FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, C IÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA.
Professor: Luís Eduardo Fonseca Soares
Direito Penal II Aborto Eugênico
Uberlândia 2º/2011
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 5 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA.
Lorrayne Lima Silva de Jesus Thiago Henrique de Resende Silva
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 6 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA.
"Para modificar a realidade jurídica em que vivemos é necessário, antes de tudo, conhecê-la”.
Marcelo Novelino
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SUMÁRIO
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 8 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. Introdução
O tema abordado por este trabalho contempla uma espécie de aborto o eugênico, realizado em caso de fetos que apresentam anomalias incompatíveis com a vida extra-uterina.
Diante da tecnologia do avanço da medicina, acompanhando o desenvolvimento fetal é possível detectar com precisão anomalias que tornam incompatível a vida extra-uterina. Uma vez diagnosticada a mal-formação, não há nada para fazer quanto a esse feto. Acredita-se que o direito não pode ficar estático e não evoluir no sentido de autorizar a interrupção da gestação.
O referencial central da questão, ou seja, se o Direito Penal deve ou não regular a matéria relacionada com a interrupção da gestação, visto que atualmente tem decisões judiciais favoráveis e contrarias a pratica do abortamento. As decisões que autorizam baseiam-se por analogia ao problema da saúde mental da mulher gestante.
A autorização da Justiça para se fazer o aborto de fetos e algo difícil de ser aceito nos tribunais e, muitas vezes, em razão da lentidão do judiciário, quando concedido, a mãe já teve o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, que não sobreviverá, causando-lhe dor, angustia e frustração.
Alem de todas as ameaças físicas e psicológicas ao feto e a gestante, existe a convivência diária com a realidade e a lembrança ininterruptas do feto dentro do seu corpo, que raramente irá completar um ano de vida, podem ser comparadas à tortura psicológica.
Assim sendo, quando se dá, entretanto, interrupção da gravidez, seja qual for o momento da gestação, por deliberação da mulher, isoladamente ou com a intermediação de terceiro, disso resultando a morte do feto, ocorre aborto voluntário, a teor dos artigos 124 a 128
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 9 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. do Código Penal, classificados entre sos crimes conta à vida, que não deixam de ser uma subclasse dos delitos contra a pessoa.
Para tanto, principa-se as explanações dos aspectos históricos do aborto desde os primórdios ate a atualidade, uma abordagem acerca do direito a vida, da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro e garantias do nascituro, explanação sobre o aborto no direito penal brasileiro, o crime do aborto no Código Penal Vigente, bem como um apanhado geral do aborto Eugênico. O presente trabalho se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação á continuidade dos estudos e das reflexões sobre os aspectos de mudança de entendimentos pelas instituições jurídicas brasileiras frente a possibilidade de inclusão do aborto eugênico o rol dos abortos permitidos, pelo Código Penal Brasileiro, visto não existir essa previsão legal.
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 10 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. 1. Introdução Histórica
Origem e Criação do termo O termo aborto provém do latim “aboriri” e significa “separar do lugar adequado”. Métodos abortivos datam do século XXVIII a.C., tendo sido descoberto na China. A verdade é que os povos primitivos ou não o previam ou, posteriormente, incriminavam-no com duríssimas penas. Com o fato concreto, entretanto. As manobras abortivas sempre foram praticadas em todo o mundo, sob o pretexto de que serviriam para controlar o crescimento populacional. Os primeiros detratores do aborto pretendiam defender não somente o ser em formação, mas também a gestante e a própria sociedade em virtude do direito que lhe assiste de ter novos cidadãos. Existe, um ponto de contato entre duas “legislações”, eis que tanto na Bíblia como no Código de Hamurabi, preocupavam-se menos com o aborto propriamente dito e muito mais com o ressarcimento ou compensação do dano causado. No Egito antigo não se dispunha de sanção para quem praticasse manobras abortivas. Já os doutrinadores gregos e romanos em sua maioria aconselhavam o aborto. Aristóteles e Platão pregavam a utilização do aborto como forma de controle populacional. Enquanto Sócrates também o admitia, porém sem qualquer outra justificativa, que não a de dar a gestante à liberdade de escolha. Consoante, a modesta concepção, é correto afirmar que o aborto, fora dos casos legais e morais, fere o direito fundamental a vida, deixando entrever casos de sua inexigibilidade jurídica. A luz do direito positivo ele se biparte em legalizado e criminoso, acrescentando que ele seja ou não permitido pela lei, variável através dos tempos e no seio de todos os povos.
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 11 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. Considerações Preliminares Direito a vida O direito à vida é um direito fundamental do homem, porque é dele que decorrem todos os outros direitos. É também um direito natural, inerente à condição de ser humano. Por isso, a Constituição Federal do Brasil declara que o direito à vida é inviolável. Diz o artigo 5º da Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida...”
Definição de Aborto Expulsão espontânea ou provocada do produto da concepção antes do momento em que ele se torna viável.
ESPÉCIES DE ABORTO São aqueles em que a legislação penal vigente permite que seja praticado nas situações do seu art. 128, quando ocorrem circunstâncias que tornam lícita a prática do fato. São excludentes da criminalidade, embora a redação do dispositivo pareça indicar causas de ausência de culpabilidade ou punibilidade. Aborto necessário Previsto no art. 128, I do CP, o aborto necessário ou terapêutico caracteriza caso de estado de necessidade, são aqueles casos em que o médico por não ter outro meio e salvar a vida da gestante pratica o aborto. Tão só a certeza de que o desenvolvimento da gravidez poderá provocar a morte da gestante é motivo para o aborto, não sendo necessário que o perigo seja atual. Convém destacar que não é levada em consideração o consentimento do paciente, cabe ao médico decidir sobre a necessidade do aborto visando proteger o bem jurídico mais importante que é a vida da mãe em prejuízo do bem menor, que é a vida intre-uterina. A Encíclica Casti Connubii proíbe o sacrifício da mãe ou do filho, pois nega o estado de necessidade nessa emergência. A Igreja dizia que os médicos devem se esforçar para defender e
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 12 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. conservar ambas as vidas, tornando-se indignos do nobre título e da glória de médicos os que pusessem em perigo de morte a mãe ou o filho. São vários os Códigos que admitem expressamente o aborto necessário: os Códigos da Suíça, México, Costa Rica, Cuba, Peru, Equador, Venezuela, Paraguai, Uruguai, Argentina, Canadá, Inglaterra, França e Itália.[3] O art. 128 do CP menciona que não se pune o aborto praticado pelo médico, porém pode ocorrer que outra pessoa que não o médico pratique o aborto devido a atual risco de vida para a mulher, alegando estado de necessidade, nos termos do art. 24 do CP. Aborto sentimental O inciso II do art. 128 do CP autoriza a realização do aborto sentimental, ou ético, ou humanitário,[4] que permite o aborto de gestação decorrente de estupro. Entende-se que há também estado de necessidade ou causa de não-exigibilidade de outra conduta. Tem como justificativa o fato de que a gestação foi decorrente de um coito violento, não desejado, ficando desobrigada de cuidar do filho. Não se pode impor a gestante que crie um filho que não foi gerado pelo amor, que irá faze-la relembrar de momentos de pavor que viveu. Além de que o filho pode apresentar problemas ligados à hereditariedade do autor do estupro. São requisitos do inc. II do art. 128 do CP: fecundação decorrente de estupro; consentimento prévio da gestante; consentimento de seu representante caso seja incapaz. Para que o médico realize o aborto basta que se submeta ao Código de Ética Médica, admitindo como prova elementos sérios a respeito da ocorrência do estupro, não há necessidade de autorização judicial. Caso não tenha havido o estupro, apesar dos indícios de que tenha ocorrido, o médico é isentado de culpa pela sua boa-fé, respondendo a mulher pelo delito do art. 124, segunda parte do CP.[5] Diversos Códigos admitem o aborto sentimental: o da Polônia, Uruguai, Equador, Cuba, Argentina e outros. Auto-aborto Trata-se o auto-aborto de crime especial, só a gestante pode praticá-lo, está previsto no art. 124 em sua primeira parte. Na segunda parte do artigo está o aborto consentido, a gestante é incriminada por consentir que outrem lhe provoque o aborto. Assim, a gestante pratica o delito tipificado no art. 124 e quem provocou o aborto o crime previsto no art. 126, em que a pena é mais severa. Se o sujeito aconselha a gestante intervindo na conduta do seu consentimento deve responder como partícipe do crime do art. 124. Aborto provocado por terceiro
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 13 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. Previsto no art. 125 do CP o aborto provocado por terceiro tem pena mais grave, pois provoca o aborto sem o consentimento da gestante, que é vítima do crime. Nos casos de o autor desse crime empregar força, ameaça ou fraude, desde que seja no ato do aborto responderá pelo art. 125 e não pelo art. 126 do CP, que é quando usando dos meios supra citados objetivam obter o consentimento da gestante. Presume-se o não consentimento da menor de 14 anos, por seu desenvolvimento mental incompleto, da alienada e da débil mental. Aborto consensual Estipulado no art. 126 do CP, é a provocação do aborto com o consentimento da gestante, esta responderá pelo crime previsto no art. 124 e quem praticou o aborto será punido pelo crime do art. 126 do CP, sob pena mais severa. O consentimento deve existir desde o início da conduta até a consumação do crime. Caso a gestante revogue seu consentimento durante a execução do crime o agente responde pelo art. 125 do CP. Havendo erro do agente que acredita que há consentimento da gestante quando na verdade na há, é erro de tipo, portanto será responsabilizado pelo art. 126 do CP.[6] Aborto qualificado As formas qualificadas de aborto estão previstas no art. 127 do CP. São formas qualificadas pelo resultado: aumento de um terço das penas cominadas nos artigos anteriores em decorrência do aborto ou dos meios empregados para provoca-lo gere lesão corporal de natureza grave na gestante; e duplicadas caso a gestante venha a falecer. Tanto a lesão grave como a morte não devem ter sido desejada pelo agente, pois nesses casos responderá, em concurso com o aborto, por crimes de lesões corporais ou homicídio. O art. 127 refere-se ao crime preterdoloso há dolo quanto ao aborto e culpa quanto à morte ou lesão corporal. O agente responderá por tentativa de aborto qualificado quando não se consumar a morte do feto, visto que a redação do art. 127 contempla não só o aborto, mas os meios empregados para provocá-lo. As formas qualificadas são aplicadas apenas aos autores dos crimes previstos nos arts. 125 e 126, excluída a gestante. Havendo lesão grave necessária para o aborto não ocorre a qualificadora, por ser conseqüência normal do fato.
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Aborto Eugênico
O aborto eugênico é a “interrupção criminosa da gestação quando houver suspeita de que, provavelmente, o nascituro apresenta doenças congênitas, anomalias físico-mentais, como microcefalia, retinite pigmentosa, sífilis, mongolismo, epilepsia genuína, demência precoce, idiotia amaurótica, etc.”1
A doutrina elenca inúmeras anomalias que, equivocadamente, justificariam a pratica do aborto eugênico, no entanto, este trabalho tem como escopo apenas a analise dos casos de anecefalia, a qual foi o objetivo de decisões judiciais proferidas recentemente.
Eugenia A eugenia pode ser conceituada como a “ciência, que se ocupa do aperfeiçoamento da raça humana, por cruzamento entre indivíduos escolhidos”2, e sua pratica e verificada desde a antiguidade. Segundo Hélio Gomes, Licurgo foi o primeiro a colocar em pratica a eugenia, procurando exterminar os débeis e inválidos e ensinado aos pais a deixarem a saúde como herança para seus filhos, ao invés da riqueza material3. Na Babilônia também era utilizado a referida praticva, onde a rainha Semiramis determinava que os jovens defeituosos fossem castrados4. Os gregos, por sua vez, jogavam as crianças defeituosas no desfiladeiro5, e a eugenia também era aconselhada por Platão em sua obra A República, o qual pronunciava:
1
Maria Helena Diniz. O Estado Atual do Biodireito. P. 34. Caldas Aaulete – Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. V. 2. p. 1650. 3 Medicina Legal. P. 316. 4 Tereza Rodrigues Vieira(coord). Bioética e Sexualidade. p. 13. 5 Ibidem, mesma página. 2
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 15 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. Quanto aos corpos de constituição doentia, não lhes prolongava a vida e os sofrimentos com tratamentos e purgações regradas, que os poriam em condições de se reproduzirem em outros seres fadados certamente a serem iguais aos progenitores.6
O ideal eugenista baseou-se também no chamado malthusianismo, que foi criando por Thomas Robert Malthus (1766-1834), segundo o qual a multiplicação da população não seria acompanhada pelo momento dos meios de subsistência e por isso seria necessário auxiliar a natureza em seus obstáculos repressivos de eliminação dos indivíduos através da limitação da natalidade. Tal limitação “se obteria pelo retardamento geral do matrimônio, pela dificultação dos casamentos imprudentemente contraídos e pela abstenção procriadora de quem é incapaz de criar filhos sãos e de educa-los utilmente”. Segundo relatos apesar de sua teoria, Malthus, que era pastor protestante e moralista, nunca sugeriu nem aprovou o aborto.
A eugenia teve seu crescimento no inicio do século XX, sobretudo nos Estados Unidos, Europa e Inglaterra, alcançando seu ápice na Alemanha, onde foi aplicada por Adolf Hitler. Passaram a adotar leis que previam o aborto eugênico e a esterilização eugênica, sendo que esta ultima teça a aceitação, “primeiro, nos Estados Unidos, depois no Canadá, na Suíça, nos países escandinavos, no Japão, e na Alemanha nazista”. Assim, com base nas praticas eugênicas, “finda a II Guerra Mundial, haviam sido mortos, na Europa ocupada, nos campos nazista de extermínio, cerca de seis milhões de judeus. Esta foi a solução encontrada por Hitler para o “problema” judeu e para a implantação da “nova ordem” no continente europeu”.
O Aborto Eugênico no Brasil e sua Legalidade
6
P.86.
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 16 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. A atual legislação penal brasileira, acertadamente, não prevê o aborto eugênico como causa excludente de ilicitude. No entanto, inúmeras decisões contrarias à lei estão sendo proferidas, nos casos de anomalias que tornem inviável a vida extra-uterina.
Resta claro que o aborto, principalmente o eugênico, é um tema extremamente polêmico e conseqüentemente dá desejo a diversas posições doutrinárias.
Dentre aqueles que são favoráveis ao aborto eugênico esta Cezar Roberto Bitencourt, segundo o qual “o Código Penal, lamentavelmente, não legitima a realização do chamado aborto eugenésico, mesmo que seja provável que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável.”7 Contrariando a prática do aborto eugênico esta Edgard Magalhães Noronha, o qual afirma que a autorização para a cessação da gestação no caso de deformidade do produto da concepção seria arriscada, e ainda que “a admissibilidade se tornaria ampla e por isso mesmo perigosa: acabaria por degenerar, tornando a exceção regra”.8 O anteprojeto do Código Penal
Em 1984 foi publicado através da portaria nº 304 o Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, o qual previa o aborto eugênico (denominado “aborto piedoso”), como uma terceira hipótese de causa de excludente de ilicitude, não sendo, no entanto, aprovada. Posteriormente foi elaborado um novo Anteprojeto do Código Penal, o qual também apresta o aborto eugênico, alem do aborto necessário e do aborto na gravidez resultante de estupro, como causa de excludente de ilicitude, nos seguintes termos:9 Art. 127. Não constitui crime o aborto provocado por médico se: 7
Tratado de Direito Penal: Parte Especial. v. 2. p. 170. Neste sentido: Paulo José da Costa Junior. Direito Penal: Curso completo. p. 268; Paulo Lúcio Nogueira. Em Defesa da Vida. p. 14-17; Helio Gomes. Medicina Legal. p. 311326; Alexandre de Moraes. Direitos Humanos Fundamentais. p. 91 e Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. p. 178-179. 8 Direito Penal. v. 2. p. 67-68. Neste sentido: Maria Helena Diniz. O estado atual do biodireito. Passim; Tereza Rodrigues Vieira (coord). Bioética e sexualidade. p. 11-26; Delton Croce e Delton Croce Junior. Manual de Medicina legal. p, 448-449; Stella Maris Martinez. Manipulação Genética e Direito Penal. p, 252-258. 9 Luiz Flavio Borges D’Urso (org). Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal. p, 25-26.
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 17 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. III – há fundado probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias que tornem inviável. O mesmo anteprojeto que pretende introduzir o aborto eugênico como mais uma cauda excludente de ilicitude é contraditório ao apresentar o Titulo XV – Dos Crimes Contra a Cidadania e Comunidade Indígena, o crime e violação discriminatória de direito ou garantia, nos seguintes termos:10
Art. 392. Negar, impedir ou dificultar, por motivo de discriminação ou preconceito de raça, etnia, cor, sexo ou orientação sexual, condição física ou social, religião ou origem, o livre exercício de direito ou garantia fundamental assegurados na Constituição: Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Ficaria então caracterizado esse crime nos casos de aborto de fetos anencefálos, pois se estaria impedindo o livre exercício de direitos ou garantias fundamentais assegurados na Constituição, quais sejam, o direito a vida, a igualdade e a dignidade da pessoa humana, por motivo de discriminação quanto a condição física daqueles.
Se aprovado o anteprojeto, estes artigos deverão ser alterados, vez que se estaria incriminando, por via de oblíqua, uma causa de excludente de ilicitude. As decisões judiciais
a) Medidas judiciais em defesa do nascituro (todas deferidas)
Diversas são as decisões judiciais deferindo os pedidos para a interrupção da gestação. Grande parte das decisões neste sentido apresenta como fundamento a proteção ao direito fundamental da gesta de não ser submetida a tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, inciso III, da Constituição Federal), outro argumento utilizado é o da aplicação analógica in bonam partem do artigo 128, inciso I e II do Código Penal, pois “na visão jurídica, ao antecipar o 10
Luiz Flavio Borges D’Urso (org.). Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal. p, 93.
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 18 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. sofrimento da mãe, permitindo-a realizar aborto, não se estaria tirando a vida do feto; estar-se-ia, apenas, antecipando um fato já consumado”. a.1) TJRJ Processo : 2000.059.01629 "Habeas-Corpus". Concessão. Os abortos eugênico e o econômico não são reconhecidos pelo Direito pátrio, que considera impuníveis apenas os abortos necessário e o sentimental, "ex-vi" art. 128, I e II do C.P. Ordem concedida em favor do feto em gestação para que não seja dolosamente inviabilizado seu nascimento. (SCK) Partes: Segredo de Justiça Rev. Direito do T.J.E.R.J., vol 45, pag 400 Tipo da Ação: HABEAS CORPUS Número do Processo: 2000.059.01629 Data de Registro : 22/09/2000 Folhas: 11017/11021 Comarca de Origem: Capital Órgão Julgador: Sexta Câmara Criminal Votação : Unânime Des. Eduardo Mayr Julgado em 04/07/2000 a.2) TJRJ Processo No 2000.059.01697 Tipo : Habeas Corpus Órgão Julgador : Sexta Camara Criminal Relator : Des. Mauricio Da Silva Lintz Impetrante : Amparo Maternal Paciente : Feto que esta sob gestação no útero de Maria Aparecida Aleixo. Origem : Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Data : 20/08/2001 SESSÃO DE JULGAMENTO Data da sessão : 20/06/2000 Decisão : Preliminarmente, de oficio, foram suscitadas pela presidência duas preliminares; a primeira, referente à possibilidade jurídica do pedido, que foi decidida no sentido de que o pedido é licito e admissível, a segunda, quanto a competência deste órgão fracionário, decidida no sentido de ter a câmara competência para o conhecimento da impetração; ambas as decisões foram tomadas a unanimidade. Ainda, em preliminar, para efeito de eventual concessão da ordem, entendeu a turma julgadora, ante a questão posta pela presidência, da desnecessidade da nomeação de curador ao nascituro, ante o evidente conflito de interesse entre a gestante e o embrião. No mérito, concedeu-se, por maioria, a ordem, consolidando a liminar, no sentido de vedar a interrupção da gravidez, vencido o Des. Valmir Ribeiro, que denegava o writ. Des. Presidente : Des. Eduardo Mayr Vogais: Des. Luiz Leite Araújo e Des. Valmir Ribeiro REGISTRO DE ACÓRDÃO
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 19 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. Data de remessa : 20/06/2001 Data Registro Acórdão : 21/06/2001 Numeração Automática : Sim Qtd. Folhas : 9 Folhas : 007408/007416 Remessa ao Protocolo : 21/06/2001 a.3) TJRJ Processo No 2000.078.00044 Tipo : Mandado de Segurança Órgão Julgador : Seção Criminal Relator : Des. Silvio Teixeira Impetrante : Osvaldo Gomes Impetrado : Juízo de Direito Da 2a.Vara Criminal da Capital Origem : Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Decisão: "Trata-se de mandado de segurança, impetrado, em 09.06.2000, por Osvaldo Gomes, visando a desconstituir ato do Juízo da 2. Vara Criminal (II Tribunal do Júri) da Comarca da Capital, que autorizou a Maternidade Osvaldo Nazaré, situada na Praça 15 de Novembro, a realizar o ato cirúrgico de interrupção da gravidez de Cleide dos Santos Alves, já em avançado estado de gestação de "feto portador de irreversível ma formação em conseqüência de anencefalia". Liminar deferida, "para sustar a realização do ato cirúrgico", como se vê de fls. 16/17. Prestadas as informações a fls. 21, com anexação de cópias e encaminhamento dos autos do respectivo processo, que foram requisitados e apensados. Nomeado Curador de nascituro (fls. 38), tendo-se pronunciado (fls. 44/66). Mantida a liminar, deferida outras diligencias, determinado que se verificasse o resultado do julgamento do H.C. n. 1629/2000. a.4) TJGO Processo n.º 199901414157 Tipo: Habeas Corpus com Pedido de Concessão de Liminar (HC 16184-8/217) Relator: Des. Byron Seabra Guimarães, vice-presidente do TJGO Impetrante: Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz Paciente: Nascituro anencéfalo no útero da Sra. Silvana Cristina F. Neto Autoridade Coatora: Dr. Alvarino Egídio da Silva Primo - 1ª vara criminal de Goiânia — protocolo 199901341605 - alvará judicial) Liminar deferida em 28/07/1999. Despacho (excertos): “No meu entender, não existe perspectiva de um bom direito para amparar o pedido de autorização judicial, tal como foi deferido, mesmo porque, se”... a lei não contempla o pedido dos requerentes," (f. 16), não poderia haver atendimento nesse particular”. (...) “Assim, defiro parcialmente o pedido, para o fim exclusivo de suspender a execução da autorização judicial, conforme consta do alvará de f. 18, até que a egrégia Primeira Câmara Criminal julgue o mérito do presente "habeas corpus", se ainda ela não tiver sido efetivada, caso em que, ficará prejudicado o pedido inicial.” (...)
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 20 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. “Goiânia, 28 de Julho de 1999”11 Estes são os argumentos, equivocados a nosso ver, utilizados pelos juizes para tentarem justificar suas condutas, as quais constituem um ilícito penal e afrontam diretamente o texto constitucional. Assim entende Maria Helena Diniz ao afirmar “(...) daí a inconsistência jurídica do pedido de autorização judicial para o aborto eugênico, pois nenhum juiz esta autorizado a permitir a pratica de um delito, cabendo-lhe indeferir in limine o pedido, devido a sua impossibilidade jurídica, por falta de amparo legal”.12
b. Medidas judiciais contra o nascituro (indeferidas)
As decisões judiciais indeferindo o pleito para o aborto eugênico estão, em sua maioria, fundamentadas na inexistência de amparo legal para a pratica daquele, vez que a legislação penal pátria somente prevê como causas excludentes de ilicitude os chamados aborto necessário e aborto sentimental. Ao indeferirem o pleito para o aborto eugênico, os julgadores Também se pautam pela inviolabilidade do direito a vida assegurada pela Constituição Federal, e conseqüentemente pela proteção jurídica oferecida por esta ao nascituro. b.1) Juízo de Direito da 29a Vara Criminal da Capital do Estado do Rio de Janeiro - Processo n° 2000.001.062364-3 Tipo: Pedido de autorização para interrupção de gestação Requerente: Flávia Cristina de Carvalho Spinelli Julgado em: 18 de maio de 2000 Relatora: Dra. Maria Luiza De Oliveira Sigaud Daniel Sentença (excertos): Segundo Tardieu o crime de aborto consiste na “expulsão prematura e violentamente provocada do produto da concepção , independentemente das circunstâncias de idade, viabilidade e mesmo de formação regular ”. Para a configuração do aborto é necessária a interrupção da gravidez, seguida ou não da expulsão do feto, antes da época de sua maturidade. Conforme ensina Zarnardlli: “a essência do aborto consiste no impedir o processo fisiológico de maturação do feto”. Deste modo, vemos que a lei penal protege a vida em seu sentido amplo, a vida humana em germe, e não meramente a expectativa de vida extra-uterina. Comprovado o estado fisiológico da gravidez, ou seja, que o feto estava vivo, não há indagar da sua vitalidade biológica ou capacidade de atingir a maturação. A anomalia diagnosticada, é uma síndrome genética, e não consiste na ausência de cérebro, como erroneamente se pode supor, mas na ausência de calota craniana, o que significa que a 11
Lamentavelmente, a decisão da liminar favorável ao nascituro chegou tarde, quando a
intervenção cirúrgica já havia sido feita. 12
O Estado Atual do Biodireito.p, 53.
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 21 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. criança tem o cérebro exposto, podendo inclusive ter algumas funções neurológicas preservadas. Durante o período gestacional a criança desenvolve-se normalmente, apresentando, no entanto, má formação cerebral consistente em comprometimento do sistema nervoso central, que só pode ser averiguado quando da realização da autópsia. Enquanto no ventre materno a criança, cresce e se desenvolve normalmente, apesar do cérebro exposto, por estar em um meio asséptico. Na literatura médica relatada não existem casos de sobrevivência, a criança nasce e respira, podendo viver meros segundos, 24 horas e até sete dias, dependendo das implicações neurológicas. A situação da criança não é de morte cerebral, ela tem um cérebro, que apesar de não poder desenvolver suas funções intelectivas, pode ter algumas funções preservadas. Ela possui o tronco cerebral que é responsável pelos batimentos cardíacos, pela respiração, pelos movimentos dos olhos, demais funções do tronco cerebral. (...) Entende este Juízo que o feto afetado por esta síndrome não pode ser privado do curto lapso de tempo da vida que possui. Tal procedimento consistiria na prática da eugenia, que visa não somente evitar o nascimento de seres com taras hereditárias, mas também o de seres portadores de deformidades congênitas. O avanço da medicina tem por objetivo salvar vidas e não ceifá-las, eis que de acordo com a ética médica não se pode negar nenhum tipo de assistência á alguém eu vai morrer. No caso em exame, sabe-se, antecipadamente, quando a criança morrerá, ela tem meses de vida, como um doente terminal. O aborto nestes casos iguala-se a eutanásia, só que praticada em relação a um nascituro em já avançado estágio gestacional. O sofrimento e o abalo psíquico da mãe só poderão ser minimizados pelo amor e apoio da família e por acompanhamento psicológico, fazendo-a compreender que carrega em seu ventre não um ser morto, mas um ser vivo que desenvolve-se plenamente nos demais aspectos físicos. Abreviar o tempo de vida pré-determinado, consiste em grave ilícito penal que não encontra amparo em nosso ordenamento jurídico vigente, malgrado entendimentos contrários. Ademais o Juiz não tem esse poder, isto é, o poder de determinar até quando alguém vai viver. Nosso poder, graças a Deus, é limitado, pois também estamos submetidos a ordem jurídica em vigor. É absurdo que a requerente e o médico que a assiste desejem chancelar suas condutas ilícitas, pois apesar de emanar do órgão julgador, consiste em ilícito penal de extrema gravidade. b.2) TJRJ - Processo n° 2000.078.00042 Tipo: Mandado de Segurança n.º 42/2000 [recurso contra a sentença acima transcrita] Órgão Julgador: Seção Criminal Relator: Des. Estenio Cantarino Cardozo Impetrante: Flávia Cristina de Carvalho Spinelli Impetrado: Juízo de Direito da 29ª Vara Criminal da Comarca da Capital Origem: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Ação: 2000.001.062364-3 Julgado em 21 de junho de 2000. Ementa: Mandado de Segurança. Competência da Seção Criminal. ABORTO EUGÊNICO. LIMINAR SATISFATIVA, se deferida impediria o conhecimento da causa por parte do Órgão competente.
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 22 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. Relevância do pedido. Há situações em que tal exame se torna imprescindível, sob pena de inviabilizar a tutela jurisdicional. ANENCEFALIA. anomalia fetal consistente na ausência da calota craniana, não é permissiva para se autorizar o aporto, como se infere do art. 128, I e II do Código Penal A lei não prevê a isenção de pena para o abortamento eugenésico, isto é, com a eliminação de fetos doentes ou defeituosos, O magistrado não tem o poder de autorizá-lo, nem será o médico jungido a fazê-lo, porque ofenderia, por certo, sua consciência e ética profissional O feto, nesses casos, é dotado de vida intra-uterina ou biológica e é, por isso, protegido pelas normas constitucionais e pelo direito natural, O direito civil tutela o nascituro porque há possibilidade de vida (art.4º do Código Civil), daí advindo uma série de conseqüências, principalmente de ordem sucessória. Permitir o aborto eqüivaleria a prática da eutanásia, só que praticada contra um ser em formação, dotado de todas as funções.Não se trata de um ser sem vida. Haveria a distanásia. A Lei 9434/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante, só permite fazê-lo "post mortem” e o transplante deve ser precedido de minucioso exame feito por uma equipe médica cirúrgica que comprove, sem sombra de dúvida, a morte encefálica. Não se argumente com essa lei, porque se trata de caso diverso. Não é o caso dos autos, pois o feto está com vida. A Lei não deu no magistrado o poder divino de determinar o término da vida. Os apologistas do aborto eugênico nasceram, estão todos vivos. Denegada, por maioria, a ordem. Declaração de voto do Des. Carlos Brazil (excertos): Derradeiramente observa-se que a autora deste mandamus, estando grávida e submetida a exame de ultrassonografia com o diagnóstico de uma má formação fetal denominada “anencefalia” ou “ausência da calota craniana” no filho que traz em seu ventre, com provável vida extra-uterina de pouquíssimos dias, pediu a autorização judicial para que seja submetida ao aborto do seu filho, porque se encontra “muito abalada e debilitada com a situação”. (...) A propósito deste julgamento, uma leitora do jornal A NOTÍCIA, nos enviou a sua vivência: "Lendo o jornal A NOTÍCIA e acompanhando a evolução do caso da mãe que quer abortar o seu filho anencéfalo, gostaria de relatar a minha experiência, visto que passei pela mesma situação. Pedro era uma criança muito esperada e amada desde a confirmação da gravidez (era o nosso primeiro filho). No sexto mês de gravidez fiz uma ultra-sonografia e foi constatado que o meu filho sofria de anencefalia e que morreria logo após o nascimento. O médico prontamente quis retirar o meu filho através e uma cesariana para a interrupção da gravidez. Apesar da nossa grande tristeza, ficamos um pouco até indignados por não conseguirmos entender como se pode querer privar alguém que mesmo muito doente e sem esperanças receba o carinho e o amor que não tem medida e é totalmente incondicional que é o amor da mãe pelo seu filho, sendo este saudável ou doente, sem mãos ou com mãos ou mesmo sem um órgão vital. Nas noites que se seguiram lembro-me que chorei muito, mas vendo a minha barriga mexer eu conversava com meu filho e o sentia vivo dentro de mim. Passei, tenho certeza, muito amor e carinho para o Pedro. Eu e o meu marido, a partir daí, passamos a nos preparar para o seu nascimento, que foi na hora em que ele deveria vir. Foi triste por um lado, mas maravilhoso por outro. O meu filho não foi jogado fora numa lata de lixo como um objeto que saiu da fábrica com defeito. Foi registrado e enterrado como um cidadão, que foi de fato. Pedro Couto dos Santos Monteiro viveu 4 dias rodeado por mim e pelo meu marido, o vi fazer xixi, evacuar, chorar, "baubuciar" e morreu segurando em uma das mãos o meu dedo e na outra mão o dedo do pai. Dei para o meu filho o melhor que eu tinha para lhe dar, o direito de nascer e de se sentir muito amado, mesmo que não sendo o filho fisicamente perfeito que todo pai e toda mãe esperam ter".
(...)
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 23 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. É deste quadro que se nos apresenta a determinação para que se faça o aborto, fazendo cessar uma vida. É o emprego da coação para retirar o exercício de direito à vida, e à violência para evitar o exercido do referido direito, máxime se não houver supedâneo jurídico para embasar a determinação feita por um juiz para que se interrompa a vida de um nascituro. O que ocorre neste pedido de Mandado de Segurança é, sem dúvida, a prática de um abuso de direito em face de um nascituro não ouvido, não defendido, a cassação desse dom maior que é a vida. É irrecusável o assertiva de que o direito determina e regulamente a conduta humana antes mesmo do seu nascimento, ao conferir ao nascituro o direito à vida, suprimindo como o atentado contra a sua existência. b.3) Juízo de Direito da 14ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia - Processo n.º 2001.007.69190 Tipo: Autorização para interrupção de gravidez Órgão Julgador: 14ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia Requerente: Rosiane Souza do Nascimento Julgado em 16 de maio de 2001 Relator: Dr. José Machado de Castro Neto, juiz substituto, respondendo pela 14ª Vara Criminal. Sentença (excertos): Na realidade, a ilação que se tira do exame do pedido é que o fundamento da Requerente para o mesmo é a circunstância de que o feto é portador de anormalia que, certamente, levará a morte seu filho pouco tempo após o nascimento, cuidando-se, pois, de aborto eugênico, para o qual não existe autorização na lei, merecendo, pois, o repúdio da Justiça, a quem cumpre o indeclinável dever de assegurar os direitos do nascituro, conforme disposição expressa no Código Civil Brasileiro, entre os quais, evidentemente, está elencado o direito de nascer. A morte é consequência inarredável de quem nasce e, portanto, não pode ser invocada como motivo para justificar o aborto, cuja prática é tida, em regra, como crime. (...) É que se a Justiça passar a autorizar o aborto eugênico na situação do caso em julgamento, amanhã os jurisdicionados poderão bater às portas do Tribunal para exigir autorização, em outras situações como, por exemplo, porque o feto apresenta algum problema que o impossibilitará de ter uma vida tida como normal ou porque a mãe ou pai daquele feto não dispõe de recursos para prover sua manutenção, entre outros casos. (...) Isto posto, rejeito o parecer ministerial e denego o pedido13. Estes são os argumentos utilizados no indeferimento dos pedidos para a prá tica do aborto eugênico, com os quais concordamos plenamente.
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Decisões retiradas do site: http://www.providaanapolis.org.br/jurabeug.htm
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 24 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA.
Considerações Finais Diante dos avanços tecnológicos incorporados à medicina, atualmente, os exames pré-natais podem definir um prognóstico indicando a anomalia do feto como incompatível com a vida. A lei brasileira que regulamenta o aborto está contida em nosso Código Penal, vigente desde 1940. É claro que este código está avesso aos avanços da medicina, pois em 1940 era impossível checar a saúde do feto. Diante disto, torna-se necessária e urgente à revisão do Código Penal. O Código Penal, que incrimina o aborto, consagra duas excludentes de ilicitude para o crime de aborto, independentemente das condições do feto: são os casos em que a gravidez cause perigo de vida para a gestante (aborto necessário) ou se a gestação é decorrente de estupro (aborto sentimental). Notamos que, ao permitir o aborto necessário, o legislador visava preservar um bem entendido como maior: a integridade física da mãe. E, ao permitir o aborto sentimental, visava preservar a integridade psíquica da gestante, o que não lhe causaria perigo de vida. Nesse posicionamento, o legislador desconsiderou totalmente as condições do feto. Ora, se esse posicionamento sempre foi aceito, por que razão não se admitir o aborto no caso em que a anomalia seja devidamente evidenciada e constatada por profissionais habilitados mediante técnicas mais modernas e precisas havendo a certeza da impossibilidade de vida fora do útero materno? Seguindo esse entendimento, podemos notar que a finalidade do legislador de 1940 é totalmente compatível com o que se deseja obter no aborto eugênico, o que se pretende é normalizar algo que já é fato, ou seja, a morte certeira do feto, uma vez que estão presentes anomalias físicas que inviabilizam sua vida extra-uterina. Então, para quê manter algumas atividades fisiológicas que mantém um feto com o diagnóstico morte? O aborto visa impedir a interrupção de um feto viável. Nos casos de malformação ou falta de cérebro, a vida do feto é inviável. E, como sabemos, o atual conceito de morte esclarece que a morte real ocorre com a parada das ondas cerebrais, ou seja, com a morte encefálica. Portanto, não podemos atribuir o conceito de vida a um feto que não tem ou não terá encéfalo, assim, não haverá vida a ser tutelada pelo legislador penal. A Magna Carta, ao tratar de seus direitos e garantias fundamentais, prevê em seu artigo 5.º, inciso II que: “Todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.” (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: 1988. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2000, p. 15.)
FUPAC – FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 25 FACULDADE UNIPAC DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, CIÊNCIAS SOCIAIS, LETRAS E SAÚDE DE UBERLÂNDIA. Seguindo o entendimento desta norma, podemos notar que gestante que opta por interromper a gestação inviável e não consegue êxito perante a norma penal, poderá sofrer grave comprometimento psicológico, sendo comparado a um processo de tortura. Desta atitude, surge a violação de uma norma constitucional, visto que ela garante o direito de ninguém ser submetido à tortura ou tratamento degradante. Destarte, contata-se que a legislação penal do aborto necessita de uma alteração urgente, encontrando respaldo nos princípios e garantias constitucionais. Muitos juízes têm deferido autorizações para a interrupção da gestação de feto inviável baseados nos dogmas constitucionais de que ninguém deverá ser submetido a tratamento desumano. Outros recursos utilizados são o da inexigibilidade de conduta diversa e o da analogia in bonam partem, uma vez que o legislador penal permitiu o aborto independentemente das condições físicas do feto, e o prosseguimento de uma gravidez deste tipo acarreta sérios danos à saúde mental da gestante, comparando–se com o permissivo legal de estado de necessidade. Desta forma, baseando-se nos argumentos médicos, psicológicos e jurídicos evidenciados nesta pesquisa, considera-se perfeitamente legítima a interrupção da gestação de feto inviável. É necessária e urgente a adaptação da norma legal aos avanços da tecnologia médica, tendo em vista o alto grau de confiabilidade dos exames pré-natais, garantindo assim, a todas as gestantes que se deparam com este dilema, o direito de optar pela interrupção ou continuação da gravidez.