: vai á fonte, onde ela jorra (fonte formal), sem ter-se de preocupar-se com a indagação de sua origem mais profunda (fonte 5
As críticas de Duguit a tal doutrina são oportunas: uma regra jurídica que só existisse para aqueles que a criaram e às quais se submetem voluntariamente, não é direito, a não ser que se refira a uma regra anterior, ela mesma imperativa, e exigível de todos quantos participaram da convenção.
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material), ou seja,
se a mesma vem de lençóis freáticos, que resultaram da precipitação
pluviométrica, ou ainda do ciclo da água na terra, ou mesmo de sua origem, a partir do “big-bang” que formou o universo. A quem busque saber se há uma norma jurídica internacional, ou melhor dito, se alguém quiser informar-se a partir de que momento um valor se tornou jurídico, por força de uma norma, a qual que passou a criar direitos e deveres para seus destinatários, o caminho será buscar o modo como os valores, que se encontram embutidos naquele comportamento, são exteriormente revelados: se num tratado internacional, se num costume internacional, se num princípio geral de Direito Internacional ou se nas demais formas de revelação deste Direito. Há setores do Direito Internacional Público onde as discussões sobre a natureza das fontes de suas normas, apresenta um grande interesse. No Direito Internacional do Meio Ambiente, poderá haver uma infinidade de razões científicas que mandariam ou aconselhariam os Estados a abster-se de permitirem emissões de grandes quantidades de carbono, em particular porque resultam na formação de gases que elevam a temperatura da terra, à semelhança de uma estufa de jardim (os gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, presente nas emissões de gases provenientes na queima de combustíveis fósseis, como a gasolina dos carros). No entanto, tais razões somente se transformam em ordens mandatórias ou em comportamentos desejáveis aos Estados, na medida em que se revestem da forma de tratados internacionais, como tem sido o caso da ConvençãoQuadro das Nações Unidas, sobre Modificação do Clima, adotada durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, em 1992. As razões de controle da pesca internacional, a nível internacional, podem ser determinadas por razões da Biologia Marinha, ou por motivos econômicos de controles internacionais dos estoques de peixes, mas sua transformação em direitos e deveres dirigidos aos Estados e aos particulares sob jurisdição dos Estados, somente se verifica, após aquelas normas técnicas estarem constantes em tratados ou convenções internacionais, que regulam a pesca de determinadas espécies, seja em mares nacionais, regionais ou no alto mar, ou se forem reveladas através de usos e costumes internacionais. Tradicionalmente, tem-se considerado como parte do rol das fontes formais do Direito Internacional Público, a enumeração constante do art. Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), verbis: 1.
A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
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d) sob reserva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. 2.
A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão
ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem. Deve-se, inicialmente, apontar uma lacuna deste artigo, na enumeração das fontes do Direito Internacional Público. Na verdade, o Estatuto da CIJ é o mesmo texto do Estatuto do tribunal internacional, que funcionou entre 1919 e 1945, a Corte Permanente de Justiça Internacional, (órgão paralelo à finada Sociedade das Nações, ou Liga das Nações), portanto,
elaborado numa
regulamentação de final da Primeira Guerra Mundial. Contudo, já à época de sua adoção, não representava o melhor rol das fontes do Direito Internacional, pois não consagrava duas realidades então existentes: a) as declarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional, reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época e, com alguma justificativa, b) as decisões tomadas pelas organizações internacionais intergovernamentais (hoje denominadas OIs, por oposição às ONGs), entidades que, naquele momento histórico, eram bastante tímidas na sua atuação e limitadas na sua competência internacional (ou eram regionais, como a UPA, a União Panamericana, com sede em Washington, antecessora da atual Organização dos Estados Americanos, OEA, ou eram adstritas a assuntos por demais técnicos, como questões postais, a União Postal Universal, UPU, com sede em Berna, a questões de telecomunicações, a União Internacional das Telecomunicações, UIT, com sede em Genebra e a questões relacionadas à proteção da propriedade industrial, União de Paris e à proteção dos direitos artísticos e literários, União de Berna, com escritórios administrativos igualmente em Genebra) e com uma personalidade não muito bem definida no Direito Internacional (tanto que aquelas entidades interestatais se denominavam "Uniões" e não "organizações", num paralelismo com as uniões de Estados, fenômeno do final do Séc. XIX). Na verdade, a primeira organização internacional de feições modernas, com uma personalidade de Direito Internacional definida, com poderes de editar normas internacionais dirigidas aos Estados, foi a Organização Internacional do Trabalho, instituída pela parte XVII do Tratado de Versalhes de 1919 e que passaria a funcionar no Entre Guerras, até os dias correntes, coetaneamente com a instituição da Liga das Nações, como a OIT, sediadas em Genebra. Com a proliferação das organizações intergovernamentais (OIGs), após a instituição da ONU, aquela lacuna do citado art. 38 do Estatuto da CIJ se tem tornado ainda mais injustificada, em particular, com a emergência das organizações regionais de integração econômica, onde, no tipo "mercado comum" (como a Comunidade Européia e o Pacto Andino), órgãos comunitários, por delegação de poderes expressos dos Estados Partes, podem elaborar normas especiais e regionais,
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dirigidas aos Estados, aos próprios órgãos comunitários, a indivíduos e pessoas jurídicas de direito interno. Tanto as declarações unilaterais dos Estados, como as decisões das organizações internacionais interestatais (com a mais variada denominação e efeitos distintos e próprios, conforme o caráter de cada organização), são consideradas fontes unilaterais do Direito Internacional, porquanto oriundas de um órgão ao qual se atribui o poder de editar normas internacionais (em contraste com as fontes de natureza bilateral, ou seja:
Estado/Estado, ou Estado/OIGs, ainda
OIGs/OIGs, e com as fontes multilaterais, aqueles atos em cuja adoção participam mais de duas pessoas jurídicas de Direito Internacional Público, às quais se reconhece o poder de editar normas: Estado ou OIGs). No Direito Internacional do Meio Ambiente, tem emergido uma série de atos daqueles órgãos estabelecidos por alguns tratados e convenções multilaterais, que podem ser de duas categorias: a) entidades compostas da totalidade das partes contratantes, que se reúnem intermitentemente, e em rodízio, em Capitais ou cidades de cada Estado, em geral denominadas "Conferência das Partes", (as “COP”, no jargão corrente, da sigla de sua apelação em inglês, "Conference of the Parties") e b) órgãos técnicos e científicos, de composição restrita dos Estados partes, em regra composto de peritos ou técnicos, e que emitem normas, a serem referendadas pela COP. Tais entidades instituídas com poderes normativos explícitos pelos tratados e convenções multilaterais, recebem destes, os poderes de complementar, reformar ou mesmo adicionar novas normas àqueles tratados e convenções multilaterais, os quais são demasiadamente vagos e imprecisos para que possam ser aplicados diretamente, sem aquela regulamentação dos órgãos instituídos. De alguma forma são normas assimiláveis àquelas expedidas pelas organizações intergovernamentais, embora expedidas por colegiados que não têm personalidade jurídica. O assunto será melhor analisado, a seguir, nas considerações dos denominados "tratados-quadro".6 É da maior importância ter-se em mente que, no estudo das fontes do Direito Internacional Público, em especial na maneira de atuação das mesmas, há necessidade de observar-se que existe estreita inter-relação entre elas; uma fonte, em especial quando se cogita da interpretação de um tratado internacional escrito, quase sempre é citada em conjunto com outras, para provar-se ser uma forma particular de revelação daquele Direito, confirmada por outras fontes. Duvidamos mesmo que existam tratados ou convenções internacionais suficientemente claros, que dispensem qualquer outro meio auxiliar de interpretação, em particular quando o entendimento de seus termos se encontre numa situação de conflito entre os Estados Partes! Um exame da jurisprudência dos tribunais internacionais, demonstra que os litígios que envolveram interpretação de tratados e convenções internacionais, bilaterais ou multilaterais, são resolvidos, com a definição de uma norma 6
A partir da citação do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o que se seguiu, até este ponto, foi transcrição de nosso livro, Direito Internacional do Meio Ambiente: Emergência, Obrigações e Responsabilidades, São Paulo, Editora Atlas, 2001, retirada do Cap. 6 “Fontes do Direito Internacional do meio Ambiente”.
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aplicável na espécie sub judice, após um exaustivo exame de outros tratados e convenções entre as partes litigantes, ou entre terceiros Estados, com o recurso à prova decisiva de haver um costume internacional, com o auxílio da doutrina de autores internacionais consagrados em Direito Internacional Público, com a revelação de ser tal ou qual postulação de um ou outro litigante, apoiada ou rechaçada pelos princípios gerais do Direito Internacional Público, ou ainda, que existe um precedente judiciário ou arbitral, elaborado para a solução de controvérsias similares entre os próprios litigantes ou entre terceiros Estados. Da mesma forma, a prova de um costume internacional, irá depender da existência de tratados internacionais em outras partes do mundo, ou entre terceiros Estados, de estar seu conteúdo conforme com um princípio geral do Direito Internacional Público, ou segundo uma linha traçada por uma jurisprudência internacional ou arbitral. E da mesma forma, para afirmar-se que uma regra constitui um princípio geral de direito, recorre-se à prova de sua confirmação como tal, por outras fontes, como a doutrina internacionalista, ou a sua definição em precedentes judiciais ou arbitrais. Isto posto, resulta que inexiste qualquer hierarquia entre as fontes formais do Direito Internacional Público, e mesmo os tratados e convenções internacionais solenes, não representam a fonte mais importante, tendo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a seguir comentada, assim estatuído expressamente, no seu art. 43 (Obrigações Impostas pelo Direito Internacional Independentemente de um Tratado): “a nulidade de um tratado, sua extinção, sua denúncia, a retirada de uma das partes ou a suspensão da execução de um tratado em conseqüência da aplicação da Presente Convenção ou das disposições de um tratado, não prejudicarão, de nenhum modo, o dever de um Estado de cumprir qualquer obrigação enunciada no tratado à qual estaria sujeito em virtude do direito internacional, independentemente do tratado”. 4.1. Os tratados internacionais Os tratados internacionais são atos solenes entre os Estados, tão antigos quanto as relações amistosas ou litigiosas entre grupos políticos autônomos. A notícia de sua prática entre os povos, pode ser datada dos primeiros registros escritos ou gravados em monumentos de pedra, os quais procuravam tornar claros, e em especial, com vistas à sua perpetuação no tempo, tal como os valores religiosos fundamentais das grandes civilizações, os direitos e deveres entre aquelas unidades políticas autônomas. Assim, os tratados de paz ou de aliança, as arbitragens que terminavam uma guerra, encontram-se gravados em estelas e mesmo na simbologia de antigos monumentos, que representavam, a exemplo, os deuses de povos rivais, em atitudes fraternas. A necessidade de petrificação dos direitos e deveres internacionais, em documentos claros e permanentes no tempo, fez com que tradicionalmente, os tratados e convenções internacionais se denominassem “jus scriptum”, em atenção aos valores expressos pelos conceitos e palavras escritos, desde os primórdios da civilização humana.
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No tema dos tratados internacionais, há um importante tratado multilateral que consolidou antigos costumes entre os povos e antigas regras esparsas em grandes tratados internacionais históricos, bem como escreveu normas que estavam subjacentes na consciência do homem moderno. Trata-se da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, elaborada em um longo trabalho da Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas, com consultas aos Governos dos Estados, e adotada a 23 de maio de 1969, na Capital austríaca, ao final de uma conferência diplomática internacional, especialmente convocada pela ONU. Encontra-se em vigor internacional, desde 27 de janeiro de 1980 (ou seja, trinta dias após o 30o depósito do instrumento de ratificação ou adesão), tendo sido assinada pelo Brasil, mas, até o presente momento, ainda em processo de tramitação no Congresso Nacional, para fins de sua aprovação parlamentar e, assim, autorizar-se o Presidente da República a depositar o instrumento de ratificação do Brasil7. A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, após um preâmbulo de 8 parágrafos8, e um art. 1o em que afirma que ela se aplica “a tratados entre Estados”, seguindo a moderna técnica de redação dos atos multilaterais mais importantes da atualidade, no art. 2o, define as “expressões empregadas”. Segundo a alínea a) do art. 2o, ““tratado” significa um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”. Desta definição resultam importantes conseqüências: a) os tratados regulados naquela Convenção são unicamente os celebrados entre Estados, estando excluídos, portanto, os atos entre Estados e outros sujeitos de Direito Internacional, como as organizações intergovernamentais ou os movimentos de libertação nacional, bem como os acordos celebrados entre outros sujeitos de direito internacional; b) os acordos devem ser escritos (o que não significa que possa haver tratados não escritos, como deixa entrever o art. 3o, que os exclui do âmbito de aplicação daquela Convenção, sem que com isso fique prejudicado seu valor jurídico;
c) os tratados internacionais podem
apresentar-se num único documento, ou em vários, evidentemente que entre as mesmas partes signatárias e sobre o mesmo assunto, como é um acordo por troca de notas diplomáticas, entre uma missão diplomática de país estrangeiro, com o qual haja relações diplomáticas formais, e a Chancelaria (denominação corrente para o Ministério das Relações Exteriores)9 do país onde se 7
Veja-se, mais além, na presente Seção, uma definição dos termos empregados neste parágrafo, bem como a descrição do processo que deve seguir um tratado internacional para sua vigência no ordenamento jurídico internacional e no ordenamento jurídico interno brasileiro. 8 A Convenção de Viena compõe-se de 85 artigos, todos ementados, e mais um Anexo de 7 artigos (sobre conciliação), aqueles, agrupados em Partes, divididas, por vezes em Seções. As Partes são as seguintes: Parte I- Introdução; Parte II- Conclusão e Entrada em Vigor, Parte III- Observância, Aplicação e Interpretação, Parte IV- Emendas e Modificações, Parte V- Nulidades, Extinção e Suspensão da Aplicação de Tratados, Parte VI- Disposições Diversas, Parte VII- Depositários, Notificação, Ratificação e Registro e Parte VIII- Cláusulas Finais. 9 Deve ser notado que o termo “chancelaria” designa, na prática generalizada, igualmente, os escritórios de uma missão diplomática estrangeira, que podem ser localizados em locais distintos da residência do chefe da missão diplomática (esta, em geral, edifícios imponentes, marcados pelas necessidades inerentes a cargos e funções de representação). A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, não emprega o termo, mas utiliza a expressão “locais da missão” para aqueles locais, com seus edifícios, os quais gozam de privilégios e imunidades. Quando quer se referir à residência, emprega a expressão “residência particular do agente diplomático” (cf. art. 30 daquela Convenção).
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encontra acreditada e d) para serem regulados pela Convenção, pouco importa a denominação que ostentem. Na verdade, a denominação dos tratados internacionais é irrelevante para determinação de seus efeitos ou de sua eficácia. A prática tem demonstrado que os Estados não atribuem qualquer conseqüência jurídica a tal ou qual denominação dos atos bilaterais ou multilaterais internacionais: tratados, acordos, convenções, acordos, ajustes, pactos, ligas, ou outros nomes têm sido utilizados, sem qualquer critério. Algumas denominações são reservadas a atos multilaterais internacionais de particular relevância: “Carta das Nações Unidas”, para o Tratado de São Francisco, firmado a 26 de junho de 1945, por uma conferência internacional convocada naquela cidade, ao final da Segunda Guerra Mundial e que instituiria a ONU, “Pacto”, tratados de paz ou de aliança (a ex.: o finado Pacto de Varsóvia), e na atualidade, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos. Sociais e Culturais, e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, os dois importantes tratados multilaterais adotados em Nova York, sob a égide da AG da ONU, no mesmo dia, a 16 de dezembro de 1966. Talvez a única denominação que pareceria indicar um certo efeito jurídico para os dispositivos consagrados no texto do tratado internacional que o consagra,
seja o de “protocolo” (a ex.:
Protocolo de Quioto à Convenção à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 10/12/1997), fato que, no entanto, é desmentido pelo Protocolo de Genebra sobre Cláusula Compromissória, de 1923, que é totalmente autônomo. Mesmo que a denominação pudesse ser indicativa de dependência entre tratados sucessivos, o que provam a prática e a jurisprudência internacional, é que são raros os tratados sucessivos e reciprocamente dependentes e não seria sua denominação que iria influenciar em tal fenômeno. Na verdade, para os tratados terem efeitos uns sobre os outros, além da necessidade de dispositivos expressos, é necessário uma demonstração, a partir da interpretação sistemática dos seus termos, bem como das realidades por eles estabelecidas, que existe, verdadeiramente, entre os mesmos, um relacionamento essencial10. A regra continua sendo de que cada tratado, independentemente de sua denominação, é um universo autocontido, que deve ter uma interpretação dentro dele mesmo (bastando para confirmar tal regra, verificar-se que nem sempre os Estados partes de um tratado, o são do tratado sucessivo). Para demonstrar-se a irrelevância da denominação dos tratados, a doutrina e a jurisprudência internacionais têm empregado expressões do tipo “tratados e convenções”, “tratados ou convenções”, “tratados ou acordos internacionais”. Tal fato se reflete mesmo na terminologia consagrada na Constituição federal brasileira de 1988, onde constam as denominações: “tratados”11, 10
A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados versa sobre o assunto, no seu art., 30, ementado “Aplicação de Tratados Sucessivos sobre o Mesmo Assunto”. 11 Conforme art. 102, inciso III, letra b, que institui a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar em recurso extraordinário, quando a decisão recorrida “declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”. No art. 105, inciso III, letra a, é estabelecida a competência do Superior Tribunal de Justiça para julgar em recurso especial, as causas decididas por tribunais inferiores, quando a decisão recorrida “contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência”.
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“tratados internacionais”12, “acordos firmados pela União”13 e as expressões: “tratados, convenção e atos internacionais14” e “tratados, acordos ou atos internacionais”15. Tem variado, na prática e na doutrina comparada do Direito Internacional Público, os critérios para a classificação dos tipos de tratados internacionais. Os critérios mais correntes são: a) segundo o número dos Estados-Partes: tratados bilaterais e tratados multilaterais; b) segundo a possibilidade de participação, restrita a determinados critérios no relativo à assinatura ou à possibilidade de adesão de Estados-Partes que não assinaram o texto: tratados abertos e tratados fechados (a ex.: o Tratado de Cooperação Amazônica, restrito a Estados independentes com territórios naquele espaço geográfico); c) segundo o modo de sua entrada em vigor: tratados em devida forma (necessitam da troca de instrumentos de ratificação ou da prática pelos Estados signatários, de outro ato solene posterior à sua assinatura) e tratados em forma simplificada, também denominados “Executive Agreements”16 (entram em vigor, no momento de sua assinatura, ou no momento em que seu texto dispuser, prescindindo de atos posteriores, como o da ratificação) e) quanto à matéria regulada, os tipos podem variar ao infinito, citando-se como exemplos: tratados de paz (regulam o fim de uma guerra ou conflito armado e estabelecem as conseqüências para os vencidos), tratados de comércio e navegação, tratados de amizade e consulta (estabelecem obrigações de consultas recíprocas entre os Estados signatários), convênio cultural, tratados de extradição, tratados de troca de presos que cumprem sentenças, tratados fundação (instituem organizações intergovernamentais, em geral, com seu estatuto previsto e, certamente, uma sede, em alguma cidade). Mencione-se a possibilidade, hoje dificultada pelo Direito Internacional Público, de existirem “tratados secretos”. Historicamente, tratava-se daqueles tratados ou convenções firmados entre os Poderes Executivos dos Estados e subtraídos aos controles parlamentares das respectivas populações. Tal prática, corrente em séculos anteriores, tem sido proibida, nos ordenamentos internos dos Estados democráticos, em virtude da relativa universalidade de normas constitucionais na atualidade, referentes aos controles parlamentares da política externa dos Estados. Desde os Tratados de Versalhes de 1919, com a constituição da Liga das Nações, e o prestígio crescente, após a criação da ONU, da diplomacia dita “democrática”, o Direito Internacional tem exigido uma publicidade dos tratados internacionais, o que se perfaz, mediante um registro dos mesmos junto ao Secretário Geral da ONU, sob pena da proibição de sua invocação perante órgãos daquela 12
Art. 5o § 2o , “verbis”: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 13 Art. 178 “caput” : “A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade”. Redação determinada pela Emenda Constitucional n o 7/95. 14 Art. 84, inciso VIII, “verbis”: “Compete privativamente ao Presidente da República…celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. 15 Art. 49, inciso I, “verbis”: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional…resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. 16 Veja-se da autoria do autor deste livro, o verbete “Executive Agreements”, na Enciclopédia Saraiva de Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, vol. 5, p. 246-81.
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organização (art. 102 da Carta da ONU17 ). Tais normas internacionais podem ser poderosos inibidores da diplomacia secreta, na medida em que consideram inoperantes os tratados não registrados, quando eventualmente invocados como fontes de direitos e deveres internacionais, perante qualquer procedimento da Corte Internacional de Justiça. Na atualidade, há dois tipos de tratados internacionais multilaterais, que merecem referência, um ainda não batizado como tal em textos do “jus scriptum” e outro já sacramentado por estes. O primeiro é o “umbrella treaty” (tratado guarda-chuva), que significa um tratado amplo, de grandes linhas normativas, sob cuja sombra outros tratados se encontram e que, em princípio, ou foram elaborados em complementação aos dispositivos daquele, ou foram assinados entre alguns Estados membros daquele mais geral, com objetivos especiais por eles permitidos. Os exemplos de tratados que especificam ou complementam outros, são duas convenções e o protocolo vigentes internacionalmente, que se encontram sob a sombra do Tratado da Antártica de 1959, assinado em Washington, a 10/12/1959 e em vigor no Brasil, por força do Decreto 75.963 de 11/07/1975, constituindo o conjunto, o denominado: “sistema da Antártica”
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. Um exemplo de tratado guarda-
chuva que permite tratados sobre temas correlatos versados por ele, entre alguns de seus membros, é o tratado fundação da Organização Mundial do Comércio (Acordo de Marraqueche de 12/04/199419), que, adota a regra da igualdade de tratamento entre seus Membros e proíbe discriminações nas relações comerciais, mas que abre exceções para acordos regionais de integração econômica; sendo assim, os tratados que instituíram e que regulam a Comunidade Européia, ou aqueles que regulam o Mercosul ou o NAFTA, devem estar conformes às regras da OMC (devendo observar-se, igualmente, que o Mercosul deve estar, igualmente, de conformidade com outro tratado guarda-chuva regional, o Tratado de Montevidéu de 1980, que instituiu a Associação Latino-Americana de Integração, a ALADI, ela mesma, por sua vez, igualmente abrigada sob o guarda-chuva da OMC).
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Eis os termos do art. 102 da Carta da ONU: “1. Todo tratado e todo acordo internacional concluídos por qualquer membro das Nações Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta, deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado. 2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado de conformidade com as disposições do § 1o deste artigo, poderá invocar tal tratado ou acordo perante qualquer órgão das Nações Unidas”. 18 Ademais do Tratado de Antártica, constituem o “sistema da Antártica”: a) a Convenção para a Proteção das Focas Antárticas, assinada em Londres, a 1º de junho de 1972, no Brasil promulgada pelo Decreto nº 66 de 18/03/1991; b) a Convenção sobre Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, assinada em Camberra, a 20 de maio de 1980, e no Brasil promulgado pelo Decreto nº 93.935 de 15/I/1987 e c) o Protocolo ao Tratado da Antártica sobre Proteção ao Meio Ambiente, adotado em Madri a 03 de outubro de 1991, assinado pelo Brasil a 4 do mesmo mês e ano e remetido à aprovação do Congresso Nacional com a Mensagem Presidencial nº 231 de 30 de abril de 1993. Deve ser mencionado que se encontra assinada, porém não em vigor internacional, a Convenção sobre o Regime Jurídico das Atividades Relativas aos Recursos Minerais da Antártica, adotada em Wellington, a 2 de junho de 1988, subscrita pelo Brasil a 25/XI/1988, juntamente com os seguintes países: EUA, Finlândia, Suécia, URSS e Uruguai, tendo seu texto ainda não remetido à aprovação do Congresso Nacional brasileiro; sua entrada em vigor internacional, é praticamente impossível, à vista do Protocolo de Madri, que proíbe qualquer exploração mineral na Antártica. 19 A denominação oficial do Acordo de Marraqueche é “Ata Final que incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Multilaterais do GATT”. Foi ele assinado naquela cidade do Marrocos, a 12/04/1994 e, no Brasil, foi aprovado pelo Decreto Legislativo n o 30 de 15/12/1994 e promulgado pelo Decreto no 1.355 de 30/12/1994. A Organização Mundial do Comércio, com sede em Genebra, foi instalada no dia 1o/01/1995.
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Na segunda metade do Séc. XX, particularmente após a emergência do Direito Internacional do Meio Ambiente, por volta dos anos 1960, surgiu um procedimento bastante original, de atualização das normas dos tratados multilaterais, que teve por fim, permitir colocar as normas daqueles instrumentos solenes e relativamente imutáveis no tempo, de conformidade com os avanços da ciência e da tecnologia, sem ter-se de recorrer a procedimentos lentos e solenes de novas negociações de emendas, modificações ou de novos tratados de revogação de anteriores. Mesmo os procedimentos de fazer constar dispositivos que se pretende modificar com mais facilidade, em anexos ou apêndices, de mais fácil alteração, mostravam-se inadequados para o desiderato de deixar os tratados multilaterais, o mais próximo possível das mutações nos fenômenos regulados ou nos mecanismo de controles de aplicação das grandes objetivos daqueles tratados multilaterais, fortemente influenciados pelas normas técnicas, de grande velocidade na sua formulação científica ou tecnológica. Para atingir os objetivos de maior flexibilidade das normas convencionais, em razão dos avanços científicos e tecnológicos, foi adotado um tipo de tratado multilateral, cujo batismo de “tratado-quadro” se daria apenas em 1982, com a subscrição da já mencionada Convenção-Quadro das Nações Unidas, sobre Modificação do Clima, adotada durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, em 1992 e no Brasil promulgada pelo Decreto 2.652 de 01/07/1998. Segundo sua engenharia normativa, os Estados-Partes, traçam grandes molduras normativas, de direitos e deveres entre eles, de natureza vaga e que, por sua natureza, pedem uma regulamentação mais pormenorizada; para tanto, instituem, ao mesmo tempo, reuniões periódicas e regulares, de um órgão composto de representantes dos Estados-Partes, a Conferência das Partes, COP, com poderes delegados de complementar e expedir normas de especificação, órgão esse auxiliado por outros órgãos subsidiários, técnicos e científicos, previstos no tratado-quadro, compostos de representantes de cientistas e técnicos de todos ou alguns dos Estados-Partes. O conjunto normativo que se forma, dos dispositivos do tratado-quadro e das decisões das Conferências das Partes, as COPs, devem formar um sistema harmônico, entre os mesmos Estados-Partes submetidos a todas elas20 (sendo impossível, portanto, reservas nas decisões das COPs), devendo, portanto, as decisões de complementação do tratado-quadro, ser consideradas como decisões dos Estados-Partes, tal como tivessem sido tomadas no momento em que os Estados assinaram o tratado-quadro.
Outros tratados multilaterais sobre meio ambiente
internacional, como a Convenção sobre a Diversidade Biológica, igualmente adotada durante a ECO/92, igualmente consagram a engenharia normativa dos tratados-quadros, embora em sua 20
Esta circunstância é fundamental para a distinção entre tratado-quadro e “umbrella treaty”. Pode haver diferenças na participação de Estados, nos “umbrella-treaties” e nos tratados sob sua sombra, o que não ocorre com os tratados-quadro, comparativamente às decisões posteriores das COPs. No caso das normas votadas pelas COPs, por serem a continuidade no tempo de um mesmo tratado, obrigam as partes que a ele se submetem. Haveria, portanto identidade entre participação dos tratados-quadro e destinatários das normas votadas pelas COPs. Assim sendo, o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro do Clima, conquanto tenha sido adotada durante uma COP, não se considera norma de complementação, mas autêntico novo tratado internacional (e na verdade, igualmente um tratado-quadro, na medida em que prevê que as reuniões de uma COP que institui, sejam realizadas juntamente com a COP da Convenção–Quadro do Clima).
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denominação não seja revelado o fato. Uma análise comparativa da gênese dos tratados-quadro, revela que sua dinâmica, bem como sua denominação (sem dúvida imperfeita, em português, a qual, fosse respeitada uma tradução correta das línguas oficiais em que a Convenção-Quadro do Clima foi adotada, deveria ter sido “Convenção-Moldura21”), resultaram de uma técnica de delegação de poderes, que se encontram reservados a determinadas instâncias ou pessoas, mas que, por razões de rapidez ou pela natureza técnica dos assuntos, foram delegados a outras instâncias ou pessoas, permanecendo, contudo, imperativos e mandatórios, os
limites ao exercício de tais funções
normativas, nos estritos termos dos atos de delegação22. Outra distinção que já mereceu algum prestígio na doutrina dos internacionalistas, inaugurada por Triepel, no início do Séc. XX, é a entre tratados-leis (Vereinbarungen) e tratados-contratos (Vertragen), certamente influenciada pelos modelos dos direitos internos das fontes normativas das obrigações. Segundo Triepel, os tratados-leis, como as leis internas, seriam normas gerais, que criam direitos e deveres aos seus destinatários, com uma vocação de instituírem direitos “erga omnes”, sem que tal fato implique na instituição de qualquer contrapartida ou de correspondência entre direitos e deveres criados, e os tratados-contratos, seriam normas particulares, que instituem uma correspondência e correlação entre direitos e deveres recíprocos, exigindo, portanto, sempre uma contraprestação normativa, um “quid pro quo”, por parte das Estados aos quais se destinam e cuja atividade regulam.
Na verdade, a distinção apresenta certa atração intelectual23,
particularmente quando se analisam aqueles tratados que implicam numa uniformização ou numa harmonização de normas do ordenamento interno dos Estados, face aos mandamentos internacionais. No Direito brasileiro, a distinção foi introduzida por Clóvis Bevilacqua, no seu Direito Público Internacional e tem servido de base à jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros, quando necessitaram distinguir entre tratados gerais e aqueles tratados bilaterais de extradição ou que versam sobre assuntos tributários, para fins de determinar serem eles uma “lex specialis”, que não se submetem a normas jurisprudenciais de que o tratado internacional não pode derrogar norma constitucional, nem lei interna posterior a ele. Na verdade, no julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, do RE 114.784, publicado in RTJ 126/804, o Ministro Carlos Madeira, Relator, 21
Em francês, a denominação oficial da Convenção do Clima é “Convention-Cadre des Nations Unies sur le Changement Climatique”; em inglês, “United Nations Framework Convention on Climate Change” e em espanhol, “Convención Marco de las Naciones Unidas sobre Modificaciones del Clima”. Ora, nas três línguas, a palavra portuguesa “quadro” se traduz, respectivamente, por “tableau”, “picture” e “cuadro”, e “cadre”, “framework” e “marco” , sejam traduzidos para o vernáculo como “moldura”! 22 A terminologia corrente na doutrina do Direito Constitucional, no capítulo das delegações de poderes entre Executivo e Legislativo, refere-se a “leis-quadro”. A origem do termo, provavelmente tenha vindo do Direito Constitucional francês, que forjou a expressão “lois cadres”, para explicar a técnica legislativa que pragmaticamente se adotou durante a III République. A Constituição deste período da história francesa, expressamente proibia delegações de poderes entre Legislativo e Executivo, o que, num regime parlamentarista, acabou por criar situações de grandes dificuldades de governar, dada o imobilismo da situação, de um Executivo necessitando de grande agilidade, face à relativa lentidão do processo legislativo. Para contornar tais dificuldades, o Parlamento votava leis suficientemente vagas, para permitir que o Poder Executivo, na sua tarefa de regulamentá-las, pudesse exercer sua criatividade e agilidade. No fundo, tais leis, logo denominadas de “lois cadres”, não passavam de autênticas delegações daqueles poderes que estavam reservados, com exclusividade, ao Parlamento. 23 De nossa parte, já aceitamos, em escritos anteriores, a distinção, sem que com tal fato, devamos nos penitenciar. A distinção, como não tem maiores conseqüências jurídicas no Direito Internacional, igualmente, não chegou a prejudicar outros conceitos daqueles trabalhos.
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fundamentaria sua decisão de conferir às normas do GATT uma prevalência sobre a norma constitucional, no seguinte argumento: “ Mas há que atentar para a classificação dos tratados. Há tratados normativos, que propõem fixar normas de direito internacional; há tratados contratuais que têm por finalidade regular interesses recíprocos dos Estados de modo concreto. Os da primeira classe- ensina Clóvis Bevilacqua- revelam ou confirmam o direito objetivo; os da segunda estabelecem modalidade de direito subjetivo”24 Contudo, a nosso ver, salvo no citado caso específico da jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros, a distinção não permite que se tire qualquer outra conclusão prática, pois tanto criam direitos e deveres entre os Estados, com conteúdos idênticos, os tratados gerais, seja bilaterais ou multilaterais, quanto ao tratados sobre assuntos particulares, que criam direitos e deveres recíprocos e comutativos. Por outro lado, a distinção se olvida de que o contraste entre lei e contrato não existe no Direito Internacional Público, onde o legislador da lei geral, os Estados, conservam seus poderes de reforma da lei geral, mesmo na hipótese de firmar tratados particulares assimilados a contratos! Por outro lado, inexiste qualquer limitação ao poder de os Estados firmarem tratados particulares, seja nas regras gerais do Direito Internacional Público, seja nas normas dos denominados tratados-leis: a questão será discutida, no tema geral das responsabilidades dos Estados, por descumprimento de qualquer tipo de obrigações. As responsabilidades por inadimplemento de obrigações internacionais, pelos destinatários do Direito Internacional Público, em particular os Estados, são as mesmas, seja originárias de uma norma do Direito Internacional Público Geral, ou contida num tratado geral, um tratado-lei, na terminologia de Triepel, seja de um tratado particular, quer dizer, um tratado-contrato, ainda segundo aquele mestre alemão. No Direito Internacional Público, inexiste qualquer oposição que pode eventualmente existir e ser relevante nos direitos internos dos Estados, entre obrigações “ex lege”, e obrigações “ex contractu”. O que importa, na atualidade, é outra distinção das obrigações contidas nos tratados internacionais, mas que até o momento, não motivou qualquer denominação especial para os tratados que as consagram: as obrigações de conduta (ou de meios) e as obrigações de resultado. Tal distinção, baseada nos efeitos dos tratados, poderia, de certa forma, justificar uma diferença entre tratados que importam numa modificação das normas internas dos Estados e aqueles que não importam. Os tratados que estipulam obrigações de conduta exigem dos seus destinatários, os Estados, um comportamento específico e determinado e aqueles que estipulam obrigações
de
resultado, criam deveres a seus destinatários, os Estados, de lograrem determinado fim, sendo deixado aos mesmos a faculdade de elegerem as maneiras de cumprir suas obrigações (e portanto, as obrigações exigem uma adequação das legislações internas dos destinatários, àquele fim definido pela norma internacional). Os exemplos são esclarecedores: um tratado de desmobilização 24
Transcrição conforme Jacob Dollinger, Direito Internacional Privado (Parte Geral), 2a edição atualizada, Rio de Janeiro, Renovar, 1993, p. 101. Veja-se, neste livro, o Capítulo 10, onde o tema será discutido com mais profundidade.
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de forças armadas, no contexto da celebração de uma paz, é um tratado com obrigações de conduta, ao passo que um tratado de cooperação em matéria educacional, que tem por finalidade o livre trânsito de Professores e estudantes entre dois ou mais Estados, implica em adequar as normas internas dos Estados, a fim de facilitar o regime de livre circulação de pessoas, de reconhecimentos recíprocos de títulos escolares e universitários, de facilidades, nos respectivos ordenamentos jurídicos internos, para professores ou estudantes estrangeiros, num regime de igualdade aos seus nacionais. No campo dos direitos humanos, a proibição do crime do genocídio é uma obrigação de conduta, e as normas de proibição de discriminações em matéria de sexo, constituem obrigações de resultado (pois a igualdade de tratamento entre homens e mulheres dependerá da adequação das várias legislações internas ao desiderato da norma internacional, ou seja, na legislação trabalhista, previdenciária, sobre direitos de família, em matéria criminal etc.). Mas é no campo das integrações econômicas, que a distinção tem a maior clareza, conforme será visto no presente livro, ao estudarmos os tipos de normas elaboradas, em particular, no interior da Comunidade Européia e as obrigações delas oriundas para os Estados destinatários . Os tratados internacionais se originam de propostas de negociações de um ou mais Estados, formalizadas por um convite de um Estados a outro ou outros, e, no caso de tratados elaborados sob a égide de uma organização intergovernamental, pela decisão de um órgão colegiado com poderes decisórios (por proposta encaminhada à votação em plenário, por um ou vários delegados de Estados ou por órgãos técnicos da própria organização, segundo as regras de cada uma). Nas relações bilaterais, as negociações se processam seja em contactos entre a missão diplomática e a Chancelaria local, seja por comissões especiais que se reúnem ora num, ora noutro país. Nas negociações de tratados multilaterais, se as mesmas se processam sob a égide de uma organização internacional, os procedimentos têm lugar, na maioria dos casos, na sua sede, mas sempre sob sua responsabilidade administrativa de fornecer locais, intérpretes, e pessoal de secretariado; se as negociações se processam a convite de um Estado, este deverá providenciar para o bom desempenho e a regularidade das reuniões dos negociadores (inclusive, com os deveres de conceder-lhes
privilégios e imunidades). Nas negociações dos tratados multilaterais, em geral,
constituem-se comissões ou grupos de trabalho, compostos de representantes dos Estados, com um pessoal diplomático e/ou técnico, com uma atividade regulada por normas costumeiras ou pelas regras existentes nas organizações internacionais relativas a negociações sob sua responsabilidade. Destaque-se uma regra costumeira, com tinturas de uma obrigação natural, nem sempre seguida, nas negociações complexas: os “Gentlemen’s Agreements”25: compromissos entre os negociadores de continuarem as negociações, a partir das decisões já tomadas numa reunião e de não abrirem-se discussões sobre pontos parciais já acertados; se há vantagens em tais normas, elas, contudo, não 25
Veja-se nosso trabalho, “Gentlemen’s Agreements” no verbete “Agreements, Gentlemen’s Agreements, Executive Agreements” na Enciclopédia Saraiva de Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, vol. 5, p. 246-81.
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obrigam os delegados dos Estados, numa fase pré-natal dos tratados, em que inexistem obrigações claras para os Estados (salvo, evidentemente, um dever moral de não frustrar o andamento das negociações). Momento relevante para os tratados internacionais é o de sua assinatura, que a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados denomina de “conclusão dos tratados internacionais”, por sinal, o primeiro aspecto que ela regula. Note-se que assinatura, adoção, conclusão ou firma, são, do ponto de vista jurídico, sinônimos perfeitos e significam o término da fase anterior das negociações e o momento em que o tratado internacional tem seu texto acabado, não mais se permitindo sua modificação, bem como indicam os Estados que se encontram originalmente obrigados pelo tratado internacional e que participaram de sua feitura. A assinatura é sempre um ato solene nas relações bilaterais, quando os tratados são adotados numa Capital de um Estado, perante a sede de seu Governo: exige-se a prévia exibição de plenos poderes26 por parte do signatário em nome do outro Estado, sendo os mesmo dispensados, quando não se tratar do chefe da missão permanente ou quando a assinatura é feita pelo próprio Chefe de Estado, Chefe de Governo e ministros das Relações Exteriores de um país estrangeiro, em visita oficial no outro país (cf.: art. 7 o § 2o da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados). Nas relações multilaterais, uma conferência internacional de assinatura é especialmente convocada, pela organização internacional ou pelo Estado responsável pelas negociações, para, numa cidade, em geral a sede daquela organização, ou a sede do Governo daquele Estado27, os delegados dos Estados participantes das negociações, devidamente munidos de plenos poderes “ad hoc”, assinem o tratado internacional; há casos de tratados terminados numa cidade, por exemplo, a sede de uma organização internacional, e com a assinatura em outras28. Tais conferência internacionais adotam as próprias normas relativas a recebimento e avaliação dos plenos poderes (importantes para a legitimação das delegações oficiais e dos observadores), de condução de seus trabalhos (em plenário e em comissões 29 ou grupos de 26
Trata-se de um documento expedido pelo Chefe de Estado ou pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, onde se nomeia uma pessoa com poderes especiais de assinar, em nome do Estado, um determinado tratado internacional. Em geral, é redigido numa língua franca, que pode variar segundo a praxe de cada país, sendo, o inglês e o francês, os mais admitidos. No Brasil, além dessas duas línguas, admite-se o espanhol. A Convenção de Viena, no seu art. 2o letra c) assim dispõe: “plenos poderes” significa um documento expedido pela autoridade competente de um Estado, designando uma ou várias pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado. 27 A prática tem demonstrado que a denominação de um tratado, pelo lugar de sua assinatura, nem sempre significa ter o mesmo resultado da uma iniciativa de um Estado: a Convenção de Nova York sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958, foi proposta do Conselho Econômico e Social da ONU, foi assinada após uma conferência diplomática realizada na sede da ONU, naquela cidade, e a Convenção do Panamá sobre Arbitragem Comercial Internacional, de 1975, conquanto firmada naquela cidade da América Central, resultou de propostas e de negociações empreendidas sob a égide da OEA. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, levou cerca de 8 anos para sua assinatura, desde o início das negociações em Nova York (AG da ONU), perpassando por sessões em Nova York e Genebra, até a conferência diplomática para sua adoção, realizada na cidade de Montego Bay, na Jamaica. 28 A Convenção sobre Diversidade Biológica, terminada em Nairobi, sede do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a assinado no Rio de Janeiro, em 1992, por ocasião da ECO-92. 29 As mais freqüentes são: Comissão de Credenciais, Comissões Temáticas (que em geral se subdividem em comissões técnicas, encarregadas dos aspectos de direito material constante nos futuros tratados e comissões sobre aspectos de procedimentos relacionados à adoção do tratado multilateral, como direitos de voto, condições para adoção do texto, sua entrada em vigor, e as denominadas ‘clausulas finais’), Comissão de Redação (em geral composto por delegados dos países em cujas línguas o tratado será
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trabalho especiais) e as importantes regras sobre deliberações (quorum de reunião e quorum de deliberação), por vezes, aproveitando aquelas que já existem, nas organizações internacionais para eventuais reuniões extraordinárias de seus órgãos coletivos. A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados estipula que, a menos que os Estados decidam de modo diferente, o quorum de deliberação para adoção do texto do tratado é pela maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes (art. 9o §§ 1o e 2o). No caso de tratados multilaterais, a assinatura tem sido considerada aposta nos textos, por ocasião da assinatura, pelos delegados dos Estados, da ata final da conferência diplomática, a qual incorpora o textos, nas suas versões oficiais, do tratado adotado (art. 10o letra b. da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados). O momento da assinatura pode ser diferido, para épocas posteriores, a fim de permitir aos Estados que participaram das negociações e que não puderam participar da solenidade da adoção do texto, (impossibilidade da presença de seus delegados no país onde o ato internacional foi firmado), ou por qualquer outro motivo, integrarem o texto, como membros signatários; na hipótese, emprega-se a expressão, “tratado aberto à assinatura, na cidade tal, até o dia tanto”. Nos séculos anteriores, os tratados multilaterais e mesmo os bilaterais, eram assinados nas línguas consideradas francas: o latim (até os Tratados de Vestfália de 1648) e o francês (nesta língua, praticamente até a Primeira Guerra Mundial, quando passou a conviver com a freqüência crescente do inglês), Na atualidade, os tratados multilaterais são redigidos em todas ou em algumas das línguas consideradas oficiais da ONU: inglês, francês, russo e chinês e as línguas de trabalho: espanhol e árabe. Há clausulas especiais nos tratados multilaterais que dispõem sobre a língua ou línguas de redação da sua versão oficial, em geral, com a advertência de que “todas as versões são de igual valor”. Os tratados bilaterais são redigidos nas línguas oficiais dos países signatários 30, havendo casos de estipulações expressas, sobre uma terceira versão do tratado, redigida em língua franca, que deverá servir como língua de referência, no caso de divergência de interpretação dos textos redigidos nas línguas nacionais dos Estados Partes O tema se encontra regulado no art. 33 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, ementado: ‘Interpretação de Tratados Autenticados em Duas ou Mais Línguas”31. Da assinatura dos tratados, bilaterais ou multilaterais, não defluem, necessariamente, obrigações para os Estados signatários, reafirmando-se que o efeito mais evidente da assinatura, é a imutabilidade de seu texto. Com efeito, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, no seu redigido), Comissão de Secretaria (encarregada das atas e dos aspectos administrativos, como intérpretes, traduções, circulação de documentos, e eventuais relacionamentos de delegados com autoridades locais). 30 As assinaturas em versões nas línguas desconhecidas pelos signatários são necessárias, em virtude da autenticidade dos documentos, que terão sua validade nos ordenamentos internos dos Estados, e para efeitos internacionais. Não deixa de ser curioso o fato de alguém, em particular uma pessoa que assina um documento em nome de um Estado, firmar um documento solene, do qual desconhece a língua em que está redigido! 31 Norma interessante de interpretação se encontra no seu § 4 o que estipula que no caso de inexistir normas sobre a prevalência de um das línguas, e de haver discrepâncias de interpretação, tendo havido esforços baldados de recorrer-se a uma regra geral de interpretação (do art., 31) ou aos meios suplementares de interpretação (do art. 32), “adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o objeto e a finalidade do tratado, melhor concilie esses textos”.
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art. 11, ementado “Meios de Manifestar Consentimento em Obrigar-se por um Tratado”, assim dispõe: “O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim for acordado”. Nos artigos subseqüentes, aquela Convenção disciplina cada modo, consagrando a regra geral de que tais modos devem figurar nos textos dos tratados multilaterais (ou nos bilaterais, quando aplicáveis na espécie). Os modos mais correntes e que merecem estudo são a ratificação e a adesão, que não se acham definidas na mencionada Convenção de Viena. A ratificação é um ato unilateral do Estado, que reafirma perante seu ou seus co-participantes num tratado, sua intenção de obrigar-se por ele; nos tratados bilaterais a ratificação se perfaz perante o outro Estado Parte, por uma nota diplomática endereçada à missão diplomática estrangeira, ou perante a Chancelaria do outro país, e nos tratados multilaterais, com uma nota diplomática endereçada ao depositário do tratado32, um dos Estados Partes indicados pelo Tratado, ou um alto funcionário representante de uma organização intergovernamental (o Secretário Geral, no caso da ONU, ou outra pessoa que tenha a
representação de uma organização
internacional), se esta for o depositário do tratado multilateral. A adesão, ou acessão, é um ato unilateral de um Estado, que o integra no sistema de direitos e deveres já constituído por um tratado multilateral em vigor; se o tratado permitir adesões, elas poderão ser aceitas, a qualquer tempo, para o tratado multilateral, na sua integralidade, sem que possa haver objeções dos Estados Partes, mas no caso de adesões para partes de um tratado multilateral, que não permita escolha entre alguns de seus dispositivos, tal adesão, nos termos do art. 17 § 1o da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, somente será possível, se houver permissão do tratado e se os outros Estados contratantes nisso acordarem. Deve ser enfatizado que tanto a ratificação quanto a adesão, são atos regulados pelo Direito Internacional Público e que a ratificação, em particular, não significa prova ou presunção de que o Poder Executivo do Estado tenha feito aprovar, pelo respectivo Poder Legislativo interno, o texto do tratado. A regra, na atualidade, é de quem se obriga no Direito Internacional Público é o Estado, uma pessoa jurídica por ele reconhecida, independentemente de ter o mesmo uma configuração democrática e contar, assim, com um Poder Legislativo operante. Na prática brasileira, tanto a ratificação de tratados internacionais, que o País assinou, quanto a adesão a tratados internacionais já em vigor, necessitam da aprovação referendária do Congresso Nacional, (aprovação, ou seu sinônimo “ referendo”, mas nunca “ratificação” pelo Congresso Nacional!), por mandamento da própria Constituição Federal, nos seu art. 49 inc. I (competência exclusiva do Congresso Nacional) e art. 84, inc. VIII. (competência privativa do Presidente de República), transcritos nas notas de rodapé 8 e 9 deste capítulo. Sendo assim, o fato de a ratificação e a adesão serem atos vinculados 32
Para um estudo das funções de um depositário de um tratado internacional, veja-se do Prof. João Grandino Rodas, “Depositários de Tratados Internacionais”. IN: Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, no 52, 1976, p. 241-308.
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do Presidente da República, dependentes de um referendo do Congresso Nacional, produz efeitos meramente no ordenamento interno brasileiro, no que respeita à legalidade constitucional dos atos presidenciais, nada influindo nas relações internacionais do País, no que respeita à sua conformidade com as regras do Direito Internacional Público. A única norma de Direito Internacional na matéria, é o art. 18 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, ementado “Obrigação de Não Frustrar o Objeto e a Finalidade de um Tratado antes de sua Entrada em Vigor”, o qual merece transcrição: “Um Estado deve abster-se da prática de atos que frustrem o objeto e a finalidade de um tratado: a) se assinou ou trocou instrumentos constitutivos do tratado, sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação, enquanto não manifestar sua intenção de não se tornar parte no tratado; ou b) se expressou seu consentimento em obrigar-se por um tratado, no período que precede a entrada em vigor, e com a condição de que esta não seja indevidamente retardada”. Um incidente que pode ocorrer na assinatura dos tratados multilaterais, na sua ratificação ou na adesão a eles, é a apresentação de reserva, assim definida no art. 2 o letra d) da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados: “uma declaração unilateral, feita por um Estado, seja qual for seu teor ou denominação, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ela aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado”. Sendo dado que da assinatura nem sempre é gerado o consentimento de um Estado em obrigar-se pelo tratado, bilateral ou multilateral, aplica-se o dispositivo do art. 18 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, àcima transcrito. Na verdade, as reservas podem ser apresentadas não só na assinatura, mas igualmente na ratificação, aceitação, aprovação ou ainda no momento de adesão, nunca porém, quando o Estado já é parte de um tratado multilateral e este já se encontra em vigor internacional. Seu regime é regulado em toda Seção II da Parte II da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, devendo dizer-se que, na atualidade, tem sido uma tendência de, nos tratados multilaterais complexos, proibirem-se reservas, dado o sistema complexo que elas criam. Na verdade, se a um intérprete pode ser fácil saber quais dispositivos de um tratado multilateral se aplicam no ordenamento jurídico interno, a tarefa se reveste de extrema dificuldade, na interpretação dos direitos e deveres entre os Estados-Partes, pois além de ter-se de descobrir quais os dispositivos comuns a dois ou mais Estados, ainda é necessário verificar se os mesmos são capazes, numa verdadeira colcha de retalhos, de instituir um sistema obrigacional entre as Partes, num verdadeiro desafio ao intérprete ou aplicador33. A regra geral das reservas é de que elas são permitidas, se o texto do tratado o permitir, no todo ou em parte, e se elas não forem incompatíveis com a finalidade dos tratados. Admitem-se objeções de outros Estados às reservas, bem como a possibilidade de retirada de reservas. O art. 21 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados regula, conforme sua ementa, “os efeitos jurídicos das reservas e das objeções às 33
O exemplo pode ser dado pela Convenção da União de Paris sobre Propriedade Industrial, com seus artigos reformados, em várias ocasiões, renumerados bis, ter, quattuor, e as incontáveis reservas de Estados a uns e outros.
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reservas”, consagrando a regra de que as mesmas modificam as disposições do tratado em relação à parte que a apresenta e as outras partes, na medida da reserva, mas não modifica as disposições do tratado quanto às demais partes do tratado, em suas relações “inter se”; o fato de um Estado objetar a uma reserva, mas considerar o tratado em vigor entre ele e o Estado reservatário, impede a aplicação dos dispositivos reservados, unicamente nas relações entre ambos. Quanto à entrada em vigor de um tratado internacional, é mister distinguir-se tratar-se da vigência nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados, ou no ordenamento jurídico internacional. Claro está que a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados trata apenas do segundo aspecto, sendo matéria de Direito Constitucional interno dos Estados, ou de outros ramos da ciência jurídica34, determinar os modos e o momento da entrada em vigor nos respectivos ordenamentos jurídicos nacionais. Um tratado internacional entra em vigor internacional, nos termos do art. 24 daquela Convenção, “na forma e na data previstas no tratado ou acordadas pelas partes” (§ 1o); na ausência de estipulação em tal sentido, “tão logo o consentimento em obrigar-se por um tratado seja manifestado por todos os Estados negociadores”. Para os Estados que aderirem a um tratado multilateral, salvo disposição em contrário, o momento de entrada em vigor será a data da manifestação do consentimento do Estado em obrigar-se por ele (§ 3o). Dispositivo importante é o do § 4o do referido art. 24, que considera que quaisquer incidentes antes da entrada em vigor do tratado internacional, devem ser resolvidos pelas regras do tratado, conforme adotadas na adoção de seu texto (portanto, da assinatura do texto, já decorrem determinados direitos e obrigações para os Estados signatários). A Convenção de Viena admite a aplicação provisória de um tratado, ou de parte dele, enquanto não entre em vigor, desde que o próprio tratado o permita ou que os Estados negociadores assim tenham convindo, por outra forma (art. 25 § 1o, letras a e b). Os tratados internacionais, multilaterais ou bilaterais, podem ser emendados, e os multilaterais, modificados; a emenda significa alteração no texto, com valor, em princípio, para todas os Estados Partes, e a modificação, alterações concluídas apenas entre alguns Estados Partes e válidas somente nas relações entre eles. Nos tratados multilaterais mais modernos, constam dispositivos que disciplinam as emendas; na sua falta, aplicam-se os dispositivos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, que ganham relevância, em especial, face às modernas tendências de deixar os tratados multilaterais o mais perto possível dos avanços da ciência e da tecnologia. Relembre-se que a possibilidade de emendas constitui uma das possibilidades de “aggiornamento” dos dispositivos dos tratados multilaterais, por sinal, a mais formal e cercada de precauções, por vezes, quase tão demorada quanto a negociação de novos tratados multilaterais sobre o mesmo tema. Os dispositivos sobre emendas constam do art. 40 daquela Convenção e consagram as seguintes regras: a) qualquer proposta de emenda deverá ser participada a cada 34
Destaque-se, no Brasil, os dispositivos sobre o momento da entrada em vigor de qualquer ato normativo, no ordenamento jurídico nacional, conforme o art. 2o “caput” da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina, como regra, o começo de vigência, 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada, salvo se seu texto dispuser de outra forma.
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Estado contratante, que tem o direito de participar da decisão sobre a proposta de emenda e da negociação e conclusão de qualquer acordo para a emenda ao tratado (§ 2o, letras a e b); b) qualquer Estado que possa ser parte do tratado pode igualmente ser parte no tratado emendado (§ 3o); c) o acordo de emenda não vincula os Estados que já são partes no tratado e que não o são do acordo emendado (e para estes, vigorará as partes do tratado primitivo que não foram emendadas, nos termos do § 4o do art. 40, com remissão ao art. 30 § 4 letra b) e d) em relação aos Estados que tomem parte no tratado, depois de vigente a emenda, é considerado, se, de outra forma, não houver dispositivo expresso, parte no tratado emendado e parte, quanto aos Estados que não aceitaram a emenda, somente naquelas partes do tratado que ainda vinculam estes Estados (§ 5o). Quanto às modificações, que implicam num regime especial entre Estados Partes, continuando a estar vigente o tratado multilateral (trata-se, assim, de derrogações parciais e somente entre alguns Estados Partes), são elas admissíveis, desde que haja previsão, no tratado, sobre a possibilidade, ou se esta modificação não estiver proibida e ainda, na condição de a modificação não prejudicar o gozo, pelos outros Estados Partes, dos direitos decorrentes do tratado, nem impedir a estes o cumprimento de suas obrigações, e, enfim, “não disser respeito a uma disposição, cuja derrogação seja incompatível com a execução efetiva do objeto e da finalidade do tratado em seu conjunto” (art. 41 § 1o , letra b, inciso II). A Parte V da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados assim está ementado: “Nulidade, Extinção e Suspensão da Aplicação de Tratados”. Deve ser notado que as regras existentes nos regimes jurídicos internos dos Estados, no relativo à interpretação de atos negociais bilaterais ou multilaterais, entre indivíduos e destes com empresas públicas ou privadas, ou entre empresas (os contratos e convenções), e mesmo as hipóteses em que o Estado neles seja parte (os contratos administrativos), não podem ser aplicáveis aos tratados e convenções internacionais. Os contrastes normativos que existem nos ordenamentos internos dos Estados, entre a lei e o contrato ou ato negocial privados,
inexistem no Direito Internacional Público, campo onde os
legisladores das normas gerais, os Estados, são os mesmos que estabelecem normas particulares entre si, e de tal modo, que jamais abdicam de seu poder normativo amplo e ilimitado, ao firmarem tratados e convenções assimiláveis a contratos. Isto posto, o regime das nulidades, da extinção e da suspensão de tratados, é regulado pelas normas do Direito Internacional Público, com nenhuma influência dos princípios e normas que imperam nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados, mesmo que sejam eles universais35. Uma das conseqüências de tal fato, se reflete em que o regime das nulidades são expressas, sendo impreciso, na citada Convenção de Viena, o regime de convalidação de atos anuláveis. Na verdade, em que pese não haver a Convenção de Viena sobre 35
Tal fato é reafirmado pelo art. 42 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, ao disciplinar que a vigência e validade dos tratados somente podem ser contestadas, de conformidade com as determinações dela (§ 1o), bem como a extinção, denúncia ou retirada de uma das partes, assim como a suspensão da execução de um tratado, somente poderão ocorrer, em virtude da aplicação das disposições seja do tratado em causa, seja dos daquela Convenção (§ 2o).
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o Direito dos Tratados feito uma clara referência a nulidades absolutas (vícios insanáveis)
e
nulidades relativas (vícios sanáveis), consagrou a possibilidade de haver vícios que, por efeitos externos aos tratados (ou seja, comportamentos de um Estado parte a quem os referidos vícios poderiam aproveitar), causam a extinção das obrigações pactuadas. No que interessa ao regime das nulidades, extinção ou suspensão de um tratado, importa analisar o disposto no art. 42 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, que disciplina as causas da perda do direito de um Estado poder invocar graves imperfeições de um tratado internacional, como motivo justificado para sua inadimplência: nas hipóteses de a matéria não estar incluída nas proibições expressas36, “depois de haver tomado conhecimento dos fatos, esse Estado: a) aceitou, expressamente, considerar que o tratado é válido, permanece em vigor ou continua sendo aplicado, conforme o caso; ou b) deve, em razão de sua conduta, ser considerado como tendo admitido que o tratado é válido, permanece em vigor ou continua sendo executado, conforme o caso”37. As causas de nulidades de um tratado internacional, ou seja, os vícios de consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado, são, conforme a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados: a) uma violação manifesta de uma regra do direito interno do Estado, de importância fundamental, no que diz respeito à competência de seu agente concluir tratados (art. 46), entendendo aquela Convenção de Viena que “uma violação é manifesta caso seja objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, na conformidade da prática normal e de boa-fé” (art. 46 § 2o ); b) um desrespeito a uma restrição específica ao poder de um agente do Estado em manifestar o consentimento deste, a qual não tenha sido comunicada aos outros Estados partes no tratado (47); c) a existência de um erro por parte de um Estado, definido erro como “fato ou situação que esse Estado supunha existir no momento em que o tratado foi concluído e que constituía
base essencial de seu consentimento em obrigar-se pelo tratado”, nas
hipóteses de que o referido
Estado “não contribuiu, com sua conduta, ou se as
circunstâncias forem tais que o Estado deveria ter-se apercebido da possibilidade de um erro” (art. 48, com seus três parágrafos) ; 36
Os casos em que se proíbe a convalidação, são os das nulidades decorrentes de a) violações de disposições de direito interno dos Estados sobre competência para concluir tratados (art. 46) , b) existência de restrição específica ao poder de um representante de um Estado manifestar seu consentimento (art. 47); c) erro (art. 48); d) dolo (49): e) corrupção de representante de um Estado (art. 50); ou ainda da extinção ou suspensão de tratados, nas hipóteses de a) terem sido tais efeitos conseqüência de sua violação (art. 60), e b) ter havido uma mudança fundamental de circunstâncias, a partir do momento da conclusão do tratado e não previstas pelas partes (art. 62). 37 A última hipótese, de impossibilidade de convalidação de atos com vícios sanáveis, é mais assimilável ao “estoppel” da Common Law, do que um regime das convalidações de atos anuláveis da família romano-germânicos direitos (Civil Law) conforme ensina o Direito Comparado. Trata-se de uma aceitação tácita da plena validade de um tratado internacional, cuja validade, em princípio, poderia ter sido atacada por uma das partes, e que não o fez expressamente, mas, ao contrário, agiu como se o mesmo fosse válido (em que pesem os vícios daquele tratado, que, em data posterior, venha a invocar). Não se trata de prescrição, mas de uma conduta compatível com a validade de um ato normativo, cuja nulidade a parte, responsável por aquela conduta, venha a alegar.
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d) a verificação de dolo, tipificado como o vício causado pela “conduta fraudulenta de outro Estado negociador” (art. 49); e) a hipótese de ter havido corrupção de um representante de um Estado, por ação direta ou indireta de outro Estado negociador, no momento da manifestação do consentimento daquele Estado (art. 50); f) a existência de coação exercida sobre o representante de um Estado, por meio de atos ou ameaças dirigidas contra ele (art. 51); g) ter havido uma coação exercida sobre um Estado, representada pela ameaça ou com emprego da força , em violação dos princípios incorporados na Carta das Nações Unidas (art. 52) e enfim, h) um tratado é nulo se, no momento de sua conclusão, o mesmo se encontra em “conflito com uma norma imperativa de Direito Internacional (jus cogens)”, nos termos do art. 53, tema esse que, por sua importância, merecerá um estudo particular no Cap. 6
do
presente trabalho. As conseqüências da nulidade de um tratado internacional se encontram elencadas no art. 69 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, cuja regra básica é a de que “os dispositivos de um tratado nulo não têm força jurídica” (§ 1o); contudo, os atos praticados em virtude de um tratado declarado nulo, dão causa a que qualquer parte possa exigir de qualquer outra, que se restabeleça, na medida do possível, nas relações mútuas, a situação que teria existido se tais atos não tivessem sido praticados e, aqueles atos praticados de boa fé, antes da declaração de nulidade, não serão afetados pela nulidade do tratado (art. 69 §2o alíneas a e b), situações essas de que não
se
aproveitam as partes às quais se imputam o dolo, a coação e a corrupção (id. § 3 o). O caso de nulidade de um tratado, que se encontre em conflito com uma norma imperativa de Direito Internacional Geral (“jus cogens”), mereceu um tratamento especial na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, no seu art. 71, tema que será analisado com pormenores, no Cap. 6 desta obra. A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, trata, conjuntamente, das causas que determinam a extinção do tratado (seu desaparecimento como fonte formal das obrigações entre todas as Partes) e a suspensão da execução dos efeitos de um tratado, fenômenos jurídicos que não se confundem, uma vez que, no primeiro caso, trata-se do desaparecimento das obrigações internacionais, pelo fato de a sua fonte ter sido suprimida, ao passo que no segundo, existe a cessação temporária dos efeitos normativos do tratado, para todas os Estados Partes, ou para alguns deles, o qual, no entanto, como fonte da norma, continua a existir no mundo jurídico. Trata-se da Sec. III, “Extinção e Suspensão da Execução de Tratados”, da Parte V daquela Convenção (esta, como já se disse, ementada: “Nulidade, Extinção e Suspensão da Aplicação de Tratados”), devendose notar que a mesma não disciplina as conseqüências de um descumprimento de uma obrigação
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internacional, que é assunto regulado em outro capítulo do Direito Internacional Público, o da responsabilidade internacional dos Estados. São causas que determinam o desaparecimento do tratado como fonte de obrigações para as partes contratantes, ainda nos termos da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados: a) sua extinção total (prevista pelo tratado, ou a qualquer momento, pelo consentimento de todas as partes, após consulta a todos os Estados contratantes) ou extinção em relação a uma parte, que se retira de um tratado (nas mesmas circunstâncias) (art. 54); b) sua extinção pela redução do número de partes num tratado multilateral, aquém do exigido para sua entrada em vigor, se assim dispuser o tratado (art. 55); c) pela denúncia ou retirada (esta última denominação se reserva para o caso de um Estado denunciar um tratado multilateral que institui uma organizações intergovernamental, e se conhece, igualmente, como “recesso”), quer dizer, por ato unilateral de um ou vários dos Estados Partes, nas hipóteses de o tratado o permitir ou resultar da natureza de seus dispositivos (art. 56); d) sua revogação expressa ou tácita por um tratado posterior, sobre o mesmo assunto e entre todas as partes contratantes, ou sua incompatibilidade com dispositivos de outro tratado posterior (art. 59); e) pela violação substancial de um tratado, nos termos do art. 60, a seguir analisado; f) pela impossibilidade superveniente de cumprimento do tratado, resultante da destruição ou do desaparecimento definitivo de um objeto indispensável à execução do tratado, na hipótese de uma das partes não haver dado causa àquela destruição ou àquele desaparecimento, em conseqüência de uma violação de um tratado ou de uma outra norma de Direito Internacional (art. 61); g) pela mudança fundamental de circunstâncias, ocorrida em relação àquelas existentes no momento da conclusão do tratado e não prevista pelas partes38, ou seja, a aplicação da doutrina “rebus sic stantibus”39.
A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados
procurou disciplinar uma questão complexa, tendo fixado as hipóteses em que a mudança fundamental pode produzir efeitos nos tratados internacionais, no seu art. 62: 1o) as circunstâncias novas devem influir na condição essencial que existia, no momento em que 38
Uma mudança fundamental de circunstâncias, quando se encontra prevista num tratado, pode revestir-se do efeito de extinção do tratado (cláusula de força maior), ou da obrigação de as partes renegociarem, parcialmente, os termos do tratado, em particular, sobre novas modalidades de cumprimento das obrigações pactuadas (cláusula “hardship”). Há uma grande polêmica de saber-se até que ponto o princípio da permanência das circunstâncias fundamentais existentes no momento do nascimento das obrigações pactuadas, devam ser condições para a validade dos tratados, durante sua vigência (princípio invocado de que “omnis conventio intelligitur rebus sic stantibus” ), mesmo que sua modificação não tenha sido prevista. Relembre-se que a teoria dos contratos, no Direito Comparado ou no Direito do Comércio Internacional, nem sempre é aplicável para os tratados internacionais. 39 A expressão significa uma oração subordinada reduzida temporal, ou causal, (cláusula), ou seja,, um ablativo absoluto, no qual o sujeito é um ablativo (“rebus”, ablativo plural de “res, rei”, a coisa) e o verbo, um particípio passado, igualmente no ablativo ( stantibus, ablativo plural de stans, stantis, particípio passado de “stare”, permanecer, ficar, estar permanente). Ao pé da letra, “assim as coisas ficadas permanentes”, ou melhor: “assim permanecendo as coisas”.
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os Estados Partes tenham dado seu consentimento em se obrigarem pelo tratado, 2o ) tal mudança deve produzir o efeito de uma transformação radical da natureza das obrigações ainda pendentes de cumprimento em virtude do tratado. No mesmo art. 62, encontram-se as exceções, ou seja, os casos em que a doutrina da “rebus sic stantibus” não pode operar: 1o) o tratado versar sobre limites, ou 2o) a “mudança fundamental resultar de violação pela parte que a invoca, seja de um tratado, seja de qualquer outra obrigação internacional em relação às outras partes no tratado” (art. 62 § 2o alínea b); h) pela ruptura de relações diplomáticas ou consulares entre as partes, na hipótese de tais relações serem indispensáveis à aplicação do tratado art. 63), devendo-se esclarecer que, no termos do art. 74 daquela Convenção de Viena: “a ruptura de relações diplomáticas ou consulares e a ausência dessas relações entre dois ou mais Estados, não obstam a conclusão de tratados entre os referidos Estados”. O mesmo art. 74 consagra a norma de que “a conclusão de um tratado, por si só, não produz efeitos sobre as relações diplomáticas ou consulares”; e i) superveniência de uma nova norma imperativa de Direito Internacional Geral (“jus cogens”), em conflito com o tratado, a qual o torna nulo e dá causa à sua extinção, assunto, que, como já anunciado, será objeto de estudos particulares no Cap. 6 da presente obra. As conseqüências da extinção de um tratado, se encontram estipuladas no art. 70 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, que arrola apenas aquelas que se aplicam a quaisquer tipos de tratados, respeitando, assim, os dispositivos específicos que possa haver nos tratados violados ou em outras normas pactuadas entre os Estados. Segundo aquela Convenção, art. 70 § 1o, a extinção de um tratado: a) libera as partes de continuar a cumprir o tratado e b) não prejudica qualquer direito, obrigação ou extinção jurídica das partes, criados pela execução do tratado, antes de sua extinção. Nos termos do § 2o daquele mesmo artigo, no caso de denúncia ou da retirada de um Estado de um tratado multilateral, tais normas se aplicam nas relações entre esse Estado e cada uma das outras partes no tratado, a partir da data dessa denúncia ou retirada. A extinção, portanto, é um ato formal, com efeitos “ex nunc”, uma vez que seus efeitos operam a partir de sua declaração, respeitados os efeitos já constituídos até aquele momento. São causas que, nos termos da Convenço de Viena sobre Direito dos Tratados, legitimam a suspensão da execução de um tratado: a) aquelas expressamente previstas nos dispositivos dos tratados, ou a qualquer momento, pelo consentimento de todas as partes, após consulta a outros Estados contratantes (art. 57); b) acordos parciais de suspensão temporária, entre alguns Estados num tratado multilateral, e válidos somente entre elas, nas hipóteses de tal suspensão estar prevista no tratado, ou, não estando proibida pelo tratado: 1o) não prejudicar o gozo pelas outras partes dos direitos decorrentes do tratado, nem o cumprimento de suas obrigações; 2o) não for incompatível
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com o objeto e a finalidade do tratado (art. 58 e seus §§); c) conclusão de um tratado posterior, nas mesmas circunstâncias já referidas no art. 59; d) a violação do tratado, conforme será visto a seguir, e) a impossibilidade superveniente e temporária do cumprimento do tratado (art. 61);
f) uma
mudança fundamental de circunstâncias, nos temos do art. 62 § 3o ) e g) a ruptura de relações diplomáticas ou consulares, nas condições se serem estas indispensáveis à execução do tratado (art. 63). As conseqüências jurídicas da suspensão da execução de um tratado, se encontram disciplinadas no art. 72 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, igualmente submetido às cautelas de disposições contrárias do tratado ou de acordo dos Estados, em sentido contrário. A suspensão: “ a) libera as partes, entre as quais a execução seja suspensa, da obrigação de cumprir o tratado nas suas relações mútuas, durante o período de suspensão e b) não tem qualquer outro efeito sobre as relações jurídicas estabelecidas pelo tratado entre as partes”. No § 2 o daquele artigo, consta a regra de que “durante o período de suspensão, as partes devem abster-se de atos tendentes a impedir o reinicio da execução do tratado”. Uma questão complexa que a Convenção de Viena versou, de forma a ter posto numa norma escrita, leis esparsas e usos e costumes internacionais seculares, é dos efeitos da violação de um tratado, como causa de sua extinção ou da suspensão de sua execução. Trata-se do art. 60, ementado: “Extinção ou suspensão da execução de um tratado, em conseqüência de sua violação”. Define ele o que considera como “violação substancial de um tratado” para os fins de aplicarem-se seus dispositivos: “a) rejeição de um tratado, não autorizada pela presente Convenção, ou b) na violação de uma disposição essencial para a consecução do objetivo ou da finalidade do tratado” (§ 3o). Trata-se, na verdade, da aplicação no Direito Internacional, de uma norma do direito das obrigações, relativa às conseqüências jurídicas de uma inexecução faltosa de um dever jurídico, encontrável na totalidade dos sistemas jurídicos nacionais: “inadimplenti non est adimplendum” (a parte inadimplente não pode exigir o cumprimento de uma obrigação, que ela mesma não cumpriu40).
Distingue a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, em dois, os tipos de
conseqüências, no caso de tratar-se de tratados bilaterais ou multilaterais. No primeiro caso, dos tratados bilaterais, “a violação substancial por uma das partes, autoriza a outra parte a invocar a violação como causa de extinção ou suspensão de sua execução, no todo ou em parte” (§ 1o). No caso dos tratados multilaterais, a violação substancial por uma das partes, autoriza: a) as outras partes, por consentimento unânime, a suspender sua execução, no todo ou em parte, ou a extinguilo, seja no referente a elas e o Estado autor da violação, seja entre todas as partes (§ 2 o alínea a); b) uma parte especialmente prejudicada pela violação, a invocá-lo como causa para suspender a execução do tratado, no todo ou em parte, nas relações entre ela própria e o Estado autor da 40
Ao pé da letra, a expressão “inadimplenti non est adimplendum” deveria ser traduzida por: “pelo inadimplente, algo não deve ser cumprido” , onde “inadimplenti” é um ablativo de agente da passiva, numa conjugação em modo obrigacional, do verbo “adimplere” (particípio futuro e verbo “esse”). Uma tradução melhorada seria: “ao inadimplente, nada deve ser exigido”.
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violação (§ 2o alínea b); c) “qualquer parte, salvo o autor da violação, a invocar a violação como causa para suspender a execução do tratado no todo ou em parte, no que lhe disser respeito, se o tratado for de tal natureza que a violação substancial de suas disposições por uma parte, modifique radicalmente a situação de cada uma das partes quanto à execução posterior de suas obrigações, em virtude do tratado” (§ 2o, alínea c). Tais dispositivos devem ser interpretados como supletivos, no referente às disposições particulares de um tratado relativos a casos de sua violação, conforme os termos do § 4o, assim redigido: “os parágrafos anteriores, não prejudicam qualquer disposição do tratado aplicável em caso de violação”.
Enfim, o § 5o estipula que os dispositivos relativos aos
tratados bilaterais, bem como as definições contempladas no § 3o (o que se considera como uma violação substancial de um tratado), “não se aplicam às disposições sobre proteção da pessoa humana contidas em tratados de caráter humanitário, especialmente às disposições que proíbem qualquer forma de represálias contra pessoas protegidas pelos referidos tratados”. Outra questão complexa e que a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados deixou propositadamente de versar, e que, no entanto, é clássica no Direito Internacional, é a do efeito dos conflitos armados internacionais sobre os tratados internacionais. Trata-se do fenômeno da guerra, conforme definido e disciplinado pelo Direito Internacional , com os formalismos de seu início e fim, as definições de combatentes e as regras sobre a condução de operaçòes bélicas (em especial, as normas do Direito Humanitário), fatos que excluem outras situações de relaçòes hostis entre Estados, como as represálias armadas e formas não reguladas pelo Direito Internacional, como as intervenções unilaterais. Na verdade, o fenômeno da guerra, na atualidade das relações internacionais,
se encontra disciplinado por um sem número de tratados e resoluções de
organizações internacionais, e encontra seu princípio fundamental na Carta da ONU, que instituiu o sistema da segurança coletiva, ou seja, a proibição do uso da força para a resoluçào de controvérsias, legitimando-se, contudo, um sistema de intervenção coletiva de Estados, sob a forma de forças militares autorizadas nos termos daquela Carta. Claro está que, num texto especial como a Convençào de Viena sobre o Direito dos Tratados, seria necessário uma inclusão de todo complexo sistema de segurança coletiva da ONU, inclusive nos seus aspectos dinâmicos de outras organizaçòes internacionais como a OTAN, o que não seria viável. Restou o lacônico art. 75 daquela Convençào, ementado “Caso do Estado Agressor”, assim redigido: “As disposições da presente Convençào não afetam qualquer obrigação que possa resultar, a respeito de um tratado, para um Estado agressor, de medidas tomadas de acordo com a Carta das Nações Unidas, sobre a agressão cometida por esse Estado”. Portanto, o assunto continua a ser regido por outras fontes do Direito Internacional, diferentes da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, das quais se destaca, em particular, a prática diplomática dos dias atuais.41 41
Exemplo interessante pode ser dado pelo fato de Israel e os países árabes não se terem retirado de organizações internacionais das quais participam, mesmo após a irrupção da guerra entre eles, a partir de 1948. Ora, nos dias correntes, o efeito das guerras, vejam-se as guerras EUA-Irã, em nada tem afetado a existência de tratados multilaterais de fundação de organizações intergovernamentais,
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4.2. O costume internacional. A Codificação e o Desenvolvimento Progressivo do Direito Internacional Público O costume internacional, também denominado “usos e costumes internacionais”, “prática internacional” , ou ainda “Direito Internacional não escrito” (“jus non scriptum”) ou Direito Internacional Geral ou Direito Internacional Comum, ou ainda Direito Internacional Consuetudinário, consiste numa das mais importantes fontes do Direito Internacional Público, ainda nos dias correntes, dada a ausência de um centro unificado de produção de normas jurídicas, nas relações internacionais. Com efeito,
tanto nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados, quanto no
Direito Internacional, o caráter da formação espontânea das normas consuetudinárias, as quais não se acham impulsionadas, na sua geração, por expressas decisões voluntárias de órgãos dotados de um poder de criar o direito (como dois ou mais Estados), demonstra que o costume é a fonte que mais próxima se encontra das necessidades sociais; tal fato confere às normas consuetudinárias, a qualidade de maior plasticidade, no relativo à sua modificação no tempo, se comparado com as normas do “jus scriptum”, as leis escritas internas e os tratados internacionais. Apesar de, na atualidade, em particular num movimento acelerado na segunda metade do Séc. XX, ter-se verificado um excepcional crescimento, em volume, dos tratados internacionais e de outras normas escritas de Direito Internacional, aliado a uma tendência de codificação de normas internacionais de origem consuetudinária, o costume internacional ainda mantém sua importância como fonte do Direito Internacional Público. Deve notar-se que os costumes internacionais são invocados, como fontes de normas jurídicas internacionais, na maioria das vezes, quando os Estados se encontram em litígios e onde se faz necessária a presença de uma norma que lhes dirima as contendas (menos freqüentes são os casos de violações conscientes de normas escritas por parte dos Estados) e, portanto, é em tais momentos que a prova de uma regra se impõe; não é por outra razão que os costumes internacionais, na maioria dos casos, se encontram declarados em sentenças de tribunais judiciários internacionais ou de árbitros internacionais e confirmados pela doutrina dos internacionalistas42. Sendo uma norma internacional geral, o costume internacional se aplica a todos os Estados que compõem a comunidade dos Estados e demais sujeitos submetidos ao Direito Internacional, independentemente de haver sido formado numa região geográfica e num momento histórico, portanto, despregando-se das eventuais qualificações dos Estados que os criaram, se Estados Europeus, se Estados industrializados e ainda se Estados tradicionais ou recentemente mas, bem ao contrário, estas têm servido de excelentes foros de negociações de paz, entre países que se encontram em guerra declarada. 42 Relembre-se a regra de que uma fonte de uma norma internacional, raras vezes opera solitária. Como já acentuamos, anteriormente, para a revelação de uma norma por uma fonte, torna-se necessário o recurso do apoio em outras fontes.
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reconhecidos (tais os novos Estados africanos e asiáticos, que emergiram a partir dos anos 1960). O que se pode observar, na prática dos julgamentos de litígios por tribunais internacionais ou por árbitros, em nenhum momento, ao aplicarem um costume internacional, na solução de uma controvérsia entre dois Estados, há o questionamento de saber-se até que ponto aquele costume internacional foi ou não aplicado por um dos litigantes, ou se este ou aquele deram causa ao nascimento do costume internacional. Tais notas características do costume, em definitivo, afastam as tendências de autores, que, a partir de uma concepção por demais contratualista do Direito Internacional, por evidente influência de Hugo Grotius, vêm nos costumes internacionais uma manifestação da vontade dos Estados, na esteira do Direito Romano, que definia “mores” como um “tacitus consensus, longa consuetudine inveteratus”. Na atualidade, considera-se que o costume internacional, se invocado como regra jurídica, aplica-se por sua força jurídica, e não em função dos interesses da parte que o invoca, razão pela qual, a questão do ônus da prova da existência de um costume internacional, deve ser considerada como uma tarefa do julgador (“jura novit curia”) ou daquele que dirime um litígio entre Estados e menos um ônus de quem invoca a existência da norma. Conforme a tradição, a unanimidade da doutrina internacionalista e inúmeros precedentes de tribunais internacionais43, para que um comportamento comissivo ou omissivo seja considerado como um costume jurídico internacional,
torna-se necessária a presença de dois elementos
constitutivos: a) um elemento material, a “consuetudo”, ou seja, uma prática reiterada de comportamentos, que, no início de sua formação, pode ser um simples uso ou prática e b) um elemento psicológico, ou subjetivo, a “opinio juris vel necessitatis” , ou seja, a certeza de que tais comportamentos são obrigatórios, em virtude de representarem valores essenciais e exigíveis de todos os agentes da comunidade dos Estados. Este último elemento, na verdade, é aquele que confere ao costume internacional caráter de normas jurídica, distinguindo-se as normas consuetudinárias dos meros usos e práticas baseados na cortesia ou em outros valores morais, que não contêm os caracteres dos níveis de exigibilidade, em razão de sua coercibilidade, como os das normas jurídicas, por não representarem valores essenciais ao relacionamento entre os sujeitos de direito. Os dois elementos se encontram presentes na definição do costume internacional como uma das fontes do Direito Internacional, no citado art. 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, onde “prática geral” é a “consuetudo” e sua aceitação “como sendo o direito”, é o elemento psicológico, a convicção de que se trata de uma norma jurídica (ou, segundo a citada fórmula latina, representa uma “opinio juris vel necessitatis”). Tais fatos encontram-se confirmados pela jurisprudência de tribunais internacionais, dentre a qual a mais clara manifestação foi na sentença no caso da Plataforma Continental do Mar do Norte (Alemanha Federal v. Dinamarca e v. Países 43
O mais evidente foi o caso da Plataforma Continental do Mar do Norte de 1969, a seguir comentado. As mesmas razões de decidir foram seguidas pela CIJ, no Caso da Plataforma Continental entre a Líbia e Malta, em 1985 e no Caso das Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua e contra Esta (Nicarágua v. EUA) em 1986.
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Baixos), prolatada pela CIJ, em 1969, cujo texto importa transcrever: “Não somente os atos considerados devem representar uma prática constante, mas, ademais, devem testemunhar, por sua natureza ou pela maneira como são executados, a convicção de que tal prática se tornou obrigatória pela existência de uma regra de direito. A necessidade de tal convicção, ou seja, de um elemento subjetivo, se encontra implícita na própria noção de “opinio juris sive necessitatis”. Os Estados interessados devem, pois, ter o sentimento de conformar-se ao que eqüivale a uma obrigação jurídica. Existem numerosos atos internacionais, no campo protocolar, por exemplo, que são invariavelmente praticados, mas são motivados por simples considerações de cortesia, de oportunidade ou de tradição, e não pelo sentimento de uma obrigação jurídica”. O caráter da sua formação espontânea, torna o costume internacional uma norma de grande informalidade, e, por certo, com suas relevantes qualidades de flexibilidade e de maior proximidade aos fenômenos e fatos que regula. O fato de haver alegadas dificuldades quanto à sua prova, na verdade, não lhe retira seu valor, tendo em vista que, como já dissemos, por inexistir hierarquia entre as fontes do Direito Internacional, não se confere aos tratados e convenções internacionais, qualquer supremacia em relação ao costume internacional. Tanto um texto escrito invocado perante um tribunal internacional ou árbitros ou conciliadores ou mediadores, conquanto seja uma prova de fácil produção, não representa nem maiores ou menores certezas do direito de um dos litigantes (pois a questão de decidir-se entre interpretações conflitantes, continua presente), quanto uma norma contida num suporte não escrito, como um costume internacional, cuja prova é mais dificultosa, mas não menos convincente que um texto escrito. O fator tempo, na formação de um costume internacional, deve ser considerado, levando-se em conta a necessidade de existir uma norma internacional e os comportamentos dos Estados no que se refere a tonar-se clara uma regra de direito. Claro está que a maioria dos costumes internacionais, e que deram causa às grandes codificações empreendidas sob a égide da ONU, após a Segunda Guerra Mundial, a exemplo da já citada Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, são repositórios de práticas de séculos anteriores. Contudo, o que se pode constatar na atualidade, é a formação extremamente rápida de costumes internacionais, a partir do avanço da ciência e da tecnologia, e seus reflexos nas relações internacionais. Um exemplo interessante se pode constatar no capítulo do Direito do Mar: a largura do mar territorial, antes de estar definido em tratados e convenções internacionais, das quais se destaca a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, fora fixado por usos e costumes internacionais, a partir do surgimento dos Estados modernos, no Séc. XVI; já o conceito de plataforma continental só foi possível, após o início das explorações dos recursos do leito marinho, seja na atividade de pesca, seja na extração de minerais (a indústria do petróleo é uma realidade do Séc. XX), sendo, portanto, as normas sobre a soberania dos Estados neste espaço submarino, de formação recente. Antes de serem consagradas num tratado multilateral, o Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na
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Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes, de 1966, as normas sobre o espaço sideral eram consagradas em usos e costumes, por atividades dos Estados, que tiveram início em 1957; ademais, outras atividades que se podem reportar àquele espaço, além de apoiar-se nas normas escritas deste Tratado, ainda se conformam com costumes internacionais novíssimos, como a regulamentação de espectros de ondas herztianas, no domínio da utilização dos satélites de telecomunicações. É mister dizer-se que, por vezes, algumas normas internacionais podem ter um caráter misto, quanto às fontes: serem normas convencionais entre um número expressivo de Estados, e, para os Estados não partes, apresentarem-se como normas consuetudinárias, na medida em que representam um valor jurídico vigente na comunidade dos Estados. Tal fenômeno, mais uma vez, renega o caráter de pretender-se considerar o costume internacional como a expressão de um consenso tácito entre Estados, que, como já foi esclarecido, é uma regra jurídica de caráter geral, que prescinde de saber-se quais foram os Estados que instituíram o costume (o qual, sendo ser uma regra geral, aplica-se indistintamente a todos os Estados integrantes da comunidade internacional). Isto posto, uma das formas mais instigantes do costume internacional é o caso de tratados multilaterais, vigentes entre grande número de Estados, e que são considerados costumes internacionais para os Estados não partes (e a melhor prova de haver uma “opinio juris sive necessitatis” é, sem dúvida, a vigência de um texto do “jus scriptum”, entre um número expressivo de Estados da atualidade). Um exemplo saliente é dado pela Convenção sobre Prevenção da Poluição Causada por Navios, conhecida pela siga de sua denominação em inglês, Convenção MARPOL, adotada em 1973, na sede da Organização Marítima Internacional, em Londres. Tendo ela instituído obrigações exigíveis dos Estados partes, de responsabilizar-se pelo controle do lançamento ao mar de óleos tóxicos provenientes das operações ordinárias dos navios sob os respectivos controles, deu causa a um aumento dos preços de fretes marítimos internacionais, realizados por navios sob a bandeira dos Estados partes44. Os navios que arvoravam bandeiras dos Estados que não se consideravam obrigados pela Convenção, seja porque nem sequer tinham assinado a mesma, ou porque, assinaram, mais ainda não na tinham ratificado, e que não aplicavam as suas normas, passaram a ser pesadamente multados por autoridades portuárias de qualquer Estado parte; caso inexistisse a Convenção, tais multas seriam indevidas, mas, na medida em que existe um costume internacional geral, de prevenção de poluição marinha por óleos provenientes de navios, as sanções são legítimas, porquanto autorizadas por aquele instrumento internacional. Era o caso do Brasil, que, sem embargo de haver assinado a Convenção na época de sua adoção, em
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Na verdade, em conseqüência das proibições de lançamento deliberado ao mar de óleos inservíveis, restos de combustíveis ou lubrificantes usados, passou-se a exigir a colocação de tanques suplementares nos navios, bem como a obrigação de entregar daquele material, a serviços de recebimento e disposição, nos portos por onde os navios passem, sob estrito controle das autoridades portuárias (que estão legitimados a verificar nos documentos do navio, a escrituração existente dos estoques de óleos existentes nos depósitos do navio). Tais serviços, particulares ou públicos, são extremamente custosos, e acabam por refletir-se nos preços dos fretes.
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1973, esperou até o ano de 1998, para promulgá-la45, no seu ordenamento jurídico interno e ratificá-la perante o depositário, o Secretário Geral da OMI, em Londres. Na verdade, as correlações, num mesmo assunto, entre o “jus scriptum” e a norma internacional de origem costumeira, parecem evidentes, uma vez que um número expressivo de tratados multilaterais mais gerais, nada mais são do que a formalização, em textos solenes, de antigos usos e costumes. Além de poderem representar a edição de um direito novo, muitas daquelas convenções multilaterais são uma codificação de costumes internacionais, cuja principal finalidade é dar à norma consuetudinária internacional, uma roupagem mais perfeita, no sentido de aprimorar sua precisão, sua clareza e a certeza de sua existência. Mas, mesmo sendo escrita uma norma jurídica internacional, ela não esgota as possibilidades de inovação no campo onde incide o texto escrito, dada a atuação dinâmica dos costumes internacionais. Tal fato se encontra expressamente consagrado numa importante codificação de usos e costumes internacionais, no campo das relações diplomáticas e consulares, empreendida sob a égide da ONU, e após o trabalho preparatório de sua Comissão de Direito Internacional, em duas Convenções assinadas em Viena: em 1961, sobre Relações Diplomáticas e em 1963, sobre Relações Consulares 46, que, nos respectivos preâmbulos, textualmente reconhecem, em cada Convenção, que “as normas de direito consuetudinário internacional devem continuar regendo as questões que não tenham sido expressamente reguladas pelas disposições da presente Convenção”. A atividade de codificação das normas costumeiras internacionais é uma tendência do Direito Internacional do Séc. XX, em especial após a emergência das organizações intergovernamentais cimeiras, como a Liga das Nações47, a ONU e a OEA, tendo-se já verificado, no final do Séc. XIX, uma codificação convencional dos usos e costumes da guerra. Destaque-se, contudo, que tem sido a ONU a grande responsável pelas codificações relevantes, dado que tal atividade se encontra declarada como uma das quais esta organização cimeira deve exercer. Com efeito, destaque-se que uma das tarefas acometidas pelos Estados instituidores da ONU à sua Assembléia Geral, encontrase a de iniciar estudos e fazer recomendações destinados a “promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e sua codificação” 45
A Convenção MARPOL foi aprovada pelo Decreto Legislativo no 4/87 e promulgada pelo Decreto no 2.508 de 04 de maio de 1998, tendo o Brasil adotado os Protocolos, em particular o de 1978, e todos os Anexos da mesma. 46 Ambas as Convenções foram assinadas pelo Brasil, aprovadas pelo Congresso Nacional e promulgadas como leis internas, respectivamente pelos Decreto 56.435 de 08 de junho de 1965 e Decreto 61.078 de 26 de junho de 1967. Textos apud Vicente Marotta Rangel, Direito e Relações Internacionais, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 6a edição, revista e atualizada, 2000, pgs. 233 e 251. 47 Um exemplo da codificação empreendida pela Liga das Nações, foram as denominadas leis uniformes em matéria de letra de câmbio, cheques e notas promissórias, que tiveram uma aceitação generalizada pelos Estados, sendo vigentes, na atualidade, inclusive, com respeito ao Brasil. Outro exemplo é o mumificado Protocolo de Genebra de 1923 sobre cláusula compromissória, que foi revogado pela Convenção de Nova York de 18 de junho de 1958 para o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, mas que, por incrível que pareça, ainda continua vigente para as relações entre os países que ainda são partes daquele Protocolo, dentre os quais o Brasil! Portanto, este Protocolo somente se aplica nas relações comerciais entre o Brasil e os outros países que ainda se encontram ligados ao mesmo: Albânia, Birmânia, Congo (antigo Zaire), Gâmbia, Guiana, Ilhas Maurício, Iraque, Jamaica, Malta, Paquistão, e Zâmbia. Veja-se Fouchard/Gaillard/Goldman, Traité de l’Arbitrage Commercial International, Paris. LITEC, 1996, sobretudo, p. 56-7.
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, conforme a alínea a do art. 13 da Carta da ONU, que segundo um dos seus negociadores 48, resultou de uma proposta conjunta das delegações do Brasil e da China, na Conferência de São Francisco, durante a qual o texto foi adotado, em 26 de junho de 1945. Em grandes linhas, tem-se identificado a elaboração de um direito novo, como “desenvolvimento progressivo” e a escritura de normas consuetudinárias, como “codificação do direito internacional”49, havendo unanimidade da doutrina internacionalista de que os misteres não são estanques. Tais fatos apontam para uma substancial diferenciação entre uma codificação de normas internas, empreendida por um Estado, no seu ordenamento jurídico doméstico, e a codificação empreendida no Direito Internacional, seja pela via dos tratados multilaterais gerais, seja pela via da interveniência da ONU. Nos direitos internos, em particular naqueles da família romanogermânica50, como o Brasil, codificação significa um trabalho de elaboração de conjuntos sistematizados e harmônicos de normas num campo determinado, racionalmente construídos pelo legislador, que reúne, de maneira lógica e sistemática, uma legislação esparsa, com ou sem a introdução de direito novo, mas sempre, segundo critérios científicos que permitam configurar-se um inteiro campo, mais ou menos extenso, regulamentado pelas normas de um código, mais ou menos inspirado numa filosofia51, conquanto delimitado pela generalidade do assunto versado. No Direito Internacional, o que se pretende com a codificação, é antes de tudo, a expressão clara e escrita de normas, e menos a sistematização científica de um regulamentação apresentada racionalmente, de campo determinado de assuntos. Foi no exercício de suas atividades de desenvolvimento progressivo e de codificação do Direito Internacional, que foram criadas pela ONU, duas Comissões encarregadas de tais tarefas, ambas subordinadas à sua Assembléia Geral: a) a Comissão de Direito Internacional, CDI, sediada em Nova York, instituída em 31/10/1947, numa Resolução da Primeira AG da ONU e seu Estatuto votado em 1947, e b) a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional, conhecida pela sigla de sua denominação em inglês, UNCITRAL (United Nations Commission on 48
Cf. R. Saraiva Guerreiro, Lembranças de um Empregado do Itamaraty, São Paulo, Ed. Siciliano, 1992, p. 50, referido apud Vicente Marotta Rangel, Direito e Relações Internacionais, id., ib., p. 37. 49 Conforme o art. 15 do Estatuto da Comissão de Direito Internacional, existe a indicação de que “desenvolvimento progressivo do direito internacional” versa sobre “projetos de convenções sobre assuntos que não estão ainda regulamentados pelo direito internacional ou para os quais o direito não está ainda suficientemente desenvolvido na prática estatal” e “codificação”, “a formulação mais exata e a sistematização das regras de direito internacional nos domínios em que existe já uma prática estatal conseqüente, precedentes e opiniões doutrinárias”. Seu texto se encontra IN: Nations Unies, La Commission du Droit International et Son Oeuvre, Nova York, Nations Unies, 4a edição, 1988. Há versões em inglês e em espanhol desta publicação oficial da ONU. 50 Conforme apontamos em um trabalho anterior, igualmente na família da “common law”, há uma tendência moderna de codificaremse normas jurídicas, em campos delimitados (processo civil, direito comercial), seja aquelas oriundas do legislador tradicional, seja do legislador típico daquele família, os acórdãos dos tribunais superiores (relembrando-se que na “common law”, os precedentes judiciários declarados por tribunais superiores, têm um valor para além das partes em litígios, constituindo-se em regras abstratas, a serem aplicadas em futuros casos assimilados aos julgados, por alguns de seus elementos factuais). Veja-se nosso trabalho Common Law, Introdução ao Direito dos EUA, anteriormente citado. 51 Parece que é precisamente uma unidade conceitual e filosófica de tratar-se o fenômeno jurídico de um código, o fator que o distingue de uma consolidação, atividade pela qual, igualmente, o legislador reúne num único diploma, uma legislação esparsa. Tanto a codificação, como a consolidação se distinguem da mera compilação, que, embora possa ter algumas notas características de reunião racional de legislação esparsa, é atividade empreendida por pessoa que não tem as qualidades de um legislador.
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International Trade Law) instituída em 17/12/1966, com sede em Viena, e Estatuto votado em 196852. Compostas de representantes de Estados, nem sempre funcionários diplomáticos (e se assim o fosse, seriam órgãos de representação política), mas pessoas que se têm destacado por seus conhecimentos jurídicos na matéria, (em geral, Professores de Direito Internacional, de vários países, assegurando-se uma representação geográfica equilibrada), indicados pela AG da ONU, ambas as Comissões realizam estudos de temas específicos, recomendados por essa AG, e, após um trabalho de consulta aos Estados, apresentam projetos de convenções53, que são encaminhados à decisão da AG, quanto a dar-se-lhes, se possível, o destino de serem transformadas em convenções, a serem aprovadas em Conferências diplomáticas “ad hoc”, convocadas pela ONU (em Nova York, sede da ONU, ou em outras Capitais ou cidades). Em particular, os relatórios da CDI, publicados a cada ano, por vezes compreendem estudos de grande erudição, e passam a constituir verdadeiros repositórios da melhor doutrina do Direito Internacional. Não deixa de ser impressionante a lista das realizações da CDI. Foi ela responsável pela adoção das mais importantes convenções multilaterais da atualidade, como as 4 Convenções de Genebra de 1958 sobre alguns aspectos do Direito do Mar 54, as já citadas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares, respectivamente de 1961 e 1963, a de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, a Convenção sobre Missões Especiais de Nova York de 196955, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional56, um projeto de uma Convenção sobre o Direito das Utilizações dos Cursos d'Água Internacionais para Fins Distintos da Navegação, e Resolução sobre Lençóis Freáticos Transfronteiriços, e outro projeto sobre Responsabilidade Internacional dos Estados, (ambos, atualmente, sob exame da AG da ONU). Os trabalhos concluídos da CDI incluem projetos de convenções e estudos sobre extensa gama de assuntos do Direito Internacional, dos quais se salientam: a representação dos Estados nas suas relações internacionais com as organizações internacionais (1971), sobre a cláusula da nação mais favorecida (1978), sucessão de Estados em matéria de bens, arquivos e dívidas do Estado (1981), a questão dos tratados concluídos entre Estado e organizações internacionais ou entre duas ou várias organizações internacionais (1982), projeto de convenção sobe as imunidades internacionais dos Estados e seus
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Para uma descrição das atribuições da UNCITRAL, veja-se nosso trabalho, “Arbitragem Comercial Internacional e o Projeto da UNCITRAL (Lei-modelo)”, IN: REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, São Paulo, v. 83 (jan/dez) 1988, p. 176218. 53 No caso da UNCITRAL, além de projetos de convenções, são preparados e apresentados leis modelos, leis uniformes, códigos de conduta, codificações de termos do comércio internacional, provisões, costumes e práticas, em colaboração, quando apropriado, com as organizações que operam no campo do comércio internacional. 54 Trata-se da Convenção sobre o Alto Mar, sobre a Plataforma Continental, sobre o Mar Territorial, sobre Pesca e Conservação dos Recursos Biológicos do Alto Mar, que se encontram vigentes, para aqueles países que não adotaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay a 1982, a qual repetiu, com inovações, os princípios daquelas. O Brasil somente é parte desta última, tendo assinado a mesma em 1982, promulgado pelo Decreto nº 99.165 de 12 de março de 1990, e tendo declarado a mesma em vigor no Brasil, pelo Decreto nº 1530 de 22 de junho de 1995. 55 O Brasil assinou esta Convenção, porém não a ratificou. Encontra-se a mesma em vigor internacional, a partir de 21/06/1995. 56 O Estatuto integra a Convenção de Roma de 1999, que institui o Tribunal Penal Internacional, com sede na Haia.
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bens (1991) e, em andamento, um projeto de convenção sobre responsabilidade dos Estados por atos não proibidos pelo Direito Internacional57. Ademais da atuação da CDI e da UNCITRAL, deve ser esclarecido que a atividade da ONU no referente à codificação e ao desenvolvimento progressivo do Direito Internacional,
se dá,
igualmente, através da atuação de outros órgãos, como iniciativas autônomas de sua Assembléia Geral ou do ECOSOC (o Conselho Econômico e Social), com negociações provocadas por quem pode ter iniciativa do processo normativo naquela organização cimeira (nomeadamente, o Secretário Geral e os delegados dos Estados). Assim é que se deve registrar a adoção da importante Convenção de Nova York de 1958 sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, que resultou de uma proposta de uma prestigiada entidade privada, a Câmara de Comércio Internacional de Paris, a CCI, devidamente encampada pelo ECOSOC, e que após longas discussões diplomáticas e com consultas aos Governos, acabou, finalmente assinada numa conferência diplomática “ad hoc”, na sede da ONU. Outra importante obra de codificação empreendida pela ONU, foi a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, na Jamaica, a 10 de dezembro de 1982, após um dos mais longos períodos de negociações de um tratado multilateral (cerca de 8 anos) e que representa uma das mais notáveis codificações de normas costumeiras e normas escritas esparsas sobre aquele campo do Direito Internacional, tendo inclusive inovado em importantes regras (como a criação de um novo espaço horizontal dos mares, a zona econômica exclusiva e uma dimensão vertical inovadora no Direito Internacional, os fundos marinhos e oceânicos). Duas entidades intergovernamentais se têm destacado na codificação e desenvolvimento progressivo do Direito Internacional: as Conferências da Haia, instituídas em 1930, de reuniões periódicas de delegados de Estados partes das mesmas (responsável por uma codificação sobre a nacionalidade, no Entre Guerras e pela Convenção sobre Lei Aplicável às Vendas de Caráter Internacional de Mercadorias, de 1955), e o Instituto Internacional para a Uniformização do Direito, o UNIDROIT, organização intergovernamental com sede em Roma (sob cuja égide foram adotadas, por exemplo, a duas convenções na Haia de 1964, Contendo uma Lei Uniforme sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias , conhecida como LUVI e Contendo uma Lei Uniforme sobre a Formação dos Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, a LUFCI, bem como a relevante Convenção sobre o Retorno dos Bens Culturais Furtados ou Ilicitamente Exportados, adotada em Roma, a 199558). No âmbito da OEA, deve citar-se sua atuação no campo da codificação e do desenvolvimento progressivo do Direito Internacional regional, 57
bem como da organização que lhe antecedeu, a
Sobre este Projeto, veja-se nossa Tese apresentada na Faculdade de Direito da USP, em 1995, As Responsabilidades no Direito Internacional do Meio Ambiente. 58 Esta Convenção, que constitui importante capítulo do Direito Internacional do Meio Ambiente, pois versa sobre um dos aspectos da preservação do patrimônio cultural da humanidade, foi assinada pelo Brasil, mas até o momento não há notícia de ter sido remetida à aprovação do Congresso Nacional, para fins de ratificação e de promulgação.
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União Panamericana, ambas sediadas em Washington. Merecem destaque: a
Convenção de
Havana sobre Direito dos Tratados, de 1929, assinada por ocasião da IV Conferência Panamericana a 20 de fevereiro daquele ano, precursora da Convenção de Viena anteriormente analisada, o Tratado Interamericano sobre Bons Ofícios e Mediação, de 1936, e o Tratado Interamericano de Soluções Pacíficas de Litígios, adotado em Bogotá, a 30 de abril de 1948, sob a égide da OEA (conhecido como Pacto de Bogotá, ou TIASU) este último promulgado pelo Decreto nr. 57.785 de 15/02/1966, bem como as duas Convenções assinadas em Caracas, durante a X Conferência Interameriana, a 20.03.1954: sobre Asilo Diplomático e sobre Asilo Territorial59. Referência deve ser feita, igualmente, ao denominado Código de Direito Internacional Privado, conhecido como “Código Bustamante”, codificação de normas de Direito Internacional Privado, adotado em Havana, a 1928 e no Brasil promulgado pelo Decreto 18.871 de 13/08/1929.
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As duas Convenções foram assinadas pelo Brasil, e conjuntamente aprovadas pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 34/64) e promulgadas pelo Decreto 55.9229 de 14.04.1965.
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4.3. Os princípios gerais de direito O art. 38 do Estatuto da CIJ, enquanto norma dirigida, em particular, a um órgão do mais importante tribunal internacional da atualidade, na sua função precípua de aplicar o Direito Internacional, enumera, dentre as fontes, “princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas”. A unanimidade da doutrina internacionalista critica a expressão “nações civilizadas”, que, numa primeira leitura, revela uma pretensão dos legisladores daquele Estatuto, o qual, como se disse, é herança de 1919, de ordenarem o universo, recém saído do esboroamento do Concerto Europeu, com ideais ainda permeados de um espírito colonialista do Séc. XIX, centrado em valores das então potências européias. Contudo, a intenção dos Estados que elaboraram aquele Estatuto, não tinha sido a clivagem entre uma humanidade civilizada, outra bárbara e outra selvagem, nem que pudesse haver desigualdade de direitos entre Estados civilizados, não civilizados e menos civilizados60 , mas antes, que os poderes conferidos aos julgadores internacionais, à vista da enumeração anterior das fontes do Direito Internacional, o “jus scriptum” e o “jus non scriptum”, e sendo estas lacunosas, não pudessem ser iguais aos dos únicos legisladores do Direito Internacional Público, os Estados61: portanto, na lacuna dos tratados e costumes internacionais, os juizes internacionais, a fim de não se eximirem de suas funções judicantes, deveriam buscar os princípios gerais de direito, conforme revelados no exame das legislações domésticas dos Estados. Conforme escrevemos em obra anterior, “existe uma discussão teórica, que se arrasta desde a entrada em vigor do primitivo Estatuto da CPJI, quanto à natureza jurídica dos referidos princípios gerais de direito: a) se são aqueles princípios gerais vigentes na maioria dos direitos internos das nações da atualidade (e então aquela adjetivação teria sentido, porém sem a palavra "civilizadas", mas ainda remanescendo uma discussão do que se entende por nação, se eventualmente sinônimo de Estado, ou se um conceito mais geral de “povos”); ou b) se aqueles princípios gerais vigentes unicamente no ordenamento internacional (e, na verdade, alguns princípios, como o da igualdade dos Estados, ou o do direito subjetivo à independência, ou ainda o direito de passagem inocente para os navios mercantes em tempo de paz, não teriam sentido existir num ordenamento interno dos Estados, concebido como um sistema fechado); ou c) se aqueles tão gerais, presentes em qualquer ordenamento jurídico interno ou internacional, e que se confundiriam com o própria normatividade (e portanto, sua enunciação como fonte de direito, seria inútil, pois representariam eles a própria essência ontológica do fenômeno jurídico)62.
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Veja-se, em T. Flory, Droit International du Développement, PUF, 1977, a partir de p. 18, as citações de Lorimer, que, em 1884 fazia aquela tríplice distinção, e mesmo do jurista Pillet, em 1898 que afirmou existir a mencionada desigualdade! 61 Se os juízes, nos sistemas internos dos Estados podem ter tal função, mais ou menos claras (relembre-se que na “common law” tais poderes são evidentes), tais poderes se lhes acham atribuídos pelo seu legislador interno. No caso do Direito Internacional Público, os poderes de os juízes podem criarem o direito “ex nihilo”, como se legisladores fossem, no caso de uma lacuna da norma escrita ou costumeira, mal se coloca, na hipótese de os Estados não haverem dado tais faculdades a eles. 62 Direito Internacional do Meio Ambiente: Emergência, Obrigações e Responsabilidades, São Paulo, Editora Atlas, 2001 (no prelo).
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Foi na assunção de que os princípios gerais de direito se referiam exclusivamente ao Direito Internacional, que um jurista da portada de um Georges Scelle argüiu que eles seriam inexistentes como fontes normativas daquele Direito, uma vez que já constantes de maneira expressa ou implícita, nos tratados ou convenções internacionais e nos costumes internacionais, o que poderia levar à conclusão de que sua enumeração no Estatuto da CPJI e da CIJ, no rol das fontes, seria dispensável e superabundante. As outras objeções a que inexistiriam princípios gerais de direito, aplicáveis como norma internacional, são, a nosso ver, despiciendas, pois além de representarem o mesmo viés de Georges Scelle, apoiam-se em razões ideológicas, como o fez o jurista soviético G. Tunkin63, de que inexistiriam princípios gerais entre dois sistemas normativos opostos, um direito internacional capitalista e um direito internacional socialista (e portanto, os princípios gerais de direito somente seriam dedutíveis dos tratados e dos costumes internacionais). Na verdade, a interpretação do Estatuto da CIJ, como qualquer diploma normativo complexo, deve ser feita de maneira sistemática. Existem razões para os legisladores, os Estados, terem enumerado as fontes, e, dentre elas, incluírem os princípios gerais de direito. Em qualquer sistema jurídico, os dispositivos de uma norma escrita devem ser interpretados, no mínimo, como úteis, com alguma finalidade, de acordo com um princípio geral de todo e qualquer fenômeno do mundo da normatividade: ut magis valeat quam pereat”. O fato de estarem os princípios gerais de direito inscritos num texto do “jus scriptum” somente pode significar que os legisladores assim o decidiram e qualquer interpretação que signifique sua inoperância, eqüivaleria a negar sua existência e sua supressão num mundo normativo por eles definido.
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G. Tunkin, Droit International Public, Paris, Pedone, 1965, p. 126.
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Ademais de tais razões, sopesadas pela força de uma interpretação sistemática dirigida unicamente ao entendimento do Estatuto da CIJ, mister é reconhecer, como o fizemos no trabalho anteriormente citado, que “a interpretação das fontes do Direito Internacional deve ser feita em conjunto, relacionando-se cada qual com as outras. No caso dos princípios gerais de direito, sua existência, embora subjacente no ordenamento internacional e presente na consciência dos estudiosos, em geral, necessitam, para produzir seus efeitos jurídicos, do reconhecimento por parte de outras fontes, em particular, da jurisprudência internacional ou da doutrina, quando mais não fora, dos tratados e convenções internacionais; por outro lado, na maioria dos casos, tanto uma como outra, têm invocado os princípios gerais de direito, e adicionado a assertiva de que os mesmos constituem "uma prática geralmente aceita pelas nações".... Evitando uma discussão mais ampla, o Prof. Michel Virally, ao pronunciar-se sobre se os princípios gerais de direito seriam descobertos a partir do exame do estudo comparativo de todos os sistemas jurídicos mundiais existentes na atualidade, dentro da aplicação da fórmula de que existiria um consentimento comum comparável àquela necessária para a criação de um costume, porém consistente numa coincidência de normas de direitos internos, afirma: Sem embargo, na prática, a Corte Internacional procede de forma mais empírica e se conforma com uma coincidência de opinião entre seus próprios juizes. Tal método provê garantias suficientes, pois os juizes foram eleitos de forma tal, que "em conjunto estão representadas as grandes civilizações e os principais sistemas jurídicos do mundo"(Art. 9º do Estatuto). À vista disto, pode aceitar-se que qualquer coisa que todos os juízes estejam preparados para aceitar como "princípios gerais de direito" devem, na realidade, estar "reconhecidos pelas nações civilizadas" (apud op. cit., id., p. 17564).
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A obra citada é: Michel Virally "Fuentes del Derecho Internacional", in Max Sorensen, Editor, Manual de Derecho Internacional Público, México, Fondo de Cultura Económica, 1ª edição em espanhol, 3ª reedição, 1985 (da 1ª edição editada em 1968, pela Macmillam, Londres), em especial, p. 184.
40
Sendo assim, uma leitura correta daquele dispositivo do art. 38 do Estatuto da CIJ deve ser, “princípios gerais de direito reconhecidos pelos Estados no seu ordenamento interno”. Acreditamos, ainda, que os princípios gerais de direito estejam igualmente reconhecidos e podem ser dedutíveis das normas que regulam as relações interestatais: nos tratados e convenções internacionais, nos usos e costumes internacionais,
nas resoluções de organizações intergovernamentais, mesmo
aquelas sem uma força normativa direta (a “soft law”), e em importantes documentos de natureza política, como são as declarações solenes de princípios e normas desejáveis. No caso de princípios gerais de direito dedutíveis dos existentes nos direitos internos dos Estados, sua transposição para a esfera dos direitos e deveres internacionais dos Estados, exige o teste da existência de uma necessidade, ou seja, a consciência de que aquele representa um valor jurídico a ser preservado nas relações internacionais (da mesma forma que a “opinio juris sive necessitatis” transforma um simples uso internacional, em norma costumeira). Não basta a ocorrência de normas semelhantes nos direitos internos dos Estados para que as mesma sejam consideradas como princípios gerais de direito, como uma fonte do Direito Internacional Público (pois, não se poderia conceber que o princípio do acesso da pessoa humana aos tribunais domésticos, vigente nos ordenamentos jurídicos dos Estados, seja um princípio geral do Direito Internacional, quando a maioria dos tribunais internacionais, expressamente não prevêem tais possibilidades). Conforme comprova um exame da jurisprudência de ambas as cortes internacionais de jurisdição universal e competência ilimitada, a CPJI e a CIJ, e mesmo nas decisões de árbitros internacionais, não se encontra um único julgado que tenha invocado o art. 38 do Estatuto da atual CIJ, sua alínea (c), para justificar a aplicação de princípios gerais de direito como uma norma internacional autônoma: no entanto, tal fato corrobora que a força normativa dos mesmos advém de uma necessidade de considerar-se sua existência, como fonte autônoma, ao lado do “jus scriptum” e das normas consuetudinárias internacionais. Por outro lado, como temos insistido, no exame da atuação das fontes jurídicas do Direito Internacional, é indispensável analisar a inter-relação entre elas, pois, como quaisquer outras, uma regra pode estar inscrita em tratados e convenções internacionais (sem dúvida, uma certeza de que ela é igualmente um princípio geral de direito), estar contida num costume internacional e não ser, contudo, existente nos direitos internos (os exemplos são inúmeros, bastando citar-se o direito à autodeterminação dos povos ou, ainda, as proibições de ingerência indevida de um Estado nos assuntos internos de outros Estados). Por outro lado, uma determinada norma pode figurar, seja em períodos históricos diferentes, seja, concomitantemente,
num mesmo momento histórico, como
princípio geral de direito, como norma consuetudinária, e ainda, estar eventualmente transcrita em tratados sobre assuntos específicos.
41
Um exemplo é o da proteção dos direitos humanos, pela via das normas internacionais. Sem dúvida, antes de 1948, ano da subscrição pelos Estados membros da ONU, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, compromisso solene de eles respeitarem as normas então tornadas explícitas no contexto das relações internacionais, as invocações de os deveres de os Estados respeitarem o ser humano, já podiam ser considerados princípios gerais do Direito Internacional, uma vez que existentes na maioria das constituições dos Estados democráticos da época. Os passos seguintes foram a subscrição pelos Estados uma Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, assinada em Paris, a 11/12/1948 65 (assunto então urgente e que justificava a especialização, em tratados solenes, de assuntos contidos na Declaração Universal de 1948) e, logo mais, de dois tratados multilaterais, com a reafirmação daqueles princípios gerais (e portanto, eles ganhariam a formalização de “jus scriptum”) pela adoção do Pacto Internacional sobre Direito Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional sobre Direito Civis e Políticos, ambos assinados sob a égide da Assembléia Geral da ONU e subscritos como tratados internacionais66, a 16/12/1966, seguindo-se, em nível internacional, a subscrição posterior de uma série de outros tratados multilaterais sobre assuntos tópicos. Conforme veremos mais adiante, no presente Capítulo, as Declarações da Assembléia Geral da ONU, nos dias correntes, são consideradas “costumes internacionais”.
65
No Brasil, aprovada pela Congresso Nacional em 1951 (Decreto Legislativo nr 2/51) e promulgada pelo Decreto 30.822 de 06/05/1952. 66 Trata-se de dois autênticos tratados multilaterais negociados sob a égide da Assembléia Geral da ONU e não de mera resolução daquele Colegiado. Tanto assim, que nos textos de ambos se exigem, para as respectivas vigências, o depósito de instrumentos de ratificação por parte dos Estados signatários. No Brasil, muito tardiamente foram ambos os Pactos aprovados pelo Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo 226 de 12/12/1991 e promulgados como lei interna, pelo Decreto 592 de 06/12/1992.
42
Outro exemplo pode ser dado com a norma do Direito Internacional do Meio Ambiente, sobre a responsabilidade de um Estado, expressa pela regra poluidor-pagador, que representa uma transposição ao Direito Internacional de princípios gerais de direitos internos dos Estados, mas que igualmente pode ser considerada como corolário de outro princípio geral, este formalmente reconhecido como tal no Direito Internacional (Princípio 2 da Declaração do Rio de 1992, sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento67); sua formulação resultou de uma arbitragem entre EUA e Canadá, o caso da Fundição Trail, decidido em 1943,
no qual os árbitros se apoiaram em precedentes
judiciários internos da “Supreme Court dos EUA” (casos de poluições transfronteiriças entre Estados daquela federação), o qual logo passou a ser constantemente referido pela doutrina internacionalista, e tão logo emergiram as necessidades de proteção do meio ambiente, em nível internacional (por volta dos anos 1960), foi relembrado como uma regra internacional. Os passos seguintes foram a sua consagração formal na primeira grande manifestação coletiva dos Estados, em termos de proteção internacional do meio ambiente, na Conferência das Nações Unidas reunida em Estocolmo, a 1972, a Declaração de Estocolmo de 1972, sobre o Meio Ambiente Humano, no seu Princípio 21, o qual foi reescrito, “ipsis verbis”, na citada Declaração do Rio de 1992. Por outro lado, em grande número de tratados multilaterais que versam sobre poluição transfronteiriça, aqueles princípio gerais de direito são reafirmados nos respectivos preâmbulos, como norma geral que determinou a feitura daqueles atos e como guia para sua exegese. Como se verá mais além, no presente Capítulo, aquelas Declarações, atribuídas a atividades da Assembléia Geral da ONU, são consideradas como prova de uma “opinio juris”, portanto, constituem Direito Internacional costumeiro. A título de exemplo, trazemos à colação alguns princípios gerais de direito, conforme assim considerados, pela jurisprudência internacional e pela doutrina dos internacionalistas: abuso de direito e o princípio da boa-fé, ninguém pode impor a própria falta a outrém (princípio da preclusão ou “estoppel”68 em Direito Internacional), qualquer violação de um compromisso acarreta o dever de reparar integralmente um dano dele decorrente (exemplos definidos no Caso da Fábrica de Chorzow, julgado em 1926 e 1928 pela CPJI), a existência no Direito Internacional de casos de força maior, no referente a compromissos assumidos pelos Estados (Caso dos Empréstimos sérvios e brasileiros, julgados pela CPJI).
67
O referido Princípio 2 da Declaração do Rio assim está redigido: “Os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional”. 68 “Estoppel” é um termo de natureza processual cunhado no direito inglês, a partir da máxima judiciária “allegans contraria non est adiendum” e que consiste na proibição a dar-se qualquer efeito a um argumento de uma parte, que esteja em contradição com alegações ou condutas anteriores a ela legitimamente imputáveis. Na verdade, tanto no Direito Internacional, como na “common law”, trata-se de um princípio que diz respeito à própria existência ou inexistência de um direito material e não a perda de um direito, por desídia na utilização de um recurso facultado pela lei (preclusão, perda de um direito pelo não exercício de um direito processual, ou seja, pelo esgotamento de um prazo recursal).
43
Deve ser notado, como bem observaram os Profs. Dinh, Dailler e Pellet, que, nos dias correntes, “como os princípios gerais de direito constituem uma fonte “transitória” e “recessiva” do Direito Internacional, a sua repetida aplicação transforma-os em normas consuetudinárias. Os princípios não desaparecem, são mascarados por normas costumeira tendo o mesmo conteúdo”69. Ainda na leitura daqueles Professores, “em virtude da heterogeneidade crescente da sociedade internacional pois nas coexistência actual de Estados, com regimes económicos e sociais divergentes, de nível desigual de desenvolvimento, é mais difícil encontrar princípios comuns aos direitos nacionais com alcance universal”.
69
Nguen Quoc Dinh, Patrick Dailler e Alain Pellet, Direito Internacional Público, Lisboa, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, tradução da obra homônima em francês, na sua 4a edição, Paris, LGDJ 1992. Citações retiradas de p. 321 da versão em português.
44
Na verdade, a atual clivagem entre Estados desenvolvidos, Estados em desenvolvimento e Estados com menor desenvolvimento relativo, tem produzido maiores e mais importantes transformações na regra tradicional da igualdade jurídica entre Estados, sobretudo no Direito Internacional Econômico, do que a divisão ideológica do mundo entre Estados capitalistas e Estados socialistas (ou, numa terminologia mais atualizada, entre Estados de economia de mercado e Estados de economia centralmente planificada). A introdução no Direito Internacional da sua nova feição de um direito da cooperação internacional, tem levado ao reconhecimento de que as igualdades tradicionais deveriam ser revistas, com a finalidade de dar-se um conteúdo mais realista, dentro da ótica jurídica, a um mundo cada vez mais dividido entre nações ricas e pobres. No fundo, trata-se da introdução no Direito Internacional, dos conteúdos mais apropriados à realização da justiça, ou seja, a vertente de eqüidade (a realização do justo, nas relações reguladas pela norma jurídica), que qualquer sistema jurídico deve pretender: além da noção de uma igualdade aritmética (princípios da justiça comutativa), a consciência de que o direito deve realizar uma igualdade, que respeite as desigualdades (princípios da justiça distributiva) e que deva mesmo tornar uma realidade patente, tratamentos diferenciados para que aquela realidade possa ser atingida (justiça social). Em tal contexto, não deixa de ser revolucionário que novos princípios gerais de direito façam sua emergência, por vezes, em confronto direto com alguns clássicos: a exemplo, no campo do Direito Internacional do Meio Ambiente, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, assinada no Rio, a 1992, expressamente reconhece que, nas responsabilidades pela emissão, em tempos passados, de gases de efeito estufa e pelos diferentes graus de deveres na sua futura diminuição (com efeitos de restrições sobre padrões de consumo internos nos Estados, em particular, o refreamento de emissões de gases provenientes da queima de combustíveis fósseis e um relativo desaquecimento do ritmo do desenvolvimento industrial dos países), os Estados têm “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”70 (e tanto assim é, que no Anexo I daquela Convenção, encontram-se listados os Estados com maiores responsabilidades, ou seja, os industrializados, com uma discriminação dos países em processo de transição para uma economia de mercado, retórica para mencionar os atuais países independentes, que compunham a antiga URSS e os países do Leste da Europa, que tinham uma economia centralmente planificada).
70
Trata-se do art. III, “Princípios”, cujo § 1o assim está redigido: “As Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras da humanidade com base na eqüidade e em conformidade com suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades. Em decorrência, as partes Países desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e seus efeitos negativos”.
45
Outro campo onde se verifica um redobrado interesse na emergência de novos princípios gerais de direito, é o dos negócios internacionais, particularmente no campo dos contratos de prestação de serviços públicos (como os contratos de exploração de recursos naturais, tal o petróleo), nos empréstimos internacionais e ainda na forma de constituição de organizações semioficiais destinadas a atividades do comércio internacional. Conforme têm sido conhecidos, os “State Contracts” caracterizam-se por fazerem figurar, na mesma relação jurídica, de um lado, uma pessoa física ou jurídica, o denominado “particular estrangeiro” e de outro, o Estado, seja diretamente, por um órgão de sua administração centralizada, seja, mais comumente, por um órgão da administração decentralizada, nas mais variadas formas, como uma entidade organizada com personalidade jurídica distinta da do Estado, mas com substanciais vínculos com ele, tais as autarquias, sociedades de economia mista, ou outras formas da organização da administração indireta, particularmente dedicadas ao comércio internacional. Igualmente os Estados têm constituído entre eles, entidades que refogem à tipificação de organizações intergovernamentais, para o fim de explorarem atividades econômicas, numa base eminentemente empresarial (tais, a exemplo, a Itaipu Binacional, a empresa que explora o Canal da Mancha, a EUROCHEMIQUE, empresa de processamento de combustível de centrais nucleares). Na interpretação de tais atos negociais, em particular em situações de litígios entre os participantes, o que tem sido realizado com o recurso a arbitragens privadas internacionais (com um tipo novo de arbitragem que surgiu na atualidade, regulada pelo Direito Internacional, as arbitragens entre um Estado e um particular estrangeiro, sendo que no caso de investimentos internacionais, existe a Convenção BIRD, com um centro criado “ad hoc”, com sede em Washington), a invocação de princípios gerais de direito tem sido freqüente, em especial, na aplicação do princípio da autonomia vontade nos contratos internos, para aqueles situações atípicas do Direito Internacional Público. 4.4. A jurisprudência de tribunais internacionais e de árbitros
46
Dentre as fontes do Direito Internacional nas quais os juizes da CIJ devem buscar a norma aplicável aos litígios que os Estados lhe apresentarem, o art. 38 do Estatuto daquele tribunal internacional, na alínea (d), arrola a jurisprudência e a doutrina, nos seguintes termos: “sob reserva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito”. Por sua vez, o art. 59 do mesmo Estatuto, a que aquele dispositivo faz referência, assim está redigido: “A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão”.
47
Ambos os dispositivos devem ser lidos em conjunto. Segundo os comentaristas daquele ato multilateral, bem como a doutrina dominante no Direito Internacional,
o fato de o Estatuto ter
considerado a doutrina internacionalista e as decisões judiciárias como meios auxiliares, quer significar que tais fontes não são autônomas, como os tratados e convenções internacionais, os costumes internacionais e os princípios gerais de direito; trata-se de fontes que somente têm sua virtualidade de produzir a norma ou de esclarecê-la, na medida em que possam ser conjugadas com aquelas outras três, e não de maneira direta, de modo exclusivo e por força normativa própria e solitária. Com tais dispositivos, procurou-se evitar que naquela primeira corte internacional, com uma jurisdição mundial, que se instituía após o final da Primeira Guerra Mundial e que seria reconduzida no sistema das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial,
dois fenômenos dos
ordenamentos jurídicos internos fossem reproduzidos na esfera internacional Em primeiro lugar, buscou-se conferir um papel de importância relativa e de certo equilíbrio em relação às outras fontes, à doutrina, a norma relevada por eruditos, que em determinados sistemas da família romanogermânica dos direitos71, chega a ser desmesurada, e que em outros sistemas da família da “common law”, chega a ser insignificante72. Em segundo lugar, buscou-se impedir o que sucede nos ordenamentos jurídicos nacionais que se filiam à família dos direitos da “common law”, na qual um precedente judicial (um “case”, também denominado um “stare decisis73”), ou seja, uma sentença de tribunal superior, tem força vinculante para qualquer outro litígio futuro semelhante que se apresente àquele tribunal, a outros tribunais subordinados e, com mais forte razão, a juizes de primeiro grau. Diferentemente do sistema da família dos direitos romano-germânicos, tal como conhecemos no Brasil, na “common law”, um acórdão, além de colocar fim a um litígio entre partes (portanto os efeitos subjetivos e objetivos da “res judicata” entre as partes e seus sucessores), tem efeito “erga omnes”, de aplicação automática, para qualquer outro litígio similar que, no futuro, seja apresentado às autoridades judiciárias que se encontram obrigadas pela norma declarada no precedente.
71
O Direito Comparado mostra a existência de grandes famílias de direito, das quais se destacam a romano-germânica (que autores ingleses e norte-americanos denominam de “civil law”) e a “common law”, na sua acepção de sistema jurídico global (no qual, “common law” tem ainda outros significados). Veja-se nosso trabalho anteriormente citado. 72 Nos EUA, a doutrina é considerada como “secondary authority” e muito raramente é invocada como razão de decidir dos juizes de primeiro grau e dos tribunais daquele país, na sua justiça federal ou nas justiças dos Estados (os “sister States”). Veja-se nosso livro: “Common Law”: Introdução ao Direito dos EUA, id. Ibid. 73 “Stare decisis” (pronuncia-se: “stare diçaicis”) é, em particular nos EUA, expressão derivada da frase medieval, “stare decisis et quieta non movere” (as coisas permanecem pelas próprias decisões e não devem ser alteradas). Representa o fenômeno que, no sistema da família dos direitos romano-germânicos, se designa como “res judiciata” (coisa julgada), embora tenha, na “common law”, contornos mais abrangentes.
48
Um exame da jurisprudência da CPJI e da CIJ revela que, nas motivações das razões de suas decisões judiciárias, os juizes daqueles tribunais jamais adotaram a metodologia típica dos juizes e tribunais da “common law”, ou seja, partiram, obrigatoriamente de um caso julgado, analisaram as questões novas “sub judicie” e, por uma metodologia de análise dos fatos, buscaram, por analogia, os elementos que pudessem justificar a aplicação das soluções já existentes, ao caso novo. Antes, o que se pode verificar, é que a jurisprudência daquelas Cortes, deram aos casos anteriores julgados por elas, ou, diga-se ademais, por árbitros internacionais, um relevante papel de ajudar na formação da convicção dos julgadores, que permaneceram em liberdade, sem qualquer vinculação aos precedentes judiciários, para apreciar a força de convencimento da norma escrita, do costume internacional e dos princípios gerais de direito. E mesmo nas hipóteses de terem aplicado, por inteiro, um precedente anterior, o fizeram, não de maneira automática, mas tiveram de motivar suas razões com outros argumentos, como a existência de um costume internacional ou apoiados nos princípios gerais de direito, o que significa que, de nenhuma forma, se apoiaram numa normatividade automática dos julgados anteriores. Quanto aos recentes tribunais internacionais instituídos no sistema da ONU, o Tribunal Internacional do Direito do Mar, criado pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, com sede em Hamburgo, e o Tribunal Penal Internacional instituído por influxo da atuação da Comissão Internacional dos Direitos Humanos daquela organização cimeira, em 1999, com sede na Haia, tudo leva a crer que as respectivas decisões devam seguir os mesmos preceitos que os até aqui existentes, relativamente aos julgados da CPJI e da CIJ, no que se refere a seu valor como fonte do Direito Internacional. Já os tribunais regionais, em matéria de integração econômica regional, o de Luxemburgo, o de Quito e o de Manágua, e em matéria de proteção dos direitos humanos, o de Estrasburgo e o de San José da Costa Rica, sua jurisprudência é mais limitada em seu valor, dadas as competências territoriais dos mesmos, razão porque, a nosso ver, podem auxiliar na demonstração da existência de um costume internacional regional.
49
É mister, ainda considerar outra fonte de origem jurisprudencial, que não consta do rol das fontes formais elencadas no mencionado art. 38 do Estatuto da CIJ: os precedentes dos juízos arbitrais havidos entre Estados. Em que pese as limitações do mencionado Art. 38 § 1º al. b), conjugado com o Art. 59, ambos do Estatuto da CIJ, as sentenças arbitrais entre Estados têm constituído uma poderosa fonte auxiliar na descoberta das mencionadas maneiras de revelação da norma internacional. Embora possuam limitações ainda maiores que os julgamentos judiciários realizados pelo Tribunal da ONU, no que respeita aos limites da "res judicata" (pois, como se sabe, as arbitragens são efetuadas por julgadores "ad hoc", cujas decisões, pela falta de organicidade e institucionalização de suas atuações, bem como pelo caráter personalíssimo de suas decisões, tornam problemático falar-se de uma "jurisprudência arbitral"), contudo, nos próprios casos da CIJ, alguns casos de julgamentos arbitrais, mesmo havidos entre Estados que não eram partes do julgamento em questão perante a Corte, têm sido, com relativa freqüência, invocados e serviram de parâmetro para os julgamentos. Igualmente relevantes são os precedentes de arbitragens, na formação da doutrina jusinternacionalista, como provam os eruditos relatórios da Comissão de Direito Internacional da ONU, como se verá a seguir, no presente Capítulo. Das decisões arbitrais, avulta em importância a arbitragem no famoso caso da Fundição Trail, (como já nos referimos, apontado por grande parte da doutrina, como a primeira manifestação formal do Direito Internacional do Meio Ambiente e que inspiraria o Princípio 21 da Declaração de Estocolmo, este, repetido, com pequenas variações, no Princípio 2º da Declaração do Rio), bem como a arbitragem no caso do Lago Lanoux (ou, em catalão, Lac Lanós). Apesar de particularíssimos quanto às partes envolvidas, de serem os árbitros julgadores "ad hoc", de inexistir uma instituição oficial de guarda e atestamento da autenticidade das decisões neles prolatadas, têm sido freqüentemente citados, como precedentes válidos (sem a força vinculativa dos "stare decisis", como já nos referimos) em casos entre Estados, que não foram partes litigantes naqueles. 4.5. A doutrina internacionalista
50
A doutrina, ou seja, a opinião dos “juristas mais qualificados das diferentes nações” que o art. 38 do Estatuto da CIJ indica como uma das fontes auxiliares na revelação do Direito Internacional, deve, na atualidade, ser considerada na sua função de apresentação, esclarecimento ou interpretação da norma jurídica internacional. A sua eficácia como fonte formal da norma, advém da racionalidade dos argumentos e do valor de convencibilidade demonstrativa de uma tese, na eventualidade de dirimir-se um conflito entre interpretações conflitantes. Nos séculos passados, sobretudo XVI, XVII e XVIII, a doutrina teve importante papel na formação do Direito Internacional Público, na medida em que, num campo extremamente lacunoso, de parcas normas escritas e poucos costumes internacionais reconhecidos, a sua configuração se perfazia na base de engenhosas construções teóricas sistemáticas e racionais, a partir da concepção de um direito natural e de interpretações renovadas de antigos juristas do Direito Romano, conforme se comprova pela obra de Francisco de Vitoria, Francisco Suarez, Hujo Grotius, Eméric Vattel. Com o desenvolvimento de um positivismo jurídico no Séc. XIX e os fenômenos típicos do Séc. XX, como a proliferação de tratados e convenções internacionais multilaterais, a emergência crescente de organizações intergovernamentais, com poderes normativos, e, sobretudo pelo trabalho sistemático de codificação do Direito Internacional, a doutrina de autores individuais tem perdido sua relevância, como fonte formal (direito norma), assim reconhecida pelos formuladores e aplicadores das normas jurídicas internacionais. Claro está que as outras funções da doutrina, como estudo científico e sistemático do Direito Internacional (o direito ciência ou o direito como fato social), como fonte de irradiação dos conhecimentos e da consciência dos mesmos, em particular no meio científico e acadêmico, continuam a ser relevantes. Na verdade, como bem demonstrou o jurista canadense J-Maurice Arbour, “as obras e artigos da doutrina são, quando muito, instrumentos que permitem captar os dados atuais do direito sobre uma questão determinada e não ocorreria a ninguém pensar que suas conclusões obriguem os Estados ou os tribunais encarregados de aplicar o direito às questões que lhes são submetidas”74.
74
J.-Maurice Arbour, Droit International Public, 3a edição, Les Éditions Yvon Blais Inc., Cowansville, Quebec, Canadá, 1997, p. 122.
51
No decorrer do Séc. XX, a doutrina continuou a ser apresentada em obras individuais, tradicionalmente na forma de livros e artigos em revistas especializadas ou editadas por uma universidade, e ainda na forma de livros com a participação de vários autores, editados sob a égide de um internacionalista responsável, ou de uma instituição científica ou universitária importante; tais conjuntos de obras individuais, editados sob a responsabilidade de um único autor (ou de vários), ora são reunidos em livros em homenagem a uma pessoa ilustre 75, ora resultam de simpósios científicos76, ora se encontram reunidos em publicações dos resultados de realizações de pesquisas institucionais77. Desde 1923, o mundo científico do Direito Internacional conta com a enriquecedora atuação da Academia de Direito Internacional da Haia, com sede naquela cidade, no Palácio da Paz (local onde então já se encontrava a sede da CPJI e que hoje continua sendo a sede da CIJ), fundação instituída pelos Estados, com o concurso de recursos financeiros propiciados pela Dotação Carnegie para a Paz Internacional dos EUA. Desde aquela data, até os dias presentes, a Academia da Haia realiza simpósios e os famosos cursos de Direito Internacional Público, de Direito Internacional Privado e temas afins, abertos a quaisquer participantes, inclusive estudantes universitários de todo mundo, com breve duração, nos meses de julho e agosto, em inglês ou francês, seja sobre temas gerais abrangentes ou temas tópicos. Tais simpósios se encontram publicados, na medida em que se realizam78, e os cursos se encontram editados numa importante coleção, o prestigiado “Recueil des Cours” da Academia de Direito Internacional da Haia, publicados anualmente.
75
A exemplo, veja-se, no Brasil: Luiz Olavo Baptista, Hermes Marcelo e Paulo Borba Casella, coordenadores, Direito e Comércio Internacional: Tendências e Perspectivas. Estudos em Homenagem ao Prof. Irineu Strenger, São Paulo, LTr. Editora, 1994 (no qual temos um trabalho: "A Competência Internacional do Judiciário Brasileiro e a Questão da Autonomia da Vontade das Partes” a p. 283-306) e Luiz Olavo Baptista e José Roberto Franco da Fonseca, Direito Internacional no Terceiro Milênio, Estudos em Homenagem ao Professor Vicente Marotta Rangel, São Paulo, LTr. Editora, 1998. 76 Deste os inúmeros, destaque-se: Francesco Francioni e Tullio Scovazzi, editores, International Responsibility for Environmental Harm, Londres, Dordrecht, Boston, Graham & Trotman, 1991 (no qual se encontra o importante artigo do Prof. Roberto Ago, "Conclusions du Colloque "Responsabilité des États pour les dommages à l'environnement", p. 493-499). 77 Araminta de Azevedo Mercadante e José Carlos de Magalhães, coordenadores, Solução e Prevenção de Litígios Internacionais, Volume II, Porto Alegre, São Paulo, Livraria do Advogado Editora, NECIN-PROJETO CAPES, 1999, P. 11-64 (coletânea na qual temos um trabalho: “Solução e Prevenção de Litígios Internacionais: Tipologias e Características Atuais” a p. 11-64). 78 A exemplo: Académie de Droit International de la Haye et Université des Nations Unies Colloque 1978, (27-29 juillet 1978), Le Droit à la Santé en tant que Droit de l'Homme, Alphen aan den Rijn, Sijthoff & Noordhoff, 1979.
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Outra importante trabalho da doutrina, como já referido, são os estudos específicos encomendados ou feitos pela própria Comissão de Direito Internacional da ONU, a referida CDI, publicados no seu “Yearkook”79, de edição anual, no qual se encontram, ademais, transcritas as opiniões dos ilustres integrantes da mesma. A própria ONU, em assuntos vários, 80 em particular sobre o relevante trabalho empreendido pela CDI81, bem como as suas organizações especializadas, a exemplo da FAO (Food and Agriculture Organisation, com sede em Roma)82 e da Universidade das Nações Unidas83 (a UNITAR, com sede em Tóquio), têm sido responsáveis por obras que reúnem trabalhos doutrinários de autores individuais, do mais elevado teor. Uma importante introdução nas fontes doutrinárias do Direito Internacional, a partir do final do Séc. XIX, e que cada vez mais se firmou como altamente significativa no correr do Séc. XX, foi a emergência do que passou a ser denominada de “doutrina coletiva”; trata-se de resoluções de caráter científico expedidas por organizações não governamentais, as ONGs, que existem nos vários setores da vida societária, e das quais se destacam duas, fundadas no mesmo ano de 1873, dedicadas ao estudo e desenvolvimento daquele ramo da Ciência Jurídica: o “Institut du Droit International” e a “International Law Association”. Trata-se de entidades compostas por Professores, advogados, diplomatas, de todos os países do mundo, cuja principal atividade é o estudo científico de grandes temas do Direito Internacional, dos quais resultam projetos de normas internacionais, ou trabalhos coletivos de natureza opinativa sobre assuntos tópicos. Conforme já dissemos em um nosso trabalho anterior, relacionado ao Direito Internacional do Meio Ambiente:
79
Os relatórios dos trabalhos da CDI são editados em inglês (Yearbook of the International Law Commission), em francês (Annuaire de la Commission du Droit International) e em espanhol (Anuario de la Comisión de Derecho Internacional). Consta de dois volumes, um com o relatório das sessões e outro com os projetos de suas resoluções já adotados. 80 A exemplo: United Nations, Office of Legal Affairs, Division for Ocean Affairs and the Law of the Sea, The Law of the Sea, Concept of the Common Heritage of Mankind, Legislative History of Articles 133 to 150 and 311(6) of the United Nations Convention on the Law of the Sea, Nova York, United Nations, 1996. 81 United Nations International Law on the Eve of the Twenty-first Century, Views from the International Law Commission, Le Droit International à l'Aube du XXe. Siécle, Réflexions des Codificateurs, United Nations, Nova York, 1997 (Sales nº E/F 97.V.4, ISBN 92-1-133512-4). 82 FAO Essays in Memory of Jean Carroz, The Law and the Sea, FAO, Roma, 1987. 83 Könz, Peider, editor, com Christophe Bellmann, Lucas Assunção e Ricardo Meléndez-Ortiz, Trade, Envoronment and Sustainable Development: Views from Sub-Saharian Africa and Latin America. A Reader, Genebra e Tóquio, respectivamente, International Center for Trade and Sustainable Development, Geneva, e The United Nations University Institute of Advanced Studies, Shibuya-ku, Tokyo, 2000. (Environment and Multilateral Diplomacy Series, nr. 1). Nesta obra coletiva, contribuímos com um trabalho: “International Trade and Environment: Confrontation between the WTO/GATT and Environmental Protection Norms”, a p. 21-36.
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“na sessão em Salzburgo, em 1961, o Institut editaria a Resolução sobre o Uso Internacional de Águas Não-Marítimas, e na Resolução de Atenas de 1979, o Institut dedicar-se-ia à poluição dos cursos de água e dos lagos internacionais, em face do Direito Internacional (documentos publicados no seu Annuaire, respectivamente vol. 49-II e vol. 59-I). A International Law Association elaboraria as famosas Regras de Helsinky sobre os usos dos rios internacionais (agosto de 1966), suficientemente comentadas pelo Embaixador Sette-Câmara no seu Curso da Haia (já citado)84, e que seriam complementadas por outras propostas e estudos: sobre controles de enchentes (Nova York, 1972), sobre a poluição marinha de origem telúrica (Nova York, 1972), sobre gerenciamento e melhoria de rios navegáveis que separam ou cruzam territórios de vários Estados (Nova Delhi, 1974), proteção de recursos da água e de usinas hidráulicas em tempo de guerra (Madri, 1976), administração internacional dos recursos da água (Madri, 1976), sobre as regulamentações de fluxos d'água e sua interdependência com outros recursos naturais (Belgrado, 1980), sobre as poluições transfronteiriças em geral (igualmente, Belgrado, 1980), as Regras de Montreal de 1982 sobre o Direito Internacional Aplicável à Poluição Transfronteiriça e as Regras de Montreal sobre Poluição da Água, numa Bacia Internacional(85), o direito dos recursos de lençóis freáticos internacionais (Seul, 1986) e as regras adicionais aplicáveis aos lençóis freáticos internacionais (Seul, 1986) (nosso livro: Direito Internacional do Meio Ambiente, Emergência Obrigações e Responsabilidades, de Direito Internacional, São Paulo, Atlas, 2001, no prelo). Enfim, importa observar que, nos casos em que os juizes da CPJI e da CIJ tiveram de fundamentar seus votos dissidentes nas decisões daqueles tribunais internacionais, sua razões de discordâncias sempre foram fundamentadas na doutrina dos internacionalistas mais significativos de seu tempo. 4.6.A eqüidade no Direito Internacional
84
Trata-se do Curso ministrado na Academia de Direito Internacional da Haia pelo Embaixador brasileiro, José Sette-Camara, "Pollution of International Rivers", publicado in Recueil des Cours, Academia de Direito Internacional da Haia, Haia, Boston, Londres, Martinus Nijhoff Publishers, 1984, III, tomo 186, p. 121-216. 85 As Regras de Montreal se encontram publicadas apud Experts Group on Environmental Law of the World Commission on Environment and Development, Environmental Protection and Sustainable Development, Legal Principles and Recomendations, Londres, Dordrecht, Boston, Graham & Trotman, Martinus Nijthoff, 1987.
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Na linguagem da teoria geral do Direito, “eqüidade” pode ter três sentidos: a) uma virtude própria dos sistemas normativos, inclusive o jurídico, que confere ao legislador ou aplicador da norma, o dever de considerá-la, sempre tendo em vista sua finalidade da realização do valor “justo” , portanto, sinônimo de justiça, conforme definida por Ulpinano: “suum cuique tribuere”; b) a faculdade concedida aos que aplicam a norma jurídica e que devem resolver uma controvérsia, particularmente os juizes e árbitros, de decidirem por outras maneiras que aquelas referíveis a um direito existente e invocável (sendo este direito, mencionado como “jus strictum”, para marcar sua oposição à eqüidade); e c) no sistema da família dos direitos da “common law86”, a “equity” designa um subsistema de normas que historicamente se opunha a outro, a “common law” “stricto sensu”87, e que hoje, se caracteriza pela maior liberdade dos contratantes, pela decisão de um juiz singular (e não do júri, que é figura típica do subsistema da “common law” “stricto sensu”), e que conta com um sistema recursal mais flexível88. Não foi por outra razão que o § 2o do Estatuto da CPJI e da atual CIJ, ao disciplinar os poderes dos juizes daquele tribunal internacional, empregou a expressão “ex aequo et bono”, que, desde o Direito Romano, é sinônimo de “equidade” nas primeira de suas acepções, para igualmente referir-se à segunda daquelas acepções e que pode evitar maiores problemas em confronto com os sistemas da “commom law”, se o termo “eqüidade” tivesse sido empregado, num tratado multilateral, como é aquele Estatuto e que deve ter um entendimento generalizado e uniforme, por qualquer sistema das famílias de direito.
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Relembre-se que “common law” significa: a) a inteira família dos direitos que adotam este sistema (por oposição à família dos direitos romano-germânicos, ou “civil law”, como os ingleses e norte-americanos a designam); b) o conjunto de normas determinadas pelas decisões de tribunais superiores (por oposição a “statute law”, a norma escrita pelo legislador como nós conhecemos) e c) o direito definido pelos tribunais do rei e não do Chanceler (este, denominado “equity”). Veja-se rodapé a seguir. 87 A “common law” “stricto sensu” era aplicada pelos tribunais do rei, as Cortes de Westminster, e os recursos eram decididos pelo rei, em pessoa. Dadas as impossibilidades de o rei reunir seu conselho judiciário, devido, sobretudo à Guerra das Duas Rosas, foi aos poucos sendo delegado ao Lord Chanceler, um religioso e confessor do rei, poderes de decidir segundo sua consciência. De tais práticas, formou-se um corpo distinto de normas, aplicadas pelos Tribunais do Chanceler (as Courts of Chancery), as quais se firmaram como um subsistema autônomo, com suas regras procedimentais próprias (os “equity suits”), seus próprios precedentes, e advogados nelas especializados (os “equity lawyers”, por oposição aos “common lawyers”). Na Inglaterra os tribunais foram unificados por volta de meados do Séc. XIX, nas “civil actions”, tendo, contudo, a “equity” deixado suas marcas históricas, inclusive observáveis nos Estados federados dos EUA (salvo a Luisiana, que adota um sistema da família romano-germânica) e no seu sistema federal. Veja-se nossa obra já citada “Common Law”, Introdução ao Direito dos EUA. 88 Os EUA guardam, de maneira menos pronunciada que na Inglaterra, País de Gales e Irlanda, tanto na maioria dos direitos dos Estados federados, quanto no direito federal, a distinção entre “common law” e “equity”, sendo a mais evidente diferença a atuação do júri, nos assuntos da “common law” e do juiz solitário, na “equity”, sendo dado que a decisão de determinar-se quando um assunto é de um ou outro ramo, cabe ao juiz solitário (portanto, é uma “equity issue”).
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.Releia-se o mencionado § 2o: “A presente disposição” (ou seja, a enumeração das fontes do Direito Internacional que os juizes devem aplicar para solucionar um conflito entre Estados) “não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão “ex aequo et bono”, se as partes com isso concordarem”. Constante em normas que disciplinam a competência de um tribunal judiciário internacional, a eqüidade revela-se como uma possibilidade de encontrar-se soluções de pacificação entre os Estados litigantes, não com o apoio das normas reveladas pelas formas contidas no corpo do mencionado art. 38, mas antes, por uma razoabilidade apoiada em motivos de conveniência e oportunidade, que possam permitir pacificação. Importante observar é que a eqüidade somente pode ter lugar, se houver permissão expressa dos Estados partes num litígio perante aquele tribunal judiciário internacional. Conforme será visto na presente obra, no Cap. 8, “Soluções Pacíficas de Controvérsias”, a jurisdição da CIJ não se exerce de maneira automática, quer dizer, nem todos os Estados partes de seu Estatuto, reconhecem-lhe uma competência obrigatória, tão logo acionada por um dos Estado; em determinadas hipóteses, ainda permanece a necessidade de os Estados partes, citados a comparecerem perante um julgamento, darem sua autorização a que aquele tribunal exerça sua jurisdição. Trata-se da questão da compulsoriedade da jurisdição da antiga CPJI e da atual CIJ, a qual permanece facultativa aos Estados, nos termos do art. 35 do Estatuto (denominado “cláusula facultativa de jurisdição obrigatória), assunto que será melhor analisado no Capítulo referido. O art. 35 do Estatuto reflete um momento histórico, em que os Estados mal se dispunham a transferir suas soberanias a órgãos judiciários internacionais, preferindo ainda guardar intocados grandes poderes de aceitação da jurisdição dos mesmos, nos momentos em que a mesma se exerce. Sendo assim, a CIJ ainda guarda os elementos característicos da arbitragem internacional, que é a necessidade do pleno consentimento dos Estados litigantes, tanto na investidura de pessoas competentes para aplicar o direito, quanto no relativo às formas e limites de tais poderes conferidos, num ato “ad hoc” e para uma instância bem determinada.
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Dados tais característicos da jurisdição da CIJ, torna-se inevitável um paralelismo com as arbitragens internacionais entre Estados, para melhor esclarecer-se a questão da utilização da eqüidade, tanto nas arbitragens, quanto nos julgamentos pelo tribunal judiciário da ONU. Nas arbitragens entre Estados, da mesma forma que nas arbitragens comerciais internacionais entre particulares, existe o fenômeno que mais claramente define a arbitragem como sendo um instituto misto entre convenção internacional entre Estados ou contrato entre particulares, de um lado, e de outro, um processo internacional ou negocial: a total liberdade de as partes determinarem as normas procedimentais a serem seguidas pelos árbitros, inclusive no que respeita às normas de direito material a serem aplicadas, para resolução do litígio. Na verdade, nas arbitragens, são os próprios litigantes que determinam os poderes dos julgadores-árbitros e sua extensão; sendo assim, a competência do(s) árbitro(s) é determinada, seja no ato de instituição do árbitro único ou do tribunal arbitral, a convenção de arbitragem89, seja nos primeiros atos em que a instância arbitral já se encontra instalada, e em que as partes fixam as normas processuais a serem seguidas pelo(s) árbitro(s), das quais consta a indicação da lei de direito material que deverão aplicar na solução da controvérsia. A regra, em qualquer tipo de arbitragem, é de que o(s) árbitro(s) devem aplicar aquele direito material indicado, ou na sua lacuna ou falta de indicação, aplicar as normas provindas de fontes formais reconhecidas, como o costume, os princípios gerais e direito e as auxiliares, como a jurisprudência e a doutrina; jamais poderão decidir “sponte sua” aplicar uma regra que conduza a uma solução razoável e eventualmente aceitável pelos litigantes, a não ser que tenha havido expressa autorização ao(s) árbitro(s), como dizia antiga norma revogada do Código de Processo Civil brasileiro, “para julgarem por eqüidade, fora das regras e formas de direito”90.
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A convenção de arbitragem pode assumir a forma de uma cláusula num tratado ou convenção internacional, e no caso de particulares, num contrato, a denominada cláusula compromissória, ou a forma de um contrato “ad hoc”, o compromisso (em francês “compromis” e em inglês “submission”). 90 Esta última frase, constava no art. 1075, inciso IV do vigente Código de Processo Civil do Brasil, como um dos elementos que o compromisso arbitral poderia, facultativamente conter, mas que, se não constasse e uma decisão arbitral fosse tomada por “eqüidade”, sem ter havido, portanto, a autorização dos litigantes, tornaria o laudo arbitral nulo, por força do art. 1.100, inc. IV daquele diploma. Na atualidade, todo capítulo do CPC relativo a arbitragem foi revogado pela Lei no 9.307 de 23/09/1996, “dispõe sobre a arbitragem”, que, diretamente, não define “eqüidade”, mas distingue, no seu art. 2o, arbitragem de direito e arbitragem de eqüidade, delineando esta nos seguintes termos: “poderão, igualmente, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio”. Nesta mesma Lei, no art. 11, inc. II, consta a possibilidade de as partes autorizarem o(s) árbitro(s) decidirem por eqüidade, “se assim for convencionado pelas partes”; contudo, inexiste previsão expressa quanto a uma decisão por eqüidade, não autorizada pelas partes, o que não quer dizer que tal fato não tenha conseqüências legais no sistema brasileiro. No caso de decisão por equidade, a lei manda que deverá haver menção expressa a tal circunstância, na sentença arbitral, (art. 26, inc. II) e, uma ausência de tal requisito, torna a sentença arbitral nula (art. 32, inc. III).
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Nos casos de os juizes internacionais ou de árbitros internacionais poderem decidir ou realmente decidirem através do recurso à eqüidade, seja esta entendida como exigência presente em qualquer norma jurídica, seja aquela autorizada pelos Estados litigantes, diz-se que os mesmos agiram “en amiable compositeur”, expressão da língua francesa que, dadas as devidas proporções, poderia ser traduzida por uma frase relativamente longa: “como se fossem agentes de uma composição amigável entre os litigantes”91. Deve-se acentuar que não se trata de mediação, bons ofícios, conciliação ou qualquer outra forma de solução extrajudiciária de litígios internacionais, mas do exercício dos poderes inerentes a uma jurisdição na arbitragem ou num processo judiciário internacional, nos quais, houve a possibilidade de resolver-se o litígio sem a aplicação de um “jus strictum”, mas com o recurso a normas aceitáveis pelas partes e que colocam um fim a uma controvérsia internacional. Tudo indica que num julgamento por eqüidade, os motivos são de aplicarse um conceito de justiça, ao passo que na “amiable composition”, o que se tem em mira é satisfazer razões de conveniência e oportunidade, portanto, critérios políticos mais amplos que as motivações de uma decisão que deve aplicar a norma jurídica estrita (o “jus strictum”). A doutrina tem distinguido as seguintes formas de eqüidade: contra legem, praeter legem e infra legem. Quer se trate de uma norma autoaplicável por ela mesma, quer se trate de uma virtude do aplicador da norma, a equidade contra legem, consistiria numa forma de aplicar-se o conceito de justiça, de maneira a abrogar ou derrogar uma norma preexistente e em vigor; no Direito Internacional atual, não é admitida, pois, a partir da doutrina dominante e dos precedentes, não existe uma única decisão que tenha incluído a mesma como uma forma de abrogação ou derrogação das normas internacionais escritas ou não escritas, e portanto, ela não pode ser considerada como fonte formal daquele Direito. Considerando-se a equidade como a expressão do próprio direito, haveria necessidade de reexaminar-se o próprio Estatuto da CPJI e da atual CIJ, o qual não contempla a eqüidade como fonte formal do Direito Internacional; portanto, considerá-la como susceptível de derrogar normas internacionais vigentes, seria dar-lhe um posicionamento nas formas geracionais daquele Direito, no mesmo pé de igualdade que os tratados e convenções internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de direito, e das fontes auxiliares. Considerando-se e eqüidade como virtude dos que fazem a norma ou dos que lhe aplicam, da mesma forma, não haveria como dar-se à eqüidade um valor autônomo, em relação às fontes; sendo uma qualidade, ela se coloca como um adjetivo às outras fontes, essas sim autônomas, e portanto, não teria como produzir seus efeitos, a não ser quando estivesse inscrita nos referidos tratados e convenções internacionais, no costume internacional, nos princípios gerais de direito, e nas fontes auxiliares; não seria a equidade que derrogaria normas internacionais vigentes, mas a atuação e a força normativa das verdadeiras fontes do Direito Internacional. 91
A nosso ver, “compositor amigável” é expressão não corrente, no Direito brasileiro e pode levar a entendimentos bizarros de tratarse de um “músico bastante cordial”!. Nem gostaríamos de correr o risco de uma tradução risível, como o fizeram alguns desavisados ingleses para quem o “amiable compositeur” seria um “friendly printer”!
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No que se refere à eqüidade “praeter legem”, ou seja, o conceito de justiça como uma fonte de normas que complementam as lacunas do Direito Internacional, há, da mesma forma, a imperfeição de conferir a um atributo de uma fonte, a virtualidade de produzir a norma, como se fosse a própria fonte. Se bem que pudesse representar um recurso, no caso de haver uma lacuna (o que, em termos de Direito Internacional é improvável haver), admitir a eqüidade como fonte autônoma, seria conferir ao juiz ou árbitro internacionais, os poderes que somente um juiz da “common law” possui. Ademais, há precedentes da jurisprudência internacional, do qual se destaca o Caso Barcelona Traction, entre Bélgica e Espanha, julgado pela CIJ, no mérito, em 05/02/197092. Tratava-se de uma reclamação em que a Bélgica postulava contra a Espanha, indenizações por atos contrários ao Direito Internacional, em virtude de nacionalizações de haveres de uma empresa constituída e sediada no Canadá e concessionária de serviços públicos a região espanhola da Catalunha, haveres esses constituídos por ações majoritariamente pertencentes a súditos belgas. A CIJ rechaçou os argumentos belgas, tendo constatado que a norma internacional que ligitima a responsabilidade internacional de um Estado por danos a nacionais de outro Estado, pressupõe que a ofensa seja dirigida aos nacionais, pessoas físicas e não a acionários de sociedades mercantis, e que a proteção diplomática tenha por pressuposto o esgotamento prévio dos recursos internos no Estado reclamado (o que não se dava naquele caso). Na parte que interessa ao tema da eqüidade, interessa transcrever parte da sentença, em nossa tradução livre: “ Sustentou-se, também, que por razões de equidade, um Estado deveria poder assumir, em certos casos, a proteção de seus nacionais, acionistas de uma sociedade vítima de uma violação do direito internacional. A Corte considera que a adoção da tese da proteção diplomática dos acionistas enquanto tais, abriria caminho a reclamações concorrentes da partes de vários Estados, o que poderia criar um clima de insegurança nas relações internacionais. Nas circunstâncias particulares do presente caso, no qual somente o Estado nacional da sociedade [o Canadá] se encontraria na posição de autor, à Corte não parece que considerações de equidade sejam de molde a conferir à Bélgica a qualidade [ou seja: a legitimidade] para agir93.
92
Affaire de la Barcelona Traction, Light and Power Company Limited, julgado em duas ocasiões, exceções preliminares em 24/07/1964 e sentença de mérito, em 05/02/1970. Textos resumidos apud Nations Unies, Résumé des Arrêts, Avis Consultatifs et Ordonnances de la Cour Internationale de Justice, 1949-1991, Nova York, Nations Unies, 1992, respectivamente, p. 88-90 e 99101. Esta publicação da ONU tem a seguinte indicação bibliográfica: Doc. ST/LEG/SER.F/1, número de venda ao público: F.92.V.5. 93 Sentença, in op. cit., p. 100. Os colchetes foram adicionados por nós, para maior clareza, e não de encontram no texto original.
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Quanto à equidade infra legem, entendida como a justiça que tempera o rigor da norma jurídica revelada por outras fontes, ela é plenamente admitida, como tal, no Direito Internacional da atualidade. Neste particular, o que se poderia questionar é se para sua atuação, como metodologia de aplicar-se a norma jurídica, deveria ou não estar expressamente autorizada pelos Estados. Claro está que, se eqüidade for entendida como motivações metajurídicas, como a conveniência ou a oportunidade, com vistas a uma solução adequada a uma questão, ou seja, se ela for o oposto à aplicação do “jus strictum” , nos julgamentos perante tribunais judiciários ou árbitros internacionais, a autorização dos Estados é essencial. Porém, se a realização da justiça for considerada como uma virtude inerente a qualquer sistema jurídico, no sentido de temperar o rigor de suas normas, pouco importando a natureza das suas fontes, parece-nos que a noção de justiça seja inerente ao próprio Direito Internacional, portanto, sua atuação não necessite de qualquer manifestação da vontade dos Estados. No Direito Internacional, é o que se pode depreender de vários julgados da CIJ, dos quais se destaca a sentença prolatada em 22/12/1986, no Caso da Disputa de Fronteiras entre Burkina Faso94 e a República do Mali”95, em que aquele tribunal internacional foi confrontado com a questão de aplicar as
normas do Direito Internacional Público, para resolver limites entre os territórios
terrestres daqueles dois novos Estados africanos, antigas colônias de França e recentemente independentes96. Na sua decisão, a CIJ, por uma câmara constituída para resolver a questão, adotaria a regra proposta pelos litigantes, do “uti possidetis juris97”, que considerou
como um
princípio de direito internacional geral, reconhecido inclusive pelos Estados litigantes, e que, como os demais países da África subsaariana e membros da Organização da Unidade Africana98, o acolhem,
dentro da formulação do princípio da intangibilidade das fronteiras herdadas do
colonialismo; reconheceu, inclusive, que esta norma seria aplicável, mesmo que viesse a ferir outro princípio do direito internacional atual: o direito de os povos disporem deles mesmos. Por outro lado, rejeitou a proposta de uma decisão por eqüidade, tendo em vista que inexistia acordo entre os Estados litigantes para que a CIJ assim estatuísse. A parte da sentença que interessa, assim está redigida: “A Câmara, a seguir, examina a questão de saber se é possível, no caso em espécie, invocar a eqüidade, a respeito da qual as partes apresentaram posições opostas. [A Câmara] não pode- isto é claro- estatuir “ex bono et aequo”, uma vez que não foi a tanto encarregada pelas partes. Contudo, levará em consideração a equidade, enquanto se exprime no seu aspecto “infra legem”, ou seja, esta forma de equidade que constitui um método de interpretação do direito e que 94
Burkina Faso é o novo nome do país do noroeste africano, o Alto Volta, a partir de 04/08/1984. Texto consultado apud Nations Unies, Résumé des Arrêts, Avis Consultatifs et Ordonnances de la Cour Internationale de Justice, 1949-1991, id., ibid., p. 251-224. 96 Burkina Faso, que tomou este nome em 1984, era o antigo Alto-Volta, independente a partir de 1960. A República do Mali, acedeu à independência em 1960, tendo resultado do desmembramento do antigo território ultramarino, o Sudão francês e da secessão da então República Sudanesa, criada em 1959. 97 O princípio emergiu com a independência das antigas colônias espanholas na América, razão pela qual também é reconhecido como “uti possidetis juris de 1810”. 98 O princípio da intocabilidade das fronteiras herdadas do colonialismo, foi expressamente reconhecido pela Resolução 16-I do Cairo, de julho de 1964 e pela Declaração dos Países Não Alinhados, adotada em outubro daquele ano, igualmente no Cairo. 95
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repousa no direito. Levar concretamente tal equidade em consideração, resultará da aplicação que a Câmara fará dos princípios e regras que terá julgado aplicáveis”99. Em textos de grande número de tratados e convenções multilaterais modernos, consagra-se a possibilidade do recurso à eqüidade, ao que tudo indica, na sua formulação “infra legem”. Os exemplos mais claros se encontram no campo do Direito Internacional do Meio Ambiente, sem dúvida, altamente influenciado pelos atuais princípios gerais de direito, hauridos de uma relativa homogeneidade nas modernas legislações domésticas dos Estados (algumas de extração constitucional, como o caso do Brasil), sobretudo quando ainda definidos a partir das já mencionadas duas conferências cimeiras da ONU, Estocolmo 1972 e Rio 1992, que produziram as Declaração sobre meio Ambiente Humano e a Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O primeiro exemplo é o da Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, adotada simultaneamente em Londres, Moscou e Washington, a 1972 100, em cujo art. XII o montante da reparação causada por um dano e que é devida pelo Estado lançador do objeto, “será determinado em conformidade com o direito internacional e os princípios da justiça e eqüidade”. Outros exemplos se encontram na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de Montego Bay de 1982, nos seguintes dispositivos, onde há menções expressas à equidade: no art. 59 (os eventuais conflitos atribuições aos Estados de direitos e de sua jurisdição na zona econômica exclusiva, “devem ser resolvidos na base da equidade”), no art. 69 (direitos dos Estados sem litoral a participarem na exploração dos recursos da pesca, “segundo uma fórmula eqüitativa”) e no art. 83 (sobre a delimitação da plataforma continental, os acordos entre Estados devem estar conformes o Direito Internacional, “a fim de chegar-se a uma solução eqüitativa”). Finalmente, é necessário ressaltar uma importante discussão, que se tem desenvolvido na doutrina do Direito Internacional e na diplomacia do Séc. XX, sobretudo a partir dos anos 1960, época da admissão maciça de novos Estados asiáticos e africanos na comunidade dos Estados, em particular nos foros multilaterais, onde aos poucos, se verificava o deslocamento das questões de confrontação entre Estados de economia centralmente planificados e Estados de economia de mercado
(polaridades
Leste/Oeste),
para
maior
ênfase
na
confrontação
entre
Estados
industrializados e Estados em vias de desenvolvimento (polaridades Norte/Sul).
99
Apud: Op., Cit., p. 216, em nossa tradução livre. Esta Convenção foi assinada e ratificada pelo Brasil, onde se encontra promulgada pelo Decreto nº 71.981 de 22/III/1973. Consagra ela o regime da responsabilidade objetivo, ou por risco, canalizada na figura do Estado lançador do objeto espacial. 100
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Igualmente no capítulo das fontes do Direito Internacional, viu-se a emergência de uma nova face da eqüidade, a nosso ver, igualmente na sua formulação “infra legem”, não faltando autores que parecem posicionar-se a favor de uma equidade verdadeiramente revolucionária, “contra legem”, de natureza política, como verdadeira fonte autônoma de novas normas do Direito Internacional. A temática se refere, em particular, a campos do Direito Internacional Econômico (a ex.: o endividamento crescente e irresolúvel dos Estados em desenvolvimento, frente às necessidades de reformulações de noções clássicas de obrigações internacionais), a quaisquer capítulos do Direito Internacional da Proteção aos Direitos Humanos (a ex.: os direitos dos indivíduos oponíveis diretamente aos Estados, sem a intermediação do instituto da proteção diplomática) e, muito recentemente, ao Direito Internacional do Meio Ambiente (a ex.: os conceitos de equidade inter-gerações, como norma que obrigue os Estados a um comportamento de autocontenção de uma política de desenvolvimento industrial não sustentável, ou seja, sem respeito aos valores ambientais, tanto gerações presentes quanto das futuras). O assunto é sem dúvida polêmico e desafiador e, portanto, continua aberto às discussões políticas e jurídicas.